A Bruxa e A Morte - Sobrenatural - Camila Oliveira

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Copyright © 2023 por Camila Oliveira

Todos os direitos reservados.

Edição e Diagramação: Camila Oliveira


Revisão: Viviane Afonso
Capa: Bruna Gurgel

Não é permitida a reprodução total ou parcial desta obra, por


quaisquer meios, sem prévia autorização da autora. PIRATARIA É
CRIME!

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, lugares e acontecimentos reais é
mera coincidência.

ISBN Nº 978-65-00-61978-2
Para Bruno
Por mais que eu escreva sobre a morte, nunca vou entender a sua partida
repentina.
ÍNDICE

Copyright © 2023 por Camila Oliveira

ÍNDICE

ATENÇÃO

Prólogo

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13
Capítulo 14

Capítulo 15

Capítulo 16

Capítulo 17

Capítulo 18

Capítulo 19

Epílogo

AGRADECIMENTOS

CONFIRA UM TRECHO

OUTRAS OBRAS DA AUTORA

CONTATOS
ATENÇÃO

Esta é uma obra de ficção!

Os assuntos abordados neste livro não condizem com as convicções


pessoais da autora, tendo como caráter exclusivo o entretenimento. Usei de
liberdade criativa para alguns detalhes na história. As experiências
sobrenaturais descritas nesse livro não são necessariamente das formas
apresentadas. Este livro foi parcialmente inspirado em algumas doutrinas
religiosas, mas não faz apologia a nenhuma.
Neste livro, a Morte não possui um gênero definido, apesar de
aparecer a maior parte do tempo como ele. Então não estranhem se aparecer
ele/ela o tempo todo.

Este livro pode conter alguns gatilhos: Luto, morte e trauma físico.
Apesar de ser uma série, esse e os livros seguintes poderão ser lidos
separadamente, mas os posteriores podem conter spoilers dos anteriores.

Tenha uma ótima leitura e não se esqueça de avaliar ao final! Beijos


e abraços!
“Come and drown in the lake of her passion
Come and die so you can be reborn
Hear the siren sing
Hear the death knell ring
She's a witch a siren and a vampyre
She has come from the distance stars
To take your heart”

“Venha e afogue-se no lago da sua paixão


Venha e morra assim você pode renascer
Ouça a canção da sereia
Ouça o chamado do anel da morte
Ela é uma bruxa, uma sereia e uma vampira
Ela veio das estrelas distantes
Para capturar seu coração”
Heart of Lilith – Inkubus Sukkubus
Sou uma bruxa. Fui uma bruxa a vida inteira. E sempre serei.

No entanto, eu não estava preparada para aquilo. Ninguém estava


preparado, nunca. Afinal, quem se preparava para encontrar a morte?
Mas foi o que aconteceu comigo. Fui enviada para os braços da
morte pelo destino. As piores coisas passaram pela minha cabeça e
nenhuma delas era boa. Contudo, eu não esperava que aquilo iria acontecer.

Jamais imaginei que um dia eu iria me apaixonar daquela forma.


Não por Morte. O cavaleiro, o anjo, o fim.
Mais um cliente satisfeito saía da minha casa. Dessa vez, foi um
humano comum, mas eu já tinha recebido outras criaturas também. A
última criatura que recebi foi um demônio arrogante de outra realidade
paralela, alguém que ajudei a esconder dos humanos as suas características
demoníacas: chifres na testa e olhos vermelhos. Em Luandia havia de tudo,
mas a maioria da população era humana e nem fazia ideia do que habitava a
cidade.

Eu era uma bruxa, talvez a mais conhecida de Luandia. Eu podia


fazer qualquer feitiço que quisesse. E eu era boa no que fazia.

Pela minha aparência, as pessoas diziam que eu não tinha mais do


que 20 anos. Mas a verdade era que eu tinha quase 100 anos de vida. Eu
não era humana e sabia usar a magia a meu favor. Havia outras bruxas em
Luandia, mas nenhuma delas era tão boa quanto eu: Lilith Hecate.

Com as minhas poções e feitiços eu conseguia uma ótima renda,


mas não sobrevivia apenas disso. Com o passar dos anos, aprendi a
economizar e fazer investimentos, o que me garantia um bom dinheiro e
uma ótima qualidade de vida. Pude comprar uma casa naquela cidade há
alguns anos e moraria lá por mais algum tempo, até ficar evidente que a
minha aparência não estava mudando e eu ser obrigada a me mudar
novamente. Era sempre assim. No entanto, dessa vez eu lamentava, já que
Luandia era uma cidade perfeita para uma bruxa morar. Toda aquela aura
misteriosa e mística em torno da cidade me favorecia e eu adorava. Luandia
era um lugar onde eu me sentia muito bem e se eu pudesse não me mudaria
dali nunca.
A minha vida era tão boa que acabei me envolvendo rapidamente
com um humano. Eu gostava de Benicio, mas logo percebi que o nosso caso
não tinha futuro. Benicio estava marcado, destinado a outra criatura que não
era eu. Por isso decidi me afastar dele ainda no início do nosso
relacionamento. Melhor assim. Eu sabia bem como os lobos podiam ser
perigosos quando o assunto se referia aos seus companheiros.

Fui para o meu escritório e guardei os meus livros de feitiços e


poções na estante. Eram manuscritos preciosos, grimórios que eu mantinha
e deviam ser manuseados com todo o cuidado. O cliente que tinha acabado
de sair tinha encomendado algo para a sua saúde, que favorecesse a sua
longevidade. Usei uma poção antiga, que encontrei por acaso em um dos
grimórios que eu guardava. Algumas bruxas diriam que era algo profano e
que não deveria ser usado, mas eu discordava. Por que não usar? Feitiços
eram feitiços. Não existiam piores ou melhores.

Enquanto guardava os livros, a campainha tocou. Suspirei e precisei


deixar meu trabalho de lado para atender a porta. Devia ser um cliente de
última hora. Esperava que não fosse aquele demônio arrogante novamente...

Abri a porta e congelei no lugar. Pela deusa tríplice! Não era o


demônio, nem um humano qualquer. Aquele ser não era um mortal ou uma
das criaturas que eu atendia.
Não consegui falar nada e dei um passo para trás, com temor do que
viria a seguir.

O homem que estava parado na minha porta usava calça e camisa


pretas. Seu rosto era bonito, mas não podia ser definido como masculino ou
feminino, nem jovem ou velho. Os cabelos eram pretos e o comprimento ia
até abaixo dos ombros. O corpo era esguio e forte, mas nada musculoso
demais. Os olhos que me fitavam com interesse eram pretos de um jeito que
eu nunca tinha visto antes, muito profundos.

— Então você é a bruxa que anda tentando me enganar — ele falou,


com a voz estranhamente jovem e velha ao mesmo tempo.

Me arrepiei ao escutar a sua voz. Jamais imaginei que a Morte em


pessoa viria bater na minha porta.

Fiquei sem saber o que falar ou fazer. Estava paralisada de medo,


sem reação. A Morte estava parada bem na minha frente. Minha vida tinha
chegado ao fim? Era isso? Pensei que ainda teria mais algumas décadas
pela frente... o fim chegou rápido demais.
Engoli em seco e analisei a Morte. A Morte ou seria o Morte? Não
sabia dizer. Decidi me referir a ele como Morte e pronto. Tentar definir o
seu gênero era perda de tempo.

Ele era aquela Morte citada na bíblia, o cavaleiro do apocalipse. Era


aquele ser que comandava os ceifeiros e determinava o tempo de vida de
todos os outros seres vivos, mortais ou imortais. Era aquele mesmo ser que
eu estava enganando há algumas décadas com meus variados feitiços. E ele
não parecia nada feliz com isso, já que veio em carne e osso até mim. Que
Hecate me guardasse.
— Diga alguma coisa, bruxa. Não vai tentar se defender? — ele
perguntou, me desafiando.
Engoli em seco novamente. Percebi tardiamente que Morte falava a
minha língua. Bom, ele devia falar todas as línguas que existiam, ele era a
Morte.

— Eu... eu... — Pigarreei, tentando manter alguma postura. Mas


quem conseguia manter a postura diante da morte? — Eu não nego. Eu faço
o que faço porque preciso.
Ele deu um passo para frente, me fazendo recuar e entrar em casa.
Morte me acompanhou e fechou a porta atrás de si, sem tirar aqueles olhos
escuros de mim em momento algum. Foi apenas naquele momento que vi as
asas pretas em suas costas, como as de um passarinho. Não, eram asas de
anjo. O anjo da morte. Elas estavam fechadas e deviam estar escondidas dos
olhares humanos com magia, assim como a sua pele. Eu não conseguia
defini-la, já que ela reluzia e mudava de tom de acordo com a luz, ora de
um marrom mais claro, quase areia, ora em um tom mais escuro, como
terracota.

Eu morava sozinha há décadas. A última criatura que morou comigo


foi um familiar, um espírito antigo em forma de gato branco que me
acompanhou quando fiquei sozinha pela primeira vez. Ele faleceu de
velhice, antes que eu me mudasse para Luandia. Desde então, eu vivia só,
me mudando de tempos em tempos. Nunca senti medo da solidão. Até
agora.

— Ninguém merece viver além do tempo que lhe foi dado. Até
mesmo os imortais têm tempo de vida determinado — Morte replicou em
um tom cortante. — Por que justamente você ou aqueles que recorrem a
você merecem viver mais? Quem é você para determinar o tempo de vida
de alguém?

Engoli em seco outra vez, me sentindo uma criança levada tomando


bronca dos pais. Morte não era bobo ou ingênuo. Não era alguém que eu
poderia enrolar. Não se enganava a Morte e eu devia saber disso. Agora eu
me sentia uma idiota por não ter dado ouvidos ao que as outras bruxas me
diziam sobre aqueles feitiços e poções antigos. Era por isso que não eram
utilizados.

— Eu... acho que ainda tenho muito a viver. E para isso, preciso de
dinheiro, preciso da minha juventude. — Dei de ombros, tentando parecer
despreocupada. — Feitiços existem para serem utilizados.

Foi a coisa errada a se dizer.

Morte enfim tirou os olhos de mim e olhou ao redor, observando a


minha sala de estar.
— Você tem uma bela moradia, bruxa. Pena que pensa como uma
humana fútil. Tola. Volátil. — Ele me dirigiu um olhar afiado de acusação,
que fez eu me encolher no lugar. — Pensei que você fosse uma criatura
diferente das demais, mas me enganei. Você é como um ser humano
qualquer.

— Não sou, não! — repliquei exasperada, sem conseguir me


segurar, apesar do medo que sentia.
— É sim! — Ele andou devagar na minha direção, me prendendo
com seu olhar. — É como uma humana. Outros bruxos teriam vergonha de
você. Você não honra o sangue que corre pelas suas veias. — Ele chegou
bem perto de mim, seu corpo quase encostando no meu. Pude ver como os
olhos dele eram escuros, as íris pareciam se mexer, como ondas no mar ou
como um redemoinho. Era lindo e assombroso ao mesmo tempo, meio
hipnotizante.

— Eu... eu sinto muito. Não vou mais tentar enganá-lo — disse a


contragosto, sem conseguir desviar os olhos dos dele.

— Não acredito em você e mesmo que acreditasse, não faço acordos


— ele replicou de imediato.
Aquilo era ruim. Morte iria me punir, iria tirar a minha vida, a vida
que eu tanto preservei por décadas. Senti que ela estava escorrendo por
entre meus dedos e eu não podia fazer nada. Resolvi apelar para a
misericórdia.

— Por favor. Eu juro...


— Não! — ele me interrompeu. — Já disse que não acredito em
você e não quero mais ouvir suas desculpas. Eu não vejo outra alternativa a
não ser levá-la comigo, como a minha prisioneira.

Merda! Aquilo era pior ainda.

Ser prisioneiro da Morte significava não ter uma vida, mas também
não morrer. Ficar para sempre presa em um limbo entre a vida e a morte.
Era horrível.

— Não! — exclamei, tentando controlar o pânico dentro de mim. Eu


não queria que Morte visse o meu desespero.
— Chega! — Ele agarrou meu braço e me puxou de encontro ao seu
corpo. Ele não era tão musculoso assim, mas seu corpo era firme e seu
toque frio. — Não quero mais escutar suas desculpas. Você virá comigo,
quer queira, quer não queira. Assunto encerrado!
Abri a boca para protestar novamente, mas as palavras não saíram.
Uma luz forte me cegou, fazendo eu fechar meus olhos com força. Em
segundos, tudo mudou.
Senti que não estava mais em minha casa. O ar tinha mudado e antes
que abrisse meus olhos, percebi que estava em um lugar diferente e escuro.

— Bem-vinda ao seu novo lar — Morte falou aquelas palavras bem


perto da minha orelha, seus lábios quase tocando a minha pele, fazendo
arrepios percorrerem o meu corpo.

Abri os olhos e os desviei do cavaleiro na minha frente. Olhei ao


redor e arregalei os olhos. Eu estava no que parecia ser a mansão da Morte.
O lugar era iluminado apenas por luz de velas, o que o deixava em
uma sufocante penumbra, já que o ar ali era pesado, escasso. A sensação
que tive foi a de que o ar rarefeito era parecido com o ar dentro de um
caixão ou um túmulo. No entanto, o lugar era enorme e tinha a aparência de
um templo grego com detalhes da arquitetura muito parecidos. As paredes
eram claras e pareciam ser de mármore. Um verdadeiro mausoléu.
Estávamos parados perto de um trono, que devia ser o trono dele, o trono da
Morte. De lá, ele reinava e comandava os seus ceifeiros.

Morte me soltou, fazendo eu dar alguns passos trôpegos para trás,


ainda observando o lugar em que estava.

— Você é livre para transitar por aqui, mas fique fora do meu
caminho — Morte disse e foi em direção ao seu trono.

— O que... o que eu vou fazer aqui?! — perguntei a ele, sem


conseguir controlar o pânico que começava a se instalar em mim. — Eu
tenho um trabalho, uma vida em Luandia! Não posso ficar aqui!
Morte se sentou em seu trono e gesticulou com a mão, revirando os
olhos. Uma foice estava apoiada atrás do seu trono. O seu símbolo.

— Você é minha prisioneira e está condenada a vagar pelos meus


domínios. Está proibida de fazer qualquer bruxaria e de ficar em meu
caminho. Tenho assuntos mais importantes para resolver do que me
preocupar com uma bruxa insignificante como você.

— Você não pode me manter aqui! Me deixe voltar, por favor! —


implorei e fui para perto dele.

Ele me dirigiu um olhar mortal e replicou:

— Saia do meu caminho, bruxa. Ou vai se arrepender.

Parei onde estava e segurei as lágrimas que ameaçavam cair em meu


rosto. Aquilo não podia estar acontecendo, mas estava. Morte tinha me
pegado e me transformado em sua prisioneira. A vida que eu conhecia tinha
chegado ao fim naquele momento.

Andei por aquele lugar imenso e que parecia não ter fim. Um
corredor levava direto para o trono da Morte, mas havia corredores laterais
que levavam para outras salas enormes e vazias. O lugar era todo cheio de
sombras e por mais que parecesse vazio, eu sentia que estava sendo
observada o tempo todo. Havia alguém nas sombras, mas eu não entrei em
nenhuma delas para comprovar a minha teoria.

Não havia janelas, o que tornava o lugar meio sufocante e


angustiante. Por vezes deixei algumas lágrimas escaparem. Eu estava
tentando ao máximo controlar o pânico que sentia, mas estava falhando. Eu
tentava achar uma saída daquele lugar, mas parecia que estava cada vez
mais me perdendo em todos aqueles corredores. Tive a sensação de estar
presa em um labirinto.

Mas era melhor estar perdida do que perto de Morte. Só de lembrar


o seu desprezo ao me ver, um arrepio percorria todo o meu corpo. Mas eu
não estava arrependida do que fiz. Feitiços existiam para serem usados.
Poucos bruxos tiveram a ousadia que eu tive, de desafiar a Morte. No
entanto, eles continuavam vivos, enquanto eu... tinha me tornado uma
prisioneira da Morte. Olhando dessa perspectiva, parecia que tinha feito
uma enorme burrice.

Estava começando a ficar cansada de tanto andar pela mansão de


Morte e já começava a achar que estava perdida, quando encontrei alguém
dentro de uma dessas salas. A sala em que ela estava tinha móveis: uma
cama, uma escrivaninha com uma cadeira e um jogo de sofá, tudo muito
simples, mas útil. A moça que estava dentro dessa sala, que percebi se
parecer com um quarto, me olhou dos pés à cabeça, indiferente.

— Você é a prisioneira? — ela perguntou.

Notei que ela era muito bonita. Tinha os cabelos ruivos bem lisos e
longos. Os olhos eram azuis-claros, a pele era clara, quase translúcida. Ela
estava vestida de forma austera, usando um terninho todo preto, com camisa
branca e gravata preta. Ela era tão perfeita que não tinha um fio de cabelo
fora do lugar. Não devia ser humana... devia ser uma serva de Morte.
— Eu... — Pigarreei. — Eu sou... Morte me trouxe... aqui. — Me
atrapalhei um pouco para falar, mas consegui respondê-la.
— A Morte mandou que eu arranjasse acomodações para você,
bruxa. É aqui que você vai ficar.

Olhei ao redor e engoli em seco. O lugar não era muito agradável,


mas pelo menos eu teria onde me refugiar dos olhos de Morte. Era melhor
manter distância dele.
— Eu... — Olhei para a moça na minha frente. — Você sabe de
alguma forma de sair daqui?

— Sei.

Arregalei os olhos.

— E como eu faço para sair daqui? — perguntei exasperada. Talvez


ela pudesse me ajudar...
— Você não pode sair daqui. É uma prisioneira — ela replicou.

— Mas você disse que sabia como sair daqui! — devolvi, confusa.

— E sei. Mas isso não significa que vou tirá-la daqui.


Merda.

— Você é uma bruxa, muito parecida com um ser humano. Por isso
será tratada como um — ela disse enquanto andava em direção à porta. —
Serão servidas três refeições por dia e você poderá usar o banheiro anexo
para as suas necessidades mortais.
O que... Percebi que ela estava indo embora. Não.

— Espera! — a interrompi quando ela tocou na maçaneta para abrir


a porta que tinha três vezes a minha altura. — Quem é você? Como faço
para não me perder aqui? Esse lugar é imenso.

— Eu sou uma ceifeira da Morte, bruxa. Estou aqui


temporariamente, porque a Morte me chamou. — Ela abriu a porta. — Você
não vai se perder aqui. Se sair do quarto e dobrar para a direita, estará no
corredor central, que a levará direto para Morte.

Franzi o cenho, sem acreditar no que a ceifeira tinha acabado de me


falar.
Antes que ela fechasse a porta, fui até ela e segui suas instruções.
Dobrei no corredor e vi que estava no tal corredor central. O trono de Morte
estava a muitos metros de distância e estava vazio, felizmente.

Abri a boca em choque, sem entender como aquilo era possível. Eu


me perdi naqueles corredores! Andei muito até encontrar aquela sala em
que a ceifeira estava. Aquele lugar era um labirinto! Como aquilo era
possível?
— Foi a Morte — a ceifeira disse atrás de mim, fazendo eu dar um
pulinho de susto no lugar. — Ela estava brincando com você,
transformando o lugar em um labirinto.

Me virei e encarei a serva da Morte.

— Morte fez eu me perder aqui de propósito? — perguntei


incrédula. Afinal de contas, ele disse que tinha assuntos mais importantes
do que se preocupar comigo, uma bruxa insignificante.

— Sim, bruxa. A Morte geralmente faz isso com seus prisioneiros.


Filho da puta...

Percebi que aquele lugar não tinha um tamanho definível. Respirei


fundo para que aquele pensamento não me fizesse pirar.
— Eu quero falar com ele.

— A Morte não está aqui. Está resolvendo outros assuntos. — A


ceifeira se colocou ao meu lado, com as mãos nas costas. — Às vezes, ela
vai buscar as almas pessoalmente.

Senti um arrepio forte percorrer meu corpo inteiro. Afastei as


imagens que surgiram na minha mente. Eu estava há um bom tempo
ajudando os outros a fugirem da Morte. Será que ele tinha ido buscar essas
pessoas?

— Por que ele faria isso se tem vocês, os ceifeiros, para fazerem o
trabalho? — perguntei curiosa.

— Quem sabe? A Morte é uma incógnita — a ceifeira respondeu e


foi embora, me deixando sozinha outra vez naquele corredor.
Engoli em seco e fui para o meu novo quarto. Ou seria a minha
cela?
Eu tinha que admitir que as acomodações na mansão da Morte eram
boas no geral. A cama era confortável e o banheiro era limpo, tinha até uma
banheira lá. Tudo simples, mas funcional. No entanto, aquele clima
sufocante estava acabando comigo. Não havia janelas em canto nenhum e o
ar pesado não circulava. Naquele momento, eu daria tudo por uma simples
janela. Ou um ventilador.

Saí do quarto, decidida a encontrar Morte. Eu precisava fazer


alguma coisa, não dava para ficar ali dentro, por mais que eu quisesse
manter uma distância segura dele.

Eu tinha perdido completamente a noção do tempo ali. Não sabia


quantas horas tinham passado, se era noite ou dia, ou que dia era. Deixei
uma vida em Luandia e pensei que talvez pudesse barganhar com a Morte
para retornar para lá.

Entrei no corredor central e vi que o trono da Morte ainda estava


vazio. Ele ainda estava ocupado tirando as vidas dos seres vivos. Andei até
lá e o tempo todo senti que estava sendo vigiada enquanto andava por
aquele corredor. Nada me tirava da cabeça que havia mais... servos da
Morte pelas sombras. A própria ceifeira que encontrei mais cedo devia estar
por lá.

Ao me aproximar do trono, vi que tinha um cavalo lá próximo. Um


cavalo. Ele tinha a cor estranhamente amarelada, pálida. Aquela cor me
remetia a palidez de um cadáver. Ignorei o calafrio que senti e me
aproximei do animal, que me olhou desconfiado e depois me ignorou,
olhando para o outro lado.

Toquei a sua pelagem macia e o acariciei em seu pescoço. Parecia


manso.
— Oi, garoto. Então você é o famoso cavalo amarelo da Morte?
Prazer em conhecê-lo — falei a ele, que apenas me ignorou.

Parecia ser um cavalo normal, mas com certeza não era, já que
pertencia à Morte. Com aquele cavalo, Morte andaria pela Terra. Eles
trariam o juízo final à humanidade. O apocalipse. O fim.

Deixei a minha mão cair com aquele pensamento. O cavalo me


olhou outra vez, como se estivesse me recriminando por parar de acariciá-
lo.

— Ele não é um animal de estimação. — Aquela voz antiga soou


bem perto de mim, fazendo eu dar um pulo no lugar e me virar para encará-
lo. — O que estava fazendo com o meu cavalo, bruxa?
Morte estava a uns 30 centímetros de mim, me olhando de maneira
fixa. Os olhos escuros, com as íris se movimentando como se fossem ondas,
me distraíram momentaneamente. Ele abriu as asas e deu mais um passo
para perto de mim, sem romper o contato visual.

— Eu fiz uma pergunta, bruxa — ele falou baixo, com uma


intimidade que me surpreendeu.
Pisquei rapidamente, me dando conta de onde estava e o que estava
fazendo. Dei um passo para trás.

— Eu... queria falar com você.

— Fale.

Direto ao ponto. A Morte não fazia rodeios.

— Eu preciso voltar para casa. Você precisa encontrar outra forma


de me punir, não posso ficar aqui. Nós podemos barganhar. — Dei de
ombros, tentando não parecer afetada com a sua presença.
— Eu não faço acordos, bruxa. Acho que já deixei isso bem claro —
ele replicou.

— Então me deixe cumprir a minha punição lá em Luandia. Eu não


vou mais enganá-lo, já aprendi a lição. Chega de feitiços para prolongar a
vida.

Ele se virou e andou até o trono, onde se sentou, fechando as asas


atrás de si.

— Uma bruxa agindo feito uma humana. Esperava mais de você, da


sua espécie.

Revirei os olhos. Morte esperava o quê? A capacidade de fazer


feitiços e poções era algo das bruxas e bruxos, mas não éramos tão
diferentes assim dos humanos. Éramos mais longevos, mas nada
surpreendente. Um humano poderia viver até os 100 anos ou pouco mais,
enquanto uma bruxa poderia viver até os 200 anos.

Além disso, eu não achava que manter a minha juventude fosse algo
tão grave assim contra Morte. Quer dizer, se eu tivesse parado em mim...
mas não. Vendi feitiços e poções para os humanos e outros seres, e eles
viveram além do que lhes era permitido. Eles enganaram a Morte, assim
como eu.
— Eu preciso voltar para casa. — Andei para perto dele. — Eu
tenho uma vida lá. Não posso simplesmente sumir assim.

Morte me encarou com o cenho franzido.


— Você... tinha alguém lá? Um par? Algum... humano? Ou
humana?

Fiquei encarando-o até me dar conta do que ele estava me


perguntando. Desviei o olhar.

— Eu tinha, agora não tenho mais.

Com quase 100 anos de vida, pensei que poderia ter algo a mais
com alguém. Mas aí descobri que ele estava destinado a uma companheira
loba. Talvez a deusa tríplice tivesse outros planos para mim. Ou não. Já que
vim parar aqui.
— Ah.

Voltei a encará-lo e ele não tinha tirado os olhos de mim. Senti algo
quente percorrer meu corpo, mas ignorei. O momento era completamente
errado.
— Mas eu tenho a minha vida lá. As pessoas vão me procurar e vão
encontrar a minha casa abandonada. Meus livros e feitiços todos lá,
expostos para quem quiser ver. Meu sumiço vai chamar a atenção das
autoridades. Você voltará a ser enganado, talvez até por humanos.

Morte fechou a cara, quer dizer, ele vivia com aquela cara enfezada,
então, não era muito diferente do normal. Ele era bonito mesmo daquele
jeito.
— Vou mandar um ceifeiro até lá para buscar as suas coisas — ele
decretou.

— Não — repliquei.

— Não? — ele perguntou meio incrédulo.


— Não. Eu quero voltar para lá.

— Isso está fora de cogitação.

Bufei irritada.

— O que você ganha me mantendo aqui? Vai ficar criando labirintos


para ficar me confundindo e me atazanando?
Ele abriu um sorrisinho. Idiota. Não imaginei que ele, a Morte
gostasse de brincar com os mortais. Ele mesmo disse que tinha mais o que
fazer.

— Você foi condenada a vagar pelos meus domínios, bruxa. O que


esperava?

— Meu nome é Lilith, não bruxa. Lilith Hecate.


— Como a demônia... Que mãe daria um nome desses para a própria
filha? — ele perguntou com desdém.

Revirei os olhos.

— Uma bruxa! Bruxas têm nomes de bruxas! Meu nome é Lilith


Hecate!

— A demônia e a deusa.
Senti vontade de arrancar os meus cabelos. Pela deusa tríplice!
Morte era muito irritante!
— Que seja! Você não respondeu a minha pergunta!

— Eu respondi, você que não prestou atenção.

— Você espera que eu vague pelos seus domínios até o fim da


minha vida? Não tem coisa melhor para fazer?
— É justo. Além disso, posso fazer meu trabalho enquanto a
observo. É interessante.

Bufei irritada e Morte pareceu gostar disso. Ele estava se divertindo


novamente às minhas custas.

— Eu vou arrumar um jeito de sair daqui. Nem que use o seu cavalo
para isso!

— Fique à vontade para tentar. Estou achando tudo muito divertido


até agora.

Dei as costas para ele e andei de volta para os meus aposentos,


pisando duro. Se tivesse com meus livros de feitiços por aqui, teria jogado
um bem ruim em cima da Morte. Ele bem que merecia.

— Até mais, Lilith Hecate! — Morte gritou antes de eu virar no


corredor.
O ignorei e entrei no meu quarto/cela. Pelo menos dessa vez ele não
transformou a mansão em um labirinto. Cavaleiro idiota.
A ceifeira ruiva voltou algum tempo depois, trazendo comida em
uma bandeja. Eu não fazia a mínima ideia de onde tinha vindo aquela
comida, mas estava com fome e iria comer o que viesse.

Agradeci a ceifeira quando ela pousou a bandeja na escrivaninha e


perguntei:

— Que dia é hoje? Que horas são?


— O tempo é diferente aqui, bruxa. Não é medido em dias ou horas.
Na verdade, ele não é medido.

Ótimo. Agora eu estava completamente perdida.

— Devia descansar após a refeição. Não há horários definidos aqui,


então, aproveite as oportunidades — ela comentou.

A ceifeira estava certa, eu devia fazer isso. Estava cansada e


desconfiava que um dia já devia ter se passado desde que cheguei aos
domínios de Morte.

Suspirei derrotada. Aquela seria a minha vida daquele momento em


diante. Dormir, comer, ser perturbada por Morte. Como eu poderia me
conformar com aquele destino?
— Descanse, bruxa. E tente ficar fora do caminho da Morte. Vai ser
melhor para você — a ceifeira aconselhou enquanto caminhava para a
porta.

Assenti e esperei a ceifeira ir embora para comer.

Enquanto comia, me dei conta de que aquele era o meu destino e eu


não podia fazer nada para escapar da mansão de Morte. Ninguém escapava
da morte.

Eu poderia muito bem ficar fora do caminho de Morte, como a


ceifeira me aconselhou, mas eu estava disposta a fazer isso? Lembrei da
minha última conversa com o cavaleiro. Eu poderia perturbá-lo, do mesmo
jeito que ele me perturbava. Era perigoso? Com certeza. Poderia funcionar?
Talvez. Não se brincava com a morte, todos sabiam disso. Mas ele bem que
merecia uma revanche.
“Se nós não entendemos a vida, como poderemos entender a morte?”
Confúcio

Tudo o que é vivo, morre.


A única certeza da vida era a morte, mas os seres vivos, os humanos
principalmente, não pareciam se dar conta disso.

As tentativas de me enganar aconteciam desde sempre. Ao se darem


conta de sua frágil e efêmera vida, os seres mortais (e até os imortais)
procuravam uma forma de tentar me enganar, de tentar desacelerar o tempo
a seu favor ou até mesmo usar a magia para isso. Mas essas tentativas nunca
deram certo.

Nem mesmo meus próprios servos estavam livres desse mal. Mas
uma coisa que nenhum deles sabia era que não podiam me enganar.
Ninguém podia. Era tolice imaginar o contrário.

Eu era Morte. Tão antigo quanto o mundo. O último dos cavaleiros


do apocalipse. Aquele que viria por último no fim dos tempos. Mas isso
ainda não aconteceria agora...
Considerado por muitos como um enigma, mas não tão complicado
assim. A humanidade só não me compreendia, estava além da sua
capacidade mortal e limitada. Poucos tinham o dom de me compreender e
consideravam isso um novo estágio na evolução.

Eu tinha a aparência de um anjo, mas não era um de verdade. Eu


não tinha uma definição exata. Eu não era jovem nem velho, não era branco
nem negro, não era bom nem mau. Eu era tudo e nada ao mesmo tempo. Eu
era o fim, mas também era o princípio. Quase tão poderoso quanto Deus,
mas inferior a Ele.

Temido e desafiado pelos mortais e imortais. Minha existência e de


meus irmãos estava além da compreensão humana.

Por isso eu não entendi quando um de meus ceifeiros se enamorou


por uma mortal. Sentimentos que teoricamente não existiam, começaram a
aflorar em meus servos. Me vi sendo enganado por meus próprios ceifeiros.
O amor brotou até mesmo no mais inóspito dos lugares.

Me perguntei como aquilo podia estar acontecendo. Não era para


acontecer. Mas o destino tinha planos que nem eu compreendia. Por isso
resolvi ceder a ele.

Comecei a me adiantar e seguir os planos do destino. O último que


interferi foi um de meus ceifeiros. Ele se auto intitulou Jack. Um nome
muito comum para alguém que não tinha nada de comum. Jack era um de
meus ceifeiros e estava comigo há séculos, me servindo como foi criado
para fazer. Mas o destino tinha outros planos para ele e decidiu ligá-lo a
uma necromante. Foi fácil juntar os dois, cruzar os seus caminhos. Me senti
o próprio cupido ao realizar aquela façanha.
Tudo estava bem e eles viveriam as próximas décadas felizes em sua
ignorância mortal...

Mas algo na cidade em que eles viviam me chamou a atenção.


Luandia, a cidade mística. Alguém lá estava tentando me enganar e não era
de hoje. Magia. Magia proibida.

Logo descobri que era uma bruxa. Uma simples e insignificante


bruxa estava fazendo feitiços proibidos e estava fornecendo-os aos mortais
por preços exorbitantes, obtendo lucro às minhas custas. Tola. Será que não
sabia que não podia me enganar? Por que agia como uma simples humana?

Decidi que eu mesmo iria atrás dela. Aquele assunto era meu.

Bruxas eram seres sobrenaturais. Não eram humanas, mas eram


mortais. Eram dotadas do dom da feitiçaria e tinham afinidade com o
sobrenatural para manipular a magia. No entanto, tudo tinha limite. Havia
certas coisas com as quais elas não podiam mexer e eu era uma dessas
coisas. Aquela bruxa em especial tinha feito feitiços não só em si mesma,
mas também para humanos, com o objetivo de me enganar para viver mais,
além do tempo que lhe foi dado. Não era certo, nem natural. A vida não
podia ser manipulada daquele jeito. Haveria consequências graves no
futuro. Por isso decidi intervir imediatamente.

Foi uma surpresa ver pela primeira vez o rosto da bruxa. Ela era
diferente de tudo o que eu já tinha visto antes em toda a minha existência.
Não era a beleza de sua juventude preservada com magia. Eu não ligava
para isso, era algo muito humano, fútil. O que eu tinha visto era... algo a
mais. Aquilo não podia ser normal.

E não era.

Nem mesmo eu pude prever os planos do destino para mim.


Aquela bruxa arrogante estava destinada a mim. E pela primeira vez
em toda a minha existência, eu não sabia o que fazer com aquilo.

De alguma forma a bruxa precisava pagar pelos atos profanos que


cometeu, então decidi levá-la comigo. Foi um gesto impulsivo motivado
por raiva? Talvez. Mas teoricamente eu não tinha sentimentos humanos,
então, não poderia dizer ao certo. A princípio, ela seria uma prisioneira em
minha mansão. Apenas até eu descobrir o que fazer com ela.

A bruxa era minha.


Me senti perdido com aquela informação. O que eu deveria fazer?
Aquilo estava tão errado... a morte era certa, não havia dúvidas em mim.
Então por que eu estava tão confuso?

Decidi que seguiria com minhas tarefas habituais e que deixaria o


tempo e o destino agirem naquele caso. Fui para a Terra buscar algumas
almas pessoalmente e voltei. Tive um novo embate com a bruxa, Lilith
Hecate. Humanos não costumavam ter nomes assim, mas ela não era
humana. Estava vivendo entre os humanos por décadas, até que se
estabeleceu naquela cidadezinha mística, cheia de criaturas sobrenaturais.
Sozinha.
Mas eu gostei da bruxa. Gostei de como ela era ousada em me
desafiar, em bater de frente comigo. Era divertido irritá-la. Lilith era um
espírito indômito, obstinado. Uma dominadora. Agora eu começava a
entender por que ela foi destinada a mim. Talvez eu precisasse do desafio
que ela representava. E eu não a deixaria ir embora. Eu estava decidido a
enfrentar aquele desafio. Pela primeira vez em muito tempo, alguém ousava
bater de frente comigo. Uma simples mortal.
Lilith se dirigiu ao aposento que eu destinei a ela em meus
domínios, e eu voltei a me dedicar aos meus assuntos. Vida e morte. O ciclo
interminável da existência.

Recebi em meus domínios algumas almas pleiteantes que tinham


requisitado audiência comigo, mas meus pensamentos voltavam para Lilith
a todo o momento.

Minha bruxa.

Eu sabia que Lilith tinha necessidades mortais, então designei uma


ceifeira para cuidar dela em meus domínios. Nada faltaria a Lilith, por isso
decidi chamar a ceifeira que a servia, após a audiência com as almas
pleiteantes.
A minha serva se ajoelhou aos meus pés em submissão.

— Eis-me aqui — ela disse da maneira que todos os meus servos se


dirigiam a mim.
Me recostei em meu trono e abri as minhas asas. Decidi agradar a
bruxa, a minha Lilith. Ela merecia, depois de enfrentar o labirinto que criei
e vir me encarar.

— Traga os pertences da bruxa para cá. Todos os objetos estimados


dela devem vir para cá e serem entregues nos aposentos dela. Quero a
minha prisioneira confortável por aqui — ordenei à ceifeira.

Os meus servos não sabiam sobre Lilith, eu e o destino. Até o


momento ela era apenas a minha prisioneira, nada mais nem menos do que
isso.

— Farei isso — a ceifeira respondeu e com uma reverência sumiu


da minha frente.
Eu estava pronto para voltar aos meus assuntos quando um outro
servo veio me informar que dois de meus irmãos estavam aqui e queriam
falar comigo. Ordenei que eles entrassem. Eram Peste e Guerra. Me
levantei de meu trono para recebê-los. Eu não os via há algum tempo.

— Irmãos. A que devo a honra da presença de vocês? — Me virei


para Peste. — Pensei que você estava na Terra, assolando uma das
realidades.
Ele assentiu.

— Eu estava. Os humanos já tiveram uma amostra do que virá em


breve — Peste respondeu sem titubear.

Nós quatro, Fome não estava presente naquele momento, éramos


parecidos e diferentes ao mesmo tempo. Meus irmãos não tinham asas
como as minhas, mas eram tão estóicos quanto eu. Nossas aparências
também divergiam um pouco, mas isso não era importante. Esses corpos
humanoides eram apenas cascas, apenas representações sem importância.

— Nós estamos aqui apenas para que se prepare, irmão. Talvez você
precise agir em breve — Guerra alertou.

— Como assim? Ainda não chegou a nossa hora. — Apontei para


Peste. — O primeiro cavaleiro ainda não marchou de verdade sobre a Terra.
— Não, mas escolhas estão sendo feitas. Decisões estão sendo
tomadas. Talvez eu apareça em breve em uma das realidades — Guerra
disse.
Assenti. Se algo assim estava para acontecer, significava que eu
teria trabalho pela frente.

— A humanidade entrará em guerra, em breve — comentei.


— O quê?! — uma voz estridente perguntou a alguns metros de
onde estávamos.

Nós três nos viramos e eu vi a minha bruxa vindo em nossa direção.


Ela deve ter escutado o que eu tinha acabado de falar. Seus olhos estavam
arregalados.

— Não sabia que você tinha uma consorte — Guerra comentou, sem
tirar os olhos de Lilith, que se aproximava confusa.

Guerra era conhecido pelas concubinas em seus domínios, mas


nenhuma consorte. Ele teve várias amantes ao longo do tempo, uma de cada
canto do mundo. Mortais, imortais, humanas ou não. Atualmente ele tinha
três concubinas. Peste tinha uma consorte há séculos. Fome tinha um
consorte e duas concubinas. Eu não entendia o porquê disso. Será que o
destino também tinha interferido na existência deles? Pensando bem, talvez
eles pudessem me dizer como eu poderia me aproximar daquela bruxa.
Como eu contaria a ela que o destino tinha nos unido e que deveríamos
ficar juntos?

— Eu não tenho, mas talvez tenha em breve — respondi baixo,


mirando os olhos verdes da minha bruxa.

— Boa sorte com a sua bruxa — Peste disse com um sorriso


pequeno nos lábios.
Em seguida os dois desapareceram da minha frente, fazendo Lilith
parar no lugar, ainda de olhos arregalados. Não era todo dia que se via três
de nós reunidos. E eu acabei perdendo a chance de tirar as minhas dúvidas
com meus irmãos. Talvez tivesse a oportunidade em outro século.

— Lilith? — a chamei, me aproximando dela devagar. Ela devia


estar em choque.

— Eles... aqueles eram... — ela balbuciou, ainda parada no mesmo


lugar.
— Sim. Aqueles eram meus irmãos. Peste e Guerra — esclareci.

Ela assentiu, de repente muito pálida. Eu sabia o que viria a seguir.

Apressei meus passos e aparei o seu corpo desfalecido antes que ele
batesse no chão.
Acordei no quarto/cela que tinha sido destinado a mim na mansão
de Morte. Estava sozinha. Pelo menos foi o que eu achei ao olhar
rapidamente pelo ambiente iluminado apenas pela luz de velas.

Me sentei na cama, tentando lembrar como tinha vindo parar aqui.


Eu tinha saído do quarto, determinada a importunar Morte, mas me deparei
com uma cena que arrepiou meu corpo inteiro. Morte estava conversando
com outros dois... homens. Não eram bem homens, eram mais parecidos
com Morte do que com um humano. Um deles tinha a pele translúcida,
muito clara, assim como seus cabelos. O outro tinha a pele negra retinta,
seus cabelos crespos tão escuros quanto breu.

Curiosa, me aproximei devagar, mas parei no lugar quando ouvi o


que Morte falou a eles.

— A humanidade entrará em guerra, em breve — ele disse com


aquela voz que já não me causava tanta estranheza assim.

Acabei chamando a atenção deles e três pares de olhos escuros me


encararam. Não escutei mais o que disseram, mas minhas pernas
continuaram andando quase que por vontade própria, até que os dois que
conversavam com Morte sumiram. Simplesmente. Sumiram no ar. Parei de
andar outra vez, chocada com que tinha acabado de presenciar na minha
frente.

Lembrei que Morte me disse que aqueles eram seus irmãos, Peste e
Guerra, mas não lembrei de mais nada depois disso. Acho que desmaiei.

Suspirei e passei as mãos pelo rosto e pelo cabelo, que estava uma
bagunça só. Fechei os olhos. Eu precisava tomar banho, mais cedo ou mais
tarde, apesar de estar perdida no tempo e espaço. Minha vida estava uma
enorme confusão. Uma verdadeira loucura.

— Lilith?

Me assustei ao ouvir meu nome. Abri os olhos e vi que Morte estava


no canto do quarto/cela, perto de uma estante de livros que me era muito
familiar.

— Eu... — Pigarreei. — Morte, o que está fazendo aqui?

— Você perdeu os sentidos e eu a trouxe de volta para os seus


aposentos. — Ele se virou de frente para a estante. — Você tem uma bela
coleção aqui, bruxa. Eu não sabia que alguns desses manuscritos ainda
existiam.
Pisquei, meio confusa e olhei para a estante. Pisquei novamente para
ver melhor. Era a minha estante? Aqueles eram os meus livros e
manuscritos? Como...?

Olhei ao redor e comecei a reconhecer alguns móveis e objetos


pessoais. Aquelas coisas eram minhas, da minha casa em Luandia! Até a
mala enorme perto da cama era a minha e eu imaginava que ela estivesse
cheia das minhas roupas. Parecia até que eu tinha me mudado para a
mansão de Morte!

Lembrei que mais cedo, quando discuti com Morte, ele disse que
traria as minhas coisas para cá, recusando a minha proposta de voltar para
casa.

— São as minhas coisas? — perguntei surpresa.


— Sim.

Abri a boca, mas a fechei logo em seguida. Fiquei sem saber o que
dizer. Ele realmente tinha mandado buscarem as minhas coisas! Senti meu
peito se fechando ao saber daquilo. Não havia esperança. Eu ficaria para
sempre na mansão de Morte. Até os meus últimos dias, quem sabe até mais
do que isso...

Me levantei da cama devagar e fui para perto de Morte. Ele ainda


observava meus livros, distraído. Como Morte poderia estar fascinado com
a minha coleção? Ele era um dos seres mais antigos que existiam, já devia
ter visto muitas coisas... aquilo não devia ser nada para ele.

— Estes livros estão cheios de feitiços proibidos. Você sabia disso?


— ele perguntou.
Eu assenti.

— Sempre soube. Por isso os colecionava. São preciosos demais no


meu mundo e tive trabalho para adquirir alguns — expliquei. Fiz coisas que
não gostava de lembrar para adquirir alguns daqueles livros. Mas valeu a
pena.

Morte se virou para mim com um olhar de reprovação.


— Não devia mexer com essas coisas, bruxa. Pensei que o seu
coven tivesse te alertado dos perigos e proibições.
— Eu não tenho um coven — rebati. — Quer dizer, eu tinha, mas
depois que a minha mãe e a minha avó morreram, eu o abandonei e decidi
viver sozinha, sob as minhas regras.

Aquele era um assunto que eu não gostava de tocar.


— Não foi uma escolha muito inteligente.

Dei de ombros.

— Agora eu sei disso.

Ficamos nos encarando em silêncio. Morte não parecia incomodado


com meu olhar, já eu... desviei o olhar, me sentindo subitamente
encabulada. Ele tinha algo... misterioso e intimidante no olhar. Eu não sabia
descrever ao certo o que era.
— Você estava conversando com seus irmãos mais cedo —
comentei para quebrar o silêncio.

— Sim. Guerra e Peste vieram me visitar e me alertar.


Lembrei do que Morte disse na ocasião, que a humanidade entraria
em guerra em breve. Olhei para ele.
— Vocês estavam falando sobre o Apocalipse?

Ele negou com a cabeça, ainda me observando daquele jeito intenso.


— Ainda não é o Apocalipse, mas algo parecido que a sua realidade
vai enfrentar. Talvez muito em breve — ele respondeu. Morte tinha um jeito
enigmático de falar as coisas.
— A minha realidade? Você quer dizer a minha realidade...
paralela? O lugar onde eu vivia? — perguntei curiosa.

— Sim.

Franzi o cenho, confusa. Eu pouco sabia sobre realidades paralelas.


— E existem quantas realidades?

— Várias. Algumas já passaram pelo Apocalipse e outras não, como


a sua.

Fiquei boquiaberta, absorvendo aquela informação. Realidades


paralelas. Eu não tinha muito conhecimento sobre isso, mas que era uma
ideia assustadora, isso era. Até para mim que estava acostumada a mexer
com feitiços e poções, que estava acostumada a lidar com o sobrenatural.

Mas o que estava me preocupando mesmo era o fato de que Luandia


enfrentaria uma guerra. Sim, porque mesmo Luandia sendo uma cidade
pequena, ela estava na minha realidade, na realidade que entraria em guerra.
Eu devia fazer alguma coisa, alertar alguém, sei lá...

— Não há o que fazer. — Morte colocou os braços para trás e andou


em direção à porta. Suas asas estavam fechadas nas costas e ele estava todo
de preto, como sempre. — Escolhas e decisões estão sendo tomadas. Temos
que esperar. O futuro cabe ao destino, não às criaturas.

A sensação de desesperança tomou conta de mim novamente. Eu


não voltaria para casa e não podia fazer nada para alertar as pessoas sobre o
que descobri. Morte estava acabando comigo sem fazer muito esforço.
— Você está feliz com isso? — perguntei quando ele abriu a porta
enorme do meu quarto/cela.
Morte se virou para mim com aquela mesma cara estóica de sempre.
O rosto lindo de um anjo. O anjo da morte.

— Eu não tenho sentimentos, Lilith. Estou aqui apenas cumprindo o


meu papel. Você precisa entender que a morte não é uma causa e sim uma
consequência.

Morte saiu do quarto e me deixou sozinha com meus pensamentos.

Tomei banho e troquei de roupa. Morte tinha mandado alguém


trazer a maioria das minhas coisas da minha casa em Luandia, então podia-
se dizer que eu tinha me mudado para a sua mansão. Contra a minha
vontade. Uma prisioneira, não uma hóspede.

Após comer a comida que tinha sido enviada para mim, saí do meu
quarto/cela e fui para o corredor principal. Eu não sabia bem o que fazer,
então, decidi sair do quarto na esperança de encontrar a ceifeira para
conversar um pouco. Vi que ela estava perto do trono de Morte e ele estava
sentado lá, conversando com alguém ajoelhado aos seus pés. Todos se
ajoelhavam aos pés dele.
Eu iria me aproximar mais, mas a ceifeira me puxou em sua direção,
não permitindo a minha aproximação.
— Não se aproxime — ela avisou em voz baixa, sem soltar o meu
braço.

— O que está acontecendo? — perguntei a ela, também em voz


baixa.

Percebi que outros servos estavam nas sombras, observando a


interação de Morte com o visitante aos seus pés.
— Um pleiteante veio falar com a Morte — a ceifeira respondeu.

— Pleiteante?
— Às vezes, as almas estão inconformadas demais com seus
destinos, então, elas vêm aqui para conversar com a Morte e pedir algo
melhor.

Observei o homem ajoelhado aos pés de Morte, enquanto ele


folheava um livro de capa dura na mão, sem pressa nenhuma. Me dei conta
de que aquele devia ser o livro da vida do homem. O livro que continha
tudo o que ele fez em vida, as coisas boas e as ruins. Todos tinham um livro
desses. Eu tinha um daqueles.
Como eu sabia disso tudo? Conhecimento adquirido através de um
dos manuscritos que eu possuía. Jamais imaginei que testemunharia a Morte
analisando o livro da vida de um mortal.

— E elas conseguem alguma coisa? — perguntei à ceifeira.

Ela me observou com aqueles olhos azuis sobrenaturais.


— As almas seguem seu destino de acordo com o que fizeram em
vida terrena. Raras vezes elas conseguem alguma mudança. A Morte não
faz milagres.
O barulho de livro sendo fechado com força chamou a nossa
atenção, me fazendo dar um pulinho de susto no lugar. Morte encarava o
homem ajoelhado aos seus pés e segurava o livro fechado em uma de suas
mãos.

— Você foi para o lugar que mereceu, demônio. Não há nada a se


reconsiderar no seu caso — Morte decretou impassível.

— Mas... mas... deve haver... — o homem, que na verdade era um


demônio, gaguejou.
— O seu livro não mente. — Morte balançou o livro em sua mão.
— Você traiu o seu povo, assassinou o seu rei. Não satisfeito, tentou fazer
novamente com a sucessora. — Morte entregou o livro para um servo que
se aproximou e sumiu depressa nas sombras perto de mim. — Seu destino é
merecido.

— Eu imploro... — o demônio suplicou.

— Volte de onde veio. Não vou atendê-lo outra vez, demônio


Ammit. Não posso fazer nada por você — Morte replicou, sem se abalar.

O demônio ficou de pé e voltou pelo corredor, olhando para baixo o


tempo todo. Devia ser um demônio da realidade de Henrique, o demônio
que atendi em minha casa dias atrás. Ele também tinha chifres na testa e
olhos vermelhos. Eu não sabia detalhes do que aquele demônio tinha feito,
mas pelo que Morte disse, ele foi muito ruim. Estava pagando por todo mal
que fez no pós-vida.

Henrique... o demônio tinha vindo de uma realidade que tinha


passado por uma guerra. Talvez ele pudesse ajudar, agora que estava em
Luandia.

— Lilith?
Parei de encarar o demônio que se afastava no corredor e vi que
Morte estava falando comigo.

— Morte.

— Aproxime-se. Quero falar com você — ele ordenou, como se eu


fosse uma de suas servas.
Revirei os olhos.

— Eu não quero falar com você.

Senti que nesse momento tudo ficou quieto. Nenhum dos servos de
Morte sequer ousavam respirar. Será que eu tinha ido longe demais? Mas o
que isso me importava? Eu estava presa na mansão da Morte. O que ele
poderia fazer comigo? Me matar?

Mas Morte abriu um sorrisinho, sem tirar os olhos de mim. Aqueles


sorrisinhos estavam se tornando frequentes.

— Está gostando da sua estadia aqui? — ele perguntou sem se


importar com a minha rebeldia.

— Por que você não volta a fazer o seu trabalho e me deixa em paz?

Pensei em dar meia-volta e sair dali, mas senti que Morte queria me
dizer alguma coisa. Ele inclinou a cabeça para o lado, ainda sorrindo.

— Pensei que estivesse curiosa para saber quanto tempo terrestre


está aqui.

Aquilo foi o suficiente para chamar a minha atenção. Engoli em


seco. Será que Morte estava blefando? Eu esperava que não.

— Eu quero saber!

Morte ficou de pé e abriu as asas, esticando-as para os lados.


— Quatro dias, bruxa. Faz quatro dias terrestres que está aqui.

Fechei os olhos e controlei a ardência neles. Eu não queria chorar na


frente de Morte. Quatro dias! Quatro dias perdidos ali. Será que eu já era
considerada desaparecida em Luandia? Será que o Apocalipse já tinha
começado? Ben, Leo, Manon e Henrique... será que estavam bem?

— Volte para os seus aposentos, Lilith — Morte falou, fazendo eu


abrir meus olhos. — Mais tarde quero conversar com você. Não quero que a
sua presença aqui distraia os meus pleiteantes.
Antes que eu pudesse abrir a boca, a ceifeira pegou o meu braço e
me conduziu de volta ao meu quarto/cela. Fui com ela sem questionar,
vencida pelo poder da morte.
Eu era uma prisioneira de Morte.

Como em tão pouco tempo uma bruxa poderosa da cidade de


Luandia poderia se tornar prisioneira da Morte? Em questão de dias a
minha vida mudou de forma brusca. Eu levava uma confortável vida
humana. Tinha um namorado, frequentava a academia, vendia meus feitiços
e poções... até a visita inesperada de Morte. A partir disso, me tornei uma
prisioneira em sua mansão, sem nada de útil para fazer, a não ser lamentar
pela vida que perdi na Terra.
Suspirei e deixei de lado as lamentações, pelo menos por enquanto.
Fui até a minha estante e peguei um de meus livros mais antigos: Manual
dos mortos: Fascículo IV – Feitiçaria aplicada à escatologia. Parecia
promissor. Será que tinha algum feitiço para banir Morte? Devia haver algo
nos manuscritos mais antigos ou nos grimórios...

Não sei quanto tempo fiquei pesquisando nos livros, mas me


surpreendi quando alguém bateu na porta. Abri e me deparei com Morte,
me observando daquele jeito de sempre. Lembrei que ele disse que queria
conversar comigo.
— Posso entrar?

Abri mais a porta, dando espaço para ele entrar.

— A casa é sua — respondi cheia de sarcasmo.

Ele entrou, ignorando a minha resposta malcriada.

— Está estudando uma forma de sair daqui? — ele perguntou


quando fechei a porta, apontando para o livro que eu ainda segurava em
uma das mãos.
Olhei para o livro e depois para ele, me fazendo de desentendida.
Como ele sabia das coisas? Pela deusa!

— Só estou lendo para passar o tempo.


Ele andou até a outra parede e se virou de frente para mim.

— Não tem problema em admitir a verdade. Foi por isso que vim
aqui conversar com você — ele disse enquanto brincava com a chama de
uma vela em cima da escrivaninha. O fogo não o queimava.
Levantei uma sobrancelha e andei para perto dele.

— Você vai me libertar?

— Não.

Fiz uma careta e joguei o livro que estava segurando em cima da


cama.

— Então, o que você quer falar comigo? — perguntei colocando as


mãos na cintura.
— Quero te contar o motivo de você estar aqui. — Ele parou de
brincar com a chama da vela e olhou para mim.
Franzi o cenho.

— Pensei que fosse a minha punição por usar feitiços proibidos.

— Você estava me enganando, bruxa. Mas... esse não foi o único


motivo. — Ele colocou as mãos para trás, como um soldado. As asas nem
se mexiam em suas costas.

— Então, o que foi?

— O destino quer que fiquemos juntos. Ao que tudo indica, você


representa um desafio para mim e eu aceitei esse desafio. Quero torná-la a
minha consorte.

Fiquei congelada onde estava, sem reação.

Morte tinha... ele tinha falado o que escutei? Não. Eu devia ter
ouvido errado. Morte... o destino... consorte... Será que aquilo tudo não
passava de um sonho? Devia ser um longo sonho que eu não conseguia
acordar.

Andei para perto da minha estante. Me virei de frente para Morte.

— Você está dizendo... você disse que... o destino... nos uniu? —


perguntei incerta.

Morte assentiu, inabalável.

— Você pertence a mim e eu pertenço a você.

Engoli em seco. Que a deusa Hecate me iluminasse, porque eu não


estava entendendo nada.

— Então você quer que eu... fique aqui com você? Quer se casar
comigo? — perguntei sem acreditar nas palavras que saíam da minha boca.
Não parecia real.
Morte negou com a cabeça, o que me deixou mais confusa ainda.

— Não é casamento. Eu não posso me casar. Casamento significa


que você se igualaria a mim e os únicos que se igualam a mim são meus
irmãos. Eles não têm esposas, mas sim consortes e concubinas. Quero que
você seja a minha consorte, Lilith.

Fiquei encarando Morte por alguns segundos, sem reação. Eu não


sabia nem o que dizer. Morte parecia que estava falando sobre o clima ou
algo parecido. Ele nunca se abalava. Parecia que estava negociando algo e
não propondo uma parceria.
Consorte!

— Você... você quer... Eu não estou entendendo. — Balancei a


cabeça, tentando clarear as ideias.
Morte se aproximou de mim devagar, sem romper o contato visual,
o que de certa forma mexeu comigo. Ele tinha um olhar muito intenso.

— O destino me apresentou um desafio, Lilith. Você é esse desafio.


E eu aceitei. Vou tomá-la como minha consorte — ele explicou de forma
impositiva.

Uma união com a morte encarnada. Sem amor ou quaisquer outros


sentimentos envolvidos. Apenas o impulso de aceitar o desafio do destino.

— Você só quer ficar comigo porque eu represento um desafio para


você? — perguntei incrédula.
— Eu não possuo sentimentos, bruxa. Não sou um ser mortal ou
imortal. — Abri a minha boca, mas ele continuou. — Porém, preciso
confessar que pela primeira vez em toda a minha existência, você fez eu
sentir algo que nunca senti antes.
Meus olhos se arregalaram e meu coração acelerou no peito pela
primeira vez desde que cheguei ali. Não podia ser. Morte não tinha
sentimentos, ele não podia sentir...

— O quê? — perguntei com a voz fraca.

— Eu me senti confuso.
Abri a boca, surpresa. Pelo menos ele não estava apaixonado por
mim... Senti algo murchando dentro do meu peito. Só podia ser alívio...

— Há décadas meus servos começaram a ser afetados por


sentimentos que não deveriam sentir. Alguns tentaram me enganar, algo que
jamais permiti ou tolerei. Amor. Foi o sentimento responsável por isso. Por
amor, meus servos se viram dispostos a me abandonar, então decidi liberá-
los antes que tentassem me enganar. Não cabia a mim interferir no destino
deles. É algo superior a mim, superior a todos. Tudo estava bem até você
aparecer. Uma bruxa. O destino me enviou você, uma bruxa para a Morte.
Um desafio na minha existência, uma prova de que eu também não era
imune aos desígnios do destino. Então eu aceitei. É o que estou fazendo
agora. — Ele me estendeu a mão. — Torne-se a minha consorte, Lilith.
Olhei para a mão estendida na minha frente e depois olhei para os
olhos negros de Morte. O destino. Algo superior a nós dois. Onde ficava o
amor nessa história toda? Não era certo, mesmo que fosse o destino
interferindo. Novamente o destino interferia em minha vida.

— Não.
Morte piscou e inclinou a cabeça, confuso.

— Não?

— Não.
— Por quê?

— Não quero me unir a alguém que não tem sentimentos por mim.
Nunca me casei antes porque sempre acreditei no amor. Tenho quase 100
anos de vida e nunca amei ninguém dessa forma, a ponto de querer casar.
Se for para me unir a alguém, então será por amor — respondi determinada.

Na minha vida, tive relacionamentos que duraram alguns anos, mas


nada que fosse um sentimento tão forte e duradouro quanto o amor. Meu
último namorado, Benicio, poderia ter despertado o sentimento em mim,
mas me afastei dele antes que pudesse sentir algo a mais. Encontrar o amor
foi um dos motivos pelos quais mantive a minha juventude preservada. Eu
abri mão de muitas coisas por amor. Eu não desistiria dele agora por causa
de Morte.

Eu era uma pessoa romântica, apesar de tudo. Eu podia ser


determinada, considerada arrogante e durona por alguns, mas tinha o meu
lado doce. Eu jamais me uniria a alguém se não tivesse sentimentos. Por
Morte eu tinha... eu não sabia dizer.

Ele me deixava irritada, mas a sua sinceridade era um ponto


positivo. Morte não tinha enrolação. A sua estoicidade era meio irritante
também, mas eu gostava de ver quando ele reagia a algo, quando eu
conseguia fazer uma rachadura na sua postura inabalável, quando aquele
sorrisinho aparecia em seu rosto. Além disso, eu tinha que admitir que
Morte não era feio. Muito pelo contrário. Seu rosto andrógino era diferente
de tudo o que eu já tinha visto, mas não era um problema para mim.

— Amor. — Ele fez uma pausa. — Eu não posso amá-la — ele


disse, com o cenho franzido.
Aquilo foi meio decepcionante de se ouvir, mas tive uma ideia. Seria
interessante, além de ser uma forma de atormentar Morte, como era a minha
ideia inicial. Além de ser uma oportunidade de sair daquele lugar e voltar
para casa.
— Você disse que eu era um desafio, não é?

Morte assentiu.
— Sim. Você é o desafio da minha existência.

Nossa. Engoli em seco. Aquelas simples palavras foram muito


intensas. Por que Morte tinha que falar coisas assim?

Pigarreei e continuei:

— Então seu desafio é esse: faça com que eu me apaixone por você.
Sei que você disse que não é capaz de ter sentimentos, então pelo menos
faça com que eu me apaixone por você e me dê motivos para me tornar a
sua consorte.
Morte continuou com o cenho franzido.

— Não sei porquê você não aceitaria se tornar a minha consorte


agora. Você se tornaria imortal como eu, além de ter alguns privilégios a
mais. Não precisaria de magia para preservar a sua juventude nem nada
parecido. Eu poderia lhe dar tudo o que desejasse.

Merda. Eu estava mesmo disposta a levar aquela “brincadeira” a


sério? Por que não poderia aceitar logo o pedido dele? Seria tão mais fácil...
Respirei fundo. A imortalidade que me aguardasse.

— Eu sou o seu desafio, Morte. Que tipo de desafio eu seria se


apenas cedesse aos seus desejos? Você não é capaz de fazer eu me
apaixonar por você? — perguntei me aproximando mais ainda, quase
encostando em Morte. — Não conhece a arte da sedução?

Morte era mais alto do que eu, pelo menos uma cabeça, então ele
baixou a cabeça para olhar em meus olhos. Senti a sua respiração em meu
rosto. O ar não era quente. Tive a ligeira sensação de que ele iria me beijar.
Ou será que era eu que estava com vontade de beijá-lo?

— Você tem razão, Lilith. Eu aceito o seu desafio — Morte falou,


por fim.
Abri um sorriso sedutor, do tipo que fazia os homens caírem aos
meus pés.

— Por que não tornamos esse desafio mais interessante? Se eu não


me apaixonar por você, então você terá que me enviar de volta para
Luandia — propus.

Ele franziu mais o cenho e deu um passo para trás, rompendo o


“encanto” entre nós.

— Você pode tentar me enganar novamente.

— Você saberia se eu tentasse te enganar — rebati, pedindo a deusa


que ele concordasse comigo.

Morte ficou me encarando em silêncio por alguns segundos, o que


foi meio constrangedor, já que seu olhar era intenso e penetrante, como se
estivesse enxergando a minha alma. Mas eu consegui sustentar o seu olhar,
com alguma dificuldade.
— Muito bem, Lilith. Dentro de um mês do tempo terrestre, vou
perguntar a você se está apaixonada por mim e se a resposta for positiva,
então você se tornará a minha consorte. Eu saberei se estiver mentindo —
ele decretou.

Revirei os olhos. Eu já sabia que não podia enganá-lo, mas sabia


que a deusa estava ao meu lado. Eu não iria me apaixonar por Morte.

— Se a resposta for negativa...


— Então eu a deixo voltar para Luandia e você só me verá de novo
quando a sua vida mortal chegar ao fim.

Senti um calafrio percorrer o meu corpo inteiro, mas assenti mesmo


assim. Pelas minhas contas, dentro de um mês seria o Samhain, também
conhecido como Halloween pelos humanos. Eu poderia voltar a tempo de
fazer a minha celebração em Luandia.

— Ok — respondi e estendi a mão na direção de Morte, para selar o


nosso acordo. Quem diria... eu fiz um acordo com a Morte!

Sem romper o contato visual, Morte pegou a minha mão e beijou o


dorso. Senti meu rosto esquentando, como se eu fosse uma garota
inexperiente com relacionamentos amorosos. Em seguida, ele virou a minha
mão e beijou a minha palma. Senti o desejo súbito de que aquele beijo na
palma da mão fosse em outro lugar...

— Prepare-se para a cerimônia, Lilith. Será em um mês — Morte


disse e soltou a minha mão, indo em direção a porta do quarto, me deixando
sozinha e atônita com tudo o que tinha acabado de acontecer.

Minha mão ficou formigando com o contato dos lábios de Morte em


minha pele.
“Não é da morte que temos medo, mas de pensar nela.”
Sêneca

Eu não devia ter aceitado o acordo de Lilith. Eu não fazia acordos.


Mas tinha que admitir que ela era esperta. Ela me lembrou que era
um desafio para mim, então nada mais justo do que aceitá-lo. Lilith estava
certa. Ela já não parecia tão tola agora. Senti um calor no meu peito. Eu não
tinha um coração igual aos seres vivos, mas sentia meu peito aquecer com a
expectativa do desafio de Lilith.

Quando peguei a sua mão entre as minhas e depositei um beijo para


selar o nosso acordo senti algo diferente. Não foi apenas o fato de que a
pele de Lilith era macia e aveludada ao toque. Nem o fato de que seus olhos
pareciam a coisa mais linda que existia em todo o universo. Nem o seu
cheiro afrodisíaco. Eu não sabia explicar o que era. Simples assim.

Eu era a Morte. Não havia dúvidas ou questionamentos em mim.


Mas tudo isso caia por terra quando Lilith aparecia. Ela queria ser amada,
mas eu não podia dar-lhe esse sentimento. No entanto, poderia fazer com
que ela se apaixonasse por mim. A paixão era um sentimento quente como
o fogo e eu sabia como fazer para despertá-lo. E eu faria Lilith arder nesse
fogo por mim.
Lilith era minha. Aquela que o destino reservou para mim. Aquela
que seria a minha companheira e ficaria ao meu lado por toda a eternidade.
A mortal que me dedicaria o seu afeto. O desafio da minha existência. A
minha nêmesis.

Eu era um ser muito antigo e sabia sobre a arte da conquista. Seja


em relacionamentos amorosos ou em estratégias de batalha, eu sabia os
mistérios que envolviam a arte da sedução. Por isso, assim que deixei o
aposento de Lilith, fui me dedicar a conhecê-la melhor. Como poderia
conquistá-la se pouco sabia sobre ela?

Eu sabia o básico sobre Lilith, mas não sabia o que realmente


importava, as nuances da sua vida terrestre. E isso era muito importante.
Poderia ser determinante.

Chamei a ceifeira que estava cuidando das necessidades de Lilith


aqui em minha mansão.

— Eis-me aqui — ela declarou assim que se ajoelhou na minha


frente.
Me sentei em meu trono e abri as minhas asas, deixando que elas
tocassem o chão suavemente.

— Preciso que você vá até Luandia, ceifeira. Descubra tudo o que


puder sobre a bruxa Lilith Hecate. Onde nasceu, quem eram seus pais, qual
era o seu coven, como foi parar em Luandia... tudo o que conseguir
descobrir, todos os detalhes — ordenei.

A ceifeira assentiu e se levantou.

— E não tarde em regressar. Preciso dessas informações o mais


breve possível — completei.

A ceifeira assentiu outra vez e fez uma mesura antes de sumir.

Me virei e chamei outro servo que estava nas sombras. Pedi que ele
providenciasse tudo o que eu precisaria para o meu plano de conquista.
Assim que ele partiu, meu cavalo se aproximou de mim e baixou a cabeça,
aguardando por um agrado.

Passei a mão pela sua fronte e seu pescoço. Aquele cavalo estava
comigo desde sempre, e podia dizer com certeza que ele era uma extensão
de mim. Nós dois estávamos conectados de uma forma sem igual.

— Você gostou dela, não gostou? — perguntei a ele já sabendo a


resposta.

A minha montaria fingiu indiferença, mas eu senti que no fundo, ele


tinha gostado de Lilith. Muito. Ele gostou do carinho que ela lhe fez, a sua
suavidade, o seu cheiro... ele tinha começado a se conectar com ela. O
inabalável corcel da Morte estava se apegando a uma bruxa, a uma mortal.

— Eu sei bem como é isso — comentei baixinho com ele. —


Também posso estar me afeiçoando a ela.
Meu cavalo me dirigiu um olhar de desdém, como se dissesse: É
mesmo? Nem percebi!
Sorri. Dei duas palmadas em seu pescoço e ele se afastou, exalando
desdém por todos os poros. Com certeza não queria ficar perto de mim
agora. Eu estava confuso demais. Lilith estava me transformando em algo
diferente do que eu sempre fui. Será que era esse o meu verdadeiro desafio?
Resistir à mudança que ela representaria em minha existência? Ou aceitá-la,
juntamente com a mudança que ela significava?
Prepare-se para a cerimônia, Lilith. Será em um mês.

Morte estava confiante que iria conseguir me conquistar. Bom, ele


era a Morte, afinal. O que ele não conseguia?
Após Morte sair do meu quarto, me sentei na minha cama e refleti
sobre o que tinha acabado de fazer. Eu tinha acabado de fazer um acordo
com a Morte! Um cavaleiro do apocalipse! Pela deusa tríplice! Senti um
frio na barriga ao lembrar do que tinha pedido a ele.

Faça com que eu me apaixone por você.

Onde eu estava com a cabeça? Senti uma nova onda de gelo em meu
estômago. Morte iria me conquistar e eu estava ansiosa para saber quais
seriam os seus planos. Abri um sorrisinho. Será que eu conseguiria resistir
aos seus encantos sobrenaturais? Ele não teria que fazer muito esforço...

Tirei o sorriso do rosto e me empertiguei. Aquela era uma


brincadeira perigosa. E se eu me apaixonasse por ele de verdade? Ele nunca
poderia retribuir ao sentimento. Como eu me sentiria sobre isso? Eu seria
infeliz ao lado de Morte por toda a eternidade, aqui, em seus domínios?
Prisioneira... eu não era uma prisioneira de Morte. Lembrei do mito
de Hades e Perséfone. O deus do submundo estava apaixonado pela deusa
das flores e a raptou para si. A diferença no meu caso era que Morte não
estava apaixonado por mim. Ele não tinha sentimentos.

Fiquei de pé e comecei a andar pelo quarto. E se eu me apaixonasse


por ele... o que envolvia a nossa união? Seria algo só de fachada? Ou será
que ele queria... Morte fazia... sexo? Ele disse que seus irmãos tinham
consortes e concubinas, então... olhei para a minha cama. Me imaginei
rolando pelos lençóis enroscada em Morte. Seu corpo... será que ele tinha
um... Pelo deusa, em que eu estava pensando?! Claro que ele devia ter... ou
não...

Bufei irritada e fui pegar um livro da minha estante para tentar


esquecer aquele assunto.
Não consegui.

Acabei cochilando na cama enquanto lia o livro Regnum Mortuorum


(O Reino dos Mortos), um dos meus favoritos sobre necromancia. Tive um
leve sobressalto ao abrir os olhos e ver como estava o meu quarto. Buquês e
mais buquês de rosas. Pretas. Rosas pretas por todo o canto do quarto, até
em cima da cama havia várias pétalas.
Me sentei devagar e pisquei várias vezes para ter certeza de que não
estava sonhando. Era real. Peguei uma flor que estava próximo a mim e
passei os dedos levemente pelas pétalas enegrecidas. Era uma flor linda,
sem dúvidas, mas também era cheia de mistério e uma pontada de luto.
Sim, luto. O quarto era iluminado pela luz de velas e isso somado ao fato de
estar cheio de flores, me remetia a um velório, a um funeral. Morte. Ele foi
capaz de encontrar uma flor que o simbolizasse e entregou um jardim
inteiro delas para mim. Meu coração se agitou em meu peito. Morte já tinha
começado a colocar seu plano de conquista em prática.

Cheirei a flor que ainda segurava e seu aroma delicado era o mesmo
de uma rosa comum. Abri um sorrisinho ao encarar a flor em minha mão.
Eu tinha gostado. Morte me presenteou de uma forma única e inusitada, que
jamais imaginei que seria presenteada.

Me levantei da cama e ao pisar no chão, meus pés descalços


encontraram mais pétalas negras. O sorriso em meu rosto aumentou.
Parecia um sonho, mas não era. Tive a ligeira sensação de que tinha voltado
a ser criança e poderia me divertir no meio daquelas flores, correndo por
entre elas e jogando suas pétalas para cima. Senti vontade de dançar pelo
quarto, deixar meu espírito livre para celebrar aquele momento. Foi uma
sensação ótima, que nunca mais tinha sentido. Fazia muito tempo que eu
tinha deixado de ser criança. Fazia muito tempo que eu não me divertia.
A porta do meu quarto se abriu, mas foi a ceifeira que entrou,
carregando uma bandeja de comida em suas mãos. Quando ela se virou para
fechar a porta, me abaixei e enchi as mãos de pétalas negras que estavam
espalhadas pelo chão. Ela depositou a bandeja na escrivaninha e eu joguei
as pétalas em sua cabeça, sorrindo igual uma boba. A ceifeira se virou para
mim, com o mesmo rosto inexpressivo de sempre. Claro que ela não
entraria na brincadeira.
— Você não se comporta como uma bruxa — ela comentou. Seus
cabelos ruivos cheios de pétalas negras. Sua beleza só realçou mais com as
pétalas, por incrível que pareça.

— Essas flores são lindas demais — falei enquanto passava a mão


por outro buquê que estava em cima da escrivaninha.
— Bruxas são criaturas ligadas à natureza, então imagino que
mesmo com o aspecto fúnebre e melancólico de tais flores, você tenha
gostado delas — a ceifeira disse olhando para as flores espalhadas pelo
quarto.

Eu não tinha pensado por aquele lado, mas fazia sentido.


— Eu gostei delas. Não gostar da natureza é coisa de humano —
rebati, ainda acariciando as flores.

— A Morte ficará satisfeita em saber disso. — Ela olhou para mim.


— Morte comunicou aos seus servos que começou a cortejá-la. Ela
pretende torná-la sua consorte em breve.

Senti um breve desconforto com aquele anúncio, o que era meio


ridículo. Então todos os servos dele já sabiam sobre nós dois. Assenti e
resolvi mudar de assunto:

— Eu... percebi que você sempre se refere à Morte como “ela”. Não
seria “ele”?
— A Morte não tem um gênero, igual aos seres vivos. Ela é o que é.

Franzi o cenho, mas na verdade queria fazer uma careta.


— Ele é assexuado? — A pergunta escapou da minha boca sem que
eu conseguisse segurá-la.

A ceifeira inclinou a cabeça para o lado, sem tirar os olhos de mim.


Algumas pétalas caíram de seus cabelos.

— Não, bruxa. A Morte é capaz de se relacionar com qualquer sexo.


Seu corpo, aquela casca que você vê, não obedece às leis da sua natureza.
Aquilo é apenas uma representação que não chega aos pés do que ele é.
Fiquei mais confusa e curiosa ainda, mas antes que eu abrisse a
boca, a ceifeira completou:

— Isso está além da sua compreensão.


— Também acho — murmurei.

Fiquei com mais dúvidas do que estava antes. Me perguntei como


iria me relacionar com um ser que nem sabia direito o que era. Sua
existência estava além da minha limitada compreensão mortal de bruxa.
Apesar de conhecer e respeitar as diversidades que existiam na Terra,
entendi que Morte estava além de tudo aquilo. Ele era tudo ao mesmo
tempo, não tinha uma definição exata. Bom... como diziam por aí: rótulos
eram para geleias, não é mesmo?

Suspirei. Senti que a minha cabeça daria um nó a qualquer


momento.

— Como foi que ele fez isso? — perguntei ao me sentar na cama,


indicando as flores em meu quarto.
— Morte ordenou enquanto eu estava na Terra. Com um estalar de
dedos, ele colocou tudo aqui, para agradá-la — a ceifeira explicou.
Às vezes eu me esquecia o quanto Morte era poderoso. Com um
simples estalar de dedos e o desejo de enfeitar meu quarto, as flores vieram
parar aqui. E era aquele ser poderoso que me queria como sua parceira, sua
consorte para a eternidade.
A ceifeira andou até a porta e parou antes de tocar a maçaneta. Ela
se virou para mim, tirando as últimas pétalas negras dos seus cabelos.

— A Morte ordenou que você se alimente e que depois vá encontrá-


la em seu trono — ela disse.

— Ele ordenou? — perguntei com uma sobrancelha levantada.

— Sim, bruxa. A Morte ordena e nós obedecemos. Até mais.


A ceifeira saiu do quarto, me deixando sozinha novamente. Eu
estava pronta para ignorar as ordens de Morte, mas meu estômago roncou
em protesto. A contragosto, me levantei e fui comer o que a ceifeira tinha
trazido para mim.
Encontrei Morte em seu trono. Não havia ninguém por perto, apenas
as sombras de sempre, mas já estava me acostumando com elas. Nem seu
cavalo estava ali. Parecia que Morte estava me aguardando, soberano em
seu trono, suas asas abertas atrás de si, sua foice de enfeite, no mesmo lugar
de sempre. Ele era irritamente perfeito.

— Lilith — ele falou com aquela voz que me causava um frio na


barriga. Mas não era de medo como antes.

— Morte. — Parei a alguns metros dele, não querendo me


aproximar mais. — Você queria me ver?

Ele franziu o cenho.

— Você parece irritada. Não gostou do meu presente? Preferia um


sacrifício humano?

Fiz uma careta.

— Eu não quero um sacrifício humano. Sou uma bruxa, não uma


maníaca homicida. Sou a favor da vida.
— Isso explica porque tentou me enganar por tanto tempo. — Ele
abriu um sorrisinho. — Se não quer um sacrifício, então me diga como eu
posso agradá-la.
Senti uma pontada de malícia nas suas palavras? Revirei os olhos,
ignorando o frio na barriga.

— Eu gostei das rosas. Nunca ganhei flores antes e achei seu gesto
muito atencioso. Obrigada — agradeci meio de má vontade.

— Você não parece muito grata.

— Porque você é um mandão autoritário — repliquei.

— Eu sou a Morte. Sou o que sou.

Bufei. Ele pareceu se divertir com isso.

— Se você quer que eu seja a sua consorte, então não pode ficar
mandando em mim desse jeito. — Cruzei os braços na altura do peito. —
Não é assim que as relações funcionam.

— Então me explique.

— Explicar o quê?
— A dinâmica das relações amorosas.

— Não é algo que possa ser explicado.

— Se você não sabe, então como pode julgar se estou ou não


fazendo certo?

Pela deusa!
— Você é muito irritante, sabia?

Morte ficou de pé, ainda sorrindo.


— Acho que estou fazendo certo. — Ele começou a descer os
degraus que o afastavam de mim. — Procurei saber tudo sobre você, Lilith
Hecate.
Fiquei paralisada ao saber daquela informação. Morte tinha
pesquisado sobre mim, sobre a minha vida.

— Pensei que você já me conhecesse.


Ele terminou de descer os degraus e parou bem perto de mim. Tentei
dar um passo para trás para nos afastar, mas ele segurou o meu braço, me
mantendo no lugar. Meu corpo inteiro formigou com o seu toque.

— Eu conheço a bruxa que tentou me enganar, mas não conhecia a


Lilith que nasceu na cidade de Olimpia e tem 93 anos de idade. Seu pai
abandonou a sua mãe assim que descobriu que ela estava grávida de você.
Você foi criada pela sua mãe e pela sua avó, ambas bruxas. Sua mãe ficou
doente há algumas décadas atrás, e o seu antigo coven se recusou a usar
magia proibida para salvá-la. Sua mãe morreu e sua avó também faleceu
pouco tempo depois, de velhice. Ressentida, você abandonou seu coven em
Olimpia e desde então vaga de cidade em cidade do país, passa algum
tempo e depois se muda. E assim foi parar em Luandia, a cidade mística em
que te encontrei. Você usava magia proibida porque não se conformava com
o destino da sua mãe. Você queria ter usado nela, mas seu coven foi contra.
É por isso que você não obedece as regras e está aqui agora.

Minha boca se abriu de surpresa. Como ele sabia tanto sobre mim?
Como Morte conseguiu desenterrar aquele assunto? Aquele assunto que
estava enterrado profundamente dentro do meu coração.

Uma lágrima solitária escorreu pelo meu rosto e antes que ela caísse
no chão, Morte a aparou com um dedo, sem me soltar. Ele observou a
lágrima e franziu o cenho.

— Você não aceita e não entende a morte — ele disse. — Você quer
que elas voltem, mesmo sabendo que não é possível. Você deseja o
impossível.

Me desvencilhei do seu agarre e dei alguns passos para trás.


— Você não sabe de nada! Como pode saber? Não tem sentimentos,
é uma criatura desprovida de tudo!

— Está enganada, Lilith. Eu não sinto, mas conheço os sentimentos


— ele rebateu sem se alterar. — Eu sei o que você sente.

— Você acha que conhece, mas não conhece nada! — exclamei


irritada com o seu estoicismo.

Como ele podia saber o que passei? Como ele podia sentir o que eu
senti? A dor, a tristeza, a impotência de não poder fazer nada... o luto.
Morte não sabia o que eram aqueles sentimentos. Ele não sabia que depois
que experimentamos aqueles sentimentos na alma, você nunca mais era o
mesmo.

— Eu conheço a sua dor. Eu sou a Morte, Lilith, não se esqueça. Eu


sei a devastação que a perda de alguém causa. Eu conheço a tristeza, a dor e
o luto. Tudo isso está ligado a mim. É uma parte característica minha, pode
ter certeza disso — ele afirmou com autoridade.

— Você não conhece... — insisti sem muita convicção. Morte era


Morte. Ele sabia do que estava falando e era tolice contrariá-lo.
— Eu conheço! — Ele se aproximou de mim novamente e segurou
meu rosto entre as mãos geladas. — Eu sei o que você passou, eu conheço
os sentimentos, Lilith. Eu conheço o que você desperta em mim. A
confusão, a irritação, a indiferença... mas também o afeto, o
pertencimento... a atração. O desejo.

Meus olhos se arregalaram com aquela revelação. Desejo? Atração?


Aquilo não era possível. Não para Morte.

— Posso não ter passado pelo que você passou, mas eu sei o que é.
— Ele acariciou as minhas bochechas com os polegares. — Você está
despertando sentimentos em mim. Você está me transformando em algo
diferente. Algo que talvez... possa sentir.
— Isso não é possível... — murmurei incrédula, mas ele me
interrompeu:

— É possível e já está acontecendo, Lilith. Eu não sou humano,


muito menos mortal. Não tenho um coração, mas quando estou perto de
você, sinto um calor no meu peito. Sinto coisas que nunca senti antes.
Ficamos nos olhando, meu olhar preso no olhar negro de Morte. Os
redemoinhos em seus olhos se moviam com fúria e era algo hipnotizante.
Lindo. Meu coração estava acelerado no peito. A proximidade dos nossos
rostos flertava com a vontade de beijá-lo.

— Eu não vou resistir a mudança que você representa. Só precisei


de 7 dias terrestres para saber disso.

Sete dias?

Não pude pensar muito no que ele tinha acabado de falar porque no
segundo seguinte seus lábios estavam nos meus, em um beijo que jamais
imaginei que estaria dando. Um beijo na Morte.
Minhas mãos foram para o corpo dele, deslizando até as suas costas,
quase tocando as suas asas. Morte gemeu e aprofundou o beijo. Eu pensava
que ele não saberia beijar, mas estava enganada. Morte sabia beijar. Uma de
suas mãos continuou segurando o meu rosto, enquanto a outra segurou a
minha cintura, me apertando mais contra o seu corpo. Morte tinha um gosto
único. Eu não conseguia compará-lo a nada que já tivesse experimentado
antes.
Sua boca deslizou pelo meu pescoço, beijando, lambendo e
chupando a minha pele, me fazendo ofegar de prazer. Ele deu uma leve
mordida na base do meu pescoço, na junção com o ombro. Meu corpo
inteiro se arrepiou. Ele voltou a tomar a minha boca e eu apenas me
entreguei a todas aquelas sensações do momento. Eu jamais imaginei que
Morte seria tão intenso daquele jeito. Seu toque despertou o meu corpo
inteiro.

Morte mordeu meu lábio inferior, puxou e soltou, fazendo-o estalar.


Ele depositou um selinho em meus lábios antes de me abraçar e apoiar a
cabeça em meu ombro. Eu estava ofegante e excitada com apenas aquele
beijo. Pela deusa tríplice!
— Eu sou seu, bruxa — Morte disse, ainda apoiado em mim. Não
parecia ofegante.

Acariciei seus cabelos e beijei seu pescoço. Morte me apertou mais


forte em seus braços. Eu estava nos braços da Morte. E não sentia medo
algum, apenas desejo.

— Diga que você é minha — ele pediu.

Mas eu neguei com a cabeça, ainda acariciando seus cabelos. Os


fios macios eram muito negros, do tipo que roubavam a luz para si.
— Ainda não — respondi e Morte levantou a cabeça para me olhar.
— Ainda não estou apaixonada por você.
— Eu já sinto a mudança dentro de mim. Eu sinto esse... fogo.
Paixão — ele disse. Quase pude ver aquele fogo em seus olhos.

Engoli em seco.

— Pode ser apenas desejo.


— Não. Eu conheço o sentimento. Apesar de nunca ter sentido
antes, eu sei o que é.

Assenti.
— Eu ainda não...

— Eu sei. Eu sei que você não está apaixonada por mim, mas está
ficando. Eu posso sentir.
Pela deusa! Eu queria beijá-lo novamente, mas me controlei. Eu
tinha que me controlar. Se eu me apaixonasse, eu não voltaria para casa.
Casa. Minha casa em Luandia, meu lar. Sozinha e nômade. Sempre de
mudança por causa da minha aparente juventude. Era isso que eu desejava
mesmo? Eu não sabia mais dizer ao certo. Morte estava confundindo os
meus sentimentos.

Morte deu um passo para trás, saindo do alcance dos meus braços.
Seus olhos não saíram do meu rosto em momento algum.

— Vou receber meus irmãos em breve. Quero que você os conheça.


Eles trarão as consortes e concubinas. Há algumas mortais, assim como
você.
Assenti e passei a língua pelos lábios, lembrando da sensação de ter
os lábios de Morte ali. Respirei fundo, tentando controlar o fogo que
atravessou o meu corpo inteiro com a lembrança.
— Eu... eu preciso de... de mais tempo. Para... você sabe... — falei a
ele, subitamente tomada por uma gagueira inexplicável.

— Eu sei. Temos mais três semanas pela frente. Será tempo


suficiente.

Respirei fundo outra vez. Três semanas que poderiam passar voando
naquele lugar. Três semanas que eu poderia facilmente me perder e me
apaixonar.

— Você saberá a resposta até lá.

— Acho que antes disso — ele afirmou, com certa presunção.

Ficamos nos entreolhando, sem dizer nada, até que um relincho


chamou a nossa atenção. Era o corcel de Morte. Ele riscou o chão com a
pata, inquieto. Nos dirigiu um olhar “irritado” e agitou a crina. Eu sorri.

— Preciso ir. Ele está me chamando — Morte falou e pegou a


minha mão outra vez. — Volto em breve.

Me prendendo com o seu olhar magnético, Morte beijou o dorso da


minha mão. A pele formigou quando entrou em contato com os seus lábios.

— Deixei uma nova surpresa em seu quarto. — Morte se virou sem


esperar uma resposta e me deixou sozinha, observando-o sumir de vista
dentro de sua mansão. Seu cavalo se aproximou de mim, abaixando a
cabeça para receber carinho, que eu não hesitei em dar.
Será que existia algum feitiço para evitar se apaixonar?
Provavelmente não.
Suspirei, pela primeira vez em muito tempo, sentindo uma leveza
em meu coração.
Sem Morte ou a ceifeira por perto, voltei para o meu quarto. As
flores negras ainda continuavam lá, mas agora as paredes não eram apenas
mármore liso. Elas estavam recobertas de estantes cheias de livros. Me
aproximei e tirei um dos livros da estante: Post Vitam (Pós-Vida). Arregalei
os olhos. Aquele livro... ele tinha sumido da face da Terra. E agora eu tinha
um exemplar nas minhas mãos.

Sem acreditar, devolvi o livro para a estante e puxei outro: Vita Off
Terram (Vida Fora da Terra). Minha boca se abriu. Aqueles livros ou
tinham sido destruídos há séculos ou tinham sumido misteriosamente da
face da Terra. Agora eles estavam ali, ao meu alcance. Morte tinha me dado
todas aquelas raridades. Ele simplesmente me presenteou com aqueles
livros. Pela deusa!
Me sentei na cama, sem conseguir tirar os olhos das estantes que
preenchiam o meu quarto. A minha pobre estante parecia nada comparada
àquela biblioteca que Morte me deu. Respirei fundo, sem acreditar.

Morte... Ele estava levando o meu desafio muito a sério. Ele estava
determinado a me tornar a sua consorte. Morte...
Me deitei na cama e toquei meus lábios com as pontas dos dedos.
Morte tinha me beijado. E eu tinha gostado. Eu não devia estar em meu
juízo perfeito.
A Lilith Hecate que eu conhecia, estaria nesse momento, procurando
algum manuscrito, grimório ou qualquer livro que fosse naquela biblioteca
enorme que pudesse me ajudar a fugir daqui o mais rápido possível, para
voltar logo para casa. Mas não. Tudo o que eu conseguia fazer no momento
era lembrar do beijo e das sensações que fui preenchida ao estar nos braços
de Morte.

Respirei fundo e senti o forte aroma das rosas negras que estavam
em meu quarto. Eu não fazia ideia de quanto tempo tinha passado, mas elas
continuavam em seu perfeito estado, sem o mínimo sinal de que
começariam a murchar. Morte devia ter feito alguma coisa para preservá-las
daquele jeito.

Me virei de lado, colocando as mãos debaixo da cabeça, lembrando


do que ele tinha dito mais cedo. Seus irmãos viriam nos visitar em breve e
trariam as consortes e concubinas com eles. Fome, Guerra, Peste e Morte
juntos. Quase um Apocalipse. Tapei a boca com a mão para evitar uma
gargalhada com o pensamento brincalhão. Eu devia estar enlouquecendo.

Mas seria interessante conhecer as companheiras (e companheiro)


deles. Será que havia alguma bruxa ou bruxo entre eles? Se estavam com
um dos quatro cavaleiros, então deviam ser imortais. Morte tinha me
oferecido a imortalidade junto com o pedido para ser sua consorte, então
seus irmãos também deviam ter feito o mesmo com suas companheiras e
companheiro.
Não seria nada mal ser imortal. Mesmo com o feitiço para manter a
minha juventude, eu ainda era mortal. Pela minha idade, devia estar
aparentando entre 40 e 50 anos, se fosse humana. As bruxas que eu
conhecia, que tinham a minha idade, estavam assim já que não fizeram o
mesmo feitiço que eu fiz.
Suspirei. A imortalidade era tentadora. Aquele era um ponto a favor
de Morte.

Droga. O que eu estava fazendo? Pesando prós e contras para


decidir se me apaixonava ou não por Morte? Aquilo não existia! Eu não
poderia mandar em meu coração. Eu não tinha controle sobre aquele
sentimento.

Me encolhi na cama e senti o sono pesar em minhas pálpebras. Eu


poderia dormir um pouco e depois pensaria nos meus sentimentos por
Morte...

Eu ainda estava de olhos fechados, mas tive a forte sensação de estar


sendo observada enquanto dormia. Abri os olhos devagar e me deparei com
Morte me observando. Na minha cama. Ele estava deitado ao meu lado, de
frente para mim, me olhando quase sem piscar aqueles olhos sobrenaturais.
Se fosse outra pessoa, teria um ataque cardíaco ao me deparar com aquilo,
mas não me assustei com Morte. Parte de mim já estava acostumada a ele,
seu rosto peculiar e todos seus traços que não podiam ser definidos de uma
forma ou de outra.
— Está acordada? — ele perguntou.

— Sim. Acordei. — Me espreguicei ainda deitada. — O que você


está fazendo aqui?

Não mencionei o fato de estar deitado ao meu lado, na minha cama.


Morte não era idiota e sabia que não devia fazer nada contra a minha
vontade se quisesse que eu me apaixonasse por ele.
— Estava observando você dormir. — Ele pegou uma mecha do
meu cabelo e enrolou o cachinho no dedo. — Eu não durmo.

— Você não dorme? — perguntei surpresa. Nunca tinha conhecido


uma criatura que não dormisse antes.

— Eu não preciso dormir. Gostei de observá-la dormindo. Você fica


linda quando está no mundo dos sonhos.

Abri um sorrisinho. Em parte lisonjeada pelo elogio de Morte, e em


parte me dando conta de que ele estava me jogando uma cantada. Que
surreal...

— Obrigada pelo elogio. Não sabia que você sabia fazer tal coisa.

Ele abriu um sorrisinho e aproximou o rosto para passar a mechinha


do meu cabelo em sua bochecha.
— Eu conheço a arte da sedução, bruxa.

— Eu sei que você não veio aqui só para me observar dormir e


depois tentar me seduzir com belas palavras.

Ele riu e se afastou, deitando de peito para cima, seus cabelos


espalhados no travesseiro ao meu lado. Não consegui tirar os olhos dele.
— Eu... Obrigada pelos livros. Eu adorei.
— Não foi nada — ele respondeu, de olhos fechados. — Eu sabia do
seu interesse pelos livros antigos com assuntos sobrenaturais, então...

— Mesmo assim. Eu agradeço o seu gesto.

Ele sorriu. Seu pescoço estava exposto e me dava vontade de passar


a língua por toda a extensão. Senti vontade de montá-lo e dominá-lo
naquela cama. Uma mortal dominando a Morte. Minha boca secou com o
pensamento, o desejo tomando conta de mim.
— Eu adoro a sua arrogância. — Ele virou o rosto na minha direção,
agora sério. — Adoraria saber como seria isso aqui, na cama. Você seria
capaz de me domar?

Ele tinha lido a minha mente? Pela deusa! Acho que ele tinha
percebido o meu olhar de cobiça segundos atrás.
Resolvi entrar no jogo de Morte, sem medir as consequências disso.
Bom, eu nunca media mesmo...

— Se estiver mesmo curioso, eu tenho tempo de sobra para te


mostrar — repliquei.

Morte abriu um sorriso lento, que me encheu de medo e desejo na


mesma medida. Em um segundo ele estava ao meu lado, no outro, ele
estava em cima de mim, pressionando seu corpo esguio contra o meu.

O súbito movimento fez o meu coração se acelerar, assim como a


minha respiração. O rosto dele pairava a centímetros do meu, seus olhos na
minha boca.
— Não me provoque, Lilith. Se não estiver disposta a levar isso
adiante, é melhor não me provocar — ele avisou.

Engoli em seco.
— E se eu quiser isso? E se eu quiser apenas... sexo com você? —
perguntei de um jeito lânguido e sedutor. — E se eu quiser domá-lo?

Morte aproximou seu rosto e roçou seus lábios nos meus. Fechei
meus olhos, me perdendo nas sensações que ele me causava... que a deusa
me ajudasse...

— Eu vou recusar.
Abri meus olhos, surpresa.

— O quê?

— Eu não vou fazer isso, Lilith. Não vou fazer sexo com você até
que esteja completamente apaixonada por mim, até que esteja entregue a
mim, de corpo e alma.

Pisquei, incrédula.

— Você não faz... sexo... casual? — perguntei, como uma idiota.

Morte saiu de cima de mim e ficou em pé, ao lado da cama. Sua


roupa preta sempre impecável.
— Não com você.
Me sentei na cama, ainda surpresa e meio chateada com a rejeição
dele.

— Mas...
Fui interrompida:

— O vestido que você deverá usar está ali. — Ele apontou para o
tecido preto pendurado na cadeira em frente à escrivaninha. — Meus
irmãos chegarão em breve. Estou te aguardando — ele completou e foi
embora, me deixando com cara de boba.
Cobri o rosto com as mãos e me xinguei por dentro. Trouxa! Fui
entrar no jogo de Morte e me ferrei. Por isso diziam que não se brincava
com a morte.
“A morte é de certa maneira uma impossibilidade, que de repente se torna
realidade.”

Johann Goethe

Recusar Lilith foi mais difícil do que eu imaginei. Tudo em mim


gritava para possuí-la, mas consegui resistir à tentação. Eu não era uma
criatura humana que se rendia aos seus desejos de forma tola, mas por um
breve momento, me senti assim, quase cedendo. Não foi uma sensação boa.
Humanos eram fracos e eu não gostei de me sentir assim.

Quando procurei Lilith para lhe levar pessoalmente o vestido,


percebi como ela estava agitada, pensando em nós dois e seus sentimentos
por mim. Ela não queria admitir, mas a semente da paixão já tinha
começado a brotar dentro do seu coração mortal. Fiz com que ela caísse em
um sono profundo. Não queria que ela ficasse pensando demais naquele
assunto. Mais cedo ou mais tarde ela veria a verdade diante dos seus olhos.
Era o nosso destino.
Assim que ela dormiu, entrei em seu quarto. Ele estava cheio de
flores, rosas negras. Uma sutil lembrança de mim. Pelo que a ceifeira tinha
me relatado, Lilith tinha gostado muito do presente. As paredes estavam
repletas do meu mais novo presente para ela: Livros raros, que já não
existiam mais em seu mundo. Esperava que ela gostasse deles. Lilith tinha
um gosto exacerbado pela leitura sobrenatural, algo que fiquei satisfeito em
incentivar.
Coloquei o vestido que ela usaria naquele encontro em cima da
cadeira ali perto e fui em direção à cama. Me deitei ao seu lado e fiquei
vigiando seu sono. Criaturas mortais ou imortais dormiam, eles precisavam
descansar. Diferente de mim e de meus servos. As leis da natureza não se
aplicavam a nós, em regra. Mas o destino estava gostando de me contrariar
ultimamente.

Eu tinha que admitir que Lilith era uma bela mulher. Não que eu me
importasse muito com a sua aparência, algo tão... humano. Mas Lilith
reunia características únicas em seus traços. Ela tinha altura mediana, o
corpo era proporcional, bem dividido. Ela tinha aquela ligação com a
natureza que todas as bruxas tinham, uma intimidade com a terra e tudo que
é natural. Os olhos verdes eram chamativos e marcantes, e faziam um
contraste interessante com a cor da sua pele oliva. Seu cabelo castanho-
claro era volumoso, cheio de cachos que ela já estava acostumada a domar,
pelo que eu tinha percebido. Apesar de ter quase um século de vida, Lilith
ainda tinha a mente jovem, algo comum nas bruxas, já que elas tinham a
expectativa de vida maior do que a de um ser humano. No entanto, ela era
sábia e já tinha passado por muitas experiências em sua breve vida mortal.
Ela não era imatura, mas era impetuosa e dominante, do tipo que se fazia de
forte, mas por dentro era doce e meiga. Acho que foram essas
características que me atraíram em Lilith.
Acariciei seu rosto com as pontas dos dedos e pude sentir a pele
macia e quente. Eu desejava muito que ela se apaixonasse por mim e
desistisse de sua vida na Terra. Eu poderia oferecer qualquer coisa que ela
desejasse, contanto que ficasse ao meu lado, aqui em meus domínios.
Mas eu também sabia o que Lilith desejava e era a única coisa que
eu não poderia dar a ela: amor. Eu não tinha sentimentos, ou melhor, até
pouco tempo atrás eu não tinha sentimentos. Mas agora, com Lilith aqui e o
destino nos unindo... Eu já sentia a diferença. Lilith tinha conseguido o que
nunca nenhum ser vivo conseguiu antes: despertar sentimentos em mim. O
desejo era o mais forte deles.

Porém, eu não sabia se isso ainda iria evoluir. Eu não poderia


prometer amor a ela se não sabia se seria capaz de amar algum dia. Eu não
tinha garantias. Eu só poderia prometer a minha devoção a ela, a capacidade
de permanecer ao meu lado por eras, todos os bens que ela desejasse
possuir. E conhecendo Lilith, eu sabia que isso não seria o suficiente.

Eu não entendia porquê as coisas tinham que ser tão difíceis para
mim. Meus irmãos não pareciam padecer do mesmo problema.

Aproximei meu rosto do dela e plantei um leve beijo em sua testa.


Como eu queria que as coisas fossem diferentes para nós dois.

Fiquei observando-a por mais algum tempo, até que ela acordou.

Tive que ir embora depois disso, já que tinha ficado difícil resistir à
tentação que Lilith representava para mim. Meus irmãos chegariam em
breve e eu esperava poder conversar com eles sobre o que estava
acontecendo comigo.
Guerra, Peste e Fome chegaram aos meus domínios ao mesmo
tempo. Meus irmãos vieram acompanhados das consortes e concubinas, o
que representou um número grande de pessoas. Guerra trouxe todas as suas
três concubinas: uma humana, uma vampira e uma loba. Ele adorava as
implicâncias entre as duas últimas. Peste trouxe a consorte, uma humana
que vivia ao seu lado há décadas. Fome trouxe o consorte (um ex-ceifeiro) e
as duas concubinas (bruxas). Eu já conhecia todos, mas nunca fui íntimo de
nenhum deles e eles não pareciam muito dispostos a falar comigo, com
exceção do meu ex-ceifeiro, Eros. Todos ainda estavam vivos por causa de
meus irmãos, que sempre cediam a imortalidade aos seus companheiros.
Era o mesmo que eu gostaria de fazer com Lilith.
— Irmãos. Bom ver vocês e suas companheiras e companheiro.
Fiquem à vontade — os saudei assim que os vi.

Todos estavam em uma enorme sala de jantar, que coloquei próxima


aos aposentos de Lilith. Eu podia moldar os aposentos dos meus domínios à
vontade. Uma mesa igualmente grande estava disposta e tinha capacidade
para acolher a todos. O convite formal era de um jantar, mas eu e meus
irmãos não precisávamos comer, então seria algo apenas para nossos
acompanhantes degustarem enquanto conversávamos.
— Irmão. — Peste, que estava na entrada do salão, se aproximou de
mim. — Onde está sua adorável bruxa?

Olhei para meus outros irmãos. Guerra tinha um sorriso amplo no


rosto, enquanto Fome me observava com o cenho franzido.

— Ela está vindo. Em breve vocês irão conhecê-la.


— Então você já a tomou como sua consorte? — Guerra perguntou,
se aproximando de nós dois ao lado de Fome.

— Ainda não.

— O que está esperando?

Olhei para as companheiras e companheiro deles, que conversavam


distraídos entre si, sem prestar atenção na nossa conversa. Fiz um sinal com
a cabeça e eles me seguiram para o outro canto do salão, onde havia vários
aparadores com bebidas dispostas para os convidados.
— Eu fiz um acordo com ela — revelei a eles.

— Você não faz acordos — Fome replicou. — Nenhum de nós faz.


— Não, eu não faço. Mas acabei cedendo às vontades de Lilith.
— Então ela é uma bruxa mesmo? — Fome perguntou com um
sorrisinho no rosto. Ele tinha duas bruxas, irmãs gêmeas, como concubinas.

— Sim, ela é. — Encolhi as minhas asas nas costas. — Ela tem


pouco menos de três semanas terrestres para se apaixonar por mim. Se ela
não se apaixonar até o final do período, então eu vou enviá-la de volta para
a Terra, na realidade em que ela vivia.
— Isso foi muito tolo de sua parte — Guerra me repreendeu.

Eu estava prestes a replicá-lo quando Peste perguntou:


— Por que fez esse acordo, irmão?

Olhei para os três rostos que conhecia a minha existência toda.


Meus irmãos. Partes de mim, assim como eu era parte deles. Meus iguais.

— Porque eu confessei a ela que não podia amá-la. Então ela propôs
o acordo, já que queria se apaixonar por mim antes de se tornar minha
consorte. Ela quer sentimentos envolvidos na nossa relação — contei.
— E você não pode amá-la? — Guerra perguntou com o cenho
franzido.

— Eu não tenho sentimentos. Nenhum de nós tem.


Fome negou com a cabeça e Peste replicou:

— Todos nós temos sentimentos, irmão. Para nós é mais difícil


sentir, mas nós podemos.

— Não. Isso é coisa dos mortais e imortais. Não somos como eles.
Nós existimos, não vivemos. Somos seres que sempre existiram e sempre
existirão. — Balancei a cabeça. — O destino colocou Lilith no meu
caminho como uma forma de desafio.

— Mas somos capazes de amar — Guerra insistiu. — Peste está


certo.
Olhei para o meu irmão.

— Você é Guerra. Você luta. Sem sentimentos, sem amor. Apenas o


desejo de morte.

Ele negou com a cabeça.


— Por que acha que eu tenho tantas concubinas e amantes, irmão?
Eu amo. Eu gosto de amar. Estou sempre disposto a amar e aumentar o meu
número de concubinas. Todos nós somos capazes de amar.

— Você gosta de sexo, isso sim — Fome o replicou com um sorriso.

— Isso também. Mas não estaria com minhas concubinas se não as


amasse de verdade. — Guerra assentiu.
— Guerra está certo, irmão. Ennara é a minha única companheira, a
quem dedico todo o meu amor. Não imagino a minha existência sem ela. Eu
a amo — Peste falou. — A eternidade é muito longa para permanecermos
sozinhos. Por isso o destino colocou parceiras ao nosso lado. Para que não
fiquemos sós.

— Você é capaz de amar, irmão — Fome inteirou. — O destino não


a colocou no seu caminho para desafiá-lo. O destino está tentando mostrar a
você, assim como mostrou a todos nós, que você também é capaz de amá-
la. Nenhuma criatura deve permanecer só.

Ouvir aquilo dos meus irmãos foi como ver o dia nascer pela
primeira vez em minha existência. Nunca pensei dessa forma. Sempre
imaginei que o destino tinha proposto um desafio na minha frente e esse
desafio era Lilith, uma bruxa arrogante que tinha coragem de bater de frente
comigo.

Mesmo assim, eu ainda tinha as minhas reservas. E se Lilith não se


apaixonasse completamente por mim, mesmo que eu pudesse amá-la? Ela
viveria ao meu lado infeliz? E seu desejo de voltar para a Terra? E seus
outros sonhos? Ela desejava ter filhos um dia? Eu jamais poderia dar isso a
ela.

Eu precisava conversar com Lilith... As coisas poderiam dar certo


entre nós.
Meus irmãos se viraram ao mesmo tempo para a entrada do salão.
Segui o olhar deles e a vi. A minha bruxa. Deslumbrante em um vestido
preto de mangas compridas colado ao corpo, com detalhes de rosas
douradas que iam do ombro, passavam pelas costas e iam até a barra. Minha
Lilith. A mais bela das criaturas da face da Terra. Senti meu peito se
aquecer gradualmente por um sentimento desconhecido.
Todos olharam para mim assim que entrei no salão que ficava quase
ao lado do meu quarto. Eu nunca tinha visto aquela sala enorme ali e
imaginei que fosse mais um dos truques de Morte, assim como ele tinha
feito com o labirinto, quando pus os pés em seus domínios.

Havia algumas mulheres e um homem ali, mas nem todos eram


humanos. Eles estavam vestidos de forma elegante, assim como eu. Logo
de cara reconheci duas bruxas, irmãs gêmeas. Me perguntei se elas dividiam
o mesmo cavaleiro do Apocalipse. Por falar neles... Os quatro estavam
afastados em um canto da sala. Um deles eu não tinha visto ainda. Era
Fome. Sua pele era amarelada e ele tinha traços asiáticos, o cabelo era preto
como o de Morte, mas bem longo e liso. Usava roupas em um tom de verde
escuro. Mesmo com as características físicas tão diferentes, os quatro eram
parecidos de uma forma peculiar.
Morte veio andando na minha direção, já que eu fiquei parada na
entrada do salão, meio tímida por estar recebendo tantos olhares ao mesmo
tempo. Devia ser por causa daquele vestido. Era muito bonito e provocante,
me remetia diretamente à Morte. Acho que nunca tive um vestido assim em
todas essas décadas de vida.

— O vestido ficou perfeito. Você está muito bonita — Morte


elogiou assim que se aproximou de mim.

— Obrigada. — Passei as mãos pela peça que era feita de veludo. —


Como você sabia o meu tamanho?

Morte balançou a cabeça.

— Eu sei muitas coisas sobre você, Lilith.


— É mesmo?

Ele assentiu.
Antes que eu perguntasse ao que ele estava se referindo, seus irmãos
se aproximaram de nós. Quatro pares de olhos negros me observavam de
perto agora.

— Finalmente vamos conhecer a garota de Morte! — o que tinha a


pele negra exclamou, todo sorridente. Reparei que a sua barba tinha alguns
fios brancos pelo meio, dando um aspecto de mais velho a ele. Suas roupas
eram em um tom escarlate, que me lembrava sangue.

— Irmãos, esta é Lilith Hecate, a minha... bruxa — Morte me


apresentou e olhou para mim com um sorrisinho, aquele sorrisinho.

Minha bruxa. Senti falta de algo nessa apresentação. Eu não me


sentia apenas uma bruxa para Morte. Eu era... algo a mais.

— É um... prazer conhecer todos vocês.

O que tinha a pele muito clara com os cabelos quase brancos riu e
disse:
— Não é bem um prazer, mas nós entendemos o que você quis
dizer.

Senti meu rosto esquentar. Aqueles quatro eram mais velhos que o
mundo. Claro que eu ia falar alguma merda. No entanto, eu não tinha essa
preocupação quando estava a sós com Morte. Eu não sentia que éramos
diferentes, nós nos entendíamos bem.

Bom, agora sim. Mas quando cheguei aqui...

— Estes são meus irmãos: Guerra, Peste e Fome — Morte disse ao


apontar para o cavaleiro de pele negra, o de pele clara e o de pele
amarelada, nessa ordem.

Reparei que Morte era o único que não tinha uma cor de pele
definida. Sua pele tinha um aspecto dourado, mas que mudava de acordo
com a iluminação. Além disso, ele era o único dos quatro que tinha asas. No
entanto, Peste era o único que tinha cabelos quase brancos, sendo que o dos
outros era preto. Já Guerra, era o único que tinha barba com aqueles fios
grisalhos pelo meio, apesar de sua aparência ser de alguém jovem. E Fome
era o único que não tinha tantos músculos assim, era esguio e alto, o mais
alto dos quatro. Seu rosto também era andrógino, assim como o de Morte.

— Então são vocês quatro que vão trazer o Apocalipse para o


mundo? — perguntei a eles.

Os quatro se entreolharam.

— Ela é corajosa — Fome comentou com Peste, que assentiu.

— Você não deveria se preocupar com isso, minha querida. Além


disso, você estará aqui, com Morte. Não é mesmo? — Guerra rebateu com
um sorrisinho.
Abri a boca para responder, mas não saiu nada. O que eu diria? Eu
não sabia... ou sabia? Eu... eu não estava apaixonada por Morte. Não. Eu
não poderia dizer onde estaria quando o Apocalipse fosse começar. Que
loucura! Pela deusa tríplice!

— Deixem Lilith em paz — Morte os repreendeu e veio para o meu


lado, passando o braço pela minha cintura. — Vamos ao jantar. Seus
companheiros devem estar famintos.

O toque de Morte era quente e eu pude senti-lo mesmo através do


tecido. Mas, como se estivesse esperando a sua deixa, meu estômago
roncou, quebrando parte daquele encanto sedutor. Eu não me lembrava de
quando tinha feito a minha última refeição. Os horários na mansão de Morte
não tinham lógica e eu me sentia perdida a maior parte do tempo.

Os irmãos de Morte riram e Morte sorriu para mim. Era tão peculiar
vê-lo sorrindo. Ele vivia com aquela cara enfezada a maior parte do tempo.

Fomos todos para a mesa enorme e nos acomodados. Morte sentou


na cabeceira da mesa e eu me sentei à sua direita. Na minha frente estava
Guerra e ao lado dele uma de suas concubinas, uma garota humana que não
aparentava ter mais do que 25 anos. Ao meu lado sentou uma das bruxas,
que descobri se tratar de uma das concubinas gêmeas de Fome. Ela também
tinha o rosto novo como o meu. Todos na mesa tinham os rostos jovens, que
aparentavam não ter mais do que 30 anos, até mesmo Guerra com sua barba
grisalha. Sabendo o que eu sabia agora, eu devia ser a mais nova ali.

O jantar teve início. As travessas com pratos variados surgiram na


mesa com um piscar de olhos e todos começaram a se servir. Fingi costume
e me servi também. Todos deviam estar acostumados com a magia daquela
forma.
Morte e seus irmãos não estavam comendo nada, apenas bebiam
vinho e conversavam entre si. Seus companheiros formaram grupos de
conversas também. Eu os observava curiosa. Todos pareciam satisfeitos
com as vidas que tinham ao lado de seus cavaleiros. Meus olhos se
concentraram em Ennara, a humana que era a consorte de Peste. Dentre
todos os companheiros, ela era a única que não dividia seu cavaleiro com
ninguém.
— Ela é feliz ao seu modo, assim como nós somos ao nosso — a
bruxa ao meu lado disse.

— Imagino que sim.

— Meu nome é Cordelia. — Ela indicou a irmã gêmea do outro lado


da mesa. — Aquela é minha irmã, Minerva.

— Prazer em conhecê-las. Sou Lilith.


— O prazer é nosso. Qual era o seu coven, Lilith?

Meu coven. Há décadas abandonado por mim.

— Hecate. Coven Hecate — respondi baixando os olhos e


procurando a taça com água.

Por isso meu nome era Lilith Hecate. Em referência ao meu antigo
coven, assim como todas as bruxas e bruxos que faziam parte dele. Nunca
consegui me desligar totalmente a ponto de suprimir o nome da deusa. A
deusa Hecate sempre estava comigo.
— A deusa dos mortos e da magia. Faz sentido que esteja com
Morte agora. Eu e Minerva fazíamos parte do Coven Demeter. Fome nos
encontrou quando estávamos em uma situação difícil, morrendo à mingua,
décadas atrás. Ele nos conhecia do coven, já que Demeter é a deusa da
agricultura e da comida, que faz uma referência a ele próprio. Fome nos
ajudou por intervenção da deusa Demeter. Foi através dela que ele nos
encontrou e nós três acabamos nos apaixonando. Foi tudo muito rápido.
Quando nós vimos, estávamos nos domínios de Fome, nos tornando suas
concubinas. — Ela agitou a pulseira de ouro em seu punho. — O destino
agiu.
Bebi a água em minha taça, digerindo toda a história de Cordelia.
Não pude deixar de imaginar se a deusa Hecate teve alguma coisa a ver
com meu encontro com Morte. Será que foi a forma que ela encontrou de
me “colocar nos trilhos” outra vez? Ela agiu juntamente com o destino.

— O que significa essa pulseira? — perguntei indicando o objeto


com o queixo.

Cordelia sorriu.

— Não sei se Morte já te explicou, mas eles, os cavaleiros, não


podem se casar. Apenas tomam concubinas e consortes para si.
Assenti, me lembrando de quando Morte me explicou isso.

— Então, essas pulseiras são como alianças de casamento. A partir


do momento que eles colocam em nossos pulsos, não podemos mais tirar.
Sou para sempre de Fome e ele é meu por toda a eternidade. Você terá uma
em breve também.
Olhei para a pulseira dela e depois para a pulseira da concubina de
Guerra, na minha frente. Eram as mesmas pulseiras, feitas de ouro
envelhecido. Pareciam desgastadas e antigas, mas o preço delas seria
inestimável em meu mundo, com certeza. Não podia dizer com clareza, mas
tive a impressão de que as pulseiras tinham uma textura que lembrava as
escamas de uma cobra. Uma pequena cobra entrelaçada em seus pulsos. E
Morte me daria uma daquelas...

Olhei para Minerva, do outro lado da mesa, conversando com uma


moça que devia ser outra concubina de Guerra. Todas tinham as pulseiras.

— E... vocês duas conseguem conviver bem? As duas dividindo o


mesmo... cavaleiro? — perguntei com uma pontada de curiosidade,
observando as duas irmãs.

Cordelia sorriu. Ela era muito bonita. Tinha o cabelo bem preto e
liso, era alta e tinha os olhos azuis. Quase uma modelo. Minerva era do
mesmo jeito.

— Claro que sim! Fome pode nos agradar de diversas formas. Você
precisa ver nós três em ação. É um espetáculo! — ela exclamou, como se
fosse a coisa mais incrível do mundo.

Me engasguei com a água que tomava. Tossi e meus olhos se


encheram de água. Cordelia deu algumas batidinhas nas minhas costas e
Morte se virou na minha direção, preocupado.

— Você está bem? O que houve? — ele perguntou enquanto eu


limpava as lágrimas em meu rosto e tentava recuperar um pouco de
dignidade. Boa parte das pessoas na mesa olhavam para mim.

Fome pode nos agradar de diversas formas. Pela deusa tríplice!

— Estou bem — respondi com uma voz esquisita.


— Ainda bem. A sua hora ainda vai demorar muito para chegar.
Não precisa apressar as coisas.
Hora? Do que Morte estava falando?
Ah... A hora.
— Estou bem — repeti sem necessidade.

Morte assentiu e voltou a conversar com Guerra, que sorria


abertamente para mim. Senti meu rosto esquentar. Será que ele tinha
escutado o que Cordelia disse?

— Guerra parece interessado em você. Se Morte permitir, você


deveria experimentar os dois. De uma vez só — Cordelia cochichou no meu
ouvido.

Me virei para a bruxa ao meu lado. Em todos os meus anos de vida,


eu tinha experimentado muitas coisas, inclusive o que ela estava propondo
naquele momento. Como bruxa, eu tinha uma ligação mais forte com a
natureza, com meu corpo, com a dádiva da vida, com os seres vivos... então
aquela parte era mais aflorada em mim. Sexo jamais foi um tabu. Era uma
manifestação natural. Corpos e almas se encontrando e se conectando.

Por um tempo na minha vida, eu vivi como uma verdadeira bruxa.


Até que... Perder minha mãe e avó quase ao mesmo tempo me tirou o gosto
de muitas coisas. Eu já não me conectava à natureza como antes. Talvez por
isso tenha sido tão fácil usar feitiços proibidos, ignorando tudo e todos.

No entanto, agora com Morte em minha vida, a nossa proximidade e


a sua excentricidade, eu estava curiosa. Será que ele podia... mudar... lá
embaixo?

— Não tenho interesse em Guerra — rebati, enxugando meus lábios


com o lenço em meu colo.

— Sorte de Morte, então. — Cordelia riu.


Suspirei e voltei a comer. Olhei para Morte e ele me encarava com
um sorrisinho satisfeito no rosto. Abri um sorrisinho para ele também.
Morte me retribuiu com uma piscadela. Voltei a me concentrar em meu
prato e meu sorrisinho aumentou, assim como as batidas do meu coração.

Acho que eu tinha acabado de perder o desafio que propus à Morte.


“Para o amor e a morte, não há coisa forte.”

Mateo Alemán

Ao final do encontro, meus irmãos e seus companheiros partiram,


deixando Lilith e eu a sós no salão. Durante o jantar, ela acabou
conversando com uma das bruxas que era concubina de Fome e achei que
elas tinham se dado bem. Observar Lilith com a outra bruxa me fez
perceber muitas coisas. Uma delas foi que Lilith tinha se adaptado bem
àquela nova realidade, de forma rápida até. Aquilo me deixou esperançoso.
As coisas poderiam dar certo de verdade entre nós.

A verdade era que eu estava apaixonado por Lilith. Percebi naquele


jantar, enquanto a observava. Era um sentimento completamente novo para
mim. Eu a desejava como nunca desejei nada antes. A chegada de Lilith foi
uma grata surpresa em minha existência.

As palavras de Fome fizeram sentido para mim. O destino não


estava me desafiando. Ele queria que eu percebesse a minha capacidade de
amar, por isso colocou Lilith no meu caminho, assim como fez com meus
irmãos e seus companheiros. O amor não conhecia barreiras. Eu poderia
amar Lilith. De verdade. Com todo o meu ser.

— Eu... gostei de conhecer os seus irmãos — Lilith comentou


enquanto se servia de uma bebida no aparador, de costas para mim.

Me aproximei dela com passos lentos.


— Você se aproximou de uma das bruxas — comentei.

— Sim. Cordelia é legal.


Parei bem perto de Lilith e aproximei meu rosto do seu pescoço.
Inspirei seu cheiro. Era o mesmo das rosas negras que decoravam o seu
quarto agora. Inebriante, sedutor e intenso. Assim como ela.

Seu corpo ficou rígido e os pelinhos de seu pescoço se eriçaram.

— Morte...

— Olhe para mim, Lilith — ordenei.


Devagar, Lilith pousou o copo que segurava na bandeja e se virou de
frente para mim. Seus olhos percorreram meu corpo e encontraram os meus.
Nunca reparei muito nos seres vivos antes, mas eu tinha que admitir que
Lilith tinha os olhos mais bonitos de todos os tempos. Nada se comparava.
Não era apenas a cor, mas o brilho que ela tinha. Não era à toa que os
humanos diziam que os olhos eram a janela da alma. E eu conseguia ver
perfeitamente a alma de Lilith. Tudo o que ela era e representava. Tudo o
que ela foi um dia e ainda será. Ver aquilo foi inédito para mim e eu
compreendi por que o destino a enviou para mim.

— Eu preciso de você — confessei.


Nunca me senti tão necessitado de algo ou alguém antes. Esse era o
tamanho do abalo que Lilith representava em minha existência.

Ela assentiu e colocou as mãos nos meus ombros, se aproximando


mais de mim, seus seios se esfregando em meu peito. Baixei a cabeça e uni
nossos lábios. Foi inebriante, assim como da primeira vez que a beijei.
Todos os meus sentidos ficaram enevoados com um simples toque dos
nossos lábios.

Eu estava decidido a não me opor mais a mudança que Lilith


representava na minha existência. Eu já estava apaixonado por ela e era
perfeitamente capaz de amá-la, segundo meus irmãos me confirmaram.
Então, por que não avançar as coisas com Lilith? Antes do jantar, ela estava
bem disposta a me receber em sua cama. O desejo entre nós era mútuo...

Não. Eu precisava conversar com ela antes. Precisava esclarecer


algumas coisas que a nossa união implicava. As coisas não eram tão
simples assim.

Lilith separou os lábios dos meus. Seus olhos verdes me encararam


cheios de expectativas.

— Eu... quero você. Muito — ela confessou com a voz baixa, sem
desviar os olhos dos meus. Senti meu peito esquentando.

— Eu também. Mas antes preciso falar algumas coisas importantes


com você.

Ela franziu o cenho.

— Tudo bem. — Lilith deu um passo para trás, saindo do meu


alcance.
Por um momento vi um traço de rejeição em seus olhos, assim como
tinha visto mais cedo. Não gostei daquela sensação em Lilith. Ela não devia
se sentir assim comigo.
Tudo o que eu mais queria era abraçá-la e beijá-la, mas precisava
esclarecer algumas coisas entre nós. Lilith precisava saber das
consequências que a esperavam se ela finalmente se apaixonasse por mim.

— Lilith... eu conversei com meus irmãos hoje — comecei.


— Eu vi.

Assenti.

— Falei a eles sobre a minha capacidade de amar. Ou melhor, sobre


a inexistência dela.

Lilith arregalou os olhos por um momento, mas depois assentiu. Ela


pegou a bebida que estava atrás de si e gesticulou para que eu continuasse
enquanto ela bebia.
— Bom... eles disseram que eu estava errado. Assim como eles, eu
tenho a capacidade de amar — confessei.

Lilith voltou a apoiar o copo na bandeja atrás de si.


— Como é?
— Eu posso amar. Meus irmãos me esclareceram que eu posso
amar, assim como eles podem. Não somos desprovidos de sentimentos, eles
apenas... são diferentes para nós.

Lilith ficou sem dizer nada por alguns momentos, até que respirou
fundo e disse de forma lenta:
— Você... você é capaz de amar. Mas... mas e o desafio do destino?
— O destino queria me mostrar que eu sou capaz. Tudo é possível.
Até um amor para a Morte.

O amor tudo pode. Lembrei das palavras sagradas. Era verdade.

— Eu... eu nem sei o que dizer. Quer dizer, acho que isso muda um
pouco as coisas entre nós, não é? — Lilith perguntou incerta.
— Um pouco. Ainda espero que você se apaixone por mim, Lilith.
Mas agora você sabe que será amada se ficar aqui comigo.

Ela assentiu.

— O que você não sabe é que... ao me escolher, você terá que abrir
mão de uma coisa. Uma coisa que muitos seres vivos não abrem mão.

— O quê? — ela perguntou com o cenho franzido.


— Eu não posso ter filhos, Lilith. Nem eu, nem meus irmãos. Não
somos férteis. Isso é para os seres vivos. Nós apenas existimos, não
procriamos — expliquei a ela.

Lilith me encarou muito séria por alguns momentos, até que


assentiu. Não estava abalada.
— Eu nunca quis ter filhos.
Foi a minha vez de ficar surpreso. Eu não esperava por aquela
revelação. Seres vivos do sexo feminino desejavam filhos quase sempre.

— Você não quer filhos? A maioria dos seres vivos quer.


— Não sou como a maioria. Nunca quis filhos, Morte. Essa parte da
minha vida está bem resolvida — ela me assegurou, tranquila.

Foi a minha vez de assentir, ainda pensativo sobre isso. Não


imaginava que a reação de Lilith fosse ser essa. Ela era a exceção. Era
perfeita para mim.

— Você tem mais alguma coisa para me dizer? — ela perguntou e


deu um passo para mais perto de mim. Seu cheiro de rosas negras invadiu
os meus sentidos.

— Eu... se você ficar aqui comigo, eu te darei uma pulseira. Essa


pulseira nos ligará para sempre, entende? Ela manterá você imortal e será o
símbolo da nossa união.
Lilith inclinou a cabeça para o lado.

— Cordelia me falou sobre essa pulseira. Todas as concubinas e


consortes usam.
— Exato. — Peguei o pulso de Lilith e acariciei a pele macia. —
Essa pulseira representará o nosso compromisso, a nossa ligação. Você
estará ligada a mim e eu a você. Você não será a minha prisioneira, mas não
poderá ficar muito longe de mim. Para sempre.

Ela assentiu.

— Estou ciente. Mais alguma coisa? — Lilith não demonstrou


surpresa ou medo com o que eu disse. Ela era tão perfeita para mim...

Eu não tinha mais nada a dizer.


— Era apenas isso.

Ela sorriu e voltou a pousar as mãos nos meus ombros.

— Que bom. Acho que finalmente podemos ir ao que interessa.


Abri um largo sorriso. Amar Lilith seria mais fácil do que eu
imaginava.
Fiquei na ponta dos pés e beijei Morte. Nada do que ele disse tinha
me surpreendido. Eu nunca quis ter filhos e já era um assunto decidido para
mim. Sobre a pulseira também não me surpreendi. Eu já sabia que se me
apaixonasse por Morte, a minha vida mudaria por completo.

No entanto, o que ele tinha falado sobre poder amar tinha me


pegado de surpresa. Morte podia amar. Morte podia me amar. Eu poderia
ser correspondida. Saber disso fez meu coração acelerar no peito.

O nosso começo não foi dos melhores. Morte estava com raiva de
mim por eu tê-lo enganado por tanto tempo. Depois descobri que o destino
tinha nos unido e que ele pretendia me tornar a sua consorte, mesmo que
não pudesse me amar. Aí eu propus aquele acordo e desde então Morte
vinha se esforçando para fazer eu me apaixonar por ele.

Aprofundei o beijo e senti o gosto do cavaleiro na minha boca.


Aquele gosto indecifrável, assim como ele era.

Me surpreendendo pela segunda vez naquela noite, Morte me pegou


no colo sem tirar os lábios dos meus. Passei os braços pelo seu pescoço e
abri os olhos. Ele começou a andar para fora do salão.

— Para onde vamos? — perguntei com os lábios rentes ao dele.

— Para um lugar apropriado ao que vamos fazer.

— E o que nós vamos fazer? — Mordi o lábio inferior enquanto


tudo dentro de mim se esquentava e revirava.

Morte parou na porta do meu quarto. Seus olhos negros no meu


rosto.
— Sexo. Ou como você diria, amor.

Morte sabia. Ele sabia que eu diferenciava uma foda qualquer do ato
de amor entre dois amantes. A explosão de desejos, da explosão do
encontro de almas. Ele sabia.

— Então vamos logo.

Ele sorriu. Sem tirar os olhos de mim e não sei como, ele abriu a
porta e entrou em meu quarto me carregando, como se eu fosse uma noiva
após o casamento. Meu sorriso aumentou.

— Você está feliz — ele disse ao fechar a porta atrás de si.


— Muito.

E eu estava. Depois que Morte me deixou sozinha naquela cama


antes do jantar, percebi que o desejava. A paixão tomava aos poucos o meu
coração e muito em breve Morte venceria o meu desafio. Mas eu queria ter
aquela experiência com ele antes de tudo. Eu queria... fazer amor com ele.
Eu queria a união de nossos corpos, sentimentos e almas. Uma união
transcendental.
— Você será eternamente feliz — Morte disse ao me depositar de
forma delicada em cima da cama. As rosas ao nosso redor (apesar de
negras) davam um toque de romantismo à cena juntamente com as velas
que iluminavam tudo dentro do quarto.
— Eu tenho certeza disso — afirmei enquanto me deitava na cama e
Morte se acomodava em cima de mim.

Voltamos a nos beijar. As mãos de Morte passeavam pelo meu


corpo, como se estivessem me adorando, me venerando. Me senti muito
desejada, poderosa com seu toque. Passei as mãos pelas costas dele e senti
sua pele fria nos meus dedos, a base das suas asas, que estavam abertas.
Abri os olhos e vi que ele já estava sem roupas. Morte desceu os beijos pelo
meu pescoço e eu percebi que também estava sem roupas.

— O quê? Como? — perguntei confusa.

Morte me encarou com um sorrisinho no rosto, entendendo ao que


eu estava me referindo.

— Eu desejei e assim foi — ele disse, simplesmente.

— Ah...

Com um simples pensamento, Morte se livrou de nossas roupas. O


poder dele era incalculável para a minha mente mortal.

Meus olhos desceram para o corpo de Morte, a curiosidade tomando


conta. Ele era esguio e tinha músculos definidos, mas nada exagerado. Sua
pele dourada não estava oscilando tanto na cor. Agora, ela parecia ter a cor
de cobre.

Meus olhos desceram mais e eu vi seu membro. Lembrei do que a


ceifeira tinha me dito, que Morte podia se relacionar com qualquer sexo,
que ele não obedecia às leis da natureza. Entendi o que ela quis dizer
quando vi seu pau. Ele tinha sido moldado para me agradar. Me perguntei
se Morte podia mudar de sexo com facilidade, já que não obedecia regra ou
sentido algum.

— É do seu agrado? — ele perguntou com um sorrisinho, notando o


meu olhar.

— É perfeito.
O sorriso dele aumentou.

— Eu quero muito colocá-lo dentro de você.

— Mas eu pensei que... — interrompi o gracejo que iria fazer


quando Morte colocou um dedo dentro de mim e me acariciou.

Gemi de prazer com o toque dele. Aquele simples toque dentro de


mim foi intenso de uma forma que não tinha explicação.
— Você está prontinha para mim, bruxa. Sua boceta está pronta para
me receber. Me tome para si.

Abri mais as pernas e dobrei os joelhos, permitindo o avanço de


Morte. Ele voltou a me beijar, ao mesmo tempo que seu pau me penetrou.
Meu coração acelerou no peito e eu fui preenchida por sensações
que nunca senti antes. Me senti arrebatada, sem chão. Foi maravilhoso.
Passei as mãos por suas costas e finquei as unhas na sua carne. Morte
gemeu alto, mas manteve o ritmo, estocando de forma lenta dentro de mim,
estabelecendo a nossa conexão. Enlacei as pernas ao redor dele, desejando
mais, muito mais. Queria Morte profundamente dentro de mim.

Seus cabelos pretos e brilhantes faziam uma cortina nas laterais do


meu rosto. Morte separou o rosto do meu e me fitava enquanto fazíamos
amor. Seu hálito frio, saindo pela boca entreaberta, entrava na minha boca
enquanto eu ofegava. As espirais em seus olhos pareciam tempestades, se
movimentando com rapidez e fúria.

Ele tocou meu rosto de forma gentil e voltou a me beijar. Sua língua
fazia amor com a minha boca, do mesmo jeito que se pau fazia com a
minha boceta. Eu estava maravilhada e inebriada com todas as sensações
que ele me provocava.

Com uma agilidade que me surpreendeu, Morte nos virou na cama,


me deixando por cima dele, sem interromper a nossa conexão. Suas asas
estavam esparramadas em cima da cama, contrastando com o branco dos
lençóis.

— Me mostre aquela sua arrogância, bruxa — ele ordenou.

Me sentei, apoiando as mãos nos seus ombros. Dei um tapinha em


seu rosto, gostando da sensação de subjugá-lo.
— Meu nome é Lilith, cavaleiro. Diga!

Ele sorriu.

— Bruxa.

Dei outro tapa nele, dessa vez um pouco mais forte.


— Diga meu nome!

O sorriso dele aumentou.

— Lilith. Lilith Hecate. A bruxa mais arrogante da face da Terra.


Eu sorri, me sentindo muito poderosa. Me inclinei e dei uma leve
mordida em seus lábios. Morte abriu um largo sorriso quando eu me afastei
e comecei a me movimentar, subindo e descendo no seu membro, rebolando
os quadris a cada movimento. Morte segurou a minha cintura, mas não me
apressou nem nada disso. Seu rosto estava relaxado e a única indicação de
que ele estava curtindo o momento eram os seus olhos, a tempestade furiosa
dentro deles, cada vez mais agitada.
Comecei a me mexer mais rápido, meu corpo prestes a encontrar o
prazer supremo. Morte tocou aquela parte sensível entre minhas pernas,
enquanto sua outra mão apertava um dos meus seios. Seu toque frio me
incendiou por dentro e eu me entreguei. Inclinei a cabeça para trás e gozei,
gemendo alto. Espasmos tomaram conta do meu corpo.

Meus movimentos começaram a diminuir. Abri os olhos e encarei


Morte. Ele sorria ao me encarar. Ainda estava duro como aço dentro de
mim. Lancei um olhar confuso a ele, meu peito descia e subia, indicando o
meu esforço.

— Eu posso ficar horas assim, Lilith. Posso durar o tempo que você
quiser — ele explicou com um sorriso presunçoso no rosto. Nem estava
cansado.

Abri a boca, surpresa com o que ele tinha dito.


— Você pode... — falei ofegante.

— Posso. Só vou gozar quando você desejar. Seu desejo é uma


ordem.
Pela deusa... Minha vagina se contraiu ao redor dele. Só de
imaginar... tantas coisas que podíamos fazer... Que a deusa me ajudasse,
mas eu não ia mais sair de cima de Morte. Ainda bem que ele tinha me
prometido a eternidade.

— Eu tenho algumas coisas interessantes para fazer com você —


comentei.
— Me mostre. Farei tudo o que você desejar.

Sem muita vontade, saí de cima dele e me apoiei na cabeceira da


cama. Morte se sentou e me observou, aguardando as minhas instruções.

Não sei quanto tempo eu e Morte ficamos naquela cama. Perdi as


poucas noções de tempo que tinha enquanto estive ali com ele. Quando ele
finalmente gozou, já tínhamos feito bastante coisa e eu estava exausta
demais para continuar. Morte tinha muita energia e não parecia tão cansado
quanto eu. Ele não era um ser vivo (não adoecia) e não podia procriar, logo
não me preocupei em usar proteção.

Acabei adormecendo em seus braços, nua, suada e muito satisfeita


com tudo o que tínhamos feito. Foi perfeito. Jamais imaginei que um dia
encontraria alguém que pudesse me satisfazer como Morte tinha feito. Ele
era perfeito para mim em todos os sentidos. Tudo nele era para me agradar.

Quando acordei, ainda estava nos braços de Morte. Eu estava


deitada em cima de seu corpo e ele acariciava as minhas costas. Eu não
estava mais suada e a temperatura estava agradável. Morte estava usando a
sua roupa preta de sempre e eu estava nua. O abracei de volta e virei a
cabeça para o lado. Arregalei os olhos com o que vi.
As flores que estavam no quarto. Elas ainda estavam lá, mas não
eram mais pretas. As rosas tinham assumido uma cor dourada, como se
fossem rosas feitas de ouro. Eram lindas e surreais. Eu nunca tinha visto
nada igual antes.

— Morte... as rosas... — comentei ainda abraçada a ele.

Morte beijou a minha cabeça.


— Eu vi. Elas ficaram assim antes de você pegar no sono.

Me virei para ele para encará-lo.

— Como assim?

— As rosas eram um indicativo, Lilith. Elas indicariam quando você


se apaixonasse por mim. Foi por isso que elas se tornaram douradas. Você
está apaixonada por mim. — Ele acariciou a minha bochecha. — Alguns
humanos acreditam que rosas douradas tem relação com a eternidade. Achei
que seria um ótimo indicativo para nós.

Morte...

Era verdade. Olhei nos olhos dele. O pior da tempestade tinha


passado, mas ainda estava lá. Seu rosto suave, o jeito que ele me tocava e
me olhava, o jeito que meu coração batia enlouquecido no peito... eu estava
apaixonada por Morte. Ele tinha vencido o meu desafio. Eu seria dele e ele
seria meu. Para sempre.
Pensei que ficaria chateada ao me dar conta daquilo, mas não. Eu
estava feliz. Já não me importava mais a minha antiga vida nômade. Apenas
Morte me importava e ficar com ele era tudo o que eu queria.

— Eu estou apaixonada por você — declarei.


Morte sorriu e beijou o dorso da minha mão.

— Eu também me sinto apaixonado por você. Meus irmãos estavam


certos. Eu posso amá-la. É fácil demais, Lilith.

Sorri e o beijei. Era fácil demais amar Morte.


Ficamos mais um pouco na cama, até que Morte se levantou e disse
que tinha algo para mim. Me sentei e me cobri com os lençóis. Morte saiu
do quarto, mas voltou segundos depois com uma caixa pequena nas mãos.
Ela era toda preta com desenhos dourados pelas laterais, lembrava muito o
vestido que eu tinha usado no jantar. Morte sentou ao meu lado com a caixa
no colo.

— Trouxe algo para você. Você a usará no pulso e será a forma


como o nosso compromisso será selado. — Ele abriu a caixa e eu quase
pulei para fora da cama.

Havia uma cobra dentro da caixa. Era uma cobra pequena, um


filhote, talvez, mas ainda era uma cobra. Devia ter no máximo uns 20
centímetros de comprimento e era dourada, como se fosse uma joia viva.

— Morte! — exclamei assustada, puxando os lençóis para sair da


cama.

— O que foi? — ele perguntou confuso.

— É uma cobra! — Apontei para a caixa em suas mãos.


— Sim, é uma cobra. Mas não uma cobra qualquer... Não sabia que
você tinha medo de cobras. Pensei que bruxas estivessem mais acostumadas
a lidar com elas.
Revirei os olhos.

— Não tenho medo. Apenas não gosto delas.


— Claro. — Ele pegou a cobra e pousou a caixa em cima da cama.
— Me dê seu braço direito.

— Não!
O que Morte estava fazendo? Eu queria distância daquele bicho.

— Lilith, nós fizemos um acordo. Você será a minha consorte e


deverá usar a sua pulseira.

Ah. Ah!

Agora sim eu tinha entendido. Aquela cobra dourada se agitando


nos dedos de Morte era a minha pulseira. A pulseira. A mesma que vi nos
pulsos das outras consortes e concubinas no jantar com os irmãos de Morte.
Só não imaginava que ela estivesse viva. Uma joia viva em meu pulso. A
ideia não era animadora.

— Como essa cobra vai virar pulseira? — perguntei, me


aproximando novamente de Morte agarrada a um bolo de lençóis.

— Com o meu poder. — Ele estendeu a mão outra vez. — A


pulseira representa uma “aliança de casamento” entre nós, Lilith. Assim
como a dos humanos. Com ela, você se tornará oficialmente a minha
consorte e será imortal para viver comigo por toda a eternidade. Foi algo
que eu e meus irmãos fizemos para podermos viver com nossas escolhidas.
Devagar, estendi meu braço para Morte. Soltei o lençol e só deixei
uma parte cobrindo meus seios, presa nas axilas.

— Cordelia me explicou um pouco sobre essas pulseiras. Só não


sabia que elas eram de cobras de verdade.

Morte pegou meu braço e depositou um beijo delicado no meu


pulso. Mesmo depois de horas na cama com ele, senti um fogo percorrer
meu corpo outra vez. O fogo dentro de mim não estava extinto, muito pelo
contrário. Eu podia sentir a brasa que Morte acendeu.

— Já disse que não são cobras de verdade, Lilith. Poderia ser outro
animal, mas escolhemos as cobras por sua simbologia. Elas simbolizam o
renascimento, a sabedoria e a sensualidade. — Ele olhou para mim. — O
seu renascimento como minha consorte, a sabedoria na sua escolha de vida
ao meu lado e a sensualidade que nos liga. — Ao terminar de falar, Morte
colocou a cobra no meu braço.

Eu ia fazer um comentário sobre a simbologia da cobra, mas esqueci


o que ia falar.
Meu instinto foi sacudir o braço para me livrar do animal, mas me
contive. Morte manteve o meu braço firme e parado. A cobra era gelada e
lisa na minha pele. Ela serpenteou um pouco, mas logo começou a dar uma
volta ao redor do meu pulso. Pensei que ela fosse escorregar, mas Morte fez
um gesto com a mão e a cobra se enrolou ao redor do meu pulso. Devagar,
ela parou de se mexer até paralisar por completo e endurecer, virando um
objeto inanimado.

Franzi o cenho e mexi o pulso, mas a cobra não se mexeu. Agitei o


pulso e nada. Morte riu.
— Ela não vai se mexer, Lilith. — Ele segurou meu rosto e me
beijou. — Você é a minha consorte agora. Estamos ligados por toda a
eternidade.
— E o que acontece se eu não quiser mais ser sua consorte?

O sorriso em seu rosto sumiu.


— Lilith...

— É apenas curiosidade! — esclareci com um sorrisinho.

Morte olhou para a pulseira em meu pulso.

— Eu romperia a pulseira e a libertaria — ele falou sem animação


nenhuma. Meu coração ficou apertado ao vê-lo daquele jeito.
Segurei seu rosto e o beijei. Decidi mudar de assunto:

— Pensei que você faria uma festa para comemorar isso. — Agitei a
pulseira para indicar a nossa união. — E a tal celebração?

Morte voltou a sorrir.


— Ainda podemos fazer uma celebração, mas acho celebrações
coisas muito humanas. Faz parte da efemeridade da vida. Não precisamos
disso.

Revirei os olhos.

— Você não gosta muito dos humanos.

— Poucos realmente são bons. Um de meus servos se encantou por


uma humana, há pouco tempo. Eu ordenei que ele a trouxesse aqui e ele me
obedeceu. A humana falou comigo e eu vi seu coração. Era puro e gentil.
Deixei que os dois partissem de volta para a Terra e o tornei humano,
conforme os desígnios do destino. Eles vivem em Luandia hoje e estão
muito felizes.

Havia um ex-servo da Morte vivendo em Luandia? Será que eu


conhecia?

— Você é tão dramático às vezes... — murmurei baixinho.


Eu não achava a humanidade um caso perdido, mas concordava com
Morte. Poucos eram bons.

— Mas posso chamar meus irmãos para uma nova reunião. — Ele
cedeu a contragosto. — Podemos fazer a celebração como você deseja.

Eu ri.

— Para sempre — sussurrei em seus lábios.


Morte sorriu e me abraçou. Me livrei dos lençóis e me joguei em
cima dele. Rindo, Morte me aprisionou na cama. Em um segundo, ele tinha
se livrado das roupas. Passamos mais algum tempo em meu quarto,
comemorando a nossa união.

— Eu preciso voltar para Luandia.


Morte parou o que estava fazendo e me encarou do alto do seu
trono. Ele estava cochichando com um de seus ceifeiros e parou de falar
assim que escutou aquela sentença sair da minha boca. Morte dispensou o
ceifeiro com um aceno.

— Acho que não entendi direito o que você disse, minha doce
companheira.

Revirei os olhos. Depois de passarmos mais tempo ocupados em


meu quarto, Morte precisou voltar para as suas funções, que consistiam em
reinar no mundo dos mortos. Eu aproveitei para dormir mais um pouco,
depois tomei banho e comi a refeição que tinha sido enviada para mim no
quarto. Enquanto comia, me dei conta de que deveria encerrar de vez a
minha antiga vida em Luandia. Por isso decidi ir até lá, para colocar um
ponto final na minha história. Lilith Hecate deixaria de existir no mundo
humano e existiria apenas aqui, ao lado de Morte.

— Preciso ir até Luandia para encerrar todos os meus assuntos que


ficaram pendentes. Quero terminar tudo por lá para viver aqui, com você —
esclareci.

Morte apoiou a cabeça no braço que estava apoiado no trono. Ele


me encarava desacreditado.
— Não acredito que esteja me pedindo isso. Tem tudo o que precisa
aqui. Todas as suas coisas estão aqui. Não importa o que ficou lá.

— Não estou pedindo para ir embora nem nada disso. Só quero


encerrar a minha vida lá. Deixei coisas pendentes, coisas humanas.
— Esqueça Luandia, Lilith. As areias do tempo cobrirão seus
rastros. Deixe o tempo agir e você será esquecida.

Era uma opção? Sim, mas eu não me sentia bem com ela.
— Não! Não vou sossegar enquanto não encerrar a minha vida lá,
Morte. Por favor! — Suspirei. — É... é coisa de bruxa. Preciso encerrar
aquele ciclo para um novo reiniciar. Você não entende.
Eu não estava mentindo. Bruxas viviam em ciclos e eu sentia que
aquele em especial tinha ficado em aberto, algo que me incomodava
bastante. Eu tinha iniciado um novo ciclo com Morte e deveria encerrar o
que deixei em aberto em Luandia. Poderia parecer besteira, mas nós bruxas
levávamos isso muito a sério.

Morte passou a mão livre pelos cabelos. Suas asas se agitaram, mas
logo desabaram no chão.

— Tudo bem. Não vou proibi-la, Lilith. Mas você não pode ficar
muito tempo afastada de mim, a pulseira nos liga, não esqueça. — Ele
apontou para o meu pulso. — Você terá 12 horas terrestres para resolver
tudo em Luandia. Quando quiser voltar, fale com a pulseira e eu mandarei a
ceifeira buscá-la.

Morte se levantou de seu trono e veio até mim. Ouvi murmúrios nas
sombras da mansão. Seus servos já sabiam que eu era a consorte de Morte,
mesmo assim, continuavam nas sombras.
— Silêncio — Morte exigiu de forma fria e tranquila, e no mesmo
instante as sombras ficaram quietas.

Morte segurou meu rosto e beijou a minha testa. Ele acariciou as


minhas bochechas. Seus toques e seu olhar eram intensos. Eram carícias
lânguidas de um amante devoto. Ele me conquistava mais a cada momento.

— Não demore. Vou sentir a sua falta a cada segundo.

Como eu poderia resistir? Peguei a sua mão e depositei um beijo


demorado na palma.
— Você nem vai perceber que eu não estou aqui.
— Duvido.

Morte deu um passo para trás e a ceifeira ruiva apareceu do meu


lado, me estendendo a mão. Segurei a mão fria dela. Um enorme clarão me
cegou. Quando abri os olhos novamente, estava em minha casa em Luandia.
Uma sensação amarga e sem graça me preencheu. Era a minha casa,
mas não era o meu lar. Os móveis eram os mesmo, as paredes que um dia
eu pintei também eram as mesmas, mas... havia um buraco dentro de mim e
eu não sabia o que estava faltando.

Bom... vários objetos meus estavam faltando, mas não era a isso que
eu me referia. Além disso, as minhas coisas estavam na mansão de Morte.
Apenas os móveis e outros objetos inúteis tinham ficado para trás. Olhei
para a TV enorme que eu tinha comprado meses atrás. Não sentia falta dela.
Minha casa estava às escuras e as lâmpadas não acendiam. Apenas a
luz do dia entrava pelos vidros das janelas. A conta de luz devia estar
vencida. Ótimo. Fui para o meu quarto e peguei meu celular. Descarregado.
Respirei fundo. Sem energia, não havia como carregá-lo. Não do jeito
tradicional, humano.

Fiz um feitiço simples e gerei energia suficiente em meus dedos.


Com o indicador, joguei a energia para dentro do aparelho, para carregá-lo
com cuidado. Em alguns segundos, a tela do celular acendeu. Sorri. Eu não
tinha perdido meus poderes, apesar de não fazer feitiços por todo esse
tempo que estava nos domínios de Morte.

Após iniciar, o celular me mostrou a data de hoje. Fiz as contas


rapidamente e percebi que tinha passado quase três semanas desde que
Morte tinha me levado daqui. Três semanas. Três semanas que pareceram
um punhado de dias. O tempo passava de forma muito diferente nos
domínios de Morte.

Várias notificações começaram a chegar no meu celular. A maioria


das redes sociais. Excluí todas elas. Não havia mais motivos para ter redes
sociais. Não tinha internet na mansão de Morte. Exclui tudo sobre mim que
existia na internet, inclusive e-mails. Nada daquilo seria necessário. Eu não
precisaria daquilo na eternidade.

Após isso, coloquei o celular no meu bolso. Talvez pudesse usá-lo


quando voltasse para casa. Casa. A minha casa agora era ao lado de Morte.
Ele era o meu lar e eu era o dele. Sorri como uma boba ao me lembrar dele,
do meu cavaleiro.

Perambulei pela minha casa e arrumei algumas coisas. A ceifeira foi


muito cuidadosa quando esteve aqui, não deixou rastros ou bagunça. Achei
alguns documentos pessoais e queimei tudo. Eram todos falsos mesmo. Eu
não poderia deixar nenhuma pista minha para trás.

Voltei para a sala e olhei ao redor. Eu tinha encerrado por ali. Os


únicos indícios de minha passagem em Luandia eram aquela casa e as
pessoas que eu conheci. Não era muita gente, apenas alguns vizinhos,
clientes e um ex-namorado. Como Ben estaria? Será que já tinha
encontrado a sua loba? Eu poderia deixar para ele resolver a venda da
minha casa. Ele era a única pessoa que eu confiava em Luandia.
Decidi ir embora. Fui para a porta e vi as inúmeras correspondências
que se acumulavam no chão, sendo colocadas por debaixo da porta. Me
agachei e vi que muitas delas eram cartas, pedidos dos meus antigos
clientes que necessitavam de uma bruxa. Sorri e devolvi os papéis para o
chão. Eu tinha me aposentado do ramo dos feitiços ilegais. Não sentia mais
vontade de me rebelar. Minha mãe descansava em paz, eu tinha certeza
disso.

Me levantei e abri a porta. Era crepúsculo. O dia dava lugar à noite.


Mais um dia chegava ao fim. Fechei a porta atrás de mim e respirei fundo.
O vento agitou os meus cabelos. Fazia tempo que eu não sentia o vento na
minha pele. A mansão de Morte não tinha janelas e os primeiros dias foram
meio sufocantes lá. Depois, eu meio que me acostumei com o lugar. Não
era calorento e eu tinha a impressão de que o ar circulava o tempo todo,
mesmo que fosse de forma tímida.

— Oi, vizinha! Há quanto tempo! — Me virei e encarei a mulher


idosa que morava na casa ao lado.

Acenei para ela e sorri. Nunca fomos próximas e eu desconfiava de


que ela era uma fofoqueira.

— Zeus, não! — alguém gritou.

Foi tudo muito rápido.

Em um momento eu estava acenando para a vizinha idosa


fofoqueira, e no outro, vi um gato preto escapulir do colo da sua dona do
outro lado da rua. O gato endiabrado correu para a rua e o namorado da
moça correu para pegar o animal. Acho que o gato tinha me visto e quis vir
me cumprimentar. Eu era uma bruxa e gatos pretos eram atraídos para mim
como um ímã. Fazia anos que eu não tinha nenhum em casa. O último que
tive era um familiar.
O cara não viu, mas um carro avançava em alta velocidade pela rua,
sem se preocupar com os limites de velocidade da via. Minha mente
calculou rápido. Não ia dar tempo.

Quando vi, eu estava correndo também. Eu estava mais perto.


O cara nem viu o carro se aproximando. Ele pegou o gato no colo e
ficou lá, parado. Vi o gato miando para mim, me cumprimentando em sua
ignorância animal. Eu pulei e os empurrei para fora do caminho do carro.
Justamente um segundo antes que o veículo os atingisse.

Eles caíram no chão. Mas eu não. Eu não tive a mesma sorte. O


carro me acertou em cheio. Eu voei com o impacto. Meu corpo foi
arremessado para cima. Eu não tinha controle nenhum sobre ele e a
sensação foi angustiante. Girei no ar. Tudo girou ao meu redor. Parecia que
tudo estava em câmera lenta.
Mas a gravidade me puxou de volta com força e eu atingi o asfalto
com violência. Ao mesmo tempo que uma dor alucinante me encontrou, eu
apaguei.
“A morte não é a maior perda da vida. A maior perda é o que morre dentro
de nós enquanto vivemos.”
Norman Cousins

Eu sabia que não deveria ter autorizado Lilith a voltar para Luandia.
As horas estavam passando e ela estava demorando demais a voltar. Será
que era tão difícil assim se livrar de uma vida humana? Que segredos e
burocracia envolviam as vidas dos humanos? Lilith levou uma aparente
vida humana por muito tempo. Devia ser por isso que ela ainda não havia
voltado.
Fiquei de pé, sem me importar com a pleiteante aos meus pés. Era
uma arcanja. Em vida tinha sido um ser muito poderoso, mas agora...
implorava pela minha piedade para ir para um lugar melhor. Aquilo era uma
perda de tempo.

— Volte para onde veio e não retorne mais aqui. Você cometeu
assassinatos, tortura, chantagem e até tentativa de filicídio. Suma da minha
frente. Agora. — Fui bem enfático. Não queria mais ficar na presença
daquele ser repugnante. Não sei como ela teve a audácia de vir aqui.
A arcanja não disse nada. Ela ficou de pé e sumiu pelos corredores
da minha mansão, voltando para o lugar de onde nunca deveria ter saído. O
lugar que merecia.
Chamei a ceifeira e desci os degraus que nos separavam.

— Eis-me aqui. — Ela fez uma reverência e se ajoelhou na minha


frente.

— Fique de pé. — Ela me obedeceu. — Vá atrás de Lilith em


Luandia. Descubra o que aconteceu. Talvez ela tenha se confundido e não
tenha conseguido usar a pulseira para se comunicar comigo.

— Estou a caminho. — A ceifeira fez uma reverência e sumiu da


minha frente.
Suspirei, sentindo uma tensão inexplicável nos ombros. Isso não
costumava acontecer comigo. Desde a chegada de Lilith aqui, várias coisas
que nunca aconteceram antes tinham acontecido. Ela tinha mudado tanta
coisa dentro de mim... Mas foi uma mudança boa, bem-vinda.

Meu corcel se aproximou. Vi preocupação estampada em seus olhos,


refletindo o que eu sentia no momento.

— Eu sei. — Acariciei a sua fronte. — Também estou preocupado


com ela. Não gosto quando ela fica longe. O lugar dela é ao meu lado.

Meu cavalo relinchou e bateu a pata no chão, concordando comigo.


Lilith conseguiu conquistá-lo também. Éramos dois rendidos por uma
simples bruxa. Uma bruxa por quem eu tinha me apaixonado. A minha
bruxa. A minha consorte...

— Morte.
Me virei e a ceifeira estava atrás de mim, parecendo confusa e mais
pálida do que o normal.

— Diga — ordenei.

— Venha comigo. Ela precisa de você.

Não respondi nada. Segui com a ceifeira. Minha cabeça cheia dos
piores pensamentos possíveis.
Eu estava em uma paz e tranquilidades profundas. Não sentia dor
nem nada parecido. Eu flutuava em um rio de calmaria, as águas serenas e
mornas me guiavam. Eu me sentia muito bem. Melhor do que já tinha me
sentido em toda a minha vida.

— Lilith? Lilith?
Aquela voz... mamãe?

— Lilith? Volte. Você não deveria estar aqui.


— Sinto sua falta — falei, mas meus lábios não se mexeram.

Eu não conseguia vê-la, mas sentia a sua presença perto de mim.


Senti um alívio imenso com apenas a sua presença. Graças a deusa
estávamos juntas novamente! Como eu sonhei com aquele momento!

— Volte, querida. Não se esqueça de que eu estarei sempre com


você. Eu te amo, minha doce bruxinha.

Não...
Abri os olhos e me deparei com uma claridade ofuscante. Não
consegui ver a minha mãe, apenas um lindo dia de sol. Era reconfortante e
lindo, muito lindo. Eu queria ficar ali para sempre.
Mas não consegui.

Vozes urgentes soavam perto de mim. Umas gritavam, outras


chamavam palavrões. A claridade foi sumindo aos poucos e a escuridão me
engoliu. As vozes aumentaram mais e mais. Que lugar era aquele? Que
loucura! Eu queria voltar para a calmaria! Eu queria ficar com a minha
mãe!
De repente, tudo ficou silencioso. Finalmente! Apenas um ruído
constante e irritante soou, preenchendo o ambiente. Será que alguém
poderia desligar essa coisa?

Tentei me mexer, mas meu corpo estava pesado demais. Eu não


sentia dor alguma, só não conseguia me mexer.

— Hora da morte... 18 horas e 33 minutos — alguém falou perto de


mim.

Hã? Como assim? Quem tinha morrido? Onde eu estava?

Escutei o som de interruptores sendo desligados e vozes agora


baixas resmungando. O que estava acontecendo?

Senti algo sendo colocado em cima de mim. Era um pano? Por que
alguém colocaria um...? Não. Não. Um pano me cobrindo... eu estava
morta?! Pela deusa! Eu não podia estar morta!
Senti que estavam me deslocando. Eu devia estar deitada em cima
de uma maca e alguém estava me levando para outro lugar. Pela deusa
tríplice! O que estava acontecendo? Por que estavam me levando para outro
lugar? Eu não estava morta!

Lembrei de tudo o que aconteceu comigo. O acidente, o gato preto,


a dor, minha antiga casa, Morte... Morte! Eu era a sua consorte agora. A
pulseira em meu braço não era para me manter imortal? Eu não devia estar
morta. Devia? Eu não estava entendendo nada!

Após virarmos algumas vezes, a maca finalmente parou. Alguém


suspirou.

— Deixe aqui, vá descansar um pouco. Quero me despedir dela. Eu


a conhecia — uma mulher falou. Era uma voz conhecida.

Ouvi passos se afastando e o barulho de uma cortina sendo arrastada


nos trilhos. Logo depois a mulher começou a fungar. Estava chorando.

— Merda de hormônios da gravidez! Mal conhecia essa garota e não


consigo parar de chorar! Ben vai ficar arrasado! Ele mal se recuperou do
término deles e agora... que merda! Tão jovem e cheia de vida! Por que
essas coisas têm que acontecer?! Ah, merda de vida! — ela exclamou e
voltou a chorar.

Eu conhecia aquela voz... ela falou de Ben... Ben! Aquela era a irmã
dele! Leonara! Ou melhor, Leo, como ela gostava de ser chamada.
Leo era médica se eu bem me lembro. Eu devia estar no hospital de
Luandia! Sim! Após o acidente alguém me trouxe para cá. E agora
pensavam que eu estava morta!

Após mais choros e fungadas, Leo disse a alguém ali perto:

— Chame a moça e o rapaz que vieram com ela. Preciso falar com
eles.
— Sim, doutora — alguém respondeu.

Moça e rapaz? Será que eram os meus vizinhos? Leo chorou mais
um pouco e logo depois escutei uma voz desconhecida.

— Leo? Leo, ah, meu Deus! — Acho que elas se abraçaram. —


Meu Deus! Ela... ela morreu?
— Sim, ela não resistiu — Leo respondeu aos prantos.

— Ela salvou a minha vida — uma voz masculina disse. — Foi


culpa minha.

— Não, amor. Não foi culpa sua. Era a hora dela — a mulher disse.

— Não... isso não era para ter acontecido... se ela não tivesse
aparecido... o carro teria me acertado... não foi o que a Morte me disse,
lembra?
Morte? Como ele conhecia Morte? Que droga! Eu não conseguia me
mexer! Queria gritar que estava viva e bem, mas não podia!

— Você não consegue vê-la, Sam? Ela não está por aqui? — Leo
perguntou.
— Não... apesar desse lugar ser cheio de almas, não vi essa moça
aqui. Nossa, isso é tão triste — a mulher falou e fungou. — Ela era minha
vizinha há alguns meses. Era discreta, mas parecia ser legal. Ela gostava do
Zeus.

A minha vizinha do outro lado da rua! Samantha! Era isso! Não


sabia que ela podia ver espíritos... E ela conhecia Leo, que conhecia
Manon... Será que todas tinham dons sobrenaturais? Que interessante...
— Eu só... — Escutei uma porta sendo aberta. — Senhor, não pode
entrar aqui — Leo disse a alguém que tinha acabado de entrar na sala.

Senti a sua presença antes de ouvir a sua voz. O ar ficou diferente,


mais carregado, ao mesmo tempo que meu corpo se eriçava.

— Ela é minha... mulher. — Morte! Morte estava aqui!


— Morte?! — Samantha e o rapaz disseram ao mesmo tempo.

— O quê?! — Leo perguntou.

Ouvi passos se aproximando de mim. Era Morte! Meu cavaleiro


tinha vindo me buscar. Nada mais justo já que eu estava morta.

— Ela não está morta — ele disse com aquela voz que já me não era
nada estranha. — Ela está apenas dormindo.
A sala estava mergulhada em silêncio. Senti o pano sendo retirado
de cima de mim. Meu corpo ainda pesava uma tonelada e eu não conseguia
mexer nem o dedinho se fosse preciso.

Senti a mão de Morte em meus cabelos. Seu toque era quente e


reconfortante.
— Acorde, meu amor. — Sua voz estava bem próxima a minha
orelha.

Meus olhos abriram. Aos poucos minha vista embaçada se ajustou e


eu vi o meu cavaleiro na minha frente, sorrindo para mim. Lindo como
sempre.

— Oi — falei com a voz rouca.


— Oi. Vamos para casa?

Era tudo o que eu mais queria.


— Sim, vamos para casa.

— Ela é sua... consorte — o rapaz afirmou.

— Sim, Jack. Lilith é minha consorte — Morte disse enquanto me


ajudava a sentar na maca.
Minhas roupas estavam rasgadas em vários pontos e havia muito
sangue nelas. Morte tirou o casaco que usava e o colocou nos meus ombros.
Eu ainda me sentia meio zonza e fraca, mas fora isso, não sentia nada.
Estava muito bem. Nem parecia que tinha sido atropelada.

— A Morte tem uma consorte? Não sabia que ele podia ter uma. Ele
mandou Jack me levar para os seus domínios... — Samantha comentou
baixinho.
Olhei para a minha antiga vizinha. Era ela! A história que Morte me
contou! E aquele Jack era o ex-servo!

— É uma longa história, mas para resumir, o destino uniu a gente —


contei a ela, surpresa.

— Assim como fez com vocês dois. — Morte olhou para Samantha
e o rapaz, Jack. — Fiquem longe de problemas. A hora de vocês ainda vai
demorar a chegar — ele avisou.

Jack assentiu. Olhei para Leo, que encarava tudo aquilo atônita.
Reparei que a sua barriga estava um pouco aparente no jaleco. Não sabia
que ela estava grávida. Da última vez que a vi, ela não parecia grávida. Não
fazia tanto tempo assim. Eu acho.
— Espero que Ben esteja bem — disse a ela.

— Ele está. Ele gostava de você, mas entendeu e aceitou o término.


— Leo olhou para Morte. — Parece que você também está muito bem.
Peguei a mão de Morte. Ela era fria, mas se aqueceu assim que
entrelaçou os dedos nos meus.

— Eu estou. Nós estamos — falei olhando nos olhos de Morte, que


puxou a minha mão e beijou o dorso.

— Lilith era a namorada do Ben? — Samantha perguntou.


— Era — Leo respondeu e pigarreou em seguida. — Acho que... é
melhor vocês irem embora. Não se preocupem com mais nada. Vou dar um
jeito aqui e providenciar a sua certidão de óbito. E um caixão fechado. Só
não volte mais aqui em Luandia, se não as pessoas vão acreditar que essa
cidade tem mortos-vivos também — ela disse, assumindo uma postura
profissional.

— Se depender de mim, Lilith não volta mais aqui. — Morte me


ajudou a descer da maca e ficar de pé, colocando um braço pela minha
cintura para me estabilizar.

Revirei os olhos e olhei para ele.

— Eu resolvi quase tudo aqui. Só restaram algumas coisas minhas...


— Já estão no nosso lar — ele disse ao me interromper.

Pisquei. Como ele tinha... a ceifeira. Ela devia ter levado o resto das
minhas coisas. O celular que estava no bolso da minha calça devia ter sido
completamente destruído no acidente.

— O motorista que a atropelou foi preso. Ele estava sendo


procurado pela polícia, é um criminoso perigoso — Leo contou. — Não
terão que se preocupar com um possível inocente preso.
Assenti. Ainda bem.
— Bom, mas ainda resta a casa. Não posso abandoná-la. — Olhei
para Morte.

Morte suspirou e tirou um papel de dentro do casaco que eu usava.


Ele entregou o papel para Leo.

— É um testamento. Seu irmão, Benicio, é o único beneficiário. Há


uma cópia desse testamento com um advogado aqui da cidade, Henrique
Andrade. Ele será avisado sobre isso. A casa está em chamas nesse exato
momento, para apagar todos os registros de Lilith.
Arregalei meus olhos.

— Minha casa está pegando fogo?! — perguntei atônita.

— Está tudo sob controle. Isso precisava ser feito.

Eu não tinha pretensão nenhuma de voltar para lá, mas não esperava
que a casa pegasse fogo.
Decidi confiar em Morte. Estava cansada demais para iniciar uma
discussão com ele. Suspirei e encostei minha cabeça no ombro de Morte.
Fiquei satisfeita com a rapidez que ele resolveu tudo. Eu poderia ter
acertado tudo com Morte ao invés de vir aqui, seria mais fácil. Eu ainda
tinha muito o que aprender com Morte.

Leo analisou o papel e assentiu.

— Eu tenho quase certeza do que Ben vai fazer com o dinheiro da


venda do terreno. — Ela sorriu.

Passei pouco tempo com Ben, mas sabia do seu amor pelos animais.
Provavelmente ele iria doar uma parte do dinheiro para alguma ONG de
animais abandonados ou investir em trabalhos sociais para esses animais.
Ele era uma boa pessoa.
— Agora vamos. Não podemos mais interferir na vida dos humanos
— Morte disse e se voltou para os três humanos na nossa frente. — Meus
agradecimentos pelo cuidado com a minha consorte. Nos vemos um dia no
futuro. Adeus.

Naquele dia, eu entendi algo que Morte tinha me dito dias antes. A
morte era o fim, mas também era o princípio. Havia algo a mais depois
dela, algo que eu vislumbrei e não vi por completo, graças à imortalidade
que Morte me deu. Havia esperança. E paz.

Morte me abraçou e um clarão forte preencheu a minha visão,


fazendo eu fechar os olhos e abraçá-lo com força. Ele beijou a minha
cabeça e quando voltei a abrir os olhos, estava em nosso lar. A nossa casa
por toda a eternidade.
Assim que chegamos na mansão, Morte me pegou no colo e me
levou para o meu quarto. Escutei seus servos murmurando nas sombras,
mas não me importei. Morte disse para eles fazerem silêncio e foi
imediatamente obedecido. Deviam ser um bando de fofoqueiros.

Morte não disse nada para mim. Apenas me colocou na minha cama
com cuidado e se sentou ao meu lado, de frente para mim, suas asas
encolhidas nas costas. Me recostei nos travesseiros. O cheiro de rosas
estava por todo o quarto, assim como as flores douradas que ainda
enfeitavam todo o ambiente. Morte pegou a minha mão e encarou a pulseira
que eu carregava, pensativo.

— Morte? — chamei sua atenção.

Ele não olhou para mim.


— Quando a ceifeira me disse o que tinha acontecido, eu acreditei
no destino mais do que nunca. Eu só coloquei essa pulseira em você porque
você se apaixonou por mim. Jamais imaginei que isso salvaria a sua vida.
— Ele beijou o dorso da minha mão. — Não existem coincidências. Existe
o destino. E um ser todo poderoso acima de tudo.

— A deusa tríplice — falei baixinho.

Morte abriu um sorrisinho.

— Deus, deuses, deusas... os humanos gostam de rotular.

Franzi o cenho. Eu estava pronta para fazer várias perguntas sobre


aquele assunto, mas Morte me interrompeu com um aceno de mão.
— Não vou revelar nada a você. Não adianta insistir. — Ele beijou a
minha pulseira.

Revirei os olhos.
— Então, pode me dizer como foi que eu não morri?

— Você é imortal agora. Só vai morrer quando eu permitir — ele


replicou impassível.
— Eu sei, mas... por um momento eu achei... eu estava em outro
lugar, cheio de paz e tranquilidade. Eu não queria sair de lá. Minha mãe
estava lá, mandando eu voltar para cá. Foi... não sei explicar.
Morte se remexeu, meio incomodado com o que eu disse. O pós-
vida era um segredo que jamais seria revelado.

— Você... estava indo para lá. — Os olhos negros se concentraram


em meu rosto, menos em meus olhos. — Pouquíssimos conseguem voltar
de onde você estava. Mas a pulseira não deixou a sua alma sair do corpo,
ela manteve você aqui. Você não pode morrer. Por isso sua mãe deve tê-la
encaminhado de volta. Então seu corpo entrou em um estado de...
recuperação. — Ele apontou para as minhas roupas. — Você vê o sangue,
mas não vê machucados. Seu corpo se curou, por isso se sentiu fraca e sem
forças.

Aquilo fazia muito sentido.

— Meu corpo estava pesado e eu não conseguia abrir os olhos —


comentei, me lembrando da sensação.

— Ele estava se recuperando e ainda está. — Ele fez uma breve


pausa. — Lilith, eu... eu não te falei antes, mas... acho que você precisa
saber. A sua mãe... ela está bem. Está em um bom lugar. Ela sente a sua
falta, mas quer que você fique bem.

Meus olhos se encheram de água. Por um momento, enquanto estive


com a minha mãe, foi a melhor sensação do mundo. Não deu para evitar o
sentimento de perda, mais uma vez, quando voltei para a vida.

— Morte... — minha voz estava rouca.

Ele depositou um beijo demorado na minha mão.

— Eu vou cuidar de você. Você será feliz e ficará bem aqui comigo.
— Os olhos de Morte pareciam marejados, iguais aos meus. — Essa
pulseira salvou a sua vida, meu amor.

Peguei a mão de Morte que estava segurando a minha outra mão.


Depositei um beijo no dorso e enxuguei uma lágrima que escapou.
Finalmente Morte olhou em meus olhos, tão emocionado quanto eu.

— Você salvou a minha vida e eu serei eternamente grata a você por


isso. Eu te amo. Eu... eu não estou falando isso da boca para fora. Eu amo
você de verdade. É o meu destino ficar com você e eu entendi isso hoje. —
Balancei a cabeça. — Eu não tenho mais ninguém nessa vida, Morte. Todos
se foram. Se eu tivesse morrido hoje... os únicos que teriam chorado por
mim seria o meu ex-namorado e alguns poucos conhecidos com quem eu
nem tinha contato. — Suspirei. — Eu precisei ter uma experiência de
quase-morte para me dar conta de que te amo e quero ficar para sempre
com você.

Morte largou as minhas mãos e segurou o meu rosto com carinho,


suas mãos como conchas em minhas bochechas, seus polegares enxugando
algumas lágrimas que não consegui segurar.

— Você tem a mim e sempre terá. Para toda a eternidade. Nós


pertencemos um ao outro. Você me ama e eu amo você, Lilith. Ver você
naquela maca no hospital... — Ele fez uma breve pausa e engoliu em seco.
— Eu já vi muitas coisas em minha existência, Lilith, mas nada me deixou
tão amedrontado e abalado quanto ver você pálida como um cadáver. Eu
tive a real sensação do que era o medo nu e cru que os humanos sentem.
Não quero sentir isso nunca mais. — Ele beijou a ponta do meu nariz. — O
destino abriu meus olhos e eu percebi que te amo. Se eu tinha dúvidas
antes, elas cessaram hoje.
Deixei uma lágrima escorrer antes de beijar Morte. Pela deusa,
como eu o amava. O coração acelerado, a vontade ficar junto o tempo todo,
até as nossas briguinhas e as implicâncias dele... eu amava tudo isso.
Amava todo o cuidado e carinho que ele tinha comigo. Amava a forma que
ele se preocupava comigo, sem ser muito invasivo ou prepotente. Morte
tinha seus defeitos, nem ele era perfeito. E eram justamente as suas
imperfeições que fizeram eu me apaixonar por ele e amá-lo. Eram as suas
imperfeições que o tornavam real.

Morte separou nossos rostos e disse rente aos meus lábios:

— Você precisa tomar banho e descansar.


— Eu só preciso ficar com você. — Beijei seus lábios de leve. —
Talvez você queira tomar banho comigo.

Ele sorriu e assentiu.

Morte se levantou e me puxou com ele para dentro do banheiro


anexo ao meu quarto. E pensar que quando cheguei ali eu chamava aquele
lugar de cela... Morte me deu tudo do bom e do melhor, e eu só queria
voltar para a minha vida de solidão. Ainda bem que a deusa Hecate
conspirou com o destino para nos unir. Eu seria eternamente grata por isso,
por ter colocado Morte na minha vida.

Morte tirou as minhas roupas uma por uma, ou melhor, o que sobrou
delas. Em um piscar de olhos, suas próprias roupas sumiram também. Ele
sorriu daquele jeito que me inspirava medo e sedução, e me abraçou. Eu
achava excitante aquela sensação de falso perigo que Morte proporcionava
em mim.

Morte entrou comigo na banheira redonda que ficava no canto do


banheiro, suas asas ficaram penduradas para fora, já que não cabiam dentro.
Ele sentou e me acomodou entre suas pernas, sentada de costas para ele.
Senti o seu pau ereto na minha costa, mas não comentei nada. Devagar,
Morte começou a me lavar. Aos poucos fui relaxando em seus braços. Em
todos os anos que vivi, nunca fui banhada daquela forma por ninguém. O
contato íntimo era carinhoso, mas muito sexy também. Minha respiração
falhou quando Morte desceu a mão pela minha barriga e encontrou meu
sexo.

Ele começou com movimentos lânguidos, que me deixaram acessa e


relaxada ao mesmo tempo. Encostei todo o meu corpo em Morte e virei o
rosto para beijá-lo. O beijo começou lento e progrediu junto com a sua mão
em mim. Gemi e movi os quadris, sem conseguir me segurar.
Mas Morte retirou os dedos de mim, me fazendo abrir os olhos e
resmungar. Ele riu.

— Você vai se sentir melhor quando se sentar em mim e me


subjugar.

Ele não precisou dizer mais nada. Me virei de frente para ele e me
sentei, encaixando seu pau em mim. Morte gostava quando eu assumia o
controle. Ele não admitiu, mas gostava de ser subjugado por mim. Apenas
em nossos momentos íntimos. Fora isso, ele era o todo poderoso Morte.

Ele me puxou para um novo beijo e em seguida segurou meus


quadris, ditando o ritmo das investidas.

— Você não pode fazer muito esforço. Só me avise quando quiser


gozar junto comigo — ele informou.
Pela deusa! Aquela parte de Morte dentro de mim era incrível,
perfeita. Nenhum ser vivo se comparava a ele.

— Hoje nós vamos gozar juntos. — Voltei a beijá-lo. Nossas bocas


quase se fundindo, repetindo o movimento dos nossos sexos. Era intenso e
puramente carnal. Era mágico.

Morte agarrou o meu bumbum, me abrindo enquanto me levava de


encontro a ele. Segurei em seus ombros e finquei as unhas com força, para
mostrar a ele que eu estava no comando, eu mandava.

Ele abocanhou meu seio direito e chupou com força, me fazendo


gemer alto e apertá-lo dentro de mim. Morte aumentou o ritmo das
investidas, fazendo com que respirasse água para fora da banheira. Suas
asas suspensas no ar, como se ele estivesse se esforçando muito para manter
o controle.
Beijei a sua boca com voracidade e em seguida dei um tapa em seu
rosto. Morte abriu um sorriso ameaçador, fazendo com que eu ficasse mais
excitada ainda. Aquele flerte com o perigo foi o suficiente para me deixar
na beira do precipício.
— Eu vou gozar! — exclamei ofegante.

Morte apertou os dedos em meu quadril, seu próprio quadril me


encontrando no meio do caminho. Havia mais água fora da banheira do que
dentro, naquele momento.

Cheguei ao ápice e gritei. Meu corpo foi tomado por espasmos de


prazer. Morte segurou o meu corpo, impedindo que eu caísse. Senti o seu
jato morno me inundando, seu corpo se unindo ao meu na terra do prazer
sem fim. Ele depositou beijos pelos meus ombros e pescoço ao mesmo
tempo que eu tentava recuperar o fôlego.

Toda vez que Morte me tomava eu me sentia poderosa, adorada e


venerada por ele. Eu gostava da sensação de ser a sua soberana no sexo. E
ele gostava de ser submisso.
Nos abraçamos e ficamos sentados na banheira por um bom tempo,
Morte encaixado dentro de mim. Não falamos nada, não era preciso.
Estávamos conectados, mente, corpo e alma. Não precisávamos dizer nada,
apenas sentir e viver aquele sentimento forte que nos ligava e nos tornava
um do outro.

Morte me tirou da banheira minutos depois e me levou para o


chuveiro. Após me lavar rapidamente para retirar todos os resquícios do que
tínhamos feito, ele me enxugou, me levou para a cama e se deitou ao meu
lado, já vestido. Percebi que eu estava usando uma camisola preta, nada
parecida com as que eu tinha. Ainda ia demorar a me acostumar com os
poderes de Morte.

Eu estava exausta, mas não apenas do sexo. O meu dia tinha sido
agitado demais. Experiências de quase-morte deviam causar isso.

— Descanse. Eu estarei aqui quando você acordar. E aí, nós vamos


aproveitar mais aquela banheira, o chuveiro, a cama... — Morte disse cheio
de malícia.

Eu ri e o abracei. Morte não tinha calor corporal, mas quando eu o


abraçava, eu podia sentir calor. Devia ser algo que ele fazia, para que eu não
sentisse frio.

— Assim eu não vou querer dormir nunca.

— Mas você precisa. Mesmo imortal, você precisa dormir. É um


privilégio dos seres vivos.

Fechei os olhos e me acomodei melhor contra o corpo de Morte.


Nós nos encaixávamos perfeitamente, como se tivéssemos sido moldados
um para o outro. Era meio curioso, já que o seu tipo corporal esguio não me
chamava muita atenção quando eu morava na Terra.
— Você gostaria de dormir? — perguntei por curiosidade.

Ele não respondeu de imediato.

— Às vezes, penso que sim. Eu gostaria de poder sonhar com você.


Abri os olhos e depositei um beijo em seu peitoral.

— Sonhar é superestimado. Prefiro estar acordada aqui com você.


Isso é real e é bem melhor.

Morte acariciou meus cabelos.


— Sim. Estar aqui com você é bem melhor. — Ele cheirou e beijou
meus cabelos úmidos.

Sorri, satisfeita. Suspirei e me deixei levar para o mundo dos


sonhos. Mesmo que a realidade com Morte fosse bem melhor.
“O amor não mata a morte, a morte não mata o amor. No fundo, entendem-
se muito bem. Cada um deles explica o outro.”
Jules Michelet

Algum tempo depois

Terminei de atender os últimos pleiteantes que tinham vindo falar


comigo e me levantei do meu trono. Tinha passado tempo demais ali e
precisava de Lilith. Eu sempre precisava dela.
Chamei a ceifeira e perguntei onde estava a minha consorte.

— Está nos jardins, senhor, junto com Salem — a ceifeira


respondeu.

Salem. Lilith tinha colocado um nome no meu cavalo. De início eu


não tinha gostado, mas até o próprio animal me pareceu satisfeito com a
escolha. Lilith disse que aquele nome era colocado em gatos pretos por
causa de algum entretenimento famoso na TV, mas eu não fazia ideia ao que
ela se referia. Lilith estava determinada a me convencer a termos um gato.
Eu estava quase cedendo a ela, já que gatos eram uma espécie de guardiões
do mundo dos mortos. Logo ter um aqui fazia sentido.

Caminhei até os jardins que ficavam do lado de fora da minha


mansão. Eu criei aquele lugar especialmente para Lilith. Ela tinha
reclamado que ficar dentro da mansão era um pouco sufocante às vezes e
que ela sentia falta do calor do sol, dos ventos e de noites estreladas. Eu dei
tudo isso a ela.

A vista dos jardins se estendia pelo infinito, mas até aquele lugar
tinha um tamanho determinado. Nem mesmo eu era tão poderoso assim. A
luz do sol era artificial, assim como o brilho das estrelas e da lua, mas Lilith
adorou do mesmo jeito. Eu dividi o tempo em dia e noite, apenas para Lilith
ter uma breve noção da passagem dos dias. Ela tinha me confessado que
achava muito desnorteante não saber disso. E eu sabia muito bem como as
pessoas podiam enlouquecer se perdessem a noção do tempo.

Andei por entre as roseiras que adornavam os jardins. Ali cresciam


rosas negras e douradas, as nossas flores. Avistei Lilith mais a frente,
montada em Salem. Além de mim, ela era a única que ele deixava montar.

Ela já dominava bem a montaria. Lilith usava um conjunto de calça


e camisa pretas. Segundo ela, era para combinar comigo, mesmo que eu
tivesse dito a ela para usar suas roupas de sempre. Mas ela insistia em
querer combinar comigo, e isso me agradava. Ela acenou para mim e
apressou o galope para me encontrar mais rápido. Abri um sorriso com a
visão daquela linda amazona de cabelos cacheados selvagens vindo em
minha direção. Dominadora e indomável. Ela era perfeita.

Agradeci ao destino mais uma vez por ter colocado-a em meu


caminho.
— Ei! — ela exclamou ao pular do cavalo e se jogar nos meus
braços. Salem nem se incomodava mais com aquilo.

— Oi — falei rente aos seus lábios. — Senti a sua falta.

— Eu também. — Ela me beijou. — Muito trabalho?

— O de sempre — respondi colocando algumas mechas do seu


cabelo atrás da orelha.

— Você nunca descansa. — Ela fez um beicinho.

— Eu não preciso descansar. — Beijei seu beiço e ela sorriu.

— Teimoso.

Lilith me abraçou e acomodou a cabeça em meu peito. Ela suspirou.


Lilith sabia que não ouviria as batidas de um coração ali, mas já tinha se
acostumado a isso também. Apesar de não ter um coração no sentido literal,
eu ainda podia sentir meu peito aquecer todas as vezes que via Lilith ou
quando ela dizia que me amava. Era um órgão fantasma, mas que parecia
muito real às vezes.

— Eu adoro esse lugar — ela contou.

— Pensei que odiasse a minha mansão.

Ela riu e deu um tapinha no meu ombro. Lilith se afastou de mim.

— Sua mansão ainda parece uma mistura de mausoléu abandonado


com caixão fechado. Eu estou me referindo a esse lugar. — Ela gesticulou
para as flores. — Você fez tudo isso para mim. Para que eu não sentisse
falta da natureza. Você criou um lugar para mim em seus domínios.

— Eu faria isso e muito mais por você. — Passei o dorso da mão em


sua bochecha. — Acho que esse lugar é digno do nosso “felizes para
sempre”. — Olhei para a pulseira em seu braço direito. O símbolo do nosso
compromisso.
Lilith sorriu. Ela tinha me explicado sobre os contos de fadas e o tal
do “felizes para sempre”. Achei aquilo uma bobagem para crianças (já que
nenhum ser vivo vivia para sempre), mas não podia negar que havia certa
magia naquelas histórias (apesar de não concordar com a história das bruxas
serem sempre más e as princesas boas).

— Sim. Esse lugar é perfeito. E eu te amo mais ainda por ter me


dado isso, um lugar digno de uma princesa. — Ela voltou a me abraçar.
— Ter te dado esses jardins foi só uma pequena amostra do meu
amor por você. — Beijei a ponta do seu nariz e peguei uma de suas mãos.
— Vamos passear um pouco. Quem precisa de uma princesa quando se tem
uma bruxa arrogante e linda ao seu lado?

Ela assentiu, gargalhando.


Assoviei para Salem, que se aproximou de nós trotando. Eu o
montei e logo em seguida puxei Lilith para o meu colo. Sua bunda se
encaixou em mim e eu precisei me concentrar bastante para não tirar nossas
roupas ali mesmo. Ainda era um pouco difícil manter as mãos longe da
minha Lilith. O que me tranquilizava era saber do fato de que teríamos a
eternidade inteira pela frente.

Abracei a sua cintura e peguei as rédeas de Salem. Cutuquei seus


flancos e Salem trotou por entre as rosas, em direção ao horizonte. Em
direção ao nosso para sempre.

FIM
AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus. Se cheguei até aqui, foi porque Ele permitiu.


À minha família, por me dar o suporte necessário nessa nova
jornada que é a escrita. Amo vocês.

À Viviane Afonso, minha revisora. Obrigada por me mostrar a luz


no fim do túnel, rsrs. Escrever sobre a Morte não é fácil, mas ficou menos
difícil com a sua ajuda.
A você, leitor(a), que adquiriu esse livro. Obrigada por permitir esse
sonho se tornar realidade! Estou adorando embarcar nessa nova jornada que
é a série Sobrenatural e espero que vocês tenham gostado do livro. A seguir,
fiquem com um trechinho do próximo livro da série: A Lady e o Vampiro
(Livro 3).
CONFIRA UM TRECHO
do primeiro capítulo do próximo livro: A Lady e o Vampiro (Livro 3)

Capítulo 1

Leo

Eu estava fodida. Fodidamente fodida.

Eu não acreditava que aquilo tinha acontecido comigo. Justamente


comigo! Será que era algum castigo divino? Ou era um pesadelo? Meu
Deus, aquela seria uma ótima hora para acordar.
Eu estava grávida.
Aquela frase parecia errada de mil maneiras diferentes. Primeiro
porque eu não desejava ser mãe. Segundo porque eu sempre tomei todas as
precauções para evitar isso. Terceiro porque eu mal conhecia o pai do feto
que crescia em meu ventre. E quarto porque... aquela gravidez tinha se
manifestado muito rápido. Se isso não era motivo para estar fodida, eu não
sabia o que era.

Grávida. Eu, Leonara Alvarado. Grávida.


O teste de gravidez em minha mão parecia zoar com a minha cara.
Será que aquela coisa tava com defeito? Poderia estar, mas os sintomas se
manifestando em meu corpo não deixavam espaço para dúvidas.
— Doutora Leonara! Cadê a doutora Leonara?! — Ouvi a voz
irritante quase gritando no corredor.

Porra, eu já não gostava muito do meu nome e odiava mais ainda


quando o chamavam. Chamavam não, gritavam. Todos no hospital sabiam
que eu preferia ser chamada de Leo, mas infelizmente meu nome era mel na
boca da supervisora do hospital. Aquela vaca sabia que eu estava no
banheiro, que merda! Nem surtar em paz eu podia!

Guardei o teste de gravidez no bolso da calça, saí da baia e fui lavar


as mãos. Dava para escutar a voz da vaca dentro do banheiro!
— Leo, a vaca tá mugindo — Pérola, minha colega, disse ao entrar
no banheiro feminino das funcionárias do hospital de Luandia.

— Eu sei, obrigada por avisar — respondi com um suspiro.


Enxuguei as mãos e saí do banheiro.

Encontrei a vaca, doutora Rafaela, em frente ao banheiro, com uma


prancheta em uma mão e a outra mão na cintura, me encarando com
reprovação por cima dos óculos. Era o tipo de pessoa que te odiava sem
você ter feito nada para ela. Eu jamais entenderia gente assim.

— Doutora Rafaela — a cumprimentei sem vontade nenhuma.

— Doutora Leonara. Tem noção de quanto tempo passou dentro do


banheiro?

Reprimi a vontade de revirar os olhos. Ela tinha noção que aquilo


beirava o assédio moral?
— Não sabia que agora tinha tempo determinado para cagar.

A minha resposta malcriada foi o suficiente para desfazer a pose de


bandida dela, deixando-a desestabilizada. Rafaela Valadares era uns dez
anos mais velha do que eu, era uma mulher bonita, mas muito ranzinza, e se
achava a dona do hospital. Não é surpresa nenhuma dizer que ela não era
tão querida assim pelos funcionários.
— Ah... bem... eu, é que... estão precisando de você no pronto-
atendimento — ela falou sem-graça, seu rosto assumindo um tom
avermelhado.

— Já estou a caminho — repliquei e a deixei para trás. Não estava


com paciência nenhuma para lidar com aquela mulher naquele dia.

Grávida.

Porra! Eu tava grávida!

Tudo o que eu mais queria naquele final de semana era encontrar as


meninas e tomar todas, mas com aquele teste de gravidez pesando uma
tonelada no bolso do meu jeans, seria impossível. Porra! Maldito mucilon
dos infernos! Por que justamente aquela pica juvenil teve que me
engravidar? Ca-ra-lho!

Como se estivesse ouvindo meus pensamentos, vi o garoto na


recepção do hospital. Qual era mesmo o nome dele? Porra, como ele me
encontrou aqui? Ele sabia que eu trabalhava aqui? Não me lembrava de ter
contado a ele enquanto trepávamos no banheiro da boate. Suspirei ao
lembrar daquela ocasião. Ele era novinho, mas sabia muito bem usar aquele
pau incrível que tinha dentro das calças. Melhor do que muito marmanjo
por aí.

Apressei o passo e fui para o pronto-atendimento, onde era


requisitada. Esperava que fosse apenas uma coincidência e que o garoto
fosse embora logo. Nem fodendo eu iria contar a ele sobre a gravidez. A
família dele iria me matar e destruir a minha carreira, me acusando de
assédio e aquela caralhada toda, mesmo ele sendo maior de idade. Não.
Melhor assim. Eu daria o meu jeito e cuidaria da criança sozinha. Não tive
pai e nunca senti falta. Meu filho também não precisaria de um.
(...)
OUTRAS OBRAS DA AUTORA

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Ficou curiosa(o) para conhecer o casal Jack e Samantha?

A NECROMANTE E O CEIFEIRO

Um romance inusitado, um casal unido pela Morte...

Samantha Delano é uma solitária escritora de livros de suspense. Ela


tem uma vida pacata ao lado do seu gato Zeus e das três melhores amigas
que a vida poderia lhe dar. Ela e as amigas possuem dons especiais, que as
uniram desde a infância. Samantha é capaz de ver e falar com os mortos.

A escritora meio que ignora seus dons sobrenaturais, até o dia em


que conhece um ceifeiro da Morte. Jack fica intrigado quando conhece a
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Ao investigá-la, ele descobre que Samantha é uma necromante, alguém
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Convencido de que a Morte quer que ele ajude Samantha com seus
dons, Jack começa a se tornar uma presença constante na vida dela. A
proximidade forçada entre necromante e ceifeiro acaba por despertar
sentimentos até então desconhecidos pelos dois. Será que o amor pode
brotar de uma ligação sobrenatural feita pela Morte?
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A COMPANHEIRA DO ALFA SUPREMO


AS ALCATEIAS DA DEUSA LUNA – LIVRO 1

Eluana Marino estava voltando para a sua cidade natal para passar
as suas férias com seu pai, após anos afastada do local por traumas do
passado. Belmonte, uma cidade interiorana, é cercada pela mata e pelo
verde e possui suas lendas e mistérios, que Eluana simplesmente ignora e
acha ridículos.

Yuri Santino é um CEO, dono de uma rede de lojas de departamento


e alfa supremo das alcateias da deusa Luna. Ainda muito jovem, assumiu o
comando das alcateias e da empresa da família, porém nunca encontrou sua
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Em uma visita à Belmonte, Yuri conhece a debochada Eluana, e


logo no primeiro encontro dos dois, reconhece a sua tão esperada
companheira. Enquanto o autoritário e protetor alfa supremo tenta se
aproximar de sua rebelde companheira, um visitante misterioso tira o
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Quer conhecer o demônio arrogante que procurou os serviços de
Lilith?

A VIDENTE E O DEMÔNIO

Uma vidente, um demônio e um casamento de conveniência. O


futuro nem sempre é previsível...

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melhor escritório de advocacia de Luandia, ela tem uma vida confortável ao
lado da irmã caçula e das três melhores amigas que a vida poderia lhe dar.
Ela e as amigas possuem dons especiais que as uniram desde a infância.
Manon é uma vidente.
Acostumada desde cedo a encarar o seu dom de família com
naturalidade, a vidente não vê problemas em usar seus poderes em seu
ambiente de trabalho, para ajudar seu chefe e amor platônico Henrique.

Vindo de uma realidade paralela em que anjos e demônios lutaram


pelo domínio da Terra, o demônio Naim Balian, ou melhor, Henrique
Andrade quer uma vida “normal” em Luandia. Ele acaba se tornando um
dos advogados mais poderosos da cidade.

Arrogante e sem escrúpulos, Henrique sabe que Manon possui um


dom poderoso, assim como também sabe que ela é apaixonada por ele.
Após um desentendimento, ele se vê obrigado a rastejar aos pés de Manon e
propõe um casamento de conveniência que beneficiaria os dois no trabalho.
Será que o amor merece uma segunda chance?
Quer conhecer a realidade paralela que passou por um Apocalipse?

ALÉM DAS SOMBRAS

Prólogo da série Heaven and hell


Após a Terra ser supostamente purificada dos demônios anos atrás,
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governava o mundo, mantendo a ordem e a paz com novas regras.

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encontrando um demônio charmoso em seu caminho. Leto é um homem
arrogante, porém sedutor, que aparece todas as noites nos sonhos intensos
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Apaixonado, o obstinado Leto vai atrás de Caline e tenta convencê-


la a ir com ele para o seu mundo, mas a jovem rejeita a proposta, apesar de
também estar apaixonada pelo misterioso demônio.
A cidade de Angelim esconde segredos que fazem as certezas de
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demônios são todos ruins?
Nem tudo é o que parece.
CONTATOS

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