PrEA - Michele Sato-Livro - 04
PrEA - Michele Sato-Livro - 04
PrEA - Michele Sato-Livro - 04
1
Blairo Borges Maggi
Governador do Estado
Evanildes de A. Bordalho
Superintendente Adjunta de Desenvolvimento Curricular
2
Governo do Estado de Mato Grosso
Secretaria de Estado de Educação
Superintendência de Ensino e Currículo
Cuiabá, MT
2004
3
Coordenação: GEA-SEDUC-MT
Artema Santana Almeida Lima
Cezarina Benites Santos
Débora Eriléia Pedrotti
Euzemar Fátima Lopes Siqueira
Josimar Miranda Ferreira
Luiza Braga Peixoto
Luiza Helena Rodrigues
Texto e consultoria:
Michèle Sato (UFMT)
Colaboração: GPEA-PPGE-UFMT
Dolores Watanabe
Fernanda Machado
Lina Márcia Pinto
Luzia de L. S. Lins (SME-CBÁ)
Maria Eliete Silva
Michelle Jaber
Regina Silva
Rejane Catharino
Revisão Ortográfica
Doralice de Fátima Jacomazi
Ilustrações
Lívia Ferreira Lima
Produção Editorial
Editora TantaTinta
Carlini & Caniato Desenvolvimento Gráfico e Editorial
FICHA CATALOGRÁFICA
Dados Internacionais para Catalogação na Publicação (CIP)
CDU 371:502.3
4
Empoderamento é a criação de poder nos sem-poder ou a
5
6
sumário
Apresentação 9
Subjetividade da EA 11
7
Tudo começa no lixo 63
E chega a solução (?) 65
Quando solucionar um problema ambiental resulta num
problema social 66
8
apresentação
PROJETOS AMBIENTAIS ESCOLARES COMUNITÁRIOS
9
10
subjetividade da EA
Michèle Sato*
A escola está “subsidiária” e tributária daquela grande reprodução social geral, posto que
ela, além de exercer influência na formação dos que a freqüentam, representa uma des-
qualificação ativa na identidade daqueles que não a freqüentam. Rigorosamente falan-
do: a escola - a partir da sua fetichização - não é um objeto exterior à humanidade univer-
sal, para um membro da cultura do ocidente. Referenciar-se à escola constitui uma das
condições para ser ou não-ser. Trata-se da continuidade entre Estudo e Ser ou Estudo e
Não Ser, ou ainda, melhor dizendo, Não-Estudo e NADA (PASSOS, 1994, p. 179).
Nosso Projeto de Educação Ambiental (PrEA) quer promover diversos Subprojetos Ambientais Esco-
lares Comunitários (PAEC) e, para isso, selecionamos aqui alguns textos que possam contribuir com o
debate. Antes, porém, gostaríamos de usar uma dinâmica para iniciar nosso diálogo. Você poderá
utilizar a mesma dinâmica com seus estudantes, ou modificar, conforme a adequação de cada escola.
*
Professora e pesquisadora da UFMT e do PPGE/UFSCar.
11
A fenomenologia (MERLEAU-PONTY, 1971; PASSOS, 2003) é tributária do caráter construti-
vista da subjetividade humana como constituição própria e não aceita ser reduzida nas cópias e
reproduções generalistas que tentam impor uma verdade única absoluta. Nossas interpretações
são encontros e despedidas com o mundo enquanto fenômeno, ou seja, como ele é percebido
por nós. Representa, assim, nossa própria constituição no mundo, aceitando que ele deriva de
nós, como um artefato nosso.
A fenomenologia ancora-se na tríade “eu-outro-mundo”, ou seja, busca a reflexão individual,
nos sonhos e potencial de cada sujeito com identidade e a relação dele com a sociedade. Extra-
polando isso ao mundo da EA, a literatura e diversas experiências têm revelado que a incorpo-
ração das dinâmicas sociais à proteção ecológica possibilita uma interação complexa, potenci-
alizando a participação efetiva através da compreensão educativa. Isso significa evocar o habi-
tante (identidade), em suas inserções sociais que faz o hábito (alteridade) e sua interação com
o habitat (oikos). A síntese gestada “eu-outro-mundo” (figura 1) contribui para uma dimensão
mais ampla da EA, clamando a atenção de diversas áreas do conhecimento.
EU
(identidade)
OUTRO
(alteridade)
MUNDOS
(Oikos)
E 1. ”Por tanto amor, por tanta emoção a vida me fez assim” (Milton Nascimento). Você
era mais feliz há 4 anos? O que mudou no seu cenário? Está otimista em relação ao futuro?
( ) ONTEM ( ) HOJE ( ) AMANHÃ
12
E 2. “Depois deles você diz que não apareceu mais ninguém” (Belchior). A sociedade
mudou? Antigamente era melhor? Qual é a sua previsão para o futuro?
( ) ONTEM ( ) HOJE ( ) AMANHÃ
E 3. “Terra, estão te maltratando por dinheiro, tu que és a nossa nave mãe” (Beto Gue-
des). Os danos ambientais continuam acelerados, indo de contramão aos avanços tecnológicos.
Sob o seu olhar, avalie a grandeza dos impactos ambientais:
( ) ONTEM ( ) HOJE ( ) AMANHÃ
E 4. “Miséria é miséria em qualquer canto, riquezas são diferentes” (Arnaldo Antunes -
Titãs). Sua situação econômica era melhor no passado? Como está seu salário, ou bolsa, atual-
mente? Sua situação pode mudar?
( ) ONTEM ( ) HOJE ( ) AMANHÃ
E 5. “Antes mundo era pequeno porque Terra era grande – do tamanho da antena parabo-
licamará” (Gilberto Gil). A modernização melhorou a condição básica de vida? Como caminha a
educação deste país? Há esperanças para melhores serviços?
( ) ONTEM ( ) HOJE ( ) AMANHÃ
1
SATO, Michèle. Fundamentos da educação ambiental. In: Curso de Especialização em Educação e Gestão ambiental.
Cuiabá: NEAD & Québec: CAERENAD, 2003 (material de disciplina).
13
UMA MENINA COM LAÇOS NA CABE-
ÇA,OU....
UMA SENHORA IDOSA, COM OLHAR
PARA BAIXO?
14
UMA FACE DIVIDIDA, OU...
DOIS PERFIS SE OLHANDO?
Observe que, no exemplo destas ilusões de ótica, não há uma interpretação “certa” ou
“errada”. Todas são válidas. “O mundo não existe de fato, somos nós que o percebemos”. Reflita
como você tem agido com os diferentes pontos de vista.
15
BIBLIOGRAFIA
_____. Currículo, Tempo e Cultura. São Paulo: 2003, 488p. Tese (Doutorado em Educação) -
Programa de Pós-Graduação em Educação e Currículo, PUC-SP.
pararefletir
1. Você acredita que o que percebemos como meio ambiente pode determinar nos-
2. Faça uma rápida enquete com seus estudantes, convidando-os a discutir suas
16
cenários da trajetória
da educação ambiental
Sônia Balvedi Zakrzevski*
Já se passaram mais de quarenta anos desde que a Educação Ambiental (EA) passou a ser
incorporada nos currículos escolares de vários países do mundo. Com quase cinco décadas de
existência e, na idade adulta, a EA procura superar seu caráter conservador. Desde que foi
introduzida na sociedade, a EA tem se modificado profundamente e atualmente estamos cada
vez mais conscientes das profundas mudanças que uma nova ética ambiental requer, não ape-
nas em relação aos nossos comportamentos, mas também no que diz respeito às nossas con-
cepções de conhecimento e de mundo (MAYER, 1998).
Nas décadas de 1950 e 1960 a EA acontecia num enfoque de educação para a conservação,
em que o ambiente era visto como um recurso e o processo educativo estava centrado na
experiência pessoal do ambiente, assumido como natureza (SAUVÉ, 1999). Nesse período, as
primeiras ”investigações do ambiente” da escola ativa apresentavam o meio ambiente como um
expediente pedagógico que permitia implicar ativamente os alunos (MAYER, 1998).
A década de 1970 traz especial transformação ao ambientalismo, desde que Estocolmo
(1972) sai de um enclausuramento natural e toma dimensões em escalas mundiais. A Conferên-
cia de Tbilisi (1977), considerada o marco conceitual definitivo da EA, rompe com a educação
meramente conservacionista, baseada na prática conteudista, biologicista, pragmática, freqüen-
17
temente descontextualizada, ingênua e simplista. Ela fundamentou a EA em “dois princípios
básicos: 1. Uma nova ética que orienta os valores e comportamentos para os objetivos de
sustentabilidade ecológica e eqüidade social; 2. Uma nova concepção do mundo como sistemas
complexos, a reconstituição do conhecimento e do diálogo de saberes”, convertendo a interdis-
ciplinaridade em um princípio metodológico a ser privilegiado pela EA (LEFF, 1999, p. 113).
A Conferência de Tbilisi, para indicar o desenvolvimento do pensamento crítico, resolver pro-
blemas e proporcionar ferramentas para a tomada de decisões dentro do contexto de questões
sobre a qualidade de vida, enfatizou que os estudantes de todos os níveis de ensino deveriam
envolver-se ativamente na resolução de problemas. Ou seja, a resolução de problemas ambientais
locais (resolução de problemas concretos) deve se tornar a estratégia metodológica a ser prioriza-
da na ação educativa da EA. A Conferência de Tbilisi incluiu a EA dentro da racionalidade instru-
mental (De Potter, 1997 apud Sauvé, 1999), pois considerar a resolução de problemas, por si só,
como a meta principal da EA pode conduzir a sérios erros conceituais e estratégicos neste campo.
A grande relevância da Conferência de Tbilisi está na ruptura com as práticas ainda reduzidas
ao sistema ecológico, por estarem demasiadamente implicadas com uma educação meramente
conservacionista. Fortemente atrelado aos aspectos político-econômicos e socioculturais, não mais
permanecendo restrito ao aspecto biológico da questão ambiental, o documento de Tbilisi ultra-
passa a concepção das práticas educativas que são descontextualizadas, ingênuas e simplistas,
por buscarem apenas a incorporação do ensino sobre a estrutura e funcionamento dos sistemas
ecológicos ameaçados pelo ser humano” (AGUILAR, 1992 apud LAYRARGUES, 1999).
Assim, na década de 1970 aconteceram diversas experiências e projetos piloto em todo o
mundo, porém, em função de sua fragilidade epistemológica e política, eles não se fortaleceram
institucionalmente, permanecendo mais como sonho de uma minoria ingênua do que como uto-
pia transformadora. Permanece ainda latente nos programas de EA o ambiente como nature-
za... para ser apreciado externamente, o ser humano como observador e responsável pela sua
preservação, não se vê nesta paisagem, desejando a transformação social.
A EA, no seu início, foi reformista, já que tinha por objetivo resolver e prevenir os proble-
mas causados pelo impacto das atividades humanas nos sistemas biofísicos. Enquanto a década
de 1970 assistiu a experiências e implementações pioneiras da EA, com ênfase na dimensão
natural, a década de 1980 permitiu modificações conceituais na EA (SATO, 1997). Nos anos
oitenta, a EA “entrou gradualmente na pós-modernidade” (SAUVÉ, 1999). O ambiente começa a
ser visto como “um lugar para se viver.... caracterizado pelos seres humanos nos seus aspectos
socioculturais, tecnológicos e componentes históricos, associado à idéia de “ambiente como
projeto comunitário (...), como parte da coletividade humana, como um lugar político, centro de
análise crítica, que clama pela solidariedade, democracia, envolvimento individual e coletivo
para a participação e evolução da comunidade”. A associação destas duas representações de
ambiente permitiu enriquecer e dar um novo significado às representações de ambiente como
18
natureza, recurso e problema (Idem).
Nessa década nasce o movimento da EA socialmente crítica, que propunha a associação da
EA a uma análise crítica das realidades ambientais, sociais e educativas inter-relacionadas,
visando à transformação destas. A EA começa a advogar o diálogo entre os diversos tipos de
saberes (disciplinares e não disciplinares), defendendo que esta seria a melhor “estratégia para
criar um saber crítico que pudesse ser útil para a solução de problemas e no desenvolvimento de
projetos locais” (SAUVÉ, 1999, p.10, tradução nossa).
Entramos na década de 1990 com uma crise ambiental profunda: os problemas de desma-
tamentos generalizados, mudanças climáticas, desequilíbrios demográficos... Acentuam-se as
desigualdades entre os países ricos e pobres, mas também dentro das próprias comunidades
industrializadas. A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro em 1992, abre essa década com “um clima cultural de
valorização das práticas ambientais” (CARVALHO, 1997, p.278). Ampliaram-se e diversificaram-
se os proponentes de iniciativas em EA: órgãos públicos, escolas, empresas, ONGs, como faze-
res educacionais de correntes diversas.
Apesar de ser um tema de interesse público há mais de 40 anos, apenas na década de 1990
a EA entrou em uma fase de “explosão” nas agendas políticas e nas preocupações sociais. Nessa
década, a EA é considerada uma importante dimensão da educação contemporânea. No Brasil,
é nesse período que a EA começa a realmente fazer parte das políticas públicas de meio ambiente
e de educação, destacando-se vários projetos e experiências através das organizações civis, ins-
titutos, academias, escolas e sociedade organizada. Surge, nesta efervescência do cenário nacio-
nal, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), nos quais o MEC (1997) indica o tema “meio
ambiente” como transversal nos currículos, na tentativa de superar as compartimentalizações
das áreas do conhecimento. Equivoca-se, todavia, ao considerar que ações coletivas e espaços
integrados dos diálogos de saberes ocorrem por decretos governamentais. Sem nenhuma trans-
formação que evidencie o fortalecimento das políticas na formação de profissionais, em 1999
emerge a Lei 9.795/99, como Política Nacional de EA, regulamentada pelo presidente da Repú-
blica no ano 2002, que estabelece a obrigatoriedade da EA em todos os níveis de ensino.
Os saberes não-científicos começam a ser revalorizados e confrontados com os científicos,
em uma perspectiva de complementaridade, ou para estimular o questionamento crítico das
certezas. A revalorização da incerteza, da dúvida e do conflito é um elemento que começa a ser
assumido por muitos que se implicam com a EA.
Testemunhamos, no ano de 2002, a “Cúpula Mundial do Desenvolvimento Sustentável” ou
simplesmente Rio + 10, em Johannesburg, que trouxe mais recuos do que avanços. Com a
declaração norte-americana, que dizia ser campeã do Desenvolvimento Sustentável, o mundo
percebeu que este novo desenvolvimento não apresentava nada inovador. Pelo contrário, ainda
representa o velho capitalismo de degradação ambiental, pautado no mesmo imperialismo eco-
19
nômico, apenas com outra maquiagem.
Obviamente a educação não teve espaço neste cenário. Se a Agenda 21 (Eco - 92) dedicava
um capítulo à educação, dialogando com os demais 39 capítulos, hoje ela esteve timidamente
nas pautas de pouca importância e com novo figurino fashion para enganar a comunidade am-
bientalista: “educação para a sustentabilidade”.
Felizmente, no Brasil a EA continua legitimada pelo grupo de “resistência”. Ela é uma di-
mensão fundamental do pensamento contemporâneo: não é modismo ou um simples adjetivo
da educação. E o sentido amplo do ambientalismo requer maior atenção à educação, tornando
verdadeira a idéia de Grün (1996), quando afirma que uma “educação que não for ambiental não
poderá ser considerada educação de jeito nenhum”. Não concordamos com a idéia de que “o
‘ambiental’ deveria ser parte intrínseca da educação como um todo e não modalidade ou uma de
suas dimensões” (BRÜGGER, 1999, p. 78). Acreditamos que na EA o adjetivo ambiental é um
substantivo (CARVALHO, 2001). A EA tem uma especificidade própria e, portanto, o adjetivo
ambiental é um complemento substantivo de uma educação que queremos. “A Educação Ambi-
ental é diferente da educação do trânsito, é diferente da educação básica universal (...) [O] que
constitui esta diferença (...) é justamente o fato de a gente estar diante de um movimento dentro
da educação que é o da sociedade pra dentro da teoria educacional” (Idem, p. 146). A dimensão
ambiental foi trazida para dentro da educação, “porque o debate na sociedade foi tão forte,
ganhou relevância, visibilidade, a ponto de a educação se debruçar sobre isso e dizer: bom, e o
que a gente tem a dizer; vamos pensar uma teoria, uma metodologia?” (Ibidem).
Entretanto há que se assumir sua fragilidade, pois a EA continua sendo um assunto margi-
nalizado e isolado no interior dos sistemas educativos. A maioria das reformas propõe a introdu-
ção de temáticas de relevância social no currículo escolar. Entre estas temáticas a EA tem sido
formalmente legitimada, assim como a Educação para a Saúde, para a Paz, para a Solidarieda-
de humana, entre outras. Acreditamos que a falta de políticas públicas de capacitação docente
não tem levado a uma ampla legitimidade política e à construção de sólidas bases epistemológi-
cas sobre a EA por parte dos educadores. A ação ambiental empreendida por educadores ambi-
entais tem sido de natureza instrumental e raramente reflexiva.
Na América Latina, entretanto, há uma aceitação política da EA, desde que carrega propos-
tas distintas, abertas, apropriadas e específicas às diferentes realidades latino-americanas. A
EA não é somente uma outra educação, mas ela apresenta uma identidade política própria. Ela
faz parte de um campo de luta política mais ampla, no qual tratar da qualidade do ambiente e do
aproveitamento dos recursos naturais em benefício das populações locais representa uma ban-
deira de primeira ordem, porém não a única. Nestes países a EA busca recuperar o saber
tradicional e popular, o valor da comunidade como ponto de partida para a elaboração de suas
propostas pedagógicas, para assim projetar a construção de novos conhecimentos, que os do-
tem de melhores instrumentos intelectuais para mover-se no mundo. A EA para os nossos tem-
20
pos deve ser construída por propostas abertas, fraturadas, que não pretendam constituir-se
como universais (GONZALES GAUDIANO, 2000).
Neste início de milênio, é fundamental construir os fundamentos para a educação contem-
porânea. Precisamos encontrar um lugar apropriado para a EA dentro do projeto educativo
global, bem como evidenciar e fortalecer as relações entre a EA e outros aspectos da educação.
Hoje precisamos ter cada vez mais claro qual é o papel político da EA. Ela é um compo-
nente nodal e não apenas um acessório da educação, pois envolve a reconstrução do siste-
ma de relações entre pessoas, sociedade e ambiente natural. A EA é uma dimensão essen-
cial da educação e não uma educação temática. Ela não é um tema, mas é uma realidade
cotidiana e vital, que está situada no centro de um projeto de desenvolvimento humano. Ou
seja, a EA está relacionada a uma das três esferas inter-relacionadas de interações do
desenvolvimento pessoal e social: a esfera de relação consigo mesmo (área de construção
da identidade, na qual a pessoa se desenvolve em confrontação consigo mesma, aprende a
aprender, gera a autonomia e responsabilidade pessoal, aprende a relacionar-se com as
outras áreas); a esfera de relação com as outras pessoas, que está intimamente relaciona-
da com a área de construção da identidade, é uma área de aprendizagem da alteridade (na
qual as pessoas interagem com outras pessoas e grupos sociais, em que desenvolvem o
sentido de pertencer ao grupo e a responsabilidade pelos outros) e a esfera de relação com
o meio ambiente, com o Oikos (onde se constroem os vínculos com os outros seres vivos,
com os componentes naturais, com os ecossistemas, onde se desenvolve um sentimento de
formar parte da trama da vida, onde se desenvolve o sentido de responsabilidade individual
e coletiva com o meio ambiente) (SAUVÉ; ORELLANA, 2001).
REFERÊNCIAS
21
GONZÁLES GAUDIANO, E. Complejidade en Educación Ambiental.Tópicos en Educación Ambi-
ental, México, v. 2, n.4, p.21-32, abr.2000.
_____. A resolução de problemas ambientais locais deve ser um tema-gerador ou uma ativida-
de-fim da educação ambiental? In: REIGOTA, M. (org.). Verde cotidiano: o meio ambiente em
discussão. Rio de Janeiro: DP&A, 1999, p. 131- 148.
22
pararefletir
1. Você acredita que os marcos internacionais contribuem com o fortalecimento da
2. Se for possível, navegue nos sites dos ministérios brasileiros, da Educação (MEC:
dado de Rio-92. Neste evento, houve ampla orientação à construção da Agenda 21, um
tente, planeje uma Agenda 21 Escolar com seus colegas, comunidades e estudantes.
23
“Aprender e ensinar fazem parte
a ciência, a tecnologia”.
Paulo Freire
24
refletindo sobre a formação
de professor@s em
educação ambiental
Sônia Balvedi Zakrzevski1
Michèle Sato2
Achamos conveniente, ao iniciar este texto, fazer uma breve análise da terminologia e
3
concepções referentes à educação continuada de professor@s que têm sido usadas ao longo
dos anos: reciclagem, treinamento, aperfeiçoamento, capacitação, formação continuada, edu-
cação permanente e educação continuada. Sabemos, pois, que a educação também estabelece
sua trajetória através da ideologia explícita nestas terminologias, “com base nos conceitos sub-
jacentes aos termos que as decisões são tomadas e as ações são propostas, justificadas e
realizadas” (MARIN, 1995, p. 13).
O termo Reciclagem, na linguagem cotidiana, tem caracterizado processos de modifi-
cações de objetos ou materiais (resíduos sólidos, por exemplo). A adoção deste termo e
sua concepção de “abandono do velho”, do legado da Modernidade, levou à proposição e
implementação de cursos rápidos e descontextualizados, somados a palestras e encontros
esporádicos. O Treinamento visa a tornar alguém apto, capacitado a desempenhar deter-
1
Professora da URI/RS, doutoranda em Ecologia e Recursos Naturais UFSCar.
2
Professora e pesquisadora da UFMT e do PPGE/UFSCar.
3
Acatando a recomendação internacional da Rede de Gênero, utilizaremos a simbologia “@” para evitar a linguagem sexista presente
nos textos.
25
minada tarefa. O treinamento molda o comportamento, desencadeando atividades mera-
mente mecânicas, como seres sem criticidade e criatividade. É a cópia da cópia, com
significação da reprodução sem construção. O Aperfeiçoamento está relacionado com a
idéia de tornar perfeito, completar ou finalizar alguma obra com perfeição. Fruto das
falsas idéias do equilíbrio, da harmonia ou da total homeostase, padece por nunca conse-
guir a perfeição desejada. A Capacitação quer tornar os indivíduos capazes, habilitados.
Esta concepção desencadeou no país a “venda” de pacotes educacionais ou propostas
fechadas, aceitas em nome do discurso neoliberal enraizado na sociedade, do “melhor”, da
“competitividade” e do poder explicitado para sempre vencer. A história tem mostrado que
inúmeros programas de capacitação ou qualificação dos profissionais da educação conside-
ram o exercício da docência um tempo de desgaste, de esvaziamento e de ineficácia das
debilitadas políticas de formação permanente d@s profissionais, em especial aquel@s
relacionad@s com a área educacional (COLLARES; MOYSÉS & GERALDI, 1999; SATO, 2OOO).
Também muito ouvimos falar em Formação (inicial e permanente) e sempre que nos inter-
rogamos sobre ela, outras expressões aparecem em nossa mente: informar ou formar, reme-
tendo a contornar ou pôr em forma.
Tais expressões reivindicam um estatuto de discussão sobre outro foco - de que é necessá-
rio aceitar a educação como um processo permanente, num continuum do tempo e do espaço,
onde a (re)construção dos conhecimentos é um processo longo da vida inserido nos diálogos do
“pensar e fazer”, e também do “ensinar e aprender”.
Estamos convictas de que refletir sobre a formação de professor@s em Educação Ambien-
tal (EA) é também refletir sobre nossa trajetória profissional. Nós, autoras deste texto, somos
professoras e temos prazer em nos sentirmos assim. E neste pensar, desejamos debater uma
ação realizada na região norte do Estado do Rio Grande do Sul (RS), locus de nossa vivência e
experiência com EA. Não temos a pretensão de esgotar o assunto, pelo contrário, é apenas o
início de um longo debate, que merece mais atenção por parte de pessoas que trabalham no
campo educativo, reconhecendo-a como essência na construção de qualquer pensamento que
possa contribuir com o desenvolvimento humano inserido nos contextos ambientais. Certamente
ela não é a única opção, mas, através dos engajamentos responsáveis de cada segmento,
poderemos fortalecer os espaços de reflexão sobre a complexa relação do ser humano com a
natureza, mediatizada pelos sistemas sociais e tecnológicos de nossa era.
DIFERENTES PERSPECTIVAS
NA EDUCAÇÃO DE PROFESSOR@S E A EA
26
lizar” as experiências de formação de professor@s, muitos destes, estabelecendo paralelis-
mos entre os modelos didáticos e os modelos de formação de professor@s. Haverá alguma
receita? Refletindo sobre isso, tentaremos buscar alguns elos epistemológicos que possam
contribuir com o debate.
Pérez-Gómez (2000), tomando como critério de classificação os modelos de ensino e a
imagem de professor que se pretende, apresenta quatro enfoques básicos na formação de
professor@s: a perspectiva acadêmica; a perspectiva técnica; a perspectiva prática; e a pers-
pectiva de reconstrução social.
Na perspectiva acadêmica, também nomeada como “tradicional ou positivista” (SATO,
1997), a educação é percebida como um patrimônio da cultura pública que a humanidade
acumulou, e a ênfase deve ser dada à transmissão destes conhecimentos, acatando a idéia
de que @ professor@ é “um especialista nas diferentes disciplinas que compõem a cultura”
(PÉREZ-GOMEZ, 2000, p. 354). A formação d@ professor@ firma-se através do processo de
“aquisição da investigação científica, seja disciplinar ou de didática das disciplinas” (p. 356),
não conferindo a devida importância ao conhecimento pedagógico, nem ao conhecimento
derivado da experiência prática docente.
Distingue dois extremos dentro desta perspectiva: o enfoque enciclopédico, relaciona-
do com uma concepção de transmissão/acumulação de conteúdos científicos de modo li-
near e enciclopédico, no qual @ professor@ é vist@ como um@ transmissor@ verbal dos
produtos da ciência e da cultura; e o enfoque compreensivo, quando @ professor@ é uma
pessoa que não apenas domina os conteúdos, mas que compreende a estrutura epistemo-
lógica, a evolução histórica e a dimensão didática destes. Embora com esta divisão, é
possível observar que @ professor@, nesta abordagem positivista, é sempre um@ especi-
alista nos conteúdos que precisa “ensinar” sem preocupar-se com a outra via dialógica do
“aprender”.
A perspectiva técnica está relacionada com uma imagem de professor@ como uma espécie
de técnico, com predomínio da racionalidade tecnológica e científica (SHÖN, 1995), que visa à
capacidade de “aprender conhecimentos e desenvolver competências e atitudes adequadas à
sua intervenção prática, apoiando-se no conhecimento que os cientistas básicos e aplicados
elaboram” (PÉREZ-GOMEZ, op. cit. p. 357). De acordo com esta perspectiva, a teoria dirige e
prescreve a prática. Na concepção epistemológica da prática, os processos de ensino são conce-
bidos como “mera intervenção tecnológica, a investigação sobre o ensino dentro de um paradig-
ma processo-produto, a concepção do professor como técnico e a formação do docente dentro
do modelo de treinamento baseado nas competências” (p. 358). Dois modelos são distinguidos
no interior desta perspectiva: o modelo de treinamento, que propõe programas de formação
que visam ao treinamento d@ professor@ nas técnicas, nos procedimentos e nas habilidades
que se mostraram eficazes nos resultados de investigações sobre as eficácias docentes, desen-
27
volvidas no interior do modelo processo-produto; e o modelo de tomada de decisões, que consi-
dera que “as descobertas da investigação sobre a eficácia do professor não devem ser transfe-
ridas mecanicamente em forma de habilidades de intervenção, mas transformando-se em prin-
cípios e procedimentos que os docentes utilizarão ao tomar decisões e resolver problemas em
sua vida cotidiana nas aulas” (p. 359).
Embora não discutamos a importância da Educação Aberta e a Distância (EAD), o qua-
dro internacional revela mudanças dos padrões das relações sociais, apontando as Novas
Tecnologias de Comunicação e Educação (NTCE) como capazes de trazer os intercâmbios
intrafronteiriços nas dimensões educativas. De fato, a ruptura das características rígidas é
necessária à educação, mas muitos dos programas da EAD acentuam a técnica que, sob o
risco da “tecnoglobalização”, afasta as referências históricas, éticas e culturais das biorre-
giões. A aparente ilusão de que esta modalidade é mais viável financeiramente tem agluti-
nado um número sem-fim de cursos pela Internet, cuja qualidade está muito além do que
consideramos educação. Sem recorrer à tradicional dicotomia entre a formação e a infor-
mação, a nova síntese gestada deve ser desafiada ante as múltiplas formas de convivência
social, fazendo com que a EAD seja mais crítica, respondendo aos anseios das políticas
educacionais e não somente das tecnologias atuais.
Segundo a perspectiva prática, os processos de ensino-aprendizagem são comple-
xos, mas também reservam as singularidades. @ professor@ é uma espécie de artesã/
artesão, um@ artista ou profissional clínico. Sua formação está baseada na aprendiza-
gem da prática, para a prática e a partir da prática. Esta perspectiva pode ter um enfo-
que tradicional (no qual o exercício da docência dá lugar, por ensaio e erro, a um saber
fazer profissional que se transmite da mesma forma que entre @ artesão/artesã e @
aprendiz) – através do contato direto e prolongado com a prática, ou um enfoque refle-
xivo, aceitando que os problemas complexos e singulares da aula não são resolvidos,
nem mediante um ensino baseado na aplicação de procedimentos ou competências téc-
nicas universais, nem mediante a reprodução de rotinas e crenças educativas acríticas e
conservadoras. Mas @ professor@ deve ser capaz de refletir na ação, sobre a ação e
sobre a reflexão na ação (SHÖN, 1995).
Proliferam, assim, publicações com diversos exemplos didáticos, sob a falsa narrativa de
que já conhecemos a teoria, mas falta-nos a prática. Todavia, recuperar a reflexão sobre as
nossas ações aponta que Habermas (1983) estava correto em declarar que é preciso mais
pressupostos teóricos na quotidianidade de nossas práticas.
A perspectiva de reflexão na prática para a reconstrução social é um enfoque que con-
cebe o ensino como uma atividade crítica e @ professor@ como um@ profissional reflexiv@
e crític@ que busca o desenvolvimento autônomo e emancipatório dos que participam do
processo educativo. Nesta perspectiva de formação são apresentadas duas categorizações –
28
a crítica e a da pesquisa. No enfoque crítico, a atenção é a vertente sociopolítica de ensino
e de formação de professor@s. Os programas de formação baseados nesta perspectiva,
visam à aquisição de uma bagagem cultural de clara orientação política e social. @s
professor@s devem desenvolver a capacidade de reflexão crítica para serem capazes de
desmascarar as influências ocultas da ideologia dominante na prática cotidiana da aula e
desenvolver atitudes de intelectuais transformadores na sala de aula, na escola e no contex-
to social. Os autores mais representativos deste enfoque são Giroux (1997), Appel (1989) e
Zeichen & Liston (1993), além do mestre Paulo Freire, em diversas obras de sua vida. O
enfoque da pesquisa-ação é mais centrado em promover o modelo de professor@-pesqui-
sador@, que vincula sua própria formação ao desenvolvimento do currículo nas aulas. A
formação de professor@s é concebida como um processo de desenvolvimento profissional
baseado na pesquisa-ação e na utilização dos resultados obtidos para a transformação da
prática e das condições sociais que a limitam. De acordo com este enfoque, a investigação
educativa e o desenvolvimento curricular são dimensões complementares de um mesmo
processo em espiral no qual se sucedem indefinidamente momentos de teorização, de expe-
rimentação e de observação, baseados no rigor, na relevância prática, na cooperação subje-
tiva e no compromisso ético e político. Alguns trabalhos difusores desta corrente são encon-
trados em Stenhouse (1987), Elliot (1990), Sorrentino (1995), Sauvé (1997), Sato (1997),
Pimenta (2000) e Guerra (2001).
Nas perspectivas de formação de professor@s descritas acima, o conhecimento pro-
fissional é entendido de modo distinto. O conhecimento profissional dominante d@s
professor@s tem sido “o resultado de justaposição de quatro tipos de saberes de natureza
diferente, gerados em momentos e contextos nem sempre coincidentes, que se mantêm
relativamente isolados uns dos outros na memória dos sujeitos e que se manifestam em
diferentes tipos de situações profissionais e pré-profissionais” (PORLÁN, RIVERO & MAR-
TÍN, 1997, p. 158). Estes saberes são os acadêmicos, originados normalmente no período
de formação inicial d@ professor@, são explícitos e quando organizados seguem uma
lógica disciplinar, além dos saberes baseados na experiência, interpretados como se fos-
sem idéias conscientes construídas ao longo do exercício da profissão sobre diversos as-
pectos do processo de ensino-aprendizagem. As rotinas e guias de ação, caracterizadas
como um conjunto de esquemas implícitos que predizem o curso dos acontecimentos em
aula, ajudam a resolver atividades cotidianas, especialmente as rotineiras. São saberes
próximos a condutas e resistentes à mudança. Paralelamente, temos as teorias implícitas,
que não teorizáveis de modo consciente pel@s professor@s, nem são aprendizagens aca-
dêmicas. São saberes que atendem as dimensões epistemológicas e psicológicas, respec-
tivamente organizadas em torno das dicotomias “racional-experiencial” (PIMENTA, 2000) e
“explícito-implícito” (figura 1).
29
FIGURA 1 – DIMENSÕES E COMPONENTES DO CONHECIMENTO
PROFISSIONAL DOMINANTE
30
ve a interação e integração construtivas entre o saber acadêmico, crenças e princípios,
teorias implícitas e guias de ação (figura 3); um conhecimento complexo, capaz de reconhe-
cer a complexidade e singularidade dos processos de ensino-aprendizagem e dos processos
de integração entre os saberes; um conhecimento tentativo, evolutivo e processual, um
conhecimento formulado em diferentes níveis de progressiva complexidade (PORLÁN, RIVE-
RO & MARTÍN, 1997, p. 160-161).
Conhecimento Prático
4
Os saberes metadisciplinares referem-se a teorias gerais e cosmovisões que apresentam grande influência sobre a prática didática;
são “campos de saber que estudam o conhecimento e a realidade em geral ou alguns âmbitos particulares muito relevantes
(conhecimento disciplinar, conhecimento cotidiano, etc.), assim como as cosmovisões ideológicas que apresentam um alto grau de
organização interna” (PORLÁN & RIVERO, 1998, p.66-67).
31
crítica são perspectivas metadisciplinares complementares e convergentes e “configuram uma nova
teoria do desenvolvimento pessoal e social que podem dar suporte a processos rigorosos de renova-
ção escolar” (PORLÁN et alii, 1996 apud PORLÁN & RIVERO, 1998, p. 72) em Educação Ambiental.
Não existe uma representação estática e terminal do conhecimento profissional ideal,
mas uma hipótese de evolução deste. No campo da Educação Ambiental, não existe um itine-
rário pelo qual tod@s @s professor@s devem passar, seguindo uma trajetória linear, progres-
siva e ascendente, no processo de construção do conhecimento profissional. Existe uma espé-
cie de gradação na construção do conhecimento profissional, que vai de perspectivas mais
reducionistas, estáticas, acríticas (modelos tradicionais de ensino), até outras coerentes com
modelos alternativos (de caráter construtivista e investigativo), passando por níveis intermedi-
ários que superam em parte o modelo tradicional, mas que apresentam obstáculos que preci-
sam ser superados.
Certamente a construção de conhecimento profissional em Educação Ambiental está relaci-
onada ao desenvolvimento de processos de investigação. A pesquisa pode e deve ser um princí-
pio organizador do desenvolvimento profissional d@s educador@s.
A PESQUISA-AÇÃO NA FORMAÇÃO
DE PROFESSOR@S EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL
32
1997, p. 134). É uma modalidade de pesquisa em que a participação das pessoas implicadas nos
problemas investigados é absolutamente necessária.
Com o intuito de auxiliar @s professor@s na construção de conhecimentos sobre EA e de
iniciá-l@s em um processo de pesquisa-ação da prática docente, ou seja, de institucionalizar a
EA através das ações autônomas e responsáveis d@s professor@s no sentido de inserir a EA
como política efetiva das escolas, iniciamos, no ano de 1998, em quatro municípios gaúchos
situados na região norte do Estado do Rio Grande do Sul, um programa de formação de professor@s
em EA, com ênfase na escola rural. Este programa de Educação Continuada foi constituído por
quatro etapas básicas, descritas a seguir:
1ª ETAPA:
Após contato com as Secretarias Municipais de Educação, tentamos analisar as percep-
ções d@s professor@s sobre EA, identificando as necessidades e expectativas dest@s
professor@s. Buscamos conhecer a realidade das escolas, as estratégias utilizadas e a comuni-
dade. Enfim, tentamos conhecer a realidade natural e cultural da comunidade, sublinhando o
sistema educativo dos municípios. Isto foi realizado através de observações participativas nas
comunidades, nas salas de aula e nas áreas abertas. Além disso, elaboramos entrevistas com
professor@s, além da análise de materiais didáticos utilizados e das metodologias privilegiadas.
De acordo com perspectiva evolutiva e construtivista do conhecimento (NOVAK, 1995), o
conhecimento é construído a partir de problemas, e ocorre graças à interação e contraste signi-
ficativo entre fatores internos das pessoas ou comunidades (crenças, interesses, necessidades
ou desejos) e fatores e influências externas (experiências diferentes, novos valores, inovações
recebidas ou informações veiculadas).
A consciência de que a atuação sobre o meio ambiente não pode estar restrita ao âmbito da
mera ação técnica impõe-nos uma reflexão sobre o ambiente. @s professor@s são portador@s
de uma visão global do ambiente, além da visão mais específica da realidade escolar. Este
conhecimento permite que el@s sejam capazes de interpretar a realidade e conduzir-se através
destas representações. Há, entretanto, alguns obstáculos que impedem que eles adotem postu-
ras mais críticas, o que nos impõe uma reflexão de que a dimensão ambiental não pode estar
restrita ao imaginário coletivo, devendo sair do confinamento perceptivo e oferecer caminhos
que possam favorecer a participação ativa.
Ancoradas na classificação de Sauvé et al. (2000), observamos que a maioria d@s
professor@s percebe o ambiente como um lugar para se viver, com a realidade percebida como
um mero local para se habitar, sem o sentido de pertencimento ao local. É também importante
ressaltar que, integrada a esta idéia, está presente uma concepção de ambiente como natureza,
com o ser humano dissociado da pintura cênica, mas dependente dela para a sua própria sobre-
vivência. Caride & Meira (2001) mostram-nos, brilhantemente, que mais do que estudar o ima-
33
ginário d@s professor@s, as representações sociais devem oferecer caminhos de ação, inclusi-
ve para a superação de nossas próprias percepções.
Através deste contato inicial, percebemos que a escola, inconscientemente, tem assumido,
por meio dos conteúdos trabalhados e das metodologias priorizadas, uma visão de mundo que
considera possível o domínio da natureza pelo ser humano e a previsão dos efeitos futuros de
ações que atualmente já apresentam implicações de ordem planetária. A escola tem assumido,
através d@s professor@s e dos livros utilizados, uma imagem de Ciência que considera o co-
nhecimento científico como “o verdadeiro”, “o único”, aquele que proporciona a capacidade de
previsão e de controle. Esta imagem generalizada de Ciência, esta cultura reducionista contagia
as reflexões sobre o meio ambiente, desencadeadas no interior da escola.
E a vida cotidiana, a prática escolar, as teorias pedagógicas estão repletas deste fenô-
meno. Reduzir o mundo a uma máquina, reduzir o cérebro a um computador, a escola
a um programa e a ação dos professores a uma programação, significa não aceitar que
estamos tratando com sistemas complexos, com indivíduos vivos, para aqueles que
cada ação é única e cada efeito nunca é completamente reproduzível.
(MAYER, 1998, p. 221, tradução nossa)
34
eliminá-las (SATO et al., 2001). Assim, aguardar as incertezas e o inesperado pode também
representar um atributo essencial do conhecimento.
Levamos em consideração a idéia de que as concepções d@s docentes, bem como as
condutas a elas associadas, evoluem e mudam através de processos mais ou menos cons-
cientes de reestruturação e construção de significados baseados na interação e no contraste
com outras idéias e experiências. Defendemos a idéia de que a evolução das concepções
pode ser favorecida ou acelerada por processos de investigação que desafiem os sujeitos a
selecionar problemas; a tomar consciência das idéias e condutas próprias; a considerar
estas como hipóteses; a buscar o contraste argumentativo e rigoroso com outros pontos de
vista e com dados procedentes da realidade; a tomar decisões refletidas sobre as idéias a
serem mudadas e de por que mudar mudá-las.
Através deste diagnóstico inicial, chegamos à conclusão de que a formação de professor@s
em Educação Ambiental, além de levar em conta os problemas práticos d@s professor@s, deve
considerar suas concepções e experiências, as contribuições de outras fontes de conhecimento
e as inter-relações que podem ser estabelecidas entre eles.
Durante a primeira etapa do trabalho, também procuramos conhecer as comunidades ru-
rais, seus costumes, seus problemas e suas simbologias. Reconhecemos que a escola não é
isolada de seu entorno e as atividades em EA devem buscar a aliança entre os participantes da
comunidade escolar. Mais do que isso, é preciso sublinhar a função da escola como produtora e
mantenedora das múltiplas manifestações culturais tecidas quotidianamente, buscando elos in-
trínsecos entre a expressão social e natural de cada local.
2ª ETAPA:
Organizamos, com a colaboração das Secretarias Municipais de Educação e das direções
das escolas, reuniões com os/as professor@s com o intuito de apresentar uma proposta de um
curso de EA. Para tal, seria necessário estimular a constituição de grupos de trabalho, em cada
município, para participar dos cursos.
Muit@s professor@s demonstraram entusiasmo, pois o curso vinha ao encontro da expec-
tativa gerada pelo próprio tema - Meio Ambiente, além de ser oferecido por profissionais com-
petentes na área.
Foram constituídos quatro grupos de professor@s, um por município, envolvendo direta-
mente 273 professor@s, pertencentes a 45 escolas. Os grupos eram formados por professor@s
que atuavam na educação infantil, nos ensinos fundamental e médio, em diferentes áreas do
conhecimento. A grande maioria dos participantes atua em escolas rurais, muitas destas com
classes multisseriadas, uma triste realidade das escolas rurais, que ainda não encontraram
caminhos próprios para o desenho curricular compatibilizado com a agricultura ou condições
sociais e naturais da biorregião. Neste sentido, vale lembrar que a maioria dos livros didáticos
35
traz situações urbanas completamente distantes destas realidades, além de toda ideologia expli-
citada, conforme mostram inúmeros estudos sobre a qualidade dos livros didáticos.
Por outro lado, também conhecemos a inadequada realidade da formação docente rural
que, pela ausência de políticas claras para estas regiões, sofre da lacuna da formação profissi-
onal, tanto inicial quanto continuada. Paradoxalmente, Gatti (1997) nos revela números surpre-
endentes desta área rural, afirmando que o ensino fundamental das regiões não urbanas cor-
responde a 80,2% das funções docentes de todo o cenário nacional. Embora as universidades
tenham se esforçado para atender certas modalidades de extensão em detrimento da pesquisa, os
processos avaliativos que encontramos no interior dos programas de pós-graduação privilegiam a
“produtividade científica” da pesquisa, ao invés da política de formação de professor@s ou fortale-
cimento dos cursos de licenciatura. Assim, a política universitária “torna-se insensível em relação
ao funcionamento efetivo e ao desempenho desta modalidade de curso” (GATTI, 1997, p. 51).
Isso certamente reflete na condição salarial do professorado, que traz a angústia do debate
sobre a profissionalização e a carreira no magistério. “O enaltecimento teórico feito à figura do
professor camufla uma situação profissional precária e pouco compensadora, tanto pessoal
como economicamente” (GATTI, op. cit. p. 60), trazendo também estudos sobre as relações de
gênero, nas quais predomina a personagem feminina no magistério. Embora não linear, a des-
valorização econômica adentra espectros sociais, reduzindo a satisfação e a participação mais
efetiva, além de permitir uma relação pessoal mais difusa.
Um bom exemplo para superar esta crise foi dado pelo Instituto de Educação da Universidade
Federal do Mato Grosso (UFMT) que, através de convênios com a Secretaria de Estado de Educa-
ção (SEDUC/MT) e o Sindicato dos Trabalhadores em Educação (SINTEP), promove o Programa
Interinstitucional de Qualificação Docente para o Estado de Mato Grosso, que visa à formação de
professor@s dit@s “leig@s” no curso de Licenciatura em Pedagogia, que já estão em exercício -
portanto, simultaneamente, educação inicial e continuada. O professorado exerce sua função do-
cente em período parcial e estuda no outro período, sendo incentivado através de seu salário
integral (40 horas). O desafio que aí se estabelece faz com que os discursos excessivamente
teóricos inseriram-se em práticas vivenciadas, permitindo a verificação da “epistemologia da prá-
tica” (MONTEIRO, 2001), ou seja, uma combinação de elementos teóricos com a ação concreta.
Soterrado por uma avalanche de informações, profissionais das mais diversas áreas se
ressentem de uma formação que venha torná-los capazes de incorporar conhecimen-
tos que lhes possibilite o aprimoramento de suas práticas. A sobrevivência de certos
profissionais e até a de sua profissão estão profundamente vinculadas à possibilidade
de uma formação contínua. Isso tem colocado para os centros formadores e para
aqueles que hoje vêm discutindo a formação do professor um problema novo: formar
o profissional que nunca está formado. (PIMENTA, 2000, p. 94)
36
A prática d@s professor@s estaria sendo constantemente reelaborada pela “reflexão sobre
a ação”, isto é, pela reflexão empreendida antes, durante e depois da sua atuação, tendo em
vista a superação das dificuldades experienciadas no cotidiano escolar (PIMENTA, 1996).
3ª ETAPA:
Conhecendo melhor a realidade de intervenção e com o grupo estabelecido, promovemos,
em cada município, seminários que versavam sobre os fundamentos teóricos da EA, os problemas
ambientais e estratégias de solução, e o desenvolvimento de projetos de EA no entorno escolar.
Os primeiros seminários realizados foram quinzenais, e depois espaçados para mensais,
realizados na sede dos municípios, nos meses em que @s professor@s exercem as atividades
docentes. Esta fase do trabalho teve a duração de 120 horas desenvolvidas nos municípios e mais
30 horas de trabalho, envolvendo @s professor@s dos quatro municípios em um seminário pro-
movido na Universidade em que atuamos. Optamos por encontros mensais, ao invés de concentra-
dos em um período, pois, deste modo, julgamos que o trabalho de pesquisa-ação seria favorecido.
No primeiro seminário, foram realizadas atividades para o planejamento do programa de
formação. O desenho deste curso foi participativo, conforme as necessidades d@s professor@s
envolvid@s, para a definição das metas, da análise crítica dos problemas observados e do estabe-
lecimento de uma dinâmica que melhor se adequasse à construção da EA. Em momentos posterio-
res, foram estudados alguns fundamentos teóricos da Educação Ambiental, como “noções de
ambiente”; “desenvolvimento e educação”; “histórico crítico da EA”; “Agenda 21” e outros temas.
Este embasamento teórico possibilitou a avaliação crítica dos problemas ambientais, com busca de
estratégias para solução destes, através dos engajamentos responsáveis e participativos.
Em relação à organização curricular, @s professor@s estiveram envolvid@s com dois gran-
des documentos básicos: os “Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)”, propostos pelo Ministé-
rio da Educação (MEC) para todo cenário nacional, além do “Padrão Referencial de Currículo
(PRC/RS)”, construído no bojo da realidade gaúcha. Tais documentos foram importantes na
elaboração dos Projetos Político-Pedagógicos próprios, facilitando a elaboração de projetos que
possibilitassem a inserção da EA em bases epistemológicas concretas, fazendo emergir o diálo-
go entre a ação e a reflexão para a (re)construção crítica do desenho curricular.
Foram realizadas inúmeras oficinas pedagógicas e também trabalhos de campo, com a inten-
ção de subsidiar a prática pedagógica d@s professor@s, através de reflexões críticas. Durante os
seminários realizados no segundo semestre de 1999, @s professor@s foram desafiad@s a elabo-
rar projetos de trabalho para serem desenvolvidos na escola e seus arredores que contemplem as
temáticas de EA. Estes projetos foram discutidos, planejados, avaliados e implementados.
Também durante os seminários de EA, @s professor@s apresentaram as experiências de EA que
estavam sendo desencadeadas nas escolas, além de reflexões sobre o processo e sobre os resultados
dos trabalhos desenvolvidos. Neste contexto, @s professor@s foram estimulad@s a refletir sobre o
37
significado do que faziam. Não cabia a el@s apenas ensinar, mas investigar, refletir, julgar e produzir
conhecimentos comprometidos com mudanças em suas práticas educativas cotidianas.
Os seminários auxiliaram na construção de projetos de EA para as escolas, além de possibilitarem
uma reflexão sobre as concepções d@s professor@s a respeito da EA e de como abordá-la pedagogi-
camente, inserindo-a nos currículos. Constituíram, assim, um rico espaço para que @ docente pudesse
vivenciar, trocar experiências, repensar ações, revisar conceitos, bem como analisar criticamente, com
seus/suas colegas, a sua práxis - a sua cotidianidade de pensar, agir e refletir.
Sempre tivemos, ao longo dos cursos, uma atitude de escuta e de elucidação dos vários aspectos
em estudo, sem imposição dos diversos aspectos da situação, e sem imposição unilateral de nossas
concepções. A prática reflexiva coletiva caracterizou-se pelo respeito às diversas opiniões e através dos
fóruns democráticos de discussão, em constante processo de diálogo e (re)construção da EA.
Convém destacar que, no final de 1999, muit@s professor@s estavam envolvid@s em pro-
jetos que visavam à incorporação da EA no currículo escolar.
4ª ETAPA:
A partir de 2000, passamos a intervir mensalmente, auxiliando a ressignificar a prática do
planejamento e a inserir a EA enquanto política efetiva das escolas. A ação conjunta com os
grupos de professor@s partiu dos problemas e interesses concretos apontados por el@s própri@s,
e, posteriormente, favoreceu a análise da prática docente, com a tomada de consciência sobre
os modelos implícitos nela.
Os conhecimentos foram construídos na perspectiva de um pensamento globalizado, articu-
lados em projetos de trabalho, procurando superar os limites das disciplinas escolares, enfati-
zando a articulação da informação necessária para tratar o problema objeto de estudo. As
relações entre os conteúdos e áreas do conhecimento existiram em função das necessidades
que levaram a resolver uma série de problemas que surgiram: os temas ou os problemas exi-
gem a convergência de conhecimentos. A globalização, “mais do que uma atitude interdisciplinar
ou transdisciplinar, é uma posição que pretende promover o desenvolvimento de um conheci-
mento relacional como atitude compreensiva das complexidades do próprio conhecimento hu-
mano” (HERNÁNDEZ & VENTURA, 1996, p. 45, tradução nossa). Enfatizamos que a idéia de
globalização apresentada inicialmente pel@s professor@s era de globalização através de Cen-
tros de Interesse, fruto da formação inicial deles, especialmente do Curso Normal.
Salientamos, todavia, que a globalização aqui expressa refere-se à complexidade do pen-
samento. Não é questão econômica, pois este há que ser duvidado, já que se caracteriza por ser
“uma tendência americanizante que não passa de uma MacDonaldização do mundo - uma des-
sacralização massiva, uma banalização exagerada, uma profanação consentida vestida de alte-
ridade” (MARQUES, 1999, p. 66).
No planejamento, partimos da elaboração de “redes” ou “labirintos”, permitindo ao grupo
38
aproximar-se da complexidade do conhecimento em estudo. “As redes conceituais podem ser
interpretadas, de um lado, como analogias semânticas de um recorte da estrutura cognitiva (a
qual simboliza nossos saberes) e, por outro lado, como analogia semântica dos modelos neurô-
nicos (que representam corporalmente nossos saberes)” (GALAGOVSKY, 1993, p. 307 - tradução
nossa). Elas são guias para os docentes no ensino. Nas redes, os conceitos não necessariamen-
te derivam de outros mais gerais e inclusivos, mas adquirem em si mesmos a categoria de “nós
articuladores” que contribuem para a explicação e representação de um fenômeno.
Através da construção das redes foi possível definir critérios para selecionar conteúdos e
visualizar os conceitos periféricos e centrais. Convém destacar que os objetivos perseguidos
pel@s professor@s não eram apenas de ordem cognitiva, mas sempre houve a preocupação
com a dimensão afetiva (sensibilização e envolvimento para responsabilidade e ação) voltada à
transformação (política).
Os projetos desenvolvidos enfatizaram a metodologia de resolução de problemas ambien-
tais locais, como tema gerador da Educação Ambiental (LAYRARGUES, 1999) no qual o diálogo
foi um caminho para a produção de saberes. Na pesquisa-ação, como afirma Thiollent (1998),
todas as pessoas implicadas têm sempre algo a “dizer” e a “fazer”.
Os projetos foram desenvolvidos numa perspectiva interdisciplinar, procurando integrar as
duas perspectivas complementares da EA: perspectiva natural e perspectiva cultural (SAUVÉ,
1997). Os trabalhos de EA priorizaram os problemas locais que afetavam as comunidades. Toda
a dinâmica do processo foi enfatizada, irradiando uma concepção pedagógica que visava à
compreensão e à transformação da realidade, fazendo com que a atividade-fim fosse o resulta-
do natural de uma caminhada reflexiva.
A resolução do problema não era entendida pel@s professor@s e comunidade escolar
como uma questão meramente técnica, pelo contrário, havia uma ampliação do trabalho, corro-
borada pelo processo de sensibilização, construção de conhecimentos, compreensão, envolvi-
mento e responsabilização da comunidade escolar em relação aos problemas ambientais locais,
permitindo uma ação mais responsável no ambiente.
A trajetória percorrida pelos grupos não foi linear. Inúmeras dificuldades e obstáculos fo-
ram sentidos durante o processo que, em alguns instantes, nos fizeram colocar em xeque o
papel da pesquisa-ação na formação de professor@s em Educação Ambiental. Passamos a
reconhecer que existem certas divergências quanto à compreensão da pesquisa-ação – ora
compreendida como um processo de intervenção que oportuniza a autonomia da população
envolvida (com ruptura do sujeito-objeto), durante e além do tempo da pesquisa propriamente
dita; ou somente um processo de participação ativa quanto à duração da intervenção, no qual
39
pesquisador@s e pesquisad@s tornam-se sujeitos de um mesmo processo (SATO, 2001). Esta
nossa investigação permite afirmar que a primeira situação é a mais difícil de ser concretizada,
pois a situação educativa fica permanentemente em crise com inúmeras orientações paulatinas
que ocorrem de forma desorganizada, obrigando @s pesquisador@s e sujeitos pesquisad@s a
responderem a novas demandas, com descontinuidade dos processos iniciados.
Tradicionalmente, as pesquisas são percebidas como um projeto com início, meio e fim,
obrigando as escolas a encontrarem novas frentes, nascidas no contexto local ou, geralmente,
em função dos “pacotes” autoritários determinados pelas secretarias de educação ou pelo Minis-
tério da Educação, tornando os currículos inflexíveis e com ausência de políticas efetivas de
formação de professor@s, para a reflexão das ações em desenvolvimento.
Através da avaliação continuada do projeto, percebemos que o trabalho com projetos visando
à resolução de problemas ambientais locais permitiu, durante o período de assessoria às escolas:
• a abertura para os conhecimentos e problemas que circulam fora da sala de aula e que
vão além do currículo que tradicionalmente a escola tem desenvolvido;
• em relação à construção do conhecimento, @s professor@s assumiram seus papéis de
problematizadores, mediando o processo pedagógico e sublinhando a aprendizagem, ao
invés da centralização do ensino;
• a organização do conhecimento de modo multidisciplinar e muitas vezes na perspectiva
interdisciplinar;
• a participação d@s alun@s em processos de pesquisa, adequados à realidade vivenciada;
• a participação d@ alun@ no processo de planejamento da própria aprendizagem;
• a compreensão do entorno individual e coletivo por parte d@s alun@s, e as relações com
seus ambientes;
• a comunicação e o intercâmbio entre @s docentes e demais membros da comunidade
escolar, o que repercutiu não só na melhoria da qualidade do ensino, mas também no
acompanhamento personalizado da aprendizagem d@ alun@.
Segundo a avaliação d@s professor@s, merece destaque o fato de o trabalho ter permitido
uma aprendizagem baseada na interpretação da realidade, ter contribuído para @s alun@s
construírem seu processo de aprendizagem e ampliarem os conhecimentos e estratégias cons-
truídas em outras circunstâncias e problemas.
Como fruto do trabalho desenvolvido, @s professor@s de um município estão sentindo a
necessidade de construir um Projeto Político-Pedagógico (PPP) próprio, que incorpore a dimen-
são ambiental como política efetiva das escolas. Enxergam a pesquisa-ação como uma forma
para reestruturar os currículos escolares, e criticam os currículos impostos de cima para baixo.
Afirmam que através da pesquisa contínua para a resolução de problemas ambientais, o currícu-
lo pode ser construído e transformado pela própria comunidade escolar. Reconhecem que os
efeitos de uma proposta curricular não ocorrem em prazos curtos, é preciso tempo para matu-
40
ração, avaliação e planejamentos constantes.
O estudo sobre as escolas deste município, permite-nos afirmar que a EA pode contribuir
para modificar as concepções de escola e de educação (MAYER, 1998):
a) de uma escola que transmite conhecimentos elaborados em âmbito externo para uma
escola que constrói conhecimentos relevantes em âmbito local;
b) de uma escola na qual os objetivos estão vinculados quase que exclusivamente aos
conhecimentos (saberes) prontos e acabados, para uma escola que quer enfatizar os sen-
timentos, discutir valores, criar novos comportamentos; e
c) de uma escola estática que é modificada tardiamente pelos estímulos da sociedade, para uma
escola que quer modificar a sociedade e que não aceita ser subalterna a outras instituições.
No trabalho desenvolvido, com a experimentação e inovação, aconteceu a investigação. Isto fez
com que a EA não fosse transformada numa prática de rotinas. Acreditamos que @ professor@ deve
investigar e refletir sobre o significado do que está fazendo, ou seja, sobre a epistemologia na qual se
baseia a inovação. É justamente a reflexão sobre a ação um dos elementos que permite uma mudança
profunda, que coloca em discussão a imagem do que é e deve ser a educação.
A pesquisa-ação permitiu aos/às professor@s, aos/às estudantes e às estruturas aprender
através da experiência e a modificar-se conjuntamente, não através de um processo “que vem
de cima” (da universidade, do Ministério de Educação, ou de qualquer órgão tomador de deci-
são), mas que foi construído horizontalmente através de um processo de contágio, no qual todos
contribuem para a formação e todos constroem a própria formação, inclusive os pesquisadores
universitários. No processo vivenciado pel@s professor@s os momentos de inovação e de for-
mação não estiveram separados.
41
fissional d@s professor@s rurais em EA está ligada ao desenvolvimento de processos de inves-
tigação d@s professor@s, baseados no tratamento de problemas curriculares; o processo de
investigação, em equipes que se encontram em um nível mais evoluído de desenvolvimento
profissional, pode e deve ser autônomo; não existe uma representação estática e finalista de um
conhecimento profissional, mas uma hipótese de progressão deste. O conhecimento passa por
processos de contínuas reorganizações. Até o momento, percebemos que a incorporação da
dimensão ambiental na educação formal está sendo um processo lento, mas bastante significa-
tivo. Isso significa dizer que é preciso rever a temporalidade da acomodação dos conhecimen-
tos, retirando o caráter autoritário do “timing” proposto pelas inúmeras agências financiadoras,
ainda ancoradas em “produtos” educacionais em curto prazo. Os frutos colhidos nos revelam
que o tempo é mera condição imposta, mas a qualidade do trabalho revela que a incorporação
de temas ambientais no currículo ancora-se nas exigências éticas e metodológicas da EA, que
incidem sobre a própria concepção de ensino e sobre as condições de aprendizagem.
Para que a reflexão possa ter o enraizamento necessário, contribuindo para a compreen-
são educacional, é preciso garantir certas condições no ambiente de trabalho escolar e nas
relações entre o grupo de formador@s de professor@s. É preciso acreditar na coletividade, na
“convivibilidade” (MORIN, 2000), na ética e na solidariedade capaz de fazer emergir uma
comunidade de aprendizagem que contribua com o fenômeno educativo. Precisamos, assim,
saber ouvir as inúmeras “vozes ainda ausentes” da relação entre a universidade e as escolas
(PIMENTA, 2000). Da mesma maneira, a EA deve permitir um conhecimento ancorado em
sonhos, que permaneça no impulso criativo e crítico das diversas formas de existência e que,
sobremaneira, consiga novas formas de ultrapassagens às violências vivenciadas pela nossa
era. O caminho pode ser longo e difícil, mas saberemos esperar atuando como protagonistas
na construção de um mundo que queremos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COLLARES, C.A.L.; MOYSÉS, M.A.A.; GERALDI, J.W. Educação Continuada: a política da des-
continuidade. Educação & Sociedade, n. 68, 1999, p. 202-219.
42
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44
pararefletir
1. O texto reivindica um currículo tecido na presença dos sujeitos sociais que fazem
num currículo ainda marcado pelas heranças fragmentadas das divisões? Como manter
coleta seletiva de lixo sem nenhuma discussão dos modelos de consumo. Projetos esco-
Escola (Redescola) são ousadias de quem tem a capacidade de mudar. Como mudar?
45
“Não basta criar um
novo conhecimento, é
alternativas de
realização pessoal e
a quem se destinam”.
Souza Santos
Projeto EDAMAZ
46
educação ambiental a
distância - o caso EDAMAZ1
Michèle Sato2
APRESENTANDO O EDAMAZ
1
Parte do texto publicado na Revista “Tópicos en Educación Ambiental”, v.2, n.4, 2000. p. 41-48.
2
Professora e pesquisadora do Instituto de Educação / UFMT (michele@cpd.ufmt.br).
3
Acatando a recomendação da Rede de Gênero, utilizaremos a simbologia “@” para evitar a linguagem sexista presente nos textos.
47
pontuais. Contra o puro ativismo, ou o teoricismo sem prática, investigamos a melhor estratégia
de agir com reflexão, na eterna ciranda dialética da integridade e integração dos sistemas.
Considerando a limitação do tempo e do espaço, além da lógica organização desta publica-
ção, abordaremos, somente, uma das ações do projeto de pesquisa intitulado “Educação Ambi-
ental na Amazônia (EDAMAZ)”, que tenta trazer a indissociabilidade entre as três esferas acadê-
micas, numa arrojada proposta de emergir o ensino (em quatro licenciaturas - Pedagogia, Filo-
sofia, Biologia e Química), os cursos de extensão a distância (de 120 horas), e o programa de
pós-graduação no nível da pesquisa.
O grupo responsável é composto por diversas áreas do conhecimento, como a Biologia, a
Pedagogia, Filosofia, Engenharia Civil, Elétrica, Nutrição, Administração, Letras, Comunicações e
Psicologia. Investigamos, neste contexto, temas como a formação de professor@s, a EAD, a
perspectiva da Pós-Modernidade na educação, a complexidade do gênero, o problema dos resí-
duos sólidos, a cultura, os movimentos sociais no ambientalismo, a comunicação, as estratégias
lúdicas em EA, a questão da saúde e da nutrição, os sistemas geográficos de informação, as
representações sociais e a contribuição da filosofia na EA. As pesquisas individuais são conver-
gentes na EA, e os frutos obtidos auxiliam no trabalho coletivo.
A equipe do Brasil compreende que a institucionalização ocorre democraticamente entre
@s professor@s, técnic@s e estudantes, mesmo reconhecendo que @s docentes tenham uma
função acadêmica mais direta. Compreendemos que a institucionalização é um processo amplo,
que deve sempre considerar estas três esferas, desencadeando uma extensiva participação nos
processos decisórios de uma universidade.
Nosso projeto inicia-se em 1993, logo após a Eco-92, quando a Organização Univer-
sitária Inter-Americana (OUI) e o Consórcio de Rede de Educação Aberta e a Distância
(CREAD) aprovaram um projeto de cooperação sul-sul (entre o Brasil, a Bolívia e a Co-
lômbia), e destes países com o Canadá, estabelecendo, também, a cooperação norte-
sul. A coordenação geral é do Canadá, da Université du Québec à Montréal (UQÀM), e há
o envolvimento da Universidad de la Amazonia (UA), na Colômbia; da Universidad Autó-
noma Gabriel Rene Moreno (UAGRM), na Bolívia; e nós, da UFMT. O objetivo do EDAMAZ
era, então, promover a formação de docentes em EA, do ensino fundamental, através da
inovadora EAD.
Após alguns anos, em 1996, com o financiamento da Canadian International Debvelop-
ment Agency (CIDA), o projeto teve uma reestruturação e ampliou seus objetivos. Assim,
com um perfil de pesquisa participativa, os objetivos se ampliaram, tornando cada equipe
responsável em suas atividades, buscando cumprir os objetivos traçados inicialmente. Den-
tro desta abordagem, o EDAMAZ teve início com o processo de co-formação entre as equi-
pes universitárias que, através de seminários, grupos de estudos e intervenções, iniciou a
construção dos referenciais, práticos e teóricos, em EA. No Brasil, cinco estudantes desen-
48
volvem o Mestrado, quatro na UFMT e um na UQÀM.
Resgatando o objetivo inicial do EDAMAZ, na perspectiva de oferecer um curso de EA a
4
distância, lembramos que era necessário formar os “tutor@s acadêmic@s ”, para mediati-
zar o curso. Assim, em 1998, surgiu o curso de especialização em EA, visando à formação
de divers@s profissionais, para a animação pedagógica no curso de EA a distância. Após
este curso, a equipe centrou-se na elaboração, planejamento, execução e avaliação de um
curso de EA, em trabalho conjunto da equipe EDAMAZ, agora ampliada com as coordenado-
ras pedagógicas, coincidentemente todas mulheres, formadas durante o curso de especiali-
zação. O planejamento participativo foi, certamente, um dos fatores que contribuíram com
os sucessos do projeto, uma vez que o desenho do curso foi ancorado nas realidades das 4
escolas públicas. É sobre este curso de EA a distância que queremos sublinhar nosso texto.
Entretanto, antes de refletirmos sobre nossas ações, sentimos necessidade de elaborar algo
em Educação Aberta e a Distância, além de um pequeno referencial teórico em Educação
Ambiental, uma vez que necessitamos de determinados alicerces epistemológicos para cons-
truir nossa ação-reflexão-ação.
Estamos cientes de que nesta fase de “modernidade tardia, a intensificação do processo de
globalização gera mudanças em todos os níveis e esferas da sociedade, criando novos estilos de
vida, novas maneiras de pensar e de aprender” (BELLONI, 1999). Queremos assinalar os aspec-
tos vitais do processo da aprendizagem a distância em EA, sem, contudo, enfatizar os meios
tecnológicos, como se fosse o único discurso possível para a entrada ao Terceiro Milênio. Igual-
mente, não acreditamos que a EA, sozinha, possa transformar todas as realidades mundiais,
como a fome, miséria ou a extinção das espécies. Não se trata, também, de propor uma revolu-
ção que vai superar problemas emergenciais de repetência, evasão escolar ou deficiências na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996).
Parafraseando Paulo Freire (1991), “se a educação tudo pudesse, ou se ela pudesse
nada, não haveria por que falar de seus limites, nem de suas potencialidades”. Acreditamos
na EA, ou na EAD porque, não podendo tudo, podem alguma coisa. Assim, temos que saber
enxergar o que podemos fazer, e utopicamente, sermos capazes de realizar. Evidenciamos a
importância da EA, uma vez que a educação tradicional negligencia o ambiente em seus
contextos. Igualmente, acreditamos na EAD, em uma organização diferente que possibilita
novas formas de “realizar”.
Na nossa compreensão, tanto a Educação Ambiental como a Educação Aberta e a Dis-
tância trazem elementos inovadores nos sistemas educativos. A primeira traz a importância
4
Embora a literatura internacional privilegie o termo “tutor@ acadêmic@”, o EDAMAZ utilizou a nomenclatura “animador@”. Por
razões de não familiaridade com o termo, o Brasil preferiu a utilização do termo “coordenador@s pedagógic@s”, aproveitando-se do
cargo existente nas escolas públicas.
49
de inserir a dimensão ambiental no cotidiano, fazendo com que o ambientalismo não seja
apenas um modismo de uma época, mas que seja incorporado nos projetos de vida, desper-
tando a criticidade na análise dos problemas que a humanidade atravessa, e buscando es-
tratégias que possam garantir uma vida mais sustentável na Terra. A outra dimensão vem
transformar os métodos de ensino e a organização escolar tradicional. A EAD, mediatizada e
inovadora, sublinha as mudanças, de um@ professor@ centralizador e autoritário e um@
alun@ dependente e periférico, para “um professor mais coletivo e um aprendiz mais autô-
nomo” (BELLONI, 1999).
Assim, a nossa proposta é tornar a EA e o processo da EAD, mais frequentes nos
sistemas educativos, assumindo funções de gerar conhecimento, através de investiga-
ções que possam substanciar uma real formação de profissionais em longo prazo, numa
verdadeira educação permanente. Ancorad@s nestes pilares epistemológicos e ontoló-
gicos, estamos convict@s que a “ formação de professor@s determina a qualidade da
educação ” (DEMO, 1996). Em poucas palavras, podemos sintetizar afirmando que am-
bas encerram uma proposição mais aberta e flexível, supostamente adequada às no-
vas demandas culturais e naturais. Representam uma resposta às necessidades de
mudanças, de inovações e esperanças para que o sistema educativo consiga cumprir,
pelo menos em parte, suas obrigações para a construção de uma sociedade mais eco-
logicamente justa.
50
“pré-conceito” difuso em relação à EAD.
Se, na década de 70, a América Latina viveu uma série de iniciativas, cujas bases
eram a EAD, muitas delas fracassaram por não verificarem certos “preceitos” na constitui-
ção de sistemas em EAD como, por exemplo, implementar trabalhos localizados que aten-
dessem às demandas específicas, com um rígido controle de avaliação e, sobretudo, sem
que fosse possível criar uma infra-estrutura mínima, cujo objetivo fosse o de permitir a
diversificação de projetos.
A EAD, enquanto prática educativa, deve considerar a realidade e comprometer-se
com os processos de libertação do ser humano em direção a uma sociedade mais justa,
solidária e igualitária. Enquanto prática mediatizada, deve fazer recurso à tecnologia,
entendida como “um processo lógico de planejamento, como um modo de pensar os cur-
rículos, os métodos, os procedimentos, a avaliação, os meios, na busca de tornar possível
o ato educativo” (PRETI & SATO, 1996). Exige-se, pois, uma organização de apoio institu-
cional e uma mediação pedagógica, que garantam as condições necessárias à efetiva-
ção do ato educativo.
Nesse contexto, os elementos constitutivos devem incorporar um processo de ensino-apren-
dizagem mediatizado, de comunicação bidirecional e, sobremaneira, um estudo individualizado.
São suas características:
• abertura: uma diversidade e amplitude de oferta de cursos, com a eliminação do
maior número de barreiras e requisitos de acesso, atendendo a uma população nume-
rosa e dispersa, com níveis e estilos de aprendizagem diferenciados, para atender à
complexidade da sociedade moderna;
• flexibilidade: de espaço, de assistência e tempo, de ritmos de aprendizagem, com
distintos itinerários formativos que permitam diferentes entradas e saídas e a combi-
nação trabalho/estudo/família, favorecendo, assim, a permanência em seu entorno
familiar e laboral;
• adaptação: atendendo às características psicopedagógicas de alunos que são adultos;
• eficácia: o estudante, estimulado a se tornar sujeito de sua aprendizagem, a aplicar
o que está aprendendo e a desenvolver a auto-avaliação, recebe um suporte pedagó-
gico, administrativo, cognitivo e afetivo, através da integração dos meios e de uma
comunicação bidirecional;
• formação permanente: há uma grande demanda, no campo profissional e pessoal,
para dar continuidade à formação recebida “formalmente” e adquirir novas atitudes,
valores e interesses; e
• economia: de deslocamento, evita o abandono de local de trabalho, de formar
pequenas turmas, permitindo uma economia de escala. (PRETI & SATO, 1996)
A EAD deve ser participativa e ser adequada à realidade d@ aprendiz através das
51
práticas sociais críticas e criativas. Deve favorecer uma atitude investigativa, além de
oportunizar momentos de comunicação e expressão, e igualmente, deve ser bela, praze-
rosa e lúdica.
A organização de um sistema de EAD é mais complexa, às vezes, que um sistema
tradicional presencial, visto que exige não somente a preparação de aulas e/ou de mate-
rial didático específico, além da integração de “multimeios” e a presença de especialistas
nesta modalidade. O sistema de acompanhamento e avaliação requer, também, um trata-
mento especial.
Essa modalidade alternativa oferece uma nova relação pedagógica, pois o profes-
sor deixa de ser o eixo, o ponto estratégico dessa relação. Ele continuará profes-
sando seu credo, via o material didático que irá produzir numa postura dialogal
com o interlocutor. E o estudante, o outro parceiro do diálogo, da interlocução, será
convidado a abandonar a postura passiva, para conduzir a sua própria formação.
Passa a ser o centro de todo o processo de aprendizagem. Há um movimento inte-
rativo e dialético, uma comunicação bidirecional do estudante com o autor, através
do material didático e das novas tecnologias de comunicação. Portanto, aposta-se
na autonomia, no autodidatismo, na capacidade do estudante aprender por si. Ain-
da mais que se trata de um estudante adulto e que não deverá sentir-se sozinho e
isolado. (PRETI & SATO, 1996)
52
FIGURA 1: OS COMPONENTES DA EAD
Estudantes
Multimeios Diálogos
Especialista Animador@s
Materiais
Para não fugir do escopo do trabalho (já que poderíamos debater a EAD muito mais extensa-
mente), poderíamos consubstanciar este tema enfatizando que não podemos contrapor a EAD
com a educação presencial. A EAD, por isso, não pode ser classificada como uma metodologia de
ensino, ela deve ser encarada como uma modalidade de instrução que, por sua própria natureza,
minimiza a interação cara a cara, porém gera o uso de uma série de meios instrucionais.
Na ebulição das transformações sociais, que ocorrem de uma forma paulatina, a universi-
dade deve perceber que a sua autonomia não se estabelece somente dentro dos muros univer-
sitários. Responsável pela sua própria existência, deve resgatar a sua verdadeira função, dentro
de novas conjunturas sociais, culturais, políticas e ambientais.
No contexto da inclusão da dimensão ambiental nas universidades, o “I Seminário Universi-
dade e Meio Ambiente na América Latina e no Caribe” (UNESCO & PNUMA, 1985) centralizou as
análises nas discussões dos resultados de um diagnóstico realizado em 22 universidades, em
que mostrava os avanços dos programas ambientais. Compreendendo que a temática ambiental
deve evitar posições reducionistas, uma das fortes recomendações desse encontro foi a integração
dos conhecimentos, nas perspectivas interdisciplinares e intercientíficas. Wieder (1997), todavia,
analisa as recomendações desse encontro e considera que a interdisciplinaridade não ocorre por
decreto, nem por recomendações. Há muitos obstáculos a serem superados nos sistemas universi-
tários, que requerem uma discussão mais complexa do que simplesmente aceitar as orientações.
Para Buarque (1993), uma das causas da amarra universitária às formas tradicionais de
pensar, aprisionando-as ao passado, está na busca da eficiência na produção do pensamento,
através das especializações. Nesse pensamento cartesiano, a universidade ainda não conseguiu
dar um salto para a nova realidade de ruptura.
53
O debate de qualquer modelo universitário deverá enfrentar as questões verificadas pelas
pesquisas e pelas demandas de qualificação do “paradigma científico e tecnológico” e suas
implicações políticas, especialmente no que diz respeito à “liberdade, eqüidade e solidariedade”
expostos na nossa LDB (BRASIL, 1996). É nesse contexto que o EDAMAZ tem o seu compromis-
so, na formação e na qualificação de profissionais, na continuidade dessa formação e na ousadia
de incorporar a EA como um dos grandes temas para a melhoria dos sistemas educacionais.
De Fátima
Frutos
5
GAARDER, Jostein O Mundo de Sofia. São Paulo: Cia. Das Letras. Tradução de João Azenha Júnior, 1995. 555 p.
54
Evidenciando a importância do “diálogo”, é evidente que a interdisciplinaridade só ocorre
quando percebemos nossa limitação (eu sei que nada sei), mas ao mesmo tempo, reconhe-
cemos que podemos oferecer algo durante um trabalho em conjunto (diálogo).
Assim, refletir nossa condição pessoal nos obriga a pensar na nossa relação com @ outr@.
Nessa ponderação, é preciso discutir a questão do gênero, uma vez que a humanidade sempre
testemunhou uma dominação masculina muito forte. Utilizando uma metáfora, acreditamos que,
por muito tempo, a evolução da humanidade era assistida apenas com um olho, como se tivesse
um “tapa-olho”, deixando a visão fragmentada. Quando foi possível enxergar o mundo com os
dois olhos, a paisagem ficou mais clara, com mais foco e beleza. Pensamos que, se antes os
homens dominavam os espaços sociais, hoje as mulheres também contribuem para criar um
mundo mais justo. Não acreditamos em superioridade de sexos, não valorizamos o olho esquer-
do ou o direito, mas reconhecemos a importância de enxergarmos com os dois olhos, bem
abertos e muito críticos. Assim, pensar na relação humana exige o esforço de considerarmos,
também, a condição de conferir espaços aos dois sexos.
Se aceitarmos a desigualdade social, estaremos, também, aceitando a injustiça com a natu-
reza. Se as relações estabelecidas em uma sociedade porem autoritárias, com certeza a relação
com a natureza também será vertical, fechada e perversa. Durante a década de 70, os programas
internacionais visavam a estudar a relação “homem-natureza”, como o projeto “Man And Bios-
phere - MAB”, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
Hoje, na época de transição, que muitos denominam de “Pós-Modernidade”, cremos que devemos
iniciar um debate mais amplo, mudando as relações diretas dos seres humanos com a natureza e
evitando as tendências sexistas. Dentro deste enfoque, devemos ancorar nossas utopias no com-
promisso de estudar a relação “ser humano-sociedade-natureza” (Figura 2).
Portanto a EA não é o estudo do ser humano, nem isoladamente da sociedade e, nem dos
fragmentos da natureza. A EA deve se preocupar com a integração das três esferas, para
conseguir alcançar um pensamento mais complexo, mais justo, que considere uma visão mais
55
integradora da sociedade humana e de suas relações com a natureza.
No debate internacional, três tendências se evidenciam na EA – a tradicional, a construtivis-
ta e a crítica (ROBBOTOM & HART, 1993). Abreviando a discussão, poderíamos sintetizá-las
considerando que @ profissional da primeira tendência, tradicional, está muito mais preocu-
pad@ em oferecer informações ecológicas, através de um conhecimento sistematizado, objetivo
e preestabelecido. Obviamente, há o reforço do poder, com utilização de “provas” e outras ações
pontuais para inserir a temática ambiental nas escolas.
Na Segunda abordagem, interpretativa ou construtivista, @ professor@ é intuitiv@ e os
conhecimentos são derivados das experiências. A organização dos temas está de acordo com às
realidades, e há uma ambivalência no poder. Finalmente, na teoria crítica ou socioconstrutivista,
@ professor@ enfoca as questões ambientais a partir de um conhecimento emergente, colabo-
rativo e dialético. Enquanto desafia o poder, @ profissional desta corrente acredita que mais do
que as informações ecológicas e a construção dos conhecimentos nos espaços escolares, é
preciso avançar na arrojada proposta da [(trans) + (forma) + (ação)] de realidades.
Nosso intuito, neste enfoque crítico, foi oferecer um curso em EA que pudesse trazer a
criticidade dentro dos processos pedagógicos. Ancorad@s na criatividade, convidamos @ pro-
fessor@ a ser sujeito crítico de aprendizagem a distância.
De Fátima
Garças
O curso de formação em EA, para profissionais atuantes nas escolas do ensino fundamental
de Mato Grosso, através da modalidade da distância, teve duração em 1999, no bojo da discus-
são do projeto EDAMAZ. Internacionalmente, o curso teve várias características, consolidando-
se como “diploma” na Bolívia e como especialização na Colômbia e no Brasil. No Canadá, faz
parte de um curso de extensão, com a vantagem de que os créditos cumpridos são validados
quando @ estudante ingressa no Mestrado. Ainda no cenário internacional, o curso foi intitulado
“Formação de Docentes em EA a Distância (FADEA)”. Mantemos a sigla para melhor comunica-
ção entre os países envolvidos.
56
É de certa relevância indicarmos, aqui, que o Brasil foi o único país que ofereceu o curso
gratuitamente, além de materiais e outros subsídios pedagógicos, que através de financiamento
de instituições mato-grossenses (a Secretaria de Estado de Educação/SEDUC, a Fundação Esta-
dual do Meio Ambiente/FEMA, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura/UNESCO, as Prefeituras Municipais de Cuiabá e Santo Antônio de Leveger e a Papelaria
e Livraria Universitária) foi possível garantir a educação pública e gratuita.
No Brasil, quatro escolas públicas foram selecionadas para fazerem parte deste curso,
a ª
envolvendo 67 professor@s, de diversas disciplinas, mas tod@s do Ensino Fundamental (1 – 8
séries). O critério de escolha foi baseado no envolvimento prévio da escola com a dimensão
ambiental. Assim, cada escola tinha a sua própria coordenadora pedagógica, além de mais três
coordenador@s, que eram móveis, por não pertencerem a nenhuma escola. Est@s coordenador@s
móveis foram de suma importância no processo da visita às escolas. El@s eram: um engenheiro
civil, diretor do Horto Florestal; uma jornalista, editora da Rede Gazeta; e um pedagogo, jorna-
lista “free lance”, com larga experiência no âmbito escolar.
O curso foi estruturado com dois momentos presenciais: visitas às escolas e três seminá-
rios de 8 horas. Os seminários marcaram o início, meio e fim do curso – o início para a apresen-
tação entre a equipe EDAMAZ e @s participantes do curso, nos esclarecimentos da estrutura do
curso, das abordagens principais da EA e dos sistemas de operacionalização geral. O segundo
seminário, além dos referenciais teóricos da EA, foi para uma avaliação dos incidentes críticos,
com discussão das dificuldades, das propostas de superação e da manutenção dos aspectos
positivos do curso. O último seminário, também avaliativo, culminou com a mostra dos trabalhos
realizados pelas escolas. As visitas às escolas foram de suma importância para a discussão dos
problemas e realidades locais, com atendimento individualizado e adequado a cada unidade
escolar envolvida no projeto. Os seminários complementavam este processo, pois configura-
vam-se como um momento de “troca” entre as escolas, de integração geral, e também de
espaços fraternos.
A comunicação entre as escolas e a equipe EDAMAZ foi constante, através de telefonemas,
correio eletrônico e, muitas vezes, noss@s coordenador@s móveis eram visitad@s nos seus
locais de trabalho. A equipe EDAMAZ se reúne toda sexta-feira (14 – 18 horas), para seminários
internos de formação profissional, bem como grupos de trabalho e discussões gerais. Muitas
vezes, as coordenadoras estavam presentes nas reuniões, auxiliando-nos na condução do FA-
DEA, ou participando das nossas investigações.
Como subsídio do material para o FADEA, foram utilizados:
• Um kit de livros, conseguidos gratuitamente pel@s autor@s ou editoras, muitas vezes dois
exemplares de cada livro. Os livros fazem parte, hoje, do acervo da biblioteca escolar, e
muit@s professor@s, que não participaram do curso, tiveram acesso a eles.
• Um guia crítico de leitura, que foram textos, capítulos de livros ou artigos extraídos de
57
publicações, mas que não se limitaram à simples fotocópia. Para cada texto, duas pergun-
tas reflexivas foram feitas, convidando @ leitor@ a mergulhar nas idéias centrais d@ au-
tor@, para uma melhor compreensão da leitura. Além disso, cinco questões de múltipla
escolha traziam alguns elementos que favoreciam o processo de auto-avaliação. O gabarito
das questões eram encontrados na própria página, de ponta-cabeça. Embora tivéssemos a
preocupação de selecionar textos simples e de fácil compreensão, a maioria d@s professor@s
reclamou do grau de dificuldade que sentiu durante a leitura.
• Os fascículos EDAMAZ, que periodicamente era produzido pela jornalista, trazia a “tradução”
da linguagem acadêmica, favorecendo a compreensão dos textos. De ampla aceitação pel@s
cursistas, os fascículos abordavam assuntos reivindicados pel@s próprios alun@s (interdsipli-
naridade, transversalidade, plantas medicinais e lixo, entre outros temas), ou tratavam de as-
suntos fundamentais à EA, como o caso da Agenda 21 e a Carta da Terra. A seção de maior
aceitação era “mão na massa”, em que oferecíamos algumas sugestões de atividades em EA.
Uma outra seção muito popular era “notícias EDAMAZ”, na qual escrevíamos a evolução das
atividades desenvolvidas nas escolas, com informações do projeto, no cenário nacional e inter-
nacional, e isto certamente representava um grande incentivo para maior participação no curso.
• A biblioteca setorial do IE, o “Centro de Tecnologia e Documentação Educacional (CETE-
DE)” possibilitou a inscrição d@s alun@s enquanto usuários, e el@s puderam aproveitar o
nosso acervo durante o curso, uma vez que eram alun@s institucionalizados da UFMT. Além
de uma vasta diversidade e publicações atuais do CETEDE, @s alun@s ainda tiveram aces-
so aos materiais do Centro de Documentação EDAMAZ, que incorpora alguns vídeos, CD-
ROMs educativos, jogos pedagógicos, quebra-cabeças, slides e materiais úteis à EA, como
prensa e peneira para reciclagem de papel, por exemplo.
• Com o nome de “diário reflexivo”, um caderno foi oferecido a cada cursista, para que
fosse utilizado para as respostas das perguntas do guia crítico. Incentivamos @s professor@s
para pesquisas extras, e solicitamos que el@s anotassem notícias sobre a EA, ou para
colarem recortes de jornais ou revistas, e mais ainda, se tivessem vontade, @s professor@s
eram convidad@s a descreverem suas emoções, suas angústias e seus prazeres. No pro-
cesso avaliatório, consideramos também os aspectos emocionais, que muitas vezes deter-
minam a qualidade da aprendizagem, mesmo na educação de adultos. O diário possibilitou,
assim, um guia de estudos, além de servir como instrumento de avaliação, lido pel@s
docentes e coordenador@s pedagógic@s do EDAMAZ.
Cada estudante tinha uma ficha de avaliação, na qual as coordenadoras pedagógicas ano-
tavam as principais características de participação. Não era atribuída “nota”, mas somente algu-
mas anotações que favoreciam a equipe EDAMAZ a ter maior clareza da participação de cada
um@. Cada escola optou por uma dinâmica diferente de estudos, mas três escolas que privile-
58
giaram os estudos grupais forneceram mais elementos significativos na EA, fruto de um trabalho
em equipe. A única escola que optou por estudos individualizados, mudou sua estratégia no
segundo seminário presencial, quando discutimos os “incidentes críticos” e propomos formas
para superar as dificuldades. Ao final do curso, durante o terceiro seminário, era nítido que
todas as escolas, sem exceção, haviam desenvolvido atividades conjuntas, numa tentativa bem-
sucedida da experiência interdisciplinar.
Nos II e III seminários, duas mesas-redondas foram o cerne da atenção: a participação das
próprias coordenadoras das escolas, que além de narrar as experiências desenvolvidas nas
escolas, avaliavam o curso com a equipe EDAMAZ. Esta atividade foi gratificante para as profes-
soras coordenadoras, pois elas sentiram-se estimuladas por participarem de uma “mesa-redon-
da”, que tradicionalmente, são espaços ocupados por pessoas de título ou famosas em determi-
nadas áreas do conhecimento.
Nosso III e último seminário, que encerrava o curso, foi marcado pela presença do
prof. Carlos Alberto Maldonado, coordenador nacional da Carta da Terra e diretor da UNESCO
regional de Mato Grosso. Uma outra presença muito prazerosa foi a do Sr. Marcos Terena,
coordenador nacional dos direitos indígenas, que fez um brilhante pronunciamento sobre
o pensamento ambiental e a Carta da Terra. As escolas demonstraram suas atividades
através de vídeos, danças regionais típicas, teatro, cartazes, pinturas e diversas repre-
sentações artísticas. Observamos que a EA não era mais uma simples ação pontual de
coleta seletiva ou plantio de árvores no dia internacional do meio ambiente, mas uma
filosofia das escolas, que através da construção dos seus Projetos Políticos-Pedagógicos
(PPP) conseguiram introduzir a EA como política prioritária, institucionalizando um proces-
so autônomo e permanente.
Particularmente em Mato Grosso, as quatro escolas foram contempladas pelo projeto PDE
(Plano de Desenvolvimento Escolar), uma proposta do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), que financia pequenos projetos pedagógicos para as escolas públicas.
Embora com críticas ao elitismo e à ideologia neoliberal de afastamento do Estado (exatamente
no momento que necessitamos dele), as escolas se aproveitaram da situação, solicitando finan-
ciamento para compras de livros, materiais pedagógicos e cursos de formação continuada em
EA, para tod@s @s professor@s das escolas, e não somente às/aos cursistas de 1999. Preten-
demos, para o ano 2000, continuar nosso elo através dos fascículos, para dar continuidade ao
projeto. Tanto a SEDUC, como a FEMA, já mostraram bastante interesse em ampliar o projeto
para o Estado de Mato Grosso, tornando o EDAMAZ como uma política estadual de EA. Com a
nossa experiência piloto, acreditamos que possamos contribuir neste processo, com pequenas
modificações das situações que não foram bem-sucedidas, e obviamente, formando uma equipe
muito maior, que possa realmente atender às necessidades gerais, mas intrinsecamente ade-
quadas a cada escola.
59
Na proximidade do nosso desfecho, é importante ressaltar que as tendências ideológicas
internacionais existem, e embora e metodologia privilegiada seja a pesquisa-ação, há determi-
nadas situações que impedem total autonomia. Entretanto, tais “incidentes críticos” não compro-
meteram o desenvolvimento das atividades, pelo contrário, trouxeram mais análise e reflexão.
As amarras acadêmicas nos permitem identificar forças que atuam contra e a favor do sistema.
Enquanto alimentamos as forças a favor, tentamos não sucumbir às forças contrárias. Nesse
exercício constante, de conflitos e consensos, desafiamos as estruturas tradicionais e resgata-
mos a função social de uma universidade. Com @s professor@s do ensino público, tornamo-nos
sujeitos de ação (SATO, 1997). Certamente, não temos todas as respostas. Apenas consegui-
mos uma representação que saiu de enclausuramento teórico e aproximou-se mais da transfor-
mação prática. Assim, hoje sentimos que o nosso horizonte está mais visível, e continuamos
construindo nossas utopias, na busca de um mundo mais feliz.
BIBLIOGRAFIA
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BRASIL, Governo Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n. 9394/96.
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DEMO, Pedro. Formação permanente de formadores – educar pela pesquisa (265 – 297). In
MENEZES, L. C. (Org.) Professores: Formação e Profissão. São Paulo: NUPES, 1996.
60
GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia. Tradução de João Azenha Júnior. São Paulo: Cia. Das
Letras, 1995. 555 p.
PRETI, Oreste & SATO, Michèle. Educação ambiental a distância. Documento base preparado
para o Workshop “Saúde e Ambiente no Contexto da Educação a Distância”. Cuiabá:
Projeto EISA, ISC, UFMT, 1996. 42 p.
ROBOTTOM, Ian & HART, Paul. Research in Environmental Education. Victoria: Deakin Uni-
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SATO, Michèle. Educação para o Ambiente Amazônico. São Carlos: 1997, 235 p. (Tese de
Doutorado) PPG-ERN/UFSCar.
SÓCRATES. Defesa de Sócrates. São Paulo: Cultrix, Coleção Os Pensadores, 1996. 303 p.
UNESCO & PNUMA Universidad y Medio Ambiente en America Latina y el Caribe. Bogotá:
ICFES, UNESCO & PNUMA, 1985.
pararefletir
1. Atualmente há várias orientações na formação de professoras e professores.
desejam a mesma coisa: oferecer oportunidades para que os docentes tenham mais
2. Tomando a experiência relatada como ponto de apoio, como sua escola poderia
estratégias, busque mais referenciais teórico-práticos. Discuta e planeje com seus cole-
3. Além de sua escola, quais instituições poderiam colaborar com o PAEC? Tente
61
“Ao invés de troca competitiva
onde só um ganha
e os demais perdem,
devemos fortalecer
a troca complementar
e cooperativa
Leonardo Boff
Luiz Eduardo M. B. Cruz
Separando o lixo
62
quem disse que a
educação ambiental é
ideologicamente neutra?
uma análise sobre a reciclagem
das latas de alumínio
Philippe Pomier Layrargues1
A problemática do lixo assume atualmente um contorno tão grave que virou alvo de
acalorados debates, reflexões e proposições de caráter técnico, político e educacional para
enfrentá-lo. Nesse contexto, a Política dos 3R’s se configura no eixo temático que norteia a
proposta da gestão integrada dos resíduos, conhecida na educação ambiental como a Peda-
gogia dos 3R’s. Contudo, algumas escolas que desenvolvem programas de educação ambi-
ental voltados à questão do lixo, muitas vezes os implementam de forma pragmática, redu-
zindo a Pedagogia dos 3R’s à Pedagogia da Reciclagem, fato esse carregado de consequên-
cias que nos interessa observar.
Um enunciado que se repete à exaustão atualmente entre aqueles envolvidos com a educa-
ção ambiental diz respeito à neutralidade ideológica da questão ambiental. Diz-se com freqüên-
cia que as raízes da crise ambiental localizam-se nos paradigmas fundantes da civilização indus-
trial, e portanto, seu enfrentamento exige posturas mais idealistas e menos ideológicas; ou seja,
seu enfrentamento deve ocorrer à margem das facções políticas, deve ser a-partidário, supra-
ideológico. A meta dessa improvável aliança é a ecologização da sociedade, a internalização de
1
Biólogo, especialista em Educação Ambiental, mestre em Ecologia Social pelo Programa EICOS da UFRJ, doutorando em Ciências
Sociais pela UNICAMP. É autor de A Cortina de Fumaça: o discurso empresarial verde e a ideologia da racionalidade econômica, e
co-autor dos livros Verde Cotidiano: o meio ambiente em discussão, e Sociedade e Meio Ambiente: a educação ambiental em debate.
63
valores ambientais nos centros decisórios da vida doméstica e pública. Porém, esse discurso
omite propositadamente a impossibilidade dessa tarefa: o próprio enunciado revela-se ideológi-
co, pois está correlacionado com a perspectiva do “fim das ideologias”, fragmento discursivo
favorito da força social hegemônica. Além disso, o próprio ambientalismo não é homogêneo,
está cindido em inúmeras vertentes, cada qual obedecendo a uma lógica de acordo com as
visões de mundo e os interesses dos seus membros. Mas a grande divisão ideológica que nos
interessa destacar é relativa às ideologias políticas: o eixo que polariza o ambientalismo, e por
consequência, a educação ambiental, diz respeito à manutenção ou transformação dos valores
culturais e das relações sociais e econômicas instituídas.
Da mesma forma que a sociedade está dividida politicamente em duas vertentes ideológi-
cas – Direita e Esquerda –, a educação e o ambientalismo também são objeto dessa divisão.
Assim como a Direita, o ambientalismo oficial e a educação liberal visam a manter o status quo
nas relações sociais, e assim como a Esquerda, o ambientalismo alternativo e a educação pro-
gressista visam a alterar as condições de opressão e exploração do capital sobre o trabalho
humano e a natureza. É evidente que o cruzamento dessas duas versões pedagógicas com os
dois projetos ambientalistas não poderia resultar num único modelo de educação ambiental.
Nesse sentido, o que se observa no real é uma constante disputa ideológica pela legitimidade
discursiva em busca da representação da identidade da educação ambiental.
A formulação de conceitos não foge a essa regra, e também a Pedagogia dos 3R’s está
sob fogo cruzado da disputa ideológica que polariza as forças sociais hegemônicas e as
contra-hegemônicas, com suas distintas visões de mundo a respeito das causas e efeitos da
questão do lixo. Portanto, a Pedagogia dos 3R’s tornou-se passível de duas interpretações:
enquanto a educação ambiental progressista propõe primeiro a redução do consumo, depois
a reutilização dos materiais e finalmente a reciclagem dos resíduos, a educação ambiental
liberal inverte essa ordem, priorizando a reciclagem em detrimento da redução e do reapro-
veitamento. E ainda por cima, altera o foco do que se pretende reduzir: substitui o consumo
pelo desperdício.
Não é difícil compreender o porquê dessa estratégia. Enquanto ideologia contra-hegemôni-
ca, a educação ambiental progressista se caracteriza por ser subversiva, questionadora dos
valores culturais centrais da sociedade moderna. Portanto, destina sua crítica ao consumismo, à
obsolescência planejada e à descartabilidade, apontando para a frugalidade como superação da
contradição capitalista do crescimento ilimitado numa base física limitada. Já a educação ambi-
ental liberal, enquanto ideologia hegemônica, para manter a cultura do consumismo inabalada,
opera a partir da reciclagem, cuja engrenagem é movida pelo consumidor que se engaja volun-
tariamente na Coleta Seletiva, acreditando estar contribuindo para a minimização do problema
do lixo, mas que na verdade, contribui para a saúde financeira das empresas que usufruem os
materiais reciclados. É a única solução viável ao interesse produtivo, pois a reciclagem não
64
Luiz Eduardo M. B. Cruz
Acondicionamento de
latas de alumínio em pousada local Rio Mutum
Diz-se com freqüência que a reciclagem das latas de alumínio beneficia a natureza, pois
evita tanto o esgotamento da bauxita, o recurso natural não-renovável necessário à sua fabrica-
ção, como ajuda a alongar a vida útil dos depósitos de lixo. Porém, qual é o tamanho da ajuda
que a reciclagem do alumínio proporciona?
Cada tonelada de alumínio reciclado economiza cinco toneladas de bauxita: olhando por
essa ótica, a proporção de 1:5 parece mesmo ser relevante. Mas se o argumento se refere ao
panorama do esgotamento da bauxita, devemos observar a influência da reciclagem das latas
de alumínio sobre suas reservas mundiais, estimadas na ordem de 31 bilhões de toneladas.
Nesse caso, a contribuição de uma década de reciclagem das latas de alumínio no Brasil
representa uma economia de 0,052% dessas jazidas. Uma cifra inexpressiva para o minério
mais abundante do mundo, que segundo geólogos, poderia ser considerado praticamente
65
ilimitado, o que significa que não seria necessário ser reciclado. E se a presença de latas de
alumínio no lixo residencial representa apenas 1% do seu volume, suprimi-las da coleta con-
vencional para ajudar a alongar a vida útil dos depósitos de lixo também não parece significar
uma contribuição expressiva.
O alumínio é o material reciclável mais valioso no lixo: por possuir um alto conteúdo
energético, seu preço de comercialização supera de longe os demais materiais recicláveis. É
a economia de energia proporcionada pela reciclagem das latas de alumínio que o torna
valioso, e não por acaso, reciclar latas significa obter um rendimento superior ao papel,
plástico, vidro e demais metais.
Reciclar latas de alumínio hoje no Brasil não contribui quase nada em termos ambientais. O
maior interesse da indústria da reciclagem é criar a ilusão de que essa é uma prática ecologica-
mente correta, induzindo o consumidor a garantir voluntariamente o retorno da matéria-prima à
fábrica que dispensa 95% do custo energético original para fabricar o mesmo produto. Enquanto
o discurso ecológico oficial afirma ser esse um ato ecológico, na prática, esse ato resulta em
lucro para a empresa. Sua intenção é reduzir custos, mas isso é omitido do discurso, pois se
esse fosse o argumento de convencimento da necessidade de reciclar latas, provavelmente a
voluntariedade não seria a mesma.
Até aí, não haveria nada de espetacular com essa manipulação discursiva, pois a recicla-
gem afinal pode estar sinalizando o rumo a seguir, e o lucro é a meta normal numa sociedade
capitalista. Mas é com relação aos “benefícios sociais” oriundos da reciclagem do lixo que as
estratégias de dominação social e exploração econômica se tornam aparentes. Desde que a
reciclagem teve início no Brasil, ela foi considerada como uma atividade social, na medida em
que proporcionava uma oportunidade de geração de renda aos catadores e sucateiros. A reci-
clagem tinha uma evidente função social, já que esse grupo social era responsável pela quase
totalidade da reinserção do alumínio no circuito produtivo. Porém, cada vez mais a reciclagem
das latas de alumínio vem sendo associada a uma atividade ecológica, na medida em que a
indústria utiliza argumentos de caráter ambiental como convencimento da importância da reci-
clagem. Em nome de uma consciência ecológica, incentiva uma mudança de hábito do consumi-
dor para passar a associar-se a programas de coleta seletiva de lixo, separando as latas de
alumínio em sua própria residência.
A reciclagem se constitui numa das sutis engrenagens utilizadas pelo capitalismo na acu-
mulação do capital e na concentração de renda no Brasil, reproduzindo a clássica fórmula de
exploração do trabalho pelo capital. É verdade que o ganho que os catadores e sucateiros
66
Luiz Eduardo M. B. Cruz
Coleta seletiva
do lixo
recebem em troca da catação dos materiais recicláveis em geral e das latas de alumínio em
particular é superior a media nacional, contudo, os ganhos totais obtidos com a economia pro-
porcionada pela reciclagem do lixo estão muito mal distribuídos: uma pesquisa realizada no
município de São Paulo indicou que para cada real economizado com a reciclagem, a indústria
fica com 66 centavos, enquanto que o poder público fica com onze, os sucateiros com dez e os
catadores com treze centavos.
Em termos ideológicos, o paradigma da reciclagem representa a possibilidade de supera-
ção da contradição capitalista baseada no modelo econômico exponencial sobre uma base física
limitada, condenado ao eterno jogo do controle do binômio abundância/escassez. O controle
desse binômio historicamente esteve nas mãos da eficiência, que combate o desperdício em
todas as suas manifestações. E na medida em que a sensibilidade ecológica global anuncia que
a poluição e o lixo não são nada mais do que recursos naturais desperdiçados, pois estão
dispostos de modo desorganizado, a eficiência se transforma em ecoeficiência, mas ainda ins-
crita na racionalidade econômica, que não pode ser confundida com “consciência ecológica” e
muito menos com responsabilidade social. Não é por acaso que a participação dos catadores na
reciclagem tem sido paulatinamente reduzida: como explicar que em 1992, 90% das latas de
alumínio recicladas eram provenientes dessa categoria social, e que agora, sua cota ficou redu-
zida a apenas 35%? Se a opção preferencial da indústria da reciclagem não é o incentivo à
criação de cooperativas de catadores e sua justa remuneração, mas sim a “troca” de equipa-
mentos por latas vazias nas escolas, provavelmente isso ocorre porque essa é a opção mais
econômica. Na lógica da eficiência, o catador é o intermediário que precisa ser eliminado do
ciclo da reciclagem, e é de fato o que vem ocorrendo.
67
O que ocorre é a tão sonhada articulação entre os interesses da proteção ambiental com os
interesses do crescimento econômico, que eram considerados antagônicos até a formulação do
conceito de desenvolvimento sustentável. O alarde que se faz em torno da reciclagem comemora
exatamente esse fato, pois evidencia a possibilidade do desenvolvimento sustentável exatamente
conforme preconizava a Comissão Brundtland: a integração da economia e ecologia, mas pela via
do mercado, e não das políticas públicas que porventura viessem interferir no livre mercado.
Então, em termos políticos, essa estratégia de manipulação ideológica significa a divulga-
ção da mensagem do mercado dirigida ao Estado, de que não será necessária a criação de
mecanismos coercitivos para induzir uma reciclagem compulsória, pois o mercado possui seus
próprios meios de enfrentamento dos problemas ambientais no âmbito produtivo.
Mas se por um lado a integração do elemento comum da pauta ambiental com a econômica
aos olhos do discurso ecológico oficial, a ecoeficiência, aparentemente está sendo encaminhada
corretamente pelo mercado, sua eficácia ainda não está devidamente comprovada, em razão da
seletividade do mercado em escolher os materiais nobres para serem reinseridos no ciclo pro-
dutivo, e da diminuta expressão da reciclagem no funcionamento do metabolismo industrial
capitalista: nos EUA, para se produzir quatro quilos e meio de produtos, gera-se pelo menos
uma tonelada e meio de resíduos, o que significa que apenas 0,3% daquilo que os EUA retiram
da natureza é metabolizado pela tecnosfera.
O problema é que a eficácia da reciclagem da lata de alumínio é mais simbólica do que
concreta. Ela não pode ser utilizada como exemplo, pois é a exceção entre os resíduos sólidos,
líquidos e gasosos, já que de longe, é o material reciclável com maior conteúdo energético, e
portanto, possui maior preço de comercialização no mercado dos recicláveis, revelando que a
lógica que opera a reciclagem é a racionalidade econômica, e não a ecológica. Pergunta-se
então, se esse quadro será válido para os demais ítens que vão para o lixo, ou são despejados
no ar, solo ou água. Todos os resíduos podem se transformar em novas mercadorias com preços
atraentes para a indústria de reciclagem em tempo hábil para evitar a saturação dos depósitos
de lixo, o esgotamento dos recursos naturais não-renováveis e a poluição?
Por que, por exemplo, o papel, que é o ítem reciclável mais abundante no lixo brasileiro, e
que tem o segundo melhor preço de comercialização, possui um índice de 35% de reciclagem,
que significa apenas a metade do que é reciclado em latas de alumínio? Por que as estatísticas
não são equivalentes para todos os materiais recicláveis? Será que a “consciência ecológica”
para evitar a suposta derrubada de árvores é diferente daquela relativa ao suposto esgotamento
da bauxita? Será que a reciclagem do papel demanda um esforço individual desmesuradamente
superior em relação à lata de alumínio? Nada, se não a racionalidade econômica, justifica a
ausência de políticas públicas voltadas à reciclagem.
Enquanto a educação ambiental, porta-voz das ideologias ambientalistas, continuar acei-
tando o papel de disseminadora do discurso ecológico oficial enfatizando a reciclagem sem
68
discutir as causas da questão do lixo em suas dimensões política, econômica, social e cultural, e
sobretudo, persistir na neutralidade ideológica, omitindo o seu papel cidadão na criação de
demandas por políticas públicas que revertam o quadro de degradação ambiental concomitante-
mente ao enfrentamento das injustiças sociais, a educação ambiental será refém de interesses
alheios à transformação social, e estará comprometida com um projeto pedagógico liberal. Se a
educação ambiental pode ao mesmo tempo ajudar a reverter a degradação ambiental, a opres-
são social e a exploração econômica, por que não fazê-lo?
Afinal, se o Estado brasileiro deixa a vertente técnica da reciclagem fluir ao sabor do lais-
sez-faire, e deixa a vertente educacional da reciclagem nas mãos do mercado, que desenvolve
parcerias com escolas públicas para aplicar programas de educação ambiental que na verdade
se constituem em focos de disseminação da cultura da reciclagem, então o Estado é mesmo
conivente com as elites econômicas dominantes no país, e mais do que nunca, torna-se neces-
sário uma mudança na direção dos programas de educação ambiental que se propõem a traba-
lhar a questão do lixo.
SUGESTÕES DE LEITURA
CARVALHO, I.C.M. Territorialidades em luta: uma análise dos discursos ecológicos. São Pau-
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HAWKEN, P. et al. Natural capitalism: creating the next industrial revolution. New York: Little,
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69
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ZACARIAS, R. Coleta seletiva de lixo nas escolas e parceria com empresa: relato crítico
de uma experiência. Rio de Janeiro, 1998. Dissertação de Mestrado, PUC-RJ.
pararefletir
1. A problemática do lixo é bastante visível no nosso cotidiano e talvez por isso
mesmo, é o tema mais popular nas escolas do mundo inteiro. No trabalho da coleta
seletiva de lata de alumínio, talvez a escola não tenha percebido que faz o mesmo jogo
mista) e a pedagogia dos 3Rs (reflexiva). Por que é importante debatermos sobre os
2. Você já realizou uma oficina com a sucata do lixo? Crie uma atividade com o tema
gerador LIXO na sua escola, porém dê atenção aos modelos de consumo, muito mais do
70
(re)pensando metodologias
em educação ambiental,
no cotidiano da escola, em
tempos de pós-modernidade
Valdo Barcelos1
INTRODUÇÃO
Inicio este texto contando uma pequena história de autoria do poeta português Fernando
Pessoa. Ele relata que certa feita encontrou, separadamente, enquanto andava pelas ruas de
Portugal dois amigos seus que se haviam zangado um com o outro. Cada um contou-lhe as
razões de por que se haviam zangado. Cada um relatou ao poeta a verdade. Cada um lhe
contou as suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda a razão. Não era que um via
uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não:
cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério
idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão.
Fernando Pessoa conta que ficou surpreso e confuso desta dupla existência da verdade. O
objetivo desta pequena história não é outro senão mostrar a necessidade de ampliarmos
nossas representações e certezas sobre as questões de nossa época. Dentre estas questões
estão as ecológicas e/ou ambientais.
Pois muito bem, quando pesquisamos o que se tem feito de educação ambiental (EA) nos
deparamos com um cenário bastante interessante. Digo interessante no sentido de que este nos
mostra que as nossas atividades de EA são, quase que exclusivamente, desenvolvidas em espa-
1
Professor Adjunto do Departamento de Administração Escolar da UFSM-GEPEIS. Doutor em Educação-UFSC.
71
ços outros que não o da escola. Ou seja: são atividades desenvolvidas para além do cotidiano da
sala de aula. E quando eu falo cotidiano da sala de aula estou me referindo àquele lugar onde,
nós, professores e professoras, exercemos nossa atividade profissional. E aqui quero abrir um
pequeno parênteses para explicar o que quero dizer sobre esta relação entre EA, formação de
professores(as) e atividade docente.
Costumo dizer que assim como os profissionais da saúde, das engenharias, das ciên-
cias agrárias, das artes, enfim, como todos os profissionais têm um local prioritário onde
exercem suas atividades, nós, professores e professoras, profissionais da educação, tam-
bém temos um local onde, de uma forma ou de outra em algum momento do dia, exerce-
mos nossa atividade profissional. E este local é a escola. É a sala de aula. E não adianta
tergiversar: quem é professor ou professora é professor(a) de alguma coisa. Ninguém é
professor(a) de abstrações. Quem ensina/aprende, e ensina/aprende alguma coisa com
alguém. Costumo dizer que não existe o ser professor ou professora na generalidade
apenas. Uma prova disto é que quando encontramos um ou uma colega que há tempos não
víamos após as primeiras conversas e depois colocar as principais “fofocas” em dia, inevi-
tavelmente vem a primeira pergunta: mas e o que você anda fazendo, onde estás traba-
lhando? Respondemos então: sou professor ou professora. Imediatamente nos é pergun-
tado: mas professor(a) de quê? Nos colocamos então como professor(a) de ciências, de
geografia, de biologia, de ensino religioso, de educação artística. Enfim, quem é professor(a)
é professor(a) de alguma coisa . Para completar somos então indagados onde “damos
aula”. Dizemos então na escola tal... Fica assim bem explícita a questão com a qual quero
iniciar minha reflexão. Quem é professor/professora está inevitavelmente “condenado” a,
em algum momento, trabalhar algum tipo de conteúdo em um lugar chamado escola e,
mais precisamente, na sala de aula.
Estou certo de que a EA brasileira vai muito bem fora da escola. Ela é uma das melhores
do mundo. E uma das causas desta qualidade é justamente a criatividade que nós brasileiros
e brasileiras temos. Digo mais: nós, educadores e educadoras, que trabalhamos em sala de
aula devemos estar atentos para esta riqueza de iniciativas e diversidade de experiências em
EA que já são uma realidade na comunidade extra-escolar. Estou convencido de que temos
2
muito a aprender com estas pessoas que mesmo não sendo profissionais da educação têm
se dedicado a estudar, pesquisar e fazer EA com a maior seriedade e responsabilidade social
e política. É neste sentido que, no meu entendimento, o grande desafio colocado para todos
aqueles e aquelas que estão preocupados com as questões ambientais e que acreditam que a
educação tem um papel importante neste processo é: como tratar destas questões TAMBÉM
2
Quando me refiro a profissionais da educação estou me reportando a professores e professoras que são licenciados em algum curso
e que atuam com turmas regulares de alunos nas redes de ensino Municipal, Estadual ou Federal.
72
no cotidiano da escola. É buscar maneiras, metodologias, que nos possibilitem incorporar em
nosso FAZER PEDAGÓGICO COTIDIANO a discussão sobre as questões ambientais e a ecolo-
gia. A dimensão continental do Brasil e sua diversidade cultural fazem com que tenhamos
experiências muito variadas e ricas de EA. É muito diversa a realidade, por exemplo, dos
povos amazônidas, dos povos da campanha gaúcha, da serra de Minas, do cerrado de Goiás,
sem falar dos nossos mais de oito mil quilômetros de litoral. Aliado a isto tivemos uma urba-
nização com características muito peculiares. Nossa grandes cidades são verdadeiras “mini-
aturas do mundo”. São “figuras do mundo” bastante representativas de tudo aquilo que se
construiu de bom e de ruim na experiência humana sobre o planeta-terra. Pode-se dizer, sem
sombra de dúvida, que diferentes realidades estão, hoje, representadas em nosso cotidiano.
Neste sentido é que vejo a EA como uma contribuição pedagógica e filosófica para a educação
precisando, portanto, estar permanentemente dialogando com estas diversidades de realida-
des que se nos apresentam.
Vou discutir a partir deste momento alguns pontos que me parecem fundamentais para
entendermos o porquê de termos chegado ao quadro brevemente descrito acima. Vou apresen-
tar minha reflexão sobre as possíveis origens de termos uma quase total ausência de iniciativas
de EA que contemplem a atividade cotidiana de professores(as) em sala de aula. Defendo a idéia
de que esta ausência se deve a quatro fatores que passo a denominar metaforicamente de
3
“mentiras” que parecem “verdades” : Primeira “mentira”: EA é coisa para os professores(as) de
ciências, de biologia ou de geografia; Segunda “mentira”: EA é coisa prática para ser feita fora
da sala de aula; Terceira “mentira”: a EA pode substituir as diferentes disciplinas; Quarta “men-
tira”: EA é “conscientização” das pessoas.
A primeira afirmação acredito que é uma das mais fáceis de ser comprovada. Pergunto:
sempre que estamos ante as chamadas “datas comemorativas” sobre meio ambiente quais são
os(as) professores(as) que são “convocados(as)” a organizarem alguma atividade de EA na
escola? A resposta é imediata: os professores(as) de ciências, de biologia ou de geografia. As
investigações sobre as possíveis origens desta prática, desta vinculação direta entre esses pro-
fissionais da educação e as questões ambientais têm, a meu ver, suas raízes na história mesma
da discussão sobre questões ambientais no Brasil. Senão vejamos: quando do surgimento mais
organizado destas discussões em nosso país na década de sessenta, início da década de seten-
ta, vivíamos do ponto de vista político sob uma ditadura decorrente do golpe militar de 64. Do
3
Esta Expressão é uma analogia ao livro mentiras que parecem verdades, de Umberto Eco e Marisa Bonazzi. Ed. Summus,
1980.
73
ponto de vista econômico estava-se no auge do “famigerado” milagre econômico brasileiro.
Milagre econômico este, sustentado, basicamente, por financiamentos externos. Não nos es-
queçamos que neste período havia uma disponibilidade muito grande de dinheiro circulando
nos ditos países do “Norte”, que na época precisavam emprestar este dinheiro para alimentar
o seu sistema financeiro. Sabe-se, também, que é nesta época que se agudizam os problemas
ecológicos nas grandes cidades decorrentes da urbanização acelerada e, até por isto, desor-
denada. Este processo tem, também, uma relação muito forte com a implementação, na agri-
cultura brasileira, da monocultura e da criação de gado em grandes extensões antes de flores-
tas ou de cerrados. Por outro lado, o modelo de industrialização adotado acelera a degrada-
ção do ambiente em função de seu alto grau de poluição. A necessidade de um alto consumo
de energia leva a um intenso processo de construção de usinas hidrelétricas. É, também,
deste período o incentivo da produção de cana-de-açucar para a geração do álcool combustí-
vel. Tal fato teve um impacto imenso na agricultura de subsistência em regiões antes dedica-
das ao cultivo de cana. Para concluir este breve histórico, não podemos esquecer que são
deste período os projetos megalomaníacos dos ditadores militares e de seus apoiadores civis.
Só para citar dois, tivemos a construção da Rodovia Transamazônica e a construção das
usinas nucleares de Angra dos Reis.
Como no momento não havia espaço na sociedade brasileira para a discussão de questões
políticas, em função do período de ditadura, as questões ecológicas eram delegadas aos técni-
cos para que estes as resolvessem da melhor maneira possível desde que, para tanto, não as
“politizassem”. Neste sentido, nada mais “natural” que entregá-las as mesmas aos engenheiros,
aos biólogos, aos químicos, aos geógrafos. Enfim, aos técnicos que entendiam dos problemas da
degradação e da poluição física do ambiente. Na educação, leia-se na escola, o que ocorreu não
foi muito diferente. Quando queremos “limpar” um tema de suas complicações “político-ideoló-
gicas”, de seus aspectos históricos-sociais-culturais o que fazemos? criamos uma disciplina e a
entregamos a um profissional da área. Ou seja: a um especialista. Nada mais normal que
chamar então o professor de ciências, de biologia ou de geografia. Afinal de contas se as ques-
tões ecológicas se restringem a problemas técnicos e de “gerenciamento de recursos naturais”
estes profissionais são os mais indicados para deles tratar. Inegavelmente não vivemos mais em
um período de ditadura militar e o milagre econômico todos sabemos a que nos levou. No
entanto, como se pode constatar, seus efeitos ainda estão presentes em muitas de nossas
atividades educativas em geral e de EA em particular.
Quanto à segunda “mentira” que se transformou em “verdade” trata-se, em síntese, de
uma conseqüência da primeira. Como a visão das questões ecológicas e/ou ambientais era
muito “estreita”, resumindo-se aos aspectos físicos do ambiente (florestas, rios, solo, clima),
tornava-se muito difícil, quase impossível, discuti-las em sala de aula, onde não era possível
fazer plantações de árvores, despoluição de rios, reciclagem de “lixo”. Enfim, não havia como
74
tratar das “grandes questões ambientais” em um espaço tão restrito como a sala de aula.
Esquecia-se, com isto, que as questões ecológicas estão intimamente ligadas aos fatores sócio-
histórico-culturais. Até hoje, nos projetos de EA raramente são tratadas a extinção e/ou o ani-
quilamento de culturas, de sentimentos, de gestos de solidariedade. Enfim, somos pródigos em
tratar da extinção de espécies de outros animais e de vegetais, porém, raros são os projetos de
EA nos quais tratamos, por exemplo, das demais formas de extinção, tais como, das nações
nativas que aqui viviam quando da chegada dos portugueses. Esqueceu-se, ou o que é pior, em
termos de políticas oficiais de educação, buscou-se desconsiderar intencionalmente estes as-
pectos. Só para relembrar, quando o navegador português Pedro Álvares Cabral chegou a este
lugar hoje chamado Brasil, aqui viviam em torno de mil povos nativos. Passados cerca de quinhentos
anos restam não mais de duas centenas destes. Isto mesmo. Foram exterminados, “acultura-
dos”, silenciados ou “civilizados” nada mais nada menos que oitenta por cento dos povos que
aqui viviam há séculos. Para se ter uma vaga idéia da grandiosidade e diversidade cultural
destes povos basta, lembrar que eram faladas cerca de cento e oitenta línguas diferentes. E
estou falando de extermínio ou assassinato de seres humanos isoladamente. Estou falando de
extermínio de povos, de nações inteiras. Foram dizimados cerca de quatro milhões de habitan-
tes. Trata-se do desaparecimento de hábitos alimentares, de religiões, de costumes, de valores,
de saberes, de mitos, de rituais. Enfim, o que foi levado a cabo nestes cerca de quinhentos anos
foi o aniquilamento, a extinção de culturas. Parece estranho mas os povos que aqui viviam são,
hoje, “espécies em extinção”. Mais que isto: muitos já foram extintos. Não nos esqueçamos que
cada vez que uma língua desaparece, morre com ela uma civilização, pois, os povos nativos se
comunicavam através de sua língua falada. Era através da conversa, da oralidade, que os co-
nhecimentos eram passados de geração para geração. Eles não precisavam de “escolas” nos
moldes em que conhecemos. Não necessitavam construir igrejas para referenciar seus deuses.
A obesidade, este “mal do século” e tormento da civilização contemporânea, não era conhecida
entre eles. Como falou, certa vez, Marcos Terena, lá a indústria de alimentos Light e as acade-
mias de malhação iriam à falência. Não careciam de hospitais para tratar de seus doentes. Estes
mesmos hospitais que, ao contrário de “casas de saúde”, transformaram-se em casas de doen-
ça e de morte. Não por acaso, junto a cada um deles sempre é construído um necrotério. Sem
querer transformá-los em exemplo da perfeição, podemos dizer que estes povos eram, inega-
velmente, felizes, livres e tranqüilos no seu cotidiano existencial. Tanto que entre os povos
nativos brasileiros existia, e ainda existe, uma crença de que o criador colocou as estrelas lá no
alto do céu para fazer com que eles, para contemplar sua beleza, tivessem que parar tudo o que
faziam e olhar para cima. Da mesma forma, o canto dos pássaros seria uma maneira de fazer
com que parassem o que estavam fazendo para poder ouvi-los e avistá-los no alto das árvores.
Nós, professores(as), não ficamos imunes a estas “armadilhas” do pensamento superficialista e
apressado que, em geral, nos leva a acreditar em soluções fáceis e demagógicas. Mais que isto,
75
em muitos casos, ajudamos a construí-las. Agimos como aquele caçador distraído, acabamos
caindo nelas mais tarde...
Se prestarmos atenção para a terceira “mentira/verdade”, veremos que também está liga-
da às duas anteriores. Como se mostrava difícil o trabalho com as questões ambientais devido a
sua complexidade e abrangência, assim como a estrutura da escola é rígida e disciplinar,
muitos de nós viram na EA uma porta de saída para continuar sendo professor(a) sem, no
entanto, se envolver com estas rotinas “atrasadas” e “conservadoras” da escola. Da mesma
forma o envolvimento com as questões políticas dos problemas ambientais foi uma ótima
“justificativa” para uma postura de militância “politicamente correta”. Muitos educadores e
educadoras já estavam cansados de “dar aulas” e viram na militância ecologista uma ótima
oportunidade para não mais exercerem suas atividades profissionais. Tal atitude trouxe, a
meu ver, um prejuízo enorme tanto à EA em especial quanto à educação em geral. Defendo
que as questões ambientais e/ou ecológicas não podem prescindir do conhecimento técnico
dos diferentes especialistas, muito menos da discussão das dimensões políticas, ideológicas e
culturais. Esquecer disto é, principalmente em educação, esquecer-se de um de seus funda-
mentos: que educação é, também, um ato político.
Passemos agora para a quarta e última de nossas “mentiras” que viraram verdades”.
Dificilmente ao ler um texto sobre EA, mesmo que bastante resumido, não nos deparemos
com a expressão conscientização do outro. Ora é a conscientização das crianças, ora é dos
governantes, ora dos professores. Enfim, falar de EA ou de ecologia acaba, via de regra,
desembocando no discurso da conscientização. Não tenho nada em particular contra que se
busque fazer um processo de reflexão com as pessoas sobre os mais diferentes temas ou
problemas. Até porque trabalhar em educação é, fundamentalmente, promover espaços de
reflexão e/ou de discussão dos conflitos, locais e planetários que, a cada dia, nos perpassam
cotidianamente. O que eu quero trazer para a reflexão é o fato de que vejo uma certa pressa
em vincular a solução para os complexos problemas ecológicos a um processo de conheci-
mento de suas possíveis origens. Conhecimento, esse, muito pautado pela razão. Ou dizendo
de outra forma: pelo ideal de educação iluminista e cartesiano que nos legou a modernidade
que por ora se esgota. Uma idéia de educação como algo a ser construído, fundamentalmente,
a partir do domínio do conhecimento científico para, a partir deste, construir a tão propalada
“emancipação humana”. Não cabe aqui, pelo menos de minha parte, diminuir a importância do
conhecimento científico como contribuição para a construção de um mundo melhor, mais sau-
dável e mais justo ecológica e socialmente. Contudo, o conhecimento dito científico e/ou aca-
dêmico deve, na minha visão, ser tomado como mais uma possibilidade de produção de co-
nhecimento. Só para lembrar, não podemos nos esquecer do conhecimento étnico e do popu-
lar. Já vai longe o tempo em que se pensava, em educação, que as crianças só passavam a
aprender na idade em que tinham condições de organizar o conhecimento de forma lógica e
76
racional. Fato que, se acreditava começar por volta dos seis a sete anos de idade. Hoje sabe-
mos que as crianças começam a se relacionar com o mundo desde o período de gestação. A
diferença é que isto só passou a ser aceito depois que os e as cientistas disseram ter compro-
vado o “evento” cientificamente. No entanto, se perguntássemos para as mulheres/mães, elas
já sabiam disto desde a Idade Média. Por estas e outras coisas muitas delas foram vistas como
bruxas e queimadas nas fogueiras das inquisições.
Voltando à última “mentira”. Estou convencido que o fato de conhecermos científica e
racionalmente alguma coisa não muda, necessariamente, nossa atitude no mundo. Não é o
fato de conhecer, no sentido de saber racional, lógico e cognitivo que vai, isoladamente, me
fazer mais feliz ou um ser humano mais solidário. A mudança de hábitos, valores, representa-
ções, conceitos e pré-conceitos estão, muito fortemente, relacionados a questões que não se
limitam apenas ao campo da razão, do raciocínio, do intelecto. Enfim, da produção do conhe-
cimento científico. Nossas representações de mundo, bem como seus desdobramentos em
ações cotidianas são, em última instância, um processo de construção complexa que envolve
as dimensões humanas na sua totalidade. Passando, portanto, pelo nosso devir estéticus,
ludens, demens, ético, filosófico, histórico, cultural. Enfim, são o resultado de agenciamentos
que não são passíveis de enquadramento nos marcos reducionistas da produção de conheci-
mento científico. Muito menos ainda do modelo de produção de conhecimento científico da era
iluminista moderna. As questões ambientais e/ou ecológicas, nestes tempos de pós-moderni-
dade em que vivemos, estão permeadas por aspectos do mundo da vida que não podem ser
resumidos aos padrões de análise e entendimento da modernidade. São questões que emer-
gem, justamente, deste torvelinho provocado pela falência dos ideais de mundo que hegemo-
nizaram o pensamento moderno.
Neste sentido é que tanto a educação em geral quanto a EA em especial não podem pautar
suas ações apenas, e exclusivamente, na proposta de que conhecendo-se as causas e conse-
qüências das questões mudaremos nossas atitudes diante do mundo. Vou dar apenas dois exem-
plos do fato de que conhecer não muda, necessariamente, minha atitude. Vamos ao primeiro:
Sabe-se, hoje, que a nicotina e demais componentes químicos presentes no cigarro são fatores
altamente predisponentes para diversos tipos de câncer, entre eles o pulmonar. Contudo, não
raro encontramos profissionais da saúde, dentre estes, médicos pneumologistas – especialistas
em doenças pulmonares – que são fumantes inveterados. Segundo: Provavelmente algum ou
alguma de nós conhece algum engenheiro mecânico. Talvez até especialista em mecânica de
automóveis. Com Mestrado, doutorado e vários anos de experiência profissional no ramo. Pois
muito bem, não raro seremos confrontados com o fato deste cidadão viajar dirigindo seu carro
a mais de 200 quilômetros por hora em uma rodovia. Ninguém melhor do que ele para nos
explicar, nos mínimos detalhes, o que pode acontecer com os ocupantes do carro se esta “má-
quina” sofrer qualquer avaria. É morte na certa. Só que o fato de saber, conhecer, ter consciên-
77
cia disto não muda, necessariamente sua atitude. Para concluir, esta última questão, poderia
ainda discutir sobre o fato de que é um pouco pretenciosa a idéia de que devemos conscientizar
as demais pessoas. Isto porque se eu acho que devo conscientizar alguém, naturalmente que eu
devo “levar” a este alguém uma determinada consciência. Ora, isto pressupõe que eu sei qual
a consciência que esta pessoa deva ter para estar “corretamente consciente”. Em nosso caso,
ser “ecologicamente correto”. Não por acaso a consciência correta será a minha consciência.
Não preciso lembrar que, ao final de sua vida, o nosso saudoso Paulo Freire debateu-se em
explicar que quando falava em consciência não significava que alguém ou algum “iluminado(a)”
fosse o(a) portador(a) dela. Da mesma forma conscientizar não pode, jamais, significar fazer
“lavagem cerebral” ideológica, religiosa, ou de qualquer tipo sob pena de estarmos negando
dois princípios básicos do pensamento ecologista libertário: a autonomia e a liberdade de
homens e mulheres no mundo. Para encerrar este texto, em lugar de quatro verdades, propo-
nho quatro valores a serem perseguidos que me parecem ótimos temas geradores para a
construção de um mundo onde homens e mulheres vivam mais livres e felizes. Estes temas
geradores seriam: a solidariedade; a fraternidade; o amor e a tolerância. Pois como nos
ensinou o poeta Fernando Pessoa...
As viagens, os viajantes – tantas espécies deles!
Tanta nacionalidade sobre o mundo! Tanta
(Profissão! tanta gente!
Tanto destino diverso que se pode dar à vida,
À vida, afinal, no fundo sempre, sempre a mesma!
Tantas caras curiosas! Todas as caras são curiosas
E nada traz tanta religiosidade como olhar
(muito para gente.
A fraternidade afinal não é uma idéia revolucionária.
É coisa que a gente aprende pela vida afora,
(onde tem que tolerar tudo,
E passa a achar graça ao que tem que tolerar,
E acaba quase a chorar de ternura sobre o que
(tolerou! - (Fernando Pessoa. “Ode Marítima”, p. 67).
78
pararefletir
1. Acreditamos que uma ampla maioria percebe a EA ainda relacionada somente
com os sistemas naturais. Este imaginário a torna como exclusiva das ciências biológicas
2. Discuta a frase com seus colegas: “A EA não é um sucesso nas escolas porque
as pessoas não estão ‘conscientizadas’ ambientalmente”. A EA pode ser uma ilha iso-
lada de todo o sistema educativo? Se o sistema estiver em crise, sua pequena parte
ambiental às pessoas, através de um pólo que sempre sabe mais que o outro e que
controla a situação?
3. Faça uma reflexão sobre outras “verdades e mentiras” da educação e debata com
79
“Os seres humanos são também
A imaginação é,
e possibilidades, de si infinitas”.
Leonardo Boff
Luiza Helena Rodrigues
Algodãozinho-do-cerrado
(Chochlospermum regium)
80
uma conversa sobre
CONservação da diversidade
biológica e o compromisso
com as gerações futuras
Edna Lopes Hardoim1
“A cada ano cerca de oito milhões de hectares de florestas tropicais são desmatados
para cultivo”; “Um quarto de todas as substâncias ativas medicinalmente origina-se de
plantas tropicais»; “...”. Deparamo-nos quase que diariamente com essas e muitas outras
notícias, manchetes e informes científicos. A biodiversidade fascina cientistas e tod@s
aquel@s preocupad@s em conhecer e salvar toda essa riqueza.
A biodiversidade tem recebido maior atenção no Brasil desde a Conferência das Na-
ções Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) ou, como é mais conhe-
cida, a ECO-92, encontro ocorrido no Rio de Janeiro em 1992, quando foram discutidas
muitas ações para um desenvolvimento econômico com sustentabilidade ecológica que
implica na conservação da biodiversidade.
Na Eco-92 ou Rio-92, de acordo com Sato e Santos (1996), estiveram presentes re-
presentantes de 179 países para discutirem compromissos em relação ao ambiente para
garantir a sustentabilidade para o século XXI, origem do nome Agenda 21, resumida por
Keating (1993). A Conferência de 92 se constitui num marco, pois abriu um ciclo de gran-
1
Bióloga, profa. adjunta do Depto. de Botânica e Ecologia/Inst. de Biociências/UFMT, ministra disciplinas teórico-práticas nas áreas
de Microbiologia e Ecologia em cursos de graduação e pós-graduação. Doutora em Ecologia e Recursos Naturais, com trabalhos
publicados destacando-se nas áreas de Taxonomia e Ecologia de Microrganismos Aquáticos, e Educação Saúde e Meio Ambiente. É
Profa. Colaboradora do Núcleo de Ensino a Distância/Inst. de Educação/UFMT. É Membro Conselheira do CRBio-1.
81
des encontros internacionais nos quais discutem-se as políticas públicas e as práticas so-
ciais de todos os países do planeta.
Como produto da Rio-92, temos a Agenda 21, que se constitui em um documento de
intenções, no qual, em 40 capítulos, são discutidos e avaliados os problemas prioritários,
os recursos e meios para enfrentá-los, estabelecidas metas para o próximo século e,
sobretudo, em que está disposta a necessidade de uma aliança entre todos os povos, no
qual governantes e governados precisam rever valores, modelos de desenvolvimento, que
tenham solidariedade com as gerações futuras, satisfazendo suas necessidades básicas,
visando a construção de um futuro mais próspero e seguro (HARDOIM, 1999), já que a
nossa história de seres humanos tem sido marcada por grandes alterações nos ecossiste-
mas, através de processos econômicos, políticos e sociais que, além de destruírem o am-
biente, interferem negativamente na qualidade de vida de tod@s. Para Brügger (1998),
hoje as sociedades industriais vivem uma profunda crise de paradigma e de civilização –
traduzida em violência, exclusão social, poluição, dificuldade de acesso aos recursos natu-
rais, entre outros aspectos. A nova ordem é uma maior eqüidade e homogeneidade social,
com a valorização dos recursos humanos. Para tanto, estamos, neste início de século, em
franco processo de elaboração da Agenda 21 Brasileira e das Agendas Locais.
O capítulo 15 da Agenda 21 tratou da Conservação da Diversidade Biológica, apresen-
tando várias sugestões com o propósito de melhorar a conservação das espécies, apoiar a
Convenção sobre a Biodiversidade e, sobretudo, como garantir a vida nos próximos séculos.
As ações preconizadas na Agenda 21, pela análise de Hardoim (1999), contam com a
criação, o desenvolvimento, a revisão e implementação de estratégias de respostas aos
problemas socioambientais que interferem na sobrevivência do Homo sapiens sapiens –
ser humano sábio duas vezes! Estima-se que 2/3 da população mundial estará vivendo nos
centros urbanos nos primeiros vinte anos deste século. Com mais de seis bilhões de pes-
soas, certamente estamos submetendo os recursos naturais a fortes pressões. O grande
fluxo de população para as cidades exige crescimento da infra-estrutura, envolvendo tra-
tamento de água, esgoto e lixo que constituem a nova pauta ambiental em discussão – a
agenda marrom.
Hardoim (1999) salienta que mesmo numa visão antropocêntrica, em que ambiente não
possui valor intrínseco, a consciência tem despertado o ser humano para o fato de que se
continuar degradando o meio que o cerca, esse mesmo ser humano corre o risco de colocar
sua própria existência em perigo e, no mínimo, será privado de uma boa vida na Terra.
Em Maio de 1998, ocorreu a Convenção de Biodiversidade, em Bratislava, na Eslová-
quia, reunindo 172 países. Vários documentos dessa conferência referem-se constante-
mente à “abordagem ecossistêmica”, que traz a idéia de que conservação da biodiversida-
de está relacionada com pessoas tanto quanto com plantas e animais. Em outras palavras,
82
concluiu-se que os projetos de gerenciamento da biodiversidade também devem apontar
para melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem próximo às áreas de conservação.
De fato, há mais vida na Terra do que podemos imaginar. Acredita-se que existam de
5 a 30 milhões de espécies. Percorrendo o globo terrestre do pólo norte ao pólo sul,
embrenhando-se em florestas e mergulhando nos lagos e mares, os pesquisadores profissi-
onais ou “amadores” conseguiram descrever apenas 1,4 milhão de espécies. Dessas, apro-
ximadamente 750.000 são insetos, 41.000 são vertebrados e 250.000 são plantas (WILSON,
1997). Não se sabe quantas espécies dotadas de antenas, asas, nadadeiras, guelras, folhas,
caules ou raízes existem. Proporcionalmente ao seu número, as informações são menores
ainda quando se trata dos organismos invisíveis a olho nu – as bactérias, os fungos, as
microalgas, os protozoários e os vírus e somam-se a esses, os invertebrados.
Essa explosão da vida conhecida como Diversidade Biológica ou Biodiversidade,
segundo o Glossário de Ecologia (WATANABE, 1997, p. 23), é “a abrangência de todas as
espécies de plantas, animais e microrganismos, bem como dos ecossistemas e processos
ecológicos dos quais são partes ”. Pode ser, ainda, analisada em relação ao grau de varie-
dade de espécies, de genes ou de ecossistemas e, por isso, é considerada em níveis de
diversidade genética, diversidade de espécies e diversidade de ecossistemas. Normalmen-
te chama-se de diversidade somente o número de espécies de um local, porém este nú-
mero é chamado pela ciência de riqueza de espécies. A diversidade leva em consideração
vários fatores, mas principalmente a abundância e a distribuição dos indivíduos.
Existe um vasto material disponível sobre conceito de biodiversidade, em livros, jor-
nais, CDs, na rede. Para se chegar a esse conhecimento, muitos inventários foram realiza-
dos, em diferentes biomas e em seus ecossistemas, principalmente nas regiões tempera-
das, onde, considerando-se o gradiente latitudinal, observa-se uma menor diversidade de
espécies. Pressupondo que @ leitor(a) já tenha tido contato prévio com o tema e com
alguns termos aqui apresentados, e considerando a vastidão e riqueza do tema biodiversi-
dade, restringirei a discussão à região amazônica brasileira, cujas características geo-
morfológicas determinam tipos climáticos e de solos variados e, ambos, se refletem nas
comunidades bióticas que a compõem.
Embora a região amazônica apresente uma fitofisionomia determinada não apenas
pela Floresta densa e a floresta periodicamente inundada, segundo Guarim Neto (1994) e
Prance (1996), mas também pelos campos de terra firme, pela vegetação serrana baixa,
campinas baixas, restinga litorânea, pelos campos de várzea, plantas aquáticas e vegetais
microscópicos, aqui abordarei apenas a floresta tropical úmida, que ultrapassa as fronteiras
brasileiras, e @ leitor(a) deverá abstrair e se remeter ao patrimônio das outras formações
vegetacionais quando estivermos apresentando questões gerais de biodiversidade.
A conservação das florestas tropicais tem sido um dos maiores desafios da humanida-
83
de diante delicado balanço necessário para o desenvolvimento deste complexo e frágil
sistema e pela preocupação com o empobrecimento da população rural. A Floresta ama-
zônica apresenta uma alta diversidade e endemismo de muitas espécies biológicas.
De acordo com França (1997), mais da metade das espécies vivas tem seu endereço
nos trópicos, mais precisamente nos 7% da superfície do globo coberta por florestas tro-
picais. A desmedida variedade das espécies vegetais ainda é menor que a de insetos,
peixes e microrganismos. Uma pesquisa recente mostrou que 950 espécies de besouros,
80% das quais desconhecidas, estavam instaladas em apenas dezenove árvores da selva
tropical do Panamá. Como em cada hectare da Floresta Amazônica existem de 100 a 300
espécies de árvores (PRANCE, 1996), dez vezes mais do que nas regiões temperadas da
América do Norte, por exemplo, não é de espantar que o Brasil, onde a floresta ocupa 42%
do território, seja o campeão mundial da biodiversidade endêmica. Para se ter uma idéia
da riqueza da região basta compará-la às florestas do sul do Brasil, nas quais, para cada
hectare, a média é de apenas dez espécies de árvores. Quanto aos animais, a variedade
também é surpreendente. Só de peixes, os rios amazônicos abrigam cerca de 1.700 espé-
cies (STOREY, 2001).
Mas o que são e qual a importância das Florestas Tropicais Úmidas? Se saíssemos
por aí perguntando o que são Florestas Tropicais, certamente teríamos umas tantas
definições relacionadas com a formação básica da pessoa questionada, mas todas teri-
am como resposta básica que estas são os habitats de uma grande variedade de espéci-
es. Um sociólogo certamente diria de imediato que a floresta tropical é a moradia de
centenas de povos cujas culturas únicas abrangem saberes (conhecimentos) vali-
osos desenvolvidos há milênios e passados através das gerações sobre as plantas,
animais e o seu uso sustentável. Conforme o etnobotânico Plotkin (CORSON, 1996),
cada vez que um curandeiro morre, é como se uma biblioteca fosse incinerada. À medi-
da que nos tornamos desvinculados dos ambientes naturais e de seus recursos, torna-
mo-nos mais dependentes do conhecimento empírico daquel@s que vivem nas áreas
naturais, já que esses, de acordo com diversos autores (FURTADO, 1994; FERREIRA,
1995; CORSON, 1996; entre outros), representam a chave para o entendimento, utiliza-
ção e proteção da diversidade biológica tropical.
Para muit@s artistas plástic@s e músicos, a natureza é a inspiração de seus trabalhos
e, embrenhando-se nas florestas, enebriando-se com os mais variados gorjeios que
rompem repentinamente o silêncio da mata ou sobressaltando-se com repentinos alvoro-
ços no céu, mostram em suas obras a grande variedade de formas de vida que ali
habitam, buscando a compreensão sonora da biodiversidade... Tentar retratá-las to-
das, de imediato, seria uma grande ingenuidade, tamanha é a diversidade.
Um(a) economista ou um(a) empresári@ por certo diria que a floresta é fonte de
84
inúmeras riquezas com grande valor econômico, pois dela pode-se obter
“gratuitamente”madeira, frutas, medicamentos, óleos, condimentos, borracha e outras
matérias-primas de uso comercial. A taxa anual de desmatamento das florestas no Brasil,
2
em 1990, era de 13.820 km (RYAN 1992 apud MARCONDES HELENE e MARCONDES, 1996).
2
Cerca de 17.000 km da Amazônia brasileira desaparecem a cada ano (MASSAROTTO,
2001). Em 1994, Gorayeb alertou que se não houvesse respeito aos ecossistemas, a extra-
ção com fins comerciais de muitos recursos da floresta iria esgotar determinadas popula-
ções de seres vivos ou quebrar os ciclos de nutrientes do meio ambiente e as conseqüên-
cias são óbvias já que relações e processos ambientais serão alterados. Uma delas é a
perda da biodiversidade. Pensar num cenário “Mad Max”é por demais sombrio... mas o
risco existe, segundo Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia
(MASSAROTTO, 2001).
Luiz Eduardo M. B. Cruz
Agricultura
É certo que precisamos cotidianamente de toda essa riqueza. Entretanto, é preciso educar
criticamente a população para o desenvolvimento com sustentabilidade, prever a geração de consci-
ência sólida, que respeite o ambiente. Diante da interdependência e da complexidade dos processos
que acontecem na natureza, nunca se sabe quando uma espécie pode representar um papel funda-
mental para a sobrevivência do ser humano. Os métodos para se utilizar os benefícios da diversida-
de, garantindo que os recursos permanecerão para o futuro são os princípios da conservação. As-
sim, se não por um respeito moral à vida, ou pelo desfrute da beleza que sua variedade proporciona,
o mero egoísmo aconselharia salvar o próximo. Segundo Johr (1994), empresário e economista
suíço, educar é garantir a formação de colaboradores maduros, adultos e tão atentos aos problemas
e soluções quanto o próprio dono do negócio.
Um naturalista voltaria sua definição para a região com cobertura vegetal espessa, consti-
85
tuída por variadas espécies cujas características biológicas estão estreitamente relaciona-
das com a biologia e etologia dos milhares de organismos que ali são observados – cerca de
2/3 de todas as espécies de plantas, animais e outros organismos da Terra, incluindo
aí milhares de pessoas. O ecólogo se voltaria não apenas para a estrutura (as espécies que a
compõem), mas também para suas funções ambientais. Para esses últimos, além de manter
as populações nativas e servir de habitat a milhares de espécies, as florestas moderam a
temperatura do ar, regulam gases atmosféricos, reciclam nutrientes, controlam a erosão do
solo, regulam os fluxos aquáticos.
A Floresta sempre foi tema para os contadores de estórias, para quem ela representa o
místico, o aterrorizante, e é onde habitam “o saci Pererê”, “o Mapinguari”, “o Tincuã”, “o Urutau
e a “rasga-mortalha, “o lobo mau”e “a onça pintada” e muitos outros animais cuja aparência
não é amigável... Para o “padrão de humanização”das outras espécies culturalmente enraizado!
O desconhecido, as entidades e os seres abstratos exercem uma espécie de fascínio e povoam
lendas e contos... Segundo Held (1980), o fantástico nos toca já que sua verdadeira densidade
está na vida cotidiana, com seus problemas, sua comicidade, provocando uma mistura de an-
gústia e prazer. A literatura infantil, dentro de uma abordagem científica (PACHECO et al., 1994),
pode abrir caminho para a observação de conceitos científicos, sendo um contraponto interes-
sante entre realidade e fantasia. E você, educador ou educadora, já pensou em contar as histó-
rias de Monteiro Lobato, no Sítio do Pica-Pau Amarelo, nas quais fazem parte do elenco diversos
animais e plantas? Que tal ler com seus alunos as estórias do Chico Bento? Ou, ainda, aproveitar
as deixas de um filme infantil e abordar questões ecológicas como cadeia alimentar, impactos
como a queimada e biodiversidade? Utilizar, além dos clássicos, os textos das músicas, folclores
e lendas que se relacionam com a dimensão ambiental é uma forma de resgatar a importância
da cultura regional e dos conhecimentos populares.
O governo brasileiro propôs uma reestruturação curricular apresentada nos Parâmetros Cur-
riculares Nacionais (PCNs) (Brasil, 1997) e lá, entre muitas outras propostas, aparece o Meio
Ambiente como um tema transversal que deve ser trabalhado por todos @s educador@s e não
apenas pelos da área das Ciências Naturais. Alguns poderão se perguntar: Mas como educar para
manter um ambiente saudável que garanta a qualidade de vida de todas as espécies, incluindo-se
aí a humana? Desmistificando, orientando, esclarecendo, tornando @ cidadã(o) mais crític@. Como
transformar a linguagem científica na cotidiana? Inicie tentando educar para a cidadania. Educar é
impregnar as práticas cotidianas de sentido. É permitir que @ alun@ se perceba e também o seu
entorno; que relacione o desenvolvimento com a sustentabilidade, sendo “ecologicamente factível”
(MALDONADO et al., 2000). Existe hoje uma concepção consumista de cidadania sustentada na
competitividade capitalista. Se somos contrários a essa concepção restrita, então devemos atuar
para uma concepção plena de cidadania que extrapola os direitos individuais, manifestando-se
numa consciência de “cidadania planetária”, conquistada e construída a partir de uma ética base-
86
ada em princípios, valores, e comportamentos indissociáveis.
Paremos um pouco para desenvolver uma atividade que possa auxiliar @ educador(a) a
formar personalidades que valorizem a vida, que possam garantir as futuras gerações, que perce-
bam que cada espécie tem o seu papel, e que este ator ou atriz não pode ser substituído por outro.
A proposta, que é uma modificação de Borges & Moraes (1998), é a construção de um
móbile, que representará uma cadeia alimentar. Construindo um móbile, a criança perceberá
que, se faltar uma peça qualquer, o resultado final não será o esperado, haverá desequilíbrio, o
móbile poderá pender mais para um lado, ou perderá elos que impedirão o móbile de continuar.
Mas @ professor(a) deverá deixar @ alun@, por si, descobrir o que pode acontecer se desapa-
recer um dos componentes da cadeia alimentar (perda da diversidade biológica).
Para a construção da cadeia alimentar, @ alun@ deverá escolher os organismos que dese-
jar a partir das suas observações cotidianas; @ alun@ sempre possui certo conhecimento sobre
o tema, ainda que intuitivo e derivado do senso comum. Oriente a sua montagem em função do
nível trófico que os organismos escolhidos ocuparem (Figs. 1 a 3). Borges e Moraes (1998)
sugerem esta e muitas outras atividades numa bibliografia preparada especialmente para as-
sessorar @s educador@s das séries iniciais do ensino fundamental.
Segundo Martins (1997), o mais antigo zoológico do mundo transformou a preservação
das espécies em perigo no seu principal objetivo. O zôo londrino, a Arca de Noé do futuro ou
incubadeiras da vida selvagem, de agora em diante, mais do que engordar animais para
exibi-los aos visitantes aos domingos, como faz há 166 anos, quer manter, estudar, reprodu-
zir e devolver à natureza bichos ameaçados em seus habitats. O preservacionismo é urgente
porque as espécies estão desaparecendo. A natureza sozinha, pelo que tudo indica, não é
mais capaz de preservar as milhões de espécies do planeta, diante do avanço do ser huma-
no em seus habitats. Luiza Helena Rodrigues
87
BRINCANDO DE CADEIA ALIMENTAR (MODIFICADO DE
BORGES E MORAES, 1998)
Fig. 1 – Diâmetro dos círculos dos três níveis do móbile, seguido de dobradura em
semicírculo.
88
Fig. 3 – Montagem do móbile da cadeia alimentar. Em cada nível deverá ser
desenhada ou colada uma figura de ser vivo (animal ou vegetal) de acordo com seu
nível trófico, de maneira que forme uma cadeia alimentar.
89
É urgente fazermos noss@s alun@s refletirem sobre aspectos da extinção. Talvez
el@s não conheçam a lista oficial de espécies da fauna brasileira ameaçada de extinção
apresentada na Portaria Nº 1.522, de 19 de dezembro de 1989, do Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Para obter uma relação
completa dos animais em extinção, em todo o país, sugiro que consultem no site do
Ibama (www.ibama.gov.br). Bernardes, Machado e Rylands (1990) divulgaram resulta-
dos dos estudos sobre espécies brasileiras ameaçadas, desenvolvidos pela Fundação
Biodiversitas, acrescentando dados sobre a distribuição geográfica delas. O desapareci-
mento das espécies — e a conseqüente perda do seu material genético — é um fenôme-
no quase tão antigo quanto a própria vida. Os paleontólogos distinguem cinco episódios
naturais de extinção em massa durante os quais uma fração significativa de biodiversi-
dade foi extinta.
Recentemente, a leitura do livro infantil de Janet Bolton intitulado “A colcha de reta-
lhos da Sra. Noé”, em que a autora faz um diário da Sra. Noé na arca e ensina a criança a
montar uma colcha de retalhos à medida que conta a estória, remeteu-me à questão da
biodiversidade e deu-me a idéia da atividade que proponho a seguir: Depois de discutir
com seus alun@s sobre extinção, peça a eles que construam uma Arca de Noé, utilizando
pedaços de tecido que trarão de casa, confeccionando uma colcha de retalhos. O profes-
sor ou professora de artes poderá ajudar. @s alun@s deverão escolher os seres vivos que
desejarem pôr na Arca, considerando aqueles que estão ameaçados de extinção ou, ain-
da, aqueles que poderão permitir um novo começo de vida após uma catástrofe - natural
ou de origem antrópica.
Escolha os organismos que deseje colocar na Arca de Noé. Desenhe-os no papel para
fazer o molde (Fig. 4). Coloque o molde sobre o retalho colorido que escolheu para aquela
cena e recorte-o. Depois prenda o retalho com alfinetes na posição correta dentro do
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quadrado. Costure com a linha da mesma cor ou com cores variadas. Repita com cada
uma das espécies. Prenda todos os quadrados de cada espécie no tecido de algodão mai-
or, onde também deverá ser costurado o quadrado da Arca, no centro. Faça o acabamento
de acordo com o seu gosto. Proponha uma exposição das colchas de retalho e dessa forma
estará contribuindo para reflexões sobre a extinção das espécies amazônicas e da diversi-
dade cultural.
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Muito mais poderíamos discutir, mas tal como o ambiente, este capítulo também
encerra um limite, uma “capacidade-suporte”... De páginas. Dessa forma, gostaria de
finalizá-lo refletindo sobre a visão utilitarista do antropocentrismo que é tão exagerada
quanto a ecocêntrica, que defende uma intocabilidade do meio. Existe a necessidade de
coerência, sem níveis de concessão exagerados, nos quais as convicções sejam ponde-
radas. Não se percebe, em muitos textos sobre Conservação da Biodiversidade, uma
preocupação com o ambiente pelo direito das espécies, mas pela dependência que a
espécie humana tem dele.
As ações devem ser corretas para que sejam satisfeitas não apenas as necessida-
des básicas momentâneas, mas que haja também a solidariedade com outros organis-
mos que dependem de um ambiente equilibrado, com qualidade; que assegurem condi-
ções dignas de sobrevivência para todas as espécies. As conseqüências da destruição
ambiental, através dos desmatamentos, da degradação dos solos, da poluição dos re-
cursos hídricos, da perda da biodiversidade levam a mudanças globais que ameaçam e
põem em risco toda e qualquer forma de vida. Se isso for inculcado nos futuros cidadãos
e cidadãs, nas escolas de ensinos fundamental e médio, como salienta Furtado (1994) já
teremos dado um grande passo.
BIBLIOGRAFIA
BOLTON, J. A colcha de retalhos da Sra. Noé. São Paulo: Ática, 1995. 24p.
BORGES, R. M. R.; MORAES, R. Educação em Ciências nas Séries Iniciais. Porto Alegre:
Sagra Luzzatto, 1998. 221p.
CORSON, W.H. Manual Global de Ecologia. São Paulo: Augustus, 1996. 413p.
92
em um CDROM. São Paulo: Abril Multimídia Ltda. 1 CD-ROM Windows 3.1. 1997.
FURTADO, L. G. Riqueza e exploração da pesca. In: IBAMA. Amazônia. Uma proposta inter-
disciplinar de Educação Ambiental. p. 259-315. 1994.
GUARIM NETO, G. Riqueza e exploração da flora. IBAMA. Amazônia. Uma proposta inter-
disciplinar de Educação Ambiental. p.193-223. 1994.
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1980. 239p.
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Agreements. Geneva: Centre for our Common Future, 1993. 70 p.
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um futuro sustentável. Cuiabá: Comissão da Carta da Terra, SME & UNESCO, 2000. 16 p.
MARCONDES HELENE, M.E. & MARCONDES, B. Evolução e Biodiversidade: o que nós temos
com isso? São Paulo: Scipione, 1996. 62p.
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jun. 2001, p. 35-41.
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S.L.F. (Ed.). Coletânea do 5º Encontro Perspectivas do Ensino de Biologia. São Paulo:
FEUSP, p. 39. 1994.
93
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A.D. (Ed.). Interdisciplinary Research on the Conservation and Sustainable Use of the
Amazonian Rain Forest and its Information Requirements por The European Commis-
sion, 1996. 323 p.
SATO, M.; SANTOS, J. Eduardo. Agenda 21 em Sinopse. São Carlos: PPG-ERN/UFSCar, 1996. 41p.
pararefletir
1. Ancorada nas narrativas da autora, reflita sobre a importância da biodiversida-
de, com especial ênfase no Brasil. Para uma vasta audiência, a natureza deve estar a
serviço da Humanidade. Há, porém, algumas pessoas que estão conclamando uma ética
a respeito?
2. Pesquise, com seus alunos, quais são as nossas espécies mato-grossenses. Tente
criar uma história de animais (ou pode copiar as histórias do Chico Bento!) e prepare um
teatro, convidando a comunidade escolar para ser platéia desta apresentação. Aproveite a
94
a escola indígena e o
manejo de recursos naturais
Artema S.A. Lima*
Participação: Wareajup Kaiabi (apicultor), Yurupiat Kaiabi (agente de manejo), Yamaradi Yudjá
(apicultor e agente de manejo), Tymairõ Kaiabi (diretor da ATIX), Paula Mendonça (pedagoga-ISA),
Rosana Gasparini (geógrafa-ISA), Camila Gauditano (antropóloga-ISA), Jerônimo e Júlia (ecólogos)
Alunos: Amtô Suiá, Awiriwata Suiá Kaiabi, Kapuí Suiá, Ioporipinin Suiá Kaiabi, Matxirektxi Kaiabi
Suiá, Nawe Kaiabi Suiá, Atuwarãgõ Suiá, Borono Suiá, Hwandu Suiá, Ariadu Yudjá e Sadeã Yudjá
APRESENTAÇÃO
O presente trabalho relata uma pequena experiência junto a Escola Indígena Estadual Cen-
tral Diauarum localizada no Parque Indígena do Xingu. O Parque localiza-se na região nordeste
do Estado de Mato Grosso, possuindo uma grande diversidade biológica, resguardada em seus
Biomas de Mata e Cerrado. Na área vivem 4.175 índios de 14 etnias, com distintas línguas e
* Bióloga, Assessora Pedagógica da SEDUC-MT. Responsável pelo atendimento do Programa de Formação de Professores
Indígenas do Parque Indígena do Xingú.
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culturas (Tupi, Ge, Karib, Aruak, e Trumai), distribuídos em mais de 50 localidades e interna-
mente divididos em três regiões, apresentando uma grande sócio diversidade.
Com a intensificação do contato com a sociedade envolvente, surgiram inúmeros pro-
blemas de ordem socioambiental, os quais demonstravam a necessidade de implantar um
atendimento educacional diferenciado para os povos indígenas, que os possibilitassem en-
contrar caminhos numa perspectiva sustentável. Com base nesta realidade a Secretaria de
Estado de Educação de Mato Grosso (SEDUC) e o Instituto Socioambiental (ISA) atendem
esses povos com uma educação escolar diferenciada respeitando o estudo da língua mater-
na e suas culturas.
Neste contexto evidenciou-se a importância de desenvolver projetos ambientais escolares
direcionados à conservação e ao manejo de recursos naturais para que a escola indígena, por
meio de processos participativos e educacionais culturalmente fundados, possa pensar na ges-
tão ambiental dos territórios indígenas.
Este trabalho teve como objetivo fazer uma reflexão sobre a importância de se abordar o tema
manejo de recursos naturais na escola indígena, identificando os principais aspectos que estabele-
cem uma conexão desta prática com os conteúdos curriculares diferenciados das escolas indígenas.
A Escola Estadual Central Diauarum atende 36 alunos das etnias Suyá, Kaiabi e Yudjá no
ensino fundamental. O acompanhamento pedagógico teve início com uma leitura minuciosa dos
conteúdos e habilidades da proposta curricular do Projeto Político-Pedagógico, para identificar-
mos quais itens poderiam ser abordados com os alunos. Alguns temas levantados foram traba-
lhados nesta etapa, outros deverão fazer parte das posteriores intervenções pedagógicas da
professora. Segue abaixo a identificação de conteúdos da Proposta Curricular para o desenvol-
vimento das aulas integradas com o manejo de recursos naturais:
Língua Portuguesa: pontuação, história em quadrinho, produção de texto e descrição (estes
conteúdos não estão necessariamente vinculados ao tema, mas foram uma demanda, apresen-
tada pela professora).
Geografia: Levantamento dos tipos de abelhas, tipos de vegetação, frutas comestíveis e não
comestíveis.
Ciências: Saúde e doença, alimento (reserva de semente para nova produção), frutas nati-
vas e frutas plantadas.
História: História de hoje e antigamente e pesquisa sobre alimentação.
O grupo trabalhou com a idéia de que manejo de recursos naturais poderia ser tanto o
trabalho com o viveiro de mudas como o que é feito com as abelhas nativas. A partir deste
consenso, escolhemos o mamão Carica sp como espécie a ser manejada no viveiro (tendo em
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vista a facilidade com as sementes e com o plantio) e o meliponário como espaço para se
conhecer o manejo das abelhas nativas Melipona sp (já que o apiário traz outras demandas
como o uso de roupas especiais). Elencamos as idéias que foram base para o trabalho:
1 – Conhecer como o recurso mamão Carica sp é manejado por eles através de uma
pesquisa.
A Pesquisa (roteiro)
1 – A sua família planta mamão?
2 – Que tipo de mamão é plantado?
3 – Como escolhe semente boa de mamão?
4 – Para plantar precisa secar a semente? Como?
5 – Como guarda a semente?
6 – Quem cuida da semente?
7 – Onde e quando planta?
8 – Como é a flor do mamão?
9 – Como nasce o fruto?
10 – Quais insetos visitam a flor do mamão?
11 – Alguns desses insetos produzem mel?
12 – Quais tipos de abelhas visitam a flor do mamão?
13 – É importante comer frutas e mel? Por quê?
14 – Você acha que deve aumentar as frutas e o mel aqui do posto indígena? Pense com a
sua família como vocês fariam isso?
Os alunos fizeram a pesquisa com suas famílias e o resultado foi socializado com a turma e
a partir da leitura escolhemos algumas idéias para elaboração de um texto coletivo.
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15:30h. As sementes são guardadas na cabaça ou na garrafa para o rato não comer.
Quem cuida da semente é a mãe, o avô, a avó e outros velhos da família. O mamão é
plantado no quintal e na roça, ele gosta da terra preta. É bom plantar na chuva. A flor
do mamão é branca, amarela e verde. Primeiro nasce a flor, depois cai tudo e vem o
mamão. A fêmea dá mais cedo o fruto. A abelha Europa, a abelhinha, o beija-flor e a
borboleta visitam a flor do mamão. As abelhas que produzem mel e visitam a flor do
mamão são a Europa e mbensapororã. É importante comer frutas e mel, porque as
frutas têm vitaminas e é um alimento que faz bem à saúde. O mel dá energia para a
gente. É importante também aumentar a produção do mel e das frutas, plantando e
cuidando para não acabar no futuro.
Para que pudéssemos iniciar as aulas sobre os viveiros tivemos que encontrar uma forma
de linguagem que aproximasse a nossa abordagem sobre a natureza junto ao universo dos
alunos indígenas, pois estávamos com uma turma a qual a língua portuguesa era a segunda
língua falada. Levamos os alunos para o interior de uma mata de capoeira, e lá explicamos que
o viveiro do manejo é uma “cópia” do viveiro da natureza. Para sabermos um pouco como é na
natureza, os não índios observam e imitam no viveiro do manejo o que acontece na natureza. Na
visita ao viveiro de mudas (manejo) implantado em 2000, os alunos puderam observar as dife-
renças entre o viveiro da natureza e o viveiro de mudas.(Foto 1)
Explicamos que o viveiro do manejo é o lugar onde tem plantação de mudas, é local da
produção das mudas, recolhendo sementes do mato, regando, cuidando.
Arquivo SEDUC e ISA
Foto 1 – Viveiro de
mudas
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O viveiro do manejo deve ser cuidado, se não existir cuidados especiais, as mudas morrem já no
viveiro da natureza a maioria das mudas não morrem porque encontram boas condições entre a
sombra das árvores, com umidade, folhas que servem de adubo, de alimento e a presença de luz. Para
que a semente nasça no meio do mato é necessário que ela goste do local, por isso tem que se
conhecer o recurso, realizar pesquisa observando a vida do recurso. Explicou-se que algumas árvores
soltam suas sementes que ficam guardadas na terra, a palmeira Inajá, tucum(Bactris sp) e café-bravo
são exemplos de sementes que ficam dormindo na terra, esperando uma oportunidade para nascer. As
sementes podem se espalhar através da chuva, dos animais, pássaros e pelo vento quando a semente
é leve. Para a árvore o filho tem que ser levado para longe, por isso o fruto é gostoso, para que os
animais levem longe. Animais como a cutia (Dasyprocia sp), plantam o pequi (Caryocar brasiliensis), a
anta (Tapirus terrestris) planta inajá, tucum e jatobá(Hymenaea sp), o morcego e o macaco também
ajudam a levar a semente para longe. Esses animais fazem parte da vida desses recursos.
Para produção de mudas no viveiro do manejo os alunos conheceram as etapas e procedi-
mentos adequados:
Como preparar o adubo na composteira; Porque o adubo precisa ser peneirando antes de
colocar nos saquinhos?; Quais sementes devem ser plantadas primeiro no germinador e na
sementeira para então serem transplantadas para o canteiro de mudas? Quais os cuidados
necessários para que as mudas possam crescer? (Foto 2)
Foto 2 – Viveiro
de mudas
A aula sobre viveiro da natureza foi relembrada e comparada com a forma da abelha viver
na natureza. A flor e a sua relação com a abelha também foram assuntos abordados, o que
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desencadeou uma conversa sobre polinização. Explicou-se que as abelhas moram em vários
lugares: no oco da árvore, no cupim, na terra e que nestes lugares elas se organizam de forma
a separar as crias, o pólen e o mel. Os não índios também observaram como a abelha se
comporta na natureza e copiaram este jeito de se organizar para poder manejá-las. Uma caixa
de meliponídeo foi apresentada para os alunos para que eles conhecessem o funcionamento do
manejo das abelhinhas e a divisão interna da caixa.
Os alunos visitaram o meliponário do posto (foto 3); lá foi explicado que meliponário é o
lugar onde se cria abelhinha sem ferrão. Existem muitos tipos de abelha no Parque Indígena do
Xingu e cada espécie tem um jeito de trabalhar. O trabalho de manejo de abelhinhas também
imita a natureza, pois é necessário observar como elas trabalham para depois experimentá-las
na caixa. No começo do trabalho usava-se caixa grande, hoje está se experimentando uma
caixa menor, que está funcionando.
Existem hoje 43 apicultores trabalhando em sete aldeias no Parque Indígena do Xingu.
Arquivo SEDUC e ISA
Foto 3 –
Meliponário
HORIZONTES
A partir da análise do resultado do trabalho percebemos que a escola indígena deve ter em
suas propostas curriculares projetos de manejo de recursos naturais como uma forma de valo-
rizar as experiências cotidianas dos alunos no que diz respeito ao meio ambiente e à cultura.
Para os alunos indígenas essas experiências práticas vivenciadas são de grande importância,
pois proporcionam uma maior compreensão dos conteúdos curriculares.
A professora encerrou as atividades com uma aula sobre nutrição, falou sobre a necessidade
de se ter uma alimentação adequada para se ter qualidade de vida. Abordou também a substitui-
ção inadequada de alimentos tradicionais por alimentos da cidade e chamou a atenção para a
100
necessidade de amamentar as crianças com o leite materno. Falou também da importância do mel
na alimentação e da participação da escola nos cuidados necessários na manutenção do plantio de
trinta e três mudas de mamão, oito de carambola e cinco de pinha (Fotos 4 e 5). Os alunos irão
cuidar tanto das sementes plantadas no viveiro, quanto das mudas plantadas no pomar.
A escola indígena deve trabalhar com a promoção desses projetos ambientais numa pers-
pectiva para a conservação e manejo de forma sustentável para a gestão dos recursos naturais
em Terras Indígenas. Dessa forma sugerimos que a escola indígena consulte a comunidade para
que esses projetos estejam de acordo com a necessidade local, ressaltando também o conheci-
mento tradicional sobre o uso de espécies importantes.
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ALGUNS TEXTOS E ILUSTRAÇÕES PRODUZIDOS PELOS ALUNOS
Saímos da sala de aula para a aula na capoeira de terra vermelha, para conhecer o viveiro
da natureza. Lá nós conhecemos muita coisa como as sementes que se espalham através
de animais, aves e o vento. Nessa aula nós vimos muitas mudas de várias árvores como
jatobá, café-bravo, inajá e outros. No viveiro da natureza já tem adubo, sombra, água.
A semente no viveiro que o homem cuida precisa de tudo, como adubo, semente, água
e tela para que as plantas plantadas no viveiro não morram. (Wareajup Kaiabi)
Aluno:
Atwaârangô Suyá
As abelhas vivem
Aluno: Musi Suiá
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No oco das árvores, no cupim e dentro da terra, existem os inimigos das abelhas
que são: formigas, irara, caga-fogo, abelha limão e forídeo. Os filhotes das abelhinhas
ficam separados do mel e a farinha também fica separada. Depois fomos ao meli-
ponário e lá nós vimos eles separarem as famílias das abelhas, quando são retira-
das do mato e colocadas em outro lugar, as abelhas ficam fraquinhas para cons-
truir o seu ninho. Por isso é preciso dar mel para eles ficarem fortes e produzirem
o mel delas. (Poãn Kaiabi)
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
LIMA, Artema S. A. A Escola Indígena e o Manejo de Recursos Naturais. Relatório das Ativi-
dades Pedagógicas Realizadas no Parque Indígena do Xingu. SEDUC-MT, 2003. 89 p.
pararefletir
1-A Constituição Brasileira de 1988 assegura aos Povos indígenas o direito a uma
dade e dos interesses de cada povo. Faz-se necessário que o poder público reconheça a
lares específicos nos quais estejam incluídos suas festas, rituais e períodos de coleta e
2-O Estado de Mato Grosso se destaca no cenário nacional não só pela sua grande
pela sua riqueza étnica. Vivem aqui 38 povos distintos com suas línguas e culturas.
Promova na sua escola uma pequena pesquisa sobre essa diversidade cultural identifi-
rias e jardins. Faça um convite aos alunos para que eles pratiquem e observem o desen-
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