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Ferromagnetismo Paramagnetismo e Diamagnetismo

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10.

2 Ferromagnetismo, paramagnetismo e diamagnetismo



Como podemos explicar estas observações feitas na última seção? Se há um campo B

mais intenso dentro do ferro, algo deve gerar campo B adicional. Pelos nossos
conhecimentos, o que gera campo magnético é corrente. Então deve haver correntes
dentro do ferro? Da mesma forma que há cargas dentro das moléculas de um dielétrico,
poderíamos imaginar correntes microscópicas dentro dos átomos de ferro.
No início do século XX, surgiram modelos do átomo que interpretaram os átomos como
verdadeiros sistemas solares. O núcleo positivo faz o papel do Sol e os elétrons circulam
em volta deste núcleo como se fossem planetas. Com esta ida, parece bastante natural
tentar explicar o campo adicional como campo gerado pelos elétrons que circulam1. Um
elétron negativo dando voltas em torno de um centro constitui uma corrente circular, e
isso equivale a um dipolo magnético. Sabemos que um campo magnético exerce um
torque num dipolo magnético que tenta orientar o dipolo paralelo ao campo. Quanto
mais forte o campo aplicado na amostra, mais dipolos atômicos ficariam orientados.
Veremos como dipolos magnéticos orientados poderiam reforçar o campo magnético.
Na figura 10.2.1 mostro os átomos exageradamente grandes para poder enxergá-los.
Cada átomo está desenhado como uma pequena corrente circular. Os vetores dipolo
destas correntes circulares apontam na direção perpendicular ao plano do papel no
sentido que aponta para o observador. São estes também a direção e o sentido do campo
magnético que teria orientado estes dipolos.
Fig. 10.2.1 Correntes circulares orientadas que formam dipolos
magnéticos orientados. Numa das correntes circulares o vetor dipolo
está mostrado como seta preta que aponta para o leitor. O campo
que orientou os dipolos está indicado com uma ponta de seta azul
apontando para o leitor e a corrente que gerou este campo é
mostrada como corrente circular em azul.
Percebemos que as correntes de átomos vizinhos se
compensam. Mas, nas partes superficiais da amostra,
não há vizinho que possa compensar a corrente circular.
Então o conjunto de correntes circulares equivale a uma
corrente fluindo na superfície da amostra. Eu indiquei
esta corrente resultante com uma curva vermelha com seta.
O campo que orientou estes dipolos foi gerado por uma bobina em volta da amostra de
ferro. Nesta bobina a corrente circula no sentido anti-horário como indicado com uma
seta azul. Percebemos que a corrente resultante na superfície da amostra circula no

mesmo sentido e vai gerar um campo B que reforça o campo da bobina. Então uma
parte das nossas observações estaria explicada.

Podemos até descrever este reforço do campo B de forma quantitativa. Para esta
finalidade, vamos definir uma nova grandeza chamada de magnetização. De forma

análoga à polarização P de um dielétrico, que era a densidade de dipolos elétricos,

define-se a magnetização M como densidade de dipolos magnéticos:

1
De fato, a ideia de explicar este campo adicional com correntes circulando em regiões microscópicas foi
desenvolvida por André-Marie Ampère (20 /01/1775 – 10/06/1836) muito antes do surgimento do modelo
do átomo em forma de sistema planetário.

513

 ∑m
k emV
k

M = "lim" (10.2.1)
def . V →0 V
Como no caso da polarização, soma-se sobre todas as moléculas dentro de um volume
pequeno V. Mas este volume tem que ser ainda grande o suficiente para conter um
número enorme de moléculas ou átomos. Por causa desta restrição, coloca-se o limite
em aspas. Pela própria natureza desta definição, a magnetização é uma grandeza
macroscópica e consequentemente escrevi a letra M em negrito seguindo a notação que

usamos na seção 4.5. Em geral M será também um campo, ou seja, o valor pode variar

de ponto a ponto. Mas, para uma amostra em forma de palito com M uniforme
apontando na direção ẑ do eixo do palito, é evidente que na superfície da amostra

circula uma densidade linear líquida de corrente M ⋅ ẑ . Podemos então tratar um palito

magnetizado como se fosse uma bobina comprida e podemos concluir que o campo B

adicional no palito vale µ 0 M .
Podemos explicar também por que a inclinação da curva na tela do osciloscópio volta a
ter o valor pequeno quando o fluxo ultrapassa certo valor. Se supusermos que o módulo
do dipolo magnético de cada átomo tenha um valor fixo, fica claro que a ajuda do ferro
chega ao limite máximo quando todos os dipolos forem orientados na direção do
campo. Nesta situação, que corresponde ao estado de saturação, um aumento do campo
gerado pela bobina não pode mais provocar um aumento do campo gerado pelo ferro.
Mas há detalhes que mostram que correntes de elétrons circulando no átomo não
explicam os fenômenos corretamente. Um destes detalhes foi descoberto devido ao
único trabalho experimental de Albert Einstein. Einstein fez as seguintes considerações:
Quando o elétron, de carga − e , circula numa órbita de raio r levando o tempo T para
completar uma volta, ele constitui uma corrente de módulo I = e / T . Esta corrente
contorna uma área de π r 2 . Então o módulo do momento magnético associado vale

m = π r 2 e / T . Por outro lado, este movimento possui um momento angular cujo

módulo vale  = mr 2πr / T . Nesta fórmula, m é a massa do elétron. O momento
 
angular  e o pseudovetor dipolo magnético m têm a mesma direção, mas, devido à
carga negativa do elétron, têm sentidos opostos. Então se pode escrever a seguinte
relação entre estes pseudovetores:
 e 
m = −  (10.2.2).
2m
Agora imagine um palito de ferro numa bobina orientado na direção do eixo de simetria
da bobina. Vamos escolher coordenadas cartesianas tais que o eixo de simetria da
bobina coincida com o eixo z. Suponhamos que se injetou uma corrente suficientemente
intensa na bobina de tal forma que o ferro entrou em saturação e todos os momentos
magnéticos estão orientados na direção e no sentido do vetor básico ẑ . Então para

todos os átomos vale m = µ zˆ com alguma constante µ > 0 . Devido à relação (10.2.2),
podemos concluir que todos estes elétrons que contribuem para o estado magnetizado
do ferro têm um momento angular apontando na direção e no sentido − ẑ . Agora
podemos inverter o sentido da corrente na bobina. Isto vai reorientar os átomos de tal

forma que agora os novos momentos magnéticos terão o valor mnovo = −µ zˆ .

514
Consequentemente os novos momentos angulares olham agora no sentido positivo, + ẑ .
Então houve uma alteração da componente z do momento angular destes elétrons.
Mas Einstein percebeu que o campo magnético, que sempre ficava na direção z, não
pode ter exercido torque com componente z, pois, como vimos na seção 6.6, o torque
  
que o campo B exerce sobre um dipolo magnético vale m × B . Este produto vetorial

não tem componente paralela ao campo B . Se não há algum torque com componente z,
esta componente do momento angular tem que ser conservada. Einstein concluiu que o
palito deve começar a girar para conservar o momento angular2. Para comprovar esta
afirmação, ele procurou a ajuda do físico experimental Wander Johannes de Haas3. O
efeito é quase imperceptível e Einstein e de Haas precisavam de recursos engenhosos.
Eles penduraram um palito de ferro num fio fino de quartzo formando um oscilador de
torção. O palito ficou pendurado no centro de uma bobina alinhado com o eixo de
simetria desta bobina. Para amplificar o tênue efeito, Einstein e de Haas usaram a
ressonância mudando o sentido da corrente da bobina no mesmo ritmo das oscilações
naturais do oscilador de torção. As oscilações do palito são observadas com um ponteiro
luminoso que é refletido num pequeno espelho fixo no fio de torção.

Fig. 10.2.2 Esquema da experiência de Einstein-de


Haas. A linha pontilhada entre os interruptores
indica um acoplamento mecânico destes
interruptores que faz com que ambos mudem de
posição simultaneamente.

Einstein e de Haas realmente conseguiram


confirmar que a mudança de orientação dos
dipolos magnéticos provoca uma rotação do
palito4.5 Mas nas publicações de 1915 eles
subestimaram o erro experimental tremendamente. Repetições da experiência, feitas por
Emil Beck6 com um equipamento melhor, forneceram dados mais confiáveis. O
resultado foi uma surpresa; o módulo do fator de proporcionalidade entre momento

angular e m resultou ser duas vezes maior do que previsto pela fórmula (10.2.2).
Somente em 1928, Paul Adrien Maurice Dirac7 conseguiu explicar este fator 2 com sua
teoria relativística do elétron8. Em 1925, Ralph Kronig9 , George Eugene Uhlenbeck10 e

2
De fato, esta previsão já tinha sido feita por Owen Richardson em 1908.
3
Wander Johannes de Haas (02/03/1878 – 26/04/1960) descobriu dois efeitos que têm importância na
caracterização de sólidos; o efeito Shubnikov-de Haas e o efeito de Haas–van Alphen.
4
Albert Einstein, W. J. de Haas: Experimenteller Nachweis der Ampereschen Molekularströme.
In:Verhandlungen der Deutschen Physikalischen Gesellschaft. Band 17, 1915, S. 152–170
A. Einstein, W. J. de Haas: Experimental proof of the existence of Ampère's molecular currents.
In: Koninklijke Akademie van Wetenschappen te Amsterdam (KNAW), Proceedings. Band 18, I, 1915,
S. 696–711
5
Existe também o efeito inverso: quando se gira uma amostra de ferro, ela se magnetiza. Este efeito foi
descoberto por Samuel Barnett com experiências feitas entre 1908 e 1915.
6
Emil Beck: Zum Experimentellen Nachweis der Ampereschen Molekularströme In: Annalen der
Physik Bd. 60, 1919, S. 109–148
7
Paul Adrien Maurice Dirac (08/08/1902 – 20/10/1984)

515
Samuel Abraham Goudschmidt11 tinham sugerido que o elétron possui um momento
angular intrínseco. Aqui intrínseco quer dizer que se trata de um momento angular que
não está relacionado com o movimento do elétron. Chama-se este momento angular de

spin. A teoria de Dirac prevê que o dipolo magnético associado ao spin s obedece à
relação
 e
m = − s (10.2.3),
m
ou seja, o fator de proporcionalidade é duas vezes maior que aquele do momento
angular orbital. Então o resultado da medida do efeito Einstein-de Haas indica
claramente que não é o movimento dos elétrons que provoca a resposta magnética do
ferro, mas é o spin do elétron.
Contudo, por enquanto,entendemos somente uma pequena parte do fenômeno. Para
revelar mais detalhes, vamos comparar o efeito do ferro numa bobina comprida com o
de outras substâncias. Pode-se medir a magnetização de palitos compridos de outros
materiais dentro de uma bobina e investigar a relação entre magnetização e densidade
linear de corrente da bobina. As figuras 10.2.3 e 10.2.4 mostram casos típicos. No eixo
vertical, mostro a componente z da
magnetização, sendo ẑ o vetor unitário M z [mA/m]
na direção do eixo do palito e da bobina 350
com a orientação que forma um parafuso 300 Al
direito com a circulação da corrente 250
positiva. No eixo horizontal, mostro a 200
densidade linear de corrente na bobina. 150
100
Repare nas unidades: no eixo vertical da 50
figura 10.2.3, usei miliampère por metro 0
enquanto na figura 10.2.4 usei mega- -50 nI [kA/m]
ampère por metro! No eixo horizontal, -100
ambas as figuras usam a mesma unidade, -150 Cu
-200
quiloampère por metro, e a mesma -250
escala. 300

Fig. 10.2.3 Magnetização de palitos de cobre e 350

alumínio dentro de uma bobina comprida em -12 -10 -8 -6 -4 -2 0 2 4 6 8 10 12


função da densidade linear de corrente na
bobina.
A figura 10.2.3 mostra os casos de cobre e alumínio. No caso do cobre, a magnetização
é orientada no sentido contrário ao campo que gerou esta magnetização. Isto significa
que o cobre enfraquece o campo. Este caso é de fato comum, há mais substâncias que

8
P.A.M. Dirac: The Quantum Theory of the Electron. In: Proceedings of the Royal Society of London.
Series A, Containing Papers of a Mathematical and Physical Character. A, Nr. 778, 1928, S. 610–624,
dói:10.1098/rspa.1928.0023
9
Ralph Kronig (10/03/1904 – 16/11/1995) foi o primeiro de propor o spin do elétron para explicar
estranhas estruturas finas nos espectros dos átomos. Mas Wolfgang Pauli criticou esta ideia e
desestimulou Kronig de publicá-la. Depois os cientistas da época fizeram até um pequeno poema para
contar a história: “Der Kronig hätt’ den Spin entdeckt, hätt’ Pauli ihn nicht abgeschreckt.”
10
George Eugene Uhlenbeck (06/12/1900 – 31/10/1988)
11
Samuel Abraham Goudschmidt (* 11/07/1902 – 04/12/1978)

516
enfraquecem o campo magnético. Faraday chamou estas substâncias de diamagnéticas.
Lembram-se das substâncias dielétricas? Elas são as que deixam o campo elétrico passar
e não servem para blindar campo elétrico. Analogamente as substâncias diamagnéticas,
embora elas enfraqueçam o campo ligeiramente, deixam o campo passar e não servem
para blindar campo magnético.

No caso do alumínio, há um fortalecimento do campo B , mas este reforço é tão
insignificante que não teria nenhum interesse de colocar este tipo de material num
transformador. Estas substâncias que fortalecem o campo fracamente são chamadas de
paramagnéticas.
Podemos caracterizar as retas da figura 10.2.3 pela inclinação. Chama-se este valor de
susceptibilidade magnética do material e ela é geralmente escrita com a letra grega χ :

M ⋅ zˆ
χm = (10.2.4)
def . nI
Coloquei um índice “m” na letra χ para distinguir esta susceptibilidade da
susceptibilidade elétrica. Para o caso do ferro, a relação entre magnetização e densidade
linear de corrente da bobina não é uma função, devido à histerese. A definição (10.2.4)
não faria sentido para o ferro, e geralmente não se fala de susceptibilidade para
materiais deste tipo. Mas podemos definir uma “susceptibilidade magnética”12 para este

caso também usando a derivada da curva na subida onde M = 0 .

para substância com histerese: χm =
(
d M ⋅ zˆ )(10.2.5)
def . d ( nI ) 
(M =0)

M z [MA/m] Fig. 10.2.4 Relação entre magnetização de


uma amostra de aço e densidade linear de
1,4 corrente na bobina que contém a amostra. .
1,2
1,0 A tabela 10.2.1 mostra valores de
0,8
susceptibilidade magnética de várias
0,6
0,4
substâncias. Percebemos que os
0,2 módulos de susceptibilidade das
0,0 substâncias diamagnéticas e
-0,2
-0,4
nI [kA/m] paramagnéticas são muitas ordens de
-0,6 grandeza menores que os daquelas
-0,8 substâncias classificadas como
-1,0
ferromagnéticas ou ferrimagnéticas.
-1,2
-1,4 Para valores tão pequenos, seria difícil
-12 -10 -8 -6 -4 -2 0 2 4 6 8 10 12 medir a magnetização com o método
que usamos na seção 10.1 usando a lei
de indução e um integrador de Miller. Há outro método de medir a susceptibilidade que
usa a força que um campo magnético não uniforme exerce sobre um dipolo magnético.
Um material com susceptibilidade positiva é sugado para a região de campo mais
intenso. Especialmente o ferro é fortemente atraído para a região de mais alto campo.
Por outro lado, as substâncias diamagnéticas são expulsas desta região. Estas forças

12
Nós definimos esta quase susceptibilidade. Mas trata-se de uma grandeza que depende da história e até
da forma geométrica da amostra. Então não é realmente uma propriedade somente do material.

517
permitem medir a susceptibilidade. A figura 10.2.5 mostra estas forças de forma
qualitativa com a ajuda de uma balança de torção para uma amostra de quartzo e uma de
alumínio. Formei uma barra imantada com quatro ímãs. No meio desta barra prendi um
espelho feito de uma lamínula de microscópio com filme de ouro e um fio de torção. O
arranjo foi pendurado numa torre de vidro para proteger o mesmo contra movimentos
do ar. Por baixo da balança de torção coloquei um bloco de alumínio para criar um
amortecimento com as correntes de Foucault. A orientação da balança é observada com
um feixe de laser. Percebe-se na imagem (b) que há uma força repulsiva entre polo
magnético e uma pedra de quartzo, e na imagem (c) notamos uma força atrativa entre
alumínio e ímã.

Fig. 10.2.5 Demonstração qualitativa da força


repulsiva entre o polo magnético de uma barra
imantada e uma pedra de quartzo (imagem (b)) e da
força atrativa entre ímã e alumínio (imagem (c)). A
imagem (a) mostra a orientação da balança de
torção sem amostras. Uma marca colada na parede
indica a posição de um feixe de luz de um laser que
é refletido numa lamínula de microscópio na
situação sem amostras. Uma peça de alumínio
embaixo da barra imantada serve para fornecer
amortecimento da balança. Todas as imagens
mostram situações de equilíbrio.
As substâncias classificadas como
ferromagnéticos e ferrimagnéticos se
destacam pelos valores enormes de
susceptibilidade, mas também pelo
aparecimento da histerese. Mais tarde
veremos qual é a diferença entre ferro- e
ferrimagnetismo.
Hoje muitos detalhes da estrutura
eletrônica dos átomos e moléculas são
conhecidos. Quando um conhecedor destes
detalhes olha uma tabela de valores de
susceptibilidade magnética, ele vai
perceber que todas as espécies cujos
elétrons são acoplados de tal maneira que
não apresentem momento angular
resultante caem na categoria dos
diamagnéticos13. Isto está de acordo com nossa explicação de que a contribuição
positiva para o fluxo magnético fornecida por um material seria oriunda da orientação
de dipolos já existentes.
Nas substâncias diamagnéticas, a magnetização contrária ao campo que a criou é devido
a dipolos magnéticos induzidos pelo campo. O campo aplicado modifica as nuvens
eletrônicas dos átomos, e esta modificação resulta num enfraquecimento do campo.
Pode-se interpretar este efeito como um exemplo da lei de Lenz. Na hora de aplicar o
13
De fato, os detalhes são às vezes bem complicados. Por exemplo, o cobre em forma de vapor é
paramagnético, mas em forma metálica o cobre puro resulta ser diamagnético à temperatura ambiente. O
leitor que tenta repetir a experiência da figura 10.2.5 com peças de cobre encontrará um comportamento
paramagnético. Isto se deve ao fato de que os materiais de cobre comercializados geralmente são ligas
contendo além do cobre, por exemplo, cromo, zircônio ou berílio.

518
campo, induzimos correntes microscópicas que enfraquecem o campo. Classicamente
qualquer corrente induzida cessaria após algum tempo por causa de processos
dissipativos. Mas as correntes microscópicas dentro dos átomos não apresentam
dissipação. Somente a mecânica quântica pode explicar estas correntes microscópicas.
De fato, Niehls Bohr14 e Hendrika Johanna van Leeuwen15 mostraram que, de acordo
com a física clássica, a magnetização de qualquer material deveria ser zero no equilíbrio
termodinâmico. Este resultado é conhecido como o teorema de Bohr-van Leeuwen.
Então todos os fenômenos que discutiremos nesta seção são de natureza quântica.
Tabela 10.2.1 Valores de susceptibilidade magnética de algumas substâncias. No caso dos materiais
ferro- e ferrimagnéticos os valores podem variar com a pureza do material e eles podem depender de
tratamentos térmicos e mecânicos. Por esta razão consta apenas um digito significativo e em alguns casos
está informada uma faixa larga de possíveis valores.
Substância χm Classificação

He (gás, 20oC, 1 atm) −9,85 ×10−10 diamagnético

Diamante (C) −22 ×10−6 diamagnético

Cobre (Cu) −9,63 ×10 −6 diamagnético

Sílica fundida (SiO2) −11,28 ×10 −6 diamagnético

PVC −10,71×10−6 diamagnético

H2O −9,035 ×10−6 diamagnético

Bismuto (Bi) −166 ×10−6 diamagnético

Alumínio (Al) +22 ×10−6 paramagnético

O2 (gás, 20oC, 0,209 atm) +0,373 ×10 −6 paramagnético

Aço (carbono) + 1 × 10+2 ferromagnético

Fe (99.95% puro) + 2 × 10+5 ferromagnético

Aço para núcleo de transformador + 4 × 10+3 ferromagnético

Ni + 1 × 10+2 −− + 6 × 10+2 ferromagnético

Co + 8 × 10 +1 −− + 2 × 10 +2 ferromagnético

Cerâmicas de óxidos de ferro + 1 × 10+1 −− + 1 × 10 +3 ferrimagnético

A indução de dipolos contrários ao campo aplicado acontece de fato em todas as


substâncias. Mas, naquelas cujos elétrons possuem um momento angular resultante
diferente de zero e consequentemente um momento magnético diferente de zero, a

14
Bohr, Niehls (1972) "Studier over Metallernes Elektrontheori", Københavns Universitet (1911). "The
Doctor's Dissertation (Text and Translation)". In Rosenfeld, L.; Nielsen, J. Rud. Early Works (1905-
1911). Niels Bohr Collected Works. 1. Elsevier. pp. 163, 165–393.doi:10.1016/S1876-0503(08)70015-
X. ISBN 978-0-7204-1801-9
15
van Leeuwen, Hendrika Johanna (1921). "Problèmes de la théorie électronique du
magnétisme". Journal de Physique et le Radium. 2 (12): 361–377

519
orientação destes dipolos produz uma magnetização no sentido do campo externo tão
grande que o efeito dos dipolos induzidos é superado. Na figura 10.2.6, representei estas
afirmações simbolicamente. Na parte superior da figura, mostro um conjunto de átomos
diamagnéticos e na parte inferior, átomos paramagnéticos. Na esquerda, não se aplica
campo magnético; na direita, há campo externo aplicado. Os átomos paramagnéticos já
possuem um momento de dipolo, mas, sem campo, estes dipolos estão orientados
aleatoriamente. Representei esta situação simbolicamente com a metade dos dipolos
olhando para cima e a metade para baixo. Com um campo externo, aparece um dipolo
magnético induzido contrário ao campo, o qual é representado com uma seta cor
magenta. Nos átomos paramagnéticos, há mais dipolos olhando na direção do campo
externo do que na direção contrária.
Fig. 10.2.6 Representação simbólica
dos átomos de uma substância
diamagnética (parte superior) e uma
dia-
paramagnética (parte inferior) sem campo

magnetismo
(esquerda) e com campo aplicado
(direita). B ext.
Nem todos os dipolos olham na
direção do campo, pois a agitação
térmica coloca também muitos
dipolos numa orientação mais para-
energética, ou seja, olhando no
sentido contrário ao campo
externo. Na seção 4.7 já aprendemos como se avalia o número de dipolos olhando na
direção do campo e no sentido contrário. É o famoso fator de Boltzmann que rege o
quociente de probabilidades de encontrar uma ou outra orientação:
Pi  Ei − E j 
= exp −  (10.2.6).
Pj  k BT 
Pi e Pj são as probabilidades de encontrar os respectivos estados i e j , e Ei e E j
são as energias destes estados. T é a temperatura absoluta e k B ≈ 1,3806 × 10−23 J K −1 a
constante de Boltzmann.
Na mecânica quântica , aprende-se que a componente do momento angular em alguma
direção espacial pode somente ter valores discretos e a diferença de dois destes valores é
sempre algum múltiplo inteiro do valor
h
 = = 1,054571800(13)×10−34 Js (10.2.7).
def . 2π
Nesta fórmula, h é a constante de Planck que mencionamos na seção 6.7 quando
discutimos o efeito Hall quântico. No caso do spin do elétron, a componente do
momento angular na direção do campo magnético pode ter somente os valores −  / 2 e
+  / 2 . Um elétron com momento angular orbital diferente de zero pode ter também
outros valores tais como −  5 / 2 , −  3 / 2 , ..... Consequentemente, as energias de um

elétron num campo magnético B = Bzˆ são tipicamente
e
Ei = ai B (10.2.8).
2m

520
Nesta fórmula, ai é um número da ordem de grandeza ±100 que depende do estado i

do elétron. Então para um elétron num campo magnético B = Bzˆ , as diferenças de
energias Ei − E j da fórmula (10.2.6) são tipicamente da ordem

e
Ei − E j ≈ B (10.2.9).
2m
A constante
e J
= 9,274009994(57)×10 −24
µB = (10.2.10)
2m T
é chamada de magnétão de Bohr.
Veremos quais são os valores típicos de energias envolvidas com valores típicos de
campo magnético aplicado. Tomaremos 10 kA/m como valor típico da densidade linear
de corrente nos gráficos das figuras 10.2.3 e 10.2.4. Esta densidade de corrente
corresponde a um campo aplicado de µ 0 10 kA/m = 4π ×10−3 T ≈ 1,3 ×10−2 T . Com um
campo desta ordem de grandeza, os valores típicos das diferenças de energias de
orientação dos dipolos são:
e J
Ei − E j ≈ B ≈ 9,3×10−24 −2 −25
× 1,3 ×10 T ≈ 1×10 J (10.2.11).
2m T
Numa temperatura ambiente de aproximadamente 300 K, a energia térmica típica é
k BT ≈ 1,38 ×10−23 J K −1 × 300 K ≈ 4 × 10−21 J (10.2.12).

Então a energia térmica é aproximadamente 4 ×104 vezes maior que as energias


envolvidas na reorientação de dipolos magnéticos. Ou seja, a energia magnética é
apenas uma minúscula perturbação. Isto explica o comportamento linear da
magnetização de substâncias paramagnéticas. Com Ei − E j / k BT << 1 , podemos fazer a
seguinte aproximação:
Pi  Ei − E j  Ei − E j
= exp −  ≈ 1− (10.2.13).
Pj  k BT  k BT
Isto implica que o número de dipolos com orientação no sentido do campo aplicado é
quase igual ao número de dipolos com a orientação contrária e o pequeno desbalanço
entre estas orientações é proporcional ao campo aplicado e inversamente proporcional à
temperatura absoluta. Portanto esperamos que a susceptibilidade magnética das
substâncias paramagnéticas seja inversamente proporcional à temperatura absoluta:
const.
χm = (10.2.14).
T
Esta lei foi descoberta por Pierre Curie em 1896. O valor constante que aparece nesta lei
depende da substância e ela é chamada de constante de Curie da substância.
Numa disciplina chamada de mecânica estatística, os alunos de física aprenderão como
se calcula o valor da susceptibilidade magnética de uma substância com a fórmula
(10.2.6). Os valores calculados para substâncias paramagnéticas batem muito bem com
os valores observados no laboratório. Mas como fica o caso do ferro? Para o ferro,
temos que explicar valores muito maiores da magnetização e temos que explicar por que
campos externamente aplicados com valores moderados na ordem de apenas

521
µ 0 × 6 kA/m já levam o material para a saturação enquanto outros materiais como
alumínio e oxigênio mostram ainda um comportamento perfeitamente linear.

Fig. 10.2.7 Um pedaço de giz, que cai da minha mão, fica no chão. Por que as moléculas de oxigênio
do ar que respiramos não caem no chão e ficam lá?
Para entender esta reação extrema do ferro frente a um campo aplicado relativamente
fraco, nós vamos analisar um fenômeno análogo da nossa experiência cotidiana. Vejam
este pedaço de giz que acabou de cair da minha mão. Ele perdeu energia potencial
mgiz g h , ganhou energia cinética e finalmente perdeu esta energia de forma irreversível
transferindo-a para graus microscópicos de liberdade. Lá está ele caído no chão. Agora
pergunto: por que não acontece a mesma coisa com as moléculas do ar? Imaginem só:
se todas as moléculas do ar caíssem no chão da sala e ficasse lá tão quietas como aquele
pedaço de giz, morreríamos asfixiados! Por que as moléculas do ar não fazem isto? Será
que o O2 não fica no chão porque as moléculas estão empilhadas umas nas outras? Não!
Esta resposta está errada! Se empilhássemos todas as moléculas do ar da nossa sala de
aula densamente, elas ocupariam apenas uma camada de aproximadamente 4 mm no
chão. A resposta correta é dada com a fórmula de Boltzmann (10.2.6). A energia
necessária para elevar uma molécula de O 2 do chão até a altura do nosso nariz é muito
menor que a energia térmica k BT e, portanto, a probabilidade de encontrar uma
molécula nesta altura é praticamente igual à probabilidade de encontrá-la na altura do
chão. Por outro lado, por que o pedacinho de giz não é elevado pela agitação térmica até
a altura do nosso nariz? A resposta está de novo na fórmula de Boltzmann. A energia
necessária para elevar o giz até o nosso nariz é muito maior que a energia térmica e a
probabilidade de encontrar o giz nesta altura é absurdamente pequena.
Bem, mas afinal de contas o pedaço de giz consiste em moléculas. Por que não devo
usar na avaliação da energia mgh a massa m de uma molécula? A resposta é simples:
as moléculas do giz estão grudadas umas nas outras. Eu não consigo elevar somente
uma molécula do chão até o meu nariz. Se puxo uma molécula do giz, uns 1020 ou 1022
outras moléculas vem logo junto. Por esta razão, devo contar na aplicação da fórmula de
Boltzmann a massa de todo o pedaço de giz e não a massa de uma única molécula.
Consequentemente o campo gravitacional fraco da Terra é suficiente para manter o

522
pedaço de giz no chão, ou seja, numa posição extrema, ou poderíamos dizer, numa
posição de saturação.
Fig. 10.2.8 Um prego de ferro pendurado numa haste
imantada cai quando aquecido a uma temperatura acima
de um pouco mais de mil Kelvins.
Pronto, temos a revelação do segredo da
saturação da magnetização do ferro: deve haver
um acoplamento entre os spins dos elétrons.
Não se consegue girar o dipolo de um único
átomo. Quando se gira um dipolo talvez uns
1012 outros dipolos teriam que girar junto.
Então, no caso do ferro, a energia típica que
entra na fórmula de Boltzmann não é um
magnetão de Bohr vezes B, mas 1012
magnetões de Bohr vezes B.
O que poderia provocar este acoplamento dos
dipolos magnéticos no ferro? Para poder
responder a esta pergunta, seria interessante
saber quão robusto é este acoplamento. Isto
pode ser testado experimentalmente rompendo
o acoplamento com a agitação térmica.
Faremos uma experiência:
Grudei uma haste de ferro num ímã forte e
pendurei um prego de ferro na ponta desta
haste. É a força magnética que segura o prego
na haste. Agora aqueço o prego com um
maçarico. A figura 10.2.8 mostra quadros da
filmagem desta experiência. O prego atinge
uma temperatura tão alta que se nota emissão
de luz visível. Logo depois o prego cai. Acima
de uma temperatura de um pouco mais de mil
Kelvins, o ferro se transforma numa substância
paramagnética. Neste estado, sua susceptibilidade magnética é tão pequena que a força
de atração pelo campo magnético não uniforme da haste não é suficiente para segurar o
prego. Depois de esfriar o prego, ele pode ser novamente pendurado na haste imantada.
Medidas quantitativas com ferro puro mostram que a transição entre o regime
ferromagnético e paramagnético ocorre na temperatura de 1043 K. Todas as substâncias
ferromagnéticas possuem uma temperatura característica TC na qual o comportamento
ferromagnético termina. Esta temperatura é chamada de temperatura de Curie. Esta
temperatura pode nos dar uma indicação acerca de natureza do acoplamento dos spins.
A energia necessária para romper este acoplamento deve ser da ordem de
k BTC ≈ 1, 38 × 10−23 J K −1 × 1043K ≈ 1, 4 × 10−20 J (10.2.15).
O que vem na mente é naturalmente um acoplamento magnético entre os dipolos. Mas,
com uma distância conhecida de 286,65 pm |16 entre átomos num cristal de ferro, pode-
se estimar a energia associada à interação magnética entre dipolos. Esta energia resulta

16
pm = picometro . 286,65 pm é a constante de rede dos cristais cúbicos de corpo centrado do ferro.

523
ser aproximadamente mil vezes menor que o valor da fórmula (10.2.15). Então
certamente não é uma interação magnética que provoca o acoplamento responsável pelo
ferromagnetismo.
Vamos calcular a energia eletrostática de dois elétrons com uma distância igual à
distância entre os átomos na rede cristalina, d = 286,65 pm :
2 −19 2
1 (− e) 9N m 2 (1, 60 ×10 C )
Eee ( d ) = ≈ 8,99 ×10 ≈ 8, 02 ×10 −19 J
4πε 0 d C 2 287 × 10−12 m
(10.2.16)
A energia necessária para quebrar o acoplamento dos spins, estimada pela fórmula
(10.2.15), é aproximadamente 1,7% desta energia eletrostática. Como Eee ( d ) ∼ d −1 ,
concluímos que a energia k BTC tem o valor da energia necessária para reduzir a
distância dos elétrons por 1,7%:
k BTC ≈ Eee ( d × 0,983) − Eee ( d ) (10.2.17).

Na mecânica quântica, aprende-se que, devido ao princípio de Pauli, a distância média


de dois elétrons com spins paralelos tende naturalmente ser maior que a distância de
dois elétrons com spins antiparalelos. Com a repulsão eletrostática dos elétrons, isto
pode levar em determinadas estruturas cristalinas17 a um acoplamento dos spins. É
energeticamente preferível ter os spins paralelos, e desta forma um elétron pode ficar
mais longe de outro. Este mecanismo, chamado de interação de troca18, foi descoberto
em 1926 por Werner Heisenberg19 e Paul Dirac20.
Devido a este acoplamento, que tem sua origem no princípio de Pauli e na repulsão
eletrostática dos elétrons, os spins daqueles elétrons responsáveis pelos fenômenos
magnéticos de um pequeno cristal de ferro devem todos apontar na mesma direção. Isto
significa que o cristal terá uma magnetização diferente de zero mesmo sem campo
externo aplicado. Chama-se este fenômeno de magnetização espontânea. De fato
percebemos na curva de histerese da figura 10.2.4 dois valores de magnetização
diferentes de zero com valor zero do campo externo aplicado.
Mas, com esta história do acoplamento entre spins e com a consequente magnetização
espontânea, temos agora outro problema: quando compramos uma sacola cheia de
pregos de ferro, estes pregos não ficam grudados uns nos outros como se fossem ímãs.
Com a magnetização espontânea esperaríamos que estes pregos se comportassem todos
como ímãs. Como podemos explicar que pedaços de ferro normalmente não apresentam
magnetização?
A solução deste problema vem mais uma vez das considerações termodinâmicas que
explicamos na seção 4.7. Um pedaço de ferro exposto à temperatura ambiente procura

17
De fato, a estrutura da rede cristalina é importante. O ferro puro tem cristais do tipo cúbico de corpo
centrado. Nesta forma o ferro é ferromagnético. Mas em muitos aços inoxidáveis ele cristaliza na forma
cúbica de faces centradas e nesta forma ele é paramagnético.
18
Este nome tem sua origem na formulação matemática do princípio de Pauli: o vetor num espaço
complexo de dimensão infinita que descreve o estado de dois elétrons tem que mudar de sinal quando se
trocam as duas partículas.
19
Mehrkörperproblem und Resonanz in der Quantenmechanik, W. Heisenberg, Zeitschrift für Physik38,
#6–7 (June 1926), pp. 411–426. DOI10.1007/BF01397160
20
P. A. M. Dirac: On the Theory of Quantum Mechanics , Proceedings of the Royal Society of London,
Series A 112, #762 (October 1, 1926), pp. 661—677.

524
um estado de equilíbrio, e este estado de equilíbrio é caracterizado por ter um mínimo
de energia livre. Agora imaginem um cristal de ferro com todos os dipolos atômicos
orientados na mesma direção e no mesmo sentido. Este objeto estaria rodeado por um
intenso campo magnético, como está esboçado na figura 10.2.9.

Fig. 10.2.9 Esboço das linhas do campo B na proximidade de
um cristal de ferro uniformemente magnetizado.
 
Na seção 8.5, vimos que B ⋅ B / 2µ 0 é a densidade de
energia associada ao campo magnético fora de
materiais. Então a configuração mostrada na figura
10.2.9 é muito energética e não corresponde ao
equilíbrio termodinâmico. Há uma outra configuração
que evita o campo magnético fora do cristal e que
mantém o paralelismo dos dipolos pelo menos na maior
parte do volume do cristal. A figura 10.2.10 mostra esta
configuração.

Fig. 10.2.10 Configuração dos momentos magnéticos num cristal


de ferro que evita um campo magnético no espaço externo do
cristal.
Na figura 10.2.10 o cristal foi dividido em quatro
regiões, chamadas de domínios magnéticos, ou
domínios de Weiss21. Em cada domínio, os momentos
magnéticos dos átomos são paralelos. Pensando nas
correntes superficiais líquidas que correspondem a esta
configuração da magnetização, percebemos uma
disposição destas correntes parecidas com as correntes
numa bobina toroidal. Não há campo magnético fora da amostra com esta disposição da
magnetização. Então a energia do campo magnético foi
reduzida. Mas nesta configuração há spins frustrados, isto
é, spins que não conseguiram ficar paralelos aos seus
vizinhos, a saber, os spins dos átomos das fronteiras que
separam os domínios. Esta frustração custa energia. Mas
o número de átomos nestas fronteiras é relativamente
Bexterno
pequeno e a configuração da figura 10.2.10 é
energeticamente favorável. Então para o observador que
mede o campo fora da amostra, este cristal não se
comporta como um imã.
Fig. 10.2.11 Domínios de Weiss num cristal de ferro exposto a um
campo magnético externo.
Agora imaginem que apliquemos um campo magnético externo a esta amostra. A figura
10.2.11 mostra a situação. O domínio com momentos magnéticos contrários ao campo
aplicado é agora energeticamente desfavorável. Então as fronteiras dos domínios se
deslocarão para minimizar a energia livre; o domínio desfavorável diminui de tamanho.
Consequentemente resulta agora uma amostra magnetizada, pois a soma dos momentos

21
A existência dos domínios magnéticos foi proposta por Pierre-Ernest Weiss (25/03/1865 – 24/10/1940)
em 1906: P. Weiss (1906): La variation du ferromagnetisme du temperature, Comptes Rendus, 143,
p.1136-1149

525
magnéticos deste cristal ficará diferente de zero. Nesta disposição dos domínios de
Weiss a amostra gera campo fora da amostra.
Quando o campo externo aumenta, o domínio com orientação dos momentos
magnéticos contrários ao campo externo diminui de tamanho e finalmente some
completamente, e esta situação corresponde à saturação.
Agora vamos imaginar que depois de atingir o estado de saturação diminuímos o campo
externo. Esperamos que apareça de novo um pequeno domínio com orientação contrária
ao campo externo para diminuir a energia do campo total. Esperamos ainda que o
tamanho deste dominho cresça se diminuirmos a intensidade do campo externo. Mas os
deslocamentos das fronteiras entre domínios de Weiss envolvem dissipação de energia.
Há pelo menos dois mecanismos para gerar dissipação: (1) Os deslocamentos das
fronteiras costumam ocorrer “aos pulos”, ou seja, repentinamente acontece um pequeno
avanço. Com cada pulo uma onda eletromagnética é emitida que leva energia embora e
esta energia não volta nunca mais. (2) Há uma interação entre spin e movimento orbital
dos elétrons. Esta interação provoca pequenas alterações da rede cristalina quando um
spin de um elétron muda sua orientação. Em consequência disso, um avanço de uma
fronteira entre domínios gera ondas acústicas no cristal. Estas ondas são espalhadas e
distribuem energia de forma irreversível. Por causa da perda irreversível de energia, a
volta das fronteiras não coincide com a ida. Isto provoca a histerese. Especialmente se
desligamos agora o campo externo
M z [MA/m] completamente, o estado do cristal não
1,4
d c
h
volta completamente à configuração
1,2
1,0
original da figura 10.2.10. Continua
0,8 b uma assimetria; o domínio cujos
0,6
0,4 dipolos apontavam no sentido do
0,2
0,0 a campo continua maior que o domínio
-0,2 e
nI [kA/m] que estava com os dipolos contrários
-0,4
-0,6 12
c h ao campo. Então a amostra ficou
-0,8
-1,0
6
a
b d g imantada mesmo sem campo externo.
-1,2
-1,4 f
-6
-12
e t Agora esta amostra se transformou
g
f
num ímã.
-12 -10 -8 -6 -4 -2 0 2 4 6 8 10 12

Fig. 10.2.12 Histerese com curva virgem de uma amostra originalmente não magnetizada.
A sequência de processos que acabamos de escrever e que começou com uma amostra
não magnetizada não geraria uma curva de histerese como aquela da figura 10.2.4, pois

partimos do ponto nI = 0, M ⋅ zˆ = 0 . Quando se aplica um campo externo oscilatório
numa amostra originalmente não magnetizada, obtém-se uma curva de histerese com
uma curva virgem saindo da origem. A figura 10.2.11 mostra uma histerese com curva

virgem. Junto com o gráfico que informa a relação entre nI e M ⋅ ẑ , mostro nI em
função do tempo. Para t < 0 não havia campo externo aplicado.
Percebemos com esta discussão que a derivada da fórmula (10.2.5) depende da história
da amostra e a noção de susceptibilidade para amostras ferromagnéticas é de
legitimidade limitada. A importância da história magnética da amostra fica
especialmente evidente quando se introduz uma breve mudança de sinal da primeira
derivada da função n I ( t ) . A figura 10.2.13 mostra uma histerese que gravei com uma
corrente I ( t ) com dois pulsos curtos sobrepostos a uma função trigonométrica.

526
Fig.10.2.13 Histerese com duas
mini-histereses criadas com picos na
excitação n I ( t ) . Foi usado um
osciloscópio com raios catódicos. A
imagem é antiga (1970), e
osciloscópios digitais eram ainda
uma raridade naquela época. O
gráfico da excitação n I ( t ) ao lado
é um esboço qualitativo.
Percebemos na figura 10.2.13
que se formam mini-histereses no interior da histerese principal. Quando se introduz

uma destas mini-histereses perto da origem nI = 0, M ⋅ zˆ = 0 , pode-se chegar mais
perto da origem. Isto indica como uma amostra magnetizada pode ser desmagnetizada:
aplica-se um campo externo oscilatório e diminui-se a amplitude desta oscilação
gradativamente. Isto gera histereses que encolhem e terminam finalmente na origem.
Naturalmente existe ainda outro método para desmagnetizar uma amostra; quando se
eleva a temperatura acima do ponto de Curie e
se esfria a mostra subsequentemente, ela volta
ao estado com domínios de Weiss sem campo
fora da amostra.
Fig. 10.2.14 Elétrons num microscópio eletrônico de
intensidade mais elevada

intensidade mais elevada


intensidade mais baixa

transmissão são desviados pelo campo magnético


presente nos domínios de Weiss num filme fino de
ferro. No encontro de dois domínios, isto pode levar a
aumentos e diminuições da intensidade do fluxo de
elétrons. Na figura os elétrons incidem de cima e
atravessam o filme. A óptica de elétrons que forma a
imagem da amostra ficaria abaixo da amostra.
A existência dos dominós de Weiss não é apenas uma hipótese teórica. Os domínios
podem ser vistos. Há diversos métodos para torná-los visíveis. Por exemplo, quando se
coloca uma folha fina de ferro num
microscópio eletrônico de transmissão e se
focaliza num plano ligeiramente abaixo do
filme, as fronteiras entre os domínios
aparecem como linhas claras e escuras. A
figura 10.2.14 mostra a explicação destas
alterações de intensidade do fluxo de
elétrons e a figura 10.2.15 mostra um
exemplo que eu tive oportunidade de
fotografar na minha própria graduação.
Fig. 10.2.15 Imagem de um filme de ferro num
microscópio eletrônico de transmissão. As fronteiras entre domínios magnéticos aparecem como linhas
claras e escuras. Superposto à fotografia está um desenho de setas que indicam as prováveis orientações
da magnetização.
Mencionamos duas formas de energia que influenciam na formação dos domínios de
Weiss: a energia do campo magnético fora da amostra e a energia de acoplamento dos
spins, ou seja, a energia associada à interação de troca. Mas há ainda outras energias
envolvidas que devem ser consideradas na minimização da energia livre. Devido ao
acoplamento entre spin e movimento orbital dos elétrons, os spins se orientam mais
facilmente em determinadas direções no cristal. Então domínios de Weiss com

527
orientações que diferem destas “direções fáceis” possuem mais energia e são
desfavoráveis. Além disso, determinadas orientações dos spins resultam em pequenas
deformações mecânicas do cristal. Este efeito é chamado de magnetostricção. Estas
deformações mecânicas também envolvem energia.
Há um aspecto muito interessante no balanço de energias que envolve o tamanho da
amostra. Para cristais muito pequenos, com dimensões lineares  bem menores que
uma micra, a formação de domínios não ocorre. Isto se explica pelo fato de que o
numero de átomos com spins frustrados cresce com o quadrado da dimensão linear  ,
pois as fronteiras entre domínios são superfícies. Por outro lado, o número total dos
spins cresce com o cubo de  . Consequentemente a fração de spins frustrados tende ser
inversamente proporcional a  .
número de spins frustrados 1
∼ (10.2.18)
número total de spins 
Então para um cristal muito pequeno não compensa formar dominós. Estes cristais
minúsculos são naturalmente ímãs. Isto se torna especialmente interessante se o mini-
cristal tiver uma forma alongada. Neste caso a energia do campo magnético é muito
menor quando a magnetização estiver orientada na direção alongada do que no caso de
uma magnetização transversal. Na figura 10.2.16, esbocei as linhas de campo para as
duas possíveis orientações longitudinais da magnetização de um minicristal alongado e
as linhas para uma magnetização transversal. A energia de campo desta configuração
transversal (b) é muito maior que aquela das duas configurações longitudinais (a) e (c).
Uma mudança da magnetização da configuração (a) para (c) teria que passar por uma
transversal. Como isto custa muita energia, tal mudança não ocorrerá facilmente como
flutuação térmica. Também um campo externo teria que ser bem intenso para forçar
uma transição (a)(c). Esta propriedade dos minicristais alongados torna-as
especialmente apropriadas para fabricar memórias magnéticas e ímãs permanentes. Para
fabricar ímãs com estes minicristais, eles são embutidos num material não magnético de
forma orientada e são submetidos a um
campo magnético muito intenso para
uniformizar as magnetizações dos
cristais.
Fig. 10.2.16 Esboço das linhas de campo em
volta de um minicristal ferromagnético
uniformemente magnetizado em direções
longitudinais (a), (c) e uma direção transversal
(a) (b) (c) (b). A energia do campo da configuração
transversal é maior.
Para terminar esta seção, explicaremos brevemente o que é o ferrimangnetismo. Nos
materiais ferrimagnéticos, há dois tipos de sítios diferentes na rede cristalina. Ambos
possuem momentos magnéticos, e ocorre um acoplamento contrário entre sítios
vizinhos. Mas os momentos magnéticos dos dois tipos de sítios têm módulos diferentes
e consequentemente o acoplamento antiparalelo resulta também numa magnetização
espontânea como no material ferromagnético. O ferrimagnetismo foi descoberto por
Louis Eugène Félix Néel22 em 194823. As magnetitas (λίθος µάγνης), que mencionamos
na seção 1.2, são de fato ferrimagnetos.

22
Louis Eugène Félix Néel (22/11/1904 – 17/11/2000) descobriu não apenas o ferrimagnetismo, mas
também o antiferromagnetismo. Neste fenômeno há também um acoplamento antiparalelo como no caso
do ferrimagnetismo, mas neste caso os momentos magnéticos têm os mesmos módulos. As pesquisas de

528
Fig. 10.2.17 Magnetização resultante diferente de zero num cristal
ferrimangnético.
Os fenômenos de histerese e a existência de uma temperatura
crítica que limita o regime ferrimagnético (no caso chamado de
temperatura de Néel) existem como com as substâncias
ferromagnéticos. Uma das grandes vantagens dos materiais ferrimagnéticos é o fato de
que eles geralmente apresentam pouca condutividade elétrica, o que diminui perdas de
Foucault no uso em transformadores.

Exercícios
E 10.2.1: Quando se coloca um palito de material paramagnético numa bobina
comprida com uma densidade linear de corrente nI na ordem de 10 4 A/m , observa-se
uma dependência bem linear entre nI e magnetização. Mas, para valores muito maiores
da densidade linear de corrente, aparecem também sinais de saturação para materiais
paramagnéticos. Use as fórmulas (10.2.6), (10.2.9) e (10.2.10) para estimar a ordem de
grandeza da densidade linear de corrente que provoca saturação em materiais
paramagnéticos.
Fig. 10.2.18 Demonstração da magnetostricção. Uma
barra ao ser magnetizada muda de comprimento e
desloca um pequeno cilindro rolando-o no suporte do
mesmo. O rolar do cilindro é observado pela alteração
da orientação de um espelho colado no cilindro.
E 10.2.2: Rádios de pilha usam
frequentemente antenas magnéticas que
consistem em uma pequena bobina enrolada
numa barra de material ferrimagnético
(geralmente de aproximadamente 15 cm de
comprimento e de 1 cm de diâmetro). Estas
barras são ótimos objetos para mostrar o
fenômeno de magnetostricção. Arrume uma
destas antenas de um rádio velho ou compre
uma destas barras numa loja de material
eletrônico e monte a seguinte experiência: Enrole uma bobina numa parte da barra e
prenda uma extremidade da barra num suporte de madeira. Apoie a outra extremidade
num cilindro de aproximadamente 1 ou 2 milímetros de diâmetro. Fixe um pequeno
espelho neste cilindro ao lado da barra que permite monitorar rotações do mesmo com a
ajuda de uma caneta laser. Mude o estado de magnetização da barra injetando corrente
na bobina e observe as alterações do comprimento da barra com a ajuda do ponteiro
luminoso como indicado na figura 10.2.16.
E 10.2.3: Repita a experiência da figura 10.2.5 com diversas substâncias. O filme de
ouro na lamínula de microscópio não é essencial; a própria superfície do vidro reflete
suficientemente luz para formar um ponteiro luminoso. Quando você preparar uma
amostra cortando um pedaço de material com uma serra, use uma serra nova, que não

Néel contribuíram muito para o desenvolvimento de memórias magnéticas de computadores e para


pesquisas sobre a história geológica do campo magnético do nosso planeta.
23
L. Néel, Propriétées magnétiques des ferrites; Férrimagnétisme et antiferromagnétisme, Annales de
Physique (Paris) 3, 137-198 (1948).

529
foi usada com outros materiais. Minúsculos cavacos especialmente de ferro podem
contaminar a amostra e gerar resultados falsos.
E 10.2.4: Acima da temperatura de Curie, desaparece a magnetização espontânea dos
cristais ferromagnéticos. Mas isto não quer dizer que o acoplamento dos spins
desaparece por completo para T > TC . Os vestígios deste acoplamento que ficam
provocam uma alteração da lei de Curie (10.2.14). Pesquise na internet como é a
dependência entre susceptibilidade magnética e temperatura para T > TC .
E 10.2.5: Escreva os pontos de destaque desta seção.

530

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