Caderno Filosofia Da Arte Ae Clube Das Ideias 11
Caderno Filosofia Da Arte Ae Clube Das Ideias 11
Caderno Filosofia Da Arte Ae Clube Das Ideias 11
SUMÁRIO
ANTES DE COMEÇAR…
O termo estética tem as suas raízes na expressão grega aisthesis, que significa «perceção através
dos sentidos e/ou dos sentimentos». A estética, embora tão antiga quanto a filosofia, só aparece como
disciplina filosófica a partir do século XVIII, por volta de 1750, sendo o filósofo alemão Alexander
Baumgarten (1714-1762) o responsável por tal facto. Por estética Baumgarten referia-se à disciplina
que tenta sistematizar racionalmente a diversidade de experiências da beleza na arte, considerando
assim a estética uma teoria do conhecimento sensível. A estética seria então uma ciência da
sensibilidade e, consequentemente, uma capacidade dos órgãos dos sentidos para apreciar a beleza.
Eis alguns dos problemas sobre os quais a estética se debruça: O que é o belo? O que é uma
experiência estética? O que é um juízo estético?
A filosofia da arte ultrapassa o domínio da estética. Embora com pontos em comum, são disciplinas
distintas. O desenvolvimento das artes levou a que surgissem novos problemas que não estavam já
no âmbito da estética: O que é a arte? O que é um objeto artístico? Como se avalia uma obra de arte?
Estas são algumas das questões que se integram na filosofia da arte.
CONCEITOS NUCLEARES
Estética: Nasce a partir do momento em que a crítica do «gosto», ou seja, a reflexão sobre as
condições que permitem avaliar algo como belo, substitui qualquer dogmática do belo. Emprega-se
vulgarmente como sinónimo de belo ou como designação daquilo que se refere à beleza. A estética
corresponde à teoria da sensibilidade, à beleza, particularmente à beleza artística, e, por extensão, à
reflexão que se aplica à arte.
TEXTO 1
A questão acerca da natureza da arte é antiga.
Nasceu com Platão e daí para cá não tem
deixado de, uma ou outra vez, inquietar os
filósofos. Mas na segunda metade do século XX
esta questão impôs-se como inadiável, em
grande parte devido às surpreendentes e
filosoficamente perturbantes mutações que iam
acontecendo na prática artística. A perplexidade
era compreensível. Até aí, quase toda a gente
sabia como decidir se um objeto era ou não uma obra de arte porque a diferença entre as obras de
arte e os outros objetos era explicitamente exibida nas próprias obras pela via de propriedades de
forma e conteúdo. Por exemplo, era uma condição necessária, para que uma coisa fosse uma pintura
ou uma escultura, que fosse uma imagem, a duas ou três dimensões, de um objeto ou acontecimento,
real ou fictício. Aquilo a que hoje chamamos arte abstrata não seria admitido como arte por não
satisfazer este requisito. A música combinava sons de acordo com regras respeitantes à harmonia,
melodia e ritmo, e modalidades estabelecidas, como a sonata, a fuga e a sinfonia. Assim, as obras de
Cage ou Stockhausen não se enquadrariam nesse domínio. A literatura, o teatro e a dança obedeciam
também a regras próprias e não havia qualquer lugar no sistema das artes para realidades como os
happenings, os objects trouvés, os ready-made ou a arte conceptual. «Objeto ansioso» foi a
expressão inventada pelo crítico de arte Rosenberg para designar a espécie de criação artística que
visa deliberadamente manter-nos na incerteza sobre se é ou não uma obra de arte. O mais célebre de
todos foi A Fonte, de Duchamp, mas outros apareceram depois dele que continuaram a dividir os
filósofos quanto à posição que deviam tomar a seu respeito.
C. D’Orey (org.), O que é a arte? A perspetiva analítica, Dinalivro, 2007, pp. 9-10.
Cenário de resposta
1. Trouxe surpreendentes e perturbantes mutações na prática artística. Até aí sabia-se como decidir se um objeto era ou não uma
obra de arte, pois distinguia-se dos restantes objetos pela forma e pelo conteúdo. «(…) Era condição necessária, para ser uma obra
de arte, que fosse uma pintura ou uma escultura, que fosse uma imagem, a duas ou três dimensões, de um objeto ou
acontecimento, real ou fictício. (…) A música combinava sons de acordo com as regras da harmonia, melodia e ritmo», por
exemplo. A arte do século XX trouxe para o seu seio objetos estranhos como os happenings, os objets trouvés, os ready-made ou a
arte conceptual.
Segundo o texto, a arte da segunda metade do século XX veio pôr em causa os critérios que até então
permitiam determinar o que era ou não arte.
VAMOS DEBATER?
As designadas «obras de nada», isto é, obras com o mínimo de materialidade, feitas virtualmente de
vazio, são um bom exemplo da arte da segunda metade do século XX. Uma das mais conhecidas e
polémicas é, sem dúvida, 4’33’’, de John Cage. A peça, composta em 1952, pode ser executada por
qualquer grupo de instrumentos e está dividida em três movimentos de duração desigual (30’’, 2’23’’ e
1’40’’) durante os quais os intérpretes não tocam rigorosamente nada. A indicação do início e fim de
cada movimento é dada a partir de um qualquer sinal, por exemplo, fechando a tampa do piano para
determinar o seu começo e abrindo-a para indicar o seu término (ou vice-versa). É recomendado que
os instrumentistas estejam concentrados, que marquem o tempo e que virem corretamente as
páginas da partitura. A primeira interpretação desta peça ocorreu em 1952, em Woodstock, pelo
pianista David Tudor. Até que ponto podemos chamar arte a obras como as de John Cage?
https://www.youtube.com/watch?v=JTEFKFiXSx4
https://www.youtube.com/watch?v=klpCX9xoHY4&t=2s
CONCEITO NUCLEAR
Arte: O termo tem como raiz etimológica a palavra grega techné e o conceito latino ars, que
designam a técnica, a perícia, assim como a criação artística, a procura do belo. Enquanto prática, ela
é a realização do artesão, aquele que domina uma arte no primeiro sentido, ou do artista, no qual um
talento ou características particulares o tornam apto a criar a beleza. A arte, no sentido de artesanato
ou de técnica, não deve ser oposta de forma rígida à criação artística, pois ela está longe de se reduzir
à repetição de um gesto irrefletido. A arte que visa a criação do belo liberta-se, à partida, do útil e de
um fim determinado.
A arte foi durante muitos séculos entendida como o território do belo, daí, por exemplo, a designação,
ainda hoje comum, de belas-artes. A beleza correspondia à ordem e à proporção e o feio (ou horrível)
era entendido como ausência de beleza, desordem e assimetria.
A repulsa causada pelo feio resulta, possivelmente, da dificuldade em lidar com o diferente. O feio
causa repulsa, incomoda; o belo atrai, apazigua. Daí que o feio fosse identificado com a imperfeição,
ou ausência de beleza, e o belo com a perfeição.
A arte contemporânea alterou a visão tradicional do belo e do feio, diluiu as fronteiras e as definições.
Esta indeterminação abriu as portas ao diálogo e à convivência entre perspetivas consideradas
incompatíveis, transformando a arte num território de absoluta liberdade.
À esquerda, o retrato do Papa Inocêncio X (1650), do pintor espanhol Diego Velásquez (1599-1660), em estilo realista. O vermelho
e o dourado marcam a imponência e a autoridade da figura. Em 1953, o pintor irlandês Francis Bacon (1909-1992) fez um estudo
sobre o mesmo quadro em que o amarelo dá ao trono a aparência de uma cadeira elétrica e a figura papal parece gritar de dor (à
direita). O horror que Bacon colocou na expressão do Papa diz-nos que ele é humano, falível e mortal.
O CONCEITO DE ARTE
Antes de avançarmos, convém esclarecer que critérios marcaram a evolução do conceito de arte ao
longo dos tempos, o mesmo é perguntar pelas características que um objeto deve ter para ser
considerado arte.
Esta breve viagem permite perceber que a evolução da arte, dos seus critérios e formas tem como
pano de fundo um contexto social, histórico e cultural e que os artistas são, como todos os seres
humanos, produto da sua circunstância.
A perceção desta circunstância coloca-nos um problema quanto a uma consensual definição de arte e
de obra de arte. Se, de uma forma mais objetiva, as idades mais remotas da história nos deram uma
definição, a arte contemporânea contribui para a desconstrução das fronteiras das definições de arte e
obra de arte.
E acrescentar que é:
→ interpretação/compreensão do mundo;
→ expressão e liberdade;
→ comunicação;
→ intermediária entre o mundo interior e o mundo exterior;
→ desejo de imortalidade.
Tudo isto nos ajuda a dizer o que é a arte e a obra de arte, mas não serve para a definir. Em arte
pode fazer-se seja lá o que for, mas nem todo o seja lá o que for é arte. Uma coisa sabemos: a arte
não é invenção, é criação. E isto distingue-a da técnica e da ciência.
O que queremos é uma definição de arte, isto é, saber que características têm em comum todas as
obras de arte. O mesmo é perguntar pelas condições necessárias e suficientes para que um objeto
seja considerado artístico.
Este é um dos problemas centrais da filosofia da arte e ganhou uma enorme centralidade a partir do
momento, mais propriamente com a arte contemporânea, em que uma pluralidade de objetos
passou a poder ser classificado como artístico.
Ensaiemos então uma resposta a este problema através da análise de três das mais importantes
teorias de definição de arte: a teoria da arte como imitação/representação, a teoria da arte como
expressão e a teoria da arte como forma.
Estas três teorias são consideradas teorias essencialistas, uma vez que defendem que existem
propriedades essenciais comuns a todas as obras de arte.
A teoria da arte como imitação tem a sua origem na Grécia Antiga, com os filósofos Platão e
Aristóteles. Embora estes defendam que a arte é imitação, as suas posições são bem distintas.
Platão defende que um objeto é belo pelas suas características intrínsecas, isto é, as características
que se encontram somente no objeto. O belo é belo por si, independentemente do sujeito que o frui.
Platão distinguia a beleza ideal do tipo de beleza a que aspiravam os artistas. Esta beleza
considerava-a prescindível, já que não era autêntica, e daí a sua visão negativa dos artistas que
considerava ilusionistas da beleza ideal, pois a verdadeira beleza, defendia, está nas ideias e não nas
coisas sensíveis, que são meras cópias da realidade.
Para Platão, a arte é sempre imitação (mimesis), é uma reprodução inadequada dos objetos ideais
que lhe estão subjacentes. Nesta medida, considera-a uma aparência sensível do que é representado
e, como tal, nada tem a ver com a verdade. A verdade reside nas ideias; a representação sensível é
mera cópia imperfeita e, como tal, é apenas aparência de verdade.
Aristóteles tem, por seu lado, uma visão mais positiva dos artistas e da arte. Ele, tal como Platão,
afirma que a arte é imitação, porém, essa imitação é verdadeira. Vejamos o que diz.
TEXTO 2
A poesia épica, a tragédia e a comédia, assim como a poesia ditirâmbica e a maior parte da arte de
tocar flauta e lira, são todas geralmente concebidas como imitações. Diferem, porém, entre si, em três
aspetos: os meios utilizados para imitar, os objetos imitados e os modos de imitação. (…) Uma vez
que aquilo que é imitado são os homens a praticar alguma ação, e estes homens são necessariamente
de elevada ou de baixa índole (…), segue-se que os poetas também têm de imitar homens melhores,
piores ou iguais a nós. O mesmo se passa na pintura. (…) Ora, é evidente que cada uma das imitações
atrás referidas revela as mesmas diferenças e cada uma delas, ao imitar objetos que são diferentes,
corresponde a diferentes tipos de imitação. (…) A mesma diferença separa a tragédia da comédia, pois
esta procura imitar os homens piores e aquela melhores do que normalmente são. Há ainda uma
terceira diferença – o modo como se efetua a imitação. De facto, sendo os meios os mesmos, assim
como os objetos, o poeta pode imitar de forma narrativa (…) ou pode imitar apresentando todas as
suas personagens como se vivessem e agissem diante de nós. Como começámos por dizer, estas são,
pois, as três diferenças que distinguem na imitação artística: os meios, os objetos e o modo. Por isso,
de um ponto de vista, Sófocles é um imitador do mesmo tipo que Homero, dado que ambos imitam
pessoas de caráter elevado; de outro ponto de vista, é um imitador do mesmo tipo que Aristófanes,
dado que ambos imitam as pessoas a agir e a fazer coisas (como se estivessem diante de nós).
Aristóteles, Poética, INMC, 1994, 1447a-1448a.
Aristóteles apresenta no texto a distinção que estabelece entre os diferentes tipos de imitação em
função dos meios utilizados para imitar, dos objetos a imitar e dos modos de imitar, sendo que os
diferentes tipos de imitação correspondem às diferentes formas artísticas de então.
Contudo, a teoria da arte como imitação levanta uma série de problemas: não sendo a imitação um
exclusivo da arte, tudo o que é imitação é arte? Ou, que interesse pode ter a arte se se limitar a
imitar? Ou ainda, a imitação de uma obra de arte é ela mesma arte? Isto é, a fraude e a contrafação
podem ser consideradas arte?
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VAMOS DEBATER?
Suponhamos que um falsário recria com perfeição uma obra de Dalí – feita ao estilo exato do mestre,
imaculada até à última pincelada, indetetável como falsa pelos peritos. Normalmente, por melhor que
seja, uma cópia é desprezada, já que não é uma obra do mestre, é uma mera imitação à qual falta a
originalidade e o génio criativo. Mas logo que a obra seja separada das suas raízes, não passarão tais
considerações a ser secundárias? O que responderão os defensores da teoria da arte como imitação?
Se a imitação fosse o critério que separa arte de não arte, a arte ficaria reduzida a um pequeno
número de produções. Acresce que, se o valor estético de uma obra dependesse do seu grau de
aproximação à realidade, o belo artístico seria sempre secundarizado em relação ao belo natural.
Coloca-se, ainda, a questão de saber como se acede à realidade original que está na raiz da obra,
para se conseguir determinar a fidelidade da cópia. Ora, isso, na maior parte das vezes, não é
possível, porque o tempo que separa o momento de criação do momento de contemplação é, ou pode
ser, imenso, assim como não é possível aceder ao objeto original que terá estado na origem da obra.
Para responder a estas objeções, alguns autores propuseram que, em vez de arte como imitação, se
utilizasse a designação arte como representação. Deste modo, e porque o conceito de
representação contém em si o de imitação, torna-se possível classificar como arte, não apenas o que
imita, mas também o que representa (ou simboliza) alguma coisa, e que, por conseguinte, reclama
interpretação. Assim, embora a Ave Maria Schubert, por exemplo, nada imite, o facto é que podemos
argumentar que representa a alegria, introspeção ou esperança e que, por isso, é arte.
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Esta teoria, também conhecida como teoria expressivista, tenta ultrapassar as limitações da teoria da
imitação colocando no criador a chave da compreensão da arte.
TEXTO 3
A atividade da arte é baseada no facto de que o homem, ao receber pela audição ou visão as
expressões dos sentimentos de outro homem, é capaz de experimentar os mesmos sentimentos
daquele que os expressa. O exemplo mais simples: um homem ri e outro homem sente-se alegre; ele
chora e o homem que ouve esse choro sente-se triste; um homem está animado, aborrecido, e outro,
olhando-o, entra no mesmo estado. Com os seus movimentos, o som da sua voz, um homem
demonstra alegria, determinação ou, ao contrário, melancolia, calma – e essa disposição comunica-se
aos outros. (…) A atividade da arte baseia-se nessa capacidade que as pessoas têm de ser
contagiadas pelos sentimentos de outras pessoas. (…) A arte começa quando um homem, com o
propósito de comunicar aos outros um sentimento que ele experimentou certa vez, o invoca
novamente dentro de si e o expressa por certos sinais exteriores. (…) É arte se um homem, tendo
experimentado na realidade ou em imaginação o horror do sofrimento ou a delícia do prazer, expressa
esses sentimentos sobre a tela ou no mármore de tal maneira que outros sejam contagiados por eles.
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E da mesma forma será arte se um homem que vivenciou ou imaginou sentimentos de regozijo,
felicidade, tristeza, desespero, alegria, melancolia, bem como as transições entre esses sentimentos,
vier a expressá-los em sons, de forma que os ouvintes se contagiem deles e os vivenciem da mesma
maneira como ele os experimentou.
L. Tolstoi, O que é a Arte?, Edidouro, 2002, pp. 73-75 (adaptado).
Cenário de resposta
1. Para Tolstoi, «a atividade da arte baseia-se nessa capacidade que as pessoas têm de ser contagiadas pelos sentimentos»;
«é arte se um homem, tendo experimentado na realidade ou em imaginação o horror do sofrimento ou a delícia do prazer,
expressa esses sentimentos sobre a tela ou no mármore de tal maneira que outros sejam contagiados por eles»; «será arte se um
homem que vivenciou ou imaginou sentimentos de regozijo, felicidade, tristeza, desespero, alegria, melancolia, bem como as
transições entre esses sentimentos, vier a expressá-los em sons, de forma que os ouvintes se contagiem deles e os vivenciem da
mesma maneira como ele os experimentou».
A teoria da arte como expressão considera que só existe arte se houver expressão de emoções e
sentimentos por parte do artista e se a sua obra contagiar com as mesmas emoções e sentimentos o
seu público.
O escritor e pensador russo Lev Tolstoi foi um dos protagonistas desta teoria.
Para Tolstoi, a arte é um meio de comunicação de sentimentos, de emoções, e o artista deve, pela sua
obra, expressá-los e contagiar o recetor. O estado emocional do artista é exteriorizado, trazido à
superfície e transmitido aos espectadores, leitores e ouvintes.
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Para Tolstoi só há arte se houver essa unidade do sentimento entre o artista e o público, e essa
unidade deve assentar numa autenticidade dos sentimentos do artista na altura da criação.
Cada obra de arte faz com que aquele que a frui comungue com aquele que a produziu. Sendo a
transmissão de sentimentos autêntica, também a fruição desses sentimentos o será.
TEXTO 4
Desde que os espectadores ou ouvintes sejam contagiados pelo mesmo sentimento que o autor
experimentou, trata-se de arte. (…) Se um homem experimenta esse sentimento, se fica contagiado
com o estado de espírito do autor, se sente essa fusão com outros, o objeto que evoca esse estado é
arte. Se não há um contágio assim, nenhuma junção com o autor e com aqueles que percebem a obra
– não há arte. Mas o contágio não é meramente um sinal irrefutável de arte; (…) o grau desse
contágio é também a única medida de valor artístico. Quanto mais forte o contágio, melhor é a arte
enquanto arte, independentemente do seu conteúdo – isto é, independentemente do valor do
sentimento que ela transmite. A arte torna-se mais ou menos contagiante, dependendo de três
condições: (1) a maior ou menor particularidade do sentimento transmitido; (2) a maior ou menor
clareza com a qual esse sentimento é transmitido; e (3) a sinceridade do artista, isto é, a maior ou
menor força com a qual o artista experimenta os sentimentos que transmite. (…) A clareza da
expressão do sentimento contribui para o contágio (…). Porém, mais do que tudo, o grau de contágio
da arte é dimensionado pelo grau de sinceridade do artista. (…) Estou a falar das três condições de
contágio e valor na arte, mas, de facto, somente a última vale: a de que o artista deve experimentar
uma necessidade íntima de expressar o sentimento que transmite. Essa condição inclui a primeira,
porque, se o artista é sincero vai expressar o seu sentimento tal como o percebeu. E como cada
homem é singular, esse sentimento será particular para todos os outros, e será tanto mais particular
quanto mais profundamente sincero for o artista. E essa sinceridade forçá-lo-á a encontrar uma
expressão clara do sentimento que deseja transmitir. E, portanto, essa terceira condição – a
sinceridade – é a mais importante das três. (…) Essas são as três condições cuja presença distingue a
arte das falsificações e ao mesmo tempo determina o valor de qualquer trabalho artístico, qualquer
que seja o seu conteúdo. Na ausência de uma dessas condições, a obra não pertencerá à arte, mas às
suas contrafações. (…) Mas se todas as três condições estiverem presentes, ainda que no menor grau,
essa obra será arte, mesmo que seja fraca.
1. Qual é, para o autor, o critério para distinguir a verdadeira da falsa arte? 2. Quais as
condições que definem o grau de contágio e de valor da arte?
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Cenários de resposta
1. O critério para distinguir a verdadeira da falsa arte é o de haver uma comunhão, um contágio de sentimentos entre o autor e o
espectador. O grau desse contágio é também um sinal de que se trata de arte: «Quanto mais forte for o contágio, melhor é a arte
enquanto arte».
2. As condições para esse contágio são três: a maior ou menor particularidade do sentimento transmitido; a maior ou menor
clareza com que o sentimento é transmitido e a sinceridade do artista, ou seja, a maior ou a menor força com a qual o artista
experimenta os sentimentos que transmite.
Tolstoi considera que há arte desde que sejam respeitadas, em conjunto, as seguintes
condições, independentemente de as obras imitarem ou não e de proporcionarem ou não prazer:
Posto isto, vejamos que aspetos podem ser apontados como positivos à teoria da arte como expressão
e que críticas lhe podem ser feitas.
Esta teoria é defendida, entre outros, pelo crítico de arte inglês Clive Bell.
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A teoria de Bell representa uma das tentativas mais recentes de captar a essência da arte e assenta
no seguinte pressuposto:
→ Se pudermos encontrar uma característica que seja partilhada por todas as experiências
estéticas, então poderemos definir a arte como algo que provoca essa experiência.
Para Bell, não se deve procurar aquilo que define uma obra de arte na própria obra. Ao invés, deve-se
procurá-lo no sujeito que a aprecia. Se na teoria de arte como expressão se dizia que as obras de arte
exprimem emoções, na teoria da arte como forma afirma-se que as obras de arte provocam
emoções.
A emoção estética é precisamente essa caraterística comum a todas as obras de arte e consiste na
emoção por elas provocada no observador.
Se a teoria da arte como expressão considera que toda a obra de arte comunica emoções, a teoria de
Bell afirma que a emoção estética é provocada pelas obras de arte mas não expressa por
elas, isto é, a emoção estética é o resultado da relação que o observador estabelece com a obra de
arte.
TEXTO 5
O ponto de partida de todos os sistemas de estética tem de ser a experiência pessoal de uma emoção
peculiar. Aos objetos que provocam esta emoção chamamos «obras de arte». Todas as pessoas
sensíveis concordam em afirmar que as obras de arte provocam uma emoção peculiar. Naturalmente,
não quero com isto dizer que todas as obras provocam a mesma emoção. Pelo contrário, cada obra
gera uma emoção diferente. Mas todas estas emoções podem ser identificadas como emoções da
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mesma espécie. (…) Julgo que a existência de uma espécie particular de emoção, provocada pelas
obras de arte visual, emoção essa que é provocada por todos os géneros de arte visual (pinturas,
esculturas, edifícios, vasos, gravuras, têxteis, etc., etc.), não é posta em dúvida por quem for capaz
de a sentir. Esta emoção chama-se «emoção estética» e, se pudermos descobrir alguma qualidade
comum e peculiar de todos os objetos que a provocam, teremos solucionado o que considero ser o
problema central da estética. Teremos descoberto a qualidade essencial da obra de arte, a qualidade
que distingue as obras de arte de todas as outras classes de objetos.
Cenário de resposta
1. O ponto de partida de todos os sistemas de estética tem de ser a experiência pessoal de uma emoção peculiar. Aos objetos que
provocam esta emoção chamamos «obras de arte»; «(…) as obras de arte provocam uma emoção peculiar»; «Esta emoção chama-
se “emoção estética”»; «Teremos descoberto a qualidade essencial da obra de arte, a qualidade que distingue as obras de arte de
todas as outras classes de objetos».
As obras de arte genuínas partilham, segundo esta teoria, uma qualidade comum essencial, designada
pelo autor forma significante. Esta é a relação entre as características que distinguem a estrutura
de uma obra de arte e não o seu conteúdo.
Todas as formas de arte genuínas provocam emoção estética no observador, sendo que esta emoção
nada tem a ver com interesses práticos.
Explicitando, há certos objetos (pinturas, ilustrações, objetos naturais…) de que gostamos, que nos
interessam, mas que não despertam em nós emoção estética. De acordo com Clive Bell, estes objetos
não podem ser considerados obras de arte, uma vez que deixam intocadas as emoções estéticas. E
por que razão elas ficam intocadas? O autor responderia que esses objetos despertam o nosso
interesse porque representam realidades que reconhecemos, seja através das ideias ou das
informações transmitidas. Porém, para ser obra de arte é necessário que desperte a emoção estética e
isso só a captação da forma significante o possibilita.
TEXTO 6
Pois ou todas as obras de arte visual têm uma qualidade comum, ou, quando falamos de «obras de
arte», estamos a divagar sem nexo. Toda a gente fala da «arte», operando uma classificação mental
pela qual distingue a classe das «obras de arte» de todas as outras classes. Qual é a justificação para
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esta classificação? Qual é a qualidade comum e peculiar de todos os membros desta classe? Seja ela
qual for, não há dúvida de que se encontra frequentemente em companhia de outras qualidades; mas
estas são adventícias – aquela é essencial. Tem de haver uma qualidade sem a qual não pode haver
obra de arte. Possuindo-a, ainda que em grau mínimo, nenhuma obra é completamente desprovida de
valor. Que qualidade é esta? Qual é a qualidade que é partilhada por todos os objetos que provocam
as nossas emoções estéticas? (…) Parece-me que há uma única resposta possível: a forma
significante. (…) Uma particular combinação de linhas e cores, certas formas e relações entre formas,
despertam as nossas emoções estéticas. A estas relações e combinações de linhas e cores, a estas
formas esteticamente estimulantes, chamo eu «Forma Significante»; e a «Forma Significante» é a
única qualidade comum a todas as obras de arte visual. (…) Os objetos que provocam emoção estética
variam de indivíduo para indivíduo. Os juízos estéticos são, como diz o provérbio, uma questão de
gosto; e os gostos, todos o admitem com orgulho, não se discutem. Um bom crítico pode ser capaz de
me fazer ver, numa pintura que me deixou frio, coisas em que eu não havia reparado, até que, por
fim, recebendo a emoção estética, a reconheço como obra de arte. (…) Para uma discussão de
estética, apenas temos de acordar em que as formas dispostas e combinadas de acordo com certas
leis desconhecidas e misteriosas nos emocionam de um modo particular, e em que a tarefa do artista
consiste em combiná-las e dispô-las de modo a emocionar-nos. A estas combinações e disposições
chamei eu, por comodidade e por outra razão que surgirá mais tarde, «Forma Significante».
C. Bell, “A Hipótese Estética”, in Carmo D'Orey, O que é a Arte? A perspetiva analítica,
Dinalivro, 2007, pp. 30-32.
1. Qual a qualidade partilhada por todos os objetos que provoca a emoção estética?
2. Em que consiste essa qualidade?
Cenários de resposta
1. Essa qualidade é a forma significante.
2. A forma significante consiste numa «particular combinação de linhas e cores, certas formas e relações entre formas, que
despertam as nossas emoções estéticas».
A forma significante é uma característica específica da estrutura da obra de arte, que resulta da
combinação estabelecida entre as partes que a constituem. O que desperta a emoção estética são
certas relações entre as formas, as linhas e as cores, que, segundo o autor, seriam reconhecidas
intuitivamente pelo observador. A tarefa do artista é dispô-las e combiná-las entre si. O poder para
produzir emoção estética é inerente à forma significante.
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Segundo Bell, é a capacidade do artista em articular formas, linhas e cores. Esta capacidade produz a
forma significante que, por sua vez, irá ser captada pelo observador e despertar nele a emoção
estética. Deste modo, enquanto observadores da obra de arte, devemos procurar a forma significante
(e não a emoção do artista), pois só ela pode dar origem à emoção estética. Podemos assim concluir
que a teoria formalista define arte a partir do sujeito e não do objeto, ou seja, sem a captura da forma
significante, através da emoção estética, não é possível classificar nada como sendo arte.
Bell considerava obras como as de Cézanne paradigmáticas para a definição de obra de arte. Aqui,
segundo o autor, o que provoca emoção estética é a articulação feita pelo artista das formas, das
linhas e das cores, e não a temática por si escolhida.
Assim, a arte não é acerca da vida, mesmo quando parece sê-lo. O único conhecimento relevante que
o observador precisa de ter é o sentido da forma.
A teoria de Bell é uma teoria estética. Centra-se exclusivamente nos aspetos visuais das obras de
arte. O que faz com que algo seja uma obra de arte é a capacidade de produzir um certo efeito no
apreciador sensível.
Deste ponto de vista, obras como, por exemplo, A Fonte, de Marcel Duchamp, não seriam
consideradas arte, uma vez que esta não possui forma significante.
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A resposta de Bell e da teoria da arte como forma significante à definição de arte reside na tentativa
de estabelecer de forma clara as condições necessárias e suficientes para que algo seja considerado
arte. Deste modo, a sua condição necessária e suficiente é que a obra tenha forma significante.
A forma significante é assim o pré-requisito que garante que tudo aquilo que a tem integra a categoria
de arte.
Estamos conscientes do problema que é definir arte. Mas, mais importante do que uma definição –
que na verdade nos daria uma certa segurança, mas provavelmente nos tornaria menos abertos à
mudança –, importa registar que a arte, pelas suas características e diversidade, é um conceito aberto
e, como tal, sempre sujeito a revisão.
O esquema que segue apresenta o elemento motivador de cada uma das teorias analisadas.
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ORGANIZAR IDEIAS
■ O que caracterizava a arte na Antiguidade Clássica?
Na Antiguidade Clássica a arte é marcada pela procura do belo. O cânone é a proporção e a harmonia.
A arte é um saber fazer, é um conhecimento técnico.
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imitam nada. Por outro lado, levanta dificuldades de apuramento sobre se o que está representado é
uma imitação fiel do original.
■ Que aspetos positivos tem a teoria da arte como expressão e que críticas lhe são feitas?
A favor tem o facto de vários serem os testemunhos de artistas que afirmam que as suas obras
nasceram da necessidade de transmitirem sentimentos e emoções. Também o seu critério abrangente
para classificar um objeto como arte lhe é favorável, assim como o é também o seu critério de
valoração, que é bem claro, já que a obra será tanto melhor quanto melhor expressar os sentimentos
do artista. Como aspetos negativos salienta-se o facto de haver obras consideradamente de arte que
não expressam qualquer sentimento. Este facto origina que haja obras de arte que não possam ser
classificadas como tal. A condição necessária para algo ser considerado obra de arte – o espectador
viver os mesmos sentimentos que o artista – não está também, à partida, garantida. Por fim, o
critério de valoração também falha, pois se o artista já tiver morrido, ou decidir ocultar as emoções
que estiveram na origem da sua criação, como saber exatamente que emoções ou sentimentos a sua
obra exprime?
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será tudo aquilo que provoca uma emoção estética. Para Bell, não se deve procurar aquilo que define
uma obra de arte na própria obra mas no sujeito que a aprecia.
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PRATICAR
II. Tendo em conta as teorias da arte que estudou, faça corresponder as afirmações que se
seguem a essas teorias.
1. O objeto artístico é aquele que provoca emoções estéticas no seu público.
2. As obras de arte são imitação.
3. Uma obra é arte quando expressa e comunica intencionalmente uma emoção vivida pelo artista.
4. A forma significante é uma caraterística da estrutura da obra de arte.
5. A imitação é natural ao ser humano.
6. A atividade artística é baseada no facto de o ser humano, ao receber as expressões dos artistas,
ser capaz de experimentar os mesmos sentimentos.
7. A atividade da arte baseia-se nessa capacidade que as pessoas têm de ser contagiadas pelos
sentimentos de outras pessoas.
8. O ponto de partida de todos os sistemas estéticos tem de ser a experiência pessoal de uma
emoção estética.
9. Todas as emoções podem ser identificadas e sentidas, desde que o artista as transmita com
sinceridade.
10. É uma combinação particular de linhas e cores, certas formas e relações entre formas, o que
distingue um objeto artístico de um outro qualquer objeto.
Cenários de resposta
I. 1; 2; 3; 6; 7; 8
II. 1. Teoria da arte como forma 2. Teoria da arte como imitação 3. Teoria da arte como expressão 4. Teoria da arte como forma 5.
Teoria da arte como imitação 6. Teoria da arte como expressão 7. Teoria da arte como expressão 8. Teoria da arte como forma 9.
Teoria da arte como expressão 10. Teoria da arte como forma.
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TEORIA INSTITUCIONAL
O artigo sobre arte escrito por Arthur Danto (1924-2013), em 1964, intitulado “O mundo da arte”,
inspirou George Dickie (1926-) a elaborar uma teoria institucional da arte. De acordo com esta teoria,
uma obra de arte é um «um artefacto ao qual uma ou várias pessoas, agindo em nome de uma certa
instituição social (o mundo da arte), conferem o estatuto de candidato à apreciação».
Apesar da aparente circularidade desta tese, que parece dizer que arte é apenas aquilo a que
chamamos arte, ela tem sido amplamente debatida, principalmente por parecer a mais adequada para
abordar algumas questões levantadas pela arte contemporânea.
A teoria de Dickie parte de uma dissociação fundamental entre o estético e o artístico, que já se
vinha desenhando na prática artística há muito tempo, desde que Duchamp propôs os seus ready-
mades como arte. Assim, ao verificar que objetos de uso quotidiano, sem qualquer valor estético
(uma roda de bicicleta, um urinol ou um secador de garrafas), eram elevados à condição de arte,
apenas por serem apresentados em espaços especializados, Dickie percebeu que o conceito deveria
ser revisto. Começou por distinguir entre o que é estético e o que é artístico. O estético teria que ver
com uma experiência individual, enquanto o artístico estaria relacionado com uma prática social, no
sentido em que se considera a arte como uma produção coletiva de pessoas que pertencem a um
grupo cultural. A arte, segundo Dickie, é então uma prática institucionalizada que pressupõe uma
relação entre público fruidor e artistas. Os elementos mais importantes da instituição arte seriam, por
conseguinte, as relações entre o público e os artistas, e entre estes últimos e a tradição.
Por exemplo, o teatro ocidental é uma instituição nascida na Grécia antiga que, com algumas
descontinuidades, se desenvolveu até os dias de hoje. Em cada época, o teatro esteve ligado à
sociedade de diferentes formas. Na época clássica, a ligação estabelecia-se através da polis; na época
medieval, a relação com o público foi mediada pela Igreja (e pela iniciativa privada); e, mais tarde,
quando surgiram os teatros nacionais, a relação passou a ser mediada pelo Estado. Todos as formas
artísticas – pintura, escultura, música, dança… - tiveram um desenvolvimento semelhante.
O contexto cultural em que uma obra é criada e apresentada é o que faz com que ela seja
reconhecida como arte. No entanto, para Dickie, o conceito de arte não tem sentido valorativo,
mas de classificação. O sentido valorativo da arte é aquele pelo qual julgamos se uma obra é boa
ou má arte. O sentido classificativo é o que fornece um critério para separar o que é arte daquilo que
não o é, não importando o valor estético do objeto.
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A proposta de Dickie não procura definir arte pelas suas propriedades específicas (essenciais). O que
permite que uma obra adquira o estatuto de arte é a presença de determinadas condições: ser um
artefacto candidato à apreciação. Todavia, como o conceito de artefacto é demasiado amplo,
Dickie circunscreve o artefacto artístico àquilo que, no seio de um contexto institucional, adquiriu esse
estatuto, que lhe foi atribuído pelas pessoas que, em virtude da sua ligação ao “mundo da arte”,
sabem reconhecer e discernir entre artefactos aqueles que são candidatos à apreciação – galeristas,
editores, produtores…
Diz Dickie:
«Uma obra de arte no sentido classificatório é: (1) um artefacto (2) ao qual uma ou várias
pessoas, agindo em nome de uma certa instituição social (o mundo da arte), atribuem o
estatuto de candidato à apreciação.»
Nesta definição, ser um artefacto é um critério necessário e ser colocada no mundo da arte como
candidata à apreciação é um critério suficiente.
À primeira vista, a denominação “mundo da arte” poderia sugerir a existência de uma certa elite que
autorizaria ou impediria o que pode ser candidato à apreciação, no entanto, Dickie usa o conceito para
se referir à natureza da arte e ao contexto institucional em que as diversas práticas artísticas se
desenvolvem e se preparam para a apresentação ao público. É precisamente o modo como é feita
essa inserção que faz de um artefacto arte. Para ter o estatuto de arte, é necessário que o artefacto
seja tratado como tal e disponibilizado para apreciação do público, seja numa galeria, numa
publicação, representado ou produzido.
A teoria institucional da arte não está isenta de críticas, apesar da sua abrangência. Ela é por muitos
considerada uma teoria pobre, por ser incapaz de distinguir a boa da má arte, servindo apenas para
classificar artefactos como artísticos ou não artísticos.
A teoria institucional tem sido acusada de conter um círculo vicioso: um objeto de arte é um objeto
que é inserido no mundo da arte para ser apreciado como arte.
Finalmente, esta teoria falha também ao não reconhecer como artistas aqueles que criam as
suas obras à margem dos circuitos institucionais.
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TEORIA HISTÓRICA
As dificuldades colocadas pela arte contemporânea tornaram premente a determinação do que lhe
concede o estatuto de arte. A teoria histórica procura estabelecer esses critérios a partir do modo
como a arte é produzida. As teorias históricas defendem que a essência da arte reside no facto de
todas as obras se relacionarem com obras anteriores.
Jerrold Levinson (1948-) defende que a natureza da arte reside em propriedades não manifestas
associadas ao modo como se processa a sua criação e que estas podem ser entendidas como
separadamente necessárias e conjuntamente suficientes para haver arte em qualquer circunstância
possível. Segundo Levinson, a arte é necessariamente retrospetiva, uma vez que a criação artística
estabelece uma relação com a atividade e o pensamento humanos presentes ao longo da história da
arte. É essa relação que determina aquilo que a arte é, o seu caráter ontológico, e explica a unidade
da arte através do tempo. A definição histórica de arte é formulada por Levinson do seguinte modo:
X é uma obra de arte se, e só se, X for um objeto acerca do qual uma pessoa (ou pessoas),
possuindo a propriedade apropriada sobre X, tiver a intenção não passageira de que este seja
perspetivado como uma obra de arte como o foram as obras de arte anteriores.
Para Levinson, a arte é um fenómeno que depende da sua história, pelo que, enquanto atividade
humana, não pode ser encarada como uma mera sucessão de eventos apresentados e/ou
reconhecidos em contextos específicos. Deste modo, o que faz de um objeto arte não é o contexto
histórico em que ocorre, mas a ligação específica que estabelece com outras obras do passado.
Ao artista cabe estabelecer essa relação com o passado, isto é, com tudo aquilo que ao longo dos
tempos tem sido considerado arte, ou seja, um objeto é arte se puder ser perspetivado da mesma
maneira que o foram as obras do passado, as quais, por sua vez, são encaradas de forma idêntica às
que as antecederam.
A teoria histórica indica condições necessárias e suficientes para haver arte, aplicando-se assim –
acredita Levinson – a toda a arte possível. Fornece também um critério de identificação que permite
distinguir obras de arte de objetos comuns que não são arte. Para que possamos avaliá-la
convenientemente, consideremos cada uma das condições apontadas.
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criação artística e afasta-se definitivamente da imagem caricatural do artista que faz arte através da
mera nomeação de um qualquer objeto que passa então a usufruir do estatuto de obra de arte.
Levinson refere que é o conhecimento da história da arte que nos torna capazes de prestar atenção a
determinados detalhes – cor, luminosidade, textura –, de sermos sensíveis à estrutura formal de uma
obra, de identificarmos o enquadramento histórico, ideológico ou cultural de uma obra ou de
avaliarmos a sua capacidade de representar algo.
Mesmo que o artista não conheça a história da arte, o facto é que ela existe e que foi sempre sob a
sua luz e orientação que as obras foram perspetivadas como arte. Por isso, para Levinson, somente a
ligação ao passado – e ao que tem vindo a ser (com sucesso) reconhecido como arte – torna possível
reconhecer uma obra como arte.
A teoria histórica, apesar de popular, não está isenta de críticas. Atente em algumas das críticas que
comummente lhe são apontadas.
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TEXTO 7
1. O direito de propriedade não pode ser apontado como uma condição necessária para haver arte.
Podemos imaginar contraexemplos que mostram o contrário do que a teoria propõe. Se soubéssemos
hoje que Botticelli ou Da Vinci tinham roubado os materiais com que criaram as suas obras,
estaríamos dispostos a rever o estatuto de obras de arte atribuído a obras como O Nascimento de
Vénus (fig. 1) ou A Virgem e o Menino com Santa Ana (fig. 2)? Certamente que não.
Fig. 1 Fig. 2
3. Levinson deixa por resolver o problema da indefinição do estatuto das obras primordiais e das
obras primitivas que se lhe seguiram. Se toda a arte, para o ser, tem de relacionar-se com a sua
história, as obras primordiais não podem ser arte porque antes delas não há arte. Mas se não o são,
como podem as obras seguintes – a arte primitiva – ser arte? Uma resposta possível, que Levinson
chega a adiantar, é a de que as obras primordiais são arte por um processo diferente, eventualmente
por estipulação, e não através de uma relação intencional que se dirija ao passado. Mas, se assim for,
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a definição histórica deixa de poder ser classificada como uma definição real, uma vez que deixa de
poder aplicar-se a toda a arte possível.
4. A teoria histórica deixa também por resolver a questão de saber o que muda exatamente no objeto
aquando da sua transformação em obra de arte. Levinson afirma que passa a existir uma relação
entre o objeto e a história da arte, mas deixa por explicar o que é em si mesma uma obra de
arte. Embora possa explicar como é criada uma obra de arte, qual a sua origem, deixa sem resposta
a questão ontológica.
Mateus, Paula, "A questão da natureza da arte: as teorias históricas de Levinson e Carroll",
in Philosophica 36, novembro de 2010, pp. 85-91.
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ORGANIZAR IDEIAS
■ Para a teoria institucional da arte, que artefactos podem ser considerados arte?
Todo e qualquer artefacto que, no interior de um dado enquadramento institucional, beneficie do
estatuto de candidato à apreciação.
■ Para Dickie, é possível que um artefacto sem qualquer valor estético associado possa ser
considerado arte?
Sim, para Dickie, arte é um conceito apenas classificativo, o que torna possível que um objeto sem
qualquer valor estético associado possa ser considerado arte.
■ Que características tem de ter uma obra para ser considerada arte pela teoria histórica?
Para a teoria histórica, a arte é necessariamente retrospetiva. O que distingue um objeto comum de
um objeto artístico é a ligação específica que este estabelece com outras obras do passado.
■ Que condições são requeridas ao artista pela teoria histórica para que o seu trabalho seja
considerado arte?
De acordo com a teoria histórica, só há arte se o seu criador detiver o direito de propriedade (ou
autorização) sobre os objetos que vai transformar e se houver, da sua parte, intenção não passageira
de relacionar a sua produção com o passado, isto é, de a perspetivar historicamente como a arte.
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Levinson não esclarece o que muda num objeto quando este se transforma em arte. A sua teoria
supõe que o direito de propriedade ou a existência de uma intenção explícita por parte de um autor
são condições necessárias para que haja arte. Porém, a história da arte é prenhe em exemplos de
obras que não deixaram de ser arte apesar de não satisfazerem essas condições. Levinson não
clarificou de que modo se terão afirmado como arte as primeiras obras, não esclarecendo como se
transformaram em arte as obras primordiais. Por fim, supôs como condição para ser arte a existência
de uma intenção por parte de um autor. Contudo, há obras que foram tornadas públicas sem que
tenha havido intenção do seu autor para que tal sucedesse.
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PRATICAR
1. O ato criativo pode desencadear uma experiência estética, tal como a contemplação de uma obra
de arte.
2. Para os defensores das teorias essencialistas, não se pode definir o conceito de arte, pois é um
conceito aberto.
3. A experiência estética é provocada, entre outras coisas, pela contemplação de objetos estéticos,
naturais ou artísticos.
4. Na Antiguidade, o critério de aferição do valor da arte era o seu grau de aproximação ao objeto e,
por isso, se considerava o artista alguém dotado de um dom especial.
5. De acordo com a teoria da arte como imitação, se a arte é imitação, então, toda a imitação é
arte.
6. Para a teoria institucional, é arte qualquer artefacto que, desde que enquadrado
institucionalmente, possa ser candidato à apreciação.
7. Para a teoria formalista, é o sujeito que tem capacidade de descobrir a obra de arte, pelo que o
seu valor em nada depende do objeto.
8. Para Dickie, classificar um artefacto como “obra de arte” é uma condição necessária, mas não
suficiente para algo ser arte.
9. Para Levinson, não há arte sem história da arte, pois é com a referência das obras do passado
que se classificam as do presente.
Cenários de resposta
1. V; 2. F; 3. V; 4. F; 5. F; 6. V; 7. F; 8. V; 9. V.
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FICHA FORMATIVA
GRUPO I
5. Qual das seguintes afirmações pode ser considerada uma crítica à teoria institucional da
arte?
(A) Incapacidade em distinguir a boa da má arte, uma vez que não avalia o objeto, apenas o
classifica.
(B) A qualidade de uma obra depende da sua capacidade de suscitar emoção no fruidor.
(C) A história da arte é o elemento que interliga todas as obras ou longo dos tempos.
(D) A arte resulta de uma sucessão de eventos apresentados em contextos específicos.
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10. Qual das seguintes afirmações pode ser considerada uma crítica à teoria histórica da
arte?
(A) Não há qualquer garantia de que aquilo que sentimos perante uma obra de arte corresponda ao
sentimento do seu criador.
(B) Há quem não sinta nenhuma emoção perante obras que são consideradas arte.
(C) O direito de propriedade não pode servir como condição necessária para haver arte, pois
podemos imaginar contraexemplos que mostram o contrário do que a teoria propõe.
(D) Há obras que não exprimem qualquer emoção ou sentimento.
GRUPO II
Leonardo da Vinci, Mona Lisa, 1503-1507. Fernando Botero, Mona Lisa, 1959.
1.1. Que dificuldades colocam as diferentes representações de Mona Lisa a um defensor da arte como
imitação?
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2.1. Que aspetos desta obra e da sua criação parecem dar razão aos defensores da teoria
expressivista da arte?
2.2. Considerando a obra O Grito, de Munch, analise criticamente a teoria expressivista da arte.
GRUPO III
1. Leia o texto atentamente e responda às questões de seguida colocadas.
Os artistas são pessoas inspiradas por uma experiência de profunda emoção e usam a sua aptidão
com palavras ou desenho, ou música, ou mármore, ou movimento, para dar corpo a essa emoção
numa obra de arte. A marca do sucesso neste esforço é o estímulo da mesma sensação no seu
público. É assim que se pode dizer que os artistas comunicam experiência emocional.
G. Graham, Filosofia das Artes, Edições 70, 2001, p. 44.
GRUPO IV
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2. Segundo a teoria histórica da arte, que condições precisam de estar reunidas para que um objeto
possa ser considerado arte?
Cenários de resposta
GRUPO I
1. (A); 2. (B); 3. (D); 4. (C); 5. (A); 6. (D); 7. (C); 8. (B); 9. (D); 10. (C).
GRUPO II
1.1. A tese defendida pela teoria da arte como imitação é a de que uma obra é arte quando é produzida como imitação da natureza
e da ação. Quando observamos diferentes representações da Mona Lisa, por exemplo, podemos questionar-nos se estas obras
imitam alguma coisa. Botero recria a obra de Da Vinci, parodia-a, não imita nem o original, nem, com certeza, a mulher que serviu
de modelo à obra de Da Vinci, se é que esse modelo alguma vez existiu.
2.1. A tese defendida pela teoria da arte como expressão, ou teoria expressivista, é a de que uma obra é arte quando expressa e
comunica intencionalmente uma emoção ou sentimento vivido pelo artista e quando provoca no público essa mesma emoção ou
sentimento. Parece ser um facto que Munch – à semelhança do que acontece com muitos artistas – procurou expressar nesta tela
um conjunto de emoções muito fortes que vivenciou nesse final de tarde na doca de Oslofjord. É também um facto que muitas
pessoas que observam O Grito são capazes de partilhar com o artista as sensações de ansiedade e angústia que o conduziram à
elaboração do quadro. Estes factos parecem dar razão, pelo menos em parte, aos defensores da teoria expressivista. Resta saber
se essas razões são suficientes.
2.2. Se parece óbvio que Munch expressou intencionalmente, através de O Grito, emoções e sentimentos pessoais e que os
procurou partilhar com os observadores, já não será tão evidente que todas as pessoas que se confrontem com a tela se sintam
assaltadas por emoções semelhantes às do artista. Por outro lado, como saber se Munch conseguiu, de facto, os seus intentos ao
procurar expressar na tela as suas emoções?
GRUPO III
1. a) Teoria da arte como expressão. b) As condições necessárias são: a obra exprimir os sentimentos e as emoções do artista e
este, com a sua obra, ter a capacidade de contagiar com os mesmos sentimentos e emoções o público.
2. a) Clive Bell é o principal teorizador da teoria da arte como forma significante. Bell defende que não há uma característica
comum a todas as formas de arte, mas que nelas existe uma caraterística que marca todas as experiências estéticas: a emoção
estética, que resulta da forma significante. Assim, para Bell, não se deve procurar aquilo que define uma obra de arte na própria
arte mas no sujeito que a aprecia. Bell afirma que a emoção estética é provocada pela apreciação das obras de arte mas não
expressa por elas, o que o afasta da teoria da arte como expressão.
b) A teoria de Bell é criticada pelas seguintes razões: há quem não sinta nada perante obras que são consideradas arte; o critério
da forma significante não é claramente explicado; é acusada de ser uma teoria circular, pois a emoção estética é provocada pela
forma significante e esta é o resultado da emoção estética; é também acusada de ser uma teoria elitista, em virtude de insinuar
que só alguns afortunados são capazes de sentir a emoção estética perante uma obra de arte.
3. Relativamente a esta obra de António Palolo, das três teorias estudadas só a teoria da arte como forma diria que é uma obra de
arte, pois as suas linhas e cores e a sua estrutura de formas, isto é, a sua forma significante, provoca emoção estética nos
observadores (pelo menos em alguns deles, os mais sensíveis, diria Bell). As outras duas responderiam que não é uma obra de
arte, pois, de acordo com a teoria da arte como imitação, esta obra parece nada imitar, logo não possui a condição necessária para
o ser. A teoria defendida por Tolstoi, a da arte como expressão, responderia também negativamente, em virtude desta obra não
expressar claramente qualquer sentimento ou emoção do artista durante o processo criativo.
GRUPO IV
1. A designação arte é atribuída pelo “mundo da arte”, no qual se incluem artistas, galerista, produtores, editores, entre outros
agentes culturais. Todavia, “mundo da arte” não deve ser entendido como uma espécie de elite iluminada, uma vez que o conceito
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é usado para se referir à natureza da arte e ao contexto institucional em que as práticas artísticas se desenvolvem e preparam para
a apresentação ao público.
2. De acordo com a teoria histórica, só há arte se o seu criador detiver o direito de propriedade (ou autorização) sobre os objetos
que vai transformar e se houver, da sua parte, intenção não passageira de relacionar a sua produção com o passado, isto é, de a
perspetivar historicamente como a arte.
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