2011 Rev Eleicoes Cidadania A3 n3

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1

Ano 3 • n. 3
Teresina-PI – jan./dez. 2011
ISSN 2176-6959
2
3
4

CONSELHO EDITORIAL
Presidente
Des. Haroldo Oliveira Rehem

Vice-Presidente
Dr. Sandro Helano Soares Santiago
TRIBUNAL REGIONAL
Membros
ELEITORAL DO PIAUÍ Dra. Hediane Lima Xavier
Dra. Clícia Marques Nogueira Coêlho
Presidente Dr. Gilberto Guedes Fernandes
Des. Haroldo Oliveira Rehem Dra. Margarete de Castro Coelho
Dr. Cléber de Deus Pereira
Vice-Presidente e Corregedor
Regional Eleitoral COMISSÃO EDITORIAL
Des. José Ribamar Oliveira
Presidente
Juiz Federal Clícia Marques Nogueira Coêlho
Dr. Sandro Helano Soares Santiago
Membros
Juízes De Direito Jovita Maria Gomes Oliveira
Dr. Jorge da Costa Veloso Breno Ponte de Brito
Dr. João Gabriel Furtado Baptista

Juristas SECRETARIA DO TRE-PI


Dr. Agrimar Rodrigues de Araújo
Dr. Valter Ferreira Alencar Pires Rebelo Diretora-Geral
Bela. Silvani Maia Resende Santana
Procurador Regional Eleitoral
Dr. Alexandre Assunção e Silva Secretária Judiciária
Bela. Hediane Lima Xavier
MEMBROS SUPLENTES
Secretário de Administração,
Desembargadores Orçamento e Finanças
Des. Joaquim Dias Santana Filho Bel. Sidnei Antunes Ribeiro
Des. Sebastião Ribeiro Martins
Secretário de Gestão de Pessoas
Juiz Federal Bel. José Alves Siqueira Filho
Dr. Francisco Hélio Campelo Ferreira
Secretário de Tecnologia da Informação
Juízes de Direito Bel. Anderson Cavalcanti de Lima
Dr. Dioclécio Sousa da Silva
Dr. Samuel Mendes de Morais

Juristas
Dr. Luiz Gonzaga Soares Viana Filho Poder Judiciário
Dr. José de Acélio Correia Tribunal Regional Eleitoral do Piauí
Procurador Regional Eleitoral
Dr. Kelston Pinheiro Lages
5

ISSN 2176-6959

Ano 3, Número 3
jan./dez. 2011

Teresina/PI
6

© 2009 Tribunal Regional Eleitoral do Piauí

Praça Des. Edgar Nogueira, S/N


Centro Cívico - Bairro Cabral
CEP: 64000-830 | Teresina – Piauí
Fone: (86) 2107-9700 - Fax: (86) 2107-9664
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Presidente da Comissão Editorial

Revisão
Conselho Editorial

Colaboração técnica
Jovita Maria Gomes Oliveira
Seção de Jurisprudência e Biblioteca

Diagramação, arte final, revisão ortográfica e das normas da ABNT


Idealle Editora e Publicidade Ltda.

Foto da capa
Caio Bruno Silva do Carmo

Impressão e encadernação
Setor de Reprografia / Seção de Comunicação

Tiragem (2012): 600 exemplares

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A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui
violação aos direitos autorais (Lei nº 9.610). As opiniões e os entendimentos
externados nos artigos doutrinários são de inteira e exclusiva responsabilidade
de seus autores, não se confundindo com o adotado pelo Conselho Editorial,
Comissão Editorial ou pela instituição Tribunal Regional Eleitoral do Piauí.

Revista Eleições & Cidadania, Ano 3, n. 3 (jan. /dez. 2011)


Teresina: Tribunal Regional Eleitoral do Piauí, 2012.
1v. ; 22 cm.

Anual
Início: 2009
ISSN : 2176-6959

1.Direito Eleitoral – Periódicos. 2. Jurisprudência – TRE-PI.


I. Brasil. Tribunal Regional Eleitoral (PI).
CDD.341.2805
7

Apresentação

Este Tribunal instituiu a Revista Eleições & Cidadania como


veículo de difusão do conhecimento jurídico, notadamente – mas não
exclusivamente – em matéria eleitoral.

Desta forma, almejamos colaborar para o aperfeiçoamento dos


institutos eleitorais e, em última análise, para o fortalecimento do Regi-
me Democrático brasileiro.

Com efeito, nossa jovem Democracia carece, ainda, de instru-


mentos eficazes de sua defesa, de sorte a consolidar a cultura democrá-
tica, participativa e interessada da sociedade brasileira nos destinos do
País.

Daí a constante revisão e reformulação da legislação eleitoral,


os diuturnos debates e reflexões sobre temas eleitorais e afins, revelan-
do que o Direito Eleitoral se encontra em ininterrupta construção.

Esperamos, portanto, com a instituição da Revista Eleições &


Cidadania, levar à sociedade essa discussão, de modo a estimular a dia-
lética em torno do modelo de regime que desejamos para nós mesmos e
para as gerações futuras.
8

Neste passo, alcançamos a 3ª edição de Eleições & Cidadania,


contendo valorosas contribuições de Magistrados, de Membros do Mi-
nistério Público e da Advocacia Pública e Privada, de Professores e de
Servidores da Justiça Eleitoral.

Boa leitura e bom proveito!

Des. Haroldo Oliveira Rehem


Presidente do TRE-PI
9

SUMÁRIO

Apresentação....................................................................................... 7
Des. Haroldo Oliveira Rehem

I - Doutrina.........................................................................................13

Reflexões em torno do princípio republicano.........................................15


Enrique Ricardo Lewandowski

Captação ilícita de sufrágio - Prevenção e repressão.............................27


Manoel de Sousa Dourado

Os financiamentos de campanhas e o art. 30-A da Lei n.º 9.504/97.............39


Adrian Soares Amorim de Freitas

A prescrição das multas eleitorais administrativas..............................57


Paulo Alves da Silva Paiva

A competência para julgamento das contas.........................................71


Leandro Maciel Nascimento

Representação e partidos políticos.......................................................97


Maria Eugênia Gonçalves Bastos

Razoável duração do processo: Alcance da expressão e critérios


identificadores de sua inobservância - breves comentários ao art.
97-A da Lei das Eleições Brasileira ..................................................119
Julianna Moreira Reis

A gravidade das circunstâncias no abuso de poder eleitoral................145


Marcus Vinícius Furtado Coelho
10

O financiamento de campanhas eleitorais no estado do Piauí em 2010:


Quem bancou quem na campanha de governador?................................151
Cleber de Deus Pereira da Silva e
Rosalina Ferreira Freitas

Repercussão geral no recurso extraordinário e a crise do Supremo


Tribunal Federal..................................................................................167
Esther Maria de Sá Castelo Branco e
Joana Gabriela de Oliveira Ibiapina

80 Anos de Justiça Eleitoral: Perspectiva histórica e desafios


democráticos futuros..........................................................................187
Daniel Carvalho Oliveira Valente

O princípio constitucional da anualidade aplicado ao poder


regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral .....................................211
Fabrício Sousa Feijão

II - Jurisprudência selecionada do TRE-PI...................................229

Acórdão n.º 303157 – Julgado em 21/10/2010 (RCAND.


Novas eleições. Filho de prefeito eleito em 2008, cujo diploma
foi cassado - captação ilícita de sufrágio - Afastamento.
Art. 14, § 7º, cf. Desnecessidade. Peculiaridades do caso.
Impossibilidade fática de renúncia do chefe do poder executivo
municipal no prazo de 6 meses antes do novo pleito. Prevalência
do direito constitucional de ser votado).............................................231

Acórdão n.º 18209 – Julgado em 25/01/2011 (AIJE.


Embargos de declaração. Caráter manifestação protelatório.
Atração da incidência do art. 275, § 4º, do código eleitoral)..................245

Acórdão nº 49928 - Julgado em 23/05/2011 (AIME.


Gravação de conversa feita por terceiro sem conhecimento
dos interlocutores. Ilicitude da prova)................................................307
11

Acórdão n.º 5427192 – Julgado em 31/05/2011 (AIJE. Abuso


de poder econômico. Captação ilícita de sufrágio. Interposta
pessoa. Intensa ligação entre os candidatos beneficiados
e a pessoa que ofereceu as vantagens. Anuência
implícita)...........................................................................................341

Acórdão n.º 12915 – Julgado em 20/06/2011 (RP. Doações.


Recurso. Acima do limite legal. Questão de ordem. Competência.
Juízo. Domicílio eleitoral. Doador).....................................................383

Acórdão n.º 438316 – Julgado em 10/10/2011 (AIME.


Comprovadas demissões de pessoal por motivos eleitorais.
Compra de votos. Enquadramento da captação ilícita de
sufrágio no conceito de corrupção, do art. 14, § 10, Da cf.
Abuso político com conteúdo econômico).........................................395

III - Movimentação processual do TRE-PI - 2011.............................427

Apêndice - A filiação partidária e o sistema FILIAWEB


da Justiça Eleitoral.................................................................................431
Hardy Waldschimidt

Índice alfabético...............................................................................459
12
13

DOUTRINA

“Trata-se de uma atitude diante da vida: o poder deve ser legítimo e limi-
tado; quem não pensa igual a mim não é meu inimigo, mas meu parceiro
na construção de uma sociedade plural; as oportunidades devem ser
iguais para todos; quem se perdeu pelo caminho precisa de ajuda, e não
de desprezo; toda vida fracassada é uma perda para a humanidade. Por
isso mesmo, o Estado, a sociedade e o Direito devem funcionar de modo a
permitir que cada um seja o melhor que possa ser”.

Luís Roberto Barroso


14
15

REFLEXÕES EM TORNO DO
PRINCÍPIO REPUBLICANO

Enrique Ricardo Lewandowski *

Princípio estruturante

Os constituintes de 1988, não por acaso, adotaram a forma


de governo escolhida pelo povo 1891, em substituição à monarquia,
estabelecendo, logo no artigo 1º da Carta Magna, que o Brasil é uma
república. Tratou-se de uma opção deliberada e plena de conseqüências,
expressamente ratificada pela cidadania no plebiscito realizado em 7 de
setembro de 1993, levada a efeito ao mesmo tempo em que definiram
que o Estado teria uma configuração federal e adotaria o regime
democrático.
A se levar em conta a importância da topologia para a
hermenêutica constitucional, não há como deixar de reconhecer que,
quando se adotou a forma republicana de governo, na verdade estava-
se definindo um dos princípios estruturantes de nossa Lei Maior. Com
efeito, o princípio republicano, ao lado dos princípios federativo e
democrático, configura, no dizer da doutrina, o “núcleo essencial da
Constituição”,1 visto que lhe garante uma determinada identidade e
estrutura.
Os princípios constitucionais, longe de configurarem meras
recomendações de caráter moral ou ético, consubstanciam regras
jurídicas de caráter prescritivo, hierarquicamente superiores às demais
e “positivamente vinculantes”.2 A sua inobservância, ao contrário do
que muitos pregavam até recentemente, atribuindo-lhes uma natureza
apenas programática, deflagra sempre uma conseqüência jurídica, de
maneira compatível com a carga de normatividade que encerram.

*
O autor é Ministro do Supremo Tribunal Federal, Presidente do Tribunal Superior
Eleitoral e Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
1
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Almedina, 1992. p. 349.
2
ibidem. p. 352.
16 Revista Eleições & Cidadania

Independentemente da preeminência que ostentam no âmbito


do sistema ou da abrangência de seu impacto sobre a ordem legal, os
princípios constitucionais, como se reconhece atualmente, são sempre
dotados de eficácia, cuja materialização pode ser cobrada judicialmente
se necessário. Sua eficácia, porém, varia segundo o grau de abstração
ou generalidade que apresentam, podendo, conforme o caso, atribuir
diretamente a alguém um direito subjetivo, estabelecer um padrão de
interpretação a partir de uma hierarquia de valores, autorizar a invalidação
de regras ou atos que lhes sejam contrários ou ainda impedir a revogação
de normas que frustrem a materialização dos fins neles apontados.3
O princípio republicano, embora de caráter fundamental,
apresenta “larga abertura e baixa densidade”,4 fazendo-se necessário,
para conferir-lhe maior concreção, estudá-lo à luz de uma perspectiva
histórica, de maneira a identificar suas características essenciais,
moldadas ao longo de mais de dois milênios de elaboração doutrinária
e prática política, bem como confrontá-lo com outros princípios e
subprincípios que dele decorrem.

Res publica, res populi


De Roma antiga, onde república identificava algo que a pertencia
a todos (res publica) ou ao povo (res populi), até os dias atuais, o
conceito sofreu uma longa evolução, embora tenha conservado, em
linhas gerais, os fundamentos axiológicos que lhe deram origem.
Instituída pelos romanos, no início do século V a. C., a partir da
superação da realeza, a república encerra a idéia de coisa comum, de
um bem pertencente à coletividade, correspondendo em linhas gerais à
antiga noção grega de politeia, regime em que os cidadãos participavam
ativamente da gestão da polis. Opõe-se às demais formas de governo, a
exemplo da monarquia, na qual se realça o conceito de mando, ou seja,
de archia, derivado archein, que significa comandar, chefiar.5

3
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 377-379.
4
ESPÍNDOLA, Rui Samuel. Princípios constitucionais e atividade jurídico-administrativa.
In: LEITE, George Salomão (Org.). Dos princípios constitucionais: considerações em
torno das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 265.
5
Cf. verbete “República”. In: BOBBIO, Norberto et al.. Dicionário de política.
Brasília: Editora da Universidade Brasília, 1991.
Doutrina 17

Cícero definiu-a como a “coisa do povo, considerada tal, não


todos os homens de qualquer modo congregados, mas a reunião que
tem seu fundamento no consentimento jurídico e na utilidade comum”.6
A república, portanto, para o pensador romano, não era uma mera
multidão de pessoas reunidas sob uma determinada autoridade, mas
uma comunidade de interesses organizada sob a égide da lei.
Maquiavel, embora paradoxalmente tenha defendido o exercício
de um poder sem limites por parte do príncipe, retomou, séculos depois,
o conceito original de república, com base nos clássicos da antiguidade.7
Na verdade, não apenas ele, mas também os demais republicanos
do cinquecento, para os quais a idéia de liberdade, balizada pela lei
comum, constituía um dos eixos em torno qual girava o “humanismo
cívico” que praticavam.8
Nem sempre, porém, ao longo da História, o termo república
teve o mesmo significado. Na Idade Média, as palavras res publica,
imperium, regnum e civitas eram empregadas indistintamente para
designar aquilo que hoje se entende por Estado (stato), expressão que
só tornou-se corrente a partir do século XVI.9 Mesmo depois de findo
o medievo, não se atribuiu à palavra qualquer significado especial,
lembrando-se que Bodin associou-a ao exercício de um poder absoluto
e perpétuo, que denominou de “soberano”.10

Liberdade, igualdade e legalidade

A concepção romana de república foi resgatada, no século


XVIII, por Rousseau, para quem ela correspondia a um “Estado regido
pelas leis, qualquer que seja a sua forma de administração”, aduzindo
que “só então o interesse público governa e a coisa pública é alguma
coisa”.11

6
De República, I, 25.
7
V. especialmente Il Principe e Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio.
8
Cf. BIGNOTO, Newton. Maquiavel republicano. São Paulo: Loyola, 1991. p. 57.
9
Cf. JELLINEK, George. Teoria general del estado. Buenos Aires: Albatros, 1973. p. 99.
10
Les six lives de la république, I, 8.
11
Du Contrat Social, II, 6.
18 Revista Eleições & Cidadania

O pensador genebrino, ademais, desenvolveu a idéia de que


as leis procedem da vontade geral, derivada do contrato social, sem
conhecer quaisquer restrições (Quidquid populi placuit legis habet
vigorem).12
Mas a maior contribuição de Rousseau para o conceito moderno
de república foi, sem dúvida, a afirmação da igualdade essencial
dos cidadãos, visto que o contrato, sobre o qual se assenta o Estado,
coloca todos sob idênticas condições, fazendo com que tenham os
mesmos direitos.13 Também a liberdade, para o autor, decorre do pacto
fundamental, na medida em que somente aos que o integram compete
editar normas de convivência social.14
Coerentemente com essas idéias, Rousseau concluía que os
cidadãos para fazer as leis exprimem sua vontade de forma direta,
sem qualquer intermediação, rejeitando, assim, a possibilidade de
representação, razão pela qual reduzia os deputados a meros comissários
do povo, “que não estão aptos a decidir definitivamente”.15
Kant, seu contemporâneo, embora entendendo também que
a res publica latius sic dicta constitui “uma forma de união criada
pelo interesse comum de todos os que vivem sob o império da lei”,16
divergia da concepção rousseaniana da participação direta dos cidadãos
no governo, explicando que uma verdadeira república “é e não pode
deixar de ser um sistema representativo, no qual os direitos do povo
são custodiados por deputados que representam a vontade unificada dos
cidadãos”.17

Eletividade, temporariedade e responsabilidade

No Novo Mundo a tese segundo a qual a representação popular


configura o cerne de um governo republicano dominou o pensamento
político.

12
Cf. JOUVENEL, Bertrand de. De la souveraineté: a la recherche du bien politique. Paris:
Gánin, 1995. p. 216
13
Rousseau, op. cit., loc. cit.
14
Idem, ibidem.
15
Idem, III, 6.
16
Die Methaphysik der Sitten, II, § 43.
17
Idem, II, § 52.
Doutrina 19

Madison, cujos escritos, ao lado dos de Hamilton e Jay,


contribuíram decisivamente para moldar o arcabouço institucional dos
Estados Unidos, assinalava que uma república consiste num “governo
que deriva os seus poderes direta ou indiretamente do povo, e é
administrado por pessoas que se mantém nos respectivos cargos, por
um período limitado, ao arbítrio daquele, ou enquanto bem servirem”,
associando também à noção o princípio da separação dos poderes
desenvolvido por Montesquieu como instrumento de contenção do
arbítrio dos agentes estatais.18
No Brasil, o ideal republicano inspirou, ainda que de forma
difusa e inarticulada, grande parte das revoltas e insurreições deflagradas
desde os fins do século XVIII e no decorrer da primeira parte da
centúria seguinte, que pretendiam instituir governos independentes e
republicanos. Mas o ambiente político somente tornou-se propício à
derrubada do regime monárquico depois da segunda metade do século
XIX, quando “um bando de idéias novas agita o País e dá-lhe novas
diretrizes”.19
Com efeito, nessa quadra histórica, o naturalismo, o
evolucionismo e o positivismo passaram a influenciar as convicções
da elite pensante, sobretudo dos profissionais liberais e da oficialidade
militar, ensejando uma tomada de posição crítica, impregnada de
laicismo, com relação às instituições políticas então vigentes. Por toda
a parte cresciam os ataques à monarquia e às suas tradições, em especial
ao “poder moderador”, prerrogativa constitucional que permitia
ao Imperador interferir nos demais poderes, tida como a “tirania da
coroa”.20
Deposto D. Pedro II, em 15 de novembro de 1889, por um
golpe militar liderado pelo Marechal Deodoro de Fonseca, a imprensa,
interpretando o sentimento dos insurgentes e seus adeptos, no mesmo
dia registrava que o Brasil, com o fim do ancien régime, ingressou numa
nova fase, “passando a regime francamente democrático com todas as
conseqüências da liberdade”.21

18
The Federalist, 39 e 47.
19
COSTA, Cruz. Pequena história da República. 3. ed. São Paulo: Civilização Brasileira, 1974, p. 25.
20
Idem, p. 27.
21
COSTA, op. cit., p. 43
20 Revista Eleições & Cidadania

Os mentores das instituições republicanas no Brasil não


alimentavam maiores dúvidas sobre o seu significado. Rui Barbosa,
um dos principais artífices da nova ordem, tomando emprestadas as
palavras do constitucionalista norte-americano Campell Black, definia
a república como um governo “do povo, para o povo e pelo povo”, que
se apoia na igualdade política dos homens.22
Os especialistas contemporâneos não se afastam muito desse
conceito quando assinalam que “república é o regime político em que os
exercentes das funções políticas (executivas e legislativas) representam
o povo e decidem em seu nome, fazendo-o com responsabilidade,
eletivamente e mediante mandatos renováveis periodicamente”.23 As
características essenciais dessa forma de governo são, pois, a eletividade,
a temporariedade e a responsabilidade dos governantes.
É interessante reparar que a monarquia, como forma de governo
oposta à república, ostenta características diametralmente contrárias,
quais sejam, a vitaliciedade, a hereditariedade e a irresponsabilidade.24
Em outras palavras, o monarca governa “enquanto viver ou enquanto
tiver condições de governar”, procedendo-se à sua escolha “pela
simples verificação da linha de sucessão”, não devendo “explicações
ao povo ou a qualquer órgão sobre os motivos pelos quais adotou certa
orientação política”.25
Nesse sentido, sob a égide da Constituição de 1824, a pessoa
do Imperador era “inviolável e sagrada”, em contraste com as cartas
republicanas que a ela se seguiram, nas quais, sem exceção, previu-se
que o Chefe de Estado pode perder o mandato pela prática de crime de
responsabilidade, sem prejuízo de outras sanções. Essa pena, em nosso
ordenamento legal, não é privativa do supremo mandatário da nação,
aplicando-se também a todos os representantes eleitos, que são afastados
das respectivas funções, assim como os demais servidores estatais,
consonância com os postulados da accountability e da responsivenes,

22
PIRES, Homero (Org.) Rui Barbosa: teoria política. Rio de Janeiro: Jackson E d i t o r e s ,
1950. p. 48.
23
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. p. IX.
24
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 1991. p. 191.
25
Idem, ibidem.
Doutrina 21

caso pratiquem atos incompatíveis com o múnus público que lhes é


cometido.

Representação e participação popular

Numa república, os governantes, escolhidos pelo povo, são


responsáveis diante dele pela gestão dos negócios públicos. Não
exercem o poder por direito próprio, constituindo meros mandatários
dos cidadãos. Nessa forma de governo, impera a soberania popular, que
encontra expressão por meio de representantes eleitos, distinguindo-se
dos regimes despóticos nos quais o povo não tem qualquer ação sobre
os governantes, ao mesmo tempo em que se aparta das formas diretas
de participação popular, em que os cidadãos governam por si mesmos.26
A legitimidade dos representantes do povo radica em eleições
que têm como base o sufrágio geral, igual, direto e secreto, que
caracteriza, segundo alguns, a própria ratio essendi da república.27
Para dar-lhe concreção, impõe-se estender o direito de votar a todos
os cidadãos, com exclusão apenas daqueles que não preencham os
requisitos da capacidade, vedada qualquer restrição baseada em sexo,
raça, rendimento, instrução, ideologia etc.
Exige-se, por outro lado, que todos os votos tenham a mesma
eficácia jurídica, ou seja, o mesmo valor de resultado. O voto há de ter
também imediatidade, isto é, deve defluir diretamente da vontade do
eleitor, sem intermediação de quem quer que seja e livre de pressões
de qualquer espécie. Além disso, o voto pressupõe não apenas a
pessoalidade de seu exercício, como também a ausência de qualquer
possibilidade de identificação do eleitor. Finalmente o voto precisa
ser renovado periodicamente, de modo a assegurar a alternância dos
representantes no poder.
O sistema representativo pressupõe ainda a existência de
mecanismos que estabeleçam o predomínio da vontade da maioria, com
a garantia de que as minorias encontrem expressão no plano político.

26
Cf. MAHLBERG, Carré de. Contribution a la theorie génerale de l’état. Paris: Sirey, 1992.
tomo II, p. 202.
27
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed.
Coimbra: Almedina, 1999. p. 159.
22 Revista Eleições & Cidadania

Para tanto, há que se assegurar não apenas o pluripartidarismo, como


também a mais ampla liberdade de opinião, de reunião e de associação,
além de outras franquias pertinentes.
Mas a participação popular atualmente não ocorre mais apenas a
partir do indivíduo, do cidadão isolado, ente privilegiado e até endeusado
pelas instituições político-jurídicas do liberalismo. O final do século XX
e o século XXI certamente entrarão para a História como épocas em que
o indivíduo se eclipsa, surgindo em seu lugar as associações, protegidas
constitucionalmente, que se multiplicam nas chamadas “organizações
não-governamentais”.
Esse fato, aliado às deficiências da representação política
tradicional, deu origem a alguns institutos, que diminuem a distância
entre os cidadãos e o poder, com destaque para o plebiscito, o referendo,
a iniciativa legislativa, o veto popular e o recall, dos quais os três
primeiros foram incorporados à nossa Constituição (artigo 14, I, II e
III).

Direitos e deveres

Na república romana, os cidadãos de pleno direito (optimo jure),


em oposição aos estrangeiros (peregrini), eram detentores de direitos
políticos (jura politica), que compreendiam o voto nos comícios, a
elegibilidade para as magistraturas, o acesso ao sacerdócio e faculdade
de apelar quando processados.28 Também gozavam de direitos civis
(jura privata), que incluíam a propriedade, o casamento entre iguais e
a possibilidade de demandar na justiça.29 Em contrapartida, sujeitavam-
se a obrigações (munera), com destaque para o dever de participar
do recenseamento (census), de servir no exército (militia) e de pagar
imposto (tributum).30
A idéia moderna de república, a partir da Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembléia francesa 1789,
encontra-se indissoluvelmente ligada à idéia de que os indivíduos são
titulares de direitos em face do Estado, em especial à vida, à liberdade,

28
LANÇON, Bertrand. O estado romano: catorze séculos de modelos políticos. Sintra:
Europa-América, 2003. p. 26.
29
Idem, ibidem.
30
Idem, ibidem.
Doutrina 23

à propriedade e à participação política. Isso porque, com as revoluções


liberais-burguesas, a relação entre governantes e governados passou a
ser entrevista mais ex parte populi, do ponto de vista dos cidadãos, do
que ex parte principis, da perspectiva dos detentores do poder.31
Mais tarde, com a Revolução Industrial e as lutas operárias
desencadeadas em seu bojo, surgiram os chamados “direitos sociais”,
tais como o direito ao trabalho, à saúde e à educação, que passaram a
integrar as constituições promulgadas a partir de então, ao lado dos
direitos civis e políticos, que já faziam parte das cartas magnas surgidas
em conseqüência da derrocada do absolutismo monárquico, além de
uma nova geração de direitos, desenvolvidos em meados do século
passado, no contexto de um mundo globalizado, aos quais se denominou
de “direitos de solidariedade ou fraternidade”, com destaque para a
proteção do meio ambiente.
Essas considerações, porém, não arredam a questão básica,
sempre recorrente na teoria política, relativa à political obligation, quer
dizer, aos deveres dos cidadãos em face do Estado e da sociedade. Com
efeito, se as pessoas numa república são titulares de direitos, hão de ter
também, em contrapartida, obrigações para com a comunidade, como
ocorria em Roma antiga,32 ou, mais recentemente, na Alemanha sob a
Constituição de Weimar, que enunciava um rol de deveres fundamentais.
Mas ainda que hoje os textos constitucionais, como regra,
não façam menção a obrigações, é possível deduzi-los a partir da
multisecular tradição republicana, a exemplo do dever de tolerância, de
solidariedade, de respeitar os outros, de superar o egoísmo pessoal, de
defender a liberdade, de observar os direitos das pessoas e de servir o
bem comum.33 São deveres que Puffendorf, já no século XVII, fazendo
eco a conhecida máxima romana,34 resumia nos seguintes: “viver em
paz e amizade com seus concidadãos; ser cortês e obsequioso; não
causar problemas nem criar dificuldades por obstinação; não desejar ou
subtrair a propriedade de outrem”.35

31
Cf. BOBBIO, Noberto; VIROLI, Maurizio. Diálogo em torno da República: os grandes
temas da política e da cidadania. Rio de Janeiro: Campus, 2002. p. 52.
32
Cícero as estuda sistematicamente em seu De Officiis.
33
Cf. BOBBIO; VIROLI. op. cit., p. 46-50.
34
Juris praecepta sunt haec: honeste vivere, neminem laedere, jus suum cuique tribuere.
35
Samuel Pufendorf, De oficcio hominis et civis juxta legem naturalem libri duo, II, 18.
24 Revista Eleições & Cidadania

Republicanismo e virtude cívica


Um dos aspectos mais importantes da obra de Maquiavel, e
nem sempre bem compreendido, é o destaque que empresta à noção
de virtù, inspirada na virtude cívica dos antigos romanos (vir virtutis),
que não mediam sacrifícios em prol do bem comum.36 Para o pensador
florentino, os Estados nos quais a virtù declina tornam-se presas fáceis
da fortuna, de desfecho incerto, quando as circunstâncias lhes são
adversas.37
“É nessa hora - lembra um intérprete de seu pensamento - que as
repúblicas, fruto de uma adesão dos homens a um desejo de liberdade
e às instituições que as exprimem, revelam-se muito mais fortes para
resistir aos ataques do tempo”.38 Isso porque, sem cidadãos “capazes de
resistir contra os arrogantes, servir ao bem público, a república morre,
torna-se um lugar em que alguns dominam e outros servem”.39
Atualmente, a virtude cívica, como já se afirmou, constitui
uma característica dos homens e mulheres que “desejam viver com
dignidade e, porque sabem que não podem viver com dignidade em
uma comunidade corrupta, fazem o que podem, quando podem, para
servir à liberdade comum”, levando-os a repudiar a prevaricação, a
discriminação, a corrupção, a arrogância e a vulgaridade.40
Alguns agem estimulados por um senso moral mais desenvolvido
ou por um sentimento de decência e decoro mais aguçado, outros se
vêem impelidos por uma série de interesses legítimos, outros ainda
encontram motivação no desejo de obter a estima ou o reconhecimento
social, não sendo raro que tais razões atuem de forma combinada,
reforçando-se reciprocamente.41

República e Constituição

O princípio republicano, entre nós, representa a viga mestra


do “sentimento constitucional” (Verfassungsgefüll) a que se refere

36
Cf. especialmente Il Principe, XXV e XXVI.
37
Cf. BIGNOTO, Newton, op. cit., p. 152.
38
Idem, ibidem.
39
Cf. BOBBIO; VIROLI. op. cit., p. 16.
40
Idem, op. cit., p. 17.
41
Idem, ibidem.
Doutrina 25

a doutrina alemã, ou seja, de um estado de espírito coletivo que,


[…]
transcendendo todos os antagonismos e tensões existentes,
político-partidárias, econômico-sociais, religiosas ou de outro
tipo, integra os detentores e destinatários do poder num marco de
uma ordem comunitária obrigatória.42

A Constituição de 1988, com o seu núcleo republicano, derivou


de um sentimento de repulsa ao regime de exceção imposto pelos
governos militares, bem como de repúdio ao passado histórico de
autoritarismo político e de exclusão social, consubstanciando um projeto
de desenvolvimento nacional que busca a superação das desigualdades,
a efetivação dos direitos fundamentais e a consolidação da democracia.
Por essa razão, o princípio republicano, na sistemática
constitucional vigente, não se resume apenas à eleição dos representantes
do povo, por um mandato renovável periodicamente (artigos 27, § 1°,
28, 29, I e II, e 82), mas implica também a igualdade de acesso dos
cidadãos aos cargos públicos, eletivos ou não, preenchidos os requisitos
legais (artigos 14, § 3°, e 37, I), além de contemplar a progressiva
superação das causas da pobreza e dos fatores de marginalização,
simultaneamente à supressão dos privilégios de todo o gênero (artigos
1º, I e II, 3º, I, III e IV, 5°, 6º, 7º; 23, X , e 170, VII) .
Mas ao lado dessas franquias, o constituinte criou também
mecanismos de defesa que protegem as instituições contra ataques
potencialmente destrutivos, estabelecendo condições e restrições ao
exercício da cidadania, que limitam ou até mesmo suprimem o direito
do cidadão de participar do processo eleitoral ou de exercer funções
públicas. Nesse sentido, para que alguém concorra a um cargo eletivo,
é preciso que, de um lado, satisfaça as condições de elegibilidade e, de
outro, não incorra nas causas de inelegibilidade, listadas no próprio texto
constitucional, com o escopo de proteger a probidade administrativa e a
moralidade para o exercício do mandato (artigo 14, § 9).
A Constituição vinculou ainda a atuação dos servidores do Estado
à observância dos cânones da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência (artigo 37), significando que devem exercer suas
42
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Contitución. 2. ed. Barcelona: Editorial Ariel, 1976. p. 200.
26 Revista Eleições & Cidadania

funções, de forma lícita, imparcial, produtiva e transparente, visando


exclusivamente ao interesse público e não à satisfação de desígnios
particulares. Em defesa desses postulados estabeleceu que a prática de
atos de improbidade administrativa importa a suspensão dos direitos
políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o
ressarcimento ao erário, nos termos da lei (artigo 15, V; e 37, § 4º).
Ademais, atribuiu a qualquer cidadão o direito de ajuizar ação
popular para anular ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural
(art. 5º, LXXIII) - âmbito de interesses correspondente hoje à esfera
de valores compreendida pela res publica dos antigos romanos --,
tarefa também cometida supletivamente ao Parquet (art.129, II), cujas
funções institucionais foram sobremaneira ampliadas pelo legislador
constitucional.
Por fim, cumpre notar que, se todo princípio constitui um
“mandamento de otimização”, ou seja, um preceito que determina “que
algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades
jurídicas e fáticas existentes”,43 forçoso é concluir que o princípio
republicano, enquanto complexo axiológico-normativo situado no
ápice de nossa hierarquia constitucional, deve ser expandido em sua
extensão máxima, afastando nesse processo todas os princípios, regras
e atos que lhe sejam contrários. Convém lembrar, todavia, que a força
imperativa desse princípio será tanto maior quanto mais elevado for
o grau de maturidade cívica dos cidadãos, e quanto mais conscientes
estejam de que são titulares não só de direitos, mas também de deveres
em face da coletividade.

43
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios
Políticos y Constitucionales, 2002. p. 86.
Doutrina 27

CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO –


PREVENÇÃO E REPRESSÃO

Manoel de Sousa Dourado *

Resumo

O presente artigo diz respeito ao estudo sobre captação ilícita de sufrágio,


bem como sobre as formas como esta irregularidade vem ocorrendo nos
dias hodiernos. Este estudo faz uma análise simplificada das condutas
que podem ser caracterizadas como captação regular de sufrágio e
as que configuram a captação ilícita, onde exponho de forma sucinta
o meu entendimento sobre o tema, destacando os posicionamentos
doutrinários e jurisprudenciais mais recentes e concluindo que, sozinhas,
as ações eleitorais não são suficientes para alcançar os objetivos de
reprimir ou prevenir as práticas nefastas de captação ilícita de sufrágio.
Há a necessidade da conscientização dos eleitores no sentido de que
uma sociedade livre só é alcançada pelo exercício do voto com base
na escolha de candidatos em razão de suas propostas de melhoria
comum. Conquanto, isso apenas seria possível com o aumento do
nível intelectual dos eleitores, por meio de investimentos na educação,
sobretudo no aspecto moral e cívico. A partir daí teríamos profundas
mudanças no cenário atual.

PALAVRAS-CHAVE: Ilícito. Prevenção. Repressão.

*
Juiz Membro da Corte Eleitoral do TRE-PI - Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. End.
residencial: Rua Alzira Pedroza, 575, apto. 1002, ed. Casablanca, bairro Noivos, Teresina-PI
End. Profissional: Praça Desembargador Edgard Nogueira, S/N, Centro Cívico, Teresina-
PI - Email: douramanoel@hotmail.com - Telefone: 2107-9847
28 Revista Eleições & Cidadania

Introdução
O presente artigo tem como objetivo a explanação de forma
direta e sucinta sobre a captação ilícita de sufrágio, corroborada com a
citação de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais mais recentes.
Trarei conceitos sobre captação de sufrágio, sob a forma regular ou
irregular, e como elas se apresentam nos dias atuais. Em seguida enfatizo
a maneira como a captação ilícita de sufrágio vem sendo reprimida.
Por fim, apontarei a minha opinião acerca da maneira mais
eficaz de prevenir a captação ilícita de sufrágio.

Captação ilícita de sufrágio

Sufrágio, como bem orienta José Jairo Gomes (2011, p. 41),

[...] é a essência dos direitos políticos, porquanto enseja a


participação popular no governo, sendo este o responsável
pela condução do Estado. Apresenta duas dimensões: uma
ativa, outra passiva. A primeira é a capacidade eleitoral ativa
– ou cidadania ativa – e significa o direito de votar, de eleger
representantes. A segunda é a capacidade eletiva passiva – jus
honorum ou cidadania passiva – e significa o direito de ser
votado, de ser eleito, de ser escolhido em processo eleitoral.

O professor Francisco de Assis Vieira Sanseverino (2010, p. 35) destaca:

O direito de voto, como um dos direitos políticos fundamentais,


como expressão da soberania popular, decorre diretamente
da CF em desdobramento dos Princípios Fundamentais –
o Princípio Democrático e o Princípio Republicano (art.
14, § 1º, I e II) -, o que já indica sua relevância no direito
constitucional brasileiro. A própria CF estabelece o reforço
de sua proteção de forma expressa, como limite material ao
poder de reforma (art. 60, § 4º, II).

Assim sendo, a captação regular de sufrágio é aquela conduzida


dentro dos limites impostos para a disputa eleitoral. É a conduta natural
dos candidatos durante a campanha eleitoral, compreendida como a livre
exposição de ideias, dos planos de gestão, da maneira como cada candidato,
Doutrina 29

ao ser eleito, pretende conduzir o exercício do seu mandato político. Entre


estas ideias estão incluídas até as famosas promessas de campanha, desde
que dirigidas ao bem da sociedade como um todo, de forma difusa.
Neste sentido, também, os ensinamentos de Marcos Ramayana
(2008, p. 432):

Não são alvos da captação ilícita de sufrágio promessas de


melhorias em educação, cultura, lazer etc. O que a lei pune é
a artimanha, o “toma lá dá cá”, a vantagem pessoal de obter
voto. O pedido certo, determinado e específico faz parte da
petição inicial e deve ser cotejado sob a ótica da pessoalidade,
do clientelismo e do amesquinhamento do voto.

Por sua vez, como se pode notar, a captação ilícita de votos


constitui-se na ação dolosamente praticada por candidato, tendente a
dar, prometer, solicitar ou receber vantagem de caráter pessoal a eleitor,
com o fim, implícito ou explícito, de obter-lhe o voto.
Eis o que estabelece o art. 41-A da Lei nº 9.504/97, adicionado
pela Lei nº 9.840, de 28 de setembro de 1999:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos,


constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o
candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor,
com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal
de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública,
desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive,
sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do
registro ou do diploma, observado o procedimento previsto
no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.
§ 1o Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário
o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo,
consistente no especial fim de agir.
§ 2o As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem
praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o
fim de obter-lhe o voto.
§ 3o A representação contra as condutas vedadas no caput poderá
ser ajuizada até a data da diplomação.
§ 4o O prazo de recurso contra decisões proferidas com base
neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação
do julgamento no Diário Oficial.
Portanto, da simples leitura da norma contida no artigo acima
30 Revista Eleições & Cidadania

citado, extrai-se que não estão abrangidas as promessas de campanha


realizadas de forma geral e indiscriminada, como bem ensina Adriano
Soares da Costa (2008, p. 208):

A vantagem que constitui captação ilícita de sufrágio é aquela


que não é coletiva (ou seja, que não é outorgada a um número
indeterminado de pessoas) e que visa cooptar o voto de um eleitor
específico, individualizado, e não o de uma comunidade difusa.
Se a vantagem outorgada transcender a pessoas determinadas,
específicas, não haverá captação ilícita de sufrágio. Além disso,
ainda que as pessoas sejam determináveis ou determinadas, é
necessário que a vantagem seja individualmente usufruída, não
as beneficiando coletivamente. Nessa segunda hipótese, em que
a vantagem ofertada ou efetivamente dada não tem natureza
pessoal, poder-se-á estar diante de abuso de poder econômico, a
depender da probabilidade que tenha para influenciar o resultado
do pleito (relação causalidade). O Acórdão nº 19.176, de
16.10.2001 (rel. Ministro Sepúlveda Pertencente, in: Informativo
TSE – Ano IV – nº05, 04 a 10 de março de 2002, p. 07 et seq.)
trouxe alguns delineamentos nesse sentido : “[...] II – Captação
ilícita de sufrágios, objeto do art. 41–A da Lei nº 9.504/97, o
fato, documentado no ‘protocolo de intenções’ questionado
no caso firmado entre os representantes de diversas igrejas de
determinado município – travestidos de membros do conselho
ético de um partido político – e certos candidatos a perfeito e
vice-prefeito que formalmente se comprometem, se eleitos,
ao atendimento de reivindicações imputadas à ‘comunidade
evangélica ’ e explicitadas no instrumento, entre elas, a doação
de um imóvel do patrimônio municipal, se não voltadas as
promessas a satisfazer interesses individuais privados”.
Nesse sentido, o Professor Francisco de Assis Vieira Sanseverino
(2010, p. 252) apresenta texto esclarecedor:

Com efeito, para o enquadramento da conduta no art. 41-A, deve


haver a compra ou negociação do voto do eleitor, com promessas
de vantagens mais específicas, de forma a corromper o eleitor. Já
as promessas de campanha eleitoral, embora também dirigidas
aos eleitores e com nítida finalidade de obter os seus votos, têm
caráter mais genérico. Por exemplo, as promessas, formuladas
através de planos de governo, para construção de hospital, escola,
igreja, ponte, ruas, obras públicas, ou a criação ou manutenção
de benefícios, e outras. Entretanto, impõe-se ressalvar que a
Doutrina 31

promessa pode ser formulada desde que não condicionadas à


obtenção do voto do eleitor, de modo a corromper o eleitor.
Oportuna, ainda, é a orientação de José Jairo Gomes (2011, p. 500):

Quanto à natureza, o bem ou a vantagem há de ser “pessoal”,


ainda que a oferta seja pública ou coletiva. Deve referir-se a
prestação situada na esfera privada do eleitor, de sorte a carrear-
lhe benefício individual. Mas a exegese dessa cláusula é algo
alargada. Assim, por exemplo, se candidato fizer promessa
– em troca de voto – de fornecer material de construção a
parente ou familiar de alguém, estará configurada a situação
fática prevista no artigo 41-A da LE. O benefício aí é indireto.

De forma bastante clara, também é o entendimento de Marcos


Ramayana (2008, p. 432):

O resultado danoso na captação ilícita é exatamente


manifestado na conduta do candidato infrator, ou seja,
o candidato, ao captar sufrágio ilicitamente, vale-se de
expediente desautorizado pela ordem jurídica eleitoral,
v.g., distribuir remédios, dentaduras, tijolos, sapatos etc.,
em troca de votos. Negocia os votos com o cidadão e causa
danos ao processo eleitoral e à democracia. A conduta do
agente (candidato) é dolosa, intencional e geradora de uma
responsabilidade com conseqüências penais e eleitorais,
especialmente por abalar, em sua razão de ser, a normalidade
e legitimidade das eleições com a finalidade especial de obter
o voto do eleitor.

É importante frisar que o legislador preocupou-se, também, em


delimitar o período dentro do qual a ocorrência da referida conduta
será tipificada como captação ilícita de sufrágio (§ 3o do art. 41-A da
Lei 9.504/97), definindo como termo inicial o registro de candidatura,
assim entendido pela jurisprudência como a data em que ele é requerido
e não a do seu deferimento, e como termo final a realização do pleito.
É assente no mundo jurídico, também, que para a caracterização
da captação ilícita de sufrágio é indispensável a presença de provas
robustas dos atos que a configuram, e não de vagos indícios e presunções.
Sobre o assunto, transcrevo recente jurisprudência do TSE e do TRE-PI:
32 Revista Eleições & Cidadania

RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. CAPTAÇÃO


ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97.
PROVA ROBUSTA. INEXISTÊNCIA. PROVIMENTO.
1. Para caracterizar a captação ilícita de sufrágio, exige-se
prova robusta de pelo menos uma das condutas previstas no
art. 41-A da Lei nº 9.504/97, da finalidade de obter o voto do
eleitor e da participação ou anuência do candidato beneficiado,
o que não se verifica na espécie.
2. Recursos especiais eleitorais providos.
(Respe nº 36335/AC, Rel. Min. Aldir Guimarães Passarinho
Junior, DJE de 21/03/2011)
RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL
ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. CANDIDATO A
PREFEITO E VICE-PREFEITO. INOVAÇÃO RECURSAL.
SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO-CONHECIMENTO.
ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO
ILÍCITA DE SUFRÁGIO. IMPROCEDÊNCIA. PEDIDO
DE REFORMA DE DECISÃO. DAS PRELIMINARES
DE ILEGITIMIDADE DA PARTE E DE CARÊNCIA
DA AÇÃO POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO
PEDIDO. REJEITADAS. MÉRITO. FALTA DE PROVAS
ROBUSTAS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA A QUO.
DESPROVIMENTO.
– A tese que a parte sequer submete ao crivo da instância a
quo não pode ser apreciada em sede recursal, sob pena de
flagrante supressão de instância.
– A procedência da Ação de Investigação Judicial Eleitoral
demanda prova robusta, o que não se verifica no caso em
exame.
– Recurso desprovido.
(Acórdão TRE-PI nº 10062 de 21/03/2011, Rel. Dr. Manoel de
Sousa Dourado)

Em outro contexto, observo que, na contramão do indispensável


a evitar a captação ilícita de sufrágio, está o direito à reeleição. Explico.
O art. 14, § 7º, da Constituição Federal, dispõe que:

§ 7º - São inelegíveis, no território de jurisdição do titular,


o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o
segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de
Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de
Doutrina 33

Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses


anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e
candidato à reeleição.

É o que a doutrina chama de “inelegibilidade reflexa”, por tratar de


circunstâncias inerentes a pessoas diversas daquele que ocupa o cargo público.
Importante citar a seguinte passagem de Omar Chamon (2011,
p. 70) na obra Direito Eleitoral:

Os parentes do Chefe do Executivo, ou de quem o substituiu,


até o segundo grau, afins e adotivos, são inelegíveis dentro
da circunscrição correspondente. [...] Sob outra ótica, outros
juristas atentam para a finalidade do preceito, Isto é, evitar
o continuísmo político de famílias poderosas. O constituinte
quis evitar a permanência de clãs políticos no poder.

Ora, se a finalidade da norma é realmente evitar o continuísmo


de pessoas da mesma família no poder, então o legislador não tomou o
mesmo cuidado ao permitir a reeleição nos termos do art. 14, § 5º, da
CF/88.
O fato é que a redação original do art. 14, § 5º, da CF/88,
dispunha que

§5º São inelegíveis para os mesmos cargos, no período


subsequente, o Presidente da República, os Governadores de
Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver
sucedido, ou substituído nos seis meses anteriores ao pleito.

Porém, com o advento da Emenda Constitucional nº 16, de


1997, o referido dispositivo passou a viger com a seguinte redação:
“O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito
Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso
dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente”.
Atente-se que o artigo acima citado possibilita a permanência
no poder do próprio Chefe do Poder Executivo, bem como daqueles que
os houverem sucedido ou substituído no curso dos mandatos.
Portanto, corroborando o entendimento retro lançado, temos o
34 Revista Eleições & Cidadania

entendimento de Omar Chamon, (2011, p. 68):

Cuida-se da famosa emenda da reeleição. Referida modificação


constitucional foi muito criticada pela doutrina, pois o
exercício do mandato no Poder Executivo, necessariamente,
traz benefícios eleitorais para o candidato à reeleição.
Independentemente de uso doloso da máquina administrativa.
Importante frisar que parte minoritária da doutrina aplaude a
possibilidade da reeleição, pois o povo poderia prestigiar o
bom governante com outro mandato.

Por fim, a ensejo de conclusão, é importante frisar que identifico


no voto secreto uma das formas mais eficientes de prevenir a captação
ilícita de sufrágio, pois dificulta a interferência dos candidatos na
liberdade de escolha dos eleitores.
Todavia, há entendimento na linha contrária, conforme se depreende
das lições do Professor Francisco de Assis Vieira Sanseverino (2010, p. 54/57):

O voto secreto se diferencia do voto a descoberto. Na doutrina,


em 1868, José de Alencar critica o voto secreto por não ensinar
o cidadão a ser independente, mas a ser falso e covarde e
defende a publicidade do voto, essencial à democracia, pois
nenhum cidadão que se preze de livre enunciar sua vontade
de outro modo.
Acrescenta que:

O voto secreto tem como objetivo assegurar o sigilo do voto.


De forma mais geral, o voto secreto tem a finalidade de garantir
o eleitor contra qualquer influencia que lhe suprima ou reduza
a integridade da sua opção, e de precaver a sociedade contra
todo gênero de alienação, por parte do eleitor, do seu direito de
escolha, seja por compra e venda, seja por usurpação, ameaça,
perseguição ou qualquer gênero de solidariedade forçada que
importe eliminação virtual da liberdade do eleitor.

E conclui:

Se é verdade que o voto a descoberto era e é propício à fraude ou


violência, como advertia Assis Brasil, também é verdade que compra
Doutrina 35

e a própria intimidação, apesar de estabelecido o voto secreto,


permaneceram na prática eleitoral brasileira. Tanto isso é verdade
que, apesar dos instrumentos legais já existentes para reprimir tais
práticas, em 1999, foi instituída a captação vedada do sufrágio [...].

Por todo o exposto, podemos concluir que a melhoria do nível


intelectual dos eleitores é o ponto fundamental para a redução da
prática de captação ilícita de sufrágio, pois, dessa forma, será possível
a exposição e prática de valores aptos a respeitar a moralidade das
eleições.

Conclusão

O estudo da Captação Ilícita de Sufrágio dá ênfase a questões


conjunturais, relacionadas com o direito de livre escolha dos candidatos,
pelos eleitores. Com o objetivo de minimizar as influências econômicas
para a incidência deste ilícito, foi enfatizada a necessidade de maiores
investimentos na educação, de forma a promover maior conscientização
dos eleitores sobre a importância do voto livre e sem mácula.
Os candidatos, no intento de conquistar o voto dos eleitores,
lançam mão de atitudes desonestas e contrárias às normas legais,
afetando a normalidade e legitimidade das eleições.
Destarte, para conter essas ações, por vezes, busca-se através
de ações eleitorais a proteção da lisura e higidez do resultado das
eleições, uma vez que a presença vigilante da Justiça Eleitoral torna-se,
quase sempre, incapaz de evitar a compra e a venda de votos, dada a
dificuldade de identificar o local e o momento em que elas acontecem,
o que dificulta, inclusive, a comprovação deste acontecimento pelas
partes.
A propósito, em meu discurso de posse como membro do
Tribunal Regional Eleitoral do Piauí (Notas taquigráficas da 70ª Sessão
do TRE/PI, em 19/7/2010), assentei:

Este Colegiado é um Tribunal responsável pela eleição de


líderes de uma sociedade organizada. O Des. Antônio Paes
Landim Filho, em voto quando da escolha dos atuais dirigentes
deste Poder Judiciário, abordando os aspectos da origem do
Poder Judiciário, o qual é emanado do povo e atuando em
nome do povo, da vocação constitucional do mesmo, inclusive
36 Revista Eleições & Cidadania

no âmbito eleitoral, em estar próximo da sociedade brasileira


e, por consequência, da sociedade piauiense, sustenta:
Os Tribunais Regionais Eleitorais dão bem a dimensão política
da origem do Poder Judiciário e da natureza política, mas
não partidária, de suas atividades jurisprudenciais. O direito
eleitoral é um direito político, mais do que qualquer outro,
aplicado por um tribunal que, mais do que qualquer outro,
tem vocação política, constitucionalmente falando. Nada mais
importante numa sociedade organizada que a eleição de seus
líderes. O Tribunal Regional Eleitoral preside essas eleições,
nos diferentes níveis da Federação, para os Poderes Executivo
e Legislativo, emprestando-lhes legitimidade política, na
medida que zela pela lisura dos pleitos eleitorais.

As dificuldades para que os pleitos ocorram com lisura não são


poucas, e isto já é cediço do povo brasileiro, o mesmo ocorrendo em
relação ao denodo de todos os que fazemos a justiça eleitoral para a
realização desta festa democrática popular.
Em artigo recente publicado na Revista da Escola Superior da
Magistratura do Estado do Piauí – ESMEPI – edição inaugural, sob
o título “O termo candidatura e a contrastante realidade da vivência
política”, o Des. Edvaldo Pereira de Moura, nosso digno e atual
presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, exorta-nos quanto
ao combate aos abusos do poder político e do poder econômico, à
corrupção eleitoral e a outros delitos similares, lembrando que:

Antigamente, o postulante ao cargo público, vestia-se com uma


imaculada túnica de linho, diante daqueles que deveriam escolhê-
lo, mostrando-lhes, assim, que estava tão cândido por dentro,
como por fora. O conceito de candidatura, infelizmente, perdeu
sua essencialidade de ‘cândido’, ‘branco’, ‘puro’, ‘imaculado’. A
palavra ganhou, agora, um tragicômico contraste semântico com
a triste realidade político-partidária de que se tem notícia nos dias
de hoje. Parece até que já fomos melhores, e que a utopia de um
mundo possível é que nos faz acreditar que todo esforço é válido
Doutrina 37

nessa luta quixotesca, em busca de uma justiça que vise, de fato,


ao bem comum, objetivo-síntese de todas as nações civilizadas.

Para a consecução desse objetivo, é preciso que a atuação deste


Tribunal continue firme no propósito de dar resposta pronta e eficaz a estas
práticas nefastas, com a máxima efetividade.
Para resguardar o direito das partes, deve-se lançar mão de
ações de Governo, da Justiça Eleitoral e da Sociedade em geral para
conscientizar os eleitores de que a disputa eleitoral dos candidatos deve
ocorrer dentro dos padrões considerados moralmente corretos.

Referências

CHAMON, Omar. Direito eleitoral. 4. ed. São Paulo: Método, 2011.


COSTA, Adriano Soares da. Instituições de direito eleitoral. 7. ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2011.
RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 8. ed. Rio de Janeiro:
Impetus, 2008.
SANSEVERINO, Francisco de Assis Vieira. Direito eleitoral. 3. ed.
São Paulo: Verbo Jurídico, 2010.
38 Revista Eleições & Cidadania
39

OS FINANCIAMENTOS DE CAMPANHAS
E O ART. 30-A DA LEI Nº 9.504/97

Adrian Soares Amorim de Freitas *

Resumo

Os financiamentos de campanhas eleitorais revestem-se de singular


importância no processo eleitoral brasileiro, considerando-se a
utilização de meios, nem sempre revestidos da necessária legalidade,
para se alcançar a vitória nas urnas. O procedimento de controle desse
tipo de conduta evoluiu significativamente no ordenamento jurídico
pátrio, evidenciando, cada vez mais, a busca da lisura na seleção dos
candidatos que ocuparão os cargos eletivos. Dentro desse contexto, o
presente trabalho, após uma breve análise da evolução legal, examina
os contornos jurídicos do art. 30-A da Lei nº 9.504/97, introduzido pela
Lei nº 11.300/06, e sua relação com os financiamentos de campanhas
eleitorais, investigando-se as questões referentes à potencialidade
de influência nas urnas e aplicabilidade imediata da correspondente
decisão judicial.

PALAVRAS-CHAVE: Prestação de contas. Financiamento. Campanha.

*
Formada em Engenharia Elétrica, Engenharia Civil e Direito. Pela UFRN. Especialista em
Direito Penal e Cidadania pela FESMP/RN e Especialista em Direito e Processo Eleitoral
pela Universidade Potiguar/RN. Juiz Federal Substituto do Tribunal Regional Federal da 1ª
Região.
40 Revista Eleições & Cidadania

Revela-se intensa e sempre atual a discussão acerca da


legitimidade das decisões políticas quando adotadas em descompasso
com a vontade popular que sustenta os mandatos dos representantes do
povo. Quando um desses representantes socorre-se de meios inidôneos
para obter a vitória nas urnas, resta maculada a projeção política dessa
vontade popular, tornando o correspondente mandato esvaziado da
necessária legitimidade.
Mantém-se válida, nesse sentido, a lição do abade Sieyès (1986,
p. 61), segundo a qual quando os representantes do povo não são por ele
legitimados, os direitos políticos daí decorrentes são nulos.
O exame histórico da legislação aplicável ao assunto, por sua
vez, se direciona no sentido da busca de um processo eleitoral cada vez
mais limpo, procurando-se selecionar apenas os candidatos aos cargos
eletivos que mais correspondam à vontade popular, expurgando-se da
corrida os candidatos que se apóiam em meios obscuros para vencer a
disputa e titularizar o almejado cargo.
Realmente, dentro desse cenário, verifica-se que há uma
verdadeira guerra entre os candidatos à ocupação dos cargos eletivos,
circunstância que, nem sempre, é acompanhada da necessária lisura,
transparência e honestidade que deveriam iluminar tais condutas.
Essa constatação provocou a necessidade de controlar a atuação
dos candidatos durante a campanha eleitoral, seja no que concerne à
transparência com a arrecadação de recursos, como também os aspectos
que cercam os gastos eleitorais respectivos.
Nesse contexto, o art. 30-A da Lei nº 9.504/97 se destaca como
um instrumento válido e eficaz no afastamento dos candidatos que se
utilizam de recursos ilícitos para o financiamento de suas campanhas
eleitorais, dentro da permanente busca da lisura do processo eleitoral.
O primeiro tratamento legal do assunto relativo às contas
durante a campanha, conforme Schlickmann (2007, p. 33), somente
ocorreu com a edição da Lei nº 4.740, de 15 de julho de 1965, lei
orgânica dos partidos políticos. De acordo com essa lei, voltada para
a regulamentação dessas agremiações, restou criado o fundo partidário
(art. 60), importante fonte de recursos dos partidos e constituído por
multas e penalidades, recursos financeiros conforme destinação prevista
em lei e doações de particulares.
Doutrina 41

Contudo, as prestações de contas de que cogita a referida


lei dizem respeito apenas aos recursos arrecadados pelos partidos
políticos e não pelos candidatos. Nesse particular, o art. 71 da Lei nº
4.740/65 definia que as agremiações políticas deveriam prestar contas,
anualmente, ao Tribunal Superior Eleitoral em relação aos recursos
oriundos do fundo partidário. A falta de prestação de contas ou sua
desaprovação implicava na perda de recebimento de novas quotas e
ainda sujeitava os responsáveis às sanções criminais correspondentes,
de acordo com o §4º do mencionado art. 71.
Com a Constituição de 1988, dentro do espírito democrático
que inspirou sua edição, vivenciou-se novo estágio relativamente ao
processo eleitoral, a despeito de viger, ainda, o Código Eleitoral de
1965, paralelamente a diversos diplomas legais que tratam do tema.
Seguindo essa evolução legislativa, destaca-se a Lei nº 8.713,
de 30 de setembro de 1993, que regulamentou as eleições de 1994 e
previu que as despesas da campanha eleitoral seriam realizadas sob a
responsabilidade dos partidos políticos e candidatos (art. 33).1 Além
disso, previu-se a obrigatoriedade de abertura de conta bancária para
movimentação dos recursos por parte do partido político e facultativa
para os candidatos (art. 36). Estabeleceu-se, além disso, os limites
máximos para doações promovidas por pessoas físicas (10% sobre os
rendimentos brutos) e jurídicas (2% sobre a receita operacional bruta).
A facultatividade da abertura de conta bancária para
movimentação de recursos por parte dos candidatos possibilitou
uma alternativa à canalização de financiamento nem sempre bem
intencionados. Realmente, algumas doações encobrem interesses
econômicos que são, após a eleição vitoriosa, recuperados na forma de
licitações direcionadas, cargos em comissão dentre outras benesses de
indesejada habitualidade.
Pinto (2008, p. 265) discorre muito bem sobre o tema:
As campanhas eleitorais consomem recursos. Os candidatos e

1
A referida norma foi replicada no art. 61 da Resolução TSE nº 21.609/04, que tratava das eleições
de 2004, previa que os candidatos poderiam prestar contas sobre doações aos candidatos e comitês
financeiros e sobre as despesas efetuadas. Esse dispositivo, contudo, ao facultar a apresentação
dessas informações não se revestiu da obrigatoriedade necessária ao seu cumprimento espontâneo.
42 Revista Eleições & Cidadania

os partidos não dispõem, em regra, de verbas suficientes para


bancá-las, daí permitir a legislação doação de pessoas físicas
e jurídicas para esse fim. O fato de alguém doar recursos
para campanha de determinado candidato não lhe assegura
direito algum para interferir na atuação do beneficiário, caso
venha este a ser eleito. Doação em dinheiro, bens ou serviços
não é compra de commodity para interferir na atuação do
governante cuja campanha foi favorecida com a dádiva. Não
gera obrigação alguma para com o doador.

Para escapar da prestação de contas, assim, os gastos de campanha


foram direcionados através dos candidatos, porquanto a fiscalização era
menos intensa, já que não se exigia a abertura de conta bancária específica
e nem a integral movimentação dos recursos de campanha através dela.
Se as despesas de campanha, anteriormente, eram centralizadas
nos partidos políticos, passaram, com a Lei nº 8.713/93, a ter nos
candidatos sua canalização, pulverizando os pontos de controle e
dificultando a necessária fiscalização. Esse detalhe na legislação
provocou inúmeras situações de desvios e criação de contas de fachada.
Destaque-se, por oportuno, que a necessidade de abertura de
conta bancária independe da efetiva captação de recursos em favor
do candidato ou partido. Nesse sentido, dispunha o §1º do art. 10 da
Resolução TSE nº 22.250/06:

Art. 10. É obrigatória a abertura de conta bancária específica


em nome do candidato e do comitê financeiro, para registro
de todo o movimento financeiro da campanha, inclusive
dos recursos próprios dos candidatos e dos oriundos da
comercialização de produtos e realização de eventos, vedado
o uso de conta bancária preexistente .
§ 1º A obrigação prevista neste artigo independe de o candidato
ou comitê disporem de recursos financeiros.

Essa ressalva permaneceu com a edição da Resolução TSE nº


22.715/08, que disciplinou a arrecadação e aplicação de recursos para
as eleições municipais de 2006, como se extrai do seu §2º do art. 10.
Relativamente às eleições gerais de 2010, a Resolução nº 23.217/10
manteve, em sua essência, o dispositivo acima transcrito.
Por outro lado, a fixação de limites referentes às doações por
Doutrina 43

parte de pessoas física e jurídica não foi acompanhada do instrumental


técnico necessário a sua verificação, notadamente porque naquela época
não havia, como há hoje, informatização dos bancos de dados públicos,
nem a comunicação entre as instituições governamentais. A previsão
normativa, assim, não mereceu a devida obediência.
De todo modo, estabeleceram-se situações onde seriam vedados
os recebimento de recursos por parte de diversas entidades, tais como:
governo estrangeiro, entidade de utilidade pública, entidade sindical,
pessoa jurídica que receba recursos do exterior, dentre outras (art. 45
da Lei nº 8.713/93), limitando o espectro de arrecadação, notadamente
diante da necessária distância que deveria ser mantida determinadas
instituições do cenário político-eleitoral.
Relativamente à forma de captação de recursos, o Tribunal
Superior Eleitoral previu, por meio do art. 46, parágrafo único, da
Resolução nº 14.234, de 21 de junho de 1994, a obrigatoriedade de
utilização de cheque cruzado para veicular doação acima de 200 Ufir.
A discussão judicial que se seguiu procurava afastar o dispositivo, sob
o argumento de confronto com o art. 36 da Lei nº 8.713/93, que apenas
facultava aos candidatos a abertura de conta bancária, não se criando a
obrigação como determinou o TSE por meio da citada Resolução.
Prevaleceu o entendimento de que a previsão contida na
mencionada Resolução não implicava violação ao texto legal. Confira-
se, por oportuno, o posicionamento do TSE:

CAMPANHA ELEITORAL. DOAÇÕES DE VALOR IGUAL


OU SUPERIOR A 200 UFIRS. CHEQUE CRUZADO.
EXIGÊNCIA.
I - A EXIGÊNCIA CONTIDA NO PARÁGRAFO 1 DO ART. 46
DA RESOLUÇÃO N. 14.234 - TSE, DE 1993, NO SENTIDO DE
QUE “AS DOAÇÕES IGUAIS OU SUPERIORES A 200 UFIRS
SOMENTE PODERÃO SE FEITAS ATRAVÉS DE CHEQUE
CRUZADO” NÃO VIOLA O ART. 36 DA LEI N. 8.713, DE
1993, SEGUNDO O QUAL E FACULTADO ABRIR CONTA
BANCARIA PARA REGISTRAR TODO O MOVIMENTO DA
CAMPANHA, NEM O ART. 38 DA CITADA LEI, ACHANDO-
SE EM HARMONIA COM A REGRA DA LEGALIDADE.
II - AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO. (TSE.
Acórdão nº 12575/MG. Relator Min. Antônio de Pádua Ribeiro.
Diário de Justiça, 06.10.1995, p. 33174)
44 Revista Eleições & Cidadania

O limite de gastos de campanha, assim, continuou a ser livremente


fixado pelo partido político, não sendo incomum encontrarem-se na
época valores de campanha totalmente desproporcionais aos gastos que
seriam realizados.
No que toca às doações, havia previsão de doações convertidas
em bônus eleitorais. Lima (2008, p. 97) explica o funcionamento desses
instrumentos de arrecadação:

Todas as doações deveriam ser identificadas e trocadas por


bônus eleitorais. Esses bônus, emitidos pelo Ministério
da Fazenda, eram recebidos pela Direção Nacional dos
Partidos da Casa da Moeda do Brasil e distribuídos no limite
do montante de gastos estabelecidos para cada candidato,
em cada circunscrição eleitoral. Não obstante a sugestiva
nomenclatura, o recebimento dos bônus eleitorais em troca de
doações, jamais implicou qualquer benefício fiscal, de modo
a funcionarem apenas como meros recibos.

Como se vê, a Lei nº 8.713/93, a despeito de pontuais deslizes,


procurou moralizar a campanha eleitoral, definindo formas de registro,
estabelecendo limites à origem dos recursos arrecadados pelos
candidatos e partidos políticos e fixando as sanções pela inobservância
da prescrição. Merece registro a análise conclusiva realizada por
Schlickmann (2007, p. 33):

Contudo, é de 1993 o marco a partir do qual, a par da


preocupação mundial com a realidade do financiamento das
campanhas eleitorais, a legislação eleitoral voltou-se de forma
mais efetiva ao trato da matéria. Nesse ano, a Lei 8.713, de
30.09.1993, inovou no tocante às normas para administração
financeira das campanhas eleitorais, estabelecendo regras
para a constituição dos comitês financeiros das agremiações
partidárias; estabelecendo a responsabilidade de partidos e
candidatos; estipulando formas de obtenção e movimentação
de recursos e realização de despesas; limitando doações
de pessoas físicas e jurídicas e, finalmente, instruindo a
elaboração de prestação de contas à Justiça Eleitoral.

Algumas situações relativas à prestação de contas foram


posteriormente corrigidas com as subsequentes alterações legislativas.
Doutrina 45

De toda sorte, as inovações ditadas pela citada Lei nº 8.713/93 foram


inéditas e moralizadoras, tornando-se importante marco legal a respeito
do tema.
Com a promulgação da Lei nº 9.100, de 29 de setembro de 1995,
manteve-se a facultatividade da abertura de contas bancárias para os
candidatos e a obrigatoriedade em relação aos partidos políticos (art.
35, §3º). A exceção dizia respeito aos candidatos a Prefeito e, no caso
de Municípios com mais de 50 mil eleitores, para os Vereadores. Nessas
hipóteses, a abertura de conta bancária e correspondente movimentação
seriam obrigatórias.
O Tribunal Superior Eleitoral, por seu turno, mitigou a
aplicação do dispositivo acima mencionado, como se extrai do seguinte
precedente:

RECURSO ESPECIAL - PRESTAÇÃO DE CONTAS


DE CANDIDATO A PREFEITO - ELEIÇÕES 1996 -
A NÃO ABERTURA DE CONTA BANCARIA POR
SI SÓ NÃO ENSEJA A DESAPROVAÇÃO DAS
CONTAS - POSSIBILIDADE DE SE DEMONSTRAR
POR OUTROS MEIOS A REGULARIDADE DAS
CONTAS - IRREGULARIDADE QUE NÃO MACULOU
A PRESTAÇÃO DE CONTAS APRESENTADA -
IMPOSSIBILIDADE DE SE INFIRMAR O ASSENTADO
PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS SENÃO PELO
REEXAME DOS ELEMENTOS DE PROVA - RECURSO
NÃO CONHECIDO. (TSE. Acórdão nº 15092/MG. Relator
originário Min. Walter Costa Porto. Relator para o acórdão
Min. Eduardo Alckmin. Diário de Justiça, 05.12.1997)

Sublinhe-se que, nesse precedente, apesar de o recurso especial


eleitoral interposto não se ter conhecido, a votação, por maioria, seguiu,
vencidos os Ministros Nilson Naves e Costa Porto, o entendimento
contido no voto do Min. Eduardo Alckmin no sentido de que “pode o
candidato ou partido demonstrar, por outros meios, que, embora tenha
ocorrido tal circunstância, suas contas, encontram-se regulares, ou
seja, há perfeita consonância entre os recursos arrecadados e os gastos
empreendidos”.
Induvidosamente, o entendimento jurisprudencial mitiga o
princípio da transparência eleitoral, notadamente diante da expressa
46 Revista Eleições & Cidadania

disposição constante do art. 35, §3º, da Lei nº 9.100/95, cenário que não
se coaduna com os postulados democráticos que iluminam as eleições.
Com a edição da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997,
novas orientações foram fixadas, visando regular o procedimento de
arrecadação e controle dos gastos efetuados durante as campanhas
eleitorais.
De acordo com o seu art. 22, a abertura de conta bancária tornou-
se obrigatória para candidatos e partidos políticos, independentemente
do cargo eletivo em disputa. A única exceção, prevista no §2º, dizia
respeito àqueles candidatos a cargos de Prefeito e Vereador em
Municípios onde não existissem agências bancárias e nas hipóteses de
candidatura para cargo de vereador em Município com menos de vinte
mil eleitores.
A motivação do dispositivo origina-se do princípio da
proporcionalidade2 de origem alemã (verhältnismässigkeitsprinzip),
uma vez que não seria razoável exigir de candidatos a abertura de conta
bancária em municípios com pequeno número de eleitores e naquelas
localidades, igualmente diminutas, que não despertavam sequer o
interesse as instituições bancárias.
No que se refere às vedações relativamente às origens dos
recursos, o rol anteriormente previsto no art. 45 da Lei nº 8.713/93
foi mantido, em linhas gerais, com a Lei nº 9.504/97, com pontuais
alterações pelas Leis nºs 11.300, de 10 de maio de 2006 e 12.034, de 29
de setembro de 2009. De acordo com o art. 24 ad Lei nº 9.504/97, na
sua redação original, passou-se a contemplar as seguintes entidades:

Art. 24. É vedado, a partido e candidato, receber direta ou


indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro,
inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie,
procedente de:
I - entidade ou governo estrangeiro;
II - órgão da administração pública direta e indireta ou
fundação mantida com recursos provenientes do Poder

2
Em que pese haver respeitável entendimento de que a proporcionalidade segue a estrutura
de uma regra (Virgílio Afonso da Silva, Direitos Fundamentais. Conteúdo essencial,
restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 168), adotou-se a terminologia de
princípio, em virtude da consagração do seu uso.
Doutrina 47

Público;
III - concessionário ou permissionário de serviço público;
IV - entidade de direito privado que receba, na condição
de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de
disposição legal;
V - entidade de utilidade pública;
VI - entidade de classe ou sindical;
VII - pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos
do exterior.

A Lei nº 11.300/06, ao alterar o referido dispositivo, incluiu os


seguintes incisos:

VIII - entidades beneficentes e religiosas;


IX - entidades esportivas que recebam recursos públicos;
X - organizações não-governamentais que recebam recursos
públicos;
XI - organizações da sociedade civil de interesse público.

De outra margem, a Lei nº 12.034/09 modificou o inciso X do


referido art. 24, apenas para englobar todas as entidades esportivas,
independentemente do fato de receberem ou não recursos públicos. Por
outro lado, referida Lei acrescentou um parágrafo único ao dispositivo
em destaque para afastar da sua incidência as cooperativas cujos
cooperados “não sejam concessionários ou permissionários de serviços
públicos, desde que não estejam sendo beneficiadas com recursos
públicos”.
Procurou-se eliminar entidades que diretamente percebam
recursos públicos. A razão parece ser óbvia: minimizar ao máximo a
utilização de recursos públicos para promover campanhas de candidatos
a cargos eletivos.
Sobre este aspecto, destaca-se o lúcido entendimento de Lima
(2007, p. 105/106):

Embora, no Brasil, adote-se um sistema de financiamento


privado das campanhas eleitorais de partidos e candidatos, não
é prudente desconsiderar a existência de um financiamento
público indireto das eleições, proporcionado através da
propaganda eleitoral gratuita veiculada pelas emissoras
48 Revista Eleições & Cidadania

de rádio e televisão nacionais, durante período, horários e


distribuição legalmente estabelecidos. Também não se pode
olvidar os recursos provenientes do Fundo Partidário.

Não se pode esquecer que há diversos projetos de lei em


tramitação no Congresso Nacional que objetivam o financiamento de
campanha com recursos públicos, como é exemplo o PL nº 353/99, já
aprovado no Senado Federal e encaminhado à Câmara dos Deputados
para revisão. O PL nº 1538/2007 da Câmara dos Deputados, por sua
vez, prevê utilização de recursos públicos para eleições majoritárias e
privados, no caso de eleições proporcionais.
Ademais, com a Lei nº 11.300/06, foi acrescentado o art. 30-A,
com a seguinte redação original:

Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá


representar à Justiça Eleitoral relatando fatos e indicando
provas e pedir a abertura de investigação judicial para apurar
condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à
arrecadação e gastos de recursos.
§ 1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o
procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64,
de 18 de maio de 1990, no que couber.
§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos,
para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou
cassado, se já houver sido outorgado.

Com a promulgação da Lei nº 12.034/09, o dispositivo assumiu


a seguinte redação final:

Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá


representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da
diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura
de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com
as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.
§ 1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o
procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de
18 de maio de 1990, no que couber.
§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para
fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se
já houver sido outorgado.
Doutrina 49

§ 3º O prazo de recurso contra decisões proferidas em


representações propostas com base neste artigo será de 3 (três)
dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário
Oficial.

A utilização da expressão “em desacordo com as normas desta


Lei“ permite o entendimento acerca da natureza numerus apertus da
previsão, havendo necessidade de existir uma vinculação entre o gasto
efetuado e sua natureza, a fim de se aferir sua regularidade.
Alguns exemplos favorecem a compreensão. Situações limites
permitem identificar quando uma despesa não possui natureza eleitoral.
Imagine-se que um determinado candidato utilize recursos recebidos
durante a campanha para efetuar o pagamento de uma prestação da
aquisição de sua casa de praia. Evidentemente, essa despesa não possui
natureza eleitoral, porquanto não voltada para o resultado final das
eleições.
A mesma conclusão pode ser atingida considerando-se o
exemplo fornecido por Pinto (2008, p. 279): “Candidato construiu
uma piscina em sua casa com dinheiro doado para sua campanha. A
anormalidade comprometedora da transparência nos gastos eleitorais
ensejará a punição”.
Outras hipóteses, contudo, não possibilitam prima facie essa
conclusão. Suponha-se um candidato que seja alvo de uma ação de
investigação judicial eleitoral. Seria possível efetuar o pagamento
do correspondente advogado com os recursos arrecadados durante a
campanha eleitoral? Essa despesa possuiria o timbre do fim eleitoral
exigido pela legislação?
Pensamos que as respostas para os questionamentos se
encaminham pela negativa. Realmente, o fim eleitoral representa a
atuação voltada para o resultado nas urnas. Caso o candidato utilize
recursos para o seu uso pessoal, estará violando a legislação.
Poder-se-ia argumentar que se o candidato se sagrasse vencedor
na demanda, o resultado possuiria reflexo no resultado das eleições. Tal
tese, entretanto, não impressiona, uma vez que qualquer utilização de
recursos em favor do candidato teria reflexos, diretos ou indiretos, no
resultado da campanha eleitoral.
Mais uma vez, Pinto (2008, p. 274) esclarece, com a costumeira
50 Revista Eleições & Cidadania

precisão, que “gastos, para fins eleitorais, são todas as despesas


relacionadas com a campanha, inclusive, as multas aplicadas até a data
das eleições aos partidos e candidatos por infração à legislação eleitoral”.
Uma questão que merece reflexão relaciona-se à aplicabilidade
da decisão que reconhecer a prática de conduta prevista no art. 30-A da
Lei nº 9.504/97.
No que se refere a esse aspecto, registre-se que, como todas
as decisões judiciais, dois momentos principais são eleitos para que se
promova eficácia ao provimento jurisdicional: no ato de prolação da
decisão e o instante do seu trânsito em julgado.
Nos processos oriundos da Justiça comum, a regra é adotar a
eficácia do provimento jurisdicional após o trânsito em julgado, sendo
a aplicabilidade imediata uma exceção que vem ganhando corpo. No
particular, mostra-se importante a aplicação do art. 520 do CPC, no
que tange aos efeitos dos recursos contra sentenças de primeiro grau de
jurisdição, de acordo com a relação das situações nas quais seria vedada
a aplicação do efeito suspensivo ao recurso interposto.
No campo eleitoral, entretanto, os efeitos, em regra, devem ser
aplicados de forma imediata, notadamente diante da celeridade dos
prazos com a renovação de eleições a cada quatro anos, seja para o
Poder Legislativo como para o Executivo, aplicando-se, em regra, o art.
257 do Código Eleitoral, no sentido de que “os recursos eleitorais não
terão efeito suspensivo”.
Assim, sentenças que julgam captação ilícita de sufrágio (art.
41-A da Lei nº 9.504/97), arrecadação/gasto irregular (art. 30-A da
Lei nº 9.504/97) e condutas vedadas (art. 73 da lei nº 9.504/97) são
exemplos dessa eficácia imediata.
Por outro lado, questões relacionadas à inelegibilidade, por
força do disposto no art. 15 da Lei Complementar nº 64/90 devem ter
a eficácia transportada para o trânsito em julgado. Do mesmo modo,
destacam-se pretensões arrimadas por meio de recurso contra expedição
de diploma, em função do disposto no art. 216 do Código Eleitoral, que
prescreve que “enquanto o Tribunal Superior Eleitoral não decidir o
recurso interposto contra expedição do diploma, poderá o diplomado
exercer o mandato em toda a sua plenitude.”
Assim, de acordo com a sistemática adotada pelo ordenamento
Doutrina 51

brasileiro, não apenas em função da matéria, mas também em virtude do


instrumento jurídico adotado, a eficácia do provimento jurisdicional pode ser
transportada para o instante imediatamente posterior ao trânsito em julgado,
circunstância que se revela, contudo, desfavorável ao princípio da celeridade.
Assim, à exceção daquelas outras hipóteses expressamente
indicadas na legislação, nas quais o recurso não possui efeito suspensivo,
a aplicabilidade é imediata. Esse cenário se ajusta, perfeitamente, à
sanção prevista no art. 30-A da Lei nº 9.504/97.
Nesse sentido, posiciona-se Gomes (2008, p. 415):

Ademais, considerando que a decisão judicial deve ser


aplicada imediatamente, porquanto o recurso eleitoral não é
revestido de efeito suspensivo (CE, art. 257), nem se aplica
o disposto no artigo 216 do Código Eleitoral, tampouco o
artigo 15 da Lei das Inelegibilidades, tem-se que nenhum
óbice existe à concessão de liminar visando a suspensão da
expedição do diploma.

O Tribunal Superior Eleitoral dá evidências de que acolhe o


entendimento proposto pela doutrina, como se recolhe do julgamento
resultante no Acórdão nº 3306 (Relator Min. Arnaldo Versiani, DJe
10.11.2009, p. 52).
Um dos argumentos utilizados para a aplicação imediata
da decisão reside, justamente, no fato de que a condenação por
prática descrita no art. 30-A da Lei nº 9.504/97 não veicula sanção
de inelegibilidade. (Acórdão nº 3320/09. Relator Min. Ricardo
Lewandowski. Dje 01.09.2009. p. 30 e MS nº 3567/MG. Relator Min.
Cezar Peluso. DJ 12.02.2008. p. 8). Não se aplica, de fato, o art. 15 da
Lei Complementar nº 64/90.
Por outro lado, focalizando agora o aspecto da potencialidade,
observa-se que qualquer violação às regras eleitorais tem potencial para
provocar modificações no resultado das urnas. A afirmação, categórica,
todavia, não provoca a conclusão de que em qualquer hipótese, os
candidatos eleitos poderiam ser outros. É necessário, por isso, situar
corretamente o debate a respeito do tema.
O critério da potencialidade do dano decorrente da violação
da prescrição eleitoral em relação ao resultado das eleições foi criado
pela jurisprudência para aferir se a gravidade da sanção cominada era
52 Revista Eleições & Cidadania

proporcional à prática delituosa. Desse modo, se um candidato era


acusado de abuso do poder econômico e, posteriormente, era condenado,
dever-se-ia verificar se o referido abuso teria condições de alterar o
resultado das urnas, beneficiando-o com a vitória ou se tal abuso não
teria condições de fazê-lo sagra-se vencedor da corrida eleitoral.
Caso, por exemplo, o candidato pilhado na prática reprovável
tivesse vencido as eleições com uma larga margem de votos e o abuso fosse
restrito a poucos eleitores, o resultado das urnas seria mantido, uma vez que
não estaria configurada a potencialidade lesiva da prática irregular.
Esse critério, contudo, não é aceito passivamente pela doutrina.
De fato, há duas correntes antagônicas e bem definidas acerca da
aplicação desse critério na hipótese do art. 30-A da Lei nº 9.504/97.
A primeira delas sustenta que, para a aplicação da sanção no citado
dispositivo, seria preciso aferir a potencialidade em relação ao resultado
nas eleições. A segunda, que nos parece mais correta, defende que a
mera infração ao mencionado artigo é suficiente para afastar o candidato
da corrida eleitoral.
Maior Filho (2006, p. 221), defensor da primeira corrente,
defende que o art. 30-A da lei das eleições assume contornos de abuso
de poder, pelo que se exigiria a aferição do requisito da potencialidade.
Confira-se:

De mais a mais, é de se registrar que o caput do art. 30-A apresenta


em seu texto mais uma modalidade de abuso de poder econômico,
com os requisitos necessários à sua configuração, obrigatoriamente,
necessitará da comprovação de ‘dolo específico’ e ‘potencialidade’
influenciadores no resultado da eleição.

Pereira, (2008, p. 111), após examinar os sistemas de fiscalização


das eleições no Brasil, Portugal e França, aduz que tem aplicação nesse
tema o princípio da sinceridade, através do qual apenas aquelas violações
relevantes é que devem provocar a alteração do resultado das urnas:

Estamos, em verdade, diante do princípio típico do


contencioso ‘tradicional’ que dispõe ser mais importante velar
pela sinceridade do pleito do que pelo estrito cumprimento da
legalidade eleitoral. Fundado em argumentos de conveniência
e praticidade, significa, em outras palavras, cuidar para que
Doutrina 53

não seja violada, em primeiro plano, a correspondência


aproximada entre os resultados obtidos nas urnas e a vontade
manifestada do corpo eleitoral. A conclusão vai no sentido
de que o cuidado maior não está na observância pura dos
preceitos eleitorais, mas na análise da extensão dos efeitos
que os eventuais desrespeitos às normas podem causar em
tais resultados, o que justifica a assertiva de JEAN CLAUDE
MASCLET quando diz que ‘o juiz eleitoral é, portanto, mais
o juiz da exatidão do resultado da eleição do que o juiz da
legalidade das operações eleitorais.

De outra margem, conforme Castro (2008, p. 345), a violação ao


referenciado art. 30-A da Lei nº 9.504/97 caracteriza infração de mera
conduta, prescindindo da potencialidade lesiva para afetar o resultado do
pleito. Também Costa (2009, p. 518) filia-se a essa segunda corrente:

Insisto, por ser importante: a representação do art. 30-A


não é um pedido de investigação administrativa para que o
Corregedor Eleitoral abra um inquérito para a apuração de
fatos. Trata-se de ação de direito material processada, no que
couber (prescreve a lei), pelo rito da ação de investigação
judicial eleitoral (AIJE). Ou seja, utilizar-se-á o rito da AIJE
com a exclusão dos incisos XIV e seguintes do art. 22 da LC
64/90, dando à sentença que a julgar efeitos imediatos, sem
que incida o art. 15 da LC 64/90 (é dizer, independentemente
do trânsito em julgado da sentença de procedência).

Realmente, uma atenta leitura do dispositivo permite se concluir


que não há previsão de resultado naturalístico, relativamente à influência
no resultado final das eleições. O único requisito diz respeito à efetiva
comprovação da captação ou gasto ilícito, com fim eleitoral, em nada se
relacionando com os demais candidatos ou potencialidade da campanha.
No particular, constata-se que o art. 30-A aproxima-se, com
intimidade, do art. 41-A, ambos da Lei nº 9.504/97. Este último
dispositivo, por sua vez, prescinde da aferição da potencialidade da
conduta frente ao resultado nas urnas para a correspondente sanção,
como já reconhecido pela jurisprudência.
Além disso, pelo menos dois aspectos práticos dificultam, se não
impedem a aplicação dos arts. 30-A e 41-A, ambos da Lei nº 9.504/97, ao
se seguir com a primeira corrente. O primeiro deles diz respeito à correlação
54 Revista Eleições & Cidadania

entre o valor irregularmente movimentado e o resultado numérico dos votos


do candidato surpreendido na ilicitude. O segundo relaciona-se à dificuldade
da prova do desvio da movimentação, nem sempre fácil ou disponível, por se
materializar na escuridão dos conluios e estratégias ilícitas.
Nesse sentido, conforme lúcido entendimento de Maximiliano
(2006, p. 136), a norma não deve ser interpretada de modo que se anule
o efeito prático dela decorrente. Em outras palavras, a exigência de
potencialidade praticamente liquefaz o dispositivo moralizador, pelo
que essa interpretação da norma deve ser afastada.
A interpretação da norma, dentro da nova visão pós-positivista
deve estar voltada para uma análise sensata das normas jurídicas.
De fato, uma norma não deve ser visualizada de forma estanque no
ordenamento, mas relacionada com outras normas sem se ignorar
a moldura fática que se encontra subjacente, notadamente porque a
interpretação normativa não se faz de forma dissonante da realidade
fática, haja vista a comunicação existente entre esta e aquela.
Assim sendo, há de se aplicar a norma, no caso concreto, dentro
de um cenário de proporcionalidade, a fim de verificar o quão grave restou
atingido o bem jurídico tutelado. Desse modo, não atende a esse princípio,
por exemplo, a cassação de um candidato que movimentou irregularmente
R$ 100,00 (cem reais), frente a um total de despesas de R$ 100.000,00
(cem mil Reais). A sanção seria flagrantemente desproporcional à
infração, mostrando-se sob essa perspectiva, inconstitucional.
Tal necessidade provoca outro problema: como estabelecer
previamente os limites da aplicação do dispositivo? Não há resposta
apriorística à questão. Cada fato deve ser valorado individualmente de
acordo com as circunstâncias fáticas que orbitam em torno da infração.
Em que pese não haver um exame meramente matemático
envolvendo a potencialidade, é certo que prevalece certo juízo de valor
acerca da competição entre os candidatos.
De todo modo, no caso de eventual violação do art. 30-A da Lei nº
9.504/97, não há que se falar em potencialidade em relação ao resultado
final obtido nas urnas eleitorais, afigurando-se mais apropriado aplicar o
mesmo posicionamento adotado em relação à violação ao art. 41-A da
Lei das Eleições, confrontando-se com o princípio da proporcionalidade.
Conclui-se, portanto, que o art. 30-A da Lei nº 9.504/97 revela-
se instrumento útil e eficaz no controle dos recursos públicos utilizados
Doutrina 55

pelos candidatos durante o processo eleitoral e, de resto, da lisura e


transparência com que se deve revestir a disputa pelos cargos eletivos.
Sua eficácia, todavia, será plena na hipótese de se adotar o
entendimento acerca de sua aplicabilidade imediata, desconsiderando-
se eventuais efeitos relativos à potencialidade com relação ao
resultado obtido nas urnas, aplicando-se, de todo modo, o princípio da
proporcionalidade.

Referências

CASTRO, Edson de Resende. Teoria e prática do direito eleitoral.


4. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008.
COSTA, Adriano Soares da. Instituições de direito eleitoral. 8. ed.
rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2009.
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
LIMA, Sidia Mara Porto. Prestação de contas e financiamento de
campanhas eleitorais. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2008.
MAIOR FILHO, Marcos Souto. Direito eleitoral: lei da compra de
votos e a reforma eleitoral. Curitiba: Juruá, 2006.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
PEREIRA, Rodolfo Viana. Tutela coletiva no direito eleitoral. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
PINTO, Djalma. Direito eleitoral: improbidade administrativa e
responsabilidade fiscal. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
SCHLICKMANN, Denise Goulart. Financiamento de campanhas
eleitorais. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2007.
SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A constituinte burguesa: o que é o
terceiro Estado. Rio de Janeiro: Líber júris, 1986.
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo
essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009.
56 Revista Eleições & Cidadania
57

A PRESCRIÇÃO DAS MULTAS ELEITORAIS


ADMINISTRATIVAS: análise da evolução da
jurisprudência pátria sobre a matéria

Paulo Alves da Silva Paiva *

Resumo

O presente artigo analisa a evolução da jurisprudência pátria sobre a


prescrição das multas eleitorais administrativas e define o tratamento
jurídico que, no momento, prepondera no trato deste tema que, ao
longo das duas últimas décadas, enfrentou vários questionamentos.
As primeiras discussões concentraram-se sobre a legitimidade para
a execução judicial das multas eleitorais. Posteriormente, surgiram
novos questionamentos, desta vez sobre a competência para processar
e julgar a execução das multas eleitorais: se a Justiça Federal Comum
ou a Justiça Eleitoral. Finalmente, a discussão voltou-se para o regime
prescricional a ser aplicado a tais multas. A análise restringe-se à
esfera da jurisprudência pátria, pois, praticamente, inexistem subsídios
doutrinários sobre o tema. Nas últimas décadas, a jurisprudência
mostrou-se vacilante quanto ao regime prescricional a ser conferido
às multas eleitorais. Contudo, após dividir-se entre a aplicação do
Código Tributário Nacional ou do Decreto nº. 20.910/1932, firmou-se o
entendimento, ainda divergente, da aplicação do Código Civil brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Multa eleitoral. Execução fiscal. Prescrição.

*
Mestre em Direito Internacional Econômico e Tributário pela Universidade Católica de
Brasília. Professor de Direito na Faculdade NOVAFAPI. Procurador da Fazenda Nacional.
58 Revista Eleições & Cidadania

Introdução
O presente artigo tem por escopo analisar a evolução da
jurisprudência pátria sobre o regime prescricional aplicável às multas
eleitorais administrativas, bem como definir o tratamento jurídico que,
no presente, prepondera sobre a matéria.
Entende-se por multas eleitorais administrativas aquelas aplicadas
pelos Juízos e Tribunais Eleitorais no exercício da jurisdição civil, em
face do descumprimento da legislação eleitoral. Noutras palavras, tratam-
se sanções pecuniárias que não se revestem de natureza penal, não sendo
aplicadas como punição pela prática de crimes eleitorais.
Trata-se de um tema por demais árido no âmbito da doutrina nacional.
Na verdade, a matéria relacionada às multas eleitorais tem sido
objeto de vários questionamentos, especialmente nas duas décadas que
se seguiram à publicação da atual Carta Magna.
Uma das primeiras discussões sobre o tema dizia respeito à
legitimidade para a execução judicial destas multas. A polêmica se
travou entre os que defendiam tratar-se de incumbência inerente às
atribuições do Ministério Público e aqueles que entendiam ser papel
da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN). A questão foi
apaziguada firmando-se a PGFN como órgão competente para executar
tais multas, depois de inscrevê-las na Dívida Ativa da União e extrair
a necessária certidão de dívida ativa, título executivo extrajudicial
indispensável no aparelhamento da ação de execução fiscal.
Paralelamente, surgiram também questionamentos sobre a
competência para processar e julgar a execução das multas eleitorais.
Alguns defendiam que tal demanda devia ser interposta junto à Justiça
Federal comum, por se tratar de Dívida Ativa da União. Outros, com
maior razão, atribuíam essa competência aos Juízos Eleitorais, por se
tratar de matéria especial. A questão foi superada, atribuindo-se aos
Juízos Eleitorais a competência para processar e julgar a demanda, nos
termos do art. 367, IV, do Código Eleitoral.
Recentemente, uma terceira discussão vem à tona. Trata-se da definição
do prazo de prescrição a ser aplicado às multas eleitorais administrativas. É esta
problemática que doravante constituirá o foco do presente estudo.
A análise que ora se faz desenvolve-se praticamente no âmbito
da jurisprudência, pois inexistem subsídios doutrinários sobre a matéria.
Doutrina 59

Execução das Multas Eleitorais

O sistema sancionatório eleitoral caracteriza-se pela variedade


de sanções que possui, as quais foram enumeradas por Gomes (2011, p.
63) em dezesseis categorias, a saber:

[...] (i) inelegibilidade; (ii) negativa de registro de candidatura;


(iii) perda de registro de candidatura; (iv) negativa de
expedição de diploma; (v) cassação de diploma; (vi) cassação
de mandato; (vii) multa; (viii) restauração de bem; (ix)
retirada de propaganda; (x) perda do direito à veiculação
de propaganda; (xi) impedimento de reapresentação de
propaganda; (xii) perda de tempo no horário eleitoral gratuito;
(xiii) suspensão da programação normal de emissora de rádio
ou televisão; (xiv) suspensão de acesso a sites na internet;
(xv) cessação da conduta; (xvi) adequação da propaganda.

A multa eleitoral, uma das sanções acima elencadas, apresenta-


se sob duas modalidades: multa eleitoral administrativa, de natureza
civil, objeto do presente enfoque; e multa penal, resultante de
condenação criminal. Esta última submete-se a regime próprio, não
estando contemplada no presente estudo.
Normalmente, as sanções eleitorais são executadas nos
próprios autos do processo eleitoral. No entanto, em se tratando de
multas eleitorais administrativas, ou seja, aquelas que não resultam de
condenação criminal, aplicadas no exercício da jurisdição civil, sua
execução deve dar-se com observância do rito estabelecido no art. 367
do Código Eleitoral e na Resolução TSE nº 21.975/2004.
Dessa forma, transitado em julgado o processo, o devedor tem
o prazo de 30 dias para efetuar o pagamento. Findo este prazo, a multa
será considerada dívida líquida e certa para efeito de cobrança mediante
executivo fiscal, devendo ser inscrita em livro próprio no Cartório
Eleitoral e encaminhada à Unidade da Procuradoria da Fazenda Nacional
correspondente ao domicilio fiscal do infrator, sempre através do Tribunal
Regional Eleitoral, para a devida inscrição na Dívida Ativa da União.
Importa destacar que a inscrição na Dívida Ativa da União
só se perfaz no âmbito da Procuradoria da Fazenda Nacional, órgão
incumbido pela Lei desta providência. É o que dispõe o art. 2º, §§ 3ºe
4º, da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal):
60 Revista Eleições & Cidadania

Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela


definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320,
de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que
estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e
controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados,
dos Municípios e do Distrito Federal.
[...]
§ 3º - A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo
da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar
a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para
todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da
execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.
§ 4º - A Dívida Ativa da União será apurada e inscrita na
Procuradoria da Fazenda Nacional.
[...]

É importante frisar que a inscrição prévia realizada no âmbito


da Justiça Eleitoral não se confunde com o ato formal de inscrição
do débito na Dívida Ativa da União. E a “certidão de inscrição” ou
“termo de inscrição”, elaborado no âmbito dos Cartórios Eleitorais ou
Secretarias dos Tribunais Eleitorais, deve ser recebido pelas Unidades da
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional como mero demonstrativo do
débito, documento indispensável para a realização da inscrição da dívida.
Efetuada a inscrição da multa na Dívida Ativa da União, o
devedor deve ser notificado para efetuar o pagamento sob pena de
ajuizamento da execução fiscal. Não efetuado o pagamento do débito
no prazo de cobrança dita amigável, compete à Procuradoria da Fazenda
Nacional promover a ação de execução fiscal junto ao Juízo Eleitoral
correspondente ao domicílio fiscal do devedor.
A competência para processar o julgar a execução das multas
eleitorais é da Justiça Especializada, devendo o processo ser instaurado
perante os Juízes Eleitorais, pois se trata de matéria especial, expressamente
excepcionada pela Constituição Federal da competência dos Juízes
Federais, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal de 1988.1

1
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem
interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as
de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
[...]
Doutrina 61

Prescrição das Multas Eleitorais: evolução da jurisprudência

A definição do regime prescricional a ser aplicado às multas


eleitorais, notadamente no que tange ao prazo, tem se revelado uma
questão tormentosa no âmbito da jurisprudência pátria; e a doutrina
nacional não vem dando o devido enfoque à questão.
A ausência de norma específica que regule a matéria tem gerado
intensa discussão sobre a norma jurídica a ser aplicada.
A jurisprudência pátria têm sido vacilante, ora aplicando o
Código Tributário Nacional (CTN), ora o Decreto nº. 20.910/1932, ou
ainda o Código Civil brasileiro.
A aplicação do prazo prescricional estabelecido no CTN para as multas
eleitorais, embora já esteja superada, foi amplamente defendida praticada
nos juízes e tribunais pátrios. A aplicação da lei tributária era acolhida sob o
fundamento de que, às multas eleitorais, são aplicadas as regras do executivo
fiscal, conforme estabelece o art. 367, III e IV, e § 1º, do Código Eleitoral.2
Até mesmo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – órgão de
cúpula da Justiça Especializada – chegou a defender a aplicação das
regras de prescrição estabelecidas no CTN, conforme resta evidenciado
no seguinte julgado:
RECURSO ESPECIAL. PROPAGANDA ELEITORAL
IRREGULAR. LEI N. PENALIDADE DE MULTA.
PRESCRIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
1. A MULTA DECORRENTE DA PRATICA DE

2
Art. 367. A imposição e a cobrança de qualquer multa, salvo no caso das condenações
criminais, obedecerão às seguintes normas:
[...]
III – se o eleitor não satisfizer o pagamento no prazo de 30 (trinta) dias, será considerada
dívida líquida e certa, para efeito de cobrança mediante executivo fiscal, a que for inscrita
em livro próprio no Cartório Eleitoral;
IV – a cobrança judicial da dívida será feita por ação executiva, na forma prevista para a
cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, correndo a ação perante os Juízos Eleitorais;
[...]
1º As multas aplicadas pelos Tribunais Eleitorais serão consideradas líquidas e certas, para
efeito de cobrança mediante executivo fiscal desde que inscritas em livro próprio na
Secretaria do Tribunal competente.
[...].
62 Revista Eleições & Cidadania

PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR POSSUI


CARATER ADMINISTRATIVO, NAO SENDO
APLICÁVEIS AS REGRAS RELATIVAS AO PRAZO
PRESCRICIONAL DE ILICITOS PENAIS.
2. NOS TERMOS DO ARTIGO 173 DO CTN, A PRESCRIÇÃO
EXTINTIVA PRESSUPOE O TRANSCURSO DO PRAZO
DE CINCO ANOS, CONTADOS DO PRIMEIRO DIA
DO EXERCICIO SEGUINTE AQUELE EM QUE O
LANCAMENTO PODERIA TER SIDO EFETUADO.
RECURSOS ESPECIAIS NAO CONHECIDOS. (RESPE
15728 GO, Rel. MAURÍCIO JOSÉ CORRÊA. Julgamento:
29/06/1999. Publicação: Diário da Justiça de 10/09/1999, p.
66).

Em sentido contrário, o egrégio Tribunal Regional Eleitoral do


Rio Grande do Sul (TRE/RS), em julgado recente, assim se pronunciou:

[...] não procede a pretensão dos recorrentes de verem


aplicadas as regras do CTN às multas eleitorais. Ainda que
o art. 367, IV, do Código Eleitoral preveja que a cobrança
judicial seja realizada por meio de executivo fiscal, esse fato
não tem o condão de transformar a natureza do crédito, se ele é
de natureza não tributária, continuará sendo assim. (Processo
de Registro de Candidatura nº 113, Procedência: Cerro Largo,
Rel. Dra. Lizete Andreis Sebben, Sessão de 12/08/2008).

Na verdade, antes do pronunciamento do TRE/RS, o TSE já


havia alterado o entendimento anterior que preconizava a aplicação
do CTN, passando a entender que as multas eleitorais sujeitam-se à
prescrição ordinária das ações pessoais, nos termos da legislação civil.
Este entendimento encontra-se esposado na Resolução nº. 21.197/2002,
da qual se extrai o seguinte excerto:

RESOLUÇÃO N° 21.197 - 3.9.2002


PROCESSO ADMINISTRATIVO N° 18.882 - CLASSE 19ª
- SÃO PAULO (São Paulo).
Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo.
Interessado: Corregedoria Regional Eleitoral de São Paulo.
MULTAS ELEITORAIS. COBRANÇA DECORRENTE
DE AUSÊNCIA A ELEIÇÕES POSTERIORES AO
CANCELAMENTO DA INSCRIÇÃO ELEITORAL.
Doutrina 63

CABIMENTO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL.


[...]
A multa eleitoral constitui dívida ativa não tributária, para
efeito de cobrança judicial, nos termos do que dispõe a
legislação específica, incidente em matéria eleitoral, por força
do disposto no art. 367, III e IV, do Código Eleitoral.
À dívida ativa não tributária não se aplicam as regras atinentes
à cobrança dos créditos fiscais, previstas no Código Tributário
Nacional, ficando, portanto, sujeita à prescrição ordinária das
ações pessoais, nos termos da legislação civil, conforme já
decidiu o Supremo Tribunal Federal.
[...]

No entanto, superada a aplicação da lei tributária, houve quem


defendesse, com relação às multas eleitorais, a aplicação do regime
prescricional estabelecido no Decreto nº. 20.910/1932. Este Decreto
regula a prescrição das dívidas passivas da União, dos Estados e dos
Municípios, aplicando às mesmas o prazo prescricional de cinco anos.3
Embora o referido Decreto refira-se apenas às dívidas passivas
dos entes federados, sua aplicação foi estendida à dívida ativa não
tributária com base no princípio da simetria.
Nesse sentido, no Recurso Especial nº 623.023-RJ, o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) assim decidiu:

RECURSO ESPECIAL Nº 623.023 - RJ (2004/0011071-9)


RELATORA: MINISTRA ELIANA CALMON
RECORRENTE: ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PROCURADOR: MAURÍCIO SANTIAGO CÂMARA E
OUTROS
RECORRIDO: CLUBE CENTRAL
ADVOGADO: CESAR AUGUSTO DE LIMA BRANDÃO
GUIMARÃES E OUTROS
EMENTA:

3
Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e
qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for
a sua natureza, prescrevem em (cinco) anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
Art. 5º
Art. 8º
Art. 9º
64 Revista Eleições & Cidadania

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO - COBRANÇA


DE MULTA PELO ESTADO - PRESCRIÇÃO - RELAÇÃO
DE DIREITO PÚBLICO - CRÉDITO DE NATUREZA
ADMINISTRATIVA - INAPLICABILIDADE DO CC E DO CTN -
DECRETO 20.910/32 - PRINCÍPIO DA SIMETRIA.
1. Se a relação que deu origem ao crédito em cobrança tem
assento no Direito Público, não tem aplicação a prescrição
constante do Código Civil.
2. Uma vez que a exigência dos valores cobrados a título de
multa tem nascedouro num vínculo de natureza administrativa,
não representando, por isso, a exigência de crédito tributário,
afasta-se do tratamento da matéria a disciplina jurídica do
CTN.
3. Incidência, na espécie, do Decreto 20.910/32, porque à
Administração Pública, na cobrança de seus créditos, deve-se
impor a mesma restrição aplicada ao administrado no que se
refere às dívidas passivas daquela. Aplicação do princípio da
igualdade, corolário do princípio da simetria.
3. Recurso especial improvido.

Da mesma forma, em recente julgado, o Tribunal Regional Eleitoral


do Rio de Janeiro (TRE-RJ) também decidiu pela aplicação do Decreto nº
20.910/32 no que tange ao prazo de prescrição de multa eleitoral:

Multa Eleitoral. Prescrição Quinquenal. Aplicação do prazo


comum previsto na legislação substantiva civil. Impossibilidade.
Relação de Direito Público. Aplicação do Decreto nº 20.910/32.
Princípio da Simetria. Desprovimento do recurso.
Acórdão
POR UNANIMIDADE, REJEITOU-SE A PRELIMINAR E,
NO MÉRITO, NEGOU-SE PROVIMENTO AO RECURSO,
NOS TERMOS DO VOTO RELATOR. (grifos nossos)
(RE 6674 RJ. Rel. Luiz Felipe Miranda de Medeiros Francisco.
Julgamento: 30/05/2009. Publicação: Diário Oficial do Estado
do Rio de Janeiro, Tomo 77, Data 30/05/2009, p. 82).

O entendimento do TRE/RJ esposado no julgado acima não


encontra eco no âmbito da Justiça Especializada, pois, desde 2002,
tal entendimento já estava superado no TSE, o qual sujeitou as multas
eleitorais à prescrição ordinária das ações pessoais, nos termos da
Doutrina 65

legislação civil. E esse entendimento firmado no âmbito do TSE está


em perfeita sintonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
(STF), conforme ressaltado na Resolução TSE nº. 21.197/2002.
Nesse sentido, sobre prescrição de dívida ativa não tributária,
a Corte Excelsa afastou a aplicação do Código Tributário Nacional em
relação aos débitos não tributários, manifestando-se pela aplicação do
Código Civil. Do voto do Ministro Relator, Ilmar Galvão, destaca-se o
seguinte excerto, com os destaques pertinentes:

A alegada prescrição, por outro lado, não se verificou.


É que, não se tratando de crédito tributário, não tem aplicação
ao caso a norma do art. 174 do CTN. E por estar-se diante de
dívida ativa, e não passiva, não incidem as normas do art. 177,
parágrafo 10, VI, do Código Cível, e do art. 1º do Decreto
20.910/32. Esses diplomas – adverte Washington de Barros
Monteiro (Curso, 1º vol., Forense, 1977) – “são concernentes
às dívidas passivas, no tocante às ativas, a prescrição é a
ordinária, isto é, só se consuma no fim de vinte anos”.
Na verdade,não se justificaria que o crédito público ordinário
viesse a receber tratamento menos favorável do que o
particular, em matéria de prescrição.
(Mandado de Segurança nº 21.468-6/CE. Relator Mim. Ilmar
Galvão. Tribunal Pleno, sessão de 13/08/92, DJ de 25/09/91).

Em recente julgamento, o Tribunal Regional Eleitoral do


Tocantins (TRE/TO) firmou o entendimento que ora se apresenta como
praticamente consolidado sobre a matéria em apreço. Segundo essa
egrégia Corte, na ausência de legislação específica, deve-se aplicar às
multas eleitorais a prescrição decenal prevista no novo Código Civil
brasileiro. Este posicionamento está em perfeita consonância com o
entendimento firmado no âmbito das Cortes Superiores:

MULTA ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL


IRREGULAR. DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA.
PRESCRIÇÃO. CÓDIGO CIVIL.
1. A execução de multa eleitoral é prevista no Código
Eleitoral e disciplinada pela Resolução TSE nº 21.975/04 e
pela Portaria TSE nº 288/05.
2. As multas não satisfeitas no prazo de trinta dias do trânsito
66 Revista Eleições & Cidadania

em julgado da decisão serão consideradas dívida líquida e


certa, para efeito de cobrança, mediante executivo fiscal (Res.
TSE nº 21.975/04, art. 3º e Portaria TSE nº 288/05, art. 4º),
devendo os autos e o Termo de Inscrição de Multa Eleitoral
serem encaminhados à Procuradoria da Fazenda Nacional.
3. A dívida ativa tributária é aquela decorrente de impostos,
taxas, contribuições, multas e encargos a estes relativos,
exigíveis em virtude de lei tributária, após o regular
procedimento administrativo de lançamento. Apenas para
essa aplica-se o prazo prescricional previsto no art. 174 do
CTN.
4. A multa decorrente de propaganda eleitoral irregular insere-
se no conceito de dívida ativa não-tributária (art. 39, § 2º, Lei
4.320/64). Inexistindo na legislação vigente prazo prescricional
específico, aplica-se a prescrição decenal prevista no novo
Código Civil brasileiro, porquanto caracterizada a regra de
transição do art. 2028. O termo a quo da prescrição decenal é
a data da vigência desse diploma, qual seja, 11/01/2003, o que
resulta na não caracterização da prescrição.
Acórdão
Por unanimidade de votos, o Tribunal determinou o
encaminhamento dos autos e do respectivo Termo de Inscrição
de Multa Eleitoral à Procuradoria da Fazenda Nacional para
fins de cobrança mediante executivo fiscal.
(TRE/TO. Processo: EI 6593, Relator(a): JOSÉ GODINHO
FILHO, Julgamento: 11/12/2007, Publicação: DJ - Diário de
justiça, Tomo 1871, Data 13/12/2007, Página B-9)

Assim, definindo-se pela aplicação da lei civil às multas


eleitorais, o enquadramento vem sendo feito no artigo 205 do Código
Civil de 2002, que dispõe: “a prescrição ocorre em dez anos, quando a
lei não lhe haja fixado prazo menor”.

Conclusão
À luz dos julgados objeto da presente análise e da legislação
pertinente, é possível pontuar as seguintes conclusões sobre a matéria.
A discussão concernente à legitimidade para a execução judicial das
multas eleitorais encontra-se apaziguada, competindo à Procuradoria
Geral da Fazenda Nacional esse papel, providência que deve ser
Doutrina 67

precedida da inscrição do débito na Dívida Ativa da União.


A competência para processar o julgar a execução das multas
eleitorais é da Justiça Especializada, devendo o processo ser instaurado
perante os Juízes Eleitorais, conforme preceitua o art. 109, I, da
Constituição Federal de 1988.
No que tange ao regime legal de prescrição a ser aplicado
às multas eleitorais, conquanto ainda haja vacilação no âmbito da
justiça especializada, especialmente dos Juizes e Tribunais Regionais
Eleitorais, o entendimento que vem predominando na jurisprudência
pátria, inclusive no âmbito dos tribunais superiores, é no sentido de que
seja aplicado a tais multas o prazo de prescrição ordinária estabelecido
no Código Civil brasileiro, restando afastadas as aplicações do CTN e
do Decreto nº 20.910/32.
Definida a aplicação da lei civil, o enquadramento que vem
preponderando na jurisprudência nacional é o do artigo 205 do Código
Civil de 2002, que estabelece o prazo prescricional de dez anos para
a cobrança de tais débitos. Esse entendimento pretoriano se espraia
também a outras multas administrativas aplicadas por órgãos federais,
desde que, em relação às mesmas, não haja regime legal específico.
68 Revista Eleições & Cidadania

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República


Federativa do Brasil.. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/Constituicao Compilado.html> Acesso em: 15
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em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D20910.html>.
Acesso em: 15 nov. 2011.
______. Lei nº. 4.737, de 15 de julho de 1965. Disponível em:
<http://www.tse.jus.br/internet/jurisprudencia/codigo_eleitoral/index.
html>. Acesso em: 11 nov. 2011.
______. Lei nº. 6.830, de 22 de setembro de 1980. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6830.html>. Acesso em: 15
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______. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.html>. Acesso
em: 15 nov. 2011.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº. 623.023-
RJ (2004/0011071-9). Disponível em: < http://www.stj.jus.br/
websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=589137&nreg=200400110719
&dt=20051114&formato=PDF>. Acesso em: 15 nov. 2011.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de segurança nº.
21.468-6/CE. Disponível em: <http:/redir.stf.jus.br/paginadopub/
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nº. 157.28-GO. Disponível em:<http://www.tse.gov.br/sadJudSjur/
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Doutrina 69

______. Resolução nº. 21.975, de 16 de dezembro de 2004.


Disponível em: <http://www.tse.jus.br/internet/jurisprudencia/codigo_
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GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 7. ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: Atlas, 2011.
70 Revista Eleições & Cidadania
71

A COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DAS CONTAS DO


PODER EXECUTIVO E A INELEGIBILIDADE DECORRENTE
DE SUA REJEIÇÃO: POSICIONAMENTO DO TRIBUNAL
SUPERIOR ELEITORAL E DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL
Leandro Maciel do Nascimento *

Resumo

As contas prestadas no âmbito do Poder Executivo dividem-se


em contas de governo e contas de gestão. As primeiras tratam das
opções políticas e dos resultados atingidos e são julgadas pelo Poder
Legislativo, cuja deliberação é precedida de parecer prévio do tribunal
de contas. As segundas tratam dos atos de ordenação de despesa e são
objeto de julgamento terminativo por parte dos tribunais de contas, cuja
deliberação não se sujeita a reavaliação pelo Poder Legislativo. Quando
o chefe do Poder Executivo atua também como ordenador de despesa,
suas contas devem ser submetidas a julgamentos por órgãos distintos:
as contas de governo, pelo Legislativo; as contas de gestão, pela corte
de contas. Em ambos os casos, uma das conseqüências pela rejeição das
contas será a inelegibilidade para qualquer cargo pelo prazo de oito
anos.

PALAVRAS-CHAVE: Executivo. Rejeição. Contas. Inelegibilidade.


Competência.

*
Especialista em Direito Constitucional pela UFPI. Professor de Direito Constitucional.
Procurador do Ministério Público de Contas do Estado do Piauí. Endereço residencial: Av.
Noronha Almeida, 2196, Bloco III, Apartamento 302, Bairro São João, Teresina-PI. CEP
64.045-500 - Endereço profissional: Av. Pedro Freitas, 2100, 3º andar do edifício sede do
Tribunal de Contas do Estado do Piauí, Centro Administrativo, Teresina-PI, CEP 64.018-
900. Endereço eletrônico: macieldonascimento@hotmail.com - Contatos telefônicos: (86)
8835-7886 e (86) 3215-3977
72 Revista Eleições & Cidadania

Introdução
Em decisões recentes1 o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
reforçou o entendimento de que, em se tratando do chefe do poder
executivo, somente ocorre a inelegibilidade por rejeição de contas2
após o julgamento pelo poder legislativo.
Como fundamento, as decisões indicam a sistemática
constitucional prevista para a análise das contas do presidente da
República (apreciação, mediante parecer prévio, por parte do Tribunal
de Contas da União3 e julgamento pelo Congresso Nacional)4 e dos
prefeitos (apreciação, mediante parecer prévio, pelo tribunal de
contas5 e julgamento a cargo da câmara municipal).6 Trata-se, pois,
de dupla análise; uma preparatória a cargo dos tribunais de contas;
outra terminativa de competência do poder legislativo. Quanto aos
governadores, embora não haja menção expressa na Constituição
Federal (CF), o mesmo procedimento é aplicado por simetria, conforme
estabelece o art. 75.
No entanto, conforme a Constituição Federal, as contas no
âmbito do poder executivo são de duas espécies: de um lado as contas
de governo e de outro as de gestão.
Relativamente às primeiras, o tribunal de contas emite parecer
prévio; quanto às segundas, profere julgamento terminativo, o qual não
pode ser revisto pelo Poder Legislativo.
Não obstante, para fins de inelegibilidade, o TSE entende que a
rejeição das contas do chefe do poder executivo deve ser feita unicamente
pelo poder legislativo (tanto nas de governo quanto nas de gestão).7 Para

1
AgR-RO nº 256.508-Recife/PE. Rel. Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, DJE
22.02.2011, p. 50-51 e AgR-RO nº 462.727-Fortaleza/CE. Rel.. Marcelo Henriques Ribeiro
de Oliveira, DJE - 11.04.2011, p. 30-31. Disponível em www.tse.jus.br. Acesso em: 15.11.2011.
2
Art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/1990, com redação dada pela Lei Complementar nº
135/2010.
3
Art. 71, I, CF.
4
Art. 49, IX, CF.
5
Art. 31, § 1º, CF.
6
Art. 31, § 2º, CF.
7
“Nos termos do art. 31 da Constituição Federal, a Câmara Municipal é o órgão competente
para o julgamento das contas de prefeito, ainda que ele seja ordenador de despesas, cabendo
ao Tribunal de Contas tão somente a emissão de parecer prévio”. TSE, RO nº 67.033-Palmas/
TO. Rel. Min. Aldir Guimarães Passarinho Junior. Publicado em Sessão, Data 07.10.2010.
Disponível em www.tse.jus.br. Acesso em: 15.11.2011.
Doutrina 73

a Corte, o chefe do executivo possui foro por prerrogativa de função no


poder legislativo para julgamento de sua atuação, independentemente
da natureza das contas que foram prestadas.
Ressalte-se que o próprio TSE não aplica esse posicionamento
em todos os casos. Em verdade, admite uma exceção: ao tratar de
convênios, ajustes ou acordos, o entendimento é de que se o chefe do
executivo ordenar as despesas, será julgado pelo tribunal de contas e
não pelo poder legislativo. Neste caso haverá julgamento terminativo8
e não um parecer prévio a ser encaminhado à assembleia legislativa ou
à câmara municipal. Indica-se como fundamento a regra do art. 71, VI,
da Constituição Federal.
A posição não é nova e já foi externada pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) em julgado de 1992. Na ocasião, foi decidido que ao
“Poder Legislativo compete o julgamento das contas do chefe do
Executivo, considerados os três níveis - federal, estadual e municipal.”
Nesse caso, “o Tribunal de Contas exsurge como simples órgão
auxiliar, atuando na esfera opinativa.”9
Mais recentemente, o STF voltou a discutir a possibilidade de
os tribunais de contas julgarem (e não apenas emitirem parecer prévio
sobre) os atos de gestão praticados pelo chefe do poder executivo. Houve
decisões monocráticas distintas. Para uns, a apreciação das contas
prestadas pelo chefe do poder executivo – “que é a expressão visível
da unidade institucional desse órgão da soberania do Estado -constitui
prerrogativa intransferível do Legislativo, que não pode ser substituído
pelo Tribunal de Contas.”10 Para outros, a referida autoridade também
pode atuar como “administrador responsável pelo dinheiro público” e
nesta condição “está a todo o momento sujeito à fiscalização pelo órgão
auxiliar do legislativo [...] na qualidade de responsável específico e

8
Cabe ao Tribunal de Contas apenas a emissão de parecer prévio, salvo quando se tratar
de contas atinentes a convênios, pois, nesta hipótese, compete à Corte de Contas decidir e
não somente opinar”. TSE, AgR-RO nº 249.184-Salvador/BA. Rel. Min. Marcelo Henriques
Ribeiro de Oliveira. Publicado em Sessão, Data 06.10.2010. Disponível em www.tse.jus.br.
Acesso em: 15.11.2011.
9
RE 132.747. Rel.: Min. Marco Aurélio. Tribunal Pleno, votação por maioria. Julgado em
17.06.1992, DJ 0712 - 1995 p. 42610 EMENT VOL-01812-02 p. 00272. Disponível em
www.stf.jus.br. Acesso em 15.11.2011.
10
Rcl 11.499 MC, Rel.: Min. Celso de Mello, julgado em 16.06.2011, publicado em Processo
Eletrônico DJe118 DIVULG 20.06.2011 PUBLIC 21.06.2011. Acesso em: 15.11.2011.
74 Revista Eleições & Cidadania

individualizável pela execução eventualmente ilegal de certas despesas


publicas.”11
A discussão mostra-se tão relevante que o STF atribuiu
repercussão geral ao recurso extraordinário12 que trata da matéria.
Contudo, até dezembro de 2011, o julgamento não foi finalizado.13
Nesse contexto, o presente trabalho objetiva apresentar os
principais pontos acerca da competência para o julgamento das contas
do chefe do poder executivo e expor os requisitos para a inelegibilidade
prevista no art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90.
Trata-se de matéria relevante, haja vista que repercute no trabalho
dos tribunais de contas e da Justiça Eleitoral. E mais: afeta as justas
expectativas do cidadão de ter a boa aplicação dos recursos públicos pelo
representante máximo de cada unidade federada e de poder participar
de eleições livres da influência do poder econômico e do poder político,
principalmente no âmbito municipal, onde historicamente a confusão
entre contas de governo e contas de gestão é mais presente.
Dessa forma, inicialmente, será apresentado um esboço do
sistema constitucional de controle das contas públicas. Em um segundo
momento, será mostrado o caráter dual das deliberações dos tribunais
de contas quanto ao poder executivo.
Por fim, será demonstrado que a inelegibilidade prevista no art.
1º, inc. I, g, da Lei Complementar nº 64/90 está em sintonia com o
sistema dual de julgamento das contas no âmbito do poder executivo.

11
Rcl 11.473 MC, Rel.: Min. Joaquim Barbosa, julgado em 06.06.2011, publicado em Processo
Eletrônico DJe110 DIVULG 08.06.2011 PUBLIC 09.06.2011. No mesmo caso, o relator
aduz: “Devido à ausência de atualização da lei de normas gerais de direito financeiro (arts.
163, caput e 165, § 9º, I e II da Constituição e art. 35, § 2º do ADCT) e à superveniência de
diversos outros textos legais relevantes (e.g., a Lei de Responsabilidade Fiscal, LC
101/2000), não é possível afastar, a priori e em termos definitivos, a cisão entre a atuação
político-orçamentária, submetida ao controle direto pelo Legislativo, e a atuação concreta,
sujeita ao exame técnico dos Tribunais de Contas, em relação ao chefe do Executivo.”
Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em: 15.11.2011.
12
RE 597.362 RG. Rel. Min. Ayres Britto. Julgado em 09.04.2009, DJe-104 DIVULG
04.06.2009 PUBLIC 05.06.2009 EMENT VOL 02363-11 p. 02291. Segundo a decisão que
acolheu repercussão geral, “a questão posta nos autos – competência exclusiva da Câmara
Municipal para julgar as contas do Chefe do Executivo, atuando o Tribunal de Contas como
órgão opinativo – nitidamente ultrapassa os interesses subjetivos da causa.” Disponível em
www.stf.jus.br. Acesso em: 15.11.2011.
13
Conforme verificado em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.
asp?incidente= 2663414. Acesso em: 05.12.2011.
Doutrina 75

O dever de prestar contas e os sistemas constitucionais de controle


e de fiscalização da aplicação dos recursos públicos

Como consequência do princípio republicano,14 a constituição


brasileira de 1988 estabelece que “prestará contas qualquer pessoa física
ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie
ou administre dinheiros, bens e valores públicos.”15
Prestar contas é dever dos mais caros ao direito brasileiro e
constitui um dos chamados princípios sensíveis16 da atual constituição.
Seu descumprimento justifica a mais grave medida aplicável no âmbito
de uma federação, que é a intervenção na unidade inadimplente. Assim,
na ausência de prestação de contas, a União pode intervir nos estados e
no Distrito Federal17 e os estados, nos municípios.18
Mais do que dever jurídico, prestar contas é obrigação moral
decorrente “da racionalidade humana, da ordem regular das coisas”.19
Quem administra bens alheios deve explicar o modo como foram
utilizados e a destinação que lhes foi dada. Segundo José Ribamar
Caldas Furtado:

O fenômeno que coloca coisa alheia nas mãos de terceiros


tem o condão de fazer surgir, concomitantemente, a respectiva
responsabilidade pelo seu destino. Como decorrência
inexorável dessa responsabilidade, vem o correspondente
dever de prestar contas. Tem-se, então, a figura do devedor de
contas, que é o administrador de bens ou interesses alheios,
e a do credor delas, que é o beneficiário em favor de quem
se efetivou a administração. Essa relação jurídica deriva do
direito natural; é obrigação universal, vale para todos e em
toda parte; é incumbência imutável, não se podendo nem
cogitar da sua dispensa; é dever que é, pela própria natureza;

14
ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. atual. São Paulo: Malheiros,
2007. p. 78-79.
15
Art. 70, parágrafo único, CF.
16
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. São Paulo: Malhei-
ros, 2002, p 593.
17
Art. 34, inc. VII, al. d, CF.
18
Art. 35, inc. II, CF.
19
FURTADO, José de Ribamar Caldas. Os regimes de contas públicas: contas de governo e
contas de gestão. Revista do Tribunal de Contas da União. Brasília, v. 35, n. 109, p. 61,
maio/ago. 2007.
76 Revista Eleições & Cidadania

decorre da racionalidade humana, da ordem regular das coisas;


é preceito bom, a priori, não por vontade da lei; não por ser
útil, mas por determinação da própria natureza do ato de
administrar coisa alheia; é imposição da própria consciência
e não da vontade do legislador. É essa força que impulsiona o
síndico do condomínio de um edifício a prestar constas de sua
gestão, e até mesmo uma criança a informar ao tio o preço do
sorvete, justificando o valor do troco devolvido.20

Caracterizado o dever, como é realizado o controle dos recursos públicos?


Sem detalhar outras classificações, a constituição brasileira
determina a atuação dos sistemas de controle interno e externo,21 os quais
são mecanismos complementares22 e que têm por objetivo “influenciar
o processo decisório, aprimorando-o em prol da sociedade”,23 de modo
que os gastos sejam econômicos, eficientes e eficazes.
O controle interno deve ser realizado pelos órgãos competentes
de cada um dos poderes. Como exemplos, há a Controladoria Geral
da União,24 no âmbito do poder executivo, e o Conselho Nacional de
Justiça,25 no âmbito do judiciário. Além disso, devem existir órgãos
internos no âmbito do legislativo, do ministério público e dos tribunais
de contas. Ou seja, a situação ideal é que cada unidade gestora tenha
seu controle interno, para que as correções de rumo sejam feitas o mais
cedo possível de modo a prevenir os desvios.
Ponto importante é que o controle interno deve apoiar o controle
externo no exercício de sua missão institucional.26 Ressalte-se que tal
apoio é dever jurídico sujeito a sanções, uma vez que o responsável pelo

20
FURTADO, op. cit., p. 61.
21
MILESKI, Helio Saul. O controle da gestão pública. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003. p. 156-157.
22
AGUIAR, Ubiratan Diniz et al. A administração pública sob a ótica do controle externo.
Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 138.
23
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e
competência. Belo Horizonte: Fórum, 2003. p. 34.
24
ZYMLER, Benjamin. Direito administrativos e controle. Belo Horizonte: Fórum, 2005.
p. 262-263.
25
ADI 3.367-DF. Rel. Min. Cezar Peluso. DJ 17.03.2006, p. 04. “Conselho Nacional de Jus-
tiça. Instituição e disciplina. Natureza meramente administrativa. Órgão interno de controle
administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura. Constitucionalidade reconhecida.”
Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em: 15.11.2011.
26
Art. 74, inc. IV, CF.
Doutrina 77

controle interno deverá dar ciência ao tribunal de contas de qualquer


irregularidade ou ilegalidade que tomar conhecimento, sob pena de
responsabilidade solidária.27
Por outro lado, a segunda modalidade de controle, o externo,
deve ser exercida pelo poder legislativo,28 como consequência do
princípio democrático.29
No âmbito federal, tal atribuição deve ser exercida diretamente
pelo Congresso Nacional (por meio de suas casas ou comissões) ou,
indiretamente, com o auxílio do TCU.30
Além de suas funções legiferantes, o Congresso Nacional
também deve controlar e fiscalizar. Essas atribuições ocorrem
quando se exige autorização para “o Presidente e o Vice-Presidente
da República a se ausentarem do País, quando a ausência exceder a
quinze dias”;31 na hipótese de sustação de “atos normativos do Poder
Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de
delegação legislativa”;32 na prerrogativa de “aprovar iniciativas do
Poder Executivo referentes a atividades nucleares”;33 na possibilidade
de a Câmara dos Deputados e o Senado Federal convocarem Ministro
de Estado ou titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência
da República para prestarem, pessoalmente, informações “sobre assunto

27
Art. 74, § 1º, CF.
28
“Em três passagens, a Constituição Federal deixa assente, de forma clara, que o titular do
controle externo em nosso ordenamento jurídico é o Poder Legislativo: art. 31, caput, art.
70, caput e art. 71, caput.” AGUIAR, Ubiratan Diniz. Ob. Cit., p. 142.
29
“A função de fiscalização, que surgira com o constitucionalismo e o Estado de Direito implanta
do com a Revolução francesa, sempre constituiu tarefa básica dos parlamentos e assembléias
legislativas. No sistema de separação de poderes, cabe ao órgão legislativo criar as leis, por isso
é da lógica do sistema que a ele também se impute a atribuição de fiscalizar seu cumprimento
pelo Executivo, a que incumbe a função de administração. Por outro lado, no que tange ao as
pecto específico que nos interessa aqui – o do controle da administração financeira e orçamen-
tária – reserva-se ao Legislativo o poder financeiro, como uma de suas conquistas seculares, pela
qual firmara mesmo sua autonomia, sendo, portanto, também de palmar evidência que a ele há
de pertencer, em última análise, aquele controle, denominado controle externo, sem embargo de
que se erija e desenvolva, na Administração moderna, eficiente sistema de autocontrole – o cha-
mado controle interno – de que é titular cada um dos Poderes onde ele atua (art. 70)”. SILVA,
José Afonso da. Ob. Cit., p. 725-726.
30
Art. 71, CF.
31
Art. 49, inc. II, CF.
32
Art. 49, inc. V, CF.
33
Art. 49, inc. XIV, CF.
78 Revista Eleições & Cidadania

previamente determinado, importando crime de responsabilidade a


ausência sem justificação adequada”;34 na prerrogativa de instalar
comissões parlamentares de inquérito35 e, principalmente, no momento
em que o Congresso Nacional julga as contas prestadas pelo Presidente
da República.36 Como dito, ainda no âmbito do controle externo, o
Congresso Nacional atua também de maneira indireta. Nesse caso,
recebe auxílio do TCU. Este possui as competências privativas previstas
no art. 71 da CF, dentre as quais, julgar as contas dos administradores e
demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos e as contas
daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de
que resulte prejuízo ao erário público.37
Ressalte-se que, para o desempenho de suas funções, foi atribuído
ao TCU um formato de tribunal judicial (muito embora não seja órgão
do poder judiciário).38 Assim, seus membros possuem “as mesmas
garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos
Ministros do Superior Tribunal de Justiça”.39 Além disso, tal como os
órgãos do poder judiciário, o TCU possui autonomia administrativa,
financeira, orçamentária e a iniciativa privativa de projetos de lei que
digam respeito a matérias de sua competência.40
Acrescente-se que, muito embora o TCU preste auxílio ao
Congresso Nacional, não há subordinação. Em verdade, além das
garantias funcionais e institucionais, as decisões do tribunal não estão
sujeitas a recurso para o poder legislativo.41
Assim, no âmbito de sua competência, os tribunais de contas

34
Art. 50, CF.
35
Art. 58, § 3º, CF.
36
Art. 49, inc. IX, CF.
37
Art. 71, inc. II, CF.
38
Art. 92, CF.
39
Art. 73, § 3º, CF.
40
“Conforme reconhecido pela Constituição de 1988 e por esta Suprema Corte, gozam as
Cortes de Contas do país das prerrogativas da autonomia e do autogoverno, o que inclui,
essencialmente, a iniciativa reservada para instaurar processo legislativo que pretenda alte-
rar sua organização e seu funcionamento, como resulta da interpretação sistemática dos
artigos 73, 75 e 96, II, “d”, da Constituição Federal [...].” ADI nº 4.418-MC. Rel. Min. Dias
Toffoli. Julgamento: 06.10.2010. DJe-035 Publicado em 22.02.2011. Disponível em www.
stf.jus.br. Acesso em: 15.11.2011.
41
ADI 3.715-MC. Rel. Min. Gilmar Mendes. De acordo com o relator, “o exercício da com-
petência de julgamento pelo Tribunal de Contas não fica subordinado ao crivo posterior do
Poder Legislativo.” Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em: 15.11.2011.
Doutrina 79

dão a última palavra (ressalvada a apreciação judicial, em face do art.


5º, XXXIV). Por fim, para reforçar a ausência de subordinação, o poder
legislativo não julga suas próprias contas. Quem julga é a corte de contas.
Convém observar que o modelo do TCU há de ser aplicado “no
que couber” aos tribunais de contas dos estados, do Distrito Federal e
dos municípios.42
Assim, o controle da gestão pública, no âmbito estadual, distrital
e municipal, é feito de forma interna e externa.
No âmbito interno, pelo sistema de cada poder e, no externo,
pelo poder legislativo do ente da federação (assembleia legislativa,
câmara municipal ou Câmara Legislativa).
No âmbito municipal, em face das peculiaridades e das
diferenças existentes entre os municípios brasileiros, “o parecer prévio,
emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve
anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços
dos membros da Câmara Municipal”43 e, por outro lado, “é vedada a
criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas municipais”.44 No
entanto, os tribunais de contas municipais criados antes da constituição
de 1988 (como no caso das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo)
foram recepcionados e, de acordo com o STF:
A vedação contida no parágrafo 4º do art. 31 da Constituição
Federal só impede a criação de órgão, Tribunal ou Conselho de Contas,
pelos Municípios, inserido na estrutura destes. Não proíbe a instituição
de órgão, Tribunal ou Conselho, pelos Estados, com jurisdição sobre as
contas municipais.45
Enfim, devem existir controles interno e externo. Este, a cargo
do poder legislativo, o qual pode exercê-lo diretamente ou, de forma
indireta, com o auxílio dos tribunais de contas. Ao prestá-lo, as cortes
emitem dois tipos de deliberação:
1) um parecer prévio quanto às contas de governo (manifestação
opinativa e provisória, a qual será objeto de julgamento pelo poder

42
Art. 75, CF.
43
Art. 31, § 2º, CF.
44
Art. 31, § 4º, CF.
45
ADI 154-RJ. Rel. Min. Octávio Gallotti, julgamento 18.04.1990, DJ 11.10.1991, p. 14247.
No mesmo sentido, ADI 687, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 02.02.1995, DJ de
10.02.2006, p. 05. Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em: 15.11.2011.
80 Revista Eleições & Cidadania

legislativo) e 2) julgamentos terminativos quanto às contas de gestão


(os quais não estão sujeitos à análise e revisão pelo poder legislativo).

Sistema dual de julgamento de contas públicas

Contas de governo

As contas de governo dizem respeito ao cumprimento da


chamada função de governo46 a cargo do poder executivo,47 a qual
consiste no trabalho de estabelecer metas e prioridades, fornecer os
meios e cobrar os resultados de seus subordinados.
Tomando a União como exemplo, ao presidente da República
compete “remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional
por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do
País e solicitando as providências que julgar necessárias” (art. 84, XI);
“enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de
diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta
Constituição” (art. 84, XXIII); “exercer, com o auxílio dos Ministros
de Estado, a direção superior da administração federal” (art. 84, II);
“nomear e exonerar os Ministros de Estado” (art. 84, I); “iniciar o
processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição”
(art. 84, III).
A análise das atribuições do presidente da República, enquanto
chefe de governo, não deixa dúvida quanto ao seu papel de responsável
maior pela boa condução das opções de políticas submetidas à aprovação
do eleitorado durante a campanha eleitoral.
Tendo sido eleito, cabe ao chefe do executivo apresentar o plano
de governo ao poder legislativo. Uma vez aprovado, cabe ao presidente da
República montar a equipe para a execução. Além disso, cabe-lhe o papel de
gerente, no sentido de cobrar os resultados, coibir os abusos, as imoralidades
e as ilegalidades (sob pena de ser responsabilizado pela eventual conivência),
bem como fazer as correções de rumo. Conforme José de Ribamar Caldas
Furtado, as contas de governo possuem objeto próprio:
46
BULOS, Uadi Lammego. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2009. p. 1091.
47
CUNHA JUNIOR, Dirley. Curso de direito constitucional. 5. ed. Salvador: Jus Podium,
2011. p. 1.057.
Doutrina 81

Tratando-se de exame de contas de governo o que deve ser


focalizado não são os atos administrativos vistos isoladamente,
mas a conduta do administrador no exercício das funções
políticas de planejamento, organização, direção e controle
das políticas públicas idealizadas na concepção das leis
orçamentárias (PPA, LDO e LOA), que foram propostas pelo
Poder Executivo e recebidas, avaliadas e aprovadas, com ou
sem alterações, pelo Legislativo. Aqui perdem importância as
formalidades legais em favor do exame da eficácia, eficiência
e efetividade das ações governamentais. Importa a avaliação
do desempenho do chefe do Executivo, que se reflete no
resultado da gestão orçamentária, financeira e patrimonial.48

As contas de governo acarretam responsabilidade política49 em


face das prioridades escolhidas e do monitoramento dos resultados.
Neste caso, o julgamento do chefe do poder executivo fica a cargo do
poder legislativo. De acordo com Rosana Bellan e Elóia Silva, “trata-se
de prestação de contas cujo julgamento recairá sobre resultados e não
sobre a regularidade dos atos decorrentes da função administrativa que
levaram aos resultados.”50
Nesta modalidade, o tribunal de contas não julga; unicamente
presta auxílio ao órgão julgador, através de parecer prévio. Esta
manifestação deverá ter natureza técnica e subsidiará o julgamento
político, a cargo dos representantes da população. José de Ribamar
Caldas Furtado menciona os pontos mínimos de um parecer prévio:

[...] ao prestar auxílio ao órgão julgador (Parlamento), a


Instituição de Contas deve instruir o processo informando
sobre a harmonia entre os programas previstos na lei
orçamentária, o plano plurianual e a lei de diretrizes
orçamentárias, bem como sobre o cumprimento de tais
programas quanto à legalidade, legitimidade, economicidade
e alcance das metas estabelecidas. Nesse mister, é de grande

48
FURTADO, op. cit., p. 70.
49
VASCONCELOS, Marcio. O duplo julgamento das contas de prefeitos ordenadores de despesas.
Revista do Tribunal de Contas do Estado do Piauí, Teresina, v. 11, n.1, p. 17-18, jan./
dez. 2007.
50
BELLAN, Rosana Aparecida; SILVA, Elóia Rosa. A dupla função do Tribunal de Contas
na fiscalização das contas do prefeito municipal. Revista Técnica dos Tribunais de Contas,
Belo Horizonte, ano 2, n. 1, p. 61, set. 2011.
82 Revista Eleições & Cidadania

relevância a utilização da denominada auditoria operacional


como instrumento de mensuração da legitimidade da atuação
do agente político. O Tribunal deve, também, verificar o
equilíbrio fiscal e evidenciar o reflexo da administração
financeira e orçamentária no desenvolvimento econômico
e social do ente federado, em especial nas áreas da saúde,
educação, emprego, renda, meio ambiente, segurança, infra-
estrutura e assistência social. Também deve ser examinado
se o gestor cumpriu os ditames da Lei de Responsabilidade
Fiscal referentes à transparência na gestão fiscal.51 (não
grifado no original)

No plano federal, compete ao presidente da República “prestar


suas contas ao Congresso Nacional no prazo de sessenta dias após a
abertura da sessão legislativa”,52 sob pena serem tomadas pela Câmara
dos Deputados.53 Recebidas as contas, “que consistirão nos balanços
gerais da União e no relatório do órgão central do sistema de controle
interno do Poder Executivo sobre a execução dos orçamentos de que
trata o § 5° do art. 165 da Constituição Federal”,54 serão encaminhadas
ao TCU para emissão de parecer prévio, “que deverá ser elaborado
em sessenta dias a contar de seu recebimento”,55 com as seguintes
informações:
a. Desempenho da economia brasileira, com avaliação dos
principais dados macroeconômicos, propiciando um panorama da
conjuntura econômica do exercício, levando em conta fatores que
possam influenciar a performance da economia do país, como as crises
financeiras internacionais.
b. Arrecadação da receita, incluindo multas e programas de
parcelamentos de créditos, bem como a evolução da carga tributária. Ademais,
busca-se dar transparência à evolução e comportamento das renúncias de
receitas decorrentes de benefícios de natureza tributária, financeira e creditícia.
c. Execução das despesas no exercício, considerando o que
foi planejado e estabelecido nos instrumentos de planejamento e

51
FURTADO, op. cit., p. 70.
52
Art. 84, XXIV, CF.
53
Art. 51, II, CF.
54
Art. 36, parágrafo único da Lei nº 8.443/1992.
55
Art. 71, I, CF.
Doutrina 83

orçamento do Governo Federal: Plano Plurianual (PPA), Lei de


Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA). As
transferências voluntárias, assim como as ações previstas no orçamento
de investimento das empresas estatais também são avaliadas. A gestão
fiscal, com ênfase no cumprimento dos limites estabelecidos na Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) é outro item da análise.
d. Ações setoriais das funções de governo, em que se busca
evidenciar os resultados da gestão pública, por meio da avaliação das diversas
funções de governo (Saúde, Educação, Assistência Social, Previdência
Social. Transportes, Energia etc.), dos programas do PPA e do Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC). Nesse tópico, ainda são incluídas as
análises referentes aos temas específicos elegidos para o exercício.
e. Demonstrações contábeis da União, em que se busca verificar
se as demonstrações contábeis apresentadas no Balanço-Geral da União
(BGU) de cada exercício expressam adequadamente, em seus aspectos
relevantes, a real situação orçamentária, financeira e patrimonial da
União. É de se ressaltar que o Tribunal tem envidado esforços com
vistas a fortalecer a análise dos demonstrativos financeiros consolidados
da União, contando, inclusive, com apoio do Banco Mundial para o
desenvolvimento de projeto com essa finalidade.56 (não grifado no
original) Em termos práticos, quanto às contas de 2010, assim se
manifestou o TCU:

Nesta oportunidade, o Tribunal de Contas da União, pela 76ª


vez, desempenha uma de suas mais importantes atribuições: a
de apreciar e emitir parecer prévio conclusivo sobre as Contas
que o Presidente da República, nos termos do inciso I do
art. 71 da Constituição Federal, deve anualmente prestar ao
Congresso Nacional. Assim, esta Corte de Contas oferece ao
órgão de cúpula do Poder Legislativo os elementos técnicos
de que necessita para emitir seu julgamento político e, assim,
atender o anseio da sociedade por transparência e correção na
gestão dos recursos públicos federais.
Encaminhadas pelo Excelentíssimo Senhor Presidente do

56
BARRETO, Davi Ferreira Gomes et. al. Contas de governo como instrumentos
de accountability, de melhoria da governança e de fomento à cidadania. Revista
do Tribunal de Contas da União, Brasília, ano 43, n. 121, p. 24-25, maio/ago. 2011.
84 Revista Eleições & Cidadania

Congresso Nacional, Senador José Sarney, no dia 11 de abril


de 2011, as presentes Contas referem-se ao período de 1º de
janeiro a 31 de dezembro de 2010, último ano de gestão do
segundo mandato do Governo do Excelentíssimo Senhor
Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva. Consistem
nos balanços gerais da União e no relatório do órgão central
do sistema de controle interno do Poder Executivo sobre a
execução dos orçamentos de que trata o § 5° do art. 165 da
Constituição Federal.

O TCU emite parecer prévio APENAS sobre as Contas


prestadas pelo Presidente da República. As contas atinentes aos órgãos
dos Poderes Legislativo e Judiciário e ao Ministério Público, por sua
vez, são individualmente julgadas por esta Corte, em consonância
com decisão cautelar do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de
Inconstitucionalidade – ADI 2.238-5/DF. Contudo, o relatório sobre
as Contas prestadas pelo Presidente da República contém informações
sobre os demais Poderes e sobre o Ministério Público, o que permite
compor um panorama da Administração Pública Federal e conhecer o
resultado de sua atividade.57 (não grifado no original)
Após, a conclusão, o parecer prévio é encaminhado ao Congresso
Nacional para julgamento, nos termos do art. 49, inc. IX.

Contas de gestão

Em abordagem diversa, as contas de gestão dizem respeito à execução


das opções políticas estabelecidas no cumprimento da função de governo.
Correspondem à função administrativa propriamente dita,
através da qual o gestor obedece às formalidades necessárias para
atingir as metas traçadas. As exigências formais, em linhas gerais, dizem
respeito às fases da despesa pública, à realização de prévia licitação
(quando obrigatória), à correta formalização e execução de contratos

57
BRASIL. Tribunal de Constas da União. Relatório e parecer prévio
sobre as contas do governo da república. Brasília: TCU, 2010. p. 11.
Disponível em: < http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/contas/
contas_governo/contas_10/index.html.>. Acesso em: 15 nov. 2011.
Doutrina 85

administrativos e ao respeito ao concurso público para admissão de


pessoal (nos casos em que é exigido).
Obviamente, essas atividades devem ser exercidas de modo
econômico, eficiente e eficaz.
Pela natureza de sua função, o chefe do executivo não deve
exercer atos de gestão. Estes devem ser feitos por sua equipe e por
seus subordinados. A prática demonstra que na União, nos estados, no
Distrito Federal e nos municípios maiores, dificilmente o presidente, o
governador e o prefeito praticam atos de despesa pública.
Dessa forma, o responsável pelos atos de gestão (e não o chefe
do executivo) deve prestar contas para o respectivo tribunal de contas, ao
qual cabe o julgamento terminativo. Nesse caso, não há participação do
poder legislativo.58 A deliberação é terminativa e tem fundamento no art.
71, inc. II, da Constituição Federal. De acordo com Márcio Vasconcelos:

No âmbito de atuação, as Cortes de Contas possuem legitimidade


para impor sanções aos gestores, que podem transmudar-se em
multas pecuniárias e imputações de débito pelo desfalque ou desvio
perpetrado pelo gestor aos cofres públicos, conforme preceitua
o art. 71, II, da Constituição Federal. Ressalte-se que as decisões
condenatórias de que resultem sanções têm eficácia de título
executivo, ou seja, não se submetem a processo de conhecimento
na via judicial.59
No âmbito da União, excluindo o presidente da República (que não
pratica atos de gestão), 60 compete ao TCU julgar as contas de todos
os administradores e responsáveis por dinheiros, bens e valores
públicos e “as contas daqueles que derem causa a perda, extravio
ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público”.61
Nesse caso, o TCU deverá utilizar parâmetros técnicos e jurídicos
para proferir julgamento, somente sendo reformável pelo poder
judiciário, mas ainda assim no que diz respeito ao cumprimento de
formalidades processuais, não quanto ao mérito ou ao seu conteúdo.

58
“Os arts. 70 a 75 da Lex Legum deixam ver que o controle externo – contábil, financeiro,
orçamentário, operacional e patrimonial – da administração pública é tarefa atribuída ao
Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas. O primeiro, quando atua nesta seara, o faz com
o auxílio do segundo que, por sua vez, detém competências que lhe são próprias e exclusi-
vas e que para serem exercitadas independem da interveniência do Legislativo”. STJ, RMS
nº 11.060-GO, DJ 16.09.200, p. 159. Disponível em www.stj.jus.br. Acesso em: 15.11.2011.
59
VASCONCELOS, op. cit. p. 18.
60
Art. 71, inc. I, CF.
61
Art. 71, inc. II, CF.
86 Revista Eleições & Cidadania

Em suma, as contas de governo serão apreciadas através de


parecer prévio do TCU e serão julgadas pelo Congresso Nacional.
Caso não as apresente no prazo constitucional, deverá haver tomada
de contas a ser feita pela Câmara dos Deputados. De outro lado, as
contas de gestão estão sujeitas a julgamento unicamente pelo TCU, sem
possibilidade de recurso para o Congresso Nacional.
Nos estados, no Distrito Federal e nos municípios maiores, o
modelo das contas da União é reproduzido sem maiores dificuldades.
Assim o presidente da República não ordena despesa, os governadores
e prefeitos das cidades maiores também não o fazem.
Tal função é entregue ao auxiliares diretos (secretários) e aos
gestores dos demais órgãos e entidades da administração pública. Desse
modo, a dualidade do julgamento das contas públicas é facilmente
visualizado. Dificuldades são verificadas no âmbito dos municípios
menores, nos quais ocorre confusão entre os responsáveis pelos dois
tipos de contas.

Confusão entre contas de governo e contas de gestão no


âmbito municipal.

Como dito, não se vislumbra que o presidente da República nem


os governadores atuem em questões cotidianas, rotineiras e operacionais
de atos administrativos ou de execução de despesa. De acordo com
Marcio Heleno Silva:

Essa distinção não gera controvérsia quando relacionada às


esferas federal e estadual, bem como quando relacionadas
aos municípios de maior porte, nos quais a arrecadação das
receitas e os ordenamentos das despesas não são realizados
pelo Chefe do Executivo, mas pelas unidades orçamentárias.
Nessas hipóteses, as contas do Chefe do Executivo submetem-
se ao regime de parecer prévio do Tribunal [de Contas] e
julgamento pelo Legislativo, e os atos dos ordenadores de
despesas, a julgamento pelo próprio Tribunal [de Contas].62

62
SILVA, Marcio Heleno. A dualidade de julgamento das contas públicas do chefe do poder
executivo municipal. Revista do Tribunal de Contas de Minas Gerais, Belo Horizonte,
v. 37, n. 4, p. 145, out./dez. 2000.
Doutrina 87

Entretanto, a diferenciação entre funções de governo e de


administração não é nítida em municípios menores.63 Por uma série
de fatores (de ordem econômica, social e política), nesses locais, os
prefeitos são gerentes e ao mesmo tempo ordenadores de despesa.
Ou seja, são responsáveis pelas escolhas políticas e também
pela execução de tais opções.
Nesse caso, pergunta-se: existe a dualidade entre contas de
governo e contas de gestão? Ou o prefeito estará sujeito a um julgamento
único? Se o julgamento for único, por qual órgão: o tribunal de contas
ou a câmara de vereadores?
De forma objetiva, mesmo quando o prefeito for ordenador
de despesa, a dualidade há de persistir, pois a Constituição Federal
diferencia as duas situações: as contas de governo (art. 71, inc. I) e as
contas de gestão (art. 71, inc. II).
Os chefes do poder executivo de qualquer esfera da federação
têm a prerrogativa de não se submeter a julgamento do tribunal de
contas. Para tanto, basta que não ordenem despesa, de modo que suas
contas de governo receberão parecer prévio e serão julgadas pelo
respectivo poder legislativo (no caso de município, as conclusões do
parecer prévio somente serão afastadas mediante maioria de 2/3 do
número de vereadores, conforme art. 31, § 2º, da Constituição Federal).
Caso contrário, estará sujeito a julgamento pelo tribunal de contas,
ainda que prefeito, governador ou mesmo presidente da República.
Com efeito, não é possível tratar a competência do Poder
Legislativo como se fosse um foro privilegiado a proteger a pessoa do
chefe do Poder Executivo.
Na verdade, busca-se proteger a função exercida, no caso, a
função de governo. Quanto aos atos mais corriqueiros da administração,
a competência deve ser do tribunal de contas, conforme posicionamento
do Superior Tribunal de Justiça:

Destarte, se o Prefeito Municipal assume a dupla função,


política e administrativa, respectivamente, a tarefa de executar
orçamento e o encargo de captar receitas e ordenar despesas,
submete-se a duplo julgamento. Um político perante o

63
FURTADO, op. cit., p. 74.
88 Revista Eleições & Cidadania

Parlamento precedido de parecer prévio; o outro técnico a


cargo da Corte de Contas.64

Por fim, o próprio TSE aceita, em pelo menos uma hipótese,


a dualidade de julgamento das contas prestadas pelo chefe do poder
executivo.65 Trata-se do reconhecimento da competência dos tribunais
de contas para o julgamento (e não apenas parecer prévio) das contas
prestadas pelo governador e pelo prefeito, relativamente a convênios e a
ajustes que envolvam repasse de dinheiro. E mais: caso a corte rejeite as
contas, o gestor ficará inelegível, independentemente de manifestação
da assembleia legislativa ou da câmara municipal.

Inelegibilidade do chefe do poder executivo em decorrencia


de julgamento de rejeição de contas (art. 1º, i, g, da lc nº 64/90)

Conforme já dito, o TSE somente reconhece a inelegibilidade


do chefe de poder executivo se o julgamento de irregularidade das
contas tiver sido feito pelo poder legislativo, independentemente de se
tratar de contas de governo ou de contas de gestão. A única exceção diz
respeito às contas relativas a convênios, acordos e ajustes, pois nesse
caso, a corte eleitoral entende que o julgamento é do tribunal de contas.
Contudo, fixadas as premissas, verifica-se que tal posicionamento não
se coaduna com as disposições constitucionais e legais que regem a matéria.
A distinção entre contas de governo e de gestão não foi um
descuido do poder constituinte e tem sua razão de ser. Em verdade,
busca-se, de uma parte, entregar o julgamento das escolhas políticas
(uma deliberação de natureza política) ao corpo de representantes eleitos.
De outra banda, objetiva-se retirar, da arena política, o julgamento das
64
RMS nº 11.060-GO, Relator para acórdão Min. Paulo Medina, DJ 16.09.2002, p. 159. Dis-
ponível em www.stj.jus.br. Acesso em: 15.11.2011.
65
“A exceção a essa regra geral é a do inciso VI do art. 71, da Constituição Federal,
ou seja, quando se trata de aplicação de recursos mediante convênios, hipótese em
que compete ao próprio Tribunal de Contas julgar as respectivas contas do Prefei-
to.” Trecho do voto condutor proferido no julgamento do TSE proferido no Recur-
so Ordinário nº 75179 -Palmas/TO, Rel. Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, pu-
blicação: PSESS -Publicado em Sessão, Data 08/09/2010. Disponível em www.
tse.jus.br. Acesso em: 15.11.2011.
Doutrina 89

questões técnicas do dia-a-dia administrativo e encaminhá-la a um


órgão com perfil técnico, no caso o tribunal de contas, que deve julgá-
las através de decisões fundamentadas, observado o devido processo
legal (em razão da forma judicial das referidas cortes).
Em verdade, a Constituição Federal não busca proteger a pessoa
do chefe do poder executivo, submetendo o julgamento de suas contas
sempre ao legislativo. O objetivo é outro: encaminhar a um órgão
político as contas de perfil político e a um órgão técnico, as de perfil
técnico, independentemente de quem seja o responsável.
Com seu entendimento,66 o TSE afasta por completo essa
sistemática. Assim, basta o prefeito municipal ser o ordenador de todas
as despesas para se tornar imune ao julgamento do tribunal de contas. E
mais: levada às últimas conseqüências, tal interpretação poderia deixar
todas as contas do ente federativo sem julgamento técnico, mesmo as
de gestão, cuja análise é essencialmente técnica. Sem dúvida, a situação
trará indiscutível prejuízo à coletividade, pois os cidadãos não receberão
uma posição precisa acerca dos atos de gestão administrativa.
Mesmo que não seja a intenção, a posição do TSE termina, na
prática, por facultar ao prefeito e ao governador escolher quem vai julgar suas
contas: os conselheiros ou os deputados ou os vereadores. Ora, em termos
de competência quanto à matéria, não cabe ao jurisdicionado escolher o
órgão em que prefere ser julgado, de acordo com sua conveniência.
Não é esse o objetivo da constituição. Em verdade, a solução correta
é: caso o chefe do poder executivo opte por atuar no cotidiano técnico das
questões administrativas, deverá submeter-se ao ônus de tal opção, qual
seja, o julgamento perante o tribunal de contas. O que não é possível é atuar
em campo técnico e querer submeter-se a julgamento político.
Ademais, outro aspecto deve ser tratado. A Constituição Federal
estabelece, no art. 71, § 3º, que “as decisões do Tribunal [de Contas]
de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título
executivo”. Ou seja, os Tribunais de Contas possuem a prerrogativa

66
“Nos termos do art. 31 da Constituição Federal, a competência para o julgamento das contas
de Prefeito é da Câmara Municipal, cabendo ao Tribunal de Contas a emissão de parecer
prévio, o que se aplica, inclusive, a eventuais atos de ordenação de despesas.” Recurso Or-
dinário nº 75179 -Palmas/TO, Rel. Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, publicação: PSESS
-Publicado em Sessão, Data 08/09/2010. Disponível em www.tse.jus.br. Acesso em:
15.11.2011.
90 Revista Eleições & Cidadania

de aplicar sanções e determinar devolução de valores desviados, não


aplicados ou mal aplicados. Para completar, tais decisões possuem
eficácia de título executivo, não necessitando de referendo judicial para
sua constituição e cobrança via execução forçada.
Ora, aplicação de multas e imputação de débitos somente
ocorrem na seara técnica, nas contas de gestão. Não ocorrem no campo
político, das contas de governo, uma vez que quem julga politicamente
o representante máximo do ente federativo são os representantes eleitos.
Assim, nas contas de governo não há aplicação e multa ou determinação
de devolução de recursos.
Adotar a tese de que o chefe do executivo deve ser julgado
unicamente por deputados e vereadores (em ambas as contas) é autorizar
o legislativo a desconstituir os títulos executivos produzidos pelos
tribunais de contas. Contudo, tal hipótese não tem respaldo constitucional,
visto que tais documentos somente podem ser desfeitos pelo poder
judiciário, na hipótese de existir vício que macule a sua formalização.
Se assim fosse, bastaria o prefeito chamar a si as funções atribuídas aos
ordenadores de despesa e estaria prejudicada uma das mais importantes
competências institucionais do Tribunal de Contas, que é julgar as contas
dos administradores e demais responsáveis por recursos públicos (CF,
art. 71, II). Sem julgamento de contas pelo Tribunal, também estaria
neutralizada a possibilidade do controle externo promover reparação
de dano patrimonial, mediante a imputação de débito prevista no artigo
71, § 3º, da Lei Maior, haja vista que a Câmara de Vereadores não pode
imputar débito ao prefeito. Isso produziria privilégio discriminatório
que consistiria em imunidade para os administradores municipais, sem
paralelo em favor dos gestores estaduais e federais.67
Além disso, qualquer dúvida sobre matéria (e seus efeitos quanto
à inelegibilidade) foi afastada pela nova redação da Lei Complementar
nº 64/90. O art. 1º, inc. I, g, (redação dada pela “lei da ficha limpa” -Lei
Complementar nº 135/2010) dispõe que:

Art. 1º São inelegíveis:


I -para qualquer cargo:

67
FURTADO, op. cit., p. 74- 75.
Doutrina 91

[...]
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos
ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável
que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por
decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver
sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições
que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir
da data da decisão, APLICANDO-SE O DISPOSTO NO
INCISO II DO ART. 71 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL,
A TODOS OS ORDENADORES DE DESPESA, SEM
EXCLUSÃO DE MANDATÁRIOS QUE HOUVEREM
AGIDO NESSA CONDIÇÃO. (não grifado no original)

A parte final do dispositivo citado estabelece que os mandatários


que ordenaram despesa submeter-se-ão a julgamento pelo tribunal de
contas, nos termos do art. 71, inc. II, da Constituição Federal. Isso vale
para senador, deputado e vereador que ocupe cargo no âmbito do poder
executivo e vale também para o presidente, o governador e o prefeito
que, deixando de lado suas funções de governo, pratique atos de gestão,
na qualidade de ordenador de despesa.68
Assim, em razão de tais fundamentos, verifica-se que o
entendimento mais adequado à letra e ao espírito da constituição é
aquele segundo o qual se reconhece a dualidade de julgamento para
o chefe do executivo: de um lado, julgamento pelo poder legislativo
(no âmbito das contas de governo, após emissão de parecer prévio) e,
de outro, o julgamento terminativo proferido pelo tribunal de contas
(no âmbito das contas de gestão, caso pratique atos de ordenação de
despesa), sem necessidade de ratificação legislativa.
Em ambas as hipóteses, nos termos do art. 1º, inc. I, g, da
Lei Complementar 64/90, o julgamento de irregularidade terá como
consequência a inelegibilidade para qualquer cargo, pelo prazo de oito
anos contados a partir da data da decisão.

68
“A correta idéia adotada pelo legislador era a de que se o pretendente ao cargo público não
era capaz de gerenciar corretamente as contas que estavam sob sua gestão, não estaria apto
ao cargo público eletivo que, à semelhança do anterior, envolverá gestão de recursos públi-
cos.” FREITAS, Adrian Soares Amorim de. A inelegibildiade decorrente da rejeição de
contas por irregularidade insanável. Revista do Tribunal de Contas da União. Brasília, ano.
42, n. 118, maio/agosto 2010, p. 08.
92 Revista Eleições & Cidadania

Conclusão

Conforme previsão da constituição da República Federativa do


Brasil, existe uma dualidade para o julgamento das contas apresentadas
pelo poder executivo em todos os níveis de governo. De um lado, as
contas de governo e, de outro, as contas de gestão. As primeiras dizem
respeito aos aspectos mais abrangentes da atuação do presidente, do
governador ou do prefeito e têm como objetivo o desempenho quanto ao
exercício das funções de planejamento, organização, direção e controle
das políticas públicas e tem como foco a verificação dos resultados
alcançados. As segundas tratam de aspectos técnicos e verificação das
formalidades necessárias para a ordenação de despesas.
Nos termos do art. 71, inc. I, da constituição da República
Federativa do Brasil, as contas de governo do presidente da República
são apreciadas pelo TCU e são julgadas pelo Congresso Nacional. Nos
termos do art. 71, inc. II, do mesmo conjunto de normas, as contas
de gestão são julgadas pelo TCU, em decisão terminativa. O mesmo
modelo deve ser aplicado para os estados e para os municípios.
A rejeição de contas, tanto as de gestão quanto as de governo,
acarreta a sanção de inelegibilidade para qualquer cargo pelo prazo de
oito anos contados da data da decisão do órgão competente, nos termos
do art. 1º, inc. I, g, da Lei Complementar nº 64/1990.
Não obstante essa dualidade, o TSE entende que a inelegibilidade
somente ocorre se o julgamento for proferido pelo respectivo poder
legislativo, de modo que ao tribunal de contas compete emitir parecer
prévio, peça de natureza eminentemente técnica e sem conteúdo
decisório. A corte eleitoral somente reconhece tal dualidade na hipótese
de julgamento de contas referentes a convênios, acordos e ajustes, com
fundamento no art. 71, inc. VI, do texto constitucional. Contudo, não
existe diferença entre as despesas ordenadas com fundamento no art.
71, inc. II, e com fundamento no art. 71, inc. VI. O constituinte visou
apenas a deixar claro que a competência de julgamento deve ser do
tribunal de contas do ente federativo repassador dos recursos e não o do
que realiza as despesas.
A discussão acerca da dualidade de julgamento das contas
do chefe do executivo pendente de julgamento no STF, pois com
Doutrina 93

nova composição seus ministros apresentam decisões monocráticas


em sentidos opostos. Embora ainda não exista decisão definitiva, o
entendimento mais adequado com as normas constitucionais é o que
acolhe a dualidade de julgamento das contas do poder executivo.
Primeiramente, essa divisão não foi um descuido do poder
constituinte, mas opção expressa, que tem sua razão de ser: entregar
ao órgão político a decisão das opções políticas e, ao órgão técnico, o
julgamento dos atos técnicos de ordenação de despesa.
Em segundo lugar, o afastamento da distinção deixa todas as
contas de um ente federativo sem julgamento técnico, mesmo as de
gestão, cuja análise não deve ser política; para tanto basta o chefe do
executivo avocar para si toda ordenação de despesa.
Em terceiro lugar, desconsiderar a separação de julgamento de
contas do executivo possibilita, na prática, que as multas e as devoluções
de recursos determinadas pelos tribunais de contas, nas contas de gestão,
sejam canceladas pelos legislativos. No entanto, essa possibilidade
viola a constituição (art. 71, § 3º), segundo a qual as decisões das cortes
de contas que resultem imputação de débito ou multa têm eficácia de
título executivo.
Por fim, a Lei Complementar nº 135/2010 alterou a redação do
art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/1990 e estabeleceu que a sanção
de inelegibilidade decorre também do julgamento de irregularidade
das contas proferido com fundamento no art. 71, II, da constituição, e
deve ser aplicada a todos os ordenadores de despesa, “sem exclusão de
mandatários que houverem agido nessa condição”.
Em conclusão, nos termos das normas que tratam da matéria,
no caso de contas de governo do poder executivo, cabe ao tribunal de
contas emitir parecer prévio e ao poder legislativo proferir julgamento.
Nas de gestão, a competência para o julgamento é do tribunal de contas,
em decisão terminativa, com todas as consequências decorrentes da
rejeição (dentre as quais a inelegibilidade para qualquer cargo pelo
prazo de oito anos), independentemente de o ordenador das despesas
ser o chefe do poder executivo.
94 Revista Eleições & Cidadania

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96 Revista Eleições & Cidadania
97

REPRESENTAÇÃO E PARTIDOS POLÍTICOS

Maria Eugênia Gonçalves Bastos *

Resumo

No presente trabalho, aborda-se a representação e os partidos políticos


com foco na cidadania, na expressão do sentimento dos que votam e
podem ser votados, como direito de participação no poder político.
Temas basilares como a soberania popular, os direitos políticos e
o mandato eletivo são analisados como um conjunto de normas que
influenciam na interpretação do direito eleitoral. A imprevisibilidade
das decisões, refletida na evolução jurisprudencial, visa a impedir os
casuísmos e a preservar os preceitos jurídicos balizadores da democracia.
Esses assuntos são abordados à luz do relativismo da interpretação das
decisões eleitorais, do sistema representativo e das mudanças políticas
recorrentes, considerando-se a participação organizada dos cidadãos no
cenário político. O povo espera que políticos honestos e comprometidos
com o social, ponham fim à falta de ética que se tem vivenciado.

PALAVRAS-CHAVE: Relativismo do direito eleitoral. Imprevisibili-


dade das decisões. Representação. Partidos políticos. Democracia.

REPRESENTATION AND POLITICAL PARTIES

Abstract

In this work, we address the representation and political parties focusing

*
Promotora de Justiça do Estado do Piauí; Graduada em Direito, Especialista em Direito
Penal e Ambiental, Mestre e Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad
del Museo Social Argentino – UMSA.
98 Revista Eleições & Cidadania

on citizenship, the expression of feeling of those who can vote and be


voted, as a right of participation in political power. Basic topics such
as popular sovereignty, political rights and elective office are analyzed
as a set of rules that influence the interpretation of electoral law. The
unpredictability of the decisions reflected in the evolution of case law,
casuistry aims to prevent and protect the legal precepts guide for the
democracy. These issues are discussed in light of the relativism of
interpretation of the electoral decisions of the representative system
and recurring political changes, considering the organized participation
of citizens in the political arena. The people expect politicians honest
and committed to the social, put an end to the lack of ethics that has
experienced.

KEYWORDS: Relativism of the Election Law. Unpredictability of


Decisions. Representation. Political Parties. Democracy.

Introdução
Os anseios sociais e políticos de uma época são reflexos da
ausência de garantia e efetividade do direito. No que diz respeito aos
processos eleitorais, surgem muitas peculiaridades, em decorrência dos
princípios, da interpretação e das decisões eleitorais, que são abordados
neste trabalho para melhor compreensão do caráter específico do
direito eleitoral. Nessa seara, o ato de julgar, através da hermenêutica
constitucional, em desfavor de orientação de tribunal superior ou
contra a Lei, em desafio ao princípio da legalidade, não causará
prejuízo à prestação jurisdicional se efetuado sob a ótica das normas
constitucionais.
Na esfera do poder político, as consequências são imprevisíveis,
quando se luta pelo poder, ou pela sua manutenção, motivo pelo qual
defender as particularidades da vontade eleitoral, em face da ausência
de certeza do direito ou de segurança jurídica, quando conviver com
o relativismo na interpretação do direito eleitoral, é apontado como a
maneira de preservar os valores democráticos e de fortalecer a soberania
popular. Surgem constantes desafios.
Dentro do aperfeiçoamento da certeza do direito, a participação
Doutrina 99

organizada dos cidadãos na solução de problemas políticos é


consequência do princípio democrático, que acolhe os mais importantes
postulados da teoria representativa - órgãos políticos, eleições periódicas,
pluralismo partidário e separação de poderes – possibilitando, tanto
quanto possível, a identificação entre governantes e governados.
Os sistemas eleitorais estão diretamente ligados à extensão do
sufrágio e a organização dos partidos. Na maioria das legislações lograram
êxito o sistema majoritário e o proporcional, cada um com mérito próprio,
porém sempre à procura do poder, com ênfase no sistema brasileiro. Os
partidos políticos, constituídos de homens unidos para fins comuns e voltados
para a conquista de cargos nas eleições, têm papel relevante. Apontam-se as
modificações estruturantes, a crise da credibilidade e o cenário político.
Analisa-se, neste artigo, a representação e os partidos políticos,
com foco na cidadania, como expressão do sentimento dos que votam
e podem ser votados, com direito à participação no poder político.
Abordam-se temas basilares, referentes à soberania popular, aos
direitos políticos e ao mandato eletivo como um conjunto de normas
que influenciam na interpretação do direito eleitoral.
A imprevisibilidade das decisões, refletida na evolução
jurisprudencial, visa impedir os casuísmos e preservar os preceitos
jurídicos balizadores da democracia.1 Esses assuntos são abordados à
luz do relativismo da interpretação das decisões eleitorais, do sistema
representativo e das mudanças políticas recorrentes, considerando-se a
participação organizada dos cidadãos no cenário político onde a cada
eleição surgem novos institutos e outros são enunciados diante das crises.

O relativismo do direito eleitoral em decorrência dos


princípios, da interpretação e das decisões eleitorais (praxis)
Princípios específicos.
Da anualidade

Nenhum ato normativo pode fixar regra nova com menos de um


ano antes das eleições, ou seja, não se permite a alteração da legislação

1
“Sistema de poder no qual as decisões que interessam a todos […] são tomadas por todos os
membros que integram uma coletividade” (BOBBIO, 1998, p.24.).
100 Revista Eleições & Cidadania

eleitoral no período que antecede o pleito. O princípio em apreço,


consignado no artigo 162 da Constituição Federal, é relevante para a
democracia, pois inviabiliza surpresas para os partícipes da disputa
eleitoral, garantindo se conhecer as regras do jogo previamente.
A preocupação fundamental consiste em que a lei eleitoral
deve respeitar o mais possível a igualdade entre os partidos políticos,
estabelecendo regras que não tenham por objetivo favorecer candidato
ou partido às vésperas das eleições, à mercê de interesses delineados e
articulados em candidaturas e coligações. Extrai-se deste princípio que
o processo eleitoral não pode ficar exposto aos interesses ocasionais de
determinados grupos que podem macular a legitimidade democrática,
com modificações ditadas pelo interesse de beneficiar a maioria no
parlamento.

Democrático

O princípio democrático é o da soberania nacional. É o regime do


governo da maioria. É a vontade do povo exercida pelo governo. É bem
de se ver que a Constituição Federal de 1988, desde o seu preâmbulo,
dá ênfase ao princípio democrático, ressaltando a importância do
cidadão. Este princípio acolhe os mais importantes postulados da teoria
democrática - órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo
partidário e separação de poderes.
Segundo Maluf (2010, p. 300), “o democrático é o mais importante
dos princípios para o processo eleitoral, porque sem este não haverá
outro, haja vista ele assegurar a legitimidade e a normalidade do conjunto
de procedimentos que busca a verdade eleitoral.” Acrescente-se que,
sem isso, o Estado não poderia oferecer aos cidadãos a possibilidade de
desenvolvimento integral, liberdade de participação crítica no processo
político, condições de igualdade econômica, política e social. 3

2
Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não
se aplicando à eleição que ocorra até um ano de sua vigência.
3
Ressalta-se que “o governo exercido por homens inexperientes nas práticas governamentais
e sem o necessário conhecimento dos fatos e problemas da vida política, pode estar
totalmente distanciado dos interesses do povo e, assim, revelar-se um governo contra o
povo” (BONAVIDES, 1998, p.193-194).
Doutrina 101

Das minorias
Infere-se, desse princípio, que é facultado à minoria exercer a
fiscalização dentro de parâmetros legais, éticos e morais, daqueles que
detêm o poder de mando, sem o qual não se poderia falar em democracia.
É certo que o parlamento, quando recebe dos cidadãos o poder de decisão
pela maioria, acolhe também a minoria para fiscalizar os órgãos e os
agentes do poder, ambas com competência para legislar, administrar
e observar os limites materiais expostos na Constituição, bem como
para investigar seus atos, a exemplo das Comissões Parlamentares de
Inquérito.
Assim, é o princípio democrático, em que a maioria do povo
decide o seu destino, com o devido respeito aos direitos das minorias
políticas, acatando suas decisões, mas sempre respeitando os princípios
invioláveis da liberdade e da igualdade, sob pena de tudo se reduzir a
um mero conceito.

Da igualdade
Voltados para a ótica eleitoral, em um primeiro momento o
princípio da igualdade traz a exigência de que os cidadãos recebam
tratamento isonômico, inspirados no art. 5º, caput, da Constituição
Federal, em que todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza. É regra aristotélica dispensar tratamento igual aos
iguais e desigual para os desiguais, na medida dessa desigualdade. Por
isso, deve a lei distinguir situações para conferir tratamento igualitário.
Porém, difícil é analisá-lo sob a vertente do destinatário da norma,
que são todos aqueles que elaboram e aplicam a norma jurídica, mas,
sobretudo, o aplicador do direito quando de sua interpretação.

Da liberdade
A ninguém é permitido interferir na liberdade de escolha do
eleitor, que é absolutamente livre. A soberania popular será exercida
pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual
para todos. Somente com a idéia de liberdade é que se concebe o voto
secreto, que é inseparável da idéia de voto livre, que envolve o processo
de votação e as fases que o antecedem. Assim, o princípio da liberdade
102 Revista Eleições & Cidadania

está vinculado ao de movimento e de escolha. Ressalte-se que o caráter


livre e secreto do voto impõe-se não somente ao poder público, mas
também às pessoas em geral, sobretudo àquelas que participam do
processo de escolha eleitoral.
Republicano
Em breves linhas pode-se conceituar república como forma
de governo que visa à igualdade formal do povo (ATALIBA, 2010,
p. 36). O governo republicano é exercido por mandatários, escolhidos
pelo povo soberano, que representa o poder político, e em nome dele é
exercido. Esse princípio é que permite a renovação periódica do poder,
disputado por quem reúne os requisitos de elegibilidade.
Alguns princípios constitucionais foram tradicionalmente
assentados pelos sucessivos legisladores constituintes como
fundamentais a todo o sistema e, por isso, em posição de eminência
relativamente a outros, dentre os quais o princípio republicano, com
destaque para sua função de equilíbrio e harmonia entre os poderes, que
o torna essencial para a federação e a república.4

Da proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade é a tentativa de diminuir
os excessos quando da aplicação da norma, permitindo ao aplicador
do direito observar a proporção no ato de verificação da solução do
conflito com a escolha de decisões razoáveis. Por outro instante, é
essencial à proteção das liberdades públicas como fator eliminador da
incerteza e da insegurança. Na prática, é a observância da adequação e
da necessidade para formulação de um juízo de ponderação. A súmula
400 do Supremo Tribunal Federal expressa: “Decisão que deu razoável
interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso
extraordinário pela letra ‘a’ do art. 101, III, da Constituição.”

4
Todos os mandamentos constitucionais que estabelecem os complexos e sofisticados
sistemas de controle, fiscalização, responsabilização e representatividade, bem como os
mecanismos de equilíbrio, harmonia (check in balance do direito norteamericano) e demais
procedimentos a serem observados no relacionamento entre os poderes, asseguram,
viabilizam, reiteram, reforçam e garantem o princípio republicano, realçando sua função
primacial no sistema jurídico (ATALIBA, 2010, p. 36).
Doutrina 103

Interpretação normativa

É do plexo normativo constitucional, orientador de todas as


normas do ordenamento jurídico, que nasce o sistema eleitoral regido
por princípios e regras e que confere pouca mobilidade ao legislador
infraconstitucional. Para o melhor exercício interpretativo, sobretudo
quando o tema for direito eleitoral, importa descobrir quais os valores
que dão suporte a uma melhor interpretação.
É vero que nas condições em que a norma surge é porque a
Constituição conferiu-lhe, por delegação, legitimidade para disciplinar
determinados institutos, a exemplo do art. 14, que atribui à lei
complementar a disciplina sobre as inelegibilidades, a qual deverá ser
interpretada em sintonia com os princípios e regras constitucionais. Os
temas basilares que arrimam este ramo do direito - a soberania popular,
os direitos políticos, a proporcionalidade na aplicação de sanções e o
mandato eletivo - encerram um conjunto de normas eminentemente
constitucionais que influenciam diretamente na interpretação do sistema
eleitoral e refletem nas demais.
A interpretação de tão importantes temas merece o cuidado de
ser exercida através dos princípios esposados, mas que pelas funções e
competências da Justiça Eleitoral relativizam o seu modo de aplicação
e resultado. Portanto, não há uma exata consonância com o núcleo
estrutural do Estado, pois há uma constante variação na proteção aos
preceitos contidos no art. 1º da Constituição, o qual proclama que a
República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de
Direito e seus fundamentos eleitorais são a soberania, a cidadania e o
pluralismo político. Entretanto, embora inexista garantia de estabilidade
nas soluções dos fenômenos fáticos, todas as normas são elaboradas
e interpretadas em vista da Constituição, de forma a se tornarem
compatíveis na produção de efeitos válidos, e todas as peculiaridades
afloram para esclarecer o conteúdo da norma.

Imprevisibilidade das decisões eleitorais

O Estado Democrático de Direito, confiável na aplicação,


eficácia e vigência das normas positivadas, é determinante para a
104 Revista Eleições & Cidadania

existência de certeza do direito, que por sua vez não se confunde com
a acepção de segurança jurídica, cujo fim maior é garantir a aparência
de estabilidade aos princípios e regras do ordenamento, quando surgem
incidentes nas relações fáticas.
Obstante a certeza do direito não se confundir com segurança
jurídica, em outros ramos do direito, diversamente deste, a certeza é
considerada sob uma forma mais estável. É fato que a jurisprudência
não pode ser considerada o único instrumento para alcançar a certeza
do direito. E as peculiaridades inerentes à Justiça Eleitoral afastam
sua aplicabilidade de forma imediata, que irá depender do grau de
respeitabilidade que a composição dos tribunais irá conferir às decisões
proferidas, ou seja, independe de previsibilidade de julgamentos
anteriores, tidos como conhecidos e estáveis, sobre o mesmo tema.
Nesse ramo do direito, porém, não há como se saber previamente
o resultado de uma relação jurídica, mesmo já tendo sido apreciada
pelo judiciário eleitoral, já que podemos ter sobre o mesmo assunto
comportamentos e ideologias diversas, sustentadas pelo aplicador do
direito a cada composição bienal dos tribunais eleitorais, que podem
afastar a chamada certeza do direito. Porém, se tudo isso for conjugado
com os princípios do direito eleitoral, as decisões judiciais poderão
oferecer um mínimo de certeza, de previsibilidade, e assim garantir a
segurança jurídica.
Contudo, em que pese ser correto dizer que os valores de justiça
e segurança jurídica devem andar em harmonia, a imprevisibilidade
das decisões não destrói a natureza da segurança jurídica e nem sua
axiologia, pois a ela se infere a expectativa de evolução na interpretação
de determinada matéria e, concomitantemente, o fortalecimento
do estado democrático de direito. Essa instabilidade, porém, não
representa o enfraquecimento da tutela jurisdicional; ao revés, a
evolução jurisprudencial - constante no processo eleitoral - acompanha
os casuísmos que incidem invariavelmente sob direitos de grupos
políticos dominadores que disputam o poder, e não provoca o aumento
de conflitos.
Segundo Silva (1991, p. 407),

A segurança jurídica não é um conjunto de direitos que


aparelha situações, proibições, limitações e procedimentos
Doutrina 105

destinados a assegurar o exercício e o gozo de algum


direito individual fundamental, mas um conjunto reservado
a aparelhar situações destinadas ao interesse coletivo, ao
interesse público.

Nesse sentido, na trilha do pensamento do teórico citado,


a segurança jurídica aqui deve ser vista como uma constante garantia
das instituições democráticas a evitar o comprometimento da vontade
eleitoral e garantir a lisura dos pleitos com vistas ao interesse público.
O Supremo Tribunal Federal expôs sobre o tema, no
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 1531-3/DF,5 cujo
relator foi o Ministro Marco Aurélio, nos termos transcritos ipsis literis:

Em suma, isso é próprio de uma Constituição densamente


axiológica. Como a nossa Constituição consagra muitos
valores, alguns deles se antagonizam, na prática, levando-
os a um tipo difícil de opção - já tenho falado sobre isso: se
optamos de outro, prestigiamos igualmente a Constituição. E
fica uma estranha opção interpretativa entre o certo e o certo, já
que todas as opções têm lastro constitucional. É aquele tipo de
questão que lembra Sócrates, em um dilema famoso, quando
perguntado por um discípulo: Mestre, o homem deve casar ou
permanecer solteiro? E Sócrates respondeu: Seja qual for a
tua decisão, virá o arrependimento. Mas aí nos socorre, graça
a Deus, o chamado princípio da proporcionalidade em sentido
estrito, ou seja: entre o certo e o certo, qual a opção que menos
ofende os outros valores da Constituição? Dizendo de modo
reverso: qual a opção mais afirmativa dos demais valores da
Constituição?

Afinal, a regra que remete ao princípio da segurança jurídica


visa impedir casuísmos, de modo a resguardar as normas eleitorais
de interesses político-partidários dominantes e a evitar que atropelem
preceitos éticos e jurídicos balizadores da democracia. Assim é que os
parlamentares sempre que pretendem alterar as regras eleitorais esbarram
em critérios rígidos de alteração do texto constitucional, somente
viável por emenda, e que requer a vontade de maioria circunstancial e
observância de prazo.

5
Ementário nº. 2270-1, DJ 30-32007.
106 Revista Eleições & Cidadania

Sistemas eleitorais

A história revela que os sistemas eleitorais estão diretamente


ligados à extensão do sufrágio e da organização de partidos da base
popular, os quais, por serem muitos e complexos, logram acolhimento
na maioria das legislações, destacando-se o majoritário e o proporcional.
Na Inglaterra, exemplo clássico de desenvolvimento das instituições
democráticas, o sistema eleitoral adotado desde o início das práticas de
representação, e que vigora até hoje, é o da maioria simples: define a
região onde será eleita a representação (distrito eleitoral) e o número de
representantes a serem eleitos. Faz-se a eleição e o partido que obtiver
maior número de votos elege o conjunto de representantes.
Em linhas gerais, o sistema eleitoral é um conjunto de regras que
deverá ser contabilizado de modo a resultar em cargos de representação
política, ou seja, a fórmula determina como os votos são contados para
os fins de distribuição dos cargos eletivos. Pelo sistema majoritário,
elege-se o partido ou candidato que obtiver o maior número de votos,
enquanto que no sistema proporcional busca-se distribuir os cargos em
disputa de forma proporcional ao conjunto de votos de cada partido.
Os sistemas mistos são aqueles que combinam mecanismos de eleição
majoritária e proporcional, e através deste último intentam corrigir
distorções.
Voltando à Inglaterra, se estiverem em disputa três vagas para a
Câmara dos Comuns, o partido mais votado elegerá três representantes
daquele distrito (região) na Câmara e os partidos menos votados
ficarão sem representação. O sistema majoritário tende a concentrar a
representação naqueles segmentos de população com maior capacidade
de mobilizar votos e excluir os demais.
Nos sistemas políticos em que apenas uma elite econômica e
social está habilitada a participar de eleições, o sistema majoritário
permite dirimir disputas apontando claramente o vencedor. Por outro
lado, quando este sistema começa a incorporar a participação de novos
segmentos da população, ao desestimular o lançamento de nomes e
agremiações com baixo apelo eleitoral, faz com que esses novos grupos
sejam incorporados aos já existentes.
Domingues (2009) afirma “que os sistemas eleitorais majoritários
Doutrina 107

exercem uma força centrípeta nos sistemas partidários, desestimulando


a dispersão das forças políticas e dos votos do eleitorado por um
número maior de partidos e favorecendo os partidos já estabelecidos”.
Além disso, a tendência dos sistemas eleitorais majoritários é produzir
sistemas bipartidários igualmente fortes, onde um partido detém a
situação e outro faz a oposição, o que acreditamos ser o mérito do
sistema, pois permite ao eleitor escolher entre manter os representantes
anteriormente eleitos ou renová-los, a partir da expressividade do papel
desempenhado por cada um deles no governo.
No entanto, nem sempre as limitações impostas pelo sistema
eleitoral majoritário ao desenvolvimento de novos partidos resultam em
estabilidade política, pois os grupos excluídos passam a promover ações
que visam à derrubada de governos, como greves, desabastecimento de
mercados, desobediência à lei civil, atos terroristas e luta revolucionária,
tudo a demonstrar a insatisfação ou descaso com os grupos detentores
de poder. Em hipóteses como tais, o melhor seria obter o consenso com
a repartição de poder com as minorias.
No conceito de Léon Duguit (apud MALUF, 2010), referindo-
se às eleições para a Câmara dos Deputados, conceitua o sistema
proporcional como aquele que assegura em cada circunscrição eleitoral,
aos diferentes partidos, contando um certo número de membros, um
número de representantes, variando segundo a importância numérica de
cada um.
Dada a centralidade dos partidos, a apresentação de candidatos
sob a forma de lista numa ordem pré-definida, fórmula mais utilizada,
define quantos e quais serão eleitos. Se o partido, por exemplo, receber
votos suficientes para eleger três parlamentares no distrito, os eleitos
serão aqueles três primeiros da lista definida pelo partido. Este sistema
leva o eleitor a votar nos partidos e não no candidato fortalecendo,
assim, as agremiações políticas.
No Brasil, a partir de 1935 passou-se a adotar a proporcionalidade
para a eleição de deputados federais, estaduais e vereadores, porém
reservou-se apenas um voto a cada eleitor, que é dado ao candidato
e não à lista partidária. Com efeito, tendo o eleitor à sua disposição
somente um voto, ao apontar o candidato de sua preferência o faz, em
geral, considerando somente a pessoa do candidato e não a agremiação
108 Revista Eleições & Cidadania

a que está vinculado. No cômputo final, somam-se aos votos dados


ao corpo de candidatos lançados pelo mesmo partido ou coligação e
elegem-se os mais votados dentre eles.
Apesar de o sistema proporcional ter sido instituído para o
fortalecimento dos partidos, na prática o voto único dos eleitores em
candidatura individual tem sido o responsável pela competição acirrada
entre candidatos de um mesmo partido, comprometendo profundamente
os processos eleitorais, a identidade, a unidade e disciplina dos partidos
e reforçando a autonomia dos eleitos. Além disso, aponta-se que seu
principal defeito é a fragmentação da representação em um grande
número de partidos e, daí, a dificuldade de governabilidade. Por
tudo isso, votações polêmicas no Congresso Nacional tem levado o
Poder Executivo a negociar benefícios com as lideranças partidárias
e individualmente atendido demandas de deputados e senadores, com
dispêndio de tempo e recursos, ensejando a perda da eficiência da ação
governamental.

Partidos políticos

A origem da idéia de representação política tem na história


da Europa um momento decisivo nas relações entre governantes e
governados. Precisamente no dia 15 de junho de 1215, após um longo
período de conflitos com os barões e a Igreja da Inglaterra, o rei João
sem Terra assinou a Magna Carta, onde reconhecia direitos aos súditos,
aos barões e ao clero, aos comerciantes, moradores e à população em
geral. Portanto, os partidos políticos tiveram o seu berço na Inglaterra,
nação precursora do constitucionalismo.
É claro que esta parte da história não encerra a trajetória de lutas que
levou à criação de instituições representativas no ocidente, porém significou
um marco. Depois disso, uma guerra civil pôs fim à monarquia e o surgimento
da república na Inglaterra sob a presidência de Oliver Crowell (1649-1660).
Após o retorno à monarquia, nos governos de Carlos II e Jaime II foram
registradas novas lutas pelo reconhecimento definitivo dos direitos do
parlamento e pela redução dos poderes reais com a assinatura da Declaração
de Direitos (Bill of Rights) em 1689, já no reinado de Guilherme III.
Ao longo de séculos de lutas políticas, o povo inglês conquistou
Doutrina 109

o direito de ser ouvido fazendo-se representar no parlamento, composto


de duas câmaras: a dos lordes (de nobres e representantes do clero)
e a dos comuns (de representantes do povo). Este sistema inspirou
a organização do poder legislativo em vários países e, no Brasil, na
origem da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Ainda sobre a representação, destaca-se a duração dos
mandatos e sua natureza. Era comum nos parlamentos existentes na
Europa medieval se encontrar representantes eleitos pelas cidades,
que eram convocados para apreciar questões específicas, e membros
fixos, oriundos da aristocracia territorial (feudos). O caráter limitado
do mandato afetava o tempo de duração e sua natureza, porquanto o
eleito representava interesses de um determinado segmento social e
funcionava como um porta-voz e, caso defendesse posição diversa para
a qual fora eleito, seu mandato poderia ser revogado.
Após o surgimento do estado moderno, os soberanos passaram
a dispor de mais poder. Assim é que tanto na Inglaterra como na
França, e em outros países europeus, os ganhos de poder dos reis foram
acompanhados da estruturação de serviços administrativos, de defesa,
de justiça, de tributação, etc., que auxiliaram as decisões de governo e
hoje constitui o aparelhamento estatal.
Com a especialização das funções, a exigência das demandas de
diferentes grupos sociais e as contínuas convocações dos representantes
do povo, passaram estes a ser eleitos para um conjunto definido de
atribuições, e a fixação do mandato se consagrou como solução para
garantir a continuidade das atividades sem a necessidade de realizar
sucessivos pleitos, ao tempo em que permitiu aos eleitores o controle
sobre os sufragados.
Assim é que a fixação de um tempo de mandato mais extenso
criou o espaço para que o representante desenvolvesse preferências
políticas e para o eleitor realizar escolhas a partir da plataforma de
atuação do político. Além deste mecanismo de controle, a prestação de
contas pelo eleito, ao final do mandato, se tornou prática recorrente até
os dias atuais, evitando desvios e corrupção. Nesse sentido, segundo
Miguel (2005 apud DOMINGUES, 2009), o mandato deixou de ser
‘imperativo’ e foi substituído pelo mandato ‘livre’.
Em toda comunidade politicamente organizada, seja ela uma
110 Revista Eleições & Cidadania

tribo ou um grande Estado, sempre haverá aqueles que buscarão


organizar-se em grupos para tentar fazer prevalecer seus valores,
crenças e objetivos na condução dos destinos da comunidade. São os
partidos políticos os quais, na França, se formaram no decorrer da nova
ordem liberal implantada pela Revolução Francesa de 1789.
No Brasil, sob a denominação de Liberal e Conservador,
surgiram na fase final da Regência Trina, durante a legislatura de 1838.
De modo geral, portanto, os primeiros partidos políticos, na história
do constitucionalismo, representaram as tendências conservadoras
e liberais da sociedade. E os partidos como máquinas de vencer as
eleições, surgiram no século XIX na Inglaterra e nos Estados Unidos
da América, quando eram formados por “notáveis”, pessoas de posição
social que se destacavam dentre a população.
Num sistema político como o nosso, em que vigora o
presidencialismo, algumas agremiações buscam eleger seus membros
para cargos de comando do poder executivo (presidência da república,
governador de estado e prefeito municipal), e formar as bancadas
legislativas, de modo a participar das decisões administrativas,
conquistar cargos e benesses para si e seus ‘cabos eleitorais’. Com o
advento da conquista de direitos políticos, como votar e ser votado,
as reduções significativas das barreiras de voto, o sufrágio universal
masculino e, posteriormente, o feminino, foram atingidas camadas mais
amplas da população.
As eleições passaram a ser um fenômeno de massa a exigir
planejamento, organização e empenho daqueles que pretendem
conquistar votos e poder político. Os partidos, que outrora dependiam
da riqueza e prestígio de seus membros, passaram a ser desafiados por
estruturas voltadas para a captação de recursos da campanha e divulgação
de idéias (programas) de suas lideranças. Vale destacar que no século
XX surgiram agremiações cujo objetivo principal era a disputa do
poder, chamados partidos revolucionários, como o Bolchevique Russo,
voltado para a revolução socialista, o movimento fascista italiano e o
nazista alemão, capazes de articular verdadeiros exércitos em prol de
seus propósitos e ocasionar milhões de mortos.
Os partidos políticos brasileiros, desde o Império e até a
República de 1946, mantiveram-se como corporações político-sociais,
Doutrina 111

conservando a natureza jurídica de associação civil, sem regulamentação


estatal própria e, nessa posição, falharam em épocas decisivas de nossa
história (1930, 1934, 1937, 1945, 1961), culminando com a derrocada
total em 1964.
A partir da Constituição de 1969, a estrutura dos partidos foi
reformada e regulamentada pela Lei Orgânica dos Partidos Políticos
(LEI 5682/71) e pela Lei Complementar 42/82, segundo a qual passaram
a ser pessoas jurídicas de direito público interno, com a missão de
“assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade
do sistema representativo.” A Constituição de 1988, no art. 17,
consagrou definitivamente o sistema democrático de pluripartidarismo,
assegurando a liberdade de criação, fusão, incorporação e extinção de
partidos políticos, cujos limites situam-se no resguardo da soberania
nacional, do regime democrático, do pluripartidarismo e dos direitos
fundamentais da pessoa humana.
É assegurada a autonomia dos partidos políticos no § 1º do
mencionado artigo, para definir sua estrutura interna, a disciplina e
vontades da minoria partidária, devendo seus estatutos estabelecer
normas de fidelidade e disciplina partidária. Os partidos políticos
adquirem personalidade jurídica na forma da lei civil e registrarão seus
estatutos no Tribunal Superior Eleitoral (§ 2º, art. 17). A constituição
e o funcionamento dos partidos políticos está regulamentada pela Lei
Orgânica dos Partidos Políticos, Lei 9606/95, e alterações posteriores.
A autonomia partidária é absoluta e deve-se respeitar o previsto
no art. 86 do Código Eleitoral, quanto às deliberações internas de que
trata o art. 7º, §§ 1º e 2º, da Lei 9504/97, ao estabelecer que o órgão
superior do partido poderá, na forma do estatuto, anular coligação
celebrada pelo órgão de nível inferior e editar normas disciplinadoras
para as eleições. Portanto, a independência é constitucional e
infraconstitucional, não podendo a Justiça Eleitoral interceder nas
deliberações dos partidos políticos por manifesta afronta à Constituição,
salvo se restar demonstrada qualquer violação a direitos fundamentais,
como o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.

Modificações estruturantes

A aplicação de uma hermenêutica tradicional está a depender


112 Revista Eleições & Cidadania

de um quadro estável de conceitos e institutos. No Brasil, a cada


eleição surgem novos institutos, enquanto outros são enunciados
a cada crise política que o país vive. Há em tramitação, desde 1998,
um projeto arrojado de reforma política que, se aprovado, mudará
significativamente os conceitos aplicados na seara eleitoral. São vários
anos de diálogo com organizações da sociedade civil, representações
políticas e partidos políticos em busca de eficácia e legitimidade da
pretendida reforma, aspecto imprescindível para a afirmação de valores
democráticos.
Um dos temas da reforma é a ‘cláusula de barreira’, segundo a
qual se pretende reduzir de 5% para 2% os votos válidos que os partidos
precisam para ter direito ao funcionamento parlamentar, o que de certo
irá permitir a sobrevida de agremiações como o PC do B, PSB e PDT,
os quais, na eleição de 2002, não conseguiram alcançar os 5% dos
votos e estariam ameaçados de extinção desde 2006, o que até hoje não
ocorreu.
Outro tema que tem gerado muitas discussões é o de
financiamento público exclusivo, a partir da criação do fundo de
campanha, que possibilitaria o tratamento igualitário dos candidatos
na participação no pleito, medida que por certo diminuiria a corrupção
eleitoral.
Outra proposta é a criação do sistema de votação no partido ao
invés de votação no candidato. Nesse caso, a própria legenda formaria
a lista com os nomes para ocupar o mandato, dispositivo que à primeira
vista indica o fortalecimento dos partidos, mas que por outra vertente
promoveria o autoritarismo e a estruturação burocratizada partidária.
O Tribunal Superior Eleitoral, em 27 de março de 2007, respondeu à
Consulta n. 1398 - classe 5ª - Distrito Federal e dispôs que “o mandato
eletivo pertence ao partido”, e o Supremo Tribunal Federal, modificando
entendimento anterior, confirmou que “os mandatos conquistados em
eleições proporcionais pertencem aos partidos e não aos candidatos
eleitos”, e depois estendeu o posicionamento aos cargos majoritários.
Entretanto, dentre todos os principais pontos da reforma
política, o fim da verticalização foi o que mais agregou defensores em
busca da liberdade de aliança entre partidos, mas que não prevaleceu
nas eleições de 2010. O Tribunal Superior Eleitoral, em 26 de fevereiro
Doutrina 113

de 2002, através da Consulta nº. 715 - Classe 5ª - Distrito Federal, que


originou a Resolução nº. 21.002, dispôs:

Consulta. Coligações. Os partidos políticos que ajustarem


coligação para eleição de presidente da República não
poderão formar coligações para eleição de governador de
estado ou do Distrito Federal, senador, deputado federal e
deputado estadual ou distrital com outros partidos políticos
que tenham, isoladamente ou em aliança diversa, lançado
candidato à eleição presidencial.

Insurge-se, dentro do cenário de mudanças, o Partido do


Trabalhador (PT), que por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade,
formulou junto ao Supremo Tribunal Federal, pedido de suspensão
de dispositivos sobre o sistema eleitoral para candidatos que estejam
sub judice, com isso pretendendo garantir às legendas os votos de
candidatos que concorreram com os registros deferidos e foram,
posteriormente, negados. A ação questiona o parágrafo único do art.
16-A, da Lei 9504/97, alterado pela Lei 12034/09, segundo o qual o
candidato que estiver nessa situação terá “a validade dos votos a ele
atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância
superior.”
Um tema bastante discutido foi o Projeto de Lei 390/05, que
alterou a Lei de Inelegibilidades, porquanto previu no seu bojo a
proibição de participar nas eleições os candidatos que tiveram suas
contas relativas ao exercício de cargo ou função pública rejeitadas,
através de decisão suspensiva obtida em provimento judicial, ainda
que provisória, em data anterior à convenção partidária, e que a pena
de inelegibilidade não fique condicionada ao trânsito em julgado das
sentenças, mas à decisão de segunda ou única instância. O objetivo do
referido projeto, hoje convertido na Lei Complementar 135, de junho
de 2010, é moralizar o processo eleitoral, agravando as punições dos
crimes eleitorais e combatendo o uso do “caixa dois” nas campanhas
políticas, buscando dar maior eficácia ao art. 14, § 9º �, da Constituição
Federal.
Arrisca-se indagar se, diante de tantas mudanças, que em
alguns pontos serão expandidas e em outras revertidas ao largo das
forças sociais dominantes, como se deverá falar em certeza do direito;
114 Revista Eleições & Cidadania

ou ainda, que se o direito, a justiça e a segurança jurídica andam pari


pasu e por isso a certeza do direito caminhará ao lado das mudanças
decorrentes do exercício da democracia. Nossa resposta é sim, e não é
outro o entendimento daqueles que vem nas mudanças a razão de ser e
o estímulo às correntes práticas democráticas.

Cenário político
Nas últimas eleições (outubro de 2010), com Dilma Rousseff
candidata à Presidência da República, uma onda vermelha tomou conta
do país e a campanha do Partido do Trabalhador (PT) decolou. As
pesquisas de opinião revelaram a supremacia dos seus candidatos na
maioria dos estados, que liderando 19 das 27 unidades da federação,
antecipam a garantia que o novo governo disporá de ampla maioria na
Câmara e no Senado. Espera-se, com a inédita sintonia entre Executivo
e Legislativo, confirmada pela sólida maioria no Congresso, que o
Brasil, finalmente, tenha a chance de aprovar mudanças estruturais há
muito esperadas, como a reforma política e tributária.
Além disso, outro aspecto importante é a possibilidade de
formação de concentração política formada por partidos unidos pelo
desejo popular. Há, todavia, a preocupação daqueles que temem a
concentração de poder nas mãos do Executivo, e com o Legislativo à
mercê do Planalto possa permitir uma recaída autoritária. Porém, não
há ambiente favorável no Brasil para esse tipo de situação, porquanto as
instituições democráticas são sólidas e inexiste espaço para mudanças
constitucionais em benefício de um partido exclusivo, a exemplo do
que ocorreu no México em que o PRI controlou a vida política por 71
anos.
O eleitor brasileiro, com a economia estabilizada e o desemprego
em queda, volta-se para temas como a saúde, a segurança e educação.
Os debates, a opinião de amigos e familiares, assim como as notícias
veiculadas influenciam na escolha, mas prevalece para o eleitor à
procura por políticos em que a honestidade esteja em primeiro lugar,
e depois a capacidade de entender os problemas do povo e as soluções
para resolvê-los. Exige-se o cumprimento das promessas de campanha
e busca-se a credibilidade.
Para coroar o processo eleitoral, o primeiro discurso da
Doutrina 115

Presidente Dilma honra a grandeza do cargo pela riqueza de propósitos,


sobriedade de estilo e o compromisso de “valorizar a democracia em
toda a sua dimensão, desde o direito de opinião e expressão até os
direitos essenciais da alimentação, do emprego e da renda, da moradia
digna e da paz social”.6
Contudo, é preocupante a indicação política de cerca de
25.000 titulares de cargos públicos pelo governo federal, nem sempre
escolhidos pelo mérito, mas com base na militância partidária e
afilhadismo político. Na Inglaterra são pouco mais de 100, segundo
Nóbrega (2010). Acrescenta o economista que esse tipo de indicação se
tornou fonte de corrupção e de degradação política com significativos
reflexos no campo orçamentário. Inobstante as receitas e despesas se
submeterem ao crivo do Congresso, permanece a ideia que o orçamento
é autorizativo, salvo dotações legais, de natureza obrigatória, como
as transferências constitucionais, pessoais, aposentadorias e encargos
financeiros.

Conclusão

O relativismo da interpretação do Direito Eleitoral em


decorrência da prévia compreensão do direito pelo intérprete e pelo
aplicador da norma será sempre regido por um conjunto de fatores,
dentre os quais os precedentes, a jurisprudência, a ideologia do
julgador, ou dos tribunais, os princípios constitucionais, o momento
vivido e as inovações. É concebido e estruturado com o fim de verificar
a concretude dos direitos e institutos eleitorais, visando a uma evolução
social, política e jurídica do próprio Direito Eleitoral como prática
republicana, dentro de um aperfeiçoamento da certeza do direito, da
segurança e da previsibilidade das decisões judiciais.
Apesar de o objetivo específico do magistrado ser o de proclamar
o direito, frequentemente, a obrigação de julgar o conduz a interpretar a
lei consoante os fatos políticos e sociais que se apresentam, sem que tal
ação importe em modificação literal da norma. A aplicação judicial do
direito eleitoral é a que permite sua evolução e adaptação às demandas
históricas e sociais do nosso tempo, de forma a se alcançar a paz social.

6
VEJA, São Paulo, n. 2189, nov. 2010. Edição especial
116 Revista Eleições & Cidadania

O judiciário eleitoral brasileiro vive em constante transformação; e a


evolução institucional dos valores constitucionais, políticos e sociais,
passaram a fazer mais parte da jurisprudência do que da própria lei.
Dentro desse processo evolutivo, os partidos políticos, como
são organizações que reúnem homens cujo objetivo é influir nas ações
de Estado e na democracia contemporânea, exercem importante papel.
São considerados organizações que buscam controlar a máquina estatal
e nesse sentido os sistemas eleitorais se constituem relevante força
modeladora dos sistemas partidários, ao regularem as preferências
eleitorais e o modo de exercê-la, que uma vez expressas são convertidos
em cargos eletivos para seus membros.
O sistema eleitoral majoritário tende a forçar a conciliação
entre grupos de interesses diversos em apenas dois grandes partidos,
sob a premissa que a fragmentação das forças partidárias determina o
fracasso eleitoral das minorias, de modo que o sistema bipartidário deles
decorrente torna-se fonte de estabilidade política. Se, ao contrário, não
conseguem agregar o conjunto de forças políticas, e tendem a excluir
segmentos significativos da população, então é provável que este
sistema político enfrente forte contestação. Seus defensores apontam-
no como o mais eficaz na construção do consenso social.
Além disso, imprime uma dinâmica centrípeta ao sistema
partidário, fazendo com que as preferências políticas tendam a se
concentrar em dois partidos apenas. A disputa faz com que os partidos
fujam das preferências extremas e de grupos sociais específicos, e
se concentrem em demandas sociais sustentadas pelo maior número
de eleitores (interesses das maiorias), que funcionam como filtros
políticos e protegem o Estado de excessiva carga, garantindo-lhe a
governabilidade.
As críticas ao sistema proporcional e a sua tendência a produzir
sistemas partidários fortemente fragmentados vem da visão que a
divisão enseja a dificuldade de governabilidade. O excesso de partidos
nos parlamentos dificultaria a formação de maiorias e a sustentação
das políticas de governo e dos gabinetes, além da produção de crises
políticas e sociais. Supõem os críticos do multipartidarismo que os
governos que contam com a maioria tomam melhores decisões em
menor tempo, enquanto que os governos de minoria não podem manter
Doutrina 117

suas preferências no processo legislativo e de governo e gastam muito


tempo e recursos para agradar a base parlamentar.
No Brasil, espera-se que mudanças estruturantes, tidas como
benéficas para a sociedade, sobretudo nas matérias de direito eleitoral,
sejam levadas adiante como a cláusula de barreira, o sistema de votação
nos partidos, o financiamento público das campanhas, a proibição
de participação nas eleições dos candidatos que tiveram suas contas
relativas ao exercício de cargo ou função pública rejeitadas, dentre
outras, capazes de proporcionar tratamento igualitário aos participantes
do pleito, medidas que de certo diminuiriam a corrupção eleitoral.
Com o fortalecimento do Partido do Trabalhador (PT), que
fez a sucessão presidencial, a maioria no Congresso e nos Estados, e
o consenso decorrente, aguarda-se que a almejada reforma política e
tributária, há tempos prometida e até então inatingível, seja conduzida
com êxito e valorizadas as instituições democráticas. A população
clama por políticos honestos comprometidos com o social e capazes de
resolver os problemas que se nos apresentam como a saúde, segurança
e educação. Renova-se a esperança do povo com a eleição de Dilma
Rousseff, empossada em 1º de janeiro de 2011.
Espera-se que se dê fim à crise da falta de ética e confiabilidade
de nossos representantes, a fim de que as instituições voltem a gozar do
crédito de todos nós, ‘brasileiros’ e ‘brasileiras’.

Referências

ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo:


Malheiros, 1998.
BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. 10. ed.
Brasília: Universidade de Brasília, 1998.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11. ed. São
Paulo: Malheiros, 2001.
______. Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
118 Revista Eleições & Cidadania

DOMINGUES, Mauro P. Partidos e representação política. In:


FERREIRA, L.; GUANABARA, Ricardo; LOMBARDO, Jorge
Vladimyr. Curso de teoria geral do Estado. Rio de Janeiro: Elsevier,
2009.
MALUF, Sahid. Teoria geral do direito. 30. ed. São Paulo: Saraiva,
2010.
NÓBREGA, Mailson da. A velha Ibéria resiste no governo. Veja, São
Paulo, n. 2189, nov. 2010. Edição especial.
PEREIRA, Wilson Erik. Direito eleitoral: interpretação e aplicação
das normas constitucionais-eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2010.
ROCHA NETO, Alcimor et al. In: FERREIRA, Lier Pires;
GUANABARA, Ricardo; LOMBARDO, Jorge Vladimyr. (Org).
Curso de teoria geral do Estado. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 7.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.
119

RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO: ALCANCE DA


EXPRESSÃO E CRITÉRIOS IDENTIFICADORES DE SUA
INOBSERVÂNCIA – CONSIDERAÇÕES SOBRE O ART. 97-A
DA LEI DAS ELEIÇÕES BRASILEIRA

Julianna Moreira Reis *

Resumo

O objeto do presente artigo é analisar a definição de razoável duração


do processo prevista no art. 97-A da Lei das Eleições brasileira (Lei
nº 9.504/97), tendo como suporte referencial a Convenção Europeia
dos Direitos do Homem, à luz do entendimento do Tribunal Europeu
dos Direitos do Homem; o Pacto de São José da Costa da Rica, sob a
interpretação da Corte Interamericana de Direitos Humanos; bem como
a Emenda Constitucional nº 45/2004, a qual inseriu expressamente
no ordenamento jurídico pátrio o conceito indeterminado de razoável
duração do processo, explicitando o posicionamento da Justiça Eleitoral
acerca de tal direito. A pesquisa realizada é de cunho bibliográfico,
compilatório e qualitativa.

PALAVRAS-CHAVE: Razoável duração do processo. Conceito jurídico


indeterminado. Celeridade. Segurança jurídica.

*
Graduada em Direito pela Universidade Estatual do Piauí-UESPI, pós-graduada pela Uni-
versidade Federal do Piauí –UFPI, em convênio com a Escola Judiciária Eleitoral do Piauí,
em Direito Eleitoral, Mestranda pela Universidade Nacional Lomas de Zamora – UNLZ
(Buenos Aires – Argentina), em Direito Processual Constitucional, técnica judiciária no
Tribunal Regional Eleitoral do Piauí – TRE/PI, Professora do curso de graduação em Direito
no Centro de Ensino Superior do Vale do Parnaíba – CESVALE, endereço residencial Rua
Deputado Sousa Santos, 809, Apt. 802, Bairro São Cristóvão, Teresina/PI, CEP 64052-370,
endereço profissional Praça Desembargador Edgar Nogueira, s/n Centro Cívio, Teresina/PI,
CEP 64000-830, juliannamoreirareis@hotmail.com, (86) 94370046.
120 Revista Eleições & Cidadania

Razoável duração do processo: um conceito jurídico


indeterminado

Preliminarmente, faz-se necessário ressaltar que “a garantia à


razoável duração do processo é um princípio fundamental o qual se
traduz em um direito subjetivo público, autônomo e prestacional”.1
É garantia subjetiva pública, pois se dirige ao Estado; é um direito
autônomo porque guarda autonomia tanto em relação à tutela
jurisdicional quanto ao direito material deduzido em juízo2; bem como
é um direito prestacional, por pressupor a exigência do Estado a uma
atuação concreta na satisfação de direitos individuais.3
Pelo exposto, mesmo diante da indiscutível importância do
papel desempenhado pelo prazo razoável na efetividade da prestação
jurisdicional, não se elaborou um conceito preciso para defini-lo, muito
menos se determinou um lapso de tempo necessário e suficiente para o
desenvolvimento de um processo justo e eficaz.4
Como se observa, a expressão “razoável duração” denota
flexibilidade, trata-se de conteúdo vago, termo abstrato, cláusula geral
aberta, conceito que não admite mensuração ou limitação. Nesse
sentido, irretocável a lição de Gozaíni:

Inclusive, el mismo sentido de las palabras plazo razonable


deja abierto el camino para la amplitud interpretativa, y hasta
sería imprudente propiciar reglas o principios que con el
devenir y progreso de las instituciones llevaran a su misma
contradicción.
De algún modo, el plazo razonable es um concepto abierto,
como lo son la moral, las buenas costumbres, el buen padre
de familia, el orden público, y otras tantas voces donde la

1
VIANA, Adriana Grandinetti. A razoável duração do processo como mecanismo de
desenvolvimento social. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006. p.199. Disponível em: <http://
www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1TDE-200806-13TI04547Z871/Publico/
Adriana_Grandinetti. pdf>. Acesso em: 02 dez. 2011
2
NICOLITT, André Luiz. A razoável duração do processo. In: VIANA, Adriana Grandinetti.
A razoável duração do processo como mecanismo de desenvolvimento social. Rio
de Janeiro: Lumen Júris, 2006. p. 37. Disponível em: <http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/
tde_arquivos/1/TDE-2008-13TI04547Z871 /Publico/Adriana_Grandinetti. pdf> . Acesso
em: 02 dez. 2011.
3
VIANA, op.cit.
4
VIANA, op.cit.
Doutrina 121

indefinición muestra la incapacidad del legislador para


encontrar precisión conceptual, o quizás, por qué no también,
el mensaje implícito de impedir bloqueos lingüísticos donde
se necesita libertad e critérios amplios.
Vale decir que la idea se concreta como um derecho en
permanente evolución que se influye y modifica por los
cambios y transformaciones que le inciden (vgr.: reformas
procesales, cambios constitucionales, exigencias sociales,
etc.). Es um principio antes que una regla, y como tal tiene
su norte en la justicia, antes que en resolver uma deficiencia
estructural.5

Como bem expressa Arruda Alvim, é noção objeto de permanente


construção ou decantação.6
Cuida-se, portanto, de conceito jurídico indeterminado e,
segundo Engish, “por conceito jurídico indeterminado entendemos um
conceito cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos”.7
De acordo com a teoria dos conceitos jurídicos indeterminados, a
lei não determina com exatidão os limites destes conceitos, por se tratar
de definições que não admitem uma quantificação ou determinação
rigorosa.8
Quanto à impossibilidade de se delimitar um prazo razoável,
Paulo Hoffman9 afirma que
[…]
um processo adequado e justo deve demorar exatamente o tempo
necessário para a sua finalização, respeitado o contraditório, a
paridade entre as partes, o amplo direito de defesa, o tempo de
maturação e compreensão do juiz, a realização de provas úteis e
eventuais imprevistos, fato comum a toda atividade;

5
GOZAÍNI, Oswaldo Alfredo. El debido proceso. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2004.
p. 577.
6
ALVIM, M. Arruda. A EC 45 e o Instituto da Repercussão Geral. In: WAMBIER, Tereza
Arruda Alvim (coord.) Reforma do poder judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda
Constitucional nº 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 74.
7
ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1996. p. 208
8
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral dos conceitos legais indeterminados.
Themis, Fortaleza, v. 2, n. 2, p. 62, 1999.
9
HOFFMAN, Paulo. Razoável duração do processo. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 61-62.
122 Revista Eleições & Cidadania

Ponderando que a eventual criação de metas mínimas, ao


contrário do esperado, acabaria por acomodar os juízes e as partes, bem
como entendendo que “o estabelecimento de prazos acaba por viciar a
formação do processo ou forçar sua conclusão”, e, assim, “aceitando a
duração limitada como um fim em si mesmo e não mais um princípio a
ser observado”.
Na mesma esteira de raciocínio, Marinoni assevera que
duração razoável e duração legal não são expressões equivalentes:

Duração razoável, como o próprio nome indica, nada tem a


ver com duração limitada a um prazo certo ou determinado.
Se essa confusão fosse aceita, não se trataria de duração
razoável, mas de duração legal, ou do simples dever de o juiz
respeitar o prazo fixado pelo legislador para a duração do
processo.10

Por sua vez, Gozaíni, de forma veemente, sustenta a


inconveniência de serem estabelecidos padrões temporais para se
indicar a observância da razoável duração do processo, discorrendo que
a medida do tempo depende das circunstâncias do caso em análise.11
Reiterando, a textura aberta do termo12 permite diversas margens
de apreciação, que variam em função das situações concretas.
Outrossim, é nessa linha de entendimento que a Corte Europeia
já vem discutindo o tema amplamente, desde 1950, no seio do Tribunal
de Estrasburgo, e, no julgamento dos casos em que verifica duração
exagerada do processo, não estabelece um tempo mínimo ou máximo,
mas sim, prescreve determinados critérios, levados em conta diante das
peculiaridades de cada julgado, os quais serão desenvolvidos a seguir.

Critérios de avaliação da inobservância do prazo razoável:


interpretação do artigo 6º da conveção europeia dos direitos
do homem à luz do tribunal europeu dos direitos do homem

10
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 4. ed. rev. e atual. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010. P. 227.
11
GOZAÍNI, op. cit., p. 577 e 579.
12
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. rev. e atual. (até
a EC nº 57, de 18 dez. 2008). São Paulo: Malheiros, 2010. p. 432.
Doutrina 123

Em 4 de novembro de 1950, consubstanciou-se, em Roma, a


denominada Convenção Europeia para a salvaguarda dos direitos do
homem e das liberdades fundamentais, a Convenção Europeia dos
Direitos do Homem - CEDH. Como consectário, com o fim de assegurar
o cumprimento de seus preceitos, instituiu-se a Corte Europeia dos
Direitos do Homem, a qual funciona em Estrasburgo, na França.
Em seu artigo 6º o sobredito instrumento normativo reza sobre
o direito fundamental a um processo justo, equitativo, sendo que seu
§1º menciona expressa e prontamente, dentre outros aspectos, o direito
a um julgamento em tempo razoável:

Artigo 6º – Direito a um processo equitativo


1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja
examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável
por um tribunal independente e imparcial, estabelecido
pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos
seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o
fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida
contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à
sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público
durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da
moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa
sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a
protecção da vida privada das partes no processo o exigirem,
ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal,
quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse
ser prejudicial para os interesses da justiça. (grifado)

Com esse dispositivo, a Convenção Europeia dos Direitos do


Homem, reconhecendo positivamente o direito à tutela jurisdicional em
tempo razoável,13 já demonstrava a importância de que o julgamento
das causas judiciais fosse dotado de mecanismos que viabilizassem
uma duração estritamente necessária, e isso há mais de 50 anos.14
A partir de então, a prestação jurisdicional em um prazo razoável
13
ANNONI, Danielle. Direitos humanos & acesso a justiça no direito internacional. 2003.
p. 134. In: VIANA, Adriana Grandinetti. A razoável duração do processo como mecanismo
de desenvolvimento social. p. 86. Disponível em: <http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/
tde_arquivos/1TDE-200806-13TI04547Z871 /Publico/Adriana_Grandinetti. pdf>. Acesso
em: 02 dez. 2011
14
HOFFMAN, op cit, p. 55.
124 Revista Eleições & Cidadania

passou a se caracterizar como direito subjetivo, humano e fundamental


de todos os membros da coletividade, sendo que vários países passaram
a reconhecê-lo como tal, inserindo essa garantia em seus ordenamentos
jurídicos.15
Como consectário desse reconhecimento do direito do indivíduo
à razoável duração do processo como garantia essencial, a demora
na prestação da tutela jurisdicional acaba por constituir violação de
preceito fundamental, traduzindo-se mesmo em denegação de justiça,
cuja prática gera a responsabilidade do Estado ofensor em reparar o
dano.16
No caso europeu, diante de uma Justiça morosa, os cidadãos,
apoiados pela Convenção dos Direitos do Homem e do Cidadão,
passaram a poder se utilizar de recurso ao Tribunal Europeu como
forma de proteger seus direitos, exigindo a finalização dos processos
judiciais em tempo justo ou indenização pelos danos materiais e morais
advindos da exagerada duração do processo.
Constitui importante precedente o julgado de 25 de junho de
1987, da Corte Européia dos Direitos do Homem, no qual referido
Tribunal condenou o Estado italiano a indenizar uma litigante por danos
morais, decorrentes do estado de prolongada ansiedade pelo desfecho
da demanda.17 Segue ementa do respectivo julgado:

Direitos políticos e civis. Itália. Duração dos procedimentos


judiciais. Limites razoáveis. Caso concreto. Violação da
Convenção. Ressarcimento do dano. Critérios de determinação
(Convenção Européia para a Salvaguarda dos Direitos do
Homem e das Liberdades Fundamentais: art. 6.º e 50).
1 – Excede os termos razoáveis de duração, prescritos pelo art.
6.º, 1, da Convenção Européia para a Salvaguarda dos Direitos
do Homem e das Liberdades Fundamentais, o processo não
particularmente complexo, tanto em matéria de fato, quanto
em matéria de direito, e que ainda não foi concluído depois
de 10 anos e 4 meses de seu início. ... 2 – O Estado italiano é
15
ANNONI, Danielle. Direitos humanos & acesso a justiça no direito internacional.
Curitiba: Juruá, 2003. p. 134 - 136.
16
VIANA, op.cit.
17
BARRUFFINI, Frederico Liserre. Possibilidade de efetivação do direito à razoável
duração do processo. Âmbito jurídico, Rio Grande, p. 57, set. 2008. Disponível em:
<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_
leitura&artigo_id=5096>. Acesso em 29 nov. 2011.
Doutrina 125

obrigado a pagar à requerente, em face da excessiva duração


do processo no qual ela é autora, a soma de 8.000.000 liras,
determinada eqüitativamente ao ressarcimento, seja do dano
moral advindo das despesas efetuadas e das perdas sofridas,
seja do dano moral derivante do estado de prolongada
ansiedade pelo existo (sic) da demanda.18

Em consonância inclusive com o que já fora esposado, a


Corte Europeia entende que o conceito de “razoável duração”, antes
correspondente a um feito sem dilações indevidas, não deve ser confundido
com “duração breve” e, mais uma vez, que essa razoabilidade deve ser
perquirida tendo em conta as condições específicas de cada caso concreto.
Embora esteja clara a inviabilidade de se determinar previamente
qual a razoabilidade do tempo de um processo, fixando-se uma regra
absoluta e específica,19 aquela Corte, após o julgamento de diversos
feitos sobre a matéria em tela, acabou por identificar certos critérios
norteadores para tanto.
Tais elementos já vêm sendo amplamente utilizados tanto por
Tribunais, quanto pela doutrina de países do mundo todo, para a análise
de cada caso concreto, sob violação do direito à duração razoável do
processo, quais sejam: a) complexidade do caso; b) o comportamento
das partes; c) o comportamento dos juízes, dos auxiliares e da jurisdição
interna de cada país.20

Sobre o primeiro critério, cumpre registrar o lapidar entendimento


de Viana:

A complexidade da causa pode-se tratar de complexidade


em relação aos fatos ou de direito; é válido ressaltar que
nenhum processo é igual ao outro, e certamente eles podem
apresentar um distinto grau de dificuldade, tanto no que se
refere ao direito aplicável e também à narração dos fatos. É
possível, por exemplo, que em um processo litiguem inúmeras
18
CRUZ, E.;TUCCI, J. R.. Tempo e processo. In: VIANA, Adriana Grandinetti. A razoável
duração do processo como mecanismo de desenvolvimento social. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1997. p. 69. Disponível em: <http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_
arquivos/1/TDE-200813TI04547Z871 /Publico/Adriana_Grandinetti. pdf> . Acesso em: 02
dez. 2011.
19
VIANA, op. cit.
20
HOFFMAN, op. cit, p. 62.
126 Revista Eleições & Cidadania

pessoas, sendo indispensável dilação probatória específica


e incomum; é provável também que em alguns processos
os juízes necessitem aplicar leis novas, recentes, que ainda
se confrontem com a jurisprudência dominante; em casos
como estes, é normal que o processo tenha uma duração mais
longa.21

Em resumo, é como expressa Gozaíni:

La complejidad de la causa es un concepto que se relaciona


con los hechos y con la prueba, que suponen tener que
invertir un esfuerzo mayor al que normalmente tiene la etapa
probatoria, o la interpretación de las circunstancias que
concomitan en la litis.

Também a “complexidade do caso” denota expressão


indeterminada, e, da mesma forma que ocorre com o termo “razoável
duração”, a Corte Europeia, em sua jurisprudência, não possui
delimitação exata para que se possa defini-la. É que “la complejidad
requiere de lecturas flexibles, porque no se pueden dar reglas generales
ni aplicar critérios estancos”.22
Do mesmo modo, por lógico, a atuação das partes e de seus
procuradores acaba por interferir na duração do processo. Nesse
contexto, é essencial a observância dos princípios da lealdade e da boa-
fé. Como bem assevera, mais uma vez, Gozaíni, “em líneas generales,
la buena fe en el proceso supone que las partes ejercitarán su respectivo
derecho de defensa sin excesos ni abusos”.23
Quanto ao último critério, aquele mesmo autor sustenta que “los
retrasos judiciales tienen que ser imputables, lo que no sucede cuando
se aprecian factores extraprocesales que explican las demoras”.24
É dizer, se o prolongamento indevido do processo é resultado da
negligência das autoridades judiciais, tal atraso caracterizará violação
ao direito em apreço.
Nesse sentido, Viana, mencionando Sara Maria Paes, registra que
a responsabilidade internacional do Estado se baseia na má organização
21
VIANA, op. cit., p. 153.
22
GOZAÍNI, op. cit., p. 570.
23
GOZAÍNI, op. cit., p. 571.
24
GOZAÍNI, op. cit., p. 569.
Doutrina 127

ou mesmo na ineficácia na administração de justiça do país. Inclusive, “o


Tribunal Europeu, em suas considerações jurídicas, tem deixado claro
que o fator relativo ao comportamento das autoridades compreende de
maneira genérica a íntegra atuação dos poderes públicos”.25
Marinoni, tratando exatamente sobre o direito à razoável duração
do processo, explica que o mesmo incide sobre as três funções estatais:

Esse direito fundamental, além de incidir sobre o Executivo


e o Legislativo, incide sobre o Judiciário, obrigando-o a
organizar adequadamente a distribuição da justiça, a equipar
de modo efetivo os órgãos judiciários, a compreender e a
adotar as técnicas processuais idealizadas para permitir a
tempestividade da tutela jurisdicional, além de não poder
praticar atos omissivos ou comissivos que retardem o processo
de maneira injustificada.26

Como bem pondera o autor, o dever de prestar a tutela tempestiva


não é apenas do Judiciário, mas sim do Estado.
Por fim, este último critério, vale registrar, está em plena
consonância com o princípio do impulso oficial, de onde pode ser
aferida a necessidade de que a outorga da tutela jurisdicional se dê
adequada e tempestivamente.
É que, segundo aquele princípio, o magistrado deve assumir uma
postura ativa na condução do processo, devendo assegurar-lhe seu regular
desenvolvimento, reprimindo eventuais comportamentos incondizentes e
velando pelo respeito aos preceitos constitucionais e às garantias processuais.
Em ressumo, cumpre transcrever o apontamento de Edmilson
da Costa Barreiros Júnior:

Para Francisco Rosito, citando autores europeus, a


Jurisprudência da Corte Européia de Direitos Humanos define
prazo razoável como aquele sem dilações indevidas. Sobre
a complexidade da causa, quanto maior a complexidade maior
o tempo necessário, pois as provas a serem produzidas não são
as mesmas das causas singelas; sobre o comportamento das
partes e procuradores, verifica-se se houve atos atentatórios à
jurisdição, retenção indevida de autos, recursos protelatórios
ou qualquer dilação indevida imputável à parte; sobre a
25
VIANA, op. cit., p. 157 e 158.
26
MARINONI, op. cit., p. 226.
128 Revista Eleições & Cidadania

conduta das autoridades judiciárias, é de se analisar se o


juiz ou tribunal não se valeu de seus poderes para promover
regular andamento do feito. Em assim sendo, verifica-se se
dilação do feito foi indevida, em virtude do desenvolvimento
em condições de normalidade de tempo exigido para que
os interesses litigiosos pudessem ter pronta satisfação. Não
bastaria o mero descumprimento dos prazos (este é um
indício da violação; verificado, analisa-se se a dilação foi ou
não indevida).27

Vale salientar que, por mais que a causa seja complexa e o atraso
manifestamente não possa ser imputado às partes, somente a indevida
conduta das autoridades judiciárias há de ser considerada como passível
de violação da garantia do acesso efetivo à prestação jurisdicional.
Nas palavras de Albanese:

Los tribunales internacionales de derechos humanos no son


tribunales penales internacionales, tienen competencia para
determinar la responsabilidad internacional de los estados.
En todo caso, si se tratase de uma dilación conformada por
el primero o el segundo o esos dos criterios consagrados – la
complejidad del caso y/o la actividad procesal del interessado
– corresponderá el rechazo de esa parte de la demanda
internacional.28

Além desses três critérios esposados, existiriam outros,


denominados “facultativos”, assinalados por Viana:

Outros critérios, os quais se caracterizam como ‘facultativos’,


têm sido analisados perante a Corte européia para a determinar
ou não a indenização referente à duração não razoável dos
processos, como a importância dos litígios para os demandantes,
o contexto no qual se desenvolveu o processo e as justificativas
para a demora na tramitação do processo. A importância do
27
ROSITO, Francisco. Princípio da duração razoável do processo sob a perspectiva
axiológica. Revista de Processo, São Paulo, ano 33, n. 161, jul. 2008. Citado por
BARREIROS JÚNIOR, Edmilson da Costa. Crise de efetividade no direito processual
eleitoral. p. 19. Disponível em: http://www.tre-am.gov.br/eje_/arq/monografias/
MONOGRAFIA_EDMILSON_BARREIROS.pdf. Acesso em 16 nov. 2011.
28
ALBANESE, Susana. Los criterios consagrados para evaluar el plazo razonable. JA
n. 7, fev. 2009.
Doutrina 129

litígio pode ser auferida em razão da matéria que foi debatida


e também da urgência que o autor ou o réu possuíam com a
resolução da demanda. O Tribunal Europeu tem formulado
uma escala de prioridade, segundo o conteúdo material do
processo, organizando as matérias na seguinte ordem: 1)
processos penais; 2) processos sobre o estado e capacidade das
pessoas; 3) processos trabalhistas e de seguridade social e 4) os
tipos residuais.29

E continua discorrendo que, em relação ao contexto no qual se


desenvolveu o processo e às justificativas para a duração excessiva na
tramitação do feito, “o Tribunal afirma que o acúmulo de trabalho e a
carência de juízes são problemas que cabem ao Estado e não servem de
atenuante para a indenização referente à demora inadmissível”.30
No ponto, Marinoni sustenta que:

Na verdade, a afirmação de que há acúmulo de serviço, ou


de que a estrutura da administração da justiça não viabiliza
a adequada prestação da tutela jurisdicional, constituem
autênticas confissões de violação ao direito fundamental à
razoável duração do processo. O acúmulo de serviço, assim
como a falta de pessoal e instrumentos concretos, pode
desculpar o juiz e eventualmente o próprio Judiciário, mas
nunca eximir o Estado do dever de prestar a tutela jurisdicional
de forma tempestiva.31

Por sua vez, Gozaíni aponta quatro critérios: “a) La complejidad


de la causa; b) la conducta de las partes en el processo; c) el análisis de
la función jurisdicional, y d) las consecuencias que tiene la demora”,32
registrando ainda o surgimento de um possível quinto elemento:

Dice Vallespín Pérez que el Tribunal Constitucional español


agregó um quinto elemento: la duración media de los procesos del
mismo tipo. Condición que tiene gran resistencia en la doctrina
porque, como ha dicho Díez-Picazo, el carácter indebido de
una dilación no puede hacerse depender de la estadística ni del
mejor o peor funcionamiento de la administración de justicia.
Es más, la incorporación del criterio del estándar medio de la
29
VIANA, op.cit.
30
VIANA, op.cit.
31
MARINONI, op.cit, p. 227.
32
GOZAÍNI, op.cit, p. 568.
130 Revista Eleições & Cidadania

duración de los procesos entra en contradicción con el resto de la


doctrina del Tribunal Constitucional sobre dilaciones indebidas,
pues es incongruente predicar, de una parte, que la avalancha
y acumulación de asuntos o las deficiencias estructurales no
son justificación de las dilaciones, y, de otra, afirmar que la
razonabilidad o no de una demora depende, entre otras cosas, de
la duración media de los procesos de un tipo.33

A experiência europeia pode ser aplicada à realidade dos


países da América Latina que, a despeito de declararem direitos de
forma pródiga, não adotam condutas capazes de concretizá-los em seu
ordenamento jurídico.

Razoável duração do processo na convenção interamericana


de direitos humanos – interpretação da corte interamericana
de direitos humanos

Certamente influenciada pelo pacto europeu acima mencionado,


a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, CADH, mais
conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica, assinada em 1969 e
tendo entrado em vigor em 1978, também cuidou, em seu artigo 8º, do
assunto em tela, inclusive como garantia judicial:

Artigo 8º - Garantias judiciais


1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas
garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou
Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido
anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal
formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e
obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer
outra natureza.

No ponto, cumpre transcrever o que assevera Gozaíni:

Esta disposición de la Convención consagra el derecho de


acceso a la justicia. De ella se desprende que los Estados
no deben interponer trabas a las personas que acudan a

33
GOZAÍNI, op.cit.
Doutrina 131

los jueces o tribunales em busca de que sus derechos sean


determinados o protegidos. Cualquier norma o medida del
orden interno que imponga costos o dificulte de cualquier
otra manera el acceso de los individuos a los tribunales, y
que no esté justificada por las razonables necesidades de la
propia administración de justicia, debe entenderse contraria
al precitado artículo 8.1 de la Convención.34

O artigo 25 da mesma Convenção também consagra o direito ao


acesso à justiça, vinculado ao direito a um processo rápido, simples e eficaz:

Artigo 25 - Proteção judicial


1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a
qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais
competentes, que a proteja contra atos que violem seus
direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela
lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação
seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício
de suas funções oficiais.

Com o escopo de garantir a proteção às suas disposições, a


Convenção Americana dos Direitos do Homem traz consigo a previsão
dos órgãos competentes para tanto (Comissão Interamericana de
Direitos Humanos e Corte Interamericana de Direitos Humanos).35
Desse modo, aos jurisdicionados dos países signatários daquele
instrumento normativo, quando a lentidão processual resultar em danos
significativos à parte, restar-lhes-á recorrer ao sistema de proteção
internacional dos direitos humanos, por meio ora da Comissão, ora da
Corte Interamericana de Direitos Humanos, nas hipóteses cabíveis.36
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao tratar do art. 8.1
da Convenção Americana, no Caso Genie Lacayo Vs. Nicarágua, sustenta
que o conceito de prazo razoável não é de simples definição e invoca os
mesmos critérios levados em conta pela Corte Europeia para determinar
a razoabilidade do prazo no qual se desenvolve o processo.37 É que o que
diz o parágrafo 77 da correspondente sentença, proferida em 29.01.1997:

34
GOZAÍNI, Oswaldo Alfredo. El Debido Proceso. 1. ed. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2004. P. 526.
35
VIANA, op. cit.
36
VIANA, op.cit.
37
ALBANES, op.cit.
132 Revista Eleições & Cidadania

El artículo 8.1 de la Convención también se refiere al plazo


razonable. Este no es un concepto de sencilla definición. Se
pueden invocar para precisarlo los elementos que ha señalado
la Corte Europea de Derechos Humanos en varios fallos en
los cuales se analizó este concepto, pues este artículo de la
Convención Americana es equivalente en lo esencial, al 6 del
Convenio Europeo para la Protección de Derechos Humanos
y de las Libertades Fundamentales. De acuerdo con la Corte
Europea, se deben tomar en cuenta tres elementos para
determinar la razonabilidad del plazo en el cual se desarrolla el
proceso: a) la complejidad del asunto; b) la actividad procesal
del interesado; y c) la conducta de las autoridades judiciales.
Interessante perceber o que diz a Corte Interamericana ao
examinar o caso Bayarri vs Argentina:

En efecto, leemos: “En casos anteriores, al analizar la


razonabilidad de un plazo procesal la Corte ha valorado los
siguientes elementos: a) complejidad del asunto; b) actividad
procesal del interesado y c) conducta de las autoridades
judiciales. No obstante, el Tribunal considera que existe un
retardo notorio en el proceso referido carente de explicación
razonada. En consecuencia, no es necesario realizar el
análisis de los criterios mencionados”. 38

Observe-se, não apenas a jurisprudência do Tribunal Europeu


vem se valendo de critérios outros, além daqueles tradicionalmente
consagrados para avaliar se houve transgressão ao direito à razoável
duração do processo, mas também a Corte interamericana.
No contexto, a Corte IDH, no Caso López Álvarez Vs. Honduras, já
havia se pronunciado em sentença de 1 de fevereiro de 2006, parágrafo 128:
“El derecho de acceso a la justicia implica que la solución de la controversia
se produzca en tiempo razonable; una demora prolongada puede llegar a
constituir por sí misma, una violación de las garantias judiciales”.
Também sob esse aspecto, a Corte Interamericana entende
inclusive que “corresponde al Estado exponer y probar la razón por lo
que se ha requerido más tiempo que el que sería razonable en principio

38
Corte IDH, Caso Bayarri VS. Argentina, sentença de 30 de outubro de 2008, parágrafo 107.
ALBANESE, Susana. Los criterios consagrados para evaluar el plazo razonable. JA del 18/2/2009, fasc. 7.
Doutrina 133

para dictar sentencia definitiva en un caso particular, de conformidad


con los criterios indicados”.39
Enfim, há de se concluir que o sistema interamericano está se
tornando importante instrumento de proteção dos direitos humanos,
quando as instituições nacionais não se mostram aptas para tanto.
É como diz Flávia Piovesan:40

[…] o sistema interamericano salvou e continua salvando


muitas vidas; tem contribuído de forma decisiva para a
consolidação do Estado de Direito e das democracias na
região; tem combatido a impunidade; e tem assegurado às
vítimas direitos fundamentais.

Previsão constitucional da razoável duração do processo


no Brasil: a Emenda Constitucional nº 45/2004

Além de encontrar fundamento nos tratados e convenções


internacionais, o direito à razoável duração do processo possui elevado
significado também no plano do ordenamento interno de diversos países,
inclusive o do Brasil. É uma decorrência lógica e mesmo condição de
efetividade do direito fundamental ao acesso à justiça.41
Como reflexo do já mencionado art. 7º da Convenção Americana
de Direitos Humanos, a Emenda Constitucional nº 45/2004 acrescentou
o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição Federal brasileira de 1988,
o qual dispõe que: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são
assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam
a celeridade de sua tramitação”. Dessa forma, a razoável duração do
processo passou a compor, de forma expressa, os direitos e garantias
fundamentais previstos na Lei Fundamental brasileira.
Porém, em verdade, o que houve foi apenas uma
“constitucionalização” da garantia em exame. Primeiramente, porque,

39
Corte IDH, caso Hilaire, Constantine, e Benjamim Vs. Trinidad e Tobago. Sentença de
21.06.2002, parágrafo 145. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/
Seriec_94_esp.pdf. Acesso em: 04.01.2012.
40
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo
dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano. 2. ed. rev. ampl. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2011. p. 160.
41
VIANA, op. cit.
134 Revista Eleições & Cidadania

desde sua edição, em 1988, a atual Carta Magna do Brasil já assegurava


tanto o devido processo legal quanto o acesso à justiça, de forma que a
razoável duração do processo já estaria subentendida em tais institutos
legais. Como cediço, o princípio do devido processo legal é a base, a
origem de todos os princípios ou garantias processuais e, além disso, a
previsão do acesso à justiça não se resume ao direito de propor uma ação
e obter uma sentença, mas também exige que a decisão aconteça em um
tempo razoável, sendo a tempestividade da prestação jurisdicional uma
das essenciais questões relacionadas à sua efetividade.
Ao tratar sobre a EC nº 45/2004, Gilmar Mendes registra que alguns
autores consideravam implícita a garantia da razoável duração do processo
na ideia de proteção judicial efetiva, no princípio do Estado de Direito e no
próprio postulado da dignidade da pessoa humana. No ponto, vale transcrever:

Dessarte, a Constituição conferiu significado especial ao princípio


da dignidade humana como postulado essencial da ordem
constitucional (art. 1º, III, da CF/88). Na sua acepção originária, esse
princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto
dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever
de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou
humilhações.42

Segundo, a própria CF/88 já previa, desde sua promulgação,


no §2º de seu art. 5º, que “os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”, complementado pelo seu §1º, o qual
dispunha: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais
têm aplicação imediata”.
Dessa forma, considerando que o Pacto de San Jose da Costa Rica
foi promulgado e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro com a
publicação do Decreto 678, de 09.11.1992, pode-se afirmar que, a partir
desse momento, o direito à razoável duração do processo, observado o
§2º do art. 5º da CF/88, por estar contido nessa convenção internacional,
como esposado alhures, também passou a integrar aquele, inclusive com
aplicabilidade imediata, segundo o §1º daquele mesmo dispositivo.
42
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 6. ed. rev. Atual. São Paulo:
Saraiva, 2011. P. 444.
Doutrina 135

Experiência brasileira: a razoável duração do processo no


âmbito da justiça eleitoral

A Justiça Eleitoral brasileira vem pugnando pela concretização


do princípio da razoável duração do processo em seus feitos, haja vista a
natureza dos bens jurídicos tutelados pelo direito eleitoral (relações jurídicas
concernentes ao exercício da democracia semidireta, através da capacidade
eleitoral ativa e passiva e do acesso dos cidadãos ao poder político).43
Com efeito, podemos citar normas que impõem deveres e
sanções às partes, punindo sua conduta protelatória, tanto no caso da
litigância de má-fé, quanto na hipótese do manifesto caráter protelatório
de embargos de declaração rejeitados, constantes, respectivamente, no
art. 18, bem como no parágrafo único, do art. 538, Código de Processo
Civil brasileiro, utilizados subsidiariamente ao subsidiariamente ao
processo eleitoral brasileiro.
Além disso, constantemente tem sido invocada a “teoria da causa
madura”, consubstanciada no art. 515, §3º, do Código de Processo Civil.44
Sobre a “teoria da causa madura”, cumpre transcrever breve
lição de Neves:45

43
BARREIROS JÚNIOR apud BARRUFFINI, Frederico Liserre. Possibilidade de
efetivação do direito à razoável duração do processo. Âmbito Jurídico, Rio Grande,
n. 57, p. 17, set. 2008. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/
index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5096> .Acesso em: 29 nov. 2011.
44
Nesse contexto, segue ementa de aresto do Tribunal Regional Eleitoral do Piauí (Ação
de Impugnação de Mandado Eletivo nº 24, Acórdão nº 5165929 de 17/05/2010, Relator(a)
MARCELO CARVALHO CAVALCANTE DE OLIVEIRA, Publicação: DJE - Diário da Justiça
Eletrônico, Tomo 091, Data 20/05/2010, Página 06): “RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO
DE MANDATO ELETIVO. ELEIÇÕES 2004. SUPLENTE DE VEREADOR. ABUSO
DE PODER ECONÔMICO. IMPOSSIBILIDADE DE CASSAÇÃO DE MANDATO E DE
APLICAÇÃO DE PENA DE INELEGIBILIDADE. PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO
DA AÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. POSSIBILIDADE DE COMINAÇÃO
DE MULTA. TEORIA DA CAUSA MADURA. MÉRITO. NÃO CONFIGURAÇÃO.
IMPROVIMENTO. – [...]. - Por uma questão de celeridade e efetividade processuais,
em cotejo com o princípio da duração razoável do processo, e por que não há necessidade
de produção de provas, o Tribunal, ao reformar a sentença que extingue o processo
sem resolução de mérito, pode julgar imediatamente o mérito da demanda, quando o
feito encontrar-se em condições de pronto julgamento (causa madura). [...] - Recurso a
que se nega provimento.” (grifado)
45
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010. p. 607 - 608.
136 Revista Eleições & Cidadania

O art. 515, §3.º do CPC permite que o tribunal, no julgamento


de uma apelação contra sentença terminativa, passe ao
julgamento definitivo do mérito da ação, desde que preenchidos
determinados requisitos. A possibilidade desse julgamento
imediato do mérito pelo tribunal vem sendo chamada de
‘teoria da causa madura’, visto que somente nos casos em que o
processo esteja pronto para imediato julgamento do mérito
o tribunal poderá aplicar o dispositivo legal ora comentado.
Conforme se nota da expressa previsão do art. 515, §3.º,
do CPC, a norma diz respeito à apelação, sabidamente
uma das espécies recursais. Ocorre, entretanto, que parcela
considerável da doutrina entende ser a regra pertencente à
teoria geral dos recursos. [...]

Segundo a melhor doutrina, essas exigências legais devem ser


interpretadas à luz do art. 330 do CPC, ou seja, sendo hipótese
de julgamento antecipado do mérito, o tribunal poderá aplicar
o art. 515, §3.º, do CPC, ainda que a demanda verse também
sobre questões de fato. Não havendo provas a serem produzidas
– porque são desnecessárias ou já foram produzidas -, a causa
estará ‘madura’ para julgamento, cabendo ao tribunal julgar
imediatamente o mérito da demanda.

O que preceitua o art. 130 do Código de Processo Civil também


se aplica perfeitamente à prestação jurisdicional efetiva no ramo do
direito eleitoral. Segundo esse dispositivo, o juiz pode indeferir a
produção de provas meramente protelatórias.
Se tal preceito já vinha sendo utilizado, agora com mais razão se
verifica em julgados da Justiça Eleitoral, uma vez que corroborado pelo
então princípio da razoável duração do processo.
Por fim, cumpre observar que os critérios definidos pelo Tribunal
Europeu e utilizados reiteradamente pela Convenção Americana como
parâmetros para se verificar o descumprimento ao direito fundamental
à razoável duração do processo, acima esposados, vêm aparecendo em
julgados brasileiros.46

46
É o que se observa da ementa de acórdão do TRE/ES, em que se atribui ao comportamento
das próprias partes o protelamento do feito (RECURSO CONTRA EXPEDICAO DE
DIPLOMA nº 44, Acórdão nº 16 de 28/02/2011, Relator(a) MARCELO ABELHA
RODRIGUES, Publicação: DJE - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral do ES, Data
23/03/2011, Página 6/7): “QUESTÃO DE ORDEM - PRODUÇÃO PROVA TESTEMUNHAL
REQUERIDA PELOS RÉUS - IMPOSSIBILIDADE OITIVA - OBSTÁCULO CRIADO
Doutrina 137

O art. 97-A da Lei das Eleições brasileira – considerações


A Lei nº 12.034, de 29 de setembro de 2009, inseriu, na Lei nº
9.504/97, mais conhecida como “Lei das Eleições”, o art. 97-A, o qual
segue transcrito:

Art. 97-A. Nos termos do inciso LXXVIII do art. 5o da


Constituição Federal, considera-se duração razoável
do processo que possa resultar em perda de mandato
eletivo o período máximo de 1 (um) ano, contado da sua
apresentação à Justiça Eleitoral.
§ 1o A duração do processo de que trata o caput abrange a
tramitação em todas as instâncias da Justiça Eleitoral.
§ 2o Vencido o prazo de que trata o caput, será aplicável o
disposto no art. 97, sem prejuízo de representação ao Conselho
Nacional de Justiça.

É cediço, considerada a já mencionada importância dos


interesses envolvidos, que os feitos eleitorais em geral devem ter
tramitação célere, a fim de se alcançar a tutela efetiva.
Especificamente àquelas causas que possam resultar em perda
de mandato eletivo, tratadas no dispositivo em apreço, se o mandato
eletivo no Brasil, em regra, é de 4 (quatro) anos, compreende-se a
preocupação do legislador ao determinar que as mesmas tramitem (até
porque o §1º do dispositivo assevera: todas as instâncias da Justiça
Eleitoral) em um período de 1 (um) ano, sob pena mesmo de perda
do próprio objeto de tais ações e a prestação jurisdicional efetiva, por

PELOS REQUERENTES - AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA CELERIDADE, DURAÇÃO


RAZOÁVEL DO PROCESSO, ECONOMICIDADE E RAZOABILIDADE - NOVO PEDIDO
DE OITIVA DE TESTEMUNHAS POR CARTA PRECATÓRIA - RCED - COMPETÊNCIA
ORIGINÁRIA - PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO MAGISTRADO - COLHEITA
DE PROVAS EM SEGUNDO GRAU - PEDIDO INDEFERIDO. 1.[...]. 2. Diante de tantas
intempéries ocorridas no itinerário processual envolvendo este processo
(coincidentemente sempre oriundas de atitudes dos requeridos), o fato é que esta Corte
agora se confronta com a enorme dificuldade em realizar as provas que foram
requeridas e exigidas pelos próprios réus, em clara e inequívoca violação aos princípios
processuais protegidos em nosso sistema, como a celeridade, a duração razoável do
processo, a economicidade e a razoabilidade. 3. Após o deferimento por este Egrégio
do pedido de produção de provas, foi oportunizada aos réus, por duas vezes, a produção
da prova testemunhal exigida e pleiteada por eles, tendo sido ambas frustradas pelos
mesmos, a quem competia trazer as testemunhas, conforme a regra exarada no art.22, V,
da LC 64/90. 4. [...]”. (grifado)
138 Revista Eleições & Cidadania

lógico, restar prejudicada.


Contudo, a despeito de merecer aplausos a voluntas legislatoris, algumas
considerações merecem ser feitas sobre o instituto normativo em apreço.
Primeiro, a par do que já fora exposto em tópico anterior,47 o
legislador acaba por reduzir o princípio da razoável duração doprocesso em
regra de direito processual: a delimitação do interstício para o trâmite das
ações em comento, simplesmente cria uma “duração legal do processo”.
Outrossim, tendo em conta os requisitos de aferição da
inobservância da duração razoável do processo, discorridos no presente
trabalho, quais sejam a complexidade da causa, a conduta das partes e
o comportamento da autoridade jurisdicional; uma interpretação literal
do dispositivo levaria os mais desavisados aplicadores/destinatários da
norma em tela a uma perigosa conclusão de que, em qualquer hipótese,
o juiz ou relator condutor do caso deve sempre ser responsabilizado
pelo não cumprimento do prazo ali disposto.
Como já largamente esposado, a complexidade da causa e o
comportamento das partes também podem ser decisivos para a hipótese
de infringência do art. 97-A, da Lei das Eleições ora comentado.
Em relação ao comportamento das partes, o fato é que os interesses
envolvidos no processo eleitoral acabam por determinar posturas como,
a título de exemplo, litigância de má-fé e interposição de recursos de
cunho eminentemente procrastinatório, o que se demonstrou através de
julgados colacionados, no item anterior.
É cediço que a autoridade impulsionadora do feito deve combater
tais ocorrências, mas, por outro lado, deve observância ao contraditório
e à ampla defesa, eis que os bens aqui protegidos são direitos públicos
subjetivos, o que dificulta atitudes mais severas. Assim, por mais que se
tenha um prazo a ser cumprido, o juiz fica “atado” ao devido processo legal.
Por outro viés, a complexidade da causa que envolve perda de mandato
eletivo também dificulta o cumprimento do que institui aquele comando legal.
Faz-se certo que, embora a lição de que as provas documentais
devem ser apresentadas no momento da apresentação da petição
inicial e da defesa, respectivamente pelo autor e pelo demandado, seja
rigorosamente aplicada aos feitos eleitorais (visando exatamente a
celeridade), existe a possibilidade de instrução processual como, por
exemplo, oitiva de testemunhas e realização de perícia.
47
Vide item 1.
Doutrina 139

Assevere-se, no ponto, que os processos que podem resultar


em perda de mandato eletivo, via de regra, demandam o revolvimento
minucioso de fatos e provas, sendo que qualquer prazo para a conclusão
de feitos desta natureza jamais poderia estar pré-estabelecido, uma vez
que cada causa terá sua complexidade própria. Como já fora dito alhures,
a complexidade, assim como o próprio termo “razoável duração”, cuida
de conceito aberto, indeterminado.
Já se observa, portanto, a grande possibilidade de o art. 97-A
da Lei nº 9.504/97 não ser capaz de produzir os efeitos pretendidos.
Na verdade, o Poder Legislativo, ao delimitar o prazo para o trâmite
de causas que versem sobre perda de mandato eletivo, simplesmente
transferiu a responsabilidade pelo cumprimento do que entendeu ser
“razoável” ao Poder Judiciário, sem prever meios para a sua realização.
Utilizando a máxima de que as sanções devem ser interpretadas
restritivamente, corroborada inclusive pelo princípio da razoabilidade,
o que não se pode perder de vista é que a sanção aplicável a magistrado
por descumprimento do prazo em questão (§2º) só deve se concretizar
se a complexidade da causa ou o comportamento das partes não tenham
sido decisivos para tanto, o que, logicamente, não se deduz de forma
objetiva, mas sim em cada caso concreto.

Celeridade versus segurança jurídica

A par do exposto, cumpre aqui afirmar que a razoável duração


do processo e a celeridade processual são conceitos que se completam,
mas não se confundem.
Em verdade, a razoável duração do processo pressupõe um
equilíbrio entre os valores celeridade processual e segurança jurídica.
A rapidez dos atos processuais jamais pode comprometer o respeito ao
devido processo legal, em especial o contraditório e a ampla defesa, sob
pena de a brevidade gerar a arbitrariedade do juízo.48
48
Esse raciocínio já foi, inclusive, delineado em julgado da jurisprudência eleitoral brasileira,
como se observa na ementa de julgado do egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Piauí
(AGRAVO REGIMENTAL nº 20, Acórdão nº 20 de 21/06/2010, Relator(a) VALTER
FERREIRA DE ALENCAR PIRES REBÊLO, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico,
Tomo 117, Data 25/06/2010, Página 7): “AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE
INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. RECURSO ESPECIAL. ENVIO DE
INSTRUMENTO FORMADO POR CÓPIA DOS AUTOS AO TRIBUNAL SUPERIOR
140 Revista Eleições & Cidadania

É válida uma preocupação com a demora excessiva do processo,


“desde que se note que, a depender do caso concreto, a celeridade
prejudicará direitos fundamentais das partes, bem como poderá
sacrificar a qualidade do resultado da prestação jurisdicional”.49
No contexto, segue irretocável lição de Didier, ao tratar sobre o
direito fundamental a um processo sem dilações indevidas:

Bem pensadas as coisas, conquistou-se, ao longo da história, um


direito à demora na solução dos conflitos. A partir do momento
em que se reconhece a existência de um direito fundamental
ao processo, está-se reconhecendo, implicitamente, o direito de
que a solução do conflito deve cumprir, necessariamente, uma
série de atos obrigatórios, que compõem o conteúdo mínimo do
devido processo legal. A exigência do contraditório, o direito à
produção de provas e aos recursos, certamente, atravancam a
celeridade, mas são garantias que não podem ser desconsideradas
ou minimizadas. É preciso fazer o alerta, para evitar discursos
autoritários, que pregam a celeridade como valor insuperável.
Os processos da Inquisição poderiam ser rápidos. Não parece,
porém, que se sente saudade deles.50

Seguindo a mesma esteira de raciocínio, assim se posiciona


Paulo Hoffman:

Outrossim, fazemos novamente a ressalva de que não se pode,


à custa de um processo mais célere, afrontar as garantias do
devido processo legal nem gerar insegurança para as partes,
tampouco forçá-las a compor-se contra a vontade. Tanto
é inaceitável um processo extremamente demorado como
aquele injustificadamente rápido e precipitado, no qual não há
tempo hábil para produção de provas e alegações das partes,

ELEITORAL. IMPOSSIBILIDADE. ART. 278, § 3º, DO CE. NÃO-PROVIMENTO.


Admitido o Recurso Especial, deverão os autos ser remetidos ao Tribunal Superior Eleitoral,
não havendo previsão legal de processamento do Recurso Especial interposto na forma
de instrumento, com remessa, apenas, de peças necessárias à Corte Superior. O princípio
da razoável duração do processo não pode comprometer a segurança jurídica, nem
a plena defesa, o contraditório e o devido processo legal, devendo ser aplicado com
observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Recurso a que se
nega provimento”. (grifado).
49
NEVES, op. cit. P. 73.
50
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 11 ed. rev. ampl. e atual. Salvador:
Juspodium, 2009. v.1, p. 55.
Doutrina 141

com total cerceamento de defesa.51

Também José Carlos Barbosa Moreira, ao tratar sobre o futuro


da Justiça, aponta que “a rapidez acima de tudo” é um mito, concluindo
que:

Se uma Justiça lenta demais é decerto uma Justiça má, daí não
se segue que uma Justiça muito rápida seja necessariamente
uma Justiça boa. O que todos devemos querer é que a
prestação jurisdicional venha a ser melhor do que é. Se para
torná-la melhor é preciso acelerá-la, muito bem: não, contudo,
a qualquer preço.52

Assim, é essencialmente a estabilidade entre tais variáveis,


celeridade e segurança, que compõe a noção de efetividade da tutela
jurisdicional53, a qual, por sua vez, está intimamente relacionada ao
tempo do processo, pois, reitere-se, “a demora desnecessária pode
acarretar danos irreversíveis ao demandante, ao passo que a exagerada
celeridade pode comprometer a segurança da prestação”.54
Afinal, uma tutela que não seja efetiva, registrando que a
razoável duração do processo geralmente vem associada à concepção
de prestação jurisdicional não apenas célere, mas também efetiva,
não pode ser caracterizada como legítima manifestação do Estado
democrático, o qual possui a pacificação social como missão precípua.

51
HOFFMAN, op. cit., p. 41.
52
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual. São Paulo:
Saraiva, 2004. p. 5.
53
“Efetividade tem relação direta com a utilidade que o provimento jurisdicional possa
produzir para os jurisdicionados”. GALDINO, Flavio; KATAOKA, Eduardo Takemi;
TORRES, Ricardo Lobo, organizadores; TORRES. Silvia Faber, supervisora. Dicionário de
princípios jurídicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. P.22.
54
VIANA, op. cit.
142 Revista Eleições & Cidadania

Referências

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dez. 2011
144 Revista Eleições & Cidadania
145

A GRAVIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS NO ABUSO DE


PODER ELEITORAL
Marcus Vinícius Furtado Coelho *

O abuso de poder eleitoral não mais possui, para sua configuração,


a exigência da presença do pressuposto da potencialidade do fato alterar
o resultado das eleições, sendo necessária tão somente a caracterização
da gravidade das circunstâncias do ato tido por abusivo.
Essa inovação, de índole interpretativa, introduzida pela Lei
Complementar 135, de 2010, que acrescentou o inciso XVI ao artigo 22
da LC 64, de 1990, segundo o qual “para a configuração do ato abusivo,
não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da
eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.
A gravidade das circunstâncias do ato em si considerado, e não a sua
probabilidade em influir no resultado da eleição, passa a ser o pressuposto
para configurar o abuso de poder. A inovação legislativa possui o evidente
sentido de afastar a exigência da potencialidade para influir no resultado
das eleições como pressuposto da declaração de presença de ato abusivo.
A interpretação definirá o alcance e o significado do requisito
“gravidade das circunstâncias”, apto a caracterizar o abuso de poder
eleitoral, retirando do termo as entranhas de seu adequado sentido. Tal
expressão, que é um conceito aberto, bem se aproxima do princípio
da proibição do excesso ou da proporcionalidade e razoabilidade, a
governar a atuação do poder público, incluindo o Judiciário na sua
tarefa de aplicar as leis. Torna-se obrigatório verificar a existência
de adequação, necessidade e justa medida na incidência da pena de
cassação de mandato.1
O ordenamento não admite seja configurado o abuso de
*
Marcus Vinicius Furtado Coêlho, advogado, autor de Direito Eleitoral e Processo Eleitoral,
Ed. Renovar, Professor da pós-graduação da PUC-SP e Escola Judiciária Eleitoral do TSE,
doutorando pela Universidade de Salamanca, Secretário-Geral do Conselho Federal da Or-
dem dos Advogados do Brasil.
1
“Meios e fins são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objetivo
de avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois,
de uma questão de medida ou desmedida par se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos
meios com as vantagens do fim. [...] evitar cargas coativas ou actos de ingerência desmedi-
dos na esfera jurídica dos particulares”. (CANOTILHO, Joaquim José Gomes, Direito Cons
titucional e Teoria da Constituição, Ed. Medina, p. 280).
146 Revista Eleições & Cidadania

poder por fato insignificante, sem relevo, desprovido de repercussão


social. Gravidade advém do latim “gravis”, significando pesado ou
importante. Circunstâncias são os elementos que acompanham o fato,
suas particularidades, incluindo as causas. Diz respeito a como, onde,
quando, motivo e qual intensidade da prática do ato. No direito penal,
as circunstâncias podem constituir ou qualificar o crime, como também
agravar a pena a ser aplicada. A reincidência e a prática do delito por
uso do poder de autoridade são circunstâncias previstas no art. 61 do
Código Penal Brasileiro. Tem a pena agravada, nos termos do art. 62
do referido Código, quem possui função de direção ou quem induz ou
coage para a prática criminosa. Trata-se de normas do direito positivo
que podem ser utilizadas como referência de interpretação por analogia,
conhecida regra de integração da norma jurídica.
A democracia pressupõe a prevalência da vontade da maioria,
com respeito aos direitos da minoria. A banalização das cassações de
mandato, com a reiterada interferência do Judiciário no resultado das
eleições, pode gerar uma espécie de autocracia, o governo dos escolhidos
pelos Juízes e não pelo povo. O juízo de cassação de mandato por
abuso de poder deve ser efetuado tão apenas quando existentes provas
robustas de graves condutas atentatórias à normalidade e legitimidade
do processo eleitoral e às regras eleitorais. Forçoso lembrar que o
Direito em Roma era denominado de Jurisprudência, concebida como a
ciência do Justo ou direito do prudente.
A prudência deve presidir a decisão pela revisão judicial das
eleições ou a manutenção do vaticínio popular. A análise de provas no
caso concreto, pesando-as e não as contando, constitui em trabalho de
alto relevo. Sem dúvida, o pressuposto da gravidade das circunstancias,
que deve ser fundamentado de forma detida e específica, e não de modo
genérico, amplia responsabilidade do julgador eleitoral.
A jurisprudência eleitoral fazia a exigência, para a configuração
de abuso de poder apto a ensejar cassação de mandato, da presença do
pressuposto da potencialidade lesiva, significando a probabilidade dos
fatos abusivos interferirem na normalidade e legitimidade das eleições.
Já não havia uma exigência de correspondência aritmética entre o ato
abusivo e o resultado eleitoral, bastando um juízo de probabilidade.
Assim, “o exame da potencialidade não se prende ao resultado das
Doutrina 147

eleições. Importam os elementos que podem influir no transcurso


normal e legítimo do processo eleitoral, sem necessária vinculação com
a diferença de votos”.2
Em outro importante precedente, o TSE vaticinou que o requisito
da potencialidade configuradora do abuso de poder deveria

[…] ser apreciado em função da seriedade e da gravidade da


conduta imputada, à vista das particularidades do caso, não devendo
tal análise basear-se em eventual número de votos decorrentes do
abuso, ou mesmo em diferença de votação, embora essa avaliação
possa merecer criterioso exame em cada situação concreta.

No caso, foi cassado o mandato de deputado federal por ter


havido “o depósito de quantia em dinheiro em contas-salário de
inúmeros empregados de empresa de vigilância, quando desvinculado
de qualquer prestação de serviços, seja para a própria empresa, que é
administrada por cunhado da candidata, seja para campanha eleitoral”.3
Por certo, parte da doutrina já expressava que potencialidade “não
significa nexo de causalidade entre o ato ilícito e o resultado das eleições,
nem tampouco cálculo matemático”, sendo suficiente a demonstração
“que as práticas irregulares teriam a capacidade ou potencial para
influenciar o eleitorado, o que torna ilegítimo o pleito”.4 E, mais,

[…] a regra é a prevalência da vontade popular. A exceção é


a desconstituição desta vontade, com a cassação do mandato,
no caso de prova robusta e incontestável que o mandato foi
colhido apenas porque a vontade popular foi corrompida e
deturpada por práticas reiteradas de abuso de poder econômico
ou político, é dizer práticas ilícitas que possuem potencialidade
suficiente para desequilibrar a disputa eleitoral.5
Em relação às demais espécies de corrupção eleitoral, como
condutas vedadas aos agentes públicos, captação ilícita de sufrágio e
2
TSE, RCED 723/RS, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe 18.9.2009; e RO 1537/MG, rel. Min. Felix
Fischer, DJ 29.8.2008.
3
TSE, RCED 755/RO, rel. Arnaldo Versiani, DJe 28/9/2010.
4
COELHO, Marcus Vinicius Furtado. Direito eleitoral e processo eleitoral. 2. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2010, p. 260.
5
Ibidem, p. 259.
148 Revista Eleições & Cidadania

irregular arrecadação ou aplicação de recursos financeiros na campanha


eleitoral, a jurisprudência já exigia a presença da “relevância jurídica”
do ilícito como pressuposto para o juízo de cassação de mandato,
observando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
No que atine à irregular arrecadação ou aplicação de recursos
financeiros na campanha eleitoral, previsto no art. 30-A da Lei n. 9.504/97,

[…] é necessário prova da proporcionalidade (relevância jurídica)


do ilícito praticado pelo candidato em vez do dano em relação ao
pleito eleitoral. Nestes termos, a sanção de negativa de outorga
do diploma ou de sua cassação deve ser proporcional à gravidade
da conduta e à lesão perpetrada ao bem jurídico protegido.6

No que se refere à prática de condutas vedadas aos agentes


públicos, preceituadas no art. 73 da Lei das Eleições, lei 9.504/97, a justiça
eleitoral compreende que a sua existência “não implica, necessariamente,
a cassação do registro ou diploma, devendo a pena ser proporcional à
gravidade do ilícito” 7, devendo haver avaliação “das circunstâncias
fáticas”. No precedente mencionado, o mandato não foi cassado, mesmo
em se demonstrando a utilização de servidor público na campanha eleitoral.
No mesmo sentido, “para a incidência do art. 30-A da Lei nº
9.504/97, é necessária a aferição da relevância jurídica do ilícito, uma
vez que a cassação do mandato ou do diploma deve ser proporcional à
gravidade da conduta e à lesão ao bem jurídico protegido pela norma”.
Neste caso, não foi procedido juízo de cassação de mandato pelo fato
do candidato ter realizado “gastos com combustíveis sem, no entanto,
informar os valores relativos à utilização de veículos e sem emitir os
recibos eleitorais relativos a tais doações estimáveis em dinheiro”.8 Para
o precedente, “a referida irregularidade, a despeito de configurar vício
insanável para fins da análise da prestação de contas, não consubstancia
falha suficientemente grave para ensejar a cassação do diploma,
considerado o valor total dos recursos gastos na campanha”.
A inovação legislativa altera o paradigma do abuso de poder,

6
TSE, RO 1453/PA, rel. Min. Felix Fischer, DJe 05/04/2010.
7
TSE, AgR-AI 11352/MA, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE 02/12/2009, Página 45.
8
TSE, RO 444344/DF, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe 13/02/2012, Página 19.
Doutrina 149

exigindo, para sua caracterização, não mais a potencialidade para influir


no resultado das eleições, mas a gravidade das circunstâncias do fato
em si considerado. O raciocínio não teve ter em mente o resultado das
eleições, ainda que para um juízo de probabilidade. Assim, os diversos
tipos de corrupção eleitoral se aproximaram de modo indelével, pois a
gravidade das circunstâncias, exigida pela lei para o abuso de poder, em
muito se assemelha à relevância jurídica do ilícito, como vaticinado pela
jurisprudência à configuração dos demais tipos de corrupção eleitoral.
Não há, até o momento, um enfrentamento do Tribunal
Superior Eleitoral sobre o alcance e o significado da gravidade
das circunstâncias. No caso do deputado Benício Tavares, O TSE
confirmou acórdão do TRE/DF, segundo o qual as circunstâncias
demonstravam que “mesmo impertinente a potencialidade,
anote-se sua presença: um mil vigilantes da empresa, cada qual
devendo apresentar dez ‘apoiadores’ da campanha política”.
Com efeito, no âmbito dos Tribunais Regionais, muito embora
seja firmada a desnecessidade de aferição de potencialidade, mas tão
somente um juízo de proporcionalidade e razoabilidade sobre a gravidade
da conduta, os casos tem sido julgado com a ressalva de que até mesmo
sob o prisma anterior, da potencialidade, o ilícito ensejaria cassação.9
Também foi considerado, em outro Tribunal Regional, que a conduta
vedada não repercutiu na ótica do abuso de poder, uma vez que não comprometia
a legitimidade e lisura do pleito e, tampouco, possuiria gravidade. Assim,

A confirmação da prática de conduta vedada não implica,


necessariamente, a cassação do registro ou diploma, devendo ser
respeitado o princípio da proporcionalidade na aplicação da sanção,
sempre vislumbrando o equilíbrio entre a proteção à lisura do pleito
eleitoral e o respeito à decisão popular emanada nas urnas.

E, mais, “no caso dos autos, não há elementos probatórios suficientes


para aferição do grau de comprometimento das alegadas práticas abusivas
na legitimidade e normalidade do processo eleitoral.”10 A hipótese versou
sobre reunião política em residência oficial.
9
TRE-SP, AIJE nº 156584, Acórdão de 17/11/2011, Rel. Alceu Penteado Navarro.
DJESP 25/11/2011.
10
TRE-SE, AIJE nº 304124, Rel. Marilza Maynard Salgado de Carvalho, DJE 23/11/2011.
150 Revista Eleições & Cidadania

Há também julgado de Regional considerando a veiculação


de apenas uma mensagem por e-mail institucional, insuficiente para
preencher o requisito da gravidade. Concluiu o Tribunal,11

[…] é necessária à configuração do abuso de poder ou do uso


indevido de meio de comunicação social, apurado na ação de
investigação judicial eleitoral, não somente a comprovação da
prática abusiva, mas também da gravidade das circunstâncias que
a caracterizaram.

E vaticinou, “a veiculação de apenas uma mensagem eletrônica


com cunho eleitoral, ainda que através de meio inadequado (e-mail
institucional) não é suficiente para desequilibrar a disputa eleitoral”.
O desafio interpretativo sobre a abrangência da gravidade das
circunstâncias deve ter como ponto de partida o dístico “normalidade
e legitimidade das eleições”12, razão de existência e meta a ser
alcançada pela Justiça Eleitoral, sem se descuidar da regra de ouro
do Estado Democrático, qual seja a origem popular do Poder, sendo
os governantes escolhidos nas urnas pela maioria do povo. Esse dois
postulados constitucionais devem incidir em cada caso concreto no
qual for discutida a ocorrência de abuso de poder e, portanto, a presença
do requisito de circunstâncias graves a possibilitar a revisão judicial
da escolha do eleitorado e a interferência do Judiciário no processo
democrático. Prudência, cautela, ponderação, eis o comportamento
esperado pelo sistema democrático a todos quantos forem interpretar a
ocorrência de abuso de poder nas eleições.

11
TRE-PR, AIJE nº 210985, Rel. Irajá Romeo Hilgenberg, DJ 02/02/2011.
12
Constituição Federal, art. 14, parágrafo 9º. A Carta Constitucional, nesse dispositivo, embora
trate da Lei Complementar das Inelegibilidades, apresenta a vocação do Judiciário Eleitoral,
qual seja a manutenção da normalidade e legitimidade das eleições, com o afastamento
do abuso de poder político e econômico nos pleitos eleitorais. Na própria origem da
Justiça Eleitoral, como promessa da Revolução de 30, encontrava-se ínsita a necessidade
de moralização dos costumes políticos do Brasil. Entretanto, tal função legitimadora deve
ser exercida com o respeito ao princípio majoritário, que pressupõe a prevalência da vontade
da maioria, essencial ao regime democrático. Juízos de cassação de mandato, pois e assim,
não podem ser banalizados e devem ser proferido apenas e tão somente quando presentes
fatos que atestem o comprometimento da expressão da própria maioria popular.
151

O FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS ELEITORAIS NO


ESTADO DO PIAUÍ
EM 2010: QUEM BANCOU QUEM NA CAMPANHA DE
GOVERNADOR?

Cleber de Deus Pereira da Silva *


Rosalina Ferreira Freitas **

O financiamento de campanhas eleitorais no estado do Piauí .


Em 2010: quem bancou quem na campanha de governador?

O objetivo desse paper é analisar as eleições majoritárias (para


governador) de 2010 no estado do Piauí, no que tange aos custos das
campanhas eleitorais. Para atingir esta finalidade, o artigo será dividido
em três momentos. Na primeira etapa, será problematizado o objeto de
estudo (financiamento de campanhas eleitorais). Num segundo momen-
to, serão apresentados os dados referentes aos gastos de campanhas de-
clarados pelos candidatos, bem como sua respectiva análise. Na terceira
e última secção, serão feitas considerações a respeito dos levantamen-
tos e diagnósticos apresentados no decorrer do artigo.1

*
Cleber de Deus – Doutor em Ciência Política (IUPERJ) e Professor da Universidade Federal
do Piauí UFPI.
**
Rosalina Ferreira Freitas – Mestranda em Ciência Política – UFPI.

1
O projeto do qual se originou esse paper, objetiva analisar o processo de financiamento
de campanha para os cargos de Governador e Senador nas eleições de 2006 e 2010. Nesse
artigo, serão apresentadas somente as análises das eleições majoritárias de 2010 para o cargo
de governador do Estado do Piauí. A razão para tanto é de que a pesquisa encontra-se em
sua fase inicial e, consequentemente, ainda não foi possível coletar e montar a base de dados
na sua totalidade.
152 Revista Eleições & Cidadania

O financiamento de campanhas eleitorais e seus enfoques


teóricos e metodológicos.

O estudo do financiamento de campanhas eleitorais em pers-


pectiva comparada já é um tema privilegiado da Ciência Política.2 A
questão central que permeia o debate volta-se para o estudo sistemático
do relacionamento entre a representação política e o sistema de finan-
ciamento. Nessa perspectiva, os sistemas de financiamento são anali-
sados observando-se um aspecto fundamental: o maior ou menor grau
de regulação do Estado sobre o mercado político. Isto é, considera-se
que “as origens dos fundos para manutenção das máquinas partidárias,
tanto para fins eleitorais quanto para a própria organização interna dos
partidos, podem ser públicas ou privadas” (PEIXOTO, 2009, p. 95).
A pergunta orientadora desse debate é a seguinte: “quem banca
o custo da democracia?”.3 Nessa questão, três grandes vertentes analíti-
cas se sobressaem na tentativa de compreender tal assunto. Uma delas
defende a utilização de recursos privados para os financiamentos dos
partidos e candidatos. Ou seja, nessa perspectiva, o financiamento dos
partidos deveria funcionar como um livre mercado (livre concorrência),
onde os partidos competiriam por recursos privados. Em tal concepção,
o cidadão teria liberdade de escolha sobre qual candidato ou partido
seria beneficiado por apoio financeiro.
Em outra perspectiva, situam-se os defensores da distribuição
dos recursos públicos. Eles justificam esse mecanismo pela necessida-
de, primeiro, de controlar ou minimizar as distorções na competição
do sistema introduzidas pelo impacto do financiamento privado e, se-
gundo, de manter a relativa independência dos partidos quanto às osci-
lações temporais e quantitativas nas doações, o que garantiria a sobre-
vivência dos partidos em situações de crises econômicas ou políticas.
Nessa visão, os custos de financiar os partidos com recursos públicos

2
Dois trabalhos relevantes que seguem essa perspectiva são de Vitor Peixoto (2009) e de
Daniel Zovatto (2005).
3
Indagação levantada por Vitor Peixoto (2009, p. 95) e apropriada para esta proposta de
pesquisa.
Doutrina 153

entrariam para o que denominam de “custos da democracia”.4 Seguindo


essa linha raciocínio, Peixoto (2009, p. 93) declara o seguinte:

Assim como em boa parte dos regimes democráticos, no Brasil


existem muitas propostas para a reforma do sistema de finan-
ciamento de partidos políticos. Aspectos como a manutenção
da competitividade eleitoral e a diminuição da intervenção do
poder econômico na representatividade são constantemente
mobilizados pelos defensores do financiamento exclusiva-
mente público das campanhas. Por outro lado, a quem advo-
gue a liberdade de escolher os partidos (ou candidatos) aos
quais os recursos privados devam se destinar, e não o Estado.

A terceira vertente analítica defende a construção de financia-


mentos de sistemas mistos (com origens públicas e privadas), os quais
impediriam que os partidos entrassem em decadência por falta de recur-
sos e, em concomitância, não eliminariam os vínculos entre eleitores e
partidos estabelecidos por meio de pequenas doações. No seu estudo do
financiamento dos partidos e campanhas eleitorais na América Latina,
numa perspectiva comparada, Zovatto (2005, p. 301) declara o seguinte:

O exame comparado da legislação eleitoral dos países latino-


-americanos mostra que todos os seus ordenamentos eleitorais
regulam o tema do financiamento dos partidos, embora em
termos, modalidades e graus de intensidade variados. Assim,
enquanto alguns ordenamentos contam com normas detalhadas
nesta matéria, outros países se caracterizam por ter regulamen-
tações gerais escassas. Mas vale anotar que alguns países, como
o Chile e o Peru, que se caracterizavam até agora por exígua re-
gulamentação dessa questão, aprovaram recentemente leis que
procuram regulamentar com mais detalhes o financiamento po-
lítico. Em relação ao tipo de financiamento, predomina em toda
a região (exceto na Venezuela), o sistema misto.

4
Sobre isso, Bruno Speck (2010, p. 11) afirma que “um dos grandes desafios no fortalecimento
do financiamento público de partidos e campanhas é como resolver a questão da distribuição
dos recursos. As duas formas mais conhecidas de distribuição de fundos públicos são a
alocação equitativa, que incentiva os pequenos partidos e os novatos, e a alocação
proporcional dos recursos segundo um critério de desempenho, como os votos ou cadeiras
no Legislativo, que honra a estabilização e privilegiam os partidos que tem história e
conseguiram ganhar eleições”.
154 Revista Eleições & Cidadania

No debate sobre essa questão, as fontes privadas são a origem


das maiores divergências entre os especialistas. Alguns dos principais
pontos de controvérsia refere-se aos limites impostos à quantia doada
e à origem da doação. A meta dos defensores dos limites e proibições
é bastante clara: restringir a atuação dos “big donnors” (grandes doa-
dores) que podem causar distorções na competitividade eleitoral ou até
mesmo na representatividade do sistema.
O maior desafio, pois, de um marco regulatório é manter um pos-
sível equilíbrio entre a atuação desproporcional dos grandes doadores e,
ao mesmo tempo, fortalecer a relação ou os vínculos dos cidadãos com
os partidos. Nessa linha de raciocínio, entende-se que há no mínimo duas
alternativas a serem observadas: a imposição de tetos de arrecadação aos
partidos e a limitação da influência dos doadores. Quando se impõem
limites às receitas dos partidos, a preocupação maior se refere à compe-
titividade do sistema. Já quando se pretende limitar as receitas dos doa-
dores, a meta é reduzir ou constranger a influência excessiva dos grandes
doadores, por causarem o “desvirtuamento” do sistema representativo.
A democracia brasileira, nesse sentido, é fonte de grande preo-
cupação. Como bem destacou Samuels (2003, p. 381):

O mercado de financiamento de campanhas no Brasil é domi-


nado por relativamente poucos atores sejam eles pessoas físicas
ou jurídicas. Em geral, relativamente poucos atores contribuem,
mas quando fazem tendem a doar muito dinheiro. Isso reflete a
altamente desigual distribuição de renda do país: a maioria dos
brasileiros não tem condições de fazer uma contribuição políti-
ca, por mais que quisessem apoiar financeiramente um candidato
em particular. Em contrapartida, uma porcentagem muito peque-
na do país possui uma receita disponível suficiente para querer
e poder influenciar o processo político, mediante consideráveis
quantias doadas para fundos de campanhas.

Nesse particular, o caso brasileiro se destaca com ênfase acen-


tuada. Não há limites prefixados universalmente como na maioria de
outros países. Os limites impostos aos doadores privados, nesse caso,
são relativos ao faturamento bruto declarado no ano anterior ao período
eleitoral (10% para pessoa física e 2% para pessoa jurídica).
No que tange aos limites impostos aos partidos, o caso brasi-
Doutrina 155

leiro é ainda mais interessante, já que não existe um teto único aos
partidos - nem absoluto, nem relativo. Os próprios competidores esti-
pulam a quantidade de gastos que irão utilizar na campanha eleitoral.
Assim, cada partido informa ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no
momento de registro de candidaturas, o teto máximo para si próprio, ao
qual ficará submetido até o final da campanha. Em outras palavras, esse
mecanismo funciona como uma autorregulação.
Outro ponto a se destacar na legislação brasileira é que a mesma
proíbe ou limita as doações financeiras provenientes de corporações
com interesses diretos na administração pública (sindicatos, organiza-
ções não-governamentais, concessionárias públicas e empresas estran-
geiras).5 Essa característica revela que a nossa legislação considera um
importante fato: os recursos empregados pelos atores na arena eleitoral
geram consequências diretas nos resultados eleitorais. É nesse sentido
que Przeworski declara:

Os participantes da competição democrática investem recur-


sos econômicos, organizacionais e ideológicos desiguais na
disputa. Alguns grupos têm mais dinheiro que outros para
gastar na política. Alguns dispõem de mais competência e
vantagens organizacionais que grupos. Uns possuem recursos
ideológicos melhores, isto é, argumentos mais convincentes.
Se as instituições democráticas são universalistas – isto é,
neutras em relação à identidade dos participantes – os que
detêm maiores somas de recursos têm mais probabilidades de
sair vencedores nos conflitos submetidos ao processo demo-
crático (LEANDRO, 1994, p. 26-27 apud PEIXOTO, 2005,
p. 11).

No Brasil, convivemos com certas tradições políticas e culturais


favorecedoras do clientelismo e da impunidade, tais como contabilida-
des duplas e desvio de doações. Essas práticas obscurecem os meca-
nismos de transparência e são difíceis de se erradicar. Nesse sentido,
Zovatto (2005, p.314) chama atenção para o seguinte ponto:

Uma das razões mais importantes para regulamentar o finan-

5
Lei nº 9.096/95, art. 31: contribuição ou auxílio pecuniário vedado ao partido político.
156 Revista Eleições & Cidadania

ciamento dos partidos e das campanhas eleitorais, usualmente


relacionada com as opções de “autonomia” e “transparência”
é o empoderamento dos eleitores. Argumenta-se que, ao co-
locar à disposição da cidadania a informação sobre os mo-
vimentos financeiros dos partidos, possibilita-se ao eleitor
tomar uma decisão informada no dia das eleições. Dessa for-
ma, fica nas mãos do eleitorado, da sociedade e dos meios de
imprensa a possibilidade de uma sanção efetiva que promova
a boa conduta entre os partidos e candidatos. A prestação de
contas e a divulgação da informação tornam-se, em conse-
qüência, dois dos recursos mais eficazes para controlar os mo-
vimentos financeiros dos partidos e candidatos, e para evitar
– ou ao menos reduzir – os excessos dos financiamentos das
campanhas e a influência do dinheiro ilícito.

Diante do exposto, a preocupação desta pesquisa é compreen-


der como essas diversas questões estão presentes na realidade política
piauiense. Para esclarecer alguns dos aspectos da relação entre dinheiro
e eleições no estado do Piauí, considerando-se a literatura especializa-
da, adotar-se-á uma hipótese de pesquisa que norteará a investigação de
como se correlacionam as diversas teses apresentadas pelas vertentes
analíticas que estudam os sistemas de financiamentos de campanhas e
partidos políticos.
A hipótese é: o financiamento de determinados candidatos, atra-
vés de setores econômicos privilegiados, pode afetar o desempenho da
representação política, inibindo o grau de competitividade e criando,
ainda, entraves para a renovação da classe política piauiense, bem como
restringindo a participação de novos atores e setores organizados da
sociedade civil do Piauí no processo decisório.
A temática das campanhas eleitorais vem despertando enorme
interesse da Ciência Política brasileira nos últimos anos. Uma das ra-
zões centrais para tal preocupação resulta do fato de que a democracia
alcançou um nível de consenso extremamente elevado entre os inúme-
ros atores políticos. Contudo, a qualidade do regime democrático bra-
sileiro é fonte de grande debate na literatura que se dedica a estudar o
grau de consolidação democrática.
O estudo das campanhas eleitorais, especificamente sobre o fi-
nanciamento dos partidos políticos, entra nessa discussão por estabelecer
Doutrina 157

uma relação extremamente delicada num regime democrático: o vínculo


entre dinheiro e eleições (economia versus política). A discussão suscita-
da aqui parte do pressuposto de que a enorme desigualdade de competi-
ção pode levar a um acesso privilegiado ao poder político, causando um
enorme “desvirtuamento” do sistema representativo. Surgem, então, mais
desafios aos arranjos institucionais que procuram limitar ou inibir a in-
fluência do excessivo poder econômico no processo eleitoral e partidário.
Nessa perspectiva, Peixoto (2009, p. 3) afirma o seguinte:

Nas últimas duas décadas, nos países da “terceira onda de


democratização”, verificou-se um crescimento significativo
da participação eleitoral, bem como um incremento da com-
petição partidária. Cresce, a partir de então, a preocupação
com a “qualidade do regime democrático”. Um aspecto espe-
cífico dos sistemas surge como protagonista neste cenário, a
saber, a capacidade dos arranjos institucionais em possibilitar
o maior, ou menor, controle dos cidadãos sobre os represen-
tantes políticos.

Ao lado de aspectos positivos do financiamento, surgem escân-


dalos de corrupção política e de tráfico de influência nas suas mais va-
riadas nuanças. Contudo, o financiamento das campanhas e partidos
políticos, quando associado à corrupção, longe de contribuir para o for-
talecimento das instituições políticas e democráticas, produz, às vezes,
um resultado contrário: põe em xeque a credibilidade do próprio regime
democrático, pois aumenta o grau de desconfiança dos cidadãos em re-
lação às diversas instituições representativas.
Tal suspeita não resulta exclusivamente de escândalos de cor-
rupção descobertos e comprovados, mas também da percepção que os
cidadãos têm sobre a origem duvidosa e a gestão indevida dos recursos
que os partidos e candidatos declaram no processo eleitoral. Por isso,
Zovatto (2005, p. 290) destaca:

Os efeitos negativos para o sistema democrático da corrupção


política foram bem apontados por Jorge Malem, segundo o
qual: 1) a corrupção solapa a regra da maioria que é própria da
democracia; 2) corrói os fundamentos da moderna teoria da
representação que esta na base do ideal democrático; 3) afeta
o principio de publicidade e transparência; 4) empobrece a
158 Revista Eleições & Cidadania

qualidade da democracia ao subtrair da agenda pública todas


aquelas questões que constituem a contraprestação corrupta
corresponde a recepção por parte dos partidos de fundos ir-
regulares; e 5) provoca uma série de ilícitos em cascata, isto
é, os dirigentes políticos, para dissimular os fundos obtidos
irregularmente.

Assim, o caso da democracia brasileira se torna paradigmático


por apresentar enormes distorções no que diz respeito ao financiamento
dos partidos políticos. Duas razões básicas são apontadas pela literatura
que se dedica ao tema: acesso privilegiado ao poder político (informações
restritas, participação desigual, etc.) e corrupção (compra de votos e vá-
rias outras formas de fraudes eleitorais). No Brasil, há uma enorme des-
confiança em relação aos partidos políticos e, por isso, utilizar recursos
públicos em campanhas eleitorais gera discussões bastante polêmicas.
O estudo do financiamento das campanhas eleitorais é central
para a compreensão dos fundamentos e desdobramentos da democracia
brasileira, principalmente quando o foco se desloca para os contextos
regionais, devido à importância das dinâmicas políticas estaduais na
consolidação do regime democrático no país. Em virtude disso, o estu-
do dessa temática - que ainda é pouco explorada pela Ciência Política
brasileira - ganha uma relevância maior quando se pretende estudar os
efeitos e as interações entre “dinheiro e eleições” nos estados. Ocorre
que, nestes, o grau de controle dos cidadãos e os mecanismos de efetiva
fiscalização e regulação à disposição das diversas instituições são mais
limitados que nas esferas federais.
Assim, nesse artigo optou-se por focar a análise sobre o finan-
ciamento de campanhas eleitorais no estado do Piauí nas eleições ma-
joritárias de 2010. O objetivo é verificar como os segmentos políticos
piauienses captam recursos para custearem as despesas contraídas du-
rante o processo eleitoral. Há, neste trabalho, preocupação com o cená-
rio de grande desigualdade social e econômica no qual se desenrola o
processo de competição política piauiense. Num contexto assim carac-
terizado, a influência econômica que certos setores têm pode provocar
“ossificação” e previsibilidade do resultado eleitoral e, consequente-
mente, impossibilitar a entrada de setores não hegemônicos economi-
camente no processo de decisão política. Nessa lógica, uma enorme
Doutrina 159

oligarquização da representação política piauiense não traria nenhum


benefício para a ampliação da esfera pública e para a implantação de
políticas públicas de caráter universal.
O estudo de financiamento de campanhas eleitorais pode ser
abordado por diversos ângulos (custos do sistema partidário, custos
eleitorais da representação política etc.). Esta pesquisa objetivará com-
preender como se estabelecem as várias modalidades de financiamento
das campanhas dos partidos e candidatos no estado do Piauí nas elei-
ções majoritárias de governador e senador em 2006 e 2010.
A escolha dessas duas eleições se deu, precisamente, pela cons-
tatação de um crescente profissionalismo nas campanhas eleitorais
piauienses e, principalmente, pela influência cada vez maior e mais
decisiva do poder econômico nos resultados eleitorais. A partir desses
dois pleitos, notou-se uma tendência para que certo perfil de candida-
to ganhasse a eleição. Em geral, tal perfil apresenta uma característi-
ca básica: os candidatos na maioria das vezes são vinculados a grupos
econômicos com interesses bem organizados e que têm possibilidade
de distribuir os mais variados benefícios oriundos de pastas e órgãos
estatais.
O quadro eleitoral piauiense em 2006 e 2010 é um reflexo da
política nacional, que vem gradualmente tornando-se mais cara, desi-
gual e com baixo padrão de competição para cargos majoritários. A
razão é que somente candidatos patrocinados por setores econômicos
cada vez mais fortes têm condições de se eleger para os cargos de sena-
dor e governador. Além disso, a entrada de novos atores políticos tem
ficado cada vez mais restrita – realidade ainda mais forte em estados
como o do Piauí.
Depois de realizada a problematização da temática, iremos, na
próxima seção, analisar os dados referentes às doações de campanhas
declaradas pelos candidatos e partidos, isto é, fontes de recursos de pes-
soas físicas e instituições privadas. Nesse sentido, a finalidade é veri-
ficar se existe um padrão que aponte favorecimento de determinados
partidos e candidatos no processo eleitoral do estado do Piauí para o
cargo de governador em 2010, bem como suas consequências para o
processo de disputa eleitoral.
160 Revista Eleições & Cidadania

Quem financiou os candidatos a governador em 2010 no


Estado do Piauí?

A meta básica nessa secção é verificar se houve algum padrão


que possa indicar correspondência com as hipóteses constantes na lite-
ratura que foi apresentada na problematização teórica e metodológica.
São os candidatos ao cargo de governador financiados por grandes em-
presas, ou pessoas físicas contribuíram na mesma proporção? Houve o
beneficiamento de algum candidato por certos setores - construção ci-
vil, bancos, empresas de transportes, clínicas médicas, etc.? Para buscar
respostas às perguntas acima, é valoroso analisar a tabela abaixo:

Tabela 1 - Quantidade e valor de doações e doadores por candidato


ao Governo do Estado do Piauí – 2010.

Fonte: Tabela elaborada pelos autores com informações do banco de dados do Tribunal
Superior Eleitoral - TSE

A análise dessa tabela traz informações importantes quanto ao


grau de influência de pessoas físicas e jurídicas, na etapa de doações,
para os três principais candidatos ao executivo estadual: João Vicente
Claudino (PTB), Wilson Nunes Martins (PSB) e Sílvio Mendes de Oli-
veira Filho (PSDB).
O candidato João Vicente Claudino (PTB) recebeu um total de
1.132 doações. As transferências de pessoas físicas corresponderam ao
Doutrina 161

montante de R$ 1.133.186,00, provenientes de um total de 1.014 doa-


ções para a campanha. Contudo, o que mais chama atenção nos dados
apresentados ao TSE é a enorme concentração de recursos por parte de
pessoas jurídicas: somente 24 doadores totalizaram um montante de
R$ 7.102.378,06. Estas doações empresariais sobrepujam significativa-
mente as doações de todos os demais candidatos, sendo 62,22% maior
que o montante do candidato com segunda maior arrecadação. Um fato
a se considerar é de que esse candidato é integrante do maior grupo
empresarial do estado, o qual engloba empresas consolidadas nos mais
variados segmentos (construção civil, confecção, móveis, colchões, pu-
blicidade, etc.).
Assim, esse candidato apresenta o perfil clássico descrito pela
literatura dedicada ao estudo de financiamento de campanhas eleitorais:
os recursos são, na sua quase totalidade, provenientes de pessoas jurídi-
cas, o que o tornou um candidato competitivo naquela eleição: recebeu
um total de 21,54% dos votos válidos no primeiro turno. Entretanto, o
bom desempenho no primeiro turno só lhe foi suficiente para obter a
terceira colocação no pleito.
A análise dos dados, no que diz respeito ao candidato Wilson
Martins (PSB), chama atenção, inicialmente, no seguinte ponto: há uma
superioridade de valor financeiro das doações de pessoas físicas em
relação às de pessoas jurídicas. O montante financeiro correspondente
às doações efetuadas por pessoas físicas foi de R$ 2.591.621,35; já o de
pessoas jurídicas foi de R$ 2.408.251,08. Além disso, a quantidade to-
tal de doações foi elevada quando comparada à dos demais candidatos.
Wilson Martins (PSB) recebeu um total de 2.942 doações. Reeleito efe-
tivamente, o candidato recebeu 1.810 doações a mais que o concorrente
João Vicente (PTB) e 2.634 que o candidato Sílvio Mendes (PSDB).
Uma informação relevante sobre o contexto político daquele momento
é de que Wilson Martins (PSB) era o governador candidato a reeleição
naquele período.
Esse achado ou descoberta empírica contradiz uma hipótese pre-
sente em vários estudos sobre o tema do financiamento de campanha,
os quais afirmam que as doações de pessoas jurídicas desequilibram a
competição eleitoral (CERVI, 2010), ainda mais num estado de baixa
renda per capta, como o piauiense.
162 Revista Eleições & Cidadania

As declarações financeiras feitas pelo candidato Sílvio Men-


des (PSDB) apresentam algumas curiosidades. Por exemplo: pode-se
detectar uma significativa distorção entre doadores de pessoa físicas
e jurídicas, no que tange ao aporte de recursos. Além disso, também
é possível verificar disparidade entre o total de doações recebidas por
este candidato em comparação com o total de doações recebidas pelos
candidatos João Vicente (PTB) e Wilson Martins (PSB): ele recebeu so-
mente 308 doações. Ademais, nota-se que apenas 22 doadores somaram
um montante de R$ 3.429.148,86 dos gastos totais de campanha desse
mesmo candidato que foram de R$ 3.788.133,86.
Um fato que merece destaque é o seguinte: o maior doador da
campanha de Sílvio Mendes (PSDB) foi a empresa JBS S/A, que tem
CNPJ registrado no estado de São Paulo. Esta empresa é considerada um
dos maiores frigoríficos do mundo e sua principal atividade econômica
é o abate de bovinos. A mesma doou uma quantia de R$ 1.100.000,00
(quase 1/3 do total arrecado por esse candidato). A questão é: que inte-
resses motivaram uma empresa desse setor a fazer tal concessão?
O segundo bloco de candidatos pertence a menores partidos:
PSL, PMN, PSTU, PSOL e PV. No geral, as doações a estes candida-
tos não variam muito e assumem um padrão descrito pelos estudiosos
da área: como são pouco competitivos, dificilmente conseguem atrair
investimentos de grande porte de quaisquer segmentos empresariais.
Por isso, ou os partidos limitam-se a financiar seus próprios candidatos
com recursos do fundo partidário ou estes candidatos utilizam recur-
sos próprios para competirem, enfrentando um ambiente extremamente
desfavorável a suas plataformas de governo.
Nota-se claramente, pela interpretação dos dados da tabela 01,
o baixo grau de atração que candidatos de partidos sem densidade elei-
toral exercem para financiadores de campanhas eleitorais, sejam estes
pessoas físicas ou jurídicas. Desse modo, o ambiente eleitoral no estado
do Piauí aponta para enormes dificuldades para que novos atores polí-
ticos adentrem no processo de disputa. Candidatos na situação descrita
dificilmente terão chances reais de afetar o resultado do pleito.
O desequilíbrio de aporte de recursos entre os três principais
concorrentes e o segundo bloco de postulantes ao governo estadual é
consideravelmente grande. A despeito disso, ainda se observou, nas
Doutrina 163

eleições de 2010 no Piauí, um cenário que rompeu com o histórico pa-


drão de apenas duas candidaturas competitivas ao cargo de governador.
Nessa eleição, a diferença percentual de votos entre os três candidatos
principais manteve-se em números bastante aproximados: João Vicente
(PTB) 21,54%, Sílvio Mendes (PSDB) 30,08% e Wilson Martins (PSB)
46,37%.6
A tabela abaixo resume, em termos percentuais, algumas das
informações acerca do financiamento das campanhas do pleito de 2010
que foram apresentadas ao longo do texto.

Tabela 2 - Porcentagem de doações e de arrecadação total por pessoa


física e jurídica ao Governo do Estado do Piauí - 2010

Fonte: Tabela elaborada pelos autores com informações do banco de dados do Tribunal
Superior Eleitoral - TSE

As informações da Tabela 02 exibem como se distribuem, per-


centualmente, as contribuições de pessoas físicas e jurídicas, para todos
os candidatos, considerando-se a quantidade total de doadores e a arre-
cadação total de doações.
6
Fonte: http://www.tre-pi.gov.br/
164 Revista Eleições & Cidadania

Um ponto de grande destaque com relação aos dados referen-


tes ao candidato Wilson Martins (PSB) é que os mesmos revelam for-
te equilíbrio entre as contribuições de pessoas físicas e jurídicas. As
primeiras foram responsáveis por 51,83% dos recursos arrecadados; já
a segunda fonte de doação equivale a 48,16%. Outro fato que chama
atenção é que esse postulante foi o único a receber doação de empresa
bancária (Banco BMG), da qual constam doações que, somadas, resul-
tam na quantia de R$ 500.000,00.
O mesmo não ocorreu no caso do candidato Sílvio Mendes
(PSDB). Pessoas jurídicas doaram para sua campanha 90,52% do di-
nheiro declarado. Uma possível interpretação desse dado é: há indí-
cios de que, mesmo tendo levado Sílvio Mendes ao segundo turno, o
eleitorado não teve relevante interesse de investir recursos pessoais na
campanha do candidato.
O postulante ao cargo de governador do Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB), João Vicente, também apresentou grande concentra-
ção de recursos arrecadados via pessoas jurídicas (86,24%). A razão
que explica esse quadro, segundo dados das declarações apresentadas
ao TSE, relaciona-se com o fato de que, das 24 empresas doadoras, 19
pertencerem ao grupo empresarial do qual faz parte o candidato em
questão.

Considerações finais

O presente artigo apresentou dados iniciais da pesquisa em


andamento, a qual procura entender como se processam as formas de
financiamento das campanhas eleitorais no estado do Piauí em 2006
e 2010, para cargos majoritários (governador e senador). Nos limites
desse paper, foram apresentadas considerações preliminares relativas
ao padrão de doações para disputa de 2010 ao cargo de governador.
Numa perspectiva geral, as descobertas empíricas confluem
com proposições difundidas pelos estudiosos do tema. Há uma clara
tendência de que as maiores doações sejam direcionadas a candidatos
com grandes chances de obterem êxito eleitoral. Os principais partidos
são quem, de fato, adquire a preferência dos big donnors nas campa-
nhas eleitorais.
Doutrina 165

Os grandes setores empresariais investem somas vultosas nos


candidatos que, em tese, podem defender e representar seus interesses.
Assim, a influência do poder econômico é decisiva no processo de com-
petição política. Isso ocasiona, como prediz a literatura da área, uma
enorme distorção no regime democrático e representativo, por “ossifi-
car” e tornar os resultados dos pleitos mais previsíveis e menos atraen-
tes a atores políticos que pretendam influenciar o processo eleitoral e
partidário.
Não obstante, mesmo nessa fase seminal, essa pesquisa apre-
senta uma constatação importante, por se distanciar de uma interpre-
tação canônica entre os analistas de campanhas eleitorais: o candidato
reeleito ao governo do estado do Piauí, Wilson Martins (PSB), rece-
beu maiores doações de pessoas físicas, tanto em quantidade quanto
em arrecadação total. Como isso pode ser explicado? Pode-se tomar
esse dado como indício do aumento do interesse da sociedade civil em
participar do processo eleitoral via financiamento de campanhas? Uma
resposta mais concreta dependerá dos futuros resultados que esta pes-
quisa trará.

Referências

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partidos políticos e das campanhas eleitorais. Disponível em: <http://
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166 Revista Eleições & Cidadania

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167

REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO


E A CRISE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Joana Gabriela de Oliveira Ibiapina *


Esther Maria de Sá C. Branco **

Resumo

O presente estudo foi fruto de uma pesquisa de caráter estatístico


com apoio analítico-bibliográfico e procurou demonstrar que, com
a implantação da repercussão geral para conhecimento o recurso
extraordinário no Brasil (que é país de modernidade tardia), há a
necessidade de observar a utilidade e a eficácia do expediente no
combate da chamada Crise do Supremo Tribunal Federal. Analisou-
se também a possibilidade da repercussão geral por amostragem (em
causas repetidas), incluindo a eficácia vinculante da decisão aos casos
repetidos; além das tendências e projeções de voto dos ministros do
Supremo Tribunal Federal. A conclusão que ao final se impôs foi que
a Hermenêutica é imprescindível à Repercussão Geral e esta é, por sua
vez, imprescindível à realidade atual do ordenamento jurídico brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Repercussão geral. Hermenêutica. Recurso


extraordinário

EXTRAORDINARY GENERAL IMPACT ON APPEAL AND


THE CRISIS OF FEDERAL SUPREME COURT

Abstract

The present study is the result of an analytical bibliographical research

*
Aluna do Curso de pós-graduação lato sensu em Advocacia e Direito Eleitoral da Escola
Superior de Advocacia do Piauí. Advogada. Bacharela em Direito pela Universidade
Estadual do Piauí. Professora de Redação da Oficina da Palavra.
**
Professora Mestra da UESPI
168 Revista Eleições & Cidadania

and indeed demonstrated that, with the introduction of the General


Repercussion for the knowledge of the Appeal to the Supreme Court
in Brazil (which is a late modernity country), there is the necessity of
observing, under a philosophical hermeneutic view, the employment
and effectiveness of the contrivance to fight the so-called Crisis in the
Supreme Court of Brazil (Supremo Tribunal Federal). It also analyzed
the possibility of the General Repercussion by spot checks (in repeated
suits) including the linking effectiveness of the judgment to the repeated
suits, besides the tendencies and projections of votes of the judges
(ministers) of the Supreme Court. The consequent final conclusion was
that the Hermeneutics is essential for the General Repercussion and it
is, in its turn, essential for the Brazilian judicial organization.

KEYWORDS: General Repercussion. Hermeneutics. Appeals to the


Supreme Court.

Introdução

Nos últimos anos as inovações legislativas apresentaram o


que a doutrina convencionou chamar de requisitos de admissibilidade
diferenciados. Trata-se de conceitos imensamente amplos empregados
para “combater” seus pares. Eis o caso da repercussão geral para
a admissibilidade do recurso extraordinário: a repercussão geral é
um conceito vasto que objetiva filtrar a igualmente ampla carga de
subjetividade dos recursos.
A identificação do binômio relevância e transcendência
(componentes inafastáveis da repercussão) exige notas de sensibilidade
do julgador, pois, é impossível delimitar a repercussão geral dissociada
de um caso concreto. A bem da verdade, entretanto, a aferição da
repercussão geral conta com bases mínimas sem as quais o expediente
inexistiria, ainda assim, é inegável o quê de subjetividade.
Os requisitos de admissibilidade “surgem” como numa espécie
de sistema de freios empregado para obstacularizar a excessiva onda
recursal e a sua carga de subjetividade, e, de repente, os próprios
requisitos passam a ter caráter subjetivo. Parece paradoxal, mas a
Doutrina 169

hermenêutica moderna prova que não o é: demonstrá-lo é a pretensão


deste trabalho.
Ao longo deste estudo, procurar-se-á refletir acerca de aspectos
hermenêuticos e processuais da repercussão geral enquanto requisito
para o recurso extraordinário e reação à Crise do Supremo Tribunal
Federal. O requisito é inovador e pretende-se demonstrar aqui que tal
inovação tem o condão de imprimir nova feição à Suprema Corte e a
todo ordenamento jurídico brasileiro.

O instrumento da repercussão geral no direito brasileiro e


a crise do Supremo Tribunal Federal
O conceito de repercussão geral é muito amplo; há, inclusive,
quem defenda tratar-se de uma indeterminação jurídica1-2.
Contudo, por constituir um expediente extremamente recente,
mais acertado parece o posicionamento de Arruda Alvim para quem o
conceito de repercussão geral está em formação, sendo gradualmente
lapidado pelos entendimentos do Supremo Tribunal Federal acerca das
questões constitucionais3.
Frise-se que somente pode ser aferida a repercussão geral
das questões constitucionais, pois somente tais questões ensejam o
manejo do recurso extraordinário. As “questões federais” que antes
poderiam ser discutidas por meio deste recurso passaram, por força da
reforma operada pela Emenda Constitucional 45/2004, a ser conteúdo
impugnável através de recurso especial.
A mencionada reforma – é preciso dizer – era urgente para
a resolução do que Carlos Robichez Penna chamou de “Crise do
Supremo Tribunal Federal” e que vinha desde muito antes de 2004,
1
FREITAS, Marina Cardoso. Análise do julgamento da repercussão geral nos recursos
extraordinários. 2009.124f. Dissertação (Pós-graduação em processo civil) - Escola de
formação da sociedade brasileira de direito público. São Paulo.
2
Fredie Didier, em seu Curso de Direito Processual Civil, considera juridicamente
indeterminado o conceito no qual “o legislador não confere ao juiz competência para criar
o efeito jurídico do fato cuja hipótese de incidência é composta por termos indeterminados”
(JÚNIOR, Fredie Didier, “Curso de Direito Processual Civil”, Salvador, Ed. Jus Podivm,
volume1, p. 67)
3
ALVIM, M. Arruda. A EC 45 e o instituto de repercussão geral. In: WAMBIER,
Tereza Arruda Alvim (Coord.). Reforma do poder judiciário: primeiras reflexões
sobre a Emenda Constitucional nº 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 74.
170 Revista Eleições & Cidadania

ano de promulgação da Emenda 45. O respeitado advogado, em sua


obra, contabilizou os recursos extraordinários e observou a progressão
geométrica pela qual crescia o número de interposições recursais
extraordinárias, desde o ano de 1891 quando foi protocolado junto à
Suprema Corte o primeiro recurso extraordinário.4
Em seu relatório, o próprio STF informou que no ano de 1985
foram julgados 17.798 processos diversos. Acerca do assombroso dado,
Robichez se manifesta dizendo:

17.000 processos/ano julgados por onze ministros importa


em 4,2 processos/dia, por ministro, contando-se os sábados,
domingos, feriados, recessos e férias de janeiro e julho,
ocasião em que se supõe que seus membros devam desfrutar
de uma forma qualquer de lazer e descanso.5

Com o advento da Lei 11. 418/2006, que acrescentou ao


Código de Processo Civil os artigos 543-A e 543-B, tornou-se possível
identificar bases mínimas, sem as quais inexiste a repercussão geral da
questão constitucional. O que foi um passo significativo para nortear
pesquisadores e aplicadores do direito quanto à existência ou ausência
do instituto da repercussão nos casos concretos, fazendo o conceito ora
discutido menos vago aos olhos da hermenêutica moderna.
A definição de repercussão geral exige a observância do
binômio relevância e transcendência dentro da questão constitucional
debatida. Importante pontuar que o afastamento de qualquer destes dois
elementos prejudica o reconhecimento da repercussão geral e, via de
conseqüência, do recurso. Assim, além da filtragem valorativa operada
pela lei que separa o que é federal do que é constitucional, a repercussão
geral foi instituída para aferir o que é relevante e transcendente e separá-
lo do que não o é.

4
Robichez alegou que a interposição de recursos extraordinários crescia em progressão
geométrica por considerar o fato de que em 1960, ano em que o Supremo Tribunal foi
transferido para a capital federal, “foram julgados 5.946 recursos extraordinários”.
Considerando que em 1933 a média de recursos foi de 55, em 27 anos o número de recursos
aumentou 1000%.
5
PENNA, Carlos Robichez. O recurso extraordinário e a crise do Supremo Tribunal
Federal, Estudos de Direito Público, n. 8, p. 21, 1985/1986.
Doutrina 171

As Cortes Supremas, por uma questão organizacional até,


possuem a prerrogativa de selecionar os casos dignos de exame por
elas próprias. Uma vez indicados esses casos, a Cortes se debruçam
sobre a análise das condições em que esses casos devem ser julgados,
fazendo recair sobre eles expedientes de filtragem (verdadeiros crivos
de admissibilidade), objetivando evitar a banalização do manejo de
recursos aos Supremos Tribunais.

Tendências e projeções do Supremo Tribunal Federal na análise da


repercussão geral e as possibilidades hermenêuticas envolvidas no
acesso à memória digital de julgados

O instituto da repercussão geral (não custa repetir) é um dos


fios condutores que proporcionam efetividade à função protetiva que
o Supremo exerce em relação à Carta Magna. Não há dúvida que
recorrendo a artifícios de filtragem o Pretório Excelso pode dedicar-se ao
que de fato lhe compete, tutelando de modo mais eficaz a Constituição.
Em torno deste labor tão importante e nobre, começa-se a
identificar tendências e, com base nestas, estabelecer projeções dos
entendimentos dos ministros que compõem a Suprema Corte acerca
da existência ou da inexistência da repercussão geral nos diversos
campos do direito. Essa análise quase6 estatística que em muito auxilia
os hermeneutas somente é possível em razão da memória digital que o
próprio STF disponibiliza sobre a repercussão geral e o procedimento
que a envolve.
A memória digital não constitui apologia à jurisprudência

6
A análise em questão não pode ser dita puramente estatística por que não é possível
estabelecer margem de erro em torno das tendências de posicionamento dos ministros,
uma vez que podem eles recorrer ao livre convencimento e assim criar uma variação que
a matemática considera grande demais para enquadrar no conceito de desvio médio
(margem de erro). Via de regra e por coerência, os ministros costumam se manter dentro
de uma mesma linha de pensamento quando de seus votos em processos similares, mas
nada impede (e isso é bom) que um ministro mude de entendimento acerca de um tema. Por
isso, mesmo na apreciação de repercussão geral é possível identificar posicionamentos que já
foram superados. Essa renovação de entendimentos jurisprudenciais é, aliás, a principal
forma pela qual o Poder Judiciário responde às mudanças tão rápidas que ocorrem na
sociedade.
172 Revista Eleições & Cidadania

de valores7 tão criticada por Harbermas, para quem a reiteração dos


entendimentos os sacralizaria de tal forma que a argumentação jurídica
passaria a gozar de status coadjuvante. O acervo que organiza os julgados
e que com frequência é consultado por aplicadores e operadores do
direito não torna menos eficiente a proteção do texto constitucional nem
enfraquece a democracia como profetizava Habermas.8
Os que defendem Habermas dizem que a memória de julgados
cria a possibilidade de mera reprodução das interpretações alheias.
Gadamer, com a hermenêutica filosófica, a reviravolta da linguagem
e a teoria do discurso, rompe qualquer possibilidade de um saber
reprodutivo acerca do Direito, pois, para ele, é insustentável a concepção
de que é possível o intérprete se equiparar ao leitor originário.
A esse respeito, Lenio Streck (que explicitamente apega-se ao
pensamento de Gadamer e, de certa forma, repudia Habermas) acentua
que a interpretação da lei é tarefa criativa.9 Sendo o processo criativo
dinâmico por excelência, o acesso aos julgados, portanto, representa
somente auxílio interpretativo e não objeto de interpretação.

A Crise e Repercussão em números e a evolução nos gráficos do


Supremo

A existência da Crise do Supremo Tribunal Federal não é


recente. Contudo, é impossível não constatar que a tradução da Crise
em números causa espanto mesmo naqueles que lidam diariamente com
a realidade estatística da Suprema Corte. A Crise notoriamente associa-
se ao número de recursos extraordinários. A esse respeito, Moreira
Alves se manifestou nos seguintes termos:

No passado, quando se falava em crise do Supremo Tribunal


Federal – e que, na verdade, era mais propriamente a crise
7
Isso porque, na jurisprudência de valores, o paradigma da subjetividade que norteia os
valores individuais dos julgadores supera o texto. A memória digital favorece uma jurisdição
constitucional efetiva e não a propagação dos decisionismos feitos contra a própria
Constituição.
8
Mais sobre o tema em Verdade e Consenso de Lenio Streck e em Habermas e o Direito de Souza Cruz.
9
STRECK, Lenio Luiz, Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do Direito, 2.ed. ver. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 197.
Doutrina 173

do Recurso Extraordinário – em face da multiplicidade de


causas que iam chegando anualmente numa progressão de
aritmética já se estava tornando quase que uma progressão
geométrica, ele, pouco a pouco, tomou certas iniciativas para
tentar conter a marcha evolutiva desses números para que
pudesse atuar realmente como Corte Suprema, como grande
Corte da Federação.10

A Crise abala a importância da Suprema Corte. O


tema é polêmico, atual, pertinente e, por isso, virou alvo dos meios de
comunicação. A Revista Veja, uma das mais lidas no país, chegou a
estabelecer comparações entre a Suprema Corte brasileira, a americana
e a argentina, observando que:

[...] O mais alto tribunal do país julgava até briga de vizinhos.


A situação produzia, além do desvirtuamento de suas de
suas funções, uma catástrofe operacional – cada um dos onze
ministros do STF recebia mais de 800 novos processos por
mês, e o número de ações acumuladas à espera de julgamento
chegava a 151.000. [...] em 2008, o STF apreciou 130.000
ações – mais de 1.000 vezes que é analisado pela Suprema
Corte americana anualmente (uma centena de casos) e o dobro
do que julgou a Suprema Corte Argentina em 2007.11

A Veja refere-se a todas as ações apreciadas pelo Supremo,


todavia, o exagero se repete quando a análise recai somente sobre
os recursos extraordinários. Basta lembrar os dados calculados por
Robichez Penna e que já foram mencionados neste estudo.12
Os dados disponibilizados pelo próprio STF confirmam que após o
advento da repercussão geral ser exigido como requisito de admissibilidade
para o recurso extraordinário, o número de interposições destes recursos
diminuiu notoriamente, conforme se vê na tabela a seguir:

10
ALVES, José Carlos Moreira. Poder judiciário. Revista dos Tribunais, ano 5, n. 18, jan./
mar. 1997, p. 269.
11
DINIZ, Laura. Veja. ano 42, n. 2122, p. 72, jul. 2009.
12
Vide tópico 2 retro.
174 Revista Eleições & Cidadania

Tabela 1 - Recursos Extraordinários distribuídos

Fonte: Supremo Tribunal Federal13

O número de recursos extraordinários nos dois semestres de


2010 (6.837) representa menos da metade do número de recursos no ano
de 2008 (21.742); e essa evolução, frise-se, acorreu no pequeno lapso
temporal de 2 anos. Ao organizar os dados da tabela em um gráfico, o
STF alcançou a figura- de linhas descendentes - que se segue:

Gráfico 1 - Distribuição de Recursos Extraordinários por semestre

Fonte: Supremo Tribunal Federal14


13
Tabela extraída do sítio do STF na rede mundial de computadores (www.stf.jus.br), acesso em 12/06/2011.
14
Gráfico extraído do sítio do STF na rede mundial de computadores (www.stf.jus.br),
acesso em 12/06/2011.
Doutrina 175

Encontra-se em queda não só o número de interposição


de recursos extraordinários, mas também, dentre estes, os que se
encontram desprovidos de preliminar de repercussão geral. A ausência
da mencionada preliminar pode, por força do regimento interno
da Suprema Corte, acarretar o não conhecimento do recurso e, por
conseguinte, o não enfrentamento do mérito.
Dos recursos distribuídos com preliminar de repercussão geral,
67,12% tiveram a repercussão geral reconhecida, demonstrando que
as questões levadas à apreciação do Tribunal são, no mais das vezes,
relevantes e transcendes e que o Supremo não tem usado a repercussão
para limitar demasiadamente o acesso à tutela jurisdicional efetiva por
meio do recurso extraordinário. É o que se vê no gráfico abaixo:

Gráfico 2 - Exame da Repercussão Geral

Fonte: Supremo Tribunal Federal15

Os feitos em que foi constatada a existência da relevância e da


transcendência podem ser distribuídos em seis áreas de conteúdo, como
é possível visualizar no gráfico abaixo:
15
Gráfico extraído do sítio do STF na rede mundial de computadores (www.stf.jus.br), acesso em 12/06/2011.
176 Revista Eleições & Cidadania

Gráfico 3 - Processos recursais distribuídos com preliminar de


RG por Ramo do Direito 2007-2011

Fonte: Supremo Tribunal Federal16

Os diversos campos do direito em que podem ser enquadradas


as questões cuja repercussão foi reconhecida são passíveis de análise
quanto à tendência de posicionamento dos ministros votantes.
Considerando, por exemplo, o ramo do direito tributário, que, segundo o
gráfico, é segundo ramo do direito com mais repercussões positivamente
aferidas, tem-se que alguns ministros consideram de plano a relevância
econômica da questão e transcendência, uma vez que muitos são os
atingidos por uma alteração numa alíquota ou numa base de cálculo de
um dado tributo.
Em 2007, no RE 559607, em que se discutia a base de cálculo
do PIS e da COFINS sobre a importação, o ministro Marco Aurélio
(que era também o relator) manifestou-se dizendo que, a despeito
da repercussão ser constatável ante o impacto que a decisão traria às
importações e aos cofres da União, ele em juízo pessoal entende que
no caso da interposição de recurso extraordinário pautado na alínea
“b”, inciso III, do artigo 102, da Constituição Federal. O que, na época,
inclusive, suscitou uma famosa questão de ordem.17
A questão de ordem de 2007 acabou fazendo que não constasse na
16
Gráfico extraído do sítio do STF na rede mundial de computadores (www.stf.jus.br), acesso em 12/06/2011.
17
RE 559607 RG / SC - SANTA CATARINA, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento:
26/09/2007, Publicação DJe-031 DIVULG 21-02-2008 PUBLIC 22-02-2008.
Doutrina 177

ementa juízo do ministro Marco Aurélio, por considerar o entendimento


pessoal, como o próprio ministro observou. Entretanto, em 2011, no
RE 635443, voltou-se a discutir a incidência do PIS e da COFINS nas
importações. Mais uma vez, o Supremo, através da relatoria do ministro
Dias Toffoli, posicionou-se pela existência da repercussão geral, ou
seja, da relevância e da transcendência da questão debatida.18
Ainda que o Supremo permaneça analisando individualmente os
casos desta natureza por não se tratar da mesmíssima controvérsia jurídica,19
é inegável que a Corte tende a reconhecer a repercussão geral nas questões
de cunho tributário. Com os mesmos fundamentos – da relevância econômica
e da quantidade de contribuintes atingidos pela decisão – foi reconhecida a
existência de repercussão no RE 564413, no RE 562045, no RE 566622, no
RE 570122, no RE 562980, no RE 566032, no RE 570680 e em tantos outros.
Com direito civil, é diferente: a relação quase sempre se dá num âmbito
estreito demais e que inviabiliza a constatação da existência de transcendência.
Às vezes a questão encontra-se tão ligada somente às partes que acaba carecendo
também de relevância, quer social, quer econômica, política ou juridicamente.
Assim, o Supremo entendeu não haver repercussão geral no
recurso que discutia indenização por danos decorrentes de manipulação
de resultados de futebol (RE 535138), no recurso que em que se pleiteava
indenização do Estado por danos decorrentes de emissão de números
idênticos de CPF para pessoas distintas (RE 570690) e no recurso que
alegava que os portadores de diploma de curso superior obtido fora do
Brasil tinham direito adquirido à validação automática do diploma (RE
584573). A Corte entende (e tem razão) que nesta seara pouquíssimos
casos concretos podem ser amparados pelo apelo extremo.

A Repercussão Geral e a análise do mérito nas questões


com jurisprudência dominante no STF

A análise da repercussão geral nos processos que tratam de


matérias com jurisprudência dominante no STF deve ocorrer em
decisão plenária, via questão de ordem. Tal questão deve ser suscitada

18
RE 635443 RG / ES - ESPÍRITO SANTO, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Julgamento:
21/04/2011, Publicação DJe-107 DIVULG 03-06-2011 PUBLIC 06-06-2011
19
Vide tópico 3.4 retro
178 Revista Eleições & Cidadania

pelo Presidente, nos processos não distribuídos, ou pelos relatores, nos


processos já distribuídos.
Nessa questão de ordem, via de regra, é proposto o reconhecimento
da repercussão e, no mérito, a reafirmação de jurisprudência proferida
pela corte em julgados anteriores. Uma vez reconhecida a existência da
relevância e da transcendência e reafirmado o entendimento da Corte
quanto ao mérito, ficarão desde logo autorizados os tribunais, turmas
recursais e de uniformização, a adotar os procedimentos de retratação
e inadmissibilidade (reconhecimento do prejuízo), aos recursos
extraordinários e agravos de instrumento correspondentes, que versem
sobre a mesma questão constitucional.
Vale observar que apenas 28,91% do total de recursos com
preliminar de repercussão geral, tiveram seu mérito adentrado, conforme
o seguinte gráfico do Supremo:

Gráfico 4 - Julgamento de Mérito20

Desse percentual enxuto, somente 28,24% tiveram o mérito


julgado por reafirmação da jurisprudência da Suprema Corte:

20
Gráfico extraído do sítio do STF na rede mundial de computadores (www.stf.jus.br),
acesso em 15/06/2011.
Doutrina 179

Gráfico 5 - Mérito julgado por jurisprudência21

No fim, pode-se afirmar que somente 8,16% dos processos


julgados são apreciados via reafirmação de jurisprudência. Apesar de
ser um percentual baixo, representa uma economia de tempo operada a
favor da racionalização da atividade judiciária.
Basta que se considerem, ao invés de relações percentuais,
os números que elas verdadeiramente exprimem: 8,16% de 2569
processos22 representa 209 processos. É um número pequeno ante a
dimensão da crise, mas é o que se permite aceitar, vez que o advento
da reafirmação da jurisprudência não representa o fim dos casos
concretos. As jurisprudências (sobre a repercussão, inclusive) não
conseguem abarcar todas as hipóteses. Fora isso, a própria reafirmação
de entendimento não dispensa a fundamentação detalhada.
Nos feitos em que não foi reafirmada a jurisprudência, segue-se
pelo procedimento comum de tramitação, reconhecendo-se desde logo a
repercussão geral e preparando-se o processo para julgamento, ouvindo-
se o Ministério Público Federal, quando for o caso e solicitando-se
oportunamente a inclusão em pauta do tema.

21
Gráfico extraído do sítio do STF na rede mundial de computadores (www.stf.jus.br),
acesso em 15/06/2011.
22
Número de recursos extraordinários interpostos com preliminar de repercussão geral no
primeiro semestre de 2011, conforme tabela 1.
180 Revista Eleições & Cidadania

Análise de tendências das decisões de aferição de relevância e


transcendência no período de janeiro a maio de 2011

Nos cinco primeiros meses de 2011, dos 3.356 recursos


extraordinários que foram distribuídos no STF, 2.569 contavam com
preliminar de repercussão geral; destes, somente 47 (isso mesmo:
47)23 encontram-se registrados no sistema de busca do site do Superior
Tribunal. São eles os Leading Case, ou, em bom português, casos
paradigmas. Os demais feitos, pela lógica já explanada neste estudo,
encontram-se sobrestados, aguardando o posicionamento que será
adotado no caso dos recursos representativos da controvérsia.
Dos 47 processos tomados como representativos, 38 já tiveram
analisada a existência ou não da repercussão geral e os 9 restantes
encontram-se “em julgamento” no plenário virtual.
Considerando termos percentuais, tornou-se possível a
elaboração do seguinte gráfico:

Gráfico 6 - Recursos representativos da controvérsia no período


de janeiro a maio de 201124

23
Dado extraído do sítio do STF na rede mundial de computadores (www.stf.jus.br), acesso
em 17/06/2011
24
Gráfico elaborado com base em dados disponibilizados no sítio do Supremo Tribunal
Federal (www.stf.jus.br), acesso em 17/06/2011.
Doutrina 181

Dos 38 processos com repercussão julgada, em 4 a repercussão


foi considerada ausente por versarem acerca de matéria que a
Suprema Corte diagnosticou infraconstitucional, conforme a seguinte
representação:

Gráfico 7 - A aferição da Repercussão Geral no período de


janeiro a maio de 201125

As matérias infraconstitucionais não ensejam a interposição do


recurso extraordinário. As questões26 ventiladas nos recursos em que
não se verificou a repercussão ofendem à Constituição de forma indireta
ou reflexa;27 não são, portanto, relevantes e transcendentes sob a óptica
da hermenêutica constitucional.
A Corte vêm, desde 2007, se posicionando no sentido de que
a afronta reflexa ao texto constitucional não pode embaçar recurso
extraordinário; até porque toda afronta à lei ordinária ou à ordem
jurídica de modo amplo reflexamente atinge o texto constitucional. Não
fosse adotado esse entendimento, de nada serviria a criação do instituto

25
Gráfico elaborado com base em dados disponibilizados no sítio do Supremo Tribunal
Federal (www.stf.jus.br), acesso em 17/06/2011.
26
As questões sobre as quais se fundavam os recursos eram: as condições para promoção de
policial militar (RE 633244), os reajustes de vencimentos de servidores públicos do
Município de São Paulo com base em leis municipais (RE 632767), multa por litigância
de má-fé (RE 633360) e a restituição de valores descontados compulsoriamente a título de
contribuição previdenciária declarada inconstitucional (RE 633329).
27
RE 632767 RG / SP - SÃO PAULO, REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Julgamento:
24/03/2011, Publicação DJe-065 DIVULG 05-04-2011 PUBLIC 06-04-2011.
182 Revista Eleições & Cidadania

da Repercussão Geral, vez que todos os casos e, no mais das vezes, suas
banalidades poderiam bater às portas do Supremo, exigindo análise.
Nos cinco primeiros meses do ano de 2011, verificou-se que
nos assuntos relacionados diretamente à Administração Pública, com
especial destaque às questões de ordem tributária, mais facilmente
é verificada a existência da relevância, da transcendência e, por
conseguinte da repercussão geral.
Os 47 recursos amostrais aqui analisados podem ser divididos
por ramo do Direito da seguinte forma:

Gráfico 8 - Recursos com preliminar de RG por ramo do Direito


no período de janeiro a maio de 201128

O gráfico acima confirma que os feitos com caráter administrativo


ou tributário representam mais da metade dos recursos extraordinários
interpostos. As questões administrativas e tributárias, aliás, dificilmente
têm sua repercussão negada; vez que, via de regra, se relacionam a
28
Gráfico elaborado com base em dados disponibilizados no sítio do Supremo Tribunal
Federal (www.stf.jus.br), acesso em 17/06/2011.
Doutrina 183

questões de competência legislativa, poder de tributar e organização do


Estado.
Sobre as demais matérias, o filtro parece poder ser mais
criterioso. É preciso assumir que nem tudo merece ser judicializado
(essa também é uma forma de minorar a democracia). Da mesma forma
nem todos os feitos devem terminar no Supremo.
A democracia não merece ser terceirizada a ponto de somente se
efetivar ante a presença da jurisdição de um juiz, quiçá de um ministro
do STF. A justiça somente deve ser buscada quando for imprescindível.

Considerações finais

A Crise do Supremo Tribunal Federal somente vem sendo


efetivamente combatida porque sua análise foi realizada sob a óptica
crítica da Hermenêutica moderna, por que não adianta combater a crise
quantitativa e por em seu lugar um outra crise associada a qualidade das
decisões.
A Crise é o espelho de uma desorganização que deve inexistir
dentro do Poder Judiciário. Por isso, o mecanismo de filtragem recursal
operado pela aferição da repercussão geral, à luz de uma hermenêutica
crítica, filosófica e moderna, constitui meio racional e eficiente para
redarguir o processo de banalização de apelos à Suprema Corte. Dito de
outro modo, a Hermenêutica jurídica facilita o entendimento do Direito
e favorece a efetividade da tutela jurisdicional.
Não se pode negar que o excesso de normas que são constitucionais
apenas do ponto de vista formal, num país de modernidade tardia, de
certa forma, turba a efetiva guarda da Constituição Federal, que no
Brasil cabe ao Supremo Tribunal Federal. Daí serem imprescindíveis
mecanismos, por assim dizer, como a repercussão geral.
Ainda é (e deve permanecer sendo) o ato interpretativo o
principal meio de filtragem hermenêutico-constitucional e é por isso
que a interpretação não pode ser afastada de qualquer decisão, mesmo
das que, no reconhecimento ou não da repercussão geral, reafirmam um
entendimento anterior. A justificativa é clara: há inegavelmente uma co-
responsabilidade hermenêutico-social entre o Supremo e a sociedade e
isso não pode em momento algum ser esquecido.
184 Revista Eleições & Cidadania

Se a repercussão geral foi instituída, o foi de forma responsável e


responsável também deve ser o manejo de tal expediente. A Hermenêutica
já não é a manifestação de um semi-deus responsável por intermediar
a linguagem entre deuses e mortais. É necessário que se difunda: no
direito, pelo menos, já não há deuses e mortais; há, sim, a sociedade
e o Poder Judiciário, ambos submetidos à Constituição e obrigados a
zelar por ela. A Hermenêutica é condição de possibilidade desta última
e nobre tarefa que é, como já foi dito, de todos, absolutamente.
Todas as páginas que aqui se dedicou ao tema analisado,
certamente, não foram suficientes. O tema é maior e (é preciso assumir)
merece reflexões mais amplas e aprofundadas, tantas quantas forem
possíveis. A despeito disso, espera-se que o presente estudo seja
entendido como uma (des)pretensiosa contribuição.

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187

80 ANOS DE JUSTIÇA ELEITORAL:


PERSPECTIVA HISTÓRICA E DESAFIOS DEMOCRÁTICOS FUTUROS

Daniel Carvalho Oliveira *


Resumo

Neste artigo científico e a título de elementos fundamentais, fez-se uma


perspectiva histórica dos 80 anos da Justiça Eleitoral, celebrados em 24
de fevereiro de 2012, de modo a evidenciar os diversos períodos e fases
pela qual passou a Justiça Eleitoral brasileira, mencionando ainda a fase
pré-institucional que se iniciou desde o descobrimento do Brasil até 1932.
Destacou-se o papel da Justiça Eleitoral no futuro do processo democrático
brasileiro tendo como base a consolidação das funções atuais dessa
justiça especializada, a saber: função jurisdicional, consultiva, normativa
e administrativa. Projetou-se, a título de conclusões, a construção do
chamado protagonismo eleitoral, tendo como base o ativismo judicial da
Justiça Eleitoral e o desenvolvimento de projetos institucionais e sociais
que busquem a aproximação com o eleitor e a conscientização do voto.
Para essa análise, foi usado um método interdisciplinar de abordagem
por se entender ser mais produtiva uma fundamentação baseada em
vários ramos do direito, em especial o direito eleitoral. Os assuntos
trabalhados neste artigo promoveram uma reflexão através de matérias
como Introdução ao Estudo do Direito, Ciência Política, Hermenêutica
Jurídica, Direito Constitucional e, é claro, o Direito Eleitoral. Os objetivos
principais deste artigo residem na avaliação histórica da Justiça Eleitoral,
bem como a projeção futura dos desafios desse ramo especializado do
Poder Judiciário como forma de garantir o aperfeiçoamento democrático
brasileiro. Os resultados esperados pelo presente trabalho é que seja
utilizado como objeto de estudo e subsidio para o aperfeiçoamento das
funções desempenhadas pela Justiça Eleitoral, de forma a colaborar com
a consolidação do regime democrático brasileiro.

PALAVRAS-CHAVES: História da Justiça Eleitoral. Democracia.


Ativismo judicial. Educação cidadã.
*
Daniel Carvalho Oliveira. Advogado militante. Professor. Especialista em Direito Publico e
Privado pela UFPI. Especialista em Direito Eleitoral pela Escola Judiciária do TRE/PI. Membro
da Comissão de Direito Eleitoral da OAB. Membro Comissão Nacional do Jovem Advogado do
Conselho Federal da OAB. Presidente do Instituto Piauiense de Direito Eleitoral.
188 Revista Eleições & Cidadania

Abstract

In this scientific article and by way of key elements, a historical


perspective of 80 years of Electoral Justice was made, concluded on
February 24, 2012, in order to highlight the various periods and phases
undergone by the Brazilian Electoral Justice, also mentioning the pre-
institutional phase that started from the discovery of Brazil until 1932.
The role of the Electoral Justice in the future of Brazilian democratic
process was highlighted based on the consolidation of the current
functions of this specialized justice, namely the judicial, advisory,
regulatory, and administrative. Furthermore, the construction of the so-
called electoral leadership was designed conclusively and it is based
upon the judicial activism of Electoral Justice and the development
of institutional and social projects that seek closer ties with the voter
and voting awareness. For this analysis, a method of interdisciplinary
approach was used in order to be more productive to understand the
reasoning based on various branches of the law, particularly the Electoral
Law. The subjects worked in this article promoted a reflection across
subjects such as Introduction to the Study of Law, Political Science,
Legal Hermeneutics, Constitutional Law, and of course, the Electoral
Law. The main objectives of this paper lie in the historical evaluation of
Electoral Law, and the projection of future challenges of this specialized
branch of the judiciary in order to ensure the improvement of democracy
in Brazil. The expected results in this paper is that it may be used as
an object of study and subsidy for the improvement of the functions
performed by the Electoral Justice, to cooperate with the consolidation
of Brazilian democracy.

KEYWORDS: History of Electoral Justice. Democracy. Judicial


activism. Citzen education.
Doutrina 189

Observações históricas sobre a Justiça Eleitoral e as eleições


no Brasil

Institucionalmente a história da Justiça Eleitoral no Brasil tem


inicio em 24 de fevereiro de 1932, com o Decreto nº 21.076,1 que
criou o então Tribunal Superior da Justiça Eleitoral - TSJE, atualmente
denominado de Tribunal Superior Eleitoral – TSE.
Assim como na história do Brasil existe o período pré-colonial,
a Justiça Eleitoral possui o período pré-institucional, cujo início se deu
em 1500, com o descobrimento do Brasil, passando pelo ano de 1822,
independência do Brasil, e se encerrando em 1932, ano de criação do
então TSJE – Tribunal Superior da Justiça Eleitoral.
O período pré-institucional da Justiça Eleitoral é marcado pela
inexistência de um órgão especifico para apuração e condução dos
processos eleitorais e das eleições no Brasil. Nos primeiros anos de
descobrimento do Brasil, as eleições para os diversos cargos das vilas
e cidades criadas eram regidos pelo Código Eleitoral da Ordenação do
Reino.2
Outro marco histórico deu-se em 1821, quando Dom João VI,
já instalado no Brasil desde a fuga da família real, ainda em 1808,
designou a instalação da Junta Provisional Preparatória das Cortes, que
tinha a missão de organizar as eleições dos deputados dos povos de
Portugal, Algarve e do Brasil.
Surgiram nesse período também as primeiras leis eleitorais
do Brasil: a Lei Eleitoral de 1822 e a Lei Eleitoral de 1824. Antes de
esclarecermos os pontos dos dois diplomas legislativos, faz-se aqui um
registro: o que hoje denominamos de “lei eleitoral”, anteriormente e
àquela época chamavam-se de “instruções”, classificação essa utilizada
nos dias atuais pelo TSE quando da edição das chamadas Resoluções
das Eleições.

1
BRASIL. Decreto 21.076 de 24 de fevereiro de 1932. Decreta o Código Eleitoral.
Disponível em: <http://www2,camara.gov.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-21076-
24-fevereiro-1932-507583-norma-pe.html>. Acesso em: 16 abr. 2012.
2
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. Brasília:
Senado Federal, 2005. Disponível em: <http://www.ebookbrasil.org/eLibris/eleitoral.html>.
Acesso em: 22 abr. 2012.
190 Revista Eleições & Cidadania

A Lei Eleitoral de 19 de junho de 18223 restringia o voto


somente às classes sociais mais favorecidas e donos de engenhos e
fábricas, divergindo dos sistemas de votação das leis até então adotadas
que optavam pelo voto universal, pois serviam tanto ao Brasil como a
Portugal.
Com a proclamação da República, em 1889, tivemos a primeira
Carta Constitucional republicana, a Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891.4 Logo após,
vieram mudanças na legislação eleitoral.
Em 1892, foi sancionada pelo Presidente da República Floriano
Peixoto a Lei nº 35, de 26 de janeiro de 1892,5 que “Estabelece o
processo para as eleições federaes[sic]” , regulamentava as eleições e
o voto no Brasil republicano. Mudava-se a forma de governo, mas os
privilégios quanto ao exercício do voto permaneciam.
Esse período da história republicana, foi marcado pelo fenômeno
denominado “coronelismo”. Nessa época o título de coronel era recebido
ou comprado por fazendeiros ricos e comerciantes abastados, sendo a
mais alta patente da Guarda Nacional.
Eram esses coronéis que controlavam e manipulavam as
eleições locais da época, sendo que ao seu redor giravam as oligarquias
regionais. Foi esse coronelismo e os ilícitos eleitorais dele decorrentes
que fincaram as bases da revolução de 1930 que levou Getúlio Vargas
ao poder. As palavras de Walter Costa Porto6 são precisas e merecem
destaque:
Todos eles tinham o seu ‘curral’ eleitoral, isto é, eleitores
cativos que votavam sempre nos candidatos por eles indicados,
em geral através de troca de favores fundados na relação de
compadrio. Assim, os votos despejados nos candidatos dos
coronéis ficaram conheci­dos como “votos de cabresto”.
3
Ibidem.
4
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em: <http://planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.
html> Acesso em: 24 abr. 2012.
5
BRASIL. Lei Ordinária 35, de 26 de janeiro de 1892. Estabelece o processo para as
eleições federais. Disponível em: <http://legislação.planalto.gov.br/legisla/legislacao/b23
94d7e1ab9a970032569b9004e148d/169fa939da0eb1032569fa006f1015?OpenDoocument>.
Acesso em: 24 abr. 2012.
6
PORTO, Walter Costa. Constituições brasileiras: 1937. Brasília: Senado Federal;
Ministério da Ciência e Tecnologia;Centro de Estudos Estratégicos, 1999.
Doutrina 191

Porém, quando a vontade dos coronéis não era atendida, eles


a impunham com seus bandos armados - os jagunços -, que
garantiam a eleição de seus candidatos pela violência.

Ao final dos anos 20, o sistema do café-com-leite fragilizou-se,


tendo como desfecho as eleições presidenciais de 1930, que mergulhada
em um manancial de fraudes eleitorais, resultou na derrota de Getúlio
Vargas para o candidato governista Júlio Prestes, culminando assim na
revolução que levou Vargas ao comando da nação.
É válido ressaltar que estes fatos foram ocasionados pela
ausência de um órgão administrador das eleições que as conduzissem
de maneira organizada e imparcial, pois até então a apuração dos votos
era feita pelo poder legislativo.
Após décadas de fraudes eleitorais, a sociedade cansada dessa
situação ansiava por eleições organizadas e imparciais, de modo que em
1932 foi sancionado o novo Código Eleitoral.
Este diploma legal criou a Justiça Eleitoral incumbindo-a da
administração das eleições. Todavia, alguns anos depois, em 1937, fora
promulgada uma nova Constituição para legitimar o recente golpe de estado
promovido pelo Chefe do Executivo. Esta Carta Magna extinguiu a Justiça
Eleitoral, aboliu os partidos políticos existentes, suspendeu as eleições
livres e estabeleceu eleição indireta para Presidente da República.
Tendo em vista a derrota dos regimes nazi-fascistas no final da
guerra ou até mesmo devidos várias pressões que vinha sofrendo, no
início de 1945 foi feita uma emenda à Constituição, marcando eleições
para dezembro. Deste modo, em 28 de maio de 1945 foi publicado o
Decreto-Lei n° 7.5867 que regulamentava o alistamento eleitoral e as
eleições, ou seja, praticamente um novo código eleitoral.
É importante observar, neste momento, que os anseios sociais
por eleições organizadas e imparciais traduziu-se no citado diploma, o
qual além de reabilitar a Justiça Eleitoral lhe deu poderes especiais para
chefiar as eleições, a saber: função consultiva, função jurisdicional,
função regulamentar e função administrativa (art. 9º, e, f, g, k).

7
BRASIL, Decreto-Lei 7.586 de 25 de maio de 1945. Regula, em todo país, o alistamento
eleitoral e a eleições a que se refere o artigo 4º da Lei Constitucional n. 9, de 28 de fevereiro
de 1945. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-
lei-7586-28-maio-1945-417387-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em 22 abr. 2012.
192 Revista Eleições & Cidadania

Impende ressaltar, pela leitura do art. 6º do citado Decreto-Lei, que os


únicos órgãos responsáveis pela administração das eleições foram os
componentes da Justiça Eleitoral.
Outrossim, após a queda de Vargas, fez-se necessária a
elaboração de uma nova constituição, a Constituição de 1946. Esta Carta
Magna manteve todos os poderes atribuídos pelo Decreto-Lei 7.586/45
à Justiça Eleitoral. Mais adiante, em 1950 foi instituído o novo Código
Eleitoral, por intermédio da Lei 1.164/50,8 que conjuntamente com a
Constituição de 1946 contemplaram a população com direitos políticos.
Isto deu início ao problema de os cidadãos brasileiros aprenderem a
lidar com os direitos políticos.
O Código Eleitoral de 1950 basicamente manteve a estrutura da
Justiça Eleitoral intacta, estabelecendo no seu art.12 todas as funções
retro mencionadas, que é praticamente a cópia do art. 9º do Decreto-Lei
7.586/45.
Pode-se notar que a Justiça Eleitoral, no período de 1945 a 1964,
foi totalmente revigorada e exerceu o papel de guardiã das eleições.
Ocorre que instabilidades políticas levaram o cenário nacional ao golpe
militar de 1964. Ora, se o período pós-queda de Vargas até o início
da ditadura militar foi uma época de grande evolução e firmamento
da Justiça Eleitoral na condução das eleições brasileiras, os deslindes
que premiaram o início da ditadura até seu final foram marcados pela
limitação e enfraquecimento dessa Justiça especializada no comando
das eleições.
No decorrer da ditadura militar, a Justiça Eleitoral teve um
papel secundário, pois o país suportou um sistema eleitoral imposto de
maneira tirana, onde a soberania popular ao invés de ser preservada era
subjugada. Vários atos institucionais e emendas à Constituição davam
ao Regime Militar o poder de conduzir os processos eleitorais de acordo
com suas vontades.
Embora fossem constantemente limitados os poderes da Justiça
Eleitoral, a sua função como administradora das eleições foi mantida,
inclusive em alçada constitucional.
A partir do golpe militar todo o calendário eleitoral era
8
BRASIL, Lei 1.164 de 24 de julho de 1950. Institui o Código Eleitoral. Disponível em: <http://
www6.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=139100&norma=160561>.
Acesso em 22 abr. 2012.
Doutrina 193

determinado pelo comando militar por intermédio de atos institucionais


– AIs ou por atos complementares.Nesse sentido, vejamos algumas
normas eleitorais editadas pela ditadura:9

NORMA CONTEÚDO
Instituiu eleições indiretas e extinguiu todos os partidos
AI-2
registrados pela Justiça Eleitoral
AC-4 Instituiu os únicos partidos que poderiam existir, ARENA e MDB
AC-9 Dispunha sobre as inscrições para as eleições indiretas
AI-3 Estabeleceu o calendário eleitoral
Transferiu para o executivo a competência para decretar a
AI-5 suspensão dos direitos políticos de qualquer pessoa e cassar
mandatos parlamentares
Suspendeu todas as eleições do ano de 1970 e publicou a lista de
AI-7
cassações
Estabeleceu novo calendário eleitoral e o regulamento das
AI-11
eleições
AI-15 Fixou eleições nos municípios sob intervenção federal

É forçoso concluir que a Justiça Eleitoral durante a ditadura


militar teve o papel de administrar as eleições, porém tal função foi
afetada pelo olhar severo e sorrateiro de uma ditadura, a qual tinha
o poder de regulamentar e administrar os pontos principais, cabendo
ao judiciário especializado função jurisdicional e consultiva, já que a
regulamentar encontrava-se praticamente extinta e a administrativa em
muito mitigada.
Nesse período foi editado um novo Código Eleitoral, Lei 4.747
de 15 de julho de 1965,10 o qual até agora resta vigente. Não obstante
o Código Eleitoral utilizado na atualidade ter sido editado durante a
ditadura militar, a sua utilização encontra-se guarida tendo em vista a
nova ordem constitucional vigente desde a Carta de 88.
Com o fim dos governos militares o Brasil passou a viver
um novo processo de redemocratização, no qual a Justiça Eleitoral

9
WIKIPÉDIA. Atos Institucionais. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Atos_
Institucionais>. Acesso em 24 abr. 2012.
10
BRASIL, Lei Federal 4.737 de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4737compilado.htm>. Acesso em 24 abr. 2012.
194 Revista Eleições & Cidadania

marcou fortemente a sua presença no cenário político nacional,


promovendo, dentre outras medidas para garantir a segurança do voto,
o recadastramento geral em 1986, que alimentou, pela primeira vez
na história da Justiça Eleitoral, um banco de dados único de eleitores
brasileiros. Tal fato serviu de base para, dez anos depois, a votação por
meio de urnas eletrônicas.
Para melhor entender o que representou a Justiça Eleitoral neste
período de transição, vejamos os comentários de Maria Teresa Sadek
sobre a atuação da daquela nas eleições presidenciais de 1989, que foi a
primeira eleição presidencial pós ditadura:

Qualquer que seja a avaliação que se faça das eleições


presidenciais de 1989, não se pode deixar de destacar o papel
da justiça eleitoral, que foi, sem dúvida, um ator decisivo
durante todo o processo, contribuindo de modo significativo
para que o pleito se desenvolvesse dentro de um quadro de
liberdade e respeito à lei. Sua atuação e sua presença foram
marcantes em todas as fases, das primeiras providências até
a votação e apuração dos votos, bem como na divulgação e
proclamação dos resultados finais.[…] Espaços abertos pela
legislação, que poderiam transforma-se em importante fator
gerador de instabilidade ou mesmo de descrédito do processo
eleitoral, foram ocupados pela justiça eleitoral. Agindo dessa
forma, ela manteve a estabilidade do processo e reafirmou sua
autoridade regulamentadora.11

A avaliação feita pela cientista social é de grande valia, pois


enfatiza, em grande monta, o desempenho positivo que logrou a
Justiça Eleitoral naquele primeiro e grande momento por que passava a
democracia brasileira. O período, em comento, marcou o renascimento
da Justiça Eleitoral como instituição forte na administração das eleições.

O atual contexto da Justiça Eleitoral no Brasil


Utilizando-se d’as palavras do ex-ministro do Superior Tribunal
Eleitoral, Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, podemos dizer que:
“à Justiça Eleitoral incumbe tornar verdade a verdade das urnas, a
11
SADEK, Tereza. A Justiça Eleitoral no processo de redemocratização. De
Geisel a Collor: o balanço da transição. São Paulo: MCT/CNPq/IDESP, 1990. p. 158.
Doutrina 195

verdade eleitoral”.12
Porém, para que seja efetivada a vontade do eleitorado revelada
às urnas, impõe-se um rígido controle do processo eleitoral, que
desencadeia em um conjunto de atos, cuja a finalidade precípua é
controlar as ações dos partidos políticos e dos candidatos.
Conforme afirma Suzana de Camargo Gomes:

O processo eleitoral consiste no conjunto de atos pertinentes


à execução do pleito e reconhecimento dos leitos, pelo que
engloba atos que vão desde a organização das eleições até
a sua realização e divulgação dos resultados, com a ulterior
diplomação dos escolhidos. E aos Juízes Eleitorais é outorgada
competência justamente para dirigir o processo eleitoral em
todas as suas fases. 13

Assim, para a efetividade do processo eleitoral, que vai da


escolha de candidatos em convenções partidárias até sua eleição,
torna-se necessário a existência de quatro funções essenciais, as
quais são desempenhadas pela Justiça Eleitoral nos termos do modelo
constitucional adotado pela Carta Magna de 1988.
Função jurisdicional, que é a competência para a resolução de
conflitos eleitorais sobre todos os atos do processo eleitoral, bem como
julgar os casos referentes ao processo eleitoral, tais como: os pedidos de
registro de candidatos; as representações sobre propaganda eleitoral; as
ações para apuração dos crimes eleitorais, entre outros.
Função administrativa, que trata dos atos preparativos, da
organização e da administração de todo processo eleitoral, sendo
responsável pelo alistamento de eleitores; transferência de domicílios
eleitorais; administração do cadastro eleitoral; atos preparatórios à
votação e à sua realização; apuração e totalização dos votos; proclamação
dos resultados das eleições; e expedição de diplomas aos eleitos.
Função normativa, que é a competência para expedir normas
que deem a garantia à execução da legislação eleitoral. Nesse sentido

12
VELOSO, Carlos Mário da Silva. Disponível em: <http://www.mt.trf1.gov.br/judice/jud8/
just_ref.htm>. Acesso em 24 abr. 2012.
13
GOMES, Suzana de Camargo. A justiça eleitoral e sua competência. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1998.
196 Revista Eleições & Cidadania

podemos descrever a competência do Tribunal Superior Eleitoral para


expedir Resoluções com instruções para a fiel execução da legislação
eleitoral conforme dispõe o Código Eleitoral em seu art. 1º, parágrafo
único e art. 23, IX; Lei 9096/95, art. 61 e Lei 9.504/97, art. 105.
Função consultiva, que diz respeito à competência para
responder a consultas feitas sobre matéria eleitoral em tese, onde o
Tribunal Superior Eleitoral e os Tribunais Regionais respondem a
questionamentos formulados, em tese, por pessoas legitimadas nos
termos do Código Eleitoral, art. 23, XII e art. 30, VIII.
Dentro do atual funcionamento da Justiça Eleitoral, cumpre
registrar o processo de aperfeiçoamento do voto como uma das ações
mais destacadas da Justiça Eleitoral nos últimos anos e na atualidade.
Ao garantir a segurança e o sigilo do voto, a Justiça Eleitoral toma para
si o que há de mais importante no regime democrático: a preservação
da vontade popular.
No dia 03 de outubro de 1996, as eleições municipais daquele
ano foram marcadas pela utilização das urnas eletrônicas, possibilitando
uma maior segurança ao sistema de votação, além de apuração das
eleições em tempo recorde.
A urna eletrônica surgiu como um equipamento capaz de fazer
a captação do voto e o seu armazenamento de forma cumulativa,
ágil, econômica e rápida. Por outro lado, o equipamento tem a tarefa
de garantir a segurança dos votos nela inseridos e prover ainda a
contabilização destes. A construção da urna eletrônica buscou desde
a sua concepção trazer mais confiabilidade ao voto, para que pudesse
superar em níveis de segurança a votação em cédulas de papel, bem
como, minimizar os riscos de fraude, vazamento de informações,
sabotagem, erros e acidentes.
Portanto, o continuo aperfeiçoamento do voto até chegarmos
ao voto em urna eletrônica tem se tornado importante instrumento
tecnológico para garantir que a vontade do eleitor se reflita no resultado
das eleições de forma plena.
Nesse avançar tecnológico da Justiça Eleitoral para bem exercer
suas funções, merece destaque o voto biométrico que é o método
de reconhecimento de medidas biológicas para identificar o eleitor
brasileiro e será utilizado nas eleições municipais de 2012 para atender
Doutrina 197

mais de sete milhões de eleitores.14


Além disso, outro dado atual e que merece registro no que tange aos
80 anos da Justiça Eleitoral é que ela está sendo presidida pela 1ª vez por uma
mulher. A Ministra do Supremo Carmen Lúcia, desde o último dia 18 de abril
de 2012, é a primeira mulher a assumir a Presidência do Tribunal Superior
Eleitoral e terá a importante missão de conduzir as eleições nos mais de 5(cinco)
mil municípios do Brasil, encerrando seu mandato em novembro de 2013.
Desafios futuros da Justiça Eleitoral no Brasil
Como visto, a Justiça Eleitoral no Brasil passou por diversas
transformações ao longo da História do Brasil. Nesse contexto podemos
afirmar que o atual patamar em que a mesma esta inserida na sociedade
é o de maior e melhor respeitabilidade.
Atualmente é a Justiça Eleitoral responsável pela condução das
eleições no Brasil, bem como a garantia da legitimidade do processo
eleitoral e o livre exercício do direito de votar e ser votado, tudo isso
com o fim maior de garantir e fortalecer o regime democrático.
Apesar alta credibilidade gozada no âmbito da sociedade pátria
e das instituições em geral pela Justiça Eleitoral, nas eleições haviam
constantes atos ilícitos eleitorais, indo desde propaganda eleitoral
antecipada, passando pela compra de votos e chegando até a utilização
de caixa dois na contabilidade das campanhas eleitorais.
Assim, dentre os desafios da Justiça Eleitoral do novo milênio
está o seu fortalecimento para fins de preservar a democracia e a
credibilidade das eleições no Brasil, combatendo os ilícitos eleitorais e
garantindo a soberania da vontade popular.
Nesse contexto surgem algumas alternativas de fortalecimento,
sendo a primeira delas o ativismo judicial no âmbito da Justiça
Eleitoral. A jurisdição, quando exercida pelo Poder Judiciário e pelas
suas características, possui um caráter transformador da ordem sócio-
política garantindo direitos a pessoas e consolidando situações jurídicas
de modo a fortalecer ou não a democracia.
A judicialização da política no Brasil tem como marco a promulgação
da Constituição de 1988, que trouxe uma maior independência e um

14
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Biometria e urna eletrônica. Disponível em: <http://
www.tse.jus.br/eleicoes/biometria-e-urna-eletronica>. Acesso em 25 abr. 2012.
198 Revista Eleições & Cidadania

conjunto de prerrogativas ao Poder Judiciário e a seus membros.


Tivemos assim uma reconfiguração político institucional na
relação entre os Poderes no Brasil, com o Judiciário como um todo (e
a Justiça Eleitoral é parte desse conjunto) assumindo uma nova face,
agora sob a égide de um regime democrático e sem a subordinação de
fato ou de direito ao Poder Executivo.
Nas lições de Loiane Verbicaro, ao abordar o tema da
judicialização da política, temos:

No Brasil, após o processo de democratização e constitucionalização


do país, a conjuntura política, econômica e social favoreceu a
intervenção dos tribunais em questões políticas, a fim de resguardar
a supremacia da Constituição, dos direitos fundamentais e da
democracia. Tal fenômeno de judicialização da política no Brasil
não foi monolítico. Vários fatores contribuíram para a consolidação
desse modelo. São eles: a promulgação da Constituição Federal
de 1988; a universalização do acesso à justiça; a estrutura tripartite
de organização dos poderes do Estado; a existência de uma Carta
Constitucional com textura aberta, normas programáticas e cláusulas
indeterminadas; a crise do paradigma formalista de interpretação
inspirados nas premissas do positivismo jurídico; a ampliação do
espaço reservado ao Supremo Tribunal Federal; […]; a existência
de novas forças sociais representadas por importantes movimentos,
organizações, grupos sociais; o agravamento da crise econômica
nas últimas décadas do século XX; a ineficácia da política
macroeconômica do país e a consequente explosão de crise social;
a hipertrofia legislativa; a desproporcionalidade da representação
política e a crescente ineficácia do sistema político decisório. ��
15

Nesse contexto, faz-se imperativo compreender que o fenômeno


da judicialização da política é decorrente do necessário e importante
processo de amadurecimento do regime democrático e do exercício da
cidadania na sociedade com um todo.
Assim, no judiciário brasileiro como um todo o fenômeno
da judicialização da política é algo que tem alcançado significativo
patamar nas últimas décadas. Na Justiça Eleitoral tal fenômeno tem se
mostrado tão firme quanto nas outras esferas do judiciário, porém a sua
importância é de maior magnitude.

15
VERBICARO, Loiane. Os direitos humanos à luz da história e do sistema jurídico
contemporâneo. Revista Jurídica Cesumar, v.7, n.1, p-31-56, jan/jun. 2007.
Doutrina 199

É através desse instituto ou, como queiram alguns, desse


“fenômeno”, que a Justiça Eleitoral tem procurado garantir a plena
eficácia da sua missão constitucional e ver fortalecida a democracia.
Vejamos alguns exemplos práticos dos últimos anos.
A Resolução do Tribunal Superior Eleitoral nº 22.610, de 25 de
outubro de 200716 é um clássico exemplo de ativismo judicial da Justiça
Eleitoral. Tal ato normativo editado pelo TSE disciplina o processo de
perda de cargo eletivo, estabelece prazos eleitorais e trata da justificação
de desfiliação partidária.
Tal Resolução foi fruto de amplo debate na sociedade e nos
tribunais eleitorais sobre o “troca-troca” de partidos que se observava
no Congresso Nacional e nas Casas Legislativas pelo Brasil afora
logo após as eleições, o que representava, em verdade, um gritante
desrespeito à vontade do eleitor, prejudicando a democracia brasileira
como um todo.
Assim, baseando-se nesse espírito de moralização política da
sociedade e na busca de preservar os valores democráticos, que tem
como um dos seus pilares de sustentação a existência de partidos
políticos fortes, os Ministros do TSE por maioria de votos de 6(seis) a
1(um), nos autos da consulta nº 1398/DF, responderam afirmativamente
à indagação do então Partido da Frente Liberal – PFL no sentido de que
os Partidos Políticos e as Coligações conservam o direito à vaga obtida
pelo sistema proporcional, quando houver pedido de cancelamento de
filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para
outra legenda.
Criou-se, deixe-se claro, criou-se uma nova hipótese de perda
do mandato eletivo até então desconhecida, vez que nem a Constituição
Federal e nem as leis eleitorais tratavam do tema. E nesse caso, o TSE,
assim como o Supremo Tribunal Federal, agiram bem. Ainda que se
diga, e é verdade, que o TSE nesse caso legislou, o mesmo fez dentro
de uma ordem constitucional e política marcada pelo enfraquecimento
da democracia, tendo em vista a banalização do instituto da fidelidade
partidária e a omissão intencional do Congresso Nacional em legislar

16
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Resolução 22.610 de 25 de outubro de 2007. Resolve
disciplinar o processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação
partidária. Disponível em: < http://www.tse.jus.br/internet/partidos/fidelidade_partidaria/
res22610.pdf>. Acesso em 24 de Abr. 2012.
200 Revista Eleições & Cidadania

sobre o tema.
Após o ano de 2007, mudou-se drasticamente o panorama da (in)
fidelidade partidária no Brasil, sendo que os atuais candidatos eleitos
estão respeitando a vontade do eleitor na medida em que permanecem
no partido ao qual foram eleitos. E caso não seja mais possível a sua
permanência na agremiação partidária, a própria Resolução disciplina o
procedimento de saída sem que se tenha como consequência a perda do
mandato, devendo nesse caso estar configurada a chamada justa causa
para a saída da agremiação.
Semelhante situação estar-se a vivenciar nas eleições 2012 com
relação às prestações de contas dos candidatos no âmbito da Justiça
Eleitoral. Anteriormente à Resolução 23.376, de 01 de março de 2012,17
vigorava no âmbito eleitoral o entendimento, até então pacificado no
TSE, de que para fins de obtenção da certidão de quitação eleitoral era
suficiente que o candidato apenas apresentasse a prestação de contas
eleitoral.
Pois bem, com a nova resolução para as eleições de 2012, o TSE
evoluiu sua posição no sentido de que não basta a simples apresentação
de prestação de contas de campanha eleitoral para fins de obtenção da
certidão de quitação, sendo necessária a aprovação dessas contas.
No julgamento teve-se a colisão de dois princípios fundamentais:
o da legalidade, tese vencida na qual se argumentou que o TSE não
poderia tratar do tema, vez que esse assunto é de competência exclusiva
do Congresso Nacional. E o outro princípio foi o da isonomia, tese
vencedora e acolhida pela maioria de 4(quatro) ministros do TSE.
Nesse último caso, na tese vencedora entendeu-se que os
candidatos que tem sua prestação de contas aprovada e os que têm a
sanção de reprovação das contas não podem ter o mesmo tratamento
jurídico e se enquadrar na mesma situação fática. Estaria então a Justiça
Eleitoral aplicando o princípio da isonomia, em seu sentido material e
não meramente formal, na medida em que não se pode dar tratamento
idêntico a quem não possui a mesma situação jurídica.

17
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Resolução 23.376 de 01 de março de 2012. Dispõe
sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos, candidatos e comitês
financeiros e, ainda, sobre a prestação de contas nas eleições de 2012. Disponível em: < http://
www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-resolucao-23376/view?searchterm=None>. Acesso
em 24 Abr. 2012.
Doutrina 201

Lembrando Rui Barbosa, ao discursar para os formandos em


Direito da Universidade Federal de São Paulo em 1920, cabe ressaltar:

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar


desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.
Nessa desigualdade social, proporcionada à desigualdade
natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. 18
��

Nesse contexto, tanto a Resolução 23.376, de 01 de março de


2012, que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos
políticos, candidatos e comitês financeiros e, ainda, sobre a prestação
de contas nas eleições de 2012, como a Resolução nº 22.610, de 25 de
outubro de 2007, que disciplinou a fidelidade partidária no Brasil, são
exemplos claros e positivos de ativismo judicial na Justiça Eleitoral.
Assim, o ativismo judicial no âmbito da Justiça Eleitoral tem
servido data vênia os que pensam de modo diverso, como um instrumento
e mecanismo de fortalecimento da Justiça Eleitoral, da força normativa
da Constituição Federal e da democracia brasileira como um todo.
Além do ativismo judicial, a Justiça Eleitoral desempenha outro
importante papel no futuro da democracia no Brasil, que é o da educação
para cidadania e para a democracia.
De início, faz-se necessário chamar a atenção para o tema da
educação no Brasil de hoje. Infelizmente e apesar dos avanços obtidos
nos últimos anos, ainda temos um país com milhões de analfabetos
e com graves desigualdades sociais. Para se ter uma ideia, na última
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009,19
divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
constatou-se que o Brasil possui 14,1 milhões de analfabetos, sendo a
maioria concentrada entre homens, maiores de 25 anos e com domicílio
na Região Nordeste.
Não obstante a importância do tema, cabe questionar: qual o
papel da Justiça Eleitoral nesse contexto? Ou melhor: cabe à Justiça
Eleitoral fazer algo com relação ao nível educacional em que vivemos
de modo a melhorar a “qualidade do voto”?

18
BARBOSA, Rui. Oração aos moços. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 39
19
IBGE. PNAD: síntese 2009. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/
populacao/trabalhoerendimento/pnad2009/pnad_sintese_2009.pdf>. Acesso em: 24 abr.
2012.
202 Revista Eleições & Cidadania

Em tese, a resposta seria negativa para tais perguntas, vez que a


educação é dever do Estado e da família, sendo que nesse caso Estado
entende-se os entes federativos União, Estados, Distrito Federal e
Municípios, cada um com suas atribuições de acordo com a Constituição
Federal e a legislação vigente. Aprofundando a resposta com viés
negativo, temos que no âmbito de cada um dos entes federativos, cabe
ao Poder Executivo a responsabilidade pelo ensino público, de modo
que na União temos o Ministério da Educação e Cultura, nos Estados,
Distrito Federal e Municípios temos as respectivas Secretarias de
Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Porém, como tudo no direito e de igual modo na Justiça
Eleitoral, nada é tão simples ou tão óbvio como possa parecer. Para fins
de desenvolvermos uma educação cidadã no Brasil faz-se necessário
uma maior participação e colaboração da Justiça Eleitoral de modo a se
aproximar da sociedade em geral e conscientizar a população em geral
sobre o exercício do voto livre e consciente.
Democracia sem educação cidadã é mera ilusão de ótica, de modo
que pode a Justiça Eleitoral, através das Escolas Judiciais Eleitorais,
colaborar e por que não dizer protagonizar um processo de aproximação
com a população e sociedade em geral de modo a conscientizá-la sobre
a democracia, a cidadania e o exercício do voto.
Como já visto, a Justiça Eleitoral brasileira20 é um ramo
especializado do Poder Judiciário, com as quatro áreas de atuação:
jurisdicional, em que se destaca a competência para julgar questões
eleitorais; administrativa, na qual é responsável pela organização
e realização de eleições, referendos e plebiscitos; a consultiva que
corresponde a respostas sobre questionamentos jurídicos relevantes; e
regulamentar, em que elabora normas referentes ao processo eleitoral.
Em verdade, os avanços na atuação administrativa da Justiça
Eleitoral nos últimos anos dão conta de que é irreversível o processo
de aproximação cada vez maior desse ramo do Poder Judiciário com a
população. E junto com isso, temos a aqui citada educação cidadã para
a democracia.
A título de ilustração trazemos à baila algumas iniciativas do
Tribunal Superior Eleitoral e de alguns Tribunais Regionais Eleitorais
20
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. A Justiça Eleitoral no Brasil. Disponível em: < http://
www.tse.jus.br/institucional/a-justica-eleitoral>. Acesso em 16 Abr. 2012.
Doutrina 203

com vistas a se aproximar e educar para a democracia.


O serviço de ouvidorias é hoje uma realidade em todos os
Tribunais Regionais Eleitorais e no Tribunal Superior Eleitoral, sendo
um espaço institucional de comunicação direta da população com a
Justiça Eleitoral. Além disso, temos no período eleitoral em cada Estado
e no TSE a implantação da Central do Eleitor21 criada com o objetivo de
esclarecer aos eleitores as dúvidas relacionadas a eleições. A título de
ilustração, sobre o serviço de Ouvidoria o sítio da Justiça Eleitoral do
Piauí22 assim dispõe:

A Ouvidoria da Justiça Eleitoral do Piauí é o órgão responsável


pela aproximação entre o cidadão e a Justiça Eleitoral,
sendo indispensável a participação da sociedade para o
aperfeiçoamento dos serviços prestados e, consequentemente,
para o fortalecimento da Democracia Participativa.

Outra importante iniciativa educacional é a implantação do


chamado Projeto “Eleitor do Futuro”22 idealizado pelo Ministro Sálvio
de Figueiredo Teixeira, quando Corregedor do Tribunal Superior
Eleitoral e implantado por alguns Estados da federação em parceria
com o UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância. No TSE tal
projeto é assim disciplinado:

O projeto Eleitor do Futuro foi concebido para estimular a


participação cidadã de crianças e adolescentes no processo
eleitoral. A Justiça Eleitoral brasileira acredita que a formação
das crianças e dos adolescentes inclui a capacitação e
mobilização dos jovens para o exercício consciente do voto
no processo democrático. As escolas judiciárias (do TSE e
dos TREs) são responsáveis pela gestão do projeto, que é feito
em parceria com agentes e instituições públicas e privadas.
O Eleitor do Futuro inclui atividades diversas, como aulas,
palestras e seminários; visitação a casas legislativas, a órgãos
do Poder Judiciário e demais setores da administração
pública.

21
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Disque-Eleitor. Disponível em: < http://www.tse.jus.br/
eleitor/disque-eleitor>. Acesso em 16 Abr. 2012.
22
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Eleitor do futuro. Disponível em: < http://www.
justicaeleitoral.jus.br/eleitor/eleitor-do-futuro>. Acesso em 16 Abr. 2012.
204 Revista Eleições & Cidadania

Algo inovador e que pode ser implantado nos Estados são os


chamados Centros de Memória da Justiça Eleitoral, nos moldes do
Centro de Memória do TSE23 que sobre o tema, assim esclarece:

Aarte e a cultura geram oportunidades de ampliar a compreensão


do mundo e estimular a criatividade. O contato com novas
ideias, percepções e expressões favorece a autorrenovação
pela aquisição de novos conhecimentos, gerando qualidade
de vida, autoestima e laços de identidade entre as pessoas.
Da mesma forma, a preservação e a divulgação da memória
da Justiça Eleitoral brasileira contribuem para a formação de
indivíduos críticos, na medida em que proporciona a reflexão
sobre o processo de construção da cidadania nacional ao longo
de cinco séculos de história. O Centro de Memória do TSE, ao
difundir a memória da Justiça Eleitoral por meio de produções
teóricas ou de ações culturais, atua no fortalecimento do
sistema democrático, possibilitando melhor compreensão dos
processos sociais em diferentes gerações e, por conseguinte,
seus distintos impactos na população brasileira.

Além dessas iniciativas inúmeras outras podem ser citadas no


sentido de confirmar a importância da Justiça Eleitoral desenvolver
ações no sentido de promover a educação cidadã, garantindo, via de
consequência a preservação e fortalecimento da democracia. O tema em
apreço é abordado pelo escritor Norberto Bobbio,24 para quem a apatia
política dos cidadãos compromete o futuro da democracia, inclusive
no chamado primeiro mundo. Dentre as promessas não cumpridas para
a consolidação do ideal democrático, aponta ele o relativo fracasso da
educação para a cidadania, de modo que por vezes os cidadãos de hoje
podem ser comparado com os súditos de outrora.
É nesse cenário de certa apatia ou mesmo descrédito da classe
política que a Justiça Eleitoral deve e pode protagonizar uma educação
cidadã e que sirva para fortalecer a democracia brasileira.

23
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Memória e cultura. Disponível em: < http://www.tse.
jus.br/institucional/memoria-e-cultura>. Acesso em 16 Abr. 2012.
24
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 7. ed.
rev. ampl. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
Doutrina 205

Conclusão

A Justiça Eleitoral no Brasil ao longo dos seus 80 anos teve


destacada contribuição no processo de aperfeiçoamento da democracia
de modo que atualmente tem essa justiça especializada importante papel
na condução das eleições e na preservação dos valores democráticos e
do sufrágio eleitoral.
Através dos seus órgãos e tribunais, a Justiça Eleitoral tem se
tornado cada vez mais a guardiã da democracia brasileira, primando
sempre pela obediência irrestrita às leis eleitorais e às determinações
constitucionais. Nessa linha, o seu papel para o futuro do processo
democrático brasileiro reside fundamentalmente no pleno exercício
das suas funções essenciais: jurisdicional; administrativa; normativa e
consultiva.
Projeta-se como fundamental para o futuro do processo
democrático brasileiro que a Justiça Eleitoral exerça de forma ampla o
ativismo judicial como medida para garantir e potencializar a efetivação
das suas missões constitucionais e dos valores democráticos.
Além do ativismo judicial, cabe à Justiça Eleitoral fomentar um
contínuo processo de aperfeiçoamento educacional para o voto, ou como
melhor denominamos, deve a Justiça Eleitoral potencializar a promoção
da educação para a cidadania, através de projetos institucionais e sociais
que envolvam a aproximação com o eleitor e trate da pedagogia e da
importância do voto consciente.
206 Revista Eleições & Cidadania

Referências

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BARRETO NETO, Jaime. Histórico do processo eleitoral brasileiro
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Aurélio Nogueira. 7. ed. rev. ampl. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
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Doutrina 207

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O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ANUALIDADE


APLICADO AO PODER REGULAMENTAR DO TRIBUNAL
SUPERIOR ELEITORAL

Fabrício Sousa Feijão*

Resumo

O presente artigo de revisão faz um estudo acerca da aplicação do


princípio da anualidade eleitoral como vetor de interpretação e de
validade a incidir sobre o TSE no exercício do poder regulamentar por
meio das instruções eleitorais, de forma a impedir que inovações na
legislação eleitoral causem deformação do processo eleitoral a menos
de um ano da eleição. Mediante investigação de fontes jurídico-formais,
concluiu-se que o poder regulamentar-administrativo, ao inovar, acaba
por formular ato normativo, geral, abstrato e autônomo, a menos de um
ano da eleição, atraindo o princípio da anualidade eleitoral.

PALAVRAS-CHAVE: Constitucional. Princípio. Anualidade. Poder


Regulamentar. Limitação.

Abstract

This review article is a study on the application of the principle of an


annual election as a vector of interpretation and validity to focus on the
TSE in the exercise of regulatory power through the electoral instructions
in order to prevent innovations in electoral law cause deformation
the electoral process unless an election year. Upon investigation of
formal-legal sources, it was concluded that the regulatory power and
administrative, to go beyond the legal limits imposed by primary legal

*
Acadêmico do 7º bloco do Curso de Direito da Universidade Estadual do Piauí - Graduado
em Administração Pública - Especialista em Direito Constitucional (UEVA/CE) - fsfeijao@
hotmail.com
212 Revista Eleições & Cidadania

rule under the guise of interpreting it, turns out to formulate a normative
act, general, abstract and autonomous, unless an election year, attracting
the principle of an annual election and subject to the abstract legality or
constitutionality.

KEYWORDS: Constitutional. Principle. Annuitize. Regulatory Power.


Limitation.

Introdução

O presente artigo científico tem por escopo geral demonstrar,


mediante pesquisa e análise crítica, a aplicação do princípio da
anualidade eleitoral, previsto pelo art. 16 da Carta da República, como
vetor da atividade regulamentar dos ministros do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), de forma a buscar mecanismos de controle de atos
normativos expedidos pelo TSE, confiando maior segurança jurídica
aos estágios do processo eleitoral.
Para tanto, descortina-se os objetivos específicos por meio de
três argumentos: primeiro, apresenta-se uma compreensão doutrinária
e jurisdicional sobre o art. 16 da Carta Magna; segundo, trata-se de
definir o poder regulamentar e seu campo de atuação; por último, em
conclusão aos dois primeiros argumentos, abordou-se a aplicação do
princípio da anualidade à instrução do TSE acerca das prestações de
contas para as eleições 2012.
O ponto fundamental dos argumentos utilizados no
desenvolvimento voltou-se para mostrar que, embora literalmente
o art. 16 da Magna Carta se dirija expressamente à lei expedida pelo
legislativo, há a possibilidade de aplicação do art. 16 aos atos normativos
gerais, abstratos e autônomos expedidos pelo TSE, no exercício do
poder regulamentar.
Ficou claro, então, que se a instrução inovar na regulamentação
da norma primária, alterando o sentido da norma principal e elevando-
se a categoria de norma autônoma, bem como alterando o processo
eleitoral em curso, estará submetida ao art. 16 da Lei Fundamental.
Doutrina 213

Se valendo do método dedutivo, desenvolveu-se o trabalho


pela investigação teórica de fontes jurídico-formais de direito: lei,
doutrina e jurisprudência. De posse do conteúdo das fontes, seguiu-se a
linha dogmática de pesquisa, direcionado à obtenção de solução para
problemas prático-jurídicos (dogmática jurídica).

Aplicação do princípio da anualidade eleitoral


A norma extraída do art. 16 da Constituição Federal

Para que seja compreendida a incidência do princípio da


anualidade aos atos normativos do Tribunal Superior Eleitoral, analise-
se o sentido e alcance dos termos lei e processo eleitoral inscrito no
art. 16 da Carta Magna, que assim dispõe: “Art. 16. A lei que alterar o
processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se
aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.”
(BRASIL, 2010, p. 138).
No enunciado do art. 16 da Constituição, o vocábulo “lei”,
dada sua característica polissêmica, comporta variados sentidos.
Maria Helena Diniz, em seu magistério, cita três acepções para a lei:
técnica, ampla e amplíssima, in verbis:

a) Amplíssima, em que o termo lei é empregado como


sinônimo de norma jurídica, incluindo quaisquer normas
escritas ou costumeiras. [...]
b) Ampla, [...] designa todas as normas jurídicas escritas,
sejam as leis propriamente ditas, decorrentes do Poder
Legislativo, sejam os decretos, os regulamentos, ou outras
normas baixadas pelo Poder Executivo. [...]
c) Estrita ou Técnica, em que a palavra lei indica tão-somente
a norma jurídica elaborada pelo Poder Legislativo [...]
(DINIZ, 2009, p. 46), grifo nosso.

Compreende-se lei, em sentido amplo, como um enunciado


escrito e emanada de autoridade competente, cujo objetivo é interpor
uma norma de alcance genérico, abstrato e de origem autônoma, visando
regulamentar atos e direcionar condutas, de forma a corroborar com a
vontade do Estado, intérprete da vontade popular.
214 Revista Eleições & Cidadania

A autoridade emissora não é decisiva para a definição do alcance


da lei, mas sim que o ato apresente características materiais quanto à
normatividade, generalidade abstrata e autonomia. Logo, ainda que
não expedido pelo Poder Legislativo, a instrução eleitoral reúne em si
aquelas características capazes de lhe compor o conceito amplo de lei.
No entanto, as instruções eleitorais, em seu nascedouro comum,
só possuem os fatores de normatividade e generalidade abstrata,
somente se qualificando como autônoma quando exorbita de função
regulamentar, inovando e influenciando modificações no processo
eleitoral do qual faz parte eleitores, partidos e candidatos.
Uma vez qualificadas como lei em sentido amplo, embora ato
administrativo, as instruções põem em jogo direitos fundamentais do
cidadão, como a elegibilidade, a igualdade de concorrência ao pleito,
sujeitos inclusive ao controle de constitucionalidade. Isso, portanto,
vem a justificar ainda mais o princípio da anualidade como vetor
hermenêutico ao poder regulamentar do TSE.
Definido as normas alcançadas pelo principio da anualidade,
necessário agora a definição dos atos eleitorais atingidos por aquelas, de
forma que estes formaram o conceito de processo eleitoral. O conceito
de processo eleitoral não se apresenta literalmente compreensível pelo
dispositivo, uma vez que há divergências sobre o período e atos que
constituem aquele processo.
De saída, a entendimento da maioria da doutrina e jurisprudência
é o desenvolvido pelo Ministro Gilmar Mendes, in verbis:

[...] O processo eleitoral consiste num complexo de atos que


visam a receber e transmitir a vontade do povo e que pode ser
subdividido em três fases: a) a fase pré-eleitoral, que vai desde
a escolha e apresentação das candidaturas até a realização da
propaganda eleitoral; b) a fase eleitoral propriamente dita,
que compreende o início, a realização e o encerramento da
votação; c) fase pós-eleitoral, que se inicia com a apuração
e a contagem de votos e finaliza com a diplomação dos
candidatos; (MENDES, 2006, p. 162).

Celso de Mello desenvolveu o mesmo entendimento acerca do


conceito de processo eleitoral: “Definido, assim, de um lado, o sentido
jurídico-constitucional da expressão processo eleitoral – que se inicia
Doutrina 215

com as convenções partidárias e a apresentação de candidaturas e


termina com o ato de diplomação [...]” (BRASIL, 2005, p.54).
Expedida a lei, em seu sentido amplo, e alterando qualquer
das fases do processo eleitoral, resta entender como se dá a vigência e
aplicação do ato normativo expedido, já que o dispositivo constitucional
faz essa diferença, cujo conteúdo é fundamental para entender seus
reflexos.

Celso de Mello traz a lume essa reflexão:

Na realidade, a cláusula inscrita no art. 16 da Constituição


– distinguindo entre o plano de vigência da lei, de um lado,
e o plano de sua eficácia, de outro – estabelece que o novo
diploma legislativo, emanado do Congresso Nacional, embora
vigente na data da sua publicação, não se aplicará às eleições
que ocorrerem em até um ano contado da data de sua vigência,
inibindo-se, desse modo, a plenitude eficacial das leis que
alterarem o processo eleitoral. (BRASIL, 2005, p. 48).

Entendimento a partir do qual se extrai que, embora a norma


legal esteja, sim, vigente, a sua eficácia terá seus efeitos paralisados
enquanto não decorrer o lapso temporal de um ano. Passados o período
de latência da norma, aqui não confundido com a vacatio legis, sua
eficácia ganhará plenitude de efeitos.
Resta assentar que a norma extraída da aplicação do princípio
da anualidade eleitoral tem por finalidade higienizadora dificultar a
alteração do processo eleitoral, mediante mudanças que, deliberadamente
introduzidas pelo Tribunal Superior Eleitoral, acabe por agredir direitos
daqueles que atuam no processo eleitoral, atingindo-lhes, com tais
inovações, a garantia fundamental de igualdade na concorrência do
pleito eleitoral.

O exercício do poder regulamentar pelo TSE

A norma-princípio extraída do art. 16 da Carta da República,


embora voltada precipuamente para inibir a atividade Legislativa,
também se aplica ao Poder Regulamentar do TSE, com o fito de não
216 Revista Eleições & Cidadania

permitir surpresas na legislação eleitoral a um ano da eleição.


O TSE exerce o Poder Regulamentar ao interpretar a norma
legal primária com o fim de assegurar a uniformidade da aplicação das
regras básicas do ordenamento eleitoral do País por meio de instruções
eleitorais que se define como ato normativo editado pelo Tribunal, sob
a forma de resolução.
Carvalho Filho (2009, p. 41) aponta o Poder Regulamentar
como “[...] uma prerrogativa especial de direito público outorgado aos
agentes do estado indispensáveis à consecução dos fins públicos.”
Nesse contexto, cite-se a orientação perfilhada pelo eminente
jurista Miguel Reale:

Os regulamentos têm por fim tornar possível a execução o


aplicação da lei, preenchendo lacunas de ordem prática
ou técnica porventura nela existentes, sendo plenamente
legítimas as regras destinadas à consecução dos objetivos
visados pelo legislador. Essa é uma exigência conatural à
atividade administrativa, e corresponde à dinâmica do Direito.
(REALE, [19--] apud BRASIL, 2002, p. 147).

O ordenamento jurídico, por sua vez, previu em diversos


diplomas o poder normativo do TSE. O velho, porém vigente, Código
Eleitoral assim dispõe:

Art. 1º Este código contém normas destinadas a assegurar a


organização
e o exercício de direitos políticos, precipuamente os de votar
e ser votado.
Parágrafo único. O Tribunal Superior Eleitoral expedirá
instruções para
sua fiel execução.
Art. 23. Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal
Superior:
[...]
IX – expedir as instruções que julgar conveniente à
execução deste Código;
(BRASIL, 2010, p. 25, 33, 34, grifo nosso).

Prevê o mesmo enunciado normativo a lei das eleições (Lei n.


9.504/97), em seu art. 105, in verbis:
Doutrina 217

Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior


Eleitoral, atendendo ao caráter regulamentar e sem restringir
direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta
Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias para sua
fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os
delegados ou representantes dos partidos políticos.
(BRASIL, 2010, p. 376, grifo nosso).

Prevê, igualmente, a atuação regulamentar pelo TSE, o art. 61


da lei 9.096/95 que dispõe sobre os partidos políticos; o Regimento
Interno daquele corte eleitoral em seu art. 25, §§ 1º e 3º; o art. 27 da
Lei n. 6.091/1974 que dispõe sobre o transporte a eleitores no dia da
eleição; art. 18 da Lei n. 6.996/1982 que dispõe sobre a utilização de
processamento eletrônico de dados nos serviços eleitorais.
Por caráter regulamentar deve-se entender que a instrução do
TSE encontra seus limites na Lei que regulamenta, de forma a permitir
sua explicitação e efetiva aplicação, de forma que sua existência
fica condicionada àquela lei, não apresentado-se, a priori, de forma
autônoma.
Nesse sentido é a orientação de José dos Santos Carvalho Filho
(2009, p. 55, grifo do autor): “Ao poder regulamentar não cabe contrariar
a Lei (contra legem), pena de sofrer invalidação. Seu exercício
somente pode dar-se secundum legem, ou seja, em conformidade com
o conteúdo da lei e nos limites que esta impuser.”
José Afonso da Silva, por sua vez, preleciona que:

[...] o poder regulamentar consiste num poder administrativo


no exercício de função normativa subordinada, qualquer que
seja seu objeto. Significa dizer que se trata de poder limitado.
Não é poder legislativo; não pode, pois, criar normatividade
que inove a ordem jurídica. (SILVA, 2010, p. 427, 428).

A dependência normativa da instrução à lei que regulamenta


instaura o que conceituamos como hierarquia das normas. Assim,
necessariamente a instrução tem seu campo de atuação e fundamento
de validade limitado à lei regulamentada.
Como bem registrou o doutrinador José dos Santos Carvalho
Filho : “ A validade é a situação jurídica que resulta da conformidade
218 Revista Eleições & Cidadania

do ato com a lei ou com outro ato de grau mais elevado. Se o ato não
compatibiliza com a norma superior, a situação, ao contrário, é de
invalidade.” (CARVALHO FILHO, 2009, p. 123)
Norberto Bobbio leciona que para decidir sobre a validade de
uma norma faz-se necessário:

[...] averiguar se não é incompatível com outras normas


do sistema (o que também se chama ab-rogação implícita)
particularmente com uma norma hierarquicamente
superior (uma lei constitucional é superior a uma lei ordinária
em uma Constituição rígida) ou com uma norma posterior,
visto que em todo ordenamento jurídico vigora o princípio de
que duas normas incompatíveis não podem ser ambas válidas
[...] (BOBBIO, 2008, p. 47, grifo nosso)

Neste ponto, importa assinalar que ao exercer o poder


regulamentar o TSE nada mais faz que interpretar a norma legal
superior, para dela extrair seu alcance e sentido, como forma de não pairar
dúvidas de sua aplicação. Adverte Marco Aurélio que ao regulamentar:
“Não estaremos, como não estivemos quando aprovamos a resolução,
legislando. Estaremos, sim, explicitando o alcance da ordem jurídica
em vigor, objetivando, acima de tudo, a meu ver, a lisura”. (BRASIL,
2008, p. 6).
Assim, no desempenho da atividade regulamentar, de natureza
administrativa, fora da típica atuação jurisdicional, a interpretação
também se encontra amparada pelas regras gerais de hermenêutica.
Sobre o tema, Barroso (2009, p. 120), esclarece: “A interpretação em
geral, e, ipso facto, a interpretação constitucional, poderá ser, quanto à
sua origem, legislativa, administrativa e judicial.”
Ao papel interpretativo na edição das instruções eleitorais,
valorosas são as lições de Sepúlveda Pertence:

É verdade – além de explicitar o que se repute implícito na


legislação eleitoral, viabilizando a sua aplicação uniforme
– pode o Tribunal colmatar-lhe lacunas técnicas, na medida
das necessidades de operacionalização do sistema gizado pela
Constituição e pela lei. (BRASIL, 2002, p. 70).
Doutrina 219

Carlos Maximiliano traz a lume brilhantes lições sobre a matéria:

Em geral, a função do juiz, quanto aos textos, é dilatar,


completar e compreender; porém não alterar, corrigir, substituir
(1). Pode melhorar o dispositivo, graças à interpretação larga
e hábil; porém não – negar a lei, decidir o contrário do que a
mesma estabelece (2). [...] Não cria, reconhece o que existe;
não formula, descobre e revela o preceito em vigor e adaptável
à espécie. (MAXIMILIANO, 2006, p. 65).

Observa-se que o ato de regulamentar e interpretar


encontram-se inter-relacionados, na medida em que, in casu, um não
existe sem o outro. Esta observação ganha importância na medida em
que diferentes interpretações da mesma norma legal podem conduzir
à norma secundária a uma consequente inovação na ordem jurídica,
criando direitos e obrigações primárias antes imprevistas.
Prevendo o legislador o risco da deformante manipulação
interpretativa das regras eleitorais, a lei 12.034 de 2009 inseriu no art.
105 da lei das eleições a seguinte redação: “[...] atendendo ao caráter
regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas
das previstas nesta Lei [...]” (BRASIL, 2010, p. 376).
Diante do exposto, vê-se que inovação no ordenamento
jurídico-eleitoral, por via hermenêutica, com alteração do processo
eleitoral a menos de um ano das eleições, não poderia ficar imune a
mecanismo de controle constitucional e legal.
E não restou imune. Em ocorrendo a inovação legislativa, segue
a aplicação do princípio da anualidade eleitoral como norma a pautar a
atuação do TSE na determinação do sentido das normas. Assim são as
lições do Ministro Sepúlveda Pertence:

A norma constitucional – malgrado dirigida ao legislador –


contém princípio que deve levar a Justiça Eleitoral a moderar
eventuais impulsos de viradas jurisprudenciais súbitas,
no ano eleitoral, acerca de regras eleitorais de densas
implicações na estratégia para o pleito das forças partidárias
(BRASIL, 2002, p. 45, grifo nosso).

O Ministro Marco Aurélio, com devida maestria, evidencia que:


220 Revista Eleições & Cidadania

Se a Carta da República, mediante o preceito do art. 16, impõe,


quanto à lei em sentido formal e material, anterioridade de um
ano, o que se dirá relativamente a algo que tenha força de
lei, como a medida provisória, e, quanto a um ato do próprio
Tribunal Superior Eleitoral [...] (BRASIL, 2002, p. 179).

Como se nota, o ato regulamentar poderá ou não respeitar


os limites legais da norma regulamentada, bem ainda alterar ou não o
processo eleitoral, sendo estas condições o raio de atuação da norma
secundária. Se respeitado o limite legal imposto pela lei primária,
necessariamente permanecerá inalterada a legislação aplicada ao
processo eleitoral, não se justificando qualquer controle hermenêutico.
Ultrapassado as balizas legais, e alterado o processo eleitoral,
a instrução atrairá a aplicação do princípio da anterioridade, seja por
que deriva de norma legal primária, seja por que inovou e ganhou
características de norma autônoma, geral e abstrata.
Nesse contexto segue o entendimento do Ministro Marco Aurélio:

A referência no art. 16 à lei não pode ser entendida com algo


que gere a especificidade. A sinonímia, para mim, do vocábulo
é ato normativo abstrato autônomo. Não posso conceber o
drible, a possibilidade de se contornar o empecilho temporal
apenas variando o ato normativo a dispor sobre a matéria.
(BRASIL, 2006, p. 113).

Como norma secundária, o poder regulamentar atrairá o art.


16 da Magna Carta, por via reflexa ou oblíqua, como argumentado
nas lições de Celso de Melo:

O eventual extravasamento, pelo ato regulamentar, dos limites


a que materialmente deve estar adstrito poderá configurar
transgressão ao comando da lei. Mesmo que, a partir desse vício
jurídico, seja lícito vislumbrar, em desdobramento ulterior, a
potencial violação da Carta Magna, ainda assim estar-se-á em
face de uma típica situação de inconstitucionalidade reflexa
ou obliqua [...] (BRASIL, 2002, p. 146).

Já se mostrando como ato autônomo, geral e abstrato, decorrente


da inovação normativa, aplica-se diretamente a imposição constitucional
Doutrina 221

do art. 16. Assim se define as lições de Sepúlveda Pertence diz: “O art.


16 aplica-se a ato de menor hierarquia, com mais razão, desde que este
inove no chamado bloco da legislação eleitoral”. (BRASIL, 2002, p.
157, grifo nosso).
É de se concluir, neste ponto, assentando que a incidência do
princípio da anualidade se dá somente em caso de inovação na ordem
jurídica, pois o contrário, se a instrução se mantém nos limites da lei a
que se submete, não há alteração do processo eleitoral um ano antes das
eleições com prevê o art. 16.

LEADING CASE: a aplicação do princípio da anualidade


à instrução acerca da prestação de contas nas eleições de 2012

Não paira dúvida que a norma-princípio extraída do art. 16 da


Carta da República se aplica à “lei modificadora do processo eleitoral”,
compreendo naquele conceito de lei o que leciona o ministro Gilmar
Mendes:

[...] entendeu-se que o conteúdo semântico do vocábulo


“lei” contido no art. 16 é amplo o suficiente para abarcar a
lei ordinária e a lei complementar, assim como a emenda
constitucional ou qualquer espécie normativa de caráter
autônomo, geral e abstrato. (BRASIL, 2010, p. 14, grifo
nosso).

No entanto, há casos em que as instruções do TSE, a priori, ato


normativo, infralegal, secundário, também atrai à incidência daquele
princípio como vetor da atividade do intérprete ao regulamentar.
A incidência se dá quando ao inovar na instrução que regulamenta
a lei 9.504/97, o TSE acaba por conduzir a lei 9.504/97 a uma
interpretação inovadora no ordenamento, bem ainda conduz à instrução
um caráter normativo e autônomo, atraindo para sua incidência, por via
reflexa ou direta, o princípio da anualidade eleitoral.
Exemplo disso é a Resolução n. 23.376 de 2012, instrução sob
n. 154264, expedida pelo TSE para aplicação às Eleições 2012, com
disciplina voltada para as regras de prestação de contas de campanha,
bem ainda seus reflexos às condições de elegibilidade.
222 Revista Eleições & Cidadania

A citada instrução regulamenta a lei n. 9.504/97 e, em uma de


suas passagens, a norma derivada definiu que a desaprovação das
contas de campanha implica na falta de quitação eleitoral. Com
efeito, ao elaborar a instrução, o Tribunal entendeu que tanto a não
apresentação das contas quanto sua rejeição caracterizaria, para o
candidato, a ausência de quitação eleitoral.
Com isso, o TSE teria “supostamente” violado pela instrução
consta do § 7 ao art. 11 da Lei das Eleições, in verbis:

A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a


plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício
do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral
para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de
multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral
e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha
eleitoral. (BRASIL, 2010, p. 327, grifo nosso).

Ao criar essa restrição à quitação eleitoral, acabou o TSE por


criar restrições à condição de elegibilidade do candidato, sem que
tal previsão conste em previsão legal ou Constitucional. Desta forma,
inovou na ordem jurídica, sob o pretexto de regulamentar. E mais, ao
atingir o conceito de elegibilidade, alterou o processo eleitoral.
Como o ato de regulamentar se perfaz mediante o exercício da
interpretação, muitas das regras de hermenêutica foram levantadas
para justificar as posições favoráveis e divergentes àquela instrução.
De plano, mediante a aplicação da clássica interpretação
gramatical, o dispositivo, de forma expressa, revela que a apresentação
formal das contas em juízo pelo candidato é suficiente para lhes garantir
a quitação eleitoral, não estando este instituto sujeito a uma eventual
análise da regularidade das contas pela justiça eleitoral.
Em bom português, apresentação não pode significar apreciação
das contas pelo órgão competente. Contudo, o ordenamento eleitoral
deve se submeter à análise mais sistemática, teleológica, valorativa,
construtiva, do que a gramatical, sob pena de não acompanhar a dinâmica
dos movimentos sociais e, principalmente, o processo eleitoral.
Barroso (2009, p.132), em seu magistério, proferiu uma crítica
ao método clássico gramatical como o único ao intérprete: “Embora
o espírito da norma deva ser pesquisado a partir de sua letra, cumpre
Doutrina 223

evitar o excesso de apego ao texto, que pode conduzir à injustiça, à


fraude e até ao ridículo.”
E partindo dessas premissas, as discussões no TSE apresentaram
diferentes argumentos sobre a matéria. Naquela sessão, a maioria se
inclinou para conferir à lei das eleições uma interpretação evolutiva,
construtiva ou teleológica, em desapego ao aspecto literal do dispositivo.
A maioria foi formada pelas ministras Nancy Andrighi, Carmen Lúcia
e os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, presidente da
Corte eleitoral.
Os ministros Arnaldo Versiane, Marcelo Ribeiro e Gilson
Dipp, votos vencidos no julgamento daquela instrução, trilharam a
interpretação de que a literalidade do §7º do art. 11 da lei 9.504/97,
inovação introduzida pela vontade do legislador, não permite que
a desaprovação das contas de campanha constitua óbice à quitação
eleitoral.
O ponto nodal das divergências construídas pelo TSE, naquela
ocasião, está bem retratado nos argumentos de Ricardo Lewandowski,
ipsis litteris:

Penso que, embora a literalidade da norma possa levar a


esta primeira interpretação, a melhor solução passa por
uma interpretação teleológica que leve em consideração a
finalidade dos preceitos que regulam essa fase do processo
eleitoral. (BRASIL, 2010, p. 16, grifo nosso).

Os posicionamentos mencionados revelam que a citada instrução


inovou quando da interpretação da lei das eleições, caracterizando aquele
ato como normativo e autônomo. Não obstante esta conclusão, impõe
revelar também as diversas interpretações conferidas ao conceito
de quitação eleitoral no período de 2004 a 2012, a demonstrar a
abrangência do conceito de quitação eleitoral.
A lei 9.504/97 surgiu no mundo jurídico anunciando, em seu art.
11, inciso VI, o instituto da quitação eleitoral como condição de registro
de candidatura. Como a lei não definiu o instituto, coube à Resolução
do TSE n° 21.823/2004 definir a abrangência do conceito de quitação
eleitoral. Assim fez o ministro Peçanha Martins:
224 Revista Eleições & Cidadania

O conceito de quitação eleitoral reúne o plano gozo dos


direitos políticos, o pleno gozo dos direitos políticos, o regular
exercício do voto, salvo quando facultativo, o atendimento
da convocação da justiça eleitoral para auxiliar os trabalhos
relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em
caráter definitivo, pela justiça eleitoral e não remitidas,
excetuadas as anistias legais, e a regular prestação de contas
de campanha eleitoral, quando se tratar de candidatos.
(BRASIL, 2004, p.5, grifo nosso).

Foi neste julgado de natureza administrativo que o TSE


inaugurou a inclusão da prestação de contas no conceito de quitação
eleitoral, por sugestão do Ministro Fernando Neves. De forma idêntica
a 2004, para as Eleições de 2006 prevaleceu a mesma orientação de que
a não apresentação de contas de campanha implicaria na ausência de
quitação eleitoral.
Nas instruções relativas às Eleições de 2008, o Tribunal
avançou sobre o tema e aprovou a Resolução TSE n° 22.715/2008 que
ampliou o conceito de quitação eleitoral quando inclui a desaprovação
de contas de campanha como óbice à sua expedição.
A Lei ordinária n° 12.034/2009, todavia, incluiu o §7º ao art. 11
da lei das eleições, trazendo disciplina expressa no que tange à quitação
eleitoral. Desta alteração, o ministro Arnaldo Versiane afirma que:

Assim, o legislador, a meu ver, estabeleceu que as obrigações


atinentes à quitação eleitoral, expressamente, se referem,
entre outras, à apresentação de contas de campanha eleitoral
e que essas obrigações são as únicas passíveis de constar da
respectiva certidão. (BRASIL, 2010, p.7).

Diante da alteração legislativa, a Resolução do TSE n°


23.217/2010, que dispõe sobre a prestação de contas nas eleições
de 2010, estabeleceu que a quitação eleitoral estaria condicionada
somente a regular apresentação das contas de campanha, além de outras
condições legais.
Contudo, no julgamento do processo administrativo n.
59459/2010, acórdão de 03/08/2010, o entendimento majoritário do
TSE foi considerar que as contas desaprovadas impediriam a obtenção
de quitação eleitoral.
Doutrina 225

Pouco tempo depois, em 28.09.2010, o TSE analisou a matéria


novamente em sede jurisdicional, no Recurso Especial n. 442363/2010.
Desta vez, com nova composição da corte eleitoral, acordaram por
maioria de votos que a desaprovação das contas não acarreta a falta de
quitação eleitoral. Por último, a instrução pertinente as Eleições 2012
manteve o entendimento de que a desaprovação das contas impõe óbice
à obtenção de quitação eleitoral.
Vê-se aqui intensa mudança de entendimento acerca do conceito
de quitação eleitoral expresso na lei das eleições, de forma a conduzir
uma oscilação da jurisprudência, bem ainda à inovação na ordem
jurídica eleitoral, conduzindo a uma alteração abrupta no processo
eleitoral, a menos de um ano das eleições, atraindo, pelos motivos
expostos, o controle do princípio da anualidade.

Conclusão

De todo o exposto, constatou-se a necessidade e pertinência em


estender a aplicação do princípio da anualidade ao ato de expedição
de instrução pelo TSE, como vetor hermenêutico e de validade, uma
vez que esses atos administrativos, quando revertidos da essência de
lei, atingem sobremaneira uma garantia fundamental protegida pela
norma contida no art. 16 da Carta Magna, inibidora de discricionariedade
e casuísmos na disputa eleitoral.
Concluiu-se, ainda, que o legislador constituinte, na elaboração
da redação do art. 16 da Carta da República não atendeu à boa técnica
legislativa ao citar o vocábulo “lei”, pois ao invés de seu sentido
meramente estrito, quer a norma alcançar o sentido amplo do vocábulo,
com o fito de atingir qualquer diploma normativo, cuja natureza viesse
a alterar o processo eleitoral a menos de um ano das eleições.
Sopesou-se a natureza do exercício do poder regulamentar
facultado ao TSE, cujo escopo seria uniformizar a aplicação da norma
eleitoral em todo o país mediante instruções interpretativas primárias. Não
obstante, há situações em que o poder regulamentar extravasa os limites
impostos pela norma legal, decorrência comum do ato de interpretar, quando
então inova na ordem jurídica, criando direitos e obrigações primárias.
Ao inovar, o ato normativo atrai para si a aplicação do princípio
226 Revista Eleições & Cidadania

da anterioridade eleitoral, seja por via reflexa, por derivar de norma legal
primária; seja por que, da interpretação, exorbitou do sentido primitivo
da lei. Inovando, atribui ao ato características de primariedade, passando
a ser autônomo, geral e abstrato.
Na instrução eleitoral que disciplina a prestação de contas
das Eleições 2012, a interpretação pelo TSE do §7º do art. 11 da lei
9.504/97 ultrapassou a acepção meramente vernacular e alcançou,
teleologicamente, a expressão mais favorável ao sentido contido na lei
stricto sensu, ocasião em que aquela alteração atingiu significativamente
o processo eleitoral a menos de um ano do pleito, tornando sua aplicação
e eficácia prejudicada para aquele pleito.
Em face das considerações perscrutadas ao longo desta
retórica constitucional, pertine concluir pela aplicação do art. 16
da Constituição Federal de 1988 à instrução do TSE acerca das
prestações de contas para as eleições 2012, sem que tal exigência
exista expressamente na Constituição vigente.

Referências
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da
Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional
transformadora. 7. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009.
BITTAR, Eduardo C. B. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria
e prática da monografia para os cursos de direito. 7. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009.
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. 4. ed. São Paulo:
Edirpo, 2008.
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inconstitucionalidade nº. 2626-7. Ação que versa sobre a
inconstitucionalidade da instrução n. 55/2002 que dispõe sobre a
verticalização das coligações. Requerentes: Partido Comunista do
Brasil, Partido Liberal, Partido dos Trabalhadores e Partido Socialista
Brasileiro. Requerido: Tribunal Superior eleitoral. Relator: Ministro
Sidney Sanches. Brasília, 18 de abril de 2002. Disponível em: <http://
www.stf.jus.br>. Acesso em: 10 jan. 2012.
Doutrina 227

______. Ação direta de inconstitucionalidade nº. 3345. Ação que


versa sobre a inconstitucionalidade de Resolução que fixa números de
vereadores nos municípios. Requerente: Partido Progressista e Partido
Democrático Trabalhista. Requerido: Tribunal Superior eleitoral.
Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília, 25 de agosto de 2005.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 8 fev. 2012.
______. Ação direta de inconstitucionalidade nº. 3685-8. Ação
que versa sobre a inconstitucionalidade da EC nº. 52/2006 que dispõe
sobre as coligações partidárias. Requerente: Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil. Requerido: Congresso Nacional.
Relator: Ministro Ellen Gracie. Brasília, 22 de março de 2006a.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 jan. 2012.
______. Ação direta de inconstitucionalidade nº. 3592-4.
Julgado constitucional o art. 41-A da Lei 9.054/97. Requerente:
Partido Socialista Brasileiro. Requeridos: Presidente da República e
Congresso Nacional. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Brasília, 26
de outubro de 2006b. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso
em: 17 jan. 2012.
______. Recurso extraordinário nº. 630.147. Ação que versa sobre
a aplicação da Lei da Ficha Limpa. Recorrente: Joaquim Domingos
Roriz e Coligação Esperança Renovada (PSC/PP/PR/DEM/PSDC/
PRTB/PMN/PSDB e PT do B). Recorridos: Ministério Público
Eleitoral et al. Relator: Ministro Ayres de Brito. Brasília, 29 de
setembro de 2006c. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso
em: 2 fev. 2012.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Código eleitoral anotado e
legislação complementar. 9. ed. Brasília: TSE, 2010a.
______. Instrução nº. 154264 (Resolução nº. 23.376). Dispõe sobre
arrecadação, gastos e prestação de contas de campanha nas eleições
2012. Relator: Arnaldo Versiani Leite Soares. Brasília, 5 de março
de 2012. Disponível em: <http://www.tse.jus.br>. Acesso em: 1 abr.
2012.
228 Revista Eleições & Cidadania

______ . Processo administrativo nº . 19205 (Resolução nº.


21.823). Dispõe sobre a abrangência do conceito de quitação eleitoral.
Relator originário: Ministro Francisco Peçanha Martins. Brasília, 15
de junho de 2004a. Disponível em: <http://www.tse.jus.br>. Acesso
em: 15 fev. 2012.
______. Processo administrativo nº . 19899 (Resolução nº. 22.948).
Processo que versa sobre o alcance da regulamentação sobre quitação
eleitoral. Relator originário: Ministro Ari Pergendler. Brasília, 15 de
junho de 2004b. Disponível em: <http://www.tse.jus.br>. Acesso em:
22 fev. 2012.
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Dispõe sobre abrangência do conceito da quitação eleitoral diante
da prestação de contas pelo candidato. Relator: originário: Ministro
Arnaldo Versiani. Brasília, 3 de agosto de 2010b. Disponível em:
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Recorrente: Jeovane Weber Contreira. Recorrido: Ministério Público
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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito
administrativo. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19.
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São Paulo: Saraiva, 2010.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33.
ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
229

JURISPRUDÊNCIA
SELECIONADA

A prática do precedente, que nenhum juíz pode ignorar


totalmente em sua interpretação, pressiona pelo acordo; as
teorias de cada juíz sobre o que realmente significa julgar
vão incorporar por referência, mediante qualquer explicação
e reelaboração do precedente em que ele se fundamente,
aspectos de outras interpretações correntes na época.
Ronald Dworkin
230
231

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL


DO ESTADO DO PIAUÍ

A C Ó R D Ã O
Nº 3031571

REGISTRO DE CANDIDATURA Nº 3031-57.2010.6.18.0005 -


CLASSE 38. ORIGEM- OEIRAS-PI (5ª ZONA ELEITORAL).
RESUMO: RECURSO EM REGISTRO DE CANDIDATURA
– ELEIÇÕES SUPLEMENTARES – DESCUMPRIMENTO DE
PRAZ0 DE DESINCOMPATIBILIZAÇÃO - IMPUGNAÇÃO
- IMPROCEDÊNCIA - PEDIDO DE REFORMA DE DECISÃO

Recorrente: Ministério Publico Eleitoral, por seu representante


Recorrente: A Coligação “A VERDADEIRA MUDANÇA” (PMDB,
PTB, DEM, PP, PTN, PRB), por seu representante
Advogados: Drs. Sânia Mary Mendes Mesquita de Souza Santos e San
Martin Coqueiro Linhares
Recorridos: Lukano Araújo Costa Reis Sá, candidato a Prefeito de
Oeiras-PI, e Marcelo Jose de Freitas Tapety, candidato a Vice-Prefeito
de Oeiras-PI
Advogados: Drs. Bessah Araújo Costa Reis Sá e Wiilian Guimarães
Santos de Carvalho e outro
Relator: Dr. Manoel de Sousa Dourado
Relator designado para lavrar o acórdao: Dr. Marcelo Carvalho
Cavalcante de Oliveira

RECURSOS. REGISTRO DE CANDIDATURA. NOVAS


ELEiÇÕES. FILHO DE PREFEITO ELEITO EM 2008,
CUJO DIPLOMA FOI CASSÁDO POR CAPTAÇÃO

1
Ac. 303157 – Publicado em Sessão, de 21/10/2010
232 Revista Eleições & Cidadania

ILÍCITA DE SUFRAGIO. DEFERIMENTO. AUSENCIA


DE VIOLAÇÃO DA FINAUDADE DA NORMA
INSCULPIDA NO ARTIGO 14, § 7º DA CONSTITUiÇÃO
FEDERAL. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO.
IMPOSSIBILIDADE FÁTICA DE EXERCÍCIO DA
RENUNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO
MUNICIPAL NO PRAZO DE SEIS MESES ANTES
DO NOVO PLEITO. PREVALÊNCIA DO DIREITO
CONSTITUCIONAL DE SER VOTADO. MANUTENÇÃO
DA SENTENCA. IMPROVIMENTO.
Vistos etc.

A C O R D A M os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral do


Estado do Piauí, à unanimidade, de acordo com o parecer do douto
Procurador Regional Eleitoral exarado às fls. 271/279 dos autos e nos
termos do voto do relator, conhecer dos presentes recursos para, no
mérito, por maioria, contrário ao parecer ministerial e nos termos do voto
divergente do Doutor Marcelo Carvalho Cavalcante de Oliveira, negar-
lhes provimento, mantendo a decisão a quo que deferiu o registro de
candidatura de Lukano Araújo Costa Reis Sá, para concorrer ao cargo de
prefeito, nas novas eleições que irão se realizar no município de Oeiras/
PI. Vencidos o relator e o Desembargador Haroldo Oliveira Rehem. Foi
designado para lavrar o acórdão o Doutor Marcelo Carvalho Cavalcante
de Oliveira, autor do primeiro voto vencedor.
Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do
Piauí, em Teresina, 21 de outubro de 2010.

DES. RAIMUNDO EUFRÁSIO ALVES FILHO


Presidente

DR. MANOEL DE SOUSA DOURADO


Relator (vencido)

DR. MARCELO CARVALHO CAVALCANTE DE OLIVEIRA


Relator designado

DR. MARCO AURÉLIO ADÃO


Procurador Regional Eleitoral
Jurisprudência Selecionada 233

R E LA T Ó R I O

O JUIZ MANOEL DE SOUSÁ DOURADO (RELATOR):


Senhor Presidente, Senhores Juízes, Senhor Procurador Regional
Eleitoral e demais gradas pessoas.
Trata-se de recursos interpostos pela Coligação “A Verdadeira
Mudança” (PMDB, PTB, DEM, PP, PTN, PRB) e pelo Ministério
Publico Eleitoral da 5ª Zona, em face de decisão do Juiz Eleitoral da 5ª
Zona que deferiu o requerimento de registro de candidatura, formulado
por Lukano Araújo Costa Reis Sá, para concorrer ao cargo de prefeito,
em eleições suplementares que irão se realizar no município de Oeiras/
PI, julgando improcedentes as impugnações articuladas contra tal
requerimento.
A coligação recorrente, em suas razões, alegou, em suma, que
o ex-prefeito do município de Oeiras/PI, Benedito de Carvalho Sá, foi
recentemente afastado do cargo (14/08/2010), por prática de captação
ilícita de sufrágio, conforme decisão deste Tribunal Regional Eleitoral.
Ainda, discorreu que foi determinada a realização de novas
eleições, de forma que o interregno entre a data em que o ex-prefeito
Benedito Sá deixou o cargo e a que seu filho, Lukano Sá, ora Recorrido,
entregou o formulário de seu requerimento de registro de candidatura á
Justiça Eleitoral, fora de apenas 24 dias corridos.
Dessa forma, entendeu configurada a inelegibilidade contida no
art. 14, § 7º, parte final, da Constituição Federal. Mesmo sendo caso de
eleições suplementares, asseverou que o prazo de desincompatibilização
estabelecido na Carta Magna não pode ser flexibilizado, em razão de
não haver previsão legal para tal mister.
Ao final, requereu a reforma da decisão vergastada, para declarar
inelegível o recorrido e, em consequência, ser indeferido seu registro de
candidatura.
Por sua vez, o Ministério Publico Eleitoral da 5ª Zona sustentou,
ao contrário do consignado na sentença recorrida, que o obstáculo
para o registro de candidatura do recorrido não é a impossibilidade de
reeleição de seu pai, que, se não tivesse sido casSádo poderia ter sido
reeleito, uma vez que exercia seu primeiro mandato; mas sim a não
234 Revista Eleições & Cidadania

desincompatibilização deste último seis meses antes do pleito, tal como


prevê o § 7º, do art. 14, da CF/88.
Sustentou que o prazo previsto no dispositivo acima vale para
todos os pleitos eleitorais, discordando da tese do juiz a quo de que só se
aplica o prazo de 6 meses para desincompatibilização quando for para
cumprir um mandato de 4 anos. Entendeu que não cabe ao intérprete
restringir, onde a constituição federal não restringe.
Quanto ao prazo previsto no parágrafo único do art. 2º da
Resolução TRE-PI nº 191/2010, entendeu tratar-se, na verdade, de
prazo para o pretenso candidato a prefeito desincompatibilizar-se, sob
pena de indeferimento do registro de sua própria candidatura.
Ao final, pleiteou a reforma da sentença guerreada.
Devidamente intimado, o Recorrido apresentou contrarrazões.
Provocado, o Ministério Público Regional Eleitoral manifestou-
se pelo conhecimento e provimento dos recursos, para indeferir o
registro de candidatura de Lukano Araújo Costa Reis Sá, com prejuízo
da respectiva chapa.
É o sucinto relatório

V O T O (V E N C I D O)

O JUIZ MANOEL DE SOUSÁ DOURADO (RELATOR):


Senhor Presidente, os presentes recursos são cabíveis, uma vez que
preenchem os respectivos pressupostos de admissibilidade.
Primeiramente, observo que transitou em julgado a decisão que
deferiu o registro da candidatura de Marcelo José de Freitas Tapety,
postulante ao cargo de vice-prefeito na chapa do ora recorrido Lukano
Araújo Costa Reis Sá. Assim, Sálvo quanto ao quesito relativo à
unicidade da chapa, não há óbice a sua candidatura, não se discutindo,
nos recursos em apreço, sua elegibilidade.
Conforme já relatado, as impugnações à candidatura de Lukano
Araújo Costa Reis Sá estão fundadas na inobservância da regra do § 7º, do
art. 14, da Constituição Federal. Ocorre que o pai do recorrido, Benedito
de Carvalho Sá, exerceu o cargo de prefeito do município de Oeiras
até 14 de agosto de 2010, quando foi executada decisão deste Tribunal
Regional Eleitoral (Representação nº 157), que cassou o diploma daquele
Jurisprudência Selecionada 235

por prática de captação ilícita de sufrágio, nas eleições de 2008, e também


determinou a realização de novo pleito na referida municipalidade.
Pretende o recorrido participar de tais eleições, contudo, sendo
filho de pessoa que exerceu o cargo de prefeito dentro do período
de 6 (seis) meses anteriores ao registro de candidatura, aponta-se a
inelegibilidade prevista naquele dispositivo constitucional.
Em contrarrazões, o demandado alega que para esSá eleição
extemporânea o prazo de desincompatibilização deve ser de 24h (vinte
e quatro horas) seguintes à escolha do candidato nas convenções
partidárias, segundo o parágrafo único, do art. 2º, da Resolução TRE
nº 191, de 24.08.2010, que regula o pleito em tela. Ainda, afirma que
tal prazo foi devidamente cumprido, uma vez que o ex-prefeito do
município em questão foi afastado das atribuições do cargo desde o
dia 14.08.2010, enquanto o registro de candidatura ora impugnado foi
protocolizado em 07.09.2010.
Vejamos o que dispõe o dispositivo mencionado:

Resolução TRE/PI n. 191/2010

Art. 22. (omissis)


Paragráfo único. Na hipótese de necessidade de
desincompatibilização, o pretenso candidato devera afastar-se
do cargo gerador de inelegibilidade 24 (vinte e quatro) horas
apos a sua escolha pela convenção partidária.

Entendo que o prazo acima somente se aplica às inelegibilidades


legais, sob pena de se admitir exceção à norma constitucional, por meio
de ato normativo editado por órgão da Justiça Eleitoral. Consoante
jurisprudência do Colendo Tribunal Superior Eleitoral, e a interpretação
sistemática da Lei Complementar nº 64/90 e do Código Eleitoral que
permite a redução dos prazos de inelegibilidade previstos na primeira,
quando da realização de eleições suplementares. No entanto, como
bem leciona o parecer ministerial, tal interpretação não se estende às
hipóteses de inelegibilidade constitucional, que não se mitigam por
normas legais ou regulamentares.
Ademais, o prazo previsto na Resolução em apreço ministra-se
ao pretenso candidato no pleito suplementar, ao contrário do que faz
crer o recorrido. Já o prazo de desincompatibilização previsto no § 7º,
236 Revista Eleições & Cidadania

do art. 14 da Constituição Federal é aquele a ser observado, não por este


último, mas por eventual parente seu, antes titular do cargo pretendido,
com o intuito de afastar a inelegibilidade reflexa por parentesco. São
prazos que não se confundem e que devem ser observados de forma
cumulativa.
Também não se emprega ao caso em exame a tese exposta na
sentença guerreada de que é possível parente até segundo grau concorrer
para a sucessão de mandatário que estaria apto a reeleição, sem
necessidade de desincompatibilização deste último, com fundamento
na interpretação conjunta dos §§ 5º e 7º da Constituição Federal, a
seguir transcritos:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio


univerSál e pelo voto direto e secreto, com valor igual para
todos, e, nos termos da lei, mediante:
(omissis)
§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e
do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido,
ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos
para um único período subseqüente. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 16, de 1997)
(omissis)
§ 7º - São inelegíveis, no território de jurisdição do titular,
o cônjuge e os parentes conSángüíneos ou afins, até o
segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de
Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de
Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses
anteriores ao pleito, Sálvo se já titular de mandato eletivo e
candidato a reeleição.

Mesmo na hipótese de parente que pretende suceder o titular,


cujo mandato não á fruto de eleição, a jurisprudência do TSE não
afasta a necessidade de renúncia deste último seis meses antes da nova
eleição. A seguir, decisão da Corte Superior no Respe nº 25.275, em que
foi reformado o acórdão citado no decisum recorrido para sustentar o
fundamento enfrentado:

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2004. CÔNJUGE. CHEFE


DO PODER EXECUTIVO. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO.
ART. 14, § 5°, 6º E 7º, DA CF.
Jurisprudência Selecionada 237

1- É inelegível o cônjuge de chefe do Poder Executivo em


primeiro mandato que não exerceu o mandato para o qual foi
reeleito, por ter tido o seu diploma cassado.
2- O objetivo do § 7º do art. 14 da CF é impedir o continuísmo
familiar na chefia do Poder Executivo, em benefício da
garantia da lisura e higidez do processo eleitoral.
3- É certo que, na jurisdição do chefe do Executivo, a
elegibilidade de parente para o mesmo cargo depende da
renúncia daquele, nos seis meses que antecedem o pleito, e
de que o mandato atual não seja fruto de reeleição.
4- Recurso provido.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 25275, Acórdão de


20/04/2006, Relator(a) Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO,
Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 09/06/2006, Página
134 RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 17,
Tomo 3, Página 349)

Nesse mesmo sentido, o §2º do art. 15 da Resolução TSE n.


22.717, a qual disciplinou o registro de candidatura para as eleições de
2008 e é aplicável subsidiariamente à eleição suplementar em tela, nos
termos do art. 12, da Resolução TRE/PI n. 191/2010.
Na verdade, a interpretação conjunta das regras dos §§ 5º e 7º
do art. 14 da Constituição, para afastar a inelegibilidade de que trata o
último dispositivo, exige que o mandato do titular não seja oriundo de
reeleição e, ao mesmo tempo, que este renuncie seis meses antes do
pleito. Esta última exigência, caracterizada pela norma constante no §7º,
do citado artigo, atinge até mesmo o parente de quem exerça mandato
eletivo a título precário, e é peremptória em qualquer caso, inclusive no
de eleição suplementar. Dessa forma, improcedente ainda a alegação
relativa à imprevisibilidade da eleição suplementar e consequente
impossibilidade de o ex-prefeito Benedito Carvalho de Sá renunciar
seis meses antes para afastar a inelegibilidade do ora recorrido.
Nessa esteira de entendimento, há consulta do Colendo TSE,
cuja ementa transcrevo a seguir:

CONSULTA. PREFEITO. FALECIMENTO. FILHO.


ELEIÇÕES SUBSEQUENTES. INELEGIBILIDADE PARA
MESMO CARGO.
1. EM CASO DE MORTE DE PREFEITO, O SEU FILHO É
238 Revista Eleições & Cidadania

INELEGÍVEL PARA O MESMO CARGO, NAS ELEIÇÕES


SUBSEQUENTES.
2. SE A MORTE OCORRER ANTES DOS SEIS MESES
ANTERIORES AO PLEITO, O FILHO É ELEGÍVEL PARA
CARGO DIVERSO DAQUELE OCUPADO PELO PAI.
3. SENDO O FILHO OCUPANTE DE CARGO
ELETIVO, PODERÁ SE CANDIDATAR A REELEIÇÃO,
INCONDICIONALMENTE.
(TSE, CONSULTA nº 522, Resolução nº 20474A de 21/09/1999,
Relator Min. Edson Carvalho Vidigal, Publicação: DJ - Diário
de Justiça, Data 17/11/1999, Página 83 RJTSE - Revista de
Jurisprudência do TSE, Volume 11, Tomo 4, Página 348).

Como se observa, a morte de prefeito no curso de mandato se


reveste de imprevisibilidade tal qual a necessidade de renovação do
pleito eleitoral, como no caso em exame.
De fato, também em eleições suplementares, o registro
de candidatura deve levar em conta a situação do postulante, no
momento do requerimento, inclusive as exigências pertinentes à
desincompatibilização, sendo que, no caso, o prazo previsto no §7º do
art. 14 da CF/88, peremptório e irredutível, não foi observado.
A par dessas considerações, voto, acompanhando o parecer
ministerial, pelo conhecimento e provimento dos presentes Recursos,
indeferindo o registro de candidatura de Lukano Araújo Costa Reis
Sá para concorrer ao cargo de prefeito, em eleições suplementares que
irão se realizar no município de Oeiras/PI, diante da inobservância da
Constituição Federal, com prejuízo da respectiva chapa

V O T O (V E N C E D O R)

O JUIZ MARCELO CARVALHO CAVALCANTE DE


OLIVEIRA (RELATOR DESIGNADO): Senhor Presidente,
Senhores Juízes, Senhor Procurador Regional Eleitoral e demais
pessoas presentes.
Conforme relatado, trata-se de recursos interpostos pela
Coligação “A Verdadeira Mudança” (PMDB, PTB, DEM, PP, PTN,
PRB) e pelo Ministério Publico Eleitoral, em face da sentença do MM.
Juiz Eleitoral da 5º Zona que, julgando improcedentes as Ações de
Jurisprudência Selecionada 239

Impugnação de Registro de Candidatura ajuizadas pelos ora recorrentes,


deferiu o requerimento de registro do candidato Lukano Araújo Costa
Reis Sá para concorrer ao cargo de prefeito nas novas eleições que
serão realizadas no Município de Oeiras/PI, em virtude da cassação dos
mandatos do Prefeito e do Vice-Prefeito eleitos no pleito de 2008.
As impugnações à candidatura de Lukano Araújo Costa Reis Sá
estão fundadas na aplicação da regra do §7° do art. 14 da Constituição
Federal. Alega-se, em apertada síntese, que o pai do recorrido, Benedito
de Carvalho Sá, exerceu o cargo de Prefeito de Oeiras/PI até o dia 14 de
agosto de 2010, quando foi executada decisão deste Egrégio Tribunal
Regional Eleitoral que cassou o seu diploma por captação ilícita de
sufrágio (art. 41-A da Lei n° 9.504/97) nas eleições de 2008. Assim,
como o pretenso candidato é filho de pessoa que exerceu o cargo de
Prefeito dentro do período de 6 (seis) meses anteriores ao registro
de candidatura da eleição suplementar, aponta-se a inelegibilidade
constitucional prevista no mencionado §7° do art. 14 da Magna Carta.
A sentença recorrida rejeitou as alegações dos impugnantes, sob
o entendimento de que, no caso, não há a incidência da vedação contida
no §7° do art. 14 da CF.
Irresignados, os impugnantes interpuseram recursos, nos quais
reiteraram os fundamentos das impugnações, rechaçando os argumentos
da decisão de primeira instancia, a fim de fazer prevalecer a sobredita
regra constitucional.
Aduziram que, in casu, o obstáculo para o registro de candidatura
do recorrido não é a impossibilidade de reeleição de seu pai, e sim a não
desincompatibilização deste seis meses antes do pleito, como impõe o
§7º do art. 14 da CF/88, que contém regra válida e aplicável para todos os
pleitos eleitorais, independentemente do tempo de exercício do mandato.
Alegaram que o TSE já pacificou o entendimento de que o chefe do
Poder Executivo pode se candidatar à reeleição no exercício do cargo, mas, na
eleição para a sua sucessão, somente se desincompatibilizando 6 (seis) meses
antes é que viabiliza a candidatura de um parente seu até o segundo grau.
Nesse sentido, requereram a reforma da sentença, com o
indeferimento do registro da candidatura do impugnado ao cargo de
Prefeito de Oeiras/PI.
Os recorridos, por sua vez, asseveraram que, tratando-se de um
novo pleito, deve-se levar em consideração o momento da sua reabertura
240 Revista Eleições & Cidadania

para verificação do preenchimento, pelos candidatos, das condições


de elegibilidade e não incidência nas causas de inelegibilidade, tanto
que o Egrégio TRE/PI expediu Resolução na qual estabeleceu,
expressamente, as regras alusivas à desincompatibilização, as quais
restaram devidamente cumpridas na hipótese.
Sustentaram que a norma prevista no art. 14, §7º, da Constituição
Federal deve ser mitigada em casos como o dos autos, de “eleição
extemporânea, imprevisível, e destinada ao provimento do cargo vago nos
termos do art. 224 do Código Eleitoral”, sobretudo pela impossibilidade
daquele que já foi afastado do cargo desequilibrar o pleito em benefício
de parentes que eventualmente sejam candidatos nas novas eleições.
Pugnaram, ao final, pelo improvimento do recurso, com a
manutenção da sentença.
Acolho, quanto ao mais, o relatório do Digno Relator. Entretanto,
peço vênia para divergir do entendimento consignado em seu voto.
No caso em apreço, o Prefeito eleito no Município de Oeiras/PI
no pleito de 2008 teve seu mandato cassado por este Egrégio Tribunal
Regional Eleitoral em 19 de iulho de 2010, e o pretenso candidato ao
referido cargo, nas novas eleições a serem realizadas no próximo dia 14
de novembro, apresentou seu pedido de registro de candidatura em 7 de
setembro do ano em curso. Tal pedido foi deferido pelo juiz de primeira
instância, considerando que o mandato é complementar e não ensejaria a
inelegibilidade do art. 14, §7º, da CF, e que as eleições “suplementares”
têm regras próprias de desincompatibilização, fixadas por Resolução.
Em que pese não perfilhar exatamente o mesmo entendimento
do Juízo a quo, entendo que sua decisão deve ser mantida no que tange
ao deferimento do registro de candidatura em analise.
Inicialmente, registro que o prazo de desincompatibilização
de 24 (vinte e quatro) horas, previsto no art. 2º, parágrafo único, da
Resolução do TRE/PI n° 191/2010,1 que dispôs sobre a realização de
novas eleições no Município de Oeiras/PI, não afasta a regra do §7° do
art. 14 da Constituição Federal, considerando que se trata, na verdade,
de prazo para o pretenso candidato a prefeito desincompatibilizar-se,

1
“Art. 2º. (...)
Parágrafo único. Na hipótese de necessidade de desincompatibilização, o pretenso candidato
deverá afastar-se do cargo gerador na inelegibilidade 24 horas após a sua escolha pela
convenção partidária.”
Jurisprudência Selecionada 241

que tal espécie normativa não pode afrontar disposições constitucionais


e tendo em vista, inclusive, o §2° do art. 15 da Resolução TSE n°
22.717/2008,2 aplicado ao caso por força do art. 12 da referida Resolução
TRE/PI n° 191/2010.3
Entretanto, entendo, em dissonância com o relator e o douto
Procurador Regional Eleitoral, que, no caso, a imprevisibilidade
da eleição “suplementar”, impedindo o afastamento tempestivo
daquele que era o titular do mandato, pode ser invocada para afastar,
excepcionalmente, a regra constante no §7° do art. 14 da Constituição
Federal,4 permitindo que parentes daquele que teve o mandato cassado
concorram em eleição “suplementar” realizada menos de seis meses
após o afastamento determinado pela Justiça Eleitoral.
Com efeito, a norma constante no sobredito dispositivo
constitucional, com a proibição expressa da candidatura dos parentes do
chefe do Poder Executivo na circunscrição de seu mandato, certamente
teve por fim coibir a perpetuação do poder político do mesmo grupo
familiar. Contudo, se com o afastamento do detentor do mandato eletivo,
nos seis meses anteriores à eleição, torna-se possível a candidatura do
parente, conforme pacificou o TSE, a finalidade da proibição passou
a ser, pelo menos de imediato, o impedimento à influência do poder
político decorrente do cargo, na campanha eleitoral, preservando-se o
equilíbrio e a igualdade de condições na disputa.
No entanto, as peculiaridades do caso concreto em análise
revelam que não seria possível a violação da mencionada dupla
finalidade da norma contida no art. 14, §7°, da Constituição Federal,
a uma, porque não se trata de um segundo mandato do pai, e a duas
porque, tratando-se de eleições “suplementares”, não teria como haver
o uso do cargo público ou da máquina administrativa em benefício

2
“§ 2º. O cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por
adoção, do prefeito são inelegíveis para sua sucessão, salvo se este, não tendo sido reeleito,
se desincompatibilizar 6 meses antes do pleito (Constituição Federal, art. 14, § 7º).”
3
“Art. 12. Aplicar-se-ão a estas eleições as normas regentes das eleições municipais de 05 de
outubro de 2008, salvo no tocante ao calendário fixado nesta Resolução.”
4
“§ 7º - São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes
consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República,
de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja
substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo
e candidato à reeleição.”
242 Revista Eleições & Cidadania

do pretenso candidato, filho do Prefeito cassado, pois este, a partir da


decisão do órgão colegiado, teve suprimido o exercício do mandato,
ao ser afastado de suas atribuições, ainda em 14/08/2010, conforme
certidão de fl. 45. Por sua vez, o registro de candidatura do impugnado
foi protocolizado em 07/09/2010 (fl. 02) e as eleições estão marcadas
para o dia 14/11/2010.
Ademais, deve-se ressaltar que há uma premissa fática
no referido dispositivo constitucional, consistente na renúncia do
mandatário para possibilitar a candidatura dos seus parentes, que, por
razões de ordem prática, não pôde ser exercida no caso presente, pois o
mandatário foi cassado e novas eleições foram designadas para pouco
menos de quatros meses depois da cassação. Ora, de nada adianta a
Constituição Federal prever esse “ato de volição”, capaz de afastar a
inelegibilidade, se ele não puder ser efetivamente exercido, como no
caso dos autos.
Dessa forma, sendo impossível, no caso concreto, exigir a
renúncia ou desincompatibilização daquele que era o titular do cargo
eletivo, seis meses antes das novas eleições, a fim de viabilizar a
candidatura do seu filho, uma vez que não era possível prever a
cassação, tampouco a realização de novas eleições, não há como, na
hipótese, entender configurada a inelegibilidade fundada no art. 14,
§7°, da Constituição Federal.
Diante do exposto, voto, em dissonância com o parecer
ministerial, pelo conhecimento e improvimento dos recursos, deferindo
o registro de candidatura de Lukano Araújo Costa Reis Sá, para
concorrer ao cargo de prefeito, em eleições “suplementares” que serão
realizadas no Município de Oeiras/PI.
É como voto.

E X T RAT O DA ATA

REGISTRO DE CANDIDATURA N° 3031-57.2010.6.18.0005 - CLASSE


38. ORIGEM: OEIRAS-PI (5ª ZONA ELEITORAL). RESUMO:
RECURSO EM REGISTRO DE CANDIDATURA - ELEIÇÕES
SUPLEMENTARES - DESCUMPRIMENTO DE PRAZO DE
DESINCOMPATIBILIZAÇÃO - IMPUGNAÇÃO - IMPROCEDÊNCIA
- PEDIDO DE REFORMA DE DECISÃO
Jurisprudência Selecionada 243

Recorrente: Ministério Público Eleitoral, por seu representante


Recorrente: A Coligação “A VERDADEIRA MUDANÇA” (PMDB, PTB,
DEM, PP, PTN, PRB), por seu representante
Advogados: Drs. Sânia Mary Mendes Mesquita de Sousa Santos e San Martin
Coqueiro Linhares
Recorridos: Lukano Araújo Costa Reis Sá, candidato a Prefeito de Oeiras-PI,
e Marcelo Jose de Freitas Tapety, candidato a Vice-Prefeito de Oeiras-PI
Advogados: Drs. Bessah Araújo Costa Reis Sá e Willian Guimarães Santos
de Carvalho e outro
Relator: Dr. Manoel de Sousa Dourado
Relator designado para lavrar o acórdão: Dr. Marcelo Carvalho Cavalcante
de Oliveira

Decisão: RESOLVEU o Tribunal, à unanimidade, de acordo com o parecer


do douto Procurador Regional Eleitoral exarado às fls. 271/279 dos autos
e nos termos do voto do relator, conhecer dos presentes recursos para, no
mérito, por maioria, contrário ao parecer ministerial e nos termos do voto
divergente do Doutor Marcelo Carvalho Cavalcante de Oliveira, negar-lhes
provimento, mantendo a decisão a quo que deferiu o registro de candidatura
de Lukano Araújo Costa Reis Sá, para concorrer ao cargo de prefeito, nas
novas eleições que irão se realizar no município de Oeiras/PI. Vencidos o
relator e o Desembargador Haroldo Oliveira Rehem. Foi designado para
lavrar o acórdão o Doutor Marcelo Carvalho Cavalcante de Oliveira, autor do
primeiro voto vencedor.

Presidência do Excelentíssimo Senhor Desembargador Raimundo Eufrásio


Alves Filho.
Tomaram parte no julgamento os Excelentíssimos Senhores: Desembargador
Haroldo Oliveira Rehem; Juízes Doutores – Marcelo Carvalho Cavalcante de
Oliveira, Kassio Nunes Marques, Luiz Gonzaga Soares Viana Filho e Jorge
da Costa Veloso. Presente o Procurador Regional Eleitoral, Doutor Marco
Aurélio Adão.

SESSÃO DE 21.10.2010
244
245

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL


DO ESTADO DO PIAUÍ

A C Ó R D Ã O Nº 182091
(25.01.2011)

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL Nº


182-09.2010.6.18.0007 - CLASSE 3. ORIGEM: SIGEFREDO
PACHÊCO-PI (7ª ZONA ELEITORAL - CAMPO MAIOR).
RESUMO: AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL
ELEITORAL - PREFEITO E VICE-PREFEITA - ABUSO DE
PODER POLÍTICO/ECONÔMICO - CAPTAÇÃO ILÍCITA DE
SUFRÁGIO - PROCEDÊNCIA - DESCONSTITUIÇÃO DOS
DIPLOMAS DE PREFEITO E VICE-PREFEITA - APLICAÇÃO
DE MULTA - INELEGIBILIDADE - NULIDADE DOS VOTOS -
REALIZAÇÃO DE NOVAS ELEIÇÕES - RECURSO - PEDIDO
DE REFORMA DA DECISÃO

Recorrentes: João Gomes Pereira Neto e Francisca de Araújo Matos


Pereira, Prefeito e Vice-Prefeita de Sigefredo Pacheco-PI
Advogado: Dr. Sigifroi Moreno Filho
Recorrida: Coligação “SIGEFREDO PACHECO MERECE
RESPEITO”, por seu representante
Advogados: Drs. Marcelo Nunes de Sousa Leal, Walber Coelho de
Almeida Rodrigues e outros
Relator: Dr. Kassio Nunes Marques

1
Ac. 18209 – Publicado no DJE, de 01/02/2011
246 Revista Eleições & Cidadania

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL


ELEITORAL. ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2008.
PRELIMINARES DE JULGAMENTO ULTRA PETITA E
CERCEAMENTO DE DEFESA PELA IMPOSSIBILIDADE DE
ACESSOAOSAUTOS DURANTE O PRAZO ESTABELECIDO
NAS ALEGAÇÕES FINAIS, PELO INDEFERIMENTO DO
PEDIDO DE PERÍCIA COMPLEMENTAR NO DVD, PELA
APRESENTAÇÃO DE DVD SEM QUALQUER VIA DE
DEGRAVAÇÃO E SEM A ENTREGA DE 2ª VIA, POR NÃO
LHES TER SIDO OPORTUNIZADO INDICAR ASSISTENTE
TÉCNICO, BEM COMO FORMULAR SEUS QUESITOS
NA PERÍCIA REALIZADA NO DVD QUE ACOMPANHOU
A INICIAL E PELA UTILIZAÇÃO DE PROVA ILÍCITA –
GRAVAÇÃO AMBIENTAL. REJEIÇÃO. PRELIMINAR DE
CERCEAMENTO DE DEFESA PELA IMPOSSIBILIDADE
DE CONTRADITAR TESTEMUNHA REFERIDA.
ENTENDIMENTO DE QUE HOUVE CERCEAMENTO
DE DEFESA E APENAS DESCONSIDERAÇÃO DO
DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA REFERIDA, SEM
DECRETAR A NULIDADE DA SENTENÇA OU DO
PROCESSO A PARTIR DO FATO OCORRIDO. MÉRITO.
CONTRATAÇÕES IRREGULARES EM ANO ELEITORAL.
PRÁTICA DE ABUSO DE PODER POLÍTICO, ECONÔMICO
E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. APLICAÇÃO DO
NOVO CRITÉRIO INTERPRETATIVO QUE DISPENSA
A POTENCIALIDADE LESIVA DO FATO E EXIGE
APENAS A GRAVIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS.
AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO OU
CONHECIMENTO DA VICE-PREFEITA. AFASTAMENTO,
COM RELAÇÃO À VICE-PREFEITA, DA MULTA E DA
INELEGIBILIDADE IMPOSTAS NA SENTENÇA DE
PRIMEIRO GRAU. CANDIDATOS QUE OBTIVERAM MAIS
DE CINQUENTA POR CENTO DOS VOTOS VÁLIDOS.
VACÂNCIA NO SEGUNDO BIÊNIO DO MANDATO.
ESTABELECIMENTO, NA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO,
DE ELEIÇÃO DIRETA. REPRODUÇÃO DO DISPOSTO
NO ART. 81, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO
OBRIGATORIEDADE. EXERCÍCIO DA AUTONOMIA DO
MUNICÍPIO. NOVAS ELEIÇÕES DIRETAS. PROVIMENTO
PARCIAL.
Jurisprudência Selecionada 247

1. Preliminares de julgamento ultra petita e cerceamento de


defesa pela impossibilidade de acesso aos autos durante o prazo
estabelecido nas alegações finais, pelo indeferimento do pedido
de perícia complementar no DVD, pela apresentação de DVD
sem qualquer via de degravação e sem a entrega de 2ª via, por
não lhes ter sido oportunizado indicar assistente técnico, bem
como formular seus quesitos na perícia realizada no DVD que
acompanhou a inicial e pela utilização de prova ilícita rejeitadas.
2. Configura cerceamento de defesa a não oportunização à parte
de produção de prova de contradita a testemunha. Contudo,
não é razoável, principalmente em respeito ao princípio da
efetividade e da celeridade, decretar a nulidade do processo
a partir do indeferimento da produção da referida prova se o
lastro probatório colacionado aos autos, consistente em DVD,
documentos e depoimentos de outras testemunhas, revela-se
robusto. Também não é o caso de se decretar a nulidade da
sentença se ela não se utilizou do depoimento da testemunha
contraditada como fundamento da decisão.
3. As provas colhidas nos autos demonstram que o Sr. Prefeito
Municipal contratou, mediante a utilização de recursos públicos
municipais, 203 (duzentas e três) mulheres para prestarem
serviço de limpeza nas ruas, em ano eleitoral, a título precário e
sem qualquer critério objetivo de escolha, com vistas a angariar
votos no prélio, o que configura abuso de poder político e
econômico, bem como captação ilícita de sufrágio.
4. As contratações, que foram subscritas pelo próprio Prefeito,
não se enquadram na hipótese excepcional de contratação
temporária, autorizada pela Constituição Federal, no art. 37, IX.
5. A partir da edição da Lei Complementar nº 135/10, passou-
se a exigir, para fins de configuração do ato abusivo, apenas
a caracterização da gravidade da conduta, alterando-se,
portanto, o critério interpretativo no sentido de que seria
necessária a potencialidade lesiva, conforme expressamente
estabelecido pelo art. 22, XVI, da Lei Complementar nº 64/90,
incluído pela Lei Complementar nº 135/10.
6. Mesmo adotando-se o antigo critério interpretativo,
verifica-se potencialidade lesiva do fato para ensejar o
desequilíbrio da disputa.
7. A aplicação imediata da nova disposição legal a processos
pendentes não constitui, em absoluto, violação a direito
adquirido ou ao princípio da segurança jurídica, mas mera
utilização de um critério interpretativo diverso daquele que
vinha sendo adotado pelos tribunais, e que, como tal, poderia
ser revisto a qualquer tempo, pela própria atividade judicante.
248 Revista Eleições & Cidadania

8. Considerando a comprovada prática de captação ilícita de


sufrágio, perfeitamente possível a aplicação da cassação do
diploma dos recorrentes na presente ação.
9. Afastamento da inelegibilidade e da multa relativamente à
Vice-Prefeita, diante da ausência de comprovação nos autos
da sua participação.
10. Necessidade de realização de novas eleições, nos termos
do art. 224 do Código Eleitoral, tendo em vista que os
recorrentes foram eleitos com mais de 50% dos votos.
11. Vacância a ser efetivada no segundo biênio do mandato
e previsão, na Lei Orgânica Municipal, de realização de
eleição direta.
12. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento de Medida
Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4298,
assentou que não há obrigatoriedade dos Estados e Municípios
reproduzirem o disposto no art. 81, § 1º, da Carta Magna e
que tais entes federativos possuem autonomia para dispor
acerca do modo de escolha do parlamentar, quando ocorrida
a dupla vacância dos cargos do Executivo, com fundamento
na capacidade de autogoverno que lhes outorgou a própria
Constituição Federal e que, em tal caso, não há infringência
ao disposto no art. 22, I, da Constituição Federal.
13. Recurso conhecido e parcialmente provido.

Vistos etc.

A C O R D A M os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral


do Estado do Piauí, à unanimidade, nos termos do voto do relator e
em consonância com o parecer ministerial exarado às fls. 692/707 dos
autos, rejeitar a preliminar de julgamento ultra petita e as preliminares
de cerceamento de defesa: 1) pela impossibilidade de acesso aos autos
durante o prazo estabelecido nas alegações finais; 2) pelo indeferimento
do pedido de perícia complementar no DVD; 3) pela apresentação de CD
sem qualquer via de degravação e sem a entrega de 2ª via aos recorrentes;
4) por não lhes ter sido oportunizado indicar assistente técnico, bem
como formular seus quesitos na perícia deferida pelo Juízo; 5) pela
utilização de prova ilícita – gravação ambiental. Quanto à preliminar de
cerceamento de defesa por impossibilidade de contraditar testemunhas
referidas, RESOLVEU o Tribunal, à unanimidade, nos termos do voto
do relator, desconsiderar o depoimento da testemunha Antônia Aragão
Jurisprudência Selecionada 249

de Araújo, sem, no entanto, decretar a nulidade da sentença, uma vez


que o juiz não se utilizou do depoimento da mencionada testemunha
para fundamentar sua decisão.
No mérito, RESOLVEU o Tribunal, à unanimidade, nos
termos do voto do relator e em consonância parcial com o parecer
ministerial, conhecer e dar provimento parcial ao recurso em análise,
para manter a sentença de primeiro grau, na parte em que desconstituiu
os mandatos de JOÃO GOMES PEREIRA NETO e FRANCISCA DE
ARAÚJO MATOS PEREIRA, respectivamente, Prefeito e Vice-Prefeita
de Sigefredo Pacheco-PI, eleitos no pleito de 2008, e na parte relativa
à aplicação de multa e inelegibilidade ao Sr. JOÃO GOMES PEREIRA
NETO; e afastar a condenação de inelegibilidade e a aplicação de multa
da Sra. FRANCISCA DE ARAÚJO MATOS PEREIRA e determinar,
ainda, a realização de novas eleições para Prefeito e Vice-Prefeito no
referido município.
Quanto à modalidade da nova eleição, RESOLVEU o Tribunal,
por maioria, nos termos do voto do relator e acorde com o parecer
verbal do douto Procurador Regional Eleitoral Substituto, vencidos os
Doutores Marcelo Carvalho Cavalcante de Oliveira e Valter Ferreira
de Alencar Pires Rebelo, determinar a realização de eleições diretas
para os cargos majoritários de Prefeito e Vice-Prefeito do município de
Sigefredo Pacheco-PI, nos termos do art. 224 do Código Eleitoral.

Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do


Piauí, em Teresina, 25 de janeiro de 2011.

DES. RAIMUNDO EUFRÁSIO ALVES FILHO


Presidente

DR. KASSIO NUNES MARQUES


Relator

DR. CARLOS WAGNER BARBOSA GUIMARÃES


Procurador Regional Eleitoral Substituto
250 Revista Eleições & Cidadania

R E LA T Ó R I O

O JUIZ KASSIO NUNES MARQUES (RELATOR): Senhor


Presidente, Senhores Juízes integrantes desta Egrégia Corte, Senhor
Procurador Regional Eleitoral, Senhores Advogados e demais gradas
pessoas.
Trata-se de recurso interposto por João Gomes Pereira Neto
e Francisca de Araújo Matos Pereira, respectivamente, Prefeito e
Vice-Prefeita eleitos no município de Sigefredo Pacheco, em face de
decisão do Meritíssimo Juiz da 07ª Zona, que cassou seus diplomas,
por captação ilícita de sufrágio, nos autos da Ação de Investigação
Judicial Eleitoral intentada pela coligação “SIGEFREDO PACHECO
MERECE RESPEITO”.
Às fls. 02/08, a Coligação “Sigefredo Pacheco merece respeito”,
por seu representante, ajuizou Ação de Investigação Judicial Eleitoral
em face de João Gomes Pereira Neto e Francisca de Araújo Matos
Pereira, então candidatos a Prefeito e Vice-Prefeito, respectivamente,
alegando que os investigados desrespeitaram a legislação eleitoral, posto
que o já citado candidato à Prefeito, juntamente com seu Secretário,
o Sr. Clodoaldo, promoveram uma reunião com cerca de duzentas e
cinquenta mulheres, no dia 12 de agosto de 2008, em frente à Prefeitura
Municipal, na qual o Sr. Prefeito exibia um envelope e afirmava que no
interior do mesmo continha o valor de aproximadamente R$ 15.000,00
(quinze mil reais) e que este dinheiro seria dividido entre as senhoras
devidamente cadastradas para trabalharem na limpeza da cidade.
Sustentou a Coligação Investigante que referidas contratações
são irregulares, abusivas e eleitoreiras, vez que, além de não trazer
autorização legislativa, recaíram em período eleitoral, o que não é
permitido.
Disse que esta conduta acarretou a anormalidade do pleito
eleitoral, consubstanciada no desequilíbrio causado pela ilegal
contratação realizada, vez que o Sr. Prefeito utilizou recursos públicos
(dinheiro) para pedir votos à população de Sigefrêdo Pacheco, em nítida
violação às garantias constitucionais vigentes.
Afirmou, finalmente, que resta patente o abuso de poder
político e de autoridade perpetrado pelos representados, bem como a
Jurisprudência Selecionada 251

potencialidade de influenciar no prélio eleitoral.


Ao final, requereu o conhecimento e provimento da presente
ação, cominando as penas previstas no inciso XIV do art. 22 da LC
64/90, decretando a inelegibilidade do Sr. João Gomes Pereira Neto e
da Sra. Francisca de Araújo Matos Pereira, a cassação de seus registros
de candidatura, bem como, se eleitos forem, determinar a não expedição
de seus diplomas.
Juntou documentos, fotografias, Cd e degravações às fls. 09/21.
Conclusos os autos ao Juízo Eleitoral da 7ª Zona, este abriu
vistas ao representante do Ministério Público Eleitoral, que requisitou a
instauração de Inquérito Policial.
Instaurado o Inquérito Policial, o Delegado de Polícia (fl. 31)
determinou a realização de Laudo Pericial no CD anexado aos autos.
Às fls. 43/49 foi juntado o Laudo de Exame de Material
Audiovisual.
Regularmente citados, os representados apresentaram defesa
(fls. 77/92 e 376/391). Em matéria preliminar, pugnaram pela extinção
do processo sem resolução do mérito, sob o argumento de cerceamento
de defesa pela apresentação de DVD sem qualquer via de degravação e
sem entrega de 2ª via ao requerido.
No mérito, aduziram que o autor da presente ação não juntou
qualquer prova dos fatos alegados, sendo os fatos narrados criações
artificiosas e que não foi demonstrada, ainda, a potencialidade lesiva
dos fatos alegados.
Disseram que não houve qualquer contratação de mulheres para
a função de gari no Município de Sigefredo Pacheco, durante o período
eleitoral vedado, pois as contratações para limpeza do Município de
Sigefredo Pacheco deram-se por empresa terceirizada desde o ano de
2005.
Aduziram que as contratações de diaristas para a função de
garis foram para desempenhar serviços essenciais ao Município,
perfeitamente permitido pela Lei nº 9.504/97, através de empresas
terceirizadas, conforme comprovam os contratos celebrados desde o
ano de 2005, sem qualquer interferência do representado João Gomes
Pereira Neto, e que as contratações foram efetivadas em virtude de
serem necessárias ao funcionamento de serviços públicos essenciais.
252 Revista Eleições & Cidadania

Ressaltaram, ainda, que nos diálogos transcritos pelos peritos


oficiais da Polícia Federal não há demonstração de pedido de voto, nem
comprovação de troca de benesses, não havendo elementos concretos
que comprovem as alegações do representante, não havendo que se
falar em captação ilícita de sufrágio.
Destacaram, ainda, que no Laudo de Exame de Material
Audiovisual atestou-se não ser possível a identificação da data da
gravação, o que impossibilita precisar se os fatos ocorreram durante o
período eleitoral.
Ao final requereram o acolhimento da preliminar suscitada
e, no mérito, seja julgada totalmente improcedente a representação
eleitoral em exame, quer pelo reconhecimento da total ausência de
prova da prática de qualquer ilícito eleitoral, quer pela ausência de
potencialidade lesiva ao pleito, quer pelo reconhecimento de que são
totalmente distorcidos os fatos imputados.
Solicitaram ao final a realização de perícia no DVD apresentado,
para comprovação de toda a degravação e para a identificação das
pessoas que aparecem no vídeo.
Documentação apresentada pelo representado João Gomes
Pereira Neto, às fls. 94/371.
Oitiva das testemunhas arroladas pelas partes às fls. 411/420
(volume 03) e oitiva de novas testemunhas requerida pela parte autora
às fls. 463/467.
Alegações finais juntada pela Coligação representante às fls.
470/479, pelos representados às fls. 480/521 e pelo Ministério Público
Eleitoral junto à 7ª Zona às fls. 534/539.
Sentença do MM. Juiz às fls. 541/560, julgando procedente
o pedido, reconhecendo a prática das condutas capituladas no art.
41-A da Lei nº 9.504/97 em razão da identidade de rito com a lei de
inelegibilidade, condenando os investigados à desconstituição dos
seus diplomas e respectivos mandatos, aplicando-lhes multa no valor
de 50.000 (cinquenta mil) UFIR’S, bem como lhes declarando a
inelegibilidade pelo prazo de três anos, de acordo com o art. 22, XIV, da
Lei Complementar nº 64/90, por ter entendido que restou configurado o
abuso de poder político e econômico.
Em recurso de fls. 576/636, os investigados João Gomes Pereira
Jurisprudência Selecionada 253

Neto e Francisca de Araújo Matos Pereira pleiteiam a reforma da


decisão sustentando que a sentença do juiz a quo, que lhes cassou os
mandatos, está eivada de nulidades. Aduzem , em matéria preliminar:
- julgamento ultra petita, sob o argumento de que na inicial não
houve qualquer alegação da prática de captação ilícita de sufrágio por
incidência do art. 41-A da Lei nº 9.504/97 e que o Juiz decidiu com
fundamento no citado dispositivo;
- cerceamento de defesa: pela impossibilidade de acesso aos autos
durante o prazo estabelecido nas alegações finais, pela impossibilidade de
contraditar testemunhas referidas, pelo indeferimento do requerimento
de perícia complementar no DVD apresentado, pela juntada de DVD
sem a respectiva degravação, pela ausência de oportunidade de indicar
assistente técnico, bem como formular seus quesitos na perícia deferida
pelo Juízo, e pela utilização de prova ilícita.
No mérito, sustentam que os fatos imputados não foram
provados e não possuem potencialidade lesiva para influir no resultado
das eleições. Alegam que a parte representante postulou a cassação de
seus mandatos fundada apenas em alegações de pessoas que pretendem
prejudicá-los e que a sentença baseou-se somente em depoimentos
testemunhais contraditórios e desarmônicos, que não provam qualquer
das condutas esculpidas no art. 41-A da Lei nº 9.504/97.
Afirmam que não houve qualquer prática de ilícito eleitoral,
pois as contratações de diaristas para a função de garis foram feitas
no intuito de desempenhar serviços essenciais ao município, o que
é permitido pela legislação, através de empresas terceirizadas, por
contratos celebrados desde o ano de 2005, não tendo havido qualquer
pedido de votos, já que a contratação das servidoras se deu muito antes
do período eleitoral.
Aduzem, ainda, que não se pode aplicar pena de cassação em
AIJE após a diplomação, que não houve prova de captação ilícita
de sufrágio, que as provas testemunhais são frágeis e que não houve
potencialidade lesiva.
Ao final, pugnam pela reforma da sentença, para que seja julgada
totalmente improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral,
mantendo-se incólumes as votações, os diplomas e os mandatos dos
recorrentes.
254 Revista Eleições & Cidadania

Devidamente intimada, a coligação recorrida apresentou contra-


razões ao recurso ( fls. 670/685), aduzindo, em síntese, que a decisão
prolatada não merece reforma.
Encaminhados os autos a este Regional, foi aberta vista ao douto
Procurador Regional Eleitoral, que emitiu parecer de fls. 692/707. Aduz,
inicialmente, que as preliminares arguidas não merecem prosperar e, no
mérito, opina pelo desprovimento do recurso, para que seja mantida a
decisão do Juiz a quo.
Inserido em pauta para julgamento, o julgamento foi adiado
para a sessão seguinte para a análise de questão de ordem suscitada no
sentido de cerceamento de defesa em razão de nulidade da perícia.
É o relatório.

V O T O (P R E L I M I N A R E S)

O JUIZ KASSIO NUNES MARQUES (RELATOR): Senhor


Presidente e Senhores Juízes integrantes desta Egrégia Corte,
Verifico que o recurso interposto preenche os requisitos de
admissibilidade, razão pela qual merece ser conhecido. Passemos,
inicialmente, ao exame das preliminares suscitadas pelos recorrentes:

1) JULGAMENTO ULTRA PETITA

Alegam os recorrentes que a sentença objurgada foi além do


pedido inicial, tendo o MM. Juiz, em seu dispositivo, julgado procedente
a Ação de Investigação Judicial Eleitoral por incidência do art. 41-A da
Lei nº 9.504/97.
Aduzem que a ação interposta pela ora recorrida tratou de
suposto ato praticado pelos recorrentes do ilícito previsto no art. 73,
inciso V, da Lei 9.504/97 (contratação ilegal em período vedado) ou de
abuso de poder político/econômico, não havendo qualquer menção ao
art. 41-A do mesmo diploma legal.
No caso em comento verifico que, em que pese a falta de menção
na petição inicial dos dispositivos constantes da Lei Geral das Eleições
atinentes à captação ilícita de sufrágio, o fato ora noticiado, qual seja,
Jurisprudência Selecionada 255

contratação de mulheres para trabalhar na limpeza da cidade, durante


o período eleitoral, sem concurso público ou contrato de prestação de
serviço, restou claramente delineado na exordial da AIJE.
Ora, é sabido que os limites do pedido são demarcados pela ratio
petendi substancial, segundo os fatos imputados à parte. Nesse contexto,
a delimitação da causa não ocorre em função da fundamentação jurídica
dada pelo autor na petição inicial, e sim pelos fatos postos à apreciação
do julgador, além do que compete a este, no caso concreto, a tarefa
de subsunção dos fatos à norma. Com efeito, incide a aplicação do
brocardo jura novit curia (O Juiz conhece o direito) e de seu corolário
da mini factum dabo tibi jus (Dá-me o fato que te dou o direito).
Ademais, a captação ilícita de sufrágio é espécie do gênero abuso
de poder econômico. No caso, portanto, constata-se que o contexto
fático está suficientemente esboçado na petição inicial da AIJE, cuja
descrição amolda-se à hipótese de captação ilícita de sufrágio prevista
na legislação eleitoral, embora o autor da ação não tenha invocado, de
forma específica, o dispositivo legal pertinente no petitório inaugural.
Nesse contexto, não há falar em afronta ao arts. 5º, LIV e LV, da CF c/c
arts. 128 e 460 do CPC.
Tanto que os representados, em suas contestações, vislumbrando
a possibilidade de serem apenados em virtude de captação ilícita de
sufrágio, apresentaram defesa quanto a esse tema. É o que se depreende
dos seguintes trechos das defesas ofertadas:

[...] não houve qualquer pedido de voto em troca de supostas


contratações, muito menos induzimento dos eleitores para
que as mesmas votassem no candidato eleito
[...] como bem atestado pelo Laudo Pericial não houve qualquer
captação ilícita de sufrágio praticado pelo Representante,
qualquer pedido de voto a eleitor [...]
Ainda no Laudo de Exame de Material Audiovisual (252/2009
– SETEC/SR/DPF/PI), no Inquérito Policial nº 038/2009 –
SR/DPF/PI, ao discriminar o suposto conteúdo do CD-R e
marca MULTILASER, atestou também não ser possível
identificar a data da gravação, não podendo precisar se tais
fatos aconteceram durante o período eleitoral [...]
256 Revista Eleições & Cidadania

Ressalto, ainda, que o representante, na parte relativa aos


pedidos, solicitou expressamente, além da cassação do registro, a não
expedição do diploma aos representados, acaso eleitos.
Com tais considerações, rejeito a alegação de julgamento ultra
petita.

2) CERCEAMENTO DE DEFESA

Sustentam os recorrentes cerceamento de defesa pelos seguintes


motivos:

2.1) Pela impossibilidade de acesso aos autos durante o


prazo estabelecido nas alegações finais.

Alegam os recorrentes que não puderam tirar cópia integral do


processo, para a propositura das suas alegações finais, pois durante o
prazo comum concedido às partes, tinha sido dado carga dos autos aos
advogados da parte autora, ora recorrida.
Aduzem que houve visível cerceamento de defesa e,
consequentemente, grave prejuízo sofrido pela parte recorrente.
Compulsando os autos, verifico que os ora recorrentes
apresentaram suas alegações finais (fls. 480/531 – volume 3) de
forma fundamentada e tempestivamente, inclusive fazendo menção
aos depoimentos testemunhais colhidos em audiência, demonstrando
que não houve prejuízo à sua defesa em face da retirada dos autos do
Cartório Eleitoral pela coligação recorrida.
Ressalte-se, como bem destacado pelo Procurador Regional
Eleitoral, em seu parecer, que “os recorrentes [...] limitaram-se a
apontar nulidade sob o aspecto formal, pois não indicam concretamente
o prejuízo que suportaram por esse motivo”.
Não vislumbro, desse modo, nulidade processual, pois entendo
que os recorrentes não demonstraram qual prejuízo adveio do alegado
cerceamento de defesa.
Diante de tais considerações, voto pela rejeição da preliminar
em apreço.
Jurisprudência Selecionada 257

2.2) Pela impossibilidade de contraditar testemunha referida.

Alegam os recorrentes que o Juiz a quo impossibilitou seu


advogado de apresentar prova para contraditar a testemunha referida,
Sra. Antônia Aragão de Araújo.
Sustentam que, durante a audiência, o advogado contraditou
a referida testemunha afirmando ser a mesma cabo eleitoral do
investigante/recorrido, trazendo como meio de prova a oitiva de duas
outras testemunhas para provar os fatos alegados na contradita e que,
no entanto, o MM. Juiz Eleitoral indeferiu seu pedido sem qualquer
fundamentação legal.
Pela leitura do termo de audiência de fl. 465, observo que o Juiz
eleitoral indeferiu a contradita pelos seguintes motivos:

[...] O advogado da parte representada contraditou a testemunha


alegando que a mesma foi cabo eleitoral do ora representante
Sr. Guido Campelo, participando inclusive de caminhadas
com o investigante. Negados os fatos pela testemunha,
requer a aplicação do artigo 414 § 1º do CPC, aplicando
subsidiariamente à espécie, uma vez que o patrono da parte
investigada requer oitiva de duas testemunhas para provar
os fatos alegados na contradita. A testemunha negou os fatos
atribuídos à sua pessoa de que tenha participado da campanha
da parte representante, afirmando que trabalhou para o prefeito.
Sobre a contradita o Promotor Eleitoral assim se manifestou:
em uma cidade pequena como Sigefredo Pacheco todo eleitor
geralmente identifica seu voto, inclusive participando de
caminhadas. A testemunha presente alegou que trabalhou
para a parte investigada e inclusive foi contratada para varrer
as ruas, portanto, não há óbice em deferir o compromisso da
testemunha, inclusive, como forma de proteção da justiça, pois
o compromisso firmado se a testemunha mentir, será processado
na forma da lei, o que não acontece se for ouvida apenas como
informante. Com relação ao pedido do ilustre causídico de
ouvir testemunha para provar a sua contradita, o MPE, entende
que sendo deferido, o processo não vai ter o fim desejado, pois
o ato pode ser considerado protelatório [...] Considerando-
se a negativa da testemunha acerca dos fatos narrados pelo
advogado da parte representada e levando-se em conta ainda o
parecer ministerial, o pedido de contradita foi indeferido, sendo
a testemunha ouvida e tendo prestado compromisso legal. [...]
258 Revista Eleições & Cidadania

Segundo dispõe o art. 414, § 1º, do Código de Processo Civil, a


parte possui o direito de provar a contradita a uma testemunha por meio
de documentos ou de testemunhas, até 03 (três).
Desse modo, entendo que restou configurado cerceamento de
defesa nesse aspecto, pois, no meu sentir, as testemunhas para provar a
contradita deveriam ter sido ouvidas.
Contudo, ante o farto lastro probatório trazido aos autos,
consistente em DVD, documentos e depoimentos de outras testemunhas,
não seria razoável, principalmente em respeito ao princípio da
efetividade e da celeridade processual, decretar a nulidade do processo
a partir do indeferimento da prova, devendo apenas ser excluído do
conjunto probatório dos presentes autos o depoimento da testemunha
Antônia Aragão de Araújo.
Sob esses fundamentos, voto pela desconsideração do
depoimento da testemunha Antônia Aragão de Araújo, sem, no entanto,
decretar a nulidade da sentença, uma vez que a mesma não se utilizou
do depoimento da aludida testemunha como fundamento da decisão.

2.3) Pelo indeferimento do pedido de perícia complementar


no DVD

Solicitam os recorrentes que seja declarada nula a sentença,


em razão do grave cerceamento de defesa que lhes foi imposto, haja
vista ter a Vice-Prefeita, ora recorrente, requerido produção de perícia
complementar no DVD apresentado na inicial, para identificação das
pessoas que nele aparecem, e o Juiz tê-la indeferido, sem qualquer
fundamentação legal.
Entendo correta a decisão do magistrado a quo pelo indeferimento
de perícia complementar no DVD, eis que o laudo pericial da Polícia
Federal é suficiente para subsidiar a valoração da prova colhida.
Ademais, é fato público e notório quem é o Prefeito da
cidade, não havendo necessidade de perícia para que se chegue a essa
conclusão. Também entendo desnecessária a realização de perícia para
a identificação das demais pessoas que aparecem no vídeo, pois tal
identificação prescinde de realização de perícia.
A par de tais considerações, voto pela rejeição da presente preliminar.
Jurisprudência Selecionada 259

2.4) Pela apresentação de CD sem qualquer via de


degravação e sem a entrega de 2ª via

Aduzem os recorrentes que o recorrido não juntou degravação


e cópia do DVD, para que tomassem conhecimento, como exige a lei,
o que os impediu de fazerem contraprova, já que não sabiam o que
continha no referido vídeo.
Também entendo que não há que se falar em nulidade nesse
aspecto, tendo em vista que, juntamente com a inicial, foi anexado o
DVD e a respectiva degravação, tendo a parte acesso ao seu conteúdo,
não havendo qualquer prejuízo à defesa.
A par do exposto, voto pela rejeição da preliminar em apreço.

2.5) Por não lhes ter sido oportunizado indicar assistente


técnico, bem como formular seus quesitos na perícia realizada no
DVD que acompanhou a inicial

Sustentam os recorrentes que o laudo pericial do DVD foi


realizado sem o contraditório e a ampla defesa, pois não foram intimados
para nomear assistente de perito ou apresentar quesitos.
Alegam existência de prejuízo processual, tendo em vista que
tal perícia foi realizada em fase de inquérito policial e que dela somente
tiveram conhecimento com a citação para apresentar defesa.
Em questão de ordem suscitada, requerem, ainda, a nulidade
da perícia realizada, eis que foi efetivada sem a observância dos
princípios do contraditório e da ampla defesa.
Inicialmente, cumpre fazer alguns esclarecimentos acerca de
como ocorreu a realização da perícia.
A magistrada de primeiro grau, após a parte ter ingressado com
a inicial, abriu vista dos autos ao Ministério Público, que requisitou a
abertura de inquérito policial para a apuração dos fatos. Ocorre que, por
um lapso, o Promotor Eleitoral, ao invés de remeter cópia do processo
para apuração dos crimes que entendesse existentes na espécie, enviou
à Polícia Federal os próprios autos da presente ação de investigação
judicial eleitoral, que, durante o período em que estava na Delegacia de
Polícia Federal, tramitou como inquérito policial.
260 Revista Eleições & Cidadania

Quando do recebimento dos autos, o Delegado de Polícia Federal,


visando instruí-los, determinou a realização de perícia na mídia acostada.
Percebendo o equívoco cometido, de que a ação de investigação
judicial havia se transformado em inquérito policial, o Ministério
Público requereu à Delegacia de Polícia Federal o encaminhamento
do processo à 07ª Zona Eleitoral com vistas a dar continuidade no
andamento do feito nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº
64/90.
Quando do retorno dos autos à 07ª Zona Eleitoral, a magistrada
determinou o prosseguimento da ação com a citação dos representados
para apresentarem defesa.
Verifica-se, portanto, que no momento em que foi realizada perícia
no DVD, os autos estavam tramitando como inquérito policial, tendo a
determinação de realização de perícia sido efetivada pelo Delegado de
Polícia e não pelo magistrado de primeiro grau, daí porque as partes não
foram intimadas para apresentar quesitos e nomear assistente técnico,
conforme preceitua o art. 421 do Código de Processo Civil.
Ressalto que, em sede de inquérito policial, as provas colhidas
não impõem, para sua validez, o exercício da ampla defesa e do
contraditório, que restam postergados para a fase judicial.
Nesse sentido, destaco os seguintes julgados:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS


SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. PROVA
PERICIAL. NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA.
NÃO-OCORRÊNCIA. EXAMES RADIOGRÁFICOS E
DE RESSONÂNCIA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO
DO RÉU DEVIDAMENTE ACOMPANHADO PELA
DEFESA TÉCNICA. POSSIBILIDADE DE RECUSA.
LEGALIDADE DO EXAME. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL NÃO-CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA.
1. “O inquérito policial constitui peça informativa, e
não probatória, que serve de base para a propositura da
ação penal, sendo certo que o princípio da ampla defesa
não se aplica na fase inquisitorial, a qual prescinde de
contraditório” (REsp 897.057/ES).
2. As provas produzidas na fase inquisitiva – cujo exame
pericial, nesse momento iniciado, encerrou-se quando
já deflagrado o processo penal – não impõem, para sua
Jurisprudência Selecionada 261

validez, o exercício da ampla defesa e do contraditório, que


restam postergados para a fase de instrução e julgamento,
dando à defesa oportunidade de formular quesitos e
requerer a realização de laudos complementares.
3. Não há falar em ilicitude dos exames radiográficos e
de ressonância, especialmente quando o paciente está
acompanhado da defesa técnica, de forma que, devidamente
assessorado, pode recusar-se a ser submetido à perícia.
4. Ordem denegada. (HC 91903 / SP, Habeas Corpus
2007/0235411. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Órgão
Julgador: Quinta Turma. Data do Julgamento: 18/02/2010.
Data da Publicação/Fonte: DJe 15/03/2010)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS.
ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. POSSE OU PORTE
ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO.
PORTE DE OBJETO DESTINADO À FABRICAÇÃO
DE ENTORPECENTES. LAUDO DE CONSTATAÇÃO
E LAUDO DEFINITIVO ELABORADOS EM
SEDE POLICIAL. CONTRADITÓRIO DIFERIDO.
LEGALIDADE. PEDIDO DE CONTRAPERÍCIA OU
NOVA PERÍCIA. INDEFERIMENTO FUNDAMENTADO.
AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
1. É válida a perícia realizada em sede extrajudicial, uma
vez que, por se tratar de prova cuja natureza é cautelar, o
contraditório é postergado para a fase judicial.
2. O indeferimento fundamentado de pedido de nova perícia ou de
contraperícia não caracteriza constrangimento ilegal, pois cabe ao
juiz, na esfera de sua discricionariedade, negar motivadamente as
diligências que considerar desnecessárias ou protelatórias.
3. Na hipótese, o magistrado de origem indeferiu o pleito de novo
exame pericial ou contraprova, mas remeteu os questionamentos
levantados pela defesa aos peritos que emitiram o laudo.
4. Ordem denegada.” (HC 113976 / SP, Habeas Corpus
2008/0185086-2. Relator Ministro Jorge Mussi. Órgão
Julgador: Quinta Turma. Data do Julgamento: 17/06/2010.
Data da Publicação/Fonte: DJe 09/08/2010)

Ademais, compreendo que não é o caso de se decretar a nulidade


do processo por esse motivo, eis que as partes não demonstraram qual
prejuízo sofreram.
A jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores é no
sentido de que a declaração de nulidade dos atos processuais depende
262 Revista Eleições & Cidadania

da demonstração da existência de prejuízo à parte interessada.


Nesse sentido:

Processual civil. Recurso especial. Indenização. Rescisão


de contrato. Danos materiais. Liquidação de Sentença.
Perícia. Inabilitação do perito. Art. 147, do CPC. Reputação.
Realização da perícia. Ciência das partes. Ausência. Nulidade.
Demonstração do prejuízo. Não ocorrência.
- A sanção de inabilitação do perito pelo prazo de 2(dois)
anos prevista no art. 147, do CPC, refere-se à sua habilitação
técnica e não à sua reputação.
- O descumprimento da determinação do art. 431-A, do
CPC, de dar ciência às partes a respeito do local e data
de realização da perícia não importa, necessariamente,
na nulidade da perícia, porquanto deve ser observado o
entendimento consolidado, nesta Corte, de que a declaração
de nulidade dos atos processuais depende da demonstração
da existência de prejuízo à parte interessada.
- Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1121718 / SP.
RECURSO ESPECIAL 2009/0118861-8. Relatora Ministra Nancy
Andrighi. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data do Julgamento:
05/08/2010. Data da Publicação/Fonte: DJe 20/08/2010).

Ressalto que a perícia foi realizada antes da defesa ofertada


pelos representados e que nem na contestação, nem nas demais fases
processuais anteriores à sentença, os ora recorrentes se insurgiram em
face de tal fato, tendo o feito somente em grau recursal, o que demonstra
a inexistência de prejuízo.
Inclusive, na contestação, solicitaram a realização de perícia
complementar na mídia, entretanto, não se insurgiram em face da não
terem tido oportunidade de nomear assistente e de apresentar quesitos.
A par de tais considerações, esgotando, também, a questão de
ordem suscitada, voto pela rejeição da presente preliminar..

2.6) Pela utilização de prova ilícita – Gravação ambiental

Afirmam os recorrentes que a sentença baseou-se em prova


ilícita na medida em que foi admitida uma gravação ambiental e uma
Jurisprudência Selecionada 263

reunião realizada em frente à Prefeitura Municipal, na presença de


muitas mulheres que seriam contratadas para a limpeza da cidade.
Aduzem que as jurisprudências do STF e do TSE têm entendido
que este tipo de gravação, realizada unilateralmente, não constitui
interceptação vedada pela Constituição, desde que se destinem a fazer
prova em favor do interlocutor responsável pela gravação, e que este
não é o caso dos autos.
Não merece acolhimento essa preliminar. Como se sabe,
prova ilícita é aquela colhida em afronta a normas ou princípios
constitucionais. No caso dos autos, a gravação foi realizada em local
público, durante uma reunião acessível a qualquer pessoa que passasse
pela rua no momento.
Como bem ressaltado pelo magistrado a quo, “não há que
se falar em prova ilícita, posto que a gravação foi realizada em local
público e a reunião era acessível a qualquer do povo, razão pela qual a
prova é válida e desprovida de qualquer ilicitude”.
Diante de tais considerações, rejeito a preliminar em apreço.

V O T O (M É R I T O)

O JUIZ KASSIO NUNES MARQUES (RELATOR): Senhor


Presidente e Senhores Juízes integrantes desta Egrégia Corte,
Vencidas as preliminares, passemos ao exame do mérito.
A Coligação “Sigefredo Pacheco Merece Respeito” ingressou
com “Ação de Investigação Judicial Eleitoral” em face do Prefeito e
Vice-Prefeita eleitos em 2008, no município de Sigefredo Pacheco/
PI, João Gomes Pereira Neto e Francisca de Araújo Matos Pereira,
respectivamente, alegando que o então Prefeito e candidato à reeleição,
João Gomes Pereira Neto, contratou abusivamente, sem concurso
público, cerca de 250 (duzentas e cinquenta) mulheres para o serviço
de limpeza de rua do município, em ano eleitoral, com finalidade de
angarirar irregularmente votos de eleitores, tendo o magistrado a quo
entendido que restou comprovada a conduta imputada na inicial.
Para provar suas alegações, a coligação representante juntou
aos autos, às fls. 10/21, fotografias e um DVD (com a respectiva
degravação), cujas imagens retratam uma reunião em frente à Prefeitura
264 Revista Eleições & Cidadania

Municipal onde estavam presentes o Prefeito, juntamente com um dos


seus Secretários, Sr. Clodoaldo, e diversas mulheres.
Ressalto que o DVD foi objeto de exame pericial pela Polícia
Federal, que atestou não terem sido encontrados indícios de alterações
ou descontinuidades que pudessem indicar a presença de edições
fraudulentas nos trechos contínuos de gravação.
O laudo pericial apresentou as seguintes conclusões acerca da
análise do conteúdo dos registros da mídia apresentada:

Dois homens passam informações a inúmeras pessoas, a


grande maioria mulheres, em frente a uma edificação com a
inscrição “Prefeitura Municipal de Sigefredo Pacheco.
Eles dizem que muitas pessoas vão pagar a outrem para
comparecer no seu dia.
Eles dizem que pessoas de catorze e quinze anos podem ir.
O discurso sugere que o homem de camisa vermelha diz que
a única intenção é ajudar as pessoas, e que serão gastos R$
15.000,00 por mês, que será justificado pelo pagamento de
mulheres para limparem as ruas.
Ele mostra um pacote e sugere que nele está o dinheiro, diz
que este pertence à prefeitura, mas que é ele quem decide
como gastá-lo.
O homem de camisa azul diz que foram incluídas 203 pessoas.
O homem de camisa vermelha pede que as pessoas tenham
consciência para não ocupar uma vaga que poderia ser de uma
pessoa com menor poder aquisitivo.
Ele alega que a idéia de contratar é dele, e sugere que cada um
receberá cerca de R$ 60 a R$ 70.

Transcrevo, a seguir, alguns trechos das afirmações formuladas


pelo Sr. Prefeito e seu Secretário Clodoaldo em tal reunião, conforme
se depreende da mídia e da degravação acostada à inicial:

[...] Clodoaldo: Eu já disse para ela é aquilo que a gente


combinou desde o primeiro dia aí não funcionou muito bem,
os maridos de muitas mulheres foram pra roça, tem muita
senhora aqui que vai pagar para alguém vir no dia no seu
lugar, amanhã para ganhar o mês, paga R$ 10,00 (dez reais)
de 6:00 às 11:00, todo mundo quer aí é o seguinte pode ser
menina de 14 (catorze) anos aí é aquela coisa, quem trabalha
na quarta vem na quarta manhã, as mulheres do sábado só
Jurisprudência Selecionada 265

vem no sábado e a gente fala para elas trabalhar de 6:00 às


11:00 ganha a diária.
[...]
Prefeito: que eu quero que isso tenha uma validade 2,3,4,5,
ou 10 anos conforme [...] se eu for prefeito de vocês.
[...]
Clodoaldo: então só são duas horas trabalhadas né, dá pra
gente deixar pelo aquele momento são 02:00 horas, são tão
pouco tempo, então pessoal só vai se agente tiver todo tempo
ali, tem umas mulheres quando vê o Nego Noa já começa a
trabalhar, fazer as 02:00 horinhas se for preciso todo dia tem
que vir para a reunião.
Prefeito: depois que agente varrer por aqui, vai ficar fácil de
trabalhar, vai ficar só uma coisinha, é limpar, tirar uma sacola da
cidade, varrer por aqui, ali coisa simples, ninguém vá se aperrear.
Prefeito: sabe qual é a minha maior intenção é ajudar vocês,
maior intenção é essa daqui, eu não tenho outra intenção é
ajudar vocês, dentro disso aí tem que ter a flexibilidade que
esse dinheiro não vem a toa também não tem que ter uma
justificativa dizendo porque ele foi gastado, nós temos aqui
em média de R$ 15.000 (quinze mil reais) por mês com vocês
é muito dinheiro né aí eu vou justificar como explicar que
tantas mulheres limpando as ruas na cidade assim, assim,
assado para justificar que esse dinheiro aqui não é meu não
aqui é dinheiro da Prefeitura agora eu é que domino ele eu
faço o que eu quero, se quiser pegar esse dinheiro e fazer
outra coisa não dividir com vocês faço outra coisa, o dinheiro
não era empregado como hoje é empregado dentro da cidade,
o dinheiro de Sigefredo Pacheco é investido aqui dentro.
Clodoaldo: Lá no Juazeiro parece que paga R$ 150,00 (cento e
cinquenta) ou R$ 200,00 (duzentos reais) sabe o que acontece lá
talvez tenha no máximo 20 (vinte) mulheres trabalhando e um
monte de gente ajudando eles não dão, então aqui são divididos
de uma forma que ele pediu 150 (cento e cinquenta) pessoas nós
botamos 203, entendeu, é uma forma de ajudar e o que agente
está fazendo às mulheres que vieram no dia da inscrição nenhuma
voltou sem fazer, que foi naquele dia lá no Clube.
Prefeito: eu não desclassifico ninguém se as pessoas que vão
fazer, pessoas tem que ter consciência porque tem gente que
tem condições quer uma coisa não vai deixar de tirar vaga de
uma pessoa bem pobrezinha, quem vai dizer é sua consciência
se é funcionária ou fazer qualquer coisa, vou tirar vaga de uma
mulherzinha tem aquela que não tem consciência eu peço pra
266 Revista Eleições & Cidadania

pessoas ter consciência se não vai chegar uma meta que eu


não vou mais ter condições de segurar e o que eu quero é
segurar manter isso aqui, é um dom meu, foi eu que inventei,
não foi o Lula, nem o Wellington Dias ou o fulano de tal não,
aqui foi eu que inventei, foi eu que pensei na minha casa, eu
vou chegar uma hora que eu vou aproveitar uma coisa para
essas mulheres, pessoas mais pobres, né tenha um ganhozinho
nem que seja pequeno, se já ganha R$ 60,00 (sessenta) ou R$
90,00 (noventa) do Lula.
[...]
Clodoaldo: [...] agora vamos começar a pagar, o prefeito vai
ali pra dentro.

Visando, ainda, demonstrar suas alegações, a coligação


representante arrolou testemunhas que, ouvidas em juízo, prestaram os
seguintes depoimentos:

Francisco Airton Teixeira de Oliveira (fls. 412/413): “[...]


que estava presente no dia 12/08/2008, durante o dia, em
horário que não lembra na cidade de Sigefredo Pacheco, o
depoente, ao passar próximo à sede da Prefeitura, presenciou
uma pequena aglomeração de pessoas e o prefeito com um
envelope amarelo para o alto dizendo às pessoas que ali
estavam que ‘enquanto ele estivesse mandando na cidade,
aquele dinheiro era das mulheres que estavam presentes”; que
o secretário de obras do município, Sr. Clodoaldo Rodrigues
Pinto também se fazia presente, falou para as pessoas se
organizarem em fila para serem pagas pelo prefeito; que
havia cerca de duzentas mulheres presentes e que as mulheres
faziam serviço de limpeza de rua; que o depoente já havia
visto as mulheres fazendo a limpeza de rua antes da reunião do
dia 12/08/2008; que indagou a uma das mulheres ali presentes
Sra. Gracimar sobre o valor por ela recebido e que a mesma
respondeu ter recebido R$ 62,00 pelo serviço de limpeza e
que o prefeito disse que se continuasse no poder a prestação
dos serviços continuaria, bem como o pagamento da quantia
recebida pelas mulheres; que o Prefeito também pediu Sra.
Gracimar que a mesma ainda conseguisse outros seis votos
dos pais da mesma, do seu marido e o voto de Gracimar e
seu marido; [...] que não vê mais as mulheres trabalhando
na limpeza das ruas; que não sabe informar ao certo quando
elas pararam de trabalhar para a prefeitura, mas acha que
foi um mês ou dois após as eleições; que após a reunião
Jurisprudência Selecionada 267

ainda continuou o serviço, mas não sabe se eram as mesmas


mulheres que o faziam; que o prefeito dizia levantando o
envelope “aqui tem R$ 15.000”. [...] que o serviço prestado
pelas mulheres já existia antes de 2008; [...]”

Jordânio Daluz Rodrigues Pinto (fl. 414) – ouvido como


informante: “que no dia 13/07/2008 o depoente encontrava-
se no clube “espaço show clube” juntamente com o Sr.
José Ribeiro, vulgo Zé Maroca (sic) que ´presenciaram um
aglomerado de mulheres no local fazendo cadastro para
alistamento para varrer as ruas da cidade, segundo a dona
Toinha, Sra. Antônia dos Santos; que não viu o prefeito no
citado clube; [...] que antes do mês de julho, no período da
semana santa, festejos da cidade, e em outros eventos festivos
já existia o serviço de varredura nas ruas do município. [...]
via muitas mulheres varrendo a cidade, cerca de duzentas”

Francisco Matias Costa (fls. 416/417): “[...] que no dia


12/08/2008, na parte da tarde, aproximou-se e viu uma
multidão de mulheres em frente à prefeitura, que lá estava
o prefeito, o secretário de obras; que o prefeito levantou um
envelope dizendo que ali havia R$ 15.000,00 que não era
dinheiro do Lula nem do Welington Dias, que era idéia dele
prefeito e que para elas (mulheres), manterem-se nos cargos
o prefeito tinha que ficar cinco, seis, dez anos no poder. Que
não presenciou a entrega do dinheiro, mas que tinha uma
fila de pessoas em frente a prefeitura; que as mulheres saiam
com dinheiro, totalizando R$ 62,00 com o compromisso de
conseguirem seis votos na família, para continuarem com
o emprego. [...] Que viu outra multidão, mas não entrou
no clube, apenas passou em frente, no dia 13/07/2008,
para alistamento dessas mulheres que estavam em frente à
prefeitura e que passadas as eleições a prestação de serviços
de limpeza da cidade foi suspensa. [...] que os serviços de
rua somente ocorria em festejos e semana santa; que não
tinha conhecimento de nenhum contrato dessas mulheres
com a Prefeitura; que na época da semana santa e festejos
cerca de dezessete a dezoito mulheres prestavam o serviço de
limpeza de rua. [...] que no dia 12/08/2008 foi o dia em que
foi feito o primeiro pagamento às mulheres; [...] que o clube
tem três metro e meio de portão aberto e que por isso viu
o citado alistamento das mulheres; que as mulheres que iam
saindo do clube informaram que no clube estavam fazendo
268 Revista Eleições & Cidadania

alistamento e que as mesmas já haviam se alistado; que não


sabe o dia em que as mulheres começaram a trabalhar; que
as mulheres trabalhavam pela manhã e pela tarde, sendo uma
equipe na (sic) quartas feiras e outra no sábado; que no dia do
pagamento ficou no local no início até o momento em que as
mulheres entraram na prefeitura para receber o pagamento.
[...] que atualmente não existe mais mulheres realizando o
serviço de limpeza. [...]”

As testemunhas referidas em tais depoimentos foram ouvidas


posteriormente em juízo, em audiência realizada no dia 18 de março de
2010:

Gracimar da Silva Torres (fl. 464): “[...] que em 12/08/2008,


a depoente presenciou que o prefeito entregou o dinheiro
e pediu votos, inclusive o de sua família; que recebeu R$
62,00, que começou a trabalhar em julho, pagamento em
agosto e que recebeu até setembro, que após as eleições não
houve mais trabalho; que antes da reunião da qual a depoente
participou não houve nenhuma outra entre o prefeito e as
prestadoras de serviço; que somente trabalhava aos sábados
das 6h às 8h da manhã; que pediu para votarem no candidato
João Gomes ao esposo, o cunhado, o pai e mãe; que em julho
foi fazer a inscrição para o trabalho de limpeza nas ruas no
clube do Chico Paraíba e quem fez a inscrição foi o secretário
do município Clodoaldo. [...] que o pagamento foi realizado
dentro da Prefeitura de forma individual. [...] que foi a única
vez que trabalhou como varredora; que começou a trabalhar
depois do dia 10 de julho, não sabendo precisar a data correta;
que conhece o Sr. Francisco Airton; que comentou com este
recebimento de pagamento depois do dia 10 de agosto; que
não sabe informar se esse serviço de limpeza existia antes
de 2008; que ficou sabendo do cadastro através da rádio do
prefeito “FM do Povo” um mês antes do cadastramento das
pessoas; que não sabe informar a data que ocorreu a reunião
no clube; [...] as mulheres trabalhavam em dois grupos um às
quartas e outro aos sábados, no mesmo horário; que o prefeito
falou que se ganhasse as eleições ela continuaria no cargo;
que após as eleições ninguém continuou no trabalho; que não
assinava nenhum documento na prefeitura; que trabalhavam
em grupo de dez mulheres; que trabalhava um dia por semana
Jurisprudência Selecionada 269

e ganhava R$ 62,00; que viu o prefeito com um envelope na


mão, afirmando que nele havia R$ 15000,00. [...]”

Antonia dos Santos (fl. 467): “[...] no dia 12/08/08 que


estava presente e que o prefeito falou que fez a reunião para
fazer o pagamento de R$ 62,00; que trabalhava aos sábados;
que o prefeito pediu votos da depoente e de sua família;
que começou a trabalhar em julho e parou de trabalhar em
setembro; que passadas as eleições não mais trabalhou, que
eram mais de 200 mulheres; que teve aviso na rádio no dia
08/07/2008; [...] que a reunião foi fora, mas o pagamento foi
dentro da prefeitura; quem fazia o pagamento era o prefeito e
secretário Clodoaldo; que o prefeito estava com um envelope
na mão; que o depoente acha que dentro deste havia dinheiro;
que o prefeito disse que tinha R$ 15000,00 no envelope para
fazer o pagamento; que após a reunião foi feita uma fila e
que nominalmente as pessoas eram chamadas para receber o
pagamento de R$ 62,00; que na hora do pagamento o prefeito
pedia votos e que a depoente votou nele; que o prefeito pediu
voto e que o mesmo afirmou que enquanto fosse prefeito elas
teriam emprego; que não mais trabalha na prefeitura; que foi
a primeira vez que trabalhou para a prefeitura; que recebeu
o dinheiro por três meses: de julho a setembro. [...] que não
tinha serviço de varredura de ruas antes de setembro de 2008;
que mora na cidade há seis anos; que nunca viu o serviço de
varredura de ruas na cidade; que hoje ninguém limpa as ruas
da cidade; [...] que eram mais de 100 mulheres trabalhando
em duas turmas; que as vassouras no começo eram doadas
pela prefeitura, mas após ela mesma comprava as vassouras;
que quem comandava o serviço era o Clodoaldo e Juhinho;
que não usava uniforme ou qualquer identificação; que
recebia pagamento na prefeitura, mas não assinava nada; que
toda vez que recebia pagamento pediam voto à depoente;
que primeiro trabalhou e somente após o trabalho recebeu
pagamento; que no último mês houve atraso do pagamento,
posto que constantemente recebia dia 12 e neste mês recebeu
dia 28. [...]”

Em suas defesas, os ora recorrentes, João Gomes Pereira Neto


e Francisca de Araújo Matos Pereira, alegam que não houve qualquer
ilícito eleitoral, posto que a Prefeitura de Sigefredo Pacheco não realizou
contratação de mulheres para a função de gari no município, em razão
270 Revista Eleições & Cidadania

de possuir contrato de forma terceirizada com uma empresa desde o ano


de 2005, para limpeza urbana municipal, e que esta empresa é que é a
responsável pelas contratações.
Aduziram que as contratações de diaristas para a função de
garis foram para desempenhar serviços essenciais ao Município,
perfeitamente permitido pela Lei nº 9.504/97, através de empresas
terceirizadas, conforme comprovam os contratos celebrados desde o
ano de 2005, sem qualquer interferência do representado João Gomes
Pereira Neto.
Juntaram aos autos, em suas defesas, procedimentos licitatórios
referentes ao ano de 2005, 2006, 2008 e 2009 e recibos de pagamentos
realizados à empresa terceirizada para prestar serviços de limpeza dos
anos de 2005 a 2008.
Também arrolaram testemunhas, que, ouvidas em juízo,
prestaram os seguintes depoimentos:

Adriana Sousa (fls. 418/419): “ [...] que em março de 2008


foi feita uma reunião entre o prefeito e as mulheres quisessem
trabalhar como varredoras de rua; que a própria depoente foi
cadastrada; que trabalhava uma vez por semana aos sábados,
de 6h as 8h da manhã, havendo outra turma que trabalha às
quartas no mesmo horário; que recebeu R$ 62,00 pelo serviço;
que desempenhou este trabalho até março de 2009 quando
foi dispensada do mesmo, segundo a depoente, porque o
prefeito disse que havia alguns problemas; que durante o
trabalho desempenhado pela depoente o prefeito nunca exigiu
que a mesma votasse no candidato; [...] que trabalha como
varredora de rua desde março de 2005, entretanto, só foi
cadastrada pela Prefeitura em março de 2008. [...] que estava
na reunião mostrada nas fotos, às fls. 12 a 20, pelo advogado;
que a mesma ocorreu em março, entre os dias 18 a 20, segundo
a qual era a data do pagamento; que o motivo da reunião foi
realizar o cadastro das mulheres, que na ocasião não houve
pagamento; que não participou de nenhuma reunião em agosto
de 2008, mas somente no mês de março de 2008 e março de
2009, quando ocorreu a suspensão dos serviços de limpeza do
município; que em nenhuma das reuniões às quais a depoente
participou não houve pedido de voto para o prefeito; que o
pagamento pelo serviço era realizado na calçada da Prefeitura
e que não havia recibo deste pagamento; informou que havia
cerca de duzentas varredoras de rua; que esta quantidade só
Jurisprudência Selecionada 271

existia desde o início do ano de 2008; que nas reuniões em


que a depoente participou não houve discurso político. [...]
que o cadastramento era feito na Prefeitura e que não houve
suspensão da prestação de serviço nos anos de 2005 a 2008;
o pagamento era realizado na calçada da prefeitura pelo
prefeito ou secretário de obras, Sr. Clodoaldo; que na reunião
o prefeito não tinha nada nas mãos; que o prefeito disse na
reunião que queria ajudar as pessoas, por serem analfabetas;
que o prefeito não pedia nada em troca. [...]”

Antônia Pereira Brito (fl. 420): “ [...] que trabalhava varrendo


as ruas não sabendo precisar quando começou, somente sabe
que terminou em março de 2009; que trabalhava às quartas
feiras de 6h às 8 horas; que não tinha recibo de pagamento;
que o pagamento era realizado na porta da Prefeitura pelo
prefeito e pelo Sr. Clodoaldo; que trabalhava desde a primeira
eleição do prefeito em 2005; [...] que teve uma reunião
para repartição das turmas em março de 2008 e que houve
outra reunião em março de 2009 na qual foram dispensadas
do serviço; não houve pedido de voto para o prefeito nas
reuniões que participou; que não houve reunião durante o
período eleitoral; que recebia R$ 62,00; que havia cerca de
duzentas mulheres trabalhando como varredoras de rua; que
os pagamentos eram realizados nos dias 18 a 21 de cada mês;
[...] que o cadastramento realizado em março foi realizado
em frente à prefeitura; que não participou de reunião em um
clube; [...] que quem estava fazendo a reunião para repartição
das turmas de trabalho era o prefeito e o Sr. Clodoaldo; que
não lembra se o prefeito no dia da reunião segurava algum
envelope; que estava na reunião mostrada nas fotos nos
autos; que houve interrupção do trabalho no período em que
trabalhou; que trabalhou em dezembro de 2009, mas não
estava mais fichada; motivo da reunião realizada era dividir
as turmas em quarta e sábado [...]”.

Analisando as provas colhidas nos presentes autos, entendo que


restou fartamente comprovada a prática de abuso de poder político e
econômico, bem como captação ilícita de sufrágio, pois demonstram
que o Sr. Prefeito Municipal contratou, mediante a utilização de recursos
públicos municipais, 203 (duzentas e três) mulheres para prestarem
serviço de limpeza nas ruas, em ano eleitoral, a título precário e sem
272 Revista Eleições & Cidadania

qualquer critério objetivo de escolha, com vistas a angariar votos no


prélio.
Quanto às alegações e documentação carreada aos autos pelos
representados, apenas demonstram que, desde o exercício de 2005,
havia empresa terceirizada responsável pelo serviço de limpeza das
ruas da cidade, entretanto, não comprovam que as mulheres presentes à
reunião foram contratadas por referida empresa.
Ademais, analisando os depoimentos das testemunhas arroladas
pelos próprios representados, estas afirmaram que o pagamento era
realizado na Prefeitura pelo Prefeito e pelo Sr. Clodoaldo e que o
cadastramento também era realizado na Prefeitura.
A meu sentir, os documentos juntados pelos representados
apenas servem para corroborar a ocorrência de conduta ilícita, pois se
existia empresa terceirizada responsável pela prestação de serviço de
limpeza das ruas da cidade, não haveria necessidade de contratação de
mulheres para tal fim.
Não restou ainda comprovado nos autos a excepcionalidade da
contratação realizada.
O STF tem entendimento bastante restritivo quanto à
possibilidade de contratação temporária, exigindo previsão expressa
em lei específica do respectivo ente federativo, a qual deve estabelecer
rígidos parâmetros para essa excepcional forma de contratação, que
jamais pode ser feita por livre escolha da Administração:

CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA


QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA
DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE.
POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART.
37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI
JULGADA PROCEDENTE. I - A contratação temporária
de servidores sem concurso público é exceção, e não regra
na Administração Pública, e há de ser regulamentada por
lei do ente federativo que assim disponha. II - Para que
se efetue a contratação temporária, é necessário que não
apenas seja estipulado o prazo de contratação em lei, mas,
principalmente, que o serviço a ser prestado revista-se do
caráter da temporariedade. III - O serviço público de saúde
é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário,
Jurisprudência Selecionada 273

razão pela qual não assiste razão à Administração estadual


capixaba ao contratar temporariamente servidores para
exercer tais funções. IV - Prazo de contratação prorrogado
por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É
pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não
permitir contratação temporária de servidores para a
execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de
relevância e interesse social nesses casos. VI - Ação que se
julga procedente. (ADI 3430, da relatoria do Min. Ricardo
Lewandowski, publicada no DJE de 23.10.09).

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR


PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37,
IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. I. - A
regra é a admissão de servidor público mediante concurso
público: C.F., art. 37, II. As duas exceções à regra são
para os cargos em comissão referidos no inciso II do art.
37 e a contratação por tempo determinado para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público:
C.F., art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as
seguintes condições: a) previsão em lei dos casos; b) tempo
determinado; c) necessidade temporária de interesse
público excepcional. II. - Precedentes do Supremo Tribunal
Federal: ADI 1.500/ES, 2.229/ES e 1.219/PB, Ministro Carlos
Velloso; ADI 2.125-MC/DF e 890/DF, Ministro Maurício
Corrêa; ADI 2.380-MC/DF, Ministro Moreira Alves; ADI
2.987/SC, Ministro Sepúlveda Pertence. III. - A lei referida
no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos
de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas
instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação
temporária, não especificando a contingência fática que
evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao
chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os
casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação
direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI
3210, da relatoria do Min. Carlos Velloso, publicada no DJ
de 03.12.04).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


LEI DISTRITAL 418/93. EC 19/98. ALTERAÇÃO
NÃO-SUBSTANCIAL DO ARTIGO 37, II, DA CF/88.
PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO. INEXISTÊNCIA.
CONCURSO PÚBLICO. ATIVIDADES PERMANENTES.
274 Revista Eleições & Cidadania

OBRIGATORIEDADE. SERVIÇO TEMPORÁRIO.


PRORROGAÇÃO DO PRAZO. LIMITAÇÃO. REGIME
JURÍDICO APLICÁVEL. 1. Emenda Constitucional 19/98.
Alteração não-substancial do artigo 37, II, da Constituição
Federal. Prejudicialidade da ação. Alegação improcedente.
2. A Administração Pública direta e indireta. Admissão
de pessoal. Obediência cogente à regra geral de
concurso público para admissão de pessoal, excetuadas
as hipóteses de investidura em cargos em comissão e
contratação destinada a atender necessidade temporária
e excepcional. Interpretação restritiva do artigo 37, IX,
da Carta Federal. Precedentes. 3. Atividades permanentes.
Concurso Público. As atividades relacionadas no artigo 2o
da norma impugnada, com exceção daquelas previstas nos
incisos II e VII, são permanentes ou previsíveis. Atribuições
passíveis de serem exercidas somente por servidores
públicos admitidos pela via do concurso público. 4. Serviço
temporário. Prorrogação do contrato. Possibilidade limitada
a uma única extensão do prazo de vigência. Cláusula aberta,
capaz de sugerir a permissão de ser renovada sucessivamente
a prestação de serviço. Inadmissibilidade. 5. Contratos de
Trabalho. Locação de serviços regida pelo Código Civil. A
contratação de pessoal por meio de ajuste civil de locação de
serviços. Escapismo à exigência constitucional do concurso
público. Afronta ao artigo 37, II, da Constituição Federal.
Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente para
declarar inconstitucional a Lei 418, de 11 de março de 1993,
do Distrito Federal. (ADI 890, da relatoria do Min. Maurício
Corrêa, publicada no DJ de 06.02.04).

As inúmeras contratações eram feitas, em pleno ano eleitoral, pelo


Prefeito, que almejava a reeleição e contratava, sem qualquer critério, as pessoas
que seriam admitidas e passariam a ser remuneradas pelos cofres públicos, sem
qualquer espécie de processo seletivo prévio. Deveras, como se vê, o caso
em tela não se amolda à hipótese de contratação por tempo determinado para
atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.
Reitero que, mesmo nesses casos de contratação temporária, é
necessário um prévio processo seletivo, sujeito à ampla divulgação, a
fim de assegurar os magnos princípios da impessoalidade e da isonomia,
não podendo a Administração realizar as contratações ao seu bel prazer,
sobretudo em ano eleitoral, onde um emprego se revela, sem dúvida,
Jurisprudência Selecionada 275

uma das mais cativantes moedas para a compra de centenas de votos,


beneficiando não apenas a pessoa contratada, mas toda a sua família.
Conforme bem ressaltado pelo juiz de primeiro grau:

[...] As condutas do investigado João Gomes Pereira Neto,


no que tange ao abuso de poder político e econômico, restou
sobejamente comprovada durante a instrução e demais provas
colhidas no bojo dos autos, na medida em que o prefeito e
candidato à reeleição, mesmo em face de gastos, comprovados
nos autos, com serviço de limpeza urbana e terceirizada,
realizou mais despesas para o mesmo serviço ao contratar
de forma ilícita, posto que sem concurso público e ainda às
vésperas do pleito eleitoral de 2008, cerca de 200 mulheres
para trabalhar uma semana cada.
E não se diga que o serviço de limpeza das ruas realizado
pelas mulheres supracitadas era referente ao contrato de
terceirização, posto que os depoimentos das testemunhas
deixam claro que a prefeitura era responsável pelo cadastro
das obreiras e ainda que o pagamento era realizado na
pessoa do prefeito ou secretário municipal diretamente para
as trabalhadoras, fato este que por si só é o bastante para
descaracterizar a alegada terceirização. Ademais, se nos
autos constam recibos de pagamentos a supostas empresas
terceirizadas, resta indagar por qual motivo o Prefeito fazia
novo pagamento as mulheres.
A narrativa dos fastos demonstra que esses pagamentos
tinham conotação eleitoreira. As trabalhadoras que prestavam
serviço de limpeza, ao mesmo tempo tinham um oficio e
fonte de renda certos, proporcionados pelo Prefeito, tinham
para com este um sentimento de gratidão que se refletia para
toda a família, em um efeito multiplicador capaz de influir
na livre manifestação de vontade quando da escolha de seus
candidatos no pleito, contaminando, dessa forma, o processo
eleitoral.
Além disso, a conduta do Prefeito de contratar cerca de 200
mulheres para prestar serviço de limpeza de ruas mostra-
se dezarrazoada, considerando quantitativo populacional
do município e seus limites financeiros, o quantitativo de
contratações mostra-se desproporcional e desnecessário, o
que só vem a afirmar o abuso do poder político/econômico
do gestor municipal.
Some-se a isso o fato de que, conforme os depoimentos
276 Revista Eleições & Cidadania

colhidos, as mulheres trabalhavam apenas uma vez por


semana e por apenas duas horas, o que apenas corrobora a
desnecessidade de contratação de tantas trabalhadoras.

Analisando os depoimentos testemunhais, verifico que as


testemunhas arroladas pelo representante afirmaram que a reunião
realizada pelo Prefeito, retratada na mídia, foi realizada em agosto
de 2008, ao passo que as testemunhas arroladas pelos representados
afirmam que, na realidade, a citada reunião ocorreu em março de 2008.
Por seu turno, o laudo pericial atestou não ser possível identificar a data
em que ocorreu a reunião.
Desse modo, não há como afirmar, com a certeza necessária, a
data em que a reunião ocorreu. Entretanto, tal fato é irrelevante para o
deslinde do caso em tela, pois a prova dos autos revela que a contratação
foi realizada em ano eleitoral e que o recebimento dos valores ocorreu
durante todo o período eleitoral, já que as próprias testemunhas arroladas
pelos representados afirmaram, em seus depoimentos, que receberam
pagamento pelos serviços prestados em tal período.
Analisando, ainda, tais depoimentos, verifico algumas
divergências acerca de até quando as contratações perduraram, se antes
havia ou não mulheres fazendo serviço de varredura nas ruas, bem
como quanto ao fato de que teve ou não antes inscrição em um clube e
a data em que ocorreu essa inscrição. Entendo que tais divergências são
secundárias, não afetando o cerne da questão, relativo à contratação de
varredoras com o objetivo de angariar votos.
Na espécie, a contratação de prestadores de serviço amolda-
se perfeitamente às hipóteses de captação ilícita de sufrágio, ante o
oferecimento de emprego com o propósito de angariar votos, tudo às
expensas do erário municipal gerido pelo Prefeito, revelando nítido
abuso de poder político entrelaçado ao abuso de poder econômico ou
corrupção.
Estão presentes, no caso em apreço, todos os requisitos
necessários à configuração de captação ilícita de sufrágio, quais sejam: a
prática do ato por João Gomes Pereira Neto; a existência de uma pessoa
física (eleitores aliciados); o oferecimento de vantagem a eleitoras
(dinheiro pertencente à Prefeitura Municipal); o lapso temporal, pois a
incidência do ilícito ocorreu entre o período de registro de candidatura
Jurisprudência Selecionada 277

e a data das eleições; o especial fim de obter o voto das beneficiárias,


em face do período das contratações e da ausência de critérios para a
seleção das beneficiárias; e a participação do candidato no cometimento
da infração.
Considerando a comprovada prática de captação ilícita de
sufrágio, perfeitamente possível a aplicação da cassação do diploma
dos recorrentes na presente ação. Nesse sentido, destaco o seguinte
julgado do Tribunal Superior Eleitoral:

1. Agravo regimental no agravo de instrumento. Recurso


especial provido. Ação de investigação judicial eleitoral.
Captação ilícita de sufrágio. Prazo para ajuizamento até a
diplomação. Retorno dos autos ao TRE para que proceda
a novo julgamento do feito, como entender adequado.
Precedentes. A ação de investigação judicial eleitoral fundada
no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 pode ser proposta até a data da
diplomação dos eleitos. 2. Decisão monocrática. Possibilidade
de apreciação conjunta das razões de agravo de instrumento e
de recurso especial. Parte recorrida intimada para apresentar
resposta a ambos os recursos. Inexistência de nulidade da
decisão. É permitido ao relator apreciar, em conjunto, as razões
do agravo de instrumento e do recurso especial, desde que a
parte recorrida tenha sido intimada, no TRE, para oferecer
contra-razões a ambos os apelos. 3. Decisão monocrática.
Provimento a agravo de instrumento e a recurso especial sem
julgamento perante o Plenário. Permissibilidade. Aplicação
do art. 36, § 7º, do Regimento Interno do TSE. Acórdão
recorrido em confronto com jurisprudência pacífica deste
Tribunal. Racionalização do funcionamento dos tribunais.
Celeridade na prestação jurisdicional. Inexistência de violação
à ampla defesa e ao devido processo legal. Precedentes. O
provimento de recursos direcionados a este Tribunal, via
decisão monocrática, nos termos do art. 36, § 7º, do RITSE,
não implica violação aos princípios constitucionais da ampla
defesa e do devido processo legal se a matéria de fundo pode
ser reapreciada pelo Plenário, mediante a interposição de
agravo regimental. 4. Ação de investigação judicial eleitoral.
Captação ilícita de sufrágio. Mandato do quadriênio 2005-
2008 ainda não finalizado. Possibilidade de condenação
à cassação do diploma e, consequentemente, à perda do
mandato. Precedentes. Agravo regimental a que se nega
278 Revista Eleições & Cidadania

provimento. O julgamento da presente ação de investigação


judicial eleitoral fundada no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 não
está prejudicado, porquanto ainda não findou o quadriênio
2005-2008.” (AAG - Agravo Regimental em Agravo de
Instrumento nº 8981 - Calçoene/AP. Acórdão de 26/08/2008.
Relator Min. Joaquim Benedito Barbosa Gomes. Publicação:
DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 17/9/2008, Página 22)

Quanto ao fato do laudo da Polícia Federal ter atestado que não se


trata de captação de votos, ressalto que tal laudo não vincula a decisão do
magistrado, já que a ele cabe analisar as provas acostadas aos autos e decidir
se restou ou não comprovada a ocorrência de captação ilícita de sufrágio.
Conforme bem ressaltado pelo juiz de primeiro grau, o laudo da
Polícia Federal não tem o condão de determinar, mas apenas auxiliar na
decisão tomada pelo magistrado, já que no ordenamento jurídico pátrio
predomina o princípio do livre convencimento motivado do magistrado.
Lembre-se de que, como dispõe a Lei Complementar nº 64/90, ao
analisar os processos eleitorais:

Art. 23. O Tribunal formará sua convicção pela livre


apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e
presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias
ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes,
mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.

Assim, o conjunto dos fatos e das provas revelam abuso de poder


político e econômico, bem como captação ilícita de sufrágio, posto que
praticados com vistas a angariar a simpatia dos eleitores beneficiados e,
via de consequência, os seus votos.
Ressalto que, a partir da edição da Lei Complementar nº 135/10,
passou-se a exigir, para fins de configuração do ato abusivo, apenas
a caracterização da gravidade da conduta, conforme expressamente
estabelecido pelo art. 22, XVI, da Lei Complementar nº 64/90, incluído
pela Lei Complementar nº 135/10, in verbis:

Art. 22 [...].
XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada
a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas
apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.
Jurisprudência Selecionada 279

Destaco que a Egrégia Corte deste Regional já vem adotando


esse critério no julgamento das ações desse jaez (precedentes: AIME
nº 1088-20.2010.6.18.0062, da relatoria do Juiz Marcelo Carvalho
Cavalcante de Oliveira; AIME Nº 204-88.2010.6.18.0000, Relator
Des. Haroldo Oliveira Rehem, AIME nº 1-39.2008.6.18.0084, da
relatoria do Juiz Luiz Gonzaga Soares Viana Filho e AIME Nº 51804-
85.2009.6.18.0000, Relator Juiz Marcelo Carvalho Cavalcante de
Oliveira).
Comungo com o entendimento esposado em tais precedentes no
sentido de que a aplicação imediata da nova disposição legal a processos
pendentes não constitui violação a direito adquirido ou ao princípio da
segurança jurídica, mas de mera utilização de um critério interpretativo
diverso daquele que vinha sendo adotado pelos Tribunais, e que, como
tal, poderia ser revisto a qualquer tempo, pela própria atividade judicante.
No caso dos autos, entendo que as circunstâncias que caracterizam
os fatos são graves, pois revelam a maciça oferta de empregos em troca
de votos, custeada por meio de recursos públicos municipais.
Mesmo antes da edição da Lei Complementar nº 135/2010, a
jurisprudência do Colendo Tribunal Superior Eleitoral já era firme no
sentido de que na “hipótese de abuso do poder econômico, o requisito da
potencialidade deve ser apreciado em função da seriedade e da gravidade
da conduta imputada, à vista das particularidades do caso, não devendo
tal análise basear-se em eventual número de votos decorrentes do abuso,
ou mesmo em diferença de votação, embora essa avaliação possa merecer
criterioso exame em cada situação concreta”. (Precedentes: RCED nº
698/TO, rel. Ministro Felix Fischer, DJe de 12.8.2009; RO 2098, rel.
Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, DJE - Diário da Justiça Eletrônico,
Tomo 147/2009, Data 04/08/2009, Página 103-104; RO n° 1.362/PR,
rel. Min. José Gerardo Grossi, DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data
06/04/2009, Página 45; REsp nº 28.396/PR, rel. Min. Arnaldo Versiani,
DJ - Diário de Justiça, Data 26/2/2008, Página 05).
Entendo que, mesmo adotando o antigo critério hermenêutico,
cabe dizer que houve, sim, na hipótese, potencialidade suficiente para
influir no resultado do pleito, pelas razões acima expostas.
Na espécie dos autos, não vislumbro, quanto à Vice-Prefeita,
elementos de sua inequívoca participação ou conivência, necessários,
na minha concepção, para o rigoroso decreto de inelegibilidade, bem
280 Revista Eleições & Cidadania

como para a aplicação de multa. Na espécie, embora ela também tenha


sido beneficiada com as contratações irregulares, pois concorreu à
reeleição, o certo é que elas foram perpetradas pelo próprio Prefeito –
gestor dos recursos municipais – e poderiam ser levadas a efeito mesmo
se houvesse discordância por parte da Vice-Prefeita.
Considerando que os recorrentes foram eleitos com mais de
50% (cinquenta por cento) dos votos válidos, conforme consulta ao
sítio deste Tribunal, há necessidade de realização de novas eleições.
No presente caso, a vacância efetivar-se-á no ultimo biênio do
mandato.
Impende estabelecer se a eleição será direta ou indireta.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no
seu art. 81, § 1º, estabelece:

Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente


da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta
a última vaga.
§ 1º - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período
presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias
depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.

No caso de eleições presidenciais, a Carta Magna possui regra


expressa prevendo a realização de eleição indireta quando ocorrer dupla
vacância dos cargos do Executivo no ultimo biênio do mandato.
Entretanto, quedou-se silente no tocante à dupla vacância dos
cargos dos Executivos Estadual e Municipal.
Inicialmente, resta analisar se o princípio da simetria aplica-se
aos Estados-Membros e Municípios em relação ao disposto no art. 81,
§ 1º, da Constituição Federal.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento de Medida Cautelar
na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4298 assentou que não há
obrigatoriedade da reprodução do disposto no art. 81, § 1º, da Carta
Magna, consoante se depreende da ementa a seguir transcrita:

[...]
INCONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta. Lei nº
2154/2009, do Estado do Tocantins. Eleição de Governador
e Vice-Governador. Hipóteses de cargos vagos nos dois
Jurisprudência Selecionada 281

últimos anos de mandato. Eleição Indireta pela Assembléia


Legislativa. Votação nominal e aberta. Constitucionalidade
aparente reconhecida. Reprodução do disposto no art. 81, §
1º, da CF. Não obrigatoriedade. Exercício da autonomia do
Estado-Membro. Liminar indeferida. Precedente. Em sede
de tutela antecipada em ação direta de inconstitucionalidade,
aparenta constitucionalidade a lei estadual que prevê eleição
pela Assembleia Legislativa, por votação nominal e aberta,
para os cargos de Governador e Vice-Governador, vagos nos
dois últimos anos do mandato. (Med. Caut. em Ação Direta
de Inconstitucionalidade 4.298 Tocantins, Relator Min.
Cezar Peluso, Julgada em 07/10/2009, Publicada no DJE de
27/11/2009).

Colho, a seguir, os seguintes excertos do voto do Min. Cezar


Peluso:

[...] No desate de causas afins, recorre a Corte, com frequência,


ao chamado princípio ou regra da simetria, que é construção
pretoriana tendente a garantir, quanto aos aspectos reputados
substanciais, homogeneidade na disciplina normativa da
separação, independência e harmonia dos poderes, nos três planos
federativos. Seu fundamento mais direto está no art. 25 da CF e
no art. 11 de seu ADCT, que determinam aos Estados-membros
a observância dos princípios da Constituição da República. Se a
garantia de simetria no traçado normativo das linhas essenciais
dos entes da federação, mediante revelação dos princípios
sensíveis que moldam a tripartição de poderes e o pacto federativo,
deveras protege o esquema jurídico-constitucional concebido
pelo poder constituinte, é preciso guardar, em sua formulação
conceitual e aplicação prática, particular cuidado com os riscos de
descaracterização da própria estrutura federativa que lhe é inerente.
Vinculação larga ou excessivamente rígida do poder
constituinte e da competência legislativa estaduais a ditames
da organização federal inscritos na Constituição da República
podem desvirtuar a Federação brasileira – embora seja ela, até
por conhecidas razões históricas, algo diversa do paradigma
norte-americano que, suposto lhe tenha servido de modelo
teórico, deve adaptar-se, na sua inteligência, à realidade
herdada da unitária experiência político-administrativa do
império, reduzindo ou aniquilando a autonomia essencial dos
Estados-Membros.
282 Revista Eleições & Cidadania

Esse tênue limite teórico entre os postulados constitucionais


da autonomia própria do regime federativo e da relatividade
inerente à sua submissão a princípios e regras superiores
de um pacto pressuposto como norma fundamental, a
moda Kelseniana, exige, como requisito indispensável da
sobrevivência dessa estrutura, que cada juízo concreto de
incidência da regra de simetria se apóie por razões ditadas por
necessidade clara de tratamento homogêneo da matéria de que
se cuide, sem o qual estaria, pelas consequências políticas,
econômicas ou sociais, comprometida a idéia mesma do pacto
que dá sentido a unidade nacional.
Noutras palavras, não é lícito, senão contrário à concepção
federativa, jungir os Estados-membros, sob o título vinculante
da regra da simetria, a normas ou princípios da Constituição
da República cuja inaplicabilidade ou inobservância local
não implique contradições teóricas incompatíveis com a
coerência sistemática do ordenamento jurídico, com severos
inconvenientes políticos ou graves dificuldades práticas de
qualquer ordem, nem com outra causa capaz de perturbar o
equilíbrio dos poderes ou a unidade nacional. A invocação da
regra da simetria não pode, em síntese, ser produto de uma
decisão arbitrária ou imotivada do intérprete.
Ora, a questão posta reside em saber se é de reprodução
obrigatória, nas Constituições estaduais, a norma do art. 81, §
1º, da Constituicao Federal, ou antes, se o modelo de eleição
para os cargos de Governador e Vice-Governador, em lhes
ocorrendo a dupla vacância, é objeto de escolha jurídico-
política imanente à autonomia dos Estados.
Em precedente no qual se questionava lei baiana que regulamentava
processo de eleição indireta no caso de dupla vacância nos dois
últimos anos de mandato do Governador e do Vice-Governador, o
Relator, Min. CELSO DE MELLO, professou:
O exercício da função governamental nos Estados-membros
foi deferido, no âmbito do Poder Executivo, ao Governador
de Estado.
Compete-lhe, na estrutura jurídico-institucional dessa unidade
da Federação, o desempenho unipessoal e eminente de
relevantíssimas atribuições de caráter político-administrativo.
O processo de escolha do Governador e do Vice-Governador
de Estado, para mandato quadrienal, foi definido, em norma
expressa, pela própria Constituição da República. Esta, ao
instituir modelo jurídico subordinante e limitador da esfera
de autonomia institucional dos Estados-membros, prescreveu
Jurisprudência Selecionada 283

– no que concerne à eletividade, por sufrágio universal e


voto popular, do Chefe do Poder Executivo estadual – regra
de observância compulsória por essas unidades regionais do
Estado federal brasileiro.
Trata-se da norma inscrita no art. 28, caput, da Carta Política,
que dispõe, verbis:
”Art. 28 – A eleição do Governador e do Vice-Governador de
Estado, para mandato de quatro anos, realizar-se-á noventa
dias antes do término do mandato de seus antecessores e
a posse ocorrerá no dia 1 de janeiro do ano subsequente,
observado, quanto ao mais, o disposto no art. 77.”
Isso significa, no contexto jurídico delineado pela Constituição,
que os Estados-membros, em matéria de eleição de seu
Governador e de seu Vice-Governador por sufrágio universal
e por voto popular, direto e secreto, estão irrecusavelmente
sujeitos ao modelo federal que, nesse tema, projeta-se como
padrão normativo vinculante da atividade dessas unidades
federadas, as quais, consequentemente, dele não poderão
divorciar-se sob pena de infringência da Lei Fundamental da
República.
É por isso, Sr. Presidente, que José Cretella Júnior
(“Comentários à Constituição, vol. IV/1871-1872, item n.
110, 1991, Forense Universitária), ao referir-se à hipótese
única subordinação normativa do Estado-membro ao
modelo federal pertinente às eleições de Governador e Vice-
Governador, acentuou que a escolha desses mandatários do
Poder Executivo estadual, na medida em que lhe é aplicável
a regra inscrita no art. 77 da Constituição da República -
que consagra o sufrágio universal e o voto popular e direto,
em eleições sequenciais, ou em dois turnos, ou “à double
ballotage” - acha-se inteiramente regida pela Carta Política de
5 de outubro de 1988.
A questão primeira que se coloca nesta ação direta consiste,
precisamente, em saber se a dupla vacância dos cargos executivos,
decorrente da inexistência simultânea de Governador e de Vice-
Governador, impõe ao Estado-membro, ou não, o dever de
sujeição compulsória ao modelo normativo inscrito no art. 81 –
especialmente no seu § 1º - da Constituição Federal, pois, em caso
positivo, sustenta-se que, envolvendo a disciplinação do tema
matéria eminentemente eleitoral, incumbiria à União, mediante
lei nacional, dispor sobre processo de escolha, pelas Assembléias
Legislativas, dos novos Governador e Vice-Governador para o
desempenho de mandato residual.
284 Revista Eleições & Cidadania

Tenho para mim, Sr. Presidente, ainda que em juízo de sumária


cognição, que os Estados-membros não estão sujeitos ao
modelo consubstanciado no art. 81 da Constituição Federal,
abrindo-se, desse modo, para essas unidades da Federação, a
possibilidade de disporem normativamente, com fundamento
em seu poder de autônoma deliberação, de maneira diversa.
Devo destacar, neste ponto, que José Afonso da Silva
(“Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 534, 9ª ed./3ª
tir., 1993, Malheiros), ao admitir a possibilidade jurídica
de o Estado-membro estabelecer autonomamente, em sua
própria Constituição, a disciplina normativa da escolha do
novo Governador e do novo Vice-Governador na hipótese
excepcional de dupla vacância desses cargos executivos,
salienta o caráter da não-compulsoriedade do modelo federal
definido pela Carta da República em seu art. 81.
Para esse eminente publicista, a Constituição do Estado,
verbis:
Há estabelecer [...] a situação que decorrer da inexistência
concomitante de Governador e de Vice-Governador. Sabe-
se que, em tal caso, o Presidente da Assembléia ou, no
impedimento deste, o Presidente do Tribunal de Justiça será
chamado ao exercício do cargo, mas por quanto tempo?
Pois, esses substitutos eventuais não se transformam em
Governador. São Presidentes no exercício da governança. As
constituições estaduais sempre deram solução diversificada
a essa situação, umas prevendo nova eleição direta se a
última vaga ocorresse nos primeiros três anos de mandato
governamental e eleição pela Assembléia de novo Governador
e Vice, completando o eleito, em qualquer caso, o mandato
em curso; outras estatuíam que haveria eleição popular para
Governador e Vice, se a vaga se desse nos três primeiros anos
e, se no último ano, o substituto completaria o período. A
primeira hipótese estará mais de acordo com o atual modelo
federal, que não é obrigatório.
(grifei)
Na realidade, e tal como precedentemente acentuado, os
Estados-membros acham-se vinculados, em função de
expressa determinação constitucional inscrita no art. 28,
caput, in fine, da Carta da República, ao modelo subordinante
estabelecido pelo art. 77 da Constituição Federal, que se aplica,
no entanto, por força dessa cláusula de extensão, apenas às
eleições ordinárias e populares realizadas para a seleção de
Governador e de Vice-Governador de Estado, inexistindo,
Jurisprudência Selecionada 285

no que concerne à hipótese de escolha suplementar pelo


próprio Poder Legislativo, no caso excepcional da dupla
vacância, qualquer regramento constitucional que, limitando
a autonomia estadual, imponha a essa unidade da Federação a
sua integral submissão aos padrões normativos federais.
Por essa razão, assinala Pinto Ferreira a propósito do tema
(“Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 3/486, 1992,
e vol. 2/188, 1990, Saraiva), o princípio dominante na eleição
originária do Chefe do Poder Executivo estadual – que se
submete ao sistema de ballotage, idêntico ao das eleições
presidenciais – é o da escolha do Governador, observado o
monopólio partidário das candidaturas, por voto popular e
direto, configurando essa a única restrição constitucional
– até mesmo por força da cláusula de extensão inscrita na
parte final do art. 28, caput, da Carta Federal de 1988 – à
capacidade de autogoverno dos Estados-membros”. (ADI nº
1.057-MC, DJ 06.04.2001)

Essa leitura prevaleceu no STF. E, como leading case, foi


reproduzida, nos termos devidos, em situações similares, em que
Constituições estaduais disciplinavam a hipótese de dupla vacância
nos municípios – o que foi, desde logo, afastado pelo Plenário, ante
a inexigibilidade de simetria e a necessidade de tutela da autonomia
dos entes federativos (ADI nº 3.549-GO, rel. Min. Cármen Lúcia, DJ
31.10.2007; ADI nº 687-PA, rel. Min. Celso de Mello, DJ 10.02.2006).
Nesse sentido manifestou-se o Min. Cezar Peluso em julgamentos
no Tribunal Superior Eleitoral (cf. MS e Asg RgMS nº 3.649-GO, rel.
Min. Cezar Peluso, j. 18.12.2007).
Em tais julgados, apontou ainda, diante do princípio democrático
do exercício do sufrágio universal pelo voto direto e secreto, com
igual valor para todos, nos termos do art. 14, caput, da Constituição
da República, a absoluta excepcionalidade da regra constitucional
que, estatuída no art. 81, § 1º, demanda, por sua natureza singular,
interpretação estritíssima.
Conforme se observa, em tal precedente do Supremo Tribunal Federal, o
Ministro Cezar Peluso, comungando com entendimento esposado pelo Ministro
Celso de Melo, manifestado do julgamento daADIN 1057, entendeu que é inexigível
a simetria e que há necessidade de tutela da autonomia dos entes federativos.
Entendeu-se que os Estados e Municípios possuem autonomia
286 Revista Eleições & Cidadania

para dispor acerca do modo de escolha do parlamentar quando


ocorrida a dupla vacância dos cargos do Executivo com fundamento na
capacidade de autogoverno que lhes outorgou a própria Constituição
Federal e que, em tal caso, não há infringência ao disposto no art. 22, I,
da Constituição Federal.
Acerca do tema, o Min. Celso de Mello, no julgamento da ADIN
1057, assim se manifestou:

[...] Nem por isso, contudo, autolimitou-se o Estado da


Bahia a ponto de submeter-se, em matéria que diz respeito
à sua exclusiva esfera de autonomia política, ao regramento
normativo constante de uma lei nacional que, até o presente
momento, sequer foi editada pelo Poder Legislativo da União
para disciplinar, no âmbito estrito do Congresso Nacional,
a eleição extraordinária, mediante voto parlamentar, dos
sucessores do Presidente e do Vice-Presidente da República
que, por qualquer motivo, hajam dado causa à hipótese da
anômala situação de dupla vacância desses cargos executivos
nos últimos dois anos do período presidencial.
É inescusável, de um lado, que a disciplina normativa
pertinente a questões de direito eleitoral insere-se na
competência legislativa da União Federal. Essa competência
normativa, definida ratione materiae, decorre da regra inscrita
no art. 22, inc. I, da Constituição da República, que atribui ao
poder central competência para legislar privativamente sobre
direito eleitoral.
Ocorre que, salvo melhor juízo, a escolha do Governador e do
Vice-Governador do Estado, para efeito de exercício residual
do mandato político, na hipótese de dupla vacância desses
cargos executivos, subsume-se à noção de matéria político-
administrativa, que se acha essencialmente sujeita, no que
concerne à sua positivação formal, ao domínio institucional
reservado à atuação normativa do Estado-membro.
A escolha do Governador e do Vice-Governador do Estado,
quando ocorrida a dupla vacância na segunda metade do
período governamental, traduz uma iniludível prerrogativa da
Assembléia Legislativa, outorgada pela Carta Estadual com
fundamento na capacidade de autogoverno de que dispõe,
com apoio na autonomia política que lhe é co-natural, essa
unidade regional da federação.
Essa prerrogativa jurídico-institucional da Assembléia
Legislativa, refletindo projeção da autonomia assegurada
Jurisprudência Selecionada 287

aos Estados-membros pelo ordenamento constitucional


brasileiro, não se reduz, em seu alcance e conteúdo, à
dimensão conceitual de matéria eleitoral, circunstância
esta que, por revestir-se de relevo jurídico, pré-exclui, a meu
juízo, qualquer possibilidade de intervenção normativa da
União Federal na definição da disciplina ritual desse processo
de escolha eminentemente política dos sucessores, por um
período administrativo meramente residual, do Governador e
do Vice-Governador de Estado.
Na realidade, a escolha parlamentar dos novos mandatários
do Poder Executivo estadual acha-se desvestida de caráter
eleitoral, porque, constituindo ato essencialmente político,
contém, veicula e exterioriza uma típica decisão de poder,
cuja prática, superando o campo do mero processo eleitoral,
projeta-se na dimensão mais ampla do exercício, pelo Estado-
membro, da irrecusável autonomia política de que dispõe em
matéria de organização dos poderes locais.” (ADI nº 1.057-
MC. Grifos no original)

No mesmo sentido votou o Min. CARLOS VELLOSO, que


trouxe ao debate um significativo componente histórico:

A questão a saber, primeiro que tudo, é se a lei referida é


federal ou estadual.
Depois de ouvir o notável voto do Sr. Ministro Celso de Mello,
e o não menos brilhante voto do Sr. Ministro Marco Aurélio,
estou à vontade para afirmar que a lei, no caso, é estadual. É
que, em tal caso, não se tem uma lei materialmente eleitoral,
vale dizer, uma lei de natureza eleitoral, dado que ela vai,
simplesmente, regular a sucessão do Chefe do Executivo,
sucessão que chamaríamos extravagante. A lei, no caso, o
Estado a edita com base na sua autonomia, que é a maior
das características da Federação. Classicamente, são traços
característicos de uma Federação, a repartição constitucional
de competências entre as entidades políticas que compõem
a Federação e a participação da vontade parcial na vontade
federal.
[...]
Acabo de receber, por gentileza do eminente Ministro
PAULO BROSSARD, o texto da Lei nº 1.395, de 13 de julho
de 1951, que dispunha, sob a Constituição de 1946, sobre a
eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República, pelo
288 Revista Eleições & Cidadania

Congresso Nacional. É que a Constituição de 1946 continha


disposição igual à do art. 79, § 2º, da Constituição vigente.
Editou-se, então, a Lei 1.395/51 que, repito, dispunha sobre
a eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República
pelo Congresso Nacional, dispondo, apenas, vale acentuar,
em relação à eleição do Presidente da República e do Vice-
Presidente da República. O procedimento do Congresso está
a nos indicar um roteiro, a indicar que, observada a simetria
federal e a autonomia estadual, a lei que disciplina a eleição,
nos Estados-membros, será lei estadual.”

De igual teor o voto do Min. PAULO BROSSARD, que pontuou:

Desde que ouvi o voto do Sr. Ministro Celso de Mello, na


sessão anterior, fiquei de acordo com a sua primeira parte.
Trata-se de um ato eleitoral, mas não se trata de matéria
eleitoral, no sentido em que é versada pela Constituição
Federal e pela lei ordinária, o Código Eleitoral.

Em data recente, tal postura foi reafirmada, à unanimidade,


no julgamento da ADI nº 2.709 (DJ 16.05.2008), cujo Relator, o Min.
GILMAR MENDES relembrou: “Esta Corte já firmou entendimento
pela constitucionalidade de norma estadual que disciplina o processo
de escolha de Governantes em caso de dupla vacância.” No mesmo
sentido, a Min. Cármen Lúcia: “estou inteiramente de acordo com o
fato de não se tratar de matéria eleitoral para os fins de competência da
União”.
Transcrevo, ainda, o seguinte julgado do Supremo Tribunal
Federal:

1. “EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITU-


CIONALIDADE - ART. 75, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO
DE GOIÁS - DUPLA VACÂNCIA DOS CARGOS DE
PREFEITO E VICE-PREFEITO - COMPETÊNCIA LE-
GISLATIVA MUNICIPAL - DOMÍNIO NORMATIVO
DA LEI ORGÂNICA - AFRONTA AOS ARTS. 1º E 29 DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O poder consti-
tuinte dos Estados-membros está limitado pelos princípios
da Constituição da República, que lhes assegura autono-
mia com condicionantes, entre as quais se tem o respeito
à organização autônoma dos Municípios, também assegu-
Jurisprudência Selecionada 289

rada constitucionalmente. 2. O art. 30, inc. I, da Consti-


tuição da República outorga aos Municípios a atribuição
de legislar sobre assuntos de interesse local. A vocação
sucessória dos cargos de prefeito e vice-prefeito põem-se
no âmbito da autonomia política local, em caso de dupla
vacância. 3. Ao disciplinar matéria, cuja competência é
exclusiva dos Municípios, o art. 75, § 2º, da Constituição
de Goiás fere a autonomia desses entes, mitigando-lhes a
capacidade de auto-organização e de autogoverno e limi-
tando a sua autonomia política assegurada pela Consti-
tuição Brasileira. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade
julgada procedente.” (ADI 3549 / GO – GOIÁS, Relatora
Min. Cármen Lúcia, Julgada em 17/09/2007, Órgão Jul-
gador: Tribunal Pleno, Publicação: DJe de 30-10-2007)

Vejamos, então, o que dispõe, a esse respeito, a Lei Orgânica do


Município de Sigefrêdo Pacheco:

Art. 62. Verificando-se a vacância do cargo de Prefeito e


inexistindo Vice-Prefeito, observá-se-á o seguinte:
I – Ocorrendo a vacância nos três primeiros anos do mandato,
far-se-á eleição 90 (noventa) dias após a sua abertura, cabendo
aos eleitos complementar o período dos seus antecessores;

Apesar de não haver referência expressa acerca de qual tipo de


eleição é prevista em tal dispositivo legal, o fato de se referir aos três
primeiros anos do mandato indistintamente e considerando que nos dois
primeiros anos do mandato a eleição é direta, entendo que a eleição a
que se refere é eleição direta.
Desse modo, na esteira dos precedentes do Supremo Tribunal
Federal, entendo que, no presente caso, devem ser realizadas novas
eleições, na modalidade direta, conforme estabelece a Lei Orgânica de
Sigefredo Pacheco.
A par de tais considerações, voto, em consonância parcial com
o parecer ministerial, pelo provimento parcial do recurso em análise,
devendo ser mantida a sentença de primeiro grau, na parte em que
desconstituiu os mandatos de João Gomes Pereira Neto e Francisca
de Araújo Matos Pereira, respectivamente, Prefeito e Vice-Prefeita de
Sigefredo Pacheco/PI, eleitos no pleito de 2008, e na parte relativa à
aplicação de multa e inelegibilidade ao Sr. João Gomes Pereira Neto,
290 Revista Eleições & Cidadania

e afastando da condenação a aplicação de inelegibilidade e multa à


Sra. Francisca de Araújo Matos Pereira. Voto, ainda, pela realização de
novas eleições para Prefeito e Vice-Prefeito no referido município, na
modalidade direta.
É como voto.

V O T O (V E N C I D O)

(MODALIDADE DE ELEIÇÃO)

O JUIZ MARCELO CARVALHO CAVALCANTE DE


OLIVEIRA: Senhor Presidente,
Cuida-se de recurso interposto por JOÃO GOMES
PEREIRA NETO e FRANCISCA DE ARAÚJO MATOS PEREIRA,
respectivamente, candidatos eleitos aos cargos de Prefeito e Vice-
Prefeita do Município de Sigefredo Pacheco/PI, no pleito de 2008,
em face de sentença de procedência do pedido, proferida em Ação de
Investigação Judicial Eleitoral ajuizada pela Coligação “SIGEFREDO
PACHECO MERECE RESPEITO”.
No tocante ao mérito, o TRE/PI resolveu, à unanimidade, nos
termos do voto do Relator, conhecer e dar provimento parcial ao recurso,
para manter a decisão de primeiro grau, na parte em que desconstituiu os
mandatos eletivos dos recorrentes. Determinou-se, ainda, a realização
de novas eleições, considerando que os investigados foram eleitos com
mais de cinquenta por centos dos votos válidos.
O cerne da controvérsia, então, cinge-se em perquirir os efeitos
decorrentes dessa decisão, relativamente à modalidade da eleição a ser
efetivada na circunscrição, uma vez que a dupla vacância dos cargos do
Executivo ocorre no último biênio do mandato eletivo.
O Relator entendeu, na esteira de precedente do STF (Medida
Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.298/TO), que não
há obrigatoriedade de reprodução pelos Estados-Membros e Municípios
do disposto no art. 81, § 1º da Constituição Federal, em razão da
inexigibilidade de simetria e da necessidade de tutela da autonomia
dos entes federativos. No presente caso, o Dr. Kassio Nunes Marques
Jurisprudência Selecionada 291

concluiu que deve ser deflagrada eleição direta, consoante estabelece o


art. 62 da Lei Orgânica do Município de Sigefredo Pacheco.
Todavia, e ainda que o faça com expresso pedido de vênia,
entendo que deve ser realizada eleição indireta.
O art. 81, § 1º da Constituição Federal de 1988 preleciona, in verbis:

Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente


da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta
a última vaga.
§ 1º - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período
presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias
depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.

Como sabido, o supracitado dispositivo diz respeito às eleições


presidenciais. A Constituição Federal é omissa quanto à vocação
sucessória dos cargos de Chefia do Poder Executivo Estadual e
Municipal, em caso de dupla vacância.
Acerca dessa matéria, com todo respeito à posição firmada pela
Excelsa Corte, em juízo de cognição sumária, adoto o entendimento
no sentido de que as demais unidades da Federação estão sujeitas ao
modelo consubstanciado no referido preceito constitucional.
Com efeito, o art. 81 deve ser interpretado em cotejo com o
art. 25 e o art. 29 da Constituição Federal, os quais estabelecem que os
Estados-Membros e Municípios regem-se pelas Constituições e leis que
adotarem, observados os princípios da Constituição Federal de 1988.
Não desconheço que a matéria é polêmica e que há decisões
divergentes no âmbito do próprio Tribunal Superior Eleitoral. Li
esse precedente do STF, datado de 26/11/2009, mas ainda não há um
posicionamento definitivo sobre a questão. No particular, entendo que
o princípio da simetria é uma construção pretoriana que visa assegurar
tratamento normativo homogêneo aos três planos federativos. Há uma
diretriz constitucional, um padrão normativo federal de observância, a
meu sentir, compulsória pelos demais entes que compõe a República
Federativa do Brasil.
Malgrado as críticas que se fazem à eleição indireta porque,
de alguma maneira, não revela o espírito mais democrático, já que os
292 Revista Eleições & Cidadania

eleitores não comparecem às urnas para exercerem o voto, depreendeu-


se que esta foi uma opção normativa do constituinte de 88, que
considerou as circunstâncias temporais determinantes desse modelo de
votação. Ponderou-se que o exercício de um mandato residual, menor do
que dois anos, ou mandato tampão, poderia justificar a adoção de uma
eleição na modalidade indireta. É certo que o primado mor da soberania
popular e do direito do sufrágio universal mediante voto direto deve
ser concebido como regra geral de investidura em mandato eletivo, por
força do art. 14 da Constituição Federal. Mas a sucessão extravagante,
nesse interstício bienal, cujo termo poderia prejudicar o transcurso do
processo eleitoral direto, comporta temperamentos.
No ponto, vale registrar excertos do voto na ADI nº 4.298, em
que o Relator, Ministro Cezar Peluso, expõe argumentos favoráveis
à proporcionalidade, necessidade e adequação da previsão de eleição
indireta pelo constituinte:

Vê-se, logo, que a própria regra da eleição indireta, no âmbito


federal, traz em si mesma, na ratio iuris, a demonstração de
sua razoabilidade e proporcionalidade, enquanto constitui
sensata resposta normativo-constitucional às demandas de
uma excepcional conjuntura que, por seu decisivo ingrediente
temporal, desaconselharia realização de eleição direta,
com todos os seus pesados e intuitivos custos ao aparato
administrativo e à própria sociedade. Sua adoção pelo Estado-
membro significaria, na falta da norma ou modelo federal, uma
sábia decisão política destinada a elidir as desproporcionais
vicissitudes da aplicação da regra geral a um caso atípico.
“Depois, sabe-se que, como qualquer outro, o princípio
constitucional do sufrágio direto deve ser realizado na maior
medida possível, mas dentro das circunstâncias históricas e
jurídicas vigentes, de modo que a situação excepcionalíssima
de eleição para mandato residual, chamado “mandato-
tampão”, de prazo exíguo, cujo termo até poderia inviabilizar
o transcurso de todo o regular processo eleitoral direto,
merece tratamento diferenciado, desde que razoável e
proporcional. Ora, a adoção da eleição indireta, no caso de
dupla vacância no último biênio do mandato, já aparece, em
primeiro lugar, como adequada, pois é apta a promover o
objetivo constitucional de uma eleição democrática; depois,
revela-se ainda necessária, na medida em que se lhe não
Jurisprudência Selecionada 293

vislumbra alternativa igualmente célere, econômica, hábil e


menos lesiva ao princípio excepcionado; e, por fim, não deixa
de ser proporcional em sentido estrito, porque o grau de
mutilação imposto a esse valor se afigura aceitável quando
ponderado com os benefícios consequentes.

A propósito, transcrevo ementa de julgado do Colendo TSE:

Agravo Regimental. Medida cautelar. Pedido. Atribuição.


Efeito suspensivo. Recurso especial. Decisão regional.
Determinação. Realização. Novas eleições diretas. Questão.
Relevância. Aplicação. Art. 81, § 1º, da Constituição Federal.
1. O art. 81, § 1º, da Constituição Federal, ao prever a
realização de eleições indiretas no segundo biênio dos
mandatos a que se refere, é igualmente aplicável, por simetria,
aos estados e municípios, independentemente da causa de
vacância, eleitoral ou não eleitoral.
2. A autonomia municipal de que trata o art. 30 da Constituição
Federal não se sobrepõe - no regime federativo brasileiro - à
competência especial e privativa da União para legislar sobre direito
eleitoral, expressamente prevista no art. 22, I, da Carta Magna.
3. Em razão da interpretação sistemática desses dispositivos,
a lei reguladora das eleições - e por conseguinte do
preenchimento dos cargos em razão de vacância - há de ser
federal, em face da uniformidade da disciplina normativa,
conforme preconizado na Constituição Federal.
4. Esse entendimento evita a movimentação da Justiça
Eleitoral, quanto à inconveniência de organização de uma
eleição direta, em momento em que já se encontra direcionada
à realização do pleito subsequente. Agravo regimental provido
para deferir o pedido de liminar a fim de suspender as eleições
diretas determinadas por Tribunal Regional Eleitoral”. (TSE,
Agravo Regimental na Medida Cautelar nº 2.303/SP, Rel. Min.
Eduardo Caputo Bastos, DJE 05/06/2008).

Penso que, no exercício do mister jurisdicional, não podemos


olvidar as consequências de nossas decisões. E digo a razão: imaginemos
um país como o Brasil, com mais de 5.000 (cinco) mil municípios, em
que cada um passe a ditar as normas de como será realizada a eleição,
em caso de dupla vacância dos cargos do Poder Executivo Municipal.
294 Revista Eleições & Cidadania

Como explicar para o homem comum do povo que, na cidade vizinha,


os munícipes poderão votar, em um pleito para mandato tampão, e
no seu, se eventualmente ocorrer a dupla vacância, não poderão?
Como justificar essa diversidade de tratamento? Deveras, respeitados
os posicionamentos em sentido contrário, considero que o princípio
da simetria deve ser obedecido, haja vista que a Lei Fundamental da
República estabeleceu um padrão normativo a ser seguido.
Igualmente, como conviver com a instabilidade na vida de um
município com eleições diretas tão próximas? Suponhamos a situação
de um prefeito que venha a ser cassado no início de 2012, por exemplo.
De que maneira ficaria essa conjuntura: duas eleições diretas em
períodos contíguos? Isso somente por que a lei orgânica do município
tem um disciplinamento diferente? Definitivamente, isso não me parece
razoável.
O Direito precisa experimentar o mundo e este diálogo não está
apartado também do referencial econômico. A eventual realização de
novas eleições diretas, quando já nos aproximamos do pleito regular,
pode ocasionar um dispêndio financeiro vultoso. Princípios como o da
razoabilidade e da economicidade devem ser considerados neste caso.
E aí, peço licença para perfilhar do entendimento sufragado pelo
ex-Ministro Sepúlveda Pertence, quando da apreciação dessa temática.
Aliás, abro um parêntese para reconhecer tratar-se de um jurista dotado
de notável acuidade visual. Disse o então Ministro:

[...] quando a Constituição distingue o momento da dupla


vacância na primeira metade do mandato, ou na segunda
metade, ela atende a uma razão puramente pragmática e de
conveniência.
Não vejo, com todas as vênias, base na Constituição para
a distinção aqui sustentada, com o brilho de sempre, pelo
Ministro Nelson Jobim, a partir da causa da dupla vacância,
se eleitoral ou não.
Creio que, aqui, a Constituição se ateve, sobretudo à
inconveniência de uma eleição direta para um breve mandato
– que pode ser brevíssimo –, a ponto de praticamente se
confundir com a eleição para o período subsequente do
Poder Executivo. Parece-me que o direito comparado
conforta essa interpretação. Ela é frequente a partir da
matriz do presidencialismo do sistema americano, lembrem-
Jurisprudência Selecionada 295

se da eleição de Gerald Ford. E mais, outros países, para


não transigir com o problema da eleição direta – e me
recordo da França –, determinam uma eleição direta para
aquele período, mas dando início a um mandato integral na
Presidência da República. (TSE, Agravo de Instrumento nº
4.396, de 06/11/2003).

O Ministro Marcelo Ribeiro, por ocasião de julgamento também


daquela Medida Cautelar no TSE, fez algumas observações que reputo
bastante pertinentes. Aduziu:

A aplicação do artigo 81, § 1º, da Constituição aos Estados e


Municípios, além de se embasar em análise jurídica, encerra
extrema razoabilidade, pois a norma dispõe que, nos dois
últimos anos do mandato, a eleição se faz de forma indireta.
Por que eleição indireta? Não é por apego às eleições indiretas,
usadas tanto tempo no Brasil e que realmente não representam
o espírito mais democrático. É para não se movimentar toda
a máquina eleitoral, organizar-se uma eleição – todos nós
sabemos o que é organizar uma eleição, quais gastos isso
importa – e chamarem-se os eleitores a votar. Este ano, por
exemplo, determinaremos realização de eleições diretas, sendo
que teremos uma eleição já no segundo semestre? Há situações
ainda piores, para mandatos de poucos meses. (TSE, Agravo
Regimental na Medida Cautelar nº 2.303/SP, Rel. Min. Eduardo
Caputo Bastos, DJE 05/06/2008).

O Ministro Carlos Ayres Britto inicialmente comungava do


entendimento no sentido de cingir a aplicabilidade do § 1º do art. 81
da Constituição Federal às eleições federais. Porém, nesse julgamento
específico no TSE, passou a sinalizar uma nova linha de pensamento
muito bem adensada. Afirmou ele:

Como vivemos numa federação, o conceito operacional por


excelência é aquele que busca uma interpretação federativa
uniforme. Ouvi a tese que Vossa Excelência (Min. Sepúlveda
Pertence) esboçou há pouco; não chegou a concluir, mas ouvi
quando Vossa Excelência disse que uma eleição no último
mês do ano eleitoral é um elemento de perturbação na vida
institucional do município.
296 Revista Eleições & Cidadania

Isso termina por instabilizar a vida política do município e


carrear descrédito para a Justiça Eleitoral.
Realmente, a tese que terminei por perfilhar levaria a
situações paradoxais e até absurdas. Por isso, acompanho o
eminente relator nesse entendimento de que o § 1º do artigo
81, tendo aplicabilidade federativamente uniforme, realiza
melhor os desígnios da própria Constituição.” (TSE, Agravo
Regimental na Medida Cautelar nº 2303/SP, Rel. Min.
Eduardo Caputo Bastos, DJE 05/06/2008).

Cogitar-se-ia que uma eleição indireta poderia ensejar conchavos


entre os membros das casas legislativas. Tal possibilidade restaria
afastada em um pleito direto? Não é crível que sejam perpetradas
eventuais ilicitudes, assim como no caso em comento que acabamos
de julgar, em que foram reconhecidas as práticas de captação ilícita de
sufrágio e de abuso de poder político e econômico, quando do pleito de
2008? Infelizmente, lidamos com esse problema também nas eleições
diretas.
Sobre o tema em discussão, o doutrinador José Jairo Gomes, um
dos autores mais abalizados em Direito Eleitoral, assevera:

Há grande controvérsia na seara eleitoral acerca da realização


de eleição indireta, quando a cassação dos mandatos do titular
e vice se der na segunda metade do período de mandato. No
Tribunal Superior Eleitoral, divisam-se duas posições. A
primeira admite a realização de eleição indireta, entendendo
aplicável o artigo 81, § 1º da Constituição Federal. Assim: “a
eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois de
última vaga, pelo Congresso Nacional (ou Casa Legislativa
correspondente, na forma da lei)”. Nesse sentido: TSE,
Ac. nº 21.308, de 18/12/2003; AREespe nº 27.104/PI, DJe
14/05/2008; AMC nº 2.303/SP, DJ 05/06/2008; AREspe nº
28.194/PB, DJe 17/10/2008.
Pela segunda, aludida regra constitucional é inaplicável,
eis que “a eleição indireta prevista nos arts. 80 e 81 da
Constituição Federal pressupõe a vacância por causa não
eleitoral” (TSE, AMS nº 3.427/2006) Por conseguinte, impõe-
se sempre a realização de nova eleição direta. Nessa linha:
“[...] A renovação das eleições em razão de dupla vacância
dos cargos do Executivo, por motivo eleitoral, será realizada
de forma direta, nos termos do art. 224 do Código Eleitoral”.
Jurisprudência Selecionada 297

(TSE MS e MAS nº 3.644/GO, DJ 12/02/2008). Ademais,


ao julgar, no TSE, o Mandado de Segurança nº 3.649/GO
(DJ 10/03/2008, p. 13), asseverou o Min. Cezar Peluso:
“[...] o que me parece é que o disposto no art. 81, § 1º, da
Constituição da República é norma excepcional, justificada
pelos óbvios custos e transtornos que a eleição presidencial
direta implicaria no último biênio, e que, como tal, não se
aplica a nenhuma outra hipótese de eleição. Escusaria
insistir em que exceções são de interpretação estritíssima. A
regra geral da Constituição – e, pois, a que incide no caso
– é que todas as demais eleições devem ser sempre diretas!.
(GOMES, José Jairo, Direito Eleitoral, 4. Ed., Belo Horizonte:
Del Rey, 2009, p. 592/593).

Em remate, José Jairo Gomes conclui:

[...] O primeiro entendimento afigura-se mais adequado. O


art. 81, § 1º, da Constituição não aponta qualquer causa de
vacância dos cargos de titular e vice. Diz apenas: ‘ocorrendo
a vacância nos últimos dois anos’. Não se vislumbra óbice
à sua incidência nos domínios eleitorais como princípio
orientador do sistema, respeitadas as peculiaridades desse
ramo da ciência jurídica. O Direito não pode ser apartado
da realidade. Vive-se na era tecnológica.Vive-se na era
tecnológica, onde o acesso à educação é universal, há
abundância de informações, a votação é eletrônica e o eleitor
é identificado digitalmente antes votar. Constitui truísmo
afirmar que a lei deve ser interpretada à luz dos princípios
e dos valores albergados na Constituição Federal. Ademais,
do prisma prático, se a vacância ocorrer no último ano do
mandato, haveria coincidência com o ano eleitoral, o que
poderia prejudicar as atividades da Administração eleitoral,
sendo ainda de se considerar a demasia de se realizarem,
na mesma circunscrição, duas eleições diferentes no mesmo
ano. A bem da verdade, o entendimento ora esposado ‘evita a
movimentação da Justiça Eleitoral, quanto à inconveniência
da organização de uma eleição direta, em momento em que já
se encontra direcionada à realização do pleito subsequente.
(TSE, AMC nº 2.303/SP, dj 05/06/2008).
Nem se diga que a excepcional realização de eleição indireta,
caso fique vaga a Chefia do Executivo na segunda metade
do período de mandato, fere a Constituição e o princípio
democrático. Essa forma de eleição foi prevista no art. 81,
298 Revista Eleições & Cidadania

§ 1º, do diploma Constitucional, além de ser acolhida em


países induvidosamente democráticos, como são os EUA.
Por outro lado, apesar de não ser o ideal em um regime
de democracia plena, a verdade é que a eleição indireta
constitui princípio operativo ou técnica jurídica, cujo sentido
é assegurar a estabilidade política, a governabilidade, o
normal funcionamento das instituições democráticas, a
continuidade dos serviços públicos, muitos dos quais de
inegável essencialidade. E a adoção de tal técnica, em
caráter restrito e excepcional, não chega a sequer a arranhar
a democracia. Pois esta constitui um modo coletivo de vida,
na qual são enfeixados um conjunto de valores, princípios
e instrumentos voltados à afirmação da vontade coletiva,
da soberania popular e da harmoniosa convivência nos
planos intersubjetivo e coletivo. (GOMES, José Jairo, Direito
Eleitoral, 4. Ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 592/593).

Apenas para registrar, no que respeita à sustentação oral


do advogado, Dr. Marcelo Leal, não há falar em retroatividade, sob
a alegação de que a decisão do Juiz da 7ª Zona Eleitoral teria sido
prolatada ainda no primeiro biênio. A Constituição Federal menciona
vacância. Até o presente momento, não existe vacância, pois, pelo que
se ouviu do caso, uma liminar suspendeu a eficácia da decisão do Juiz
de primeiro grau.
Então, Senhores Membros, evidentemente, reconheço que a tese
sufragada pelo STF, em sede de cautelar, tem densidade, inclusive pelos
fundamentos elencados pelo Relator, que citou os votos do ex-Ministro
Brossard e do Ministro Celso de Melo, mas me preocupa muito essa
profusão normativa diferenciada.
Ora, se há um padrão normativo federal que, bem ou mal,
considerou o aspecto temporal do segundo biênio como determinante
da forma do sufrágio, entendo que esse modelo federal deve sim ser
aplicado, simetricamente, nas eleições estaduais e municipais. É bem
provável que a tese defendida pelo Relator seja a que, ao final, prevaleça.
Contudo, prefiro seguir a linha encabeçada pelo Ministro Sepúlveda
Pertence, nessa preocupação de ordem econômica, pragmática, além de
administrativa quanto à probabilidade de se realizarem eleições diretas tão
próximas umas das outras e, sobretudo, acarretando uma incompreensão
aos eleitores, diante da possibilidade de haver um tratamento normativo
Jurisprudência Selecionada 299

diferenciado, na medida em que dependerá do que cada órgão legislativo


tiver instituído no tocante à modalidade da eleição.
E todos nós sabemos que uma legislação, uma lei orgânica de
um município, por exemplo, pode ser mudada facilmente. É factível
que vereadores realizem uma modificação legislativa para atender
interesses outros, do prefeito ou de quem venha a se candidatar. Então,
estamos sujeitos a idiossincrasias do processo normativo das câmaras
municipais. Por mais esta razão, dentre as já relacionadas, prefiro me
alinhar à tese do padrão uniforme federal, conforme preconizado na
Constituição, obviamente, respeitando-se o primado da autonomia das
unidades federadas.
A par dessas considerações, com a devida vênia, divirjo do
Relator, não obstante estribado em excelentes precedentes, e voto no
sentido que sejam deflagradas eleições indiretas.
É como voto.

V O T O – V I S T A (V E N C I D O)

(MODALIDADE DE ELEIÇÃO)

O JUIZ VALTER FERREIRA DE ALENCAR PIRES


REBELO: Senhor Presidente, Senhores Juízes integrantes desta Egrégia
Corte, Senhor Procurador Regional Eleitoral, Senhores Advogados e
demais presentes.
Trata-se de recurso interposto por João Gomes Pereira Neto
e Francisca de Araújo Matos Pereira, respectivamente, Prefeito e
Vice-Prefeita eleitos no município de Sigefredo Pacheco, em face de
decisão do Meritíssimo Juiz da 07ª Zona, que cassou seus diplomas, por
captação ilícita de sufrágio, nos autos da Ação de Investigação Judicial
Eleitoral intentada pela coligação “SIGEFREDO PACHECO MERECE
RESPEITO”.
Esta Egrégia Corte, por unanimidade, já se posicionou pelo
provimento parcial do recurso em análise, mantendo a sentença
de primeiro grau, na parte em que desconstituiu os mandatos dos
investigados, e na parte relativa à aplicação de multa e inelegibilidade
ao Sr. João Gomes Pereira Neto, afastando da condenação a aplicação
300 Revista Eleições & Cidadania

de inelegibilidade e multa à Sra. Francisca de Araújo Matos Pereira.


A questão discutida neste momento diz respeito à conseqüência
decorrente da aludida decisão, no que tange à forma de eleição a ser
deflagrada no município, se direta ou indireta, considerando que se trata
de vacância ocorrida no último biênio do mandato.
O relator apresentou o entendimento de que o pleito deve ser do
tipo direto, na linha do precedente do Supremo Tribunal Federal, que,
sob a relatoria do Min. Cezar Peluso, no julgamento de Medida Cautelar
na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4298, assentou que não haveria
obrigatoriedade de reprodução do disposto no art. 81, § 1º, da Carta
Magna pelos demais entes federativos, em virtude de sua autonomia.
O relator votou, então, pela realização de eleições diretas,
em atenção ao disposto no art. 62 da Lei Orgânica do Município de
Sigefrêdo Pacheco, que dispõe:

Art. 62. Verificando-se a vacância do cargo de Prefeito e


inexistindo Vice-Prefeito, observar-se-á o seguinte:
I- Ocorrendo a vacância nos três primeiros anos do mandato,
far-se-á eleição 90 (noventa) dias após a sua abertura, cabendo
aos eleitos complementar o período dos seus antecessores;
Pois bem. Após o breve relato, passo a expor minhas
considerações acerca do tema, que é inaugurado neste
Tribunal por ocasião do presente julgamento.
Em primeiro lugar, cumpre transcrever o teor do art. 81, 1§º,
da Constituição, que fixa, in verbis:

Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente


da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta
a última vaga.
§ 1º - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período
presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias
depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.

É certo que o aludido dispositivo refere-se somente ao caso de


vacância dos cargos de Presidente e Vice-Presidente, entretanto, diante
do silêncio da Carta Magna a respeito, cumpre perscrutar se é caso de
aplicação ou não do princípio da simetria no que atine aos demais entes
federativos que se encontrem em situação similar, quanto à vacância
dos cargos de Governador e Vice-Governador, bem como de Prefeito e
Vice-Prefeito.
Jurisprudência Selecionada 301

Sobre este ponto, data maxima venia, entendo que deve sim ser
aplicado o mesmo procedimento para os Estados e Municípios.
Uma regra dessa magnitude, a meu ver, não pode ser deixada
ao alvedrio de cada um dos estados e municípios que compõem a
federação, sob pena de que, em plena matéria eleitoral, tenha-se a
situação esdrúxula de cada câmara e assembléia legislando a seu modo
sobre a forma das eleições a serem realizadas naqueles casos.
Como sabido, a bem da uniformidade que deve imperar nessa
seara, a competência para legislar sobre direito eleitoral é especial e
privativa da União, consoante o disposto no art. 22, I, da Constituição
Federal, sendo que a autonomia municipal prevista no art. 30 da Carta
Magna não se sobrepõe àquele ditame no regime federativo brasileiro.
O parâmetro adotado pela Constituição é permeado de
razoabilidade, na medida em que evita a temeridade de se realizar
eleições diretas muito próximas umas das outras – o que implicaria, em
curto espaço de tempo, toda a movimentação que um pleito exige, tanto a
nível de campanha, como de custos, tornando desproporcional a medida.
Neste ponto, vale ressaltar as palavras do próprio Ministro
Cezar Peluso, no voto proferido na citada Medida Cautelar na Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 4298:

Vê-se, logo, que a própria regra da eleição indireta, no âmbito


federal, traz em si mesma, na ratio iuris, a demonstração de
sua razoabilidade e proporcionalidade, enquanto constitui
sensata resposta normativo-constitucional às demandas de
uma excepcional conjuntura que, por seu decisivo ingrediente
temporal, desaconselharia realização de eleição direta,
com todos os seus pesados e intuitivos custos ao aparato
administrativo e à própria sociedade. Sua adoção pelo Estado-
membro significaria, na falta da norma ou modelo federal, uma
sábia decisão política destinada a elidir as desproporcionais
vicissitudes da aplicação da regra geral a um caso atípico.

Continuando, o Ministro esclarece ainda:

Depois, sabe-se que, como qualquer outro, o princípio


constitucional do sufrágio direto deve ser realizado na maior
medida possível, mas dentro das circunstâncias históricas e
302 Revista Eleições & Cidadania

jurídicas vigentes, de modo que a situação excepcionalíssima


de eleição para mandato residual, chamado “mandato-
tampão”, de prazo exíguo, cujo termo até poderia inviabilizar
o transcurso de todo o regular processo eleitoral direto, merece
tratamento diferenciado, desde que razoável e proporcional.
Ora, a adoção da eleição indireta, no caso de dupla vacância
no último biênio do mandato, já aparece, em primeiro
lugar, como adequada, pois é apta a promover o objetivo
constitucional de uma eleição democrática; depois, revela-
se ainda necessária, na medida em que se lhe não vislumbra
alternativa igualmente célere, econômica, hábil e menos
lesiva ao princípio excepcionado; e, por fim, não deixa de ser
proporcional em sentido estrito, porque o grau de mutilação
imposto a esse valor se afigura aceitável quando ponderado
com os benefícios conseqüentes.
Em alguns casos, poder-se-ia ter o cúmulo de se realizar uma
eleição para um mandato de tão curta duração, que causaria mesmo
uma enorme balburdia em meio à sociedade. É que, ao se falar em
último biênio, deve-se atentar para o fato de que a vacância pode se
dar, por exemplo, a apenas três meses do fim do mandato, quando não
menos que isso, e o resultado da eleição decorrente dessa vacância ser
proclamado em meio à campanha eleitoral seguinte, uma vez que os
eleitos deverão apenas completar o período de seus antecessores.
A democracia é um bem de valor incontestável, que não se afronta
absolutamente nas eleições indiretas, haja vista que os representantes do
legislativo também foram eleitos pelo povo e, na hipótese sob análise,
os parlamentares estariam elegendo o representante do executivo em
caráter excepcional, para o exercício de um breve mandato.
José Jairo Gomes1 pronuncia-se pela adoção do princípio da simetria,
e referindo às eleições indiretas, manifesta-se nos seguintes termos:

[...] do prisma prático, se a vacância ocorrer no último ano


de mandato, haveria coincidência com o ano eleitoral, o que
poderia prejudicar as atividades da Administração eleitoral,
sendo ainda de se considerar a demasia de se realizarem, na
mesma circunscrição, duas eleições diferentes no mesmo ano.
[...]
Nem se diga que a excepcional realização de eleição indireta,

1
Gomes, José Jairo. Direito Eleitoral. 5 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
Jurisprudência Selecionada 303

caso fique vaga a Chefia do Executivo na segunda metade


do período de mandato, fere a Constituição e o princípio
democrático. Essa forma de eleição foi prevista no artigo
81, §1º, do diploma constitucional, além de ser acolhida em
países induvidosamente democráticos, como são os EUA.
Por outro lado, apesar de não ser o ideal em um regime de
democracia plena, a verdade é que a eleição direta constitui
princípio operativo ou técnica jurídica, cujo sentido é
assegurar a estabilidade política, a governabilidade, o normal
funcionamento das instituições democráticas, a continuidade
dos serviços públicos, muitos dos quais de inegável
essencialidade. E a adoção de tal técnica, em caráter restrito e
excepcional, não chega sequer a arranhar a democracia. Pois
esta constitui um modo coletivo de vida, na qual são enfeixados
um conjunto de valores, princípios e instrumentos voltados
à afirmação da vontade coletiva, da soberania popular e da
harmoniosa convivência nos planos intersubjetivo e coletivo.

Demais disso, não se sustenta o argumento de que as eleições


indiretas favorecem as práticas de corrupção como substrato para
embasar a tese pró-eleições diretas.
Para se concluir isso, basta recordar o elevado número de
cassações de mandatos levadas a efeito pela Justiça Eleitoral nos últimos
tempos, em decorrência de práticas ilegais e abusivas perpetradas por
maus políticos em campanhas eleitorais – o que, infelizmente, tem
ocorrido com frequência crescente, seguidas, inclusive, pela realização
de novas eleições.
Na verdade, essa cultura de ilegalidade e desmando, baseada
exclusivamente nos interesses particulares dos candidatos que a
professam, pode se manifestar em qualquer tipo de pleito, restando ao
cidadão apenas a esperança de que a classe política se conscientize dos
deveres assumidos perante os eleitores e de que o Judiciário continue
cumprindo seu papel de combate à impunidade.
Outro prisma importante a ser apreciado diz respeito ao erário,
pois a preparação e a realização de uma eleição exige dos cofres
públicos cifras que não se pode desconsiderar, sendo que cabe aos
gestores públicos zelar ao máximo pela observância do princípio da
economicidade, não se furtando a tal mister o próprio julgador, que,
na hora de decidir, deve ponderar todas as conseqüências de seu
304 Revista Eleições & Cidadania

julgamento, inclusive sob o aspecto econômico.


A jurisprudência mais recente do Tribunal Superior Eleitoral
nesta seara é unânime, no sentido de que, no caso em tela, devem ser
realizadas eleições indiretas. Senão, observe-se:

Mandado de Segurança. Resolução do Tribunal Regional.


Determinação de eleições diretas. Cassação de prefeito e
vice. Vacância no segundo biênio do mandato. Art. 81, § 1º,
da Constituição Federal. Aplicação aos estados e municípios.
Ordem concedida.
1. Aplica-se, aos estados e municípios, o disposto no art. 81, § 1º,
da Constituição Federal, que determina a realização de eleição
indireta, se ocorrer vacância dos cargos de Presidente e Vice-
Presidente da República nos dois últimos anos do mandato,
independentemente da causa da vacância. Precedentes da Corte.
2. Ordem concedida para determinar a realização de eleições
indiretas no Município de Poção/PE, a cargo do Poder
Legislativo local.
(Mandado de Segurança nº 3643, Acórdão de 26/06/2008,
Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO
DE OLIVEIRA, Publicação: DJ - Diário da Justiça, Data
7/8/2008, Página 21 )

Agravo regimental. Medida cautelar. Pedido. Atribuição.


Efeito suspensivo. Recurso especial. Decisão regional.
Determinação. Realização. Novas eleições diretas. Questão.
Relevância. Aplicação. Art. 81, § 1º, da Constituição Federal.
1. O art. 81, § 1º, da Constituição Federal, ao prever a realização
de eleições indiretas no segundo biênio dos mandatos a que
se refere, é igualmente aplicável, por simetria, aos estados
e municípios, independentemente da causa de vacância,
eleitoral ou não eleitoral.
2. A autonomia municipal de que trata o art. 30 da
Constituição Federal não se sobrepõe - no regime
federativo brasileiro - à competência especial e
privativa da União para legislar sobre direito eleitoral,
expressamente prevista no art. 22, I, da Carta Magna.
3. Em razão da interpretação sistemática desses dispositivos,
a lei reguladora das eleições - e por conseguinte do
preenchimento dos cargos em razão de vacância - há de ser
federal, em face da uniformidade da disciplina normativa,
conforme preconizado na Constituição Federal.
Jurisprudência Selecionada 305

4. Esse entendimento evita a movimentação da Justiça


Eleitoral, quanto à inconveniência de organização de uma
eleição direta, em momento em que já se encontra direcionada
à realização do pleito subseqüente.
Agravo regimental provido para deferir o pedido de liminar a
fim de suspender as eleições diretas determinadas por Tribunal
Regional Eleitoral.
(AGRAVO REGIMENTAL EM MEDIDA CAUTELAR nº
2303, Acórdão de 17/04/2008, Relator(a) Min. CARLOS
EDUARDO CAPUTO BASTOS, Publicação: DJ - Diário
da Justiça, Data 05/06/2008, Página 30 RJTSE - Revista de
jurisprudência do TSE, Volume 19, Tomo 3, Página 33 )

Ante o exposto, voto pela realização de eleições indiretas no


município de Sigefredo Pacheco.

E X T R A T O D A A T A

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL Nº 182-


09.2010.6.18.0007 - CLASSE 3. ORIGEM: SIGEFREDO PACHÊCO-
PI (7ª ZONA ELEITORAL - CAMPO MAIOR). RESUMO: AÇÃO
DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - PREFEITO E
VICE-PREFEITA - ABUSO DE PODER POLÍTICO/ECONÔMICO
- CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO - PROCEDÊNCIA -
DESCONSTITUIÇÃO DOS DIPLOMAS DE PREFEITO E VICE-
PREFEITA - APLICAÇÃO DE MULTA - INELEGIBILIDADE -
NULIDADE DOS VOTOS - REALIZAÇÃO DE NOVAS ELEIÇÕES
- RECURSO - PEDIDO DE REFORMA DA DECISÃO

Recorrentes: João Gomes Pereira Neto e Francisca de Araújo Matos Pereira,


Prefeito e Vice-Prefeita de Sigefredo Pacheco-PI
Advogado: Dr. Sigifroi Moreno Filho
Recorrida: Coligação “SIGEFREDO PACHECO MERECE RESPEITO”,
por seu representante
Advogados: Drs. Marcelo Nunes de Sousa Leal, Walber Coelho de Almeida
Rodrigues e outros
Relator: Dr. Kassio Nunes Marques

Decisão: RESOLVEU o Tribunal, à unanimidade, nos termos do voto do


relator e em consonância com o parecer ministerial exarado às fls. 692/707
dos autos, rejeitar a preliminar de julgamento ultra petita e as preliminares
306 Revista Eleições & Cidadania

de cerceamento de defesa: 1) pela impossibilidade de acesso aos autos


durante o prazo estabelecido nas alegações finais; 2) pelo indeferimento do
pedido de perícia complementar no DVD; 3) pela apresentação de CD sem
qualquer via de degravação e sem a entrega de 2ª via aos recorrentes; 4) por
não lhes ter sido oportunizado indicar assistente técnico, bem como formular
seus quesitos na perícia deferida pelo Juízo; 5) pela utilização de prova ilícita
– gravação ambiental. Quanto à preliminar de cerceamento de defesa por
impossibilidade de contraditar testemunhas referidas, RESOLVEU o Tribunal,
à unanimidade, nos termos do voto do relator, desconsiderar o depoimento da
testemunha Antônia Aragão de Araújo, sem, no entanto, decretar a nulidade
da sentença, uma vez que o juiz não se utilizou do depoimento da mencionada
testemunha para fundamentar sua decisão.

No mérito, RESOLVEU o Tribunal, à unanimidade, nos termos do


voto do relator e em consonância parcial com o parecer ministerial, conhecer
e dar provimento parcial ao recurso em análise, para manter a sentença
de primeiro grau, na parte em que desconstituiu os mandatos de JOÃO
GOMES PEREIRA NETO e FRANCISCA DE ARAÚJO MATOS PEREIRA,
respectivamente, Prefeito e Vice-Prefeita de Sigefredo Pacheco-PI, eleitos no
pleito de 2008, e na parte relativa à aplicação de multa e inelegibilidade ao Sr.
JOÃO GOMES PEREIRA NETO; e afastar a condenação de inelegibilidade
e a aplicação de multa da Sra. FRANCISCA DE ARAÚJO MATOS PEREIRA
e determinar, ainda, a realização de novas eleições para Prefeito e Vice-
Prefeito no referido município.
Quanto à modalidade da nova eleição, RESOLVEU o Tribunal, por maioria,
nos termos do voto do relator e acorde com o parecer verbal do douto
Procurador Regional Eleitoral Substituto, vencidos os Doutores Marcelo
Carvalho Cavalcante de Oliveira e Valter Ferreira de Alencar Pires Rebelo,
determinar a realização de eleições diretas para os cargos majoritários de
Prefeito e Vice-Prefeito do município de Sigefredo Pacheco-PI, nos termos do
art. 224 do Código Eleitoral.

Presidência do Excelentíssimo Senhor Desembargador Raimundo Eufrásio


Alves Filho.
Tomaram parte no julgamento os Excelentíssimos Senhores: Desembargador
Haroldo Oliveira Rehem; Juízes Doutores – Marcelo Carvalho Cavalcante
de Oliveira, Valter Ferreira de Alencar Pires Rebelo, Pedro de Alcântara da
Silva Macêdo e Manoel de Sousa Dourado. Presente o Procurador Regional
Eleitoral Substituto, Doutor Carlos Wagner Barbosa Guimarães.
SESSÃO DE 25.01.2011
307

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL


DO ESTADO DO PIAUÍ

A C Ó R D Ã O Nº 499281
(23.05.2011)

AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO Nº 499-


28.2010.6.18.0072 - CLASSE 2. ORIGEM: RIO GRANDE DO
PIAUÍ-PI (72ª ZONA ELEITORAL – ITAUEIRA). RESUMO:
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO - ABUSO
DE PODER ECONÔMICO - ABUSO DE PODER POLÍTICO/
AUTORIDADE - CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO –
PROCEDENTE - PRELIMINARMENTE DESCONSIDERAÇÃO
E EXCLUSÃO DE PROVAS E NULIDADE DA SENTENÇA. NO
MÉRITO PEDIDO DE REFORMA DA DECISÃO. RECURSO
ADESIVO. PEDIDO DE REFORMA DA FUNDAMENTAÇÃO
FÁTICA DA SENTENÇA
Recorrente: José Wellington Siqueira Procópio, Prefeito do Município
de Rio Grande do Piauí
Advogado: Dr. Willian Guimarães Santos de Carvalho
Recorrentes: Maria José Lopes da Silva, Vice-Prefeita do Município de Rio
Grande do Piauí, e a Coligação “RIO GRANDE NO CAMINHO CERTO”
Advogados: Drs. Willian Guimarães Santos de Carvalho, Andréia de
Araújo Silva e outros
Recorrentes: Coligação “UNIDOS PARA RECUPERAR RIO

1
Ac. 49928 – Publicado no DJE, de 30/05/2011
308 Revista Eleições & Cidadania

GRANDE”, e Alcimon da Silva Soares, Vereador de Rio Grande do Piauí


Advogados: Drs. Adriano Beserra Coelho e Willamy Alves dos Santos
Recorridos: Coligação “UNIDOS PARA RECUPERAR RIO
GRANDE”, e Alcimon da Silva Soares, Vereador de Rio Grande do Piauí
Advogados: Drs. Adriano Beserra Coelho e Willamy Alves dos Santos
Recorrido: José Wellington Siqueira Procópio, Prefeito do Município
de Rio Grande do Piauí
Advogado: Dr. Willian Guimarães Santos de Carvalho
Recorridos: Maria José Lopes da Silva, Vice-Prefeita do Município de Rio
Grande do Piauí, e a Coligação “RIO GRANDE NO CAMINHO CERTO”
Advogados: Drs. Willian Guimarães Santos de Carvalho, Andréia de
Araújo Silva e outros
Relator: Des. Haroldo Oliveira Rehem

AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO


– RECURSO ELEITORAL – RECURSO ADESIVO –
SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA INOCORRENTE – NÃO
CONHECIMENTO – REEXAME DAS MATÉRIAS
VEICULADAS NA PRIMEIRA INSTÂNCIA – EFEITO
DEVOLUTIVO E TRANSLATIVO DOS RECURSOS –
GRAVAÇÃO DE CONVERSA FEITA POR TERCEIRO
SEM CONHECIMENTO DOS INTERLOCUTORES
– PROVA ILÍCITA – REALIZAÇÃO DE PERÍCIA
– PERDA DE OBJETO – CAPTAÇÃO ILÍCITA DE
SUFRÁGIO INDEMONSTRADA – FRAGILIDADE DO
CONJUNTO PROBATÓRIO – DIVULGAÇÃO DE FATOS
INVERÍDICOS DURANTE A CAMPANHA ELEITORAL
– NÃO CONFIGURAÇÃO DA FRAUDE DE QUE TRATA
O ART. 14, § 10, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL –
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

– O recurso adesivo é compatível com o processo eleitoral,


desde que haja sucumbência recíproca, nos termos do art. 500
do CPC, o que não se houve no caso dos autos.
– O amplo efeito devolutivo, aí incluído o efeito translativo do
recurso, autoriza a Corte a reexaminar toda a matéria posta
à apreciação do MM. Juiz na primeira instância, de sorte que
o não conhecimento do recurso adesivo não constitui óbice
à apreciação dos demais fatos considerados improcedentes
Jurisprudência Selecionada 309

na sentença objurgada, mesmo porque tal pedido consta


expressamente das contrarrazões recursais aviadas pelos
impugnantes, ora recorridos.
– A gravação de diálogos, para ser considerada prova lícita,
tem que ser feita por um dos interlocutores, ou pelo menos
com seu consentimento, ainda que o outro a desconheça, mas
não por terceiros, sem a ciência daqueles que encetaram as
conversas captadas, caso em que a prova deve ser tida por
ilícita.
– É despicienda a realização de perícia técnica em prova de
áudio já considerada ilícita pelo órgão julgador.
– Para a configuração da captação ilícita de sufrágio e do
abuso de poder, exige-se prova robusta, consagradora e
inconteste, inexistente no caso em tela.
– Divulgação de fatos inverídicos durante a campanha
eleitoral não configura a fraude de que trata o art. 14, § 10,
da Constituição Federal.
– Recurso conhecido e provido.
– Decisão unânime.

Vistos etc.

A C O R D A M os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral do


Estado do Piauí, por maioria, vencidos os Doutores Marcelo Carvalho
Cavalcante de Oliveira e Luiz Gonzaga Soares Viana Filho, nos termos
do voto do relator e em dissonância com o parecer ministerial exarado
às fls. 786/801 dos autos, acolher a preliminar de ilicitude da prova
consistente em gravação de áudio, com a consequente perda do objeto
da preliminar de cerceamento de defesa por ausência de perícia nas
gravações de áudio para, no mérito, à unanimidade, nos termos do
voto do relator e em dissonância com o parecer ministerial, conhecer
e dar provimento ao recurso, para reformar a sentença vergastada,
mantendo incólumes os mandatos de José Wellington Siqueira Procópio
e Maria José Lopes da Silva, Prefeito e Vice-Prefeita, respectivamente,
do município de Rio Grande do Piauí-PI, uma vez que não restaram
comprovadas as alegações veiculadas na Ação de Impugnação de
Mandato Eletivo, negando provimento, em contrapartida, aos recursos
310 Revista Eleições & Cidadania

apresentados com as teses em contrário.

Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do


Piauí, em Teresina, 23 de maio de 2011.

DES. RAIMUNDO EUFRÁSIO ALVES FILHO


Presidente

DES. HAROLDO OLIVEIRA REHEM


Relator

DR. MARCO AURÉLIO ADÃO


Procurador Regional Eleitoral

R E LA T Ó R I O

O DESEMBARGADOR HAROLDO OLIVEIRA REHEM


(RELATOR): Senhor Presidente, e. Corte, senhores advogados, demais
pessoas outras também ilustres aqui presentes.

Cuida-se de recurso interposto às fls. 644/673, contra decisão


que julgou procedente Ação de Impugnação de Mandato Eletivo nº
002/2009, intentada pela Coligação “Unidos para Recuperar Rio
Grande” e por Alcimon da Silva Soares, vereador do município de Rio
Grande do Piauí, em desfavor de José Wellington Siqueira Procópio,
prefeito reeleito de Rio Grande do Piauí nas eleições de 2008, e Maria
José Lopes da Silva, Vice-Prefeita do mesmo município.
Os autores, na inicial da ação, noticiaram que os impugnados
abusaram do poder político e econômico e compraram, “a preço de
diamante”, um novo mandato eletivo de prefeito de Rio Grande do Piauí (o
candidato foi reeleito), adotando práticas ilícitas de captação de sufrágio.
Mencionaram que os impugnados, mediante o abuso do poder
econômico e político, fraude e captação ilícita de sufrágio, praticaram
os seguintes fatos abaixo elencados, os quais foram caracterizados
como ilícitos, a saber:
Jurisprudência Selecionada 311

a) compra de votos, com a participação direta do candidato a


prefeito, José Wellington Siqueira Procópio, apresentando como prova
a degravação de conversa em áudio, entre o mencionado candidato e as
eleitoras Ancélia, Neinha, Adriana e Elisiana;
b) compra de votos, com a participação direta da candidata
a vice-prefeita, Maria José Lopes Silva, apresentando como prova a
degravação de conversa em áudio, entre a candidata e diversos eleitores,
relatando a compra de votos;
c) divulgação criminosa e falsa, no final da tarde do dia 04
de outubro, véspera da eleição, em alguns veículos de som, de que o
Colendo Tribunal Superior Eleitoral – TSE havia cassado o registro
de candidatura do outro candidato a prefeito, Antônio Luis da Costa
Feitosa;
d) negociação entre o prefeito José Wellington e seu Vice-
Prefeito, na gestão 2005/2008, José Dias dos Santos, para que este
assumisse interinamente a Prefeitura, como forma de impedi-lo de
apoiar o candidato de oposição.

A peça inaugural menciona, também, diálogos travados entre


eleitores diversos, os quais se reportam a fatos relacionados com
supostas compras de votos, perpetradas diretamente pelos candidatos
impugnados ou por intermédio de cabos eleitorais, diálogos estes
constantes de mídias que acompanham a exordial.
Pugnou, ao final, pela procedência da ação, para cassar os
diplomas dos impugnados, José Wellington Siqueira Procópio e Maria
José Lopes da Silva, decretando a perda do mandato eletivo, bem
como a declaração de inelegibilidade de ambos, com fulcro no art. 1º,
I, d, da Lei Complementar nº 64/90, e a realização de novas eleições
majoritárias no município de Rio Grande do Piauí, determinando-se a
posse do Presidente da Câmara Municipal.
Acompanham a petição inicial, documentos de fls. 59/328.
Contestando a ação, às fls. 337/348, a representada Maria José
Lopes da Silva alegou não ter mantido os diálogos referidos na petição
inicial, afirmando que as gravações foram claramente deturpadas, as
conversas não possuiriam nexo e não fariam qualquer sentido. Afirmou,
ainda, que tais mídias não comprovariam que os diálogos tivessem
312 Revista Eleições & Cidadania

ocorrido no pleito eleitoral, uma vez que não mencionam “voto” ou


“eleição”, tampouco provam a prática de captação ilícita. Afirmou,
mais, que as gravações foram realizadas clandestinamente, não se
conhecendo seus autores ou interlocutores, sendo, portanto, ilícitas.
Quanto às declarações constantes dos autos, a representada
aduziu que as mesmas teriam sido firmadas por pessoas da confiança da
coligação representante, de modo que tais declarações não provam o fato
declarado, não se prestando à demonstração das alegações, além de não
se admitir a possibilidade de ajuizamento de ações eleitorais voltadas à
desconstituição da vontade do eleitor com base apenas em “declarações”,
desprovidas de um mínimo de indício da efetiva ocorrência dos fatos
alegados. Por fim, asseverou não ser possível admitir a produção de
prova exclusivamente testemunhal, dada a relevância do objeto da lide.
Requereu, ao final, o desentranhamento das gravações
apresentadas na inicial, porquanto ilícitas, ou, sucessivamente, a
realização de perícia na forma prevista no art. 420 do CPC. No mérito,
pugnou pela improcedência da ação.
O representado José Wellington Siqueira Procópio, por sua vez,
apresentou a peça de bloqueio às fls. 350/384, pedindo, preliminarmente,
que fosse reconhecido o prazo de sete dias para apresentação da defesa
em AIME, nos termos do art. 4º da Lei Complementar nº 64/90. Ainda
em sede preliminar, pugnou pela declaração de inépcia da inicial, com
extinção do feito sem resolução de mérito, em virtude da inadequação
da AIME para apuração de abuso de poder de autoridade.
No mérito, alegou a inexistência de configuração de abuso de
poder, corrupção, fraude e captação de sufrágio. Quanto à suposta doação
de benesses a eleitores (dinheiro, geladeira, pagamento de INSS, cirurgia
etc.), afirmou que não fizera promessa de qualquer natureza, inclusive de
custear tratamento clínico ou parcelamento de débito previdenciário em
favor de eleitores, tampouco lhes dera benesses de qualquer outra espécie.
No tocante à divulgação fraudulenta de renúncia de candidato, asseverou
que nada foi apresentado para provar tal fato, sendo inverídica a imputação
feita na petição inicial. Acerca do alegado apoio político, objeto de troca e
assunção temporária ao cargo de prefeito, pelo então vice-prefeito daquele
município, disse que seu afastamento temporário se dera para gozo de
férias, o que provaria a inverdade da imputação contida na inaugural.
Jurisprudência Selecionada 313

Alegou ainda, a imprestabilidade dos meios de prova


apresentados pelos impugnantes, consistentes em gravações da áudio,
declarações firmadas por eleitores, além de prova testemunhal.
Ao final, requereu preliminarmente o prazo de sete dias para
contestação, a extinção do feito sem resolução de mérito e a exclusão,
do caderno processual, das provas colhidas ilicitamente. No mérito,
pugnou pela improcedência do pedido, e, sucessivamente, caso fosse
julgada procedente a ação, a declaração da nulidade das eleições, com
convocação de novo pleito.
Consta dos autos, às fls. 470/488, termo de audiência e assentada
de oitiva das testemunhas.
Em despacho de fl. 503, o MM Juiz Eleitoral da 72ª Zona
indeferiu o pedido de realização de perícia técnica nos CDs acostados
aos autos, sob o argumento de que

[…] as defesas apresentadas no momento oportuno


não argüiram a ocorrência de montagem, trucagem ou
seccionamento das falas ali contidas ou a imprecisão da
degravação. Admitir a realização da prova seria acolher nova
tese de defesa, após a ocorrência da preclusão consumativa.

Às fls. 532/543, repousa o Termo de Audiência e Assentada de


oitiva de outras testemunhas.
Alegações finais às fls. 547/582 e 583/602.
O Ministério Público Eleitoral com ofício junto à 72ª Zona, em
parecer de fls. 610/614, manifestou-se pela improcedência da ação.
Em sentença de fls. 616/636, o MM Juiz da 72ª Zona Eleitoral
reconheceu preliminarmente a ilegitimidade ativa de Antônio Luis da
Costa Feitosa e Agenor Miranda de Sousa, excluindo-os da relação
processual. No mérito, julgou procedente a ação impugnatória,
reconhecendo a prática de captação ilícita dos votos dos eleitores
Ancélia Francisca Saraiva e de seus filhos Maria Cidinéia e Alessandro,
realizada pelo próprio candidato José Wellington Siqueira Procópio,
nos termos do art. 41-A da Lei nº 9.504/97. Aplicou, ainda, multa no
valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) ao citado candidato e decretou
a cassação do seu diploma de Prefeito e da Vice-Prefeita Maria José
Lopes da Silva, desconstituindo, assim, os seus mandatos.
314 Revista Eleições & Cidadania

Inconformados com a decisão, os representados interpuseram, às


fls. 644/, recurso onde alegam, preliminarmente, a ilicitude das gravações
em áudio contida nos autos e violação aos princípios da ampla defesa e
contraditório ante a ausência de perícia nas referidas gravações.
No mérito, asseveram que o MM Juiz da 72ª Zona reconheceu
a prática da captação ilícita de sufrágio pelos recorrentes relativamente
a um único fato alegado na exordial, qual seja, oferta e pagamento de
contas de água e oferecimento de geladeira às eleitoras Ancélia e Neinha.
Negam que o primeiro recorrente tenha oferecido valores ou prometido
bens às citadas eleitoras, esclarecendo que Ancélia é considerada
irmã de criação e Neinha sua sobrinha. Dizem que eventuais ajudas
realizadas em favor das mesmas sempre decorreram dos laços afetivos
que os unem, restando ausente a intenção, do especial fim de agir,
indispensável à caracterização da captação ilícita de sufrágio, pois a
ajuda financeira decorrera da relação de parentesco admitida entre as
partes, sem qualquer vinculação com pedido de voto.
Por fim, requerem, preliminarmente, sejam desconsideradas
e excluídas do feito as provas colhidas ilicitamente (fitas de áudio),
bem como os testemunhos delas decorrentes, e seja declarada nula a
sentença, com a determinação de retorno dos autos ao Juízo de primeiro
grau, para realização da prova pericial, imprescindível para o deslinde
da causa. No mérito, requerem seja julgado improcedente o pedido
constante destes autos.
Consta dos autos, às fls. 677/678, cópia da decisão liminar
proferida nos autos da Ação Cautelar nº 368-53, Classe 1, atribuindo
efeito suspensivo ao recurso eleitoral interposto pelos recorrentes.
Em suas contrarrazões, os recorridos, às fls. 682/704, requerem
a devolução de toda a matéria fática, para que deles conheçam este
Egrégio Tribunal, como fundamento para a cassação dos mandatos do
Prefeito e da Vice-Prefeita, declarar a inelegibilidade dos impugnados e
manter a cassação do diploma e mandato eletivo dos recorrentes.
Os recorridos apresentaram, ainda, às fls. 706/719, recurso
adesivo, onde requerem que sejam reconhecidos como fundamento
da sentença, os seguintes fatos: 1) promessa de tratamento clínico e
pagamento de débito junto ao INSS às irmãs Adriana e Eliziana; 2)
promessa de entrega de dinheiro em espécie e tratamento clínico à
Jurisprudência Selecionada 315

Ilário Neto da Silva; 3) promessa de entrega de dinheiro em espécie


a Francisco de Sá Vieira Neto; 4) compra de voto do Sr. Roberval
Pereira de Sousa pela candidata a Vice-Prefeita Sra. Maria José Lopes
da Silva; 5) divulgação de notícia criminosa e falsa, no final da tarde
do dia 04 de outubro, véspera das eleições, de que o Tribunal Superior
Eleitoral havia cassado o registro de candidatura do candidato a prefeito
Antônio Luis da Costa Feitosa; por fim, 6) negociação entre o Prefeito
José Wellington e seu Vice-Prefeito, José Dias dos Santos, para que este
assumisse interinamente a chefia do Poder Executivo Municipal de Rio
Grande do Piauí, depois das eleições de 2008, além da concessão de
cargos para sua família na atual gestão, como forma de lhe impedir o
apoio ao candidato de oposição.
Os recorrentes impugnados apresentaram, às fls. 725/756,
contrarrazões ao recurso adesivo, alegando, preliminarmente, a sua
improcedência, por ausência de sucumbência recíproca, uma vez que a
AIME foi julgada procedente no juízo a quo. Alegam, ainda, a ilicitude
das gravações apresentadas nos autos. Quanto ao mérito, voltam a
veicular as mesmas teses de defesa apresentadas no recurso eleitoral.
A Procuradoria Regional Eleitoral, em parecer lançado às
fls. 786/801, opina pelo conhecimento do recurso, mas para lhe
negar provimento. Assevera, ainda, ser necessário designar eleições
suplementares, uma vez que os recorrentes obtiveram mais de cinquenta
por cento dos votos válidos.
É o que havia a relatar.

V O T O

O DESEMBARGADOR HAROLDO OLIVEIRA REHEM


(RELATOR): Senhor Presidente, demais eminentes julgadores, o
recurso interposto pelos impugnados é tempestivo e o fora apresentado
por parte legitima, razões estas que me autorizam dele conhecer.
Há, conforme relatado, um recurso adesivo, sobre o qual os
impugnados se manifestaram pelo não conhecimento, aduzindo inexistir
sucumbência a autorizar a sua interposição.
O recurso adesivo é compatível com o processo eleitoral, desde
que haja sucumbência recíproca, nos termos do art. 500 do CPC. Neste
sentido o entendimento desta Corte, conforme o Acórdão nº 106/2006,
316 Revista Eleições & Cidadania

de 24 de abril de 2006, da eminente relatora Desembargadora Eulália


Maria Ribeiro Gonçalves do Nascimento Pinheiro. Também o colendo
TSE o admite, em havendo sucumbência recíproca (Acórdão nº 4133,
de 10/06/2003, Relator Min. Francisco Peçanha Martins).
O TSE também já assentou que se aplicam à Justiça Eleitoral as
normas previstas no Código de Processo Civil relativas à sucumbência
(AAG nº 8441, Rel. Min. José Augusto Delgado, DJ de 05.11.2007;
Ag nº 4.133, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 26.9.2003;
REspe nº 21.356, Rel. Min. Fernando Neves, DJ de 19.3.2004; Ag nº
6.153, Rel. Min. Caputo Bastos, DJ de 22.8.2006).
In casu, porém, não houve sucumbência recíproca. É que o
pedido veiculado na peça vestibular da ação restou provido, embora o
MM Juiz a quo tenha se convencido da ocorrência de apenas um dos
ilícitos noticiados pelos autores. Assim, não desvela a sucumbência da
parte impugnante o fato de os demais fundamentos apontados na inicial
não terem sido admitidos como procedentes na sentença. Neste sentido,
menciono, por oportuno, o seguinte precedente, do e. TRE/GO, in verbis:

RECURSO ADESIVO ELEITORAL. FUNDAMENTO NÃO


ACEITO NA SENTENÇA. PARTE VENCEDORA POR
UM FUNDAMENTO. AUSÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA.
RECURSO NÃO CONHECIDO. RECURSO ELEITORAL.
[...]

1. Não há sucumbência para a parte que, visando ao


acolhimento de outros fundamentos, ganhou a ação com base
em um fundamento. E, como o recurso adesivo pressupõe a
existência de sucumbência recíproca para ser interposto, não
pode ser conhecido aquele em que está ausente tal requisito.
2. Recurso eleitoral adesivo não conhecido”. (RE nº 4201,
Relatora Ilma Vitório Rocha, DJ de 27/11/2008)

Não conheço, com estes fundamentos, do recurso adesivo.


Ressalto, contudo, que o amplo efeito devolutivo, aí incluído o efeito
translativo do recurso, autoriza a Corte a reexaminar toda a matéria
posta à apreciação do MM Juiz na primeira instância, de sorte que o
não conhecimento do recurso adesivo não constitui óbice à apreciação
Jurisprudência Selecionada 317

dos demais fatos considerados improcedentes na sentença objurgada,


mesmo porque tal pedido consta expressamente das contrarrazões
recursais aviada pelos impugnantes, ora recorridos.
Passo, portanto, sem maiores delongas, a enfrentar as
preliminares suscitada pelos recorrentes.

1. PRELIMINAR DE ILICITUDE DA PROVA CONSIS-


TENTE EM GRAVAÇÃO DE ÁUDIO

Os recorrentes suscitam preliminar de ilicitude de prova


consistente em gravação de áudio de conversa entre a testemunha Ancélia
Francisca Saraiva e o então candidato a prefeito, José Wellington.
Da análise dos fatos narrados nestes autos, observo que o MM Juiz
da 72ª Zona considerou como elemento de prova para formação de seu
convencimento acerca da prática de captação ilícita do voto da eleitora Ancélia
Francisca Saraiva, além de seu depoimento em juízo, a gravação do áudio da
conversa que ela tivera com o representado José Wellington Siqueira Procópio.
Frise-se que constam dos autos 11 (onze) CDs de áudio, contendo
várias gravações de conversas entre diversos interlocutores. Porém, restrinjo
a análise da ilicitude da prova apenas ao CD de áudio contendo a gravação
do diálogo entre José Wellington e Ancélia, uma vez que apenas esta mídia
foi considerada como prova para fundamentação da sentença vergastada.
Esta Corte tem decidido, reiteradamente, que a gravação de
conversa realizada por um dos interlocutores, não constitui prova ilícita.
Neste sentido, convém transcrever trecho do Acórdão nº 5189226, de
10/08/2010, da lavra desta relatoria, in expressis verbis:

RECURSO EM REPRESENTAÇÃO ELEITORAL


– CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO –
TEMPESTIVIDADE DO RECURSO - SENTENÇA
PROFERIDA QUANDO JÁ EM VIGOR AS ALTERAÇÕES
PROMOVIDAS PELA LEI Nº 12.034/2009 – GRAVAÇÃO
DE DIÁLOGO FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES
– LICITUDE – COMPRA DE VOTOS MEDIANTE
ENTREGA DE DINHEIRO, PAGAMENTO DE CURSO DE
AUTOESCOLA, REALIZAÇÃO DE CONSULTA MÉDICA
E FORNECIMENTO DE ÓCULOS – COMPROVAÇÃO
APENAS DE UM DOS FATOS, COM A PARTICIPAÇÃO
318 Revista Eleições & Cidadania

DIRETA DO CANDIDATO A PREFEITO – CAPTAÇÃO


ILÍCITA DE SUFRÁGIO CONFIGURADA – APLICAÇÃO
DAS SANÇÕES PREVISTAS NO ART. 41-A DA LEI DAS
ELEIÇÕES – PROVIMENTO.
[...]
- É lícita a prova obtida por meio de gravação de conversas
por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro,
quando esta for realizada com a finalidade de documentá-
la e desde que seja corroborada por outras produzidas em
juízo.
[...].

Não é este, porém, o caso dos presentes autos.


A gravação da conversa entre Ancélia e José Wellington não foi
realizada por nenhum dos dois, e sim por um terceiro, chamado Sandro
(na verdade, Alessandro), filho de Ancélia, presente ao encontro, mas
que não participa diretamente do diálogo. Ao longo de toda a conversa,
ele se manifesta uma única vez e para dizer apenas “num sei, sabe,
dr...”. Esclareça-se, por oportuno, que Alessandro não foi ouvido em
juízo, de sorte que não se pode mensurar qual a sua participação no
encontro entre Ancélia e o Prefeito recorrente.
Ademais, nem José Wellington, tampouco Ancélia, tinham
conhecimento de que estavam sendo gravados. Ancélia declarou em
juízo “que depois de uma semana da conversa é que soube que seu filho
Alessandro (Sandro) havia gravado o diálogo” e que “se soubesse da
gravação não teria pedido nada a José Wellington”.
A prova, para ser lícita, como já dito, tem que ser feita por um
dos interlocutores, ou pelo menos com seu consentimento, ainda que o
outro a desconheça.
A título de ilustração, em decisão monocrática, analisando o
Agravo de Instrumento nº 11.506, de 11/11/2010, assim se manifestou
o Ministro Arnaldo Versiani a respeito de gravação de áudio realizado
por terceira pessoa:

[…] ainda que se trate de gravação ambiental, é necessário


que se comprove o conhecimento por um dos interlocutores,
pois senão estaríamos diante de interceptação ambiental,
realizada por terceiro sem a anuência de um dos interlocutores,
que depende, em regra, de autorização judicial prévia.
Jurisprudência Selecionada 319

No mesmo sentido, vale transcrever excerto da ementa do


Recurso Especial Eleitoral nº 35622, Acórdão de 17/09/2009, Relator
Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicado
no Diário da Justiça Eletrônico, de 05/10/2009, in verbis:

RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO.


CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PROVA.
ILICITUDE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ART.
5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ORDEM
JUDICIAL. AUSÊNCIA. CONTAMINAÇÃO DAS
DEMAIS PROVAS. INCIDÊNCIA DOS VERBETES
SUMULARES Nos 7/STJ e 279/STF.
[...]
2. No caso dos autos, não é possível saber se quem forneceu
a mídia seria a própria pessoa constante da gravação, ou
seja, não há como aferir se houve anuência de um dos
interlocutores.
[...]
RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO.
CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PROVA.
ILICITUDE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ART.
5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ORDEM
JUDICIAL. AUSÊNCIA. CONTAMINAÇÃO DAS
DEMAIS PROVAS. INCIDÊNCIA DOS VERBETES
SUMULARES Nos 7/STJ e 279/STF.
1. A gravação clandestina feita por um dos interlocutores,
sem conhecimento do outro, não constitui interceptação
vedada pela Constituição da República, sobretudo quando
se destine a fazer prova, em juízo ou inquérito, a favor de
quem a gravou.
2. No caso dos autos, não é possível saber se quem forneceu
a mídia seria a própria pessoa constante da gravação, ou
seja, não há como aferir se houve anuência de um dos
interlocutores.
3. Para alterar a conclusão do decisum, de que as
demais provas estariam contaminadas por derivação,
seria necessário amplo reexame do material probatório,
providência inviável nas instâncias extraordinárias
(Súmulas nos 7/STJ e 279/STF).
4. Recurso especial desprovido.
(Recurso Especial Eleitoral nº 35622, Acórdão de
17/09/2009, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES
320 Revista Eleições & Cidadania

RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: DJE - Diário da


Justiça Eletrônico, Data 05/10/2009, Página 60/61 )

Portanto, comprovado nos autos que a gravação do áudio da


conversa entre José Wellington e Ancélia foi produzida por terceira
pessoa, sem o conhecimento de quaisquer dos interlocutores e sem prévia
autorização judicial, acolho a preliminar para declarar ilícita a referida
prova, ficando a comprovação da captação ilícita do voto da Sra. Ancélia
restrita aos demais meios de prova porventura existentes nestes autos.

2. CERCEAMENTO DE DEFESA POR AUSÊNCIA DE


PERÍCIA NAS GRAVAÇÕES DE ÁUDIO.

Os recorrentes requerem a decretação de nulidade da sentença,


por violação ao art. 5º, LIV e LV da CF e art. 420, II do CPC. Alegam
que, como o juízo a quo sustentou a captação de sufrágio em gravação
de CD não submetido a perícia, tiveram prejuízo em sua defesa.
Na contestação apresentada às fls. 142/157, os recorrentes
requereram a realização de perícia, nos seguintes termos:

[...]
e) o desentranhamento das gravações apresentadas na
inicial, porquanto ilícitas, ou, sucessivamente, a realização
de perícia, na forma prevista no CPC, art. 420 e seguintes,
aplicável subsidiariamente à espécie;
[...]”

O pedido foi formulado de forma genérica, sem especificar


os pontos a serem esclarecidos. Assentou o MM Juiz da 72ª Zona, ao
indeferir o pedido, que os representados “não argüiram a ocorrência
de montagem, trucagem ou seccionamento das falas ali contidas ou a
imprecisão da degravação. Admitir a realização da prova seria acolher
nova tese de defesa, após a ocorrência da preclusão consumativa.”
Voltando a manifestar-se sobre o tema, aquele magistrado, desta
feita, quando da prolação da sentença asseverou:

[…] muito embora a parte requerida tenha sustentado a


Jurisprudência Selecionada 321

inexistência dos diálogos, a realização de montagem e a


falsidade da prova, com requerimento expresso a respeito da
mencionada avaliação pericial, observo que ela demonstra-
se desnecessária em face de sua conjugação com outros meios
de prova. Nesse aspecto, este juízo pode constatar que os
interlocutores Roberval Pereira de Sousa e Ancélia Francisca
Saraiva prestaram depoimento e confirmaram a realização
de diálogos, mencionando datas, pessoas presentes e seu
conteúdo, particularidade que formou o convencimento deste
juízo, a respeito da prescindibilidade da perícia, tal como
mencionado em audiência.

Como se vê, o MM. Juiz Eleitoral entendeu prescindível a perícia


em razão de as demais provas produzidas em juízo terem comprovado
não apenas a existência dos diálogos, mas seu conteúdo, revelando datas
e pessoas presentes, de modo que a perícia se lhe afigurou despicienda,
encontrando, a denegação do exame técnico, reserva no art. 130 do
Código de Processo Civil.
Todavia, uma vez que a gravação fora realizada por terceiros, sem
conhecimento de ambos os interlocutores, tal prova é ilícita, conforme
preliminar já apreciada concluindo neste exato sentido. Deste modo, torna-
se desnecessária a realização de perícia técnica na mídia produzida de forma
clandestina e ilícita.
Assim, entendo que esta preliminar perde seu objeto, em razão da
ilicitude da prova sobre a qual pretendem recorrentes realizar exame pericial.

MÉRITO

Conforme dito anteriormente, a representação em foco, fora


ajuizada com base na suposta ocorrência dos seguintes fatos, a saber:
1. entrega de R$ 100,00 (cem reais) e promessa de entrega de
uma geladeira em troca dos votos da Sra. Ancélia Francisca Saraiva e
seus filhos Neinha e Sandro;
2. promessa de tratamento médico em Teresina e parcelamento
de débido junto ao INSS em troca dos votos de Adriana e Eliziana;
3. entrega de dinheiro e promessa de pagamento de tratamento
clínico em Teresina em troca do voto de Ilário Neto da Silva;
322 Revista Eleições & Cidadania

4. promessa de entrega de R$ 2.000,00 (dois mil reais) para


compra do voto do Sr. Francisco de Sá Vieira Neto;
5. compra do voto do Sr. Roberval Pereira de Sousa no valor
de R$ 300,00 (trezentos reais), realizada pessoalmente pela candidata a
Vice-Prefeita, Maria José Lopes da Silva.
6. o candidato a prefeito, José Wellington, determinou a
divulgação de notícia criminosa e falsa, no final da tarde do dia 4 de
outubro, véspera das eleições, em alguns veículos de som, de que o
Tribunal Superior Eleitoral havia acabado de cassar o registro de
candidatura do candidato a prefeito Antônio Luis da Costa Feitosa;
7. negociação entre o prefeito José Wellington e seu Vice-
Prefeito, na gestão 2005/2008, José Dias dos Santos, para que este
assumisse interinamente a Prefeitura, como forma de impedir que este
apoiasse o candidato de oposição.

Tais ilícitos teriam sido perpetrados com a participação direta


ou pelo menos com a anuência dos impugnados.
Passo, então, à apreciação de cada um dos fatos alegados.

1. Captação do sufrágio de Ancélia Francisca Saraiva.

Os representantes alegaram que a eleitora Ancélia Francisca


Saraiva recebeu em sua residência a visita do então candidato a Prefeito
de Rio Grande do Piauí, José Wellington Siqueira Procópio, ocasião em
que lhe entregou a quantia de R$ 100,00 (cem reais) para pagamento de
talões de água vencidos e prometeu entregar uma geladeira.
O fato veio a público porque o filho da Sra. Ancélia, chamado Sandro
(na verdade Alessandro), teria dito a Joelma, que foi ouvida em juízo sem
prestar compromisso de dizer a verdade, que tinha gravado a conversa de sua
mãe com o candidato a Prefeito. Sandro teria dito que “José Wellington tinha
prometido o pagamento das contas e a geladeira em troca do seu voto, pois
Ancélia e Neinha já votavam nele”. Além do mais, sua mãe sempre pedia ajuda
ao candidato, mas ele sempre adiava. Estava chateado por José Wellington ter
passado todo o mandato sem aparecer e sem dar nada para a família. Ancélia
teria marcado a reunião com José Wellington e estavam presentes Sandro,
sua irmã Neinha e Ancélia, além do próprio José Wellington.
Jurisprudência Selecionada 323

Joelma afirmou que é vizinha da casa que Ancélia tem na cidade,


local onde houve a reunião, mas que esta mora na Agrovila e sempre ali
a visita, mas não viu nenhuma geladeira nova na casa de Ancélia.
A testemunha Joelma não foi ouvida na qualidade de testemunha
por ter sido contraditada em audiência, tendo sido demonstrado, pelo
depoimento da testemunha Lourival Pereira da Silva que “ela e seu
marido, Enio, trabalharam em favor da campanha de Antônio Luis”,
inclusive, teria visto os dois “pregando cartazes na cidade e no comitê”.
Os filhos da Sra. Ancélia, Sandro e Neinha não foram ouvidos
em juízo.
Ouvida em juízo, mas sem o compromisso de dizer a verdade,
Ancélia Francisca Saraiva declarou ser irmã de José Wellington por
parte de pai, mas que não foi reconhecida a sua paternidade, embora
tenham consideração por ela. Afirmou que no período da campanha
eleitoral a depoente chamou José Wellington na sua casa para conversar.
Na época, ela estava morando na casa da cidade, junto com sua filha
Maria Cidinéia, conhecida como Neinha e Alessandro, conhecido
como Sandro. Segundo ela, José Wellington tinha o costume de andar
na sua casa e às vezes chegava a almoçar e jantar por lá. A depoente
pediu uma ajuda para pagar as contas de água que estavam em atraso,
sendo que ele lhe deu R$ 100,00 (cem reais) no ato. Apesar de ser
período de política, a ajuda não foi para compra de voto por que José
Wellington sabia que a depoente votava com ele. Deixou de votar com
ele apenas em uma oportunidade, na eleição para governador, na qual
votou em candidato adversário do qual José Wellington apoiava. Seus
dois filhos, Sandro e Manoel, estavam pensando em votar em Antônio
Luis. Durante a conversa, continuou Ancélia, sua filha Cidinéia falou
de brincadeira para José Wellington dar uma geladeira para eles, pois
estavam bebendo água quente naquela casa. Ele teria dito: “tá bom, vou
lhe dar o presente de natal”. José Wellinton já teria lhe ajudado fora da
campanha eleitoral, lhe dando medicamentos, mas essa foi a primeira
vez que ele ajudou com dinheiro. Depois de uma semana é que soube
que seu filho Sandro tinha gravado a conversa. Sandro teria lhe dito
que estava arrependido do que tinha feito. Soube que Antônio Luis deu
o gravador para Sandro, e acredita que tenham dado dinheiro também,
mas não tem certeza. Nem ela, nem sua filha receberam a geladeira.
324 Revista Eleições & Cidadania

Está morando na Agrovila, com seu companheiro e em sua casa não


tem geladeira. Após ouvir um trecho da gravação, a depoente disse que
deve ser sua voz mesmo. Se soubesse da gravação não teria pedido nada
a José Wellington. A conversa com ele não foi para convencer Sandro
a votar nele. Estavam conversando como família, quando fizeram a
gravação. José Wellington sabia que Sandro estava presente. Sandro
apoiou Antônio Luis e que durante a conversa, ficava calado.
Restou evidenciado que, de fato, José Wellington entregou R$
100,00 (cem reais) à Sra. Ancélia. No entanto, as circunstâncias não
demonstram que essa entrega tenha sido em troca de voto, visto que
existe entre ambos uma forte relação familiar, haja vista a Sra. Ancélia
ser irmã de José Wellington por parte de pai, sendo considerada pelo
recorrente como “irmã de criação”, fato este confirmado por ambas as
partes. A própria Ancélia afirma que “apesar de ser período de política,
a ajuda não foi para compra de voto por que José Wellington sabia que
a depoente votava com ele”. A relação de parentesco existente afasta a
conduta caracterizadora da captação ilícita de sufrágio, não sendo crível
que um irmão não possa ajudar uma irmã.
Ademais, as provas apresentadas em relação a tal fato são
frágeis, senão vejamos: a testemunha Joelma, que apenas ouviu de
Sandro a confissão de que tinha realizado a gravação da conversa entre
sua mãe e José Wellington, era militante da coligação adversária; a
própria gravação foi realizada por um terceiro, sem consentimento dos
interlocutores, sendo considerada ilícita; a Sra. Ancélia foi ouvida sem
prestar compromisso de dizer a verdade.
Resta, portanto, não configurada a captação ilícita de sufrágio
de Ancélia Francisca Saraiva, inexistindo provas robustas a demonstrar,
de forma consagradora, a ocorrência do ilícito em tela.

2. Captação do sufrágio de Adriana e Eliziana

A testemunha Raimundo Pereira Pinto declarou em juízo


que soube que duas mulheres conhecidas como Adriana e Eliziana
tinham gravado uma conversa com José Wellington, na qual ele lhes
prometia passagem para Teresina e exames médicos. O depoente tomou
conhecimento do fato porque viu que as duas eleitoras estavam alegres
Jurisprudência Selecionada 325

por terem conseguido gravar o diálogo, ocorrido em um restaurante


denominado Boi na Brasa, para onde ambas tinham sido levadas por
uma pessoa chamada Edir.
As supostas eleitoras corrompidas não foram ouvidas em Juízo.
O MM Juiz da 72ª Zona, em sua sentença, afirma que “a prova
dos autos é inconsistente e duvidosa. A gravação apresentada não foi
confirmada por qualquer de seus participantes, até por que as eleitoras
não foram ouvidas em juízo”.
Dito isso, sem maiores delongas, entendo não configurada a
captação ilícita de sufrágio das Senhoras Adriana e Eliziana.

3. Captação do sufrágio de Ilário Neto da Silva

As testemunhas Michael da Silva Feitosa e Zonilda Feitosa Rodrigues


afirmaram em juízo ter ouvido o Sr. Hilário contar que José Wellington lhe
dera a importância de R$ 600,00 (seiscentos reais), prometendo, ainda, a
realização de uma cirurgia na perna, em troca de seu voto.
O Sr. Hilário Neto da Silva, em juízo, declarou que “se recorda
da conversa no mercado e que foi gravado; era um dia de feira e o
depoente estava bêbado; estava chateado com o candidato adversário
Antônio Luis e estava decidido a não votar mais nele; que nesse dia fez
uma brincadeira dizendo que havia recebido dinheiro para o tratamento;
o pessoal com quem estava conversando dizia que ele não iria ficar bom
da perna, pois teria que votar em Antônio Luis; que brincando, disse
que recebeu dinheiro, mas não disse que era do Prefeito; não se recorda
que falou que tinham lhe prometido uma cirurgia; [...] no mesmo dia
da gravação passou no comércio de Pedro Augusto e este lhe disse que
votasse em Antônio Luis pois se ficasse do lado do José Wellington iria
perder a perna; o depoente respondeu, brincando, que iria fazer a operação
com médico particular; Pedro Augusto dizia que se o depoente mudasse
de lado, iria para Teresina fazer a operação no dia seguinte; o depoente
realmente disse a Pedro Augusto que tinha recebido uma promessa de
José Wellington, que receberia R$ 300,00 por mês durante seu próximo
mandato, mas foi brincadeira; lhe ofereceram dinheiro, mas o depoente
respondeu que já tinha recebido do José Wellington R$ 400,00 mais R$
600,00; o depoente disse também que José Wellington lhe daria a cirurgia
326 Revista Eleições & Cidadania

com médico particular e que custaria R$ 3.000,00, mas na realidade, nem


tinha conversado com José Wellington; disse também que este tinha
andado em sua casa, mas foi de brincadeira; Pedro Augusto trabalhou na
campanha de Antônio Luis, e sempre tem o costume de trabalhar com o
partido; disse ainda que José Wellington não prometeu emprego para ele;
não prometeu cirurgia e não lhe deu dinheiro.
O MM Juiz da 72ª Zona, em sua sentença, afirma que:

[…] o eleitor negou todo o teor da gravação apresentada nos


autos, inclusive asseverando que estava bêbado e que estava
chateado com os simpatizantes do candidato Antônio Luis,
pois diziam que ele iria perder a perna se votasse em José
Wellington.

Considerou a prova frágil e inconclusiva, não se convencendo


da ocorrência de captação ilícita do voto do Sr. Hilário.
O Sr. Pedro Augusto, interlocutor da conversa com Hilário, não
foi ouvido em juízo. O Sr. Hilário, por sua vez, reconhece o teor da
gravação, mas nega que tenha recebido qualquer vantagem pecuniária
ou promessa de cirurgia do Sr. José Wellington e afirma, em juízo, que
estaria embriagado e tudo que falou foi em tom de brincadeira, de sorte
que a alegada captação de sufrágio em relação a este eleitor, também
não restou comprovada.

4. Captação do sufrágio de Francisco Sá Vieira Neto

Os representantes alegaram que o eleitor Francisco Sá Vieira


Neto recebeu em sua residência a visita do então candidato a Prefeito
de Rio Grande do Piauí, José Wellington Siqueira Procópio, ocasião em
que lhe prometera a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais) em troca
de seu voto. O suposto encontro teria sido confirmado por sua esposa,
Valmira Vieira Lopes.
A testemunha Zonilda Feitosa Rodrigues confirmou que Valmira
Vieira Lopes lhe relatara a visita feita por José Wellington. Valmira
trabalha na residência de Zonilda.
É de se esclarecer que Francisco Sá Vieira Neto e Valmira Vieira
Lopes foram ouvidos sem o compromisso de dizer a verdade. É que
Jurisprudência Selecionada 327

restou demonstrada a parcialidade da testemunha Francisco Sá Vieira


Neto, pois o mesmo declarou em juízo que trabalha em um posto de
gasolina de propriedade de um cunhado do candidato Antônio Luis e
lhe deve favor.
A testemunha Zonilda não testemunhou o encontro nem a
promessa de troca de benesses por voto, tomando conhecimento dos
fatos apenas por comentários de Valmira.
As provas cingem-se, portanto, aos depoimentos de Francisco Sá
Vieira Neto e Valmira Vieira Lopes, comprometidos com a parte adversa,
configurando sua fragilidade e insuficiência para a comprovação do fato
alegado.
Entendo, portanto, não configurada a captação ilícita de sufrágio
de Francisco Sá Vieira Neto, ante a fragilidade das provas produzidas.

5. Captação do sufrágio de Roberval Pereira de Sousa

Finalmente, os representantes noticiam a captação ilícita do


sufrágio de Roberval Pereira de Sousa, fato este supostamente praticado
pela candidata a Vice-Prefeita, Maria José Lopes da Silva.
Para provar o alegado, os representantes se valem dos
depoimentos das testemunhas Raimundo José Arruda de Oliveira e
Roberval Pereira de Sousa, e de uma gravação de áudio de suposta
conversa entre o Roberval e a candidata Maria José.
A testemunha Raimundo José Arruda de Oliveira declarou em
juízo que, depois da eleição, recebeu a visita de Roberval, amigo de
seus filhos e que mora em Rio Verde/GO, que tinha ido a Rio Grande
para votar. Segundo Raimundo José, Roberval lhe contou que no dia 2
de outubro foi à casa da candidata a Vice-Prefeita Maria José pegar R$
300,00 (trezentos reais) que ela havia prometido, para ele voltar para
a cidade de Rio Verde. Chegando lá, Roberval teria pedido mais R$
150,00 (cento e cinquenta reais) para que seu primo Charlinho pagasse
um conserto de uma moto. Segundo Roberval, ela teria perguntado se
Charlinho era de confiança, o que foi confirmado por ele. Roberval teria
gravado a conversa sem que ela soubesse. O depoente Raimundo José
afirmou que não sabia se alguém pagou por essa gravação. Disse que
Roberval não é parente de Maria José e que Roberval teria dito ainda
328 Revista Eleições & Cidadania

que Maira José havia dito para ele votar em José Wellington. O depoente
afirmou não conhecer o conteúdo da gravação. Roberval não teria dito
porque fez a gravação e se alguém a havia encomendado. Também não
contou a quem iria entregar a gravação.
Por sua vez, testemunha Roberval Pereira de Sousa declarou
em juízo que reside em Rio Verde/GO, mas é eleitor de Rio Grande do
Piauí, já tendo transferido seu título para Porto Nacional/TO e depois,
transferido de volta para Rio Grande. Afirmou não ter votado nas
últimas eleições por não ter comparecido à revisão eleitoral. Atestou,
ainda, que seus pais moram em Rio Grande e que sua irmã é namorada
do filho da Vice-Prefeita Maria José.
O depoente confirmou que, no dia 1º de outubro, foi à casa da
Vice-Prefeita para conversar com ela. Confirmou ter intenção de pedir
o dinheiro para a passagem de volta para Rio Verde/GO, pois estava
sem dinheiro. Na ocasião, Maria José teria lhe perguntado se ele já
tinha opção definida de voto, tendo pedido ajuda para sua campanha.
O depoente aproveitou para dizer que precisava de ajuda e falou da
passagem. Maria José então lhe dera o dinheiro, precisamente R$
220,00 (duzentos e vinte reais). Nesse momento o depoente não gravou
a conversa e não recebeu o dinheiro. Recebeu o dinheiro do filho dela,
Marcos, antes da eleição.
Depois da conversa com Maria José, ela disse que pegasse o
dinheiro no dia seguinte, e quando procurou ela, mandou um recado de
que o dinheiro havia sido entregue para Marcos. Depois que recebeu o
dinheiro, voltou para conversar com ela, agradecendo e pedindo mais
R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais) para seu primo Charles. Nesse dia,
foi na intenção de gravar a conversa e estava na posse de um MP3. Ela
disse que não dava os R$ 150,00 pois não confiava no Charles, pois ele
era muito fiel a Antônio Luis. Fez a gravação pois achava que estava
errada a forma de José Wellington e Maria José conduzirem a eleição.
Achava que estava errado porque era compra de voto. Já tinha ouvido
outros boatos a respeito de compra de voto por parte dos recorrentes,
mas só presenciou o que ocorreu consigo. Com os R$ 220,00 (duzentos
e vinte reais) que recebeu, acabou comprando as passagens mesmo
achando errado, pois estava precisando. Sabia que comprar voto era
crime, mas não sabia que vender voto era crime. Não tem consciência
Jurisprudência Selecionada 329

de que praticou um crime, mesmo sendo advertido pelo MM Juiz que


vender voto é crime.
O depoente declarou ainda que se deslocou de Goiânia para
Teresina de avião, comprou a passagem por R$ 325,00 (trezentos e vinte
e cinco reais), com o dinheiro de suas férias. De Teresina para Rio
Grande, foi de carona com Antônio Luis. Não sabe que dia retornará,
mas tem a intenção de voltar de ônibus. Essa foi a primeira vez que
andou de avião. Só soube que não podia votar no momento em que
chegou na urna. Veio de avião porque tinha que chegar a tempo para a
audiência. Recebeu a intimação para a audiência em sua residência, em
Rio Verde. Comprou a passagem de avião pela internet pois estava em
promoção. Pagou com cartão de crédito de sua propriedade. Quando vai
a Rio Grande, fica hospedado na casa de seus pais e que do lado de fora
dela havia propaganda de Antônio Luis, na época da eleição. Não sabe
precisar o dia da gravação, mas foi antes da eleição.
Quanto à prova de áudio, de início observo que a gravação é
de qualidade ruim, sendo que o diálogo, em alguns trechos chega a ser
quase inaudível.
Observando a narração do diálogo travado entre o Sr. Roberval
e a representada Maria José, não se pode concluir que esta tenha dado
dinheiro àquele. Também não ficou caracterizada negociação em troca
de votos. Os diálogos degravados pela parte autora, revelam o seguinte
conteúdo:

M1 – Boa Noite! Dona Maira José ta aí?


F1 – Ta!
M1 – Ta? Quero falar com ela!
F1 – Ela ta bem aqui atendendo o telefone.
M1 – Dá licença! Dona Maria José?
F2 – Tudo bom?
M1 – Tudo bem!
F2 – Ê, rapaz! Como é que ta? Entra!
M1 – E aí, dona Maria? A senhora já pode ajeitar aquele
dinheiro?
(Várias vozes baixas ao fundo)
M1 – É! Não! Mas já to aqui!
(Vária vozes baixas ao fundo)
M1 – Hum! Hum Hum! Não, tudo bem! (trecho sem
330 Revista Eleições & Cidadania

compreensão) vier no dia para mim num pegar!


F2 – Mande pegar até amanhã!
M1 – Amanhã?
F2 – É! Até as dez para comprar essa passagem!
M1 – Não! Tudo bem! Não! Eu... Igual eu falei para minha
irmã, eu ia comprar hoje, sabe? Aí eu falei pra ela, não, minha
filha, eu acho que amanhã eu vou lá e aí ela falou não...
F2 – Não! Não! Não! (trecho sem compreensão).
M1 – Hum hum! Não! Tudo bem! Ela falou, não! Qualquer
hora que tu for lá, ela ajeita pra tu!
F2 – Eu quero que tu venha (trecho sem compreensão)
M1 – Tudo bem!
F2 – (trecho sem compreensão)
M1 – Hã!
F2 – (trecho sem compreensão)
M1 – Hã hã!
F2 – Aí tu pega amanhã, viu!
M1 – Mas aí eu, eu venho que horas amanhã?
F2 – Amanhã de manhã. Levanto cedo! Levanto oito horas.
Eu vou ligar pra “Genaro” pra ver se dá pras noves horas.
M1 – De oito pras noves horas?
F2 – É!
M1 – Uma coisa assim?
F2 – Umas noves horas tu vem!
M1 – Tudo bem!
F2 – Viu?
M1 – Dona Maria, você num precisa de mais alguém não?
F2 – Hum?
M1 – Precisa de mais alguém não?
F2 – Quem é uma “pe...”? Gente de confiança!
M1 – De confiança?
F2 – É!
M1 – Tenho um primo meu. É porque ele fez o motor na moto
dele confiado nele, já tinha pagado, aí ele ta revoltado.
F2 – Quem?
M1 – Quem é? É o, o Charles.
F2 – O Charles.
M1 – Muito forte de ir lá também. Ta revoltado por causa
desse motor dessa moto...
F2 – Eu acho que ele num vai (trecho sem compreensão).
Jurisprudência Selecionada 331

Eles são muito... Ele não é de muita coisa, mas (trecho sem
compreensão)
(Várias vozes baixas ao fundo)
F2 - ... “tamo” meia...
M1 – Não! Tudo bem! Tudo bem!
F2 – (trecho sem compreensão)
M1 – Cento e cinqüenta reais falta pra ele dar! Ele pagou uma
parte e ele disse que falta cento e cinqüenta reais!
F2 – E ele já deu uma parte para ele?
M1 – Não! Ele não deu! Ele pagou uma parte!
F2 – Pagou! (trecho sem compreensão) foi uma coisa séria,
então ajeita...
M1 – Não! Tudo bem! Eu entendo! Isso é coisa do rapaz! É igual
a senhora ta dizendo. Isso é uma coisa muito séria, é de confiança.
F2 – E também depois, nesse dia depois nós vamos, “vamo...”
M1 – O “Marco” me deu um ingresso, né, tenho que agradecer!
F2 – Hum?
M1 – O “Marco” me deu um ingresso. Quero agradecer ele! Há
há! E eu encontrei ele hoje e aí eu falei assim, e aí, campeão,
quando é (trecho sem compreensão). Ele disse, não, eu tenho um
negócio aqui pra tu, eu entrego pra Neta, a Neta te dá. Aí tu...
F2 – A Neta já te entregou?
M1 – Não! Eu pego, eu pego! Eu não... Tudo bem! Num
precisa se preocupar não, dona...
F2 – Pois peça até aqui!
M1 – Tudo bem! Mas quanto ao rapaz aí, a senhora num, num
pode?
F2 – Não! Diga a ele que (trecho sem compreensão) é um
direito...
M1 – Hum! Direito!
F2 – É uma coisa séria! Segura! Que você pode até dizer
assim, ó, só entra vocês se tiver cem por cento com o Osmar!
(Várias vozes baixas ao fundo)
F2 – É o dobro pra ele se ele quiser!
M1 – Pior que é! Não! É perfeito!
F2 – Olhe! Você é um homem (trecho sem compreensão)
M1 – Não! Eu sei!
F2 – E você é outra pessoa!
M1 – Não! Eu sei! A “Raian”, a Neta...
F2 – Muda muito a pessoa! Se for uma coisa séria, séria
332 Revista Eleições & Cidadania

“mermo”...
M1 – Hum!
F2 – Ta entendendo?
M1 – Eu sei!
F2 – Eu, eu, eu, eu topo!
M1 – Hã há!
F2 – Mas tipo assim (trecho sem compreensão), mas não
quero botar qualquer um.
M1 – Aí fica ruim! Porque aí a senhora vai ficar com quê?
Comigo...
F2 – É!
M1 – Aí eu num quero isso pra mim!
F2 – Aí você vai falar com ele.
M1 – Hum!
F2 – Ó! Você... Tu pergunta pra ele! Rapaz, tu quer “mermo”
(trecho sem compreensão) funcionando.
M1 – Não! Mas comece outro! No mesmo lugar! Eu sei como
é que é! A senhora quer conversar com ele? Como é que é?
F2 – Não! Eu num quero conversar com ele não!
M1 – O negócio é comigo então!
F2 – É porque você...
M1 – Então, quer dizer, eu sou a garantia dele?
F2 – É!
M1 – Hã hã!
F2 – Por você, tenho uma confiança muito grande. Que se
esse negócio sair...
M1 – Hum!
F2 - ... você não (trecho sem compreensão) dona Maria não!
Você fica devendo a...
M1 – Ah! Eu! Então ta bom! Então...
F2 – Você quer me ver em confusão?
M1 – Eu vou, eu vou conversar com ele e aí a gente vai ver isso.
F2 – (trecho sem compreensão)
M1 – Hum hum!
F2 – Mas a gente combina direitinho. Num pode ser assim
não, viu!
M1 – Não! Tudo bem! Tudo bem!
F2 – Pois amanhã, nove horas!
M1 – Não, ta bem! Nove horas eu venho, pra num ter entravo!
Tudo bem? Porque eu hoje vou numa festa. A senhora (trecho
Jurisprudência Selecionada 333

sem compreensão) num acorda, aí fica aí...


F2 – Ta! Não, então ta bom! Até dez horas, ta bom?
M1 – Hã hã! Mas aí eu venho amanhã nove horas. Já venho
pra mim, arrumo fechar nosso negócio e vem outro rapaz,
tudo bem?
F2 – Pronto! Ta bom!
M1 – Beleza? Ta! E obrigado! Há há!

Como dito, não restou caracterizado que houve uma negociação em


troca de votos. A conversa não é clara. Não falam em eleição ou voto. Sequer
tocam no assunto de campanha política, o que seria natural, pois a conversa
teria sido travada em período de campanha. Não há nenhum elemento de
convicção a ensejar que houve captação ilícita de sufrágio do Sr. Roberval.
Com efeito, há um trecho dos diálogos, em quatro falas incompletas
e entrecortadas, que apontam uma voz feminina supostamente dizendo para
o seu interlocutor mandar alguém pegar “até amanhã” quantia para a compra
de uma passagem. Porém, tal conclusão depende de meras suposições, sem
lastro em prova contundente e robusta, até pela má qualidade do áudio e pela
captação de vozes diversas e sobrepostas, o que impede se possa concluir
pela ocorrência de efetiva negociação de benesses em troca de votos.
Há, ainda, outro trecho do qual se pode, a princípio, supor
estejam os interlocutores negociando a entrega de R$ 150,00 (cento
e cinquenta reais) para o primo de Roberval, de nome Charles, para o
conserto de uma motocicleta. Mas também este trecho está repleto de
falas interrompidas, confusas, entrecortadas, com vozes sobrepostas, e
nenhum momento se fala em eleição ou em candidatura.
Sobre a gravação, o MM Juiz da 72ª Zona Eleitoral, assevera
que “trata-se de registro de um diálogo contendo diversas falas
entrecortadas e incompletas, de modo que não restou evidenciada a
oferta da candidata e nem a imposição ao voto”. Após ouvir atentamente
o áudio respectivo, não cheguei a conclusão diversa. Tal gravação, além
de não ter sido submetida ao crivo de perícia técnica, constitui prova
frágil e inconsistente, pelo conteúdo inconclusivo e inapto a comprovar
a negociação alegada.
Além disto, os depoimentos em Juízo demonstram que o eleitor
Roberval possui vínculos com a parte contrária. Em seu depoimento,
334 Revista Eleições & Cidadania

disse que, “de Teresina para Rio Grande, foi de carona com Antônio
Luis”, candidato adversário dos representados. Disse, ainda, que,
quando vai a Rio Grande, fica hospedado na casa de seus pais, e que
do lado de fora dela havia propaganda de Antônio Luis, na época da
eleição. Desta sorte, tenho que o depoimento de Roberval não constitui
prova hábil a comprovar a suposta negociação de seu voto, sobretudo
porque não corroborado por outras provas.
Também rejeito, com estas considerações, a alegação de
captação de sufrágio do eleitor Roberval Pereira de Sousa.

6. Fraude na divulgação de notícia inverídica sobre a cassação


de candidato a Prefeito, pelo Tribunal Regional Eleitoral do Piauí.

Os recorridos alegam que os recorrentes divulgaram, de


forma criminosa e fraudulenta, às vésperas do pleito eleitoral, notícia
inverídica, de que o candidato Antônio Luis tivera o registro de sua
candidatura indeferido pelo colendo TSE.
O fato restaria comprovado por um CD-Rom de áudio, e suas respectivas
degravações, cópia do processo de Medida Cautelar de Busca e Apreensão (fls.
300/321), Certidão de Ocorrência Policial (fl. 326), além de provas testemunhais.
A testemunha Raimundo Pereira Pinto declarou que “ouviu
em um carro de som que não era da campanha de José Wellington,
informando que a candidatura de Antônio Luis havia sido cassada no
TRE de Brasília e que o candidato estava enganando o povo. [...] Ouviu
a notícia sobre a cassação no final da tarde de 5h30min às 06h00min.
[...] O depoente identificou a voz da gravação podendo afirmar que
era de Joselito”. A testemunha Michael da Silva Feitosa declarou que
“outro dia, antes da eleição, ouviu e presenciou uns três carros de som da
campanha de José Wellington divulgando que a candidatura de Antônio
Luis havia sido cassada em Brasília. Se recorda que foram utilizados uma
Kombi, Vectra e um Celta. A voz da gravação utilizada era de Joselito,
pois foi ele quem fez a campanha para José Wellington. A divulgação da
cassação foi realizada na hora da caminhada da igreja, pois era época de
festejo. A testemunha Zonilda Feitosa Rodrigues declarou “que no dia
anterior a eleição, na hora da procissão, precisamente no final da tarde,
a depoente ouviu uns carros de som divulgando que a candidatura de
Jurisprudência Selecionada 335

Antônio Luis havia sido cassado. Até hoje a depoente não sabe dizer se
o Antônio Luis foi cassado ou não. A notícia divulgada foi que Antônio
Luis tinha sido cassado em Brasília. A testemunha Joelma Teles de
Sousa, sem prestar o compromisso de dizer a verdade, declarou que
“presenciou que um dia antes da eleição, passou um carro de som na
frente da sua casa dando conta de que o candidato Antônio Luis havia
sido cassado pelo TSE, e que ele estava enganando a população pois
haviam colocado um candidato substituto. A notícia causou impacto
pois a depoente ouviu muitas pessoas comentando se seria possível
Antônio Luis está enganando as pessoas, pois o povo não merecia ser
enganado. A testemunha Raimundo José Arruda Oliveira declarou que
“um dia antes da eleição o depoente ouviu o carro de som passando
próximo de sua casa dando conta de que o Dr. José Wellington avisava
da cassação do registro de candidatura de Antônio Luis, informando
que ele estaria manipulando os eleitores pois não era mais candidato.
A notícia mexeu com a cidade, e muitos conhecidos do depoente
perguntavam em quem iriam votar. O depoente não soube informar
se passou outro carro desmentindo a notícia. [...] No dia da eleição
não observou qualquer transtorno causado pela notícia vinculada nos
carros de som no dia anterior. A testemunha Joaquim Conrado de Sousa
declarou que estava na cidade no dia que antecedeu a eleição, podendo
esclarecer que a procissão de encerramento dos festejos ocorreu
no dia 04/10/2008. Que o depoente não viu e nem ouviu sequer por
comentários que estavam transitando na cidade carros de som dando
conta da cassação do registro de candidatura de Antônio Luis. Na hora
da procissão o depoente estava no clube municipal e esse clube fica
afastado, na saída da sede do município”. A testemunha Zilvan Feitosa
Rodrigues declarou que “acompanhou a procissão de encerramento dos
festejos em Rio Grande ocorrida no dia 4 de outubro de 2008, sendo que
não observou carros de propaganda eleitoral falando sobre a cassação do
registro de candidatura de Antônio Luis. Mesmo sabendo que algumas
pessoas disseram que ouviram tal propaganda, o depoente reafirma que
não ouviu carro de som. O depoente ia perto do carro de som da igreja,
que ia tocando música e puxando reza. O carro ia no meio da procissão.
O MM Juiz da 72ª Zona, em sua sentença, afirmou que:

[…] muito embora o indeferimento definitivo do registro de


336 Revista Eleições & Cidadania

candidatura tenha sido realizado somente após as eleições,


o que ratifica a irregularidade da divulgação, nada restou
demonstrado a respeito da potencialidade lesiva da precipitada
notícia. As testemunhas mencionaram ter ouvido a nota, mas
nada asseveraram a respeito da mudança na intenção de voto
ou sua influência sobre o resultado das eleições. A simples
referência ao impacto da notícia não é suficiente para a
formação da convicção deste juízo, notadamente por que as
testemunhas e a mencionada nota informavam que os carros
da propaganda de Antônio Luis também trafegavam antes
dando a notícia contrária.

Conforme observado, restou demonstrado que houve


divulgação de notícia inverídica, em relação ao candidato adversário
dos impugnados, às vésperas do pleito eleitoral. Não obstante as
considerações esposadas pelo Juízo a quo, entendo que a divulgação
daquela notícia poderia sim influir o eleitorado, fazendo-o crer que
uma das partes em disputa não mais participaria do processo eleitoral,
mesmo porque a divulgação ocorrera durante ato religioso com ampla
participação popular.
Porém, a conduta descrita não configura a fraude a que se refere
o art. 14, § 10, da Constituição Federal, não podendo ser apurada em
sede de AIME.
A conduta subsume-se, em verdade, e mais especificamente, ao
tipo penal descrito no art. 323 do Código Eleitoral, in verbis:
“Art. 323. Divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos,
em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência
perante o eleitorado [...]”.
Trata-se, pois, de matéria afeita à esfera criminal.
Rejeito, com estas considerações, a alegação de fraude eleitoral.

7. Negociação com o Vice-Prefeito, em troca de apoio político.

A testemunha Raimundo Pereira Pinto declarou em juízo que


“soube que na época da campanha, José Dias procurava Antônio Luis
dizendo que iria sair do partido de José Wellington” e os dois faziam
reuniões quase toda semana, conforme informaram ao depoente. Este
Jurisprudência Selecionada 337

soube, ainda, “através de comentário de rua, que o vice-prefeito José


Dias não tinha saído do apoio a José Wellington por conta de uma
negociação que fizera, ofertando-lhe dois meses na prefeitura e uns
cargos. O depoente, entretanto, afirma que nada presenciou.
Os recorridos apresentaram como prova da negociação uma
cópia do Diário Oficial do Município, datado de 04 de novembro de
2008, contendo publicação de expediente do Prefeito José Wellington,
o qual informa à Câmara Municipal o seu afastamento das atribuições
do cargo, no período de 17/10 a 05/11/2008, para gozo de férias, nos
termos do art. 82, II e § 1º, da Lei Orgânica do Município, devendo ser
empossado o Vice-Prefeito. Apresentaram, ainda, contracheques das
Sars. Marinete Lemes dos Santos e Paula Graciela Lemes dos Santos,
respectivamente, esposa e filha do então Vice-Prefeito José Dias.
Os documentos apresentados não comprovam a possível
negociação em troca de apoio político. Comprovam apenas que o Prefeito
gozou alguns dias de férias, amparado na Lei Orgânica Municipal, e
que a esposa e a filha do Vice-Prefeito ocuparam cargos comissionados
de Secretária e Assessora Jurídica da Prefeitura Municipal. Ademais, a
testemunha apresentada limitou-se a relatar fatos que ouviu na rua, lhe
contaram, porém nada presenciou.
O MM Juiz da 72ª Zona, em sua sentença, afirma que

[…] a alegada negociação política para conquistar o apoio


do ex vice-prefeito José Dias dos Santos não foi objeto de
prova segura, nada podendo ser concluído a respeito do uso
da máquina administrativa com a finalidade apontada. Nos
limites da lide, não houve abuso do poder político.

A fragilidade das provas carreadas aos autos não permite que


se chegue a conclusão diversa, eis que não há um mínimo de lastro
probatório a apontar para a suposta negociação em troca de apoio
político, alegada pelos impugnantes. Rejeito, portanto, tal alegação.
EX POSITIS, VOTO, em dissonância com o parecer ministerial,
pelo conhecimento e provimento do recurso, para reformar a sentença
ora vergastada, mantendo incólumes os mandatos de José Wellington
Siqueira Procópio e Maria José Lopes da Silva, respectivamente, Prefeito
e Vice-Prefeita do município de Rio Grande do Piauí/PI, uma vez que
338 Revista Eleições & Cidadania

não restaram comprovadas as alegações veiculadas na presente ação


de impugnação de mandato eletivo, desprovendo, em contrapartida, os
recursos apresentados com as teses em contrário.
É como voto.

E X T R A T O D A A T A

AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO Nº 499-


28.2010.6.18.0072 - CLASSE 2. ORIGEM: RIO GRANDE DO PIAUÍ-
PI (72ª ZONA ELEITORAL – ITAUEIRA). RESUMO: AÇÃO DE
IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO - ABUSO DE PODER
ECONÔMICO - ABUSO DE PODER POLÍTICO/AUTORIDADE
- CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO – PROCEDENTE -
PRELIMINARMENTE DESCONSIDERAÇÃO E EXCLUSÃO DE
PROVAS E NULIDADE DA SENTENÇA. NO MÉRITO PEDIDO
DE REFORMA DA DECISÃO. RECURSO ADESIVO. PEDIDO DE
REFORMA DA FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA DA SENTENÇA

Recorrente: José Wellington Siqueira Procópio, Prefeito do Município de


Rio Grande do Piauí
Advogado: Dr. Willian Guimarães Santos de Carvalho
Recorrentes: Maria José Lopes da Silva, Vice-Prefeita do Município de Rio
Grande do Piauí, e a Coligação “RIO GRANDE NO CAMINHO CERTO”
Advogados: Drs. Willian Guimarães Santos de Carvalho, Andréia de Araújo
Silva e outros
Recorrentes: Coligação “UNIDOS PARA RECUPERAR RIO GRANDE”, e
Alcimon da Silva Soares, Vereador de Rio Grande do Piauí
Advogados: Drs. Adriano Beserra Coelho e Willamy Alves dos Santos
Recorridos: Coligação “UNIDOS PARA RECUPERAR RIO GRANDE”, e
Alcimon da Silva Soares, Vereador de Rio Grande do Piauí
Advogados: Drs. Adriano Beserra Coelho e Willamy Alves dos Santos
Recorrido: José Wellington Siqueira Procópio, Prefeito do Município de Rio
Grande do Piauí
Advogado: Dr. Willian Guimarães Santos de Carvalho
Recorridos: Maria José Lopes da Silva, Vice-Prefeita do Município de Rio
Jurisprudência Selecionada 339

Grande do Piauí, e a Coligação “RIO GRANDE NO CAMINHO CERTO”


Advogados: Drs. Willian Guimarães Santos de Carvalho, Andréia de Araújo
Silva e outros
Relator: Des. Haroldo Oliveira Rehem

Decisão: RESOLVEU o Tribunal, por maioria, vencidos os Doutores Marcelo


Carvalho Cavalcante de Oliveira e Luiz Gonzaga Soares Viana Filho, nos
termos do voto do relator e em dissonância com o parecer ministerial exarado
às fls. 786/801 dos autos, acolher a preliminar de ilicitude da prova consistente
em gravação de áudio, com a consequente perda do objeto da preliminar de
cerceamento de defesa por ausência de perícia nas gravações de áudio para, no
mérito, à unanimidade, nos termos do voto do relator e em dissonância com
o parecer ministerial, conhecer e dar provimento ao recurso, para reformar
a sentença vergastada, mantendo incólumes os mandatos de José Wellington
Siqueira Procópio e Maria José Lopes da Silva, Prefeito e Vice-Prefeita,
respectivamente, do município de Rio Grande do Piauí-PI, uma vez que
não restaram comprovadas as alegações veiculadas na Ação de Impugnação
de Mandato Eletivo, negando provimento, em contrapartida, aos recursos
apresentados com as teses em contrário.

Presidência do Excelentíssimo Senhor Desembargador Raimundo Eufrásio


Alves Filho.
Tomaram parte no julgamento os Excelentíssimos Senhores: Juízes Doutores
— Marcelo Carvalho Cavalcante de Oliveira, Luiz Gonzaga Soares Viana
Filho, José Acélio Correia, Jorge da Costa Veloso e Manoel de Sousa Dourado.
Presente o Procurador Regional Eleitoral, Doutor Marco Aurélio Adão.

SESSÃO DE 23.05.2011
340
341

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL


DO ESTADO DO PIAUÍ

A C Ó R D Ã O Nº 54271921
(31.05.2011)

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL Nº


54271-92.2008.6.18.0090 - CLASSE 3. ORIGEM: COLÔNIA DO
GURGUÉIA-PI (90ª ZONA ELEITORAL - ELISEU MARTINS).
RESUMO: RECURSO EM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO
JUDICIAL ELEITORAL - ELEIÇÕES DE 2008 - PREFEITO
- CANDIDATO A PREFEITO - VEREADORA - ABUSO DO
PODER ECONÔMICO E POLÍTICO - CAPTAÇÃO ILÍCITA
DE SUFRÁGIO - PROCEDÊNCIA PARCIAL - PEDIDOS DE
REFORMA DE DECISÃO
Recorrentes: Antonio de Brito Porto, candidato a Prefeito de Colônia
do Gurguéia nas eleições de 2008; Coligação “O POVO É O PODER”
(PPS/PP/PT/PC do B/PMDB/PSB/PMN), por seu representante; e
Aldenis Bezerra da Silva, candidato a Vice-Prefeito de Colônia do
Gurguéia nas eleições de 2008
Advogados: Drs. Margarete de Castro Coelho e Edson Vieira Araújo
Recorrentes: Francisco Carlos Amorim do Nascimento, Prefeito de
Colônia do Gurguéia; Jocilda Pereira de Araújo, Vereadora de Colônia
do Gurguéia, e Raimundo José Almeida de Araújo, ex-Prefeito de
Colônia do Gurguéia
Advogados: Drs. Vicente Ribeiro Gonçalves Neto, Jacylenne Coelho
Bezerra e outros

1
Ac. 5427192 – Publicado no DJE, de 15/06/2011
342 Revista Eleições & Cidadania

Recorridos: Antonio de Brito Porto, candidato a Prefeito de Colônia


do Gurguéia nas eleições de 2008; Coligação “O POVO É O PODER”
(PPS/PP/PT/PC do B/PMDB/PSB/PMN), por seu representante; e
Aldenis Bezerra da Silva, candidato a Vice-Prefeito de Colônia do
Gurguéia nas eleições de 2008
Advogados: Drs. Margarete de Castro Coelho e Edson Vieira Araújo
Recorridos: Francisco Carlos Amorim do Nascimento, Prefeito de
Colônia do Gurguéia; Jocilda Pereira de Araújo, Vereadora de Colônia
do Gurguéia; e Raimundo José Almeida de Araújo, ex-Prefeito de
Colônia do Gurguéia
Advogados: Drs. Vicente Ribeiro Gonçalves Neto, Jacylenne Coelho
Bezerra e outros
Relator: Dr. Jorge da Costa Veloso
Relator designado para lavrar o acórdão: Dr. Marcelo Carvalho
Cavalcante de Oliveira

Recursos. Ação de Investigação Judicial Eleitoral.


Prefeito. Vereadora. Eleições 2008. Preliminares.
Decadência por ausência de citação do vice-prefeito.
Acolhimento parcial. Ilegitimidade ativa da Coligação.
Carência de ação por falta de interesse de agir em razão da
impossibilidade de ajuizar AIJE após o período eleitoral.
Rejeição. Mérito. Abuso de Poder Econômico. Captação
Ilícita de Sufrágio. Art. 41-A da Lei nº 9.504/97 c/c art.
22 da Lei Complementar nº 64/90. Interposta pessoa.
Intensa ligação entre os candidatos beneficiados e a
pessoa que ofereceu as vantagens. Ex-prefeito. Anuência
implícita dos candidatos. Ilícitos caracterizados.
Aplicação da multa prevista no art. 41-A e cominação
de inelegibilidade ao Ex-Prefeito e à Vereadora. Não
aplicação de quaisquer penalidades ao Prefeito e ao Vice-
Prefeito, tendo em vista o reconhecimento da decadência
quanto a estes. Parcial provimento dos recursos.
Preliminares.
- Deixando o autor de, no prazo legal, promover a
citação do vice para integrar relação processual em
Jurisprudência Selecionada 343

ação de investigação judicial proposta contra prefeito


e vereadora eleitos, bem como contra ex-prefeito,
extingue-se o feito em razão da decadência, devendo
prosseguir o processo apenas em relação aqueles não
abrangidos pelo litisconsórcio passivo necessário.
- A coligação é parte legítima para propor as ações
previstas na legislação eleitoral, mesmo após a realização
da eleição, porquanto os atos praticados durante o processo
eleitoral podem ter repercussão até após a diplomação.
- A ação de investigação judicial eleitoral para apurar
captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico
pode ser ajuizada até a data da diplomação.
Mérito.
- Para que ocorra captação ilícita de sufrágio, nos
termos do art. 41-A da Lei n° 9.504/97, é necessário que
a vantagem seja oferecida ou entregue ao eleitor pelo
candidato, ou por terceiro com anuência daquele, com o
intuito de obter-lhe o voto, o que, no caso, ocorreu.
- É pacífico na jurisprudência que o ilícito também se
configura com a ação de interposta pessoa em prol da
candidatura do beneficiário, desde que haja anuência,
ainda que implícita, deste último.
- Deve ser mantida a decisão de primeira instância no
ponto em que entendeu caracterizadas as práticas de
captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico,
tendo em vista a existência de depoimentos testemunhais
seguros e consistentes da ocorrência de tais ilícitos.
- No caso, a amostragem das pessoas beneficiadas,
devidamente comprovada nos autos, revela a prática
de captação ilícita que, certamente, ocorreu numa
amplitude bem maior, revelando o mau emprego
de recursos econômicos em prol de determinadas
candidaturas, configurando abuso de poder econômico
com potencialidade para influenciar o resultado do pleito.
- Na esteira do entendimento do Colendo TSE, a
potencialidade/probabilidade lesiva ao resultado do
344 Revista Eleições & Cidadania

certame eleitoral não se afigura por simples cálculo


aritmético, mas deve ser apreciada sob o ângulo da
gravidade da conduta ilícita praticada pelos candidatos,
que, no caso, ficou demonstrada.
- Provimento parcial de ambos os recursos, reformando
parcialmente a sentença, apenas para excluir a
inelegibilidade cominada ao Prefeito, mantendo a do
ex-Prefeito e a da Vereadora, e para aplicar a multa
prevista no art. 41-A da Lei n° 9.504/97 a cada um destes
últimos, por se tratar de decorrência do reconhecimento
da prática de captação ilícita de sufrágio.
- Recursos a que se dá parcial provimento.

Vistos etc.

A C O R D A M os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral do


Estado do Piauí, à unanimidade, nos termos do voto do relator e em
consonância com o parecer ministerial exarado às fls. 749/766 dos autos,
rejeitar as preliminares de intempestividade da ação e de ilegitimidade
ativa da coligação recorrente/investigante; por maioria, nos termos do
voto do relator e em dissonância com o parecer ministerial, acolher
parcialmente a preliminar de decadência da ação, ante a ausência
de citação do Vice-Prefeito, para afastar a aplicação de quaisquer
penalidades em relação ao Prefeito e ao Vice-Prefeito — os Doutores
Luiz Gonzaga Soares Viana Filho e Manoel de Sousa Dourado divergiram
parcialmente do relator no sentido de que não é possível apenas a
aplicação da penalidade de cassação, devendo, porém, a ação prosseguir
para aplicação das sanções de multa e inelegibilidade ao Prefeito e ao
Vice-Prefeito; no mérito, por maioria, nos termos do voto divergente
do Doutor Marcelo Carvalho Cavalcante de Oliveira e de acordo com
o parecer ministerial: 1) conhecer e negar provimento ao recurso dos
investigados, mantendo a sentença quanto à inelegibilidade aplicada
a Jocilda Pereira de Araújo, Vereadora de Colônia do Gurguéia, e
a Raimundo José Almeida de Araújo, ex-Prefeito de Colônia do
Gurguéia; 2) conhecer e dar parcial provimento ao recurso dos
investigantes para aplicar a multa do art. 41-A da Lei n.° 9.504/1997 no
Jurisprudência Selecionada 345

valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a Jocilda Pereira de Araújo,


Vereadora de Colônia do Gurguéia, e a Raimundo José Almeida de
Araújo, ex-Prefeito de Colônia do Gurguéia. Vencidos o relator e o
Desembargador Haroldo Oliveira Rehem. Foi designado para lavrar o
acórdão o Doutor Marcelo Carvalho Cavalcante de Oliveira, autor do
primeiro voto vencedor.

Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do


Piauí, em Teresina, 31 de maio de 2011.

DES. RAIMUNDO EUFRÁSIO ALVES FILHO


Presidente

DR. JORGE DA COSTA VELOSO


Relator (vencido)

DR. MARCELO CARVALHO CAVALCANTE DE OLIVEIRA


Relator designado

DR. MARCO AURÉLIO ADÃO


Procurador Regional Eleitoral

R E LA T Ó R I O

O JUIZ JORGE DA COSTA VELOSO (RELATOR): Senhor


Presidente, Senhores Membros, Senhor Procurador Regional Eleitoral,
Trata-se de Recursos Eleitorais interpostos em face da
sentença de fls. 481/498 que julgou parcialmente procedente a
Ação de Investigação Judicial Eleitoral proposta pela Coligação “O
POVO É O PODER” (PPS/PP/PT/PC do B/PMDB/PSB/PMN) em
desfavor de FRANCISCO CARLOS AMORIM DO NASCIMENTO,
JOCILDA PEREIRA DE ARAÚJO e RAIMUNDO JOSÉ ALMEIDA
DE ARAÚJO, respectivamente, Prefeito, Vereadora e ex-Prefeito do
346 Revista Eleições & Cidadania

município de Colônia do Gurguéia/PI, declarando-os inelegíveis pelo


prazo de 3 (três) anos, sob o argumento de que restou demonstrado o
cometimento de práticas eleitorais irregulares.
A peça inaugural narrou a suposta entrega de vantagens
consistentes em dinheiro e outras benesses a eleitores do município,
sob as seguintes alegativas:

a) o então Prefeito do aludido município, Sr. Raimundo José de


Almeida Araújo, entregou R$ 50,00 (cinquenta reais) à eleitora
Marinalva de Sousa Brito em troca de votos para o candidato a
Prefeito, Sr. Francisco Carlos Amorim do Nascimento, e para a
candidata a Vereadora Jocilda Pereira de Araújo;
b) o então Prefeito também prometeu doar um pára-brisa e
uma bateria de carro aos eleitores Lenilson da Silva Santos e
Raquel Lima para ambos convencerem toda a família a votar
nos candidatos supramencionados;
c) o candidato a Prefeito, Francisco Carlos Amorim do
Nascimento, ofereceu, em troca de voto, R$ 50,00 (cinquenta
reais) ao eleitor Perci Tavares dos Santos, bem como doou
R$ 20,00 (vinte reais) à eleitora Naiane Assis dos Santos e R$
70,00 (setenta reais) à eleitora Nailde Assis dos Santos;
d) a candidata a Vereadora Edilene Gonçalves entregou R$ 30,00
(trinta reais) ao eleitor Edyell Rancelys Gonçalves em troca de votos
para a mesma e para o multicitado candidato a Prefeito e, ainda,
ofereceu mais dinheiro para o referido eleitor divulgar a disposição
da candidata em doar valor equivalente a outros eleitores.

O MM. Juiz ao prolatar a sentença de fls. 481/498 entendeu “que


três dos cinco fatos narrados na inicial aconteceram, configurando
abuso do poder econômico pela prática de condutas vedadas pelo
art. 41-A; que os investigados efetivamente participaram, direta ou
indiretamente, da captação ilícita de sufrágio e, por fim, que houve
anormalidade nas eleições acarretadas pela potencialidade lesiva
das infrações praticadas”, razão pela qual declarou os investigados
inelegíveis pelo prazo de 3 (três) anos.
A primeira recorrente/investigante, COLIGAÇÃO “O POVO
É O PODER” (PPS/PP/PT/PC do B/PMDB/PSB/PMN), interpôs o
recurso de fls. 553/567 almejando a reforma do r. decisum no escopo de
Jurisprudência Selecionada 347

impor aos sucumbentes/investigados, também, a penalidade de multa,


considerando a incidência, na espécie, do art. 41-A da Lei nº 9.504/97.
Já no segundo recurso de fls. 568/602, interposto pelos
investigados FRANCISCO CARLOS AMORIM DO NASCIMENTO,
JOCILDA PEREIRA DE ARAÚJO e RAIMUNDO JOSÉ ALMEIDA
DE ARAÚJO, respectivamente, Prefeito, Vereadora e ex-Prefeito de
Colônia do Gurguéia, sustenta-se preliminarmente: 1) que a coligação
investigante carece de legitimidade para figurar no pólo ativo do litígio;
2) que a ação fora abarcada pelo instituto da decadência, ante a ausência
de citação do vice-prefeito; 3) que os investigantes carecem de interesse
de agir, uma vez que a presente demanda somente poderia ter sido
proposta até o dia das eleições. Quanto ao mérito, o apelo visa afastar
a declaração de inelegibilidade imposta na sentença de piso.
As partes apresentaram, em sede de contrarrazões, as seguintes
alegações:
A coligação investigante, às fls. 648/679, assevera que as
preliminares suscitadas não devem ser acolhidas, considerando que:
1) a coligação investigante possui legitimidade ativa, conforme assente
jurisprudência das cortes eleitorais; 2) a citação do vice-prefeito eleito
foi requerida na peça inicial; 3) nas ações que versam sobre captação
ilícita de sufrágio, art. 41-A da Lei nº 9.504/97, a apuração pode ser
promovida até o dia da diplomação dos eleitos. No mérito, aduz que
as provas colacionadas demonstram inequivocamente a captação ilícita
de sufrágio praticada em favor dos investigados. Ao final, requereu o
reconhecimento e validade da citação do vice-prefeito com vistas à
cassação dos registros dos eleitos.
Às fls. 712/742, ao rebaterem as razões de recurso, os
investigados reiteraram as preliminares levantadas e, no mérito,
afirmaram que todos os fatos que lhes foram imputados são inverídicos
e distorcidos, tratando-se de “verdadeira montagem de um quadro
jamais inexistente”.
Nesta instância, o Ministério Público Eleitoral manifesta-se, às
fls. 749/766, afirmando que não houve no primeiro recurso, aviado pela
coligação investigante, impugnação da sentença no ponto referente à
improcedência do pedido de cassação de diplomas, tendo a parte autora
apenas se manifestado quanto a este aspecto em sede de contrarrazões,
motivo pelo qual teria se operado a preclusão de tal pretensão.
348 Revista Eleições & Cidadania

Ao final, opina para que seja ultrapassada a preliminar de


decadência, em razão da inexistência de litisconsórcio passivo necessário
do vice-prefeito, em que pese a orientação jurisprudencial do colendo TSE
e desse TRE/PI, com o provimento do recurso interposto pela investigante,
às fls. 553/567 – face a existência de prova dos ilícitos alegados, e pelo
desprovimento do recurso apresentado pelos investigados, às fls. 568/602,
culminando assim na manutenção da inelegibilidade e na imposição de
multa, na forma do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, aos senhores Francisco
Carlos Amorim do Nascimento, Jocilda Pereira de Araújo e Raimundo
José Almeida de Araújo, respectivamente, Prefeito, Vereadora e ex-
Prefeito do município de Colônia do Gurguéia.
É o breve relatório.

V O T O

P R E L I M I N A R E S

O JUIZ JORGE DA COSTA VELOSO (RELATOR): Senhor


Presidente,
I – DA ILEGITIMIDADE ATIVA DA COLIGAÇÃO

Os investigados asseveram que a coligação recorrente/


investigante não teria legitimidade ativa para figurar na presente
ação, interposta em 10.11.2008, uma vez que, após a data da eleição
(05.10.2008), estaria extinta, em razão do seu caráter efêmero.
Com efeito, a pacífica jurisprudência do egrégio TSE refere
que o período para propositura de ação que trata de captação ilícita
de sufrágio, com viés de abuso de poder econômico, vai até a data da
diplomação dos eleitos, não existindo, portanto, qualquer impedimento
para que a coligação, que figura no rol legal de legitimados para propor
tais ações, possa fazê-lo, mesmo após as eleições, na esteira do que
dispõe o art. 41-A da Lei nº 9.504/97 c/c art. 22 da LC nº 64/90.
A propósito, cito pertinente aresto que bem elucida a questão:

Investigação judicial. Legitimidade ativa. Coligação.


1. A coligação é parte legítima para propor as ações previstas
Jurisprudência Selecionada 349

na legislação eleitoral, mesmo após a realização da eleição,


porquanto os atos praticados durante o processo eleitoral
podem ter repercussão até após a diplomação.
2. Com o advento das eleições, há legitimidade concorrente
entre a coligação e os partidos que a compõem, para fins de
ajuizamento dos meios de impugnação na Justiça Eleitoral, em
face da eventual possibilidade de desfazimento dos interesses
das agremiações que acordaram concorrer conjuntamente.
3. Essa interpretação é a que melhor preserva o interesse
público de apuração dos ilícitos eleitorais, já que permite
a ambos os legitimados - partidos isolados ou coligações -
proporem, caso assim entendam, as demandas cabíveis após
a votação.
Agravo regimental a que se nega provimento.
(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº
36398, Acórdão de 04/05/2010, Relator(a) Min. ARNALDO
VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário da
Justiça Eletrônico, Data 24/6/2010, Página 46/47)

“Agravo regimental no recurso especial. Captação ilícita de


sufrágio. Possibilidade de ajuizamento de ação de investigação
judicial eleitoral até a data da diplomação. Coligação.
Legitimidade. Precedentes. Manutenção da decisão atacada.
Agravo regimental ao qual se nega provimento.”
(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº
35721, Acórdão de 19/08/2010, Relator(a) Min. CÁRMEN
LÚCIA ANTUNES ROCHA, Publicação: DJE - Diário da
Justiça Eletrônico, Data 01/10/2010, Página 32)

“RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO


JUDICIAL ELEITORAL (AIJE) COM BASE NO ART. 22
DA LEI COMPLEMENTAR N° 64/90 E ART. 30-A DA LEI
N° 9.504/97. IRREGULARIDADES NA ARRECADAÇÃO E
GASTOS DE RECURSOS DE CAMPANHA. PRAZO PARA O
AJUIZAMENTO. PRAZO DECADENCIAL. INEXISTÊNCIA.
COMPETÊNCIA. JUIZ AUXILIAR. ABUSO DE PODER
POLÍTICO. CONEXÃO. CORREGEDOR. PROPOSITURA.
CANDIDATO NÃO ELEITO. POSSIBILIDADE.
LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO
ELEITORAL. POSSIBILIDADE. SANÇÃO APLICÁVEL.
NEGATIVA DE OUTORGA DO DIPLOMA OU SUA
CASSAÇÃO. ART. 30-A, § 2o. PROPORCIONALIDADE.
PROVIMENTO.
350 Revista Eleições & Cidadania

1. O rito previsto no art. 22 da Lei Complementar n° 64/90


não estabelece prazo decadencial para o ajuizamento da
ação de investigação judicial eleitoral. Por construção
jurisprudencial, no âmbito desta c. Corte Superior, entende-
se que as ações de investigação judicial eleitoral que tratam
de abuso de poder económico e político podem ser propostas
até a data da diplomação porque, após esta data, restaria,
ainda, o ajuizamento da Áção de Impugnação de Mandato
Eletivo (AIME) e do Recurso Contra Expedição do Diploma
(RCED). (REspe n° 12.531/SP, Rei. Min. limar Galvão, DJ de
1°.9.1995 RO n° 401/ES, Rei. Min. Fernando Neves, DJ de
1°.9.2000, RP n° 628/DF, Rei. Min. Sálvio de Figueiredo, DJ
de 17.12.2002). O mesmo argumento é utilizado nas ações de
investigação fundadas no art. 41-A da Lei 9.504/97, em que
também assentou-se que o interesse de agir persiste até a data
da diplomação (REspe 25.269/SP, Rei. Min. Caputo Bastos,
DJ de 20.11.2006). Já no que diz respeito às condutas vedadas
(art. 73 da Lei n° 9.504/97), para se evitar denominado
“armazenamento tático de indícios”, estabeleceu-se que o
interesse de agir persiste até a data das eleições, contando-se
o prazo de ajuizamento da ciência inequívoca da prática da
conduta. (QO no RO 748/PA, Rei. Min. Carlos Madeira, DJ
de 26.8.2005 REspe 25.935/SC, Rei. Min. José Delgado, Rei.
Designado Min. Cezar Peluso, DJ de 20.6.2006). [...]”
(Recurso Ordinário nº 1540, Acórdão de 28/04/2009,
Relator(a) Min. FELIX FISCHER, Publicação: DJE -
Diário da Justiça Eletrônico, Data 01/06/2009, Página
25/26/27)

Com efeito, nenhum óbice existe quanto à coligação figurar no


pólo ativo da Ação de Investigação Judicial Eleitoral que versa sobre
casos de captação ilícita de sufrágio e/ou abuso de poder econômico, que,
ademais, fora proposta antes da data da diplomação dos investigados.

Ante o exposto, voto pela rejeição da preliminar.

Passo à análise da próxima preliminar. Antes, porém,


cumpre fazer a seguinte observação:

Conforme bem esclarecido pelo eminente Procurador Regional


Eleitoral, os nomes dos Srs. Antônio de Brito Porto e Aldenis Bezerra
da Silva, candidatos não eleitos, respectivamente, aos cargos de Prefeito
Jurisprudência Selecionada 351

e Vice-Prefeito no município de Colônia do Gurguéia nas eleições de


2008, constam como Recorrentes no apelo de fls. 553/567, entretanto,
na peça exordial somente consta como investigante a supracitada
coligação e os referidos candidatos em momento algum ingressaram
nos autos como litisconsorte da coligação demandante ou, sequer, como
assistentes da parte autora, tampouco consta procuração firmada nos
autos.
Portanto, do ponto de vista formal, tais pessoas nunca
compuseram a lide, razão pela qual devem ser excluídos do pólo ativo
do presente recurso.
A despeito disto, nenhum prejuízo acomete o recurso em análise,
pois, consoante observação ministerial, o recurso está subscrito pela
COLIGAÇÃO “O POVO É O PODER” (PPS/PP/PT/PC do B/PMDB/
PSB/PMN), autora da AIJE, não restando, pois, qualquer empecilho à
análise do presente apelo por esta egrégia Corte.

II – DA INTEMPESTIVIDADE DA AÇÃO. IMPOSSIBI-


LIDADE DE PROPOR REPRESENTAÇÃO APÓS O PERÍODO
ELEITORAL

Os investigados, ainda na esteira do argumento supra, sustentam


que ações como a presente somente podem ser propostas durante
o período eleitoral, sendo o dia das eleições a data última para seu
ajuizamento.
Reitere-se, o que está sendo submetido a este tribunal é um
suposto caso de captação ilícita de sufrágio com conotação de abuso
de poder, pelo que não cabe a aplicação da construção jurisprudencial
invocada.
Nada obstante, ao se analisar a jurisprudência que a parte trouxe
aos autos, verifica-se que a mesma é clara ao pontuar que apenas no caso
de ações que versem sobre conduta vedada fundada no art. 73 da Lei nº
9.504/97, é que deveriam ser propostas até a data das eleições, de sorte a
evitar o que se denominou chamar de “armazenamento tático de indícios”.
No caso, e conforme já elucidado acima, o entendimento é
de que o prazo se encerra no dia da diplomação. Portanto, a ação foi
352 Revista Eleições & Cidadania

proposta tempestivamente, eis que recebida em 10.11.2008, antes,


pois, da diplomação dos eleitos, razão pela qual voto por rejeitar esta
preliminar.

III – DA DECADÊNCIA DA AÇÃO – AUSÊNCIA DE PE-


DIDO DE CITAÇÃO DO VICE-PREFEITO

Os investigados aduzem que os autores deixaram de requerer


a citação do vice-prefeito para responder a presente demanda, razão
porque o pedido para reconhecer que o instituto da decadência teria
atingido em cheio o próprio direito de ação.
Ora, é firme o posicionamento do colendo TSE de que nas ações
que impliquem em cassação de registro, diploma ou mandato, há na
chapa formada entre o prefeito e seu vice, uma vez que abrangidos
uniformemente pelo pronunciamento judicial, o estabelecimento de
litisconsórcio passivo necessário, sendo pois indispensável, para o pré-
citado fim, a citação do vice-prefeito para integrar a lide, sob risco de
violação do princípio do devido processo legal.
Também é assente na jurisprudência que eventual emenda à peça
exordial com o escopo de promover a citação do vice-prefeito deve
ser dar no prazo legal para ajuizamento da respectiva ação eleitoral,
situação não verificada no caso dos autos, incidindo, pois, o instituto da
decadência.
Por oportuno, cito alguns dos inúmeros precedentes da Corte
Superior sobre o tema:

PROCESSO - RELAÇÃO SUBJETIVA - LITISCONSÓRCIO


NECESSÁRIO - CHAPA - GOVERNADOR E VICE-
GOVERNADOR - ELEIÇÃO - DIPLOMAS - VÍCIO
ABRANGENTE - DEVIDO PROCESSO LEGAL.
A existência de litisconsórcio necessário - quando, por
disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o
juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as
partes - conduz à citação dos que possam ser alcançados
pelo pronunciamento judicial. Ocorrência, na impugnação a
expedição de diploma, se o vício alegado abrange a situação
do titular e do vice.
(RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA
nº 703, Acórdão de 21/02/2008, Relator(a) Min. JOSÉ
Jurisprudência Selecionada 353

AUGUSTO DELGADO, Relator(a) designado(a) Min.


MARCO AURÉLIO MENDES DE FARIAS MELLO,
Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 24/03/2008, Página 9)
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIALELEITORAL.
PREFEITO. ELEIÇÕES 2008. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE
MANDATO ELETIVO. VICE. LITISCONSORTE PASSIVO
NECESSÁRIO. ENTENDIMENTO APLICÁVEL APÓS A
PUBLICAÇÃO DA QUESTÃO DE ORDEM NO RCED
703/SC. SEGURANÇA JURÍDICA. CITAÇÃO. DECURSO
DO PRAZO DECADENCIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO
COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. ART. 269, IV, DO CPC.
PRECEDENTES. NÃO PROVIMENTO.
1. O litisconsórcio passivo necessário entre titular e vice
da chapa majoritária aplica-se aos processos relativos ao
pleito de 2008 ajuizados depois da publicação do acórdão
na Questão de Ordem no Recurso Contra a Expedição de
Diploma nº 703/SC, porquanto, após referido termo, não
seria mais cabível cogitar de surpresa do jurisdicionado e,
assim, de violação à segurança jurídica. Precedentes.
2. O argumento de que a chapa majoritária é una, razão pela
qual a cassação do titular sempre levaria, imediatamente,
à cassação do vice, já foi superado pelo Tribunal Superior
Eleitoral. Com a modificação da jurisprudência da Corte,
prestigiou-se a ampla defesa e o contraditório, afirmando-se
que somente podem ser cassados o registro, o diploma ou o
mandato do vice caso ele esteja presente na lide na condição
de litisconsorte passivo necessário.
3. Declara-se a decadência do direito de propor as ações eleitorais
que versem sobre a cassação do registro, diploma ou mandato,
na hipótese de, até o momento em que se consuma o decurso do
prazo decadencial para o ajuizamento de tais demandas, o vice
não constar no polo passivo ou de não ter havido requerimento
para que fosse citado para tanto. Precedentes. [...]
(AgR-REspe - Agravo Regimental em Recurso Especial
Eleitoral nº 3970232 - Araioses/MA, Acórdão de 26/08/2010, Relator
Min. ALDIR GUIMARÃES PASSARINHO JUNIOR, Publicação:
DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 7/10/2010, Página 24-25)
RECURSO ESPECIAL. INVESTIGAÇÃO JUDICIAL.
PREFEITO. ELEIÇÃO 2008. VICE-PREFEITO. CITAÇÃO.
AUSÊNCIA. DECADÊNCIA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM
RESOLUÇÃO DO MÉRITO.

Deixando o autor de, no prazo legal, promover a citação do


354 Revista Eleições & Cidadania

vice para integrar relação processual em ação de investigação


judicial proposta contra o prefeito eleito, extingue-se o feito
sem resolução do mérito, em razão da decadência.
(AgR-REspe - Agravo Regimental em Recurso Especial
Eleitoral nº 35829 - Trairi/CE, Acórdão de 20/05/2010,
Relator Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE
OLIVEIRA, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico,
Data 24/06/2010, Página 49)

Assim sendo, importa esclarecer a necessidade da presença do


vice na ação que tenha por escopo a perda de mandato eletivo, tendo
dentre os precedentes, inclusive, julgados deste próprio colegiado, como
a Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 544-32.2010.6.18.0000,
da relatoria do eminente Des. Haroldo Oliveira Rehem, onde restou
assentado que o processo deve ser extinto com resolução de mérito,
quando ausente o pedido de citação do litisconsorte passivo necessário.
Logo, no que pertine a este capítulo, voto por reconhecer a
ocorrência da decadência da ação, por ausência de requerimento de
citação do vice-prefeito para integrar a lide. Todavia, deve prosseguir
o processo em relação aos recorridos Jocilda Pereira de Araújo e
Raimundo José Almeida de Araújo, respectivamente, Vereadora e ex-
Prefeito de Colônia do Gurguéia, tendo em vista que os mesmos não
são abrangidos pelo litisconsórcio passivo necessário.

V O T O (V E N C I D O)

M É R I T O

O JUIZ JORGE DA COSTA VELOSO (RELATOR): Senhor


Presidente, Senhores Membros, Senhor Procurador Regional Eleitoral,
A Coligação “O Povo é o Poder”, na inicial da Ação de
Investigação Judicial Eleitoral nº 275/08, narrou a suposta prática de
captação ilícita de sufrágio, sob o prisma do abuso de poder econômico,
no município de Colônia do Gurguéia no pleito de 2008, alegando-se
que:
• o então Prefeito do aludido município, Sr. Raimundo José
Jurisprudência Selecionada 355

de Almeida Araújo, entregou R$ 50,00 (cinquenta reais) à


eleitora Marinalva de Sousa Brito em troca de votos para
o candidato a Prefeito, Sr. Francisco Carlos Amorim do
Nascimento, e para a candidata a Vereadora Jocilda Pereira
de Araújo;
• o então Prefeito também prometeu doar um pára-brisa e
uma bateria de carro aos eleitores Lenilson da Silva Santos e
Raquel Lima para ambos convencerem toda a família a votar
nos candidatos supramencionados;

Passo, pois, a analisar cada um dos fatos e respectivas provas.

1. Entrega de R$ 50,00 (cinquenta reais), pelo ex-Prefeito, Sr.


Raimundo José Almeida de Araújo, à eleitora Marinalva de Sousa
Brito em troca de votos para o candidato a Prefeito, Sr. Francisco
Carlos Amorim do Nascimento, e para a candidata a Vereadora
Jocilda Pereira de Araújo.

Acerca deste fato, constam dos autos, às fls. 58/59, termo de


declaração da eleitora Marinalva colhido na Delegacia de Polícia e, às
fls. 334/335, 237/239 e 337/339, os depoimentos prestados em juízo
pela suposta cooptada e pelas testemunhas Francisco Borges Leal e
Luiz Rodrigues da Costa.
A eleitora, perante a autoridade policial, declarou que:

[...] os R$ 50,00 (cinquenta reais) que ela recebeu do


Prefeito foi devido a uma faxina que ela fez na casa dele [...]
Perguntada a declarante se na hora que recebeu os R$ 50,00
(cinquenta reais) das mãos do Sr. Raimundo José, Prefeito
desta cidade, o Sr. Prefeito pediu para ela votar em algum
candidato? Respondeu QUE não, apenas pegou uma foto em
cima de uma mesa. (....).
Posteriormente, ao ser ouvida em juízo, a eleitora, divergindo
do que afirmou na Delegacia, relatou que:

[...] nunca fez qualquer serviço de faxina na casa do Dr.


Chiquim; que em atendimento ao recado do Sr. Raimundo
José, foi conduzida pelo Sr. Ronin a casa do então prefeito e,
na ocasião, com o condutor ainda próximo, recebeu do próprio
356 Revista Eleições & Cidadania

Raimundo José a quantia de R$ 50,00 reais e um santinho por


debaixo da mesa para votar no Sr. Chiquim e na candidata
Jocilda; que ao sair da casa foi abordada pelo Sr. Paulo
Henrique que lhe informou que o ocorrido era crime e a conduziu
à Delegacia; que ao ser ouvida na Delegacia, foi informada
pelo delegado que “iria colocar que o dinheiro entregue se
referia a uma faxina ou ela e o Sr. Chiquim seriam presos” [...]
que o Sr. Chiquim nunca lhe ofereceu, pessoalmente, benesses
em troca de votos; QUE no momento da abordagem feita pelo
Dr. Paulo Henrique, estavam no local o Sr. Francisco Leal e
o Sr. Luiz; que durante o depoimento prestada na delegacia,
apenas ela e o delegado permaneceram na sala; que se sentiu
“com medo” quando o delegado lhe informou da possibilidade
de prisão; disse que nunca trabalhou na casa do Sr. Raimundo
José [...] QUE quando da ocorrência dos fatos ainda não
havia votado [...] que no momento da abordagem feita pelo Sr.
Paulo Henrique, os senhores Luiz e Francisco estava a menos
de dois metros e ouviram e viram o ocorrido; que no mesmo
dia em que recebeu o dinheiro em troca de seu voto também
presenciou o Sr. Raimundo José fornecer mais cinquenta reais
para Roni “ajeitar outras pessoas.” [...].

Por sua vez, as testemunhas Francisco Borges Leal e Luiz


Rodrigues da Costa, respectivamente, noticiaram que:

Depoimento da testemunha Francisco Borges Leal, às fls. 237/239:

[...] não presenciou a entrega do dinheiro e tampouco dos


santinhos de candidatos a prefeito e vereador do município de
Colônia do Gurgueia - PI a Sra. Marinalva de Sousa Brito, tal
como narrado na peça vestibular às fls. 02/03. que informou
apenas ter presenciado o momento em que a Sra. Marinalva
saia da casa do então prefeito Raimundo José Almeida de
Araújo portando a importância de R$ 50,00 e ‘santinhos’ dos
candidatos ora requeridos, segundo a mesma entregue em
troca dos votos aos candidatos Dr. Chiquim e Jocilda Pereira
de Araújo [...] Na delegacia o depoente informou que a Sra.
Marinalva narrou o fato da compra de votos e entregou o
dinheiro e os santinhos ao delegado [...] QUE nas eleições
municipais passada tinha uma cunhada candidata a vereador
de nome Aldenora pela coligação da parte requerente que
também é cunhada do Sr. Luis Constantino, que se trata do
Sr. Luiz Rodrigues da Costa referenciado na inicial [...].
Jurisprudência Selecionada 357

Depoimento da testemunha Luiz Rodrigues da Costa, às fls. 337/339:

QUE apesar de seu nome ser Luiz Rodrigues da Costa é


conhecido como Luiz Constantino; Que no dia cinco de
outubro de 2008, quando a Sra. Marinalva estava saindo
da casa do Sr. Raimundo José à época prefeito, o depoente
presenciou o momento em que a eleitora foi abordada pelo
advogado Paulo Henrique, ocasião em que ouviu a suposta
corrompida dizer, em resposta a pergunta feita, que “nem
tanto me prometeram como me deram” mostrando uma
nota de R$ 50,00 e um santinho do Dr. Chiquim; Que em
seguida foram os quatro (depoente, Sra. Marinalva, Sr.
Paulo Henrique e o Sr. Francisco Borges) para a delegacia;
continuou o depoente dizendo que na delegacia de polícia a
autoridade policial pediu o dinheiro e o santinho que estavam
com a Sra. Marinalva, os grampiando e colocando-os sobre
a mesa, pedindo em seguida que todos se retirassem da sala,
a exceção da Sra. Marinalva, a fim de colher o depoimento
da possível corrompida [...] disse por fim que escutou o Mmº
Juiz eleitoral da época dizer, após sair da sala do delegado,
que o dinheiro recebido pela Sra. Marinalva se referia ao
pagamento de uma faxina [...] Que não sabe dizer se o Sr.
Chiquim estava na casa do Sr. Raimundo José na ocasião
do fato; Que não ouviu o delegado falar que o dinheiro
apreendido referia-se ao pagamento de uma faxina (....).

Analisando detidamente os depoimentos, verifica-se que a eleitora,


inicialmente, ao ser ouvida na Delegacia, logo após o suposto ilícito, afirmou
que o dinheiro fora entregue em contraprestação ao serviço de faxina e,
posteriormente, ao ser inquirida em juízo, desdisse o anteriormente dito para
asseverar que recebera a quantia de R$ 50,00 (cinquenta reais) em troca de
voto e as demais testemunhas, as quais declararam que não presenciaram a
entrega do dinheiro, apenas relataram que a Sra. Marinalva afirmou que o
dinheiro lhe fora entregue para votar nos mencionados candidatos.
Ressalte-se que a Sra. Marinalva ora afirma que recebera o
dinheiro em troca de voto e ora nega tal fato, havendo, assim, dúvidas
se em algum momento falou a verdade e, principalmente, qual seria a
verdade e, ainda, que as testemunhas não viram o fato, apenas ouviram
dizer que aconteceu.
Ademais, há dúvidas acerca da isenção das aludidas testemunhas,
pois, conforme consta dos depoimentos supramencionados e do termo de
assentada, à fl. 237/238, as mesmas são parentes de candidata a vereador
358 Revista Eleições & Cidadania

pela Coligação requerente, sendo, uma delas, o Sr. Francisco Borges


Leal, também filiado a partido integrante da Coligação requerente.

Assim, ante a fragilidade de tais depoimentos, forçoso concluir


que o fato examinado não restou comprovado.

2. Promessa efetuada pelo então Prefeito Raimundo José


Almeida de Araújo, de doação de um pára-brisa e uma bateria de
carro aos eleitores Lenilson da Silva Santos e Raquel Lima para
ambos convencerem toda a família a votar no candidato a Prefeito,
Sr. Francisco Carlos Amorim do Nascimento e na candidata à
Vereadora Jocilda Pereira de Araújo.

Com relação ao citado ilícito, há nos autos os depoimentos dos


eleitores Lenilson e Marinalva que declararam:
Depoimento da testemunha Lenilson da Silva Santos, às fls. 240/241:
QUE após três convites o depoente juntamente com sua
companheira Raquel de Lima e a Sra. Marinalva compareceram
a casa do então prefeito de Colônia do Gurgueia – pi e na
ocasião lhe foi questionado do que ele precisava para votar no
candidato Dr. Chiquim, tendo este respondido que precisava
de um parabrisa e uma bateria para o seu carro; que após o
solicitado o então prefeito pediu para que ele levasse o carro
para a oficina do Sr. Zezinho, desde que ele e seus familiares
votasse no candidato a prefeito que apoiava [...] QUE quem lhe
deu o recado para ir a casa do então prefeito foi o Sr. Roni, seu
irmão; Que a Sra. Marinalva o acompanhou até a residência do
Sr. Raimundo José, simplesmente por que estava na sua casa no
momento em que recebeu o recado [...] Que o voto solicitado era
apenas para o candidato Dr. Chiquim; Que nunca foi abordado
pelo candidato Chiquim solicitando voto [...].

Depoimento da testemunha Marinalva de Sousa Brito, à fl. 335:


[...] que presenciou quando o Sr. Raimundo José, duas
semanas antes do dia da votação, ofereceu a sua cunhada e
marido uma bateria e um vidro de carro em troca dos votos
da família toda, sabendo dizer ainda que eles não aceitaram
[...].
Jurisprudência Selecionada 359

Não obstante as testemunhas terem relatado a ocorrência do


ilícito, observa-se que não há como expedir um decreto condenatório
em face deste fato, à míngua de prova robusta.
Com efeito, o depoimento de apenas duas testemunhas não é
suficiente para demonstrar de forma estreme de dúvidas a existência
do alegado. Assim, concluiu-se que este fato, igualmente, não restou
comprovado, pois apenas a declaração do suposto eleitor corrompido e
de uma testemunha, a Sra. Marinalva, afirmando que houve o ilícito não
são suficientes para assegurar induvidosamente a ocorrência do fato.
Ademais, reitere-se, uma vez mais, que o depoimento prestado
pela Sra. Marinalva está envolto em dúvidas, não se sabendo ao certo se
em algum momento falou a verdade.
Isso posto, entendo que o fato examinado não restou comprovado.
Por fim, convém destacar que o fato relacionado ao oferecimento
do conserto do carro da eleitora MARIA DEUSA PEREIRA LUSTOSA em
troca de voto somente foi mencionado pela investigante nas alegações finais.
Assim, considerando que na inicial deve ser delimitada a
matéria a ser julgada e, ainda, que a legislação veda inovação na causa
de pedir naquela fase processual, sob pena de confronto com preceitos
constitucionais, inclusive os atinentes ao contraditório e à ampla defesa,
forçoso concluir que o assunto não deve ser objeto de análise no presente
feito ante a incidência da preclusão.
Em conclusão, do contexto fático acima narrado e com a prova
testemunhal produzida durante a fase instrutória, entendo que os fatos
atribuídos aos Recorridos não restaram devidamente comprovados,
revelando-se tênues para embasar a procedência da presente
Representação por captação ilícita de sufrágio.
É fato que a jurisprudência do colendo Tribunal Superior
Eleitoral não exige a participação direta ou mesmo indireta do
candidato, bastando, para tanto, que se possa apurar, à luz da moldura
fática apresentada, o consentimento, a anuência, o conhecimento ou
mesmo a ciência dos fatos que resultaram na prática do ilícito eleitoral.
No caso dos autos, porém, no curso da instrução processual,
percebe-se que as provas produzidas restringiram-se a depoimentos
testemunhais frágeis e inconsistentes, insuficientes para embasar
as alegações do Recorrente, sendo que alguns depoentes, inclusive,
evidenciaram interesse para que o Representante ganhasse a causa.
Conclui-se, portanto, que o substrato probatório examinado não se
revela apto, seguro à formação de um juízo de certeza acerca da efetiva
360 Revista Eleições & Cidadania

realização de ilícitos hábeis a conspurcar a vontade dos eleitores em prol dos


Recorridos, não havendo, portanto, respaldo para um decreto condenatório.
Somente em situações excepcionais, com demonstração de
quebra da normalidade do pleito, esta Especializada deve intervir para
resguardo da soberania popular, afastando o candidato eleito mediante
fraude, corrupção ou abuso de poder.
A jurisprudência do colendo TSE é firme no sentido de exigir
prova robusta, inconteste, da responsabilidade dos demandados pela
prática de captação ilícita de sufrágio, senão vejamos:

TRE/RS. RECURSO EM AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE


MANDATO ELETIVO PROPOSTA COM FUNDAMENTO
NA ART.14,§§ 10 E 11, DA MAGNA CARTA.
1 – Inconformidade recursal, ajuizamento da impugnatória
constitucional e defesa obedientes aos prazos legais.
2 – Inexistência de prova robusta acerca da corrupção,
fraude ou abuso do poder econômico ou de autoridade. É
necessária a plena convicção da ocorrência de tais atos,
com reflexos diretos na lisura, normalidade e equilíbrio do
processo eleitoral. Provimento negado
(Ação de impugnação de mandato eletivo nº 52003,TRE/RS,
São Borja, Rel.. Des. Fed. Nylson Paim de Abreu. 06.11.2003,
unânime, DJE 01.12.2003).

RECURSO EM AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO


ELETIVO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS
DA ALEGADA CAPTAÇÃO DE SUFRÁGIO E ABUSO DE
PODER ECONÔMICO. SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU
QUE JULGOU AIME IMPROCEDENTE MANTIDA.
Recurso conhecido, mas improvido.
1) Para julgamento, pela procedência, de ação de impugnação
de mandato eletivo, necessário prova robusta e incontroversa.
2) Prova unicamente testemunhal, contraditória e
inconclusiva, não enseja a impugnação de mandato.
Recurso conhecido, mas improvido.
(TRE-CE, RAIM n.º 11.026, Ac. n.º 11.026, de 14.11.2003,
Rel. Juiz Jorge Aloísio Pires)

RESPE 35890/SC, DE 01.02.2010, REL. MIN. MARCELO


RIBEIRO
RECURSO ESPECIAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO.
Jurisprudência Selecionada 361

ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97. DESCARACTERIZAÇÃO.


PAGAMENTO. VIAGEM. ELEITOR. AUSÊNCIA. PROVA.
VANTAGEM. TROCA. VOTO. PROVIMENTO.
1. Em que pese a forte carga axiológica e os princípios
éticos que inspiraram a edição da Lei nº 9.840/99 - que
acrescentou o art. 41-A à Lei nº 9.504/97 - a captação ilícita
de sufrágio exige, para sua caracterização, que a promessa
ou concessão de vantagem ou benefício seja condicionada
ao voto do eleitor, o que não se verifica na espécie.
2. A captação ilícita de sufrágio não se pode apoiar em mera
presunção, devendo haver provas robustas de que o ato
impugnado extrapolou os meios legítimos de conquista de votos.
3. Recurso especial provido, para afastar a condenação
imposta aos recorrentes.

Ante o exposto, face a insuficiência de provas dos ilícitos alegados,


voto pelo provimento do recurso apresentado pelos investigados, às fls.
568/602, para reformar a decisão de primeiro grau que julgou procedente
a Ação de Investigação Judicial Eleitoral e, ainda, pelo desprovimento do
recurso interposto pelos investigantes, às fls. 553/567.
É o voto, Senhor Presidente.

V O T O (V E N C E D O R)

M É R I T O

O JUIZ MARCELO CARVALHO CAVALCANTE DE


OLIVEIRA (RELATOR DESIGNADO): Senhor Presidente,
Senhores Juízes, Senhor Procurador Regional Eleitoral e demais
pessoas presentes.
Conforme relatado, trata-se de dois recursos interpostos em face
da sentença do MM. Juiz da 90ª Zona Eleitoral, que julgou parcialmente
procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada pela
Coligação “O POVO É O PODER” (PPS/PP/PT/PC do B/PMDB/
PSB/PMN) em desfavor de FRANCISCO CARLOS AMORIM DO
NASCIMENTO, JOCILDA PEREIRA DE ARAÚJO e RAIMUNDO
JOSÉ ALMEIDA DE ARAÚJO, respectivamente, Prefeito, Vereadora e
362 Revista Eleições & Cidadania

ex-Prefeito do Município de Colônia do Gurguéia/PI, com fundamento


em supostas práticas de abuso de poder político e econômico e captação
ilícita de sufrágio, nos termos do art. 22 da Lei Complementar n° 64/90
e art. 41-A da Lei n° 9.504/97.
Na petição inicial de fls. 02/12, a Coligação Investigante alegou que a
suposta prática desses ilícitos eleitorais teria sido perpetrada através da oferta
e entrega de dinheiro e outras benesses a eleitores do referido município em
troca de votos, levadas a efeito mediante as seguintes condutas:
1. o ex-Prefeito de Colônia do Gurguéia/PI, Raimundo José
Almeida de Araújo, teria pessoalmente entregue dinheiro [R$ 50,00
(cinquenta reais)] à eleitora Marinalva de Sousa Brito para que ela
votasse no candidato a Prefeito por ele apoiado, Francisco Carlos
Amorim do Nascimento (“Dr. Chiquinho”), e na Vereadora eleita,
Jocilda Pereira de Araújo.
2. o então Prefeito também teria prometido doar um pára-brisa
e uma bateria de carro aos eleitores Lenilson da Silva Santos e Raquel
Lima, esposa deste, para ambos convencerem toda a família a votar nos
candidatos supramencionados;
3. o candidato a Prefeito, Francisco Carlos Amorim do
Nascimento, ofereceu, em troca de voto, R$ 50,00 (cinquenta reais)
ao eleitor Perci Tavares dos Santos, bem como doou às filhas deste,
Naiane Assis dos Santos e Nailde Assis dos Santos, respectivamente, as
quantias de R$ 20,00 (vinte reais) e R$ 70,00 (setenta reais);
4. a candidata a Vereadora Edilene Gonçalves entregou R$
30,00 (trinta reais) ao eleitor Edyell Rancelys Gonçalves em troca de
votos para si e para o multicitado candidato a Prefeito e, ainda, ofereceu
mais dinheiro para o referido eleitor divulgar a disposição da candidata
em doar valor equivalente a outros eleitores.
Durante a instrução processual, foram alegadas, ainda, as
compras dos votos de Maria Deusa Pereira Lustosa e do seu marido,
que, entretanto, deixaram de ser analisadas pelo MM. Juiz Eleitoral sob
o fundamento de que a consideração destes fatos implicaria violação
aos ditames do ordenamento processual, uma vez que a defesa não teve
oportunidade de sobre eles se manifestar em contestação, entendimento
com o qual este magistrado se coaduna.
O MM. Juiz de primeiro grau, ao prolatar a sentença de fls.
481/498 entendeu:

[…] que três dos cinco fatos narrados na inicial aconteceram,


Jurisprudência Selecionada 363

configurando abuso do poder econômico pela prática


de condutas vedadas pelo art. 41-A; que os investigados
efetivamente participaram, direta ou indiretamente,
da captação ilícita de sufrágio e, por fim, que houve
anormalidade nas eleições acarretadas pela potencialidade
lesiva das infrações praticadas.

Razão pela qual declarou os investigados inelegíveis pelo prazo


de 3 (três) anos, deixando de aplicar a pena de cassação dos diplomas
aos candidatos eleitos por entender que a “existência de um vício
insanável nos autos impede este julgamento, qual seja, a ausência de
citação do candidato a vice-prefeito”.
Em face dessa decisão, o primeiro recurso foi interposto pela
Coligação “O Povo É o Poder” (PPS/PP/PT/PC do B/PMDB/PSB/
PMN), autora da ação, e também em nome de Antônio de Brito Porto e
Aldenes Bezerra da Silva, respectivamente, candidatos a Prefeito e Vice-
Prefeito de Colônia do Gurguéia/PI nas eleições de 2008. Requereu a
aplicação de multa por captação ilícita de sufrágio aos Investigados,
considerando os fundamentos da decisão e a prova da incidência do art.
41-A da Lei n° 9.504/97 (fls. 553/567).
O segundo recurso foi interposto pelos requeridos Francisco
Carlos Amorim do Nascimento, Jocilda Pereira de Araújo e Raimundo
José Almeida de Araújo, respectivamente, Prefeito, Vereadora e ex-
Prefeito de Colônia do Gurguéia/PI (fls. 568/602). Sustentaram,
preliminarmente: 1) que a Coligação Investigante carece de legitimidade
para figurar no pólo ativo do litígio; 2) que a ação fora abarcada pelo
instituto da decadência, tendo em vista a ausência de citação do vice-
prefeito; 3) carência de ação, por falta de interesse de agir, uma vez
que a presente demanda somente poderia ter sido proposta até o dia
das eleições. No mérito, pugnaram pela reforma da sentença, visando
afastar a declaração de inelegibilidade cominada a todos os investigados,
alegando ausência de prova de ilícito eleitoral.
Em contrarrazões de fls. 648/679, a Coligação Investigante e também
Antônio de Brito Porto e Aldenes Bezerra da Silva rechaçaram as preliminares
suscitadas pelos Investigados em sua peça recursal, e, no mérito, requereram,
além da manutenção da pena de inelegibilidade, o reconhecimento de que foi
tempestivo o pedido de citação do Vice-Prefeito, para que, assim, possa ser
determinada a cassação dos diplomas dos requeridos.
As contrarrazões dos Investigados ao recurso da parte autora
foram apresentadas às fls. 681/711.
364 Revista Eleições & Cidadania

Primeiramente, cumpre lembrar que acompanhei integralmente


o voto do relator no que tange à rejeição das seguintes preliminares
arguidas pelos Investigados: 1. ilegitimidade ativa de coligação
para propor a ação após o período eleitoral, pois, segundo pacífica
jurisprudência do Colendo TSE, a coligação é parte legítima para propor
as ações previstas na legislação eleitoral, inclusive ação de investigação
judicial eleitoral por suposta prática de captação ilícita de sufrágio e/
ou abuso de poder econômico, mesmo após a realização da eleição;
2. carência de ação por falta de interesse de agir, tendo em vista que a
jurisprudência do TSE também já consolidou o entendimento de que
ações dessa natureza, em que se apura suposto caso de captação ilícita
de sufrágio com conotação de abuso de poder, podem ser ajuizadas
até a data da diplomação, sendo, portanto, tempestiva a presente
ação, proposta em 10/11/2008, antes, pois, da diplomação dos eleitos.
Também segui o entendimento do relator no que tange a reconhecer
a ocorrência da decadência da ação, por ausência de citação do vice-
prefeito para integrar a lide, com a ressalva de que deve prosseguir
o processo em relação aos investigados Jocilda Pereira de Araújo e
Raimundo José Almeida de Araújo, respectivamente, Vereadora e ex-
Prefeito de Colônia do Gurguéia, tendo em vista que os mesmos não
são abrangidos pelo litisconsórcio passivo necessário que fundamentou
o reconhecimento da decadência da ação quanto aos Investigados
ocupantes dos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito.
Entretanto, no tocante ao mérito dos recursos, com a devida vênia
do relator, divirjo do seu entendimento, aliando-me aos fundamentos do
magistrado de primeiro grau e do douto Procurador Regional Eleitoral,
pois estou convencido do acerto da sentença recorrida, que entendeu
comprovado o abuso de poder econômico mediante a captação ilícita
de sufrágio envolvendo três eleitores.
No que tange à compra de voto da eleitora Marinalva de Sousa
Brito, entendo, em dissonância com o relator, mas na esteira da decisão
de primeiro grau e do parecer do Procurador Regional Eleitoral, que o
fato examinado restou suficientemente comprovado.
A Coligação Investigante afirma que o ex-Prefeito de Colônia do
Gurguéia/PI, Raimundo José Almeida de Araújo, teria, pessoalmente,
entregue à eleitora Marinalva de Sousa Brito dinheiro (R$ 50,00) para
votar no candidato a Prefeito por ele apoiado, Francisco Carlos Amorim
do Nascimento (Chiquim), e na vereadora eleita, Jocilda Pereira de
Araújo.
Acerca deste fato, constam dos autos, às fls. 58/59, termo de
Jurisprudência Selecionada 365

declaração prestada pela referida eleitora à Delegacia de Polícia do


Município de Colônia do Gurguéia/PI, e, às fls. 334/335, o depoimento
por ela prestado em juízo. Por sua vez, às fls. 237/239 e 337/339
constam os depoimentos das testemunhas Francisco Borges Leal e
Luiz Rodrigues da Costa, apontadas na inicial como pessoas que teriam
presenciado o fato.
Em depoimento prestado em juízo, Marinalva de Sousa Brito
afirmou (fls. 334/335):

[...] que em atendimento ao recado do Sr. Raimundo José,


foi conduzida pelo Sr. Ronin a casa do então prefeito e,
na ocasião, com o condutor ainda próximo, recebeu do
próprio Raimundo José a quantia de R$ 50,00 reais e um
santinho por debaixo da mesa para votar na Sr. Chiquim
e na candidata Jocilda; que ao sair da casa foi abordada
pelo Sr. Paulo Henrique que lhe informou que o ocorrido
era crime e a conduziu à Delegacia; que ao ser ouvida na
Delegacia, foi informada pelo delegado que “iria colocar
que o dinheiro entregue se referia a uma faxina ou ela e o
Sr. Chiquim seriam presos”; [...] que o Sr. Chiquim nunca
lhe ofereceu, pessoalmente, benesses em troca de votos; QUE
no momento da abordagem feita pelo Dr. Paulo Henrique,
estavam no local o Sr. Francisco Leal e o Sr. Luiz; que
durante o depoimento prestada (sic) na delegacia, apenas
ela e o delegado permaneceram na sala; que se sentiu “com
medo” quando o delegado lhe informou da possibilidade de
prisão; disse que nunca trabalhou na casa do sr. Raimundo
José; [...] que sabe que o Sr. Roni era cabo eleitoral do Sr.
Chiquim, e que este era apoiado pelo Sr. Raimundo José,
que inclusive constantemente andavam juntos; [...] que no
momento da abordagem feita pelo Sr. Paulo Henrique, os
senhores Luiz e Francisco estava (sic) a menos de dois metros
e ouviram e viram o ocorrido; que no mesmo dia em que
recebeu o dinheiro em troca de seu voto também presenciou
o Sr. Raimundo José fornecer mais cinquenta reais para Roni
“ajeitar outras pessoas;[...]” (Sem grifos no original.)

As testemunhas Francisco Borges Leal e Luiz Rodrigues da


Costa corroboraram a versão da eleitora cooptada naquilo que pertine
aos elementos essenciais à caracterização da captação ilícita de sufrágio:

Testemunha compromissada Francisco Borges Leal (fls. 237/239):


366 Revista Eleições & Cidadania

[...] QUE não presensiou (sic) a entrega do dinheiro e


tampouco dos santinhos de candidatos a prefeito e vereador
do município de Colônia do Gurgueia - PI a Sra. Marinalva
de Sousa Brito, tal como narrado na peça vestibular às fls.
02/03, que informou apenas ter presenciado o momento em
que a Sra. Marinalva saia da casa do então prefeito Raimundo
José Almeida de Araújo portando a importância de R$ 50,00 e
‘santinhos’ dos candidatos ora requeridos, segundo a mesma
entregues em troca dos votos aos candidatos Dr. Chiquim e
Jocilda Pereira de Araújo e que a pessoa que levou a Sra.
Marinalva até a casa do então prefeito foi o Senhor Conhecido
como Roni; Que após sair da casa do então prefeito de
Colônia, a Sra. Marinalva foi abordada pelo advogado Paulo
Henrique e pelo depoente para que esta fosse até a delegacia
registrar o fato de compra de voto. Na delegacia o depoente
informou que a Sra. Marinalva narrou o fato da compra de
votos e entregou o dinheiro e os santinhos ao delegado. [...]”
(Sem grifos no original.)

Testemunha compromissada Luiz Rodrigues da Costa (fls. 337/339):


[...] Que no dia cinco de outubro de 2008, quando a Sra.
Marinalva estava saindo da casa do Sr. Raimundo José à
época prefeito, o depoente presenciou o momento em que
a eleitora foi abordada pelo advogado Paulo Henrique,
ocasião em que ouviu a suposta corrompida dizer, em
resposta a pergunta feita, que “nem tanto me prometeram
como me deram” mostrando uma nota de R$ 50,00 e um
santinho do Dr. Chequim (sic); Que em seguida foram os
quatro (depoente, Sra. Marinalva, Sr. PAULO Henrique
e o Sr. Francisco Borges) para a delegacia; continuou o
depoente dizendo que na delegacia de polícia a autoridade
policial pediu o dinheiro e o santinho que estavam com a
Sra. Marinalva, os grampiando e colocando-os sobre a mesa
[...]”(Sem grifos no original.)

Embora os Investigados tenham tentado se defender da acusação


alegando contradições entre os depoimentos prestados pela eleitora
Marinalva de Sousa Brito na Delegacia de Polícia (fls. 58/59) e em juízo
(fls. 334/335), entendo que as ponderações do MM. Juiz Eleitoral de
primeiro grau são suficientes para afastar as alegadas incongruências,
que, ademais, são secundárias, uma vez que não dizem respeito aos
Jurisprudência Selecionada 367

elementos essenciais à caracterização do ilícito.


Deveras, como dito pelo insigne magistrado, o depoimento
prestado pela eleitora em juízo não deixa de merecer credibilidade
pelo fato de não reproduzir integralmente as declarações feitas
extrajudicialmente. Nesse sentido, acertadamente ponderou o MM. Juiz
Eleitoral:
[...] É bem verdade que o depoimento prestado em juízo
pela eleitora em questão difere daquele que outrora fora
prestado na delegacia, mas nem por isso deixa de merecer
credibilidade suas afirmações. Isso se deve porque, conforme
nossa legislação, as declarações colhidas em sede de
inquérito policial apenas servem para lastrear futura ação
penal, possuindo nítido caráter informativo e, por isso mesmo,
necessitam ser repetidas em juízo sob crivo dos corolários do
devido processo legal. Assim, em eventual contradição há de
prevalecer versão colhida em sede de instrução processual,
sob o compromisso legal e dialética jurisdicional, jamais
versão prestada em fase eminentemente inquisitorial, como
pretende a defesa!
De igual forma, merecem repúdio as contradições apontadas
no depoimento da Sra. Marinalva pelos investigados (fls.
449/451) em sede de alegações finais. Primeiro porque,
passados mais de um ano, não se pode exigir que a declarante
lembre exatamente quem estava presente na delegacia;
depois porque as contradições apontadas, além de pequenas
nuances, são insubsistentes, já que extraídas de comparação
com os esclarecimentos do Sr. Roniy, ouvido apenas como
informante neste juízo. Decerto esquece-se a defesa de que
este não prestou compromisso legal! [...].(Sem grifos no
original.)

Deveras, as declarações do Sr. Roniy, que, segundo a defesa,


teria desmentido a afirmação da eleitora em questão, são desprovidas
de credibilidade, inclusive porque foram tomadas com reserva, sem
compromisso legal, consoante os fundamentos apontados no termo de
assentada (fls. 340/341), não tendo, dessa forma, o condão de infirmar
as declarações da eleitora aliciada:

[...] Pelo que dos autos consta, não restam dúvidas do forte
interesse da testemunha no deslinde do fato, já que seu
“emprego” depende do desfecho destas ações eleitorais.
368 Revista Eleições & Cidadania

Neste sentido, basta ver o teor do documento assinado


pelo depoente acostado aos autos pela advogada dos
representantes. Ademais, as contradições aprestadas (sic)
pelos esclarecimentos iniciais do depoente deixam claro ser
indigno de fé, vez que mesmo diante do reconhecimento de sua
assinatura no indigitado recebo (sic) emitido pela Prefeitura
de Colônia do Gurguéia, ainda tentou omitir o fato de receber
diretamente daquele ente público pelos serviços prestados
como vigia, a título precário em detrimento de concursados,
diga-se de passagem. Por tudo isso, verifico que a situação
do contraditado se subsume aos ditames legais do artigo 405,
§ 3º, incisos II e IV. (Sem grifos no original.)

Dessa forma, concluo que restou comprovado, por depoimentos


seguros e consistentes, tomados sob o crivo do contraditório e da ampla
defesa, que o ex-Prefeito de Colônia do Gurguéia/PI, Raimundo José
Almeida de Araújo, no dia do pleito, ofereceu e entregou dinheiro [R$
50,00 (cinquenta reais)] à eleitora Marinalva de Sousa Brito, em troca
de votos para os candidatos aos cargos de Prefeito e Vereador por ele
apoiados, Francisco Carlos Amorim do Nascimento e Jocilda Pereira de
Araújo.
Quanto à compra do voto do eleitor Lenilson da Silva Santos,
entendo, também em consonância com a decisão do Juízo a quo e o
parecer do Procurador Regional Eleitoral, que restou suficientemente
comprovada.
Segundo narra a inicial, o eleitor Lenilson da Silva Santos e sua
mulher, Raquel Lima, receberam “recados” do ex-Prefeito Raimundo
José Almeida de Araújo para comparecerem à sua residência e, quando
lá chegaram, este lhes perguntou o que estavam precisando para
votar no candidato por ele apoiado, “Dr. Chiquinho”. O eleitor então
respondeu que estava precisando de um pára-brisa e uma bateria para
seu carro, tendo o ex-Prefeito prometido que lhes daria a benesse desde
que convencessem toda a família a votar nos candidatos que ele apoiava
para Prefeito e Vereador, Francisco Carlos Amorim do Nascimento e
Jocilda Pereira de Araújo.
Acerca do fato, o eleitor Lenilson da Silva Santos, em depoimento
compromissado prestado em juízo, afirmou (fls. 240/241):
Jurisprudência Selecionada 369

Lenilson da Silva Santos (fls. 240/241):

Que após tres (sic) convites o depoente juntamente com


sua companheira Raquel de Lima e a sra. Marinalva
compareceram a casa do então prefeito de Colônia do
Gurguéia – PI e na ocasião lhe foi quetionado (sic) do que ele
precisava para votar no candidato Dr. Chiquim, tendo este
respondido que precisava de um parabrisa e uma bateria
para seu carro; que após o solicitado o então prefeito pediu
para que ele levasse o carro para a oficina do Sr. Zezinho,
desde que ele e seus familiares votasse (sic) no candidato
a prefeito que apoiava; Que o depoente recusou a proposta
dizendo “eu garanto meu voto, o dos outros não; [...] QUE
quem lhe deu o recado para ir a casa do então prefeito foi
o sr. Roni, seu irmão; Que a sra. Marinalva o acompanhou
até a residência do Sr. Raimundo José, simplesmente porque
estava na sua casa no momento em que recebeu o recado;
Que não sabe precisar quando foi a casa do Sr. Raimundo
José; Que não comentou o ocorrido com ninguém; Que
a sra. Marinalva estava presente quando o então prefeito
tnetou (sic) lhe corromper; Que lembra apenas que o sr. Roni
testemunhou seu ingresso na casa do então prefeito; Que o
voto solicitado era apenas para o candidato Dr. Chiquim;
Que nunca foi abordado pelo candidato Chiquim solicitando
voto; [...]. (Sem grifos no original.)

As declarações do depoente foram confirmadas pela testemunha


Marinalva de Sousa Brito, consoante se observa pelo trecho a seguir (fl.
335):
Marinalva de Sousa Brito (fl. 335):

[...] que presenciou quando o Sr. Raimundo José, duas


semanas antes do dia da votação, ofereceu a sua cunhada e
marido uma bateria e um vidro de carro em troca dos votos
da família toda, sabendo dizer ainda que eles não aceitaram;
que o Sr. Roni era cabo eleitoral e, nesta condição, pedia
voto ao Sr. Chiquim. (Sem grifos no original.)
Analisando atentamente os depoimentos, entendo, ao contrário
do que foi sustentado pelo relator, que os relatos do eleitor corrompido
e da testemunha são suficientes para demonstrar a ocorrência da
compra de votos noticiada, pois as declarações são harmônicas e não
370 Revista Eleições & Cidadania

foram infirmadas por prova idônea em sentido contrário. Nesse ponto,


valho-me das palavras do douto Procurador Regional Eleitoral quando
consigna que aqui não há falar em “fragilidade ou peso da prova
exclusivamente testemunhal, sobretudo pela inexistência de hierarquia
entre os meios de prova na sistemática processual vigente, bem como
quando os depoimentos se mostram consistentes e aptos à condenação”.
Por essas razões, entendo que esse fato examinado também
restou comprovado.
Por outro lado, embora a parte autora reclame a reforma da sentença
no ponto em que esta deixou de reconhecer a captação ilícita de sufrágio
do eleitor Perci Tavares dos Santos e suas duas filhas, diretamente, pelo
candidato a Prefeito, Francisco Carlos Amorim do Nascimento, verifico
que, de fato, o alegado ilícito não restou devidamente comprovado.
Com efeito, embora o eleitor Perci Tavares dos Santos tenha
afirmado em seu depoimento, colhido em Juízo sob compromisso legal,
que foi corrompido (fls. 242/243), sua declaração foi contrariada pelo
depoimento da própria filha, Nailde Assis Santos, a qual negou os fatos.
É o que se pode depreender dos trechos transcritos a seguir:
Perci Tavares dos Santos (fls. 242/243):

Que recebeu uma visita do Dr. Chiquim no dia 1º de outubro


de 2008 por volta das 20:30 horas, ocasião em que o então
candidato lhe ofereceu R$ 50,00 para que o depoente votasse
nele, tendo este recusado a proposta; Que antes desta visita
o Dr. Chiquim já havia dado R$ 20,00 a sua filha Naiane em
troca do seu voto; Que ficou sabendo que sua filha Nailde
recebeu a proposta de votar no Sr. Chiquim em troca do votar
de R$ 70,00 feita pelo próprio candidato, não sabendo dizer
se ela recebeu ou não o referido valor; Que não sabe dizer se
houve algum comício na data em que o Dr. Chiquim lhe fez
a visita.[...] Que apesar de não aceitar a proposta feito pelo
Dr. Chiquim não pediu a filha que devolvesse o que havia
recebido porque a mesma era menor de idade [...].

Nailde Assis Santos (fls. 345):

QUE nunca recebeu do Sr. Chiquim qualquer dinheiro ou


lhe foi proposto qualquer valor em troca de seu voto, Que
não nega ter recebido a visita do então candidato a prefeito
DR. Chiquim e de outros candidatos, entretanto nenhum
Jurisprudência Selecionada 371

deles lhe ofereceu qualquer benece (sic) em troca de voto;


disse ainda que o depoimento de seu pai em juízo pode ter se
fundamentado apenas em conversas de visinhos (sic);

Verifico, especificamente no tocante à suposta compra dos votos


do eleitor Perci Tavares dos Santos e de suas duas filhas, que a alegação da
parte autora se revelou inconsistente, e, por essa razão, incapaz de autorizar
uma conclusão segura sobre a configuração do ilícito, imprescindível
para autorizar um decreto condenatório em ação eleitoral. Destarte,
aqui, não se trata de contradições periféricas, sobre as circunstâncias que
envolveram os fatos, mas relativas à própria ocorrência do aliciamento,
pois, conquanto Perci Tavares dos Santos tenha dito em juízo ter recebido
proposta de captação ilícita do seu voto e dos votos de suas filhas, essa
declaração foi negada por uma dessas filhas, Nailde Assis Santos, em
depoimento prestado também em juízo, sob compromisso legal. Por sua
vez, a outra filha, Naiane Assis Santos, não foi ouvida, prejudicando
ainda mais a comprovação do fato em análise.
Ademais, contribui para tornar ainda mais frágil a referida
alegação de compra de votos a afirmação da defesa de que, no dia e
horário apontados pela testemunha Perci Tavares dos Santos, qual
seja, “1º de outubro de 2008 por volta das 20:30 horas”, o candidato
Investigado, Francisco Carlos Amorim do Nascimento, estaria em um
comício realizado no município. A fim de comprovar a assertiva, os
investigados juntaram aos autos CD (fl. 63) e ofício comunicando a
respeito do aludido comício (fls. 61/62), e foi ouvida a testemunha
Jadson Moura do Vale (fl. 251), a qual declarou que o último comício do
“Dr. Chiquinho” foi no dia 1°/10/2008, iniciando-se por volta de 20:30h,
ao qual estava presente. Assim, há fortes indícios de que realmente o
candidato investigado estava, quando da suposta ocorrência do fato
questionado, no referido evento político. Tais circunstâncias fazem com
que não se possa atribuir à referida prova oral a robustez e coerência
necessárias para a caracterização do ilícito.
Dessa forma, concluo, na esteira do parecer ministerial, que,
“do conjunto probatório não se pode extrair elementos consistentes
para refutar a sentença que, quanto ao ponto em análise, concluiu pela
carência de provas da alegação de compra de votos”.
No que tange à compra do voto do eleitor Edyell Rancelys
Gonçalves Borges, verifico que a prova dos autos evidencia a prática
372 Revista Eleições & Cidadania

do ilícito, restando bem analisados os fatos e provas pela decisão de


primeiro grau, cujos fundamentos devem ser mantidos.
A Coligação Investigante alega que, no dia das eleições municipais
de 2008, por volta das 9:00h, o eleitor Edyell Rancelys Gonçalves Borges
foi abordado pela candidata a Vereadora Edilene Gonçalves, que lhe
entregou R$ 30,00 (trinta reais), juntamente com um “santinho” seu
e do investigado “Dr. Chiquinho”, em troca de votos para si e para o
multicitado candidato a Prefeito. Em face da recusa do referido eleitor, a
candidata teria insistido na entrega do valor e ainda teria oferecido mais
dinheiro para que o mesmo divulgasse a disposição da candidata em doar
valor equivalente a outros eleitores, também em troca de votos.
Acerca do fato acima narrado, constam nos autos termo de
declaração, acostado à fl. 14, e o depoimento do próprio eleitor supostamente
aliciado, prestado em juízo (fls. 244/246), o qual ratificou toda a versão
levantada pela parte autora. Transcrevo trechos do seu depoimento:
Edyell Rancelys Gonçalves Borges (fls. 244/245):

Que no dia da eleição foi abordado pela candidata


EDILENE que lhe ofereceu a quantia de R$ 30,00, enrolado
em seu santinho; Que na ocasião a Sra. EDILENE solicitou
ainda que o mesmo votasse também no candidato Dr.
CHIQUINHO”; [...] Que após a posse do Dr. CHIQUINHO
a própria candidata EDILENE chegou a lhe ameaçar dizendo
que “iria lhe mostrar com quantos paus se faz uma canoa”;
[...] Que recebeu o dinheiro quanto já havia votado, sendo
que na ocasião declarou o fato a candidata EDILENE, que
mesmo assim disse que se o mesmo arranjasse outras pessoas
para votar, lhe daria mais dinheiro; [...] Que confirma o
inteiro teor de seu depoimento constante às fls. 14, dos autos
da AIJE nº 275/08; [...] Que não foi procurado pelo Dr.
CHIQUINHO em busca de votos; Que foi abordado na saída
de um colégio onde funciona a seção de n° 27;

O fato narrado na inicial, confirmado pelo eleitor Edyell


Rancelys Gonçalves Borges, foi corroborado pela testemunha Francisco
Epaminondas da Silva, de cujo depoimento extraio os seguintes excertos:
Francisco Epaminondas da Silva (fls. 247/248):

Que se encontrava encostado no mesmo carro referido


pelo Sr. EDIEL, quando viu a candidata EDILENE colocar
Jurisprudência Selecionada 373

dinheiro no bolso de EDIEL; Que junto com o santinho havia


uma nota de R$ 10,00 e outra de R$ 20,00; Que não sabe
informar de quem era o santinho; Que ouviu EDIEL dizer
“eu não quero o dinheiro”.; Que ouviu EDILENE dizer “pois
procura outro eleitor que queira o dinheiro que lhe dou mais’.

Nesse ponto, valho-me dos fundamentos adotados pelo MM. Juiz de


primeiro grau para afastar eventuais inconsistências existentes nos depoimentos
parcialmente transcritos acima, pois concordo com o entendimento do
magistrado a quo de que a simples declaração de Egilson Douglas Sousa Costa,
que afirmou não ter presenciado a compra de voto declarada, não é suficiente
para demonstrar que o ilícito não ocorreu, do mesmo modo que a afirmação do
próprio eleitor de que já havia votado quando lhe foi oferecida a benesse. Sobre
essa questão, o insigne magistrado consignou:
[...] É bem verdade que a testemunha Egilson Douglas Sousa
Costa, arrolada pela coligação investigante, afirmou em juízo
que não precisou (sic – presenciou) qualquer fato de compra
de votos perpetrada pela Sr. Edilene, mesmo tendo dito que no
dia do ocorrido andava com o Sr. Francisco Epaminondas. Da
mesma forma, parece no que tange à presença de testemunha
no momento do fato. Apesar disso, julgo que as discretas
distorções não retiram a verossimilhança da versão da
inicial, já que interpreto como mero descuido da testemunha
Ediel não ter observado que outra pessoas estava no local,
como também compreendo que o Sr. Egilson possa realmente
não ter visto o fato narrado, sendo crível que não passou 24
horas ao lado do seu amigo Francisco.[...]
Por oportuno, o fato do eleitor já ter votado quando da
tentativa de captação de sufrágio, como ele mesmo declarou,
não abstrai a importância do acontecimento investigado para
a instrução deste feito, pois basta para a procedência da AIJE
que tenha havido abuso do poder econômico em detrimento
da liberdade voto, a exemplo da promessa que fez Edilene a
Ediel de corrupção de outros eleitores.[...]

De fato, para a configuração da captação ilícita de sufrágio não


é necessária a demonstração de que o eleitor votou efetivamente no
candidato, mostrando-se suficiente a oferta do benefício ao eleitor com
o “fim de obter” ( e não o pedido expresso de!) votos, segundo pacífica
jurisprudência do Colendo Tribunal Superior Eleitoral.
374 Revista Eleições & Cidadania

Por essas razões, e mesmo sem atribuir valor probante ao auto


de apreensão de fl. 13, não subscrito pela pessoa que estaria portando
referida quantia em dinheiro e santinho, entendo que também este fato
restou comprovado.
Por todo o exposto, concluo, assim como fez o magistrado de
primeiro grau, que os fatos envolvendo os eleitores Marinalva de Sousa
Brito, Lenilson da Silva Santos e Edyell Rancelys Gonçalves Borges
restaram sobejamente comprovados, não havendo que se falar, como
argumenta a defesa, em prova frágil, por ser exclusivamente testemunhal.
Considerando que, em nosso ordenamento jurídico, o sistema
de valoração das provas não estabelece hierarquia ou valor prévio para
cada uma delas, sendo adotado o livre convencimento motivado, e que
a jurisprudência admite a possibilidade de condenação dos responsáveis
e beneficiários das práticas ilegais com base exclusivamente em prova
testemunhal, desde que haja nos autos testemunhos colhidos sob o crivo
do contraditório que sustentem convencimento seguro de que o ilícito
efetivamente ocorreu, não há razões para afastar o valor probante de
prova testemunhal robusta e coerente.
Nesse ponto, impõe-se ressaltar que, embora a prova
testemunhal às vezes deva ser vista com reservas pelo julgador, em
se tratando de compra de votos, prática delituosa que geralmente não
deixa vestígios materiais, realizada sorrateiramente, sem a presença de
terceiros, o valor probante das declarações prestadas em Juízo merecem
ser potencializadas, pois se mostram, via de regra, como o único meio
capaz de demonstrar a ocorrência do aliciamento. Outrossim, reitero,
nos casos em que se entendeu comprovado o ilícito, concluiu-se dessa
forma porque, analisando os depoimentos prestados, colhidos sob o
crivo do contraditório, verificou-se inexistirem fatos capazes de macular
a credibilidade das testemunhas que confirmaram os fatos noticiados.
Cumpre ainda destacar que o contexto fático-probatório
dos autos denota a existência de organização voltada para a prática
reprovável de captação ilícita de sufrágio, com conotação de abuso de
poder econômico, em prol das candidaturas dos investigados Francisco
Carlos Amorim do Nascimento e Jocilda Pereira de Araújo, com o
conhecimento e anuência destes. Tal conclusão se extrai, entre outros
elementos, das considerações sobre a realidade político-social local,
cujo contexto evidencia a ligação política de ambos com o ex-Prefeito,
Raimundo José Almeida de Araújo.
Jurisprudência Selecionada 375

Essa questão restou bem analisada pelo MM. Juiz Eleitoral de


primeiro grau, cujos judiciosos fundamentos adoto como razão de decidir:

[...] Dos três fatos provados, dois deles foram praticados


pessoalmente pelo investigado Raimundo José Almeida de Araújo,
que na qualidade de prefeito municipal, abusou de seu poder
econômico para angariar ilegalmente votos aos candidatos que
apoiava, razão porque sua participação é inquestionável. Por
sua vez, o Sr. Francisco Carlos Amorim do Nascimento e a Sra.
Jocilda Pereira de Araújo, embora não tenham pessoalmente
praticado as condutas vedadas que restaram provadas, foram
diretamente beneficiados, ela em menor escala, com a compra
de votos perpetrada por Raimundo José e explicitamente (mas
não expressamente) anuíram com essa prática reprovável.
Ora, notório foi o apoio incondicional dado pelo Sr. Raimundo
José Almeida de Araújo aos dois primeiros investigados, inclusive
com a aparição daquele nos comícios realizados por estes, e,
neste sentido, é inadmissível pensar que aqueles desconheciam
a conduta perpetrada por seu maior e mais conhecido aliado,
sobretudo porque Colônia do Gurguéia é um pequeno município.
Ademais, ficou visível a condição que ostentava o Sr. Roniy
de “cabo eleitoral” do Sr. Francisco Carlos, apontado pelas
testemunhas dos autos como caçador de eleitores passíveis de
corrupção. Nesta trilha, segue as passagens abaixo:
“[...] que sabe que o Sr. Roni era cabo eleitoral do Sr. Chiquim,
e que este era apoiado pelo Sr. Raimundo José, que inclusive
constantemente andavam juntos; [...] que no mesmo dia em que
recebeu o dinheiro em troca de seu voto também presenciou o Sr.
Raimundo José fornecer mais cinquenta reais para Roni “ajeitar
outras pessoas”; [...] que o Sr. Roni era cabo eleitoral e, nesta
condição pedia voto ao Sr. Chiquim.” – DECLARAÇÕES DA
ELEITORA MARINALVA DE SOUSA BRITO.
“[...] que quem lhe deu o recado para i para casa do então
prefeito foi o Sr. Roni, seu irmão” – DECLARAÇÕES DE
LENILSON DA SILVA SANTOS. [...]
Portanto, fica evidenciada a conivência do atual prefeito e da
vereadora Jocilda com os fatos narrados.” (Sem grifos no original).

Outrossim, quanto ao outro evento de compra de votos, aquela


praticada pela Vereadora Edilene, valho-me das considerações do
Procurador Regional Eleitoral, o qual afirma que “as circunstâncias
servem para demonstrar a existência de verdadeira organização com vistas
376 Revista Eleições & Cidadania

à captação ilícita de sufrágio em favor do atual Prefeito de Colônia do


Gurguéia/PI, o que, no contexto local, exigia o seu prévio conhecimento”.
Vale lembrar, para corroborar o acerto da decisão de primeira
instância, que o disposto no art. 23, da Lei Complementar n° 64/90
autoriza o julgador a formar:

[…] sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos


e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida,
atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não
indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o
interesse público de lisura eleitoral.

O que, aliado ao princípio do livre convencimento motivado,


reforça a possibilidade de que as considerações sobre a participação,
consentimento e/ou anuência dos Investigados seja extraída do cotejo
entre a prova dos autos e a realidade vivenciada em um pequeno
município do interior, onde a compra de voto ocorreu de forma reiterada.
Ademais, não é capaz de infirmar as conclusões da sentença o
argumento de que não há nos autos prova que vincule os Investigados
às condutas descritas na inicial, pois é cediço que não é imperioso que a
ação ilícita seja levada a efeito pelo candidato, ele mesmo, podendo ser
realizada por interposta pessoa, já que se entende como “desnecessário
que o ato de compra de votos tenha sido praticado diretamente pelo
candidato, mostrando-se suficiente que, evidenciado o benefício, haja
participado de qualquer forma ou com ele consentido [...].” (TSE – Ac.
N. 21.792, de 15/09/2005). Tampouco é exigida a participação direta
para a configuração do abuso de poder econômico, que exige apenas a
prova de que os candidatos foram os beneficiários do ilícito.
Deveras, a atual jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral
não exige a prova da participação direta, ou mesmo indireta, do
candidato, para fins de aplicação do art. 41-A da Lei das Eleições,
bastando o consentimento, a anuência, o conhecimento ou mesmo a
ciência dos fatos que resultaram na prática do ilícito eleitoral, devendo-
se aferir esses elementos diante do respectivo contexto fático, que
pode se revelar, entre outras circunstâncias, pelo envolvimento de
pessoas com quem tinha forte ligação familiar, econômica, política
e/ou trabalhista. Se assim não fosse, a norma contida no mencionado
dispositivo possuiria pouca ou nenhuma eficácia, uma vez que
Jurisprudência Selecionada 377

dificilmente o candidato praticará a conduta pessoalmente, valendo-se,


quase sempre, de interpostas pessoas.
A fim de corroborar esse entendimento, colaciono o seguinte precedente:

Representação. Captação ilícita de sufrágio e abuso do poder


econômico. Cassação de diploma. Inelegibilidade. Candidato
a senador e suplentes.
1. (omissis)
2. A atual jurisprudência do Tribunal não exige a prova da
participação direta, ou mesmo indireta, do candidato, para
fins de aplicação do art. 41-A da Lei das Eleições, bastando
o consentimento, a anuência, o conhecimento ou mesmo
a ciência dos fatos que resultaram na prática do ilícito
eleitoral, elementos esses que devem ser aferidos diante do
respectivo contexto fático. No caso, a anuência, ou ciência,
do candidato a toda a significativa operação de compra de
votos é fruto do envolvimento de pessoas com quem tinha
forte ligação familiar, econômica, política e trabalhista.
3. (omissis)
4. (omissis)
Recurso ordinário dos suplentes provido, em parte, negando-
se provimento aos demais recursos.
(RO 2098, rel. Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, DJE
- Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 147/2009, Data
04/08/2009, Página 103-104.)(Sem destaques no original.)

Por todos os fundamentos até aqui expostos, verifico que há


nos autos provas robustas e suficientes para a conclusão de que houve
prática de captação ilícita de sufrágio, com conotação de abuso de
poder econômico, por ocasião das eleições municipais de Colônia do
Gurguéia/PI, perpetrados em benefício da candidatura dos Investigados
Francisco Carlos Amorim do Nascimento e Jocilda Pereira de Araújo,
de maneira comprometedora da lisura do certame.
Deveras, estão presentes todos os requisitos necessários à
configuração da captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da
Lei n° 9.504/97, conforme já sobejamente demonstrado e aqui reiterado:
1. a prática de condutas típicas previstas no art. 41-A: no caso, entrega
de dinheiro a alguns eleitores e promessa de outras vantagens a outros;
2. a existência de uma pessoa física: os eleitores aliciados; 3. o lapso
temporal, pois a prática de todas as condutas ilícitas ocorreu entre o
período de registro de candidatura e o dia das eleições; 4. a participação,
378 Revista Eleições & Cidadania

na hipótese, indireta, dos candidatos ao cargos de prefeito e vereador; 5.


a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir, que se traduz na
pretensão de obter o voto do eleitor.
Por sua vez, é inegável que as ações dos candidatos, por meio
de seus apoiadores políticos e cabos eleitorais, corrompendo a formação
autônoma da opinião de eleitores carentes através da promessa e entrega
de dinheiro e outras vantagens, em troca de votos, desvirtua a vontade
popular, suprime a igualdade entre os concorrentes no prélio eleitoral e,
por consequência, influencia o resultado das eleições, configurando não
apenas captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei n°
9.504/97, mas verdadeiro abuso de poder econômico com potencialidade
lesiva, tendo em vista a prática de conduta abusiva, a distorção da
manifestação popular e o reflexo dessa distorção no resultado das eleições.
Conforme entendimento consolidado do Tribunal Superior
Eleitoral, “abusa do poder econômico o candidato que despende recursos
patrimoniais, públicos ou privados, dos quais detém o controle ou a
gestão em contexto revelador de desbordamento ou excesso no emprego
desses recursos em seu favorecimento eleitoral”. Precedentes: AgR-AI nº
11708/MG, Rel. Ministro Felix Fischer, DJE, Tomo 70, Data 15/04/2010,
Página 18/19; REspe nº 28.581/MG, Rel. Min. Felix Fischer, DJe de
23.9.2008; REspe nº 28.040/BA, Rel. Min. Ayres Britto, DJ de 1º.7.2008.
Exatamente esta a hipótese dos autos, em que os reiterados
compromissos de doação de dinheiro e outras vantagens, feitos
individualmente a diversos eleitores, não significam promessa genérica.
Pelo contrário, tornam a conduta ainda mais grave, na medida em que
não implica apenas desrespeito à vontade do eleitor (captação ilícita de
sufrágio), mas também tende a afetar a normalidade e a legitimidade das
eleições (abuso de poder econômico). Precedente: AgR-AI nº 11708/MG,
Rel. Ministro Felix Fischer, DJE, Tomo 70, Data 15/04/2010, Página 18/19.
Com efeito, a concretização de ações não razoáveis nem normais à
vista do contexto em que ocorreram revela a existência do mau emprego dos
recursos econômicos, desprestigiando uma disputa igualitária e justa, pois
a entrega de benesses a eleitores carentes, às vésperas ou no dia da eleição,
mais que o recebimento de uma vantagem, representa a manipulação da
sua liberdade de escolha, pois cria o sentimento de que o “favor” obtido
deve ser retribuído com a manifestação favorável aos candidatos nas urnas.
No caso presente, conforme exaustivamente demonstrado
quando da análise do conjunto probatório, os depoimentos dos eleitores
envolvidos nos fatos noticiados pela parte autora e, em alguns casos, as
Jurisprudência Selecionada 379

declarações de testemunhas presenciais, fazem prova de que os fatos


caracterizam captação ilícita de sufrágio e abuso do poder econômico.
Destaco que, embora quanto à captação ilícita de sufrágio o TSE
considere desnecessária a potencialidade da conduta para influenciar no
resultado do pleito (RCED n° 671, Rel. Min. Eros Grau, DJE, Tomo 59,
Data 03/03/2009, Página 35), a causa de pedir da AIJE abarcou tanto a
captação ilícita de sufrágio como também o abuso de poder econômico,
razão pela qual passo à análise desse requisito.
Acerca do tema, é firme a jurisprudência do Colendo Tribunal
Superior Eleitoral no sentido de que, na:

[…] hipótese de abuso do poder econômico, o requisito da


potencialidade deve ser apreciado em função da seriedade e da
gravidade da conduta imputada, à vista das particularidades do
caso, não devendo tal análise basear-se em eventual número
de votos decorrentes do abuso, ou mesmo em diferença de
votação, embora essa avaliação possa merecer criterioso
exame em cada situação concreta.

Precedentes: RCED nº 698/TO, rel. Ministro Felix Fischer, DJe de


12.8.2009; RO 2098, rel. Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, DJE - Diário
da Justiça Eletrônico, Tomo 147/2009, Data 04/08/2009, Página 103-104;
RO n° 1.362/PR, rel. Min. José Gerardo Grossi, DJE - Diário da Justiça
Eletrônico, Data 06/04/2009, Página 45; REsp nº 28.396/PR, rel. Min.
Arnaldo Versiani, DJ - Diário de Justiça, Data 26/2/2008, Página 05.
Aplicando essas premissas, verifico que, no caso, a potencialidade
de os fatos alterarem o resultado da eleição, configurando ato abusivo,
decorre da própria gravidade das circunstâncias que os caracterizam,
pois os atos de “filantropia” praticados por notório apoiador político dos
candidatos investigados, quando levados a efeito em um pequeno município
do interior, onde a maioria da população sofre com a escassez de recursos,
atingem proporções bem maiores, e a benesse dada ou prometida a cada
eleitor acaba garantindo muitos outros votos, angariados entre aqueles
que são envolvidos pelo mesmo sentimento de gratidão, acompanhado da
sensação de obrigação de retribuir nas urnas a vantagem auferida.
Assim, no caso, a amostragem das pessoas beneficiadas,
devidamente comprovada nos autos, revela a prática de captação ilícita
que, certamente, ocorreu numa amplitude bem maior, distorcendo a
manifestação popular e influenciando o resultado do pleito.
380 Revista Eleições & Cidadania

Portanto, diante do conjunto fático-probatório constante nos


autos, analisado à luz dos fundamentos até então expendidos, concluo
que os fatos envolvendo os Investigados Francisco Carlos Amorim do
Nascimento, Prefeito de Colônia do Gurguéia/PI, e Jocilda Pereira de
Araújo, Vereadora de Colônia do Gurguéia/PI, atraem a incidência das
sanções previstas no art. 41-A da Lei n° 9.504/97 e no art. 22, XIV, da Lei
Complementar n° 64/90, passíveis de serem aplicadas cumulativamente,
tendo em vista se tratar de situação clássica de incidência múltipla de
dispositivos legais, comum no âmbito do Direito Eleitoral, na qual o
que determina a possibilidade de aplicar as sanções da Lei n° 9.504/97
e/ou da Lei Complementar n° 64/90 não é a denominação atribuída
pelo autor à ação, ou mesmo a menção a dispositivos desses diplomas
normativos, mas sim a descrição dos fatos contida na petição inicial e os
elementos de prova produzidos na instrução do processo, os quais, no
caso dos autos, revelaram a caracterização, a um só tempo, de captação
ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico.
Ressalto, entretanto, que, embora reconheça ser abstratamente
possível aplicar aos Investigados as sanções de inelegibilidade, multa e
cassação dos diplomas (as duas últimas aplicáveis apenas aos candidatos),
no caso concreto, cabe a este Tribunal, no que concerne às pretensões
manifestadas na petição inicial, analisar somente a possibilidade
de aplicação da pena de multa, na forma requerida às fls. 553/567, e
inelegibilidade, já cominada na sentença, que foi atacada no recurso
dos Investigados. É que esta Egrégia Corte, por maioria, nos termos
do voto do relator e em dissonância com o parecer ministerial, acolheu
parcialmente a preliminar de decadência da ação, alegada pela defesa,
ante a ausência de citação do Vice-Prefeito, para afastar a aplicação
de quaisquer penalidades ao Prefeito e ao Vice-Prefeito. Ademais, a
pretensão de cassação dos diplomas, não aplicada pela decisão a quo,
está preclusa, pois não houve no recurso dos autores impugnação da
sentença no ponto referente à improcedência do pedido de cassação
de diplomas, sendo insuficiente requerimento nesse sentido (cassação)
formulado apenas nas contrarrazões da Coligação Investigante.
Em face do exposto, voto no sentido de que seja conhecido e
parcialmente provido o recurso interposto por Francisco Carlos
Amorim do Nascimento, Jocilda Pereira de Araújo e Raimundo José
Almeida de Araújo, reformando a sentença no ponto em que cominou
inelegibilidade por três anos ao Prefeito Francisco Carlos Amorim do
Jurisprudência Selecionada 381

Nascimento, mas mantendo-a quanto à inelegibilidade cominada a Jocilda


Pereira de Araújo, Vereadora de Colônia do Gurguéia, e a Raimundo José
Almeida de Araújo, ex-Prefeito de Colônia do Gurguéia/PI. Voto, ainda,
para que o recurso da Coligação “O Povo É o Poder” seja conhecido e
parcialmente provido, para aplicar a multa do art. 41-A da Lei n° 9.504/97
aos Investigados Jocilda Pereira de Araújo, Vereadora, e Raimundo José
Almeida de Araújo, ex-Prefeito, no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil
reais), que fixo acima do mínimo legal por entendê-lo proporcional à
gravidade do ilícito e à lesão perpetrada ao bem jurídico tutelado. Reitero
que a não aplicação de quaisquer sanções ao Investigado Francisco Carlos
Amorim do Nascimento decorre do entendimento majoritário firmado
por esta Egrégia Corte ao acolher parcialmente, nos termos do voto do
Relator Jorge da Costa Veloso, a preliminar de decadência da ação por
ausência de citação do vice-prefeito.
É como voto.

E X T R A T O D A A T A

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL Nº 54271-


92.2008.6.18.0090 - CLASSE 3. ORIGEM: COLÔNIA DO GURGUÉIA-
PI (90ª ZONA ELEITORAL - ELISEU MARTINS). RESUMO:
RECURSO EM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL
- ELEIÇÕES DE 2008 - PREFEITO - CANDIDATO A PREFEITO -
VEREADORA - ABUSO DO PODER ECONÔMICO E POLÍTICO -
CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO - PROCEDÊNCIA PARCIAL -
PEDIDOS DE REFORMA DE DECISÃO

Recorrentes: Antonio de Brito Porto, candidato a Prefeito de Colônia do


Gurguéia nas eleições de 2008; Coligação “O POVO É O PODER” (PPS/PP/
PT/PC do B/PMDB/PSB/PMN), por seu representante; e Aldenis Bezerra da
Silva, candidato a Vice-Prefeito de Colônia do Gurguéia nas eleições de 2008
Advogados: Drs. Margarete de Castro Coelho e Edson Vieira Araújo
Recorrentes: Francisco Carlos Amorim do Nascimento, Prefeito de Colônia
do Gurguéia; Jocilda Pereira de Araújo, Vereadora de Colônia do Gurguéia, e
Raimundo José Almeida de Araújo, ex-Prefeito de Colônia do Gurguéia
Advogados: Drs. Vicente Ribeiro Gonçalves Neto, Jacylenne Coelho Bezerra e outros
Recorridos: Antonio de Brito Porto, candidato a Prefeito de Colônia do
Gurguéia nas eleições de 2008; Coligação “O POVO É O PODER” (PPS/PP/
PT/PC do B/PMDB/PSB/PMN), por seu representante; e Aldenis Bezerra da
Silva, candidato a Vice-Prefeito de Colônia do Gurguéia nas eleições de 2008
382 Revista Eleições & Cidadania

Advogados: Drs. Margarete de Castro Coelho e Edson Vieira Araújo


Recorridos: Francisco Carlos Amorim do Nascimento, Prefeito de Colônia
do Gurguéia; Jocilda Pereira de Araújo, Vereadora de Colônia do Gurguéia; e
Raimundo José Almeida de Araújo, ex-Prefeito de Colônia do Gurguéia
Advogados: Drs. Vicente Ribeiro Gonçalves Neto, Jacylenne Coelho Bezerra e outros
Relator: Dr. Jorge da Costa Veloso

Decisão: RESOLVEU o Tribunal, à unanimidade, nos termos do voto do


relator e em consonância com o parecer ministerial exarado às fls. 749/766 dos
autos, rejeitar as preliminares de intempestividade da ação e de ilegitimidade
ativa da coligação recorrente/investigante; por maioria, nos termos do voto
do relator e em dissonância com o parecer ministerial, acolher parcialmente a
preliminar de decadência da ação, ante a ausência de citação do Vice-Prefeito,
para afastar a aplicação de quaisquer penalidades em relação ao Prefeito e ao
Vice-Prefeito — os Doutores Luiz Gonzaga Soares Viana Filho e Manoel de
Sousa Dourado divergiram parcialmente do relator no sentido de que não é
possível apenas a aplicação da penalidade de cassação, devendo, porém, a ação
prosseguir para aplicação das sanções de multa e inelegibilidade ao Prefeito
e ao Vice-Prefeito; no mérito, por maioria, nos termos do voto divergente do
Doutor Marcelo Carvalho Cavalcante de Oliveira e de acordo com o parecer
ministerial: 1) conhecer e negar provimento ao recurso dos investigados,
mantendo a sentença quanto à inelegibilidade aplicada a Jocilda Pereira
de Araújo, Vereadora de Colônia do Gurguéia, e a Raimundo José Almeida
de Araújo, ex-Prefeito de Colônia do Gurguéia; 2) conhecer e dar parcial
provimento ao recurso dos investigantes para aplicar a multa do art. 41-A
da Lei n.° 9.504/1997 no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a Jocilda
Pereira de Araújo, Vereadora de Colônia do Gurguéia, e a Raimundo José
Almeida de Araújo, ex-Prefeito de Colônia do Gurguéia. Vencidos o relator e o
Desembargador Haroldo Oliveira Rehem. Foi designado para lavrar o acórdão o
Doutor Marcelo Carvalho Cavalcante de Oliveira, autor do primeiro voto vencedor.

Presidência do Excelentíssimo Senhor Desembargador Raimundo Eufrásio


Alves Filho.
Tomaram parte no julgamento os Excelentíssimos Senhores: Desembargador
Haroldo Oliveira Rehem; Juízes Doutores – Marcelo Carvalho Cavalcante de
Oliveira, Luiz Gonzaga Soares Viana Filho, José Acélio Correia e Manoel
de Sousa Dourado. Presente o Procurador Regional Eleitoral, Doutor Marco
Aurélio Adão.
SESSÃO DE 31.05.2011
383

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL


DO ESTADO DO PIAUÍ

A C Ó R D Ã O Nº 129151
(20.06.2011)

REPRESENTAÇÃO Nº 129-15.2011.6.18.0000 – CLASSE 42.


ORIGEM: TERESINA-PI. RESUMO: REPRESENTAÇÃO -
ELEIÇÕES 2010 - RECURSOS FINANCEIROS UTILIZADOS
EM CAMPANHA ELEITORAL - PESSOA FÍSICA - DOAÇÃO
ACIMA DO LIMITE LEGAL - PEDIDO DE LIMINAR -
QUEBRA DE SIGILO FISCAL - PEDIDO DE CONDENAÇÃO
AO PAGAMENTO DE MULTA
Representante: Ministério Público Eleitoral, pelo Procurador Regional
Eleitoral
Representado: Jesimiel Lima Portela, doador pessoa física
Relator: Dr. Marcelo Carvalho Cavalcante de Oliveira
REPRESENTAÇÃO – ELEIÇÕES 2010 – SUPOSTA
DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE
LEGAL – PESSOA FÍSICA - ART. 23, §§ 1° E 3º
DA LEI N° 9.504/97 - PEDIDO DE CONCESSÃO
DE LIMINAR PARA QUE SEJA DECRETADA A
QUEBRA DO SIGILO FISCAL DO DEMANDADO
- PEDIDO DE CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO
DE MULTA E DE REGISTRO DA CONDENAÇÃO
NO CADASTRO ELEITORAL DO REPRESENTADO
PARA AFERIR INELEGIBILIDADE – QUESTÃO
DE ORDEM – PRECEDENTE DO COLENDO TSE -

1
Ac. 12915 – Publicado no DJE, de 29/06/2011
384 Revista Eleições & Cidadania

INCOMPETÊNCIA DO TRE/PI.
- Ao resolver questão de ordem levada ao Plenário pela
ministra Nancy Andrighi em processo do MPE contra
uma pessoa jurídica que aparentemente fez doação fora
do limite legal durante as eleições presidenciais de 2010,
os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por
unanimidade, decidiram, na Sessão de 09.06.2011, que
as ações apresentadas pelo Ministério Público Eleitoral
(MPE) contra doadores acima do limite serão analisadas
no domicílio eleitoral de cada doador.
- Embora o precedente não possua efeito vinculante, o
acolhimento ao que foi decidido pela Corte Superior
Eleitoral é medida que se coaduna com os postulados da
segurança jurídica, da celeridade na tramitação dos feitos
e da efetividade da prestação jurisdicional, pois evita que
inúmeras ações sejam processadas e julgadas em juízo que já
foi reconhecido como incompetente pela instância superior.
- O ajuizamento da Representação, ainda que perante órgão
judiciário incompetente, mas dentro do prazo fixado pelo
C. TSE, impede que se consume a decadência, uma vez
que, bem ou mal, consoante reconhece a jurisprudência
dos Tribunais, notadamente a da Suprema Corte, terá sido
ajuizada “opportuno tempore”.
- Questão de Ordem resolvida no sentido de negar
seguimento ao pedido e declinar da competência
para o juízo do domicílio do doador, determinando o
encaminhamento dos autos ao juízo competente.
- Autorização para que os relatores, invocando a
decisão adotada na Questão de Ordem, decidam
monocraticamente as representações por doação acima
do limite legal, relativas às eleições de 2010, que lhes
forem distribuídas.

Vistos etc.

A C O R D A M os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral do


Estado do Piauí, por maioria, nos termos do voto do relator, acolher a
Jurisprudência Selecionada 385

QUESTÃO DE ORDEM no sentido de negar seguimento ao pedido


e declinar da competência para o juízo eleitoral do domicílio
do doador, determinando o encaminhamento dos autos ao juízo
competente, autorizando, com base neste precedente, cada relator a
decidir monocraticamente as representações por doação acima do
limite legal, relativas às eleições de 2010, que lhes forem distribuídas,
devendo a Secretaria Judiciária, após decisão dos relatores, seguida
de notificação do Procurador Regional Eleitoral, adotar as medidas
necessárias à remessa dos autos de forma urgente às respectivas Zonas
Eleitorais. Vencidos o Desembargador Haroldo Oliveira Rehem e o
Doutor Luiz Gonzaga Soares Viana Filho, que votaram pela suspensão
do julgamento do feito até a publicação do acórdão da decisão do TSE
na RP Nº 98140.

Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do


Piauí, em Teresina, 20 de junho de 2011.

DES. RAIMUNDO EUFRÁSIO ALVES FILHO


Presidente

DR. MARCELO CARVALHO CAVALCANTE DE OLIVEIRA


Relator

DR. MARCO AURÉLIO ADÃO


Procurador Regional Eleitoral

R E LA T Ó R I O

O JUIZ MARCELO CARVALHO CAVALCANTE DE


OLIVEIRA (RELATOR): Senhor Presidente,
Trata-se de Representação com pedido de liminar ajuizada pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face de JESIMIEL LIMA
PORTELA, com fulcro no art. 96 da Lei nº 9.504/97 e no art. 32, VIII,
do Regimento Interno do TRE/PI, por doação para a campanha eleitoral
de 2010 acima do limite legal.
386 Revista Eleições & Cidadania

O representante afirma que a Presidência do C. Tribunal


Superior Eleitoral (TSE), na forma do §6° do art. 16 da Resolução
TSE n° 23.217/2010, recebeu da Receita Federal do Brasil a relação
de pessoas físicas e jurídicas que efetuaram doações para candidatos na
eleição de 2010 que excederam os limites previstos na Lei n° 9.504/97
(art. 23, §1°, I, e art. 81, § 1°, da Lei n° 9.504/97).
Informa que as peças foram encaminhadas à Procuradoria Geral
Eleitoral, que as distribuiu entre as procuradorias regionais de todos os estados,
instaurando-se, sob sigilo, procedimento com o fim de apurar as irregularidades
apontadas, ao qual foram juntadas as informações enviadas pelo TSE.
Noticia que, na sequência, tal feito foi desmembrado, para que
fosse instaurado um procedimento específico para cada doador, a fim de
realizar os levantamentos complementares cabíveis.
Assevera que, no caso presente, o representado Jesimiel
Lima Portela doou, em serviços, R$ 500,00 (quinhentos reais) para
financiamento da campanha eleitoral de 2010 do candidato a Deputado
Estadual Elias Pereira Lopes, e R$ 510,00 (quinhentos e dez reais), em
serviços, para financiamento da campanha eleitoral de 2010 do candidato
a Senador Francisco de Assis de Moraes Souza. Alega, entretanto, que o
representado declarou à Receita Federal do Brasil ter auferido rendimentos
em 2009 em montante inferior a dez vezes o total das doações – ou não
declarou rendimentos, situação que, segundo afirma, equipara-se à de
doação ilegal no montante superior ao limite de isenção do imposto de
renda. Conclui, portanto, que o doador requerido ultrapassou o limite de
10% (dez por cento) previsto no art. 23, § 1°, inciso I, da Lei n° 9.504/97,
impondo-se, dessa forma, a aplicação da penalidade prevista na referida
Lei, diante da comprovação de ilícito eleitoral.
Sustenta a tempestividade da Representação, tendo em vista
o entendimento firmado pelo TSE de que é de 180 dias contados da
diplomação dos eleitos o prazo para ajuizamento de ações por doação
acima do limite legal; que o Ministério Público é parte legítima para
ajuizá-la; e que, nos termos do art. 96, II, da Lei n° 9.504/97, é dos
Tribunais Regionais a competência para processar e julgar reclamações
ou representações decorrentes de transgressões a dispositivos da referida
norma nas eleições estaduais e federais.
Ao final, requer que, liminarmente, seja decretada a quebra
Jurisprudência Selecionada 387

do sigilo fiscal do demandado, na forma do art. 198, §1º, inciso I,


do Código Tributário Nacional, com requisição à Receita Federal do
Brasil, por esse Tribunal, de cópia da declaração de imposto de renda
do representado, relativa ao ano-base de 2009.
Requer, ainda, o recebimento e o processamento desta
representação segundo o rito do art. 22 da Lei Complementar n° 64/90,
a citação do representado para apresentar defesa em 05 (cinco) dias,
a condenação do requerido ao pagamento de multa de cinco a dez
vezes o valor doado em excesso, nos termos do art. 23, § 3°, da Lei n°
9.504/97, e que seja registrada no cadastro eleitoral do representado
informação relativa à condenação, para que se possa aferir no futuro
a inelegibilidade de que trata a alínea “p” do inciso I do art. 1° da Lei
Complementar n° 64/90, incluída pela Lei Complementar n° 135/2010.
Instruem a inicial as peças de informação de fls. 08/21.
É o relatório.

V O T O

O JUIZ MARCELO CARVALHO CAVALCANTE DE


OLIVEIRA (RELATOR): Senhor Presidente,
Conforme relatado, trata-se de Representação proposta pelo
Ministério Público Eleitoral, por meio do Procurador Regional
Eleitoral, em face de doador pessoa física que supostamente fez doação
a candidato, nas eleições de 2010, acima do limite legal.
Entendo que, antes de ser proferido qualquer despacho,
nesta e nas outras Representações por doação acima do limite legal,
realizadas por pessoas físicas ou jurídicas, relativas às eleições de
2010, distribuídas a todos os Membros da Corte deste TRE/PI, deve ser
submetida à deliberação do Plenário a Questão de Ordem que exponho
nos termos a seguir, por ser prejudicial à tramitação dos processos dessa
natureza neste juízo.
Embora o feito em análise verse sobre suposta doação acima do
limite realizada por pessoa física, deve ser aplicado ao caso dos autos
e a todos os demais que versam sobre a mesma questão de fundo, o
entendimento firmado pelo Colendo Tribunal Superior por ocasião do
julgamento do primeiro processo analisado versando sobre doação acima
do limite legal feita por pessoa jurídica durante as eleições presidenciais
388 Revista Eleições & Cidadania

de 2010. Seguindo o “leading case” do TSE, esta Egrégia Corte estará


prestigiando a segurança jurídica, a celeridade na tramitação dos feitos e
a efetividade da prestação jurisdicional, na medida em que evitará que se
prolongue indevidamente o processamento de inúmeras ações em juízo
que a instância superior já reconheceu como incompetente para julgá-las.
Destarte, no julgamento da Questão de Ordem na Representação
n° 981-40, de relatoria da eminente Ministra Nancy Andrighi, na sessão
de 9.6.2011,1 decidiu o Tribunal Superior Eleitoral que a competência
para o julgamento das representações por doação irregular é do juízo do
domicílio do doador, e que os autos devem ser encaminhados ao juízo
zonal competente.
Embora o acórdão ainda se encontre pendente de publicação, a
decisão foi amplamente noticiada, inclusive nos meios de comunicação
oficiais da Corte Superior Eleitoral, não havendo óbices a que o
precedente seja seguido por este Tribunal, sobretudo porque, ao tempo
em que assegurou que não houve perda do prazo para ajuizamento
das ações, reconhecendo a diligência do Ministério Público Eleitoral,
garantiu aos doadores a tramitação do processo no juízo mais favorável
ao exercício, em sua plenitude, do direito de defesa.
Cumpre ressaltar que, no voto proferido no processo paradigma,
a Ministra Nancy Andrighi destacou que o art. 81 da Lei nº 9.504/97
impõe limites para que as pessoas jurídicas doem recursos financeiros a
campanhas eleitorais e que a norma estabelece barreiras para o doador
que não se dirigem às pessoas desse ou daquele candidato, que pode
receber recursos de diferentes apoiadores, pessoas físicas ou jurídicas.
Ressaltou, por outro lado, que a legislação eleitoral vigente
não estabelece restrições quanto à arrecadação de recursos por parte de
candidatos ou comitês financeiros, ressalvado o limite determinado ao
respectivo partido político, nos termos do art. 17-A da Lei nº 9.504/97.
Ponderou, ademais, que as sanções de multa e de proibição de
1
Representação Nº 98140 (MINISTRA NANCY ANDRIGHI)
Origem:BRASÍLIA-DF
Resumo: DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL - PESSOA FÍSICA -
PESSOA JURÍDICA - PEDIDO DE CONCESSÃO DE LIMINAR - PEDIDO DE DECLA-
RAÇÃO DE INELEGIBILIDADE - PEDIDO DE APLICAÇÃO DE MULTA
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, resolveu questão de ordem no sentido de declinar
da competência para o Tribunal Regional Eleitoral, nos termos do voto da Relatora. Vo-
taram com a Relatora os Ministros Gilson Dipp, Marcelo Ribeiro, Arnaldo Versiani, Cármen
Lúcia, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski (presidente).
Jurisprudência Selecionada 389

participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder


Público recaem exclusivamente sobre o doador, como prevê o art. 81,
§3º, da Lei das Eleições.
Concluiu que a regra do art. 81 volta-se ao doador e não ao
candidato donatário, o qual poderá, no máximo, ter a situação financeira
da sua campanha exposta e, havendo irregularidade, ser conduzido, em
tese, à responsabilização por abuso do poder econômico.
Por essas razões, assentou que a competência para processar e
julgar a representação por doação acima do limite legal é do juízo ao
qual se vincula o doador, haja vista que a procedência ou improcedência
do pedido não alcança o donatário.
Acrescentou que nos termos do mencionado §3º do art. 81 da
Lei nº 9.504/97, a aplicação das sanções nele previstas pressupõe que o
ilícito eleitoral seja reconhecido em processo no qual se assegure ampla
defesa. Logo, para que isso ocorra em sua plenitude, a representação
deve ser julgada no juízo eleitoral do domicílio do doador ou, no caso
de pessoa jurídica, do local onde se encontra a sua sede.
Forte nas razões expostas, a relatora não conheceu da representação
e determinou a remessa dos autos, no caso concreto, ao TRE de São
Paulo, sendo acompanhada por todos os Ministros presentes na sessão.
Dessa forma, verifico que, mesmo tendo sido proferido em
processo em que se apura suposta doação irregular feita por pessoa
jurídica, o precedente, segundo reconhece o próprio TSE, é plenamente
aplicável a todos os demais casos em que se alega doação acima do
limite legal nas eleições de 2010, alcançando as ações propostas contra
doadores pessoas físicas.
Seguindo esta Egrégia Corte o entendimento firmado pelo C. TSE ao
resolver a Questão de Ordem na RP n° 98140, cumpre ainda deixar assentado
que, embora este Tribunal entenda pela incompetência para processar e julgar
as ações, reconhece que foram ajuizadas no prazo legal.
Nesse ponto, cumpre destacar que o fato de este Tribunal não
ser o competente para julgamento da representação por doação acima
do limite legal não impede que determine o encaminhamento dos autos
ao juízo competente e que reconheça que foi cumprido o prazo.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu, a respeito de questão
semelhante, mas com a particularidade de se tratar de decisão proferida
em mandado de segurança, que o ajuizamento dessa ação constitucional,
390 Revista Eleições & Cidadania

ainda que perante órgão judiciário incompetente, e desde que impetrado


dentro do prazo legal, impede que se consume a decadência do direito
de requerer o “writ” mandamental. É que este, bem ou mal, consoante
reconhece a jurisprudência dos Tribunais, notadamente a da Suprema
Corte, terá sido ajuizado “opportuno tempore”.
Nesse sentido, colaciono o seguinte precedente:

E M E N T A: “MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO


CONTRA O TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO -
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL - NÃO-CONHECIMENTO DO “WRIT” -
CONSEQÜENTE ARQUIVAMENTO DO PROCESSO
MANDAMENTAL - PRETENDIDO ENCAMINHAMENTO
DOS AUTOS AO JUÍZO COMPETENTE - POSSIBILIDADE,
EM DECORRÊNCIA DA SUPERVENIENTE ALTERAÇÃO,
POR ESTA SUPREMA CORTE, DE SUA JURISPRUDÊNCIA
SOBRE TAL QUESTÃO - RESSALVA DO ENTENDIMENTO
PESSOAL DO RELATOR - OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO
DA COLEGIALIDADE - REMESSA DOS AUTOS AO
TRIBUNAL COMPETENTE - INOCORRÊNCIA, NESSE
CONTEXTO, DA CONSUMAÇÃO DA DECADÊNCIA DO
DIREITO DE IMPETRAR MANDADO DE SEGURANÇA -
RECURSO DE AGRAVO PROVIDO.
O Supremo Tribunal Federal não dispõe de competência originária
para processar e julgar mandado de segurança impetrado contra
outros Tribunais judiciários, ainda que se trate dos Tribunais
Superiores da União (TSE, STJ, STM e TST). Precedentes.
Reconhecida a falta de competência originária do Supremo
Tribunal Federal para o processo mandamental, impor-se-á
o encaminhamento dos autos ao Tribunal originariamente
competente para processar e julgar a ação de mandado de
segurança. Entendimento agora prevalecente no STF, em
virtude de superveniente alteração de sua jurisprudência.
Precedentes. Ressalva da posição pessoal do Relator.
Observância do princípio da colegialidade.
O ajuizamento do mandado de segurança, ainda que
perante órgão judiciário absolutamente incompetente, e
desde que impetrado dentro do prazo de 120 (cento e vinte)
dias a que alude o art. 18 da Lei nº 1.533/51, impede que
se consume a decadência do direito de requerer o “writ”
mandamental. É que este, bem ou mal, consoante reconhece
a jurisprudência dos Tribunais (RT 494/164), notadamente
Jurisprudência Selecionada 391

a desta Suprema Corte (RTJ 52/208 - RTJ 60/865 - RTJ


138/110 - RTJ 140/345, v.g.), terá sido ajuizado “opportuno
tempore”. (Sem destaques no original.)
(STF, Tribunal Pleno, MS 26.006-8 AgR/DF, Relator Ministro
Celso de Mello, publicação no Dje-026, de 15-02-2008.)

Deveras, o direcionamento do processo à instância competente


e o reconhecimento de que não houve perda de prazo é uma postura que
termina por facilitar o acesso à jurisdição e impedir o perecimento do
direito ou a decadência da ação, como no caso presente.
Ademais, as peculiaridades deste caso concreto reforçam a
conclusão de que há necessidade de deixar assentado que não houve
perda do prazo. É que aqui não há falar em erro grosseiro quanto à
propositura das Representações em juízo incompetente, pois, à primeira
vista, poderia sim ser competente o TRE, por se tratar de eleições
federais e estaduais e porque ainda não havia outra orientação sobre o
tema se não a regra do art. 96 da Lei n° 9.504/97.
Dessa forma, não se pode aceitar que o autor sofra prejuízos
advindos de alterações repentinas na jurisprudência, pois o C. TSE,
somente às vésperas de se encerrar o prazo decadencial para ajuizamento
das ações por doação acima do limite legal, firmou o entendimento de
que não é o caso de aplicar o art. 96 da Lei n° 9.504/97, amparando-se no
argumento de que a responsabilidade não será do donatário em nenhuma
hipótese. Vale lembrar, ainda, que o próprio TSE tem se orientado no
sentido de que, a fim de evitar surpresa aos jurisdicionados, as mudanças
de entendimento sobre temas relevantes, o qual até então aparentemente
estava consolidado, devem produzir efeitos apenas ex nunc.
Outrossim, não se pode deixar de reconhecer a extrema diligência
do Ministério Público Eleitoral, que conseguiu ajuizar em prazo exíguo
quantidade tão significativa de ações, tarefa que se tornou ainda mais difícil
por envolver dados acobertados pelo sigilo. Assim, cumpre também à
Justiça Eleitoral zelar pelo efetivo cumprimento de suas normas, buscando
por todos os meios apoiar as ações voltadas à preservação do interesse
público na moralidade e lisura das eleições e das campanhas eleitorais.
Cumpre registrar que, considerando o entendimento firmado
na mencionada Questão de Ordem, os Ministros do TSE têm,
monocraticamente, declinado da competência para os Tribunais
Regionais Eleitorais com jurisdição sobre o domicílio de cada um dos
392 Revista Eleições & Cidadania

representados, os quais, por sua vez, enviam os processos aos juízos


eleitorais. É o que se observa nas seguintes decisões:

REPRESENTANTE: SIGILOSO
REPRESENTADO: SIGILOSO
Ministro Gilson Dipp
Protocolo: 13.342/2011
DECISÃO
Consoante deliberado na sessão de 9.6.2011 (RP nº 981-40/
DF), declino da competência para o Tribunal Regional Eleitoral
com jurisdição sobre o domicílio do(s) representado(s).
Brasília, 09 de junho de 2011.
MINISTRO GILSON DIPP
RELATOR. (Publicada no DJe, Ano 2011, Número 111,
13.06.2011, pág. 38.)

REPRESENTAÇÃO Nº 982-25.2011.6.00.0000 BRASÍLIA-DF


REPRESENTANTE: SIGILOSO
REPRESENTADA: SIGILOSO
REPRESENTADO: SIGILOSO
Ministro Marcelo Ribeiro
Protocolo: 12.837/2011
[...]
No julgamento da Questão de Ordem na Representação nº
981-40, de relatoria da eminente Ministra Nancy Andrighi,
na sessão de 9.6.2011, decidiu esta Corte que a competência
para o julgamento das representações por doação irregular é
do juízo do domicílio do doador.
Diante do exposto, determino a remessa dos autos para o
Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo para que sejam
encaminhados ao Juízo zonal competente.
Publique-se.
Brasília-DF, 9 de junho de 2011.
Ministro Marcelo Ribeiro, relator. (Publicada no DJe, Ano
2011, Número 111, 13.06.2011, pág. 59.)

Registro, por fim, que, atenta ao pronunciamento da Corte


Superior, o Egrégio TRE/PA resolveu questão de ordem no mesmo
sentido já na sessão de julgamento de 14/06/2011, consignando,
inclusive, que cada relator decidirá monocraticamente pela remessa
dos feitos ao juízo competente. Os Membros daquela Corte Eleitoral,
a partir de então, têm declinado da competência em favor do juízo do
Jurisprudência Selecionada 393

domicílio do doador, determinando à Secretaria Judiciária que adote as


medidas necessárias à remessa dos autos de forma urgente à respectiva
Zona Eleitoral. É o que se depreende da decisão transcrita a seguir:

Decisões Monocráticas
PUBLICAÇÃO Nº 213/2011
REPRESENTAÇÃO Nº 183-89.2011.6.14.0000.
REPRESENTANTE: SIGILOSO
REPRESENTADO: SIGILOSO
DECISÃO
Trata-se de Representação ajuizada pelo MPE, com amparo
nos arts. 23 e §§, da Lei nº. 9.504/97; 1º, I, “p”, da LC nº.
64/90; e 16 e §§, da Resolução TSE nº. 23.217/2010, onde se
formulam pedidos de quebra de sigilo fiscal e condenação
pela doação de recursos acima do limite legal permitido.
DECIDO.
No último dia 09/06/11, o eg. TSE resolveu Questão de Ordem
na REP nº. 981-40, e decidiu por sua incompetência para a
apreciação das representações por doação acima do limite legal.
A solução baseou-se no fato de que as penalidades decorrentes
deste tipo de infração atingem exclusivamente a esfera
de direitos do doador, sem qualquer reflexo juridicamente
relevante para os candidatos. Considerou-se, ainda, que a
ampla defesa somente será exercida de forma plena se a ação
tramitar perante o juízo especializado do domicílio do doador.
Atenta ao pronunciamento da Corte Superior, este c. TRE/PA resolveu
questão de ordem no mesmo sentido já na sessão de julgamento
de 14/06/2011, consignando, inclusive, que cada relator decidirá
monocraticamente pela remessa dos feitos ao juízo competente.
Ante o exposto, DECLINO da COMPETÊNCIA em favor do
juízo do domicílio do doador, devendo a Secretaria Judiciária
adotar medidas necessárias à remessa dos autos de forma
urgente à respectiva Zona Eleitoral.
Belém, 14 de junho de 2.011.
Desembargador LEONARDO DE NORONHA TAVARES - Relator.

Em face do exposto, resolvo a Questão de Ordem no sentido


de negar seguimento ao pedido e declinar da competência para o juízo
do domicílio do doador, determinando o encaminhamento dos autos ao
juízo competente.
Com base neste precedente, fica autorizado cada relator a decidir
monocraticamente as representações por doação acima do limite legal,
394 Revista Eleições & Cidadania

relativas às eleições de 2010, que lhes forem distribuídas, devendo a


Secretaria Judiciária, após decisão dos relatores, seguida de notificação
do Procurador Regional Eleitoral, adotar as medidas necessárias à
remessa dos autos de forma urgente às respectivas Zonas Eleitorais,
para prosseguimento do feito.
É como voto.

E X T R A T O D A A T A

REPRESENTAÇÃO Nº 129-15.2011.6.18.0000 – CLASSE 42. ORIGEM:


TERESINA-PI. RESUMO: REPRESENTAÇÃO - ELEIÇÕES 2010
- RECURSOS FINANCEIROS UTILIZADOS EM CAMPANHA
ELEITORAL - PESSOA FÍSICA - DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE
LEGAL - PEDIDO DE LIMINAR - QUEBRA DE SIGILO FISCAL -
PEDIDO DE CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE MULTA

Representante: Ministério Público Eleitoral, pelo Procurador Regional Eleitoral


Representado: Jesimiel Lima Portela, doador pessoa física
Relator: Dr. Marcelo Carvalho Cavalcante de Oliveira

Decisão: RESOLVEU o Tribunal, por maioria, nos termos do voto do relator,


acolher a QUESTÃO DE ORDEM no sentido de negar seguimento ao pedido
e declinar da competência para o juízo eleitoral do domicílio do doador,
determinando o encaminhamento dos autos ao juízo competente, autorizando,
com base neste precedente, cada relator a decidir monocraticamente as
representações por doação acima do limite legal, relativas às eleições de 2010,
que lhes forem distribuídas, devendo a Secretaria Judiciária, após decisão dos
relatores, seguida de notificação do Procurador Regional Eleitoral, adotar as
medidas necessárias à remessa dos autos de forma urgente às respectivas Zonas
Eleitorais. Vencidos o Desembargador Haroldo Oliveira Rehem e o Doutor Luiz
Gonzaga Soares Viana Filho, que votaram pela suspensão do julgamento do
feito até a publicação do acórdão da decisão do TSE na RP Nº 98140.

Presidência do Excelentíssimo Senhor Desembargador Raimundo Eufrásio Alves Filho.


Tomaram parte no julgamento os Excelentíssimos Senhores: Desembargador
Haroldo Oliveira Rehem; Juízes Doutores – Luiz Gonzaga Soares Viana Filho,
José Acélio Correia, Manoel de Sousa Dourado e Jorge da Costa Veloso.
Presente o Procurador Regional Eleitoral, Doutor Marco Aurélio Adão.

SESSÃO DE 20.06.2011
395

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL


DO ESTADO DO PIAUÍ

A C Ó R D Ã O Nº 4383161
(10.10.2011)

AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO Nº 4383-


16.2010.6.18.0081 - CLASSE 2. ORIGEM: SANTO INÁCIO DO
PIAUÍ-PI (81ª ZONA ELEITORAL - CAMPINAS DO PIAUÍ).
RESUMO: RECURSO EM AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE
MANDATO ELETIVO - ELEIÇÕES DE 2008 - PREFEITO - VICE-
PREFEITO - CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO - ABUSO
DE PODER ECONÔMICO - ABUSO DE PODER POLÍTICO-
IMPROCEDÊNCIA - PEDIDO DE REFORMA DE DECISÃO

Recorrentes: Diretório Municipal do Partido Popular - PPS, por seu


representante legal, e Amaral de Araújo Moura Jesuino, candidato a
Prefeito de Santo Inácio do Piauí-PI
Advogados: Drs. Edson Vieira Araújo, Margarete de Castro Coelho e outros
Recorridos: Inácio Batista de Carvalho e Auro Aparecido de Carvalho,
Prefeito e Vice-Prefeito de Santo Inácio do Piauí-PI, respectivamente
Advogados: Drs. Raimundo de Araújo Silva Júnior, Armando Ferraz
Nunes e outros
Relator: Dr. Manoel de Sousa Dourado

RECURSO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO


ELETIVO. ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2008.
PRELIMINARES DE INTEMPESTIVIDADE E DE

1
Ac. 438316 – Publicado no DJE, de 13/10/2011
396 Revista Eleições & Cidadania

VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE.


REJEIÇÃO. MÉRITO. ABUSO POLÍTICO COM
CONTEÚDO ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE
SUFRÁGIO. COMPROVAÇÃO. POTENCIALIDADE
LESIVA DAS CONDUTAS. CANDIDATOS QUE
OBTIVERAM MAIS DE CINQUENTA POR CENTO
DOS VOTOS VÁLIDOS. NOVAS ELEIÇÕES.
PARCIAL PROVIMENTO. INELEGIBILIDADE. NÃO
CABIMENTO EM SEDE DE AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO
DE MANDATO ELETIVO. PARCIAL PROVIMENTO.
1. Preliminares de intempestividade e de violação ao princípio
da dialeticidade. Rejeitadas.
2. Comprovadas as demissões de pessoal da Administração
Municipal por motivos eleitoreiros.
3. Caracterizada a compra de voto de eleitor.
4. A captação ilícita de sufrágio se enquadra no conceito de
corrupção do art. 14, §10, da CF/88, sendo, ainda, permitida
sua apuração em sede de AIME sob a ótica do abuso de poder
econômico.
5. A declaração de procedência da Ação de Impugnação de
Mandato Eletivo com fundamento em captação ilícita de sufrágio
requer a demonstração da potencialidade lesiva, devidamente
comprovada no caso.
6. A conjugação dos dois fatos delineados, dada sua gravidade,
configuram a potencialidade no caso.
7. A procedência da AIME enseja a cassação do mandato
eletivo, não se podendo impor multa ou inelegibilidade, à falta
de previsão normativa. (AgR-REspe - Agravo Regimental em
Recurso Especial Eleitoral nº 5158657 - São Pedro do Piauí/
PI. Acórdão de 01/03/2011. Relator Min. Arnaldo Versiani Leite
Soares. Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo
87, Data 10/5/2011, Página 47).
8. Necessidade de realização de novas eleições, nos termos do
art. 224 do Código Eleitoral, tendo em vista que os recorridos
foram eleitos com mais de 50% dos votos válidos.
9. Recurso a que se dá parcial provimento.
Jurisprudência Selecionada 397

Vistos etc.

A C O R D A M os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral


do Estado do Piauí, por maioria, vencidos o relator e o Doutor Luiz
Gonzaga Soares Viana Filho, nos termos do voto divergente do
Desembargador Haroldo Oliveira Rehem e em consonância com o
parecer ministerial exarado às fls. 1043/1057 dos autos, rejeitar a
preliminar de intempestividade do recurso e, à unanimidade, nos
termos do voto do relator e acorde com o parecer ministerial, rejeitar
a preliminar de violação do princípio da dialeticidade para, no mérito,
à unanimidade, nos termos do voto do relator, em dissonância com
o parecer ministerial retificado na sessão de julgamento, conhecer
e dar parcial provimento ao presente recurso para reformar a
sentença guerreada e decretar a perda dos mandatos dos recorridos
INÁCIO BATISTA DE CARVALHO e AURO APARECIDO DE
CARVALHO, respectivamente eleitos para os cargos de Prefeito e de
Vice-Prefeito do município de Santo Inácio do Piauí-PI, com mais de
50% (cinquenta por cento) dos votos válidos, e determinar a realização
de novas eleições na municipalidade, nos termos do art. 224 do Código
Eleitoral. O Desembargador Haroldo Oliveira Rehem votou, ainda,
por que sejam encaminhadas cópias dos autos ao Procurador Regional
Eleitoral a fim de que sejam apurados possíveis ilícitos penais, e o
Doutor José Acélio Correia deixou de acompanhar o relator tão somente
quanto à captação ilícita do voto do eleitor Cristiano Alves da Silva.

Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do


Piauí, em Teresina, 10 de outubro de 2011.

DES. RAIMUNDO EUFRÁSIO ALVES FILHO


Presidente

DR. MANOEL DE SOUSA DOURADO


Relator

DR. MARCO AURÉLIO ADÃO


Procurador Regional Eleitoral
398 Revista Eleições & Cidadania

R E LA T Ó R I O

O JUIZ MANOEL DE SOUSA DOURADO (RELATOR):


Senhor Presidente, Senhores Juízes, Senhor Procurador Regional
Eleitoral e demais gradas pessoas.
Cuida-se de Recurso Eleitoral interposto pelo Diretório
Municipal do Partido Popular – PPS, por seu representante legal e
por Amaral de Araújo Moura Jesuino, candidato ao cargo de prefeito
de Santo Inácio do Piauí/PI, contra decisão do Juiz Eleitoral da 81ª
Zona, que julgou improcedente Ação de Impugnação de Mandato
Eletivo, ajuizada em oposição a Inácio Batista de Carvalho e Auro
Aparecido de Carvalho, respectivamente Prefeito e Vice-Prefeito
daquela municipalidade.
Os Recorrentes propuseram ação de impugnação de mandato
eletivo sob o fundamento de prática de abuso de poder político e
econômico e de fraude, atribuída aos impugnados durante o pleito
eleitoral de 2008.
Relacionaram como ilícitos perpetrados, as seguintes condutas:
a) demissão de servidores e prestadores de serviço da
Administração Municipal que teriam negado apoio aos impugnados;
b) a compra de voto do eleitor Cristiano Alves da Silva;
c) distribuição de bebidas alcoólicas em comícios aos
impugnados, com utilização de freezers vinculados ao Programa Fome
Zero;
d) utilização de veículos fretados pelo município, em atos de
campanha eleitoral do impugnado, inclusive em comícios e reuniões
políticas;
e) distribuição graciosa de dinheiro do erário municipal a
supostos prestadores de serviço de limpeza.
Concluíram pela subsunção de tais fatos aos artigos 41-A e 73,
I e IV da Lei das Eleições, restando caracterizado inclusive o abuso de
poder econômico.
Por fim, requereram a procedência do pleito, para desconstituir
os mandatos eletivos dos demandados; aplicar a inelegibilidade aos
mesmos, para as eleições que se realizarem nos próximos três anos após
Jurisprudência Selecionada 399

aquele pleito; bem como diplomar e empossar a segunda chapa mais


votada.
Às fls. 21/59, juntaram documentos.
Devidamente intimados, os impugnados apresentaram defesa.
Quanto à alegada demissão de servidores e prestadores de
serviço, caracterizadora de abuso político, em suma, entenderam não
ter sido comprovada, até porque as pessoas relacionadas nem mesmo
possuíam vínculo laboral com a Prefeitura, quer como servidores, quer
como prestadores de serviço.
Afastaram também a captação ilícita de sufrágio que lhes
foi imputada, negando inclusive que o primeiro impugnado tenha se
encontrado no dia do pleito com o eleitor Cristiano Alves da Silva,
oferecendo-lhe ajuda financeira em troca de seu voto.
No que se refere aos freezers que aparecem nas fotografias
acostadas, esclareceram que nenhum deles possuem o logotipo
da Prefeitura ou do Programa do Fome Zero, porque são todos de
propriedade particular, pertencentes aos comerciantes da cidade, que os
utilizam quando dos festejos e festas outras, colocando-os nas praças.
Ainda, asseveraram que a distribuição do leite do Programa Fome
Zero não é subordinada à Administração Municipal, e que a fotografia
constando quatro litros de leite com a logomarca do Programa Fome
Zero é uma montagem preparada.
Com relação à arguída distribuição de cervejas, aduziram que os
impugnantes não foram capazes de comprová-la.
Quanto à alegada utilização de veículo de uso exclusivo do
Gabinete do Prefeito, negaram que o mesmo tenha sido usado em
sua campanha eleitoral, observando que em nenhuma das fotografias
acostadas figuram pessoas entrando, descendo ou mesmo na carroceria
do veículo.
Afirmaram, ainda, que os gastos de limpeza da cidade de Santo
Inácio/PI são plenamente compatíveis, tendo sido, inclusive, aprovadas
as respectivas contas pelo Tribunal de Contas.
Sustentaram a inexistência de potencialidade lesiva, registrando
que obtiveram uma maioria de 553 (quinhentos e cinquenta e três) votos
em seu favor.
Outrossim, apontaram que nenhuma das testemunhas arroladas
400 Revista Eleições & Cidadania

pela parte autora possui isenção para depor em juízo, pois são todas
interessadas no resultado do desfecho da ação.
Por fim, requereram a improcedência do pleito.
Às fls. 75/112, acostaram documentos.
Às fls. 141/154, termo de audiência de instrução.
A seguir, as partes solicitaram diligências.
Às fls. 173/196, os impugnados novamente colacionaram
documentos.
Às fls. 201/203, o magistrado a quo se manifestou sobre as
diligências solicitadas.
Às fls. 222/293, repousa documentação.
Às fls. 297/306, novo termo de audiência de instrução.
Às fls. 326/726, cópia dos autos correspondentes à representação
nº 5181177.
Na sequência, os impugnados apresentaram alegações finais,
reiterando os argumentos já esposados e confrontando os depoimentos
testemunhais prestados.
Observaram que este Tribunal Regional Eleitoral, ao julgar
a Representação nº 152/2008, afastou a captação ilícita de sufrágio
discorrida na peça inaugural, em razão de contradições verificadas nos
depoimentos prestados naqueles autos, sendo que os impugnantes não
anexaram novas provas em relação a tais fatos.
A parte autora também apresentou alegações finais.
Em parecer opinativo, o Ministério Público Eleitoral atuante na
81ª Zona, pugnou pela cassação dos mandatos eletivos de Inácio Batista
de Carvalho e de Auro Aparecido de Carvalho.
Às fls. 865/878, decisão prolatada pelo Juiz da 81ª Zona
Eleitoral, julgando improcedente o pedido.
Inconformados, os impugnantes interpuseram recurso,
repisando, em suma, as alegações já aventadas, bem como pugnando
pelo conhecimento e provimento do apelo.
Por sua vez, os recorridos acostaram contrarrazões, aduzindo
a preliminar de intempestividade do recurso, diante da inexistência do
procedimento de apresentação do apelo, no ordenamento jurídico, qual
seja via correio eletrônico.
Ainda preliminarmente, arguiram a violação ao princípio
Jurisprudência Selecionada 401

da dialeticidade, já que o recurso não teria sido apresentado com os


fundamentos de fato e de direito que deram causa ao inconformismo em
relação à decisão prolatada, razão pela qual não deveria ser conhecido.
No mérito, entenderam que a sentença não merece ser
reformada, ressaltando a ausência de provas de condutas que pudessem
ser configuradas como captação ilícita de sufrágio e/ou abuso do poder
econômico, repisando os argumentos já suscitados.
Ao final, pleitearam, em caso de conhecimento do apelo, seu
improvimento.
Encaminhados os autos a este egrégio Tribunal, o Procurador
Regional Eleitoral pugnou pelo conhecimento e provimento do recurso,
para que seja reformada a sentença recorrida, com a cassação dos
mandatos eletivos outorgados a Inácio Batista de Carvalho e Auro
Aparecido de Carvalho, bem como a declaração de inelegibilidade
destes pelo prazo de três anos.
Ainda, considerando que os ora recorridos obtiveram mais de
50% (cinquenta por cento) dos votos válidos do Município, bem como a
ausência de efeito suspensivo dos recursos eleitorais, manifestou-se pela
determinação de imediato afastamento do Prefeito e do Vice-Prefeito de
Santo Inácio do Piauí/PI, com a designação de eleições suplementares
na forma do art. 224 do Código Eleitoral.
É o que havia a relatar.

V O T O

O JUIZ MANOEL DE SOUSA DOURADO (RELATOR):


Senhor Presidente, primeiramente, cumpre analisar a preliminar de
intempestividade do presente recurso, aventada pelos recorridos.
No ponto, aduzem os impugnados, em suas contrarrazões, que
o recurso é intempestivo, porque ajuizado via e-mail, instrumento que
não seria admitido no processo eleitoral.
Compulsando os autos, observo, às fls. 882/910 e fls. 881, que,
de fato, as razões do recurso foram apresentadas como documento
anexo de e-mail, no formato PDF.
No entanto, não verifico qualquer registro nos autos de
acontecimento apto a impedir o envio daquela peça via fax, procedimento
previsto pela Lei nº 9.800/99.
402 Revista Eleições & Cidadania

Dessa forma, mantenho meu posicionamento de que não é


legítimo o envio de petição por e-mail, por ausência mesmo de previsão
legal da hipótese, nos termos do entendimento do Superior Tribunal de
Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM


RECURSO ESPECIAL.
INTEMPESTIVIDADE. NÃO CONHECIMENTO.

1. O prazo para interposição do recurso especial começou


a correr no dia 18/04/2008, sexta-feira, pois, conforme
certidão de fl. 189, o dispositivo do acórdão dos embargos de
declaração foi publicado em 17/04/2008.
2. Contudo, a petição de recurso especial foi protocolada no dia
20/05/08 (e-STJ fl. 199), após esgotado o prazo recursal.
3. Esta Seção já pacificou o entendimento de que não é
admitido o envio de petição ao Tribunal por e-mail.
Ademais, esse não tem o condão de dilatar o prazo para
entrega da petição original, pois não configura meio
eletrônico equiparado ao fax, para fins da aplicação do
disposto no art. 1º da Lei 9.800/99. Precedentes: AgRg na
Rcl 4.198/MG, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe 10.06.11
e AgA 875.508/SC, Rel. Min. Paulo Furtado, DJe 14.09.09.
(grifado)
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1185922/MG, Rel. Ministro CASTRO
MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/08/2011, DJe
30/08/2011)

Nessa mesma esteira, o Colendo Tribunal Superior Eleitoral


vem preconizando que o correio eletrônico não é meio similar ao
fac-símile, não podendo ser utilizado com escopo na Lei nº 9.800/99
(AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO
DE DIPLOMA nº 664, Acórdão de 19/06/2007, Relator(a) Min. JOSÉ
AUGUSTO DELGADO, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 1,
Data 29/6/2007, Página 341).
Nos termos expostos, a despeito de entendimento contrário da
Jurisprudência Selecionada 403

maioria desta Corte Regional Eleitoral no julgamento do Recurso contra


Expedição de Diploma nº 1-13.2008.6.18.0028, acolho a preliminar de
intempestividade em apreço e, por consequência, deixo de conhecer o
presente recurso.
Os recorridos também suscitaram a preliminar de violação ao
princípio da dialeticidade, sob o fundamento de que os recorrentes
não teriam impugnado especificamente os fundamentos da sentença.
Entendo, contudo, que não merece guarida tal tese. Ocorre que,
em diversos trechos da peça recursal em apreço, a decisão guerreada é
atacada direta e expressamente:

Todavia, em labéu ao vasto conjunto de provas produzido, o


Meritíssimo Juiz de piso julgou improcedente a ação, o que
de nenhuma maneira se aceita, pois, como se fundamentará
a seguir, a autoridade primaz não enxergou a força das
ilegalidades dos Recorridos, ilegalidades estas eu (sic)
conspurcaram a vontade do eleitorado de Santo Inácio”.
[...]
“Aqui chama-se a atenção desta Corte que a sentença passou
pelo tema de passagem, nem sequer analisando o fato da foto
do celular, se resumindo a apontar contradições tangenciais
que não obscurecem o valor da testemunha, (sic) portanto,
deve também ser corrigida neste ponto”.
[...]
“Ressalta-se que a testemunha que fotografou o leite
derramado não foi levada em consideração pela decisão a quo
porque esta (sic) declarou que arrumou os sacos de leite para
fotografá-los”.
[...]
“A sentença, em atitude absolutamente desprendida da lógica
processual, considerou apenas as testemunhas que não viram
a distribuição de bebidas, novamente fechando os olhos,
desconsiderando as que, diante dele, narraram o fato como
verdadeiro”.
[...]
Todavia, mesmo diante de toda esta pujança probante, a
404 Revista Eleições & Cidadania

sentença livrou-se do argumento tão rápido quanto alguém


que recebe um objeto quente nas mãos e, [...] alegou que isso
não se trata de matéria eleitoral, mas sim de improbidade
administrativa.

Outrossim, ao final, a parte recorrente pugna pela reforma da


sentença.
Além disso, plenamente caracterizada a dialética do presente
apelo, uma vez que os recorridos apresentaram suas contrarrazões,
rebatendo as teses recursais.
A par do exposto, rejeito a preliminar.

DO MÉRITO

Consoante já exaustivamente relatado, os fatos imputados aos


recorridos, no apelo em exame, e então devolvidos à análise deste
Tribunal Regional Eleitoral, são os seguintes:

I - DISTRIBUIÇÃO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS EM


COMÍCIOS DOS IMPUGNADOS, COM UTILIZAÇÃO DE FRE-
EZERS VINCULADOS A PROGRAMA SOCIAL

Inicialmente, verifico que, se houve a utilização de freezers em


comício dos impugnados, esses freezers, ao menos diante das provas
dos autos, não eram vinculados ao Programa “Fome Zero”, como
querem fazer crer os recorrentes.
É que as fotografias que repousam às fls. 29/33 somente retratam
uma quantidade significativa de freezers da mesma cor, enfileirados,
sem qualquer logomarca, de onde não se depreende sequer de que
evento se trata.
Ademais, consta, às fls. 222, Ofício encaminhado pela Secretaria
Municipal de Assistência Social de Santo Inácio/PI, atestando que “não
é proprietária e nem possui nenhum freezer”, registrando, inclusive, que
o programa de distribuição de leite às famílias cadastradas no programa
social vem sendo executado desde 2004, sem qualquer ônus para aquela
municipalidade.
Jurisprudência Selecionada 405

Afastada a utilização de freezers vinculados a programa social,


também não restou comprovada a distribuição de bebidas alcoólicas
pelos impugnados. Sobre o argumento, as testemunhas assim se
manifestam:

SR. CLEMENTINO VIRGÍNIO DA SILVA – informante (fls. 144):


[...] Que não viu os impugnados distribuindo bebidas,
refrigerantes, agua mineral nos freezers.

SR. LÍVIO AURÉLIO ALVES BATISTA (fls. 146):


[...] Que não viu o Sr. Inácio e nem o Sr. Auro destribuindos
(sic) bebidas no dia do comício ou outras oportunidades.

SR. INÁCIO DE SOUSA MARTINS FILHO (fls. 148):


[...] Que não viu os impugnados distribuir pessoalmente
bebidas ou dinheiro aos eleitores durantes a campanha [...].

SR. FRANCISCO SANTANA (fls. 151/152):


[...] Que não viu os impuganados (sic) distribuindo as bebidas
armazenadas nos freezers que estavam na praça no dia do
comício [...].

SR. FRANCISCO ENOQUE ALVES FEITOSA (fls. 154):


[...] Que não sabe informar e nem viu se o sr. Inácio ou o Sr.
Auro distribuiu dinheiro ou bebidas em troca de votos [...] Que
o depoente viu a venda de bebidas estavam (sic) armazenadas
nos freezers localizados na praça no dia do comício [...].

A par do exposto, por ausência de elementos probantes, afasto a


alegação em apreço.
II - UTILIZAÇÃO DE VEÍCULOS FRETADOS PELO
MUNICÍPIO, EM ATOS DE CAMPANHA ELEITORAL DO IM-
PUGNADO, INCLUSIVE EM COMÍCIOS E REUNIÕES POLÍ-
TICAS

Primeiramente, observo que as fotos que repousam às fls. 24/26


não servem para comprovar o alegado. Nelas figuram tão somente o
mesmo veículo, sem qualquer logomarca ou indicativo de estar à
disposição da Prefeitura do município em questão, carregando caixas
406 Revista Eleições & Cidadania

de papelão; não se vislumbrando a partir daí se tratar de ilícito eleitoral,


nem o emprego de tais veículos em atos de campanha, quanto mais seu
uso no alegado transporte de eleitores.
Também os depoimentos testemunhais não são aptos a
caracterizar a acusação dos recorrentes. Senão vejamos:

SR. CLEMENTINO VIRGÍNIO DA SILVA – informante (fls. 144):


[...] Que o Dr. Pedro todas as quintas feiras vinha a
Santo Inácio do Piauí conduzindo um veículo de marca
Hilux, de cor branca, que prestava serviço ao município
de Santo Inácio do Piauí; que este mesmo veículo foi
flagrado no dia do comício do impugnado parado no local
do evento carregado de fogos; [...] que confirma que o carro
da marca Hilux que aparece na fotografia de de fls. 24/25/26
era o mesmo utilizado por Dr. Pedro e que prestava serviço
ao município de Santo Inácio do Piauí; [...] Que não viu os
fogos que estavam no veículo pertencente ao Sr. Dr. Pedro
sendo retirados, e que o veículo estava estacionado na praça;
Que tem certeza que as caixas estavam no veículo eram de
fogos, mas não chegou a abri-las; [...] Que não sabe informar
se outros veículos pertencentes a prefeitura estavam sendo
utilizados a serviço do impugnado.

SR. LÍVIO AURÉLIO ALVES BATISTA (fls. 145/146):


[...] Que o veículo que aparece nas fotografias de fls.
24/26 pertence ao ex-prefeito da cidade de Santo Inácio
do Piauí, conhecido por Pedro Nolasco; [...] Que o Sr. Pedro
usava o carro que aparece nas fotos de fls. 26 na campanha
do impugnado; [...] Que nunca viu o Sr. Pedro Nolasco
transportando eleitores no seu carro; [...].

SR. INÁCIO DE SOUSA MARTINS FILHO (fls. 148):


[...] Que conhece o carro que aparece na fotografia de fls. 24 a
26 e que o mesmo pertence ao Sr. Pedro Nolasco [...].

SR. FRANCISCO ENOQUE ALVES FEITOSA (fls. 154):


[...] Que não sabe informar e nem nunca viu o Sr. Pedro
Nolasco transportando pessoas no seu veículo [...].

Observa-se que a maioria das testemunhas afirma que o veículo


constante nas já mencionadas fotos é de propriedade do então Prefeito
Jurisprudência Selecionada 407

àquela época, de forma que o único documento capaz de comprovar o


contrário, às fls. 27, relativo “a pagamento de aluguel e uma caminhoneta
huluz (sic) à disposição da Secretaria de Administração”, emitido pela
Prefeitura de Santo Inácio do Piauí, não traz informações essenciais
para se concluir que se trata do mesmo veículo, como por exemplo, a
placa do mesmo.
Além disso, nenhum dos depoentes sustenta ter visto o transporte
de eleitores, como alegado, de forma que, também por inexistirem
provas nos autos, afasto o arguído.

III - DISTRIBUIÇÃO GRACIOSA DE DINHEIRO DO


ERÁRIO MUNICIPAL A SUPOSTOS PRESTADORES DE
SERVIÇO DE LIMPEZA

Como se observa às fls. 40/59, bem como às fls. 223/244, o


dinheiro que os recorrentes alegam ter sido “distribuído”, em verdade
se refere a pagamento previsto em contrato, formalizado, inclusive, de
prestação de serviço de limpeza, ao município de Santo Inácio do Piauí/
PI, vigente durante todo o ano de 2008. Inexiste nos autos qualquer
prova, nem mesmo testemunhal, que demonstre que tais pagamentos
ocorreram com finalidade eleitoreira.
Assim, afasto também esse argumento.

IV - DEMISSÃO DE SERVIDORES E PRESTADORES DE


SERVIÇO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL QUE TERIAM
NEGADO APOIO AOS IMPUGNADOS
No ponto, assevero, na esteira das ponderações do Ministério
Público Regional Eleitoral, a legalidade e legitimidade da oitiva das
testemunhas indicadas na fase de diligências pela parte autora (fls.
161/162, 202 e 297/306), a despeito de sua impugnação pelos réus,
tanto no momento da produção da prova (fls. 297/300), quanto na
oportunidade da apresentação de suas contrarrazões (fls. 1002).
Ocorre que, embora não tenham sido arroladas na petição
inicial, as pessoas ouvidas, naquela fase de diligências, sobre a alegada
interrupção de seus vínculos de trabalho com a Prefeitura, por motivos
408 Revista Eleições & Cidadania

eleitoreiros, foram de forma direta ou indireta mencionadas nos


depoimentos de fls. 143/144, 145/147, 148 e 153/154, o que demonstra
a relevância de tal oitiva.
Outrossim, há de se considerar que o Juiz pode, em
fase de diligências, determinar que testemunhas sejam ouvidas,
independentemente de referência nos depoimentos da audiência de
instrução, a requerimento das partes ou de ofício, nos termos dos §§ 1º
e 2º do art. 5º da LC nº 64/90, aplicáveis às Ações de Impugnação de
Mandato Eletivo.
Prosseguindo, observo que inexistem documentos no autos que
comprovem vínculo formal de trabalho com a Prefeitura, no ano de 2008,
por parte daquelas pessoas que teriam sido desligadas por razões eleitoreiras.
Contudo, adotando o entendimento esposado pelo Ministério
Público Regional Eleitoral em seu parecer, assevero, ao contrário
do que pretendem os impugnados, que a ausência de documentos do
ano de 2008, comprovando o vínculo de trabalho entre a Prefeitura e
aqueles eleitores, não afasta a alegação dos impugnantes em apreço. É
que, conforme se observará, os vínculos de trabalho se constituíram na
informalidade, a título de “serviço prestado”, modalidade de admissão
de pessoal no serviço público que, a despeito de irregular, ainda costuma
ser utilizada em escala significativa nos municípios piauienses.
A própria defesa, em trecho às fls. 64, admite que a Prefeitura de
Santo Inácio do Piauí/PI, na gestão vigente do pleito de 2008, se utilizou
da contratação de serviço de pessoal a título de “serviço prestado”.
Ainda, os documentos apresentados com a petição inicial, às fls. 21/23,
demonstram que, ainda em 2006 e 2007, houve contratação, mesmo que
a título precário, informal, pela Prefeitura, de duas daquelas pessoas
alegadamente “demitidas” por razões eleitoreiras, constituindo indício de
prova a corroborar os depoimentos testemunhais. Senão vejamos:

JOSÉ DE ANDRADE SANTANA:


[...] que o Sr. Claudinho e o Dr. Pedro foram que conseguiram
o emprego; que não era concursado da Prefeitura; [...] que
trabalhava para a prefeitura, mas que não tinha contrato de
trabalho; que nunca assinou nenhum recibo, nem folha de
pagamento da prefeitura referente ao salário que ganhava [...].

MARIA DE FÁTIMA SOUSA DE FARIAS:


[...] que trabalhou como zeladora do hospital de Santo Inácio
por quatro anos, [...] que não era e nunca foi concursada da
Prefeitura de Santo Inácio [...].
Jurisprudência Selecionada 409

ELÍSIO DE ANDRADE SANTANA:


[...] que não é e nunca foi concursado da Prefeitura de Santo
Inácio; [...] que foi designado para trabalhar pela Prefeitura
‘de boca’ [...].

JOSÉ FRANCISCO VELOSO:


[...] que trabalhava como vigia de praça da Prefeitura de Santo
Inácio; que não era concursado; [...] que nos oito anos que
trabalhou para a Prefeitura nunca assinou qualquer documento,
que nunca assinou recibo ou folha de pagamento [...].

Ademais, é por meio também dos depoimentos testemunhais que


se depreende a finalidade eleitoreira das “demissões” de tais pessoas:

JOSÉ DE ANDRADE SANTANA:


[...] que foi demitido pelo Sr. Claudinho, filho do impugnado
Inácio Batista de Carvalho; [...] que tem certeza que foi demitido
da função de vigia de poço por ter comparecido à convenção
da coligação do impugnante que apontou o seu nome para
concorrer à Prefeitura de Santo Inácio do Piauí; que no caminho
para a convenção encontrou o Sr. Adalto, tendo o mesmo lhe
dito para não ir para a convenção; que o Sr. Claudinho e o Dr.
Pedro foram que conseguiram o emprego; [...] que o Sr. Pedro,
na época Prefeito de Santo Inácio do Piauí, apoiou o Sr. Inácio
para Prefeito; que o Sr. Pedro é sobrinho do Sr. Inácio; que
o Sr. Adalto, vereador em Santo Inácio, apoiou o Sr. Inácio
para Prefeito; que foi admitido no dia 01.04.2005 quando o Dr.
Pedro recebeu a Prefeitura; que foi demitido no fim de junho
do ano da eleição municipal que tinha como candidato o Sr.
Inácio Batista, que o ano era 2008; que foi o próprio Claudinho
pessoalmente que demitiu o depoente [...].

MARIA DE FÁTIMA SOUSA DE FARIAS:


[...] que trabalhou como zeladora do hospital de Santo Inácio
por quatro anos, que não se recorda bem, mas sabe que foi
demitida entre os meses de junho/julho de 2008 da Prefeitura;
[...] que entre junho/julho de 2008 teve uma convenção do
Sr. Amaral, mas que não chegou a participar; que apesar de
não participar a depoente ficou de longe olhando, que ficou
de longe olhando porque não era do partido do Sr. Amaral;
[...] que o Sr. Idelfonso, Secretário do hospital foi quem lhe
demitiu; que tem certeza que o Sr. Idelfonso apoiava o Dr.
Pedro [...].
410 Revista Eleições & Cidadania

ELÍSIO DE ANDRADE SANTANA:


[...] que o Sr. Adalto disse ao depoente que se não apoiasse
o Sr. Inácio perderia muita coisa; que tem certeza que foi
demitido da Prefeitura onde trabalhava como vigia de praça
porque não apoiou o Sr. Inácio para Prefeito; que foi o Sr.
Claudinho que demitiu o depoente; [...] que foi dispensado
mais ou menos um mês antes das eleições [...].

JOSÉ FRANCISCO VELOSO:


[...] que foi demitido no mês de julho do ano das eleições
municipais; que o Sr. Claudinho foi quem demitiu o depoente
[...].

Assim, os testemunhos atestam que os desligamentos dos


sobreditos depoentes de postos de trabalho na Prefeitura de Santo Inácio
do Piauí/PI tiveram motivação eleitoreira, pois ocorreram no período
eleitoral (entre junho e julho do ano de 2008), noticiada por uma pessoa
diretamente ligada ao impugnado (Sr. Claudinho) e em decorrência de
manifestações políticas dos envolvidos em contrariedade aos interesses
dos impugnados.

Ao final, registro que a natureza precária e até mesmo ilegal dos


vínculos de trabalho, por óbvio, não descaracteriza o ilícito eleitoral já
constatado. Como tão bem conclui, mais uma vez, o parecer ministerial,
a supressão do sustento das famílias daqueles eleitores, mantidas pelo
trabalho informal na Prefeitura, como represália à opção política
destes, caracteriza abuso de poder político de conteúdo econômico, até
mesmo porque a repercussão de tais afastamentos na comunidade local,
especialmente em pequenos municípios como Santo Inácio do Piauí/PI,
pode sim ter alterado o resultado do pleito em questão.

V - A COMPRA DE VOTO DO ELEITOR CRISTIANO


ALVES DA SILVA

Senhores julgadores, este fato foi analisado por esta Egrégia


Corte Eleitoral em 23.11.2009, e, a despeito do voto vencedor em
sentido contrário, adoto como razões de decidir, ipsis litteris, o voto
vencido proferido pelo Juiz Marcelo Carvalho Cavalcante de Oliveira:
Jurisprudência Selecionada 411

A questão que se coloca à análise do Judiciário é a suposta


ocorrência de captação ilícita de sufrágio, prevista no art.
41-A da Lei n° 9.504/97, perpetrada pelo candidato a Prefeito
nas eleições de 2008, Sr. Inácio Batista de Carvalho, através
de promessa de passagem e de entrega de dinheiro ao eleitor
Cristiano Alves da Silva, com o fim de obter-lhe o voto.
Para confirmar o cumprimento do acordo, o eleitor deveria
apresentar fotografia do Representado na urna, obtida por
meio de câmera de aparelho celular.
A tese apresentada pelos Recorrentes funda-se na negação
da prática da referida conduta ilícita ou de qualquer outra
que pudesse macular a legitimidade do pleito eleitoral, na
ausência dos elementos caracterizadores da captação ilícita
de sufrágio, bem como nas contradições e inconsistências da
prova testemunhal, que teria sido o único fundamento para
o julgamento de procedência da Representação. Aduzem,
ainda, que a ação se baseou em único fato, que na verdade
não ocorreu, mas teria sido arquitetado pelos opositores dos
Recorrentes, inconformados com a derrota nas urnas. Alegam
que as fotografias destinadas à comprovação do suposto acerto
financeiro entre o eleitor e o primeiro Recorrente não são
relativas àquelas constantes na urna eletrônica, advindo daí sua
imprestabilidade como prova.
Por sua vez, o Recorrido sustenta que logrou se desincumbir
do ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito,
restando presentes, no caso, todos os requisitos apontados
pela doutrina e pela jurisprudência para a configuração
do tipo previsto no art. 41-A da Lei n° 9.504/97. Assevera
que as testemunhas confirmaram o fato narrado pelo eleitor
Cristiano e que as divergências encontradas nos depoimentos
não comprometem a veracidade do fato de que houve a
compra de voto. Aduz que as fotos constantes do celular são
exatamente aquelas oferecidas pelos Recorrentes para fins de
inseminação da urna eletrônica.
Inicialmente, convém esclarecer que o material probatório
cuja análise servirá para o deslinde do presente caso é formado
pelas declarações de fls. 08 e 19, subscritas pelo eleitor
envolvido na alegada compra de voto, pelos depoimentos
das testemunhas e do próprio eleitor supostamente aliciado,
constantes nos termos de audiência de fls. 65/78 e 99/104,
pelas fotografias de fls. 09/10 e 87/88, bem como pelos
documentos fornecidos pelo Cartório Eleitoral, às fls. 82/86.
Nos termos insculpidos no art. 41-A da Lei n° 9.504/97,
412 Revista Eleições & Cidadania

são consideradas captação ilícita de sufrágio as seguintes


condutas, in verbis:
Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos,
constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o
candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor,
com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de
qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública,
desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive,
sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do
registro ou do diploma, observado o procedimento previsto
no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.
(Incluído pela Lei nº 9.840, de 28.9.1999)

Infere-se do referido artigo, que deve ser interpretado em


consonância com a construção jurisprudencial que, paulatinamente,
procurou caracterizar a atitude de captação ilícita de votos, que os
elementos constitutivos da hipótese de incidência do ilícito são a prática
de uma ação (doar, oferecer, prometer ou entregar); a existência de uma
pessoa física (eleitor); o resultado a que se propõe o agente, que se
traduz no fim específico de obter o voto do eleitor; a participação direta
ou indireta do candidato; e o lapso temporal, sendo que sua incidência
pode ocorrer desde o período de registro de candidatura até a data das
eleições.
A fim de analisar a subsunção dos fatos que ensejaram o
ajuizamento da presença demanda à norma contida no dispositivo
acima transcrito, passo à análise do conjunto probatório colacionado
aos autos, especialmente da prova testemunhal, destacando os trechos
mais importantes do depoimento do eleitor envolvido na compra de
votos e das testemunhas:
Depoimento do eleitor CRISTIANO ALVES DA SILVA (fls. 67/69):

[...] que no dia 02 de outubro o réu foi na casa do depoente


por volta das 02:00 horas da tarde, que o réu nesse dia
ofereceu e deu R$ 50,00 reais ao depoente em troca de seu
voto; que a testemunha Genival logo após se encontrou com
o depoente e este mostrou-lhe a cedula dada pelo réu; que
o dinheiro foi dado pelo réu e este pediu que o depoente
votasse em si; que fora Genival ninguém mais presenciou
o fato; que alem do dinheiro o réu disse ao depoente que
se houvesse confirmação do voto ajudaria arrumando
Jurisprudência Selecionada 413

um serviço em Santo Inacio do Piauí ou ajudaria o réu a


voltar para São Paulo; que o depoente chegou em Santo
Inácio vindo de São Paulo em 30 de setembro de 2008; que
passou 01 ano em São Paulo; [...] que votou no réu; que
não sabe quem revelou a foto de fls. 09; que tirou a foto de
fls. 09 no dia 05 de outubro na hora em que estava votando;
que não sabia que era crime receber dinheiro em troca de
voto; que mesmo sabendo agora que sua conduta constitui
crime confirma todo depoimento dado; que aceitou dinheiro
porque é carente e dele precisa; [...]; que não se lembra do
dia em que compareceu em cartório para dar a denuncia;
que conversou sobre o assunto com seus amigos Genival e
Francisco Fernandes (Antonio); que no dia 02 de outubro
o depoente recebeu promessa do réu de 01 passagem para
que ele voltasse para São Paulo; que confirma que recebeu
o R$ 50,00 reais de Inácio; que nessa hora estava com Inácio
e a vereadora Hosana, prima do depoente; [...]; que o réu
naquele ato apenas pediu voto para si; [...] que não sabia que
era proibido entra (sic) na seção com celular; que não possui
mais o celular em que tirou a foto de fls. 09; que o celular
foi emprestado a um amigo de apelido Pelega; que Pelega
iria levar o celular para a Justiça Eleitoral; que Pelega se
trata de Elson; que não sabe dizer a onde esta (sic) o celular
atualmente; que tem certeza que não recebeu dinheiro para
entregar o celular;[...]; que depois que entregou o celular
foi procurado por Alciomar e Valdinar; que tais pessoas são
ligadas politicamente ao réu; que tais pessoas lhe procuraram
para que fosse assinados (sic) alguns papeis; que não sabe
dizer de que se tratava tais papeis, nem o que neles estavam
escritos; que chegou assinar os ditos papeis; que sabe ler
um pouco mas não sabe dizer o que estava escrito no ditos
papeis; que assinou os papeis por conta da pressão e porque
teve medo; que a pressão veio de Alciomar e Valdinar; que tal
fato ocorreu no começo deste ano; que o dito papel se trata
do documento de fls. 19 sem que nele contivesse o carimbo
e o selo de autenticidade; [...] que a fotografia do réu dos
materiais de campanha era diferente daquela constante a fls.
10, pois no material do réu parecia de chapéu; [...] que tirou
a foto da urna eletrônica para comprovar para o réu que
nele tinha votado; que não sabia que o elitor (sic) pode voltar
atrás no voto e depois visualizar a fotografia do candidato.
[...] que recebeu os R$ 50,00 reais do réu dentro de sua casa,
na cozinha; que Genival e Antonio viram o réu entrando em
414 Revista Eleições & Cidadania

sua casa naquele dia; que Genival e Antonio não entraram


naquele dia; que Genival estava na calçada de sua casa e
Antonio estava na casa dele que é encostada na do depoente;
que na casa do depoente este estava só; que o fato ocorreu
na casa da avó do depoente e nela somente morava a dita
avó; que o réu pediu a prova do voto e o depoente resolveu
que provaria tirando a foto; que a vereadora Hosana entrou
com o réu, cumprimentou o depoente e depois se retirou; que
Genival e Antonio viram a vereadora Hosana entrando na
dita casa; [...] que não se lembra quem pediu que o depoente
assinasse a declaração de fls. 08, que assinatura nele contida
é do depoente; que o documento de fls. 08 foi assinado pelo
depoente sem ser em branco e não tem certeza se no ato da
assinatura se havia o carimbo e o selo de autencidade (sic);
[...] que confirma que a promessa e o dinheiro recebidos
o foram no dia 02 de outubro e não no dia 05 de outubro
como consta no documento de fls. 08; [...] que não recebeu
dinheiro e nem promessa para assinar o documento de fls.
08. [...] que a fotografia foi tirada a menos de um palmo da
urna eletrônica; que na fotografia somente foi enquadrada
a foto do candidato; que na foto da urna o réu estava sem
chapéu; que na hora da fotografia somente apareceu o rosto
do réu; que o candidato a vice na chapa do réu era Auro; que
no momento da fotografia somente estava aparecendo o rosto
do réu e não estava aparecendo o rosto do vice; [...] que a
pressão feita por Valdinar e Alciomar residiu em dizerem ao
depoente que seus parentes poderiam ser demitidos e que o
depoente poderia ser preso [...]

Depoimento de ELSON FEITOSA DA SILVA, dispensada de


compromisso e inquirida como informante (fls. 67/69):

[...] que não presenciou contato pessoal entre o réu e a


testemunha Cristiano; que não chegou a ver o réu entrando
na casa da testemunha Cristiano; que Cristiano votou no
réu nas últimas eleições; que soube tal fato porque Cristiano
lhe falou mostrando a foto do réu em um celular; [...] que o
réu deu R$ 50,00 reais para Cristiano e se comprometeu para
dar o restante quando houvesse confirmação do voto; que
Cristiano não disse em que consistia o restante; que o tio do
depoente foi quem disse que Cristiano teria tirado a foto do
réu na urna de seu celular; que seu tio se chama Antonio
Fernandes; que procurou ristiano (sic) em sua casa porque
Jurisprudência Selecionada 415

pelo entendimento do depoente tal fato seria crime; que não


procurou nenhuma autoridade para denunciar tal crime;
que Cristiano disse ao depoente que tirou para provar o voto
e receber ajuda prometida pelo réu; que quando soube disso
convenceu Cristiano de denunciar o fato; que no dia seguinte
foi com o Cristiano no cartório de Santo Inácio; que logo em
seguida foi com o Cristiano na casa do advogado Vinicius e
o celular foi entregue; que antes de ir na casa do advogado
o depoente e Cristiano foram ao cartório de Santo Inácio;
que no cartório de Santo Inácio foi feito um documento
e reconhecida a firma; que a idéia de ir ao cartório foi do
informante; [...] que as duas fotos de fls. 09/10 foram tiradas
por Cristiano e o depoente as viu no celular não sabe dizer
porque as fotos foram tiradas de distancias diferentes;
[...] que acha que atualmente o celular deva estar com o
Cristiano; [...] que quando Cristiano mostrou a foto ao
depoente disse que seria do telefone celular de sua sobrinha;
que antes de reveladas as fotos Cristiano disse ao depoente
que a dita sobrinha estava perguntando por seu celular;
que o depoente disse a Cristiano nessa hora que o celular
seria devolvido após o depoente e o advogado Vinicius terem
revelado a foto; [...] que não chegou a comprar o celular
para sobrinha de Cristiano; que não sabe se alguém chegou
a comprar o aparelho para a sobrinha de Cristiano; que
não sabe porque tal fato foi mencionado no depoimento de
Cristiano; que confirma que o documento de fl. 08 foi feito
em cartório na presença de Cristiano;[...] que a promessa e o
dinheiro feita pelo réu a Cristiano ocorreu entre os dias 28/29
de setembro, assim que Cristiano chegou de São Paulo; que
não se lembra bem quanto tempo depois das eleições teve a
conversa com o Cristiano [...]

Depoimento da testemunha do Representante, ANTÔNIO


FRANCISCO FERNANDES (fls. 73/74):

[...] que viu o réu entrar na casa da avó de Cristiano entre os


dias 29/30 do mês de setembro do ano passado; que tal fato
deu (sic) antes do dia das eleições; que o réu no dia se dirigiu
diretamente a casa da avó de Cristiano; que no momento
da entrada do réu não sabia o motivo da visita; que viu o
momento da saída do réu na dita casa; que não chegou a
ouvir a conversa dos dois; que o réu permaneceu dentro
da casa entre 20 e 30 minutos; que o réu entrou na casa
416 Revista Eleições & Cidadania

junto com a vereadora Hosana; [...] que Cristiano logo após


a saída do réu da casa de sua avó disse ao depoente que o
réu havia lhe dado R$ 50,00 reais; que Cristiano mostrou ao
depoente a dita nota; que Cristiano disse ao depoente que
depois da eleição haveria mais recompensa; que Cristiano
não chegou a mencionar que tipo de recompensa seria; que
o réu pediu quando deu o R$ 50,00 reais a Cristiano que este
votasse no réu; [...] que Genival também presenciou a dita
cena; que depois da eleição Cristiano mostrou duas fotos
em um celular com o rosto do réu e de Cirano; [...] que acha
que Cristiano mostrou-lhe a nota de R$ 50,00 reais na sexta
feira a tarde antes das eleições; que quando o réu entrou
na casa da avó de Cristiano nela já estava Genival, mas o
depoente não tem certeza se o Genival permaneceu dentro
da casa após a entrada do réu; [...] que não presenciou
nenhuma outra visita de candidato em casa de eleitores;
[...] que as fotografias de campanha de Cirano retratavam
a mesma feição de fls. 09 e as fotografias de campanha de
Inacio eram diferentes da de fls. 10 pois nas de campanha
ele aparecia de chapéu; [...].

Depoimento da testemunha do Representante, GENIVALDO


DE QUADROS FIGUEREDO (fls. 75/76):

[...] que viu a visita feita pelo réu a casa da avó de Cristiano;
que o réu estava de jeep na companhia de Hosana e do
marido desta; que o jeep parou na frente da casa da avó de
Cristiano; que estava dentro da casa da avó de Cristiano e
o depoente viu quando nela adentraram Inácio, Hosana e o
marido de Hosana; que logo que entrou Inácio deu boa tarde
e disse que queria conversar com Cristiano e com Teresa, avó
de Cristiano; que nessa hora foram para a cozinha Inácio,
Hosana e seu marido; que na sala da casa apenas ficou o
depoente; que no momento da chegada dos três na casa da
avó de Cristiano nela estavam o depoente, Cristiano e avó
deste; que da sala a onde (sic) estava o depoente não dava
para ouvir a voz de quem estava conversando na cozinha;
que na hora que as pessoas se dirigiram para a cozinha o
depoente saiu da casa, ficando na frente da casa; [...] que
depois que saíram as pessoas da casa, Cristiano não disse ao
depoente o que havia acontecido; que Cristiano não disse ao
depoente o que havia recebido ou que havia sido prometido
em favor daquele; que tal fato ocorreu antes das eleições, mas
Jurisprudência Selecionada 417

ou menos pelo dia 02 de outubro, na parte da tarde, por volta


das 14:00 horas; que no dia seguinte a visita Cristiano disse
ao depoente que o réu teria dado R$ 50,00 reais a Cristiano
na dita visita; que Cristiano não chegou a mostrar a nota
ao depoente; [...] que dois dias depois da eleição Cristiano
mostrou uma fotografia em um celular para o depoente;
que Cristiano disse ao depoente que tinha tirado a foto
para confirmar seu voto no candidato Inácio; que Cristiano
mostrou a foto de Inacio em seu celular; que não sabe se foi
tirado uma ou duas fotos por Cristiano; que o depoente viu
no celular as duas fotos de fls. 09/10; que se tratavam das
mesmas fotos contidas no celular; que o celular era de um
prima de Cristiano; [...] que ninguém tentou influir no seu
depoimento; [...] que ninguém tentou convencer o depoente a
não vir prestar depoimento; [...] que Cristiano foi uma única
vez a São Paulo, passou onze meses e voltou no dia 28 de
setembro; [...].

Quanto ao depoimento da testemunha referida, MARIA DE


FÁTIMA DOS SANTOS (fls. 102/104), inquirida como informante,
embora não tenha trazido maiores esclarecimentos sobre a prática ilícita
imputada ao candidato, trouxe alguns detalhes sobre a declaração com
efeito anulatório de fl. 19, prestada pelo eleitor aliciado com o fim de
tentar desconstituir a declaração de fl. 08, que noticiou a compra do
seu voto. Segundo ela, Cristiano não foi forçado a assinar a declaração,
entretanto, o documento teria sido levado por uma das pessoas que
o eleitor afirma que o pressionou para assinar papéis cujo conteúdo
desconhecia. Senão vejamos os seguintes excertos do depoimento, in
verbis:
[...] que é tia de CRISTIANO ALVES DA SILVA; que conhece a
declaração de fl. 19; que não se lembra da última vez que leu a
declaração de fl. 19, mas a leu na companhia de CRISTIANO;
que a ultima vez que leu a declaração foi no dia em que ela foi
assinada por CRISTIANO; que reconheceu o documento pela
sua assinatura; que também estava presente no ato ALCIOMAR,
secretário de saúde; [...] que CRISTIANO não tem condição
de fazer um documento como o de fl. 19; que a intenção do
documento de fl. 19 era desfazer documento anterior assinado
por CRISTIANO; [...] que ALCIOMAR levou o documento
de fl. 19 para CRISTIANO e a depoente assinarem; que o
418 Revista Eleições & Cidadania

documento foi assinado na casa de CRISTIANO pelo dois (sic);


[...] que CRISTIANO não foi forçado a assinar o documento de
fl. 19; que CRISTIANO não foi forçado a reconhecer a firma em
Campinas do dito documento; [...]

Observo, a partir dos depoimentos colhidos em juízo, que há


convergência das declarações quanto ao fato de que o Recorrente, Sr.
Inácio Batista de Carvalho, entregou quantia em dinheiro ao eleitor
Cristiano Alves da Silva, bem como prometeu passagem para São
Paulo, no intuito de obter-lhe o voto, caracterizando o dolo específico
insculpido no art. 41-A da Lei nº 9.504/97.
Possível chegar a essa conclusão porque, inclusive, as alegações
dos Recorrentes não negam especificamente a visita do candidato
ao eleitor, confirmada pelas testemunhas, restringindo-se a negar
genericamente a prática de qualquer conduta ilícita, ao argumento
de que o fato teria sido arquitetado pelo Recorrido, e a contestar os
testemunhos com base em contradições relativas a circunstâncias
secundárias, como dia do fato, lugar, destinação do celular utilizado
para fotografar a imagem do candidato na urna eletrônica.
Entretanto, não há nos autos elementos indicativos de que o
fato foi arquitetado pelo Autor, porque, ainda que isso fosse possível
de ocorrer, os Representados não produziram quaisquer provas para
desmascarar o alegado, como por exemplo depoimentos com outra versão
dos fatos noticiados pelas testemunhas arroladas pelo Representante.
Em verdade, a única testemunha arrolada pelos Representados que
compareceu à audiência não foi inquirida, uma vez que foi aceita a sua
contradita. Verifica-se, portanto, que de um lado brotam declarações
acerca da prática da captação ilícita, enquanto de outro faltam elementos
para negá-las.
Quanto às contradições apontadas pelos Recorrentes, relativas
aos desencontros entre a declaração de fl. 08, subscrita pelo próprio
eleitor e registrada em cartório, e o depoimento que ele prestou em juízo,
bem como entre as declarações das testemunhas, verifico que, realmente,
há inconsistências, entretanto, apenas com relação a aspectos fáticos
periféricos, que não afastam o fato principal consistente na captação
ilícita do sufrágio categoricamente afirmada pelo eleitor e confirmada
por testemunhas, cujas declarações convergem quanto à essência do fato
Jurisprudência Selecionada 419

que levou ao juízo de condenação. Nesse sentido, andou bem o julgador


de primeiro grau quando, não acolhendo a pretendida desqualificação
da idoneidade dos testemunhos e a tese de eventuais contradições nos
depoimentos, consignou (fls. 133/141):

Pelas provas produzidas nos autos, verifica-se que no


período eleitoral, precisamente no dia 02 de outubro de
2008, o Sr. Inácio Batista de Carvalho, ora representado,
pessoalmente, doou/entregou ao eleitor Cristiano Alves da
Silva, a importância de R$50,00 (cinqüenta) reais em troca
de seu voto. O mesmo candidato prometeu, ainda, entregar-
lhe uma passagem ou um emprego após a comprovação do
voto.
[...]
Outra testemunha, o Sr. Antônio Francisco Fernandes,
informou a este juízo que viu o representado entrar na
casa da avó de Cristiano e ali demorar entre vinte e trinta
minutos. Embora a testemunha em apreço informara que tal
visita ocorrerá (sic) entre os dias 29/30 do mês de setembro, a
divergência entre a data por ela informada e aquela dita por
Cristiano não compromete a veracidade dos fatos, tendo em
vista o transcurso de vários meses entre a data do ocorrido e
o da audiência, e a pequena quantidade de dias de diferença
– apenas dois, não são aptas a desconstituir as declarações
prestadas pela testemunha em juízo. Pelo contrário, apenas
demonstra que as testemunhas não combinaram seus
depoimentos, cumprindo o compromisso de só falar a verdade
do que sabiam ou se lembravam.
[...]
Portanto, todos os depoimentos das testemunhas convergem
no sentido de que realmente o representado se dirigiu à casa
do eleitor Cristiano Alves da Silva e ali lhe doou/entregou a
quantia de R$50,00 (cinqüenta) reais em troca do seu voto.
Foi comprovado, da mesma forma, que o representado ainda
lhe prometeu um emprego na cidade de Santo Inácio do
Piauí ou uma passagem para a cidade de São Paulo após a
confirmação de seu voto em favor do mesmo.

Também não infirma os fundamentos da decisão de primeira


instância o argumento de que a condenação se baseou no depoimento
de uma única testemunha e de que a prova exclusivamente
420 Revista Eleições & Cidadania

testemunhal produzida nos autos não ostenta a robustez necessária


à cassação dos diplomas legitimamente conferidos aos Recorrentes
e à aplicação de multa.
Entendo que, no caso presente, os depoimentos do eleitor
aliciado e de duas testemunhas que, devidamente compromissadas,
declararam ter presenciado a visita do candidato Representado a casa
onde Cristiano se encontrava, analisados à luz das circunstâncias
fáticas extraídas da leitura dos autos, revestem-se, sim, da robustez e
da verossimilhança necessárias para concluir pela efetiva ocorrência
da captação ilícita de voto imputada ao Recorrente. Além da prova ser
convergente nesse sentido, não se pode olvidar que o contexto fático era
favorável à ocorrência do ilícito, tendo em vista a situação vivenciada
pelo eleitor, recém chegado de São Paulo, que se vê seduzido com a
promessa de passagem de retorno para a referida cidade e agraciado
com a doação de quantia em dinheiro.
Nesse ponto, impõe-se ressaltar que, embora a prova
testemunhal às vezes deva ser vista com reservas pelo julgador, em se
tratando de corrupção eleitoral, prática delituosa que geralmente não
deixa vestígios materiais, realizada sorrateiramente, sem a presença de
terceiros, o valor probante das declarações prestadas em Juízo merecem
ser potencializadas, pois se mostram, via de regra, como o único meio
capaz de demonstrar a ocorrência do aliciamento. Outrossim, analisando
os depoimentos prestados, colhidos sob o crivo do contraditório, verifico
inexistirem fatos capazes de macular a credibilidade das testemunhas
que confirmaram o oferecimento de vantagens pelo Recorrente em
troca de voto.
Corroborando o entendimento ora esposado, cito o seguinte
julgado:

RECURSO - REPRESENTAÇÃO – CAPTAÇÃO ILÍCITA DE


SUFRÁGIO - ART. 41-A DA LEI N. 9.504/1997 - PRELIMINAR
DE INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA.
[...]
PROVA - CRITÉRIOS PARA EXAME - OBSERVÂNCIA.
O juiz só decide com a prova dos autos, mas avaliando-as
segundo o critério da crítica sã e racional. As regras da sã
crítica, como expõe Alípio Silveira, ‘são, antes de tudo, as
regras do correto entendimento humano. Nelas intervêm as
Jurisprudência Selecionada 421

regras da lógica, com as regras da experiência do juiz’.


PROMESSA DE LOTES URBANOS E OFERTA DE
DINHEIRO EM TROCA DE VOTOS - PERÍODO ELEITORAL
- COMPROVAÇÃO TESTEMUNHAL AFINADA COM
DEMAIS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO COLIGIDOS -
MANUTENÇÃO DA SENTENÇA - DESPROVIMENTO.
Havendo nos autos testemunhos colhidos sob o crivo do
contraditório que sustentem convencimento seguro de que
houve oferta de vantagem em troca de exigência de voto,
impõe-se a cassação do registro ou do diploma.
A medida se justifica não só por previsão legal expressa,
com também porque a sociedade brasileira clama por ver
afirmados, e observados, valores e posturas ético-morais,
que constituem a essência do edifício social, na conduta
daqueles que se apresentam postulando a assunção de
cargos públicos, em todos os seus níveis. Mais ainda em
relação aos elegíveis.”(Grifos do relator.)
(Acórdão n° 19.990, TRE-SC, Rel. Paulo Roberto Camargo
Costa, 01/06/2005.)

Quanto às declarações de fls. 08 e 19, firmadas por Cristiano


Alves da Silva, observo que na primeira delas o eleitor afirma a promessa
de ajuda financeira em troca de voto, ao passo em que, na segunda, nega
tais afirmações, pretendendo conferir efeito anulatório à declaração
anterior. Sobre o valor probante dos referidos documentos, o art. 368
do Código de Processo Civil dispõe que, quando contiver declaração
de ciência, relativa a determinado fato, o documento particular prova
a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interessado em
sua veracidade o ônus de provar o fato. Dessa forma, ambas devem ser
valoradas em conjunto com as demais provas dos autos.
No caso presente, o eleitor aliciado e a testemunha Elson
Feitosa da Silva confirmaram em juízo o comparecimento em cartório
para registrar a declaração de fl. 08, que noticiou a oferta de vantagem
ao Sr. Cristiano Alves da Silva, em troca do seu voto, conforme se pode
depreender dos depoimentos que prestaram em juízo, cujos excertos
foram transcritos anteriormente. Por ocasião da audiência, o eleitor
destacou que “a promessa e o dinheiro recebidos o foram no dia 02 de
outubro e não no dia 05 de outubro como consta no documento de fls.
08”, razão pela qual não há que se falar em contradição quanto a esse
ponto ou a outros fatos secundários, que não ilidem a conclusão sobre
422 Revista Eleições & Cidadania

a ocorrência do fato principal: a efetiva ocorrência de compra de voto.


Por outro lado, os Representados, em sede de contestação, arguiram a
falsidade da primeira declaração, mas não se desincumbiram do ônus
de provar a arguição, a teor do disposto no art. 389, inciso I, do CPC.
No tocante à declaração com efeito anulatório de fl. 19, esta não
possui qualquer valor jurídico, tendo em vista que o eleitor afirmou em
juízo que foi obtida mediante coação dos Srs. Alciomar e Valdinar, ao
tempo em que a testemunha Maria de Fátima dos Santos (depoimento
às fls. 102/104) declarou que realmente foi Alciomar quem levou o
referido documento para Cristiano e a depoente assinarem. Ademais,
os Representados não juntaram provas para refutar tais afirmações,
assim como não provaram a veracidade dos fatos noticiados na segunda
declaração, relativos à assinatura de papel em branco e preenchimento
posterior do documento de fl. 08, com dados inverídicos.
Dessa forma, em que pese o fato de ambas as declarações terem
de ser analisadas com cautela, em face do disposto no art. 368, parágrafo
único, do CPC, pois não provam os fatos declarados, não se pode olvidar
que, no caso presente, a declaração que noticia a ocorrência da compra do
voto encontra respaldo no conjunto probatório dos autos, ao passo em que a
declaração destinada a desconstituí-la não ostenta qualquer valor probante.
No que tange às fotografias juntadas com a inicial, entendo que
não provam o fato relativo à captação ilícita de sufrágio, mas servem de
reforço à alegação do Representante de que o cumprimento do acordo
espúrio entre eleitor e candidato deveria ser comprovado através de
fotografias dos candidatos no momento da votação na urna eletrônica,
por meio de aparelho celular.
É que os Recorrentes sustentaram que as fotografias são
provenientes do material de campanha dos candidatos, mas não se
desincumbiram minimamente do seu ônus de provar o alegado, nos
termos do art. 333 do Código de Processo Civil, tampouco pugnaram
pela produção de prova pericial. De outro modo, em favor da tese do
Recorrido há a certidão subscrita pelo Chefe de Cartório da 81ª Zona
Eleitoral, fl. 84, elaborada por determinação do Juiz Eleitoral, na fase
de diligências, com o seguinte teor, in verbis:

Certifico e dou fé que juntamente com a Ação de Captação


Ilícita de Sufrágio fora entregue um celular de marca LG,
Jurisprudência Selecionada 423

que conforme determinação do MM. Juiz Eleitoral averiguei


e realmente no celular há as fotografias assemelhadas com
as de fls. 09/10 com as seguintes informações: título: foto001
tamanho: 640x480 22240 B data: 05/10/08 tempo: 16:13,
título: foto000 tamanho: 640x480 18416 B data: 05/10/2008
tempo: 16:12 sendo que a primeira fotografia é do Senhor
Inácio Batista de Carvalho e a segunda do vereador Cirano
de Araújo Moura Fé. O referido é verdade e dou fé.
Dessa forma, verifico que a tese da defesa não está amparada
pelo conjunto probatório dos autos e, conforme consignado
no parecer do douto Procurador Regional Eleitoral, perde
ainda mais força em face da referida certidão, que confirma
a similitude entre as fotografias contidas no celular e aquelas
presentes no processo, bem como entre as fotografias
existentes no Requerimento de Registro de Candidatura (fls.
82/83), utilizadas para inseminação das urnas eletrônicas, e
aquelas presentes às fls. 09/10 dos autos.
Diante do mencionado contexto fático-probatório, analisado
à luz dos fundamentos até então expendidos, concluo que o
Representado Inácio Batista de Carvalho praticou a conduta
prevista no art. 41-A da Lei n° 9.504/97, qual seja, captação
ilícita de sufrágio, nas eleições de 2008, no município de Santo
Inácio do Piauí, perpetrada através da entrega de quantia em
dinheiro e promessa de passagem ao eleitor Cristiano Alves
da Silva, com o fim de obter-lhe o voto [...].

A par dessas considerações, concluo comprovada a captação


ilícita de sufrágio do eleitor Cristiano Alves da Silva.
É cediço que, para que a captação ilícita de sufrágio (art. 41-A
da Lei nº 9.504/97) se enquadre nas hipóteses de cabimento da AIME,
deve revelar autêntico abuso do poder econômico, assim como prevê o
art. 14, § 10, da Constituição Federal.
No caso em análise, em face da conjugação da captação ilícita
de sufrágio do eleitor Cristiano Alves da Silva e do desligamento de
prestadores de serviço no período eleitoral por motivação política, como
já esposado alhures, concluo que resta caracterizada a potencialidade,
já que a gravidade de tais fatos é sim capaz de ter influenciado no
resultado do pleito em questão, eis que a aferição da potencialidade não
se vincula apenas ao resultado quantitativo das eleições.
Afinal, conforme bem delineado pelo Relator da AIME nº 4111,
424 Revista Eleições & Cidadania

de Relatoria do Juiz Luiz Gonzaga Soares Viana Filho, julgada em


02.08.2011, assevero que o atual entendimento do Colendo Tribunal
Superior Eleitoral é o de que a aplicação de inelegibilidade é incabível
nessa espécie de ação, posicionamento reiteradamente adotado também
por esta Corte Regional Eleitoral, ao qual me filio.
Por fim, em consulta ao sítio eletrônico deste Tribunal, constato que os
mandatários foram eleitos com mais de cinquenta por cento dos votos válidos, os
quais, diante da procedência do pleito em exame, deverão ser declarados nulos.
Desse modo, em obediência ao prescrito no art. 224 do Código
Eleitoral, verifico a necessidade de realização de novas eleições.
A par do exposto, voto, em consonância com o parecer do
Procurador Regional Eleitoral, retificado em sessão de julgamento,
quanto à inelegibilidade, pelo parcial provimento do recurso, para que
seja reformada a sentença guerreada, a fim de decretar a perda dos
mandatos dos recorridos, respectivamente eleitos para os cargos de
Prefeito e de Vice-Prefeito do município de Santo Inácio do Piauí/PI,
no pleito eleitoral de 2008, com mais de cinquenta por cento dos votos
válidos, o que impõe a realização de novas eleições na municipalidade.
É como voto.

E X T R A T O D A A T A

AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO Nº 4383-


16.2010.6.18.0081 - CLASSE 2. ORIGEM: SANTO INÁCIO DO PIAUÍ-
PI (81ª ZONA ELEITORAL - CAMPINAS DO PIAUÍ). RESUMO:
RECURSO EM AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO
- ELEIÇÕES DE 2008 - PREFEITO - VICE-PREFEITO - CAPTAÇÃO
ILÍCITA DE SUFRÁGIO - ABUSO DE PODER ECONÔMICO -
ABUSO DE PODER POLÍTICO- IMPROCEDÊNCIA - PEDIDO DE
REFORMA DE DECISÃO

Recorrentes: Diretório Municipal do Partido Popular - PPS, por seu


representante legal, e Amaral de Araújo Moura Jesuino, candidato a Prefeito
de Santo Inácio do Piauí-PI
Advogados: Drs. Edson Vieira Araújo, Margarete de Castro Coelho e outros
Recorridos: Inácio Batista de Carvalho e Auro Aparecido de Carvalho,
Jurisprudência Selecionada 425

Prefeito e Vice-Prefeito de Santo Inácio do Piauí-PI, respectivamente


Advogados: Drs. Raimundo de Araújo Silva Júnior, Armando Ferraz Nunes e outros
Relator: Dr. Manoel de Sousa Dourado

Decisão: RESOLVEU o Tribunal, por maioria, vencidos o relator e o


Doutor Luiz Gonzaga Soares Viana Filho, nos termos do voto divergente do
Desembargador Haroldo Oliveira Rehem e em consonância com o parecer
ministerial exarado às fls. 1043/1057 dos autos, rejeitar a preliminar de
intempestividade do recurso e, à unanimidade, nos termos do voto do relator
e acorde com o parecer ministerial, rejeitar a preliminar de violação do
princípio da dialeticidade para, no mérito, à unanimidade, nos termos do
voto do relator, em dissonância com o parecer ministerial retificado na sessão
de julgamento, conhecer e dar parcial provimento ao presente recurso
para reformar a sentença guerreada e decretar a perda dos mandatos dos
recorridos INÁCIO BATISTA DE CARVALHO e AURO APARECIDO
DE CARVALHO, respectivamente eleitos para os cargos de Prefeito e de
Vice-Prefeito do município de Santo Inácio do Piauí-PI, com mais de 50%
(cinquenta por cento) dos votos válidos, e determinar a realização de novas
eleições na municipalidade, nos termos do art. 224 do Código Eleitoral.
O Desembargador Haroldo Oliveira Rehem votou, ainda, por que sejam
encaminhadas cópias dos autos ao Procurador Regional Eleitoral a fim de
que sejam apurados possíveis ilícitos penais, e o Doutor José Acélio Correia
deixou de acompanhar o relator tão somente quanto à captação ilícita do voto
do eleitor Cristiano Alves da Silva.

Presidência do Excelentíssimo Senhor Desembargador Raimundo Eufrásio


Alves Filho.
Tomaram parte no julgamento os Excelentíssimos Senhores: Desembargador
Haroldo Oliveira Rehem; Juízes Doutores – Sandro Helano Soares Santiago,
Luiz Gonzaga Soares Viana Filho, José Acélio Correia e Jorge da Costa Veloso.
Presente o Procurador Regional Eleitoral, Doutor Marco Aurélio Adão.

SESSÃO DE 10.10.2011
426
427

MOVIMENTAÇÃO
PROCESSUAL do TRE-PI - 2011
428
Movimentação Processual 429

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL


DO ESTADO DO PIAUÍ
Secretaria Judiciária

MOVIMENTAÇÃO PROCESSUAL – 2011


Processos por Classes: Distribuídos – Julgados – Pendentes (01/01/2011 a 31/12/2011)

PROCESSOS
PROCESSOS DECISÕES DECISÕES
CLASSES PENDENTES DE
DISTRIBUÍDOS PLENÁRIAS MONOCRÁTICAS
JULGAMENTO*

AC 10 0 25 6
AIME 8 31 2 4
AIJE 15 31 1 11
AP(4ª) 18 9 2 26
AR 1 1 0 -
COR 1 1 0 -
CTA(12ª) 6 4 2 1
CZER 0 1 0 -
EXC 5 2 1 2
INQ 23 10 7 8
HC 3 3 0 -
MS(1ª) 22 13 10 4
PA 40 30 3 15
PC 83 364 7 51
PET 181 11 19 163
PP 14 4 9 10
RE 15 37 0 2
RC 1 2 0 1
RCAND 9 10 0 -
RCED 3 11 3 6
ROPPF 1 1 0 -
RP 449 59 424 29
RVE 21 14 0 8
TOTAL 929 649 515 347

Fonte: Sistema de Acompanhamento de Documentos e Processos -SADP


Observações: No quantitativo dos julgados constam : 37(trinta e sete) processos distribuídos
até 2009; 482(quatrocentos e oitenta e dois) processos distribuídos em 2010 e
645 (seiscentos e quarenta e cinco) processos distribuídos em 2011.
* Estoque Final em 31/12/2011.
430 Revista Eleições & Cidadania

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL


DO ESTADO DO PIAUÍ
Secretaria Judiciária

MOVIMENTAÇÃO PROCESSUAL TRE-PI 2011

QUADRO 1 - DECISÕES PLENÁRIAS 2011


RECURSOS DECISÕES
COMPETÊNCIA JULGADOS (CORTE RECEBIMENTO
CRE RESOLUÇÕES
ORIGINÁRIA E JUÍZES DENÚNCIA (AÇÃO
MEMBROS)* PENAL)
649** 137 8 4 32

* Tais recurso compreendem: Embargos de Declaração, Agravo Regimental e Pedido de Re-


consideração. Não abrangem, contudo, recursos de decisões precedentes dos Juízos Eleitorais.
** Deste total, 444 (quatrocentos e quarenta e quatro) decisões se referem à Competência
originária do TRE-PI, ao passo que 205 (duzentos e cinco) se referem à Competência recursal
deste Tribunal.

COMPETÊNCIA RECURSAL
QUADRO 2 – Taxa de reforma das decisões das Zonas Eleitorais em 2011
DECISÕES MANTIDAS DECISÕES REFORMADAS
108 97
431

APÊNDICE
432
Apêndice 433

A FILIAÇÃO PARTIDÁRIA E O SISTEMA FILIAWEB


DA JUSTIÇA ELEITORAL.
Hardy Waldschmidt *

Tendo em vista a remessa pelos partidos políticos à Justiça Elei-


toral, em cumprimento ao disposto no artigo 19 da Lei n.º 9.096/95,
da relação contendo os nomes de todos os seus filiados, elaboramos,
em forma de perguntas e respostas, o presente material sobre filiação
partidária e o Sistema de Filiação Partidária da Justiça Eleitoral, com a
finalidade de colaborar com os principais envolvidos neste processo -
eleitores, cartórios eleitorais e partidos – na execução de seus misteres
ou em eventuais dúvidas, com vistas aos preparativos para as eleições
vindouras, sobretudo em razão das expressivas modificações ocorridas
na sistemática de encaminhamento da relação de filiados e nos procedi-
mentos dela decorrentes.

01. Quais são os dispositivos legais vigentes que tratam da filiação


partidária?
R: Tratam da filiação partidária a Lei n.º 9.096, de 19.9.95 (publicada
DOU de 20.9.95), em seus artigos 16 a 22, a Lei n.º 9.504, de 30.9.97
(publicada DOU de 1.º.10.97), no parágrafo único do seu artigo 10, e a
Resolução TSE n.º 23.117, de 20.08.09 (publicada DJE de 28.08.09). É
oportuno ressaltar que a Resolução TSE n.º 21.574, de 27.11.03, con-
forme determina o artigo 19, § 2º da Resolução TSE n.º 23.117, restou
revogada em abril de 2010.

02. Sobre filiação partidária existe Súmula do Tribunal Superior


Eleitoral?
R: Sim. Existem as Súmulas n.os 02, 14 e 20. A n.º 02, editada sob a égide
da Lei n.º 5.682/71 (LOPP), com o advento da Lei n.º 9.096/95 deixou de
ser aplicada. A n.º 14, que envolve o art. 58 da Lei n.º 9.096/95, disciplina
o período de transição entra a lei nova e a anterior, também não tem mais
aplicação. E, por fim, a Súmula n.º 20 que tem a seguinte redação: “a falta
*
Hardy Waldschmidt, Secretário Judiciário do TRE/MS e professor de Direito Eleitoral na
ESMAGIS.
434 Revista Eleições & Cidadania

do nome do filiado ao partido na lista por este encaminhada à Justiça


Eleitoral, nos termos do art. 19 da Lei n.º 9.096, de 19.9.95, pode ser
suprida por outros elementos de prova de oportuna filiação”.

03. Qualquer pessoa pode filiar-se a partido político?


R: Não. Só pode filiar-se a partido o eleitor que estiver no pleno gozo de
seus direitos políticos, ressalvada a possibilidade de filiação do eleitor
considerado inelegível, consoante dispõem os artigos 1.º da Resolução
TSE n.º 23.117/09 e 16 da Lei n.º 9.096/95.

Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 31907


- Rio Grande/RS, relatora Ministra Eliana Calmon. Julgado
em 16.10.2008:
Ementa: ........................ 1. Nos termos do art. 16 da Lei nº
9.096/95, só pode filiar-se a partido político o eleitor que es-
tiver no pleno gozo dos direitos políticos. Portanto, é nula a
filiação realizada durante o período em que se encontram
suspensos os direitos políticos em decorrência de condena-
ção criminal transitada em julgado. 2....................................

No exercício de suas funções, estão impedidos de se filiar a par-


tido político, os militares, magistrados, membros dos tribunais de con-
tas, membros do ministério público e os servidores da Justiça Eleitoral.
A lei veda a filiação simultânea a mais de um partido, ressalvada
a hipótese do parágrafo único do art. 22 da Lei n.º 9.096/95. O legis-
lador inclusive tipifica esse ato como crime, previsto no artigo 320 do
Código Eleitoral.

Art. 320. Inscrever-se o eleitor, simultaneamente, em dois ou


mais partidos:
Pena – pagamento de 10 a 20 dias-multa.

04. Quando a filiação a um partido deve ser considerada deferida?


R: Nos termos do artigo 17 da Lei n.º 9.096/95, considera-se deferida,
para todos os efeitos, a filiação partidária, com o atendimento das re-
gras estatutárias do partido. Outrossim, estabelece o parágrafo único do
referido artigo que, deferida a filiação do eleitor, a agremiação partidá-
ria deve entregar ao interessado comprovante de sua filiação, segundo
Apêndice 435

modelo adotado pelo partido. Este comprovante será necessário, em


eventual omissão do nome do filiado, por desídia ou má-fé do partido,
no procedimento de remessa à Justiça Eleitoral da relação dos seus fi-
liados, de que trata o artigo 19 da Lei n.º 9.096/95.

05. Como o eleitor prova sua filiação a um partido político?


R: Uma forma é com o comprovante recebido do partido no ato de filia-
ção. Outra, é a forma prevista expressamente pelo artigo 21 da Resolução
TSE n.º 23.117/09, cuja prova é feita com base na última relação oficial
de eleitores filiados recebida pela Justiça Eleitoral dos partidos políticos
e armazenada no Sistema FiliaWeb. Esta, pela publicidade que gera, ex-
terna ao âmbito do partido, constitui-se em prova irrefutável, a rechaçar
cabalmente eventuais questionamentos acerca de sua regularidade.
Para cumprimento do prazo de filiação partidária, para efeito
de candidatura a cargo eletivo, a prova deveria ser feita apenas com
base na última relação oficial de eleitores filiados recebida pela Justi-
ça Eleitoral dos partidos políticos, conforme se extrai do artigo 19 da
Lei n.º 9.096/95, entretanto, o Tribunal Superior Eleitoral, estabelece
expressamente no parágrafo único 21 da Resolução TSE n.º 23.117/09
que a omissão do nome do filiado na última relação entregue à Justiça
Eleitoral não descaracteriza a filiação partidária, em nítida demonstra-
ção de prestígio à sua Súmula 20.
Porém, não poderíamos deixar de consignar os acórdãos do TSE em
processos sobre registro de candidatura das eleições de 2010, relacionados
ao tema ora debatido, em que os ministros, por unanimidade, decidiram que:

a prova da filiação partidária dá-se pelo cadastro eleitoral, não se so-


brepondo, a este, ato unilateral das partes interessadas, como a ficha de
filiação, a declaração do partido político, a ocorrência de mensagens
eletrônicas entre o partido e o recorrente e a ata de reunião partidária.
A teor da Resolução/TSE nº 23.117/2009, cumpre ao partido político
encaminhar à Justiça Eleitoral - para arquivamento, publicação e cum-
primento dos prazos de filiação, objetivando a candidatura - a relação
dos filiados na respectiva zona eleitoral. (Recursos Especiais Eleitorais
n.º 3153-63, de 3.11.10; 3364-02, de 16.12.10; 3365-84, de 16.12.10).

Na mesma linha os Recursos Especiais Eleitorais n.º 5552-28,


de 4.11.10; 1958-55, de 3.11.10; 2878-17, de 11.11.10; 3387-45, de
436 Revista Eleições & Cidadania

6.10.10 e 5803-46, de 15.9.10, onde, em síntese, foi decidido que:

[…] documentos produzidos unilateralmente por partido


político ou candidato - na espécie, ficha de filiação, ata de
reunião do partido e relação interna de filiados extraída do
respectivo sistema - não são aptos a comprovar a filiação
partidária, por não gozarem de fé pública. Não incidência da
Súmula nº 20/TSE.

06. Como o eleitor pode verificar se o seu nome foi incluído pelo
partido na lista de seus filiados?
R: O eleitor pode consultar pela internet a relação oficial de filiados dos
partidos políticos, disponível na página do TSE e dos TREs, a partir
do Sistema FiliaWeb, podendo inclusive emitir a certidão de filiação
partidária. A informação também pode ser obtida pessoalmente no car-
tório eleitoral responsável pelo município de domicílio do filiado, no
respectivo tribunal regional eleitoral ou no Tribunal Superior Eleitoral.

07. Qual é o prazo mínimo de filiação partidária para um eleitor


concorrer a cargo eletivo?
R: Nos termos dos artigos 18 e 20 da Lei n.º 9.096/95, para concorrer a
cargo eletivo majoritário ou proporcional, o eleitor deverá estar filiado
ao partido no prazo fixado em seu Estatuto. Porém, a legislação não
permite que o Estatuto de um Partido:

a) estabeleça, para fim de candidatura, prazo de filiação me-


nor que um ano antes da data fixada para as eleições;
b) seja alterado no ano da eleição.
A Lei n.º 9.504/97, conhecida como Lei das Eleições, em seu
artigo 9.º, também estabelece o prazo mínimo de um ano an-
tes do pleito para filiação com finalidade de candidatura.

No entanto, situação particular em relação à filiação possuem


os servidores da Justiça Eleitoral, por força do art. 366 do Código Elei-
toral, bem como os magistrados, os membros dos tribunais de contas,
os membros do ministério público e os militares alistáveis da ativa,
por se tratar de hipóteses de vedação constitucional de filiação partidá-
ria simultânea ao exercício de funções institucionais (art. 95, parágrafo
Apêndice 437

único, III; art. 73, § 3º e art. 75; art. 128, § 5º, II, e; art. 142, § 3º, V e
art. 42, § 1º; todos da CF).
Os magistrados e membros dos tribunais de contas estão dis-
pensados de cumprir o prazo de filiação, devendo satisfazer tal condi-
ção quando de suas desincompatibilizações, ou seja, até quatro meses
antes das eleições, caso concorram ao cargo de prefeito e vice-prefeito,
ou seis meses antes das eleições, para os cargos de vereador, deputado
estadual, deputado federal, senador, governador, vice-governador, pre-
sidente e vice-presidente da república (LC 64/90, art. 1º, II “a”, III “a”,
IV “a”, V “a”, VI, VII “a” e Res. TSE n.º 19.978, de 25.9.97).
Já ao candidato militar alistável da ativa, para cumprimento do
requisito de filiação partidária, basta o pedido de registro da candida-
tura, após prévia escolha em convenção partidária (CF, arts. 14, § 8º, e
142, V, e Acórdão TSE n.º 11.314, de 30.8.90).
Por sua vez os membros do ministério público, dependendo da
data de ingresso na carreira, submetem-se às seguintes regras:

a) os que ingressaram na carreira após a promulgação da Consti-


tuição Federal de 1988, com o advento da Emenda Constitucional
n.º 45, de 30.12.2004, passaram a ter situação jurídica idêntica ao
dos magistrados e dos membros dos tribunais de contas (vedação do
exercício de atividade político-partidária). Assim, para se candidatar
a cargo eletivo, todos aqueles que integram o ministério público (da
União e dos Estados), que ingressaram em seus quadros após a pro-
mulgação da CF, devem se afastar definitivamente de suas funções,
estando dispensados de cumprir o prazo de filiação partidária previs-
to na legislação (pelo menos um ano antes do pleito), devendo sa-
tisfazer tal condição de elegibilidade até 4 meses antes das eleições
para o cargo de prefeito e seis meses para presidente, governador,
senador, deputado federal, estadual ou distrital e vereador;
b) os que ingressaram na carreira antes da promulgação da Consti-
tuição Federal de 1988, desde que façam a opção pelo regime jurí-
dico anterior, podem exercer atividade político-partidária, por força
do disposto no art. 29, § 3º do ADCT da CF, desde que se afastem
de suas funções institucionais, mediante licença. O prazo para a filia-
ção será o exigido para a desincompatibilização (4 meses antes das
eleições para o cargo de prefeito e seis meses para presidente, gover-
nador, senador, deputado federal, estadual ou distrital e vereador).
438 Revista Eleições & Cidadania

Já os servidores da Justiça Eleitoral, nos termos do artigo 366


do Código Eleitoral, no exercício de suas funções, estão impedidos de
exercer atividade político-partidária, que inclui filiação a partido políti-
co, sob pena de demissão. Portanto, sujeitam-se os servidores da Justiça
Eleitoral à regra geral de filiação, ou seja, até um ano antes do pleito no
qual pretendam concorrer, devendo para tanto se afastar definitivamen-
te de suas funções. O objetivo é proteger a moralidade que deve nortear
os pleitos eleitorais, afastando possível favorecimento a determinado
candidato.
Resolução TSE n.º 21.570/03: filiação partidária proibida ao
servidor da Justiça Eleitoral.
Resolução TSE n.º 22.088/05: servidor da Justiça Eleitoral deve
se exonerar para cumprir o prazo legal de filiação partidária, ainda que
afastado do órgão de origem e pretenda concorrer em estado diverso de
seu domicílio profissional.

08. Nos casos de fusão ou de incorporação de partidos políticos,


como se dá a anotação da filiação no Sistema de Filiação Partidária
e como fica o prazo mínimo de filiação para candidatura?
R: A Secretaria de Tecnologia da Informação do Tribunal Superior Elei-
toral providenciará a conversão, no Sistema FiliaWeb, de todas as ano-
tações de filiação partidária dos partidos políticos envolvidos na fusão
ou incorporação, conforme determina o artigo 23 da Resolução TSE n.º
23.117, de 20.08.09.
A Corregedoria-Geral comunicará às corregedorias regionais
eleitorais sobre a conversão efetuada, para idêntica medida em relação
aos juízos eleitorais.
Segundo o parágrafo único do artigo 9.ª da Lei n.º 9.504/97,
havendo fusão ou incorporação de partidos em prazo inferior a um ano
antes da data da eleição, será considerada, para efeito de filiação parti-
dária, a data de filiação do candidato ao partido de origem.

09. A partir de que momento é permitido ao eleitor filiar-se a par-


tido político recém-criado e como fica o prazo mínimo de filiação
para candidatura?
R: Após o deferimento do pedido de registro do seu estatuto pelo Tribu-
nal Superior Eleitoral. Somente após a constituição definitiva do parti-
Apêndice 439

do, que ocorre com o registro do seu estatuto no TSE, é que a nova agre-
miação partidária adquire capacidade de participar do processo eleitoral
- expressão aqui usada em sentido amplo - e, portanto, pode iniciar seus
atos de filiação.
Segundo o artigo 4.º da Lei 9.504/97, pode participar das elei-
ções o partido político que, até um ano antes do pleito, tenha registrado
o seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral. Se o estatuto não estabe-
lecer prazo maior, esse também é o prazo mínimo de filiação partidária
para aqueles que postulam candidatura a um mandato eletivo, ainda que
filiados a partido recém-criado.
É importante ressaltar que a exceção, de que trata o parágrafo
único do artigo 9.º da Lei 9.504/97, não alcança a filiação em partido
político que tenha registrado o seu estatuto no TSE a menos de um ano
da data da eleição.

10. Quais são as providências que o eleitor deve adotar quando de


sua filiação a partido político?
R: De imediato, nenhuma. A comunicação à Justiça Eleitoral cabe ao
partido político, na forma prescrita pelo artigo 19 da Lei n.º 9.096/95,
devendo o eleitor, nos meses de abril e outubro, verificar se o partido
incluiu seu nome na relação de filiados e, na hipótese do partido não
o ter incluído na relação ou de não tê-la remetida, poderá apresentar
reclamação ao juiz eleitoral, requerendo a intimação da agremiação,
nos termos do § 2º do art. 19 da Lei nº 9.096/95. Para os que pretendem
disputar eleições, essa reclamação é imprescindível. [veja a questão 28]

Resolução TSE n.º 23.117/09:


Art. 4º Na segunda semana dos meses de abril e outubro de cada
ano, o partido, por seus órgãos de direção municipais, regionais ou
nacional, enviará à Justiça Eleitoral para arquivamento, publicação
e cumprimento dos prazos de filiação para efeito de candidatura, a
relação atualizada dos nomes de todos os seus filiados na respecti-
va zona eleitoral, da qual constará, também, o número dos títulos
eleitorais e das seções em que estão inscritos e a data do deferi-
mento das respectivas filiações (Lei nº 9.096/95, art. 19, caput).
§ 1º Se a relação não for submetida nos prazos mencionados neste
artigo, será considerada a última relação apresentada pelo partido.
§ 2º Os prejudicados por desídia ou má-fé poderão requerer, dire-
440 Revista Eleições & Cidadania

tamente ao juiz da zona eleitoral, a intimação do partido para que


cumpra, no prazo que fixar, não superior a 10 (dez) dias, o que
prescreve o caput deste artigo, sob pena de desobediência.

11. Quais são as providências que o eleitor deve adotar quando de


sua desfiliação de partido político?
R: O eleitor deverá proceder como determinam os artigos 21 da Lei n.º
9.096/95 e 13 da Resolução TSE n.º 23.117/09, verbis:

Lei n.º 9.096/95:


Art. 21. Para desligar-se do partido, o filiado faz comunicação
escrita ao órgão de direção municipal e ao juiz eleitoral da
Zona em que for inscrito.
Parágrafo único. Decorridos dois dias da data da entrega da
comunicação, o vínculo torna-se extinto, para todos os efei-
tos.
Resolução TSE n.º 23.117/09:
Art. 13. Para desligar-se do partido, o filiado fará comunica-
ção escrita ao órgão de direção municipal ou zonal e ao juiz
eleitoral da zona em que for inscrito.
§ 1º A desfiliação comunicada pelo eleitor, consoante prevê
o art. 21 da Lei nº 9.096/95, deverá ser registrada na relação
correspondente no sistema de filiação partidária.
§ 2º Decorridos dois dias da data da entrega da comunicação
no cartório eleitoral, o vínculo torna-se extinto para todos os
efeitos.
§ 3º Não comunicada a desfiliação à Justiça Eleitoral, o regis-
tro de filiação ainda será considerado, inclusive para o fim de
identificação de dupla filiação.
§ 4º ...........................................
§ 5º Na hipótese de inexistência de órgão municipal ou zonal
partidário ou de comprovada impossibilidade de localização
de quem o represente, o filiado poderá fazer a comunicação
prevista no caput deste artigo apenas ao juiz da zona eleitoral
em que for inscrito.
§ 6º ...........................................

Observações pertinentes:
I) Embora a lei e a resolução de regência não estabeleçam prazo para
o eleitor comunicar ao juiz eleitoral, essa providência deve ocorrer no
mesmo dia em que feita a comunicação ao partido da sua desfiliação, a
Apêndice 441

fim de que a situação do eleitor fique regularizada perante o partido e a


Justiça Eleitoral.
II) As comunicações de desfiliação ao partido e ao juiz eleitoral devem
ser feitas em duas vias e mediante protocolo ou com recebimento.
III) Enquanto as duas comunicações de desfiliação (ao partido e ao
juiz) não tiverem sido feitas, o registro de filiação ainda será conside-
rado, inclusive para o fim de identificação de dupla filiação pela Justiça
Eleitoral.
IV) Frise-se que, para eleitor já filiado que se filia a outro partido, as
providências a serem tomadas são diferentes das aqui tratadas. [Veja a
questão 12]

12. Quais são as providências que deve adotar um eleitor filiado que
se filia a outro partido?
R: O eleitor filiado a determinada agremiação partidária que se filia
a outro partido deverá fazer comunicação escrita ao órgão de direção
municipal do partido anterior, em duas vias, mediante protocolo da co-
municação ou com recebimento, informando o seu desligamento do
partido. Em seguida, o eleitor deve fazer a comunicação escrita ao Juiz
Eleitoral da Zona em que estiver inscrito, em duas vias, anexando a
fotocópia da comunicação ao órgão de direção municipal do partido,
solicitando o cancelamento da filiação anterior no Sistema de Filiação
Partidária. Essas duas providências devem ser feitas no dia imediato
ao da nova filiação. Se essas providências não forem realizadas no
dia seguinte ao da nova filiação, fica configurada dupla filiação, sen-
do ambas consideradas nulas para todos os efeitos.
Na hipótese de inexistência de órgão municipal partidário ou
de comprovada impossibilidade de localização de quem o represente, o
filiado poderá fazer a comunicação ao juiz da zona eleitoral em que for
inscrito (Resolução TSE n.º 23.117/09, art. 13, § 5.º).
Regulamentam a matéria o parágrafo único do artigo 22 da
Lei n.º 9.096/95 e os §§ 4º, 5º e 6º do artigo 13 da Resolução TSE n.º
23.117/09, verbis:

Lei n.º 9.096/95, art. 22:


Parágrafo único. Quem se filia a outro partido deve fazer co-
municação ao partido e ao Juiz de sua respectiva Zona Eleito-
442 Revista Eleições & Cidadania

ral, para cancelar sua filiação; se não o fizer no dia imediato


ao da nova filiação, fica configurada dupla filiação, sendo am-
bas consideradas nulas para todos os efeitos.
Resolução TSE n.º 23.117/09, art. 13:
§ 4º Quem se filia a outro partido terá até o dia seguinte ao da
nova filiação para fazer a comunicação, à Justiça Eleitoral, da
desfiliação ao partido anterior.
§ 5º Na hipótese de inexistência de órgão municipal ou zonal
partidário ou de comprovada impossibilidade de localização
de quem o represente, o filiado poderá fazer a comunicação
prevista no caput deste artigo apenas ao juiz da zona eleitoral
em que for inscrito.
§ 6º Quando a comunicação de que trata o § 4º deste artigo for
recebida no cartório após o dia imediato ao da nova filiação,
o sistema alterará a situação das filiações anotadas para os
partidos envolvidos, que passarão a figurar como sub judi-
ce, e gerará ocorrência relativa à duplicidade de filiações, nos
termos da lei, a ser examinada e decidida pelo juiz eleitoral
competente, na forma desta resolução.

Observações pertinentes:
I) Se o dia imediato ao da nova filiação cair em dia não útil, aplicando-
-se subsidiariamente o disposto no artigo 184, § 1º, do Código de Pro-
cesso Civil, prorroga-se automaticamente para o primeiro dia útil sub-
seqüente. Neste sentido o Acórdão TSE n.º 542, de 3.9.2002.
II) O Tribunal Superior Eleitoral havia consolidado jurisprudência no
sentido da imprescindibilidade de o eleitor filiado que faz nova filia-
ção comunicar ao partido anterior e ao Juiz eleitoral de sua respectiva
Zona, o cancelamento de sua filiação, no dia imediatamente poste-
rior à nova filiação, sob pena de restar caracterizada a dupla filiação
(Ac. TSE n.os 16.410, de 12.9.2000; 16.411, de 12.9.2000; 16.715,
de 19.9.2000; 16.760, de 26.9.2000; 17.248, de 29.9.2000; 2.343, de
10.10.2000; 16.783, de 10.10.2000; 17.208, de 17.10.2000; 17.983,
de 07.12.2000; 19.368, de 11.9.2001; 19.377, de 11.9.2001; 19.556,
de 18.6.2002; 23.418, de 28.9.2004; 22.009, de 2.10.2004; 23.545, de
11.10.2004; 23.418, de 28.9.2004; REspe n.º 26.433, de 14.9.2006 e
REspe n.º 26.710, de 10.10.2006).
Porém, a partir do julgamento do Recurso Especial n.º 22.132,
de 2.10.2004, o TSE passou a afastar a aplicação literal da norma posta
Apêndice 443

no art. 22, parágrafo único, da Lei n. 9.096/95 que impõe ao filiado o


dever de comunicar sua nova filiação partidária ao Partido e ao Juiz
Eleitoral “no dia imediato ao da nova filiação”.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGI-


MENTAL EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº
22132
Julgado em 13.10.2004, relator Min. Gilmar Ferreira Mendes
Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REGISTRO
DE CANDIDATO. DUPLA FILIAÇÃO. INEXISTÊNCIA.
Havendo o candidato feito comunicação de sua desfiliação à
Justiça Eleitoral e à agremiação partidária antes do envio das
listas a que se refere o art. 19 da Lei nº 9.096/95, não há falar
em duplicidade de filiação.
Ausência de omissão, contradição, dúvida ou obscuridade
(art. 275 do Código Eleitoral).
Embargos rejeitados.
Decisão: O Tribunal, por maioria, recebeu os embargos como
declaratórios, vencidos, no ponto, os Ministros Marco Auré-
lio e Luiz Carlos Madeira e, por unanimidade, os rejeitou, nos
termos do voto do relator.

Desse modo, flexibilizando o prazo determinado pela lei, o


Tribunal Superior Eleitoral passou a considerar que não configura a
dupla filiação se o partido preterido e o juiz eleitoral forem comu-
nicados antes do envio da relação de filiados (AgR-Respe n.º 28848,
de 17.12.08, RO n.º 1195, de 17.10.2006, AgR-Respe n.º 35192, de
13.02.2009, AgR-Respe n.º 32726, de 05.02.2009, AgR-AI n.º 10745,
de 26.05.2009).
Como sabemos, cabe ao TSE, expedir instrução para fiel cum-
primento da Lei n.º 9.096/95, em obediência ao que dispõe o seu art. 61.
Assim, em 2009, a Corte Superior Eleitoral, regulamentando a matéria
ora em debate, editou a Resolução n.º 23.117, de 20.9.2009, que em
seu art. 13, § 4º estabelece “quem se filia a outro partido terá até o dia
seguinte ao da nova filiação para fazer a comunicação, à Justiça Elei-
toral, da desfiliação ao partido anterior”. Teriam os ministros do TSE
optado por voltar à literalidade da lei, abandonando sua jurisprudência?
Vamos aguardar, torcendo para que o texto legal volte a ser aplicado.
444 Revista Eleições & Cidadania

13. Qual é o recurso cabível contra eventual decisão do juiz eleitoral


que indefere a comunicação de desfiliação partidária protocolizada
pelo eleitor, visando a exclusão do seu nome da relação de filiados
no Sistema de Filiação Partidária?
R: O juiz eleitoral da Zona em que estiver inscrito o eleitor determi-
nará a anotação da desfiliação no Sistema de Filiação Partidária se a
comunicação escrita vier acompanhada da fotocópia da comunicação
de desfiliação ao órgão de direção municipal do partido, devidamente
recebida pela agremiação partidária (art. 21 da Lei n.º 9.096/95 e art. 13
da Resolução TSE n.º 23.117/09). Na hipótese de inexistência de órgão
municipal ou de comprovada impossibilidade de localização de quem o
represente, o filiado pode fazer a comunicação apenas ao juiz.
O indeferimento da anotação de desfiliação pelo juiz eleitoral
dar-se-á somente se o eleitor não proceder conforme prescrito na legis-
lação de regência. Contra a decisão do juiz eleitoral que indefere a
anotação de desfiliação caberá, no prazo de três dias, recurso para
o TRE (artigos 258 e 265 do Código Eleitoral). Neste sentido decidiu o
Tribunal Superior Eleitoral:

Filiação partidária. Requerimento. Anotação. Desfiliação.


Indeferimento. Juiz eleitoral. Mandado de segurança. Não-
-cabimento. Existência. Recurso próprio. 1. Em face do dis-
posto no art. 5.º, II, da Lei n.º 1.533/51 e na Súmula no 267 do
Supremo Tribunal Federal, não cabe impetração de mandado
de segurança contra ato de juiz eleitoral que indefere pedido
de anotação de desfiliação partidária de cidadão, uma vez que
contra tal decisão há recurso próprio, com base no art. 265 do
Código Eleitoral. Recurso a que se nega provimento. (Ac. n.º
774, de 23.3.2004, rel. Min. Fernando Neves.)

14. Se o eleitor filiado transferir o seu domicílio eleitoral, o que


ocorre com a sua filiação?
R: Ocorrendo transferência de domicílio do eleitor filiado, o Filiaweb
automaticamente informará aos diretórios partidários dos municípios
de origem e de destino sobre a mudança de domicílio. Porém, o filia-
do passará a compor a relação interna de filiados do novo município,
somente após a confirmação no sistema, a ser realizada pelo diretório
partidário de destino, conforme art. 24 da Res. TSE n.º 23.117/09.
Apêndice 445

Observações pertinentes:
I) Recomenda-se ao eleitor filiado que transferiu seu domicílio eleito-
ral solicitar ao órgão partidário do novo município que confirme a sua
filiação no Sistema FiliaWeb, sobretudo se tiver pretensão de disputar
cargo eletivo nas eleições.
II) Ocorrendo movimentação de ofício de eleitores filiados em decor-
rência de desmembramento de zona, o sistema promoverá as atualiza-
ções necessárias nas relações dos partidos envolvidos (Resolução TSE
n.º 23.117/09, art. 25).

15. Protocolizada comunicação de desfiliação partidária por elei-


tor que esteja com seus direitos políticos suspensos que providência
deve ser tomada pelo Cartório Eleitoral?
R: Feita nos termos do art. 21 da Lei nº 9.096/95 (comunicação escrita
ao Juiz Eleitoral da Zona em que estiver inscrito, em duas vias, acom-
panhada da fotocópia da comunicação ao órgão de direção municipal
do partido), o Juiz Eleitoral determinará o registro do cancelamento no
Sistema de Filiação Partidária.

16. Em quais situações a lei determina o cancelamento da filiação


partidária?
R: Conforme artigo 22 da Lei n.º 9.096/95, o cancelamento da filiação
partidária ocorre nos casos de:
a) morte;
b) perda dos direitos políticos;
c) expulsão;
d) outras formas previstas no estatuto, com comunicação obrigatória ao
atingido no prazo de 48 horas da decisão;
e) duplicidade de filiação, uma vez desatendida a norma descrita pelo
parágrafo único do artigo 22 da Lei n.º 9.096/95.

17. Como deve ser feita a contagem do tempo mínimo de filiação,


exigido pela legislação para uma candidatura, de eleitor filiado que
teve seus direitos políticos suspensos?
R: Para efeito da contagem do prazo mínimo de filiação ao partido, com-
putam-se o tempo de filiação anterior e o posterior à suspensão dos direi-
tos políticos, pois trata-se de hipótese de restrição temporária de direitos.
446 Revista Eleições & Cidadania

Ressalta-se que somente com o restabelecimento dos direitos


políticos o eleitor filiado pode exercer atividades de cunho político-
-partidário. Se exercê-las dentro do período de suspensão dos direitos
políticos ensejará a prática, em tese, do delito previsto no art. 337 do
Código Eleitoral. Assim, na data de realização da convenção, o eleitor
filiado deve estar com seus direitos políticos já restabelecidos.
Inclusive o Tribunal Superior Eleitoral, no julgamento do Re-
curso Especial n.º 22.980, em 21.10.04, decidiu que subsiste a filiação
anterior à suspensão dos direitos políticos, nos seguintes termos:

Ementa
Registro. Candidato. Vereador. Condenação criminal. Sus-
pensão de direitos políticos. Filiação partidária.
1. Conforme decisão proferida por esta Corte Superior no jul-
gamento do caso Belinati, que se fundou inclusive no Acór-
dão nº 12.371, relator Ministro Carlos Velloso, subsiste a filia-
ção anterior à suspensão dos direitos políticos.
2. Não se tratando de nova filiação, mas de reconhecimento
de filiação anterior, que esteve suspensa em razão de cumpri-
mento de pena, tem-se como atendido o requisito do art. 18 da
Lei nº 9.096/95. Recurso especial conhecido e provido.
Decisão
O Tribunal, por maioria, deu provimento ao recurso, nos ter-
mos do voto do relator. Vencidos os Ministros Luiz Carlos
Madeira e Presidente.

18. O que é o Sistema de Filiação Partidária e para que serve?


R: O Sistema de Filiação Partidária - FiliaWeb é um programa utilizado
para a troca de informações, entre a Justiça Eleitoral e os partidos polí-
ticos, relativas aos registros eletrônicos das filiações de eleitores efetua-
das perante as agremiações partidárias. O referido sistema foi desenvol-
vido pela Justiça Eleitoral com a finalidade de otimizar o procedimento
de remessa pelo partido político, nos meses de abril e outubro de cada
ano, da relação contendo o nome de todos os seus filiados, prevista no
artigo 19 da Lei nº 9.096/95.
O FiliaWeb é baseado em aplicação online, que permite aos partidos
digitar e administrar os registros das filiações e submeter, até o fim do prazo
estabelecido pela lei, as relações de filiados à Justiça Eleitoral. Expirado o pra-
zo para a remessa das relações de filiados, a Justiça Eleitoral processa a última
Apêndice 447

relação submetida por cada partido político, que então será convertida pelo sis-
tema para relação oficial de filiados, a ser publicada pela Justiça Eleitoral no site
do TSE. Neste momento são divulgadas as duplicidades detectadas durante o
processamento (na relação oficial de filiados, divulgada pela Justiça Eleitoral,
as filiações em duplicidade aparecem com situação “sub judice”).
Identificados os casos de dupla filiação, o TSE gerará e enviará
as notificações para os partidos, via FiliaWeb, e aos filiados envolvidos
em duplicidade, por correspondência escrita. A partir da divulgação das
relações de filiados é iniciada a contagem do prazo de 20 dias para res-
posta nos processos de duplicidade de filiação. Por fim, escoado o prazo
para apresentação das respostas dos partidos e eleitores filiados, abre-se
prazo para os juízes decidirem os processos de duplicidade, e depois,
para o registro dessas decisões no sistema. Não havendo decisão judi-
cial ou o seu registro no sistema, a situação das filiações envolvidas em
duplicidade serão automaticamente convertidas pelo sistema de “sub
judice” para “cancelada”.
O FiliaWeb oferece, ainda, a qualquer eleitor a possibilidade de
emitir certidão de filiação partidária autenticada eletronicamente.
A Resolução TSE n.º 23.117, de 20.08.09, em seus artigos 6.º,
8.º e 19, § 2º, torna obrigatório o uso do Sistema de Filiação Partidária
para a anotação das filiações partidárias e remessa da relação de filiados
de que trata o art. 19 da Lei n.º 9.504/97.

19. Quem pode utilizar o Sistema de Filiação Partidária - FiliaWeb?


R: O sistema pode ser usado por qualquer eleitor, diretório de partido
político, cartório eleitoral e corregedorias eleitorais. O eleitor, além de
não precisar de cadastramento prévio, possui perfil de acesso ao sistema
limitado às operações de consulta e de obtenção de certidão de filiação;
já os demais usuários necessitam de cadastramento prévio, e o seu perfil
de acesso varia de acordo com as funções e responsabilidades exercidas
por cada um no sistema.

20. Como devem ser inseridos no Sistema de Filiação Partidária os


dados dos eleitores filiados?
R: Estabelece a Resolução TSE n.º 23.117/09:

Art. 22. Os dados inseridos no Filiaweb terão por base as in-


448 Revista Eleições & Cidadania

formações fornecidas pelos partidos políticos e por seus pró-


prios filiados, ressalvado o disposto no art. 9° desta resolução.
Parágrafo único. Além dos campos de preenchimento obriga-
tório, cujos dados deverão subsidiar a elaboração da relação
de filiados a ser entregue à Justiça Eleitoral, na forma do art.
19 da Lei n.º 9.096/95, o Filiaweb conterá campos para regis-
tro, a critério dos órgãos partidários, de endereço e telefone,
cujos dados não serão submetidos a processamento pelo siste-
ma nem constarão das relações oficiais.
Art. 9° No momento da elaboração das relações será infor-
mada pelo sistema a ocorrência de eventual erro no registro
de dados cadastrais do filiado, o que impedirá sua inclusão
na relação oficial até que providenciada a correção pelo par-
tido.

21. Existe previsão de responsabilização pelo uso inadequado do


Sistema de Filiação Partidária?
R: Sim. O art. 27 da Resolução TSE n.º 23.117/09 determina que o uso
inadequado dos procedimentos estabelecidos pela resolução, com a in-
tenção de causar prejuízo ou lesão ao direito das partes ou ao serviço
judiciário, implicará responsabilidade civil e criminal e imediato des-
credenciamento dos usuários.

22. Quem pode submeter à Justiça Eleitoral a relação dos nomes


dos filiados ao partido e em que data deve ser remetida?
R: O partido deverá remeter a relação aos Juízes Eleitorais, por inter-
médio de seus órgãos de direção municipal, estadual ou nacional, na
segunda semana dos meses de abril e outubro de cada ano (art. 19 da
Lei n.º 9.096/95, com redação dada pelo artigo 103 da Lei n.º 9.504/97).
Atualmente a remessa deve ser feita pela internet, com utilização obri-
gatória do Sistema de Filiação Partidária – FiliaWeb, conforme dispõe
o artigo 19, § 2.º da Resolução TSE n.º 23.117, de 20.08.09.
Observações pertinentes:
I) Por força do disposto no artigo 5.º da Resolução TSE n.º 23.117/09,
as filiações efetuadas perante órgãos de direção nacional ou estadual,
quando admitidas pelo estatuto do partido, deverão ser informadas aos
diretórios municipais correspondentes à zona de inscrição do eleitor, com
a finalidade de o órgão municipal do partido, após cadastro prévio no sis-
tema, submeter à Justiça Eleitoral, no período legal, a relação de filiados.
Apêndice 449

II) Se estabelecido internamente pelo partido que a entrega da rela-


ção de filiados de uma ou mais zonas eleitorais será feita por órgão de
direção diverso do municipal, o representante legal respectivo deverá
requerer sua habilitação para uso do Filiaweb perante a Corregedoria-
-Geral ou as corregedorias regionais eleitorais, conforme a instância
partidária, hipótese na qual será cancelada a habilitação de todos os
usuários de nível municipal correspondentes, conforme permite o § 5º
do artigo 7º da Resolução TSE n.º 23.117/09.
III) No município em que não houver órgão de direção municipal cons-
tituído ou comissão provisória, a relação será encaminhada pelo órgão de
direção estadual ou nacional, devendo o representante legal do partido
habilitar-se previamente perante a Corregedoria para uso do sistema.
IV) É oportuno frisar que, nos termos dos arts. 27 e 28 da Resolução TSE
n.º 23.282, 22.06.10, o órgão de direção regional comunica ao TRE, por
meio do Sistema de Gerenciamento de Informações Partidárias – SGIP,
a constituição de seus órgãos de direção partidária regional e munici-
pais, seu início e fim de vigência, os nomes, números de CPF e do título
eleitoral dos respectivos integrantes, bem como as alterações que forem
promovidas, para anotação. Anotada a composição ou alteração, os da-
dos serão disponibilizados para consulta na internet, considerando-se
efetivada a comunicação aos juízes eleitorais, independentemente de
qualquer outro expediente ou aviso.

23. Como os partidos devem elaborar a relação contendo os nomes


de todos os seus filiados para remessa à Justiça Eleitoral e quais
dados nela devem constar?
R: Estabelece o artigo 8º da Resolução TSE n.º 23.117/09 que a relação
deve ser elaborada pelo partido em aplicação específica do Sistema de
Filiação Partidária - FiliaWeb, e submetida à Justiça Eleitoral pela rede
mundial de computadores, em ambiente próprio do sítio do Tribunal
Superior Eleitoral reservado aos partidos políticos.
Na relação deve constar obrigatoriamente, conforme prescreve
o artigo 19 da Lei n.º 9.096/95, os seguintes dados: o nome de todos
os filiados ao partido na respectiva zona eleitoral, a data de filiação, o
número dos títulos eleitorais e das seções em que estão inscritos.
450 Revista Eleições & Cidadania

24. Como se dá o processo de elaboração e remessa pelos partidos


da relação de filiados à Justiça Eleitoral?
R: Com a nova sistemática de anotação das filiações, estabelecida pela Resolução
TSE n.º 23.117/09, o procedimento de elaboração e submissão da relação de filia-
dos (artigos 6º a 11, e Manual do FiliaWeb), em síntese, se dá da seguinte forma:
I) Ao registrar os seus filiados no Sistema de Filiação Partidária – Fi-
liaWeb o partido forma uma lista, que no sistema é denominada rela-
ção interna (conjunto de dados de eleitores filiados ao partido político,
relativos a um município e zona eleitoral, destinada ao gerenciamento
pelo órgão partidário).
II) A submissão da relação interna de filiados à Justiça Eleitoral não é
automática, depende de atuação do partido para apresentar a sua relação
para processamento. Uma vez apresentada, a relação interna é conver-
tida pelo sistema em relação submetida (relação interna liberada pelo
órgão partidário para processamento pela Justiça Eleitoral). A submis-
são da relação ordinária de filiados poderá ocorrer a qualquer tempo
até o fim do prazo para entrega das relações a que se refere o art. 19 da
Lei nº 9.096/95 (segunda semana dos meses de abril e outubro de cada
ano), a partir do qual será processada a relação elaborada pelo partido
e submetida à Justiça Eleitoral. No último dia do prazo final fixado, a
submissão de relações de filiados dos partidos políticos pela Internet
dar-se-á até as 19 horas, observado o horário de Brasília.
III) Após escoado esse prazo, a relação submetida é convertida pelo sis-
tema para relação fechada (situação da relação submetida pelo órgão
partidário após o encerramento do prazo legal para fornecimento dos
dados à Justiça Eleitoral). Neste momento o sistema gera automatica-
mente uma nova relação interna, de idêntico conteúdo, para posteriores
alterações pelo partido.
IV) Em seguida, as relações fechadas de cada partido são processadas
pela Justiça Eleitoral, quando será verificada novamente a existência de
erros nos registros e a ocorrência de duplicidade de filiação (Resolução
TSE n.º 23.117/09, art. 11). [Na prática, verifica-se apenas as duplici-
dades, porque o FiliaWeb faz previamente a verificação de erros nos
registros de filiados, durante a operação de cadastramento do filiado no
sistema, nos termos do art. 9.º da Resolução TSE n.º 23.117/09]
V) Desconsiderados pelo processamento os erros constantes da rela-
Apêndice 451

ção fechada, o sistema a converterá em relação oficial (relação fechada


que, desconsiderados eventuais erros pelo processamento, será publica-
da pela Justiça Eleitoral e cujos dados servirão de base para o cumpri-
mento das finalidades legais).
VI) A publicação das relações oficiais se fará no sítio do Tribunal Su-
perior Eleitoral na Internet, permanecendo os dados disponíveis para
consulta por qualquer interessado, juntamente com serviço de emissão
de certidão de filiação partidária, ficando autorizada a criação de link
de acesso nas páginas dos tribunais regionais eleitorais (Resolução TSE
n.º 23.117/09, art. 15).
VII) Há também a classificação das relações em relação ordinária (re-
lação cujos dados serão fornecidos pelos partidos políticos nos meses de
abril e outubro de cada ano) e relação especial (relação cujos dados serão
fornecidos pelos partidos políticos em cumprimento a determinação ju-
dicial, nos termos do § 2º do artigo 4º da Resolução TSE n.º 23.117/09).
VIII) No momento da elaboração das relações será informada pelo sis-
tema a ocorrência de eventual erro no registro de dados cadastrais do
filiado, o que impedirá sua inclusão na relação oficial até que providen-
ciada a correção pelo partido.

25. Quais são as possíveis situações de um registro de filiado no Sis-


tema de Filiação Partidária?
R: Segundo o Manual do FiliaWeb, disponível na página do TSE, são
nove as situações possíveis para um registro de uma filiação no Sistema:
1) regular: situação tanto de registros em relações internas quanto em
relações oficiais, com a seguinte semântica:

a) em relações internas: registro de filiação em que não foram


identificados erros;
b) em relações oficiais: registro de filiação em que não há a pos-
sibilidade de dupla filiação. É atingido pelo processamento da
relação ou pelo cancelamento ou exclusão de filiação a partido(s)
cujo(s) registro(s) acusava(m) suspeita de dupla filiação.

2) com erro: situação exclusiva de registros em relações internas. É


o registro em que foram identificadas ocorrências de erros e, conse-
quentemente, se avalia a possibilidade de dupla-filiação. Os erros são
452 Revista Eleições & Cidadania

inconsistências que impedem que o registro de filiação entre em uma


relação oficial.
3) sub judice: situação exclusiva de registros em relações oficiais. É o
registro envolvido em possibilidade de dupla filiação. Para resolver a
situação do registro de filiação de forma a torná-lo regular, todos os re-
gistros de filiação, exceto o considerado correto, devem ser cancelados
ou excluídos. Se todos os registros forem cancelados ou excluídos, o
eleitor não terá mais vínculo com partido algum.
4) desfiliado: registro de filiação que não foi “cancelado”, mas que o
partido já comandou a desfiliação e que contém informações de ex-
-filiados, notadamente a data de desfiliação. Ocorre tanto em relações
oficiais quanto em relações internas.
5) cancelado: situação exclusiva de registros em relações internas. Re-
gistro de filiação que teve sua desfiliação comunicada à Justiça Eleito-
ral. O cancelamento, embora efetuado pela Justiça Eleitoral, pode ser
solicitado pelo partido ou eleitor a que se refere o registro de filiação.
O cancelamento por iniciativa da Justiça Eleitoral ocorre para resolver
situações de dupla filiação. Em todos os casos de cancelamento, sempre
existirá um documento que justifica a motivação do cancelamento.
6) excluído: registro que teve seu ato de criação anulado, ou seja, reco-
nhece-se que nunca houve vínculo entre o eleitor e o partido.
7) em transferência: situação exclusiva de registros em relações in-
ternas. Situação do registro cujo eleitor foi objeto de processamento de
transferência de seu título eleitoral para outra localidade, mas ainda não
foi aceito pelo diretório de destino.
8) transferido: situação exclusiva de registros em relações internas. É
a situação do registro cujo eleitor foi alvo de transferência de seu título
eleitoral para outra localidade e aceito pelo diretório de destino como
regularmente filiado. Essa situação é a que permanece no registro da
relação de origem.
9) recepcionado: situação exclusiva de registros em relações internas.
Registro de filiação movido de um diretório a outro em razão de pro-
cessamento de transferência do título eleitoral. É o registro que surge na
relação interna do diretório da localidade de destino. Sobre ele, cabe o
aceite do diretório de destino, o que, se não for confirmado, implica na
desfiliação do filiado.
Apêndice 453

Observações pertinentes:
I) No Sistema, o desligamento do partido político é feito, em regra,
em duas etapas: a primeira, chamada de desfiliação, é ato do partido
político e só tem efeito no subsequente processamento de relações e a
segunda, chamada de cancelamento, é ato da Justiça Eleitoral e tem
efeito imediato no FiliaWeb.
Se um registro foi desfiliado e cancelado, o vínculo é conside-
rado regularmente extinto, pois cumpriu o rito esperado e, portanto, a
situação final é de “cancelado”.
Entretanto, uma das etapas pode não ter sido executada, cau-
sando o seguinte comportamento pelo sistema: desfiliação sem can-
celamento, em que o filiado não cumpriu o rito e o registro ainda é
considerado apto a ser processado e, possivelmente, confrontado com
outros registros gerando a situação “sub judice”; ou cancelamento sem
desfiliação, em que o filiado não cumpriu o rito, mas cabe a Justiça
Eleitoral analisar a causa dessa ocorrência. Se a Justiça Eleitoral consi-
derar que isso ocorre por alguma impossibilidade do filiado registrar a
sua desfiliação do partido, pode homologar o cancelamento, observan-
do-se o art. 21 da Lei 9.096/95. A situação final do registro ao final é de
“cancelado”.
II) Antes de efetuar um registro de filiação é importante sempre fazer
consulta no Sistema FiliaWeb para verificar a situação em que se encon-
tra o eleitor perante o partido político e a Justiça Eleitoral.
III) As informações básicas do filiado devem ser mantidas pelo próprio
partido. Já a situação de um determinado filiado é de responsabilidade
conjunta entre os diretórios partidários e a Justiça Eleitoral, onde cabe
ao partido o registro da desfiliação e ao cartório o registro da comuni-
cação de cancelamento de filiação de determinado filiado ou executar a
reversão do cancelamento.
IV) As ações executadas pela Justiça Eleitoral causam imediata altera-
ção da situação do filiado, ao contrário das efetuadas pelo partido, que
só se tornam efetivas após a submissão e processamento de sua relação
de filiados à Justiça Eleitoral.
V) As funcionalidades de reversão de cancelamento e de reversão de ex-
clusão de registro de filiação estão disponíveis no Sistema de Filiação
Partidária exclusivamente para cumprimento de determinações judiciais,
454 Revista Eleições & Cidadania

sendo necessária, para utilizá-Ias, a identificação do processo em que de-


terminada a providência (Resolução TSE n.º 23.177/09, artigo 14).

26. O que acontece se um partido não submeter à Justiça Eleitoral a


relação dos nomes de seus filiados ou se ocorrer falha no seu envio?
R: Consoante § 1º do artigo 19 da Lei n.º 9.096/95, permanece inalterada a
filiação de todos os eleitores constantes da relação remetida anteriormente.
O artigo 28 da Resolução TSE n.º 23.117/09 dispõe que a ade-
quada e tempestiva submissão da relação de filiados pelo sistema ele-
trônico será de inteira responsabilidade do órgão partidário. E que os
riscos de não obtenção de linha ou de conexão, de defeito de trans-
missão ou de recepção, correrão à conta do usuário e não escusarão o
cumprimento dos prazos legais, cabendo ao interessado certificar-se da
regularidade da recepção.
Expirado o prazo para remessa da relação de filiados, o partido
político poderá fazê-lo no próximo cronograma para submissão de re-
lação ordinária.

27. Para que servem as relações de eleitores filiados encaminhadas


pela internet à Justiça Eleitoral pelos partidos políticos?
R: Para fim de prova de filiação partidária, inclusive com vistas a candi-
datura a cargo eletivo, que será feita com base na última relação oficial
de eleitores recebida e armazenada no Sistema de Filiação Partidária
(artigo 21 da Res. TSE n.º 23.117/09). [Veja a questão 05]

28. Quem pode reclamar se um partido não enviar à Justiça Eleito-


ral a relação dos nomes de seus filiados e em que prazo?
R: O filiado prejudicado por desídia ou má-fé dos dirigentes partidários
poderá requerer, diretamente ao juiz da Zona Eleitoral, a intimação do
partido para que cumpra, no prazo que fixar, não superior a dez dias, o
que prescreve o caput do artigo 19 da Lei n.º 9.096, sob pena de deso-
bediência (§ 2º do art. 4 º da Res. TSE n.º 23.117/09 e § 2º do art. 19 da
Lei n.º 9.096/95).
A lei e a resolução regulamentadora não fixaram nenhum pra-
zo ao filiado prejudicado para a apresentação dessa reclamação ao juiz
eleitoral, podendo o pedido ser protocolizado a qualquer tempo.
O próprio Tribunal Superior Eleitoral decidiu que:
Apêndice 455

[…] sempre que o órgão de direção partidária, omitindo-se,


revelar eficiência para afetar, detrimentosamente, o pleno
exercício dos direitos decorrentes da condição de filiado,
poderá o cidadão dirigir-se à Justiça Eleitoral e, perante a
instância dotada de competência para conhecê-la, deduzir a
reclamação prevista nos arts. 19, § 2º, da Lei n.º 9.096/95 e
39, § 5º, da Res. TSE n.º 19.406/95, cuja protocolização inde-
pende da observância de prazo (Ac. n.º 15.078, de 26/06/97).
Temos também o Respe nº 35793, da relatoria do Min. Arnal-
do Versiani, julgado em 26.11.2009:
Ementa: Filiação. Pedido. Eleitora. Inclusão. Lista.
1. ................
2. Reconhecida a desídia do partido em incluir o nome da fi-
liada na lista encaminhada à Justiça Eleitoral, correto o juízo
eleitoral que deferiu o pleito formulado pela interessada, com
base no art. 19, § 2º, da Lei nº 9.096/95.
Recurso especial provido.
* É necessário que o prejudicado, após certificar-se de que
seu nome não consta da relação de filiados submetida à Justi-
ça Eleitoral pelo partido, ao formular a reclamação, instrua o
pedido com a prova de sua filiação.

29. Havendo reclamação de prejudicado por desídia ou má-fé de


dirigente partidário, nos termos do § 2.º do artigo 19 da Lei n.º
9.096/95, como deve proceder a Justiça Eleitoral?
R: Quando determinado pelo juiz eleitoral, a partir de reclamação de
filiado, ao partido que por desídia ou má-fé deixou de incluir seu nome
na última relação, o cumprimento do que dispõe o caput do artigo 19 da
Lei n.º 9.96/95, o processamento da relação especial ocorrerá nos me-
ses de junho ou dezembro, conforme o caso, em procedimento próprio
(artigo 20 da Resolução TSE n.º 23.177/09).

30. Constatada a ocorrência de dupla filiação após o processamento


das relações de filiados, quais as providências que devem ser adotadas?
R: As providências a serem adotadas estão previstas no artigo 12 da
Resolução TSE n.º 23.177/09, abaixo transcrito:

Art. 12. Detectada duplicidade de filiação, serão expedidas,


pelo Tribunal Superior Eleitoral, notificações ao filiado e aos
partidos envolvidos.
§ 1º As notificações de que trata o caput serão expedidas por
456 Revista Eleições & Cidadania

via postal ao endereço constante do cadastro eleitoral, quando


dirigidas a eleitor filiado, e pela rede mundial de computado-
res, no espaço destinado à manutenção de relações de filiados
pelos partidos, quando dirigidas aos diretórios partidários.
§ 2º A competência para processo e julgamento da duplicida-
de identificada será do juízo eleitoral em cuja circunscrição
tiver ocorrido a filiação mais recente, considerando-se a data
de ingresso no partido indicada na respectiva relação.
§ 3º As partes envolvidas terão o prazo de 20 (vinte) dias para
apresentar resposta, contados da realização do processamento
das informações.
§ 4º Expirado o prazo de que trata o § 3º deste artigo, nos 10
(dez) dias subsequentes, o juiz eleitoral declarará a nulidade
de ambas as filiações, caso não haja comprovação da inexis-
tência da filiação ou de regular desfiliação.
§ 5º Não havendo registro de decisão no Filiaweb até o déci-
mo dia posterior ao prazo estabelecido no § 4º deste artigo, a
situação das filiações será automaticamente atualizada, pas-
sando ambas a figurar como canceladas, consoante prevê o
parágrafo único do art. 22 da Lei nº 9.096/95.
§ 6º Para os fins do disposto no § 1º deste artigo, incumbirá
aos partidos políticos orientar seus filiados a manterem atuali-
zados seus dados cadastrais perante a Justiça Eleitoral.

Observações pertinentes:
I) Do parágrafo único do art. 22 da Lei n.º 9.096/95 extrai-se que, uma
vez configurada a dupla filiação, ambas devem ser consideradas nulas
para todos os efeitos.
II) O eleitor envolvido em duplicidade deve apresentar sua resposta ao
juiz eleitoral competente, acompanhada do comprovante de sua filiação
ao novo partido e, se for o caso, dos comprovantes de comunicação da
sua desfiliação encaminhados ao partido anterior e ao Juiz Eleitoral, no
dia imediato ao da nova filiação.
III) Os partidos políticos devem apresentar sua resposta ao juiz eleito-
ral competente, acompanhada do comprovante da filiação do respectivo
eleitor envolvido na duplicidade detectada pela Justiça Eleitoral duran-
te o processamento das relações de filiados.
IV) O § 3.º do art. 13 da Resolução TSE n.º 23.117/09 estabelece que
não comunicada a desfiliação à Justiça Eleitoral, o registro de filiação
ainda será considerado para o fim de identificação de dupla filiação.
Apêndice 457

V) O Provimento n.º 07/2010-CRE/MS, de 12.08.10, que estabelece


instruções para registro, autuação e digitação das decisões que envol-
vem duplicidade de filiação partidária, no Sistema de Filiação Partidá-
ria FiliaWeb/ELO6, e dá outras providências, regulamenta, no âmbito
do Estado de Mato Grosso do Sul, os procedimentos referentes às dupli-
cidades detectadas no processamento das relações de filiados.
VI) O Tribunal Superior Eleitoral havia consolidado jurisprudência no
sentido da imprescindibilidade de o eleitor filiado que faz nova filia-
ção comunicar ao partido anterior e ao Juiz eleitoral de sua respectiva
Zona, o cancelamento de sua filiação, no dia imediatamente poste-
rior à nova filiação, sob pena de restar caracterizada a dupla filiação
(Ac. TSE n.os 16.410, de 12.9.2000; 16.411, de 12.9.2000; 16.715,
de 19.9.2000; 16.760, de 26.9.2000; 17.248, de 29.9.2000; 2.343, de
10.10.2000; 16.783, de 10.10.2000; 17.208, de 17.10.2000; 17.983,
de 07.12.2000; 19.368, de 11.9.2001; 19.377, de 11.9.2001; 19.556,
de 18.6.2002; 23.418, de 28.9.2004; 22.009, de 2.10.2004; 23.545, de
11.10.2004; 23.418, de 28.9.2004; REspe n.º 26.433, de 14.9.2006 e
REspe n.º 26.710, de 10.10.2006).
Porém, a partir do julgamento do Recurso Especial n.º 22.132,
de 2.10.2004, o TSE passou a afastar a aplicação literal da norma posta
no art. 22, parágrafo único, da Lei n. 9.096/95 que impõe ao filiado o
dever de comunicar sua nova filiação partidária ao Partido e ao Juiz
Eleitoral “no dia imediato ao da nova filiação”.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMEN-


TAL EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 22132
Julgado em 13.10.2004, relator Min. Gilmar Ferreira Mendes
Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REGISTRO DE
CANDIDATO. DUPLA FILIAÇÃO. INEXISTÊNCIA.
Havendo o candidato feito comunicação de sua desfiliação à Justiça
Eleitoral e à agremiação partidária antes do envio das listas a que se
refere o art. 19 da Lei nº 9.096/95, não há falar em duplicidade de
filiação.
Ausência de omissão, contradição, dúvida ou obscuridade (art. 275 do
Código Eleitoral).
Embargos rejeitados.
Decisão: O Tribunal, por maioria, recebeu os embargos como declara-
tórios, vencidos, no ponto, os Ministros Marco Aurélio e Luiz Carlos
Madeira e, por unanimidade, os rejeitou, nos termos do voto do relator.
458 Revista Eleições & Cidadania

Desse modo, flexibilizando o prazo determinado pela lei, o Tribu-


nal Superior Eleitoral passou a considerar que não configura a dupla fi-
liação se o partido preterido e o juiz eleitoral forem comunicados an-
tes do envio da relação de filiados (AgR-Respe n.º 28848, de 17.12.08,
RO n.º 1195, de 17.10.2006, AgR-Respe n.º 35192, de 13.02.2009, AgR-
-Respe n.º 32726, de 05.02.2009, AgR-AI n.º 10745, de 26.05.2009).
Como sabemos, cabe ao Tribunal Superior Eleitoral, expedir instru-
ção para fiel cumprimento da Lei n.º 9.096/95, em obediência ao que dispõe
o seu art. 61. Assim, em 2009, a Corte Superior Eleitoral, regulamentando
a matéria ora em debate, editou a Resolução n.º 23.117, de 20.9.2009, que
em seu art. 13, § 4º estabelece “quem se filia a outro partido terá até o dia
seguinte ao da nova filiação para fazer a comunicação, à Justiça Eleitoral,
da desfiliação ao partido anterior”. Teriam os ministros do TSE optado
por voltar à literalidade da lei, abandonando sua jurisprudência? Vamos
aguardar, torcendo para que o texto legal volte a ser aplicado.
VII) O reconhecimento da duplicidade de filiação em processo especí-
fico implica óbice ao deferimento do pedido de registro de candidatu-
ra, caso não haja medida judicial suspendendo os efeitos da respectiva
decisão (Recurso Especial Eleitoral nº 2064-97 - Maracaju/MS, julga-
do em 15.09.2010, relator Min. Arnaldo Versiani). No mesmo sentido o
Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 31906, julgado em
05/03/2009, da relator do Min. Fernando Gonçalves:
Ementa: ELEIÇÕES 2008. REGISTRO DE CANDIDATURA. RECURSO
ESPECIAL. DUPLA FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. AGRAVO REGIMENTAL.

1. Ausentes os requisitos dos embargos de declaração, não há


ofensa ao art. 275 do Código Eleitoral, ficando afastada a cir-
cunstância da Súmula 98 do STJ, sendo possível o reconheci-
mento, pelo Tribunal a quo, do caráter protelatório.
2. Transitada em julgado a decisão que cancela filiação partidária
por duplicidade em processo específico, sem condições o recurso
manejado em sede de registro de candidatura para rescindi-la.
Negado provimento ao agravo regimental.

VIII) Os recursos que versam sobre duplicidade de filiação não possuem efeito
suspensivo (AgR-Respe n.º 31291, de 27.11.08 e AgR-AC n.º 2910, de 16.10.08).

Campo Grande (MS), 13 de outubro de 2011.


459

ÍNDICE ALFABÉTICO
G
A
Gravação de conversa. Ter-
Abuso do poder econômico e polí- ceiro. Desconhecimento. Inter-
tico. Captação ilícita de sufrágio. In- locutores. Ilicitude da prova.
terposta pessoa. Ligação. Candida- AIME. (Ac. Nº 49928/2011)............307
tos beneficiados. Pessoa que ofereceu
vantagens. Anuência implícita. AIJE. I
(Ac. Nº 5427192/2011)......................341
Ilícito. Prevenção. Repressão.............27
C
J
Campanha eleitoral. Governador. Piauí.
Financiamento....................................151 Justiça eleitoral. História. Demo-
cracia. Ativismo judicial. Educação
Contas. Poder Executivo. Julgamen- cidadã.........................................187
to. Competência. Rejeição. Inelegi-
bilidade..........................................71 M
D Multa eleitoral. Execução fiscal.
Prescrição..........................................57
Demissão de pessoal. Motivos eleitorais.
Compra de votos. Captação ilícita de P
sufrágio. Corrupção. Abuso político
com conteúdo econômico. AIME. Partidos políticos. Representação.
(Ac. Nº 438316/2011).......................395 Decisões. Imprevisibilidade. Direito
Eleitoral. Relativismo........................97
Doação. Campanha eleitoral. Recurso
financeiro. Acima do limite legal. Pessoa Prestação de contas. Financiamento.
física. Questão de ordem. Competência. Campanha..........................................39
Juízo. Domicilio eleitoral. Doador. RP.
(Ac. Nº 12915/2011)..........................383 Princípio republicano. Reflexões.......15
E Poder eleitoral. Abuso. Gravidade.
Circunstâncias.................................145
Eleições suplementares. Filho
de prefeito eleito em 2008. Processo. Razoável duração. Conceito
Diploma cassado. Afastamento. jurídico indeterminado. Celeridade.
Desnecessidade. Peculiaridades do Segurança jurídica............................119
caso. Impossibilidade. Renúncia. Chefe
do poder executivo municipal. Prazo R
6 meses. Novo pleito. Prevalência.
Direito constitucional de ser votado. Recurso extraordinário. Repercussão
RCAND. (Ac. Nº 303157).................231 geral. Hermenêutica.........................167
Embargos de declaração. Caráter T
manifestação protelatório. Incidência
art. 275, § 4º Código Eleitoral. AIJE. Tribunal Superior Eleitoral. Poder
(Ac. Nº 18209/2011)..........................245 regulamentar. Limitação. Princípio
Constitucional da Anualidade..........211
460

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS TEXTOS

1. Os textos deverão manter correspondência com a proposta


temática da edição a que se destinam. Preferencialmente terão a forma
de artigo, sendo, porém, aceitos na forma de ensaios e de resenhas de livros
(recentemente lançados), bem como ainda de relatórios originados de
pesquisas acadêmicas, entrevistas, conferências e palestras.
2. Os artigos deverão ter, no máximo, 20 páginas, incluindo
desenhos, figuras, tabelas, fotos e referências. As resenhas, no máximo, quatro
páginas.
3. Figuras e tabelas deverão ser apresentadas em formato
eletrônico (preferencialmente em Corel e Word), assim como as fotos em
resolução 300 dpi, acompanhadas de créditos e legendas. Se as ilustrações
enviadas já tiverem sido publicadas, mencionar a fonte e apresentar a
permissão para a sua reprodução.
4. Os textos deverão estar revisados, conforme as normas
gramaticais vigentes, e de acordo com as normas da Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT).
5. Só serão analisados os textos submetidos à publicação
que estiverem acompanhados de Declaração de Responsabilidade e
Transferência de Direitos Autorais.
6. Os textos e declarações podem ser enviados por correio
eletrônico, sendo necessário o envio por correio postal do mesmo, devidamente
assinados.

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Revista Eleições & Cidadania
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7. Os textos devem ser editados em Word (Windows), com a


seguinte configuração: fonte Times New Roman, tamanho 12, papel tamanho
A-4, espaço interlinear de 1,5 cm, todas as margens com 2,5 cm.
461

8. Em folha separada do corpo do artigo (em página inicial ou


final), deverão constar, obrigatoriamente, o nome completo do(s) autor(es),
formação profissional, títulos acadêmicos, cargos e nome da instituição a qual
está(ao) vinculado(s), endereço profissional completo, telefone e e-mail, se os
tiver.
9. É obrigatório constar o título do respectivo texto. É facultativa
a apresentação de resumo informativo, que deverá conter entre 140 e 150
palavras, e três a cinco palavras-chaves.

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