A Questão Racial Abordada Na Série Antológica American Crime Story: The People

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XX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Juazeiro – BA – 5 a 7/7/2018

A Questão Racial Abordada na Série Antológica American Crime Story: The People
vs O.J Simpson1

Saskia Almino LEMOS2


Prof. Dr. Marcel Vieira Barreto SILVA3
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB

RESUMO
Este trabalho analisa como a série American Crime Story: The People vs O.J Simpson,
uma antologia produzida pelo Canal FX, vai tratar de questões raciais em sua narrativa
usando um dos julgamentos mais midiatizados e discutidos: O Julgamento de O.J
Simpson. O.J Simpson é negro, era o queridinho da américa, um dos melhores
jogadores de Futebol Americano que já existiu e acabou acusado de matar Nicole
Brown Simpson e Ronald Goldman, dois brancos. Vai ser exposto como a comunidade
de maioria branca e negra se dividiu sobre o caso e como a figura de Mark Fuhrman, um
dos detetives do caso, expôs o racismo da polícia para toda a sociedade. Além disso, a
série se encontra no formato de Antologia, formato este que passou um tempo com
pouca representação, mas voltou a surgir no mercado audiovisual e se firmar no mesmo.

PALAVRAS-CHAVE: Antologia; Questão Racial; American Crime Story; Narrativa;


Ficção Seriada.

INTRODUÇÃO

American Crime Story é uma antologia seriada exibida no canal Fox. Tem como
seus produtores Ryan Murphy, Nina Jacobson, Brad Simpson e Brad Falchuk e é
roteirizada por Scott Alexander e Larry Karaszewski. Na sua primeira temporada,
subintitulada de The People vs O.J Simpson, a série acompanha o julgamento de
Orenthal James Simpson, mais conhecido como O.J, acusado de assassinar sua ex-
esposa e um amigo dela.
Para entender a série, é necessário saber em que contexto ela se passa. Quais os
conflitos raciais que os Estados Unidos passava em 1994 e o porquê deles ainda
refletirem e se assemelharem em muito com o que acontece atualmente.

1
Trabalho apresentado na IJ 04 – Comunicação Audiovisual do XX Congresso de Ciências da Comunicação na
Região Nordeste, realizado de 5 a 7 de julho de 2018.
2
Graduanda 5º semestre do Curso de Cinema e Audiovisual - Bolsista de Iniciação Científica(PIBIC) - CCTA-UFPB,
e-mail: saskialemos@gmail.com
3
Orientador do trabalho. Professor Doutor do Curso de Cinema e Audiovisual do CCTA-UFPB, e-mail:
marcelvbs@hotmail.com

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O.J Simpson em 1994 era um ídolo aposentado do futebol, um símbolo, ator de


filmes e queridinho da américa. E O.J era negro. Por mais que ele negasse e dissesse:
“Não sou negro, sou O.J”.
Na época, o nível de celebridade de O.J (como é mais conhecido), que a
essa altura já havia se aposentado do esporte e ingressado em uma
carreira como ator, garoto-propaganda e queridinho da América, tornou
seu julgamento e todos os desdobramentos do caso em um dos maiores
circos midiáticos da história dos Estados Unidos até hoje (TOOBIN,
2016).
Nos Estados Unidos, a segregação racial em Los Angeles era enorme, porém
encoberta pela mídia. A polícia agia violentamente com a população negra e muitos
atletas já haviam protestado contra essa violência, inclusive muitos deixando de irem as
Olimpíadas, porém O.J se mantinha afastado dessa realidade preferindo preservar sua
imagem. Por esse motivo, no começo de sua carreira, ele era muito criticado pela
comunidade negra.
No entanto, ele chegou em lugares que nenhum homem negro havia chegado
antes. O.J foi o primeiro negro e representante nacional da Chevrolet. Em um período
em que patrocínios para atletas eram raros. Além disso, O.J era o grande representante
da marca Hertz.
Em 1968, quando Tommie Smith, ganha os jogos olímpicos de atletismo e se
torna campeão. No pódio, ele e John Carlos, atleta negro que ficou em terceiro lugar, ao
ouvirem o hino dos Estados Unidos, abaixam as cabeças e levantam seus punhos.
A imagem é conhecida mundialmente: Smith sobe no lugar mais alto do
pódio descalço, com meias pretas, e segurando o par de tênis com a mão
esquerda. Assim que todos alinham para ouvir o hino nacional
americano, o campeão e o terceiro colocado abaixam a cabeça, em vez de
erguê-la em sinal de respeito. Mas sobem os braços - direito, de Smith, e
esquerdo, de Carlos -, com os punhos cerrados, mãos vestidas com uma
luva preta. Foi o primeiro protesto político nos Jogos Olímpicos,
protagonizado por dois negros americanos cansados da discriminação
racial de seu país. Era a saudação "Black Power" no pódio. (
ROMANELLI, 2013)

Ao mesmo tempo, Orenthal James Simpson era patrocinado por grandes


empresas. Ele era considerado um atleta contrarrevolucionário, pois ia na contra
corrente dos atletas negros que tentavam revolucionar o esporte. O.J estava sempre
sorrindo e passava a impressão que estava tudo bem, ele fazia as pessoas se sentirem

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bem. Além disso, os recordes do Futebol Americano, considerado uma paixão nacional
pelos norte-americanos, eram dele.

Figura 1- O.J Simpson para Hertz - Fonte:http://adnews.com.br/publicidade/nova-serie-da-espn-mostra-como-oj-


simpson-mudou-publicidade-e-ela-o-mudou.html

Figura 2 - Tommie Smith e Jonh Carlos no pódio dos jogos olímpicos de atletismo em 1968 – Fonte:
https://www.aljazeera.com/mritems/Images/2011/9/28/2011928132859799580_20.jpg

Em 3 de março de 1991, um vídeo caseiro em que Rodney King, um motorista


negro que dirigia em alta velocidade, é espancado por quatro policiais brancos enquanto
vários outros policiais brancos assistem. No vídeo, King aparece imobilizado, sem
defesa ou reação enquanto é espancado.
Logo, o vídeo se propaga rapidamente pelas redes de televisão e vira uma
comoção. A polícia de Los Angeles estava sob mira do FBI, foi escancarado algo que
todos os negros sofriam diariamente, mas a sociedade branca se recusava a acreditar, até
que não tinha mais como negar.

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Porém, os policiais envolvidos no caso são absolvidos em um julgamento com


um júri composto por dez homens brancos, um negro e um asiático. Essa injustiça faz
com que a comunidade negra chegue a seu limite e se rebele. Com isso, uma das
maiores ondas de violência eclodiu nos Estados Unidos em protesto a absolvição dos
policiais.

Abril de 1992, em Los Angeles: a absolvição dos quatro policiais brancos


envolvidos no brutal espancamento, gravado em videocassete, de Rodney
King, um indefeso motorista negro preso após uma perseguição de
automóvel, desencadeia uma explosão de violência civil sem paralelos na
história da América do Norte neste século. No gueto de South Central,
motoristas brancos são arrancados de seus carros e espancados, lojas são
depredadas, carros da polícia tombados e incendiados. Propriedade de
coreanos, suas mercearias, lojas de bebida e objetos usados, abundantes
na área, são alvo da destruição sistemática. Tão avassaladora é a explosão
que nem os bombeiros nem a polícia são capazes de impedir a queima de
centenas de prédios. (J. D. WACQUANT,1994)

Nesse cenário, dois anos depois. O.J é acusado de matar sua ex-esposa, Nicole
Brown, e seu amigo, Rodney King, duas pessoas brancas. Um ídolo negro sendo tratado
como criminoso pela polícia de Los Angeles, mesma polícia racista responsável por
várias injustiças para com a comunidade negra.
Em meio a isso, a primeira temporada de American Crime Story começa. A
primeira imagem a ser exibida na série é o espancamento de Rodney King. A série é
produzida mais de 20 anos depois do julgamento de O.J, mas por que ela no cenário
atual é relevante?
A segregação racial ainda é uma realidade nos Estados Unidos. Movimentos
como se levantam contra o racismo da policia. Mais recentemente, Childish Gambino
denuncia abusos policiais, a violência dos Estados Unidos e o racismo em uma música
chamada “This is America”. A música e seu clipe bateram recordes nos Estados Unidos
e no mundo, atingindo o primeiro lugar no Billboard Hot 100. Mostrando assim, que a
questão racial nos Estados Unidos não é algo do passado, está no presente. Por isso, The
People versus O.J Simpson é uma série que se mostra expressiva na atualidade.

A ANTOLOGIA: AMERICAN CRIME STORY


American Crime Story é uma ficção serializada no formato de Antologia. Ela
segue um tipo de serialização que:

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A única coisa que se preserva nos vários episódios é o espírito geral das
histórias, ou a temática, mas cada episódio é não apenas uma história
completa e diferente das outras, como também são diferentes os
personagens, os atores, os cenários e, às vezes, até os roteristas e
diretores. É o caso de todas aquelas séries em que os episódios têm em
comum apenas o título genérico e o estilo das histórias, mas cada
segmento é uma narrativa independente. A série The Outer Limits
(1964-1965, primeira versão), por exemplo, é constituída de episódios
em que a única coisa em comum é a presença em cena de monstros do
espaço extraterreste, sejam eles insetos gigantes, microorganismos
parasitários ou rochas inteligentes. (MACHADO, 2000, p. 84)

A antologia ficou muito famosa por séries clássicas como Twilight Zone,
Playhouse 90, Alfred Hitchcock Presents. Séries atuais como American Horror Story,
Black Mirror e Fargo conseguiram alcançar um público grande e fazer sucesso entre a
crítica. Havendo assim uma volta ao formato de antologia, que ficou escasso por um
tempo.
Mas agora, a antologia da TV está encenando um retorno. O Black
Mirror, da Netflix, originalmente importado do Reino Unido, foi
pioneiro no renascimento moderno e agora é um dos programas mais
aclamados pela TV.(ADALIAN, 2018, tradução nossa)

American Crime Story é uma antologia que se estende por toda a temporada. Ou
seja, não vai mudar a cada capítulo, mas a cada temporada. “Para a equipe criativa, o
grande benefício é poder mapear, desde o começo, tudo o que vai acontecer. Saber
quem são as personagens, para onde vão. Não precisa ficar enrolando por não saber o
fim”. (SKUBS,2014). O resultado foi uma série que se saiu bem de crítica e público,
levando vários prêmios entre eles dois Globos de Ouro e oito Emmy’s.
A série irá ter como espírito geral das temporadas os crimes cometidos nos
Estados Unidos. Ryan Murphy, produtor de American Crime Story, produziu também
outras séries no mesmo formato como American Horror Story e Feud.
A primeira temporada, subintitulada de The People versus O.J Simpson, vai ter
uma trama principal que consiste no julgamento de O.J Simpson, esse julgamento vai
perpetuar a temporada toda, o tribunal vai ser um elemento presente em praticamente
todos os episódios. Ao mesmo tempo, irá ter tramas paralelas, distribuídas nas figuras
da promotoria e da equipe de defesa de O.J, dividindo o protagonismo com o próprio
O.J.
AMERICAN CRIME STORY: THE PEOPLE VERSUS O.J SIMPSON - COMO
A QUESTÃO RACIAL PERCORRE A NARRATIVA

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Na narrativa da série iremos notar como a segregação racial vai ser um fator
decisivo nos rumos que a história vai tomando e como o julgamento deixa de ser só
sobre o assassinato de Nicole Brown e Ronald Goldman.
A série começa com cenas de Rodney King sendo espancado. Logo depois, O.J
sai de casa atrasado carregando malas para viajar enquanto seu motorista o espera. Em
seguida, o corpo de Nicole Brown Simpson e Ronald Goldman é encontrado por um
morador da rua.
É um assassinato em Brentwood, conhecido por ser um local de pessoas com
alto poder aquisitivo (e em sua grande maioria, brancas), logo a polícia chega. Ao
notarem que é a casa da ex-esposa de O.J Simpson, três detetives, entre eles Mark
Fuhrman vão até a casa de O.J para avisá-lo. Os detetives ao chegarem na casa de O.J,
encontram várias provas para fazer dele um suspeito. Como seu carro mal estacionado
com sangue dele e de Nicole, uma luva cheia de sangue e, quando vão avisar a O.J que
Nicole morreu, ele nem pergunta como aconteceu.
Isso dá início ao conflito principal da série. O.J é um suspeito. Phil Vannater, um
dos detetives, liga para Marcia Clark, promotora de Los Angeles. Esta a escutar sobre as
evidências encontradas e pergunta o porquê deles já não terem pedido a prisão de O.J.
Marcia é uma mulher, branca, promotora e que defende as mulheres. Ela, no
decorrer da série, deixa claro o quanto se posiciona a favor das mulheres e como tenta
fazer justiça para elas. Marcia não sabe quem é O.J, pois ele não faz parte de sua
cultura. Só sabe que ele é famoso, mas não tem a noção do que ele representa para a
comunidade negra.
No final do primeiro episódio, com a comprovação que o sangue encontrado no
Bronco é de O.J e Nicole. O.J tem a voz de prisão decretada. Então, foge com A.C, seu
amigo negro jogador de futebol americano da terceira divisão, pois não quer ser preso.
Agora, ele é um fugitivo da polícia.
Cochran, advogado militante, relembra todo o passado racista da polícia em
programa de televisão e afirma que O.J é inocente até que se prove o contrário. Nisso,
uma divisão começa a ser mostrada na série. De um lado, a maioria negra, que estão
cansados da polícia racista de Los Angeles, e do outro, maioria branca, que quer justiça
pelo assassinato das duas pessoas brancas que morreram.
O paradeiro de O.J é denunciado. Logo começam uma perseguição pela rodovia
em que O.J está fugindo. Enquanto O.J passa pela rodovia, grupos de negros se juntam

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com cartazes para defendê-lo com escritos: “Go O.J”, frase que era usada pela torcida
quando este jogava futebol americano.

Figura 3 - Grupo se junta em apoio a O.J - Fonte: FX\Netflix

Chris, advogado negro que trabalha na promotoria, começa a debater com seus
vizinhos negros sobre O.J. Eles torcem por ele enquanto assistem o carro de O.J
passando pela rodovia na televisão. Chris vai dizer que O.J nunca ligou para os negros,
e logo que teve dinheiro, foi embora dali e se tornou “branco”. Os vizinhos brincam
dizendo que agora O.J é negro novamente já que a policia está na sua cola.
O.J então vai para casa, depois de negociar com a polícia, e logo depois é levado
preso. Marcia o acusa oficialmente pelo assassinato de Nicole Brown e Ronald
Goldman. Logo, as equipes de promotoria e defesa vão se formando. Do lado de O.J
estão os melhores advogados que se podia ter na época e seu amigo Kardashian. Ao
descobrirem que Fuhrman é racista, Shapiro, um dos advogados, tem a certeza que a
questão racial salvará O.J e traz Cochran ao time.

Figura 4 - Equipe de Defesa de O.J - Fonte: FX/Netflix

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Do mesmo jeito, na equipe da promotoria, por saber que o julgamento será no


centro da cidade e como a maioria dos jurados serão negros, eles veem a necessidade de
trazer a representatividade para a mesa, com isso, colocam Chris para formar a equipe
da promotoria junto à Marcia. Junto eles formam o “the people”.

Figura 5 - Equipe da Promotoria - Fonte: FX/Netflix

Chris e Cochran estão em lados opostos do tribunal, por mais que lutem pela
mesma causa. Isso ficará claro também no decorrer da série. Eles são os dois
personagens negros de maior importância, junto de O.J, e é por meio deles que a
questão racial vai tomar voz e força.
O personagem que traz a maior discussão da segregação racial praticada pela
policia é o detetive Mark Fuhrman. Nele vai estar exposto toda a sordidez e preconceito
que a comunidade negra sofre por uma parte da polícia. Marcia traz Mark Fuhrman para
ser um dos que irão depor contra O.J e incube Chris de prepará-lo e interrogá-lo no
tribunal. Porém, Chris não quer, pois já tem noção de quem Mark Fuhrman é. Chris
então insiste com Marcia para ela não levar Fuhrman para o tribunal, mas Marcia não o
ouve. A série mostra então Fuhrman em casa cuidando do seus artefatos de coleção da
segunda guerra mundial.
Chris se impõe e não aceita interrogá-lo no tribunal. Marcia não quer aceitar até
ele perguntar se a insistência dela é porque ele é negro, logo seria melhor visto no
tribunal. Marcia aceita interrogar Fuhrman. Chris está descontente em levar Fuhrman
para depor no julgamento. Mas Marcia não o ouve, Marcia quis ter um advogado negro
ao seu lado, mas insiste em não ouvir uma voz negra.
Fitas são descobertas pela equipe de defesa em que Mark Fuhrman dá uma
entrevista para uma roteirista. Nessa entrevista, ele fala mal dos negros e diz que a

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polícia planta evidências contra eles. Mas a roteirista não libera as fitas para a equipe e
Cochran e Lee viajam até o Sul dos Estados Unidos para conseguirem a liberação
destas. Nisso, a série aproveita para denunciar o quão o Sul dos Estados Unidos é
racista. Pois Cochran tenta conseguir o desbloqueio das fitas e é negado, Lee tenta e
consegue. A única coisa que diferenciou o resultado dos dois é a cor da pele, já que Lee
é branco.
Quando voltam para Los Angeles, há ainda audiências para que as fitas sejam
usadas no tribunal, que se tornem públicas e até para os jurados ouvirem. Marcia
protesta contra a liberação das fitas para o público dizendo que não há relação com o
caso, Cochran discorda dizendo que aquela é a chave para o caso e para os Estados
Unidos.
Mais uma vez a série mostra como os negros e brancos estão em lugares opostos.
Enquanto, de um lado se luta para a justiça naquele caso, do outro, há uma coisa maior
em jogo.
Cochran se junta às autoridades negras e diversos movimentos para pedir a
liberação das fitas. Eles pedem que as fitas sejam divulgadas, pois isso vai muito além
de O.J, é a confirmação do que eles sempre souberam. É a confirmação que os policiais
racistas prendem injustamente, espancam e matam afro-americanos e outras pessoas de
cor. Eles ameaçam a volta dos protestos feitos em 1992 se as fitas não forem liberadas.
As fitas são liberadas e esse é um dos momentos mais tensos da série. São
mostrados trechos que escancaram o racismo policial. Mark narra um espancamento de
negros e diz que isso é ser policial.
Nesse instante, a divisão entre os grupos de maioria branca e negra aumenta. O
caso se torna mais do que o julgamento do assassinato de Nicole e Ronald, se torna um
julgamento da polícia.

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Figura 6 - Grupos diferentes discutindo - Fonte: FX/Netflix

No dia do julgamento, a promotoria tenta fazer com que os jurados olhem para
as inúmeras provas contra O.J. Mas não é bem sucedido. O veredito sai muito rápido.
Enquanto o veredito é lido, a tela se divide em duas. E há novamente a separação entre
brancos e negros.

Figura 7 - Marcia e Cochran esperando o veredito - Fonte: FX/ Netflix

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Figura 8 - Família de Goldman na esquerda e mãe de O.J na direita - Fonte: FX/Netflix

O veredito sai e O.J é considerado inocente. Inserts de imagens que capturam as


reações das pessoas no dia do veredito são colocadas, a maioria dos negros
comemoram, enquanto os brancos lamentam.

Figura 9 - Reações ao veredito de O.J - Fonte: Fx/Netflix

Figura 10 - Reação de mulheres brancas ao veredito de O.J - Fonte: FX/Netflix

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Com a maioria do júri negra, eles compram a versão da defesa. Eles votam
contra a polícia de Los Angeles. Por mais que signifique votar a favor de O.J e sua
inocência.

Figura 11 - Reação de um grupo composto por maioria negra ao ouvir o veredito de O.J - Fonte: FX/Netflix

Uma das cenas que mais elucidam isso é uma conversa entre Cochran e Chris.
Cochran tem certeza que conseguiu um marco para a luta negra no tribunal. Mas Chris
está bem mais cético em relação a isso. Chris diz que aquele julgamento foi uma
revanche contra a polícia e O.J foi o primeiro negro a ser inocentando porque é negro, o
que inverte a lógica do sistema. Chris fala como Cochran não conseguiu nenhuma
marca de direitos civis ali, ou seja, a policia continuará tão racista quanto antes. Porém,
o que Chris não vê é que o debate sobre o racismo aumentou significativamente dentro
dos Estados Unidos. Tanto que o presidente dos Estados Unidos fala na televisão sobre
o caso e diz que irá abrir uma investigação na polícia. A última fala de Cochran na série
é: “Essa é a vitória. Nossa história saiu das sombras”.
O.J é inocentado pelo júri e se torna um homem livre. Porém, o que não sabe, é
que vai ser condenado pela sociedade de maioria branca e elitista em que tanto se
apoiou e valorizou. Na volta para sua casa, pessoas na rua de Brentwood xingam o carro
onde ele está e fazem protesto contra sua morada lá. Seus antigos amigos não vão em
sua casa e nem o aceitam em seus restaurantes. Kardashian, que o acompanhou em todo
o julgamento, se despede de O.J e não retoma mais contato. A série mostra que, mesmo
ele sendo inocentado por grande parte da comunidade negra, ele foi condenado na
mesma proporção pela maioria branca.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão racial nos Estados Unidos é uma questão atual e vem sendo debatida
por vários movimentos sociais. Além disso, a discriminação policial contra os negros é
uma realidade. O contexto de American Crime Story: The People vs O.J Simpson é os
anos 90, porém poderia ter acontecido no ano de 2018. Ela traz a tona questão que
devem ser debatidas e discutidas.
Além disso, ela vem no formato de Antologia. Esse formato passou muito tempo
esquecido, pois na lógica da televisão era muito difícil fazer com que o público
acompanha-se uma série que tivesse essa forma.
As redes de transmissão e de cabo evitaram antologias episódicas nas últimas
décadas porque elas não faziam muito sentido nos negócios. Sem personagens
recorrentes ou linhas de história, as redes perceberam que era mais difícil fazer
com que o público formasse uma forte conexão com uma série, tornando menos
provável que retornassem a cada semana por hábito. (ADALIAN, 2017,
tradução nossa)

Porém, com as mudanças do modo de ver televisão e inclusive a distribuição


feita por sites de streaming, American Crime Story está disponível no serviço de
streaming do FX e em outros como Netflix, fizeram com que esse formato voltasse e
conquista-se seu espaço.
Conclui-se que a série aborda a questão racial em toda sua narrativa. Através dos
diálogo dos seus personagens, as situações mostradas e através de sua fotografia,
quando separa visualmente as pessoas negras e brancas mostrando suas diferenças.
Fazendo com que o público debata sobre aquelas imagens e as questões apresentadas.

REFERÊNCIAS:

ROMANELLI, Amanda. Há 45 anos, a luta pelos direitos civis subia ao pódio da Olimpíada
do México. 2013. Disponível em: <http://esportes.estadao.com.br/noticias/geral,ha-45-anos-a-
luta-pelos-direitos-civis-subia-ao-podio-da-olimpiada-do-mexico,1086499>. Acesso em: 08
maio 2018.

O.J: Made in America. Direção de Ezra Edelman. S.i: Espn Films Laylow Films, 2016. Son.,
color.

TORTATO, Giovanna Carolina, 12., 2017, Curitiba. ANÁLISE DA CLASSIFICAÇÃO DE


O.J: MADE IN AMERICA COMO UM DOCUMENTÁRIO JORNALÍSTICO. Curitiba:
Evinci, 2017. 9 p. Disponível em:
<http://portaldeperiodicos.unibrasil.com.br/index.php/anaisevinci/article/view/3700/3041>.
Acesso em: 10 maio 2018.

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J. D. WACQUANT, Loïc . O RETORNO DO RECALCADO Violência urbana, "raça"


e dualização em três sociedades avançadas (*). ANPOCS, S.L, v. 10, n. 10, p. 16-22,
out. 2007. Disponível em:
<http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_24/rbcs24_02.htm>. Acesso em:
08 maio 2018.

MORAES, Rafael . Narrativa Seriada na Televisão e Suas Origens nos Meios de Comunicação.
Comunicon 2016 , São Paulo, v. 10, n. 10, p. 1-14, out. 2016.

ADALIAN, Josef . The Return of the Episodic Anthology Series. Disponível em:
<http://www.vulture.com/2017/08/the-return-of-the-episodic-anthology-series.html>. Acesso
em: 15 maio 2018.

GLAUBER, Willians . Os bastidores das séries antológicas e como elas funcionam.


Disponível em: <https://blog.saraiva.com.br/os-bastidores-das-series-antologicas-e-
como-elas-funcionam/>. Acesso em: 08 maio 2018.

MACHADO, Arlindo . A televisão levada a sério. São Paulo: Senac, 2000. 244 p.

BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 2004. 143 p.

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