A Herdeira Indesejada (Familia - Amy Corvin

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Título original: The The Unwanted Heiress

Copyright © 2013 Amy Corwin


Copyright da tradução © 2021 por Cherish Books Ltda
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou
reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito das
editoras.
Publicado mediante acordo com a autora.

Tradução: AJ Ventura
Revisão: Elimar Souza
Diagramação: AJ Ventura
Capa: One Minute Design
Marketing e Comunicação: Elimar Souza

Amy, Corwin
A herdeira indesejada/ Amy Corwin; tradução de AJ Ventura. Rio de Janeiro:
Cherish Books, 2021.

Tradução de:
ASIN

1. Ficção americana I. Ventura, AJ. II. Título.

Todos os direitos reservados, no Brasil, por


Cherish Books
Rua Auristela, nº244 - Santa Cruz
E-mail: cherishbooksbr@gmail.com
SUMÁRIO

Capa
Sinopse
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Epílogo
Sobre a autora
A meu marido, Thomas, que sofreu muito por minha arte.
U ma herdeira americana que ninguém quer, um Duque que
toda mulher deseja e um assassinato que ninguém espera.
Quando Nathaniel Archer, Duque de Peckham, conhece
Charlotte, ele desconfia de sua indiferença. Muitas mulheres
tentaram e não conseguiram fisgá-lo. Felizmente, Charlotte está
mais interessada em faraós mortos do que em Duques ingleses e ri
tanto dele, quanto de suas suspeitas.
Sua resistência desmorona, no entanto, quando uma debutante
que tentava fisgar Nathaniel é assassinada. Rapidamente, sua
reputação de misógino faz dele um suspeito e Charlotte
impulsivamente vem em seu auxílio.
Infelizmente, ambos não sabem que um assaltante de estradas
interessado em herdeiras ricas está seguindo Charlotte, e que outra
debutante será encontrada morta na carruagem de Nathaniel.
Algumas noites simplesmente não saem como planejado.
1818, Londres

“Falsos pretextos — Na obtenção de propriedade. — Este crime


distingue-se do furto, na medida em que o proprietário consente que
o bem seja retirado de sua posse, ainda que tal consentimento
tenha sido induzido por fraude”.
Guia de bolso do policial

A pesar de sua crença de que o White’s Club garantia a


Nathaniel Archer, atual Duque de Peckham, estar livre das
maquinações de mulheres solteiras, ele não conseguia se
concentrar em um simples jogo de cartas. Ele olhou para as mãos
peculiarmente delicadas do garçom segurando sua taça de porto e
franziu a testa.
As mãos do criado não eram um pouco delicadas demais, um
pouco pequenas para um homem?
Ele pegou a taça oferecida e olhou para cima para estudar o
rosto redondo e feminino do jovem. Covinhas marcavam as
bochechas rechonchudas e uma fina névoa de restolho
avermelhado sombreava a mandíbula um tanto fraca. Embora os
cabelos brilhassem à luz das velas, Nathaniel não se convenceu.
Muitas mulheres tinham pelos faciais. Na verdade, algumas
Ladys tinham bigode, Deus as ajude.
Um pomo de adão afiado balançou na garganta do garçom
enquanto ele engolia, seus movimentos nervosos e espasmódicos.
Ele se afastou e tropeçou na borda do tapete enquanto o olhar
crítico de Nathaniel o seguia.
— Isso é tudo, Sua Graça? — O criado perguntou com uma voz
estrangulada.
— Sim — respondeu Nathaniel, virando o ombro para o homem.
Ele não ia deixar que suspeitas arruinassem sua noite.
Malditas mulheres, de qualquer maneira!
Ele se mexeu na cadeira e se concentrou nas cartas. Não havia
mulheres no White's — pelo menos nenhuma que alguém tivesse
descoberto esta noite. No entanto, ele não conseguia ignorar a
sensação de que algo, ou alguém, espreitava nas sombras atrás
dele, inclinando-se sobre seu ombro...
Não era o garçom, no entanto. Ele desapareceu pela escurecida
porta quando Nathaniel olhou para cima. Nathaniel deu outra olhada
rápida em direção à porta — só para ter certeza — antes de franzir
a testa para suas cartas.
— Eu aposto uma americana — Lord Westover falou
pausadamente antes de bater na mesa com o fundo grosso de seu
copo pesado — Garçom! Onde está aquele patife?
Quando o garçom enfiou a cabeça pela porta, Westover fez sinal
pedindo um pedaço de papel e pena.
— Uma americana? — Nathaniel perguntou, olhando para suas
próprias cartas. Sua mão livre puxou a pepita de lápis-lazúli
pendurada na corrente do relógio. Ele distraidamente esfregou a
superfície fria e retorcida, embora seu lápis-lazúli da sorte não
tivesse feito nenhuma mágica esta noite. A mão que ele tinha era
uma porcaria. Ele olhou para o rosto presunçoso de Westover e
acrescentou: — Uma moeda americana pode valer um xelim ou
dois, mas dificilmente corresponde ao montante atual, que é de
cinquenta mil libras.
Westover encolheu os ombros. Isso deixou para o tio de
Nathaniel, John Archer, a decisão final. A propriedade de Archer
formava a maior parte do montante. Se ele decidisse que a
novidade de um dólar americano era uma combinação aceitável
para cinquenta mil libras inglesas, que assim fosse.
Nathaniel girou seus ombros rígidos e esticou as pernas em
direção ao fogo crepitante antes de estudar suas cartas novamente.
Elas não haviam mudado. Ele ainda tinha dois reis, dois oitos e o ás
de ouros.
Um olhar para o rosto brando de Archer não permitiu que
Nathaniel julgasse a força da mão de seu tio.
Quanto a Archer, ele parecia despreocupado com o valor da
oferta de Lorde Westover. Ele olhou para o espaço, as cartas
seguras frouxamente na mão, como se estivesse em um avançado
estado de tédio. Talvez suas escapadas noturnas em Londres
tivessem finalmente feito o impossível e desgastado o infatigável
John Archer.
O relógio bateu duas horas e Nathaniel se remexeu novamente.
Recuse a aposta insultuosa, ele silenciosamente pediu a Archer.
Pegue o montante. Pela primeira vez, siga o curso seguro. Apenas
deixe esse maldito jogo acabar para que todos possam ir para casa
dormir.
Nathaniel esfregou a barba por fazer sombreando seu queixo e
cutucou seu tio.
— Archer?
— O que foi? — Perguntou Archer. Ele pareceu surpreso e olhou
ao redor da sala com as sobrancelhas levantadas.
— Uma americana — Nathaniel respondeu, tentando não
bocejar. Os músculos de sua mandíbula estalaram com o esforço.
— Uma americana? Um dólar americano? Contra cinquenta mil
libras? Certamente o senhor pode fazer melhor, Lord Westover.
Posso combinar o seu dólar com um xelim, mas apenas se o senhor
conseguir encontrar os cinquenta mil originais.
Lord Westover riu e lançou um olhar para Nathaniel
— Uma herdeira americana, Archer. Com ricas fazendas e
propriedades que valem mais de cem mil. Ora, no ano passado, sua
renda foi de quase cinco mil!
— Uma herdeira? O que devo fazer com uma herdeira? Eu sou
um homem casado. — Archer chamou a atenção de Nathaniel e
piscou. Ambos os homens perceberam o rápido olhar cintilante de
Westover para Nathaniel.
Embora Nathaniel ainda pudesse estar no jogo, ele não
precisava de dinheiro ou de uma esposa. Seu ducado recentemente
herdado mantinha suas mãos cheias no momento. A última coisa de
que precisava era de outra responsabilidade cara, como uma
esposa andando por aí com fabricantes de mantua e cortinas de
linho, mesmo que ela fosse tão rica quanto Creso.
Além disso, se ela era um trunfo tão bom, por que Westover
queria se livrar dela?
Archer olhou para o quarto jogador esparramado em sua
cadeira.
O homem mexeu em um copo quase vazio e evitou o olhar de
Archer.
— Pena que você desistiu, Bolton — disse Archer — Você
certamente precisaria de uma herdeira, não é?
Os lábios de Sir Henry Bolton se torceram e ele encolheu os
ombros antes de pedir mais xerez peremptoriamente. Depois de
tomar um longo gole, ele respondeu:
— Não sou eu que aposto minha propriedade rural.
Quando Nathaniel lançou um olhar frio para ele, Bolton baixou o
olhar de volta para a mesa e tamborilou os dedos. O idiota
condescendente era amigo de Lorde Westover e, contra o melhor
julgamento de Nathaniel, ele permitiu que Bolton entrasse no jogo.
O janota de paletó amarelo não tinha contribuído muito além de um
ar de superioridade carrancuda e alguns comentários sarcásticos
que apenas Westover parecia achar engraçados.
Lord Westover se inclinou para a frente.
— Mas Archer, pense no que significará ser seu guardião. Você
terá mais de cem mil para controlar, mesmo que passe algumas
horas administrando os fundos dela. Claro, você também pagará as
despesas dela, sua manutenção e assim por diante com a parte
dela, mas o resto...
Ele deixou as possibilidades tentadoras para a imaginação.
— Parece uma responsabilidade desagradável, se você me
perguntar — Archer respondeu, espelhando os próprios
pensamentos de Nathaniel sobre o assunto.
— Você não está entendendo. Se você estará providenciando
acomodação e alimentação para ela, você deve se compensar de
acordo. Com o produto de sua fortuna.
— Você está sugerindo que eu roube de minha própria
protegida?
— Não, não, absolutamente não. Mas você deve ter algum tipo
de recompensa por administrar a propriedade e a menina. Acredite
em mim, você vai merecer.
— Você não tem mais nada? — Archer perguntou, parecendo
não estar convencido.
— Essa é a aposta, Archer. A herdeira contra suas cinquenta mil
libras.
Nathaniel se mexeu irritado. Quando seu tio olhou para ele, ele
balançou a cabeça. Nenhum deles precisava de uma herdeira
americana.
— Feito — Archer concordou, piscando para Nathaniel. — Sua
mão, senhor.
Lord Westover sorriu ao colocar um par de reis, seguido por um
par de valetes.
— Supere isso, se puder — disse ele com complacência irritante.
Com o rosto inexpressivo, Archer virou suas cartas, jogando-as
com um timing perfeito e dramático. O ás de espadas. O ás de
copas. O ás de paus. Então, finalmente, o ás de ouros.
O silêncio caiu sobre a sala enquanto os quatro homens olhavam
para as cartas distribuídas uniformemente em uma fileira sobre a
mesa.
Nathaniel empalideceu e sentiu seu coração bater
desconfortavelmente. As cartas em sua mão pareciam brasas de
fogo.
Archer havia trapaceado? Meu Deus, que bagunça e como é
irônico considerar que Archer sempre foi tão inflexível contra —
manipular as probabilidades injustamente — seu eufemismo para
trapacear.
E, no entanto, Archer deve ter trapaceado.
Talvez ele estivesse senil. Archer tinha apenas 46 anos, mas era
a única resposta. Ele mal tinha tocado em seu copo de conhaque,
então ele não poderia estar embriagado.
O que diabos Nathaniel deveria fazer com o ás sangrento em
sua própria mão? Ele reordenou suas cartas, colocando o ás na
parte inferior.
— Sua graça? — Westover perguntou. — Suas cartas, por favor.
— Totalmente inútil — disse Nathaniel com uma voz calma. Ele
colocou suas cartas viradas para baixo na mesa e estendeu a mão
para varrer a pilha do meio. A fusão das cartas disfarçaria sua
própria mão condenatória.
Westover agarrou seu pulso.
— Talvez, mas vamos vê-las, no entanto.
— Certamente — Nathaniel afastou o insulto implícito junto com
a mão de Westover. Com um gesto descuidado, ele virou as cartas
para cima. Ao fazer isso, ele deslizou o ás ordenadamente em sua
manga. Com um movimento rápido do pulso, ele a substituiu por
outra carta, habilmente removida da pilha no centro.
O oito de Ouro.
— Que pena — disse Westover. — Eu esperava que você
pudesse ganhar a mão, Sua Graça.
— Eu não preciso de uma pupila ou herdeira — Nathaniel
respondeu, sua voz alegre de alívio. Ele recolheu as cartas e as
embaralhou — E certamente nenhuma intenção de tomar uma
esposa. Ainda não, de qualquer forma.
Aos vinte e oito anos, Nathaniel não tinha grande desejo ou
necessidade de se entregar a regularidade sufocante da felicidade
doméstica. Ele não conseguia pensar em nada mais sombrio do que
uma rotina insípida.
— Nem eu — Archer disse — Mas eu a tenho de qualquer
maneira, o diabo a leve. Você não prefere assinar alguns cavalos
daquele excelente estábulo, Westover?
— Não — A risada áspera de Westover soou quase forçada, e
ele ficou obviamente aliviado quando acrescentou: — Você a
venceu. Mandarei meu empresário com os papéis necessários para
sua casa amanhã. Minha esposa levou a garota para um passeio
pelas igrejas de Northumberland, mas elas devem estar de volta em
três semanas. Tempo suficiente para se acostumar com a ideia,
hein? Agora, se você me der licença, prometi à minha filha que
estaria de volta antes das três — Ele verificou o caro relógio
pendurado em uma corrente esticada na curva de sua barriga —
Quase duas e meia — você vai ter que me desculpar.
Archer acenou para que ele se afastasse e recolheu
metodicamente as moedas e pedaços de papel do centro da mesa.
Sir Henry se afastou arrastando os pés, seguindo o amigo.
— Tio John — disse Nathaniel, relaxando na cadeira e
esvaziando seu copo de porto. — Você já pensou em sua esposa?
Os dedos rápidos de Archer pararam por um momento.
— De fato. Na verdade, sim, eu pensei nela. Lady Vee sempre
quis uma filha. Depois que nossa pequena Mary faleceu — bem,
talvez ela finalmente tenha a chance de toda aquela besteira e
baboseira feminina. Bailes, eventos, jantares, essas coisas. — Ele
se levantou e sorriu, embora seu rosto magro parecesse abatido à
luz bruxuleante das velas — Tenho certeza de que ela vai adorar a
garota. Seja ela quem for.
— Espero que sim. Você quer que eu te acompanhe em casa?
— Para quê?
— Talvez Lady Victoria não fique tão satisfeita quanto você
imagina — A presença de Nathaniel impediria qualquer protesto
alto, pelo menos por uma noite.
— Bobagem — disse Archer — Ela ficará em êxtase. Além do
mais, eu tenho três semanas antes que ela precise saber.
Nathaniel suspirou.
— Você a conhece melhor do que eu.
— Eu certamente penso que sim — Archer disse enquanto
caminhava para fora do clube, esquecendo seu chapéu, luvas e
casaco.
Nathaniel recolheu seus pertences e também aceitou os itens de
seu tio das mãos do porteiro.
Então, respirando fundo, saiu para a noite úmida.
Um acessório depois do fato. — Qualquer pessoa (exceto uma
mulher casada que socorre seu marido), que ao saber que um crime
foi cometido, recebe, alivia, conforta ou auxilia o criminoso.
Guia de bolso da Confiável.

C harlotte Haywood sentou-se no corredor dos Archer e se


perguntou com inquietação o que ela tinha feito que fosse
mal o suficiente para fazer Lord Westover mandá-la
embora. Ela achava que os Westover, embora não fossem
exatamente uma família amorosa, estavam resignados com sua
presença até que ela ganhasse o controle total de sua herança em
três anos.
O que deu errado dessa vez?
Ela se mexeu inquieta na cadeira, tentando não parecer
preocupada e confusa enquanto esperava para encontrar o Senhor
Archer.
Talvez ela não tivesse feito nada de errado. Talvez Lord
Westover tivesse ficado desesperado com a assustadora
perspectiva de Charlotte permanecer solteirona em sua casa. Ele
pode tê-la imaginado ficando cada vez mais honesta — e, como
resultado, com a língua ácida — com o passar dos anos. Ele
poderia tê-la enviado aos Archer, esperando que eles tivessem um
círculo mais amplo de conhecidos e pudessem casá-la.
Isso parecia possível. Lorde Westover sempre se recusou a
acreditar que ela realmente desejava permanecer sem algemas. Na
verdade, ela sonhava com um futuro onde não haveria homens para
repreendê-la, franzir a testa para ela ou dizer que ela era uma
estúpida cabeça-dura simplesmente porque não concordava com
eles.
— Você não pode ficar com ela, John. O que você estava
pensando? — A voz de uma mulher saiu claramente através da
porta fechada a alguns metros de distância.
Ficar com ela? Isso não parecia promissor, de forma alguma.
Ela não tinha um único parente que não se importaria com sua
presença em sua casa até que ela ganhasse o controle de sua
herança? Em menos de três anos ela faria vinte e quatro e não
haveria mais necessidade de guardiões.
Tensa, Charlotte deslizou para a borda do assento duro de
brocado. Ela tentou não ouvir a conversa que estava acontecendo
na sala atrás dela, mas era quase impossível. Seus ouvidos
pareciam estar encostados na parede do jeito que suas vozes
reverberam pelo gesso.
— Sua capa, senhorita? — um mordomo bastante imponente de
cabelos grisalhos murmurou, parando na frente dela.
Ela se levantou e deu a ele a capa. Uma corrente de ar a
envolveu e ela estremeceu. Suas mãos pareciam geladas e
dormentes. Com intenso pesar, ela observou o mordomo levar
embora seu xale quente. A Inglaterra era um país muito frio,
extremamente úmido e gélido. Os verões eram curtos demais para
compensar o frio que pairava no ar pelo resto do ano. Charlotte
nunca conseguiria se adaptar ao clima sombrio.
Esfregando os braços, ela resolutamente respirou
profundamente, tentando controlar o nervosismo. Ela olhou ao redor,
desesperada por algo que a distraísse de sua ansiedade.
O mordomo voltou para o corredor e, sem olhar na direção dela,
caminhou pesadamente até a porta da frente. Ele puxou um pano
branco com um floreio e lenta e metodicamente começou a polir a
maçaneta de latão da porta.
Quando capturou seu olhar, ele se endireitou e disse:
— Eles estarão aqui em breve, senhorita
Ela assentiu com a cabeça, alisando a saia de seu pesado
vestido de viagem verde. O tecido parecia áspero sob os dedos
dela, mas o corte severo e a cor escura combinavam com ela, e ela
o usava para reforçar sua confiança vacilante. Ela enxugou as
palmas das mãos nas saias com mais vigor, tentando afastar o frio.
Depois de alguns minutos, o mordomo saiu novamente para uma
missão misteriosa. O saguão se estendia ao seu redor, silencioso e
vazio. Charlotte se recostou, as mãos cruzadas no colo, enquanto
olhava ao redor. Uma dispersão de itens pessoais — um leque
deixado em uma cadeira e um programa de ópera mal dobrado em
uma pequena mesa — fez o corredor parecer mais confortável e
alegre do que a ordem autoconsciente do Westover. Charlotte
relaxou um pouco, sorrindo quando seu olhar pegou um
emaranhado de fitas de seda. As fitas variavam em tons de rosa
mais claro ao rico rosa-escuro, amarradas juntas no topo de um
console delicadamente esculpido contra a parede oposta.
Então ela ouviu o murmúrio de vozes, as palavras indistinguíveis
desta vez. Ela engoliu em seco e esfregou a base do pescoço,
tentando desalojar o nó repentino em sua garganta e o medo de que
ela não pertencesse aqui. Assim como ela não pertencia aos
Westover ou a qualquer outra pessoa na Inglaterra.
Endireitando-se, ela olhou para a frente, com medo de relaxar a
guarda. Porém, quanto mais ela tentava não notar, mais sua
curiosidade queimava. Ela queria desesperadamente saber como
eram os Archers e se eles gostariam dela.
A curiosidade superando sua cautela, ela estudou o corredor.
Várias paisagens relaxantes penduradas nas paredes e uma
pequena mesa redonda bonita com uma tigela de narciso
florescendo estava no centro do corredor, a fragrância enchendo a
pequena área com o aroma acolhedor da primavera.
Alguém havia empilhado negligentemente uma pilha de
correspondência perto da borda da mesa. Os envelopes pareciam
prontos para cair com o menor incentivo. Seus dedos se contraíram
com o desejo repentino de endireitá-los.
Charlotte reprimiu sua curiosidade e permaneceu sentada. Não
seria bom ser apresentada a seu novo tutor com a correspondência
em suas mãos. Ela respirou fundo e soltou o ar lentamente,
acalmando seu batimento cardíaco acelerado.
Era improvável que seu autocontrole fizesse qualquer diferença,
mas ela pelo menos queria começar em bons termos com seus
novos guardiões. Ela só estava com os Westover por alguns meses
antes de eles se livrarem dela e antes disso — bem, isso quase não
importava mais.
Seu peito apertou quando sua frágil confiança vacilou. Ela era
realmente tão terrível que os Westover não suportariam tê-la com
eles por mais três anos? Ela reprimiu a emoção inútil.
Charlotte ajeitou uma mecha de seu cabelo rebelde.
Então, ela alisou as saias pesadas pela quarta vez desde sua
chegada. O tempo desacelerou para um rastejar agonizante.
Se ela não fosse tão franca.
As palavras saíam alegremente de sua boca à menor
provocação e a submergiam nos problemas mais apavorantes. E
quanto mais velha ela ficava, pior a situação se tornava. Agora,
parecia que quanto mais ela tentava se controlar, menos controle
tinha.
No entanto, desta vez, ela tinha que ser absolutamente educada.
Não seria por muito tempo. Em breve, sua fortuna estaria em suas
mãos e ela estaria livre. Por enquanto, tudo o que ela precisava
fazer era manter suas idéias mais avançadas para si mesma. Se ela
pudesse ficar quieta e recatada como a maioria das garotas
inglesas, os Archers poderiam deixá-la ficar.
Ela se endireitou. O autodomínio não era impossível, ela apenas
tinha que se concentrar.
Pelos próximos três anos, ela teria que evitar falar com qualquer
menina impressionável que poderia entender mal suas ideias, e
então repetir suas palavras, fora do contexto, para os pais.
As esposas devem ser evitadas pelo mesmo motivo. Isso não
seria difícil, já que a maioria das esposas de seus tutores a evitava o
máximo possível, exceto pela Senhora. Edgerton, é claro, que
estava tão grata quanto Charlotte por encontrar alguém com quem
conversar. Infelizmente, a Senhora. Edgerton ficou tão inspirada
pelo discurso de Charlotte que de repente foi levada a dizer ao
marido exatamente o que pensava dele.
Charlotte ficou horrorizada, mas o Senhor Edgerton lidou com a
situação de maneira bastante humana. Ele nunca disse uma palavra
sobre isso a Charlotte. Em vez disso, ele começou a procurar
diligentemente por outro parente distante que pudesse não se opor
a uma protegida rica com noções estranhas sobre a posição de uma
mulher na família, e ele havia encontrado os Westover.
E os Westovers posteriormente encontraram os Archers.
As vozes na sala ao lado interromperam seus pensamentos.
Charlotte alisou o cabelo, prendendo algumas mechas com mais
firmeza sob a touca de renda, e tentou não ouvir. No entanto, eles
haviam se aproximado da porta novamente, então era impossível
não ouvi-los.
— Agora, meu amor — uma voz masculina disse. — Você não
pode mandá-la embora. O que ela deve fazer?
— Isso dificilmente é minha culpa, é? Onde estão seus
parentes? Se ela é tão rica, eles devem estar positivamente caindo
sobre si mesmos para reivindicá-la. Deve haver alguém mais
apropriado para atuar como seu guardião legal.
— Não, minha querida. E eu pensei — depois de Mary — que
você gostaria da garota como amiga, se não uma filha. Pense bem,
você pode vesti-la, levá-la a bailes e talvez até apresentá-la à
sociedade. Você não gostaria disso?
— Oh, John. — A voz da mulher soou abafada. Triste.
— Mary teria exatamente vinte e três anos se tivesse vivido...
— Vee, querida, eu nunca teria mencionado a nossa Mary se
pensasse que isso a faria chorar. — As vozes se afastaram por um
longo momento.
— Não, eu sinto muito, meu amor. Eu tenho sido uma besta, não
tenho? — a mulher perguntou com uma voz vacilante e abafada. Ela
fungou — No entanto, ela não é um manequim — Ela riu, embora o
som fosse aguado e forçado — Eu não posso simplesmente vesti-la
como eu quiser. Ela também tem sentimentos e vontade própria.
O homem deu uma risadinha.
— Não importa, querida. Eu não quis dizer que ela é apenas
uma boneca sem mente própria. Mas você é maravilhosa, como
sempre. Você nunca é uma besta... sem sombra de dúvida.
— Oh, John — a mulher respondeu com ternura. Houve silêncio
e uma risadinha sem fôlego.
Charlotte fechou os olhos e encostou a cabeça na parede. Isso
melhorou sua audição a ponto de parecer que ela estava sentada na
sala com eles.
— John, o que você está fazendo? — A voz ofegante da mulher
latejava, terminando em uma série de risadas abafadas — Pare com
isso, John, seu bode velho! É meio da manhã! Esta é a sala de café
da manhã!
— Sim, minha querida. Agora, se você puder apenas...
— John — Uma risadinha e um suspiro interromperam — John,
agora, John, sério, o que você está pensando? Oh, John... John! —
Houve um baque contra a parede. E depois outro.
Charlotte enrubesceu e se levantou, com um calor
desconfortável. Os murmúrios abafados diminuíram enquanto ela
caminhava pelo chão de mármore para ficar na frente de uma
relaxante pintura pastoral. A imagem retratava um lago de um azul
profundo banhado em névoa com algumas vacas brancas e pretas
espreitando entre as flores silvestres ao longo das margens.
Então ela percebeu que uma das vacas era na verdade um touro
negro de aparência demoníaca. A enorme besta com chifres olhava
diretamente para uma novilha inocente com um rosto branco
encantador e orelhas pretas. A vaca se inclinava para frente,
mastigando felizmente um bocado de trevo, totalmente inconsciente
dele.
Charlotte franziu a testa e esfregou os braços.
Se aquela vaca soubesse o destino que estava para acontecer,
ela galoparia na direção oposta! Por que tantas mulheres se
permitiam ser dominadas por machos que mal conseguiam
encontrar o caminho para fora do celeiro?
O que o artista estivera pensando para pintar uma coisa tão
horrível?
— Sério! — Charlotte disse, virando-se para olhar os envelopes
que estavam sobre a mesa — E dizem que eu sou uma má
influência.
— Senhorita? — A voz solene do mordomo a interrompeu assim
que ela esticou os dedos para pegar o envelope de cima.
Todos os músculos de seu corpo ficaram tensos, mas ela não
puxou a mão, apesar do forte desejo de fazê-lo.
Muito deliberadamente, ela empurrou a pilha mais para longe da
borda da mesa e alinhou todos os cantos ordenadamente, como se
ela tivesse pretendido fazer isso o tempo todo.
Charlotte ergueu os olhos.
— Sim?
— Senhor Archer e Lady Victoria verão a Senhorita agora.
Uma pequena onda quente percorreu suas bochechas, apesar
de seus esforços de autocontrole. No entanto, ela conseguiu
encontrar o olhar totalmente insuspeito do mordomo com aprumo.
— Obrigada — disse ela.
Ele inclinou a cabeça e abriu a porta da sala de café da manhã.
Segurando as laterais de seu pesado vestido de viagem de
bombazina, Charlotte entrou. Duas pessoas esguias estavam diante
dela, sorrindo calorosamente. A mulher deu um passo à frente,
alisando seu vestido de seda cinza enquanto se movia. O gesto
lembrou Charlotte de seu próprio hábito nervoso, mas Lady Victoria
não parecia preocupada.
Seus olhos claros e cinzentos brilhavam acima das bochechas
rosadas e coradas e ela parecia mais jovem do que Charlotte
esperava. Seu rosto estreito e aristocrático tinha apenas as mais
tênues linhas ao redor dos olhos e da boca, e seu cabelo castanho
fofo mal tinha um toque grisalho nas têmporas.
Ela parecia agradável e acolhedora enquanto estendia as mãos
para Charlotte.
— Senhorita Haywood, é tão bom finalmente conhecê-la. Eu sou
Lady Victoria e este é meu marido, Senhor Archer.
Charlotte respirou profundamente e educadamente deu um
passo à frente para tocar a mão estendida da Lady.
— Como vai? — Charlotte perguntou, surpresa com as boas-
vindas genuínas no olhar de Lady Victoria.
Quando Lady Victoria soltou sua mão, Charlotte olhou
timidamente para o Senhor Archer e sorriu. Ele acenou com a
cabeça, estudando-a curiosamente com olhos castanhos afiados.
Embora fosse apenas alguns centímetros mais alto que a esposa,
parecia magro e cheio de energia nervosa. Seu cabelo era um tom
mais escuro que o de Lady Victoria, e havia um pouco mais de cinza
ao redor de suas orelhas.
— Bem-vinda à nossa casa — disse ele. Senhor Archer olhou de
Charlotte para sua esposa e esfregou o lado do queixo com a mão
enquanto parecia esperar pela reação dela.
— Obrigada — Charlotte disse, desconfortavelmente ciente de
sua falta de jeito e altura.
Apesar dos saltos baixos de suas botas de caminhada, ela era
cinco centímetros mais alta do que qualquer um deles. No entanto,
nem Lady Victoria nem o Senhor Archer olharam para sua forma
desengonçada com o espanto chocado que todos os outros exibiam.
Na verdade, eles pareciam alheios a isso.
Parte da tensão de Charlotte se dissipou quando ela soltou um
longo suspiro.
— Estamos tão contentes de ter a Senhorita aqui — disse Lady
Victoria por fim.
— De fato. Entre, sente-se. — Senhor Archer apontou para uma
cadeira próxima.
Atrás dele estava uma pequena e aconchegante área de estar
completa com uma mesa oval ainda carregada com os restos de um
grande café da manhã. O sol brilhava alegremente através das
cortinas transparentes de renda e vários bancos e cadeiras estavam
dispostos ao acaso em grupos ao redor da sala. A maioria dos
assentos estava abafada sob uma variedade de almofadas de seda
coloridas e livros abertos empilhados nas duas cadeiras mais
próximas das janelas.
Quando Charlotte se moveu para se sentar, Senhor Archer
pegou o braço de sua esposa e a conduziu até um belo sofá
Hepplewhite com delicadas pernas curvas.
— Receio não poder ficar — disse ele. — Tenho encontro com
meu homem de negócios. Você entende. — Ele beijou a bochecha
de Lady Victoria e pousou os dedos brevemente na curva de seu
pescoço antes de se endireitar. Ele acenou com a cabeça para
Charlotte.
Ela sorriu de alívio. A famosa reserva britânica parecia
felizmente ausente nos Archers. A família Westover, pelo contrário,
tinha sido absolutamente moribunda com isso. Charlotte não
conseguia se lembrar de Lord Westover ou sua esposa
demonstrando qualquer afeto especial um pelo outro, especialmente
em público. Na verdade, Charlotte não conseguia se lembrar deles
ficando no mesmo cômodo um com o outro por mais de cinco
minutos sem recorrer a muitos abafados sibilos e carrancas.
— Mas, John... — sua esposa protestou. Ela pegou a mão dele e
pressionou-a contra a bochecha antes de soltá-la.
— Desculpe, minha querida — Passando um dedo pela
bochecha dela, ele balançou a cabeça antes de fazer uma breve
reverência para Charlotte — No entanto, vocês duas podem usar o
tempo para se conhecerem. Vou dizer a Suddley para trazer um
pouco de chá, certo? E aqueles adoráveis bolos de sementes? —
Ele acenou para a mesa. — Ou, sirva-se de presunto...
— Sim, mas querido... oh, não importa — Lady Victoria
respondeu, sua voz entrecortada de exasperação. — Você vai voltar
para o jantar, não vai?
— Oh, sim, a menos que meu sobrinho deseje que eu o encontre
no clube.
— Acho que você já o viu o suficiente no clube por uma semana.
Faz algum tempo que não jantamos com ele. Por que você não o
convida? Posso arranjar para que alguns amigos se juntem a nós, e
teremos uma noite agradável.
Ele suspirou.
— Impossível. Se eu renunciar ao clube, suponho que teremos
que comparecer àquela festa infernal... você não se esqueceu, não
é? Aquela garota, Lady Beatrice, convidou meu sobrinho, e se não
formos ao clube, bem... — Ele encolheu os ombros e ergueu as
mãos em um gesto impotente — Não podemos deixá-lo ir sem nós.
— Eu quase preferia que você fosse ao clube...
— Se você insiste...
— Mas acredito que o sarau será uma escolha melhor — Uma
pequena carranca enrugou a pele entre suas sobrancelhas — Ele
não está se arrastando atrás daquela criatura, está?
— Lady Beatrice? Eu penso que não. Pequena mulher fácil,
desagradável... pura víbora, se você me perguntar.
— Sim, mas você tem mais bom senso do que a maioria — Lady
Victoria disse, sua voz baixa e terna — Ela tem um rosto bonito e os
homens raramente olham além da fachada. Particularmente homens
jovens.
Charlotte estudou Lady Victoria com interesse, aliviada por ouvir
pontos de vista tão semelhantes aos dela. Ela não conseguia
suportar a falta abismal de inteligência que a maioria das mulheres
parecia determinada a exibir em torno do sexo masculino, como se
a idiotice desenfreada as tornasse mais atraentes.
— Meu sobrinho tem muito bom senso, minha querida. Acredite
em mim.
— A maneira como ele o segue, adorando você, dificilmente me
inspira fé em sua perspicácia.
As sobrancelhas do Senhor Archer balançaram em diversão.
— Mas é exatamente por isso que estou tão convencido de sua
inteligência.
Lady Victoria riu e balançou a cabeça quando seu marido
sorridente finalmente se despediu.
— Agora, minha querida Senhorita Haywood, gostaria de uma
xícara de chá ou prefere ir para o seu quarto para descansar?
— O chá seria ótimo, Lady Victoria — Charlotte disse. Ela mal
havia caminhado três quarteirões da casa dos Westover até a casa
dos Archers. Na verdade, ela não precisava de uma xícara de chá
nem de descanso, mas ela esperava ficar mais que um ou dois
meses, então estava determinada a ser agradável.
Felizmente, durante os últimos minutos, sua ansiedade diminuiu
até tudo deixar de parecer um pesadelo. Ela gostou dos Archers e
se sentia estranhamente em casa com a dupla. Ambos eram tão
alegres e descaradamente afetuosos que ela ansiava por encontrar
o caminho certo para a amizade. Ela queria fazer parte de sua casa.
Seu coração doía por pertencer.
Tudo o que ela precisava fazer era segurar a língua por três
curtos anos.
— Então, Senhorita Haywood, a Senhorita está na Inglaterra há
muito tempo?
Assustada, Charlotte captou o olhar curioso de Lady Victoria.
— Na verdade sim. Estou aqui há oito anos.
— A Senhorita viveu com os Westover por oito anos?
— Oh, não, só estava com os Westovers há alguns meses.
As sobrancelhas finamente arqueadas de Lady Victoria se
ergueram. Seus olhos cinza brilharam com inteligência e simpatia.
— Oh?
— Suponho que devo explicar — Charlotte reprimiu um suspiro
— Talvez seja mais simples se eu começar do início, pois isso
evitará mal-entendidos...
— Sem dúvida. Eu sempre prefiro quando os contos começam
no início — Os lábios de Lady Victoria se contraíram.
Animando-se, Charlotte soltou um suspiro e soltou uma pequena
risada ofegante.
Lady Victoria se aproximou e apertou sua mão assim que o
mordomo abriu a porta. Ele introduziu uma criada carregando uma
bandeja de chá, generosamente enfeitada com rendas e coberta
com pratos de bolos de sementes, biscoitos e um grande bule de
prata com chá. Em silêncio solene, o mordomo afastou os pratos
que já estavam na mesa. Ele quase derramou duas xícaras cheias
pela metade com café com leite antes que pudesse abrir espaço
suficiente para o serviço de chá.
Assumindo o comando, Lady Victoria serviu uma xícara para
Charlotte e sorriu quando ela pediu sem leite ou açúcar.
— A Senhorita gostaria de um bolo? — Lady Victoria perguntou,
estendendo o prato para ela.
— Não, obrigada — Charlotte respirou fundo e, em seguida,
adiou a confissão por mais um minuto, esvaziando sua xícara de
chá. Lady Victoria voltou a enchê-la, embora mantivesse os olhos
cinzentos no rosto de Charlotte.
— Bem — Charlotte começou novamente —, minha mãe e meu
pai faleceram quando eu tinha três anos.
Lady Victoria acenou com a cabeça, mas não ofereceu nenhuma
expressão embaraçosa de simpatia.
— A irmã da minha mãe morava conosco em Charleston, ou
seja, Charleston, na Carolina do Sul — disse Charlotte — Então eu
morei com ela por vários anos. Infelizmente, ela morreu de gripe
durante o inverno de 1810. Foi quando fui enviada para a Inglaterra
— Ela estremeceu involuntariamente, lembrando-se do tempo
gelado e da longa e fria viagem. Sua capa endurecida pelo gelo
nunca parecia impedir a entrada do frio no navio e, depois que ela
chegou a Londres, o frio a envolveu para sempre — O irmão do meu
pai tinha propriedades perto de Brighten. Então, ele me convidou
para morar com sua família.
Ela não mencionou que, dois meses após sua chegada, seu tio a
mandou para o primeiro de uma série de internatos suíços para
jovens mulheres bem-nascidas. Houve três ao todo. Finalmente, a
diretora da última escola a mandou para casa com uma nota
indicando que ela sentia que poderia falar por todas as academias
femininas em seu país, quando dizia que preferiam que Charlotte
não voltasse para a Suíça, pois ela tinha uma influência
perturbadora sobre as outras jovens.
— Em mil oitecentos e quinze... não, mil oitocentos e dezesseis,
fui morar com o tio do meu tio perto de Richmond — disse Charlotte,
sua voz hesitante apesar de seus esforços para fazer tudo soar
como uma grande aventura.
Todas as moças daquela casa já eram casadas, portanto, essa
situação parecia a melhor para todos. Infelizmente, foi quando sua
influência negativa sobre mulheres mais velhas e casadas apareceu
pela primeira vez. Charlotte não tinha percebido o que suas opiniões
sobre a igualdade das mulheres significavam para uma senhora
mais velha e preocupada.
Depois de anos de sofrimento silencioso, a tia de Charlotte
informou ao marido que ela não toleraria mais seus casos com
dançarinas e cantoras de ópera. Se ele não se corrigisse, ela se
mudaria para sua propriedade no campo, onde ele enfaticamente
não seria bem-vindo!
Claro, Lady Victoria não precisava saber de nada disso. O
Senhor Archer poderia entreter dezenas de dançarinas de ópera e
Charlotte não diria uma palavra.
— Os Westovers são tios do seu tio? — Lady Victoria perguntou
quando Charlotte fez uma pausa.
— Ah não. Fiquei com eles apenas dois anos. Então fui morar
com os Westover. Eles são, eu entendo, parentes distantes do tio do
meu tio. Não estou totalmente certa da relação exata. Eu fui pra eles
há alguns meses.
— E agora a Senhorita veio morar com os Archers — Lady
Victoria deu um tapinha nas mãos entrelaçadas de Charlotte — Será
um alívio, tenho certeza, finalmente se estabelecer em algum lugar
— Seu olhar penetrante foi surpreendentemente gentil quando ela
captou o olhar de Charlotte.
Algumas lágrimas quentes picaram o fundo dos olhos de
Charlotte.
— Sim, suponho que sim — Ela tomou um gole de chá para
recuperar a compostura. Ela não se permitiria um ataque de
emoções na primeira vez que alguém parecesse simpático a ela. —
Se não for impertinente, posso perguntar como a senhora se
relaciona com os Haywoods?
— Haywoods? — Lady Victoria repetiu, com o rosto
inexpressivo.
— Sim, bem, eu estava simplesmente me perguntando como vim
parar aqui, isto é... Os senhores são meus parentes? Distantes,
tenho certeza, mas não tinha ouvido falar dos Archers... — Suas
perguntas pareciam indelicadas, mas ela não pôde deixar de
perguntar.
De repente, ela se sentiu desesperada por uma garantia de que
estava segura para fazer amizade com os Archers: que eles não a
mandariam embora em algumas semanas ou meses.
Como se entendesse, Lady Victoria pegou a mão de Charlotte e
segurou-a, esfregando o calor de volta em seus dedos frios.
— Oh, eu não me preocuparia com isso. — Ela encolheu os
ombros e esfregou a mão de Charlotte com mais vigor — Sou
péssima com genealogia e mal consigo manter minhas próprias
sobrinhas e sobrinhos em ordem. Quem pode dizer como nos
relacionamos?
Charlotte fez uma pausa, tentando entender por que ela sentia
que Lady Victoria estava evitando a questão. No passado, Charlotte
havia desenvolvido o útil talento de sentir quando alguém estava
evitando a verdade, talvez porque desejasse ser melhor em tais
“esquemas” ela mesma.
A sensação de uma corrente subterrânea inexplicada a alertou,
no entanto. A experiência mostrou os perigos de ignorar tais sinais
ou chegar muito perto de alguém agindo como seu guardião.
Removendo delicadamente a mão do aperto de Lady Victoria,
Charlotte pegou o bule e serviu xícaras frescas.
Dê um passo para trás, se concentre no futuro. Logo ela estaria
livre de tutores solenes e desaprovadores, e quartos gelados, em
frias casas inglesas, onde ela nunca se sentiu bem, onde ela não
poderia nem mesmo discutir suas idéias sem causar desarmonia e
perturbação.
Como se sentisse seu distanciamento, Lady Victoria falou
preguiçosamente sobre o tempo instável. Depois de alguns minutos,
Charlotte reuniu coragem suficiente para fazer outra pergunta, uma
provocada por sua curiosidade incontrolável.
— Por que a Senhora é Lady Victoria, enquanto seu marido é o
Senhor Archer?
— Eu sou a filha mais velha de um marquês, minha querida.
Sempre fui Lady Victoria.
— Então o Senhor Archer é um... — Charlotte parou
consternada. Ela estava prestes a chamá-lo de plebeu. Que
revoltante. Ela estava começando a soar tão rígida e consciente de
sua classe quanto o resto dos britânicos.
Rindo, Lady Victoria pegou sua xícara de chá e tomou um gole
antes de balançar a cabeça.
— Minha família ficou muito chateada, eu acredito, quando me
casei com o Senhor Archer. No entanto, não tenho certeza se foi a
falta de um título que os perturbou. Afinal, ele era o quarto filho de
um Duque.
— Oh? — Ela esperou que Lady Victoria explicasse por que sua
família não queria que sua filha se casasse com o quarto filho de um
Duque. Era só porque ele mesmo não tinha um título? Muito
britânico.
Então, a estranheza de sua situação a atingiu. Certamente
Charlotte teria sabido se sua família fosse de alguma forma
aparentada com um Duque.
Lady Victoria, no entanto, não deu mais detalhes.
— Por que a Senhorita não descansa um pouco? Temos um
convite para um sarau esta noite. Não ficaremos muito tempo se a
Senhorita não quiser, mas sempre acho melhor ter alguma atividade
desse tipo imediatamente quando estou me estabelecendo em um
novo lugar. Isso evita que nós nos preocupemos com eventos que
inevitavelmente serão os melhores.
— Mas eu não estou preocupada — Charlotte protestou.
— No entanto, vamos arrastar o Senhor Archer e comparecer.
Charlotte sorriu para ela.
— Obrigada, Lady Victoria. A senhora é muito gentil.
— Absurdo. Estou simplesmente entediada. Agora que a
Senhorita está aqui, nossas perspectivas melhoraram
enormemente. Depois que nossa filha... bem... eu gostaria de
pensar na senhorita como minha filha, se a senhorita não se
importar muito.
— Receio que não seja exatamente o que a senhora tinha em
mente.
— Você está errada, Senhorita Haywood. Parece-me que a
senhorita é exatamente o tipo de garota que eu esperava que minha
Mary se tornasse, se ela tivesse vivido. Eu não poderia estar mais
satisfeita.
— Obrigada — respondeu Charlotte em dúvida — Só espero que
a senhora não tenha motivos para mudar de ideia assim que nos
conhecermos melhor.
Se uma pessoa incomodar outra com linguagem abusiva ou segui-la
constantemente, podendo ocorrer violação da paz, essa pessoa
pode ser processada e intimada pela parte lesada.
Guia de bolso do policial

— É um vestido muito atraente, Senhorita Haywood — disse


Lady Victoria. Ela tocou a pesada seda branca da saia de Charlotte
e alisou as dobras nas costas.
— Obrigada. É uma das poucas vantagens de ser uma herdeira
— Charlotte respondeu, olhando no espelho e sentindo-se
inexplicavelmente deprimida com sua imagem. O longo
comprimento de seda branca reluzente apenas a fazia parecer ainda
mais alta, elevando-se sobre a delicada figura de Lady Victoria.
Lady Victoria riu. Alcançando atrás de seu pescoço, ela tirou seu
lindo colar de pérolas e deu um passo atrás de Charlotte.
— O que... — Charlotte tentou se virar, mas Lady Victoria
segurou seus ombros.
— A Senhorita deveria usar isso esta noite — disse ela enquanto
prendia as pérolas em volta do pescoço de Charlotte.
Tocada pelo gesto, Charlotte deixou cair o colar de contas
azeviche que planejava usar na cômoda. As mulheres não usavam
cores brilhantes há meses, desde a trágica morte da princesa
Charlotte em novembro. Compartilhando o mesmo nome, Charlotte
sentia uma profunda simpatia pela princesa e sempre admirou a
mulher por se levantar e se recusar a se casar por qualquer motivo,
exceto o amor.
A princesa Charlotte sabia o que significava seguir seus sonhos
em vez de simplesmente se conformar com o trabalho pesado. Se
ao menos a simples e comum Charlotte pudesse fazer o mesmo e
escapar das brumas frias da Inglaterra para as areias escaldantes
do Cairo, talvez pudesse finalmente encontrar felicidade e
independência sob o sol escaldante do deserto.
— Este colar é lindo... lindo demais — disse ela, captando o
olhar de Lady Victoria no espelho. Ela estava com medo de
presumir muito.
No entanto, seus dedos correram sobre as pérolas acetinadas,
ainda quentes da pele de Lady Victoria, e Charlotte sentiu sua
garganta apertar. O colar combinava com a renda cremosa inserida
no decote redondo de seu vestido, e ela se sentia quase... bonita. O
brilho suave das pérolas aninhado no côncavo de sua garganta,
emprestando-lhe uma pequena parte da graça de Lady Victoria.
— Por que você não pega emprestado para esta noite? — Lady
Victoria deu um abraço nela. — Bem-vinda à sua nova casa, minha
querida
— Oh — a voz de Charlotte quebrou. Ela apertou a mandíbula
dolorosamente, segurando a forte vontade de chorar — A senhora
não deveria... isto é, a senhora pode não desejar que eu...
— Absurdo. O colar teria sido da minha filha. Agora, a senhorita
é minha filha. Eu digo que a senhorita deve usá-lo esta noite. Ele
fica muito bem com esse vestido, não é? Sempre pensei que ele
tinha um matiz bastante quente e complementariam alguém com
sua cor viva.
Charlotte tocou fugazmente um cacho vermelho que caia sobre
seu ombro. Depois de um olhar penetrante para o rosto gentil de
Lady Victoria, Charlotte sorriu, aliviada pelo comentário não ter sido
um insulto velado.
— Obrigada — ela respondeu enquanto se virava abruptamente
— Não deveríamos sair?
Ela sabia que poderia parecer ingrata, mas ela se sentia
desconfortável com presentes, mesmo aqueles emprestados
apenas por uma noite. Seus guardiões anteriores sempre
presumiram que itens caros deveriam fluir de Charlotte para eles e
não o contrário, e ela havia se acostumado ao conhecimento de que
qualquer afeto que eles demonstrassem por ela era proporcional à
sua ganância. Agora, era difícil ajustar e aceitar graciosamente até
mesmo o menor dos itens.
— Sim — Lady Victoria disse — John certamente está nos
esperando agora. Ele é muito pontual.
— Uma de suas poucas qualidades? — Charlotte provocou
timidamente.
— Não — A boca larga de Lady Victoria se contraiu nos cantos
— Ele tem muitas qualidades boas, ou pelo menos me garante que
as tem sempre que mostro qualquer tendência para o
esquecimento.
Sorrindo, as duas mulheres pegaram as luvas e desceram as
escadas.
Como previsto, o Senhor Archer já ocupava o corredor, andando
de um lado para o outro na frente da porta. O mordomo, Suddley,
carregado com suas capas, olhava para ele impassível.
Quando o Senhor Archer as viu, ele correu para dar um beijo na
bochecha de sua esposa.
— Arrebatadora, minha querida, como sempre. Tem certeza de
que deseja comparecer a este evento miserável? Você não prefere
ter uma noite aconchegante em casa? — Seu braço esgueirou-se
ao redor da cintura esguia de Lady Victoria e apertou.
Ela riu sem fôlego e o empurrou.
— Então você pode ir ao clube? Não, meu querido.
Em seguida, ela acenou para Suddley colocar suas capas sobre
os ombros. Quando ele se aproximou de Lady Victoria, o Senhor
Archer pegou um adorável manto preto com penas de cisne das
mãos do mordomo. Ele deu um passo atrás de sua esposa e
envolveu-a em torno dela, alisando-lhe os braços enquanto ela lhe
lançava um sorriso coquete por cima do ombro.
O Senhor Archer disse:
— Nós poderíamos...
— Nós vamos comparecer, John, e isso é tudo que há para
fazer. Agora diga a Senhorita Haywood como ela está elegante e
vamos antes que estejamos desesperadamente atrasados.
— Já estou desesperado — Archer respondeu sombriamente
antes de libertar sua esposa. — E nós não estamos tão atrasados
como me convem.
— Você vai se divertir — assegurou-lhe sua esposa — Você
sempre se diverte. Você pode mostrar à Senhorita Haywood como
você é um parceiro de dança maravilhoso.
— Harrumph.
— John — ela alertou — você prometeu se comportar e passar a
noite conosco em vez de jogar...
O Senhor Archer balançou a cabeça e esperou aparentemente
entediado até que Suddley anunciou que a carruagem os aguardava
na porta.
Para o desânimo de Charlotte, eles chegaram à festa cedo
demais. Uma vaga sensação de inadequação passou por ela
quando foram recebidos na porta por um mordomo ainda mais
imponente do que o impressionante Suddley. Ele sinalizou para um
magnífico criado, que se dignou a pegar suas capas antes de
entregá-las a outro criado de paletó vermelho e peruca empoada.
Ele os conduziu majestosamente em frente até a presença de uma
mulher do tipo delicada, uma princesa de conto de fadas, que fez
Charlotte se sentir ainda mais sem graça e desajeitada.
Com o choque, Charlotte percebeu que conhecia esta delicada
boneca rosa e branca: Lady Beatrice Thatcher.
Charlotte deu um passo para trás e olhou para a porta, deixando
o Senhor Archer e sua esposa se moverem à frente dela, mas os
magníficos servos bloqueavam a saída. Uma cãibra nervosa apertou
seu estômago, mas ela endireitou os ombros resolutamente.
O baile estava sendo dado em homenagem à mulher que passou
vários meses torturando Charlotte no último internato suíço que ela
frequentou antes de ser totalmente expulsa da escola. Na verdade,
Lady Beatrice havia feito um esforço extraordinário para fazer
Charlotte se sentir bem-vinda na academia, jogando suas roupas de
cama pela janela no auge do inverno. A garota então melhorou suas
ações despejando o conteúdo de um jarro de água pela mesma
janela em Charlotte e em sua roupa de cama quando ela foi buscá-
las.
Ela nunca se esqueceria de olhar para a janela do segundo
andar e ver o rosto adorável de Lady Beatrice, emoldurado por uma
massa de cabelo loiro claro, sorrindo para ela. Ficando boquiaberta
com ela, Charlotte estremeceu e agarrou os cobertores molhados
contra o peito, chocada demais para falar.
— Vá embora! — Lady Beatrice gritou. — Ninguém quer a
Senhorita aqui! Tudo o que alguém pode querer é seu dinheiro, sua
colona imunda! Todo mundo sabe que os americanos não passam
de um monte de criminosos comuns e desertores!
Charlotte ficou parada ali, congelada, até que Lady Beatrice
jogou a jarra vazia. Ela se esquivou bem a tempo. A pesada
porcelana branca se espatifou aos pés de Charlotte, seguida pelo
som de Lady Beatrice batendo a janela.
Depois de lentamente recolher sua roupa de cama, Charlotte
descobriu que Lady Beatrice ainda não havia terminado de acolhê-
la. Uma das amigas de Lady Beatrice tinha cuidadosamente
trancado a porta externa atrás de Charlotte para que ela não
pudesse voltar para seu quarto. Apenas sua amizade com uma das
copeiras permitiu que ela entrasse furtivamente na escola duas
horas depois. Ela mal teve tempo de refazer a cama molhada e
entrar tremendo nela até que a diretora fizesse suas rondas
matinais.
Infelizmente, embora Charlotte conseguisse estar em sua cama
antes da conta, a diretora havia descoberto a roupa de cama
molhada. Charlotte recebeu tarefas extras como punição por fazer
xixi na cama junto com mais alguns meses de humilhação.
O som da madeira daquela janela batendo permaneceu na
memória de Charlotte. Ela percebeu então que Lady Beatrice estava
certa. A aristocracia britânica nunca a consideraria aceitável. Eles
haviam fechado suas mentes e corações para ela com a mesma
firmeza com que Lady Beatrice tinha fechado aquela janela, e a
Inglaterra nunca seria um lar para ela.
Portanto, cabia a Charlotte encontrar seu próprio caminho e seu
próprio lugar ao sol.
Agora, de pé na frente de Lady Beatrice novamente, Charlotte foi
pressionada a acenar educadamente.
— Lady Victoria e o Senhor Archer! Que delícia! — Lady Beatrice
exclamou. Ela estendeu as mãos elegantemente enluvadas para
seu convidado e ficou na ponta dos pés para dar um beijo no ar ao
lado da orelha de Lady Victoria. — E quem é essa?
Como se você não se lembrasse de mim. Charlotte sorriu
recatadamente.
— Minha pupila, Senhorita Haywood — Archer disse — Lady
Beatrice, posso apresentar a Senhorita Haywood?
Tentando suprimir seu desânimo, Charlotte olhou para a
pequena loira, mal conseguindo manter seu sorriso suave no lugar
— Como vai a Senhorita, Lady Beatrice?
— Adorável — Lady Beatrice murmurou. Nem mesmo o menor
traço de reconhecimento brilhou em seus olhos frios. Ela olhou por
cima do ombro de Charlotte, aparentemente tentando ver quem
tinha entrado atrás dos Archers.
Charlotte a olhou fixamente, pensando se Lady Beatrice queria
dizer que ela mesma era adorável como sem dúvida era ou se
queria dizer que era adorável conhecer Charlotte. Novamente.
Charlotte duvidava que fosse o último, considerando seu
conhecimento anterior.
Olhando para o salão lotado atrás de sua anfitriã, a apreensão
de Charlotte aumentou. A multidão de risos a fez se sentir
desajeitada e constrangida enquanto se elevava vários centímetros
acima de sua delicada anfitriã.
Charlotte tocou seu cabelo, apenas para se lembrar de sua cor
vermelha chocante. Por que ela não usava um turbante para
esconder seus cachos extravagantes em vez do lenço preto? Ela
baixou a mão e quase esfregou o nariz antes de se lembrar das
sardas salpicadas em suas bochechas. Suas mãos agarraram as
laterais do vestido em seu esforço para evitar que chamasse a
atenção para seus traços menos lisonjeiros.
Então, enquanto olhava por cima da cabeça de Lady Beatrice,
Charlotte percebeu que estava ao lado das três pessoas mais
baixas na sala. O destino parecia determinado a atormentá-la de
vergonha.
Lady Beatrice mal reconheceu a presença de Charlotte enquanto
falava com Lady Victoria. Seus olhos grandes e luminosos, tão azuis
e vazios como pratos Wedgewood não usados, não mostraram
interesse nos Archers, embora ela sorrisse e risse em todos os
momentos apropriados. Seu lindo cabelo dourado claro estava
enrolado e amontoado em uma confecção elaborada adornada por
um pente de diamante e pena de garça caída. Um longo cacho
pendurava solto para acariciar a pele branca e leitosa de seu
pescoço e ombros.
Com o passar dos anos, enquanto Charlotte crescia, Lady
Beatrice havia crescido de outras maneiras. Ela havia desenvolvido
seios impressionantes para alguém tão delicada, e ela deve ter
ficado bastante orgulhosa dessa conquista porque seu vestido
exibia uma grande quantidade dele.
Charlotte se recusou resolutamente a olhar para suas próprias
realizações. Embora tivesse seios, em combinação com sua grande
altura parecia insignificante.
Quando Lady Beatrice lançou-lhe um olhar frio de desprezo, a
língua de Charlotte coçou para dizer a verdade sobre exatamente
quão adorável era realmente estar aqui na alegre velha Inglaterra
com Lady Beatrice e todos os seus amigos encantadores.
Comentários como aquele vindo de seus lábios a fizeram ser
enviada três vezes para fora das melhores academias femininas da
Suíça.
Ela teve que exercer algum autocontrole: os Archers ainda
acreditavam que ela era uma boa jovem.
— Meu sobrinho já está aqui? — O Senhor Archer perguntou
antes que Charlotte pudesse abrir a boca e dizer algo terrível.
Ela olhou para ele com gratidão.
Lady Beatrice deve ter percebido sua expressão e interpretado
mal a gratidão pelo interesse no sobrinho do Archer. De repente, ela
sorriu maliciosamente e bateu seu leque na manga preta do Senhor
Archer.
— Claro! Ele está aqui há muito tempo. Juro que ele passa tanto
tempo aqui ultimamente que já é quase como um membro da
família.
— Realmente — Lady Victoria respondeu com seu tom irritado.
Charlotte captou o olhar compartilhado pelo Archers e lembrou
as observações de Lady Victoria sobre Lady Beatrice. Parecia que
Lady Victoria conhecia o sobrinho de seu marido melhor do que ele.
Um rosto bonito e seios extravagantes eram incrivelmente
atraentes para os rapazes. A maioria dos homens estava apenas,
no máximo, vagamente ciente da inteligência de uma mulher.
Charlotte havia observado isso muitas vezes enquanto ficava
parada nos cantos de vários salões de baile tentando não parecer
muito alta, muito ruiva, muito americana ou muito inaceitavelmente
inteligente.
— Oh, sim — Lady Beatrice disse — Mas eu espero que os
senhores se divirtam. Haverá um bufet leve no grande salão às nove
e, enquanto isso haverá dança e alguns jogos de azar para entretê-
los. Se me der licença, vejo que Lady Howard chegou. Eu
simplesmente preciso falar com ela.
— Foi um prazer conhecê-la — disse Charlotte com total
insinceridade — Espero que possamos falar mais tarde.
Os Archers fizeram algumas declarações educadas e os três se
afastaram na direção geral da música.
A noite logo se transformou na mesma experiência terrivelmente
entediante que Charlotte sofreu em todos os outros eventos sociais
a que compareceu. Ela passou muito tempo murmurando respostas
vagas para qualquer homem que decidisse que poderia ignorar sua
aparência física por causa de sua fortuna. Nenhum deles queria
levar uma giganta para a pista de dança, particularmente não uma
ruiva. No entanto, todos estavam discretamente fascinados para
saber exatamente que propriedades ela possuía e onde estavam
localizadas.
Por outro lado, as Ladys não se importavam de ficar por perto.
Charlotte fazia com que todas parecessem incrivelmente frágeis e
bonitas em comparação. Outra jovem aproveitando-se disso acabou
se inclinando para falar com Charlotte.
— Você é a Senhorita Haywood, não é? Fiquei muito feliz em
conhecê-la mais cedo. — Apesar de seu comentário amigável, seus
olhos permaneceram fixos na pista de dança.
— Esses grandes bailes podem ser muito tediosos, não é?
— Sim eles podem — Charlotte vasculhou sua memória e
lembrou o nome da garota. — Senhorita Mooreland?
Senhorita Mooreland lançou um sorriso a Charlotte.
— Esta é o seu primeiro baile?
— Não. Infelizmente, não é.
Isso chamou a atenção da garota. Ela olhou para Charlotte, seus
olhos castanhos arregalados em choque. Para a surpresa de
Charlotte, ela era realmente muito bonita, com um rosto redondo e
macio e olhos grandes de corça. Talvez ela não estivesse tentando
parecer bem em comparação com Charlotte, afinal.
— A senhorita não gosta de bailes? — A senhorita Mooreland
perguntou.
— Não particularmente.
— Oh. — Ela pareceu considerar essa afirmação — É por isso
que a senhorita não está dançando? A senhorita não deseja?
— Sim. Essa é a razão. Precisamente.
— Oh. — A atenção da Senhorita Mooreland voltou para o chão
— Eu adoro dançar. — Ela suspirou e agitou seu leque. Seu olhar
seguiu um dos casais no centro do salão. — Ele é tão...
impressionante, não é?
— Quem? — Charlotte perguntou, batendo em seu dedo do pé.
Ela olhou para a porta do terraço e a escuridão suave do lado de
fora. A liberdade estava a vinte metros de distância, no máximo,
talvez mais perto.
— Ora, Sua Graça, é claro! — O olhar extasiado da Miss
Mooreland seguiu um homem alto enquanto ele se movia pelos
intrincados passos da dança — Infelizmente, ele deve fazer uma
proposta a Lady Beatrice... talvez esta noite!
A sobrancelha de Charlotte se ergueu.
— Lamentavelmente?
A garota perdeu o sarcasmo na voz de Charlotte e assentiu
vigorosamente.
— Sim. Espero que ele decida não o fazer. Pelo menos não esta
noite. Ele é tão... masculino, não é? Embora admire sinceramente
Lady Beatrice, quase gostaria que ele não lhe fizesse uma oferta.
Quando ele dançou comigo, foi como se eu fosse abraçada por um
deus! Eu simplesmente sabia que éramos duas metades de um todo
perfeito!
A garota se mostrou alheia à risada sufocada de Charlotte. A
atenção da Senhorita Mooreland estava totalmente envolvida em
observar sua “outra metade” passar por uma quadrilha com sua
parceira atual.
Charlotte observou o jovem muito alto e musculoso e a diminuta
senhora morena com ele. Ele era um dos homens mais altos e tinha
ombros muito largos. Ela mordeu o lábio inferior e se lembrou de tê-
lo visto antes, observando-o com uma espécie de saudade, embora
ele nunca tivesse olhado em sua direção. Ele era um dos poucos
homens na sala que não ficaria ao nível dos seus seios se ficasse
ao lado dela.
Ela o estudou por um momento e então fechou a boca
resolutamente. Ela se recusou a arruinar a noite da Senhorita
Mooreland, apontando que o casal tinha estado na pista antes e
esta era sua segunda dança. Parecia haver um bom número de
mulheres desmaiando atrás de Sua Graça, seja lá qual fosse o
nome dele.
Pelo menos os Archers sem dúvida ficariam encantados em
saber que seu sobrinho tinha outro homem competindo com ele pela
mão delicada de Lady Beatrice. Talvez seu sobrinho estivesse a
salvo da víbora, afinal.
A Senhorita Mooreland continuou a olhá-lo com adoração com
sua boca rechonchuda parcialmente aberta. Um suspiro suave
escapou dela.
Charlotte quase ecoou seu suspiro — em exasperação — antes
de se conter. Ela tinha sido boa até agora, educada. Ela não poderia
estragar tudo agora com algum comentário imprudente. Sua
atenção voltou para os dançarinos.
A Lady apertando a mão de Sua Graça inclinou a cabeça para
trás para olhar para ele, batendo os cílios. Ela disse algo com um
sorriso antes que eles se virassem e se separassem no ritmo da
música. Sua Graça riu, ou pelo menos seus ombros tremeram.
O olhar de Charlotte seguiu a mulher e, após alguns minutos,
trouxe à tona seu nome: Lady Anne. Charlotte tinha sido
apresentada a tantos esta noite que ela teve dificuldade em lembrar
seus nomes. As Ladies se amontoavam na pista de dança, girando
em vestidos brancos cremosos ou cinza pombo, ornados de preto
em respeito à morte da princesa Charlotte. Ninguém usava joias,
exceto azeviche ou pérolas.
O efeito monocromático de todo o branco e cinza girando foi
bastante calmante inicialmente. Mas depois de ficar de fora por
várias danças, Charlotte ficou inquieta.
Ela não pôde deixar de notar uma mudança conforme a noite
avançava. A atmosfera festiva tinha ficado quebradiça e azeda sob
uma fina camada de alegria forçada. Os belos vestidos das
mulheres murcharam com o calor das velas e da pista de dança
lotada, e a maioria das gravatas engomadas dos homens pendiam
como barbelas em volta de seus pescoços.
Muitas Ladies agora estavam cansadas ao longo das paredes,
seus olhos seguindo os dançarinos restantes com uma espécie de
desespero vítreo. A beleza da sala com seus magníficos tetos altos,
cortinas longas e esvoaçantes em rico damasco dourado e
extensões de espelhos com bordas douradas pareciam apenas
drenar a vida dos rostos cansados, refletidos como manchas pálidas
e inexpressivas.
As jovens que haviam chegado esta noite sorrindo e esperando
encontrar o homem dos seus sonhos estavam lentamente
percebendo que talvez não.
Incapaz de suportar por mais tempo, Charlotte se virou e
caminhou pelas portas francesas.
Se uma pessoa incomodar outra com linguagem abusiva ou segui-la
constantemente, [...] essa pessoa pode ser processada e intimada
pela parte lesada.
Guia de bolso do policial

E scapando do sarau, Charlotte pisou com alívio em um


pequeno terraço de pedras. Lanternas de papel em azul,
vermelho e dourado balançavam acima de sua cabeça,
suspensas em cordas finas ao longo das bordas do pátio. Outro
arco de luzes percorria as árvores, criando padrões de cores
cintilantes suavizando a escuridão.
Algumas mariposas, atraídas pela beleza das chamas,
procuraram desesperadamente se sacrificar por amor às luzes
coloridas. O bater de suas asas batendo no papel fino da lanterna
soava como sussurros suaves e infelizes.
Depois de alguns momentos, Charlotte se aproximou de uma
lanterna feita de papel dourado carregado por dragões verdes.
Estava pendurada na extremidade mais distante do terraço, onde
alguns degraus rasos conduziam ao caminho de cascalho que
serpenteava pelos jardins enevoados. Ela observou os insetos
esvoaçantes, usando o desafio da identificação para esquecer
temporariamente Lady Beatrice e a nata da cintilante sociedade
dançando lá dentro.
Uma mariposa descuidada esvoaçou bêbada em sua direção,
atraída pelo brilho de seu vestido. Com uma risada, ela gentilmente
abanou-a para longe. As mariposas aqui eram tão diferentes das
que ela se lembrava de ver quando criança nas longas e
perfumadas noites de verão em Charleston. Ela amava os tons
cinza e marrons suaves de suas asas frágeis e as observou por
alguns minutos antes de perceber que uma criatura ousada tinha
asas vermelhas chocantes.
Ela se aproximou, tentando dar uma olhada melhor.
Infelizmente, ela a assustou e a mariposa se afastou
erraticamente na escuridão. Quando ela olhou para trás, uma nova
mariposa apareceu. Suas asas marrons tinham um padrão ousado
de branco brilhante: uma Tigre de Jardim, Arctia caja, talvez, e a
primeira dessa variedade que ela vira na Inglaterra.
— O que a Senhorita está fazendo aqui sozinha? — a voz
profunda de um homem perguntou. Ele saiu das sombras e subiu os
degraus de pedra rasos até o terraço.
Seu breve e bom humor desapareceu junto com a mariposa.
Por que era tão difícil encontrar pelo menos um breve momento
de paz? Não era preciso muita sensibilidade para ver que ela
preferia ser ignorada ali a sofrer a humilhação pública de ficar
parada nos cantos do salão de baile, presa atrás de mulheres
insuportavelmente baixas.
Lançando-lhe um rápido olhar, Charlotte notou sua longa sombra
e os ombros largos sob sua jaqueta escura e colete bordado.
Um movimento chamou sua atenção, e ela olhou para a lanterna
de papel. A mariposa havia sumido. Agora, ela nunca teria certeza
se era sua primeira Tigre de Jardim ou não. Ela suspirou e desistiu.
Era um pouco cedo no ano, de qualquer maneira, para as Tigres de
Jardim, então talvez ela não tivesse perdido nada.
— A Senhorita pode falar? — ele a provocou com um sorriso,
subindo o último degrau. Ele se elevou acima dela por vários
centímetros.
Involuntariamente, ela sorriu de volta, seu olhar preso no azul
brilhante de seus olhos.
— Sim, eu posso falar. Estou respirando fundo, se quer saber —
disse ela, tentando pensar em algo suficientemente insípido para
fazê-lo ir embora.
O som de risadas disparou pelas portas abertas atrás dela. Ela
olhou por cima do ombro, inquieta, pensando em Lady Beatrice,
janelas abertas e roupas de cama molhadas. Ela estremeceu.
— Oh — ele respondeu. Ele parecia quase tão desconfiado dela
quanto ela dele.
Ela olhou para ele, perguntando-se se ele a acharia rude se
pedisse para ele ir embora. Em outras circunstâncias, ela poderia ter
gostado de ser apresentada a ele, pelo menos pela novidade de
olhar para o rosto de um homem em vez de para baixo, mas ela
estava muito cansada para controlar seu modo de falar, muito
cansada para ser educada, ainda que ele certamente fosse melhor
do que os dois odiosos caçadores de fortunas que tentaram
encurralá-la meia hora atrás. Então, ela se lembrou do rosto
esperançoso da Senhorita Mooreland e se sentiu exausta até os
ossos.
Ao contrário da Senhorita Mooreland, Charlotte não era uma
idiota insípida em busca de um marido. No entanto, ela não pôde
evitar deixar seu olhar permanecer em seu rosto atraente. Na
verdade, ele era mais do que atraente, com um queixo quadrado e
firme e uma boca larga que se curvava para cima.
Em outra situação, ela poderia até tê-lo chamado de bonito se
não tivesse tanta certeza de que simplesmente não conseguia vê-lo
claramente na luz fraca.
O terraço mal iluminado também poderia ser responsável pela
ilusão de que seus ombros eram ainda mais largos do que ela
pensava. As sombras faziam com que ele parecesse mais alto e,
bem, musculoso, principalmente porque seu paletó preto de noite
parecia se confundir com as sombras. Se eles estivessem sob os
lustres de cristal brilhantes lá dentro, ele provavelmente se tornaria
um Lotário baixo, gordo e careca como o resto da alta sociedade.
— Talvez a Senhorita deva voltar para dentro — ele disse.
— O que o Senhor quer dizer? — disse ela, reprimindo uma
resposta afiada e cansada. — Acho que prefiro aqui fora.
— Talvez sim, mas não ajuda ser descoberta aqui com um
homem estranho.
— Embora eu aplauda sua honestidade em admitir que o senhor
seja um estranho, eu realmente não concordo. O senhor parece
perfeitamente normal para mim. No entanto, estou tendo uma noite
absolutamente maravilhosa aqui sozinha e prefiro ficar — respondeu
ela, por fim, esforçando-se para manter o tom leve — Então, talvez
o senhor deva entrar se está nervoso por ser comprometido.
Ele a surpreendeu rindo. Suas risadas profundas provocaram um
sorriso relutante dela, apesar de sua cautela. Por um breve
momento, ela pôde ver por que a Senhorita Mooreland e as outras
mulheres desmaiavam por causa dele. No ar frio do terraço, sua
risada a envolveu como uma capa ainda quente em seus ombros.
Isso a atraiu para ele, para longe das luzes brilhantes do salão de
baile. Quando ele sorriu para ela, seus olhos brilhando, ela se sentiu
quase... aceitável.
— Não será bom ser descoberta aqui comigo — ele insistiu
depois que sua risada diminuiu. — Sua reputação ficará bastante
abalada.
Ela balançou a cabeça, tentando quebrar o feitiço estonteante
criado pela intensidade de seu olhar.
— Eu não deveria me preocupar com isso. Ser encontrada em
um terraço, a poucos passos de dezenas de casais valsando, com
um homem, estranho ou não, não terá a menor influência em minha
reputação. Na verdade, é o senhor quem está em risco. Se eles o
encontrarem se escondendo aqui comigo, o senhor terá sorte de
escapar imaculado. Lamentavelmente, sou conhecida como
terrivelmente erudita. Portanto, a menos que o senhor queira ser
visto como um tolo ao extremo, ou talvez até mesmo beirando a
terrível falta de esperteza, é melhor voltar para dentro.
— Mesmo? — ele deu um passo à frente, ainda sorrindo. Uma
covinha enrugou sua bochecha esquerda, fazendo seu coração
disparar — Talvez eu não me importasse de dar a algumas pessoas
a impressão equivocada de que não sou completamente estúpido.
— Ah não. O senhor não gostaria, de forma alguma. Se o senhor
deseja dar essa impressão, deve evitar a sociedade, para começar.
Seria terrivelmente inconveniente para o Senhor.
Ele riu.
— De fato. Então, o que a senhorita estava fazendo aqui?
Certamente a Senhorita não estava simplesmente evitando todos
nós?
— Se o senhor quer saber, eu estava observando as mariposas.
— Mariposas?
Ela gesticulou com impaciência para os insetos que atacavam as
lanternas de papel.
— Sim. Mariposas. Aquelas criaturas esvoaçantes que se vêem
à noite. Agora, se o senhor me dá licença?
— Ainda não — Ele sorriu para ela — Afinal, nós nem mesmo
fomos apresentados.
— Não, não fomos, fomos? — ela respondeu friamente, tentando
ignorar o brilho nos olhos dele. A incerteza e a maneira como tudo
parecia desaparecer quando ele estava por perto a deixavam
nervosa.
— Oh, tenho certeza de que poderíamos encontrar alguém para
nos apresentar.
— Então por que o senhor não faz isso? Prometo esperar aqui
mesmo até o senhor voltar.
— Eu... — Ele olhou para baixo e puxou uma corrente de ouro
do bolso do colete. — Esper...
Charlotte o olhou com curiosidade.
— O que é? Você está atrasado para alguma coisa?
— Acabei de perceber. Eu perdi!
— Perdeu o quê? Seu relógio? Tenho certeza de que alguém lá
dentro deve saber que horas são.
— Não, não é isso — Ele olhou ao redor do terraço e então
olhou para o caminho sombreado através dos jardins — Você não
viu um pedaço de lápis-lazúli, viu? Eu sabia que deveria ter trocado
aquele gancho...
Ela olhou para o chão do terraço, mas não havia nada que
interrompesse o plano amplo e liso de pedras cinzentas.
— Eu não vi nada. Sinto muito.
Abaixando-se, ele tateou sob um banco de mármore próximo,
proferindo abafadas maldições. Ele bateu seu ombro e praguejou
enquanto se sentava sobre os calcanhares. Ele estudou as pedras
com uma carranca antes de se levantar e tirar o pó das mãos.
Uma expressão taciturna sombreava seu rosto.
— Bem, acabou. Maldição! Minha pedra da sorte... a senhorita
tem certeza de que não o vê em lugar nenhum?
— Não. Não traz tanta sorte assim se o senhor a perdeu, não é?
— ela comentou antes de ter pena dele. — Talvez um dos outros
convidados a encontre. Estava identificado? Eles saberiam que
pertencia ao senhor?
— Era certamente único... era um pedaço de lápis-lazúli torcido
como um saca-rolhas. Eles deveriam saber que a corrente pertence
a mim. Eu uso essa coisa há anos.
— Então eu não me preocuparia com isso. Certamente, alguém
o encontrará e o devolverá para o senhor.
Mais uma vez, ele examinou o caminho gramado que saía do
jardim, ignorando as palavras dela com um gesto impaciente.
Sentindo-se rejeitada, Charlotte se dirigiu às portas francesas,
pensando nos Archers. De repente, a vibração de um vestido branco
chamou sua atenção.
— Sua graça! — A voz aguda e de flauta de Lady Beatrice
chamou — Sua Graça, onde está o senhor?
Lady Beatrice estava emoldurada pelas portas francesas, de
costas para o terraço. Seu vestido de seda branca brilhava na luz
suave do salão de baile.
Charlotte rezou para que Lady Beatrice não olhasse por cima do
ombro para vê-los. Então, enquanto Charlotte observava com
ansiedade, Lady Beatrice girou ao redor. No meio do movimento
gracioso, ela pareceu quase dar um bote para a esquerda. Ela
tropeçou em uma bandeja carregada por um dos criados que tinha
sido forçado a atuar como garçon para o baile. Vários copos de
vinho Madeira despejaram seu conteúdo sobre o busto arfante de
Lady Beatrice, escorrendo por seu vestido de seda clara como
manchas de sangue.
— Seu idiota! — ela atacou o infeliz criado. Sua voz flutuou, fina
e fraca no terraço. — Saia! Saia neste minuto! E não pense que
você vai receber uma carta de recomendação de meu pai, porque
você não vai, seu idiota desajeitado.
Ele ficou ali, com a bandeja vazia na mão, olhando para Lady
Beatrice enquanto ela o repreendia. Com o rosto tão vermelho
quanto o vinho derramado, o homem finalmente se ajoelhou para
limpar os copos quebrados com seu lenço.
De repente, ele parou e seus ombros enrijeceram. Lady Beatrice
se moveu, suas costas bloqueando a visão de Charlotte.
Ela tentou ver ao redor de Lady Beatrice, mas o ângulo estava
errado e uma grande extensão do terraço os separava. Charlotte
prendeu a respiração e depois de um minuto tenso, Lady Beatrice
se moveu, caminhando em direção à porta francesa.
O olhar de Charlotte caiu para o criado. Ele se apoiou em um
joelho, olhando para sua bela ex-empregadora com os olhos
arregalados em choque. Lentamente, ele ergueu a mão e olhou para
ela. Uma gota fina de vermelho escorreu por seu pulso, manchando
a borda de seu punho e pingando no chão.
Sangue? Certamente não.
Charlotte não tinha certeza do que tinha visto. Parecia tão
cruelmente sem sentido, mesmo que ele tivesse arruinado o vestido
de Lady Beatrice. Ela havia humilhado publicamente o criado, e
então parecia que ela havia pisado em sua mão enquanto ele
recolhia os cacos de vidro.
Vingança por arruinar seu lindo vestido de seda? Ou um dos
copos o cortou quando caiu? Charlotte estava muito longe para ter
certeza. Pode até ter sido o vinho madeira pingando do seu pulso.
Não importava, certamente parecia que Lady Beatrice não tinha
mudado muito ao longo dos anos. Ela não gostava de ser frustrada
ou contrariada na escola e sempre foi tomada por sua própria
aparência impecável. Arruinar um vestido de seda tão caro a
enfureceria. Não admirava que ela tivesse repreendido e
dispensado o criado.
Charlotte se virou, tremendo quando a névoa úmida do jardim
girou sobre a borda do terraço e se enrolou ao seu redor. Talvez ela
pudesse encontrar o criado depois da festa e oferecer-lhe um
emprego. O acidente não foi culpa dele, e Charlotte sentiu uma
pena inexplicável por ele e ficou perturbada com seu destino. Ela
sabia como era estar sozinha e insegura sobre o futuro.
Pelo menos ela tinha recursos. Ela era uma herdeira e, se
pagasse o salário dele, os Archers não poderiam recusar seu
pedido.
Lady Beatrice entrou cambaleando pela porta, graciosa e bela,
apesar de seu vestido estragado. Sua cabeça se voltou para o
homem ao lado de Charlotte e seu passo se acelerou. Charlotte se
virou para ele assim que ele se levantou de outra busca sob o banco
de pedra. Ele tinha perdido toda a cena entre Lady Beatrice e seu
criado.
Agora, ele olhou na direção da porta e pareceu enrijecer.
Charlotte seguiu a direção de seu olhar com consternação.
— Diga alguma coisa — disse ele, inclinando-se para sussurrar
com urgência no ouvido de Charlotte. — Qualquer coisa... apenas
não me deixe sozinho com ela. Por favor, a senhorita precisa me
ajudar!
Charlotte começou quando o hálito quente dele tocou seu
pescoço.
Lady Beatrice flutuou em direção a eles pelo terraço.
— Sua Graça — ela chamou.
— Não vejo por que o senhor acha que eu deveria... — Charlotte
fez uma pausa enquanto Lady Beatrice se aproximava.
O que ele queria de Charlotte? Ele esperava deixar Lady
Beatrice com ciúme? Charlotte quase podia sentir o cheiro fraco e
metálico de uma armadilha de ferro seguindo Lady Beatrice como
um perfume rançoso. De repente, Charlotte não confiava em
nenhum de seus companheiros na escuridão suave e fria do terraço.
Lady Beatrice colocou uma mão leve na manga do homem. Ele
olhou suplicante nos olhos de Charlotte e ela vacilou em confusão.
Ela não poderia protegê-lo de Lady Beatrice, mesmo que isso fosse
o que ele queria.
Incapaz de resistir à súplica em seus olhos, Charlotte disse a
primeira coisa que veio à mente.
— Não vejo por que o senhor quer que eu explique as diferenças
entre o Tigre de Jardim e o, hum, Tromba de Botão novamente. Não
é difícil, o Senhor sabe. Uma criança poderia fazer isso. Tudo que o
senhor precisa fazer é se concentrar.
Ele havia pedido sua ajuda. Um discurso sobre mariposas foi o
melhor que ela pôde fazer, considerando as circunstâncias.
— Sim — ele disse com tom humilde — Mas eu sou novo nisso,
uh, isto é, eu nunca apreciei mariposas antes. A senhorita não
poderia simplesmente repassar mais uma vez?
— O que o senhor está fazendo aqui, Sua Graça? — Lady
Beatrice perguntou, seu tom afiado. Ela olhou dele para Charlotte —
senhorita Haywood — ela relutantemente reconheceu. Então ela
olhou para ele, inclinando a cabeça para trás para fazê-lo se sentir
mais alto e enfatizar a adorável linha de sua garganta e seios
impressionantemente nus. Ela sorriu e deu uma risada leve e
tilintante quando seus olhos seguiram aquela curva perfeita de
carne — O senhor não deseja se comprometer, não é? Com a pobre
Senhorita Haywood?
Sua pergunta ingênua deixou claro que ela sabia exatamente
quem ele preferia transigir, e não era a pobre Senhorita Haywood.
— Estamos identificando mariposas, Lady Beatrice. Duvido
seriamente que alguém se sinta comprometido. O senhor não
concorda, Excelência?
Charlotte disse incapaz de resistir a provocar Lady Beatrice
usando deliberadamente o título errado para o Duque. Ela sabia que
isso a incomodaria. Charlotte só esperava ter entendido o brilho nos
olhos de Sua Graça corretamente e que isso não o incomodasse,
pelo menos não indevidamente.
Com sorte, ele riria e Lady Beatrice ficaria irritada. Em seguida,
ela voltaria para dentro de onde pertencia, presumindo que esse
fosse o tipo de ajuda que ele realmente queria.
E supondo que ele não fosse apenas mais um aristocrata
britânico arrogante e desajeitado que ficaria terrivelmente insultado.
Ela prendeu a respiração e olhou para os dois companheiros com
apreensão.
Como antecipado, Lady Beatrice perdeu a nota seca no
comentário de Charlotte.
— É “Sua Graça” Senhorita Haywood — Ela a corrigiu com um
sorriso condescendente. — Ele é o Duque de Peckham. Suponho
que os colonos tenham dificuldades com as sutilezas da sociedade
britânica.
— Oh, eu peço desculpas, Sua Graça Terrível. É tão difícil
manter todas essas pequenas distinções de classe em ordem. Nós,
americanos, estamos tão inclinados a acreditar em uma besteira
sobre todos os homens serem criados iguais, não é? — Charlotte
percebeu que o Duque parecia estar sufocando. Seus ombros
tremeram positivamente com a emoção reprimida.
Ela o observou, sem saber se ria ou se dava alguns passos
rápidos para trás.
Sua expressão estranha pode significar que ele se divertiu ou o
forte desejo de sufocar a vida dela. Em sua experiência, alguns
homens ficaram tão afetados por seu senso de humor que acharam
a última opção quase irresistível, especialmente seu guardião
anterior, Lord Westover.
Ela recuou por precaução.
Lady Beatrice deslizou a mão pelo braço do Duque.
— Se o senhor quiser voltar, eu acredito que eles estão
começando outra valsa, Sua Graça. O senhor prometeu essa para
mim, não é?
Ele começou a se afastar, mas ela se agarrou com mais força,
seu sorriso diminuindo.
— Eu... — ele disse.
— Venha — Lady Beatrice disse em um tom brincalhão e
malicioso — O senhor sabe que o senhor prometeu. Certamente o
senhor não quebraria sua palavra para uma Lady?
O Duque lançou um último olhar para Charlotte antes de
encolher os ombros, claramente cedendo às boas maneiras.
— Como quiser.
Lady Beatrice acenou com a cabeça para Charlotte.
— Senhorita Haywood, não fique aqui muito tempo. As noites
são úmidas. A Senhorita não vai querer pegar alguma coisa.
— Não, de fato — Charlotte estremeceu bastante — Eu
certamente não quero pegar nada. Aqui, muito menos. Deus me
livre.
Todos os casos de homicídio são considerados por lei como
maliciosos e equivalem a assassinato até que apareça o contrário.
Guia de bolso do policial

— L amento terrivelmente, Sua Graça — Lady Beatrice disse


enquanto se juntavam aos outros casais na pista de dança — Eu
não tinha ideia de que os Archers trariam aquela mulher horrível
quando os convidei. Eu espero que o senhor me perdoe.
Nathaniel acenou com a cabeça distraidamente
— Eu não sabia que ela iria comparecer, também — Ele deveria
tê-la encontrado antes, quando ela estava com seu tio, para que ele
pudesse ser devidamente apresentado. Ela deve considerá-lo um
idiota completo.
Pelo menos ela não parecia estar nem um pouco impressionada
com o título dele. Por outro lado, um pequeno toque de admiração
poderia tê-la tornado menos desrespeitosa. Ele sorriu e suprimiu a
vontade de olhar por cima do ombro para ver se ela o estava
observando das sombras do terraço.
— Desculpe-me, não quero ser impertinente, mas pensei que a
família Archer não tinha filhos...
— Nenhum que viveu — Nathaniel respondeu distraidamente.
Depois de olhar nos olhos da Senhorita Haywood e ver uma
mistura tão estranha de cautela e esperança, ele teve dificuldade
em abandoná-la às suas mariposas. A cautela preocupada que viu
em seu olhar o fez desejar deslizar o braço em volta de sua cintura
e tranquilizá-la.
Embora pensando melhor, talvez não. A esperança nos olhos de
uma mulher era uma coisa perigosa.
— Então como eles acabaram com aquela mulher horrível? —
Lady Beatrice perguntou.
— Ela é pupila do meu tio.
— Meu Deus?
— Sim. Ele assumiu a responsabilidade recentemente.
— Seu tio tem minha simpatia. Ele não pode estar gostando, e o
que ele pode fazer? Ela está muito velha para ser apresentada à
sociedade, não é? E ela é terrivelmente rude. Só espero que sua
família encontre algum tipo de marido para ela. Eventualmente.
Talvez algum viúvo mais velho procurando uma companheira em
seus anos de declínio.
— Hum — Nathaniel respondeu, distraído pelo fato de que a
valsa estava para terminar em breve. As mães predatórias já
estavam se alinhando ao longo das bordas da pista de dança,
bloqueando todas as saídas e empurrando suas infelizes e
sorridentes filhas para frente. Até a porta do terraço estava
bloqueada por fileiras de mulheres que esperavam.
Ele sabia que deveria ter insistido em ir com seu tio ao White's
em vez de vir para este baile. A mudança abrupta de planos de
Archer tirou Nathanial de seu ritmo, e ele inadvertidamente
apareceu aqui no início do baile. O grave erro tático criou
expectativas injustificadas, uma vez que ele também compareceu a
dois outros eventos patrocinados pela família de Lady Beatrice.
Ele olhou para ela. Seu olhar complacente o rodeou como uma
armadilha em torno da perna de uma lebre azarada.
Ela pensou que já o tinha pego. Seus pais tiveram até a ousadia
de perguntar se ele gostaria de falar com eles em particular e talvez
dizer algumas palavras à meia-noite.
Se ele falhasse em fazer isso, as outras mães estavam por perto
como uma tropa de lutadores, totalmente preparadas para intervir e
sacrificar sua querida prole se ele tivesse a chance de escapar dos
delicados dedos de Lady Beatrice.
A valsa terminou.
— Sua Graça — disse uma das mães enquanto Nathaniel
escoltava Lady Beatrice para fora da pista de dança — É um prazer
vê-lo. O senhor conheceu minha filha, Senhorita Suzanne
Mooreland? Esta é sua primeira temporada, e ela é tão popular que
mal tem tempo para se sentar.
— Sim — respondeu ele — Já tivemos o prazer de dançar esta
noite. E, tenho certeza de que ela está feliz com a chance de
descansar.
A garota loira sorriu para ele. Nathaniel olhou de volta. Olhos
castanhos de corça ferida, cabelo castanho-alourado. Baixa.
Precisamente, o mesmo que meia dúzia de outras garotas que ele
acompanhou na pista de dança naquela noite.
Estranho como a Senhorita Haywood se destacava — Sua
Graça Terrível, de fato. Ele riu para si mesmo, lembrando-se do
olhar provocador que captou nos olhos dela quando eles brilharam
para ele através de seus cílios.
— Sua graça? — a mãe perguntou.
Ele percebeu, para sua consternação, que realmente havia rido
alto e não tinha ideia do que havia sido dito. Como se isso não fosse
ruim o suficiente, uma divisão inteira de mães e filhas o cercou,
todas olhando em expectativa.
Não havia como escapar.
Ele sorriu para todas as mulheres, apesar do filete de suor frio
escorrendo por suas costas. As gotas coçaram. Em seguida, uma
escorregou pelo cós da calça e continuou em um caminho sinuoso
para baixo.
Retirada! Estrategicamente, é claro, em busca de reforços.
— As Senhoras me dão licença, Ladies? Vejo meu tio e preciso
dar uma palavrinha com ele. Negócios tediosos, receio — Ele se
virou, totalmente incapaz de encontrar seu tio ou tia, mas
determinado a não permanecer onde estava.
Uma pausa temporária na multidão revelou as portas francesas
abertas. Além deles, o terraço se estendia na escuridão fria.
Ele caminhou em direção à porta, ciente de que as mulheres o
observavam de perto, procurando por qualquer fraqueza, qualquer
abertura em suas defesas. Ele caminhou mais rápido.
Finalmente, ele correu pela porta. Vários outros homens e
mulheres escapuliram do terraço para as sombras assim que ele
entrou na escuridão fria. Um flash de branco chamou sua atenção.
Lady Beatrice o pegou e o seguiu em um ritmo vagaroso, segura de
sua presa.
Ela certamente apreciaria a ideia de pegá-lo aqui sozinho. Ele
havia pulado da frigideira para o fogo. Se ele não pulasse com a
mesma rapidez, seria gravemente queimado pelos ferros das pernas
matrimoniais.
Onde estava Senhorita Haywood? Ela já tinha partido?
Uma sombra à sua direita chamou sua atenção. Com alívio, ele
reconheceu a forma alta da Senhorita Haywood, ainda observando
atentamente os insetos voando sobre as lanternas de papel.
— Senhorita Haywood! A senhorita precisa me ajudar — ele
chamou, caminhando em sua direção.
— Eu preciso? — Sua resposta fria soou vagamente irritada. —
Novamente?
Ao som suave de sua voz, ele fez uma pausa, intrigado com seu
sotaque. Ele havia notado antes que certas palavras,
particularmente o “eu” eram prolongadas: “Eu preciso? ” O sotaque
quente e suave o lembrou do discurso curiosamente arrastado do
Duque e da Duquesa de Devonshire.
A linha longa e magra de seu corpo e a curva de seu pescoço
estava silhuetado contra a sombra escura de um teixo na beira do
jardim. Seu olhar permaneceu nela, seu coração batendo forte com
a repentina percepção.
Silêncio. Ela parecia alheia ao seu interesse tenso.
— A senhorita não vai me mostrar aquela mariposa que
descobriu? — ele perguntou finalmente, quebrando o feitiço.
— O senhor está realmente interessado em mariposas?
— Sim. Absolutamente. Estou positivamente fascinado.
— De alguma forma, eu duvido disso, Sua Graça Terrível.
Seu tom provocador o fez sorrir, mas quando ele se aproximou,
ele vacilou, olhando rapidamente por cima do ombro.
Lady Beatrice deslizou pelas portas francesas com passos
firmes. Ele agarrou o cotovelo da Senhorita Haywood e a conduziu
pelos degraus rasos de ardósia até o caminho do jardim.
— Deve haver alguns desses Tigres de Botão aqui...
— Tigres de Jardim ou Tromba de Botão. Não há tigres de botão
e, mesmo que houvesse, eles não estariam aqui. Está muito escuro
no jardim.
— Bem, sim. Frequentemente fica escuro à noite — ele
respondeu distraidamente, lançando olhares rápidos por cima do
ombro.
Lady Beatrice parou na beira do terraço. Sua cabeça se inclinou
graciosamente enquanto ela procurava pelas sombras, chegando
mais perto como se sentisse sua presença. Ele puxou a Senhorita
Haywood ao redor de uma topiaria em forma de lágrima de gigante.
O aroma verde e apimentado do buxo era forte no ar úmido da noite
e servia como contraponto à fragrância de rosa que ele notou
agarrada ao cabelo brilhante da Senhorita Haywood.
Uma risadinha suave o surpreendeu. Então, ele percebeu o que
havia dito e riu. Senhorita Haywood parou, olhou para ele por um
momento, e então os dois explodiram em uma série de risadas
abafadas.
— Sim — ela engasgou — Também tenho notado muitas vezes
isso: como fica escuro à noite, Sua Graça Terrível.
Ele enxugou os olhos com o lenço e ficou surpreso quando a
Senhorita Haywood o arrancou de seus dedos para secar as
bochechas
— Sabe, a senhorita é terrivelmente desrespeitosa, Senhorita
Haywood.
— Foi o que me disseram — Ela não parecia nem um pouco
arrependida. Na verdade, sua voz latejava com o riso reprimido —
Também sou uma má influência, principalmente para as mulheres.
Suponho que seja por ser americana...
Ah, suponho... Ele se inclinou para mais perto, respirando o
cheiro de seu cabelo e esperando pelo fluxo suave e lânguido de
sua voz. Sua expressão estava quase invisível nas sombras e a
fraca luz prateada da lua refletia na curva de sua bochecha e
sobrancelha, deixando seus olhos sombreados em mistério. Quando
ela sorriu para ele, ele percebeu que havia entendido errado e era a
vez dele em sua conversa peculiar.
— Sua graça! Alguém viu o Duque? — A voz de Lady Beatrice
os perseguiu, interrompendo antes que ele pudesse falar — Seu tio
está procurando por ele.
Nathaniel puxou a Senhorita Haywood mais adiante no caminho.
— Seu tio está procurando pelo senhor — disse a Senhorita
Haywood — O senhor não acha que devemos voltar?
— Não antes de ver esta mariposa. Boca de botão ou o que quer
que a senhorita tenha dito.
— Tromba de botão, sua exaltação tem uma tromba extensa e
bulbosa, por isso é chamada de Tromba de Botão. Tente se
concentrar.
— A Tromba de Botão — ele repetiu humildemente em resposta
ao tom de zombaria dela. Uma risada saudou suas palavras e ele
sorriu, seu coração batendo novamente em seu peito muito
apertado.
— Muito bem. Oh, o senhor encontrou a sua pedra-chaveiro?
Ele balançou sua cabeça
— Parece ter desaparecido, embora eu ainda esteja esperando
que possa aparecer na minha carruagem.
— Sim, isso seria uma sorte, não seria? — Ela fez uma pausa —
Quem é seu tio, afinal? O Príncipe de Gales? O Duque de
Northumberland? Não é verdade que todos os Senhores Duques
estão relacionados de alguma forma?
Ele não sabia se ela estava brincando ou falando sério. Ele
adotou um tom leve, na esperança de acertar a nota certa
— De jeito nenhum. Não somos parentes, pelo que sei, embora
se por acaso a senhorita encontrar qualquer um dos personagens
acima mencionados, a senhorita deve se lembrar da frase, “Sua
Graça...”
— O senhor acha que é provável que eu precise me lembrar
dessa frase?
— Bem, não posso prever as probabilidades dessa ocorrência —
Ele se lembrou dos quatro ases de Archer — Embora coisas
estranhas tenham acontecido. Eu estaria preparado, por
segurança...
— Se seu tio não é um Duque, então quem é ele?
— John Archer.
— Senhor... Archer? — Sua voz soou como se seu punho
estivesse preso em sua garganta. — Senhor John Archer?
— Sim. Pensei que a senhorita soubesse.
— Oh, Deus — disse ela. Houve silêncio por alguns segundos
enquanto ela estudava seu rosto, os cantos de sua boca caídos.
Então ela desviou o olhar e suspirou. — Somos parentes, então,
também?
— Parentes? Bom De... uh... quer dizer... — Ocorreu-lhe que não
podia contar a ela que eles eram estranhos e seu tio a tinha
ganhado em uma aposta. — Eu não sei exatamente — concluiu ele,
sem muita convicção.
— Somos primos?
— Primos? — Sem o menor aviso, sua mente de repente
percorreu os graus proibidos de casamento. Definitivamente não
está na lista. Definitivamente — Não — respondeu ele — Não, nós
não somos primos. Somos parentes muito distantes.
Ele se virou a pretexto de olhar ao longo do caminho para ver se
Lady Beatrice os tinha seguido.
— Entendo — disse a Senhorita Haywood. Embora a voz dela
fosse suave tinha uma qualidade prática que o deixava inquieto —
Então, nós estamos aqui no escuro, tropeçando no meio dos
arbustos, e não somos parentes próximos. É uma coisa boa, Sua
Graça, que eu não tenha medo de ser comprometida. O senhor não
acha que devemos voltar?
— E a Tromba de Botão?
— O senhor não vai encontrá-los aqui, eles são atraídos pela luz.
Essas criaturas sempre são atraídas por objetos brilhantes e
cintilantes que não são bons para elas — Quando eles chegaram à
beira do terraço, ela se virou para encará-lo, cruzando as mãos
diante de si — Aproveite a noite, Sua Graça. Não seja pego aqui
sozinho.
Em silêncio, ela subiu os degraus para o terraço.
Quando chegou às portas francesas, ela parou por um momento.
Ele a observou, esperando que ela voltasse e acenasse. Mas ela
apenas endireitou os ombros e caminhou para a frente,
desaparecendo no meio da multidão deslumbrante.
Sentindo-se como se de alguma forma a tivesse desapontado,
Nathaniel ficou olhando para ela e revisou o que havia dito. De
repente, o som de um grito alto o assustou. Virando-se, ele correu
pela topiaria na direção do som.
Ele quase errou o passo quando outro grito estridente rasgou as
sombras. Vários outros homens se juntaram a ele. Em um rebanho
solto, eles convergiram para uma mulher nos braços de um jovem
esguio.
Nathaniel agarrou o ombro do homem e puxou-o para longe dela
— Chega disso! O que o senhor estava pensando ao abordar
uma mulher aqui?
— Sua graça! — o homem respondeu, segurando o pulso da
mulher — Não é o que... isto é... ela está morta!
A mulher gemeu de novo e se jogou de volta nos braços do
jovem esguio. Ela enterrou o rosto em seu ombro e chorou.
— O quê? — Nathaniel respondeu. Suas mãos se fecharam em
punhos ao lado do corpo enquanto ele olhava ao redor.
— Sua Graça, aqui — outro homem disse, agachando-se ao lado
de uma forma pálida. Saias de seda branca com bordas pretas
ondulavam sobre a grama úmida, tremulando com a brisa leve — Eu
temo que eles estejam certos. Ela está morta.
— É você, Jackson? — Nathaniel se curvou para olhar por cima
do ombro do homem.
— Sim, Sua Graça — Lord Jackson aliviou o corpo, expondo o
rosto branco de uma mulher — É Lady Anne.
Seus olhos negros estavam abertos, olhando para a lua com
auréola. A névoa rodopiando sobre a grama deixou sua pele pálida
e úmida com orvalho que grudou em seus cílios em grandes gotas.
Enquanto Nathaniel olhava, uma gota d'água rolou por sua
bochecha como uma lágrima final caindo de seus olhos arregalados.
Ajoelhando-se em um joelho, ele estendeu a mão e fechou os
olhos escuros. Com dedos gentis, ele enxugou a umidade de suas
bochechas. Sua pele ainda parecia macia e ligeiramente quente,
embora ele já pudesse sentir a mudança. Ele se levantou, limpando
a sujeira e as folhas de suas calças.
Então ele se lembrou da caminhada que havia feito antes, antes
de encontrar a Senhorita Haywood pela primeira vez.
— Oh Deus! — ele murmurou amargamente quando um senso
de responsabilidade pela morte de Lady Anne o atingiu.
Ele tinha ouvido Lady Anne chamando por ele, pedindo-lhe para
esperar enquanto ele caminhava pelos caminhos frios e escuros.
Ela tinha sido uma de suas perseguidoras mais ardentes e
determinadas, tornada mais persistente por suas ações tolas esta
noite. Ele perdeu a conta e dançou com ela três vezes: uma ação
estúpida e impensada de que se arrependeu assim que percebeu.
Em seguida, ele agravou o erro, trazendo-lhe um copo de ponche e
acompanhando-a ao jantar.
Até Lady Beatrice notou suas ações. Ele a pegou franzindo a
testa enquanto comiam, embora ela logo cobrisse a expressão com
um sorriso doce.
Ele pediu licença imediatamente após a refeição e saiu para o
terraço. Quando ouviu Lady Anne o chamando, ele disparou escada
abaixo para o jardim.
Ele deveria ter esperado por ela como um cavalheiro em vez de
fugir. E quando ele finalmente voltou, encontrou a Senhorita
Haywood no terraço. Ele havia se esquecido prontamente de Lady
Anne.
Nunca lhe ocorreu que não tivesse visto Lady Anne novamente.
Agora ele sabia por quê.
Enquanto ele flertava com a Senhorita Haywood, Lady Anne
jazia morta, os olhos vidrados fixos na lua.
Ele olhou para o rosto em branco e se mexeu
desconfortavelmente.
— O senhor não estava nos jardins antes? — o esbelto
cavalheiro perguntou — Minha esposa comentou sobre isso quando
saímos para tomar um pouco de ar.
Esposa? Nathaniel olhou para a mulher soluçando, que levantou
a cabeça por tempo suficiente para encará-lo e dizer:
— Sim, eu vi o senhor, Sua Graça. O senhor veio correndo pelos
arbustos como se o próprio diabo estivesse atrás do senhor!
Estudando o par, Nathaniel percebeu que não tinha ideia de
quem eles eram. Ele se virou e encontrou a multidão olhando para
ele. Ele olhou para um dos poucos homens que reconheceu, Lord
Jackson. Nathaniel não conseguia se lembrar de muito sobre ele
além do fato de que gostava de jogar faro no White's.
Jackson se levantou, limpando as mãos
— Sinto muito, Sua Graça, mas o senhor estava aqui antes? —
Quando ele percebeu a expressão de Nathaniel, ele acrescentou: —
Me desculpe, eu quis dizer que se o senhor estivesse aqui antes,
poderia ter visto alguém.
Ah, os privilégios de um Duque. Ele poderia ficar sobre um
cadáver com uma faca ensanguentada na sua mão e ainda ser
considerado inocente.
— Fiz uma breve caminhada para tomar um pouco de ar, mas
passei a maior parte do tempo falando com a pupila do meu tio.
Lord Jackson acenou com a cabeça. No entanto, outro
cavalheiro deu um passo à frente, suas feições pesadas distorcidas
por uma carranca. Nathaniel reconheceu o homem baixo e robusto
como Sir Henry, amigo de Lord Westover.
Mais cedo naquela noite, quando Nathaniel acompanhou Lady
Anne à mesa do bufê, ele notou Bolton parado por perto, franzindo a
testa para eles. Nathaniel o ignorou.
— Não demoraria muito para bater na cabeça de alguém —
Bolton gesticulou em direção a um pequeno querubim de mármore
deitado ao lado de Lady Anne. Uma mancha escura e úmida cobriu
as bochechas de pedra. Bolton ficou na frente de Nathaniel, olhando
para ele com acusação, mas aparentemente não ousando o
suficiente para dar voz às suas dúvidas.
— Havia muitos outros aqui — disse Nathaniel, mantendo a voz
firme e fácil — Tenho certeza de que muitos me viram e alguns
podem até ter notado Lady Anne. Devemos questionar o resto dos
convidados e descobrir quem estava no jardim durante a última hora
mais ou menos — Ele estudou a mulher morta, zangado consigo
mesmo por tê-la evitado.
Por que ela o seguiu tolamente?
Ele deveria tê-la escoltado até o terraço e deixá-la lá. Exceto que
todos sabiam que ela estava tentando atrair o interesse dele nos
últimos dois meses. Ele não queria ser visto voltando do jardim na
companhia dela. Honra e seus pais perspicazes exigiriam que ele se
casasse com ela.
Deus, que bagunça emaranhada. Por que essas mulheres não
podiam deixá-lo em paz?
— Deixe-me passar. Precisamos trazê-la de volta para casa —
Nathaniel disse finalmente, abrindo caminho passando pelos outros
homens.
Parando na frente de Nathaniel, Lord Jackson pegou o corpo e
se virou para a pequena multidão
— Eu a peguei, Sua Graça. Se o senhor puder falar com os pais
dela, alguém deve falar com eles — Ele captou a expressão de
Nathaniel e acrescentou: — Me desculpe Sua Graça, mas pode ser
melhor vir do senhor.
Nathaniel acenou com a cabeça.
— Vou informá-los e depois mandar uma mensagem para a Bow
Street. Os pais dela vão desejar isso, e isso deve ser investigado.
— Alguém deve investigar, de fato — respondeu Bolton, com a
voz zombeteira. — E eles vão, Sua Graça, eles certamente vão.
Conspiração é quando duas ou mais pessoas se combinam para
executar algum ato com o propósito de ferir uma terceira pessoa ou
o publico, e é uma contravenção de direito comum.
Guia de bolso do policial

— V ocê se divertiu Senhorita Haywood? — Lady


perguntou enquanto eles se acomodavam na carruagem.
Victoria

— Foi adorável — Charlotte recostou-se com os olhos fechados,


sentindo-se extremamente cansada. — Obrigada por localizar
aquele criado.
— Sim. Tom Henry. Sempre podemos usar um bom homem —
respondeu o Senhor Archer — Ele parecia um belo espécime. — Ele
olhou para Charlotte — Um jovem robusto.
Ele achava que ela estava fascinada por um criado? Ela tinha
apenas uma vaga ideia de como ele era. Se não fosse pelo corte na
mão, ela não o teria diferenciado de qualquer outro homem
desempregado em Londres sentado na beira da rua, olhando para
seus pés empoeirados na sarjeta.
Então ela parou, horrorizada. Como ela poderia considerá-lo
inaceitável simplesmente porque ele era um criado? Ele havia
nascido pobre, filho de pais “errados” sem culpa própria.
Deus, por favor, deixe-a escapar da Inglaterra enquanto ela
ainda mantinha algum senso de igualdade. Era absurdo julgar uma
pessoa com base apenas no acidente de seu nascimento. As ações
de uma pessoa, não seu nascimento, revelam quem ela é.
— Eu realmente não tinha notado — Charlotte respondeu,
tentando suprimir um bocejo — Como o senhor teve a gentileza de
me oferecer sua casa e, portanto, ter outra pessoa em sua casa,
pareceu uma excelente ideia expandir sua equipe. Ele parece
adequado.
— Isso é verdade — Lady Victoria disse — O que lembra que eu
percebi que a senhorita também não tem uma dama de companhia.
Você precisará de uma também.
— Suponho que sim. Mas ela deve ser uma senhora idosa
interessada em viajar.
— Viajar?
— Sim. Tenho certeza de que seus advogados revisaram os
termos do testamento de meu pai. Quando eu tiver vinte e quatro
anos, estarei livre para administrar minha herança. Então pretendo...
— Ambos os Archers olharam para ela, expressões incrédulas em
seus rostos. De repente, ela se sentiu uma tola ao deixar escapar
que pretendia viajar ao Egito para escavar as tumbas dos faraós.
Como ela poderia dizer a eles que queria fazer outra coisa além de
se casar?
Mas ela não podia encarar um futuro em que sua decisão mais
difícil seria comer sopa de lagosta ou arenque assado para o prato
de peixe no jantar.
— A senhorita pretende viajar? — Lady Victoria perguntou.
— Sim eu pretendo.
— Veremos o que podemos fazer com uma dama de companhia
mais velha, então — disse Archer.
Seria realmente tão fácil?
Lady Victoria acenou com a cabeça e mudou de assunto
— Estou desapontado por não termos podido apresentá-la ao
nosso sobrinho, o Duque de Peckham. Ele supostamente estava
presente, mas não o vimos.
— Bem, os Senhores estavam na sala de jogos a maior parte
do... — Charlotte disse antes de se conter. Como seus guardiões
escolhiam se entreter era um assunto inteiramente deles — Isto é,
talvez ele não estivesse lá afinal — ela emendou. Eles descobririam
em breve que Charlotte o conheceu e começou a insultá-lo.
Na hora, ela pensou que estava sendo inteligente e divertida ao
salvá-lo de Lady Beatrice. Só depois de refletir é que ela percebeu
como deve ter soado para ele: sem tato e ignorante. Lady Beatrice
nunca teria feito algo tão ridículo. Ela sempre foi perfeitamente
comportada... quando estava em público.
Lady Victoria se contorceu em sua cadeira, lançando olhares
oblíquos para o marido
— Não foi intencional — disse Lady Victoria — A senhorita sabe
como é. Eles precisavam de nós para fazer uma mesa de whist e o
tempo simplesmente passou — Ela deu um tapinha na mão
enluvada de Charlotte — Nós vamos compensar a senhorita, minha
querida. A senhorita gostaria de um jantar ou talvez um baile?
— Não mesmo...
— É isso, Vee, — o Senhor Archer interrompeu — Que ideia
brilhante, um pequeno baile seleto, não como este — Ele acenou
com a mão perto da orelha, em direção à casa de Lady Beatrice.
— Não mesmo…. — Charlotte repetiu. Seu estômago queimava
de tensão. Ela não precisava de outra oportunidade para fazer papel
de boba ou ficar parada assistindo às outras debutantes suarem.
Os Archers a ignoraram. O Senhor Archer encarou sua esposa.
Eles apertaram as mãos, conversando animadamente e
completando as frases um do outro como se fossem os únicos na
carruagem.
Charlotte os observou, tentando não se sentir fria e excluída.
— Um quarteto de cordas — Lady Victoria disse.
— Em homenagem à nossa pupila, é claro — interrompeu o
Senhor Archer. — Não mais que cinquenta.
— Vinte casais seria a perfeição.
— E Sua Graça...
— Não mesmo! — Charlotte insistiu. Os Archers olharam para
ela — Sinto muito, mas isso é totalmente desnecessário — Eles
continuaram a olhar para ela, suas bocas ligeiramente abertas em
surpresa enquanto Charlotte se apressava — Eu nem gosto de
dançar! Mesmo! E estamos quase no fim da temporada... estamos
em maio! Certamente a maioria das famílias já está indo embora...
— Absurdo. Ainda há dezenas de pessoas agitando-se em
Londres. A senhorita está apenas cansada. Foi um dia exaustivo
para a senhorita, Senhorita Haywood — Lady Victoria respondeu —
Depois de uma boa noite de sono, a senhorita vai se sentir diferente,
tenho certeza.
— Não. — Um rubor nas bochechas de Charlotte. A carruagem
estava parando do lado de fora da casa dos Archers, e de repente
ela sentiu uma sensação de urgência. Se ela não os convencesse
agora, eles fariam seus planos sem pedir sua opinião — Eu
preferiria que pudesse apenas, hum... — O que? Que desculpa ela
poderia dar? Ela só queria ser ignorada até fazer vinte e quatro anos
e fugir para o Egito.
Mais importante, ela queria ser deixada sozinha para esquecer
que tinha insultado o único homem que ela conheceu que a olhava
com respeito, que a fazia se sentir especial. E ele era um Duque e
sobrinho dos Archers.
Eles ficariam furiosos.
Ela tinha feito de novo. As palavras saíram de sua boca por
vontade própria, palavras que ela não pôde retirar palavras que
voaram direto para os ouvidos arrogantes do sobrinho dos Archer,
um Duque.
Um criado correu para abrir a porta da carruagem e descer os
degraus. Depois que o Senhor Archer desceu, o criado olhou para
dentro da carruagem e esperou com a mão estendida.
— Se a senhorita pudesse apenas o quê? — Lady Victoria
perguntou enquanto deixava o criado ajudá-la a descer.
O Senhor Archer, no que parecia estranhamente com um acesso
de ciúme, olhou para o criado. O Senhor Archer agarrou o outro
pulso de sua esposa e puxou-a em direção à porta.
Aliviada por não ter que responder a essa pergunta embaraçosa,
Charlotte deixou o criado ajudá-la. Ele chamou sua atenção e piscou
antes de voltar para dobrar os degraus. Então, ele fechou a porta da
carruagem e deu um tapa na lateral da carruagem para indicar ao
motorista que ele deveria partir. Com surpreendente arrogância, o
criado sorriu para ela novamente por cima do ombro.
Quando ela notou o pano branco amarrado em sua mão, ela
percebeu que era Tom Henry, o criado que ela pediu aos Archers
para contratar após o tratamento brutal de Lady Beatrice.
Quando ele percebeu o olhar dela, seu sorriso se alargou e ele
piscou. Ruborizada, Charlotte olhou resolutamente para o corredor,
fingindo não perceber.
Que erro terrível! Os Archers não apenas acreditaram que ela
havia pedido que contratassem o pobre Senhor Henry porque ele
era bonito, mas o próprio criado sofria da mesma ilusão!
Um de seus guardiões anteriores a advertiu sobre esta exata
situação. A palavra da Senhora Edgerton beliscou na mente de
Charlotte: nunca permita a liberdade dos criados, isso só pode levar
a problemas.
Charlotte entrou pela porta sentindo-se bastante envergonhada.
Se ela não estivesse tão distraída, poderia ter continuado a se
mover em direção às escadas e, assim, escapado da inquisição que
a esperava no saguão.
— Agora, Senhorita Haywood, que objeção a senhorita poderia
fazer a um pequeno e seleto grupo de jovens se juntando a nós aqui
para um jantar leve e dança?
— Eu simplesmente não quero causar nenhum problema —
respondeu Charlotte, assustada ao parar no pé da escada.
— Mas, a senhorita não iria! Na verdade, nós muitas vezes
recebemos para pequenos entretenimentos — Lady Victoria
respondeu.
— Oh, bem então... — Charlotte desistiu fatalisticamente.
Não haveria tempo suficiente para eles organizarem um grande
jantar e danças, de qualquer maneira. Eles a enviariam para outro
casal de parentes assim que o Duque de Peckham dissesse aos
Archers que sua pupila o havia insultado. Repetidamente.
Ele tinha olhos tão bonitos e sorridentes, que ela não foi capaz
de resistir a puxar os bigodes do leão. E agora o leão acabou por
ser parente de seu atual guardião.
— Você está exausta — Lady Victoria deu a Charlotte um abraço
e um leve beijo na bochecha — Descanse um pouco. Vamos
conversar amanhã.
Charlotte acenou com a cabeça. Ela estava exausta. Uma
mecha de cabelo caiu para frente, enrolando-se em torno de sua
garganta como um laço e, quando ela a afastou, as pontas dos
dedos roçaram o colar de pérolas. Ela o desenganchou e estendeu
as pérolas para Lady Victoria.
— A senhora vai querer isso de volta — disse ela. Na confusão
de fazer as malas amanhã, o colar pode ser esquecido. Ela gostava
muito dos Archers para causar ainda mais incomodo por manter um
item tão valioso. Eles provavelmente pensariam que ela era uma
ladra, além de incrivelmente rude.
— Fique com ele, pelo menos por agora. A senhorita pode usar o
colar no nosso jantar. Eles ficam muito melhores na senhorita do
que em mim — A voz de Lady Victoria parecia confusa e uma
pequena centelha de dor apareceu em seus olhos cinzentos.
— Agradeço sinceramente, mas tenho essa tendência terrível de
perder coisas. Seria muito terrivel de minha parte pedi-la para
mantê-lo seguro? A senhora sempre pode emprestá-los para mim
novamente, se desejar.
— Eu suponho que posso — Lady Victoria disse lentamente. Ela
estendeu a mão e Charlotte colocou o cordão de contas quentes em
sua palma — Tem certeza?
— Ah sim. Sem dúvida, amanhã à essa hora, a senhora me
conhecerá bem o suficiente para perceber que essa é uma boa
ideia.
Lady Victoria riu
— Certamente isso não é tempo suficiente para perder alguma
coisa, mesmo se a senhorita for lamentavelmente esquecida...
— A senhora ficaria surpresa com o quão fácil é para eu perder
tudo.
— Lady Vee — o senhor Archer chamou do meio da escada —
Você está vindo?
— Sim, John, em um minuto. E diga boa noite à Senhorita
Haywood, sua besta indelicada.
O Senhor Archer riu e esboçou uma reverência
— Boa noite, Senhorita Haywood, durma bem. — Seus olhos
brilharam enquanto ele esfregava a lateral do nariz com um dedo. —
E apesar do que minha boa esposa diz, eu não acho que a
senhorita seja uma besta indelicada. A senhorita me parece uma
jovem muito bem-comportada.
Lady Victoria riu enquanto o Senhor Archer acenava e subia as
escadas
— O colar estará sempre disponível quando a senhorita quiser
usá-lo. Por favor, não tenha vergonha de pedir. É seu a qualquer
momento.
Impulsivamente, Charlotte beijou a bochecha de sua anfitriã e
apertou sua mão
— Obrigada e boa noite, Lady Victoria.
Quando seus guardiões desapareceram no corredor, ela olhou
para eles e disse muito baixinho:
— Sinto muito, sinto muitíssimo, mas realmente sou uma besta
indelicada.
Morte Súbita, etc — As informações devem ser enviadas ao legista
em todos os casos de morte súbita ou acidental, ou morte por
violência, ou nos casos em que pessoas são encontradas mortas ou
morrem em circunstâncias suspeitas.
Guia de bolso do policial.

E m vez de causar pânico, Lady Beatrice e seus pais


indulgentes decidiram não informar todos os seus
convidados sobre a tragédia de Lady Anne. Eles
condescenderam em mandar chamar um mensageiro de Bow
Street, entretanto, quando Nathaniel insistiu.
Uma investigação era melhor do que permitir que o pai de Lady
Anne, Lord Telford, ouvisse muitos boatos falsos e fizesse sua
própria justiça. Telford tinha o direito de desafiar quem quer que
tivesse assassinado sua filha para um duelo, e Nathaniel estava
desconfortavelmente ciente de que se Lorde Telford falasse com Sir
Henry, Nathaniel poderia se ver olhando para o cano de uma pistola.
Ele não conseguia esquecer os olhares zangados no jardim
depois que encontraram o corpo. Aparentemente, Bolton se ocupou
encorajando a ideia de que Nathaniel estava envolvido na morte de
Lady Anne. Se ele não fosse um Duque, não tinha dúvidas de que
teria sido espancado e entregue ao carrasco após um breve
julgamento por seus pares.
Enquanto esperavam pelo legista, Nathaniel acompanhou os
pais confusos de Lady Anne a uma sala privada e explicou o que
tinha acontecido. Ao saber da morte de sua filha, Lady Telford
gemeu e quase desmaiou nos braços do marido.
— Conhaque! — Nathaniel ordenou, enviando um criado para
buscar uma garrafa com vários copos — Lamento terrivelmente por
Lady Anne. Se houver algo que eu possa fazer, por favor, me avise.
Estou à sua disposição a qualquer momento.
Abraçando sua esposa, Telford levantou a cabeça brevemente
para acenar para Nathaniel. Quando a carruagem chegou, Nathaniel
ajudou os homens a colocarem cuidadosamente o corpo de Lady
Anne, envolto em sua capa, dentro. Sua mãe soluçava nos braços
do marido enquanto o Conde observava seu rosto tão branco
quanto sua gravata.
— Não posso... — Lady Telford interrompeu-se com um soluço
— Eu não posso ir com ela na carruagem. Eu não posso aguentar
isso.
Lord Telford pressionou o rosto de sua esposa em seu ombro
enquanto ela chorava.
— Shhh, nós vamos esperar o retorno da carruagem. Silêncio.
Eles se sentaram e se amontoaram juntos em um banco em uma
das salas privadas, olhando fixamente para o chão, seus rostos
cinzentos enrugados de exaustão e choque.
— Usem a minha — disse Nathaniel, gesticulando para um
criado — Não há necessidade dos Senhores esperarem aqui. Meu
cocheiro pode trazer a carruagem de volta para mim mais tarde.
Murmurando seus agradecimentos, Lorde Telford colocou o
braço em volta da esposa. Quando a carruagem chegou, o casal
saiu aos tropeções e subiu no veículo.
Assim que os pais enlutados partiram, Nathaniel e vários outros
homens, incluindo Bolton, voltaram ao jardim onde o corpo fora
encontrado. O agente de Bow Street, Senhor Clark, já estava lá,
fazendo anotações em seu livro de ocorrências. Depois de algumas
perguntas, Nathaniel notou mais olhares sombrios em sua direção.
Cada vez mais atenção se concentrava nele. Não havia muitas
pistas e vários convidados tinham visto Nathaniel nos jardins.
— Eu não estava lá na hora — disse Bolton, olhando para
Nathaniel sob as sobrancelhas baixas — Mas vários outros viram
Sua Graça deixando o jardim correndo.
A inimizade que Bolton mantinha em relação a Nathaniel não o
surpreendeu, e Nathaniel retribuía a antipatia de Bolton. O homem
era um péssimo perdedor e preferia as reclamações ao invés da
ação.
— Sua Graça estava no jardim na hora do assassinato? — O
Senhor Clark confirmou, escrevendo algo com um lápis grosso em
seu livro. Ele lançou um rápido olhar de desculpas para Nathaniel —
Bem, pode ter havido uma série de razões pelas quais Sua Graça
estaria correndo através dos arbustos.
— Antes disso, ele estava dançando com a pobre Lady Anne.
Ele estava rindo, sabendo que planejava matá-la! — Bolton disse,
as sobrancelhas franzidas sobre os olhos escuros e fundos — Ele
dançou com ela três vezes!
— Agora, senhor, não há ninguém que saiba o que outro está
pensando — o Senhor Clark respondeu em um tom suave.
— Por que eu iria querer matá-la? — Nathaniel interrompeu.
Bolton se inclinou na direção de Nathaniel, os punhos cerrados e
o rosto vermelho.
— Porque você é um misógino. Você odeia mulheres!
— Eu não odeio mulheres! Por que eu dançaria com ela três
vezes se a odiasse? — Nathaniel sentiu seu próprio temperamento
aumentar em resposta à raiva de Bolton. Ele se virou parcialmente,
deliberadamente mantendo uma aparência casual.
Bolton encolheu os ombros, mas não recuou
— Se não odeia, por que sempre as joga para fora da carruagem
e corre para o outro lado quando alguma delas se atreve a
cumprimentá-lo na rua? Se o senhor me perguntar, esta é apenas a
primeira que descobrimos. Provavelmente houve dezenas de outras
pessoas que o senhor assassinou e haverá mais. Eu não me
importo se o Senhor é um Duque. O senhor não pode dizer que não
estava no jardim quando Lady Anne morreu! Pelo que sabemos, o
senhor dança com todas as suas vítimas três vezes antes de matá-
las!
— Eu estava no jardim, mas não tive nada a ver com o acidente
de Lady Anne. Na verdade, eu estava falando com a pupila do meu
tio, Senhorita Haywood, no terraço.
— Obrigado, Sua Graça — Clark respondeu, enxugando a testa
com um grande lenço branco — Tenho certeza de que todos nós
apreciamos sua paciência com este terrível caso. Embora seja uma
mera formalidade, esta protegida do seu tio pode confirmar o seu
paradeiro o tempo todo?
— Parte do tempo. Você já pensou em examinar as roupas
daqueles que foram vistos no jardim?
— Ainda não, Sua Graça.
— Você deveria considerar fazer isso — Nathaniel sugeriu em
uma voz calma, quase entediada — Na verdade, acredito que
devemos começar com aqueles que estão aqui.
Os músculos da mandíbula de Bolton se contraíram quando a
cor de seu rosto rosado ficou mais forte
— O que o senhor está tentando provar?
— Nada, além da identidade do assassino — Nathaniel
respondeu suavemente — O senhor não quer descobrir quem
matou Lady Anne?
— Sim, maldito seja! — Bolton estendeu as mãos. Elas estavam
manchadas com terra preta, pedaços de grama e longas faixas
avermelhadas de sangue seco — Eu tenho sangue em mim, é
verdade. Mas eu a toquei para ver se ela estava viva. Eu ajudei a
carregar o corpo para dentro.
— Ninguém está culpando você, Bolton — disse Nathaniel, tendo
dificuldade em manter o sarcasmo fora de sua voz — As manchas
em suas mãos são de sangue seco, não fresco — Então, ele ergueu
as próprias mãos, puxando os punhos brancos mais para fora das
mangas — Olhem com cuidado, senhores. Os senhores não
encontrarão manchas de sangue em mim.
Ele gesticulou para a estatueta caída no chão ao lado do Senhor
Clark
— Eu não poderia tê-la espancado sem algum tipo de mancha...
— Isso não prova sua inocência — disse Bolton.
— E eu estava tão preocupado em tentar provar a sua —
Nathaniel murmurou.
Clark examinou o chão onde o corpo havia sido encontrado e
pegou a estatueta, olhando para as bochechas manchadas de
sangue
— Pode ter sido possível acertá-la por trás com isso e não sujar
o senhor.
— Possível, mas não muito provável — Nathaniel moveu a
lanterna sobre a grama, deixando o círculo de luz pairar sobre vários
pontos escuros — Veja! Lá e lá. Sangue. Se espirrou no gramado
dessa forma, como o assassino poderia ter escapado sem sujar sua
roupa?
— Isso é possível — repetiu Bolton. — Truque covarde, acertar
uma garota por trás. Atrevo-me a dizer que o senhor poderia ter
evitado o sangue...
O agente da Bow Street anotou obedientemente a informação
— Um Duque não tem necessidade de bater em mulheres jovens
— respondeu ele depois de fechar seu bloco de notas e se virar
para se dirigir ao Lorde Thatcher, o pai de Lady Beatrice — Vou
precisar de uma lista de convidados, meu Lorde.
— Certamente. Enviarei para o senhor amanhã.
— Então, vou apenas dar uma escapadela mais uma vez para
falar com algumas testemunhas, se os senhores, cavalheiros, não
se importarem. E o senhor teria um saco para a estatueta usada pra
cometer o crime?
Lorde Thatcher deu ordens apressadas a um dos criados que
estava perto da borda do terraço, posicionado para manter os
hóspedes curiosos longe dos jardins. O resto dos homens vagou
silenciosamente para dentro, entrando no salão de baile para reunir
suas famílias e voltar para casa.
Foi um triste final de noite.
Quando chegou à porta, Nathaniel rezou para que sua
carruagem tivesse voltado. Mexendo na bengala e nas luvas, ele
pediu a carruagem e parou perto da porta, tentando não andar.
— Sua Graça — disse o mordomo com uma reverência — Sua
carruagem está pronta.
— Obrigado — Nathaniel respondeu com alívio.
Ele passou pela porta e desceu as escadas tão rapidamente que
saltou vários degraus. Um criado estava parado ao lado da
carruagem e, quando viu Nathaniel, abriu a porta.
Nathaniel saltou para dentro. Quase sentado, ele fungou e
depois espirrou. Um perfume espesso com aroma de rosa encheu o
espaço fechado.
De sua direita veio uma risadinha leve e nervosa.
Ele colocou a cabeça para fora da janela e respirou fundo antes
de perguntar:
— Quem é a senhorita?
Outra risada saudou sua pergunta.
Felizmente, seu cocheiro teve que esperar que outra carruagem
passasse e o veículo não se moveu
— Lansbury! Pare. Não vá a lugar nenhum. Eu esqueci algo.
— Sua Graça! — a mulher exclamou.
Ele reconheceu a voz dela
— Lady Alice, eu imploro seu perdão. Meu cocheiro irá levá-la
aonde a senhorita quiser.
Com essas palavras, ele abriu a porta e saltou. Antes de fechar a
porta da carruagem, ele enfiou a cabeça para dentro.
— Oh, e boa noite! — Ele fechou a porta com força e deu um
tapa na lateral do brasão — Lansbury, leve Lady Alice para sua
casa. Não se preocupe comigo, quero dar um passeio. Oh, e
Lansbury, diga à Senhora Evans para fazer uma busca completa,
muito completa, na casa. Não queremos surpresas amanhã de
manhã.
Nathaniel suspirou e observou Lansbury sacudir o chicote sobre
as cabeças dos cavalos. A carruagem finalmente se afastou
pesadamente.
No entanto, antes que ele pudesse voltar para a calçada, alguém
deu um tapinha nas costas de Nathaniel. Ele quase pulou de suas
roupas.
— Bravo! — Peter Harnet disse entre risadas.
Nathaniel olhou para o rosto sem rugas de seu amigo mais
próximo. Ele se sentia anos mais velho do que Harnet, embora
ambos tivessem 28 anos.
— Escapada de sorte, essa. Quem foi desta vez?
— Lady Alice — Nathaniel respondeu brevemente.
Ela saiu na frente dele e se escondeu em seu coche,
provavelmente por instrução de sua mãe. Talvez fosse hora de parar
de andar em carruagens, principalmente aquelas com seu brasão
nas laterais.
— Umm. Poderia ser pior. Jovem, bonita e moderadamente rica.
Tem certeza de que não gostaria de ser comprometido por ela?
— Não, e você poderia pensar que elas ficariam um pouco mais
preocupadas com sua segurança depois do que aconteceu esta
noite. — Ele olhou para sua carruagem se afastando.
A beleza de cabelos escuros e olhos azuis não despertou seu
interesse nem um pouco, pelo menos não depois que ele a pegou
no mês passado tentando um truque semelhante com um velho
Conde viuvo que distraidamente entrou em um labirinto durante um
baile à fantasia. Nathaniel estava saindo do matagal, tendo entrado
no labirinto escuro à noite com uma aposta. Ele alegou que poderia
chegar à pérgula ornamental no meio e encontrar o caminho de
volta em vinte minutos sem se envolver com qualquer uma das
várias mulheres perdidas que vagavam pelo terreno. Ao contrário do
Conde, Nathaniel tinha sido extremamente cuidadoso para garantir
que estava sozinho durante suas caminhadas.
O velho Conde ficou embaraçosamente grato quando Nathaniel
o encontrou e o guiou a tempo de salvar o decrépito Lorde de um
noivado inesperado. E Nathaniel recolheu a sua aposta e
considerou todo o caso uma boa noite de trabalho.
Em contraste, Lady Alice não ficou tão satisfeita. Ela tinha que
encontrar seu próprio caminho para sair do labirinto, já que os
homens restantes achavam muito perigoso ser voluntário como seu
guia. Infelizmente, o temível Peter Harnet não estava presente.
— Sim, mas todos sabem que um Duque não cometeria
assassinato — observou Harnet — E pensando bem, eu não me
importaria de ser comprometido. Pena que Lady Alice não parece
interessada em filhos mais novos.
Nathaniel riu
— Ainda não. Dê um tempo a ela ou passeie por alguns
labirintos durante os bailes à fantasia.
Se alguma das mulheres puder arriscar isso no futuro.
— Diga, sobre aquela pupila do seu tio — Harnet disse de uma
maneira aparentemente improvisada — Que tal uma apresentação a
ela? Ouvi dizer que ela é rica como o Príncipe da Pérsia.
— Não — Nathaniel olhou para ele. A ideia de Harnet
perseguindo a Senhorita Haywood era tão revoltante que Nathaniel
teve dificuldade em conter o desejo de quebrar a mandíbula de seu
melhor amigo — Ela não está interessada em homens.
Harnet riu.
— Oh oh, não me venha com esse conto antigo. Uma garota
como ela...
— O que você quer dizer com “uma garota como ela? ” —
Nathaniel perguntou com suas mãos formando punhos cerrados.
— Ora, você não notou os seios dela? Você sabe o que dizem
sobre as mulheres com seios pequenos e altos... elas são as
amantes mais ardentes. Eu não me importaria...
O punho de Nathaniel acertou profundamente a mandíbula de
Peter Harnet, derrubando-o no meio da rua. Balançando a cabeça e
apalpando o queixo com cautela, Harnet levantou-se cambaleando.
Depois de um momento, ele cambaleou até a calçada.
Nathaniel olhou furioso para ele, não sentindo o menor remorso.
Na verdade, ele se sentia bem, muito bem, exceto pela dor intensa
que irradiava do braço da mão fraturada.
— Por que você fez isso? — Harnet reclamou, tentando não
balbuciar. Tirando um lenço de linho do bolso, ele limpou o lábio
inferior inchado e rachado e cuspiu sangue na rua. Ele vacilou
vertiginosamente e finalmente agarrou o braço de Nathaniel para se
manter de pé.
— Você nunca vai chegar perto dela, está claro?
Harnet o estudou
— Que diabo... ei, então é assim que é. Quando os poderosos
caem, caem ainda mais, visto que eles têm que cair de uma altura
tão grande.
Nathaniel mal conseguia entendê-lo por causa do pano que
Harnet pressionava contra sua boca e do fato de que ele continuava
cuspindo sangue. Mas ele ouviu o suficiente para sentir seu
temperamento subir novamente
— Eu não me apaixonei por ninguém, seu idiota. E
particularmente não pela a pupila do meu tio. Portanto, a menos que
você deseje perder mais dentes, sugiro que fique em silêncio.
Harnet riu e se afastou, erguendo uma das mãos, quando
Nathaniel se inclinou em sua direção.
— Sua Graça! — uma jovem voz feminina chamou da porta.
— Oh Deus! — Nathaniel gemeu, seu sangue gelando com o
som — Você precisa me ajudar — disse ele a Harnet. — É a
Senhorita Mooreland. Este é um maldito pesadelo! Por que elas não
me deixam em paz?
— Um pesadelo que eu gostaria de ter, meu amigo — Harnet
deu um tapa no ombro dele. — Venha, então. O que você acha de
uma breve visita ao White's e uma noite em um apartamento de
solteiro um tanto pequeno, um pouco desleixado?
— O Paraíso...
Harnet balançou a cabeça, suas mechas loiras caindo em seus
olhos
— Você e eu temos ideias notavelmente diferentes sobre o
paraíso, Sua Graça.
— Oh, pelo amor de Deus, Harnet...
Harnet jogou a cabeça para trás em seu gesto característico,
afastando o cabelo dos olhos. Infelizmente, o gesto suave foi
arruinado quando ele teve que pressionar o lenço contra o lábio
partido novamente
— Honestamente, desde que você se tornou o Duque de
Peckham, você se tornou um cachorro tão chato que eu mal o
reconheço. O que aconteceu com o rapaz sorridente que conheci
em Cambridge, hein? O safado com um sorriso de nada-pode-me-
parar, a ruína das mães das filhas casadouras?
— Eu acredito que ainda sou a perdição delas — Nathaniel
bufou — Mas eu não estou sorrindo tanto.
Harnet lançou um rápido olhar para o rosto carrancudo de
Nathaniel
— Eu digo, vamos esquecer o White’s por uma noite, certo? O
que você acha de uma noite tranquila em frente ao fogo? Nada de
mulheres, apenas uma linda garrafa de conhaque.
— Brilhante. Você está salvando minha sanidade, Harnet.
— Só para você entender o quanto você me deve.
— Mais do que você pode imaginar. Minha paz de espírito vale
muito mais do que minha vida no momento.
Peter Harnet riu e balançou a cabeça, seu cabelo loiro caindo em
seus olhos novamente.
Nathaniel relaxou, sentindo o enorme peso da expectativa sair
de seus ombros por algumas horas, de qualquer maneira.
Os policiais podem fazer anotações sobre os casos no momento em
que eles ocorrem ou imediatamente.
Guia de bolso do policial

Q uando o Duque chegou em casa na manhã seguinte,


ficou ainda mais aliviado por ter passado a noite fora.
— Quantas mulheres? — Nathaniel perguntou
enquanto seu mordomo o tirava de sua capa.
— Duas, Sua Graça. Uma Senhorita Emily Thistledown foi
encontrada no grande guarda-roupa e Lady Catherine Woodley
estava em seu quarto de vestir.
— Eu acredito que você forneceu acompanhantes adequados
quando as enviou para suas casas.
— Sim, Sua Graça. Não haverá problemas posteriores.
Principalmente porque o senhor decidiu permanecer na casa do
Senhor Harnet.
— Sorte! — Nathaniel sorriu e folheou preguiçosamente os
envelopes na elegante mesa de mármore bordo no centro do
corredor — Mais alguma coisa que eu deva saber?
Seu mordomo, Carter, pigarreou e girou sobre os calcanhares.
Ele fixou seu olhar no teto acima da cabeça de Nathaniel
— Bem, Sua Graça. Havia outra mulher, uma Senhorita
Mooreland.
— Meu Deus, ela de novo não! Você estava ocupado ontem à
noite, não estava? Onde ela estava?
— A jovem Lady nunca realmente conseguiu entrar na casa, Sua
Graça. Uma copeira a encontrou no jardim, perto das portas
francesas que levam à biblioteca. Michael a acompanhou até sua
casa — O rosto severo de Carter quase se abriu em um sorriso —
Ele se ofereceu.
Nathaniel riu
— Isso deveria ensinar uma lição aos pais dela, hein, Carter?
Deixar uma jovem solta assim. Bem feito para eles se ela se
apaixonar pelo meu cavalariço. De qualquer forma, não será a
primeira vez. Um Don Juan habitual é nosso rapaz, Michael. Ele
voltou?
— Ainda não, Sua Graça. Mas é cedo, pouco depois das sete...
— Quando eles partiram?
— Alguns minutos depois das duas, eu acredito.
— São cinco horas! A casa dos Mooreland fica a menos de um
quilômetro de distância.
— Talvez Michael tenha parado... em outro lugar... no caminho
para casa.
— Esperemos que sim. E vamos apenas tentar evitar a criação
de novos escândalos, certo? Descubra onde ele esteve e, se
necessário, mande-o para The Orchards por alguns meses até que
ele aprenda um pouco de discrição. Não tenho nenhum uso para um
cavalariço em quem não se pode confiar perto de mulheres, e talvez
o ar do campo esfrie seu ardor. — Sua propriedade rural, The
Orchards, empregava muito poucas mulheres com menos de
cinquenta anos. Se ele mandasse Michael para lá, o cavalariço
encontraria poucas coisas preciosas para fazer além do trabalho.
— Sim, Sua Graça. Ah, e posso sugerir que o senhor leia o jornal
desta manhã? Parece que houve uma situação um pouco difícil na
noite passada e algumas pessoas irresponsáveis notaram sua
presença.
Nathaniel praguejou e pegou os jornais. Havia um grande artigo
sobre a descoberta do corpo de Lady Anne e o fato de que um
Duque estava presente, embora eles tenham cuidadosamente
omitido qual Duque para evitar serem processados.
À medida que ele lia mais, seus palavrões ficavam mais
amargos. Uma fonte anônima indicou que o Duque foi visto correndo
dos jardins pouco antes da descoberta do corpo. A fonte tinha que
ser Bolton. As palavras pareciam muito com as que ele havia
proferido na noite anterior para ser a descrição de outra pessoa.
— Merda! — Nathaniel praguejou novamente, torcendo o papel e
jogando-o sobre a mesa.
— Como eu mencionei Sua Graça. Lamentável.
— Lamentável? Isso é um eufemismo, até mesmo para você.
— Sim, Sua Graça — Carter mudou de posição e lançou um
olhar desconfortável para a porta da biblioteca — Eu imploro seu
perdão Sua Graça, eu deveria ter mencionado antes. Temos um...
ahem... convidado relacionado aos eventos da noite passada.
— Um convidado? — Nathaniel gemeu — Outra mulher não...
— Não, Sua Graça. Um detetive de Bow Street. Um Senhor
Clark.
Uma brisa fresca levantou o cabelo fino da nuca de Nathaniel
com uma sensação de formigamento.
— Senhor Clark está aqui?
— Sim, ele insistiu em esperar. Eu o levei para a biblioteca.
Jogando o jornal de volta na mesa, Nathaniel caminhou até a
biblioteca. Ele abriu as portas. Do outro lado da sala, o detetive
atarracado ficou na ponta dos pés, olhando para uma fileira de livros
encadernados em couro vermelho. Ao som dos passos de
Nathaniel, o Senhor Clark quase caiu. Ele se conteve bem a tempo,
agarrando-se às costas de uma poltrona de couro.
— Sua graça! — ele ofegou, puxando o lenço e enxugando a
testa — O senhor me assustou.
Nathaniel rosnou algo que um surdo poderia ter confundido com
um pedido de desculpas.
— Sim, bem... — O Senhor Clark enxugou a testa com mais
vigor. Ele se curvou várias vezes enquanto tentava enfiar o pedaço
de linho úmido de volta no bolso — Lamento interromper, Sua
Graça. Mas tenho certeza de que o senhor vai entender que
devemos averiguar todos os fatos no assunto em questão enquanto
eles ainda estão frescos.
A maneira abertamente oficiosa de falar do Senhor Clark doeu
os nervos de Nathaniel. Ele se sentou atrás de sua mesa e
gesticulou com impaciência.
— Eu entendo. Vá em frente. O que o senhor quer saber?
— Aham... com licença — disse o Senhor Clark, limpando a
garganta várias vezes. Suando muito, ele recorreu ao lenço
novamente — Muito quente aqui, Sua Graça.
— Está? Eu não tinha percebido — Atrás dele, as janelas
estavam ambas abertas. Uma brisa distintamente fria contornou as
cortinas de veludo verde e flutuou preguiçosamente ao longo do
chão, beliscando os tornozelos de Nathaniel.
No entanto, estudando o rosto cinza e úmido do Senhor Clark,
Nathaniel se perguntou desconfortavelmente se o detetive estava à
beira de um ataque cardíaco. O puro medo de interrogar um Duque
parecia ser mais do que o Senhor Clark poderia suportar.
Cedendo, Nathaniel o convidou a se sentar.
Clark agradecido afundou na beirada de uma cadeira próxima.
No entanto, ele não conseguia relaxar o suficiente para se recostar
— Obrigado, Sua Graça. Uma honra, tenho certeza.
— Eu sou um homem ocupado. Vá em frente.
— Sobre a noite passada, Sua Graça, eu esperava que o senhor
pudesse descrever os eventos novamente, do modo que o senhor
se lembra deles — Ele tirou o caderno de ocorrências preto do
bolso. Umedecendo um toco de lápis na língua, ele o posicionou
acima de uma página nova e esperou.
— Eu já dei ao senhor todos os detalhes de que me lembro.
— De fato, sim, mas depois de uma noite tranquila, é possível
que o senhor tenha se lembrado de algo novo, não é?
A voz de Clark se elevou em uma pergunta esperançosa
— Se o senhor apenas capitulasse os eventos como o senhor se
recorda deles, eu ficaria muito grato, Sua Graça.
Capitular? Nathaniel queria jogar um dicionário nele e dizer-lhe
para procurar “recapitular. ” Com muita paciência, ele obedeceu.
— Isso é tudo? — Clark perguntou, finalmente.
— Sim. Como eu disse, não tenho nenhuma informação nova
para o senhor — Nathaniel se levantou — No entanto, se eu me
lembrar de qualquer coisa, com certeza mandarei lhe chamar.
O Senhor Clark permaneceu sentado. Ele acenou com a cabeça
e disse:
— Isso seria um grande serviço, Sua Graça, e um pelo qual eu
seria devidamente grato. Só mais uma pergunta, se o senhor não se
importar...
— O que é?
— O senhor não ouviu falar de alguma coisa pequena, algum
enfeite talvez, um dos convidados pode ter perdido, não é? Ou
talvez encontrado alguma coisa dessa natureza?
Nathaniel se acalmou.
— Um... enfeite? Que tipo de ornamento?
— Talvez uma pedra ou objeto desse tipo?
O que Clark suspeitava? Bolton tinha encontrado o lápis-lazúli de
Nathaniel?
Nathaniel respondeu casualmente:
— Não. Devo entender que alguém encontrou uma bugiganga
perto do corpo de Lady Anne?
O detetive balançou a cabeça e se levantou.
— Não, Sua Graça. Rumores. Isso é tudo. No momento, só
tenho rumores — Seus olhos afiados observaram Nathaniel com
curiosidade.
Ele sorriu
— Eu certamente o informarei se eu ouvir, ou encontrar, qualquer
coisa. Agora, se me der licença, tenho outros assuntos para tratar
esta manhã.
Fazendo uma reverência, o Senhor Clark enfiou seu pequeno
caderno de couro no bolso e obsequiosamente professou sua eterna
gratidão pela generosidade do Duque em permitir-lhe uma
entrevista. Foi necessária toda a paciência de Nathaniel para
continuar sorrindo enquanto seu mordomo conduzia o detetive até a
porta.
— Mais um... — O Senhor Clark parou na porta. Carter o
empurrou para fora.
— Precisa de mais alguma coisa, Sua Graça? — Carter
perguntou, fechando a porta com um estalo elegante.
— Não — Ele queria dizer que achava que era o suficiente para
as sete da manhã. No entanto, temia que se reclamasse agora, o
dia só pioraria como punição por seu temperamento ruim.
A visita do Senhor Clark o preocupou. Onde estava sua pedra
perdida? Se alguém encontrasse a sua pedra chaveiro perto do
corpo de Lady Anne, ele teria dificuldade em explicar.
Suspeitas sobre Nathaniel não só poderiam arruiná-lo social e
politicamente, mas também prejudicar a família Archer. Eles podem
acabar no ostracismo por causa de uma joia perdida.
— Oh, me perdoe, Sua Graça. Há mais uma coisa.
Nathaniel gemeu.
— Hoje é o aniversário do seu tio. O senhor pediu para ser
lembrado — disse o mordomo.
— Obrigado, Carter — Seu humor melhorou. Pelo menos ele
poderia adiar pensar sobre a noite passada por uma hora ou mais
— O chaveiro que eu pedi já chegou?
— Sim, Sua Graça. Está no seu quarto.
— Esplêndido! E você cuidou das contas de Archer?
— Aquelas que estavam no pacote que o senhor encontrou? O
Senhor Cooke cuidou delas ontem.
Ele riu.
— Com os ganhos recentes do tio John, pagar algumas de suas
contas não parece um presente tão brilhante, mas ele vai adorar o
dinheiro. Esperemos que ele não me repreenda por desperdiçar um
bom dinheiro pagando seus negociantes. Agradeça a Cooke por
mim, sim? — Nathaniel se afastou e subiu as escadas, subindo dois
degraus de cada vez.
No meio do caminho, ele se lembrou da pupila de seu tio,
Senhorita Haywood, e de seus olhos sorridentes.
Sua Graça Terrível….
Ele tropeçou e quase quebrou a canela na ponta de um degrau.
A última coisa que ele precisava fazer era pensar em uma mulher.
Depois das aventuras que poderia ter experimentado na noite
anterior se tivesse realmente voltado para casa, ele precisava
manter sua mente longe do sexo frágil. Na verdade, ele detestava
as mulheres, especialmente as solteiras. Tudo o que queriam fazer
era prendê-lo para que pudessem se casar com um Duque.
Talvez ele realmente fosse um misógino.
E embora a pupila de seu tio fosse linda, ela ainda era uma
mulher independente e também uma americana. Todos sabiam que
os americanos adoravam títulos, embora afirmassem não acreditar
neles. O mais provável é que ela desejasse ser uma Duquesa como
qualquer outra mulher na Inglaterra.
Ele tropeçou novamente e bateu com o joelho nos degraus.
— Maldição! — Ele parou para esfregar a perna e praguejar. A
garota nem estava aqui, e estava lhe causando dor. Um homem
mais supersticioso poderia ficar positivamente nervoso,
especialmente depois de perder sua pedra chaveiro da sorte.
Como estava, ele se endireitou e cuidadosamente subiu os
degraus restantes antes de chegar ao segundo lance de escadas.
Quando ele chegou ao seu quarto intacto, ele decidiu que as coisas
poderiam não estar tão ruins, afinal.
O perigo de ver a Senhorita Haywood novamente poderia valer a
pena, e o tio John só faria 47 anos uma vez. Nathaniel encontrou o
presente para John Archer cuidadosamente embrulhado em papel
pardo e colocou-o no bolso, tentando não pensar nos olhos azuis
brilhantes da Senhorita Haywood.
Nota. — Em casos de nova perseguição quando o infrator escapa...
o policial ou pessoa com o mandado... pode seguir o infrator até
uma distância de sete milhas...
Guia de Bolso do Policial

D istraída com o barulho de visitantes indo e vindo, Charlotte


finalmente se virou para sua nova criada, Betty, e
perguntou:
— O que é toda essa confusão?
A atividade perturbou Charlotte. Os Archers eram tão rigorosos
quanto os Westovers? Os Westover mantinham horários de visita
rígidos. Eles só se dignavam a aceitar convidados das onze da
manhã ao meio-dia e depois das três às quatro. Depois das quatro,
os Westover retiravam-se para se preparar para o jantar.
Charlotte uma vez disse a eles que era desnecessário ser tão
exigente. Eles raramente tinham visitantes suficientes para
impressionar com tais regras. O comentário descuidado fez Lady
Westover desmaiar em um ataque de nervos e se recusar a ver
alguém por dois dias.
Nervosa por entrar em uma sala lotada de estranhos, Charlotte
pôde finalmente entender a perspectiva de Lady Westover.
— É o aniversário do Senhor Archer, senhorita.
— O aniversário do Senhor Archer?
— Sim, senhorita. Ele está fazendo quarenta e sete anos hoje.
— Oh céus — Charlotte olhou para seus baús e caixas de
chapéus trancados. Um súbito impulso tomou conta dela para dar
algo ao senhor. Archer. Ela não conseguia esquecer a generosidade
espontânea de Lady Victoria ao permitir que ela usasse seu colar de
pérolas — Abra esse grande baú, Betty.
— A senhorita vai desfazer as malas, então? Eu terei suas
coisas arrumadas como quiser, se me permitir...
— Não — Charlotte balançou a cabeça e alisou a saia de sua
bombazina verde. Ela usava a mesma roupa hoje que tinha usado
ontem para caminhar do Westover para a casa dos Archers. Com
uma sensação de inevitabilidade, ela o vestiu esta manhã,
convencida de que os Archers exigiriam sua partida imediata assim
que soubessem o que ela havia dito ao sobrinho.
Apesar de sua tristeza, ela queria dar ao Senhor Archer algo
para se lembrar dela, algo precioso para ela.
— É desnecessário desempacotar completamente — disse
Charlotte — Há uma pequena caixa de madeira no meu baú. Por
favor, me ajude a encontrá-la.
Quando a criada se curvou sobre o baú, Charlotte ajustou o
comprimento da seda cremosa enrolada em sua garganta à maneira
de um homem, tentando não refinar muito em seu medo de ser
despensada. Olhando no espelho, ela mexeu em seu lenço claro, se
perguntando se ela parecia muito masculina em linhas tão
severamente cortadas. Ela não era curvilinea como Lady Beatrice e
nunca seria.
Afastando-se, ela enfiou as pontas da seda em seu casaco. Ao
menos manteria seu pescoço protegido de quaisquer correntes de
ar quando a mandassem embora em sua carruagem. Se eles a
deixassem usar a carruagem.
Para onde eles a mandariam? Ela ficou parada, atordoada por
um pânico momentâneo. Para onde eles poderiam mandá-la?
Agora, ela devia estar com falta de parentes….
— É essa, senhorita? — Betty se levantou e estendeu uma
pequena caixa, de apenas 20 por cinco.
A pequena caixa reproduzia astutamente a forma do enorme baú
revestido de ferro que repousava no chão. Havia até duas tiras finas
de ferro rebitadas sobre o topo curvo e esculpido.
O pai de Charlotte tinha dado a ela — ou pelo menos é o que
sua tia afirmava. Fazia tanto tempo que Charlotte não conseguia se
lembrar.
Um chumaço de algodão, ainda preso por pétalas secas,
repousava lá dentro junto com os restos de uma folha de tabaco
aromática. Ambos serviram como lembretes do comércio de algodão
e tabaco, que constituiu a base sólida da fortuna de Haywood.
Desde que seu pai faleceu quando ela tinha apenas três anos,
Charlotte não tinha nenhuma lembrança dele para associar a
pequena caixa, mas ela a guardou como uma lembrança de casa.
Olhando para ela, ela sentiu uma onda familiar de dor e tristeza
pelos tempos e pelo amor perdido. Fazia muito tempo que ela não
se sentia confortável com alguém ou verdadeiramente em casa. Ela
teve uma lembrança súbita e vívida de sua tia adicionando leite e
açúcar a uma xícara de chá e, em seguida, soprando para esfriar
antes de entregá-la a Charlotte. O pequeno gesto fez Charlotte se
sentir especial e mimada. Agora, ela não suportava beber chá com
leite e açúcar. Isso a lembrava muito de sua tia, e a lembrança
permanecia muito crua, muito dolorosa, apesar dos anos que se
passaram.
— Sim, é essa — Charlotte disse finalmente, suprimindo uma
intensa pontada de saudade — Obrigada, Betty. Apenas tranque o
baú novamente, certo? — Ela esperou enquanto a criada
reorganizava os vestidos e lenços dentro, e então deixou a pesada
tampa cair.
Depois de girar a chave, a criada a devolveu a Charlotte.
— Onde está o Senhor Archer? — Charlotte perguntou.
— Na sala de estar — disse a criada — Mais alguma coisa,
senhorita?
— Não. Obrigada, Betty.
A garota fez uma reverência e saiu, fechando a porta atrás dela.
Charlotte percorreu o quarto, verificando se havia pertences
perdidos. Ela não queria atrasos embaraçosos se fosse obrigada a
sair. Seus olhos pousaram na mobília confortável e na colcha grossa
da cama.
Lady Victoria tinha sido tão atenciosa e Charlotte retribuiu sua
bondade sendo rude com seu sobrinho.
Por que ela era tão idiota? Quanto mais ela tentava controlar
seus comentários impulsivos, mais asneiras ela cometia. Isso a fez
se perguntar como ela teve o bom senso de não se afogar quando
chovia.
Bem, ela não poderia se esconder aqui o dia todo, tentando adiar
o inevitável. Ela iria presentear o Senhor Archer com a caixa. Se ele
gostasse, talvez não fosse tão mal. Os Archers podem encontrar
alguma situação agradável para ela. Um lugar enterrado no campo
com uma tia solteira reclusa e bastante surda que não se importaria
de ter Charlotte morando com ela nos próximos três anos.
Depois disso — por favor, Deus — deixe-me sair deste país
esquecido e encontrar um lugar ensolarado e quente.
Ela poderia partir agora? Seu coração disparou. Ela esperava
aguardar até que tivesse total controle de sua fortuna antes de ela
viajar para o Egito, no entanto, ser passada de guardião para
guardião pelos próximos três anos atraia muito pouco.
Cairo, as pirâmides de Gizé, o Vale dos Reis…. O sol escaldante
escaldando a areia em países com os quais ela só tinha sonhado
quando criança, enrolada como uma bola apertada e trêmula,
tentando dormir em sua cama fria no internato. O Egito acenava
para ela com o calor de uma fogueira de inverno.
Em breve. Ela estaria lá, em breve.
A caixa em sua mão a lembrou de que ela não poderia demorar
mais. Ela desceu as escadas segurando o presente com uma das
mãos e segurando a madeira lisa do corrimão com a outra. Seus
dedos estavam rígidos de frio, apesar da brisa amena de maio que
entrava pelas janelas abertas. Ao se aproximar da sala de estar, ela
ouviu vozes e risos.
— Oh, Sua Graça, ela disse o quê? — O Senhor Archer
perguntou, sua voz quebrada por uma risada.
Charlotte fez uma pausa, com a mão na porta.
Os bisbilhoteiros raramente ouvem coisas boas sobre si mesmo.
Com a cabeça zonza e a boca seca, Charlotte abriu a porta. Ao
entrar na sala iluminada pelo sol, ela tentou desesperadamente não
tremer.
Eles estavam discutindo sobre ela, decidindo seu destino.
— Senhorita Haywood — Lady Victoria chamou, estendendo a
mão — Entre! Sei que a senhorita já conheceu Sua Graça, nosso
sobrinho, o Duque de Peckham. Sua criança travessa! A senhorita
deveria ter nos contado! Estávamos conversando sobre o baile.
— Sim — Charlotte respondeu. Ela sabia muito bem o que eles
estavam discutindo. Sua leviandade totalmente inadequada a custas
de Sua Graça.
Quando ele se virou para encará-la, seus ricos olhos azuis
fixaram-se nos dela por um tempo um pouco mais longo. Presa em
seu olhar, seu corpo desacelerou. Ela ficou imóvel, seu coração
batendo forte. O brilho do sol que entrava pela janela salpicou seu
cabelo castanho macio com ouro e enquanto ela olhava, um sorriso
lento puxou seus lábios. Ele parecia um anjo depravado parado ali,
enchendo a sala de calor.
Então, ela percebeu onde estava e o que tinha feito na noite
anterior. Com um fervor raivoso, ela desejou estar na antiga
Pompéia, a boca aberta enquanto o vulcão cuspia cinzas
incandescentes sobre ela. Uma morte pacífica era muito preferível a
Sua Graça repetir maliciosamente as coisas terríveis que ela dissera
apenas para que ele pudesse vê-la se contorcer de vergonha.
Não admira que seus olhos brilhassem de forma tão demoníaca.
— Nós nos conhecemos no baile de Lady Beatrice — ela
confirmou fatalisticamente.
— A senhorita se divertiu? — perguntou o Duque. Um sorriso
envolvente torceu sua boca e de alguma forma enfatizou seu queixo
quadrado.
Sua mão se apertou com o desejo de esbofeteá-lo por ser tão
atraente e, ao mesmo tempo, tão impertinente. Claro que ela tinha
se divertido — às custas dele, nada menos — como ele certamente
já havia informado a todos. Seus dedos estavam dormentes de frio
até que ele estendeu a mão e os pressionou brevemente entre as
palmas quentes.
Seu toque a fez recuperar o fôlego. Seu coração batia tão forte
que ela se sentiu ensurdecida pelas batidas.
— Lindo baile — Charlotte murmurou por fim, ignorando a dor
das lágrimas não derramadas. Por que ele estava sendo gentil com
ela? Ela piscou para clarear sua visão, sentindo-se baixa o
suficiente para deslizar para debaixo do tapete.
— Que caixinha única — ele comentou, seu olhar avistando a
mão esquerda dela.
Seus olhos seguiram os dele. Ela percebeu que ainda segurava
o baú em miniatura.
Ela devia bater nele com o objeto.
Ele tinha certamente chegado cedo apenas para contar ao
Senhor Archer sobre seu comportamento terrível e vê-la sofrer, a
fera horrível. Por que ele ainda fingiu ser gentil?
E por que ela queria continuar olhando em seus olhos,
prendendo a respiração até ficar tonta?
— Senhorita Haywood — interrompeu o Senhor Archer — Dê
uma olhada. Meu sobrinho me deu o presente mais esperto. — Um
chaveiro dourado balançava em seus dedos.
Bem, então o Duque havia chegado cedo para contar a eles
sobre seu péssimo comportamento e para dar um presente de
aniversário a seu tio. Quão terrivelmente atencioso da parte dele.
Ela pegou o chaveiro entre os dedos e olhou para o desenho,
sorrindo a despeito de si mesma pra sua inteligência. O objeto
dourado tinha a forma de várias cartas de baralho seguradas em um
leque por uma mão minúscula. Um exame ainda mais minucioso
revelou que as cartas eram o ás, rei, rainha, valete e dez de ouros.
Cada cartão tinha um pequeno diamante cintilante mostrando o
naipe.
— Que presente atencioso — ela disse por fim, colocando a
corrente na mão de Archer — Feliz aniversário, Senhor Archer.
— E o que é essa caixa que a senhorita está segurando,
Senhorita Haywood? — o Duque repetiu.
— Oh, eu sinto muito. Fiquei tão intrigada com o seu presente
que esqueci completamente... — Ela entregou a caixa ao Senhor
Archer — Achei que gostaria disso no seu aniversário.
Quando ela pegou o olhar brilhante do Duque sobre ela, ela
corou. Que totalmente estúpida! De todas as coisas fúteis para
dizer. Ele deve estar morrendo de vontade de ordenar aos Archers
que se livrem dela.
Sem aviso, o Senhor Archer a agarrou pela cintura e deu um
beijo com um estalo retumbante em sua bochecha. Mortificada, ela
olhou para sua esposa. Ela sorriu com indulgência, e então
surpreendeu Charlotte rindo. Quando as risadas profundas do
Duque se juntaram às de sua tia, Charlotte sentiu uma cascata de
rubor em suas bochechas, queimando sua pele como o sol.
— Minha querida, se a senhorita pudesse ver seu rosto — Lady
Victoria disse, escondendo sua risada atrás de um lenço
esvoaçante. — Não ligue para o meu marido. Ninguém mais liga —
Ela fez uma pausa antes de lançar um olhar afetuoso para o marido
— Pelo menos, ninguém com qualquer partícula de bom senso.
Enquanto sua esposa falava, o senhor. Archer abriu a pequena
caixa. Seu longo indicador cutucou o algodão e a folha de tabaco
enrugada com curiosidade, liberando o cheiro seco e pungente de
tabaco.
— Que extraordinário — ele murmurou. — Algodão e tabaco...
qual é o seu significado? Onde você conseguiu um item tão curioso?
— Meu pai — Charlotte disse, sua voz abrupta de emoção
reprimida. De repente, ela se sentiu desconfortável com seu
presente impulsivo, como se colocasse todas as suas emoções
agudas e cruas em exibição.
Por que ela queria compartilhar algo tão íntimo com os Archers?
Eles eram virtualmente estranhos…. E, no entanto, ela desejava
muito ficar aqui e fazer parte de sua família, mesmo que apenas por
alguns anos.
— Seu pai? — Lady Victoria perguntou.
— Sim. Ele me deu quando eu tinha três anos. Eu realmente não
me lembro. Ele morreu pouco depois, em setembro. Ambos meus
pais, na verdade. Eles estavam voltando da Inglaterra e seu navio
estava na costa da Carolina do Norte quando um furacão os atingiu.
O navio deles afundou — Sua abrupta recontagem da história a fez
se sentir ainda mais vulnerável. Ela acenou para longe as
expressões de simpatia, embora o clique suave da língua de Lady
Victoria fez Charlotte respirar fundo para conter as lágrimas — A
caixa era para ser uma espécie de baú em miniatura contendo
algodão e tabaco, símbolo da base da fortuna de nossa família,
disse minha tia. Achei que o senhor gostaria, Senhor Archer.
— Sua tia? Irmã da sua mãe?
Charlotte acenou com a cabeça, incapaz de falar. Uma dor
intensa fechou sua garganta. Ela tossiu e acenou com a cabeça
— Sim. Morei com ela em Charleston por oito anos.
— E a família dela? Eles mantêm contato com a senhorita?
— Família dela? Não. Ela nunca se casou — Charlotte lembrou-
se de sua tia enérgica e autossuficiente e sorriu — Ela disse que
não tinha tempo.
— Hum — o Senhor Archer respondeu com a expressão
ligeiramente superior em seu rosto indicando que ele pensava que
ela queria dizer que sua tia nunca tinha sido cortejada.
— Ela tinha dezenas de pretendentes, mas ela simplesmente
recusou todos eles. Mesmo depois que eles finalmente se casaram,
eles ainda nos visitavam, o senhor sabe. — Charlotte fez uma pausa
e percebeu que ela estava dando a eles uma impressão totalmente
errada — Com suas esposas e filhos, é claro. Todos eles
permaneceram amigos. Ela disse que era apenas mais conveniente
ter a casa só para nós.
Era impossível explicar. Sua tia havia fumado charutos enrolados
em seu próprio tabaco e dito as coisas mais ultrajantes — mas
totalmente honestas — e todos a adoravam. Seus últimos três
namorados vieram regularmente para jantar durante anos, mesmo
depois de perceberem que ela nunca se casaria com nenhum deles
e relutantemente encontraram outras esposas. E eles trouxeram
suas esposas e filhos para jantar. Todos foram recebidos
calorosamente.
Uma vez, sua tia declarou em um acesso de raiva que seus
amigos só vinham porque gostavam de ser insultados. No entanto,
independentemente do por quê permaneceram leais à sua tia,
Charlotte foi grata a eles quando tinha onze anos e eles assumiram
o comando quando sua tia adoeceu com gripe. Depois que ela
morreu, os três homens garantiram que a fortuna de Charlotte
permanecesse intacta e a enviaram em segurança com uma de
suas esposas para a Inglaterra, onde os parentes de Charlotte
poderiam aceitar a responsabilidade por ela.
— Ela parece uma mulher adorável. Eu gostaria que
pudéssemos tê-la conhecido, — Lady Victoria disse — Foi um
presente muito atencioso, Senhorita Haywood. Agora, estávamos
apenas discutindo...
Charlotte suspirou
— Por favor, deixe-me pedir desculpas. Eu sei que é tarde
demais. Mas antes de ir, eu realmente queria que o senhor
soubesse que não tive a intenção de insultá-lo.
— Ir? — Lady Victoria perguntou, intrigada.
— Insultá-lo? Quem? — O senhor. Archer interrompeu ao
mesmo tempo.
O Duque riu com seus olhos azuis faiscando enquanto pegava
uma xícara de chá que Charlotte nem tinha visto na mesa baixa em
frente à Lady Victoria. Seus olhos encontraram os dela, e ela
experimentou a sensação de se afogar em suas profundezas. Seus
pulmões se recusaram a se encher de ar até que ela desviou o
olhar, perturbada e quente.
Ela pigarreou.
— Sei que não posso ficar aqui, mas esperava que o senhor
entendesse...
— O que a senhorita quer dizer com não poder ficar aqui? —
Lady Victoria repetiu. Ela deu um tapinha na almofada vazia ao lado
dela no sofá baixo e pegou o bule para servir uma xícara de chá.
Como por hábito, Lady Victoria derramou leite na xícara e
acrescentou uma colher de açúcar antes de mergulhar a colher para
provar um pouco — Tome uma xícara de chá, querida — disse ela,
estendendo a xícara para ela.
Curvando-se para se sentar, Charlotte olhou para a xícara antes
de olhar nos olhos simpáticos de Lady Victoria. Lentamente,
Charlotte se sentou, tomada pela sensação de finalmente voltar
para sua verdadeira família. O gesto a lembrava muito de sua tia,
muito de tudo que Charlotte havia perdido.
Doeu seu coração pensar que ela tinha encontrado isso agora,
quando isso não lhe faria nenhum bem, depois de já ter envenenado
o poço com seus comentários impensados na noite anterior.
Sentando-se na cadeira, ela aceitou a xícara de chá.
Ela sorveu timidamente para esconder sua reação. Algo do que
ela sentia deve ter transparecido em seu rosto, no entanto, porque
uma leve carranca formou um V entre as sobrancelhas do Duque.
Lady Victoria estendeu a mão para ela
— Oh, querida, eu peço desculpas. Esqueci que a senhorita não
gosta de leite e açúcar no seu chá! Eu sempre preparo assim para
meu marido, e eu...
— Não não. Está perfeito — Charlotte tomou outro gole, o doce
sabor leitoso enchendo sua boca com memórias de tempos mais
felizes.
— O que é isso sobre partir? — O Duque perguntou com a
carranca se aprofundando.
— Não é isso que os Senhores estavam discutindo? — Charlotte
se defendeu para disfarçar suas emoções — Isso e o que eu disse
no sarau de Lady Beatrice?
— O que a senhorita disse? — perguntou o Duque — Deve ter
sido terrível.
— Para o Senhor — Charlotte gaguejou — Eu disse para o
senhor. O senhor estava contando ao Senhor Archer sobre isso
quando eu entrei. O senhor sabe perfeitamente bem, e não me
importo de repetir...
— Obviamente, devo ter bebido muito mais do que pensava. Não
me lembro da senhorita ter dito nada que não pudesse ser repetido
em companhia mista. No entanto, refresque minha memória. Afinal,
se a senhorita está planejando ser jogada na nevasca sem sapatos
e com buracos na capa esfarrapada, deve ter sido muito, muito ruim.
Muito ruim, de fato.
— Têm muitas tempestades de neve em Londres no final de
maio? — Charlotte não pôde evitar uma pequena risada. Com o
som abafado, a expressão do Duque se iluminou, embora
parecesse haver alguma preocupação ou tristeza no fundo de seus
olhos.
— Não muitas, mas tenho certeza de que se seus atos foram
ruins o suficiente, uma poderia ser arranjada.
— Hmm. Então, o que exatamente o senhor disse a eles sobre
nossa apresentação?
— Que a senhorita teve a audácia de se referir a mim como “Sua
Graça Terrível. ” Isso está correto, não é?
Todos olharam para Charlotte. Ela olhou para as mãos
entrelaçadas
— Razoavelmente preciso — Sua garganta se fechou com tanta
força que ela teve que engolir para respirar enquanto todo o ar
deixava a sala. Ela captou seu olhar e o encarou em um ato final de
desafio — Acho que também posso ter dito “Vossa Excelência” e
“Seu Gracioso Terror. ” Pode até ter havido uma “Exaltação
Estúpida” lançada em algum lugar na conversa. Não tenho certeza.
O Senhor Archer e sua esposa caíram na gargalhada
desamparada. Charlotte os observou enquanto seus dedos giravam
em seu colo. Ela não sabia como interpretar a reação deles.
Felizmente, eles não a deixaram atormentada por muito tempo.
— Por Deus — exclamou o Senhor Archer, batendo no joelho —
Esse é o melhor.
— A senhorita estava com medo de que nosso sobrinho
insistisse para que a senhorita partisse? — Lady Victoria perguntou,
ignorando o marido que estava enxugando os olhos lacrimejantes
com um lenço branco esvoaçante.
— Sim. Não sei por que disse essas coisas. Eu me sinto horrível
por isso. Eu não espero que os Senhores me desculpem. Foi uma
idiotice completa.
Lady Victoria colocou a mão sobre os dedos cerrados de
Charlotte.
— A senhorita estava nervosa, e era sua primeira noite aqui.
Embora eu não possa recomendar o uso de tais... denominações
com outros colegas, tenho certeza de que nosso sobrinho já ouviu
coisas piores.
— Isso não é uma desculpa, embora eu aprecie isso, Lady
Victoria.
— Claro que não é uma desculpa. E, para ser franca,
conhecendo Sua Graça, não estou tão surpresa com suas
observações quanto estou de que a senhorita ainda não reclamou
da falta de educação dele.
O Duque quase derramou seu chá.
— Minha falta de educação? Comportei-me com perfeita
propriedade a noite inteira. Quando não?
— Você realmente quer que eu responda isso? — sua tia
respondeu — Porque só tenho um lembrete para você... Cambridge.
Ele olhou para ela um pouco inquieto. Quando ele pegou os
olhos de Charlotte nele, ele teve a audácia de sorrir.
Seu coração acelerou até que ela desviou o olhar.
— Agora que penso sobre isso, eu acredito...
— Basta dizer — Sua Graça a interrompeu — ninguém está
chateado com suas maneiras totalmente deliciosas, Senhorita
Haywood. Portanto, não há necessidade de continuar esta
discussão.
— E não haverá mais conversa sobre a partida de ninguém —
Lady Victoria concluiu. — Isso não é correto, John?
— Oh, certo, minha querida. Embora eu ainda gostaria de ouvir o
que a Senhorita Haywood tem a dizer sobre o comportamento de
Sua Graça na festa, apenas para obter todos os fatos pertinentes —
Então sua expressão tornou-se bastante sombria. Ele
preguiçosamente pegou o jornal que estava na mesa ao lado dele e
o dobrou em um retângulo apertado.
Quando Charlotte olhou obliquamente através de seus cílios
para o Duque, ela percebeu que a escuridão em seus olhos havia se
aprofundado. Ele olhou para ela brevemente antes de olhar para
seu tio com algo semelhante a constrangimento e preocupação.
Que razão tinha um Duque para se preocupar?
— Tenho certeza, eu não saberia — respondeu Charlotte,
estudando a expressão de dor do Duque. Ela olhou para seu
guardião e sentiu um calafrio ameaçador se instalar ao seu redor. —
Algo está errado?
— Não... — disse o Senhor Archer.
O Duque disse simultaneamente:
— Sim.
Charlotte olhou de um para o outro e cruzou as mãos no colo.
— Se não é presunçoso perguntar, talvez Sua Graça possa
explicar?
Ele não deve entrar em qualquer casa, exceto no cumprimento de
seu dever, nem deve se envolver em conversa com ninguém, exceto
sobre assuntos relacionados ao dever.
Guia de Bolso do Policial

— H ouve um... acidente na festa na noite passada — disse


Nathaniel pesadamente.
— Um acidente? — Senhorita Haywood repetiu, a confusão
nublando seus olhos — Certamente, o senhor não quer dizer a
perda de seu lápis-lazúli?
— Não, não é isso. Uma menina, Lady Anne, foi encontrada nos
jardins.
— O que aconteceu com ela?
— Receio que alguém tenha batido na cabeça dela.
— Pobre menina. Ela está gravemente ferida?
Nathaniel acenou com a cabeça. Seu estômago se contraiu. O
pesado desjejum que ele havia compartilhado com Harnet agora se
alojava como uma bala de canhão sob seu coração.
— Ela está morta, eu temo.
— O senhor quer dizer que ela foi assassinada? — Senhorita
Haywood exclamou.
— Bem, sim, receio que sim.
Ela empalideceu e pressionou os dedos nos lábios como se o
anúncio a fizesse mal. Nathaniel estendeu a mão e apertou a mão
dela antes de olhar ao redor para encontrar Lady Victoria e Archer
olhando para ele com curiosidade. Ele soltou a mão da Senhorita
Haywood, a despeito do olhar dela gelado de horror.
Então, em uma onda de desafio, ele pegou as mãos frias dela
mais uma vez e as esfregou, tentando recuperar o calor dos dedos
congelados. Ele não conseguia esquecer a maneira como os olhos
dela estavam quase prateados de cautela quando ela entrou na
sala, com medo de que os Archers não a recebessem bem.
No entanto, o presente dela para seu tio mostrou uma fonte
profunda de bondade, apesar de seus medos e ele se perguntou se
ela percebeu o quão revelador o gesto era. Entregar a única coisa
que restava de sua casa e infância expôs um coração suave e frágil
que ansiava por afeto. Ele tinha visto a esperança vulnerável em
seus olhos quando ela entregou a Archer o pequeno baú. Sentindo-
se protetor, Nathaniel não pôde ignorar sua mão estendida.
— Senhorita Haywood, a senhorita está bem? — ele perguntou
gentilmente.
Lady Victoria gesticulou para o marido.
Archer foi até um armário contra a parede e tirou uma garrafa de
uísque escocês.
— Medicinal — disse ele, movendo-se para derramar uma dose
na xícara de chá da Senhorita Haywood.
— Beba seu chá, querida — Lady Victoria disse em uma voz
suave.
— O que... oh — respondeu a Senhorita Haywood, hesitante.
Nathaniel pressionou a xícara nas mãos dela e segurou-a com
firmeza enquanto ela bebia a infusão. Então seu olhar encontrou o
dele.
O pulso dele se acelerou quando algo se mexeu nas
profundezas dos olhos dela.
— O senhor estava no jardim... — Senhorita Haywood murmurou
baixinho, jogando um balde de água fria nele — Quando nos
encontramos, o senhor...
Nathaniel se endireitou.
— Eu a vi no jardim, mas eu, uh, fui em outra direção. Acreditem
em mim.
— Oh, nós acreditamos, meu rapaz... er, Sua Graça — Archer o
assegurou. — Que coisa assustadora — Ele despejou doses
generosas de uísque em todas as xícaras. Em silêncio, eles as
drenaram até o fundo.
— Eu não tive nada a ver com isso — disse Nathaniel, pousando
a xícara com um estrondo. Ele não podia suportar a expressão de
consternação nos olhos azuis claros da Senhorita Haywood. Eles
eram tão reveladores de seu humor, tão fáceis de ler. Ele olhou para
as profundezas límpidas, desejando nunca ter tido o desejo de
caminhar sozinho nos jardins de Lady Beatrice para respirar ar
fresco.
— Tenho certeza de que o senhor é inocente — disse ela
lentamente.
Ele ouviu a sugestão de incerteza em sua voz e respondeu
amargamente:
— Então a senhorita é uma das poucas pessoas.
— Bobagem — Charlotte disse. Seus ombros se endireitaram e
ela pousou a xícara com um estalo — Não havia uma gota de
sangue no senhor em qualquer lugar que eu pudesse ver.
Nathaniel respondeu:
— Pelo menos a senhorita notou. — Ele sorriu para ela.
A Senhorita Haywood enrubesceu e tomou outro gole de chá,
engasgando ao engolir rápido demais.
— É incrível o lixo que eles imprimem — disse Nathaniel — A
senhorita obviamente tem melhor bom senso por não acreditar em
tudo que lê.
— Então vocês dois se conheceram no jardim — Lady Victoria
interrompeu.
O sorriso dele se alargou.
A senhorita Haywood franziu o cenho e captou o olhar dele. Ela
balançou a cabeça levemente.
— Nós nos encontramos no terraço — ela corrigiu.
Aparentemente, ela não queria que os Archers soubessem que
Nathaniel a arrastou para os arbustos. E isso combinava com ele.
Ela não precisava se preocupar com ele admitindo isso para seu
tutor. Ninguém foi comprometido. Não havia razão para discutir isso.
— Bem, Nevvy? O que foi afinal? — Perguntou Archer — Jardim
ou terraço?
— Terraço, certamente — Nathaniel respondeu suavemente —
Senhorita Haywood estava me instruindo sobre a identificação de
mariposas — Ele tentou recuperar o olhar da Senhorita Haywood
para tranquilizá-la, mas ela resistiu — Foi tudo muito correto.
— Sim. E o senhor também foi muito educado, pelo que me
lembro. Fiquei bastante impressionada na hora — disse a Senhorita
Haywood — Extremamente educado.
Ele olhou para ela. Seus olhos azul-celeste cintilavam
maliciosamente acima de um nariz empinado levemente salpicado
de sardas. Um longo cacho vermelho enrolado em seu ombro,
tornando seu lenço masculino qualquer coisa, menos masculino.
Seus olhos vagaram para baixo, para a leve curva de seu seio,
lembrando-se do que Harnet disse sobre mulheres com constituição
esguia.
Harnet poderia dizer o que quisesse, a Senhorita Haywood
significava problemas para Nathaniel.
— Chega desse tema tolo — Archer mudou de assunto —
Senhorita Haywood, algum de seus tutores anteriores a apresentou
à Sociedade?
Senhorita Haywood riu, embora Nathaniel detectasse um tom
amargo.
— Eu não queria ser apresentada. Lord Westover sabia disso.
Discutimos isso várias vezes. Ele teria me apresentado se eu
quisesse que ele o fizesse.
— Mas por que a senhorita recusaria a apresentação? — Lady
Victoria perguntou.
— Eu não tenho nenhum desejo de me casar.
Que coisa extraordinária para uma mulher dizer. Nathaniel
procurou uma explicação em seu rosto, mas ela não parecia estar
triste. Ele não conseguia ver nenhum sinal de raiva por algum
incidente passado com um homem que desencorajasse os sonhos
de casamento, então por que ela não gostava da ideia?
— Por quê? — Perguntou Archer — A senhorita é inteligente e
atraente. Por que não deseja se casar? A senhorita não deseja uma
família? Filhos?
Nathaniel sorriu quando Lady Victoria estendeu a mão e apertou
a mão de seu marido, seu rosto cheio de calor. Dinheiro nunca foi
levado em consideração para Archer, apesar do número de vezes
que ele ficou um pouco aquém no fim do mês. Nunca ocorreria a
John Archer mencionar o bem mais óbvio da Senhorita Haywood,
sua riqueza.
— Não. Tenho outros interesses — A Senhorita Haywood tirou
várias cartas de sua bolsa. Observando-a, Nathaniel percebeu o
motivo de seu vestido verde escuro severamente cortado: ela estava
vestida para viajar. Ela não estava apenas nervosa quando entrou
na sala. Ela estava convencida de que ele exigiria que ela fosse
enviada para outro lugar depois de seus comentários
desrespeitosos na noite anterior.
Ela tinha pensado que ele era tão esnobe que ficaria zangado
com ela? Como ela poderia ter interpretado mal o caráter dele?
Ele não conseguia se lembrar de ter dito nada para fazê-la
chegar a conclusões nada lisonjeiras. Ele riu e até a puxou para o
jardim depois.
Mas, novamente, talvez ela tivesse motivos. Lady Victoria havia
lhe contado mais cedo sobre as mudanças frequentes da Senhorita
Haywood. Nenhum de seus guardiões anteriores a manteve por
mais de um ano. Tal histórico de rejeições afetaria qualquer pessoa
e também levantaria uma questão séria: o que havia de errado com
ela? Mau humor? Insanidade?
Talvez ele devesse fazer algumas perguntas discretas. Não
havia dúvida em sua mente de que Lady Victoria era uma mulher
astuta e inteligente — afinal, ela manteve Archer longe de
problemas sérios por quase vinte anos — mas ele não queria uma
louca depositada no meio deles.
O estalar do papel chamou sua atenção. A Senhorita Haywood
abriu e alisou várias cartas gastas e redobradas.
— Eu tenho me correspondido com vários cavalheiros envolvidos
nas escavações no Egito. É muito emocionante — disse a Senhorita
Haywood, olhando para eles por cima das cartas.
Em vez de ficar envergonhada com esta confissão ultrajante, as
bochechas da Senhorita Haywood coraram de excitação. Seus
olhos azuis brilharam.
O choque, seguido de perto pelo desânimo, percorreu Nathaniel.
Ela tinha se correspondido com homens? Estranhos? Não admira
que Lord Westover estivesse disposto a abrir mão do controle dela e
de sua fortuna. A Senhorita Haywood era claramente incapaz de
compreender até mesmo a menor noção de comportamento
adequado.
Mulheres jovens sem compromisso não se correspondiam com
homens estranhos. Mesmo as mulheres casadas não se
correspondiam com homens estranhos.
— Que homens? — Lady Victoria perguntou. Sua pergunta gentil
não traiu seus sentimentos, entretanto sua expressão agradável
estava fixa e tensa, revelando que ela estava tão chocada quanto
ele.
— Senhor Belzoni e o Senhor Bankes. Infelizmente, Lord
Smithson não parece precisar de nenhuma ajuda no momento. O
Senhor Belzoni não conseguiu autorização para cavar até agora,
mas espero que suas circunstâncias mudem — Ela franziu a testa
por um momento antes de redobrar as cartas. Então ela juntou as
mãos e as colocou sobre o pacote. — Ouvi, no entanto, que outro
acadêmico, o Senhor Mainwaring, está organizando uma expedição.
Então, é possível que eu pudesse me juntar a ele, em vez disso.
Certamente um deles obterá as licenças necessárias.
Após alguns segundos de silêncio, Lady Victoria respondeu
fracamente:
— Senhorita... a senhorita não pode estar falando sério?
— Oh, sim, estou falando sério. Eu estou indo para o Egito. Na
verdade, gostaria de discutir minha saída ainda este ano. Em alguns
meses, se possível. Isto é, se os arranjos puderem ser feitos com o
Senhor Mainwaring. Este é o momento mais surpreendente — os
Senhores não imaginam o que eles estão descobrindo no Egito.
Mesmo enquanto estamos sentados aqui, eles estão escavando
tumbas com mais de mil anos — Ela se inclinou para frente, seus
olhos brilhando, totalmente absorta em sua visão — No ano
passado, o Senhor Belzoni descobriu os túmulos de Amenhotep o
terceiro, Ramsés o primeiro, Merneptoh e Ay. E enquanto ele estava
investigando a tumba de Ramsés, o primeiro, ele encontrou a
entrada para o sepulcro de Seti, o primeiro, filho do primeiro,
Ramsés, dezoito pés abaixo da superfície do deserto. Os senhores
podem imaginar? Todos os dias eles encontram algo novo... eu
preciso fazer parte disso!
Ela falou por mais alguns minutos, seu rosto vivo e brilhando de
entusiasmo. Seu humor era contagiante. Nathaniel quase podia ver
as areias quentes e movediças soprando sobre as entradas escuras
de tumbas perdidas.
Quando ela fez uma pausa, Nathaniel estudou seu tio e Lady
Victoria. Ambos se sentaram mais à frente em suas cadeiras,
absortos em suas palavras.
O feitiço carismático da Senhorita Haywood pegou todos eles.
Até ele teve um desejo repentino e irresistível de sentir a areia se
mover sob suas botas e segurar a mão quente da Senhorita
Haywood na sua enquanto vagavam pelas ruínas egípcias há muito
desertas.
Ele se sacudiu. A última coisa de que precisava no momento era
uma viagem ao Egito na companhia de uma mulher excessivamente
persuasiva.
Ele olhou para o rosto extasiado de seu tio e se recostou,
cruzando os braços sobre o peito.
Archer teria sorte se pudesse escapar por uma ou duas horas
para o White's. Seus parentes o perseguiam sem piedade; uma
medida arranjada por Lady Victoria para garantir que seu marido
imprudente não jogasse muito ou se metesse em problemas.
Em outras palavras, para evitar que ele tenha quaisquer
aventuras.
Considerando as escapadas passadas de Archer, Lady Victoria
pode ter seus motivos para controlar o marido, mas a ideia de ser
administrado e manipulado em uma agenda ditada por uma esposa
revoltava Nathaniel.
E todos os casamentos terminavam de maneira semelhante, não
é? A maioria das uniões era desesperadamente monótona e
sufocada pela rotina.
Um olhar rápido e vacilante para o rosto corado de Charlotte fez
sua determinação enfraquecer momentaneamente. Talvez não fosse
tão ruim... Ele agarrou sua xícara de chá com as duas mãos para
evitar estender a mão para colocar sua mão sobre a dela.
Então ele se lembrou de que, graças a mulheres como a
Senhorita Haywood, ele teve que recorrer ao uso da carruagem
esfarrapada e sem identificação que sua família possuía antes de
herdar o ducado. A maldita coisa tinha um buraco de trinta
centímetros de largura no centro do chão. Durante todo o caminho
até a casa do Archer esta manhã, ele teve que apoiar os pés nas
laterais da carruagem e observar as pedras abaixo passarem pelo
buraco aberto.
Ele não conseguia mais dirigir seu cabriolé. Sempre havia
alguma mulher galopando até ele, na esperança de ser
comprometida.
— Bem, minha querida, isso é certamente emocionante. E eu
entendo como seria emocionante explorar civilizações passadas,
mas a senhorita tem apenas vinte e um anos — Lady Victoria
apontou — Certamente a senhorita pode esperar três anos antes de
viajar para tão longe. E não seria difícil ficar sozinha em uma terra
estranha sem amigos ou família? — Lady Victoria trocou olhares
com o marido.
Archer balançou a cabeça minuciosamente, claramente não
querendo ser o ogro que esmagou os sonhos de sua pupila.
— A Inglaterra é uma terra estranha para mim — disse a
Senhorita Haywood — Eu não pertenço a este país.
Lady Victoria estendeu a mão para dar um tapinha nas mãos
entrelaçadas da Senhorita Haywood
— Absurdo. A senhorita pertence aqui. Nós somos sua família
agora e queremos que a senhorita fique. Já me inscrevi no Almack’s
para obter um ingresso para a senhorita para os últimos bailes da
temporada e então, divirta-se. Vá a bailes e dance talvez a senhorita
vá...
— Eu vou o quê? Encontrar alguém para casar? — A Senhorita
Haywood suspirou e Nathaniel viu a energia e a vida escoar dos
olhos dela. A voz dela caiu tão baixo que ele duvidou que alguém
pudesse ouvi-la — Por que ninguém vai me ouvir? Eu só quero
fazer algo importante... algo em que esteja interessada — Então sua
voz ficou mais alta e mais firme — Tenho estudado bastante por
conta própria. Posso ler vários idiomas diferentes, incluindo grego,
latim e copta. Estou preparada e é isso que quero fazer.
— Mas você é uma mu... — ele parou abruptamente. Ele se
sentiu um pouco envergonhado de si mesmo, mas tinha que
concordar com Lady Victoria.
Mais cedo ou mais tarde, a Senhorita Haywood perceberia que
estava melhor em Londres do que no Cairo. Mesmo se um dos
exploradores que ela mencionou a aceitasse — e ele não tinha
dúvidas de que alguém com seus recursos seria aceitável — eles
não a protegeriam. A escravidão branca era galopante. Uma mulher
alta, de cabelos vermelhos e pele branca e cremosa valeria muito.
Não. Ela não podia ir. Não até que ela não fosse mais uma
mulher jovem e tentadora. Quando ela se tornasse uma excêntrica
velha de cerca de sessenta anos, qualquer marido que ela
conseguisse prender nesse ínterim poderia acompanhá-la ao Egito.
Não antes.
— Eu sou uma mulher? — A Senhorita Haywood ofereceu,
terminando a frase de Nathaniel.
— Bem, sim — Quando as duas mulheres o olharam, ele
continuou obstinadamente: — Claro que isso não significa que a
senhorita não pode participar das escavações, mas...
— Mas?
— A senhorita ainda está sob a tutela do tio John por mais três
anos. Então a Senhorita pode apenas se divertir. Talvez continue
seus estudos para estar mais preparada.
A Senhorita Haywood o examinou e depois assentiu, mas seus
lábios estavam comprimidos como se ela estivesse contendo uma
resposta afiada.
— E as mariposas? — Nathaniel perguntou, tentando mudar de
assunto.
— O que sobre elas?
— A senhorita está interessada nelas, não é? É por isso que a
Senhorita estava no terraço ontem à noite, não é?
— Sim. Tenho muitos interesses. A lepidopterologia é apenas
uma delas.
— Então por que a Senhorita não persegue esse por enquanto?
Há muito tempo para planejar uma viagem ao Egito. A senhorita é
muito jovem.
— Jovem e enérgica o suficiente para fazer essa jornada com
facilidade. Devo esperar até ficar muito velha para suportar os
inconvenientes e rigores da viagem?
— Não, de forma alguma. Simplesmente dê um tempo, nos dê
um tempo — Lady Victoria interrompeu — Ora, a Senhorita mal
desempacotou seus baús e já deseja ir embora!
O vermelho manchou as bochechas da Senhorita Haywood.
— Eu garanto a senhora, eu não quis dizer...
— Eu entendo — Lady Victoria se aproximou e deu um tapinha
na mão dela — Todos nós temos nossos sonhos, não temos?
É dever da polícia, ao ouvir sobre qualquer caso de morte súbita,
indagar sobre as circunstâncias imediatamente.
Guia de bolso do policial

E le não queria estragar o aniversário de Archer, mas


Nathaniel sentiu uma necessidade urgente de pensar sem a
presença perturbadora de tantas mulheres. Ele levantou-se.
— Peço desculpas, mas tenho um compromisso em... — Ele
olhou para o relógio pendurado no bolso — Bem, eu já estou
atrasado, e o senhor sabe como Jackson é... ele terá passado
minha hora por agora.
— Um momento — Archer se levantou e se inclinou para dar um
beijo na bochecha de sua esposa. Ela tocou seu rosto brevemente
com as pontas dos dedos, sorrindo para ele quando ele pegou sua
mão e deu outro beijo em sua palma. Soltando a mão dela, ele
disse: — Eu preciso dar uma caminhada. E eu quero parar no
White’s por um momento.
— Não demore, John — Lady Victoria respondeu, seus olhos
calorosos.
Num impulso, Nathaniel foi até a Senhorita Haywood e
gentilmente ergueu sua mão. Assustada, ela olhou para ele, seus
lábios se separando quando ele inclinou a cabeça. Quando a boca
dele tocou a pele macia perto de seu pulso, ela saltou, tentando
puxar a mão para trás.
O pulso dela disparou sob os dedos dele. O seu próprio chutou
em resposta, combinando com o rápido batimento batida por batida.
A leve fragrância de violetas que ela usava se intensificou enquanto
a pele esquentava sob seu toque. Ele fechou os olhos brevemente,
saboreando a sensação do pulso dela batendo contra sua boca e os
aromas combinados de violetas e carne quente.
Quando ele a soltou, seus olhos se desviaram para as linhas
nítidas curvando-se para baixo no seio de sua peliça. Ele enrijeceu,
de repente ciente do corpo tenso que cobria.
Quando ele captou seu olhar, um rubor varreu suas bochechas.
Ela se afastou rapidamente da intensidade de seu olhar para olhar
para Lady Victoria.
Apesar do momento de consciência tensa, sua voz estava
composta — quase entediada — quando ela disse:
— Foi um prazer encontrá-lo novamente, Sua Graça.
O tom frio o lembrou de que ela não estava interessada em criar
um vínculo com ninguém, não importa o que ele imaginasse que seu
pulso tivesse revelado.
Bem, ela teria alguns desapontamentos em seu caminho. Ela
estava totalmente louca se pensava que uma mulher de 21 anos
seria bem-vinda em uma escavação no Egito, independentemente
de quantas línguas mortas ela pudesse ler.
Dando adeus às senhoras, ele saiu da casa dos Archers. Ele fez
uma pausa para ajustar o chapéu, permitindo que seu tio o
alcançasse.
— As garras do gato quase pegaram você dessa vez, Nevvy —
disse Archer enquanto caminhavam em direção ao Gentleman
Jackson.
Suprimindo uma leve pontada de aborrecimento, Nathaniel sorriu
— Você tem um trabalho pela frente se quiser evitar que aquela
garota fuja para o Egito. Você já ouviu falar desse sujeito
Mainwaring que ela estava discutindo? — ele perguntou
abruptamente.
Archer balançou a cabeça.
— Não. Vale a pena descobrir, no entanto. Ela seria um cordeiro
atraente para tosquiar.
— Precisamente. Vou colocar Cooke nisso.
Depois de um encolher de ombros descuidado, Archer deu-lhe
um olhar penetrante.
— O que você achou dela?
— Ela parece bastante agradável. Um pouco sabichona, no
entanto.
— Há coisas piores do que inteligência em uma mulher. E ela é
rica.
Nathaniel riu.
— Não preciso de dinheiro. Ou de uma esposa.
— Todos os Duques precisam de esposas. É seu dever solene.
— Eventualmente, sim. Mas não por muitos anos ainda — Ele
deu um soco de leve no ombro do homem mais velho — Eu quero
algumas aventuras antes de ser lançado naquela prisão tediosa.
Deus sabe que tenho pouca liberdade, já que eles forçaram o jugo
de um Duque sobre meus ombros.
— Sem mencionar seus problemas com as mulheres. Você está
ganhando uma boa reputação como um odiador de mulheres —
Archer comentou suavemente.
— Qual é o problema? — Nathaniel perguntou desconfiado.
Seu olhar vagou pela calçada. Uma viúva e sua filha o haviam
avistado e estavam atravessando a rua em um curso definido para
interceptá-lo. Ele olhou por cima do ombro. Atrás dele, Lady
Beatrice estava descendo de uma carruagem a apenas alguns
metros de distância.
Caminhando um pouco mais rápido, Nathaniel manteve os olhos
fixos com determinação para a frente. Apenas mais três quarteirões
e eles chegariam ao ginásio de Jackson, onde não são permitidas
mulheres. Um movimento rápido à sua esquerda o fez cerrar os
dentes. Outra senhora — esta era uma mulher da vida. Maldição!
Ele imprudentemente fizera amor com ela quando era mais jovem,
não possuía título e era menos preocupado.
Ela acenou para ele.
— Calma, jovem — Archer reclamou — Não há necessidade de
correr.
— Eu... — Alguém agarrou seu cotovelo — Maldição! —
Nathaniel saltou e girou, acenando com a bengala como uma clava.
— Uau! — Peter Harnet riu e ergueu as mãos em defesa
simulada — Você está nervoso como uma raposa correndo na frente
dos cães.
Nathaniel encolheu os ombros com irritação e olhou para a rua.
Vários pares de olhos femininos se fixaram nele com uma
determinação férrea.
— Isso é alguma surpresa? O que você quer esgueirando-se
atrás de uma pessoa? — Ele avançou mais rapidamente.
— Tsk, tsk. Cuide do seu temperamento, Sua Graça — seu
amigo zombou dele, correndo para acompanhar — Senhor Archer,
como o senhor está? — Harnet ofegou.
Archer murmurou uma saudação ofegante.
— Temperamento? Eu? — As sobrancelhas de Nathaniel se
ergueram, embora ele tenha arruinado o efeito ao passar o punho
na testa úmida. Ele deu uma olhada rápida ao redor. As mulheres
estavam se aproximando deles — Você está indo para o Jackson's?
— Não tinha pensado nisso, mas não tenho outras obrigações —
Harnet trotou a seu lado. Nathaniel caminhou mais rápido — E sim,
seu temperamento tem sido abominável ultimamente.
Quase correndo, Nathaniel respirou fundo e fez uma careta.
— Você também ficaria nervoso, se não pudesse dar uma
simples caminhada pela rua em paz.
— Sua graça! — uma voz alta chamou apenas alguns metros
atrás deles.
Eles estavam a um quarteirão do Gentleman Jackson's salão de
boxe.
Harnet riu. Ele empurrou Nathaniel na parte inferior das costas.
— Rápido! Vou despistá-las — Ele se virou, corajosamente
assumindo uma posição no meio da passagem.
Ofegante, ele gritou por cima do ombro:
— É Lady Beatrice. Corra!
Nathaniel correu para a rua. Um par de cavalos puxando uma
grande carruagem passou por ele, errando por pouco.
— Ei, seu idiota! Veja onde você está indo! — O cocheiro irado
gritou.
Nathaniel acenou e continuou. Ele chegou à porta da academia
de Jackson para a agressão masculina antes que qualquer uma das
mulheres atrás dele pudesse colocar as garras em suas costas.
Ele prendeu a respiração, sentindo-se seguro até quase esbarrar
no Conde de Telford, o pai de Lady Anne.
O Conde olhou para Nathaniel. Seus olhos estavam
avermelhados e machucados como profundos buracos.
— Você! — ele cuspiu.
Nathaniel olhou para trás, percebendo que seu tio se aproximava
rapidamente. Antecipando uma cena desconfortável, Nathaniel
colocou uma mão firme no ombro de Lorde Telford e o guiou para
dentro. Ele o conduziu em direção a um comodo raramente usado
no primeiro andar.
— Mil perdões — disse Nathaniel — Talvez o senhor me permita
ter uma palavra com o senhor?
— Não desejo falar com você — respondeu Telford.
— O senhor tem minha mais profunda simpatia...
Telford puxou um par de luvas pretas do bolso, mas Nathaniel
agarrou seu pulso. O rosto cinza do Conde impregnado de uma cor
raivosa.
— Me solte!
— Eu entendo seu desejo de se vingar do assassino de sua filha
e apoio esse esforço. Farei tudo o que puder para encontrar o
responsável, o senhor deve acreditar em mim.
— Por que eu deveria? Eu ouvi o que eles estão dizendo. Eu
exijo justiça para... — sua voz falhou. Ele piscou rapidamente e
limpou a garganta antes de continuar com a voz rouca — Eu vou
obter justiça para minha Anne!
— Lady Anne merece justiça, mas eu não tive nada a ver com a
morte dela. O senhor precisa me ouvir...
— Vocês...
Nathaniel levantou a mão.
— Não. Eu estava no jardim, isso é verdade, mas não a matei.
Juro por minha honra.
Os ombros magros de Lord Telford cederam quando ele respirou
irregularmente. Ele esfregou a mão com muitas veias no rosto. A
exaustão e o desespero enrugaram sua voz.
— Você estava lá...
— Sim, mas eu não vi quem acabou com a vida dela. Mas vou
chegar ao fundo deste caso, juro. Vou encontrar o monstro e fazê-lo
pagar. Dê-me um tempo... algumas semanas, no máximo. Se eu
falhar ou se o senhor ainda acreditar que sou responsável ao final
desse período, irei encontrá-lo na hora e no local de sua escolha. O
senhor terá sua justiça, de uma forma ou de outra.
Houve um movimento repentino perto da porta e Nathaniel
balançou a cabeça imperceptivelmente. Seu tio ficou ali, ouvindo e
girando sua bengala para soltar o florete escondido dentro. Ao sinal
de Nathaniel, Archer relaxou contra o batente da porta, habilmente
bloqueando a entrada de qualquer outro transeunte curioso. Ele
distraidamente espanou uma partícula de poeira de seu casaco
superfino azul profundo para dar a impressão de que nada de
interessante estava acontecendo na sala e esperou.
Lorde Telford pressionou os dedos nos olhos com cansaço. Um
segundo depois, ele enfiou as luvas de volta no bolso
— Vou confiar em sua palavra, Sua Graça. Um mês.
— De acordo — respondeu Nathaniel — E se houver algo que
eu possa fazer, qualquer ajuda...
— Não. — O homem mais velho acenou para as palavras de
Nathaniel como se fossem moscas sem sentido e se virou para a
porta. Ele passou por Archer, caminhando pesadamente para fora
da entrada. Telford se movia com a cabeça baixa, alheio aos
homens ao seu redor, trancado em seu mundo privado de angústia.
— Situação difícil — Archer comentou quando eles entraram no
salão de boxe propriamente dito — Ele tem todo o direito de levar o
assassino à justiça. Se eu fosse ele, não esperaria a ação da lei. O
homem que paga pela justiça a recebe.
Nathaniel abanou a cabeça. Em circunstâncias semelhantes, ele
também não esperaria pela lei. O pensamento o acalmou.
— Ele está enganado se ouviu as fofocas de Bolton. Eu não a
matei, mesmo que estivesse no jardim. Eu tenho que descobrir
quem fez isso.
Se ele não pudesse, ele teria que concordar com a demanda de
Telford para um duelo. E Nathaniel teria que duelar e rezar para que
a mira de Telford fosse ruim. O que mais ele poderia fazer se não
conseguisse encontrar o verdadeiro assassino de Lady Anne? Ele
não podia matar Telford em nenhuma circunstância, era desumano.
No entanto, poucos fatos existiam, e ele não tinha certeza se
poderia resolver o problema, apesar de suas alegações.
Nathaniel se dirigiu para a área de troca de roupa do salão de
boxe, sentindo-se quase desesperado. Lady Anne foi atingida por
um querubim de mármore no meio de um jardim. Dezenas de
homens, mulheres e casais enxamearam pelo lugar, todos em busca
de excitação ilícita. Ninguém foi capaz de fornecer qualquer
informação sobre onde eles estiveram, ou quem eles viram.
Ele teria que descobrir quem estivera presente, quais homens
haviam saído sozinhos e quem poderia ter motivos para querer Lady
Anne morta.
A tarefa parecia enorme. Ironicamente, no entanto, isso deu a
ele algo para se preocupar, além de mulheres comprometendo-o.
Em um humor atipicamente cínico, ele arrancou o casaco,
perguntando-se se não seria melhor se todas as mulheres que
conhecia pensassem que ele era um assassino asqueroso.
Talvez elas o deixassem em paz.
Claro, com sua sorte, elas pensariam que isso o tornava
romanticamente perigoso.
Pensar na sorte o fez esfregar os dedos na inútil corrente do
relógio. Sua pedra da sorte ainda estava desaparecida. A última vez
que a viu, ele estava fugindo de Lady Anne no jardim. Se ela caiu e
foi encontrada na grama….
Ele tinha que visitar Lord Thatcher. Ele tinha que ver que, se
alguma coisa, pôde ser encontrada no jardim durante o dia.
Exceto que ele dificilmente poderia evitar Lady Beatrice se o
fizesse. E sua família acreditaria que ele estava ali por outro motivo,
completamente. Eles haviam insinuado isso antes do sarau.
Não havia saída?
Se despindo para ficar somente com suas roupas de baixo,
Nathaniel ficou surpreso quando seu tio se juntou a ele.
— Achei que você fosse para o White's? — ele perguntou
enquanto tirava a camisa de linho pela cabeça.
Archer pigarreou, parecendo desconfortável.
— Eu mudei de ideia. Você parece precisar do conselho de um
homem maduro.
— Conselho?
— De fato. Eu não tinha percebido que você estava em uma
situação tão desesperadora.
— Não estou desesperado e estou tentando manter as coisas
assim.
— Sem muito sucesso, se você não se importa que eu diga.
Nathaniel se virou para ele, os músculos tensos.
— Bem, o que você quer que eu faça? Prometi a Telford que
investigaria. O maldito Bolton espalhou boatos de que fui visto
fugindo após o assassinato. Se eu não puder descobrir a verdade, é
direito de Telford exigir satisfação de mim — Ele respirou fundo com
raiva ao se lembrar de sua retirada vergonhosa para o Salão de
Boxe de Jackson — E aquelas malditas mulheres! Não consigo me
afastar delas o tempo suficiente para respirar. As malditas criaturas
estão por toda parte! Duas manhãs atrás, a Senhora Lincoln
apareceu na minha porta com insinuações veladas de que nossa
ligação anterior valia pelo menos uma pulseira de diamantes,
considerando minha recente elevação em importância social. O que
quer que eu faça?
— Eu certamente não daria uma pulseira de jade — Archer se
remexeu por um momento, esfregando os nós dos dedos contra o
queixo — Você não fez isso, não é?
— Não, eu não fiz! O que acha que eu sou?
Archer balançou a cabeça e tirou sua própria camisa, revelando
braços e um peito duro com músculos definidos. Para um homem de
quase cinquenta anos, Archer estava em excelente forma.
Tirando o paletó, Nathaniel pensou com satisfação que pelo
menos seus nervos não o haviam transformado em um saco de
ossos se contorcendo. Ainda não, pelo menos. Ele flexionou o
braço, satisfeito com os músculos engrossando seus bíceps e
ombros. Seus casacos não precisavam de enchimento — ainda — e
ele deu um tapa na barriga lisa. Ele também não precisava de
espartilho.
Ele suspirou. Talvez ele devesse sovar como Timothy Hughes.
Hughes ganhou vários quilos desde Cambridge e agora parecia uma
pilha de feno particularmente bem arredondada com pernas. De
alguma forma, Nathaniel suspeitou, no entanto, que alguns quilos
extras em torno de sua cintura não fariam qualquer diferença para
as mulheres que o perseguiam. Elas estavam atrás de um título e
qualquer peso adicional só o tornaria mais lento e mais apto a ser
pego.
E comer certamente não o ajudaria a limpar o nome do
assassino de Lady Anne.
Archer riu de repente e colocou um par de luvas de boxe.
— Você está esquecendo os benefícios de um noivado.
— Um noivado? Ficou louco? Essa é a última coisa de que
preciso agora! Você não ouviu uma palavra do que eu disse? Além
disso, é improvável que eu viva o suficiente para me casar se Lorde
Telford não puder determinar quem matou sua filha. Se eu pudesse
ficar sozinho por tempo suficiente para me concentrar, poderia
resolver esse mistério maldito. Eu estava lá pelo amor de Deus.
— Precisamente. E quem disse alguma coisa sobre casamento?
Archer respondeu, fingindo acertar o estômago de Nathaniel.
Nathaniel bloqueou-o facilmente e pegou um par de luvas,
prendendo-as nos nós dos dedos.
— O senhor. Não acabou de dizer que eu deveria ficar noivo?
— Sim. Mas não casado. Apenas noivo. Isso vai aliviar a
pressão, então você estará livre para investigar a morte de Lady
Anne.
— O quê? E ser processado por quebra de promessa quando eu
romper? Eu preferia que Lorde Telford atirasse em mim
imediatamente.
— Não necessariamente. E se a noiva estivesse pronta para
deixar Londres, digamos, daqui a três anos? Ela não teria nenhuma
razão para realmente continuar com o compromisso.
Archer estava sugerindo uma proposta de Nathaniel por sua
pupila. Nathaniel sabia disso, e Archer sabia que ele sabia.
— O senhor é um lunático delirante — disse Nathaniel, entrando
no ginásio — Não vou agravar meus problemas, por nem mesmo
considerar tal curso de ação.
Jackson já estava no ringue com outro lutador, então Archer e
Nathaniel caminharam até um dos sacos de areia pendurados em
uma viga. Archer se ofereceu para segurá-lo. Nathaniel concordou e
gastou uma pequena parte de sua tensão acertando o saco até que
a areia começou a escorrer pelo fundo.
— Você tem três dificuldades — disse Archer com um ar de
indiferença branda à irritação não diminuída de Nathaniel — Deixe-
me relacioná-las para você. Veremos se você ainda me considera
um lunático quando terminar. Um: Lorde Telford está convencido de
que você matou a filha dele, e você tem apenas quatro semanas
para reunir provas de sua inocência. Dois: Bolton tem se ocupado
em convencer a todos, incluindo aqueles patifes irresponsáveis dos
jornais, de que você matou Lady Anne porque odeia as mulheres.
Três: você não pode realizar investigações porque é
constantemente perseguido por mulheres que procuram chamar sua
atenção. Você não pode nem mesmo ir ao jardim de Lady Beatrice
sem um certo constrangimento, a menos que você esteja noivo de
outra. Isso esclarece a sua situação?
— Com maestria.
— Estou aliviado por você concordar. Agora eu sugiro
novamente: fique noivo.
— Isso não resolve nada!
— Você está errado. Concordo que não resolve seu problema
com Lord Telford, mas resolverá o item três. As mulheres parariam
de importuná-lo. Você estaria livre para se concentrar em resolver a
infeliz morte de Lady Anne. Você pode visitar a cena do crime
impunemente. E pode, de alguma forma, ajudá-lo com o item dois.
Isso eliminaria o argumento de Bolton de que você odeia as
mulheres declaradamente.
— Existem homens que são piores misóginos do que eu e que
são casados, no entanto. Que, na verdade, se tornaram misóginos
depois que se casaram. Então, como isso vai refutar a teoria de
Bolton sobre minhas motivações?
— Confie em mim. Se você for visto em publico arrulhando com
a Senhorita Haywood, todos ficarão convencidos de que você não
pode odiar mulheres. Também explicaria sua presença nos jardins
ontem à noite. Você estava procurando por ela, não estava? Você
passou pelo menos algum tempo na companhia dela.
O pensamento do rosto da Senhorita Haywood dourado pelo luar
fez sua determinação vacilar. Então, ele lembrou que mesmo um
noivado pode não ser suficiente para deter algumas mulheres.
E havia a própria Senhorita Haywood.
— E se ela decidir que gostaria de se casar com um Duque? —
Nathaniel cutucou o saco com violência, pensando sobre o ousado
pedido do colar de jade de quem tinha acabado de “parar para uma
visita” em sua casa para “discutir o que era devido a ela”.
— Você ouviu a Senhorita Haywood esta manhã. Você a
observou. Você acha que é provável que ela mude de ideia? —
perguntou Archer.
Nathaniel lembrou-se de seus olhos brilhantes quando ela falou
do Egito e da determinação feroz em sua voz.
Ele acertou o saco com força extra, quase derrubando Archer.
— Ela é uma mulher — afirmou ele categoricamente — Não é
confiável.
Archer balançou a cabeça.
— Uma mulher, mas incomum. Inteligente — Ele deu a Nathaniel
um olhar pensativo. — Incomum e, devo dizer, inconvenientemente
honesta. Eu confiaria em sua palavra.
— Como você sabe? Ela só está com vocês há... o quê? Um
dia? Dois?
— Tempo suficiente para um astuto juiz de caráter chegar a uma
opinião.
— Sério? — Eles mudaram de lugar.
Archer começou a socar o saco, dançando levemente para frente
e para trás e acertando uma chuva de golpes leves que fizeram
Nathaniel tropeçar para trás. Ele percebeu abruptamente que,
embora Archer fosse muitos anos mais velho e muito menor, seus
golpes rápidos teriam derrubado um homem se ele realmente
estivesse no ringue. Archer era leve, mas rápido. Mortal.
Finalmente parando, Archer se curvou para recuperar o fôlego,
as mãos enluvadas pressionando contra as coxas.
— Faça-a concordar e você pode confiar nela. Então você estará
livre para investigar.
A imagem era tão atraente que os músculos de Nathaniel
relaxaram. A leve fragrância de violetas parecia pairar no ar. Não
haveria mais mulheres pulando para ele da carruagem e dos
armários. Ninguém o perseguindo na rua ou saltando de becos. Era
hora de tirar sua cabeça do laço do carrasco.
— O que te faz pensar que ela concordaria? — Nathaniel
perguntou.
Archer lançou um olhar de pena para ele. Esfregando os sapatos
na serragem espalhada pelo chão, Nathaniel ergueu as luvas. Ele
se concentrou em bater o saco com esquecimento.
— Pode ser difícil para você — Archer disse em uma voz seca —
No entanto, se você se esforçar você pode ser capaz de convencê-
la. — Ele examinou as mãos como se nunca as tivesse visto antes.
— E estou preocupado com esta situação egípcia. Eu odiaria vê-la
se machucar.
— Eu...
Os olhos de Archer revelaram sua ansiedade antes que ele
desviasse o olhar.
— Eu gostaria que ela ficasse em Londres por tempo suficiente
para descobrir que tem uma família, afinal.
Nathaniel não pôde responder imediatamente. Ele se ocupou em
socar o saco. Ele acertou um golpe duplo rápido, perturbado pela
conversa. Demorou vários minutos para elaborar outro argumento.
— E se for muito agradável? Se ela gostar? Ela pode decidir que
quer se tornar a Duquesa de Peckham. Você já pensou nisso?
Ele bateu no saco com mais força. Archer grunhiu e cambaleou
para trás antes de se equilibrar.
Nathaniel afrouxou os ombros e balançou os braços,
preparando-se para outra rodada com o saco. Ele imaginou isso
com o rosto sorridente de Harnet. Eles podem ser amigos íntimos,
mas da próxima vez que Harnet mesmo pensasse no apetite sexual
da Senhorita Haywood, ele se arrependeria. Lamentaria
profundamente.
Archer riu e empurrou o saco para Nathaniel.
— Ela não tem interesse em seu título ou qualquer título, na
verdade. Ela é americana. Falei com Lord Westover sobre ela e
descobri pelo menos uma fração da verdade sobre seu passado.
— Grande vantagem — Nathaniel grunhiu. O que poderia um
homem como Lord Westover saber sobre ela? Ele provavelmente
nem sabia que o primeiro nome dela era Charlotte.
— Ela tem as ideias mais terríveis de igualdade e independência
para as mulheres. E ela tem fortes tendências a ser sabichona —
disse Archer — Na verdade, ela é positivamente erudita. Ela deu a
Lady Westover as ideias mais repreensíveis. Westover teria de
desistir de sua amante se não tivesse apostado a Senhorita
Haywood. Você não tem nada a temer. Faça com que ela concorde
e você terá o tempo necessário para limpar esses rumores ridículos
sobre suas tendências assassinas em relação às mulheres. E você
vai dar a ela a bênção de um porto seguro por alguns anos.
Nathaniel desferiu uma série de golpes enquanto tentava
reforçar sua resistência.
Archer era famoso por fazer ideias ruins parecerem boas. No
entanto, essa ideia em particular tinha um certo charme. Fazendo
uma pausa, Nathaniel ficou em um torpor sonhador, considerando a
ideia, lembrando-se da risada calorosa da Senhorita Haywood. O
saco de pancadas, ainda se recuperando de seu último ataque,
bateu em seu peito.
— Maldição! — Nathaniel quase caiu, com falta de ar. Ele se
agarrou ao saco e olhou para o tio, sentindo-se traído.
— Será um alívio para todos nós — acrescentou Archer —
Embora eu duvide que chegue a esse ponto, você não quer fazer
isso muito simples para os agentes de Bow Street. Alguém pode
decidir envolvê-los ainda mais e fornecer a informação de que você
é um misógino que Lady Anne incomodou a ponto de matá-la.
— Não há nada de simples nisso, e agradeço se lembrar de que
sou inocente. Não consigo entender por que Bolton foi tão
insistente.
E se Bolton tivesse encontrado seu lápis-lazúli no jardim? Pior
ainda, Bolton pode ter encontrado e simplesmente decidido alegar
que o pegou no jardim, estivesse lá ou não. Era isso que estava por
trás das insinuações de Bolton? Ele tinha encontrado o chaveiro de
Nathaniel?
Isso o afetaria irrevogavelmente.
— Bem, você estava correndo pelo jardim tentando escapar da
menina, não estava? — Perguntou Archer.
— Sim mas…. Você não acha que Bolton teve algo a ver com
isso, não é?
— Desviando a atenção?
— Acho que o cavalheiro protestou demais, em uma palavra,
sim. Ele pode estar tentando desviar a atenção de si mesmo — E na
minha direção com meu chaveiro como prova.
— Hmm. — Archer cantarolou e dançou alguns passos — Eu
ouvi…. O cavalheiro estava extremamente interessado na jovem.
— No entanto, ela não foi sensível às suas propostas. Eu a vi rir
e recusar uma dança com ele um pouco antes do intervalo para a
ceia.
Archer acenou com a cabeça.
— Sim, eu também percebi quando acompanhei Lady Vee para a
ceia. Ele não parecia muito satisfeito com a recusa de Lady Anne. E,
claro, o fato de você tê-la acompanhado para a ceia não teria
tornado você querido para ele.
Nathaniel riu.
— É igualmente provável que ele também seja inocente e
estivesse simplesmente zangado por ela preferir a companhia de
outra pessoa.
— Inocente ou culpado, ainda digo que ele pretende tornar isso
difícil para você, se puder.
— Ele já fez isso. As autoridades gostariam de nada mais do que
prender a mim, ou a qualquer pessoa, e encerrar o caso em seu
proveito. Apenas meu título os faz pensar. E você viu o que
aconteceu com Telford — Seu tio fez mais alguns passes rápidos
para o saco enquanto Nathaniel considerava o assunto.
Ele deveria mencionar o chaveiro para Archer?
— Maldição! — Nathaniel grunhiu novamente quando o saco de
areia o atingiu no estômago. Ele olhou para Archer, que deveria
estar interrompendo o movimento do saco. Mas seu tio se virou para
assistir Jackson, que estava terminando uma sessão de luta com
outro homem.
— Eu ainda acho que é uma ideia péssima — Nathaniel disse
para ninguém em particular. Ele não queria ficar noivo. A ideia o
deixou nervoso.
— Basta pensar nisso — Archer respondeu — Você realmente
não tem nada a perder.
Remoção das instalações. -… Um policial pode retirar de qualquer
local, a pedido do proprietário, qualquer pessoa que tenha obtido
acesso à força ou que tenha obtido acesso sem direito de entrar.
Guia de bolso do policial

N athaniel não conseguia tirar a sugestão de Archer de sua


mente, especialmente depois que quatro donzelas gordas
tiveram que ser arrancadas de sua carruagem, biblioteca,
quarto de vestir e guarda-roupa, respectivamente, antes que ele
pudesse subir cansado para a cama naquela noite.
Sem conseguir dormir, os travesseiros queimavam enquanto sua
mente corria sobre assassinatos e mulheres inoportunas. Apesar
das insinuações caluniosas nos jornais, as belas damas não haviam
desistido de suas esperanças de ganhar tanto ele quanto seu título,
mesmo que mais tarde ele fosse enforcado por seus crimes.
Ele virou o travesseiro e o socou para dar a ele uma forma mais
confortável. Ocorreu-lhe que a possibilidade de ser enforcado por
assassinato poderia na verdade torná-lo mais atraente. Qualquer
pessoa que se casasse com ele poderia ter a certeza de ser uma
viúva muito feliz logo depois disso.
Sua sorte parecia ter desaparecido junto com seu chaveiro.
Chutando para trás as cobertas repentinamente quentes e
apertadas, ele se perguntou o que Charlotte — Senhorita Haywood
— estava fazendo. Ela certamente não estava entrando em quartos
de homens estranhos, mesmo que eles quisessem. Se ela entrasse
em seu guarda-roupa, ele saberia o que fazer com ela e não a
jogaria para fora com uma pulga atrás da orelha também.
Nas noites seguintes, ele continuou a rejeitar a sugestão de seu
tio e continuou a ter problemas para dormir. Cada vez mais
desesperado, ele se juntou aos Archers em várias pequenas
soirées, na esperança de se concentrar em outro assunto que
pesava muito sobre ele — o assassinato de Lady Anne.
Ele interrogou qualquer um do baile de Lady Beatrice que ele
pudesse encurralar. Embora tenham respondido educadamente,
nenhum se entregou e confessou algo mais alarmante do que ter
visto a Senhorita Haywood observando as mariposas no terraço.
Todos concordaram que a ruiva alta era excepcionalmente difícil de
ignorar.
Uma semana depois, ele compareceu a outro evento, desta vez
na residência de Mooreland.
Um sussurro sibilante encontrou sua entrada. Os jornais não
desistiram de publicar insinuações sinistras sobre um “certo Duque”
visto nos jardins na noite fatídica em que Lady Anne encontrou o
seu fim. No entanto, os rumores continuaram sendo inúteis para
persuadir as mulheres a perseguir outra caça. Sempre que ele era
anunciado, todas as mulheres se viravam em massa para acenar
para ele, seus olhos brilhando de excitação com o pensamento de
que sua presa também poderia ser um assassino perverso.
Depois de uma rápida pesquisa dos homens na festa de
Mooreland, Nathaniel avistou Lord Jackson. Ele contornou a pista de
dança e fez seu caminho até onde Jackson estava perto de uma das
janelas altas.
— Quem mais estava no jardim? — Nathaniel perguntou após
uma breve saudação. Jackson foi o primeiro homem a descobrir
Lady Anne, além da mulher gritando e seu marido.
Lord Jackson tomou um gole de seu ponche e encolheu os
ombros.
— Não tenho a menor ideia. O senhor com certeza.
— E Sir Henry.
— Depois que ela foi encontrada.
— O senhor tem certeza de que ele não estava no jardim antes?
Jackson se virou ligeiramente, colocando seu copo vazio em
uma bandeja carregada por um criado que passava.
— Por que me pergunta? — Nathaniel enrijeceu — Estou
tentando descobrir a verdade. O senhor se opõe?
— De jeito nenhum. É tudo um incômodo e, francamente, chato.
— Então, tenha paciência comigo mais um momento, e não vou
incomodá-lo com nenhuma pergunta adicional. Por que o senhor
achou que Bolton não estava no jardim antes?
— É óbvio, não é? Ele veio correndo da direção da casa quando
Lady Phillips gritou.
Lady Phillips? Nathaniel grunhiu de satisfação.
Agora ele sabia quem era a mulher histérica.
— Isso dificilmente é conclusivo. Ele poderia ter estado nos
jardins antes — Ele agarrou a manga preta de Jackson quando ele
se virou para ir embora — O casal que a encontrou... o senhor disse
que eles eram Lord e Lady Phillips?
— Sim. Os Phillips estavam nos jardins caminhando juntos. Se o
senhor quiser saber o que eles viram, pergunte a eles. O senhor
está satisfeito, Sua Graça?
— Por enquanto — Ele soltou Lord Jackson e examinou a sala.
Seu coração bateu forte quando olhou para a porta. Miss
Haywood estava lá, o cabelo flamejando sob a luz das velas, apesar
da delicada renda e confecção de penas de garça que ela usava.
Suas costas estavam retas, mas mesmo de onde Nathaniel
estava, ele podia ver a vulnerabilidade na curva de sua boca.
Algumas mulheres acenaram para ela, mas ninguém se aproximou.
Os Archers já deviam ter encontrado a sala de cartas e a
abandonado. Eles eram jogadores notórios.
Nathaniel caminhou até ela. Enquanto abria caminho através de
vários grupos, ele notou a presença dos Phillips do outro lado da
sala. Ele quase deu um passo em direção a eles, mas um segundo
olhar para a Senhorita Haywood o mandou em sua direção.
— Senhorita Haywood, a senhorita está muito bem esta noite.
— Sim, não é maravilhoso? O senhor nunca imaginaria que
apenas algumas horas atrás eu estava prostrada de exaustão,
implorando a Lady Victoria para ter permissão de ficar em casa
apenas uma noite.
— Estou aliviado por ela ter recusado.
— Eu não estou — Charlotte declarou sem rodeios. Ela olhou ao
redor — Eu odeio esses eventos.
Ele riu e tocou seu cotovelo, conduzindo-a em direção a uma das
salas menores preparadas para jogar cartas.
— A senhorita gostaria de um jogo? Isso lhe dará a oportunidade
de descansar.
Ela deu a ele um olhar penetrante, mas se sentou em uma
pequena mesa redonda.
— Nunca gostei de jogos de azar.
Era uma admissão triste, considerando que seus guardiões
achavam o jogo quase irresistível.
— Senhorita Haywood, a senhorita esteve no terraço do baile de
Lady Beatrice grande parte da noite, não foi? — ele perguntou,
pegando uma caixa de cartas e indo sentar-se com ela sob o
pretexto de jogar um jogo de écarte.
A Senhorita Haywood suspirou profundamente e abanou a
cabeça.
— Excelência, não há outro tópico de conversa que o senhor
possa sugerir?
— Sim — ele ergueu a mão — Mas eu imploro sua indulgência.
A senhorita lembra quem a senhorita viu nos jardins naquela noite?
— Novamente? — Ela cruzou as mãos sobre a mesa à sua
frente — Lá estava o senhor, é claro.
— Quem mais?
— Não sei... não sou muito boa com nomes.
— Eu também não — Nathanial admitiu, se inclinando para
frente — Mas tente, pelo menos descrever quem a senhorita viu.
— Bem, havia aquele homem com quem o senhor estava
falando há alguns momentos.
Lord Jackson.
— Sim? Quem mais?
— Havia um homem carrancudo e robusto. E havia um casal —
acredito que o nome deles era Phillips.
Sir Henry, e Lord e Lady Phillips, nomes que ele já conhecia. Ele
acenou com a cabeça impacientemente para que ela continuasse.
— Havia outro homem, cabelo loiro... — Ela esfregou a testa —
Devemos discutir isso agora? Estou com uma dor de cabeça terrível
— Sua pele translúcida estava anormalmente pálida e uma leve
ruga beliscava suas sobrancelhas — Seria mais fácil se eu fizesse
uma lista? Vou simplesmente fornecer descrições para aqueles que
não posso nomear.
— Sim! Excelente ideia! — Quando ele colocou os dedos sobre
as mãos entrelaçadas, ela as puxou e as colocou no colo. A retirada
dela aumentou sua determinação — Quando a senhorita poderia
escrever essa lista? — Ele realmente não queria a informação e
duvidava que fosse útil, mas apresentava-lhe uma desculpa para vê-
la novamente — talvez em particular.
— Farei o meu melhor amanhã de manhã. Será breve
suficiente?
— Eu penso que sim. Obrigado, Senhorita Haywood.
— O senhor ainda não viu a lista — ela comentou secamente —
Pode ser completamente inútil. Agora podemos conversar sobre
algum outro assunto? Qualquer coisa exceto assassinato serviria.
Ele olhou para ela por um segundo antes de sorrir, lembrando-se
de uma discussão bastante acalorada que eles começaram na noite
anterior.
— Certamente. Estou esperando para mencionar que discordo
que Chaucer retratou as mulheres de forma mais inteligente do que
Shakespeare — disse ele. Ele estava mal preparado para retomar a
discussão literária, mas estava determinado a mantê-la por perto até
que as linhas de cansaço em seu rosto se suavizassem.
A Senhorita Haywood riu de sua escolha de assuntos. Ele sorriu
e relaxou, embaralhando as cartas preguiçosamente. Não que uma
discussão com ela fosse particularmente relaxante, mas era bom vê-
la sorrir.
Depois que a conversa foi interrompida na noite anterior, ele
correu para casa para procurar em sua biblioteca os Contos de
Canterbury de Chaucer e um volume de Shakespeare. Para seu
desgosto, ele descobriu que suas prateleiras não continham
nenhum dos dois.
Irritado, ele tentou o seu melhor para se lembrar do que lia na
escola, quando se preocupava em ler.
Ele encontrou o olhar crítico da Senhorita Haywood e sentiu seu
interesse aumentar.
Uma sobrancelha vermelho-ouro se ergueu.
— O senhor já leu Shakespeare? Ou Chaucer que seja?
— Sim. Claro — Ele bufou deselegantemente e passou o braço
nas costas da cadeira. Ele batia preguiçosamente na moldura com
os dedos pendentes, tentando parecer que não estava ciente de
cada movimento que ela fazia. Era difícil se concentrar sentado tão
perto que quase podia sentir o calor subindo de seu corpo. Um fio
de fragrância violeta rodopiou no ar entre eles.
Se ele movesse sua perna, tocaria a dela.
— Bem? — ela o incitou.
Sua mente ficou em branco.
— A senhorita considerou A Megera Domada? — ele perguntou
finalmente — Certamente a senhorita deve admitir que
Shakespeare, descreve Katherine de uma maneira muito simpática
e inteligente.
A Senhorita Haywood riu.
— Absurdo. Ela é uma megera que deve ser subjugada por um
homem. Contrastando isso com a esposa de Bath e The Knight’s
Tale. A esposa de Bath é muito mais velha, foi casada cinco vezes
e, no entanto, ainda é considerada provável que se case pela sexta
vez. Ela é... uma... sedutora.
Você é deliciosa, pensou Nathaniel, distraído pela linha recatada
de seu seio.
Ela continuou inconscientemente, seus olhos brilhando.
— As mulheres de Chaucer não eram irremediavelmente velhas
ou impossíveis de se casar simplesmente porque passaram do
vigésimo quarto aniversário. E The Night’s Tale mostrou um
verdadeiro respeito pela igualdade entre os sexos no casamento.
Qual das peças de Shakespeare chega perto disso? Que mulheres
mais velhas ele retrata como atraentes e dignas do amor de um
homem? Todas as suas heroínas são jovens e dóceis. Nada além
de insípidas tolas.
— Ainda digo que Katherine é retratada tão inteligente quanto o
marido. Ela tem espírito — Maldição, por que ele não conseguia
prestar atenção? E o mais importante, por que ele não leu mais
Shakespeare? Ele não conseguia se lembrar o suficiente para
provar seu ponto.
Ele se inclinou mais perto.
Os olhos dela brilharam e o pulso em sua garganta batia forte
enquanto ela espelhava a postura dele, fechando o espaço entre
eles. Eles estavam muito próximos, a distância de um mero palmo
longe de lábios tocando. O cheiro de violetas ficou mais forte,
puxando-o para mais perto.
— E, no final, o espírito de Katherine está quase quebrado. Ela é
tão dócil quanto Bianca — A Senhorita Haywood recuou um
centímetro, seus olhos focados em um ponto além do ombro de
Nathaniel. Sua voz estava triste, melancólica.
Naquele instante, ele entendeu a vulnerabilidade por trás de seu
exterior confiante. Ele forçou suas mãos a permanecerem imóveis
apesar de seu desejo — sua necessidade — de segurar a mão dela.
Ele respondeu gentilmente:
— Talvez Shakespeare quisesse apenas dizer que a raiva de
Katherine era decorrente de uma falta de atenção, uma falta de
amor. Petruchio a amava...
— Petruchio se veste com roupas de tolo no casamento deles!
Ele a repreende na frente dos criados... ele quebra seu espírito!
— A senhorita não acredita que ele teve que chamar a atenção
dela para mostrar que a amava?
Sua voz soou monótona de desapontamento quando respondeu:
— Ele a tornou obediente. Os homens acreditam que o amor é
meramente obediência, não é?
O afastamento dela o deixou abandonado, frio apesar do calor
da sala ao redor deles.
— Não — ele disse finalmente, esperando encontrar a resposta
que traria a vida de volta ao rosto dela. — Francamente, a ideia de
uma esposa domesticada e obediente combinada com um
casamento monótono e rotineiro me faz querer visitar a taverna mais
próxima e beber até ficar entorpecido.
Seus olhos brilharam quando ela sorriu.
— Meus pensamentos... precisamente.
Infelizmente, antes que Nathaniel pudesse formular uma réplica
a declaração de Charlotte, os Archers entraram e sequestraram sua
protegida.
Com a ausência da Senhorita Haywood, Nathaniel não tinha
vontade de ficar na festa. Ele saiu abruptamente e passou o dia
seguinte mais incomodado pela insistência do Senhor Cooke para
que revisassem os recibos da casa. Nathaniel achou doloroso tentar
ficar curvado sobre a mesa, olhando para pequenos pedaços de
papel.
Ele não conseguia se concentrar. Sua mente vagou. No
momento em que Cooke saiu com um sorriso no rosto, Nathaniel se
perguntou se sua desatenção o fez concordar com algo que ele
normalmente não teria.
Dia perdido, Nathaniel não teve a chance de ir para a casa dos
Archers, embora a oferta de Charlotte para listar todos que viu nos
jardins fosse o pretexto perfeito.
Felizmente, outro sarau foi realizado naquela noite. O fim da
temporada estava chegando e ninguém queria abrir mão da
oportunidade final de dar uma festa.
Nathaniel esperou em sua carruagem até que viu os Archers
chegarem e os seguiu para dentro. No entanto, a Senhorita
Haywood não parecia tão satisfeita em vê-lo como ele esperava. Ele
a encontrou no canto do salão, sem vontade de falar.
Quando ele não conseguiu que ela respondesse às suas
perguntas, ele encontrou seu tio e pediu uma explicação.
Archer pigarreou e balançou sobre os calcanhares, claramente
tentando decidir o que dizer.
— Bem, recebemos um relatório do espólio da Senhorita
Haywood na, hum, Carolina do Sul, acredito que é o que chamam.
Não foram notícias agradáveis, infelizmente.
— O que está errado?
— Eu não tinha percebido que seus tutores anteriores nunca
permitiram que ela participasse da gestão de suas propriedades.
Muito mal feito, se você me perguntar.
— E? Vá em frente... o que há de errado?
— Posso estar enganado, mas parece que o agente dela nas
Carolinas pode ter enfiado algumas libras nos bolsos de vez em
quando.
— Ela está... ela está falida?
— Não — Archer respondeu pensativo — Eu não diria falida,
precisamente. Mas ela não é tão rica quanto pensávamos.
— Ela sabe?
— Revi as informações com ela, mas, como mencionei, não foi
conclusivo. Certamente ela está ciente de que suas propriedades
não são tão lucrativas como antes. Os lucros têm diminuído
constantemente nos últimos oito anos.
Nathaniel praguejou, passando a mão pelo cabelo e pensando
nos planos dela de viajar para o Egito. Não admira que ela estivesse
quieta esta noite. Seus sonhos estavam à beira de desaparecer.
Correndo de volta para ela, ele a encontrou ainda no canto,
olhando cegamente para a multidão.
— Como a senhorita está se sentindo? — Nathaniel perguntou.
Então, ele quase praguejou diante da idiotice da pergunta.
— Estou muito bem, obrigada — Ela o encarou por um momento
— O senhor acha estranho que homens com o dobro da sua idade
venham até o Senhor em busca de conselhos, simplesmente porque
o senhor é um Duque? — Havia algo em sua voz que o fez pensar
que ela estava procurando uma discussão, alguma forma de se
distrair. No entanto, sua observação foi como o sal derramado sobre
uma ferida aberta. Suas costas enrijeceram.
— Por que não discutimos isso enquanto dançamos uma valsa?
— ele perguntou, ciente de que seu convite soava mais como uma
ordem.
— Eu não...
— Mesmo assim, nós vamos.
Ele agarrou seu pulso e girou-a contra ele com tanta força que
ela foi pressionada com força contra seu peito. Seu corpo estava
quente e flexível contra o dele. Ela olhou para ele com surpresa, os
olhos arregalados.
Sem pensar, ele a puxou para mais perto e roçou sua boca
aberta com os lábios. Sua boca estava macia e quente sob a dele.
Ele a sentiu relaxar, seu corpo lânguido, antes que ela respirasse
rapidamente e o afastasse.
Ela olhou para trás dele.
— O que o senhor está fazendo? Estamos em público!
— Eu não tinha notado — respondeu ele, com a voz rouca. Era a
verdade simples. Quando ela estava perto, o resto do cômodo
desaparecia em uma névoa.
— Eu não vou valsar com o senhor. Solte-me de uma vez — ela
disse com os dentes cerrados. Seus olhos desviaram dele e foram
para os casais que os rodeavam.
— A senhorita vai, então pode muito bem parar de protestar.
Eles deram um passo juntos.
— O senhor não acha que a nobreza é anacrônica? — ela
perguntou em tons suaves.
Ele sorriu como um lobo, trazendo-a apenas perto o suficiente
para ela sentir o aço em seus braços. Ela corou e depois de um leve
empurrão, ela se rendeu.
— Não — ele respondeu friamente — De jeito nenhum.
— As classes altas da Inglaterra, a sociedade é simplesmente
sanguessuga. Eles não são mais essenciais — ela disse com
firmeza.
Com um pequeno empurrão, ela aumentou a distância entre eles
para o que era considerado adequado.
— Provamos isso nos Estados Unidos, não é? Temos um
governo dirigido por homens comuns, homens sem títulos, e está
indo esplendidamente. Qual é a possível necessidade de Lordes e
Duques?
Ele a girou ao redor, aumentando seu aperto. Por que ele
deveria defender sua posição? Sua família conquistou seus títulos e
levou seus deveres muito a sério.
Ele estudou seu rosto, notando novamente a curva vulnerável de
sua boca.
— A senhorita acha que não fazemos nada além de jogar cartas
e dançar? — ele perguntou, se esforçando para tornar seu tom leve.
— Bem, sim, é exatamente isso que o senhor faz, não é?
— A senhorita não tem ideia de quais são nossas
responsabilidades — disse ele, girando mais rápido. As saias dela
roçaram suas pernas enquanto seu olhar se demorava na pulsação
rápida na base de sua garganta.
Ela estava tão vulnerável e ainda assim...
Ele estava bastante sufocado pelas responsabilidades que
acompanhavam seu título. Ela não demonstrou simpatia por ele. Ele
engoliu seu temperamento e continuou em um tom baixo.
— Se a senhorita se preocupasse em fazer qualquer pesquisa,
saberia que um Duque é responsável por tudo que diz respeito a
suas terras. Resolvemos as queixas de nossos inquilinos e
garantimos a saúde das fazendas. Somos responsáveis pelas
estradas e pontes que cruzam nossas propriedades. Temos assento
na Câmara dos Lordes para debater e instituir as leis e reformas de
nosso país. Na verdade, você se esqueceu da estrutura do seu
próprio Congresso? A Câmara e o Senado, se não me engano? Seu
governo segue o modelo do nosso... — Ele parou, esperando uma
resposta.
Sua boca franziu e seus olhos permaneceram fixos em seu
rosto.
— O que a senhorita está fazendo? — ele perguntou, agravado
pelo silêncio dela.
— Dançando. E ouvindo o senhor — ela respondeu
recatadamente.
Ele engasgou.
— O que a senhorita quer dizer com “ouvir?” — Ele esperou pelo
argumento dela. Certamente ela teria alguma resposta mal
informada.
— Como eu disse, estou ouvindo. Vá em frente.
— Então, a senhorita admite que, está errada!
— Eu não cheguei a essa conclusão, Sua Graça. No entanto,
estou considerando que posso não estar de posse de todos os fatos
pertinentes.
— Então a Senhorita acha que estou certo! — Ele estava tão
exultante que quase girou a Senhorita Haywood em cima de outro
casal na pista. Depois de se desculpar, ele a levou para uma
pequena alcova onde algumas mesas estavam postas com
refrescos.
— Não cheguei a essa conclusão, precisamente. No entanto,
estou disposta a admitir que nem todos os Duques são totalmente
inúteis.
Ele riu e foi recompensado por sua risada leve e sem fôlego
— Eu estou certo
— Tenho certeza de que Sua Graça tem o direito de acreditar em
qualquer coisa que desejar — Ela aceitou a taça de cristal com
ponche de vinho que ele entregou a ela.
— A senhorita já teve a chance de fazer sua lista?
— Eu comecei.
— Posso visitar amanhã? É importante.
— Suponho que seja, se o senhor quiser provar que não é
culpado de assassinato.
— Eu não sou culpado.
— Não tenho dúvidas de que isso seja verdade. Os Archers me
garantiram que o senhor é perfeitamente confiável. — Ela fez isso
soar vagamente insultuoso. Ela obviamente estava se associando
com os Archers há muito tempo. Sua inclinação para o jogo e as
atividades muitas vezes obscuras de Archer os tornava menos
respeitosos com a honestidade do que Nathaniel.
Ele a olhou severamente.
— Por que não vamos para a ceia?
— Certamente. No entanto, diga-me, Sua Graça, o senhor já
obteve o seu Shakespeare? — Ela perguntou em um tom tão
inocente que ele quis estrangulá-la na hora. — Ainda não. Semana
que vem. Então, veremos quem retrata as mulheres com mais
precisão, Chaucer ou Shakespeare.
— E o senhor vai descobrir que neste assunto, estou certa — ela
murmurou.
Para concluir a prisão, o policial deve realmente tocar ou conter o
agressor.
Guia de Bolso do Policial.

O jantar dos Archer foi realizado na noite seguinte. Nathaniel


observou a Senhorita Haywood durante toda a refeição.
Apesar das tentativas de Lady Victoria de encontrar
companheiros de jantar agradáveis para sua pupila, o olhar azul da
Senhorita Haywood permaneceu quase desinteressado.
Nathaniel se gabou pensando que ela sentia falta de conversar
com ele. Mas enquanto ele a estudava, ela parecia retraída e
silenciosa, mais subjugada do que o necessário por sua
incapacidade de discutir com ele.
Quando a refeição acabou e a parte musical da noite começou, a
senhorita Haywood saiu apressada para o terraço. Nathaniel
esperava por isso e seguiu, perguntando-se se ela estava saindo
para observar as mariposas novamente. Ela parecia
excessivamente afeiçoada a insetos e ao ar noturno.
Ou talvez fosse apenas sua desculpa para escapar da nata da
sociedade britânica.
— Boa noite — Nathaniel disse enquanto passava pelas cortinas
para se juntar a ela no terraço.
Ele ouviu um suspiro exasperado antes que ela o encarasse.
A lua crescente brilhava atrás dela, deixando seu rosto nas
sombras. Mas ela cruzou as mãos na frente da saia e torceu os
dedos como se estivesse nervosa.
— Senhorita Haywood?
— Boa noite, Sua Graça — disse ela. Ela parecia muda, triste.
Seu coração se torceu.
— O que foi? Nada de “Sua Graça Terrível” — ele perguntou,
provocando-a. Ele esperava ver o brilho nos olhos dela, apesar do
fato de que as sombras quase o impediam de ver qualquer
expressão.
Ela ficou rígida.
— Eu espero que o senhor me perdoe por esse absurdo. Eu não
sei o que deu em mim.
— Não seja enfadonha — respondeu ele de forma estimulante —
Certamente a senhorita não acha que eu sou uma esnobe que não
aguento um pouco de provocação.
Por vários segundos, ele pensou que ela não responderia. Ela se
virou ligeiramente, seu perfil escuro contra o céu enluarado. A
inclinação triste de seus lábios o fez pensar que ela estava
carrancuda.
— Não. Eu não pensei isso. Pelo menos, eu acho que não
agora.
— Você teve a chance de terminar a lista?
— Sim.
Quando ela começou a se afastar, ele a interrompeu.
— Não vá. A senhorita não precisa pegá-la agora.
— Eu posso mandar uma criada atrás dela. A lista está no meu
quarto.
— Há tempo. Eu virei amanhã.
Ela assentiu e então pareceu esquecer que ele estava ali.
— A senhorita está aqui procurando por mariposas? A Tromba
de botão?
A cabeça dela girou em sua direção.
— O senhor se lembrou?
— Como eu poderia esquecer? — ele disse levemente — E a
Tigre de Jardim, não é? — Ele não resistiu em mostrar que
conseguia se lembrar de algumas coisas — É um pouco cedo para
elas, não é?
— Talvez. Nunca tive certeza. Ela voou para longe...
— Se a Senhorita quiser ir à caça de mariposas, eu posso...
quero dizer... estou disposto... isto é...
Ela riu, mas ele ouviu o som inconfundível da navalha da
amargura na sua voz.
— Não se preocupe, Sua Graça. Eu nunca sugeriria que o
senhor me acompanhasse. Eu sei que o senhor tem medo de se
comprometer. Não tenho nenhum desejo de colocá-lo em uma
posição estranha.
Ele tocou seu braço, sentindo-se protetor e envergonhado.
— Eu não tenho medo disso.
Em todos os anos em que esteve na Inglaterra, era evidente que
ninguém jamais tentara fazer com que a Senhorita Haywood se
sentisse em casa. A família Archer, por mais louca que fosse,
estendia lealdade feroz e amor a todos os seus membros,
independentemente de classe ou posição. Ele não podia imaginar
como sua vida teria sido sem suas irmãs, Oriana e Helen, e seu tio.
Seu coração ainda doía quando ele se lembrava de seu irmão mais
velho, morto durante a guerra com a França.
Os Archers podem discutir e repreender uns aos outros, mas
eles estavam lá quando necessário. E John Archer queria que ela
soubesse que ela também tinha uma família agora.
E a Senhorita Haywood, Charlotte, achava que não tinha
ninguém...
Talvez a ideia de Archer tenha sido mais gentil do que Nathaniel
havia pensado anteriormente. Os Archers poderiam dar a ela um
refúgio confortável por três anos. Quando ela ganhasse o controle
de sua fortuna, ela poderia então decidir o curso que desejava
seguir.
— Char... Senhorita Haywood, gostaria de discutir um acordo...
Ela enrijeceu ligeiramente, mas Nathaniel se esforçou para ser
charmoso. Ele costumava se destacar nessa arte quando não tinha
título e tinha um grande interesse em cortejar mulheres
desinteressadas. Suas habilidades foram manchadas porque ele
não tinha mais que trabalhar para atrair a atenção feminina, mas ele
achava que se lembrava dos rudimentos.
Com uma mão firmemente no meio de suas costas, ele a guiou
até o canto mais distante do terraço. Havia uma roseira de rosas de
um rosa pálido lá, começando a florescer. Ele podia sentir o cheiro
da rica fragrância de damasco. A pálida luz das estrelas iluminava
algumas das flores, drenando sua cor e tornando-as um branco
fantasmagórico contra o céu escuro.
Naquele canto docemente perfumado estava um banco de
mármore, parcialmente escondido pela roseira de um lado e uma
topiaria de buxus do outro.
— Que tipo de acordo? — ela perguntou com uma voz cansada.
— Por favor, Senhorita Haywood, por favor, sente-se.
Ela lançou um rápido olhar para ele, seu rosto ainda sombreado.
Ele sorriu, esperando que ela pudesse realmente ver sua expressão
e interpretá-la como sem culpa. Parecia mais como um olhar de lobo
para ele. Ele tentou acreditar que o que estava prestes a fazer era
totalmente inocente. Ele tinha a melhor das intenções.
Não tinha?
— O acordo é…. Bem... — ele disse, tentando encontrar uma
maneira delicada de pedir que ela se casasse com ele sem
realmente dar a entender que queria se casar com ela.
Ela fez um movimento para se levantar, mas ele a pressionou de
volta no banco. Quando ela resistiu, ele passou o braço em volta da
cintura dela e colocou a mão livre sobre as mãos que ela segurava
no colo. Seus dedos estavam frios, apesar do ar ameno. Eles se
retorceram sob sua palma.
— Como já disse, só desejo ir ao Egito o mais rápido possível —
disse ela, olhando para a mão dele — A menos que seu “acordo”
esteja relacionado a isso, não sei se quero ouvir.
— Se relaciona... de certa forma — ele assegurou a ela.
— De que maneira?
— Bem, a senhorita vai embora daqui a três anos...
— Isso não requer, eu acredito, qualquer acordo entre nós dois.
Eu vou embora daqui a três anos, não importa o que o senhor faça
ou não faça. — Sua voz tornou-se azeda, como se ela suspeitasse
que ele estivesse prestes a provocá-la a respeito de suas ambições.
Ele se inclinou para mais perto, tentando capturar seu olhar.
Seus olhos permaneceram teimosamente focados na escuridão
alguns metros além do caramanchão. Depois de um aperto final em
seus dedos cerrados, ele agarrou seu queixo para forçá-la a encará-
lo.
— Por favor, deixe-me ir — ela disse abruptamente, se
afastando.
— Eu só quero que a senhorita olhe para mim.
Suas pálpebras tremiam, mas ele não a soltou. Seus olhos
brilhavam de um azul profundo e rico na luz fraca. A pele dela era
macia e quente sob a ponta dos dedos. Enquanto ele a estudava,
seu olhar se desviou sob a intensidade de seu olhar. Ele podia sentir
que ela tentava se afastar novamente. Antes que pudesse formular
o que queria dizer, ele cedeu ao impulso. Ele abaixou a cabeça e
roçou os lábios dele nos dela.
Suas costas enrijeceram. Sua boca se abriu ligeiramente como
se ela engasgasse com sua ousadia. A reação dela de alguma
forma o estimulou.
O desafio de perseguir uma presa relutante.
Ele sentia fome — quase faminto e em perigo por causa daquela
fome. O quase esquecido cheiro e sensação de uma mulher em
seus braços o atormentavam. Ele apertou o braço em volta da
cintura dela, o calor do corpo dela empurrando-o para frente. Ele a
puxou com mais firmeza contra ele e deslizou a mão sobre a pele
lisa de sua mandíbula e garganta para os cachos macios na nuca.
Mãos pressionadas contra seu peito, ela empurrou contra ele, e
então a magia aconteceu. Uma mão fria deslizou por seu colete e
parou timidamente em seu colarinho. Ele aprofundou o beijo, seus
lábios se aquecendo e se abrindo para ele. Seus dedos tremeram
ao tocar seu pescoço.
Ele gemeu, puxando-a com mais força até que suas coxas se
chocaram contra as dele, tocando-o rapidamente...
O toque hesitante em sua bochecha de repente desapareceu.
Uma rajada de ar frio percorreu seu rosto. Ele recuou ligeiramente e
um golpe violento atingiu sua orelha esquerda.
— O que o senhor está fazendo? — Charlotte perguntou, sua
voz ultrajada. Ela saltou e o enfrentou. Sua mão esquerda
permaneceu em forma de concha e parcialmente levantada, pronta
para bater em sua orelha novamente.
— Nada! Eu estou…. — Ele esfregou a orelha latejante.
O que diabos ela pensava que ele estava fazendo?
— O senhor é um Duque! Suponho que o senhor pensou que
poderia fazer o que quisesse e eu desmaiaria aos seus pés!
— Meu Deus, não! Eu não pensei isso!
— Então, precisamente o que o senhor estava pensando?
— Nada!
— Bem, isso é óbvio — Sua mão ameaçadora caiu para o
quadril. Para sua consternação, ela suspirou. Mesmo na penumbra,
ele podia ver seus ombros caírem — Suponho que esse era o
“acordo” que o senhor queria discutir. O senhor pensou que eu não
me importaria de ter um... bem, ser íntima... ah, isso é... Bem, o
senhor sabe melhor o que pensou — ela gaguejou — Suponho que
devo ser grata por sua gentileza em pensar em mim dessa forma,
especialmente porque o senhor sabia do meu desejo de viajar para
o Egito. Minha partida seria uma maneira conveniente de terminar
nosso... isto é, qualquer relacionamento que venhamos a ter. Isto é,
presumindo que algo ocorreria entre nós dois. E que duraria três
anos inteiros... — suas palavras pararam.
— Eu não pretendia...
— Oh, tenho certeza de que o Senhor não pensou nisso
exatamente nesses termos. Na verdade, o senhor é um homem tão
bom que estou absolutamente convencida de que pensou que
estaria me fazendo um favor ao me fornecer uma escolta para
vários eventos. Não os melhores eventos é claro, mas certos
eventos onde mulheres desse tipo são permitidas. Bem, eu posso
acreditar em igualdade e independência, mas não sou uma lunática
delirante. Não tenho nenhuma intenção de me tornar sua amante,
então o senhor pode convenientemente se livrar de mim daqui a três
anos, sem nem mesmo ter que me fornecer a pulseira obrigatória.
Ou se preocupar em me encontrar quando tiver outra Lady em seu
braço.
Nathaniel se levantou. Antes que ela pudesse escapar, ele
agarrou seus ombros. Ele só pretendia trazê-la para a luz para ver
seu rosto com mais clareza, mas ela o chutou com bastante firmeza
nas canelas.
— Caramba! — ele exclamou, aumentando seu aperto.
— Tire suas mãos de mim, seu... seu libertino!
— Eu quero que a senhorita saiba, eu não sou um libertino! Na
verdade, sou um conhecido misógino. Pergunte a qualquer um.
Vocês, mulheres, são uma ameaça e uma praga para a
humanidade. Sempre pulando...
— Isso certamente explica seu comportamento, sua besta.
Suponho que o Senhor sentiu que poderia me seduzir e fazer amor
comigo. Então o senhor poderia rir e me empurrar para o Egito,
fazendo-me perceber o quão idiota eu havia sido. O Senhor pensou
que poderia provar que sou apenas uma representante simplória do
sexo mais fraco. Que só quero ser amada como todas as outras
mulheres loiras, miúdas, sorridentes e idiotas que o senhor conhece!
Isso deveria agradar a um libertino misógino! Bem, como o Senhor
se atreve! — Suas palavras confusas quase faziam sentido. Ela fez
uma pausa depois de falar, acenou com a cabeça abruptamente e
olhou nos olhos dele.
— Eu não pensei tal coisa. E eu não sou um libertino misógino.
Na verdade, eu ia te pedir em casamento!
— Casar com o senhor? Eu nem o conheço! O senhor perdeu o
juízo?
— Sim! Eu acredito que sim! Não consigo entender, porque
pensei que seria uma ideia tão maravilhosa, mas aí está a
Senhorita...
— O senhor é muito louco — Charlotte declarou.
— O quê? — Ele não conseguiu evitar um pequeno riso — A
senhorita está totalmente errada, a propósito. Eu sou apenas um
pouco louco.
Ela olhou para ele, mas as sombras a impediram de ler sua
expressão. Então os ombros dela estremeceram e ela levou a mão
à boca. Uma risadinha sem fôlego quebrou o silêncio.
O coração dele se elevou. A sua risada borbulhou
profundamente dentro dela e seu corpo inteiro estremeceu com riso.
O som alegre o fez sorrir em resposta.
— Isso é um absurdo — disse ela, sua voz tremendo em
diversão — O senhor tem noção de como o senhor soa totalmente
sem sentido?
— Sim eu tenho. Deixe-me começar de novo.
Ela tentou tirar as mãos dele dos ombros, mas ele não a soltou.
— Me solte — ela disse.
— Não. A senhorita vai me ouvir... e nem pense em me chutar de
novo.
— Se o senhor fosse um cavalheiro, me libertaria.
Ele balançou sua cabeça.
— Já não estabelecemos que não sou um cavalheiro? Eu sou
um Duque.
— E o senhor acredita que pode fazer o que quiser.
— Não. Na verdade, significa exatamente o oposto. Quase
nunca consigo fazer o que quero. Devo fazer o que todos esperam
de mim, em vez disso — Ele franziu a testa com suas palavras,
desejando ter ficado em silêncio.
O que havia de errado com ele? Ele queria se sentar no banco
de mármore, colocar a cabeça no colo dela e olhar as estrelas
brilhando acima deles. Ele queria que ela enfiasse os dedos frios em
seu cabelo e se inclinasse sobre ele...
Charlotte agarrou seus pulsos como se para controlar suas
mãos. Seu sorriso tornou-se feroz enquanto ele considerava para
onde gostaria que suas mãos fossem.
Ao lado dele, seu corpo se curvava graciosamente, longo e
esguio ao luar.
— Bem, posso dizer honestamente que não esperava ser
apalpada quando vim aqui — respondeu ela.
— E eu não esperava apalpá-la, mas a senhorita é
extremamente tentadora.
— Não sou, nem nunca fui tentadora.
— O que mostra o quanto a senhorita é tola — Ele prendeu a
respiração, esperando pela reação dela.
Meia risada escapou. Ele respirou novamente e sorriu. Os
ombros dela tremeram embaixo do aperto dele e seus músculos
doiam para puxá-la contra si. Ele queria sentir a calorosa extensão
dela contra ele enquanto ela vibrava de tanto rir. Se ela inclinasse a
cabeça ligeiramente, seus lábios sorridentes estariam a poucos
centímetros de distância...
— Sua Graça Terrível — ela disse com sua voz trêmula de tanto
rir — Se o senhor acabou de me insultar, eu acredito que devemos
voltar. Caso contrário, o senhor ficará terrivelmente comprometido e
ganhará uma reputação totalmente imerecida de inteligência
inadequada para sua posição social.
— Espere — ele respondeu, sua voz repentinamente séria — Eu
queria te perguntar uma coisa. Será um benefício para ambos.
— De fato?
— Sim. A senhorita deve ter notado que eu estou, bem, eu
nunca consigo um momento de paz. Certamente, se a senhorita vai
partir em três anos, não se importaria. Me ajudaria tremendamente
ser livre para investigar este infeliz assassinato — Ele parou
abruptamente. Ele precisava explicar de uma maneira mais atraente
— Não seria bom ter esse status, se a senhorita não se importa em
se referir a isso dessa forma? Quer dizer, a senhorita seria cortejada
e convidada para todo lugar. Maldição, não era assim que eu
pretendia propor.
— Eu espero sinceramente que não! — Ele poderia dizer que ela
pretendia tornar seu tom gelado. Mas seus esforços ficaram aquém
do alvo e simplesmente pareciam bastante miseráveis.
— Deixe-me explicar — disse ele.
— Eu preferia que o senhor não fizesse. Mesmo. Acho melhor o
Senhor não explicar o que quis dizer com esse discurso
extraordinário. Eu não posso acreditar que sua explicação vai
melhorar.
— Mas eu...
— Não — Ela colocou seus dedos frios contra sua boca.
Ele agarrou a mão dela e pressionou a palma da mão contra os
lábios, tão desesperado quanto um homem se afogando que perdeu
a última corda lançada para salvá-lo. As ondas quebraram sobre
sua cabeça. Ele podia ver seu belo navio saindo de vista além do
horizonte.
— Charlotte...
— Não. Eu sei o que o senhor quer então não me insulte, ou a si
mesmo, afirmando isso. O senhor está cansado e talvez extenuado,
tentando provar sua inocência — Ela deu uma risada amarga — Eu
certamente li o suficiente sobre isso nos jornais. Mas o Senhor já
pensou em como seria terrível se de repente o senhor se
encontrasse verdadeiramente apaixonado? — ela continuou —
Como o senhor explicaria para ela? Além disso, vou persuadir os
Archers a administrar minha herança para mim e permitir que eu
viaje para o Egito agora. É o que sempre quis fazer. É para onde
pretendo ir. Se eu devo contratar uma governanta para me
acompanhar, então que seja, mas irei. Agora, se o senhor me der
licença, realmente demoramos muito. Temo por sua reputação.
— Charlotte, eu...
— Não, Sua Graça. O senhor é um Duque. Eu não posso viver
em seu mundo endurecido e não quero. Liberte-me e fique feliz por
não ter aceitado sua oferta extraordinária.
— A senhorita... pelo menos me dará a honra de lembrar de me
chamar de vez em quando por um título honorífico mais apropriado?
Sua Exaltação Estúpida, talvez?
Ela riu e se soltou do aperto dele.
— Se o senhor despreza a si mesmo, então sim, de fato. Ficarei
encantada.
A sedução não é uma ofensa criminal, mas os procedimentos civis
podem ser iniciados pelos pais.
Guia de bolso do policial

— A senhorita, não deveria estar se preparando? — a criada


perguntou a Charlotte na manhã seguinte — Lady Victoria estará
esperando pela senhorita no corredor.
— O quê? — Charlotte perguntou, ainda sonhando com o beijo
de Nathaniel na noite anterior.
O que ele estava pensando? Só porque ele sabia que ela não
tinha intenção de se casar, não significava que ela estaria disposta a
concordar com um falso noivado.
No entanto, os jornais certamente o estavam pintando de uma
forma sombria. Eles insinuaram que ele havia assassinado Lady
Anne porque odiava as mulheres.
Será que ele tentou propor a Charlotte para provar que os
rumores eram falsos? Parecia uma explicação possível, embora não
fosse particularmente lisonjeira. Se ela tivesse sido idiota o
suficiente para concordar, o acordo deles só teria terminado com ela
parecendo uma idiota. Quando ela partisse para o Egito, a
sociedade pensaria que ela estava fugindo da Inglaterra porque o
Duque havia partido seu coração. Eles nunca acreditariam em seu
verdadeiro motivo: a realização de um sonho de oito anos.
Pior ainda, e se ele se apaixonasse por alguma Lady loira? Ele
teria que terminar o noivado mais cedo e mais uma vez, Charlotte
teria que enfrentar a sociedade como a noiva rejeitada. Não que ela
se importasse, mas ela não tinha nenhum desejo particularmente
ardente de sofrer tal humilhação.
Portanto, o Duque teria que encontrar outro método para
esconder sua antipatia pelas mulheres, e Charlotte teria que ser
muito cuidadosa no futuro. Seria tão fácil ceder e fazer o que ele
queria. Mas não era o que ela desejava. Ela queria ir para o Egito,
de preferência com o coração e a reputação intactos.
— senhorita? A senhorita está pronta para sua caminhada?
— Sim. Ah sim — Ela vestiu a bombacha marrom escura e
permitiu que a criada a abotoasse e colocasse um gorro de palha
com hera e levantou a aba em sua cabeça.
Quando ela finalmente desceu as escadas, encontrou o corredor
bastante deserto. Charlotte deu a volta na mesa no centro e fez uma
pausa. Ela ajustou o buquê de flores do final da primavera e catou
algumas folhas mortas antes de ser interrompida.
— Senhorita? — o mordomo curvou-se para ela, segurando uma
pequena bandeja de prata. Nele estava um envelope de borda
preta. Parecia um anúncio de morte, mas ela não tinha mais
parentes.
Ela pegou o cartão e depositou um punhado de folhas secas na
bandeja. As sobrancelhas espessas do mordomo se ergueram, mas
ele se virou solenemente com seu novo fardo.
Charlotte abriu o envelope e tirou uma única folha.

A do Almack lamentam informar a Senhorita


Charlotte Haywood de que não podem estender o convite para
comparecer aos entretenimentos restantes desta temporada.
S . A folha flutuou até
a mesa enquanto Charlotte olhava para o chão com olhos cegos.
Ela havia esquecido que Lady Victoria havia se inscrito para entrar
no Almack's. Por que ela não ouviu? A ideia era ridícula,
principalmente porque a temporada estava chegando ao fim.
Suas pálpebras tremiam sobre os olhos ardentes. Ela pressionou
as pontas dos dedos contra os olhos fechados e fungou. De
repente, ficou difícil respirar. Seu peito apertou dolorosamente.
Não importa o que ela fizesse, ela não era aceitável.
— Charlotte? — Lady Victoria perguntou do meio da escada —
Você está pronta?
— Sim. — Ela endireitou as costas e respirou fundo, esperando
pacientemente que Lady Victoria chegasse ao corredor.
— Você recebeu uma carta de um de seus amigos?
— Não exatamente — Charlotte entregou-lhe a única folha,
fixando resolutamente um sorriso no rosto — Eu gostaria que a
senhora tivesse me perguntado primeiro. Eu poderia ter avisado que
seria inútil.
Os olhos de Lady Victoria examinaram a breve mensagem e
então voaram para estudar o rosto de Charlotte.
— Eu sinto muitíssimo. Eu tinha certeza de que eles iriam lhe
oferecer uma entrada.
— É muito gentil da sua parte pensar assim, mas eu poderia ter
previsto o contrário. Uma americana, herdeira ou não, nunca teria
permissão para colocar os pés dentro daquele bastião da
propriedade britânica.
Lady Victoria pegou as mãos de Charlotte e apertou-as.
— Não deixe isso incomodar você, minha querida. Na verdade,
pode ter sido devido aos seus patrocinadores.
— Meus patrocinadores?
Uma leve risada saudou a pergunta surpresa de Charlotte.
— Temo que John Archer não seja precisamente…. Bem, em
alguns setores, ele não é considerado o melhor da sociedade.
— Como assim?
— Não posso dizer que estou excessivamente preocupada —
Ela abraçou Charlotte e então passou um braço em volta da cintura
dela — Então, devemos ir em nossa expedição para Grafton
House? É uma pena que a moda deste ano pareça limitada ao preto
e branco para homenagear a pobre princesa Charlotte, já que a falta
de cor não favorece nenhuma de nós duas. Mas faremos o nosso
melhor. Eu adoraria ver você em seda branca com folha de prata e
detalhes em azeviche. E eu já disse que temos convites para Dacy
House nesta sexta-feira? Eles estão dando um baile. Apenas um
evento íntimo, na verdade, menos de cinquenta casais, segundo me
disseram, mas muito seleto.
— Dacy House?
Elas subiram na elegante carruagem que as aguardava no meio-
fio. Charlotte se sentou em frente de Lady Victoria, de frente para o
fundo.
— Oh, eu sou terrivelmente esquecida. Você não conhece os
Dacys, não é? Lady Dacy é a irmã mais velha de Sua Graça,
Oriana. O Senhor Archer apresentou Lord Dacy e Oriana, então
todos nós fomos todos muito afortunados que isso funcionou da
melhor maneira.
— Afortunados? — Charlotte perguntou, incerta.
Lady Victoria sorriu.
— Os esquemas do meu marido raramente funcionam. Então,
sim, tivemos sorte.
A carruagem passava pelas ruas lotadas enquanto Charlotte
ouvia, entorpecida as anedotas de Lady Victoria sobre os Archers.
Finalmente, a carruagem parou, depositando-os fora da famosa loja
Grafton's. As próximas horas foram gastas estudando acabamentos
e tecidos e rindo de algumas das faixas menos lisonjeiras. Por
capricho, Charlotte comprou um conjunto de brincos gota de
azeviche enquanto a atenção de Lady Victoria estava em outro
lugar.
Ao saírem da loja, deram ordens ao balconista para entregar os
tecidos selecionados ao fabricante de mantuas favorito de Lady
Victoria. Lady Victoria pegou o braço de Charlotte e elas
caminharam, de braços dados, os poucos quarteirões até a
costureira. A proprietária estava ocupada quando chegaram e
Charlotte aproveitou para presentar Lady Victoria com os brincos.
— Quando você os comprou?
Charlotte sorriu.
— Enquanto a senhora estava estudando a gaze prateada. A
senhora gosta deles?
— Sim! — Lady Victoria ergueu um brinco e esticou o pescoço
para olhar em um pequeno espelho apoiado em uma das bancadas
— Você é uma garota tão doce — eu queria que a minha Mary... —
Ela parou para dar um breve beijo na bochecha de Charlotte.
Charlotte a abraçou, sentindo como se conhecesse Lady Victoria
a vida inteira. Ela nunca se sentiu tão em casa.
O resto do dia passou em silêncio e o Duque parecia tê-la
esquecido. Ele não visitou os Archers e, pela primeira vez, Charlotte
passou uma noite tranquila em casa. Sem distrações, ela teve muito
tempo para se preocupar com a proposta absurda do Duque.
Na manhã seguinte, ela entrou na sala de café da manhã e
encontrou o Duque andando de um lado para o outro. Ele caminhou
da mesa para o aparador e voltou com um prato vazio em uma das
mãos. Lady Victoria, sentada à mesa, tomou um gole de café e
lançou-lhe olhares exasperados.
— Como meu tio já pode ter ido? — Nathaniel perguntou. Ele fez
uma pausa para remover a tampa de prata de uma das panelas de
aquecimento. Agarrando a colher de servir e seu prato ainda vazio,
ele caminhou de volta para a mesa para encarar Lady Victoria —
Ele nunca se levanta cedo. Eu preciso falar com ele.
— Coloque a tampa de volta nos ovos, querido — Lady Victoria
respondeu. — Por que você não toma uma xícara de café?
— Essa é a última coisa de que ele precisa. Ele já está nervoso
o suficiente — disse Charlotte. Ela se sentiu amargamente satisfeita
em ver Nathaniel, Sua Graça, tão chateado. Ele merecia depois de
causar a ela várias noites longas e sem dormir.
Nathaniel se virou, quase batendo no olho dela com a colher.
— O que você está fazendo aqui?
— Eu moro aqui — respondeu Charlotte. Ela ergueu a mão para
bloquear a colher dele — Bom dia, Lady Victoria — Ela se curvou e
beijou sua bochecha brevemente antes de pegar um prato.
— Bom dia, querida. Você dormiu bem?
— Sim, obrigada — Charlotte caminhou até a panela de ovos
fofos cobertos por pedaços de cebolinha e queijo — O senhor se
importaria de me entregar a colher, Sua Graça?
— A colher? — Ele olhou para sua mão com surpresa, antes de
empurrá-la para ela, carrancudo — Onde está Archer?
As senhoras trocaram suspiros e balançaram a cabeça.
Charlotte escolheu uma fatia fina de torrada e uma pequena
porção de ovos.
— Não tenho a menor ideia.
— Ele está em... — Lady Victoria parou com um olhar de
consternação passando por suas feições aristocráticas — Bem, eu
não tenho certeza. No entanto, ele saiu há pelo menos uma hora.
Depois de se sentar, Charlotte aceitou uma xícara de café de
Lady Victoria e espalhou uma colher de chá de geleia de laranja em
sua torrada. Com outro olhar rápido na direção de Nathaniel, ela
perguntou:
— Por que o senhor está carregando um prato vazio?
Ele bateu com força na mesa, sacudindo todos os pratos.
— Eu preciso falar com meu tio! Imediatamente!
— Bem, como ele não está aqui. Eu sugiro que você tente comer
alguma coisa. Você gostaria de um tônico para os nervos, talvez?
Eles são maravilhosamente calmantes — Lady Victoria ofereceu.
Ela piscou para Charlotte.
Charlotte abafou apressadamente uma risada atrás do
guardanapo
— Não, eu não quero um tônico para os nervos. Eu não preciso
de um — ele retrucou antes de pegar o prato novamente. Ele
caminhou ao redor da mesa. — Eu não estou nervoso. Estou com
raiva, como qualquer simplório poderia ver claramente. Vim aqui
para falar com meu tio sobre... sobre um assunto urgente. Ele
parece ter desaparecido!
— Os ovos estão muito bons, Sua Graça — Charlotte observou,
ignorando seu discurso.
Lady Victoria fez um barulho estranho, fungando atrás de seu
lenço de renda.
— Isso é um absurdo! — ele disse, batendo o prato de volta na
mesa — Se ele voltar, diga a ele que devo vê-lo imediatamente!
Depois que ele saiu, Lady Victoria enxugou os olhos.
— Isso foi uma vergonha da nossa parte. Mas ele sempre foi
uma criança impaciente. Eu esperava que ele crescesse.
Parando com uma garfada de ovos e queijo perto da boca,
Charlotte olhou para ela. De repente, ela percebeu que Nathaniel
poderia ter um bom motivo para estar com raiva. Talvez o Senhor
Archer tenha tentado forçá-lo a propor a Charlotte na esperança de
impedi-la de ir para o Egito. Obviamente, o Duque havia pensado
melhor a respeito da ideia e agora a achava desagradável.
Ou pode ser algo muito mais sério.
— A senhora não acha que alguma coisa aconteceu... a senhora
não acha que alguém o acusaria formalmente de assassinato, não
é?
— Ah não. Não a um Duque... eles não ousariam! — Os olhos
cinzentos de Lady Victoria piscaram em direção ao jornal dobrado
perto do lugar onde o senhor Archer costumava tomar o café da
manhã — Não poderia ser isso, poderia?
Enquanto Charlotte considerava isso, ela ficou mais certa de que
ele não estava chateado com sua proposta. Ele estava chateado
com a investigação do assassinato.
Ela largou o garfo.
— Eu... oh, céus. E nós o estávamos provocando quando ele
pode estar precisando terrivelmente de nossa ajuda!
As Ladies se levantaram. Lady Victoria agarrou o braço de
Charlotte enquanto ambas corriam para o corredor. O saguão
estava deserto.
— Precisamos fazer algo para ajudá-lo. Ele é completamente
inocente! — Lady Victoria disse — Eu o conheço desde que era um
bebê. Ele nunca faria uma coisa tão terrível.
— Estamos totalmente de acordo. A senhora espera aqui pelo
Senhor Archer. Vou falar com Nathaniel — Sua Graça. Não vamos
deixá-lo sem ajuda!
Charlotte olhou ao redor. Uma das criadas estava limpando a
mesa no centro da entrada.
— Venha comigo! — Charlotte disse. Ela agarrou o braço da
criada e correu em direção à porta.
— Mas senhorita, eu não posso! — a criada reclamou com seu
pano de poeira caindo de seus dedos — Eu nem tenho xale!
Ao se aproximarem de Suddley, o sempre preparado, ele
presenteou Charlotte com seu xale. Simultaneamente, ele empurrou
um segundo xale cinza comido pelas traças, com apenas metade da
bainha, para a criada. A garota mal teve tempo de colocá-lo sobre
os ombros magros antes de Charlotte agarrar sua mão novamente e
correr para fora.
A porta da carruagem de Nathaniel se fechou assim que
chegaram ao último degrau. Antes que o cocheiro pudesse sacudir o
chicote, Charlotte abriu a porta. Ela empurrou a criada para dentro e
subiu atrás dela, quase rasgando sua bainha com a pressa.
Triunfante, ela se recostou no assento de couro acolchoado para
recuperar o fôlego. Em frente a ela, Nathaniel franziu a testa.
Ela sorriu serenamente para ele. Para sua diversão, sua
carranca se aprofundou.
— O que a senhorita está fazendo? — ele perguntou.
— Ajudando o senhor, é claro. A menos que o senhor prefira ser
enforcado por assassinato? — Ela levantou uma sobrancelha
zombeteira. Mesmo ele não era tão estúpido a ponto de imaginar
que poderia investigar sem a ajuda dela.
Ele se inclinou para frente, o rosto sem expressão. Seus ombros
largos ocupavam o centro da carruagem. De repente, parecia haver
muito pouco espaço dentro do ambiente confinado.
Charlotte tentou não demonstrar nenhuma fraqueza covarde,
mas não conseguiu evitar se recostar um pouco mais em seu canto.
A respiração dela parou enquanto o olhar dela voava dos olhos
brilhantes dele para as suas mãos, descansando com deliberada
casualidade em suas coxas. Seu silêncio e ar de raiva mal contida
tornavam as palavras supérfluas.
Ela tentou sorrir. Ela falhou.
— A senhorita será comprometida — ele observou com perigosa
suavidade. — E desta vez, não quero ouvir nenhuma bobagem
sobre isso ser impossível.
— Não — ela guinchou antes de limpar a garganta. — Não. —
Ela gesticulou em direção à criada. — Eu trouxe uma criada comigo.
Nossas ações são as mais adequadas. E o senhor é, afinal, o
sobrinho do meu guardião.
Ele riu, embora não com diversão.
— E a senhorita acredita que isso é suficiente?
— Bem, sim.
— Eu sou um suposto assassino. E se eu, ou o verdadeiro
assassino, atacar a senhorita?
— O senhor não é um assassino. Sinto-me bastante segura —
Charlotte olhou para a criada. A garota se sentou encolhida no
canto, seus olhos arregalados olhando para Nathaniel como se ele
segurasse uma navalha em sua garganta — Se alguma coisa
acontecer comigo... se alguém me atacar enquanto estamos
ajudando o senhor, minha criada vai espancá-los.
Quando Nathaniel lançou seu olhar zombeteiro sobre a criada,
Charlotte olhou para ela e estremeceu. A garota tinha uma
aparência peculiarmente parecida com a de um coelho, completa
com os dentes da frente ligeiramente protuberantes e um trêmulo
nariz rosa. Ela não parecia capaz de se defender de um pardal com
a asa quebrada.
— Bem, talvez não o espanque, mas pelo menos grite —
Charlotte corrigiu.
Um gemido estridente escapou da boca trêmula da criada.
Charlotte disse:
— Talvez não grite, precisamente. Mas ela poderia correr para
encontrar ajuda... — A voz dela sumiu quando ela percebeu que a
criada tinha dificuldade para respirar.
Alarmada, Charlotte a sacudiu para fazê-la respirar novamente.
— Ela poderia correr para encontrar ajuda? — Nathaniel
perguntou em uma voz silenciosamente incrédula.
— Eu poderia empurrá-la para o senhor e enquanto o senhor, ou
o verdadeiro assassino, a estrangulasse, eu poderia gritar e ir
buscar ajuda — Charlotte respondeu com mais firmeza.
A criada era obviamente incapaz de prestar qualquer ajuda, mas
isso não significava que Charlotte estava totalmente sem recursos.
Exceto que agora ela se sentia presa no ambiente confinado da
carruagem do Duque com ele. E ela nunca tinha percebido o quão
grande e musculoso ele era. Seus ombros encheram o lado da
carruagem, fazendo-a se sentir quase delicada em comparação,
embora isso fosse claramente ridículo para uma mulher da altura
dela.
É tolice ficar nervosa.
No entanto, olhando para ele, ela percebeu o quão muito, muito
azuis seus olhos eram quando ele estava extremamente zangado. E
ainda, apesar disso, ela desejava olhar dentro deles e que ele a
tomasse em seus braços novamente. Ele sentia tão quente na outra
noite….
— Mesmo? — ele perguntou, quebrando o silêncio. Ele se
inclinou para trás e cruzou os braços sobre o peito. Seus olhos se
fixaram nos dela.
— Sim, mesmo — Charlotte respondeu, acomodando-se e
envolvendo o xale com mais firmeza sobre os ombros.
— No entanto, não vale a pena ser excessivamente dramático
sobre isso. Nada disso será necessário. O senhor é um cavalheiro e
não sonharia em conter ninguém — Ela deu um tapinha no
antebraço da criada — Não há nada a temer — hum — qual é o seu
nome?
— Ah — ah — Alice, senhorita.
— Bem, Alice, não há razão para ter medo de Sua Graça. Você o
viu na casa dos Archers muitas vezes, não é?
— Sim, senhorita — A criada baixou os olhos para as mãos
avermelhadas, fechadas com força no colo. Ela não parecia
tranquila.
— Ele não vai machucar você — disse Charlotte, ficando
obscuramente irritada com o medo contínuo de Alice. O fato de
Charlotte também achar a presença de Nathaniel opressora a
deixou mais determinada a tranquilizar Alice. Então, todos eles
poderiam relaxar, particularmente Charlotte.
Talvez a criada estivesse apavorada porque ele era um Duque.
Isso simplesmente provou que as pessoas permitiam que os títulos
as impressionassem indevidamente.
Uma pequena voz sussurrou que se ela tirasse o título, Nathaniel
ainda seria impressionante e perigoso. O pensamento a deixou
inquieta.
— A senhorita deveria ouvir sua criada. — ele comentou.
O aviso oblíquo fez a criada começar a choramingar novamente.
— Oh, pelo amor de Deus! Isso é um absurdo! — Charlotte
disfarçou seu nervosismo com a emoção mais controlável de
impaciência — Sua Horrível Alteza — acrescentou ela — Estou indo
com o senhor para ajudar com este boato bobo sobre... — ela parou
para dar uma olhada rápida na criada. Charlotte não queria alarmá-
la mais.
No entanto, a criada já não era capaz de prestar atenção a
ninguém. Sucumbindo ao terror, ela se sentou chorando dentro de
seu xale, encolhida em um canto.
— Não preciso de sua ajuda. — disse o Duque.
— Sim, o senhor precisa. O senhor não pode, ou não vai ser
agradável o suficiente com as mulheres que compareceram ao baile
para questioná-las.
— Se eu for agradável com elas, elas tomam isso como um
convite para se tornar a próxima Duquesa...
— O que obviamente não tenho o menor desejo de me tornar —
disse ela. Parecia que ela estava mentindo — Então não há
necessidade do senhor me olhar carrancudo. E, uma vez que o
senhor tem pavor de mulheres, vou questioná-las enquanto o
senhor interroga seus maridos, ou pais, ou qualquer outro homem
que o senhor considere adequado para o interrogatório.
Os cantos de sua boca se contraíram como se ele estivesse
prestes a sorrir. Mas ele conseguiu se controlar e aprofundar sua
carranca.
— Não há necessidade de vir comigo para falar com as
mulheres...
— Na verdade, há sim — Charlotte fez uma pausa.
Como ela poderia admitir que, queria ajudá-lo porque gostava
dos Archers? Pela primeira vez, ela queria ficar, pelo menos por um
tempo, e ela não queria ver a família arruinada por rumores
sórdidos.
Acima de tudo, ela não queria ver Nathaniel arruinado por
acusações.
Apertando as mãos com mais força, ela respondeu em um tom
dolorosamente uniforme:
— A maioria das mulheres não me conhece. No entanto, se eu
for escoltada por alguém que desejam impressionar, alguém como
um Duque solteiro, elas vão falar comigo.
— Ninguém se recusaria a falar com a senhorita.
Ela não conseguiu responder até que ela limpou o caroço na
parte de trás de sua garganta. Os homens nunca entenderam,
principalmente aqueles com títulos.
— Não é que me falte dinheiro ou mesmo boa educação. É que
elas não aprovam minhas idéias.
Ou a mim, por falar nisso. Afinal, sou apenas uma colona
rebelde.
— Isso é um absurdo. Muitas mulheres...
— Não é absurdo, o senhor não entende...
— A senhorita me permite a cortesia de terminar pelo menos
uma frase? — ele perguntou exasperado.
Com as bochechas em chamas de mortificação, ela assentiu.
Ele disse:
— Não sei dizer quantas mulheres — e homens — têm noções
muito estranhas. Na verdade, sempre pensei que a marca registrada
de um verdadeiro inglês é ter ideias peculiares. A senhorita refina
demais as trivialidades. A senhorita é perfeitamente aceitável e a
maioria das mulheres ficaria mais do que feliz em convidá-la para o
chá.
— Isso não é verdade — disse ela, pensando na rejeição de
Almack — Embora eu concorde com o senhor que os ingleses têm
mais do que seu quinhão de noções estranhas. No entanto, o fato é
que não sou, e nunca fui, uma mulher socialmente popular. Se eu
fosse, não teria vivido com cinco — ou seriam seis? — famílias nos
últimos nove anos. Porém, o que importa é descobrir quem matou
aquela pobre menina. Não se eu sou uma debutante popular ou
uma erudita espevitada.
Ele riu.
— Eu concordo, embora também não esqueça o que a senhorita
disse. Tenho a intenção de provar que a senhorita é tão popular
quanto qualquer outra debutante tropeçando na pista de dança do
Almack's.
— Feito! — Charlotte disse antes de murmurar: — E que
adorável elogio. Posso ser excessivamente alta, mas não tropecei
na pista de dança.
Nathaniel se inclinou para trás, esticando suas longas pernas de
cada lado dela. Novamente ela percebeu como a carruagem era
pequena. Os joelhos dele estavam tão perto dos dela que ela podia
sentir o calor entre eles. Quando a carruagem balançou, as pernas
dele bateram nas dela parecendo demorar mais que o necessário,
esfregando-se contra ela.
Ele tinha consciência disso? Quando ela olhou para ele, havia
um brilho quase selvagem em seus olhos.
— Eu nunca disse que a senhorita tropeçou. No entanto, nunca
tive o prazer de ver a senhorita dançar — A expressão de falsa
inocência em seu rosto a fez querer bater em seus ouvidos.
— É duvidoso que o senhor algum dia experimente esse prazer.
— Oh, eu não sei — disse ele, olhando para as mãos dela
entrelaçadas no colo. A perna dele bateu na coxa dela novamente.
Ela se recusou a olhar para o rosto dele, embora sua voz soasse
como se ele estivesse rindo — A temporada ainda não acabou.
— Acabou no que me diz respeito — A resposta dela soou azeda
até mesmo para seus ouvidos.
Um suspiro horrorizado da criada fez Charlotte lamentar seu tom.
Tremendo e segurando o avental contra a boca como uma mordaça,
a criada olhou para Nathaniel como se esperasse que ele matasse
as duas.
— Oh, fique tranquila, Alice — disse Charlotte, segurando o
braço da garota.
A criada gritou e se afastou. Seus olhos castanhos aquosos
cintilaram de Charlotte para Nathaniel em rápida sucessão.
Depois de um movimento abrupto e indiferente aceno de sua
mão em direção a Alice, Nathaniel se sentou e olhou pela janela.
— Bem, ela não é útil para a senhorita... ou para mim.
Charlotte suspirou.
— Infelizmente, eu concordo. Se eu soubesse que ela era tão
propensa à histeria, nunca a teria trazido comigo. Por favor, fique
quieta, Alice! Ninguém vai te machucar!
— Sua Graça vai me empurrar para fora!
— Ele não fará tal coisa! — Charlotte respondeu, tentando
manter a voz suave — Na verdade, ele vai virar a carruagem.
Voltaremos para os Archers, onde você pode voltar a tirar o pó da
mesa do corredor e qualquer outra coisa que desejar.
— Obrigada, senhorita — Alice respondeu, suas mãos magras e
rachadas torcendo as pontas do xale — E o senhor não vai usar
isso contra mim, Sua Graça?
— Eu nem vou lembrar o seu nome — Nathaniel a assegurou,
embora seu tom sarcástico fez Charlotte lançar um olhar rápido para
ele. Ele sorriu benignamente e bateu no teto da carruagem antes de
dar a ordem para virar a carruagem.
Com essa garantia, a criada pegou a ponta do avental e
começou a mastigar a bainha esfarrapada. Ela manteve os olhos
firmemente fixos na janela aberta.
Tomando esse bom exemplo a sério, Charlotte olhou pela janela.
Ela se recusou a olhar para Nathaniel, embora sentisse como se
seus olhos azuis estivessem queimando o lado de seu rosto.
Quando eles voltaram para a casa, Tom Henry abriu a porta e
estendeu a mão para ajudar a pequena criada a descer. Ele pareceu
um tanto surpreso ao ver Charlotte. No entanto, ele se recuperou
rapidamente e novamente estendeu a mão para ajudá-la.
— Peça a Suddley para dizer a Lady Victoria que a Senhorita
Haywood e seu sobrinho gostariam do prazer de sua companhia
esta manhã — disse Charlotte.
— Agora, senhorita? — ele perguntou confuso, sua mão ainda
estendida.
— Sim. Não queremos deixar Sua Graça esperando.
— Isso é um absurdo — Nathaniel protestou com os dentes
cerrados — Desça. Voltarei outro dia se desejar ser escoltado a
algumas das residências femininas.
— Eu concordo. É um absurdo o senhor protestar ainda mais. Eu
vou com o senhor — Charlotte se recostou nas almofadas, adotando
uma expressão complacente — O assunto está obviamente
resolvido, então não seja rude. Faremos visitas matinais juntos.
Lady Victoria e eu falaremos em particular com as Ladys. Alguém
pode ter visto algo, e vamos descobrir.
Ele se recostou na cadeira novamente e cruzou os braços sobre
o peito. Depois de um momento, ele esticou as pernas, mais uma
vez prendendo-a entre elas.
— Eu sou perfeitamente capaz de fazer minhas próprias
investigações...
— Precisamente com quantas mulheres você espera se
comprometer?
— Nenhuma...
— O senhor não pode questionar Ladys sozinho sem
comprometê-las. Portanto, a menos que seja esse o seu propósito,
o senhor deve nos permitir ajudá-lo. É improvável que as moças
falem abertamente com o senhor, principalmente na frente de seus
pais ou irmãos. Realmente, Sua Graça, o senhor não tem escolha.
— Então a Senhorita se lembra de como se dirigir a mim da
maneira adequada.
— Quando me convém, sim. E quando o senhor não está agindo
como um idiota completo.
— A senhorita sabe... — ele respondeu em um tom de conversa
— É melhor a Senhorita rezar para que eu não seja o assassino. A
senhorita está tornando extremamente tentador arriscar. —
Charlotte bufou.
Trocar a trêmula Alice por Lady Victoria foi melhor do que
Charlotte esperava. Com sua tia na carruagem, Nathaniel ficava
quase sempre no seu lado, embora seus joelhos ainda roçassem
contra os dela com mais frequência do que parecia necessário.
— Estou tão aliviada pelo senhor estar nos permitindo ajudá-lo,
Sua Graça — Lady Victoria anunciou depois de reorganizar as saias
no assento apertado. — Temos estado muito preocupados. O que
devemos fazer?
Um olhar para a expressão irônica de Nathaniel, fez Charlotte
responder apressadamente:
— Vamos fazer uma visita aos convidados que estavam
presentes na noite em que Lady Anne morreu. Enquanto o Duque
entrevista os cavalheiros, falaremos com as damas.
Lady Victoria acenou com a cabeça
— Muito bem. Um excelente plano.
Embora parecesse razoável, tornou-se mais uma provação do
que qualquer um deles imaginava. Todos ficaram satisfeitos com a
visita do Duque, mas ninguém tinha nenhuma informação nova. A
maioria nem sabia do assassinato até ler sobre isso no jornal ou
ouvir a fofoca da criada de quarto enquanto penteavam e prendiam
seus cabelos na manhã seguinte.
Após a terceira visita, eles subiram cansados de volta na
carruagem.
Lady Victoria alisou um cacho perdido na testa de Charlotte e
comentou:
— Isso não foi terrivelmente eficaz, não é? É simplesmente uma
pena que ninguém parece ter visto nada.
— Se a senhorita tivesse ouvido quando eu indiquei que seria
inútil... — Nathaniel respondeu, os músculos tensos em sua
mandíbula mostrando sua exasperação.
— Mais uma. Só mais uma visita hoje — disse Charlotte. Deve
haver alguém que viu algo. Alguém que estava observando
Nathaniel e sabe que ele não matou ninguém.
— E quanto à Senhorita Mooreland? — Nathaniel gemeu.
— Não tenho certeza — disse Lady Victoria, olhando para o
sobrinho — Estou inclinado a pensar que esta não é a maneira
correta de fazer isso.
— Eu me recuso a visitar Moorelands. O pai dela vai pensar que
vim fazer uma oferta por sua mão — disse ele — Não desejo passar
por isso novamente depois do que aconteceu na residência de
Howard.
— Como eu poderia saber que eles acreditariam que o seu
desejo de falar com o Senhor Howard indicava que o senhor estava
pensando em pedir a mão da filha dele? Foi um erro natural...
— Muito natural. Aviso-vos, não tenho intenção de visitar mais
famílias com filhas solteiras com mais de treze anos!
— Mas a Senhorita Mooreland...
— A Senhorita Mooreland já tem ideias sobre mim que não
desejo encorajar.
— O que eu ia dizer, se o denhor me permitir, é que Lady Victoria
e eu podemos visitar a Senhorita Mooreland. Não há necessidade
de o denhor nos acompanhar.
— Podemos? — Lady Victoria respondeu, recostando-se no
canto da carruagem com os olhos fechados — Não posso acreditar
que ela seria de alguma ajuda para Sua Graça.
— Eu posso ir sozinha se a denhora estiver cansada, mas
honestamente acredito que ela pode nos ajudar. Ela está
apaixonada por... — Charlotte fez uma pausa quando Nathaniel fez
uma careta para ela — Ela decidiu perseguir Sua Graça e observou-
o de perto naquela noite. É tão valioso encontrar alguém que pode
dizer que ele não o fez quanto encontrar quem o fez.
Nathaniel sorriu severamente.
— Isso, infelizmente, faz sentido. No entanto, minha tia está
cansada. Já declarei que não tenho intenção de visitar mais pais de
filhas casáveis. Portanto, se a senhorita insistir, vamos deixá-la na
porta dos Moorelands.
— Esplêndido — disse Charlotte.
Poucos minutos depois, ela estava sentada em uma linda sala
de estar cheia de cadeiras forradas de chita e mesinhas
transbordando de pedaços de costura, romances emprestados da
biblioteca, livros terríveis e várias revistas de moda La Belle
Assemblée. A Senhorita Mooreland lutava com um punhado de fitas,
enfeites de cordão e pedaços de seda.
— Oh, Senhorita Haywood! Que bom ver a senhorita de novo!
Desculpe, mas eu estava tentando endireitar meu kit de costura —
Ela parou quando um punhado de botões de pérola escorregou de
seu colo e se espalhou pelo chão — Ah não!
Charlotte riu e correu atrás dos botões, abaixando-se para pegá-
los.
— Aqui estão seus botões, a senhorita está planejando um
projeto de costura?
A senhorita Mooreland balançou a cabeça, seus olhos castanhos
alegres.
— Eu começo muitos projetos e acabo muito poucos. Minha mãe
diz que não tenho esperança e, como tagarela me distraio
facilmente com a coisa mais nova e brilhante — Seus olhos se
voltaram para as revistas abertas. Elas mostravam várias ilustrações
dos estilos de verão com sua linha de corte na frente e ao longo da
bainha.
— Eu entendo perfeitamente, eu sou exatamente da mesma
forma — Não era estritamente a verdade, já que Charlotte se sentia
obrigada a terminar qualquer coisa que começasse, mas ela
gostava da Senhorita Mooreland e sua alegre, embora bagunçada,
sala matinal.
— Oh, me desculpe, sente-se — A Senhorita Mooreland indicou
a cadeira em frente a ela — Eu não vi a senhorita desde o baile de
Lady Beatrice, uma coisa tão horrível.
— A senhorita conheceu Lady Anne?
A Senhorita Mooreland acenou com a cabeça, as lágrimas
enchendo seus olhos.
— Sim. Éramos boas amigas, apesar de ambas nos
apaixonarmos pelo mesmo homem.
— O Duque de Peckham?
— Sim — ela disse, enxugando os olhos com um pedaço de
seda azul — Quem poderia deixar de amá-lo... ele é tão bonito,
tão...
Aristocrático? Poderoso? Rico?
— Sim, sim — Charlotte a interrompeu, sentindo-se irritada que
tantas mulheres se sentissem compelidas a se atirar em Nathaniel
— É difícil, não é? Por acaso a senhorita notou Lady Anne seguindo
o Duque para o jardim antes de acontecer?
— Sim, nós o seguimos juntas.
— Vocês estavam juntas?
— Nós saímos juntas — ela corrigiu Charlotte.
— Então o que aconteceu? — Charlotte inclinou-se para frente,
torcendo sua bolsa entre as mãos. Ela sabia que a Senhorita
Mooreland tinha visto algo e estava determinada a descobrir.
— Oh, nós perdemos a pista de Sua Graça. Lady Anne disse
que seria mais fácil se ela pegasse o caminho através dos teixos
enquanto eu procurava perto do terraço — A Senhorita Mooreland
sorriu — E eu tive sorte, pois Sua Graça voltou para o terraço, não
foi? Eu o observei falando com a senhorita.
— Sim, eu lembro vagamente. Quanto tempo a senhorita o
procurou antes de vê-lo no terraço?
— Oh, eu realmente não sei.
— Apenas alguns minutos? — Charlotte perguntou. Ela queria
sacudir a Senhorita Mooreland e exigir que ela lhe contasse tudo o
que sabia, em vez de se arrastar indefinidamente.
A Senhorita Mooreland olhou para o emaranhado de fitas em
suas mãos e respondeu lentamente:
— Eles estavam começando uma dança country quando saímos.
Quando o vi subir ao terraço, tocava uma valsa. Lembro-me porque
adoro valsar e gostaria de ter encontrado Sua Graça antes para que
pudéssemos valsar.
Então, ninguém sabia onde Nathaniel estava por pelo menos
quinze minutos.
— Quinze minutos é muito tempo — Charlotte disse lentamente.
Corando, a Senhorita Mooreland assentiu.
— Eu realmente não quero espalhar boatos.
Agarrando a saia para não pular e estrangular sua anfitriã,
Charlotte fez o possível para parecer despreocupada. Experiências
anteriores com fofoqueiros masculinos e femininos lhe disseram que
a maneira mais rápida de obter informações era parecer entediado
— Eu entendo perfeitamente. Você tem muito mais moderação
do que eu jamais tive — Ela alisou a saia como se estivesse se
preparando para sair — Bem, eu...
— Eu os ouvi discutindo! — Miss Mooreland disse em uma voz
sem fôlego.
O coração de Charlotte parou.
— A Senhorita ouviu Lady Anne e Sua Graça discutirem?
— Não, não Sua Graça, Sir Henry!
— A senhorita ouviu Sir Henry discutindo com Lady Anne? Sobre
o que eles estavam discutindo?
— Sir Henry a amava, acredito que ele esperava propor a ela.
Mas Lady Anne preferia Sua Graça. Quem não prefereria?
— Quem, de fato?
Uma vez iniciada, a Senhorita Mooreland parecia incapaz de se
conter. Ela se inclinou para frente, seus olhos castanhos brilhantes
enquanto ela descrevia o que tinha ouvido.
— Foi muito angustiante e não quis ouvir. Sir Henry ficou
extremamente zangado e disse que ela dançou com Sua Graça
duas vezes e foi jantar com ele. Receio não ter ficado para ouvir o
resto — simplesmente não consegui.
— Eu posso certamente apreciar seu sentimento. A senhorita se
importaria de repetir o que me disse para um agente de
investigação?
— Não. Sinto muito, mas meus pais nunca aprovariam.
— A senhorita poderia escrever isso, talvez. Uma carta assinada
pela senhorita também serviria — Pelo menos ela esperava que
sim.
— Oh, eu não poderia — A Senhorita Mooreland insistiu, seus
olhos preocupados.
— A senhorita precisa! A senhorita quer ver o Duque de
Peckham sofrer com esses rumores horríveis? A senhorita deve
saber que eles são falsos. A senhorita diz que o ama, mas não vai
nem mesmo escrever um bilhete simples que poderia ajudá-lo
incomensuravelmente.
A Senhorita Mooreland corou e depois franziu a testa, os olhos
baixos. Com um longo suspiro, ela se levantou e foi até uma
pequena mesa no canto perto da janela. Ela puxou uma folha
grossa de papel cremoso.
— Eu não posso deixá-lo sofrer, mas a senhorita deve prometer
que ninguém saberá que eu disse nada. Fiquei tão perturbada com
Lady Anne, é um grande alívio falar com a senhorita sobre isso. No
entanto, a senhorita deve saber que se meus pais soubessem que
eu estava no jardim com ela, eles nunca me permitiriam ir a outro
evento sem a supervisão mais estrita. Eu ficaria arruinada! — Sua
voz falhou — Oh, eu sinto tanto a falta de minha Lady Anne... a
senhorita não pode imaginar como isso tem sido difícil!
— Eu realmente sinto muito, Senhorita Mooreland. Posso
entender sua sensação de perda, realmente posso — Charlotte
respondeu, parando perto da pequena escrivaninha. — Eu mesma
entregarei isto em Bow Street. Prometo fazê-los entender que não
devem vir aqui ou questioná-la mais.
— Obrigada, e eu sinto muito. Espero que a senhorita não pense
que isso indica que eu simplesmente não me importava com Lady
Anne ou Sua Graça. Isso não poderia estar mais longe da verdade!
Charlotte deu um tapinha no ombro dela.
— Eu entendo.
Quando a Senhorita Mooreland terminou seu breve bilhete e o
abanou até secar, Charlotte o pegou com cuidado. Ela leu antes de
colocá-lo em sua bolsa. Então ela se abaixou e deu um abraço na
Senhorita Mooreland, profundamente ciente da dor de perder um
amigo.
Quando ela finalmente se endireitou, ela pensou em Nathaniel e
seu pulso disparou.
Ele ficaria satisfeito por ela ter conseguido coletar informações
tão vitais? A força de seu desejo de ganhar sua gratidão a inquietou.
— A senhorita tem de ir tão cedo? — Senhorita Mooreland
perguntou, enxugando os olhos.
Charlotte olhou para ela, surpresa por uma onda de amizade e
prazer. A Senhorita Mooreland foi a mulher que ficou ao lado dela no
baile de Lady Diana e falou com ela quando quase todo mundo a
ignorou.
Pressionando sua mão, Charlotte disse:
— Eu prometo que voltarei, mas devo entregar isto em Bow
Street. Tenho certeza de que ambas concordamos que Sua Graça é
completamente inocente de qualquer mal...
— Ninguém ousaria acusá-lo!
— Talvez. No entanto, também não queremos que a besta que
matou Lady Anne permaneça livre. Ele pode matar outra mulher.
Os olhos castanhos e suaves da Senhorita Mooreland brilharam.
— Eu sinto tanto a falta dela. Tenho certeza de que a senhorita
está certa. Mas a senhorita vai voltar, não vai?
— Oh, sim — Charlotte sorriu, uma segunda onda de afeto
fazendo seus lábios tremerem. — Eu irei quando a senhorita
desejar. Espero que a senhorita nos dê a honra de visitar a
residência dos Archers também.
— Ficarei feliz em fazê-lo, sempre admirei Lady Victoria. Ela é
uma mulher maravilhosa.
— Sim, ela é.
Depois de alguns minutos, Charlotte finalmente deixou a casa de
Mooreland. A carruagem de Nathaniel estava fora, no entanto,
Nathaniel e Lady Victoria não estavam dentro.
A carta na bolsa de Charlotte implorava para ser entregue em
Bow Street. Então Charlotte ordenou ao cocheiro que a levasse lá
em vez de voltar para casa.
Demorou um pouco para convencê-lo a levá-la a esse destino, já
que ele tinha ordens claras do Duque para levar Charlotte de volta
aos Archers.
Quando eles finalmente chegaram, Charlotte estudou os homens
de aparência rude indo e vindo e se perguntou se essa era uma
ideia brilhante, afinal.
Quando o cocheiro abriu a porta, ela disse:
— Você poderia fazer a gentileza de solicitar que o indivíduo
responsável pela investigação do assassinato de Lady Anne saia?
— Sim, senhorita — respondeu o cocheiro com voz cansada.
Ela esperou impacientemente, ciente de que a carruagem estava
adornada com o brasão do Duque. Isso tornava a equipagem
terrivelmente conspícua. Depois do que pareceram várias horas,
mas certamente foram apenas alguns minutos, o cocheiro voltou
com outro cavalheiro.
Mesmo assim, tentando não ser intolerante com o homem
comum, Charlotte se sentiu incomodada quando o homem parou na
porta da carruagem. Ele parecia desalinhado e um pouco... rude.
— Aqui está ele, senhorita — disse o cocheiro antes de
acrescentar: — Senhor Clark de Bow Street.
— Senhorita Haywood? — perguntou o agente de inquérito. Ele
enfiou a mão dentro de sua jaqueta marrom desbotada e tirou um
pequeno livro encadernado em couro preto. Uma longa mancha de
um líquido marrom manchava seu colete — A senhorita queria falar
comigo? A respeito do caso envolvendo a jovem conhecida como
Lady Anne?
Ela o estudou. Ele estava zombando dela por interferir em sua
investigação? Seus olhos castanhos pareciam curiosos, mas
sinceros. Agarrando sua bolsa, o papel amassado farfalhou.
Ela se inclinou em direção à porta.
— Devo pedir que esta entrevista permaneça privada. Acabei de
vir da residência de uma jovem senhorita e tenho informações que
acredito serem críticas...
— Boatos...
— Não. Tenho uma nota escrita pela senhorita e assinada, mas
não podemos envolvê-la. Sua reputação será prejudicada se seu
nome for citado no decorrer desta investigação. Prefiro que o senhor
use meu nome do que o dela, se necessário.
— Muito nobre, no entanto, esta é uma investigação de
assassinato. A vida de um homem pode estar em jogo...
— E a vida de uma mulher já foi sacrificada. É totalmente
desnecessário sacrificar o bom nome de outra pessoa.
Ele suspirou e começou a colocar o caderno de volta no bolso.
— Não posso prometer que o nome dela nunca será conhecido.
— Então substitua o meu.
— Isso seria ilegal e impróprio. Se a senhorita tem evidências
desta dama, então entregue para mim. Caso contrário, sugiro que a
senhorita volte para casa e me permita continuar minhas
investigações.
Com o temperamento inflamado, Charlotte comprimiu os lábios
para evitar dizer algo lamentável. Ela puxou a carta e entregou a
ele.
— Eu prometi a ela que ela não seria obrigada a vir aqui —
Charlotte disse, sua voz cortando quando ela olhou por cima do
ombro para o estabelecimento atrás dele. — Ou ser interrogada.
Tudo o que ela viu e ouviu está nesta nota. Ela não testemunhou o
assassinato, no entanto, ela foi a última pessoa com Lady Anne
antes que aquele homem terrível a matasse. Ela o ouviu discutindo
com ela, embora não o visse. Ela conhecia sua voz.
— De fato — murmurou o senhor Clark ao abrir a carta e
começar a lê-la. Seus olhos pousaram no fundo, examinando a
assinatura — A Senhorita Mooreland acompanhou Lady Anne ao
jardim e ouviu esta discussão?
— Sim, precisamente. Essa é a nota assinada dela...
— A declaração dela, na verdade — interrompeu o Senhor Clark.
— Isto é muito interessante.
— Sim, isso é.
— Eu certamente irei explorar os eventos descritos aqui.
— Obrigada — disse Charlotte antes de sinalizar para o cocheiro
fechar a porta. Charlotte observou pela janela enquanto eles se
afastavam. O Senhor Clark permaneceu parado na calçada, lendo a
carta em suas mãos gorduchas e sujas.
Ela tinha feito a coisa certa? A Senhorita Mooreland se
arrependeria de ter confiado nela o suficiente para escrever aquela
nota — sua “declaração” — como o Senhor Clark a chamou?
Quando eles se aproximaram da casa de Archer, Charlotte se
sentiu desconfortável o suficiente para decidir não discutir a nota
com Nathaniel. Se não resultasse na descoberta do assassino, não
teria nenhum propósito. E ocorreu a Charlotte que alguns poderiam
acreditar que Nathaniel tinha de alguma forma influenciado para
conseguir a declaração para provar sua inocência.
Não importava o que acontecesse, seria mais eficaz se o Duque
não soubesse nada sobre a Senhorita Mooreland e o bilhete.
Você pode fazer perguntas a um homem com uma honesta intenção
de eliciar a verdade.
Guia de bolso do policial

N aquela tarde, Nathaniel e Archer foram ao White's para um


jantar tranquilo. Eles foram interrompidos pelo pai da
menina morta, o Conde de Telford. O rosto abatido do
Conde ficou sombrio de raiva quando Nathaniel não tinha nada de
novo para relatar.
— O senhor é culpado — disse o Conde.
— Não. Não, não sou. Vou encontrar o homem responsável. Eu
não vou parar até que o faça.
O Conde estudou seu rosto antes de se virar. Ele saiu
apressado, com os ombros curvados e a cabeça curvada de forma
protetora contra batidas adicionais. Ele mal parou para agradecer as
reverências e murmuradas expressões de simpatia de amigos.
Nathaniel o observou sair antes de se voltar para Archer
— Eu tenho que encontrar esse bastardo. Não serei responsável
por matar Telford em um duelo, e ele deve insistir no assunto se eu
não apresentar algo em breve. Eu iria duelar, mas... — Ele não
queria morrer.
— O que te faz pensar que você vai ganhar?
Nathaniel olhou para o tio exasperado. Não era falso orgulho, e
ambos sabiam disso. Archer ergueu um copo para ele e balançou a
cabeça.
— E o que você estava pensando para sugerir que eu
propusesse àquela sua pupila? — Nathaniel reclamou com Archer,
mudando de assunto.
— Ela não disse sim?
— Não — Nathaniel teve que trabalhar para manter a voz baixa.
Ele ergueu os olhos com um sorriso tenso enquanto o garçom se
curvava para encher suas taças de vinho. O cabernet rico não era
forte o suficiente para lavar a humilhação que sentiu por aquele
desastre.
Depois daquele beijo, qualquer outra mulher teria saltado sobre
ele e insistido que ele se casasse com ela por comprometer sua
honra com uma ação tão baixa. O pior de tudo era que ele tinha
gostado e queria fazer de novo.
— Bem, você deve ter estragado muito se ela recusou. O que
você disse a ela?
— Nada! Ou seja, tentei explicar a situação. Ela recusou. Ela
nem me ouvia.
Depois que cometi o erro de apalpá-la no jardim. Ela deve ter
pensado que eu era o pior dos libertinos. Ou louco. Provavelmente
ambos. E ele ainda não tinha conseguido tirar a lista dela.
Deve haver uma pista em algum lugar….
Archer riu, cortando um bocado generoso de rosbife
malpassado. Depois de empurrar uma nova batata em seu prato,
Nathaniel pousou o garfo. Ele fez uma careta para seu tio.
— Nevvy, você obviamente não é tão habilidoso com as
mulheres como eu presumi — Archer acenou com a faca sob o nariz
de Nathaniel. — Agora, não tenha vergonha. Nem todo mundo pode
ser charmoso, que pena. Eu estava dependendo de você, no
entanto, então teremos apenas que pensar em outro esquema.
— Não, não devemos! Não tenho nenhuma intenção de humilhar
a Senhorita Haywood, ou a mim, mais ainda! Na verdade, estou
pensando seriamente em deixar Londres pelo resto da temporada.
Não estou progredindo nesta investigação e não posso chegar a um
metro de outro homem para questioná-lo antes que alguma mulher
salte sobre mim.
— Você não pode desistir. Bow Street já desenvolveu uma
impressão totalmente errada — argumentou Archer — Precisamos
convencê-los de que errariam se acreditassem nessa bobagem dos
jornais. — Seu rosto estava duro de preocupação — E não gosto da
ideia que ela tem de ajudar você na investigação.
— Acha que eu quero que ela ajude?
— Ela está se colocando de forma imprudente em perigo — Sua
voz ficou mais baixa — E isso não é tudo. Minha esposa encontrou
outra carta de um daqueles egípcios. Não é bom. Se não tomarmos
cuidado, o pássaro voará para o sul e terá suas penas arrancadas.
Esse esquema dela não está bom. De jeito nenhum.
— Ela quer ir. Por que simplesmente não a deixar? — A ideia
irritou Nathaniel, mas ele estaria condenado se admitisse. Por que
ela não conseguia encontrar algo para desenterrar em Londres? Por
que ela tinha que ir ao Egito para brincar com ossos mofados pelo
amor de Deus?
E por que ela tinha que se colocar em risco, ajudando-o a limpar
seu nome? Ela parecia determinada a caminhar direto para um poço
de víboras.
— E ser despojada de sua herança por um monte de charlatães?
Ou pior? Você já considerou o comércio de escravos? — Perguntou
Archer.
— Já — ele respondeu brevemente.
— Então você deve concordar. Ela terá que ser detida aqui até
que ela tenha senso, ou esteja muito velha para escravistas. E ela
deve ser mantida fora da investigação.
As palavras de Archer irritaram Nathaniel tanto que ele bebeu
seu vinho de um só gole. Ele já não tinha responsabilidades
suficientes sem se preocupar com a pupila de seu tio?
— O que quer que eu faça? Acorrente-a no porão de Peckham
House até que ela tenha sessenta anos?
Ele esperava que Archer risse, mas em vez disso, o rosto magro
de Archer parecia mais preocupado e pensativo do que o normal.
— Tenho medo... muito medo... pela segurança dela.
Uma sensação de urgência, alimentada pela raiva e medo,
manteve Nathaniel em silêncio por um momento.
— Ela precisa parar. Mande-a para o campo.
— Ela simplesmente fugiria ou voltaria para Londres. Ela tem
recursos, sabe? Só me dê um minuto...
Archer estalou os dedos, errando por pouco a ponta do nariz de
Nathaniel
— Eu tenho uma solução melhor. Nós vamos sequestrá-la. É a
única solução e resolverá todos os nossos problemas.
— Vamos fazer o quê? Ficou inteiramente louco?
Archer o olhou exasperado.
— Acalme-se. O que estou sugerindo é totalmente razoável.
— Em que circunstâncias o sequestro pode ser considerado
razoável?
— Apenas considere por um momento. Ela é sequestrada e
mantida em um local perfeitamente seguro pelo tempo necessário
para mantê-la fora de perigo. Você terá tempo para investigar
adequadamente e, quando o assunto for resolvido, você a resgata.
Ela ficará agradecida. Você é o herói dela. Ela concorda com um
noivado temporário como recompensa por sua incrível façanha, e
nós a mantemos distraída com isso. Ela ficará feliz e segura na
Inglaterra até que possamos providenciar uma escolta adequada —
Archer se inclinou para frente, seus olhos brilhando com energia —
Então, voilá, ela rompe o noivado e viaja para o Egito como ela
deseja. E você pode então fazer o que quer que os Duques façam
desse ponto em diante. É perfeito — Ele se recostou, um sorriso
satisfeito no rosto — Concorda? Você não vê? É um esquema
brilhante.
— Vejo que está seriamente perturbado. Não há nada que me
convença a sequestrar sua pupila.
— De fato? — O sorriso de Archer se tornou mais astuto. Isso
enviou calafrios na espinha de Nathaniel — Nem mesmo mantê-la
fora das mãos dos escravistas brancos? Ou para evitar que ela seja
assassinada como Lady Anne?
— É ridículo! — Nathaniel jogou o guardanapo de linho sobre a
mesa. Os garçons foram rápidos em perceber e começaram a retirar
os pratos. Outro trouxe novos copos, desta vez com vinho do Porto.
Nathaniel engoliu o seu e colocou-o de volta na mesa com um
estalo que quase quebrou o vidro grosso. Foi rapidamente
recarregado, mas ele mal percebeu, embora sua mão levasse o
copo aos lábios novamente.
— Almack recusou a entrada dela.
Nathaniel se levantou abruptamente e baixou o copo novamente.
— O quê?
— Sente-se! — Archer sibilou. — Deseja aumentar os rumores
sórdidos que agora circulam por todas as salas de estar de
Londres? Graças ao seu comportamento atroz e a essa inexplicável
atração que os jardins parecem manter sobre você, você corre o
risco de ser totalmente dissoluto.
Nathaniel sentou-se relutantemente. A raiva o consumiu. Ele
esvaziou o copo de porto, mal notando quando foi servido de outra
dose.
Como eles ousam se recusar a deixá-la entrar no Almack's? Ela
era muito melhor do que qualquer das outras idiotas sorridentes que
ele conhecia. Foi nada menos que um ultraje.
Ele não mais colocaria os pés lá agora. Ele desejou que ela
tivesse concordado com sua proposta. Ela seria sua prometida.
Ninguém ousaria esnobá-la. Maldição, ele saboreava a ideia de
entrar em salas de estar abafadas com ela em seus braços. Ela
seria uma excelente Duquesa ou noiva até partir para o Egito. O
pensamento quase o fez estremecer.
Ele estava arrasado. Ele não conseguia nem dormir à noite sem
ter sonhos com as pernas longas e nuas de Charlotte Haywood.
Pernas que o faziam acordar desconfortável e febril, enroscado nos
lençóis da cama….
Deus, um escravagista branco faria uma fortuna com ela.
Nathaniel podia imaginá-la envolta apenas no mais transparente véu
de seda — azuis como seus olhos — parada em um leilão sob o sol
quente do deserto. A luz abrasadora queimaria seu cabelo comprido
e solto, enquanto um a um os véus eram removidos até que ela
ficasse ali….
— Então — Archer disse depois de saborear delicadamente seu
próprio copo de porto — vamos interceptar a carruagem dela no
caminho de volta da Dacy House nesta sexta-feira. Concorda?
— Não! — Ele passou a mão trêmula pelo cabelo, desalojando
um cacho grosso. A irritante mecha caiu sobre sua testa. Ele
empurrou-a para trás com impaciência e tentou beber o seu porto.
Seu copo estava vazio. Eles não tinham acabado de recarregar?
— Garçom! — Ele não podia ficar sozinho com ela. Em sua
casa. Dependente dele e olhando para ele com aqueles olhos azuis
cheios de medo….
Claro, ele teria que tranquilizá-la. E de alguma forma seu vestido
seria rasgado com o sequestro e as costuras dos ombros cederiam.
Ela cairia prostrada em seus braços com os seios em suas mãos e
sua pele clara brilhando pálida ao luar...
— Seu copo, Sua Graça — o garçom interrompeu, segurando
uma garrafa de porto em uma das mãos.
Depois que seu copo estava cheio, Nathaniel se inclinou para
frente, olhando fixamente para Archer.
— Eu não vou assustá-la desnecessariamente, e seremos
apenas nós dois. Quer dizer, só o senhor e eu estaremos lá. Com
ela. Ninguém mais precisa saber de nada.
— Bem, Lady Victoria também, eu não gostaria que ela se
preocupasse.
— Não! Absolutamente não!
— Minha esposa é a alma da discrição. Ela deve saber.
— Concordo, mas ninguém mais. Nós a sequestramos e... e a
escondemos... onde? Ela deve ter uma cama confortável e comida.
E uma criada. Que tal uma criada? Não posso ficar sozinho com ela
sob nenhuma circunstância. Absolutamente não. Está claro?
Porque, se não estiver claro, simplesmente não podemos fazer isso.
Este ponto não pode ser enfatizado o suficiente. Sob nenhuma
circunstância vai me deixar sozinho com ela!
— Meu caro rapaz, se você lhe der aposentos luxuosos, ela não
desejará ser resgatada e não podemos ficar sentados jogando uíste
com ela o tempo todo! Ela deve estar assustada se quiser que ela
seja devidamente grata a você.
— Eu não vou deixá-la assustada!
— Bem, isso, ao invés, frustra o propósito...
— Eu não vou assustá-la!
Archer pigarreou e terminou seu porto, tamborilando os dedos da
mão esquerda na mesa. Seus olhos cintilaram para o rosto de
Nathaniel.
— Você sabe que a maioria das mulheres, apesar de negarem,
aprecia um pouco de perigo. Isso dá uma certa empolgação...
— Absolutamente não! — Nathaniel se sentiu superaquecido.
Ele continuou amargamente — E eu acho que os rumores sobre eu
ser um assassino seriam perigosos o suficiente para qualquer
mulher. Não que eles tenham impedido qualquer uma dessas
malditas mulheres de me perseguir...
Ele estava bêbado.
Não, ele não estava. Ele estava apenas preocupado.
Preocupado em deixar o White's e enfrentar o que podia estar lá
fora, esperando em sua carruagem ou em seu guarda-roupa.
Quase desejou que Bow Street o levasse sob custódia. Uma
bela cela solitária com uma fechadura forte na porta.
— Faremos o nosso melhor para tranquilizá-la — disse Archer
por fim — Coloque isso na conta do Duque — acrescentou ele,
falando com um garçom que passava. O garçom acenou com a
cabeça e saiu correndo.
Nathaniel o observou ir recostando-se na cadeira.
— Não está indo embora, está?
— Minha esposa...
— Esta é uma ideia terrível, Archer. O que você descreve seria
uma aventura diabolicamente boa, mas eu não posso... — Ele era
um Duque, embora ligeiramente indisposto. Raptar mulheres não
era uma coisa ducal.
Mas, maldição, por que ele sempre tinha que ser responsável?
Sem aventuras, sem diversão. Apenas ouvindo os problemas de
seus inquilinos e tentando resolvê-los como uma espécie de
Salomão. Só que ele não era tão sábio quanto aquele cavalheiro
bíblico e provavelmente teria cortado a criança ao meio ou dado
para a mãe errada.
Archer se endireitou e franziu a testa.
— É uma ideia brilhante. Não posso garantir que você tenha a
habilidade e a coragem para levá-la adiante, mas é uma ideia
brilhante.
— Eu tenho habilidade e coragem.
— Mesmo? Você parece ter perdido a coragem nos últimos
meses.
— Então vou provar isso — Nathaniel colocou o chapéu sobre os
cachos desgrenhados — Mas precisamos de um plano melhor —
Ele ergueu a mão quando Archer bufou — Ou talvez apenas resolva
os detalhes. Certamente você pode dispensar mais uma hora.
— Acompanhe-me em casa. Veremos precisamente como isso
deve ser tratado para evitar causar a Charlotte — isto é, Senhorita
Haywood — qualquer preocupação ou desconforto desnecessário.
Nathaniel vacilou enquanto se levantava, mas agarrou-se às
costas da cadeira até que o chão parasse de balançar.
Archer olhou para ele e suspirou.
— Você é um jovem muito afortunado.
— Oh, sim — respondeu ele, caminhando com muito cuidado em
direção à porta. Lá fora, o ar fresco clareou sua cabeça o suficiente
para ficar muito feliz com a companhia de seu tio. Nathaniel não
estava exatamente bêbado, mas estava indisposto o suficiente para
deixá-lo descuidado — Eu sou um homem muito afortunado.
— Se você puder manter o juízo.
Nathaniel riu.
— Nada tema. Vamos sequestrar a bela donzela, resgatá-la e eu
vou resolver este assassinato. E vamos convencer a Senhorita
Haywood a permanecer sob seus cuidados.
— Eu só espero que você possa fazer isso. Você já desperdiçou
quase três semanas, Nevvy, e Telford está ficando impaciente.
— Nunca tema! — ele respondeu, abrindo a porta da sua
carruagem. Um cheiro suave fez cócegas em seu nariz — Venha,
Archer, vou levá-lo para casa.
Ele se afastou para que seu tio entrasse primeiro na carruagem.
Um minuto depois, Archer enxotou uma garota risonha de dezessete
anos para fora da porta. Ele desceu atrás dela, acenando para que
ela se afastasse.
— Você a conhece?
— Não tenho certeza. Todas são parecidas: garotas baixas e
bobas com nada além de lã macia entre as orelhas.
Os olhos cinzentos afiados de Archer examinaram seu rosto.
— E você acredita que você está melhor sem essas mulheres
irritantes sobre você?
— Isso é precisamente o que eu quero. Paz. E algumas
aventuras — Nathaniel subiu na carruagem — Boas e tranquilas
aventuras sem mulheres, em qualquer lugar. Logo depois de
resolver esse assassinato.
Apesar de suas palavras, quando ele se recostou nos assentos
bem acolchoados de sua carruagem, ele viu os olhos azuis de
Charlotte rindo dele.
A imagem prometia a ele tudo menos paz.
Lunáticos. Um policial, oficial substituto ou superintendente é
obrigado a prender pessoas que vagam por toda parte e que são
consideradas lunáticas ou idiotas perigosos.
Guia de bolso do policial

N o baile de Dacy, o Duque fez todos os esforços para dançar


com Charlotte e, para sua surpresa, vários jovens amáveis
também solicitaram formalmente uma volta pelo salão com
ela. No entanto, apesar da atenção incomum, ela achou o baile um
tanto chato.
Depois de se recusar a dançar, ela observou Nathaniel escoltar a
Senhorita Mooreland para a pista. Sua segunda dança com aquela
debutante em particular esta noite.
Como Charlotte havia enviado Tom Henry a Nathaniel com sua
lista, ele aparentemente não teve tempo de falar com ela. Talvez ele
estivesse simplesmente ocupado tentando provar sua inocência.
Infelizmente, ela percebeu que sua recusa em aceitar sua
proposta de um falso noivado também poderia ter diminuído seu
interesse por ela. Melhor assim. Ela nunca achou a ideia
particularmente sólida e certamente não provaria a inocência de
Nathaniel.
Charlotte se virou abruptamente, batendo o dedo do pé no chão
brilhantemente encerado. Com o canto do olho, ela capturou a visão
de Lady Beatrice franzindo a testa para Nathaniel e a Senhorita
Mooreland. Ela também não parecia feliz com o casal, embora
finalmente tenha aceitado a escolta de Lord Brompton, e o par
deslizou pelo salão.
Lady Beatrice tinha um rival para o afeto de Nathaniel na
Senhorita Mooreland?
Talvez Lady Beatrice finalmente descobrisse como é perder um
namorado para outra. Era simplesmente uma pena que algumas das
outras meninas sofredoras de seu colégio interno não estivessem
aqui para ver a expressão no belo rosto de Lady Beatrice.
Charlotte sorriu. Então ela acenou com a cabeça para uma das
matronas que se esforçaram para lembrar Charlotte que Lady
Beatrice e Sua Graça formavam um belo casal.
A vida nunca era como se esperava.
Então, uma parte de seu bom humor evaporou. Ela se lembrou
de seu último ano no colégio interno e do triste Natal que havia
passado lá. Charlotte não ficou surpresa com a decisão de seu tutor
de deixá-la lá, mas ela ficou chocada ao descobrir que Lady
Beatrice também havia sido deixada.
No início, Charlotte tentou ser amigável. No entanto, apesar da
falta de outras companheiras, Lady Beatrice escolheu ignorar as
propostas de Charlotte.
Charlotte a estudou do outro lado da pista de dança.
Talvez ela também estivesse infeliz. Talvez fosse por isso que ela
estava tão desesperada para que o Duque a pedisse em
casamento. Como Duquesa, Lady Beatrice receberia toda a atenção
que desejava.
Ela nunca seria deixada para trás durante as férias novamente.
Inquieta e nervosa, o humor de Charlotte piorou ainda mais
quando um homem mais velho com as mãos úmidas tentou fazê-la
sair para o jardim com ele.
— Não, acho que não — disse ela — Estou muito contente aqui,
não preciso de ar fresco.
Sir Baldwin, ou Bolton, ou qualquer que fosse seu nome,
finalmente desistiu e se afastou.
Quando ele tinha seguramente se afastado, os olhos de
Charlotte piscaram repetidamente para as portas francesas que
davam para a noite suave. Exercendo grande força de vontade, ela
resistiu. Ela não confiava no Duque para não a seguir e importuná-
la.
Ou pior, ela temia ter que afastar o homem com as mãos úmidas.
Ele tinha o olhar ardente e desonesto de alguém atraído por seu
dote em vez dela. Seu olhar percorreu o salão. Ela não tinha visto o
homem recentemente, mas isso não significava que ele não estava
lá, esperando por uma oportunidade.
O barulho insistente de asas de mariposa batendo nas portas
francesas chamou sua atenção. A noite acenou. Depois de um único
passo, ela parou, seus dedos indo para os lábios. Onde estava Sua
Graça?
— A senhorita se importaria de sair para tomar um pouco de ar?
— Nathaniel perguntou. Ele se inclinou ligeiramente sobre o ombro
dela, sem tocá-la, mas enchendo-a de calor.
— Não. Não essa noite.
— Tenho certeza de que há várias mariposas nos jardins. A
senhorita não gostaria de outra chance de ver a Tigre de Jardim?
— Haverá outras oportunidades. E algumas que sejam menos
barulhentas.
Ele a estudou e, em seguida, colocou um copo de ponche em
sua mão. Ela olhou para ele por um momento antes de baixar o
olhar e tomar um gole. Ele parecia estranhamente excitado. Seus
olhos brilhavam como se estivessem febris.
Ele tinha decidido pedir Lady Beatrice em casamento esta noite,
já que Charlotte o recusou? A esposa do Senhor Dacy era irmã de
Sua Graça. Que melhor hora ou lugar para fazer tal declaração?
O pensamento a irritou. Se eles iam fazer tal anúncio, por que
não o fizeram? Por que ele ainda a estava incomodando?
Talvez eles estivessem apenas esperando até meia-noite. Ela
virou o ombro para ele e tomou outro gole. Seus olhos examinaram
a multidão. Lord Dacy e sua esposa gorducha, Oriana, estavam
parados perto de Lady Victoria e o Senhor Archer, rindo. Charlotte
gostava imensamente do casal. Seu olhar pousou em Lord Dacy.
Onde ele conseguiu a cicatriz dividindo sua testa e bochecha
magra? Isso não prejudicava sua aparência e certamente sua
esposa não parecia se importar, mas o fazia parecer perigoso.
Sua esposa, Oriana, olhava para ele como se ele fosse o único
homem na sala, e Charlotte observou-os com uma pontada de
inveja.
Quando Lord Dacy fez uma breve e superficial reverência e se
afastou, os olhos castanhos de sua esposa o seguiram. Seu rosto
se iluminou com um brilho suave e seus lábios se curvaram em um
sorriso quase imperceptível.
Charlotte estremeceu, de repente com frio. Ao seu redor, casais
dançavam e flertavam. O riso flutuava acima dos sons de um
quarteto de músicos tocando uma violenta dança country.
— A senhorita gostaria de dançar? — Nathaniel perguntou.
— Não. Estou bastante cansada. Acho que devo perguntar aos
Archers se posso sair mais cedo.
O brilho em seus olhos queimou. Charlotte desviou o olhar,
repentinamente nervosa, mas seus olhos foram atraídos para os
dele.
As bochechas dele ficaram vermelhas como se de repente ele
estivesse bêbado ou com febre.
— Deixe-me chamar a carruagem para a senhorita. Direi ao meu
tio que você está com dor de cabeça e foi para casa.
— Não exagere em meu nome! — ela disse abruptamente,
sentindo-se ainda mais incomodada. — Basta informá-los que eu
estava cansada e fui embora.
Ele riu, embora o som tenha sido prejudicado por sua tensão
subjacente.
O que havia de errado com ele? Seu corpo estava rígido e seus
olhos brilhavam com um brilho estranho.
— Certamente. Deixe-me escoltar a senhorita — disse ele.
Charlotte disse adeus rapidamente enquanto Nathaniel a levava
para fora. Ele praticamente a empurrou para dentro da carruagem
bastante gasta dos Archers.
— Descanse e não se preocupe — disse ele enquanto fechava a
porta.
— Me preocupar? — Charlotte perguntou através da janela que
ficava na porta — Por que eu deveria estar preocupada?
— P ! — Archer exigiu, parando sua carruagem pouco tempo
depois que Charlotte saiu.
Nathaniel esporeou seu cavalo para frente, abrindo a porta.
Inclinando-se, ele olhou para dentro. Nada. Não havia ninguém
dentro!
Mas ela havia deixado Dacy House nesta carruagem! Ele mesmo
a colocou lá dentro. Ele guiou o cavalo para trás com os joelhos,
estudando o meio de transporte. Era o certo. Não havia como
confundir a carruagem ligeiramente danificada dos Archers, mesmo
na escuridão enevoada.
— Cocheiro! Onde está a sua passageira?
O homem sorriu. Sorriu!
— Saiu! Vocês, patifes, não são os únicos a sair esta noite. É
melhor você me deixar passar antes que a Patrulha os pegue, seus
demônios. Estou a caminho de denunciar um sequestro.
— O quê? — Nathaniel rosnou.
— Vocês estão atrasados. O pássaro que madruga pega o
verme. Partiu com a herdeira... cerca de um quilômetro atrás.
— E você não tentou impedi-los? — Perguntou Archer.
— Havia dois deles. O que eu poderia fazer? — o cocheiro
respondeu filosoficamente, coçando a cabeça sob o chapéu alto. Ele
olhou brevemente para as unhas antes de mastigar a unha.
Nathaniel olhou para a estrada escura.
— Para onde eles foram?
— Eles voaram para St. James — O cocheiro encolheu os
ombros e puxou ligeiramente as rédeas enquanto os cavalos se
moviam inquietos, os cascos rangendo. — Pode estar a quilômetros
de distância agora. Deixe-me passar. Eu vou encontrar o guarda!
Nathaniel chutou a porta com força e saiu galopando.
Onde ela poderia estar? Nas mãos de quem? Ela estava
machucada? Cada pergunta picava sua consciência como um
espinho.
— Vamos, vamos alcançá-los no parque — Archer sugeriu,
trazendo sua égua negra ao lado de Nathaniel.
Eles galoparam em silêncio por algum tempo. Nathaniel não
confiava em si mesmo para falar. Sacudindo as rédeas, ele impeliu
seu baio adiante através da escuridão.
Ainda havia algumas carruagens e ocasionais cavalos e
cavaleiros se movendo ao longo dos caminhos escuros do Parque
St. James. Nathaniel parou vários deles, fazendo perguntas
abruptas. Ninguém tinha visto dois cavaleiros, um deles carregando
uma mulher. Muitos gargalharam e fizeram sugestões obscenas que
fizeram com que a disposição normalmente plácida de Nathaniel
desejasse cometer violência contra essas pessoas insolentes.
Archer estava surpreendentemente quieto. Um movimento muito
astuto, uma vez que uma palavra dele teria feito o frágil controle de
Nathaniel sobre seu temperamento quebrar. Ele queria torcer as
mãos nuas em volta do pescoço de alguém.
Depois de uma hora de busca infrutífera, Archer colocou seu
cavalo na frente de Nathaniel, barrando seu caminho.
— Eles não estão aqui. Devemos voltar. Talvez ela esteja em
casa de novo ou Lady Vee tenha recebido um pedido...
— Pedido de quê? Resgate? — Sentindo a fúria no tom de seu
mestre, o cavalo de Nathaniel empinou ligeiramente e mordeu o
flanco da égua preta de Archer. Nathaniel agarrou o cavalo com os
joelhos e guiou-o para longe — Por que eu ouvi você? Eu deveria
ter acompanhado ela para casa. Deixá-la ir sem um acompanhante
na carruagem foi uma loucura!
— Absurdo. Simplesmente um pequeno incômodo. O plano
ainda pode funcionar. Nós iremos apenas...
— Não faremos nada! — Nathaniel gritou. Ele puxou o
desajeitado chapéu preto da cabeça e empurrou de volta a capa que
o escondia. As camadas quentes o apertaram. Ele se sentiu como
se estivesse amarrado por um emaranhado de cordas, incapaz de
se libertar.
Essa bagunça é minha culpa!
Sua voz caiu para um rosnado baixo e cruel.
— Ela poderia ser... o quê? Maldito! Você não vê o que você fez?
Archer manobrou seu cavalo e agarrou as rédeas de Nathaniel.
No entanto, Nathaniel arrancou as tiras. Ele virou seu cavalo na
direção oposta.
— Sua Graça, isso não vai adiantar. Volte comigo. Vamos falar
com Lady Vee. Pode haver novidades...
— Muito bem — Ele despejou as palavras friamente. — Mas se
alguma coisa acontecer com ela, vou considerá-lo responsável.
— Nada vai acontecer. Você verá — Archer respondeu, com a
voz trêmula.
Nathaniel analisou seu rosto e viu preocupação dolorosa nos
olhos cinzentos. Archer parecia mais velho, seu rosto abatido na luz
fraca.
— Não há mais nada que eu possa fazer — Nathaniel disse
finalmente, girando seu cavalo — Mas se ela se machucar, alguém
vai pagar caro. Muito caro.
Talvez os jornais se mostrassem proféticos ao rotular Nathaniel
de assassino.
Ele gostaria de nada mais do que matar quem sequestrou
Charlotte.
Escândalos — As cenas de todos os escândalos devem ser
visitadas pela polícia sem demora, e os fatos imediatamente
relatados.
Guia de bolso do policial

Q uando Nathaniel acenou e a carruagem saiu da


residência Dacy, Charlotte se recostou, perguntando-se
por que se sentia tão... ansiosa.
Talvez fosse devido às dificuldades que ela
encontrou recentemente com seus planos egípcios. Ela acenou com
a cabeça na escuridão. O Senhor Belzoni finalmente decidiu que
não queria os fundos dela. Pelo menos não desde que ela insistiu
que ela, pessoalmente, viajaria ao Egito para fazer os investimentos
que considerasse adequados. No entanto, ainda havia o Senhor
Mainwaring. Ele não disse precisamente não, mas também não
concordou.
Mas ainda havia esperança. Se tudo mais falhasse, ela teria que
tratar de se candidatar a licenças para montar sua própria
expedição. Esta perspectiva a deixou consternada, considerando as
dificuldades do Senhor Belzoni em obter os documentos
necessários. Mas se ela não tivesse outra escolha, ela o faria.
Suas dúvidas se aprofundaram. O Senhor Archer não estava
otimista sobre a saúde de suas propriedades. Seus tutores
anteriores se recusaram a permitir que ela se envolvesse na
administração de sua herança. Todos garantiram a ela que as terras
eram produtivas e que não havia nada com que se preocupar.
No entanto, o Senhor Archer não concordou com esta avaliação.
A negligência havia reduzido sua fortuna, embora, em que medida,
ainda fosse incerto.
A caixa de algodão e fumo que seu pai lhe dera era a
representação física de sua herança. Ela o ignorou por muito tempo
por causa de suas memórias dolorosas? Ela tinha sido tão
negligente e tão despreocupada quanto qualquer membro da
aristocracia britânica, frequentando festas e jogando fora fortunas
enquanto suas propriedades corriam para a ruína?
Não, ela não era totalmente negligente. Apesar de sua juventude
e inexperiência, ela tentou determinar as condições de sua
propriedade. Talvez ela tivesse tentado um pouco mais se suas
lembranças de Charleston não fossem tão dolorosas, tão cheias de
vívidas lembranças da dor que sentira quando seus pais e tia
morreram.
Se corresponder com seus administradores na América fora
inútil. Ela apenas recebia garantias e a sugestão de que deixasse
seus tutores cuidarem de seus negócios.
Secretamente, ela ficou aliviada por deixá-los administrar as
propriedades para ela e esquecer sua vida anterior.
Nathaniel nunca teria feito isso. Ele obviamente levava seus
deveres a sério. Suas bochechas coraram de vergonha quando ela
se lembrou de discutir com ele sobre a inútil nobreza britânica.
Nem todos eram vagabundos ociosos.
Quando ela chegasse em casa, ela pediria ao Senhor Archer
para ensiná-la a administrar suas propriedades. Ele tinha se
oferecido e ela aprenderia. Mesmo que ela nunca voltasse para
aquela mansão desolada e assombrada em Charleston, onde sua
tia havia morrido, ela saberia como cuidar de sua herança.
A carruagem bateu em um buraco e ela quase caiu no chão. Ela
olhou pela janela. Eles estavam passando pelo Parque St. James.
Um emaranhado de árvores negras ergueu-se à sua esquerda.
Longas faixas de nuvens cruzaram o céu, obscurecendo a lua.
As ruas ao redor deles pareciam escuras e ameaçadoras, cheias de
formas esfarrapadas de homens e mulheres passando rapidamente
sem nenhum lugar quente para ir. Charlotte se encostou no canto da
carruagem, sentindo-se repentinamente muito sozinha.
— Pare! — uma voz rouca gritou.
Ela se contorceu ainda mais para trás contra as almofadas
duras. Quase em pânico, ela tateou o pescoço em busca do colar.
Lady Victoria insistiu que Charlotte usasse as pérolas esta noite.
Os ladrões não iriam pegar! Ela rapidamente o soltou e o enfiou no
vão atrás da almofada do assento. Não havia anéis em seus dedos,
mas ela usava brincos de pérola. Ela também os tirou e os estava
empurrando para trás quando a porta foi aberta.
— Aqui agora! — a voz exclamou. Uma forma negra gigante
encheu a porta.
Charlotte recuou, cercada pelos lados da carruagem. Ela não
podia escapar. Ele agarrou seu pulso e a puxou pela porta. Quando
ela tropeçou, ele passou um braço grosso em volta de sua cintura.
Ele a ergueu, carregando-a alguns metros como um saco de farinha.
Tudo o que ela podia ver era a longa e áspera extensão de tecido
do seu grosseiro casaco e o solo sombrio.
— Ponha-me no chão! — ela gritou, chutando o ar inutilmente e
acertando seu traseiro com os punhos.
— Mantenha-a quieta! — uma voz mais culta disse.
Havia dois deles!
Seu captor a sacudiu.
— Quieta, ou terá que ser amordaçada — Ele parecia
apologético.
— Eu não serei...
Woof!
Ela foi jogada no pescoço de um cavalo.
A pobre besta cambaleou e se mexeu enquanto seu
sequestrador subia desajeitadamente na sela. Antes que ela
pudesse protestar, eles se afastaram pesadamente.
Charlotte ergueu a cabeça, tentando respirar e aliviar a pressão
em seu estômago. Ela se sentiu mal. Sua montaria definitivamente
não era um dos cavalos de montaria mais elegantes que ela
ocasionalmente tinha permissão para montar. Este animal era uma
besta enorme e laboriosa que parecia ser um cavalo de tração.
Mergulhou na noite com um movimento forte que a fez se
arrepender do copo de ponche e da pequena torta de frutas que
tinha comido na Dacy House.
A cada batida de casco, ela tinha que sugar o ar e se segurar,
tentando evitar que seu cabelo fosse arrancado pelos arbustos
pelos quais passavam. Seu nariz alternou acertando o ombro do
cavalo e a bota do homem.
Finalmente, quando ela pensou que não agüentaria mais, o
cavalo parou.
— Leve-a para dentro! — a voz mais educada disse.
Ela foi levantada do cavalo antes que pudesse se desvencilhar.
— Ponha-me no chão! Eu posso andar! — ela gaguejou.
— Quieta! — o gigante disse enquanto a levantava.
Seu grosseiro casaco cheirava a cavalos suados, cachorros e
repolho cozido. A náusea cresceu, queimando sua garganta.
— Eu vou vomitar — ela respondeu fracamente.
— Ainda não — veio a resposta concisa.
Um ruído agudo cortou o ar quando ele abriu uma pesada porta
de madeira. Eles se lançaram através dela e Charlotte foi colocada
de pé. Ela se virou rapidamente, determinada a localizar uma rota
de fuga. O homem que a carregou agarrou seu braço, talvez
antecipando seus pensamentos de fugir.
Ela examinou o estábilo estreito. Duas baias se abriam de cada
lado dela e vários sacos de grãos estavam empilhados em uma
delas. Uma pilha de palha espalhava-se contra a parede perto da
porta, quase obscurecendo uma batedeira de manteiga velha e
quebrada. O cano da batedeira estava estilhaçado como se um
cavalo o tivesse chutado.
Dois homens a encaravam: o gigante que a carregou e um anão.
Não um anão, de verdade, mas um homem cuja cabeça mal
alcançava a altura do queixo dela. Ambos usavam sacos de farinha
na cabeça com buracos feitos para os olhos.
Charlotte levou os dedos frios à boca, reprimindo uma risadinha
nervosa.
— Agora, senhorita, você está bem. Não precisa vomitar. A
senhorita gostaria de um copo de água? — O homem mais alto
perguntou.
— Não, eu não gostaria — Charlotte respondeu, olhando para
ele.
Ele ficou de ombros curvados, tentando encará-la enquanto
mantinha uma grande mão em seu pulso. Suas roupas eram
ásperas e esfarrapadas, a parte de cima das botas soltas e
empoeiradas. Seus saltos estavam tão gastos que quase sumiram.
Embora ela não pudesse ver sua expressão, ela teve a nítida
impressão de que ele não estava particularmente feliz por estar ali.
O homem menor a estudou com as mãos nos quadris.
— Onde estão suas joias? — ele perguntou.
— Eu não estava usando hoje à noite.
— A senhorita estava! Onde elas estão?
— O que o senhor quer dizer com eu estava? Como sabe o que
eu estava usando? Eu lhe conheço?
— Não, a senhorita não me conhece — Ele se aproximou e
empurrou o gigante de lado para agarrar seu pulso. Ele puxou sua
capa e a agarrou com mais força quando ela se jogou para trás.
Olhos azuis frios espiaram pelos buracos do saco em sua cabeça.
— Agora, onde estão suas joias?
— Eu não tenho nenhuma comigo — Ela jogou sua bolsa para
baixo — Verifique o senhor mesmo. Se o senhor está atrás de
dinheiro, infelizmente o senhor cometeu um grande erro. Eu tenho
menos de uma libra comigo.
— Talvez sim, mas a senhorita vale uma fortuna, não é? E talvez
eu tenha desenvolvido um desejo por uma esposa.
O coração de Charlotte bateu forte. O ar ao redor do homem
baixo cheirava a uma pomada enjoativamente doce contendo
patchuli. Lutando para respirar, ela quase vomitou com o cheiro.
Ela pisou no pé dele.
— Bem, eu não desejo um marido.
Puxando-a para frente em suas mãos, ele tentou puxar sua
cabeça para baixo até seu nível. Seu couro cabeludo queimou
quando ele puxou seu cabelo. Ela se contorceu e o empurrou com
toda sua força, mas apesar de sua altura, ele era mais forte.
Ela engasgou e bateu o pé novamente, desejando ter usado algo
mais substancial do que sapatos de dança.
— Pare de lutar! — ele murmurou. As mãos dele subiram pelos
braços dela como se ele fosse forçá-la a ficar de joelhos.
— Aqui, agora — disse o homem maior — Não há necessidade...
— Ela tem uma lição a aprender.
Apesar de seu desgosto, Charlotte levou a boca até o pulso dele.
Ela o mordeu. Ele a soltou e bateu em sua boca. A selvageria do
golpe a arremessou para o outro lado da sala. Ela bateu na parede
ao lado de uma batedeira de manteiga quebrada, sentindo o gosto
de sangue nos lábios.
— Senhor! — o grande homem disse.
Ela agarrou a alça de uma pá da batedeira e girou para encarar
os homens. O gigante segurou o braço do outro como se quisesse
contê-lo. O homem menor o afastou.
Antes que ele pudesse se virar, ela disparou para frente com o
remo levantado. Ela o esmagou contra a nuca dele enquanto o
gigante apenas ficou ali olhando como se estivesse em estado de
choque.
O homenzinho afundou lentamente. Ele caiu de joelhos e, aos
poucos, caiu de cara no chão. Respirando com dificuldade,
Charlotte agarrou-se ao remo, sentindo-se mal. Ela sabia que
deveria correr enquanto a surpresa ainda estava do seu lado, mas
ela não conseguia se mover. Ela se sentiu atordoada e apenas ficou
lá olhando para a forma enrugada do homenzinho.
O gigante gentilmente tirou o remo de sua mão. Ele o jogou na
escuridão de uma baia distante.
À luz oscilante das lanternas, ela viu uma mancha escura na
máscara do saco de farinha se expandir.
— Ele está morto? — Charlotte perguntou.
O gigante se ajoelhou e afrouxou a bolsa. Ele puxou-o
parcialmente sobre o rosto do homem, expondo sua boca e nariz.
— Ele está vivo o suficiente — Ele segurou seus dedos grossos
sob o nariz de seu parceiro. Então, ele balaçou a sua cabeça. — A
senhorita não deveria ter feito isso. Ele vai ficar louco como uma
galinha molhada, agora.
— Então deixe-me ir — Charlotte sugeriu. Ela não queria estar
aqui quando o homem magro acordasse.
— Sinto muito — ele respondeu tristemente, balançando a
cabeça — Eu não posso fazer isso.
— Por quê? Por que... qual é o seu nome?
— R-rre, uh... — Ele balançou a cabeça novamente — Eu não
posso lhe contar. Não seria uma boa ideia.
— Bem, como devo chamá-lo?
Ele suspirou. Não é o intelecto mais poderoso, concluiu
Charlotte. Ainda assim, ela se sentia mais segura com ele do que
com seu companheiro. O homem menor se mexeu e gemeu.
— Me chame de Red — o homem grande respondeu por fim —
Ele vai acordar logo — Ele olhou para ela e depois para o homem
inconsciente — Ele ficará muito zangado.
— Sem dúvida — Ela estendeu a mão e tocou o casaco áspero
de Red — O senhor não pode me deixar ir? Posso lhe dar dinheiro...
— Não. Não posso fazer isso — Ele se atrapalhou e entrou em
uma das baias. Ele voltou com uma corda.
— O que o senhor vai fazer com isso?
— Sinto muito.
— O senhor vai parar de se desculpar? — Ela tentou se afastar,
mas ele a segurou facilmente. Ele amarrou as mãos dela e então,
lenta e metodicamente, enrolou a corda em volta dela até que ela se
sentisse como um tapete enrolado com firmeza.
— O senhor não pode me amarrar! O senhor não sabe o que seu
amigo vai fazer quando acordar — ela protestou, se contorcendo
inutilmente.
— Eu estarei aqui.
— Ele vai me matar — disse ela, tremendo de medo glacial.
— Ele não vai. Vocês dois começaram com o pé errado. Ele quer
se casar com a senhorita.
— Casar comigo! Ele não vai se casar comigo: ele vai me matar.
Certamente, o senhor deve perceber isso!
Ele fez uma pausa, mas então continuou obstinadamente a dar
nós até que ela não conseguia nem mexer um único dedo.
— Ele não vai machucar a senhorita.
Quando ele terminou, ele a pegou e a depositou na pilha de
palha.
— Espere aqui.
— Eu não posso ir a lugar nenhum — ela disse, irritada quando
ele riu. Seu temperamento mudou para terror quando Red pegou um
velho balde de grãos cheio de água e jogou o conteúdo sobre a
cabeça de seu companheiro — Não faça isso! — ela gritou.
Seu apelo veio tarde demais.
O homem menor gaguejou e rolou antes de ajustar o saco de
farinha em sua cabeça. Quando ele se sentou, ele olhou para
Charlotte, seus olhos chamejando de raiva através dos buracos
cortados.
O ódio queimava em seu olhar. Ela se encolheu.
— Isso foi um erro, senhorita — disse ele. Sua voz profunda e
lenta tornava as palavras ainda mais sinistras. Ele se levantou
lentamente, enxugando a nuca no saco molhado. Ele estremeceu
quando tocou a área sangrando onde Charlotte o havia atingido.
Ele puxou uma faca do bolso e avançou.
— Red! — Charlotte ligou — Por favor!
Red vacilou, mas então colocou a mão no ombro de seu
companheiro.
— Senhor….
O homem menor o afastou. Ele girou sua faca em um círculo
vicioso que quase acertou a barriga de Red.
— Eu não vou machucá-la muito.
Quando ele alcançou Charlotte, ele enfiou os dedos pelo cabelo
dela e puxou sua cabeça para frente. Ela sentiu o gume frio da faca
contra sua nuca.
Houve um puxão forte e ele soltou sua cabeça.
— O quê? — ela engasgou. Ela não sentiu nenhuma dor nova...
Ele ergueu uma mecha de seu cabelo.
— A senhorita acha que alguém vai sentir sua falta? — ele
perguntou, empurrando a faca de volta no topo de sua bota — É
melhor a senhorita torcer para que isso aconteça.
Charlotte olhou de volta. Ele a chutou no quadril. Ela mordeu os
lábios contra um grito de dor. O fogo subiu pelo seu lado e desceu
por sua perna.
— Senhor — Red disse, movendo-se entre Charlotte e seu algoz
— Não há necessidade de machucá-la.
— Depois do que ela fez comigo? Olhe para ela! Maldição, ela
faz meu estômago revirar: feia, sardenta, uma mulher feia. Deitar
com ela seria como acertar o peito no mastro de um navio. Não sei
por que pensei que teria estômago para me casar com ela. — Ele
jogou a cabeça dela para trás, olhando para o rosto dela — Mas a
Senhorita é valiosa, não é?
— Venha, senhor, ela está amarrada como uma galinha para o
mercado.
— Esperamos que seu tutor seja mais sensato do que a
senhorita, Senhorita Haywood. Ou a senhorita pode ter uma lua de
mel muito curta.
— Eu não vou me casar com o senhor!
Ele riu.
— Não se preocupe. De uma forma ou de outra, a fortuna de
Haywood vai encontrar o seu caminho para o meu bolso.
Os dois homens saíram juntos, levando consigo a única lanterna.
A escuridão encheu o estábulo. Charlotte ouviu o barulho suave
da chuva batendo contra o telhado. Ela se contorceu e rolou pelo
chão, suas roupas e cabelos acumulando poeira e palha. O telhado
vazou. Um respingo de chuva fria atingiu sua testa.
Ela rolou, mas não conseguiu se livrar. As cordas cravaram-se
em seus braços e seus pulsos picaram com sangue pegajoso. Seu
quadril latejava quando ela rolou sobre o remo quebrado.
Apesar da dor, ela sorriu. Foi difícil lamentar por ter batido nele.
Na verdade, ela estava feliz por tê-lo machucado. Ela desejou que
ele tivesse morrido.
Em vez disso, ele provavelmente iria matá-la, a menos que ela
encontrasse uma maneira de escapar.
Não havia nada afiado no estábulo. Palha, uma batedeira de
manteiga quebrada, um balde vazio e muita sujeira.
Ela olhou em volta, forçando os olhos no escuro. Nenhuma
lâmina, nada afiado que ela pudesse usar para cortar suas amarras.
Deitada no meio do chão, ela bufou e apoiou a cabeça no chão frio,
exausta e com os músculos em chamas. Cada hematoma e
arranhão latejavam.
Não havia sequer uma vela amigável para lhe fazer companhia.
Um som de fungada surgiu do canudo à sua esquerda. Ratos.
Provavelmente camundongos também. Se ela fosse uma heroína
em um dos contos de fadas idiotas que lia quando criança, os
animais viriam e morderiam as cordas. Dada sua sorte desde que
chegou à Inglaterra, ela esperava que eles viessem e roessem seu
nariz.
Seu único raio de esperança era que o Senhor Archer iria
rapidamente destinar o resto de sua fortuna.
Ela estaria sem um tostão, mas livre, e o Duque a esqueceria.
Isso doeu... doeu muito. Muito em que pensar.
Mas sem dinheiro, ela também nunca iria para o Egito. Ninguém
aceitaria uma pobre mulher americana em uma expedição, a menos
que…. Ela iria encontrar uma maneira. Ela tinha que encontrar.
Ela não se importava nem um pouco com sua herança. Sua
única importância era o valor que tinha em permitir que ela viajasse
para o Egito.
Se ela tivesse que trabalhar como criada para a esposa de
Belzoni, presumindo que ele tivesse permissão, ela o faria. Ela faria
qualquer coisa para deixar a Inglaterra.
Ela estava cansada do frio úmido. Ela estava cansada de ser
desprezada, cansada de ficar sozinha e cansada de ser a figura
nebulosa no fundo do retrato de família.
Depois de um tempo, seus pensamentos ficaram confusos
enquanto a exaustão subjugava sua dor. Ela balançou a cabeça
para ficar acordada, ouvindo o farfalhar ao seu redor.
Por que os donos deste estábulo desprezível não tinham gatos?
Ela tinha que ficar acordada. Ela tinha que fazer isso para que
pudesse gritar quando os ratos tropeçassem sobre ela no escuro.
Os prisioneiros devem ser tratados pela polícia com a consideração
humana que sua situação e segurança admitem, e nenhuma
aspereza ou restrição desnecessária deve ser usada em relação a
eles.
Guia de bolso do policial

U ma mão áspera a sacudiu. Charlotte acordou e


imediatamente se arrependeu. Seu corpo inteiro doía.
— Senhorita, aqui, beba isso — Um copo de lata com
água foi empurrado contra seus dentes. Quando ela abriu a boca
para protestar, ele despejou uma grande quantidade em sua boca,
quase a afogando.
— Pare! — ela gorgolejou, cuspindo um bocado e ofegando por
ar — Por favor, apenas me desamarre.
— Não posso — Ele segurou um pedaço enorme de pão com
uma fatia de queijo cheddar de laranja profundo contra os lábios
dela — Aqui. Coma. É bom. Comi um pedaço também. Achei que a
senhorita gostaria de um pouco.
— O senhor não pode simplesmente me desamarrar?
— Não, desculpe — Ele empurrou o pão e o queijo em sua boca.
Ela olhou ao redor enquanto mastigava. A luz do sol estava
fluindo por frestas nas paredes. Os raios de luz cintilavam com
poeira. O estábulo estava ainda mais abandonado do que ela
imaginou na noite anterior. As divisórias das baias inclinavam-se
como um bêbado e pedaços velhos de madeira podre estavam
espalhados. A palha no canto era o item mais fresco ali, incluindo
ela.
— Não posso ficar aqui. Está cheio de ratos! Eles poderiam ter
me mordido na noite passada. O senhor quer isso?
— Mais água?
— O senhor parece um homem tão bom — Era difícil falar com
sensatez com um saco de farinha de olhos azuis. Ela fechou a boca
contra uma súbita onda de riso histérico. Depois de engolir, ela
tentou falar racionalmente.
— O senhor não pode tirar o capuz?
— Não posso fazer isso também, senhorita
Ele enfiou outro pedaço de pão com queijo em sua boca. Ela
mordeu os dedos dele.
— Ai! — Ele apertou sua mão, olhou para ela e então segurou a
comida contra seus lábios mais uma vez com as pontas dos dedos
bem longe de seus dentes.
Quando ela abriu a boca, ele puxou os dedos um pouco para
trás. Depois de dar uma mordida delicada, ela mastigou
metodicamente, examinando seu carcereiro. A primeira coisa que
ela notou foi que ele ainda era enorme. Tão grande quanto parecia
na noite anterior.
Seu casaco e calças eram ásperos e, novamente, ele cheirava
fortemente a cavalos e cachorros, mas pelo menos o cheiro de
repolho tinha sumido. Enquanto ela o examinava, ele se atrapalhou
ao alimentá-la, mantendo cuidadosamente os dedos longe de sua
boca. Depois de dar a ela alguns goles de água, ele se levantou
como se estivesse se preparando para partir.
— Espere! — ela gritou — Realmente, o senhor não pode me
deixar aqui, amarrada. Eu vou... gritar! Vou gritar e alguém vai me
ouvir.
— Senhorita, pode gritar se quiser, mas por aqui, eu não o faria
— Sua declaração prática a deteve efetivamente.
— E quanto ao meu... eu tenho necessidades pessoais — Ela se
contorceu com urgência.
— Eu vou desamarrar seus membros. Use o balde — Ele
desenrolou as cordas até a cintura dela. Então ele começou a dar
um nó na corda como uma guia em um dos poucos suportes
restantes segurando o teto.
— Eu não posso sem minhas mãos livres. Por favor.
Ele contemplou isso por alguns minutos. Então, ele lentamente
desfez os nós antes de colocar a mão em seu ombro e arrastá-la
para uma das baias restantes. Ele colocou o balde no chão lá dentro
e se virou de frente para a porta.
Depois de debater a relativa urgência de sua situação, ela pegou
o balde e bateu na nuca dele. O balde se espatifou.
Sua mão acariciou delicadamente o topo de sua cabeça antes
que ele se virasse para olhar para ela.
— Por que a senhorita fez isso?
Charlotte fechou a boca e olhou para ele.
— Eu não posso ficar aqui. O senhor mesmo disse que esta não
é uma vizinhança respeitável. Tem ratos. Preciso de comida decente
e água para me banhar. Eu preciso de uma cama. Eu simplesmente
não vou ficar aqui.
— A senhorita quebrou o balde — Ele examinou os pedaços
quebrados antes de pegar a corda novamente — A senhorita não
me machucou, mas a senhorita não pode ficar batendo na cabeça
das pessoas o tempo todo. Não é amigável.
— Não! O senhor não pode me amarrar. Eu ainda tenho que...
— Não posso confiar na senhorita — ele se mexeu de um pé
para o outro.
— Não, sério, o senhor pode confiar em mim por um minuto, não
é? — Charlotte correu para a baia dilapidada. Nem importava que
ele permanecesse a alguns metros de distância.
Quando ela voltou para onde ele estava, ele ergueu a corda.
— Por favor, não — disse ela.
— A senhorita tem que ser amarrada.
— Há ratos aqui. Não posso ficar aqui. O senhor não pode me
deixar sozinha. Quanto tempo o Senhor espera me manter isolada
aqui?
— Não muito. Poderemos saber em breve.
— Em breve? Ele ainda espera se casar comigo?
Ele torceu a corda entre as mãos grandes, como se estivesse
preocupado
— Disse a ele ontem à noite que não parecia que ia funcionar.
— Não, não vai. Ele vai me matar, se não agora, certamente
depois do casamento.
— Não, senhorita Ele prometeu. A senhorita estará livre assim
que conseguirmos o dinheiro. O casamento é o último recurso.
— A menos que ele mude de ideia e me force a casar com ele —
Pela primeira vez na vida, Charlotte gaguejou.
— Bem, senhorita, poderia ser pior, muito pior. Tudo ficará bem.
— O senhor é realmente tão idiota? Ele vai se casar comigo e
depois me matar! Tudo o que ele quer é minha herança!
— Muita gente se casa apenas por dinheiro — disse ele. Havia
uma qualidade amargamente triste em sua voz. Ele se concentrou
na corda em suas mãos e a torceu entre seus dedos grossos.
— Talvez, mas o senhor não acha que precisa haver respeito
mútuo também? Afeição?
Ele encolheu os ombros. A corda balançou entre suas mãos
enquanto ele caminhava até ela.
— O senhor não pode! O senhor não pode me deixar aqui.
Qualquer um pode me achar... indefesa. E quanto aos ratos? E
aquele outro homem? E se ele vier aqui sem o senhor?
— Ele não vem.
— Ele pode vir. Ele pode... me machucar. Por favor? Eu confio
no senhor, não deixe ele me encontrar.
Ele suspirou.
A esperança levantou como uma fênix. Queimou brevemente
apenas para cair no chão quando ele a girou e amarrou a corda em
volta dela dos ombros até os joelhos. Ela não conseguia nem andar.
Ou sentar-se.
— Eu não posso ficar aqui o dia todo! Eu não consigo nem me
mover!
Para seu horror, ele saiu sem dizer uma palavra. Um minuto
depois, ele voltou com um grande pedaço de lona como a vela de
um navio e outra corda.
— O que é isso?
— Não importa. — Ele jogou sobre sua cabeça e começou a
amarrá-lo apertado ao redor dela.
— O que o senhor está fazendo? — ela gritou.
— Quieta, senhorita.
Ela se acalmou, lutando apenas para respirar entre as pesadas
dobras. O tecido era áspero contra seu rosto e cheirava a mofo. Ela
lambeu os lábios. Sua boca ardia com sal marinho. Flocos se
soltaram e ficaram presos em seus cílios queimando seus olhos até
que ela fechou as pálpebras com força.
Quando ele terminou de amarrá-la novamente, ele a jogou por
cima do ombro. Ele caminhou alguns metros e a arremessou em
outra coisa. Um cavalo. Ele a estava ajudando! Pelo menos ele a
estava levando para longe do estábulo. Com sorte, ele a levaria
para algum lugar com uma cama e onde o outro homem não
pudesse encontrá-la.
Eles balançaram durante todo o trajeto. Seu desjejum ficou
inquieto em seu estômago. Ela engasgou e engoliu rapidamente
sempre que sentiu um caroço em seu peito. Ela não podia vomitar
enrolada em uma vela de lona com a cabeça baixa. Ela sufocaria.
O suor gotejava em seu rosto enquanto o ar ficava quente e
viciado. Sua cabeça balançava no ritmo do galope trepidante do
cavalo. Uma dor latejante começou na nuca.
Por que ela não concordou com a proposta ridícula de
Nathaniel? A lembrança de seu beijo queimou sua boca como o sal
da tela. Ela lambeu os lábios.
Seu coração deu um salto, e não era só porque ela estava
pendurada de cabeça para baixo sobre a sela de um lunático
analfabeto. Se ela tivesse sido um pouco menos egoísta, ela teria
ficado noiva de Nathaniel. Ela teria ficado com o que restou de sua
herança em vez de perdê-la para um sequestrador.
Claro, presumindo que ela tivesse alguma sorte e os Archers
dessem a ele o dinheiro dela. Se não, seu sequestrador poderia
fazer algo para forçá-la a se casar com ele.
Ela era uma mulher corajosa, mas havia algumas ameaças muito
sérias para ignorar levianamente. Ela não sofreria muito tempo
como sua esposa. Um empurrão para fora do convés de um navio,
tropeçando escada abaixo: havia muitas maneiras de uma esposa
morrer por acidente.
Sua cabeça bateu na ponta da bota de seu sequestrador.
Ela gritou apenas para ter seu traseiro batido com força.
— Quieta, senhorita — ele disse — Ou a senhorita vai voltar
para os estábulos.
Ela mordeu os lábios, tentando não gemer. A viagem pareceu
durar horas.
Quando ele a arrancou do cavalo, ela respirou fundo para aliviar
as cólicas e o aperto no estômago. Sua cabeça doía, mas a
provação não acabou. Red a pendurou no ombro e subiu alguns
degraus. Pelo menos é o que parecia que ele estava fazendo.
Também eram escadas sinuosas e assustadoramente estreitas.
Sua cabeça bateu contra a parede, ou um corrimão de madeira.
Ela não tinha certeza de qual. Então, seus pés bateram em alguma
coisa. A cada poucos passos, sua cabeça ou pés batiam na madeira
dura.
Pelo menos parecia oco como madeira. Talvez fosse apenas sua
cabeça ecoando.
Então, ele a jogou no chão. A superfície abaixo dela cedeu
ligeiramente. Ela ficou tensa e o ouviu se mover. O chão rangeu. Um
minuto depois, ele removeu as cordas externas, a vela e, finalmente,
o segundo conjunto de cordas.
Charlotte olhou ao redor, esfregando os braços para restaurar a
circulação. Seus membros formigavam e latejavam.
Ela estava em uma sala comprida e baixa sob o beiral do que
parecia ser uma casa bastante grande. Pelo menos era um quarto
de bom tamanho, um quarto no sótão. Ela se sentou, colocando os
pés formigando com cuidado nas tábuas ásperas e estéreis do
chão.
Sob suas mãos estava um cobertor de lã azul escuro estendido
sobre uma cama estreita. Buracos irregulares mostraram vislumbres
de um lençol de linho cinza sujo. O colchão parecia duro e irregular,
caindo sobre as cordas que o sustentavam, mas era uma espécie
de cama.
Ela suspirou de alívio enquanto olhava pela sala. Ela estava
sozinha com Red. Ela estava meio com medo de encontrar o
homem mais baixo parado em um canto escuro, esperando por ela.
— Onde estamos? — ela perguntou.
— Não se preocupe — Red respondeu.
Ela olhou para ele. Ele havia removido a máscara! Ela ficou
nervosa, perguntando-se se aquele era um evento totalmente feliz.
Se ele não tivesse medo de mostrar a ela seu rosto...
Ela se recusou a pensar sobre isso.
Red ficou inquieto perto da porta, olhando para ela. Ele era um
rapaz enorme, ossudo, com nariz quebrado e cicatrizes minúsculas
ao redor das maçãs do rosto e sobrancelhas. O rosto de um lutador,
mas não de sucesso. Os nós dos dedos com cicatrizes, o pescoço
grosso e os ombros volumosos davam-lhe uma aparência
desajeitada de touro, e ele tinha uma longa e desgrenhada cabeleira
ruiva brilhante, quase tão flamejante quanto a dela.
— Temos a mesma cor de cabelo! — ela exclamou.
— Sim, embora o seu tenha um pouquinho mais de amarelo.
— Obrigada — Charlotte disse, se esforçando para não soar
muito sarcástica. — Por favor, não diga ao outro homem onde estou.
— Não tema. A senhorita está segura. Isso é tudo que ele
precisa saber.
— Obrigada, mais uma vez — Ela agarrou sua mão áspera e
apertou-a.
Ele corou ferozmente.
— Quando eu for, a porta estará trancada.
— Está tudo bem. Realmente.
— Sem gritos, agora. Sem tentar fugir. Quando conseguirmos o
dinheiro, a senhorita estará livre para ir.
— E se o Senhor Archer não quiser?
— Ele vai. Eles são uma família gentil. Eles não vão querer
arriscar que a senhorita se machuque.
— O senhor não vai dizer a ele onde estou?
Ele balançou a cabeça desgrenhada.
— Não, senhorita — Um sorriso cruzou suas feições simples,
trazendo um brilho aos olhos. — A senhorita é como a minha irmã
mais nova. Uma moça impossível. Eu não gostaria que a Senhorita
me rasgasse se eu dissesse a ele onde está. A senhorita pode ficar
tranquila. Entreguei o bilhete com sua mecha de cabelo e o dinheiro
chegará em breve. Então a senhorita estará em casa antes que
perceba — Ele olhou para suas botas como se estivesse
envergonhado. Seus pés enormes se moveram, raspando o chão de
madeira crua. — Lamento muito pela sua herança, embora acredite
que a senhorita logo encontrará um rapaz mesmo sem ela.
Ela não queria discutir o fato de que, sem dinheiro, não haveria
um “rapaz” na Inglaterra que olhasse duas vezes para ela. Red
parecia bastante infeliz, e ele a resgatou do estábulo.
Provavelmente ainda havia ratos, mas pelo menos ela tinha uma
cama. E o parceiro terrível de Red não sabia onde ela estava.
Assim ela esperava.
Ela olhou para ele. Se ela pudesse confiar nele. Ele parecia tão
trágico com seu rosto largo e cheio de cicatrizes e roupas ásperas.
Uma criança fingindo ser um homem adulto.
Seus ombros cederam. Ela tinha que confiar nele. Ele podia ser
um sequestrador, mas era sua única esperança de sobrevivência.
Mandados de busca. — Um mandado de busca e apreensão é
concedido por um magistrado com o juramento de uma testemunha
confiável de que há suspeita de bens roubados ou de qualquer
propriedade ilegalmente adquirida por...
Guia de bolso do policial

Q uando Nathaniel e Archer não conseguiram encontrar


nenhum vestígio de Charlotte, eles voltaram para a casa
de Dacy. Nathaniel chamou sua carruagem, tentando
não desenvolver um plano de ação razoável.
Exausto e se perguntando se Charlotte estava segura, ele subiu
cansado para o interior escuro de sua carruagem.
Ele se sentou e respirou fundo.
Perfume e outro odor desagradável encheram seus pulmões.
Sua carruagem fedia terrivelmente. Ele girou em seu assento e
bateu em algo macio, sentado no assento ao lado dele.
— Oh Deus! — ele gemeu. Ele tinha se esquecido de verificar se
havia mulheres na carruagem. Ele enfiou a cabeça pela janela e
chamou o cocheiro — Pare! Temos um passageiro extra.
Quando ele se virou para descobrir quem estava escondido no
canto, ele ficou irritado ao encontrá-la fingindo desmaiar. A jovem
caiu mole no chão a seus pés.
— Aqui, não há necessidade disso. Eu sei que a senhorita está
apenas fingindo — disse ele. Ele agarrou seu ombro e a sacudiu.
Sob o luar fraco da janela, ele viu a cabeça dela cair para trás e
bater no assento oposto com um baque suave. Uma mancha escura
cobria sua garganta e a frente de seu vestido.
De repente, o fedor de sangue encheu os confins da carruagem.
Horrorizado, ele esfregou os dedos pegajosos nas calças. Depois de
um minuto, ele se abaixou e procurou seu pulso para ver o
batimento. Sua pele ainda não havia esfriado completamente, mas
já parecia gelada com a morte. Ele largou o braço flácido.
Nathaniel saiu da carruagem.
— Lansbury!
— Sim, Sua Graça?
— Há uma mulher morta na minha carruagem!
— O quê? — O cocheiro desceu de seu poleiro para olhar o
interior. — Senhor, nos ajude! Lá está! — ele exclamou, olhando
para o interior por cima do ombro de Nathaniel.
— O que aconteceu? — Nathaniel perguntou.
— Ora, eu não sei! — Lansbury disse.
— Como você poderia não saber? Você saiu da carruagem?
— Não.
— Então como ela poderia ser assassinada sem você saber?
Você estava sentado a menos de um metro de distância, bem acima
dela!
— Deus, Sua Graça, é um enigma com certeza — Ele coçou a
cabeça — Ela estava viva quando Sua Graça a encontrou?
— Claro que ela não estava, seu idiota! — Nathaniel disse,
perdendo a paciência. — Eu não a matei.
— Nunca disse que o senhor a matou, Sua Graça — Lansbury
tirou o grande chapéu e apertou-o entre as mãos enquanto olhava
para Nathaniel.
— Algo está errado? — Archer interrompeu, caminhando em
direção a eles.
— Sim, há uma mulher morta em minha carruagem!
— Por Deus, há! — Archer olhou para dentro — Você a matou?
— Não, eu não a matei. Ela estava morta quando entrei. — O
cheiro forte de sangue agarrou-se a sua roupa. Ele esfregou o
casaco, virando a cabeça para respirar ar puro.
— Então quem matou? — Archer perguntou, pálido com o
choque.
O cocheiro acenou com a cabeça, os olhos acusatórios.
— Como vou saber quem a matou? Alguém mais estava perto
da minha carruagem? — Nathaniel perguntou ao cocheiro com
tensão crescente.
— Não, senhor. Não que eu tenha visto.
— Esta tragédia é incompreensível — disse Archer, estudando
Nathaniel com olhos preocupados — Quem faria uma coisa dessas?
— Não sei! — Nathaniel lutou para manter a voz baixa — Aquela
pobre garota... eu não sei quem teria feito uma coisa dessas — A
visão de sua garganta cortada e corpete manchado de sangue não
os deixariam em paz.
A porta da residência Dacy se abriu. Lorde Dacy saiu, olhando a
aglomeração em sua porta com surpresa.
— Você está tendo dificuldades com seu equipamento, Sua
Graça? — ele perguntou.
— Não! — Nathaniel respondeu bruscamente.
— Um corpo — Archer disse, gesticulando para a carruagem —
Lado de dentro. Mulher.
— Senhorita Mooreland — acrescentou Nathaniel. Os homens
olharam para ele e ele corou — Eu a reconheci.
Lord Dacy olhou para dentro. Afastando-se, ele acenou para seu
mordomo que estava na porta segurando um candelabro.
— Mande um lacaio chamar o policial — ele ordenou — E
alguém para avisar o magistrado. Precisamos do legista também.
Sinto muito, Sua Graça, mas o senhor terá que esperar.
— Claro — Nathaniel respondeu rigidamente. Suas mãos
estavam pegajosas. Ele olhou para baixo para encontrá-las
manchadas de sangue seco. Quando ele ergueu os olhos, os
homens ao seu redor ficaram olhando para suas mãos manchadas
com consternação. Lansbury, seu cocheiro, deu um passo para trás
— Eu não a matei — Nathaniel disse — Eu só a toquei para ver se
ela ainda estava viva.
Archer bateu em seu ombro.
— Claro. Dacy, avise Lady Victoria de que estarei um pouco
atrasado, sim?
— Certamente — disse ele. Ele se afastou para dar ordens a
vários lacaios que o mordomo havia reunido.
Os homens enfiavam apressadamente as abas das camisas na
cintura e tentavam ao máximo acordar e se concentrar.
Archer agarrou o cotovelo de um deles. Ele deu-lhe algumas
ordens silenciosas antes de empurrá-lo rua abaixo.
Enquanto Nathaniel assistia, ele sentiu uma necessidade urgente
de agir. Se ele fosse preso por assassinato, quem encontraria
Charlotte?
Ele tinha que manter sua liberdade. Além dos jornais e alguns de
seus inimigos como Bolton, ninguém ousou insinuar que ele teve
uma participação na morte de Lady Anne. No entanto, com a mulher
morta em sua carruagem, isso mudaria. As coisas iam ficar feias
rapidamente, mesmo que ele fosse um Duque inocente.
Dacy acenou para todos eles em direção à porta da frente.
— Podemos esperar lá dentro, se desejar.
Eles se arrastaram até uma sala de estar no segundo andar.
Quando eles chegaram à sala de estar, Nathaniel moveu-se em
direção a uma das cadeiras um pouco distante das outras,
desesperado para pensar. No entanto, Dacy o interrompeu.
Recusou-se a permitir que Nathaniel se sentasse até que um grande
pedaço de oleado fosse encontrado e colocado sobre a almofada de
seda da adorável cadeira Sheraton. Nathaniel, cansado, começou a
se sentar, mas achou suas calças tão rígidas e desconfortáveis que
se levantou novamente e caminhou pela sala em vez disso.
— Gostaria de uma muda de roupa? — Ofereceu Dacy,
recostando-se confortavelmente na cadeira. Ele pegou um copo de
conhaque dourado.
— Sim. eu gostaria.
— O senhor sabe onde fica meu quarto. Chame meu criado e ele
encontrará algo para você. Só não incomode minha esposa.
O aviso foi falado com uma voz suave, mas não enganou
Nathaniel nem um pouco. Oriana Dacy, irmã mais velha de
Nathaniel, estava grávida do primeiro filho. A observação casual de
seu marido não escondeu seu protecionismo.
Nathaniel uma vez ouviu um boato de que Chilton Dacy havia
enfrentado o próprio Napoleão na batalha. Dacy teria matado o
déspota se ele não tivesse sido atacado em massa por uma gangue
covarde de assassinos franceses. Nathaniel não se sentia inclinado
a provocá-lo ou a deixar Oriana em pânico.
Nathaniel concordou, aliviado por poder tirar a roupa manchada.
— Devo me livrar delas, Sua Graça? — O valete de Dacy
perguntou, segurando a calça encharcada de sangue de Nathaniel
entre dois dedos. Ele cheirou com nojo enquanto alguns flocos
secos caíram sobre o tapete oriental com estampa azul e cinza.
— Não. Coloque-as em uma bolsa. Vou levá-las comigo —
Algum instinto avisou Nathaniel para ficar com as roupas. Eliminar
as roupas pareceria muito suspeito.
O valete dobrou-os e colocou o pacote dentro de uma pequena
valise antes de entregá-la a Nathaniel.
— Precisa de mais alguma coisa, Sua Graça?
— Não — Nathaniel saiu apressado, perguntando-se se os
agentes de Bow Street já haviam chegado. Se tivessem, eles o
levariam sob custódia esta noite? Ele provavelmente estaria mais
seguro na prisão do que andar pelas ruas com dois pais
desesperados por vingança.
Ele enrijeceu quando se lembrou dos eventos depois que
Bellingham atirou em Mr. Perceval, o primeiro-ministro, em maio de
1812. Os relatos sensacionais haviam gravado o caso
profundamente em sua mente jovem.
Bellingham foi julgado e enforcado em 28 de maio, apenas
dezessete dias após o assassinato.
E as evidências estavam se acumulando contra Nathaniel.
Ele tinha que provar que não tinha enlouquecido e começado a
matar as debutantes mais irritantes desta temporada. O assassino
precisava ser detido e Nathaniel precisava encontrar Charlotte.
E se o assassino a encontrasse primeiro? E se ela estivesse
desaparecida porque...
Uma fúria doentia o sacudiu violentamente. Não. Ele não podia
pensar assim. Ela estava segura. Ela tinha que estar segura e ele a
encontraria.
E quando ele a encontrasse, ela corroboraria sua afirmação de
que ele não poderia ter matado Lady Anne. Ela podia confirmar que
ele não tinha sangue quando se juntou a ela.
Correndo escada abaixo, ele parou no meio do caminho.
Archer não estava com ele quando subiu na carruagem. Ele
estava sozinho. Ele engoliu em seco, apesar da boca seca.
Certamente, eles veriam que ela já estava morta quando ele a
encontrou.
Não é?
Nathaniel desceu mais devagar antes de entrar na sala de estar.
Archer e Dacy estavam relaxando amigavelmente e bebendo
conhaque em grandes taças. Para sua surpresa, um terceiro homem
sentou-se em frente a Archer.
— Cheery! — ele exclamou, reconhecendo seu velho amigo de
Eton — O que você está fazendo aqui?
O homem alto e esguio vestido inteiramente de preto fez uma
careta com o apelido juvenil. Ele avançou e apertou a mão de
Nathaniel.
— Vim salvar sua pele de novo, ao que parece — disse Knighton
“Cheery” Gaunt, antes de adicionar, suavemente —, Dodger.
Nathaniel enrubesceu com a lembrança de seu próprio apelido
de infância.
No entanto, antes que ele pudesse dizer outra palavra, Dacy
interrompeu.
— Cheery? — ele perguntou.
Gaunt balançou a cabeça, deixando Nathaniel explicar
— Estivemos juntos em Eton. Cheery, aqui, era um espécime
bastante severo e, se você quer a verdade, ele sempre insistiu em
provar que nossos mestres estavam errados, apesar das punições.
— Mas eles estavam errados — Gaunt objetou com um sorriso
torto — Alguém realmente tinha que ler os livros que atiravam em
nossas cabeças. Deus sabe que não, ou não teriam sido tão
abissalmente ignorantes dos assuntos que estavam tentando
ensinar.
Dacy não pareceu impressionado.
— Bem, maldição — disse Nathaniel — Tínhamos treze anos na
época. E ele nunca abriu um sorriso, tanto quanto me lembro.
— Ah, ironia — Archer disse — Confie em um estudante
britânico para ter um controle firme sobre o satírico. Suponho que
isso também explique ‘Dodger’? — As orelhas de Archer estavam
mais afiadas do que Nathaniel percebeu e ele ouviu o comentário
suave de Gaunt — Suponho que ele não tenha esse apelido por
esquivar-se das mulheres, certo? Embora naquela tenra idade, eu
não teria pensado que ele tivesse desenvolvido o traço ainda.
Gaunt sorriu.
— Esse era um pouco mais apropriado. Ele conseguiu se
esquivar da maioria, senão de todos, daqueles açoites com aquele
sorriso angelical dele. Sem mencionar sua habilidade fantástica de
evitar ler qualquer coisa importante e ainda assim sair com as
maiores honras.
— Depois de você, você quer dizer — disse Nathaniel — O que
está fazendo aqui?
— Mandei chamá-lo — disse Archer.
— Você? Por quê? — Nathaniel perguntou.
— Achei que poderíamos usar suas habilidades — Archer
respondeu com um ar de presunção que fez Nathaniel ranger os
dentes.
— Habilidades? Que habilidades?
Archer e Gaunt trocaram olhares antes de Archer responder.
— Segundos Filhos, Investigações Discretas.
— Essa é a sua agência? — Nathaniel olhou para seu velho
amigo novamente.
— Sim.
De repente, Nathaniel se lembrou de ter lido um relato sobre a
própria experiência de Knighton Gaunt com um assassinato. Seu pai
morrera em circunstâncias misteriosas que sugeriam o envolvimento
de seu filho de dezenove anos, Knighton. Seu irmão mais velho, o
herdeiro, estava viajando pelo continente na época. No devido
tempo, Knighton provou que sua jovem madrasta havia planejado a
morte de seu marido quando ele inconvenientemente descobriu seu
caso com o mordomo.
O mordomo encobriu o fato ao tentar implicar Knighton.
Não admirava que Gaunt tivesse desenvolvido um fascínio por
investigações discretas. Sem mencionar que, como segundo filho,
ele não herdaria muito e precisava de uma ocupação.
Pela primeira vez naquela noite, Nathaniel se sentiu mais
otimista. Gaunt sempre esteve indevidamente interessado em
provar coisas em Eton, e ele mesmo conseguiu evitar as acusações
de assassinato. Ele poderia ser inestimável para Nathaniel nessas
circunstâncias.
Sua tensão diminuiu até que um outro par de botas soou no
corredor. O mordomo abriu a porta da sala de estar e introduziu o
Senhor Clark.
— O agente de Bow Street, meu senhor — ele anunciou, antes
de fechar a porta atrás do robusto recém-chegado.
— Sua Graça — o agente assentiu — Lamento encontrá-lo
novamente em circunstâncias tão desagradáveis. Eu entendo que
houve outro acidente fatal. Na sua carruagem, na verdade.
— Sim, mas eu não estava nela na hora.
— De fato, Sua Graça — Clark respondeu evasivamente — Eu
dei uma olhada no veículo em questão — Seus olhos castanhos
olharam fixamente para Nathaniel — O senhor reconhece isso? —
Ele ergueu uma faca de formato estranho com uma lâmina quase
oval.
— Sim, é uma faca de casco, para moldar cascos de cavalos.
Quase todo mundo com um cavalo tem uma. O que é que tem?
— Foi encontrada no chão da carruagem — O agente explicou.
— Bem, não é minha.
— Não, já verificamos esse fato. Parece ser dos estábulos de
Lord Dacy — disse Clark.
— Eu não peguei.
— Mas o senhor teve a oportunidade quando o senhor e seu tio
montaram seus cavalos para a sua pequena cavalgada.
— Qualquer um poderia ter pego. Isso não prova nada — Gaunt
afirmou.
O agente acenou com a cabeça e embrulhou a faca
cuidadosamente em um lenço antes de colocá-la no bolso
— Os rapazes nos estábulos disseram que um dos cavalariços,
um homem chamado Smythe a pegou por último.
— O senhor falou com ele? — Nathaniel perguntou.
— Claro. Eu sei meu dever, Sua Graça. Ele alegou que a
guardou com os outros dispositivos de higiene esta tarde.
— De novo — disse Gaunt —, isso não prova nada.
— Eu entendo que a família da jovem vítima foi notificada e virá
reclamar o corpo dela? — O Senhor Clark continuou.
— Eu suponho... — Nathaniel olhou para ele friamente.
Dacy interrompeu.
— Eu deixei ordens para mandar uma mensagem aos pais dela.
Forneceremos uma carruagem para levá-la para a casa deles
depois que o legista terminar.
— E o senhor é?
— Lorde Dacy. Esta é a minha casa.
— Entendo — Clark se voltou para Nathaniel — O senhor
gostaria de relatar o que aconteceu?
— Eu não sei, maldição! — Nathaniel disse exasperado,
passando a mão pelo cabelo. — Meu cunhado deu um baile aqui
esta noite. Eu compareci. Então, meu tio e eu saímos, ah, para
tomar um pouco de ar fresco.
O agente tirou seu caderninho do bolso do casaco.
— Que horas eram, Sua Graça?
— Duas da manhã — Archer respondeu — Fizemos um breve
passeio antes de voltar para cá.
— A que horas o senhor voltou?
— Pouco antes das quatro — respondeu Nathaniel.
O oficial acenou com a cabeça e anotou a hora.
— E então o que aconteceu?
— Chamei o meu cocheiro, Lansbury — disse Nathaniel — Ele
trouxe a carruagem e eu entrei. Foi quando eu a encontrei.
— Me desculpe Sua Graça, mas por que o senhor simplesmente
não voltou para casa a cavalo, já que já estava cavalgando?
— Porque minha carruagem estava aqui.
— Então o senhor tinha uma carruagem e um cavalo aqui?
— Bem, não. Vim de carruagem esta noite. Para comparecer ao
baile.
— E o senhor, Senhor Archer, como chegou?
— De carruagem, naturalmente, já que acompanhei minha
esposa e pupila, Senhorita Haywood.
— E elas levaram sua carruagem para casa, eu presumo?
— Ah não. A Senhorita Haywood pegou a carruagem mais cedo
porque não estava se sentindo bem.
— Então, sua esposa ainda está aqui?
— Não — Dacy interrompeu — Eu mandei Lady Victoria para
casa na minha carruagem.
— E foi então que o senhor, Senhor Archer, e Sua Graça
decidiram dar uma volta? À noite? No meio deste baile?
Que bagunça complicada.
Deus sabe que ele estava se contorcendo por dentro, mas
Nathaniel severamente manteve os olhos fixos no rosto enrugado do
agente e sorriu.
— Sim...
— Fizemos uma pequena aposta, se quer saber — Archer
inseriu suavemente — E eu vou agradecer se o senhor mantiver
isso quieto. Lady Vee não aprova minhas apostas.
— Eu entendo. E qual foi a aposta?
— Já que sou menor e mais leve do que Sua Graça, sem
mencionar um cavaleiro muito melhor, eu poderia vencê-lo em uma
corrida daqui até o Parque St. James e vice-versa.
O agente suspirou.
— Por que o senhor faria isso às duas da manhã, enquanto
ambos estavam participando de um evento organizado por seu
cunhado?
— Porque fizemos a aposta durante o baile — Disse Archer —
Naturalmente, era imperativo que chegássemos a uma decisão
rapidamente. Ao cavalgar à noite, poderíamos ter certeza de que
haveria o mínimo de interferência possível ao longo de nossa rota.
Nathaniel olhou com admiração para Archer. Sua história parecia
quase razoável.
— Então uma vez que os Senhores vieram em carruagens e,
fizeram esta... aposta enquanto estavam participando deste evento,
devo perguntar, quais cavalos os Senhores usaram?
— Provavelmente os meus — disse Dacy, em tom ofendido —
Diga-me que você não mancou minhas duas melhores montarias...
— Claro que não! — Archer respondeu — Eu nunca coxearia um
cavalo.
Uma risada baixa escapou do agente. Ele balançou a cabeça e
escreveu mais algumas notas em seu caderno.
— Então, Sua Graça, ao retornar, o senhor chamou sua
carruagem?
— Sim. Lansbury a trouxe para perto. Quando entrei, encontrei a
garota. Mandamos chamá-lo imediatamente.
Ele estudou Nathaniel.
— A propósito — ele perguntou casualmente — Quem ganhou a
aposta?
Archer balançou a cabeça.
— Receio que meu sobrinho tenha tido a honra.
Depois de um momento sem fala de choque com a decisão
surpreendente de seu tio de perder uma aposta que eles nem
haviam feito, Nathaniel sorriu. Pelo menos ele tentou sorrir. Seu
rosto parecia uma rocha.
Archer havia esticado a verdade, e se o agente descobrisse isso
não ajudaria Nathaniel a provar sua inocência. De jeito nenhum.
— Só mais algumas perguntas, Sua Graça. O senhor usou a
roupa que está usando agora para o baile?
— Essas? Céus, não.
— Onde estão as roupas que o senhor vestia?
— Aqui eu…. — Nathaniel pegou a sacola — Elas estão
manchadas, eu temo.
— Elas teriam que estar, não é? — o agente respondeu
suavemente — Posso olhar para elas?
Nathaniel puxou lentamente o pacote para fora. As roupas
estavam duras de sangue seco. O agente as pegou e as examinou,
sua expressão ficando mais sombria.
— Eu me sentei na carruagem antes de perceber que ela estava
lá... — Nathaniel se apressou em explicar. — Eu não sabia. Estava
escuro e eu não tinha como saber…. Ou seja, o assento estava
encharcado e não o vi no escuro.
— Há sangue nos punhos — observou o agente.
— Sim. Quando vi que havia alguém na carruagem comigo,
toquei seu ombro. Achei que ela tivesse adormecido esperando por
mim.
— Esperando pelo senhor? — O olhar de Clark se aguçou —
Então isso foi um encontro?
— Não, de forma alguma. Eu não esperava que ela estivesse lá.
Essas moças... elas fazem isso. Elas têm se escondido em todos os
tipos de lugares. Não me atrevo a entrar em uma sala sem enviar
um lacaio primeiro para fazer uma busca no local — As palavras
jorraram. Nathaniel fechou a boca, mas o dano já estava feito. Todo
mundo olhou para ele.
— Eu entendo. Essas mulheres têm se tornado um incômodo,
não é? Como Lady Anne, talvez? — Clark perguntou.
— Não, sim, isto é, elas têm sido uma praga total, se o senhor
quer a verdade. Mas eu não matei ninguém. Toquei-a para acordá-la
e ela caiu no chão. Achei que ela tivesse desmaiado. Quando eu
verifiquei, percebi que ela tinha sido assassinada.
— Senhor Clark — Gaunt interrompeu suavemente. Ele foi até
onde o agente da Bow Street estava segurando a roupa descolorida
— Se o senhor notar, as maiores manchas estão no assento das
calças. Além disso, observe os punhos mais de perto. Sangue
fresco, como o senhor deve estar ciente, tende a se infiltrar
rapidamente em materiais como esta camisa de linho e, no entanto,
em vez de saturar o tecido, está coagulado e manchado.
— Mas olhe aqui, Senhor Gaunt, está bem ensopado na manga
direita. O que, aliás, provavelmente seria a mão que ele usou para
empurrar a faca de casco em sua garganta. — O Senhor Clark
balançou a cabeça — Pobre garota.
— Sim, o tecido absorveu um pouco, mas até o senhor pode ver
que é escuro e grosso. Já estava começando a coagular quando o
linho entrou em contato com seu sangue...
— O sangue em suas calças passou completamente através
dele — o agente observou persistentemente.
— Sim. Porque ele se sentou em uma almofada saturada com
ele. Ele não sabia o que havia acontecido. Apenas um assassino
tolo ou notavelmente incompetente se sentaria em uma poça de
sangue de sua vítima e, em seguida, guardaria suas roupas para
exibir aos investigadores. Sua Graça não é nada disso, garanto-lhe.
— Portanto, devemos pensar mais profundamente em como isso
pode ter ocorrido. A moça provavelmente se escondeu na
carruagem de Sua Graça, na esperança de não ser notada até que
fosse tarde demais. Ela obviamente esperava que ele fosse forçado
a fazer a coisa honrada e se casar com ela. No entanto, em vez de
Sua Graça, outra pessoa subiu na carruagem atrás dela, antes que
ela pudesse se ajeitar.
— Essa pessoa estava atrás da garota e puxou sua cabeça para
trás para cortar sua garganta, borrifando sangue nos assentos.
Então essa pessoa empurrou a garota agonizante para um canto,
saiu da carruagem e fechou a porta — Gaunt continuou. — Este
monstro com certeza teria sangue em seus punhos, mas o vestido e
o corpo da menina teriam impedido a principal efusão de fluido de
manchar as roupas do assassino. Então, na verdade, a pessoa que
o senhor procura pode ter um punho manchado, mas o resto de
suas roupas está razoavelmente limpo.
— E quem o senhor acha que essa pessoa pode ser? — Clark
perguntou.
— Esse é o mistério, receio, e o que precisa ser resolvido. Estou
convencido da inocência de Sua Graça. Devo admitir que um longo
atraso em encontrar o homem responsável provavelmente levará
este caso a uma conclusão infeliz. No entanto, é a descoberta da
verdade que permanece importante para todos nós — Gaunt disse
com calma magistral.
O agente acenou com a cabeça em concordância.
— Com duas mulheres mortas e Sua Graça presente em ambos
os casos, será difícil e delicado. Sei que ele conhecia as duas
mulheres e pode ter demonstrado algum interesse por elas. Ou
impaciência com suas atenções, dependendo da pessoa que o
senhor interrogar. Na verdade, ele foi visto deixando os jardins às
pressas após a descoberta infeliz de Lady Anne.
— Havia outros nos jardins, eu não era o único. Na verdade, a
Senhorita Haywood me deu uma lista de convidados que estavam
nos jardins — disse Nathaniel.
— Isso nem é preciso dizer, Sua Graça. E eu estou muito
interessado em sua lista — Gaunt respondeu em seu tom seco —,
mas, o senhor estava lá, também. Alguém viu o senhor?
— Senhorita Haywood. Eu estava com a Senhorita Haywood nos
jardins...
— O tempo todo? — Gaunt perguntou.
— Não — Nathaniel admitiu infeliz — Nem sempre. Mas eu
estava com ela. Ela pode atestar minha inocência — Exceto durante
o período em que ele estava fugindo de Lady Anne. O momento
crucial. Ou esta noite, quando ele encontrou a Senhorita Mooreland
em sua carruagem — Pelo menos ela pode provar que eu não tinha
sangue depois da morte de Lady Anne.
— E onde está esta jovem, Sua Graça? — perguntou o agente.
— Eu... uh, eu não tenho certeza. Isto é, ela deveria estar em
casa com minha tia, Lady Victoria.
— Certamente vamos questionar a jovem novamente — disse o
agente, escrevendo o nome em seu livro preto.
— Agora, sobre Lady Anne. O senhor acompanhou Lady Anne
aos jardins na noite de sua morte?
— Não, eu não a acompanhei.
— Mas o senhor demonstrou um grande interesse pela jovem,
não foi, Sua Graça? Até ela começar a perseguir o senhor?
— Não mais do que qualquer outra das centenas de moças que
conheci nesta temporada — afirmou Nathaniel — Na verdade, se o
senhor quer a verdade, eu estava tentando evitar todas elas. — Ele
apreciou os comentários de Cheery Gaunt, mas ele não iria apenas
ficar para trás e não fazer nada.
— Então, o senhor pode ter ficado chateado com o interesse
dela no Senhor, eu suponho. Perturbado o suficiente para se livrar
da jovem?
— Certamente não. Eu não estava considerando a jovem de
uma forma ou de outra.
— E por que isso?
— Se o senhor quer saber, tenho tentado fixar meu interesse
com a Senhorita Haywood. — O que diabos eu estou fazendo? Ele
olhou para Archer para vê-lo sorrindo suavemente em sua direção.
— De fato — respondeu o agente. Ele não pareceu
impressionado com a informação. — Então essas outras jovens
podem ter apresentado dificuldades para o senhor? Talvez elas
tenham deixado a Senhorita Haywood com ciúme o suficiente para
recusar o senhor?
— Certamente não! Tenho certeza de que ela nem estava ciente
delas.
O agente e Cheery riram disso.
— Não há mulher viva que não saiba de sua competição —
murmurou Cheery.
Nathaniel olhou para ele. Se essa era sua noção de assistência,
Nathaniel se sairia melhor sem ele. Sua irritação aumentou
— Ela não teve nada a ver com esses eventos, posso garantir ao
senhor.
— Estou certo de que isso é verdade — disse o agente, ainda
sorrindo — Bem, vou concluir meu questionamento por esta noite. O
senhor indicou que está enviando a pobre senhorita para a família
dela?
— Sim. Assim que o legista permitir.
Clark acenou com a cabeça.
— Vou visitar a família dela amanhã, o que já é hoje... — Ele
olhou para o relógio de bolso e fez uma careta — Obrigado pelo seu
tempo, Sua Graça. O senhor estará aqui se eu precisar falar com o
senhor de novo?
— Certamente. Ou seja, estarei em minha casa na cidade —
Nathaniel olhou para a sacola com sua roupa, mas o agente a
pegou, obviamente com a intenção de mantê-la.
— Se o senhor não se importa? — ele perguntou, o punho
firmemente em torno da alça da bolsa — Vou devolver a bolsa para
o senhor, assim que concluirmos o caso.
Nathaniel acenou com a cabeça. O que mais ele poderia fazer?
Sequestro - Tirar ou deter contra a vontade — com a intenção de se
casar ou conhecer carnalmente — qualquer mulher que tenha
qualquer interesse em qualquer propriedade, ou levar — com
intenção, etc. — contra a vontade de pais ou tutores qualquer
mulher...
Guia de bolso do policial

Q uando Red voltou ao sótão uma hora depois, ele não


estava sozinho. Uma morena pequena e enérgica
liderava o caminho, carregando uma bandeja de
madeira. Um pano de linho cobria o conteúdo. A garota
usava o traje escuro e o avental de uma criada de casa, com uma
touca rendada bordada meio torto em seus cachos brilhantes.
— Aqui senhorita, espero que isto lhe sirva — disse ela,
colocando a bandeja em uma mesa frágil e removendo o pano com
um floreio.
Um pequeno bule de chá lascado, junto com uma xícara de
porcelana e um prato transbordando de comida repousava sobre um
guardanapo de renda de algodão. O rendado estava cinza com o
tempo e precisava de conserto. O prato continha um pedaço inteiro
de pão crocante, um oitavo de uma roda de queijo cheddar e uma
tigela de maçãs temperadas em conserva.
A boca de Charlotte encheu de água, no entanto, ela ignorou
resolutamente a bandeja para estudar Red. Ele ficou parado
desconfortavelmente perto da porta, seus olhos fixos na criada
como se temesse que ela simplesmente desaparecesse em uma
nuvem de fumaça. O amor e o desespero estavam tão evidentes em
seu rosto que Charlotte quase estremeceu.
Ela olhou para a criada, observando os olhos grandes e escuros
e a grinalda de cachos castanho profundo e grosso. A garota
parecia totalmente inconsciente do interesse do gigante por ela.
Charlotte sentiu seu coração se compadecer dele. Ela sabia
muito bem o que era querer algo que você não poderia ter. Ela
queria muitas coisas que estavam fora de seu alcance. Ela queria
que sua tia estivesse viva. Ela queria voltar para a América ou viajar
para o Egito. Ela queria estar em qualquer lugar, menos aqui na
Inglaterra, onde não era seu lugar e, acima de tudo, ela queria que
as pessoas a aceitassem. Ela estava cansada de ver desprezo em
seus olhos simplesmente porque ansiava por descobrir mais sobre o
mundo ao seu redor do que apenas quantas fitas ela poderia
prender no topo de um chapéu.
Ela pensou nos olhos azuis risonhos de Nathaniel, brilhando com
sagacidade e inteligência, e seu coração doeu.
Se ao menos ele a tivesse entendido e olhado para ela com
admiração. Então ela baixaria um pouco suas expectativas. Ou a
aceitaria. A aceitação funcionaria. Por que sonhar mais do que ela
poderia razoavelmente esperar?
Ainda assim, enquanto observava Red olhando para a criada,
seu coração doeu por ele. Os sentimentos dele pareciam espelhar
os dela com exatidão.
— Isso parece adorável — ela assegurou a criada.
A garota fez uma reverência e sorriu amplamente
— Eu sou Rose, senhorita Eu cuidarei da senhorita durante sua
visita.
Charlotte acenou com a cabeça. Houve um barulho nas escadas
atrás de Red. Parecia o arranhar das unhas dos pés de um cachorro
nos degraus de madeira nus da escada.
Red olhou por cima do ombro, mas parecia despreocupado.
Seus olhos seguiram Rose. Quando ela se virou para sair, ele ficou
na porta, então ela teve que passar perto dele ao sair. Ele olhou
para ela, sua fome evidente em seu rosto quadrado e machucado.
— Red, fique um momento, por favor? — Charlotte perguntou,
depois que Rose saiu.
Ele tirou os olhos das sombras do lado de fora da porta e se
arrastou um pouco mais para dentro da sala. Seus movimentos
eram lentos e sua jaqueta parecia esticar mais do que o normal
sobre os ombros pesados. Enquanto ele avançava para o sótão,
Charlotte notou um objeto branco peludo pendurado nas costas de
sua jaqueta.
— Red, o que o senhor tem nas costas?
— Minhas costas? — ele repetiu.
Charlotte o fez se virar. Um cachorro branco desalinhado
pendurado pelos dentes na bainha de Red.
— O senhor tem um cachorro! — ela disse. Ela fez cócegas nas
orelhas e no pescoço do cachorro até que ele se soltou. O cachorro
pousou com estrépito no chão de madeira nu. O animal empinou por
alguns minutos, fungando animadamente nas mãos e nas saias de
Charlotte.
— Jo... — Red disse antes de fechar a boca — O que você está
fazendo aqui? — Ele acariciou desajeitadamente a cabeça do
cachorro como se tivesse medo de machucá-lo.
— Qual o nome dele? — Red encolheu os ombros, parecendo
cauteloso e envergonhado — O senhor o chamou de Jo, mais cedo.
É esse o seu nome?
Ele começou a balançar a cabeça e murmurou algo ininteligível.
— Bem, não importa — disse ela se abaixando para acariciá-lo.
O cachorro lambeu as mãos e rolou de costas, agitando os pés
no ar. Três pés. Uma das patas dianteiras estava faltando. Agora
que ela estudou o animal, ela percebeu que ele também havia
perdido o uso de um olho e parte da orelha.
— Pobrezinho — ela murmurou antes de se levantar e tirar a
poeira das saias. Ela se voltou para Red — Algo está errado?
— Não — Ele respondeu tristemente, olhando para seus pés.
— As coisas não estão indo bem? Eles recusaram meu resgate?
— Não, não é isso. Ou, pelo menos, não sei se é.
— Bem, então é... a Rose?
Seus olhos azuis voaram para o rosto dela. Um rubor vermelho-
vinho escuro tomou conta de suas bochechas.
— Por que a senhorita está perguntando isso? — A suspeita
baixou sua voz.
Charlotte encolheu os ombros como se estivesse despreocupada
e se serviu de uma xícara de chá
— Ela é muito bonita, não é?
— Sim — ele respondeu com um suspiro.
— Mas ela não está interessada no senhor?
— E por que ela estaria? O que um cavalariço teria a oferecer a
alguém como ela?
Então ele era um cavalariço. Interessante
— Tenho certeza de que isso não importa nem um pouco para
ela.
Ele bufou zombeteiramente
— Ela tem ambições, aquela lá. Ela não quer nenhum sujeito
que nem mesmo sabe ler — Ele parou embaraçado.
— Muita gente não sabe ler — assegurou-lhe Charlotte.
— Talvez. Mas Rose não fixará seu interesse em um caipira sem
perspectivas. Ele balançou sua cabeça — Ela diz que não tenho
ambição e é por isso que não sei ler. Se eu tivesse dinheiro
suficiente, provaria que tenho muita ambição.
Não admira que ele estivesse desesperado o suficiente para
recorrer ao sequestro de uma herdeira. Ele estava tentando reunir
recursos para se casar com sua Rose.
— Ajudaria se o senhor pudesse ler?
Ele deu de ombros e se abaixou para acariciar o cachorro.
— Também ajudaria se eu fosse um lorde, mas isso é igualmente
improvável.
— Por que eu não te ensino?
Seus olhos azuis olharam para ela, perfeitamente redondos de
surpresa.
— A senhorita me ensinaria?
— Bem — Charlotte respondeu —, não tenho mais nada para
fazer, e é muito chato aqui, sem nada para ocupar meu tempo. Pelo
menos me daria algo para fazer.
— Pode não haver tempo suficiente...
— Bobagem. Quem sabe quanto tempo os Archers levarão para
juntar o resgate? Você disse que ele está pedindo resgate, não
disse? Você não o deixou se convencer de que deveria se casar
comigo, deixou?
— Não. Ele não quer mais se casar com a senhorita.
Charlotte olhou para ele. Mesmo um sequestrador sem um
tostão não teria estômago para dormir com ela.
— Isso é excelente — respondeu ela, levantando o queixo. —
Excelente.
Red roeu o nó dos dedos
— Ele iria, a senhorita sabe. Mas ele não suporta seu cabelo cor
de cenoura.
— Obrigada — ela respondeu, sarcasmo rastejando em sua voz.
Cabelo de cenoura. Que descrição adorável. E Nathaniel
provavelmente pensava nela precisamente nos mesmos termos.
Red parecia horrorizado.
— Não que eu me importe com a cor do seu cabelo, senhorita. A
senhorita é como minha irmã mais nova!
— Que gentil da sua parte — Charlotte disse secamente — E
você prefere as morenas, não é? Bem, não importa. É bom mesmo,
não é? Eu não quero me casar com ele, então isso é tudo para o
melhor. Agora — ela disse vivamente, alisando suas saias. —, há
alguns itens que devo insistir em ter.
Red balançou a cabeça desgrenhada.
— Deus, senhorita. Já estou muito tempo aqui.
— Isso é muito ruim, não é? Você gostaria se eu começasse a
gritar?
— A senhorita não faria isso — afirmou com firmeza — A
senhorita faria?
— Eu certamente faria.
— Ninguém iria ouvir a senhorita.
— Então não há mal nenhum em eu tentar, não é? — Ela abriu a
boca como se fosse gritar, apenas para ver Red parecer tão doente
que ela a fechou novamente.
— Senhorita, realmente — ele protestou —, não há necessidade
disso — Ele baixou os olhos para as botas gastas — O que a
senhorita está precisando?
— Uma muda de roupa, para começar, e um pouco de água para
lavá-las. E alguns livros. Devo ter algo para ler. Eu preciso ter algo
para fazer. Um baralho de cartas, talvez? E traga uma lousa com
você, se quiser que eu lhe ensine a ler. Com que frequência você
pode vir?
— Não com tanta frequência. — Ele coçou o queixo — Talvez à
noite. Enviarei a Rose com o que a senhorita precisa de manhã,
embora não tenha dúvidas de que a senhorita não gostará das
roupas...
— Elas serão boas, tenho certeza — Ela coçou o ombro
avermelhado. O vestido de baile verde claro que ela usava ficava
bem por algumas horas, porém depois de dois dias os ombros
apertados começaram a incomodá-la. Mesmo um par de calças
velhas e esfarrapadas de Red seria melhor. Pelo menos ela poderia
ser capaz de respirar quando tentasse dormir — Ah, e mais uma
coisa, você poderia me dar um jornal?
Ele coçou a cabeça e franziu a testa em concentração.
— Isso é um pouco difícil...
— Oh, por favor? Ficarei totalmente louca sem ele. Por favor?
— Eu vou tentar.
Deixada sozinha, Charlotte caminhou de um lado a outro do
quarto do sótão. A sala era comprida e estreita. Ela não sabia dizer
se era o sótão inteiro de uma casa longa e estreita ou apenas parte
do sótão de uma casa bem grande. Havia algumas janelas
pequenas e sujas de um lado. Elas tinham apenas cerca de trinta
centímetros quadrados e eram muito pequenas para sair, mesmo
que ela quisesse.
Olhando para fora de uma só mostrava uma pequena horta
fechada cercada pelo que pareciam ser estábulos de um lado e um
cercado de pombos perto dos fundos com altas paredes de tijolo
cercando tudo. Um pequeno poço estava no centro rodeado por um
anel de lavanda.
O telhado se projetava para fora e o resto da vista estava
bloqueada por outros edifícios de tijolos. Ela não tinha ideia de onde
estava. Ela não conseguia ver nada que a ajudasse a determinar
sua localização, embora suspeitasse que ainda estava em Londres.
Afinal, a cavalgada deles até aqui não foi tão longa, apesar de como
foi.
A porta era de carvalho maciço e ela vira Red segurando uma
barra de madeira robusta quando a fechou. Ela não poderia sair
dessa maneira.
Ela apenas tinha que manter seu juízo sobre ela e não perder as
esperanças. A fuga ainda podia ser possível. Com sorte, talvez ela
pudesse escapar antes que seus sequestradores conseguissem
drenar todo o capital da propriedade de seu pai. Estar sem dinheiro
não poderia nem mesmo ser levado em consideração. Ela nunca
chegaria ao Egito sem dinheiro.
Na manhã seguinte, Rose reapareceu com outra bandeja
carregada e um velho saco de farinha pendurado no ombro.
— Oh, senhorita, se a senhorita pudesse apenas pegar esta
bandeja — ela engasgou, sem fôlego.
Charlotte deu um passo à frente como se fosse agarrar a
bandeja, pensando em sair correndo enquanto a criada ainda fazia
malabarismos com a comida e a sacola. Infelizmente, Red apareceu
na porta atrás dela. A fuga interrompida, ela sorriu para Rose e
pegou a bandeja, colocando-a na mesa vacilante.
— Eu trouxe para a senhorita algumas conservas de pêra — nós
as abrimos frescas esta manhã, senhorita e a cozinheira fez alguns
pães adoráveis, junto com a salsicha e o queijo.
Mais queijo. Charlotte gostava de queijo, mas se ela iria comê-lo
todos os dias, sua prisão seria muito tediosa. Ela ansiava por um ou
dois ovos e um adorável rosbife malpassado com batatas assadas e
cenouras: qualquer coisa além de queijo amarelo.
— Isso está adorável — Charlotte disse, retirando o pano de
prato que cobria a bandeja. Havia uma tigela pequena e grossa de
manteiga ao lado de vários pães ainda quentes. Um pequeno frasco
continha as conservas de pêra e o bule de chá ainda estava quente
ao toque — Suponho que você não poderia me trazer alguns ovos?
— ela perguntou.
— Vou ver o que posso fazer — respondeu Rose. Ela gesticulou
em direção a Red, ainda de pé na porta, mudando de um pé para o
outro como se estivesse terrivelmente desconfortável — Agora, este
ladino disse que a senhorita queria se trocar então eu trouxe
algumas coisas. Espero que estejam bem. O grande palerma aqui
estará de volta mais tarde com um balde de água.
O grande palerma, Red, corou e olhou para seus pés tristemente
enquanto Rose tagarelava. Suas orelhas grandes ficaram roxas
quando ela o ignorou. Ela tirou várias peças de roupa da bolsa,
incluindo um robusto vestido de linho e spencer em um tom
desbotado.
— Aqui está um pedaço de sabão — disse ela, enquanto tirava
os itens do saco. Ela os espalhou sobre a cama estreita — Trouxe o
jornal de ontem. Há um artigo sobre a senhorita também... muito
bom!
— Adorável — Charlotte murmurou, pegando as páginas
amassadas do The Morning Post. Havia um título em negrito
exclamando “Herdeira americana desaparecida em circunstâncias
peculiares!” Pelo menos não dizia “Peculiar herdeira americana
desaparecida” o que teria sido infinitamente pior.
— Aqui está uma bíblia, além de um romance de que a senhorita
vai gostar — Ela puxou mais alguns artigos da bolsa — É isso,
então! A senhorita tem tudo que precisa senhorita?
Tudo, exceto a liberdade.
— Sim, eu acho que sim. Obrigada, Rose.
Ela fez uma reverência e se virou, empurrando Red para fora do
caminho enquanto passava pela porta. Sentindo pena dele,
Charlotte o observou olhar desesperadamente para a criada.
Depois que ele fechou a porta, Charlotte pegou o romance e fez
uma careta. O livro era intitulado Herdeira Idiota, publicado em 1805
por um autor que preferiu permanecer anônimo.
Ela não pôde deixar de se sentir um pouco decepcionada por
Rose ter escolhido este volume em particular, embora a garota
sorridente provavelmente nem tivesse se importado em olhar o título
quando o agarrou para adicionar ao saco de farinha para Charlotte.
Deus sabe de onde ela o tirou de qualquer maneira. De um monte
de esterco, provavelmente.
A mente rebelde de Charlotte continuou a especular sobre onde
ela estava presa. Infelizmente, o único lugar que veio à mente foi o
sótão do homenzinho desagradável que havia arquitetado esse
plano. Ela realmente não queria pensar nas implicações.
Ele poderia simplesmente subir as escadas a qualquer momento
e abordá-la. Ela estremeceu e afastou o pensamento, folheando o
jornal.
Sob o título gritante “Herdeira americana desaparecida em
circunstâncias peculiares! ”, havia um subtítulo menor que dizia:
“Terceira vítima do Duque mortal. ” O Duque mortal? Ela franziu a
testa e leu o artigo com ansiedade crescente.

“P D , desesperado para escapar das


garras de três de nossas debutantes mais ousadas, optou por
eliminá-las em vez de rejeitá-las de uma forma mais cavalheiresca.
O corpo de Lady Anne Franklin foi encontrado no jardim da casa do
Conde de Sheffield, em Londres, há menos de três semanas. Ela
havia sido abominavelmente assassinada por um golpe de um
querubim de mármore, e seu pobre corpo foi descoberto perto de
uma pérgula ornamental durante um baile dado em homenagem à
filha do conde, Lady Beatrice (ver Society Happenings, página 6).
Por mais hediondo que fosse esse crime, parece que o sangue
de uma bela donzela não foi suficiente para saciar o desejo desse
monstro maligno de se livrar totalmente dos membros do sexo frágil
que o perseguiam. Duas noites atrás, Senhorita Suzanne
Mooreland, uma bela senhorita de apenas 20 anos de idade, foi
encontrada brutalmente desprovida de vida na carruagem do dito
Duque, após uma festa organizada pelo cunhado do Duque. É
relatado que esta jovem teve sua garganta cortada por uma faca de
casco, deixada no chão da carruagem. ”

—S M ... morta? — O jornal amassou quando


suas mãos se apertaram convulsivamente. Ela gostava da Senhorita
Mooreland. Não podia ser verdade que ela estava morta: Charlotte
acabara de falar com ela. A Senhorita Mooreland ajudou
generosamente o Duque escrevendo aquela nota.
A morte da Senhorita Mooreland foi o resultado da nota?
Horrorizada, Charlotte lutou para respirar na atmosfera
repentinamente abafada do sótão quente e seco. Ela rezou para que
a Senhorita Mooreland não tivesse sofrido, e não soubesse o que
estava acontecendo com ela, e Charlotte tentou, sem sucesso, se
convencer de que não havia causado a morte da Senhorita
Mooreland ao influenciá-la a escrever a nota.
Desesperada por detalhes, ela leu o resto do artigo.

“T , uma terceira jovem, uma rica herdeira americana


sob a tutela do tio do Duque, agora está desaparecida e dada como
morta. Ela será a terceira jovem a encontrar sua morte nas mãos
deste louco diabólico quando seus restos mortais forem
descobertos. Ainda não foi encontrado nenhum vestígio dessa infeliz
jovem, mas presume-se que ela será descoberta em breve, e o
modo de seu trágico fim será revelado nestas mesmas páginas. ”

— Q ! — Charlotte exclamou, jogando o


jornal no chão ao lado de sua cadeira. Ela se levantou e caminhou
inquieta pelo chão — Eu não fui assassinada! Oh, isso é terrível... é
um pesadelo!
No entanto, ela sabia que Lady Anne tinha sido encontrada com
a cabeça bastante côncava no jardim de Lady Beatrice. Charlotte
havia descartado as insinuações maliciosas sobre Nathaniel como
um disparate errôneo. Qualquer um poderia ver que ele era um
homem gentil e estimado. Ela se levantou e caminhou pela sala.
Certamente, Nathaniel….
Não, ele não podia.
Poderia? Ele tinha olhos sorridentes e era tão charmoso. Mas ele
também estava desesperado. Ele era um homem que foi levado
longe demais: um misógino.
Ela também lembrava muito bem do baile e de como eles se
encontraram pela primeira vez no terraço. Nathaniel estava voltando
do jardim, não do salão de baile. No entanto, ele não tinha sangue
como certamente deveria se fosse culpado.
Mesmo assim, ela poderia ter certeza? Seu casaco escuro
poderia ter escondido manchas na luz vacilante e incerta das
lanternas de papel.
No entanto, ele não se comportou de maneira estranha. Pelo
menos….
Quando ela considerou isso, ele parecia um pouco nervoso.
Charlotte presumiu que era porque as outras Ladies não o deixariam
em paz. Ele disse isso muito mais tarde, quando fez sua proposta
absurda de um noivado simulado.
Ela esfregou as têmporas, olhando com olhos cegos para as
janelas cinzentas com teias de aranha.
A situação era absurda. Ele não a matou; o jornal também
estava errado sobre as outras mulheres. Ela correu e pegou o jornal
novamente, relendo o artigo. A Senhorita Mooreland fora encontrada
em sua carruagem. Mais abaixo, indicava que seu pescoço longo e
branco havia sido decepado, bem abaixo do queixo, com uma faca
de casco.
Pobre Nathaniel. A evidência era contundente, de fato.
Deveres de detetive — Todas as medidas tomadas por um policial
para detectar um crime depois de cometido, vêm sob o título de
“deveres de detetive”
Guia de bolso do policial.

D epois de não ter nada para fazer o dia todo, exceto se


preocupar, Charlotte estava tensa e fora de si quando ouviu
um rangido do lado de fora da porta. Ela agarrou o pesado
bule de porcelana branca, de repente com medo de que sua morte,
conforme descrito no jornal, estivesse apenas um pouco atrasada.
Através da porta, ela podia ouvir os sons da barra sendo removida.
Ela se abriu, revelando Red carregando um balde de água.
Ela soltou a respiração que estava prendendo e colocou a
panela de volta na mesa frágil.
— Red, estou feliz por ser você.
— Senhorita? — Red perguntou levantando suas sobrancelhas
ruivas — Quem mais poderia ser?
— Aquele homenzinho horrível.
— Não, senhorita. Sou eu. Trouxe a água que a senhorita pediu
e uma toalha — Ele tinha um pano de linho branco puído pendurado
no ombro. Ele gentilmente entregou a ela antes de colocar o balde
no chão.
— Red, preciso pedir outro favor a você — disse ela.
Ele a olhou com cautela.
— Sim?
— Você poderia me trazer material de escrita? Devo escrever
uma carta ao meu tutor.
Ele balançou sua cabeça.
— Desculpe, senhorita Não posso.
— Certamente você pode! — ela respondeu um pouco azeda.
Depois de respirar fundo, ela sorriu para ele — Eu preciso deixá-los
saber que estou viva. Isso é tudo que escreverei que estou muito
bem e que eles deveriam pagar o resgate — Ela pegou o jornal e o
sacudiu — Você ouviu a Rose. Há um artigo no jornal que diz que fui
assassinada. Se o Senhor Archer acredita que eu estou morta, ele
não pagará o resgate. Você não receberá nada. Certamente, você
vê isso?
— Talvez — Ele coçou a cabeça —, mas...
— Oh, seja razoável. Você ouviu alguma coisa que indique que
eles decidiram pagar?
— Não, senhorita, e é um pouco desagradável — Havia um
brilho duro em seus olhos que a fez estremecer. Ele estava em
contato com o outro homem e não havia nenhum dinheiro. Se os
Archers não pagassem o resgate, ela, de fato, acabaria morta ou
pior, casada com seu sequestrador e morta logo em seguida.
Ela pretendia viver uma vida longa e interessante explorando os
túmulos de outras pessoas mortas ao longo das margens do Nilo.
Enquanto ela olhava para Red, o olhar dele a fez se perguntar se
a ideia de a matar era mais atraente para seu parceiro do que o
casamento, mesmo que temporário.
Ela estremeceu e renovou seu apelo.
— Você deve ver meu ponto. Simplesmente temos que deixar o
Senhor Archer saber que estou viva. Vou insistir com ele para
cumprir os termos do resgate o mais rápido possível para que eu
seja libertada. Isso é o que todos nós desejamos, não é?
Ele encolheu os ombros e se voltou para a porta.
— Talvez eu possa encontrar um pouco de papel...
— Obrigada! — Charlotte disse, seguindo-o até a porta. Ela
tocou levemente sua manga — É a única alternativa, você sabe.
Ele olhou para ela, mas não concordou. Depois que ele fechou a
porta, Charlotte se sentou com um baque na única cadeira da sala.
Por favor, deixe ele me trazer o que eu preciso.
Ele não voltou até depois de escurecer. No entanto, quando
chegou, ele carregava uma lanterna de tempestade em um punho
enorme e um papel amassado e lápis no outro.
— Isso vai ter que servir — ele disse quando pegou seu olhar
sobre o material para escrever — Não consegui nem pena nem pote
de tinta. Todos eles sabem que não posso escrever. O que eu faria
com essas coisas?
— Está tudo bem, Red. Adorável! — Ela alisou o papel
amassado e áspero em sua mesa frágil e olhou para ele por alguns
minutos antes de escrever.
Red se inclinou sobre ela, como se tentasse ler.
— Devo ler enquanto escrevo? — ela perguntou. Ela olhou para
ele com os olhos arregalados, segurando o lápis sobre o papel.
Ele grunhiu em concordância e ficou onde estava, atrás da
cadeira dela, pendurado sobre o ombro dela. Ela reprimiu sua
irritação e voltou a escrever.
— Caro Senhor Archer — disse ela, rabiscando essas palavras
exatas e dizendo-as em voz alta — Desejo que saiba que estou
bastante segura no momento e com excelente saúde. No entanto, o
senhor deve, agora, perceber que estou à mercê de um par de
sequestradores perigosos. Por favor, eu imploro ao senhor, pague o
resgate que eles pedem o mais rápido possível.
Ela fez uma pausa, lambendo a ponta do lápis. Agora era a parte
complicada. Ela escreveu:
— Tenho certeza de que ainda estou em Londres, mantida em
um sótão. Meu carcereiro é um homem ruivo extraordinariamente
grande chamado Red, e há uma criada chamada Rose. Há também
um cachorro branco de três patas. O segundo sequestrador é um
cavalheiro. Não sei seu nome e não posso descrevê-lo, exceto que
ele é bastante baixo. Essa é toda a informação que posso lhe dar.
Atenciosamente, Charlotte Haywood.
No entanto, o que ela disse em voz alta enquanto escrevia era
bem diferente.
— Estou sendo muito bem tratada, alimentada e entretida, então
não se preocupe muito por mim. No entanto, não acredito que eles
continuem a me tratar bem se o resgate atrasar. Por favor, pague
com toda a rapidez, sua amada pupila, Charlotte Haywood.
Ela largou o lápis e dobrou a nota em três antes de torcer em um
parafuso.
— Você vai levar isso diretamente para o meu tutor, Senhor
Archer?
Red pegou o papel com cautela, olhando para Charlotte.
— Você escreveu o que disse?
— Sim, certamente — Ela olhou sem piscar em seus olhos.
Por favor, não o mostre ao seu horrível associado. Ele vai me
matar se ler. Por favor, leve-o aos Archers.
Ela o encarou, silenciosamente pedindo-lhe que fizesse o que
ela desejava, e tocou sua mão como se aquele gesto pudesse
impeli-lo a fazer o que ela desejava.
— Sim. Eu vou entregar.
Ela sorriu.
— Assim que souberem que ainda estou viva, eles pagarão o
resgate. Você verá.
— Espero que sim.
— Eu também — Charlotte respondeu.
Quantos lugares havia em Londres com cachorros de três
pernas brancos e desalinhados, um gigante chamado Red e uma
criada chamada Rose? Suas pistas tinham que levar os Archers até
ela.
Red saiu, barrando a porta atrás dele, no entanto, assim que ela
ficou sozinha, as dúvidas a atormentaram. Ela endereçou a nota a
seu tutor, mas talvez ela devesse ter enviado a Nathaniel. Ela se
lembrou de suas discussões. Ele era inteligente para um aristocrata.
Ela definitivamente deveria ter endereçado a ele.

N C Gaunt chegaram à residência do Archer


simultaneamente. Nathaniel deu um tapinha no ombro do amigo e o
mordomo os conduziu escada acima até a sala de estar. Lady
Victoria estava sentada em um sofá baixo, folheando uma revista
enquanto Archer passeava e a informava de seus planos para o dia.
— Acabou de chegar, senhor — disse o mordomo, entregando
um pedaço de papel retorcido a Archer.
— O que é? — Nathaniel perguntou, sentando-se e esticando
suas longas pernas. Ele reprimiu um bocejo. Apesar de sua
chegada tardia em casa e dos acontecimentos da noite anterior,
seus criados encontraram duas donzelas escondidas em seu quarto:
uma embaixo da cama e outra no guarda-roupa.
Ele levou uma hora para relaxar o suficiente para adormecer. Ele
não havia adormecido até que o sol já estivesse espiando através
das pesadas cortinas de damasco azul de seu quarto. Ao meio-dia,
ele estava acordado e não conseguia mais dormir.
Ele só conseguia pensar na Senhorita Haywood. O assassino
também a havia pegado, como os jornais sugeriam?
— Bom Deus! — Archer exclamou, entregando o papel a Gaunt
— Leia isso!
Cheery leu a nota rapidamente e sorriu com seu jeito sardônico.
— Garota inteligente.
— O que é? — Nathaniel perguntou, sentando-se.
— Leia você mesmo — Cheery entregou-lhe o papel amassado.
— Graças a Deus ela está viva! Como ela conseguiu enviar este
bilhete para nós?
— Presumo que pelo menos o homem grande chamado Red é
responsável por ajudá-la.
— Você acha que ele vai ajudá-la a escapar? — Nathaniel se
levantou e caminhou até a janela e voltou.
Cheery balançou a cabeça, seu sorriso torto torcendo seus
lábios.
— Não, mas pelo menos ela pode se comunicar por meio dele e
nos enviar informações. — Ele puxou o papel de Nathaniel e o
estudou novamente — Duvido que este homem, Red, saiba ler, ou
ele nunca teria deixado este bilhete chegar até nós.
— Sim, e ela está em Londres... ou pelo menos ela pensa que
está. Em um sótão. — Nathaniel passou a mão pelo cabelo —
Maldição! É quase julho. Tem ideia de como fica quente embaixo do
beiral! Que lugar abismal para a manter. Devemos encontrá-la, e
logo.
— Eu concordo — respondeu Cheery secamente — Mas, apesar
dos desconfortos físicos de ficar em um sótão, ela está realmente
segura e, pelo que parece, está indo muito bem.
— O que você quer dizer com “indo muito bem? ” Ela
provavelmente está morrendo de medo! Você tem alguma ideia de
quais tormentos ela deve estar sofrendo? — Nathaniel perguntou.
Cheery inclinou a cabeça para o lado e olhou para ele.
— Ela parece assustada para você?
— Claro que não — Archer interrompeu — Ela é corajosa e vai
manter o juízo.
— Puta merda! — Nathaniel se sentiu como um capão espetado
lentamente girando sobre o fogo. Ele ansiava por ver Charlotte
novamente e precisava saber se ela estava ilesa. Pior ainda, ele
sentia falta dela — Ela está nos implorando para pagar o resgate.
Ela deve estar apavorada.
— Quase implorando — Archer murmurou.
— Posso guardar este bilhete? — Cheery dobrou o papel
novamente e o colocou cuidadosamente no bolso interno de sua
jaqueta antes de se levantar.
Nathaniel olhou para ele, querendo pegar o pedaço de papel de
volta. Era seu único vínculo com Charlotte.
— O que você vai fazer com isso?
— Tentar localizá-la, é claro.
— Eu pensei que você estava trabalhando para me livrar da
acusação de assassinato?
— Acredito que seja possível fazer as duas coisas.
Lady Victoria colocou sua revista de moda no colo e colocou as
mãos em cima dela. Apesar de seu comportamento calmo, seus
olhos estavam rodeados de sombras escuras.
— Sente-se, Sua Graça. Gostaria de um pouco de chá?
Nathaniel deu outra volta ao redor da sala.
— Não. Tenho a intenção de vasculhar Londres até encontrar
Char... Senhorita Haywood.
— Senhor Gaunt vai encontrá-la — Lady Victoria disse. — Eu
estou certa disso.
Archer acenou com a cabeça em concordância com sua esposa.
Ofendido, Nathaniel respondeu:
— Eu vou encontrá-la, maldição!
— Dois de nós podem procurar mais rapidamente — disse
Cheery — Nesse ínterim, Senhor Archer, talvez o senhor queira
reunir esses fundos.
— Isso não será feito rapidamente, não importa o quanto alguém
implore — Archer respondeu — O desgraçado quer cinquenta mil
libras. Isso é quase toda a sua fortuna. Suas propriedades terão de
ser vendidas e seus investimentos nos fundos liquidados. Isso vai
levar algum tempo.
— Então comece. Vou liquidar alguns dos meus próprios
investimentos — disse Nathaniel.
Esse era um resgate alto. Seu próprio dinheiro estava amarrado
principalmente em terras, com mais de trinta por cento de sua
riqueza investida nos fundos e em vários outros negócios. Ele não
tinha certeza se poderia cobrir mais de sessenta ou setenta por
cento do resgate com ativos facilmente conversíveis e não
utilizados.
No entanto, se ele não fornecesse pelo menos uma parte,
Charlotte seria reduzida a uma pobre. Ela nunca teria o suficiente
para viajar para o Egito.
A raiva fervilhava dentro dele. Ele a reprimiu, moldando a
emoção em algo muito mais frio e mortal.
— Eu tomarei o extremo leste. Bethnal Green para começar e
então Whitechapel, — Nathaniel declarou em uma voz dura. Os
sequestradores certamente eram pobres e provavelmente estavam
escondendo sua vítima em uma das vielas. Um deles não sabia ler
ou nunca teria enviado o bilhete de Charlotte.
Eles eram ignorantes. Empobrecidos.
— Você pega o oeste — Ele olhou para Cheery.
Gaunt assentiu, embora seus olhos negros brilhassem com
diversão sardônica por ter sido eleito o único a investigar as casas
mais exclusivas da Sociedade em Mayfair e Charing Cross,
enquanto um Duque visitava as vielas ao leste.
— Estamos perdendo tempo. Vamos começar antes que
qualquer coisa aconteça — disse Nathaniel, saindo pela porta.
U m oficial detetive deve possuir inteligência, tato e bom
senso, a faculdade de obter informações de outras pessoas
e, ao mesmo tempo, manter seus próprios conselhos e
opiniões.

Guia de bolso do policial

R de novo naquela tarde, pouco depois da uma da


tarde. Ele trouxe uma pequena lousa com ele. Charlotte olhou para
a lousa e a jogou na cama. Era muito pequena para uso prático.
Ela se ajoelhou no chão e escreveu o alfabeto e partes de
palavras como “de”. Eles tinham todo o piso áspero de madeira para
usar como ardósia.
— Eu nunca vou aprender — Red reclamou, olhando para as
letras que Charlotte havia desenhado no chão de madeira.
Ela olhou para seu trabalho, franzindo a testa.
— Você vai aprender. Simplesmente temos que encontrar o
melhor método — Ela se sentou no chão novamente e começou a
desenhar pequenas fotos ao lado de cada letra. Uma abelha ao lado
de “A” uma bola ao lado de “B” uma casa ao lado de “C” e assim por
diante.
Quando ela terminou, ela se levantou e espanou as mãos e os
joelhos. Ela puxou uma farpa da palma da mão e chupou o ponto
dolorido.
— Agora — ela disse —, eu fiz desenhos de coisas que
começam com as letras ao lado delas. Vamos tentar novamente.
Desta vez, Red pegou mais rapidamente, muito mais
rapidamente do que ela esperava. Ela começou a pensar que havia
se enganado sobre sua inteligência. Ela estudou suas costas largas
enquanto ele se curvava, apontando para cada letra e chamando-
as.
Seu andar cambaleante, roupas ásperas e rosto redondo e cheio
de cicatrizes o faziam parecer uma criança crescida demais.
No entanto, ele certamente conseguiu mantê-la longe de seu
parceiro. Ele a manteve segura.
Quando conseguiu ler o alfabeto, ele se virou para ela com um
sorriso esticado no rosto largo.
— É isso, então?
— Não exatamente — Charlotte respondeu — Agora quero que
você se sente aqui de costas para as letras que desenhei no chão.
Pegue esta lousa — Ela entregou a ele — Você vai escrever as
letras.
— Mas e se eu não me lembrar de todas elas?
— Eu vou nomeá-las. Você simplesmente as escreve,
exatamente como eu as escrevi no chão. Está pronto?
Este processo era um pouco mais lento e havia várias letras que
ele não lembrava como formar. Sua escrita rabiscou na lousa e mal
havia espaço para mais de três ou quatro caracteres antes que ele
tivesse que limpá-la.
Depois de conseguir rabiscar o alfabeto inteiro, Charlotte fez o
movimento ousado de tirar a lousa dele.
— Você terá que praticar todos os dias. Enquanto eu estiver
aqui, você pode se juntar a mim.
— Eu não posso subir todas as tardes. Hoje é meu dia de folga.
— Você está empregado? — ela perguntou tardiamente,
lembrando que ele já havia mencionado ser um rapaz do estábulo.
Ele bufou.
— Claro que estou empregado. Eu tenho um emprego regular...
muito bom, também.
— Então por que você recorreu a me sequestrar? Eu pensei...
— É por causa de Rose. Eu te disse, ela não vai se casar
comigo a menos que eu saiba ler e melhore minha situação. Eu
economizei quase quinhentas libras, mas isso não é nem perto de
suficiente — Ele esfregou a nuca com dedos grossos — Eu fiz
alguns trabalhos estranhos no lado sombrio no passado, eles
pagam muito bem, sabe. Então eu pego o que posso para juntar um
pouco mais.
— Certamente quinhentas libras são o suficiente para casar?
— Talvez, mas estou de olho em uma taverna perto do Monte do
Texugo. O Texugo Manchado, como é chamado. Meu primo em
terceiro grau está esperando para se aposentar. Ele quer vender. Se
eu pudesse colocar as mãos no resto do valor, eu compraria rápido.
Então a Senhorita Rose veria como eu tenho muita ambição de
melhorar de vida.
Charlotte sorriu. Red era um homem gentil e bem-apessoado e
se sairia muito bem em tal situação. Ela podia imaginá-lo sendo
extremamente eficaz em lidar com qualquer cliente embriagado ou
excessivamente animado, e a inteligente Rose garantiria que eles
não fossem enganados. Era a situação ideal para a dupla.
— Então você concordou em me sequestrar para conseguir o
resgate?
— Sim. Devo receber mil libras. O suficiente para o pagamento
inicial, de qualquer forma, e mais um pouco.
— Mil?
Ele assentiu.
A raiva acelerou seu sangue. Ela tinha quase certeza de que seu
parceiro estava exigindo muito, muito mais do que alguns milhares
de libras.
Claro, não era da sua conta. Ela supôs que não deveria estar
muito preocupada com o fato de que Red não estava recebendo
tanto de sua fortuna quanto deveria. No entanto, era mais um
aborrecimento das centenas que a atormentavam. Ela preferia que
Red ficasse com tudo do que o cavalheiro que, sem dúvida,
planejou seu sequestro.
Ela gostava bastante do grande idiota. Ele tinha sido gentil e
bom para ela. Ele era o irmão mais velho que ela nunca teve. Ou a
criança crescida que ela nunca teria.
— Fale sobre você? — ela perguntou, não querendo ser deixada
sozinha para pensar na Senhorita Mooreland e todas as dificuldades
crescendo fora dos limites do sótão.
Ele a olhou por um momento e depois encolheu os ombros
— Suponho que não vai doer. Comecei a vida numa fazenda.
Quando eu estava bem crescido, meu pai disse que eu era um
rapaz bom e musculoso e me tornou um aprendiz de lutador. Venci
algumas lutas, mas meu gerente foi morto, então aceitei outro
emprego. Agora eu trabalho nos estábulos e faço bicos e coisas do
gênero.
— Entendo, bem, não importa — ela disse finalmente. Red
obviamente nunca teve muita chance de desenvolver qualquer coisa
além de músculos brutos — Algo vai dar certo e você terá sua
taverna e a Senhorita Rose. Agora, no entanto, você deve apertar o
cinto e aprender a ler.
Ele acenou com a cabeça com cautela
— E se eu não conseguir me lembrar do alfabeto?
— Não se preocupe — Ela riu amargamente — Na hora que eu
for solta, você se lembrará muito bem.

D o silêncio hostil e taciturno dos habitantes


do extremo leste de Londres, Nathaniel galopou para casa, furioso
de frustração.
— Carter! — ele chamou seu mordomo enquanto jogava sua
capa e chapéu em uma cadeira — Diga a Michael para trazer um
conjunto antigo de suas roupas para o meu quarto. Quanto mais
velho, melhor. E sele aquele maldito cavalo que o menino do
cozinheiro usa para fazer mandados.
— O senhor deseja que coloquemos sua sela no animal daquele
menino? — Carter perguntou, suas sobrancelhas subindo em
descrença.
— Não minha sela, seu idiota, seja qual for a peça de couro
gasta que o garoto use. E seja rápido!
— Sim, senhor — Carter respondeu. Ele olhou fixamente para o
longo nariz de seu patrão com as pálpebras semicerradas em
desaprovação.
Nathaniel o ignorou e correu escada acima de dois em dois
degraus.
Michael se juntou a ele alguns minutos depois com um paletó
marrom surrado, calças grossas que antes poderiam ser verdes
escuras e uma camisa cinza desbotada. Assobiando, ele jogou as
roupas na cama e observou seu patrão tirar suas elegantes calças
castanhas e o paletó de montaria azul profundo.
— Indo para um pouco de esporte, não é? — Michael perguntou.
— Não, não estou! — Nathaniel respondeu secamente.
— Sua Graça, implorando seu perdão, mas não pude deixar de
notar que o senhor parece diferente.
Nathaniel rosnou para ele enquanto abotoava as calças justas.
— Botas! Eu preciso do par mais sujo que você tiver.
— Aqui — Michael colocou um par de botas marrons gastas na
mão de Nathaniel. — Agora, Sua Graça, se o senhor não se
importa, eu acredito que devo ir junto com o senhor, visto que o
senhor pretende se passar por um plebeu.
— Absolutamente não!
— Assim que o senhor abrir sua boca eles vão saber o que o
senhor é.
— Não diga besteiras.
Michael riu.
— O senhor fala como um Lorde. O senhor não pode evitar, Sua
Graça. Deixe-me ajudar.
— Está entediado, não é? — Nathaniel estudou o rosto
sorridente de seu servo — Tudo bem, mas não vou esperar — Ele
agarrou a jaqueta e a vestiu, estremecendo ao som da costura das
costas rasgando para acomodar seus ombros.
Os dois homens desceram as escadas. Nathaniel ficou aliviado
ao encontrar dois velhos cavalos quebrados na frente da casa.
Ninguém o reconheceria como um Duque montado em um daqueles
animais. As costas flácidas dos cavalos estavam cobertas com
engenhocas que haviam sido gastas quando o primeiro Henry foi
Rei da Inglaterra.
Perfeito.
— Para onde vamos, então, Sua Graça? — Michael perguntou
enquanto eles tentavam fazer seus cavalos andarem pela rua.
Os cavalos resistiram. O de Nathaniel tentou deitar na sarjeta,
mas ele conseguiu administrar para tê-lo controlado antes que
rolasse sobre ele. Eles finalmente avançaram em um ritmo tão lento
que os mendigos começaram a zombar e gritar para eles seguirem
em frente antes que suas montarias brotassem grama.
— Whitechapel e Bethnal Green para começar — Nathaniel
disse, chutando seu cavalo para galopar brevemente antes de ela
desacelerar novamente em uma espécie de marcha lenta.
— Deus, Sua Graça, o senhor não acha que ela está lá?
Nathaniel lançou-lhe um olhar rápido.
— Quem?
— Sua Lady, Sua Graça — Michael respondeu inocentemente.
— Quem mais estaríamos procurando?
— A pupila do meu tio — Nathaniel cerrou os dentes até que os
músculos da mandíbula doessem — E se você quiser continuar
como meu valete deve se lembrar disso.
— Não foi isso que eu disse, Sua Graça? Sua Lady — Michael
respondeu antes de começar a assobiar alguns compassos de
alguma melodia obscena, cortando nitidamente a resposta de
Nathaniel.

G pelo elegante extremo oeste de Londres,


parando ocasionalmente para conversar com velhos conhecidos.
Em sua experiência, criados, lojistas, trabalhadores e indigentes
eram fontes de informação muito mais confiáveis do que os da
sociedade que viviam nas casas elegantes que ladeavam as ruas.
Também consumia muito menos tempo colocar um xelim em uma
mão suja e simplesmente ouvir as informações serem derramadas,
do que se demorar a uma entrada aguardando uma entrevista com
os habitantes ricos e, portanto, ocupados.
Como a herdeira sequestrada astutamente adivinhou ao
adicionar a descrição do cão de três patas branco e desalinhado,
não havia muitos animais que correspondessem à descrição,
particularmente não em combinação com um gigante ruivo. O
próprio Senhor Archer havia mencionado um cachorro que se
encaixava na descrição e, embora parecesse improvável, Gaunt
considerou as informações de Archer em sua pesquisa.
O questionamento inútil gradualmente reduziu a perseguição a
uma rua próspera, Park Lane, que dava para o verde exuberante do
Hyde Park. Vários lojistas concordaram que um rapaz ruivo de
proporções estranhas era visto regularmente na vizinhança e
presumia-se que trabalhava em uma das casas imponentes. Alguns
até se aventuraram a oferecer um endereço específico, o que
confirmou o que Archer havia lhe contado.
No final da tarde, Gaunt parou para inspecionar uma das casas
menores, mas ainda modernas: uma com a qual ele já estava
familiarizado. Ele encostou-se a um poste, observando os servos
movendo-se diligentemente em suas tarefas até que uma jovem
veio para encher um balde com água do poço. Ela mal conseguia
carregar o recipiente e o conteúdo respingou em seu avental sujo.
Gaunt se aproximou e gentilmente o pegou dela.
— Aqui, deixe-me carregar isso para você — ele ofereceu.
Ela enxugou o nariz com o pulso
— Não, senhor, eu levo. — Ela tentou arrancar o balde dele, mas
ele se moveu na frente dela em direção à porta da cozinha.
— Bobagem. Estamos quase lá dentro.
— Bem, obrigada, então — ela respondeu sombriamente. Assim
que eles entraram, ela o arrancou dele, derrubando água no chão
de pedra.
— Aí, Sally! Veja o que você está fazendo! — a cozinheira
chamou, parando quando ela o viu — Quem é o senhor?
— Senhor Knighton Gaunt, senhora — respondeu ele, tirando o
chapéu.
— O que o senhor está fazendo aqui?
— Apenas oferecendo uma mão para a Senhorita Sally.
— Vá em frente, Sally! — A cozinheira empurrou a garota para
uma bacia cheia de pratos sujos. A garota despejou a água na pia e
começou a limpar uma panela de latão com um punhado de areia
enquanto seus olhos cinza-claros se voltavam para Gaunt.
— Bem, senhor, e o que o senhor quer? — a cozinheira o
lembrou de sua pergunta anterior sem resposta.
Gaunt sorriu
— Estive olhando as casas por aqui e descobri que muitas vezes
você obtém as melhores informações sobre elas com os criados.
Você não concorda?
Os olhos cor de avelã, injetados de sangue da cozinheira
observaram as roupas imaculadas dele. Ele se recostou no batente
da porta, feliz por não ter usado nenhuma ornamentação, apenas
seu colete preto, jaqueta e calças. Eles eram bem cortados para
serem aprovados, mas não tão ricos a ponto de causar
preocupação. Ela grunhiu e esperou que ele continuasse.
— Você já teve problemas com ratos por aqui? — Gaunt
perguntou.
— Não, senhor, não temos!
— Assaltantes? Ruídos incomuns à noite?
— Não! E o que o senhor quer dizer com assaltantes? Se o
senhor está pensando que pode conseguir informações para nos
roubar, o senhor está redondamente enganado e pode
simplesmente ir embora!
— Certamente não. Estou simplesmente tentando determinar se
esta área é tão segura e confortável quanto parece — Ele estudou o
rosto hostil da cozinheira — É tranquilo à noite, então?
— Sim.
A garota que esfregava as panelas deu uma risadinha.
— Exceto pelo espectro!
— Não há nenhum fantasma, Sally, agora feche sua boca e volte
ao trabalho.
— Fantasmas? — Gaunt olhou para a criada — Certamente não
há espíritos aqui?
A copeira assentiu vigorosamente, embora não tenha
respondido.
A cozinheira olhou para ele.
— O senhor está interessado em fantasmas, então?
— Ah, sim. Eu fiz um estudo sobre eles. Estou surpreso ao saber
que você tem um aqui. Você realmente o viu?
— Vi sim — respondeu a cozinheira com ar de autoimportância.
Ela pegou uma panela de água fervente e enxaguou um velho pote
de porcelana chinesa antes de colocar a colher em algumas folhas
de chá uma vez usadas — O senhor gostaria de uma xícara de chá?
— Seria um prazer — Gaunt concordou, movendo-se em direção
à mesa colocada no centro do piso de pedra.
— Sente-se — ordenou a cozinheira, pegando xícaras, pires e
um prato com alguns pães Sally Lunn. — Fique à vontade.
Gaunt pegou um e estendeu sua xícara enquanto ela servia.
— Receio não ter entendido o seu nome?
— Senhora White — ela respondeu, sentando-se em frente a
ele. Sua cadeira rangeu agourentamente sob seu peso, e ela
sentou-se rígida por um momento até que os ruídos parassem.
Então ela suspirou e relaxou, servindo uma xícara para si mesma —
E o senhor, então o senhor está interessado neles, os pobres
espíritos imateriais, não é?
— Ah, sim. Muito.
— Já os vi em muitas casas tanto em Londres quanto em Surrey,
onde cresci por isso eu poderia contar histórias que fariam seu
cabelo ficar branco... — ela disse antes de parar para tomar um gole
de chá e olhar os bolinhos pensativamente.
— Sim, mas estou mais interessado em histórias recentes. Na
verdade, há algum fantasma nesta casa, por exemplo?
A cozinheira acenou com a cabeça.
— Há a história de uma pobre menina que se apaixonou por um
pretendente que lhe foi proibido por seus pais cruéis. O rapaz veio
de uma família decente, mas sem título, o senhor vê então ele não
era bom o suficiente para sua pequena cordeirinha.
Ele assentiu. A história era tão antiga quanto a própria Londres.
— O que aconteceu com eles?
— Oh, eles trancaram a pobre menina no sótão onde ela ficou
semanas até que um dia sua criada veio com seu chá e encontrou a
pobre menina morta no chão. Ela morreu com o coração partido.
— E ela assombra a casa? Esta casa?
— Sim, coitadinha. Você a ouve andando para frente e para trás,
para frente e para trás, a noite toda, esperando que seu amante a
resgate — A cozinheira olhou para Gaunt por um momento, como
se medisse sua reação — E, claro, o garoto nunca virá, porque ele
fugiu com outra Lady, como os rapazes fazem.
— Você a ouviu?
A criada da copa deu uma risadinha.
— Ela é surda como um poste.
— Eu não sou surda! Eu ouvi isso, não é? — disse a cozinheira,
meio levantando-se. Então ela balançou a cabeça — Não do meu
quarto, senhor, sou capaz de dizer. Eu nunca a ouvi.
— Eu já — disse a copeira.
— Você ouviu? — Gaunt se virou na cadeira, enganchando o
braço nas costas. — Quando?
— Ora, eu a ouvi ontem ou a noite passada.
— Você nunca a ouviu! — a cozinheira acusou a menina — Pare
de mentir e volte ao trabalho.
— Não estou mentindo — respondeu a garota com veemência.
— Como você pôde ouvi-la? Quando você foi para o sótão?
— Você não precisa ir para o sótão, se quer saber. Você lembra
que a senhora. May me pediu para carregar umas bagagens velhas
até o depósito no quarto andar. Bem perto da porta do sótão? Bem,
eu nunca tive uma chance até ontem à noite, depois que já estava
escurecendo. Eu também estava com certo tremor por causa das
sombras preenchendo os espaços — Ela parou quando a cozinheira
bufou — Eu estava tremendo! E empilhei as caixas de qualquer
maneira onde ela pediu, e foi quando eu a ouvi... o espectro.
Andando de um lado para o outro lá em cima, andando na
escuridão. Corri todo o caminho de volta para cá, temendo por
minha própria alma!
— Então você a ouviu ontem à noite? — Gaunt perguntou — No
sótão?
A copeira acenou com a cabeça antes de lançar um sorriso para
a cozinheira e voltar para seus pratos.
— Um pouco impertinente essa espevitada — a cozinheira
murmurou, esvaziando sua xícara.
Gaunt chamou sua atenção.
— Você acredita nela?
— Ah, sim. Eu já ouvi as outras garotas... as criadas do andar de
cima — dizerem o mesmo.
— Você se lembra, assim rápido, de onde ouviu essa história
interessante pela primeira vez?
— Eu não tenho certeza...
— Bem, eu ouvi da própria Senhorita Uppity. Não que ela se
digne falar com gente como eu — a copeira resmungou.
— Rose? — A cozinheira coçou o nariz bulboso — Não posso
dizer com certeza, mas pode ter sido aquela Rose Woodley, a
garota que é criada do andar de cima.
Gaunt achou as informações delas profundamente interessantes.
— Eu certamente agradeço a vocês, senhoras, por me divertirem
tão bem. Não me lembro de ter gostado tanto de uma xícara de chá
e de uma história de fantasma.
— O senhor já está indo? — a cozinheira perguntou, lutando
para se levantar — Eu tenho muito mais histórias de espíritos
inquietos, se esse é o tipo de coisa que o senhor gosta...
— Receio ter ficado muito tempo, na verdade — Ele olhou para o
relógio de bolso. — Vocês foram tão fascinantes que perdi a noção
do tempo.
A cozinheira sorriu.
— O senhor vai ficar por perto, Senhor Gaunt?
— Sim — Ele ajustou o chapéu na cabeça e acenou para as
mulheres — Parece um bairro interessante. Tenho certeza de que
nos encontraremos novamente — Quando ele parou na porta, ele
casualmente fez uma última pergunta — Vocês, senhoras, não
viram um cachorro branco de três pernas e um gigante ruivo, viram?
As senhoras riram com vontade.
— Ora, Senhor Gaunt, o senhor deve estar se referindo a Red
Smythe! Ele é um criado que vive nos estábulos aqui. Ele é quase
tão alto quanto o senhor, embora seja tão largo quanto um celeiro e
tenha um rosto que assustaria o mais feroz pirata em uma noite
escura. E o Master tem um cachorro que se encaixa nessa
descrição em uma letra. Por que o senhor perguntou?
— Oh, eu ouvi alguém mencionar isso, e pensei que poderia ser
o rapaz e o cachorro fantasma pertencente à jovem da sua história.
— Bom Deus, não. Red Smythe não é amante de nenhuma
Lady, e não há cão fantasma aqui — A cozinheira balançou a
cabeça — Já temos problemas suficientes com os vira-latas vivos
que seu Lordship impõe a casa.
— Entendo, bem, obrigado pela história. Desejo a vocês um bom
dia, Ladies.
— E bom dia para o senhor também, Senhor Gaunt — disse a
cozinheira, de pé na porta e observando-o sair.
As informações que ele coletou estavam se encaixando
perfeitamente. No dia anterior, ele questionou os rapazes do
estábulo daquela casa em particular sobre a faca de casco usada
para se livrar da Senhorita Moorland. Gaunt lembrou que o Senhor
Smythe estava ausente dos estábulos naquela época, no entanto,
um dos rapazes se referiu ao Senhor Smyth como “Red.”
Coincidências interessantes, e Gaunt não acreditava em
coincidências.

N M caminharam lentamente por Whitechapel.


Ninguém tinha visto ou ouvido nada relevante sobre uma Lady
mantida sob coação, e ninguém sabia de um cachorro de três
pernas, embora muitas almas prestativas se oferecessem para
cortar as pernas de vários malditos, se assim desejassem. Havia
muitos homens ruivos por perto, entretanto, e vários eram bem
altos. Infelizmente, ninguém conseguia se lembrar de ter visto um
gigante ruivo acompanhado por um cachorro de três patas, por si
só.
A sorte deles não foi muito melhor em Bethnal Green, embora
tenham encontrado um anão ruivo arrastando um poodle preto sem
cauda.
Quando a luz começou a diminuir, eles perceberam a
necessidade de voltar para casa e se reagrupar. Era muito fácil se
perder nas cercanias de cortiços decadentes. À medida que as
sombras se alongavam, as pessoas ficavam muito menos
interessadas em responder a perguntas e muito mais interessadas
no que os dois estranhos tinham em seus bolsos. Nathaniel e
Michael foram gradualmente forçados a voltar para casa, cansados,
discutindo esporadicamente várias estratégias a serem empregadas
em sua próxima tentativa.
— Eu tenho alguns favores que me devem — disse Michael —
Vou apenas pedir que eles sejam pagos por meio de pesquisas.
— Você não tem que fazer isso — respondeu Nathaniel,
distraído por seus pensamentos.
Onde está Charlotte? Ela ainda está segura? Assustada?
Suas mãos apertaram as rédeas de couro. Ele não podia esperar
até amanhã para encontrá-la. Eles tinham que fazer algo esta noite.
— Vamos comer alguma coisa e começar de novo — disse ele
— Precisamos pegar um mapa e dividi-lo entre você e os outros
homens para que você possa cobrir mais território — Ele se lembrou
da hostilidade em Whitechapel — E certifique-se de que os homens
estejam armados e andem aos pares.
Michael acenou com a cabeça, embora Nathaniel não tivesse
certeza se era por concordar com aquilo ou se era apenas a
exaustão. Ele próprio se sentia com os olhos turvos e suas roupas
coçavam.
Em seu retorno, Nathaniel questionou Carter, mas ninguém
apareceu com notícias. Felizmente, o Senhor Clark de Bow Street
também não havia retornado. Nathaniel permaneceu um homem
livre, pelo menos por enquanto. Mais cedo ou mais tarde, os pais
das meninas assassinadas exigiriam justiça e, a menos que as
coisas mudassem, ele seria seu alvo natural.
Seu pescoço e mandíbula doíam de tensão e frustração. Ele
esfregou a nuca, dividido entre procurar por Charlotte e investigar as
duas mortes.
Os mortos não poderiam ser mais feridos com o atraso, ele
pensou. Charlotte era mais importante.
Quando chegaram a sua casa, ele desmontou, rígido e dolorido
por causa da sela gasta. Ele correu escada acima e trocou de roupa
às pressas. Pegando um mapa de Londres, ele se dirigiu à sala de
jantar, na esperança de traçar uma estratégia mais eficaz enquanto
comia.
Ele fez uma lista de servos entre garfadas, mal ciente da comida
colocada diante dele. Na margem do mapa, ele escreveu uma lista
de pares de homens e começou a dividir a extremidade leste em
pequenas seções para facilitar a busca. Ele estava quase
terminando quando Carter o interrompeu.
— Visitantes, Sua Graça — disse ele da porta, curvando-se.
Archer abriu caminho passando por Carter sem esperar. Vestido
com seu traje preto de sempre sem adornos, Cheery Gaunt o seguiu
em um ritmo mais calmo.
— Archer! Cheery! — Nathaniel saltou da cadeira — Vocês a
encontraram?
— Talvez — Cheery respondeu, olhando as travessas na mesa.
— Onde ela está? — Nathaniel perguntou.
— Não tenho certeza, mas tenho uma teoria — Cheery
respondeu — O bilhete dela me lembrou de alguém... um pugilista
que eu conhecia. Talvez você se lembre de ‘A Morte Vermelha’?
— Quem diabos é “A Morte Vermelha”?
Cheery e Archer riram.
— Um lutador muito ruim que lutava por dinheiro.
Aparentemente, ele se aposentou quando descobriu que era mais
lucrativo fazer bicos com legalidade questionável. Eu acredito que
ele pode ser o homem ruivo que a Senhorita Haywood mencionou.
— E você sabe onde ele está?
— Oh, sim — Archer respondeu, interrompendo Cheery — Gaunt
o rastreou.
— E ela? Onde? Onde ela está?
— Segura — disse Cheery com indiferença condenável.
Nathaniel gemeu e transferiu o olhar para o tio. Archer encolheu
os ombros e vagou até a mesa. Ele pegou um garfo e transferiu uma
fatia de rosbife malpassado para o prato de pão de Nathaniel.
Sentando-se, ele puxou o prato à sua frente.
— O que você está fazendo? Nós devemos ir! — Nathaniel
protestou. Ele empurrou a cadeira para trás e se levantou
— Ela vai estar lá — Archer disse enquanto calmamente cortava
um pequeno pedaço de carne e o levava à boca — Ela está
perfeitamente segura em seu sótão.
— Você não sabe disso! Eles poderiam ser... isto é, ela poderia
ser... Maldição, não sabemos o que eles estão fazendo com ela!
— Nada, eu presumo — Archer o assegurou, derramando mais
vinho na taça de Nathaniel e bebendo — Red nunca faria mal a uma
Lady. Venha, sente-se. Vamos jantar como homens razoáveis.
Então, podemos determinar se a teoria de Gaunt sobrevive à virada
da carta.
Nathaniel caminhou até a porta e voltou. Cheery sentou-se em
frente a Archer e esperou enquanto Carter trazia vários outros
pratos e talheres para a mesa.
— Garanto que ela está bem segura — disse Cheery — Se ela
estiver, onde eu acredito que ela esteja, claro.
— Como vocês dois podem simplesmente ficar sentados aí
como... como animais insensatos enquanto ela... — Nathaniel
atacou, querendo estrangular o par.
Nenhum dos dois prestou a menor atenção nele. Eles acabaram
com sua garrafa de cabernet e pediram outra enquanto se
banqueteavam com seu rosbife, pudim, caçarola de batata e a
gelatina de frutos do mar que sua cozinheira havia fornecido para a
refeição principal. Em seguida, eles insistiram em comer as tortinhas
de creme que um lacaio trouxe para a sobremesa.
— Vocês já comeram o suficiente? — Nathaniel finalmente
perguntou, sua voz cheia de sarcasmo.
Archer enxugou os lábios e recostou-se, esvaziando seu último
copo de porto
— Muito bom, Sua Graça. Excelente.
— E podemos ir, agora? Se não for incomodar ninguém, é claro.
E se vocês têm certeza de que já comeram o suficiente — Nathaniel
respondeu. Ele ficou atrás de sua cadeira, suas mãos quase
esmagando as delicadas costas esculpidas.
— É claro — concordou Cheery — Adorável carne, no entanto.
Você tem uma carruagem?
A voz de Nathaniel ficou ainda mais baixa e ficou sedosa.
— Eu acredito que isso pode ser arranjado. Algo mais?
Trombetas e tambores, talvez? Uma escolta armada?
— Estou apenas pensando no conforto da Senhorita Haywood —
Cheery comentou enquanto se levantava — Muito desconfortável
por ser resgatada e, em seguida, forçada a montar na garupa todo o
caminho para casa.
— Eu nunca permitiria que isso acontecesse — Nathaniel saiu.
No corredor, ele deu ordens curtas e incisivas para Carter.
Seu mordomo rapidamente forneceu sua bengala e chapéu
depois de ver a expressão de Nathaniel.
— Há um mapa de Londres na sala de jantar, Carter — disse
Nathaniel — No caso de esta teoria do Senhor Gaunt acabar sendo
um conto de fadas, quero que você informe os criados. Quando eu
voltar, se não tivermos localizado a Senhorita Haywood, eles terão
que fazer buscas nas áreas designadas.
— Não é um conto de fadas — Cheery murmurou suavemente
— Talvez uma história de fantasmas no sótão e ocorrências
estranhas, mas não um conto de fadas.
— Fique quieto — Nathaniel respondeu quando a carruagem foi
trazida — Você não percebe que está na companhia de um suspeito
de assassinato?
Reforço — Se um policial achar que seus esforços são insuficientes
para efetuar a prisão, ele deve avisar um ou mais dos espectadores
para ajudá-lo, e é uma contravenção acusável para alguém assim
advertido recusar.
Guia de bolso do policial

I rritado, Nathaniel observou enquanto Cheery dava ordens ao


cocheiro. Quando os homens se moveram em direção à porta
da carruagem, Nathaniel notou Michael pendurado na parte de
trás da carruagem. Ele fez uma careta para ele e abriu a boca para
ordenar ao criado que ficasse para trás para organizar os outros. No
entanto, antes que ele pudesse falar, Cheery colocou uma mão
firme entre suas omoplatas e o empurrou para dentro da carruagem.
— Para onde você disse a Lansbury para ir? — Nathaniel
perguntou, puxando o colete e as mangas enquanto se acomodava
no assento. Todo o tecido de sua camisa de linho estava
desconfortavelmente amassado sob a manga justa de seu casaco,
fazendo seu braço parecer uma salsicha cheia demais. A sensação
era essa também. Ele enfiou os dedos no punho e puxou o tecido
até conseguir dobrar o cotovelo com mais facilidade.
Cada menor desconforto e pequeno aborrecimento faziam seu
temperamento inflamar. Ele olhou para os dois homens sentados à
sua frente e teve que se conter para não estrangular os dois.
— Eu odeio ser provado que estou errado, Sua Graça — Cheery
respondeu, prendendo seu olhar — Então, me perdoe se eu não
digo nada até chegarmos ao nosso destino.
— Que diferença fará se eu souber agora ou daqui a quinze
minutos?
— Não terei que sofrer com discussões intermináveis sobre isso
— Cheery respondeu antes de acrescentar: — Sua Graça.
— Não vou contestar suas conclusões. Eu só quero que ela seja
encontrada — Nathaniel olhou pela janela — Mayfair? Extremo
oeste? — Ele recostou-se novamente, sentindo-se aliviado. Se ela
estava na extremidade oeste, as chances eram boas de que ela
estivesse sendo mantida em cativeiro em um ambiente decente,
mesmo que fosse um sótão.
Por outro lado, isso significava que o canalha que a sequestrou
provavelmente era um bastardo com título. Ele não teria nenhum
escrúpulo em tirar vantagem dela se isso significasse que ele
poderia encher seus cofres vazios com a herança de Charlotte, e as
chances eram boas de que ele já tivesse comprometido Charlotte
completamente agora.
Ele cerrou os punhos
— Como você propõe que entremos na casa dessa pessoa? Não
temos mandato. Você informou Bow Street?
Cheery balançou a cabeça, dando um de seus sorrisos
sardônicos.
— Você não terá nenhuma dificuldade. Assim que tivermos
recuperado sua Lady, podemos determinar como proceder. Acredito
que ela será capaz de identificar seu sequestrador, momento em
que podemos recrutar os serviços de Bow Street.
— Ela não é minha Lady. Ela é protegida do meu tio, e agradeço
se lembrar disso. — Ele sentia tanta falta da companhia de Charlotte
que sofria com isso, mas ele de forma nenhuma iria admitir.
— Ah sim — Cheery olhou pela janela — Estamos quase lá.
Nathaniel olhou para fora
— Mas, essa é a casa da minha irmã! Por que estamos parando
aqui? — Ele agarrou o ombro de Cheery — É o bastardo do outro
lado da rua, não é? Qual é o nome dele... General não sei de quê...
— Capitão Greene, eu acredito, mas não. Não vamos para a
casa do capitão.
— Você não pode querer me dizer que minha irmã e meu
cunhado estão envolvidos? Eu não acredito. Oriana não. Não.
Cheery o ignorou e saiu, forçando Nathaniel a continuar a
conversa sozinho ou sair da carruagem e se juntar a Cheery na
calçada. Nathaniel desceu e olhou ao redor.
Ele girou os ombros, tentando aliviar o ajuste aperto do casaco.
Seus músculos pareciam tensos e rígidos de tensão.
— E agora?
Cheery subiu os degraus até a porta da frente e tocou a
campainha.
Nathaniel subiu os degraus rasos de dois em dois
— Você não pode simplesmente... oh, olá, Worthington — ele
disse enquanto o mordomo abria a porta.
— Sua graça — Ele se curvou. — Senhor Gaunt. Por favor,
entre. Vou ver se Lord Dacy está disponível. A menos que o senhor
prefira falar com Lady Dacy? — Sua voz foi sumindo, deixando a
pergunta pairando educadamente no ar.
— Lord Dacy servirá — respondeu Cheery.
Worthington os conduziu escada acima para uma pequena sala
de estar na frente da casa enquanto ele foi encontrar Lord Dacy.
— Isso é extremamente embaraçoso — Nathaniel reclamou,
tirando o chapéu e passando a mão na testa. Embora o sol tivesse
se posto há horas, o ar ainda estava quente. À distância, ele podia
ouvir o estrondo de um trovão — Não podemos simplesmente
acusá-lo de sequestrar a Senhorita Haywood. Toda essa situação
me confundiu! Por que Dacy a sequestraria? — Nathaniel andou em
um circuito ao redor da sala, empurrando para o lado as cadeiras
espalhadas se elas por acaso estivessem em seu caminho.
— Não o estou acusando de sequestro — disse Cheery,
sentando-se e esticando as longas pernas — É por isso que não
envolvi Bow Street. Na verdade, não acredito que seu cunhado
saiba que pode ter um hóspede em seu sótão. Ou isso ou um
fantasma muito vivo.
— Fantasma!
Cheery riu e se levantou quando a porta se abriu.
— Sua graça! — Dacy exclamou quando ele entrou.
Logo atrás dele estava sua esposa Oriana, que se jogou nos
braços de Nathaniel e ficou na ponta dos pés para beijá-lo
profundamente na bochecha.
— Nat! O que você está fazendo aqui? — ela perguntou,
abraçando-o novamente antes de se soltar. — Está tudo bem? Você
parece terrivelmente preocupado.
— Nunca estive melhor — Nathaniel manteve um braço em volta
dela e forçou um sorriso. Ele a apertou e não pôde deixar de notar a
largura em volta da cintura dela. — Quando é o evento feliz?
Ela franziu a boca, o lábio superior ainda mais cheio por sua leve
sobremordida. Ela suspirou
— Não por muito tempo ainda. Setembro, no mínimo...
Dacy deu um passo à frente e libertou sua esposa das mãos de
seu irmão, apertando sua mão. Então Dacy colocou um braço
pesado e com posse em volta dos ombros dela, enquanto ela olhava
para ele e sorria.
— A que devemos esta honra? — ele perguntou.
— É a coisa mais terrível — Nathaniel começou, antes de se
desculpar rapidamente com sua irmã — Cheery, isto é, o Senhor
Gaunt acredita que pode haver, ah, alguém em seu sótão.
— Alguém no sótão? — Oriana olhou para ele com perplexidade
escurecendo seus olhos castanhos. — O que exatamente você quer
dizer? Assaltantes?
— Oh, não, nada do tipo — Nathaniel se apressou em assegurá-
la quando seu marido fez uma careta.
Dacy podia não querer que sua esposa se preocupasse, mas
Nathaniel não tinha certeza se conseguiria acomodar seus desejos.
Era bastante angustiante ter uma herdeira sequestrada morando no
sótão de alguém, e havia muito pouco que ele pudesse fazer para
tornar a notícia mais palatável. Ele puxou as lapelas do paletó com
desconforto.
— Antes de entrarmos em muitas especulações, por que não
simplesmente confirmamos de uma forma ou de outra? — Nathaniel
sugeriu.
Dacy concordou com a cabeça.
— Eu concordo — Ele se virou para sua esposa — Espere aqui,
meu amor, não demoraremos.
— Por quê? — ela perguntou — Não estou totalmente
incapacitada. Acredito que sou capaz de subir alguns degraus.
— Não vou discordar, mas não adianta ficar perambulando pelos
sótãos empoeirados. Duvido que encontremos muito mais do que
alguns ratos mumificados.
Nathaniel sorriu e concordou, dando um tapinha no ombro
gordinho de sua irmã. Apenas Cheery encolheu os ombros e
manteve a confiança suficiente para fazer Nathaniel sofrer um
espasmo de confusão.
Charlotte estava realmente aqui? Como ela poderia ser mantida
no sótão sem Dacy ou qualquer outra pessoa da casa saber?
Ele caminhou até a porta, incapaz de controlar seu desejo de
encontrar Charlotte.
— Você está vindo?
— Espere aqui — Dacy deu ordens suaves para sua esposa
novamente, pressionando um beijo rápido em sua têmpora antes de
se juntar a Nathaniel.
Cheery vinha na retaguarda, parecendo uma sombra alta e
negra vagando pelo corredor atrás deles.
A escada para o sótão ficava nos fundos da casa e formava uma
continuação da escada dos empregados. Quando chegaram ao
topo, Nathaniel encontrou um pequeno corredor que corria ao longo
de uma parede do comprimento da casa.
Vários quartos pequenos, cheios de baús e móveis empoeirados
e quebrados, davam para o corredor. As portas dos depósitos
estavam faltando ou penduradas desajeitadamente nas dobradiças.
Nathaniel caminhou alguns metros pelo corredor, olhando ao
redor.
— Então, Sua Graça — Dacy falou lentamente — Onde está sua
herdeira? — Ele se encostou na longa parede, os braços cruzados
sobre o peito, a cicatriz branca em seu rosto clara, apesar da luz
fraca. Ele parecia um pirata entediado que encontrou o porão de um
navio capturado pesado com tijolos de lastro em vez de ouro.
No final do corredor, Nathaniel se virou para recuar, quando
notou uma porta estreita. Um robusto pedaço de madeira a barrava.
Ele sorriu e acenou para os outros dois homens.
— O que você está guardando aqui, Dacy? Eu não tinha
percebido que ratos mumificados precisavam de uma porta trancada
com uma prancha de madeira para mantê-los presos.
Dacy estudou a barra de madeira por um momento e encolheu
os ombros.
— Eu nunca estive aqui em cima, então não tenho explicação.
Você gostaria de abri-la ou devo?
— Eu farei as honras — Nathaniel levantou a barra. Com o
coração batendo forte, ele abriu a porta.
Ele entrou na sala e olhou ao redor rapidamente. Uma cama
estreita estava encostada a uma parede, ao lado de uma pequena
mesa.
Uma lanterna velha e uma bandeja coberta por um pedaço de
linho repousavam sobre a mesa. Perto estava uma cadeira de
aparência frágil. O chão nu estava estranhamente marcado com as
letras do alfabeto escritas em uma grande caligrafia infantil com giz.
— Bem? — Disse Dacy — Ela está aí?
A sala parecia vazia até Nathaniel entrar ainda mais. No canto
mais distante, uma figura sombria estava parada, observando-o.
— Charlotte? — ele chamou — Não tenha medo, ah, Senhorita
Haywood. É Nathaniel, er, o Duque de Peckham.
— Nathaniel? — ela perguntou — Sua graça? — Ela se afastou
de uma janela empoeirada e avançou hesitante — É realmente o
senhor?
— Sim, a senhorita está segura? Está machucada?
Ela correu em direção à porta, parando a um metro de distância
como se não tivesse certeza de que seria bem-vinda. Ele estendeu
as mãos, seus músculos tremendo de alívio.
Ela agarrou as mãos dele, os olhos brilhando.
— É mesmo você! Oh, isso é um grande alívio. Eu... eu quase
desmaio.
Seus olhos percorreram seu rosto com fome, mal ousando
acreditar que ela estava viva e bem. Seu olhar captou sua pele
pálida e um toque de umidade em seus profundos olhos azuis. Ela
piscou rapidamente e apertou as mãos dele com mais força,
tremendo de emoção. Finalmente, ela se livrou de seu aperto e
lançou os braços ao redor dele, enterrando o rosto em suas lapelas.
Ele embalou sua cabeça contra ele e pressionou sua bochecha
contra seu cabelo macio, respirando seu cheiro quente.
— Charlotte! — ele disse, mal conseguindo pronunciar o nome
dela. Seu coração martelava no peito.
Até aquele momento, ele não tinha percebido o quão
desesperadamente preocupado ele estava. Como estava com medo
de que ela já pudesse estar morta. Ele não conseguia esquecer a
mulher com a garganta cortada, morta em sua carruagem.
E se isso tivesse acontecido com Charlotte?
— Graças a Deus! — ele disse — Fiquei louco de preocupação
— pensei que tinha perdido você...
Deus, eu te amo.
Ele a apertou com mais força contra o peito. Antes que ela
pudesse responder, ele ergueu sua cabeça e inclinou sua boca
sobre a dela.
Em todos os casos de fraude, entretanto, o policial fará bem em se
proteger com o mandado de um juiz.
Guia de bolso do policial

C harlotte abriu os lábios com surpresa, que foi superada pelo


desejo. O cheiro quente da pele de Nathaniel, temperado
com o cheiro de louro e lavanda, a encheu.
Oh, ela o amava tanto.
Ela respirou fundo e deslizou os braços por seu peito. Seu corpo
estava duro sob suas palmas. As grossas placas dos músculos do
peito se amontoaram sob suas mãos enquanto ele a apertava com
mais força. Ela se sentia tão segura em seus braços, tão acolhida.
Ele soltou seus lábios enquanto sua boca descia por seu
pescoço antes de acariciar a pele na base de sua garganta. Suas
mãos puxaram a renda em seu pescoço, libertando seus ombros.
Sua boca roçou a pele sensível quando sua respiração ficou presa
na garganta.
Ele se inclinou para ela, pressionando o comprimento magro
dele contra seu corpo.
— Sua Graça — disse uma voz de homem atrás deles.
Charlotte enterrou o rosto no paletó de Nathaniel, respirando seu
cheiro quente. Por que eles não os deixavam sozinhos? Ela só
queria alguns minutos preciosos com Nathaniel.
— Sua graça? — Lord Dacy perguntou.
— Você está... machucada? — Sua voz tremia como se ele
estivesse lutando para se controlar.
— Saiam! — Nathaniel exigiu, pressionando o rosto de Charlotte
em seu peito.
Ela se moveu inquieta em seus braços e lançou um olhar para
Lord Dacy. Um homem alto vestido inteiramente de preto apareceu.
Ele a examinou desapaixonadamente.
Ela estava segura... e irritada com a audiência desnecessária
olhando para ela da porta.
— Sua Graça — disse o homem de preto — Eu acredito que sua
irmã está esperando por nós...
Os dedos de Nathaniel alisaram um cacho na nuca de Charlotte,
e ele falou suavemente em seu cabelo
— Sinto muito...
Ela ergueu a cabeça e captou seu olhar. Seus olhos brilharam.
Ela prendeu a respiração, certa de que ele estava prestes a dizer as
palavras que ela desejava ouvir, mas ele apenas suspirou e a
soltou.
Talvez tenha sido apenas alívio que ela viu em seus olhos, não
amor.
Charlotte enrubesceu de vergonha. Ela deixou seus sentimentos
dominarem seu bom senso e respondeu desenfreadamente ao beijo
do Duque.
Talvez tenha sido uma sorte ela ter permanecido em silêncio.
Ela podia ter deixado escapar algo que iria envergonhar os dois,
como o fato humilhante de que ela acabou de perceber o quanto o
amava. Os próximos anos seriam muito tensos se ela tivesse que
esconder aquela emoção infeliz e não conseguisse convencer o
Senhor Archer a deixá-la partir para o Egito imediatamente.
Seu ânimo afundou. Nathaniel a abraçou porque ficou aliviado ao
vê-la e entendendo totalmente errado os motivos dele, ela o beijou.
Ele devia estar mortificado.
Por que Red simplesmente não a matou quando teve a
oportunidade? Teria sido a coisa gentil a se fazer.
E agora o Duque provavelmente se sentiria obrigado a pedir que
ela se casasse com ele. Ela comprometeu os dois quando o beijou
na frente de duas testemunhas. Se ela não estivesse enganada,
Lord Dacy era o cunhado de Sua Graça, então ele sem dúvida o
convenceria a fazer a coisa certa e adequada.
Que idiota.
Com as costas rígidas, ela saiu, apenas para hesitar em um
corredor estreito. As escadas não ficavam do lado de fora da porta
como ela imaginava. O corredor parecia empoeirado e sem uso.
Ela se sentiu completamente perdida.
— Por aqui — disse o estranho esguio.
Ela olhou para ele, examinando seu traje preto simples. As
únicas manchas de cor eram sua gravata branca e o brilho suave de
uma corrente de relógio de ouro cruzando seu colete. Seus olhos
negros brilhavam em seu rosto comprido e magro, como se ele
gostasse de alguma piada misteriosa. Talvez ele achasse a ideia de
ela beijar um Duque, divertida.
Ela olhou além dele para ver Nathaniel olhando para ela,
esfregando a nuca. Ele parecia infeliz, como se tivesse acabado de
perceber o que ela já sabia: que se eles permitissem que a
sociedade ditasse suas ações, eles estariam presos um ao outro.
Ela respirou fundo para evitar explodir em lágrimas.
Embora não se importasse de ser coagida a se casar com ele,
ela não poderia enfrentar uma vida inteira de indiferença e
ressentimento se ele fosse forçado a se casar com ela.
— Por aqui, Senhorita Haywood. É a Senhorita Haywood, não é?
— o homem de preto perguntou.
Ela acenou com a cabeça.
— Receio que não tenhamos sido apresentados. Eu sou o
Senhor Knighton Gaunt.
— Prazer em conhecê-lo — disse ela, lutando para manter o
sarcasmo fora de sua voz. O Senhor Gaunt quase parecia ser
espanhol com roupas tão sombrias e pele escura, entretanto ele
soava bastante inglês e bem educado.
— A senhorita pode me seguir, por favor? — Ele seguiu na frente
pelo corredor até uma escada estreita.
Ela o seguiu sem olhar para Nathaniel. Seu pescoço ficou rígido
com o esforço de não olhar por cima do ombro quando eles
desceram três lances de escada. A última escadaria larga os levou a
um corredor acarpetado forrado com belas pinturas pastorais.
Charlotte olhou ao redor. Ela teve a sensação mais estranha de
que já tinha estado ali antes. Quando ela parou, o Senhor Gaunt
segurou suavemente seu cotovelo e a conduziu para uma sala de
estar. Lady Dacy estava sentada em um banco estreito e estofado
perto de uma lareira acesa.
— Lady Dacy! — Charlotte exclamou. — O que a senhora está
fazendo aqui?
A senhora rechonchuda levantou-se, as sobrancelhas arqueadas
de surpresa.
— Ora, eu moro aqui. Era você quem estava morando em nosso
sótão? — Ela riu — Pensamos que tínhamos fantasmas!
— Seu sótão? Fantasmas? — Charlotte repetiu confusa — Esta
é a sua casa?
— Sim, de fato — Ela sorriu e estendeu a mão para o marido,
que seguiu Charlotte até a sala de estar.
Charlotte captou os olhos de Nathaniel. Ele esfregou a nuca
novamente e desviou o olhar, claramente envergonhado.
Ela havia sido mantida prisioneira na casa de Lord Dacy. Seu
temperamento explodiu e apertou sua garganta. Sua mente correu
por esquemas e tramas até encontrar a única explicação razoável
para a situação.
O Duque precisa de dinheiro.
Foi por isso que ele a pedira em casamento. Não era por
aquelas razões ridículas que ele murmurou no jardim. Oh, como
deve tê-lo frustrado e irritado quando ela recusou. Então, frustrado
por sua decisão, ele contratou os dois homens para sequestrá-la.
Ele pode até ter esperado conseguir seu dinheiro sem se casar com
ela, obtendo um resgate em vez disso. Foi um esquema brilhante, à
sua maneira.
Infelizmente, o “cavalheiro sequestrador” que o Duque contratou
teve suas próprias ideias. Ele pensou que poderia comprometer a
herdeira ele mesmo e se casar com ela ou colocar as mãos no
grosso do resgate. No entanto, Red, ainda tentando obedecer às
ordens de Nathaniel, salvou-a ao transferi-la para a casa dos Dacy,
e então ele obviamente informou seu empregador sobre essa
mudança nos planos.
Infelizmente para Nathaniel, os jornais descobriram e relataram
seu sequestro. A ausência dela, junto com os assassinatos, deve ter
aumentado a pressão sobre o Duque a ponto de ele ter que mudar
seus planos. Ele mal podia esperar por um resgate. Se ele queria o
dinheiro dela, ele tinha que encontrar uma maneira de superar suas
objeções ao casamento.
Então, Nathaniel tinha “milagrosamente” chegado para salvá-la,
sabendo que ela ficaria grata em vê-lo. E de acordo com seus
planos, ela caiu direto em seus braços. Em sua gratidão, ela o
beijou na frente de duas testemunhas, testemunhas que ele garantiu
que estariam presentes, caso ela mais tarde pensasse que ninguém
sabia que ela havia sido comprometida.
O Duque de Peckham sempre quis se casar com ela por sua
fortuna.
Tudo fazia muito sentido.
— Graças a Deus você está segura, afinal — disse Lady Dacy,
sentando-se novamente e servindo várias xícaras de chá.
Charlotte empurrou sua xícara de chá para longe. Não faltou chá
durante o confinamento, não, de fato, não era isso que lhe faltava.
— Eu sei o que a senhorita deve estar pensando — disse
Nathaniel, tentando prender seu olhar.
— Eu sinceramente duvido disso — Ela o olhou com ódio,
desejando não se lembrar do amor que sentiu em seus braços. Seu
queixo se ergueu ligeiramente — Embora eu deva confessar, eu
nunca esperei ser sequestrada e mantida prisioneira no sótão de
Lord Dacy.
— Posso assegurar-lhe que ficamos igualmente surpresos ao
encontrá-la lá — Lorde Dacy respondeu secamente.
— E o senhor encontrou os sequestradores, eu presumo?
Particularmente o pequeno cavalheiro selvagem? — Ela se sentou
na beirada de uma cadeira elegante coberta com seda dourada e
entrelaçou os dedos frios no colo.
— Havia um segundo homem? — Senhor Gaunt perguntou —
Quem? A senhorita pode descrevê-lo?
Ela balançou a cabeça.
— Eu temo que ele manteve um saco na cabeça. Fora isso, ele
era de estatura e constituição medianas. Um pouco mais baixo que
eu — Ela olhou fixamente para Nathaniel. — Tenho certeza de que o
senhor o encontrará.
Quando ele pegou seu olhar, Nathaniel corou
— Eu não tinha ideia de onde a senhorita estava. Eu tenho
estado frenético...
— Sim, tenho certeza de que foi uma surpresa terrível para o
senhor quando veio ao sótão para me encontrar — disse ela,
interrompendo-o — O que o senhor esperava descobrir lá?
— Ratos mumificados, se a Senhorita quer a verdade — disse
Nathaniel — Ou fantasmas. Foi Cheery quem disse que a senhorita
poderia estar lá.
— Cheery? — Ela arqueou uma sobrancelha.
— Senhor Gaunt — Nathaniel respondeu. Quando ela não fez
comentários, ele continuou: — Eu o conheci em Eton.
Como se isso explicasse alguma coisa.
— Entendo — Ela achou que o apelido Cheery era estranho para
um homem com uma semelhança tão marcante com um membro da
Inquisição Espanhola, mas ela não era sua mãe. Talvez ele tivesse
sido uma criança alegre e ensolarada, como o apelido pressupunha,
embora, francamente, ela duvidasse disso.
O Senhor Gaunt trocou algumas palavras com Lorde Dacy e
depois se desculpou.
— O senhor não quer saber o que aconteceu? — Charlotte
perguntou finalmente. Claro que não, uma vez que já sabia, mas ela
não resistiu à oportunidade de fazê-los sentir até as menores
partículas de desconforto e culpa.
Lord Dacy e Nathaniel trocaram olhares. Lord Dacy finalmente
respondeu:
— Sim, no entanto, se a senhorita não se importar, podemos
esperar o Senhor Gaunt voltar? Ele nos ajudou investigando, e eu
gostaria que ele estivesse presente para ouvir sua história.
Charlotte pegou sua xícara de chá e tomou um gole antes de
assentir. Sem olhar para os homens, ela se inclinou e escolheu um
biscoito de amêndoa para mordiscar. Tinha gosto de areia seca e
granulosa. Ela engoliu com chá.
O Senhor Gaunt logo voltou, acompanhado por outras duas
pessoas e um cachorro.
Red, a empregada, Rose e um cachorro branco de três patas
entraram mancando na sala, encorajados pelo Senhor Gaunt.
— Aqui estamos — disse ele, sorrindo — Vejo que a senhorita
ficou confortável, Senhorita Haywood.
— De fato — ela respondeu friamente.
Ela não se sentia confortável sentada na sala dourada de Lord
Dacy enquanto vestia o que equivalia a pouco mais do que um saco
de linho marrom áspero com uma jaqueta combinando. Sem
mencionar seu cabelo caindo nas costas em emaranhados de
cachos incontroláveis. Ela não tinha como manter seu coque
anteriormente bem cuidado, então ela simplesmente o deixou cair
em cascata sobre seus ombros.
Ela parecia uma garota desleixada, e ela sabia disso.
— Eu gostaria de parabenizá-la por seu bilhete engenhoso —
continuou o Senhor Gaunt. — As pistas que a senhorita enviou ao
Senhor Archer foram essenciais para minha... nossa descoberta de
sua localização.
Charlotte olhou para Red e corou. Ela se sentiu horrível por tê-lo
enganado. Então, um medo repentino a assaltou. Eles iriam deixar
Red e Rose assumir a culpa quando toda a trama foi claramente
arquitetada pelo Duque? Era exatamente o tipo de ação podre que
ela esperava de um aristocrata, mesmo que ela nunca tivesse
esperado isso dele.
Quase contra seu melhor julgamento, ela gostava de Red. O
homem a manteve a salvo do segundo sequestrador, que parecia
não ter nenhum remorso em assustá-la.
De repente, Charlotte queria que Rose e Red encontrassem uma
maneira de juntar o dinheiro que precisavam para se casar. Ela
queria que eles comprassem a taverna idiota do primo de Red e
vivessem felizes para sempre. Ela os queria experimentando o amor
que ela nunca iria encontrar.
Afinal, a única coisa que Nathaniel adorava era a fortuna de
Charlotte, e ela se lembrou das palavras de Lady Beatrice, atiradas
nela junto com a jarra de água na escola.
Ninguém a queria. Tudo o que queriam era o dinheiro dela.
Essas palavras doeram na época, mas não como agora. Desde
que Charlotte percebeu que não importava o que Nathaniel fizesse,
ou o que ela pensasse que ele fizesse, ela ainda o amava. Ela
sempre o amaria.
E a dor em seu coração nunca iria embora. Essa sensação de
vazio permaneceria se ela fosse para o Egito ou para a lua.
Ela tomou um gole de chá e esperou em silêncio.
O Senhor Gaunt puxou um pedaço de papel amassado, o bilhete
dela, e leu suas palavras sobre Red, Rose e o cachorro. Ele olhou
para ela quando terminou
— Eu estava perdido até que me lembrei de um pugilista que
lutou sob o nome de “A Morte Vermelha”. Eu sabia que ele
costumava emprestar suas habilidades para empreendimentos
estranhos, então decidi procurá-lo. Finalmente tive a chance de
questionar algumas pessoas nesta vizinhança. Eles mencionaram a
residência de Dacy e indicaram que havia um sujeito ruivo muito
grande que costumava ser um lutador premiado e agora trabalhava
nos estábulos aqui — Ele acenou com a cabeça para Lord Dacy. —
Então Archer se lembrou de seu cachorro, Lorde Dacy. E quando
falei com os criados, eles contaram uma história incrível. Parece que
a casa recentemente desenvolveu uma reputação de ser mal-
assombrada. Um fantasma era ouvido todas as horas, andando sem
parar no sótão. E, é claro, assim que descobri essa história
combinada com uma casa que empregava uma criada de cima
chamada Rose e um ex-lutador chamado Red, senti que estávamos
progredindo — Ele deu um tapinha na cabeça do cachorro — Sem
mencionar Josephine — O cão, ou melhor, cadela, permitiu que ele
a acarinhasse por alguns minutos antes de correr até Lorde Dacy e
sentar-se com um ar firme de propriedade em seu pé.
— Mesmo? Não consigo ver a relevância — disse Charlotte. Seu
coração batendo forte em seu peito, mas ela deu a ele seu melhor
olhar de completa incompreensão.
O Senhor Gaunt olhou para ela, aparentemente perplexo. Ele
apertou o bilhete em sua mão.
— A senhorita mencionou que estava sendo mantida em um
sótão por um homem grande e ruivo chamado Red e uma mulher
chamada Rose. Não foi?
— Sim — Ela estudou Red brevemente. Ele olhou para os
próprios pés, esmagando o boné com as mãos e balançando-se de
um pé para o outro. Seu coração estava com ele.
Os pobres sempre foram punidos pelas ações dos ricos.
— E este não é o homem que a senhorita descreveu? — Ele
apontou para Red.
— Não, não é — disse ela, erguendo o queixo.
— Mas a senhorita o descreveu perfeitamente! A senhorita
indicou que ele era um homem grande e ruivo com cicatrizes no
rosto.
— Estou bem ciente do que escrevi. No entanto, este não é
aquele homem. Tenho certeza de que há muitos, senão centenas,
de homens altos, ruivos e cheios de cicatrizes em Londres. Na
verdade, Henry VIII não era apenas um grande homem ruivo,
embora sem as cicatrizes?
O Senhor Gaunt engasgou, mas se recuperou rapidamente. Ele
olhou para Charlotte com um sorriso sardônico que a fez tomar
outro gole apressado de seu chá. Ela cuspiu e tossiu quando o
líquido quente desceu pela passagem errada. Quando ela olhou
para cima, todos estavam olhando para ela.
Ela apontou uma carranca fria para Nathaniel que corou inquieto.
— Suponho que seja desnecessário, então, perguntar se esta
“Rose” é a criada que a senhorita descreveu? — Senhor Gaunt
perguntou.
— Claro que é desnecessário. Não é ela.
— Então a senhorita nunca a viu antes? — O Senhor Gaunt
perguntou com persistência obstinada.
— Bem, é claro que eu a vi. Não vim a um baile aqui na mesma
noite em que fui sequestrada? Lembro-me claramente dessa jovem
me ajudando com meu cabelo no quarto de dormir — Charlotte
percebeu que Rose sorria disfarçadamente para ela antes de lançar
seu olhar para baixo novamente.
O Senhor Gaunt parecia quase desanimado quando perguntou:
— Mas a senhorita não a viu desde então?
— Não.
— E Josephine?
— Quem é Josephine? — ela perguntou, arregalando os olhos
inocentemente.
— A cachorra — respondeu o Senhor Gaunt. Ele suspirou —
Não suponho que aquela cachorra branca, desalinhada e de três
patas seja a cachorra que a senhorita descreveu em sua missiva?
Lorde Dacy se inclinou e sorriu para o animal, coçando suas
orelhas.
Ela olhou para o cachorro e dispensou-o com um aceno curto
— Não. Essa não é s cachorra. Eu não mencionei que pensei
que o nome do cachorro era Jo?
— Sim, acredito que a senhorita mencionou isso — Ele dobrou o
bilhete e o colocou de volta no bolso. — Isso está muito além de
mim, eu temo. Encontramos uma casa com passos de fantasmas
ouvidos no sótão, um cavalariço chamado Red, uma criada do andar
de cima chamada Rose e um cachorro de três patas. Encontramos a
senhorita no dito sótão. E, no entanto, o cavalariço, a criada e o
cachorro não são aqueles de que a senhorita se lembra. Isso não
lhe parece estranho?
— Na verdade, a coisa toda me parece muito peculiar, tenho
certeza — Charlotte o assegurou — É incrível que o senhor tenha
conseguido me encontrar, considerando que o senhor falhou em
identificar corretamente uma única pista que eu detalhei em minha
nota. É muito desanimador, pensei que tinha sido tão inteligente e
claro quando a escrevi.
— Bem, tenho certeza de que ele deu o melhor de si — disse
Lady Dacy, pousando a xícara. Sua voz tremia como se ela
estivesse tentando bravamente não rir. Depois de uma respiração
rápida e estável, ela olhou para Charlotte criticamente — Lamento
terrivelmente, também, e espero que a senhorita não ache que
temos algo a ver com isso. Estou apenas aliviada por termos
encontrado a senhorita a salvo. Eu gostaria que não tivesse estado
no meu sótão, no entanto — Seu olhar foi para os criados que
estavam perto da porta. — Você pode ir, Red. E Rose, traga outro
bule de chá.
— Sim, Lady Dacy — Rose fez uma reverência.
Quando a dupla olhou para Lord Dacy, ele acenou com a cabeça
e acenou para que se afastassem.
No entanto, o Senhor Gaunt os deteve na porta.
— Só um momento, Senhor Smythe. Sobre aquela faca de
casco...
— Que faca de casco? — Red Smythe olhou para o Senhor
Gaunt, a perplexidade clara em seus olhos azuis.
— Aquela que está faltando nos estábulos de Lord Dacy.
— Não está faltando nenhuma faca.
— Mesmo? Nem mesmo aquela usada para assassinar a
Senhorita Mooreland?
O olhar perplexo no rosto de Red gradualmente ficou tenso com
medo.
— Não sei nada sobre isso.
— Você estava usando aquela faca na tarde do baile de Dacy.
— Sim, eu estava. Guardei-a como sempre antes do baile na
caixa de ferramentas que ficava perto da porta.
O Senhor Gaunt olhou para ele em silêncio, mas Red apenas o
encarou de volta.
Charlotte sabia que ele era inocente. Ela simplesmente sabia
disso
— O que o denhor está sugerindo, Senhor Gaunt?
— Não estou sugerindo nada, Senhorita Haywood. Estou
simplesmente tentando descobrir a verdade.
— Eu já falei a verdade — respondeu Red.
— Veremos — disse Gaunt.
— Olhe para ele — disse Charlotte, levantando-se. Ela lutou
para encontrar uma maneira de defender Red Smythe, sem admitir
que o conhecia — Ele obviamente está dizendo a verdade, e eu,
pelo menos, acredito nele.
— De fato? — O Senhor Gaunt voltou seu olhar escuro para
Charlotte.
— Sim.
— Você pode ir, Red — disse Lord Dacy — Ele é inocente, você
sabe. Eu o conheço. Ele costuma fazer um monte de besteiras, mas
nunca mataria uma mulher.
Charlotte ergueu o queixo triunfantemente.
— Eu concordo.
— Veremos — repetiu o Senhor Gaunt.
— Agora — disse Lady Dacy, cruzando as mãos no colo —
Suponho que devemos discutir onde a senhorita esteve na última
semana para evitar rumores. Os jornais já foram muito enfadonhos.
Não queremos encorajá-los mais.

N - . Ele queria arrastar Charlotte


para fora da sala e falar com ela, em particular.
Seu coração martelava no peito enquanto ele tentava fazer com
que ela olhasse para ele. Seu olhar se fixou em seu rosto. Ele não
conseguia parar de olhar para ela. Com uma espécie de fatalidade
desesperada, ele percebeu que a amava mais do que pensava ser
possível, e ele doía com o desejo de colocar um braço em volta dos
ombros dela e fazê-la sorrir.
E, instintivamente, ele sabia que sua situação era
desesperadora. Ela certamente não parecia grata a ele por tê-la
encontrado, muito pelo contrário.
Ele havia mutilado sua proposta anterior para ela, e não havia
razão para pensar que ela tinha mudado de opinião sobre o
casamento em geral ou sobre ele em particular. Ela provavelmente
ainda pensava que ele era uma relíquia anacrônica inútil de uma
época passada, sem nenhum propósito na vida, exceto apodrecer
seu cérebro com álcool e hipotecar o futuro de seus filhos por meio
de jogos excessivos.
Em três anos, se não antes, ela partiria para o Egito e ele nunca
mais a veria.
Ele tinha que impedi-la.
Quando ele finalmente falou, sua voz soou como um velho
portão de ferro.
— Vamos anunciar nosso noivado, é claro. Isso vai cuidar de
qualquer fofoca.
— Não vamos! — Charlotte se levantou e olhou para ele.
Ele se levantou para encará-la.
— Claro, eu percebo que isso não é o que a senhorita esperava.
No entanto, a senhorita estava trancada. A senhorita não percebe o
que já foi noticiado nos jornais.
— Pelo contrário, conheço bem os acontecimentos da
atualidade. Meu captor me deu o jornal. Parece que o senhor tem
sido um Duque muito travesso. Duas debutantes mortas e uma
herdeira desaparecida, não é? Na verdade, eles até deram ao
senhor um novo apelido, “O Duque Mortal. ”
— Então a senhorita deve concordar, bem, vamos anunciar
nosso noivado. Não se preocupe, farei o meu melhor para tornar a
sua vida o mais confortável possível.
— Embora eu possa apreciar sua posição, não vejo qualquer
necessidade de me comprometer com o Senhor.
— A senhorita foi comprometida. Certamente a senhorita... eu
pensei... — Nathaniel gaguejou.
— O senhor me desculpe, mas eu não fui comprometida.
Suponho que o senhor esteja apenas aborrecido por ter seu plano
de sequestro descoberto pelo Senhor Gaunt. Presumo que o senhor
o tenha descoberto, não é? — Ela olhou para Gaunt, que assentiu
— Felizmente, o Senhor Gaunt e Lorde Dacy impediram que o
senhor fizesse algo pior. Ninguém foi comprometido. E certamente
não eu.
— A senhorita é livre para pensar o que quiser — disse
Nathaniel rigidamente — No entanto, a senhorita vai se casar
comigo. Não terei a responsabilidade por sua reputação arruinada
sobre meus ombros.
— Então deixe-me esclarecer minha posição, Sua Graça. Eu
prefiro ficar de joelhos e esfregar o chão por toda a eternidade no
inferno do que me casar com o senhor. Minha reputação, tal como é,
é perfeitamente capaz de sobreviver a essa aventura burlesca sem
essas declarações ridículas. Agora, se o senhor sente um desejo
tão irresistível de se casar, sugiro que pergunte a uma mulher mais
adequada. Tenho certeza de que Lady Beatrice ficaria grata por uma
proposta. Ela tem uma grande fortuna, também, e ela sem dúvida
ficaria mais do que feliz em se jogar na transgressão e se casar com
o senhor. Pode até provar que o senhor não é um perigo para as
jovens da Inglaterra — acrescentou ela.
— Eu não tenho nenhum desejo de me casar com Lady Beatrice
ou qualquer outra mulher! Vocês todas são um incômodo maldito!
— Então fique feliz por não ter aceitado sua graciosa proposta. E
no futuro, eu sugeriria que uma simples recusa seria tão eficaz para
expressar sua aversão pelas mulheres quanto matá-las.
— Eu não matei ninguém. Eu lhe falei isso. Maldição. Deveria
ser óbvio para você!
— As únicas coisas óbvias para mim são que o senhor tem um
temperamento lamentável e é convencido o suficiente para acreditar
que eu gostaria de estar noiva do senhor. Agora, essa discussão
chegou ao fim.
Archer, que estava recostado em um sofá, se esforçou para
bufar após sua última declaração
— Minha protegida está totalmente correta. Além disso, a
solução para seu dilema é maravilhosamente simples — Ele se
virou para Oriana — Ela obviamente tem estado visitando você,
sobrinha. Vocês duas descobriram que tinham muito em comum
durante o baile então, a convidaram para passar alguns dias como
sua convidada.
— Mas, eu... — Nathaniel disse.
Archer acenou com impaciência.
— Claro, isso não resolve a sua situação. Embora eu deva
pensar que você ficaria aliviado se a contagem de suas vítimas
permanecesse em dois e não três.
— Minhas vítimas? Minhas vítimas! Ninguém ouviu uma palavra
do que eu disse? Pelo que posso perceber, a única vítima aqui sou
eu! Sou perseguido por essas malditas mulheres dia e noite e, como
se não bastasse, elas me acusam de ter matado duas delas. E isso
desencorajou alguma delas? Não. Não, não desencorajou. Na
verdade, se a senhorita quer saber a verdade, acho que ser rotulado
de assassino é quase tão atraente para as mulheres quanto ser um
Duque. Tudo o que posso dizer é: aplaudo o espírito do homem que
teve a coragem de cometer esses crimes!
Calúnia e calúnia acusável. — Calúnia contra indivíduos são
expressões, escritos, imagens, etc., difamatórios e maliciosos, que
tendem a denegrir o personagem e expô-lo ao ódio, desprezo e
ridículo público.
Guia de bolso do policial

N athaniel olhou para sua família. Todos estavam olhando


para ele.
Sua irmã, Oriana, se recuperou primeiro.
— Tenho certeza de que seja ele quem for, o assassino ficaria
feliz em ouvir você dizer que aprecia seus esforços. No entanto,
talvez a Senhorita Haywood gostaria de ir para casa?
Archer se levantou.
— Claro.
— Vou pedir a Lansbury para trazer a carruagem — disse
Nathaniel.
Charlotte olhou para ele. Ele devolveu o olhar dela com uma
franqueza que a fez baixar os olhos para o colo. Suas mãos
puxaram nervosamente os fios ásperos de seu vestido.
Oriana olhou para o marido e balançou a cabeça
infinitesimalmente.
Dacy aproveitou a deixa e se levantou:
— Acho que seria melhor usar nossa carruagem para a
Senhorita Haywood — disse ele.
— Obrigada — respondeu Charlotte.
Nathaniel girou nos calcanhares e desceu as escadas antes de
dizer qualquer coisa que pudesse cortar o pouco chão que restava
sob seus pés. Seu relacionamento com Charlotte estava precário o
suficiente.
Ele não conseguia entender como havia lidado tão mal com a
situação. Para onde foi seu costumeiro savoir faire? O amor deve ter
confundido o que restou de seu juízo.
Quando ouviu um passo suave atrás de si, ele se virou para
encontrar os olhos castanhos de Archer o avaliando.
— Essa foi, sem dúvida, a pior proposta que já tive o privilégio de
testemunhar.
— Apesar do que você possa pensar, ter um público não
melhora o desempenho de um homem.
— Então, teria sido mais sensato esperar até que você estivesse
em uma situação mais privada.
— Você acha que eu não percebi isso? — Nathaniel se virou
para ele — Na verdade, se não fosse por sua sugestão
positivamente brilhante de que propor a Senhorita Haywood e o
plano subsequente de sequestrá-la para ganhar sua gratidão após
nosso nobre resgate, eu não estaria nesta situação apavorante.
— Não consigo ver como minhas sugestões simples são
culpadas por seus fracassos — Archer disse suavemente.
— Você... não importa — Nathaniel suspirou.
— Pelo menos seu amigo parece ser perito em encontrar coisas.
Talvez ele consiga localizar quem assassinou essas pobres
mulheres.
— Eu certamente espero que sim, ou você provavelmente será o
próximo Duque de Peckham.
Archer riu.
— Dificilmente. No entanto, você parou para considerar por que
essas mulheres específicas sofreram seus acidentes?
— Sim. Não tenho considerado outra coisa nas últimas semanas
— Exceto quando ele estava preocupado com Charlotte.
Enquanto falavam, Lansbury finalmente trouxe a carruagem até
a porta da frente. Nathaniel e Archer entraram, acomodando-se no
fundo escuro — embora não antes de o interior ser completamente
verificado. A carruagem cheirava fortemente a couro úmido e soda
cáustica, e pesadas faixas de algodão encerado cobriam os
assentos.
A morte parecia estar nas sombras ao redor deles, perfumando o
ar com podridão. Nathaniel se sentiu preso em um pesadelo do qual
não conseguia se livrar.
Quando a porta da carruagem se fechou, Archer continuou.
— Acho isso impossível de acreditar — eu te conheço desde que
você era um bebê — mas será que alguém deseja ver você sofrer?
— Além da Senhorita Haywood? — Nathaniel reprimiu uma
risada aguda — Não, sim, tenho certeza de que há alguns que não
gostam de mim — Ele olhou pela janela — Políticos….
— Mas você pode pensar em alguém em particular? Alguém que
o odiaria o suficiente para esperar que você fosse enforcado como
um assassino?
— Ninguém. Você já considerou que quem está matando essas
mulheres simplesmente não gosta delas?
— Já. No entanto, não posso acreditar que duas jovens, ambas
com menos de vinte e um anos de idade, teriam tido tempo para
fazer inimigos tão mortais. Ou que as duas teriam o mesmo inimigo.
As chances são contra.
— Eu considero as chances de alguém matar duas mulheres só
para me ver enforcado.
— Então, que possível razão esse louco pode ter?
— Inferno, não posso imaginar — mas algo, alguma ideia, fez
cócegas no fundo da mente de Nathaniel. Ele coçou o ombro e
olhou para as ruas movimentadas.
Ele precisava de tempo para pensar.
A única pessoa que lucraria imediatamente se ele fosse
enforcado — supondo que a Coroa não confiscasse o título e as
propriedades — era John Archer. Archer era o quarto filho do último
Duque de Peckham, e Archer foi quem propôs esses esquemas
ridículos. Mas não importava o quanto tentasse, Nathaniel não
conseguia realmente acreditar que seu tio escolheu e matou duas
mulheres aleatoriamente, apesar de seu amor por esquemas
complicados.
E Archer obteve a ajuda de Cheery. Certamente, ele não teria
feito isso se esperasse que seu sobrinho fosse enforcado por
assassinato. Nathaniel descartou suas dúvidas e tentou se
concentrar no fiapo de uma ideia pendurada no fundo de sua mente.
Quando eles finalmente chegaram à residência dos Archer, seu
tio desceu levemente e se virou para Nathaniel
— Não tema, Nevvy. Encontraremos nosso caminho para sair
desse emaranhado. Seu amigo, Senhor Gaunt, é extremamente
perspicaz. Não tenho dúvidas de que ele encontrará o homem
responsável por esses crimes. Nesse ínterim, esforce-se para
parecer um pouco menos com um rufião perseguido se quiser
cortejar a Senhorita Haywood.
— Eu desisti disso — Nathaniel bateu seus dedos longos na
moldura da janela. Apesar de suas palavras, sua mente procurou
maneiras de chamar sua atenção. Flores. Poesia. Outro
sequestro…. — Francamente, estou aliviado que as coisas tenham
acontecido como aconteceram. Não consigo imaginar como seria
irritante ficar noivo de uma mulher assim.
— Particularmente porque você a ama — Archer suspirou —
Suponho que terei que me concentrar em outro plano.
— Meu Deus, não! Absolutamente não! Em nenhuma
circunstância, nem mesmo considere nada que envolva a Senhorita
Haywood ou a mim em outro esquema. Está claro?
Archer riu.
— Descanse um pouco, Nevvy, seus nervos estão em
frangalhos. Pela manhã, as cartas na mesa serão embaralhadas.
Veremos que mão pode ser dada, então — Ainda sorrindo, Archer
saltou escada acima e desapareceu em sua casa.
Um policial não está autorizado a entrar em qualquer casa ou local,
com o propósito de ver se há incômodos...
Guia de bolso do policial

N athaniel balançou a cabeça e considerou brevemente ficar


na frente da casa dos Archer até que Charlotte chegasse.
Quando ele olhou para o relógio, pensou melhor. Era quase
uma da manhã. Não particularmente tarde, considerando que muitos
dos bailes aos quais ele comparecia não terminavam antes das três,
mas Charlotte provavelmente ainda estava histérica depois de suas
experiências recentes. Ela precisava de silêncio para se recuperar.
Ele bateu no teto da carruagem para sinalizar a Lansbury para
continuar para casa. Após a sua chegada, ele caminhou para o
corredor para encontrar toda a sua equipe relaxando, bocejando e
aguardando novas ordens.
— Mande-os para a cama, Michael — disse Nathaniel — Miss
Haywood foi encontrada. — Ele pensou na história improvisada que
Archer havia inventado e sorriu sombriamente antes de acrescentar:
— Ela estava visitando minha irmã. Eles se esqueceram de
mencionar isso a alguém, infelizmente.
— Tudo isso em vão, então? — Michael perguntou, acenando
para o resto dos homens olhando atordoados para Nathaniel.
Ele balançou a cabeça e entregou o chapéu ao mordomo.
— Parece que sim. O ponto importante a lembrar é que a
Senhorita Haywood está segura. — Parte de sua despreocupação
voltou. Ele sorriu — E eu elogio sua disponibilidade para continuar
nossa busca. Obrigado a todos. — Todos eles receberiam bônus
pela manhã. Era o mínimo que ele podia fazer.
Houve alguns resmungos sobre a perda do que poderia ter sido
uma bela aventura. No entanto, com exceção de Michael, eles logo
se afastaram, os ossos rangendo e as mãos cobrindo suas bocas
bocejantes.
— O senhor vai querer que eu inspecione seu quarto então? —
Michael perguntou.
O sorriso de Nathaniel vacilou.
— Sim, mas seja rápido. Eu estou exausto.
Michael não demorou muito em vasculhar seus aposentos e
Nathaniel logo estava deitado na cama. Seus músculos doíam de
tensão, mas sua mente não podia descansar. Repetidas vezes, ele
imaginou Lady Anne e a Senhorita Suzanne Mooreland. Seus olhos
o encararam, opacos e sem esperança.
E quem sequestrou Charlotte? Foi realmente Red? Ele
realmente teve a ousadia de escondê-la no sótão de Dacy?
Ele rolou, puxando a colcha para cima. No entanto, apesar de
suas preocupações, os eventos acabaram cobrando seu preço.
Perto do amanhecer, ele conseguiu adormecer e na manhã
seguinte, seu humor melhorou quando viu o jornal da manhã,
entregue em seus aposentos junto com seu chocolate matinal e
pãozinho.
“Herdeira encontrada!” As manchetes espalharam as notícias na
primeira página.

“A americana desaparecida na última semana foi


finalmente localizada. Ela nunca esteve desaparecida! Parece que a
Senhorita Haywood esteve hospedada no conforto da casa de Lord
Dacy e sua esposa, a irmã do Duque de Peckham. Deve ser um
grande alívio para todos os nossos leitores, que temiam que essa
jovem pudesse ter sido a terceira vítima do louco ainda não
identificado que está solto em nossa orgulhosa cidade.
A indignação pública com sua liberdade contínua a aumentar a
cada dia. Tememos pelo destino de nossas belas filhas se ele
permanecer solto e atacar novamente. Mesmo nossos famosos
agentes de Bow Street foram ineficazes em preservar nossa
segurança. Só podemos orar por uma detenção rápida e posterior
julgamento do monstro…”

E que Charlotte estava


segura na residência de Archer, incomodava-o que os jornais ainda
o considerassem um assassino depravado.
Devia haver alguma evidência para apoiar os protestos de
inocência de Nathaniel. Ele, ou Cheery, tinha que encontrá-la logo,
ou não manteria sua liberdade por muito mais tempo. Os jornais
estavam corretos nesse ponto.
Ultimamente, Nathaniel tinha evitado cuidadosamente muitos de
seus lugares favoritos. Encontrar o pai de qualquer uma das
meninas assassinadas significava um confronto e um desafio. E se
eles se abstivessem dessa ação, as famílias enlutadas ainda tinham
mais um caminho a explorar se Nathaniel não conseguisse
encontrar o assassino: eles poderiam exigir que Nathaniel
enfrentasse a Câmara dos Lordes com base nas evidências já
disponíveis. Suas roupas encharcadas de sangue e o fato de que a
Senhorita Mooreland foi encontrada em sua carruagem, quando
combinados com as alegações de Bolton de ter visto Nathaniel
correndo pelo jardim no momento da morte de Lady Anne, seriam
suficientes para vê-lo enforcado.
Ele tinha que fazer algo. No entanto, a ideia persistente que
estava nascendo no fundo de sua mente recusava-se
obstinadamente a ganhar vida.
Depois de se vestir, Nathaniel chamou seu cabriolé. Ele tinha
que sair de casa. Apesar de ontem, ele também queria ver
Charlotte. Ele tinha que se explicar e obter seu perdão, ou pelo
menos sua compreensão.
Se ela tivesse se recuperado, poderia até ser convencida a dar
uma volta pela névoa fria da manhã. O sol brilhou pela primeira vez
em dias e o tempo estava perfeito para um passeio tranquilo. Ele
poderia fazê-la entender que ela deveria se casar com ele se ele
pudesse apenas falar com ela a sós.
Quando ele chegou aos Archers, ele foi conduzido escada acima
para a sala de estar e disseram para esperar. A casa estava
estranhamente silenciosa. O estômago de Nathaniel apertou. Algo
mais deu errado? Alguém estava doente?
Archer se juntou a ele antes de Nathaniel decidir tentar encontrar
Charlotte.
— O que há de errado? — Nathaniel perguntou.
Archer se sentou.
— Essa é uma pergunta interessante. Recebemos uma carta
ontem de Charleston, Carolina do Sul.
— Tem a ver com Charlotte?
— Sim. Quando ela chegou, mandei um recado a alguns homens
em quem confio para verificar suas propriedades. Como sou
responsável por administrar sua herança, queria entender a
condição e a produtividade de suas terras e investimentos. Pelos
registros de Westover, sua renda parecia estar em declínio
constante.
Uma sensação de frio se espalhou por Nathaniel.
— Ela está pobre?
Archer balançou a cabeça.
— Não exatamente. Não pobre, mas certamente não tão rica
quanto fomos levados a crer. Parece que o administrador da
propriedade vendeu lotes de terra nos últimos oito anos. Não
consigo determinar o que aconteceu com o dinheiro que ele deve ter
recebido em troca da propriedade. Ele agora está desaparecido.
Resta pouco, exceto uma casa bastante grande e arejada na cidade
de Charleston e alguns investimentos. Não teríamos recebido
notícias tão rapidamente se um homem já não estivesse a caminho.
Alguns velhos amigos da família o enviaram quando viram o estado
de suas fazendas.
— Quão ruim está? — Tudo o que ele conseguia pensar era no
rosto de Charlotte quando ela falava sobre o Egito e sua
determinação em viajar para o Cairo. Ela seria capaz de pagar a
passagem de barco?
— Pelos meus cálculos, ela não é exatamente uma pobre, mas
sua herança como está hoje é cerca de um terço do que era há oito
anos. Temo que seus tutores anteriores não eram homens
particularmente astutos.
— Caramba! — Nathaniel se levantou e começou a andar — Ela
sabe?
— Sim. Discuti isso com ela esta manhã, depois que ela
expressou sua intenção de partir imediatamente para o Cairo.
Expliquei que farei o meu melhor para investir o que resta, mas não
recomendei quaisquer planos de gastar grandes quantias para
qualquer propósito até que possamos concluir uma revisão de suas
finanças.
— Obrigado — disse Nathaniel, enfiando os dedos pelo cabelo
— Ela... ela concordou em ficar?
— Por um tempo.
— Excelente. Isso me dá uma chance — Nathaniel parou
abruptamente. Ele era desprezível por sentir tanto alívio e quase
felicidade com a notícia de que a Senhorita Haywood havia perdido
a maior parte de sua fortuna.
No entanto, os infortúnios dela deram a ele tempo para fazer as
pazes.
Se eles não pudessem recuperar sua fortuna, então ele se
ofereceria para financiar uma breve viagem para ela, com certas
condições. Embora ele não fosse um assassino, ele não estava
acima de uma pequena chantagem.
Charlotte poderia ir para o Cairo depois de se casar com ele. Ela
poderia não o amar, e poderia, de fato, detestá-lo, mas ele aceitaria
isso se ela se casasse com ele.
Seu amor seria o suficiente para os dois.
E talvez ela concordasse se ele apontasse que eles teriam pelo
menos filhos moderadamente inteligentes. Ela era erudita o
suficiente para apreciar esse aspecto de sua proposta. Embora,
depois dos últimos dias, ele não tivesse certeza se poderia
convencê-la disso também.
— Agora, Nevvy, estive pensando em suas perspectivas em
relação à minha protegida. Apesar da dificuldade de perder sua
fortuna, pode...
— Fique quieto. Não preciso de mais sugestões, se não se
importa. Recuso-me a ver sua perda de fortuna como uma possível
vantagem — Ele estava mentindo, mas a última coisa que queria
era mais interferência de John Archer.
— Claro. Ela ficaria feliz em ouvir você dizer isso.
— Isso não me tranquiliza. Ela... ela falou de mim?
Archer riu, parecendo bastante travesso e astuto.
— Não sou de ouvir tagarelice feminina.
— Ela falou, então. Ela está furiosa?
— Não. Não exatamente furiosa, mas não foi nossa vantagem
quando a encontramos no sótão de Oriana. Ela presumiu que você
a sequestrou e a manteve lá, a fim de convencê-la a se casar com
você.
— E por que ela pensaria isso?
— Evidência circunstancial.
— O que, neste caso, é parcialmente verdade. Exceto que
falhamos completamente e não fomos nós que realmente a
sequestramos. Você tem alguma ideia de quem esse bastardo pode
ter sido?
— Nenhuma, mas tenho certeza de que o Senhor Gaunt vai
descobrir. Ele esteve aqui esta manhã antes de visitar a residência
Dacy novamente para interrogar os criados. Suponho que ele
também falou com o novo criado da Senhorita Haywood, Tom Henry,
para saber o que essa informação vale.
— Bem, eu desejo sorte a ele — Nathaniel não entendia por que
Charlotte alegou nunca ter visto Red Smythe antes, mas Red não
parecia o tipo de homem que iria sequestrar uma herdeira sozinho,
supondo que ele tivesse estado envolvido.
Red Smythe definitivamente tinha um parceiro que lhe dava
instruções. Infelizmente, obter informações sobre a identidade
daquele homem não seria fácil. Se Nathaniel o conhecia direito, Red
manteria a boca fechada. Seu rosto estava marcado por receber
socos, então algumas perguntas não o abalariam, principalmente
porque Charlotte havia ilogicamente escolhido defendê-lo.
— Posso falar com Charlotte?
Archer considerou e então assentiu. Chamou uma criada e pediu
à moça que fosse buscar Lady Victoria e Senhorita Haywood.
Quando as Ladies chegaram, os olhos azuis de Charlotte
focaram em qualquer lugar, menos no rosto de Nathaniel.
Ele quase gemeu de frustração.
— Senhorita Haywood, espero que tenha se recuperado?
— Bastante. Obrigada por perguntar.
— Temos considerado suas experiências. Eu esperava que a
senhorita pudesse nos dar uma descrição melhor dos homens que a
sequestraram.
— Eu dei todos os detalhes que gostaria de dar ao Senhor Gaunt
esta manhã. Talvez o senhor deva falar com ele.
— Eu prefiro falar com a senhorita — Isso lhe valeu um rápido
olhar. Quando ela captou seu olhar, ela corou e apressadamente
olhou para suas mãos entrelaçadas. Seus dedos se torceram no
colo e puxaram o bordado amarelo claro que descia pela frente de
seu vestido de musselina. Nathaniel ansiava por cobrir as mãos
inquietas dela com as suas.
As últimas semanas foram horríveis para ela. A pele clara de
Charlotte estava ainda mais pálida do que o normal e olheiras
manchavam seus olhos. Embora ela não soubesse, ela havia sido
apostada e perdida para perfeitos estranhos. Então, ela foi
sequestrada e posteriormente informada que ela tinha apenas um
terço de sua fortuna restante. E agora ela tinha motivos para
acreditar que o sobrinho de seu tutor matou duas mulheres.
Ele queria desesperadamente colocar um braço em volta dela,
segurá-la e assegurar-lhe de que ela estava segura e não tinha
nada a temer.
Acima de tudo, ele queria dizer a ela que a amava de tal maneira
que ela acreditaria nele.
Ela olhou para ele desafiadoramente e endireitou o corpo.
— Não consigo imaginar o que mais temos a dizer um ao outro.
— Mais do que a senhorita imagina — ele respondeu, mantendo
seu tom leve — A senhorita se lembra de algum detalhe do seu
sequestro, ou de qualquer coisa que possa nos ajudar a encontrar
os homens responsáveis?
Seu olhar azul captou o dele. Ele a sentiu vacilar. Seus lábios se
separaram. Ele se inclinou para frente, mas ela fechou a boca
novamente sem dizer mais nada.
— Você vai comparecer ao sarau hoje à noite no Gilroy's? —
Lady Victoria disse, quebrando o silêncio — Ou você prefere ir à
ópera italiana? Você mal fez uso de seu box em Haymarket, Sua
Graça.
— A ópera? Eu não tinha considerado isso — disse Nathaniel.
Mais uma vez, algo mudou em sua mente, alguma pista que
continuava a confundi-lo.
— Por quê? — Lady Victoria perguntou — Pretendemos ir. A
senhorita Haywood indicou que estaria disposta a comparecer.
— Entendo — disse Nathaniel.
Então, eles planejavam comparecer a este evento para provar
que Charlotte estava realmente segura, contestando assim a história
do sequestro. Usar seu camarote a colocaria em exibição.
Coloque-a em exibição… Uma ideia cresceu como o proverbial
talo de feijão. Afinal, talvez houvesse um padrão para os
assassinatos.
— Vou reconsiderar, então — ele disse — e comparecer. Na
verdade, vou acompanhá-los.
— Excelente ideia — Archer disse, esfregando as palmas das
mãos contra as coxas. — Você não se importará se eu for ao
White's, então?
— John…. — O tom de sua esposa era um aviso suficiente para
que seu marido limpasse a garganta conscientemente.
— Se formos com minha carruagem, haverá lugar para nós
quatro — disse Nathaniel. Archer olhou para ele, mas Nathaniel
ignorou a decepção de seu tio.
Ele precisaria de olhos extras para cuidar de Charlotte e se
certificar de que ela permanecesse segura.
— Oh, muito bem — Archer concordou — às sete?
— Às sete então.
Ninguém parecia inclinado a permitir que Nathaniel falasse com
Charlotte em particular, então ele se despediu deles. Ele dirigiu seu
cabriolé pelas ruas lotadas, sentindo-se irritado e abatido.
Por que Charlotte não o deixou explicar?
Suando, ele percebeu que estava se aproximando do Gunther.
Com o tempo quente e sua garganta seca, ele percebeu que um
sorvete de limão fresco era exatamente o que ele precisava. Ele
dirigiu seu cabriolé para uma rua próxima e parou.
Quando ele entrou no Gunther's, parecia que o resto da
população de Londres tinha tido exatamente a mesma ideia. A loja
estava cheia, mas ele conseguiu abrir caminho até o balcão, pedir
seu sorvete de limão e se contorcer para sair.
— Sua graça! — a mão enluvada de uma mulher tocou sua
manga.
Ele olhou para baixo para encontrar Lady Beatrice olhando para
ele por baixo de um chapéu delicado de palha lascada amarrado
sobre seus cachos loiros com fitas de azul escuro.
— Lady Beatrice — ele a cumprimentou e, em seguida, acenou
com a cabeça em direção à porta — Está bastante cheio aqui.
Ela colocou a mão sob o cotovelo dele e moveu-se com ele pela
porta, embora não estivesse menos lotado do lado de fora.
— Estou tão aliviada em ver o senhor bem. Estes últimos dias
foram terríveis, não foram? Eu devo admitir, fico esgotada por
qualquer coisa com preocupação com aquelas pobres, pobres
garotas. Eu gostaria que eles encontrassem o terrível louco que é o
responsável. — Ela estremeceu enquanto caminhavam alguns
metros, sua criada a seguindo a uma leve distância — Jamais
esquecerei nossa querida Lady Anne e de pensar que aconteceu
em meus jardins. Ora, poderia ter sido eu! Eu afirmo que não
poderei dormir até que o prendam.
— Sim, todos nós sentiremos falta de Lady Anne.
Lady Beatrice terminou seu sorvete e puxou as cordas do
retículo pendurada em seu pulso.
— Este é realmente um encontro fortuito.
— De fato?
Ela riu.
— Oh, Sua Graça, por favor, não me provoque assim. Quase
acredito que o senhor não deseja conversar comigo. O senhor sabe
que valorizo sua companhia e valorizo nossas conversas além de
qualquer razão.
Nathaniel sentia-se cada vez mais desconfortável com Lady
Beatrice agarrada ao seu braço. Vários conhecidos o perceberam e
inclinaram a cabeça em sua direção. Pelos sorrisos em seus rostos,
ele sabia que haveria rumores esta noite ligando Nathaniel
novamente a Lady Beatrice.
Toda a sociedade parecia estar prendendo a respiração,
aguardando um anúncio.
E agora, mais do que nunca, ele não queria que nenhuma fofoca
chegasse aos ouvidos de Charlotte, especialmente se envolvesse
Lady Beatrice. Ele tinha visto no sarau de Lady Beatrice que as
duas mulheres não eram melhores amigas. Em certo nível, ele ficou
lisonjeado com sua competição sutil.
No entanto, com Charlotte tão infeliz agora, ele só queria que
Lady Beatrice fosse embora.
— Aqui está — disse ela, puxando algo para fora de seu retículo.
Nathaniel terminou seu sorvete e olhou preguiçosamente a
multidão. Como ele poderia se livrar de Lady Beatrice sem parecer
incrivelmente rude?
— Sua Graça, eu acredito que isso pertence ao senhor? — Lady
Beatrice perguntou.
Ele olhou para a mão dela. Ela tinha uma pedra lápis-lazuli com
listras douradas e pretas entre o polegar e o indicador.
— O que é isso? — ele perguntou, entorpecido.
— Este não é o seu lápis-lazúli? Aquele que o senhor sempre
usou pendurado na corrente do relógio?
— Não sei. Posso ver? — Seu pulso disparou. Onde ela o
encontrou?
Ela o ergueu mais alto.
— O senhor vê? A argola de ouro no topo está amassada.
— Certamente se parece com o meu — disse ele com cautela. A
forma única do saca-rolhas era prova suficiente, no entanto — Onde
a senhorita o achou?
Ela suspirou e colocou de volta em sua bolsa. Seu olhar seguiu o
gesto e ele resistiu ao impulso de arrancá-lo do pulso.
— Encontrei no jardim na manhã seguinte ao baile. Estava
exatamente onde a pobre Lady Anne foi descoberta. O senhor pode
imaginar meu horror quando o reconheci. Eu estava com tanto medo
— eu não sabia o que fazer.
— Eu entendo — Nathaniel puxou-a do meio da calçada para a
entrada de um beco estreito — Talvez eu deva dar uma olhada nele
para determinar se é, de fato, minha pedra.
Ela fez beicinho e pressionou o indicador contra o lábio inferior.
— Então o senhor perdeu sua pedra?
— Talvez. Eu não a tenho visto ultimamente. Mas meu criado
pode tê-la encontrado e levado aos joalheiros para substituir o elo.
Terei que perguntar a ele.
— Mas essa poderia ser sua?
Ele encolheu os ombros.
— Eu... só não sei o que fazer, Sua Graça. Já considerou o que
poderia acontecer se Bow Street passasse a acreditar que seu lápis-
lazúli foi encontrado na área onde a pobre Lady Anne conheceu seu
terrível destino? Claro, estou convencida de que o senhor é
inocente, mas me senti compelida a vasculhar a área.
Principalmente quando lhe vi voltando, quase correndo, de volta ao
baile no exato momento em que aquela pobre garota…. Bem, se
fosse qualquer outra pessoa, eu teria ficado convencida de que
testemunhei o assassino fugir após o ataque. O senhor deve ver
como é importante que Bow Street não tenha um entendimento
errôneo dos eventos.
— E como eles teriam essa ideia?
Ela tocou seu braço.
— Receio que deva dar-lhes isto e explicar onde o encontrei.
Houve um assassinato, e isso pode ser uma prova — Ela se virou
para olhar para a calçada movimentada como se estivesse agitada e
com medo de ser ouvida. Suas saias de musselina roçaram sua
perna quando ela se aproximou, cheirando a rosas e lavanda —
Simplesmente não sei o que devo fazer... diga-me o que devo fazer!
— Se o que a senhorita diz é verdade, a senhorita deve entregá-
lo a Bow Street — Ele olhou por cima da cabeça dela como se
estivesse entediado. Seu pulso disparou quando ela colocou a mão
sob seu cotovelo.
— Mas eu não quero que eles pensem que o senhor estava
envolvido! Ora, o assassino pode ter deliberadamente tentado
implicar o senhor, Sua Graça.
— Isso é certamente possível. No entanto, se eu sou inocente,
qualquer evidência que a senhorita fornecer a Bow Street não me
fará mal.
— O senhor realmente acredita nisso? — Suas sobrancelhas se
contraíram — Eles nunca cometem erros? E se eles enforcassem
um homem inocente? Eu não suportaria se algo acontecesse ao
senhor.
— Eu não posso aconselhar que a senhorita faça o que a
senhorita acha que é correto.
— Então eu acredito que devo ficar com esta bugiganga. Eu não
gostaria que o senhor fosse acusado injustamente. Apesar de sua
confiança em Bow Street, não tenho certeza de que eles têm
inteligência suficiente para encontrar quem é realmente responsável
se eles forem enganados por este objeto insignificante.
Nathaniel encolheu os ombros.
— Confesso que não estou preocupado com o que eles pensam.
— Porque o senhor é inocente. Eu o aplaudo, mas certamente o
senhor deve ver as vantagens de ter outros apoiando sua inocência.
Como esses eventos horríveis ocorreram durante o meu baile, o
senhor deve ver que me sinto responsável. E já que os jornais foram
tão rápidos em atribuir a culpa ao senhor... ah, devo me desculpar
por falar tão francamente, mas o senhor deve saber disso tão bem
quanto eu e depois da Senhorita Mooreland…. Bem, o senhor está
em uma posição terrível para um homem inocente. Tudo o que seria
necessário para inclinar a balança contra o senhor é algo tão bobo
como essa pedra. O senhor deve me deixar ajudá-lo.
Nathaniel soltou o braço e tentou voltar para a calçada. Seus
músculos ficaram tensos de raiva. Todas as mulheres que tentaram
comprometê-lo falharam até agora, e a única mulher com quem ele
queria se comprometer não permitiria.
Pelo que ele tinha visto, Lady Beatrice havia de alguma forma,
encontrado sua pedra da sorte. Embora ele não admitisse para ela,
seus temores eram inteiramente bem fundados. Essa pedra azul era
tudo que os investigadores precisavam para reunir evidências
suficientes para prendê-lo pelos dois assassinatos.
Aquela pedra boba definitivamente havia perdido a sorte.
Lady Beatrice agarrou seu braço.
— Eu não gosto de ser tão ousada, Sua Graça. No entanto, o
senhor deve admitir que existe uma força de sentimento entre nós
dois que não pode ser negada. Se estivéssemos... perdoe minha
ousadia... noivos, isso não acabaria com os rumores a seu respeito?
Dizem que o senhor matou aquelas duas mulheres por não gostar
de mulheres. Se o senhor estiver noivo, eles entenderão que estão
errados. E é claro, como sua esposa, eu não poderia fornecer
provas contra o senhor. O senhor estaria seguro.
— Eu não posso concordar, Lady Beatrice. Eu acredito que a
senhorita confundiu a força do meu afeto pela senhorita.
— Mas seguramente…. O senhor não pode ficar tão cego para
os perigos ao seu redor! — Ela ergueu os olhos azuis para o rosto
dele. Eles brilharam com lágrimas não derramadas — Na verdade, é
a melhor maneira de se proteger! Deixe-me ajudá-lo.
— Agradeço sua preocupação...
— Então o senhor vai pelo menos pensar um pouco?
Ele assentiu.
— Claro. Agora, se a senhorita me der licença, estou atrasado
para um compromisso.
Era tudo o que ele podia fazer era escoltá-la de volta ao Gunter e
calmamente subir em sua carruagem. Ele se sentiu enjoado.
Será que ela realmente entregaria seu lápis-lazúli para Bow
Street e diria a eles não apenas onde o havia encontrado, mas que
o vira fugir de Lady Anne naquela noite fatídica? Lady Beatrice
estava certa ao perceber que Bow Street sem dúvida consideraria
isso a última prova necessária para concluir o caso. Ele seria
enforcado.
Sua raiva aumentou. Esse destino era preferível a um noivado
com uma víbora fêmea. Quando ele deu a volta em sua carruagem
e voltou para sua casa, suas mãos tremiam com o desejo de
estrangular Lady Beatrice. Sua mente continuava circulando de volta
para sua ameaça velada. Nas últimas semanas, era óbvio que ela o
queria, mas ele não tinha percebido que ela estava tão determinada
a se tornar uma Duquesa.
Bem, ele não tinha tempo para se preocupar com ela, agora. Ele
precisava encontrar o verdadeiro assassino e convencer Charlotte
de que ele a amava.
Infelizmente, parecia que Lady Beatrice não iria facilitar as coisas
para ele.
Desordem - Uma desordem é a luta de duas ou mais pessoas em
algum lugar público, para o terror dos súditos do rei, pois se a luta
for privada, não é uma desordem, mas um ataque.
Guia de bolso do policial

A ideia de assistir à ópera italiana em Haymarket não


entusiasmou Charlotte. Apesar da solidão de seu
aprisionamento, ela não queria ser exposta no camarote de
Nathaniel. Os Archers pensaram que seria a maneira ideal para ela
se estabelecer novamente na sociedade. Ela não via razão para
fazer isso, e passar um tempo com Nathaniel a fazia querer chorar.
Por que eles não podiam simplesmente partir para Brighton ou
para o campo? Todo mundo estava deixando Londres. O verão já
estava bem avançado. Era hora de deixar o calor e a sujeira da
cidade.
Agora que ela não era mais tão rica, Nathaniel sem dúvida
perderia o interesse por ela. Ele se voltaria para Lady Beatrice.
Graças a Deus ela não aceitou sua oferta ridícula ontem. Em
breve, eles iriam deixar Londres, e ela poderia esquecer... tudo.
Ou quase tudo.
O Senhor Archer foi muito gentil quando mostrou a ela as cartas
sobre sua herança. Ele colocou um braço em volta dos ombros dela
e garantiu-lhe que faria o possível para que o que restava fosse
investido com sabedoria. Apesar da estranheza em seu gesto, ela
podia sentir a generosidade e o amor.
Como ela gostaria de ter ido aos Archers primeiro, em vez de
uma longa série de guardiões que a desprezavam.
Mesmo assim, o Senhor Archer garantiu que ela poderia ficar
confortável, mesmo com um mero terço do que ela antes possuía.
Ela simplesmente poderia não ser mais tão fabulosamente rica. Ela
poderia mesmo ganhar quinhentas libras por ano ou mais.
Certamente o suficiente para se sustentar.
E o Senhor Archer se apressou em garantir a ela que ninguém
descobriria sobre suas perdas, a menos que ela decidisse contar.
— O senhor contou a Sua Graça? — ela perguntou ao Senhor
Archer.
Ele se mexeu na cadeira e puxou o relógio.
— Ainda não, minha querida.
— O senhor vai fazer isso?
— Se a senhorita está preocupada que ele não a ache mais
atraente, posso garantir que isso não é verdade — Ele deu um
tapinha na mão dela — Ele está muito apaixonado pela senhorita.
Perdoe a proposta infeliz dele ontem. Ele estava simplesmente
subjugado por encontrar a senhorita em segurança.
— Subjugado com prazer que seu esquema de sequestro
terminou tão bem? — ela perguntou, sua voz afiada. Ela cerrou os
dentes, lembrando-se de como ficou satisfeita quando ele abriu a
porta do sótão e entrou.
Seu salvador! Ha!
— Senhorita Haywood, a senhorita sabe que ele não a
sequestrou.
— De fato? Então deve ter sido Lord Dacy. Alguém poderia se
perguntar qual era o motivo dele.
Que tola vacilante e patética ela tinha sido e tudo porque queria
que ele a amasse. Mesmo quando ela sabia que não era possível e
que suas palavras eram uma farsa.
E agora o querido Senhor Archer estava tentando ajudá-la,
dizendo que manteria isso em segredo para que seu sobrinho ainda
a achasse desejável.
Mas ela não queria ser amada por seu dinheiro. Ela também não
queria ver a expressão no rosto de Nathaniel se ele se casasse com
ela e descobrisse que ela tinha muito pouco dinheiro.
— A senhorita sempre pareceu ser uma jovem inteligente —
disse Archer — Embora meu sobrinho possa ter se entregado a
muitos esquemas, alguns dos quais podem ter sido um pouco
precipitados, se não ridículos, seu coração estava no lugar certo. E
se não estou enganado, o coração da senhorita não está totalmente
desvinculado.
— Não importaria se estivesse. Pretendo ir para o Egito. Não
posso passar minha vida tomando chá de braços cruzados e
fofocando. Preciso de mais do que isso. O próprio Duque explicou
os muitos deveres que possui. Mesmo que eu acreditasse que ele
me ama, ele não pode passar longos períodos longe de suas
propriedades. Elas ficariam em mau estado, exatamente como
aconteceu com as minhas por má gestão e falta de atenção, assim
como eu faria se permanecesse aqui. Então, não pergunte se eu
amo seu sobrinho ou ele a mim. Não faz a menor diferença para
nenhum de nós. Ele se casará com uma boa senhorita inglesa e eu
irei para o Cairo. Talvez seja mais difícil sem os fundos que
esperava ter neste momento, mas vou conseguir, de alguma forma.
Com uma veemência repentina e chocante, ela desejou ser um
homem. Se ela fosse, suas cartas solicitando informações sobre sua
propriedade teriam sido respondidas. Ela nunca teria sido posta de
lado com um tapinha complacente na cabeça e um sorriso
indulgente.
A caixa que seu pai lhe dera contendo uma baforada de algodão
e folha de tabaco deveria significar mais do que apenas uma
memória dolorosa. Para seu pai, não era apenas um lembrete de
que sua fortuna se baseava nessas duas safras, mas um símbolo de
sua responsabilidade: um dever de ferro.
Mas ela falhou em seu dever de zelar por suas propriedades
porque era muito jovem e incapaz de obter as informações
necessárias.
No futuro, ela não poderia permitir que isso acontecesse.
Archer balançou a cabeça, empurrando sua xícara de chá em
círculos em seu pires.
— A senhorita não vai reconsiderar?
— Não.
— Mesmo que a senhorita recebesse a notícia de que o homem
que vai liderar sua expedição não passa de um trapaceiro inclinado
a extorquir os crédulos? Ele não sabe mais sobre o Egito do que
eu... provavelmente muito menos.
Charlotte sentiu suas bochechas corarem.
— Que prova o senhor tem?
— Tenho feito pesquisas. Pareceu sensato.
— Assim como suas investigações sobre o estado da minha
herança?
Ele olhou para ela, seus olhos cheios de compaixão.
— A senhorita está chateada. É compreensível quando alguém
ouve assuntos que não são do seu agrado, mas esteja certo de que
realmente fiz investigações completas em seu nome.
— Meu entendimento não é tão limitado que eu não veja isso —
E ela via. Ela tocou sua mão e ele agarrou a dela em troca. A voz
dela tremeu quando ela disse: — Não tenho como agradecê-lo o
suficiente por me dar refúgio do modo que o senhor me deu. Fez
mais por mim neste curto espaço de tempo do que todos os meus
outros parentes durante os últimos oito anos. Mas o senhor não vê
como isso é importante? Não é uma fantasia passageira. Se o
senhor me garantir que o Senhor Mainwaring não é confiável, então
vou começar outra busca e descobrir alguma outra expedição para
me juntar. Haverá muitas incursões planejadas nos próximos anos.
Uma delas certamente terá espaço para uma pobre mulher.
— Não desista de seus sonhos, Senhorita Haywood, mas
também não jogue fora seu coração. As coisas não estão tão
desesperadas ainda, e vou aplicar minha mente para como nos
jogos conseguir uma mão vencedora. Vou pensar em algum
esquema, a senhorita verá. Agora venha, devemos nos preparar
para esta ópera infernal na qual minha esposa colocou seu coração.
Charlotte riu, embora por dentro se sentisse trêmula e nervosa.
Se Nathaniel estivesse lá, como ela o enfrentaria?
Se o Senhor Mainwaring fosse honrado, ela poderia ter
convencido o Senhor Archer a deixá-la ir para o Egito
imediatamente. Certamente, quando ela deixasse a Inglaterra, o
vento quente e seco e a areia queimariam seus sentimentos por
Nathaniel e a deixariam em paz. Apesar das garantias de Archer, ela
não conseguia ver como o casamento com Nathaniel seria possível
sem desistir do que ela mais amava.
E pior, como ele reagiria quando descobrisse que sua fortuna
havia acabado?
Quando ela finalmente se trocou e se juntou aos Archers no
corredor, ela encontrou Lady Victoria usando um lindo vestido azul
gelo enfeitado com várias faixas de renda preta ao redor da bainha.
Uma rosa preta feita de veludo e renda estava presa no centro de
seu corpete e longos brincos azeviche pendurados em suas orelhas.
O presente de Charlotte. A visão a fez dar um breve abraço em
Lady Victoria.
Charlotte desfarçadamente enxugou algumas lágrimas, chocada
com sua reação emocional.
— Está pronta, Senhorita Haywood? — Lady Victoria perguntou
gentilmente se afastando. Depois de um breve exame, ela soltou um
dos cachos longos e vermelhos de Charlotte para prendê-lo na nuca
— A senhorita parece muito atraente.
Charlotte olhou para seu pesado vestido de seda branca. A
bainha era cortada em preto como as saias de Lady Victoria, mas a
decoração consistia em contas azeviche costuradas entre flores de
seda preta bordadas ao redor da bainha e na frente do vestido.
O colar de pérolas de Lady Victoria estava pendurado em seu
pescoço e um par de brincos dado a ela por sua tia antes de morrer
pendurado em suas orelhas. Charlotte os tocou, triste com a
lembrança.
Muito se foi e se perdeu para sempre.
Ela calçou um par de luvas de seda branca enfeitadas com
renda ao redor dos punhos e ajeitou-as sobre as mangas de seda
translúcida.
— Suponho que estou pronta — disse ela.
As damas se juntaram ao Senhor Archer na porta da frente
assim que a carruagem de Nathaniel parou do lado de fora. Como
Charlotte temia, Nathaniel foi cortês e educado, nem um pouco
distante, o que teria tornado sua situação muito mais fácil. Seu
sorriso e o calor em seus olhos a fizeram se perguntar novamente
se ela poderia desistir de seus sonhos do Egito e se contentar com
o casamento.
O amor seria o suficiente? E o Senhor Archer estava certo?
Havia uma possibilidade de que Nathaniel a amasse?
E se ele a amasse? Não importa. Ela poderia ter amor ou seus
sonhos do Cairo e o calor da areia do deserto movendo-se sob seus
pés: um ou outro, mas não ambos.
Ninguém na carruagem parecia inclinado a falar. Todos eles
olhavam melancolicamente para baixo, para suas mãos,
palidamente presas em seus colos em meio às sombras da noite. A
curta viagem parecia interminável. Quando eles finalmente
chegaram, Nathaniel e os Archers foram cumprimentados por vários
casais, incluindo Lady Beatrice e seus pais.
— Sua Graça — Lady Beatrice exclamou enquanto sua mãe lhe
dava um pequeno empurrão na direção do Duque — É tão bom ver
o senhor. Espero que o senhor encontre tempo para visitar nosso
camarote esta noite. Temos uma excelente vista da orquestra.
Charlotte esperou, certa de que ele aceitaria.
Ele sorriu e segurou o braço dela.
— Tenho certeza de que a vista do meu camarote também é
aceitável.
Charlotte mordeu o lábio para parar de rir da expressão de
consternação no rosto de Lady Beatrice. Então ele tocou o cotovelo
de Charlotte, e ela permitiu que ele a impulsionasse em direção às
escadas que levavam ao camarote.
— A senhorita gosta de ópera? — ele perguntou a Charlotte,
segurando as cortinas de veludo vinho escuro de lado para ela.
Ela se abaixou ao redor do braço dele e entrou no camarote e
esperou com seus nervos tensos como cordas de violino. Ela se
sentia quase tonta. Onde estavam os Archers? Eles estavam bem
atrás deles quando começaram a subir as escadas, mas pareciam
ter desaparecido.
— Sim, embora eu admita francamente que prefiro operetas.
Suponho que eu não seja séria o suficiente para apreciar a
exuberante tragédia da ópera italiana — Ela olhou por cima do
ombro para ver o Senhor Archer e Lady Victoria conversando e
rindo com outro casal no meio da escada.
— É tudo histeria transformada em música, se a senhorita me
perguntar. Eu concordo inteiramente com sua avaliação — Nathaniel
a guiou para uma das cadeiras e, em seguida, deu um passo para
trás quando Lady Victoria deslizou para se sentar ao lado de
Charlotte, que ainda estava sorrindo para Nathaniel após seu
acordo inesperado.
— Estou tão satisfeita. Eu adoro esta ópera — disse Lady
Victoria.
Charlotte quase bufou quando a risada a agarrou. Quando ela
olhou para Nathaniel, seus olhos azuis dançavam com alegria.
— Charlotte? — solicitou Lady Victoria
— Ah sim. E é muito gentil de Sua Graça nos permitir o uso de
seu camarote.
Os dois homens ocuparam os assentos externos para se sentar
como um par de suportes para livros com as mulheres no meio.
Nathaniel entregou a Charlotte um programa e olhou ao redor.
— As Senhoras gostariam de uma bebida gelada?
— Seria adorável — Charlotte respondeu rapidamente. Talvez
uma taça de champanhe acalmasse seus nervos e a fizesse sentir
menos como se estivesse prestes a explodir em um vendaval de
risadas histéricas.
O que havia de errado com ela? Num minuto ela se sentia como
se quisesse chorar e no próximo, ela se sentia selvagem de euforia.
Talvez seu confinamento tenha afetado sua mentalidade. Talvez ela
não fosse mais racional.
Ela olhou para a cadeira vazia de Nathaniel, sentindo uma
pontada repentina de perda. Ela ainda queria ir para o Egito, não é?
Deixar o clima úmido e sombrio e os frios habitantes da Inglaterra
para trás e buscar o calor e o sol. Embora certamente estivesse
quente o suficiente para qualquer pessoa naquele sótão nos últimos
dias. Ela se recostou, sua mente vagando para Nathaniel. Seus
olhos eram precisamente da cor que ela imaginava que o céu sobre
o deserto teria, um azul claro e cristalino.
— Senhoras? — Nathaniel disse, voltando com uma pequena
bandeja. Ele entregou as taças de champanhe, seus dedos
demorando-se na taça de Charlotte enquanto olhava para ela — A
senhorita se recuperou? — ele perguntou.
— Sim. — Ela sorriu. — Obrigada — Seus olhos procuraram seu
rosto, mas sua expressão permaneceu agradável, como se ele não
tivesse nenhuma preocupação no mundo — Eles encontraram o
louco que matou aquelas meninas?
— Não. — Ele balançou a cabeça, seus olhos escurecendo —
Ainda não.
— Eles vão — ela o assegurou, esperando que fosse verdade. O
assassino misógino não era Nathaniel. Ela sorriu para ele, sentindo
seu coração disparar. Ela sabia que ele era inocente. Ele era um
homem gentil, embora no momento parecesse mais perigoso do que
seguro.
Eles se acomodaram em seus assentos novamente e se
divertiram estudando os ocupantes dos outros camarotes.
O camarote de Lady Beatrice ficava bem em frente à deles.
Charlotte teve que apertar as duas mãos em torno da taça de
champanhe para não acenar alegremente. Então ela percebeu que
Lady Beatrice muito provavelmente seria a próxima Duquesa de
Peckham depois que Charlotte partisse para o Egito. Seu senso de
superioridade se desvaneceu.
— Sua Graça — disse uma voz de homem atrás de Charlotte,
quase inaudível sobre o refrão cantado no final do primeiro ato — E
a Senhorita Haywood. Os Senhores estão gostando da ópera?
— Cheery? — Nathaniel perguntou, girando em sua cadeira —
Onde você esteve?
— Estava procurando por você, Dodger — respondeu o Senhor
Gaunt.
Charlotte sorriu com o sarcasmo em sua voz. Até Nathaniel
sorriu e apontou para uma cadeira atrás da dele. Ela não tinha
certeza se ele pretendia ser divertido, mas o tom do Senhor Gaunt a
fez rir. Os dois homens cochicharam juntos por alguns minutos até
que Lady Victoria disse-lhes em um tom inequívoco para ficarem
quietos ou deixarem os confins do camarote.
Quando o intervalo entre os atos um e dois chegou, Charlotte
pediu licença. Saindo, ela notou que Nathaniel e o Senhor Gaunt
também estavam desaparecidos. Talvez eles tivessem decidido
levar sua fofoca para fora em respeito ao desejo de silêncio de Lady
Victoria.
— Ah, aí está você! Você está gostando da ópera?
Charlotte se virou. Um homem rechonchudo de meia-idade
estava parado na entrada de um dos pequenos aposentos
reservados. Ela reconheceu sua voz, embora não seu rosto: o
cavalheiro que a sequestrou.
— Você! — ela disse, antes que ela percebesse seu erro.
Seus lábios se torceram em um sorriso.
— Não acredito que fomos formalmente apresentados, não é?
Mas parece que nos conhecemos.
— Dificilmente — Charlotte disse rigidamente, olhando para o
corredor. Eles estavam a uma curta distância da escada e do lado
de fora do camarote de Nathaniel.
Ela abriu a boca para gritar. Ele correu e agarrou-a pela cintura,
tapando sua boca com a mão. Antes que ela pudesse se libertar, ele
a arrastou pelo corredor para dentro de um dos quartos reservados.
Em resposta, ela o chutou e mordeu sua mão.
— Maldição! — disse ele, apertando sua mão.
Antes que ela pudesse gritar, ele bateu com o punho em sua
mandíbula. A dor atingiu seu pescoço e rosto quando sua cabeça foi
jogada para trás. Quando ela cambaleou para trás, ele agarrou a
frente de seu vestido, segurando-a de pé. Ela se sentiu tonta de dor.
Suas pernas tremeram e ela respirou fundo na tentativa de controlar
a náusea.
— Assim é melhor, não é? — ele perguntou antes de transferir
seu aperto para a gola do vestido. Com um puxão, ele o rasgou.
— Agora grite se quiser — Ele o rasgou ainda mais — Traga seu
guardião aqui. Ele vai concordar em breve que você se casará
comigo.
— Ele pode concordar — disse ela, balbuciando. Seus lábios e
língua estavam inchados e com gosto de sangue. Ela o enxugou
com a mão enluvada, observando o carmesim manchar a seda lisa.
Ela olhou para ele desafiadoramente.
— Mas você não vai conseguir o que quer. Minha fortuna se foi!
Eu não tenho mais nada.
Ele ergueu a mão como se fosse dar um tapa nela novamente,
mas em vez disso agarrou seu queixo. Ele enxugou um novo filete
de sangue de seu lábio com falsa preocupação.
— Você gostaria que eu acreditasse nessa história, não é? Bem,
você tem o suficiente para pagar minhas dívidas por enquanto.
Haverá outras herdeiras quando eu precisar delas.
Quando ela se afastou, ele estendeu a mão novamente para
detê-la. A mão dele agarrou o vestido dela e puxou-o para baixo,
quase até o quadril. Ela gritou, agarrando o tecido rasgado.
Charlotte recuou e olhou para a porta, rezando para que Nathaniel
viesse. Sua cabeça doía e sua boca parecia ter sido recheada com
algodão mofado encharcado de sangue.
O som de uma ária trovejou ao redor deles, apenas ligeiramente
abafado pelas paredes finas da sala. Ninguém iria ouvi-la, mesmo
se ela gritasse por socorro, não com todos os gritos tumultuosos
que aconteciam no palco.
Então, para seu horror, a porta atrás dele se abriu.
— Ah, aqui estamos nós, finalmente — seu agressor disse com
satisfação — Eu estava me perguntando quando nosso público
chegaria. Você pode gritar agora — não fará a menor diferença,
garanto-lhe.
Então, para seu espanto absoluto, Nathaniel entrou, uma
carranca endurecendo seu rosto normalmente alegre. Seus olhos
foram atraídos para os dele quando o alívio a sacudiu.
Ele tinha vindo por ela, finalmente!

N o olhar desesperado de Charlotte, mas seu


olhar foi atraído para o homem de pé ao lado dela, Sir Henry. Tenso,
Nathaniel se concentrou em Bolton e se preparou para um confronto
que vinha fermentando há dias.
— Então é aqui que você está se escondendo — disse
Nathaniel, a raiva endurecendo quando viu o rosto presunçoso de
Bolton. Arriscando um olhar para Charlotte, ele endureceu ao ver
seu corpete rasgado.
Graças a Deus, ele a encontrou a tempo.
Ficou nervoso a noite toda, desde que discutira sua ideia com
Cheery. Seu amigo o visitou no final da tarde e Nathaniel propôs a
ideia que vinha fermentando em sua mente por horas.
Ele achou que seu tio poderia estar certo: o assassino poderia
estar matando mulheres com o propósito expresso de fazer
Nathaniel sofrer.
O que colocava Charlotte em perigo. Era quase uma pena que
eles a tivessem resgatado de seus sequestradores quando o
fizeram. Ela estava mais segura no sótão de Dacy do que
freqüentando as funções da Sociedade.
Estranhamente, Cheery concordou. Na verdade, ele tinha vindo
para avisar Nathaniel para vigiar Charlotte de perto quando eles
estivessem em público, na esperança de que pudessem tirar o louco
do esconderijo.
— Sua graça — Sir Henry fez uma reverência — Você está
interrompendo um caso particular.
Os olhos de Nathaniel correram sobre ele antes de ignorá-lo
intencionalmente e transferir sua atenção para Charlotte.
— A senhorita está ferida, Senhorita Haywood?
Ela balançou a cabeça enquanto ele a estudava. Havia um
grande inchaço vermelho ao longo de sua mandíbula e seus olhos
azuis estavam suspeitosamente brilhantes.
O bastardo havia batido nela!
Suas mãos tremiam enquanto ela tentava segurar o corpete.
Seu temperamento fumegava como uma espada incandescente
mergulhada em um barril de água. Então, uma curiosa calma o
encheu.
— Saia, Charlotte — Nathaniel disse através dos lábios rígidos.
— Charlotte? — Bolton o imitou — Temo que você presuma
demais, Sua Graça. Minha prometida permanecerá, isso não é da
sua conta.
— Eu não sou sua prometida! — Charlotte exclamou, embora ela
mantivesse os dedos na boca. Obviamente doeu falar.
— Você está enganado, Bolton. Ela me deu a honra de aceitar
minha proposta. Na verdade, pretendemos fazer o anúncio oficial
amanhã — Ele não mudou seu olhar para Charlotte. Ele tinha
certeza de que ela protestaria, mas ela permaneceu em silêncio —
E eu acredito que já tive uma discussão anterior com você.
— E eu com você, Sua Graça. Devo insistir que a herdeira vá
comigo — Ele se atrapalhou com sua bengala antes de extrair uma
espada fina com um floreio.
Olhos na espada, Nathaniel agarrou o pulso de Charlotte e a
empurrou em direção à porta.
— Saia! Agora!
Para sua consternação, ela se desvencilhou.
— Eu não vou te deixar!
— Eu não estou pedindo para você me deixar, estou dizendo
para você ir buscar ajuda. Cheery está aqui em algum lugar.
Encontre-o.
Bolton dançou mais perto e fez uma finta rápida visando o rosto
de Nathaniel.
Nathaniel levantou um braço e saltou para trás, lutando para
remover seu paletó.
— Estou desarmado!
Seu antebraço queimou. Um filete de sangue escorreu por seu
pulso. Ele arrancou o casaco, grato por ver Charlotte caminhando
em direção à porta.
— Isso não importa para mim! — Sir Henry respondeu. Quando
ele viu o movimento de Charlotte, ele avançou para enfiar a espada
na frente dela, bloqueando-a da porta — Não acredito que você
deva sair, minha querida — disse ele, em pé na frente da entrada.
Enquanto a atenção de Bolton estava em Charlotte, Nathaniel
agarrou uma cadeira. Bolton se virou e atacou-o, mas a espada fina
cortou inutilmente as pernas da cadeira. Quando Bolton se afastou
para procurar uma abertura, Nathaniel jogou a cadeira contra o
chão, quebrando-a. Ele pegou uma das pernas e enfrentou o
adversário.
Bolton sorriu e avançou, certo de sua presa.
Nathaniel se defendeu e o seguiu abruptamente girando a perna
da cadeira e roçando a testa de Bolton. O homem atarracado
tropeçou para trás, mas se recuperou com agilidade. Ele passou o
lenço na testa e estudou Nathaniel.
— Isso não vai te ajudar. Você estará morto e a fortuna dela será
minha. Por que não simplesmente ir embora? O que isso importa
para você?
— É importante para mim, pois imagino que Charlotte possa ter
uma opinião, e não gosto de ver a força usada contra uma mulher.
— Sim — ela balbuciou através dos lábios inchados — Eu
desprezo você!
Nathaniel olhou para ela surpreso, com medo de que ela
estivesse falando com ele.
Ela percebeu seu olhar e fez um gesto impaciente em direção a
Bolton.
— Ele! Eu detesto a ele, seu idiota! Veja o que está fazendo!
Ele virou a cabeça para encontrar Bolton mirando outro golpe em
seu rosto. Ele bloqueou com seu taco improvisado no último minuto.
Na abertura criada por sua defesa, ele mandou uma esquerda
afiada no queixo de Bolton. Bolton cambaleou para trás enquanto
Nathaniel apertou sua mão esquerda, entorpecido pelo golpe.
Parecia que ele tinha quebrado os nós dos dedos contra o
queixo pontudo de Bolton.
O golpe apenas enfureceu Bolton. Com um rugido, ele correu
para frente, sua espada cantando no ar. Nathaniel ficou tenso e
esperou, levantando a perna da cadeira.
Bolton jogou tudo o que tinha sob seu comando. Seu peso e
velocidade empurraram Nathaniel para trás.
Em seguida, os sapatos de Nathaniel escorregaram no chão sem
carpete. Ele cambaleou, mas conseguiu se manter de pé, os olhos
fixos na lâmina a apenas alguns centímetros de seu nariz. A
madeira em sua mão estremeceu com o golpe, a força estilhaçante
subiu pelo braço.
Se ao menos ele tivesse uma arma decente!
Nathaniel recuou a perna da cadeira e acertou a espada. Ela
sacudiu contra a madeira, raspando farpas, no entanto Bolton
estava tão enfurecido que continuou batendo no ar, a lâmina
chicoteando o rosto de Nathaniel.
Nathaniel bateu nele novamente com um golpe violento e girou a
perna da cadeira, mirando no queixo de Bolton.
Seu pé escorregou durante o balanço e seu golpe foi selvagem.
Em vez de acertar o queixo de Bolton, a clava acertou seu pescoço.
Atordoado, Bolton largou a espada e cambaleou para trás com
as mãos segurando a garganta. Ele engasgou e caiu de joelhos, o
ar assobiando estranhamente enquanto ele ofegava e engasgava.
Nathaniel deu um passo à frente e chutou a espada para longe.
Ele ficou tenso quando Charlotte agarrou sua manga. Eles
observaram enquanto Bolton lentamente tombava para a frente.
— Ele está…. — Charlotte sussurrou.
Nathaniel se abaixou sobre um joelho, rolando Bolton.
Sua garganta estava esmagada.
— Sim — disse Nathaniel — Ele está morto.
O assassinato ocorre quando uma pessoa de boa memória e
discrição mata ilegalmente qualquer ser humano com malícia
premeditada.
Guia de bolso do policial

C harlotte ficou de lado enquanto Nathaniel se ajoelhou sobre


Sir Henry Bolton, verificando se ele tinha algum sinal de
vida. Ela pousou a mão no ombro de Nathaniel, inclinando-
se contra ele, sentindo o calor e a força sob a palma da mão.
— Você está machucado?
— Não — Ele acariciou brevemente a mão dela com os dedos.
Eles ainda estavam de pé sobre o corpo quando o Senhor Gaunt
entrou na sala.
— Então é aqui que você está. Estive procurando em tudo... O
que aconteceu?
Ele avançou e se curvou sobre o corpo. Ele colocou a mão sobre
o nariz e a boca de Bolton por vários minutos, uma carranca
vincando seu rosto.
— Eu o matei — disse Nathaniel.
Virando a cabeça de Bolton, o Senhor. Gaunt examinou seu
pomo de adão esmagado. Ele olhou para Nathaniel.
— Você bateu nele com uma cadeira?
— Não, apenas a perna — Nathaniel ergueu o pedaço de
madeira, virando-o para expor as lascas e os sulcos da espada de
Bolton.
— Ele salvou minha vida — Charlotte acrescentou rapidamente
— Ele estava me protegendo. Ele não o matou — Ela fez uma
pausa, considerando cuidadosamente sua próxima declaração —
Defesa pessoal. Ele agiu para preservar nossas vidas e tinha
apenas uma perna de cadeira para se defender da espada de
Bolton.
— Então, eu entendo. Um momento — O Senhor Gaunt se
levantou e foi até a porta. Ele falou baixinho com alguém antes de
voltar — Mandei chamar Bow Street. Novamente.
— O que o senhor está fazendo aqui, Senhor Gaunt? —
Charlotte perguntou.
Ele trocou olhares com Nathaniel antes de responder.
— Sua Graça pensou que sua reentrada na sociedade poderia
causar alguma empolgação.
Ela engasgou e pigarreou.
— O senhor... O senhor esperava que eu fosse atacada?
— Não, de forma alguma — Nathaniel respondeu, agarrando a
mão dela. Ela tentou se soltar, mas ele se recusou a deixá-la ir. Seu
olhar sondou o dela desesperadamente — Eu nunca teria deixado
ele te machucar.
— Mesmo? O que o senhor estava fazendo, então, enquanto Sir
Henry pressionava seu pedido de casamento de forma tão
agressiva?
Como se estivesse envergonhado, Nathaniel lançou seu olhar na
direção do Senhor Gaunt.
— Perdi o traço de Cheery por um momento...
— Senhor Gaunt ou Knighton — murmurou Cheery — Eu
gostaria que você se lembrasse do meu nome.
— Ele poderia ter... ele certamente tentou... — Ela gaguejou até
parar — O senhor podia ter sido atencioso o suficiente para me
alertar.
— Não tínhamos certeza, Senhorita Haywood — respondeu o
senhor. Gaunt — Na verdade, ainda estou surpreso que ele tenha
tentado logo após o seu reaparecimento.
— Suponho que ele estava precisando de fundos — disse ela
secamente, tentando não perder a paciência por ser usada como
isca para pegar Bolton. Ela olhou para Nathaniel — E suponho que
o senhor não contratou essa criatura terrível para me sequestrar?
— Não, nunca. Não posso, ou melhor, não suporto o homem —
Ele parecia aliviado — Nós realmente deveríamos ter adivinhado
que era ele... eu sabia que ele estava sem dinheiro — Nathaniel
disse, quase parecendo arrependido, mas falhando.
— Por quê? — ela perguntou.
Nathaniel riu severamente.
— Ele ficou bastante aborrecido quando meu tio venceu a
aposta. Foi quando o tio John se tornou seu tutor. Bolton esperava
ser seu guardião.
— Ou meu marido. Embora eu não veja como ele poderia ter se
tornado meu guardião. Tenho certeza de que não estamos
relacionados de forma alguma — Charlotte se encolheu quando o
aperto de Nathaniel em sua mão aumentou — Ai! Sua Graça, por
favor, o senhor está esmagando minha mão.
Ele a soltou apenas para colocar um braço em volta de sua
cintura. Quando o Senhor Gaunt olhou para eles e ergueu uma
sobrancelha escura, Nathaniel puxou-a ainda mais para perto e
disse:
— Estamos noivos.
Charlotte abriu a boca para protestar e desistiu. Parecia
grosseiro, para não dizer inútil, protestar. Afinal, não era como se
algum deles realmente esperasse acabar casando. Ou pelo menos,
casados um com o outro.
Certamente, um Duque acabaria por se casar para gerar
herdeiros, mas ela não tinha esse dever.
Antes que o Senhor Gaunt pudesse responder, o Senhor Archer,
Lady Victoria e vários outros cavalheiros empurraram a porta.
— Aí está você, Senhorita Haywood — Lady Victoria chamou
antes de parar quando avistou o cadáver no chão. Ela empalideceu.
O Senhor Archer colocou um braço em volta dela e forçou o rosto
dela contra seu ombro, murmurando palavras tranquilizadoras em
seu cabelo.
— Com licença — o homem atrás de Archer disse enquanto o
contornava — Senhor Gaunt, Sua Graça. É este o homem que você
suspeitou de sequestrar a Senhorita Haywood?
— Sim — disse Gaunt.
O Senhor Clark, de Bow Street, ajoelhou-se para estudar o
corpo.
— Fiz algumas pesquisas — continuou o Senhor Gaunt — Eu
irei fornecer a você minhas notas para seu relatório. Sir Henry
Bolton estava muito endividado. Havia várias apostas de jogo que
ele não conseguia cumprir. Na verdade, eu entendo que ele está, ou
estava, a poucos dias de perder sua propriedade em Shropshire.
O Senhor Clark sentou-se sobre os calcanhares. Seus
penetrantes olhos castanhos percorreram o braço de Nathaniel em
volta da cintura de Charlotte.
Um rubor quente subiu para suas bochechas. Ela brincou com o
corpete rasgado, puxando o tecido para mais perto do pescoço. O
braço de Nathaniel a puxou para mais perto e ela se virou para ele,
desejando poder escapar do olhar curioso do Senhor Clark.
— Mocinha — disse o Senhor Clark — é este o homem que a
sequestrou?
— Sim. Eu me lembro da voz dele.
— A senhorita não viu o rosto dele?
— Não. Ele usava um saco de farinha com buracos feitos para
os olhos. No entanto, nunca esquecerei sua voz — Ela se adiantou
para reforçar seu ponto de vista — Eu não poderia estar enganada.
E esta noite ele tentou me sequestrar novamente. Ele até
reconheceu que era o homem que havia tentado antes.
O Senhor Clark deu um breve meio sorriso.
— Então a senhorita não estava visitando a irmã de Sua Graça,
afinal?
— Não, claro que não — disse Nathaniel, puxando-a de volta
para o abrigo de seu abraço — Não queríamos expor
desnecessariamente a Senhorita Haywood a especulações e
fofocas. E espero que ela não sofra de nenhuma especulação
ociosa agora, correto? — Ele acrescentou incisivamente, seu olhar
observando os ocupantes da sala — Basta dizer que Sir Henry
lançou calúnias sobre meu caráter e me atacou violentamente
enquanto eu estava desarmado. Infelizmente, ele sofreu um
acidente quando tentei me defender.
Levantando-se, o Senhor Clark esfregou as mãos e começou a
escrever anotações em seu sempre presente caderno de couro.
— Podemos voltar ao sequestro por apenas um momento? A
Senhorita Haywood foi detida na residência de Dacy, correto?
— Sim. Sabemos que alguém conhecido da família conseguiu
secretá-la no sótão. Eles então começaram um boato de que havia
um fantasma assombrando os quartos para manter os curiosos
longe.
— E quem seria esse indivíduo empreendedor?
— Não consegui identificar o segundo homem. Eu sinto muito —
Charlotte interrompeu.
Havia muitos aspectos confusos em seu recente sequestro, mas
ela tinha certeza de uma coisa: ela se recusava a envolver Red
Smythe e Rose. Na verdade, ela ainda pretendia ajudar Red a
comprar sua taverna.
Seu espírito estremeceu e despencou, deixando um espaço
vazio dentro dela. Com apenas um terço de sua fortuna restante,
seria difícil ter o suficiente para viajar para o Egito, como ela poderia
fazer qualquer coisa por Red ou Rose?
Talvez ela pudesse convencê-los a se casar e agir como seus
criados em sua expedição ao Cairo. Ela poderia prometer
recompensá-los com uma pequena quantia depois, se a viagem não
fosse muito cara. Red ainda podia eventualmente conseguir sua
taverna.
— Então, esse outro indivíduo também usava uma máscara? —
O Senhor Clark perguntou.
— Sim, no início.
— E depois?
— Eu não vi o homem desde então. Talvez depois que Sua
Graça me libertou do sótão, o outro homem tenha fugido da
Inglaterra. Certamente não ficaria aqui se pensasse que logo seria
levado à justiça.
— Talvez. Agora, Senhorita Haywood, em relação a este último
atentado contra sua pessoa, como isso aconteceu?
Ela retransmitiu a história novamente. O Senhor Clark tomava
notas abundantes e apenas interrompia para perguntas ocasionais e
esclarecedoras.
— E Sua Graça defendeu a Senhorita com esta perna de
cadeira? — O Senhor Clark perguntou.
— Sim, ele defendeu — Charlotte concordou — Sir Henry ficou
furioso com sua interferência e tentou nos matar.
— Eu entendo. Bem, acredito que essa é toda a informação de
que preciso — Ele sorriu amplamente pela primeira vez, revelando
vários dentes quebrados e faltando — A senhorita é uma jovem
afortunada, Senhorita Haywood, pois parece que podemos também
ter o monstro que recentemente matou Lady Anne e a Senhorita
Mooreland.
— O que o senhor quer dizer? — Charlotte perguntou, olhando
para ele.
— Bem, é fácil ver, não é? — Ele acenou com a cabeça para
Nathaniel — Eu mesmo nunca fui um daqueles que defendeu a
teoria do “Duque Mortal”, se me permite a expressão, Sua Graça.
Embora Sua Graça seja um odiador conhecido de mulheres, sempre
achei que ele era muito bem-humorado para acabar com as
mulheres.
— Ah sim. Eu concordo — disse Charlotte. Ela mordeu o lábio
quando Nathaniel cruelmente apertou sua cintura — Ele é muito
misógino, mas sua disposição simplesmente não é a de um
assassino. Ele é realmente muito doce — se o senhor não for
mulher, claro.
— Precisamente — concordou o Senhor Clark, rolando na ponta
dos pés e depois caindo sobre os calcanhares — Qualquer bom juiz
de caráter concordaria.
— Então o senhor nunca suspeitou de Sua Graça? — Charlotte
perguntou incrédula.
— Oh, eu não diria isso. Na verdade, havia um sentimento geral
em Bow Street de que poderíamos ter de providenciar a detenção
de Sua Graça no dia seguinte ou depois. Indignação pública, a
senhorita sabe. Era muito ruim — O Senhor Clark lançou um olhar
severo na direção de Nathaniel — E havia uma grande quantidade
de evidências, Sua Graça. Muito estranho isso.
O Senhor Gaunt deu um passo à frente, seu rosto ilegível.
— E quanto a Sir Henry?
O Senhor Clark balançou a cabeça.
— Ele tinha a motivação. Ele deve ter tentado convencer as
pobres meninas a se casarem com ele e, quando elas se
recusaram, ele as matou.
— A maioria das testemunhas com quem falei indicou que ele
não estava sozinho no jardim de Lady Beatrice — disse Nathaniel
lentamente — Não tenho certeza se ele é o culpado.
— Eu teria que concordar com isso, Senhor Clark. Ele era um
idiota, mas não consigo encontrar nada que sugira que ele era um
assassino — interrompeu o Senhor Gaunt.
— Você está dizendo que temos dois loucos em Londres? — O
Senhor Clark perguntou incrédulo.
— Eu diria que há muito mais do que apenas dois. Eu suponho
— Senhor Gaunt declarou em uma voz fortemente irônica.
Charlotte reprimiu uma risadinha histérica. Quando ela olhou
para os outros, percebeu que era a única que o ouvia.
— Eu tenho que concordar — disse Nathaniel — Não acredito
que Sir Henry teve coragem de matar aquelas duas mulheres. Foi
preciso muita bravura para matá-las no que parecia ser um lugar
público. Qualquer um poderia tê-lo visto — Nathaniel abanou a
cabeça — Não, ele não tinha esse tipo de coragem.
Charlotte estremeceu. Quanto mais ela considerava todas as
objeções, mais ela tinha que concordar. Ela sabia que Sir Henry
tentara sequestrá-la na tentativa de obter sua fortuna por meio de
resgate ou casamento. Ele até ameaçou matá-la depois que eles se
casassem. No entanto, ele era um homenzinho ordinário que não
teria coragem de matar duas mulheres em público onde poderia ser
visto.
E mesmo que precisasse do dinheiro delas, por que mataria
mulheres com as quais nem mesmo se casou? O assassinato antes
do casamento não lhe renderia nada.
Ela olhou para Nathaniel
— Eu também não entendo. Ele ameaçou me matar uma vez
que me forçasse a casar com ele, mas...
— Bem, aí está Senhorita Haywood. Ele ameaçou a senhorita.
Ele é obviamente o homem que matou aquelas duas mulheres —
disse Clark — Ele pode ter tentado se casar com elas: suponho que
ambas tinham dotes enormes. Quando elas se recusaram, o
cavalheiro perdeu a paciência. Isso certamente explicaria seus
motivos: simples frustração. Agora, se o senhor não se importa, o
legista chegará a qualquer momento. As senhoras podem querer
voltar para o seu camarote. Cuidaremos de tudo aqui.
Nathaniel guiou Charlotte até a porta e os Archers seguiram de
perto. Lady Victoria murmurou encorajamento para Charlotte
enquanto caminhavam para o corredor.
— Como a senhorita está se sentindo? — Nathaniel perguntou,
interrompendo sua tia.
Segurando seu vestido, Charlotte respondeu:
— Estou bem, simplesmente não posso...
— Não se preocupe — Lady Victoria pegou seu braço livre. Ela
deu a Nathaniel um olhar severo — Sua Graça, o senhor pode pedir
a carruagem para nós, por favor?
— Certamente — Ele correu em direção às escadas enquanto
Charlotte olhava ao redor, surpresa ao ouvir a ópera se
aproximando do final. Ela saltou com o som repentino de tambores e
pratos batendo.
— Seu pobre vestido — Lady Victoria mexeu no tecido, tentando
amarrar os pedaços de tecido.
Enquanto ela consertava um pedaço de seda, Charlotte viu o
Senhor Archer vagar de volta para dentro da sala onde Sir Henry
estava deitado. Outro homem entrou, provavelmente o legista,
embora estivesse vestido com trajes noturnos e parecesse ter ido à
ópera.
— Se nos retirarmos por um momento, tenho certeza de que
posso fazer algo com este corpete rasgado — disse Lady Victoria —
Pelo menos ninguém vai notar e a senhorita não vai ficar
envergonhada.
Charlotte balançou a cabeça.
— Não. Agradeço, mas não importa. Duvido que algum dia use
este vestido em particular novamente.
— Muito compreensível. Então, a senhorita se importa se eu
entrar em nosso camarote por um momento? Receio ter deixado
meu xale de renda na cadeira.
Charlotte assentiu e esperou no corredor. Havia um bom número
de homens e mulheres caminhando em direção às escadas, talvez
na esperança de escapar da confusão quando a ópera finalmente
terminasse. Acima da multidão, ela podia ouvir as notas agudas
crescentes da ária final.
— Senhorita Haywood? — Lady Beatrice tocou seu cotovelo —
A senhorita gostou da ópera?
Assustada, Charlotte deu um passo para trás, batendo na
parede.
— Ora, sim, obrigada.
— Eu percebi que a senhorita perdeu quase todo o último ato. O
que aconteceu com a senhorita? — Ela tocou a renda rasgada no
pescoço de Charlotte. Charlotte se conteve para não rebater a mão
de Lady Beatrice — Nosso camarote é diretamente oposto à de Sua
Graça. Fiquei muito preocupada quando a senhorita desapareceu e
não voltou.
Charlotte se afastou. Onde estava Lady Victoria?
— Eu prendi meu corpete na minha pulseira quando estava
arrumando meu cabelo mais cedo. Receio ter rasgado.
— Eu vejo. Que coisa horrível. Esse vestido também era
encantador. E onde está o Duque?
— Eu... não tenho certeza, exatamente. Lady Victoria foi buscar
seu xale. Estou esperando por ela. Nós estamos saindo.
— Assim como nós. No entanto, insisti em visitar o camarote do
Duque antes de partirmos. Talvez ele tenha mencionado ao tio que
pediu uma entrevista ao meu pai — Ela sorriu — Estávamos
esperando por isso, a senhorita sabe.
Charlotte olhou para ela confusa. Nathaniel estava simplesmente
tentando defender a honra de Charlotte com sua proposta? Depois
de suas ações esta noite, ela esperava que ele realmente sentisse
afeto por ela, se não amor.
Seus ombros cederam.
Talvez ele se considerasse obrigado por honra a oferecer por
ela. Sua reputação tinha sido bastante destruída pelos eventos
desta noite. Apesar do aviso de Nathaniel ao Senhor Clark, rumores
estavam prestes a se espalhar.
— Suponho que parabéns são prematuros? — Charlotte
respondeu friamente, erguendo o queixo.
— Sim, mas não muito. Estamos verdadeiramente apaixonados.
Ora, eu acredito que ainda gostaria de me casar com ele, mesmo
que ele fosse um plebeu — Lady Beatrice deu uma risadinha — Ou
um colono.
— De fato? Então a senhorita está certamente muito
apaixonada.
Ela colocou a mão no braço de Charlotte, embora Charlotte
tentasse se afastar.
— Eu tenho uma ideia deliciosa. Ele deve estar aqui, e eu queria
muito vê-lo esta noite. Vamos encontrá-lo juntas?
— Por que não esperamos aqui? Lady Victoria sairá em breve e
Sua Graça foi pedir a carruagem. Ele vai voltar em breve —
Charlotte tentou manter-se amável lembrando-se do triste feriado
que ambas haviam passado no internato.
Lady Beatrice só queria acreditar que era amada por alguém tão
popular como o Duque. Ela estava sozinha como Charlotte.
Ela sorriu, suprimindo o desânimo crescendo dentro dela.
— Oh, mas minha mãe e meu pai estão esperando também —
Lady Beatrice disse. — Eu disse a eles que demoraria apenas um
minuto e as escadas estão logo aqui. Vamos simplesmente descer.
Tenho certeza de que Sua Graça está lá. A senhorita disse que ele
foi pedir a carruagem, não disse?
— Sim, no entanto...
Lady Beatrice sorriu de forma tranquilizadora e impulsionou
Charlotte para frente com uma mão firme nas suas costas.
Enquanto se aproximavam do topo da escada, Charlotte hesitou,
não confiando em Lady Beatrice, apesar de seus esforços para
estender a mão da amizade. Seria adequado para seu senso de
humor estender ainda mais a mão e dar um empurrão em Charlotte
para mandá-la esparramada escada abaixo e cair aos pés de
Nathaniel.
Quando ela fez uma pausa, Lady Beatrice transferiu a mão para
o braço de Charlotte
— Oh, me ajude, por favor, Senhorita Haywood! Minhas ligas
estão se desfazendo. — Ela mergulhou em uma pequena alcova
com cortinas e se abaixou, levantando suas saias de seda branca.
Charlotte ficou parada, cheia de incertezas. Ela empurrou a
cortina pesada para mantê-la longe de seu cabelo e vestido.
Pequenas nuvens de poeira saíram das dobras. O pequeno canto
cheirava a mofo e madeira úmida. Ela espirrou e olhou para as
paredes manchadas enquanto Lady Beatrice amarrava a meia.
— Senhorita Haywood, dê uma espiada e me diga se tem
alguém aí. Estou tão envergonhada. Seria terrível se meu noivo me
visse com minhas meias, penduradas sobre meu tornozelo.
Era muito típico de Lady Beatrice presumir que estava noiva de
um Duque antes mesmo que ele a pedisse. Mas então, Lady
Beatrice não sabia que o Duque já havia se oferecido por Charlotte,
em uma tentativa de salvar sua honra.
Depois de estudar a cabeça inclinada de Lady Beatrice,
Charlotte se virou ligeiramente e olhou para fora. Se a ópera ainda
estava em andamento, ela não conseguia mais ouvi-la. A enxurrada
de frequentadores do teatro havia aumentado. O salão foi
preenchido com um rugido abafado enquanto os clientes riam e
gritavam uns com os outros, tentando ser ouvidos acima de toda a
comoção.
— Eu não o vejo — disse Charlotte, feliz pelo refúgio do canto
silencioso enquanto a multidão passava acotovelando-se.
Antes que ela pudesse voltar para Lady Beatrice, Charlotte foi
empurrada para a frente. Ela jogou as mãos para cima para evitar
que o nariz batesse na parede de gesso.
— O que a senhorita... — A voz de Charlotte foi cortada. Algo
rodeou sua garganta e apertou dolorosamente.
Ela estendeu a mão, agarrando o pescoço, tentando enfiar os
dedos sob a corda. Ela engasgou. Seus pulmões queimaram
enquanto ela buscava por ar. Sua cabeça latejava quando a
constrição em volta de seu pescoço se intensificou.
A luz suave tingida de vermelho ficou ainda mais vaga e confusa.
Suas mãos se moviam freneticamente, tentando afrouxar o cordão.
Ela agarrou algo macio, mas arrancou sem proporcionar alívio.
Incapaz de colocar os dedos sob a corda, ela empurrou as mãos
contra a parede, jogando a cabeça para trás. A pressão diminuiu
brevemente — o suficiente para ofegar uma doce respiração —
antes que o cordão entrasse em sua garganta mais uma vez.
O sangue trovejou em seus ouvidos. Uma névoa escura e
carmesim inundou sua visão, e ela cambaleou, seus joelhos se
dobrando lentamente.
Ela tinha sido uma idiota. Lady Beatrice nunca mudou. Ela ainda
era a mesma garota obstinada que tinha sido na escola.
No caso de uma agressão não cometida em sua presença, o policial
não teria justificativa para prender o acusado, a menos que fosse
evidente que uma agressão grave foi cometida ou um ferimento
perigoso foi causado.
Guia de bolso do policial

— C harlotte! Charlotte! Você pode me ouvir? — Nathaniel


perguntou, embalando o corpo inconsciente de Charlotte em seus
braços.
Ele pressionou um lenço úmido em sua testa, observando
ansiosamente enquanto suas pálpebras tremiam. Sem aviso, ela
tossiu, ofegando por ar e lutando para respirar, obviamente com dor.
O cotovelo dela cravou em seu estômago enquanto ela tentava se
sentar.
— Você está segura — ele murmurou contra seu cabelo úmido.
Apesar de suas tentativas de afastá-lo, ele a segurou, aliviado
por sentir seu calor vivo contra seu peito.
— O que…. — ela ofegou com uma voz áspera. Ele observou os
músculos de sua garganta apertarem enquanto ela tentava engolir,
mas ela apenas tossiu asperamente antes de respirar fundo.
Nathaniel ergueu os ombros e segurou um copo de conhaque
contra os lábios.
— Beba isso. Só um gole.
Ele despejou um fio de álcool em sua boca e a apoiou enquanto
ela engolia. Depois de engolir, ela colocou os braços em volta da
cabeça de forma protetora, enrolando-se sobre si mesma,
afastando-o.
O gesto cortou seu coração.
Ele falhou em protegê-la, embora soubesse que ela poderia
estar em perigo. Os músculos de sua mandíbula se contraíram
enquanto ele aumentava o controle sobre sua raiva e medo de
quase perdê-la.
Ele empurrou o copo contra seus lábios novamente, embora ela
batesse em sua mão. Quando ele a inclinou para cima, ela engoliu
em seco com dificuldade, ofegando por ar.
— De novo — ele exigiu.
Charlotte afastou a mão dele e olhou além de seu ombro. Atrás
dele, ele podia ouvir os passos suaves de Cheery.
Apesar de sua abordagem, Nathaniel ignorou seu amigo. Ele
derramou mais conhaque no copo da garrafa no chão ao lado dele.
Ele forçou contra seus lábios pálidos e se amaldiçoou em voz baixa.
Por que ele foi tão idiota? Ele instintivamente sabia que Sir
Henry não tinha matado aquelas mulheres, entretanto ele nunca
tinha considerado que uma mulher poderia ser responsável. Os
crimes pareciam tão brutais. Quem teria suspeitado que Lady
Beatrice, de aparência delicada, usaria uma estatueta de mármore
de seus jardins para matar uma rival?
Até Cheery ficou surpreso. Ou pelo menos parecia, embora
nunca fosse fácil dizer com seu rosto impassível.
— Ela está consciente? — Cheery perguntou.
— Por muito pouco — Nathaniel deslizou o braço com mais
firmeza em torno de Charlotte, estudando seu rosto pálido. Seus
olhos estavam vermelhos e havia uma linha roxa feia de inchaço ao
redor de seu pescoço. A fúria fria passou por ele novamente — um
vendaval gélido de emoção.
— Graças a Deus você voltou a tempo — disse Cheery,
abaixando-se para pegar a garrafa e encher o copo. — Como você
a encontrou?
— A cortina se abriu. Eu a empurrei para o lado no caminho para
meu camarote e acidentalmente acertei Lady Beatrice. Eu ainda
pensei que estava perturbando um par de amantes excessivamente
amorosos quando avistei um cabelo vermelho-cobre.
Ele tocou os cachos flamejantes. Uma mecha perdida enrolou-se
em seu dedo.
— Previdente que ela é ruiva, hein?
Nathaniel olhou para ele friamente.
Greery encolheu os ombros e gesticulou com a garrafa de
conhaque.
— Dê mais algumas gotas a ela. Isso vai ajudar sua garganta —
Ele olhou ao redor quando alguém se aproximou — Lady Victoria,
sua protegida está quase recuperada, eu acredito. E fui enviado
com a notícia de que a carruagem está aqui e pronta... — Ele puxou
a cortina de lado e olhou para o pequeno nicho — O que é isso? —
Ele pegou um saco rasgado — O retículo de Lady Beatrice?
Nathaniel fez uma careta antes de rosnar:
— Deixe pra lá sim? — Ele não dava a mínima se Cheery
encontrasse um pote de ouro leprechaun.
Alguns itens caíram da bolsa rasgada. Um deles brilhou à luz
das velas. Um pequeno objeto azul salpicado de ouro. Cheery
pegou.
— Isso não seria seu, seria?
Nathaniel olhou para a coisa na mão de seu amigo. Um pedaço
retorcido de lápis-lazúli.
— Sim, maldição.
Cheery riu e entregou-lhe o chaveiro.
— Conserte aquele gancho antes de perdê-lo novamente.
Maldito incômodo deixar evidências expostas assim.
— E quanto a Lady Beatrice? — Nathaniel mudou de assunto
quando pegou o chaveiro e o enfiou no bolso. Quando Charlotte
tentou se esquivar, ele apertou o abraço, lembrando o quão perto
esteve de perdê-la.
Ele nunca esqueceria a intensidade abrasadora de propósito no
rosto de Lady Beatrice enquanto ela estava atrás de Charlotte,
apertando o laço em volta do seu pescoço. Nathaniel agarrou o
ombro de Lady Beatrice e empurrou-a para longe da forma flácida
de Charlotte, esquecendo o quão perto eles estavam do topo da
escada.
Lady Beatrice tropeçou e ficou parada, balançando os braços por
vários segundos. A lei da gravidade de Newton finalmente a pegou e
a empurrou escada abaixo. Seus gritos estridentes reverberaram
acima do barulho tumultuado do público que partia enquanto ela
caía para trás pelas escadas largas de mármore.
— Ela provavelmente sobreviverá — disse Cheery — Embora eu
suspeite que ela está com a perna e o braço quebrados, se não pior.
— Pena que ela não quebrou o pescoço.
— Não demorará muito para que isso aconteça, se ela tiver sorte
e não estrangular quando o carrasco a deixar cair.
Nathaniel olhou para Cheery.
— Você tem que parecer tão satisfeito?
— Não é todo dia que um sujeito pega uma assassina e um
sequestrador.
— Você nem sabia que era Lady Beatrice, nenhum de nós
realmente sabia.
— Eu não?
A sobrancelha de Nathaniel se levantou.
— Se você sabia não me disse nada. Você deveria ter me
avisado.
— Um cavalheiro não sai por aí acusando mulheres nobres.
Essa é uma lição que aprendi perfeitamente há oito anos.
O significado de sua observação casual não escapou a
Nathaniel. Foi preciso muita habilidade para Cheery evitar a forca
quando seu pai foi assassinado por um assassino inesperado. A
experiência o deixou com motivos melhores do que a maioria para
desconfiar das mulheres.
Nathaniel acenou com a cabeça.
— Você não acha que ela matou Lady Anne e a Senhorita
Mooreland só porque eu dancei algumas vezes com elas, não é? A
ideia é insana.
O rosto moreno de Cheery pareceu simpático por uma fração de
segundo até que a expressão submergiu abaixo de sua aparência
normal, mais sombria.
— Você dançou duas vezes com cada uma delas, e três vezes
com Lady Anne. Você até buscou refrescos para elas. O que você
estava pensando, Dodger? Um verdadeiro misógino deveria estar
um pouco menos ansioso para se alimentar e perambular pela pista
de dança com tantas mulheres — Ele riu quando Nathaniel tentou
protestar — E Lady Anne estava aparentemente tão encantada com
sua companhia que ela o seguiu, um erro fatal de julgamento. Ela
não deveria ter perseguido você com tanta energia. Suponho que a
Senhorita Mooreland também foi bastante persistente.
— Eu gostaria que eles não tivessem sido — disse Nathaniel,
cansado.
— Ser Duque nem sempre é a posição mais fácil do mundo, não
é? — Cheery perguntou.
— Alguns dias é mais terrível do que você pode imaginar.
— Ah, sim, mas pense em todas aquelas adoráveis súcubos que
habitam as regiões inferiores. Faz com que o inferno pareça quase...
atraente.
Nathaniel correu um dedo sobre as pontas retorcidas do lápis-
lazúli em seu bolso.
— Como você acha que ela conseguiu isso? Juro que ele não
podia ter sido deixado pelo corpo de Lady Anne. O chaveiro já
estava sumido antes de eu chegar perto daquele local.
— Mas você esteve perto de Lady Beatrice, não esteve? —
Cheery perguntou — Várias vezes, de fato, durante a noite. Imagino
que ela simplesmente o puxou da corrente do relógio enquanto você
dançava.
Ele assentiu.
— Suponho que seja a única explicação razoável. Mas odeio
pensar que ela estava planejando matar Lady Anne e a Senhorita
Mooreland assim. Não parecia possível que uma mulher fosse a
responsável.
Cheery encolheu os ombros.
— As mulheres são muito mais hábeis em planejar coisas assim
do que acreditamos. Em minha experiência, em todo caso.
Suas palavras trouxeram à mente um momento depois de uma
valsa, quando Lady Beatrice aparentemente tropeçou e sua mão
roçou a cintura de Nathaniel. O movimento foi tão provocativo que
ele naturalmente presumiu que ela estava flertando com ele.
Deve ter sido quando ele perdeu seu lápis-lazúli. Talvez, ela
inicialmente esperasse usar isso como uma desculpa para visitá-lo,
e mais tarde reconheceu o valor do chaveiro como uma forma de
chantageá-lo por uma proposta. Pelo menos ele esperava que fosse
mais tarde. Era perturbador pensar que isso poderia ter feito parte
de seu esquema desde o início.
Tudo parecia incrível.
Charlotte tossiu novamente e tentou se enrolar em uma bola.
Nathaniel embalou a cabeça dela contra seu peito e então a
carregou.
— Faça algo pelo menos moderadamente útil, está bem? Limpe
o caminho e certifique-se de que a carruagem esteja na frente.
Então encontre os Archers. Nós estamos saindo.
— Sim, Sua Graça.
No topo da escada, Nathaniel olhou de volta para a figura alta
vestida de preto.
— E obrigado.
— Você solucionou tudo — disse Cheery com um aceno
descuidado.
— Mas eu não percebi — Nathaniel fez uma pausa e estudou
seu amigo — Quando você percebeu que era Lady Beatrice?
— Você já olhou para o final da lista da Senhorita Haywood?
Você viu o desenho de Lady Beatrice?
— Sim. O que é que tem?
— Você notou o vestido dela?
— Sim — Nathaniel respondeu impaciente.
— Você não olhou de perto o suficiente, então. Havia manchas
na frente — Os olhos escuros de Cheery brilharam com diversão —
Eu perguntei a Senhorita Haywood sobre elas. Ela poeticamente as
descreveu como o veneno das presas de Lady Beatrice.
— Qual a relevância desse comentário? Ela tinha manchas no
vestido porque esbarrou em um lacaio carregando uma bandeja de
vinho. Foi um acidente trivial, nada mais.
Cheery balançou a cabeça.
— Você está errado. Eu questionei seu novo lacaio, Tom Henry,
sobre isso. Em primeiro lugar, ela deve ter tido pelo menos um
pouco de sangue no vestido quando matou Lady Anne. Você
mesmo notou que não poderia ser o assassino porque não tinha
sangue em qualquer lugar de sua pessoa.
— Mas ela também não tinha sangue!
— Não depois que ela deliberadamente esbarrou naquele lacaio
carregando os copos de vinho Madeira. O vinho efetivamente
escondeu qualquer respingo de sangue existente. E você
aparentemente perdeu o episódio encantador em que Lady Beatrice
pisou na mão do lacaio e a esmagou contra o vidro quebrado.
Parecia uma forma excessiva de vingança, até que percebi que ela
poderia ter tido outro propósito totalmente diferente. Seu sangue foi
uma excelente desculpa para as manchas de sangue em seus
sapatos — Cheery encolheu os ombros — Uma ação totalmente
desnecessária, é claro. Ninguém percebeu seus sapatos
manchados. No entanto, acredito que ela estava agindo
impulsivamente. Em sua pressa, ela deve ter pensado que era uma
jogada inteligente. Se ela não tivesse sido tão desnecessariamente
cruel, eu não teria suspeitado dela. Mas é claro, havia também o
fato de que o assassino sempre estava atrás das meninas.
— O que fez você suspeitar de uma mulher — disse Nathaniel.
— Sim. Nenhuma força era necessária e havia pouca chance de
lesão. Você já tentou espancar alguém que vem por trás de você?
Sua Lady Beatrice não teria se arriscado a ter o rosto arranhado
durante uma luta.
— Ela não é minha Lady Beatrice, graças a Deus!
Os cantos da boca de Cheery se contraíram ligeiramente antes
que ele se virasse para procurar os Archers. Olhando para baixo,
Nathaniel viu para sua consternação que Charlotte tinha ouvido toda
a conversa.
— Eu sinto muito — ele disse, apoiando sua bochecha contra o
cabelo dela — Esqueça isso — você estará em casa em breve.
Ela assentiu e então se contorceu, falando baixinho.
— Eu posso andar — Sua voz era tão baixa que ele mal
conseguia ouvi-la.
Então ele fingiu que não ouviu e a carregou escada abaixo.
N , Charlotte olhou desanimada para o espelho.
Seus olhos brilhavam em um azul turquesa profundo e brilhante —
principalmente porque os brancos eram de um vermelho vibrante.
Ela parecia um demônio sofrendo de uma ressaca particularmente
perniciosa. Sua cabeça latejava quando ela se levantou muito
rapidamente e sua garganta... Bem, chá de limão e verbena
generosamente misturado com conhaque e mel foi tudo o que ela
conseguiu engolir. Isso fez sua cabeça girar e deixou seus membros
dormentes, mas valeu a pena obter alívio da dor forte.
A ligeira embriaguez também a fez se sentir menos deprimida
por causa de Nathaniel. Agora que ele não corria o risco de ser
enforcado a qualquer hora, as mulheres o cercariam como abelhas.
Ele se arrependeu de sua afirmação tola de que eles estavam
noivos? A declaração foi feita às pressas e em público para salvá-la
de ficar embaraçada. Talvez isso o deixasse envergonhado agora.
Talvez ela devesse agradecê-lo e reiterar que não tinha intenção
de se casar. Ele estaria livre para selecionar alguma moça
adequadamente aristocrática e criar tantos filhos idiotas quanto
desejasse. Devia haver centenas de garotas morrendo para se
tornar a próxima Duquesa de Peckham.
— Senhorita Haywood? A senhorita tem um visitante esperando
na sala de estar amarela — uma criada anunciou com uma
reverência.
Charlotte queria perguntar quem, mas decidiu poupar a voz. Ela
assentiu levemente e se levantou com muito, muito cuidado.
Quando o topo de sua cabeça permaneceu onde estava sem
explodir, ela deslizou para a porta.
As escadas foram um pouco desafiadoras. No entanto, ela
descobriu descendo sem pressa e parando em cada degrau que ela
conseguia. Ela desceu lentamente e ficou aliviada quando chegou
ao segundo andar sem cair ou explodir em chamas com as faíscas
de dor em sua cabeça acendendo os vapores de álcool laçando sua
respiração.
A sala de estar amarela fervilhava de pessoas quando ela
entrou. Ela ficou na porta, piscando na luz brilhante. O Senhor
Archer e Lady Victoria estavam sentados em um sofá,
compartilhando o jornal amigavelmente. Nathaniel estava perto de
um canto com um assento na janela com uma pilha alta de
almofadas de seda branca e dourada. Suddley estava colocando
uma bandeja de chá na mesa baixa em frente a Lady Victoria.
— Senhorita Haywood! — Lady Victoria chamou, avistando-a —
Como a senhorita está se sentindo esta manhã?
Ela sorriu em resposta e tentou sentar-se em uma confortável
poltrona de damasco dourada situada em frente à mesa baixa de
Lady Victoria. Charlotte mal dobrou os joelhos antes de Nathaniel
deslizar um braço em volta da cintura dela.
— A vista da janela é extraordinária esta manhã — disse ele,
guiando-a em direção ao canto.
— Suddley, uma xícara para a Senhorita Haywood. Com muito
mel — Lady Victoria disse.
Charlotte balançou a cabeça, mas teve que parar quando a sala
começou a girar. Ela se perguntou exatamente quanto conhaque a
criada colocara no bule de chá esta manhã. Balançando os dedos
dos pés, ela percebeu que não conseguia mais senti-los, ou seus
tornozelos.
Ela piscou. Seus nervos à flor da pele.
Nathaniel fechou parcialmente as cortinas de veludo amarelo.
— Você parece extremamente bem depois de sua provação,
Charlotte — Uma de suas sobrancelhas se levantou depois de usar
o nome dela na frente de seu guardião.
Ela olhou para o Duque, considerando como fazer uma
declaração adequada sem realmente abrir a boca.
Quando ela permaneceu em silêncio, ele a estudou, captando
seu olhar.
— Seus olhos estão... azuis muito vívidos.
— Hmmm — disse ela. Ela havia notado a mesma coisa apenas
alguns minutos antes. Os brancos injetados em sangue realçavam
muito sua vivacidade. Sua boca se curvou para baixo.
— Suponho que você deve ter percebido Charlotte... — Ela
ergueu as sobrancelhas. — Eu amo você! — ele disse.
Suas sobrancelhas não poderiam subir mais alto, então ela
acariciou as mãos dele e de repente se viu em seus braços. Ele
inclinou a cabeça dela e fechou a boca sobre a dela. Com o coração
batendo forte, os braços dela deslizaram sobre os ombros dele, os
dedos dela entrelaçando-se em seu cabelo macio.
Ele estava tão quente e fazia com que ela se sentisse tão
segura. Como um sheik da Arábia, carregando-a em seu cavalo
branco árabe pelas areias quentes.
Bom Deus! Aquele bule de chá devia conter uma garrafa inteira
de conhaque! Ou ela estava perdendo a cabeça.
Quando ele a soltou, sorriu para ela.
— Você vai se casar comigo, não é?
Seu sorriso vacilou e ela balançou a cabeça.
— Você está se recusando?
— Um-huh — ela sussurrou — Você não consegue encontrar
alguma outra garota para incomodar? Achei que você não estava
pronto para ser amarrado e amordaçado com os laços do
matrimônio?
— O inferno é que eu estava errado. Estou pronto, Charlotte, e
quero me casar com você. Eu te amo. Por favor, não recuse. Você
não pode ser tão cruel a ponto de me deixar à mercê de cada jovem
debutante presunçosa que decidiu se casar com um Duque.
— Eu sinto muito, mas… Egito. Eu não posso desistir.
Simplesmente não posso — Sua voz estava tão rouca que ela teve
vontade de chorar. Ela se sentia desamparada e perdida.
— Certamente, você ainda não pretende fugir para o Cairo?
Ela assentiu vigorosamente.
— Eu quero. Eu preciso — ela disse asperamente, sua mão
esfregando sua garganta machucada.
Ele se recostou com suas sobrancelhas contraídas em um V
profundo. Ele pareceu pensar profundamente antes de perguntar:
— Você não me ama, então?
Ela agarrou a mão dele e levou-a à boca. Ela tinha que dizer a
verdade a ele antes de partir.
— Sim eu amo. Mas você deve ficar aqui e eu devo ir — Sua voz
falhou e ela tomou um gole de chá.
Ele precisava entender que, como Duque, não poderia deixar a
Inglaterra por longos períodos. Ele tinha deveres e
responsabilidades aqui, enquanto ela sonhava com o Egito.
Seu coração parecia esmagado, aprisionado dentro das paredes
de suas costelas. Apesar de seu amor, ela não podia desistir da
única coisa que a sustentou durante oito longos e frios anos.
Seu orgulho não a deixava.
Então ela vacilou, olhando em seus olhos azuis. Ela estava
abrindo mão do calor emocional pelo calor físico do deserto? Mas
ela queria se sentir envolvida em algo importante, algo de que
pudesse se orgulhar e que lhe permitisse usar a mente.
Ela poderia desistir do amor pelo orgulho? Era apenas o orgulho
que a fazia querer saber as coisas, entender o mundo ao seu redor?
Não. Era uma fome que ela era incapaz de controlar, uma fome
quase tão intensa quanto essa nova emoção esmagando-a em seu
abraço: amor...
Enquanto ela hesitava, Nathaniel enfiou a mão no bolso da
camisa e tirou um envelope grosso de papéis.
— E se passássemos nossa lua de mel no Cairo? Um mês?
Terei de desistir da temporada de perdizes neste outono, é claro,
mas se você aguentar passar somente um mês no Egito, posso
desistir de abrir buracos nos céus da Escócia.
Seus pulmões se pressionaram contra o coração com tanta força
que ela mal conseguia respirar.
— Um mês? E quanto às suas responsabilidades? — Ela
percebeu então que tudo o que ele oferecia era um mês: uma curta
viagem ao Cairo — Só para nossa lua de mel? Isso é tudo?
Ele riu.
— Uma vez por ano, se quiser. Talvez mais, embora eu não
possa evitar meus deveres no Parlamento.
Ela estava tão esmagada que não conseguiu responder. Seu
pulso batia forte em seus ouvidos, ensurdecendo-a e fazendo-a
balançar a cabeça.
— E se isso não for suficiente para você, você considerou as
escavações aqui na Grã-Bretanha? — Ele continuou como se
empurrado pelo desespero — Temos extensos sítios romanos,
incluindo vários em minha própria propriedade, que você estaria
livre para administrar como achar adequado — Ele agarrou seus
ombros — E mariposas! Não se esqueça do seu interesse por
mariposas. Você já conseguiu encontrar o Garden Tiger? Ou a
tromba de botão?
Ela sorriu. Afinal, ele se lembrava de seus nomes.
E ele disse:
— Você considerou borboletas, pássaros e qualquer uma das
várias espécies que ainda não observou?
Rindo, ela pressionou os dedos sobre sua boca para silenciá-lo.
— Vejo que há muito que esqueci — Orgulho que se dane. Mas
sua voz falhou e ela engoliu em seco, piscando para conter uma
súbita torrente de lágrimas — E você não tem objeções à minha
gestão de escavações em sua propriedade?
— Sinto muito, mas apenas a Duquesa de Peckham terá licença
para revirar a terra minha propriedade.
— Revirar a terra? Revirar a terra?
Ele sorriu e segurou seu queixo.
— Minha propriedade é muito sensível. Claro que devo ser
extremamente cauteloso em permitir que qualquer um mexa nela.
— Ah, mas não eram as ruínas romanas que estávamos
discutindo? — ela perguntou docemente, piscando os olhos para
ele. Foi um esforço quase hercúleo não rir de pura alegria.
— Não tenho objeções quanto às escavações feitas por qualquer
pessoa devidamente licenciada — Ele puxou outro papel de seu
envelope — E, como você pode ver, tenho uma licença
particularmente adequada aqui: uma licença especialmente especial
e adequada.
— Você veio preparado, eu vejo. Suponho que isso signifique
que ninguém mais poderá chamá-lo de Dodger.
— Sim, eu estou esquivando das mulheres, ou pelo menos uma
mulher. Então, você vai se casar comigo?
— Você... pelo menos me ama um pouco? Sério?
Ele a beijou com tanto fervor que ela ficou muito tonta quando
ele a soltou.
— Claro, sua boba — disse ele — Eu já não deixei bem claro?
Eu te adoro e pretendo me casar com você. Então você concorda?
— Suponho que devo, agora que você me atormentou com
visões de ruínas romanas.
— Eu sabia que aquelas velhas ruínas seriam úteis um dia —
Ele respondeu, reivindicando sua boca mais uma vez.
Personagens falsos. — Sobre personagens falsos… A ofensa é
punível com multa ou prisão.
Guia de bolso do policial

N athaniel dispensou seu empresário depois de assinar a


papelada para conceder a escritura de uma taverna
chamada, estranhamente, Texugo Malhado, para Red
Smythe e sua nova esposa, Rose. Charlotte tinha insistido, e
parecia pouco fazer isso para fazê-la feliz, embora os motivos dela
permanecessem um mistério.
Depois de mais algumas horas cansativas de negócios,
Nathaniel conseguiu escapar para o ar puro do início da primavera.
Ele andou em nenhuma direção em particular e logo se viu perto de
seu clube, onde avistou alguém por quem tinha um interesse
especial.
— Westover — Nathaniel saudou Lord Westover quando ele se
aproximou do White's.
Westover se virou com um sorriso
— Sua Graça, eu entendo que parabéns são necessários,
embora eu pareça estar vários meses atrasado.
Nathaniel seguiu Westover para dentro, parando para olhar ao
redor em busca de uma sala convenientemente vazia. Como era
relativamente cedo, havia uma pequena sala de jogos desocupada à
esquerda.
— A Duquesa e eu voltamos do Cairo há duas semanas. Vou
deixar Sua Graça saber que o senhor enviou seus cumprimentos.
Se o senhor tiver um minuto, Westover? — Ele gesticulou em
direção à sala vazia.
— Certamente, Sua Graça — Eles entraram na sala de jogos e
se sentaram à mesa.
Um dos garçons, avisado pelo porteiro da chegada de Sua
Graça, entrou apressado com uma garrafa de champanhe e duas
taças de cristal.
Nathaniel ergueu os olhos enquanto o garçom se apressava em
explicar:
— Cumprimentos da administração, Sua Graça, e parabéns.
Nathaniel sorriu e esperou até que estivessem sozinhos
novamente. Ele tomou um gole do champanhe e observou uma
fileira de bolhas espumar ao longo de uma das ranhuras do copo.
— Westover, eu estou aliviado em descobrir que o senhor está
indo bem — disse ele — Depois de transferir a Senhorita Haywood
para o meu tio.
O sorriso de Westover vacilou.
— Bem, sim, mas acabou sendo o melhor, não foi? — Ele
piscou.
Nathaniel suprimiu o desejo de socá-lo na boca.
— Suponho que o senhor deve estar ciente de que a herança
dela era consideravelmente menor do que a meu tio foi dado a
entender.
Pálido como o champanhe, Westover imprudentemente tomou
um grande gole da bebida. Ele engasgou e espirrou por vários
minutos antes de limpar o nariz em um grande lenço.
— Desculpe, Sua Graça. Bolhas, o senhor sabe.
— De volta à herança de Sua Graça, se o senhor não se
importa.
— Claro, bem, certamente, o senhor deve estar ciente…. Muitas
dificuldades em administrar — bem, com a maior parte da
propriedade situada nas Carolinas... — Ele continuou a balbuciar até
que Nathaniel ergueu a mão bronzeada pelo sol quente do Egito.
— Compreendo perfeitamente as dificuldades de tentar gerir
propriedades estrangeiras. Sua Graça teve a sorte de meu tio ter um
sócio de confiança que está nas Carolinas para salvar o que
podíamos.
— Sim, sim. Muita sorte — Westover enganchou os dedos na
gravata e girou a cabeça como se estivesse estrangulando. —
Lamento não ter conhecimento da situação. — Sua pele ficou cinza
doentia sob um brilho de suor — Claro, eu percebo... isto é... visto
que Sua Graça não tinha sua fortuna intacta, é claro que
reembolsarei o Senhor Archer para cobrir o valor da aposta. Eu sou
um sujeito honesto... — sua voz sumiu.
— Tenho certeza de que meu tio apreciará a delicadeza de sua
posição. No entanto, estou mais interessado em outro aspecto
desse jogo em particular — Nathaniel voltou a encher seu copo e o
de Westover.
Westover mal esperou Nathaniel erguer a garrafa antes de
esvaziar o copo.
— Você terá que me dar algum tempo para coletar os fundos,
Sua Graça. Eu nunca quis... isto é...
— Não se empolgue — Nathaniel sorriu, mas notou que, em vez
de tranquilizar Westover, parecia apenas deixá-lo mais nervoso. Ele
estava suando profusamente agora, enquanto se servia do resto do
champanhe e o engolia — Embora meu tio aprecie os fundos
adicionais, levantei essa questão principalmente para satisfazer
minha curiosidade ociosa. Tudo que eu quero é informação.
— Certamente! Qualquer coisa, Sua Graça.
— Meu tio... bem, como direi isso? A mão do meu tio teve uma
sorte incomum, não foi?
— Sim, Sua Graça. Ele é um jogador de cartas muito astuto.
— Mas não tão astuto pelo menos não naquele jogo em
particular. O senhor concordaria?
— Eu estou... eu não tenho certeza se entendi inteiramente.
Certamente o senhor não está insinuando que seu tio manipulou as
cartas? — Uma gota de suor rolou pela testa de Westover e ele a
enxugou apressadamente com o lenço — Garçom! — Ele chamou
com uma voz rouca — Conhaque!
Nathaniel esperou até que o licor fosse entregue junto com duas
taças frescas antes de balançar a cabeça.
— Não. Meu tio foi totalmente inocente — Ele fez uma pausa —
Não foi?
— Tenho certeza de que se Sua Graça diz isso, então é claro...
— O que nos traz de volta à mão excepcional que ele tinha —
Ele olhou para o homem do outro lado da mesa — Experimente este
conhaque, Westover. Tem certeza de que está sentindo bem?
— Sim, sim. Bem. Muito bem.
Nathaniel recostou-se na cadeira, esticando as longas pernas.
— Então, na sua opinião ponderada, como meu tio conseguiu
encontrar quatro ases na mão?
— Tenho certeza de que não consigo imaginar.
— Não? Sério? Talvez ajude sua memória se eu informar que eu
mesmo tinha um ás. O ás de ouros.
— O senhor? O senhor tinha um ás? Na sua mão?
Depois de olhar para o rosto vermelho e manchado de Westover,
Nathaniel sentou-se abruptamente.
— Meu Deus, homem! O senhor não vai desmaiar, vai?
— Não! — Westover respondeu com voz desbotada. Ele rasgou
a gravata e engasgou. — Está muito quente aqui.
Quando Westover se recuperou, Nathaniel perguntou
novamente:
— Bem?
— Sua Graça é muito perspicaz — ele disse finalmente. Ele
olhou para a mesa, segurando sua taça de conhaque entre duas
mãos trêmulas — Eu, hum, posso ter manipulado as cartas — Ele
olhou para cima, seus olhos castanhos lacrimejantes implorando. —
Eu não tentei vencer.
— Não. O senhor tentou perder minha esposa, provavelmente
para empurrar as dificuldades financeiras para o meu tio.
— Eles irão... eles irão revogar minha associação ao White's?
— Eu duvido, a menos que o senhor queira tornar isso mais
largamente conhecido.
— Não, Sua Graça!
— Meu tio e minha esposa não apreciariam isso, se soubessem
de sua... manipulação das cartas. Assim como o senhor não
apreciaria se uma auditoria da fortuna de Haywood durante o
período de sua tutela fosse realizada.
— Claro, Sua Graça. Ninguém precisa saber!
— Então, espero que o senhor continue a ser bem-vindo no
White's, contanto que mantenha sua palavra.
— Certamente!
— E o Senhor vai fornecer uma remuneração adequada ao meu
tio, no valor da aposta como estava quando o senhor apostou sua
americana, correto?
— Claro! Certamente, Sua Graça!
Nathaniel levantou-se, satisfeito e ansioso por voltar para casa.
Ele esperava que Charlotte estivesse recuperada quando ele
chegasse. Ela estava muito doente e um médico estava com ela
quando Nathaniel saiu para caminhar.
Drenando a taça de conhaque, ele ficou surpreso ao ver que sua
própria mão não estava muito firme. Ele se concentrou em
Westover.
Sua esposa havia sido tratada de forma vergonhosa por seus
tutores anteriores. Ele nunca poderia compensar as desfeitas, mas
por Deus, ele poderia garantir que ela recebesse algumas
desculpas. Ele olhou para Westover, avaliando o quão perto da
apoplexia o homem realmente estava. Não tão perto que ele não
pudesse receber uma reclamação final.
Ele girou ociosamente o copo vazio.
— E Westover, o senhor e sua esposa enviarão seus melhores
votos à minha Duquesa e expressarão seu pesar por sua visita ter
sido encerrada tão abruptamente. E espero receber vários convites
seus e de sua esposa para participar de eventos sociais. É claro que
nós podemos não comparecer — Ele encolheu os ombros — Essa
decisão será tomada por minha esposa. No entanto, espero que
recebamos muitos convites seus por muitos anos.
— Ah, sim. Claro. Certamente — Uma gota de suor escorreu
pelo nariz de Westover.
— Bom. Não é muito, mas pode servir.
— Certamente, Sua Graça. Claro. Qualquer coisa para fazer sua
bela Duquesa feliz. — Várias outras gotas de suor rolaram pelo
rosto rosado de Westover.
— Sua graça? — A voz de Charlotte veio da porta.
Nathaniel se virou.
— Charlotte! Bom Deus, como você...
— Entrei no White's? — ela perguntou, completando sua
pergunta. Descansando as mãos na curva de sua barriga, ela sorriu
enigmaticamente e acrescentou: — Eu apenas disse a eles que me
permitissem entrar para que eu pudesse falar com você, ou
sofreriam as consequências de aborrecer uma mulher pesada com a
criança destinada a ser a próximo Duque de Peckham.
Nathaniel sufocou uma risada enquanto sua esposa se
concentrava em Lord Westover por um momento. Finalmente,
Nathaniel se juntou a ela, oferecendo o braço.
— Talvez devêssemos ir — Ele olhou para a equipe frenética que
estava com o rosto vermelho e fazendo caretas na porta.
Quando ela olhou para ele, uma pitada de tristeza brilhou em
seus olhos claros.
— Eu sempre me perguntei como me tornei protegida do Senhor
Archer... não acho que seja parente de um Duque, mesmo de longe.
— Você ouviu? — Nathaniel perguntou, chocado por sua esposa
ter ouvido sua conversa. Mais do que tudo, ele desejava poupá-la
de qualquer nova dor.
— Sim — Ela colocou a mão em seu braço — Eu não estou
chateada. Na verdade, acredito que fui a sortuda — Seu rosto se
suavizou, impregnado de calor e amor, uma das mãos ainda
apoiada em sua barriga.
— Não... a sorte estava com meu tio, como sempre. Ele seria o
primeiro a lhe dizer isso, e nós meramente lucramos com sua
extraordinária fortuna — Seu pulso acelerou como sempre acontecia
quando ele captava seu olhar. Seu coração bateu forte,
insuportavelmente orgulhoso dela e ansioso por sua felicidade e
pela saúde de seu filho ainda não nascido.
Para sua alegria profunda e duradoura, ele havia encontrado
todas as aventuras que poderia desejar em suas viagens ao Egito. E
ele esperava que sua esposa finalmente tivesse encontrado um
verdadeiro lar, e o calor que desejava também.
— Sim, não desejo causar um novo escândalo neste momento
específico — ela concordou.
— Então, você está pronta para ir para casa, meu amor? — Ele
sorriu para ela.
— Oh, sim, casa... onde é agradável e quente — Ela enroscou o
braço no dele — Não consigo imaginar nada melhor.

FIM
A premiada autora Amy Corwin é uma leitora e escritora
compulsiva. Ela se juntou ao Romance Writers of America
desde seu início e mergulhou na escrita, apesar dos
aborrecimentos de perda de tempo de uma carreira como
administradora de sistemas corporativos na indústria de
computadores. Em 2007, seu primeiro livro foi publicado. Suas
histórias incluem romances paranormais, romances de época e
mistérios, embora, na verdade, a maioria de seus livros inclua um
pouco de assassinato, já que ela descobriu que matar pelo menos
um personagem é uma forma altamente eficaz de fazer os restantes
seguirem o enredo. Amy e seu marido biólogo da vida selvagem, um
estoque de chocolate, um Parson Russell terrier e um gato psicótico
desfrutam do clima temperado em trinta acres perto da costa da
Carolina do Norte. Quando ela não está escrevendo, ela fica
vagando pelo jardim de rosas, onde quase 100 rosas do Old Garden
florescem.

J - a ela e descubra que todo bom romance tem um toque


de mistério.

Visite
http://www.amycorwin.com
Entre em contato
contact@amycorwin.com

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