Filosofia Política I
Filosofia Política I
Filosofia Política I
É A RAZÃO VICIADA?
SALVADOR
2024
FERNANDO MARINHO COSTA
É A RAZÃO VICIADA?
SALVADOR
2024
INTRODUÇÃO
1
MOORE, Geroge Edward, Princípios éticos; Esritos filosóficos; Problemas fundamentais da filosofia:
seleção de textos de Hugh Lacey; tradução de Luiz João Barauna, Pablo Rubén Mariconda, - São
Paul: Abril Cultural. (Os Pensadores), 1980.
como se não houvesse uma resistência, tão grande quanto2, cada vez que as vítimas
de um “sistema-mundo” se opusessem a sua condição de vitimados.
2
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 1: A vontade de Saber, tradução de Maria Thereza da Costa
Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. – 3ª ed. – São Paulo, Paz e Terra, 2015.
única via de acesso a um mundo verdadeiramente humano.
(GOMES, 2007, p. 25).3
3
GOMES, Paulo César da Costa. Geografia e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
4
MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo: Abril Cultural, 1972 (Coleção Os
Pensadores).
verdade”5. O que pode ser entendido como um grande equívoco, pois o historiador
também é um produto dessa razão que se pretende universal e totalizante, e como
consequência, ele não percebe que “[...] sendo contemporâneo dos eventos, o
historiador é tão sujeito ao poder persuasório dessas opiniões como qualquer outra
pessoa” (ARENDT, 1989, p.28), o que na prática se revela como um grande
perpetuador das ações ilimitadas da razão, pois ela é o que tende ao progresso da
humanidade, então, “não há excessos em seus dispositivos e em suas práticas”, e a
filosofia não fica fora dessa análise, mesmo não sendo ciência, a prepotência de se
tornar universal pode ser justamente um vício, e como descrito por Montaigne, um
grande problema.
Diferente do que pontua Arendt sobre a as razões pelas quais os judeus foram
laçados na esteira dos acontecimentos, Dussel pontua as razões pelas quais os
Astecas e Ameríndios são colocados no centro dos acontecimentos, e há uma
similaridade entre ambos os grupos colocados nessa esteira dos acontecimentos, e
essa está reificada no excesso da razão. No caso dos Judeus, Arendt entende que a
noção de “bode expiatório” que é disseminada principalmente pela fraude dos
“Protocolos de Sião”, constituirá uma ideia de “problema eterno”, pois, se como afirma
Arendt: “Se é verdade que a humanidade tem insistido em assassinar judeus durante
mais de 2 mil anos, então a matança de judeus é uma ocupação normal e até mesmo
humana, e o ódio aos judeus fica justificado, sem necessitar de argumentos”
(ARENDT, 1989, p.27). Na verdade, os argumentos existem e são variados, pois a
razão busca logo se ocupar de produzi-los, o problema é que essa razão não se
percebe, e se o faz, é de por má-fe, para justificar suas próprias práticas viciadas na
dominação.
Longe de parecer equiparar uma coisa com outra, mas se apresenta como algo
relevante, é quando Foucault ministra sua aula na Universidade de Tóquio em 20 de
abril 1978, e ele expõe qual etapa de seu trabalho sobre a História da Sexualidade ele
se encontrava, e aborda justamente o problema da relação entre a Psiquiatria na figura
especialmente de Freud e sua análise a respeito da histeria. Foucault percebe que há
uma produção demasiada de verdades sobre a sexualidade6. Não apenas sobre
5
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo: tradução Roberto Raposo. – São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
6
FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos V – Ética, sexualidade, política. Organização e seleção de textos de
Manoel Barros da Motta. Trad. Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. – Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2004.
sexualidade individual, mas também e principalmente sobre a sexualidade dentro da
coletividade, no âmbito e nível de sociedade. E como visto sobre a observação de
Hannah Arendt sobre a historiografia, e sua relação na produção de saberes
perpetrados, onde o historiador está dentro do jogo das relações de saber/poder como
mais um coadjuvante, Foucault pontua que é preciso saber “em que medida a própria
psicanálise, que se apresenta justamente como fundamento racional de um saber
sobre o desejo, como a própria psicanálise faz parte, sem dúvida, dessa grande
economia da superprodução do saber crítico a respeito da sexualidade.”(FOUCAULT,
2004, p.60). Nesse contexto, Foucault vai chegar ao problema do poder pastoral, e
chega-se a ele por uma análise de por qual motivo em nossa sociedade (Ocidental) a
construção dos saberes sobre a sexualidade se dão de maneira demasiada, e para
além de entender que essa foi uma proposta que tem sua origem muito antes de um
cristianismo, foi ele que melhor desenvolveu os mecanismos de controle do corpo a
ponto de fazer com que esse conhecimento pudesse controlar os indivíduos por meio
de sua própria sexualidade.
Apesar dessas observações, o que nos interessa de fato, é entender o poder
que a razão como fonte generalizadora de normas, do direito e da verdade, se reificou
no Ocidente, e com seu postulado de razão, persiste num processo de colonização
que perfaz o caminho: corpo; território; população. Importante ressaltar, que nesse
contexto, a observação é sobre a razão instrumental Ocidental, mas especialmente a
razão moderna e Europeia, todavia, não se pode vacilar que outra formas de razão
foram construídas e disseminadas, e que o problema não é necessariamente a razão,
mas sua tentativa de se impor como soberana de forma prepotente. Não notamos
essa observação em Dussel, especialmente no livro intitulado 1492 O encobrimento
do outro; A origem do mito da modernidade, onde ele faz uma análise sobre o
processo de “descobrimento das Américas”.
Importante ressaltar, um relato que o professor Bernd Reiter, da Texas Tech
University – College of arts & Sciences, faz de uma situação com basicamente 108
anos posterior ao descrito por Enrique Dussel em sua obra intitulada The Crisis of
Liberal Democracy and the Path Ahead7 que ocorre segundo ele em 1600. Em Dussel
o ano de invasão está descrito como 1492, e os Astecas no primeiro momento
7
REITER, Bernd. The Crisis o Liberal Democracy and the Path Ahead. Rowman & Littlefield International Ltd. is an
affiliate of Rowman & Littlefield 4501 Forbes Boulevard, Suite 200, Lanham, Maryland 20706, USA With additional
offices in Boulder, New York, Toronto (Canada), and Plymouth (UK), 2017.
aceitaram tudo que lhe ocorrera pelo uso de sua própria razão, afinal, não se pode
negar que eles faziam uso da sua razão para tomar decisões, por mais que fossem
baseadas em mitos, havia sim um exercício da razão Asteca em jogo, porém, esta
mesma razão que permitiu a aceitação de um Deus no primeiro momento, passa a
desconfiar do seu “Deus”, o Cortez em um segundo momento. Importante é que essa
razão levou a um atraso no exercício da resistência contra a invasão dos Espanhóis,
e todo povo foi dizimado.
No caso citado pelo professor Reiter, os povos são Africanos, e o uso de sua
razão o protegeu permitindo sim o exercício de sua resistência, e ele assim relata: “In
the year 1600, a group of African slaves, brought to the port of Cartagena de las Indias,
were able to escape. They created several free republics in the hinterlands of
Cartagena, particularly in the territory of Montes de Maria—the Mary Mounts.”
(REITER, Bernd. 2017, p.145-146), continua Reiter afirmando que eles nunca foram
conquistados pelos Espanhóis. A razão não moderna utilizada por esses escravos não
os colocou em uma situação de vulnerabilidade, e eles resistiram contra a resistência
em dominar dos Espanhóis, e não sucumbiram como ocorrera com os Astecas. Veja
que a resistência desses escravos fora tão grande segundo Reiter, “we read that their
independence and political autonomy were recognized in 1605 by the king after many
struggles and many losses on the Spanish side. The first officially known Palenque
was “La Matuna,” located in the province of Cartagena” (REITER, Bernd. 2017, p.146).
Diante de uma resistência massiva e reificada, a Coroa Espanhola em 1691 acabou
por decreto real concedendo direitos aos escravos.
Notório é que se a razão se permitir, ela pode ser usada como forma de
resistência, mas, fato é que mesmo nestas condições, ela não cessa de buscar a
dominação, e não descansa enquanto não alcança seus objetivos, e mesmo que entre
esses escravos a realidade tenha sido esta no século XVI, no século XIX o resultado
foi diferente, e infelizmente O Estado Colombiano acabou perseguindo e destruindo
as repúblicas negras livres.
8
DUSSEL, Enrique. 1942; O encobrimento do outro; a origem do mito da modernidade: Conferências de
Frankfurt; tradução Jaime A. Clasen – Petrópolis, Rj: Vozes 1993.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo: Abril
Cultural, 1972 (Coleção Os Pensadores).
REITER, Bernd. The Crisis o Liberal Democracy and the Path Ahead. Rowman &
Littlefield International Ltd. is an affiliate of Rowman & Littlefield 4501 Forbes
Boulevard, Suite 200, Lanham, Maryland 20706, USA With additional offices in
Boulder, New York, Toronto (Canada), and Plymouth (UK), 2017.