Amanda Quick - Uma Dama de Aluguel
Amanda Quick - Uma Dama de Aluguel
Amanda Quick - Uma Dama de Aluguel
Traduo/Pesquisa: GRH
Reviso Inicial: Catharina
Reviso Final: Vitria
Formatao: Ana Paula G.
Resumo
Arthur, conde de St. Merryn precisa contratar uma mulher. A jovem ter
que simular ser sua noiva durante algumas semanas nos crculos da alta
sociedade, pois ele tem assuntos que resolver e sua companhia evitar
o habitual assdio das casamenteiras. Encontrar a candidata torna-se
mais difcil do que ele pensava at que finalmente conhece Elenora
Lodge. O aspecto simplrio da moa no oculta sua beleza nem o fogo
dos seus olhos. Dadas suas circunstncias pessoais, Elenora aceita a
generosa oferta do conde.
Entretanto, alguma coisa no vai bem na tenebrosa manso de Arthur,
e Elenora est convencida de que ele esconde um segredo...
PRLOGO
Arthur
Arthur Lancaster, conde de St. Merryn estava sentado perto do fogo crepitante
de uma das lareiras do seu clube lendo o jornal, com uma taa de um excelente vinho
do Porto na mo, quando lhe comunicaram que sua noiva acabara de fugir com outro
homem.
Dizem que o jovem Burnley utilizou uma escada para subir at o dormitrio
da senhorita Juliana e ajudou-a a descer at a carruagem disse Bennett Fleming, um
homem baixo e de constituio robusta, enquanto se sentava na poltrona, bem em
frente de Arthur. Pegou a garrafa de vinho do Porto e prosseguiu Segundo me
contaram, dirigem-se para o norte, sem dvida para Gretna Green. O pai de Juliana
saiu atrs deles, mas sua carruagem velha e lenta.
Fez-se o silncio na sala. Todas as conversas se interromperam, deixou-se de
ouvir o ranger dos peridicos e o tilintar das taas. Era quase meia-noite e o clube
estava cheio. Todos ficaram paralisados nos seus assentos e aguaram o ouvido
tentando escutar a conversa que acontecia em frente lareira.
Arthur deixou escapar um suspiro, dobrou o jornal, deixou-o de lado e bebeu
um sorvo do vinho do Porto. Em seguida, levantou o olhar para a janela: a chuva,
empurrada pelo vento, golpeava com fria os cristais.
Tero sorte se conseguirem percorrer dez milhas com esta tempestade
comentou Arthur.
Como tudo o que disse naquela noite, aquele comentrio entrou a fazer parte
da lenda de St. Merryn... to frio que quando lhe informaram que sua noiva tinha
fugido com outro homem, a nica coisa que fez foi comentar que fazia muito mau
tempo.
Bennett bebeu um bom gole do vinho do Porto e, depois de seguir o olhar de
Arthur, com os olhos fixos na janela, disse:
A diferena das jovens romnticas e com recursos cuja viso do amor est
deformada por causa de Byron e das novelas da editora Minerva, as damas de
companhia, por uma questo de necessidade, tm que ser muito mais prticas. A vida
lhes ensinou que o mundo pode ser muito duro.
Certamente.
Consequentemente, a dama de companhia ideal no faria nada que pusesse
em perigo seu emprego. Por exemplo, um homem poderia estar quase seguro de que
ela no fugiria com outro homem pouco antes das bodas.
Possivelmente se deva ao vinho do Porto, mas acho que o que diz tem muito
sentido disse Bennett franzindo o cenho . Entretanto, como se encontra uma
esposa com as qualidades de uma dama de companhia?
Fleming, decepciona-me. A resposta a esta pergunta evidente. Se algum
desejasse encontrar uma esposa com estas caractersticas, naturalmente, se dirigiria a
uma agncia que subministrasse damas de companhia, entrevistaria a vrias
solicitantes e finalmente faria sua eleio.
Bennett piscou.
Uma agncia?
Assim no se encontraria com surpresas. Arthur sacudiu a cabea.
Deveria ter pensado nisso h alguns meses. Pensa em todos os problemas que teria
evitado.
Isto... bom...
Se me desculpar, acredito que h um lugar livre naquela mesa do canto.
Aqui se joga a srio advertiu Bennett . Tem certeza que...?
Mas Arthur j no lhe dava ateno e, depois de atravessar a sala, sentou-se
mesa.
Quando se levantou algumas horas depois, Arthur era alguns milhares de libras
mais rico. O fato de que o conde tivesse quebrado sua norma inquebrvel contra as
apostas e tivesse ganhado, alm disso, uma considervel soma de dinheiro
acrescentou mais outra faceta lenda de St. Merryn essa noite.
Elenora
Elenora recebeu a notcia da morte de seu padrasto da boca dos dois homens
aos que se viu obrigado a entregar todas suas posses por culpa de um desafortunado
investimento. Aqueles homens chegaram a sua casa s trs da tarde.
Samuel Jones faleceu devido a um ataque de apoplexia quando descobriu
que o projeto da mina tinha fracassado lhe informou, sem nenhum tipo de
compaixo, um daqueles homens recm-chegados de Londres.
Esta casa, o que h nela e o terreno que se estende daqui at o riacho nos
pertencem anunciou o segundo credor enquanto agitava um monto de papis
assinados, folha por folha, por Samuel Jones.
O primeiro homem observou, com os olhos entreabertos, o anel de ouro que
Elenora usava no seu dedo mindinho.
O defunto incluiu suas joias e todos seus objetos pessoais, salvo sua roupa,
na lista de bens que detalhou como garantia do emprstimo.
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O segundo credor assinalou a um indivduo enorme que estava uns passos por
detrs deles.
Apresento-lhe ao senhor Hitchins. O contratamos na Bow Street e sua
misso assegurar-se de que voc no leve nada de valor desta casa.
O homem que acompanhava aos credores de Samuel Jones, um gigante de
cabelos grisalhos, tinha um olhar duro e penetrante. Alm disso, levava o distintivo
profissional dos detetives da Bow Street: um porrete.
Elenora contemplou aos trs homens com aspecto agressivo, consciente da
inquietao que experimentavam sua governanta e sua criada, que andavam de um
lado pra outro no vestbulo principal da casa. Seus pensamentos estavam com os
pees e os homens que cuidavam das plantaes e da granja. Sabia muito bem que era
pouco o que podia fazer para proteg-los. Sua nica esperana era dar a entender que
seria uma insensatez despedir os empregados.
Suponho que so conscientes de que esta propriedade produz ganhos
considerveis comentou Elenora.
Assim , senhorita Lodge respondeu o primeiro credor enquanto se
balanava sobre os calcanhares com satisfao . Samuel Jones nos informou
devidamente disso.
O segundo credor examinou atentamente os campos impecveis do imvel
com ar observador.
Sem dvida se trata de uma granja muito bonita.
Ento, tambm sero conscientes de que o verdadeiro valor da propriedade
consiste no fato de que os empregados que trabalham no imvel e os que mantm a
casa so pessoas muito qualificadas. Resultaria impossvel substitu-los. Se permitirem
que to somente um deles abandone seu posto de trabalho, asseguro-lhes que as
colheitas sero arruinadas e a casa perder seu valor em apenas alguns meses.
Os dois credores se olharam com o cenho franzido. Era evidente que nenhum
deles tinha tido em conta a questo dos pees e os criados.
As sobrancelhas grisalhas do detetive se arquearam ao ouvir a explicao de
Elenora e um estranho brilho iluminou seus olhos. Mas no disse nada. Por que
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deveria faz-lo? pensou Elenora. Ao final, no era da sua conta como aquele
negcio acabaria.
Os dois credores chegaram a um acordo sem trocar palavras. O primeiro
pigarreou e disse:
Os empregados ficaro na granja manifestou . J contratamos a venda
do imvel e o novo proprietrio deixou claro que deseja que tudo continue como at
agora.
Salvo voc, claro, senhorita Lodge disse o segundo credor sacudindo a
cabea com afetao . O novo proprietrio no a necessitar.
Parte da tenso da Elenora se desvaneceu. Seus empregados estavam a salvo,
agora podia concentrar sua ateno no seu prprio futuro.
Suponho que me permitiro recolher minha roupa reps com frieza.
Nenhum dos credores pareceu perceber o profundo desdm refletido nas suas
palavras. Um deles tirou um relgio do bolso.
Voc tem trinta minutos, senhorita Lodge. A seguir assinalou ao homem
corpulento da Bow Street com a cabea e acrescentou : O senhor Hitchins a
acompanhar enquanto recolhe suas coisas e se assegurar de que no leva nenhum
objeto de valor. Quando estiver pronta para partir, um dos pees a conduzir at a
estalagem do povo. O que faa a partir desse momento assunto seu.
Elenora virou-se to dignamente como pde e se encontrou de frente com o
rosto soluante da governanta e a expresso de angstia da criada. A cabea dava
voltas por causa do desastre que acabava de acontecer, mas tinha que manter a
compostura diante daquelas duas mulheres, de modo que lhes sorriu com a esperana
de lhes reconfortar.
Tranquilizem-se disse com determinao . Como ouviram, conservaro
seus postos de trabalho, e os homens tambm.
A governanta e a criada deixaram de chorar e afastaram os lenos de seus
rostos. Ambas se sentiram aliviadas e relaxaram.
Obrigado, senhorita Elenora murmurou a governanta.
Elenora lhe deu uns tapinhas no ombro e se dirigiu, com passo ligeiro, para as
escadas tentando ignorar ao detetive de aspecto perverso que lhe seguia os passos.
Hitchins ficou de p do lado da porta do dormitrio com as mos cruzadas nas
costas e os ps cravados no cho observando-a atentamente enquanto ela tirava um
enorme ba debaixo da cama.
Elenora se perguntou o que diria o agente se lhe anunciasse que era o primeiro
homem que tinha posto os ps no seu dormitrio, mas em vez disso, enquanto
levantava a tampa e expunha o interior vazio do ba, disse:
Este era o ba de viagem da minha av. Ela foi uma atriz. Seu nome artstico
era Agatha Knight. Quando se casou com meu av provocou uma grande comoo na
famlia. Foi um autntico escndalo. Meus bisavs ameaaram com deserdar meu av,
mas, ao final, no tiveram mais remdio que aceitar a situao. Voc sabe como so as
famlias.
Hitchins deixou escapar um grunhido. Ou tinha pouca experincia familiar ou
sua histria pessoal lhe pareceu extremamente chata. Algo lhe dizia que a opo
correta era a segunda.
Apesar da escassa conversao por parte de Hitchins, Elenora continuou
falando sem cessar enquanto ia tirando seus vestidos do armrio. Seu objetivo era
distra-lo, conseguir que no se fixasse no velho ba.
Minha pobre me se sentia muito envergonhada pelo fato de que minha av
tivesse atuado nos cenrios. Passou a vida tentando esquecer a desprestigiada carreira
de sua me.
Hitchins consultou seu relgio.
Restam dez minutos.
Obrigado, senhor Hitchins. Elenora sorriu com frieza. O senhor de
grande ajuda.
O detetive demonstrou ser imune ao sarcasmo. Sem dvida, devia encontrar-se
frequentemente com esse tipo de comentrios na sua profisso.
Elenora abriu uma gaveta com mpeto e tirou uma pilha de camisolas
perfeitamente dobradas.
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Enquanto estava dobrado no que parecia ser uma ridcula reverncia, Elenora
passou do lado dele e desceu os degraus da entrada. Agatha Knight sempre tinha
insistido na importncia de uma sada bem encenada.
Hitchins, de maneira inesperada, mudou de atitude e ajudou Elenora a subir no
duro banco de madeira da carreta agrcola.
Obrigado, senhor murmurou ela.
Sentou-se no banco com a mesma graa e o mesmo aprumo que teria
empregado caso se tratasse de uma carruagem de luxo.
Um brilho de admirao iluminou os olhos do detetive.
Boa sorte, senhorita Lodge. Ento lanou um olhar parte traseira da
carreta que era ocupada quase totalmente pelo ba . A propsito, mencionei que
meu tio viajou com uma companhia de atores quando era jovem?
Elenora ficou gelada.
No, no comentou isso.
Tinha um ba muito parecido a este. Explicou-me que lhe resultava muito
til. Segundo me disse, sempre guardava nele alguns artigos indispensveis se por
acaso tinha que sair da cidade a toda pressa.
Elenora tragou saliva e admitiu:
Minha av me aconselhou a mesma coisa.
Confio que voc tenha feito caso a sua av, senhorita Lodge.
Assim , senhor Hitchins.
Tenho certeza que se sair bem. A senhorita tem carter.
Hitchins lhe piscou um olho, puxou a aba do seu chapu com a mo e retornou
ao lado dos credores.
Elenora respirou fundo e com um estalo abriu sua sombrinha e a sustentou no
alto como se tratasse do resplandecente estandarte de uma batalha.
A carreta comeou a mover-se.
Elenora no virou a cabea para olhar a casa que a viu nascer e em que tinha
vivido at ento.
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A morte do seu padrasto no tinha sido uma surpresa e no lhe causou tristeza.
Quando Samuel Jones se casou com sua me, Elenora tinha dezesseis anos. Ele tinha
passado muito pouco tempo ali, no campo. Preferia a vida em Londres e seus
incontveis projetos de investimentos e, desde o falecimento de sua me, fazia j trs
anos desde a ltima vez que tinha aparecido por ali.
Elenora adorava essa situao: no sentia nenhuma estima por Jones e era um
grande alvio no o ter por ali controlando seus passos. Claro que tudo mudou quando
soube que o advogado do seu padrasto tinha conseguido transferir a herana da sua
av, que inclua a casa e os terrenos adjacentes, ao legado de Jones.
E agora tudo estava perdido.
Bom, no tudo, pensou enquanto sentia uma triste satisfao. Os credores de
Samuel Jones nada sabiam do broche de ouro e prolas de sua av, junto com o par de
brincos combinando, que Elenora tinha escondido no fundo falso de seu velho ba.
Agatha Knight lhe deu aquelas joias logo depois do casamento de sua me com
Samuel Jones. Agatha manteve em segredo aquele presente e deu instrues a Elenora
para que guardasse o broche e os brincos no ba e no contasse a ningum, nem
sequer a sua me.
Era evidente que a intuio de Agatha com relao a Jones tinha sido
completamente correta.
Os dois credores tampouco sabiam da existncia das vinte libras que Elenora
guardava no ba. Depois da venda das colheitas, Elenora separou aquele dinheiro e o
escondeu com as joias quando se deu conta de que Jones pretendia investir at o
ltimo cntimo que obtivera da coleta naquele projeto mineiro.
O que est feito, est feito, pensou Elenora. Agora tinha que concentrar-se
no seu futuro. Seu destino tinha dado um giro inesperado, mas, felizmente, no se
encontrava sozinha no mundo: estava noiva de um elegante cavalheiro. Estava
convencida que Jeremy Clyde correria a seu lado quando soubesse do terrvel apuro no
qual se encontrava, e, sem dvida, insistiria em adiantar a data das bodas.
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Elenora se dirigiu a seu diminuto quarto e ordenou que lhe subissem uma
garrafa do vinho mais barato da estalagem. Quando o entregaram, fechou a porta com
chave, acendeu uma vela e se serviu uma taa at a borda.
Elenora permaneceu sentada durante muito tempo contemplando a noite
atravs da janela, bebia aquele vinho imundo e refletia a respeito do seu futuro.
Agora estava completamente s no mundo e aquele pensamento lhe resultava
estranho e inquietante. Sua vida, ordenada e bem planejada, tinha dado uma virada.
Apenas umas horas antes, seu futuro parecia claro e luminoso. Jeremy
planejava mudar-se granja justo depois das bodas. Ela se sentia cmoda com a ideia
de ser sua esposa e sua companheira para o resto das suas vidas: dirigiria o lar, criaria
a seus filhos e continuaria com a superviso dos assuntos da granja. Entretanto, a
bolha luminosa daquele sonho tinha estourado.
Mais tarde, quando j era de madrugada e a garrafa de vinho estava quase
vazia, a Elenora lhe ocorreu pensar que agora era livre como no o tinha sido nunca.
Pela primeira vez na sua vida, no tinha responsabilidades com mais ningum.
Nenhum criado ou peo dependiam dela. Ningum a necessitava. No tinha razes,
ataduras, nem lar.
Embora adquirisse uma m reputao ou arrastasse o sobrenome Lodge pelo
barro como tinha feito sua av, no tinha que preocupar-se com ningum.
Agora tinha a oportunidade de traar um novo curso para a sua vida.
Sob a plida luz do amanhecer, Elenora vislumbrou o novo e resplandecente
futuro que ia forjar para si mesma.
Seria um futuro no qual se veria livre das estruturas, rgidas e estreitas que
oprimem a vida da gente quando se vive em um povoado. Um futuro no qual
controlaria seus prprios bens e sua prpria economia.
Naquele futuro novo e estupendo, faria coisas que teriam estado fora de seu
alcance na sua vida antiga. Inclusive, poderia permitir-se experimentar os prazeres
nicos e estimulantes que, segundo sua av, podiam encontrar-se nos braos do
homem adequado.
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Alm disso, prometeu a si mesma que no pagaria o preo que a maioria das
mulheres da sua idade no tinham mais remdio que pagar em troca daqueles
prazeres. No tinha por que casar-se. Depois de tudo, a ningum preocuparia se
arruinava seu bom nome.
Sim, sem dvida, seu novo futuro seria glorioso.
A nica coisa que tinha que fazer era encontrar o modo de costear-lhe.
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Captulo 1
O homem segurou a vara com mais fora e empurrou com mpeto. Estava
chateado pela sua reao ante a viso da imagem. O que lhe ocorria? No podia se
permitir o luxo de que seus nervos se desestabilizassem com tanta facilidade. Tinha um
destino que cumprir.
O pequeno bote avanou e passou junto cabea de mrmore. A seguir virou
em outra curva do rio. A luz da lanterna iluminou uma das pontes arqueadas e baixas
que atravessavam o rio em diversos pontos do seu percurso. Na realidade, constituam
conexes a parte alguma, pois terminavam nas paredes do tnel que as cobriam. O
homem se agachou para no bater a cabea contra a ponte.
medida que foi superando seu terror, a excitao voltou pouco a pouco a
apoderar-se dele. Tudo era como seu predecessor o havia descrito no seu dirio. O rio
perdido existia de verdade e serpenteava por debaixo da cidade. Constitua uma via de
gua secreta, coberta sculos atrs e cada no esquecimento.
O autor do dirio tinha chegado concluso de que os romanos, um povo que
nunca deixaria passar um projeto potencial de engenharia, foram os primeiros que
cobriram o rio com a inteno de conter suas guas e poder construir em cima. Aqui e
l, podiam ver-se sob a luz da lanterna as provas dos seus trabalhos de engenharia. Em
outros pontos, a construo do tnel subterrneo pelo qual o rio transcorria era
claramente medieval.
Sem dvida, as guas confinadas funcionavam como um sistema de rede de
esgoto desconhecido para a cidade e transportavam as guas das chuvas e dos
desgues at o Tmisa. O aroma era nauseabundo e o silncio to profundo que
naquele lugar de noite eterna se podiam ouvir os passos precipitados dos ratos e de
outros pequenos animais que corriam ao longo das estreitas bordas.
No falta muito, pensou ele. Se as indicaes do dirio eram corretas, logo se
encontraria com a cripta de pedra que indicava a entrada do laboratrio subterrneo
secreto de seu predecessor. Uma vez ali, esperava encontrar a estranha mquina que
tinha permanecido naquele lugar durante todos esses anos.
O homem que tinha lhe precedido se viu obrigado a abandonar o glorioso
projeto porque no foi capaz de desentranhar a ltima grande adivinhao do antigo
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tratado. Entretanto ele tinha tido xito onde seu predecessor tinha falhado. Tinha
conseguido decifrar as instrues do velho alquimista e estava convencido de que
poderia completar a tarefa.
Entretanto, embora tivesse sorte e encontrasse o aparelho, ainda tinha que
fazer muitas coisas antes de poder faz-lo funcionar. Para comear, tinha que localizar
as pedras que faltavam e eliminar aos dois ancies que conheciam os segredos do
passado, embora estivesse convencido de que no ia supor grandes dificuldades
conseguir esse objetivo.
A informao era a chave do xito, e ele sabia como consegui-la. Movia-se nos
crculos da alta sociedade e tinha certos contatos teis naquele mundo. Alm disso,
tambm tinha passado muito tempo nos antros e bordis de m reputao aos que
acudiam os cavalheiros da alta sociedade em busca de prazeres mundanos, e tinha
descoberto que aqueles lugares eram uma fonte contnua de rumores e fofocas.
S uma pessoa sabia o suficiente para precaver-se de suas intenes, mas no
constituiria nenhum problema: sua grande debilidade era o amor que sentia por ele e
ele sempre tinha sabido utilizar seu afeto e sua confiana para manipul-la.
Se encontrasse o aparelho naquela noite nada poderia impedir que cumprisse
seu destino.
Todos trataram seu predecessor como se ele fosse louco e se negaram a
reconhecer sua genialidade. Mas esta vez as coisas se desenvolveriam de uma forma
muito distinta.
Quando terminasse de construir o mortfero aparelho e demonstrasse seu
imenso poder destrutivo, toda a Inglaterra, ou melhor, toda a Europa, veria-se
obrigada a reconhecer nele um segundo Newton.
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Captulo 2
tivessem dirigido durante tanto tempo com lucros evidentes constitua uma prova da
sua inteligncia e de sua competncia no mundo dos negcios.
Arthur estudou seus rostos decididos e considerou suas opes. Antes de ir at
elas, tinha visitado outras duas agncias que ofereciam uma ampla seleo de
senhoritas que procuravam trabalho como damas de companhia. Ambas as agncias
lhe ofereceram um monto de aspirantes insossas. Arthur sentiu uma pontada de
lstima por todas aquelas mulheres: s uma condio de autntica pobreza podia as
haver levado a aspirar a um emprego daquele tipo. Entretanto, ele no procurava uma
mulher que despertasse lstima nos outros.
Arthur cruzou as mos nas costas, endireitou-se e encarou as senhoras
Goodhew e Willis desde o outro extremo da sala.
Se acabaram as candidatas adequadas declarou , ento a soluo
resulta evidente: encontrem-me uma candidata inadequada.
As duas mulheres o olharam como se tivesse perdido a razo.
A senhora Willis foi primeira em recuperar-se.
Esta uma agncia respeitvel, senhor. No dispomos de candidatas
inadequadas em nossos arquivos replicou com sua voz afiada . A agncia garante
que todas as aspirantes gozem de uma reputao mais que impecvel. Suas
referncias so imaculadas.
Possivelmente faria bem em tent-lo em outra agncia sugeriu a senhora
Goodhew com determinao.
No disponho de tempo para ir a outra agncia. Arthur no podia
acreditar que seu plano, em cuja elaborao tinha cuidado at o mnimo detalhe,
viesse-se abaixo s porque no podia encontrar mulher adequada. Tinha assumido
que essa seria precisamente a parte singela do plano. Entretanto, para sua surpresa,
estava resultando ser muito complicada . J disse que devo encontrar a algum para
este posto imediatamente...
A porta se abriu de repente e com firmeza a suas costas pondo ponto final a
sua frase.
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Assim como s senhoras Goodhew e Willis, Arthur virou-se para olhar a mulher
que acabava de entrar rapidamente no despacho com a energia de uma tempestade
marinha.
Percebeu imediatamente que aquela mulher, possivelmente por acaso, embora
ele tivesse jurado que com toda a inteno, fazia o possvel para dissimular suas
faces atraentes. culos com armao de cor parda ocultavam, parcialmente, seus
vivazes olhos dourados. Tinha o cabelo negro e brilhante presos em um coque
extremamente austero, mais apropriado para um ama de chaves ou uma criada.
Seu vestido era de corte prtico, confeccionado com um tecido tosco e spero
de um tom cinza muito pouco favorecedor. Parecia que o tivessem elaborado a
propsito para que a pessoa parecesse mais baixa e mais gorda do que era na
realidade.
Os entendidos da alta sociedade, e os janotas que rondavam pela Bond Street
comendo-se as damas com os olhos, sem dvida teriam desprezado a essa mulher
imediatamente. Mas esses no so mais que uns loucos que no sabem ver o que h
debaixo da superfcie, pensou Arthur.
Em seguida, observou a forma decidida, mas graciosa, como se movia. No
havia nada tmido ou vacilante nela. Uma inteligncia vivaz brilhava nos seus olhos
exticos e sua pessoa irradiava carter e determinao.
Arthur tentou conservar a objetividade e chegou concluso de que aquela
mulher carecia da perfeio suave e formal que teria feito com que os homens da alta
sociedade a considerassem um diamante de primeira categoria. Mas havia algo nela
que atraa o olhar: sua energia, sua vitalidade criavam um aura invisvel. Com o traje
adequado, no passaria inadvertida em um salo de baile.
Senhorita Lodge, por favor, no pode entrar a. A mulher que ocupava a
escrivaninha que estava na entrada apareceu na soleira da porta com ar hesitante e
aspecto acalorado . J o hei dito, a senhora Goodhew e a senhora Willis esto
tratando uma questo de suma importncia com um cliente.
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metafsica e do domnio pblico que, em uma ocasio, viajou ao Egito com a nica
companhia de duas criadas.
E, para cmulo, conhecido por todos que se veste unicamente com a cor
prpura anunciou a senhora Willis. Posso assegurar, senhorita Lodge, que o
qualificativo de excntrica o mais suave que podemos aplicar a sua atual patroa.
Vocs esto sendo muito injustas disse a senhorita Lodge com um brilho
de raiva nos olhos . A senhora Egan uma patroa digna de estima. No permitirei
que a caluniem.
Arthur se divertiu e se emocionou pela sua lealdade com uma patroa que
estava a ponto de deixar de s-lo.
A senhora Goodhew bufou e particularizou:
No estamos aqui para discutir as qualidades pessoais da senhora Egan por
muito dignas de estima que paream a voc. O fato que, sem dvida alguma, no
podemos fazer mais nada por voc, senhorita Lodge.
No acredito absolutamente respondeu a senhorita Lodge.
A senhora Willis levantou as sobrancelhas.
Como espera que encontremos um emprego para voc, senhorita Lodge,
quando, de forma categrica, se recusa a adotar o comportamento adequado
requerido a uma boa dama de companhia? J lhe explicamos at no poder mais que a
submisso, a humildade e a conversao tranquila e moderada so imperativos para
esta profisso.
Ora! Fui submissa e humilde ao extremo! exclamou a senhorita Lodge.
Parecia realmente ofendida por aquela crtica, mas prosseguiu. E, quanto
conversao comedida, desafio a qualquer de vocs que demonstrem que minha
conversao no foi, em todo momento, tranquila e moderada.
A senhora Willis levantou a vista para o teto como se pedisse ajuda a um poder
superior.
A senhora Goodhew bufou e apontou:
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Captulo 3
Ao ouvir aquela voz fria, tenebrosa e dominante que surgiu da penumbra que
havia as suas costas, Elenora ficou to nervosa que esteve a ponto de deixar cair sua
bolsinha.
Virou-se rapidamente enquanto soltava um gritinho afogado. Demorou uns
segundos para vislumbrar com claridade ao homem que tinha falado, mas soube
imediatamente que, fosse quem fosse, podia ser perigoso. Um estimulante calafrio
premonitrio percorreu suas costas.
Imediatamente tentou livra-se daquela sensao. Nunca tinha reagido assim
ante a presena de nenhum homem. Sem dvida, se devia em parte a escassa
iluminao. A nvoa se aproximou das janelas e as duas lamparinas que havia sobre as
mesas das senhoras Goodhew e Willis projetavam mais sombras das que dissipavam.
Ento se deu conta de que ainda usava os culos que a senhora Egan tinha lhe
emprestado a fim de potencializar seu aspecto de dama de companhia correta durante
as entrevistas daquela tarde. Os tirou com um gesto fugaz e piscou um par de vezes
para enfocar sua viso.
Ento viu com bastante claridade ao homem que estava na penumbra, mas sua
impresso inicial sobre ele no mudou. Ao contrrio, intensificou seus sentimentos de
nervosismo e receio.
Santo cu! exclamou a senhora Willis . Esqueci que o senhor estava
aqui. Peo que me desculpe. Permita-me apresentar a senhorita Elenora Lodge.
Senhorita Lodge, apresento ao conde de St. Merryn.
St. Merryn inclinou levemente a cabea.
um prazer, senhorita Lodge.
No era um homem bonito, pensou Elenora. A fora, o autodomnio e a
inteligncia aguda refletidas nas suas faces no deixavam lugar para a elegncia, o
refinamento ou a beleza masculina tradicional.
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Tinha o cabelo castanho escuro e seus olhos, de um verde cinzento, olhavamna desde sua guarida, oculta no mais profundo de seu ser. Tinha o nariz aquilino, as
mas do rosto altas e a mandbula proeminente que algum associaria com as
criaturas que sobreviviam graas a seus instintos de caa.
Elenora se sobressaltou ao descobrir que a imaginao a estava dominando.
Tinha sido um longo dia.
Obrigou-se a recuperar a compostura e fez uma reverncia.
Milord.
Tenho a impresso de que podemos nos ajudar mutuamente, senhorita
Lodge ele declarou sem desviar nem por um momento o olhar do seu rosto . Voc
necessita um emprego. Tenho uma parenta distante, a viva do meu primo por parte
de pai, que passar a temporada de bailes comigo. Necessito de uma dama de
companhia para ela e estou disposto a lhe pagar o triplo dos seus honorrios habituais.
O triplo dos seus honorrios habituais! Elenora quase ficou sem flego.
Tranquilize-se, pensou. Fizesse o que fizesse, devia manter uma atitude digna e
calma. Tinha a impresso de que se St. Merryn percebia algum indcio de que ficava
nervosa ou se alterava com facilidade, retiraria sua oferta.
Elenora levantou o queixo e lhe sorriu de forma amvel, mas distante.
Estou disposta a considerar sua oferta, senhor.
Ento ouviu que a senhora Goodhew e a senhora Willis murmuravam entre
elas, mas no lhes prestou ateno. Estava muito ocupada observando a satisfao
que, durante uns breves instantes, apareceu nos olhos enigmticos do conde.
O cargo requer algo mais que as tpicas tarefas de uma dama de companhia
explicou St. Merryn muito devagar.
Elenora recordou o velho ditado a respeito das coisas que eram muito boas
para ser verdade e se encheu de coragem.
Por alguma razo, no me surpreende que diga isto respondeu secamente
. Poderia explicar-se?
Certamente. St. Merryn desviou sua ateno para a senhora Goodhew e a
senhora Willis . Preferiria ter essa conversa em privado com a senhorita Lodge, se
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St. Merryn ficou de costas para na mesa da senhora Goodhew, apoiou-se nela e
esticou os braos a ambos os lados: naquela posio, o casaco de excelente corte que
usava se ajustou a seus ombros musculosos, e Elenora notou que tinha o trax amplo,
o estmago plano e os quadris estreitos. Nada nele era magro, brando ou dbil.
Vim a Londres para passar umas semanas com o nico propsito de realizar
um negcio um pouco complicado. No a chatearei com os detalhes, mas, em resumo,
direi que intento formar um consrcio de investidores. O projeto requer
confidencialidade e discrio. Se conhecer um pouco a alta sociedade, saber que
ambos os requisitos so muito difceis de conseguir. A boa sociedade vive graas a uma
dieta regular de fofocas e rumores.
Elenora se relaxou um pouco. Depois de tudo, possivelmente no estava to
louco.
Por favor, continue.
Por desgraa, devido a minha situao atual e a determinado incidente que
aconteceu h um ano, ser bastante difcil realizar meu negcio sem um bom nmero
de interferncias desagradveis a menos que fique muito claro que estou fora do
mercado matrimonial.
Elenora limpou a garganta.
Sua situao atual? perguntou da forma mais delicada possvel.
Ele arqueou uma sobrancelha e esclareceu:
Disponho de um ttulo, de vrias propriedades importantes e de uma
substanciosa fortuna. Alm disso, no estou casado.
Me alegro por voc murmurou ela.
A julgar pelo seu olhar, se divertiu com o comentrio dela, mas em seguida
particularizou:
No se considera o sarcasmo como uma qualidade apropriada numa dama de
companhia. Entretanto, como eu estou to desesperado como a senhorita, deixarei
passar nesta ocasio.
Elenora se ruborizou.
Desculpe-me, senhor. Tive um dia muito duro.
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Compreendo.
Bom, j falamos bastante sobre a minha vida pessoal. A verdade que
compreendo seu dilema. Quando os crculos da boa sociedade se inteirem de que est
na cidade suporo que retornou para provar sorte no mercado matrimonial. As ferozes
casamenteiras desses crculos o consideraro carne fresca e bem disposta.
Eu mesmo no poderia ter explicado melhor. Esta a razo, senhorita Lodge,
porque que necessito uma dama para que figure, de forma convincente, como minha
noiva. Na realidade muito simples.
De verdade? ela perguntou com inquietao.
Sem dvida. Como eu j disse, embora esteja na cidade para realizar um
negcio extremamente privado, os membros da alta sociedade suporo que retornei
para procurar outra noiva. E no quero estar continuamente tropeando com todas as
pirralhas cujos pais trouxeram para a cidade para encontrar marido. Se as pessoas
acreditarem que j estou noivo, as casamenteiras da alta sociedade se vero foradas
a centrar sua ateno em outros partidos.
Para Elenora no estava to claro que o plano de St. Merryn fosse to simples.
Entretanto, quem era ela para discutir com ele?
Parece um plano muito ardiloso, milord comentou com amabilidade .
Espero que tenha sorte.
Tenho a impresso de que no pensa que eu terei xito.
Ela suspirou e disse:
Devo recordar que muitos homens na sua situao subestimaram a
inteligncia e a determinao de uma me que tem a inteno de encontrar um bom
partido para sua filha.
Garanto, senhorita, que no desprezo, absolutamente, s mulheres dessa
espcie. Precisamente por isso planejei apresentar a uma noiva falsa a sociedade nas
prximas semanas. Bom, o que me diz? Voc aceita o emprego?
No me interprete mal, milord. No minha inteno recusar a sua oferta.
Inclusive acho que desfrutaria muito com este emprego.
Aquele comentrio intrigou a St. Merryn.
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Ele estava sendo muito corts, mas ambos sabiam que o abismo que existia
entre os investimentos de um cavalheiro e a ideia de abrir um comrcio era vasto e
profundo aos olhos da sociedade. Considerava-se adequado que uma pessoa de
categoria adquirisse aes em um negcio de ultramar ou em um projeto de
construo. Mas que dita pessoa se convertesse na proprietria de uma loja era algo
totalmente distinto.
Em qualquer caso, o importante era que St. Merryn no parecia nada
desconcertado por causa de seus planos. Claro que, por outro lado, ele tinha deixado
claro que no estava em posio de escolher, pensou Elenora.
St. Merryn inclinou a cabea com sobriedade demonstrando, assim, que
apoiava suas intenes.
Muito bem. Ento, senhorita Lodge, chegamos a um acordo?
A generosidade de sua oferta, como, obvio, tinha pretendido St. Merryn,
tinha-a deslumbrado por completo. Elenora ainda tinha uma dvida em relao ao
emprego que estava a ponto de aceitar, mas a desprezou com brutalidade. Aquele era
o primeiro golpe de sorte que tinha desde o espantoso dia em que os credores de seu
padrasto bateram na sua porta e no pensava arriscar-se a perder aquela
oportunidade dourada por uma simples e leve duvida.
Sem poder conter sua satisfao, Elenora voltou a sorrir e respondeu:
Sem dvida, milord.
St. Merryn contemplou, fascinado, a boca de Elenora durante vrios segundos.
A seguir sacudiu um pouco a cabea e franziu o cenho. Ela teve a impresso de que
estava zangado, mas no com ela, a no ser consigo mesmo.
Se queremos alcanar nosso objetivo e dar certo ar de intimidade a nossa
relao ele comentou com secura , acredito que a senhorita deveria chamar-me
Arthur.
No ia ser fcil, pensou ela. Havia algo nele que a intimidava e que impedia que
pudesse trat-lo facilmente com familiaridade.
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Captulo 4
Para sorte dela, sua patroa estava tomando seu tempo para realizar a transio a um
plano superior.
Como a senhora Blancheflower dormia a maior parte do dia, o emprego de
Lucinda era bastante cmodo. O principal inconveniente consistia em que os familiares
da sua patroa, que a visitavam poucas vezes, tinham ordenado a governanta que
mantivesse na casa um ambiente funerrio de acordo com a situao. Isto significava
que havia um grande nmero de tecidos pretos pendurados por todos os lados. Alm
disso, as cortinas deviam estar sempre fechadas para evitar que o mnimo raio de luz
solar entrasse nos cmodos sombrios.
Embora aquela penumbra pudesse afetar o nimo de qualquer pessoa, Elenora
e suas amigas a suportavam todas as quartas-feiras, porque reunir-se ali supunha uma
vantagem significativa: o ch e os bolos eram uma cortesia ignorada da senhora
Blancheflower. Isto lhes permitia economizar uns peniques.
Elenora tinha perguntado a St. Merryn se podia contar a suas amigas a verdade
sobre o seu novo emprego e tinha lhe assegurado que nenhuma delas frequentava os
crculos da alta sociedade. A patroa de Lucinda estava no leito de morte, e a de
Charlotte era uma viva anci que vivia confinada na sua casa devido ao seu dbil
corao. Alm disso, nenhuma delas diria uma s palavra a respeito da minha
representao, embora fossem apresentadas a um conhecido seu, tinha acrescentado
Elenora com toda certeza.
St. Merryn se mostrou satisfeito e inclusive desinteressado a respeito da
capacidade de suas amigas de manter silncio. A verdade era que no lhe preocupava
absolutamente que espalhassem aquele rumor pela simples razo de que ningum na
alta sociedade prestaria ateno a um falatrio absurdo posto em circulao por um
par de damas de companhia cadas em desgraa. Quem acreditaria na palavra de
Lucinda e Charlotte em lugar de acreditar na de um conde rico e poderoso?
Ao princpio, Lucinda e Charlotte se mostraram muito surpreendidas pela
notcia de que Elenora no s representaria o papel da noiva de St. Merryn mas
tambm moraria na sua casa. Entretanto, quando souberam que uma parenta do
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conde faria o papel de acompanhante, decidiram que o emprego podia acabar sendo
muito emocionante.
Pensa que poder assistir aos bailes e as festas mais exclusivas Charlotte
comentou deslumbrada . E vestir roupa muito elegante.
Lucinda, que era a mais pessimista, adotou um ar de escuro pressgio.
Eu, se fosse voc, teria muito cuidado com St. Merryn, Elenora.
Elenora e Charlotte a olharam ao mesmo tempo.
Por que diz isso? perguntou Elenora.
Poucos meses antes que nos conhecssemos, trabalhei como dama de
companhia para uma viva que tinha contatos na alta sociedade. Ela no podia moverse da cama, mas durante os meses que trabalhei para ela fui testemunha de que seu
maior prazer consistia em estar em dia com as fofocas da alta sociedade. Lembro-me
um dos rumores que circulavam a respeito de St. Merryn.
Continua Charlotte a apressou.
Naquela poca, St. Merryn estava noivo de uma jovem que se chamava
Juliana Graham prosseguiu Lucinda. Diziam que se sentia aterrorizada por ele.
Elenora franziu o cenho e, achando estranho, perguntou:
Aterrorizada? Esta uma palavra muito grave.
Em qualquer caso, tinha-lhe muito medo. Como lgico, seu pai aceitou a
oferta de St. Merryn sem consult-la. Depois de tudo, o conde extremamente rico.
Alm de dispor de um ttulo... Charlotte acrescentou. Qualquer pai
desejaria uma aliana assim para sua famlia.
Exato Lucinda assentiu servindo-se outra xcara de ch . Enfim, o que
aconteceu que a jovem estava to assustada ante a ideia de ter que casar-se com St.
Merryn que uma noite saiu pela janela do seu quarto por uma escada e fugiu no meio
de uma terrvel tempestade com um homem chamado Roland Burnley. Ao amanhecer,
o pai de Juliana os encontrou enquanto compartilhavam o mesmo quarto em uma
estalagem. Como lgico, casaram-se imediatamente.
Charlotte inclinou um pouco a cabea e perguntou:
E diz que foi o pai da jovem quem os perseguiu? No foi St. Merryn?
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Lucinda assentiu com a cabea enquanto seu rosto refletia uma expresso
sombria.
Conforme dizem comeou a explicar , St. Merryn estava em um clube
quando recebeu a notcia de que sua futura esposa fugiu com outro homem. Ento,
com toda tranquilidade, anunciou que a prxima vez que procurasse uma noiva iria a
uma agncia das que subministram damas de companhia e escolheria uma. Em
seguida, entrou na sala de jogo e passou ali toda a noite.
Santo cu! Charlotte exclamou com um suspiro . Deve ser to frio como
o gelo.
Pelo que dizem, o confirmou Lucinda.
Elenora a observou, estupefata. Mas em seguida percebeu a ironia da situao
e comeou a rir com tanta intensidade que teve que deixar a xcara de ch sobre a
mesa para no derram-la sobre o tapete.
Lucinda e Charlotte a olharam fixamente.
O que o que voc acha to divertido? Charlotte perguntou com
brutalidade.
Elenora se segurou as costelas e respondeu entre risadas:
Tm que admitir que St. Merryn cumpriu sua promessa de conseguir sua
prxima noiva em uma agncia. Quem teria imaginado que ele tivesse uma inteligncia
to irnica? Vai pregar uma boa pea na alta sociedade!
No se ofenda, Elenora resmungou Lucinda , mas seu novo patro
parece ser inclusive mais excntrico que a senhora Egan. No me surpreenderia que
tentasse te ultrajar.
Charlotte se estremeceu, mas seus olhos brilharam com intensidade.
Elenora sorriu.
Tolices. Entrevistei a vrios patres libidinosos e sei reconhecer a um quando
o tenho em frente. St. Merryn no o tipo de homem que foraria a uma dama. Tem
muito autodomnio.
Alm disso, no parece ser um cavalheiro apaixonado ou romntico
Charlotte declarou, sem dvida decepcionada.
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Captulo 5
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criada, assim como os membros da alta sociedade a que seria apresentada em breve,
formava parte da sua plateia.
Informe seu patro de que a senhorita Elenora Lodge chegou ordenou
criada com um tom de voz amvel, mas autoritrio . O conde me espera. Ah! E envia
a um dos criados para que recolha meu ba na rua antes que algum o roube.
A criada fez uma reverncia leve e rpida.
Sim, senhora.
Em seguida se ps de lado para deixar Elenora entrar.
Elenora esperou at que a jovem desaparecesse atravs de uma porta para
soltar um pequeno suspiro de alvio.
Girou ento lentamente sobre os calcanhares e examinou o vestbulo principal.
Era to lgubre e imponente como o exterior da casa. Entrava muito pouca luz atravs
dos vitrais localizados em cima da porta e os painis de madeira esculpida obscureciam
ainda mais o interior. Esttuas clssicas e vasos de estilo etrusco ocupavam os escuros
nichos espalhados por todo o recinto. A sala tinha o ar velho e empoeirado de um
museu.
Levada pela curiosidade, Elenora se aproximou do pedestal de mrmore mais
prximo e deslizou um de seus dedos enluvados pela superfcie do suporte. Quando
viu a linha definida que deixou seu dedo, Elenora franziu o cenho e se esfregou as
mos para eliminar o p que lhe tinha ficado acumulado na ponta da luva. No
limpavam aquela sala a fundo fazia bastante tempo.
O som de uns passos mais pesados que os da criada se aproximou pelo
corredor.
Elenora virou-se e deu de cara com o homem mais bonito que jamais tivesse
visto. Desde sua alta e nobre testa a suas faces delicadas, passando por olhos
ardentes e esse cabelo encaracolado, que lhe conferia um ar de inocncia, tudo nele
constitua a imagem da perfeio masculina.
Se no fosse porque vestia uniforme de mordomo, poderia ter posado para
qualquer artista que quisesse pintar a imagem de um poeta romntico ao estilo de
Byron.
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Meu nome Ibbitts, senhorita declarou ele com voz grave . Peo-lhe
desculpas por qualquer incmodo que tenha padecido. O senhor conde a espera na
biblioteca. Se puder por gentileza me seguir, anunciarei sua chegada.
Um leve sinal de advertncia soou em algum lugar da mente de Elenora. No
havia nada questionvel nas palavras do mordomo, pensou ela, mas estava convencida
de que carregavam um ligeiro tom depreciativo. Possivelmente se tratava da sua
imaginao.
Obrigado, Ibbitts.
Elenora lhe entendeu seu chapu e ele se virou para deix-lo sobre uma mesa
de mrmore coberta de p.
No importa exclamou ela com rapidez enquanto lhe arrebatava o chapu
antes que o deixasse sobre a mesa suja . O levarei comigo. Quanto a meu ba, no
quero que fique na rua muito tempo.
Duvido muito que algum queira roub-lo, senhorita.
Mesmo que tivesse tentado, Ibbitts no poderia ter deixado mais claro que
estava convencido de que o ba no continha nada de valor. Elenora j tinha tido
suficiente do seu sarcasmo educado.
Envie um criado a recolher meu ba imediatamente, Ibbitts.
Ibbitts piscou de maneira pedante, como se estivesse confuso por aquela
reprimenda to pouco sutil.
Nenhum ladro com sentido comum se atreveria a roubar nesta casa.
Isto s me tranquiliza pela metade, Ibbitts. Temo que h muitos ladres que
carecem de sentido comum.
As faces de Ibbitts se endureceram e, sem uma nenhuma palavra a mais,
puxou com fora uma aldrava de veludo.
Um moo alto e desajeitado de uns dezoito ou dezenove anos apareceu no
vestbulo. Era ruivo e tinha os olhos azuis. Sua pele era plida e estava coberta de
sardas. Parecia um jovem nervoso e assustadio.
Ned, v procurar o ba da senhorita Lodge e sobe-o ao dormitrio que Sally
preparou esta manh.
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Arthur esperou at que a porta se fechasse atrs das duas mulheres. Deixou o
dirio de lado, ficou de p e se aproximou da janela que dava vista para o jardim.
Era consciente de que Elenora suspeitava que ele escondia algo, e estava certa.
Entretanto, ele considerava que era melhor que no soubesse toda a verdade. E
tampouco era necessrio contar-lhe a Margaret. Seria mais fcil para elas representar
seus papis se no soubessem o que o tinha impelido a escrever a obra em que elas
atuavam.
Arthur permaneceu frente janela durante um bom tempo contemplando o
nebuloso jardim e pensando em quanto o desagradava aquela casa.
Seu av o levou para morar ali pouco depois de que seus pais morressem no
incndio de uma estalagem. Naquela poca, ele tinha seis anos e era a primeira vez
que via seu av: o velho conde se zangou com seu filho por ter fugido para casar-se. A
me de Arthur era uma jovem carente de fortuna e de contatos sociais, e o ancio
recusou-se a aceitar a ela e a seu neto.
Sem dvida, seu av sabia como manter vivo o ressentimento, pensou Arthur.
Mas depois da perda de seu filho naquele incndio, o ancio conde se deu
conta de que Arthur ia ser seu nico herdeiro. Decidiu ento levar seu neto a enorme e
lgubre casa da Rain Street e pr todo seu empenho em que Arthur no seguisse os
passos de seu filho, segundo ele irresponsvel e dominado pelo romantismo.
E ele tinha aprendido bem a lio, pensou Arthur. Seu av lhe comunicou quais
eram suas obrigaes e responsabilidades desde aquele primeiro dia. Dez anos mais
tarde, no seu leito de morte, o ancio seguia realizando a tarefa que ele mesmo se
atribuiu. Suas ltimas palavras para Arthur foram: Recorde que o chefe da famlia.
sua a responsabilidade cuidar de todos os outros.
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Captulo 6
Diz que sua identidade constitui um segredo para todos os membros de sua
famlia? Incluindo o conde?
Arthur a ltima pessoa que eu desejaria que soubesse a verdade
assegurou Margaret com o rosto contrado . um homem com muitas qualidades
excepcionais no que se relaciona a investimentos e este tipo de assuntos, mas leva
muito a srio seu papel de chefe de famlia. Sem dvida, por causa da influncia do seu
av.
Elenora se lembrou do profundo autodomnio que tinha percebido nos olhos
enigmticos do conde.
Sim, j me dei conta de que emite certa severidade.
Sem querer exagerar, digo que Arthur pode ser inflexvel, autocrtico e
absolutamente ditatorial. Alm disso, no aprova as tendncias literrias atuais e
tremo ao pensar em como reagiria se descobrisse que escrevo este tipo de livros. Para
comear no me teria me pedido que viesse a Londres para atuar como sua
acompanhante. Prometa-me que no lhe revelar meu segredo.
Prometo.
Obrigada. Como estava dizendo, tive dificuldades para escrever algumas
partes da minha ltima novela. Em concreto, as que se desenvolvem nos bailes e nas
festas da alta sociedade. A verdade que no posso escrever essas cenas com
convico porque conheo muito pouco sobre a vida nestes crculos.
Pensei que tinha dito que veio a Londres para sua prpria apresentao
social...
Durou menos de quinze dias, porque Harold pediu minha mo logo depois
de me conhecer. De qualquer jeito, isto ocorreu faz quatorze anos, de modo que j
no estou a par de como funcionam estes ambientes.
Acredito que comeo a entender qual seu problema.
Margaret se sentou na beira da poltrona e prosseguiu:
Quando Arthur me pediu que o ajudasse com seu plano, acreditei que
constituiria a oportunidade perfeita para vir a Londres e observar de perto os detalhes
da vida em sociedade. Como lgico, anunciei-lhe que estaria encantada de
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cpula da sua profisso no s graas a suas habilidades com a costura, mas tambm
porque so discretas quanto aos assuntos das suas clientes mais importantes.
A Margaret lhe brilharam os olhos.
E, como futura esposa do conde de St. Merryn, sem dvida voc uma
cliente muito importante.
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Captulo 7
Mas ento, uma noite, para horror de Ibbitts, surgiu um problema. Ou, para ser
mais preciso, seu segundo grande valor no surgiu.
Seu rosto podia constituir sua fortuna, mas, por si s, no era grande coisa. Sua
venturosa profisso dependia da sua fiabilidade e da sua resistncia na cama tanto ou
mais que do seu rosto.
Ibbitts ficou consternado quando o despediram com desonra. Entretanto, mais
uma vez, a sorte o acompanhou: fazia sete meses que tinha conseguido seu emprego
atual na manso da Rain Street. O ancio homem de negcios que o tinha contratado
lhe deu instrues simples e concisas. Ibbitts tinha que fiscalizar a um nmero
reduzido, mas suficiente, de pessoal domstico que devia se encarregar da
manuteno da enorme casa, e assegurar-se de que estivesse preparada para as raras
ocasies em que o conde de St. Merryn decidisse alojar-se ali durante suas breves
estadias em Londres.
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Sua nica esperana era que St. Merryn no ficasse muito tempo, pensou
Ibbitts. Enquanto isso, averiguaria tudo o que fosse possvel sobre os assuntos privados
do conde.
Durante sua trajetria profissional tinha descoberto que, em muitos casos,
existia um amplo mercado onde vender os segredos dos seus patres.
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Captulo 8
Bennett se deixou cair na poltrona que estava diante de Arthur e deu outra
olhada ao jovem enxuto e zangado que, naquele momento, abandonava o clube.
Pelo que vejo, Burnley esteve aqui esta tarde comentou Bennett.
Assim assentiu Arthur sem sequer levantar a vista do jornal.
Faz uns minutos, vi como te olhava. Asseguro-te que, se olhar matasse, a
essa hora voc j estaria morto e enterrado.
Arthur virou a pgina.
Felizmente, olhares no produzem esse efeito em mim. Pelo menos no os
de Burnley.
Acho que te odeia profundamente Bennett lhe advertiu em voz baixa.
No sei por que. Foi ele quem ficou com a dama, no eu.
Bennett suspirou e se afundou ainda mais na poltrona. Inquietava-lhe que
Arthur no mostrasse sinais de preocupao pela firme e evidente averso que Burnley
sentia por ele. Claro que, naquele momento, seu amigo centrava toda sua ateno no
plano que tinha elaborado para apanhar ao assassino de seu tio av. E quando Arthur
se concentrava em um projeto, no dava ateno a mais nada at que o considerasse
concludo.
Uma obstinao to acentuada podia constituir rasgo fastidioso algumas vezes,
Bennett pensou. Entretanto, teve que admitir que, provavelmente, era essa a razo
pela qual Arthur tivesse levado s alguns anos para restaurar a fortuna de St. Merryn a
sua estado de bonana atual.
Embora soubesse que Arthur no estava interessado em escutar suas
advertncias sobre Roland Burnley, Bennett se sentiu obrigado a insistir.
Dizem que a situao financeira de Burnley deteriorou-se terrivelmente
Bennett comentou tratando de enfocar a questo desde outro ngulo . Pelo visto,
tenta recuperar suas perdas nas casas de jogo clandestino.
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Captulo 9
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Ver com Sally certas questes culinrias. Enquanto isso, sugiro que voc se
esforce em conseguir uma cozinheira nova e outra donzela. Ah, sim! E tambm
necessitaremos de dois jardineiros.
O olhar de Ibbitts se obscureceu de raiva, mas no disse nada.
Elenora sentiu que um calafrio lhe percorria a espinha dorsal quando lhe deu as
costas para entrar na cozinha.
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Captulo 11
Na noite seguinte, pouco depois das dez, Elenora, Margaret e Bennett Fleming
se encontravam perto de um grupo de palmeiras plantadas em vasos.
O primeiro baile fundamental explicou Bennett enquanto examinava a
multido com atitude de entendido . Devemos nos assegurar que voc dance com o
cavalheiro adequado.
Elenora observava com ateno aos pressente atravs das folhas das palmeiras.
A sala resplandecia graas iluminao dos candelabros pendurados do teto. Uma das
paredes estava forrada com espelhos que refletiam o brilho da deslumbrante cena.
As damas, embelezadas com vestidos esplendorosos, e os cavalheiros, que
vestiam ltima moda, riam e conversavam animadamente. Vrios casais de aspecto
muito elegante se deslizavam pela pista de baile. A msica se propagava desde um
balco onde estavam instalados os msicos. Um pequeno esquadro de criados
vestidos com uniformes azuis abria caminho entre a multido passeando pela sala
bandejas com taas de champanha e de limonada.
No sei por que no posso danar com voc primeiro Elenora perguntou a
Bennett.
To logo conheceu a Bennett Fleming, Elenora decidiu que gostava muito dele.
S um olhar a sua constituio robusta e seriedade de seu olhar lhe bastaram para
compreender por que Arthur confiava nele. Bennett Fleming dava a impresso de ser
uma dessas poucas pessoas de bom corao e carter firme nas quais se podia confiar
em situaes de crise.
De maneira nenhuma, no funcionaria Bennett lhe assegurou . O
primeiro estabelecer certo patro, compreende? Se escolhermos bem, ele a colocar
no centro da ateno de forma imediata.
Margaret o observou com sincera admirao.
Como sabe voc todas estas coisas?
Bennett se ruborizou um pouco.
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Captulo 12
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Permita que lhe felicite por sua encantadora noiva, St. Merryn uma voz
que lhe resultava familiar declarou a suas costas.
Arthur se deteve e observou ao homem que se aproximava pelo balco.
Hathersage.
Faz um momento tive o enorme prazer de danar com a senhorita Lodge.
Sem dvida, uma dama fora do comum. Hathersage se deteve, observou por uns
instantes aos bailarinos e riu entre dentes. A verdade que estou considerando
seriamente a possibilidade de empregar sua estratgia para encontrar uma esposa.
O que quer dizer? Arthur perguntou.
Refiro a sua brilhante ideia de entrevistar a uma srie de senhoritas em uma
agncia especializada em subministrar damas de companhia.
A Arthur lhe gelou o sangue. Era possvel que Elenora tivesse contado a
Hathersage toda a verdade a respeito de sua farsa? Impossvel.
Mencionou-lhe a agncia? Arthur perguntou com cautela.
Garanto que foi a histria mais divertida que ouvi em muito tempo
Hathersage reps . Amanh estar na boca de todo mundo. Uma inteligncia como a
da senhorita Lodge constitui um atributo valioso em uma esposa, como em qualquer
outro tipo de companheira...
Arthur se relaxou um pouco ao dar-se conta de que, embora Elenora tivesse
contado a verdade a Hathersage, resultava to descabelada que ele no tinha
acreditado.
Outros membros da sociedade acreditariam em Hathersage, refletiu Arthur.
Tudo estava bem.
Sim, nica Arthur comentou.
Certamente Hathersage assentiu e, entreabrindo um pouco os olhos,
acrescentou : No deveria se descuidar, St. Merryn. No me surpreenderia que
alguns dos homens que, neste preciso momento, rondam ao redor dela estejam
maquinando a forma de tira-la do senhor.
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Parece lgico que quanto maior for o nmero de pessoas que sintam
curiosidade sobre mim, menos sero as que prestem ateno no que o senhor faz.
Est bem grunhiu ele . Tem razo e admito minha derrota. No sei por
que me incomodei em iniciar esta discusso. Devo ter sofrido uma perda momentnea
de memria.
Entretanto este raciocnio era falso, ele reconheceu para seus botes. Tinha
comeado aquela pequena rixa porque a possibilidade de que Hathersage tivesse de
olho em Elenora o tinha alterado bastante. Alm disso, ver que outros homens se
fixavam tanto nela o tinha perturbado e no queria analisar em profundidade o porqu
deste fato.
Elenora se ps a rir.
Por todos os Santos, ningum em seu juzo perfeito acreditaria que o senhor
foi a uma agncia para encontrar uma esposa!
provvel que no.
Ela o olhou com reprovao.
A verdade que o senhor deveria tranquilizar-se e concentrar-se nos seus
negcios Elenora aconselhou . Eu me encarregarei dos assuntos pelos que me
paga. Espero que seus planos estejam se desenvolvendo bem.
Arthur pensou que ela era a nica parte do seu intrincado plano que estava
funcionando. De repente pensou que gostaria muito de comentar com ela os outros
aspectos da sua estratgia. Precisava falar com algum e Elenora era uma mulher de
mundo e inteligente que no se impressionava com facilidade. Alm disso, agora
estava convencido de que ela sabia guardar um segredo.
Por outro lado, necessitava desesperadamente de ideias novas. Sua falta de
progressos durante os ltimos dias era preocupante.
Bennett lhe tinha aconselhado que contasse a verdade a Elenora e, no final das
contas, possivelmente sua ideia no era to m.
Arthur se deteve em um dos extremos da pista de baile e, sem fazer caso ao
olhar inquisitivo de Elenora, guiou-a para as portas que davam para o terrao.
Necessito de ar declarou . Venha, h algo que quero te contar.
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Meu tio av me contou que, no final, tanto ele como seus dois
companheiros chegaram a essa mesma concluso: o Raio de Jpiter era uma fantasia.
Depois de aprender a lio sobre a inutilidade da alquimia, deixaram de lado os
experimentos e o aparelho e se dedicaram a estudos mais srios, como a qumica e as
cincias naturais.
O que fizeram com as pedras e o aparelho que tinham construdo?
Um dos trs ficou com a mquina, supostamente como lembrana de seu
flerte com a alquimia. Quanto s pedras, decidiram as incrustar em caixas de rap
como emblema de sua amizade e de seu compromisso com o caminho verdadeiro da
cincia moderna.
Uma caixa de rap para cada um deles?
Exato. As caixas foram ornamentadas com cenas de um alquimista
realizando seu trabalho. O tio George me contou que ele e seus amigos formaram um
pequeno clube denominado Sociedade das Pedras. Eles eram os nicos membros e
cada um adotou um nome em clave tirado da astrologia e o gravou na caixa.
Parece lgico comentou Elenora . A alquimia sempre esteve muito
vinculada astrologia. Que nomes escolheram?
Meu tio av se chamava Marte. O segundo homem, Saturno, e o terceiro,
Mercrio. Mas nunca me disse os nomes autnticos de seus companheiros. No havia
razo alguma para que me mencionasse isso: eu no era mais que um menino quando
me contou a histria.
um relato fascinante sussurrou Elenora . O que ocorreu com a
Sociedade das Pedras?
Durante algum tempo, os trs homens mantiveram uma estreita relao
compartilhando informaes a respeito das suas investigaes e experimentos.
Entretanto, depois de certo tempo se separaram. Tio George me explicou que um dos
membros da sociedade faleceu quando tinha vinte e poucos anos. Morreu por causa
de uma exploso que aconteceu no seu laboratrio. O terceiro homem, at onde sei,
continua vivo.
E seu tio av est morto ela comentou.
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com a pedra vermelha incrustada tambm tinha desaparecido. No senti falta de mais
nada.
Elenora refletiu sobre suas palavras e finalmente perguntou:
Tem certeza?
Completamente. Em minha opinio, meu tio av foi assassinado por algum
que procurava o tratado e a caixa de rap. Alm disso, estou convencido de que as trs
caixas constituem pistas importantes. Se pudesse encontrar as que pertenciam aos
antigos amigos de meu tio av, possivelmente descubra algo til. Ultimamente centrei
todos meus esforos nesta direo.
Teve sorte?
Um pouco ele respondeu . Esta noite enfim averiguei o endereo de um
cavalheiro ancio que possivelmente possa me proporcionar informao a respeito de
uma das caixas. Ainda no pude falar com ele, mas espero faz-lo muito em breve.
Produziu-se um breve silncio. Arthur ouviu a msica e as risadas que
procediam do salo de baile, mas que pareciam vir de muito longe. Ali, perto da fonte,
experimentava uma sensao de confidencialidade quase ntima. A essncia floral do
perfume de Elenora atraa seus sentidos e deixava tensos os msculos de seu
estmago. Se deu conta ento de que se estava excitando.
Controle-se, a ltima coisa que voc precisa agora uma complicao deste
tipo.
Voc diz que desprezou as concluses do detetive Elenora prosseguiu
depois de uns instantes , mas tem alguma ideia a respeito de quem poderia ser o
assassino do seu tio av?
No exatamente. Arthur hesitou . Pelo menos nenhuma que tenha
sentido.
Voc um homem de lgica e raciocnio. Se estiver considerando alguma
teoria, por estranha que parea, estou convencida de que tem uma base slida.
Neste caso no. Mas admito que estou dando voltas a um comentrio que
meu tio av fez sobre seus dois amigos e a sociedade que tinham fundando.
Qual comentrio? ela perguntou.
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Elenora apertou de repente os ombros de Arthur com os dedos. Ele sabia que
sua reao sbita e apaixonada a tinha sobressaltado. Arthur deslizou ento uma mo
pelas costas de Elenora at onde comeava a curva dos seus quadris e a empurrou
contra a intimidade do espao entre suas pernas, uma das quais ainda estava apoiada
na borda da fonte.
Aquela posio lhe permitiu sentir a suavidade do estmago de Elenora contra
sua ereo, e uma dor quente e agradvel se apoderou da parte baixa do seu corpo.
Olha, olha, olha! Dunmere murmurou . Pelo visto, St. Merryn no to
frio como voc acreditava, minha querida Constance. E, alm disso, a senhorita Lodge
no parece estar assustada pelo terrvel destino que a espera.
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Captulo 13
uma cena de amor ardente nos jardins. Devo dizer que se tratou de uma atuao
impressionante.
Elenora no se atreveu a afastar os olhos das ruas envoltas em sombras e se
limitou a murmurar:
Mmmm.
Eu tambm me sinto satisfeito com os resultados da representao no
jardim Arthur comentou como se tratasse de um crtico teatral difcil de agradar.
Elenora, desesperada por mudar de assunto, esboou um sorriso clido e leve
e, olhando Margaret, perguntou:
Desfrutaste da noite?
Oh, sim, muitssimo! Margaret exclamou com uma atitude sonhadora .
O senhor Fleming e eu passamos a maior parte do tempo falando das ltimas
novidades literrias. Pelo visto, um grande admirador do trabalho da senhora
Mallory.
Elenora quase no conseguiu ocultar a risada atrs de um leno.
Sem dvida, o senhor Fleming possui um gosto excelente declarou.
Eu tambm opino o mesmo Margaret confirmou.
Arthur franziu o cenho e disse:
J adverti a Bennett, vria vezes, que provavelmente seu costume de ler
novelas seja a causa de que tenha uma percepo do mundo to pouco realista e to
ridiculamente romntica.
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s se movia com especial ligeireza, mas tambm seus olhos brilhavam com mais
intensidade.
Elenora ainda estava analisando o resplendor sutil e novo dos olhos de
Margaret quando se deu conta de que Arthur sustentava em alto o candelabro e
examinava a estadia com o cenho franzido.
A senhorita no acha que vestbulo est diferente? ele perguntou.
Ela examinou a sala.
No, acredito que no.
Pois a mim, sim. As cores parecem mais vivas, o espelho no est to escuro
e as esttuas e os vasos parecem mais novos.
Surpreendida, Elenora examinou mais de perto a figura de mrmore que estava
perto dela, e se ps a rir:
Tranquilize-se, no h nada estranho no aspecto novo dos objetos. Esta
tarde dei instrues para que limpassem a fundo o vestbulo enquanto estivssemos
fora. A julgar pela capa de p que havia antes, isso no tinha sido feito em muito
tempo.
Ele a observou com um olhar escrutinador.
Compreendo.
Por alguma estranha razo, Elenora se sentiu incmoda.
Enfim, bastante tarde, no cr? perguntou ela enquanto tentava adotar
uma atitude educada e profissional . Ser melhor que eu tambm v cama. Estou
to pouco acostumada a tresnoitar como o est Margaret.
Eu gostaria de falar consigo antes que suba a dormir Arthur declarou.
Suas palavras soaram como uma ordem, no como uma petio. Elenora teve
de repente um pressentimento: ia a despedir pelo que tinha ocorrido no jardim?
Muito bem ela murmurou.
Arthur olhou a Ned e disse:
Pode ir cama. Obrigado por nos esperar acordado, mas era desnecessrio.
Podemos nos arranjar sozinhos quando voltamos to tarde. De agora em diante, no
nos espere levantado. Voc tambm tem que descansar.
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Sim, milord?
Refiro-me ao beijo do jardim.
Ela segurou a taa de brandy com fora e disse:
A julgar pelos comentrios a respeito da nossa relao, essa dama no
acreditava que estivssemos comprometidos de verdade. Assim, me ocorreu que, ao
espalhar-se o rumor de que nossa relao estava apoiada no amor, os membros da
aristocracia se sentiriam mais inclinados a aceitar nossa pequena farsa.
Foi um movimento muito inteligente da sua parte respondeu ele . A
felicito por sua rapidez de reao.
Elenora se sentiu muito aliviada e, com um gesto rpido, bebeu um sorvinho de
brandy.
Obrigado, senhor respondeu tentando lhe dar a sua voz um tom de
profissionalidade e competncia . Fiz o possvel para que minha representao
resultasse convincente.
Ele se virou e a olhou: seus olhos refletiam o calor do fogo. Mais uma vez, como
lhe tinha ocorrido antes nos jardins, quando lhe devolveu o beijo, algo em seu interior
ficou em tenso.
Uma excitao perigosa e sedutora estalou, invisvel, no ar que os separava.
Elenora notou que a intensa paixo que flutuava no ambiente afetou a Arthur tanto
como a estava afetando a ela, e a taa de brandy tremeu na sua mo.
Sem dvida, a senhorita alcanou seu objetivo assegurou Arthur
enquanto deixava sua taa no suporte da lareira. Aproximou-se ento de Elenora com
passos lentos e deliberados, sem deixar de lhe olhar nos olhos . De fato, me deixei
levar tanto pela situao que me perguntei se a senhorita estava realmente atuando.
Ela tentou pensar em algo inteligente para dizer depois desse comentrio, mas
no lhe ocorreu nada. Permaneceu sentada e sem poder mover-se na borda do sof
enquanto ele ia se aproximando.
Arthur se deteve diante dela e, delicadamente, tirou-lhe a taa de brandy das
mos e a deixou sobre a mesinha sem afastar nem por um momento os olhos de
Elenora.
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quando Jeremy Clyde a beijava no era mais que um riacho pouco profundo em
comparao com a cascata de sensaes que experimentava naquele momento.
Elenora sentiu desejos de lanar-se e inundar-se at o fundo nesse poo
misterioso.
Arthur lhe tirou os grampos do cabelo com tal delicadeza e aprimoramento que
Elenora tremeu. Nenhum homem at ento tinha lhe soltado o cabelo.
Arthur a beijou ento no pescoo, e ela sentiu a borda de seus dentes.
O comentrio que Lucinda fez sobre a noiva de Arthur que tinha fugido passou
pela sua mente atordoada: ela se sentia aterrorizada por ele.
Arthur lhe segurou um dos seios com a mo e ela sentiu seu calor atravs da
seda verde e fina do suti.
Elenora gemeu com suavidade e deslizou os braos ao redor de seu pescoo.
Ele, em vez de apert-la contra seu corpo com mais fora, murmurou algo
parecido a uma queixa, algo que podia ter sido um improprio. Arthur levantou a
cabea contra a sua vontade e se separou um pouco de Elenora. Em seguida, tomou o
rosto dela nas mos e sorriu com ironia.
Este no o momento nem o lugar declarou. A paixo e o
arrependimento tinham lhe conferido um tom grave a sua voz .A senhorita ocupa
uma posio nica nesta casa, mas isto no muda o fato de que seja uma de minhas
empregadas. Nunca me aproveitei de nenhuma mulher que estivesse a meu servio e
no penso fazer uma exceo consigo.
Durante uns segundos, Elenora acreditou que no tinha escutado bem o que
Arthur tinha dito. Ainda a considerava apenas mais uma das suas empregadas? Depois
daquele abrao to apaixonado? Depois de ter acreditado nela e de lhe haver pedido
conselho sobre o modo de realizar a sua investigao?
A realidade estalou na cara de Elenora e rompeu a delicada membrana de
sensualidade e desejo que ela tinha tecido a seu redor. Na realidade, no sabia se
sentir-se furiosa ou ferida, mas a mescla de raiva, frustrao e vergonha que a invadiu
a deixou quase sem fala.
Quase, mas no completamente.
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Uma hora mais tarde, Elenora ouviu o tamborilar surdo e regular dos passos de
Arthur no corredor: pareciam ir ao unssono com os batimentos de seu corao.
Arthur se deteve na porta do dormitrio de Elenora. A tenso era insuportvel.
Bateria na porta com suavidade?
Claro que no o faria, nem com suavidade nem de nenhuma outra maneira,
refletiu Elenora. Antes, na biblioteca, tinha-o deixado muito claro.
Entretanto ela percebeu sua presena do outro lado da porta e soube, com
tanta clareza como se tivesse podido l-lo em sua mente, que ele estava considerando
essa possibilidade, e muito seriamente.
Depois de uns instantes, Elenora lhe ouviu percorrer o corredor em direo a
seu dormitrio.
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Captulo 14
Elenora abriu os olhos com muita cautela e sentiu um grande alvio quando viu
que um raio de luz se filtrava entre as cortinas: a manh tinha chegado enfim! O
relgio da mesinha de cabeceira marcava as nove e meia e Elenora se surpreendeu de
que, finalmente, tivesse conseguido dormir um pouco.
Tinha a sensao de que passou a noite alternando pesadelos com prolongados
perodos de insnia quando revivia o beijo da biblioteca uma e outra vez.
Elenora afastou os edredons, calou as sapatilhas e vestiu o roupo.
Continuando, lavou-se com rapidez na bacia estremecendo-se com o contato agudo da
gua fria. Quando terminou, prendeu o cabelo em um coque alto e o cobriu com uma
toca de um branco imaculado que prendeu com grampos. Depois se dirigiu ao armrio
para examinar a coleo de vestidos pendurados nos seu interior.
Poder contar com a roupa nova que tinha encarregado antiga costureira da
senhora Egan constitua um aspecto positivo de seu emprego, pensou. Embora, a
verdade era que no lhe serviria de nada no seu prximo emprego, pois era muito
pouco provvel que seus futuros patres quisessem uma dama de companhia que
vestisse com tanta elegncia.
Como tinha previsto, a costureira estava mais que disposta a guardar em
segredo o antigo emprego de Elenora a servio da senhora Egan. Claro que qualquer
costureira ambiciosa e minimamente inteligente no fofocaria sobre uma coisa assim,
pensou Elenora.
Quanto a sua situao pessoal, no queria preocupar-se com seus futuros
problemas de figurino. Com sorte, no teria muitos mais patres, pensou Elenora
enquanto escolhia um alegre vestido matutino amarelo enfeitado com fitas de um tom
verde claro. Graas aos honorrios triplos e bonificao que St. Merryn lhe pagaria,
quando deixasse aquele emprego quase teria reunido dinheiro o suficiente para pagar
o aluguel de uma livraria pequena. E, se tinha sorte no seu prximo emprego, com
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outros seis meses de trabalho poderia economizar o dinheiro necessrio para equipar
a loja com as ltimas novidades literrias.
Ento, por fim seria livre e independente.
Enquanto se vestia, obrigou-se a concentrar-se em seu novo e brilhante futuro
em vez de pensar nos beijos ardentes de Arthur.
Quando minutos mais tarde abriu a porta do seu dormitrio no encontrou a
ningum no corredor. Perguntou-se se Arthur teria descido para tomar o caf da
manh. Apesar do que tinha ocorrido na noite anterior, queria v-lo novamente.
Elenora se dirigiu s escadas sem fazer rudo para no despertar a Margaret.
Uma vez no andar de baixo, percorreu o corredor que conduzia parte
posterior da casa.
Quando chegou a frente da porta da sala de jantar respirou fundo, levantou o
queixo, adotou uma atitude solene e entrou como se na noite anterior no tivesse
ocorrido absolutamente nada.
Sua atuao foi em vo, pois a sala estava vazia. Lstima, porque teria gostado
de demonstrar a Arthur que seus beijos no eram dignos de ser recordados. Elenora
suspirou, cruzou a porta que comunicava com a copa e desceu as estreitas escadas que
conduziam ao andar inferior, onde estavam as dependncias do servio. Seus sapatos
no produziram nenhum rudo nos degraus.
Elenora decidiu que, naquela manh, bastaria-lhe com uma taa de ch e uma
torrada quente. Quando chegou ao final da escada ouviu umas vozes apagadas.
Procediam do outro lado de uma porta fechada. Elenora as reconheceu
imediatamente, tratava-se de Ibbitts e Sally, a donzela.
Deixa de choramingar, criatura estpida grunhiu Ibbitts em voz baixa .
Far o que te ordeno ou estar outra vez na rua.
Por favor, no faa isto, senhor Ibbitts soluou Sally . Uma coisa foi
registrar os objetos pessoais da senhorita Lodge enquanto desempacotava seu ba...
No gostei disso, mas, ao menos, no lhe causei nenhum dano. Entretanto, isto
distinto. Se me obrigar a lhe roubar seu bonito relgio poderiam me prender e me
pendurar.
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Por favor, senhor, at agora tenho feito tudo o que me mandou, inclusive lhe
entrego parte de meu salrio. Mas no posso fazer o que me pede. No posso. No
est bem.
Elenora j tinha escutado suficiente. Agarrou a maaneta da porta e a girou
sem dificuldade. Empurrou-a com tanta fora que ao abrir-se golpeou contra a parede
e ricocheteou algumas vezes. Ibbitts e Sally a olharam sobressaltados, com a boca
aberta. As faces perfeitas de Ibbitts se transformaram em uma mscara de raiva.
O olhar de Sally expressava um pnico crescente: levou-se uma das mos
garganta e soltou um chiado afogado de desespero parecido ao de um passarinho que
acaba de cair do ninho. Elenora se virou para Ibbitts e disse:
Seu vil comportamento resulta inaceitvel. Recolha suas coisas
imediatamente e saia em seguida desta casa.
Ibbitts se recuperou com rapidez e fez uma careta desdenhosa.
Quem demnios voc cr que para se meter desta maneira em meus
assuntos privados?
Elenora decidiu que aquele era um momento excelente para respaldar-se na
autoridade que lhe conferia seu papel fictcio de noiva de Arthur.
Sou a futura senhora desta casa anunciou com frieza . E no tolerarei
seus atos desprezveis.
Assim que a futura senhora, n? Um brilho malicioso brilhou nos olhos
de Ibbitts. Entretanto, em lugar de proferir um improprio, sacudiu o dedo em direo
desafortunada Sally e disse: Sai daqui moa e v para o seu quarto. Terminarei
contigo mais tarde.
Sally empalideceu.
Sim, senhor Ibbitts murmurou.
Dirigiu-se a toda pressa para a porta, mas Elenora obstaculizava a sada.
Desculpe-me, senhorita Lodge suplicou com lbios trmulos . Por favor,
me deixe sair.
Elenora lhe estendeu um leno e se afastou.
Pode ir, Sally, e seca as suas lgrimas. Tudo sair bem.
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julgar pela forma em que acabava de expulsar a Sally, era evidente que tinha guardado
o segredo para si mesmo. Sem dvida, at que pudesse utiliz-lo em proveito prprio.
O desastre se aproximava, pensou Elenora. Arthur ficaria furioso quando
soubesse que seu mordomo conhecia seu plano. O mais provvel era que decidisse
abandonar sua ttica de faz-la passar por sua noiva. E, se j no a necessitava, antes
que acabasse o dia, ela estaria novamente nos escritrios da Goodhew & Willis.
Enfim, no podia fazer outra coisa mais que seguir adiante. Ibbitts era um
calhorda e, de uma forma ou outra, tinha que abandonar aquela casa.
Dispe de meia hora para recolher suas coisas, Ibbitts declarou ela
rotundamente.
No penso ir a parte alguma respondeu ele com aspereza . E, se souber
o que lhe convm, no dar nenhuma outra ordem nesta casa. De agora em diante
danar a meu ritmo, senhorita Lodge.
Ela o olhou fixamente.
Est louco?
No estou louco, senhorita Lodge: sou muito mais preparado do que a
senhorita cr. Se tentar me botar desta casa, me assegurarei de que o senhor conde
saiba que conheo seus planos. Ibbitts soltou um risinho e acrescentou : mais,
direi que os conheo porque voc gosta de falar na cama.
Esta forma de atuar muito perigosa, Ibbitts declarou Elenora com
lentido . E, em qualquer caso, St. Merryn no acreditar em voc.
Ibbitts esboou um sorriso furtivo e declarou:
Quando lhe descrever as elegantes fitas azuis que enfeitam sua bonita
camisola de linho branca, estou convencido de que acreditar em tudo o que eu disser.
Voc sabe como a minha camisola porque obrigou Sally a descrev-la.
Assim , mas o senhor conde deduzir que se a conheo to bem porque a
vi vestida com ela, no lhe parece? E, ainda que ele no acredite na minha histria, no
que diz respeito a voc, o dano j estar feito. Se o senhor conde averiguar que seus
planos j no so um segredo, os abandonar. E isto significa que j no a necessitar
mais, senhorita Lodge. Voc estar na rua apenas dez minutos depois de mim.
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Uma hora depois, satisfeito de que Watt tivesse lhe contado tudo o que sabia,
Arthur lhe aconselhou que retornasse com sua amada e lhe prometeu que Bess e ele
disporiam de novos empregos em um dos imveis dos Lancaster.
Sua parada seguinte antes de retornar manso da Rain Street foi a casa do
ancio administrador que tinha recebido parte da herana de seu av.
Na casa reinava o silncio e a penumbra, e os criados perambulavam de um
lado para o outro com o rosto sombrio.
O doutor diz que ao senhor Ormesby no lhe resta mais que uma semana
a governanta disse secando as mos no avental enquanto conduzia Arthur ao
dormitrio onde seu patro jazia no leito de morte . O senhor muito amvel em vir
despedir-se.
o mnimo que podia fazer respondeu Arthur. Ao olhar a governanta mais
de perto, deu-se conta de que j estava avanada em idade. O mais provvel era que
aquele fosse o ultimo emprego que pudesse obter . Ormesby disps uma penso
para a senhora?
Ela abriu os olhos com surpresa e respondeu:
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No era da casa do que sentiria falta, a no ser do ligeiro calafrio de prazer que
percorria suas costas cada vez que entrava em um cmodo e se encontrava com
Arthur.
Para imediatamente com esta atitude muito sensvel. No tem tempo para
pensamentos melanclicos. Deve se concentrar no futuro.
Querida Elenora, isto terrvel declarou Margaret . Tenho certeza de
que tem que haver um engano. No pode ir. Por favor, no tome decises precipitadas
sem falar antes com Arthur. Estou convencida de que ele solucionar tudo.
Elenora sacudiu a cabea.
No vejo de que modo poder seguir me utilizando em sua estratgia como
era sua inteno explicou a Margaret . Ibbitts ps em perigo todo o projeto.
Arthur dispe de muitos recursos. Tenho certeza de que encontrar a
maneira de continuar com seu plano.
Elenora se dirigiu para a janela atrada pelo chiado das rodas de uma
carruagem, olhou para baixo e viu que Arthur chegava. Levava um pacote de grande
tamanho embaixo do brao e estava muito srio.
O conde retornou disse a Margaret . melhor eu descer e acabar com
este assunto.
Irei contigo disse Margaret seguindo-a com ligeireza . Estou convencida
de que tudo terminar bem.
No sei como declarou Elenora tentando ocultar a tristeza que se estava
gerando no seu interior , porque o conde j no necessita meus servios.
Permita-me dizer, querida continuou Margaret enquanto desciam as
escadas , que quando se trata de Arthur melhor no tentar predizer suas aes. A
nica coisa que se pode dizer dele com certeza que quando traa um rumo quase
impossvel conseguir que o mude. Pergunte a qualquer membro da famlia.
Sally e Ned estavam no vestbulo. Pareciam nervosos e falavam em voz baixa.
Quando viram a Elenora e a Margaret, interromperam sua conversa.
O que foi? perguntou Elenora . Aconteceu algo mais?
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Arthur se reclinou na cadeira e observou Ibbitts com ateno enquanto este lhe
contava sua verso.
Garanto que no se produziu nenhum dano, senhor terminou Ibbitts com
expresso solene e um tom de sinceridade na voz . No direi nenhuma palavra a
respeito dos seus planos secretos.
Srio?
Certamente que no, senhor. Ibbitts levantou seu majestoso queixo e,
endireitando os ombros, acrescentou : Acima de tudo, sou-lhe fiel.
Diz que a senhorita Lodge lhe confessou meu segredo enquanto tentava
convenc-lo para que entrasse no dormitrio dela?
Como lgico, senhor, no aceitei seu convite. Embora ela s usasse uma
camisola de linho branca enfeitada com fitas azuis. Encaro as responsabilidades do
meu trabalho com muita seriedade.
J vejo.
Ibbitts suspirou e disse:
Se formos justos, o senhor no deveria carregar toda a culpa nos frgeis
ombros da senhorita Lodge.
Por que o diz?
Ibbitts soltou um bufo de lstima.
Uma mulher da idade e da condio dela tem poucas possibilidades de
conseguir um matrimnio respeitvel, no cr? As mulheres como ela no tm mais
remdio que procurar em qualquer lado quando se sentem necessitadas,
compreende?
A porta se abriu com brutalidade e Elenora entrou na biblioteca como uma
exalao. Margaret a seguia de perto.
No escute nenhuma palavra do que diga Ibbitts Elenora disse enquanto
atravessava a sala com passos largos e firmes. Estava vermelha de ira . um
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Embora Ibbitts fofoque sobre voc, no poder fazer-nos nenhum dano, pois
as pessoas acreditaro que simplesmente a brincadeira que, por outro lado, j
conhecida por todos Margaret a tranquilizou.
Margaret tem razo Arthur disse . Tranquilize-se, Elenora, no temos
por que nos preocupar com Ibbitts.
Suponho que o senhor tem razo respondeu Elenora no muito satisfeita.
Margaret suspirou aliviada e disse:
Ento esta questo est resolvida. Elenora, voc fica.
Elenora franziu o cenho.
Isto me recorda que estamos um pouco escassos de criados.
Outro problema que tinha que resolver antes de poder continuar com sua
investigao, pensou Arthur com cansao. Pegou uma pena e uma folha de papel e
disse:
Enviarei uma mensagem a uma agncia.
No necessrio que perca o tempo entrevistando a todos os candidatos
que lhe envie uma agncia reps Elenora com resoluo . Sally tem duas irms
que necessitam trabalho. Pelo visto, uma delas uma cozinheira excelente e a outra
estar encantada em trabalhar como donzela. Acredito que Sally ser uma boa
governanta. Alm disso, Ned tem um tio e um primo que so exmios jardineiros. D a
casualidade de que seu patro acaba de vender sua casa e despediu todos os criados,
de modo que procuram um novo emprego. Sugiro-lhe que os contrate.
Margaret aplaudiu.
Santo cu, Elenora, surpreendente! Parece que tem a questo dos criados
totalmente resolvida.
Arthur se sentiu to aliviado ao ver-se livre da carga de encontrar novos criados
que pouco lhe faltou para levantar a Elenora, girar com ela nos braos e beij-la.
Deixo este assunto em suas mos comentou Arthur com formalidade em
vez de deixar-se levar por seus impulsos.
Ela concordou com um movimento de cabea involuntrio, mas lhe pareceu
que se sentia muito satisfeita.
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Captulo 16
Eram quase cinco horas quando Arthur conduziu a elegante carruagem para a
entrada do enorme parque. A seu lado, vestida com seu novo traje de passeio azul e
um chapu combinando, Elenora lembrava a si mesma, por milsima vez, que no era
mais que uma dama de companhia contratada para representar um papel. Entretanto,
bem no fundo do seu corao, no podia resistir a tentao de imaginar, embora fosse
s por uns instantes, que a obra se converteu em realidade e que Arthur a tinha
convidado a sair simplesmente porque queria estar com ela.
Uma cena alegre e cheia de cor se estendia diante dos seus olhos. A tarde
primaveril era clida e ensolarada e, como era costume na cidade, grande parte da boa
sociedade tinha ido ao parque para contemplar e ser contemplada.
As capotas de muitos dos veculos estavam arriadas para deixar os passageiros
ao descoberto, todos eles vestidos com elegncia. Vrios cavalheiros cavalgavam em
montarias preciosamente adornadas por um caminho prximo e se detinham
frequentemente para saudar os passageiros das carruagens, intercambiar fofocas e
flertar com as damas. Os casais que passeavam pelo parque estavam na realidade
anunciando sociedade que tinham planos de matrimnio ou que estavam
considerando seriamente esta possibilidade.
Elenora no se surpreendeu ao descobrir que Arthur levava as rdeas como
tudo o que fazia: quer dizer, com uma suave, mas eficiente, autoridade serena. Seus
cavalos, bem emparelhados e perfeitamente domados, respondiam imediatamente a
seus gestos.
Encontrei a Watt em umas cavalarias explicou Arthur.
Contou-lhe algum detalhe em relao a morte de seu tio av?
Watt me explicou que no dia do assassinato, ele e tio George passaram
virtualmente toda a tarde trabalhando em certos experimentos no laboratrio. Depois
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do jantar, George se retirou a seu dormitrio, no andar de cima. Watt tambm foi
dormir. Seu dormitrio estava no andar de baixo, perto do laboratrio.
Ouviu algo naquela noite? perguntou Elenora.
Arthur balanou a cabea com gravidade e respondeu:
Watt me contou que dormia profundamente, mas despertou ao ouvir uns
rudos estranhos e um grito afogado que procediam do laboratrio.
Foi investigar do que se tratava?
Sim. No era estranho que tio George fosse ao laboratrio tarde da noite
para comprovar os resultados de algum experimento ou fazer anotaes no seu dirio.
Watt temeu que tivesse sofrido algum percalo. Mas, a porta do laboratrio estava
trancada com chave. Watt teve que ir procurar a sua, que estava na sua mesinha de
cabeceira. Enquanto fazia isso, ouviu dois disparos.
Santo cu! E viu o assassino?
No. Quando retornou ao laboratrio j tinha fugido pela janela.
Como estava seu tio av?
Watt o encontrou no cho, agonizando sobre uma poa de sangue.
Elenora se estremeceu ao pensar naquela cena.
Que horror! exclamou.
Tio George ainda estava consciente e murmurou umas palavras antes de
morrer. Watt me contou que no viu sentido ao que dizia, e sups que George
experimentava algum tipo de alucinao causada pelas feridas mortais que sofria.
Watt recorda o que seu tio disse?
Sim respondeu Arthur com calma . As ltimas palavras de meu tio av
foram dirigidas a mim. George disse: diga a Arthur que Mercrio ainda est com
vida.
Elenora conteve o flego um instante e disse:
Ento, o senhor tinha razo. A morte de seu tio est relacionada com seus
antigos companheiros e as pedras vermelhas.
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Elenora ficou muito nervosa ao dar-se conta de que tinha se esquecido das
boas maneiras, mas em seguida recuperou o domnio de si mesma e realizou as
apresentaes.
Jeremy inclinou a cabea com educao, mas Elenora percebeu a expresso
atnita de seus olhos quando se deu conta de quem era o cavalheiro ao que lhe
estavam apresentando. Embora no tenha reconhecido a Arthur de vista, o qual
pensou Elenora no era surpreendente porque frequentavam meios diferentes, sim
reconheceu o nome e o ttulo de St. Merryn.
A consternao inicial de Elenora se transformou em jbilo.
Era evidente que Jeremy se sentia desconcertado ao ver sua noiva rejeitada
sentada do lado de um dos homens mais misteriosos e capitalistas da aristocracia.
Mas enquanto o observava, Elenora se deu conta de que sua surpresa e sua
confuso se foram transformando em uma especulao maliciosa. Jeremy estava
comeando a procurar o modo de utilizar a relao de Elenora com Arthur em
benefcio prprio.
Como ela pde no perceber este aspecto dele quando a tinha cortejado?
Agora que a venda tinha cado dos seus olhos, Elenora no podia evitar perguntar-se o
que a tinha atrado nele.
De onde voc conhece a minha noiva, Clyde? perguntou Arthur dessa
forma despreocupada e perigosa que Elenora comeava a reconhecer.
O rosto de Jeremy ficou branco como cera.
Noiva? repetiu dando a impresso de que se engasgava com a palavra .
Voc est noivo de Elenora, senhor? Mas... isto impossvel. No entendo. No pode
ser...
Voc no respondeu a minha pergunta interrompeu Arthur enquanto se
esquivava de um veculo . De onde conhece a minha noiva?
Somos... isto... velhos amigos.
Jeremy teve que esporear sua montaria para acelerar o passo e poder seguir o
ritmo da carruagem.
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O assassino saiu a toda pressa do quarto, mas antes apagou a vela e fechou a
porta. Precipitou-se escada abaixo ofegando intensamente. Quando chegou ao andar
de baixo, lembrou-se da mscara. Tirou-a do bolso da capa e colocou-a na cabea.
As coisas no tinham sado exatamente como ele tinha planejado.
No esperava esse ataque desesperado da sua vtima. Os dois ancies tinham
morrido com facilidade e ele tinha suposto que o maldito mordomo o faria do mesmo
modo.
Quando Ibbitts se laou sobre ele, com a navalha na mo e a camisa coberta de
sangue, pareceu-lhe como um morto que tivesse sido revivido por uma descarga
eltrica.
A sensao de terror que experimentou nesse momento ainda o embargava,
excitava seus nervos e turvava sua mente, que normalmente estava perfeitamente
lcida.
Uma carruagem de aluguel o esperava na escurido da rua. O chofer se abrigou
dentro do sobretudo e apertou a garrafa de genebra contra seu corpo. O assassino
perguntou-se se teria ouvido os disparos. No, pensou. Era muito pouco provvel. O
quarto de Ibbitts estava do outro lado do edifcio, uma construo velha, de pedra e
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com muros muito grossos. Alm disso, vrias carruagens estalavam ruidosamente pela
rua.
Se o som dos disparos tivesse chegado aos ouvidos do chofer, devia ter ser
virtualmente imperceptvel.
Durante um ou dois segundos titubeou, mas ento decidiu que naquele bairro
nada devia lhe preocupar. O chofer estava bastante bbado e tinha pouco interesse
nas atividades do seu passageiro. A nica coisa que lhe preocupava era sua tarifa. E
embora tivesse curiosidade ou decidisse falar sobre ele com seus amigos no botequim,
no havia nenhum perigo, pensou o assassino enquanto entrava na cabine do veculo.
Na realidade, o chofer no tinha visto o seu rosto em nenhum momento: levava-o
oculto atrs da mscara.
O assassino deixou-se cair sobre os desgastados almofades e o carro entrou
em movimento. Sua respirao foi serenando-se aos poucos. Em seguida, relembrou
os acontecimentos recentes e sua mente lgica e aguda repassou todos os detalhes.
Procurou metodicamente na sua memria os possveis enganos ou as pistas que podia
ter deixado inadvertidamente.
Ao final se sentiu satisfeito e decidiu que a questo estava sobre controle.
Ainda respirava muito rpido e estava um pouco atontado, mas sentiu-se
satisfeito ao notar que seus nervos se tranquilizavam. Ento, ergueu as mos diante do
seu rosto. O interior da cabine no estava iluminado, pelo que no pde ver seus
dedos com claridade, mas estava quase seguro de que j no tremiam.
A sensao de pnico que tinha experimentado logo depois do ataque
inesperado de Ibbitts se evaporou, e agora sentia ondas de excitao invadindo seu
corpo.
Queria, no... precisava celebrar seu grande xito. Esta vez no recorreria ao
bordel exclusivo ao que tinha ido depois de assassinar a George Lancaster e ao outro
ancio. Nessa ocasio necessitava uma celebrao muito mais pessoal, uma que se
ajustasse ao destino que se desenrolava a sua frente.
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Captulo 18
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Captulo 19
O baile a fantasia era um sucesso. Lady Fambridge tinha exibido todo seu
reconhecido talento na decorao que tinha escolhido para o evento. O salo, enorme
e elegante, no estava sendo iluminado pelos habituais candelabros deslumbrantes, e
sim por lanternas vermelhas e douradas. A tnue iluminao projetava no salo
sombras alongadas e misteriosas.
Ao longo das paredes foram agrupando estrategicamente vrios vasos de barro
com palmeiras procedentes da estufa de lady Fambridge para proporcionar espaos
isolados destinados aos casais.
Elenora tinha descoberto imediatamente que os bailes a fantasia eram lugares
de paqueras e devaneios. Eram a oportunidade para que os entediados membros da
alta sociedade participassem dos jogos de seduo e intriga, seus favoritos, de forma
mais aberta que a habitual.
Naquela manh, durante o caf da manh, Arthur tinha admitido que quando
aceitou o convite no era consciente de que o evento requereria levar uma tnica e
uma mscara.
Isto era o que acontecia quando as decises sociais eram deixadas nas mos
dos homens, Elenora pensou. Nem sempre prestavam ateno aos detalhes.
Em qualquer caso, Margaret e Bennett pareciam estar divertindo-se muito.
Fazia meia hora que tinham desaparecido. Elenora tinha a suspeita de que estavam
aproveitando algum dos rinces ntimos que as palmeiras criavam estrategicamente ao
redor do salo.
Quanto a ela, nesse momento estava abrindo caminho entre a multido at a
porta mais prxima. Necessitava um descanso.
Durante a ltima hora, tinha danado diligentemente com um bom nmero de
cavalheiros mascarados sem preocupar-se em ocultar suas faces atrs da pequena
mscara de plumas que segurava com uma mo. Depois de tudo, como lhe tinha
recordado Margaret, o objetivo era que a reconhecessem.
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Tinha cumprido com as suas obrigaes o melhor que podia, mas agora no s
estava entediada, mas tambm apesar das confortveis sapatilhas de baile que
calava, os ps comeavam a lhe doer. O ritmo regular de bailes e festas comeava a
cobrar seu preo, pensou Elenora.
Quase tinha alcanado a porta quando se deu conta de que um homem vestido
com uma tnica negra se dirigia com determinao na sua direo. Usava o capuz da
capa, de modo que tinha o rosto coberto nas sombras. Quando se aproximou, Elenora
se deu conta de que ocultava suas faces atrs de uma mscara de seda negra.
O homem se deslizava entre as pessoas como um lobo que procura no meio da
manada pela ovelha mais dbil. A Elenora lhe alegrou o corao e se esqueceu por um
momento de seus ps doloridos. Quando Arthur saiu de casa essa tarde, levando
consigo uma tnica e uma mscara negras, disse-lhe que se encontrariam no baile dos
Fambridge e que a acompanharia de volta para casa.
Embora ela no o esperasse to logo. Possivelmente tinha tido xito nas suas
indagaes e queria comentar seus novos descobrimentos com ela. Elenora se
reconfortou ao pensar que Arthur, embora parecesse querer ignorar, pelo menos no
momento, a atrao que havia entre eles, tratava-a como uma espcie de conselheira
naquele projeto.
Mas quando Elenora teve ao desconhecido da tnica negra diante dela, sua
excitao se evaporou imediatamente: aquele homem no era Arthur. Elenora no
sabia como podia estar to certa disso, mas estava, inclusive antes que a tocasse.
No foi a voz o que o delatou, pois no pronunciou nenhuma palavra.
Entretanto, Elenora no achou estranho que no falasse, no era o primeiro cavalheiro
que, naquela noite, convidava-a a danar por meio de gestos. As vozes eram fceis de
identificar e vrios convidados preferiam realizar seus jogos anonimamente. De
qualquer jeito, ela tinha reconhecido maioria dos seus parceiros de dana, sobre
tudo aqueles com os que tinha danado alguma valsa em outras ocasies.
A valsa era um tipo de dana surpreendentemente ntimo. No havia dois
homens que a danassem da mesma maneira. Alguns o faziam com uma preciso
quase militar, outros arrastavam a sua parceira pela pista de dana com um
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Elenora no tinha dvida alguma de que era a primeira vez que danava uma
valsa com aquele homem, mas se perguntou se j no o tinha conhecido em algum
outro lugar.
Est aproveitando a noite? perguntou-lhe Elenora com a esperana de
que ele falasse.
Entretanto, o homem se limitou a inclinar a cabea em um gesto afirmativo,
mas silencioso.
Seus longos dedos a prendiam com tanta fora que ela sentia o contorno do
anel que ele usava.
A mo enluvada daquele homem lhe apertou com fora a cintura e Elenora
quase tropeou. Se deslizasse a mo mais abaixo ela daria por terminado o baile
imediatamente, disse a si mesma. No podia permitir que aquele homem a tocasse de
um modo mais ntimo.
Elenora tirou a mo do ombro de seu parceiro de dana e a colocou em seu
brao com o intuito de separar-se um pouco dele. Ao realizar aquele movimento,
roou com a mo um rasgo comprido e irregular nas dobras volumosas do grosso
tecido da sua tnica. Possivelmente tinha agarrado na porta da carruagem. Elenora se
perguntou se deveria comentar-lhe.
No, quanto menos falassem, melhor. No queria manter uma conversa
amigvel com aquele homem, ainda que ele mostrasse desejos de falar.
Ento, quando estavam em um dos extremos da pista de dana, o homem da
mscara, sem dizer uma nica palavra, interrompeu a dana, fez uma reverncia
pronunciada, virou sobre si mesmo e se dirigiu, a grandes passos, para a porta mais
prxima.
Elenora o observou enquanto ele se afastava, um pouco atordoada pelo
estranho episdio, mas muito aliviada pelo fato de que tivesse terminado.
De repente, sentiu que sua prpria tnica lhe dava muito calor: precisava
respirar ar fresco, ainda mais que antes.
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Elenora cobriu o rosto com a mscara e conseguiu sair da sala entre as sombras
e, sem atrair mais a ateno, percorreu um silencioso corredor e procurou refgio na
estufa dos Fambridge, que estava iluminada pela luz da lua.
A enorme estufa emanava um aroma intenso e tranquilizador de terra frtil e
plantas vigorosas. Elenora se deteve na entrada para dar tempo a que seus olhos se
acostumassem s sombras.
Depois de uns instantes, a plida luz da lua que atravessava os painis de cristal
e iluminava o recinto lhe permitiu distinguir o contorno das mesas de trabalho e das
folhagens volumosa das plantas.
Elenora avanou por um corredor flanqueado por plantas de folhas largas
enquanto desfrutava do silncio e da solido. Tinha danado com um bom nmero de
desconhecidos misteriosos e mascarados aquela noite, mas Arthur no estava entre
eles. Mesmo que tivesse se aproximado dela oculto por uma tnica e uma mscara, e
mesmo que no tivesse pronunciado nenhuma palavra, ela o teria reconhecido pela
sua forma de toc-la, pensou Elenora. Algo no seu interior reagia cercania de Arthur,
como se lhes unisse uma espcie de conexo metafsica. Sem dvida, ele tambm
experimentava algo parecido quando estava perto dela. Ou acaso ela se estava
enganando?
Elenora alcanou o final do corredor flanqueado por plantas que cresciam em
vasos de barro e, quando estava a ponto de retornar, algo, o barulho de sapatos na
cermica do cho e o sussurro do tecido de uma tnica, indicou-lhe que j no estava
sozinha na estufa.
Seu pulso se acelerou e Elenora se ocultou instintivamente na sombra de uma
palmeira de grande tamanho. E se seu companheiro de dana a tinha seguido at ali?
A estufa tinha lhe parecido um refgio seguro, mas agora se dava conta de que
se ficou apanhada no fundo daquela construo. O nico caminho de volta ao salo de
baile exigia que se cruzasse com a pessoa que a tinha seguido.
Senhorita Lodge? perguntou uma voz baixa e trmula de mulher.
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Tudo nela era to primoroso e encantador que, em certo modo, parecia irreal.
Ali, entre a vegetao iluminada pela luz da lua, Juliana bem poderia ter sido a rainha
das fadas recebendo a corte no jardim.
Como quiser. Elenora tirou a mscara e acrescentou : Sem dvida, voc
sabe quem sou.
A nova noiva de St. Merryn. Juliana se deteve, de forma primorosa, a
pouca distncia da Elenora . Suponho que deveria felicit-la.
Terminou a frase com uma entonao crescente, como se formulasse uma
pergunta.
Obrigado respondeu Elenora com frieza . Voc deseja algo?
Juliana se estremeceu.
Sinto muito, no estou lidando muito bem com esta situao. A verdade
que no sei como faz-lo.
Nada resultava to irritante como uma pessoa que hesitasse e divagasse sem ir
direto ao ponto, pensou Elenora.
O que , com exatido, que deseja? perguntou-lhe.
Isto me parece to difcil... Possivelmente me resultaria mais fcil se me
permitisse comear pelo princpio.
Se acreditar que servir de ajuda...
Juliana virou um pouco a cabea e examinou uma planta prxima, como se no
tivesse visto nada parecido em toda sua vida.
Estou segura de que ouviu os rumores disse por fim.
J sei que voc esteve noiva de St. Merryn e que fugiu com Roland Burnley,
se for isto ao que se refere.
Elenora no se incomodou em ocultar sua impacincia.
Juliana apertou um punho e explicou:
No tive escolha. Meus pais estavam decididos a que eu me casasse com St.
Merryn. Nunca teriam permitido que cancelasse o compromisso. Estou convencida de
que, se tivesse confessado ao meu pai que no teria foras para casar-me com St.
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que St. Merryn nos seguisse, mas o verdadeiro perigo residia em outro lugar, no seio
das nossas prprias famlias.
O que quer dizer?
Sabamos que o meu pai se enfureceria e que me deixaria sem um penique,
e isto exatamente o que ocorreu. Entretanto, o que no tnhamos previsto que o
pai de Roland se zangasse tanto como para privar-lhe sua atribuio.
Santo cu!
Encontramo-nos em uma situao financeira desesperada, senhorita Lodge.
Entretanto, Roland muito orgulhoso e no ir rogar a seu pai para lhe restitua sua
atribuio.
E como sobrevivem?
Minha me, bendita seja! Mesmo em risco de ser o alvo da clera de meu
pai, entrega-nos, em segredo, parte do dinheiro que ele lhe subministra para a
manuteno da casa. Alm disso, vendi algumas das joias que levei comigo quando
Roland e eu fugimos. Juliana se mordeu o lbio . Por desgraa, no obtive muito
dinheiro por elas. Resulta surpreendente o pouco que se valoram as boas joias quando
uma se v obrigada a empenh-las.
Elenora sentiu uma onda de autntica empatia.
Sei. Eu tambm tive ocasio de descobri-lo.
Juliana no parecia interessada em comparar os preos dos prestamistas.
Estava muito concentrada em seu relato.
Roland, por sua parte, provou sorte nas mesas de jogo. Recentemente,
conheceu um homem que parecia saber desenvolver-se bem neste mundo.
O que quer dizer?
Este homem conduziu Roland a um clube no que, conforme lhe prometeu,
jogava-se limpo. Ao princpio, Roland ganhava com frequncia e, durante um tempo,
acreditou que sua boa sorte nos ajudaria a sair airosos da situao. Mas ultimamente
suas cartas foram muito ms. Perdeu muito dinheiro na noite passada e, como tinha
apostado at meu ltimo colar, agora no fica quase nada.
Elenora suspirou.
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Captulo 20
Vinte minutos depois, Elenora retornou sala de baile iluminada pela tnue luz
das lanternas. A multido de bailarinos disfarados com tnicas e mscaras era ainda
mais numerosa. Elenora descobriu um canto vazio ao amparo de duas palmeiras e se
sentou no pequeno banco dourado que havia ali.
Abstraidamente, observou aos mltiplos bailarinos tentando localizar Margaret
e Bennett com o olhar enquanto refletia a respeito da conversa que acabara de ter
com Juliana.
Seus pensamentos se detiveram de repente quando vislumbrou um homem
com tnica e mscara negras que se dirigia at ela. Outra vez no, pensou sentindo
um calafrio. No permitiria que aquele homem a tocasse de novo. No podia esquecer
a sensao que sua mo na sua cintura lhe tinha produzido e o aroma de sua estranha
excitao.
Entretanto, segundos depois, deu-se conta de que no se tratava do mesmo
homem e uma sensao de alvio a invadiu. Embora aquele homem tambm avanasse
entre a multido com os movimentos decididos de um predador, no havia em seus
passos uma energia antinatural, a no ser de poder e controle. O capuz da sua tnica
estava pendurado nas suas costas e, embora seus olhos estivessem ocultos atrs da
mscara de seda negra, seu perfil orgulhoso e seu espesso cabelo negro, penteado
para trs deixando ao descoberto sua larga testa, resultavam inconfundveis.
Um comicho de antecipao incontrolvel percorreu as veias de Elenora.
Ento retirou a mscara de seu rosto e sorriu.
Boa noite, senhor manifestou . Chega cedo, no?
Arthur se deteve frente a ela e a saudou com uma reverncia.
Um viva a meu engenhoso disfarce! Cheguei faz uns minutos. Em seguida
encontrei Margaret e Bennett, mas me disseram que a tinham perdido entre a
multido.
Fui estufa tomar um pouco de ar fresco.
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Quando viu que algo assim tenha tido um resultado que no fosse
desastroso?
Quando o conheci nos escritrios da Goodhew e Willis, pensou Elenora com
nostalgia. Ela foi agncia em busca de um posto de dama de companhia, um
emprego tranquilo para trabalhar para algum como a senhora Egan e, em vez disso,
encontrou-se com Arthur. E, agora, acontecesse o que acontecesse entre eles, sabia
que sua vida nunca voltaria a ser a mesma.
Mas no podia dizer isto a Arthur, de modo que se limitou a sorrir com a
esperana de transmitir a sua expresso um ar misterioso.
Quando chegaram entrada principal da manso Fambridge, Arthur pediu que
lhe trouxessem a sua carruagem. Minutos mais tarde, uma das carruagens que
permaneciam na longa fila de veculos que esperavam na rua se separou dos outros.
Quando a carruagem chegou ao p das escadas, Arthur ajudou a Elenora a subir no seu
interior.
Ele entrou atrs dela com agilidade e as dobras da sua tnica flutuaram a suas
costas como as asas negras de um pssaro caador noturno.
Arthur fechou a portinhola e se sentou em frente a Elenora. Aquela era a
primeira vez que estavam sozinhos no veculo, pensou ela.
J tive suficiente deste estpido baile! exclamou Arthur desamarrando a
mscara e jogando-a para um lado . No vejo graa em esconder a prpria
identidade, a menos que a gente tente cometer algum ato indevido.
No tenho nenhuma dvida de que esta noite se cometeram vrios no salo
de baile dos Fambridge.
Sim, certamente. Arthur se acomodou em um dos extremos do assento e,
depois de torcer a boca em um gesto de diverso, adicionou : E suspeito que a
maioria tm algo que ver com relaes ilcitas de algum tipo.
Exatamente.
Ele a contemplou com seu olhar perigoso.
Espero que no tenha estado submetida a nenhuma humilhao. O trabalho
de Margaret consiste em assegurar-se de que voc no objeto de nenhum tipo de
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esquivo de Arthur e, de repente, soube com certeza que ele sempre tinha sido
consciente de que sua noiva lhe tinha medo.
Elenora no se surpreendeu de que Arthur soubesse o que Juliana sentia.
Entretanto, a ideia de que encarou como algo pessoal as muito sensveis imaginaes
de uma jovenzinha ou que inclusive tivesse permitido que o deprimissem, deixou-a
sem palavras.
Em minha opinio, Juliana cresceu muito sobreprotegida manifestou
Elenora com determinao . Sua juventude e sua falta de experincia mundana
foram sem dvida a causa de que casse vtima dos fantasmas que costumam ser
produto da imaginao das jovens.
Ele se virou para ela.
Mas no da sua, verdade, senhorita Lodge? perguntou Arthur com ironia.
Ela desprezou aquela ideia movendo a mscara que segurava na mo.
Uma mulher que tem a inteno de entrar no comrcio no pode se permitir
o luxo de possuir uma sensibilidade muito refinada.
Um sorriso se esboou quase imperceptivelmente na comissura dos lbios do
Arthur e, imediatamente, desvaneceu-se. Ele inclinou ento a cabea com ar solene.
Sem dvida, certo que uma sensibilidade delicada pode interferir na
obteno de benefcios ele admitiu observando-a com ateno . Eu aprendi isso
faz j vrios anos, de modo que nunca permito que os sentimentos influam nas
decises que devo tomar em relao a estas questes.
Aquilo no prometia muito, pensou Elenora. Dada sua legendria e prodigiosa
intuio em relao s finanas e os investimentos, sem dvida ele j tinha adivinhado
que ela ia pedir-lhe algum favor relacionado com dinheiro e lhe estava advertindo que
podia economizar o esforo.
Elenora decidiu insistir e empregou as armas que melhor podiam convenc-lo:
a lgica e a responsabilidade.
Senhor, irei direto ao ponto declarou Elenora . Juliana se aproximou de
mim esta noite para me pedir um favor.
Ele entreabriu um pouco os olhos e disse:
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No, mas os cria com frequncia e ambos sabemos que, mais cedo ou mais
tarde, empreender outra aventura financeira. Poderia oferecer uma participao a
Roland no seu prximo projeto.
No vejo nenhuma razo lgica pela qual devesse convidar a Roland Burnley
para participar num consrcio, mesmo que ele dispusesse dos recursos necessrios
para comprar uma participao, e, conforme a senhorita indicou antes, este no o
caso.
O fato de que disponha ou no dos recursos necessrios para comprar uma
participao constitui outra questo. Falaremos dela em breve.
Seriamente?
O senhor est tentando me intimidar? Se for assim, deve saber que a sua
estratgia no est funcionando ela afirmou.
Possivelmente devesse tent-lo com mais intensidade.
Elenora realizou um esforo para armar-se de pacincia.
Intento lhe explicar por que deveria considerar a possibilidade de que
Roland seja um membro de sua prxima associao de investidores.
Ardo de impacincia por ouvi-la.
A questo continuou Elenora decidida a terminar seu argumento que,
de alguma maneira, se poderia dizer que voc constitui a razo de que Juliana e Roland
se encontrem na sua atual e desafortunada situao financeira.
Maldio! A senhorita est dizendo que sou o culpado de que esses dois
fugissem?
Elenora se endireitou e declarou:
De certa maneira, sim.
Ele amaldioou em voz baixa outra vez e se reclinou no assento.
Diga-me, senhorita Lodge, voc cr que foi minha culpa que Juliana se
horrorizasse at tal ponto de ter que sofrer um destino pior que a morte em minha
companhia que decidisse fugir na metade da noite com outro homem?
Certamente no. Elenora se sentia muito consternada pelas concluses de
Arthur . O que eu digo que o senhor , em parte, responsvel pelos resultados
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daquela fuga, porque poderia ter ido atrs deles e hav-los detido. Alm disso, se os
tivesse seguido, poderia hav-los apanhado antes que a reputao de Juliana sofresse
algum dano.
Se por acaso no ouviu a histria toda, direi que, naquela noite, houve uma
tempestade horrorosa Arthur lhe recordou . S um louco teria se aventurado a
sair.
Ou algum louco de amor ela retificou sorrindo levemente . Ouvi vrias
verses da histria, milord, e cheguei concluso de que o senhor no encaixa com
esta ltima definio. Se tivesse estado apaixonado por Juliana teria sado atrs dela.
Ele estendeu os braos e os apoiou no respaldo de seu assento. Seu sorriso era
fino e afiado como a folha de uma espada.
Sem dvida, algum j ter se incomodado em lhe explicar que a nica coisa
que me motiva o dinheiro. J me adjudicaram muitos atributos, senhorita Lodge, mas
lhe asseguro que ser apaixonado no um deles.
Sim, bom, eu diria que poucas pessoas o conhecem o suficiente para emitir
um julgamento deste tipo, e isto tambm culpa sua.
Como demnios a senhorita pode me considerar culpado disto?
No pretendo ofend-lo, senhor, mas no favorece a... Elenora se
interrompeu de repente e se deu conta de que intimidade, que era a palavra que
tinha estado a ponto de utilizar, no era uma boa palavra para descrever a natureza
distante e de autodomnio de Arthur . Digamos que no favorece as relaes
pessoais estreitas.
E por uma boa razo. Esse tipo de relaes com frequncia interferem nas
decises econmicas adequadas.
No acredito, nem por um instante, que este seja o motivo de que mantenha
a maioria das pessoas a certa distncia de voc. Suspeito que a verdade que seu
exagerado sentido da responsabilidade o impede de baixar a guarda. Voc no se
atreve a correr o risco de confiar em outra pessoa e deixar que esta assuma o controle
durante um tempo.
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Como dizia, no acredito que deva sentir-se culpado pelo que aconteceu.
Depois de tudo, voc no fez nada de errado.
Ele a olhou e Elenora se sobressaltou ao descobrir nos seus olhos o brilho de
um humor irnico.
Isto no mais que uma questo de opinio declarou ele . Quem a
senhorita pensa que calculou at o ltimo condenado detalhe do plano da fuga?
Como diz? Elenora compreendeu de repente . O senhor arranjou tudo
para que o casal fugisse naquela noite?
Eu me encarreguei de tudo admitiu Arthur sacudindo a cabea . Desde a
escolha da data at a compra da escada com o comprimento adequado para chegar
janela do dormitrio de Juliana e as gestes para a entrega da carruagem e os cavalos.
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Captulo 21
Elenora olhou Arthur, atordoada. Ele, por sua parte, desfrutou da sua
expresso. No era frequente que a conseguisse desconcertar daquela maneira.
Entretanto, por mais divertido que fosse v-la surpreendida e afetada, aquela
sensao no tinha sido absolutamente to satisfatria como o contato de seus dedos
na sua coxa. Ainda sentia o calor da sua mo atravs do tecido das suas calas.
A comoo de Elenora se transformou em admirao.
Claro! Seus lbios tremeram e, em seguida, ela esboou um amplo sorriso
. Foi o senhor quem elaborou aquele plano de fuga, no Roland.
Algum tinha que faz-lo por ele. Era bvio que o jovem Burnley ardia em
desejos de resgatar a sua dama do terrvel destino que a aguardava. Alm disso, uma
fuga era a nica forma de eu pudesse me liberar daquela confuso sem humilhar a
Juliana e a sua famlia.
Como convenceu a Roland para que aceitasse um plano elaborado pelo
senhor? Naquela poca, devia consider-lo seu pior inimigo.
Assim . Acredito que para ele eu era a encarnao do mal. Na realidade,
ainda o sou. Bennett Fleming me ajudou naquele projeto.
Claro.
Os olhos de Elenora faiscaram de prazer.
Foi ele quem convenceu a Roland de que a nica maneira de resgatar a
Juliana era fugir com ela Arthur prosseguiu . Quando Roland se mostrou
entusiasmado, embora afligido pela forma de realizar a fuga, Bennett lhe contou a
estratgia que eu tinha planejado. Arthur se lembrou do dia e meio que tinha
dedicado elaborao do plano . Anotei todos os detalhes. Sabe o complicado que
resulta preparar uma fuga com xito?
Elenora ps-se a rir. O som de sua risada despertou algo no interior de Arthur,
quem sentiu uma necessidade, quase irresistvel, de cruzar o estreito espao que os
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No, senhor. Pelo o que eu sei, ainda continua ali. Dirigi-me parte traseira
do edifcio e observei sua janela. No interior no havia nenhuma luz acesa. Suponho
que dormia.
Arthur olhou a Elenora.
A acompanharei a casa e, depois, irei ver a Ibbitts. Quero averiguar tudo o
que possa a respeito da visita desta noite.
E o que far se no ele quiser lhe contar o aconteceu? perguntou ela.
No acredito que seja difcil para mim fazer com que ele fale ele
respondeu com tranquilamente . Conheo os da classe dele. A nica coisa que
preciso fazer lhe oferecer dinheiro.
No necessrio que me acompanhe a Rain Street antes de ir falar com
Ibbitts respondeu Elenora sem demora . Seria uma grande perda de tempo. As
ruas esto entupidas devido ao trfico e me acompanhar lhe ocasionaria um grande
atraso.
No acredito... comeou ele.
No lhe permitiu terminar a frase.
Dadas as circunstncias, esta constitui a melhor linha de ao. Sou
consciente de que se sente ansioso por entrevistar a Ibbitts e no existe nenhuma
razo para que eu no possa lhe acompanhar.
Ela tem razo, senhor manifestou Hitchins desejoso de ajudar.
Arthur sabia. Entretanto, se Elenora tivesse sido qualquer outra dama ele nem
sequer teria contemplado a possibilidade de lev-la a aquela parte da cidade. Mas ela
no era qualquer mulher. Elenora no se intimidaria ao ver um cliente de um
botequim bbado pela rua ou a uma prostituta exercendo seu ofcio em algum beco.
Alm disso, graas a Jenks, Hitchins e a ele mesmo, estaria segura.
Est bem Arthur concordou finalmente . Desde que me d sua palavra
de que permanecer na carruagem enquanto eu falo com Ibbitts.
Acredito que poderia ser de ajuda durante a entrevista.
Voc no entrar no alojamento de Ibbitts, e isto est decidido.
Elenora no pareceu muito satisfeita, mas no discutiu sua deciso.
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Meia hora depois a carruagem se deteve, com um chiado, na rua escura onde
se encontrava o alojamento de Ibbitts. Elenora tinha acertado quanto ao trfico,
pensou Arthur enquanto descia do veculo logo depois de Hitchins. Se a tivesse
acompanhado a Rain Street teria perdido mais de uma hora.
Antes de fechar a porta da carruagem, Arthur olhou a Elenora com a inteno
de lhe recordar sua promessa de permanecer no interior do veculo.
Tome cuidado, Arthur ela pediu antes que ele pudesse falar. A palidez do
seu rosto contrastava com as sombras projetadas nele pelo capuz da tnica . Eu no
gosto desta situao.
A inquietao refletida na sua voz pegou a Arthur de surpresa. Ele a
esquadrinhou na escurido. At aquele momento, tinha-lhe parecido que estava
tranquila e muito segura de si mesma. Estranhou aquele ataque de ansiedade.
No se preocupe respondeu ele em voz baixa , Jenks e Hitchins ficaro
com a senhorita.
No minha segurana o que me preocupa. Elenora se inclinou para ele e
baixou a voz . O que acontece que, seja qual for a razo, este assunto me causa
uma sensao muito desagradvel. Rogo-lhe que no entre a sozinho. Eu no
necessito o amparo de dois homens. Por favor, leve a um deles com o senhor.
Eu tenho a pistola ele reps.
As pistolas so conhecidas por falhar no momento mais inoportuno.
Aquela amostra de intranquilidade no era comum nela, Arthur pensou.
Entretanto no tinha tempo para tranquiliza-la, de modo que seria mais fcil aceitar
sua proposta.
De acordo, se isto a tranquiliza, levarei a Hitchins comigo e deixarei a Jenks
para que a vigie junto com a carruagem.
Obrigada respondeu ela.
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Enfim, isto parece demonstrar que algum sabe que o senhor est
investigando o assassinato do seu tio av ela comentou.
Assim Arthur assentiu segurando com fora o punho da pistola . Este
assunto se converteu num jogo de esconde-esconde. Tomara Hitchins tivesse visto
mais de perto ao indivduo que entrou no quarto de Ibbitts.
O senhor descobriu alguma pista na cena do crime?
No me entretive em efetuar um registro exaustivo. A nica coisa que
parecia evidente era que Ibbitts tentou defender-se com sua navalha.
O senhor acha que ele feriu seu atacante? Elenora perguntou com
evidente interesse . Se o conseguiu, possivelmente tenhamos mais possibilidades de
identific-lo.
Por desgraa, acredito que s conseguiu rasgar a capa de seu assassino. Na
folha da navalha havia uns quantos fios negros, mas nenhum rastro de sangue.
Um estranho silncio se produziu na zona que Elenora ocupava.
Uns fios negros? repetiu ela com voz grave . Como de uma capa longa?
Exato. Suponho que houve uma briga e a arma de Ibbitts se enganchou no
tecido da capa de seu assassino. Embora no sei como poderia nos ajudar esta
informao. Se dispusssemos de alguma outra testemunha...
Elenora inspirou profundamente.
Acredito que possvel que haja outra testemunha, senhor.
Quem? Quem?
Eu ela sussurrou um pouco atordoada . possvel que eu tenha
danado com o assassino pouco depois de que esse cometesse o crime.
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No. No lhe disse nada a respeito. A verdade que no desejava falar com
ele. Elenora encolheu os ombros . Naquele momento, meu principal desejo era
que o baile terminasse o mais rpido possvel.
Ele tampouco disse nada?
Nenhuma palavra. Elenora se mordeu o lbio enquanto recordava a cena
do baile . Suponho que no queria me proporcionar uma pista to significativa a
respeito de sua identidade.
Arthur tirou a jaqueta e o colete e deixou ambas as peas sobre uma mesa
redonda de um s p.
Elenora respirou profundamente e se obrigou a concentrar sua ateno nas
chamas. Arthur no parecia dar-se conta de que virtualmente se estava despindo
diante dela.
Tranquilize-se, pensou. Na realidade, s se estava se pondo cmodo. Um
cavalheiro tinha o direito de faz-lo na intimidade de seu prprio lar. Sem dvida, sua
mente estava concentrada no assassinato, no na paixo, e no se dava conta do
efeito que estava causando nos nervos dela.
Isto poderia significar que a senhorita o conhece de alguma outra ocasio
continuou Arthur . Possivelmente temia que, se falava, o reconheceria.
Sim, possvel. A nica coisa que posso dizer com certeza que nunca tinha
danado com ele.
Como pode ter tanta certeza?
Elenora se aventurou a olh-lo outra vez. Seguia ainda caminhando pela sala
com a energia contida de um leo enjaulado.
difcil de explicar respondeu ela . Quando se dirigiu para mim entre a
multido, achei que se tratava do senhor.
Ao ouvir aquilo, Arthur se deteve.
Que demnios a fez pensar tal coisa?
Levava o mesmo tipo de tnica que o senhor e uma mscara virtualmente
idntica sua.
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Sem dvida, esta noite averiguou, graas a Ibbitts, que o estou procurando.
Sua arrogncia o levou a querer celebrar o que considerou um triunfo sobre mim.
Elenora apertou os lbios.
Possivelmente tenha razo, mas isto no explica que quisesse danar
comigo.
Arthur se virou para ela e Elenora quase ficou sem flego ao ver a raiva
selvagem que brilhava em seus olhos.
No compreende? Existe uma tradio muito antiga e muito desprezvel
entre os homens que lutam entre eles. Com frequncia, os vencedores, para proclamar
sua vitria, possuem s mulheres de seus oponentes.
Possuem? O senhor est falando de estupro! Elenora ficou de p de
repente . E eu lhe asseguro que s se tratou de um baile.
E eu lhe asseguro, senhorita Lodge, que na mente do assassino aquele baile
constituiu um ato simblico que representava outro ato totalmente distinto.
Isto ridculo comeou a afirmar ela rotundamente. Ento se lembrou do
muito que se incomodou ao sentir a mo daquele desconhecido sobre sua cintura, e
respirou fundo . Deixando a um lado como ele viu a situao, desde meu ponto de
vista no foi mais que uma breve valsa com um par muito desagradvel.
Sei, mas sua opinio no vem ao caso.
No estou de acordo ela replicou com ferocidade.
Ele atuou como se no a tivesse ouvido e sussurrou:
Devo elaborar outro plano.
Elenora se deu conta de que ele j estava pensando em sua nova estratgia.
Muito bem. O que vamos fazer? perguntou ela.
Voc no far nada, Elenora, salvo subir a seu dormitrio e recolher suas
coisas. Seu emprego nesta casa termina esta noite. Farei com que seus honorrios
cheguem as suas mos.
Como? Elenora o olhou enfurecida . Despede-me?
Assim . A enviarei a um de meus imveis at que este assunto tenha
terminado.
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informao, a respeito do senhor e de seus planos, mais valiosa que a que dispunha
Ibbitts?
Produziu-se um silncio demolidor. Elenora viu a compreenso refletida no
rosto de Arthur e se deu conta de que ele no tinha mais remdio que aceitar sua
lgica.
Lhe proporcionarei uma escolta armada replicou ele.
Poderia faz-lo, mas isto no deteria, necessariamente, ao assassino. Ele se
move pela sociedade com total liberdade. O que poderia fazer eu? Evitar a todos os
cavalheiros? E durante quanto tempo? Semanas, meses...? O senhor no pode me
manter vigiada indefinidamente. No, estarei muito melhor aqui, ajudando-o a
encontrar ao assassino.
Maldio, Elenora...!
E o que acontece com Margaret? Se eu no estiver mo, o assassino
poderia tentar utilizar a ela. Depois de tudo, ela no s um membro desta casa, mas
tambm parte da sua famlia. Se me eliminar do jogo o assassino poderia consider-la
seu prximo objetivo.
Maldio repetiu Arthur esta vez com suavidade . Voc tem razo, no
pensava com clareza.
Isto se deve a que esteve submetido a uma grande tenso esta noite ela o
tranquilizou . O senhor no deve ser to duro consigo mesmo. Presenciar a cena de
um crime teria um efeito depressivo na capacidade lgica de qualquer pessoa.
Ele sorriu de forma estranha.
Sim, claro. Devi ter me dado conta de que esta era a origem da minha falta
de raciocnio esta noite.
No se preocupe respondeu ela com a inteno de anim-lo . Estou
convencida de que sua capacidade de raciocnio habitual retornar logo.
Espero que assim seja.
Entretanto, o tom de sua voz no resultava nada convincente, pensou ela.
Permita-me lhe recordar que lhe fui muito til nesta investigao
continuou ela, ansiosa por retomar a questo prioritria . Se me permite continuar
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Uns segundos depois Elenora sentiu o pulso firme da sua ereo contra seu
quadril e abriu os olhos com curiosidade para dar uma olhada rpida. J tinha visto
alguns animais de granja com uma ereo, mas nunca a um homem.
A viso quase a deixou sem fala.
Santo cu! exclamou antes de poder deter-se.
O membro do Arthur era grande, muito maior do que ela esperava.
O que foi? perguntou ele enquanto inclinava a cabea para beij-la no
pescoo . Est bem?
Sim, sim, certamente.
Elenora voltou a fechar os olhos rapidamente. Queria lhe perguntar se esse era
o tamanho normal, mas temia que a pergunta o perturbasse. Alm disso, no queria
que ele acreditasse que era outra Juliana e que lhe aterrorizava fazer amor com ele.
Tinha que abordar com sutileza aquela questo, pensou Elenora.
Antes que conseguisse encontrar as palavras adequadas para uma pergunta to
delicada, surpreendeu-se de novo ao ver que ele tirava um leno de linho de seu bolso
e o deixava a um lado. Elenora se perguntou se Arthur pensava espirrar no meio do
ato.
Entretanto, antes que pudesse lhe perguntar sobre o leno ou sobre o
tamanho, os dedos de Arthur se deslizaram pelo arbusto de pelos que ocultava as
partes mais privadas de Elenora.
Acariciou-a ento de uma forma muito ntima e Elenora se sentiu embargada
por uma sensao de deliciosa ansiedade. Ela se retorceu contra ele enquanto
procurava algo mais, algo que no podia descrever.
Est preparada, no? perguntou ele junto boca de Elenora . Est
mida, branda e inchada.
Sim, sim.
Ela no tinha nem ideia do que se referia ele com aquelas palavras, mas aquela
noite s podia lhe responder que sim.
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Arthur se colocou em cima dela lhe separando as coxas com a presso das suas.
Elenora notou a ereo de Arthur procurando a entrada mida e palpitante de seu
corpo e se perguntou se no seria muito tarde para discutir a questo do tamanho.
Mas j era muito tarde. Muito tarde. Ele j a tinha penetrado e empurrava uma
e outra vez, at que a encheu e ela acreditou que ia explodir.
Uma dor aguda e inesperada se apoderou de Elenora. Surpreendida, soltou um
gritinho e afundou as unhas nas costas de Arthur.
Santo cu!
Elenora abriu os olhos de repente e se encontrou com o olhar selvagem de
Arthur.
Elenora...! Seu rosto refletia uma emoo que bem podia ter sido irritao
. Por que no me disse?
Dizer o que?
Elenora se retorceu um pouco, consciente de que seu corpo ia se acoplando ao
dele. Ajustava-se com dificuldade, ela concluiu, mas se ajustava. E isso era o
importante.
Por que no me disse que era virgem? ele perguntou entre dentes.
Porque no era importante.
Eu sim considero que era importante reps ele.
Eu no.
Maldio, achei que era uma mulher com experincia neste tipo de coisas.
Elenora lhe sorriu.
Tenho boas notcias para voc: a partir deste exato momento, sou uma
mulher experiente.
No tire o sarro ele advertiu . Estou muito zangado contigo.
Isto significa que no vai terminar o que comeamos?
O rosto de Arthur resultava temvel luz do fogo.
Nestes momentos no posso pensar com claridade.
Ela deslizou os dedos entre os cabelos de Arthur.
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Sim, sou consciente de que, se tivesse sabido que no tinha experincia, seu
sentido da responsabilidade, que muito estrito, teria te impedido de fazer amor
comigo.
Um sorriso cruzou os olhos de Arthur.
Eu no disse isso.
No necessrio que pronuncie as palavras exatas ela murmurou . Sei
muito bem que no tinha nenhum direito de te pr nesta situao. Se sentiu irritada
. Entretanto, devo dizer-te que muito irritante experimentar uma sensao to
excitante em determinado momento e ver-me obrigada a sentir culpa e
responsabilidade por este ato no momento seguinte.
Ele a surpreendeu com um sorriso malvado e inesperado.
Nisto estamos totalmente de acordo.
Ela o olhou com desafio.
Recordo-te, uma vez mais, que no estou na mesma categoria que as jovens
casadoiras da alta sociedade. No sou outra Juliana: doce, inocente e sobreprotegida.
Ele se levantou com lentido.
Seja voc quem for, Elenora, sem dvida no outra Juliana.
Sim, bom, s queria me assegurar de que compreendia, de uma forma clara,
que o que ocorreu aqui esta noite no foi absolutamente culpa sua. Voc no
responsvel por nada.
Ele esteve refletindo sobre suas palavras durante o que lhe pareceu uma
eternidade. Pouco depois assentiu com a cabea e se levantou com flexibilidade.
Sabe de uma coisa, querida? Acredito que coincido contigo nesta questo.
Arthur ficou diante da lareira e meteu a camisa nas calas . Muito bem, me
convenceu. Aceito carregar todo o peso da responsabilidade nos seus preciosos
ombros. Inclusive estou disposto a afirmar que me sinto utilizado.
No! Elenora, surpreendida, ficou de p . No, absolutamente, nunca
pretendi te utilizar!
De qualquer maneira, isso que parece, no acha? Quando Arthur
terminou de introduzir a camisa pela cintura das calas, virou-se para Elenora . Voc
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Elenora olhou a seu redor com nervosismo enquanto procurava uma sada.
Possivelmente podia sair ao jardim pela janela. Mas ento, como entraria de novo na
casa?
O que ocorre, Elenora? perguntou Arthur com suavidade enquanto se
abotoava a camisa . No tinha calculado que sua noite de seduo podia ver-se
interrompida em um momento inoportuno?
No se burle de mim ela manifestou em um sussurro rouco . Poderiam
entrar aqui a qualquer momento. O que vamos fazer?
Arthur lhe dedicou uma reverncia galante.
No tema. Embora no estou convencido de que voc merea isso, te
salvarei da vergonha de ser descoberta em uma situao to comprometedora.
Como? perguntou ela sem rodeios.
Deixe-me a mim os detalhes.
Arthur pegou sua tnica, levou-a ao extremo do recinto e a depositou perto da
janela que dava ao jardim. Em seguida, escondeu o leno entre as dobras.
Depois ajudou Elenora a colocar o vestido, pegou-a pelo brao e a conduziu at
a escada de caracol. Ela contemplou a galeria que percorria as paredes da biblioteca
com o cenho franzido.
Esperas que me esconda a em cima?
Um dos painis na realidade uma porta oculta que se comunica com o
armrio da roupa branca. Arthur a apressou para que subisse os estreitos degraus
. Ningum utilizou esta porta em anos. Quase tinha esquecido que existia at que
deduzi que Ibbitts deveu esconder-se a para escutar nossas conversas.
Um painel secreto? De verdade?
De verdade.
Que emocionante! Elenora inspirou enquanto subia com ligeireza os
degraus diante do Arthur . Igual a uma novela de mistrio.
J vejo que considera mais estimulante a porta secreta que ter feito amor
comigo.
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Por que todo mundo supe que no sei o que ocorre na minha prpria
famlia? perguntou Arthur. Viu ento uma fita azul-celeste sobre o tapete, perto do
sof, e se interrompeu.
Tratava-se de uma das ligas de cetim que Elenora usava para prender as meias.
Arthur ficou em p de repente.
Bennett franziu o cenho.
Ocorre algo?
No, nada. De repente, pensei em atiar um pouco o fogo.
Arthur pegou o atiador, sacudiu as brasas sem vontade algumas vezes e
retornou com calma a seu assento de tal modo que, durante o percurso, deteve-se
muito perto da liga.
No te pedi que viesse para falar de Margaret, mas sim do estado das
minhas investigaes. Houve outro assassinato.
No me diga! Bennett se interrompeu quando estava a ponto de tomar
um gole de brandy e suas sobrancelhas se uniram formando uma espessa linha por
cima do seu nariz . A que assassinato se refere?
Arthur aproveitou o momento de distrao e, com a ponta da bota, empurrou a
liga debaixo do sof. Ainda era visvel, se soubesse onde estava, mas era pouco
provvel que Bennett ficasse de joelhos para examinar o tapete em busca de indcios
de um ato de libertinagem.
Arthur, satisfeito por ter feito tudo o que podia para esconder a prova,
retornou por fim a seu assento.
Descobri esta noite o cadver de Ibbitts.
Santo cu!
Arthur se sentou.
A situao se tornou muito perigosa. Necessitarei sua ajuda, Fleming.
Elenora ouviu que batiam na porta do seu dormitrio, justo quando estava
tirando a tnica e o vestido. Era Margaret.
Um momento respondeu.
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Depois de meia hora, Bennett, comprometido com uma causa nobre, saiu da
casa. Arthur o acompanhou at a porta principal e a fechou com chave depois de
Bennett ter sado. Em seguida apagou os abajures do vestbulo e retornou biblioteca.
Uma vez no interior do enorme recinto, dirigiu-se ao sof, colocou um joelho
no tapete e procurou a liga azul.
Depois de pegar o pedao de fita condenatrio, ficou de p. Durante uns
instantes examinou a liga que sustentava na palma da mo. Era delicada e to
feminina que resultava excitante. Arthur sentiu que se excitava s olhando-a: recordou
como a tinha tirado da perna de Elenora para poder lhe baixar a meia.
Cada vez que entrasse naquele recinto recordaria o que tinha acontecido ali
naquela noite, pensou Arthur. Fazer amor com Elenora o tinha mudado de uma
maneira que, embora ainda no pudesse descrever, sabia que o tinha afetado de uma
forma muito profunda.
Acontecesse o que acontecesse no futuro, nunca voltaria a ser o mesmo
homem.
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Apesar de sua inquietao por ter que ver a Arthur novamente, dedicou uns
instantes a desfrutar das mudanas que se produziram naquela estadia.
O refeitrio estava to limpo que quase brilhava e das bandejas de prata que
havia no aparador emanavam aromas muito apetecveis. A luz do sol quente primaveril
entrava em abundantemente pelas janelas. A vista do jardim ficava um pouco
desmerecida porque a vegetao era muito exuberante e estava um pouco
descuidada. Entretanto isto mudaria muito em breve, pois os jardineiros novos
comeariam a trabalhar no jardim naquele mesmo dia.
Elenora se surpreendeu ao comprovar que Arthur no estava sozinho na mesa.
Margaret lhe acompanhava.
Ah, j est aqui! exclamou Margaret . Comeava a me preocupar com ti.
Estava a ponto de enviar a algum para averiguar se estava bem.
Elenora, consciente de que Arthur a observava com uma atitude divertida,
tentou no ruborizar-se.
Como acabo de lhe explicar a Ned, desfruto de uma excelente sade
respondeu ela.
Arthur se levantou com amabilidade e lhe ofereceu uma cadeira.
Perguntvamo-nos se no teria feito muito exerccio ontem de noite...
Elenora lhe lanou um olhar recriminatrio , na pista de baile Arthur terminou
com total inocncia.
Elenora observou fixamente seu rosto durante uns segundos e, sob a sua ironia,
percebeu uma preocupao genuna. Por todos os santos, acreditava realmente que
ela precisaria permanecer de cama durante todo um dia para recuperar-se da
impresso de ter feito amor com ele? Ela no era uma frgil florzinha.
No seja absurdo.
Elenora ignorou a cadeira que ele sustentava para ela, agarrou seu prato e se
dirigiu ao aparador para inspecionar as bandejas repletas de comida.
Arthur est te tirando o sarro Margaret respondeu imediatamente .
Claro que no estava preocupada de que tivesse danado muito ontem de noite. S
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Meia hora depois, Elenora abriu a porta do seu dormitrio e, antes de sair,
inspecionou o corredor. Estava vazio. Fazia uns minutos tinha ouvido Arthur dirigir-se a
seu quarto: devia vestir-se para ir visitar a viva Glentworth. Margaret estava
trabalhando em seu manuscrito, como era habitual quela hora.
Isto significava que no haveria ningum na biblioteca.
Elenora saiu ao corredor e se dirigiu com rapidez ao armrio da roupa branca.
As sapatilhas que calava no faziam nenhum rudo ao caminhar sobre o tapete.
Quando chegou ao armrio, voltou a inspecionar o corredor para assegurar-se
de que ningum a observava. Em seguida entrou no recinto, pequeno e escuro, e
fechou a porta.
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mo direita. Elenora pensou que provavelmente a viu quando ela entrou no armrio e
a tinha seguido.
Elenora, irritada, ficou de p.
De fato explicou enquanto procurava no levantar a voz , a estava
procurando. Poderia ter suposto que estaria preocupada ao no saber onde a tinha
perdido. Se me houvesse dito que a tinha encontrado, teria me economizado muitas
preocupaes.
No se inquiete. Encontrei-a ontem de noite antes que Fleming a visse.
Arthur lanou a liga ao ar com negligncia e voltou a agarr-la com uma atitude
impassvel . Em nenhum momento imaginou que voc me seduziu momentos antes
que ele chegasse.
Elenora enrugou o cenho, levantou um pouco as saias com ambas as mos e
comeou a subir as escadas.
Permita-me dizer que, em determinadas ocasies, seu senso de humor
sem dvida alguma retorcido.
Algumas pessoas te diriam que em realidade no tenho senso de humor,
nem retorcido nem de nenhum outro tipo.
compreensvel que algumas pessoas tenham chegado a esta concluso.
Elenora se deteve na parte superior das escadas e esticou a mo para pegar a liga .
Queira me devolver isso.
Acredito que no disse Arthur introduzindo a liga em um de seus bolsos
. Decidi comear uma coleo.
Ela o olhou, incrdula.
No pode estar falando srio.
Compra outro jogo de ligas e faa com que me enviem a fatura respondeu
ele.
A seguir a beijou na boca antes que ela pudesse repreend-lo. Elenora estava
sem flego quando enfim separou seus lbios dos dela.
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Agora que o penso, ser melhor que compre vrios jogos de ligas
acrescentou Arthur sorrindo com grande satisfao . Tenho a inteno de que seja
uma coleo muito extensa.
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Captulo 26
A senhora sabia que George Lancaster, meu tio av, foi assassinado no seu
laboratrio por um ladro faz umas semanas? perguntou Arthur.
A senhora Glentworth franziu o cenho.
No, no sabia respondeu.
E a senhora sabia que seu marido e Lancaster tinham sido muito bons
amigos quando eram jovens? acrescentou Elenora com voz suave.
Certamente. A senhora Glentworth apertou o leno . Sou consciente de
que os trs eram amigos muito ntimos.
Elenora notou que Arthur ficava muito quieto e no se atreveu a olh-lo.
A senhora disse os trs, senhora Glentworth? perguntou Elenora com a
esperana de que sua voz refletisse uma curiosidade desinteressada.
Durante uma poca, eram como unha e carne. Conheceram-se em
Cambridge, sabem? A nica coisa que lhes preocupava era a cincia, no o dinheiro, de
modo que se debruavam sobre seus laboratrios e seus experimentos ridculos.
Senhora Glentworth comeou Elenora com cautela , pergunto-me se...
Asseguro-lhes que, em ocasies, desejei que meu marido fosse um
assaltante ou um salteador de caminhos confessou a senhora Glentworth. De
repente se estremeceu e, como o muro de uma represa se derrubasse no seu interior,
a ansiedade e a raiva reprimidas brotaram ao exterior . Possivelmente ento teria
ficado algum dinheiro para mim. Mas no, ele estava obcecado com as cincias
naturais. Gastou virtualmente at o ltimo penique em aparelhos para o laboratrio.
Que tipo de experimentos realizava o seu marido? perguntou Arthur.
A senhora Glentworth pareceu no ter ouvido a pergunta. Sua raiva flua sem
freio.
Glentworth tinha uns ganhos respeitveis quando nos casamos
prosseguiu . Se no tivesse sido assim, meus pais no teriam permitido que me
casasse com ele. Entretanto, atuou de forma irresponsvel e nunca investiu nem um
penique. Gastou todo o dinheiro sem ter considerao nem por mim nem por suas
filhas. Era pior que um viciado no jogo. Sempre alegava que necessitava um
microscpio mais moderno ou uma lente nova.
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exerccio e demorou um pouco em voltar. Sem dvida, foi ento quando foi ver o
prestamista.
Quando se deu conta de que a caixa no estava? perguntou Elenora.
No me dei conta at que descobri seu cadver, naquela noite. Naquela
tarde eu tinha ido visitar uma amiga que estava doente. Quando retornei meu marido
j estava em casa e se trancou no laboratrio, como estava acostumado a fazer
sempre. Nem sequer se incomodou em sair para jantar.
Isto era incomum? perguntou Arthur.
Absolutamente. Quando se abstraia com algum de seus experimentos, podia
passar horas no laboratrio. Entretanto, antes de ir cama bati na porta para lhe
recordar que apagasse as luzes quando subisse ao dormitrio. Como no obtive
nenhuma resposta, preocupei-me. Como j disse, a porta estava fechada com chave,
de modo que tive que ir procurar uma cpia. Ento foi quando... quando eu...
A senhora Glentworth ps-se a chorar e soou o nariz.
... quando descobriu seu cadver Elenora terminou com amabilidade.
Assim . Demorei um tempo em me tranquilizar e dar-me conta de que a
caixa de rap no estava. Ento cheguei concluso de que deveu t-la vendido
naquele mesmo dia. S Deus sabe o que fez com o dinheiro, pois no estava nos seus
bolsos. Possivelmente decidiu pagar a algum de seus credores mais insistentes.
A seguir se produziu um breve silncio. Elenora intercambiou outro olhar de
cumplicidade com Arthur, mas nenhum dos dois disse nada.
De qualquer maneira, nunca acreditei que se separaria daquela caixa
manifestou a senhora Glentworth depois de um momento . Sentia-se muito unido a
ela.
Seu marido esteve sozinho em casa naquela tarde, enquanto voc visitava
sua amiga? perguntou Arthur.
Assim . Temos uma criada, mas naquele dia no estava em casa. Na
realidade, j no tem estado muito por aqui. Faz tempo que no lhe pagamos e
suspeito que est procurando outro emprego.
Compreendo declarou Arthur.
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frequncia. Mas Treyford est morto. Morreu faz muitos anos, quando ainda era
jovem.
Sabe alguma outra coisa dele? insistiu Arthur . Estava casado? Deixou
alguma viva a quem possa entrevistar? Algum filho, possivelmente?
A senhora Glentworth refletiu uns instantes e sacudiu a cabea.
No acredito. Faz muito tempo, meu marido mencionou em diversas
ocasies que Treyford estava dedicado a suas investigaes de corpo e alma e que no
tinha tempo para as exigncias que implicavam uma esposa e uma famlia. A
senhora Glentworth suspirou . Na realidade, acredito que sentia inveja de Treyford
porque este no estava submetido a este tipo de obrigaes.
Seu marido fez algum outro comentrio a respeito de Treyford?
perguntou Arthur.
Estava acostumado a dizer que lorde Treyford era, de longe, o mais brilhante
dos trs. Em uma ocasio me comentou que, se Treyford tivesse vivido mais anos, o
teriam considerado o segundo Newton da Inglaterra.
Compreendo respondeu Arthur.
Acreditavam-se muito inteligentes, sabe? disse a senhora Glentworth
apertando as mos com fora sobre o seu regao. Parte da sua raiva refletiu-se
novamente no seu rosto . Estavam convencidos de que mudariam o mundo com
seus experimentos e suas elevadas conversas sobre as cincias. Entretanto, qual foi a
contribuio dos seus estudos sobre a filosofia natural? Nenhuma. E, agora, todos
esto mortos, no assim?
Isso parece respondeu Elenora em voz baixa.
Arthur deixou sobre a mesa sua xcara de ch sem terminar.
Foi de grande ajuda, senhora Glentworth. Agora, se nos desculpar, devemos
ir. Me encarregarei de que meu administrador a visite imediatamente para resolver a
questo da casa e de seus credores.
Salvo ela, claro terminou a senhora Glentworth amargamente . Ela
ainda est viva. Sobreviveu a todos eles, no assim?
Elenora no olhou a Arthur, mas era consciente de que, como ela, ficou gelado.
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Pouco tempo depois Arthur ajudou Elenora a subir carruagem. Sua mente
estava ocupada com a informao que a senhora Glentworth acabava de lhes
proporcionar. Entretanto, isto no lhe impediu de apreciar a elegante curva das costas
de Elenora quando ela se inclinou para arregaar as saias antes de entrar na cabine do
veculo.
Conseguiu que esta visita me custasse uma boa quantidade de dinheiro
ele comentou com suavidade enquanto fechava a porta e se sentava em frente a
Elenora.
Vamos, sabe muito bem que, embora eu no tivesse estado ali, teria
oferecido ajuda senhora Glentworth. Admita-o.
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Captulo 27
Oh, sim, claro, lembro-me daquelas reunies das quartas-feiras pela tarde
como se tivesse celebrado a ltima na semana passada! Uma expresso distante e
quase melanclica escureceu os olhos azuis de lady Wilmington . ramos todos to
jovens e apaixonados naquele tempo! A cincia era nossa nova alquimia e os que nos
dedicvamos a desvelar seus segredos nos considervamos os inventores da era
moderna.
Elenora bebeu um sorvo de ch da xcara de porcelana fina e, muito
discretamente, examinou a elegante sala enquanto escutava a Clare, ou seja lady
Wilmington, falando do passado. A situao ali era quase oposta a da salita
insuficientemente mobiliada da senhora Glentworth, pensou Elenora. Resultava
evidente que lady Wilmington no tinha problemas financeiros.
A sala estava decorada ao estilo oriental que se ps de moda fazia alguns anos
e conservava o luxo e a sensualidade do desenho original. O extico estampado floral
de cor azul escuro e dourado das paredes, o tapete de desenho intrincado e o
mobilirio, de um estilo pomposo e recarregado, estavam complementados por vrios
espelhos de formosas molduras. Era um cmodo desenhado para atrair os sentidos.
A Elenora no lhe custava imaginar a sua enriquecida anfitri rodeada de seus
admiradores naquele entorno. Lady Wilmington devia ter perto de setenta anos, mas
vestia na moda e com roupa cara. Seu vestido, de cor bronze e de cintura alta, parecia
desenhado para ser usado naquele esplendoroso recinto. O fino perfil das mas do
rosto e dos ossos de seus ombros delatava que tinha sido uma grande beleza
antigamente. Na atualidade tinha o cabelo prateado, mas o penteado que usava,
embora possivelmente com algum aplique, no estava absolutamente passado de
moda e era muito elaborado.
Elenora sabia, por experincia, que quanto mais velha uma mulher fosse mais
joias tinha e lady Wilmington no constitua uma exceo a esta regra. Brincos de
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estou convencido de que o mesmo homem que assassinou aos dois tambm matou a
meu antigo mordomo.
Santo cu! exclamou lady Wilmington com voz trmula. Sua xcara de ch
tremeu quando a deixou sobre o pires . No sei o que dizer. Tudo isto to...
incrvel. E diz que seu mordomo tambm foi assassinado? Mas por que quereria
algum fazer algo assim?
Para faz-lo calar depois de lhe haver surrupiado informao.
Lady Wilmington sacudiu a cabea uma vez como se quisesse esclarecer suas
ideias.
Informao sobre o que? perguntou.
Sobre minhas investigaes sobre o assassinato de George Lancaster,
obvio. O assassino sabe que o busco e queria averiguar o que tinha descoberto.
Arthur apertou a mandbula e acrescentou : O que no muito e, certamente, no
vale a vida de um homem.
Certamente.
Lady Wilmington se estremeceu.
Entretanto, o assassino no pensa de uma forma muito racional Arthur
continuou . Acredito que matou a meu tio av e a Glentworth para conseguir as
pedras vermelhas que estavam incrustadas nas suas caixas de rap.
Lady Wilmington franziu o cenho.
Recordo com exatido aquelas pedras to extraordinrias. Eram fascinantes.
Treyford acreditava que eram rubis inusualmente escuros, mas Glentworth e Lancaster
sustentavam que tinham sido esculpidas na antiguidade a partir de um tipo de cristal
nico.
Voc viu em alguma ocasio o tratado do meu tio av? perguntou Arthur
. O que trouxe da Itlia junto com as pedras.
Sim, claro. Lady Wilmington suspirou com nostalgia . O que ocorre com
ele?
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Dizem que o mesmo Newton se sentia fascinado pelas cincias ocultas e que
dedicou muitos anos a estudar em profundidade a alquimia.
Assim afirmou lady Wilmington com firmeza . E se uma mente to
brilhante se viu seduzida pelo oculto, quem poderia culpar a um mero mortal por cair
presa de mistrios to intrigantes?
A senhora acha que Glentworth ou possivelmente Treyford continuaram
secretamente com aqueles experimentos depois de que os trs decidissem abandonar
a alquimia? Arthur perguntou.
Lady Wilmington piscou e endireitou os ombros. Quando se virou para olhar a
Arthur, era evidente que acabava de retornar do passado.
No posso imaginar algo assim nem por um instante. Depois de tudo, eram
homens modernos, educados e de grande inteligncia. Santo cu, no eram uns
alquimistas!
Se a senhora me permitir, tenho uma ltima pergunta declarou Arthur.
Do que se trata?
A senhora tem certeza de que lorde Treyford faleceu na exploso que
aconteceu faz alguns anos no seu laboratrio?
Lady Wilmington fechou os olhos e acariciou o medalho.
Sim sussurrou . Sem dvida, Treyford est morto. Eu mesma vi o
cadver. Seu tio av tambm o viu. Suponho que no acreditaro que o assassino que
procuram um ancio...
No, absolutamente respondeu Elenora . Temos certeza de que
procuramos um homem jovem, um homem que est, de fato, na flor da vida.
Como sabem? perguntou lady Wilmington.
Porque o assassino teve a coragem de danar comigo depois de matar a
Ibbitts respondeu Elenora.
Lady Wilmington pareceu atordoada.
A senhora danou com o assassino? Como sabe que se tratava dele? Pode
descrev-lo?
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O assassino tinha danado com a senhorita Lodge. Devia estar louco para
tomar-se aquela liberdade to ousada.
Louco.
Lady Wilmington se estremeceu depois de ter aquele pensamento.
Permaneceu sentada durante longo tempo enquanto, ao mesmo tempo em que
acariciava o medalho com os dedos, contemplava o carto do conde. As lembranas
brotaram em seu interior e nublaram sua viso. Santo cu, aquilo era muito pior do
que tinha pensado!
Depois do que lhe pareceu uma eternidade, lady Wilmington endireitou os
ombros e se secou os olhos. Seu corao se rompia em pedaos, mas j no tinha
outra escolha. No fundo, sempre soube que aquele momento chegaria e que teria que
fazer o que devia ser feito.
Sem vontade, abriu a gaveta da mesa e tirou uma folha de papel. Enviaria a
mensagem imediatamente. Se o planejava bem, a situao logo estaria sob controle.
Quando terminou de escrever a breve nota, algumas das palavras estavam
borradas por suas lgrimas.
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Captulo 30
Dois dias mais tarde, Elenora estava com Margaret em um canto de outro salo
de baile abarrotado e abafado. Era quase meia-noite e tinha suportado vrios bailes
interminveis com diligncia. Os ps lhe doam e se sentia intranquila e ansiosa.
Claro que nada disso teria tido importncia se estivesse com o Arthur durante
os bailes. Entretanto, a realidade era distinta. Arthur tinha estado fora toda a noite.
Como a noite anterior, enquanto realizava suas indagaes. Elenora desejou hav-lo
convencido de que a levasse com ele, mas ele tinha lhe explicado que no podia
introduzi-la as escondidas nos clubes onde pensava ir para entrevistar aos cavalheiros
idosos.
Os pensamentos de Elenora voltavam, uma e outra vez, conversa que tinham
mantido com lady Wilmington. Pela tarde, lhe ocorreu que tinham esquecido de lhe
formular uma pergunta muito importante.
Uma jovem bonita com um educado sorriso congelado no rosto passou junto a
elas enquanto danava com um cavalheiro de meia idade que parecia no poder tirar a
vista dos formosos seios da moa.
Devo dizer que, quanto mais tempo levo representando meu papel disse
Elenora a Margaret discretamente , maior o respeito que sinto pela resistncia e a
integridade das jovens que so postas em circulao no mercado matrimonial. No sei
como o suportam.
Foram treinadas durante anos respondeu Margaret secamente . Depois
de tudo, muito que est em jogo. Elas so conscientes de que seu futuro, e em
muitos casos o de suas famlias, depende desta breve temporada social.
Elenora sentiu uma onda de compreenso e empatia.
Isto o que aconteceu contigo, n? perguntou a Margaret.
Quando fiz dezoito anos, minha famlia estava em uma situao
desesperada. Eu tinha que pensar em minhas trs irms, meus dois irmos, minha me
e minha av. Meu pai tinha falecido e nos deixou muito pouco dinheiro. Nossa nica
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esperana era conseguir um matrimnio com algum que dispusesse de uma situao
econmica folgada. Minha av economizou o dinheiro necessrio para que eu pudesse
vir a cidade durante uma temporada social. Conheci Harold Lancaster logo no primeiro
baile e, como lgico, minha famlia aceitou sua oferta imediatamente.
Ento fez o que tinha que fazer por sua famlia.
Ele era um bom homem continuou Margaret suavemente . E, com o
tempo, aprendi a gostar dele. O pior era a diferena de idade. Harold era vinte e cinco
anos mais velho que eu. Como pode imaginar, tnhamos muito pouco em comum. Eu
esperava encontrar consolo em nossos filhos, mas no fomos abenoados com
descendncia.
Que histria to triste!
Mas muito comum. Margaret assinalou, com a cabea, os casais da pista
de baile e acrescentou : Suponho que muitas histrias similares se repetiro nesta
temporada.
Sem dvida.
E o resultado seria um monto de matrimnios frios e sem amor, pensou
Elenora. Perguntou-se, finalmente, se Arthur se veria obrigado a celebrar um
matrimnio desse tipo. Na realidade, embora no encontrasse uma mulher a que
pudesse amar com toda a paixo que albergava em seu interior, no teria mais
remedeio que casar-se. Ao final cumpriria com as obrigaes que lhe impunham seu
ttulo e sua famlia sem ter em conta seus sentimentos.
Devo dizer que tem razo em relao a este lugar comentou Margaret
abanando-se com frenesi . Esta noite um autntico caldeiro. Bennett demorar
sculos em retornar com a limonada. provvel que morramos de sede antes que ele
volte.
A multido se separou um pouco e Elenora vislumbrou a peruca recarregada,
empoeirada e passada de moda que formava parte do uniforme que vestiam os
criados de seus anfitries.
Ali h um criado, perto da porta ela comentou enquanto ficava nas pontas
dos ps para ver melhor . Possivelmente possamos chamar sua ateno.
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Ol, Jeremy. Elenora fechou o leque . Viu um criado faz uns segundos?
Por que demnios teria eu que me fixar em um criado? Jeremy franziu o
cenho e se aproximou dela rapidamente . Vi voc saindo e te segui. Estava te
procurando. Temos que falar.
No tenho tempo para bate-papos. Elenora arregaou um pouco as saias
e se dirigiu para o crculo de esttuas procurando algum sinal do criado desaparecido
. Tem certeza de que no viu a nenhum criado? Usava uniforme e estou convencida
de que veio nesta direo.
Maldio, quer deixar de tagarelar sobre o criado?
Jeremy correu atrs de Elenora e a agarrou pelo brao.
Ela tentou liberar-se com impacincia, mas ele no a soltou.
Quer me soltar? Estavam fora do alcance da vista dos casais que se
encontravam no terrao, mas Elenora sabia que durante a noite as vozes se ouviam a
grande distancia, de modo que falou em um sussurro . No quero que me toque.
Elenora, deve me escutar.
Acabo de lhe dizer que no tenho tempo para bate-papos.
Esta noite vim aqui para te ver. Jeremy a sacudiu um pouco . Querida,
sei de tudo!
Sobressaltada, Elenora se esqueceu da mo de Jeremy e o olhou nos olhos.
Do que voc est falando?
Ele olhou com inquietao para o terrao e imediatamente baixou a voz at
que, em um sussurro grave, disse-lhe:
Sei que St. Merryn te contratou para que seja sua amante.
Elenora, surpreendida, olhou-o fixamente.
No tenho nem ideia do que me voc est falando.
Est te utilizando, querida. No tem nenhuma inteno de se casar contigo
grunhiu Jeremy indignado . evidente que voc a nica que ignora a verdade.
Tolices. No sei ao que se refere e nem desejo averigu-lo. Solte-me. Tenho
que retornar ao baile.
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Elenora engoliu em seco enquanto tentava fazer com que ele no notasse que
aquela notcia a tinha transtornado. Tinha que averiguar como ele sabia o nome da
agncia.
No tenho nem ideia do que voc est falando, Jeremy. A Elenora custou
um grande esforo manter a voz tranquila e despreocupada, mas o conseguiu . Onde
ouviu esse nome to estranho?
Ah, minha pobre criatura! Agora vejo que cr realmente que St. Merryn
pretende casar-se contigo. Jeremy lhe apertou o brao . Conte-me, que
promessas te fez? Que mentiras te contou?
A diferena de ti, Jeremy, St. Merryn sempre foi honesto e sincero comigo.
Os dedos de Jeremy apertaram com fora o brao de Elenora.
Quer dizer que, de verdade, concordou com seu estratagema? No posso
acreditar que te tenha cado to fundo em tal depravao. O que aconteceu com a
minha doce e inocente Elenora?
A doce e inocente Elenora est a ponto de converter-se em minha esposa.
Arthur surgiu das sombras de um arbusto e acrescentou : E se no a soltar
imediatamente, perderei a pouca pacincia que me resta com o senhor, Clyde.
St. Merryn! Jeremy soltou o brao de Elenora a uma velocidade
astronmica, e se separou dela com cautela enquanto Arthur ficava do lado dela .
Como se atreveu, senhor?
Como me atrevi a pedir a senhorita Lodge que seja minha esposa? Arthur
pegou Elenora pelo brao . Provavelmente porque acredito que uma boa ideia.
Embora isto no seja assunto seu.
Jeremy se estremeceu, mas permaneceu firme na sua postura.
No tem vergonha, senhor? perguntou.
Isto seria quase divertido se tivermos em conta que a pergunta procede de
um homem que abandonou a Elenora para casar-se com outra mulher.
Isto no o que aconteceu replicou Jeremy com tenso.
Na verdade respondeu Elenora , isto exatamente o que aconteceu.
Interpretou-me mal, querida insistiu Jeremy.
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No acho.
A verdade que no te pedi que fizesse algo to espantoso como simular
ante o mundo que era minha noiva. Jeremy olhou a Arthur com fria . Como
justifica o fato de ter utilizado a senhorita Lodge desta maneira, senhor?
Sabe de uma coisa, Clyde? respondeu Arthur com uma voz suave e
perigosa . A verdade que o encontro muito irritante.
Elenora, alarmada pelo tom da sua voz, colocou-se com presteza entre os dois
homens.
J est bem, Arthur, temos assuntos mais importantes para tratar esta noite.
Ele a olhou.
Tem certeza? Arthur perguntou. Isso comeava a ficar interessante.
Jeremy sabe sobre a Goodhew & Willis ela comentou intencionalmente.
Elenora notou ento que a mo de Arthur lhe apertava mais o brao, o mesmo
que Jeremy tinha segurado. Ao ritmo em que os homens apertavam nessa noite aquela
parte de sua anatomia, pela manh estaria roxa, pensou Elenora.
Arthur no afastou os olhos de Jeremy.
De verdade?
de domnio pblico que voc a contratou nesta agncia balbuciou
Jeremy.
J sei que corre o rumor de que cumpri minha promessa de escolher uma
esposa numa agncia de damas de companhia confirmou Arthur . Entretanto, o
nome da agncia no de domnio pblico. Onde o ouviu?
A verdade, senhor, que no tenho por que lhe dar explicaes...
Jeremy se interrompeu de repente quando Arthur, sem prvia advertncia,
soltou a Elenora, agarrou as lapelas do caro casaco de Jeremy e o empurrou com fora
contra a parte traseira de um deus de mrmore.
Quem mencionou o nome de Goodhew & Willis, Clyde? perguntou, de
novo, Arthur com um tom de voz ainda mais suave que o que tinha utilizado antes.
Jeremy ofegou, mas conseguiu expressar um dbil protesto:
Solte-me, senhor.
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Tenho uma boa razo para querer esquecer meus problemas grunhiu
Jeremy. Meu matrimnio no poderia definir-se como um enlace de amor, mas sim
como um verdadeiro inferno. Antes que nos casssemos, meu sogro deixou entrever
que entregaria um bom dote a minha esposa, mas depois no cumpriu sua palavra.
Atualmente, controla nossos ganhos e me obriga a danar ao som da sua msica. Estou
apanhado, apanhado de verdade.
Seus problemas matrimoniais no nos interessam Arthur respondeu .
Descreva ao homem que conheceu na Orchid Street.
Jeremy fez uma careta.
Era mais ou menos da minha estatura e tinha o cabelo castanho. Jeremy
coou a testa e acrescentou : Ao menos o que eu acho.
Era gordo? apressou Arthur . Magro?
No era gordo. Jeremy titubeou . Parecia estar em muito boa forma.
Suas faces eram incomuns em algum aspecto? perguntou Elenora .
Tinha alguma cicatriz?
Jeremy franziu o cenho.
No me lembro de nenhuma cicatriz. Quanto a seu aspecto, parecia o tipo
de homem que as mulheres encontram atraente.
Como estava vestido? perguntou Arthur.
Com roupa cara respondeu Jeremy sem hesitar . Lembro que lhe
perguntei o nome do seu alfaiate, mas ele respondeu com uma brincadeira e trocou de
tema.
E as suas mos? perguntou Elenora . Pode descrev-las?
Suas mos? Jeremy a olhou como se tivesse exposto um problema de
matemtica muito complexo . No recordo nada incomum sobre as suas mos.
Isto intil disse Arthur soltando-lhe o casaco . Se voc se lembrar de
algo que possa nos resultar til, faa-me saber imediatamente.
Jeremy arrumou o casaco e o leno de seda com ar furioso.
Por que demnios eu deveria fazer algo assim?
O sorriso de Arthur parecia to frio como os crculos exteriores do inferno.
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Captulo 31
Uma hora depois, Elenora acomodou o xale com o que se cobria os ombros e
arrumou a manta que tinha sobre os joelhos. A noite no estava muito fria, mas a
umidade se fazia sentir quando a gente permanecia durante longo tempo no interior
de uma carruagem s escuras.
Devo dizer que este assunto da vigilncia no to emocionante como eu
esperava ela comentou.
Arthur, envolto nas sombras e sentado do outro lado do veculo, no afastava a
vista da entrada de Green Lyon.
Lembre-se que eu avisei.
Ela decidiu ignorar seu comentrio. Aquela noite, Arthur no estava
precisamente de bom humor. Claro que no podia culp-lo por isso, Elenora pensou.
Os dois estavam sentados dentro de uma carruagem muito velha que Jenks,
seguindo as ordens de Arthur, tinha alugado para aquela aventura. Elenora sabia
perfeitamente qual tinha sido o raciocnio de Arthur: era muito provvel que algum
reconhecesse sua verdadeira carruagem se permanecia estacionada durante muito
tempo diante do Green Lyon. Por desgraa, s ficava um veculo velho nas cavalarias
quelas horas da noite.
Imediatamente lhes resultou bvio por que ningum mais o tinha alugado.
Quando estava em movimento, saltava e estalava de tal forma que era muito
incmoda. Alm disso, embora a primeira vista parecesse estar limpa, logo
descobriram que os aromas acumulados por anos de descuidada utilizao tinham
saturado os assentos acolchoados.
Elenora afogou um ligeiro suspiro e finalmente admitiu para si mesma que
tinha esperado que o tempo que passaria com o Arthur no interior escuro e ntimo da
carruagem ia ser prazeroso. Tinha imaginado que falariam em voz baixa durante uma
ou duas horas enquanto contemplavam como os cavalheiros entravam e saam do
clube.
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Entretanto, assim que ocuparam um lugar na longa fila de veculos que havia na
rua, Arthur ficou em um dos seus profundos silncios. Toda sua ateno estava
concentrada na porta do Green Lyon. Elenora sabia que estava reorganizando seu
plano mais uma vez.
Elenora esquadrinhou a entrada da casa de jogos clandestina e se perguntou o
que aquele lugar tinha para atrair regularmente tantos homens. Em sua opinio,
tratava-se de um estabelecimento muito pouco atraente. O nico lampio de gs que
havia na entrada emitia uma luz dbil que mal iluminava os rostos dos clientes que
entravam e saam do local.
A maioria dos homens que desciam dos carros ou dos cavalos que se detinham
em frente s escadas da entrada estavam, sem dvida, bbados. Riam as gargalhadas e
contavam piadas indecentes a seus amigos. Alguns deles tinham, ao entrar, uma
expresso expectante e febril.
A atitude da maioria dos que saam do clube era, entretanto, muito distinta.
Alguns pareciam realmente jubilosos, alardeavam de sua sorte e indicavam a seus
choferes que os conduzissem a outro centro de diverso. Entretanto, um nmero
muito mais numeroso desciam as escadas com ar de abatimento, irritao ou profunda
melancolia. Alguns at pareciam ter recebido a notcia do falecimento de um familiar.
Elenora intuiu que eram os que tinham perdido uma casa ou sua herana e se
perguntou se algum deles daria um tiro na tmpora antes do amanhecer.
Elenora se estremeceu de novo e Arthur se moveu.
Tem frio? perguntou-lhe.
Na realidade, no. O que far se no o vemos esta noite?
Voltarei a tentar amanh de noite. Arthur esticou um brao e o apoiou no
respaldo do seu assento . A no ser que receba alguma outra informao, no
momento esta constitui a pista mais significativa que disponho.
No te intriga que, entre todas as pessoas da cidade, o assassino decidisse
revelar minha relao com Goodhew & Willis precisamente a Jeremy? No pode
tratar-se de uma coincidncia.
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Captulo 32
mnimo e saiu das sombras. Depois atravessou a estreita rua e girou a maaneta da
porta pela qual Roland tinha desaparecido.
A porta se abriu com facilidade.
A tnue luz do seu lampio iluminou as escadas que conduziam ao andar
superior. Arthur tirou a pistola que levava no bolso do casaco.
Subiu os degraus com cautela, esquadrinhando as sombras em busca de alguma
forma suspeita, mas nada se moveu na escurido.
Quando chegou ao final das escadas, descobriu um corredor as escuras. Havia
duas portas e uma faixa estreita de luz aparecia por debaixo de uma delas.
Arthur deixou seu lampio no patamar para que seu dbil resplendor
iluminasse o cho e no mostrasse claramente sua figura. No tinha nenhum sentido
que se convertesse em um alvo perfeito, pensou.
Em seguida se dirigiu porta com luz e tentou girar a maaneta com a mo
esquerda. Esta cedeu com facilidade. Fizesse o que fizesse naquele lugar, Roland no
parecia muito preocupado se por acaso algum o atacava. Claro que possivelmente
no pretendia permanecer ali muito tempo e desejava poder sair com rapidez sem ter
que procurar a chave.
Arthur escutou com ateno durante uns instantes. No se ouvia nenhuma
conversa, s os movimentos de uma pessoa, que devia ser Roland.
Algum abriu e fechou uma gaveta. Uns segundos mais tarde ouviu um rangido.
Eram as dobradias enferrujadas de um armrio?
Arthur ouviu um chiado comprido e aproveitou o som para abrir a porta. Do
outro lado havia um o quarto pequeno mobiliado com uma cama, um armrio e uma
pia velha. Roland estava de joelhos no cho de madeira e procurava algo debaixo da
cama. Era evidente que no tinha ouvido Arthur entrar.
Boa noite, Burnley.
Como? Roland virou-se rapidamente e ficou de p. Contemplou Arthur
durante uns instantes e exclamou : St. Merryn! Ento verdade? Uma sensao
de angstia se refletiu em seus olhos, mas no demorou para desvanecer transformarse em raiva intensa . A forou a fazer amor com voc, bastardo!
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como reagir. Sem dvida, perguntava-se se lhe estavam apresentando a uma dama
respeitvel ou a uma cortes. Para um cavalheiro de bom bero, uma situao assim
constitua um dilema.
Sorriu calidamente e estendeu a mo para ele.
um prazer conhec-lo, senhor.
Roland titubeou, mas ante a mo enluvada de uma dama e uma apresentao
formal, suas boas maneiras prevaleceram.
Senhorita Lodge.
Roland inclinou a cabea sobre a mo de Elenora em uma saudao mecnica e
superficial e, embora lhe soltasse a mo quase em seguida, Elenora teve tempo de
apreciar sua forma de peg-la. Em seguida, olhou a Arthur.
No o homem que est procurando declarou em voz baixa.
Eu cheguei mesma concluso faz um momento. Arthur deixou com
suavidade a bolsa de veludo negro no regao de Elenora e acendeu um dos lampies
da carruagem . Mas ao parecer algum pretendia que eu acreditasse o contrrio.
Olhe isto.
Elenora apalpou a forma e o peso dos objetos que havia no interior da bolsa.
No diga que encontrou as caixas de rap!
Assim .
Santo cu! Elenora afrouxou a corda com rapidez e tirou os pequenos
objetos que estavam embrulhados em linho. Desembrulhou o primeiro e o segurou
perto do lampio. A luz se refletiu nos adornos esmaltados e cintilou na pedra
vermelha da tampa . O que significa isto?
Venho fazendo a mesma pergunta a St. Merryn h vrios minutos
resmungou Roland , e ainda no se dignou a me responder.
A histria complicada, senhor Elenora o tranquilizou . Estou
convencida de que St. Merryn explicar tudo agora que os dois esto a salvo.
Arthur trocou de posio e esticou uma perna.
Em poucas palavras, Burnley: estou perseguindo ao criminoso que
assassinou ao meu tio av e, pelo menos, a mais dois homens.
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sabia que a Inglaterra tinha perdido a seu segundo Newton fazia j vrios anos, antes
que aquele homem pudesse demonstrar seu gnio ao mundo.
Elenora sentiu a boca seca, olhou a Arthur e percebeu nos seus olhos um olhar
de cumplicidade.
Isto me fez lembrar a pergunta que esquecemos lhe formular a lady
Wilmington comentou Elenora . Embora fosse pouco provvel que nos
respondesse a verdade, claro.
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Captulo 33
No estou nada convencida de que este seja o passo que devamos dar neste
momento Elenora disse ajustando o xale. Levantou ento o olhar para as janelas da
casa sem luz e acrescentou : So as duas da madrugada. Possivelmente deveramos
ter ido para casa e pensar melhor antes de vir.
No tenho nenhuma inteno de esperar a que seja uma hora correta para
falar com lady Wilmington replicou Arthur.
Em seguida, levantou a pesada aldrava de bronze pela terceira vez e a deixou
cair. Elenora fez uma careta quando o intenso som metlico ressonou no silncio.
Tinham acabado de deixar Roland em seu clube. Lhe deram instrues para que
guardasse silncio sobre o que tinha ocorrido naquela noite e, em seguida, Arthur
ordenou ao chofer que se dirigisse casa de lady Wilmington.
Finalmente, ouviram passos no vestbulo e, segundos depois, a porta se abriu
com cautela. Uma criada com olhos sonolentos vestida com um gorro e uma bata fina
os observou enquanto segurava uma vela em uma mo.
O que ocorre? Deve ter se equivocado de casa, senhor.
Esta a casa que procuramos. Arthur entrou sem ser convidado .
Desperte a lady Wilmington imediatamente e diga-lhe que se trata de uma questo de
vida ou morte.
De vida ou morte?
A criada deu um passo atrs com o rosto congestionado pelo medo.
Elenora aproveitou seu estado de nervos para entrar e lhe ofereceu um sorriso
tranquilizador.
Comunique a lady Wilmington que St. Merryn e sua noiva esto aqui lhe
indicou com firmeza . Estou convencida de que querer nos receber.
Sim, senhora.
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Sigo dizendo que deveramos ter refletido mais sobre esta questo antes de
vir aqui esta noite declarou Elenora, sentada em uma delicada cadeira do elegante
estdio e com os msculos tensos.
A vela que a criada tinha acendido para eles estava sobre a mesa que estava
perto da janela.
A referncia a um segundo Newton no pode ser uma coincidncia, voc
sabe disso to bem como eu. Arthur passeava pelo pequeno recinto com as mos
nas costas . Lady Wilmington a chave deste enigma, sinto-o nos ossos.
Elenora estava completamente de acordo com as suas concluses. Entretanto,
o que a preocupava era a forma em que Arthur pensava interrogar a lady Wilmington.
Aquela questo era muito delicada e devia tratar-se com sutileza.
Esta tarde no podia deixar de pensar na visita que fizemos a lady
Wilmington declarou Elenora . Uma e outra vez, recordava-a tocando seu
medalho sempre que falava de Treyford. Ento pensei que, se tinham sido amantes,
possivelmente tinham tido um filho...
Um filho no negou Arthur sacudindo a cabea . J investiguei esta
possibilidade. O nico filho homem de lady Wilmington um cavalheiro srio,
responsvel e muito robusto: a viva imagem do marido de lady Wilmington, tanto no
aspecto fsico como quanto a seus interesses intelectuais. Este cavalheiro se dedica a
suas propriedades e nunca se interessou pela cincia.
St. Merryn saudou lady Wilmington da porta com um tom de voz
resignado . Senhorita Lodge. De modo que descobriram a verdade. J temia isso.
Arthur interrompeu seu caminhar e olhou para a porta.
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Boa noite, senhora. J vejo que a senhora j sabe a razo de que tenhamos
vindo a estas horas.
Assim .
Lady Wilmington entrou devagar no estdio.
Naquele momento parecia muito mais velha, pensou Elenora sentindo uma
profunda tristeza por aquela mulher orgulhosa que tinha sido muito formosa na
juventude. No tinha prendido seu cabelo grisalho em um coque elegante, mas sim o
tinha coberto com um gorro branco, e tinha olheiras que indicavam que no havia
dormido bem durante vrios dias. No usava anis nos dedos nem prolas nas suas
orelhas.
Entretanto, Elenora viu que usava o medalho.
Lady Wilmington se sentou na cadeira que Arthur lhe ofereceu.
Vieram para me perguntar sobre meu neto, no ?
Arthur no podia afastar os olhos de lady Wilmington.
Assim respondeu suavemente.
neto de Treyford, no assim? perguntou Elenora com delicadeza.
Exatamente. Lady Wilmington fixou o olhar na oscilante chama da vela .
Treyford e eu estvamos muito apaixonados. Entretanto, eu estava casada e tinha tido
dois filhos com meu marido. Ento descobri que estava grvida de Treyford e simulei
que Wilmington era o pai. Ante a lei no havia nenhuma dvida sobre sua paternidade.
Ningum suspeitou da verdade.
Treyford soube que voc deu a luz a uma filha dele? perguntou Arthur.
Sim, e estava encantado. No deixava de dizer que fiscalizaria sua educao
como se fosse um amigo ntimo da famlia. Inclusive jurou que elaboraria complicados
planos a fim de que ela recebesse uma educao em matemtica e filosofia natural
desde sua mais tenra infncia...
Mas ento Treyford morreu na exploso de seu laboratrio continuou
Arthur.
Quando me contaram que havia falecido, senti como se meu corao se
rompesse. Lady Wilmington acariciou o medalho com a ponta dos dedos e
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prosseguiu : Consolei-me com a ideia de que tinha tido um filho dele. Prometi
educar a Helen como Treyford queria, mas, embora fosse muito inteligente, nunca
mostrou o menor interesse pela cincia ou as matemticas. A nica coisa que a atraa
era a msica. Interpretava e compunha de forma brilhante, mas mesmo assim eu sei
que Treyford teria se sentido decepcionado.
Entretanto, quando ela se casou deu a luz um filho que possui tanto a
inteligncia aguda de Treyford como sua paixo pela cincia. Arthur segurou com
fora o respaldo de uma cadeira enquanto observava a lady Wilmington com ateno
. isto certo, senhora?
Lady Wilmington brincou com o medalho.
Parker a viva imagem de Treyford na sua idade. A semelhana
surpreendente. Quando minha filha e seu marido faleceram por causa de uma febre,
prometi educar a seu filho como Treyford teria desejado.
Contou-lhe a verdade a respeito da identidade de seu av? perguntou
Elenora com suavidade.
Sim. Quando teve idade suficiente para compreend-lo, falei-lhe de
Treyford. Merecia saber que o sangue de um verdadeiro gnio corria por suas veias.
Ento lhe disse que era o descendente direto do homem que podia ter sido o
segundo Newton da Inglaterra comentou Arthur . E Parker decidiu continuar o
legado de seu av.
Estudou as mesmas matrias que tinham fascinado a Treyford sussurrou
ela.
Elenora a olhou e perguntou:
Tambm a alquimia?
Sim. Lady Wilmington encolheu os ombros . Devem acreditar em mim
quando lhes digo que tentei afastar Parker desse caminho escuro. Entretanto,
conforme foi crescendo, mostrou sinais de parecer-se com Treyford no s em sua
capacidade intelectual, mas tambm em outros aspectos.
O que quer dizer? perguntou Arthur.
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Uns minutos mais tarde, Arthur entrou na carruagem detrs de Elenora. Em vez
de sentar-se frente a ela, como era seu costume, sentou-se do seu lado. Em seguida
deixou escapar um profundo suspiro e esticou as pernas. Sua coxa roou a da Elenora.
Naquela noite sua proximidade fsica lhe resultava mais reconfortante que
excitante, pensou Elenora. Gostou daquele sentimento e se deu conta de que esse
seria outro dos aspectos da sua relao que sentiria falta nos anos vindouros.
Parece lgico que Parker tramasse seus planos ontem ou inclusive
anteontem comentou Arthur depois de um momento . Sem dvida, utilizou a
Jeremy Clyde. Este, sem sab-lo, desempenhou seu papel e deixou cair a isca que me
levou ao Green Lyon esta noite. Alm disso, provvel que Parker tivesse pagado a
alguns meninos para que vigiassem minha chegada e, quando um deles me viu no
interior da carruagem de aluguel, entregou a mensagem a Burnley.
E tudo com a esperana de te distrair e fazer voc acreditar que tinha
encontrado ao assassino.
Assim assentiu Arthur.
Certamente deduziu que estaria mais que disposto a acreditar que Burnley
era o criminoso. Depois de tudo, Roland tinha fugido com a sua noiva. Elenora sorriu
com ironia . Como o assassino podia saber que voc no sentia nenhum rancor por
Roland e que na realidade tinha organizado a fuga?
Este foi seu nico engano.
Sim. E, falando de enganos, sem dvida foi minha excitada imaginao a que
me levou a acreditar que o criado que me tocou esta noite na sala de baile era o
assassino. Elenora se estremeceu e acrescentou : Devo admitir que estou muito
contente por haver-me equivocado quanto a sua identidade.
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Entretanto Arthur sabia que o que o retinha no era o risco de ser descoberto,
a no ser a possibilidade de que a nica coisa que Elenora quisesse ou necessitasse
dele fosse uma breve paixo.
Arthur se lembrou dos sonhos de independncia pessoal e financeira de
Elenora. Durante um momento breve e embriagador, imaginou como seria livrar-se
dos grilhes de suas responsabilidades com a famlia Lancaster e fugir com Elenora.
A fantasia de viver uma vida livre com ela em algum pas longnquo e fora do
alcance de seus familiares e das exigncias de quem dependia dele tintilou frente a
seus olhos como se se tratasse de um reflexo efervescente no cristal da janela.
A imagem, entretanto, desvaneceu-se em seguida: ele tinha compromissos, e
os cumpriria.
Mas naquela noite Elenora no estava mais que a uns passos dele.
Arthur apertou a faixa do roupo de seda negra que usava e se afastou da
janela. Pegou ento o candelabro e depois de atravessar o quarto, abriu a porta e saiu
ao corredor.
Uma vez ali, ficou escutando durante uns segundos. No se ouvia nenhuma
carruagem na rua nem tampouco chegava nenhum rudo da planta baixa.
Arthur percorreu o corredor e se deteve diante do dormitrio de Elenora. No
se filtrava luz alguma por debaixo da porta. Arthur se disse a si mesmo que devia
considerar este detalhe como um sinal de que Elenora, a diferena dele, tinha podido
conciliar o sonho.
Mas e se estava deitada na escurido e completamente acordada? Arthur
pensou que no faria mal a ningum se chamava com suavidade porta. Se estivesse
dormindo, no lhe ouviria.
Arthur golpeou a porta, embora um pouco mais forte do que pretendia. Mas
claro, que sentido tinha golpe-la sem fazer rudo algum?
Durante uns instantes Arthur no ouviu nada, mas finalmente percebeu o
rangido inconfundvel da armao da cama seguido de uns passos apagados.
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A porta se abriu. Elenora o olhou com uns olhos que, luz da vela, refletiam
incompreenso. Seu cabelo escuro estava recolhido sob uma touca de renda e usava
um singelo roupo estampado com florzinhas.
Aconteceu alguma coisa? sussurrou ela.
Me convide a entrar.
Elenora franziu o cenho e perguntou:
Por qu?
Porque sou um cavalheiro e no posso entrar no seu dormitrio sem um
convite.
Ah!
Arthur conteve o flego enquanto se perguntava o que ela faria.
Elenora curvou a boca e lhe ofereceu um sorriso sensual. Separou-se da soleira
mantendo a porta aberta.
Entra, por favor.
Um desejo poderoso, tanto que ameaava consumir qualquer sensao que
pudesse experimentar, percorreu as veias de Arthur. Ele estava completamente
excitado. Desejava a Elenora com desespero.
Teve que recorrer a todo seu autodomnio para no agarr-la a e lev-la
diretamente cama. Entrou em silencio no quarto e deixou o candelabro sobre a mesa
mais prxima.
Ela fechou a porta sem fazer rudo e se virou para ele.
Arthur, eu...
Chist! Ningum deve nos ouvir falar.
Em seguida a tomou em seus braos e a beijou antes que ela pudesse dizer
mais nada.
Elenora o abraou com fora e Arthur sentiu a presso das suas unhas nas
costas, atravs do roupo de seda. Ento ela entreabriu os lbios.
Arthur prometeu a si mesmo que se controlaria. Esta vez se asseguraria de que
Elenora no esquecesse nunca aquela experincia. Deslizou as mos ao longo das
costas de Elenora e desfrutou da sua elegante curva. Quando alcanou os quadris de
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Elenora, o tato das suas ndegas firmes e redondas quase lhe fez perder o controle.
Arthur lhe apertou as ndegas com suavidade e aproximou Elenora a seu membro
rgido.
Um delicioso estremecimento percorreu o corpo de Elenora, quem soltou um
leve ofego e se abraou a Arthur com mais fora.
Arthur deslizou as mos ao redor da cintura de Elenora e desatou o n da faixa
que mantinha o seu roupo fechado. Este se abriu e deixou ao descoberto uma singela
camisola de cambraia branca com rendas e fitas azuis no pescoo. Arthur percebeu a
suave ondulao dos seios de Elenora e a protuberncia de seus mamilos, que
pressionavam o fino tecido.
Ento a beijou no pescoo e lhe mordeu o delicado lbulo da orelha. Ela
respondeu com mais estremecimentos e um ofego de prazer. Sua reao emocionou e
excitou a Arthur como nenhuma droga poderia hav-lo feito.
Arthur tirou, um por um, os grampos que prendiam seu gorro. Depois de retirar
o ltimo, o cabelo de Elenora caiu sobre suas mos. Arthur agarrou sua cabeleira suave
e perfumada e a segurou com o punho fechado para beij-la.
Ela deslizou as mos pelo interior da lapela do roupo de Arthur e apoiou as
palmas no seu peito nu. O calor liberado pelos dedos de Elenora era to intenso que
Arthur quase no pde reprimir um grunhido de necessidade.
Ele olhou seu rosto. A luz da vela lhe permitiu ver que sua expresso refletia
paixo e prazer. Elenora abriu a boca e Arthur soube que tinha mergulhado tanto no
reino das sensaes que tinha esquecido da necessidade de guardar silncio.
Com rapidez, Arthur lhe cobriu a boca com a mo e sacudiu a cabea enquanto
sorria levemente. Uma compreenso compungida seguida de um brilho provocador e
zombador iluminaram os olhos de Elenora. Com suavidade e intencionadamente,
Elenora mordeu a Arthur na palma da mo.
Ele quase comeou a rir em voz alta. Meio embriagado pela expectativa do que
ia acontecer, Arthur pegou a Elenora nos braos e a levou at a cama.
Jogou-a sobre os lenis enrugados e tirou o roupo e as sapatilhas. Agora
estava totalmente nu: no seu quarto, ao preparar-se para meter-se na cama, no tinha
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vestido a camisa de dormir. De repente, Arthur se deu conta de que aquela era a
primeira vez que Elenora o via sem roupa.
Ento a observou e se perguntou se lhe resultaria agradvel olh-lo ou se pelo
contrrio a viso de seu corpo nu e excitado a incomodaria.
Entretanto, quando viu a expresso de Elenora, sua preocupao desapareceu.
Brilhava nos seus olhos uma fascinao radiante e Arthur sorriu. Quando Elenora
esticou os braos para rodear o membro de Arthur com seus dedos, ele quase no
pde se controlar.
Devagar, Arthur se tombou na cama. Durante uns minutos, desfrutou do
ardente prazer de ser tocado de uma forma to ntima por Elenora. Entretanto, depois
de uns instantes de tortura deliciosa, no teve mais remdio que afastar suas mos. Se
no a detinha, pensou Arthur, no poderia terminar aquilo da forma que queria.
Arthur acomodou a Elenora sobre suas costas, inclinou-se sobre ela e deslizou a
mo ao longo da sua perna. A borda inferior da camisola de Elenora ficou presa na
munheca de Arthur, que a foi levantando enquanto deslizava a mo pela perna de
Elenora.
Arthur no se deteve at que viu o tringulo de pelos escuros que ocultava seus
segredos.
Em seguida, inclinou-se e beijou o formoso e suave joelho de Elenora.
Acariciou-lhe a nuca com as mos. Depois de uns instantes, Arthur separou com
suavidade as pernas de Elenora e acariciou com a lngua o interior de uma de suas
coxas de seda. Os dedos de Elenora, enredados no cabelo de Arthur, ficaram tensos.
Arthur?
Ele levantou um brao e lhe tampou os lbios com a mo para lhe recordar que
deviam guardar silncio. Quando notou que ela se acalmava, ele voltou para sua
tarefa.
Arthur se colocou entre as pernas de Elenora e inalou o delicioso aroma
feminino que descobriu naquele lugar. Elenora cheirava a mar e a umas especiarias to
estranhas que no tinham nome. Arthur pensou que poderia viver o resto de sua vida
daquela fragrncia embriagadora. Dobrou os joelhos de Elenora a ambos os lados de
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sua cabea, descobriu o vulto pequeno e sensvel que havia entre suas pernas e o
acariciou com os dedos.
Elenora ficou tensa imediatamente, como se no estivesse segura de como
devia responder. Entretanto, seu corpo sabia, com exatido, o que tinha que fazer.
Depois de uns instantes, ela estava to mida que os dedos de Arthur brilharam luz
da vela.
Elenora respirou com mais rapidez e elevou os quadris na direo do rosto do
Arthur. Quando ele introduziu um dedo em seu interior, ela se apertou contra ele e
ofegou.
Arthur abaixou a cabea e beijou o ncleo de seu desejo enquanto introduzia
outro dedo em seu interior e o movia com suavidade.
Arthur ofegou ela em um sussurro afogado. Tentou sentar-se . O que
faz?
Sem levantar a cabea, ele utilizou uma mo para empurr-la com suavidade e
firmeza contra a cama.
Ao princpio pensou que ela resistiria. Entretanto, de uma forma gradual,
Elenora se deixou cair de costas sem deixar de gemer. Arthur ouviu sua respirao
rpida e entrecortada. Sabia muito bem que Elenora era presa de uma fora que no
acabava de compreender.
OH, Deus! OH, oooh, Meu deus!
At a chegou sua promessa de silncio, pensou Arthur divertido e ao mesmo
tempo um pouco preocupado. De todos os modos, agora no podia deter-se, ela
estava muito perto do final e ele estava decidido a terminar aquilo de uma forma
adequada.
Arthur notou seu clmax iminente antes que ela. As mos de Elenora se
retorceram nos lenis e todo seu corpo ficou em tenso.
Soltou-se por completo, pensou Arthur. J no tinha nenhuma noo do que
ocorria a seu redor.
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Arthur se deu conta ento de que Elenora tinha ambas as mos apoiadas no
seu peito e que o empurrava com todas as foras. Ele se afastou e ficou de p do lado
da cama em silncio.
A chamada inevitvel se produziu.
Elenora? Vi a luz da vela. Se no estiver muito cansada eu gostaria de te
contar uma notcia muito emocionante. Bennett pediu que me case com ele.
Um momento, Margaret, espera que eu coloque o roupo e as sapatilhas.
Elenora se levantou da cama de um salto . uma notcia muito emocionante. Estou
encantada por voc.
Elenora continuou falando com um tom de voz alegre e entusiasta enquanto
abria a porta do armrio, afastava as saias volumosas de vrios vestidos e realizava
gestos frenticos olhando para Arthur.
Ele se deu conta que Elenora pretendia que ele se escondesse no condenado
armrio. Arthur afogou um grunhido. Ela tinha razo, era o nico lugar do quarto no
qual podia se esconder.
Arthur agarrou seu roupo e suas sapatilhas e, contra a sua vontade,
introduziu-se no armrio. Elenora fechou a porta com rapidez e ele se viu coberto por
finos tecidos de musselina, sedas perfumadas e uma escurido absoluta.
Arthur ouviu que Elenora abria a porta do dormitrio.
Acredito que isto merece uma celebrao disse Elenora . Por que no
vamos biblioteca e provamos o excelente brandy de Arthur? Quero ouvir todos os
detalhes da proposio de Bennett. Alm disso, eu tambm tenho uma notcia
surpreendente que quero te comunicar.
Margaret riu com alegria, como uma jovem que acabava de se apaixonar pela
primeira vez. Claro que possivelmente era exatamente isso o que acontecia, pensou
Arthur.
Voc acha que fazemos bem em beber o brandy? perguntou Margaret
genuinamente preocupada . J sabe o que sente Arthur a respeito desta bebida.
Trata-a como se fosse um raro elixir dourado dos deuses.
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Capitulo 35
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Arthur estava no centro do pequeno cmodo que Parker utilizava como sala de
estar. Havia algo muito estranho naquele lugar.
Quando, uma hora antes, lady Wilmington lhe deu a chave, assegurou-lhe que
encontraria a moradia de Parker no mesmo estado no qual se achava no dia anterior,
quando o levaram ao manicmio. Explicou-lhe que no tinha tido tempo de retirar as
pertences nem os mveis do seu neto.
Arthur registrou todos os cmodos com uma preciso metdica e no
encontrou as pedras vermelhas. Mas no era isto que o preocupava, a no ser o
aspecto das habitaes.
A primeira vista, tudo parecia normal. Os mveis do dormitrio, da sala de estar
e da cozinha eram exatamente o que algum esperaria encontrar na moradia de um
jovem moderno. A biblioteca continha obras dos poetas mais populares, assim como
um sortido de volumes dos clssicos, e a roupa do armrio era da ltima moda.
No havia nada incomum ou fora do comum naquela casa, pensou Arthur. E
isso era precisamente o que no encaixava, pois Parker era um criminoso incomum e
extraordinrio.
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Eles acreditam que voc sua amante e que simula ser sua noiva e que ele
arrumou tudo para que vivesse na casa dele de maneira que voc estivesse sempre a
mo? Que vergonha! exclamou Lucinda.
Charlotte lhe lanou um olhar intimidador.
Lembre-se que, na realidade, Elenora no amante de St. Merryn, Lucinda.
Isto s o rumor que corre pelos clubes.
Sim, claro! respondeu Lucinda imediatamente. A seguir lanou a Elenora
um sorriso de desculpa que, de certo modo, tambm refletia algum pesar . Continua,
por favor.
Como lhes dizia continuou Elenora , as apostas esto relacionadas com
a data em que St. Merryn terminar esta charada e me despedir. Elenora fez uma
pausa para assegurar-se de que a escutavam com absoluta ateno . No vejo por
que ns no deveramos nos aproveitar e apostar tambm.
Os olhos da Lucinda e Charlotte refletiram primeiro compreenso depois
esperana e iluso.
Ns conheceramos a data com exatido! sussurrou Charlotte
sobressaltada pelas possibilidades que lhes oferecia aquela situao . Se Elenora
pudesse convencer a St. Merryn para que terminasse sua relao em uma data
determinada...
No acredito que isto seja problema Elenora a tranquilizou . Estou
convencida de que St. Merryn cooperar na determinao da data exata.
E ns seramos as nicas que a conheceramos suspirou Lucinda .
Poderamos ganhar uma fortuna!
Resultaria tentador apostar vrios milhares de libras explicou Elenora ,
mas no acredito que seja conveniente. Uma cifra enorme de dinheiro despertaria as
suspeitas das pessoas. E no queremos que ningum pergunte por nossas apostas.
Ento, quanto? perguntou Lucinda.
Elenora hesitou enquanto refletia.
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Meia hora mais tarde, Elenora se dirigiu para a manso da Rain Street com a
sensao de que caminhava para sua prpria perdio. Tinha resultado maravilhoso
brindar por um futuro cor-de-rosa, livre de penrias econmicas e ocupado com o
desafio de dirigir sua pequena livraria, pensou Elenora. Alm disso, algum dia, quando
suas lgrimas se secassem, poderia desfrutar da vida que tinha planejado para si
mesma. Mas antes tinha que enfrentar-se dor que significava separar-se de Arthur.
Elenora saiu do parque e percorreu com lentido a rua que a conduzia a seu lar.
No, no meu lar. Esta rua conduz ao meu lugar de trabalho temporrio. Eu
no tenho um lar, mas terei um. O criarei para mim mesma.
Quando chegou entrada da enorme casa, lembrou-se de que a maioria dos
empregados estava fora. Mas ala tinha uma chave e era perfeitamente capaz de abrir a
porta por si mesma.
Elenora entrou no vestbulo e tirou o casaco, as luvas e o gorro.
O que precisava era de uma xcara de ch, decidiu. Em seguida, percorreu o
corredor que conduzia parte posterior da casa e desceu os degraus de pedra que se
comunicavam com as dependncias da cozinha. Elenora ficou uns instantes olhando a
porta do quarto no qual ouviu Ibbitts extorquir a pobre Sally. Dois dias depois, o
mordomo tinha morrido.
Elenora tremeu ao record-lo e seguiu caminhando. A porta do dormitrio de
Sally estava aberta. Elenora olhou para o interior esperando ver Sally metida na leitura
da novela.
O quarto estava vazio. Possivelmente, Sally finalmente tinha preferido sair.
Elenora preparou uma bandeja para si na enorme cozinha e a levou para a
biblioteca. Uma vez ali, serviu-se uma taa de ch e se dirigiu para a janela.
A casa tinha mudado nos ltimos dias. A tarefa ainda no estava terminada,
mas aquele lugar j no era o mesmo do dia da sua chegada. Apesar da tristeza que a
embargava, Elenora experimentou uma serena satisfao pelo que tinha conseguido
at ento.
Os chos e a carpintaria foram recentemente polidos e estavam reluzentes. Os
cmodos que levavam muito tempo fechados foram abertos e estavam limpos. Os
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lenis sobre os mveis foram retirados. As janelas e os espelhos, antes opacos, agora
resplandeciam e permitiam que os raios do sol chegassem a cantos que tinham
permanecido por longo tempo na penumbra. Graas s ordens de Elenora, as pesadas
cortinas estavam recolhidas nas laterais das janelas. Alm disso, quase no se podia
encontrar uma bolinha de p que fosse na casa toda.
Os jardins tambm comeavam a ficar muito mais acolhedores, Elenora refletiu,
satisfeita pelos progressos que se estavam realizando. Os atalhos de cascalho estavam
polidos e limpos. A exuberante vegetao estava sendo metodicamente podada e
estavam preparando canteiros para novas plantas. Alm disso, as obras na fonte j
tinham comeado.
Elenora pensou em quo formosa seria a vista da biblioteca depois de alguns
meses. Ento, as plantas teriam florescido e as ervas aromticas estariam prontas para
ser usadas na cozinha. Alm disso, a gua da fonte cintilaria luz do sol.
Elenora se perguntou se Arthur se lembraria dela alguma vez quando olhasse
por aquela janela.
Terminou o ch e, quando dispunha a virar-se, viu um homem vestido com
roupas de trabalho e um avental de pele agachado sobre um canteiro. Ento se
lembrou dos azulejos novos que se necessitavam para a fonte. O melhor era assegurarse de que os tinham encomendado.
Elenora saiu ao jardim.
Um momento, por favor disse Elenora enquanto se dirigia com
rapidamente em direo do jardineiro , eu gostaria de lhe fazer uma pergunta.
O jardineiro grunhiu e continuou tirando as ervas daninhas sem levantar a
cabea.
Sabe se j encomendaram os azulejos para a fonte? perguntou Elenora ao
deter-se junto a ele.
O jardineiro voltou a grunhir.
Elenora se inclinou um pouco enquanto ele puxava outra erva daninha.
Ouviu-me? insistiu.
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Sua criada seguir com vida desde que coopere comigo, senhorita Lodge
declarou Parker com frieza . Mas se a senhorita me causar algum problema lhe
cortarei o pescoo diante dos seus olhos.
O senhor est louco? Elenora perguntou sem pensar.
A pergunta pareceu divertir a Parker.
Minha av ao parecer acha que sim. Ontem fez que me levassem a um
manicmio. E eu que acreditei que me adorava! triste quando a gente no pode
confiar nem na prpria famlia, no cr?
Ela tentava salv-lo.
Ele encolheu os ombros.
Fossem quais fossem suas intenes, eu consegui escapar depois de umas
horas e estava de volta a Londres a tempo de pr em prtica meus planos para ontem
de noite.
Ento foi o senhor quem eu vi no baile.
Ele fez uma reverncia zombadora.
Certamente, devo dizer que a senhorita tem um pescoo muito atraente.
Elenora prometeu a si mesma que no permitiria que ele a pusesse nervosa
com aqueles comentrios to ntimos.
Por que o senhor queria que St. Merryn acreditasse que Roland Burnley era
o assassino?
Para que relaxasse sua vigilncia, obvio. Acreditei que se St. Merryn
baixasse a guarda seria mais fcil sequestrar a senhorita, e consequentemente, a ele.
Parker se ps a rir. Alm disso, eu gosto de jogar com St. Merryn. Ele se orgulha
da sua mente lgica, mas sua capacidade de raciocnio no nada comparada com a
minha.
Do que o senhor est falando? Elenora perguntou com voz autoritria.
Possivelmente, se o entretinha, algum retornaria casa, veria-a no jardim e
sairia a investigar.
Todas as suas perguntas sero respondidas no seu devido tempo, senhorita
Lodge. Mas vamos por partes. Deixe que eu me apresente. Parker inclinou a cabea
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Captulo 36
Elenora percebeu um frio aroma de umidade que lhe permitiu saber que estava
no subterrneo antes mesmo que Parker lhe retirasse a venda dos olhos. Quando a
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tirou, ela descobriu que estava no interior de um quarto com muros de pedra sem
janelas e iluminado por vrios abajures fixados nas paredes.
Desceram at aquele lugar em uma espcie de jaula. Elenora no pode ver o
artefato porque tinha os olhos vendados, mas notou o movimento e ouviu o rudo da
corrente pesada que Parker utilizou para fazer descer a estrutura. Ele lhe explicou com
orgulho que era o nico que conhecia o manejo da jaula.
Dispe de um sistema de fechamento especial com um ferrolho encima e
outro embaixo contou Parker. necessrio conhecer a combinao para poder abrilo.
O teto, baixo e abobadado, indicou-lhe que o quarto era muito antigo. Elenora
deduziu que o desenho gtico era original e no ideado por algum decorador
moderno. De longe se percebia o tnue som da gua que gotejava ou que escorria por
alguma superfcie.
Uma srie de bancadas de trabalho repletas de aparelhos e instrumentos
estavam dispostas ao redor da sala. Elenora reconheceu alguns dos instrumentos,
como as balanas, os microscpios e as lupas, mas os outros lhe eram desconhecidos.
Bem-vinda ao laboratrio do meu av, senhorita Lodge disse Parker
realizando um gesto eloquente com uma mo . Sua coleo de equipamentos e
aparelhos era excelente. Entretanto, como lgico, quando eu cheguei j estavam
meio ultrapassados. Alguns ainda eram teis, mas eu tomei a liberdade de substituir a
maioria por outros mais modernos e avanados.
Elenora ainda tinha as mos atadas na frente do corpo, mas Parker tinha tirado
as correntes que lhe prendiam os tornozelos durante o percurso na carruagem.
Em determinado momento daquela viagem de pesadelo Elenora tentou saltar
do veculo, mas a portinhola estava fechada com chave e havia barras nos guichs.
Alm disso, quando Parker deu instrues aos dois valentes que estavam na boleia,
Elenora se deu conta de que seria intil lhes pedir auxlio. Sem dvida alguma, os dois
vilos estavam a servio de Parker.
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Arthur saltou da carruagem antes que esta se detivesse por completo diante da
sua casa e subiu as escadas a toda pressa.
No guarde os cavalos ordenou a Jenks por cima do ombro . Temos que
realizar outra visita esta tarde.
Sim, senhor.
A porta da casa se abriu antes que Arthur a tocasse. Ned apareceu na soleira
com o rosto obscurecido pelo terror.
Recebeu a minha mensagem, senhor?
Assim . Arthur entrou impacientemente no vestbulo . Ainda estava na
casa de Parker quando o garoto de recados me comunicou que havia uma questo de
extrema urgncia. Do que se trata? Ainda tenho que fazer uma visita e no quero
perder tempo.
Ento Arthur viu a Sally de p logo atrs de Ned e a expresso de angstia no
seu rosto lhe encolheu o corao.
Onde est a senhorita Lodge? perguntou asperamente.
Sally lhe entregou a carta selada e ps-se a chorar.
Ele ameaou cortar o meu pescoo se ela tentasse escapar ou pedir ajuda
explicou Sally entre soluos . E o teria feito. Vi-o em seus olhos, senhor. No eram
humanos.
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O mais baixo dos dois homens que esperavam no beco foi o primeiro em ver a
luz titilante da lanterna que se aproximava.
V? No final das contas, veio, tal como o senhor Stone disse que faria. O
rufio se afastou da parede e, depois de levantar a pistola, acrescentou : E voc
achava que ele era muito inteligente para arriscar o pescoo por uma mulher.
Uma figura coberta com um chapu e um sobretudo apareceu na entrada do
beco. Seu contorno se distinguia com claridade graas luz da lanterna.
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Parker consultou seu relgio de ouro mais uma vez e pareceu satisfeito. Se
poderia dizer que entusiasmado at.
Meia noite e meia. Meus empregados j devem ter trancado a St. Merryn na
jaula e ido embora.
Elenora elevou o olhar em direo ao teto abobadado.
No ouvi nenhum rudo que procedesse das salas que esto encima desta
cmara.
Os chos de pedra so muito grossos e no deixam passar nenhum rudo.
Esta uma das caractersticas mais admirveis deste laboratrio. Posso realizar
experimentos que produzam muito rudo e muita luz e ningum, mesmo que estivesse
bem em cima, imaginaria o que est ocorrendo aqui embaixo.
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O que faz o senhor pensar que seus homens no esperaro para ver o que
acontece? ela perguntou.
Ora! Esto to assustados pela velha abadia como o resto das pessoas da
vizinhana. Entretanto, embora a curiosidade lhes desse coragem, a nica coisa que
veriam seria a jaula desaparecendo detrs da parede de pedra no fundo do altar.
Quando a entrada secreta se fecha se trona impossvel encontrar a abertura. De modo
que no veriam que a jaula desce at esta sala.
Parker levantou as mos e girou a enorme roda de ferro que se sobressaa da
parede.
Uma seo do teto se deslizou a um lado e revelou um oco escuro. Elenora
ouviu o chiado de uma corrente pesada e o identificou como o rudo que ouviu quando
Parker a levou a aquele lugar.
Seu corao bateu acelerado. A nica oportunidade que teria para pegar a
barra de ferro que estava sobre a bancada de trabalho seria quando Parker estivesse
ocupado tirando Arthur da jaula.
O chiado das correntes se intensificou. Elenora viu aparecer a parte inferior da
jaula de ferro, entre as sombras do oco que alojava o mecanismo.
As pontas de um par de botas lustrosas apareceram vista. Parker parecia
hipnotizado.
Bem-vindo ao laboratrio do segundo Newton da Inglaterra, St. Merryn
saudou sem afastar o olhar das botas.
O tom de sua voz transmitia jbilo e excitao.
Elenora se aproximou da mesa de trabalho e com as mos atadas pegou a barra
pesada de ferro. S teria uma oportunidade, pensou.
Elenora, agache-se!
A ordem decidida de Arthur ressonou por toda o quarto.
Ela obedeceu e se jogou ao cho sem soltar a barra de ferro.
St. Merryn! exclamou Parker deixando de olhar as botas vazias da jaula e
virando-se enquanto levantava a pistola.
No! gritou Elenora.
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Arthur a agarrou pelo ombro e a empurrou para a cripta que havia atrs do
laboratrio.
Ela no sabia do que Arthur falava, mas no discutiu sua deciso. A mquina,
em cima da bancada de trabalho, estava adquirindo uma cor vermelha, como se
estivesse submetida s chamas ardentes de uma fogueira monstruosa. O estranho e
agudo assobio ficou mais intenso.
Sem dvida no era preciso ser um gnio da categoria de Newton para deduzir
que aquela coisa ia explodir, pensou Elenora.
Entrou com Arthur na cripta. O ftido aroma do rio a golpeou com fora. Arthur
acendeu a lanterna e os dois subiram no bote de fundo plano.
Agora entendo por que voc veio sozinho comentou Elenora enquanto
procurava no perder o equilbrio.
S cabem duas pessoas nesta embarcao explicou Arthur. Agarrou a vara
e a utilizou para afastar o bote do cais de pedra . E sabia que poderia necessit-la
para tirar voc deste lugar.
um rio! sussurrou ela surpreendida . E corre por debaixo do corao
da cidade!
Mantm a cabea abaixada advertiu Arthur. H pontes e outros
obstculos.
Ao cabo de uns minutos, ouviram o som amortecido de uma exploso que
retumbou pelas velhas paredes de pedra. Elenora percebeu que o bote tremia, mas a
pequena embarcao continuou seu percurso ao longo da corrente.
Em seguida ouviu-se o chiado e um estrpito terrvel de pedras que se
chocavam e se derrubavam sem cessar.
Uns instantes mais tarde fez-se um silncio aterrador.
Santo cu! sussurrou Elenora . Parece que todo o laboratrio se
desmoronou.
Assim .
Elenora olhou a escurido atrs de si.
Cr que Parker poderia ter sido o segundo Newton da Inglaterra?
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Naquela tarde Arthur tinha sado, mais uma vez, muito cedo. Sua inteno era
reunir-se com vrias pessoas que mereciam uma explicao sobre os acontecimentos,
entre elas a senhora Glentworth e Roland Burnley.
Assim que saiu, Elenora enviou uma mensagem a Bennett na qual lhe pedia que
fosse visit-la o antes possvel. Ele demorou menos de uma hora em chegar, mas no
parecia nada entusiasmado com o favor que lhe estava pedindo.
Est segura de que quer que eu faa isso, senhorita Lodge? perguntou
com tom srio.
Sim respondeu ela. Tinha que resolver aquela questo, pensou Elenora.
No podia voltar atrs . Minhas amigas e eu lhe estaremos muito agradecidas se
concorda em apresentar a aposta no nosso nome.
Margaret franziu o cenho em sinal de desaprovao.
No posso dizer que eu goste do seu plano, Elenora. Sinceramente, acredito
que primeiro deveria discutir esta questo com Arthur.
No posso faz-lo. Conheo-o muito bem e se preocupar com minha
reputao. Se souber do meu plano, provvel que se mostre intransigente e no me
permita realiz-lo.
Margaret ficou tensa.
possvel que Arthur culpe a Bennett por apresentar a aposta no seu nome
e de suas amigas.
Elenora franziu o cenho: no tinha pensado naquela possibilidade.
No gostaria de ser a causa de que o senhor e St. Merryn se distanciassem,
sobretudo agora que voc logo far parte da famlia.
No se preocupe por isso, senhorita Lodge respondeu Bennett
galantemente . No temo a reao de St. Merryn, mas sim que esteja interpretado
mal os sentimentos dele com relao senhorita.
Bennett tem razo confirmou Margaret imediatamente . Gosta muito
de voc, Elenora. Tenho certeza. Sou consciente de que possivelmente no tenha
demonstrado seus sentimentos a voc, mas porque no est acostumado a mostrar
suas emoes.
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A terrvel sensao de perda que tinha comeado a sentir durante toda a tarde
cresceu no seu interior. Tinha que sair dali se no queria converter-se em numa poa
de lgrimas, Elenora pensou.
Ento ouviu o estalo surdo e continuo de uma carruagem que se detinha diante
da porta. Sem dvida, se tratava do carro que tinha pedido a Ned que chamasse.
Elenora ouviu o som amortecido da porta principal, que se abriu e fechou com rapidez.
Sem dvida, Ned tinha sado para informar ao condutor que ela desceria em uns
minutos.
Elenora girou com lentido sobre os calcanhares para dar uma ltima olhada no
seu quarto enquanto dizia a si mesma que no queria esquecer nenhum de seus
pertences. Entretanto, seu olhar se deteve na formosa cama.
Elenora no podia deixar de pensar na ltima noite de paixo que passou ali
com Arthur. Sabia que levaria aquela lembrana no corao durante o resto da sua
vida.
Em seguida, percebeu vagamente os passos de um homem no corredor. Devia
tratar-se de Ned, quem ia pegar o ba para lev-lo at o carro, Elenora deduziu.
As lgrimas umedeceram seus olhos. Elenora pegou um leno. No devia
chorar. Ainda no. Se Ned, Sally e o resto dos empregados viam que partia banhada
em lgrimas, se inquietariam.
Ouviu ento uma nica batida na porta.
Entra ela respondeu enquanto secava suas incipientes lgrimas.
A porta se abriu e, depois de enxugar os olhos, Elenora virou-se.
Vai a alguma parte? Arthur perguntou com calma.
Elenora ficou paralisada. A figura de Arthur se destacava, imponente, na
soleira. Rugas sombrias e inflexveis sulcavam suas duras faces e seu olhar lhe
pareceu mais perigoso que nunca. Elenora ficou com a boca seca.
O que faz aqui? sussurrou ela.
Eu moro aqui, lembra?
Elenora se ruborizou.
Voltou cedo.
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A realidade voltou at eles bastante mais tarde e golpeou a Elenora com tanta
fora que a obrigou sentar-se na cama de repente.
A aposta, ela pensou em pnico.
Desculpa, mas tenho que me levantar. Agora mesmo. Elenora tentou
livrar-se do brao e da perna de Arthur . Por favor, deixe-me ir. Tenho que me vestir.
No necessrio. Arthur apertou o brao contra a cintura de Elenora e a
puxou preguiosamente para que deitasse novamente do seu lado . Ningum
retornar antes de uma hora.
No compreende. No posso me casar a menos que encontre ao senhor
Fleming antes que... No importa, algo muito complicado e no tenho tempo de te
explicar.
Voc no ser to cruel a ponto de me deixar largado agora que conseguiu
satisfazer novamente a sua luxria.
No se trata disto. Escute-me, Arthur, algo realmente terrvel est a ponto
de acontecer. Pedi ao senhor Fleming que realizasse uma aposta no meu nome e de
umas amigas minhas.
Sim. Arthur a olhou severamente . Ouvi falar do seu plano. J sabe o
que penso a respeito deste tipo de coisas. Lembre-me que devo manter um longo
bate-papo contigo a respeito dos perigos do jogo.
Elenora deixou de lutar.
Sabe sobre a aposta?
Sim. Nem sequer posso te explicar o susto que levei quando descobri que
estava a ponto de me casar com uma jogadora empedernida.
Ela ignorou seu comentrio e insistiu:
Suponho que compreende por que devo deter ao senhor Fleming antes que
realize a aposta.
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EPLOGO
Um ano depois...
O que vocs devem levar em conta quando analisarem um investimento
financeiro que de vital importncia olhar por debaixo da superfcie. Arthur se
reclinou na cadeira da mesa e esquadrinhou a sua pequena audincia . Formulem as
perguntas que outros no formulam. Faam anotaes. Analisem o que pode sair mal
assim como o que esperam que saia bem. Est claro?
Os gmeos gorjearam do fundo dos seus beros. O pequeno David olhava a
Arthur com ateno, sem dvida fascinado pela conferncia. Sua irm, Agatha, parecia
mais interessada no seu chocalho, embora Arthur soubesse que tinha absorvido at o
mais mnimo detalhe. Como sua me, ela era capaz de realizar duas coisas ao mesmo
tempo.
Arthur sorriu a ambos. No tinha nenhuma dvida: era o pai dos meninos mais
inteligentes e formosos do mundo inteiro.
Do outro lado da janela, a primavera tinha invadido o imvel. A luz clida do sol
entrava no local. Os campos estavam verdes e as plantas tinham florescido.
Pouco depois de casar-se com Elenora, se transladaram ao campo. Londres
estava muito bem para as visitas ocasionais, Arthur pensou. Mas nem ele e nem ela
estavam feitos para passar longos perodos de tempo em sociedade. Alm disso, o ar
do campo era muito mais saudvel para os meninos.
O dinheiro no a coisa mais importante do mundo continuou Arthur,
mas um bem muito til.
A porta da biblioteca se abriu e Elenora, embelezada com um vestido cor-derosa e com um aspecto fresco e vital, entrou como um suspiro no lugar. Na mo levava
um dirio que lhe resultou familiar a Arthur.
... Sobretudo nesta casa Arthur acrescentou secamente , porque sua
me capaz de gastar uma quantidade enorme em obras de caridade.
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Elenora sorriu. O amor que sentia por Arthur era claro e brilhante como a luz do
sol.
E qual a resposta?
Arthur a abraou.
Amar-te faz com que eu me sinta o homem mais feliz da terra.
Querido Arthur! sussurrou ela sentindo que a felicidade lhe enchia o
corao. Laou a Arthur pelo pescoo com os braos e declarou : Em uma ocasio te
disse que seria um marido excelente, lembra? Agora deve admitir que eu tinha razo.
Ele teria se posto a rir, mas preferiu beij-la.
Fim
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