Apostila Do Curso Enfermagem e A Saude Da Mulher
Apostila Do Curso Enfermagem e A Saude Da Mulher
Apostila Do Curso Enfermagem e A Saude Da Mulher
Introdução ....................................................................................................................... 4
Mortalidade Materna..................................................................................................... 13
DST/HIV/Aids .............................................................................................................. 19
Referências ................................................................................................................... 49
Introdução
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excluídos os direitos sexuais e as questões de gênero (COELHO, 2003).
Em 1994, na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, a
saúde reprodutiva foi definida como “um estado de completo bem-estar físico, mental
e social em todas as matérias concernentes ao sistema reprodutivo, suas funções e
processos, e não apenas mera ausência de doença ou enfermidade. A saúde reprodutiva
implica, por conseguinte, que a pessoa possa ter uma vida sexual segura e satisfatória,
tendo a capacidade de reproduzir e a liberdade de decidir sobre quando e quantas vezes
deve fazê-lo” (CIPD, 1994).
Nessa definição, toma-se como referência o conceito de saúde da Organização
Mundial da Saúde (OMS), e são incorporadas dimensões da sexualidade e da
reprodução humana numa perspectiva de direitos. No entanto, apesar do avanço em
relação a outras definições, o conceito da CIPD fica restrito à saúde reprodutiva e não
trata a saúde-doença como processo na perspectiva da epidemiologia social, o que vem
sendo bastante discutido desde o final dos anos 60.
A saúde e a doença estão intimamente relacionadas e constituem um processo
cuja resultante está determinada pela atuação de fatores sociais, econômicos, culturais
e históricos. Isso implica em afirmar que o perfil de saúde e doença varia no tempo e
no espaço, de acordo com o grau de desenvolvimento econômico, social e humano de
cada região (LAURELL, 1982).
As desigualdades sociais, econômicas e culturais se revelam no processo de
adoecer e morrer das populações e de cada pessoa em particular, de maneira
diferenciada. De acordo com os indicadores de saúde, as populações expostas a
precárias condições de vida estão mais vulneráveis e vivem menos. O relatório sobre a
situação da População Mundial (2002) demonstra que o número de mulheres que
vivem em situação de pobreza é superior ao de homens, que as mulheres trabalham
durante mais horas do que os homens e que, pelo menos, metade do seu tempo é gasto
em atividades não remuneradas, o que diminui o seu acesso aos bens sociais, inclusive
aos serviços de saúde.
Levando em consideração que as históricas desigualdades de poder entre
homens e mulheres implicam num forte impacto nas condições de saúde destas últimas
(ARAÚJO, 1998), as questões de gênero devem ser consideradas como um dos
determinantes da saúde na formulação das políticas públicas.
O gênero, como elemento constitutivo das relações sociais entre homens e
mulheres, é uma construção social e histórica. É construído e alimentado com base em
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símbolos, normas e instituições que definem modelos de masculinidade e feminilidade
e padrões de comportamento aceitáveis ou não para homens e mulheres. O gênero
delimita campos de atuação para cada sexo, dá suporte à elaboração de leis e suas
formas de aplicação. Também está incluída no gênero a subjetividade de cada sujeito,
sendo única sua forma de reagir ao que lhe é oferecido em sociedade. O gênero é uma
construção social sobreposta a um corpo sexuado. É uma forma primeira de
significação de poder (SCOTT, 1989).
Gênero se refere ao conjunto de relações, atributos, papéis, crenças e atitudes
que definem o que significa ser homem ou ser mulher. Na maioria das sociedades, as
relações de gênero são desiguais. Os desequilíbrios de gênero se refletem nas leis,
políticas e práticas sociais, assim como nas identidades, atitudes e comportamentos das
pessoas. As desigualdades de gênero tendem a aprofundar outras desigualdades sociais
e a discriminação de classe, raça, casta, idade, orientação sexual, etnia, deficiência,
língua ou religião, dentre outras (HERA, 1995).
Da mesma maneira que diferentes populações estão expostas a variados tipos e
graus de risco, mulheres e homens, em função da organização social das relações de
gênero, também estão expostos a padrões distintos de sofrimento, adoecimento e
morte. Partindo-se desse pressuposto, é imprescindível a incorporação da perspectiva
de gênero na análise do perfil epidemiológico e no planejamento de ações de saúde,
que tenham como objetivo promover a melhoria das condições de vida, a igualdade e
os direitos de cidadania da mulher.
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desses programas era a verticalidade e a falta de integração com outros programas e
ações propostos pelo governo federal. As metas eram definidas pelo nível central, sem
qualquer avaliação das necessidades de saúde das populações locais. Um dos
resultados dessa prática é a fragmentação da assistência (COSTA, 1999) e o baixo
impacto nos indicadores de saúde da mulher.
No âmbito do movimento feminista brasileiro, esses programas são
vigorosamente criticados pela perspectiva reducionista com que tratavam a mulher,
que tinha acesso a alguns cuidados de saúde no ciclo gravídico-puerperal, ficando sem
assistência na maior parte de sua vida. Com forte atuação no campo da saúde, o
movimento de mulheres contribuiu para introduzir na agenda política nacional,
questões, até então, relegadas ao segundo plano, por serem consideradas restritas ao
espaço e às relações privadas. Naquele momento tratava-se de revelar as desigualdades
nas condições de vida e nas relações entre os homens e as mulheres, os problemas
associados à sexualidade e à reprodução, as dificuldades relacionadas à anticoncepção
e à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e a sobrecarga de trabalho das
mulheres, responsáveis pelo trabalho doméstico e de criação dos filhos (ÁVILA;
BANDLER, 1991).
As mulheres organizadas argumentavam que as desigualdades nas relações
sociais entre homens e mulheres se traduziam também em problemas de saúde que
afetavam particularmente a população feminina. Por isso, fazia-se necessário criticá-
los, buscando identificar e propor processos políticos que promovessem mudanças na
sociedade e consequentemente na qualidade de vida da população.
Posteriormente, a literatura vem demonstrar que determinados
comportamentos, tanto dos homens quanto das mulheres, baseados nos padrões
hegemônicos de masculinidade e feminilidade, são produtores de sofrimento,
adoecimento e morte (OPAS, 2000).
Com base naqueles argumentos, foi proposto que a perspectiva de mudança das
relações sociais entre homens e mulheres prestasse suporte à elaboração, execução e
avaliação das políticas de saúde da mulher. As mulheres organizadas reivindicaram,
portanto, sua condição de sujeitos de direito, com necessidades que extrapolam o
momento da gestação e parto, demandando ações que lhes proporcionassem a melhoria
das condições de saúde em todas os ciclos de vida. Ações que contemplassem as
particularidades dos diferentes grupos populacionais, e as condições sociais,
econômicas, culturais e afetivas, em que estivessem inseridos.
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Em 1984, o Ministério da Saúde elaborou o Programa de Assistência Integral à
Saúde da Mulher (PAISM), marcando, sobretudo, uma ruptura conceitual com os
princípios norteadores da política de saúde das mulheres e os critérios para eleição de
prioridades neste campo (BRASIL, 1984).
O PAISM incorporou como princípios e diretrizes as propostas de
descentralização, hierarquização e regionalização dos serviços, bem como a
integralidade e a equidade da atenção, num período em que, paralelamente, no âmbito
do Movimento Sanitário, se concebia o arcabouço conceitual que embasaria a
formulação do Sistema Único de Saúde (SUS).
O novo programa para a saúde da mulher incluía ações educativas, preventivas,
de diagnóstico, tratamento e recuperação, englobando a assistência à mulher em clínica
ginecológica, no pré-natal, parto e puerpério, no climatério, em planejamento familiar,
DST, câncer de colo de útero e de mama, além de outras necessidades identificadas a
partir do perfil populacional das mulheres (BRASIL, 1984).
O processo de construção do SUS tem grande influência sobre a
implementação do PAISM. O SUS vem sendo implementado com base nos princípios
e diretrizes contidos na legislação básica: Constituição de 1988, Lei n.º 8.080 e Lei n.º
8.142, Normas Operacionais Básicas (NOB) e Normas Operacionais de Assistência à
Saúde (NOAS), editadas pelo Ministério da Saúde. Particularmente com a
implementação da NOB 96, consolida-se o processo de municipalização das ações e
serviços em todo o País. A municipalização da gestão do SUS vem se constituindo
num espaço privilegiado de reorganização das ações e dos serviços básicos, entre os
quais se colocam as ações e os serviços de atenção à saúde da mulher, integrados ao
sistema e seguindo suas diretrizes.
O processo de implantação e implementação do PAISM apresenta
especificidades no período de 84 a 89 e na década de 90, sendo influenciado, a partir
da proposição do SUS, pelas características da nova política de saúde, pelo processo de
municipalização e principalmente pela reorganização da atenção básica, por meio da
estratégia do Programa Saúde da Família. Estudos realizados para avaliar os estágios
de implementação da política de saúde da mulher demonstram a existência de
dificuldades na implantação dessas ações e, embora não se tenha um panorama
abrangente da situação em todos os municípios, pode-se afirmar que a maioria enfrenta
ainda dificuldades políticas, técnicas e administrativas.
Visando ao enfrentamento desses problemas, o Ministério da Saúde editou a
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Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS 2001), que “amplia as
responsabilidades dos municípios na Atenção Básica, define o processo de
regionalização da assistência, cria mecanismos para fortalecimento da gestão do SUS e
atualiza os critérios de habilitação para os estados e municípios” (BRASIL, 2001).
Na área da saúde da mulher, a NOAS estabelece para os municípios a garantia
das ações básicas mínimas de pré-natal e puerpério, planejamento familiar e prevenção
do câncer de colo uterino e, para garantir o acesso às ações de maior complexidade,
prevê a conformação de sistemas funcionais e resolutivos de assistência à saúde, por
meio da organização dos territórios estaduais (COELHO, 2003).
A delimitação das ações básicas mínimas para o âmbito municipal é resultante
do reconhecimento das dificuldades para consolidação do SUS, e das lacunas que
ainda existem na atenção à saúde da população. Porém, essa proposta não abrange todo
o conjunto de ações previstas nos documentos que norteiam a Política de Atenção
Integral à Saúde da Mulher, que passa a contemplar, a partir de 2003, a atenção a
segmentos da população feminina ainda invisibilisados e a problemas emergentes que
afetam a saúde da mulher (BRASIL, 2003d).
O nível federal de administração também apresentou, na última década,
dificuldades e descontinuidade no processo de assessoria e apoio para implementação
do PAISM, observando-se mudanças a partir de 1998, quando a saúde da mulher passa
a ser considerada uma prioridade de governo.
O balanço institucional das ações realizadas no período de 1998 a 2002,
elaborado por Correa e Piola, indica que, nesse período, trabalhou-se na perspectiva de
resolução de problemas, priorizando-se a saúde reprodutiva e, em particular, as ações
para redução da mortalidade materna (pré-natal, assistência ao parto e anticoncepção).
Segundo os autores, embora se tenha mantido como imagem-objetivo a atenção
integral à saúde da mulher, essa definição de prioridades dificultou a atuação sobre
outras áreas estratégicas do ponto de vista da agenda ampla de saúde da mulher. Essa
perspectiva de atuação também comprometeu a transversalidade de gênero e raça,
apesar de se perceber um avanço no sentido da integralidade e uma ruptura com as
ações verticalizadas do passado, uma vez que os problemas não foram tratados de
forma isolada e que houve a incorporação de um tema novo como a violência sexual
(CORREA; PIOLA, 2002).
Nesse balanço são apontadas ainda várias lacunas como atenção ao
climatério/menopausa; queixas ginecológicas; infertilidade e reprodução assistida;
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saúde da mulher na adolescência; doenças crônico-degenerativas; saúde ocupacional;
saúde mental; doenças infecto-contagiosas e a inclusão da perspectiva de gênero e raça
nas ações a serem desenvolvidas.
Em 2003, a Área Técnica de Saúde da Mulher identifica ainda a necessidade de
articulação com outras áreas técnicas e da proposição de novas ações, quais sejam:
atenção às mulheres rurais, com deficiência, negras, indígenas, presidiárias e lésbicas e
a participação nas discussões e atividades sobre saúde da mulher e meio ambiente.
Situação Sociodemográfica
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importante para a elaboração das políticas de saúde.
Segundo Corral (2000), as dificuldades enfrentadas pelas mulheres podem ser
demonstradas pela diferenciação dos salários entre elas e os homens, mesmo quando
realizam trabalhos idênticos, e também pelo crescimento do número de famílias pobres
chefiadas exclusivamente por mulheres. Para essa autora, muitos fatores devem ser
analisados para se identificar as desigualdades existentes no Brasil.
A Síntese de Indicadores Sociais 2002, do IBGE, apresenta os seguintes dados:
a população feminina ocupada concentra-se nas classes de rendimento mais baixas –
71,3% das mulheres que trabalham ganham até dois salários mínimos, contra 55,1%
dos homens, e a desigualdade salarial aumenta conforme a remuneração. A proporção
de homens que ganham mais de cinco salários mínimos é de 15,5% e das mulheres é
de 9,2%. No que se refere ao trabalho doméstico, as mulheres dedicadas a ess
atividade (19,2%) e que não recebem remuneração (10,5%) é bem maior do que a dos
homens (0,8% e 5,9% respectivamente) para o ano de 2003.
Considerando-se o recorte étnico-racial na população brasileira, observa-se que
a exclusão da população afro-brasileira e seus descendentes leva a poucas chances de
ascensão social, maior dificuldade de acesso a postos de trabalho bem-enunerados e
qualificados, menores oportunidades educacionais, levando-os, portanto, a viver nos
assentamentos mais degradados em termos físicos e ambientais. Segundo o dossiê
“assimetrias Raciais no Brasil: alerta para elaboração de políticas” (2003), da Rede
Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, os afro-descendentes
vêm ocupando, historicamente, a base da pirâmide social, chegando a ostentar o fato
de que 69,0% dos indivíduos membros desse grupo da população encontram-se em
situação de pobreza. O dossiê informa ainda que no Brasil a dimensão racial constitui
um desafio à implementação de políticas públicas dada a distância existente entre os
níveis de bem-estar da população branca e os da afro-descendente em todas as regiões
do País. A igualdade de gênero e racial/étnica impõe o reconhecimento dessa dimensão
da desigualdade social no Brasil. Essa situação é ainda mais grave em se tratando das
mulheres afro-descendentes (CORRAL, 2000).
A realidade é multifacetada e sua complexidade deve ser considerada na
formulação de políticas públicas.
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Breve diagnóstico da Situação da Saúde da Mulher no Brasil
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entre as dez primeiras causas de óbito nessa faixa etária. No entanto, a gravidade do
problema é evidenciada quando se chama atenção para o fato de que a gravidez é um
evento relacionado à vivência da sexualidade, portanto não é doença, e que, em 92%
dos casos, as mortes maternas são evitáveis.
Mortalidade Materna
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saúde. A maioria não recebeu nenhuma capacitação, tendo aprendido a fazer partos
com outras parteiras ou sozinhas, levadas pela necessidade de ajudar as mulheres de
sua comunidade. Elas não dispõem de materiais básicos para assistência ao parto e
ganham pouco ou quase nada pelo seu trabalho.
Como consequência desse isolamento, a maioria dos partos domiciliares ocorre
em condições precárias e não são notificados aos sistemas de informação em saúde.
Tampouco se tem um registro preciso do número de parteiras atuantes no País.
Deve-se destacar que na zona rural as mulheres têm maior dificuldade de
acesso aos serviços de saúde. Segundo a PNDS de 1996, no meio rural:
– 32% das gestantes não tiveram nenhum atendimento pré-natal;
– o acesso ao parto hospitalar foi menor na área rural, sobretudo entre as
mulheres com nenhum ou poucos anos de estudo e entre aquelas que não tiveram
assistência pré-natal;
– a taxa de mortalidade infantil entre os filhos das mulheres que não
tiveram nenhuma assistência ao pré-natal e ao parto nas áreas urbanas foi de 42 por mil
nascidos vivos e na rural chegou a 65 por mil nascidos vivos.
O acesso da população rural aos serviços de saúde ainda é um grande desafio
do SUS. A dificuldade de acesso às ações de saúde, imposta às mulheres rurais, está
relacionada, entre outros fatores, às desigualdades das relações de gênero e de trabalho,
às grandes distâncias entre residência ou trabalho e os serviços de saúde, à maior
precariedade dos serviços locais e à precária capacitação dos gestores e profissionais
de saúde para lidar com a especificidade dos agravos decorrentes do trabalho no
campo.
O Ministério da Saúde vem adotando estratégias para a formulação de uma
política de atenção à população trabalhadora e residente no campo.
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Na Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde, realizada em 1996, observa-
se a concentração no uso de dois métodos contraceptivos: a laqueadura tubária e a
pílula (40% e 21%, respectivamente). A prevalência da ligadura tubária é maior nas
regiões onde as mulheres têm menor escolaridade e condições socioeconômicas mais
precárias (PNDS, 1996).
A pouca expressividade de outros métodos anticoncepcionais, apontada nessa
pesquisa (métodos hormonais injetáveis 1,2%, condom 4,4%, esterilização masculina
2,6%, DIU 1,1%, métodos naturais e outros 6,6%), e a ausência de citação do
diafragma indicam o limitado acesso das mulheres às informações sobre o leque de
opções para regular a fecundidade e aos métodos anticoncepcionais (BENFAM,1996).
Ainda segundo a referida pesquisa, 43% de usuárias de métodos
anticoncepcionais interrompem o uso durante os 12 meses após a sua adoção, e nos
cinco anos que antecederam o estudo, aproximadamente 50% dos nascimentos não
foram planejados. A porcentagem de mulheres com necessidade insatisfeita de
anticoncepção é de 9,3% na área rural e de 4,5% na área urbana. Essa situação
contribui para a ocorrência de abortamentos em condições inseguras e
consequentemente para o aumento do risco de morte por essa causa.
O estímulo à participação e à inclusão dos homens e adolescentes nas ações de
planejamento familiar limitam-se a experiências isoladas de alguns serviços ou
organizações não-governamentais, que trabalham com homens e adolescentes, e têm
pouca chance de causar algum impacto sobre o problema no Brasil como um todo.
Além disso, problemas culturais e informações distorcidas sobre contracepção de
emergência constituem barreiras para sua aceitação e uso adequado.
Apesar de estar definido na NOAS-SUS 2001 que as ações do planejamento
familiar fazem parte da atenção básica e que estão entre as responsabilidades mínimas
da gestão municipal em relação à saúde da mulher, muitos municípios não têm
conseguido implantar e implementar estratégias adequadas de fornecimento de
anticoncepcionais para a população, de introdução do enfoque educativo e
aconselhamento visando à escolha livre e informada, assim como garantir o
acompanhamento das usuárias.
Identificam-se ainda problemas na produção, controle de qualidade, aquisição e
logística de distribuição dos insumos, manutenção da continuidade da oferta de
métodos anticoncepcionais e capacitação de gestores, de gerentes e de profissionais de
saúde. Isso tem resultado numa atenção precária e excludente, ou até inexistente em
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algumas localidades, com maior prejuízo para as mulheres oriundas das camadas mais
pobres e das áreas rurais.
Poucos serviços oferecem atenção à saúde sexual e reprodutiva dos
adolescentes. A gravidez na adolescência vem sendo motivo de discussões
controvertidas. Enquanto existe uma redução da taxa de fecundidade total, a
fecundidade no grupo de 15 a 19 anos de idade vem aumentando. Esse aumento se
verifica mais nas regiões mais pobres, áreas rurais e na população com menor
escolaridade (PNDS, 1996). O censo de 2000 também evidencia o aumento de
fecundidade nessa faixa etária. Há dez anos, em cada grupo de 1.000 adolescentes, 80
tinham um filho. Hoje, são 90 em cada grupo de 1.000. Dentre os fatores que
contribuem para o aumento da fecundidade nesse grupo está o início cada vez mais
precoce da puberdade, assim como da atividade sexual (BERQUÓ, 2000).
A análise mais aprofundada da questão da gravidez na adolescência é uma
tarefa urgente a ser realizada pela Área Técnica de Saúde da Mulher e pela Área
Técnica de Saúde do Adolescente e outras áreas afins, para que se possa dispor de
políticas mais adequadas para essa faixa etária.
Acrescente-se a todas essas questões o fato de que ainda existe uma
desarticulação entre ações de anticoncepção e de prevenção de DST/ HIV/aids,
agravos que vêm apresentando uma tendência de crescimento entre as mulheres e
jovens.
DST/HIV/Aids
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modo mais expressivo nas regiões mais pobres do planeta e contribui para o
agravamento da pobreza e para o endividamento dos países. Diferentemente dos
primeiros cinco anos da epidemia do HIV/ aids, quando a população
homossexual/bissexual masculina constituía quase que a totalidade dos casos, observa-
se nos últimos dez anos uma mudança na dinâmica da epidemia, acometendo no Brasil
e no mundo a população heterossexual.
No Brasil, na primeira metade da década de 80, a epidemia mantevese
basicamente restrita às regiões metropolitanas da Região Sudeste, aos homens que
fazem sexo com homens, aos hemofílicos, transfundidos e usuários de drogas
injetáveis. Nos últimos anos da década de 80 e início dos anos 90, a frequência de
casos entre mulheres cresceu consideravelmente e a transmissão heterossexual passou
a ser a principal via de transmissão do HIV, observando-se, além disso, um processo
de interiorização e pauperização da epidemia do HIV/aids. Apesar da tendência de
interiorização da epidemia, o maior número de casos concentra-se nas regiões mais
ricas, que também apresentam os mais altos índices de desigualdade social e exclusão
econômica, nos seus bolsões de pobreza (BRASIL, 2003). Observa-se ainda, a grande
redução da transmissão por transfusão, a partir do controle da qualidade do sangue no
País.
O total de casos de aids acumulados no Brasil, no período de janeiro de 1980 a
dezembro de 2002, chega a 257.780, sendo 68.528 em mulheres, aproximadamente
27% (BRASIL, 2002).
Em 1986, apenas 5% dos casos de aids notificados eram do sexo feminino. Nos
últimos anos, a participação das mulheres chega a 30%. A faixa etária de 20 a 39 anos
tem sido a mais atingida e apresenta maior risco de se infectar. Esse aumento da
ocorrência de casos no sexo feminino em idade reprodutiva tem como consequência
um grande aumento no número de crianças expostas verticalmente ao HIV.
Com relação à escolaridade, a incidência de aids vem aumentando tanto em
homens quanto em mulheres com até oito anos de estudo. A baixa escolaridade e
classe social são inversamente proporcionais à possibilidade de negociação com o
parceiro sobre o uso de preservativo. Porém, mesmo com maior poder aquisitivo, grau
de instrução e independência financeira, a mulher ainda tem pouco espaço de
negociação nas relações. Por outro lado, ela percebe-se menos exposta ao risco
(BRASIL, 2003).
Um estudo de prevalência em parturiente com base amostral, realizado em
21
2000, estimou uma prevalência média de 0,6% de infecção pelo HIV entre as
parturientes. O que representa a estimativa de 17.198 gestantes infectadas/crianças
expostas ao HIV/ano no Brasil. Esse estudo fez uma estimativa de 600.000 pessoas
infectadas pelo HIV na população geral, na faixa etária de 15 a 49 anos, naquele ano.
Apenas 215.000 desses estão em acompanhamento nos serviços especializados para
portadores(as) de HIV/aids, o que significa que mais da metade dos indivíduos HIV+
não sabem que estão infectados.
Com a disponibilidade de anti-retrovirais (ARV) para o HIV, possibilitando o
controle dessa infecção, a história natural da doença mudou nos últimos anos,
caracterizando-se pelo crescente aumento de sobrevida dos portadores do HIV e
diminuição dos casos de aids. Mas, apesar da disponibilidade de ARV gratuito para
todos os portadores do HIV/aids, o não diagnóstico da população infectada pelos
serviços de saúde, caracterizados como porta de entrada para a população, traz como
consequência um diagnóstico tardio, que dificulta o controle da infecção para quase
2/3 dos casos estimados. Na grande maioria dos casos, as mulheres recebem o
diagnóstico de infecção pelo HIV tardiamente (quando do adoecimento de seu parceiro
ou de seu filho infectado verticalmente), tendo em vista que uma parcela importante de
profissionais de saúde ainda tem referenciais num conceito ultrapassado de “grupos de
risco”, e não as situa num quadro de vulnerabilidade. Por outro lado, as mulheres que
vivem com HIV/aids enfrentam problemas de acesso nos serviços competentes para o
atendimento da população feminina (serviços de ginecologia e obstetrícia) e nos
serviços especializados para portadores de HIV/aids. A falta desse atendimento nos
serviços mencionados tem origem na discriminação ditada pelo medo dos profissionais
que, desinformados, temem contrair o HIV durante o atendimento.
De acordo com a literatura mundial, as taxas de transmissão vertical caem para
cifras menores que 2,5% quando as ações de identificação da mãe infectada ocorrem
precocemente e são adotadas todas as medidas de tratamento materno/profilaxia da
transmissão vertical conforme preconizado. Segundo o Programa Nacional de
DST/Aids, alguns municípios brasileiros, onde a decisão política permitiu que tais
ações fossem incorporadas à rotina dos serviços de saúde, essas taxas têm sido
observadas nos últimos dois anos.
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A violência sexual é um dos principais indicadores da discriminação de gênero
contra a mulher. Pesquisa coordenada pela OMS (2002), em oito países, retrata o perfil
da violência sofrida pelas mulheres na faixa etária de 15 a 49 anos. No Brasil, o estudo
foi realizado em São Paulo e na zona da mata de Pernambuco. Nesses municípios, 29%
das mulheres relataram violência física e/ou sexual por parte do companheiro. Em
Pernambuco, 34% das mulheres relataram algum episódio de violência cometido pelo
parceiro ou ex-parceiro. Dentre as mulheres agredidas, foram relatados problemas de
saúde: dores ou desconforto severo, problemas de concentração e tontura. Nesse grupo
também foi mais comum a tentativa de suicídio e maior frequência do uso do álcool.
Os dados dessa pesquisa confirmam que a violência sexual e/ou doméstica é
um grave problema de saúde pública. Porém, entre as mulheres que relataram
violência, apenas 16% em São Paulo e 11% em Pernambuco buscaram hospitais ou
centros de saúde (OMS, 2002). Considerando-se que São Paulo concentra a maior
parte dos serviços de referência no Brasil (BRASIL, 2002a), esses percentuais indicam
pouca divulgação e dificuldades de acesso aos serviços.
A avaliação realizada pelos gestores municipais do programa de atendimento à
mulher vítima de violência em Curitiba demonstra que, ao longo do primeiro ano,
houve um aumento crescente da busca pelo serviço, o que é atribuído à estratégia de
divulgação dos serviços e à articulação entre os diferentes setores que prestam
assistência às vítimas de violência (PARANÁ, 2003).
A média de atendimentos em Curitiba, em 2002, passou de 18 casos/mês, no
primeiro trimestre, para 48 casos/mês no último trimestre. Durante o ano, foram
registrados 455 casos, sendo que 56,51% foram de residentes na capital e 41,88% na
região metropolitana. Na maioria dos casos, as vítimas tinham até 29 anos de idade.
No grupo das crianças agredidas sexualmente, com até 12 anos, 83,65% dos agressores
eram pais, padrastos, parentes próximos, amigos ou conhecidos. Em maiores de 12
anos, 59,43% das vítimas foram agredidas por desconhecidos. Outro aspecto
importante da divulgação do programa é a chegada precoce na rede de saúde, em que
80% das vítimas chegaram até 72 horas após a violência, permitindo a profilaxia das
DST/HIV/ aids e da gravidez pós-estupro conforme a necessidade e escolha de cada
um/a (PARANÁ, 2003).
A avaliação do Programa de Combate à Violência contra a Mulher, implantado
em Campo Grande, além de confirmar a elevada prevalência do problema da violência
contra a mulher, também demonstra que uma boa divulgação facilita o acesso das
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mulheres aos serviços de saúde. Nos dois primeiros meses, foram atendidas
aproximadamente 700 mulheres no Centro de Atendimento à Mulher em Situação de
Violência (BRASIL, 2001).
A atenção às mulheres em situação de violência apresenta uma tendência
progressiva de expansão nos últimos quatro anos, ainda que os serviços estejam
concentrados nas capitais e regiões metropolitanas. Em 1999, 17 serviços hospitalares
estavam preparados para atender às mulheres vítimas de estupro. Em fins de 2002, esse
número chega a 82, sendo que o aborto pós-estupro é realizado em 44. Observa-se
maior investimento dos gestores na rede, porém, apesar dos esforços, a maior parte das
mulheres agredidas ainda não têm acesso a esse tipo de atenção (BRASIL, 2002a).
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porque já eram mães, seja porque estavam grávidas do primeiro filho, torna-se
evidente a vulnerabilidade das adolescentes aos agravos em saúde sexual e saúde
reprodutiva.
No âmbito da saúde sexual e reprodutiva, é importante pontuar a ocorrência de
DST/aids, uma vez que os adolescentes e jovens estão na linha de frente da epidemia
da aids, como indicam os dados do Programa Nacional de DST/Aids: No Boletim
Epidemiológico – Ano 13 n.º 01 dez. 99 a jun. 2000* (dados preliminares até
30/6/2000 sujeitos a revisão*) na distribuição proporcional de casos de aids, segundo
sexo e idade, a maior incidência, de 13,2%, ocorreu no sexo feminino, na faixa etária
de 20 a 24 anos de idade. Considerando-se o tempo transcorrido para o aparecimento
da doença, verifica-se que a contaminação pode ter ocorrido nos primeiros anos da
adolescência e que segue a tendência de feminilização, em que as relações de gênero
têm papel fundamental.
A presença de DST aumenta de três a cinco vezes o risco de transmissão do
HIV. Considerando-se o potencial de atividade sexual e reprodutiva das adolescentes e
a sua dificuldade de negociar o uso do preservativo, dentro de processos de
comunicação pobres e pouco sensíveis, aliados à falta de estímulos e suportes sociais
diversos, bem como a carência e a indisponibilidade de recursos materiais, dificultam
atitudes mais seguras para a satisfação das necessidades. Nesse contexto, correr o risco
é a alternativa para quem está vulnerável.
É necessário que as estratégias de atenção à gravidez na adolescência
contemplem, dentre outros, a heterogeneidade de adolescentes nos nichos culturais,
sociais e familiares, privilegiando os grupos de maior vulnerabilidade e a atenção
integral à saúde sexual e reprodutiva, apoiando essas famílias iniciantes com ações
multisetoriais para o acesso igualitário a bens e serviços que promovam a qualidade de
vida.
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convivência com familiares e amigos, a dedicação a uma atividade produtiva e o
acesso à informação.
A medicalização do corpo das mulheres, com uso de hormônios durante o
climatério/menopausa encontra um campo fértil no imaginário feminino pelas falsas
expectativas que coloca, a exemplo da eterna juventude e beleza. Medicalizar o corpo
das mulheres, em nome da ciência e de um suposto bem-estar, sempre foi uma prática
da medicina, que só será modificada quando as mulheres tiverem consciência dos seus
direitos, das possibilidades preventivas e terapêuticas e das implicações das distintas
práticas médicas sobre o seu corpo.
O abuso no uso de estrógenos para os sintomas do climatério/menopausa
acarreta sérios problemas para a saúde, e as mulheres devem ser corretamente
informadas para que possam decidir pela adoção ou não da terapia de reposição
hormonal.
Por falta de consenso na literatura sobre a terapia de reposição hormonal
(TRH), recomenda-se que alguns cuidados sejam observados na prescrição desses
medicamentos, mesmo nas mulheres consideradas saudáveis: limitar o uso de
hormônios àquelas mulheres que apresentam sintomas resistentes a tratamentos mais
inofensivos; realizar exame das mamas e região pélvica antes e durante de qualquer
tratamento hormonal; não adotar a TRH para mulheres que tenham tendência a
problemas de coagulação, trombose, hipertensão arterial, doenças do coração e taxas
elevadas de colesterol. Não se recomenda também a TRH por um longo período, para
prevenir o envelhecimento, como é prescrita comumente no nosso meio.
O climatério/menopausa é uma fase de mudanças, transformação e adaptação,
como a adolescência. Ela não ocorre sem questionamentos e coincide com outras
mudanças na vida da mulher. A quantidade e a intensidade dos sintomas estão,
também, relacionados com a qualidade da vida pessoal, afetiva, profissional e com a
existência ou não de projetos e sonhos para o futuro.
29
É necessário intervir no modelo vigente de atenção à saúde mental das
mulheres, visando a propiciar um atendimento mais justo, mais humano, eficiente e
eficaz, em que a integralidade e as questões de gênero sejam incorporadas como
referências na formação dos profissionais que atendem a esse grupo populacional e
podem intervir positivamente nessa realidade.
Para que os profissionais de saúde possam compreender as reais necessidades
das mulheres que buscam um atendimento em serviço de saúde mental, é necessário
que se dê um processo de incorporação, à prática das ações de saúde, da perspectiva de
que a saúde mental das mulheres é, em parte, determinada por questões de gênero,
somadas às condições socioeconômicas e culturais. Dentro dessa realidade, o SUS
poderá propiciar um atendimento que reconheça, dentre os direitos humanos das
mulheres, o direito a um atendimento realmente integral a sua saúde.
Doenças Crônico-Degenerativas e Câncer Ginecológico
31
de cirurgia de alta frequência e, em 2002, 308 estavam funcionando. No mesmo ano,
166 hospitais realizavam tratamento de câncer.
Mas não basta introduzir a oferta dos exames preventivos na rede básica. É
preciso mobilizar as mulheres mais vulneráveis a comparecem aos postos de saúde e
implementar os sistemas de referência para o que for necessário encaminhar. No
Brasil, observa-se que o maior número de mulheres que realizam o exame
Papanicolaou está abaixo de 35 anos de idade, enquanto o risco para a doença aumenta
a partir dessa idade.
A prevenção do câncer ginecológico, assim como o diagnóstico precoce e o
tratamento, requerem a implantação articulada de medidas como sensibilização e
mobilização da população feminina; investimento tecnológico e em recursos humanos,
organização da rede, disponibilidade dos tratamentos e melhoria dos sistemas de
informação.
33
– mortalidade infantil: apesar da tendência de redução na mortalidade
infantil, a diferença relativa entre brancos e negros, que, em 1980, era de 21%, quase
20 anos depois aumentou para 40%.
No mesmo texto, tem-se acesso aos dados da tese de doutoramento de Cunha,
“Condicionantes da mortalidade infantil segundo raça/cor no Estado de São Paulo,
1997-1998” (2001), que dentre outras diferenças encontradas, aponta:
– maior proporção de nascimentos negros com menor número de consultas
pré-natal;
– maior proporção de óbitos de crianças negras sem assistência médica;
– escores inferiores para crianças negras no APGAR 1;
– maior porcentagem de crianças negras de baixo peso ao nascer,
característica que poderia indicar, além de problemas nutricionais, a possibilidade de
maior prevalência de doenças maternas como diabetes e hipertensão não controladas
durante a gravidez por menor acesso ou pela pior qualidade dos serviços de saúde que
as mães desse grupo utilizam.
Dados relativos à taxa de cesárea por grupos raciais revelam, conforme estudo
de Chacham, “A medicalização do corpo feminino e a incidência do parto cesáreo em
Belo Horizonte”, que as mulheres brancas tiveram 48,1% de cesáreas, as asiáticas
50%, enquanto mulheres pardas tiveram 32,5% e mulheres negras 28,4%.
Quanto à discriminação na assistência durante a gravidez e parto, pesquisa
realizada pela Fiocruz/Pref. Rio de Janeiro, divulgada na Folha de São Paulo em 26 de
maio de 2002, demonstra que 5,1% de mulheres brancas não receberam anestesia no
parto normal, em relação a 11,1% de negras; 82% de mulheres brancas não foram
informadas sobre a importância do pré-natal, em comparação a 76,6% de negras.
Quanto aos sinais de parto, 73,1% das brancas foram informadas em relação a 62,5%
das negras; no que se refere ao aleitamento, 77,7% das brancas foram orientadas,
enquanto apenas 62,5% das negras tiveram orientação; puderam ter acompanhantes
46,2% das brancas e 27,0% das negras. O recorte racial/étnico é fundamental para a
análise dos indicadores de saúde e para o planejamento e execução de ações.
Indicadores de saúde que consideram cor ou raça/etnia são absolutamente necessários
para que se possa avaliar a qualidade de vida de grupos populacionais, de que e como
adoecem e de que morrem.
Alguns problemas de saúde são mais prevalentes em determinados grupos
raciais/étnicos e, no caso das mulheres negras, a literatura refere maior frequência de
34
diabetes tipo II, miomas, hipertensão arterial e anemia falciforme. São doenças sobre
as quais os dados empíricos são suficientes para demonstrar o recorte racial/étnico
relativo à população negra.
A literatura norte-americana afirma que a prevalência de miomas em mulheres
negras é cinco vezes maior que em mulheres brancas. No Brasil, segundo Souza
(1995), também é alta a incidência e reincidência de miomas em mulheres negras.
No que se refere à hipertensão arterial, sua maior prevalência se dá em negros
de ambos os sexos, com a peculiaridade de aparecer mais cedo e ser mais grave e
complicada nesse grupo populacional. Esse dado adquire maior gravidade quando
relacionado à hipertensão arterial durante a gravidez, levando à toxemia gravídica, uma
das principais causas de morte materna no Brasil. Pesquisa realizada no Estado do
Paraná, por Martins (2000), demonstra que o risco de óbitos maternos é maior entre as
mulheres negras, resultando em maior razão de morte materna nesse segmento. A
referida pesquisa encontrou uma razão de morte materna de 276,24 por 100 mil
nascidos vivos para as mulheres negras e 62,73 para as brancas.
A anemia falciforme é uma doença hereditária que incide majoritariamente em
negros em todo o mundo, sendo a do tipo Banto (a mais grave) a predominante no
Brasil. Dados da Organização Mundial da Saúde estimam que nascem no Brasil cerca
de 2.500 crianças falcêmicas/ano e, segundo Oliveira (2000), triagens de gestantes no
pré-natal demonstraram que, em cada mil, 30 são portadoras do traço falcêmico.
A precariedade das condições de vida das mulheres negras leva-as a
apresentarem também maiores taxas de doenças relacionadas à pobreza, como o câncer
de colo de útero que é duas vezes mais frequente em mulheres negras que em brancas.
A realização de melhores pesquisas nacionais sobre a saúde das mulheres
negras é necessária para a implementação de políticas de saúde nos níveis locais que
respondam às necessidades desse segmento da população, excluído dos serviços de
saúde e dos bens sociais.
37
ampliar e adequar estratégias e conteúdos que subsidiem a elaboração de políticas
públicas, evitando a perpetuação da invisibilidade das questões que determinam a boa
ou a má qualidade de vida da mulher residente e trabalhadora rural.
Humanização e Qualidade:
39
de um marco ético que garanta a saúde integral e seu bem-estar.
Segundo Mantamala (1995), a qualidade da atenção deve estar referida a um
conjunto de aspectos que englobam as questões psicológicas, sociais, biológicas,
sexuais, ambientais e culturais. Isso implica em superar o enfoque biologicista e
medicalizador hegemônico nos serviços de saúde e a adoção do conceito de saúde
integral e de práticas que considerem as experiências das usuárias com sua saúde.
Humanizar e qualificar a atenção em saúde é aprender a compartilhar saberes e
reconhecer direitos. A atenção humanizada e de boa qualidade implica no
estabelecimento de relações entre sujeitos, seres semelhantes, ainda que possam
apresentar-se muito distintos conforme suas condições sociais, raciais, étnicas,
culturais e de gênero.
A humanização da atenção em saúde é um processo contínuo e demanda
reflexão permanente sobre os atos, condutas e comportamentos de cada pessoa
envolvida na relação. É preciso maior conhecimento de si, para melhor compreender o
outro com suas especificidades e para poder ajudar sem procurar impor valores,
opiniões ou decisões.
A humanização e a qualidade da atenção são indissociáveis. A qualidade da
atenção exige mais do que a resolução de problemas ou a disponibilidade de recursos
tecnológicos. E humanização é muito mais do que tratar bem, com delicadeza ou de
forma amigável.
Para atingir os princípios de humanização e da qualidade da atenção deve-se
levar em conta, pelo menos, os seguintes elementos:
– acesso da população às ações e aos serviços de saúde nos três níveis de
assistência;
– definição da estrutura e organização da rede assistencial, incluindo a
formalização dos sistemas de referência e contra-referência que possibilitem a
continuidade das ações, a melhoria do grau de resolutividade dos problemas e o
acompanhamento da clientela pelos profissionais de saúde da rede integrada;
– captação precoce e busca ativa das usuárias;
– disponibilidade de recursos tecnológicos e uso apropriado, de acordo
com os critérios de evidência científica e segurança da usuária;
– capacitação técnica dos profissionais de saúde e funcionários dos
serviços envolvidos nas ações de saúde para uso da tecnologia adequada, acolhimento
humanizado e práticas educativas voltadas à usuária e à comunidade;
40
– disponibilidade de insumos, equipamentos e materiais educativos;
– acolhimento amigável em todos os níveis da assistência, buscando-se a
orientação da clientela sobre os problemas apresentados e possíveis soluções,
assegurando-lhe a participação nos processos de decisão em todos os momentos do
atendimento e tratamentos necessários;
– disponibilidade de informações e orientação da clientela, familiares e da
comunidade sobre a promoção da saúde, assim como os meios de prevenção e
tratamento dos agravos a ela associados;
– estabelecimento de mecanismos de avaliação continuada dos serviços e
do desempenho dos profissionais de saúde, com participação da clientela;
– estabelecimento de mecanismos de acompanhamento, controle e
avaliação continuada das ações e serviços de saúde, com participação da usuária;
– análise de indicadores que permitam aos gestores monitorar o
andamento das ações, o impacto sobre os problemas tratados e a redefinição de
estratégias ou ações que se fizerem necessárias.
41
– A gestão da Política de Atenção à Saúde deverá estabelecer uma
dinâmica inclusiva, para atender às demandas emergentes ou demandas antigas, em
todos os níveis assistenciais.
– As políticas de saúde da mulher deverão ser compreendidas em sua
dimensão mais ampla, objetivando a criação e ampliação das condições necessárias ao
exercício dos direitos da mulher, seja no âmbito do SUS, seja na atuação em parceria
do setor Saúde com outros setores governamentais, com destaque para a segurança, a
justiça, trabalho, previdência social e educação.
– A atenção integral à saúde da mulher refere-se ao conjunto de ações de
promoção, proteção, assistência e recuperação da saúde, executadas nos diferentes
níveis de atenção à saúde (da básica à alta complexidade).
– O SUS deverá garantir o acesso das mulheres a todos os níveis de
atenção à saúde, no contexto da descentralização, hierarquização e integração das
ações e serviços. Sendo responsabilidade dos três níveis gestores, de acordo com as
competências de cada um, garantir as condições para a execução da Política de
Atenção à Saúde da Mulher.
– A atenção integral à saúde da mulher compreende o atendimento à
mulher a partir de uma percepção ampliada de seu contexto de vida, do momento em
que apresenta determinada demanda, assim como de sua singularidade e de suas
condições enquanto sujeito capaz e responsável por suas escolhas.
– A atenção integral à saúde da mulher implica, para os prestadores de
serviço, no estabelecimento de relações com pessoas singulares, seja por razões
econômicas, culturais, religiosas, raciais, de diferentes orientações sexuais, etc. O
atendimento deverá nortear-se pelo respeito a todas as diferenças, sem discriminação
de qualquer espécie e sem imposição de valores e crenças pessoais. Esse enfoque
deverá ser incorporado aos processos de sensibilização e capacitação para
humanização das práticas em saúde.
– As práticas em saúde deverão nortear-se pelo princípio da humanização,
aqui compreendido como atitudes e comportamentos do profissional de saúde que
contribuam para reforçar o caráter da atenção à saúde como direito, que melhorem o
grau de informação das mulheres em relação ao seu corpo e suas condições de saúde,
ampliando sua capacidade de fazer escolhas adequadas ao seu contexto e momento de
vida; que promovam o acolhimento das demandas conhecidas ou não pelas equipes de
saúde; que busquem o uso de tecnologia apropriada a cada caso e que demonstrem o
42
interesse em resolver problemas e diminuir o sofrimento associado ao processo de
adoecimento e morte da clientela e seus familiares.
– No processo de elaboração, execução e avaliação das Política de
Atenção à Saúde da Mulher deverá ser estimulada e apoiada a participação da
sociedade civil organizada, em particular do movimento de mulheres, pelo
reconhecimento de sua contribuição técnica e política no campo dos direitos e da saúde
da mulher.
– Compreende-se que a participação da sociedade civil na implementação
das ações de saúde da mulher, no âmbito federal, estadual e municipal requer –
cabendo, portanto, às instâncias gestoras – melhorar e qualificar os mecanismos de
repasse de informações sobre as políticas de saúde da mulher e sobre os instrumentos
de gestão e regulação do SUS.
– No âmbito do setor Saúde, a execução de ações será pactuada entre
todos os níveis hierárquicos, visando a uma atuação mais abrangente e horizontal, além
de permitir o ajuste às diferentes realidades regionais.
– As ações voltadas à melhoria das condições de vida e saúde das
mulheres deverão ser executadas de forma articulada com setores governamentais e
não-governamentais; condição básica para a configuração de redes integradas de
atenção à saúde e para a obtenção dos resultados esperados.
43
Integral à Saúde da Mulher
44
– fortalecer o sistema de formação/capacitação de pessoal na área de
assistência obstétrica e neonatal;
– elaborar e/ou revisar, imprimir e distribuir material técnico e educativo;
– qualificar e humanizar a atenção à mulher em situação de abortamento;
– apoiar a expansão da rede laboratorial;
– garantir a oferta de ácido fólico e sulfato ferroso para todas as gestantes;
– melhorar a informação sobre a magnitude e tendência da mortalidade
materna.
46
• implantar o Programa de Anemia Falciforme (PAF/MS),
dando ênfase às especificidades das mulheres em idade fértil e no ciclo
gravídico-puerperal;
• incluir e consolidar o recorte racial/étnico nas ações de
saúde da mulher, no âmbito do SUS;
• estimular e fortalecer a interlocução das áreas de saúde da
mulher das SES e SMS com os movimentos e entidades relacionados à
saúde da população negra.
47
• promover a integração com o movimento de mulheres
feministas no aperfeiçoamento da política de atenção integral à saúde da
mulher.
48
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