Filosofia Política I

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

FERNANDO MARINHO COSTA

É A RAZÃO VICIADA?

SALVADOR
2024
FERNANDO MARINHO COSTA

É A RAZÃO VICIADA?

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-


graduação em Filosofia da Universidade
Federal da Bahia – UFBA, como requisito para
obtenção de nota na disciplina Tópicos
Especiais de Filosofia Política I

Prof. Dr. Leonardo Jorge da Hora Pereira

SALVADOR
2024
INTRODUÇÃO

A primeira pergunta que brilha sobre a cabeça como um lampejo de raio, é se


o caminho para pensar o conceito de resistência é o mais correto, mesmo sem
entender se é possível esse caminho correto. Mas, por que pensar se é correto ou
não? A urgência em pensar de uma forma não colonizada urge, é um fato, e o temor
de que o pensamento sobre esse conceito, mesmo que tendo como fundamento o
pensamento foucaultiano possa contribuir para a perpetuação do mesmo, é
preocupante.
Nos incomoda pensar, que talvez, o que reproduzimos como resistência (pelo
menos resistência contra as formas de condução de condutas) nunca tenha de fato
ocorrido, e nunca aconteça, e todos os movimentos, por mais extraordinários que
tenham se mostrado ao longa da história da humanidade, tenha se revelado apenas
como mais do mesmo, ou apenas jogo das relações de poder, ou, que de fato,
resistência seja um conceito palpável e prático de tal forma, que as colonizações do
saber, a partir das próprias relações de poder que se estabelecem, tentam
historicamente e de maneira sistemática não deixar que esse conceito e suas práticas
sejam decolonizadas, ou até mesmo, como afirmara George Edward Moore em seus
princípios Éticos: “Poder-se-á pensar que estamos face a uma questão puramente
verbal. Com efeito, muita vez uma definição não é outra coisa senão a expressão de
uma palavra em outros termos(MOORE, 1980, p.7)1.
Pensar as possibilidades de resistências contra as formas de condução de
condutas, ou até mesmo pensa-las como contra-condutas, em um contexto onde a
“razão” já estabeleceu os vencidos e os vencedores, a vítima e seu opressor, nos
parece pouco produtivo, pois, é possível que esta mesma razão tenha nos conduzido
em uma direção para pensar o que seria resistência, e sendo assim, não estaremos
pensando absolutamente nada a seu respeito, exceto se negarmos essa condição de
possibilidade, caso contrário, toda tentativa de abordar a questão da resistência seria
fazer exatamente o que a razão moderna nos propôs que assim fosse feito, colocá-la
como uma condição que surge de uma tensão entre os vitimados e seus opressores,

1
MOORE, Geroge Edward, Princípios éticos; Esritos filosóficos; Problemas fundamentais da filosofia:
seleção de textos de Hugh Lacey; tradução de Luiz João Barauna, Pablo Rubén Mariconda, - São
Paul: Abril Cultural. (Os Pensadores), 1980.
como se não houvesse uma resistência, tão grande quanto2, cada vez que as vítimas
de um “sistema-mundo” se opusessem a sua condição de vitimados.

As resistências não se reduzem a uns poucos princípios


heterogêneos; mas não é por isso que sejam ilusão, ou
promessa necessariamente desrespeitada. Elas são o outro
termo nas relações de poder; inscrevem-se nessas relações
como o interlocutor irredutível. Também são, portanto
distribuídas de modo irregular:(FOUCAULT, 2015, p.104)

Talvez fosse importante entender o papel da Razão entendida como moderna


nesse processo de dominação, principalmente na invasão das Américas como
descrito por Dussel em “1492 O encobrimento do outro”, pois, se há uma fator limitante
ao desenvolvimento e ou até mesmo engendramento de um sujeito da resistência,
esse circunda a própria pretensão de universalidade da razão, que além de ser a
detentora das condições de possibilidade de um progresso, é condição sine qua non
para que ele ocorra.
Interessante como parece ser a “Razão” (entendida como os modernos e os
contemporâneos a avaliam) esse instrumento humano colonizado e produtor de
ciência, capaz de desconstruir as causas primordiais de todas as coisas (Arché),
assim como as causas finais delas mesmas (teleológicas). Apresenta-se ao mesmo
tempo como detentora de direitos de verdade, responsável por equilibrar civilizações
e conduzir as mesmas ao “progresso inevitável”, mas também, como aquele
instrumento que em usado em demasia pode ser justamente todo seu oposto, porém,
a própria razão, essa razão moderna, não se permite enxergar para além de si mesma,
o que de alguma forma conduz todas as suas ações para um habitat de
normalizações.

A razão se transformou em instituição no final do século XVIII,


ela se transformou em ciência, constituída por modelos
experimentais, segundo os princípios galileanos. O demiurgo
platônico e a causa final aristotélica podem ser afastados e
substituídos pela essência humana, pela natureza, ou, mais
recentemente por uma maneira de “ser no mundo”. A razão é a
fonte de generalização, da norma, do direito e da verdade. A
ordem, equilíbrio, a civilização, o progresso são noções saídas
diretamente deste sistema moderno que se proclama como a

2
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 1: A vontade de Saber, tradução de Maria Thereza da Costa
Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. – 3ª ed. – São Paulo, Paz e Terra, 2015.
única via de acesso a um mundo verdadeiramente humano.
(GOMES, 2007, p. 25).3

No capítulo XXIX da obra Ensaios, Montaigne faz uma denúncia importante


sobre a demasia do uso da razão. Para ele, não entender, ou não encarar, que a
própria razão é destrutiva quando aplicada, ou utilizada em demasia, é apenas um
jogo de palavras. Há uma espécie de “sutileza filosófica”, sutileza essa extremamente
perigosa para o filósofo e a própria filosofia. A questão é: É possível o uso demasiado
da razão? pode a virtude ultrapassar o limite da própria virtude e deixar de ser virtude?
Montaigne afirma que esse exercício é plenamente possível, e o faz comentando um
personagem em Platão chamado Calícles dizendo: “A filosofia levada ao extremo é
prejudicial e aconselha que não nos dediquemos a ela além dos limites de sua
utilidade.”4 (MONTAIGNE, 1972, p.102) Nessa análise ele afirma inclusive que esse
uso demasiado dessa razão filosófica escraviza a franqueza natural do homem, e nos
desvia inclusive do “belo caminho que a natureza nos traça” (MONTAIGNE, 1972,
p.102).
No decorrer do processo das Colonizações territoriais – em especial dos
territórios americanos como relatado por Dussel –, vamos encontrar o uso da razão
como esse elemento que se propõe o progresso, mesmo que para isso ela mesma, a
própria razão não tenha progresso algum. Note-se que essa razão humana busca ao
máximo a restrição da quantidade e o como sentimos nossos prazeres, a fim de limitá-
los, e isso é feito de maneira engenhosa, o caminho mais prático encontrado por ela
e o enaltecimento das mazelas existenciais.
Hannah Arendt, ao analisar o totalitarismo, detalha que por maior que seja o
esforço, em tentar explicar porque determinadas opiniões popularmente divulgadas
são aceitas de maneira mais simples, não é tarefa tão simples. Em sua análise, o
excesso da razão através de uma diversidade de ideologias buscam descrever as
“chaves da história”, isso acontece especialmente por parte das ciências, e como
exemplo ela afirma que: “O historiador se interessa por elas enquanto são parte da
história de que tratam, e na medida em que se interpõem no caminho de sua busca à

3
GOMES, Paulo César da Costa. Geografia e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
4
MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo: Abril Cultural, 1972 (Coleção Os
Pensadores).
verdade”5. O que pode ser entendido como um grande equívoco, pois o historiador
também é um produto dessa razão que se pretende universal e totalizante, e como
consequência, ele não percebe que “[...] sendo contemporâneo dos eventos, o
historiador é tão sujeito ao poder persuasório dessas opiniões como qualquer outra
pessoa” (ARENDT, 1989, p.28), o que na prática se revela como um grande
perpetuador das ações ilimitadas da razão, pois ela é o que tende ao progresso da
humanidade, então, “não há excessos em seus dispositivos e em suas práticas”, e a
filosofia não fica fora dessa análise, mesmo não sendo ciência, a prepotência de se
tornar universal pode ser justamente um vício, e como descrito por Montaigne, um
grande problema.
Diferente do que pontua Arendt sobre a as razões pelas quais os judeus foram
laçados na esteira dos acontecimentos, Dussel pontua as razões pelas quais os
Astecas e Ameríndios são colocados no centro dos acontecimentos, e há uma
similaridade entre ambos os grupos colocados nessa esteira dos acontecimentos, e
essa está reificada no excesso da razão. No caso dos Judeus, Arendt entende que a
noção de “bode expiatório” que é disseminada principalmente pela fraude dos
“Protocolos de Sião”, constituirá uma ideia de “problema eterno”, pois, se como afirma
Arendt: “Se é verdade que a humanidade tem insistido em assassinar judeus durante
mais de 2 mil anos, então a matança de judeus é uma ocupação normal e até mesmo
humana, e o ódio aos judeus fica justificado, sem necessitar de argumentos”
(ARENDT, 1989, p.27). Na verdade, os argumentos existem e são variados, pois a
razão busca logo se ocupar de produzi-los, o problema é que essa razão não se
percebe, e se o faz, é de por má-fe, para justificar suas próprias práticas viciadas na
dominação.
Longe de parecer equiparar uma coisa com outra, mas se apresenta como algo
relevante, é quando Foucault ministra sua aula na Universidade de Tóquio em 20 de
abril 1978, e ele expõe qual etapa de seu trabalho sobre a História da Sexualidade ele
se encontrava, e aborda justamente o problema da relação entre a Psiquiatria na figura
especialmente de Freud e sua análise a respeito da histeria. Foucault percebe que há
uma produção demasiada de verdades sobre a sexualidade6. Não apenas sobre

5
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo: tradução Roberto Raposo. – São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
6
FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos V – Ética, sexualidade, política. Organização e seleção de textos de
Manoel Barros da Motta. Trad. Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. – Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2004.
sexualidade individual, mas também e principalmente sobre a sexualidade dentro da
coletividade, no âmbito e nível de sociedade. E como visto sobre a observação de
Hannah Arendt sobre a historiografia, e sua relação na produção de saberes
perpetrados, onde o historiador está dentro do jogo das relações de saber/poder como
mais um coadjuvante, Foucault pontua que é preciso saber “em que medida a própria
psicanálise, que se apresenta justamente como fundamento racional de um saber
sobre o desejo, como a própria psicanálise faz parte, sem dúvida, dessa grande
economia da superprodução do saber crítico a respeito da sexualidade.”(FOUCAULT,
2004, p.60). Nesse contexto, Foucault vai chegar ao problema do poder pastoral, e
chega-se a ele por uma análise de por qual motivo em nossa sociedade (Ocidental) a
construção dos saberes sobre a sexualidade se dão de maneira demasiada, e para
além de entender que essa foi uma proposta que tem sua origem muito antes de um
cristianismo, foi ele que melhor desenvolveu os mecanismos de controle do corpo a
ponto de fazer com que esse conhecimento pudesse controlar os indivíduos por meio
de sua própria sexualidade.
Apesar dessas observações, o que nos interessa de fato, é entender o poder
que a razão como fonte generalizadora de normas, do direito e da verdade, se reificou
no Ocidente, e com seu postulado de razão, persiste num processo de colonização
que perfaz o caminho: corpo; território; população. Importante ressaltar, que nesse
contexto, a observação é sobre a razão instrumental Ocidental, mas especialmente a
razão moderna e Europeia, todavia, não se pode vacilar que outra formas de razão
foram construídas e disseminadas, e que o problema não é necessariamente a razão,
mas sua tentativa de se impor como soberana de forma prepotente. Não notamos
essa observação em Dussel, especialmente no livro intitulado 1492 O encobrimento
do outro; A origem do mito da modernidade, onde ele faz uma análise sobre o
processo de “descobrimento das Américas”.
Importante ressaltar, um relato que o professor Bernd Reiter, da Texas Tech
University – College of arts & Sciences, faz de uma situação com basicamente 108
anos posterior ao descrito por Enrique Dussel em sua obra intitulada The Crisis of
Liberal Democracy and the Path Ahead7 que ocorre segundo ele em 1600. Em Dussel
o ano de invasão está descrito como 1492, e os Astecas no primeiro momento

7
REITER, Bernd. The Crisis o Liberal Democracy and the Path Ahead. Rowman & Littlefield International Ltd. is an
affiliate of Rowman & Littlefield 4501 Forbes Boulevard, Suite 200, Lanham, Maryland 20706, USA With additional
offices in Boulder, New York, Toronto (Canada), and Plymouth (UK), 2017.
aceitaram tudo que lhe ocorrera pelo uso de sua própria razão, afinal, não se pode
negar que eles faziam uso da sua razão para tomar decisões, por mais que fossem
baseadas em mitos, havia sim um exercício da razão Asteca em jogo, porém, esta
mesma razão que permitiu a aceitação de um Deus no primeiro momento, passa a
desconfiar do seu “Deus”, o Cortez em um segundo momento. Importante é que essa
razão levou a um atraso no exercício da resistência contra a invasão dos Espanhóis,
e todo povo foi dizimado.
No caso citado pelo professor Reiter, os povos são Africanos, e o uso de sua
razão o protegeu permitindo sim o exercício de sua resistência, e ele assim relata: “In
the year 1600, a group of African slaves, brought to the port of Cartagena de las Indias,
were able to escape. They created several free republics in the hinterlands of
Cartagena, particularly in the territory of Montes de Maria—the Mary Mounts.”
(REITER, Bernd. 2017, p.145-146), continua Reiter afirmando que eles nunca foram
conquistados pelos Espanhóis. A razão não moderna utilizada por esses escravos não
os colocou em uma situação de vulnerabilidade, e eles resistiram contra a resistência
em dominar dos Espanhóis, e não sucumbiram como ocorrera com os Astecas. Veja
que a resistência desses escravos fora tão grande segundo Reiter, “we read that their
independence and political autonomy were recognized in 1605 by the king after many
struggles and many losses on the Spanish side. The first officially known Palenque
was “La Matuna,” located in the province of Cartagena” (REITER, Bernd. 2017, p.146).
Diante de uma resistência massiva e reificada, a Coroa Espanhola em 1691 acabou
por decreto real concedendo direitos aos escravos.

Unable to conquer them, in 1691, the Spanish Crown granted, by


royal decree, the following rights to the four Palenques of Montes
de Maria, San Miguel, Matudere, Arenal, and Betancur: liberty,
demarcation of their territory, legal and tax treatment equal to the
free population, and self-government (Arrázola 1970).
After ongoing disputes and wars waged by colonial slave holders,
another agreement was signed in 1713, this time between
Governor Francisco Baloco Leigrave and the Palenqueros, again
recognizing their freedom and autonomy (Arrázola 1970).
(REITER, Bernd. 2017, p.146)

Notório é que se a razão se permitir, ela pode ser usada como forma de
resistência, mas, fato é que mesmo nestas condições, ela não cessa de buscar a
dominação, e não descansa enquanto não alcança seus objetivos, e mesmo que entre
esses escravos a realidade tenha sido esta no século XVI, no século XIX o resultado
foi diferente, e infelizmente O Estado Colombiano acabou perseguindo e destruindo
as repúblicas negras livres.

To the contrary, the Colombian State, like the other American


states, persecuted and destroyed these free republics when and
where they could. When they failed, as in the case of the
Palenques of Montes de Maria, they isolated them. The Creole
political elites, blinded by racism, betrayed their own tradition of
open councils and public assemblies and instead constructed
exclusive and highly hierarchical states in the Americas, parallel
to the Maroon republics, and finally they ended the black
republics. The Colombian state only included these rebel
territories after subjecting them to extreme poverty and having
transformed what was once a political rebellion to a cultural
curiosity, ready to be consumed by tourists. (REITER, Bernd.
2017, p.147)

Esse detalhe é um detalhe extremante importante, porque passando pela


análise de Arendt sobre o antissemitismo, e nesse contexto encontramos uma razão
cristã e uma razão judaica, sendo predominante no contexto específico essa razão
dos gentis, pois se pretendeu superior a todo momento. Avaliando em Foucault como
a razão conseguiu produzir uma ciência do sexo, individualizando e tomando todos ao
mesmo tempo, e chegando no ponto em que o Dussel toca que é o processo de
colonização, precisamos notar também como Montaigne viu a razão por parte dos
Astecas. Montaigne afirma que na razão de querer demonstrar alta ideia de poder a
Cortez, o sacrifício de cinquenta mil homens seriam realizados anualmente. O ponto
a ser analisado é que essa razão dos Astecas os levou a sua total destruição, pois a
sua razão foi contraposta a outro modo de razão, assim como aconteceu entre a razão
dos judeus frente a dos gentios, a da civilização ocidental frente a da oriental, e essa
razão vai perfazendo seu percurso devastador sem entender a necessidade de uma
crítica sobre si mesma.

Os embaixadores do rei do México, querendo dar a Cortez uma


alta idéia do poder de seu senhor, após afirmar que tinha trinta
vassalos, cada qual com um exército de cem mil guerreiros, e
que ele residia na cidade mais bela e forte do mundo,
acrescentaram que lhe cumpria sacrificar aos deuses cinquenta
mil homens anualmente. E disseram ainda que se mantinha em
estado de guerra contra alguns grandes povos vizinhos, não
somente a fim de exercitar a juventude do império mas ainda
para suprir com prisioneiros a cerimônia. Com esse mesmo
Cortez aconteceu em certa aldeia sacrificarem em sua honra
cinquenta homens. E mais um fato: alguns desses povos,
vencidos por ele, enviaram-lhe uma delegação a fim de
reconhecer sua autoridade e obter sua amizade. (MONTAIGNE,
1972, p.103)

São importantes as observações realizadas por Montaigne sobre o uso


demasiado da razão, e nesse contexto onde o Dussel se encaixa, é notório que os
Astecas, mesmo que a noção de “Parusia dos Deuses”8 fosse um mito, deixar de levar
em consideração que há uma forma de razão no mito, uma razão que busca também
o convencimento, é presunção de um modelo científico ou filosófico que rege os
costumes e a tudo controla, se deixaram seduzir e convencer por uma razão
demasiada controladora que foi a do mito da “parusia dos deuses”.

Para além de todo mito, a razão asteca afirmava, como a origem


absoluta e eterna de tudo, não o “um” mais o “dois”(Omne). Na
origem, no céu treze estava no lugar da Dualidade (Omeyocan)
onde residia a “Divina-Dualidade” (Ometeótl) ou simplesmente a
“Dualidade” (Oméyotl). Não era como para Hegel, primeiro o Ser
e o Nada para, pelo devir ou movimento, em segundo lugar, o
Ente (Desein). Para os tlamatinime a origem já é codeterminada
(i-námic significa “comparte”), à maneira metafórica de uma
mulher-homem, mas recebia determinações de um altíssimo
grau de abstração conceitual: (DUSSEL, 1993, p.122)

Ao observar tais acontecimentos, seja a questão do antissemitismo, ou a


questão da produção de uma ciência sexual, ou até mesmo o uso demasiado da razão
na produção de verdades e normalizações, algo de extremamente importante precisa
ser colocado em um ponto de relevância que é: Como e quando a resistência se fez
ou se faz presente nesses contextos onde a razão é a ditadora? Como resistir as
imposições sutis de saberes e de verdades generalizadas sem fazer uso desta mesma
razão generalizadora? Não podemos inferir uma resposta para essas questões agora,
mas como hipótese, é possível entender que um processo de decolonização se faça
necessário, e que os métodos não sejam os habituais, já estabelecidos por essa razão
monopolizadora.

8
DUSSEL, Enrique. 1942; O encobrimento do outro; a origem do mito da modernidade: Conferências de
Frankfurt; tradução Jaime A. Clasen – Petrópolis, Rj: Vozes 1993.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

No melhor dos mundos possíveis, mesmo dentro de um sistema-mundo com


sua máquina produtora de vítimas e condenados ao domínio e manipulação da própria
“consciência”, a razão deveria ser ação e reflexão sobre si mesma. Desta forma, cada
passo dado em pro do chamado progresso da humanidade, – condição defendida por
diversos pensadores, desde a ciência Sociologia à própria Filosofia, – seria
acompanhado de uma reflexão sobre quais consequências a própria humanidade
amargaria na experiência de sua existência.
O que se pode identificar na contemporaneidade é um mundo caótico, gritando
por socorro, com geleiras derretendo de um lado, matas sendo destruídas de outro,
rios secando, aquecimento global cada vez mais acentuado, mares avançando sobre
as costas terrestre, e uma humanidade com sua vaidosa razão sempre pensando no
progresso dela mesma. Interessante pensar que o progresso sempre foi pensado para
a própria humanidade, mas, pensemos um pouco: se a razão se propôs ao
desenvolvimento dessa humanidade, e tudo que foi e é produzido por essa razão
ainda é para o progresso dessa mesma humanidade, como seria o progresso se essa
humanidade tivesse que pensar em outros se não eles mesmos? Como nos
comportaríamos se tivéssemos que cuidar de Outros que não nós mesmos?
Pode parecer uma questão ingênua, porém, quando notamos nosso
comportamento com esse excesso de razão, e com essa prepotência do saber, e
mais, com esse interesse demasiado pelo saber sobre nós e sobre o que nos cerca,
podemos inferir que os Frankfurtianos tinham um olhar extremamente apurado sobre
essa razão, e de fato, o conhecimento tornou-se desde muito tempo uma ferramenta
de dominação, de nós mesmos e das coisas que nos cerca.
REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo: tradução Roberto Raposo. – São


Paulo: Companhia das Letras, 1989.

DUSSEL, Enrique. 1942; O encobrimento do outro; a origem do mito da


modernidade: Conferências de Frankfurt; tradução Jaime A. Clasen – Petrópolis, Rj:
Vozes 1993.

FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos V – Ética, sexualidade, política.


Organização e seleção de textos de Manoel Barros da Motta. Trad. Elisa Monteiro,
Inês Autran Dourado Barbosa. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 1: A vontade de Saber, tradução de


Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. – 3ª ed. – São
Paulo, Paz e Terra, 2015.

GOMES, Paulo César da Costa. Geografia e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand


Brasil, 2007.

MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo: Abril
Cultural, 1972 (Coleção Os Pensadores).

MOORE, Geroge Edward, Princípios éticos; Esritos filosóficos; Problemas


fundamentais da filosofia: seleção de textos de Hugh Lacey; tradução de Luiz João
Barauna, Pablo Rubén Mariconda, - São Paul: Abril Cultural. (Os Pensadores), 1980.

REITER, Bernd. The Crisis o Liberal Democracy and the Path Ahead. Rowman &
Littlefield International Ltd. is an affiliate of Rowman & Littlefield 4501 Forbes
Boulevard, Suite 200, Lanham, Maryland 20706, USA With additional offices in
Boulder, New York, Toronto (Canada), and Plymouth (UK), 2017.

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