Arquitectura de Intervenção: Repensando O Papel Social Do Arquitecto Através de Modelos Alternativos de Prática
Arquitectura de Intervenção: Repensando O Papel Social Do Arquitecto Através de Modelos Alternativos de Prática
Arquitectura de Intervenção: Repensando O Papel Social Do Arquitecto Através de Modelos Alternativos de Prática
Aos Arquitectos José Paixão, António Louro e Tiago Mota Saraiva pelas
entrevistas concedidas.
11 INTRODUÇÂO
49 2. ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO
51 2.1. Definição do conceito
177 REFERÊNCIAS
179 Referências Bibliográficas
187 Fonte das imagens
193 ANEXOS
INTRODUÇÂO
INTRODUÇÃO
13
1. Capa Jornal Arquitectos n.º 247
Jornal Arquitectos
INTRODUÇÃO
que não admita qualquer paragem ou qualquer estagnação sob pena de que a
posteridade não nos perdoe.” (Távora, 1947, p.11)
15
INTRODUÇÃO
17
INTRODUÇÃO
19
INTRODUÇÃO
21
INTRODUÇÃO
23
CRISE: SOCIEDADE E ARQUITECTURA
“As crises, devem ser, como defende Richard Florida o “Grande Reset” que promove novas formas de viver
e trabalhar para impulsionar a prosperidade de novas cidades, devendo ser o ponto de inflexão para o
surgimento de novas ideias e novas pautas tanto para o desenvolvimento urbano como para a regenera-
Marian Leboreiro
CRISE: SOCIEDADE E ARQUITECTURA
27
2. Imagem de capa do relatório “Divided We Stand”
29
3. Coeficiente de desigualdade social desde meados dos anos 80
31
4. Cámbielo Todo
que José Saramago metaforicamente também assinalou nas suas obras Ensaio
sobre a Lucidez e Ensaio sobre a Cegueira.
Neste contexto, e face à actual crise, a família, a unidade fundamental da novas dinâmicas
familiares
sociedade, tem estado sujeita a novas dinâmicas impulsionadas pelo aumento
do desemprego jovem, o envelhecimento da população, acompanhado com
uma baixa taxa de natalidade. Por um lado, verifica-se uma diminuição
do número de casamentos, um aumento do número de divórcios e uma
diminuição da taxa de natalidade que veio reduzir o tamanho das famílias. Por
outro lado, devido a vários factores como as uniões entre pessoas do mesmo
sexo, o aumento da mobilidade e a incerteza do posto de trabalho, cada vez
mais amigos, colegas de trabalho, ou mesmo desconhecidos, por questões
práticas e económicas partilham o mesmo espaço, o que contribui para um
aumento da diversidade e da complexidade estrutural familiar. As famílias
são hoje multigeracionais com o aumento da esperança média de vida e a
emancipação tardia dos filhos.
Uma nova realidade tecnológica veio, também, alterar a forma como
o indivíduo se relaciona com o espaço. Facilitado pela Internet, que torna
possível um trabalho e um convívio virtual em qualquer lugar, hoje, com
um computador e uma ligação à rede, facilmente se acede a outras partes do
mundo, possibilitando, por exemplo, exercer uma profissão a partir de casa.
Este acesso facilitado às redes de comunicação e aos programas de mobilidade
possibilita, ainda, a troca de ideias e o intercâmbio de culturas, o que resulta
numa cultura global, numa partilha da informação e do conhecimento.
Tudo isto acontece num mundo cada vez mais globalizado, com uma globalização
33
5. Temos de parar de construir de forma desmedida e insustentável
CRISE: SOCIEDADE E ARQUITECTURA
Porém, segundo Luís Santiago Baptista (em Arqa, 2009, p.6-7), talvez
mais do que a globalização e o acesso facilitado à informação ou à tecnologia, a
“realidade comunicativa” ou a “realidade mediática”, é a velocidade e a escala a
que tudo isto acontece que constitui a novidade e que conduziu a uma alteração
nas estruturas produtivas, sociais, económicas. As distâncias são cada vez
mais curtas e os ritmos cada vez mais acelerados, com os acontecimentos, as
transformações sociais e económicas a ocorrerem cada vez mais rapidamente.
A sociedade contemporânea é, assim, palco de rápidas transformações,
resultado, não só dos avanços nos domínios da ciência e da tecnologia, mas
também de uma alteração nos valores e nas normas em que se baseiam as
relações sociais e o comportamento humano. Isto influi, necessariamente,
sobre os programas arquitectónicos, que estão sujeitos a novas e múltiplas
dinâmicas, alterando a forma como o indivíduo percepciona o tempo e
o espaço. Assim, tendo em conta estas mudanças na sociedade, parece ser
essencial uma pausa para repensar o papel do arquitecto. Mas estarão os
arquitectos conscientes disso?
“Saberiam os arquitectos que sentido imprimir às suas arquitecturas ou,
por outras palavras, como tecer nos seus projectos o melhor serviço possível à
sociedade e à cultura, se as condições locais de progresso permitissem empregar
a fundo as virtualidades que seria legítimo esperar da sua intervenção?” (Portas,
1964, p.V)
35
6. Crisis? What Crisis?
Supertramp
CRISE: SOCIEDADE E ARQUITECTURA
37
7. Burj Khalifa, Dubai
1. A exposição Small Scale, Big Change: New Architectures of Social Engagement esteve patente no MoMA
entre 3 de Outrubro de 2010 e 3 de Janeiro de 2011
39
8. Heydar Aliyev Center
Zaha Hadid
CRISE: SOCIEDADE E ARQUITECTURA
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9. Olhe à sua volta.
43
10. Be Utopian
Manifesto Exyzt
CRISE: SOCIEDADE E ARQUITECTURA
45
11. Incêndio no complexo da CCTV
2. A primeira edição obra de Octávio Lixa Filgueiras, Da Função Social do Arquitecto: Para uma teoria
da responsabilidade numa época de encruzilhada, é de 1962.
47
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO
51
12. Te kogo ia nikogda ne videl
Vladimir Mayakovsky
Vladimir Mayakovsky
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO
53
14. The New Man (Neuer)
El Lissitzky
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO
55
15. Reunião dos CIAM em Otterlo, 1959
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO
procurado desde de meados do século XIX, “uma nova arquitectura para uma
nova sociedade”, viria a ser alcançado com plenitude no Movimento Moderno.
Rompendo com as formas anteriores de arte, que considerava estarem
ultrapassadas, o Movimento Moderno estabeleceu uma crítica à sociedade,
que considerava imoral, corrupta e centrada na aparência.
Os arquitectos do Movimento Moderno, influenciados pelos Movimento
Moderno
desenvolvimentos da indústria, a tecnologia, o rápido crescimento das cidades
e a Primeira Guerra Mundial, estabeleceram um intenso debate sobre as artes
e a sociedade, através dos seus trabalhos, da troca de ideias e de uma abertura
ao mundo. Embora tenha sido enunciada nas vanguardas artísticas que lhe
sucederam, foi no Movimento Moderno que a questão do papel social da
arquitectura foi amplamente colocada.
“O novo cliente, poderoso, anónimo, dos arquitectos-percursores foi,
junto com as fábricas industriais, a massa enorme dos novos habitantes da
cidade, foi a multidão agitada que tinha criado as metrópoles. O surgimento
da arquitectura moderna identifica-se com a pressão e com a consciência do
problema urbanístico. O arquitecto moderno, por ser arquitecto-engenheiro, é
arquitecto urbanista, o seu cliente não é só aquele só aquele que quer construir
um palácio ou uma villa, e muito menos o mecenas ou o ditador que deseja abrir
uma avenida monumental, senão a massa inteira de cidadãos tida em toda a
sua complexidade social e psicológica.” (Zevi, Cit. por Filgueiras, 1985, p.92)
Arquitectos que viviam e trabalhavam em diferentes contextos
começaram a reunir-se para debater ideias e discutir um caminho para a
arquitectura. À medida que se ia definindo o Estilo Internacional, esta atitude
progressista e de reformulação social foi ganhando forma. Surgiram os CIAM
(Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna) e com eles a vontade
de usar a arquitectura como veículo para uma mudança, para a melhoria de
vida das pessoas, para as tornar modernas.
Contudo, considera Montaner (2001, p.7-8), o Movimento Moderno
tendeu para a abstracção, ao tentar estruturar a sociedade segundo novos
57
16. Anúncio do fim dos CIAM pelo Team X, em Orttelo, 1959
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO
3. Sobre o trabalho de alguns arquitectos dos anos sessenta e setenta José António Bandeirinha fala de
um desejo por uma “prática situacionista de arquitectura, a qual como todas as outras práticas artís-
ticas, deveria perder o seu carácter alienado do quotidiano”. (Bandeirinha, 2007, p.31)
59
17. Conceitos desenvolvidos pelo Team X
61
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO
63
18. Spacebuster
Raumlabor
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO
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19. Trienal de Arquitectura de Lisboa 2013
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO
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20. Exposição Metaflux
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21. Pavilhão Russo na Bienal de Arquitectura de Veneza de 2012
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO
71
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO
(Cámara, 2010)
Uma tendência que se repete noutros países europeus, mesmo em
diferentes contextos económicos. Também em 2010 o RIBA (Royal Institute
of British Architects, 2010, p.38-39) apresentou o relatório The Future for
Architects referindo que uma prática de arquitectura mais dinâmica e criativa,
integrando competências e saberes de outras áreas profissionais é a solução
encontrada pelos estudantes e recém-formados em arquitectura, insatisfeitos
com as suas perspectivas de trabalho e com a falta de práticas atractivas na
disciplina.
Em perspectiva, a crise do Movimento Moderno trouxe para o debate
arquitectónico temas que até então tinham sido menosprezados. Começou a
ser procurada uma arquitectura mais próxima do utilizador, mais participativa,
não só incluindo-o no processo de concepção, como motivando processos de
autogestão da cidade. A arquitectura voltou-se outra vez para as massas, agora
com uma pluralidade de discurso, própria do reconhecimento da diversidade
cultural da sociedade. Estes pensamentos procuraram uma arquitectura mais
democrática, reflectindo sobre o papel social da arquitectura e do arquitecto.
Hoje a arte deixou de ser apenas representação para ser também espaço
vivido e a arquitectura pode apropriar-se dela para acentuar o seu carácter
crítico e o seu impacto. Também, ao estabelecer pontes com os outros saberes
e disciplinas, a arquitectura pode, como foi afirmado pela história, apresentar
soluções mais adequadas ao contexto social, político e cultural. Assim, este
percurso pela história lembra a importância das ideias e dos conceitos que
estão agora a ser reciclados para responder ao contexto actual. Lembrando
Mies Van der Rohe, “a arquitectura é o desejo de uma época traduzida em
espaço” sublinha-se a necessidade de adaptar estes conceitos à realidade vigente,
quando se começa a assistir a uma proliferação de práticas de arquitectura,
exposições e debates, com um renovado interesse social.
73
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁTICA
“Uma sensibilidade paradoxal permite que apareçam unidas coisas aparentemente diferentes e
August Heckscher
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
3.1. Ateliermob
“A preocupação central das novas camadas (…) não é já constituída por
problemas formais ou estilísticos (…) nem sequer pelo conflito entre a arte e a
indústria ou a unidade de expressões artísticas (…) nem muito menos o conflito
inicial entre tradicionalistas e modernidade. Ao contrário o que preocupa
centralmente as novas camadas de quase todos os países (e sobretudo dos que
atravessam a fase de «transição») são questões de responsabilidade política e
social da Arquitectura, de posição do técnico perante as forças económicas e
produtivas, de prioridade do planeamento e da distribuição dos bens sobre a
organização qualitativa interna e a forma desses mesmos bens.” (Portas, 1964,
p.9-10)
A nova camada de arquitectos que Nuno Portas enunciava tem
actualmente o seu paralelo em jovens ateliers, como o Ateliemob, um colectivo
de arquitectos sediado em Lisboa, liderado por Tiago Mota Saraiva e Andreia
Salavessa. O Ateliermob apresenta-se como uma plataforma multidisciplinar de
desenvolvimento de ideias, projectos e investigação nas áreas de arquitectura,
design e urbanismo.5 Tomado como referência, entre os jovens ateliers
portugueses, na procura por reinventar o papel do arquitecto, este atelier faz
77
22. Ateliermob
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
6. Tiago Mota Saraiva (em entrevista ao autor, 2013) afirma que, com a redução do número dos concur-
sos públicos, que se acentuou em 2008/2009, o atelier viu a necessidade de reposicionar a sua prática,
passando a dedicar-se a intervenções de pequena escala, com vista à revitalização do tecido urbano e
social.
79
23. Prodac Norte
81
24. Arquitectura espontânea, Marrocos
83
25. Housing by People
John Turner
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
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26. Villaggio Matteoti
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28. Construir juntos
89
29. Casa do Vapor
10. O material de construção será novamente reutilizado, desta vez pelo Ateliermob na construção de
uma cozinha comunitária no bairro Terras do Lelo Martins, Costa da Caparica, onde muitas das habita-
ções não têm ainda água, saneamento e electricidade.
91
30. Rede de relações
93
31. SAAL, Manifestação de Associações de Moradores e Cooperativas
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
11. O SAAL tinha como objectivo a melhoria das condições habitacionais das classes mais desfavore-
cidas, através de equipas de técnicos que actuavam localmente, gerindo e assistindo na construção de
novas casas e infra-estruturas.
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32. Moradores e profissionais na Casa do Vapor
Cova do Vapor
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
97
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
12. Em 2010 a revista 2G publicou uma edição “2GDossier. Jóvenes Arquitectos Españoles” expondo
o trabalho que estes arquitectos têm desenvolvido, as suas ideias e motivações. Também em 2010, o
jornal espanhol EL PAÍS publicou o artigo “Arquitectos com nuevas respuestas” onde são exploradas
as motivações, ideias e características desta geração. Além de Santiago Cirugeda, são apresentados
Adriana Cantis (FreshMadrid), Andrés Jaque, José Selgas e Lucía Cano, Enrique Krahe, Eva Morales,
Rubén Alonso e David Cañavate (La Panadería), Victoria Garriga e Toño Foraster (AV62 arquitectos).
99
33. Contenedores de espacio publico
101
34. Hacia una arquitectura dinámica y ligera
13. Os andaimes, como estruturas baratas, flexíveis e ligeiras, poderiam constituir-se como uma solução
para um crescimento urbano feito pelos cidadãos, e compatível com as exigências impostas pela preser-
vação do património. (Cirugeda, 2007)
103
36. “En construcción!”
105
37. Aula abierta
107
38. Taller de autoconstrucción
15. Uma atitude que lembra a estratégia do “espaço-extra” da dupla francesa Lacaton e Vassal. O “es-
paço‐extra” foi a forma encontrada por Anne Lacaton e Jean‐Philippe Vassal para potenciar o espaço e
fomentar a liberdade do habitante. Uma estratégia que marca uma mudança na abordagem ao projecto,
ao deixar espaço ao utilizador para intervir na arquitectura, apostando numa maior economia de custos,
mais contundente com o panorama actual, uma das estratégias a valorizar nas práticas emergentes que
se apresentam nesta investigação.
16. Na Introdução ao livro “Obra-aberta”, Umberto Eco assinala também, que toda a obra de arte é
aberta, no sentido em que está sujeita a diferentes interpretações, desperta diferentes sentimentos e
estímulos a quem a experiencia ou dela usufrui. Posteriormente o mesmo autor introduz um outro sig-
nificado ao termo “obra-aberta”, como aquela que foi concebida para ser alterada. (Eco, 1991, p.7-11)
109
39. Grúa
Recetas Urbanas
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
111
40. Projecto Obus para Argel
Le Corbusier
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
Tafuri (1985, p.90) afirmou ainda que esta liberdade concedida ao público não
pode ser considerada senão como forma de explicar aos “participantes” o seu
“mau gosto”, assumindo-se a arquitectura “como acto pedagógico e instrumento
de integração colectiva.” Entendendo a prática de Santiago Cirugeda como
um convite à intervenção activa do cidadão, o papel do arquitecto passa
não só por gerir os instrumentos técnicos e humanos, percebendo, através
das suas competências, que opiniões são válidas e a que vontades atender
mas, simultaneamente, o de educar o cidadão. Neste sentido, é indispensável
um conhecimento abrangente, não só do ambiente físico, mas também do
contexto social sobre o qual se intervém.
“Na actualidade os cidadãos não estão habituados a participar
activamente na construção do contexto onde vivem. Seria necessário idealizar
novas estratégias para motivá-los a tomar iniciativas independentemente da
administração.” (Cirugeda, 2007, p.28)
Ao analisar os factores que conduziram ao fracasso do projecto de Le
Corbusier para Argel, Tafuri (1985, p.91) aponta que a indefinição das suas
propostas não se enquadrava com as mentalidades que pretendia despertar.17
A questão que se coloca então é a de saber se as pessoas realmente respondem
a este tipo de estímulos e se não se trata esta prática, de um “modelo de
laboratório” sem a possibilidade de ser posto em prática. Nos projectos de
Cirugeda, um dos principais objectivos, que seria o de motivar os cidadãos
a repetirem as suas acções, não se verificou, quer tenha sido pelo medo de
subverter as normas ou de se envolverem num processo demasiado complexo.
Partindo desta lógica de disponibilização dos projectos aos cidadãos plataformas online
17. Sobre o trabalho de Corbusier, Tafuri escreveu ainda: “Ele «inventa» a sua encomenda, generaliza-a,
está disposto a pagar pessoalmente o seu papel activo. Isto faz com que todos os seus modelos assumam
as características de experiências laboratoriais: e não se dá a um modelo de laboratório qualquer
possibilidade de traduzir-se tout-court na realidade. (..) O carácter genérico das hipóteses esbarra contra
as estruturas retrógradas que pretende estimular.” (Tafuri, 1985, p.91)
113
41. Colonización esqueleto para residencia-taller
115
42. Hacia una arquitectura dinámica y ligera
21. O projecto FreshMadrid é um outro exemplo de uma publicação na Internet que surgiu em 2006
com a vontade de divulgar e promover o trabalho destes jovens arquitectos, particularmente de ate-
liers de Madrid. Adriana Cantis, comissária FreshMadrid, em entrevista à revista Arqa, explica que o
projecto surgiu depois de ter sido detectado, entre os finais dos anos 90 e princípios dos anos 2000, na
Escola Superior Técnica de Arquitectura de Madrid, um novo posicionamento do arquitecto perante o
projecto, acompanhado por uma expansão dos limites do discurso da disciplina. Contrapondo-se com as
plataformas tradicionais da especialidade, FreshMadrid pretende, simultaneamente, estimular e apoiar
a produção de novos projectos e difundir os trabalhos que evidenciem a transformação e evolução que
ocorre na arquitectura, dando lugar para o protagonismo dos jovens arquitectos. Desde 2006 a 2009,
anualmente, e em 2012, FreshMadrid organizou exposições de trabalhos de alguns ateliers de Madrid
e ibero-americanos e debates sobre os novos paradigmas da arquitectura actual.
117
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
Louro (em entrevista ao autor, 2013) define esta prática como “um conjunto
119
43. Seta Amarela
de pessoas que têm uma formação qualquer mas que estão todos em pé de
igualdade e, idealmente, todos a pensar num campo disciplinar que não é o seu”.
Contrariamente à ideia de abstracção, o seu trabalho surge de uma mistura,
atitude que António Louro compara ao conceito musical do remix. Recorrendo
a instrumentos e metodologias que, tradicionalmente, não estão associados à
prática de arquitectura, os trabalhos do atelier MOOV procuram, também,
constituir-se como uma crítica à disciplina. Exemplos destes trabalhos, que
assinalam uma mudança na abordagem à disciplina, bem como a expansão
dos seus limites, são os projectos Seta Amarela e SWARS.
121
44. Swars - Architecture Strikes Back
Atelier Moov
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
arquitectos portugueses, SWARS fazia uma analogia entre o filme Star Wars e a
rivalidade promovida pelo star-system. Os edifícios foram reinterpretados em
naves e estações espaciais em confronto e foi realizado uma vídeo-instalação
em formato de trailer de um filme que nunca iria existir. O projecto tinha
como objectivo estabelecer-se como uma crítica e estimulando o debate torno
do star-sytem.
123
45. Advertisements for Architecture
Bernard Tschumi
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
23. The Manhattan Transcripts foi pela primeira vez publicado em 1981 no Reino Unido na revista Ar-
chitectural Design, e posteriormente reeditado, em 1994, pelo MIT Press. Os textos que acompanham
a segunda edição do livro são excertos da palestra que teve lugar na Architectural Association em 8 de
Junho de 1982.
125
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
127
46. Urban Re-Identification Grid
129
47. Walking City
Archigram
Archigram
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
José Capela (2007, p.14), ao se indagar sobre a utilidade da arquitectura, arquitectura como
acção crítica
põe a possibilidade de esta não se destinar a servir, mas antes à acção crítica.
Lembrando o texto Interventions in the Relations of Production, or Sublimation
of Contradictions? On Commitment Then and Now de Hilde Heynen e as
referências que este autor faz a Theodor Adorno e Walter Benjamin, José Capela
(2007, p.15) considera que fazer arquitectura com a única intenção de passar
uma mensagem, seria “prescindir de fazer projectos para serem construídos
(o que seria criar modelos) ou de enunciar uma ética (o que seria entrar no
âmbito racional) para, em vez disso promover uma acção crítica ficcional.”
Pondo em causa esta forma de fazer arquitectura, Capela (2007, p.17) vê a
possibilidade de conjugar a acção crítica com um projecto de arquitectura,
quando conciliadas “uma operatividade vocacionada para o questionamento
do programa disciplinar – com um sentido político que assim não se refugia
exactamente na política – e, por outro, o processo criativo, definidor da condição
artística da arquitectura.”
131
49. Project for a Painted Wall
24. IKEA Disobedients foi pela primeira vez apresentado em Madrid em Novembro de 2011, integrado
na exposição Performance y Arquitectura comissariada por Ariadna Cantis.
25. Disponível na Internet: http://www.andresjaque.net/cargadorproyectos.php?variable=38#
133
50. IKEA Disobedients
Andrés Jaque
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
135
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
137
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
3.4. Arrebita!Porto
“’A matéria do arquitecto não é revolucionar a sociedade mas a própria
arquitectura’, como diria Gregotti, citado por Bohigas, nos anos 60. Mas
também não se revoluciona a arquitectura seguindo estritamente as pegadas
das instituições que detêm o poder. Isto é, a intervenção do arquitecto tem que se
sustentar fundamentalmente nas hipóteses e espaços intersticiais da disciplina,
naquilo que permite à arquitectura funcionar como um acrescento de civilização,
de drama, e de transcendência na requalificação do urbano.” (Figueira, 2005,
p.35)
O Arrebita!Porto é um projecto de reabilitação urbana com o objectivo
de recuperar e requalificar edifícios devolutos do centro da cidade do Porto
sem custos. O projecto surgiu como resposta ao apelo feito pelo concurso Faz
- Ideias de origem portuguesa na sua primeira edição em 2010, promovido
pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Fundação Talento.26 José Paixão
(em entrevista ao autor, 2013), arquitecto e autor do Arrebita!Porto, na altura
residente na Áustria, explica que foi a degradação e o abandono dos centros
26. Faz - Ideias de origem portuguesa incentivava os portugueses residentes no estrangeiro a apresen-
tar projectos a serem aplicados em Portugal, nas áreas do ambiente e sustentabilidade, inclusão social,
diálogo cultural e envelhecimento.
139
51. Combater o abandono dos centros urbanos
Arebita!Porto
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
141
52. Trabalho em rede
Arrebita!Porto
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
José Paixão defende que este não é um conceito de projecto tal como
é concebido tradicionalmente, uma vez que não surge da vontade de produzir
arquitectura, mas antes da vontade de resolver um problema social, criando
um modelo de actuação, que possa ser repetível, para o qual a arquitectura, em
coordenação com outras áreas, se pode constituir como o meio para alcançar
esse objectivo.
27. WWOOF é uma associação internacional de quintas onde os proprietários dão alojamento e comida
a voluntários que se disponibilizam a trabalhar a meio tempo em trabalhos agrícolas. Desta forma há
uma troca de serviços sem que seja necessária a troca de dinheiro. (http://www.wwoof.net)
143
53. Primeira intervenção
145
54. La Production de l’espace
Henri Lefebvre
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
147
55. Free Park-in
político.
Ao promover este diálogo entre os vários agentes profissionais, o
projecto Arrebita!Porto, pode ser analisado dentro de uma esfera de acção
interdisciplinar. Este projecto questiona a maneira o posicionamento
da disciplina, explorando os seus limites de actuação. Ao abstrair-se do
formalismo e da forma tradicional de projectar, o arquitecto assume uma
abordagem mais operativa, prática, e contundente com a condição económica
vigente. Ao actuar mesmo quando não solicitada, a arquitectura toma-se
como um agente activo na requalificação urbana e social.
Como forma de mitigar o problema dos sem-abrigo e de rentabilizar OUA
Free Park-In
as estruturas que têm um funcionamento parcial, um modelo (de troca
de serviços) idêntico foi proposto pelo atelier OUA (Office for Unsolicited
Architecture) no seu projecto Free Park-In. OUA propõe a instalação de
estruturas ligeiras em parques de estacionamento cobertos, habitualmente
desocupados durante a noite, para que estas acolham os sem-abrigo da cidade.
A partilha de espaço supõe que os programas não se sobrepõem, uma vez que
durante o dia estas estruturas são removidas para que o parque possa servir a
sua função.28
Como faz em todos os projectos que desenvolve, OUA propõe uma
estratégia de financiamento para viabilizar a proposta. Neste caso, para
suportar os custos que estas estruturas teriam, cada residente concordaria
em prestar serviço durante o dia nos parques, estacionando, lavando carros
e prestando apoio noutras tarefas. Desta forma, os parques poderiam cobrar
taxas adicionais por estes serviços de forma a financiar o projecto. Esta pode
ser também considerada uma forma de conceder uma ocupação para os sem-
abrigo durante o dia, ao inseri-los na dinâmica da sociedade, potenciando a
diminuição da exclusão social.
28. Ao final do dia, quando o parque se esvazia, as estruturas são transportadas por um caminhão que
contém todo o equipamento necessário para a montagem das “habitações” que estão já delimitadas
no chão. Ao sem-abrigo são providenciadas desde estruturas de suporte para as “tendas”, a casas-de-
-banho, comida e algum mobiliário de apoio.
149
56. San Pedro Apóstol
151
57. Trabalhos de reabilitação
Arrebita!Porto
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA
153
CONSIDERAÇÕES FINAIS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
165
CONSIDERAÇÕES FINAIS
entrevista ao autor, 2013) refere que é neste campo onde existe muito trabalho
a fazer. Perante o processo de regressão social a que assistimos, contrariamente
ao que se possa pensar, o trabalho do arquitecto é cada vez mais necessário.
A falta de fundos, não é sinónimo de falta de oportunidades, por isso, nesse
sentido, António Louro (em entrevista ao autor, 2013) considera que o número
de arquitectos em Portugal, tendo em conta as necessidades do país, não é
exagerado, havendo ainda espaço para mais arquitectos.
30. Tatjana Schneider é co-autora de uma investigação sobre práticas alternativas de arquitectura apre-
sentada na Universidade de Sheffield realizada em conjunto com Jeremy Till.
167
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Contudo, Ole Bouman (Cit. por Harboe, 2012 p.17), bem como
outros autores, questionam se esta nova prática, que remonta aos ideais dos
anos cinquenta, sessenta e setenta do século XX, não será uma nostalgia,
uma moda, e se implicará de facto um compromisso social da arquitectura.
Importa reforçar, que alguns dos arquitectos que manifestam a vontade de
um compromisso social chegam a revelar alguma contradição a essa mesma
vontade, não reflectindo na prática o discurso teórico que defendem. À
semelhança do que aconteceu com o tema da sustentabilidade, transformado
169
CONSIDERAÇÕES FINAIS
numa marca de publicidade muitas vezes sem reflexo real, fica a dúvida se não
acontecerá o mesmo com estes projectos que fazem, agora, uso da bandeira
do social.
171
CONSIDERAÇÕES FINAIS
173
CONSIDERAÇÕES FINAIS
175
REFERÊNCIAS
178
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Livros
CAMPOS, Carlos Miguel Freire (2011). Nuno Portas: Diálogos entre teoria
e prática [1957-1974]. Coimbra: [s.n.]. Dissertação de Mestrado Integrado
em Arquitectura apresentada ao Departamento de Arquitectura da Faculdade
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FONTE DAS IMAGENS
191
ANEXOS
JOSÉ PAIXÃO, ARREBITA!PORTO
João Carlos Alves: Começo por fazer um apanhado das questões que que-
ro colocar-te. Primeiro gostava de perceber como é que este projecto do
Arrebita!Porto surge. Sei que nasce de um concurso de ideias promovido
pela Fundação Gulbenkian e pela Fundação Talento. As primeiras pergun-
tas relacionam-se com as motivações que te levaram a concorrer com este
projecto. De seguida queria que me falasses sobre o projecto, como é que se
estabeleceu e perceber como é que funciona em termos de logística, se são
vocês que contactam as empresas e as entidades públicas, com que entida-
des procuram parcerias e como é que se estabelecem essas parcerias. Como
é que é feita a identificação das estruturas a intervir? De seguida queria
perceber um pouco como é que vocês trabalham, ou seja qual é a vossa me-
todologia, estratégia de intervenção. Que fases é que envolve? Por fim, as
últimas perguntas seriam relacionadas com alguns temas que eu acho que
o vosso trabalho envolve, nomeadamente este carácter que o atelier tem, de
abranger outras áreas disciplinares para além da arquitectura, esta relação
de coordenação que o arquitecto tem entre as diferentes áreas, e podendo
desenvolver trabalhos não só na área disciplinar da arquitectura.
José Paixão: Eu se calhar começo mesmo por aí, dizendo que este não é um
atelier de arquitectura. Nós somos um projecto social que tem uma missão so-
cial e recorre-se à arquitectura, como ferramenta, para produzir esse impacto
pretendido. À arquitectura como a outras ferramentas, sendo elas a engenha-
ria, design, comunicação, apoio jurídico, etc. Portanto, é a convergência de
valências na sociedade em torno de uma missão colectiva. Esse é o ponto de
partida. O ponto de partida aqui não é fazer arquitectura, mas é resolver um
problema social, para o qual as competências de arquitectura são relevantes.
195
não foram feitas até agora e que não há perspectiva de virem a ser feitas por
carência financeira de proprietários ou inquilinos, por se situarem em zonas
problemáticas da cidade que não atraem investimento, por muito dificilmen-
te ser justificado o investimento pelo retorno durante a sua exploração, etc.
Intervimos através de projectos de reabilitação para os quais o mercado não
consegue actuar, numa margem muito limitada, e complementando o esforço
público e as iniciativas comerciais, no sentido da regeneração do centro da
cidade. Portanto o Arrebita!Porto é uma solução através de um modelo alter-
nativo que tem essa capacidade de intervir onde os outros não conseguem e
nunca de forma concorrencial.
JCA: Aproveito para te perguntar, uma vez que já definiste qual é a área
de acção do vosso projecto, no fundo na tua resposta está implícito como
vocês selecionam os edifícios e estruturas a intervir, como é realmente feita
essa escolha? Vocês contactam os proprietários, fizeram uma análise do
edificado da zona da sé?
JP: Nós estamos a intervir num edifício que fica na Rua da Reboleira que serve
como piloto, como exercício para testar a validade deste modelo. Foi selecio-
nado exactamente porque se inseria neste quadro. Era um edifício que estava
abandonado há mais de vinte anos. Pertence à Câmara Municipal do Porto
que, durante este período, se tentou desfazer dele sem qualquer sucesso. Por
outro lado, a Câmara também não tem capacidade ou disponibilidade para in-
tervir em todo o seu património, portanto é um bem público que nos pertence
a todos e que está desperdiçado, que está inactivo. É especialmente neste tipo
de casos, situados em zonas nobres da cidade que urgem ser dinamizadas, que
nós queremos intervir. Eu posso-te falar do processo de selecção deste edifí-
cio, que foi feito em colaboração com a Câmara Municipal do Porto. Posso-te
justificar que foi selecionado por ser da Câmara, em primeiro lugar, para que
a Câmara também tenha aqui um papel neste modelo. Nós pretendemos aqui
reunir diferentes forças no mesmo sentido e a Câmara como poder local não
se podia ausentar. Por isso, e também porque a Câmara concede ao projecto,
196
JOSÉ PAIXÃO, ARREBITA!PORTO
muito mais facilmente, uma utilidade pública e uma utilidade social, que é,
não diria difícil, mas mais complexo de justificar em casos de particulares.
JCA: Para um primeiro exercício parece mais fácil esta parceria com a Câ-
mara, até para validar o projecto como tu dizias.
JP: Exacto.
JP: Exactamente. Não só na figura da Câmara, mas também através dos seus
diferentes órgãos. Este é um atelier da Porto Vivo, onde nós estamos instala-
dos, onde é o nosso local de trabalho. A Porto Vivo presta-nos também apoio
técnico, consultoria, fiscalização de obra. Nós, enquanto projecto, não esta-
mos instituídos autonomamente, estamos incubados num outro organismo
municipal que é a Fundação Porto Social, através da qual estabelecemos par-
cerias com terceiros, com fornecedores, com consultores, etc. Portanto, é a
Câmara, através dos seus diferentes órgãos, que nos presta um apoio.
197
JCA: O que é que te motivou a concorrer ao concurso “Faz - Ideias de ori-
gem portuguesa” com este projecto? Qual foi a motivação? Vias um proble-
ma e uma oportunidade nos centros, no caso, no centro histórico do Porto?
JP: Sim. Há aqui duas coisas. Uma é a oportunidade proporcionada pelo con-
curso. Esta não era uma ideia premeditada, não era um sonho de infância, foi
algo que surgiu em resposta a uma convocatória que foi lançada, com a qual
eu me identifiquei, por ser imigrante há doze anos, erradicado e sem estar
ligado ao país. Estimei este concurso e queria participar. Isto por um lado. E
depois, por outro, a necessidade que me parecia muito imediata de reabilitar
e de regenerar os centros das cidades portuguesas. Uma coisa que contrastava
com a experiência que eu tinha por onde andei. Sempre que eu regressava não
era só dramático, era inconcebível, era inadmissível. Havia aqui um problema
óbvio à partida se eu tinha que eleger um para abordar.
JP: O que eu acho, em relação aos arquitectos é que havia, se calhar, uma ex-
cessiva concentração no produto, na autoria e no desenho, e, se calhar, carecia
alguma atenção a modelos para viabilizar esse resultado. Portanto, o projecto
não parte da ideia de criar um edifício ou da ideia de reabilitar um edifício.
Parte da ideia de regenerar o centro da cidade e criar um modelo que viabilize
esse objectivo. O ponto de partida é aquele diagrama, que tu vês ali atrás, que
encaixa todas as partes que estão envolvidas através de um sistema de trocas
e contrapartidas. Nós não temos dinheiro, ou pelo menos é o que se diz, e
também se dizia que ninguém ganhava com a reabilitação, portanto temos
de criar aqui um modelo alternativo antes de pensarmos na concepção do
edifício e nos aspectos técnicos que estão implicados num projecto deste gé-
nero. A montante está um modelo que viabiliza esse processo. A arquitectura
é uma disciplina técnica, tem de se focar nessa dimensão, mas também tem
um plano social, e portanto às vezes, se calhar, falta a capacidade de conseguir
198
JOSÉ PAIXÃO, ARREBITA!PORTO
interagir com outros agentes, por forma a viabilizar as soluções, e não delegar
isso para outras entidades, outros gestores, assumindo também a arquitectura
essa responsabilidade directa.
JCA: Depreendo, pela resposta a esta pergunta, que consideras que há uma
responsabilidade do arquitecto em dar resposta a alguns dos problemas da
sociedade, nomeadamente aqueles que passam pela arquitectura.
JCA: A falta de meios não pode ser vista como uma desculpa para intervir?
JP: A falta de meios não pode ser negligenciada. Tem de ser compreendida
e tem de ser solucionada, mas isto não impede que se tente agir através de
outros mecanismos, criando ferramentas, abrindo novos caminhos. Portanto
há aqui duas faces da mesma moeda. Por um lado, compreender a conjuntu-
ra, as dificuldades, as exigências e tentar trabalhar nas raízes do problema. O
projecto Arrebita! não vai resolver, nem o problema do abandono dos centros
das cidades, nem, numa escala maior, o problema da conjuntura económico-
-social do país. Por outro lado, em paralelo, eu acho que é importante sermos
pró-activos e tentarmos dar o contributo na medida das nossas possibilida-
des, para contornar estas dificuldades. O valor do Arrebita! está, exactamente,
em ser um projecto agregador, um projecto aberto, e quase que inovador, no
sentido em que é positivo e, de facto, consegue ultrapassar as dificuldades
impostas pelas circunstâncias.
199
JP: Eu começo por dizer que não é um atelier. É a tal história, ‘nem tudo o que
parece é’. Aqui o conceito de projecto não é um conceito de projecto tal como
concebido na arquitectura. É um projecto na medida em que aqui se desenha
um modelo para combater um problema social. A arquitectura é apenas uma
ferramenta, uma peça chave, entre outras, para a concretização desse resulta-
do.
JCA: Consideras, então, este vosso projecto mais como um veículo para
atingir um fim, possibilitando que outras pessoas possam também parti-
cipar, intervir?
JPA: O trabalho que vocês fazem não é arquitectura? Tu já disseste que não
é um atelier.
JP: Eu diria que até agora, neste ano e pouco de actividade, que essa se calhar
tem sido a nossa maior falha. Não temos conseguido potenciar, tanto quanto
200
JOSÉ PAIXÃO, ARREBITA!PORTO
201
prietário, e aqui nós estamos a prestar um serviço e não estamos a adquirir
a propriedade. A propriedade mantém-se em sede da Câmara Municipal e
nós apenas exigimos que a sua exploração seja de natureza social para refor-
çar mais uma vez este aspecto de não ser concorrencial ao mercado, de não
haver uma rentabilização própria, mas sim um benefício público. Também
associado à missão de combater o abandono está a função programática de
habitação. Quanto ao piso térreo, apesar de estar definido como sendo um
programa público, nós optámos por aguardar um pouco mais pelo desenrolar
do processo, para também, se calhar já de uma forma mais credibilizada pelos
primeiros resultados que se conseguem ver deste esforço, definir em conjunto
com a Câmara qual a solução que interessa a ambas a partes.
202
JOSÉ PAIXÃO, ARREBITA!PORTO
JCA: É importante para vocês manter o contacto até para melhorar no fu-
turo o projecto e as estratégias de actuação.
JP: Exactamente.
JCA: Nesta relação, que vocês mantêm com as entidades públicas, as em-
presas, as universidades, achas que se poderia considerar este vosso projec-
to como um exemplo de aproximação entre as universidades, as empresas
e a sociedade? Numa altura em que, muitas vezes se fala que as universida-
des vivem um pouco ausentes da realidade social e também desligadas do
contexto empresarial.
JP: Por um lado o papel das faculdades seria de prestar um apoio de supervi-
são. Esta é a nossa necessidade que seria satisfeita pela contribuição das facul-
dades. E, por outro lado, as faculdades retiravam daqui os tais casos de estu-
203
do, o tal acesso à prática, onde testar, onde demonstrar, onde criar exercícios,
onde ensinar, etc. Esta relação não tem existido. Por um lado, não tem existido
de todo no aproveitamento, eu acho, dos casos de estudo. E são esporádicas
e casuísticas as vezes em que nós temos situações deste género, em que a ex-
periência que está criada é útil para a criação de conhecimento e para este
esforço de racionalização que é importante. É também importante para nós
refletirmos segundo uma perspectiva crítica, para conseguirmos aprender a
partir daí, e de uma forma comparativa. Não tem acontecido e o apoio que
temos recebido, de facto tem havido um apoio, é um apoio muito mais pessoal
do que institucional. Apesar de ser de uma professora da Faculdade de Arqui-
tectura e apesar de haver um enquadramento protocolar que nos vincula, a
instituição e o projecto, na prática, a sua tradução é um apoio a título pessoal
de uma professora da faculdade. Isto tem sido um bocado por nós termos tido
muita mais facilidade em satisfazer as nossas necessidades através de parcerias
empresariais. Olhando para a rede que está montada verifica-se facilmente
a quantidade de consultores das mais diversas especialidades que temos, do
lado da engenharia, por exemplo, que prestam apoio, em detrimento das fa-
culdades.
JP: São sobretudo jovens recém formados. Mas, se calhar, falavas diretamente
com eles, para conheceres a experiência deles.
204
JOSÉ PAIXÃO, ARREBITA!PORTO
205
Cláudia Ribeiro: Eu conheci o projecto através de pessoas que estiveram cá. O
que me interessou foi este carácter social muito forte e a solução que tem, que
acho muito indicada. Se resultar, tenho a certeza que vai resultar, é incrível. É
contrapor tudo o que está a ser feito agora, mesmo a ideia do arquitecto, da
arquitectura, que se calhar não passa tanto pela estetização, mas realmente por
pôr em prática e resolver questões que são importantes, nos dias de hoje, nas
sociedades em todo o mundo.
JCA: Vocês vêm este projecto a ser expandido para outras cidades, talvez
portuguesas, e para outras áreas da cidade que não só os centros? Pensa-
ram nisso? Veem essa necessidade?
BC: Acho que essa resposta tem de ser dada, em primeiro lugar, pelo José que
ele é que tem em mente o que pensou para o projecto. Mas sim, acho que é um
modelo, tanto quanto eu conheço do modelo, acho que é um modelo adap-
tável a outras circunstâncias. No entanto, julgo que será mais directa a sua
adaptação a centros históricos não operacionais como o Porto, mais há uns
anos até, centros históricos completamente parados e congelados por várias
dinâmicas que não funcionam como a lei das rendas. Há muitos problemas
envolvidos nisto, não vale a pena começar a falar sequer. Acho que a interven-
ção no centro da cidade é mais directa porque encontramos edifícios em tal
estado de degradação e em zonas não atractivas que o seu valor de mercado
é quase nulo e então será mais fácil. Mais fácil e mais complicado ao mesmo
tempo. Para não fazermos parte desta concorrência de mercado são edifícios
que são mais apetecíveis para este tipo de projecto.
Yuri Piffer: Mas eu acho que é possível sim aplicar. Porque, primeiramente,
nasce de uma ideia de um valor de troca. Isso vai acontecer, isso está aconte-
cendo, então eu acho que isso é possível sim. Me parece que nos próximos anos
mundiais haverá muita gente capacitada sem poder aplicar a seu trabalho. Eu
acho que estas pessoas vão conseguir seguir a sua vida se elas se conseguirem
adaptar a um valor de troca local. Algumas favelas do Brasil começam a fazer
isso. São lugares muito pobres, elas não conseguem crescer com dinheiro, com
206
JOSÉ PAIXÃO, ARREBITA!PORTO
o real, e eles criaram ali um valor de troca, uma troca de um serviço, uma
moeda local. Isso tem funcionado e dinamizado a região.
JCA: Ou seja, esta é também uma das características do projecto, criar va-
lor a partir da troca de serviços, sem que haja a necessidade de troca de
dinheiro?
JCA: Antes disseste que este não era um atelier de arquitectura. Tendo em
conta a vossa experiência, parece-te mais fácil, tratar as questões sociais
às quais a arquitectura pode dar resposta, por não ser um atelier, por não
terem a preocupação de criarem valor económico para o atelier? Há mais
liberdade para responder ao que é realmente essencial?
JP: O projecto tem de ser sustentável. Eu acho que aqui a diferença pode ser
na missão do projecto. O projecto, de facto, não tem como missão gerar lucro,
tem como missão criar valor social, mas tem que ser sustentável e, portanto,
a questão económica e a questão financeira não podem ser desprezadas, tal
como acontece num atelier tradicional, que tem que gerar receita suficiente
para ser sustentável.
JP: Exactamente. Existe aqui a necessidade de criar fontes de receita que pos-
sam garantir a auto-sustentabilidade do projecto, não necessariamente o lu-
cro. E mesmo que haja lucro, que neste momento não há, tem de ser enca-
207
minhado para o reforço da solução, o que nos distingue, se calhar, de uma
empresa. Eu aqui não punha a questão tanto ao nível de atelier de arquitectura
ou não-atelier de arquitectura, mas antes entre empresa comercial e empresa
social ou empresa comercial e projecto sem fins lucrativos.
JCA: Voltando à ideia de pensar diferente, se calhar peço-te mais a tua opi-
nião pessoal, porque a pergunta poderá não ter a ver com o projecto. Tendo
em conta também o contexto actual, a saturação do mercado de trabalho,
não se torna cada vez mais necessário que o arquitecto pense “outside the
box” e não apenas em sobreviver projetando edifícios?
JP: Eu acho que tem a ver com o projecto, porque é um bocado o que o pro-
jecto faz. Como eu já te expliquei também, o nosso ponto de partida não foi
impor ou fazer autoria de uma solução. O projecto foi construir uma solu-
ção colectivamente e é um projecto que é construído diariamente. Não é um
projecto fechado, não foi e nunca o será. É um projecto que está sempre em
208
JOSÉ PAIXÃO, ARREBITA!PORTO
JP: Eu acho que a definição é pouco importante. Para mim é sempre ridículo
ver empresas pequenas, cujo único sócio tem na sua assinatura CEO. Eu acho
que esta catalogação é o menos importante. Eu acho que o importante é, se ca-
lhar, pensarmos nas competências que são desenvolvidas durante a formação
de um arquitecto e qual o potencial que elas têm para criar consensos, para
criar pontes e convergências. Eu acho que, de facto, olhando para as compe-
tências e características de um arquitecto vemos alguém que consegue pensar
a diversas escalas, que consegue pensar em diversas linguagens, que consegue
fazer essa tal inter-relação, essa coordenação e essa gestão que pode ser extra-
polada de um edifício para questões sociais e para questões publicas.
JCA: Que benefícios é que pensas que se podem retirar de projectos como
o Arrebita!Porto?
209
de aguardar pelo final e pelo produto para rentabilizá-lo e gerar valor. Essa
é a ideia de um ganhar constante e contínuo, quer pelas mais-valias para os
jovens profissionais e pelas contrapartidas para as empresas, quer pela geração
de conhecimento para as faculdades, etc., que acontece de uma forma conti-
nuada no processo.
JCA: Quais é que pensas que podem ser os desafios e exigências para o ar-
quitecto e para a arquitectura no contexto actual?
JP: Eu não quero desprezar aqui o objecto, mas eu acho que para que o objecto
se torne, de facto, objecto existe todo um terreno circunstancial que tem de
acontecer. E acho que o arquitecto pode também intervir nesse sentido para
que ele próprio ganhe com a concretização do objecto.
210
ANTÓNIO LOURO, MOOV
211
somos amigos desde a universidade e já nos apetecia trabalhar juntos. Na
primeira edição da Trienal de Arquitectura houve uma exposição chamada
“Arquitecturas Digitais” para a qual fomos convidados. Embora tenhamos
achado que não fazia muito sentido, porque utilizamos o digital apenas como
ferramenta e não nunca como meio de concepção do trabalho, aceitámos o
desafio. Convidámos o David para trabalhar connosco, porque achámos que
fazia sentido e seria interessante. Já que nos tinham convidado para estar na
Trienal, o melhor era que fizéssemos uma crítica bem-humorada ao sistema
de referências da própria arquitectura. Desenvolvemos para essa exposição
um pequeno trailer de um filme que nunca iria existir, sobre a arquitectura
portuguesa adaptado ao ambiente da Guerra das Estrelas. Basicamente
convertemos uma serie de edifícios, mais ou menos conhecidos, de arquitectos
portugueses, transformámo-los em naves a combaterem entre si. “Esta coisa
de rivalidade”. E depois mais tarde gostámos da ideia, quisemos desenvolvê-la
à escala mundial, em jeito de reflexão sobre o star-system, procurando também
perceber como é que a arquitectura pode trabalhar com sistemas operacionais
que não são totalmente característicos da arquitectura. Aqui estou a falar
da figura do remix, por exemplo, que é muito caro aos músicos que pegam
em várias músicas e as misturam. Nós achamos que poderia ser interessante
esta coisa de pegar num edifício e reinterpretá-lo. E de repente o que era um
edifício passa a ser uma nave. E é óbvio que há muitos edifícios sobre os quais
se diz “parece um ovni”. E nós quisemos um bocadinho levar essa expressão
ao extremo.
JCA: Portanto o projecto “SWARS” pode ser visto como uma crítica ao
mainstream da arquitectura?
AL: Era uma crítica, mas era também uma questão de trabalhar com uma
serie de edifícios que tinham características que, na nossa opinião, podiam ser
inspiração para outra coisa que não edifícios e, sobretudo, esticar as fronteiras
da disciplina. Porque não pegar em edifícios e passá-los para o espaço digital
em confronto com outros tipos de ambientes e outro tipo de pessoas que
212
ANTÓNIO LOURO, MOOV
não aqueles para o qual foram pensados. Mas também é preciso dizer que os
edifícios que lá estão são edifícios que nós admiramos e gostamos. Ou seja, é
verdade que existe um star-system, mas muitos desses arquitectos produzem
obras de arquitectura verdadeiramente incríveis. Agora se elas são produzidas
porque existe o star-system ou o contrário, não sei. Interessou-nos mandar
achas para a fogueira e depois logo ver. Foi interessante, porque nós queríamos
fazer um trailer de dois minutos, a tal ideia de trailer para filme que nunca
iria existir, depois acabamos por não conseguir reunir os meios técnicos
necessários para fazer o trailer tal como nós o queríamos e transformamos
o storyboard numa banda desenhada. Foi a fuga para a frente. Cerca de um
ano depois de termos feito a banda desenhada há aquele incêndio do edifico
dos OMA em Pequim. Eles têm o CCTV, mas ao lado do CCTV há outro
edifico que serve de apoio, um edifício gigante. Esse edifício ardeu, em 2009,
e quando arde marca um bocado o fim do star-system. De lá para cá veio a
crise, os arquitectos tiverem de se tornar muito mais objectivos e muito menos
de gestos gratuitos e a banda desenhada sai um bocadinho fora de tempo. É
uma crítica de uma coisa que já não existe, mas isso é muito comum hoje. Tu
começas a pensar numa coisa, quando tentas pôr cá para fora algo, a própria
realidade já é diferente.
AL: Eu acho que é bastante reduzido e acho que muitos deles estão a ser
empurrados para essas questões mais por uma questão de tendência e de
moda do que propriamente por convicção. Se me perguntares, é bom, ou seja
é preciso é que eles trabalhem mais nesse sentido. Porque é que eles chegam lá?
Há uns por motivos mais nobres e outros menos, mas é bom. Isto é um modo
mais prático de fazeres arquitectura e tentares ajudar de um modo directo as
pessoas que mais precisam. O arquitecto e a questão social têm uma longa
história. Hoje em dia, e isso é que eu acho que é um bocadinho novo, há uma
213
ligação estreita entre um certo trabalho de arquitectura que se preocupa mais
com o que é possível, ou seja bastante mais realista e bastante mais táctica,
no sentido em que procura práticas que possam ser construídas num curto
espaço de tempo.
JCA: Falavas dos bairros sociais. É claro que a questão social sempre esteve
presente na arquitectura. A minha pergunta é se vias o compromisso
do arquitecto a trabalhar nesse sentido sem ter sido solicitado a fazê-lo,
mesmo quando convocado para determinado projecto cujas preocupações
sociais não são, à partida, uma condicionante?
AL: Essas perguntas tão abstractas são complicadas. Vou-te dar uma resposta
contraditória. Eu não acho que a cidade contemporânea tenha grandes
214
ANTÓNIO LOURO, MOOV
JCA: São problemas mais pontuais que não requerem grandes soluções?
AL: Ou seja, existe uma inteligência arquitectónica que é específica e que não
tem a ver só como nós desenhamos. Tem a ver com o modo como nós encaramos
os problemas. Consigo-te dizer isto porque aqui no atelier já trabalhamos com
vários técnicos e vários artistas de outros campos, e há claramente um modo
diferente de abordar os problemas em arquitectura, e até de os visualizar. Eu
acho que essa inteligência arquitectónica pode ser interessante para resolver
uma serie de problemas imediatos, que é o que raramente acontece. O
arquitecto é aquele que é chamado para pensar uma coisa que tem que ficar
lá vinte anos, trinta anos. Nesse sentido, a deslocação, mais por necessidade
do que por querer, do arquitecto para campos mais efémeras, e que não tem
a ver só com a capacidade de fazer uma serie de acções de caracter artístico,
mas também com acções funcionais, é interessante e pode dar resposta a uma
serie de problemas. Como a sociedade acelerou há problemas que também são
efémeras.
JCA: Vocês tinham um estúdio que era o Moovlab, que entretanto agregaram
ao MOOV. De que forma o trabalho desenvolvido no Moovlab com um
carácter experimental e de pesquisa influenciou os vossos projectos?
215
um trabalho que procuramos que fosse sempre interactivo, não no sentido
tecnológico, mas no sentido de convidar as pessoas a tocar e a, de alguma
forma, mudar/alterar o espaço.
216
ANTÓNIO LOURO, MOOV
eu acho que anda à volta dos cinco anos, que é fundamentalmente marcada
pelos teus interesses, por aquilo que procuras fazer. Só depois desses dez
anos estás preparado, definindo se queres ter uma prática mais convencional,
menos convencional, etc. Portanto, não me preocupa muito que a academia
formate um pouco os alunos, porque eles a seguir vão seguir o seu caminho.
No fundo, resumindo, eu acho que a academia é classicista, é convencional,
mas se calhar tem de ser assim. Se tu quiseres um pensamento alternativo não
faz sentido enquadrá-lo na academia. Faz sentido, se calhar, tu procurares um
atelier que esteja a desenvolver trabalhos desse género, procurar uns amigos
e desenvolver trabalho nesse sentido, ou seja assumir que se está a trabalhar
à margem do sistema e não tentar que o sistema trabalhe à margem, porque
isso não faz sentido.
JCA: Pensas que se poderia falar de uma redefinição dos limites do campo
de acção do arquitecto, quando se verifica que alguns ateliers, entre os quais
o vosso, desenvolvem trabalhos como por exemplo, instalações artísticas,
performances, vídeos, exposições, acções cívicas? Vês a necessidade da
diversificação do campo de trabalho do arquitecto?
AL: Eu penso que sim. Mais uma vez acho que muito desta diversificação é
por necessidade e não tanto por convicção. No entanto, estou curioso para ver
se muitos destes arquitectos que agora desenvolvem trabalhos neste sentido,
o continuarão a fazer quando o tempo das vacas magras passar, não que
em Portugal isto tenha sido um paraíso. Basta falar um bocado com eles e
percebe-se que o seu discurso é “o que há agora para fazer é isto e faz-se isto,
mas quando houver prédios, betão para fazer é aí que queremos voltar.”
AL: Acho que sim. A inteligência específica da arquitectura que já falei, é muito
ecléctica e consegue dar resposta a muitas coisas diferentes. Como arquitecto
217
não é necessário desenhar edifícios para estar a intervir, até no campo da tua
profissão. Através da teoria, da investigação, do ensino, da crítica, tudo são
coisas que podem fazer útil o teu papel enquanto arquitecto. E isso é uma
coisa que eu tento passar muito aos meus alunos, há muitas formas de fazer
arquitectura. Fazer edifícios é se calhar a mais óbvia, mas está muito longe
de ser a única. Por exemplo, os arquitectos que trabalham nas Câmaras são
peças essenciais. Há arquitectos brilhantes a trabalhar nas Câmaras e isso é
bom para todos. No essencial é necessário que esta inteligência específica da
arquitectura esteja espalhada pelo máximo de sítios possíveis. E se houver
bons arquitectos nas Câmaras, nas universidades, empresas de construção
para melhor desenvolverem os seus produtos, é já um bom caminho, dando
mais mérito a quem tem uma prática de arquitectura menos óbvia. Tu falavas
no papel social do arquitecto, se tu dedicares parte da tua vida a desenvolver
um material e esse material permitir que uma série de pessoas consiga fazer
a sua casa de uma forma mais barata, estás a ter um papel social relevante,
sem precisar de desenhar um edifício. O que eu acho é que temos de valorizar
quem não tem esta prática de atelier, e, nesse sentido, quanto mais se abrir o
campo de acção melhor. Portanto, quando se diz que há muitos arquitectos
em Portugal eu considero isso bom, ainda pode haver mais. Agora temos de
ter consciência que quando há cerca de vinte e dois mil arquitectos escritos na
Ordem, não vai haver o projecto que nos ensinam na universidade para todos.
O que se tem de perceber é que isto é um facto, e fazer a pergunta de como nos
vamos posicionar perante isto.
218
ANTÓNIO LOURO, MOOV
AL: Eu acho que ainda é muito cedo para tentar tirar conclusões. Se calhar
daqui a vinte anos conversamos e não sei se serei a pessoa ideal. Mas eu
acho que se olhares para outros ateliers que estão a fazer um trabalho menos
convencional, como os Exyzt, os Raumlabor, esse tipo de ateliers, que à sua
maneira, são revolucionários, e daqui a dez anos quando se olhar para trás
isso perceber-se-á, sobretudo nesta maneira de “fazer arquitectura para hoje”
ou “para ontem”. Ou seja, muitas vezes não há projecto, “tens aqui um monte
de madeira, vamos fazer uma coisa e vamos fazer uma coisa com estas pessoas
que estão aqui” e isso vem de tentar contrariar esta ideia de que a arquitectura
necessita de muito tempo, porque envolve imensos meios, e às tantas quando
a sociedade acelera, tu, como arquitecto também sentes necessidade de
acelerar, ou pelo menos acelerar parte dos teus projectos e perceberes que a
realidade está a mudar todos os dias e como é que eu posso fazer projectos que
acompanhem essa realidade. Eu acho que isso se consegue retirando uma série
de etapas ao processo de projectar, sendo também mais modesto naquilo que
se quer fazer. Hoje em dia já não queres projectar bairros inteiros, se calhar
queres projectar apenas um banco para o senhor que vive ao teu lado, e vais-
te sentar com ele e vamos ver como é que vamos fazer aqui o banco. Mas a
questão é que em vez de teres folhas e folhas de esquiços muito bonitos sobre
o bairro que querias fazer, tens ali o banco na rua que serve para uma série de
coisas. Outra coisa que é muito interessante é quando tu constróis realmente
uma coisa tu não sabes depois onde aquilo vai parar. Há pessoas, se calhar,
que não vão usar aquilo como banco, vão usar como outra coisa e o banco
é transformado. Isso é muito interessante: tu perceberes que precisas de pôr
coisas na rua, nem que sejam mínimas. Eu acho que estres grupos abriram
o caminho ao mostrar que é possível. “Eu com mais dois amigos posso fazer
aqui uma coisa.”
219
mais referências em campos que são periféricos à arquitectura. É onde
encontramos, sobretudo, uma reflexão sobre a sociedade que nos interessa
mais depois explorar. Porque é que eu te digo isto? Nós enquanto arquitectos
temos uma inteligência muito específica e temos um modo de encarar os
problemas de um ponto de vista muito específico. O que nós gostamos, por
exemplo, quando abrimos o nosso processo de concepção a outras pessoas
que não são arquitectos, é perceber como é que essas pessoas vêm aquele
problema, que é necessariamente diferente do modo como nós vemos.
Portanto, quando procuramos referências, e se queremos fazer alguma coisa
que possa acrescentar algo novo áquilo que está em debate, nós tentamos
procurar um saber exterior à disciplina.
220
ANTÓNIO LOURO, MOOV
é essa pessoa fazer-te perguntas. Por exemplo, uma janela, “isto não podia
ser em arco?”. Tu respondes imediatamente que não. Mas depois obrigas-te
a pensar: “porque é que não pode ser em arco?”. E pensas: “Ah é feio!”. “Mas
é feio porquê?” E se formos todos arquitectos, um diz que não pode ser em
arco e toda a gente concorda, porque todos nós temos o mesmo background
académico. É por isso que este tipo de perguntas nos interessam – “porquê é
que não é em arco?”
AL: Este foi também um projecto para a Trienal. Nós acabamos por estar
sempre na Trienal, mas através de projectos laterais. Com este projecto
achamos que seria interessante fazer as mesmas três perguntas a uma série de
agentes do processo construtivo, desde o político que decide o que é preciso
construir, até ao arquitecto, ao engenheiro, ao empreiteiro, ao trolha que está lá
a construir, a quem vai vender, e a estes juntamos aqueles que nós chamamos
opinion makers populares, que são o taxista e o empregado de mesa. Foi
engraçado porque conseguimos convencer a Trienal a fazer estas entrevistas
no ciclo de conferências que eles organizaram e, desta forma, podemos fazer
estas perguntas a arquitectos top, ao Thom Mayne, ao Souto Moura. Ao Souto
Moura para aí há vinte anos que ninguém lhe pergunta o que é a arquitectura.
Perguntam-lhe outras coisas, e perguntam-lhe o que é arquitectura e ele fica
…, tal como o Thom Mayn. Depois acabam por responder, uns com umas
respostas mais interessantes e outras menos. Mas, por exemplo, quando fazes
a pergunta ao taxista, ele responde-te rapidamente que arquitectura é “os
edifícios”. Está ali chapado. Não quisemos fazer juízo nenhum, mas pô-los em
confronto, através da montagem do vídeo, uma vez que não há uma hierarquia,
não vai de quem sabe mais para quem sabe menos. O que nós optamos por
associar foi os princípios, os meios e os fins de resposta, e depois tens uma
série de gente a fazer … e outros a responder directo. Todos nós temos uma
palavra a dizer sobre arquitectura, mas às vezes, se calhar, pensamos de mais
e fazemos de menos.
221
JCA: De de que forma é que o projecto “Seta Amarela” vos motivou no
sentido de um trabalho adisciplinar e o que é que mudou no vosso método
de trabalho a partir daí?
222
ANTÓNIO LOURO, MOOV
223
divisões pudessem ter ventilação cruzada. Repara, mas para isto tu precisas
de saber a importância da ventilação cruzada e de perceber como é que podes
organizar isto no espaço. Para isto é necessário um arquitecto. Mas depois o
que é que nós nos demitimos de pensar? Se a casa tinha duas águas, se tinha
cobertura plana, isso as pessoas podem decidir. Nós basicamente definimos o
envelope e definimos qual seria a maneira ideal desse envelope crescer. Mas as
pessoas depois definem a forma final desse envelope e a sua pele.
AL: Eu acho que Portugal está no limite, porque as pessoas já esperam ter uma
casa pronta, e sobretudo, nós arquitectos temos pouca experiência em primeira
mão de bairros sociais. Infelizmente ou felizmente quase nenhum estudante
de arquitectura vive num bairro social. Isso tem um pouco a ver com aquilo
que eu te disse, que arquitectura é para ricos. Os estudantes de arquitectura
necessitam de ter alguns meios económicos para conseguir concretizar os
estudos e além disso é necessário uma estabilidade familiar. Neste sentido,
acabamos por não ter esta experiência em primeira mão e cometer muitos
erros básicos. Eu como acabei por viver paredes meias com um bairro social,
muitos dos meus amigos eram de lá, fui exposto a esta realidade muito cedo
e acabei por conseguir perceber algumas coisas. Uma dessas coisas é que cá
em Portugal, isto não é válido porque as pessoas esperam que a casa esteja
pronta. Essa ideia da casa poder crescer não lhes é muito grata, até porque
acham – há um bocado aquela ideia de que o estado tem de apoiar – que
pode ser um insulto receberem uma casa incompleta. Enquanto noutro tipo
de culturas isto é visto como uma oportunidade, cá é vista como uma falta de
respeito. Portanto, eu diria que Portugal está no limite, e curiosamente diria
que era mais fácil se calhar tu passares um modelo destes a uma franja da
sociedade que não precisaria de um modelo destes, mas que vê isso como
uma oportunidade, do que às pessoas, que se calhar mais necessitavam deste
modelo, porque vão ver isso como uma falta de respeito. A arquitectura esbarra
224
ANTÓNIO LOURO, MOOV
AL: Acho que não e se tu vires a tendência de uma série de jovens arquitectos,
que estão a fazer coisas nesse campo, verificas que não é utopia nenhuma.
Quando a sociedade tende para uma determinada direcção há sempre uma
reacção. Quando tu tens um manancial de futilidade que nos enche muito os
dias tens tendência a fazer algo que seja mais substancial e que dê resposta.
Portanto, eu não acho que isto seja utópico e acho que é até normal a coisa
acontecer. Agora tem é de acontecer com qualidade. Ou seja não é por
estares a fazer um projecto social que tens de ser menos rigoroso ou menos
ambicioso. Se vais fazer o banco para o velhinho vais tentar fazer o melhor
banco possível com as ferramentas que tens, e muitas vezes o que eu vejo é uma
atitude “se é social já não tenho de me esforçar tanto, basta fazer uma coisa
qualquer”. Uma das coisas que me tem deixado mais contente é que muita da
arquitectura que dá uma resposta mais directa a necessidades sociais, quer
seja em situações de emergência, quer seja em bairros mais críticos ou países
menos desenvolvidos, tem cada vez uma melhor qualidade arquitectónica.
Trabalham com a austeridade e o mínimo de recursos, mas com um melhor
pensamento arquitectónico do que, por exemplo, há dez anos. E isso porquê?
Há mais gente a trabalhar nesse campo, há mais experiência.
225
solução não passa por fazer aquilo que nós sabemos fazer melhor. É necessária
uma certa modéstia que não nos é incutida e, sobretudo, perceber em que
situações aquilo que nos propomos a fazer é melhor do que o que já está feito.
Tu visitas a obra de um colega e encontras sempre um defeito. O que eu acho é
que se deve ter a sapiência de saber quando é que vale a pena convocar recursos
para mudar uma coisa e quando é que não vale, e perceber que o que já está
feito está bom. É espectacular? Não é, mas funciona. Se calhar vais investir o
teu tempo noutra coisa ao lado e nesses sentido se tu me tivesses perguntado
por exemplo, o que é fundamental o arquitecto pensar a nível social hoje em
dia? Eu diria que é mais naquilo que já está construído e curiosamente não
te diria reabilitação tal e qual como ela está a ser discutida hoje em dia, que é
os centros históricos. Pensar como é que podes reabilitar os subúrbios, como
é que podes dar uma maior qualidade áquilo. Neste momento há milhões de
casas construídas nos subúrbios, muitas delas com má qualidade, mas estão lá
e a solução não vai ser demoli-las porque já foram convocados uma serie de
recursos, material, tempo. Agora ainda vais gastar mais energia a mandar aquilo
abaixo? Não. A questão é como é que tu podes aproveitar aquilo que já está
feito? E não estamos a falar em Africa ou em situações de emergência, mas sim
de coisas que existem hoje em dia, onde vivem milhares e milhões de pessoas.
Tu dás uma volta aqui pela Cintura de Lisboa. Começas no Catujal, ali ao pé
da Expo, Bairro de Angola, depois vais até à Pontinha, Amadora, e percebes
que falta ali imensa inteligência arquitectónica para pensar o espaço que já lá
está. Mas pensar o espaço não é mandar a baixo e reconstruir de novo. Como
é que se poderia melhorar o que já lá está? Por exemplo, os programas POLIS,
através dos quais se fizeram aquelas obras, algumas boas, outras nem tanto,
sobretudo na costa portuguesa, contribuíram para a décalage entre o espaço
público e o edificado porque, basicamente, só consertaram o pavimento. Eu
acho que era necessário quase um programa POLIS para os edifícios. Como se
melhora o comportamento energético do edifício? Isso é uma questão social,
porque as pessoas vivem ali. Mas isto pede uma certa modéstia do arquitecto
em trabalhar com o que já existe.
226
ANTÓNIO LOURO, MOOV
JCA: E terá também a ver com as limitações com que falavas há pouco,
porque uma programa desses teria de partir da vontade política. Mesmo a
questão do orçamento seria outro problema.
AL: Eu acho que isso vem tipo esponja. O que eu acho que tu, enquanto
arquitecto, e isso é que é positivo, deves tentar ter muita experiência, não te
fechar na tua concha, não ir só aos jantares de arquitectos. Portanto, tentar
viver, ver, falar com um maior número de pessoas para conseguires e ir
absorvendo coisas. Pesquisa dentro do atelier, eu acho que depende muito
da escala. Num atelier pequeno como o nosso – sou eu e o José que não está
cá e de vez enquanto temos mais algumas pessoas que trabalham connosco
– a pesquisa é feita com os projectos que nós temos. Nós não temos tempo
nem disponibilidade financeira para dizer “pára, agora durante três meses
vou estudar os subúrbios”. Só poderíamos fazer isso se quisesse fazer um
doutoramento e aproveitasse o doutoramento para pensar sobre este assunto.
É assim que eu vejo isto. De resto, podes ir pesquisando projectando. Qual é a
vantagem quando tu tens num atelier? Tu podes escolher alguns dos projectos
que fazes e esses projectos já indicam caminhos. Por exemplo aquele projecto
dos “Habitats Abertos” é um concurso que nós escolhemos fazer porque havia
a vontade de trazer para a arquitectura o processo que íamos verificando no
nosso atelier, o processo de interacção com as pessoas, e achamos que aquela
podia ser a oportunidade. Fizemos investigação fazendo esse concurso. Depois
apresentamos também uma proposta para o Mercado do Chão do Loureiro,
um antigo mercado que ficava no centro de Lisboa e acabamos por usar
227
algumas coisas que estão nos “Habitats Abertos” para esse projecto também.
AL: Aquele era um edifício da Câmara. Nós sabíamos que o projecto nunca iria
ser feito porque o edifício tinha demasiado valor e a Câmara tinha a intenção
de fazer um parque de estacionamento, que fizeram e mal. Mas o conceito era
suficientemente forte para ser trabalhado noutro sítio, esta ideia de uma casa
que está preparada para os primeiros cinco anos de vida de um jovem. E é
muito interessante, agora ver, alguns concursos lançados pela Câmara, com o
factor tempo, que é uma coisa que é muito importante. Tu quando fazes algo,
neste caso uma casa com rendas controladas para jovens, é muito importante
projectares um tempo final para isto. A esses casas associamos empresas,
uma vez que a nossa ideia era que se pudesse viver e trabalhar no mesmo
sitio durante cinco anos com uma renda mínima. Ao viveres e trabalhares
no mesmo sitio com uma serie de pessoas a comungar os mesmos interesses,
poder-se-ia criar sinergias para acontecer qualquer coisa. Mas uma das coisas
mais importantes do projecto era que tu só podias lá estar cinco anos, por
duas questões: primeiro, se a tua empresa não estava se tinha desenvolvido ao
fim de cinco anos se calhar tens de pensar se faz sentido ou não continuares e
a segunda era para dares oportunidade a mais gente, para rodar.
AL: O que nós propusemos, e o que eu acho que era mais interessante ali,
foi uma célula, que tinha cerca de 2,20m por 8m ou 7m com um módulo de
casa de banho no centro que te permitia gerir o espaço. Ou seja mais uma
vez esta questão de tu poderes interagir com o espaço, podendo escolher
entre mais espaço para trabalhar ou para viver. Tu não sabes quanto é que as
pessoas querem. Há pessoas que se dedicam ao trabalho e o espaço de viver
pode ser só uma cama, podendo puxar a casa de banho o máximo possível,
ou vive versa. Ou num mês estás virado para uma coisa e em outro mês está
virado para outra. Depois havia também uma coisa interessante: um vazio
228
ANTÓNIO LOURO, MOOV
central que permitia que os corredores de acesso em galeria pudessem ter uma
largura muito grande e essa largura, basicamente metade, era espaço afecto
à tua célula, só com uma marcação no pavimento, mas que permitia estar a
trabalhar na galeria e potencializando-a como espaço de socialização.
JCA: Vocês têm pensado mais algum projecto deste tipo, não solicitado?
AL: Estamos com algumas ideias, mas nestes últimos dois anos não. Nestes
últimos dois anos, como temos tido mais solicitações estamos um bocado
concentrados nisso e sobretudo agora estamos envolvidos em três projectos
de execução que nos tomam imenso tempo. Isto também coincidiu com a
altura em que eu comecei a dar aulas, portanto acabei por ter menos tempo
e também acerca de dois anos que não fazemos concursos, ou se fazemos
são concursos muito específicos para uma coisa que já estamos a fazer, de
forma a arranjar financiamento. Estávamos a fazer cerca de três concursos por
ano, o que era bastante duro e estávamos a entrar num ritmo que já era um
bocadinho diferenciado, e achamos que “ok já ganhamos músculo” e agora
229
se calhar precisamos de nos concentrar nas coisas mais construíveis. Agora
estamos nisto, não quer dizer que daqui a um ano voltemos a isso. Lá está,
como é uma equipa muito pequena, o modo como nós vamos gerindo o nosso
trabalho é muito circunstancial, ou seja, se entra um projecto um pouco maior,
nós se calhar durante um ano estamos só dedicados áquilo. E como hoje, tu
não sabes o dia de amanhã é muito difícil tu teres pessoas aqui a trabalhar.
230
TIAGO MOTA SARAIVA, ATELIERMOB
231
somos amigos desde a universidade e já nos apetecia trabalhar juntos. Na
primeira edição da Trienal de Arquitectura houve uma exposição chamada
“Arquitecturas Digitais” para a qual fomos convidados. Embora tenhamos
achado que não fazia muito sentido, porque utilizamos o digital apenas como
ferramenta e não nunca como meio de concepção do trabalho, aceitámos o
desafio. Convidámos o David para trabalhar connosco, porque achámos que
fazia sentido e seria interessante. Já que nos tinham convidado para estar na
Trienal, o melhor era que fizéssemos uma crítica bem-humorada ao sistema
de referências da própria arquitectura. Desenvolvemos para essa exposição
um pequeno trailer de um filme que nunca iria existir, sobre a arquitectura
portuguesa adaptado ao ambiente da Guerra das Estrelas. Basicamente
convertemos uma serie de edifícios, mais ou menos conhecidos, de arquitectos
portugueses, transformámo-los em naves a combaterem entre si. “Esta coisa
de rivalidade”. E depois mais tarde gostámos da ideia, quisemos desenvolvê-la
à escala mundial, em jeito de reflexão sobre o star-system, procurando também
perceber como é que a arquitectura pode trabalhar com sistemas operacionais
que não são totalmente característicos da arquitectura. Aqui estou a falar
da figura do remix, por exemplo, que é muito caro aos músicos que pegam
em várias músicas e as misturam. Nós achamos que poderia ser interessante
esta coisa de pegar num edifício e reinterpretá-lo. E de repente o que era um
edifício passa a ser uma nave. E é óbvio que há muitos edifícios sobre os quais
se diz “parece um ovni”. E nós quisemos um bocadinho levar essa expressão
ao extremo.
JCA: Portanto o projecto “SWARS” pode ser visto como uma crítica ao
mainstream da arquitectura?
AL: Era uma crítica, mas era também uma questão de trabalhar com uma
serie de edifícios que tinham características que, na nossa opinião, podiam ser
inspiração para outra coisa que não edifícios e, sobretudo, esticar as fronteiras
da disciplina. Porque não pegar em edifícios e passá-los para o espaço digital
em confronto com outros tipos de ambientes e outro tipo de pessoas que
232
TIAGO MOTA SARAIVA, ATELIERMOB
não aqueles para o qual foram pensados. Mas também é preciso dizer que os
edifícios que lá estão são edifícios que nós admiramos e gostamos. Ou seja, é
verdade que existe um star-system, mas muitos desses arquitectos produzem
obras de arquitectura verdadeiramente incríveis. Agora se elas são produzidas
porque existe o star-system ou o contrário, não sei. Interessou-nos mandar
achas para a fogueira e depois logo ver. Foi interessante, porque nós queríamos
fazer um trailer de dois minutos, a tal ideia de trailer para filme que nunca
iria existir, depois acabamos por não conseguir reunir os meios técnicos
necessários para fazer o trailer tal como nós o queríamos e transformamos
o storyboard numa banda desenhada. Foi a fuga para a frente. Cerca de um
ano depois de termos feito a banda desenhada há aquele incêndio do edifico
dos OMA em Pequim. Eles têm o CCTV, mas ao lado do CCTV há outro
edifico que serve de apoio, um edifício gigante. Esse edifício ardeu, em 2009,
e quando arde marca um bocado o fim do star-system. De lá para cá veio a
crise, os arquitectos tiverem de se tornar muito mais objectivos e muito menos
de gestos gratuitos e a banda desenhada sai um bocadinho fora de tempo. É
uma crítica de uma coisa que já não existe, mas isso é muito comum hoje. Tu
começas a pensar numa coisa, quando tentas pôr cá para fora algo, a própria
realidade já é diferente.
AL: Eu acho que é bastante reduzido e acho que muitos deles estão a ser
empurrados para essas questões mais por uma questão de tendência e de
moda do que propriamente por convicção. Se me perguntares, é bom, ou seja
é preciso é que eles trabalhem mais nesse sentido. Porque é que eles chegam lá?
Há uns por motivos mais nobres e outros menos, mas é bom. Isto é um modo
mais prático de fazeres arquitectura e tentares ajudar de um modo directo as
pessoas que mais precisam. O arquitecto e a questão social têm uma longa
história. Hoje em dia, e isso é que eu acho que é um bocadinho novo, há uma
233
ligação estreita entre um certo trabalho de arquitectura que se preocupa mais
com o que é possível, ou seja bastante mais realista e bastante mais táctica,
no sentido em que procura práticas que possam ser construídas num curto
espaço de tempo.
JCA: Falavas dos bairros sociais. É claro que a questão social sempre esteve
presente na arquitectura. A minha pergunta é se vias o compromisso
do arquitecto a trabalhar nesse sentido sem ter sido solicitado a fazê-lo,
mesmo quando convocado para determinado projecto cujas preocupações
sociais não são, à partida, uma condicionante?
AL: Essas perguntas tão abstractas são complicadas. Vou-te dar uma resposta
contraditória. Eu não acho que a cidade contemporânea tenha grandes
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TIAGO MOTA SARAIVA, ATELIERMOB
JCA: São problemas mais pontuais que não requerem grandes soluções?
AL: Ou seja, existe uma inteligência arquitectónica que é específica e que não
tem a ver só como nós desenhamos. Tem a ver com o modo como nós encaramos
os problemas. Consigo-te dizer isto porque aqui no atelier já trabalhamos com
vários técnicos e vários artistas de outros campos, e há claramente um modo
diferente de abordar os problemas em arquitectura, e até de os visualizar. Eu
acho que essa inteligência arquitectónica pode ser interessante para resolver
uma serie de problemas imediatos, que é o que raramente acontece. O
arquitecto é aquele que é chamado para pensar uma coisa que tem que ficar
lá vinte anos, trinta anos. Nesse sentido, a deslocação, mais por necessidade
do que por querer, do arquitecto para campos mais efémeras, e que não tem
a ver só com a capacidade de fazer uma serie de acções de caracter artístico,
mas também com acções funcionais, é interessante e pode dar resposta a uma
serie de problemas. Como a sociedade acelerou há problemas que também são
efémeras.
JCA: Vocês tinham um estúdio que era o Moovlab, que entretanto agregaram
ao MOOV. De que forma o trabalho desenvolvido no Moovlab com um
carácter experimental e de pesquisa influenciou os vossos projectos?
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um trabalho que procuramos que fosse sempre interactivo, não no sentido
tecnológico, mas no sentido de convidar as pessoas a tocar e a, de alguma
forma, mudar/alterar o espaço.
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TIAGO MOTA SARAIVA, ATELIERMOB
eu acho que anda à volta dos cinco anos, que é fundamentalmente marcada
pelos teus interesses, por aquilo que procuras fazer. Só depois desses dez
anos estás preparado, definindo se queres ter uma prática mais convencional,
menos convencional, etc. Portanto, não me preocupa muito que a academia
formate um pouco os alunos, porque eles a seguir vão seguir o seu caminho.
No fundo, resumindo, eu acho que a academia é classicista, é convencional,
mas se calhar tem de ser assim. Se tu quiseres um pensamento alternativo não
faz sentido enquadrá-lo na academia. Faz sentido, se calhar, tu procurares um
atelier que esteja a desenvolver trabalhos desse género, procurar uns amigos
e desenvolver trabalho nesse sentido, ou seja assumir que se está a trabalhar
à margem do sistema e não tentar que o sistema trabalhe à margem, porque
isso não faz sentido.
JCA: Pensas que se poderia falar de uma redefinição dos limites do campo
de acção do arquitecto, quando se verifica que alguns ateliers, entre os quais
o vosso, desenvolvem trabalhos como por exemplo, instalações artísticas,
performances, vídeos, exposições, acções cívicas? Vês a necessidade da
diversificação do campo de trabalho do arquitecto?
AL: Eu penso que sim. Mais uma vez acho que muito desta diversificação é
por necessidade e não tanto por convicção. No entanto, estou curioso para ver
se muitos destes arquitectos que agora desenvolvem trabalhos neste sentido,
o continuarão a fazer quando o tempo das vacas magras passar, não que
em Portugal isto tenha sido um paraíso. Basta falar um bocado com eles e
percebe-se que o seu discurso é “o que há agora para fazer é isto e faz-se isto,
mas quando houver prédios, betão para fazer é aí que queremos voltar.”
AL: Acho que sim. A inteligência específica da arquitectura que já falei, é muito
ecléctica e consegue dar resposta a muitas coisas diferentes. Como arquitecto
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não é necessário desenhar edifícios para estar a intervir, até no campo da tua
profissão. Através da teoria, da investigação, do ensino, da crítica, tudo são
coisas que podem fazer útil o teu papel enquanto arquitecto. E isso é uma
coisa que eu tento passar muito aos meus alunos, há muitas formas de fazer
arquitectura. Fazer edifícios é se calhar a mais óbvia, mas está muito longe
de ser a única. Por exemplo, os arquitectos que trabalham nas Câmaras são
peças essenciais. Há arquitectos brilhantes a trabalhar nas Câmaras e isso é
bom para todos. No essencial é necessário que esta inteligência específica da
arquitectura esteja espalhada pelo máximo de sítios possíveis. E se houver
bons arquitectos nas Câmaras, nas universidades, empresas de construção
para melhor desenvolverem os seus produtos, é já um bom caminho, dando
mais mérito a quem tem uma prática de arquitectura menos óbvia. Tu falavas
no papel social do arquitecto, se tu dedicares parte da tua vida a desenvolver
um material e esse material permitir que uma série de pessoas consiga fazer
a sua casa de uma forma mais barata, estás a ter um papel social relevante,
sem precisar de desenhar um edifício. O que eu acho é que temos de valorizar
quem não tem esta prática de atelier, e, nesse sentido, quanto mais se abrir o
campo de acção melhor. Portanto, quando se diz que há muitos arquitectos
em Portugal eu considero isso bom, ainda pode haver mais. Agora temos de
ter consciência que quando há cerca de vinte e dois mil arquitectos escritos na
Ordem, não vai haver o projecto que nos ensinam na universidade para todos.
O que se tem de perceber é que isto é um facto, e fazer a pergunta de como nos
vamos posicionar perante isto.
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TIAGO MOTA SARAIVA, ATELIERMOB
AL: Eu acho que ainda é muito cedo para tentar tirar conclusões. Se calhar
daqui a vinte anos conversamos e não sei se serei a pessoa ideal. Mas eu
acho que se olhares para outros ateliers que estão a fazer um trabalho menos
convencional, como os Exyzt, os Raumlabor, esse tipo de ateliers, que à sua
maneira, são revolucionários, e daqui a dez anos quando se olhar para trás
isso perceber-se-á, sobretudo nesta maneira de “fazer arquitectura para hoje”
ou “para ontem”. Ou seja, muitas vezes não há projecto, “tens aqui um monte
de madeira, vamos fazer uma coisa e vamos fazer uma coisa com estas pessoas
que estão aqui” e isso vem de tentar contrariar esta ideia de que a arquitectura
necessita de muito tempo, porque envolve imensos meios, e às tantas quando
a sociedade acelera, tu, como arquitecto também sentes necessidade de
acelerar, ou pelo menos acelerar parte dos teus projectos e perceberes que a
realidade está a mudar todos os dias e como é que eu posso fazer projectos que
acompanhem essa realidade. Eu acho que isso se consegue retirando uma série
de etapas ao processo de projectar, sendo também mais modesto naquilo que
se quer fazer. Hoje em dia já não queres projectar bairros inteiros, se calhar
queres projectar apenas um banco para o senhor que vive ao teu lado, e vais-
te sentar com ele e vamos ver como é que vamos fazer aqui o banco. Mas a
questão é que em vez de teres folhas e folhas de esquiços muito bonitos sobre
o bairro que querias fazer, tens ali o banco na rua que serve para uma série de
coisas. Outra coisa que é muito interessante é quando tu constróis realmente
uma coisa tu não sabes depois onde aquilo vai parar. Há pessoas, se calhar,
que não vão usar aquilo como banco, vão usar como outra coisa e o banco
é transformado. Isso é muito interessante: tu perceberes que precisas de pôr
coisas na rua, nem que sejam mínimas. Eu acho que estres grupos abriram
o caminho ao mostrar que é possível. “Eu com mais dois amigos posso fazer
aqui uma coisa.”
239
mais referências em campos que são periféricos à arquitectura. É onde
encontramos, sobretudo, uma reflexão sobre a sociedade que nos interessa
mais depois explorar. Porque é que eu te digo isto? Nós enquanto arquitectos
temos uma inteligência muito específica e temos um modo de encarar os
problemas de um ponto de vista muito específico. O que nós gostamos, por
exemplo, quando abrimos o nosso processo de concepção a outras pessoas
que não são arquitectos, é perceber como é que essas pessoas vêm aquele
problema, que é necessariamente diferente do modo como nós vemos.
Portanto, quando procuramos referências, e se queremos fazer alguma coisa
que possa acrescentar algo novo áquilo que está em debate, nós tentamos
procurar um saber exterior à disciplina.
240
TIAGO MOTA SARAIVA, ATELIERMOB
é essa pessoa fazer-te perguntas. Por exemplo, uma janela, “isto não podia
ser em arco?”. Tu respondes imediatamente que não. Mas depois obrigas-te
a pensar: “porque é que não pode ser em arco?”. E pensas: “Ah é feio!”. “Mas
é feio porquê?” E se formos todos arquitectos, um diz que não pode ser em
arco e toda a gente concorda, porque todos nós temos o mesmo background
académico. É por isso que este tipo de perguntas nos interessam – “porquê é
que não é em arco?”
AL: Este foi também um projecto para a Trienal. Nós acabamos por estar
sempre na Trienal, mas através de projectos laterais. Com este projecto
achamos que seria interessante fazer as mesmas três perguntas a uma série de
agentes do processo construtivo, desde o político que decide o que é preciso
construir, até ao arquitecto, ao engenheiro, ao empreiteiro, ao trolha que está lá
a construir, a quem vai vender, e a estes juntamos aqueles que nós chamamos
opinion makers populares, que são o taxista e o empregado de mesa. Foi
engraçado porque conseguimos convencer a Trienal a fazer estas entrevistas
no ciclo de conferências que eles organizaram e, desta forma, podemos fazer
estas perguntas a arquitectos top, ao Thom Mayne, ao Souto Moura. Ao Souto
Moura para aí há vinte anos que ninguém lhe pergunta o que é a arquitectura.
Perguntam-lhe outras coisas, e perguntam-lhe o que é arquitectura e ele fica
…, tal como o Thom Mayn. Depois acabam por responder, uns com umas
respostas mais interessantes e outras menos. Mas, por exemplo, quando fazes
a pergunta ao taxista, ele responde-te rapidamente que arquitectura é “os
edifícios”. Está ali chapado. Não quisemos fazer juízo nenhum, mas pô-los em
confronto, através da montagem do vídeo, uma vez que não há uma hierarquia,
não vai de quem sabe mais para quem sabe menos. O que nós optamos por
associar foi os princípios, os meios e os fins de resposta, e depois tens uma
série de gente a fazer … e outros a responder directo. Todos nós temos uma
palavra a dizer sobre arquitectura, mas às vezes, se calhar, pensamos de mais
e fazemos de menos.
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JCA: De de que forma é que o projecto “Seta Amarela” vos motivou no
sentido de um trabalho adisciplinar e o que é que mudou no vosso método
de trabalho a partir daí?
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TIAGO MOTA SARAIVA, ATELIERMOB
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divisões pudessem ter ventilação cruzada. Repara, mas para isto tu precisas
de saber a importância da ventilação cruzada e de perceber como é que podes
organizar isto no espaço. Para isto é necessário um arquitecto. Mas depois o
que é que nós nos demitimos de pensar? Se a casa tinha duas águas, se tinha
cobertura plana, isso as pessoas podem decidir. Nós basicamente definimos o
envelope e definimos qual seria a maneira ideal desse envelope crescer. Mas as
pessoas depois definem a forma final desse envelope e a sua pele.
AL: Eu acho que Portugal está no limite, porque as pessoas já esperam ter uma
casa pronta, e sobretudo, nós arquitectos temos pouca experiência em primeira
mão de bairros sociais. Infelizmente ou felizmente quase nenhum estudante
de arquitectura vive num bairro social. Isso tem um pouco a ver com aquilo
que eu te disse, que arquitectura é para ricos. Os estudantes de arquitectura
necessitam de ter alguns meios económicos para conseguir concretizar os
estudos e além disso é necessário uma estabilidade familiar. Neste sentido,
acabamos por não ter esta experiência em primeira mão e cometer muitos
erros básicos. Eu como acabei por viver paredes meias com um bairro social,
muitos dos meus amigos eram de lá, fui exposto a esta realidade muito cedo
e acabei por conseguir perceber algumas coisas. Uma dessas coisas é que cá
em Portugal, isto não é válido porque as pessoas esperam que a casa esteja
pronta. Essa ideia da casa poder crescer não lhes é muito grata, até porque
acham – há um bocado aquela ideia de que o estado tem de apoiar – que
pode ser um insulto receberem uma casa incompleta. Enquanto noutro tipo
de culturas isto é visto como uma oportunidade, cá é vista como uma falta de
respeito. Portanto, eu diria que Portugal está no limite, e curiosamente diria
que era mais fácil se calhar tu passares um modelo destes a uma franja da
sociedade que não precisaria de um modelo destes, mas que vê isso como
uma oportunidade, do que às pessoas, que se calhar mais necessitavam deste
modelo, porque vão ver isso como uma falta de respeito. A arquitectura esbarra
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TIAGO MOTA SARAIVA, ATELIERMOB
AL: Acho que não e se tu vires a tendência de uma série de jovens arquitectos,
que estão a fazer coisas nesse campo, verificas que não é utopia nenhuma.
Quando a sociedade tende para uma determinada direcção há sempre uma
reacção. Quando tu tens um manancial de futilidade que nos enche muito os
dias tens tendência a fazer algo que seja mais substancial e que dê resposta.
Portanto, eu não acho que isto seja utópico e acho que é até normal a coisa
acontecer. Agora tem é de acontecer com qualidade. Ou seja não é por
estares a fazer um projecto social que tens de ser menos rigoroso ou menos
ambicioso. Se vais fazer o banco para o velhinho vais tentar fazer o melhor
banco possível com as ferramentas que tens, e muitas vezes o que eu vejo é uma
atitude “se é social já não tenho de me esforçar tanto, basta fazer uma coisa
qualquer”. Uma das coisas que me tem deixado mais contente é que muita da
arquitectura que dá uma resposta mais directa a necessidades sociais, quer
seja em situações de emergência, quer seja em bairros mais críticos ou países
menos desenvolvidos, tem cada vez uma melhor qualidade arquitectónica.
Trabalham com a austeridade e o mínimo de recursos, mas com um melhor
pensamento arquitectónico do que, por exemplo, há dez anos. E isso porquê?
Há mais gente a trabalhar nesse campo, há mais experiência.
245
solução não passa por fazer aquilo que nós sabemos fazer melhor. É necessária
uma certa modéstia que não nos é incutida e, sobretudo, perceber em que
situações aquilo que nos propomos a fazer é melhor do que o que já está feito.
Tu visitas a obra de um colega e encontras sempre um defeito. O que eu acho é
que se deve ter a sapiência de saber quando é que vale a pena convocar recursos
para mudar uma coisa e quando é que não vale, e perceber que o que já está
feito está bom. É espectacular? Não é, mas funciona. Se calhar vais investir o
teu tempo noutra coisa ao lado e nesses sentido se tu me tivesses perguntado
por exemplo, o que é fundamental o arquitecto pensar a nível social hoje em
dia? Eu diria que é mais naquilo que já está construído e curiosamente não
te diria reabilitação tal e qual como ela está a ser discutida hoje em dia, que é
os centros históricos. Pensar como é que podes reabilitar os subúrbios, como
é que podes dar uma maior qualidade áquilo. Neste momento há milhões de
casas construídas nos subúrbios, muitas delas com má qualidade, mas estão lá
e a solução não vai ser demoli-las porque já foram convocados uma serie de
recursos, material, tempo. Agora ainda vais gastar mais energia a mandar aquilo
abaixo? Não. A questão é como é que tu podes aproveitar aquilo que já está
feito? E não estamos a falar em Africa ou em situações de emergência, mas sim
de coisas que existem hoje em dia, onde vivem milhares e milhões de pessoas.
Tu dás uma volta aqui pela Cintura de Lisboa. Começas no Catujal, ali ao pé
da Expo, Bairro de Angola, depois vais até à Pontinha, Amadora, e percebes
que falta ali imensa inteligência arquitectónica para pensar o espaço que já lá
está. Mas pensar o espaço não é mandar a baixo e reconstruir de novo. Como
é que se poderia melhorar o que já lá está? Por exemplo, os programas POLIS,
através dos quais se fizeram aquelas obras, algumas boas, outras nem tanto,
sobretudo na costa portuguesa, contribuíram para a décalage entre o espaço
público e o edificado porque, basicamente, só consertaram o pavimento. Eu
acho que era necessário quase um programa POLIS para os edifícios. Como se
melhora o comportamento energético do edifício? Isso é uma questão social,
porque as pessoas vivem ali. Mas isto pede uma certa modéstia do arquitecto
em trabalhar com o que já existe.
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JCA: E terá também a ver com as limitações com que falavas há pouco,
porque uma programa desses teria de partir da vontade política. Mesmo a
questão do orçamento seria outro problema.
AL: Eu acho que isso vem tipo esponja. O que eu acho que tu, enquanto
arquitecto, e isso é que é positivo, deves tentar ter muita experiência, não te
fechar na tua concha, não ir só aos jantares de arquitectos. Portanto, tentar
viver, ver, falar com um maior número de pessoas para conseguires e ir
absorvendo coisas. Pesquisa dentro do atelier, eu acho que depende muito
da escala. Num atelier pequeno como o nosso – sou eu e o José que não está
cá e de vez enquanto temos mais algumas pessoas que trabalham connosco
– a pesquisa é feita com os projectos que nós temos. Nós não temos tempo
nem disponibilidade financeira para dizer “pára, agora durante três meses
vou estudar os subúrbios”. Só poderíamos fazer isso se quisesse fazer um
doutoramento e aproveitasse o doutoramento para pensar sobre este assunto.
É assim que eu vejo isto. De resto, podes ir pesquisando projectando. Qual é a
vantagem quando tu tens num atelier? Tu podes escolher alguns dos projectos
que fazes e esses projectos já indicam caminhos. Por exemplo aquele projecto
dos “Habitats Abertos” é um concurso que nós escolhemos fazer porque havia
a vontade de trazer para a arquitectura o processo que íamos verificando no
nosso atelier, o processo de interacção com as pessoas, e achamos que aquela
podia ser a oportunidade. Fizemos investigação fazendo esse concurso. Depois
apresentamos também uma proposta para o Mercado do Chão do Loureiro,
um antigo mercado que ficava no centro de Lisboa e acabamos por usar
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algumas coisas que estão nos “Habitats Abertos” para esse projecto também.
AL: Aquele era um edifício da Câmara. Nós sabíamos que o projecto nunca iria
ser feito porque o edifício tinha demasiado valor e a Câmara tinha a intenção
de fazer um parque de estacionamento, que fizeram e mal. Mas o conceito era
suficientemente forte para ser trabalhado noutro sítio, esta ideia de uma casa
que está preparada para os primeiros cinco anos de vida de um jovem. E é
muito interessante, agora ver, alguns concursos lançados pela Câmara, com o
factor tempo, que é uma coisa que é muito importante. Tu quando fazes algo,
neste caso uma casa com rendas controladas para jovens, é muito importante
projectares um tempo final para isto. A esses casas associamos empresas,
uma vez que a nossa ideia era que se pudesse viver e trabalhar no mesmo
sitio durante cinco anos com uma renda mínima. Ao viveres e trabalhares
no mesmo sitio com uma serie de pessoas a comungar os mesmos interesses,
poder-se-ia criar sinergias para acontecer qualquer coisa. Mas uma das coisas
mais importantes do projecto era que tu só podias lá estar cinco anos, por
duas questões: primeiro, se a tua empresa não estava se tinha desenvolvido ao
fim de cinco anos se calhar tens de pensar se faz sentido ou não continuares e
a segunda era para dares oportunidade a mais gente, para rodar.
AL: O que nós propusemos, e o que eu acho que era mais interessante ali,
foi uma célula, que tinha cerca de 2,20m por 8m ou 7m com um módulo de
casa de banho no centro que te permitia gerir o espaço. Ou seja mais uma
vez esta questão de tu poderes interagir com o espaço, podendo escolher
entre mais espaço para trabalhar ou para viver. Tu não sabes quanto é que as
pessoas querem. Há pessoas que se dedicam ao trabalho e o espaço de viver
pode ser só uma cama, podendo puxar a casa de banho o máximo possível,
ou vive versa. Ou num mês estás virado para uma coisa e em outro mês está
virado para outra. Depois havia também uma coisa interessante: um vazio
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central que permitia que os corredores de acesso em galeria pudessem ter uma
largura muito grande e essa largura, basicamente metade, era espaço afecto
à tua célula, só com uma marcação no pavimento, mas que permitia estar a
trabalhar na galeria e potencializando-a como espaço de socialização.
JCA: Vocês têm pensado mais algum projecto deste tipo, não solicitado?
AL: Estamos com algumas ideias, mas nestes últimos dois anos não. Nestes
últimos dois anos, como temos tido mais solicitações estamos um bocado
concentrados nisso e sobretudo agora estamos envolvidos em três projectos
de execução que nos tomam imenso tempo. Isto também coincidiu com a
altura em que eu comecei a dar aulas, portanto acabei por ter menos tempo
e também acerca de dois anos que não fazemos concursos, ou se fazemos
são concursos muito específicos para uma coisa que já estamos a fazer, de
forma a arranjar financiamento. Estávamos a fazer cerca de três concursos por
ano, o que era bastante duro e estávamos a entrar num ritmo que já era um
bocadinho diferenciado, e achamos que “ok já ganhamos músculo” e agora
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se calhar precisamos de nos concentrar nas coisas mais construíveis. Agora
estamos nisto, não quer dizer que daqui a um ano voltemos a isso. Lá está,
como é uma equipa muito pequena, o modo como nós vamos gerindo o nosso
trabalho é muito circunstancial, ou seja, se entra um projecto um pouco maior,
nós se calhar durante um ano estamos só dedicados áquilo. E como hoje, tu
não sabes o dia de amanhã é muito difícil tu teres pessoas aqui a trabalhar.
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