Direito Das Sucessões
Direito Das Sucessões
MADALENA NOGUEIRA, CARMO GHIRARDI, SOFIA CANEIRA, LAURA GARIBALDI, MARIA MATOS ALVES,
ELISABETE LI E MARIA CAROLINA VIGÁRIO
T3 – 2022/23
ÍNDICE
Introdução .................................................................................................................................. 4
Os princípios fundamentais do Direito das Sucessões............................................................................ 5
Sistematização do Código Civil .............................................................................................................. 8
Noção e âmbito do direito das sucessões .............................................................................................. 8
Objeto das sucessões .......................................................................................................................... 10
A Designação: ........................................................................................................................... 25
Abertura da Sucessão: ............................................................................................................... 26
A vocação (em geral)................................................................................................................. 27
Incapacidade sucessória ...................................................................................................................... 29
A distinção entre deserdação e indignidade ........................................................................................ 30
Indignidade sucessória – regime ......................................................................................................... 32
Deserdação – regime................................................................................................................. 35
Vocação originária: ............................................................................................................................. 36
Vocação subsequente ......................................................................................................................... 36
1
A herança jacente ..................................................................................................................... 59
Aquisição da herança ................................................................................................................ 61
Aceitação e repúdio – Regime comum e particular .............................................................................. 61
Regime comum ....................................................................................................................................................... 61
Regime particular ................................................................................................................................................... 65
Sucessão em particular.............................................................................................................. 82
Sucessão legítima ................................................................................................................................ 82
2
Nulidade e anulabilidade ........................................................................................................ 126
Extinção .................................................................................................................................. 127
como fazer a partilha – step by step – aula david desgravada: ................................................ 128
3
INTRODUÇÃO
O atual Código Civil, organizado segundo uma sistematização germânica, ocupa-se do direito das
sucessões no seu livro V (arts. 2024.º - 2334.º). A semelhança do direito da família, a autonomização do direito
das sucessões justifica-se com base na fonte da relação jurídica, isto é, de um conjunto de factos a que o
legislador atribui relevância jurídica, pelo que este ramo do Direito Civil ocupar-se-á da fonte das relações
jurídicas sucessórias com particular destaque à morte e, igualmente, das problemáticas em torno da morte
presumida (arts. 114.º e ss.). Conclui-se, por isso, que é pressuposto da constituição de relações jurídicas
sucessórias a morte de um determinado sujeito – o autor da sucessão ou de cujus.
As relações jurídicas que relevam essencialmente em direito das sucessões são as relações “mortis
causa” – têm a sua fonte no facto jurídico morte, isto é, com a morte produzem-se os devidos efeitos jurídicos.
Contudo, nem tudo no direito das sucessões se passa mortis causa. Em parte, também assenta nas relações
inter vivos do autor da sucessão, desde logo possível de se denotar através do testamento – negócio jurídico
unilateral elaborado pelo autor da sucessão antes da sua morte.
O direito das sucessões acarreta um conjunto de dimensões que ultrapassam em larga medida o
panorama do Direito Civil. De facto, apenas se justifica a fixação das regras sucessórias mediante a existência
de propriedade privada, logo o direito das sucessões tem simultaneamente uma dimensão política e
constitucional (art. 62.º da Constituição) – o legislador constituinte garante a todos os portugueses o seu
direito à propriedade privada, bem como a possibilidade da sua transmissão inter vivos ou mortis causa.
Uma das especificidades do direito das sucessões consiste na possibilidade de o autor da sucessão
transmitir em bloco todo o seu património para os diversos beneficiários sujeitando-a a um regime jurídico
comum – as regras do direito das sucessões1. Nesse sentido, as regras do direito das sucessões disciplinam a
transferência do conjunto das situações ativas e passivas do autor da sucessão para outros sujeitos,
estabelecendo um regime para a sucessão mortis causa.
O direito das sucessões, na prática, põe em jogo os interesses de 3 grandes grupos de sujeitos:
1
O negócio inter vivos que determine a transmissão em bloco do património de um sujeito para outro é nulo por
indeterminabilidade do objeto (art. 280.º) – por cada alienação de cada um dos elementos do património terá de
corresponder um negócio jurídico distinto e, por isso, um regime jurídico distinto.
4
Não se pode afirmar que os herdeiros legitimários têm o direito a ser sucessores, mas
§
têm a expetativa jurídica – adquirem um direito subjetivo a parte da herança do autor
da sucessão se estiverem vivos à data da morte do autor da sucessão. Assim:
HERDEIROS LEGITIMÁRIOS = LIMITAÇÃO À AUTONOMIA PRIVADA.
Ø Credores – credores do autor da sucessão e credores dos sucessíveis.
o Em primeira linha, são protegidos os direitos dos credores do autor da sucessão.
o O direito das sucessões garante uma coisa fundamental: a responsabilidade patrimonial das
pessoas não cessa com a sua morte – isto permite impedir que não sejam celebrados
contratos com alguém que, p.e., tenha 80 anos e queira pagar a crédito, isto porque, mesmo
com a sua morte, o credor terá direito a receber o crédito.
§ Não se pode olhar para o direito das sucessões numa ideia de partilha, porque, em
primeira linha, surge para proteger os direitos dos credores e, somente depois, existe
essa partilha entre os herdeiros.
§ No fundo, a herança vai constituir durante um determinado período de tempo um
património autónomo, respondendo pelas dívidas face aos credores do autor da
sucessão. Neste sentido, a sucessão é também um processo de liquidação, por se
eliminarão as dívidas do autor da sucessão.
O direito das sucessões é regido por três princípios fundamentais2: Segundo o Professor FOS, é importante
olhar para o direito das sucessões dentro da economia do sistema jurídico que inclui os direitos fundamentais,
que não estão à disponibilidade do legislador, sendo que o direito das sucessões é, hoje em dia, precisamente
um compromisso constitucional.
• Princípio da propriedade privada: É o único lugar da CRP que tem algo diretamente que ver com o
direito das sucessões, sendo que este permite a garantia da propriedade privada enquanto direito
fundamental (art. 62.º da Constituição) e a sua transmissão mortis causa – as regras sucessórias tem
como função principal “a manutenção dos bens na esfera dos privados, evitando a extinção desses
direitos ou a sua apropriação pelo Estado em caso de falecimento do seu titular”. Determinando,
assim, que à partida não pode haver restrição à transmissão de bens através da sucessão.
o Apenas em casos excecionais, ponderados outros direitos fundamentais, é que o legislador
poderia estabelecer um sistema sucessório que criasse uma limitação à transmissão da
propriedade por via sucessória. Assim, CRP garante o direito á transmissão da propriedade
seja por transmissão mortis causa ou intervivos.
o O legislador implementou este comando dizendo que em princípio o conjunto de relações
jurídicas da sucessão vai se transmitir em bloco para os seus herdeiros, sem discriminação dos
direitos em causa.
o O direito das sucessões aparece ligado ao direito de propriedade: se pensarmos em direito
das sucessões pensamos mais em testamento do que em direito de propriedade e a CRP não
se foca nisso.
2
V. Menezes Leitão, Direito das Sucessões, Almedina, 2021, pp. 45-48.
5
o Discute-se se esta autonomia privada, que se concretiza na liberdade de celebrar
testamentos tem ou não autonomia constitucional:
§ FOS considera que sim, pois não é possível garantir a liberdade de transmitir
mortis causa se não houver liberdade de testar (pois é através da liberdade
de testar que eu decido quem ficará com os meus bens).
• Se o TC diz que em princípio determinadas categorias de bens não
podem ser supridas ao fenómeno sucessório, o Prof vai mais longe,
ditando que determinadas categorias de bens não podem ser
excluídas do processo sucessório, pois isto seria uma restrição ao
direito de propriedade;
o No entanto, existe também um direito subjetivo – o direito
de eu transmitir a quem eu quiser os bens através do
testamento.
o Assim, neste artigo encontramos proteção de dois valores fundamentais no direito
das sucessões (1) Liberdade de transmissão de bens; (2) inexistência de limitações
abstratas à transmissão de bens segundo a minha própria liberdade de produzir
efeitos sucessórios (dimensão subjetiva)3.Ex: é possível transmitir por sucessão, mas cada
transmissão sucessória paga um imposto de 90% – na pratica isto significa que não há
sucessão, se recebo 100% e tenho de entregar 90% - isto é uma limitação encapotada á
transmissão de bens mortis causa.
§ No entanto, temos os herdeiros legitimários, que são uma limitação à
liberdade de testar. Ora, os herdeiros legitimários não são uma limitação
abstrata à transmissão de bens mortis causa, apenas limita a liberdade de
testar (não posso produzir todos os efeitos sucessórios segundo a minha
vontade, pois existe uma norma imperativa4)
§ Herdeiros legitimários:
• Têm direito a 2/3 da herança do autor da sucessão;
• Composto pelos descendentes, ascendentes e cônjuge.
o A justificação a esta limitação encontra-se no direito
constitucional da família – 67º e 68º da CRP (explicado abaixo).
• Princípio da autonomia privada (art. 405.º): a afirmação deste princípio encontra-se plasmada na
possibilidade de os sujeitos poderem conformar, segundo a sua vontade, os seus efeitos jurídico-
sucessórios através da celebração de negócios jurídicos unilaterais, como o testamento (arts. 2179.º
e ss.), ou até de negócios jurídicos bilaterais, como os pactos sucessórios (arts. 2027.º e 2028.º).
o A autonomia privada tem de respeitar os limites impostos pela lei, pelo que encontraremos
fortes limitações a este princípio no direito das sucessões conexas com o mandato
constitucional de proteção da família.
• Princípio da proteção da instituição familiar (67º e 68º CRP): Tem sido entendido que qualquer
património não pode ser entendido de uma perspetiva totalmente liberal, pois, atualmente, tem em
parte uma função social. O fundamento está na solidariedade familiar – ou seja, o património passa
de geração em geração funcionalizado ao bem-estar dessa mesma família.
o Dentro deste argumento existem várias opiniões, como, por exemplo, a importância de no
início de vida ter desde logo algum património.
o Problema: Cada vez mais desvanece a ideia de solidariedade intergeracional devido ao
aumento da esperança média de vida – pois, em princípio, quando eu receber a herança já
não vou precisar desse património para orientar a minha vida.
o Hoje em dia a estrutura familiar até está mais invertida, ou seja, o bem-estar das gerações
mais novas é superior ao das gerações mais antigas. Por vezes, são os ascendentes que
aproveitam desta solidariedade familiar por parte dos descentes. Isto mostra que muitos dos
6
fundamentos da ideia de necessidade de solidariedade intergeracional começam a perder
força.
§ NO ENTANTO, esta ideia do vínculo do património à família é central – o que explica
se calhar a dificuldade de o legislador acabar com os herdeiros legitimários, pois seria
uma limitação desproporcional do direito á família no sentido de proteção legitimária.
• O Prof. Fernando Sá não tem dúvidas relativamente á existência de herdeiros
legitimários, pois até certo ponto é exigida alguma solidariedade familiar por
decorrência constitucional (67º + 68º CRP), é consensual que o legislador não
pode erradicar os herdeiros legitimários.
o Porém, o prof tem muitas dúvidas que seja conforme á CRP o valor
de 2/3. No direito comparado, existe a tendência de manutenção dos
herdeiros legitimários, mas a redução do valor (a não ultrapassar os
50%)
o Diz-se, também, que se a ideia é a solidariedade se calhar há filhos
que necessitam mais que outros. Assim, se calhar devia haver
solidariedade familiar na medida em que fosse necessário haver
solidariedade familiar. Este sistema funcionaria como funciona a
obrigações de alimentos (obrigação intuitu personae), ou seja, os que
ficam, como não podem ter um crédito a alimentos face a alguém
que não existe, passam a ter face à própria herança.
§ FOS considera que o paradigma quantitativo e qualitativo
dos herdeiros legitimários não é o adequado e que pode
limitar excessivamente a liberdade de testar.
§ Assim, existe amplo consenso que deve haver solidariedade
familiar, que dentro dos herdeiros alguns devem ter uma
posição privilegiada, mas há autores que consideram que
não tem de ser através de uma porção do património que é
automaticamente reservada de forma acrítica para os
herdeiros, como ocorre em Portugal.
• Sistema inglês – absolutamente liberal (deixo a minha herança a quem eu
entender). Foi apresentado ao Supreme Court um caso de uma filha que
tinha imenso sucesso e havia outra filha que não tinha tanto sucesso e
que foi empregada dos pais a vida toda, chegando a uma altura que ela
se tornou própria cuidadora dos pais. Os pais fizeram um testamento em
que deixavam tudo à primeira filha e não deixaram nada à filha que
trabalhava para os pais. Neste caso, o tribunal sentia a necessidade de
existência de herdeiros legitimários.
Em suma, caberá ao direito das sucessões estabelecer as regras a serem observadas neste processo
translativo do património do autor da sucessão a partir do momento em que se verifique o seu facto gerador:
a morte5. Como afirmou Windscheid, “com a morte das pessoas terminam as suas relações jurídico-familiares
e cessam os respetivos direitos e deveres. Pelo contrário, com a morte das pessoas, não cessam, salvo
exceções, as suas relações jurídicas patrimoniais [...]; estas, pelo contrário, passam para outra pessoa ou para
uma pluralidade de pessoas. As regras através das quais se dá esta passagem constituem o Direito das
Sucessões”6.
5
Como afirmou Lili Caneças, “Estar vivo é contrário de estar morto”. Desta afirmação claramente fora de contexto
retiramos uma evidência jurídica: sem morte não há fenómeno sucessório.
6
WINDSCHEID/KIPP, Lehrbuch des Pandektenrechts, III. Band, 1906, § 527.
7
SISTEMATIZAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL
Atentando agora à estruturação do Código Civil neste domínio, o legislador pretendeu ainda fixar
uma parte geral do direito das sucessões, sem sucesso segundo Fernando Sá, onde consagra primeiramente
um conjunto de disposições gerais. Além desta encontramos uma parte especial que tem por objeto as
disposições que tutelam a sucessão legítima, a sucessão legitimária e o testamento. Esquematizando, com
destaque para os principais regimes:
7
Pois existia com as mesmas características que existia na esfera jurídica do autor da sucessão.
8
jurídica para outra e na sucessão temos um sujeito que passa a ocupar o lugar de outro sujeito –
o direito permanece intacto, o que se verifica é uma modificação subjetiva (os herdeiros ocupam
o lugar do autor da sucessão).
o Fernando Sá considera que a posição clássica não faz muito sentido uma vez que na
prática o resultado é idêntico e o próprio regime jurídico não acolhe esta distinção. O
problema em colocar estes conceitos como sinónimos coloca-se:
§ Ex: Deixo a minha casa ao meu filho, mas deixo o usufruto dessa casa à minha mulher
– não encaixa no conceito de sucessões como mera aquisição derivada translativa,
pois o usufruto não estava na minha esfera jurídica. Na prática, tenho a aquisição
derivada constitutiva (constituía-se um direito). Há muitos direitos sucessórios que
surgem e que não existiam no momento da abertura da sucessão na esfera jurídica
desse sujeito. Assim, a sucessão não pode ser uma transmissão, no seu sentido mais
restrito, translativa - tem de ser também constitutiva.
§ Existem pessoas que podem adquirir uma posição de vantagem sem que na realidade
tenha sido transmitido um bem – Ex: se através do testamento eu perdoar uma
dúvida a alguém – nada foi transmitido e esta pessoa perdeu passivo.
¶ Galvão Telles: A esta posição opôs-se Galvão Telles, atualmente seguido pela generalidade da
doutrina, defendendo que não existe um afastamento entre estes conceitos: a sucessão seria uma
modalidade de transmissão. Conclui-se, assim, que os conceitos de sucessão e de transmissão são
sinónimos.
¶ Carvalho Fernandes: Invés de falarmos de transmissão, basta dizermos que alguém adquire a título
gratuito uma qualquer vantagem, existindo um fenómeno de aquisição de direitos ou vinculações
que se fundamentam no património do autor da sucessão
o Assim, a sucessão seria:
1. Conceito amplo de aquisição (nuns casos pode ser transmissão translativa,
outros constitutiva, etc.)
2. A título gratuito
3. Direitos ou deveres
4. Que se fundamentam no património do autor da sucessão – não estamos a dizer
que existiam, apenas dizemos que encontra a sua legitimidade no património do
autor da sucessão.
O Livro V oferece-nos uma noção de sucessão (art. 2024.º): diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais
pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução
dos bens que a esta pertenciam.
Em primeiro lugar, a definição legal impõe uma restrição ao núcleo de sujeitos que podem figurar como
autores da sucessão: o preceito restringe o conceito apenas à sucessão por morte, sugerindo que o fenómeno
sucessório apenas se aplica a pessoas singulares (“de uma pessoa falecida”), excluindo do seu âmbito a
sucessão de pessoas coletivas8 e, como afirma Menezes Leitão, várias hipóteses de transmissão em vida9.
Nesse sentido, o nosso estudo centrar-se-á nas regras que disciplinam a sucessão de pessoas singulares.
A definição de sucessão que encontramos no 2024º é insuficiente – não vale a pena tentar explicar, pois não
espelha bem o que é o direito sucessório. Tem 2 erros:
8
A possibilidade de uma sociedade suceder a outra sociedade é tratada no Código das Sociedades Comerciais.
9
É o caso da transmissão singular de dívida (art. 595.º), a sucessão na posição jurídica de senhorio (art. 1058.º) ou a
acessão na posse (art. 1256.º).
9
® “chamamento” parece que é simplesmente uma sucessão de pessoas e não de bens (adota-se a visão
da Escola de Coimbra).
® “só se transmitem relações jurídicas de natureza patrimonial” – tendencialmente é assim, mas por
vezes pode haver transmissão de relações jurídicas de natureza pessoal – Ex: direitos de autor sobre
uma obra de arte).
o Não há verdadeiramente uma definição unívoca do direito das sucessões. Ainda assim, de
modo simples, podemos considerar que o direito das sucessões é o conjunto das regras que
determinam a transmissão do património do autor da sucessão aos seus herdeiros10.
10
Não dizer assim no teste
11
Relembrar de TGNJ: é um contrato cujo programa obrigacional apenas faz sentido com aquela pessoa em concreto,
podemos falar de contratos de empreitada, fornecimento, que são relações jurídicas duradouras e que são de
natureza patrimonial.
12
Com a morte, o proprietário de raiz vê integrados na sua EJ os poderes de uso que estavam na esfera jurídica do
usufrutuário.
13
Ex. facto de se ser casado/ser filho de alguém – são relações jurídicas de natureza meramente pessoal.
10
no entanto, é um problema de autonomia privada se estivermos perante direitos renunciáveis
e, por isso, não levanta especiais dificuldades – cfr.2025, nº2).
o Quanto à parte passiva: questão mais complicada é se as dívidas se transmitem mortis causa.
Não é que o problema tenha muita relevância prática, mas o que se discute é isto: discute-se
se os herdeiros são verdadeiramente devedores:
§ 1 hipótese: o herdeiro é verdadeiramente devedor e há uma transmissão da dívida;
§ 2 hipótese: não há um sistema de transmissão, o herdeiro torna-se apenas
responsável pelas dívidas. O herdeiro não passa a ser um devedor, mas sim um
garante legal daquela dívida à custa do património que era o devedor.
• Do ponto de vista prático, a situação é exatamente a mesma: porque seja o
herdeiro devedor ou a herança devedora, o devedor no direito português
apenas terá que pagar até ao limite da herança.
• O que FOS entende: parece que no Direito Português, à luz da letra da lei que
fala da transmissão de relações jurídicas, não se faz distinção se são ativas e
passivas. Parece, claramente, que há mais que simples assunção da
responsabilidade pelas dívidas, há uma verdadeira transmissão das dívidas,
isto é, que os herdeiros passam a ser devedores.
o Passam a ser devedores com um regime jurídico que não é
exatamente aquele que resulta do Direito das Obrigações, o seu
património pessoal (601º) não responde pelas dívidas. O que
fazemos é ficcionar de alguma forma que o devedor ainda existe
quando ele já morreu, pois não existe o devedor, mas existe o seu
património que garante as suas dívidas exatamente da mesma
forma.14
¶ Direitos potestativos (ex. direito de arrependimento, direito a anular um contrato por erro):
transmitem-se mortis-causa por que têm um conteúdo de natureza patrimonial, desde que existissem
na EJ do autor da sucessão, transmitem-se.
o É evidente, no entanto, que ao falar de direitos potestativos, não nos podemos esquecer que
estes têm um prazo de caducidade para o seu exercício. É evidente que só vou herdar se esse
direito não tiver caducado na esfera jurídica do autor da sucessão15.
¶ Caso mais complexo – indemnizações:
o Por danos patrimoniais: imagine-se que A tinha um acidente de carro e temos 2 hipóteses:
este morre depois de ter ido ao tribunal requerer a indemnização ou, por outro lado, o senhor
A morre antes de ir a tribunal requerer uma indemnização.
§ O que tem sido entendido no OJ português é simples: o direito à indemnização nasce
no momento da prática do facto. Pouco interessa se a pessoa já recorreu ou se não
recorreu a tribunal, num caso como estes não há dúvidas, os herdeiros também
herdam o direito à indemnização.
o Por danos morais: podia-se colocar um problema se víssemos os danos morais numa ótica de
danos não patrimoniais, mas isto é falso – a indemnização por danos morais tem de ser
14
Dado de História do Direito: antigamente, no direito romano, os herdeiros eram obrigados a aceitar, não podiam
fingir que aceitavam – estavam obrigados a aceitar devido a uma regra dos romanos: apenas se transmitia o ativo e não
o passivo. Os romanos entendiam algo perigoso: se na prática estou apenas a receber um incremento no meu
património, aquele herdeiro nunca vai dizer que não, aceita sempre. Com a evolução histórica, começou-se a perceber
que esta regra não fazia sentido, era contrária à concessão de crédito, porque ninguém concederia crédito sabendo que
o seu devedor morresse deixava de ser ressarcido do seu património. Assim, como solução, transmitiam-se as dívidas,
mas conferia-se, então, não apenas a opção de aceitação, mas de repudiar.
15
Se o autor da sucessão ainda tinha 2 meses para anular o contrato por erro, significa que eu, herdeiro dele, tenho
restantes 2 meses para anular o contrato.
11
quantificada de alguma forma em dinheiro (566/3). Aqui podemos colocar a mesma questão:
o autor da sucessão já tinha vindo a tribunal reclamar os danos morais?
§ Se já tinha vindo reclamar os danos morais: parece que não existe nenhum
impedimento à transmissão sucessória nesse sentido.
§ Se ainda não reclamou: alguma doutrina em Portugal diz que se ainda não reclamou
os danos morais, nós devemos entender como uma forma do autor da sucessão
indiretamente expressar uma remissão, dizer que prescinde à indemnização pelos
danos de natureza não patrimonial.
• FOS: este argumento é fraco, hoje em dia é pacífico que ainda que os danos
ainda não tenham sido reclamados, há ainda assim transmissão da
indemnização por danos não patrimoniais.
§ Questão mais difícil – a indemnização do dano morte (496º CC): temos de fazer 2
distinções:
• Se estamos a falar do dano morte do próprio autor da sucessão: FOS diz que
é simples: se o autor da sucessão morre por determinado ato ilícito que leva
à sua morte, o direito à indemnização surge na sua esfera jurídica
precisamente no momento da morte. Quando o AS morreu, o direito existia
na sua esfera jurídica e sendo este um direito de natureza patrimonial, não
há outra forma de entender que esse dano se deve transmitir mortis causa.
• Se estamos a falar do dano morre das pessoas que estão à volta do autor da
sucessão: o que está previsto no 496º é relativo a este caso.
o NOTA: ficam por ver, em sede de aula prática, 2 casos: o que é que
acontece às procurações; e o que é que significa um contrato ser
intuitus personae/não ser.
12
• Assim, o tribunal conclui que os pais devem ter acesso a tudo o que está na conta
de FB, mas a questão que se coloca é se devem poder aceder ao conteúdo da conta.
o Isto é ainda mais claro no email – posso ficar com o email do meu filho? A
resposta é clara: sim. A questão seguinte é se posso ter acesso ao conteúdo
dos emails.
o No FB é a mesma lógica, se eu tiver acesso à conta, vou ter acesso a tudo
o que a minha filha tenha guardado no FB, mas posso também ter
também acesso ao CHAT, por onde a minha filha também pode ter tido
conversas com outras pessoas.
§ O FB defendeu-se da seguinte forma: o contrato com o FB deve
extinguir-se por morte, porque é intuitus personae.
§ Tribunal: O contrato não é intuitus personae – é celebrado com
aquela pessoa concreta, isto é diferente. Outra pessoa, o seu
sucessor, pode ficar com aquele programa obrigacional. Por isso,
em princípio, os pais podiam ter acesso à conta de FB.
• O problema do CHAT é que pode estar em causa a
violação de direitos fundamentais de terceiros, como o
segredo das telecomunicações e segredo das cartas
(artigo 32º CRP).
• O segundo problema que se colocava era quanto ao acesso às fotografias que lá
estavam depositadas: quanto às fotografias depositadas, FOS não tem qualquer
dificuldade em dizer que os pais podem ter acesso – foi uma grande discussão do
séc XIX, aplicável analogicamente, se as cartas de amor se transmitiam ou não.
o Atualmente não há dúvidas: estas questões pessoais transmitem-se mortis
causa, a carta transmite-se, os álbuns de fotografias (analógicos)
transmitem-se.
o Tribunal Alemão: Então, por maioria de razão, conclui que não há grande
diferença entre estes e as fotografias e o conteúdo do chat do FB, é a
mesma coisa.
o Há autores que sugerem algo quase impossível: o próprio FB escolhia aquilo que era reserva da
intimidade da vida privada e apenas permitir acesso áquilo que não era reserva da intimidade da vida
privada. Isto não bate certo com o ratio sucessório em Portugal: se se transmitem todas as cartas,
álbuns e etc que temos, qual é a diferença de isto estar num papel ou estar ficheiro alojado numa
conta de FB? O argumento do STJ foi admitir isto, esta violação dos direitos fundamentais da pessoa
com quem foram trocadas mensagens através do chat do FB, por uma ideia de igualdade com o regime
geral português das sucessões.
o Outra questão: quando entrámos no FB, assinámos o regime das CCG pertencentes ao mesmo e
consta nas mesmas que existe transmissão mortis causa da conta, podendo tornar-se em algo como
um memorial.
o O que tem sido entendido é que é contrário à boa-fé que através das CCG se imponha acordo
quando à não transmissão mortis causa. Seria atentatório à boa-fé que as partes não
pudessem regular um aspecto fundamental da sua vida jurídica, de acordo com um pp
fundamental que é que tudo se transmite, à partida, mortis causa (sucessão universal).
o Aparentemente, não existe grande diferença – se calhar não faz grande sentido falar em
herança digital (então pq falas, Fernando? 🤡) e tal está sujeita precisamente aos mesmos
princípios que está uma herança analógica.
Ø Artigo 2125º, nº3: “presumem-se igualmente excluídos da alienação os diplomas e a correspondência
do falecido, bem como as recordações de família de diminuto valor económico” – esta norma pretende
13
resolver os casos em que numa alineação da herança16 - Ex. imagine-se que o meu avô era uma pessoa
famosa e morre e alguém vem ter comigo e pretende adquirir a herança para ter acesso à correspondência do
meu avô – a correspondência presume-se fora da alienação da herança.
o Se a lei admite uma presunção em sentido contrário, isto é, que com a alineação da herança
também possa ser transmitida a correspondência, os bens de valor diminuto, a lei está a
aceitar transmissão mortis causa quanto a esses elementos. Este argumento normativo
parece legitimar o argumento do tribunal alemão: os chats são de certa forma como a
correspondência e também essas cartas podem conter aspetos ligados à reserva da
intimidade da vida privada.
o Por isto, FOS preconiza que grande parte do planeamento sucessório deve ser feito em vida
– hoje em dia, isto significa: apagar emails, mensagens, sms, etc...
o Outra questão: Imagine-se que a minha mãe se chama Carmo e tem um email perfeito para
mim: carmog@gmail.com; quando ela falecer, eu tenho todo o interesse em ficar com este
mail, mas isto depende da natureza do contrato estabelecido entre a minha mãe e a google.
§ Se não tivesse havido nenhum acordo quando a cessação do contrato mortis-causa,
tudo parece indicar que poderia ter acesso à possibilidade de usar a conta.
Ponto final: a herança digital é apenas um chavão para algo que na prática segue os pps gerais das sucessões,
apenas há uma desmaterialização dos bens.
Ligando tudo o que vimos até agora quanto ao objeto das sucessões: O artigo 2025º projeta-se, na prática,
no princípio da sucessão universal, que significa, em princípio tudo o que é de natureza patrimonial transmite-
se e, excecionalmente, tudo o que não seja de natureza não patrimonial não se transmite, a não ser que a lei
venha dizer em sentido contrário em relação a isto ou pela natureza ou acordo das partes não exista
transmissão mortis causa. No fundo, o património transmite-se como sendo uma unidade (recebo um
conjunto de direitos e de vinculações e não um direito ao património, recebo cada uma das relações jurídicas
como uma universalidade).
O que é que os herdeiros vão receber? Vamos imaginar que o Senhor A deixa 2 casas e 2 carros e tem 2
herdeiros. Temos 2 hipóteses de pensar isto:
No direito português não há dúvidas: os herdeiros, até àquele momento último da partilha, não tem direito
algum a coisas concretas e individualizadas na herança, têm apenas direito a uma quota17. Isto é como na
compropriedade, no fundo. Não se pode dizer que os herdeiros, através da sucessão universal adquirem
direitos sobre coisas determinadas, os herdeiros adquirem direito a parte da herança, uma quota.
16
Significa que “agarro” em toda a herança que recebi e ao invés de a ter de vender praticando negócios jurídicos
individuais em relação a cada uma das coisas, é permitido que aliene toda a herança de uma vez.
17
Pode acontecer que no momento da partilha um dos herdeiros fique com 1 casa e o outro com 2 carros e uma casa,
é uma questão de valor e isto pode igualmente significar que cada um ficou com 50% do património.
14
Quando é que a quota é especificada? Isto só se sabe através de um ato de partilha que, continuando na
analogia com a compropriedade, tem que ver com ação de divisão da coisa comum.
MODALIDADES DE SUCESSÃO
AS FONTES DA SUCESSÃO
2026º (títulos de vocação sucessória): a questão é a seguinte - preciso de saber a que título vou participar na
sucessão, isto é, quais regras serão aplicadas, quando é que nasce a minha relação jurídico-sucessória e porque
regras é que se vai reger: “a sucessão é definida por lei, testamento ou contrato”.
18
Por isso, na sucessão contratual fico vinculada ao contrato, ao passo que no testamento isso não acontece,
preservando-se a faculdade de a qualquer momento mudar a minha vontade.
15
o Sucessão legal: Quando é que sou herdeiro legal? Quando tenho natureza de sucessível e essa
natureza de sucessível não é indicada pela vontade do autor da sucessão, mas é indicada pela lei e
aqui temos duas hipóteses: ou se é herdeiro legítimo ou legitimário. O legislador estabelece que a
sucessão legal é legítima ou legitimária conforme possa ou não ser afastada pela vontade do seu autor
(art. 2027.º), ou seja, através de contrato ou testamento.
o existe a possibilidade de coexistência no mesmo caso de vários tipos de sucessão, nós não
conseguimos à partida dizer que títulos de sucessão é que vão funcionar, temos é de olhar
para 2 coisas: (1) saber se a pessoa fez um testamento; (2) olhar para a sua família. Isto é
absolutamente essencial para saber os títulos sucessórios que vou convocar.
o Caso 1: autor da sucessão não tem ascendentes, descendentes e cônjuge – a primeira
conclusão que retiramos é que não há herdeiros legitimários, sobrando 2 hipóteses:
§ 1 questão: existe testamento ou não?
• Se não existir testamento, todos os herdeiros que vão funcionar são herdeiros
legais legítimos – na prática só vai funcionar 1 tipo de sucessão – a sucessão
legítima/legal à este é o caso da tia velha que só tem sobrinhos, que neste
caso seriam seus herdeiros.
§ 2 questão: Se sim, testamento em todo ou em parte?
• Ex. a velha fez um testamento no todo – disse que deixava tudo ao senhor A,
esgotando todo o seu património através da indicação de herdeiros
testamentários – assim, esta sucessão vai seguir apenas as regras da sucessão
testamentária.
• Ex 2. Velha faz testamento em parte (50%) – em 50% tenho as regras da
sucessão testamentária, nos outros 50% eu vou ter de ir buscar as regras da
sucessão legítima (supletiva).
® Caso 2: mesma coisa, mas o autor da sucessão tem descendentes.
o A primeira coisa que temos de fazer quando pensamentos em herdeiros legitimários é
pensar figurativamente assim: há parte do património que é a legítima/quota indisponível.
Isto significa automaticamente que nessa parte funcionarão as regras da sucessão
legitimária.
§ Sub-hipótese: o legitimário ficava com 50%, o que é que o autor da sucessão pode
fazer aos restantes 50%? Pode não fazer absolutamente nada e funcionarão as
regras da sucessão legítima.
• No entanto, há autores que dizem não funcionam as regras nem da
sucessão legítima nem legitimária, porque na prática vai ficar tudo na
mesma pessoa à a lei vai dizer que os herdeiros legítimos em grande
parte vão corresponder aos herdeiros legitimários (família mais próxima).
o Se há herdeiro legitimário: vai receber 50% a título legitimário e
vai receber os outros 50% a título de herdeiro legítimo.
§ 2ª subhipótese: a mãe deixou 25% do testamento ao Benfica – o que vai
acontecer é algo muito simples: neste caso vou ter um herdeiro legitimário,
legítimo e um herdeiro testamentário.
• Neste caso, convocamos 3 tipos testamentários. Assim, é possível a
coexistência ao mesmo tempo de vários títulos sucessórios19.
o Para os 25% do Benfica – aplico regras da sucessão
testamentária;
19
Na maior parte das HPs, o Prof vai convocar 2 tipos de sucessão: legitimária e legítima.
16
o Para os 25% do herdeiro legítimo - aplico regras da sucessão
legítima;
o Para os restantes 50% - aplicamos as regras da sucessão
legitimária.
• 2030, nº1: temos aqui elencada uma das matérias mais complexas do direito sucessório, isto é, o
problema de saber o que são os sucessores e que vem do Direito Romano. No Direito Romano
entendia-se que um sucessor era um “continuador patrimonial pessoal”20 – ou seja, radicavam-se na
ideia de que os sucessores continuavam o património do autor da sucessão.
1. Esta discussão de saber quem eram os sucessores prendia-se em saber quem continuava o
património do autor da sucessão. No entanto, entre herdeiro e legatário, quem tem a posição
essencial é o herdeiro, querendo isto dizer que os herdeiros e os legatários estão sujeitos a
regimes jurídicos distintos.
• 2030, nº2: o critério para a distinção na lei portuguesa entre herdeiro e legatário está prevista nesta
norma – “Diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e
legatário o que sucede em bens ou valores determinados21” – assim, o critério que vigora entre nós no
OJ português é o critério da quota – quem sucede numa quota será herdeiro, quem sucede em bens
ou valores determinados será legatário. Ex. O Senhor A não tem filhos, não tem mulher e não tem
ascendentes, logo, não tem herdeiros legitimários. Imagine-se que o senhor A tem duas casas – 3 opções:
1. Poderá deixar metade do património a cada um dos seus herdeiros (teremos, assim, 2
herdeiros);
2. Poderá deixar a totalidade do seu património ao senhor B, tornando-se este um herdeiro
universal (sucede no todo);
3. Pode dizer, no testamento, que deixa a B a casa na Praia e que nomeia como Herdeiro o C.
§ B vai suceder num bem determinado e, por isso, este é um legatário.
§ Mas, ao mesmo tempo, instituiu um herdeiro, C, que vai suceder em tudo menos na
casa (ou seja, vai suceder na quota de 100% uma vez descontado o valor da casa).
• Nota: é muito comum termos herdeiros e legatários no mesmo fenómeno
sucessório.
• Nota 2: em Portugal é muito comum as pessoas não deixarem um
testamento, se não existir testamento não temos herdeiros testamentários;
também, por outro lado, não pode haver na prática herdeiros
contratualmente nomeados, logo na maioria das vezes vão existir herdeiros
legais.
o Só há legatários se o autor da sucessão tiver expressado a sua
vontade (estabelecido em testamento).
o Os herdeiros, por sua vez, são criados pela vontade do autor da
sucessão ou pela lei. Nos exemplos acima, foram criados pela
vontade do autor da sucessão, mas pode não ser assim:
§ Caso da Tia Rica sem Filhos: se esta nada disser, os herdeiros
serão os parentes mais próximos, geralmente os seus
20
Ou seja, a pessoa morria, mas ficcionava-se que ela continuava na pessoa dos seus herdeiros.
21
Ou determináveis (acrescento by FOS).
17
sobrinhos. No entanto, a tia pode fazer um testamento onde
não nomeia herdeiros, mas sim legatários (ex. deixa a casa
da praia a B). O resto do património vai não para o legatário,
mas sim para os herdeiros.
¶ A ideia de quota – como é que se manifesta? A regra é que a quota se expressa numa ideia de
proporção aritmética.
É importante relembramos que no Direito das Sucessões atentamos aos interesses de 3 tipos de sujeitos: (1)
os credores, (2) o autor da sucessão e (3) os sucessíveis. Assim sendo, o processo sucessório antes de ser um
processo de divisão do património (a partilha) é um processo de liquidação da herança em favor dos credores
e depois da divisão do restante pelos sucessíveis.
Qual será o papel do herdeiro no Direito Português? Se o herdeiro sucede numa quota22, não sabe em concreto
o que vai herdar ou que ao concreto vai suceder (basta que existam outros herdeiros para que a percentagem
especificada seja diferente).
22
Porção ideal sobre a qual vou ter de fazer um ato posterior de divisão
23
Caso, como é lógico, que estes aceitem.
24
Ou parte num conjunto de herdeiros.
25
Exemplo: pagamento de dívidas.
18
c. Torna-se, assim, clara a importância de ser herdeiro no Direito Português, pois estão
encarregues de todo o processo de liquidação da herança (isto é assim pois é necessário
que alguém proceda à liquidação da herança)26.
i. A regra é, assim, que herdeiros respondem pelos encargos e dívidas da herança e
os legatários, por sua vez, não respondem nem pela dívida nem pelos encargos
da herança – existe apenas um caso que foge à exceção, plasmado no 2277º: “Se
a herança for toda distribuída em legados, são os encargos dela suportados por todos os
legatários em proporção dos seus legados, exceto se o testador houver disposto outra
coisa.” - Ex. imagine-se que uma pessoa morreu e só tinha 3 bens, uma t-shirt, uns calções
e uns chinelos – essa pessoa podia distribuir o que em legados ou constituir um herdeiro.
Se distribuir 1 bem da herança a 3 pessoas, está a distribuir a sua herança em legados,
sem existir um herdeiro. Se não há herdeiros, quem responde pelas dívidas da herança? A
lei diz que na prática os legatários são os herdeiros, no entanto, eu vou precisar sempre
de herdeiros para cumprir os legados – esta situação é muito pontual e académica.
1. Nota: o artigo 2276º diz-nos que os legatários, quando muito, poderão
ser responsáveis pelos encargos da coisa legada.
2) Direito de exigir a partilha (2101º): se os herdeiros têm o direito a uma parte ideal do património
(quota), existirá um dia em que vão querer um direito sobre bens concretos, isto é, quererão
especificar os seus direitos. Assim, os herdeiros têm direito de exigir a partilha, coisa que os
legatários não têm.
a. 2101º: a qualquer altura durante o processo sucessório, depois da aceitação, os herdeiros
vão poder exigir não estar mais numa situação de património indiviso e dividir o
património.
i. Por outro lado, os legatários, se não têm direito de exigir a partilha, são na prática
credores da herança – os legatários têm o direito a exigir dos herdeiros o
cumprimento dos legados, caso não tenham a coisa legada na sua posse
(2068º)27.
1. Ou seja, uns podem pedir a partilha, outros podem apenas exigir o
cumprimento dos legados.
3) Direito de acrescer: Temos Dona Dolores, Ronaldo e irmãs do Ronaldo (C e E). Imaginemos que a
Dona Dolores morre, o Ronaldo não quer saber do património da mãe , mas será confrontado com
a questão de querer suceder ou não, Ronaldo repudia a herança, mas as irmãs querem aceitam-
na.
Dolores Zé
a. À partida R teria direito a 1/3 e C e E a 2/3 e imaginemos que o Marido de Dona Dolores (Zé)
recebeu um legado – casa em28 Machico. Assim sendo, C e E entregam a casa a Zé. O que é
que acontece ao 1/3 que R repudiou? Neste caso temos 3 sucessíveis: C, E e Z. O 1/3 que
sobra é divido apenas pelas irmãs (C e E), pois as irmãs são herdeiras e Z é um legatário (título
de sucessor individualizado, só é possível que tenha pretensões sobre aquele bem em
26
Não tinha de ser necessariamente assim, o legislador português é que tomou esta posição, no direito anglo-saxónico
o autor da herança pode nomear uma pessoa de confiança para liquidar a herança.
27
Ex. Eu herdo a conta bancária da minha mãe, que disse que queria deixar 10.000 euros em legado à Liga do Cancro.
A Liga do Cancro vem ter comigo, para cumprir este legado, pois esta não tem acesso à conta bancária – não é herdeira,
é apenas mera legatária.
28
Sim, eu vi o teu tweet Laura.
19
concreto). Por outro lado, as irmãs, herdeiras, têm um título de sucessor universal (pode ser
pelo todo da herança ou este título pode estar comprimido pelos outros herdeiros, se têm
este título a sua quota pode se expandir).
i. Assim, C e E vão ter direito a 1/3 + ½ do outro1/3, pois R não quis participar no
fenómeno sucessório. Dá-se o nome de acrescer a este fenómeno jurídico.
ii. Ademais, se C também tivesse renunciado, E seria herdeira universal.
b. Assim, nos casos em que um co-herdeiro não quiser participar ou não puder participar num
fenómeno sucessório, o título de sucessor pode deixar de estar comprimido e expandir-se –
a esta expansão dá-se o nome de acrescer.
c. Este caso poderia ser diferente se: 2/3 da herança serão automaticamente (uma vez aceites)
dos filhos pois são herdeiros legitimários, logo a Dona Dolores poderia dispor de 1/3 da
herança, instituindo como herdeiro pela quota disponível o Zé à Neste caso, estariam em
causa 4 herdeiros e tendo todos eles um título que lhes permite expandir a quota.29
i. Assim, os herdeiros têm o direito a acrescer e os legatários não têm direito a acrescer.
ii. Os legatários por norma não têm direito a acrescer, mas podem tê-lo numa situação:
imaginemos que a Dona Dolores deixou claro que a casa seria para o Zé e para o irmão
do Zé (cada um ficava com metade).
1. Neste caso, a Dona Dolores não dividiu por quotas, está em causa uma divisão
de um bem determinado. Neste caso, constituiu dois legatários, 50% para
cada da coisa determinada. Se Zé renunciasse ou repudiasse questiona-se se
o co-legatário não teria direito a acrescer.
2. Assim, os legatários só têm direito a acrescer quando são constituídos sobre
a mesma coisa (só têm direito a acrescer sobre coisa determinada e concreta)
– regime excecional à lembrar: os legatários nunca têm o direito a acrescer
sobre herdeiros.
4) Direito de preferência: os herdeiros, sucessores potenciais do de cujus em todo ou em parte do
seu património, beneficiam de um direito de preferência em caso de alienação da herança (art.
2130.º), por forma a reduzir-se os fenómenos de compropriedade e evitar-se a entrada de
terceiros na herança. Já os legatários, pela ausência de potencialidade de extensão da sua
participação à totalidade da herança, não são titulares deste direito de preferência.
O Prof. FOS considera que estas são as principais distinções estruturais entre ser herdeiro e ser legatário. O
legatário é como uma pessoa que está de passagem na sucessão, é uma pessoa que tem poucos direitos no
fenómeno sucessório - tem apenas o direito de exigir o cumprimento do legado.
Caso muito debatido na doutrina – dificuldade de perceber se o autor da sucessão fez um herdeiro ou um
legatário30 ; no testamento as coisas são claras – ou se deixa uma fração do património (quota) ou deixa coisa
certa determinada ou determinável, mas na maior parte das vezes não há um testamento - algumas das
dificuldades que existem são resolvidas pelo 2030º nº3 e nº4:
® Sujeito que sucede no remanescente dos bens do falecido (art. 2030.º, n.º 3): este será tido como
herdeiro caso não exista especificação destes.
o A questão colocava-se uma vez que à medida que os bens começassem a ser entregues a
porção remanescente do património do de cujus ficaria determinada ou seria, pelo menos,
facilmente determinável31. Através desta norma o legislador veio equivaler o remanescente
dos bens a uma quota dos bens do falecido e, como tal, trata-lo como herdeiro.
29
A lei portuguesa não é clara quanto ao 1/3 que CR7 repudiou (levanta-se a questão se seria dividido não só pelas
irmãs, mas também pelo Zé) – esta questão vai ser respondida mais tarde no semestre.
30
De se notar que esta é uma questão mais teórica que real.
31
Ex. A morre e deixa em testamento uma casa no Porto a B, uma casa no Algarve a C e os restantes bens a D.
20
® O usufrutuário (2030º, nº4): O usufrutuário, ainda que o seu direito incida sobre a totalidade do
património, é havido como legatário” – este caso gerava dúvidas, pois o usufrutuário não sucede no seu
património no seu todo, mas apenas em algumas faculdades desse património (usar e fruir). No
entanto, existia o contra-argumento de que ele irá comportar-se como um verdadeiro proprietário,
então parece um herdeiro.
o A Lei resolve claramente o problema na última interpretação, dizendo que será tido como
legatário, ainda que o seu direito incida sobre a totalidade do património.
2264º - pré-legados – se o beneficiário da deixa é também ele sucessível legal e se resulta do testamento que
o legado acrescer à quota, temos um pré legado. Primeiro é que se cumpre o legado e depois é que cumprido
o pré-legado, outros tipos de legado podem ser instituídos a favor de sucessíveis legais e legitimários. A
palavra-chave do pré-legado é avantajar, é dar um benefício adicional ao sucessível.
Figuras afins:
O HERDEIRO EX-RE CERTA (SEGUNDO O PROF DAVID, O PROF FOS GOSTA MT DESTE TEMA).
• Caso em aberto e que não passou na redação final: Deixas categoriais que esgotam o património (são
deixas que o autor faz por categorias).
o Ex 1. deixo todos os bens imóveis ao senhor A e todos os meus bens imóveis ao senhor B – o problema
que se coloca é saber se fiz duas quotas ou se fiz dois legatários (um de todas as coisas móveis e um de
todas as coisas imoveis).
o Ex2: Deixo todos os meus bens acima do Mondego ao Senhor A e todos os meus bens a baixo do
Mondego ao Senhor B.
• Existem várias opiniões, mas, atualmente, existe um largo consenso na doutrina portuguesa no
sentido de dizer que é necessário fazer uma interpretação da vontade do autor da sucessão.
o No Ex2 – dá a entender que o autor da sucessão não está a pensar nas coisas em concreto,
parece que está a pensar numa forma não aritmética de fazer duas grandes quotas. Ou seja,
está a pensar numa forma de dividir o património no seu todo e que não está a pensar nos
bens de forma individualizada. Assim, teremos um herdeiro ex re certa – herdeiro de coisa
determinada (todas as coisas móveis e imóveis).
§ Logo, mesmo nestes casos de deixas categoriais, o autor não está a pensar nos bens
de forma individualizada, mas em duas grandes quotas, uma forma de divisão
abstrata. Deste modo, se nos surgir um caso destes temos dois herdeiros e não dois
legatários32.
o Ex3: Deixo o meu carro ao senhor B e deixo todos os meus bens imóveis ao senhor A – Neste caso, já
parece que temos dois legatários, estou a pensar nos bens individualizados, não estou a pensar numa
32
Nota: o Prof. Daniel Morais contraria esta conclusão.
21
forma abstrata de divisão de todo meu património criando quotas, pois sei que alguém ficará com o
meu carro, outro com os bens imóveis, e outro com os restantes bens. Assim, o herdeiro será em
princípio o que ficará com o remanescente do património ao qual vou subtrair os dois legados.
§ Assim, à luz deste critério, o herdeiro ex re certa exige que o autor da sucessão esgote
todo o seu património.
• Esta discussão releva para a compreensão do 2030, nº5 – “A qualificação dada pelo testador aos seus
sucessores não lhes confere o título de herdeiro ou legatário em contravenção do disposto nos
números anteriores33.”
o O regime de herdeiro é o que está expressamente previsto na lei.
o O regime de legatário é o que está expressamente previsto na lei.
o Quem suceda numa quota é necessariamente um herdeiro.
o Quem sucede num bem determinado ou determinável é necessariamente um legatário.
o O autor da sucessão não pode adulterar estas regras, não podemos misturar o regime dos
herdeiros com os legatários.
o O autor da sucessão apenas pode escolher se faz um herdeiro ou um legatário.
o A qualificação é legal.
• Um exemplo de acolhimento legal da figura do herdeiro ex re certa surge no legado por conta da
legítima (art. 2163.º), nos termos da qual o autor da sucessão pode designar bens certos e
determinados que devem integrar a quota-parte da herança a receber por determinado herdeiro
legal. Nesse sentido o herdeiro legal tem direito à respetiva quota-parte da herança, mas dentro dela
incluem-se alguns bens certos e determinados.
OS PRESSUPOSTOS DA SUCESSÃO
Todo o fenómeno sucessório tem um pressuposto fundamental: a morte. O conceito técnico-jurídico de morte
é dado através dos médicos, que nos dizem, através da certidão de óbito, o momento da morte e encontra-se
definido em legislação avulsa e é tomado de empréstimo às legis artis da medicina (lei 141/99, artigo 2º): a
morte consiste na cessação irreversível das funções do tronco nervoso cerebral.
• Esta regime determina que os médicos são as entidades competentes para atestar a morte de um
determinado sujeito e, caso se confirme, emitir uma certidão de óbito comprovativa desse facto que
terá de ser apresentada no Registo Civil para averbamento do registo.
• A certidão de óbito inclui, entre outras matérias, o ano da morte do sujeito, que assume uma
importância fundamental para o Direito das Sucessões. Desde logo, o momento da morte do sujeito
permite-nos verificar quais sujeitos estão vivos aquando da abertura da sucessão, sendo que apenas
os sobrevivos poderão suceder ao seu autor.
o Por outro lado, esta ideia tem implicações a respeito da presunção de comoriência (art. 68.º,
n.º 2): a aplicação da presunção tem como efeito prático a impossibilidade de o potencial
sucessor assumir-se nessa qualidade na sequência do falecimento do autor da sucessão34, não
existindo outro pressuposto fundamental da sucessão: a sobrevivência dos sucessíveis ao
autor da sucessão.
• Uma vez declarada a morte de determinado sujeito nos termos legais abre-se a sucessão mortis causa
(2031º CC). Porém, a doutrina portuguesa discutiu bastante a possibilidade de o fenómeno sucessório
desencadear-se de formas distintas, por via de dois institutos: a ausência justificada (arts. 99.º - 113.º)
33
Fórmula semelhante à regra da falsa demonstratio non nocet em sede de interpretação do negócio (art. 236.º, n.º
2): conhecida a vontade das partes, o negócio vale de acordo com esta ainda que o negócio disponha de modo
distinto.
34
Recupere-se os incêndios de Pedrogão Grande, onde várias famílias morreram consumidas pelas chamas sem que
fosse possível determinar com precisão o momento dos óbitos – ao se presumir que pais e filhos morreram ao mesmo
tempo, os filhos nunca tiveram a possibilidade de suceder aos pais. Outra área importante são os acidentes de viação,
p.e quando morre uma família toda de uma vez.
22
e a morte presumida (arts. 114.º - 119.º) 35 . Efetivamente, a discussão resulta do facto de estes
institutos permitirem a abertura da sucessão de alguém que, em tese, pudesse estar vivo.
Retomando, no 68º, nº2 do CC temos o termo da personalidade jurídica onde se estabelece a presunção de
comoriência: a sua importância é que alguém só pode ser herdeiro ou legatário se tiver sobrevivido ao autor
da sucessão – se não tiver sobrevivido, as pessoas não são herdeiras umas das outras (caso dos incêndios de
Pedrógão Grande). Quanto à morte enquanto pressuposto da sucessão cabe referir: (a) Ausência justificada e
(b) Morte presumida.
A AUSÊNCIA JUSTIFICADA:
Quando deixa de haver notícias sobre alguém estamos perante uma situação de ausência. A lei preocupa-se
com este domínio, porque o direito civil “não gosta” de patrimónios parados – que não tenham ninguém que
os administre: Se não existe ninguém que trate do património existem consequências económicas, mas
também jurídicas. Por isso, é necessário arranjar formas de administração desse património.
Fases existentes:
Art. 101º - “justificada a ausência, o tribunal requisitará certidões dos testamentos públicos e mandará
proceder à abertura dos testamentos cerrados que existirem, a fim de serem tomados em conta na partilha e
no deferimento da curadoria definitiva.”
Art. 103º/1 – “a entrega dos bens aos herdeiros do ausente à data das últimas notícias, ou aos herdeiros dos
que depois tiverem falecido, só tem lugar depois da partilha.”
O que é que isto quer dizer? Os administradores – aqueles que têm os poderes conferidos no Art. 94º do CC -
, na prática, à luz da lei, são aqueles que hipoteticamente seriam os herdeiros do ausente. A doutrina
portuguesa questionava se aqui teríamos, verdadeiramente, efeitos sucessórios. Na mera ausência justificada
não existem efeitos sucessórios, segundo o prof. FOS:
¶ Melhor argumento, segundo FOS - Art. 113º - “os casos previstos nas alíneas a) e b) do artigo anterior,
os bens do ausente ser-lhe-ão entregues logo que ele o requeira.37”
o Em princípio, vai receber o património de modo muito aproximado ao estado em que tinha.
Isto porque os indicados como administradores/ curadores, na prática, não têm poderes de
disposição, mas meramente de administração. Portanto, no fundo, não são encarados pela lei
como sucessores.
35
A ausência pode ser simples ou justificada, consoante os prazos; e o decurso de um dos prazos estipulados no artigo
114.º permite a determinados sujeitos requerem a morte presumida do desaparecido.
36
A sobrevivência do ausente determina o fim da justificação da sua ausência, pelo que tem aplicação o regime da
ausência simples, nos termos do qual o curador apenas dispõe de poderes de administração dos bens do
desaparecido. Com a sua sobrevivência, os bens transmitidos aos herdeiros e legatários são reintegrados na sua esfera
jurídica.
37
No fundo, o ausente que regressa dirige-se aos herdeiros e diz “passem para cá os meus bens”.
23
¶ Então porque é que se entrega aos herdeiros? Muito possivelmente, após a ausência justificada pode
existir a morte presumida.
o Se houver morte presumida e houver efeitos sucessórios, quem fica com os bens são os
herdeiros. A lei escolhe os administradores, num primeiro momento, como simples
administradores, porque futuramente serão os interessados na herança. No futuro, serão as
pessoas interessados naqueles bens – bens da pessoa da qual não se sabe o paradeiro.
§ Assim, podemos concluir que na ausência justificada os bens são entregues a título de
mera administração – não existem efeitos sucessórios.
MORTE PRESUMIDA
Quanto à morte presumida as questões são mais complexas:
Art. 114º - “decorridos dez anos sobre a data das últimas notícias, ou passados cinco anos, se, entretanto, o ausente
houver completado oitenta anos de idade, podem os interessados a que se refere o artigo 100.º requerer a
declaração de morte presumida.”
Art. 115º - efeitos da declaração de morte presumida = efeitos da morte. Na prática, produzem-se efeitos
“mortis causa”, na medida em que estamos muito perto da morte. Pode acontecer que nem tenha havido a
curadoria anterior.
Assim, abre-se o fenómeno sucessório. Muito provavelmente, os bens já estão com os herdeiros por força do
regime da ausência justificada. No fundo, este artigo estabelece que a declaração de morte presumida produz
os mesmos efeitos que a morte, mas não dissolve o casamento.
Uma interpretação literal deste preceito permitir-nos-ia, em tese, concluir que a declaração de morte
presumida determinaria a abertura do fenómeno sucessório nos termos dos artigos 2024.º e 2025.º No
entanto:
Art. 117º - “a entrega dos bens aos sucessores do ausente é feita nos termos dos artigos 101.º e seguintes,
com as necessárias adaptações, mas não há lugar a caução; se esta tiver sido prestada, pode ser levantada.”
Remissão para o Art. 101º - à partida, é como se existisse na prática um fenómeno sucessório.
“1. Se o ausente regressar ou dele houver notícias, ser-lhe-á devolvido o património no estado em que se
encontrar, com o preço dos bens alienados ou com os bens diretamente sub-rogados, e bem assim com os bens
adquiridos mediante o preço dos alienados, quando no título de aquisição se declare expressamente a
proveniência do dinheiro.
2. Havendo má-fé dos sucessores, o ausente tem direito a ser indemnizado do prejuízo sofrido”.
3. A má-fé, neste caso, consiste no conhecimento de que o ausente sobreviveu à data da morte presumida.”
Os herdeiros têm um amplo poder de disposição sobre os bens e, por isso, não são meramente
administradores – e mesmo assim, é a própria lei que o reconhece, podem provocar prejuízo.
Quando o morto presumido regressa, o seu património pode ser extremamente inferior, mas tal não dá lugar
à indemnização, exceto se houver má-fé – nº3.38
Conclusão: em rigor, na morte presumida já existe, pelo menos, algo que muito se aproxima/ parecido ao
fenómeno sucessório.
¶ Prof. Carvalho Fernandes – não é bem sucessório – efeitos “quase sucessórios” / aproxima-se do
fenómeno sucessório.
¶ Prof. Menezes Leitão – existem efeitos para-sucessórios, sendo mais pragmático.
38
Sá admite, neste momento, que assiste à CMTV e atentem: QUE ATÉ FAZ BEM!
24
E sobre a frase da Lili Caneças? Não tem tanta razão, uma vez que uma pessoa pode estar viva, mas estar
juridicamente morto. Com isto, acabámos de ver a morte como pressuposto da sucessão.
FENÓMENO SUCESSÓRIO:
• A doutrina divide o fenómeno sucessório em 4 fases (FOS adota a divisão do manual do Professor
Carvalho Fernandes): A designação, abertura da sucessão, vocação e aquisição39.
A DESIGNAÇÃO:
a. Na designação, passo o pleonasmo, dá-se a designação dos sucessíveis – sejam herdeiros
ou legatários.
b. A fase da designação é pré-sucessória, dá-se antes da sucessão, dá-se em vida do autor
da sucessão, tendo por base factos designativos, voluntários ou legais que designam
alguém como sucessível do autor da sucessão.
c. O núcleo de sucessíveis de determinado sujeito não é fixo no tempo: este poderá sofrer
alterações até ao momento da abertura da sucessão, em função das relações jurídico-
familiares constituídas ou dos negócios jurídicos celebrados até à morte do autor da
sucessão.
i. Factos que designam alguém como meu sucessível:
1. Factos designativos voluntários – testamento (2179º) ou contrato (406º,
nº1, 2ª parte). Ex: Em vida posso designar alguém como meu herdeiro
testamentário ou legatário.
2. Factos designativos legais – regras de parentesco (1580º). Ex: O facto de
eu ter filhos ou cônjuge quer dizer que automaticamente serão meus herdeiros
legitimários. O facto de ter sobrinhos quer dizer que eles estão designados como
meus herdeiros.
ii. Nem todos os factos têm o mesmo valor:
1. Eu posso revogar/alterar o meu testamento.
2. No entanto, nem todo o parentesco é igual, há parentes que posso
afastar da minha sucessão e outros que não (herdeiros legitimários).
iii. Há dois factos que não podem ser afastados:
1. Contrato sucessório – não posso revogar unilateralmente, mas já
sabemos que são casos muito contados quase sem importância.
2. Cônjuge, descendente ou ascendente – herdeiros legitimários (art.
2157.º + 2133.º)
a. Estes herdeiros legitimários, ao contrário dos outros herdeiros,
em vida do autor da sucessão, a partir do momento em que
adquirem a qualidade de cônjuge, descendente ou ascendente
adquirem uma espectativa jurídica, não uma mera expectativa
não jurídica. Ou seja, durante a pendência do facto complexo de
produção sucessiva, não têm um simples interesse, mas um
interesse juridicamente tutelado. Estes, se sobreviverem o autor
da sucessão, vão ser necessariamente seus herdeiros.
i. Ex1: não pode haver compras e vendas a filhos sem haver
consentimento dos restantes filhos (877º).
ii. Ex2: nos casos de simulação, os herdeiros legitimários
em vida do autor da sucessão têm legitimidade para
39
O fenómeno sucessório é um facto complexo – várias fases, não é coisa unívoca.
25
defender a sua legitima, os seus direitos sucessórios
(242, nº2).
b. NOTA: Dentro dos sucessíveis legais é ainda estabelecida uma
hierarquia interna que nos permitirá ordenar os herdeiros
legitimários (art. 2157.º + 2133.º) e os herdeiros legítimos (art.
2133.º): os graus mais próximos de parentesco tem prioridade
face aos graus mais distantes e os parentes em linha reta tem
prioridade face aos parentes na linha colateral.
ABERTURA DA SUCESSÃO:
Como vimos, a designação corresponde a uma fase pré-sucessória. Quanto à morte, vimos que quando
ocorria, na prática, a abertura da sucessão. Na ausência justificada não existe propriamente a abertura da
sucessão – aplicam-se as regras sucessórias para determinar os administradores da herança à não existe
fenómeno sucessório.
A abertura da sucessão é o 2º momento (art. 2031º do CC) – A sucessão abre-se no momento da morte
do seu autor e no lugar do último domicílio dele. NOTA: a partir deste momento dá-se, também, Chamamento
dos sucessíveis prioritários (art. 2032.º, n.º 1) – para sabermos quem são estes sucessíveis prioritários, vamos
ao 2133º, que deve ser lido em conjunto com o 2134º que dita que os parentes de grau mais próximo preferem
aos de grau mais afastado40.
¶ Importância do lugar: O lugar permite determinar qual é a lei aplicável (Matéria de direito
internacional privado) e permite determinar qual o tribunal competente – em termos processuais
civis.
o Cada vez mais na Europa esta questão é importante – existe um regulamento de DIP que
permite o autor da sucessão possa escolher uma de duas leis aplicáveis, podendo escolher
entre Lei da sua nacionalidade e a Lei do seu domicílio41.
¶ Importância do momento: Coincide com o momento da morte, daí a importância da certidão de óbito
– saber as horas, os direitos existentes e que se transmitem, etc. O que sucede é que existe uma série
de normas de direito das sucessões que tomam o momento da abertura da sucessão como relevante
para o momento de efetuar um juízo.
o Valor dos bens doados (art. 2109.º): a par dos bens integrantes no património do de cuius, a
sucessão irá abranger boa parte das doações efetuadas pelo seu autor. O legislador, em vez
de considerar o valor dos bens no momento da doação ou no momento da partilha, optou
por considerar o seu valor no momento da abertura da sucessão.
§ Exemplo: se fizer uma doação hoje ao Benfica, daqui a 50 anos, quando eu morrer, o
valor será diferente. Qual é o montante que será relevante para efeitos de direito das
sucessões? O montante à data da abertura da sucessão.
• Logo, o momento da abertura da sucessão surge como momento chave no
direito das sucessões – dá-se a transmissão das situações jurídicas do autor
da sucessão para os seus herdeiros.
40
NOTA PROF DAVID: porque é que o cônjuge integra duas classes? Pois o cônjuge concorre, em primeira instância,
com os descendentes e depois com os ascendentes e só depois é que fica com tudo.
41
Exemplo: ingleses que vivem no Algarve. Se escolherem a lei inglesa, então não existem herdeiros legitimários. Se
escolherem a lei portuguesa, então existem herdeiros legitimários.
26
¶ Momento até onde retroagem os efeitos sucessórios produzidos: a lei evita, mesmo
temporariamente, que existam direitos sem dono,42 ficcionando a existência de uma linha continua na
sua titularidade. Visível por exemplo nas seguintes normas:
o Chamamento dos sucessíveis não prioritários (art. 2032.º, n.º 2): caso os sujeitos que gozam
de prioridade na hierarquia dos sucessíveis repudiem ou não possam aceitar suceder ao autor
da sucessão, os sucessíveis subsequentes poderão ocupar a posição daqueles e esta ocupação
retroage ao momento da abertura da sucessão;
o Efeitos da aceitação da herança (art. 2050.º, n.º 2), do repúdio (art. 2062.º, n.º 2) e da partilha
(art. 2119.º): os efeitos da aceitação, do repúdio e da partilha dos bens retroagem ao
momento da abertura da sucessão;
§ Assim, em Portugal, há períodos de tempo em que há direitos que não têm sujeito.
Este efeito retroativo ao momento da abertura da sucessão garante a continuidade
temporal, o que releva para efeitos possessórios.
Tem um passivo muito grande – temos de liquidar e não chega para dividir entre os herdeiros.
Vai capitalizando – torna-se maior, isso significa que terei direito a x parte da herança no momento da partilha.
Enquanto não há partilha não tenho direito a determinados bens, mas a uma parte da herança – poderá ser
distinta da herança existente à data da abertura da sucessão.
• Aceitar a herança.
• Repudiar a herança.
Para saber se alguém aceita ou repudia, é necessário fazer um conjunto de operações técnico-jurídicas (Quais
os herdeiros chamados, etc.).
A diferença entre o nº1 e o nº2 permite perceber que na sucessão testamentária/ contratual há mais pessoas
com capacidade do que na sucessão legal. Este artigo faz apenas referência a pessoas singulares - exceto
quando refere o Estado. O Estado é herdeiro – Art. 2133º, nº1, alínea e) - mas apenas numa espécie de “carro-
vassoura”. O Estado, no fundo, entra em último caso – quando não existe mais ninguém. Diz-se que o Estado
é herdeiro, porque o processo sucessório é, em primeira linha, um processo de liquidação das dívidas aos
credores, e, por isso, é necessário que exista alguém que satisfaça os direitos dos credores – o Estado.
42
Ao contrário, no sistema alemão não se pode aceitar a herança, mas apenas repudia-la, temos um sistema de
aceitação automática.
27
o NOTA: No direito comparado, existem legislações que determinam que depois de liquidada a herança
os bens são atribuídos a determinadas pessoas – instituições de caridade, fundos sociais, entre outros.
No caso de Portugal, o Estado, depois de liquidar, fica com o ativo restante.
Art. 2154º - especificidade do Estado = aceitação automática, não podendo repudiar a herança. Surge a
questão - o Estado é verdadeiramente um herdeiro? – isto porque não pode repudiar a herança, tal como os
demais herdeiros.
Prof. FOS considera que é uma questão irrelevante, afirmando que o Estado é, evidentemente, um
herdeiro, mas que está sujeito a um regime especial que o impede de repudiar a herança porque alguém tem
de se encarregar da liquidação do património. Se ninguém o fizer, então será o Estado.
Art. 2033º/1 - “Têm capacidade sucessória (…) todas as pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura
da sucessão, não excetuadas por lei, bem como as pessoas concebidas, nos termos da lei, no quadro de um
procedimento de inseminação post mortem.”
Explicação: Todos já ouvimos falar na distinção entre conceturo e nascituro. Notar que: é herdeiro legitimário
quem, no momento da abertura da sucessão, já se encontrava concebido – isto não levanta questões.
Questão mais moderna – “pessoas concebidas, nos termos da lei, no quadro de um procedimento de
inseminação post mortem”.
Art. 2033º/2 – relativamente à sucessão testamentária ou contratual têm ainda capacidade os nascituros não
concebidos – os conceturos. O nº2 tem, contudo, relevância quer para os nascituros quer para os conceturos.
Alínea a) – “os nascituros não concebidos, que sejam filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da abertura
da sucessão.”
ANTES DE SURGIR A LEI Nº 72/2021: O nº2, alínea a) do Art. 2033º permite que uma pessoa, com um filho
com 10 meses, faça um testamento em que deixava os seus bens ao filho do seu filho. Questão que se
levantava – depois da morte, tem de se esperar pela conceção para fazer a partilha dos bens?
28
Levanta-se um problema – situações em que, mais tarde, aparece uma herdeira legitimária. Exemplo: situação
em Portugal de uma rapariga que alega ser filha de um senhor, um dos homens mais ricos em Portugal. Sendo filha,
é herdeira legitimária. O problema coloca-se se, em situações como esta, o autor da sucessão proceder à partilha
em vida antes de se provar que a rapariga era sua filha e, por isso, herdeira legitimária, tendo direito a parte da
herança – a qual já teria sido sujeita à partilha.
A rapariga não teria direito a nada? Não tem direito a que se refaça a uma nova partilha, mas tem direito a
pedir aos demais herdeiros a sua parte – é o que resulta do nº3 do Art. 2029º. Solucionava-se este problema.
® Retomando a questão de se se teria de esperar pela conceção para a partilha dos bens - a doutrina
dizia que não se teria de esperar pela conceção. Quando nascesse “ia buscar a sua parte” – aplicação
analógica do Art. 2029º.
o Esta era, contudo, a solução adotada antes da Lei nº72/2021, que introduz uma resposta
distinta para esta questão de partilha. O legislador, na Lei nº 72/2021, introduz uma alteração
ao Art. 2046º do CC.
§ Art. 2046º/2 do CC – “existindo consentimento para a possibilidade de inseminação
post mortem, nos termos da lei, a herança do progenitor falecido mantém-se jacente
durante o prazo de três anos após a sua morte, o qual é prorrogado até ao nascimento
completo e com vida do nascituro caso esteja pendente a realização dos
procedimentos de inseminação permitidos nos termos da lei.”
Art. 2033º/2, alínea b) - pessoas coletivas e sociedades: O Prof. Carvalho Fernandes discutia sobre o tema – as
sociedades são, em regra, pessoas coletivas – excetuam-se as sociedades civis sem personalidade jurídica. Na
prática, não se levantam problemas – permite-se que sejam herdeiros a sociedades, fundações e associações.
Onde poderia surgir o problema seria quanto a sociedades não personificadas – se estas caberiam no âmbito
da alínea b).
INCAPACIDADE SUCESSÓRIA
Existem pessoas que carecem de capacidade sucessória?
29
o Alíneas a) e b) – agrupam-se em crimes praticados pelo sucessível que determinam que o mesmo
perca a capacidade sucessória.
o Alínea c) – ilícitos quanto ao testamento/ liberdade de testar.
o Alínea d).
Natureza taxativa ou não? Discussão que teremos nas aulas práticas. Caso que vai ser abordado em aula
prática: pai que viola a filha reiteradamente e, posteriormente, pretende ser herdeiro. Este caso parece não
caber no Art. 2034º e, à primeira vista, o pai teria capacidade sucessória43.
Discute-se se esta enumeração é taxativa ou enunciativa, recuperando-se aqui o equilíbrio difícil entre
as conceções de justiça e a segurança jurídica – por exemplo, uma panóplia de crime graves não se encontra
abrangida pelo regime da indignidade sucessória e, igualmente, a alínea a) do referido preceito apresenta uma
lacuna legislativa a respeito dos unidos de facto. Na doutrina (e alguma jurisprudência), se alguns autores
consideram que o artigo é taxativo por razões de segurança jurídica, outros autores entendem que a tipicidade
permite apenas delimitar e enquadrar o leque de situações, pelo que as razões de ser subjacentes aos casos
de indignidade sucessória podem permitir o seu alargamento a hipóteses distintas das previstas44.
Porém, a jurisprudência45 considera que estamos perante uma tipicidade fechada, pelo que os casos
de indignidade são todos aqueles estritamente previstos. Sem prejuízo do referido, em alguns casos concretos
a jurisprudência procurou tutelar situações não previstas no leque do artigo 2034.º através do apelo aos
institutos da boa-fé e do abuso do direito. Estas soluções apresentam um valor simbólico distinto: afirmarmos
que uma pessoa é indigna, ou seja, desprovida de capacidade sucessória, é diferente do que dizermos que
uma pessoa tem capacidade sucessória, mas está a abusar do seu direito a suceder. Em todo o caso, é
manifestamente evidente que os casos de indignidade sucessória são insuficientes.
A matéria da indignidade sucessória é regulada através de dois institutos diferentes – Art. 2034º e seguintes
+ Arts. 2166º e 2167º.
43
Exemplo que apanhei e achei piada: pensemos no caso em que Claire, do Modern Family, mata o Manny, o que é
que acontece? Não é subsumível a nenhuma das alíneas – é filho de alguém que o seu pai vive em UF.
44
Cfr. Acórdão TRG de 22-01-2009, Proc. 2612/08-1
45
Cfr. STJ 07-01-2010, Proc.104/07
30
• As causas de indignidade têm o mesmo efeito - “cortam” a capacidade sucessória de determinado
sucessor que tenha sido chamado à sucessão.
o NOTA PRÁTICA (PROF DAVID): uma grande diferença reside no facto de que a deserdação
resulta de um ato de vontade necessariamente expresso no testamento pelo autor da
sucessão e estamos a falar APENAS DOS HERDEIROS LEGITIMÁRIOS, ao passo que no 2034º
não existe QUALQUER DISCRIMINAÇÃO QUANTO AO TIPO DE HERDEIROS.
Como é que se relacionam as causas as causas de deserdação com as causas de indignidade sucessória?
Problemas:
1. Casos em que não seria possível que houvesse deserdação:
a. filho mata autor da sucessão - abre-se a sucessão da morte e aquele, enquanto herdeiro
legitimário, iria ser chamado. Se tivéssemos o raciocínio anterior, diríamos que no âmbito da
sucessão legitimária teria sempre de haver um ato de vontade do autor da sucessão,
enunciando a causa que levou à deserdação. Tal levava a que quem matasse o pai nunca fosse
deserdado (se o pai já estava morto não podia fazer o testamento a deserdar o filho)47.
2. Casos comuns de causas de indignidade e ao mesmo tempo causas de deserdação: O Prof. FOS e a
maioria da doutrina em Portugal têm dito que não podemos dizer que temos regras de sucessão
legitimária por um lado e, regra geral, a indignidade, de outro, tendo que apreciar esta situação
sempre em concurso.
a. Quem mata o autor da sucessão, não podendo ser deserdado, só podia haver lugar à
indignidade, ou seja, teríamos de dizer que esta pessoa é indigna nos termos gerais (2034º,
existiria uma impossibilidade total).
i. Entende-se nas causas que são SÓ de deserdação e não de indignidade, apenas
podem funcionar com a manifestação da vontade do autor da sucessão através do
instituto da deserdação - Tal é relevante, porque a alínea a) do art.1266º é mais
abrangente no elenco dos crimes do que os crimes que se encontram previstos na
alínea a) do art.2034º CC. Ou seja,:
Casos que são apenas causa de deserdação Aplica-se o regime correspondente, tem sempre de
haver uma manifestação de vontade por parte do
autor da sucessão.
46
Nos termos do Código, “sucessão em geral”
47
Este é o caso mais grave.
31
Casos que apenas são causa de indignidade Aplica-se o regime correspondente, só podem
funcionar através do esquema da indignidade.
Casos em que há concurso (causas que são Tem-se entendido que o autor da sucessão pode
simultaneamente de indignidade e deserdação) tomá-las como causas de deserdação, mas se este
não tiver deserdado essa pessoa, nem por isso deixa
de funcionar enquanto forma de indignidade.
Se alguém deserdar tem efeitos apenas na sucessão legitimária ou tem efeitos em toda a capacidade
sucessória? Em toda a capacidade sucessória, tanto a deserdação como indignidade retiram toda a capacidade
sucessória (ou seja, acontrario sensu, também é verdade: se alguém for indigno, por qualquer razão, também
tem efeitos sobre toda a capacidade sucessória). Deste modo, não podemos argumentar que a deserdação é
uma causa específica para a sucessão legitimária.
• NOTA p/não esquecer: Na prática, as causas de deserdação são muito mais amplas que as de
indignidade, especialmente no que toca aos crimes abrangidos48.
A resposta está no 2036º - temos um argumento a favor que é necessária uma ação destinada a obter a
declaração de indignidade49. O tribunal aqui apenas vinha confirmar algo que já tinha existido, a prática de um
crime.
48
Segundo FOS, o legislador é mais “parcimonioso”.
49
Este preceito adota uma formulação semelhante à utilizada pelo artigo 287.º, sendo que a doutrina entende
maioritariamente a necessidade de recurso à via judicial para a anulação do negócio.
32
• Crítica: FOS, por mais interessante que seja esta construção, adota a posição
do Supremo Tribunal de Justiça – O acórdão do STJ de 17/12/2019 vem
reafirmar o que já era jurisprudência mais ou menos constante dos tribunais
superiores portugueses: para haver indignidade sucessória tem de haver uma
decisão judicial – o juízo no caso concreto tem de vir dizer que a pessoa além
disso é indigna.
• Muitas vezes este processo encontra-se facilitado (2036º, nº2 e 3),
atualmente, uma vez que em processo penal muitas vezes quando o juiz
condena alguém por homicídio, tem de declarar no mesmo momento a
pessoa como sendo indigna (O tribunal está obrigado a fazê-lo, desde logo
por razões de economia processual)50.
¶ 2035º, nº1, última parte: os crimes relevantes para efeitos da indignidade são anteriores à abertura
da sucessão, mesmo que a condenação apenas ocorra posteriormente à abertura da sucessão51.
¶ Nos termos da lei, a ação destinada a obter a declaração de indignidade pode ser intentada dentro do
prazo de dois anos a contar da abertura da sucessão, ou dentro de um ano a contar, quer da
condenação pelos crimes que a determinam, quer do conhecimento das causas de indignidade
previstas nas alíneas c) e d) do artigo 2034.º (art. 2036.º, n.º 1).
Em matéria de prazos, os prazos estabelecidos nesta norma são relativamente curtos, levando a que muitas
das vezes os interessados só tinham conhecimento das causas de indignidade após o decurso destes prazos,
levando a que estes não reagissem em tempo útil. Para contornar estes problemas, Oliveira Ascensão vem
aplicar por analogia a parte final do artigo 287.º e referir que os prazos só começam a correr caso os bens
estejam em posse do indigno; caso não o estejam, estes não começam a correr (em termos análogos ao facto
de o negócio não estaria concluído). Esta posição teve acolhimento na doutrina e na jurisprudência.
Consciente das dificuldades enunciadas, em 2014 o legislador veio atribuir legitimidade ao Ministério
Público para requerer a declaração de indignidade caso o único herdeiro seja o sucessor afetado pela
indignidade (art. 2036.º, n.º 2) ou caso a indignidade sucessória não tenha sido declarada em sentença penal
em casos de homicídio doloso praticado pelo pretenso indigno, existindo aqui um dever de comunicação
obrigatório ao Ministério Público (art. 2036.º, n.º 3)52.
Ainda sobre a declaração de indignidade, importa deixar notas sobre a jurisprudência portuguesa nesta
matéria (nota de atualização) - Exemplo: Eu mato o meu pai e o tribunal vem declarar a minha indignidade por
declaração judicial (2036º) e, entretanto, morre a minha mãe. O que é que acontece em relação à herança da
minha mãe? Não tenho direito: Eu matei o cônjuge da minha mãe e por isso sou indigno em relação à mesma.
2034º, nº1, a), parte final – “ou contra o seu cônjuge”: se matei o autor da sucessão, cometi um crime
doloso contra o mesmo e, de igual modo, não posso cometer quanto ao seu cônjuge, assim, seria indigno
quanto à mãe.
• Dúvida que surgiu: Se se exige uma declaração judicial da indignidade isto significava que tinha
de ser declarada a indignidade em relação à sucessão do meu pai, depois em relação à sucessão
da minha mãe e a todas as pessoas que estão na alínea a) do art.2034º
50
Exemplo: Caso Rosa Grilo: Senhora que matou o marido para ficar com o dinheiro do seguro de vida e viver a vida
com o amante. O tribunal declarou a sua indignidade sucessória para além de decretar a pena. Porque é que o tribunal
está obrigado a fazê-lo logo? Trata-se de uma forma de economia processual. O tribunal resolve desde logo o problema,
retirando-lhe a capacidade sucessória.
51
Se matar o meu irmão, serei indigno em relação ao meu pai se tiver cometido homicídio antes da morte do meu pai.
52
O legislador pretendia evitar que as pessoas se esquecessem de arguir as causas de indignidade.
33
o o STJ refere que se o herdeiro já tiver sido declarado indigno pela morte do seu pai esta
declaração de indignidade aproveita a todas as outras circunstâncias que se encontrem
previstas na alínea a) desse mesmo artigo - STJ elaborou uma situação em que a
indignidade sucessória já não opera por necessidade de decisão judicial, mas opera, sim,
de forma automática (STJ 23/02/2021)
• 2037º - efeitos da indignidade – ““Declarada a indignidade, a devolução da sucessão ao indigno é havida
como inexistente, sendo ele considerado, para todos os efeitos, possuidor de má fé dos respectivos bens (nº1)”
o A vocação é tida como sendo inexistente e se ele tiver na sua posse bens da herança o que é
que pode acontecer? O crime pode ser anterior à abertura da sucessão, mas a condenação
pode ter sido posterior.
§ O que pode significar, por exemplo, que se já houve partilha, ele pode ter recebido
essa partilha (já podia ter a posse e a propriedade desses mesmos bens) - a lei manda
aplicar o regime do possuidor de má-fé (1271º CC).53
o Ou seja: A sua vocação é tida por inexistente, não é chamado à sucessão + se já tiver produzido
efeito jurídicos estes vão ter de ser destruídos + quanto à questão da responsabilidade este é
visto como um possuidor de má-fé.
o Porém, na sucessão legal a incapacidade do indigno não prejudica o direito de representação
dos descendentes (art. 2037.º, n.º 2) 54 , sendo que o inverso valeria para a sucessão
testamentária. No entender de Fernando Sá esta solução é explicável por duas ordens de
razão;
§ Por um lado, a sucessão legal direciona a sua atenção para as relações de parentesco
estabelecidas entre os sujeitos (ascendentes e descendentes) e a sua proximidade
com o autor da sucessão, logo bastará que sujeitos mais próximos deste tenham a
necessária capacidade para que lhe possam suceder. Esta solução não coloca em
causa a vontade hipotética do autor da sucessão nem tão pouco a sua posição de
herdeiros legitimários: a sua instituição resulta dos imperativos de solidariedade do
autor da sucessão com os seus descendentes.
§ Quanto à sucessão testamentária o regime altera-se uma vez que a indignidade afeta
um determinado sujeito escolhido especificamente pelo autor da sucessão e não
definido pelo legislador. Como tal, a indignidade do herdeiro testamentária deverá
contaminar a vocação sucessória dos seus descendentes.
• 2038º - reabilitação do indigno: a lei permite que em alguns casos se reabilite o indigno: Apesar de o
herdeiro ter cometido um crime contra a honra do autor da sucessão (por exemplo, causa que pelo
art.2034º daria lugar automaticamente à minha indignidade) o autor da sucessão pode reabilitá-lo de
forma expressa ao fazer um testamento em que lhe conceda capacidade sucessória, por isso, é de
natureza imperativa, sendo possível reabilitar o indigno55.
o 2038, nº156. – estabelece a necessidade de haver uma declaração expressa de reabilitação e
são feitas exigências quanto à forma – testamento ou escritura pública57.
53
regime particularmente duro para o possuidor de má fé.
54
Este regime não é aplicável, por isso, à sucessão voluntária. Assim, caso o herdeiro testamentário seja declarado
indigno os seus descendentes ficarão contaminados pela declaração de indignidade, não podendo ocupar a sua posição.
55
Ou seja, diz “tu és indigno, mas deixas de o ser por X causa”. É de natureza imperativa, não posso alterar a atratividade
das causas que são imperativas, mas posso reabilitar essa pessoa – não é uma imperatividade absoluta.
56
Recordemo-nos que o princípio estruturante do direito privado é o princípio da liberdade: cada uma das partes
conserva a faculdade de definir os seus interesses e a forma como os poderá satisfazer. Nesse sentido, não existem
interesses de ordem pública que impeçam o autor da sucessão de mudar de opinião quanto ao estatuto de sucessível
de determinado sujeito.
57
Nota David: Há países que aceitam que faça testamento em qualquer papel e válido como qualquer um. Na Bélgica é
aceite em qualquer suporte.
34
o Não havendo reabilitação, pode suceder em determinados bens, podendo suceder nessa
deixa contemplada no testamento (e apenas tendo capacidade sucessória nestes termos) –
2038º, nº258.
§ Grande diferença entre estes 2 números que o Prof. David indica: no nº1 o indigno
readquire a totalidade da sua posição na sucessão. Quanto ao nº2, pode suceder em
certos bens, readquirindo apenas capacidade sucessória na medida daquela deixa
determinada.
DESERDAÇÃO – REGIME
Neste caso é muito mais fácil, uma vez que basta a elaboração de um testamento, não sendo necessária a
declaração judicial.
¶ Art.2166º CC- A validade da deserdação está dependente da causa que se indica para a deserdação-
tem de se explicar a razão pela qual se deserda e esta razão tem de estar inserida nas alíneas a) a c)
do artigo supramencionado (idem, n.º 1):
o Prática de qualquer crime doloso contra pessoa, bens ou honra do autor da sucessão,
cônjuge, ascendente, descendente, adotante ou adotado;
o Condenação por denúncia caluniosa ou falso testamento;
o Recusa de prestação de alimentos sem justa causa ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge.
¶ Porque é que a deserdação é importante na prática?
o Exemplo relativo à alínea a) do art.2166º CC: Se algum filho roubar ou furtar aos pais não é
causa de indignidade, mas já pode ser causa de deserdação - Ou seja, a deserdação tem causas
muito mais amplas, especialmente esta alínea a) que se relaciona com crimes.
§ Tal permite-nos retirar uma conclusão prática: Na indignidade vemos as causas limite,
as restantes estão ao critério do autor da sucessão que deve valorar se existe causa
de deserdação in casu.
o O nº3 deste artigo refere que o deserdado é equiparado ao indigno para todos os efeitos
legais - O mesmo é dizer que a vocação do deserdado é tida como inexistente (v.art. 2037º) e
este, no limite, poderá ser considerado como possuidor de má-fé.
§ Na doutrina tem se discutido se poderá (ou não) haver uma reabilitação daquele que
foi deserdado - A doutrina tem entendido que sim, com as devidas adaptações.
• NOTA: O herdeiro deserdado apresenta dois anos para impugnar
judicialmente a deserdação (art. 2167.º). O estabelecimento de prazos curtos
nesta matéria justifica-se por razões de estabilidade e segurança jurídica no
fenómeno sucessório, fixando-se rapidamente o quadro de herdeiros. Esta
fixação funciona para tutela dos interesses dos co-herdeiros e dos credores.
O problema da capacidade sucessória coloca-se ao nível de dois grandes eixos: (1) o eixo da indignidade e (2)
da deserdação.
o Em relação às causas: Cada um tem as suas causas, sejam estas comuns ou privativas - a consequência
é que a pessoa pode ser excluída de toda a sucessão ( legal, testamentária e até contratual, nos casos
em que esta última exista).
§ Pode existir uma deserdação parcial? A doutrina e a jurisprudência têm entendido que
não, uma vez que a sucessão é uma questão qualitativa- ou se tem capacidade ou não se
tem.
58
Casos em que o autor da sucessão considera que o indivíduo não teve correto, não quer que aceda à sua herança,
mas também não quer que ele fique sem nada então atribui-lhe uma casa.
35
o Quanto ao funcionamento – A incapacidade funciona através da decisão judicial (ex-oficio) pelo
tribunal ou pelos herdeiros. A deserdação, por sua vez, funciona por vontade do autor da sucessão
manifestada em testamento, através da indicação da respetiva causa.
Analisados os diferentes regimes jurídicos, resta-nos a questão de compreender a razão de ser para o
estabelecimento de regimes distintos. Fernando Sá considera que a declaração da indignidade, efetivada por
via judicial a pedido dos herdeiros ou do MP, está reservada para as situações mais gravosas – na maior parte
dos casos, o autor da sucessão já morreu (v. art. 2034.º, al. a)). Já quanto à deserdação, intimamente ligada à
autonomia privada do autor da sucessão, caber-lhe-á decidir se a verificação de uma das situações previstas
na lei constituirá fundamento para deserdar determinado herdeiro, retirando esta decisão do escopo de
terceiros e conservando-a inteiramente no testador e na sua liberdade para testar.
VOCAÇÃO ORIGINÁRIA:
® Art.2032º,nº1 A lei refere que existem algumas pessoas que têm a chamada “vocação originária”- são
estas aquelas pessoas que em princípio, pela sua posição em relação ao autor da sucessão, seriam
chamadas no momento da abertura da sucessão (2031º).
® A lei diz que esses são os prioritários. Como sabemos quem são? Temos de ir às regras da sucessão
legítima e testamentaria e eventualmente ao testamento e ver quem são as pessoas que são chamadas
em primeira linha pela lei ou pelo testamento.
o Exemplo: o Senhor A casado com B tinha descendentes C e D. Estes 3 são considerados
herdeiros prioritários com vocação originária no momento da sucessão
VOCAÇÃO SUBSEQUENTE
® Contudo o nº2 deste artigo refere que pode acontecer que algum destes sujeitos não tenha, por
exemplo, capacidade sucessória ou até mesmo que tenha repudiado a herança: “Se os primeiros
sucessíveis não quiserem ou não puderem aceitar serão chamados os subsequentes e assim
sucessivamente”.
o Vocação subsequente: Vocação que se dá em momento posterior ao momento da abertura
da sucessão, em que se chamam aqueles que originalmente não seriam chamados.
§ Exemplo: A é casado com B e tem dois filhos (1 e 2).
• Não há dúvidas que os sucessíveis prioritários com vocação originária seriam o
cônjuge (B) e os filhos (1 e 2). Três situações:
• Pré-Morto: Então e se o 2 não sobrevive ao autor da sucessão? (sendo,
portanto, aquilo que se chama em direito das sucessões “pré morto”) – não
sobreviveu ao autor da sucessão, não podendo ser herdeiro.
• Não morreu, mas faltava capacidade (o sucessível foi declarado indigno ou
deserdado);
• Morte presumida (114º e ss);
Ou seja:
® “Não poder aceitar”- significa que não sobreviveu ao autor da sucessão ou então, pode acontecer
sobreviva que tenha falta de capacidade ( foi declarado indigno ou deserdado pelo autor da sucessão),
ainda se incluindo neste ponto a morte presumida.
® “Não quiser” - Quando existe repudio
Se o 1 e o 2 puderem e se em seguida aceitarem a herança, eles vão passar a ser os herdeiros. No entanto,
pode acontecer que o senhor 2 faleceu ou é indigno à não se pode chamar o 2, portanto, cumpre chamar as
vocações subsequentes.
36
® Dentro das vocações subsequentes vamos ter dois tipos de vocações: indiretas ou as sucessivas.
VOCAÇÃO INDIRETA
Vamos começar com a vocação indireta, que é a mais importante no direito português.
A B
1 2
1
4
3
Vamos imaginar, no exemplo acima, que o 2 morreu antes do autor da sucessão (A): quem é que vai ser
chamado no lugar do 2?
® Hipótese 1: A metade que era do 2 passaria para o 1 e para o B (para os restantes herdeiros).
o O 3 e o 4 iam dizer “mas que culpa tenho eu do meu pai ter falecido?” Na prática era como
se o seu pai não tivesse sucedido e, nessa medida, não seria uma boa sucessão.
® Hipótese 2: A parte que era do 2 passaria para o 3 e para o 4.
o Esta parece ser a melhor solução, uma vez que vamos ficcionar que o 3 de o 4 ocupam o lugar
do 2. O 2 tem uma vocação originária, o 3 e o 4 têm uma vocação subsequente.
® Hipótese 3: é dizer que o bolo todo seria dividido pelo 1 pelo B pelo 3 e pelo 4- a herança passaria a
ser dividida por 4 pessoas/ partes.
o Se tal acontecesse, o 1 diria “ Só porque o meu irmão morreu eu passaria a receber ¼ em vez
de 1/3?” Também não parece ser uma boa hipótese.
O problema jurídico principal inerente às vocações indiretas prende-se com a necessidade de encontrar
um destino para o direito a suceder de que seria titular o sucessível que não quer ou não pode suceder. Daqui
resulta que um dos pressupostos básicos comuns a todas as vocações indiretas consiste no facto de um
determinado sucessível não querer ou não poder suceder ao autor da sucessão.
Para resolver esta questão o legislador prevê os institutos do direito de representação, o direito de
acrescer e a substituição direta, a serem aplicados verificadas certas condições.
DIREITO DE REPRESENTAÇÃO
Dentro das vocações indiretas, ou seja, aquelas que decorrem em razão da relação estabelecida com
o autor da sucessão, mas também modelada pela posição jurídica de um terceiro que não entra na sucessão
porque não quer ou porque não pode (art. 2032.º, n.º 2), uma destas corresponde ao direito de representação.
Art.2039º (Direito de Representação) – Entende-se como a vocação indireta mais importante do direito
português: Nos termos da lei, dá-se a representação sucessória quando a lei chama os descendentes de um
59
neste caso o 2 - no fundo todo aquele que “ não podia” ou “ não queria”. Neste caso vai funcionar no sentido de que
o 3 e o 4 vão ocupar a posição do 2 através do direito de representação. É uma vocação que é feita tendo em
consideração um terceiro que não entra na sucessão.
37
herdeiro ou legatário a ocupar a posição daquele que não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado (art.
2039.º)60.
• Afirma-se novamente o pressuposto base da vocação indireta: um sucessível que não quis ou não
pode suceder;
• Aplicabilidade do instituto à sucessão universal e à sucessão individual, bem como à sucessão legal e
à sucessão testamentária (confirmado pelo art. 2040.º);
• Não aplicabilidade do instituto ao cônjuge e ascendentes do herdeiro ou legatário, permitindo-se a
continuidade do património na linha descendente do autor da sucessão;
• Aplicabilidade do instituto apenas aos descendentes do herdeiro ou legatário;
Exemplo 1: Imagine-se agora que a 2 ou era pré morta ou era indigna ou tinha sido deserdada ou morte
presumida. Neste caso vamos fazer funcionar a representação sucessória. A representação não é usada aqui
em sentido técnico jurídico, que resulta no facto de eu produzir efeitos jurídicos na esfera de outra pessoa.
Pelo contrário, o que quer dizer é que eu vou ocupar o lugar de outra pessoa.
¶ Exemplo 2: Imagine-se agora que o 2 era casado. O cônjuge do 2 não ocupava o lugar do 2, uma vez
que não é descendente.
o Utilidade: Com isto garante-se a manutenção os bens em linha reta: nada passa para o
cônjuge.
o Coisa diferente é se o 2 aceitasse e depois morresse o cônjuge, era herdeiro do 2 e ia ficar
com os bens - aqui não havia dúvida nenhuma.
§ Assim, percebemos que o direito de representação só funciona em linha
descendente, o que deixa de fora automaticamente o cônjuge – este não pode
representar quem não quis ou quem não pôde.
¶ Art.2040º (Âmbito de representação): Para sabermos os efeitos da representação, temos de fazer algo
muito importante: temos de distinguir entre sucessão legal e testamentária.
o art.2041º CC- o “não querer ou não poder” para efeitos de existência de representação na
sucessão testamentária ocorre em apenas duas circunstâncias (nº1):
§ Casos em que alguém repudiou;
§ Casos em que alguém era pré-morto.
• Ficam de fora duas circunstâncias muito importantes - o facto de a pessoa
ser indigna ou ter sido deserdada.
o Regra: só há direito de representação quando a pessoa faleceu antes
do testador ou repudiou.
• O nº2 refere em que situações é que a representação não se justifica:
o o Professor junta a alínea a) e a alínea b);
§ Ex. eu faço o testamento e digo que deixo a minha casa ao
meu irmão A, mas sei que ele também está para morrer e
não quero que a herança vá para os meus sobrinhos- o que
posso fazer? Posso escrever que deixo ao meu irmão A, mas
se este não PUDER ou NÃO QUISER a casa passa para o meu
outro irmão- estou a dizer que não quero que funcionem as
regras da representação.
§ As alíneas a) e b) são circunstâncias que permitem que o
autor da sucessão testamentária diga que não funciona o
60
Não confundir com a representação voluntária (arts. 258.º e ss.) – esta consiste num fenómeno de substituição de
vontades entre representante e representado.
38
direito de representação. Vale a vontade do autor da
sucessão, que pode nomear um substituto e deixar de aplicar
as regras da vocação.
o alínea c) –Vamos imaginar que o 1 e o 2 eram apenas herdeiros
testamentários.
§ Imagine-se que o B deixa o direito de usufruto ao 2.
§ O potencial usufrutuário é pré morto, morre antes do autor
da sucessão ou então repudia.
• O que o filho do herdeiro testamentário vem dizer é
que ocupa o lugar do pai que não quis e não pode.
• A lei diz que nestes casos tal não acontece - trata-se
de direitos intuitu personae, que foram pensados
apenas para aquela pessoa em específico.
¶ Art.2043º: Através do exercício do direito de representação os descendentes do sucessível
impossibilitado irão ocupar o lugar deste no fenómeno sucessório, sucedendo-lhe em sua substituição
ao autor da sucessão.
o Por esta razão, os descendentes representam o seu ascendente mesmo que tenham
repudiado a sucessão deste ou sejam incapazes em relação a ele.
o A solução legislativa é a que se impõe: os descendentes irão suceder ao autor da sucessão em
lugar do ascendente, pelo que eventuais motivos de incapacidade sucessória e a
aceitação/repúdio da sucessão devem ser aferidos relativamente ao fenómeno sucessório
desencadeado pelo autor da sucessão e não relativamente ao ascendente impossibilitado
Feita a distinção entre a sucessão por estirpe e sucessão por cabeça, temos de fazer a distinção do direito de
representação na sucessão legal ou na sucessão testamentária.
- Na sucessão testamentária (2041º): existe apenas nos casos em que alguém é pré-morto, repudia, ou
na sequência de declaração de morte presumida do sucessível (idem, n.º 1).
61
assim consigo ficcionar pessoas que já não existem, colocando no seu lugar os seus descendentes e com isto não
altero as regras da sucessão, existindo, assim, uma estabilidade das regras sucessórias, não dependendo das restantes
circunstâncias.
39
o NOTA PROF DAVID: Exceção no 2041º, nº1 – exceção – “se não houver outra causa de
caducidade da vocação sucessória” – são causas de caducidade que prejudicam a
representação (remissão para o 2317º b a d).
o De fora ficam as situações de indignidade e deserdação: o direito de representação fica
prejudicado na sucessão testamentária em caso de indignidade e de deserdação (art. 2037.º,
n.º 2 a contrario sensu + 2166.º, n.º 2).
o Não haverá direito de representação nas seguintes hipóteses (idem, n.º 2):
§ Designação em testamento de substituto ao herdeiro ou legatário: o testador poderá
designar substitutos para substituírem o herdeiro ou o legatário caso estes não
venham a suceder-lhe porque não queiram ou não possam.
• Fenómeno de substituição direta (art. 2281.º): o testador poderá designar
descendentes sem limite de grau de parentesco62. Caso o testador só preveja
esta substituição num dos casos (não querer ou não poder), presume-se que
terá querido abranger o outro (idem, n.º 2 + 350.º, n.º 2, 1ª parte).
• A representação na sucessão testamentária tem carácter supletivo.
• A possibilidade de designação de substituto não se verifica a respeito da
sucessão legitimária dado o seu carácter imperativo, mas a generalidade da
doutrina considera que poderá verificar-se na sucessão legítima fruto de as
suas normas terem carácter meramente dispositivo. Assim, o autor da
sucessão poderá em vida dispor que caso o seu herdeiro legítimo não queira
ou não possa suceder-lhe será designado um substituto em seu lugar.
§ Em relação ao fideicomissário, nos termos do art. 2293.º, n.º 2;
§ No legado de usufruto ou de outro direito pessoal (direitos intutu personae).
- Representação na sucessão legal (art. 2042.º): a representação tem sempre lugar, na linha reta, em
benefício dos descendentes de filho do autor da sucessão e, na linha colateral, em benefício dos
descendentes de irmão do falecido, qualquer que seja, num caso ou noutro, o grau de parentesco.
o Se a representação “tem sempre lugar”, na sucessão legal esta terá natureza imperativa;
o A representação operará em todas as hipóteses em que o sujeito “não quer ou não pode”
suceder, incluindo a indignidade e a deserdação;
Noutro plano, na sucessão legal as classes de sucessíveis encontram-se previstas no artigo 2133.º, prevendo-
se em primeiro lugar o cônjuge e os descendentes, sendo regidas por um conjunto de princípios: (1) princípio
da preferência de classes (art. 2134.º) - as classes de sucessíveis preferem na ordem indicada pelo n.º 1 do art.
2133.º; (2) princípio da preferência da proximidade de grau de parentesco (art. 2135.º): os parentes de grau
mais próximo preferem ao de grau mais afastado; (3) princípio da sucessão por cabeça (art. 2136.º): os
parentes de cada classe sucedem por cabeça ou em partes iguais.
62
Diferentemente, como veremos, na substituição fideicomissária (art. 2288.º).
40
Quadro mental
• Direito de representação (2039º)- alguém vai ocupar a posição de uma pessoa que não quis ou não
pode.
§ É imperativo (nº2)? Não, vale em princípio a vontade do autor da sucessão que pode
nos termos da alínea A e da alínea B pode nomear um substituto - escolher uma pessoa
que será alvo da vocação.
Temos duas normas importantes a ter em consideração nesta matéria: 2044º e 2045º
• Art.2044º - Vamos encontrar no nº1 a razão de ser do descendente ocupar o lugar da pessoa que não
quis ou não pode – “Havendo representação, cabe a cada estirpe aquilo em que sucederia o ascendente
respectivo”
o Ex. A tem tem 4 filhos, sendo que o filho 4 tem um filho, o filho 1 tem um filho, o 2 tem 9
filhos e o 3 tem três filhos. Neste caso vamos ter 4 estirpes.
§ Imagine-se, agora, que todos tinham repudiado a herança, menos o 3 – a herança de
A seria dividida por 14? A lei diz que a sucessão é por estirpes, cabendo aos
descendentes aquilo que caberia ao seu ascendente, por isso, esse raciocínio não se
aplica.
§ Assim, o filho do 4 e o filho do 1 vão ficar cada um com ¼, os filhos do 3 vão ficar com
1/3 de ¼ e os da família numerosa (do 2) vão ter de dividir por 9 pessoas o seu 1/4.
• Isto é assim porque a lei toma esta opção, dizendo que a sucessão é por
estirpes.
• A sucessão por estirpes no direito das sucessões é uma exceção a um princípio geral: princípio da
sucessão por cabeça - aqui teria de dividir por 14 porque cada cabeça vale o mesmo, ou seja, apesar
deste princípio ser fundamental no direito português, neste caso a lei afasta esse princípio e funciona
o pp da sucessão por estirpes.
41
o 2044º, nº2: “Do mesmo modo se procederá para o efeito da subdivisão, quando a estirpe compreenda
vários ramos.” – ex: A sucessão por estirpe significa que ½ vai para o B e ½ para o C e da metade de
C, metade vai para E e metade para F- até porque depois da sucessão por estirpe, funciona o princípio
da sucessão por cabeça.
o Mas qual o problema? Se o C não quis ou não pôde, vamos imaginar que também o F não quis
ou não pôde. Divide-se por E, G e H, ou seja, por cabeça? Ou continua a sucessão por estirpe?
§ A solução está no 2044 nº2 – continua a sucessão por estirpe, ou seja, a metade de F
é dividida por dois.
o Isto obriga-nos a convocar mais um ponto importante relativamente ao direito de
representação: Ora, o direito de representação vai, de certa forma, afastar o direito de
acrescer.
§ Dentro de uma estirpe pode acontecer uma coisa, passando ao exemplo:
Imaginemos que o H repudia, qual a primeira questão que se colocava? Saber se ele
tinha alguém que o representasse.
§ Ora, se ele não tiver, surge um problema que é tratado pelo direito de acrescer: passa
para os restantes co-herdeiros. Quem são os co-herdeiros neste caso? G, E e o B.
§ Ou seja, sempre que estivermos perante uma sucessão por estirpe, temos de
ponderar 2 opções:
• ou pegávamos na parte do H e dividíamos por 3;
• ou então a parte de H acrescia apenas ao G.
o É a primeira solução que temos aplicado, é uma exceção ao direito
de acrescer - sempre que possível fica dentro da estirpe.63
o 2045º: “A representação tem lugar, ainda que todos os membros das várias estirpes estejam,
relativamente ao autor da sucessão, no mesmo grau de parentesco, ou exista uma só estirpe”.
o Este artigo visa resolver um caso que resolvemos anteriormente, a lei nem o precisava dizer,
era só para afastar dúvidas de que a sucessão é por estirpe e não por cabeça.
o Caso de estirpe no mesmo grau de parentesco: A é o autor da sucessão. A tinha 3 filhos: B, C
e D, todos faleceram antes de A, eram todos pré mortos. B tinha um filho E; C tinha um filho
F; e D tinha 3 filhos: G, H e L.
§ Será que faz sentido continuar a falar de direito de representação? Afinal de contas,
os descendentes de 1º grau já faleceram todos, mas todos os sucessíveis chamados
estão na mesma relação de parentesco com o autor da sucessão. Mesmo assim, será
que se aplica o direito de representação?
• A primeira parte do artigo 2045º do CC responde afirmativamente a esta
questão: todos os sucessíveis são descendentes em 2º grau do autor da
sucessão e, mesmo assim, todos têm direito de representação.
• Neste caso, há uma consequência direta, em relação à forma como se vai
efetuar a partilha que, ao abrigo do artigo 2044.o, não se vai dividir por
cabeça. Assim, E recebe 1/3; F recebe 1/3; G, H e I recebem 1/9 cada um, o
1/3 que seria de C é dividido por 3.
63
Nota: só se sai da estirpe quando deixar de existir estirpe.
42
o Casos em que só existe uma estirpe: A é o autor da sucessão, estava casado com B. A e B têm
um filho C, que é pré-morto e tem um filho, D. Neste caso o autor da sucessão é casado, o
descendente de 1º grau faleceu e está vivo o descendente de 2º grau.
o O artigo 2045º diz que neste caso também há direito de representação. O D continua
a ocupar a posição de C, ao abrigo do direito de representação.
§ Aqui, o tema da partilha não se coloca: B recebe ½; D recebe ½.
• Os representantes vão ocupar o lugar que era do sucessível, não
sucedendo por direito próprio, mas por direito de representação64.
• O representante sucede no lugar daquele que não quis ou não podia
e sucede com os mesmos direitos ou deveres.
§ Isto é importante: imagine-se que B tinha recebido uma doação em vida. O
que é que B tem de especial em relação ao A? É descendente em 1º grau e,
se tudo corresse bem, era ele que iria suceder em 1º lugar (enquanto A era
viva, a expectativa de quem seria herdeiro era B).
§ Outro exemplo: enquanto o autor da sucessão for vivo, há uma expetativa
natural de quem vai ser herdeiro vai ser o seu filho e não o seu neto.
• A lei, de alguma forma, incorpora isto, porque diz que aqueles que
em vida do autor da sucessão recebam doações, isto é, aqueles que
são presuntivamente herdeiros legitimários, são obrigados a
“agarrar” no que receberam e a descontar em relação àquilo que
teriam a receber.
• Vamos calcular a herança da seguinte forma:
o Dinheiro que o autor da sucessão deixou + bens que doou,
há um alargamento, ou seja, as doações que algumas
pessoas recebem em vida já consistem em antecipações dos
direitos sucessórios.
o Continuando: A tinha feito uma doação a B, sendo que B era seu herdeiro legitimário, havendo
uma quota indisponível. Trazer o fenómeno sucessório para a partilha é no que consiste a
colação.
o Para que serve este instituto? Para saber se vamos ter de descontar a doação daquilo
que ele tinha a receber da quota disponível ou daquilo que ele tinha a receber da
quota indisponível. Isto pode parecer indiferente, mas faz TODA a diferença: se o A
tinha feito um testamento em que deixava toda a sua quota disponível ou, que em
vida, tinha feito doações a pessoas que não são filhos.
§ No fundo, o que releva para este ponto da matéria é o seguinte: se o B estiver
sujeito à colação (ou seja, tinha de ter recebido uma doação do A e ser seu
herdeiro legitimário, sendo herdeiro prioritário à data da doação), quem vai
suceder no direito de representação (C) ocupa o seu lugar e, por isso,
também está sujeito à colação.
• Isto é, se C sucedesse por direito próprio, aquela doação desaparecia
do instituto da colação, por isso, a lei diz que não sucede o C por
direito próprio, sucede sempre por direito de representação,
precisamente para salvaguardar a obrigação à colação e outras
obrigações a que lei tenha imposto ao senhor B.
64
Recordemos: suceder por direito de representação tem utilidade prática – evita que por alguém ter repudiado, ter
morrido antes do autor da sucessão, altere as regras do direito das sucessões – é como se a pessoa não tivesse
morrido, existe uma ficção.
43
§ Imaginando uma situação um pouco mais difícil: imagine-se que um C, em
vida do B, também tinha recebido doações do avô, pergunta-se: também está
obrigado à colação? A resposta é não.
• No momento em que ele recebeu essas doações não era um herdeiro
presuntivamente legitimário (o pai era, ele não). Ou seja, ele sucede
com as mesmas obrigações que tinha o pai, mas as doações que ele
próprio recebeu não estão sujeitas à colação. É isto que explica a
ratio do artigo 2045º.
• 1º nota importante: temos de sempre saber em relação a que pessoa é que a sucessão está aberta,
pois esse é o ponto que nos centramos. No exemplo acima, suponhamos que a sucessão que estamos
a abrir é a do A. Ora, vamos imaginar a seguinte situação: O senhor 2 tinha morrido ontem e o A morre
hoje: o problema prende-se com o facto de termos duas sucessões abertas – ou seja, o senhor 2 é pré
morte, vão lhe suceder C e D, mas isto levanta dúvidas que a lei nos ajuda a resolver:
1. Imaginando-se que o 2 é indigno, vai haver direito de representação? Poderíamos pensar que
não, pois o representante ocupa exatamente a mesma posição do sucessível representado,
no entanto, haverá, sim, direito de representação.
§ Temos de olhar ao 2037º, nº2: “na sucessão legal, incapacidade do indigno não
prejudica o direito de representação nos seus descendentes”.
§ Se a lei dita que este é o regime na sucessão legal, acontrario, na sucessão testamentária,
eventualmente até acontecerá o contrário65.
• NOTA: se C é indigno em relação ao pai (2), pode suceder ao avô.
O suprarreferido artigo 2041º está em linha com isto, pois dita que apenas existe direito de representação em
casos de repúdio e de pré-morte66.
o No entanto, esta norma é de natureza supletiva, pois o nº2 deste artigo prevê que é dispositivo o
direito de representação – mesmo nos casos em que existe o direito de representação, o autor da
sucessão poderá em vida dispor, caso o sucessível não queira ou não possa suceder-lhe que será
designado um substituto em seu lugar.
o Se pode fazer isto deste modo, também pode dizer no seu testamento que mesmo que o
Senhor B seja indigno, eu quero que, se ele não quiser ou não puder, que o seu lugar seja
ocupado pelos seus filhos/descendentes, tem é dizê-lo expressamente no testamento, caso
contrário opera o regime geral.
65
Isto é, a incapacidade do indigno vai, pois, afetar o direito de representação dos seus descendentes.
66
No fundo, é a lei a dizer “se aquela pessoa a quem tu deixaste as coisas testamentariamente é indigna, se calhar eu
posso presumir que os filhos de uma pessoa indigna ficasse com as tuas coisas.
44
o Contudo, surge um novo problema: porque é que não é assim relativamente à sucessão legal?
Porque a lei na sucessão legal está preocupada em deixar os bens aos descendentes mais
próximos, porque se presume que o autor da sucessão deixaria sempre aos mais próximos, a
menos que estes sejam indignos.
• 2043º - “ Os descendentes representam o seu ascendente, mesmo que tenham repudiado a sucessão
deste ou sejam incapazes em relação a ele”.
• Imagine-se o exemplo anterior: o 2 que tinha morrido antes do pai (pré-morto) – a lei isola por
completo as duas sucessões pois são diametralmente distintas67 - sendo dois fenómenos distintos,
é possível recusar-se a herança do ascendente e aceitar ser herdeiro com representação através
de vocação indireta.
o “incapazes em relação a ele” – a capacidade do representado afere-se relativamente ao
autor da sucessão – este pode ser indigno relativamente ao representado, mas isso não
prejudica o seu direito a representar.
§ NOTA: a capacidade do representado afere-se diretamente relativamente ao
autor da sucessão, que pode, assim, ser indigno relativamente ao representado,
mas que ainda assim não prejudica o seu direito a representar68.
Quadro mental:
1. O que é o direito de representação? É quando alguém vem ocupar o lugar de alguém que não quer ou não pode.
2. É preciso saber o que é não querer ou não poder
3. É preciso distinguir entre a sucessão testamentária e a legal
4. Efeitos do direito de representação: sucessão por estipe à que significa que o representante fica sempre com
o que caberia ao seu ascendente
5. Problema da capacidade do representante: afere-se diretamente em relação ao autor da sucessão
6. Qual é o fundamento do direito de representação? Se não tivéssemos direito de representação, o que é que
acontecia?
a. Se não tivéssemos direito de representação, atentando ao esquema acima, faltando o 1, o 2 e o 3, eu
teria de chamar os descendentes e se eu chamasse os descendentes todos, como o princípio regra das
sucessões é por cabeça e não por estirpe, eu estava a alterar as regras da sucessão
b. Só pelo facto do 1, 2 e 3 terem repudiado ou morrido, já alterava tudo, porque os outros iam ser
chamados por direito próprio e, portanto, a divisão já seria por cabeça. Ademais, se o 1,2 ou 3
estivessem sujeitos à colação eu não conseguiria obrigar o A, B, C etc. à colação, porque não os poderia
fazer suceder no lugar do outro.
NOTA PROFESSOR DAVID: Na hipótese da representação não existir: aplicava-se o direito de acrescer D e B
recebiam a parte da C, assim aplicávamos o 2135º (preferência de classes), 2136º (sucessão por cabeça). Assim
o direito de representação é uma derrogação destes princípios.
67
O A tinha cacau e o 2 só tinha dívidas, o neto vai querer aceitar a herança do avô.
68
CUIDADO: nos que casos em que o filho mata o pai, também vai ser indigno em relação ao avô (2034º/a)).
45
descendentes do irmão do falecido – Beneficiários da representação (2041º, nº2):
caso o irmão repudie (2ª parte). enquanto na sucessão testamentária só há a
favor dos descendentes.
o Exemplo 1: C morre. Para haver vocação indireta, aquilo que temos vindo a fazer é dizer que ele é pré-
morto, dizer que ele morreu antes do autor da sucessão.
o Ninguém tem dúvidas que o D e o E vao suceder por direito de representação. Agora, quantas
vocações é que existiam (isto é, quantas pessoas é que chamei à sucessão)?
§ Teríamos 2 vocações, mas com direito de representação não é isso que se chama.
§ Vejamos o 2032, nº2: chamamos os prioritários, se eles não puderem chamamos os
subsequentes.
• No direito de representação, na prática, tenho apenas um chamamento:
entre o autor da sucessão e os representantes. Mas qual a importância disto?
o Exemplo 2 (para ilustrar a importância prática): imagine-se que o C, invés de morrer antes do autor da
sucessão, morre depois: se ele morrer depois do autor da sucessão, isto significa que houve uma
vocação (2032º), desde que ele tenha personalidade e capacidade, sendo esta uma vocação
plenamente válida.
o Neste caso, assim, como não houve aceitação ou repudio, temos de atentar ao 2058º: “Se o
sucessível chamado à herança falecer sem haver aceitado ou repudiado, transmite-se aos seus
herdeiros o direito de a aceitar ou repudiar” – isto é completamente distinto do direito de
representação70.
§ Isto é muito comum nos casos em que marido e mulher têm um acidente de carro –
ex. o marido morre de imediato e mulher acaba a falecer 2 dias depois. É alguém que
do ponto de vista jurídico tinha capacidade de aceitar ou repudiar.
§ Note-se que o não querer ou não poder nada tem que ver com o não poder
fisicamente – não pode porque em tese não lhe era permitido juridicamente71.
A parte final da norma diz “transmite-se aos seus herdeiros” - qual a diferença relativamente ao direito de
representação?
- No caso previsto no 2058º, dá-se uma transmissão do direito a suceder a favor dos herdeiros72, ao
passo que no direito de representação dá-se a favor dos descendentes.
69
SAI SEMPRE EM EXAME.
70
Que, no caso, exigiria que o sucessível fosse pré-morto.
71
O único caso de um “não poder” mais fático é o da morte presumida (cfr. Art 114º do CC)
72
Que abrange, por exemplo, também o cônjuge.
46
o Assim, no exemplo que vimos se C for casado, o direito a suceder transmitir-se-ia, de igual
modo, ao seu cônjuge. E, no caso em que imaginássemos que não existam D, nem E, nem
cônjuges, o herdeiro mais próximo seria o seu irmão.
§ Estamos a olhar para um fenómeno sucessório autónomo que não se extinguiu
porque ninguém exerceu o direito de aceitar ou repudiar, precisamente porque este
direito entra na esfera jurídica dos herdeiros. Esta não é uma vocação indireta, porque
há duas vocações, porque o sucessível podia juridicamente exercer o seu direito e não
exerceu, como não exerceu, vai existir uma segunda vocação.
• É, de igual modo, muito comum que sucessível morra depois de ter aceitado
a herança, mas antes da partilha. O que é que entra na esfera jurídica? O
direito à partilha (2101º CC).
o Vamos imaginar que aceitam – aquilo que cabia a C vai ser dividido
em partilha entre D e E, sendo que contém o património do C, mais
a parte do património que era de A.
Relembrando: há duas vocações indiretas muito importantes: direito de representação e o direito de acrescer,
mas ambas se enquadram numa categoria mais ampla, as vocações subsequentes (2032º, nº2)73. Dentro desta
categoria ampla das vocações subsequentes temos as vocações indiretas e temos as substituições.
A SUBSTITUIÇÃO DIRETA:
¶ Figura da substituição direta: quando vimos o direito de representação na sucessão testamentária
(cujos pressupostos não são coincidentes com a sucessão legal) vimos que existia uma série de alíneas
onde não existia direito de representação na sucessão testamentária (2041, nº2).
o 2041º, nº2, alínea a) – “Se tiver sido designado substituto ao herdeiro ou legatário”
o Na altura, foi nos chamado à atenção que a alínea a) e b) eram circunstâncias em que por
vontade do autor da sucessão se podia afastar o regime da representação na sucessão
testamentária (não sendo assim na sucessão legal porque esta é imperativa, havendo sempre
direito de representação).
§ No entanto, se o autor da sucessão não pretende que funcione na sucessão
testamentária o direito de representação, estamos na prática a dizer que é o autor da
sucessão que vai determinar quais são as consequências dos sucessíveis não
poderem/não quererem.
• Isto é figura da substituição direta que encontramos no 2281º -“O testador
pode substituir outra pessoa ao herdeiro instituído para o caso de este não
poder ou não querer aceitar a herança: é o que se chama substituição
directa.”
§ Este artigo expressa que esta figura só existe na sucessão testamentária, está excluída
da sucessão legal. No âmbito da sucessão legitimária não há dúvidas nenhumas,
porque a sucessão é imperativa e mesmo nos casos de sucessão legítima só existe 1
autor, que é o Professor Oliveira Ascensão, que diz poderia funcionar a figura da
substituição direta.
• FOS não concorda, no nosso curso sustentaremos a versão tradicional do
problema, que é que só há substituição direta no âmbito da sucessão
testamentária.
¶ 2º ponto: a lei diz que o autor da sucessão pode escolher um substituto para os casos em que alguém
não quer ou não pode.Exemplo prático: o autor da sucessão pode deixar uma deixa testamentária onde diz:
73
Ou seja, se os primeiros sucessíveis não quiserem ou não puderem aceitar, temos de chamar os subsequentes.
47
“faço o Senhor Zé herdeiro de metade da minha herança e se ele não quiser ou não puder, fica o Senhor Carlos”
– afasto, na prática, o exercício do direito de representação. É para isto que serve a figura da substituição direta.
Como já vimos, o direito de representação funciona por força da lei e em alguns casos é possível às partes
afastar o funcionamento do direito de representação através das substituições na sucessão testamentária.
Assim, parece que temos uma geometria variável que envolve 3 figuras: direito de representação, direito de
acrescer, e as substituições (direta (2281º e ss) e fideicomissária (2286º e ss)).
Conseguimos estabelecer alguma hierarquia (uma relação de precedência): temos de partir de uma distinção
importante, que é a entre sucessão legal e testamentária:
74
Se o Senhor 1 ou o Senhor 2 não quiserem ou não puderem, passa para o senhor 3.
75
Ex. instituo como meus herdeiros o senhor 1 e o Senhor 2 e digo que se o senhor 2 não quiser ou não puder, será
substituído pelo 1 e se o senhor 1 não quiser ou não puder, ele é substituído pelo senhor 2. Estou a fazer substituir
alguém que na prática já tem posição de herdeiro.
76
Ex. digo que deixo ao senhor A a casa na praia grande, se não puder, passa ao B.
48
§ Direito de acrescer;
Ou seja, em primeiro lugar funciona a substituição, se esta não funcionar, funciona o direito de representação
e, se este não funcionar, funciona o direito de acrescer.
Tem uma regulamentação no CC que é aparentemente unitária, mas não o é – vamos encontrar a matéria
do acrescer no 2301º regulado na matéria da sucessão testamentária, tendo que reconstruir o regime da
sucessão legal. Na sucessão legal vai se dizer o seguinte: o entendimento da doutrina aponta para a aplicação
analógica do regime da sucessão testamentária para as hipóteses de sucessão legal, sem esquecer a
insusceptibilidade de aplicação analógica da normas excecionais (art. 11.º).
Na sucessão legal, uma leitura menos cuidada do seu regime levar-nos-ia a concluir o direito de
acrescer teria, afinal, base legal com base no artigo 2143.º. Porém, esta norma introduz um regime excecional
em matéria de concurso entre ascendentes e cônjuge caso o autor da sucessão não tenha deixado
descendentes, regulando especificamente o direito de acrescer nesta hipótese77. Assim, esta norma indicia a
existência do direito de acrescer na sucessão legal, mas não constitui a sua base legal.
Em princípio, os herdeiros têm sempre direito de acrescer, ao contrário dos legatários que não têm direito de
acrescer a não ser em casos muito contados, em que sejam instituídos em relação ao mesmo objeto.78 Uma
das distinções entre a condição de herdeiro e legatário é precisamente a de acrescer. A ideia de acrescer é a
de expansão, de expandir para aquilo que naturalmente tenho direito (sendo herdeiro, posso ser de uma parte
ou do todo).
Ø Pressuposto positivo (condições que têm de existir para haver direito de acrescer):
o A existência de co-herdeiros instituídos (dois ou mais sucessíveis, ou seja, vocação múltipla)
com instituição conjunta ou separada – isto quer dizer se a instituição é feita na mesma altura
ou em testamentos diferentes – ex. faço um testamento hoje em que deixo metade da herança ao
senhor A e depois de 6 meses deixo outra metade da herança ao senhor B. Isto é possível (remissão
para a matéria de sucessão de testamentos).
2301º, nº2: “Se forem desiguais as quotas dos herdeiros, a parte do que não pôde ou não quis aceitar é dividida
pelos outros, respeitando-se a proporção entre eles.” - Exemplo prático:
77
Tem sido discutida a possibilidade de aplicação analógica desta norma em casos de concurso entre cônjuge e
descendentes. Uma posição conservadora visa concluir pela inaplicabilidade desta norma por força da proibição de
analogia das normas excecionais imposta pelo artigo 11.º.
78
Analogia aos direitos reais: a compropriedade limita o direito de propriedade, se tivermos um usufruto, estou a
comprimir o direito de propriedade. No direito das sucessões passa se o mesmo – se for herdeiro a título universal,
ocupo a posição de herdeiro sozinho, mas pode acontecer que tenha co-herdeiros (tenho 50% e o meu irmão também)
ou seja, eu tenho um título partilhado com o meu irmão, que é um título que me dá direito a metade. Se o meu irmão
desaparecer tenho um título suficiente para ocupar toda a posição de herdeiro.
49
Outra hipótese: Vamos imaginar que estamos dentro da sucessão testamentária e que A diz que deixa 1/3 da
sua herança em partes iguais ao seu cônjuge e aos filhos: isto significava cada um teria o direito a 1/7, que
seria dividido em partes iguais, não por força do princípio da sucessão por cabeça, mas por força da ideia de
que o acrescer se faz de forma proporcional, se todos tinham o mesmo, todos devem acrescer da mesma
forma.
NOTA: Estamos a falar da quota disponível e não na quota indisponível, uma vez que estamos no âmbito da sucessão
testamentária.
Outra hipótese ainda: Desse 1/3, podia ter deixado metade ao B. O que ia acontecer é no acrescer a mulher
ficaria com essa metade e que os restantes ficariam com o remanescente, proporcionalmente.
No âmbito da sucessão legal isto também pode ser importante – 2139º79: “A partilha entre o cônjuge e os filhos
faz-se por cabeça, dividindo-se a herança em tantas partes quantos forem os herdeiros; a quota do cônjuge, porém,
não pode ser inferior a uma quarta parte da herança”
® Por força deste artigo, na sucessão legal (legítima ou legitimária), o cônjuge tem sempre o direito a ¼ da
herança, isto significa que se o autor da sucessão não tivesse feito testamento, iria acontecer que na
sucessão legitimária o cônjuge B ficaria com ¼ sendo que os restantes 3/4 seriam divididos pelos filhos por
cabeça.
o Se, no entanto, algum dos filhos repudia e funciona o direito de acrescer, a parte que ele repudia
tem de acrescer, mantendo a proporção. Isto é uma regra importante, o acrescer faz-se segundo
a proporção.
§ Se houver desproporção, será:
• Por força da lei – (2139º) ou entre os filhos germanos (mesmo pai e mãe) e
unilaterais (2146º);
• Pela vontade do autor da sucessão (esta situação é mais comum);
Ø Pressupostos negativos (condições que não se podem verificar para que haja lugar ao direito de
acrescer) – estão elencados no 2304º: “não há lugar ao direito de acrescer se o testador tiver disposto
outra coisa, se o legado tiver natureza puramente pessoal ou se houver direito de representação”.
o se o testador tiver disposto outra coisa – significa que não há direito a acrescer se o autor da
sucessão tiver feito uma substituição.
§ Daqui retiramos que as substituições diretas e fideicomissárias passam à frente do
direito de representação e do direito de acrescer.
o Se o legado tiver natureza puramente pessoal – falamos do usufruto, por exemplo.
o se houver direito de representação;
Esta norma do 2304º, no fundo, está a confirmar todo o raciocínio até agora:
- Na sucessão testamentária tenho:
o Em primeiro lugar, a substituição direta;
o Em segundo lugar, o direito de representação;
o Em terceiro lugar, direito de acrescer.
- Na sucessão legal, a diferença é que não existe substituição direta porque não pode haver alteração
das regras legais:
o Em primeiro lugar, direito de representação;
o Em segundo lugar, o direito de acrescer (se não existir direito de representação);
Ou seja, o grande pressuposto negativo é não haver “mais nada para cima” – a não existência de um direito
de representação ou de substituições.
79
Esta regra é importante quando em causa estejam famílias numerosas.
50
Conclusão FOS: O direito de acrescer é uma espécie de “carro vassoura80 ” - se não funcionar mais nada,
funciona isto. Assim, está estabelecida a hierarquia entre as 3 figuras.
REGIME JURÍDICO
Regra fundamental a não esquecer: O direito de acrescer dá-se dentro de cada um dos tipos sucessórios.
- O direito de acrescer funciona sempre dentro do mesmo tipo: os herdeiros testamentários vão
acrescer sobre herdeiros testamentários, os herdeiros legítimos sobre legítimos e herdeiros
legitimários sobre legitimários; em alguns casos, os legatários vão acrescer sobre legatários.
o Posição de FOS: não há herdeiros legitimários a acrescer sobre herdeiros testamentários ou
legítimos, o direito de acrescer está contido dentro do seu próprio título.
Sucessão testamentária:
1 2 3 4
Imagine-se que não temos regras de família (são todos primos, vizinhos, etc...) sendo todos herdeiros
testamentários: se o A morre, o que é que acontece e 4 não quer, o que é que acontece? Estando verificados
os pressupostos negativos e positivos de que depende o direito de acrescer (a inexistência de direito de
representação e substituição, a existência de co-herdeiros instituídos, conjunta ou separadamente). A parte
que era do A vai proporcionalmente para o 1,2,3.
Sucessão legal:
1 2 3 4
Na sucessão legal já imaginamos que temos regras de parentesco e pode ser legítima ou legitimária. A questão
torna-se mais complicada, vejamos o disposto no 2137º, nº2: “Se, porém, apenas algum ou alguns dos sucessíveis
não puderem ou não quiserem aceitar, a sua parte acrescerá à dos outros sucessíveis da mesma classe que com eles
concorram à herança, sem prejuízo do disposto no artigo 2143.º” e o 2138º: “O disposto nos três artigos anteriores não
prejudica o direito de representação, nos casos em que este tem lugar”.- tudo isto vem confirmar aquilo que vimos
no pressuposto negativo. A lei diz que se algum ou uns dos sucessíveis não puder ou não quiser e não tiver
representantes, vai acrescer na sua parte e o acrescer vai funcionar de forma proporcional (seja esta uma
sucessão legal legítima ou legitimária).
A HT1
1 2 3 4 HT2
Casos mais difíceis: imagine-se ao lado dos herdeiros legitimários, que o autor da sucessão dispôs
da parte da sua quota disponível a favor de dois herdeiros testamentários:
o Em primeiro lugar, vamos pelo pressuposto negativo: a inexistência de substitutos ou de
representação;
§ Vai haver direito de acrescer se um deles não quiser ou puder.
80
#profundo
51
• Se for só o herdeiro testamentário 2 a não querer ou poder, o acrescer
é sempre dentro do mesmo título, dentro do mesmo título testamentário
temos dois co-herdeiros: o que era do 2 passa para o 1.
• E se ambos não querem ou não podem? O 1 a 4 sucedem por direito de
acrescer? Não, quando muito sucedem naquela parte pelas regras da
sucessão legítima, mas não através do direito de acrescer.
E ao contrário? Se o nenhum dos 1 a 4 não puderem ou quiserem? Acresce aos testamentários? Não, isto é
um erro, o título de testamentário não equivale ao título de herdeiro legal – ou seja, legítimo ou legitimário.
Se os herdeiros 1 a 4 não quiseram/puderam, o que a lei diz é que temos de ir à procura de outros parentes,
outros herdeiros legais. Com isto, estamos a dizer duas coisas muito importantes: os herdeiros legais não
acrescem sobre os testamentários e o inverso também – os herdeiros testamentários não acrescem sobre os
herdeiros legais.
® A primeira ideia de que só há acrescer dentro do próprio título não decorre diretamente da lei;
® A segunda ideia decorre expressamente da lei (a ideia de que os testamentários não acrescem sobre
os herdeiros legais, 2137º, nº1)81.
o Com isto, garante-se que a regra é “bullet proof” – só há acrescer dentro do mesmo título.
Posição particular do Prof. Carvalho Fernandes: diz que os herdeiros legitimários poderiam acrescer sobre os
testamentários – para FOS isto é confundir os efeitos práticos com o dever ser normativo/jurídico. FOS não
faz exceção à regra, só há acrescer dentro do mesmo título.
Por último, caso o autor da sucessão não tenha herdeiros legitimários e tenha disposto da totalidade
do seu património a favor de um terceiro, mas este repudie a herança, questiona-se se as restantes classes de
sucessíveis (art. 2133.º, als. c) a e)) podem beneficiar de um direito de acrescer.
o Ora, a resposta é claramente negativa uma vez que estes sucessíveis não tinham sido chamados e,
como tal, não se verifica o pressuposto da vocação múltipla em que assenta o direito de acrescer.
Nestas hipóteses, o repúdio da herança pelo herdeiro testamentário determina a abertura da
sucessão legal e o chamamento destes sucessíveis por direito próprio.
® 2302º, nº1: “Há direito de acrescer entre os legatários que tenham sido nomeados em relação ao
mesmo objeto, seja ou não conjunta a nomeação” – ex. temos 4 legatários e o Prof deixa a cada um parte
da sua casa, deixa um bem determinado (parte da casa) – há direito de acrescer se for em relação ao mesmo
objeto. Se o legatário 4 não quis, a sua parte passa para os restantes, a menos que o autor da sucessão não
tenha feito uma substituição ou não exista direito de representação.
® 2306º: como é que funciona o direito de acrescer?
o Tínhamos 2 hipóteses:
§ 1 hipótese: o L4 não podia e perguntava-se ao 2,3,1 se queriam ou não a parte a mais,
que cabia ao outro - assim o acrescer ficaria dependente da aceitação ou repudio da
parte acrescida;
§ 2 hipótese: o acrescer funciona de forma automática, sem possibilidade de perguntar
à pessoa se ela quer/não quer (ope-legis).
• É isto que está no 2306º: A aquisição da parte acrescida dá-se por força da
lei, sem necessidade de aceitação do beneficiário, que não pode repudiar
81
Vamos aprofundar mais tarde.
52
separadamente essa parte 82 , excepto quando sobre ela recaiam encargos
especiais impostos pelo testador83; neste caso84, sendo objeto de repúdio, a
porção acrescida reverte para a pessoa ou pessoas a favor de quem os
encargos hajam sido constituídos.85
o Ou seja:
§ REGRA: acrescer automático sem necessidade de aceitação;
§ Exceção: a menos que o acrescer esteja onerado com algum
tipo de encargo (exemplo da igreja na nota de rodapé acima).
¶ A primeira dúvida teórica é esta: muitos autores, em linha com o que diz Oliveira Ascensão, dizem o
seguinte: tudo isto a que chamamos acrescer, na verdade não é acrescer é um “não decrescer” porque
se tenho um título que dá para uma parte, o mesmo título dá para se expandir para tudo.
o Se tenho o título de uma parte que é apto para expandir para o todo e não posso repudiar, na
verdade não estou a acrescer, estou a não decrescer. O título tem uma vocação universal e,
dessa forma, atinge a plenitude do seu potencial. Existe, pois, um não decrescer e não um
acrescer.
o Oliveira Ascensão: só há um caso em que há um verdadeiro acrescer, porque só existe um
verdadeiro acrescer quando o sucessível aceita ou repudia algo que o seu titulo não lhe
concedia, que é o caso da segunda parte do 2306º.
A substituição fideicomissária consiste numa hipótese de vocação subsequente, ou seja, nos termos
da qual o autor da sucessão manifesta a vontade de determinado sujeito ser chamado à herança com a morte
do herdeiro que lhe suceder.
Assim, e diferentemente das demais hipóteses de vocação indireta, não estamos perante uma
situação em que a vocação originária não produz efeitos jurídicos em virtude do herdeiro não poder ou não
querer suceder ao autor da sucessão (art. 2032.º, n.º 2) – a substituição fideicomissária só pode operar quando
o herdeiro encarregado de conservar a herança efetivamente suceder ao autor da sucessão.
Nota histórica: Antigamente era uma figura com bastante utilidade prática, pois permite que o autor da
sucessão deixe uma parte ou totalidade86 da sua herança a um sujeito e que, por sua morte, a herança que
lhe tinha sido deixada passe exatamente nos mesmos termos para a pessoa seguinte. Ex. o Senhor A diz que a
sua herança passa para B e por morte de B passa para C (podendo, ainda, continuar para um D em seguida).
82
Não posso, portanto, não aceitar.
83
Vamos imaginar que é há herdeiro que tem um encargo de mandar rezar 25 missas pela alma do falecido (temos um
modo, um encargo) - isto significa que pode aceitar a sua parte da herança, mas pode repudiar o acrescer.
84
No caso de alguém ter repudiado.
85
Se o morto era beneficiado, volta para a herança para a quota disponível; se tinha de tratar de uma velhinha, ela
fica com o objeto da deixa.
86
Tem de ser visto com cuidado pois existem herdeiros legitimários
53
No passado, a substituição fideicomissária estava prevista com grande margem de liberdade na lei dos
morgados: com a morte do autor da sucessão a totalidade da sua herança seria sempre transmitida ao filho
barão mais velho, como forma de garantia da continuidade do seu património na linhagem familiar.
1. Permitir a manutenção da riqueza sempre determinada pela vontade do autor da sucessão (ele é que
escolhe quem ocupa o lugar de herdeiro nos bens que deixou)
2. Proteção do património, pois os que sucessivamente vão ficando com a herança (fiduciários) têm
poderes de disposição limitados, podendo apenas administrar87.
Assim, se o autor da sucessão fizesse vários fideicomissos, com diferentes graus, era ele quem escolhia os
beneficiários do património e limitava os poderes de disposição, mantendo a integridade do património.
Durante muitos anos esta figura foi permitida.
Todavia, deixou de ser permitida com esta latitude, pois os fideicomissos são muito parecidos com fundações
de interesse privado e trusts - ou seja, eu vou sendo proprietário ao longo das gerações, mas vou ser um
proprietário fiduciário, com liberdades de disposição sobre os bens limitadas, proprietário à confiança de outra
pessoa, por conta de outra pessoa.
Isto acabou com os liberais, dado que os fideicomissos vinculam a riqueza, nunca permitindo que uma massa
patrimonial se desfaça. Os liberais consideravam que era antiliberal vincular o património ad eternum, ou seja,
a substituição fideicomissária não estivesse sujeita a limitações o autor da sucessão conseguiria vincular estes
bens à sua vontade ad eternum.
Por outro lado, a substituição fideicomissária permite ainda manter a unidade do património na medida em
que os fiduciários serão sempre considerados como proprietários a termo88.
• 2286º: “Diz-se substituição fideicomissária, ou fideicomisso, a disposição pela qual o testador impõe
ao herdeiro instituído o encargo de conservar a herança, para que ela reverta, por sua morte, a favor
de outrem; o herdeiro gravado com o encargo chama-se fiduciário, e fideicomissário o beneficiário da
substituição89.”
• Assim, o principal efeito da substituição fideicomissária consiste na transmissão mortis causa dos bens
herdados pelo fiduciário para a esfera jurídica de um sujeito designado pelo autor da sucessão (e não
para os herdeiros do fiduciário).
Ex: senhor A deixa ao senhor B (fiduciário) para que conserve o seu património e pela sua morte passe para o
senhor C (fideicomissário).
87
Parecidos com os usufrutuários
88
Fernando Sá perspetiva o herdeiro como um proprietário fiduciário sujeito a um termo resolutivo (a sua morte),
pelo que não poderá arrogar-se como um proprietário nos termos gerais – não poderá dispor dos bens recebidos.
89
O prefixo “fidei” induz que estamos perante um herdeiro à confiança: o autor da sucessão institui este encargo
confiando que o herdeiro irá entregar a herança ao seu beneficiário.
54
Ex1: A --------------- B --------------- C
Ex 2: As estruturas de conservação de riqueza fariam com que C estivesse também obrigado a conservar o
património para passar pela sua morte a D e assim sucessivamente.
2287º (substituição plural): “Pode haver um só ou vários fiduciários, assim como um ou vários
fideicomissários”. De acordo com este artigo, só são admitidos no direito português fideicomissos de 1º grau
(de B para C).
• Assim um fideicomisso acontece quando temos uma pessoa que conserva e depois por morte passa
para outra e, deste modo, o 2º exemplo já não seria possível.
o Exemplo que o Prof David deu: se o autor da sucessão diz que se o fideicomissário não puder
ou não quiser, poderá ser chamado outro fideicomissário – pode fazer isto, na prática teremos
apenas um fideicomisso. Não poderá é transformar o fideicomissário num fiduciário.
§ Ex que não pode ser: A institui B e C como seus fideicomissários, simultaneamente –
não pode é que depois da depois da morte B ou C como fiduciário do outro.
2288º (limite de validade): “São nulas as substituições fideicomissárias em mais de um grau, ainda que a
reversão da herança para o fideicomissário esteja subordinada a um acontecimento futuro e incerto” – assim,
o fideicomisso de C para D já seria nulo. Ficaríamos com a ideia de que todo o fideicomisso iria cair, mas não
é bem assim, vejamos o artigo 2289º :
2289º (nulidade da substituição):“A nulidade da substituição fideicomissária não envolve a nulidade da
instituição ou da substituição anterior; apenas se tem por não escrita a cláusula fideicomissária, salvo se o
contrário resultar do testamento”.
o A nulidade da substituição fideicomissária com mais do que um grau não contamina, nos termos
gerais, a totalidade da deixa testamentária que a prevê. Em caso de nulidade da substituição o
legislador estabelece uma redução legal da cláusula fideicomissária (292º), que se manterá em um só
grau e os restantes ter-se-ão por não escritos.
o Tal não será assim se tal for contrário à vontade do autor da sucessão, designadamente quando se
comprove que o testador quer vincular o património à sua vontade eternamente90. Ex. Senhor A deixa
ao amigo B o seu património através da herança para que por sua morte passe para o seu filho mais velho, C. A
lei diz nos que de B para C é válido e de C para D é nula a cláusula fideicomissária, é tida como não escrita. Assim,
aproveita-se 1 grau de fideicomisso, apenas se tomando como não escrito todo o fideicomisso, se do testamento
ficar a ideia de que o autor da sucessão não queria. Neste caso, C começa a ser um verdeiro proprietário,
deixando de ter estatuto de conservador.
• 2290º:O fiduciário vai encontrar o seu regime jurídico moldado no estatuto do usufrutuário (1439º e
ss e 2290º, nº2) – pode usar e fruir, mas não pode alienar. Assim, tem apenas poderes de
administração e não de disposição.
o Ou seja, quanto à posição do fiduciário perante a substituição, o facto de este estar adstrito
ao encargo de conservar a herança leva a que este apenas possa praticar atos de
90
Em termos práticos, o testador estaria a instituir uma fundação por esta via: o património estaria vinculado à
manutenção da sua riqueza intergeracional.
55
administração sobre os bens herdados. Neste sentido, o legislador estabelece que o fiduciário
tem o gozo e a administração dos bens sujeitos ao fideicomisso (n.º 1);
o Equiparando-o de seguida a sua posição a um usufrutuário em tudo o que não seja
incompatível com a natureza desta substituição (n.º 2).
• 2291º: Em todo o caso, poderá o tribunal (ou seja, carece de autorização judicial, ponderando o
tribunal o risco da oneração estes bens) autorizar a alienação ou oneração de bens da substituição em
caso de evidente necessidade ou utilidade objetiva (para os bens da substituição (n.º 1)9192; ou de
evidente necessidade ou utilidade subjetiva (para o fiduciário – art. 2291.º, n.º 2)93.
• 2292º (direitos dos credores pessoais do fiduciário)94 : “Os credores pessoais do fiduciário não têm o
direito de se pagar pelos bens sujeitos ao fideicomisso, mas tão-somente pelos seus frutos.”
o A inclusão dos bens sujeitos ao fideicomisso no património do fiduciário poderiam sujeitá-los
à alçada dos credores pessoais do fiduciário, prejudicando a possibilidade deste cumprir o
encargo imposto pela substituição fideicomissária. Porém, caso os credores não pudessem
fazer-se pagar sem mais pela entrada destes bens no património do fiduciário estaríamos a
lesar um dos interesses fundamentais que gravitam em torno do fenómeno sucessório – o
interesse dos credores.
§ A fim de estabelecer uma solução que satisfaz os interesses de todos os envolvidos,
o legislador determina que o credor pessoal do fiduciário só tem o direito de se fazer
pagar pelos frutos dos bens sujeitos ao fideicomisso (art. 2292.º), garantindo que se
mantém a integridade do património do de cujus no momento da abertura da
sucessão95.
§ Ex. imagine-se uma casa que é dada para airbnb - o ingresso do património na esfera do
fiduciário tem limites – se ele pode fruir, podem os credores podem-se pagar por esses frutos,
mas se ele não pode onerar ou alienar, não faz sentido que os credores executem.
• 2293º (devolução da herança ao fideicomissário)96:
o Nº1 – “A herança devolve-se ao fideicomissário no momento da morte do fiduciário”.
§ Estabelece-se aqui uma ficção, pois os 3 estão em contínuo. Este regime
comprova que estamos perante uma vocação subsequente uma vez que os seus
efeitos não retroagem ao momento da abertura da sucessão (pois ai temos uma
vocação válida – a vocação do fiduciário), mas sim ao momento da morte do
fiduciário.
o Nº2: “Se o fideicomissário (c) não puder ou não quiser aceitar a herança, fica sem efeito a
substituição, e a titularidade dos bens hereditários considera-se adquirida definitivamente
pelo fiduciário desde a morte do testador.”
§ Assim, caso o fideicomissário não queria ou não possa suceder a propriedade do
fiduciário transforma-se numa propriedade plena. Ex. Imaginemos que C tinha filhos,
até poderia haver direito de representação, mas a lei diz que não que não pode haver (Se
C não quer ou não pode não é uma opção), ficciona-se que tudo era do fiduciário desde
o momento da abertura da sucessão, logo, são chamados os herdeiros de B.
§ Há quem entende que, ainda que a norma não refira situações de “silencio do
testamento”, devemos entender que existe esta possibilidade.
91
Mostra que a proibição de alienação ou oneração não é absoluta.
92
pensem num muro que está a cair e precisamos de salvaguardar o muro.
93
No nº2 trata-se de uma pessoa que tem uma doença grave e precisa de vender aquele bem para pagar uma
operação que lhe vai salvar a vida.
94
Muito importante
95
No caso prático acima: Os credores de B não podem atacar o património do fideicomisso, pois isto põe em causa a
ideia de conservação do património. No entanto, podem executar os seus frutos (numa tentativa de encontrar o
equilíbrio entre as várias posições em jogo)
96
Também importante.
56
o Nº3: “Não podendo ou não querendo o fiduciário aceitar a herança, a substituição, no
silêncio do testamento, converte-se de fideicomissária em direta, dando-se a devolução
da herança a favor do fideicomissário, com efeito desde o óbito do testador.”
o No nosso exemplo, esta seria a situação em que B não quer ou não pode.
§ Na substituição direta, como sabemos, a solução seria simples, se B não
quer ou não pode, seria substituído por C.
§ Diferente é o que acontece na substituição fideicomissária – se B não
quer ou não pode, ficcionamos que C fica logo com tudo, é como se
houvesse automaticamente uma substituição direta.
• Afastamos, com isto, os descendentes de B – p.e, mesmo se fosse
pré-morto, não se podia fazer representar.
• Assim, esta norma supletiva permite a conversão legal de uma
substituição fideicomissária numa substituição direta.
§ “silêncio do testamento” – pode não haver esta conversão de
fideicomissária em substituição direta, nos casos em que o autor da
sucessão estabelece alternativa como, por exemplo, nomear outro
fiduciário ou determinar que o fideicomisso fica sem efeito se o fiduciário
não quiser ou não puder aceitar a herança.
FIDEICOMISSOS IRREGULARES
Noutro plano, o legislador estabelece um regime próprio para os denominados fideicomissos irregulares
(art. 2295.º). Justifica-se, por isso, a definição das características que nos permitem qualificar determinada
substituição fideicomissária como regular: (1) reversão: por morte do fiduciário existe uma reversão para o
fideicomissário e (2) obrigação de conservação: o fiduciário tem poderes limitados sobre os bens a conservar.
A irregularidade dos fideicomissos verifica-se, por isso, sempre que o testador inclua disposições que
impõe ao herdeiro obrigações de conservação de bens sem estabelecer cláusulas de reservação ou estabelece
cláusulas de reservação sem impor obrigações de conservação.
97
Norma difícil
57
essa qualidade, logo a fim de tutelar estas realidades o legislador procede à
equiparação destas cláusulas a verdadeiros fideicomissos (idem, n.º 1)98.
o Elenco não taxativo, enumera apenas os casos mais típicos:
o A) As disposições pelas quais o testador proíba o herdeiro de dispor dos bens hereditários, seja
por acto entre vivos, seja por acto de última vontade;
§ O herdeiro tem o dever de conservar, faltando o 2º requisito (escolha de que por
morte dos herdeiros quem fica com estes bens) – neste caso serão os herdeiros do
autor da sucessão serão onerados relativamente à disposição desses bens.
• Ex: A expressa no seu testamento que B que não pode alienar o seu património, assim
como todos os teus sucessores também não podem alienar. Fazendo isto garanto a
unidade do património. Isto é permitido, mas tem de ser lido como fideicomisso.
• NOTA: é, ainda, de atentar ao nº2 deste artigo, que dita “No caso previsto na
alínea a) do número anterior, são havidos como fideicomissários os herdeiros
legítimos do fiduciário”.
o B) As disposições pelas quais o testador chame alguém ao que restar da herança por morte do
herdeiro – (é o chamado fideicomisso de resíduo).
§ Nota contrária, não se diz que o B está obrigado a conservar, diz-se que por morte de
B, se restar algo na sua esfera jurídica dos bens do A, esses bens vão para as pessoas
que o autor da sucessão (A) escolheu.
• Assim, cláusula não é fideicomisso regular, pois não existe uma pretensão de
onerar o fiduciário como obrigação de conservação, mas ainda assim escolhe
o destino do património que restar. Também, de igual modo, só é possível
fazer isto num grau.
o C) As disposições pelas quais o testador chame alguém aos bens deixados a uma pessoa
colectiva, para o caso de esta se extinguir;
o Nº3: “Aos fideicomissos previstos neste artigo são aplicáveis as disposições dos artigos
antecedentes (nomeadamente, o limite de grau); mas, nos casos das alíneas b) e c) do n.º 1,
o fiduciário pode dispor dos bens por acto entre vivos, independentemente de autorização
judicial, se obtiver o consentimento do fideicomissário”
Artigo 2296º - todo este regime é aplicável aos legados (art. 2296.º), desde que não contrarie as
especificidades próprias do seu regime jurídico.
Os fideicomissos limitados à sucessão testamentária e limitados em 1 grau = Têm um interesse na prática baixo, até
porque existem herdeiros legitimários (que determinam o dispersar a riqueza e não a sua não concentração numa
pessoa). Se eu quiser deixar alguma coisa a alguém que tem muitas dívidas e que sei que vai gastar, tenho a garantia de
que vai poder usar durante a vida, mas não a pode alienar. Assim, a propriedade de raiz não será utilizada para dívidas
pessoais.
NOTA: No passado, esta figura era útil para pessoas com filhos com deficiências, que são mais vulneráveis. Antigamente,
deixavam-lhes um fideicomisso e assim conseguiam garantir que tinham sempre uma casa por exemplo, não a podendo
alienar.
98
O regime dos fideicomissos irregulares é aplicável às doações intervivos e mortis causa permitidas pelo legislador
(art. 962.º).
58
Ø Nos países em que o nascituro até tem capacidade sucessória ou nos países que ainda não tem, muitas
vezes fazem-se fideicomissos em favor de nascituros, que venham a nascer (quando nasce já tem
personalidade jurídica).
A HERANÇA JACENTE
Qual é a natureza jurídica da herança jacente? Esta questão não tem grande utilidade prática. Relembrando:
o momento da abertura da sucessão é o momento da morte do autor da sucessão (2031º). No momento da
abertura da sucessão chamam-se aqueles que têm a chamada vocação originária e vocação subsequente,
atribuindo-lhes o direito de suceder (2032º).
Quando o herdeiro ou legatário aceita, a aceitação tem efeitos retroativos ao momento da abertura da
sucessão, conforme previsto no 2050º, nº2 (sendo isto uma ficção jurídica, pois ninguém aceita no momento
em que a pessoa morre).
Por vezes existe um hiato temporal muito grande entre o momento de abertura da sucessão e o ato da
aceitação (Prazos de anos, muitas vezes quando não se conhecem herdeiros). Isto leva a um problema técnico,
que não existe no direito alemão.
No direito alemão a partir do momento da abertura da sucessão ficciona-se que os herdeiros já aceitaram,
e caso repudiem, têm de dizer em momento posterior99. No Direito português temos um problema, dá-se um
espaço de tempo que medeia a abertura da sucessão e a aceitação em que a herança tem apenas um
património, mas não tem ninguém que o administre.
Assim, chamamos a esta figura clássica a herança jacente: Significa que herança já foi aberta, mas ou ela
ainda não foi aceite ou não foi declarada vaga para o estado (Artigo 2046º). O ratio deste regime é que não
podemos estar para sempre à espera que alguém apareça para aceitar a herança, seria desvantajoso, por
exemplo, para credores e outros conjuntos de interesses.
Assim, se se chegar à conclusão que não há herdeiros, os credores podem pedir ao Estado para tomar conta
da herança, quando ela está vaga, ou seja, depois de decorrer um processo que garanta que os potenciais
herdeiros não têm interesse ou não irão aparecer (garantindo-se aos potenciais herdeiros a possibilidade de
vir a aceitar ou repudiar, nos termos do artigo 1039 e ss do CPC).
Por isso, a natureza jurídica da herança jacente não é mais que isto: As naturezas jurídicas da herança
jacente são direitos sem sujeito – durante um tempo existe um conjunto patrimonial de direitos e de deveres
que está espera de sujeitos. O Direito admite isto, pois mais cedo ou mais tarde, esta questão vai se resolver,
através de alguém vai aceitar, e se ninguém aceitar, o Estado toma conta da herança. Assim, não temos uma
situação ad eternum de uma herança sem sujeitos, de direitos sem sujeito.100
Durante este período estão em jogo os interesses de duas entidades: (1) o interesse dos credores, que
pretendem fazer-se pagar com o produto da venda dos bens da herança; (2) o interesse dos herdeiros,
direcionado à necessidade de administrar os bens da herança em interesse próprio e no interesse dos credores
(os credores tem interesse na manutenção do valor dos ativos). Deste modo, o legislador procurará disciplinar
a administração da herança jacente, atender à necessidade de os credores fazerem-se pagar pelas dívidas
contraídas pelo autor da sucessão e encurtar o prazo previsto para o exercício do direito em causa.
99
Se no direito alemão eu sou herdeiro desde o momento da abertura da sucessão, tenho estatuto de herdeiro e,
portanto, administro a herança.
100
Tese minoritária: recusando a ideia de que não podem existir direitos sem sujeito, autores como Menezes Leitão e
Menezes Cordeiro perspetivam a herança jacente enquanto uma pessoa jurídica rudimentar, dotada de autonomia,
titular de direitos e adstrita a vinculações, titular de personalidade judiciária e suscetível de insolvência.
59
1. Se o autor da sucessão não tem herdeiros, preciso de saber quem tem poder durante este tempo para
administrar a herança:
a. Artigo 2047º nº1: “O sucessível chamado à herança, se ainda a não tiver aceitado nem
repudiado, não está inibido de providenciar acerca da administração dos bens, se do
retardamento das providências puderem resultar prejuízos.”
i. Ex1: morreu a minha mãe e eu tinha dúvidas sobre o património da minha mãe, mas
a minha mãe tem cavalos e os cavalos comem. Posso eu dar comida aos cavalos? Sim,
pois são bens que carecem de administração e de providências, sem as quais pode
resultar prejuízo.
ii. Ex2: A minha mãe tem uma quinta, esteticamente a cor das casas não é muito
interessante, posso pintá-las? Não, pois daí não resultam prejuízos.
iii. Ex3: Se não fizer obra na parede esta cai, posso fazer? Sim.
b. Artigo 2047º, nº2: “ Sendo vários os herdeiros, é lícito a qualquer deles praticar os actos
urgentes de administração; mas, se houver oposição de algum, prevalece a vontade do maior
número.”
i. A lei permite que os sucessíveis chamados à herança possam administrar os bens da
herança quando estejam em causa atos urgentes para evitar a ocorrência de prejuízos
(1ª parte). Sendo vários os herdeiros, qualquer um deles pode praticar estes atos;
porém, se houver oposição de algum, prevalece a vontade da maioria (2ª parte).
c. Artigo 2047º, nº3: “ O disposto neste artigo não prejudica a possibilidade de nomeação de
curador à herança.”
i. A figura do curador – prevista em específico no artigo 2048º - os grandes interessados
são os credores, pois os herdeiros se quiserem podem administrar.
Pelos potenciais herdeiros, sendo que estes não estão obrigados a administrar, não existe
1.
obrigação em sentido técnico;
2. MP pode pedir a designação de um curador, articula-se pelo 2047º, nº3 e o artigo 2048º.
a. Pode, ainda, haver concurso de competências de administração entre o curador e estes
potenciais herdeiros.
2. Notificação dos herdeiros:
2049º:
Nº1: Se o sucessível chamado à herança, sendo conhecido, a não aceitar nem repudiar dentro dos quinze
dias seguintes, pode o tribunal, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer interessado, mandá-
lo notificar para, no prazo que lhe for fixado, declarar se a aceita ou repudia”.
o Dá-se uma ação interrogatória, que tem o objetivo de forçar as pessoas a aceitar ou repudiar. O prazo
de 15 dias não é peremptório (não quer dizer que eles tem só 15 dias para aceitar).
o O que se diz é que passados 15 dias da abertura da sucessão, se forem conhecidos os
herdeiros, pode-se pedir ao Ministério Público ou ao tribunal para fixar um prazo para a
aceitação.
Nº2: “Na falta de declaração de aceitação, ou não sendo apresentado documento legal de repúdio dentro
do prazo fixado, a herança tem-se por aceita”.à A lei dá valor ao silêncio neste caso (218º CC), sendo este
um caso de aceitação ficta.
Nº3: “Se o notificado repudiar a herança, serão notificados, sem prejuízo do disposto no artigo 2067.º, os
herdeiros imediatos, e assim sucessivamente até não haver quem prefira a sucessão do Estado”
Nº1 “ O direito de aceitar a herança caduca ao fim de dez anos, contados desde que o sucessível tem
conhecimento de haver sido a ela chamado.” Ou seja, prazo para aceitação = 10 anos, mas pode acontecer
60
que algures nestes dez anos já se tenha feito a ação do 2049º (actio interrogatoria).Ex. Imaginemos que passado
um mês da abertura da sucessão, vem o tribunal e fixa um prazo de 2 meses, passado este tempo de 2 meses, deixa de
poder aceitar ou repudiar a herança. Assim, o 2049º é uma forma de limitar o prazo do 2059º através do esquema da
notificação dos herdeiros.
Este regime permite o encurtamento do prazo de manifestação de vontade por parte dos sucessíveis,
numa lógica de tutela dos interesses dos legatários e dos credores (v. art. 2068.º). Quando os credores
conhecem a identidade dos herdeiros, estes podem demandá-los na qualidade de representantes da herança;
quando não a conhecem, (1) os credores podem demandar diretamente a herança jacente a nível judicial uma
vez que esta possui personalidade judiciária (art. 12.º CPC) ou (2) os credores requerem a insolvência da
própria herança jacente (art. 2.º CIRE).
AQUISIÇÃO DA HERANÇA
Depois de tudo o que vimos até agora, já percebemos que a vocação, na prática, é a atribuição do direito de
suceder. Uma vez atribuído o direito de suceder, passamos pelo momento da herança jacente, chamando-se
as pessoas para exercer o direito de aceitar ou repudiar a herança. A lei portuguesa refere a aceitação e o
repúdio nos Arts. 2050º e seguintes.
® A aceitação tem um efeito bastante prático, tal como resulta do Art. 2050º - os herdeiros adquirem
a posse dos bens. Se tivermos uma pluralidade de herdeiros, estabelece-se uma comunhão que é
semelhante ao direito de compropriedade – não há uma divisão da coisa comum, mas ocorrerá a
partilha e a especificação dos bens (idem, nº1). No fundo, há uma aquisição da posse por parte de
todos os herdeiros (co-herdeiros) com efeitos retroativos ao momento da abertura da sucessão
(idem, nº2).
® O repúdio (2062º e ss), por sua vez, significa que determinada pessoa não quer participar no
fenómeno sucessório e, pura e simplesmente, não pretende adquirir o estatuto de herdeiro que lhe
é oferecido pela lei – prescinde dos direitos sucessórios e da qualidade de herdeiro.
Que tipo de atos são estes, a aceitação e o repúdio? (discussão de natureza teórica e que não tem interesse
prático):
Ø Uma parte da doutrina defende que é um negócio jurídico unilateral – Escola de Coimbra – há uma
vontade e uma possibilidade de conformar os efeitos desses atos.
o Sendo um negócio jurídico, tudo aquilo que não se encontrar expressamente previsto na lei,
será aplicado a este negócio jurídico unilateral as regras das declarações negociais, podendo
ser expressa ou tácita, etc.
Ø Por outro lado, um ato jurídico simples – outra parte da doutrina, nomeadamente, Fernando Sá – os
efeitos estão todos eles previstos na lei, pelo que não se trata, em rigor de um negócio jurídico.
o Ato jurídico simples – há apenas liberdade de celebração e não liberdade de estipulação.
o Aliás, o Artigo 295.º consagra a analogia dos atos jurídicos às regras do negócio jurídico em
tudo em que seja possível efetuar tal operação – logo, no entendimento de Fernando Sá, é
uma questão irrelevante.
REGIME COMUM
• A aceitação e o repúdio são atos/negócios jurídicos de natureza unilateral:
o Têm apenas uma parte, através da simples manifestação de vontade, tendo então o efeito ou
de aceitação ou de repúdio.
61
o Pode não ser assim, nomeadamente, na sucessão contratual (que, como já vimos, é um caso
excecional no Direito Português).
• A aceitação e o repúdio são atos/negócios jurídicos não recetícios: declarações que produzem efeitos pela
sua simples emissão – Art. 224º/1, 2ª parte.
o Basta que alguém declare aceitar/repudiar que se produzem os efeitos jurídicos da ação.
o ≠ de uma declaração receptícia, em que têm de ser dadas a conhecer ao destinatário (no caso
da proposta negocial).
• A aceitação e o repúdio são atos/negócios jurídicos singulares.
o Artigo 2051.º: Sendo vários os sucessíveis, pode a herança ser aceita por algum ou alguns
deles e repudiada pelos restantes
o Se houver uma pluralidade de herdeiros ou legatários, eles não têm que todos aceitar; Não
tem que haver aceitação/repúdio de todos os herdeiros/legatários. Cada um aceita ou repudia
individualmente: ex. um aceita, outro repudia....
• A aceitação e o repúdio são atos/negócios jurídicos que não podem ser sujeitos a condições nem a termos
– negócios incondicionáveis:
o Artigo 2054.º, n.º1: A herança não pode ser aceita sob condição nem a termo”
o Artigo 2064.º, n.º1:“A herança não pode ser repudiada sob condição nem a termo”
§ Não posso aceitar a partir de determinado prazo ou depois de um determinado prazo,
nem estabelecer condições para a aceitação ou repúdio.
• Fernando Sá: uma vez herdeiro, sempre herdeiro.
§ Razão: segurança jurídica, por uma questão de saber quem são efetivamente os
herdeiros (determinar o núcleo de herdeiros), saber quem se pode exigir o
cumprimento de dívidas da herança, etc.
• A aceitação e o repúdio são atos/negócios jurídicos irrevogáveis:
o Artigo 2061.º: A aceitação é irrevogável.
o Artigo 2066.º: O repúdio é irrevogável.
o É verdade que muitos dos negócios jurídicos unilaterais são revogáveis, mas neste caso
concreto, a lei expressamente refere que são insuscetíveis de ser revogáveis.
§ Assim, evita-se que se produzam efeitos sucessórios e que alguém aceite a herança e
a pessoa, posteriormente, venha revogar, e alguns efeitos (como o direito de
representação) tenham de ser destruídos.
• Questão dos vícios da vontade:
o Artigo 2060.º: “A aceitação da herança é anulável por dolo ou coação, mas não com
fundamento em simples erro.”
o Artigo 2065.º: “O repúdio da herança é anulável por dolo ou coação, mas não com
fundamento em simples erro”.
§ Estas normas são bastante curiosas – determinam que “funciona” o dolo negocial, a
coação, mas não funciona o simples erro. O simples erro é o erro sobre os motivos
que resulta do Art. 252º, nº1.
o Importância: A lei neste caso é limitativa da função/da ideia que se aplicaria nas regras do
negócio jurídico da parte geral, ou seja, não só o dolo e a coação, mas ainda o erro na
declaração ou formação da vontade. Ora a estes vícios são aplicados no regime de
anulabilidade do negócio jurídico, cujos efeitos são muito semelhantes ao da revogação.
o Os vícios da vontade dos negócios jurídicos unilaterais são de atentar:
§ Enquanto normalmente, nos negócios jurídicos ditos normais, há que ter particular
atenção ao problema da vontade do declarante e ainda ao requisito de controlo da
confiança na declaração - se conhecia ou não da essencialidade do motivo,
62
estabelecendo-se um instrumento de controlo da confiança do declaratário, nos
negócios jurídicos unilaterais não temos declaratário.
• Logo, se adotássemos este regime do erro, teríamos de ler estes regimes
todos amputando aquelas partes que são requisitos que são verificáveis em
relação ao declaratário. No fundo, o erro simples erro daria sempre lugar à
anulação – antecipa-se facilidade da anulabilidade.
o Exemplo se o erro simples fosse admitido: eu aceitava porque
pensava que a herança era solvente, mas descobri que a herança era
insolvente. De facto, não poderia revogar porque a aceitação é
irrevogável, mas podia invocar que estava em erro e, como estamos
perante um negócio jurídico unilateral, não seria necessário o acordo
quanto à essencialidade.
• No direito alemão o erro simples é admitido - acontecem casos esdrúxulos
em que alguém repudia, posteriormente anula porque descobre que a
herança é solvente, invocando o erro, e, mais tarde, percebe que é
efetivamente insolvente e volta a repudiar – no fundo, existe uma anulação
da anulação, com fundamento no erro que levou a anular.
o Consequência prática: o legislador, no fundo, quis dizer o seguinte: apenas os vícios de tal
maneira graves, a coação (situação de ausência/limitação da vontade) e o dolo (engano com
artifício), é que podem ter efeitos anulatórios. Ou seja, o repúdio e a aceitação são
irrevogáveis, mas, ainda assim, pode haver efeitos retroativos muito perto da revogabilidade
nestes casos mais graves apenas.
• Princípio da indivisibilidade da aceitação e do repúdio.
o Parte comum à aceitação e ao repúdio:
§ Artigo 2054.º, nº2: A herança também não pode ser aceita só em parte, salvo o
disposto no artigo seguinte.
§ Artigo 2064.º, nº2: A herança também não pode ser repudiada só em parte, salvo o
disposto no artigo 2055º.
• Quer a aceitação, quer o repúdio são indivisíveis - se eu for
herdeiro/legatário, posso ser chamado à herança a três títulos: herdeiro
testamentário; herdeiro legitimário; herdeiro legítimo.
• Eu posso querer aceitar apenas a minha posição como herdeiro testamentário
e não como herdeiro legítimo/legitimário e vice versa, etc.?
o A lei diz que não é possível: ou aceito tudo, ou repudio tudo, é este o
princípio. Contudo, quanto à aceitação é necessário ter atenção a
algumas situações.
§ Nunca se conseguiu compreender bem a ratio deste preceito: veio do Direito
Romano. Fernando Sá admite que talvez seja pelo princípio do respeito da vontade
do autor da sucessão (mas não tem a certeza); até os credores podiam ficar melhor
se houvesse divisibilidade, se a solução fosse diferente, mas pronto. A norma existe.
E temos que a seguir.
• Exceções ao princípio da indivisibilidade da aceitação ou repúdio:
o Artigo 2055.º, nº1: “Se alguém é chamado à herança, simultânea ou sucessivamente, por
testamento e por lei, e a aceita ou repudia por um dos títulos, entende-se que a aceita ou
repudia igualmente pelo outro; mas pode aceitá-la ou repudiá-la pelo primeiro (testamento),
não obstante a ter repudiado ou aceitado pelo segundo (lei), se ao tempo ignorava a
existência do testamento.”
63
§ “Se alguém é chamado à herança, simultânea ou sucessivamente, por testamento e
por lei”: testamento + lei, ou seja, implica dois títulos, um testamentário e um legítimo
ou legitimário (a lei não distingue).
§ “e a aceita ou repudia por um dos títulos”: aceita ou repudia.
§ “entende-se que a aceita ou repudia igualmente pelo outro”: se aceito por um tipo,
aceito por outro; a lei diz “entende”, ou seja, é uma ficção e não uma presunção.
• OU SEJA, se eu for chamado à sucessão testamentária e aceito, está em causa
uma declaração ficta e não uma presunção. Ficciona-se que é esta a vontade.
§ “mas pode aceitá-la ou repudiá-la pelo primeiro (testamento), não obstante a ter
repudiado ou aceitado pelo segundo (lei)”.
§ “se ao tempo ignorava a existência do testamento”: eis o caso de quebra do princípio
da indivisibilidade.
• Existem vários tipos de testamento, sendo que existe um verdadeiramente
importante na prática que é o testamento cerrado – o testamento que fica
guardado em casa de alguém/ ou nalgum sítio. É muito comum que estes
testamentos só apareçam passado algum tempo. Mas anteriormente, podia
acontecer que alguém já tivesse aceite ou repudiado.
• Como há aqui um desfasamento temporal, permite-se que exista um
comportamento contraditório.
• Verdadeiramente, só há um conhecimento superveniente do testamento, o
que significa que quando é chamado à herança não poderia ter total
conhecimento do que estava a aceitar ou repudiar – razão de ser da norma.
o Art. 2055º, nº2 – “o sucessível legitimário que também é chamado à herança por testamento
pode repudiá-la quanto à quota disponível e aceitá-la quanto à legítima.”
§ Se for chamado por dois títulos (legitimário e testamentário) eu posso aqui optar.
§ Por exemplo, eu posso aceitar a legítima e dizer que não pretendo o benefício do
testamento. Com isto, posso não beneficiar os meus filhos totalmente, porque se
repudio vai operar o direito de representação, mas apenas quanto à herança do
testamento.
§ Neste âmbito surge uma dúvida = será que é possível aplicar esta norma por analogia
nos casos em que eu era chamado como herdeiro legitimário e legítimo? Nota David:
artigo 11º CC - o pp nesta matéria é o da indivisibilidade da aceitação e do repúdio –
sendo uma norma excecional, está sujeito às limitações do artigo 11º, não sendo
permitida a integração analógica de normas excecionais. Há quem entenda que
algumas normas excecionais podem ser analogicamente aplicadas, desde que não se
transforme a exceção na regra101.
• Exemplo: o autor da sucessão morre sem fazer testamento. Há uma parte em
que sou chamado como herdeiro legitimário e outra parte da quota
disponível que sou chamado como herdeiro legítimo. Será que posso escolher
neste caso também como posso ser chamado, se herdeiro legitimário ou
herdeiro legítimo?
o A doutrina tem defendido que NÃO. O título legal é indivisível, aplica-
se a ideia do Artigo 2054.º, n.º2.
101
Tornar a exceção em regra consistiria na seguinte situação: Benta aceitava a parte correspondente à sucessão
legítimária, mas repudiava a sucessão legítima.
64
REGIME PARTICULAR
• Questão da Forma da declaração negocial de aceitação e do repúdio:
o ACEITAÇÃO: nos Artigos 2050.º e ss, não existe nenhuma forma para a aceitação.
§ A aceitação cai no Princípio da Liberdade de Forma - Artigo 219.º CC.
§ Pode ser tácita ou expressa.
o REPÚDIO: é de atentar o Artigo 2063.º: O repúdio está sujeito à forma exigida para a alienação
da herança” – ou seja, o repúdio está sujeito a forma:
§ Aqui, pressupõe que se vá ao regime da alienação da herança e ver qual a forma
exigida (Artigos 2124.º e ss).
§ Artigo 2126.º, n.º1: Sem prejuízo do disposto em lei especial, a alienação de herança
ou de quinhão hereditário é feita por escritura pública ou por documento particular
autenticado se existirem bens cuja alienação deva ser feita por uma dessas formas.
• Se, na herança, existirem bens de natureza imóvel ou que careçam de forma
específica para ser transmitida, essa transmissão da herança no seu todo está
sujeita a forma mais exigente dos bens.
• Exemplo: temos um bem imóvel na herança, uma casa. Nessa herança, para
alienar a herança, preciso de uma escritura pública ou de um documento
particular autenticado (nos termos gerais da compra e venda – Artigo 875.º
CC), para efetuar o repúdio.
o PORQUÊ ESTA DIFERENÇA? Fernando Sá aponta duas razões:
§ Questão de segurança jurídica: declara uma vez, e se eu estou a sujeitar a prova, esta
segurança jurídica materializa-se no facto de haver um documento escrito, não
havendo margem para dúvidas em termos probatórios.
§ Questão de haver uma melhor reflexão dos efeitos do repúdio, por parte do
herdeiro/legatário que repudia – maior consciência dos efeitos que acarretará o
repúdio.
• Modo de exteriorização da aceitação
o Artigo 2056.º, n.º1: A aceitação pode ser expressa ou tácita.
o Artigo 2056.º, n.º2: A aceitação é havida como expressa quando nalgum documento escrito o
sucessível chamado à herança declara aceitá-la ou assume o título de herdeiro com a intenção
de a adquirir.
§ A aceitação é havida como expressa quando existe algum documento em que a
pessoa exteriorize a vontade de adquirir a herança, de aceitar.
o Artigo 2056.º, nº3: Os atos de administração praticados pelo sucessível não implicam
aceitação tácita da herança.
§ Esta norma está em linha com outra norma que estudámos a propósito da herança
jacente, que diz que os possíveis herdeiros podem praticar atos de administração
urgentes, ainda que não tenham aceite a herança.
§ Quem pratica atos de administração então, pode dizer-se que, de forma indireta,
estão a aceitar a herança? Será um ato concludente?
• A lei é clara: NÃO, quem pratica os atos de administração não significa que
está a aceitar a herança.
o Artigo 2057.º, n.º1: Não importa aceitação a alienação da herança, quando feita
gratuitamente em benefício de todos aqueles a quem ela caberia se o alienante a repudiasse.
§ Exemplo: tenho dois filhos. Recebo a herança. Faço um ato de alienação da herança.
No instante digo: eu doo a herança do meu pai aos meus filhos – aqueles a quem
caberia se o alienante a repudiasse (nesse caso, funcionava o direito de representação
em benefício dos descendentes).
65
• A lei diz que, num caso como este, na verdade, não há aceitação. Embora
tenha recebido e que praticamente tenha aceite, mas depois alieno, não há,
neste caso concreto, uma dupla transmissão: é como se tivesse havido
apenas uma transmissão.
• Há um repúdio ficto (na prática, não há aceitação), como se tivesse existido
um repúdio em benefício da vocação indireta dos herdeiros.
o Artigo 2057.º, n.º2: Entende-se, porém, que aceita a herança e a aliena aquele que declara
renunciar a ela, se o faz a favor apenas de algum ou alguns dos sucessíveis que seriam
chamados na sua falta.
§ Ao contrário do nº1, se, por exemplo, alienar não em relação a todos, mas apenas em
relação a alguns/um (se eu doar a herança do meu pai para apenas um dos meus
filhos), a lei, neste nº2 diz que, neste caso já há caso de aceitação.
§ Há uma prática logo significativa a nível dos credores da herança e também dos
credores daquele que aceita ou repudia: se aceitei a herança, o valor patrimonial
entra na minha esfera jurídica. Se, a seguir, alieno uma coisa que era minha, eu tenho
na minha mão uma possibilidade: impugnação pauliana (610º e ss) - na prática, há
abertura da sucessão, uma aceitação, e, de seguida, uma alienação gratuita; ou
repúdio (sempre em paralelo).
66
o A diferença entre aceitar a benefício de inventário ou não, vai ao encontro das consequências,
nomeadamente, no regime de dívidas da herança, bem como ao nível da responsabilidade
dos herdeiros pelos encargos da herança e ao nível do ónus da prova.
o A responsabilidade da herança está limitada às forças da herança, o princípio é que só os bens
da herança respondem pelos encargos da herança – os herdeiros não empobrecem ao aceitar
a herança, porque a sua responsabilidade tem como limite a herança.
§ Fala-se deste princípio porque é aceite pela doutrina e tem reflexo no 2071º e, como
todos os princípios jurídicos, também este conhece exceções e derrogações:
§ SE aceitar a benefício do inventário: Se a herança for aceite a título de inventário, só
respondem os bens que tenham sido inventariados, portanto, a lei diz que se os
herdeiros aceitarem a título da herança, salvo se os credores provarem que existem
outros bens do falecido que não estão na lista, não foram inventariados (esta nota é
do prof DNF).
• Faço uma lista com os bens, ativo e passivo. Os credores podem dizer: “ah,
mas há mais bens, e eu sou o devedor”. Muito bem, fecha-se o inventário. Os
credores vêm ter comigo e dizem para pagar as dívidas da herança, está no
inventário. Começa-se a executar. Depois vem um credor e diz que quer
executar a casa Y, e eu digo: “não, só podem executar os bens que estão no
inventário, a não ser que tu, credor, proves que determinado bem, que pode
estar na minha esfera jurídica, me proveio da herança” – há uma inversão do
ónus da prova, prova difícil.
• No fundo, se há um bem que não consta do inventário, então está desde logo
fora da responsabilidade por dívidas. Têm de ser os credores ou os legatários
a provar que existem mais bens para além daqueles que constam do
inventário.
• Isto tudo porque pode surgir (e é certo que surja) a certa altura uma confusão
entre os bens pessoais com os bens que vieram da herança.
• Artigo 2071.º, n.º2: “Sendo a herança aceita pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos
também não excede o valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro provar que na
herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos”.
o “Também não excede o valor dos bens herdados” – evidentemente, quer na aceitação pura e
simples quer na aceitação a benefício de inventário, só respondem pelas dívidas os bens
herdados.
§ Explicação Prof David: O que a lei faz na aceitação pura e simples é uma verdadeira
inversão do ónus da prova e impõe sobre os herdeiros o ónus da prova de um facto
negativo – só que isto é difícil, é mais fácil provar que uma coisa existe do que não
existe.
• Eu só consigo fazer a prova de um facto negativo, fazendo prova de um facto
positivo completamente incompatível.
• A inversão do ónus da prova pode ter como resultado que os herdeiros
respondam para além da herança – quando não consigam provar este facto
negativo.
o SE aceitar sem o benefício do inventário (aceitação pura e simples) o ónus da prova recai em
mim, herdeiro: como não tenho uma lista para mostrar ao credor, o ónus da prova é dos
herdeiros de provar se o bem é ou não da herança - “aceitação à maluca”.
§ No fundo, é o herdeiro que tem de demonstrar que a herança não tem determinado
património.
§ Esta questão é perigosa. Exemplo: um credor diz-me que tenho de pagar a dívida com
um determinado bem da herança do meu pai e sou eu que tenho de provar que esse
bem não procede da herança do meu pai.
67
• A situação já era difícil, aparentemente, mas fica ainda mais difícil – Art. 744º
do CPC.
• Art. 744º do CPC – é necessário fazer uma remissão do Art. 2071º do CC para o Art. 744º do CPC: Na
prática, operacionaliza a regra essencial de que a herança apenas responde pelas suas dívidas, enquanto
património autónomo.
o Nº1 – “Na execução movida contra o herdeiro só podem penhorar-se os bens que ele tenha
recebido do autor da herança.” – isto está em linha com o que observamos no Art. 2071º, nº1
e nº2.
o Nº2 – “Quando a penhora recaia sobre outros bens, o executado, indicando os bens da
herança que tem em seu poder, pode requerer ao agente de execução o levantamento
daquela, sendo o pedido atendido se, ouvido o exequente, este não se opuser.”
§ Isto está pensado para se algum credor nomear bens à penhora que não constam no
inventário, então é ele que tem de demonstrar que determinado bem, mesmo não
estando no inventário, adveio ao herdeiro através da sucessão.
§ Nos casos em que a aceitação é feita pura e simplesmente, o Art. 744º do CPC
determina que (olhar ao nº3):
o Nº3 – “Opondo-se o exequente ao levantamento da penhora, o executado só pode obtê-lo,
tendo a herança sido aceite pura e simplesmente, desde que alegue e prove perante o juiz: a)
Que os bens penhorados não provieram da herança. b) Que não recebeu da herança mais
bens do que aqueles que indicou ou, se recebeu mais, que os outros foram todos aplicados
em solver encargos dela.”
§ Imagine-se que me penhoram-me um bem pessoal:
• Se aceitei a benefício de inventário – mostro que o bem está ou não no
inventário e cabe ao credor provar que o bem veio da herança.
• Se aceitar pura e simplesmente, não tenho inventário – tenho de provar que
o bem não adveio da herança.
§ O Art. 744º, nº3 vem precisar de que modo é feita a prova estabelecida no nº2 – como
é que o herdeiro prova que a herança não tem bens suficientes para o cumprimento
dos encargos.
• É verdade que o CC diz que os herdeiros só respondem pelas forças da
herança – o mesmo é dizer que só respondem com os bens da herança – Art.
2071º, nº1 e nº2.
• A verdade é que quem aceita a herança pura e simplesmente terá este
problema que resulta do CPC, na medida em que este herdeiro vai ter de
provar – dupla prova/ prova cumulativa:
o “a) que os bens penhorados não provieram da herança.
o b) que não recebeu da herança mais bens que aqueles que indicou
ou, se recebeu mais, que os outros foram todos aplicados em solver
encargos dela.”
• Está em causa a prova diabólica – se não for feita a prova das alíneas a) e b),
o herdeiro corre o risco de serem executados os seus bens pessoais. Dupla
prova: Isto significa que qualquer herdeiro que é colocado perante este
problema entre aceitar a benefício de inventário ou pura e simplesmente tem
de fazer um juízo de prognose.
o Se existirem riscos de a herança estar sujeita a muitas dívidas, estando em causa uma herança
insolvente, se calhar é conveniente aceitar a herança em benefício de inventário, sob pena da
aceitação pura e simples ter o problema do ónus da prova, estando obrigado a provar os
requisitos das alíneas a) e b) do nº3 do Art. 744º do CPC. “O seguro morreu de velho”.
68
• Então, como devemos aceitar? Depende.
o Se estamos perante uma herança pouco complicada, com poucas dívidas, não há mal em
aceitar pura e simplesmente.
o Mas se é para aceitar dívidas de um comerciante, manda a prudência que acetemos a título
de inventário.
§ Se houver uma possibilidade em que a herança tenha muitas dívidas, nem sabemos
se vai ser solvente ou insolvente, manda a prudência haver uma aceitação a benefício
de inventário: só respondem pelas dívidas da herança os bens inventariados, a não
ser que os credores provem que tais bens advêm da herança.
• Então para que serve a aceitação em benefício do inventário?
o Simplifica o processo de liquidação da herança e a responsabilidade dos herdeiros pelas
dívidas da herança.
o Com esta aceitação fica absolutamente blindado/quase garantido que os bens pessoais não
são executados e não respondem pelas dívidas da herança e respondem apenas os bens
inventariados, a não ser que os credores provem que não está em causa um bem pessoal –
algo que é difícil de provar.
69
onde eles estão, sendo que quem fica com o remanescente são os próprios herdeiros
imediatos.
o Portanto, isto é uma espécie de uma sub-rogação misturada com uma impugnação pauliana.
• Este instituto releva porque alguns juristas têm tentado utilizar a figura da impugnação pauliana ao ato de
repudio.
• Contudo, o STJ tem entendido duas coisas:
o Não estão preenchidos todos os requisitos para que haja impugnação pauliana – ainda por
cima trata-se de um negócio jurídico unilateral.
o O ato da impugnação pauliana tem de fazer uma diminuição da garantia patrimonial. Contudo,
o repúdio não significa uma dimensão da garantia patrimonial, mas na verdade significa um
incremento da garantia patrimonial – principal argumento.
• Portanto, o STJ tem entendido que não é possível haver impugnação pauliana do ato de repúdio da
herança.
• Verdadeiramente, nem era preciso, porque existe um esquema mais simples – o esquema da sub-rogação
que funciona como mecanismo especial, nos termos do Art. 2067º. Esta é a ação que o credor deve utilizar
caso se queira proteger e dar espessura à sua garantia patrimonial, não podendo recorrer à impugnação
pauliana, segundo o STJ.
• Artigo 2067.º, nº2: “A aceitação deve efetuar-se no prazo de seis meses, a contar do conhecimento do
repúdio.”
• Artigo 2067.º, nº3: “Pagos os credores do repudiante, o remanescente da herança não aproveita a este,
mas aos herdeiros imediatos.”
Como nota final, a sub-rogação dos credores pessoais do repudiante não prejudica o estatuto prioritário dos
credores da herança ao abrigo do regime da responsabilidade da herança (art. 2068.º): em primeiro lugar
serão sempre pagos os credores do autor da sucessão e, de seguida, eventualmente os credores pessoais do
repudiante.
Prof David:
70
• Isto tem a ver com a vocação: quando alguém sobreviveu ao autor da sucessão, mas acabou por falecer
sem ter manifestado a vontade de aceitar ou repudiar a herança. Morreu, tendo na sua esfera jurídica um
direito que não se extinguiu, um direito patrimonial, transmissível mortis causa, um direito que esteve na
sua esfera jurídica de aceitar ou repudiar.
• Quem são os beneficiários do direito de suceder?
o Os herdeiros: cônjuges e filhos: cai, portanto, na esfera jurídica dos herdeiros o direito de
aceitar: que tem que seguir as regras de administração da herança e que, por unanimidade,
tem que chegar a acordo da aceitação ou não da herança.
• (Isto é diferente do direito de representação, da qual pressupõe que alguém não queira/não possa, da
qual o efeito dá-se sempre na linha reta descendente, em benefício dos filhos do filho do autor da
sucessão).
ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA
Fenómeno sucessório: (1) abertura da sucessão → (2) herança jacente (herança que não tinha sido declarada
vaga pelo Estado, mas também não aceite) → (3) momento da aceitação ou repúdio (materialização da
vocação) → (4) Herança Indivisa (HI).
Ou seja, a partir do momento em que alguém aceita, finda-se a ideia da herança jacente (esta quebra-se).
Aceita-se a herança, adquire-se a posse dos bens. Depois de aceite a herança, continuamos a ter o problema
que tínhamos na herança jacente (vacas que precisavam de comer, telhado para arranjar etc) - ou se nomeava
um administrador, ou os herdeiros podiam individualmente praticar os atos urgentes. Se assim for, temos um
problema que se coloca novamente – quem administra a herança?
102
o sistema português caracteriza-se (nas palavras de Fernando Sá) por um sistema de gestão centralizada
da herança a cargo do cabeça-de-casal (art. 2079.º): a administração da herança ficará a cargo de um sujeito
definido nos termos da lei em vez de caber conjuntamente a todos os herdeiros (como acontece no
ordenamento alemão).
71
o Como funciona o cabeça de casal?103 Nos termos da lei, o cargo de cabeça-de-casal defere-se
pela ordem seguinte (art. 2080.º, n.º 1):
§ “O cargo de cabeça-de-casal defere-se pela ordem seguinte: a) Ao cônjuge sobrevivo,
não separado judicialmente de pessoas e bens, se for herdeiro ou tiver meação nos
bens do casal; b) Ao testamenteiro, salvo declaração do testador em contrário; c) Aos
parentes que sejam herdeiros legais; d) Aos herdeiros testamentários.”
o Exemplo 1: pessoa em Portugal morre, deixa a mulher. O cabeça de casal será a mulher.
o Exemplo 2: pessoa morre em Portugal, deixa 2 filhos, netos, mas não deixa mulher. O cabeça
de casal neste caso está na alínea c) “Aos parentes que sejam herdeiros legais”
• Artigo 2080.º, n.º2: “De entre os parentes que sejam herdeiros legais, preferem os mais próximos em
grau.”
o Exemplo 3: vão preferir os parentes de grau mais próximo que são os filhos.
• Artigo 2080.º, n.º3: “De entre os herdeiros legais do mesmo grau de parentesco, ou de entre os herdeiros
testamentários, preferem os que viviam com o falecido há pelo menos um ano à data da morte.”
• Artigo 2080, n.º 4: por último, em igualdade de circunstâncias prefere o herdeiro mais velho.
o NOTA:Artigo 2084º - possibilidade de designação do cabeça de casal por acordo.
Este cargo é uma espécie de poder-dever, exceto em situações de escusa – Art. 2085º. Se isto não acontecer
sou obrigado a ser cabeça de casal, sendo gratuito.
• Dois pontos que normalmente geram litigância:
o Art. 2086º - um dos primeiros problemas prende-se com esta norma que normalmente está
ligada ao Art. 2093º relativo à prestação de contas.
§ Art. 2093º - quem é cabeça de casal está obrigado a prestar contas. No fundo, todos
os custos para manter/ administrar a herança devem estar sustentados, sob pena de
responsabilidade – responsabilidade do cabeça de casal.
o Art. 2091º - poderes do cabeça de casal - “fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e
sem prejuízo do disposto no artigo 2078.º, os direitos relativos à herança só podem ser
exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.”
§ Todos exercem direitos e contra todos se exercem direitos.
§ A regra: a liberdade do cabeça de casal de administrar sozinho é tanto maior quanto
a lei lhe der essa possibilidade. Se não lhe der essa possibilidade, caímos na regra de
todos contra todos – todos têm de decidir.
§ OU SEJA:
• Existe um cabeça de casal que pratica atos sozinhos (aqueles que o Artigo
2091º diz, aqueles expressamente previstos na lei) – administração
individualizada.
o O cabeça de casal, nos termos do Art. 2079º, é o administrador, logo,
à partida, pode praticar atos de administração.
o Questão: arrendamento. Posso arrendar a casa da herança do meu
pai sozinho, enquanto cabeça de casal?
§ Este exemplo tem base legal, ao abrigo do artigo 1024.º, n.º1 CC, sobre o
contrato de locação: “A locação constitui, para o locador, um ato de
administração ordinária, exceto quando for celebrada por prazo superior a seis
anos”
§ Logo, dar uma casa de arrendamento será um ato de administração ordinário.
O cabeça de casal pode dar a casa a arrendamento. exceto quando for celebrada
por prazo superior a seis anos”, ora, se for um arrendamento sem termo ou
superior a 6 anos, estamos perante um ato de administração extraordinário.
Consequência: segue-se o regime dos atos de disposição e já não o de
103
normalmente: cônjuge sobrevivo ou filho mais velho.
72
atos de administração – então o cabeça de casal já não poderá decidir
sozinho.
o Questão 2: existe um autor da sucessão que meteu numa casa
arrendada um amigo, arrendando-a por um preço irrisório.
§ Na prática, chega a uma altura que é necessário renovar ou
não se opor à renovação do contrato de arrendamento. E a
oposição quanto ao contrato de arrendamento é uma
disposição ou administração?
§ Claro que estes problemas só se geram se as pessoas
pretenderem litigar. Em relação aos atos que não estão
expressamente previstos, haverá a regra do litisconsórcio, ou
seja, tem de se ir atrás de todos os herdeiros; quem quiser
exercer as situações ativas e passivas da herança tem que
exercer por unanimidade, em conjunto com os restantes
herdeiros.
o Art. 2089º - Por outro lado, a cobrança de dívidas deve ser efetuada por todos os herdeiros,
mas o cabeça-de-casal poderá cobrar sozinho as dívidas ativas da herança quando (1) a
cobrança possa perigar com a demora ou (2) o pagamento seja feito espontaneamente (art.
2089.º). Este regime deverá ser contraposto com a matéria do pagamento das dívidas da
herança: como a lei não confere poderes ao cabeça-de-casal para pagar as dívidas da herança,
a responsabilidade pelo seu pagamento cabe a todos os herdeiros.
§ Nesse sentido, a lei portuguesa trata o pagamento das dívidas da herança indivisa
como um ato de disposição, pelo que qualquer ação de cobrança de uma dívida terá
de ser colocada contra todos os herdeiros (a herança indivisa não tem personalidade
jurídica nem personalidade judiciária, consiste num património autónomo, pelo que
é representada por todos os seus titulares).
o Art. 2090º - “O cabeça-de-casal deve vender os frutos ou outros bens deterioráveis, podendo
aplicar o produto na satisfação das despesas do funeral e sufrágios, bem como no
cumprimento dos encargos da administração.”
§ Caso típico: o cabeça de casal pode vender, sozinho, a cortiça?
• Sim. Pode vender sozinho os frutos, não precisa de recorrer aos outros
herdeiros.
Ao longo do exercício das suas funções o cabeça-de-casal está obrigado a prestar contas anualmente (art.
2093.º, n.º 1) e exercê-las-á a título gratuito (art. 2094.º). Por último, o cabeça-de-fiscal estará obrigado a
cumprir as obrigações fiscais da herança indivisa (quem está obrigado a representar a herança junto do fisco
e garantir o cumprimento dos impostos é o cabeça de casal) e a inventariar os bens da herança caso seja
necessário. Assim, cabeça de casal atualmente não tem apenas a função de administração do ponto de vista
civilístico, ocupando uma posição como uma figura mais ampla104.
ALIENAÇÃO DA HERANÇA:
Ø Alienação da herança- art.2124º CC: A alienação de herança ou de quinhão hereditário está sujeita às
disposições reguladoras do negócio jurídico que lhe der causa, salvo o preceituado nos artigos
seguintes105.
o Ou seja, neste caso faço um negócio jurídico centrado na minha quota.
104
O sistema jurídico português acabou por ficar com um sistema que “nem é carne nem é peixe” - Não há uma
administração central forte que possa fazer tudo o que é necessário (Liquidar, administração, representar a herança,
pagamento de dívidas…).
105
Quinhão hereditário = significa que eu sou proprietário de uma quota e não de um bem em concreto.
73
§ Regime jurídico é o “do negócio jurídico subjacente” - Se for uma compra e venda
segue o regime da compra e venda (874º e ss), se for o regime da doação segue o
regime da doação e por aí adiante.
o Desvios nesta matéria
§ Negócio de alienação do quinhão exige forma (art.2126º CC): Independentemente do
negócio jurídico que tiver como base se existirem bens imóveis tem sempre de
constar escritura pública ou documento particular autenticado.
§ Objeto da alienação: O que é a herança para efeitos da alienação? art.2125º CC: Se
eu vender a minha herança o que é que não pode ser vendido com a mesma?Ex.
Fotografias, cartas de amor escritas pela minha mãe à tal como estatui o nº3 do
referido artigo. Contudo, trata-se de uma presunção que pode ser alterada pela
vontade das partes.
§ Art.2130º CC-Existe um direito de preferência dos co-herdeiros- remete para o art.º.
1409º e seguintes do CC.
• É possível penhorar um quinhão hereditário. Ou seja, este pode ser objeto de
negócios por parte do seu titular, mas pode ao mesmo tempo ser objeto de
garantia.
As questões estão, evidentemente, ligadas uma à outra. À primeira questão: “A herança responde pelo quê?”
temos a resposta no artigo 2068º e ss. À segunda questão “quem responde e como responde?” vamos
encontrar a resposta no artigo 2097º e ss. É como se tivéssemos uma vertente objetiva e uma vertente
subjetiva. A herança, se tivermos de a qualificar, podemos atribuir-lhe 3 características:
1. Património coletivo:
• Isto significa que até ao ato da partilha (2119º) ninguém é titular de uma parte da herança,
mas apenas titular de uma quota da herança, de uma ideia ideal sobre a herança;
• Isso explica uma regra: A regra geral quanto à administração da herança - Em tudo o que o
cabeça de casal não tiver competência vai ter competência aqueles que são titulares deste
património coletivo que terão de se entender;
• Uma nota muito clara de que se trata de um património coletivo é que não há ninguém que
represente sem mais nem menos o património coletivo.
2. Autónomo e separado:
o Autónomo: É autónomo porque em princípio só responde pelas suas dividas
§ Pelas dívidas da herança apenas responde a herança e, pelo menos durante algum
tempo, a herança também vai responder só pelas próprias dividas da herança, o
mesmo é dizer que não responde pelas dividas pessoais dos herdeiros ou legatários;
deste ponto de vista é um património autónomo;
o Separado: Não se confunde com o património geral dos herdeiros;
§ Não se confunde com o património geral dos herdeiros nem antes da partilha nem
depois da partilha durante algum tempo, vamos posteriormente ver quanto tempo;
• Art.2068º CC (remissão para o art.2070º/2) - A determinada altura vou ter de proceder à liquidação
da herança, ou seja, cumprir todos os encargos da herança para depois existir um património líquido
74
e que este seja repartido entre todos os herdeiros. Este artigo diz-nos aquilo que a herança responde,
isto é, se a herança só responde por estas dividas, o mesmo é dizer que a herança tem autonomia,
responde pelas suas dividas que estão previstas na lei (ou seja, em princípio, enquanto existir
património autónomo, só responde pelas suas dividas).
o Os encargos previstos no artigo 2068º são os primeiros a ser cumpridos, por exemplo as
dividas do próprio herdeiro vão ter de esperar que as sucessões terminem com o património
autónomo, enquanto existir autonomia patrimonial, o património autónomo só responde
pelas suas dividas, MAS também SÓ o património autónomo responde pelas suas dividas (a
repetição é propositada) .
§ Quando vimos aquela distinção da aceitação em benefício de inventário ou aceitação
pura e simples diz-se na lei, no artigo 2071º que a herança só responde pelo valor dos
bens herdados, só responde pelas suas forças, isto é, apenas os bens deixados
respondem pela dívida da herança.
§ Não responde pelas dividas da herança o património individual (sem prejuízo da
presunção das pessoas que aceitam ser sem em benefício de inventário, em alguns
casos quando fazemos a interpretação do processo civil em que, a questão pode não
ser exatamente assim).
o Art.2070º, nº2 - Estabelece que a ordem que é elencada no art.2068º tem de ser respeitada.
Existe uma preferência entre os vários credores da herança.
§ Despesas do funeral - razão de ser das despesas do funeral se encontrarem em
primeiro lugar 106 : as agências funerárias são as primeiras a verem o seu crédito
satisfeito e com prioridade face a todos os credores e legatários uma vez que existem
razões de saúde pública que justificam a existência de funerais;
o A herança não vai responder apenas pelas dívidas que existiam no património do autor da
sucessão no momento da abertura da sucessão, há mais dívidas que vão onerar este
património - desde logo, as dívidas relacionadas com o funeral e as despesas com a liquidação,
isto é, quando o cabeça de casal representa a herança não cria dívidas pessoais, mas sim
dívidas para a própria herança.
o Encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário: se
tipicamente a herança responde por dívidas constituídas antes da abertura da sucessão, este
preceito constata que a herança poderá responder por encargos constituídos após a abertura
daquela desde que tenham algum nexo com a sucessão. Esta dívida tem de ser tratadas com
alguma cautela por forma a não prejudicar a solvabilidade da herança e a diminuir a garantia
patrimonial dos credores do autor da sucessão.
o Pagamento das dívidas do falecido;
o Cumprimento dos legados;
§ Legados remuneratórios: legados deixados pelo autor da sucessão destinados a pagar
uma determinada dívida constituída em vida deste. Nos termos da lei, estes legados
serão tratados como dívidas da herança (art. 2278.º), subindo na hierarquia da
preferência.
Já vimos o que a herança responde por, agora temos de ver o que é a herança - quanto ao âmbito da
herança, ou seja, os bens que responderão pelas dívidas da herança, em tese diríamos que consistiriam em
todos os bens existentes na esfera jurídica do autor da sucessão no momento da sua morte. Ou seja, toda a
minha propriedade, todas as minhas relações jurídicas são o meu relictum (conjunto de bens deixados)107, mas
o que o 2069º vem dizer não é só isto, além dos bens que deixei, junta nas alíneas a), b) e d) coisas importantes:
106
Sá na aula explicou para crianças: Trata-se de uma razão de ordem pública e de saúde - tem sempre de existir dinheiro
para enterrar os corpos e quando este dinheiro não existe recorre-se a um fundo de ordem pública.
107
Vem de rés – significa “os bens deixados”.
75
aos quais se acrescentam (art. 2069.º):
a) Bens sub-rogados no lugar de bens da herança por meio de troca direta;
b) Preço dos bens alienados;
c) Bens adquiridos com dinheiro ou valores da herança, desde que a proveniência do dinheiro
ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição.
o Ou seja, se alguém tiver de vender alguma coisa da herança, sai a coisa e entra o
dinheiro, o dinheiro fica a fazer parte da herança.
d) A alínea d) é que estabelece “frutos percebidos até à partilha” - Ou seja, se a herança produzir
frutos, sejam eles civis ou naturais, a rentabilidade desses frutos passa a fazer parte da
herança;
Numa palavra, o artigo 2069º diz-nos que, a herança que responde pelas dividas não é apenas e só aquilo
que existia do património do autor da sucessão, é aquilo que foi sub-rogado, o dinheiro que entrou porque
existiram alienações dos bens ou mesmo os próprios frutos. Isto significa que os credores passados algum
tempo podem ter uma garantia superior à que tinham no momento da abertura da sucessão porque
evidentemente a herança se tiver rentabilidade vai capitalizando.
Já vimos os encargos e o que responde pelos encargos, agora é preciso perceber a ideia da “separação” e a
ideia da “autonomia”.
Recuperando o regime das preferências, à referida a respeito da ordem de satisfação dos encargos (art.
2070.º, n.º 2) o legislador estabelece uma preferência interna entre os credores da herança: os credores da
herança e os legatários preferem sobre credores pessoais do herdeiro; e, entre os dois primeiros, os credores
da herança preferem sobre os legatários (art. 2070.º, n.º 1). Se este regime não é tão relevante quando a
herança está indivisa, será da maior importância após a partilha da herança.
§ A ideia de autonomia da herança está no facto dos credores da herança e legatários terem preferência
sobre os credores pessoais, portanto há uma primeira nota de que há autonomia dos credores da
herança e dos legatários.
§ Ter preferência significa que só se vão fazer pagar pelos bens da herança os credores pessoais quando
já não existirem dívidas aos credores da herança e legatários108.
• Aquilo a que o professor chama de “bomba atómica” por deixar claro esta ideia de autonomia e
separação muito clara está presente no nº2 do artigo 2070º: “Os encargos da herança são
satisfeitos segundo a ordem por que vêm indicados no artigo 2068º CC”;
o O 2068º nem sequer fala dos credores pessoais, o património é para pagar o que vem
descrito no artigo 2068º segundo a ordem nele descrita. Mais uma vez a ideia de
autonomia, é como dizer que a herança só responde pelas suas dívidas – as que estão
elencadas no artigo 2068º CC.
Também neste sentido importa olhar ao 2070º, nº3 : As preferências mantêm-se nos cinco anos subsequentes
à abertura da sucessão ou à constituição da dívida, se esta é posterior, ainda que a herança tenha sido
partilhada; e prevalecem mesmo quando algum credor preterido tenha adquirido garantia real sobre os bens
hereditários.109
§ O que este artigo nos diz é o seguinte: Há património autónomo e separado durante 5 anos, durante
estes 5 anos não existe confusão entre a herança e os patrimónios dos herdeiros;
o Exemplo: Eu e o meu irmão aceitamos a herança e dividimos desde logo tudo a meias. O
pagamento da dívida recai sempre sobre a herança, quer esta esteja partilhada ou não. Existe
um credor pessoal que vem ter comigo e que refere que a casa que herdei do meu pai irá
108
Enquanto os credores da herança e legatários tiverem algo a reclamar e vierem reclamar ao mesmo tempo que os
credores do herdeiro vai acontecer que os credores do herdeiro ficam para o fim e os credores da herança no início.
109
As preferências = as preferências do artigo 2070º nº1 e nº2
76
liquidar a dívida. Contudo, eu refiro que não, uma vez que os credores da herança têm
preferência.
§ Segundo Fernando Sá: durante o prazo desta preferência os credores pessoais não
podem atacar os bens que advém da herança, sob pena de com isso estarem a
postergar os direitos dos credores da herança110.
• Isto é ainda mais claro se olharmos para o artigo 2074º:
o Nº1: “O herdeiro conserva, em relação à herança, até à sua integral liquidação e partilha,
todos os direitos e obrigações que tinha para com o falecido, à excepção dos que se
extinguem por efeito da morte deste.”
§ Não há compensações porque era herdeiro e credor da herança ao mesmo tempo,
não existem essas formas de extinções recíprocas, estamos a falar de patrimónios
autónomos ainda.
§ “ou à constituição da dívida”: Por regra a herança responde pelas que já existiam
antes da abertura da sucessão mas se olharmos ao artigo 2068º veremos que se
refere a um tipo de dividas posterior
• ex: Dividas relativas ao Funeral;
• ex: Dividas de administração – comida para os gatos do meu pai; quem
vai pagar é a herança;
§ Estes são os únicos dois casos em que os credores da herança podem ver a sua
situação um bocadinho pior do que tinham no momento da abertura da sucessão,
porque podem ter de concorrer com novos credores (todas os credores que
tenham prestado serviços de administração ou a agência funerária, o professor
refere como exemplo a servilusa).
o “Ainda que a herança tivesse sido partilhada”: Durante 5 anos mantem-se as preferências,
passado 5 anos, se acabarem as preferências, os credores da herança passam a concorrer
com os credores pessoais e deixam de passar à frente;
§ Imagine-se que senhor A morre - pode acontecer que passado um mês seja feita
a partilha (2119º) e significa que desta herança - um bocado foi para o senhor 1,
outro para o senhor 2 e outro bocado para o senhor 3 - A lei diz que, mesmo
neste caso, mantém-se as próprias preferências;
§ Em termos teóricos: durante 5 anos (neste caso foi passado um mês, portanto 4
anos e 11 meses) vai acontecer que dentro do meu património geral eu vou ter
um património separado em relação ao qual não existe confusão patrimonial;
§ Na prática: vamos imaginar que eu era o nº3 e vem um credor pessoal meu que
diz “vou executar a tua casa”, eu posso dizer que embora ele tenha razão por que
a casa a minha, o problema é que a casa veio da herança.
• Se veio da herança e, como ainda não estão decorridos os 5 anos ela não
responde por estas dívidas, responde apenas as dividas da herança.
• Se o credor pessoal tentar executar a casa daqui a 4 anos e 11 meses tal
já será possível, pois só depois disto existe o fenómeno de confusão
patrimonial e cessam as preferências.
o A garantia reforçada dos credores da herança está em que a lei lhe garante o património
autónomo, por via, das preferências e é um património separado, não há confusão com o
património geral dos herdeiros;
o Garante isto de uma segunda forma, limita as novas dividas que possam onerar a herança,
só pode ser divida da herança aquilo que estiver expressamente dito no artigo 2068º CC.
110
É como se durante 5 anos dentro do meu património ainda existisse uma certa separação patrimonial. A herança que
era um património autónomo mantém a sua autonomia mesmo quando já se confundiu com o meu próprio património.
77
§ Ex: Se eu retirar dinheiro da herança por uma razão qualquer vou ser responsável
por repor, não são encargos da herança.
§ Ex: O meu pai costumava dar-me uma mesada, não posso continuar a tirar a
mesada da herança porque não é nenhuma das dividas que está expressamente
elencada no artigo 2068º.
Já sabemos, do ponto de vista objetivo, que massa de bens é que responde pelas dividas da herança e como
responde, agora preciso de saber quem é que efetivamente vai pagar as dividas.
A lei afirma que quem paga as dívidas são os herdeiros, mas faz uma distinção nos artigos 2097º e 2098º CC,
relativamente à herança já ter sido partilhada ou não ter sido partilhada.
• 2097ºCC - Herança não partilhada/indivisa: A herança não partilhada ainda é, além de um património
autónomo e separado, um património coletivo;
o Os bens da herança indivisa respondem coletivamente pela satisfação do encargo
o Significa isto que, todos os bens que estão dentro da herança respondem por todas as dividas
da herança
o Quem tem de decidir pagar as dividas da herança são os herdeiros, não está na competência
do cabeça de casal pagar dividas, apenas administrar, a não ser que o pagamento das dividas
possa ser considerado um ato de administração.
• 2098º CC – Herança partilhada:
o Deixou de haver um património coletivo, mas não deixou de haver um património, pelo menos
em parte, autónomo e separado, mas esse património autónomo e separado de alguma forma
pulverizou-se, cada um dos herdeiros tem um bocadinho desse património.
§ A resposta que a lei dá é a de que “como cada um tem um bocadinho desse
património, cada um vai dar à proporção do bocadinho com o qual ficou”
§ Se depois da partilha eu for credor da herança e tiver de receber 3000 euros eu vou
ter de reclamar 1000 a cada um dos herdeiros que recebeu.111
o Como já tínhamos referido, as dividas não são solidárias, na prática é um regime muito perto
do regime da conjunção.
Exemplo de um problema que poderá existir a este propósito - vamos imaginar que o autor da sucessão era
dono de um estabelecimento comercial, eu para praticar atos de comércio posso fazer duas coisas: (1) ou
tenho uma sociedade; (2) ou sou um comerciante individual. O problema é quando na herança reside num
desses estabelecimentos comerciais, porque o problema desses estabelecimentos comerciais é que um café
ou uma loja de roupa para se manter tem de continuar a praticar atos e pode estar constantemente a trazer
passivo para dentro da herança.
Este é de facto o único caso complicado, pode pôr em causa os direitos dos credores da herança, aqueles
que existiam no momento da abertura da sucessão, porque se podem ver confrontados pelo normal
funcionamento da empresa, com a existência de dividas muito superiores às que existiam no momento da
abertura da sucessão (Este problema não será desenvolvido uma vez que ainda não frequentamos a cadeira
de direito das sociedades comerciais).
111
A não ser que o autor da sucessão tenha dito alguma coisa no âmbito do artigo 2098º/2 e nº3.
78
A PARTILHA DA HERANÇA
Existem diversos tipos de sucessores e essencialmente distinguimos entre herdeiros e legatários, dizendo
que legatários sucedem em bens determinados, embora já tenhamos referido que estes sucedem em bens
determináveis112.
Diferentemente, os herdeiros recebem uma quota no património autónomo que é herança, ou seja, eles não
são titulares individuais de direitos sobre os bens que compõem a herança: os herdeiros não são,
tecnicamente, comproprietários. Enquanto a herança não for partilha e subsistir a designada a indivisão, cada
um deles tem, nada mais nada menos, que um quinhão hereditário, sendo que a partilha é, precisamente, o
ato jurídico por intermédio do qual esse quinhão hereditário é preenchido com bens concretos e
determinados.
O cônjuge meeiro é, portanto, o cônjuge que sobrevive não na sua posição de herdeiro, mas na posição de
quem tem uma parte do património que era o património conjugal.
Nota importante: O regime de casamento não é relevante para saber se chamo ou não o cônjuge enquanto
sucessível. A diferença reside em saber o que é que se transmite por morte, porque se eu tiver 2 pessoas
casadas no regime de comunhão geral ou comunhão de adquiridos, existirá um património conjugal. Quando
um deles falece o que é que tecnicamente se transmite? A sua meação (a sua metade naquele património).
Voltando ao ponto, os herdeiros e o cônjuge meeiro têm o direito de exigir a partilha, e este direito tem
características importantes:
• É um direito irrenunciável - é o que nos diz o nº2 do artigo 2101º: não só estes não podem renunciar,
como o próprio testador não pode limitar a partilha.
o Isto resulta do artigo 2232º, em que se limita o poder do testador em influenciar a partilha e
impedir a partilha. Embora seja um direito irrenunciável, pode haver uma convenção entre os
112
Há uma titularidade direta entre a pessoa do legatário e o bem atribuído à aliás, os legados são, tecnicamente, um
encargo da herança (2068º).
113
Nestes momentos ter família dava jeito 🤡
79
seus titulares em manter a herança indivisa por um prazo certo, que não pode ser superior a
5 anos (embora se preveja a extensão por convenção da situação de indivisão, mas tem de
haver nova convenção nesse sentido).
Vamos começar pela modalidade mais simples - por acordo (2102º, nº1): Havendo acordo de todos os
interessados, a partilha pode ser feita perante notário, através da outorga de uma escritura pública, ou pode
ser feita na conservatória do Registo Civil, no Balcão das Heranças.
Algumas notas importantes a este respeito:
1) Não é obrigatório fazer as partilhas perante notário, porque só somos obrigados a fazer as partilhas
perante notário ou no balcão das heranças, se estiverem em causa bens imóveis, bens móveis sujeitos
a registo ou participações sociais sujeitas a registo (quotas). Se a herança não tiver bens desta natureza
eu não posso ir ao balcão das heranças e não sou obrigado a fazer uma escritura à impera aqui o
princípio da liberdade de forma (artigo 219º).
2) Neste balcão das heranças existem 2 modalidades de partilha:
a. modalidade integral ou completa - ou seja, contempla no mesmo ato, no mesmo dia a
habilitação de herdeiros, partilha e registo.
i. Ex: Imaginemos que alguém falece e tem sucessíveis. Como é que esses sucessíveis
atestam a sua qualidade perante terceiros? ora, a habilitação de herdeiros é,
precisamente, o documento habilitante da qualidade que uma pessoa tem enquanto
sucessível de outra.
1. A lei não obriga à habilitação de herdeiros, no entanto, eu não posso fazer
partilhas sem ter uma habilitação prévia. Ou seja, ou não faço nada, ou faço
no mesmo ato habilitação, partilha, registo114.
b. Situações em que não há acordo ou em que o herdeiro é incapaz (ao nível da incapacidade de
exercício, caso fosse uma incapacidade sucessória ele não seria sequer sucessível) - nestes
casos recorre-se, então, ao processo de inventário.
O Prof. David chama à atenção para o facto do manual do prof CF estar desatualizado, uma vez que o
mesmo fala do CPC e o do processo de inventário corrido nos tribunais, embora tenha havido uma alteração
legislativa em que se entendeu que o processo não devia correr os tribunais, porque era um processo que
“entupia” os tribunais. O que se fez foi retirar esse processo dos tribunais e dar aos notários (isto em 2013).
Mas qual o problema? É que este não é um processo simples, e há uma série de questões para as quais os
notários não tinham competência e tinham de ser resolvidas pelo tribunal. Então, chegou-se à conclusão de
que o melhor seria retomar o regime anterior: voltamos a incorporar no CC, o regime do processo de
inventário, com uma única diferença: hoje em dia as pessoas escolhem e querem apresentar o processos no
cartório ou recorrer diretamente ao tribunal. Assim, tem-se feito sentir uma instabilidade normativa no que
diz respeito a este regime.
• Artigo 2102º do CC: Havendo acordo dos interessados, a partilha é realizada nas conservatórias ou
por via notarial, e, em qualquer outro caso, por meio de inventário, nos termos previstos em lei
especial.
• Lei 117/2019 de 13 de setembro
114
Isto pode ser importante também para os efeitos tributários que decorrem da sucessão.
80
O ato de partilha não tem de ser unido: eu posso fazer várias partilhas em relação à mesma herança. Ex: Há 2
ou 3 herdeiros e eles estão de acordo em relação apenas a uma parte da herança: eles podem fazer partilha em relação
a essa parte e depois fazer aquilo a que se chamam partilhas adicionais.
• 2122º: A omissão de bens da herança não determina a nulidade da partilha, mas apenas a partilha
adicional dos bens omitidos.
• Há 2 situações possíveis:
o os herdeiros conheciam o património todo, mas decidiram fazer a partilha faseadamente, em
vários atos - partilhas parciais.
§ No caso das partilhas parciais, não estamos no âmbito do 2122º, apenas há uma
partilha faseada nos bens.
o Quando se usa o 2122º? Nos casos em que os herdeiros não conheciam os bens todos da
herança ou até havia bens relativamente aos quais a titularidade era discutida/controversa,
são estes os bens omissos na partilha.
§ Outros são os casos em que a omissão é dolosa, e aí há sonegação de bens, nos
termos do 2096º - sanção adicionável a quem ocultou, dolosamente, bens da
herança.
A segunda solução é a que prevalece: Se eu atribuir um carro a um herdeiro e um carro a outro, eu não tenho
nada para dar ao 3: ou seja cada um deles teria de pagar em dinheiro (500 euros) ao outro herdeiro: é a isto
que chamamos tornas: Pagamento que um herdeiro faz ao outro na medida do excesso de bens que recebeu.
• Há alguma jurisprudência que diz que as tornas são um preço. AS TORNAS NÃO SÃO UN PREÇO. As
tornas são o reequilíbrio da partilha, para que os sucessíveis fiquem todos na mesma posição.
• Há quem prescinda das tornas e, deste modo, há quem diga na AT que isto é uma doação - o Prof.
David tem as maiores dúvidas.
Noutro plano, as atribuições preferências consistem no direito titulado por certos sujeitos, em razão
de características ou qualidades que tem, de terem uma preferência por determinados bens da herança
(encabeçadas). Nos termos da lei, o cônjuge sobrevivo tem o direito de a ser encabeçado no direito de
habitação da casa de morada de família e no direito de uso do respeito recheio – mobiliário e demasiado
objetos ou utensílios destinados ao cómodo, serviço e ornamentação da casa (art. 2103.º - A, n.º 1 + 2103.º -
C). Este direito existe mesmo que a quota do cônjuge não tenha um valor suficiente face ao valor da quota
que caberia ao cônjuge, sendo que este deverá tornas aos demais co-herdeiros na situação inversa. Por último,
nota para o facto de caducarem estes direitos se o cônjuge não habitar a casa por prazo superior a um ano
81
(art. 2301.º - A, n.º 2) sendo que este direito está sujeito a este prazo de caducidade decorrente do não uso.
NOTA: Se este direito exceder a quota e meação ele tem de pagar tornas, evidentemente.
Atenção que a noção de recheio vem no 2103º-C: “Para os efeitos do disposto nos artigos anteriores considera-
se recheio o mobiliário e demais objetos ou utensílios destinados ao cómodo, serviço e ornamentação da
casa.” NOTA: A remissão para o número 2 do 2103º-A está desatualizada. A remissão correta é para o artigo
1077º número 2 do Código Civil.
IMPUGNAÇÃO DA PARTILHA:
Nos termos do 2121º, a partilha por acordo é impugnável nos mesmos termos do que qualquer negócio
jurídico - é importante termos a noção de que os vícios gerais do negócio jurídico também podem afetar a
partilha. O único vício específico que o legislador assinalou consta do 2123º, que tem que ver com a inclusão
na partilha de bens que não fazem parte da herança – isto é, regime da venda de bens alheios.
• Se se apurar que algum herdeiro recebeu na partilha bens que não faziam parte da herança, então,
tem de ser compensado pelos outros herdeiros, proporcionalmente (2123 nº1 e nº2).
NATUREZA DA PARTILHA
Feitas estas ressalvas, há apenas uma questão teórica a discutir: tem que ver com a natureza da partilha.
Este é um tema muito recorrente, em que há o cruzamento do direito das sucessões e do direito fiscal, uma
vez que estamos a falar de mais-valias. Há duas grandes linhas de entendimento quanto à natureza da partilha:
Ø A primeira tese considerava que a partilha tinha uma função meramente declarativa uma vez que esta
vinha apenas declarar que um sujeito é titular de um direito que já titulava.
o Contrariamente, há quem sustente que se a partilha tivesse uma natureza meramente
declarativa, não seria necessário que a lei estabelecesse a retroatividade dos efeitos
Ø Por sua vez, a segunda tese atribua uma função constitutiva à partilha: a partilha cria um direito que
aqueles sujeitos nunca tiveram. A função declarativa da partilha afronta diretamente o facto de na
herança indivisa os herdeiros não serem titulares de direitos sobre bens determinados, mas sim de
um direito sobre a universalidade (um quinhão abstrato). Por sua vez, a função constitutiva da partilha
retrata com maior rigor este fenómeno, confirmado pela natureza retroativa da titularidade dos
direitos sobre os bens partilhados.
o Isto coloca dificuldades, porque então, de facto, ficamos na dúvida no que acontece a estes
bens entre a data da abertura da sucessão e a data da partilha (embora a eficácia retroativa
resolvesse o problema)
Ø Posição diferenciada é aquela segundo a qual se entende que a partilha tem uma natureza
modificativa: ou seja, reconhece que os herdeiros, embora não tendo, em relação aos bens que
integram o património sucessório, já tinham um direito correspondente à sua quota hereditária e esse
direito já lhes concedia prerrogativas ainda que coletivas sobre esse bem.
o Por exemplo, os herdeiros, em conjunto, podem vender bens da herança não partilhada.
Então qual seria o efeito da partilha? Seria transformar esse direito a um quinhão hereditário
num direito a bens concretos e determinados. Ou seja, o objeto do direito muda-se, a sua
extensão altera-se, mas é um fenómeno de transformação do direito e não propriamente um
facto aquisitivo por si mesmo.
SUCESSÃO EM PARTICULAR
SUCESSÃO LEGÍTIMA
82
Em Portugal, a possibilidade de dispor do património pode conhecer limites e, sobretudo, a liberdade de
testar pode conhecer limites, ainda mais quando ao testador sobrevivem os chamados herdeiros legitimários,
ou seja, herdeiros em relação aos quais a lei estabelece uma porção de bens, designada de legitima objetiva,
de que o autor da sucessão não pode dispor.
O regime aplicável aos herdeiros legitimários (cônjuges, descendentes, ascendentes) tem natureza
imperativa, assim, a liberdade de testar só existe nos limites da sucessão legitimaria. A sucessão legítima é
diferente da legitimaria, porque a legitima tem uma natureza eminentemente supletiva pelo que o seu
objetivo fundamental é garantir que existem sempre herdeiros para suceder ao autor da sucessão (no limite,
o próprio Estado). Está em causa a necessidade de existir sempre um sujeito que ocupa a posição de herdeiro
para, mais do que beneficiar dos ativos, garantir a liquidação da herança através do pagamento das suas
dívidas. Esta ideia fundamenta a integração do Estado na categoria de sucessíveis (art. 2133.º, n.º 1, al. e)) e
ainda a desnecessidade de aceitação e impossibilidade de repúdio da herança por parte do Estado, que tem
de aceitar e liquidar a herança (art. 2154.º)115. Além do referido, a sucessão legítima é um modelo transversal
da sucessão legal, que será igualmente aplicável à sucessão legitimária ressalvadas as suas especificidades
próprias.
• 2131º: “Se o falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens de que
podia dispor para depois da morte, são chamados à sucessão desses bens os seus herdeiros legítimos.”
1ª ideia: o facto de existir um testamento não afasta necessariamente as regras da sucessão legitima:
dependerá do conteúdo do testamento. Por exemplo: se o prof deixar a X, metade da sua quota disponível, a
outra metade vai para quem? A resposta reside na sucessão legítima. A sucessão legitima pode ser afastada
pela vontade do autor da sucessão nem testamento. O regime que aqui vemos não corresponde a nenhuma
vontade presumida nem ao critério do homem médio.
Corresponde, sim, à solução do legislador, relativamente ao destino a dar à herança quando, dentro dos
limites de que dispunha, o autor da sucessão não fez ele próprio essa regulação (ou seja, a sucessão legitima
funciona através de testamento ou quando o autor da sucessão no todo ou em parte não dispôs dos seus bens
de outra forma).
Nos termos da lei, são herdeiros legítimos o cônjuge, os parentes e o Estado, pela ordem e segundo as regras
constantes do presente título (art. 2132.º)116. De seguida, quanto às classes de sucessíveis, a ordem por que
são chamados os herdeiros é a seguinte (art. 2133.º):
• Cônjuge e descendentes;
• Cônjuge e ascendentes;
• Irmãos e seus descendentes;
115
No Direito Comparado discute-se muito se o Estado, em face destas particularidades de regime, consiste
verdadeiramente num herdeiro no sentido técnico-jurídico. Fernando Sá considera que o Estado não é
verdadeiramente um herdeiro pois se o fosse integrava voluntariamente o fenómeno sucessório.
116
Nunca podemos ler o 2132º sozinho, temos de o ler com o 2133º.
83
• Outros colaterais até ao quarto grau;
• Estado.
A primeira classe de sucessíveis é composta pro cônjuges e descendentes e segunda é composta por cônjuges
e ascendentes:
• Ora, se alguém falecer sem cônjuge, mas com descendentes, os descendentes são os únicos
chamados.
• Se alguém falecer casado e sem descendentes, o cônjuge não fica com a totalidade da herança à só
assim acontecerá se não houver ascendentes.
o Assim, o cônjuge integra 2 classes.
2133º nº2: “O cônjuge sobrevivo integra a primeira classe de sucessíveis, salvo se o autor da sucessão falecer
sem descendentes e deixar ascendentes, caso em que integra a segunda classe.”
Comumente deparamo-nos com situações nas quais o autor da sucessão morre, o cônjuge sobrevive-lhe,
não são deixados descendentes, mas existem ascendentes. Dado que o cônjuge se situa nas duas primeiras
classes de sucessíveis, o legislador resolveu este conflito determinado que o cônjuge sobrevivo integrará a
segunda classe de sucessíveis nestas hipóteses (art. 2133.º, n.º 2). Deste modo, esta norma estabelece uma
terceira categoria de sucessíveis escondida: cônjuge e descendentes, cônjuge e ascendentes, cônjuge
sobrevivo sozinho, comprovável pelos artigos 2141.º e 2143.º.
O número 3 do artigo 2133º prevê situações em que o cônjuge não é chamado à herança:
• divórcio decretado por decisão judicial, esteja a mesma transitada em julgado ou não;
• contempla ainda um outro caso: quando o autor da sucessão falece na pendencia do processo de
divórcio - os sucessíveis podem prosseguir a ação (embora este seja um direito de natureza pessoal).
o Embora a lei não diga expressamente, tem se entendido que casos de anulação do casamento
ou de declaração da nulidade também cabem aqui- 2317, alinea d)
§ Notas relevantes: o cônjuge é a pessoa com quem se celebrou contrato de
casamento: isto quer dizer que o namoro, a vida em comum e união de facto não
cabem nesta categoria.
§ O unido de facto não é, por isso, sucessível, embora possa ter proteção relativamente
à casa de morada de família (cfr. Leis 6 e 7 de 2001, ambas de 11 de março).
Neste ponto, a sucessão legítima rege-se por três princípios fundamentais, que estão em normas importantes
que já analisámos aquando do direito de representação:
• Princípio da preferência de classes (art. 2134.º): a ordem das classes de sucessíveis está organizada
de forma hierárquica, pelo que as classes mais altas preferem às classes imediatas (ou seja, se tiver
sucessíveis na primeira classe, não vou chamar sucessíveis da segunda e assim sucessivamente);
o Exemplo: A ainda tinha os pais vivos (G e H). Ao abrigo do princípio da preferência de classe,
temos descendentes. Logo, os ascendentes não vão ser chamados. Não se chama os
ascendentes, pois há́ descendentes que fazem parte da 1a classe.
• Princípio da preferência de grau (art. 2135.º): dentro de cada classe, os parentes de grau mais próximo
preferem aos de grau mais afastado;
o Ou seja, se falecer com filhos e com netos, os meus parentes preferem aos meus netos.
o Os descendentes de A são B, C, D, E, F, G. Todos são descendentes. Mas, o E, o F e o G não
vão ser chamados, porque temos o B, C e D de grau de parentesco mais próximo,
descendentes de 1o grau.
• Princípio da sucessão por cabeça (art. 2136.º): os parentes de cada classe sucedem por cabeça ou em
partes iguais, salvas as exceções legalmente previstas (ou seja, a herança rege-se pelo número de
herdeiros que a ela são chamados, embora haja casos que assim não é).
84
o o B, o C e o D são os três sucessíveis, que vão receber, cada um, 1/3.
§ Este princípio também se aplicaria se o A falecesse no estado civil de casado, com 2
filhos, e, ainda assim, o cônjuge e os descendentes recebiam 1/3.
§ Este principio não se aplica, como sabemos, no direito de representação;
o Este princípio comporta algumas exceções, a saber:
§ Direito de representação: funciona o princípio da sucessão por estirpe;
§ Sucessão do cônjuge e dos descendentes (art. 2139.º, n.º 1): A partilha entre o
cônjuge e os filhos faz-se por cabeça, dividindo-se a herança em tantas partes quantos
forem os herdeiros; a quota do cônjuge, porém, não pode ser inferior a uma quarta
parte da herança.
• Não precisávamos da primeira parte deste artigo, bastava ir ao artigo 2136º
que já diz que a sucessão é feita por cabeça, mas a segunda parte deste artigo
é relevante.
• Estamos aqui perante a segunda exceção ao princípio da sucessão por cabeça
(a primeira é a da sucessão por estirpe do direito de representação): Se o
cônjuge do autor da sucessão concorrer com 4 ou mais filhos, tem sempre à
partida direito a ficar com ¼ da herança, ele é beneficiado em relação aos
restantes herdeiros (seja o cônjuge sucessível enquanto legítimo ou
enquanto legitimário).
o Das duas quotas, da quota disponível (se não tiver havido
testamento) e indisponível o cônjuge vai ter sempre direito a ¼ em
cada uma;
§ Da sucessão legitima o cônjuge tem ¼, quando chegarmos à
sucessão legitimária o cônjuge também vai ter ¼.
§ Estas regras foram pensadas em 1966, para que quando
marido morresse, como a mulher não tinha trabalhado,
ficasse com a maior parte possível da sucessão.117
• A grande questão que se coloca quanto á sucessão do conjgue e
descendentes é a seguinte:
o Artigo 2139º nº2: “Se o autor da sucessão não deixar cônjuge
sobrevivo, a herança divide-se pelos filhos em partes iguais.”
(reafirma-se o pp da sucessão por cabeça).
o Artigo 2140º: “Os descendentes dos filhos que não puderem ou não
quiserem aceitar a herança são chamados à sucessão nos termos do
artigo 2042º CC” - Significa que se faltarem os do primeiro grau os
outros sucedem através de direito de representação;
o Artigo 2141º, nº1: Na falta de descendentes sucede o cônjuge, sem
prejuízo do disposto no capítulo seguinte.
§ Artigo 2144º: “Na falta de descendentes e ascendentes, o
cônjuge é chamado à totalidade da herança”.
• Isto liga-se com o 2141º, podemos dizer que o
cônjuge sozinho não está na alínea a) do 2133º, não
está na alínea b) nem no c), mas sim entre a alínea
b) e c). É como se fosse uma classe do cônjuge
sozinho, não tem nem ascendentes nem
descendentes.
117
A casa de morada de família é algo diferente, diz-se que há uma atribuição preferencial, no momento da família a
mulher tem direito a escolher aquele bem;
85
§ Sucessão do cônjuge e dos ascendentes (art. 2142.º, n.º 1): na ausência de
descendentes e se o autor da sucessão deixar cônjuge e ascendentes, ao cônjuge
caberá dois terços da herança e aos ascendentes um terço da herança.
• Isto também tem importância para a própria sucessão legitimária;
• Ex: Um casal novo que não tenha descendentes, se um dos membros casal
morrer quem vai suceder é o cônjuge com os ascendentes, é verdade que o
cônjuge fica numa situação melhor, o 2142º é mais uma vez uma exceção ao
princípio da sucessão por cabeça;
§ Artigo 2143º: Se algum ou alguns dos ascendentes não puderem ou não quiserem aceitar,
no caso previsto do n.º 1 do artigo anterior, a sua parte acresce à dos outros ascendentes
que concorram à sucessão; se estes não existirem, acrescerá à do cônjuge sobrevivo.
• O cônjuge e ascendentes são co-herdeiros à se algum dos ascendentes não
quiser ou não puder acresce ao outro, se não existisse esta regra acrescia não
só aos outros ascendentes, mas também ao cônjuge caso outros ascendentes
não existam.
o A lei diz que primeiro acresce entre os ascendentes e não ao cônjuge,
a razão de ser disto é a de que o cônjuge, no artigo 2142º, já fica
favorecido, já tem duas terças partes, ou seja, a ideia deste artigo é
não favorecer mais;
§ Artigo 2145º: “Na falta de cônjuge, descendentes e ascendentes, são chamados à
sucessão os irmãos e, representativamente, os descendentes destes.
• Temos de conjugar isto com o artigo 2042º CC: “Na sucessão legal, a
representação tem sempre lugar, na linha recta, em benefício dos
descendentes de filho do autor da sucessão e, na linha colateral, em benefício
dos descendentes de irmão do falecido, qualquer que seja, num caso ou
noutro, o grau de parentesco.
o Os descendentes do irmão do falecido = sobrinho;
§ Sucessão de irmãos e seus descendentes (art. 2146 e ss): na sucessão dos irmãos e
seus descendentes, concorrendo irmãos germanos (com os mesmos pais) e irmãos
consanguíneos/uterinos (meios-irmãos), os primeiros tem o direito ao dobro do
quinhão dos segundos. Está-se a dizer que há irmãos que recebem o dobro de outros
irmãos;
Exemplo:
O senhor 1 não tem cônjuge, nem ascendentes, nem descendentes, temos de ir à procura de irmãos. O 4 é
pai do 1, 2, 3 mas também do 4 e do 5, só que a mãe do 1, 2 e 3 é o 5 e a mãe do 4 e do 5 é a 6. O 2 e 3 são
irmãos germanos, têm o mesmo pai e mãe. O 4 e 5 são ao 1 “meios-irmãos”, significa que têm apenas um
progenitor comum. A lei diz que vai suceder ao 1: O 2, 3, 4 e 5 mas o 2 e 3 vão receber mais do que o 4 e 5,
porque, pelo menos, geneticamente são “mais irmãos”. Se o autor da sucessão (o 1) quiser acabar com esta
86
discriminação de base legal compensa-os através do testamento. Não confundir com uma coisa que seria
inconstitucional:
• Dizer que 1, 2 e 3 seriam legitimários e os outros não à A lei não diz isto, diz que são herdeiros
legitimários todos os descendentes à se tivesse morrido o pai 4 eram seus herdeiros o 1, 2 3, 4 e 5,
não há distinção nenhuma, sucedem como descendentes, não estão a suceder como irmãos.
Se 1, 2, 3, 4 e 5 são todos irmãos têm de ser tratados com igualdade, seria inconstitucional se os filhos fora do
casamento não fossem legitimários e porque há o princípio da sucessão da cabeça, recebem o mesmo. A única
distinção que a lei faz é quando morre um irmão e vão suceder os restantes, sendo que uns vão receber mais
por ser “mais irmãos” (isto é biologia).
§ Artigo 2147º: “Na falta de herdeiros das classes anteriores, são chamados à sucessão os restantes
colaterais até ao quarto grau, preferindo sempre os mais próximos. - Chamam-se sucessíveis apenas
até ao quarto grau, se não se encontrar ninguém, fica o estado como herdeiro;
De seguida, o legislador regula a matéria da ineficácia do chamamento, mas condiciona este regime, bem
como do princípio da preferência de grau e da sucessão por cabeça ao funcionamento do direito de
representação (art. 2138.º)118. Se todos os sucessíveis da mesma classe chamados simultaneamente à herança
não puderem ou não quiserem aceitar, são chamados os imediatos sucessores (art. 2137.º, n.º 1), ou seja, os
sucessores da classe seguinte (no entanto, CUIDADO que pode haver direito de representação que afasta isto).
Por outro lado, se apenas algum ou alguns não puderem ou não quiserem aceitar, a sua parte acrescerá à dos
outros sucessíveis da mesma classe que com eles concorram à herança (estabelece direito de acrescer), sem
prejuízo do disposto no artigo 2143.º (art. 2137.º, n.º 2). Assim, e em síntese, este preceito estabelece que
nos casos em que não funciona o direito de representação funcionará o direito de acrescer entre os sucessíveis
da mesma classe.
SUCESSÃO LEGITIMÁRIA
Nós temos uma reserva que é em favor dos herdeiros legitimários, que são herdeiros legais, tal como os
legítimos. A razão de ser da existência de uma sucessão legitimária é a ideia de tutela do direito fundamental
à família. Trata-se de uma ideia de solidariedade entre a família mais próxima, seja na família ascendente ou
descendente. São matérias que no Direito Português vão ter de mudar mais cedo ou mais tarde: (1) Extensão
da reserva; (2) as regras da sucessão legitimária: O professor FOS considera que limitam em demasia a
liberdade de testar à Se limitam a liberdade de testar, são normas de natureza imperativa, pelo que não
podem ser afastadas pelo autor da sucessão
A sucessão legitimária tem por objeto a legítima, ou seja, a porção de bens de que o autor da sucessão não
pode dispor (art. 2156.º)119. A legitima introduz uma limitação à autonomia privada do testador já que uma
parte da herança será destinada aos herdeiros legitimários. Esta restrição justifica-se pelo estatuto da sucessão
118
Assim, como vemos no artigo 2138º, o direito de representação põe em causa o direito de acrescer, o princípio da
sucessão por cabeça e o princípio da preferência de graus de parentesco.
119
Como veremos de seguida, em bom rigor a legítima não se refere a bens concretos e individualizados, mas sim a
uma quota da herança, ou seja, a valor abstratos.
87
legitimária, direcionada para a tutela da solidariedade familiar, um valor constitucionalmente assegurado (art.
36.º CRP) e que merece primazia face à liberdade de disposição mortis causa da propriedade (art. 62.º CRP).
O artigo 2157º CC diz-nos quem são os herdeiros legitimários, listando: São herdeiros legitimários o
cônjuge, os descendentes e os ascendentes, pela ordem e segundo as regras estabelecidas para a sucessão
legítima.
® Remissão para os Art. 2133º ss. CC (pp sucessão por cabeça, preferência de grau e de classes, etc). E
é, também, uma remissão especial às regras que estabelecem exceções ao princípio da sucessão por
cabeça à há situações em que o cônjuge vai necessariamente direito a ¼ da herança, pelo que,
aplicando esta norma, ele vai ter direito a ¼ da legítima. Ou seja, naquelas situações em que os
herdeiros legitimários concorram com mais de 3 filhos, o cônjuge sobrevivo terá sempre direito a ¼
da herança. Existe uma regra parecida na situação entre os ascendentes e o cônjuge.
o Sempre que quisermos fundamentar a aplicação de qualquer um dos princípios à sucessão
legitimária temos de fazer sempre referência à remissão do Art. 2157º CC, ou seja - vamos
aplicar o Art. 2133º CC ex vi Art. 2157º CC.
No tocante à posição jurídica dos herdeiros legitimários, estes possuem um facto designativo forte:
salvo nos casos de indignidade ou de deserdação, estes terão direito a uma parte da herança (legítima) no
âmbito do fenómeno sucessório. Podemos ir mais longe e considerar que, durante a vida do autor da sucessão,
os herdeiros legitimários são titulares de uma verdadeira expetativa jurídica120: a expetativa de virem a receber
a quota da herança a que imperativamente tem direito, a que o Direito atende na proibição da venda de pais
a filhos (art. 877.º) e na legitimidade dos herdeiros legitimários para arguir da simulação do negócio jurídico
(art. 242.º).
É importante, desde logo em abstrato, saber o valor da legítima, porque é este que vai corresponder ao que
chamamos de quota disponível e indisponível:
• Legítima objetiva (quota indisponível): parte de bens de que o autor não pode dispor e que estão
reservados para os herdeiros legitimários como um todo;
• Legítima subjetiva: parte da legítima objetiva que cabe a cada um dos herdeiros legitimários (por isto,
legítima não tem sempre a mesma dimensão quantitativa – é variável em função da composição dos
herdeiros legitimários, sendo que é a lei que diz o valor da legítima).
Como é que calculo o valor da herança para depois calcular o valor da legítima? No fundo, preciso de saber
qual o fator que qual vou aplicar os 2/3 ou 1/2. Este é o problema do cálculo da legitima.
120
Expetativa tutelada pelo Direito na pendência de um facto complexo de produção sucessiva que, no fim, culmina
com a aquisição de um qualquer direito subjetivo.
88
• Art. 2069º CC: Por sua vez, diz-nos o que é o âmbito da herança para efeitos da liquidação da mesma,
isto é, para o cumprimento de encargos, para o pagamento de dívidas (Art. 2068º CC). Na prática,
temos um conceito de herança que vai determinar quais os bens que respondem pelos encargos do
funeral, despesas da administração, testamentaria, legados e pagamento das dívidas – pagamentos
típicos da herança, previstos no Art, 2069º CC.
• Esse valor corresponde grosso modo, ao relictum – conjunto dos bens deixados no momento da
abertura da sucessão. Os patrimónios não são estáticos, podendo acontecer que tenha vendido algo
e entrando um valor, sendo que no lugar dessa coisa passa a estar um valor. Pode acontecer ainda
que os bens da herança tenham constituído frutos, que passam a fazer parte da herança.
o No fundo, nos termos do Art. 2069º CC, temos: (1) Relictum: Coisas efetivamente deixadas.
(2) Coisas que ocuparam o lugar das coisa efetivamente deixadas e os seus frutos.
§ Temos um sentido de herança com a função de dizer o que é responde pelas dívidas
do autor da sucessão.
§ O direito das sucessões tenta ser o mais neutro possivel, no sentido em que o
património que responde pelos credores que existiam no momento da abertura da
sucessão corresponde ao património que lhes garantia as dívidas no segundo antes
da morte.
§ Não existe nenhuma diferença patrimonial, pelo menos para menos. Pode haver
alguma para mais – expectativa normal de que um património vai dar frutos, que
estão lá como resposta para as dívidas.
• Não se vai usar para efeitos de cálculo da legítima o mesmo sentido de herança que está no conceito
do Art. 2069º CC.
o Serve para distinguir como é que se calcula a legítima objetiva. A ideia de cálculo da legítima
não pensa nos credores, pensa numa forma de cálculo que de alguma forma salvaguarde os
interesses dos herdeiros legitimários.
• Art. 2162º CC: Em todos os casos de direito das sucessões, vou ter de fazer a operação de cálculo
supramencionada do valor da legítima? Não, só vou ter de o fazer quando existirem herdeiros
legitimários. Ex.: Tia rica sem descendentes ou ascendentes. O conceito de herança que vamos precisar para ela
é o do Art. 2069º CC – aquilo que ela deixou corresponde àquilo que vou dividir e que vai para os credores. Só
vou ao Art. 2162º CC se tiver que calcular uma legítima objetiva. Em condições normais terei sempre de ir ao Art
2162º CC.
Para o cálculo da herança para efeitos de legítima relevam os seguintes elementos (n.º 1):
• Valor dos bens efetivamente deixados pelo autor da sucessão à data da sua morte (relictum): bens
deixados ou sub-rogados no seu lugar (aproximação ao art. 2068.º e 2069.º);
• Valor dos bens doados (donatum): pretende-se evitar a fraude e garantir que os herdeiros legitimários
recebem alguma coisa com a morte do autor da sucessão121. Consequentemente, todas as doações feitas
em vida pelo autor da sucessão podem ter consequências jurídico-sucessórias e, como tal, terão de sair
da sua quota disponível.
o Estão em jogo três tipos de interesses distintos: a autonomia privada do autor da sucessão, a
tutela dos herdeiros legitimários122 e a posição dos beneficiários das doações, que poderão ver os
bens doados atacados caso esta doação ofenda a quota indisponível do autor da sucessão.
o Estão abrangidas todas as doações, efetuadas a qualquer tipo de terceiros.
121
Se o valor dos bens doados não relevasse para este propósito o autor da sucessão poderia dispor gratuitamente de
todo o seu património antes de morrer, para que os seus herdeiros não tivessem nada a receber – estes teriam, nas
palavras de Fernando Sá, direitos para emoldurar, colocando-se em causa a função da sucessão legitimária.
89
• Despesas sujeitas a colação – donatum (art. 2104.º + 2110.º): todas as despesas feitas a favor de
presuntivos herdeiros legitimários no momento em que foi efetuada a colação.
o Não estão incluídas as despesas com o casamento, alimentos, estabelecimento e colocação dos
descendentes, na medida em que se harmonizem com os usos e com a condição social e
económica do falecido (art. 2110.º, n.º 2), a serem determinadas em função do caso concreto.
o No fundo, a lei ao trazer para dentro do cálculo da legítima as doações feitas e as despesas sujeitas
à colação, está-nos a dizer que muitas destas liberalidades – feitas a título gratuito durante a vida
do autor da sucessão – foram na prática antecipações da herança, pelo que devem contar para o
valor da herança.
• Dívidas da herança (passivo): recorde-se que a herança, em primeira linha, destina-se a pagar aos credores
do autor da sucessão.
o Na prática, apenas calculamos a legítima depois de tirar o passivo, isto é, as dívidas da herança.
A conjugação destes elementos para o cálculo da legítima em sentido objetivo é objeto de uma profunda
controvérsia doutrinária, materializada em duas posições distintas:
Ø Escola de Lisboa: legítima objetiva = relictum + donatum (doações + colação) – passivo;
Ø Escola de Coimbra: legítima objetiva = relictum – passivo + donatum;
Exemplo de aula:
Relictum: R à 2
Donatum: D à 2
Dívidas: DV à 1
Escola de Coimbra: R – DV + D à 2 - 1 + 2 = 3
Escola de Lisboa: R + D - DV à 2 + 2 - 1 = 3
Imaginemos que temos de calcular a legítima do cônjuge e dos seus descendentes. Esta seria de 2/3, pelo
que o que faríamos automaticamente seria:
o Herança para efeitos de cálculo da legítima: Quota disponível + Quota indisponível = 3
§ Destes 3, 2/3 ficavam do lado indisponível e 1/3 do lado da quota disponível.
• Quando a herança não é deficitária, é igual calcular pela via de qualquer uma das escolas, porque o
valor do ativo é superior ao valor das dívidas. Isto é o que decorre da maioria das heranças, isto é, as
dívidas são inferiores ao ativo, porque, inversamente, não há nada para distribuir, fica tudo nos
credores.
• Isto tem importância se alterarmos os valores. Ex.:
o R à 5000
o D à 6000
o DV à 6000
§ Escola de Coimbra: R – DV + D à 5000 – 6000 = 0 à 0 + 6000 = 6000
• Só o relictum é que responde pelas dívidas, no fundo.
§ Escola de Lisboa: R + D – DV à 5000 + 6000 – 6000 = 5000
• Prof. FOS: Prefere a Escola de Coimbra, porque:
1. A escola de Lisboa está a pensar este cálculo da herança segundo a lógica dos credores e não
segundo a lógica dos herdeiros legitimários.
a. O Art. 2162º do CC tem a função de maximizar a legítima. Se assim é, deve ser no sentido
que seja mais consentâneo com esta função e, consequentemente, no sentido que mais
beneficie os herdeiros legitimários.
2. Se isto tem de ser tido em função da natureza desta norma, não devemos fazer repercutir a
interpretação dos Arts. 2068º ss. CC.
90
a. Em segunda linha, o donatum, não respondendo pelas dívidas da herança, configura uma
leitura que defende a função do Art. 2162º CC, ao mesmo tempo que está alinhada com
o Art. 2069º CC, que estabelece que pelas dívidas da herança responde apenas e só o
relictum.
3. As doações podem responder pelas dívidas da herança quando o credor da herança recorrer à
impugnação pauliana.
a. Assim, isto não significa que os credores da herança fiquem sem proteção – eles têm
proteção enquanto credores, isto é, eles pagam-se pelos bens existentes no património
do autor da sucessão e, durante a vida do autor da sucessão, eles mantêm uma
possibilidade de atacar as liberalidades através da impugnação pauliana nos termos
gerais.
i. Nesta leitura, quem fica a perder são os donatários. Numa herança como esta,
não há relictum na prática, porque este foi usado no pagamento das dívidas, pelo
que a herança reside nas doações, estando, portanto, nos donatários.
o Pela Escola de Coimbra, para chegar à legítima, tenho de calcular 2/3 de 6000, pelo que em
Lisboa serão 2/3 de 5000. Assim, o alargamento para as doações em Coimbra é superior ao
que é feito em Lisboa.
§ Não há nenhum problema, porque os donatários recebem a título gratuito, sendo um
título mais precário por não terem nenhuma contraprestação – são atacados pela
impugnação pauliana e pelo imperativo do direito das sucessões.
• Escola de Lisboa: Argumento literal - A ordem do artigo é a ordem de Lisboa. Prof. FS: Não parece que
o Art. 2162º do CC esteja a estabelecer uma ordem, mas apenas a indicar os elementos (Prof. David
pensa o contrário).
o Calculada a legítima, vai-se calcular a legítima subjetiva, chegando-se a um resultado prático
à Quota disponível e quota indisponível, correspondendo esta última à legítima.
• R à 5000
• D à 5000
o Herança = 10 000
o Na mesa dos herdeiros, só estão 5000, pois os restantes estão nos donatários ou em despesas
sujeitas à colação.
• Na prática, os segundos 5000 são antecipações sucessórias – valor da herança que já desapareceu da
mesma, que já estão em algum lado. Dois sítios em que podem estar:
o Despesas sujeitas à colação: Só podem estar nas pessoas sujeitas a tal.
o Doações: Podem estar em várias pessoas. Para efeitos de direito das sucessões, interessa que
estejam no cônjuge do autor da sucessão, nos seus descendentes ou, eventualmente, nos
seus ascendentes (herdeiros legitimários). As doações também podem estar no Zé, o que não
interessa, porque ele não é herdeiro legitimário.
• Daqui, vou precisar de imputar – reconduzir um determinado valor a uma alínea.
91
• Imaginando que o D é uma só doação. Se ele for uma só doação, a mesma foi feita a um herdeiro
legitimário, que efetivamente é herdeiro neste caso (vamos esquecer o ascendente). Importa
perceber se aqueles 5 que ele já tem no seu poder, enquanto donatário, são uma antecipação da sua
posição enquanto herdeiro legitimário ou, se não são uma antecipação da sua situação enquanto
herdeiro legitimário.
o Se eu recebi uma doação de 5000 e a imputar na minha legítima, no fundo estou a dizer que
enquanto herdeiro legitimário já recebi parte da minha legítima enquanto donatário. Pode
dar-se que já recebi tudo o que tinha a receber, ou até mesmo que recebi mais que o que
tinha a receber.
o Se eu recebi uma doação de 5000 e digo que não é nenhuma antecipação dos direitos
sucessórios enquanto herdeiro legitimário, significava que na prática ainda não tinha recebido
a minha legítima, ou seja, ainda tinha direito a receber a minha parte da legítima.
§ Tendo já um valor do meu lado, tudo o que é doado vai para a quota disponível ou
indisponível – se eu não posso imputar estes 5000 na quota indisponível, porque
ainda tenho de receber a minha porção enquanto herdeiro legitimário, então vou ter
de os imputar à quota disponível.
§ A diferença entre estes dois casos é:
• Se eu imputar a doação à quota indisponível, no fundo digo: eu
sucessoriamente tenho direito a x; desses x eu tenho direito a y, que pode
ser a parte ou o todo, ou seja, tenho direito à minha legítima; se a doação
que eu tiver recebido for maior que a maior que a minha legítima, cubro a
minha legítima e o excesso é imputado à quota disponível; na prática, recebo
a minha legítima, que na verdade já havia recebido através da doação.
• Se não for uma antecipação da legítima, a doação vai sair toda da quota
disponível, pelo que vou ter direito à doação mais a legítima.
• Em suma, sempre que tiver uma doação feita a herdeiros legitimários vou ter de saber se a mesma vai
sair da quota indisponível ou da quota disponível. Ao tomar esta decisão, tomo uma decisão
económica:
o Se a doação sair da quota indisponível, então significa que recebi um mero adiantamento. É
como se alguém já me tivesse pago os meus direitos sucessórios.
§ Ex.: Se o meu irmão tiver recebido uma grande doação em vida e eu não tiver recebido
nada, no momento da partilha, ele não vai receber tudo, porque já recebeu parte, ao
passo que eu vou receber tudo.
o Se a doação sair da quota disponível, estou a avantajar aquele herdeiro, porque o mesmo vai
receber, para além da doação, a sua legítima.
§ Ex.: Imaginando que o senhor C tinha recebido uma doação em vida, que era exatamente o
valor da quota disponível. E que por questões legais essa doação não ia ser considerada como
uma antecipação sucessória, mas sim algo para além dos seus direitos enquanto herdeiro
legitimário, ou seja, um avantajar da sua situação sucessória. Se aquela doação não foi uma
antecipação, ela tinha de sair da quota disponível, pelo que C teria de receber, para além da
doação, 1/3 da quota indisponível - a sua legítima. O senhor C ficaria numa situação de grande
vantagem em relação aos outros. Isto é possível, porque a quota disponível é a que posso gerir
livremente.
§ Se eu meter a doação dentro da legítima, estou a igualar os restantes herdeiros,
porque não estou a dizer que ele tem direito a algo para além da legítima, estou a
dizer que aquilo que ele recebe em vida entra como se fosse já parte da legítima.
o Este problema só se coloca em relação aos herdeiros legitimários, porque só estes é que têm
uma quota indisponível. Assim, quando estamos a falar de herdeiros legitimários, quanto a
todas as liberalidades (doações em vida ou legados) que eles tenham recebido, os mesmos
92
terão de optar de que quota é que estas saem, para saber se estas são feitas por conta da
legítima ou como um avantajar.
§ A doação que foi feita ao Zé vai sair da quota disponível, porque ele não é herdeiro
legitimário, pelo que nunca poderá ser considerada como proveniente da sua
legítima, já que esta não existe para ele.
• Ex.:
Imaginem-se dois herdeiros legitimários – a doação que fiz a um dos herdeiros legitimários correspondia ao
valor da sua legítima, sendo que cada um tinha direito a 5 e havia mais 5 na quota indisponível. A, herdeiro
legitimário, tinha dois filhos – B e C – e doou 5 ao B.
• Se esses 5 forem imputados à quota indisponível, B não vai receber mais nada. Quanto aos outros 5,
aplicava-se o princípio da sucessão por cabeça – 2,5 para cada um.
• Se esses 5 forem doados com o intuito de avantajar, estes dar-se-iam como imputados à quota
disponível, então B vai receber ainda mais 5.
Agora imaginando que a doação era de 6 e não havia a indicação da parte do autor da sucessão de que era de
avantajar:
• O herdeiro legitimário tinha direito a 5 como direito legitimário. Já tinha recebido 5, imputável à quota
indisponível, mas, sendo a doação de 6, a lei, respeitando a vontade do autor da sucessão, vai respeitar
essa vontade de doar mais de 5 e contar o 1 em excesso como saído da quota disponível. Quanto aos
restantes, abrem-se as regras da sucessão legítima.
OPERAÇÃO DE IMPUTAÇÃO
No fundo, a imputação consiste em decidir, quando existem liberalidades – doações ou legados – se elas vão
ser “descontadas” da quota disponível ou da indisponível. Ex.: O meu pai deixa um legado, que vale 1. Se eu disser
que ele vai ser imputado à quota indisponível, sendo a minha legítima 5, tenho de ir buscar mais 4 a par do legado.Se isto
sair da quota disponível, vou tirar 1 mais 5.
Este problema só se levanta nos herdeiros legitimários, uma vez que tenho de estabelecer distinção entre
quota disponível e quota indisponível.
Na sucessão legitimária temos de distinguir a quota indisponível (legítima em sentido objetivo) e a
quota disponível. A respeito das doações, relevantes para o cálculo da legítima (cfr. art. 2162.º), teremos de
efetuar uma operação de imputação e decidir se iremos imputar o seu valor na quota disponível (o autor da
sucessão pretende avantajar um dos herdeiros legitimários) ou na legítima (doação por conta da legítima,
onde se preserva a igualdade entre os herdeiros123). Assim, teremos de determinar se as liberalidades (doações
em vida e as deixas testamentárias) serão imputadas na quota disponível ou na quota indisponível de cada um
dos herdeiros (legítima subjetiva).
• Principais liberalidades:
1) Onde imputo as doações(Negócios Jurídicos intervivos)?, que tenham sido feitas a:
a. Herdeiros legitimários
123
O que for para a quota indisponível é a ideia do “por conta”, o que for para além disto vai para a quota
disponível
93
b. 3ºs (que não herdeiros legitimários) - assunto arrumado.
2) Liberalidades por morte:
a. Deixas a título de herdeiro – falamos de herdeiros testamentários.
b. Deixas a título de legado:
1. Legado por conta da quota
2. Legado em substituição da legítima
3. Pré-legado
O passo seguinte passa por analisarmos o regime jurídico que disciplina a imputação, essencial para que
consigamos perceber de que esfera sairão os legados/doações efetuadas pelo autor da sucessão.
• Quanto aos legados, sejam eles por conta ou em substituição da legítima, estes serão sempre
imputados na quota disponível do autor da sucessão.
• A respeito das doações, podemos desde já estabelecer que a doação efetuada a um terceiro só poderá
ser imputada na quota disponível do autor da sucessão – o terceiro não é herdeiro legitimário, não
tem legítima subjetiva e, consequentemente, não poderá ser imputado na quota indisponível. Quanto
efetuadas aos herdeiros legitimários, as doações tanto poderão ser imputadas na quota indisponível
como na quota disponível, o que nos obriga a determinar como efetuar esta imputação.
O nosso ordenamento jurídico não apresenta um regime comum em matéria de imputação. Ao invés, a
imputação é referida numa pluralidade de normas dispersas ao longo do Código Civil (cfr. por exemplo, art.
2163.º e 2165.º, n.º 3). Teremos de construir um regime jurídico comum em matéria de imputação com base
noutros regimes jurídicos, designadamente o regime da colação.
Temos, ainda, de fazer referência à colação, prevista nos artigos 2104º e ss (vamos tratar em seguida) -
contexto do porquê de estarmos a falar da colação agora: Tínhamos dito que nunca está garantida uma
igualdade entre os herdeiros, mas agora a lei diz que devemos igualar – como se compatibiliza estas duas
ideias?
• Em primeiro lugar porque a colação não vai garantir uma igualação total (isto vai ser tratado mais à
frente); Mas antes de chegarmos à função da colação, que é uma função de igualação, atendemos ao
artigo 2114º, para perceber a ligação entre a colação e a imputação: A consequência da colação é a
imputação (escolher para onde vão determinadas doações que foram feitas em vida do autor da
sucessão)
Assim, a colação funciona em dois planos: (1) Plano da igualação; (2) plano da imputação, sendo que agora
vamos falar do plano da igualação. No direito das sucessões existem várias presunções, em especial
presunções do que seria a vontade do autor da sucessão. Por de trás do instituto da colação está a ideia de
generalidade, de uma presunção daquele que é o comportamento normal do autor da sucessão.
§ Isto parte de uma presunção simples: o autor da sucessão quando faz uma doação ou despesas
sujeitas à colação não faz com instituto de avantajar nenhum dos herdeiros, mas de tratar todos em
pé de igualdade. O direito das sucessões vai fazer um juízo patrimonial – dizer se as doações que foram
feitas aos seus herdeiros legitimários (descendentes) tinham a intensão de avantajar ou não
o A presunção da lei é a de que o autor da sucessão não quis avantajar (não havia intensão de
colocar um herdeiro em posição distinta relativamente aos irmãos)
§ Se é assim, o resultado da colação é que estas doações sujeitas a este instituto serão
imputadas na quota indisponível. No fundo, são meros adiantamentos. Se isto é uma
mera presunção a lei vai criar um regime jurídico que permite o autor da sucessão
fazer o contrário se quiser: ou seja, ele pode querer avantajar e se quiser o herdeiro
94
recebe a legitima e a antecipação que recebe em vida é uma antecipação que sai da
quota disponível. Nota: o mesmo que lhe fizer um legado na altura da morte.
O INSTITUTO DA COLAÇÃO
Como ponto de partida, não encontramos no regime da doação nenhum regime semelhante à
proibição da venda de pais a filhos (art. 877.º). Nesse sentido, a colação tem que ver com doações inter vivos
feitas pelo autor da sucessão em benefício dos descendentes que, à data da doação, eram presuntivos
herdeiros legitimários (cfr. art. 2105.º).
Ponto de partida - colação = mecanismo de imputação e de igualação, tal como resulta dos artigos 2114º e
2108º.
Artigo 2104.º: Os descendentes que pretendam entrar na sucessão do ascendente devem restituir à massa
da herança, para igualação da partilha, os bens ou valores que lhes foram doados por este: esta restituição
tem o nome de colação (nº1).
§ “Os descendentes” – levanta desde logo o problema de saber se são só os descendentes sujeitos à
colação ou se são todos os herdeiros legitimários (cônjuges e ascendentes, com especial relevância
relativamente ao cônjuge). – UMA GRANDE DÚVIDA NO DIREITO PORTUGUÊS.
§ “que pretendam entrar na sucessão” = já aceitaram. Os que não aceitaram estão fora da colação.
§ “devem restituir à massa da herança, para igualação da partilha, os bens ou valores que lhes foram
doados”: Temos de pensar na “mesa das sucessões”. Se eu quisesse garantir que todos os herdeiros
recebiam uma porção da herança exatamente igual, podia trazer todas as doações que os pais
tivessem feito aos filhos e punha em cima da mesa para, em seguida, dividir.
o Se assim fizer, estou a garantir que todas as doações foram neutras. Se eu pensar na ideia de:
Relictum + Donatum – Passivo, estou a trazer não só o Relictum para cima da mesa, mas
também o Donatum - se assim for, o valor já não será fictício, mas real (doações são presentes)
o É possível fazer isto de acordo com a lei, mas não é comum124, daí surgir a ideia da imputação:
§ Invés de eu trazer para cima da mesa, eu digo que a coisa já é minha e que desconto.
§ Desconto da quota disponível ou da quota indisponível consoante o caso e a lei diz
que isto é uma ideia de igualação
Para saber quem está sujeito à colação tenho de responder a 2 perguntas:
1) Se pessoa em concreto está sujeita à colação? (requisito subjetivo, 2105º);
2) Em concreto aquela doação está ou não sujeita à colação (requisito objetivo).
• Requisito subjetivo - pela letra da lei apenas “descendentes” (2104º), mas devemos olhar ao 2105º
que apresenta critério importante: “que à data da doação eram presuntivos herdeiros legitimários do
doador”
D1
D2
Imaginemos que em vida, o Senhor A, no mesmo dia, tinha feito 1 doações: Doação 1 (a B) e doação 2 (a C).
Estão sujeitos à colação, aparentemente, os descendentes, logo B e C. Mas a lei exige mais: “presuntivos
124
E FOS diz mesmo “só se fossemos todos malucos”.
95
herdeiros legitimários” – temos de perguntar: Se o autor da sucessão morresse, no momento da doação, quem
seria o herdeiro prioritário? Quem seria presuntivamente chamado como herdeiro legitimário? Se o A
morresse quem seria o herdeiro prioritário seria B e o C não seria herdeiro prioritário
§ Assim, subjetivamente B está sujeito à colação e C não está sujeito à colação. Logo, apenas a doação
de B está sujeita á colação, pois apenas B está sujeito à colação. A doação de C é totalmente impossível
que esteja sujeita à colação pois aquela pessoa em concreto nunca estaria sujeita à colação. Nota:
depois tínhamos de ver o problema objetivamente - se doar ao meu filho – a presunção que rege é de
que eu não o quis avantajar, logo todas as doações saíram da quota indisponível.
§ Mas tudo o que eu doar ao meu neto, que não é meu herdeiro prioritário sairá sempre da quota
disponível.
Acresce, ainda, que o B pode ser pré-morto em relação ao A: Se isto acontecer, o C vai suceder no lugar de B
através de direito de representação. No direito de representação a sucessão passa a ser não por cabeça, mas
sucessão por estirpe e, relembremos que o artigo 2045º diz que há direito de representação mesmo nos casos
em que haja uma só estirpe.
§ A sucessão por estirpes é muito importante porque se o meu pai não puder ou não quiser, eu fico
sozinho, fico com metade do meu pai. Se eu tiver 20 primeiros, eu fico com metade e a outra metade
terá de ser divida por 20. Mas o problema aqui não se coloca.
§ O C vai ocupar a posição do B, isto significa que vai ter as mesmas obrigações que o B. Se o B estava
sujeito à colação, o C também vai estar sujeito à colação, mas apenas na medida em que o pai estava
sujeito à colação.
Se o C sucedesse por direito de representação no lugar do B: A doação que A fez a C, em nome próprio, não
estava sujeita a colação, pois quando foi realizada ele não era presuntivo herdeiro legitimário. Mas a doação
que foi feita a B, que no momento da doação era herdeiro prioritário, está sujeita a colação, logo C está sujeito
à colação por efeitos de direito de representação. Assim, C que não estava obrigado à colação, pode estar
obrigado nesta medida.
Art. 2106º - “A obrigação de conferir recai sobre o donatário, se vier a suceder ao doador, ou sobre os seus
representantes, ainda que estes não hajam tirado benefício da liberalidade.”
• Conferir = obrigação de trazer à colação, seja através de imputação ou restituição.
• Não apenas a pessoa do doador, mas os seus eventuais representantes (aqueles que o sucedam) são
obrigados à colação.
• 2109º, nº2 – “Se tiverem sido doados bens que o donatário consumiu, alienou ou onerou, ou que
pereceram por sua culpa, atende-se ao valor que esses bens teriam na data da abertura da sucessão,
se não fossem consumidos, alienados ou onerados, ou não tivessem perecido.” - “fazer de conta que
ainda os tem”
96
• 2109º, nº3 – “A doação em dinheiro, bem como os encargos em dinheiro que a oneraram e foram
cumpridos pelo donatário, são actualizados nos termos do artigo 551.º”
• Assim, estão sujeitas todas as doações efetuadas a presuntivos herdeiros legitimários e entram com o
valor que têm no momento da abertura da sucessão, doações de coisas móveis e imoveis.
Temos, de igual modo, de atentar às despesas sujeitas a colação - Artigo 2110º:
• “1. Está sujeito a colação tudo quanto o falecido tiver despendido gratuitamente em proveito dos
descendentes.” - até a escola paga por um pai para um filho caberia aqui125.
• “2. Exceptuam-se as despesas com o casamento, alimentos, estabelecimento e colocação dos
descendentes, na medida em que se harmonizem com os usos e com a condição social e económica do
falecido.”- Pagar a escola, livros, alimentação, vestuário.
o “na medida em que se harmonizem com os usos e com a condição social e económica do
falecido.” - imaginemos que o meu pai me deu um yaris e ao meu irmão um laborguini, isto
não estaria de acordo com os usos, nem com a condição social do meu pai. Assim, isto estaria
sujeito à colação.
• Assim, as doações são todas sujeitas à colação, as despesas sujeitas à colação é que nem sempre,
depende (2110º).
Artigo 2113º (dispensa da colação): A colação pode ser dispensada pelo doador no ato da doação ou
posteriormente (nº1) - Demonstra que o regime da colação é de natureza supletiva, pois parte da presunção
de que tudo o que é doado e despedindo aos descendentes é com o intuito de igualar ou antecipar, mas o
autor da sucessão pode não querer que isto seja assim. Se o autor não quiser, ele dispensa da colação os bens.
• Efeitos de coisa não estar sujeita à colação - na imputação, invés de coisa sair da quota indisponível
sai da quota disponível. Posso fazer doação hoje e dizer no dia seguinte no testamento que a despesa
está dispensada de colação.
• Se a doação tiver sido acompanhada de alguma formalidade externa, só pela mesma forma, ou por
testamento, pode ser dispensada a colação (nº2) - Temos de perceber se doação estava sujeito a forma
solene ou não
• A colação presume-se sempre dispensada nas doações manuais e nas doações remuneratórias (nº3):
A dispensa da colação é a mesma coisa que o autor da sucessão dizer que quer que o filho receba:
doação + quota indisponível (legitima). Nesta medida, não é uma simples antecipação. Se a doação é
remuneratória: temos o animus donandi + intuito de remunerar, de pagar algum serviço.
o Imaginemos que tomei conta da minha avó e ela faz me uma doação como forma de pagar –
doação de natureza remuneratória. Estão de fora pois isto é para pagar algo, mais do que teria
direito.
o Doação manual: é um negócio real quanto à constituição, são as situações que o autor da
sucessão entrega em vida, existe tradição imediata da coisa.
§ Presume-se fora, pois o autor presume que grande parte destas doações são de valor
diminuto. Esta norma é pertencente ao CC de 1966, onde se dizia que a riqueza que
importava é a imobiliária e não mobiliária, sendo quase irrelevante.
§ Hoje em dia já não é assim, pois podemos passar grandes fortunas por bens móveis
(ex: passa o negócio de Microsoft por pen“ – mas, “presume-se”, esta presunção é
ilidível).
o Assim, a “igualação” pode ser feita através: (1) imputação ou (2) tudo em
cima da mesa.
125
(nota: pode se discutir se no caso da católica o contrato é efetuado com os alunos ou com os pais. Discute-se se é um
contrato a favor de terceiro, em que os alunos podem exigir o cumprimento. Na relação entre a católica e os pais há um
contrato oneroso, mas na relação entre os alunos e os pais há um negócio gratuito, sendo uma doação em princípio)
97
Art. 2107º: Não estão sujeitos a colação os bens ou valores doados ao cônjuge do presuntivo herdeiro
legitimário (nº1);. Se a doação tiver sido feita a ambos os cônjuges, fica sujeita a colação apenas a parte do
que for presuntivo herdeiro (nº2); A doação não se considera feita a ambos os cônjuges só porque entre eles
vigora o regime da comunhão geral (nº2). Refere-se a doações que tenham sido feitas ao cônjuge de um
presuntivo herdeiro legitimário, por exemplo, ao cônjuge do descendente – NÃO É O CÔNJUGE DO AUTOR DA
SUCESSÃO126 !!!!
Artigo 2108.º (Como se efetua a conferência): A colação faz-se pela imputação do valor da doação ou da
importância das despesas na quota hereditária, ou pela restituição dos próprios bens doados, se houver
acordo de todos os herdeiros (nº1). Hipóteses para se fazer a igualação:
1) Trazer os bens doados em espécie para a herança – a lei coloca um nível de exigência tão alto, que
quase que não existe. Isto porque a lei exige acordo entre todos os herdeiros.
a. Só herdeiros loucos é que aceitam isto Imaginemos que o meu pai me doa uma casa
espetacular e ponho a casa dentro da herança, eu sujeito-me a perder a casa, pois abre-se o
processo de partilha. Ao abrir o processo da partilha não é certo que fique com a casa e posso
ficar com a casa com um valor muito superior do que o valor para efeitos de colação, uma vez
que se abrem licitações. Por isso, aqui tenho risco de não ficar com a coisa, e desfaz-se a
doação ao trazer para a herança, daí a exigência de haver acordo de todos.
2) Imputação do valor na quota hereditária
a. A lei não diz que se imputa na quota disponível ou indisponível, mas na “quota hereditária” =
parte que um determinado herdeiro tem no conjunto da herança (parte da quota disponível
e parte na quota indisponível)
i. A sua quota hereditária é constituída a partir da posição sucessória enquanto
herdeiro. Se estivermos neste âmbito de seguida vamos ao 2114º
Se não houver na herança bens suficientes para igualar todos os herdeiros, nem por isso são reduzidas as
doações, salvo se houver inoficiosidade (nº2) - A colação serve para igualar, e temos a presunção de que o AS
não quis avantajar.
9 Método da lei: começar a colocar as doações na quota indisponível, se não a preencherem toda todos
vão receber igual da quota disponível 127 . Ex: a herança total é de 10 (quota disponível = 5 e quota
indisponível = 5). Recebi doação de 2, tenho ainda de ir buscar 3 para completar. Eu e o meu irmão recebíamos
o mesmo da quota disponível. Se a doação for de 6. Na minha quota indisponível cabe 5, sobra 1. Sobrando 1,
este 1 vai para a quota disponível (de 4). Se a lei não fizesse igualação, eu já tinha recebido 6 e sobrava 3 do lado
da quota legitima, tinha de abrir a sucessão legitima e tinha de dividir por dois (1,5 por cada). Mas eu na realidade
da quota disponível tinha recebido 2,5 (situação de vantagem face ao meu irmão) Se eu já estou a tirar 1 da
quota disponível como fica igualado? Fica igualado se eu receber 2 e o meu irmão recebe-se dois, assim, agarro
nos 3 e não divido por dois, mas tento igualar. Eu fico com 1 e o meu irmão fica com dois. Assim, todos nós
recebemos 5 + 2.
o “Se não houver na herança bens suficientes para igualar todos os herdeiros” – demonstra que
a igualação só se faz na medida do possível
o “ na medida do possível “ = na medida dos bens disponíveis que o autor da sucessão não disse
para quem iam, seja intervivos seja mortis causa
o “nem por isso são reduzidas as doações” Ex1: alguém recebe a doação de 5 + 3 (doação de 8). A
doação está sujeita à colação, logo começo pela quota indisponível. Coloco 5 da quota indisponível e 3
da quota disponível. Para efeitos do 2108º não é possível igualá-los, só era possível se se destruísse a
doação e isto não é possível. Assim, o meu irmão recebe 1, fica igualado na medida do possível. Ex2
(situação mais grave) : imaginemos que a doação é de 9. O irmão não iria receber nada.
126
Erro comum nos exames
127
Estou a dizer que o que recebi é uma antecipação dos meus direitos enquanto herdeiro legitimário.
98
o “salvo se houver inoficiosidade.” - Imaginemos que a doação não tinha sido de 9, mas de 10. O
irmão recebeu uma doação que vale 5 + 5, preencheu a legitima dele + quota disponível. E o meu
irmão ainda me quer retirar uma da minha quota ilegítima. Nestes casos temos inoficiosidade e aí o
irmão tem de cortar a doação, mas só há redução na medida da inoficiosidade (se tiver ficado com
valores necessários para pagar o direito de um herdeiro legitimário).
Artigo 2114.º - (Imputação na quota disponível)128: Não havendo lugar à colação, a doação é imputada na
quota disponível (nº1)à ou seja, acontrario quando a doação está sujeita à colação, imputamos na quota
indisponível.
TOTAL = 10
QD QI
Imaginemos que tinha direito a 5 da quota indisponível e 2 da quota disponível, logo quota hereditária = 7
Hipóteses:
Ø Doação sujeita a colação – Imaginando que a doação vale dois, ele já recebeu dois, ele terá de receber
5. 5 quem tem direito a ir buscar em cima da mesa.
o A doação é sujeita a colação, mas é de 6. À contrário do 2114º, tudo o que esteja sujeito à
colação imputamos na quota indisponível, mas a minha quota indisponível é de 5. O 2109º diz
que se imputa na quota hereditária. Se se imputa na quota hereditária como dou
cumprimento ao 2114º? Dos 6 eu vou agarrar em 5 e vou colocar na quota indisponível, o 1
que sobra coloco na quota disponível. No fundo, eu já tinha recebido 6, já só tenho direito de
ir buscar ao relictum (que é 1).
§ Se a doação não estiver sujeita à colação, eu vou receber os 5 e os 2.
§ Imaginemos agora que a quota disponível, no seu todo, valia 4. A minha doação é no
valor de 8. Isto significa que tem de entrar 5 na quota indisponível (os meus 5), mas
tenho de ir buscar os meus outros 3 à quota disponível. Assim, sobrava 1. Assim,
temos esta importante conjugação do 2114º + 2108º129 .
Se a ausência de colação resultar do repúdio da herança sem que existam representantes, a colação será
imputada na quota indisponível (art. 2114.º, n.º 2).
• Apela a uma ideia que é quase contraditória com os pressupostos da colação à a aceitação da herança
é exigida para que haja colação, isto é, que a pessoa queira participar.
• É evidente que o herdeiro pode repudiar a herança e, se o fizer, e funcionar o direito de representação,
quem estará obrigado a trazer à colação serão os seus representantes, na medida em que estão se
encontram obrigados ao que o herdeiro estaria pessoalmente obrigado.
o Sucedem por vocação indireta = passam a estar obrigados à colação em relação àquilo que o
ascendente estava obrigado a trazer à colação, no momento em que era presuntivo
legitimário.
o “Se repudiar sem ter descendentes que o representem, a doação é imputada na quota
indisponível.”
§ O nº2 do artigo 2114º é contraditório, na medida em que determina que a doação é
imputada na quota indisponível de uma pessoa que, como repudiou, não tem quota
128
Regra fundamental da imputação.
129
OU seja = nos casos em que o valor excede o valor da minha legítima, a diferença vai para a quota disponível.
99
indisponível, mas também não tem representantes que ocupem o seu lugar nessa
quota indisponível. Então, isso significaria que a sua parte na quota indisponível iria
passar por direito de acrescer.
§ Caso se imputasse na quota disponível poderíamos ter problemas no cálculo da
legítima e pôr em perigo outras liberalidades feitas pelo autor da sucessão.
o Exemplo: A tem três filhos B, C e D. A fez uma doação em vida a D. Quando A morre, D repudia
a herança e não tem descendentes. Assim:
§ B teria 1/3.
§ C teria 1/3.
§ D teria 1/3. Mas como repudia, a parte deste iria acrescer (para B e C).
o Pelo contrário, aquilo que o artigo 2114º, nº2 determina é que se ficcione uma quota
indisponível daquele que repudiou e não tem representantes e só quanto ao restante irá
funcionar o direito de acrescer. Tal deve-se à defesa da liberdade de disposição do testador.
Art. 2104º - “os descendentes” – não inclui os cônjuges nem os ascendentes, que também têm uma quota
indisponível. Assim, questiona-se se as doações feitas ao cônjuge e aos ascendentes são imputadas na quota
disponível ou indisponível.
100
São possíveis quatro atitudes perante esta questão (2 relativas à doutrina minoritária e 2 relativas à doutrina
maioritária):
1) básica (a mãe do Sá chegaria lá):
a. “Tudo o que não sujeito à colação, imputa-se à quota disponível”, nos termos do Art. 2114º.
b. Assim, quando estivessem em causa doações feitas ao cônjuge ou aos ascendentes seriam
imputadas na quota disponível, dado que não estariam sujeitos à colação.
c. PROBLEMA: Se todas as doações feitas ao cônjuge fossem para a quota disponível, então o
cônjuge teria direito à sua legítima subjetiva e, ainda, a parte da quota disponível - assim, o
cônjuge estaria a ser beneficiado em relação aos outros.
i. Seria contrária à ideia de igualação = estaríamos a repartir a ideia de começar a
imputação do quinhão hereditário pelo lado da quota indisponível, de modo a
garantir a igualação. O cônjuge estaria sempre numa situação em que o autor da
sucessão pretendia avantajar.
2) Prof. Oliveira Ascensão considera que o cônjuge está sujeito à colação130 – há uma lacuna que urge
colmatar, não se pode presumir, automaticamente, que todas as doações feitas ao cônjuge são feitas
com o propósito de o avantajar. Logo, o cônjuge também merece estar sujeito à colação, assim, as
liberalidades terão de ser imputadas na quota indisponível (interpretação a contrario do art. 2114.º,
n.º 1).
a. Contexto histórico: quando o CC foi feito em 1966, o cônjuge não era herdeiro legitimário.
Isto significa que alguém em Portugal que perdesse o cônjuge não se tornava herdeiro
legitimário do cônjuge, ficando totalmente desprotegido.
b. Em 1966, o regime supletivo de bens era o regime da comunhão geral = à partida, o cônjuge
ia “buscar” a sua meação, isto é, ia buscar a sua metade do património a título de dissolução
do casamento. Em relação à outra metade, não ia buscar nada, porque não era herdeiro
legitimário. A tutela que é garantida, atualmente, ao cônjuge pelo facto de ele ser herdeiro
legitimário, era garantida através do apanágio do cônjuge sobrevivo – ele não era herdeiro,
mas era um mero usufrutuário.
i. Em 1977, entendeu-se que o cônjuge não deveria ser tratado como um mero
usufrutuário, por razões que isto configuraria uma discriminação -, mas
verdadeiramente como herdeiro legitimário.
ii. Estatisticamente, os homens morrem primeiro que as mulheres e, nesse caso, não
sendo as mulheres herdeiras legitimárias dos cônjuges, estariam numa situação de
ampla desproteção. À data, a maioria das mulheres não trabalhavam. Assim,
entendeu-se que o cônjuge deveria ser herdeiro legitimário.
iii. O Prof. Oliveira Ascensão considera que o legislador é um inepto, devendo ter dito
que o cônjuge está sujeito à colação tal como os descendentes.
1. os autores que defendem que o cônjuge não está sujeito à colação,
entendem exatamente o contrário: o legislador, porque sabia o que estava a
fazer, propositadamente não sujeitou o cônjuge à colação – não foi
esquecimento. Segundo o prof. FOS, o legislador quando, em 1977,
determinou que o cônjuge seria herdeiro legitimário não sujeito à colação
pretendeu beneficiar o cônjuge – foi propositado.
130
Comentário de Fernando Sá sobre a inexistência de letra da lei sobre isto: “quero lá saber se está lá escrito
apenas o descendente, o legislador “esqueceu-se”.”
101
A doutrina maioritária defende que, à luz do direito constituído, o cônjuge não está sujeito à colação, esta
ideia comporta duas sub-teorias:
• O cônjuge não está sujeito à colação, mas beneficia da colação, ou seja, vai beneficiar do esquema
de igualação. Beneficiar do regime da colação = na medida em que existirem bens disponíveis, eu no
fim vou tentar igualar, nos termos do art. 2108º. Dentro desta, ainda apode haver duas variantes;
• O cônjuge não está sujeito à colação, mas também não beneficia da colação – não se faz igualação
entre cônjuge e descendentes:
• Para bebés: O cônjuge deve ser igualado com os outros?
• Se dissermos que sim, então beneficia da colação.
• Se dissermos que não, então não beneficia da colação.
A consequência prática de o cônjuge imputar na quota disponível, como defende Menezes Leitão, é
estarmos a presumir que entre os cônjuges as doações são sempre com o intuito de avantajar (e nunca por
conta da futura quota legitima que vão ter – presunção legal do art. 2114.º). Contudo, Fernando Sá discorda
de Menezes Leitão e entende que a imputação deverá efetuar-se na quota indisponível, com base nos
seguintes argumentos:
à Só com grande esforço argumentativo e metodológico conseguimos superar a letra da lei e entender
que o cônjuge está sujeito à colação. Isto tem uma consequência direta:
o Se ele não está sujeito à colação, isto significa que não beneficia da colação, logo não tem de
ser igualado aos demais herdeiros – “dura lex, sed lex”.
iv. No fundo, o cônjuge tem direito:
1. À legítima subjetiva.
2. À doação.
3. Aos bens disponíveis131.
Isto significa que, automaticamente, o cônjuge imputa as suas doações todas na quota disponível?
• PRINCIPAL PROBLEMA DESTA INTEPRETAÇÃO: assume-se uma presunção que pode não ser válida e
pode ser contrária à vontade do autor da sucessão (que todas as doações feitas ao cônjuge foram
feitas com o intuito de o avantajar). A prof. Rita Lobo Xavier entende que é sempre com o intuito de
avantajar o cônjuge. O prof. FOS discorda.
• Argumento de interpretação do art. 2114.º, n.º 1: apresentado por Pamplona Corte-Real,
desenvolvida por Jorge Duarte Pinheiro e acolhida com Carvalho Fernandes, David Fernandes e FOSA
sustenta que esta norma o Art. 2114º, nº1, CC só se aplica às situações em que alguém estaria sujeito
à colação (apenas e só os descendentes), mas que por qualquer razão deixou de estar sujeito à colação
(porque houve dispensa de colação, seja esta expressa ou presumida). Logo, o preceito só se aplica a
doações que, hipoteticamente, poderiam estar sujeitas à colação - aquelas doações que são feitas aos
descendentes prioritários e não ao cônjuge;
131
Claro que isto pode ter 2 desfechos: bom ou menos bom, que vai depender do caso concreto.
102
Assim, passamos por cima do artigo 2114º, nº1 e determinamos que este não se aplica às doações feitas ao
cônjuge ou aos ascendentes, porque estes estão de todo sujeitos à colação. Então onde vou imputar as
doações feitas ao cônjuge? Se a lei não diz nada, então atende-se à vontade do autor da sucessão. Se o doador,
quando fez a doação ao cônjuge ou ao ascendente, pretendeu ou não avantajar.
• Prof. RLX – as doações feitas ao cônjuge são sempre feitas com o intuito de avantajar.
• Prof. FOS – problema tem de ser visto, antes de mais, como um problema de interpretação, sendo
necessário interpretar a vontade do autor da sucessão.
o Se o autor da sucessão não for concludente, de acordo com a lógica do direito das sucessões,
presume-se que o autor da sucessão não pretendeu avantajar, fazendo-se a imputação na
quota indisponível. Assim, a doação feita ao cônjuge ou outros herdeiros legitimários
prioritários vai para a quota indisponível, a não ser que: (1) Vontade do doador em sentido
contrário - que o autor da sucessão diga claramente que está a fazer uma doação com o
intuito de avantajar ao cônjuge (na prática está a dizer que quer que aquilo vá para a QD) ou
(2) Presunção do artigo 2113.º/3, CC – se presumimos na colação que as doações manuais ou
remuneratórias estão fora da colação, é de aplicar analogicamente esta norma não só em
relação aos descendentes prioritários presumidos, mas também em relação ao cônjuge.
§ NOTA: O prof. Jorge Duarte Pinheiro entende que devem ser aplicadas algumas
normas da colação, como é o caso do artigo 2113º.
§ FOS entende que, em caso de dúvida, o autor da sucessão não pretendeu avantajar,
na medida em que é essa a lógica do regime da colação.
De alguma forma, esta perspetiva devolve o problema e soluciona a ideia de que todas as doações feitas ao
cônjuge, automaticamente, são para o avantajar. O verdadeiro problema/ ponto da colação não é a
imputação, porque todos vão ter de imputar. A imputação é uma das formas de fazer funcionar a colação, que
pode funcionar mediante a restituição dos bens “para dentro” da herança, tal como resulta do artigo 2108º.
A imputação é instrumental ao regime da colação. Aquilo que distingue a colação é a igualação.
IMPUTAÇÃO
Quando falamos da colação em sentido estrito estamos a falar de um tipo de liberalidade muito específica,
as doações intervivos. Contudo, o conceito de liberalidade é mais amplo, porque este vai ocupar não só as
doações feitas em vida, como ainda as deixas feitas por morte, seja a título de herdeiro seja de legado. Assim
cumpre, desde logo, distinguir se estamos a falar de doações inter vivos ou deixas a título de mortis causa.
103
Vistas as liberalidades em vida temos agora de olhar para as liberalidades em morte e teremos de fazer a
mesma distinção. Ou seja, se as liberalidades são feitas a herdeiros legitimários ou se são feitas simplesmente
a terceiros132.
• Qualquer deixa seja a título de herança ou legado que seja feita a um terceiro- tudo será imputado na
quota disponível.
• Eventuais liberalidades por morte que sejam feitas aos herdeiros legitimários- Estamos agora a falar
de liberalidades mortis causa: o que aplicarmos em relação a descendentes aplica-se também
relativamente aos ascendentes e em relação ao cônjuge. Temos de considerar três figuras, passando
agora ao âmbito da tutela qualitativa e quantitativa da legítima133.
132
Se forem feitas a terceiros, não tendo estes qualquer quota indisponível, por maioria de razão as doações feitas aos
mesmos apenas podem ser “arrumadas” na quota disponível.
133
Por outras palavras: Quando a um herdeiro legal são feitos legados e dentro dos legados que lhe são feitos podem
ser feitos 3 tipos de legados.
134
Exemplo de um herdeiro ex re certa.
135
Se é um legado por conta é sempre uma ideia de adiantamento da legítima. Ou seja, o autor da sucessão não quer
favorecer em relação aos restantes herdeiros legitimários, assim, o legado por conta da legítima vai ter de ser imputado
na quota indisponível.
104
o Ex 1: Imaginem que o autor refere que gostava que dentro da legítima de A fosse
a casa X e ainda que fosse a biblioteca Y. Na prática o autor da sucessão está a
fazer uma partilha: o herdeiro tem direito à sua quota, mas que essa quota é
preenchida por bens que são escolhidos pelo autor da sucessão. A aplicabilidade
prática é que o autor da sucessão esclarece desde logo que aquele bem não vai
ingressar na partilha à garante, desde logo, os bens X e Y a A.
o Ex 2: Eu tenho 3 filhos e um deles é um jurista se eu quiser ter a certeza que vai
para o meu filho que os vai usar e não vender eu posso fazer um legado por conta
da quota. A utilidade é que eu refiro apenas quais são os bens que compõem a
sua quota, não estou a dizer que ele vai receber a sua quota mais esse bem.
Ø Legado em substituição da legítima (art. 2165.º): o autor da sucessão, no seu testamento, institui um
legado a favor do herdeiro legitimário em substituição da legítima: em vez deste receber a legítima
subjetiva a que teria direito recebe um bem concreto e individualizado no seu lugar. Aqui, o herdeiro perde
o direito ao remanescente da legítima, e a aceitação da legítima conduz à perda do direito ao legado (cfr.
art. 2165.º, n.º 2). Ex 1: Eu tenho uma fábrica de concentrado de tomate e o meu pai tem uma quinta ao lado que
produz tomates. O meu pai sabe que aquela quinta que produz tomates ao lado da minha fábrica tem um valor muito
superior ao que tem para os meus irmãos. O meu pai no testamento pode dizer que quer que em substituição da
minha legítima eu fique com a quinta. A quinta pode valor menos, mais ou o mesmo que a legítima136.
o Imputação (art. 2165.º, n.º 4): o legado deixado em substituição da legítima é imputado na quota
indisponível do autor da sucessão; mas, se exceder o valor da legítima do herdeiro, é imputado,
pelo excesso, na quota disponível (pois de certa forma ficou avantajado).
o Em termos práticos, se o legado tiver um valor inferior ao da legítima o herdeiro perderá o direito
a receber a quantia remanescente, o que não acontece no legado por conta da legítima.
o A doutrina discute se os beneficiários do legado em substituição da legítima são herdeiros ou
legatários, com as implicações que já enunciamos atrás:
§ Autores como Jorge Duarte Pinheiro consideram que a aceitação do legado em
substituição da legítima implica a conversão do beneficiário de herdeiro para legatário
(ou seja, esgotaria a sua posição de herdeiro).
• Fernando Sá considera que esta solução é insatisfatória já que a sua consequência
imediata seria a impossibilidade de este sucessível poder suceder ao autor da
sucessão para efeitos de sucessão legítima, não resultando nada da lei nesse
sentido.
§ Autores como PCR, Carvalho Fernandes e Fernando Sá consideram que este beneficiário
beneficia de um regime híbrido, a meio caminho entre um herdeiro e um legatário: o
sucessível receberá um bem certo e determinado, mas levando este estatuto até às
últimas consequências tal implicaria afastar a possibilidade deste ser considerado como
herdeiro legítimo.
• Ou seja, o herdeiro esgota apenas a sua posição enquanto herdeiro legitimário,
continuando a ser herdeiro legítimo.
§ O legado apenas substitui a legítima, ou seja, está apenas em causa uma proposta de valor
diversa para a legítima, nada resultando da lei que o sucessível perde o seu direito a ser
herdeiro legítimo. Além do referido, retirar-se este direito ao sucessível poderia ser
contrário à vontade do autor da sucessão, que apenas pretendeu realizar uma proposta
de valor diversa para a legítima.
136
. Ex 2: Vamos imaginar que o meu pai tinha uma casa em frente ao mar na praia grande. O meu pai sabe que eu
sou rico, mas que não vou conseguir comprar uma casa daquelas porque não há à venda. A casa vale muito menos da
legítima que ia receber à mas como sou rico e interessa-me mais a certeza que fico com aquela casa, tenho um
motivo que me leva a querer aceitar o legado em substituição da legítima. Ou seja, mesmo que seja de valor inferior,
não quer dizer que não queira aceitar a mesma. Cabe, por isso, ao herdeiro ponderar se aceita ou se não aceita.
105
o Caso o valor do legado seja insuficiente para cobrir a legítima subjetiva, a doutrina diverge sobre
o destino a conferir ao remanescente.
§ Vamos imaginar que a legítima é de 5 e o legado em substituição da legítima vale 4.
Problema, sobra 1! O que é que a lei fará a este 1?
• Parte da Doutrina = esse 1 não funciona, fica livre, é a mesma coisa que alguém
não querer ou não poder. Logo, eu vou mandar fazer funcionar uma vocação
indireta: direito de representação e/ou direito de acrescer.
• Certos autores = consideram que se aplica o direito de representação, ou seja,
aquele 1 fica para os descendentes daquele que aceitou o legado em substituição
da legítima;
• Pamplona Corte Real = Refere que tem de funcionar uma vocação indireta, mas
não faz sentido que funcione o direito de representação. Assim sendo, deve
funcionar o direito de acrescer. Esta parte da herança de quota indisponível é
reservada por lei para o conjunto dos herdeiros legitimários. Se sobrar algum
valor, vai para os restantes herdeiros legitimários através do direito de acrescer.
o FOS não concorda em completo, mas entende que esta solução está mais
correta que a anterior.
o Porque é que é preferível o direito de acrescer? Se entendermos que a
quota indisponível é um valor objetivo da herança que é reservado para
uma categoria de herdeiros (herdeiros legitimários) esse valor deve
sempre ficar na mão dos herdeiros legitimários, não podendo ir para a
quota disponível. Como é que acontece? Através de vocação indireta:
que pode ser através de representação ou de acrescer. Como o FOS
considera que não deve ficar na mão dos ascendentes, sobra o direito de
acrescer.
• Professor Fernando Sá: Em vez de funcionar o direito de acrescer ou de direito
de representação, este valor passa para a quota disponível. Argumentos:
• Desde modo, esta solução garante uma maior autonomia testamentária do autor
da sucessão, seja intervivos através de doações, seja mortis causa para fazer
liberalidades.
• FOS acescenta, ainda, que se trata de um instrumento de planeamento
sucessório. Quem faz isto fá-lo para conseguir duas coisas:
o (1) Para dar uma proposta de valor diferente para o herdeiro (não
interessam apenas as razões quantitativas, mas outras de natureza
subjetiva) (2) e ainda que se a pessoa aceitar, o autor da sucessão ainda
fica com mais quota disponível.
o Qual é o único argumento que deve ser considerado contra a tese do
professor: A legítima é reservada aos herdeiros legitimários. E, no fundo,
refere que parte dos 2/3 reservados aquelas pessoas passam a ser livres.
Ou seja, está-se a variar o valor da legítima.
o Resposta de FOS: Os herdeiros, enquanto herdeiros legitimários estão
garantidos a partir do momento em que cada um recebe 1/3. Este valor
não seria necessariamente deles.
106
Exemplo relativo ao esquema: Quando as doações são inoficiosas, ou seja, quando o seu valor é necessário
para pagar aos herdeiros legitimários, o que é que acontece? Há um caso na lei onde acontece exatamente o
que criticam o Professor 137. Neste exemplo, o B,C,D podem ir buscar 1/3.
O B não pode ir buscar para o C nem para o D e vice versa: cada um apenas pode ir buscar aquilo que tem
direito. Se não exercer o meu direito o que é que acontece? Se a lógica da lei fosse que este valor é reservado
para todos os herdeiros legitimários isso significava que se eu não fosse buscar o que tinha direito enquanto
herdeiro legitimários os meus irmãos a título subsidiário iriam buscar, mas não é isso que a lei diz
A lei diz de forma indireta é que se eu não for buscar a parte que me compete, estou a aceitar doações
inoficiosas. Assim, pela vontade daqueles que aceitam é possível alterar o valor da legítima, desde que isso
não coloque em causa a legítima dos outros. Então, se eu aceitar a proposta do meu pai não me importo que
a minha legítima seja de valor inferior.
PRÉ-LEGADOS (ATENÇÃO ISTO NÃO ESTÁ NA TUTELA QUALITATIVA DA LEGÍTIMA, MAS FOS
DECIDIU DAR ESTE ANO ENTRE A TUTELA QUALITATIVA E QUANTATIVA):
É a antítese do que vimos anteriormente. Neste caso, a ideia central é a de avantajar alguém138 - ou seja,
vamos retirar da quota disponível. O pré-legado consiste na realização de um legado a favor dos co-herdeiros,
e a cargo de toda a herança, que vale por inteiro (art. 2264.º). Este regime é particularmente relevante para
os herdeiros legitimários (os herdeiros testamentários só beneficiam da quota disponível, pelo que não se
colocam problemas de maior), valendo por inteiro: se nada resultar em contrário do testamento (referindo
que é legado por conta), o pré-legado tem o objetivo de avantajar o herdeiro que dele beneficia. Deste modo,
o pré-legado será sempre imputado em toda a quota disponível139.
Nota: Nem sempre será fácil por via de interpretação do testamento saber se o autor da sucessão fez um
pré legado ou se fez um legado por conta. A doutrina tem entendido que em caso de dúvida um legado feito
a um co-herdeiro deve ser interpretado como um pré legado, ou seja como uma forma de o avantajar.
Só assim não deve ser se decorrer da interpretação do testamento que foi feito um legado por conta. É
um pouco a lógica contrária á lógica das doações à o que vou fazendo em vida não seria para avantajar
É muito comum que eu possa ter feito uma doação em vida e não a tenha dispensado da colação e,
segundo o art.2113º, eu possa ter a possibilidade de a dispensar por via de testamento.
Art.2163º relativo ao legado por conta: Imaginamos o caso da tia velha (não tem herdeiros legitimários)
faz o testamento e diz que deixa 1/3 da herança a três sobrinhos diz que ao sobrinho A quer que ele fique com
legado por conta da legitima relativamente ao prédio X, aplica-se o art.2163º?
Aplica-se todo, menos a última parte que refere “contra a vontade”. Esta expressão encontra-se aqui pela
ideia de que o autor da sucessão não deve poder mexer em nada com a posição de herdeiro legitimário à
esta posição não deve ter encargos postos pelo autor da sucessão, a não ser que o herdeiro consinta nisso
mesmo. Contudo, o herdeiro testamentário não tem a mesma proteção dos herdeiros legitimário e, por isso
mesmo, tem-se entendido que na sucessão testamentária o autor da sucessão pode impor os legados por
conta da quota: ou aceita a quota com o legado por conta da quota ou não aceita a qualidade de herdeiro.
Assim, esta dissociação que há na sucessão legitimária do art.2163º não se encontra na sucessão
testamentária.
137
Por se variar o valor da legítima
138
Ou seja, o herdeiro tem direito à legítima mais a uma parte da quota disponível. Neste caso, garante-se que em
princípio este herdeiro irá receber mais que os outros.
139
Atenção que não é na quota hereditária, não é o somatório da quota disponível e indisponível. Neste caso, recebe
o valor da sua legítima mais o legado por inteiro.
107
TUTELA QUANTITATIVA DA LEGÍTIMA
A tutela quantitativa da legítima, materializada na garantia de um valor abstrato da quota dos
herdeiros legitimários, efetiva-se a partir do instituto da redução de liberalidades por inoficiosidade. Nos
termos da lei, dizem-se inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos
herdeiros legitimários, ou seja, que privem a herança de bens no valor necessário para preencher a legítima
subjetiva de cada um dos herdeiros (art. 2168.º, n.º 1). Explicando, Fernando Sá dita que importa referir que
as liberalidades incluem as legados/doações feitas em vida, mas também as deixas testamentárias, ou seja,
tudo o que são atos gratuitos do testador que potencialmente podem ofender a legítima – que podem por em
causa “o pagamento dos meus direitos enquanto herdeiro legitimário.”140
Estas hipóteses colocam-se quando o autor da sucessão não dispõe de bens suficientes no seu
património (relictum) para preencher a legítima subjetiva de cada um dos herdeiros. Em tese poderíamos
equacionar a nulidade da liberalidade ou o recurso ao instituto da impugnação pauliana. O legislador optou
por estabelecer uma redução legal das liberalidades inoficiosas, a requerimento dos herdeiros legitimários ou
dos seus sucessores, e na medida do necessário ao preenchimento da legítima (art. 2169.º). Note-se que não
existirá uma espécie de ação coletiva da herança junto dos beneficiários das liberalidades: cada um dos
herdeiros/sucessores terá de individualmente reclamar a sua parte junto deles, no prazo de dois anos a contar
da aceitação da herança pelo herdeiro legitimário (art. 2168.º).
O instituto das liberalidades por inoficiosidade convoca três posições distintas: o autor da sucessão,
que realizou as liberalidades no exercício da sua liberdade contratual; os herdeiros legitimários, titulares do
direito de receberem uma parte da herança do autor da sucessão; e a posição dos beneficiários das
liberalidades. O seu regime jurídico visa equilibrar os interesses dos herdeiros legitimários e dos beneficiários
das liberalidades, visível designadamente nos seguintes termos: (1) o negócio celebrado mantém-se, mas
apenas será reduzido; (2) o prazo de caducidade desta ação é bastante curto, de modo a permitir a
estabilização de expetativas e proteger a confiança dos beneficiários das liberalidades.
Exemplo:
Relictum = 10
Passivo = 0
Donactum = 2
Tendo 2 filhos: 2/3 de 12= 8, 4 para cada um. Ou seja, iria precisar de ter no relictum 4+4 para pagar os direitos dos
legitimários, ainda me iam sobrar 2. Estamos a supor que os 2 das doações entravam pela quota disponível à aqui não
existia nenhuma inoficiosidade. Só existiam se grande parte do valor da herança, não estivesse no relictum, mas nas
doações.
Se o autor da sucessão tivesse feito uma liberalidade a um dos herdeiros que vale 10, se imputarmos a liberalidade
na quota indisponível, vamos ter os 4 da legítima preenchidos, vamos ter os 4 da quota disponível que ele podia preencher
(se fosse toda imputada a um dos herdeiros, ou seja se o autor da sucessão tivesse pretendido avantajar), e ficam a sobrar
2 à ou seja, ele já tinha recebido mais do que o seu quinhão hereditário, e seria necessário reduzir essa liberalidade.
• Qual o segundo problema que pode gerar inoficiosidades? Os legados. 2068º: diz que os legatários,
na prática, são tratados pela lei portuguesa como algo muito próximo de credores da herança.
o Antes de fazer a partilha é muito provável que eu pague as dívidas e cumpra os legados. Exemplo: Deixo
a minha casa ao senhor zé e a casa valia 5.
o De onde é que podem sair esses 5? à Do relictum
o Se eu fizer um legado de 10 e tiver 10 no relictum à eu pago ao legatário, mas já não tenho nada para
dar aos herdeiros legitimários.
Vai ter de ocorrer uma redução das liberalidades: esta é uma ação, que consiste na tutela mais efetiva que
é dada aos herdeiros: possibilidade de ir atrás dos donatários e dos legatários, ou seja, ir la buscar o necessário
140
Esta frase é horrível. Que a AFMA não te ouça (pagamento de direitos)
108
para satisfazer os meus direitos enquanto herdeiro legitimário. Assim, toda e qualquer doação que tenha sido
feita em vida pelo autor da sucessão pode não ser definitiva – ela corre sempre o risco de ser considerada
inoficiosa.
Regime jurídico:
• 2168º- “dizem-se inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou por morte, que ofendam a legítima dos
herdeiros legitimários (nº1).” ;“ não são inoficiosas as liberalidades a favor do cônjuge sobrevivo que
tenha renunciado à herança nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 1700.º, até à parte da herança
correspondente à legítima do cônjuge caso a renúncia não existisse (nº2)”.
Noutro plano, o Direito português admite a possibilidade de o cônjuge renunciar à sua posição de herdeiro
legitimário (art. 1700.º, n.º 1, al. c)), é um dos poucos casos no direito português em que existe a possibilidade
de um pacto sucessório, neste caso, um pacto sucessório renunciativo. Até 1977 o cônjuge não era herdeiro
legitimário por força do seu estatuto no quadro da vida familiar, tendo esse estatuto sido evidentemente
revisto. Porém, na década de 2000 entendeu-se que haveria muitas situações nas quais se justificaria que os
cônjuges não serem herdeiros legitimários, tendo sido criado esta possibilidade141.
Até é discutido se a renúncia é apenas à condição de herdeiro legitimário ou se essa significa uma renúncia
a toda a posição enquanto herdeiro. Parece que a renúncia é apenas à condição de herdeiro legitimário – ou
seja, o cônjuge poderia ser herdeiro legítimo. FOS considera que isto é uma estupidez, uma vez que lança
sobre o novo cônjuge um ónus – o de excluir o novo cônjuge, em sede de testamento, o cônjuge da posição
de herdeiro legitimo. 142
Focando-nos agora no cônjuge que renunciou e não é herdeiro legitimário – a lei dá-lhes um privilégio: diz
que as liberalidades não são inoficiosas. assim, estas doações terão de ser em regra imputadas na quota
disponível (o cônjuge assume-se como terceiro) e nunca são inoficiosas até ao valor que o cônjuge receberia
se fosse herdeiro legitimário.
Na prática, o cônjuge poderia receber a sua legítima através de doações, e equivaleria a uma doação por
conta de uma legítima que não existe. Fernando Sá entende que a ratio deste preceito consiste no pagamento
de uma contrapartida pela renúncia: o cônjuge não tem direito a uma legítima, mas é protegido caso receba
doações até ao valor da legítima que receberia se o fosse garantindo uma certa imunidade ao valor recebido.143
• Artigo 2169º- dita que só posso reduzir as liberalidades em tanto quanto for necessário para que a
legitima seja preenchida.
• 2170º- proíbe a renúncia antecipada ao direito de reduzir as liberalidades.
o A razão de ser deste regime prende-se com o dinamismo associado à realização das doações,
em que em vida do autor da sucessão é difícil que o herdeiro tenha uma visão completa das
doações que efetuará ao longo da sua vida. De facto, caso o herdeiro renunciasse a este
direito o autor da sucessão poderia deserdá-lo efetuando doações após a renúncia144.
141
Qual a ratio? Os segundos casamentos: se o cônjuge for herdeiro legitimário e eu tiver um primeiro casamento com
filhos, quando eu morrer, os meus filhos descendentes iriam concorrer com a minha nova mulher – e muitas vezes os
cônjuges não querem isso.
142
Sá refere que o regime deveria ser o da Alemanha: entender-se que, caso renuncie à posição de herdeiro
legitimário, está a renunciar a tudo (se renuncia ao mais, renuncia ao menos).
143
Nota de que eles apenas podem impedir outrem de atacar estas doações, mas não são considerados herdeiros
legitimários, nem têm os direitos característicos dos mesmos.
144
Ex: Dizia a um filho meu “enquanto herdeiro legitimário vais fazer comigo um acordo: não podes reduzir
liberalidades, e o meu filho aceitava”. Eu no dia a seguir fazia uma doação de todo o meu património ao meu outro
filho. Ora, abrir mão da redução de liberalidades, seria abrir mão da efetivação dos direitos enquanto herdeiro
legitimário.
109
• 2171º- “A redução abrange em primeiro lugar as disposições testamentárias a título de herança, em
segundo lugar os legados, e por último as liberalidades que hajam sido feitas em vida do autor da
sucessão”
o A proteção do equilíbrio suprarreferido é visível na ordenação das liberalidades para efeitos
de redução (art. 2171.º): em primeiro lugar as disposições testamentárias a título de herança,
em segundo lugar os legados, e por último as liberalidades que hajam sido feitas em vida do
autor da sucessão. Esta ordem é estabelecida à luz de um princípio segundo o qual melhor no
tempo, melhor no Direito: aqueles que recebem liberalidades há mais tempo deverão ver os
respetivos efeitos preservados na ordem jurídica o máximo possível.
• 2172º (redução das disposições testamentárias): “Se bastar a redução das disposições testamentárias,
será feita proporcionalmente, tanto no caso de deixas a título de herança como a título de legado
(nº1).”
o isto é, se eu tiver vários legados, eu vou precisar de saber qual vai ser o valor proporcional dos
legados na herança, e vou buscar A TODOS AO MESMO TEMPO, o que me faltar. Não há um
critério normativo que me permita distinguir entre legatários que devam suportar estes riscos
e legatários que não devam suportar estes riscos.
• “No caso, porém, de o testador ter declarado que determinadas disposições devem produzir efeito de
preferência a outras, as primeiras só serão reduzidas se o valor integral das restantes não for suficiente
para o preenchimento da legítima (nº2)”
o Está aqui subjacente o critério do autor da vontade da sucessão
• “Gozam de igual preferência as deixas remuneratórias (nº3)”
o Primeiro vou a todos os outros legados, e depois é que vou aos legados remuneratórios.
• Artigo 2173º (Redução das liberalidades feitas em vida) “Se for necessário recorrer às liberalidades
feitas em vida, começar-se-á pela última, no todo ou em parte; se isso não bastar, passar-se-á à
imediata; e assim sucessivamente (nº1).
o O princípio melhor no tempo, melhor no Direito fundamenta ainda a escolha das liberalidades
feitas em vida para efeitos de redução, tutelando-se sempre a confiança dos beneficiários das
liberalidades que as tenham recebido há mais tempo (art. 2173.º): As mais antigas prevalecem
sobre as mais recentes: está aqui subjacente uma ideia de confiança (uma pessoa que recebeu
uma doação há 20 anos merece muito mais proteção de uma doação que foi feita 5 minutos antes de
morrer).
o Atendendo a que ambas as deixas testamentárias produzem efeitos com a abertura da
sucessão, recupera-se o critério de proporcionalidade já convocado para efeitos da redução
de liberalidades feitas em vida no mesmo ato/data (cfr. 2173.º, n.º 2).
• 2174º: os objetos de doações podem ser bens divisíveis ou indivisíveis.
o “Sendo os bens indivisíveis, se a importância da redução exceder metade do valor dos bens,
estes pertencem integralmente ao herdeiro legitimário, e o legatário ou donatário haverá o
resto em dinheiro; no caso contrário, os bens pertencem integralmente ao legatário ou
donatário, tendo este de pagar em dinheiro ao herdeiro legitimário a importância da redução.
(nº2)”
• 2175º: Se os bens doados tiverem perecido por qualquer causa ou tiverem sido alienados ou
onerados, o donatário ou os seus sucessores são responsáveis pelo preenchimento da legítima em
dinheiro, até ao valor desses bens.
o O que é que se retira daqui: o donatário esperto, uma semana antes da morte do autor da
sucessão, recebe uma doação em dinheiro pensa que o autor da sucessão vai morrer e vai ser
inoficiosa, então vai para o casino Estoril, janta lá o famoso pato à pequim, e depois vai jogar
para o casino. Quando o herdeiro legitimário lhe vier pedir a redução da liberalidade, ele vai
dizer que não. Ora, é precisamente este truque que a lei diz que não serve.
110
o Assim, em caso de perecimento ou alienação dos bens doados, é sempre assegurada a
restituição em equivalente pecuniário.
• 2176º (insolvência do responsável): “Nos casos previstos no artigo anterior e no n.º 3 do artigo 2174.º
(ou seja, quando esteja em causa uma hipótese de redução por equivalente pecuniário), a insolvência
daqueles que, segundo a ordem estabelecida, devem suportar o encargo da redução não determina a
responsabilidade dos outros.”
o Esta norma faz correr pelos herdeiros o risco da insolvência daquele que estava obrigado a
restituir, pelo que não se poderá recorrer às doações seguintes para que os herdeiros
legitimários vejam preenchida a sua legítima. Na prática, o que poderá acontecer é que a
insolvência do obrigado à restituição determine a não efetivação do regime da redução por
inoficiosidade, logo esta será a única hipótese em que o herdeiro legitimário não verá
garantida a sua legítima145.
o Vamos imaginar que eu só precisava da primeira doação, mas quando vou lá o donatário
estava em insolvência, posso ir à doação seguinte? Não, a lei tinha de alocar o risco da
insolvência e esse risco podia ser distribuído por 2 pessoas: (1) ou era distribuído pelo herdeiro
legitimário; (2) ou esse risco era atribuído aos outros donatários, e a lei manda que esse risco
corra por conta dos herdeiros legitimários.
• 2178º: importante regra de prescrição: estabelece prazo de 2 anos para a ação de redução das
liberalidades inoficiosas.
o Os prazos devem ser curtos para que haja uma estabilização da posição dos donatários e
dos legatários.
ESQUEMA RICARDO:
Podemos esquematizar o destino de imputação das liberalidades:
Ø Quota indisponível
o Doações sujeitas à colação (2108º e 2114º, nº1 acontrario)
o Doações feitas a descendentes, que repudiam sem ter representantes (2114º, nº2);
o Legado em substituição da legítima (art. 2165.º, n.º 3);
o Legado por conta da legítima (2163º, imputado na QI, excesso na QD);
o Na visão de FS, doações feitas ao cônjuge ressalvadas as exceções acima enunciadas.
Ø Quota disponível: restantes liberalidades;
o Doações em vida/deixas testamentárias feitas a terceiros;
o Doações feitas a herdeiros legitimários não prioritários;
o Doações feitas a ascendentes não prioritários (segundo FS e PCR);
o Excessos dos legados por conta ou em substituição da legítima.
SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
• Um dos títulos de vocação sucessória, ao lado da lei, é precisamente o título voluntário que é no
fundo a existência do testamento146;
o Testamento = instrumento de projeção da vontade para além da morte;
145
Ex. Para o preenchimento de uma legítima subjetiva de 5M€ devemos considerar três doações distintas, feitas a A
(no valor de 3M€), feitas a B (no valor de 2M€) e a C (no valor de 3M€). Caso o sujeito A se encontre insolvente, o
herdeiro legitimário só terá direito ao valor da doação efetuada a B, não podendo preencher o restante com o valor
da doação efetuada a C - o risco pela insolvência de um dos donatários corre por sua conta.
146
Porque, como sabemos, existe uma limitação quanto à existência de pactos sucessórios, só existem nos casos
expressamente previstos na lei.
111
A sucessão testamentária consiste no campo principal de aplicação do princípio da autonomia privada no
Direito de Sucessões, através da garantia da liberdade de testar. Este regime visa concretizar a possibilidade
de disposição da propriedade mortis causa constitucionalmente assegurada (cfr. art. 62.º CRP).
• No Direito Português existe o monopólio do testamento: Sendo esta a única forma de projetar a minha
vontade mortis causa, é necessário seguir as regras do testamento, que têm um regime jurídico muito
específico, e isto significa que se discute se alguns tipos de negócio celebrados inter vivos ou outros
negócios que aparentemente são mortis causa se deve ou não se deve aplicar as regras da sucessão
testamentária Exemplo: contrato a favor de terceiro à estrutura triangular que têm um promitente,
promissário e beneficiário147;
• É importante referir aqui o artigo 451º - contrato a favor de terceiro para
cumprir depois da morte do promissário, estamos a dizer que se presume
que só depois da morte é que eu adquiro o direito, o que parece ser um
negócio jurídico mortis causa, mas pensemos nisto:
• Eu não posso através de um testamento deixar a um conjunto determinado
de pessoas: Ex: Ao adúltero; à pessoa com quem cometi adultério;
• Ou seja, eu posso pensar em fazer um contrato a favor de terceiro que só vai
produzir efeitos mortis causa, eu posso revogar a qualquer altura que na
prática parece um testamento.
o A prestação vai sair não da herança, o prémio que saiu do seguro
(contrato a favor de terceiro), vai sair da esfera jurídica da
seguradora, e não do autor da sucessão.
• Isto no fundo, é algo muito curioso e que passa ao lado das regras do direito
das sucessões. Para compreendermos a ideia do monopólio do testamento -
aquilo que se poderia pensar era:
o Se eu não posso deixar ao cúmplice do adultério através do
testamento, eu poderia deixar através de um contrato a favor de
terceiro e isto seria válido.
Mas nós já sabemos que o contrato a favor de terceiro tem duas relações, valuta e de cobertura:
A atribui, através de B, um benefício a C, mas atribui com uma causa, por alguma razão. Tem-se defendido
na doutrina que esta relação de valuta/atribuição (como ela na prática é próxima de um testamento/está a
cumprir essa função) ela deve seguir as regras do testamento. No fundo, estas regras do testamento vão se
aplicar, não só ao testamento, como também a outras figuras, p.ex inter vivos – mandados post mortem e
contratos a favor de 3º depois da morte do promissário (artigo 451º do CC) – Isto representa a ideia do
monopólio das regras do direito das sucessões do testamento, porque elas têm em consideração a
especificidades do fenómeno sucessório e da sucessão mortis causa.
Podemos sistematizar várias características do testamento, partindo da noção legal (art. 2179.º):
147
O caso típico é o contrato de seguro de vida.
112
• Unilateral: negócio jurídico constituído por uma só parte (relembre-se a tipicidade dos negócios
jurídicos unilaterais).
o É um negócio unilateral, só tem uma “parte” sendo que uma parte não é o número de pessoas
que intervém no NJ – pode haver na mesma parte mais do que uma pessoa;
• Singular: É proibido no Direito Português algo que vem referenciado no artigo 2181º: Não há
testamento de mão comum148
o O testamento não só é unilateral como é singular, tem de ser feito e celebrado apenas por
uma pessoa;
o Esta proibição comporta duas exceções: (1) a inclusão de disposições testamentárias nas
convenções antenupciais (art. 1700.º e ss.); (2) conversão legal da doação por morte (negócio
bilateral) em deixa testamentária (art. 946.º, n.º 2).
• Pessoal: significa 2 coisas (nos termos do artigo 2182º do CC):
o 1) Não se pode fazer testamento através de esquemas de representação. O testamento tem
de ser celebrado pela pessoa que o celebra e não através de um representante
§ Razão de ser: Para haver representação o representante tem de ter alguma margem
discricionariedade na escolha dos termos do negócio e isso estava a colocar nas mãos
de um 3º a possibilidade de definir o conteúdo do testamento.
o 2) Conteúdo do testamento, por regra, tem de ser definido pelo testador
§ Art. 2184º - testamento per relacionem: Relaciona-se com a forma do testamento,
matéria que irá ser estudada adiante.
• Revogável (cfr. 2311.º e ss.): o testamento é revogável para garantia da atualidade da vontade do
autor da sucessão no momento da sua morte, podendo esta vontade ser expressa ou tácita149.
o Isto toca com o problema dos estatutos dos herdeiros testamentários: Falámos em tempos
da designação sucessória e dissemos que havia uma hierarquia nos factos designatórios;
sendo que há factos designativos que são naturais e factos designativos que são voluntários
§ Voluntários: Alguém designa alguém como seu herdeiro através de um testamento
ou contrato sucessório, sendo que entre eles o mais forte é o contrato porque só
pode ser é revogado por acordo das partes;
§ Naturais: O mais importante é filiação/parentesco.
§ Alguns herdeiros têm uma posição reforçada à os herdeiros legitimários: estes têm
uma expectativa jurídica, que é protegida em vida (nomeadamente através da
simulação, cfr. art. 243º). Podemos perguntar se os herdeiros testamentários têm
também uma expectativa jurídica:
• Não, têm uma expectativa mas que a qualquer altura pode ser postergada
porque o testamento é livremente revogável, sem eles saberem à tudo se
passa à sua revelia, eles não têm sequer uma verdadeira expectativa jurídica
• Assim, a situação dos herdeiros testamentários é, deste ponto de vista,
precária;
• Mortis causa: os seus efeitos apenas se produzem com o momento da abertura da sucessão;
Ressalva: Esta definição conta apenas metade da verdade: “Todos os seus bens ou de parte deles” – quem ler
isto fica com a ideia de que o testamento tem uma feição unicamente patrimonial para dispor de património
– isto não é verdade.
• Patrimonial e não patrimonial: embora a noção o indicie, o testamento não precisa necessariamente
de ter conteúdo patrimonial - o testador poderá, designadamente, perfilhar alguém por testamento.
148
Testamento de mão comum = pessoas que no mesmo testamento fazem, reciprocamente, atribuições. No direito
português é proibido porque pode haver uma pessoa que tenha grande ascendente sobre outra e coagi-la a testar;
149
Argumento que fundamenta a proibição de contratos sucessórios (cfr. art. 406.º).
113
o FOS prefere então: contém disposições de última vontade, sejam elas de natureza patrimonial
ou outra natureza (jurídico-familiar).O conteúdo típico do testamento consiste numa deixa a
título de herdeiro ou de legatário.
• Não recipiendo (art. 224.º, n.º 1, 2ª parte): a sua produção de efeitos não depende do conhecimento
dos seus beneficiários.
• Gratuito: acarreta vantagens para uma das partes e desvantagens para outras (sem prejuízo da
possibilidade de aposição de deixas testamentárias sujeitas a encargos, não vistos como uma
contrapartida).
• Formal (cfr. arts. 2004.º e ss.): a formalidade do testamento assenta em três ideias base: (1) garantir
a liberdade da vontade do testador; (2) funções probatórias; (3) confere um título para os herdeiros
legitimários fazerem valer os seus direitos sucessórios.
CAPACIDADE TESTAMENTÁRIA
Como princípio geral, podem testar todos os indivíduos que a lei não declare incapazes de o fazer (art.
2188.º). Serão incapazes de testar os menores não emancipados e os maiores acompanhados, quando a
sentença de acompanhamento o determine150 (als a) e b) do art. 2189.º). O testamento feito por este é nulo
(art. 2190.º), a capacidade determina-se, ainda, pela data do testamento (2191º).
Ainda assim, existem situações nas quais alguns sujeitos não tem capacidade de receber deixas
testamentárias (que, consequentemente, impõe limitações à liberdade de testar), denominando-se
indisponibilidades relativas. A lei elenca vários casos destas indisponibilidades, que conduzem tipicamente à
nulidade da deixa testamentária (cfr. 2192º):
150
Antigamente existia interditos e inabilitados: chegou-se à conclusão que isto – haver 2 grandes blocos – poderia ser
atentatório da dignidade humana porque era desproporcional, tratava-se interdito e inabilitado por igual, não era
atendido o caso concreto. Assim, hoje em dia temos um regime que é um juiz que fixa, na sentença, a extensão das
incapacidades à antigamente qualquer interdito e incapacitado não poderia celebrar testamento.
151
Razão de ser desta alínea: Antes do 25 de abril havia muita gente que tinham verdadeiramente duas famílias, a
oficial e a outra. As duas eram dependentes do mesmo, quando o autor da sucessão morria a família legitima ficava
com todos os direitos e a outra família perdia todo o sustento. Admitia-se que se podia deixar algumas coisas à
amante, isto é, à mulher ilegítima, para lhe garantir a manutenção do mínimo de existência condi
114
• Intervenientes no testamento (art. 2197.º);
• Interpostas pessoas (art. 2198.º)
1. São nulas as disposições referidas nos artigos anteriores, quando feitas por meio de
interposta pessoa.
2. Consideram-se interpostas pessoas as designadas no n.º 2 do artigo 579.
O que é que o autor da sucessão poderia pensar:
• “Eu não posso deixar à mulher que cometi adultério, deixo ao filho dela, eu não cometi adultério com
o filho” à Olhemos então ao artigo 579º nº2:“2. Entende-se que a cessão é efetuada por interposta
pessoa, quando é feita ao cônjuge do inibido ou a pessoa de quem este seja herdeiro presumido, ou
quando é feita a terceiro, de acordo com o inibido, para o cessionário transmitir a este a coisa ou direito
cedido.”
• Imaginemos o seguinte caso:
A, testador, quer deixar a B ( a mulher com quem cometeu adultério)e como não o pode fazer deixa ao filho
de B, o (primeiro) F. O 579º diz que se fizesse ao cônjuge de B (imaginando que b tinha um cônjuge
automaticamente dizíamos que era interposta pessoa) mas este artigo diz "herdeiro presumido” à regra do
2109º.
• A questão é que se for feita ao (primeiro) F, se o (primeiro) F morrer naquele dia, os seus herdeiros
legitimários eram o (segundo) F e não o B, 579º.
o O STJ resolveu esta questão da seguinte forma: Disse que isto era feito através de interposta
pessoa, passou por cima da questão da interpretação de presumido herdeiro.
o Outra forma de olhar para a questão: Temos de começar por perceber o que é ser “herdeiro
presumido”. Se herdeiro presumido parecer ser herdeiro legitimário prioritário ou não, faz
sentido dizer herdeiro prioritário porque se eu passar ao filho, e se a mãe for herdeira
legitimária prioritária do filho o que vai acontecer é que se o filho morrer primeiro o bem vai
reverter automaticamente para ela, vai reverter necessariamente para a pessoa que não
queríamos que revertesse. Se reverter para o filho, por sucessão, não é claro que vá reverter.
o Assim, a lógica da interposta pessoa é esta: eu estar a fazer a uma pessoa, mas na prática
saber que o beneficiário último não vai ser essa pessoa, mas outra.
o Forma do professor Fernando Sá de resolver a questão: Entende que não podemos dizer que
por ser feito a um herdeiro é feito por interposta pessoa.
§ Pode ser herdeiro, mas não é herdeiro presumido ou prioritário.
§ Também se entende ser feita por interposta pessoa quando é uma “cessão feita a
um terceiro de acordo com o inibido”
• No caso seria B;
§ O que se diz é que se tem de mostrar a existência deste acordo – é algo muito difícil:
115
• O que se pode fazer, em casos de extrema dificuldade de prova, é tentar
provar através de factos indiciários ou das presunções judiciais do artigo 351º
CC, sendo algo que o juiz presume segundo as regras da experiência;
o Num caso destes em que é feito por interposta pessoa ao filho
podemos, muito provavelmente, retirar a presunção judicial de que
existiu esse acordo.
o Na opinião do Professor nunca se pode dizer que é proibido ao A
deixar ao F.
Falamos de hipóteses em que alguém se encontra numa situação que a torna indisponível, isto é, situação
em que não podem ser beneficiários do testamento; A doutrina tende a ler isto como situações em que
pessoas que hipoteticamente seriam beneficiarias, por qualquer razão, não o podem ser.
Fernando Sá entende que estas normas são inconstitucionais por introduzirem restrições desproporcionais
à liberdade de testar (18º, nº2 CRP), especialmente por serem fundadas em considerações morais (para tutela
de casos limite, servir-nos-ia o regime da nulidade do testamento por fim contrário aos bons costumes – art.
2186.º).
O PROFESSOR RECAPITULOU ESTA MATÉRIA NA AULA DEGRAVADA PELA ELISABETE, TAMBÉM ESTÁ BEM
EXPLICADO E ESQUEMATIZADO, POR ISSO VOU DEIXAR AQUI:
116
FORMA DO TESTAMENTO
O testamento é um negócio jurídico solene. As duas formas comuns do testamento são o testamento
público e o testamento cerrado (art. 2204.º), sendo que às formas comuns se devem contrapor as formas
especiais (2210º).
O testamento é um negócio jurídico unilateral mortis causa (vai produzir efeitos num momento em que o
testador já não se encontra cá para dizer qual era a sua vontade). Então, para se produzir efeitos mortis causa
e para se tutelar a vontade do autor da sucessão, sempre se exigiram formalidades ao testamento,
precisamente para proteger a vontade do autor da sucessão e para fazer prova da mesma. Sempre existiram
regras muito estritas em relação à regra do testamento e essas regras encontram-se nas formas comuns.
FORMAS ESPECIAIS:
Há, contudo, casos em que as partes estão impedidas de realizar o testamento através das formas normais,
trata-se de situações nas quais não é possível cumprir-se as formalidades exigíveis para o respeito dos
requisitos gerais de forma (arts. 2210.º - 2223.º).
•Ex.1: Se as pessoas estão em guerra, não conseguem ir ao notário, reunir o número de testemunhas,
cumprir as formalidades todas que são exigíveis para as formas comuns, daí que existam as formas
especiais taxativas.
• Ex.2: Testamento a bordo de aeronave.
• Ex.3: Havia um testamento muito importante no Direito Romano, que, de certa forma, se encontra no
Art. 2220º - testamento em situação de peste (nós tivemos a Covid-19).
o Neste artigo, estávamos em casa e não podíamos sair. Este artigo determina que, se uma
pessoa estiver inibida de se socorrer da formas comuns do testamento, por se encontrar em
situação de epidemia, ou por outro motivo de calamidade pública, pode testar perante algum
notário, juiz ou sacerdote, com as observâncias das formalidades descritas nos Arts. 2211º e
2212º.
• Art 2211º : Testamento militar público à Um militar, civil ou a ele equiparado declara a sua vontade
na presença do comandante da respetiva unidade, ou da força isolada e de duas testemunhas, isto é,
faz um testamento perante apenas testemunhas.152
• Ex.4: Testamento da pessoa que está a morrer – testamento in articulo mortis.
NOTA – O SÁ PARECE NÃO TER DADO ESTA FORMA ESTE ANO, MAS PARA QUEM QUISER SABER PQ PODE TER
SIDO UM LAPSO:
• Cumpre destacar o regime do testemunho per relationem (art. 2184.º), com parecenças com o regime
do âmbito da forma legal (art. 221.º). Estabelece-se a nulidade da disposição testamentária que (1)
dependa de instruções ou recomendações feitas a outrem secretamente; (2) se reporte a documentos
não autênticos; (3) ou não escritos e assinados pelo testador com data anterior à data do testamento
ou contemporânea desta.
• A doutrina tem discutido, à luz deste regime, que relevância conferir a este tipo de documentos
quando sejam autênticos e estejam assinados pelo testador, no sentido de apurar se valem ou não
como testamento.
o Se autores como Antunes Varela admitem-no, autores como Carvalho Fernandes e Oliveira
Ascensão consideram que a remissão para estes documentos só é admitida para regular
matérias não essenciais do testamento (matérias de mera execução do testamento). Assim,
quando estejam em causa matérias essenciais do testamento, como a produção de efeitos
jurídicos patrimoniais ou não patrimoniais e a criação de deixas testamentárias ou legados,
não será admitida a remissão do testamento para outro documento
152
Assim, são formas especiais pensadas para casos especiais, que reduzem os limites formais do testamento.
117
Isto quanto às formas especiais, interessam-nos sobretudo as comuns.
FORMAS COMUNS
• O ponto de partida é o artigo 2204o: As formas comuns do testamento são o testamento público e o
testamento cerrado.
Ø Testamento público (art. 2205.º): feito perante um oficial público (notário), cabendo-lhe fazer o
testamento no seu livro de notas (documento autêntico, art 36º e ss CODNOT) à é a forma mais comum
de fazer o testamento.
o No fundo, é o caso em que a pessoa se dirige ao notário e faz o testamento como se fosse uma
escritura pública. Os notários têm o livro dos notários, que corresponde a um livro com folhas
numeradas onde vão fazendo as escrituras, segundo o critério do tempo.
§ NOTA: o critério do tempo é importante, por exemplo, para a questão do trato sucessivo
– são documentos que têm fé pública, porque são feitos pelos notários, seguindo as
indicações das partes, mas com todas as garantias dos documentos realizados pelo
notário, que têm um controlo de legalidade e aconselhamento superior.
o O testamento não é inteiramente público pois apenas o testador pode pedir uma certidão do
testamento em vida, e não os herdeiros.
Ø Testamento cerrado (art. 2206.º):
o Nº1: “testamento diz-se cerrado quando é escrito e assinado pelo testador ou por outra pessoa a
seu rogo, ou escrito por outra pessoa a rogo de testador e por este assinado”
o Nº2: “O testador só pode deixar de assinar o testamento cerrado, quando não saiba ou não possa
fazê-lo, ficando consignada no instrumento de aprovação, a razão por que não assina”.
o Nº4: “O testamento cerrado deve ser aprovado por notário, nos termos da Lei do Notariado.”
o Nº5: “A violação do disposto nos números anteriores, importa a nulidade do testamento”.
§ No fundo, o testamento cerrado é aquele que nós dizemos que é feito através de um
documento particular: tem de ser assinado (só não pode ser assinado quando a pessoa
não souber ler nem escrever).
o Se eu deixar um documento word no meu computador chamado testamento, vai ser um
testamento?
§ À partida não – falta-lhe a assinatura e a homologação (nos termos do Art. 108º do Código
do Notariado, tenho de levar o testamento cerrado ao notário para notificar que o fiz e
para o permitir de atestar os pontos dispostos nos Arts. 108º ss. (ex.: nome da pessoa,
data em que fez, quem assinou, etc.); não há um controlo de legalidade do testamento,
mas tem de haver certeza de que aquela pessoa realizou o testamento.
o Ou seja, alguém escreve/assina o testamento e, de seguida, este sujeito tem de levar o testamento
para ser homologado pelo notário.
o Em seguida, testador pode conservar o testamento cerrado em seu poder, ou metê-lo à guarda
de terceiro, ou depositá-lo em qualquer repartição notarial (art. 2209º).
§ Na prática, a grande diferença entre o testamento notarial e o cerrado, é que no primeiro,
consigo facilmente ir buscá-lo.
§ Em Portugal, se eu quiser saber se alguém tem um testamento, vou ao Instituto de
Registos e Notariado (IRN) e peço uma informação sobre se aquela pessoa tem ou não
testamento (de acordo com o 187º CNOT).
§ É evidente que, em vida daquela pessoa, só a própria é que tem legitimidade para saber
se tem ou não testamento. As restantes pessoas só passam a ter essa legitimidade após a
morte do testador.
• Ex.: Uma vez, o meu vizinho disse-me que me ia pôr no seu testamento. Ele
morreu e os seus filhos dizem que não há testamento. Eu posso ir uma certidão
para verificar se existe ou não testamento.
118
• Se o testamento tiver sido feito de forma pública, o conteúdo do mesmo está no
livro de notas do notário – peço uma certidão e tenho acesso ao conteúdo do
testamento.
• Se o testamento for cerrado, eu não tenho acesso ao seu conteúdo, apenas sei
que ele existe, correndo o risco de este nunca sair ao público – é muito possível
que alguns herdeiros façam desaparecer o testamento, pela dificuldade de se
fazer prova dessa ocultação.
§ Na dúvida, quem quiser ter algumas garantias, deve fazer um testamento público, até
porque vai ter sempre de se dirigir ao notário para o homologar.
o No Direito das Sucessões, vai acontecer que a nulidade, ao contrário dos outros ramos, é
suscetível de confirmação.
§ Ex.: Encontro um papel em casa, sou herdeiro e há lá um legado. Eu cumpro o legado,
mas arrependo-me e peço a restituição do legado, alegando que o testamento não
cumpre as exigências formais.
§ Se entender que esta nulidade é passível de ser sanada mediante confirmação, acabei
de fazer uma confirmação tácita – não posso incorrer num venire contra factum
proprium (334º).
§ Isto prende-se com o problema - se há casos para além da nulidade, de inexistência,
que seriam de todo suscetíveis de confirmação.
• A única forma aparentemente de ultrapassar a nulidade de testamentos seria
a sua confirmação.
• Caso contrário, os Arts. 220º (regra geral) e 2205º resolvem o problema.
VÍCIOS DO TESTAMENTO
O testamento, como qualquer NJ, tem na sua base a vontade do testador e é preciso perceber como é que
se forma essa vontade.
Sabendo que no caso do testamento, a situação é particularmente complexa, por se tratar de um NJU
gratuito – ainda mais cuidado se tem de ter com a formação da vontade. Por outro lado, também há o
problema da interpretação – quando o NJ vai produzir efeitos, já cá não está o testador para dar indicações
acerca da interpretação da vontade:
119
a funcionar uma espécie de um lar, fazendo-a escrever dois testamentos e
procurações, tornando-se herdeira única. Então, os sobrinhos e irmãos dela
vieram a alegar que todos os testamentos e procurações eram nulos.
• Se olharmos para o Art. 2199º ss., se calhar a incapacidade acidental servia,
mas talvez a idosa soubesse o que estava a fazer – o caso de incapacidade
acidental aplica-se a casos muito próximos da falta de consciência da
declaração. Também não é um caso de simulação, nem de dolo, porque ela
não a enganou. Poderia ser um caso de coação, mas não era inteligente a
senhora do lar fazer isto à o que ela fez foi ganhar confiança da senhora,
fazendo-a encarar o testamento como um favor, uma forma natural de
pagamento.
o Para haver coação moral tinha de haver ameaça de um mal, o que
não se verificou.
• Assim, à partida estes testamentos seriam válidos. O Supremo resolveu este
problema aplicando o regime da usura, dizendo que a senhora se aproveitou
da situação de vulnerabilidade e fragilidade da idosa.
• A usura é um vício complicado, por ser subjetivo e objetivo – não bastava o
aproveitamento da situação, mas também era necessária uma vantagem
desproporcional. O Supremo defendeu, então, que o testamento era
anulável.
§ A usura é um dos casos em que não consigo aplicar porque os próprios pressupostos
não permitem – a usura está pensada para negócios bilaterais, onerosos, em que
consigo aferir que há uma desproporção entre as duas prestações. Não parece que
num NJU se consiga perceber o que é um benefício excessivo, porque em qualquer
testamento, se oferece um benefício que se pode dizer excessivo – é uma
liberalidade. Se começarmos agora a olhar para os testamento e a avaliar o que é ou
não um benefício excessivo, tal causaria uma grande insegurança.
§ Segundo o prof. FOS, isto é, na verdade, um atentado aos bons costumes - aplica-se
o artigo 280º, porque a senhora que cria esta situação, fá-lo com o intuito de se
aproveitar da idosa, sendo um problema de objeto do negócio.
• Atenção que o STJ não concorda com esta visão, aplicando o regime da usura.
• Art. 2199º : Incapacidade acidental
o Diferença para o regime geral da incapacidade acidental: No testamento, não se diz que o
estado de incapacidade tem de ser notório – qual a razão da diferença?
§ Aqui não há outra parte, o testamento é um NJU.
§ Muitos destes vícios vão estar adaptados ao facto de o testamento ser unilateral.
§ Até se pode usar o regime do testamento para fazer uma coisa ao contrário: Eu estava
em incapacidade acidental e pratiquei um NJU intervivos. Se eu aplicasse a regra da
incapacidade acidental da parte geral, essa incapacidade teria de ser notória, o que
não é exigível num NJ com natureza unilateral.
• Assim, encontramos nos regimes seguintes, os regimes da parte geral, adaptados à circunstância de
estarmos perante um NJU e ao facto de não existir declaratário (FOS NÃO OS DEU NA AULA, MAS
ESTÃO ACRESCENTADOS):
o Simulação (art. 2200.º): é anulável a simulação subjetiva, num esquema semelhante a uma
interpelação fictícia entre os sujeitos;
o Erro, dolo e coação (art. 2201.º): na falta de regime especifico no dolo e coação, remete-se
para a parte geral em matéria de requisitos (cfr. art. 253.º). Nota que aqui não se coloca a
120
existência de dolo de terceiro, pois tal pressuporia que o testamento fosse um negócio
jurídico bilateral
o Erro sobre os motivos (art. 2202.º): é anulável se for demonstrada a essencialidade do erro e
se esta resultar, direta ou indiretamente, do próprio testamento.
§ Se não resultar do testamento, não há essencialidade, e o testamento não é anulável
pelo erros sobre os motivos.
o Erro na indicação da pessoa ou dos bens (art. 2203.º): regime resultante de um cruzamento
entre o regime do erro de escrito/cálculo (art. 249.º) com o regime da falsa demonstratio non
nocet (art. 236.º, n.º 2).
INTERPRETAÇÃO DO TESTAMENTO
O art. 2187.º consiste numa regra específica de interpretação dos testamentos, afastando-se da regra geral
do art. 236.º (se temos uma regra especial que nos diz como é que se interpreta o testamento, significa que
vamos deixar de aplicar a regra geral do Art. 236º).
• Não faz sentido nenhum a opinião de alguns profs. como o Jorge Duarte Pinheiro à Dizem que se eu
não conseguir chegar a um sentido pelo Art. 2187º, devo aplicar o Art. 236º.
o Para o prof. FOS, não faz sentido, porque, pelo Art. 2187º vou chegar sempre a um sentido, o
sentido mais aproximado com a vontade real. Não havendo lógica em concorrer os dois
regimes – vou chegar sempre a um resultado, pese embora possa chegar a vários sentidos
subjetivos interpretativos possíveis à Aí, o problema é o de saber se devo convocar o Art.
237º (nos casos de dúvida, nos NJ onerosos, deve prevalecer a interpretação menos gravosa
para o equilíbrio das prestações; no caso dos NJ gratuitos, deve prevalecer a interpretação
menos gravosa para o disponente).
§ Prof. Menezes Leitão: rejeita esta solução;
§ Prof. CF e FOS: Dizem que sim.
121
• Assim, ao passo que o Art. 2187º vai afastar a aplicação do Art. 236º, não vai afastar a aplicação do
Art. 237º, ou mesmo a aplicação de outros regimes da parte geral relativos à interpretação de NJ,
como o Art. 238º.
É admitida prova complementar, mas não surtirá qualquer efeito a vontade do testador que não tenha no
contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa (art. 2187.º, n.º 2).
• Prova complementar: Provas admitidas na parte geral como prova (ex.: testemunhas, perícias, etc.).
• É admitida prova complementar, mas não sortirá qualquer efeito a vontade do testador que não tenha
no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa.
o Ex.: Nós somos 4 melhores amigos solteiros, que vivem todos na mesma casa. Há um que
morre e inclui no testamento 2 deles, deixa outro de fora. O outro alega que, a vida toda, ele
disse que ia fazer um testamento a favor de todos os amigos. Arranja testemunhas que dizem
que o autor da sucessão disse inclusive, no leito da morte, que fá-lo-ia herdeiro.
§ Não se pode dizer que esta pessoa é herdeira, porque não há apoio no texto do
testamento.
• Questão diferente seria a realização de integração do testamento, mas aí
estamos fora do domínio da interpretação do testamento.
INTEGRAÇÃO DO TESTAMENTO
No exemplo supra, a maior parte da doutrina diz que não poderia haver integração, porque a vontade de
uma pessoa em princípio não tem lacunas.
• Os casos normalmente discutidos são deste cariz:
o Ex.: Eu faço um testamento aos 65 anos, porque acho que nessa altura já não vou ser pai, mas
sim avô. Acontece que aos 73 anos sou pai, mas aos 65 eu pensava que, tendo 3 filhos, havia
de morrer com 3, fazendo um testamento deixando os meus bens repartidos pelos 3. Morro
e abre-se o testamento. No meu testamento fiz legados específicos aos meus herdeiros
legitimários, com exceção do último filho, levantando a dúvida acerca do motivo pelo qual eu
não fiz o legado. Foi porque não pude? Porque me esqueci? Podemos conjeturar várias
situações – se fôssemos através da interpretação complementadora, tínhamos de demonstrar
que a vontade hipotética do testador era também deixar àquele filho.
§ O prof. FOS tem as suas reservas.
§ Se, pelo contrário, tivesse falecido no dia em que nasceu o filho, então com mais
certezas poder-se-ia dizer que não alterei o testamento, porque não pude, sendo
mais facilmente admissível a interpretação complementadora.
• A doutrina portuguesa tem feito uma distinção: Distingue entre disposições testamentárias
meramente acessórias/não ssenciais (prendem-se com aspetos acessórios do testamento, como
substituições, ou a imposição de certas formas de fazer a partilha – são elementos de execução do
testamento) ou essenciais (que fazem alguém herdeiro ou legatário).
o Assim, a doutrina tem admitido interpretação complementadora no âmbito de disposições
acessórias.
153
NOTA: o prof fez questão de ressalvar várias vezes que temos de remeter a TGNJ.
122
Na aposição destas cláusulas está em causa a proteção dos herdeiros e legatários da vontade do
testador. O testador consegue exercer poder sobre os sucessíveis sujeitando os benefícios que poderão auferir
a determinadas condições. Assim, e em linha com o princípio geral, o negócio jurídico testamento é
condicionável (art. 2229.º, que determina que a condição poderá ser suspensiva ou resolutiva).
Como primeira nota, a condição física ou legalmente impossível considera-se não escrita e não
prejudica o herdeiro ou legatário, salvo declaração do testador em contrário (art. 2230.º, n.º 1). Nesse sentido,
o facto de se considerar a condição não escrita não afeta a validade da deixa ou do testamento 154 e,
consequentemente, a posição do herdeiro ou do legatário, salvo declaração do testador em contrário155.
A condição contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes (ou o fim) tem-se
igualmente por não escrita, ainda que o testador haja declarado o contrário, salvo o disposto no artigo 2186.º
(art. 2230.º, n.º 2) à estas são as mais importantes.
Embora não seja dito, esta condição nunca prejudica o herdeiro/legatário, ainda que o testador tenha
vontade de o prejudicar. Estamos perante situações nas quais o testador está a exercer poder sobre o
beneficiário da deixa, cujo exercício carece de ser controlado. O legislador exceciona a disposição do art.
2186.º, relativo à contrariedade do testamento como um todo à lei, ordem pública ou bons costumes.
Ex. Eu posso deixar uma coisa a um determinado herdeiro para ele matar alguém. Podemos dizer que a
condição é contrária à lei ou aos bons costumes, pelo que vamos ter regimes para tal. Pode, contudo,
acontecer que não seja verdadeiramente uma condição, mas outro tipo de cláusula, também ofensiva dos
bons costumes ou ordem pública. Porque é que a questão dos fins é importante?
§ Dizia-se que não se podia deixar à amante, o que o prof. FOS até considera ser inconstitucional, por
não fazer sentido que a mulher e a amante fizessem a partilha juntas.
§ O mesmo é dizer que deixar à amante não é nulo, nem porque essa pessoa está incapacitada de
receber, nem porque possa constituir uma limitação à autonomia privada – não parece haver nenhum
atentado no âmbito dos limites do objeto do NJ.
o Caso alemão: Testador brincalhão deixou metade da casa à mulher e metade à amante.Na
prática, este autor da sucessão estava a forçar que estas duas pessoas convivessem, que
estivessem numa comunhão. Assim, os tribunais alemães vieram dizer que o fim desta
cláusula é contrário aos bons costumes - não a cláusula em si, mas a finalidade é contrária aos
bons costumes.
Quanto às condições contrárias à lei, o legislador enumera um elenco exemplificativo “cláusulas
semelhantes”: consideram-se contrárias à lei a condição de residir ou não residir em certo prédio ou local, de
conviver ou não conviver com certa pessoa, de não fazer testamento, de não transmitir a determinada pessoa
os bens deixados ou de os não partilhar ou dividir, de não requerer inventário, de tomar ou deixar de tomar o
estado eclesiástico ou determinada profissão e as cláusulas semelhantes (art. 2232.º). É também contrária à
lei a condição de que o herdeiro ou legatário celebre ou deixe de celebrar casamento (art. 2233.º)156.
§ A Ideia geral aqui é proteger a vontade do testador da influência de terceiros. Aqui a ideia é a de
proteção de terceiros face ao poder ou coação por parte do testador, por isso, temos uma situação
de limitação do poder do testador.
154
FAZER O PARELELO COM TGNJ: Desvio da regra geral: na regra geral do NJ existe o princípio básico de que a nulidade
da condição (seja suspensiva seja resolutiva) arrasta com ela a nulidade de todo o NJ à não existe redução, entende-
se que as partes só quiseram celebrar o NJ assim.
155
“Salvo declaração em contrário” – o AS pode estabelecer que quer que caia o testamento.
156
Ver também a do 2234º.
123
§ Todas as disposições contrárias à lei têm um denominador comum: elas opõe-se às liberdade
fundamentais e essenciais dos herdeiros157.
o Ex: deixo quota disponível ao meu neto desde que ele não seja sócio do porto.
§ É herdeiro ou não? Esta cláusula é contraria à lei, mesmo não estando elencada, mas
é semelhante, pois visa limitar a liberdade. Se for contrária à lei, temos de conjugar
com o 2230º, nº2, o neto é herdeiro, porque a cláusula tem-se por não escrita.
o Ex2: “És meu herdeiro se não casares com....”, “és meu herdeiro se não exerceres uma certa
profissão”
§ Mas será que a cláusula não limita sempre a liberdade? Não, neste caso, só se aplica
as “semelhantes”.
• Há uns tempos foi decidido no STJ decidido um caso sobre um senhor que
tinha prédios arrendados e as pessoas que lá viviam tentaram esbulhar este
senhor e disseram que eram proprietários dos prédios. O AS disse que ia
deixar os prédios a duas associações, estando estes proibidos de alienar (cabe
no artigo) às pessoas que tentaram ficar com os bens (por inversão do título
da posse). Diz ainda que não pode alienar não só a estes, mas aos sues filhos
e qualquer descendente. Será isto válido?
o Ele não proíbe as associações de alienar em geral, apenas de alienar
a certas pessoas. Temos de perceber se a limitação que o AS impõe
é fundamentada ou não.
§ Se for apenas capricho caberá no 2232º, mas aqui não é
assim.
o O senhor não quer que nunca sejam proprietárias as pessoas que
tentaram ficar com o prédio (nem mesmo através de filhos), existe
racionalidade, é justificável.
§ Se for desproporcionada, desrazoável – não é possível.
§ Assim, temos olhar sempre para fundamentação da cláusula
e fazer um juízo de proporcionalidade.
• Assim, temos sempre de olhar à condição: temos de perceber se é lícita ou ilícita e voltar ao artigo
2230º e perceber se cabe no nº1 ou nº2, sabendo que em princípio estas têm-se por não escritas.
Quanto à aponibilidade dos termos158 , o testador pode sujeitar a nomeação do legatário a termo inicial; mas
este apenas suspende a execução da disposição, não impedindo que o nomeado adquira direito ao legado
(art. 2243.º, n.º 1). Pretende-se com isto garantir que o leque de sucessíveis está imediatamente fixado no
momento da abertura da sucessão, fundamental para o pagamento de dívidas ou para a administração da
herança.
A declaração de termo inicial na instituição de herdeiro, e bem assim a declaração de termo final tanto na
instituição de herdeiro como na nomeação de legatário, têm-se por não escritas, exceto, quanto a esta
nomeação, se a disposição versar sobre direito temporário (art. 2243.º, n.º 2). Quantos aos direitos
temporários, destaca-se o direito de usufruto.
A respeito dos modos, este são admitidos em testamentos (art. 2244.º), sendo-lhes aplicável o regime das
condições impossíveis e contrárias aos vários parâmetros de juridicidade (art. 2230.º) – logo, por regra, tem-
se como não escrito, depois temos de reconduzir ao nº1 e nº2159.
157
Nota: muitos autores alemães chegam a soluções parecidas com a do artigo através dos direitos fundamentais.
158
Segundo a Sofi, o Prof “nem leu” pelo que tirei a explicação na integra do Ricardo.
159
Ex. eu deixar dinheiro para a pessoa continuar na droga.
124
No caso de o herdeiro ou legatário não satisfazer os encargos, a qualquer interessado é lícito exigir o seu
cumprimento (art. 2247.º + 817.º e ss.). O que temos previsto no artigo 2248º160 é que quando a condição é
válida, ou ela se suspende, ou então renova-se, ope-legis.
§ Art 2248º, nº1: Qualquer interessado pode também pedir a resolução da disposição testamentária
pelo não cumprimento do encargo, se o testador assim houver determinado, ou se for lícito concluir
do testamento que a disposição não teria sido mantida sem o cumprimento do encargo.
o Ou seja, diz que só pode haver resolução da deixa quando o testador tenha expressamente
previsto isto ou pelo testamento percebemos que essa seria a vontade do autor da sucessão.
§ Art 2248º, nº2: Sendo resolvida a disposição, o encargo deve ser cumprido, nas mesmas condições,
pelo beneficiário da resolução, salvo se outra coisa resultar do testamento ou da natureza da
disposição.
§ Art. 2248.º, n.º 3: Este direito está sujeito a prazos de caducidade: 5 anos sobre a mora do
cumprimento do encargo e, em qualquer caso, 20 anos desde a abertura da sucessão.
O PROFESSOR SALTOU OS LEGADOS – VOU DEIXAR AQUI DO RICARDO PARA QUEM QUEIRA LER.
Os legados consistem em deixas testamentárias que tem por objeto uma coisa certa e determinada.
A aceitação e repúdio dos legados foi tratada em lugar próprio, cabendo-nos analisar agora o seu conteúdo, a
sua extensão e a sua forma de cumprimento.
Os artigos 2251.º a 2263.º tratam de diversas modalidades de legados, o que nos permite desde já
concluir que nem sempre os legados tem por objeto coisas certas e determinadas (ex. legado do recheio de
uma casa – universalidade de facto, abrange um conjunto de coisas certas e indeterminadas). Nesse sentido,
podemos distinguir dois grandes tipos de legados, em função dos efeitos por si produzidos:
• Legados dispositivos: legados cujo efeito se dá automaticamente, com a abertura da sucessão, a
transmissão da coisa legada. Para haver a transmissão da propriedade, é preciso que a coisa seja certa
e determinada, porque caso contrário não se dá o efeito de transmissão da propriedade;
• Legados obrigacionais: não operam a propriedade sobre uma coisa ou um bem, criam antes uma
obrigação para a herança (ex. legado de coisa genérica, art. 2266.º).
Nos termos do art. 2098º os legados são encargos da herança e quem cumpre os encargos da herança
são os seus herdeiros (art. 2265º CC). Nos legados dispositivos já operou a transferência de propriedade para
o legatário, pelo que este apenas terá de exigir os herdeiros a entrega de um objeto que já lhe pertence (ideia
de cumprimento na forma de entrega da coisa). Já nos legados obrigacionais a ação de cumprimento é
constitutiva da transmissão da propriedade – a propriedade sobre o bem legado só será transferida para a
esfera do herdeiro no momento do cumprimento. A respeito dos legados de coisa genérica, o legislador
confere o direito de escolha ao herdeiro (responsável por cumprir o legado), salvo se o testador tiver atribuído
a escolha ao legatário ou a terceiro (art. 2266.º, n.º 1).
Nos legados obrigacionais o legislador consagra um regime específico de entrega do legado (art.
2270.º, 1ª parte): na falta de declaração do testador sobre a entrega do legado, esta deve ser feita no lugar
em que a coisa legada se encontrava ao tempo da morte do testador e no prazo de um ano a contar dessa
data.
Caso a herança seja insuficiente para o pagamento dos legados, estes serão pagos rateadamente (art.
2278.º, 1ª parte). Excetuam-se os legados remuneratórios (legados cuja função é o cumprimento de uma
dívida), que são considerados como dívidas da herança e, como tal, terão de ser pagos primeiramente face
aos demais (primeiro pagam-se as dívidas e só depois cumprem-se os legados, art. 2068.º, n.º 1).
Quanto à sua extensão, na falta de declaração do testador em contrário os legados abrangem as
benfeitorias e partes integrantes (art. 2269.º).
Pro último, o legislador permite ao legatário reivindicar de terceiro a coisa legada, contando que esta
seja certa e determinada (art. 2279.º). Durante muito tempo, no Direito Português, discutiu-se se esta ação
160
IMPORTANTE.
125
de reivindicação era apenas contra terceiros (como se diz no artigo), ou se também deveria ser feita contra os
próprios herdeiros que não entregavam a coisa. Tem se entendido que mesmo nos legados dispositivos, que
transmitem a propriedade, temos de colocar uma ação de cumprimento (de entrega da coisa) e não uma ação
de reivindicação (esta é apenas quando o objeto do legado está em terceiros). Assim, só tem direito a
reivindicar, nestes termos, os legatários face a terceiros.
NULIDADE E ANULABILIDADE
O regime geral da nulidade e anulabilidade está ancorado no artigo 286º do CC, mas existem desvios, sendo
que muitos estão no Direito das Sucessões.
• A doutrina mais antiga dizia que existiam invalidades mistas/atípicas (285º CC), que consubstanciavam
uma mistura entre os dois regimes:
o Nulidade: de conhecimento oficioso, arguido por todos os interesses, não é sanável
o Anulabilidade: não é de conhecimento oficioso, só os previstos na lei podem invicar, é sanável
por confirmação.
A maioria da doutrina entende que o regime regra da invalidade no direito das sucessões consta dos artigos
2308.º e ss. Assim, na falta de regime específico em matéria de nulidade ou anulabilidade do testamento,
seguiremos este regime.
• 2308º: vigora um prazo distinto do regime geral, pois aqui vigora um prazo de 2 anos, ao invés de um
ano.
• 2309º - desvio do regime geral à pois não há desvio quando dizemos de anulabilidade é suscetível de
confirmação, mas aqui dizemos que a nulidade é suscetível de confirmação.
o Ex: encontro um papel do meu pai que diz que deixa a casa a amigo Zé Carlos – isto não é
válido para efeitos sucessórios, pois não se verificam as formalidades, não cumpre as regras
relativas à forma. Quando muito é testamento cerrado, mas para isto tinha de ser assinado,
homologado, etc.
§ Se eu agarro casa e dou a Zé Carlos o que acontece? Aqui confirmei, de forma tácita,
o testamento nulo. Estou a dizer que é válido.
§ Há doutrina em Portugal que considera esta solução inadmissível, dizendo que nem
todas as nulidades podem ser confirmadas. Há nulidades, que na realidade, são
inexistências, não sendo suscetíveis de confirmação à as regras relativas à forma e
capacidade nunca podem ser confirmáveis.
§ Não parece existir à luz do direito português casos de inexistência, a nível do direito
das sucessões, nem a lei parece dizer que há nulidades insuscetíveis de confirmação,
pois refere-se a todas.
• Assim, para FOS, prima facie há uma sanação da invalidade nestes casos.
o Deste modo, se eu for passado uns anos ter com o Zé Carlos pedir de
volta não posso, pois confirmei um testamento nulo. Nota: claro que
um bom advogado consegue dar a volta a isto através do erro, visto
que está em causa uma declaração negocial.
• 2310º161 - Nesta matéria, o testador não pode proibir que seja impugnado o seu testamento nos casos
em que haja nulidade ou anulabilidade
o Só um testador estupido é que faz esta proibição de impugnação diretamente, mas há quem
faça através do testamento incentivos. FOS considera que este incentivo é inválido – “só és
meu herdeiro na condição de não impugnares o testamento” – esta condição bate de frente
com o 2310º, pois não limito de forma direta, mas desincentivo, estou a criar uma dificuldade.
161
IMPORTANTE
126
o Assim, não abrange apenas situações em que se proíbe, mas também situações em que
dificulta/cria incentivos a o herdeiro não impugnar o testamento.
o Pretende-se evitar que o testador inclua cláusulas que visem de alguma forma
desencorajar os herdeiros a impugnarem testamentos para, designadamente,
pedirem reduções por inoficiosidade ou a pedirem a declaração de nulidade/anulação
do testamento.
EXTINÇÃO
No 2311º e ss encontramos as regras regulamentares de extinção do testamento.A regra geral de extinção
do testamento consta do art. 2311.º: o testador não pode renunciar da faculdade de revogar o testamento,
de forma total ou parcial, sob pena de a cláusula se considerar por não escrita. Pretende-se com isso proteger
a livre revogabilidade do testamento e a atualidade do autor da sucessão.
Poderemos ter uma revogação expressa (art. 2312.º), em que o testador declara em testamento posterior
que o testamento anterior está revogado, em todo ou em parte; e ainda uma revogação tácita (art. 2313.º),
através de incompatibilidades totais ou parciais entre o testamento posterior e o testamento anterior.
Assim:
1) Expressa - faço testamento hoje e no dia seguinte faço outro testamento que digo que revoga
o anterior
2) Tácita - entre um testamento ou vários testamentos há uma incompatibilidade material.
a. Ex: Testamento 1 – deixo a minha casa a A; testamento 2 – deixo a minha casa a
B
b. Na maioria das vezes não é total, mas sim parcial, assim posso ter vários
testamentos. Nesta situação, a interpretação implica a interpretação de vários
testamentos, para perceber a vontade do autor da sucessão.
Dentro da revogação do testamento releva ainda o regime da revogação do testamento revogatório (art.
2314.º). Em nome da tutela da autonomia do testador, caso o testamento posterior seja revogado por um
terceiro testamento, o testamento inicial só será repristinado se o autor da sucessão o afirmar expressamente.
Caso contrário, a revogação expressa ou tácita produz o seu efeito, ainda que o testamento revogatório seja
revogado.
Ex. Testamento A , a seguir testamento B. O testamento B revoga o testamento A. o testamento C revoga o B.
quid iuris ?
• 1 hipótese: repristinação – se revogo a minha intenção de revogar, isto pode ser interpretado pelo
legislador como intenção de que o testamento A recuperasse os seus efeitos.
o Mas a lei diz que a regra supletiva é contrário. Imaginemos que o primeiro testamento faz o
herdeiro B , herdeiro universal e depois acontecessem aquelas vicissitudes. Neste caso, o B
não é herdeiro e abre-se a sucessão legítima, pois não há testamento.
• A não ser que (n°2) o testador declarar a vontade de repristinar
No 2135º, nº1 temos a seguinte situação ainda: Se tivermos um testamento cerrado e tiver filhos não convém
que eles brinquem com o testamento: considera-se revogado, salvo as exceções previstas na lei.
162
Exemplo: deixo uma coisa ao A, que morre antes de mim e não tem representantes, essa deixa testamentária
desaparece.
127
b) Se a instituição ou nomeação estiver dependente de condição suspensiva e o sucessor falecer antes de a
condição se verificar163;
c) Se o instituído ou nomeado se tornar incapaz de adquirir a herança ou o legado: na sucessão testamentaria
só há direito de representação no caso de ele repudiar ou se for pré-morto, logo não há possibilidade de
direito de representação quando este é incapaz.
d) Se o chamado à sucessão era cônjuge do testador e à data da morte deste se encontravam divorciados ou
separados judicialmente de pessoas e bens ou o casamento tenha sido declarado nulo ou anulado, por
sentença já transitada ou que venha a transitar em julgado, ou se vier a ser proferida, posteriormente
àquela data, sentença de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou
anulação do casamento;
e) Se o chamado à sucessão repudiar a herança ou o legado, salvo havendo representação sucessória.
• Para efeitos do 2162º contam todas as doações, sejam elas feitas a descentes, ao cônjuge, a outro
herdeiro ou a terceiro – pois o que estamos a fazer neste artigo é a calcular um valor ficcional da
herança. Não interessa se são doações sujeitas à colação e independentemente da quota onde
imputam. Porque primeiro cálculo o valores a herança para calcular o valor da legitima objetiva.
o Se excluísse algumas doações estaríamos a pôr em causa a legitima objetiva que assiste aos
legitimários.
o A imputação só se faz depois de calcular a legitima objetiva.
a. Legitima Objetiva – porção de bens que o autor não pode dispor 2156;
b. Legitima Subjetiva – porção da legitima objetiva que cabe a cada herdeiro legitimário.
Nota: se recebesse menos de ¼ de 2/3 aplicávamos a regra que o rodrigo disse que para o
cônjuge fica ¼ da legitima objetiva e o resto divide-se pelos outros herdeiros.
163
Nestes casos, está salvaguardada a representação, ainda que alguns autores digam que pode funcionar o direito de
acrescer.
128
o 3 elementos ativos:
Notas:
§ O prof gosta que se siga a enunciação da letra do artigo 2162º, escola de lisboa.
§ O FOS não concorda.
Só chego a valores diferentes se o passivo for superior, se a herança for insolvente. Em casos de
solvência vai dar sempre o mesmo valor.
• Berta encontrava-se separado de facto o que não é relevante para efeitos do art.2133º. Não afasta
Berta da sucessão. Pode haver divórcio decretado após o óbito, não podemos inicia-la mas podem
prossegui-la. São admitidas renunciações nupciais à herança.
• Art.2159º/1- Sobrevivendo cônjuge e filhos a legítima objetiva164 é de 2/3 ( quota indisponível)= quota
disponível é de 1/3.
• Art.2157º- regras do art.2133º e seguintes CC- Estabelece quem são só herdeiros legitimários e
segundo as regras para a sucessão legítima- art.2139º- sucessão é por cabeça, podendo assim calcular
a legítima subjetiva- Ou seja, B, C, D cada um irá ter direito a 1/3 de 2/3 ( analisado individualmente
1/3 de 2/3 para CADA UM DELES).
164
Art.2156º- Porção de bens que o autor da sucessão não pode dispor em vida ou por morte.
129
• Agora sim, vamos começar a concretizar ( ainda só vimos me abstrato quanto é que cada um vai
receber). Como é que eu traduzo uma fração num valor monetário?
o Relictum – 13 Milhões
o Dívidas- 3 milhões167
• Valor que serve de base de cálculo à legítima: segundo o art.2162º tenho de fazer – 13+2-3= 12
milhões. Neste caso é indiferente a escola de coimbrã ou de lisboa ( só releva para os casos em que a
herança é deficitária, caso contrário o valor é sempre o mesmo).Mas devemos mencionar. Contudo-
R +D-P= 12 e R-P+D= 12
Ø Colação aplica-se em relação aos descendentes que à data da doação eram presuntivos herdeiros
legitimários- art.2105º CC.
Ø Presuntivo herdeiro legitimário- se o autor da sucessão morresse naquele momento quem seria
sucessível prioritário, se fosse prioritário é um presuntivo herdeiro legitimário.
Ø Art.2104º- Igualização da partilha, fala em bens doados. São havidas como doação168 as despesas do
art.2010º- mas atenção que a doação é um contrato pelo qual eu tenho um doador e um donatário,
uma despesa significa que o autor teve um gasto em benefício de outra pessoa ( quantos os meus pais
me pagam o casamento e lua de mel)- o que a lei faz é equipará-las, mas o prof David chama a atenção
que não se trata de sinónimos, até porque as despesas têm um regime próprio nos termos do
art.2010º. Há um conjunto de despesas que a lei exclui do regime ( educação por exemplo)- atenção
que tem de ser relacionada com a condição económica e social do autor da sucessão- se não for passa
a entrar para as contas outra vez ( gosto mais de um filho do que de outro, neste caso pago um
casamento de arromba a um filho, contraiu uma dívida enorme e ao outro filho paga um casamento
simples ou nem paga de todo).
165
Para calcular o valor da legítima a lei pede que eu tenha de considerar as doações em vida
166
Valor dos bens doados e despesas sujeitas à colação os dois juntos correspondem ao Donatum
167
Os legados não devem ser contabilizados, porque seria um benefício desproporcionados aos legatários. Os legados
saem da quota disponível, não sendo por isso contabilizados nas contas da herança.
168
Atenção que a doações indiretas também e consideram- exemplo: pai que paga uma dívida bancária a um filho.
130
1. António, casado no regime se separação de bens, faleceu no dia 1 de dezembro de 2020, sobrevivendo-
lhe a sua mulher Berta, com quem casou em segundas núpcias, o filho Carlos e a filha Diana, ambos do
primeiro casamento. Sabendo:
i) Que momento da abertura da sucessão, deixou bens avaliados no valor de 13 milhões de euros;
iii) Que, em 2019, António doou a Diana as joias da mãe, avaliadas em 500 mil euros, tendo afirmado que as
doava “porque queria ter a certeza que ficavam para a filha, cumprindo-se a vontade da mãe”;
iv) Que, em 2000, António a doou a Carlos dois terrenos, em conjunto avaliados em 1,5 milhões de euros;
• Para efeitos do 2162º contam todas as doações, sejam elas feitas a descentes, ao cônjuge, a outro
herdeiro ou a terceiro – pois o que estamos a fazer neste artigo é a calcular um valor ficcional da
herança. Não interessa se são doações sujeitas à colação e independentemente da quota onde
imputam. Porque primeiro cálculo o valores a herança para calcular o valor da legitima objetiva.
o Se excluísse algumas doações estaríamos a pôr em causa a legitima objetiva que assiste aos
legitimários.
o A imputação só se faz depois de calcular a legitima objetiva.
c. Legitima Objetiva – porção de bens que o autor não pode dispor 2156;
d. Legitima Subjetiva – porção da legitima objetiva que cabe a cada herdeiro legitimário.
Nota: se recebesse menos de ¼ de 2/3 aplicávamos a regra que o rodrigo disse que para o
cônjuge fica ¼ da legitima objetiva e o resto divide-se pelos outros herdeiros.
131
o 3 elementos ativos:
Notas:
§ O prof gosta que se siga a enunciação da letra do artigo 2162º, escola de lisboa.
§ O FOS não concorda.
Nota: Só chego a valores diferentes se o passivo for superior, se a herança for insolvente. Em
casos de solvência vai dar sempre o mesmo valor.
• Para eu poder fazer a partilha tenho de ver se estou no âmbito de aplicação da colação ou não.
• O autor da doação fez uma doação a Carlos e a Diana
• Vamos começar pela doação de Carlos. A doação está sujeita à colação?
o 1º, objetivamente, está sujeito à colação? 2º depois o autor da sucessão pode ter excluído
ou a lei pode presumir que não está sujeita à colação.
o 2104º, nº1 + 2105º
o A colação tem o objetivo de equilibrar a partilha, tem como ideia subjacente de que as
doações são antecipação do quinhão hereditário, a menos que a vontade do autor seja
outra.
o Depois à questão do âmbito subjetivo do sujeito à colação – Ex: se cônjuge está sujeito à
colação ou não.
o Determinados o âmbito objetivo e damos de barato o subjetivo, visto que são
descendentes.
132
o Posso imediatamente concluir que está sujeito à colação? Não. Necessário aceitar entrar +
ver se há dispensa da colação ou não (artigo 2113º, nº1)
Þ 2018º - “na quota hereditária”. Não diz indisponível pois pode ultrapassar,
evidentemente que começamos pela indisponível.
Þ Se valor da doação exceder o valor da quota indisponível é imputado na
disponível.
§ A colação também pode ser por restituição dos bens, ou seja, trago os bens para o
relictum, o beneficiário devolve os bens à herança, muito rara, necessário acordo
pois podem ter interesse no valor e não no bem, porque houve depreciação do
bem. Assim, geralmente a colação faz-se por imputação
Þ A colação visa uma igualação tendencial, mas não garante a igualação absoluta,
posso terminar esse exercício e chegar à conclusão que há descendentes a
receber mais do que os outros no computo.
Þ Até onde é que aceito esta desigualdade? se eu chegar à conclusão que as
doações feitas em vida não me permitem preencher a legitima subjetiva dos
descendentes não é a colação que resolve o problema mas é um regime de
redução por inoficiosidade.
§ B= 2,6;
§ C=2,6;
§ D=2,6
§ B=1,33;
§ C=1,33;
§ D=1,33
Nota: só recebe isto, se o autor da sucessão não tiver disposto sobre ela em vida ou
por morte
133
o O Carlos recebeu 2 imoveis no valor de 1,5 Milhões
• A Diana recebeu 500 mil euros em joias, não é preciso formalid ade para fazer doações das joias,
basta tradição. Está em causa uma doação manual, onde se presume que há dispensa de colação
artigo 2113º, nº3), logo os 0,5 milhões imputam-se na quota disponível.
o Retirei do relictum zero.
• O que faço aos 3,52 milhões? Divido em 3 partes iguais = 1,17, porque houve intensão de beneficiar.
• 1,17 em cada quota disponível.
• O autor da sucessão decidiu doar + 0,5 à diana.
• 1,17 x 3 + 0,5 = 4,01 = QD diana.
• Assim, não vai igualar absolutamente, pois presume-se que o autor quis beneficiar a Diana.
• Nota: embora o 2104º equipare as doações e as despesas são iguais, temos de distinguir!
• As doações em vida não saíram do relictum, estamos a imputar.
Imaginemos que Carlos recebe terrenos que valem 4 milhões e dispensou da colação.
o O valor da herança é 12
o Valor da QI = 2/3 x 12 = 8
o Valor QD = 1/3 x 12 = 4
o A doação feita a 3º é imputado na quota disponível
o A doação feita a terceiro é superior ao valor da quota disponível
134
o Assim, no relictum não vai haver suficiente para pagar as legitimas objetivas que são 8 e no relictum
só tenho 6
o Os herdeiros podem aceitar ou podem atacar o valor pelo regime de redução por inoficiosidade
o 2174º - termos em que se efetua a redução.
§ 2174º, nº1 – se são divisíveis vou dividir o próprio bem para que os herdeiros legitimários
recebam os dois que faltam.
§ 2174º, nº2 – A ofensa à legitima é superior a metade do valor da doação? A ofensa foi de
dois, logo não chega a metade do valor da doação. Assim, o donatário fica com o bem, mas
tem de devolver 2 milhões aos herdeiros legitimários.
Assim, se eu terminar um exercício dizendo que só um herdeiro recebe a quota disponível é tudo bem,
desde que o valor corresponda no máximo ao limite da quota disponível. Agora se ultrapassar o limite da
quota disponível está em causa uma situação de redução por inoficiosidade.
o 2171º - estabelece a ordem da redução, a ordem começa pelos herdeiros. Não se pode juntar os
herdeiros e os legados.
o 2172º
o 2173º - ideia de que se começa nas mais recentes e só se ataca as mais antigas se necessário.
o Aplica-se o regime tal e qual
ACABOU SUCESSÕES, OBRIGADA POR TODA A AJUDA DURANTE O SEMESTRE, A TODAS – ESTAMOS QUASE
DE FÉRIAS HIHI - BOA SORTE PARA O EXAME CARAIIII – DA VOSSA AMIGA, CARMITO ❤ - DESCULPA MARY
PELO QUE SE SEGUE:
135