Ciências Da Religião - Aulas 1 A 10

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Disciplina: Ciências da Religião

Aula 1: As ciências da Religião

Apresentação:
“A religião primitiva é diferente das formas mais elevadas do pensamento religioso, mas
não é irreligião. Ela pertence ao real e o exprime. Por detrás das aberrações contidas na
manifestação religiosa primitiva, esconde-se alguma necessidade humana, individual ou
coletiva. Assim, não há religião falsa, todas são verdadeiras a seu modo [...].

Por razões de método, deve-se tomar para estudo a religião primitiva: é preciso começar
pelo mais simples e, gradativamente, chegar ao mais complexo. Como todas as religiões
são comparáveis, há [...] elementos essenciais que lhe são comuns, não somente em seus
aspectos exteriores, mas nos mais profundos, permanentes e humanos: o conteúdo da
ideia de religião em geral”. Frase de Émile Durkheim , sociólogo francês, extraída do livro
“As formas elementares da Vida Religiosa”, lançado em 1912, em Paris.

Você já deve ter lido, em bons jornais, notícias sobre religião: festas católicas, santuários
religiosos, mobilizações políticas da bancada parlamentar evangélica, perseguições a
minorias religiosas no Brasil e em outros países etc.

Você parou para se perguntar o que todas essas notícias expressam? Podemos dizer que
esses exemplos divulgam a presença da religião como crença e como comportamento no
mundo atual.

Mas, como estudar a religião de forma acadêmica e científica? Apresentaremos o contexto


do nascimento das Ciências da Religião, destacando alguns fatos, conceitos e autores
essenciais ao estudo acadêmico-científico do fenômeno religioso.

Nesta aula, problemas você aprenderá mais sobre o caráter científico das Ciências da
Religião e os sobre os quais se debruça.
Objetivos:
Compreender as origens das Ciências da Religião.
Identificar o caráter acadêmico-científico das Ciências da Religião.
Analisar fatos e contextos básicos para as Ciências da Religião.
Premissa
As Ciências da Religião possuem suas origens em um século conturbado, violento,
cheio de mudanças sociais, econômicas, culturais, religiosas, políticas e morais.

Dois grandes pensadores desse século cunharam uma frase famosa: “Tudo o que
era sólido desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são
finalmente forçadas a encarar friamente sua posição social e suas relações mútuas”.
(MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. [s./l.])

Se você pensou que estávamos falando do século XX ou do XXI, enganou-se.


Falamos do século XIX.

Entre 1875 e 1914, mais ou menos, nascem as primeiras investigações, livros e


cátedras universitárias dedicadas ao estudo exclusivo da religião ou das religiões.
Mas, se você prestar atenção, é em nossa época que a religião, ou religiões,
tornaram-se objetos de milhares de estudos e pesquisas por parte das mais
variadas disciplinas e dos mais diversos métodos.

Paralelamente, ocorreram processos de especialização das ciências e a multiplicação


das teologias e histórias internas de cada tradição ou família espiritual. (FILORAMO;
PRANDI, 2016

Atualmente, é mais difícil para um estudioso ou pesquisador dominar todos os


detalhes de uma disciplina, por exemplo, a Sociologia. Quando você toma um tema
específico dos estudos de religião, por exemplo, a secularização e a laicidade, logo
percebe que há livros, artigos científicos e pesquisadores.

Por isso você está convidado a conhecer escolas teóricas, autores e temas mais
fundamentais para não se perder na floresta dos estudos da religião.


Leitura

Você deve estar se perguntando pelos dois importantes filósofos que


escreveram a famosa expressão “Tudo que é sólido desmancha no ar”. Foram
os alemães Karl Marx e Friedrich Engels no livreto O manifesto
comunista, publicado em 1848.

Apesar da linguagem impactante, esse texto inspirou muitos pensadores e


reflexões. Fala do perpetuum mobile que a burguesia e o capitalismo
impuseram ao mundo ocidental moderno, despindo da aura de sagrado todos
os valores e as relações. Rupturas e abalos se tornam constantes. Porém, o
capitalismo e a sociedade da época de Marx e Engels não são mais os mesmos.

A origem do pensamento racional-


crítico e sua importância
Sabemos que as lendas e os mitos sempre foram alicerces sociais e morais para os
povos antigos e primitivos das mais diversas regiões do planeta, dos povos
nômades às grandes civilizações.

Você notará que os mitos contam histórias mágicas, nas quais a realidade não é
apresentada de forma racional e lógica, com cadeias causais. A realidade, podemos
dizer, é narrada pelo pensamento mítico-mágico como algo fantástico, incrível,
absurdo ou extraordinário. É uma forma de conhecimento do mundo baseada em
sensações, imagens hiperbólicas e na imagem do maravilhoso.

Sabemos que os gregos, por exemplo, atribuíam suas


origens aos heróis que protagonizam a Guerra de
Tróia, na poesia de Homero, e os romanos, atribuíam
aos irmãos Rômulo e Remo, filhos do deus Marte,
eternizados nos relatos do historiador Tito Lívio
(romano).

Notemos que esse pensamento mítico finca suas raízes em um longo período na
Grécia, talvez desde o século X a.C. (Antes da Era Comum, dez séculos antes do
nascimento de Cristo) até o século V d.C. (Depois da Era Comum).

O conjunto desses mitos, de geração a geração, quando passados para a linguagem


escrita, deram origem às grandes literaturas. A Odisseia e a Ilíada, obras da
literatura grega, influenciaram o mundo ocidental, sendo que a autoria foi atribuída
ao poeta e rapsodo Homero.

Nas cidades-estados da Grécia, alguns homens começaram a ler de forma diferente


esses antigos mitos e lendas. Pouco a pouco, descobrimos que a Filosofia, como
pensamento racional-crítico se descolou desse tipo pensamento mítico-mágico, que
mergulhava o mundo e os homens nas paisagens do sonho e da crença.

A Filosofia surgiu na Grécia, no século VI a.C. como contraponto às narrativas


poéticas cantadas nas cidades gregas. Note que os primeiros filósofos passaram a
duvidar dessas origens mágicas e miraculosas e se perguntaram se havia outras
explicações. Esses homens eram os filósofos pré-socráticos, chamados:

Porque começaram a pensar a cosmologia (origem do mundo e vida), atribuindo a


gênese de tudo a uma arché ou princípio universal.

Porque viveram em uma época anterior e Sócrates (469 a.C.-399 a.C.), um dos
maiores filósofos da história, nascido em Atenas, Grécia.

Sócrates não deixou nada escrito, mas seu discípulo, Platão (427 a.C. — 347 a.C.)
escreveu sobre seu mestre.

O método socrático de busca da verdade, o elenkhós, era diferente dos filósofos


sofistas gregos que seguiam a erística (disputa para ver que fala melhor sobre um
tema, impondo a verdade).

O elenkhós era um jogo de perguntas e respostas, feito em público, baseado em


argumentos e não em opiniões. Não se faz boa filosofia sozinho. Refutar significa
investigar, desconsiderar o que é banal e mostrar sentidos que não estavam claros
no argumento.

A verdade da resposta só vem depois da investigação conjunta, porque é necessário


que saibamos o significado do que se pergunta e os limites e problemas do que
respondemos.


Saiba mais

Sócrates. Você sabia que a expressão “só sei que nada sei”, nunca foi dita
pelo filósofo de Atenas? Essa frase era uma inscrição no Templo de Delfos,
dedicado ao deus Apolo. Depois de visitar o Oráculo de Delfos, e ouvir uma
sacerdotisa (pitonisa), Sócrates adotou esse lema. O lema completo era:
“Conhece-te a ti mesmo e conhecerás todo o universo e os deuses, porque se o
que procuras não achares primeiro dentro de ti mesmo, não acharás em lugar
algum.” Mas não entenda esse lema como de busca interior, psicológica. Não
havia, naquela época, a ideia de subjetividade individual.

Quer saber mais? Leia o texto escrito por Platão, Apologia de Sócrates,
disponível em: http://www.revistaliteraria.com.br/ plataoapologia.pdf
<http://www.revistaliteraria.com.br/plataoapologia.pdf> , acesso em
05 fev. 2018. Esse texto é considerado um dos mais belos da Filosofia
ocidental.

Recomendamos ainda um bom livro para saber mais, com linguagem acessível
e popular: GHIRALDELLI JR, Paulo. Sócrates. Pensador e educador. A filosofia
do conhece-te a ti mesmo. São Paulo: Cortez, 2015.

O pensamento mágico/mítico é o oposto do pensamento racional-filosófico, pois


este explica fenômenos, objetos e fatos por razões e causas, por meio de cadeias
causais que ligam efeitos e causas por uma razão sólida e que pode ser, digamos
assim, “testadas”, “verificadas”, seja por meio empírico (experiências reais), seja
por meio racional-ideal (experiências abstratas).

O pensamento mítico/mágico não desapareceu com o avanço das redes sociais


e da globalização econômico-financeira.

A passagem do pensamento mítico ao racional, do mito à razão, durou muito


tempo. Mas, você poderia se perguntar quem começou este movimento de
independência do pensamento mítico-mágico?

Foi Tales de Mileto, o iniciador da filosofia da physis, ao afirmar a existência de um


princípio originário único (“tudo é água, tudo provém dela”), causa de todas as
coisas que existem. Foi, de fato, a primeira proposta filosófica que se desviou dos
caminhos batidos do pensamento mítico.

Convidamos você a olhar esta imagem, uma famosa pintura da Renascença Italiana,
“A Escola de Atenas” (Scuola di Atenas, no original).
 A escola de Atenas – Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Escola_de_Atenas.jpg
Foi pintada por Raffaello Sanzio (1483-1520) e ilustra a Academia de Platão,
composta entre 1509-1510 a partir de uma encomenda do Papa Júlio II para
decorar um palácio no Vaticano.

A obra é um afresco (pintura em parede). Você observará no centro, o filósofo


Platão segurando o Timeu (um dos seus livros), apontando para o alto com o dedo
indicador, simbolizando o mundo das formas supremas e do supremo conhecimento,
enquanto os outros dedos estão para baixo, o mundo das formas sensíveis.

Aristóteles segura a Ética (um dos seus livros), a palma da mão estende-se para
frente e para baixo, simbolizando o mundo sensível e as formas empíricas.

Autores e livros que antecederam as


ciências da religião
É necessário delimitar e falar de alguns autores. Escolhemos o filósofo escocês
David Hume1 (1711-1776) e o filósofo germânico Immanuel Kant2 (1724-1804).

Sabemos, segundo o cientista da religião, Frank Usarski (2013), que Hume é


apontado como um dos “mentores” precoces do estudo científico da religião
devido as suas investigações feitas dentro das exigências científicas modernas.
Ao aprofundar suas leituras nos livros e materiais complementares, você perceberá
que esse filósofo escocês não estava interessado em defender a religião, mas em
explicá-la de forma racional e clara, sem apelar para instâncias transcendentais ou
mágicas.

Mas, observe que a possibilidade de estudar a religião, como um produto puramente


cultural do homem, surgiu no mundo ocidental a partir da obra do filósofo alemão
Immanuel Kant, Crítica da razão pura, publicada em 1781. Kant descreveu, pela
primeira vez, o lugar a partir do qual poderíamos observar a religião de uma
perspectiva exterior.


A nossa época é a época da crítica, à qual tudo tem que

submeter-se. A religião, pela sua santidade e a legislação,

pela sua majestade, querem igualmente subtrair-se a ela.

Mas então suscitam contra elas justificadas suspeitas e não


podem aspirar ao sincero respeito, que a razão só concede a

quem pode sustentar o seu livre e público exame.

(KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 5).

O contexto sócio-histórico-cultural
das Ciências da Religião
Sabemos que o século XIX é um século de guerras, invenções, epidemias, expansão
e descobertas científicas. Ao lermos um pouco da história, temos a impressão que o
tempo ficou mais acelerado, em especial no Ocidente. Entre as grandes mudanças
vividas, temos a Revolução Industrial e as dominações neocoloniais europeias.
O intercâmbio, pacífico ou guerreiro, entre povos, tribos e civilizações, ocorre há
milhares de anos. No século XIX constamos que houve formas específicas:

01

Missão religiosa: missionários de várias igrejas cristãs enviados para converter


outros povos e tribos, impondo, muitas vezes, uma catequese esmagadora das
culturas locais;

02

Missão industrial-comercial: comércio de produtos e serviços, promoveu a ida de


comerciantes e exploradores aos lugares mais remotos do planeta;

03

Missão colonial: submissão de outras populações ao violento poder colonial e às


regras e aos padrões da civilização ocidental.

Lembramos que esse século é marcado pelo grande sucesso das ciências naturais e
físicas. Temos, por exemplo, o grande impacto da teoria de Charles Darwin (1809-
1882), em seu livro, A origem das espécies, publicado em 1859, com muitas
descobertas sobre os mecanismos de evolução das espécies animais, inclusive a
humana.

O século XIX nos mostrou que, entre os animais e nós, não há uma distância tão
insuperável como muitos pensaram e defenderam. Tudo isso, enfatizamos, gerou
profunda mudança na maneira de reconhecer a realidade, o mundo, a vida, a
religião. Estamos falando, por exemplo, do positivismo e do evolucionismo.

Podemos entender que esses dois movimentos se tornaram, para além de uma
teoria das Ciências Naturais e da Filosofia, uma maneira de ver o mundo e os
homens.

No âmbito da dominação colonial entre metrópoles europeias/norte-americana e


regiões e países submetidos ao seu domínio, o choque trazido por novas realidades
culturais e valores religiosos, diferentes dos vividos no Ocidente, trouxe uma nova
exigência.

Segundo os estudiosos Firolamo e Prandi (2016, p. 8), essas

novas realidades e esses novos valores, somados ao

constante declínio da hegemonia do cristianismo, tornou


clara “a exigência de se confrontar, de maneira cada vez

mais sistemática e crítica (ou seja, livre de injunções de

valor, teológicas ou filosóficas), a tradição cristã com todas

aquelas tradições religiosas orais que agora ficaram

acessíveis [...].

O registro dessa colonização (cartas, livros, relatórios) circulou amplamente na


Europa e levantou perguntas sobre a razão de ser dos europeus e dos outros povos,
em especial quando tratava-se da “religião” de índios ou “selvagens”.

O século XIX nos mostrou que, entre os animais e nós, não há uma distância tão
insuperável comVocê notou que a palavra veio entre aspas? Para os povos
indígenas, por exemplo, a “religião” não é uma parte da realidade, pois ela está
integrada a tudo, sem estar separada do resto (da vida coletiva, da comunidade, do
ritual, do mito). Por isso, falamos em tradições ou cosmologias índias. A
definição de religião não é consensual entre os estudiosos.

Ainda no século XIX, cresceram os estudos sobre as estruturas linguísticas e


mitológicas das antigas civilizações (Egito, Babilônia, Assíria, Índia, China Japão). A
Bíblia se tornou objeto de pesquisas arqueológicas, sociológicas, literárias,
históricas e filológicas que nos mostrará realidades diferentes sobre os livros
mais sagrados do Cristianismo.

Ao lermos esses estudos do ponto de vista das Ciências da Religião e com mais
atenção, veremos que tais livros, tidos como sacros, foram escritos ao longo de
séculos em diversos contextos e por diferentes autores, com vários tipos de
linguagem (poética, épica, trágica, sapiencial etc.).

Importa falar sobre a cientificidade das Ciências da Religião, isto é, sua autoridade
para investigar os fenômenos religiosos tendo como horizonte a busca da
neutralidade dos valores (neutralidade axiológica) e da objetividade relativa, como
assim se expressou Max Weber (1864-1920).

Você deve estar se perguntado: o que é neutralidade axiológica

e objetividade relativa?

São dois importantes conceitos cunhados pelo sociólogo, economista e estudioso


alemão Max Weber (1864-1920), para ajudar as Ciências Sociais e Econômicas a
estudarem seus objetos. Podemos dizer que se tratam de procedimentos para
controlar a interferência de valores subjetivos e pessoais, que escapam da esfera da
racionalidade, nas investigações e nos estudos dos cientistas.

O estatuto científico das Ciências da


Religião
Com base nos estudos mais recentes, podemos dizer que os termos Ciências da
Religião, Ciência da Religião ou Ciências das Religiões dizem respeito a um
empreendimento acadêmico dedicado ao estudo histórico e sistemático da religião,
como manifestação universal e das religiões concretas como fenômenos e
experiências humanas.


Atenção

Perceba que o uso da palavra religião no singular quer dizer que, a partir das
religiões concretamente existentes, é possível construir conceitos teóricos
que expressem modelos, padrões que ajudam a explicar e a compreender o
que vemos na prática. Em outras palavras, apesar de todas as variedades
empíricas das religiões, que devem ser consideradas em suas semelhanças e
diferenças, é possível construir um modelo teórico para interpretar e
entender as experiências religiosas vividas por tanta gente.

As Ciências da Religião não adotam uma postura elogiosa e confessional, isto é, não
procuram defender uma religião ou professar uma fé, ao contrário. A posição teórica
mais importante defende que um conhecimento científico da religião é mais
produtivo se mantivermos uma linha não normativa, isto é, que busque investigar a
religião em suas múltiplas dimensões, manifestações e contextos socioculturais sem
levar em conta julgamentos de valor ou quaisquer julgamentos sobre a validade
moral de sua existência. (USARSKI, 2013, p. 51)

Por exemplo, existem pelo Brasil, inúmeras igrejas chamadas igrejas cristãs
inclusivas porque aceitam a existência e o modo de ser da minoria LGBTI (Gays,
Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Intersexuais). As ciências da religião
fazem uma análise dessas igrejas sem julgá-las melhores ou piores do que outras
igrejas cristãs por conta do princípio da neutralidade axiológica e da objetividade
científica relativa.

Por isso é importante que você preste atenção no que escreve Frank Usarski (2013,
p. 51):


A Ciência da Religião não instrumentaliza seus objetivos em
prol de uma apologia a uma determinada crença privilegiada
pelo pesquisador.
Em outras palavras, a postura das Ciências da Religião é a da “indiferença” diante
do objeto do seu estudo. (USARSKI, 2013) Essa postura é uma técnica de
observação e estudotécnica de observação e estudo e que você pode traduzir
como distanciar-se das crenças e das militâncias pessoais para observar, com
mais amplitude e por outros ângulos de vista, o objeto, no caso, a religião.

Você sabe, por experiência do senso-comum, que quando estamos muito


ocupados dentro de um jogo ou de um assunto, não conseguimos observar táticas,
estratégias e pontos de vista alternativos ou diferentes dos usuais e comuns. Olhar
um objeto a partir de outras perspectivas é fundamental. Sabemos que é preciso ter
sensibilidade e abertura para a religião ou as religiões.

Observamos que o princípio do distanciamento está associado a dois termos


técnicos, “ateísmo metodológico” ou “agnosticismo metodológico”, segundo escreve
Frank Usarski (2013, p. 51). Consideramos que, com isso, não compete ao
cientista da religião perguntar sobre a “última verdade” [verdade absoluta e
inquestionável] ou julgar uma religião a partir dos valores e aspectos internos de
uma outra religião.

Para que você tenha um exemplo concreto, nas religiões cristãs, as ideias religiosas
giram em torno de noções como pecado/salvação e Deus/Diabo, o que não ocorre
em religiões como as de influência africana (candomblé, tambor-de-mina, batuque)
e as orientais (hinduísmo, budismo).

Além de vertentes internas, essas religiões possuem diferentes ideias religiosas


sobre o homem, a vida, a morte, o sofrimento, a espiritualidade etc. No caso das
Ciências da Religião, dizemos que os pontos de vista internos a uma religião não
são absolutos, mas são provisórios, pois o objetivo das Ciências da Religião é
alcançar a visão mais ampla e a interpretação mais ampla possível sobre a
religião ou as religiões.

Isso só é possível se consideramos um objeto por diversos ângulos de visão e não


apenas um. Veja, isso significa assumir que, para as ciências, o conhecimento é
sempre provisório, submetido a critérios exigentes de investigação e
questionamentos permanentes.

Notemos também que existem alguns estudiosos preferindo reconhecer que a


Ciência da Religião ou Ciências das Religiões são um campo disciplinar. Observe
que Ciência da Religião, escrito no singular, expressa a ideia de um objeto de estudo
próprio e de um método único, que, em geral, tem sido apontado como o método
da fenomenologia da religião.

Registramos que embora outros pesquisadores das Ciências da Religião a


considerem uma estrutura científica, eles se perguntam se é uma ciência com perfil
homogêneo e um método central ou se é um conjunto de ciências com perfil
interdisciplinar e métodos complementares, às vezes conflitantes.
Firolamo e Prandi (2016), por exemplo, preferem ver as Ciências da Religião como
um campo ou uma área disciplinar e, portanto, dotada de uma estrutura aberta e
dinâmica, na qual as disciplinas cientificas ajudam na tarefa de estudar a religião.

O estudo da religião de forma acadêmico-científica é um dentre os diversos métodos


(históricos, sociológicos, antropológicos, fenomenológicos, quantitativos e outros).
O ângulo e o método variam de acordo com as Ciências da Religião, mas há uma
convergência: a religião não é tabu, não há assunto proibido dentro da religião,
qualquer fenômeno que envolva espiritualidade e religião podem ser estudados e
compreendidos. Por isso, podemos dizer que fazer uma boa investigação, nas
Ciências da Religião, é fazê-la dentro do espírito socrático, sob a inspiração do
método de refutar, o elenkhós.

Atividade
A atividade consiste em refletir sobre três perguntas:

1) Como estudar a religião?

2) É possível estudá-la e compreendê-la?

3) Qual deve ser a postura cientifica do cientista da religião diante de


fenômenos religiosos diversos? Para prosseguir, selecione pelo menos três
breves reportagens, bem diferentes, extraídas, de grandes jornais brasileiros,
que falem sobre religião. Faça uma pequena lista do que você consegue
identificar como pontos em comum das três reportagens pontos divergentes
nas notícias. Depois, anote as diferenças.

Apesar da história de institucionalização das Ciências da Religião ser antiga (mais de


130 anos), alertamos para sua relativa juventude no Brasil. O primeiro
departamento de estudos da religião e o primeiro curso de graduação, no setor
público, foram criados na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), em meados de
1960 e 1970. Em 1978, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, surgiu o
primeiro curso de pós-graduação em Ciências da Religião.
Sabemos que hoje, no Brasil, são 17 cursos de graduação
presenciais e 12 cursos de pós-graduação, mestrado e
doutorado. É uma área em expansão. Mas, uma pergunta pode

lhe ocorrer: qual é a história das Ciências da Religião?

Respondemos baseados nos livros citados nas bibliografias (básica e complementar)


desta disciplina, que, em geral, essa história pode ser organizada em três grandes
momentos, mais ou menos assim:

Surgimento e institucionalização (1870-1940)

Internacionalização (1945-1989)

Pluralização (1990-atual)

Para que saiba alguns elementos fundadores, os primeiros passos das Ciências da
Religião foram estes:

em 1873, foi fundada a primeira cátedra na Universidade de Genebra (Suíça)


com o nome de História Geral das Religiões. Daí em diante, destacamos as
cátedras/departamentos de estudos da religião;
em 1877, inauguram-se as cátedras de História Geral das Religiões nas
universidades holandesas de Amsterdã e Utrecht;
em 1879, França, História das Religiões;
em 1884 e 1904, são fundadas duas cátedras de História das Religiões na
Universidade de Roma, Itália e de Manchester, Inglaterra.

Nesse longo processo de nascimento, não podemos deixar de citar dois estudiosos
importantes:

Friedrich Max Müller (1823-1900), orientalista e filologista comparativo


alemão que estudou e demonstrou as estruturas míticas e linguísticas
presentes nas fontes literárias e documentais de civilizações antigas como as
civilizações hindus;
Cornelius Petrus Tiele (1830-1902), considerado um dos iniciadores da
Ciência da Religião ou Ciências da Religião.
Esses pensadores distinguiram as Ciências da Religião da Teologia e defenderam
que a religião fosse estudada de forma científica, sem finalidades religiosas práticas.

Destacamos que as Ciências da Religião, nesse primeiro momento, foram


pressionadas por fortes debates sobre a epistemologia e metodologia (caminho que
leva ao conhecimento do objeto). Frisamos, em particular, o desprezo positivista
pela religião, considerada por alguns estudiosos como superstição e atraso e o
exclusivismo teológico, que considerava o estudo da religião um monopólio de
líderes religiosos e/ou igrejas e suas teologias.

Desse primeiro momento de formação, gostaríamos de enfatizar dois elementos de


um grande leque de obras e autores:

01

Em 1912, o sociólogo francês Émile Durkheim publicou o livro As formas


elementares da vida religiosa, no qual propõe uma interpretação simbólica do
sagrado e da religião.

02

Em 1917, o teólogo luterano e filósofo alemão, Rudolf Otto, publicou a obra O


sagrado: um estudo do elemento não racional na ideia do divino e a sua relação
com o racional, na qual defende uma tentativa de apreender o mistério do sagrado,
sua força irracional.

No momento seguinte, após a Segunda Guerra Mundial, são criados


departamentos de estudos da religião (religious studies) nos EUA e na Espanha. Em
1950, é criada a IAHR (International Association for the History of Religion —
Associação Internacional de História da Religião). Nessa fase, o romeno Mircea
Eliade, historiador, cientista da religião, filósofo e filólogo produziu a maior parte de
seus estudos e pesquisas sobre religiões e mitologias que são referências
fundamentais.

Ressaltamos, por fim, do terceiro momento, marcado pela abertura de novas


associações de estudos e pesquisas sobre religião no Brasil e no mundo. Você já
ouviu falar na ABHR, SOTER ou ANPTECRE?

São, respectivamente:

Associação Brasileira de História das Religiões (2000,


http://www.abhr.org.br/ <http://www.abhr.org.br/> ),
Sociedade de Teologia e Ciência da Religião (1985,
http://www.soter.org.br/ <http://www.soter.org.br/> ) e
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da
Religião (2007, http://www.anptecre.org.br/
<http://www.anptecre.org.br/> ).

São organizações sérias e dedicadas aos estudos da religião de um ponto de vista


científico, acadêmico e procurando o rigor exigido pelas regras metódicas da ciência.

Visite os sites dessas associações. Saiba mais sobre textos, eventos, congressos,
artigos, revistas acadêmicas e outros assuntos das Ciências da Religião.

Assinalamos que, nesse terceiro momento, vivemos uma ampliação das


perspectivas teóricas e metodológicas, com os impactos dos estudos pós-coloniais e
pós-modernos, das teologias contemporâneas (teologia feminista, teologia das
religiões etc.) e as influências de pensadores como Michel Foucault (1926-1984) e
Martin Heidegger (1889-1976), entre outros.


Saiba mais

Você sabia já houve uma reunião mundial sobre religiões? Foi em setembro de
1893 com o Parlamento Mundial das Religiões, em Chicago (EUA).
Centenas de estudiosos, pesquisadores e membros de diversas religiões vindos
do mundo inteiro se reuniram para conversar sobre paz, tolerância e
espiritualidade.
Atividade
1 - “Mais que saber identificar a natureza das contribuições substantivas dos
primeiros filósofos é fundamental perceber a guinada de atitude que
representam. A proliferação de óticas que deixam de ser endossadas
acriticamente, por força da tradição ou da ‘imposição religiosa’, é o que mais
merece ser destacado entre as propriedades que definem a filosoficidade.”.
(OLIVA, Alberto; GUERREIRO, Mario. Pré-socráticos: a invenção da filosofia.
Campinas: Papirus, 2000. p. 24.).

Assinale a alternativa que apresenta a “guinada de atitude” que o


texto afirma ter sido promovida pelos primeiros filósofos:>

a) A análise crítica das ideias, imagens e posições, que podem ser


modificadas ou reformuladas.
b) A desconfiança na capacidade da razão em virtude da “proliferação de
pontos de vista” conflitantes entre si.
c) A aceitação sem crítica das explicações tradicionais relativas aos
acontecimentos naturais.
d) A busca por uma verdade única e não questionável, que substituísse a
verdade imposta pela religião.
e) A confiança na tradição e na autoridade religiosa como alicerces para o
conhecimento verdadeiro.
2 – Um professor de História das Religiões, trouxe dois relatos sobre a criação
do mundo e da vida:

Relato 1 – O povo maia quiche (1000 a.C. América Central): “Admirável é o


relato da época em que tudo foi formado no céu e na terra: o quarteamento de
seus sinais, sua medida e alinhamento e estabelecimento de paralelas [...].
Vede! Tudo estava incerto, tudo era calma e silêncio; nada se movia, tudo era
tranquilo, e imensos eram os céus. Vede! A primeira palavra e o primeiro
diálogo. Ainda não existia o homem, nem o animal; não havia pássaros, nem
barranco; não havia vegetação, nem charco; só o céu existia [...] Só havia
imobilidade e silêncio na escuridão e na noite. Sozinhos estavam o Criador e o
Autor [...]”. (ELIADE, Mircea. O conhecimento sagrado de todas as eras.
São Paulo: Mercúrio, 1995, p. 69-70).

Relato 2 – Do Livro do Gênesis (Bíblia cristã) (900 a.C. Oriente Médio): “No
princípio, criou Deus os céus e a Terra. E a Terra era sem forma e vazia; e
havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a
face das águas. E disse Deus: Haja luz; e houve luz. E viu Deus que era boa a
luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas. E Deus chamou à luz Dia; e
às trevas chamou Noite. [...] E fez Deus as feras da Terra conforme a sua
espécie, e o gado conforme a sua espécie, e cada coisa que se arrasta sobre a
Terra conforme a sua espécie e viu Deus que era bom. E disse Deus: Façamos
o homem à nossa imagem... Então Deus criou o homem à sua imagem”.
(Bíblia, Livro do Gênesis, cap. 1, v. 1- 9 e 25-27).

Em relação à diversidade de relatos da criação apresentados, é


possível avaliar que são:

a) Lendas cósmicas baseadas em duas antigas práticas litúrgico-celebrativas.


b) Histórias de duas religiões antigas que sobreviveram ao mundo moderno.
c) Relatos míticos sobre a natureza dos animais e dos homens nos
primórdios.
d) Produtos da imaginação religiosa de dois povos nascidos em regiões
diferentes.
e) Narrativas sobre a criação do mundo e dos homens com imagens
semelhantes.
3 – “Zeus ocupa o trono do universo. Agora o mundo está ordenado. Os deuses
disputaram entre si, alguns triunfaram. Tudo o que havia de ruim no céu etéreo
foi expulso, ou para a prisão do Tártaro ou para a Terra, entre os mortais. E os
homens, o que acontece com eles? Quem são eles?”. (VERNANT, Jean-Pierre. O
universo, os deuses, os homens. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
p. 56).

O texto acima é parte de um relato mítico. Tendo em vista que o mito


pode ser considerado uma forma de conhecimento, assinale a
alternativa correta.

a) A verdade do mito segue a regras universais do pensamento racional, por


exemplo, a lei de não contradição.
b) O mito busca explicações definitivas sobre o homem, a vida e o mundo, e
sua verdade independe de provas e refutações.
c) O conhecimento mítico fundamenta-se em um rigoroso procedimento
lógico-analítico para estabelecer suas verdades.
d) As explicações míticas são construídas de maneira argumentativa e
autocrítica, com o uso de cadeias causais lógicas.
e) A verdade do mito obedece a critérios empíricos e científicos de
comprovação das suas verdades internas.
4 – Em 1793, o filósofo alemão, Immanuel Kant, escreveu um livro
fundamental, A religião nos limites da simples razão. Leia este trecho: “De um
xamane tunguse ao prelado europeu, que governa ao mesmo tempo a Igreja e
o Estado, ou (se em vez dos chefes e dirigentes quisermos ter em vista apenas
os adeptos da fé segundo o seu próprio modo de representação) entre o vogul,
inteiramente sensitivo, que de manhã põe sobre a sua cabeça a garra de uma
pele de urso com a breve oração ‘Não me mates!’, e o sublimado puritano e
independente de Connecticut há, sem dúvida, uma enorme distância na
maneira, mas não no princípio de crer; de fato, quanto a este, todos eles
pertencem a uma só e mesma classe, a saber, à dos que situam o seu culto de
Deus no que em si não torna melhor homem algum (na fé, em certas
proposições estatutárias ou no seguimento de certas observâncias arbitrárias).”
(KANT, Immanuel. A religião nos limites da simples razão. p. 201,
disponível em: https://marxists.architexturez.net/
portugues/kant/1793/ mes/limites.pdf
<https://marxists.architexturez.net/portugues/kant/1793/mes/limit
es.pdf> . Acesso em 06 fev. 2018).

Tendo em vista que Kant busca um princípio racional universal, e


relendo o texto acima, é possível afirmar que as práticas religiosas:

a) Possuem uma profunda diversidade e, por isso, são incomparáveis.


b) Podem superar suas diferenças em torno de um ponto em comum.
c) Possuem atos morais incomparáveis, mas verdadeiros ao seu modo.
d) Possuem um princípio universal de crença em uma moralidade arbitrária.
e) Promovem o culto a Deus, apesar das diferenças entre os cultos e os
povos.
5 – Leia estas duas passagens da obra As formas elementares da vida
religiosa, de Émile Durkheim, capítulo I, intitulado Definição do Fenômeno
Religioso e da Religião:

Passagem 1 – “Para definirmos religião é preciso que nos libertemos de toda


ideia preconcebida. Partimos de definições correntes: por comparação com
todas as formas de religião, há um elemento em comum que consiste na
‘crença na onipresença de alguma coisa que vai além da inteligência’, conforme
disse Spencer. Max Müller via, em toda religião, ‘um esforço para conhecer o
inconcebível, para exprimir o inexprimível, uma aspiração ao infinito’. Mas,
essas duas noções são muito recentes na História da Religião.

Passagem 2 – “A noção do religioso está longe de coincidir com o


extraordinário e do imprevisto. E essa concepção das forças religiosas não é
primitiva. A ideia de mistério é criação humana, limitada a um pequeno
número de religiões avançadas. Portanto, não se pode utilizar o conceito de
mistério como característica genérica das religiões. [...]. Assim, há ritos sem
deuses e, inclusive, há ritos dos quais derivam os deuses. Portanto, a religião
vai além da ideia de deuses ou de espíritos, logo não pode se definir
exclusivamente em função desta última”.

Considerando que as Ciências da Religião procuram estudar


cientificamente a religião, leia o conjunto de afirmativas e assinale a
alternativa MAIS completa:

a) As ideias preconcebidas sobre religião são importantes para mostrar as


bases do preconceito positivista.
b) A libertação das ideias preconcebidas é um dos últimos passos
metodológicos para o estudo acadêmico da religião.
c) As críticas feitas com rigor às concepções correntes de religião são
fundamentais para a investigação das Ciências da Religião.
d) A noção de extraordinário e imprevisto define apenas algumas religiões
especificas, mas não todas as demais.
e) As noções recentes de religião são fundamentais para que algumas
religiões sejam entendidas a partir de suas estruturas específicas.

Notas
David Hume1

David Hume (1711-1776). Nascido em Edimburgo, Escócia, introduziu o método


experimental de raciocínio nos assuntos filosóficos. Principais obras: Tratado da Natureza
Humana (1740); Investigação sobre o entendimento humano (1748); Investigação sobre o
princípio da moral (1751); Diálogos sobre a religião natural (depois de 1776); História
natural da religião (1757).

2
Immanuel Kant

2 - Immanuel Kant (1724 - 1804). Nascido em Königsberg, antiga Prússia, este filósofo
é considerado o fundador da “Filosofia Crítica”. Principais obras: História universal da
natureza e teoria do céu (1755); Observação sobre o sentimento do belo e do sublime
(1764); Crítica da razão pura (1781); O que é o Iluminismo? (1784); Fundamentação da
metafísica dos costumes (1785); Crítica da razão prática (1788); Crítica do julgamento
(1790); A religião nos limites da simples razão (1793); A paz perpétua (1795); A
metafísica dos costumes (1797).

Referências

FILORAMO, Giovanni; PRANDI, Carlo (orgs.). As Cências das Religiões. 8. ed. São Paulo:
Paulinas, 2016.

PASSOS, João D.; USARSKI, Frank (Orgs.). Compêndio de Ciência da Religião. São
Paulo: Paulinas: Paulus, 2013.

TEIXEIRA, Faustino (org.). A(s) Ciência(s) da Religião no Brasil. Afirmação de uma


área acadêmica. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2008.

Próximos Passos

Os problemas relativos ao conceito de religião: sua variedade e diversidade;


Definições substancialistas, funcionalistas e compreensivas;
Pontos fracos e fortes das definições.

Explore mais

Dê uma navegada no portal disponível em: http://www.unicap.br/observatorio2/


<http://www.unicap.br/observatorio2/> , acesso em 05 fev. 2018. Ele se
chama Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife. Reúne imagens, notícias
fóruns e discussão, textos breves.

Aproveite também para ler este texto:


DIX, Steffen. O que significa o estudo das religiões: Uma ciência monolítica ou
interdisciplinar? Disponível em:
http://www.ics.ul.pt/publicacoes/workingpapers/wp2007/wp2007_1.pdf
<http://www.ics.ul.pt/publicacoes/workingpapers/wp2007/wp2007_1.pdf>
. Acesso em 05 fev. 2018.
Assista a este pequeno vídeo, Mito e razão, explicando a diferença entre eles.
Disponível em: http://www.dailymotion.com/video/x8ia32
<http://www.dailymotion.com/video/x8ia32> . Acesso em 05 fev. 2018.

Veja algumas notas <galeria/aula1/anexo/notas1.pdf> da aula.


Discplina: Ciências da Religião

Aula 2: As Ciências da Religião e as definições de Religião

Introdução:
Nesta aula, você verá os problemas da definição de religião. No senso-comum, a
origem da palavra religião é apontada como religare, (ligar de novo, ligar algo que
estava rompido) do latim clássico, mas há muito mais elementos que importa a você
conhecer, por isso é importante que você tenha uma visão histórica bem
fundamentada.

Por fim, trabalharemos algumas características das definições mais importantes, a


substancialista, a funcionalista e a compreensiva, mostrando suas diferenças e
semelhanças. Ter uma visão ampla e ao mesmo tempo procurando aprofundar pontos
específicos nos dá um “passaporte” para sair das “caixinhas” estreitas do pensamento
e da vida. Nesse sentido, convidamos você a “pensar fora da caixa”.

Objetivos:
Compreender as características acadêmicas do estudo da religião.
Identificar os principais tipos de definição ou conceituação de religião.
Estabelecer ampla visão histórico-filosófica sobre os conceitos de religião.
Conceito de religião


Para definirmos religião, é preciso que nos libertemos
de toda ideia preconcebida.
Se a filosofia e a ciência nasceram da religião, é que a
própria religião começou por fazer as vezes de ciências
e de filosofia.

(DURKHEIM, 1912)

 Interior igreja (Fonte: https://goo.gl/Jdc4mw)

Muita gente e muitas notícias usam o termo religião. Observe, atentamente,


que as manchetes de jornal abrigam, sob o conceito de religião, situações,
fatos e personagens diferentes, como, por exemplo, o Estado Islâmico (nome
criticado por muita gente, porque não seria nem Estado nem islâmico).

Preste atenção em duas manchetes extraídas da página eletrônica do G1 –


jornal eletrônico da Rede Globo:
Espaço sagrado no Irã guarda lembranças da
primeira religião persa. Há 2.500 anos o
zoroastrismo dominava a antiga Pérsia. E no
templo do fogo, a 1.800 metros de altura, eram
realizados cerimônias e rituais. (Globo Play, 02-
09-2017);

Globoplay.globo.com <https://globoplay.globo.com/v/6081302/> . Acesso em: 28 out.


2017.

"Igreja para público LGBT+ discute religião sem


preconceito no AM (Amazonas). Fundadores
afirmam que local é refúgio para aqueles que
resolveram sair da igreja tradicional. Reuniões e
cultos são baseados em Teologia Inclusiva”.
(19-07-2017, texto).

G1.globo.com <https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/igreja-para-publico-lgbt-
discute-religiao-sem-preconceito-no-am.ghtml> . Acesso em: 28 out. 2017.

Por fim, podemos citar mais duas reportagens:

A primeira, da Folha de São Paulo, publicada no dia 31-10-2017, na data em


que se comemora a Reforma Protestante, intitulada:

“Igreja presbiteriana critica 'cadáveres da


política' e bancada evangélica”.

Goo.gl/4CRXtQ <https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/igreja-para-publico-
lgbt-discute-religiao-sem-preconceito-no-am.ghtml> . Acesso em: 01 nov. 2017
A segunda, do Jornal Estado de São Paulo, do dia 01-11-2017, intitulada:

“Mulheres sauditas se revoltam com cidadã-robô


que não precisa usar hijab. Sophia, primeiro
robô do mundo a receber cidadania, também não
tem de andar acompanhada de um guardião
homem e tem mais direitos do que as outras
sauditas”.

Goo.gl/WfZAra <https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/igreja-para-publico-
lgbt-discute-religiao-sem-preconceito-no-am.ghtml> . Acesso em: 01 nov. 2017

Você pode perceber, a partir dessa rápida olhada, que definir religião é uma
tarefa complexa, difícil, controversa, plural (diversidade de perspectivas) e
sempre inacabada. Mas, podemos dizer que as frases do sociólogo Émile
Durkheim, na abertura desta aula, nos trazem o melhor caminho para os
pesquisadores.

Vale a pena repetir:


Para definirmos religião é preciso que nos libertemos
de toda ideia preconcebida.
O que podemos entender da posição expressa, nessa frase, é que a ideia
preconcebida, isto é, aquela que todos têm de religião antes de estudar
religião, pode ser um obstáculo ao pesquisador que deseja obter uma visão
acadêmica, menos ingênua e mais crítica.

Vivemos uma época de fraturas nos grandes consensos que um dia existiram,
mas, ao mesmo tempo, de muros erguidos (intolerâncias políticas e
religiosas), de grandes deslocamentos sociais, espaciais e culturais e, ao
mesmo tempo, de temores e antagonismos.

Em um panorama tão fragmentado, estudar as religiões desde um ponto de


vista científico constitui-se, podemos dizer, uma grande vantagem na
formação do estudante de Ciências Humanas e Sociais e, em nosso caso, do
estudante de Teologia.

Após as fortes e interessantes críticas da religião feita por filósofos como


Ludwig Feuerbach (1804 - 1872), Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Karl Marx
(1818-1883), as Ciências da Religião começaram a lidar com sérios
problemas: o dos métodos e o das teorias da religião.

Há, nessas críticas, uma beleza poética, por exemplo, quando Nietzsche nos
disse não acreditar em um Deus que não dança. Infelizmente, devido aos
fortes problemas educacionais, no Brasil, ouvimos muitas interpretações ruins
de uma das frases mais impactantes, “Deus está morto”, devendo ser
entendida como uma crítica à filosofia metafísica e ao positivismo, que
representou o avanço da concepção de mundo científico como a forma
dominante na modernidade.

A crítica da religião foi um importante movimento que ocorreu ao longo do


século XVIII, com o Iluminismo, e ao longo do século XIX. Além da filosófica,
ocorreu uma crítica histórica, sociológica, antropológica e moral à religião
instituída, ou seja, às igrejas oficiais, que no caso da Europa, são
principalmente a Igreja Católica Romana (ICAR) e as Igrejas Reformadas (IR),
de vários agrupamentos religiosos (luterana, calvinista, anglicana etc.).

A herança da crítica da religião nos conduz às questões:

se eu tenho por objeto de estudo a religião, como devo estudá-lo?


devo definir esse objeto primeiro e depois explicá-lo ou, ao contrário,
primeiro busco estudar esse objeto e depois, com os dados em mãos,
começar a defini-lo?

Essas perguntas não são fáceis de responder, mas para a perspectiva adotada
pelas Ciências da Religião não são uma perspectiva “religiosa”, ou seja, não é
o objetivo dessas ciências responder questões sobre a existência ou não
existência “empírica” de Deus, alma, vida eterna, reencarnação, milagres,
entidades espirituais etc.

No dizer de Steffen Dix (2007, p. 5), no âmbito acadêmico-científico, “a


religião é compreendida mais como uma construção cultural e humana do
que uma revelação divina.

Estamos aqui confrontados com uma Ciência da Religião que se diferencia


consciente e consequentemente da Teologia ou das perspectivas
interiores na observação da religião”.

Podemos problematizar dois termos que lemos frequentemente, natureza e


construção social, muito usados quando falamos sobre religião e direitos
humanos, por exemplo. As mudanças sociais e culturais são tão intensas que
esses dois vocábulos não dão mais conta de descrever as realidades que
vivemos.

Sabemos que a divisão entre natural e cultural foi criada pelo pensamento e
pela cultura europeia a partir do século XVIII e XIX. Por exemplo, o
Iluminismo defendia o homem como natural e racional, enquanto que o
Romantismo, logo a seguir, com tom conservador, valorizou os aspectos da
cultura, da história e das tradições.

Na Filosofia contemporânea a disputa entre natureza e cultura foi superada


por Peter Sloterdijk (1947 - atual) por meio da noção de antropotécnica.

Saiba mais

Natureza versus Cultura?

David Hume, filósofo escocês que citamos na aula 01, falava em religião
natural do homem selvagem (alusão aos povos índios das Américas), em
oposição a uma religião instituída, não natural (Velho Continente).

Podemos nos perguntar se faz sentido a oposição natureza versus


cultura?. As mudanças da modernidade anunciavam para nós a falência
desse modo de falar da humanidade. Por exemplo, os métodos de
fertilização como a fertilização in vitro (“bebês de proveta”), usada em
casais com problemas severos de fecundação.

Sabemos que o médico inglês Robert Edwards, com outros cientistas,


desenvolveu, em laboratório, um embrião humano a partir da junção do
óvulo colhido do ovário com o espermatozoide, transferindo-o ao útero.

Em 1978, na Inglaterra, Lesley Brown foi a mulher que experimentou


essa técnica e teve gravidez e parto normais. Os animais, como os
macacos, expressam sentimentos, afeições e comunicação específicas.
Onde estão as fronteiras entre o natural e o cultural nesses casos? Quer
saber mais sobre? Assista a este breve vídeo da palestra que o filósofo
Peter Sloterdijk deu no Brasil. Disponível em: Youtube.com
<https://www.youtube.com/watch?
time_continue=9&v=EKbfweNE1zw> . Acesso em 06 fev. 2018.

Podemos recomendar uma boa introdução ao pensamento de Sloterdijk:


GHIRALDELLI, Paulo. Para ler Peter Sloterdijk. Rio de Janeiro: Via
Veritá, 2016.

Neste link, temos uma apresentação de sua importante obra:


SLOTERDIJK, Peter. A grande virada. Disponível em: Goo.gl/as352d
<https://goo.gl/as352d> . Acesso em 06 fev. 2018.

Conforme realçou o antropólogo polonês-britânico, Bronislaw Malinowski, “não


existem povos, por mais primitivos que sejam, sem religião nem magia”.
Podemos dizer, a partir dessa posição, que o primeiro problema do estudo
teórico do fenômeno religioso e/ou das práticas religiosas é o da definição ou
conceituação (o que é e o que não é religião).

Religião pode ser definida de muitas formas, portanto, o que é depende


também de qual perspectiva será utilizada, histórica, teológica, sociológica,
psicológica, geográfica, antropológica.

O termo religião, pode ser definido de diversas maneiras,


por exemplo, como instituição humana, construção social,
experiência subjetiva e pessoal, experiência coletiva etc.
Ressaltamos: definir religião é uma das mais complexas
tarefas para as Ciências da Religião.

Há diferentes perspectivas pelas quais podemos compreender a religião.


Cientistas da religião, como Klaus Hock (2010, p. 16) dizem o seguinte:

um dos maiores problemas na definição do termo
‘religião’ reside no fato de que o próprio termo nasceu
em um contexto cultural e histórico muito específico —
em um primeiro momento, pertence à história
intelectual ocidental.

Quando tentamos aplicar esse termo para explicar outras realidades, surgem
problemas. O termo religião dificilmente se aplica ao cotidiano de muitos
povos, embora eles possuam práticas e crenças que parecem remeter à ideia
de “outro mundo” ou à de seres mágicos e misteriosos. Muitos pesquisadores
optam por usar o termo cosmologias índias (e, em seguida, o nome da tribo
ou da etnia) para dar conta da estrutura de vida desses povos.

Podemos citar também as experiências “culturais” na Índia, que chamamos


hinduísmo (um vasto conjunto de diferentes práticas, rituais e crenças) e ao
budismo. Em muitas correntes budistas, não há nem conceito de Deus e de
transcendente. Constate que são outras visões do sofrimento, da felicidade,
do significado da vida humana e das relações desta com outras dimensões.

Do ponto de vista das Ciências da Religião, podemos afirmar, com segurança,


que essas visões, esses valores, rituais, essas mitologias, são passíveis de
investigação e não são melhores ou piores — em termos metodológicos e
epistemológicos — do que as visões, os valores, os rituais e as mitologias
cristãos que, aliás, são muito diversos entre si.
Constatamos que o próprio termo religio, do
qual deriva a palavra religião, não tem um uso
uniforme e sua etimologia é disputada por
diversas correntes e autores da Teologia, das
Ciências da Religião e das Ciências Humanas.

Apesar de tanta diferença e de centenas de definições, podemos agrupar as


definições em três grandes conjuntos:

substancialistas,
funcionalistas e
funcionalistas e

Não é possível falarmos em detalhes, mas apresentaremos suas


características centrais.

As definições substancialistas
Antes de apresentarmos as definições que buscam uma suposta substância da
religião, falaremos um pouco sobre a controversa origem linguística e um
pouco de sua história.

Há pelo menos duas propostas que apresentamos aqui, as etimologias


defendidas por Cícero (106-43 a.C.) e Lactâncio (240 d.C. - 320 d.C.) sobre
religião ou religio no original.

01

O primeiro, pensador e gramático romano, quando trata dos antigos cultos de


Roma, propõe o termo relegere como origem etimológica.

02

O segundo, pensador cristão, com o intuito de dar novo nome às práticas


cristãs, amplamente desconhecidas no Império Romano, aproxima religio de
religare. Este último passou a ser do conhecimento do senso comum, mas não
é o único e nem é o mais importante. Derrida, importante filósofo franco-
argelino, nos afirma que, no âmbito do tronco latino, a origem de religio foi o
tema de contestações intermináveis.

Vejamos o primeiro significado etimológico.

No livro De natura Deorum, Cícero deriva o termo religio da ideia de


observância cuidadosa, um cuidado extremo com as normas e regras do culto
e detalhes do culto cívico (Senado, Tribuna, Templo etc.). Afirmamos que
religio proviria de religiosus, designando o “escrupuloso em relação ao culto”
(HOCK, 2010; ELIADE, 2016).

No contexto dos cultos romanos aos deuses e às leis da cidade romana, essa
ideia opunha-se a neglegere, ou seja, à falta de cuidado com o culto, daí a
palavra negligência.

Podemos dizer que os romanos eram orgulhosos quanto à religio. Segundo


Cícero, no livro Sulla natura degli dei (“Sobre a natureza dos deuses”, em
tradução livre), II, 3, 8,


se nós nos compararmos às nações estrangeiras, nós
podemos parecer iguais ou mesmo inferiores nos
diferentes domínios, menos em religião, isto é, no culto
aos deuses, onde nós somos de longe superiores.
A prática religiosa romana é zelosa e busca uma relação respeitosa com os
deuses que torna necessária a repetição precisa dos ritos. O relegere, nesse
sentido, tem a ver com “refazer novamente”, indicando, segundo a cientista
da religião, Cristiane Azevedo: “uma disposição subjetiva, um movimento
reflexivo ligado a algum temor de caráter religioso: ‘refazer’ uma escolha já
feita (retractare, diz Cícero), revisar a decisão que dela resulta, tal é o sentido
próprio de religio”. (AZEVEDO, Cristiane. A procura do conceito de religio:
entre o relegere e o religare. In: Revista Religare, João Pessoa, v. 7, n. 1, p.
90-96, março de 2010).

 Textura(Fonte:Shutterstock.com)
com máscaras e tambores africanos.

Para o sentido romano, isso significa dizer que


uma realização correta dos rituais é uma
maneira de estar em contato direto e direito
com os deuses. Você poderia se perguntar: há
religiões que, como a dos romanos, prezam
por este zelo ritual?
Respondemos positivamente e damos, como exemplo, as religiões de matriz
africana, o candomblé, entre outra, as religiões orientais, como o taoísmo e as
novas religiões orientais, como a Seicho-No-Iê.

A história nunca cessa de se desdobrar, seguindo um trajeto errático e


contingente. Novos sentidos foram acrescidos. Os polemistas cristãos,
encarregados de fazer a apologia do cristianismo, enfatizaram outros
significados. Naquela época, os cristãos buscavam traçar suas diferenças em
relação aos “pagãos”.

Com Tertuliano (150/155 d. C a 220 d. C.), sabemos que o Cristianismo


procurou estabelecer fronteiras inclusive entre Filosofia e Teologia, colocando
esta última no ponto mais alto do saber, criticando outros filósofos cristãos
que viam no Cristianismo uma nova filosofia.
Constatamos que esses escritores, incluindo Lactâncio (com sua Divinae
institutiones), e Agostinho, Bispo de Hipona (354-430), queriam opor-se à
religião antiga e realçar a mudança religiosa (conversão). Daí temos o novo
sentido, religare, ligar novamente o que foi quebrado (referência ao pecado
original na concepção cristã) e o que foi, supostamente, degradado pela
superstição, pela magia e pelo pecado.

Os pesquisadores nos afirmam que os intelectuais cristãos, travando


polêmicas com intelectuais não cristãos, desejavam mostrar que a nova
mensagem, a cristã, era uma ruptura com tudo o que havia antes,
constituindo um domínio da realidade separado e diferente do resto.

Podemos afirmar que essa ideia de domínios separados, sendo a religião a


dimensão mais verdadeira, foi uma invenção de intelectuais cristãos. Mas, ao
realizarem a separação entre duas esferas, ou seja, entre a religião e o
mundo, criaram para nós o espaço do não religioso ou do profano com muitas
implicações. Porém, quando se coloca a questão da “religião verdadeira”, a
coisa fica controversa, podemos nos perguntar: o que é a verdadeira religião
e quais são os critérios pelos quais podemos reconhecê-la?

A história do Cristianismo nos mostra que não é uma resposta tão fácil, pelo
menos, desde o ponto de vista das Ciências da Religião.

Apontamos que ao longo da história, o sentido do termo religio continuou


mudando. Na época da Reforma Protestante (1517), acento recaiu na fé, que
voltava a ser invocada contra aquilo que os reformadores chamavam de
“superstição” e “magia” e contra a atuação cúltica da Igreja Católica Romana
(ICAR) que aos seus olhos estaria errada.

No Iluminismo, no século XVIII, constatamos que o termo foi generalizado e


aplicado a outras estruturas não europeias. Sabemos, mais ainda, que o
termo religião passou a ser uma totalidade ideal, abstrata — um modelo —
que estaria presente nas religiões concretas de forma parcial e insuficiente.

Identificamos, então, uma oposição criada pelo Iluminismo entre religião e


religiões. Isso estabeleceu uma dupla tensão que Hock (2010) nos mostra ao
falar sobre a Parábola do anel, criada pelo filósofo Gotthold Ephraim Lessing
(1729-1781) contida em sua peça de teatro chamada Natã, o sábio.

Vale a pena transcrevermos o que escreveu Hock (2010, p. 19) sobre essa
parábola: “por um lado, as religiões concretas — no caso, Judaísmo,
Cristianismo e Islamismo — são submetidas a uma crítica voltada [...] contra
suas respectivas pretensões de superioridade. Por outro lado, essa crítica se
baseia na ideia da religião única e verdadeira em si que abre aos seres
humanos futuro e vida (sobrevivência)”.


Saiba mais

Leia este artigo:

AZEVEDO, Cristiane A. de. A procura do conceito de religio: entre o


relegere e o religare. Disponível em: Goo.gl/oLbRXT
<https://goo.gl/oLbRXT> . Acesso em, 06 fev. 2018.

A substância ou essência da
religião

Cabe aqui fazer uma reflexão sobre o verbo definir, que dá origem ao
substantivo definição.

Definir vem do latim e tem, em sua polissemia (multidão de significados), os


seguintes conceitos:

dar fim;
apontar com precisão;
revelar;
tornar claro e sem margem de dúvidas;
traçar fronteiras.

Trazemos com isso a ideia de que a definição do termo religião é uma tarefa
que nunca termina, é incompleta e provisória.

Depois de ver um pouco sobre a origem, note que as definições


substancialistas procuram a importância da religião, pois estão preocupadas
com a essência, aquilo que definiria de uma vez por todas a religião
verdadeira, como eles acreditavam.
As características dessas definições orientam-se por três objetivos:

Evitar que a religião fosse reduzida a outros fenômenos como economia,


sociedade, política, mito, rito e outros, perdendo sua suposta essência.

Garantir a autonomia do objeto de estudo (religião) frente a outros, pois


outras ciências conseguiram delimitar seus objetos, por exemplo a Sociologia
(estudo da sociedade) e a Psicologia (estudo da psique humana).

Enfrentar os problemas da metodologia mais adequada do estudo da religião


diante da suposta insuficiência ou incompletude de outras ciências.

Os pensadores, filósofos e teólogos que elegeram a fenomenologia da


religião, como método, ficaram divididos quanto ao uso do termo religião.
Alguns preferiram, por exemplo, o termo sagrado e outros correlatos, como
experiência religiosa. É o caso de um dos estudiosos que vimos na aula 01,
Rudolf Otto.

Para este filósofo e teólogo alemão, o sagrado seria o elemento mais universal
das sociedades humanas. Poderíamos citar dois de seus elementos mais
centrais, segundo Otto:

O Numinoso

O Numinoso: o sagrado está além do ético, da moral e da bondade,


situa-se além da racionalidade, é o inefável. É uma das mais polêmicas
afirmações porque o numinoso não pode ser entendido e explicado
totalmente e, ainda assim, aqueles que tiveram uma experiência religiosa
é que poderiam sentir, embora não possam expressar racionalmente;
O mysterium tremendum ou o “mistério que faz tremer”

O mysterium tremendum ou o “mistério que faz tremer”: expresso


na forma brutal do sinistro, do terrível, o aspecto mais primitivo, o terror,
o panicon, o calafrio, capaz de conduzir a estranhas excitações,
alucinações, transportes e ao êxtase.

Nas aulas sobre as escolas fenomenológicas, abordaremos mais autores e


características dessas e de outras ideias

A pretensão universal do conceito de sagrado foi criticada por cientistas da


religião como Frank Usarski. Em um artigo bem construído, intitulado “Os
enganos sobre o sagrado – uma síntese da crítica ao ramo ‘clássico’ da
fenomenologia da religião e seus conceitos-chave” (2004) — disponível em:
Goo.gl/yCTnux <https://goo.gl/yCTnux> , acesso em 06 fev. 2018 —
Usarski esgrime argumentos contrários à ideia de Otto.

Poderíamos resumir parte do argumento de Usarski (2007) da seguinte


forma:

nas definições substancialistas da fenomenologia da religião o sagrado


seria uma categoria a priori, irreduzível e não explicável, acessível
somente por uma faculdade do sentir de quem teve alguma experiência;
o pesquisador teria mais condição de entender seu objeto se tivesse essa
faculdade, que, todavia, não pode ser aprendida ou herdada.

Esses dois itens inviabilizam qualquer estudo científico que, por definição, é
exotérico (externo), público, submetido a críticas, análises, processos de
refutação e falsificação (ou seja, testagem dos limites dos termos e
conceitos).

Você poderia se perguntar: Por quê?


Respondemos que o cientista da religião não deve comprometer-se com
motivos religiosos.

Nas palavras do historiador Aldo Terrin, ele “deve agir com ‘instrumentos
científicos’, renunciando a qualquer discurso apologético que possa servir de
sustentação para a validade da experiência religiosa” (TERRIN, Aldo Natale. O
sagrado off limits: a experiência religiosa e suas expressões, São Paulo:
Loyola, 1998, p. 15).

Uma das críticas a essas abordagens é a de que são criptoteologias (teologias


disfarçadas), quando se usam pressupostos supostamente científicos para
sustentar-se e, ao mesmo tempo, dizerem que são ciências ao modo racional-
moderno.

Mircea Eliade (1907-1986), outro grande estudioso das religiões, lembra que,
para o mundo moderno, a religião, como forma de vida e concepção do
mundo, confunde-se com o Cristianismo. Ele nos diz que é preciso alargar as
concepções e percebermos que existem muitas manifestações, desde as mais
primitivas — antigas no tempo e no espaço — às mais modernas.

Ao mesmo tempo, esse pesquisador romeno nos direcionou a um tratamento


da religião em suas origens, símbolos e padrões míticos, propondo-nos o
exame da religião a partir de uma escala ou “régua de medir” de base
religiosa.

Devemos questionar que utilidade (teórica) teria essa “escala religiosa” e


como construí-la de forma que o elemento religioso pudesse ser “isolado” dos
demais elementos.

Podemos nos perguntar: isso seria possível de


forma completa?
Em geral, defendemos que é impossível esse isolamento completo, pelo
menos em termos concretos.

No nível da teoria, da abstração, construímos conceitos “puros”, mas eles são


apenas instrumentos e meios para compreender a realidade e não são a
realidade em si. No item 1.3, quando abordaremos as definições
compreensivas, falaremos um pouco mais.

A monumental obra de Eliade nos mostra uma combinação entre pesquisa e


métodos empíricos (Arqueologia, coleta e análise de documentos, análise de
imagens, pinturas rupestres, análise linguística e histórica) e as teoria das
Ciências da Religião.

Saiba mais

Pensadores fundamentais para as Ciências da Religião.

O mito Mircea Eliade (1907-1986): historiador especialista em questões


religiosas, mitólogo e escritor romeno, nasceu em Bucareste (Romênia) e
morreu em Chicago (EUA). É autor de estudos considerados clássicos
como:

do eterno retorno (1949),

Mefistófeles e o andrógino (1957) e

O sagrado e o profano (1957).

Seu pensamento é multifacetado (história, filosofia, antropologia e


geografia das religiões).

As definições funcionalistas
Contrapondo-se às definições substancialistas, surgem o que chamamos de
definições funcionalistas as quais possuem origem nas Ciências Sociais da
religião (História, Sociologia e Antropologia da religião, em especial).

Devemos tomar cuidado com a expressão “definições funcionalistas” porque o


senso comum tende a atribuir sentidos levemente negativos ao termo
“funcionalista”. Em todas as definições, há uma grande variação de ênfases e
autores que devemos levar sempre em conta nos estudos de Teologia.

Em geral, são conceitos que enxergam, na religião, um excelente meio para


entender a sociedade, a cultura, a psique ou a personalidade. As definições
funcionalistas procuram explicar a religião a partir das suas funções concretas
na vida humana, na sociedade, na cultura, na política e em outras dimensões
da vida coletiva.

Os autores que defendem essa perspectiva discordam daqueles que desejam


definir a substância real da religião. A religião é vista, segundo o que esses
pesquisadores nos mostram, como atrelada intrinsecamente à vida social e
cultural. Dentre as várias funções, estariam a de garantir coesão social, ou
seja, ser a continuidade dos laços sociais.


Leitura

Clique <galeria/aula2/anexo/definicoes.pdf> para se aprofundar


um pouco mais sobre o assunto.

As definições compreensivas
Procuram aproximar-se com cuidado do termo religião. A religião não é
entendida nem como substância ou essência fora do tempo e do espaço e
nem como mera função social ou cultural.

Pelas dificuldades de conceituar o termo religião, os autores que tentaram


elaborar definições compreensivas procuraram contornar os problemas
trazidos por qualquer definição. Uma dessas estratégicas é não fechar o
conceito de uma vez, mas mantê-lo provisório, sujeito a revisões futuras.

Um dos mais importantes autores desse campo foi o filósofo, economista e


sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) que não cunhou definições
fechadas, mas deixou formulações provisórias. Para esse pensador, uma
definição melhor, mas nunca completa, só seria possível depois da síntese de
muitos estudos e pesquisas sobre as religiões concretas.

Weber se interessou pela religião, como valor e ideia, a partir da maneira


como ela relaciona-se com as forças materiais (economia) e com outras ideias
e valores (forças sociais e culturais).

O filósofo e sociólogo alemão Georg Simmel (1858-1918) afirmou que é


impossível definir religião (religio) de uma forma que seja, ao mesmo tempo,
precisa e compreensiva. Para Simmel, a religião liga-se à vida humana como
uma espécie de enquadramento que orienta o comportamento e a
experiência.
Ele nos afirma que a religião tem uma dimensão subjetiva, pessoal, com
muitos sentidos e uma dimensão objetiva, oficial, portadora de significados
que resultam de pressões e influências sociais. Para muitos pesquisadores,
seria uma ilusão pensar que, tal como em um laboratório de química,
podemos “isolar” o fator religioso.

Sob esse olhar das Ciências Sociais da Religião, experiência religiosa,


sociedade e cultura estão ligados de forma muito estreita e o máximo que
podemos fazer é identificar contornos, mais ou menos nítidos, entre os
elementos que compõem essas complexas realidades que chamamos religião.

Você pode se perguntar: Por que isso ocorre?


Respondemos que essa impossibilidade decorre do fato de nos relacionamos,
simultaneamente, em nosso cotidiano, com o divino, o sagrado, o
transcendente — ou realidades parecidas — e com a vida social, política,
econômica e cultural.

Há muitas expressões espirituais que rejeitam ativamente o termo religião,


por exemplo, o grande conjunto chamado New age (vasto, heterogêneo,
multifacetado, sem líder, sem dogmas únicos, templos uniformes etc.). Outro
conjunto de práticas e crenças, ligadas à espiritualidade e terapêutica (as
terapias holísticas) também rejeitam o termo religião.

Podemos dizer que esses dois grandes conjuntos “religiosos” ligam o termo
religião a sentidos “negativos”, tais como, máscara, frieza, formalidade
exagerada, relações superficiais e alienadas, falsidade, ritualismo estéril e
outros sentidos.

Não podemos deixar de notar que essas acusações e críticas são parecidas
com aquelas que os polemistas cristãos acusaram a religião greco-romana ao
tentar redefinir o termo religio.
Atividade
1 - O sentido de religio seria confirmado pelo termo derivado religiosus
que designa “zeloso em relação ao culto”. Há outro sentido, o religare,
significando ligar o que estava quebrado ou partido. Um sentido foi
afirmado pelos romanos pagãos. O outro pelos cristãos convertidos.

Considerando os três tipos de definição de religião e a dupla


origem do termo religio, podemos afirmar que:

a) As Ciências da Religião não definem o que é religião porque há


origens diversas do termo religio.
b) As Ciências da Religião desconfiam do termo religio em virtude de
pontos de vista conflitantes.
c) As origens diferentes do termo religio estimulam novas reflexões às
Ciências da Religião.
d) As Ciências da Religião aceitam sem crítica as explicações
tradicionais do termo religio.
e) As Ciências da Religião defendem cientificamente que o verdadeiro
sentido é o zelo do culto.
2 – Leia este pequeno texto: “Os estudos etimológicos podem ser de
grande auxílio, mas correm o risco de não captar a dinâmica dos
conceitos. O fato de que o termo seja conhecido desde há muito tempo,
não significa que ele tenha tido sempre o mesmo sentido. Em nosso uso
comum [...] (naturalizado), pressupõem-se que religião seja uma espécie
de âmbito autônomo da vida humana, que possui certos traços
específicos passíveis de serem delimitados com relativa precisão” (Fonte:
PIEPER, Frederico. Problematizando o conceito de religião. In: SILVEIRA,
Emerson José Sena da. A polissemia do sagrado. Os desafios da
pesquisa sobre religião no Brasil. São Paulo: Fonte Editorial, 2015, p.
34).

Tendo em vista a passagem acima e os problemas do termo


religião, podemos afirmar que:

a) Os sentidos etimológicos de termos como religião permanecem com


poucas mudanças.
b) As definições de religião devem considerar tanto a etimologia
quanto o contexto do termo.
c) Os sentidos etimológicos de termos como religião são mais
importantes do que o contexto.
d) As Ciências da Religião consideram mais o contexto do que a origem
etimológica.
e) As definições de religião devem considerar mais os aspectos
etimológicos do que o contexto.
3 – “A Ciência da Religião é incapaz e não tem a mínima legitimidade de
fazer declarações se as respostas religiosas, perante a posição do homem
no cosmo, são verdadeiras ou falsas, nem pode decidir se a religião é, na
moderna história humana, um fenômeno transitório ou não”. (Fonte:
DIX, Steffen. O universo, os deuses, os homens. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. p. 56).

Tendo em vista este texto e relendo as definições substancialistas


de religião, assinale alternativa correta.

a) As definições substancialistas de religião tendem a ser respostas


religiosas exclusivistas.
b) As definições substancialistas de religião buscam legitimar
experiências religiosas.
c) As definições substancialistas de religião enfatizam o contexto social
e externo à religião.
d) As definições substancialistas de religião evidenciam a estrutura
interna da religião.
e) As definições substancialistas de religião fazem com que a religião
apareça como sintoma.
4 – Leia este texto: “A partir do mesmo material concreto e conceitual
que experimentamos no nível da realidade, emerge o mundo religioso
com novas tensões, dimensões e sínteses. Os conceitos de alma e
existência, destino e culpa, felicidade e sacrifício chegando até os cabelos
de nossa cabeça e até o pardal do telhado — tudo isso também constitui
o conteúdo do mundo religioso. [...] Como a lógica científica, também a
lógica religiosa reivindica, com demasiada, incluir em si todas as demais
ou dominá-las”. (Fonte: SIMMEL, Georg. A religião. In: SIMMEL, Georg.
Religião. Ensaios. v. 2. São Paulo: Olho D’Água, 2010, p. 25).

Tendo em vista esse texto e as definições funcionalistas,


podemos afirmar que:

a) As definições funcionalistas de religião desconsideram as mediações


sociais da religião.
b) As definições funcionalistas de religião buscam exaltar a ideia de
autonomia da religião.
c) As definições funcionalistas de religião baseiam-se em perspectivas
internas à religião.
d) As definições funcionalistas de religião constroem as mediações
sociais da religião.
e) As definições funcionalistas de religião enfatizam os aspectos
funcionais da religião.
5 – Atente para este texto: ‘O próprio Derrida nos diz que ‘nem
sempre houve, continua não havendo e nunca haverá por toda a parte
algo, uma coisa una e identificável, idêntica a si mesma que leve
religiosos ou irreligiosos a ficar de acordo para lhe atribuir o nome de
‘religião’. E, no entanto, se diz, é necessário responder’. A resposta talvez
possa vir justamente dessa relação que podemos estabelecer entre o
relegere e o religare. Quando ouvirmos o termo religio, devemos ter em
mente mais do que uma reconciliação entre as duas origens etimológicas
possíveis; trata-se de uma complementaridade: a observância
escrupulosa do culto, a prática religiosa, e os laços de piedade e amor
que unem os homens ao deus único”. (Fonte: AZEVEDO, Cristiane. A
procura do conceito de religio: entre o relegere e o religare. In: Revista
Religare, v. 7, n. 1, p. 90-96, março de 2010, p. 95).

Considerando este texto e as definições compreensivas do termo


religião, podemos dizer que:

a) As definições compreensivas evitam conceituações permanentes e


definitivas da religião.
b) As definições compreensivas desprezam os fatores e as funções
sociais da religião.
c) As definições compreensivas valorizam apenas os aspectos internos
e estruturais da religião.
d) As definições compreensivas definem precisão e objetividade o
conceito de religião.
e) As definições compreensivas buscam as origens do termo religião no
latim religare.

Referências

CAMURÇA, Marcelo. Ciências Sociais e Ciências da Religião. Polêmicas e


interlocuções. São Paulo: Paulinas, 2008.

DURKHEIM, E. (1912). As formas elementares da vida religiosa. São Paulo:


Martins Fontes, 2003.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. A essência das religiões. 3. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2016.

HOCK, Klaus. Introdução à ciência da religião. São Paulo: Loyola, 2010.

SILVEIRA, Emerson José Sena da. Uma metodologia para as ciências da religião?
Impasses metodológicos e novas possibilidades hermenêuticas. In: Paralellus
(online), Recife, v. 7, p. 73-98, 2016. Disponível em: http://www.unicap.br/ ojs/
index.php/ paralellus/ article/ view/ 672/ 856
<http://www.unicap.br/ojs/index.php/paralellus/article/view/672/856> .
Acesso: 24 out. 2017.

USARSKI, Frank (org). O espectro disciplinar da ciência da religião. São Paulo:


Paulinas, 2007.

Próximos Passos

As subdisciplinas que compõem as Ciências da Religião;


A história das religiões/história comparada das religiões e suas perspectivas;
A sociologia/antropologia da religião e o enfoque sociocultural;
A psicologia da religião e o enfoque interindividual-psíquico;
A geografia da religião e o enfoque territorial;
Outras ciências da religião.

Explore mais

Assista a este vídeo curto, O que define uma religião? Disponível em:
https://www.youtube.com/ watch?v= 3fyiV1fcB3U
<https://www.youtube.com/watch?v=3fyiV1fcB3U> . Acesso em 06 fev.
2018.

E este outro, A ciência é maior que a religião? Disponível em:


https://www.youtube.com/ watch?v= Bg_I1doyfgI
<https://www.youtube.com/watch?v=Bg_I1doyfgI> . Acesso em 06 fev.
2018.

Veja algumas notas <galeria/aula2/anexo/notas2.pdf> da aula.


Discplina: Ciências da Religião

Aula 3: As Ciências da Religião e suas Perspectivas

Apresentação:
As ciências das Ciências da Religião foram incorporadas ao longo de tempo e em
função das profundas controvérsias travadas em torno do estudo da religião. É
importante que você saiba que as principais subdisciplinas que auxiliam as Ciências
da Religião são as seguintes:

Fenomenologia da religião;
História das religiões;
Sociologia e Antropologia da religião;
Psicologia da religião;
Geografia da religião e outras.

Nesta aula, você aprenderá os processos que desembocaram na constituição dessas


subdisciplinas auxiliares.

Objetivos:
Compreender as perspectivas das Ciências da Religião;
Analisar as orientações básicas das disciplinas das Ciências da Religião;
Descrever fatos básicos da composição disciplinar das Ciências da Religião.
Contexto


Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não
precisa de existir para haver.

Guimarães Rosa, escritor brasileiro



Um deus não é unicamente uma autoridade de que
dependemos; é também uma força sobre a qual se
apoia a nossa força. O homem que obedeceu a seu deus
e que, por essa razão, acredita tê-lo-consigo, enfrenta
o mundo com confiança e com o sentimento de energia
fortificada.

Émile Durkheim, sociólogo e pedagogo francês no texto, O


problema religioso e a dualidade da natureza humana

Você já deve ter se perguntado sobre a diferença entre as Ciências da Religião


e as outras Ciências Humanas.

Ambas podem estudar a religião, de fato, mas


quais seriam as especificidades?

As diferenças entre as duas ciências não invalidam o diálogo entre elas, mas é
possível identificar uma história especifica, com ênfases e métodos que
evoluíram ao longo do tempo e dos estudos.
Quase em todo lugar em que a Ciência da Religião começou a estruturar-se,
dentro das universidades e centros de pesquisa, ela teve de lutar em três
frentes de batalha.

Primeira frente

Na primeira, buscava a independência e autonomia dos estudos e pesquisas


em relação à Teologia, por um lado, e, por outro, em relação às igrejas. Por
isso, a Ciência da Religião foi vista como a filha emancipada da Teologia.

Segunda frente

Na segunda frente, procurou estabelecer a epistemologia e metodologia de


estudo em face de outras ciências sociais e humanas que já estudavam a
religião.

Terceira frente

Na terceira frente, buscou suavizar a crítica filosófica, sociológica e psicológica


da religião e surgiram perspectivas para superar as incompreensões sobre os
estudos de religião.

Você perceberá que durante a constituição do campo das Ciências da Religião,


ocorreu a formação de três convergências em termos de método e posição
epistemológica:

01

Abstinência de julgamento a respeito da validade (valor) de cada expressão


religiosa.

02
Vocação interdisciplinar das Ciências da Religião, acolhendo e reinterpretando
a contribuição da Teologia, Psicologia, Filosofia, História, Sociologia,
Antropologia e Geografia e, por meio desse processo de intercâmbio,
originando as Ciências da Religião.

03

Um duplo trabalho, um de viés concreto-empírico-contextual (diacrônico),


analisando a religião em seu tempo e espaço específicos e outro, em caráter
sistemático-teórico (sincrônico), buscando comparar as diversas religiões.
Passadas as lutas, essas convergências deram lugar a outras buscas e
tensões.


Comentário

Note que a autonomia institucional é gradativamente conquistada no


Brasil quando a reflexão sobre religião foi, enfim, reconhecida na árvore
do conhecimento, em agosto de 2016 e quando, em 2017, a área foi
regulamentada em conjunto com a Teologia, Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) 1.

A criação de uma área específica com o nome de


“Ciências da Religião e Teologia” é um
importante ganho.

Como é um campo ou área em consolidação, note que há um grupo de


pesquisadores que propõe a expressão no singular, Ciência da Religião,
entendida como uma prática, uma perspectiva e uma teoria em processo de
coesão.
Há, também, um grupo de pesquisadores que prefere ver a Ciência da
Religião como campo unitário, propondo dois elementos, a dissolução da ideia
de subdisciplinas e a ideia de perspectivas e temáticas transversais às várias
Ciências da Religião.

Observe que não há um procedimento metodológico único porque, entre


outras questões, esse campo científico ou ciência ainda se debate com o jogo
terminológico (ciência/ciências e religião/religiões) e com o embate entre
teorias substancialistas e funcionalistas (FIROLAMO; PRANDI, 2016).

Cada ciência (História da religião, Sociologia e Antropologia, Fenomenologia)


trata de uma faceta específica, escancarando a complexidade conceitual dos
termos envolvidos nas tentativas de definição.

Há, basicamente, duas grandes perspectivas, visões ou miradas, envolvidas


no campo das Ciências da Religião:

Primeira perspectiva

Uma que supõe a religião como derivada de outras ordens, em especial a


ordem social, econômica e cultural. A religião teria uma “autonomia relativa”
porque apesar de constituir-se em uma dimensão singular da vida e da
realidade, ela está em contínua interação com outras dimensões (política,
sexual, artística, econômica etc.).

Segunda perspectiva

Uma que supõe a religião como derivada de outras ordens, em especial a


ordem social, econômica e cultural. A religião teria uma “autonomia relativa”
porque apesar de constituir-se em uma dimensão singular da vida e da
realidade, ela está em contínua interação com outras dimensões (política,
sexual, artística, econômica etc.).
Ambas as perspectivas têm implicações sobre os métodos
adotados para a abordagem da religião, entendida como
conceito ou das religiões, entendidas como configurações
específicas, presentes nas estruturas socioculturais das
sociedades humanas.

A partir dessas duas grandes perspectivas, as Ciências da Religião podem ser


organizadas em dois grandes conjuntos, um, mais “fenomenológico”, com
base na Fenomenologia, e outro “histórico-cultural-social”, com base no
pluralismo metodológico das Ciências Humanas e Sociais.

Apesar dessas duas grandes divisões, e das diferenciações internas a ambas,


há uma inter-relação entre teorias, autores e pesquisadores dos dois
conjuntos baseada em proximidades e distanciamentos. Uma Ciência da
Religião pode desenvolver perspectivas distintas e olhares.

Da crítica da religião à crítica das


Ciências da Religião
A história da crítica da religião, como você poderá perceber, é longa,
acidentada, cheia de aventuras e desventuras. Para dar um marco ou um
passo inicial, vejamos um pouco do nascimento da Ciência Moderna, por volta
dos anos 1500 e 1600.


Saiba mais

Naquela época, nas universidades europeias, havia uma disputa intensa


entre uma elite intelectual baseada nos ideais da Ciência Grega, em
especial, nas ideias de Aristóteles (384 a.C.- 322 a. C.) e de Tomás de
Aquino (1225-1274) um grupo insatisfeito com as respostas tradicionais
da Teologia e da ciência aristotélica para novos problemas e questões
que emergiam com as transformações que mundo atravessava.

A antiga tese de que a Terra seria o centro do Universo, sustentada por


setores da Igreja Católica, foi cada vez mais questionada, muitas vezes,
dentro da própria instituição, levando, por exemplo, à perseguição e morte,
como a de Giordano Bruno (1548-1600), monge, teólogo, filósofo italiano
considerado “herege” e queimado na cidade de Roma (1600) a mando do
Tribunal da Inquisição, acusado de espalhar as ideias de Copérnico. Houve
tentativas para salvá-lo, mas as disputas de poder o condenaram.

O novo racionalismo renascentista contribuiu para a valorização da


Matemática (com a contribuição de pensadores muçulmanos, lembre-se de
que a álgebra é um termo árabe), da experimentação e da observação
sistemática da natureza.

Tais procedimentos inauguraram a ciência moderna. Veja alguns dos nomes


mais importantes dessa época:

Nicolau Copérnico (1473-1543)

Nascido em Florença (1469-1527), estabeleceu as fronteiras entre a ética e a


política. Também escreveu dois livros clássicos: "O Príncipe" e "Discursos
sobre a Primeira Década de Tito Lívio".
Johannes Kepler (1571-1630)

Confirmou as teorias de Copérnico e formulou conceitos referentes à


“mecânica celeste”.

Galileu Galilei (1564-1642)

Considerado inaugurador da ciência moderna.

Contudo, um pouco antes, é preciso que tenha em mente dois filósofos:


Nicolau Maquiavel (1469-1527)

Demonstrou que o Sol era o centro do Universo (tese heliocêntrica) em


oposição ao geocentrismo (Terra como o centro).

Francis Bacon (1561-1626)

Político e ensaísta inglês, produziu uma filosofia da ciência organizando o


método indutivo com críticas à ciência escolástica, em especial à outra ciência
que lhe dava base, a aristotélica. Criou a teoria dos “ídolos” (o falso e o
errado) que atrapalham o conhecimento cientifico.
E ainda...

Immanuel Kant (1724-1804)

No século XVIII, Kant disse ser necessário buscar a autonomia e


maioridade do homem em relação às instituições que subtraíam sua
independência e sua possibilidade de compreensão do mundo.

É famosa sua frase: Sapere Aude! ou seja, “ousai saber”, a procura ativa
do conhecimento, sem subordinação aos ditames que não os de uma
razão universalmente válida.

Mas, Kant também dizia que o núcleo da realidade, o noúmeno, inclusive


o núcleo vivo da religião, não é acessível à análise racional-crítica.
Questões como Deus, alma, redenção, e outras, não poderiam ser
provadas com base na razão moderna.

Esse filósofo germânico propõe um deslocamento chamado de


Revolução Copernicana na Filosofia: ao invés de discutir a realidade
em si (o núcleo mais denso e, de certa forma, impenetrável), seria
possível analisar os aspectos da realidade passíveis de discussão racional
e de conceituação, dentro dos limites da razão moderna.

A partir de meados do século XIX, temos duas grandes críticas da religião


vindas de Feuerbach e Nietzsche, vejamos.

Ludwig Feuerbach (1804 - 1872)

Leia dois trechos, extraídos do livro Princípios da filosofia do futuro, de


Feuerbach para perceber sua forte crítica:

“A tarefa dos tempos modernos foi a realização e a humanização de Deus


— a transformação e a resolução da Teologia na Antropologia”.

... e esta:
“Deus enquanto Deus — como ser espiritual ou abstrato, isto é, não
humano, não sensível, acessível e objetivo só para a razão ou para a
inteligência, nada mais é do que a essência da própria razão; mas esta é
representada pela Teologia comum ou pelo teísmo mediante a
imaginação como um ser autônomo, diferente, distinto da razão. É, pois,
uma necessidade interna, sagrada, que com a razão se identifique
finalmente a essência da razão distinta da razão; portanto, que se
reconheça, realize e atualize o ser divino como a essência da razão.
Nesta necessidade, se funda o grande significado histórico da filosofia
especulativa”.

(Frases extraídas das páginas 6 e 7 do livro: FEUERBACH, Ludwig.


Princípios da filosofia do futuro. Disponível em: https://goo.gl/XnsLia
<https://goo.gl/XnsLia> . Acesso em 07 fev. 2018).

Esse filósofo escreveu obras como:


A essência do Cristianismo (de 1842) e
A essência da religião (de 1846).

Para ele, o papel da Filosofia não é o de desprezar a religião ou a


Teologia, ambas são um importante fenômeno humano e merecem
respeito, mas, podem ser objetos de novas interpretações.

Friedrich Nietzsche (1844-1900)

Nietzsche é autor de uma das questões de maior impacto na Filosofia e


também a mais má compreendida: “a morte de Deus”.

Poucos entendem corretamente, porque Nietzsche tem um estilo de


escrita bem próprio. Além do modo tradicional, em prosa dissertativa, ele
escreveu em aforismas e criou personagens (homem louco, Zaratustra,
criança, camelo, leão).

Vamos analisar, por exemplo, o o fragmento 125, do livro Gaia Ciência,


de 1882: Nietsche coloca, na narrativa, um homem louco anunciando,
em praça, as seguintes palavras: “’— Para onde foi Deus?’, gritou ele, ‘—
Já lhes direi! Nós os matamos – vocês e eu. Somos todos seus
assassinos!”.
Infelizmente, devido aos fortes problemas educacionais, no Brasil, você
ouvirá interpretações ruins dessas críticas e de uma das ideias mais
impactantes (“Deus está morto”, no pensamento de Nietzsche), que deve
ser entendida como uma crítica à forma dominante da visão de mundo
da modernidade.

Para você entender melhor: a “morte de Deus” representa o fim dos


valores supremos: o cientificismo positivista (arrogância da ciência
moderna), a moral judaico-cristã e a metafísica platônica.


Saiba mais

Confira o livro:
FEUERBACH, Ludwig. Princípios da filosofia do futuro. Disponível em:
https://goo.gl/XnsLia <https://goo.gl/XnsLia> . Acesso em 07
fev. 2018.

Observe um texto sobre o livro Gaia Ciência: SALAQUARDA, Jörg. A


última fase de surgimento de A Gaia Ciência. Disponível em:
https://goo.gl/VgNkef <https://goo.gl/VgNkef> . Acesso em: 20
nov. 2017.

Veja o aforisma do homem louco completo:


GHIRARDELLI Jr. Paulo. O homem louco. Disponível em:
https://goo.gl/iMT5Ti <https://goo.gl/iMT5Ti> . Acesso em 20
nov. 2017

Assista a este vídeo sobre a Gaia Ciência: Café Filosófico - "A Gaia
Ciência" de Nietzsche - Túlio Madson. Disponível em:
https://goo.gl/oLm8Bt <https://goo.gl/oLm8Bt> . Acesso em: 20
nov. 2017.
O olhar fenomenológico sobre a
religião
Você viu que as críticas feitas à religião colocaram em foco um processo de
desnaturalização e desencantamento, ou seja, a religião nada mais é do que
um fenômeno humano em suas raízes mais fundamentais.

A partir da fenomenologia de Edmund Husserl (1859-1938) e das filosofias


românticas alemãs, críticas da racionalidade moderna, além das Teologias do
século XIX, nasceu uma forte corrente de pensamento desejando
reestabelecer a ideia de que, na experiência religiosa, no sagrado mais
propriamente dizendo, haveria um elemento irracional (além do seu alcance,
misterioso), de cunho mais interior, subjetivo, da ordem da emoção, anterior
à moralidade, sistematização e organização empreendidas pela religião.

É necessário que você entenda um pouco do


pensamento de Husserl sobre o que seria o olhar
fenomenológico sobre a religião.

Husserl critica a ideia de que as leis lógicas, bases de qualquer ciência,


possam ser fundamentadas na psicologia empírica. Daí emerge a questão:
como o sujeito que conhece (sujeito cognoscente) apreende uma realidade
que lhe é exterior?

Tentando superar a dicotomia entre objetividade e subjetividade do


conhecimento, nasce uma definição que articula o mundo real e objetivo e o
mundo da consciência do sujeito, marcado pela subjetividade.
O que poderia definir a consciência além dos
subjetivismos e empiricismos de forma segura e
objetiva?

A intencionalidade, ou seja, toda consciência dirige-se a, intenciona a algo,


pois não há consciência pura, desligada do mundo, “toda consciência é
consciência de”, nas palavras de Husserl.

A Fenomenologia joga luz sobre o que aparece, o fenômeno, e deseja limpar


os pré-aparecimentos, ou seja, limpar o objeto das cascas de cultura e
história que lhe aderem ao longo do espaço-tempo.

Veja bem que a Fenomenologia propõe a suspensão dos juízos ( epoché),


temporariamente, e que se descasque o objeto de análise ao máximo, para
que se atinja o cerne e a essência, despida de toda história acumulada.

Os principais autores dizem que o sagrado não poderia ser totalmente e bem
compreendido dentro dos cânones da ciência positiva e objetivista. Você
perceberá que a religião é apresentada, vista e entendida como um domínio
singular da existência humana.


Saiba mais

Leia este interessante e breve artigo:


ZILLES, Urbano. Fenomenologia e teoria do conhecimento em Husserl.
In: Revista da Abordagem Gestáltica. XIII, n. 2, p. 216-221, jul-dez.,
2007. Disponível em: https://goo.gl/t4E4yY
<https://goo.gl/t4E4yY> . Acesso em: 20 nov. 2017.

Ele aborda as principais ideias da fenomenologia em linguagem acessível.

Durante séculos, o conhecimento sobre as religiões foi crescendo lentamente,


embora fosse fragmentário e restrito (poucos sabiam ler, havia poucas escolas
e lugares para transmitir o saber acumulado).

A partir do século XVII, você pode atentar para a importância do


conhecimento filológico, ou seja, das línguas de outros povos e civilizações,
pois ajudaram a decodificar grandes obras escritas, em especial sua literatura
sagrada (relativa aos mitos, aos deuses, às divindades rituais etc.).

Ocorreu a elaboração de dicionários e gramáticas de línguas orientais (árabe,


chinês, malaio, persa, páli ou sânscrito). Pouco a pouco, nasceu uma visão
mais madura sobre outros sistemas religiosos.

Há vários desses sistemas que se tornaram mais conhecidos:

Zoroastrismo

Sistemas hindus e budistas

Os estudos de civilizações antigas transformam-se em ciências próprias:

Egiptologia (estudo da cultura/civilização


egípcia)

Indologia (estudo da cultura/civilizações


hindus)
Sinologia (estudo da cultura/civilização
chinesa)

Conforme escreveram os historiadores da religião italianos, Firolamo e Prandi


(2016, p. 59):


A ‘história’ das religiões, entendida como disciplina
autônoma, com objeto e método próprios, representa
uma conquista cultural de libertação, por parte da
dimensão religiosa e de suas dinâmicas, dos vínculos
de tipo teológico, estabelecido na segunda metade do
século XIX.

Você notará que, no livro do filósofo escocês, David Hume, História natural da
religião (de 1757), ele não se contrapõe à noção de Deus criador da natureza,
mas defende uma separação entre “a fé nos princípios fundamentais do
verdadeiro teísmo e da verdadeira religião”, segundo palavras dos
historiadores Firolamo e Prandi (2016, p. 59).

A partir daí você notará que Hume investiga a suposta origem dos
sentimentos (medo, horror, alegria) e sua relação com a religião. Para isso,
ele compara o monoteísmo e o politeísmo que foi considerada a primeira e
mais antiga religião da humanidade e considera o culto politeísta mais
tolerante com os outros cultos, cooptando-os e adaptando-os (deuses, cultos,
cerimônias e tradições).

No paradigma histórico, a religião é vista como uma emergência — no sentido


de vir à tona, vir a ser — e assim deve ser compreendida. A historiografia
protestante, a exegese bíblica e a pesquisa filológica comparada entre as
religiões marcaram profundamente os estudos históricos da religião. Assim,
tal paradigma foi alimentado tanto pelo historicismo alemão quanto pelo
italiano na, então, nascente Ciência da Religião.

O olhar histórico foi marcado pela oscilação entre a explicação e a


compreensão (Erklären e Verstehen):

Explicar é demonstrar as conexões entre causas e efeitos, de forma objetiva,


clara, formulando juízos lógicos.

Compreender é o processo pelo qual apreende-se, entende-se e interpreta-se


os sentidos das ações, símbolos, objetos, relações humanas.

Nas palavras do cientista da religião Hans-Jürgen Greschat (2005, p. 34),


ocorreram duas condições para o nascimento da História da Religião e sua
rápida consolidação como disciplina acadêmica:

Por um lado, o termo religião já se libertou de sua
identificação cristão-dogmática com o cristianismo e,
por outro, a religião é [...] compreendida como
grandeza histórica.


Atenção

Atente que nesses grandes movimentos, os livros bíblicos, seus relatos e


personagens, são submetidos a teorias e análises arqueológicas,
históricas, sociológicos, antropológicos, psicológicas e linguísticas.
Perceba que o resultado de tudo isso revelou, e continua ainda a mostrar,
um painel muito diferente do que os séculos de apologia e catequese
transmitiram.

Os autores e contextos onde se realizaram as narrativas bíblicas são diversos


e passíveis de uma variada intepretação, algumas mais restritas e
apologéticas, outras mais amplas e menos apologéticas.
 Animais pintados na Gruta de Lascaux, no sul
da França | Fonte: wikimedia.org, autor: Prof saxx

É importante que você saiba que a Arqueologia teve um papel central nesses
estudos, por exemplo, os achados de estruturas pré-históricas, como são
chamadas as estruturas anteriores ao surgimento dos sistemas de registro
escritos (alfabetos).

As pinturas rupestres encontradas em cavernas no sul da França (milhares de


anos de idade), as escavações em Troia, na Ilha de Creta, na Turquia, no
Egito, nos atuais Irã, Iraque, Síria, Israel, Índia etc., mostram que a religião
cristã, apesar de ser uma das formadoras do Mundo Ocidental, é apenas uma
entre outras manifestações culturais e religiosas na vasta história humana
sobre a Terra.

Considere o que pensava um dos muitos fundadores das Ciências da Religião,


Cornelis Petrus Tiele (1830-1902), quando esteve no Parlamento Mundial das
Religiões realizado na cidade de Chicago (EUA), em 1893: a comparação das
religiões não deveria ser confundida com um empreendimento apologético
(defesa de uma e condenação de outra).

Note que o estudo das religiões é um estudo não


preconceituoso de dogmas, textos, ritos e
crenças das muitas religiões.

A partir de todo esse conjunto, o conhecimento sobre as religiões enriqueceu-


se e continuou aprofundando-se em muitas direções. Durante o século XX,
novas áreas de estudos foram abertas e outras aprofundadas, por exemplo, o
estudo das civilizações e culturas africanas, os estudos pós-coloniais e
feministas etc.


Comentário

Você já deve ter ouvido ou lido algo sobre o imenso e rico continente
africano, mas, em geral, o senso comum é preconceituoso e enxerga
pouco as riquezas. A África foi palco de grandes civilizações, como a
egípcia, a núbia. Houve grandes impérios e tribos, etnias e línguas
variadas, sistemas “religiosos” e míticos muito diversos, sendo os mais
famosos aqueles que contam as histórias dos orixás, divindades
associadas à natureza e aos ancestrais dessas tribos e povos.

Atualmente, mesmo após os graves problemas causados pelo colonialismo


europeu, há um panorama de identidades.

O olhar sociológico e o
antropológico sobre a religião
Olhar sociológico
O olhar sociológico tem origem, como você pode suspeitar, diversa e plural, do
mesmo modo que o histórico, aliás, quase são as mesmas fontes. Mas, no
século XIX ele se distinguiu da História e da Antropologia.

Os fundadores desse olhar, que você verá com mais detalhes na aula sobre as
escolas sociológicas e antropológicas, estavam preocupados com a religião
entendida como produto e função da sociedade, bem como com suas
influências sobre a vida e as dimensões sociais, políticas e outras.

As raízes desse olhar estão na Filosofia, a grande nascente das Ciências


Humanas e Sociais. É no século XIX que a preocupação científica com
perguntas pela origem e pelo desenvolvimento das religiões, fora do âmbito
da Teologia, se tornou uma preocupação forte e com bases sólidas.

Os modelos filosóficos de desenvolvimento da vida e da história são


fundamentais nesse sentido. Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831),
filósofo alemão, abriu o caminho para essas concepções com sua filosofia da
dialética (tese-antítese-síntese) e influenciou esquemas como o do filósofo e
sociólogo francês August Comte (1798-1857).

Esse pensador francês interpretou a história humana como dividida em três


fases:

01

A da religião

02

A da metafísica

03

A da ciência positiva

Cada etapa teria uma característica, mas haveria um progresso constante.


Depois, essas divisões foram criticadas porque eram evolucionistas e
inapropriadas.


Saiba mais

Perceba também que a obra e as ideias de Charles Darwin (1809-


1882), naturalista e biólogo inglês, autor do famoso livro A origem das
espécies, de 1859, foram transladas para outras áreas, dando origem às
primeiras escolas sociológica e antropológica (evolucionismo cultural-
social). Essa transposição foi criticada porque se revelou inadequada,
mas, até os anos 1920, foi muito valorizada. Atente para nomes como o
do filósofo e sociólogo Herbert Spencer (1820-1903). Ele defendeu que
a religião teria se originado a partir das longínquas raízes da
humanidade, a partir de um culto primitivo dos mortos, com a veneração
dos manes (manismo), os ancestrais mortos.

O olhar sociológico é preocupado com questões próprias do social, da


sociedade (classes sociais, organizações, instituições, poder, resistências,
democracia, política etc.) e religião (ética, ação social, instituição, valor,
norma). Daí nascerá a Sociologia da Religião.

No campo da Etnologia, o modelo evolucionista cresceu, pois, no contexto do


forte colonialismo, essa ciência emergente conseguiu organizar os dados de
pesquisas descritivas sobre outros povos, tribos e etnias não europeus.

Essa organização seguiu o esquema tripartite assim resumido: selvageria,


barbárie e civilização, sendo que a última etapa, supostamente a mais
desenvolvida e melhor, seria ocupada pelos povos europeus.

Nasce daí a ideia de uma “missão civilizatória” que revelou ter uma face
dupla:

Por um lado, antigas estruturas (tradições locais) eram desmanteladas por


conta do avanço do mercado, das indústrias e do consumo (capitalismo como
sistema mundial).

Por outro, novas instituições ou eram impostas ou eram negociadas com as


elites políticas e econômicas dos povos não europeus.

Aos olhos dos cientistas da época, era uma questão urgente documentar
modos de vida e existência que estavam em vias de extinguirem-se, segundo
sua ótica.

Nasce, perceba bem, a ideia dos museus, ou seja, lugares onde objetos e
materiais são organizados para contar uma história supostamente
progressiva. Há muitas críticas ao evolucionismo, entre elas o modelo teórico
(evolução linear, direta, necessária) e o critério usado (progresso técnico-
material) para pensar os dados obtidos.

Esse olhar voltado ao que era considerado exótico e estranho (ao diferente, à
alteridade, como a Antropologia gosta de dizer) também foi direcionado à
própria Europa, que descobriu dentro de si um rico universo de crenças e
religiões populares, lendas, contos, que estavam:

Nas memórias dos camponeses (tradição oral)

Nos arquivos dos julgamentos e processos da


Inquisição

Em outras fontes documentais

Olhar sociológico
O olhar antropológico também tem, em sua história, as mesmas raízes que os
olhares histórico e sociológico. Mas, somente no século XIX, ele se tornou
distinto e com métodos próprios.

Em um primeiro momento, o do Colonialismo, quando a Europa subjugou e


explorou a África, Ásia, Oceania, e quando, por isso, se deparou com a
alteridade, com diferentes costumes, valores e ritos, inclusive ‘religiosos”, o
choque foi tremendo.


Atenção

Note: muitos pensadores perguntaram-se o que significavam aquelas


novas realidades. Esse contato foi chamado de antropologia de
gabinete porque não era feito diretamente, em contato vivo com a
realidade viva, mas feito com dados coletados por etnógrafos, estudiosos
que registravam os modos e costumes de tribos, grupos e povos.
É interessante que você saiba alguns nomes, como o de William Robertson
Smith (1846-1894), outro pesquisador, elegeu o sacrífico ritual, em especial
no culto e na cerimônia, como a forma primordial de religião, na qual realiza-
se o ato comunal do rito.

Para chegar a essa hipótese, o estudioso comparou os antigos ritos hebreus


de sacrifício com os de outros povos e as mudanças ao longo da história. Com
isso, nascerá a Antropologia e, dentro dela, os estudos sobre religião.

O olhar psicológico sobre a religião


Forma-se ao longo de uma história com muita diversidade. Mas, você poderá
localizar algumas ideias e autores fundamentais que, em princípio, estão no
campo maior da Filosofia.

Tenha em mente que o sentido de Psicologia variou no tempo e não pode ser
tomada apenas no moderno significado que foi adquirido, ou seja, o de ciência
que estuda a subjetividade humana (comportamento, cognição, afeto,
estruturas mentais etc.).

É necessário que você pense em outros sentidos, mais amplos, de cunho


filosófico, por exemplo, investigação a respeito da alma ou do espírito
humano. Nesse sentido, você encontra investigações sobre a relação entre
sentimento, pensamento e religião no pensamento de autores como:

01

Friedrich Schleiermacher (1768-1834), filósofo e teólogo germânico, escreveu


sobre a Hermenêutica, a Pedagogia e as relações entre as Ciências, a Filosofia
e a Teologia. Afirmou que a essência da religião não é o pensar e o agir, mas a
intuição e o sentimento, definindo a religião como sentido e gosto pelo
infinito. A religião como intuição e sentimento do Universo.

02

Søren Aabye Kierkegaard (1813-1855), filósofo e teólogo dinamarquês que


escreveu obras com poderosas reflexões, como Temor e tremor (em 1843),
na qual reflete sobre a questão do dilema ético do sacrifício de Isaac por
Abraão, famosa passagem bíblica do Antigo Testamento e seus paradoxos e
aporias se vista por uma ótica racional-abstrata moderna. Mas, uma de suas
mais criativas obras foi sobre o filósofo Sócrates, intitulada Sobre o conceito
de ironia. Observe que em outra obra, O conceito de angústia (1844), o
dinamarquês explorou esse sentimento de vida no homem, junto com toda a
galáxia de afetos associada à angústia: o desespero, a culpa e a melancolia.

Apesar de todas essas ideias, o olhar psicológico


se desenvolverá em outros termos e conceitos,
com a importante contribuição de Wilhelm
Wundt (1832-1920) e sua psicologia
experimental (laboratórios).

O olhar psicológico preocupa-se com a interligação entre religião, sagrado,


espiritualidade e o comportamentos, personalidade e estrutura psíquica do ser
humano. Daí nascerá a Psicologia da Religião.

O olhar geográfico sobre a religião


Tem origens e fontes parecidas com a dos olhares histórico, geográfico e
antropológico. Mas, em termos de constituição de uma área específica da
ciência, a Geografia da Religião é recente.

A relação entre realidade geográfica, mito, rito, religião, espaço sagrado são
antigas, remontam, por exemplo, aos cultos funerários, que implicavam em
uma disposição espacial de objetos, do corpo, do lugar etc.

Esses cultos possuem dezenas de milhares de anos, remontam ao “momento”


quando a espécie humana desenvolveu uma “consciência” da finitude, da
morte, da dor, do luto, da perda.

 As pirâmides egípcias são poderosos


monumentos mortuários, construídos segundo
disposições simbólicas relativas ao sistema mítico
(os deuses, os homens, o universo e as relações
entre os três). | Fonte: www.shutterstock.com

A geografia mítica da Grécia, por exemplo, é complexa e rica, o Monte Olimpo,


onde os deuses gregos viviam (Zeus, Hera, Afrodite, Ares, Hermes) era de
fato um lugar muito bonito em Atenas. O Hades significava tanto a morada
dos mortos, quanto o irmão de Zeus, que governava essa região mítica
inferior.


Saiba mais

O Hades era representado por uma profunda caverna dividida por um rio
lendário de fogo, o Estige, no qual as almas estavam. Os deuses gregos
eram tidos como imortais, mas não eram transcendentes como o Deus
hebreu ou o Deus cristão, tinham paixões e virtudes avassaladoras.
Essa geografia mítica, que inclui ilhas encantadas, seres monstruosos e seus
lugares, é descrita nas obras Odisseia e Ilíada). Saiba que o mapa mais
antigo, pelo menos até o momento, data de 2500 a.C. e mostra um rio,
provavelmente o Eufrates, na região entre Irã e Iraque, tida como a mítica
região do Jardim do Éden.

Conheça quatro nomes que estão na origem do olhar geográfico:

Erastóstenes de Cirene (276 - 194 a.C.): matemático, poeta e geômetra,


viveu nas cidades de Alexandria e Atenas, poderosos centros culturais. Com
talento e razão, demonstrou matematicamente a esfericidade da Terra.

Heródoto (484 - 425 a.C.): filósofo e historiador grego, além de descrever


os costumes, mitos e rituais, trouxe detalhados relatos de espaços, lugares e
territórios.

Estrabão (64 a.C. – 20 d.C.): filósofo e historiador grego, criou a ideia de


coordenadas, mas procurou fazer a correspondência entre o mito e o lugar
quando, por exemplo, menciona a luta entre Jasão (herói grego) e o
Minotauro (monstro mítico, cabeça de touro e corpo de homem) na ilha de
Creta. .

Claudio Ptolomeu (90 – 168 d.C.): astrônomo, filósofo e matemático


nascido no Egito durante a dominação romana, defendeu o geocentrismo
(Terra como centro do Universo), sistema abraçado pela Igreja Católica até a
revolução feita por Nicolau Copérnico (1473-1543), nascido onde é hoje a
Polônia, foi astrônomo, matemático e médico.
Note que todas as religiões, as tribais e étnicas
— restritas a um povo ou etnia, com forte
tradição oral — as universais — amplas,
envolvendo classes, segmentos, grupos, países,
povos, com forte tradição escrita,
desenvolveram e desenvolvem uma concepção
de espaço sagrado.

Atividade
1. Entre a metade do século XIX e o início do século XX, identifique 3
grandes filósofos que ajudaram as Ciências da Religião a pensar o
sentimento e o processo histórico.

2. Entre a metade do século XIX e o início do século XX, localize dois


sistemas de pensamento que provocaram reações nas Ciências da
Religião.

3. Como esses autores e sistemas influenciaram os estudos de religião?


4. Leia este texto de uma cientista da religião:

“Ao tratarmos especificamente do tema religião, desconstruir as


assimetrias implicaria verificar, nos termos dos religiosos, como
funcionariam e o que significariam as expressões religiosas e as
experiências individuais ‘pregnantes de emoção, de efervescência
induzida e de experimentação polivalente’ e, reconhecendo que elas são
constituídas de uma lógica não marginal, percebê-las não simplesmente
como desvios de algum modelo ideal (católico apostólico romano,
protestante anglo-saxão etc.), mas como racionalidade que mobiliza e
articula vários sentidos de acordo com determinadas redes sociais”.

(Fonte: RODRIGUES, Elisa. Ciência da Religião e ciências sociais:


aproximações e distanciamentos. In: PLURA, Revista de Estudos de
Religião, v. 2, nº 1, 2011, p. 65-79, p. 70).

Tendo em vista o nascedouro da crítica da religião, assinale a


alternativa que apresenta a melhor perspectiva:

a) As Ciências da Religião devem defender e julgar as visões religiosas


de mundo.
b) As Ciências da Religião devem ser críticas mordazes das estruturas
religiosas.
c) As Ciências da Religião equilibram-se entre a crítica e a sensibilidade
para com a religião.
d) As Ciências da Religião não veem, na religião, uma forma de
conhecimento do mundo.
e) As Ciências da Religião veem, na religião, apenas uma forma ética
de conhecimento do mundo.
5. O olhar fenomenológico procura antes o fenômeno do que a história de
constituição desse fenômeno. Nesse sentido, a doutrina fenomenológica
de Husserl contribui para o olhar fenomenológico presente nas Ciências
da Religião. Tendo isso em vista, assinale a alternativa correta:

a) O uso da epoché (suspensão do juízo), contribui na busca pela


estrutura elementar da religião.
b) O uso da epoché (suspensão do juízo), ajuda a buscar os contextos
históricos da religião.
c) A consciência, não definida em relação ao objeto, obscurece a
estrutura religiosa.
d) A consciência, somente definida em relação ao objeto, obscurece a
estrutura religiosa.
e) A consciência, definida parcialmente em relação ao objeto, desvela
a estrutura religiosa.
6. O olhar sociológico e antropológico tem profundas e antigas raízes,
mas somente no século XIX, esse olhar constituiu-se em duas ciências
que estudaram a religião. Qual seria, dentre muitas, as duas maiores
preocupações desses dois olhares? Assinale e resposta correta:

a) As duas maiores preocupações estão relacionadas à estrutura


religiosa da realidade.
b) As duas maiores preocupações referem-se à relação sociedade-
cultura-religião.
c) As duas maiores preocupações referem-se à relação entre devoção,
mito e magia.
d) As duas maiores preocupações estão relacionadas à inter-relação
sociedade, magia e cultura.
e) As duas maiores preocupações referem-se ao sentimento religioso e
sua expressão social.

7. O olhar psicológico possui antigas raízes nas reflexões dos gregos


sobre a psique. Mas, ao longo do tempo, outras questões foram
suscitadas. Tendo em vista suas mudanças, assinale o que essa
perspectiva psicológica NÃO é nas Ciências da Religião.

a) Uma visão sobe o comportamento religioso do ser humano.


b) Uma compreensão do relacionamento entre o sentimento e a
religião.
c) Uma análise da relação entre intuição e a experiência religiosa.
d) Um entendimento sobre a angústia e o sagrado.
e) Uma explicação da relação entre razão e emoção na sociedade.
8. O olhar geográfico, como os outros olhares tem como uma de suas
raízes, o pensamento grego. Porém, esse olhar ampliou-se pouco a
pouco, abarcando a experiência espacial do homem. O que estaria sendo
analisado por essa perspectiva geográfica?

a) O fluxo da experiência religiosa.


b) A relação entre rito funerário e espaço sagrado.
c)A relação entre a o mito e a sociedade.
d) A relação entre o sagrado e o espaço social-geográfico.
e) A relação entre as lendas e os povos.

Notas
Teologia, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) 1

Notícia disponível em: link www.anptecre.org.br


<http://www.anptecre.org.br/index.php?
pagina=grupo_noticia&tela=10&vw=259> . Acesso em 24 mar. 2017.

Referências

FIROLAMO, Giovanni; PRANDI, Carlo (orgs.). As Ciências das Religiões. 8. ed. São
Paulo: Paulinas, 2016.

GRESCHAT, Hans-Jürgen. O que é Ciência da Religião. São Paulo: Paulinas, 2005.

PASSOS, João D.; USARSKI, Frank (Orgs.). Compêndio de Ciência da Religião.


São Paulo: Paulinas: Paulus, 2013.

USARSKI, Frank (org). O espectro disciplinar da Ciência da Religião. São Paulo:


Paulinas, 2007.

Próximos Passos
As escolas fenomenológicas e suas contribuições aos estudos de religião;
As noções de sagrado e suas repercussões;
A autonomia e a especificidade da experiência religiosa.

Explore mais

Leia este artigo:

RODRIGUES, Elisa. As Ciências Sociais da Religião como Ciências da Intepretação.


Disponível em: https://goo.gl/A4X5WV <https://goo.gl/A4X5WV> . Acesso
em: 20 nov. 2017.
Disciplina: Ciências da Religião

Aula 4: Ciências da Religião: escolas fenomenológicas

Apresentação:
Provavelmente, você já deve ter se perguntado “Quais as diferenças entre as
religiões?” ou “Quando o ser humano teria reverenciado uma dimensão “maior” do
que ele, normalmente denominada, pela Fenomenologia da Religião, de sagrado?”:
essas perguntas, entre outras, estão na trajetória e na obra dos pesquisadores, em
sua maioria, teólogos, filósofos e historiadores que criaram e elaboraram a
Fenomenologia da Religião, uma escola teórica que reflete sobre a experiência
religiosa e o sagrado, isto é, um conjunto de teorias, autores, conceitos, livros e
textos que, unidos por semelhanças, procuraram pensar sobre a experiência religiosa
e o sagrado.

Objetivos:
Compreender as principais ideias das escolas fenomenológicas;
Identificar os principais autores das escolas fenomenológicas;
Desenvolver ampla visão sobre os conceitos fenomenológicos da religião.
Reflexões iniciais
Exerça um pouco sua imaginação. Pense sobre estas descrições imaginárias:

Uma pequena Igreja pentecostal, em um lugar pobre, cheio de barracos


atarracados uns nos outros. Um pequeno cômodo, cadeiras de madeira,
simples. Uma caixa de som. Um violão, um pandeiro e uma bíblia. Um
culto no qual homens e mulheres dançam alegres rodopiam, giram e dão
glorias a Deus e invocam o Espírito Santo.
Um templo presbiteriano tradicional no centro da cidade. Amplo, bancos
largos, janelas com vitrais. Um púlpito (lugar de destaque para
sacerdotes, oradores e outros falarem). Uma prédica. Um trecho bíblico
lido devagar e com solenidade pelo sacerdote. Homens e mulheres
sentados ouvindo. Um coral cantando hinos tradicionais.

Um terreiro de umbanda ou candomblé com plantas e flores. Um


barracão simples, branco, feito com alvenaria e telhas de amianto.
Periferia da cidade. Tambores ressoando. Incenso cheiroso. Homens e
mulheres, vestidos de branco, dançando, girando, saudando e celebrando
as entidades espirituais, cantando.
Uma pequena sala em um prédio no centro citadino. Poucos móveis,
tapetes, uma mesa ao centro com uma imagem de Buda. Homens e
mulheres sentados, pernas cruzadas, olhos fechados, meditando e
cantando mantras.

Um pequeno templo católico. Bancos laterais de madeira com homens e


mulheres atentos, cantando um hino durante a comunhão, o ritual
católico da ceia do Senhor. Um sacerdote ao centro realizando orações.
Um pequeno galpão de madeira, afastado da cidade, em meio ao verde.
Bancos em semicírculo. Homens de um lado, mulheres de outro,
dançando e cantando. Uma música, chocalhos, violão, tambor pequeno.
Ao centro, objetos, fitas, imagens. Uma pequena fila formando-se para
beberem o chá do daime, uma bebida ritual feita de uma folha e de um
cipó.

Observe que todas essas situações imaginárias brevemente descritas acima,


apesar das muitas diferenças, têm algo em comum para a Fenomenologia da
Religião. São experiências de fé, religiosas, vividas por homens e mulheres
em busca do sagrado, que, em sua religião, adquire nomes, formas, estilos e
jeitos diversos e distintos. Você pode se perguntar:

Como a Fenomenologia entende e compreende a


experiência religiosa?

O termo, Fenomenologia da Religião, foi criado pelo holandês, Pierre Daniel


Chantepie de la Saussaye (1848-1920), que ocupou, em 1878, a cadeira de
História das Religiões da Universidade de Amsterdã.

Saiba mais

Você poderá se deparar hoje, com críticas a esse termo, já que teólogos,
historiados ou “cientistas das religiões” adaptaram de formas variadas a
doutrina filosófica (Fenomenologia) criada por Edmund Husserl (1859-
1938), inclusive deixando de lado alguns pressupostos e trocando de
lugar algumas ideias.

O elemento central, como você perceberá, era este: “o pressuposto da


ciência da religião é a unidade da religião na multiplicidade de suas
formas” (FIROLAMO e PRANDI, 2016, p. 28). Entenda aqui a palavra
unidade no sentido de unidade teórica, ou seja, apesar das religiões e de
suas diferenças, há um modelo teórico.

O programa, inicialmente defendido para a História das Religiões, a primeira


das Ciências das Religiões a serem sistematizadas e institucionalizadas,
baseava-se na Comparative Religion (Religiões Comparadas), que teria dois
aspectos:

Estudar-se-ia a religião em suas manifestações empíricas, históricas, sociais e


culturais (análise descritiva), comparando-as.

Estudar-se-ia a “essência”, ou mais exatamente, os caracteres permanentes


do fenômeno religioso (análise sistemática).

O conceito de Fenomenologia da Religião é amplo e remete a pelo menos 4


acepções:

1
Um método analítico que se baseia em uma explicação das formas religiosas
mais essenciais.

Uma escola teórica que constrói classificações de formas religiosas.

Uma escola teórica que busca as estruturas mais universais e profundas dos
fenômenos religiosos.

Uma orientação de natureza filosófica originada dos influxos do pensamento


de Husserl, principalmente, e de outros filósofos alemães.

NESTI, In: FERRAROTI, 1990

Apesar de todas essas acepções, para os fenomenólogos


da religião, o homem é naturaliter religiosus
(naturalmente religioso): a religião seria uma estrutura
constante e atemporal dos seres humanos, ideia criticada
pelas escolas sociológicas, históricas e antropológicas.

Alguns dados paleantropológicos indicam, conforme o historiador e cientista


da religião, Stefano Martelli (MARTELLI, 1998):

Primeira evidência

O Homo sapiens (entre 400.000 e 150.000 anos atrás) e provavelmente


também o Homo erectus (entre 1,7 e 0,15 milhões de anos atrás),
produziram objetos com marcas/incisões de caráter simbólico que, nas
hipóteses dos pesquisadores, podiam ter significado cultual e mágico-
religioso.

Segunda evidência

A partir do período Neandertal (paleolítico médio, 100.000 a 35.000 anos


atrás) e do Homo sapiens sapiens (paleolítico superior1, 35.000 a
9.000 anos atrás), o simbolismo religioso ficou muito explícito: práticas
funerárias, culto dos ossos, animais (lobo, urso etc.) e os ritos de
passagem2 e propiciatórios3, que podem indicar uma ideia do
sobrenatural.

Observe que o método fenomenológico começa quando se colocam o mundo


da vida e os seus fenômenos entre parênteses, como você viu. É essencial
porque o fenômeno (aquilo que aparece) está coberto por “grossas camadas”
de história e de intepretações, além de juízos normativos (julgamentos do
valor) que vão se acumulando e embaçando a potência do aparecer.

O segundo passo é a redução eidética, que levará à visão da essência.

Perceba que, depois da suspensão do mundo (procedimento teórico), o que


não significa desconhecer sua objetividade e historicidade, tenta-se penetrar
em suas camadas de sentido até atingir o eidos, entendido como a priori.

Observe que esse mostrar-se é o que se teoriza na Fenomenologia da


Religião. Há pelo menos três momentos do “aparecer” do fenômeno:

Ele está quase aparecendo (escondido)

Ele manifesta-se pouco a pouco

Ele está quase transparente


Veja que o ponto focal desse novo paradigma é a crítica ao
positivismo, em especial a crítica à Psicologia Genética,
dominante no fim do século XIX e começo do XX, em
especial a transposição de métodos das Ciências da
Natureza para as Humanas e Sociais.

Um dos mais importantes filósofos a criticar essa orientação, embora não seja
da linhagem fenomenológica, foi Wilhelm Dilthey, que desferiu uma crítica às
concepções positivistas da Psicologia e propôs uma psicologia descritiva e
analítica.

Wilhelm Dilthey (1833-1911)

Para Dilthey, a vida psíquica, elemento fundamental da experiência


religiosa, não seria um amontoado de elementos simples como se fosse
uma cópia ou um reflexo do mundo exterior, mas uma totalidade ou uma
conexão ou estrutura dinâmica, viva, dotadas de leis e objetivos próprios
(autotélicos), conduzidos por relações internas.

Fenomenologia da Religião
Compreensiva: a escola holandesa
Um dos mais importantes historiadores e filósofos foi o holandês Gerardus van
der Leeuw (1890-1950), que publicou, em 1933, Phänomenologie der
Religion, um esforço para construir um método especial de Fenomenologia da
Religião.

1
O primeiro componente de suas ideias é a retomada de Husserl, que você já
soube.

O segundo é a conjugação com elementos da Psicologia da Gestalt


(Gestalpsychologie), psicologia da forma.

O terceiro componente é a influência do paradigma hermenêutico, ou seja, a


preocupação com o sentido e o significado da experiência religiosa.

O quarto é o momento, o caráter testemunhal sobre a “essência” da religião.

A corrente de Psicologia da Gestalt surgiu na Alemanha no período entre as


duas grandes guerras mundiais. Saiba que uma das ideias mais interessantes
dessa corrente é a de forma total, ou seja, o mais importante não é
considerar cada elemento psicológico em separado, mas sim em seu conjunto
ou em sua forma.

Um ponto em comum entre aqueles que, nas Ciências da Religião, afiliam-se


ao método e à perspectiva fenomenológica, é a importância dada à
experiência religiosa. Para van der Leeuw, a compreensão da experiência
religiosa, da religião ou do sagrado passa pela sintonia, inclusive em termos
de afeto, com o objeto (ou empatia, originado do termo alemão
Einfühlung4).

A religião é um dado existencial elementar e possui uma


natureza consubstancial à natureza do homem, isto é, a
religião e o homem se fizeram simultaneamente desde a
origem dos seres humanos sobre a Terra.
Diante da massa de informações (da religião e do mundo), sempre grande,
desorganizada, essa sensibilidade para com a religião é o primeiro passo de
uma caminhada longa para a construção da pesquisa.

A relação entre sujeito (aquele que conhece) e objeto (aquilo que é


conhecido) é de troca, o sujeito desloca-se para o objeto e o objeto para o
sujeito. Por que isso, você se pergunta:

Qual o objetivo desses deslocamentos?

Visam reviver e reexperimentar o objeto, tal como propôs Dilthey em sua


ideia de círculo hermenêutico da compreensão (o sujeito e o objeto interagem
o tempo todo, abrem-se um ao outro dialogam-se).

No pensamento de van der Leeuw, duas operações lógicas (ações


metodológicas) são necessárias:

Compreensão estático-fenomenológico: analisar os objetos tais como são,


mas não em separado, senão em seu conjunto total.

Estabelecer as conexões estruturais entre os elementos que constituem o


objeto (da pesquisa), “vividos e experimentados como unidades vivas, nas
palavras de Firolamo e Prandi (2016, p. 34).


Comentário
Pense no seguinte exemplo: você deseja pesquisar um culto religioso
de uma religião X. Não basta apenas descrever os itens, as
características, os atores ou agentes, os objetos e as linguagens
presentes. É preciso saber o que o culto significa como um todo.

O estudo da experiência religiosa


em van der Leeuw
Segundo os estudiosos Firolamo e Prandi (2016, p. 34), o método proposto
por van der Leeuw, tem cinco partes:
1

Primeira parte

Prioriza o objeto da religião, analisam-se os dados a partir de modelos


teóricos que iriam do “primitivo” às formas, pretensamente, mais evoluídas.

Segunda parte

Centrada no sujeito da religião, examina-se o homem sagrado (vida sagrada,


o morto, o rei, o feiticeiro, o padre, o pregador, o santo), a comunidade
sagrada, as concepções de alma.

Terceira parte

Focada nas relações entre sujeito e objeto das religiões, analisam-se a ação
externa (sacrifício, rito, culto) e a ação interna (intenção, motivos etc.).

Quarta parte

Prioriza o mundo ao redor, examina-se o problema do acesso ao e dos objetos


do mundo (fins da revelação, no homem e em Deus).

Quinta parte

Centrada nas figuras ou comportamentos estruturais e das tendências das


diferentes religiões.

Nesse ponto surgiram críticas às posições desse pesquisador holandês.


Haveria, em seu pensamento, uma ideia platônica com valor normativo, isto
é, esses tipos gerais teriam valor de norma que conduziriam ao testemunho
da “essência” da religião.

Para alguns, isso significaria a rendição das ciências da religião à teologia e


aos seus métodos, o que poderia ser verificado, note bem, pelo uso de
categorias de análise oriundo do cristianismo. A tese segundo a qual a
evolução religiosa da humanidade tenderia para a revelação sobrenatural,
tendo como modelo a revelação cristã, está presente nos trabalhos desse
pesquisador. Essa ideia não foge de um horizonte evolucionista, e é, por isso,
criticada.

A proposta da Fenomenologia da Religião tentou superar a contraposição


entre positivismo e espiritualismo e sustenta que o fenômeno é, nas
definições Van Der Leeuw, ao mesmo tempo, um objeto que se refere a um
sujeito e um sujeito relativo ao objeto, ou seja, a essência do fenômeno
“consiste em mostrar-se”, em mostrar-se a “alguém”. O pressuposto, ou seja,
o que é o ponto de partida, é que a religião tem autonomia absoluta em face
à outras dimensões.


Saiba mais

Angústia, silêncio de deus e crise existencial

Gerard van der Leeuw diz que em todas as religiões há dois significados
principais do sagrado:

Aquilo que dá a salvação porque é poderoso; e


Aquilo que é posto/colocado à parte do profano, como expressa os
antigos nomes qadesh sanctus, tabu.

Mas, e quando a fé se quebra? Procure assistir ao filme, Luz de inverno,


de Ingmar Bergman, lançado em 1963. É o terceiro filme da trilogia do
silêncio (O silêncio de Deus e Em busca da verdade, de 1961).

O filme narra a história de um pescador (Jonas Persson) aflito ao ler, nos


jornais, que a China pretende usar a bomba atômica e, por isso, busca
auxílio e orientação na Igreja. O pastor Tomas Ericsson, porém, não
consegue ajudá-lo, pois vive uma crise de fé.
A escola fenomenológica de
Marburgo
Depois de van der Leeuw, nasceu uma bifurcação na Fenomenologia, alguns
permaneceram de acordo com a proposta inicial e outros fizeram uma crítica e
uma revisão radical. Para compreender isso, é importante que você conheça
um pouco da escola de Marburgo, universidade alemã onde lecionaram seus
maiores expoentes.

Rudolf Otto (1869 – 1937)

Considera-se Rudolf Otto, que você viu na aula 03, um dos fundadores
dessa escola. A obra maior deste autor é o livro O sagrado que muitos
não consideram uma obra fenomenológico se o termo fenomenologia for
tomado ao “pé da letra”.

Esse teólogo luterano e filósofo, dizem, recebeu influências de Martinho


Lutero (1483-1546) e Friedrich Schleiermacher (1768-1834). Alguns
estudiosos argumentam que, na obra O sagrado (dizem que a melhor
tradução do alemão ao português seria O santo), chega a tese da
absoluta irracionalidade da religião.

Para Otto, o sagrado está carregado de elementos emocionais, irracionais


que, apesar de remeterem para a universalidade (todas as religiões
teriam essa estrutura), sua construção se daria pelo existir de cada
indivíduo em sua liberdade fundamental. A razão moderna não pode
compreender a totalidade do sagrado, mas o indivíduo em sua
consciência pode por ele ser tocado.

O sagrado, conforme você viu na aula 03, tem várias características e


delas, duas já foram apresentadas: o numinoso e o tremendum. Mas, há
mais três:

O mirum — aquilo que paralisa, terrifica, deixa estupefato;


O majestas — a fúria divina que tudo destrói, fogo consumidor;
A orgé — aquilo que empurra o ser humano a vida religiosa, ao
amor pelo sagrado.
Os místicos, das muitas tradições religiosas, aqueles que fizeram a
experiência do próprio divino na sua realidade íntima, descreveram a
experiência do sagrado como mistério terrível e, ao mesmo tempo,
fascinante, que suscita, no crente, múltiplos sentimentos.

Para o fenomenólogo, tais sentimentos são o efeito subjetivo da


presença, no eu, de uma realidade diferente do próprio eu, que Otto
chama o “numinoso” (latim numen = divindade), ao invés de “Deus”
(ligado à elaboração teológica das religiões monoteístas).

O numinoso, assim como o crente o percebe em seu próprio íntimo, é


definido como mysterium tremendum et fascinosum. Para Otto, há um
processo de evolução do numinoso dentro da religião: de um estado de
fascinação e terror (sagrado numinoso) para um estado moral, ético e
dogmatizado (sagrado majestas).

Para Otto, o sagrado é uma categoria composta por dois aspectos, o


racional e, em uma tradução mais adequada do alemão, metarracional ou
além do racional (numinoso). Essa duplicidade deriva do seguinte fato: a
experiência religiosa acontece na história, no decorrer do processo
histórico-cultural. Observe que essa categoria adquire distintas
institucionalizações de acordo com época, civilização, povo, tribo, religião
e acontece em formas que definidas pela cultura e sociedade.

Friedrich Heiler (1892-1967)

Segundo membro da Escola de Marburbo, discípulo de Otto, com


posições mais interessantes (FIROLAMO; PRANDI, 2016).

Para esse fenomenólogo da religião, nenhuma ciência está isenta de


pressupostos pessoais e científicos. Para Heiler, há os seguintes
pressupostos para o bom pesquisador: método indutivo5, para
afastar apriorismo6 (pontos de partida absolutos) e teleologia.
Teleologia pode ser definida como qualquer doutrina que propõe a
existência de fins últimos guiando a natureza e a humanidade,
baseada em um raciocínio circular, por exemplo (hipotético), o sol é
vermelho por isso é grande, sol é grande e por isso é vermelho;
Rigor filosófico-conceitual, para evitar frouxidão do raciocínio;
Experiência direta a partir do contato com personalidades e
comunidades religiosas, pois o estudo da religião não pode limitar-
se apenas aos livros e textos;
Considerar a universalidade dos fenômenos religiosos;
Recurso ao método fenomenológico, supostamente aquele atingiria
para a compreensão da “essência”.(FIROLAMO; PRANDO, 2016)

Esses cinco pressupostos referem-se à ciências, nas há outros de ordem


pessoal que o pesquisador deve considerar, segundo Firolamo e Prandi
(2016):

O tremor e o temor, para usar os termos de Otto quando em


presença de uma experiência religiosa verdadeira, seja de qual
religião for;
A experiência religiosa direta, pois é fundamental a sensibilidade
para com a experiência religiosa;
Levar em conta a verdade da religião, que se manifesta para a
felicidade do homem.

Segundo Heiler, existem três caminhos para que se compreenda a


essência da religião:

O caminho descritivo e o histórico-filológico (descrever, falar da


história e identificar as origens e transformações dos termos);
O caminho tipológico, ou seja, organizando os dados obtidos pelo
caminho descritivo-histórico-filológico em tipos usando vários
critérios, por exemplo, sociológicos e antropológicos (religiões
tribais e étnicas, restritas apenas a membros das etnias e tribos e
religiões universais, abertas a todos); teístas (religiões mágicas,
monoteístas, politeístas) e psicológicos (religiões materialistas,
espiritualistas, estéticas, éticas, místicas, emotivas, racionais);
O caminho fenomenológico, imaginado como se fosse círculos
(um dentro do outro) até chegar ao conjunto total e pleno.

Os círculos desse caminho vão do “exterior” ao “interior”, nesta direção


(FIROLAMO, PRANDI, 2016):

Objeto sagrado (liturgia, espaço, tempo, calendário, número e


ação);
Palavra sagrada (nome divino, oráculos, adivinhação, ordem divina,
doutrina, oração, prece, silêncio);
Escrita sagrada (escrituras, alfabetos);
Homens e comunidades sagradas (fiéis, adeptos, hierarquias, laços,
abertura e fechamento);
Concepções e ideias de Deus/deuses (teogonia7e teologias);
Concepções e ideias de mundo e homem (Cosmogonia8 e
antropogonia9);
Mundo da experiência vivida, o círculo mais importante, o centro.

Aqui estaria, segundo Heiler, o objeto mais próprio da religião, a própria


realidade divina e transcendente, a realidade do deus revelatus ou deus
absconditus. Atente para as palavras de Heiler:

“A essência da religião, portanto, é a comunhão do homem com a


realidade transcendental que flui da experiência da graça divina, uma
comunhão que se realiza na adoração e no sacrifício e que leva à
beatitude do homem e da humanidade”. (FIROLAMO e PRANDI, 2016, p.
41)

Gustavo Mensching (1901-1978)

Terceiro membro da escola de Marburgo, escreveu estudos empíricos e


teóricos. Em seu pensamento, a pesquisa fenomenológica possui duas
dimensões:

Comparar as religiões para tornar mais claro suas afinidades


tipológicas e estruturais, (dimensão da análise sistemática);
Compreender a essência da religião.

Apesar de toda ciência partir de pressupostos, estes, no caso da


Fenomenologia da Religião, devem ser científicos. No método de
comparação, dois riscos deveriam ser evitados, superficialidade na
diferenciação e pressa na identificação. O fenômeno histórico-religioso é,
antes de tudo, vital.

Religião é definida como a experiência do encontro com o sagrado. Mas,


nesse encontro, há alguns elementos inarredáveis:

É sempre do sagrado a iniciativa, sendo isso uma verdade para o


crente;
O sagrado manifesta-se, no tempo e no espaço, por meio de formas
distintas.
Desdobramentos da escola
fenomenológica holandesa

William Kristensen (1867-1953)

Outro teórico, continuador da tradição fenomenológica holandesa. Foi


professor de História da Fenomenologia Religiosa na Universidade de
Leiden. Suas perspectivas fenomenológicas são diferentes da
Fenomenologia que sofreu influência evolucionista, conforme aponta a
cientista da religião Elisa Rodrigues (2015).

Esse autor apresenta, no livro The meaning of religion. Lectures in the


Phenomenology of Religion (publicado em 1960), o ponto mais alto do
olhar fenomenológico: entender o sagrado a partir da experiência
religiosa vivida pelo crente ou pelo seguidor de qualquer religião. Do
contrário, haveria apenas a prevalência de um olhar externo
(externalizante).

A religião, como forma de conhecimento do mundo, é imprescindível,


com as seguintes ponderações:

Sensibilidade para com as variadas manifestações religiosas;


Considerar, na análise, tudo o que os homens e mulheres envolvidos
nos fenômenos religiosos viveram ou vivem;
Considerar que as religiões dominantes, e no caso do mundo
ocidental, são um molde, modelo ou uma gramática de conduta e
valor, em relação ao qual, se reage, se age, se interage.

E como fica o pesquisador?

Nas palavras do antropólogo Pierre Sanchis (1998, p. 40):

“Por um lado, como sustentar [...] a relação de um cientista, por


definição relativizador e ‘descrente’, com o regime de verdade dominado
pelo absoluto da convicção que está sendo vivido por aqueles com quem
conversa, convivem, troca figurinhas, num discurso que [...] constrói-se
necessariamente em termos de: ‘É’ (do ser, e não de ‘representações’).
Por outro lado, [...] que fizemos nós, modernos cientistas sociais, da
dimensão iniciática que tendeu a acompanhar a ‘experiência’ do
antropólogo em momentos fecundos da trajetória de nossa ‘ciência’?
Tradicionalmente, a ‘participação’ integra o nosso método. Em que
consistiria hoje, a “participação’ nas experiências religiosas
contemporâneas pregnantes de emoção, de efervescência induzida, de
experimentação polivalente?”

É um paradoxo que se instala nas Ciências da Religião. De um lado, a


ciência e o cientista, por dever de sua vocação secular, devem
empreender a crítica e a análise no sentido de relativizar o conhecimento
sobre a religião, desnaturalizar as naturezas da religião e das religiões e
mostrar as profundas raízes humanas, sociais, culturais do sagrado. Do
outro lado, para o fiel e o adepto, seja de qual religião for, a experiência
religiosa vivida, são dimensões “absolutas” para ele, dimensões que se
situa além das razões racionais.

Atente para a questão fundamental: como confrontar essas duas


orientações de forma a buscar a melhor compreensão do fenômeno?

O cientista e o estudioso da religião não podem abrir mão da ciência e de


seus métodos rigorosos e questionadores, mas, ao mesmo tempo, eles
devem sempre ser sensíveis às manifestações religiosas e considerá-las
em si mesmas, considerar a compreensão dos que a vivem.

Carl Jouko Bleeker (1899-?)

Um dos menos conhecidos fenomenólogos. Ao contrário dos outros


fenomenólogos, pensou a Fenomenologia da Religião como uma ciência
empírico-indutiva, sem pressupostos filosóficos e em funções valorativas
(a verdade da religião).

(FILORAMO; PRANDI, 2016).

Captar a essência da religião significa realizar três ações:

Desenvolver a theoria dos fenômenos;


Procurar o logos;
Interrogar-se sobre a entelecheia.

Essas expressões gregas significam, respectivamente:

Estudar objetivamente os fenômenos religioso (a concepção de


sagrado, a de homem, a de divindade);
Apreender os elementos estruturais das religiões ou tradições
religiosas (as formas permanentes de expressão da consciência
religiosa, os fatores específicos, os pontos de cristalização das
expressões sacrais, como as preces etc.);
Compreender os sentidos da mudança, um problema para a
perspectiva fenomenológica.

As maiores críticas à Fenomenologia da Religião dirigem-se aos seus


impasses: como estudar a religião, a partir de métodos descritivos
e comparativos e, ao mesmo tempo, propor interrogações de
matriz existencial, experiencial e essencial?

Para os críticos, essas duas coisas possuem um alto grau de


incompatibilidade.


Saiba mais

Fenomenologia da Religião e Cinema

Os porquês e as transformações vividas em uma família. Uma mudança


na sensibilidade e como se percebe os valores religioso e o amor. Assista
ao filme, Orações para Bobby. Dirigido por Russell Mulcahy e lançado em
2009, nos EUA. Sinopse:

Mary é uma religiosa rigorosa que segue as palavras da bíblia. Quando


seu filho Bobby, por diversas questões, fala que é gay, ela o leva a
terapias e cultos religiosos para tratar e “curar”. Baseado em uma
história verídica de um jovem homossexual que aos 20 anos suicida-se.
Um filme intenso, que espelha ainda hoje a realidade de muitos jovens
no mundo.
A fenomenologia histórica da
religião
Em geral, você poderia achar que as fronteiras entre as diferentes escolas e
autores são absolutas e não haveria nenhuma proximidade. Não é assim que
ocorre entre ideias, autores, perspectivas e escolas. Contudo, as passagens,
as proximidades e os distanciamentos existem.

Geo Widengren (1907-1996)

É importante que você saiba que este outro pesquisador das escolas
fenomenológicas, orientalista (estudioso das culturas do mundo oriental)
da civilização persa/iraniana e filósofo sueco, criticou os pressupostos da
fenomenologia em três elementos:

Desconfiar do a priori da religião;


Não separar a religião do contexto histórico-social-cultural, pois a
história da religião não é a manifestação contínua do sagrado;
Não há pressupostos especiais para o estudo da religião (por
exemplo, ter tido uma experiência religiosa), pois a empatia para
com o fenômeno religioso é a atenção que qualquer pesquisador
deve dar ao seu objeto de estudo.

O essencial, para esse pensador, é que o estudioso tenha treino técnico e


use bons instrumentos metodológicos para contextualizar o fenômeno
religioso (desenvolvimentos, rupturas, mudanças).

Joachim Wach (1898-1955)

Este segundo estudioso, note bem, procurou articular Fenomenologia e


Sociologia, criando tipos e propostas de compreensão que superassem os
problemas do apriorismo e do empirismo.
Ele escreveu um livro de Sociologia da Religião onde procurou
implementar esse programa de superação dos impasses entre
Fenomenologia, História, Sociologia e Religião. Em linhas gerais, você
verá algumas de suas ideias:

O mito é a expressão “teórica primordial” da religião, pois é uma


narrativa que organiza e encadeia a visão de um grupo, povo, etnia;
A doutrina vem após o mito, pois racionaliza as inconsistências
presentes nos relatos míticos e envolve dogma, Teologia e teoria
religiosa;
A religião está sempre relaciona ao social e a um sistema de
relações e funções sociais (e há tipos como igreja, seita, culto,
denominação). Os tipos, perceba, são modelos teóricos de
compreensão elaborados a partir da observação, sistematização e
comparação com dados empíricos.

Entre a Fenomenologia e a História


Existem mitos seculares, em especial, as religiões políticas (doutrinas políticas
que se comportam como se fossem religiões,como o nazismo, o fascismo
italiano e o stalinismo) bastante similares às outras estruturas religiosas, com
dogmas, hierarquias verdades e heresias, condenação, excomunhão, tabus
etc.

Para Mircea Eliade, filósofo e escritor romeno, o sagrado é um elemento


estrutural da consciência e não uma fase ou etapa da história. Em outras
palavras, o ser humano terá sempre o sagrado em sua estrutura, mesmo que
mudem as épocas e surjam novas religiões, muito diversas e diferentes das
anteriores.

Mircea Eliade (1907-1986)

Da fenomenologia histórica da religião, é um dos maiores nomes, sem


dúvida, citado em aulas anteriores.
Eliade propõe que a religião deva ser analisada a partir de parâmetros
próprios e não de modelos que desconsiderem a autonomia do fenômeno
e da experiência religiosa. Para ele, a principal tese da Fenomenologia, a
do homo religiosus (natureza religiosa intrínseca ao ser humano) procura
encontrar como, na sociedade secular e moderna, essa ideia está
presente.


Leitura

Eliade escreve uma obra muito vasta, e nos livros em que ele trata da
história das ideias e crenças religiosas, o simbolismo religioso é
essencial: objetos, traços, alfabetos, poemas, canções, orações etc. Ele
fez tipologias das muitas hierofanias. Note, por exemplo, as urânicas (do
céu), as ctônicas (da terra), etc. Leia: Hierofania ou manifestações
do sagrado. <galeria/aula4/anexo/hierofania.pdf>
Atividades
1. Leia com atenção este trecho do livro O sagrado, de Rudolf Otto: “Por
‘racional’ na ideia do divino entendemos aquilo que nela pode ser
formulado com clareza, compreendido com conceitos familiares e
definíveis. Afirmamos então que ao redor desse âmbito de clareza
conceitual existe uma esfera misteriosa e obscura que foge não ao nosso
sentir, mas ao nosso pensar conceitual, e que por isso chamamos de ‘o
irracional’.”

(OTTO, p. 97-98).

Sobre as características do sagrado, tendo este texto em mente e o que


você sabe sobre o pensamento de Otto, nesta aula, assinale a reposta
correta:

a) O sagrado é uma potência viva que está restrita ao Cristianismo por


este ser a forma de religião mais evoluída.
b) O sagrado é uma categoria completamente racional, abstrata,
objetiva que pode ser apreendida pela razão.
c) O sagrado é uma categoria universal ligada à dimensão da
experiência religiosa, mas que está além da razão.
d) O sagrado é uma categoria ligada à dimensão da experiência
religiosa que está além da razão, mas que se restringe às religiões
monoteístas.
e) O sagrado é uma categoria ligada à emoção, ao sentimento do
temor, do terror, à fascinação, mas limita-se ao Cristianismo.
2. Leia com atenção este texto de Mircea Eliade, que fala sobre o
sagrado e a hierofania: “O homem toma conhecimento do sagrado
porque este se manifesta, se mostra como algo absolutamente diferente
do profano. A fim de indicarmos o ato da manifestação do sagrado,
propusemos o termo hierofania. [...]. Poder-se-ia dizer que a história das
religiões — desde as mais primitivas às mais elaboradas — é constituída
por um número considerável de hierofanias, pelas manifestações das
realidades sagradas. A partir da mais elementar hierofania — por
exemplo, a manifestação do sagrado num objeto qualquer, urna pedra ou
uma árvore — e até a hierofania suprema, que é, para um cristão, a
encarnação de Deus em Jesus Cristo, não existe solução de continuidade.
Encontramo-nos diante do mesmo ato misterioso: a manifestação de
algo ‘de ordem diferente’ — de uma realidade que não pertence ao nosso
mundo — em objetos que fazem parte integrante do nosso mundo
‘natural’, ‘profano’. (ELIADE, 2016, p. 13).

Tendo este texto em mente e o que você viu sobre a


Fenomenologia histórica da religião, de Eliade, é possível afirmar
que:

a) O sagrado manifesta-se à consciência do homem a partir do


contexto histórico-social, mas limitado ao Cristianismo.
b) A hierofania é uma categoria teórica que expressa o ato de
manifestação do sagrado que ocorrer em qualquer religião.
c) As manifestações da hierofania ocorrem em determinados contextos
e objetos de algumas religiões.
d) O sagrado é a manifestação da hierofania no contexto histórico-
social da consciência humana no Cristianismo.
e) Entre a hierofania primitiva das religiões primitivas e a hierofania do
Cristianismo existe uma continuidade.
3. Leia a avaliação da Fenomenologia de van der Leeuw feita por Nicola
Gasbarro, historiador e filósofo italiano: “É inútil procurar em toda a obra
de van der Leeuw as motivações deste salto epistemológico que faz com
que todo o horizonte de sentido e, portanto, toda a cultura dependam, de
fato e de direito, da perspectiva religiosa: para um teólogo toda a
natureza depende do sobrenatural, e toda a cultura nasce da tensão
entre natureza e o sentido-valor do sobrenatural. Van der Leeuw nada
tem de ingênuo e sabe [...] dissolver a estrutura teológica no contexto
experiencial da vida, escondê-la na Filosofia da consciência, até traduzi-
la em termos de epistemologia husserliana, mas, quando o sistema
ganha corpo, inevitavelmente reemergem na experiência de vida do a
priori seja o sublime do mysterium, seja a complexidade da experiência
criatural de Otto” (GASBARRO, 2013, p. 87).

Tendo em vista este texto e a Fenomenologia da Religião da


escola holandesa, assinale a alternativa correta:

a) A Fenomenologia da Religião busca, na cultura e na história, os


motivos da redenção universal do ser humano.
b) A Fenomenologia da Religião procura, apenas, a apreensão dos
elementos estruturais das religiões ou tradições religiosas.
c) A Fenomenologia da Religião evita interrogar as culturas e histórias
humanas sobre o sentido do sagrado.
d) A Fenomenologia da Religião busca relativizar a essência do
fenômeno religioso a partir da experiência religiosa vivida pelo crente ou
seguidor de qualquer religião.
e) A Fenomenologia da Religião busca compreender o sagrado também
a partir da experiência religiosa vivida pelo crente ou seguidor de
qualquer religião.
4. Na Fenomenologia da Religião, existem três escolas teóricas básicas, a
holandesa, a alemã e a histórica. Por outro lado, a Fenomenologia da
Religião bebeu de várias fontes filosóficas e desenvolveu algumas ideias
básicas. Sobre as ideias, assinale a afirmativa que INCORRETA:

a) A Fenomenologia da Religião desenvolveu várias escolas teóricas


para pensar a experiência religiosa.
b) A Fenomenologia da Religião procura compreender a experiência
religiosa a partir de conceitos como o profano.
c) Para a Fenomenologia da Religião é no contexto histórico e social
das religiões que se encontra a essência da religião.
d) A Fenomenologia da Religião concebe o ser humano como
naturaliter religiosus, isto é, estruturalmente aberto ao sagrado, isto é,
intrinsecamente religioso.
e) Para a Fenomenologia da Religião, a descrição e a história da
experiência religiosa é o último e mais importante passo do processo de
compreensão do sagrado.
5. Leia atentamente este pequeno texto de um teólogo peruano:
“Parece-me que a visão indígena nos ajuda a reapreciar o sagrado e
a salvação no interior da criação e da corporeidade humana.
[grifos do professor]. Um estudioso valoriza o existencial nas
‘cosmogonias míticas em momentos decisivos da vida individual, como é
o nascimento a doença, a iniciação, a celebração do matrimônio e a
morte...” e acrescenta: ‘Teologicamente têm interesse pelo contraste que
representam com os relatos bíblicos da criação.’ Por minha parte,
sublinho como o indígena motiva a reprojetar a situação atual e a
corrigir a Teologia dominante. Em vez de coisificar e consumir a
realidade — uma feição da (des)ordem moderna — nos convém mais
interagir entre seres viventes, confrontar a maldade no mundo (muito
presente nos mitos indo-americanos) e superar os absolutos científicos e
técnicos que manipulam tudo. (FONTE: IRARRAZAVAL, 2007, p. 106).

Tendo em mente a Fenomenologia histórica e o texto acima,


assinale a alternativa correta:

a) Na Fenomenologia histórica da religião de Geo Widengren não é


possível separar a religião do contexto histórico-cultural, pois a cultura e
o sagrado são inseparáveis.
b) Na Fenomenologia histórica da religião de Geo Widengren, ter tido
uma experiência religiosa é uma condição sem a qual não se faz Ciências
da Religião.
c) Na Fenomenologia histórica da religião de Geo Widengren o a priori
do sagrado é absoluto, ou seja, é ponto indiscutível, acima de qualquer
desconfiança.
d) Na Fenomenologia histórica da religião de Mircea Eliade, sagrado
não é um elemento estrutural da consciência e não uma fase ou etapa da
história.
e) Na Fenomenologia histórica da religião de Mircea Eliade, apenas
algumas hierofanias trazem em si o desejo de volta às origens e a
‘pureza’.
6. Retorne à introdução e releia as situações imaginárias descritas e
reveja o que foi aprendido nesta aula, em seguida, responda as
questões:

a) Quais são os elementos em comum em todas essas situações?

b) Identifique os elementos das hierofanias (manifestações do sagrado);

c) Como o sagrado poderia ser definido?

Notas
Paleolítico Superior e Inferior1

Na ciência da Arqueologia e Geomorfologia, significa um período da história das


espécies e do planeta em que surgem os hominídeos, os antecessores dos seres
humanos modernos. Paleolítico antigo: 2,6 a 4 milhões de anos atrás. Paleolítico
médio: 400 mil a 40 mil anos. Paleolítico tardio ou inferior: 40 mil anos.

Ritos de passagem2

Celebrações ou gestos simbólicos envolvendo palavras, sons, cores ou outros signos


que marcam a passagem de status de uma pessoa/grupo de pessoas (nascimento,
casamento, morte etc.), no seio de uma comunidade e de sua história.

Ritos propiciatórios3
Ritos para atrair ou readquirir a boa vontade do sagrado ou de seres divinos; agradar
à divindade, aplacar sua ira ou justiça, obter o perdão das faltas etc.

Einfühlung4

Palavra alemã oriunda da teoria da estética do século XIX, refere-se ao projetar da


predisposição interna de alguém em resposta à percepção de um objeto estético.
Traduzido como empatia, abertura a algo ou alguém.

Método indutivo5

Método baseado na indução, uma operação do raciocínio que consiste em chegar ao


conhecimento ou demonstração de uma verdade a partir da observação e análise de
fatos particulares comprovados, que procura estabelecer uma verdade universal ou
uma referência geral com base no conhecimento de certo número de dados
singulares.

Apriorismo6

Doutrina ou convicção intelectual a respeito da existência de conhecimentos,


princípios, ideias etc. de natureza a priori.

Teogonia7

(Theo + gonos ou deus + nascimento). Estudo ou compreensão das diferentes


origens e desenvolvimentos das divindades. A mais famosa foi escrita por Hesíodo,
escritor grego, no século VII a. C.

Cosmogonia8

Campo filosófico que reflete sobre a origem do Universo, a visão de mundo, o mesmo
que cosmogênese.

Antropogonia9

Palavra grega (antropos + gonos, homem + nascimento). Campo filosófico que


reflete sobre a criação dos homens, o mesmo que antropogênese.

Referências
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. A essência das religiões. 3. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2016.

FIROLAMO, Giovanni; PRANDI, Carlo (orgs.). As Ciências das Religiões. 8. ed. São
Paulo: Paulinas, 2016.

GASBARRO, Nicola. Fenomenologia da Religião. In: PASSOS, João Décio; USARSKI,


Frank (orgs.). Compêndio de Ciência da Religião. São Paulo: Paulinas/Paulus,
2013, p. 87.

IRARRAZAVAL, Diego. De baixo e de dentro: crenças latino-americanas. São


Bernardo do Campo: Nhanduti, 2007, p. 106.

MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna. São Paulo: Paulinas,


1998

NESTI, Arnaldo. A perspectiva fenomenológica. In: FERRAROTI, F. (org.) Sociologia


da religião. São Paulo: Paulinas, 1990.

RODRIGUES, Elisa. O que é siso a que chamamos de Fenomenologia da Religião? In:


SILVEIRA, Emerson José Sena da; COSTA, Waldney de Souza. A polissemia do
Sagrado. Os desafios da pesquisa sobre religião no Brasil. São Paulo: Fonte Editorial,
2015, p. 105-120.

SANCHIS, Pierre. Estudos de religião, academia e instituições religiosas, um diálogo


em construção. In: SOUZA, Beatriz Muniz de; GOUVEIA, Eliane Hejaij; JARDILINO,
José Rubens Lima (Orgs.) Sociologia da religião no Brasil. São Paulo: PUC/UMESP,
1998.

OTTO, Rudolf. O sagrado. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 97-98.

USARSKI, Frank (org.). O espectro disciplinar da Ciência da Religião. São Paulo:


Paulinas, 2007.

Próximos Passos

As escolas históricas das Ciências da Religião e suas principais características.


Estruturas históricas da religião;
Ideias e conceitos dos principais autores das escolas históricas.

Explore mais

Leia este breve livro do filósofo português Américo Pereira. Em 30 páginas, ele
apresenta as principais ideias da Fenomenologia da Religião:
PEREIRA, Américo. Fenomenologia da experiência religiosa. Disponível em:
https://goo.gl/c5rRrp <https://goo.gl/c5rRrp> . Acesso em 07 fev. 2018.
Disciplina: Ciências da Religião

Aula 5: Escolas Históricas

Apresentação:
As religiões estão presentes entre homens e mulheres desde há muito tempo, conforme você
viu na aula 04. Você já deve ter se perguntado: se depois de tantos estudos, pesquisas e
investigações ainda há coisas por se descobrir ou por se reinterpretar à luz de novos conceitos
e argumentos?

Durante esta aula tentaremos responder a essa questão.

Objetivos:
Compreender as escolas históricas das Ciências da Religião;
Identificar as características das escolas históricas nas Ciências da Religião;
Reconhecer fatos e contextos das escolas históricas nas Ciências da Religião.
Introdução
Você é convidado a refletir sobre as escolas que estudaram a religião do ponto de vista
histórico. Como elas construíram essa abordagem? Essa construção deve levar em
conta a crise das ciências humanas.


Leitura

Leia este pequeno texto sobre isso:

GHIRALDELLI JR., Paulo. Ciências humanas em crise — qual crise?


<https://goo.gl/4yZbhm>

Iniciaremos a aula com uma reflexão1.

O começo da História da Religião

Você pode se perguntar: quando surgiu o termo


“História das Religiões”?

Esse termo teria aparecido, pela primeira vez, em 1867, dentro das obras escritas por
Friedrich Max Müller (1823-1900), linguista, historiador, orientalista (estudioso das
culturas e civilizações orientais) e mitólogo (estudioso dos mitos).

Esse autor escreveu muitos volumes sobre mitologia comparada de diversas


civilizações, em especial, as da Índia. O que pensa Max Müller a esse respeito?
Para ele, a Ciência da Religião (no singular) conseguiria, através da linguagem,
conhecer as culturas a partir das instituições religiosas, e, com o rigor científico, se
faria o estudo das religiões sob o método comparativo sem considerar nenhuma
estrutura religiosa superior à outra. Reflita sobre quem faria essa imensa tarefa de
estudo e pesquisa.

Seria a historiografia dos símbolos, dos mitos e das linguagens das culturas e das
civilizações que forneceria a base para a Ciência da Religião ser uma ciência
compreensiva de um dos mais poderosos fenômenos humanos, a religião.

 Friedrich Max Müller (1823-1900)


Em cada época da história universal humana, a religião encarnou sentidos específicos
estudados dentro desse contexto singular. Esse pensador alemão propôs que toda
religião começaria com um mito, e de um mito que pode ser entendido como um
conjunto de narrativas coletivas que contam histórias de origem, virtudes, heróis,
valores, mistérios, movimentos e trajetórias (de pessoas e de grupos).

Essas narrativas são sentidas por fiéis, adeptos e crentes como uma avalanche de
linguagem que toma corpo e se encarna em uma história. Os mitos fundem as imagens
do mundo e das práticas sociais em uma unidade imaginada e ideal.

A razão histórica como razão científica procura analisar, destrinchar, desentranhar,


desbanalizar e desnaturalizar as estruturas, inclusive as estruturas míticas. O logos é
diferente do mythos. Mas, você se pergunta: o que vem a ser essas duas palavras?

São expressões da língua grega:

Logos

Significado amplo, utilizado de diversas maneiras ao longo da História da Filosofia.


Para o filósofo grego Heráclito de Éfeso (535 a.C.- 475 a.C.), o logos é o
responsável pela conexão entre o discurso racional e a estrutura racional do
mundo. Aristóteles (384 a.C-322 a.C.) definiu logos como um dos três modos de
persuasão (os outros são ethos e pathos) o argumento da razão, descrito em sua
obra Ars Rethorica (Arte da retórica). Depois, outros sentidos foram
acrescentados, como explicação racional, lei universal, discurso lógico e
sabedoria.

Mythos

Significa mistério, desconhecido, intrigante, aquilo que permanece não esclarecido


completamente, imaginário, aquilo que encanta. O mito, nas palavras do filósofo
Georges Gusdorf, “guardará sempre o sentido de um longo olhar em direção à
integridade perdida e algo assim como de uma intenção restitutiva” (GUSDORF,
1980, p. 24).


Atenção

Em geral, o senso-comum acostumou a colocar mythos e logos em oposição


absoluta, mas, é preciso rever isso. Nas palavras do filósofo e historiador Carlos
Lima (1990, p. 208): o “discurso lógico, ao chegar ao fim de si mesmo, descobre-
se como sendo um mito construído pela razão e que, já agora, deve ser
executado na prática e tornar realidade pelo trabalho da ação”.

Os primeiros passos da História da


Religião
Como você viu nas aulas anteriores, um dos primeiros pensadores a propor uma
abordagem mais histórica foi David Hume, em sua obra História natural da religião
(publicada em 1757). Mas, veja que, na segunda metade do século XIX, ocorreu uma
forte polêmica entre dois pesquisadores:

Adolf von Harnak (1851-1930)


Reconhecia que as religiões deveriam ser estudadas segundo o método histórico e
que o historiador deveria ter em vista o contexto histórico e social mais amplo,
contudo a Teologia continuava, ao lado da História e da Filologia, como disciplina
central, ainda mais porque se referia ao Cristianismo.

Max Müller (1823-1900)

Diferenciou História Eclesiástica e Teologia e identificou, na primeira, a origem da


História das Religiões e na segunda, pelo menos naquela época, como centrada
apenas em uma única religião (Cristianismo) e, por isso mesmo, não poderia
conhecer bem nenhuma outra religião.

Observe que a modernidade significou a pluralização e diferenciação das sociedades


europeias e possibilitou o advento da liberdade religiosa e, com isso, a História
Eclesiástica se transformou em História das Religiões.

O termo ‘religião’ passou a significar algo mais que Cristianismo. Tomou corpo o
método histórico-filológico baseado nos seguintes elementos:

Esse grande projeto científico das Ciências da Religião recebeu o nome de História
comparada das religiões, pois visava comparar e contrastar as religiões e suas
tradições, seus mitos, ritos etc., construindo uma morfologia religiosa.

A escola histórico-cultural de Viena


Reflita um pouco sobre uma das mais poderosas ideias do século XX, o Evolucionismo,
que se tornou uma doutrina. Essa doutrina dizia que todas as culturas, todos os povos
e todas as civilizações passariam por diversas fases evolutivas, e isso de forma
universal e necessária.

Você pode se questionar: qual o problema dessa ideia?


O problema dessa ideia, nas Ciências Sociais e Humanas, e por extensão, nas Ciências
da Religião, é que ela toma fenômenos, documentos, fatos e eventos de seus
contextos originais e os coloca em paralelo e combina, de forma errada, coisas bem
diferentes.

Contra essa ideia, repare, surgiram movimentos intelectuais e metodologias que


questionaram o Evolucionismo em sua ideia central, a de evolução universal da cultura,
da História e da religião, de forma necessária e inevitável, saindo das formas mais
simples, passando por etapas, até chegar às formas mais evoluídas.

É nesse clima, que ganha corpo uma nova orientação, o


difusionismo. Você se perguntará: o que vem a ser essa
nova orientação?

É uma corrente de ideias que se opõe ao Evolucionismo baseada na ideia de que os


elementos culturais se difundem e se propagam, misturando-se ao longo do tempo.

Havia três diretivas de investigação:

01

A que estuda a difusão espacial dos elementos que compõem uma cultura (machado,
flecha, calçado, técnicas de cultivo, mitos e ritos).

02

A que estuda as áreas culturais baseada em critérios sincrônico-geográficos globais


(por exemplo, como foi que determinadas estruturas semelhantes de um mito ou de
um ritual se difundiram em distintas regiões a partir de alguns vetores).

03

A que investiga as culturas em seus desenvolvimentos e suas intersecções e pontos de


contato, tensão, mistura e conflitos.

Das diretivas 2 e 3, emerge a escola de Viena, liderada por Wilhelm Schmidt (1862-
1954), padre vienense e intelectual católico.
Você poderia indagar: qual era o método dessa escola?

O método consistia em pesquisar as influências de uma cultura sobre a outra. O olhar


dessa escola recaiu de forma mais enfática sobre as sociedades étnicas, coletando
muitas fontes orais (canções, músicas, técnicas variadas de produção e vida, ritos,
mitos, lendas).

Mas, para que isso?

O objetivo da pesquisa era construir um sistema de princípios comparativos e


identificar critérios que ajudassem a distinguir os diversos tipos de sociedade e
cosmovisão.

Na ideia de Wilhelm Schmidt eram dois os objetivos de comparar:

Observe mais um pouco o que Schmidt pensou: as religiões seriam compreendidas


enquanto elementos do jogo de causa e efeito em outros campos e outros fatores,
como civilizações que exerceram semelhante influência de causa e efeito no campo da
religião.

Aí, você poderia se perguntar: como seriam


possivelmente esses nexos causais?

Veja um exemplo:


Exemplo
Um historiador escocês das religiões, Alfred Lang (1844-1912), trouxe uma
hipótese muito controversa acerca da origem dos cultos religiosos. Dizia ele ter
encontrado evidências de que muitas populações não letradas e não
escolarizadas, em especial na África, acreditam em um Ser Supremo, com claras
funções de referência ética e com a função de criador primordial que, depois de
criar, retraiu-se e permaneceu inativo após contemplar as maldades humanas.

O que está na base dessa ideia seria o monoteísmo7 ético. Schmidt escreveu uma
obra com 12 volumes (Ursprungder Gottesidee , traduzido como Gênese da ideia de
Deus) para tentar provar a tese do Urmonotheismus.

Você poderia estar curioso e perguntar: por quê?

Porque esse monoteísmo seria, na visão dessa escola, a forma lógica e racional mais
simples e original e se harmonizaria com uma suposta necessidade — universal e
também original — do espírito humano de conhecer e compreender a origem do
cosmos e da vida.

A metodologia dessa escola é chamada de hermenêutica teológica, por tentar


submeter os dados das culturas e religiões a ideias teológicas de orientação cristã.

A Escola Italiana de História das


Religiões
Um dos fatos que marcaram seu surgimento, foi a criação da cátedra de Storia delle
religioni na Universidade di Roma, em 1924, e da revista Studi e materiali di Storia
dele religioni, em 1925. Essa escola teve que lutar contra dois problemas, a ação
repressora da Igreja Católica que estava interessada em combater os “modernismos” e
poucos antecedentes nas universidades italianas.

Naquela época, houve um conflito entre uma corrente teórica chamada historicismo
italiano, liderada pelo filósofo e historiador Benedetto Croce (1866-1952) que defendia
o storicismo assoluto [historicismo absoluto] e outros pensadores que defendiam a
autonomia das religiões como categoria disciplinar na história.
Veja que o historicismo absoluto defendia a história como o verdadeiro conhecimento
do real, do universal concreto, ou seja, o conhecimento histórico é todo o
conhecimento. A história é um tribunal, para Croce, que não condena e nem absolve,
não faz censura nem faz louvor, pois apenas conhece e compreende.


Saiba mais

Para Croce, a História das Religiões seria apenas uma coletânea erudita de dados
e, por isso, não seria uma ciência ou disciplina científica com legitimidade. Para
afirmar a validade da História das Religiões surgiram críticas em oposição à tese
do padre de Viena, por pesquisadores daquela que ficou conhecida como a Escola
Italiana de História das Religiões.

Raffaele Pettazzoni (1883-1959), um dos líderes da Escola Italiana de História das


Religiões, lista uma série de razões para a rejeição da hipótese do monoteísmo
primordial:

Algumas ideias da Escola Italiana de


História das Religiões
Pettazzoni teve de marcar o território da História das Religiões diante de dois
obstáculos:

01

A pressão da Igreja Católica em sua ambição de concentrar esforços em combater os


“modernismos” que, em sua visão, atrapalhavam; e

02

Setores das universidades e comunidades de cientistas desfavoráveis ao estudo da


religião a partir de disciplinas e métodos específicos. A ideia central era conduzir a
análise da religião ou das religiões, ao plano da pesquisa histórica, elegendo a História
como a realidade dinâmica e dialética do ser e do vir a ser de cada cultura.
Pettazzoni demonstra exemplarmente a proposta da Escola Italiana de História das
Religiões no livro La religione primitiva in Sardegna (A religião primitiva na Sardenha).
Você pode se perguntar: qual seriam os pontos essenciais dessa proposta?

Primeiro ponto
A defesa da laicidade da pesquisa histórico religiosa

Segundo ponto
A introdução da metodologia comparativa

Pettazzoni dedicou-se aos estudos da religião no mundo antigo e oriental e aos estudos
etnológicos (sociedades tribais étnicas sem escrita). As obras visavam desmontar a
tese da escola de Viena, são ela:

Dio: formazione e sviluppo del monoteismo nella storia delle religione (Deus: formação
e desenvolvimento do monoteísmo na História da Religião)

La confessioni dei peccatti (As confissões dos pecados)

Depois da Segunda Guerra Mundial, publicou 4 volumes de Mitti e legende (Mitos e


lendas) e L’onniscienza di Dio (A onisciência de Deus), em que procurou encerrar a
disputa com as ideias do monoteísmo primordial.

Pettazzoni toma um dos atributos de Deus, a onisciência (a ciência de tudo e todos), a


partir dele, percorreu muitos dados e detalhes históricos em sociedades étnicas e
conclui com estas palavras:

A ideia primitiva de ser supremo não é um absoluto a priori.
Ela surge no pensamento humano das próprias condições da
existência humana, e como essas condições variam segundo
as diversas fases e formas da civilização primitiva, varia
também, no seio delas, a forma do ser supremo.

(FIROLAMO, 2016, p. 67).

A onisciência é um atributo das entidades ou divindades celestes ou astrais (luz e


sabedoria conjugadas). Pare para refletir sobre a ideia dos pesquisadores da escola de
Viena:

FIROLAMO; PRANDI, 2016.

Para o líder da escola italiana, a criatividade não seria o


mais importante e distintivo atributo dos seres
supremos. “Por quê?”, você se perguntaria.

Segundo as ideias de Pettazzoni, os mitos de criação são parte dos mitos de origem e
a criatividade é parte do mito da criação, que possui uma função específica: dar a
justificativa para a existência e estrutura atual do cosmos e da vida.

Preste atenção nos seguintes exemplos e fatos, pois as ideias de ser supremo, criação
e origem estão relacionadas às estruturas sociais, políticas e econômicas das
sociedades e civilizações:
1

Em sociedades agrícolas, o ser supremo, com poucas exceções, é a grande Mãe


Terra, que se torna a fonte de sustento e vida para os seres humanos.

Em sociedades do deserto, estepes e planaltos, o culto centrava-se, com poucas


exceções, em deidades masculinas celestes e estas tinham a qualidade da
onisciência (relação simbólica com o céu, amplo, aberto, profundo).

Em tribos baseadas em uma economia de caça-coleta, a ideia de ser supremo


estava articulada a duas tipologias religiosas:

uma mais primitiva, que se ligava à floresta (onde vivia um Senhor-


Divindade com seus animais, com capacidade de onividência mágico-
oracular2) e
uma posterior, que fazia do Senhor dos animais um ser celeste.

Não há relação causal entre o desenvolvimento social, econômico e político e a


ideia de monoteísmo, pois há civilizações que foram politeístas desde suas origens
(gregos, egípcios etc.).

Veja que, segundo Pettazzoni, para explicar como o monoteísmo se formou, é preciso
partir das religiões de cunho monoteísta (Judaísmo, Zoroastrismo3, Cristianismo e
Islamismo) e de como o politeísmo foi negado. Você pode ser perguntar: como isso
ocorre?
Em geral, ocorre por obra de um reformador (por exemplo, Abraão, Zoroastro, Jesus e
Mohammad4) que anuncia uma nova religião, rejeita as divindades anteriores
(negação do politeísmo) e proclama a unicidade de Deus e estabelece a saída da magia
ritual dos cultos para a ética da conduta de vida.


Saiba mais

Alerta metodológico

Toda tipologia ou classificação é um modelo teórico e todo modelo teórico possui


limites. Nenhuma classificação ou tipologia substitui a realidade, que é sempre
maior, mutante, infinda. A função das tipologias classificatórias é dar mais clareza
e uma melhor interpretação à enorme quantidade de dados e informações obtidas
com as investigações e pesquisas.

Há, de acordo com Pettazzoni, uma luta entre uma fé politeísta, que se enfraquece e
uma nova consciência religiosa, a do monoteísmo, que é afirmada. Na escola italiana, o
método comparativo é consolidado e a preocupação com as diferenças e semelhanças
é constante, procurando equilibrar essas duas polaridades.

“E com que mais essa escola se ocupa?”, você poderia


refletir.

Suas preocupações se giram em torno:

Os continuadores da Escola Italiana de


História das Religiões
Os principais “discípulos” de Pettazzoni continuaram as trilhas por ele abertas, embora
com diferenças. “O que eles pensaram?”, você poderia perguntar. Veja abaixo a lista:
Angelo Brelich (1913-1977)

Húngaro de nascimento, escreveu obras que marcavam a defesa do legado do


fundador, Perché storicismo e quale storicismo (Porque historicismo e qual
historicismo). Em suas ideias, há uma interpretação sobre o dilema entre a
profissão de fé (adesão a uma religião) e a pesquisa histórico-religiosa
(FIROLAMO; PRANDI, 2016).

Haveria um claro conflito entre essas duas posições, porque o pesquisador


procura razões históricas, portanto humanas, nas formações e estruturas
culturais-religiosas.

O que isso diz para as ciências da religião?

Diz que o historiador não pode usar instrumentos metodológicos e


epistemológicos que estejam baseados em princípios metafísicos (que se situam
além da crítica científica) ou em valores que transcendam a história (um absoluto
além de tudo e todos, por exemplo).

Quando os fatos religiosos são vistos como produtos históricos, sociais e culturais,
submetidos aos métodos históricos e quando as categorias de análise usadas
também passam a ser criticadas em sua origem e desenvolvimento (segundo as
suas temporalidades e contextos), as atitudes preconceituosas e racistas são
criticadas.

Brelich também fez um estudo sobre os deuses gregos (I Greci e gli dei — Os
gregos e os deuses) ressaltando a originalidade da religião grega. O que haveria
de interessante nessa obra? você poderia ficar curioso.

Em geral, o politeísmo é explicado pela tese de que teria havido, no decorrer dos
séculos, a personalização de forças naturais e funções sociais, emergindo daí os
deuses, que passaram a ser venerados. Nesse aspecto, a tensão entre a escola
fenomenológica e histórica é forte: a armadilha fenomenológica, na visão da
escola italiana, é a proposição de um modelo universal que contenha a
multiplicidade dos sistemas religiosos, diluindo o caráter processual.

Você pode refletir sobre como compreender esses processos.

A religião gira em torno de dois eixos:

histórias sagradas (mitos) e comportamentos, técnicas, instrumentos e


materiais (ritos).

As histórias são contadas em ocasiões específicas, com relatos das origens (il nillo
tempore — assim era no princípio, naquele tempo etc.), cuja função é dupla:

estabilizar a realidade do momento em que se vive;


emprestar certa ordem e sentido às coisas que variam de acordo com as
cosmologias e religiões.

Os ritos teriam uma função. Nas palavras de Brelich, é preciso explicar a


permanência das religiões como o esforço das sociedades. Daí ele deriva uma da
etimologia latina da palavra culto (colere, cultivar, cuidar): os homens fazem os
deuses existirem, os seres humanos cultivam os deuses (culto e cultivo, com
semântica, ou sentido, muito próximos).

Reflita um pouco os outros continuadores da escola italiana.

Ernesto De Martino (1908-1965)

De Martino conseguiu articular, nos estudos históricos-religiosos, as sugestões da


psicanálise freudiana, do marxismo e das filosofias da existência. Dedicou-se a
estudos das presenças religiosas na Itália, e escreveu alguns ensaios teóricos nos
quais criticou Otto e a concepção do sagrado. Qual seria a crítica

De Martino diz que o numinoso de Otto não pertence à metodologia dos estudos
históricos, mas à esfera dos testemunhos diretos e, por isso mesmo, mais no
campo de uma fonte de informação religiosa ou uma fonte mística, mais do que
um método e uma teoria sobre o sagrado e a religião.

Uma de suas grandes contribuições: dar espaço aos estudos das religiões
populares, dos sistemas mágicos e religiosos do povo simples e camponês,
religiões que eram desprezadas e sofriam forte preconceito e incompreensão. Por
exemplo, os estudos sobre os cantos fúnebres e as técnicas usadas para superar o
luto. Veja no livro Morte e pianto rituale nel mondo antico (Morte e pranto no
mundo antigo).

Com a análise linguística das antigas canções, técnicas de luto e histórias, De


Martino conclui que entre as antigas religiões mediterrânicas e o Cristianismo
houve uma relação de subordinação e ressignificação, ou seja, as ideias e
concepções de morte das tradições agrárias foram afetadas pelas ideias e
concepções de morte e ressurreição cristã, havendo o que foi chamado de cultura
hegemônica (dominante) e cultura subalterna (dominada), em uma convivência
muito complexa e tensa.

De Martino também estudou a relação entre magia popular (encantamento, mau-


olhado etc.) e o Cristianismo católico (missa) e percebeu que a bruxaria e o
sacramento, a oração católica e o exorcismo mágico tinham uma relação de
afastamento no plano simbólico-cultural, mas proximidade no plano dos desejos e
das intenções, a fuga momentânea da história para que o ser humano volte a
mergulhar novamente na história, mas protegido dos riscos e tensões pelos ritos
e mitos mágicos e religiosos.

Na aula sobre as escolas antropológicas você aprenderá as conceituações de


magia e de religião. Um dos estudos mais importantes de De Martino — La terra
del remorso — se concentrou sobre um antigo fenômeno popular, o tarantismo,
típico da região rural de Lucca e Puglia (Itália).

Estes pequenos vídeos trazem para você uma noção do fenômeno:

Tarantismo, disponível em: https://www. youtube .com/watch?


v=igUTPVPdA-E <https://www.youtube.com/watch?v=igUTPVPdA-
E> , acesso em 08 fev. 2018 e
La taranta, disponível em: https://www.youtube. com/watch? v=PTi_
hAdwsR0 <https://www.youtube.com/watch?v=PTi_hAdwsR0> ,
acesso em 08 fev. 2018.

O fenômeno ocorria, em geral, com mulheres durante a colheita que ficavam em


estado de transe neurótico. A terapia para curar esse estado de agitação,
consistia em danças e cantos com violino, tambor e harmônica, envolvendo uma
longa mescla de elementos míticos e religiosos das religiões dos romanos e
gregos ao Cristianismo católico. O ato final da cura ocorria durante as festas
dedicadas a São Pedro e São Paulo.

O transe foi associado à picada da tarântula (aranha), comum na época das


colheitas, daí o nome de tarantismo e da tarantela, uma tradicional dança
folclórica. Não se sabe bem a origem do tarantismo. Saiba que explicações e
hipóteses foram levantadas, desde as picadas de insetos (aranhas) a
manifestações de desequilíbrio psiquiátrico. Mas, De Martino mostra que essas
explicações eram insuficientes e deveriam ser vistas dentro de um quadro mais
amplo (Psicanálise, Antropologia, Mitologia etc.) que levasse em conta a forte
opressão sofrida pela mulher.

Vittorio Lanternari (1918-2010)

Por fim, pense um pouco na contribuição do terceiro membro da Escola Italiana


de História das Religiões, Lanternari.

Sua reflexão acompanha, em linhas gerais, a proposta da escola italiana. Porém,


sua escolha metodológica o levou a tratar de fenômenos religiosos e culturais de
fronteira, isto é, fenômenos típicos de zonas em que pressões coloniais ou fortes
transformações sociais e econômicas geraram sincretismos religiosos.
Dentro dessa temática, o que mais mobiliza Lanternari é a do
encontro/desencontro histórico-cultural e histórico-religioso entre o Ocidente e o
Terceiro Mundo (países e regiões pobres ou em desenvolvimento).

Outra ideia de Lanternari é a crítica a teorias que reduzem a religião a um


instrumento de domínio ou ideologia conservadora, como faz o marxismo vulgar,
conjunto de autores que, adotando as ideias de Karl Marx, as banalizaram.

A religião pode ser instrumento de transformação social. Por isso, na ótica desse
pesquisador italiano, é necessário estudar as religiões em suas trajetórias no
tempo e no espaço.

Um dos livros mais importantes de Lanternari, traduzido para o português como


“As religiões dos oprimidos” (Movimenti religiosi di libertà e di salvezza dei popoli
opressi), toma por objeto um tema que ficou muito restrito à religião dos
hebreus, o Messianismo e o Profetismo, ou seja, os movimentos que buscam o
messias e as profecias de novos mundos e mudanças. Esse estudo abrange povos
africanos, latino-americanos e outros.


Saiba mais

Diálogo entre História e religião

Um exemplo do diálogo entre métodos históricos e religião, pode ser encontrado


na obra do historiador italiano Carlo Ginzburg, que publicou livros como:

Os andarilhos do bem. Feitiçaria e cultos agrários nos séculos XVI e XVII —


são analisadas as crenças religiosas populares no início da Idade Moderna,
com ênfase sobre uma comunidade camponesa do século XVI e usando como
fontes, os processos inquisitoriais;
O queijo e os vermes. O cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela
Inquisição — analisa, também por meio dos cruéis processos da Inquisição, a
vida e o pensamento de Menocchio, considerado herege e perseguido.

Assista aos vídeos:

Direito e Literatura - O queijo e os vermes, disponível em:


https://www.youtube.com/ watch?v=1hg6z6f _HrM
<https://www.youtube.com/watch?v=1hg6z6f_HrM> . Acesso em 08
fev. 2018
Quem é Carlo Ginzburg? disponível em: https://www.youtube.
com/watch? v=zqw- M10svEE <https://www.youtube.com/watch?
v=zqw-M10svEE> . Acesso em 08 fev. 2018.

A influência francesa na História das


Religiões
Pare e reflita um pouco sobre a contribuição dos historiadores franceses. Foram
muitas, em especial daquela chamada a Escola dos Annales, fundada por Marc Bloch e
Lucien Febvre, em 1929, na França. Fundam o que se chama de primeira geração dos
Annales.

Em geral, essa escola é definida a partir do rompimento com uma perspectiva


positivista (história baseada em datas, grandes eventos e personagens) e inaugura
uma perspectiva mais total da aventura humana, feita por povos, grupos, classes
sociais e civilizações, ao longo do tempo, incluindo aspectos culturais, sociais,
econômicos, artísticos, geográficos e religiosos.

Você poderia perguntar: quais seriam as novidades


dessa escola?

Ei-las:

Com a segunda geração5 e com a terceira geração 6, os métodos históricos são


aprofundados e o estudo da religião alcança maturidade científica e acadêmica.


Saiba mais

Veja, por exemplo, o texto básico das influências dessa escola:

JULIA, Dominique. A religião: História Religiosa. In: LE GOFF, Jacques; NORA,


Pierre. História: novas abordagens. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976.

Leia um artigo breve sobre a relação entre história e religião, e um dos mais
importantes conceitos por ele desenvolvido, a ideia de longa duração:
BRAUDEL, Fernando. História e ciências sociais. A longa duração. Disponível
em: http://www.revistas. usp.br/ revhistoria/ article/ view/
123422/119736
<http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/123422/119736
> . Acesso em 08 fev. 2018.

Pare e reflita sobre a tríplice herança da história religiosa, segundo Julia:

Caberia citar para você uma das pesquisadoras da área de História das Religiões,
Karen Armstrong (1944), embora não seja historiadora de formação. Dos livros que
escreveu, facilmente acessíveis, observe alguns:

Em defesa de Deus

O Islã

A Bíblia: uma biografia

Campos de sangue: religião e a história da violência

Jerusalém: uma cidade, três religiões

Se você deseja ser um bom teólogo, é preciso


aprofundar a compreensão sobre as religiões e sobre os
monoteísmos a partir do ponto de vista histórico-social.

Desdobramentos contemporâneos
Veja que os especialistas falam de História das Religiões e das religiosidades, para
marcar uma fronteira:

Religiões

Entendidas no plural, são diversas, diferentes e constituídas por estruturas


institucionais, com discurso e documentos oficiais, hierarquias, poder etc. Por
exemplo, os discursos teológicos oficiais do Catolicismo ou Protestantismo
pronunciados pelos sacerdotes.

Religiosidades

Entendidas também como múltiplas, dizem respeito às vivências não institucionais


de indivíduos e grupos e são constituídas de emoções, discursos não oficiais,
experiências subjetivas etc. Por exemplo, as práticas e crenças populares vividas
pelos adeptos e fieis do Catolicismo e do Protestantismo. Uma refere-se à outra,
uma está reagindo e/ou agindo sobre a outra.

Por isso, preste atenção no que defende Nicola Gasbarro: a existência de uma
distância entre ortodoxia e ortoprática.

A religião é compreensível historicamente antes pela análise
da prática e do exercício do culto do que pela estrutura do
dogma e/ou pelo sistema de crenças. Como provocação
metodológica, proponho utilizar a noção de ‘ortoprática’ a
antepor e contrapor à de ortodoxia no estudo da religião —
religiões. [os negritos são do professor].

GASBARRO, 2006.

Ainda com as palavras de Gasbarro:



Ao privilegiar as regras rituais e as ações inclusivas e
performativas da vida social, ela pode dar conta também da
construção histórica do sistema de crenças como lugar das

compatibilidades simbólicas das diferenças culturais.

GASBARRO, 2006.

Você entende melhor a religião quando o seu olhar de pesquisa recai sobre as práticas
concretas das pessoas, dos indivíduos e dos grupos, que são históricas e sociais,
mudam ao longo do tempo.

No Brasil, muitos são os pesquisadores que realizaram pesquisas variadas, desde os


estudos sobre o passado colonial brasileiro até as religiões e religiosidades
contemporâneas, com muitas hipóteses e teorias interessantes. Veja alguns:

Ronaldo Vainfas

Historiador, escreveu estudos sobre a religião na época colonial, por exemplo,


estes dos livros intitulados, Trópico dos pecados. Moral, sexualidade e inquisição
no Brasil e Casamento, amor e desejo no Ocidente Cristão.

Sylvana Brandão

Historiadora pernambucana, organizou uma grande coleção de estudos com o


título História das Religiões no Brasil, que já está no oitavo volume.
André Chevitarese

Historiador; há uma boa entrevista sobre seu livro


<https://globoplay.globo.com/v/1570076/> , intitulado, Cristianismos:
questões e debates metodológico.

Atividades
1. Leia este pequeno texto:

“A interação entre religião e História já é antiga. E no que concerne à tradição


ocidental, ancorada nos valores greco-romanos e princípios judaico-cristãos, isso
é visível não só pela interferência de tais valores e crenças na constituição
político-social e na cunhagem do imaginário europeu, assunto, aliás, já
sedimentado; mas também pela importância que deram os ocidentais, as
corporações religiosas, à História e ao seu ofício, a ponto de fazer dos gregos e
latinos, mestres historiógrafos, e do Cristianismo, uma ‘religião de historiadores’”.
(PRADO, 2014, p. 04-31, p. 4).

Sobre a relação entre História e religião, assinale a alternativa correta:

a) A interação entre religião e história é antiga, mas restringe-se ao campo do


Cristianismo.
b) A relação entre religião e história recebe influências greco-romanas e cristãs.
c) A relação entre religião e história tem pouca influência de gregos e cristãos.
d) A tradição ocidental, ancorada apenas nos princípios judaico-cristãos, define
a história.
e) A tradição ocidental, ancorada nos valores greco-romanos, define a história.
2. Leia este pequeno texto:

“Podemos retornar ainda mais no tempo, pois há evidências ainda mais antigas
sobre o interesse de pensadores pelo estudo da religião, que rementem ao séc. V
a.C. Os filósofos pré-socráticos, na Grécia, denunciavam uma forte curiosidade
pela religião. Parmênides (530-460 a. C.) e Empédocles (495-435 a.C.) teceram
reflexões racionais sobre os deuses e mitos gregos; Demócrito (460-370 a. C.)
interessou-se pelas religiões estrangeiras, especialmente as da Babilônia;
Heródoto (484-425 a. C.) descreveu religiões do Egito, da Pérsia, da Trácia e da
Cítia; Platão (429-347 a. C) estudou as religiões bárbaras; Aristóteles (384-322 a.
C) a degenerescência da religião; Teofrasto (372-287 a.C.) foi considerado o
primeiro historiador grego das religiões, produzindo textos sobre a temática,
divididos em 6 volumes”. (PRADO, 2014, p.04-31, p. 4).

Tendo isso em vista, sobre o começo da História das Religiões, o século XIX foi
fundamental. Assinale, em relação a isso, a opção correta:

a) A História das Religiões é uma das Ciências da Religião surgida a partir de


distintas influências, por exemplo, a crítica da religião e os estudos comparativos
entre mitos e civilizações.
b) A História das Religiões é uma das Ciências da Religião que enfoca,
basicamente, a história das doutrinas religiosas.
c) A História das Religiões é uma das Ciências da Religião que enfoca,
basicamente, a história das religiosidades e dos sentimentos religiosos
d) A História das Religiões é uma das Ciências da Religião que se ocupa,
centralmente, de documentos e discursos oficiais das religiões.
e) A História das Religiões é uma das Ciências da Religião que procura estudar,
basicamente, das tradições orais das religiões.
3. Sobre a Escola de Viena, na História das Religiões, e suas pesquisas e autores,
procurou discordar do evolucionismo, que transposto para as Ciências Humanas e
Sociais, tornou-se uma ideologia. Sobre a Escola de Viena, assinale a alternativa
correta.

a) A ideia central da Escola de Viena vai de encontro do difusionismo, negando


que a religião e a cultura se difundem pelo tempo e espaço realizando
intercâmbios entre si.
b) O autor mais importante da Escola de Viena é Wilhelm Schmidt (1862-1954)
e a ideia mais importante refere-se à comparação tipológica entre fatos religiosos.
c) Na Escola de Viena, a História da Religião, como ciência, procura descrever o
percurso, a sucessão dos fatos religiosos, mas também o nexo causal que liga um
ao outro e um no outro.
d) Na Escola de Viena, a História da Religião, como ciência, procura explicar a
sucessão dos fatos religiosos e a hipótese do monoteísmo ético.
e) Na Escola de Viena, a metodologia seguida é a da hermenêutica teológica
que distingue e opõe os dados das culturas e religiões das ideias teológicas de
orientação cristã.
4. Um dos fatos que marcaram o surgimento da Escola Italiana de História das
Religiões foi a criação da cátedra de Storia delle religioni na Universidade de
Roma (1924) e da revista Studi e materiali di Storia dele religioni (1925). Tendo
em vista os muitos autores dessa escola e suas ideias básicas, assinale a resposta
correta:

a) Na Itália, a História das Religiões foi ao encontro da Igreja Católica e de


setores das universidades que eram favoráveis ao estudo da religião por
métodos/disciplinas específicos.
b) A Escola Italiana das Religiões criticou a Escola de Viena por que esta reunia
dados históricos das sociedades étnicas e os submetia a uma hipótese teológica a
priori, o Urmonotheismus.
c) Na Itália, a História das Religiões foi de encontro à Igreja Católica e aos
setores das universidades que eram favoráveis ao estudo da religião por
métodos/disciplinas específicos.
d) Na Itália, a História das Religiões foi de encontro à Igreja Católica e aos
setores das universidades que eram desfavoráveis ao estudo da religião por
métodos/disciplinas específicos.
e) A Escola Italiana das Religiões apoiava a Escola de Viena quando esta reuniu
os dados históricos de sociedades étnicas e os submeteu a uma hipótese teológica
a priori, o Urmonotheismus.
5. Preste atenção no trecho deste livro, escrito pelo historiador Ronaldo Vainfas,
Casamento, amor e desejo no Ocidente Cristão. Essas ideias exemplificam a
forma como a história lida com a religião:

“A história da moral cristã é certamente muito complexa e faz-se necessário


pontuá-la, escutar-lhe as palavras, traçar-lhe os passos, inquirir-lhe os segredos,
fazendo um pouco à moda dos confessores do século XII. O casamento sempre foi
um valor sagrado no Cristianismo? A austeridade sexual foi uma invenção da
Igreja no Ocidente, estabelecendo-se assim, um abismo entre a moral cristã e a
ética dita pagã? Reprimia-se genericamente o desejo ou condenavam-se, na
prática, alguns prazeres? [...]. Em meio a essas indagações veremos, portanto, se
e como foi construída uma doutrina ocidental acerca da sexualidade caracterizada,
como quer Jacques Le Goff, pela recusa do prazer.”

Tendo em vista o texto acima, e a forma como História vê a religião,


marque a alternativa correta:

a) No estudo da religião, as escolas históricas tendem a acentuar ideias, a


priori, como a de permanência e atemporalidade do sagrado nas religiões.
b) No estudo da religião, as escolas históricas tendem a acentuar ideias, a
posteriori, como a de permanência e atemporalidade do sagrado nas religiões.
c) No estudo da religião, todas as escolas históricas tendem a acentuar ideias
como a de permanência do sagrado nas religiões.
d) No estudo da religião, todas as escolas históricas tendem a acentuar ideias
como a de mudanças e temporalidades do sagrado nas religiões.
e) No estudo da religião, algumas escolas históricas tendem a acentuar ideias
como a de mudanças e temporalidades do sagrado nas religiões.

Pesquise, nos textos indicados na caixa Explore+, e responda as seguintes


perguntas:

6. Quando começa a relação entre história e religião?


7. Qual é o objetivo ou dever central da História das Religiões?

8. Quais as principais escolas e influências presentes na História das Religiões?

Notas
Reflexão1

A História das Religiões foi uma das primeiras Ciências da Religião a nascer e a se estabelecer
nas universidades europeias. Esse fato é fundamental e cheio de questões para os rumos
atuais dessas Ciências. Mas, veja que Eusébio de Cesaréia (260-340), teólogo cristão, foi um
dos que procuraram fazer a historiografia voltada para a área da religião, embora
concentrando-se no Cristianismo.

O fato de ser bispo da Igreja Católica romana e aliado do Imperador Constantino,


representante de uma instituição e ao mesmo tempo um aliado político, influenciou a união
entre a esfera eclesiástica e a política. A obra de Cesaréia dissolve a fronteira entre fato e
crença e introduz o mito na historiografia.

Durante toda a longa Idade Média, desde a Queda do Império Romano até as primeiras
caravelas portuguesas e espanholas a “História das Religiões” ficou restrita a uma história
eclesiástica, contada por bispos e padres, em geral católicos, apologética.

Com a era das reformas religiosas, que começa muito antes da Reforma Protestante — feita
pelos grandes reformadores, como Martinho Lutero (1483-1546), João Calvino (1509-1564),
Ulrico Zwinglio (1484-1531) e Thomas Müntzer (1490-1525) —, outras versões da história do
Cristianismo são contadas e levadas em consideração.

Uma obra lançada ao final do século XVII começa a mostrar outro panorama: a História
imparcial da Igreja e das heresias (1699-1700) de Gottfried Arnold (1666-1714) trouxe uma
virada crítica quando defendeu um estudo imparcial das fontes (documentos originais) e ao
chamar atenção para a importância dos elementos subjetivos na vivência religiosa e defender
a tolerância.

Note que se migrou de uma historiografia confessional limitada para uma historiografia ampla
e laica.
Onividência mágico-oracular2

Oráculo

Termo que significa duas coisas ao mesmo tempo, a divindade consultada ou o sacerdote
encarregado da consulta à divindade e transmissão de suas respostas.

Onividência

Que tudo vê, que tudo conhece e tudo sabe. Expressão composta pela raiz do latim onmi,
todo, totalidade, e vide, visão.

Onividência mágico-oracular

Conhecimento de tudo o que aconteceu, acontece e acontecerá de forma mágica e por


oráculos.

Zoroastrismo3

Principal profeta e líder religioso do Islamismo para os muçulmanos. Nascido em Meca, na


Arábia Saudita, no ano que corresponde a 571 d.C. Pertencia à tribo dos coraixitas, clã dos
hachemitas. Ficou órfão cedo, foi criado por seu tio, Abu Talib, tornou-se mercador, casou-se
com uma rica viúva (Khadijah), mas, aos 40 anos, segundo a tradição islâmica, começou a
receber as revelações do Arcanjo Gabriel. Disseminou a crença islâmica, mas houve um
conflito com os comerciantes de Meca. O islamismo afirma sua potência, em Meca, importante
cidade; e, na Arábia, havia diferentes credos (politeístas, judaicos e cristãos). Mohammad e
seguidores fogem para a cidade de Yatreb (Medina). Essa fuga é chamada de Hégira e dá
início ao calendário islâmico, o ano zero, assim como o nascimento de Jesus dá início ao
calendário cristão. Depois, Mohammad retoma Meca e inicia a expansão do islamismo pelo
mundo.

Zoroastrismo4

Chamado também de mazdeísmo, é uma religião monoteísta surgida no Irã, baseada nos
ensinamentos do profeta Zaratustra ou Zoroastro (628 – 551 a.C.). Segundo as tradições
desta religião, Zoroastro viveu na Ásia Central, atualmente leste do Irã e Afeganistão. No
sistema de crenças, Ahura Mazda é a divindade maior, criadora de todas as coisas boas e
Ahriman é o princípio destrutivo, as trevas. Possui um livro sagrado, Zend-Avesta, contendo
hinos, rituais, instruções, legislação. Foi, a rigor, a primeira religião monoteísta surgida entre
os seres humanos.

Segunda geração5

Fernand Braudel (1902-1885) e Jacques Le Goff (1924)

Terceira geração6
Emmanuel Le Roy Ladurie (1929-), Marc Ferro (1924-2014), Philippe Ariès (1914-1984) e
Pierre Nora (1929-)

monoteísmo 7

Devoção ou adoração a apenas um ser ou deus conjugado com o reconhecimento da


existência de outros deuses.

Referências

BELOTTI, Karina. História das Religiões: conceitos e debates na era contemporânea.


Disponível em: <http://revistas.ufpr.br/historia/article/viewFile/26526/17686
<http://revistas.ufpr.br/historia/article/viewFile/26526/17686> >. Acesso em 08
fev. 2018.

FIROLAMO, Giovanni; PRANDI, Carlo (orgs.). As Ciências das Religiões. 8. ed. São Paulo:
Paulinas, 2016.

GASBARRO, Nicola. Missões: a civilização cristã em ação. In: MONTERO, Paula (org). Deus na
Aldeia: missionários, índios e mediação cultural. São Paulo: Globo, 2006.

GUSDORF, Georges. Mito e metafísica. São Paulo: Convívio, 1980, p. 24.

LIA, Cristina. História das Religiões e religiosidades: contribuições e novas abordagens.


Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/index.php/aedos/article/view/31208/20886
<http://seer.ufrgs.br/index.php/aedos/article/view/31208/20886> >.

LIMA, Carlos R. V. Cirne. Mitologia e história. In: SCHÜLER, Donald; GOETTEMS, Míriam
Barcellos (orgs.). Mito ontem e hoje. Porto Alegre: Editora da UFRGS, p. 208-216, 1990, p.
208.

MATA, Sérgio da. História e religião. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

PASSOS, João D.; USARSKI, Frank (orgs.). Compêndio de Ciência da Religião. São Paulo:
Paulinas: Paulus, 2013.

PRADO, André Pires do; SILVA JÚNIOR, Alfredo Moreira da. História das Religiões, história
religiosa e ciência da religião em perspectiva: trajetórias, métodos e distinções. In: Religare,
João Pessoa, v.11, n.1, março de 2014, p. 04-31, p. 4.

Próximos Passos

A religião como elemento social;


As escolas sociológicas clássicas e contemporâneas;
Religião e estrutura social;
Religião e as abordagens contemporâneas.
Explore mais

Leia estes três artigos científicos, eles apresentam o que é a História das Religiões:

Da historiadora Karina Belotti, História das Religiões: conceitos e debates na era


contemporânea.
<http://revistas.ufpr.br/historia/article/viewFile/26526/17686>
Da historiadora Cristina Lia, História das Religiões e religiosidades: contribuições e
novas abordagens.
<http://seer.ufrgs.br/index.php/aedos/article/view/31208/20886>
Dos professores André Prado e Alfredo da Silva Júnior, História das Religiões, história
religiosa e ciência da religião em perspectiva: trajetórias, métodos e distinções.
<http://periodicos.ufpb.br/index.php/religare/article/viewFile/22191/12285>
Discplina: Ciências da Religião

Aula 6: Ciências da religião: as escolas sociológicas

Apresentação:
“O significado social da religião deve ser buscado na sua capacidade de oferecer
categorias e símbolos, que ao mesmo tempo facilitam a compreensão, por parte do
homem, da sua atuação e lhe dão a possibilidade de avaliá-la e enfrentá-la
emotivamente” (WILSON, 1985, p. 29)

Você já deve ter lido em bons jornais e revistas, por exemplo, notícias que expressam
relações estatísticas entre sociedade e religião ou entre fatos sociais e fenômenos
religiosos. Para efeito de ilustração, tomemos o Censo do IBGE no quesito religião.

Na década de 1970, em torno de 90% da população se assumia como católica. Em


2010, o catolicismo representou cerca de 64%. Houve mudanças em outras
expressões religiosas, por exemplo, as igrejas pentecostais que eram menos de 1%,
nas primeiras décadas do século XX, passaram para 15% e os que se consideram
sem religião, de 0% nas décadas de 1960, passaram a 8% no Censo de 2010.

Como interpretar esses dados?

Qual o sentido que esses dados apresentam?

Qual a relação entre a sociedade brasileira, suas mudanças e permanências e as


religiões, representadas por estes dados?
Note que são questões vinculando sociedade e religião. A Sociologia da Religião,
como uma das Ciências da Religião, vê religião e sociedade como indissociáveis.
Nesta aula, você irá compreender como se deu essa relação.

Objetivos:
Compreender as categorias sociológicas das Ciências da Religião.
Reconhecer as principais ideias das Ciências Sociais da Religião
Identificar fatos e contextos básicos para as Ciências Sociais da Religião
Introdução
O nascimento da Sociologia se dá em seu esforço de diferenciação das outras
ciências em duplo movimento, ao estudar a religião e os processos sociais
modernos.

Os sociólogos escolheram a religião como um meio de entender as profundas


transformações sociais em curso no mundo Ocidental.

Veja que a Sociologia da Religião constituirá um olhar específico sobre a


religião. O fenômeno religioso será visto como um produto social, resultado de
uma criação coletiva e constituído por estruturas simbólicas.

Houve um processo de crise radical da sociedade ocidental, na cauda das


revoluções burguesas (Francesa, em 1789; Americana, 1776). Antigas
estruturas e formas mentais tradicionais de compreensão foram desintegradas
e a velha explicação da Teologia não dava mais conta da nova realidade que
nascia do violento confronto de forças sociais, políticas e econômicas.

 Mão divina toca mão humana.

As escolas sociológicas clássicas


São três os objetivos da Sociologia da Religião, segundo Firolamo e Prandi
(2016):

01
Identificar e compreender os conteúdos sociais que constituem qualquer
sistema religioso.
02
Analisar os fenômenos religiosos, as suas mudanças e a sua composição,
como fator de conexão de estruturas sociais.

03
Entender as modalidades sociológicas por meio das quais e dentro das quais,
os sistemas religiosos constroem suas próprias estruturas simbólico-
institucionais (os papeis sociais, as ideologias religiosas, o aparato dos
poderes religiosos, as estruturas doutrinais).

Tendo isso em mente, reflita sobre autores e temas fundamentais da


Sociologia da Religião.

Os primeiros pensadores a pesquisar os laços entre

religião e sociedade foram influenciados por muitas

filosofias, por exemplo, o socialismo utópico, que buscava

pensar as injustiças sociais e possíveis soluções.

Claude-Henri Saint-Simon (1760-1825)


Reflita um pouco sobre August Comte (1789-1857), ligado à Saint-Simon.
Esse filósofo francês pouco escreveu sobre religião, mas deixou ideias
fundamentais.

Veja quais:

Criação de uma parábola cósmica

nas palavras de Firolamo e Prandi (2016), conhecida como a “lei dos três
estágios”:
religioso,
metafísico e
científico (positivo-industrial), que se sucederiam como se fossem
uma evolução “natural”.

Divisão interna no estágio religioso

fetichismo das sociedades etnológicas (tribais, de tradição oral),


politeísmo e
monoteísmo.

Resultado final

no qual a Sociologia, com métodos/critérios objetivos, seria a ciência


maior das estruturas sociais.

A religião é analisada em termo de funções, por exemplo, dar coesão aos


laços sociais e é vista como força moral, afeto, emoção, em ethos1.

Comte começou a pensar em uma religião da humanidade, em que grandes


personalidades científicas, filosóficas e religiosas estão juntas. Veja que,
talvez por influência da paixão por Clotilde de Vaux (1815-1846), escritora
francesa, Comte criou a Igreja Positivista e elaborou o lema:

O amor por princípio e a ordem por base, o progresso

por fim.

August Comte

Parte do lema ficou na bandeira republicana brasileira. O


positivismo foi acolhido por políticos e militares

brasileiros, influenciando o programa republicano, por


exemplo, a separação jurídico-política entre Igreja e

Estado (laicidade estatal).


Saiba mais

No Brasil, o primeiro templo da Igreja Positivista2foi inaugurado no Rio


de Janeiro, em maio de 1881, por seguidores de Comte, sob a liderança
de Miguel Lemos (1854-1917).

O ativismo positivista também resultou no desenho da bandeira


republicana, projetado por Raimundo Teixeira Mendes (1855-1927), vice-
diretor da Igreja Positivista do Brasil.
A posição de Karl Marx e os pensadores
marxistas.
Você viu, na aula 03, um pouco da crítica da religião. Duas obras nas quais
Marx fala de religião, de forma breve, foram:

Contribuição à crítica do direito de Hegel (de 1843);


Ideologia alemã (de 1845).

Ambas correspondem à duas concepções distintas que serão desenvolvidas


depois por outros pesquisadores:

Religião como alienação: Alienação é a dimensão daquele/daquilo que


deve sua natureza à outra ordem de existência;
Religião como ideologia: Ideologia, conceito múltiplo, mas que você pode
entender como um grupo de ideias ligadas a uma classe social, em
função de sua existência material-social, propostas/impostas a todas as
classes como se fosse uma ideia universal e natural.

 Karl Marx, Filósofo e revolucionário socialista.


Friedrich Engels

Os marxistas, observe, desenvolveram reflexões sobre a religião, embora


a ideia central, religião como algo derivado, continuou. Note que Engels,
por exemplo, deslocou o olhar da religião em geral para fenômenos
religiosos específicos e estudou o Cristianismo primitivo, do ponto de
vista da História e da Filosofia, que se tornou uma poderosa imagem
para todos os movimentos cristãos comprometidos com justiça e
igualdade social e para a tradição marxista.

No livro, Sobre a história do cristianismo primitivo (de 1894), Engels


comparou o Cristianismo ao movimento moderno da classe operária.
Noutro livro, A guerra camponesa na Alemanha (de 1850), o filósofo
analisou as revoltas camponesas, lideradas pelos anabatistas, corrente
protestante chefiada pelo teólogo alemão Thomas Müntzer (1490-1525)
contra a apropriação de suas terras comunitárias por parte de príncipes
protestantes dos vários reinos da Germânia.

Antonio Gramsci

Estudou e atuou na política (deputado pelo Partido Comunista Italiano),


tendo sido preso, sem julgamento, pelo ditador fascista Benito Mussolini
(1883-1945) e morrido na prisão.

Em termos teóricos, retomou a questão do Cristianismo primitivo, uma


poderosa força de resistência à dominação do Império Romano. O filósofo
italiano concentra seus estudos sobre a situação da Itália, em profunda
transformação, com a reunificação do século XIX, ascensão do fascismo,
a industrialização e ao forte papel da Igreja Católica na sociedade.

Veja que análises são pertinentes ainda hoje, por exemplo, nenhuma
religião ou igreja é um bloco unitário. Nas palavras de Gramsci:

Toda religião, em especial a católica é [...] uma multiplicidade de


religiões distintas e muitas vezes contraditórias: há catolicismo dos
camponeses, um catolicismo dos pequeno-burgueses e dos operários das
cidades, um catolicismo das mulheres e um catolicismo dos intelectuais”
(LESBAUPIN, 2003, p.17-18, 13-35).

Considere uma das distinções: a Igreja-organização (regras, burocracia,


hierarquia) e a Igreja-comunidade dos fiéis, que possuem orientações
distintas e em conflito. A Igreja, e se pode dizer todas, não é um bloco
monolítico, pois possui contradições internas.

A Igreja, apesar de alguma autonomia, é um triplo reflexo da(s):

contradições sociais;
relação de força com outras ideologias e aparelhos ideológicos em
cada Estado;
contradição entre estratégias nacionais e internacionais.
Atividade
1. Leia um trecho de texto a seguir: “Este é o fundamento da crítica
irreligiosa: o homem faz a religião, a religião não faz o homem. E a
religião é de fato a autoconsciência e o autossentimento do homem, que
ou ainda não conquistou a si mesmo ou já se perdeu novamente.”.
(MARX, 2010. p. 145).

Tendo em vista a aula 06, e o texto acima, assinale a alternativa


correta:

a) A vertente sociológica marxista enxerga a religião como ideologia.


b) A vertente sociológica marxista enxerga a religião como protesto
real.
c) A vertente sociológica marxista enxerga a religião somente como
ideologia.
d) A vertente sociológica marxista enxerga a religião como alienação.
e) A vertente sociológica marxista enxerga a religião somente como
alienação.

A Sociologia da Religião na área francófana


A busca pela interpretação da religião como força social, continuou. Emile
Durkheim (1858-1917) iniciou reflexões muito próximas do Positivismo,
marcada pela perspectiva empírico-quantitativa e funcionalista. Porém, ao
final de sua carreira, mudou sua visão sobre os fenômenos sociais e se tornou
atento às dimensões simbólicas e interpretativas.


Saiba mais
Em 1912, o sociólogo francês escreveu o livro As formas elementares da
vida religiosa” e textos menores, por exemplo, La definition des
phénomenes religieux (A definição dos fenômenos religiosos, de 1899) e
O problema religioso e a dualidade da natureza humana, publicado no
Brasil na revista Religião & Sociedade, uma das mais importantes da
área.

Raimundo Teixeira Mendes (1855-1927), vice-diretor da Igreja Positivista


do Brasil. Acesso em: 15 fev. 2018.

 Símbolos religiosos.

Reflita sobre as ideias do sociólogo francês: A religião é uma poderosa força


moral porque é uma poderosa força social (fato social). O social é a fonte
última do fenômeno religioso. Por outro lado, os seres humanos possuem uma
dupla natureza, individual e social. Esta última é preponderante e influencia a
outra.

Segundo Durkheim:

Antes de tudo, a religião supõe a ação de forças sui

generis, que elevam o indivíduo acima dele mesmo, que

o transportam para um meio distinto daquele no qual


transcorre sua existência profana, e que o fazem viver

uma vida diferente, mais elevada e intensa. O crente

não é somente um homem que vê, que conhece coisas


que o descrente ignora: é um homem que pode mais.

Durkheim, 1977
Os seres sobrenaturais (divindades, espíritos, transcendente etc.), não
têm existência real (em si mesmos), mas são a representação simbólica
da consciência coletiva que toma conta do indivíduo, suscitando
sentimentos e moralidades.

O sagrado expressa a força do desejo coletivo de permanência da


sociedade ou grupo na história, sendo símbolo do social. Por isso, é
colocado à parte do restante e é objeto de interditos, proibições.
O profano está ligado a tudo o que não se coloca no centro do
simbolismo escolhido pela sociedade ou grupo (o comum, o cotidiano). A
passagem do profano ao sagrado ou deste ao profano comportam tabus,
ritos de consagração e purificação, por exemplo.

O sagrado e o profano são opostos e compõem todas as religiões, mas


simultaneamente.
Porque nós o usamos?

É um fato conhecido de todos que um leitor se distrairá com o conteúdo


de texto legível.

E como diferenciar o sagrado puro do


sagrado impuro?
Atente para a distinção entre sagrado puro e impuro (não pense em categoria moral
ou asséptica).

O sagrado impuro representa os simbolismos que inspiram adoração, medo, fúria


etc., por exemplo, a ideia de demônios e divindades maléficas. Note que o tabu, isto
é, coisas ou atos proibidos, fala da ambivalência do sagrado.


Exemplo

A antiga proibição de algumas sociedades, inclusive a hebreia, de que mulheres


menstruadas entrassem em contato com o grupo e deviam ser isoladas e, se
desobedecessem, sofrerem morte ou severa punição.
Assim, a religião poderia ser entendida como a forma institucionalizada do sagrado,
cuja fonte é a sociedade.

Mito

É como a sociedade se vê, se simboliza e como conta sua história para si mesma
(plano ideal).

Rito

É como a sociedade vive o mito (modelo de comportamento e de cognição) e,


portanto, reavivar as forças morais, confirmar e reconfirmar os laços sociais.

Nas palavras de Durkheim, o rito:


(...) é uma coleção dos meios pelos quais a fé se cria e se

recria periodicamente.

Durkheim

Há, portanto, uma dupla gênese do social e do religioso, ou seja, à gênese societária
da religião, corresponde uma gênese religiosa da sociedade. É por este movimento de
criação e recriação constante de seu “sagrado” que a sociedade se faz por existir, é
isso trazido à existência por meio dos rituais.

O sagrado e o social, em relação dialógica, existirão sempre e adquirirão novos


simbolismos. Por exemplo, na sociedade moderna, os símbolos tradicionais perderam
valor, mas novos símbolos foram eleitos: o indivíduo, a nação, a pátria, etc.

Durkheim propôs a ideia de que a religião da sociedade


moderna é o individualismo, e entenda-o como como

valorização dos direitos e das liberdades garantidos do

indivíduo, independentemente de cor, raça, credo e orientação


sexual;

Marcel Mauss (1872-1950) e Henri Hubert (1872-


1927)
As reflexões de Durkheim abriram caminhos continuados pelo sobrinho, Marcel Mauss
que escreveu os estudos:

As funções do sagrado

Representações coletivas e diversidade das civilizações

A prece

Junto com Hubert, publicou duas obras importantes:

Esboço de uma teoria geral da magia


Ensaio sobre o sacrifício.
Nessa última, embora não se possa fazer uma “história geral” do sacrifício, foi
proposto um esquema para compreender porque tantas religiões têm, no sacrifico, a
sua dinâmica, inclusive o Cristianismo, que assumiu um alto grau de abstração e
lógica racional.

E qual seria a lógica central do sacrifício? você se


perguntaria.

 Martelo, cravos e coroa de espinhos.


Estrutura geral do sacrifício
O sacrifício é um tipo de consagração em que algo, objeto ou realidade passa do
domínio comum, profano ao domínio religioso, sacral, causando efeitos no
sacrificante. Observe a estrutura geral:

01

Os agentes (sacrificante, sacrificar, vítima)

 Homem carregando uma cruz.


02

As etapas (entrada, destruição da vítima, saída e as variações específicas e concretas


do esquema geral e dos objetivos).

Saiba mais

Leia o texto Magia e religião


<https://pt.aleteia.org/2015/05/11/magia-e-religiao-qual-e-a-
diferenca/> e veja as diferenças que as separam.

Atividade
2. Considere o trecho de texto a seguir: “Portanto, há na religião algo destinado
a sobreviver a todos os símbolos particulares nos quais o pensamento religioso
se envolveu sucessivamente. Não pode haver sociedade que não sinta a
necessidade de conservar e reafirmar, a intervalos regulares, os sentimentos
coletivos e as ideias coletivas que constituem a sua unidade e personalidade
[...]. Os antigos deuses envelhecem ou morrem, e não nascem outros [...]. Virá
dia em que as nossas sociedades conhecerão novamente horas de efervescência
criadora, durante as quais novas ideias surgirão, novas fórmulas aparecerão e,
por certo tempo, servirão de guia para a humanidade [...]”. (DURKHEIM, 2006)

Tendo em vista a escola francesa de Sociologia da Religião, a relação


entre o sagrado e a sociedade é:

a) O sagrado é causado pelo social e gera novas ideias religiosas.


b) À gênese societária da religião, corresponderia uma gênese religiosa da
sociedade.
c) O sagrado gera a necessidade de novas religiões de ideias sociais
d) O social gera a necessidade de novas religiões de ideias sagradas.
e) O social é causado pelo sagrado e gera novas religiões ideais e sagadas.

A Sociologia da Religião na área germânica


A religião foi um dos grandes temas da escola sociológica alemã. Diferente da escola
sociológica francesa, preocupada com a questão da relação entre sagrado e social,
laços sociais, coesão, moralidade, essa escola preocupou-se com o sentido e a forma
das ações sociais e o papel e a importância da religião nesse campo.

2
3

01 - Max Weber

Pesquisador que escreveu em Direito, Sociologia, Economia, Política e Religião,


recusou as teorias marxistas que colocavam a religião como resultado da
alienação ou da ideologia.

Tenha em mente dois conceitos fundamentais:

o processo de racionalização e
a metodologia de tipo ideal.

O primeiro refere-se ao processo pelo qual a cultura e a sociedade, e a


religião, produzem ações e imagens racionais (cálculo entre meios e fins para
realizar um objetivo) que seguem organizando a vida social.

No mundo ocidental moderno, a partir do século XVI, três dimensões, a cultura,


a sociedade (Capitalismo, Estado centralizado e burocrata) e a religião
(Protestantismo) convergiram e produziram um processo singular de
racionalização: o desencantamento do mundo.

A realidade não precisava mais ser explicada, entendida e vivida de forma


mágica e religiosa. Ao olhar para o céu, o homem moderno não vê anjos ou
deuses, mas planetas, eclipses, poeira cósmica, elipses, tudo calculado
astronômica e matematicamente, conforme a bela imagem literária usada por
Weber.

Nasceria aí a ideia weberiana do mundo moderno como espaço do politeísmo de


valores e de seus conflitos resultantes. A realidade (irracional e infinita), e o
sentido (histórico e contextual) não coincidem, por isso os valores não possuem
fundamentos racionais e nenhuma ciência pode dar-lhes fundamento racional.

A modernidade, observe um pouco, constituiu um espaço político em que a


democracia pôde organizar melhor a convivência dos conflitos inconciliáveis
entre valores para garantir o direito dos diferentes grupos sociais (culturais,
religiosos, estéticos etc.).

02 - Ernst Troeltsch

Historiador, filósofo, teólogo e sociólogo. Refinou as categorias weberianas. Seu


tema principal foi a relação entre o Cristianismo, por meio dos desenvolvimentos
históricos e confessionais — das origens até as questões da Reforma —, e a
sociedade global.

Escreveu dois volumes da obra As doutrinas sociais da igreja e dos grupos


cristãos e um livro pequeno, O Protestantismo na formação do mundo moderno.

As investigações desse pensador se interessaram pela relação entre as seitas


protestantes e a formação do Estado Moderno. Vejamos as diferenças entre o
Protestantismo original (de Lutero) e as seitas puritanas e calvinistas.

03 - George Simmel

Esse filósofo-sociólogo trouxe algumas inovações ao estudo do fenômeno


religioso. Ele entende a realidade humana não como o mundo em si, mas como
um mundo formado, por exemplo, pela arte ou religião, sendo o mesmo material
colocado em moldes diferentes.
Dentre as principais obras está Die Religion (Da religião, de 1906). Na ideia
desse autor, certas formas de relações sociais se condensam ou se refinem em
um sistema de ideias religiosas. Por exemplo, a fé, expressão concreta e visível
da religião, também é uma relação entre seres humanos. É uma forma e forma
um sistema.


Saiba mais

Assim, reflita, deve-se operar uma distinção entre o conteúdo objetivo da


religião e a religião considerada como um processo humano subjetivo. São
dimensões distintas e não coincidentes entre si.

Leia o texto Filósofos da escola sociológica alemã <> para aprofundar seu
conhecimento.
Atividade
3. Considere o trecho de texto a seguir: “Um dos componentes do espírito do
moderno Capitalismo, e não apenas deste, mas de toda cultura moderna: a
conduta racional baseada na ideia de vocação, nasceu — segundo tentou se
mostrar nesta discussão — do espírito da ascese cristã. Basta reler o trecho de
Franklin, transcrito no início deste ensaio, para perceber que os elementos
fundamentais do que lá se denominou o ‘espírito do Capitalismo’ são justamente
os que ora apresentamos como conteúdo da ascese vocacional do puritanismo,
apenas sem a sua fundamentação religiosa, já desaparecida no tempo de
Franklin”. (WEBER, 2004)

Tendo em vista a escola alemã de Sociologia da Religião e o texto acima,


assinale a alternativa correta.

a) O Protestantismo puritano, com a ideia de vocação, criou o espírito


moderno do Capitalismo.
b) O espírito moderno do Capitalismo criou a ideia de vocação no
Protestantismo puritano.
c) A ideia de vocação, do Protestantismo puritano, criou o espirito do
Capitalismo moderno.
d) O espirito do Capitalismo moderno criou a ideia de vocação do
Protestantismo puritano.
e) A ideia puritana de vocação teve como resultado indireto o “espírito”
capitalista moderno.

Escolas Sociológicas Contemporâneas

 Close up de uma vela acesa.


A Sociologia da Religião, note atentamente, continuou abrindo novas temáticas,
autores e trilhas fecundas de subjetividade, secularização, memória, identidade,
campo religioso, capital simbólico, laicidade, entre outros.

Sociologia da religião francófona


Gabriel Le Bras (1891-1970)

Progressivamente, os estudos sobre religião foram retomados com Le Bras e


agregaram a preocupação estatístico-quantitativa. A religião, como dimensão social
que se transforma ao largo do tempo, foi questionada quanto à ideia da prática
religiosa.

Jean Séguy (1925-2007)

Continuador da sociologia francesa, fala sobre a importância do pluralismo


metodológico e do diálogo com a Psicologia, Antropologia e História.

O estudo de grupos religiosos não hegemônicos ajudou esse sociólogo francês a


entender as dinâmicas do religioso no mundo moderno.


Saiba mais

Para saber um pouco mais da discussão do pluralismo metodológico nas ciências


da religião, veja o artigo Uma metodologia para as ciências da religião
<https://goo.gl/aLzT4X> . Acesso em 15 fev. 2018.

Séguy analisou, observe com atenção, as seitas protestantes na França católica e o


ecumenismo, a partir do estudo dos conflitos e das vivências práticas e cunhou
diversas categorias:
1

Ecumenismo de fato (além das fronteiras confessionais).

Ecumenismo teórico (Igrejas ou seitas), ecumenismos práticos (ações).

Ecumenismos intraconfessionais (grupos provenientes da mesma tradição).

Interconfessionais (diferentes tradições cristãs),

Inter-religiosos (diferentes religiões),

Não cristãos (entre diferentes religiões, exceto o cristianismo)

Não religiosos (grupos, movimentos, encontros, informais ou não, institucionais ou


não, com temáticas amplas, como paz, meio-ambiente, fome etc.).

Para Séguy, os modos divergentes de viver e professar a fé representam uma


tentativa, por parte de uma sociedade, de refletir sobre si mesma e de reinserir-se no
conjunto de transformações sociais em andamento.

A dissidência é uma forma de responder melhor a uma nova realidade rejeitada pelo
grupo religioso original. Os pobres, os excluídos ou as minorias de todo tipo (sexuais,
étnicas, raciais) são mais sensíveis ao não conformismo do que os ricos, poderosos,
bem-instituídos etc.:

Saiba mais

Intolerância religiosa

Representa as dificuldades em lidar com as mudanças sendo o contraponto do


não conformismo estudado por Séguy. Veja o artigo Hermenêutica trágica da
intolerância religiosa: algumas notas teóricas.
<https://goo.gl/6JV4vG> Acesso em 15 fev. 2018.

Danièle Hervieu-Léger (1947)


A questão da memória e da modernidade religiosa, seus impactos sobre as religiões,
dentre outras temáticas (Cristianismo e Ecologia, Cristianismo e feminismo), será
analisada por Hervieu-Léger.

No Brasil, uma de suas obras é O peregrino e o convertido. A religião em movimento,


pela Editora Vozes. A religião se define por meio da transmissão e perpetuação da
memória de um acontecimento fundador, um evento considerado único e assim
definido por uma religião.

Como forma de mobilização da memória coletiva de eventos fundadores, as grandes


religiões históricas inauguram uma tradição que passa a ser interpretada em uma
sequência temporal e no cotidiano dos seguidores como se fosse uma totalidade
plena de sentido.

Veja que o presente encontra-se orientado pelo passado que


situa a tradição como uma “totalidade” imutável (fora da
história e do espaço) e à qual se agarra um grupo religioso que

desenvolve a “linha crente”, ou seja, a crença de que entre o


evento inaugural e o presente vivido, há uma continuidade que

se estenderá pelo futuro.


A continuidade de uma tradição religiosa não implica na

imutabilidade, mas no mascaramento de rupturas entre o


evento originador e o presente.

As instituições religiosas mudam, mas, ao mesmo tempo, procuram manter a


imagem de imutabilidade. A memória religiosa mantém a linhagem crente e possui
poder de imposição de normas (normatividade) expressa de dois modos:

01

Por meio da estrutura de grupos, movimentos e instituições religiosas.

02

Por meio de uma memória “verdadeira ou autorizada”, que é uma das versões, aquela
que ganhou a disputa com outras memórias.

 Freiras nas ruas.


A memória religiosa é transmitida de formas distintas (Igreja, seita, rede mística),
conferindo e dando legitimidade à estrutura de poder que comanda sua transmissão
(sacerdotes, profetas contestadores, reformadores etc.). Essa memória é objeto de
disputas entre os grupos religiosos que defendem a versão oficial e aqueles que
almejam reformas ou mudanças, mas com a ideia de “retorno às origens”.

Para Hervieu-Léger, as sociedades modernas não precisam de um passado religioso


fundador por vários motivos:

01

A autonomia e o fortalecimento do indivíduo.

02
A racionalização, que demole a plausibilidade do passado religioso como ato de
fundação.

03

O crescente processo de diferenciação e pluralização social e das religiões.

04

A superabundância de informações e redes de comunicação que aumentam a


dispersão da memória.

05

A crise da tradição e do passado como referência normativa e explicativa do presente.

Considere que a secularização da sociedade e da cultura — isto é, o recuo da


normatividade religiosa na consciência individual, nos aparelhos do Estado e nas
demais esferas de valor —, dissolveu a tradição e a memória religiosa da forma como
eram antes.

A modernidade ocidental desregulou o religioso e, com


isso, se produziu secularização e dessecularização,
inaugurando a modernidade religiosa: as quatro
lógicas - lógica cultural, lógica emocional, lógica
comunitária, lógica moral-ética - se fragmentarão, se
desligarão entre si, ficarão independentes uma da
outra e formarão com mais exclusividade a identidade
do crente moderno.

Observe as consequências:

Crer sem o recurso à tradição e a memória autorizada e tradição sem crença (a


memória religiosa não mais mobiliza uma fé comum).

Superestimação do sentimento de comunidade e a formação de comunidades


emocionais, baseadas exclusivamente no sentir.
A continuidade de uma tradição religiosa não implica na imutabilidade, mas
no mascaramento de rupturas entre o evento originador e o presente.

Pierre Bourdieu (1930-2002)


Observe que a religião, como memória, é um poder social e quem faz uma boa
análise é este sociólogo francês.

Apesar de escrever pouco sobre religião, ele publicou textos influentes. Por exemplo,
Gênese e estrutura do campo religioso, que faz uma leitura original das ideias de
Marx, Durkheim e Weber, articuladas entre si para compreender o fenômeno
religioso.

Veja os pontos principais:

A religião é um conjunto de práticas e representações de caráter sagrado, é um


sistema simbólico de comunicação.
A religião produz sentido e tem uma singularidade, absolutizar o relativo e
legitimar o arbitrário, um poder de consagrar, indicando a ação do religioso
sobre as instituições sociais.
A força da religião reside no fato de ela transfigurar as instituições sociais
(construções humanas, condicionadas pela cultura e história) e transformá-las
em instituições supostamente divinas ou naturais, é a ‘alquimia ideológica”.

Para Bourdieu, toda religião exerce a função política de eternizar uma dada ordem
hierárquica entre grupos, gêneros, classes ou etnias.
 Pierre Bourdie, Sociólogo Francês.
Como seria essa resolução?
Dar-se-ia pela proposição dos conceitos de:

Trabalho religioso

Refere-se ao processo de produção de práticas, discursos e


bens simbólicos sagrados que atendem a uma necessidade
de expressão de uma classe, grupo ou sociedade.

Campo religioso

Remete a um campo de forças em que agentes e instituições


disputam capital simbólico — dando legitimidade, poder,
prestígio —, produzindo e consumindo bens religiosos de
salvação (rituais, discursos, valores etc.).

Note que Bourdieu pensa em duas polaridades ideais:

01

Todo mundo produz os bens religiosos e todo mundo consome, sem distinção
e hierarquia.

02

Um grupo monopoliza radicalmente a produção (especialistas/profissionais do


sagrado) e outro grupo, numeroso, consome bens simbólicos (leigos ou não
especialistas).

Na prática, essas polaridades não se realizam, mas são balizas teóricas que ajudam a
pensar a situação real que gangorra entre esses dois extremos.

Talvez tenha ficado uma questão em sua mente:

Quem são os agentes e as instituições que disputam espaço e

capital simbólico no campo religioso?

Bourdieu propõe três pares de modelos teóricos:


Sacerdote/Igreja

Agente/instituição responsável pela manutenção do status quo, burocratizado,


normatizado. O conceito de Igreja é próximo do sentido weberiano, possuem
hegemonia, atravessa as classes, possui compromisso com o mundo a sua volta.

Profeta/seita

Agente/instituição que contesta o status quo, propõe reformas. No caso da


seita/profeta, a adesão se dá por escolha/vontade própria das pessoas, o grupo
possui regras estritas de seguimento, mantém distância ou mesmo se opõe aoo
mundo a sua volta, é minoritário em relação à igreja, propõe reforma ou revolução e
a volta ao suposto estado original.
Mago ou feiticeiro/magia

Caracterizado por agentes autônomos/independentes que, com base em tradições


(orais, escritas, simbologias), oferta um serviço individualizado e pessoal – com base
em rituais mágicos – para a resolução de problemas práticos, ligados ou não à saúde,
ao emprego, ao amor.

Esses pares concorrem entre si no campo religioso.


Atividade
4. Leia o trecho a seguir: “Na medida em que consegue impor o reconhecimento
de seu monopólio (extra ecclesiam nulla salus) e também porque pretende
perpetuar-se, a Igreja tende a impedir de maneira mais ou menos rigorosa a
entrada no mercado de novas empresas de salvação (como por exemplo as
seitas, e todas as formas de comunidades religiosas independentes), bem como
a busca individual da salvação (por exemplo, através do ascetismo, da
contemplação e da orgia)”. (BOURDIEU, 1974, p. 5-59)

Tendo em vista a escola contemporânea de Sociologia da Religião e o


texto acima trata:

a) Do campo religioso como campo de competição e disputas por capital


simbólico religioso.
b) Do trabalho religioso como estrutura de competição e disputa por capital
material religioso.
c) Do trabalho religioso como estrutura de competição e disputa por capital
simbólico religioso.
d) Do trabalho religioso como estrutura de competição e disputa por capital
econômico religioso.
e) Do campo religioso como campo de competição e disputas por capital
econômico religioso.

Sociologia da Religião da área anglo-


alemã
Peter Berger (1929-2017)
O nome de maior destaque. Poucos sociólogos da religião construíram uma trajetória
acadêmica em que o livro que abre é complemente revisto pelo livro que fecha.

No caso de Berger, O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da


religião (de 1967) e Os múltiplos altares da modernidade: rumo a um paradigma da
religião numa época pluralista (de 2017).
No primeiro livro, o sociólogo austro-americano, construiu uma teoria da
secularização, isto é, do recuo das influências e do poder da religião (institucional,
especialmente) sobre as consciências individuais e coletivas, leis e aparatos estatais,
instituições da cultura, arte, ciência.

 Relação de oposição entre fé e razão.


Em Berger, a realidade é um processo dialético que se dá continuamente em:

O homem jorra para fora, na realidade, sua expressão subjetiva


porque não se encerra em seus instintos e aparato biológico-
genético, mas o ultrapassa.
Três
O jorro institucionaliza-se em sistemas e instituições (língua, família,
momentos:
religião) que se impõem.
Para manter a realidade, o homem internaliza as regras, normas e
instituições, traz para dentro de si, por meio da socialização.

Para que a realidade se estabilize dentro do indivíduo e na sociedade, é preciso


plausibilidade, ou seja, estruturas que garantam que determinada ordem de coisas
seja vista como “natural”.

A religião foi/é uma das mais poderosas estruturas de plausibilidade. Ou seja, o que é
social, construído historicamente, a partir dos dados naturais/biológicos, aparece
como divino, sacralizado. Por vários motivos, alguns inscritos na própria religião,
como no caso do Judaísmo e Cristianismo, conjugado com mudanças
sociais/históricas (pluralismo de valores, modos de viver, produzir, criar família etc.),
a religião perdeu plausibilidade e, no mundo ocidental moderno, a partir do século
XVI, recuou de importantes áreas da vida humana (Estado, cultura, arte, ciência,
política).

A secularização, processo social, cultural e subjetivo, colocaria a religião em recuo


completo, subjetivando-a, ou seja, restringindo-a ao cunho da escolha pessoal, ao
âmbito do privado, subjetivo.
É com a modernidade que o pluralismo institucional instabilizou as velhas estruturas
religiosas de plausibilidade. O mundo religioso perdeu a evidência de natural, pois
com as profundas mudanças sociais, o fim da separação burguesa entre público e
privado, os novos meios de comunicação, etc. a religião passou a ser símbolo de
identidade e poder.

A religião readquiriu novos sentidos, inclusive públicos, políticos e sociais, mobilizou


massas, lutas reacionárias (voltar ao antigo esquema, especialmente o moral-sexual)
e revolucionárias (mudar completamente as condições sociais, culturais e
econômicas). Há uma forma particular de secularização: a perda do poder da igreja e
da religião nas estruturas estatais (Estado), de laicização ou laicidade estatal.

Veja que o sociólogo austro-americano reformula as ideias ao publicar seu último


livro. O que ele reformula: a modernidade, com o pluralismo, trouxe, definitivamente,
a necessidade de coexistência entre religiões e discursos seculares. Aliás, mais do
que uma necessidade, é um fato a coexistência, nem sempre pacífica, entre credos
religiosos e comportamentos seculares em todas as dimensões da vida humana.

 O homem diante do pluralismo.


Mas isso traz desafios, leia um trecho de Berger:

O pluralismo religioso produz dois problemas políticos [...]:

como o Estado define a sua própria relação com a religião, e


como o Estado faz para regular as relações de diferentes
religiões umas com as outras

Berger, 2017, p.159


Atividade
5. Leia o pequeno trecho a seguir: “Quando a Umbanda, o Espiritismo, o
Pentecostalismo, o Candomblé curam, suprimindo o mal físico ou a loucura,
aplainando a crise existencial, repondo a certeza na ação, ainda que a ciência
possa constatar tal mudança, podendo até comprovar a eficácia terapêutica, não
pode essa ciência interromper o sentido da experiência religiosa da cura. Estas
religiões que curam são plurais e estão em constante transformação,
manipulando símbolos culturais de uma espantosa diversidade. E essa
diversidade mais se alarga e se alastra quanto mais se ampliam as distâncias
sociais, econômicas e culturais no interior da sociedade brasileira”. (PIERUCCI;
PRANDI, 1987.)

Sobre a relação entre religião e sociedade, é possível afirmar:

a) Que as religiões curam e que o divino tem existência verdadeiramente


social.
b) Que as religiões não curam e que o divino não tem existência social
verdadeira.
c) Que as religiões que buscam a cura, sendo plurais, estão em constante
transformação.
d) Que as religiões curam e que o divino tem existência verdadeira na
sociedade.
e) Que as religiões não curam e que o divino não tem existência social
verdadeira.
6. A atividade consiste em ler o artigo indicado para leitura, “Da crítica à
Sociologia da Religião uma viragem e seu impacto sociocultural” e assistir aos
dois vídeos pequenos indicados.

A partir disso, responda:

1) como nasceu a Sociologia da Religião;

3) como a Sociologia da Religião vê os fenômenos religiosos? Cite dois autores


clássicos.

Notas
Ethos1

Conjunto de disposições, visões e práticas que orientam um grupo.

Igreja Positivista 2

A Igreja Positivista do Brasil, fundada em 19 de César de 93 - 11 de maio de 1881 -


por Miguel de Lemos, está localizada à Rua Benjamin Constant, 74 - Glória, Rio de
Janeiro. Sua sede, também é conhecida como Templo da Humanidade. Foi o primeiro
edifício construído, no mundo, para difundir a Religião da Humanidade, em 08 de
Abril de 1876, dia 08 de Arquimedes do ano 88, de acordo com o calendário
Positivista. Por iniciativa do Sr. Oliveira Guimarães, Professor de Matemática,
simpatizante do grupo Laffittista, propõe uma fusão entre os dois grupos, aceita pela
totalidade dos positivistas. Surgia a sociedade estabelecida nos padrões da filosofia
positivista, passando a denominar-se em 1878, Sociedade Positivista do Rio de
Janeiro, filiada à Igreja Positivista da França, sob a direção de Pierre Laffitte,
passando a imprimir um ritmo de ampla divulgação do positivismo. Teve como
primeiros sócio-fundadores, Oliveira Guimarães, Benjamin Constant, Álvaro de
Oliveira, Joaquim Ribeiro de Mendonça, Oscar Araújo, Miguel Lemos e R. Teixeira
Mendes. Entre as teses do Apostolado Positivista estavam a instalação e manutenção
da ditadura republicana, a elaboração de um projeto constitucional, a separação da
Igreja do Estado, uma ampla reforma no ensino e a liberdade como princípio
universal ,fundamentado na idéia de Ordem e do Progresso.
Verbete elaborado por João Carlos da Silva

Referências

BERGER, Peter. Os múltiplos altares da modernidade: rumo a um paradigma


da religião numa época pluralista. Petrópolis: Vozes, 2017, p. 159.

BOURDIEU, Pierre. Função própria do campo religioso. In: BOURDIEU, Pierre. A


economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1974, p. 5-59.

DURKHEIM, Emile. O problema religioso e a dualidade da natureza humana. In:


Religião & Sociedade, Rio de Janeiro: Iser, n. 2, nov. de 1977.

________. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes:


2006

FIROLAMO, Giovanni; PRANDI, Carlo (orgs.). As Ciências das Religiões. 8. ed. São
Paulo: Paulinas, 2016.

LESBAUPIN, Ivo. Marxismo e religião. In: TEIXEIRA, Faustino (org.). Sociologia da


Religião. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 17-18, 13-35.

MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel, 1843. São Paulo: Boitempo,
2010 p. 145.

PIERUCCI, Antônio F.; PRANDI, Reginaldo. Assim como não era no princípio: Religião
e ruptura na obra de Procópio Camargo. In: Novos Estudos, CEBRAP, São Paulo, n.
17, maio de 1987.

SIMMEL, Georg. Religião: ensaios. São Paulo: Olho d'Água, 2009, volumes 1 e 2.

TEIXEIRA, Faustino (org.). Sociologia da Religião. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

USARSKI, Frank (org). O espectro disciplinar da Ciência da Religião. São Paulo:


Paulinas, 2007.

WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do Capitalismo. São Paulo:


Companhia das Letras, 2004.

WILSON, Brian. La religione nel mondo contemporaneo. Bologna: Il Molina,


1985, p. 29

TOCCHETTO, Domingos; STUMVOLL, Vitor. Criminalística. 6. ed. Campinas, SP:


Millennium, 2014, cap. 3.
Próximos Passos

Escolas antropológicas clássicas;


Escolas antropológicas contemporâneas;
Mito, magia, religião e rito.

Explore mais

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disponíveis no ambiente de aprendizagem.

Leia os textos:

Da crítica à Sociologia da Religião uma viragem e seu impacto


sociocultural <https://goo.gl/fzcH9z>
Ciências Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião
<https://goo.gl/iw724i>
O futuro não será protestante <https://goo.gl/KBzNqA>

Assista aos vídeos:

O surgimento da Sociologia e a Religião


<https://www.youtube.com/watch?v=rrnl8ocB6q0>
Sociologia e religião: visões de Weber, Marx e Durkheim
<https://www.youtube.com/watch?v=ENvpUEN3bBI>
Disciplina: Ciências da Religião

Aula 7: Ciências da religião: escolas antropológicas

Introdução
Cultura e sociedade são, entre os seres humanos, um par indissociável. Os grandes temas do olhar
antropológico sobre a religião, foram, desde o início, o mito, o rito e a magia.

E por quê? Porque o rito remete aos gestos, às cerimônias, às liturgias, enfim, à ação simbólica
coletiva que consagra tempo/espaço, confirma valores e marca passagens de estado
individual/grupal.

O mito remente a sistemas de valores, narrativas e explicações poético-literárias, orais ou escritas,


sobre a vida, a humanidade e o cosmo que qualquer sociedade produz.

A magia remete às formas primitivas, coletivas e individuais ao mesmo tempo, de contato com o
sagrado ou o supranatural.

Você deve estar curioso para saber como é o olhar antropológico sobre religião. Como se fosse um
toque inicial, pense ou imagine um rito religioso, uma narrativa ou história religiosa que seja muito
diferente daqueles ritos e narrativas aos quais você está acostumado.

Objetivos
Compreender as origens das escolas antropológicas nas Ciências da Religião.
Analisar conceitos e autores das escolas antropológicas nas Ciências da Religião.
Identificar fatos básicos das escolas antropológicas nas Ciências da Religião.
Introdução

 Entre 1884 e 1885 aconteceram grandes (Fonte:


movimentos como expansão marítima, o colonialismo e o neocolonialismo.
Schaeffler / Pixabay)

Entre 1415 e 1884-1885, mais ou menos, você notará grandes movimentos que as nações
europeias fizeram: expansão marítima, colonialismo e neocolonialismo. As duas datas,
observe bem, correspondem à Conquista de Ceuta, na ponta da África, por parte do Reino de
Portugal (próximo ao Estreito de Gibraltar, atualmente é uma cidade autônoma da Espanha) e
à Conferência de Berlim, proposta por Portugal, mas levada a efeito pela Prússia, antigo país.

1412
No movimento da reconquista católica, o Reino de Portugal toma Ceuta e estabelece as
bases para as grandes navegações.

1884 - 1885
A partilha da África foi sacramentada pelas potências europeias e os seus recursos e as
suas riquezas foram apossados e divisões territoriais.

Os dois acontecimentos, note, estão no rol de um longo processo

contraditório: por um lado universalizou algumas instituições

culturais, políticas e econômicas, por outro, trouxe danos aos povos

originários que habitavam e habitam essas terras e regiões.

Brasil, América Latina e América do Norte nasceram nesse caudal expansivo da cultura1 e
materialidade ocidentais que, apesar da diversidade interna (por exemplo, os modos de ser-
no-mundo e ver-o-mundo luso-ibérica e anglo-saxã), representou um evento com grandes
consequências, positivas e negativas (massacres, campos de concentração/extermínio em
massa de seres humanos, pobreza etc.).

Cultura1
Conceito antropológico complexo, elaborada pela Antropologia, está ligado ao processo
humano de criação, coletiva e individual, de sentido, símbolo, significado, linguagem e
instituições.

 Mulheres indígenas. (Fonte: Filipe Frazao / Shutterstock)


Procure imaginar-se no meio de povos e costumes diferentes, ou melhor, diante de religiões
diferentes, com danças, ritos, orações, gestos, imagens e escritos muito diversos? Imagine o
incômodo, a curiosidade, o estranhamento, o desconcerto: por que eles dançam, rezam,
cantam, oram e comemoram desse jeito? Por que seus costumes são assim e não de outro
modo? Essas perguntas abrem os caminhos da reflexão antropológica.

A Antropologia se constituiu como um conhecimento sobre os povos que foram submetidos


ao violento processo de colonização. Algumas análises apontarão os problemas decorrentes
da articulação entre poder colonial e as ciências da cultura.

A antropologia desempenhou um papel ambíguo: auxiliou o projeto colonial, é inegável que


“humanizou” os povos “descobertos” (com rituais, costumes e expressões religiosos muito
diferentes), ou seja, saiu do incômodo inicial e os percebeu como parte da imensa e diversa
família humana.

 Processo de colonização. (Fonte: link


<https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historia-
america/colonizacao-espanhola.htm> )


Comentário
Os próprios sistemas míticos e rituais desses povos, a religião, passou a ser vista com
outros olhos.

Os estranhamentos: a Europa diante do


diferente
As grandes navegações fizeram com que a Europa tomasse contato com estruturas sociais e
culturais diversas, por exemplo,

Desde...

Estruturas com poder político descentralizado (povos da Amazônia).


A...

Formas com poder central (Impérios Inca, Maia e Asteca).


Saiba mais

Os contatos entre os povos originários da América e os europeus, muito influenciaram as


reflexões filosóficas. Por exemplo, em 1562, o filósofo Michel de Montaigne (1533-1592)
conheceu os índios tupinambás2 trazidos para Europa para serem exibidos ao rei da
França, Carlos IX, e a sua corte.

Tupinambás2

Nome genérico dado a um grande grupo de sociedades índias que viviam na região litorânea
do Brasil, entre o Rio Grande do Norte e Paraná, caracterizado, entre outras coisas, pela
prática da antropofagia ritual. Durantes as guerras internas, os guerreiros valentes eram
aprisionados, bem-cuidados e preparados para um ritual festivo no qual o grupo o mataria e
comeria sua carne.

Era o resultado da tentativa de calvinistas franceses (huguenotes) colonizarem o Brasil


(1555), a “França Antártica”. Montaigne escreveu sobre esse encontro, em um famoso texto
intitulado, Dos canibais. Comparando costumes de muitos povos na história, Montaigne
redimensionou o canibalismo tupinambá. O ritual consistia em aprisionar os índios mais
bravos das guerras intermitentes entre as tribos até a execução do rito antropofágico em
uma grande festa.
No século XX, a Antropologia cunhou a expressão “dialética do estranho-familiar” ou dialética
do relativo (em termos metodológicos/epistemológicos). Daí nascem termos como
Etnocentrismo3. Em suma:

Etnocentrismo3

Termo cunhado pela reflexão antropológica para definir a atitude ou o comportamento de


qualquer sociedade ou grupo que considera seus valores, costumes, suas ideias, as mais
importantes e verdadeiras do que todos os outros grupos e sociedades.

Culturas, mitos, ritos, religiões são relativos aos povos e às sociedades, não são absolutos,
são relativos a tempos e espaços singulares.

O esforço de compreender e conviver com culturas diferentes relativiza ou estranha nossos


próprios costumes e valores e, por outro lado, nos aproxima/familiariza com os costumes e
valores de outros grupos, povos e religiões. Há, um duplo ganho, você aumenta a
compreensão sobre sua própria cultura e consegue enxergar outras culturas com mais
profundidade.

 A alteridade e a diferença modificaram as percepções,


criaram boas e más ideias.
(Fonte: Link
<https://sites.google.com/site/projetoinformaticaeducativa11/2o-
ano-do-ensino-medio/alteridade-tolerancia-e-
convivencia> )

O estupor e o fascínio exercido pelo outro (alteridade, diferença) modificaram percepções,


criaram boas ideias, mas também más ideias, como o racismo científico do século XIX que
tanto mal causaram, por exemplo, a Ku-Klux-Klan, nos EUA, do século XIX e o nazismo de
Hitler, na Alemanha-Europa entre 1933-1945, que mataram e assassinaram homens e
mulheres por serem negros, judeus, ciganos, Testemunhas de Jeová etc.

Atividade
1. Sobre os precursores da Antropologia, sabe-se que muitas reflexões sobre os
costumes e a história de outros povos foram empreendidas. Com as grandes
navegações, num primeiro momento, e o colonialismo, num segundo, o choque entre
culturas trouxe diversas consequências. Michel de Montaigne (1533-1592) escreveu um
texto intitulado Dos canibais, discorrendo sobre a presença dos tupinambás na corte
francesa de Carlos IX.

Tendo em vista as consequências do colonialismo, assinale da alternativa correta:

a) O encontro colonial com outros povos provocou muita destruição, mas não mudou
a mentalidade europeia sobre a diferença cultural.
b) O encontro colonial com outros povos provocou destruição e mudou pouco a
mentalidade europeia sobre a diferença cultural.
c) O encontro colonial com outros povos provocou pouca destruição, mas não mudou
a mentalidade europeia sobre a diferença cultural.
d) O encontro colonial com outros povos provocou pouca destruição e pouco mudou a
mentalidade europeia sobre a diferença cultural.
e) O encontro colonial com outros povos provocou destruição, mas também impactou
a mentalidade europeia sobre a diferença cultural.

 No final do século XIX, a partir da herança reflexiva, surgiu um novo conceito de cultura. (Fonte: FotografieLink /
Pixabay)

No final do século XIX, pense um pouco, um novo conceito de cultura nasce a partir dessa
herança reflexiva acoplada ao grande volume de dados e informações que chegavam de
povos, etnias e culturas bem como da tradução de textos sagrado de antigas civilizações e
religiões e descobertas arqueológicas nos mais variados campos, inclusive dos povos semitas
(hebreus).

Por essa época, vingou o paradigma evolucionista, e influenciou boa parte da mentalidade
acadêmica, cultural e social. Houve uma indevida transposição das ideias de Charles Darwin
(1809-1882). Nesse período, três nomes se destacam como iniciadores da Antropologia como
ciência, dois ingleses e um americano:

Edward B. Tylor (1832-1917)

Veja a primeira definição de cultura, em 1881, feita por Tylor no livro Primitive culture
(Cultura primitiva):
“A Cultura, ou civilização, entendida em seu amplo sentido etnográfico, é aquele
conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, os direitos, os
costumes e qualquer outra capacidade e hábito adquirido pelo homem como membro de
uma sociedade”.

A primeira tentativa de definir a religião primitiva veio com Tylor e a ideia de animismo,
que evidenciaria a importância, para o homem primitivo, da experiência do sonho e da
morte.

Nessa experiência, ocorreria a sensação da alma como independente e peregrina,


derivando a ideia de que o mundo (homens, animais, plantas, objetos etc.) está
povoado de espíritos que podem ser “bons” e “maus”. Haveria evolução para o
politeísmo e depois, pela unificação dos atributos dos espíritos, para o monoteísmo. Essa
ideia será contestada: não se pode atribuir às sociedades étnicas antiquíssimas
categorias estranhas a sua cultura como alma/espírito.

James Frazer (1854-1941)

Frazer publicou estes livros:


The golden bough: a study in comparative religion (O ramo de ouro: um estudo de
religião comparada), de 1890, em 12 volumes;
Totemism and exogamy (Totemismo e exogamia), de 1910, e
Folk-lore in the Old Testament (Folclore no Velho Testamento), de 1918.

Neles, defendeu a ideia de que a cultura/civilização teria evoluído em três formas


sucessivas, magia/religião/ciência, caracterizadas por tipos específicos de pensamento.
O pensamento mágico caracteriza-se por ser uma técnica acoplada a uma crença na
ação de espíritos e divindades.

A magia representava uma forma primitiva de ciência capaz de explicar e orientar a


realidade, apesar da ausência de leis científicas objetivas, pois o mago/feiticeiro
executava ações calculadas, racionais, chamadas de gestos rituais, mas atribuía sua
eficácia a poderes mágicos. Veja que, pela análise de dados etnográficos colhidos de
sociedades étnicas, Frazer chegou à definição de dois tipos gerais de magia:

Na magia imitativa/homeopática (o semelhante afeta o semelhante), o mágico imita


os atos que ele deseja que ocorram, por exemplo, para afastar nuvens de chuva, ele a
corta no ar com uma faca.

Na magia simpática ou contagiosa acredita-se que tudo que se faça a um


determinado objeto afetará também à pessoa a quem ele pertence ou com quem tem
ligação (lei da contiguidade), por exemplo, cabelo, sangue, esperma, lágrimas, ossos,
unhas, roupas etc., coisas vistas como perigosas e poderosas por terem tido uma
estreita ligação com a pessoa.

Lewis Morgan (1818-1881)

Pesquisador norte-americano, publicou Ancient society (A sociedade antiga, de 1877) e


popularizou a teoria evolucionista ao propor a ideia de períodos que marcaram a história
humanidade:
selvageria,
barbárie e
civilização.

Culturalistas, funcionalistas e
estruturalistas

Observe que a crença integra a experiência humana geral. Por isso, a religião, a magia e
todas as formas culturais das crenças não podem ser separadas de sua matriz cultural e ser
estudada isoladamente do contexto no qual são expressas, vividas e experimentadas.

As escolas antropológicas fixam-se então, no inseparável binômio significado da religião e


religião como significado, ou seja, toda expressão religiosa (rito, canto, dança, prece, oração,
evento, mito, devoção etc.) é revestida de múltiplos significados que se ligam à sociedade
que os vivencia e muda historicamente, “relativo”, portanto.
 Mulçumano rezando. (Fonte: Pixabay)

 Magia. (Fonte: Pixabay)


 Cerimônia budista. (Fonte: Pixabay)

Mas, ao mesmo tempo, toda expressão religiosa possui um


sentido e significado “absoluto” ou último para quem vive
dentro de uma religião.

Observe que os evolucionistas foram criticados pelos usos inadequados da ferramenta


comparativa e da perspectiva temporal sucessiva (perspectiva sincrônica), sem
contextualização. Um dos críticos dessa perspectiva foi o antropólogo alemão-americano
Franz Boas (1858-1942) que inaugurou a escola Culturalista com larga influência nos EUA.

A crítica centra-se no erro de comparar os mais variados povos e civilizações, de forma


aleatória, tirando dados dos contextos e organizando-os como se fossem uma coleção
disposta em uma linha reta e chapada do tempo.


Comentário

Para Franz Boas, cada cultura deve ser estudada como um sistema que possui lógica e
autonomia específicas, levando em consideração a totalidade a partir da análise dos
dados biológicos, linguísticos, históricos e culturais. Por exemplo, estudar uma dança ou
uma crença religiosa por si mesma, sem remetê-la à cultura, sociedade, ao momento
histórico e aos contextos, é um sério erro metodológico.

Bronislaw Malinowski (1884-1942)


Note que os Funcionalistas, liderados pelo anglo-polaco Malinowski, criticaram os
evolucionistas e afirmaram que a análise de uma cultura, e dentro dela, dos ritos religiosos
ou mágicos, deve considerar duas perspectivas:
Diacrônica
Temporalidade sucessiva da história.

Sincrônica
Transversalidade da cultura no tempo e no espaço.

As principais obras de Malinowski:


1

Argonauts of the Western Pacific

Argonautas do Pacífico Ocidental, de 1922, sua obra prima.


2

Scientific theory of culture

Uma teoria científica da cultura, de 1944.


3

Magic, science and religion and other essays

Magia, ciência e religião e outros ensaios, de 1948, com uma dedicatória a James Frazer
 É incompleto, para a perspectiva antropológica, estudar religião ou outro aspecto (parentesco, por exemplo), sem se
referir ao elemento cultural, social e histórico. (Fonte: pathdoc / Shutterstock)

O método etnográfico é característico da Antropologia e pode ser aplicado à religião. A


etnografia consiste em um estudo de longo prazo a partir da convivência profunda com um
grupo, uma tribo, etnia, sociedade, e do qual aprende a língua, os modos, costumes.

O antropólogo registra, em um diário de campo, sua observação, suas conversas,


impressões, hipóteses, leituras, seus desenhos esboços etc. e, depois, transforma todo
material em um texto coerente e coeso.

É um método poético e difícil, pois depende da interação humana, bons informantes que
conheçam a realidade a ser pesquisada etc. Há diversas formas:

Etnografia virtual (na internet) e


Etnografia multissituada, em e com diversos grupos/lugares.

 Método etnográfico. (Fonte: Adam Jan Figel /


Shutterstock)

Para Malinowski, o problema não é a formação histórica das culturas,


mas a interfuncionalidade entre as diversas dimensões das sociedades

que permitem ao ser humano viver seu cotidiano. As funções ou

modalidades são respostas culturais coletivas que respondem a


problemas relativos à vida concreta.
No Funcionalismo, pergunta-se pelo papel desempenhado pela dimensão religiosa dentro da
cultura entendida como uma totalidade. O sagrado se expressa concretamente por meio do
mito e do rito. Nas sociedades étnicas e tribais, quase não existe adolescência, invenção
ocidental moderna e urbana, pois os ritos consistem em provas dolorosas por meio das quais
a menina e o menino, entre 11 e 14 anos em geral, são admitidos no mundo dos adultos,
com direitos e deveres prescritos pelas tradições locais.

Legitimar as instituições e os papéis sociais.


Conferir significado às alegrias e aos sofrimentos da condição humana.

Regular tensões, medos e euforias coletivas


Garantir o equilíbrio dos elementos dos quais depende a sobrevivência física e cultural
de uma sociedade.

Como seria essa resolução?


Dar-se-ia pela proposição dos conceitos de:

Trabalho religioso
Refere-se ao processo de produção de práticas, discursos e bens simbólicos sagrados que
atendem a uma necessidade de expressão de uma classe, grupo ou sociedade.

Campo religioso
Remete a um campo de forças em que agentes e instituições disputam capital simbólico —
dando legitimidade, poder, prestígio —, produzindo e consumindo bens religiosos de salvação
(rituais, discursos, valores etc.).

Note que Bourdieu pensa em duas polaridades ideais:


1

Todo mundo produz os bens religiosos e todo mundo consome, sem distinção e
hierarquia.

Um grupo monopoliza radicalmente a produção (especialistas/profissionais do sagrado)


e outro grupo, numeroso, consome bens simbólicos (leigos ou não especialistas).

Essas funções explicam a dinâmica de sociedade/grupos pequenos, étnicos, primitivos, locais


de pequena ou média escala. Mas, veja com olhar crítico, em sociedades plurais ou de massa,
de grande escala, complexas e modernas, as dinâmicas se alteram, a religião perde algumas
funções e adquire outras.

O que é mito?
Na análise do mito, Malinowski pensa assim:

O mito é uma narração de um evento inaugural, possui eficácia porque atua na consciência
coletiva.
No mito, encontra-se uma explicação poética, um modelo moral-valorativo, que o grupo
elabora, internaliza e compartilha.

Nas palavras do antropólogo polaco, o mito é “a expressão, a valorização, a codificação de


um credo; defende e reforça a moralidade; garante a eficácia do rito e contém práticas que
orientam o homem”, portanto é uma história com poder. (MALINOWSKI, 1976).

Veja bem:

Há um universo consolidado por uma tradição de práticas, pois a ideia e o objetivo são claros
e pontuais.

A ideia e o objetivo são mais amplos.



Saiba mais

Na obra Magia, ciência e religião, o antropólogo anglo-polaco defendeu a ideia,


sincrônica, que as sociedades possuem estruturas de pensamento mágico, religioso e
científico. Nessa obra, ele conclui que sem aplicar o conhecimento adquirido — a
tecnologia — a magia é inútil.

Sobre as atividades cotidianas, há mitos que explicam sua presença, sua importância, sua
força e servem de valores de inspiração moral. As proposições culturalistas e funcionalistas
foram criticadas por outras escolas teóricas.

E quais são as críticas?

A imprecisão das fronteiras entre magia e religião.

A ênfase nos fatores endógenos em detrimento dos fatores interculturais/exógenos e a


historicidade dos fatores internos/externos.

O não tratamento das tensões, conflitos, mudanças e rupturas que alteram os sistemas e as
funções.
Atividade
2. Para a escola antropológica Funcionalista, o ritual mágico e a técnica “científica”
possuem funções específicas, por exemplo, regular as emoções durante uma atividade
cotidiana e garantir sua eficácia concreta, podendo conviver em uma mesma situação.
Nos estudos etnográficos de Bronislaw Malinowski sobre a magia, religião e a ciência,
são descritas situações como os preparativos para pescaria em alto-mar, que sempre
traz riscos, afazeres cotidianos.

Em relação ao ritual mágico e a técnica, assinale a alternativa correta:

a) Podem conviver em uma mesma situação porque regulam distintos significados dos
problemas cotidianos.
b) Não podem conviver uma mesma situação porque regulam distintos significados
dos problemas cotidianos.
c) Podem conviver uma mesma situação porque não regulam distintos significados dos
problemas cotidianos.
d) Não podem conviver uma mesma situação porque regulam distintos significados
dos problemas cotidianos.
e) Podem conviver uma mesma situação porque desregulam distintos significados dos
problemas cotidianos.

Criticando os limites do Funcionalismo, surge o Estruturalismo, que

acentuará a questão da estrutura.

Os maiores nomes, um inglês e um francês, são eles:

E. E. Evans-Pritchard (1902-1973)

Note que os métodos de pesquisa levados à efeito por Evans-Pritchard estabeleceu a


conexão, nas sociedades étnicas, entre fatos culturais e estruturas sociais. A etnografia
do antropólogo inglês foi realizada na África Central, junto os povos zande e os nuer
explorando temas como poder, controle e estratificação social 4, papéis políticos
(comandar, proteger, colaborar).
1937, publica o livro Witchcraft, oracles and magic among the azande (Bruxaria,
oráculos e magia entre os azande.), considerado um modelo de escrita etnográfica assim
como Os argonautas do Pacífico Ocidental, de Malinowski;
1956, lança Nuer religion (Religião Nuer) e
1965, Theories of Primitive Religion (Teorias da Religião Primitiva).

Em sua etnografia sobre os nuer, por exemplo, Evans-Pritchard apresentou uma


sociedade que, ao estruturar seu sistema político em linhagens e clãs, não formava um
poder centralizador, o Estado. As funções das disputas e dos conflitos eram impedir a
centralização do poder e as acusações de feitiçaria e bruxaria eram parte dessa
engrenagem.

A ênfase do antropólogo inglês recaiu sobre o rito, como ação, que envolve uma
coletividade, confirma seus valores comuns e as passagens de status (da criança para o
adulto, casamento, morte etc.) e consagra eventos e realizações da sociedade.

Há uma circularidade entre rito e sociedade perturbado por acontecimentos fora da


explicação cotidiana/natural e que causam mal-estar e desarmonia. Você pode nomear
esses eventos/acontecimentos como malignos.

Claude Lévi-Strauss (1908-2009)

Após a ênfase no rito, Lévi-Strauss privilegiou o estudo do mito e das estruturas


mitológicas em uma perspectiva universalista, parecida com a ideia dos fenomenólogos
da religião. A ideia de estrutura é herdada dos estudos da Linguística, ciência que estuda
a linguagem, em especial Ferdinand de Saussure (1857-1913).

O pensamento do antropólogo francês formou-se durante sua longa estada no Brasil,


vindo para compor uma missão de estudos que redundou na criação da USP
(Universidade de São Paulo). Conviveu longamente com sociedades índias no Centro-
Oeste e na Amazônia, escreveu uma vasta obra, mas não tratou exclusivamente da
religião e do sagrado, exceto como elemento do processo mítico e por alguns textos
instigante, como O feiticeiro e sua magia e A eficácia simbólica, escritos na década de
1940-1950, dois ensaios que compõem o livro Antropologia estrutural.

Veja que Lévi-Strauss buscou os elementos lógico-formais que constituem o pensamento


mítico e o pensamento selvagem. Haveria um número específico de regras/operações
que, no entanto, permitiriam uma infinidade de combinações. A imagem usada para
explicar isso, observe que interessante, é a do jogo de xadrez!

A segunda comparação usada é a do inconsciente, que seria um tipo de recipiente e


elaborador de um número finito de pares binários de opostos (cru-cozido, macho-fêmea,
grupo-fora/grupo-dentro, frio-quente etc.).

estratificação social4
Processo de divisão ou organização de uma sociedade em classes sociais, segmentos ou
grupos socioeconômicos, ou castas hereditárias, com poderes, papéis e funções. A
estratificação pode agravar muito a desigualdade social.


Saiba mais

Leia o texto Principais antropólogos estruturalista


<galeria/aula7/anexo/Principais_antropologos_estruturalistas_PDF.pdf> .

Atividade
3. A escola estruturalista enxerga a religião a partir de uma ótica universalista,
privilegiando o mito, a racionalidade e a lógica, em detrimento do rito. Lévi-Strauss, no
texto O feiticeiro e sua magia, estudou a eficácia simbólica, analisou casos em que a
crença na magia provocou reações concretas, como no xamanismo 5, e comparou isso
à técnica psicanalítica como ritual.
Diante disso, é correto dizer que a eficácia mágica ocorre por:

a) Por intermédio da articulação entre as crenças do xamã em sua técnica e do doente


no poder do ritual.
b) Por intermédio da articulação entre as crenças do xamã em sua técnica e do grupo
no poder do ritual.
c) Por intermédio da articulação entre as crenças do doente no poder do ritual e do
grupo no poder do xamã.
d) Por intermédio da articulação entre as crenças do grupo, do xamã em sua técnica e
do doente no poder do ritual.
e) Por intermédio da articulação entre as crenças do grupo no poder do ritual
xamânico e a técnica do xamã.

Xamanismo5

Sistema religioso presente em sociedades étnicas (Sibéria, Groelândia etc.). O xamã é


alguém dotado com habilidades de comunicação entre o mundo profano e o sagrado, capaz
de viajar e ver/sentir como os animais e a natureza veem/sentem. É solicitado para resolver
sofrimentos, curar doenças etc. O xamã recebe um chamado, às vezes recusa, mas acaba
passando por um ritual de iniciação no qual desenvolve seus dons e suas habilidades. O
termo foi expandido e aplicado ao contexto urbano ou rural, já que é visto como um sistema
que possibilita a comunicação entre dois mundos, o de cá (terreno, profano) e o de lá
(celestial, transcendente, angelical ou diabólico, cósmico e/ou sagrado), para a resolução de
problemas, infortúnios e sofrimentos.

Os interpretativistas (escola ‘simbólica’


ou semiótica) e os pós modernos

 Símbolos religiosos (Fonte: Vladimir Melnik / Shutterstock)


Nas décadas de 1950 a 1970, emergiu uma importante escola antropológica que, apontando
as insuficiências do Funcionalismo e Estruturalismo, propôs um olhar analítico-metodológico
voltado para o símbolo e os seus significados, produzidos e compartilhados, e sua conexão
com o contexto histórico-social.

Clifford Geertz (1926-2006)


Antropólogo norte-americano, foi o líder da nova escola. Os seguintes livros, note bem,
guardam um estilo ensaístico muito forte. Publicadas no Brasil e reunindo textos sobre
método da Antropologia interpretativa, discussões sobre mente e cultural, ideologia, escrita
etnográfica, cultura política, psicologia cultural, arte e cultura, vida e obra de antropólogos
fundamentais, etc.:

A interpretação das culturas


Saber local
Obras e vidas: o antropólogo como autor
Nova luz sobre a antropologia

As obras monográficas são, por exemplo:

Negara, o Estado teatro no século XIX e


“Observando o Islã.
Note os textos:

Religião como sistema cultural;


O beliscão do destino: a religião como experiência, sentido, identidade e poder (capítulo
do livro Nova luz sobre a Antropologia).


Leitura

Ethos, visão do mundo e a análise de símbolos sagrados são capítolos do livro A


interpretação das culturas <https://goo.gl/FjPohK> .

A hermenêutica, em especial a que se voltará ao rito e mito sagrado ou religioso deixou em


segundo plano, a função e a estrutura, bases das escolas anteriores. Mas, antes disso, Max
Weber (1864-1920), a quem Geertz cita como inspirador, defendia como objeto central da
análise, os significados que os sujeitos, individuais ou coletivos, atribuem à ação social ou à
ação que realizam entre si e na sociedade.

Considere que problema do significado é, para o antropólogo


interpretativista americano, o cerne da religião.

Leia suas palavras e medite um pouco:



Uma religião é: (1) um sistema de símbolos que atua para (2)
estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e
motivações nos homens através da (3) formulação de conceitos de

uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas concepções


com tal aura de f atualidade que (5) as disposições e motivações
parecem singularmente realistas”

GEERTZ, 2008, p.67

O rito, o ritual opera a fusão entre o mundo vivido e o imaginário presentes nas narrativas
míticas A religião, em Geertz, expressa uma teoria geral da cultura 6.

Cultura6

É um sistema de símbolos que articulam e veiculam uma rede de significados. Um sistema


cultural, como o sagrado ou a religião, interpreta uma realidade

A realidade (social, biológica psicológica) é infinda, descontínua,

múltipla em suas causas e consequências, e coloca em cheque e entra


em choque, permanentemente, com as expectativas, trazendo

paradoxos e impasses éticos e morais de modo contínuo.

Daí, reflita, a tarefa do antropólogo é fazer uma interpretação de interpretações, ou seja, é


interpretar e traduzir para um público mais universal, as interpretações que um gripo ou
coletividade realiza em seu devir histórico, mas, de uma forma sistemática, acadêmicos e
científicos.
E qual seria uma das realidades mais
difíceis de lidar no campo da religião?
O problema do sofrimento, que se conecta ao problema do mal, da injustiça.

1. Lévi-Strauss

Retoma uma vertente mais universalista, abstrata, lógico-formal para explicar a religião.
2. Clifford Geertz

Volta-se para a análise dos significados e, com isso, a vertente relativista é retomada.
Para ele, uma adequada teoria da religião se alcança com a integração entre
considerações históricas, psicológicas, sociológicas e semânticas.

Segundo Geertz:


A experiência religiosa final tomada subjetivamente é também a
verdade religiosa final tomada objetivamente

GEERTZ, 2008, p. 152

Reflita que Geertz, no texto O beliscão do destino: a religião como experiência, sentido,
identidade e poder, pondera sobre as mutações históricas e os reposicionamentos da religião,
que assumiu distintas formas de expressão, envolvida na construção de identidades
particulares e protagonista em disputas e conflitos políticos.

A crítica antropológica pós-moderna, refere-se ao modo como a Antropologia descreve os


grupos observados, como se fossem uma totalidade articulada, esquecendo que a escrita tem
uma operação de poder. Aconteceu, veja, o ocultamento da presença colonial (opressora) na
pessoa daquele que vai estudar e pretensamente dar voz e vez aos “nativos”.

Atualmente, os contextos em que a religião se expressa são múltiplos e atravessados, por


exemplo, por muitas dimensões:
1

Escala

Locais, globais, transnacionais.

Valores

Estético, consumo, político, econômico.

Comunicacional

Virtual, grupal, individual.

Político-social

Classes sociais, desigualdades econômicas, distribuição do poder dentro, fora e entre as


religiões e grupos religiosos.

Isso exige reformulações no método etnográfico e a integração com

outras metodologias, até mesmo quantitativas, para se estudar a


religião. Mais do que nunca, reflita, é preciso ao cientista da religião e
ao teólogo, uma visão integrada, ampla e profunda

(simultaneamente), e, por isso, as escolas antropológicas são


indispensáveis para uma boa formação acadêmica.

Outra frente de reflexão da Antropologia sobre o fenômeno religioso é a que pensa sobre os
modos de como se conhece a religião. Reflita sobre um elemento apresentado pela
antropóloga Rita Segato, no texto, Um Paradoxo do relativismo: discurso racional da
Antropologia frente ao sagrado (publicado em 1992), que fala do paradoxo entre a atividade
de relativização do antropólogo e a adesão de forma absoluta do praticante religioso à
religião da qual ele faz parte.
A atitude dos antropólogos (relativização), frente ao universo

religioso, implica uma atitude reducionista da teoria da interpretação,


que tem como implicação fundamental a perda de vista da experiência
íntima do transcendente vivenciada pelos religiosos.

A saída seria um olhar mais integrado, embora se saiba do impasse entre as duas
perspectivas.

Atividade
4. Leia com atenção o que Clifford Geertz escreve sobre o problema do sofrimento como
problema religioso, pois se trata de conferir sentido, e não evitar o sofrimento: “[...] os
símbolos religiosos oferecem uma garantia cósmica não apenas para sua
capacidade de compreender o mundo, mas também para que, compreendendo-o, deem
precisão a seu sentimento, uma definição às suas emoções que lhes permita suportá-lo,
soturna ou alegremente, implacável ou cavalheirescamente”. (Grifos do autor da aula.
GEERTZ, 2008, p. 67)
Tendo em vista a escola Interpretativista, assinale a alternativa correta:

a) Os símbolos religiosos podem ser interpretados como uma simples projeção de


necessidades sociais e culturais de um grupo ou sociedade.
b) Os símbolos religiosos atuam para estabelecer poderosas, penetrantes e
duradouras disposições e motivações nos homens que vivem coletivamente.
c) Os símbolos religiosos podem ser interpretados como uma complexa teia alienada
de significados e necessidades sociais e culturais coletivas.
d) Os símbolos religiosos atuam como uma complexa projeção ideológica de
necessidades sociais e culturais de um grupo ou sociedade.
e) Os símbolos religiosos atuam para refrear as necessidades sociais e culturais
manifestadas por um grupo ou sociedade.
Atividade
5. Sobre a maneira como a Antropologia estuda a religião, alguns autores como Marcelo
Camurça, Rita Segato, Rubem Fernandes e Otávio Velho, discorreram sobre os dilemas
da pesquisa antropológica sobre a religião, em especial os desencontros entre o ponto
de vista do nativo e o ponto de vista do pesquisador.
Tendo em vista as características de cada ponto de vista sobre os fenômenos
religiosos, assinale a alternativa correta:

a) Do ponto de vista nativo, a religião é vista como absoluta e ontológica; do ponto de


vista do pesquisador a religião é vista como ideologia e alienação.
b) Do ponto de vista nativo, a religião é vista ideologia e alienação; do ponto de vista
do pesquisador a religião é vista como absoluta e ontológica.
c) Do ponto de vista nativo, a religião é vista como absoluta e ontológica; do ponto de
vista do pesquisador a religião é vista como relativa e metafórica.
d) Do ponto de vista nativo, a religião é vista como absoluta e ontológica; do ponto de
vista do pesquisador a religião é vista como relativa e ontológica.
e) Do ponto de vista nativo, a religião é vista como ideologia e ontológica; do ponto
de vista do pesquisador a religião é vista como alienação e absoluta.

Notas
INSERIR TÍTULO AQUI1

INSERIR TEXTO AQUI

Referências

CAMURÇA, Marcelo. Ciências Sociais e Ciências da Religião. Polêmicas e interlocuções. São


Paulo: Paulinas, 2008.

EVANS-PRITCHARD, Edward E. Brujeria, magia y oráculos entre los azande. Barcelona:


Anagrama, 1976, p. 26.

FIROLAMO, Giovanni; PRANDI, Carlo (orgs.). As Ciências das Religiões. 8. ed. São Paulo:
Paulinas, 2016.

GEERTZ, Clifford. A religião como sistema cultural. In: ______. A interpretação das culturas. Rio
de Janeiro: LTC 2008, p. 67.
LÉVI-STRAUSS, Claude. O feiticeiro e sua magia. In: ____. Antropologia estrutural. 5. ed. Rio de
janeiro: Tempo Brasileiro, [s./d.], p. 211

MALINOWSKI, Bronislaw. Il mito e il padre nella psicologia primitiva. Roma: Newton Compton,
1976.

TEIXEIRA, Faustino (org.). Sociologia da Religião. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

Próximos Passos

Principais ideias e os principais autores que analisaram a religião como fenômeno psicológico, ou
seja, relativo às crenças e aos comportamentos individuais;

Reflexão sistemática sobre a relação entre a Psicologia e a Religião.

Explore mais

Cultura e religião: olhares plurais.

Observe estes artigos:

Leia os textos:

Descanonização de símbolos católicos: O caso do “Tarô Católico” e os novos sentidos


religiosos.
<http://www.periodicos.ufpb.br/index.php/religare/article/viewFile/27475/14765>
O evangelho dos produtos Canção Nova: salvação, consumo e mídia eletrônica.
<https://goo.gl/AH7qzv>
Juventude católico-carismática: mudança de sentido, música e religião em ambientes
urbano-eletrônicos. <https://goo.gl/PzKzkv>
Terços, “Santinhos” e Versículos: a relação entre católicos carismáticos e a política.
<https://goo.gl/byDbLg>
Disciplina: Ciências da Religião

Aula 8: Ciências da religião: escolas psicológicas

Apresentação
A Psicologia da Religião não se restringe a essa temática, ao contrário, ela abrange
áreas que vão desde os estudos cognitivos-comportamentais e neurológico — o
funcionamento do cérebro e do corpo e sua influência sobre a experiência religiosa,
por exemplo —, até os estudos mais próximos da Psicologia Social — a interinfluência
entre sociedade e personalidade individualizada no campo da religião —, aos mais
próximos da Filosofia — a ideia de experiência, o fundamento das emoções e afetos,
a memória, a personalidade etc.

Os psicólogos da religião não defendem a realidade em si do objeto religioso, ou seja,


não afirmam nem negam o sagrado, a transcendência ou figuras religiosas como
deuses, demônios, espíritos, mas almejam compreender e explicar o que leva as
pessoas a afirmarem ou negarem o sagrado, a crer ou não crer nessas figuras e a
venerá-las ou combatê-las.

Objetivos
Compreender as origens da Psicologia da Religião.
Identificar as principais escolas da Psicologia da Religião.
Localizar fatos e contextos básicos para a Psicologia da Religião.
Introdução

Fenômenos da mente | Fonte: Kirasolly / Shutterstock

Os fenômenos da mente, as emoções, a memória, os sentimentos, a


interioridade não eram elementos desconhecidos dos filósofos e pensadores
há séculos. Você pode se perguntar:

Quem pensou sobre essas


temáticas?

Estátua de Platão | Fonte: vangelis aragiannis /


Shutterstock

Platão 428/427 – 348/347 a. C.


Escreveu sobre a alma e os sentimentos. Ainda mais, Agostinho (354-430),
bispo de Hipona, Norte da África (Numídia ou atual Argélia), região dominada
pelo Império Romano, cujo pensamento, alinhado a um conjunto de fatores
sociais, culturais e históricos, desenhou os contornos do que hoje é chamado
de moderna subjetividade (“interiorizada”, “autorreflexiva”, “introspectiva”) e
sexualidade.

Wilhelm Wundt (1830-1920)


Sua atuação remete às origens mais imediatas e próximas da Psicologia da
Religião. Especialistas o apontam como um dos primeiros psicólogos a
desenvolver a Psicologia como ciência autônoma nas universidades europeias.
Tendo sido professor na universidade germânica de Heidelberg, ele introduziu
um curso chamado “Psicologia do ponto de vista da ciência natural” que
mudou para “Psicologia fisiológica” (1867).

Pouco depois, em 1879, inaugurou um famoso laboratório, Psychologisches


Institut, que formou psicólogos experimentalistas, isto é, baseado na ideia de
Psicologia experimental e do método da introspecção, que consiste na
autoanálise de uma pessoa sobre suas crenças, imagens mentais, emoções,
memórias (visuais, auditivas, tácteis, olfativas) e pensamentos. O método
experimental e o da introspecção ainda são usados.

Wilhelm Windt, médico, filósofo e psicólogo


alemão | Fonte: goo.gl/xLKnTV / wikipedia
Além do positivismo e darwinismo, o romantismo recobrou força, e continuou, como corrente de
filosofia, teceu críticas à ideia de razão abstrata como absoluta e defendeu a importância dos afetos |
Fonte: Anton Darius / Unsplash

Você é convidado a pensar sobre um dos críticos dos poderes e saberes


médicos, o filósofo francês Michel Foucault (1929-1984). No século XX, a
Filosofia existencialista e a Fenomenologia contribuíram para problematizar,
note com atenção, a relação entre existência, sociedade e personalidade,
contribuindo para novas temáticas da Psicologia da Religião.

Nomes como Sigmund Freud (1856-1939) e Carl Jung (1875-1961)


aprofundaram ainda mais a perspectiva dos estudos que elegeram a religião
como um elemento fundamental da psique humana.

Reflita um pouco sobre três formas de Psicologia da Religião, ou mais


propriamente, de relação entre Psicologia e religião:
Psicologia da Religião pastoral

Objetiva cuidar dar relações interpessoais no âmbito religioso, ou seja, o


cuidado pastoral com sacerdotes e membros da comunidade religioso etc.

Psicologia da Religião crítica

Visa explicar as psicopatologias da vida psíquica religiosa e criticar poder


religioso dentro das comunidades a partir dos efeitos psíquicos.
Psicologia da Religião acadêmico-científica

Almeja estudar de forma mais plena os fenômenos psíquicos e sua imbricação


com os fenômenos religiosos.

As principais teorias psicológicas apresentam suas contribuições para a


compreensão do comportamento religioso, cada uma delas enfatizando
aspectos relevantes. Assim, a Psicanálise e as teorias de perspectiva
psicodinâmica enfatizam os aspectos inconscientes do comportamento.

1
A Psicologia Comportamental enfatiza os aspectos observáveis do
comportamento, incluindo os cognitivos.

2
A Psicologia Fenomenológica buscará os significados da religião para as
pessoas, em termos de subjetividade. Mas, o comportamento religioso é
complexo, e, por isso, é fundamental que as várias perspectivas teóricas
possam somar-se, no sentido de abranger, quanto possível, os processos
psicológicos envolvidos nesse comportamento.
Há muitos métodos empregados para se estudar o comportamento religioso e
isso depende do objetivo da pesquisa e do objeto estudado. Por exemplo, para
estudar a crença religiosa de uma pessoa em particular ou de algumas
pessoas de um mesmo grupo religioso você pode utilizar entrevistas
individuais, abertas ou fechadas.

Se o objetivo é conhecer como um grupo religioso se


organiza, como são seus rituais...

1
Você pode utilizar uma pesquisa de observação-participante
Ferramenta metodológica baseada no registro escrito das interações e da
convivência de um pesquisador com um indivíduo ou grupo por ele
pesquisado. Falas, ritos, momentos etc. são registrados em um caderno
ou diário de campo. O pesquisador participa, portanto, com o grupo das
atividades e interações e reflete sistematicamente sobre, usando, ou não,
entrevistas, fotografia e outras ferramentas., na qual presenciará as
atividades.

Se o objetivo da pesquisa for a avaliação de algum


comportamento em uma dada população...

Você poderá usar um estudo populacional, uma pesquisa por


amostragem com uso de questionários (estatística). O método
experimental pode ser empregado, se o seu interesse é o de estudar as
possíveis variáveis psicológicas, psicossociais e interpessoais, dentre
outras, que interferem em um comportamento religioso e assim por
diante.

Observação-participante1

Ferramenta metodológica baseada no registro escrito das interações e da


convivência de um pesquisador com um indivíduo ou grupo por ele
pesquisado. Falas, ritos, momentos etc. são registrados em um caderno ou
diário de campo. O pesquisador participa, portanto, com o grupo das
atividades e interações e reflete sistematicamente sobre, usando, ou não,
entrevistas, fotografia e outras ferramentas.

Atividade 1
Os fenômenos da mente, da memória, dos sentimentos, que estão
presentes nas vivências religiosas, já eram conhecidos e pensados por
muitos, entre eles Agostinho que tentou conciliar a tradição moral cristã
e a tradição filosófica grega.

Sobre a questão da subjetividade e do eu, há diferenças. Assinale


a alternativa correta:

a) Na tradição grega o “Eu” é interiorizado e reflexivo, para Agostinho


era “externo”.
b) Na tradição cristã o “Eu” é interiorizado-intencional, para os
filósofos gregos era “externo”.
c) Na tradição filosófica grega, a subjetividade é pensada como
interioridade, amor-próprio.
d) Na tradição filosófica cristã, a subjetividade é pensada em função da
pólis ou cidade-estado.
e) No centro da tradição cristão, Agostinho inaugura a subjetividade
moderna como positividade.

As primeiras investigações
psicológicas
No primeiro momento de constituição da Psicologia, Wundt a considerava
como ciência da experiência e os dados eram os fenômenos, e sua função
seria analisar os elementos que formavam os processos conscientes e suas
leis.
Considere que, nesse caso, os processos mentais são dinâmicos, e não algo
parado, estático. Com suas observações, elaborou três “leis”:

A das relações psíquicas (todo conteúdo da mente adquire significações


quando interage com outros objetos).

A dos contrastes psíquicos (os opostos se reforçam mutuamente).

A dos resultados psíquicos (as associações mentais operam por processos de


fusão, assimilação, compilação e memória).

Uma das contribuições de Wundt, foi a criação de métodos experimentais que


pesquisadores tentaram usar para a análise da experiência religiosa.

Saiba mais

Fé e investigação científica

Reflita um pouco sobre essas duas dimensões, pois não se opõem, como
alguns pensam. As teorias evolucionistas ou quaisquer outras teorias
científicas não se opõem a uma fé religiosa por um fato básico: são
linguagens e figuras distintas, com âmbitos, objetivos e alcances
distintos.

Por exemplo, um monge católico, Gregor Mendel (1822-1884) fez as


maiores descobertas da teoria da genética, ou seja, das leis de como as
espécies herdam características de seus ancestrais. Esse monge realizou
centenas de experimentos com uma espécie de ervilha e organizou os
resultados em postulados teóricos que foram inicialmente rejeitados por
preconceitos religiosos, mas depois de muito tempo foram levados a
sério.
Reflita um pouco os novos saberes e poderes médicos (em especial a
Psiquiatria) que — baseados em ideias evolucionistas e preocupados com os
processos bio-fisiológicos, desconsiderando elementos simbólicos e não
fisiológicos —, estudou fenômenos como misticismo, estados de êxtase,
mediunidade etc. por uma ótica psicopatológica.

Aos olhos desses pesquisadores havia uma


semelhança entre esses fenômenos religiosos e
os sintomas da “anormalidade” psíquica. Um
exemplo foi o psicólogo francês Ernest Murisier
que, em 1903, escreveu o livro, Les maladies du
sentiment religieux (As doenças do sentimento
religioso).

A proposta era, veja você, examinar os fenômenos mais simples que se


manifestam nas diferentes doenças do sentimento religioso que faz decair os
sentimentos superiores, descambando para o exagero e, assim, tornando-se
“anormal”. Seriam analisadas as fases da “doença do sentimento religioso”:

O êxtase, como sentimento religioso em forma individual.

O fanatismo, a face social do sentimento religioso.

O contágio, uma espécie de epidemia da emoção religiosa.


Exemplo

Para que você tenha uma noção concreta do que seriam essas
“enfermidades da emoção religiosa”, é interessante citar um dos casos
mais polêmicos de “possessão demoníaca” do mundo ocidental: o
fenômeno das freiras de Loudun, França que foram alegadamente
visitadas e possuídas por demônios.

Tratou-se de uma controversa história que, nos anos 1630, envolveu um


padre jesuíta, 16 freiras e a madre superiora de um convento, espetáculos
públicos de exorcismo liderados por padres da região (com cenas de
exaltação, convulsões, gritos e malabarismos) e um processo jurídico-religioso
— cheio de polêmicas e erros.

Leitura

Você está convidado a ler um artigo interessante sobre essa temática:


CARREIRA, Shirley de Souza Gomes. Diálogos Intertextuais em Os
Demônios de Loudun, de Aldous Huxley. Disponível aqui
<https://goo.gl/Qbk3CV> . Acesso em 26 fev. 2018.
Murisier inaugurou uma linha de explicação baseada no materialismo médico. Os fenômenos
místicos e os sentimentos religiosos são reduzidos a explicações físico-biológicas e mecânicas. | Fonte:
Xusenru / Pixabay

Willian James, considerado líder da escola de Psicologia da Religião


americana, criticou esse excessivo reducionismo. Veja que, em qualquer
emoção ligada ou não a estruturas religiosas, há sempre questões físicas
envolvidas, mas elas não podem ser supervalorizadas em detrimento de
outros elementos.

Willian James (1842-1910), principal


representante da Psicologia da Religião americana |
Fonte: goo.gl/ZxmGwG / wikipedia
Atividade 2
As primeiras investigações psicológicas influenciaram os estudos da
Psicologia da Religião, destacando-se, o nome de Wilhelm Wundt (1830-
1920). Marque as duas heranças que este autor deixou e que
influenciaram as pesquisas da Psicologia da Religião:

a) A Psicologia experimental e o método da introspecção.


b) A Psicologia humanista e o método da observação-participante.
c) A Psicologia analítica e o método etnográfico.
d) A Psicologia experimental e o método da observação-participante.
e) A Psicologia experimental e o método laboratorial.

A Psicologia da Religião Norte-


americana
Firolamo e Prandi (2016) dizem que a Psicologia da Religião, disciplina
autônoma e científica, surgiu nos EUA ao final do século XIX que vivia em
plena vitalidade religiosa:
1

Movimentos orientais

Pentecostalismo

Reavivamentos

Fundamentalismo

Havia um grande panorama de experiências religiosas, objetos de apreciação


psicológica, que centraram o foco no indivíduo religioso, com o uso intenso de
ferramentas metodológicas como biografias, entrevistas, questionários livres.
A religião foi desafiada pelo secularismo 2 e cientificismo e é nesse contexto
que a Psicologia da Religião norte-americana se coloca como uma alternativa
de estudos.

Secularismo2

Possui diversos significados, entre os quais, sistema político que defende a


separação entre religião e instituições governamentais; doutrina que advoga
que os elementos religiosos devam ser excluídos de ambientes escolares ou
públicos; sistema ético que rejeita a influência a religião na vida social e
humana.

Granville Hall (1844-1924)


Foi para Berlim estudar Filosofia e conheceu o laboratório de Wundt. Em
1881, publicou os resultados de seus estudos sobre conversão religiosa.
Com dados recolhidos por correspondência e pela observação de
encontros religiosos, ele lançou a hipótese de que o despertar religioso
ligava-se à adolescência, tempo de amadurecimento sexual e emocional.

James Leuba (1868-1946)

Educado no calvinismo, na Suíça, viveu os conflitos entre religião e


ciência, dedicando-se apaixonadamente por esta última. Foi para os
Estados Unidos e estudou Psicologia com Granville Hall, tendo escolhido
como tema de doutorado a conversão religiosa.

Os dados foram colhidos de convertidos cristãos. Essa primeira escola de


Psicologia da Religião não via diferenças entre as bases da experiência e
consciência religiosas e não religiosas, que estariam sujeitas as mesmas
dinâmicas. James Leuba tentou articular os estudos empíricos ao
complexo mundo da experiência religiosa para entender suas origens,
função e objetivos, conforme o pragmatismo norte-americano 3.
, defendido por filósofos como John Dewey 4 (1859-1952).
A religião seria composta de duas dimensões, nas palavras de Leuba:
em suas manifestações objetivas, a religião aparece como atitudes, ritos,
credos e instituições;
em sua expressão subjetiva, surge como uma realiade cheia de impulsos,
desejos, objetivos, sentimentos e ideias ligadas às ações e às instituições
religiosas.

A Psicologia da Religião prioriza a investigação do momento subjetivo da


experiência religiosa. Leuba conclui que, na base dessa experiência, não
havia nenhum sentimento especificamente religioso porque qualquer
emoção ou sentimento humano podem aparecer na religião. A tarefa da
Psicologia da Religião seria observar, comparar, analisar e determinar as
consequências relacionadas ao conjunto de fatos relativos à vida
religiosa.
Edwin Starbuck (1866-1947)

Consolidou a disciplina. Nascido em uma família protestante (quacre 5),


estudou os fenômenos de conversão religiosa, ou mais propriamente, os
aspectos subjetivos da mudança religiosa. Para isso, utilizou
questionários e entrevistas e procurou fundamentar cientificamente o
estudo psicológico da religião.

Starbuck pretendia investigar as “leis” psicológicas que governavam o


comportamento subjetivo na religião e defendia a aplicação dos métodos
da ciência com a finalidade de tornar a experiência religiosa mais
inteligível.

A preferência por estudos quantitativos é marcante. Com isso, esse


psicólogo percebeu que quando se convertem, as pessoas tendem a
“reconstruir” suas memórias e seu comportamento, por exemplo, vendo
como uma intervenção sobrenatural, fatos vividos que não eram vistos
dessa forma.

William James (1842-1910)

Ao contrário dos outros pesquisadores, com estudos mais quantitativos


— expressos em gráficos, tabelas e estatísticas —, esse filósofo e
psicólogo estadunidense preocupou-se em pensar o sentido e o
significado da religião, em termos pessoais e subjetivos, a partir de uma
visão crítica do materialismo médico e do mecanicismo psicológico.

Por exemplo, crenças e comportamentos religiosos não são apenas


reflexos de prazeres ou desprazeres corporais, mas envolvem a vida
inconsciente, uma grande descoberta de Sigmund Freud e seus
seguidores, como Carl Gustav Jung. Suas pesquisas foram transformadas
em uma série de conferências feitas no fim do século XIX e publicadas
em 1902 com o título de Variedades da experiência religiosa. Um estudo
sobre a natureza humana.
A experiência humana subjetiva vivida religiosamente não cabe apenas
em um racionalismo estreito, mas deve ser vista de modo amplo. Nas
palavras de James, a religião, se entendida como a reação total de um
homem diante da vida envolve: “a crença em uma ordem invisível, na
persuasão de que nosso bem supremo está na harmoniosa adaptação de
nossa vida a essa ordem”.

Seu ponto de partida era uma experiência individual que ultrapassava os


limites da consciência racional. (JAMES, 1991).

Para James, a religião, enquanto realidade psíquica, é uma experiência


genuína que pode e deve ser pesquisada e interpretada nos termos da
Psicologia empírica segundo um método serial. Nas palavras do psicólogo
e filósofo norte-americano: “os fenômenos são mais bem compreendidos
quando colocados dentro de sua série”.

Na visão desse psicólogo, a religião é uma experiência individual, mas


está ligada historicamente a um vaivém contínuo entre o indivíduo e a
coletividade/sociedade. Em sua origem, o fenômeno religioso ligava-se à
religiosidade criativa de alguns indivíduos talentosos ou carismáticos,
mas a continuidade dessa experiência singular era garantida pelo grupo
em função de suas necessidades de permanecer e do papel que esse
momento original era capaz de exercer nos sentimentos, na memória e
nas mentes individuais.

Observe que a coletividade social decretava a continuidade ou não da


intuição individual que deu nascimento ao religioso. A religião tende a ter
uma função permanente, pois como função biológica da humanidade, sua
permanência e continuidade se devia à capacidade de responder às
necessidades peculiaridades de uma época e uma sociedade.
Há variedades e espécies de experiência religiosa.

Para realizar essa leitura profunda, o psicólogo estadunidense define seu


objeto a partir de fontes autobiográficas (de escritores, cidadãos comuns
etc.) e reconstrói os fatos em círculos concêntricos que iam da periferia
ao centro do problema analisado. James define o objeto, esclarece a base
psicológica dos encontros religiosos e examina atitudes fundamentais,
como o otimismo e o pessimismo, o problema do eu dividido e os modos
de unificação que as expressões religiosas empregam para superar essa
divisão.
William James privilegia fontes autobiográficas e uma escrita ensaística
com recursos da descrição fenomenológica, da análise lógica e da
reflexão especulativa.

Pragmatismo norte-americano3

Teoria e terapia que se fundamentam na ideia de que as emoções e o


comportamento de um indivíduo estão ligados à forma como este avalia suas
experiências no mundo e daí seu foco nos pensamentos, nas crenças, nos
sentimentos e nas vivências que sustentam um comportamento disfuncional.

John Dewey4

Filósofo norte-americano que influenciou distintos campos, em especial a


Educação. No Brasil, inspirou o movimento da Escola Nova, liderado por Anísio
Teixeira, ao colocar a atividade prática e a democracia como importantes
ingredientes da Educação. Escreveu sobre Filosofia, Educação, Arte, Religião,
Moral, Psicologia e Política etc.

Quacre5

Diz-se do participante do grupo protestante fundado no século XVII por Jorge


Fox (1624-1691) na Inglaterra. Os quakers acreditam na direção plena do
Espírito Santo em cada pessoa, não admitem sacramentos, não prestam
juramentos, são pacifistas e não aceitam hierarquias eclesiásticas.
Atividade 3
Será nos Estados Unidos da América, país que, no século XIX, tinha
grande efervescência religiosa, que a Psicologia da Religião (PR) nascerá
como disciplina autônoma. Há nesse país, duas grandes tradições de
teoria e método que abordaram a religião.

Das análises da religião, assinale a alternativa correta:

a) Para James Leuba, a religião possui uma única dimensão


institucional com ritos e dogmas.
b) Para James Leuba, a religião possui uma manifestação institucional
e uma expressão subjetiva.
c) Para William James, a religião, enquanto realidade psíquica, é uma
experiência genuína.
d) Para William James, a religião, enquanto realidade psíquica, é uma
experiência alienada.
e) Para William James, a religião, enquanto realidade coletiva, é uma
experiência genuína.

A contribuição germânico-sueca ao
estudo da religião
Na Europa, as maiores contribuições para a análise da religião sob o prisma
psicológico cabem a Sigmund Freud (1856-1939) e Carl Gustav Jung (1875-
1961).

A interpretação freudiana da religião é ambígua: retoma a tradição da crítica


iluminista, mas, ao mesmo tempo, possui ideias e interpretações originais que
influenciaram os estudos posteriores.
Mas, veja que Freud realizou uma análise sistemática da religião, com três
livros muito importantes:

No primeiro, Totem e tabu (de 1912-1913), Freud, lendo os estudos


antropológicos sobre sociedades tribais ou étnicas, defendeu a natureza
sexual da libido, polemizando com Carl Jung que tinha escrito o livro
Transformações e símbolos da Libido (de 1911).

O argumento central de Jung dizia que a libido poderia ter outras


naturezas que não a pulsão sexual. Mas, o pensador judeu-alemão,
propôs a hipótese de uma horda primordial, no começo da humanidade,
na qual haveria o domínio de um pai arrogante e ciumento, donos das
mulheres e dos bens e que excluía os filhos à medida que cresciam, mas,
em um dia, foi objeto da revolta dos filhos excluídos e morto e devorado.
Daí nasceu o remorso e a culpa. O pai ficou mais poderoso do que era
quando em vida. Na religião, estaria presente a saudade do pai
primordial refletido nas muitas figuras divinas que enchem os altares e
livros sagrados.
No segundo, O futuro de uma ilusão (de 1927), há uma reelaboração da
teoria do inconsciente. A primeira tópica, como os especialistas chamam
a ideia de um tripé da estrutura do eu (inconsciente, pré-consciente e
eu) é substituída pela segunda tópica:

o id, ou inconsciente, é o lugar dos desejos, das fantasias, dos


impulsos mais profundos (a parte “animal” ou a natureza,
selvagem);
o superego, é a parte do eu voltada para a contenção e repressão
do id (fruto da cultura e da civilização) e
o ego é a parte que procura equilibrar-se na guerra entre id e
superego.

No terceiro, O homem Moisés e o monoteísmo (de 1934-1938), a


análise freudiana se volta para a religião de seus pais e avós e procura
compreender o papel de Moisés, lançando uma hipótese ousada, que o
líder do povo escravizado pelo Faraó era mais egípcio do que hebreu e foi
morto pela horda que ajudou a libertar.

O líder que atravessou o Mar Vermelho seria um seguidor do faraó


Amenófis IV, ou Akhnaton, que introduziu no século XIV a. C. o culto ao
Sol (Aton), com tendência monoteísta e seu assassinato pelos hebreus
lhes trouxe remorso e culpa que foi encoberto com a transformação de
Moisés em hebreu e o culto egípcio do sol no monoteísmo semita.
A verdade da religião seria baseada em uma verdade
histórica encarnada em uma tradição que apagou suas

origens e encobriu com outros elementos, deslocando


eventos, criando mitos e extraindo o poder dessas

operações semânticas.

Para o fundador da Psicanálise, cujas ideias deram origem a uma poderosa


escola teórica, a religião tem um duplo nascimento:

A necessidade que gerou as aquisições da cultura e da civilização, isto é, a


necessidade de defesa diante do poder avassalador da natureza.

A vontade de corrigir as imperfeições da civilização, percebidas


dolorosamente.

Assim, veja bem, os deuses desempenham uma função tríplice:


Exorcizar o medo da natureza

Reconciliar com a crueldade do destino (morte, injustiça e


sofrimento)
Compensar os sofrimentos e as privações ao homem pela
vida em sociedade.

Mas, considere que a ciência progressivamente ocupa espaços, segundo


Freud, o que se chocaria com as formas tradicionais e institucionais da vida
religiosa. Segundo alguns especialistas, o pensador da cultura judeu-alemão
afirmou que a religião - uma neurose coletiva da humanidade - teria servido
para reprimir instintos sexuais, sublimando-os em práticas rituais e crenças
mitológicas, o que favoreceu a coesão social.

Há um claro paralelo entre a vida psíquica individual e a vida coletiva, pois


passariam por fases evolutivas. Por exemplo...
Indivíduo

Em uma primeira fase, a infância, há, no ser humano, a crença da onipotência


mágica dos pensamentos (crença de que o simples pensamento pode realizar
qualquer desejo).

Coletividade

Na coletividade humana há uma primeira fase, caracterizada pelo animismo


das representações mítico-religiosas que guarda similaridade com a primeira
fase infantil.

Depois, tanto o indivíduo quanto a coletividade, evoluiriam para uma situação


de razão e consciência dos limites.

Apesar dessa ideia, o líder da Psicanálise diz que o método psicanalítico não é
religioso ou antirreligioso, mas um instrumento para compreender as
estruturas psíquicas dos indivíduos que aderem ou praticam uma religião.
A parte iluminista e evolucionista da teoria freudiana é cética em relação ao
fenômeno religioso, mas, há outras partes, veja bem, que ajudam a pensar a
relação entre crença religiosa e desejo. Daí as analogias, expressas em um
texto escrito em 1907 (Atos Obsessivos e práticas religiosas), entre
comportamento ritual e práticas obsessivas e entre crenças e mundo onírico
(mundo dos sonhos).

Há três elementos de analogia:

A repressão e a renúncia a determinados impulsos.

O efeito do processo repressivo e da sublimação, que leva à formação do


sentimento de culpa e angústia.

A atuação do mecanismo de transferência que projeta para segundo plano o


conteúdo do pensamento, enquanto elege um alvo em primeiro plano.

Porém, essa ideia tornou-se uma crítica ideológica que acostumou ver na
religião, e nas suas muitas manifestações, apenas uma neurose, uma histeria
etc.

Saiba mais

Veja um pouco da grande família da Psicanálise


<http://versopsicanalise.com.br/> :
Os seres sobrenaturais (divindades, espíritos, transcendente etc.), não
têm existência real (em si mesmos), mas são a representação simbólica
da consciência coletiva que toma conta do indivíduo, suscitando
sentimentos e moralidades.
O sagrado expressa a força do desejo coletivo de permanência da
sociedade ou grupo na história, sendo símbolo do social. Por isso, é
colocado à parte do restante e é objeto de interditos, proibições.

Retomando o livro Totem e tabu, veja que, para Freud, toda religião é uma
tentativa de enfrentar um problema decorrente do assassinato do pai da
horda, conciliar o sentimento de culpa com o desafio do filho em relação à
figura do pai. Por exemplo, no raciocínio freudiano, Jesus libertaria os homens
da ofensa cometida contra o Pai, o pecado original, que seria o parricídio
(assassinato do pai). E, de forma muito instigante, pense um pouco sobre
suas palavras:
Com a mesma ação em que oferece ao pai a máxima
expiação possível, o filho também alcança o objetivo

dos seus desejos contra o pai. Torna-se ele próprio


Deus, junto com (ou mais propriamente) no lugar do
pai. A religião do Filho substituiu a do Pai.

FREUD, [s./d.]

Carl Jung, seguidor de Freud, rompeu com seu mestre e propôs uma
reorientação das interpretações sobre a religião. Para isso, haveria, segundo o
psicanalista suíço, uma distinção entre duas formas de pensar, aquela que se
orienta para fora e aquela que se dirige para a fantasia:

Primeira linguagem

A primeira é a linguagem da razão, que distingue analiticamente, que


procura causas e efeitos segundo uma lógica abstrata e formal.

Segunda linguagem
A segunda é a linguagem dos afetos, sentimentos e imagens inefáveis,
que ultrapassa a linguagem verbal racional e se move por uma lógica do
símbolo e do mito.

Jung chama essa constelação de arquétipos, formas a priori da organização psíquica e categorias do
pensamento simbólico. Esse modo de pensar recebeu o nome de Psicologia analítica ou Psicologia
arquetipal. | Fonte: PublicDomainPictures / Pixabay

Em 1937, o psicanalista suíço proferiu uma série de conferências reunidas em


um livro intitulado Psicologia e Religião, no qual aprofunda alguns conceitos.
Pense em suas palavras:
Como indica o vocábulo latino religioso religio, é uma
observação acurada e escrupulosa daquilo que Rudolfo

Otto definiu como numinosum, isto é, uma essência ou


energia dinâmica não originada de nenhum ato

arbitrário da vontade [...] a religião me parece uma


atitude peculiar da mente humana que poderia ser
definida [...] como a consideração e a observação

escrupulosa de certos fatores dinâmicos, reconhecidos


como “força”.

JUNG, 2011

Reflita um pouco sobre dois aspectos da teoria junguiana:

O aspecto externo da experiência religião, composto pela cristalização


institucional e regulamentação da experiência original (os ritos e mitos).

A experiência original e intuitiva, profunda.


Pense um pouco no que ele escreveu sobre as várias confissões religiosas:
“primitivas experiências religiosas codificadas e transformadas em dogmas. Os
conteúdos da experiência tornaram-se sagrados e geralmente fixados em uma
rígida e elaborada estrutural ideal”.

Jung aprofunda os debates e escreve os seguintes ensaios:

Interpretação psicológica do dogma da trindade

O símbolo da transformação na missa

Interpretação psicológica do dogma da trindade

Psicologia e Religião Oriental

A religião, para Jung, tinha um duplo aspecto, era,


primeiro e essencialmente uma religiosidade individual ou

experiência imediata de relação com um valor profundo,


os arquétipos, um conjunto limitado de elementos
centrais, como manifestações do inconsciente coletivo. A

religião seria a manifestação na consciência individual da


força numinosa do arquétipo.

Jung respondeu as críticas dos teólogos dizendo que a Psicologia analítica 6

não poderia pronunciar-se como a verdade ontológica e metafísica ou


emitindo juízos de valor sobre o sagrado e a religião, qualquer que seja. Mas,
é certo que, nas experiências religiosas fundamentais, é possível buscar os
arquétipos elementares (Deus como pai; Maria como mãe) e que as
manifestações do conteúdo dessas experiências podem ser verificadas
empiricamente na consciência.

Um dado essencial na teoria junguiana, veja que interessante, é que o mundo


moderno, secularizado e individualizado é aceito, mas, ao mesmo tempo, os
homens e as mulheres deveriam buscar as fontes mais profundas da alma sob
pena de se alienarem de sua essência e assim adoecerem psiquicamente.

Psicologia analítica6

Teoria originada a partir das ideias do psiquiatra suíço Carl Gustav Jung,
baseada em conceitos como arquétipos, inconsciente coletivo e processo de
individuação. A formação filosófica de Jung, sua experiência em hospital
psiquiátrico, o interesse por diversas religiões, inclusive orientais, o estudo de
Mitologia comparada, Antropologia e Alquimia foram fundamentais para a
construção da Psicologia Analítica. No Brasil, a mais destacada discípula de
Jung foi a alagoana Nise da Silveira (1905-1999). Essa médica revolucionou o
tratamento psiquiátrico violento e cruel dos anos 1940-1980 (choques
elétricos, banhos gelados e outros), propondo um tratamento humanizado dos
pacientes psiquiátricos que usava a arte e a Psicologia analítica.

Saiba mais

Deus, deuses e o sagrado, oriental ou ocidental, foram tomados como


dados revelados e objetivos, mas seriam, em realidade, manifestações
profundas da psique coletiva e individual. Note que os homens atuais e
os de ontem, se veem diante da tarefa de existir e enfrentar as forças da
natureza e do instinto. Mas, na modernidade ocidental, o que ajudou o
ser humano a viver, no caso o aparato institucional e dogmático das
religiões, atrapalha porque foi desligado das fontes originais de intuição.

Por isso, Jung critica o Cristianismo em suas faces católica e protestante,


apontando virtudes e insuficiências. Por exemplo:
O Catolicismo trouxe, como virtude, a função reguladora dos símbolos e
rituais, a defesa do elemento feminino e do laço com a natureza e a
preservação, ainda que com novos sentidos, de um rico patrimônio
greco-romano pagão.
O Protestantismo, a individualidade e a ideia de relação com Deus no
interior de cada um.

Mas, ao mesmo tempo, o primeiro ficou


engessado em velhas formas que caducaram e o
segundo desconectou-se da dimensão arquetipal
profunda.

Leitura

Na leitura de Jung, seria necessário articular a individualidade e a busca


da dimensão mais profunda para que o homem moderno se reequilibre.
Veja algumas publicações junguianas brasileiras
<https://goo.gl/4DKMJz> . Acesso em 26 fev. 2018

Atividade 4
Sobre a contribuição de Sigmund Freud e Carl Jung, para a Psicologia da
Religião, assinale a alternativa correta:

a) No pensamento de Freud, a religião é análoga à neurose individual,


isto é, é uma neurose obsessiva da humanidade.
b) No pensamento de Freud, a religião nasceu da necessidade de
defesa diante da natureza e da vontade de reprimir as imperfeições da
civilização.
c) No pensamento de Jung, a religião é uma atitude da mente humana
que remente à linguagem da razão fria, abstrata e sistemática.
d) No pensamento de Jung, a religião é uma atitude da mente humana
que remente à linguagem intuitiva, à fantasia, ao mito e ao afeto.
e) No pensamento de Freud, a religião remete ao matricídio original,
quando a horda primordial era comanda por uma mãe que possuía os
bens e os homens, excluindo os filhos que cresciam.

A Psicologia da Religião
contemporânea

Estudos empíricos sobre crenças e comportamentos individuais.

2
Estudos sobre a influência ou relação entre religião cérebro, mente e
comportamento individual, por exemplo, os supostos efeitos benéficos da
meditação religiosa ou da atitude religiosa perante a vida.

Estudos mais em interface com a cultura, sociedade e história.

Estudos de Psicologia social da religião.

Estudos sobre as disfunções e os desequilíbrios psíquicos em interface com a


religião (depressões, distúrbios de humor etc.).

Estudos que seguem as linhas de cinco grandes tradições (freudiana,


junguiana, jamiana (William James), Psicologia humanista e comportamental-
cognitiva).

Porém, note que todas essas linhagens de pesquisa possuem pontos fracos e
fortes. Tome, como exemplo, os estudos sobre os efeitos de comportamentos
e atos religiosos sobre a saúde ou enfermidade, em especial, os efeitos sobre
o cérebro.

Quais os pontos fortes fracos poderiam haver nesse exemplo?


Você já deve ter ouvido dizer que, aparentemente, pessoas com atitudes ou
comportamento religiosos, como a meditação, teriam ondas cerebrais
diferentes e maior recuperação depois de problemas de saúde, operações etc.

Se você retomar as tradições filosóficas críticas, como a de David Hume, entre


outras, verá que uma correlação, ou seja, a ocorrência concomitante entre
dois fenômenos, não é uma relação causal, expressas em sentenças abstratas
e formais como “A causa B”, ou, ‘Se houver A, ocorrerá B”.
Comentário

E, veja, ainda que se houvesse uma relação causal, não há nada nela
mesma que poderia dar segurança total de que a causalidade ocorrerá da
mesma forma e do mesmo jeito em um futuro próximo. Qualquer
atividade, musical, física, artística, sexual, provoca alterações nos
padrões cerebrais, afeta nossas percepções, nossos sentimentos, e,
dependendo da intensidade, regularidade e forma, afeta o
comportamento cotidiano.

Isolar ou separar o que cada atividade poderia provocar de impacto sobre


o comportamento no ser humano das demais atividades é muito difícil,
pois envolve muitas variáveis tendo de ser cruzadas para verificar se não
há interferências (tipo de alimentação, educação, gênero, sexo, classe
social etc.), por um longo período (estudos longitudinais), com
abrangência e amostras de população representativas e grupos de testes,
prova e contraprova.

A Psicologia humanista de Carl Rogers (1902-1987) e Abraham Maslow (1908-


1970) influenciou a Psicologia da Religião por conta das críticas às correntes e
escolas psicológicas anteriores e da ideia da tendência de o indivíduo procurar
a autorrealização a partir de patamares sucessivos (a famosa pirâmide das
necessidades). O ser humano é visto como lugar dos processos de reflexão,
consciência e experiência do mundo que o cerca e dos fenômenos.

Caberia citar alguns estudiosos contemporâneos:

Gordon W. Allport (1897-1967)

Psicólogo estadunidense que publicou, em 1960, um livro interessante,


The individual and his religion: a psychological interpretation (O indivíduo
e sua religião: uma interpretação psicológica).
Allport enfocou o presente vivido pelo indivíduo, criticando as teorias
conflituosas de Freud (explicação pelo que se viveu no passado em
termos da libido sexualizada) e as teorias coletivistas que subordinam e
explicam o indivíduo em função de médias estatísticas ou funções sociais.

Viktor Emil Frankl (1905-1997)

Médico psiquiatra austríaco, fundador da logoterapia, que explora o


sentido existencial do indivíduo e a dimensão espiritual da existência.

Frankl partiu da questão do sentido em conexão com a espiritualidade.


Escreveu livros, muitos deles comercializados no Brasil, por exemplo:
A presença ignorada de Deus;
O sofrimento de uma vida sem sentido;
A vontade de sentido, entre outros.

Durante a Segunda Guerra Mundial, ele sobreviveu aos terríveis campos


de concentração e extermínio mantidos por Adolf Hitler mesmo sendo
judeu. Foi dessa experiência, quando encontrou pessoas que conseguiam
desenvolver, apesar de todo horror, um sentido de existir, que elaborou
sua teoria e seu método para lidar com o sofrimento, a perda e a dor.

A base do método é esta: o homem é um ser espiritual e a logoterapia


contempla o indivíduo como alguém autônomo diante de sua existência, capaz
de decidir por onde caminhar e até como lidar com suas enfermidades
mentais e emocionais.

Leitura

O artigo Psicologia e religião em Viktor Frankl: a relação entre


ciência e espiritualidade na logoterapia
<https://goo.gl/pQXxTE> apresenta um pouco dessas ideias. Acesso
em 26 fev. 2018.

Como uma questão final, reflita sobe os dois perigos que os pesquisadores da
religião podem incorrer:

O risco de produzir uma Psicologia da Religião paroquial, ou uma ciência da


religião, submissa aos credos e às igrejas religiosamente.

O risco de uma Psicologia da Religião insensível aos fenômenos religiosos,


reducionista e mecanicista.
Atividade 5
Os desafios da Psicologia da Religião contemporânea são muitos, em
especial os relativos aos métodos e às pesquisas. Sobre os riscos, os
métodos e as teorias, na Psicologia da Religião (PR), assinale a
alternativa correta:

a) Na PR, existem dois métodos básicos para pesquisar o fenômeno


religioso, são o fenomenológico e o empírico.
b) Na PR, a filiação ou não filiação religiosa pode trazer um risco duplo,
o de produzir uma teoria submissa às instituições religiosas e o de
produzir uma teoria sensível ao fenômeno religioso.
c) Na PR, a escolha da teoria e do método de estudo do fenômeno
religioso dependem de uma vontade externa, suprir, divina ou sagrada.
d) Na PR, a escolha da teoria e do método de estudo do fenômeno
religioso não dependem do objetivo da pesquisa nem do objeto estudado.
e) Na PR, a filiação ou não filiação religiosa pode trazer um risco duplo,
o de produzir uma teoria submissa às instituições religiosas e o de
produzir uma teoria insensível do fenômeno religioso.

Atividade 6
A atividade consiste em revisar a aula e responder às questões:

A) qual o objeto da Psicologia da Religião?

B) quais são as principais escolas influências e autores?


Atividade 7
A atividade consiste em ler o artigo indicado para leitura, “Da crítica à
Sociologia da Religião uma viragem e seu impacto sociocultural” e assistir
aos dois vídeos pequenos indicados.

A partir disso, responda:

1) como nasceu a Sociologia da Religião;

2) como a Sociologia da Religião vê os fenômenos religiosos? Cite dois


autores clássicos.

Notas
INSERIR TÍTULO AQUI1

INSERIR TEXTO AQUI

Referências

FIROLAMO, Giovanni; PRANDI, Carlo (orgs.). As Ciências das Religiões. 8. ed. São
Paulo: Paulinas, 2016.

FREUD, Sigmund. Totem e tabu. Disponível aqui <https://goo.gl/QEn6gJ> .


Acesso em 26 fev. 2018.

JAMES, William. Variedades da experiência religiosa. Um estudo sobre a natureza


humana. São Paulo: Editora Cultrix, 1991.

JUNG, Carl G. Obras completas. Psicologia e Religião. Volume XI/1. Petrópolis:


Vozes, 2011

PASSOS, João D.; USARSKI, Frank (Orgs.). Compêndio de Ciência da Religião.


São Paulo: Paulinas: Paulus, 2013.

Próximos Passos
Os problemas relativos ao conceito de religião: sua variedade e diversidade.

Dimensão macrossocial-institucional da religião (organização e instituição).

Dimensão microssocial-subjetiva da religião (afetos e subjetividade).

Explore mais

Pesquise na internet, sites, vídeos e artigos relacionados ao conteúdo visto.

Em caso de dúvidas, converse com seu professor online por meio dos recursos
disponíveis no ambiente de aprendizagem.

Leia o texto Nova era evangélica, confissão positiva e o crescimento dos sem-
religião <https://goo.gl/mc2Q5p> . Acesso em 26 fev. 2018.

Se você quiser mergulhar em águas mais profundas, leia esta tese de doutorado em
Ciência da Religião, defendida na PUC-São Paulo:

Literatura de autoajuda cristã: em busca da felicidade ainda na terra e


não só para o céu <https://goo.gl/9mfKvH> . Acesso em 26 fev. 2018.
Disciplina: Ciências da Religião

Aula 9: Linguagens da religião: organização, instituição e experiência

Apresentação
A religião se apresenta, se expressa e é reconhecida como religião a partir de algumas linguagens e estruturas,
independentemente da polêmica sobre seu caráter total ou parcialmente autônomo em relação às outras dimensões sociais ou
de ser ou não uma função social ou uma experiência profunda do sujeito.

Como a religião fala e como ela pode ser vista como um tipo de linguagem é o que você é convidado a ver nesta aula. A religião
pode ser a linguagem do poder, da violência e pode expressar-se como poder e como violência, mas também capaz de ser a
linguagem do amor e da tolerância e expressar amor e tolerância. Reflita sobre essas ambiguidades.

Alguns dizem que há na religião, uma vocação autoritária; outros que há uma vocação amorosa e uns terceiros dizem que a
religião é utilizada por outras forças em busca de legitimação e poder. De qualquer forma, a religião é uma linguagem, possui
linguagens e fala de si e do mundo por meio dessas linguagens, uma tripla condição que a torna um fenômeno complexo e
fascinante.

Objetivos
Reconhecer a religião com linguagem fundamental.
Identificar as linguagens e formas de organização da religião.
Localizar fatos e contextos básicos para as linguagens da religião.
Introdução
O que é uma linguagem?

Nesta aula, você é convidado a pensar um pouco sobre a teoria da linguagem cujo precursor influente, foi o linguista e
filólogo genebrino Ferdinand de Saussure (1857-1913). Observe que Saussure pensou a linguagem como um sistema de
signos e afirmou que este era uma relação entre significante e significado, ou seja, um elemento que agrupava um som
(áudio-imagem) a uma ideia (conceito).


Introdução à Simiótica com o professor Bernardo Espíndola | Fonte: Youtube
URL

Uma das teses mais instigantes para sua reflexão pessoal é a do agrupamento arbitrário, puramente convencional, entre
significante e significado. Pense um pouco, não há som ligado de forma eterna e inapelável ao agrupamento de letras da
palavra asa, por exemplo.


Comentário

Você se acostumou, por heranças sociais e culturais, a associar esta palavra ao som correspondente e à imagem ou
sentido evocado por ela. Isto é, você pode entender a linguagem como um sistema de signos criados sem conexão
previamente estabelecida “por natureza” ou “por alguma força divina”.

O som da palavra cão não tem nenhum vínculo com a ideia de cão. Saussure revolucionou os estudos de linguagem
e chamou atenção para o caráter arbitrário da natureza do signo: há uma ligação puramente relacional entre o
significante e o significado (o som e a ideia), ou seja, seria uma relação negativa.

Veja dois filósofos que aprofundaram os estudos de Saussure:


Ludwig Wittgenstein (1889-1951)

O filósofo austríaco-britânico pode ajudar você a entender mais o tema. Ele foi outro pensador que revolucionou a
teoria da linguagem, elaborou analogias entre a linguagem e o jogo de xadrez: as regras, que caracterizam o
xadrez como o jogo de xadrez não tem nada a ver com a forma das peças. Por exemplo, para que você compreenda
melhor, é possível usar qualquer coisa no lugar da rainha, uma tampa de refrigerante, um pedaço grosso de
madeira e chamar essa peça de rainha se a função for de rainha, ou seja, andar em todas as direções dentro do
tabuleiro do xadrez.

Assim, o signo (e seus elementos, o significante e o significado) é a peça do jogo e, portanto, não depende de uma
forma ou qualquer essência singular para existirem, mas, nesse caso, depende apenas da função dentro do sistema
a que pertence, uma linguagem.

Uma linguagem é um sistema de relações e de funções, baseadas em um sistema de signos, composto de


significantes e significados. A religião, nesse caso, é um sistema de signos que se move em relações específicas,
possui funções gramaticais e linguísticas específicas que não se confundem, por exemplo, com as linguagens do
poema e da poesia, da Arte e do Cinema, das Ciências Naturais e das Ciências Sociais.

Jacques Derrida (1930-2004)

Filósofo franco-argelino, aprofundou as teses de Saussure e manteve a arbitrariedade para os elementos da


linguagem, a saber, o signo e seus componentes, significante e significado, e acentuou o caráter negativo de todos
os elementos.

Suas existências seriam definidas em função das regras que estruturariam a linguagem, mas, sob uma condição, se
tudo aquilo que cerca o signo não é. A tampinha de cerveja pode desempenhar a função de rainha, no jogo de
xadrez e, por isso, ela, a tampinha, não faz a função do cavalo ou da torre e somente nessa rede de relações e
funções (no caso, desempenhar o papel da rainha) é que aparece como se estivesse vestindo uma coroa.

Para Derrida, há um jogo de paradoxos que você pode entender da seguinte forma: toda presença do significado é
uma ausência e toda ausência dele (significado) é uma presença. O significado se põe negativamente, ou seja, só se
põe negando uma série de outros significados e, agindo dessa forma, se apresenta (fenômeno, o que está à vista) à
medida que se retira.

A distinção entre gêneros de linguagens: religião,


história e ciência
Wilhelm Dilthey (1833-1911)
Preste atenção no que escreve um dos filósofos que procuraram fundamentar o projeto das Ciências Humanas:

o surgimento das ciências na Europa foi precedido por um tempo no qual se realizou o
desenvolvimento intelectual no interior da linguagem, da poesia e da representação
mítica, assim como no interior do progresso das experiências da vida prática.

DILTHEY, 2010, p. 159

 Sutulo / Pixabay
Essas linguagens que se formaram ao longo de séculos durante o desenvolvimento humano, estabeleceram sistemas de
relações muito diversos, distintos que se diferenciaram e não podem ser confundidos. Por exemplo, a ciência moderna,
desde sua ascensão a partir do século XVI, com Galileu Galilei (1564-1642), Isaac Newton (1643-1727), entre outros,
mudou a linguagem da investigação.

Na linguagem cientifica, a relação e a função essencial são expressas em cadeias de causalidade, explicadas em uma
1
lógica rigorosa sem falácias Nas próprias ciências, com as questões postas e com o passar do tempo, as polêmicas e
disputas, as linguagens científicas se diferenciaram, e surgiram as Ciências Humanas e Sociais, e dentro delas, as
Ciências da Religião.

Nesse sentido, a verdade não precisa mais ser definida como inventada ou descoberta, mas como uma propriedade de
enunciados da linguagem em correspondência com o contexto e a realidade.

Falácias1

Palavra com origem no latim fallacia, indica a característica ou propriedade de algo que engana ou ilude. Pode ser
entendida como uma linguagem que simula uma veracidade; sofisma. As falácias informais são difíceis de identificar, pois
possuem uma forma lógica válida. No âmbito da lógica, uma falácia consiste no ato de chegar a uma determinada
conclusão errada a partir de proposições que são falsas. Há muitos tipos, por exemplo, a falácia do espantalho: a
distorção de um argumento inicial ao mesmo tempo em que se tenta legitimar o argumento distorcido, para refutar o
argumento original (não distorcido). O argumento que é refutado não é o argumento que foi inicialmente apresentado.
Veja um exemplo a partir de um diálogo imaginário entre duas pessoas: Maria: “— Indivíduos menores de 20 anos
deveriam ser proibidos por lei de comprar bebidas alcoólicas”.
Marta: “— Isso é incentivar que indivíduos com mais de 60 anos consumam mais e vendam álcool para os menores de
20 anos! É inadmissível!”.
Neste exemplo, Marta distorceu o argumento do Maria inventando palavras para tentar refutá-la.
Onde se poderia ver isso?

Na multiplicidade de significados que todas as palavras carregam nas costas, a famigerada

polissemia intrínseca. Por exemplo, a expressão, “ele é um gatão”, pode remeter um gato de
raça grande, a um homem bonito ou a um leão feroz.

Cada palavra inscrita nas linguagens traz um grande número de significados, independente de seus usos, que são os
mais distintos possíveis e que mudam conforme o tempo, a história e a sociedade. Você pode notar, assim, o poder da
linguagem em sua arbitrariedade porque há uma dupla determinação:

1
O contexto determina o significado dado no texto.

2
O significado também determina o contexto dado.

Imagina o texto bíblico, por exemplo, o quanto é complexo e o quanto um teólogo precisa levar em conta os tipos, os
modos e as formas de linguagens e de gêneros textuais, as formas de recepção do texto etc.

 fonte: http://odetalhedapalavra.blogspot.com/2012/01/texto-biblico-
indispensavel-em-uma.html

Note que não se lê uma poesia que fala do corpo humano da mesma forma como se lê e se entende um texto médico de
anatomia, um texto acadêmico das Ciências Sociais sobre o corpo ou uma passagem bíblica que fala sobre o corpo. Se
isso for feito, haverá confusão, falta de discernimento. Essa propriedade paradoxal da linguagem, cria o que Derrida
chamou de desconstrução, que você pode entender da seguinte forma:

Todo texto, ao se colocar e firmar (afirmar), se põe de modo negativo-positivo (nega, adia e
indica significados), se desconstruindo ao mesmo tempo em que necessita se construir. Em

outras palavras, os textos são, por conta da linguagem, “autodestrutivos” porque é uma
característica factual, e comprovada, da linguagem humana.
Pensamento humano e linguagem são muito similares e, por conta disso, você pode pensar que o próprio pensar humano
é desconstrutivo. Se você tentar sair da prisão da linguagem, voltará para o mesmo lugar: é a linguagem que constrói
nosso mundo e simultaneamente nos mantém nele, na sua fraqueza, nos muitos contextos e em suas muitas semânticas
relativas.

A linguagem cria o eu, diriam os filósofos pós-modernos, e você poderia dizer, a linguagem da religião cria a religião. Não
haveria, nesse sentido, uma essência anterior à linguagem, mas a própria ideia de essência é produto da linguagem, e,
nesse caso, entenda essência como o desejo de que as coisas sejam mais fixas, permanentes, menos sujeitas às
mudanças.

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Friedrich Nietzsche (1844-1900)


É interessante que você remeta a Nietzsche que analisou a questão do sujeito em suas obras. Você pode pensar que o
sujeito (o eu) é natural e cheio de autonomia, contudo, Nietzsche propõe que o sujeito só é sujeito à medida que é
escrito, falado e indicado. Isto é, o sujeito não é um ponto fixo ou uma essência pronta desde sempre, mas um elemento
gramatical que faz a frase ser escrita, falada e enunciada segundo a estrutura de uma gramática, que necessita, e só
pode existir, como você sabe, dentro uma estrutura de frases com sujeito, verbo e predicado.

Daí você pode entender a famosa ideia de desconstrução, que muita gente acusa, sem ter lido nenhum “pós-moderno”. A
desconstrução é permitida a você não por decisão voluntária de sua própria cabeça, mas porque as características da
linguagem assim o exigem e o definem.
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Por isso, as traduções entre linguagens são, no sentido estrito, impossíveis ao pé da letra,
ou seja, só é possível uma aproximação tateante entre linguagens e seus significados dentro

de cada contexto e estrutura. Perceba que a comunicação poderia parecer impossível, mas
ela é sempre possível a partir de ajustamentos e correspondências entre linguagens e
sujeitos, o que é feito o tempo todo.

O que isso resulta, no campo das Ciências da Religião?


Pense, por exemplo, nas consequências para as religiões monoteístas do livro (sagrada escritura), como são chamados
os complexos e diversificados (interna e externamente) sistemas cristão, muçulmanos e judaico. O impacto dessa ideia e
concepção é muito grande:

Descarta os fundamentalismos

Na verdade, os fundamentalismos são frutos da má leitura dos textos sagrados, o resultado de confusão entre as
funções, os termos e as posições de uma linguagem e do diálogo entre as linguagens ou mesmo o empobrecimento
da linguagem. Saiba que um vocabulário e uma linguagem empobrecidos limitam a compreensão e a autonomia dos
seres humanos, tornando-os pobres e dificultando sua capacidade de interpretar os significados e as posições dos
signos nas estruturas da linguagem;

Contata que existem distintos modos de ler as literaturas e histórias sagradas

Por isso, as “contradições” na Bíblia, apontadas por muitos ateus, são, na verdade, dificuldade de entender os
gêneros, as linguagens e as funções das palavras no texto sagrado. Muito das acusações contra a ciência, como as
feitas pelas campanhas de famílias contra a vacinação de crianças, às vezes, vindas de pessoas engajadas
religiosamente, provém de incompreensões de como funcionam as qualidades e limitações da linguagem científica.

Pense um pouco sobre os três paradigmas de leitura, produção de textos e linguagem que decifra e interpreta
outras linguagens (a metalinguagem): pode-se ler um texto heurística (hermenêutica), política, estética e
tecnicamente

Pense um pouco sobre os três paradigmas de leitura, produção de textos e linguagem que decifra e interpreta outras
linguagens (a metalinguagem): pode-se ler um texto heurística (hermenêutica), política, estética e tecnicamente
1

Se você deseja apreciar ou fruir o texto, você está sob o paradigma estético.

Se você quer usar o texto para algum fim que envolva terceiros (convencer, fazer apologia de alguma coisa, atacar
alguém ou um grupo, marcar uma posição), então o paradigma é político.

Se você quer compreender o texto como ele deve ser compreendido, em termos técnicos, entendendo quem o escreveu
e em seu contexto original, então o paradigma é heurístico ou hermenêutico, e, nesse caso, deve-se levar em conta os
estudos sobre a história da recepção desse texto ao longo do tempo.

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Ler um texto religioso ou uma escritura sagrada é mergulhar em uma polifonia de linguagens diversas, distintas,
diferentes, é um mundo imenso e um labirinto.

Em geral, os textos religiosos possuem diferentes linguagens, por exemplo:


Moral

Modelos de conduta que variam de acordo com a época, a sociedade e o contexto.


Poética

Linguagem figurada, metáfora.


Erótica

O desejo, o corpo.

Sapiental

Reflexão e sabedoria.


Histórica

Registro de eventos e fatos.

Cada linguagem, veja bem, precisa ser considerada dentro de seus limites e em
diálogo com o contexto onde os livros e textos foram produzidos e como os
mesmos foram recebidos ao longo da história pelas diversas comunidade e grupos
e as interpretações que deles fizeram.

Atividade 1
As religiões que possuem escrituras sagradas, como o Cristianismo, o Hinduísmo, o Budismo, o Islamismo e o
Judaísmo, enfrentam um dos maiores desafios, que é a interpretação das palavras sagradas escritas no texto. A
interpretação passa pela questão de entender a religião como linguagem.

Nesse sentido, considerando a questão da religião como uma linguagem assinale a alternativa correta:

a) Um texto sagrado expressa um tipo único de linguagem e só pode ser interpretado por um tipo de linguagem.
b) Um texto sagrado contém um tipo único de linguagem e só pode ser entendido com um único tipo de
linguagem.
c) Um texto sagrado expressa diferentes tipos de linguagem e só pode ser bem entendido se se consideram as
funções dessas linguagens.
d) Um texto sagrado é a expressão de diversos tipos de linguagem e só ser entendido a parir de um único tipo de
linguagem.
e) Um texto sagrado é fruto de muitos tipos de linguagem e só pode ser entendido com um tipo de linguagem.
Atividade 2
A religião pode ser vista como a expressão de linguagens, por exemplo, uma linguagem espaço-territorial. Em
outras palavras, toda religião existe em um espaço e território e possui uma linguagem espacial. Mircea Eliade
analisa essa linguagem, no livro O sagrado e o profano.

A partir dessa análise, indique a alternativa correta:

a) Para o homem religioso, o espaço não é homogêneo, ou seja, o espaço apresenta rupturas e quebras; há
porções de espaço qualitativamente diferentes das outras.
b) Para o homem religioso, o espaço é homogêneo, ou seja, o espaço não apresenta rupturas e quebras; não há
porções de espaço qualitativamente diferentes das outras.
c) Para o homem religioso, o espaço não é homogêneo, ou seja, o espaço não apresenta rupturas e quebras; não
há porções de espaço qualitativamente diferentes das outras.
d) Para o homem religioso, o espaço é homogêneo, ou seja, o espaço apresenta rupturas e quebras; não há
porções de espaço qualitativamente diferentes das outras.
e) Para o homem religioso, o espaço é heterogêneo, ou seja, o espaço não apresenta rupturas e quebras; há
porções de espaço qualitativamente diferentes das outras.

A religião como organização


Um dos fatos mais básicos da linguagem religiosa é que ela se expressa sob a forma de uma organização e/ou de uma
instituição. Uma religião, qualquer que seja seu culto, seus deuses, suas formas, seus símbolos, possui elementos
básicos, entre os quais:

Um sistema de crenças

Um código ético

Um sistema de organização

Emile Durkheim escreveu, em sua obra maior, As formas elementares da vida religiosa, que não encontramos, na
história, religiões sem igreja, ou, traduzindo seu pensamento, toda religião implica uma forma de organização social.

Veja que a religião é uma linguagem encarnada em práticas e ritos concretos, mas uma linguagem que socializa os
indivíduos, fazendo com que estes aprendam um papel social.
Segundo o antropólogo Marcelo Camurça (2013, p. 287-298):

Os ritos coletivos praticados por meio das ‘igrejas’, enquanto culto às divindades, são a

forma de inculcar no indivíduo os sentimentos sociais que por meio da religião fazem-no
sentir parte da sociedade.

Marcelo Camurça

O sagrado, como expressão do social, nasce da efervescência e vai progressivamente se institucionalizando e uma
“religião” e daí em uma “igreja”, com ritos, regras, normas etc.

Max Weber (1864-1920)


Em Weber, há uma mudança: temos a passagem do carisma 2 selvagem para uma situação de rotina, o que ele chama
de rotinização do carisma. Em outras palavras, em torno do líder carismático surge um grupo e uma comunidade que,
com a morte ou o desaparecimento dessa liderança, se vê as voltas com a necessidade de continuar (a questão dos
sucessores).

Com isso, muda-se a autoridade e a transmissão do carisma, passando a ser controlado pelos adeptos do líder, que
passam a se organizar e racionalizar a mensagem carismática. Você poderia se perguntar, por um exemplo, e Weber
responde: o Cristianismo.

Carisma2

Na linguagem sociológica de Weber, é um tipo de autoridade e um modo de dominação baseada na ideia de um


indivíduo, considerado pelo grupo ou pela comunidade com uma qualidade fora do comum (extraordinária) e do
crescimento das redes de poder em torno dele. É pessoal, individual e, a rigor, intransferível. Ao lado do elemento
racional-legal e da tradição, um dos três tipos ideias de autoridade e poder.


Comentário

Após o desaparecimento de Jesus, seu carisma fundador foi transformado em uma Igreja, uma organização
hierocrática que se mantém por meio do “carisma de função ou de cargo”, um tipo de dispositivo permitindo que a
comunidade ou o grupo continue, por outras vias, o carisma pessoal e individual do fundador ou líder.

E isso se daria por dois meios:

A rotinização do carisma se dá pela via legal-racional — quando se criam normas e estruturas legais e racionais,
burocráticas.

Ou

Pela via da tradição — quando se criam normas e regras baseadas em costumes e hábitos que vão se arraigando.
Religião como linguagem do sagrado e como
linguagem sagrada
Mircea Eliade (1907-1986)

O historiador, filósofo e cientista da religião romeno trata muito bem desse aspecto. O sagrado é uma presença e uma
linguagem permanente e universal, é uma linguagem que os seres humanos possuem.

Leia e medite sobre suas palavras, nos trechos a seguir:


O homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra como algo
absolutamente diferente do profano. A fim de indicarmos o ato da manifestação do

sagrado, propusemos o termo hierofania. Este termo [...] exprime apenas o que está
implicado no seu conteúdo etimológico, a saber, que algo de sagrado se nos revela. [...].

A partir da mais elementar hierofania — por exemplo, a manifestação do sagrado em um


objeto qualquer, urna pedra ou uma árvore — e até a hierofania suprema, que é, para um

cristão, a encarnação de Deus em Jesus Cristo, não existe solução de continuidade.

(Grifos do professor.

ELIADE, 1992, p. 13

A linguagem do sagrado se expressa como paradoxo, porque, ao mesmo tempo em que fala a todos os seres humanos,
encarna-se para seres humanos em determinadas épocas, símbolos, formas e religiões. Por exemplo, em sua maioria, as
religiões possuem uma noção de “centro do mundo”, o lugar mais importante do Universo, que, obviamente, é diferente
para cada religião específica.

Para os cristão e judeus, Jerusalém é fundamental, para os cristãos-católicos, além de Jerusalém, Roma, a cidade eterna.
Repare que, nos mitos que envolvem esses lugares, existem narrativas de jardins e árvores da vida, expressões
simbólicas presentes entre judeus, cristãos e muçulmanos, assim como o paraíso.
 Estrela de Davi

Continuando os exemplos, todas as religiões possuem uma temporalidade profana e um tempo sagrado, no qual se
repetem (por meio dos rituais), os atos ou eventos fundadores, a cosmogonia no dizer de Mircea Eliade.

Nas cosmogonias, o elemento feminino e o masculino existem em combinações variadas, mais “patriarcais”, nas religiões
semíticas, como o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo e mais “matriarcais” no caso das cosmologias de povos
étnicos.

Você reparou no uso das aspas?

As palavras “patriarcal” e “matriarcal” devem ser usadas com cuidado e no sentido de ver a
primazia do pai ou da mãe, sem julgamento de valor.

As festas e os tempos festivos existem nas religiões como linguagens específicas dentro da linguagem maior. O mito é
uma linguagem de linguagens que você já viu em aulas anteriores e está presente nas religiões como a forma de um
modelo exemplar.

Mas, e na vida moderna, como fica a linguagem do


sagrado?
Mudou completamente. Leia um trecho escrito esse historiador e filósofo romeno:

Para a consciência moderna, um ato fisiológico — a alimentação, a sexualidade etc. — não
é, em suma, mais do que uni fenômeno orgânico [...]. Mas para o ‘primitivo’ um tal ato

nunca é simplesmente fisiológico; é, ou pode tornar-se, uni ‘sacramento’, quer dizer, uma
comunhão com o sagrado.

ELIADE, 1992, p. 30-40 (Grifos do professor.

Não há um ato ou gesto sagrado em si mesmo, e que o sagrado ou o profano, apesar de serem signos universais,
dependem do jogo de linguagens e dos contextos em que esse jogo ocorre.

Atividade 3
A ciência, a religião e a poesia são linguagens distintas, com contextos, histórias e funções distintas que mudaram
ao longo do tempo, segundo o filósofo Wilhelm Dilthey (1833-1911).

Sobre a distinção de gênero de linguagens, assinale a alternativa correta:

a) Na linguagem cientifica, a relação e a função essencial não são expressas em cadeias de causalidade,
explicadas em uma lógica rigorosa sem falácias.
b) Na linguagem religiosa, a relação e a função essencial são expressas em cadeias de causalidade, explicadas em
uma lógica rigorosa sem falácias.
c) Na linguagem poética, a relação e a função essencial são expressas em cadeias de causalidade, explicadas em
uma lógica rigorosa sem falácias.
d) Na linguagem cientifica, a relação e a função essencial são expressas em cadeias de metáforas e analogias
poéticas, explicadas em uma lógica simbólica.
e) Na linguagem religiosa, a relação e a função essencial são expressas de diversos modos, o poético, o moral, o
sapiencial etc.

Religião como linguagem geográfico-espacial


 Andrew Stutesman ; Unsplash
A religião possui uma forte linguagem espaço-territorial. A Ciência da Religião que estuda esse aspecto denomina-se
Geografia da Religião, sendo um pouco recente como disciplina autônoma, desde os anos 1960.

Nas palavras do geógrafo da religião, Gil Filho (2008), no livro Espaço sagrado. Estudos em geografia da religião, não é
possível entender a religião sem entender suas linguagens espaciais e territoriais. As religiões apresentam-se no espaço
cultural, social econômico e político com linguagens universais e específicas.

Por exemplo, todos os templos de todas as religiões possuem divisões, estruturas, lugares definidos para funções,
imagens e símbolos específicos etc.:

Na religião amazônica...

O Santo Daime, em geral, seus templos possuem bancos e posições em semicírculo, uma mesa central e divisão entre
homens e mulheres.
Na igreja pentecostal

Na igreja Congregação Cristã, no Brasil, os bancos são dispostos em filas horizontais e sucessivas, homens e mulheres
estão em lados opostos, o que não se verifica em outras Igrejas pentecostais.


Comentário

Perceba que os espaços e seus usos, e as linguagens, mudam com o correr dos tempos. Por exemplo, nos templos
católicos entre os séculos XVI e XVIII, no Brasil, quase não havia cadeira ou banco para que as pessoas se
assentassem.

Até os anos 1960, antes do Concílio Vaticano II, separavam-se homens e mulheres, que usavam véus sobre a cabeça,
sendo que cada cor simbolizava uma situação:

Grandes historiadores brasileiros, como o pernambucano Gilberto Freyre, quando


escreveu seu livro clássico, Casa grande e senzala (de 1933), assinalam que o uso
do véu pelas mulheres católicas é uma clara influência da cultura islâmica.

Mas como?
Entre os anos 730 e 1492 d.C., data da queda da cidade espanhola de Granada, capital do império muçulmano Al-
Andaluz, as regiões que hoje são Portugal e Espanha ficaram sob forte influência islâmica. Perceba que, no mundo das
religiões, uma linguagem dicotômica, do tipo “eles são inimigos e nós somos bons”, não é uma boa linguagem para um
teólogo ou um pesquisador das religiões compreender de fato e com profundidade.

Pense no que escreve Mircea Eliade:


Para o homem religioso, o espaço não é homogêneo: o espaço apresenta roturas
[rupturas], quebras; há porções de espaço qualitativamente diferentes das outras. ‘Não

te aproximes daqui, disse o Senhor a Moisés; tira as sandálias de teus pés, porque o lugar
onde te encontras é uma terra santa.’ (Êxodo, 3: 5). Há, portanto, um espaço sagrado, e

por consequência “forte”, significativo, e há outros espaços não sagrados, e por


consequência sem estrutura nem consistência, em suma, amorfos.

ELIADE, 1992, p. 80(Grifos do professor).

A religião como linguagem espacial estabelece os signos do sagrado e do profano, mas, veja que é preciso levar em
conta a posição e o contexto dos signos, os contextos históricos, sociais, políticos etc.

Atividade 4
A religião pode ser entendida como organização, ou seja, uma estrutura que pretende perdurar no tempo e no
espaço transmitindo a mensagem religiosa. Muitos foram os autores que analisaram esse aspecto das religiões.

Sobre a religião como organização, assinale a alternativa correta:

a) Uma religião possui como elementos básicos, um sistema de crenças, um código ético e um sistema de
organização.
b) Uma religião, na perspectiva durkheimiana, é uma linguagem encarnada em práticas e ritos concretos, mas
uma linguagem que socializa os indivíduos.
c) Uma religião, na perspectiva durkheimiana, é uma linguagem que marca a passagem do carisma selvagem
para uma situação de rotina, a rotinização do carisma.
d) Uma religião, na perspectiva durkheimiana, não é uma linguagem do conflito entre o sagrado selvagem,
efervescente e espontâneo e o sagrado domesticado, burocratizado.
e) Uma religião, na perspectiva durkheimiana, não é uma linguagem que marca a passagem do carisma selvagem
para uma situação de rotina, a rotinização do carisma.
Religião como linguagem política: laicidade e
secularização
A religião não ocupa mais o lugar que ocupou, por exemplo, na Idade Média, que entre os séculos V e XVI d. C., com
muita diversidade e questões impedem você de vê-la como algo uniforme, invariável ou homogêneo, mesmo
considerando-se a centralidade de questões teológicas e religiosas.

A religião, em especial a que se manifestava como uma instituição (as igrejas, Católica e Protestante) era a face social,
cultural e política do mundo ocidental. Veja que muitos fatos históricos e sociais abalaram paulatinamente essa
centralidade e a religião, como linguagem de poder e como poder da linguagem, será reposicionada e ressignificada.

Os abalos da Revolução Francesa (1789) e do Iluminismo, da Revolução Industrial (século XVIII e XIX), da Revolução
Tecnológica e Biogenética (século XX e XXI), alteraram definitivamente a religião como linguagem do poder. Observe que
outras linguagens do poder passaram a se expressar: o Estado e seus aparelhos de sustentação, o poder judiciário, o
legislativo e o executivo, procuraram separar-se — com mais ênfase, no mundo ocidental ou sob sua influência — dos
ditamos dogmáticos de uma religião e afirmaram postulados políticos democráticos e universais.

Você é convidado a pensar um pouco sobre o fato de que tal mudança não significou expulsar religião dos espaços
públicos e sociais. Ao contrário, as religiões modificaram-se, se revestiram de novas formas de linguagem a interagirem
de múltiplas formas com o espaço político e midiático, por exemplo, legitimando demandas e identidades desde as mais
conservadoras às mais progressistas.

 Gravura “Liberdade nas barricadas” de Delacroix - Revolução francesa /


Shutterstock

 Gravura de máquinas que fazem a linha de algodão / Shutterstock

 Silhuetas de braços de robô de automação | Shutterstock


Cândido Procópio Camargo (1922-1987) & Antônio
Flávio Pierucci (1945-2012)
Para os sociólogos brasileiros da religião Cândido Procópio Camargo e seu continuador, o paulista Antônio Flávio Pierucci,
havia, e há, uma trajetória de declínio de certa linguagem da religião. Ambos retomaram as colocações clássicas da
Sociologia, em especial a weberiana para analisar como a religião, na modernidade, está estruturada no Brasil.

Note que, entre 1961 e 1973, Camargo escreveu três livros que abriram o caminho para uma nova linguagem acadêmica
sobre a religião no Brasil:


1

Kardecismo e umbanda: uma interpretação sociológica


2

Católicos, protestantes, espíritas


3

Igreja e desenvolvimento

A Sociologia da Religião, no Brasil, como em outros lugares do mundo, nasceu no momento de declínio do
Cristianismo/Catolicismo, em momento de forte mudança social, cultural, urbana, comunicacional. Para o sociólogo
paulista tratava-se, observe com atenção, de compreender a religião como mudança e transformação, ruptura com as
ordens tradicionais, enfim, religião enquanto instituição/força/dimensão inseparavelmente ligada à sociedade, aos seus
dilemas, aventuras e desventuras.


Saiba mais

Um dos textos mais instigantes de Pierucci, Religião como solvente: uma aula <https://goo.gl/zYdAJn> , é
guiado por várias questões, inclusive esta: por que as religiões da “tradição”, da “continuidade”, do “consenso”
(Umbanda, Catolicismo, Luteranismo), minguaram no Brasil ao longo dos censos populacionais? Com isso, Pierucci
propõe algumas teses sobre a estruturação do campo religioso, a produção das individualidades e a articulação
entre raça, cor, classe social e expressões religiosas.

Em suas palavras:

A religião universal de salvação individual, forma religiosa que no desenvolvimento geral
da cultura tende a predominar sobre as demais, funciona como um dispositivo de

Vergemeinschaftung, de comunidade in fieri, quem, entretanto, e para tanto desliga as


pessoas de sua cultura-mãe, de um contexto cultural que antes lhes parecia natural e,

portanto, congenial. Destribaliza o índio e desterritorializa (melhor: deslocaliza) o


vizinho, fazendo do estranho o verdadeiro próximo, o verdadeiro irmão em um laço de fé

outro que o protende e projeta numa outra relação com a temporalidade de seus laços

sociais, que remove o mais próximo para o passado enquanto projeta no estranho o
doravante-próximo.

PIERUCCI, 2006

O mundo religioso perdeu a evidência de natural, pois com as profundas mudanças sociais, o esboroamento da
separação burguesa entre público e privado, novos meios de comunicação etc., embora a religião passou a ser vista
como símbolo de identidade. Pouco a pouco, reflita bem, a religião adquiriu novos sentidos, inclusive públicos, políticos e
sociais, mobilizou massas, mudanças e lutas reacionárias (voltar ao antigo esquema, especialmente o moral-sexual) e
revolucionárias (mudar completamente as condições sociais, culturais e econômicas).

Como diferenciação institucional entre as esferas de valor do mundo moderno (religião, arte, ciência, política, sexo etc.),
cujos motivos iniciais encontram-se no interior do sistema religioso cristão-ocidental. A magia e a religião deixam de ser
a totalidade absoluta das comunidades humanas e tornam-se sistemas ou segmentos em constante fricção e interação
com outros sistemas (política, arte, acadêmica, ciência, sexualidade).

Como racionalização e desencantamento do mundo (recuo da magia e da religião como fundamentos da imagem do
mundo e do homem) e sua re-apresentação como sistemas em interação com outros sistemas (política, ciência etc.). Ou
seja, a ciência e suas narrativas racionais ocuparam o lugar central das explicações do mundo e seu funcionamento, da
vida e do ser humano, deslocando as explicações teológicas e religiosas para outros planos da existência e do mundo.
Mas, concomitantemente, nos tempos contemporâneos, o elemento mágico e o elemento religioso podem ser conjugados
por cientistas e pesquisadores em suas vidas pessoais e privadas.

Como desregulação do religioso (mercado e campo religioso) e recuo dos poderes normativo-institucionais frente ao
individualismo como modo de vida. Quem demostra muito bem essa tese, é a socióloga da religião Danièle Hervieu-Léger
(1947-), que analisou como as crenças religiosas se recompõem na modernidade, influenciadas por uma forte linguagem
emocional e corporal.

Como enfraquecimento da metafísica e da ontologia em toda cultura ocidental e as reações a esse processo, por
exemplo, a nostalgia de uma identidade pesada e atrelada a um passado idealizado, que irão influenciar os movimentos
fundamentalistas e de retomada de uma tradição romantizada e distorcidas em muitas religiões universais, por exemplo,
budistas, cristãos, islâmicos.
5

Como secularização da esfera pública e estatal (e laicização), ou seja, a perda do controle religioso sobre as estruturas
públicas e estatais, embora as igrejas, em geral cristãs, tentem manter influência, em muitos países, sobre estruturas
público-legais, militando contra o aborto e "casamento gay", por exemplo, a partir da atuação de bancadas religiosas.

Alguns pesquisadores defendem que a laicidade não deve ser confundida com a secularização. Esta última pode ser vista
como a perda das determinações do religioso ou do sagrado [dessacralização] e de suas instituições sobre o conjunto da
vida social, política, estética, jurídica, cultural, cognitiva-intelectiva-científica, educacional e econômica de uma
sociedade.

A laicidade está relacionada com a derrocada da influência religiosa na relação jurídica Igreja-Estado. Ambas, laicidade e
secularização, solapam o monopólio dos argumentos religiosos e sua pretensão de exclusividade sobre os assuntos
humanos. Doravante, a religião não terá mais o monopólio da legalidade/legitimidade para fundamentar as estruturas
sociopolíticas, jurídicas e culturais.

 http://www.vermelho.org.br/noticia/272405-1

Os discursos religiosos, no contexto da formação do espaço e da esfera públicas, foram

forçados, desde então, a abrir mão do uso da coerção, da censura e da imposição violenta
das verdades da fé. Na visão de alguns pesquisadores, a laicidade estatal, no Brasil, não

possui força normativa e cultural para promover a secularização e assegurar sua própria
reprodução.

 http://www.ofmscj.com.br/?p=3594
No dizer do sociólogo da religião Ricardo Mariano (MARIANO, 2011), ao contrário, tem “sido acuada pelo avanço de
grupos católicos e evangélicos politicamente organizados e mobilizados para intervir na esfera pública”, pois “gozam de
situação legal privilegiada”, conseguindo “volta e meia, através de seus lobbies e de sua representação parlamentar,
forçar uma insuportável capitulação do poder público”.

Por fim, Ricardo Mariano (2011) faz um alerta:


A laicidade não constitui propriamente um valor ou princípio nuclear da República

brasileira, que deve ser defendido e preservado a todo custo, nem a sociedade brasileira

é secularizada como a francesa e a inglesa [...] o que [...] constitui séria limitação às
pretensões mais ambiciosas de laicistas.

Ricardo Mariano, 2011

Atividade 5
A religião, na modernidade, se tornou uma linguagem política, de protesto e identidade. Mas, entre o mundo
medieval e o mundo moderno, emergiram a laicidade e a secularização.

Sobre essa passagem e transformação, assinale a alternativa correta:

a) A religião, como linguagem de poder e como poder da linguagem, ocupa lugar central no mundo moderno.
b) A religião, como linguagem de poder e como poder da linguagem, não ocupou lugar central no mundo do
medievo.
c) A religião, apesar de perder a centralidade no mundo moderno, reproduziu velhos sentidos e não mobilizou
mudanças e lutas reacionárias.
d) A religião, no mundo moderno, adquiriu novos sentidos públicos, políticos e sociais, mobilizou mudanças e
lutas reacionárias.
e) A religião, como centro do mundo moderno, perdeu sentidos públicos, políticos e sociais, mas mobilizou
mudanças e lutas reacionárias.

Notas
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Referências

CAMURÇA, Marcelo. Religião como organização. PASSOS, João D.; USARSKI, Frank (orgs.). In: Compêndio de Ciência da
Religião. São Paulo: Paulinas: Paulus, 2013, p. 287-298.
DILTHEY, Wilhelm. Introdução às ciências humanas — tentativa de uma fundamentação para o estudo da sociedade e da
história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 159.

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 13.

FIROLAMO, Giovanni; PRANDI, Carlo (orgs.). As Ciências das Religiões. 8. ed. São Paulo: Paulinas, 2016.

GIL FILHO, Sylvio Fausto. Espaço sagrado. Estudos em geografia da religião. Curitiba: Intersaberes, 2008.

MARIANO, Ricardo. Laicidade à brasileira. Católicos, pentecostais e laicos em disputa na esfera pública. In: Revista Civitas,
Porto Alegre, v. 11, n. 2, p. 238-258, p. 254, maio-ago. 2011, disponível aqui <https://goo.gl/M64oBT> . Acesso em: 05
fev. 2018.

OTTO, Rudolf. O sagrado. Petrópolis: Vozes, 2000.

PIERUCCI, Antônio Flávio. Religião como solvente: uma aula. In: Novos estudos. CEBRAP. São Paulo, n. 75, p. 111-127, jul.
2006. Disponível em: aqui <https://goo.gl/GnfB67> . Acesso em: 05 fev. 2018.

SILVEIRA, Emerson Sena; MORAES JÚNIOR, Manoel Ribeiro de. A dimensão teórica dos estudos da religião: horizontes
histórico, epistemológico e metodológico nas Ciências da Religião. São Paulo: Fonte Editorial, 2017.

Próximos Passos

A religião e suas múltiplas linguagens: estética, arte, política.

A religião e suas múltiplas linguagens: literatura, identidade visual, consumo.

Espiritualidade e “pós-modernidade”.

Explore mais

Observe esses artigos que falam de algumas das linguagens da religião:

Leia os textos:

Elementos para uma cartografia da fé: usos religiosos do espaço urbano e interpelação da laicidade
<https://goo.gl/MA1Vs1> . Acesso em 26 fev. 2018.
Turismo religioso popular? entre a ambiguidade conceitual e as oportunidades de mercado
<https://goo.gl/zK7gNY> . Acesso em 26 fev. 2018.
O potencial da Ciência da Religião de criticar ideologias — um esboço sistemático <https://goo.gl/TG5fE9> .
Acesso em 26 fev. 2018.
Disciplina: Ciências da Religião

Aula 10: Linguagens da religião: estética, política, literatura

Apresentação
As reflexões acadêmicas sobre as linguagens da religião são desafiadas por uma
pauta de fenômenos que não cessa de ampliar-se, exigindo novas competências dos
pesquisadores dos fenômenos religiosos, inclusive os teólogos: abertura de mente,
disposição para aprender novas linguagens, sensibilidade ampla, inclusive artísticas,
controle consciente dos preconceitos religiosos, políticos e artísticos.

A pauta das linguagens da religião, no mundo pós-moderno, hermenêutico-


metodológica do pesquisador em Teologia, Ciências da Religião, inclui: corporeidade;
mulher; masculinidade; feminismo; transexualidade; negritude; identidades
universais e regionais; movimentos sociais; consumismo e mídia; saúde e terapia;
conservadorismo, sincretismo e hibridismo cultural e religioso; violência múltipla e
transversal; racismo disseminado; etnias reinventadas; novas classes/segmentos
socioeconômicos; ativismo antigo e cibernético; juventude velha e nova; antigo e
novo fundamentalismo; esquerda e direita; rede eletrônica; novos circuitos de
consumo, bens e serviços (mercado/produto orgânico, mercado solidário);
biotecnologia e Engenharia genética; apropriação tecnológica (software livre, cultura
digital); conflito global e local; monopólio; novas ecologias; populismo de direita e de
esquerda; velho e novo culto à personalidade de líderes etc.

Objetivos
Compreender a religião como linguagem das Ciências da Religião.
Identificar a linguagem estética e política da religião.
Apontar fatos e contextos básicos das linguagens da religião.
Introdução

Você é convidado a refletir sobre a religião e suas múltiplas linguagens e


sobre a religião como linguagem múltipla. A religião e suas linguagem
atravessam os tempos e sociedades, e veja que a reflexão deve ser ampla,
sem preconceito contra qualquer expressão religiosa, uma atitude
fundamental do pesquisador que deseja entender religião e religiões.

 Conjunto de símbolos de religiões do mundo.


(Fonte: martin951 / Shutterstock)

Quanto à religião, considerando o ontem e o hoje, temos:

História da humanidade

Na longa história humana, a religião revestiu-se de uma poderosa linguagem


espacial, artística e literária, com muitos tipos e diversidade.

Modernidade

Na modernidade, a religião revestiu-se de uma linguagem política,


mercadológica, consumerista (para diferenciar de consumista, de conotação
negativa), política e cibernética (ligada às novas tecnologias de comunicação).

Comentário

Um bom teólogo abre-se à compreensão dessas muitas linguagens, de


ontem e de hoje.

A religião e a linguagem
Você viu o quanto a religião está ligada ao espaço, o quanto o sagrado se fez
no espaço e é no espaço que a religião desenvolveu formas específicas de
experiência, individual e coletiva, do religioso.

As hierofanias podem ser celestes, relativas ao céu e aos simbolismos, por


exemplo, o Sol é frequentemente retratado em muitas cosmologias de povos
étnicos ou em muitas religiões, inclusive o Cristianismo.

 Fundo celestial pacífico. (Fonte: IgorZh/ Shutterstock)


A figura do Céu é fundamental, está em orações, pinturas, ritos e mitos. É
comum, nas religiões populares, no Brasil, por exemplo, o Cristianismo
católico e evangélico popular, ou as expressões afro-religiosas (Umbanda e
Candomblé) usar expressões como “O castigo veio dos céus”, “Deus está nos
céus”, “Ogum triscou o céu com a espada” etc.

Na fala de Eliade (1992, p. 59):



Para o homem religioso, a Natureza nunca é
exclusivamente ‘natural’: está sempre carregada de um

valor religioso. Isto é facilmente compreensível, pois o

Cosmos é uma criação divina: saindo das mãos dos

deuses, o Mundo fica impregnado de sacralidade. Não

se trata somente de uma sacralidade comunicada pelos

deuses [...] O Céu revela diretamente, “naturalmente”,

a distância infinita, a transcendência do deus. A Terra

também é ‘transparente’: mostra-se como mãe e


nutridora universal. Os ritmos cósmicos manifestam a

ordem, a harmonia, a permanência, a fecundidade. No

conjunto, o Cosmos é ao mesmo tempo um organismo

real, vivo e sagrado: revela as modalidades do Ser e da

sacralidade.

ELIADE, 1992, p. 59. (Grifos do professor).

Veja o caso das procissões, peregrinações e romarias. Em geral, são


constituídas de deslocamentos no espaço para a ida a lugares sagrados,
santificados, vistos como hierofanias, para usar o termo de Mircea Eliade
(1907-1986). Mas não é apenas na religião cristã-católica que se manifestam
esses grandes deslocamentos de pessoas, afetos, corpos.
Os lugares onde ocorreram fortes manifestações do sagrado recebem milhões
de visitantes, entre turistas, peregrinos, romeiros e outros. Exemplos:

Um dos maiores centros de peregrinação do Catolicismo está em Roma


(Itália). É simples entender o porquê: a capital do mundo antigo foi o
lugar onde o Cristianismo perseguido (mártires, o Coliseu, em que Pedro
foi crucificado etc.), lugar onde nasceu a primeira igreja ocidental (Igreja
Católica).
No Islamismo, o lugar de maior visitação é Meca, cidade-chave na
história religiosa de todas as correntes islâmicas, xiitas e sunitas. São
dezenas de milhões de mulheres e homens que vão a esta cidade render
homenagens ao fundador, Mohammed, conhecido como Maomé (uma
corruptela do nome original).
No Hinduísmo, um grande complexo de sistemas de valores, crenças e
divindades, uma das religiões mais antigas da humanidade, Benares
(Varanasi), é a cidade sagrada mais importante, com uma arquitetura
religiosa rica e um enorme afluxo de homens e mulheres, inclusive
ocidentais, adeptos de variadas correntes hinduístas ou que
simplesmente admiram a espiritualidade hinduísta.
No Budismo, religião que possui distintas correntes, o lugar mais
importante é Lumbini, no Nepal, palco de centenas de romarias e
peregrinações.

No caso do Lamaísmo (variante do budismo tibetano concentrada nas


figuras religiosas dos lamas, monges líderes), a cidade de Lhasa, no
Tibet, ocupado pela China, é centro de uma grande peregrinação.
No Xintoísmo, religião nativa do Japão, Kyoto é a cidade sagrada.

No Brasil, à cidade de Aparecida (SP), acorrem 6 milhões de pessoas por


ano aos dois santuários, um do século XVII e outro dos anos 1960,
recém-acabado, um dos maiores do mundo.
Todos esses não são apenas centros em que se manifesta a linguagem
religiosa. No decorrer do tempo, os lugares e as festas religiosas adquiriram
novos significados nas sociedades ocidentais modernas de mercado e
democracia. Nasceu uma nova linguagem pela qual a religião se expressa: o
turismo religioso.

No turismo religioso, de variados modos e tipos, a religião se relaciona com


estruturas de sustentação mercadológicas. Ainda em relação aos espaços
sagrados, as visitações a Terra Santa/Jerusalém fizeram parte do imaginário
cristão, mas foi na modernidade que elas adquiriram o elemento turístico-
comercial dos tempos capitalistas.

Atividade
1. A religião possui muitas linguagens e é, ela mesma, uma poderosa
linguagem. Em relação à linguagem espacial da religião, assinale a
alternativa correta:

a) Na linguagem espacial da religião, as hierofanias são fundamentais.


b) Na linguagem espacial da religião, as hierofanias não são
fundamentais.
c) Na linguagem espacial da religião, o turismo religioso é
fundamental.
d) Na linguagem espacial da religião, apenas as romarias são
fundamentais.
e) Na linguagem espacial da religião, somente as hierofanias celestes
são fundamentais.

Outro aspecto fundamental da linguagem religiosa é a literatura, que pode ser


oral ou escrita. A religião se expressa e é a expressão de mitos, encarnados
em canções, poemas, contos, romances e no texto sagrado propriamente dito.
Aqui, há uma vastidão de dados e informações, uma riqueza de detalhes
impressiona e não será possível abordar tudo em uma aula, mas se espera
que você abra sua sensibilidade e mente, para as riquezas de todas as
religiões.

As tradições orais são mais antigas, passadas de geração em geração,


preservadas sob a formas de cânticos, poemas recitados etc. As religiões de
Norte a Sul do Planeta Terra, desde tempos muito antigos — acredita-se que
uns 20 mil a 40 mil anos — desenvolveram muitas expressões ligadas à
linguagem falada e cantada.

Observe que muito tempo depois essas tradições foram registradas, por
exemplo, nas grandes civilizações mundiais (egípcia, babilônica, assíria, as
hindus, inca, maia, astecas, etrusca, grega, romana etc.).

Cada uma dessas civilizações é um mundo, com muita riqueza, com milhares
de anos. É preciso falar das centenas de pequenas sociedades existentes e
que existiram em todos os lugares do mundo, com seus ritos, cultos, suas
divindades etc.


Saiba mais

Muito desse rico material foi perdido, mas uma parte foi registrada por
etnólogos, antropólogos, missionários, viajantes de grandes centros e
cidades mundo afora. As transformações, ao longo da história, foram
muitas, mas é possível agrupar em torno de alguns momentos
(nomadismo, invenção da agricultura, invenção do alfabeto, era do
bronze e do ferro, era das grandes civilizações). No Mesolítico e Neolítico,
mais ou menos entre 10 e 8.000 a.C., ocorreu o fim da glaciação (longos
invernos) e a invenção da agricultura.

Durante milhares de anos essas sociedades caçadoras/coletoras


desenvolveram uma mitologia do sagrado e das expressões artísticas e
literárias, bem diversa das sociedades agrícolas, por exemplo. Muitas dessas
sociedades deixaram a arte rupestre 1 em muitos lugares. Entre as mais
famosas, estão Altamira e Lascaux (Espanha e França). Uma das mais antigas
pinturas rupestres está na Caverna de Chauvet, centenas de desenhos de
leões, cavalos, bisões etc. no Sul da França e há 30 mil anos de antiguidade.
Abaixo, réplica de parte dos desenhos (cavalos selvagens):

 Cavalos selvagens em pintura rupestre (Fonte:


Commons Wikimedia)

Algumas dessas sociedades caçadoras e coletoras davam destaque à figura


feminina e a transformaram em arte. Um exemplo de arte sagrada, veja que
interessante, é a famosa estatueta Vênus de Willendorf, com cerca de 11
centímetros, descoberta em 1908, dentro de um sítio paleolítico em um
vilarejo da atual Áustria.

Saiba mais

Muito desse rico material foi perdido, mas uma parte foi registrada por
etnólogos, antropólogos, missionários, viajantes de grandes centros e
cidades mundo afora. As transformações, ao longo da história, foram
muitas, mas é possível agrupar em torno de alguns momentos
(nomadismo, invenção da agricultura, invenção do alfabeto, era do
bronze e do ferro, era das grandes civilizações). No Mesolítico e Neolítico,
mais ou menos entre 10 e 8.000 a.C., ocorreu o fim da glaciação (longos
invernos) e a invenção da agricultura.

Observe a estatueta Vênus de Willendorf:


Estatueta Vênus de Willendorf. (Fonte: Lefteris
Tsouris / Shutterstock)

A idealização da figura feminina, apresentando a vulva, os seios e a barriga


volumosos, características atribuídas à fertilidade.

Os braços frágeis, a cabeça coberta por um tipo de penteado que poderia


representar, além da relação com a fertilidade, um sentido estético feminino
para a sociedade primitiva ou um elevado status social em uma sociedade
caçadora-coletora.

A partir da revolução da agricultura, fortaleceu-se o culto

aos antepassados, que já vinha antes e a ideia do

ancestral mítico em muitas sociedades espalhadas pelo


mundo.
A domesticação dos animais avança e com ela, as expressões do sagrado.
Uma das regiões em que a agricultura foi inventada é o Oriente Médio, em
uma vasta faixa que cobre os atuais Irã, Iraque, Síria, Israel, Líbano,
Palestina, Jordânia e na região do Rio Nilo. Nesses lugares, surgiram grandes
Estados e civilizações.

Mapa 3d do Oriente Médio com bandeiras do


Estado. (Fonte: cheda / Shutterstock)

Em muitas sociedades agrícolas, há um importante papel da domesticação e


ambientação das plantas exercido pelas mulheres. A fertilidade da terra foi
relacionada à feminina. As técnicas mudaram profundamente o quadro das
expressões sagradas, por exemplo, a invenção do arado, remetido ao ato
sexual, com os valores religiosos resultantes (nascimento, morte e
renascimento do ritmo da vegetação).

O calendário religioso segue o da natureza e do cultivo. O mundo e a


existência humana são valorizados em termos da vida vegetal. Os
monumentos mais vigorosos, construídos há milhares de anos, e que os
especialistas remetem a uma cosmologia sagrada, a hierofanias, são as
construções em rocha, divididas em três categorias:
Menir

Pedra enorme enterrada verticalmente no solo.

Comlech

Conjunto de menires dispostos em círculo ou semicírculo.


Dólmen

Imensa laje sustentada por diversas pedras levantadas.

Um dos mais famosos monumentos desse tipo é Stonehenge, na Inglaterra, o


monumento pré-histórico constituído por um grande círculo concêntrico de
pedras, com mais ou menos 4,5 mil anos e um longo período de construção e
uso para finalidades religiosas ou não. (ELIADE, 2010)

 Paisagem de stonehenge, Inglaterra. (Fonte: aroundworld / Shutterstock)


Um exemplo de relação entre religião, sociedade
e arte, pode ser vista no nascimento da
mitologia de Cnum/Khnum o deus com cabeça
de carneiro, um dos mais antigos do Egito, há
mais ou menos 4 mil anos. Representava a
criatividade e o vigor do Rio Nilo que, em suas
cheias anuais, depositava argila e lodo nas
margens, criando as condições de fertilidade
para a agricultura.

Por isso, acreditava-se que Cnum criava os corpos das crianças nas margens
dos rios, como o oleiro amassa e elabora o barro, colocando-as no ventre das
suas mães sendo que a alma (ka) seria soprada por Heqet, a deusa da
fertilidade com cabeça de sapo, no momento do nascimento.

O fenômeno de divindades meio humanas, meio animais é chamado de


antropomorfismo. Cnum tinha a atribuição de “Oleiro divino”, que se
estenderia aos outros deuses que teria moldado. (ELIADE, 2010)

 Khnum, deus da criação – Egito. (Fonte:


Vladimir Zadvinskii / Shutterstock)
Quando, enfim, os povos e a sociedade inventaram a escrita como forma de
comunicação, o sagrado passou a ser expresso sob outras formas, emergiram
novas linguagens, sensações, experiências, valores. Surgiram os textos
sagrados, marcantes em muitas religiões: Islamismo, Budismo, Cristianismo,
Judaísmo, entre as mais importantes.

 Parede com escrita antiga. (Fonte: cagi / Shutterstock)


Algumas sociedades nasceram de longos processos de correntes migratórias,
por necessidades socioeconômicas ou por guerras de conquista — inclusive na
região em que nasceu o povo hebreu e sua religião monoteísta, com claras
influências dos povos da região. Se você aprofundar as pesquisas sobre a
religião como linguagem literária, será necessária uma vasta biblioteca.
Pense, abaixo, com os exemplos de literatura oral sagrada:

A) Alcorão (livro sagrado do Islamismo) - Surata 19, 1-


15 – O Altíssimo

1. Glorifica o nome do teu Senhor, o Altíssimo; 2. Que criou e aperfeiçoou


tudo; 3. Que tudo predestinou e encaminhou; 4. E que faz brotar o
pasto; 5. Que se converte em feno; 6. Ensinar-te-emos a recitar (a
Mensagem), para que não esqueças; 7. Senão o que Deus permitir,
porque Ele bem conhece o que está manifesto e o que é secreto; 8. E te
encaminharemos pela (senda) mais simples; 9. Admoesta, pois, porque a
admoestação é proveitosa (para o atento)! 10. Ela guiará aquele que é
temente; 11. Porém, o desventurado a evitará; 12. Entrará no fogo
maior (o infernal); 13. Onde não morrerá, nem viverá; 14. Bem-
aventurado aquele que se purificar; 15. E mencionar o nome do seu
Senhor e orar!
(Fonte: http://www.islambrasil.com/kuran_txt/87.htm
<http://www.islambrasil.com/kuran_txt/87.htm> )

* Surata 2

B) Salmo 93 – Bíblia – Tradução Almeida

1. O SENHOR reina; está vestido de majestade. O SENHOR se revestiu e


cingiu de poder; o mundo também está firmado, e não poderá vacilar; 2.
O teu trono está firme desde então; tu és desde a eternidade; 3. Os rios
levantam, ó Senhor, os rios levantam o seu ruído, os rios levantam as
suas ondas; 4. Mas o Senhor nas alturas é mais poderoso do que o ruído
das grandes águas e do que as grandes ondas do mar; 5 Mui fiéis são os
teus testemunhos; a santidade convém à tua casa, Senhor, para sempre.

(Fonte: https://www.bibliaonline.com.br/acf/sl/93
<https://www.bibliaonline.com.br/acf/sl/93> )

C) Salmo 93 – Bíblia – Versão Católica

1. O Senhor é rei e se revestiu de majestade, ele se cingiu com um cinto


de poder. A terra, que com firmeza ele estabeleceu, não será abalada; 2.
Desde toda a eternidade vosso trono é firme e vós, vós desde sempre
existis; 3. Elevam os rios, Senhor, elevam os rios a sua voz, e fazem
eclodir o fragor de suas ondas; 4. Porém, mais poderoso que a voz das
grandes águas, mais poderoso que os vagalhões do mar, mais poderoso é
o Senhor nas alturas do céu; 5. Vossas promessas são sempre dignas de
fé, e a vossa casa, Senhor, é santa na duração dos séculos.

(Fonte: https://www.bibliaonline.com.br/vc/sl/93
<https://www.bibliaonline.com.br/vc/sl/93>

Saiba mais

Leia alguns techos de Mitos de criação


<galeria/aula10/anexo/mitos_da_criacao.pdf> coletados por
3
Eliade no livro O conhecimento sagrado de todas as eras (de 1963)
e aprecie um pouco a beleza da literatura sagrada dos mitos de criação.
Há traduções acessíveis para o português.

Além dos livros sagrados monoteístas, há coletâneas imensas, em geral sob a


forma de versos poéticos, como a mais famosa do Oriente Médio, os livros
sagrados do Hinduísmo:


Upanishads


Rig-veda


Sama-veda

Yajur-veda


Atharva-veda

Em geral, esses livros levaram muito tempo entre seu surgimento e a


formação do cânone oficial, definido pela hierarquia de cada civilização, grupo,
movimento ou Igreja.


Leitura

Reflita um pouco sobre a Epopeia de Gilgamesh


<https://goo.gl/c6tKV> (da região mesopotâmica), poema de 2.700
anos atrás que alguns especialistas acreditam ter influenciado o pano de
fundo dos primeiros livros da Bíblia. Acesso em 27 fev. 2018.

Sobre a religião dos orixás, que vieram da África e aqui foram


reinventados e ressignificados na Umbanda e no Candomblé, veja o livro:

PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos orixás. São Paulo, Companhia das


Letras, 2001.


Dica
Assista a este raro documentário raro, Lendas dos Orixás - Minissérie
Mãe de Santo <https://www.youtube.com/watch?
v=aJ2o5shbfYM> , da extinta TV Manchete, com narração da atriz Zezé
Motta. Acesso em 27 fev. 2018.

As outras linguagens artísticas, como a dança, a pintura, a escultura, o


cinema, a fotografia, também podem expressar o religioso, o sagrado, o
terrível, o poderoso, como escreve Rudolf Otto.

O sagrado se expressa por meio de diversas linguagens, como a arte, o


cinema e a dança, mas, no Mundo Ocidental, essas linguagens adquiriram
sentidos próprios, lógicas específicas, a liberdade artística que, muitas vezes,
entrou e entra em conflito com as ortodoxias religiosas 4.

Portanto, um filme, um romance ou uma pintura sobre


qualquer tema religioso ligada a qualquer religião é uma
perspectiva (um ponto de vista) e uma interpretação

sobre esse tema. Evidentemente que esse ponto de vista


não é o próprio sagrado, fonte inesgotável de inspiração

para homens e mulheres religiosos.

Qualquer artista (pintor, romancista, cineasta, escultor etc.) expressará sua


visão do sagrado, muitas vezes, dentro das regras do mundo da arte [que é
vasto e diversificado], o que motivará diferenças com as visões das próprias
religiões. Em geral, a linguagem artística é figurada, metafórica, crítica,
irreverente, inversora e livre, o que contrasta com a religião que possui uma
linguagem mais ontológica e moral.

Pense também que quando se fala religião, é preciso levar em conta muitas
diferenças, estruturas e grupos internos. Na história do Mundo Ocidental
houve muitos conflitos entre religião e arte, muitas vezes devido a
incompreensões de homens e mulheres que desconhecem as linguagens da
religião e da arte. Mas, por outro lado, houve muito enriquecimento mútuo
entre religião e arte.

 Jesus Cristo com seis


cruz.
pares de braço preso à

Observe que talvez sejam a Renascença e o Barroco, em especial na Itália,


Alemanha e França, os períodos que mais trouxeram riqueza artística
religiosa, por exemplo, pinturas, esculturas, arquiteturas e
músicas/composições, tanto na tradição católica, quanto na tradição
reformada/protestante.

Michelangelo Buonarroti (1475-1564)

Foi um pintor, escultor e arquiteto italiano, considerado um dos maiores


representantes do Renascimento cultural, tem muitas obras com
temática religiosa que se tornaram o emblema da cultura ocidental, entre
elas:
afrescos do teto da Capela Sistina (Criação de Adão, Julgamento Final,
Martírio de São Pedro, Conversão de São Paulo);
a Cúpula da Basílica de São Pedro e
as esculturas de Davi, Leda, Moisés e Pietá, que estão entre as mais
admiradas do mundo.

Você não poderia deixar de, pelo menos, ver outros nomes como:
Giotto di Bondone (1276-1337);
Leonardo da Vinci (1452-1519);
Rafael Sanzio (1483-1520);
Michelangelo Merisi de Caravaggio (1571-1610);
Rembrandt Harmensz van Rijn (1606-1669);
Gian Lorenzo Bernini (1598-1680), autor da famosa escultura O êxtase
de Santa Tereza;
tantos outros artistas, pintores, músicos etc.

Não podemos nos esquecer das composições musicais de Johann


Sebastian Bach (1685-1750). Muitas dessas riquezas nasceram da
competição entre católicos e protestantes, apoiados por hierarcas,
príncipes e, mais tarde, burgueses. E veja que interessante, houve, não
apenas no Renascimento e no Barroco, mas em outros períodos
históricos diversos artistas, compositores, pintores, escritores etc. muitos
anônimos, que fizeram os mais imponentes templos católicos de todos os
tempos (por exemplo, a Notre-Dame, em Paris).

Além da religião cristã, a arquitetura muçulmana é uma das mais belas e


deixou influências inapagáveis na Europa, por exemplo, nas cidades
espanholas de Sevilha e Granada (palácios e templos). Mas, observe, não
é apenas isso, temos ainda a tapeçaria, a literatura, os objetos etc. Você
precisa considerar também fatores como dinastias, períodos históricos,
correntes religiosas internas, interação com outras culturas etc. Da
mesma forma você pode apreciar as belezas artísticas dos templos, das
esculturas e pinturas do Budismo e do Hinduísmo (e suas variantes), do
Xintoísmo, das religiões africanas, das religiões afro-brasileiras, das
religiões autóctones ou aborígenes, religiões étnicas etc.

Observe que, no espaço de uma aula apenas, não é possível abordar


tanta riqueza e, por isso, sugerimos a você alguns artigos para
aprofundamento:
BOAS, Alex Villas. Religião, arte e literatura: interfaces do Sagrado.
Disponível em: https://goo.gl/n6rQa5 <https://goo.gl/n6rQa5> .
Acesso em 27 fev. 2018. Um dossiê com diversos artigos, da Revista
TeoLiterária, organizado pelo teólogo;
SANTOS, Alexandre. Tensionamentos entre religião, erotismo e arte:
o martírio de São Sebastião. Disponível em: https://goo.gl/Wf64oY
<https://goo.gl/Wf64oY> . Acesso em 27 fev. 2018

Antônio Francisco Lisboa, “o Aleijadinho” (1730/38?


-1814)
No Brasil, colonizado a partir do século XVI, a arte religiosa nasceu no
período barroco e dele herdou muitas características em termos
artísticos. As igrejas, entre os séculos XVI e XVIII, estão entre as mais
belas e trabalhadas. Pense, por exemplo, na grandiosidade da obra de
Aleijadinho, em Minas Gerais, particularmente na cidade de Congonhas,
com os Doze profetas e as cenas da Paixão de Cristo.

No caso da linguagem imagética há uma divergência, com raízes no


Judaísmo, que tendeu a ver com maus olhos a reprodução de divindades.
A proibição da imagem, dizem alguns especialistas, serviu para a
construção da identidade do povo hebreu que vivia espremido entre
grandes potências e civilizações sob o risco constante de ser dissolvido.

A relação mais negativa com a imagem foi herdada por algumas


correntes cristãs ao longo da história, mas essa iconoclastia ficou mais
evidente com a Reforma Protestante em graus variados. Todos os
movimentos posteriores, inclusive os pentecostais e neopentecostais,
herdaram esse ceticismo com a imagem. O Islamismo também
desenvolveu certas restrições.

Cecil B. de Mille (1881-1959)

O cinema e o sagrado são um assunto muito rico. Há centenas de filmes


e cineastas, mas, veja pelo menos dois exemplos para ilustrar. De fato, a
“sétima arte” traz para você muitos exemplos da presença do sagrado,
muitos deles ligados ao Cristianismo, como o filme Os dez mandamentos
(mais de 3 horas de duração), de de Mille, lançado nos EUA, em 1956, e
um grande sucesso, considerado um dos maiores filmes bíblicos já
realizados.

Pelo título, você já deve imaginar que se trata da saga do povo hebreu
que viveu cativo no Egito esperando pelo libertador Moisés, que os
conduziria até Canaã, a Terra Prometida por Deus. O diretor procurou
recriar as culturas egípcia e hebreia (parte do filme foi rodada no Monte
Sinai e no Egito), os dilemas enfrentados por Moisés etc.
O livro de Êxodos, na tradição judaico-cristã e o filme Os dez
mandamentos contam que ele teria sido adotado pela irmã do Faraó,
após sua mãe criar uma estratégia para burlar o edito de morte baixado
contra os hebreus (colocar o recém-nascido em uma cesta próximo ao
lugar onde a família real se banhava), e se tornado um príncipe,
aprendendo, portanto, a cultura egípcia.

Observe que provavelmente esse, e outros elementos, levaram Freud,


filho de judeus, a propor, no livro O homem Moisés e o Monoteísmo, a
ideia de que o homem que teria aberto o Mar Vermelho era um egípcio.

Glauber Rocha (1939-1981)

De diretores e cineastas brasileiras, procure assistir e refletir um pouco


sobre o filme Barravento, uma das primeiras obras do Cinema Novo, um
forte movimento artístico liderado pelo baiano Glauber Rocha, que
renovou o modo de fazer cinema, com uma linguagem mais ágil, o
enredo e as cenas com enfoques específicos.

Lançado em 1962, conta a história de uma aldeia de pescadores da praia


da Ponta do Xaréu (Itacaré-BA), cujos antepassados vieram da África
como escravos, que permanece ligada aos antigos cultos místicos dos
orixás, seus rituais de iniciação etc.

Nessa vila de pescadores, quase todos negros, há uma forte exploração


injusta pelo dono da rede que usa em seu ofício, empobrecendo-os. Um
antigo membro da aldeia, que tinha ido morar na cidade, retorna,
começa a questionar a exploração e conclama para a luta.

Nascem, assim, tensões nessa comunidade entre os distintos grupos e o


antigo morador que retornou. A religião dos orixás tem papel importante.
Atividade
2. A religião se expressa por meio das linguagens artísticas, como a
literatura e a pintura. São muitos os aspectos dessa expressão, inclusive
históricos e sociais. Assinale, em relação à religião e sua linguagem como
arte, a alternativa correta.

a) As sociedades caçadoras e coletoras, em geral, construíram grandes


monumentos em rocha.
b) As sociedades agrícolas não destacaram o papel do feminino
associado a ideia de fecundidade.
c) As sociedades mais complexas só entaleceram a literatura sagrada
de fonte oral.
d) Nas sociedades complexas, a religião se expressa por meio de
múltiplas linguagens artísticas.
e) Nas sociedades complexas, a religião só expressa por meio de um
tipo de linguagem artística.
3. EA relação entre religião e cada linguagem artística é, pelo menos no
Mundo Ocidental, muito rica, ampla e complexa, com aspectos
conflitivos. Sobre a relação entre arte e religião, assinale a alternativa
correta.

a) As linguagens artísticas, como a dança, a pintura, a escultura, o


cinema, a fotografia, não conseguem expressar o religioso, o sagrado, o
terrível, o poderoso.
b) Alguns conflitos entre religião e arte podem ocorrer devido ao
desconhecimento das linguagens religiosas e artísticas.
c) Qualquer artista expressará, em geral, sua visão do sagrado dentro
das regras do mundo da arte.
d) A linguagem artística tende a ser ontológica e moral, enquanto a
linguagem religiosa tende a ser figurada, metafórica, crítica, irreverente,
inversora e livre.
e) As belezas artísticas de templos, esculturas, e pinturas, músicas e
literatura relativas ao sagrado só existem no Cristianismo.

A religião e as linguagens
mercadológica, da mídia, do
consumo e da política
A Reflita um pouco sobre como o mercado, o consumo e as mídias imperam
no mundo moderno. É preciso assinalar a diversidade e a polissemia
presentes no ciberespaço: redes sociais eletrônicas, chats, portais,
hipertextos, blogs e vlogs, todos eles portadores de especificidades técnicas e
comunicacionais, todos eles são campo de atuação das ortodoxias ou das
heterodoxias 5.

As religiões, umas mais outras menos, interagem de forma complexa com


essas novas linguagens midiáticas, misturam-se a elas a ponto de,
atualmente, muitos templos, Igrejas, grupos e associações religiosas
expressarem-se permanentemente. Bispos, padres, pastores, monges
budistas, cantores gospel etc., mantêm perfis/contas no Facebook, Instagram,
Twitter ou usam o YouTube como plataforma para discursos religiosos, que
muitas vezes derivam para o campo político, da saúde, estética etc.

Por exemplo, os religiosos conservadores/reacionários usam essas


plataformas midiáticas para militar contra o que consideram erros
(descriminalização do aborto ou uma política de drogas mais repressiva).

O ciberespaço torna nítido o processo de reinvenção de convenções religiosas


e o faz por diversos motivos, por exemplo, é um campo de expressão (no
sentido de existir diante do olhar do outro), de convencimento e de luta
político-religiosa.

 Ilustração de um indivíduo falando em um


megafone com as logos das principais redes sociais
atuais.


As páginas eletrônicas das grandes e pequenas tradições religiosas contam-se
aos milhares, algumas ligadas a grupos atuantes de clérigos, leigos,
movimentos e associações que investem dinheiro e tempo na organização e
manutenção dessa complexa engenharia da memória. O que emerge é uma
imagem dinâmica, múltipla e polissêmica, afinal, qualquer tradição religiosa
submetida a um “microscópio”, fará saltar aos olhos muitas diversidades
internas, algumas vezes sutis.
Nas redes sociais, a memória da tradição religiosa é apropriada de forma
polissêmica e fragmentada e é a partir desse acesso seletivo que a mesma é
apresentada, publicizada e defendida como verdade legítima. Assim, a religião
tornou-se uma linguagem política de reação conservadora ou de busca pela
igualdade e justiça social. Tornou-se elemento de identidade em muitos
sentidos, resumidos em duas direções:

Com luta reacionária

Isto é, para restaurar antigos padrões de moral, costume, social e/ou


economia e valores que sofreram mudanças com o tempo e com as
sociedades.

Com luta de reforma/mudança

Para avançar pautas de modernização e mudança de costumes, moral, social,


política e/ou economia.
Atividade
4. No mundo moderno e pós-moderno, a religião se expressa também
por meio de linguagens como o consumo e a mídia. A respeito da relação
entre as linguagens cibernéticas e religião, assinale a alternativa correta:

a) Os religiosos reacionários não usam as plataformas midiáticas para


militar contra aspectos que consideram moralmente errados.
b) Os religiosos progressistas não usam as plataformas midiáticas para
militar a favor de aspectos que consideram passíveis de mudança.
c) As religiões, umas mais, outras menos, interagem de forma
complexa com as novas linguagens midiáticas e cibernéticas.
d) Muitos religiosos (leigos, padres, bispos, sacerdotes, pastores) não
usam as redes sociais eletrônicas como plataforma para discursos
religiosos.
e) Muitos religiosos (leigos, padres, bispos, sacerdotes, pastores)
usam as redes sociais eletrônicas como plataforma apenas para discursos
políticos.

Espiritualidade e pós-modernidade
Uma das questões mais polêmicas nas pesquisas das Ciências da Religião tem
sido a relação entre pós-modernidade e espiritualidade.


Leitura

Leia o artigo Mais espiritualidade e menos religião (característica


da nossa época? <https://goo.gl/y65aYX> . Acesso em 27 fev.
2018.
A teóloga Bingemer distingue religião e espiritualidade: a primeira no sentido
institucional e a segunda no sentido de uma vivência humana fundamental,
podendo se exprimir de várias maneiras, uma experiência de Deus. Medite um
pouco sobre o que escreve a teóloga Bingemer (2016):


Na espiritualidade predominam a disposição de serviço,
a tolerância para com a crença (ou a descrença) alheia,
a sabedoria de não transformar o diferente em

divergente.

BINGEMER, 2016

A religião seria uma institucionalização com engessamento, burocratização e


hierarquização da espiritualidade.

A religião seria uma institucionalização com engessamento, burocratização e


hierarquização da espiritualidade.

A pós-modernidade pode ser entendida, segundo alguns teóricos, como o


ocaso da ideia de razão absoluta e única, a celebração da pluralidade de
valores, modos de vida e existência. A secularização e a laicidade
contribuíram para isso.
Ainda em Bingemer (2016), medite um pouco sobre o que essa teóloga fala:


O fato é que o processo de secularização apresenta
uma face positiva e não apenas negativa

Bingemer, 2016


Saiba mais

Caberia também citar uma perspectiva mais antropológica, que você


pode ver em Estilos de espiritualidade como critério para
tipologias e interpretações do campo religioso na
contemporaneidade <https://goo.gl/RpY6VM> . Acesso em 27 fev.
2018.
Atividade
5. A religião e a espiritualidade serão vistas de forma diferente, até
mesmo oposta. Sobre a religião, como linguagem política e sobre a
relação entre espiritualidade e pós-modernidade, assinale a
alternativa correta:

a) A religião, como linguagem política, não pode significar reação


conservadora, protesto social ou violência.
b) As religiões retraíram-se do espaço público e não advogam luta para
restaurar antigos padrões de moral, costume.
c) As religiões retraíram-se do espaço público e não advogam luta para
avançar pautas de modernização e mudança de costumes, moral.
d) Na espiritualidade, não predominam a disposição de serviço, a
tolerância para com a crença (ou a descrença) alheia, a sabedoria de não
transformar o diferente em divergente.
e) A religião, como expressão de uma linguagem política, pode
significar reação conservadora, protesto e busca pela igualdade e justiça
social ou violência.

6. A atividade consiste em visitar os links recomendados desta aula e


responder: Como se relacionam a religião e as linguagens?

Notas
Arte rupestre1
Refere-se às eras pré-históricas (anteriores à escrita), encontradas em paredes e
tetos de cavernas, rochas etc. Temos a pintura rupestre, feita com pigmentos, e a
gravura rupestre, imagens gravadas em incisões em rocha, madeira ou ossos. Há
variados estilos, técnicas e materiais. Geralmente, representam animais, natureza e
pessoas.

Surata2

Nome dado a cada capitulo do Alcorão, o livro sagrado do Islamismo. O Alcorão é


divido em 114 suratas subdividas em versículos (ayat).

O conhecimento de todas as eras3

Observe que esse livro foi criado como apoio aos cursos de História da Religião que o
filósofo, historiador e cientista da religião romeno lecionava na Universidade de
Chicago, EUA.

Ortodoxias religiosas4

Tudo que é relativo a dogmas e versões oficiais de discursos, ideias e valores de


Igrejas, religiões, templos etc.

Heterodoxias5

tudo que é relativo a dogmas e versões não oficiais ou divergentes (não


hegemônicos) de discursos, ideias e valores de Igrejas, religiões, templos etc.
Ortodoxia religiosa: tudo que é relativo a dogmas e versões oficiais de discursos,
ideias e valores de Igrejas, religiões, templos etc.

Referências

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes. 1992, p. 59.

_____________. O conhecimento sagrado de todas as eras. São Paulo:


Mercuryo, 1995, p. 68 a 70.

_____________. História das crenças e das ideias religiosas. Volume I: Da


Idade da Pedra aos mistérios de Eleusis. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

FIROLAMO, Giovanni; PRANDI, Carlo (orgs.). As Ciências das Religiões. 8. ed. São
Paulo: Paulinas, 2016.
PASSOS, João D.; USARSKI, Frank (Orgs.). Compêndio de Ciência da Religião.
São Paulo: Paulinas: Paulus, 2013.

TEIXEIRA, Faustino (org.). A(s) Ciência(s) da Religião no Brasil. Afirmação de


uma área acadêmica. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2008.

Explore mais

Veja os seguintes textos acadêmicos e livres!

A sensibilidade secular da política brasileira <https://goo.gl/QeQCqQ> .


Acesso em 26 fev. 2018.
Cristianismo e pós-modernidade segundo Vattimo
<https://goo.gl/KLfuFi> .Acesso em 26 fev. 2018.
Scorsese à beira do último homem – o filme “Silêncio”
<https://goo.gl/V3gn6h> . Acesso em 26 fev. 2018.
Nossa boa religiosidade atual: entre William James e Peter Sloterdijk
<https://goo.gl/DovUAW> . Acesso em 26 fev. 2018.

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