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Arquitectura de Intervenção: Repensando O Papel Social Do Arquitecto Através de Modelos Alternativos de Prática

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ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO

REPENSANDO O PAPEL SOCIAL DO ARQUITECTO


ATRAVÉS DE MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁTICA

João Carlos Teixeira Alves


Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura
Sob a orientação do Professor Doutor Joaquim Teixeira
Sob a co-orientação do Professor Doutor Jorge Manuel Fernandes Figueira Ferreira
Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto - 2013/2014
A presente dissertação não segue o novo Acordo Ortográfico. As referências bibliográ-
ficas estão de acordo com a Norma Portuguesa 405, sistema (autor, data). As citações
transcritas em português referentes a edições de língua não portuguesa foram sujeitas a
uma tradução livre pelo autor.
AGRADECIMENTOS

Ao orientador, Professor Doutor Joaquim Teixeira, por ter aceite o desafio e


pelo apoio ao longo deste percurso.

Ao co-orientador, Professor Doutor Jorge Figueira, pelo estímulo e pela crítica.

Aos Arquitectos José Paixão, António Louro e Tiago Mota Saraiva pelas
entrevistas concedidas.

Ao Miguel pela casa.

Ao Tiago e à Marta pelas conversas iniciais.

À minha família, e em especial à minha madrinha pelo apoio no percurso até


aqui.

À Liliana, pela paciência, pela dedicação, pelas infindáveis conversas e pelas


revisões que foram fundamentais, mas em particular, por estar ao meu lado
neste esforço final. A ti a quem um simples agradecimento nunca será justo.

Por fim, quero deixar um especial agradecimento ao Sistema Social Português,


pela oportunidade, pela garantia de igualdade e pelo seu indispensável
contributo para a minha formação pessoal e académica, sem o qual este
percurso nunca teria sido possível.
RESUMO

A crise económica e a consequente falta de encomenda na arquitec-


tura, após um período de crescimento, enunciam a necessidade de uma ade-
quação da disciplina acompanhada por uma redefinição do papel social do
arquitecto. Reconhecendo esta necessidade, este trabalho apresenta práticas
contemporâneas de arquitectura marcadas por um compromisso social e por
abordagens não convencionais ao projecto.

A partir da apresentação de uma selecção de trabalhos de arquitectos


e colectivos, centrada no contexto português, expõem-se as motivações,
estratégias e reflexões inerentes a uma abordagem menos convencional
à prática de arquitectura. Os casos de estudo apresentados diferenciam-
se pela sua(s) metodologia(s) de trabalho que abrangem conceitos como a
arquitectura participativa, a arquitectura de código aberto, a arquitectura não
solicitada, o trabalho em rede e a acção cívica, política e social. Estes trabalhos
questionam ainda os limites da disciplina através da expansão do seu campo
de acção e do estabelecimento de um trabalho em rede com diferentes agentes
disciplinares e com a comunidade.
Não descurando as referências teóricas e os precedentes históricos ne-
cessários para enquadrar e melhor perceber os modelos de prática apresenta-
dos, é colocada a tónica nos modelos de trabalho e nas estratégias arquitectó-
nicas implícitas com vista a encontrar caminhos práticos para a arquitectura,
resgatando o papel social do arquitecto e questionando o lugar da disciplina
nos dias de hoje.
ABSTRACT

Nowadays, the economic crisis and the subsequent lack of demand in


the architectural field require an adjustment of the discipline as a redefinition
of the social role of the architect. Recognizing this need, this paper presents
contemporary practices marked by unconventional approaches followed by a
social commitment.
Through the presentation of a selection of works, this paper exposes
the motivations, the strategies and the thoughts inherent in an unconventional
approach to the practice of architecture, focused in architects and collectives
working on the Portuguese context. The case studies presented are distin-
guished by their(s) method(s) of work covering concepts such as participa-
tion, open-source architecture, unsolicited architecture, networking and civic
action. These works bring into question the limits of the discipline through
the expansion of its field of action and the establishment of a networking sys-
tem with different professionals.
Not forgetting the theoretical references and the historical precedents
needed to frame and better understand the pratices presented, this paper puts
emphasis on the working models and on the architectural strategies proposed.
The goal is to find possible paths for architecture in the socio-economic con-
text in which we live, reinventing the role of the architect.
SUMÁRIO

11 INTRODUÇÂO

25 1. CRISE: ARQUITECTURA E SOCIEDADE


27 1.1. Uma leitura do contexto social actual
35 1.2. Redução, abstracção e mediatização da arquitectura

49 2. ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO
51 2.1. Definição do conceito

53 2.2. Enquadramento histórico

67 2.3. Revisão dos conceitos para um modelo alternativo de prática

75 3. MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁTICA


77 3.1. Ateliermob
83 3.1.1. Processos participativos em arquitectura

99 3.2. Santiago Cirugeda

105 3.2.1. Prática de código-aberto

119 3.3. Atelier MOOV


125 3.3.1. Práctica Interdisciplinar
139 3.4. Arrebita!Porto
143 3.4.1. Um modelo de trabalho em rede

155 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

177 REFERÊNCIAS
179 Referências Bibliográficas
187 Fonte das imagens

193 ANEXOS
INTRODUÇÂO
INTRODUÇÃO

A presente dissertação parte de uma forte motivação pessoal baseada


na constatação de que, na abordagem ao projecto, se tem verificado nos
últimos anos, por parte dos arquitectos, uma certa despreocupação em
relação aos reais problemas que afectam a sociedade. Parece ter passado o
tempo em que a arquitectura procurava apresentar soluções para alguns dos
graves problemas da sociedade, como a dificuldade de acesso à habitação por
parte da população mais desfavorecida, ou mesmo à cada vez mais necessária
sustentabilidade ambiental, energética e económica.

Actualmente, face à crise económica que Portugal enfrenta, estes


problemas ganham particular destaque, assistindo-se hoje, através do trabalho
de alguns arquitectos, a uma reformulação do debate em torno da prática
disciplinar, questionando a forma como a arquitectura pode, neste contexto,
contribuir activamente para a melhoria da qualidade de vida das pessoas.

“A situação admite apenas a alternativa, ou seguir em frente, ou estagnar


no caos que nos encontramos. Perante este dilema decidimos optar pela primeira
posição, com a esperança firme de que ela é a única possível para aqueles que
nasceram para aumentar ao passado algo de presente e algumas possibilidades
de futuro, para aqueles para quem viver é criar alguma coisa de novo, não pelo
desejo estúpido de ser diferente, mas pela imperiosa determinação da vida

13
1. Capa Jornal Arquitectos n.º 247

Jornal Arquitectos
INTRODUÇÃO

que não admita qualquer paragem ou qualquer estagnação sob pena de que a
posteridade não nos perdoe.” (Távora, 1947, p.11)

A opção de seguir em frente, escolhida por Fernando Távora, parece


ser também a de alguns jovens arquitectos que, no panorama actual, estão
a estimular a discussão em torno do papel social do arquitecto. O tema e as
críticas apontadas à Trienal de Arquitectura de Lisboa de 2013, assim como o
destaque que este evento atribuiu à reformulação da abordagem à prática de
arquitectura, sublinham a pertinência deste estudo e mostram a importância
e urgência do debate sobre estas questões.

Questionando a possibilidade de uma redefinição do papel social do


arquitecto, esta investigação analisa práticas contemporâneas de arquitectura
marcadas por um compromisso social e por abordagens não convencionais à
prática de arquitectura. Entende-se neste estudo como convencional a prática
de arquitectura que surge maioritariamente da resposta a um problema
colocado por um cliente, e que, embora possa não considerar o edifício
ou a estrutura construída como a única expressão da arquitectura, vê nele,
quase sempre, o seu objectivo final. Com o objecto construído a assumir o
protagonismo, o arquitecto desempenha assim o papel de autor, de prestador
de um serviço baseado numa relação cliente-arquitecto, com o utilizador,
quando este não assume a figura de cliente, geralmente excluído de todo o
processo. Esta prática, entendida como convencional no processo de trabalho
que adopta, poderá, porém, não ser convencional noutros aspectos, como a
nível técnico ou formal.

Os modelos de prática alternativa têm sido motivados pelo impasse


que o momento de crise está a causar na disciplina, impasse este assinalado
no Jornal Arquitectos (2013, Editorial): “A arquitectura está refém da sua
suposta inutilidade. À falta de investimento na construção, as competências
próprias da disciplina são tidas como dispensáveis. A urgência do quotidiano
mobiliza recursos noutras direcções, e os arquitectos são instados a mudar de
profissão ou a emigrar. Esta lógica é equívoca: a arquitectura não é apenas um

15
INTRODUÇÃO

saber instrumental à mercê das flutuações do mercado; a arquitectura é uma


forma de conhecimento útil nas mais variadas circunstâncias. Só que a falta de
encomenda, depois de anos de excesso da mesma, deixa a profissão num impasse
que a fragiliza. Será que os arquitectos só servem para desenhar edifícios ou para
coordenar planos de urbanização?”

Esta situação não pode ser dissociada do processo de industrialização


que a sociedade ocidental atingiu e de um sistema económico baseada no
crescimento infinito, que incentiva ao consumo e resulta em excedentes
que, no caso do edificado, dificilmente são descartáveis, face aos profundos
impactos ambientais e económicos que daí resultariam. Será assim importante
referir que os modelos que se apresentarão nesta investigação procuram, não
só retomar o papel social do arquitecto, mas também ampliar o seu campo de
acção, procurando novos caminhos para a disciplina, que respondam à falta
de encomenda.

A partir de uma selecção de arquitectos e colectivos, centrada no


contexto português, com referência a outros países europeus, particularmente
Espanha, expõem-se as motivações, estratégias e reflexões inerentes a uma
abordagem menos convencional à prática de arquitectura, procurando
igualmente compreender como são postas em prática. Quem são os arquitectos
socialmente empenhados? Quais são as suas preocupações? Quais são as suas
formas de trabalhar e que ferramentas utilizam? Que paralelismos se podem
estabelecer com outros momentos na história da arquitectura, e que conclusões
se podem retirar sobre o actual estado da disciplina? Como reformular o papel
do arquitecto perante o actual contexto? Estas são algumas das questões para
as quais esta investigação procura resposta.

Partindo das premissas acima apresentadas, expõe-se de seguida a


estrutura da presente investigação. No primeiro capítulo, Crise: Sociedade
e Arquitectura, é feita uma aproximação ao actual panorama social europeu
e português, enunciando que se assiste a um momento de “transição”.
Comparando “a sociedade de transição” identificada por Nuno Portas (1964),

17
INTRODUÇÃO

com a actualidade, enuncia-se os motivos e os factores que conduzem hoje


à necessidade da redefinição da arquitectura e do papel social do arquitecto,
como, noutras circunstâncias tinha já sido proposto por Portas.

No segundo capítulo, Arquitectura de Intervenção, é definido o


conceito de arquitectura de intervenção proposto por esta investigação,
expondo as diferentes abordagens ao projecto que lhe estão inerentes, como
a prática participativa, prática interdisciplinar e a prática não-solicitada.
A arquitectura de intervenção é apresentada como uma resposta para o
momento actual caracterizado no primeiro capítulo. É ainda abordado o papel
social do arquitecto ao longo da história, apresentando as referências teóricas
e os precedentes históricos necessários para enquadrar e melhor perceber os
modelos de prática apresentados. Por último, caracteriza-se o trabalho de
uma nova geração de arquitectos que retoma alguns dos temas, correntes de
pensamento e modelos de abordagem de projecto anteriormente expostos.
No terceiro capítulo, Modelos Alternativos de Prática, são
apresentados os trabalhos do arquitecto espanhol Santiago Cirugeda e dos
colectivos portugueses Ateliermob, MOOV e Arrebita!Porto. Os casos de estudo
seleccionados assumem-se, por um lado, como mote para discutir, através
dos diferentes modelos de trabalho, a possibilidade de uma arquitectura
de intervenção e, por outro, como modo de averiguar de que forma esses
modelos são postos em prática e quais os resultados obtidos. Mais do que o
resultado final de cada projecto, interessa analisar o processo. Desta forma,
não se procura investigar detalhadamente cada projecto, mas antes os temas
e as questões inerentes às diferentes abordagens e as suas implicações, tanto
para a arquitectura, como para o arquitecto e para a sociedade.
Embora muitos dos modus operandi expostos neste capítulo, e os
temas que lhe estão inerentes sejam transversais aos quatro casos de estudo,
a discussão e a análise que se faz, a cada um deles, centra-se nos modelos de
trabalho que mais os definem. De modo a melhor compreender de que forma
estes modelos têm vindo a ser postos em prática, a análise a cada caso de

19
INTRODUÇÃO

estudo faz-se em torno de quatro temas específicos.


O primeiro colectivo apresentado é o Ateliermob, analisando, a partir
dos seus projectos, as possibilidades, os mecanismos e os problemas de uma
prática de arquitectura participativa em Portugal.
Tendo em conta o contexto espanhol, próximo geográfica, social e
economicamente ao português, a partir do trabalho de Santiago Cirugeda
explora-se a prática de arquitectura de código-aberto e a forma como as
plataformas online e as tecnologias de informação têm, não só auxiliado este
modelo de prática, mas também contribuído para estabelecer uma rede com o
objectivo de divulgar e estimular o desenvolvimento de práticas semelhantes.
O trabalho de Santiago Cirugeda e a prática de arquitectura de código-
aberto, entendida como uma derivação da arquitectura participativa, são aqui
analisados pela pertinência dos temas que levanta e por se constituírem como
uma referência para muitos dos colectivos portugueses com trabalhos neste
âmbito.
Com o trabalho do atelier MOOV é analisada uma prática de
arquitectura que expande os limites da disciplina ao aproximar-se das
artes plásticas e performativas, resultando essencialmente de uma prática
interdisciplinar e da integração de saberes de outras disciplinas na abordagem
ao projecto de arquitectura.
Por fim é apresentado o projecto Arrebita!Porto com o objectivo de
discutir as possibilidades de um trabalho em rede na arquitectura com vista
à realização de um projecto social. Através da sua análise visualizam-se
diversas possibilidades de acção, contrariando a ideia de que a arquitectura é
dispensável ou vê a sua acção limitada em tempos de crise.
Interessa ainda referir que estes não são os únicos temas que se
poderiam explorar em cada um dos casos apresentados mas são aqueles que
mais interessaram a esta investigação de forma a reunir os instrumentos
necessários para que a arquitectura possa não só encontrar uma alternativa,
mas também dar resposta para alguns dos problemas de hoje.

21
INTRODUÇÃO

Partilhando as mesmas premissas e uma identidade comum, a


articulação experimental que cada um faz destes modelos de prática, origina
processos e projectos muito diversos. A identidade que caracteriza a variedade
deste conjunto de trabalhos está no facto de estarem a ser desenvolvidos, com
maior relevância, por um conjunto de arquitectos mais jovens como forma de
contornar o constrangimento económico, na aproximação às questões sociais,
no envolvimento do utilizador no processo de projecto e construção e na
integração de saberes de outras disciplinas. Uma identidade que está também
no seu carácter crítico e na reflexão que os trabalhos propõem.
“Se por um lado devemos exigir a renovação da cultura institucional, por
outro lado também existem soluções e tácticas de projecto capazes de responder
com singeleza e eficácia às condições de escassez com que somos confrontados.
No plano de uma prática convencional do projecto, esta adequação é cada vez
mais urgente, sobretudo quando o confronto com uma realidade construtiva
cruel e com recursos limitados já tornou perceptível que os esforços de desenho
e de exuberância formal ou tecnológica estão condenados ao fracasso.” (Jornal
Arquitectos, 2013, Editorial)
Há a ideia de que uma nova maneira de encarar a prática de arquitectura
emerge. Este é também um tempo de oportunidades para uma revisão dos
modelos, para uma procura de soluções, para a experimentação.

23
CRISE: SOCIEDADE E ARQUITECTURA

“As crises, devem ser, como defende Richard Florida o “Grande Reset” que promove novas formas de viver

e trabalhar para impulsionar a prosperidade de novas cidades, devendo ser o ponto de inflexão para o

surgimento de novas ideias e novas pautas tanto para o desenvolvimento urbano como para a regenera-

ção do que já existe.”

Marian Leboreiro
CRISE: SOCIEDADE E ARQUITECTURA

1.1. Uma leitura do contexto social actual


“Existe a consciência de que o período que se está atravessando é «de
sobrevivência», bem visível no tom de todas as publicações, testemunhos de
arquitectos, críticos, teóricos, alternando a violência da denúncia de desvios,
da autoflagelação dos artistas, mesmo do reconhecimento da impossibilidade de
operar em determinadas sociedades, com o apelo ao trabalho de reconstrução
permanente, de revisão das bases e controle crítico dos meios, - em suma, de
fundar no desenvolvimento da pesquisa, uma nova fase do Movimento.” (Portas,
1964, p.2)
Em 1964 Nuno Portas referia-se à sociedade da época como uma
“sociedade de transição”, considerando necessário encarar a transformação
social que então se verificava como incentivo a uma redefinição da arquitectura.
Não descorando as necessárias diferenças, o momento que o autor descreve,
apresenta semelhanças com o momento actual, e o apelo que Nuno Portas
deixava implícito, encontra correspondência no discurso de alguns autores e
jovens arquitectos ao abordarem o actual estado da arquitectura. Importa pois
perguntar, se não se assiste a um desses períodos de “transição” e, como tal, se
não haverá a necessidade de rever os princípios da prática de arquitectura e
renovar o papel social do arquitecto, como então defendeu Nuno Portas.

27
2. Imagem de capa do relatório “Divided We Stand”

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico


CRISE: SOCIEDADE E ARQUITECTURA

“Para onde estamos a caminhar?” A pergunta é feita pelo autor e modelo de


crescimento
economista francês Serge Latouche (2009, p.2). O contexto de crise que se vive assente no
consumo
actualmente será o prenúncio de uma necessidade de mudança de paradigmas?
Com a necessidade da reconstrução das cidades europeias a seguir às Grandes
Guerras e, posteriormente, com o forte crescimento económico e o grande
desenvolvimento social que se verificou na Europa, particularmente na
segunda metade do século XX, a arquitectura assumiu um papel activo e
privilegiado. Procurou-se acompanhar a explosão demográfica, construindo
para as massas, primeiro segundo os paradigmas do Movimento Moderno e
posteriormente sob as premissas dos movimentos que se seguiram. Porém, no
contexto actual europeu, a recente crise veio acentuar e chamar à atenção para
os diversos problemas sociais e ambientais.
Grande parte das potências ocidentais, desindustrializadas e com uma
população envelhecida, parecem não ser já capazes de competir com as novas
economias emergentes. Com o incentivo ao consumo, passou-se da resposta a
uma necessidade, a uma excessiva produção de bens e produtos. Uma produção
que não tem por base a satisfação das necessidades de uma sociedade, mas
antes o lucro, e que teve também as suas consequências na arquitectura,
com resultados que podem ser verificados no crescimento desregulado dos
subúrbios e no desenvolvimento das cidades de forma insustentável, desde o
ponto de vista económico, social e ambiental. Um excesso de construção que,
no caso de Portugal, ao invés de eliminar a crise crescente no acesso a uma
habitação apropriada e decente, provocou uma bolha imobiliária
Se durante grande parte da segunda metade do século XX, quando a aumento das
desigualdades
produção não satisfazia ainda as necessidades, este modelo de crescimento, socais
assente no consumo, esteve na base para o desenvolvimento económico e social
das potências ocidentais, actualmente tem sido um factor a contribuir para as
desigualdades sociais. Este problema foi abordado pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Económico (2011) no relatório Divided We
Stand: Why Inequality Keeps Rising. Além de analisar de forma implícita este
modelo capitalista de sociedade, no relatório foram examinados os principais

29
3. Coeficiente de desigualdade social desde meados dos anos 80

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico


CRISE: SOCIEDADE E ARQUITECTURA

factores que contribuem para o aumento ou diminuição das desigualdades


sociais, como a globalização, as mudanças tecnológicas e políticas, concluindo
que nos anos anteriores à actual crise, entre 1985 e 2008, as disparidades
salariais e as desigualdades sociais acentuaram-se. (Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Económico, 2011, p.24)
O mesmo relatório refere ainda que isto aconteceu, também, em
países tradicionalmente igualitários, como a Alemanha e a Suécia, mesmo em
contexto de crescimento económico, contrariando a ideia de que os benefícios
desse crescimento se traduzem automaticamente em maior igualdade social.
Idênticas conclusões tinham já sido expostas pela Organização das Nações
Unidas (2005) no relatório World Social Situation 2005: The Inequality
Predicament, indicando que uma estratégia de desenvolvimento centrada
exclusivamente no crescimento económico e na produção de capital resulta
na acumulação de riqueza por parte de uma minoria e na pobreza de muitos.
Neste sentido, e na linha de pensamento de Serge Latouche (2009), a
actual crise não pode ser vista apenas como o resultado de políticas económicas
isoladas, mas como parte de uma crise maior, a do actual modelo da sociedade
ocidental, assente num crescimento económico infinito. Num mundo onde
os recursos são finitos e cada vez mais escassos, verifica-se uma produção,
comercialização e marketing massiva de artefactos além do necessário.
Assiste-se a uma forte estimulação ao consumo aliada a uma ideia de que o
que é novo será sempre melhor.
“Temos adquirido conhecimentos sem precedentes sobre o mundo
físico, biológico, psicológico, sociológico. A ciência tem feito reinar, cada vez
mais, os métodos de verificação empírica e lógica. Mitos e trevas parecem ser
rebaixados ao submundo do espírito pelas luzes da Razão. E, no entanto, o erro,
a ignorância, a cegueira, avançam por todas as partes, ao mesmo tempo que os
nossos conhecimentos.” (Morin, Cit. por Suàrez, 2012, p.11)
Edgar Morin classifica como “cegueira” a manutenção de um modelo
de crescimento infinito como o único racionalmente possível. Uma “cegueira”

31
4. Cámbielo Todo

Publicidade da Caixa Catalunya


CRISE: SOCIEDADE E ARQUITECTURA

que José Saramago metaforicamente também assinalou nas suas obras Ensaio
sobre a Lucidez e Ensaio sobre a Cegueira.
Neste contexto, e face à actual crise, a família, a unidade fundamental da novas dinâmicas
familiares
sociedade, tem estado sujeita a novas dinâmicas impulsionadas pelo aumento
do desemprego jovem, o envelhecimento da população, acompanhado com
uma baixa taxa de natalidade. Por um lado, verifica-se uma diminuição
do número de casamentos, um aumento do número de divórcios e uma
diminuição da taxa de natalidade que veio reduzir o tamanho das famílias. Por
outro lado, devido a vários factores como as uniões entre pessoas do mesmo
sexo, o aumento da mobilidade e a incerteza do posto de trabalho, cada vez
mais amigos, colegas de trabalho, ou mesmo desconhecidos, por questões
práticas e económicas partilham o mesmo espaço, o que contribui para um
aumento da diversidade e da complexidade estrutural familiar. As famílias
são hoje multigeracionais com o aumento da esperança média de vida e a
emancipação tardia dos filhos.
Uma nova realidade tecnológica veio, também, alterar a forma como
o indivíduo se relaciona com o espaço. Facilitado pela Internet, que torna
possível um trabalho e um convívio virtual em qualquer lugar, hoje, com
um computador e uma ligação à rede, facilmente se acede a outras partes do
mundo, possibilitando, por exemplo, exercer uma profissão a partir de casa.
Este acesso facilitado às redes de comunicação e aos programas de mobilidade
possibilita, ainda, a troca de ideias e o intercâmbio de culturas, o que resulta
numa cultura global, numa partilha da informação e do conhecimento.
Tudo isto acontece num mundo cada vez mais globalizado, com uma globalização

maior interdependência das nações e um aumento de trocas de bens e serviços.


A comida, a roupa, o trabalho, a informação, quase todos os aspectos da vida
do quotidiano têm alguma componente global. A globalização acentua estas
diferenças nas dinâmicas sociais e a nova imigração que se está a generalizar,
feita por jovens, é mais um factor a contribuir para a diversidade dos núcleos
familiares.

33
5. Temos de parar de construir de forma desmedida e insustentável
CRISE: SOCIEDADE E ARQUITECTURA

Porém, segundo Luís Santiago Baptista (em Arqa, 2009, p.6-7), talvez
mais do que a globalização e o acesso facilitado à informação ou à tecnologia, a
“realidade comunicativa” ou a “realidade mediática”, é a velocidade e a escala a
que tudo isto acontece que constitui a novidade e que conduziu a uma alteração
nas estruturas produtivas, sociais, económicas. As distâncias são cada vez
mais curtas e os ritmos cada vez mais acelerados, com os acontecimentos, as
transformações sociais e económicas a ocorrerem cada vez mais rapidamente.
A sociedade contemporânea é, assim, palco de rápidas transformações,
resultado, não só dos avanços nos domínios da ciência e da tecnologia, mas
também de uma alteração nos valores e nas normas em que se baseiam as
relações sociais e o comportamento humano. Isto influi, necessariamente,
sobre os programas arquitectónicos, que estão sujeitos a novas e múltiplas
dinâmicas, alterando a forma como o indivíduo percepciona o tempo e
o espaço. Assim, tendo em conta estas mudanças na sociedade, parece ser
essencial uma pausa para repensar o papel do arquitecto. Mas estarão os
arquitectos conscientes disso?
“Saberiam os arquitectos que sentido imprimir às suas arquitecturas ou,
por outras palavras, como tecer nos seus projectos o melhor serviço possível à
sociedade e à cultura, se as condições locais de progresso permitissem empregar
a fundo as virtualidades que seria legítimo esperar da sua intervenção?” (Portas,
1964, p.V)

1.2. Redução, abstracção e mediatização da arquitectura


Franco La Cecla (2011), antropólogo, descreve, embora com algum
pessimismo, na sua obra Contra a Arquitectura, o estado da disciplina. Para
este autor, a arquitectura parece ter-se afastado da sua essência, de uma
prática de consciência e responsabilidade social, procurando transmitir
uma ideia de prosperidade baseada em grandes soluções tecnológicas, com
elevados custos e um enorme consumo de recursos, servindo essencialmente,
o poder económico mundial e o poder político. A construção pouco planeada,

35
6. Crisis? What Crisis?

Supertramp
CRISE: SOCIEDADE E ARQUITECTURA

caracterizada pela especulação, com o preço da habitação convertida em


mercadoria e investimento, a que as cidades assistiram, “a ascensão da
arquitectura como instrumento de puro marketing” (La Cecla, 2011, p.19), são
alguns dos sintomas deste modelo de sociedade, assegurado por um consumo,
promovido pela imagem, que o autor identifica. Luís Tavares Pereira (em
Arqa, 2009, p.38) acrescenta outros, como a ascensão do arquitecto a figura
mediática, a desregulação do ensino da arquitectura e um mercado de trabalho
saturado, como reflexo da promoção de uma sociedade de consumo.
“Com maior rigor eu diria talvez que mais do que se pôr em abstracto
o problema da responsabilidade social do arquitecto, hoje se põe em concreto,
o problema da (ir)responsabilidade social dos arquitectos.” (Almeida, em
Filgueiras, 1985, p.3)
Ilustro esta afirmação de Pedro Vieira de Almeida com a imagem
da capa do álbum Crisis? What crisis? da banda britânica Supertramp, para
descrever a separação, simplificação e abstracção da realidade em que vive
parte da arquitectura que se faz actualmente. Perante as diferentes dificuldades
com que se depara hoje a sociedade ocidental, a arquitectura vai-se afirmando
através de exercícios formais, estilos e tendências.
Na verdade, os arquitectos já foram socialmente motivados,
particularmente nas décadas que se seguiram à Primeira e à Segunda Guerras
Mundiais, com a reconstrução da Europa e com a preocupação em responder
às necessidades de habitação para as massas, através dos diversos programas
de habitação social que se espalharam por todo o continente europeu. Foi
um tempo de compromisso social, no qual a arquitectura desenrolou um
papel activo e privilegiado, de exploração de ideias e mudança de paradigmas.
Também as décadas de sessenta e setenta, como se expõe no segundo capítulo,
estiveram marcadas por um renovado compromisso social e pela introdução
de princípios metodológicos e científicos, próprios das ciências sociais,
na concepção da arquitectura. Em Portugal, nestas décadas, Nuno Portas,
como já foi referido, e Octávio Lixa Filgueiras são dois dos arquitectos que

37
7. Burj Khalifa, Dubai

O edifício mais alto do mundo


CRISE: SOCIEDADE E ARQUITECTURA

desenvolveram estudos sobre o papel social da arquitectura.


No entanto, até o final do século XX a disciplina foi-se esvaziando
desse seu carácter. Segundo Lisbet Harboe (2012, p.15), autora da tese de
doutoramento Social Concerns in Contemporary Architecture, as preocupações
dos arquitectos nas décadas de oitenta e noventa centraram-se sobretudo no
aperfeiçoamento da forma e na exploração dos sentidos na arquitectura. A
arquitectura foi-se promovendo através da imagem e, nas publicações da
especialidade, revistas, blogues, websites, esvaziou-se de qualquer conteúdo
humano. Prevaleceram as formas e as superfícies na procura pela imagem
perfeita. Para Andres Lepik (2010, p.12), curador da exposição Small Scale,
Big Change: New Architectures of Social Engagement1 e autor do livro com o
mesmo nome, este facto não pode ser dissociado da rápida proliferação da
arquitectura de “alta qualidade” nas economias emergentes, em cidades como
o Dubai e com a ascensão do arquitecto a figura mediática.
“A retina é o posto de venda: ver é comprar. No moderno capitalismo
de casino a cidadania é um cartão de crédito, a democracia um jogo de sorte.”
(Sorkin, Cit. por La Cecla, 2011, p.39)
Para Franco La Cecla (2011, p. 31-32) os arquitectos mediáticos são mediatização

artistas ao serviço do capital, e as suas intervenções encenações, pensadas como


se fossem grandes cartazes publicitários. Com a arquitectura transformada em
moda, numa marca ou numa assinatura, as cidades competem entre si para
atrair investimento capaz de gerar um maior fluxo de turismo. A arquitectura
é vista como uma marca de diferenciação, um símbolo de modernidade, e o
edifício ou uma intervenção no espaço público de um “arquitecto-estrela” é
quase sempre o investimento que se procura.
“Mas mais grave, no entanto, do que o escape da mortificação crítica,
é a tentação constante da desistência a que essa mesma conjuntura sujeita os
melhores: quando as contradições são tão fortes que a sensação de inutilidade

1. A exposição Small Scale, Big Change: New Architectures of Social Engagement esteve patente no MoMA
entre 3 de Outrubro de 2010 e 3 de Janeiro de 2011

39
8. Heydar Aliyev Center

Zaha Hadid
CRISE: SOCIEDADE E ARQUITECTURA

da arquitectura, o quase-dever de a pôr entre parêntesis, ganham irrecusável


evidência.” (Portas, 1964, p. VIII)
Contudo, e perante as diversas disciplinas, os interesses, as entidades,
os regulamentos e as dinâmicas envolvidas na prática da arquitectura, parece
haver pouca margem para a actuação do arquitecto. Enquanto agente social,
o trabalho do arquitecto parece ser praticamente inútil, com o seu papel
reservado a um simples prestador de serviços. Luís Santiago Baptista (em
Arqa, 2009, p.8) lembra, ainda, que o grande número de arquitectos, a falta de
concursos públicos e o cada vez menor número de encomendas inviabilizam
uma arquitectura que antes se praticava, essencialmente, através da encomenda
pública.
“O experimentado arquitecto-autor, que se movimenta no sector da
encomenda pública, vê-se hoje obrigado a responder a encomendas lançadas
por agentes económicos que lideram a promoção imobiliária. A prática de
autor começa a integrar um sistema de economia de mercado e estabelece-se
o diálogo e a negociação com a encomenda privada interessada no lucro, no
aspecto comercial e no potencial da arquitectura, enquanto símbolo de ascensão
de estatuto social e económico.” (Melaneo, em Arqa, 2009, p.24)
Um outro problema, identificado por Paula Melaneo, é a generalização
do trabalho dos arquitectos em contextos que lhes são completamente
estranhos, muitas vezes através de concursos internacionais. O tempo
investido nestes projectos é normalmente insuficiente para uma aproximação
à realidade local, impossibilitando uma aproximação entre o arquitecto que
projecta e o indivíduo que o vai usar, valorizando o formalismo e a imagem
para que o projecto sobressaia entre os muitos candidatos. Deste modo, os
arquitectos deixam de se ocupar em procurar dar resposta ao seu contexto
particular que conhecem melhor, deixando-o à acção arbitrária de olhos que
lhe são estranhos.
Finalmente, “um grave problema educacional prevalece, uma vez
que os arquitectos, geralmente, parecem pouco aprender com os seus próprios

41
9. Olhe à sua volta.

Ordem dos Arquitectos


CRISE: SOCIEDADE E ARQUITECTURA

edifícios.” (Bouman, 2011, p.18) Segundo La Cecla (2011, p.124), as escolas


de arquitectura promovem um ensino centrado no objecto arquitectónico,
e “aos estudantes não são dados instrumentos de observação, de análise, de
leitura do impacto social dos próprios projectos.” Um ensino mais vocacionado
no processo, numa sequência de acções, decisões e efeitos, seria capaz de
abrir o debate sobre uma nova forma de encarar a disciplina. Por outro lado,
considera Robert Byron (Cit. por La Cecla, 2011, p.44), quase não existem
críticos de arquitectura e os que existem são arquitectos e o seu envolvimento
pessoal impede-os de fazerem uma real crítica aos seus colegas, o que também
não estimula o avanço da disciplina.
“Não se pensa em termos ‘modernos’ ou ‘pós-modernos’, uma espécie de
embaraço caiu sobre os termos e sobre as suas consequências. Não se procura
nenhum plano político para a arquitectura, na tradição europeia idealista
ou na tradição pop americana. Encontrou-se uma terceira via (rápida): a da
concentração na forma - a-historicista, a-temporal, a-moral.” (Figueira, 2005,
p.12)
Como enuncia Jorge Figueira, além de perguntar o que a arquitectura
pode fazer pelo contexto actual, a arquitectura deve recuperar o seu sentido
crítico e perguntar o que pode fazer por ela própria. O arquitecto deve, não só,
ter um papel crítico, mas também viabilizar soluções que venham de encontro
a essa crítica, soluções exequíveis. A crítica pode contribuir para uma visão
mais ampla sobre as aspirações da arquitectura. Ao possuir uma visão global
da sociedade, o arquitecto pode ser um agente dinamizador de estratégias
não necessariamente ligadas a uma prática tradicional da disciplina. Margaret
Crawford (Cit. por Harboe, 2012, p.2) pede aos arquitectos que procurem “um
novo conjunto de clientes, não as massas genéricas do modernismo, mas grupos
específicos cujas necessidades não são atendidas pelo mercado arquitectónico.”
Ter em conta estas considerações na arquitectura é fazer recuperar o seu
reconhecimento público.
“Num momento como o que vivemos, de esgotamento dos modelos

43
10. Be Utopian

Manifesto Exyzt
CRISE: SOCIEDADE E ARQUITECTURA

económicos e profissionais, torna-se imprescindível entender que a produção de


arquitectura é um feito cultural em constante mudança, pelo que é necessário
apresentar propostas de alternativas à profissão, que agreguem novos campos de
utilidade social e que mantenham a sua capacidade crítica com a sociedade e,
nesta medida, também com elas mesmas.” (Cirugeda e outros, 2010, p.22)
Expandir o campo de acção da disciplina para outras áreas de saber,
em maior interligação com outras disciplinas, pode ser a resposta para
aproximar a arquitectura e a sociedade, como também uma solução para a
própria profissão, que se vê cada vez mais limitada no seu campo de acção,
pelo mercado de trabalho saturado e pela complexa rede de interesses e
burocracias que a envolvem. Actualmente há exemplos de arquitectos que
procuram expandir as suas perspectivas, valorizando no seu trabalho as
questões sociais, políticas e económicas. Isto verifica-se com maior relevância
em grupos de arquitectos mais jovens, de onde vão emergindo práticas
alternativas de arquitectura através de um renovado compromisso social e de
novas metodologias de trabalho.
“Com a explosão demográfica dos arquitectos e um mercado de trabalho
cada vez mais cartelizado, as novas gerações têm de reinventar a roda.”
(Gadanho, em Arqa, 2009, p.29)
Pedro Gadanho assinala a necessidade do arquitecto “reinventar a “época de
encruzilhada”
roda”, como forma de contornar a actual situação do mercado de trabalho.
A redefinição da arquitectura que Pedro Gadanho enuncia e, de uma forma
mais alargada, a revisão do papel social do arquitecto que esta investigação
procura, não se fazem apenas a partir de conceitos e modelos novos, mas
pensamentos e práticas que foram abordadas e retomados ao longo do século
XX. Práticas que surgiram da interpretação de um determinado contexto social,
influenciados por fortes transformações sociais, por progressos tecnológicos
e novos paradigmas. Como enunciado neste capítulo, ainda que sem o
devido distanciamento histórico para aferir conclusões, arrisca-se a dizer que
actualmente se vive um desses momentos de transformação social, um novo

45
11. Incêndio no complexo da CCTV

Fotografi a do CCTV, Pequim


CRISE: SOCIEDADE E ARQUITECTURA

momento de “transição” (Portas, 1964), uma nova “época de encruzilhada”,


seguramente diferente da identificada por Octávio Lixa Filgueiras (1985)2 mas
com as necessárias implicações no modo como se pensa e se faz arquitectura.
Em Fevereiro de 2009, um incêndio destruiu um hotel, na altura ainda
em construção, que fazia parte do complexo projectado por Rem Koolhaas
(OMA) para a televisão chinesa em Pequim. Em conversa com António Louro
a propósito desta investigação, o arquitecto faz uma analogia associando este
acontecimento simbólico à queda do star-system. Esse momento corresponde
também à diminuição drástica dos concursos públicos em Portugal, impondo
novas premissas para a arquitectura e um reposicionamento dos arquitectos
que baseiam o seu trabalho em edifícios de excepção e em projectos de autor.
Fica, por isso, a pergunta: perante a actual mudança no contexto
económico ocidental, não precisará a arquitectura de se redefinir, através
da renovação ou da retoma dos princípios e dos modelos que a regem ou
regeram? Esta investigação parte assim à procura de uma arquitectura que
seja o reflexo dessa transformação, consciente do seu papel social e em relação
com os problemas que afectam hoje a sociedade, com a vontade de responder
à pergunta que Nuno Portas coloca.
“Pode o arquitecto continuar a ser um projectista parcial, confinado
ao seu estirador, de apenas-edifícios isolados ou super-edifícios de excepção?
Esgota-se aí a sua acção e competência, enquanto o essencial e o normal do
habitat ou da cidade dos homens se decide antes ou ao lado da sua chegada?”
(Portas, 2007, p.16)

2. A primeira edição obra de Octávio Lixa Filgueiras, Da Função Social do Arquitecto: Para uma teoria
da responsabilidade numa época de encruzilhada, é de 1962.

47
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO

“A arquitectura é o desejo de uma época traduzida em espaço”

Mies Van der Rohe


ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO

2.1. Definição do conceito


Após expostos, no primeiro capítulo, os fundamentos que justificam conceito

a necessidade de uma arquitectura mais interventiva socialmente, definem-


se neste capítulo os conceitos e os temas que lhe estão subjacentes. Nesta
investigação entende-se como arquitectura de intervenção uma prática que
procura soluções não convencionais para a problemática social e urbana,
questionando o papel do arquitecto na sociedade contemporânea. Deste
modo, o arquitecto não se foca apenas num grupo de clientes, aqueles que
são capazes de pagar por um serviço de arquitectura, actuando sobretudo em
contextos marcados por problemas sociais e económicos. A arquitectura de
intervenção não se centra somente na forma e no desenho ou em conceitos
abstractos, mas organiza-se através de padrões sociais. Uma arquitectura
atenta à realidade social, cultural, económica e política do contexto onde
actua, não só procurando melhorar o ambiente construído mas também a
situação social das pessoas que nele habitam.
Esta dimensão social da arquitectura implica, quase sempre, modelos
alternativos de trabalho, fazendo-se acompanhar pela expansão do seu campo
de acção, a partir das diferentes relações que se estabelecem com outras
disciplinas. Está, desta forma, marcada por um trabalho em rede, com a

51
12. Te kogo ia nikogda ne videl

Vladimir Mayakovsky

13. Plakat mayakowski gross

Vladimir Mayakovsky
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO

comunidade e com diferentes agentes disciplinares, baseando-se num sistema


de código-aberto e promovendo a participação dos usuários ou, mesmo, a
autoconstrução.
Esta prática engloba várias metodologias de trabalho e abrange
diversos conceitos, entre os quais, a arquitectura participativa, a arquitectura
de código aberto, arquitectura não solicitada, o trabalho em rede e a acção
cívica, política e social.

2.2. Enquadramento histórico


A arquitectura assenta no princípio de proporcionar espaços para o papel social do
arquitecto
o Homem viver, consolidando a relação entre este e o seu ambiente físico,
de forma a melhorar as suas condições de vida. Assim, sempre foi um dos
seus objectivos constituir-se como ferramenta para responder a alguns dos
problemas que afectam a sociedade, relacionados com a organização do espaço.
Na arquitectura, o debate em torno destas questões teve particular relevância
em finais do século XIX e em momentos particulares do século XX, como
resultado de fortes transformações sociais, iniciadas por novas correntes de
pensamento ou fruto de novas circunstâncias sociais, económicas ou políticas.
Os novos pensamentos e movimentos que surgiram no século XIX,
como as teorias de orientação socialista e as vanguardas artísticas, abriram o
debate sobre a sociedade industrial. Além das novas possibilidades tecnológicas,
do progresso científico e de uma modificação nos métodos de produção, o
século XIX trouxe consigo uma transformação na forma e nas condições de
viver. A polarização dos centros urbanos e o seu rápido crescimento conduziu
a condições precárias de vida que vieram sublinhar o problema da habitação e
acelerar a necessidade de um planeamento urbano mais inclusivo.
O surgimento das vanguardas artísticas, marcado pela busca de Vanguardas
Europeias
novas formas de expressão, pelo progresso e pela humanização da sociedade
industrial, integrando a arte e a tecnologia no mundo construído, foi relevante
para definir o ideal do arquitecto do século XX. As vanguardas, como o

53
14. The New Man (Neuer)

El Lissitzky
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO

Cubismo, o Futurismo, o Construtivismo, De Stijl, entre outros, marcados por


um forte pensamento ideológico e político, manifestavam a vontade de definir
novos códigos temáticos e expressivos, bem como novos valores sociais.
Ideias que resultaram de uma forte actividade intelectual de reflexão sobre os
problemas da sociedade e da cidade industrial.
Estes movimentos chamaram a atenção para as desigualdades sociais
e os consequentes problemas urbanos, vistos como o resultado de uma
estrutura social e económica que concentrava a riqueza numa pequena parte
da população. Com a convicção de que a arquitectura devia atingir o maior
número de indivíduos possível, e não apenas a elite favorecida, ambicionava-
se que os arquitectos fossem capazes de assumir um papel de transformação da
sociedade. Estes movimentos foram possíveis porque se inseriam no contexto
político de transformação social do comunismo e da social-democracia, em
países como a Rússia, Alemanha, França e Holanda
Inspirado pelas teorias socialistas e pela revolução russa de 1917, o
Construtivismo definiu uma nova relação entre a sociedade, o artista e a sua
obra. De acordo com Christina Lodder (1988, p1-2), os princípios básicos
do Construtivismo, reconheciam que os conceitos convencionais da arte e do
artista, que os punha em prática, impossibilitavam o vínculo entre a arte e
a vida. Pretendendo estabelecer esse vínculo, este movimento incentivava o
artista a entrar na fábrica, reconhecendo-a como capaz de fazer avançar o
mundo.
Segundo o lema de El Lissitzky: “uma arte construtiva que não decora,
mas organiza a vida” (Cit. por Abrantes, 2013, p.27), a produção em massa e a
indústria era usada como resposta para uma fusão entre a vida e a arte, ideia
mais tarde abraçada pela Bauhaus. O Construtivismo estabeleceu-se como
impulsor para que fosse dado o salto para uma cultura humana e universal,
que constituiria uma nova ordem política, assente num compromisso social,
industrial e ideológico.
Segundo Josep Maria Montaner (2001, p.7), o que estava a ser

55
15. Reunião dos CIAM em Otterlo, 1959
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO

procurado desde de meados do século XIX, “uma nova arquitectura para uma
nova sociedade”, viria a ser alcançado com plenitude no Movimento Moderno.
Rompendo com as formas anteriores de arte, que considerava estarem
ultrapassadas, o Movimento Moderno estabeleceu uma crítica à sociedade,
que considerava imoral, corrupta e centrada na aparência.
Os arquitectos do Movimento Moderno, influenciados pelos Movimento
Moderno
desenvolvimentos da indústria, a tecnologia, o rápido crescimento das cidades
e a Primeira Guerra Mundial, estabeleceram um intenso debate sobre as artes
e a sociedade, através dos seus trabalhos, da troca de ideias e de uma abertura
ao mundo. Embora tenha sido enunciada nas vanguardas artísticas que lhe
sucederam, foi no Movimento Moderno que a questão do papel social da
arquitectura foi amplamente colocada.
“O novo cliente, poderoso, anónimo, dos arquitectos-percursores foi,
junto com as fábricas industriais, a massa enorme dos novos habitantes da
cidade, foi a multidão agitada que tinha criado as metrópoles. O surgimento
da arquitectura moderna identifica-se com a pressão e com a consciência do
problema urbanístico. O arquitecto moderno, por ser arquitecto-engenheiro, é
arquitecto urbanista, o seu cliente não é só aquele só aquele que quer construir
um palácio ou uma villa, e muito menos o mecenas ou o ditador que deseja abrir
uma avenida monumental, senão a massa inteira de cidadãos tida em toda a
sua complexidade social e psicológica.” (Zevi, Cit. por Filgueiras, 1985, p.92)
Arquitectos que viviam e trabalhavam em diferentes contextos
começaram a reunir-se para debater ideias e discutir um caminho para a
arquitectura. À medida que se ia definindo o Estilo Internacional, esta atitude
progressista e de reformulação social foi ganhando forma. Surgiram os CIAM
(Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna) e com eles a vontade
de usar a arquitectura como veículo para uma mudança, para a melhoria de
vida das pessoas, para as tornar modernas.
Contudo, considera Montaner (2001, p.7-8), o Movimento Moderno
tendeu para a abstracção, ao tentar estruturar a sociedade segundo novos

57
16. Anúncio do fim dos CIAM pelo Team X, em Orttelo, 1959
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO

valores e incapaz de resolver os problemas sociais relacionados com a


arquitectura. Ainda de acordo com o mesmo autor, embora tenha gerado um
grande debate sobre o papel social da arquitectura acabou por se afastar dos
utilizadores.
Acontecimentos como as Grandes Guerras, o desenvolvimento técnico humanização da
arquitectura
e político, fenómenos como o Maio de 68 e o destaque que as ciências sociais,
como a sociologia, a antropologia, a psicologia, passaram a ter, contribuíram
também para o debate em torno do papel social do arquitecto durante o
século XX. Entre os participantes mais jovens dos últimos encontros dos
CIAM crescia a ideia de que o funcionalismo do Movimento Moderno e o
racionalismo defendido pela Carta de Atenas não constituíam a solução para
os problemas que se verificavam nas cidades europeias.
Estabeleceu-se, assim, uma crítica que gerou novos pensamentos sobre
a forma como a arquitectura se deveria relacionar com o meio ambiente e com
os seus utilizadores. Estas ideias foram exploradas por grupos como o Cobra e
o Team X que adoptaram um modelo de acção e uma prática mais humanista.
Dirigido pelo holandês Jacob Berend Bakema, o Team X contava com
o holandês Aldo van Eyck, os britânicos Alison e Peter Smithson, os franceses
Georges Candilis, Alexis Josic e Sadrach Woods, o italiano Giancarlo De
Carlo, entre outros. As suas ideias não foram expressas numa teoria nem
constituíram um estilo, mas antes uma maneira de projectar, raciocinar e
abordar os problemas, atentos ao contexto e ao ambiente particular de cada
comunidade. (Montaner, 2011, p.8) É neste sentido que o grupo estabelece as
bases da crítica ao Movimento Moderno, opondo-se à visão funcionalista do
modernismo de aproximar a arquitectura do mundo da ciência, da tecnologia
e da produção, procurando, ao invés, uma nova arquitectura mais humanista
e próxima às ideias do Movimento Internacional Situacionista3.

3. Sobre o trabalho de alguns arquitectos dos anos sessenta e setenta José António Bandeirinha fala de
um desejo por uma “prática situacionista de arquitectura, a qual como todas as outras práticas artís-
ticas, deveria perder o seu carácter alienado do quotidiano”. (Bandeirinha, 2007, p.31)

59
17. Conceitos desenvolvidos pelo Team X

Team X. Capa da revista Forum, 1959


ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO

Para o Team X a hierarquia funcional da Carta de Atenas deveria ser


substituída por uma hierarquia das relações humanas, reintroduzindo na
arquitectura a experiência da comunidade. Dentro do grupo, foram Alison
e Peter Smithson que mais defenderam esta ideia, tendo desenvolvido um
trabalho prático particularmente relevante. Estas ideias acabariam por derivar
numa prática de arquitectura que integrava de forma activa o utilizador no
processo de concepção, construção e gestão da obra de arquitectura.
Nos anos sessenta e setenta do século XX persistiam ainda muitos prática
participativa
dos problemas pelos quais o Movimento Moderno se tinha debatido. Os
problemas no espaço urbano assumiam novos contornos, e o problema da
habitação não tinha sido ainda resolvido. José António Bandeirinha (2007,
p.29), referindo Chombart de Lauwe, afirma que os interesses dos promotores
imobiliários, centrados nas margens de lucro e em jogos de poder, se
sobrepunham aos interesses da restante população. O compromisso com uma
prática participativa, incentivando os utilizadores a colaborar activamente nos
projectos, na gestão e planeamento das suas cidades, surgia, assim, associado
à ideia de “democratização” da arquitectura.
José António Bandeirinha (2007, p.31) considera que os vários
contributos teóricos que suportaram a prática arquitectónica participativa
ao longo da década de setenta resultaram também do reconhecimento da
diversidade cultural, contrária ao conceito de universalidade e abstracção
promovido pelo Movimento Moderno.
Ao mesmo tempo, os conceitos que emergem nas décadas de sessenta prática
interdisciplinar
e setenta estão associados a um deslocamento disciplinar da arquitectura em
direcção às ciências sociais e humanas. Num mundo cada vez mais complexo,
bipolarizado entre o capitalismo e o socialismo, o arquitecto movia-se entre
a objectividade da encomenda e a incapacidade de desenvolver outras
competências que não as tradicionais de desenho, que, quase nunca, eram
suficientes para apresentar uma solução satisfatória para os problemas.
(Bandeirinha, 2007, p.5) Assim, como forma de conferir maior credibilidade

61
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO

à disciplina para desenvolver processos de participação activa, a arquitectura


expandia os seus domínios para outras áreas de conhecimento. Procurava
uma renovação em áreas como a sociologia e a antropologia, incorporando
métodos científicos, como a investigação sociológica e modelos matemáticos,
para ser capaz de responder aos problemas da época.
Ainda que distintas, no fundo todas estas diferentes abordagens,
expunham a vontade de atribuir maior relevância aos usuários e às suas
ambições. Argumentando que a arquitectura é um acto público e só poderia
ser legitimada pelos utilizadores, estes arquitectos deixaram de projectar
para as pessoas para passar a projectar em conjunto com as mesmas. Esta
abordagem interdisciplinar, marcada por um carácter experimental, conduziu
a práticas arrojadas e, por vezes, utópicas.
No início da década de sessenta, o trabalho desenvolvido pelo grupo
Archigram, constituiu-se como crítica a uma arquitectura que, segundo o
grupo, se centrava demasiado no funcionalismo e que estava dependente
das formas do Estilo Internacional. Peter Cook (Cit. por Sadler, 2005, p.434),
membro do grupo, desafiando o pensamento arquitectónico que era aceite
como norma, defendia que a solução para um problema de arquitectura nem
sempre é um edifício.
“Uma das conquistas do Archigram foi reorientar a arquitectura para a
mudança dos padrões ideológicos e sociais, reconhecendo que o individualismo
e o consumismo eram os movimentos do pós-guerra europeu e americano.”
(Sadler, 2005, p.194)
De acordo com Sadler (2005, p.194), o grupo considerava que a
tecnologia incorporada na arquitectura seria capaz de ajudar a satisfazer tanto
as necessidades como os desejos das pessoas, disponibilizando-lhe os meios
para que fossem capazes de dar uma nova forma à sua vida. Como forma de
promover a alteração dos padrões sociais, desenvolveram alternativas radicais,
de casas, cidades e outros arquétipos de arquitectura, inspirados pelas viagens
ao espaço, pela cultura popular, pela ficção científica e pelos novos materiais,

63
18. Spacebuster

Raumlabor
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO

influenciando outros grupos e arquitectos, que surgiram posteriormente, um


pouco por todo o mundo.
Posteriormente, nas décadas de oitenta e noventa do século XX,
segundo Lisbet Harboe (2012, p.15), as motivações dos arquitectos centraram-
se sobretudo na procura pelo aperfeiçoamento das formas, pela tectónica e
pela exploração dos sentidos. José Capela (2007, p.9) considera mesmo, que a
partir da década de setenta, nem no contexto internacional nem no contexto
nacional, as questões do domínio social na arquitectura tiveram particular
relevância, se não em contextos de extrema pobreza ou em situações de
emergência em países em desenvolvimento.
O debate em torno das questões sociais e políticas na arquitectura
ressurgiria, então, nos anos noventa do século XX, motivado pelo um novo
conjunto de trabalhos de jovens estudantes e arquitectos. Entre estes, no
panorama europeu, Lisbet Harboe (2012, p.15), destaca, a dupla francesa
Lacaton e Vassal, o grupo italiano Stalker, o arquitecto espanhol Santiago
Cirugeda, o colectivo alemão Raumlabor, entre outros.
Estes arquitectos focavam-se em temas, espaços e grupos de pessoas que
não eram normalmente servidos pela prática de arquitectura. Alguns destes
trabalhos, que surgiam à margem da tendência geral da época, começaram,
inclusive, a expressar-se em projectos cuja iniciativa partiu dos arquitectos,
sistematizando-se o conceito de arquitectura não solicitada.
O conceito de arquitectura não solicitada foi originalmente explorado prática não
solicitada
por Ole Bouman no estúdio Unsolicited Architecture do Instituto de Tecnologia
de Massachusetts, onde foi professor, e numa série de artigos, mais tarde
compilados na revista Volume (2007). Bouman define uma arquitectura não
solicitada como uma prática activa, de procura e pesquisa, transgressora,
que se constitui como uma alternativa. Activa, de procura e pesquisa porque
propõe que seja o arquitecto a identificar os problemas, a levantar as questões,
a propor uma solução, a traçar um plano, a definir um orçamento e a procurar
um cliente, ao invés de esperar pela solicitação de um cliente, com lugar,

65
19. Trienal de Arquitectura de Lisboa 2013
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO

programa e orçamento definidos. Transgressora, porque não cumpre pelo


menos um dos quatro princípios, que o autor considera serem os “pilares
tradicionais” da arquitectura - o programa, o cliente, o lugar, o orçamento.
Nesse sentido, pressupõe a rejeição, a reinterpretação, a recontextualização e a
reclamação. (Bouman, em Volume, 2007)

2.3. Revisão dos conceitos para um modelo alternativo de prática


“O papel do arquitecto deste princípio do século parece querer re-
aproximar-se ao do princípio do século XX, onde outra mudança de paradigma
o lançou à procura de uma nova identidade da sociedade, imprimindo à
arquitectura um papel interventivo, pró-activo e visionário relativamente ao
desenvolvimento humano.” (Bonaccorso, em Arqa, 2009, p.44)
Actualmente assiste-se a um renovado interesse social na arquitectura,
através de um crescente número de projectos, eventos, publicações e exibições
que se tem desenrolado ao redor do tema, entre os quais a Trienal de Arquitectura
de Lisboa de 2013, com o nome de Close, Closer. Incentivando à reflexão e
à crítica, Close, Closer questionou as diversas abordagens ao projecto de
arquitectura na actualidade e as condições em que estas se processam. Centrou
o debate em trabalhos que se distinguem do convencional, apresentando uma
leitura alternativa para a prática de arquitectura contemporânea, focada mais
nos usos/vivências/modos de vida que caracterizam cada espaço e menos nos
edifícios.
Este evento levantou importantes discussões sobre a disciplina na
actualidade, enunciando alternativas para a arquitectura contemporânea. No
entanto, algumas considerações se podem tecer relativamente ao alcance, ao
sucesso, à organização e à comunicação da Trienal de 2013, tendo sido, no seu
balanço, alvo de diversas críticas.
Segundo Inês Moreira (2014), um evento cultural de arquitectura
deve ser capaz de levantar problemáticas culturais e sociais, o que implica
considerar a arquitectura para lá do objecto, encarando-a como uma “proposta

67
20. Exposição Metaflux

9ª Bienal de Arquitectura de Veneza, 2004


ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO

social, política e económica”. Desta forma é necessário um trabalho preciso


sobre as diversas problemáticas e temáticas da arquitectura contemporânea,
bem como uma análise cuidada sobre os factores que condicionam a prática
profissional. Embora este tenha sido o objectivo declarado da Trienal de 2013,
Inês Moreira, na sua crítica, deixa implícito que o contributo da Trienal de
2013, enquanto evento cultural, para a problematização da arquitectura e da
sociedade é questionável.4
Contudo, ficou claro que uma nova tendência emerge, particularmente
entre os arquitectos mais jovens, marcada por uma diversidade de abordagens
à prática de arquitectura e um investimento em campos não convencionais,
à margem da disciplina. Tendência que, no panorama português, indica
uma ruptura mais acentuada entre o trabalho de uma nova geração e o das
anteriores, assinalada pela revista Arqa, nos seus três números dedicados à
Geração Z.
A exposição Metaflux de Pedro Gadanho e Luís Tavares Pereira,
realizada para a 9ª edição da Bienal de Arquitectura de Veneza em 2004
introduziu o tema das gerações na arquitectura portuguesa. A exposição
abordou o processo de transformação que se tem verificado na prática
disciplinar, revelando os factores, influências e referências que estão na base
das mudanças que ocorrem na arquitectura portuguesa mais recente.
Também a revista italiana Domus, no artigo Portugal: micro-scale
interventions, onde constam os trabalhos de alguns dos casos de estudo
apresentados no terceiro capítulo, retractou esta mudança de panorama dos
ateliers em Portugal.

4. Considerando a Trienal de Arquitectura de Lisboa de 2013 como uma exposição de trabalhos, de


“experiências” e processos, envolvendo áreas disciplinares desde a sociologia às artes que omitiu os ob-
jectos construídos, poder-se-á colocar a questão: o que caracteriza a prática disciplinar de arquitectura
que a Trienal expôs? Segundo Jorge Figueira (2013) o que caracterizou esta Trienal foi a própria negação
da arquitectura. Embora encontrando fundamentos para um desvio disciplinar, Jorge Figueira (2013),
considera que este evento se fez à margem da arquitectura, tendo inclusive enveredado por uma luta
de gerações. Nuno Grande (em Arqa, 2013, p.27) fala, inclusive, num “insucesso crítico e mediático” ao
referir-se à Trienal de Arquitectura de Lisboa de 2013,

69
21. Pavilhão Russo na Bienal de Arquitectura de Veneza de 2012
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO

Ao abordar o tema da questão geracional na arquitectura portuguesa,


Luís Santiago Baptista (em Arqa, 2009, p.7), afirma que os jovens arquitectos
portugueses “assumem um posicionamento mais contaminante e híbrido,
adoptando estratégias criativas mais eficazes e expeditas” acrescentando que esta
atitude se reflecte “nas mudanças nos modos de estruturação dos ateliers, quase
todos adoptando a forma de colectivo, e no desenvolvimento de colaborações,
que atravessam múltiplos interesses e campos disciplinares.”
Para Luís Santiago Baptista (em Arqa, 2009, p.6), as práticas emergentes
podem ser entendidas como sintomas de uma transformação na sociedade, de
uma realidade dinâmica e em mudança. Nesse sentido, considera, o autor, os
novos modelos de prática, não são a causa em si da mudança, senão a resposta a
uma mudança nas actividades sociais, impulsionadas pelas novas ferramentas
tecnológicas, pela globalização e por uma nova realidade económica.
Também em Espanha, Jorge García de la Cámara (2010), director
do BIArch (Barcelona Institute of Architecture), assinalou esta tendência.
Ao escrever sobre uma nova geração de arquitectos espanhóis, este autor
considera que uma das suas características é a forma como se posicionam
perante outros profissionais e as demais disciplinas. Para García de la Cámara,
estes arquitectos, quer seja, motivados por um compromisso social ou pelas
dificuldades profissionais impostas por uma nova realidade económica,
situam a sua prática nas fronteiras da disciplina. Através de uma arquitectura
interdisciplinar, estabelecem ligações com outros profissionais e integram
nos seus trabalhos conteúdos de áreas como a sociologia, antropologia, arte,
design, entre outras, de forma a procurar ampliar e redefinir os limites da sua
acção.
“Esta tendência por projectos de curto prazo, muito controlados na sua
execução, ligeiros, fugazes, onde se busca a cumplicidade do utilizador através
das relações que estes propiciam, a participação na construção de bens colectivos
e o humor frequente, poderia entender-se como uma reacção crítica à realidade
que tem determinado boa parte da produção arquitectónica destes últimos anos.”

71
ARQUITECTURA DE INTERVENÇÃO

(Cámara, 2010)
Uma tendência que se repete noutros países europeus, mesmo em
diferentes contextos económicos. Também em 2010 o RIBA (Royal Institute
of British Architects, 2010, p.38-39) apresentou o relatório The Future for
Architects referindo que uma prática de arquitectura mais dinâmica e criativa,
integrando competências e saberes de outras áreas profissionais é a solução
encontrada pelos estudantes e recém-formados em arquitectura, insatisfeitos
com as suas perspectivas de trabalho e com a falta de práticas atractivas na
disciplina.
Em perspectiva, a crise do Movimento Moderno trouxe para o debate
arquitectónico temas que até então tinham sido menosprezados. Começou a
ser procurada uma arquitectura mais próxima do utilizador, mais participativa,
não só incluindo-o no processo de concepção, como motivando processos de
autogestão da cidade. A arquitectura voltou-se outra vez para as massas, agora
com uma pluralidade de discurso, própria do reconhecimento da diversidade
cultural da sociedade. Estes pensamentos procuraram uma arquitectura mais
democrática, reflectindo sobre o papel social da arquitectura e do arquitecto.
Hoje a arte deixou de ser apenas representação para ser também espaço
vivido e a arquitectura pode apropriar-se dela para acentuar o seu carácter
crítico e o seu impacto. Também, ao estabelecer pontes com os outros saberes
e disciplinas, a arquitectura pode, como foi afirmado pela história, apresentar
soluções mais adequadas ao contexto social, político e cultural. Assim, este
percurso pela história lembra a importância das ideias e dos conceitos que
estão agora a ser reciclados para responder ao contexto actual. Lembrando
Mies Van der Rohe, “a arquitectura é o desejo de uma época traduzida em
espaço” sublinha-se a necessidade de adaptar estes conceitos à realidade vigente,
quando se começa a assistir a uma proliferação de práticas de arquitectura,
exposições e debates, com um renovado interesse social.

73
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁTICA

“Uma sensibilidade paradoxal permite que apareçam unidas coisas aparentemente diferentes e

que a sua incongruência sugira uma certa verdade.”

August Heckscher
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

3.1. Ateliermob
“A preocupação central das novas camadas (…) não é já constituída por
problemas formais ou estilísticos (…) nem sequer pelo conflito entre a arte e a
indústria ou a unidade de expressões artísticas (…) nem muito menos o conflito
inicial entre tradicionalistas e modernidade. Ao contrário o que preocupa
centralmente as novas camadas de quase todos os países (e sobretudo dos que
atravessam a fase de «transição») são questões de responsabilidade política e
social da Arquitectura, de posição do técnico perante as forças económicas e
produtivas, de prioridade do planeamento e da distribuição dos bens sobre a
organização qualitativa interna e a forma desses mesmos bens.” (Portas, 1964,
p.9-10)
A nova camada de arquitectos que Nuno Portas enunciava tem
actualmente o seu paralelo em jovens ateliers, como o Ateliemob, um colectivo
de arquitectos sediado em Lisboa, liderado por Tiago Mota Saraiva e Andreia
Salavessa. O Ateliermob apresenta-se como uma plataforma multidisciplinar de
desenvolvimento de ideias, projectos e investigação nas áreas de arquitectura,
design e urbanismo.5 Tomado como referência, entre os jovens ateliers
portugueses, na procura por reinventar o papel do arquitecto, este atelier faz

5. Disponível na Internet: http://ateliermob.com/

77
22. Ateliermob
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

um trabalho baseado em intervenções de pequena escala, que nem sempre se


traduzem em algo construído.
Nos últimos anos, o Ateliermob tem vindo a desenvolver o seu trabalho, prática

em parceria com entidades públicas e associações de moradores, orientado


para comunidades sem recursos económicos que necessitam de serviços
de arquitectura. Buscam, assim, resgatar alguma da relevância perdida da
disciplina e fazer face às transformações económicas, sociais e políticas que se
verificam. Além de outros importantes aspectos, como a interdisciplinaridade
e o carácter experimental, o seu trabalho enquadra-se dentro de uma prática
participativa, assemelhando-se a algumas das experiências desenvolvidas nos
anos sessenta e setenta do século XX.
O trabalho deste colectivo é também a consequência da atitude pró-
activa que o atelier adoptou, procurando onde actuar, contactando os actores
locais e candidatando-se a financiamento para intervir.6 Neste sentido, o seu
modelo de actuação, pressupõe não só uma preocupação com as questões
de projecto, a gestão dos orçamentos, e as vontades dos seus clientes, como
também, a procura pelos recursos financeiros que lhe permitam executar cada
projecto, aproximando-se da prática não solicitada definida por Ole Bouman,
exposta no segundo capítulo.
O primeiro projecto do atelier neste sentido foi realizado no bairro
Prodac Norte, com o objectivo de encontrar uma solução para os residentes
que viviam em construções de génese ilegal. O Prodac Norte é um bairro
de autoconstrução, com cerca de 3000 habitantes, que surgiu na década de
setenta, por iniciativa da Associação de Produtividade na Auto Construção
(PRODAC). Nas últimas décadas houve a vontade por parte dos moradores
em obter o direito de propriedade das casas em que habitam, processo que se
revelou complexo, uma vez que é o município de Lisboa o titular dos terrenos.

6. Tiago Mota Saraiva (em entrevista ao autor, 2013) afirma que, com a redução do número dos concur-
sos públicos, que se acentuou em 2008/2009, o atelier viu a necessidade de reposicionar a sua prática,
passando a dedicar-se a intervenções de pequena escala, com vista à revitalização do tecido urbano e
social.

79
23. Prodac Norte

Fotografia da assembleia de moradores com o Ateliermob


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

Neste contexto, o objectivo do Ateliermob foi legalizar as casas, num


trabalho de proximidade com a Associação de Residentes e o Município,
levantando e identificando os potenciais riscos e partilhando o seu
conhecimento com os moradores. O financiamento foi conseguido através de
uma candidatura ao programa público BIP-ZIP7. A parceria com a Câmara
Municipal de Lisboa foi determinante porque possibilitou ainda contornar a
lei portuguesa para acelerar um processo de legalização que, de outra forma,
seria mais demorado e com mais custos.8
Ainda que no início a aproximação à comunidade tenha sido dificultada
pelo facto de esta não ter sido a primeira tentativa de legalização das habitações,
cedo se criou uma relação forte entre os arquitectos e os habitantes, através
do diálogo, do empenho e da clareza com que a equipa explicou o processo
que pretendia começar. Este processo participativo resultou também num
fortalecimento dos laços entre as pessoas da comunidade, ao manifestarem
a vontade de melhorar as condições físicas do bairro. Daí resultou a criação
de uma assembleia de representantes para analisar os problemas existentes ao
nível do espaço público, definindo um plano e candidatando-se a um novo
programa de financiamento.
A possibilidade do arquitecto, enquanto detentor de conhecimentos,
capazes de afectar a sociedade, de os disponibilizar, contornando as
tradicionais vias de uma prática arquitectónica, é uma das vantagens do
processo participativo. Ao fornecer ferramentas aos moradores para que o
projecto não acabe quando o atelier abandona o local, estimula o investimento
individual e a auto-iniciativa.

7. O BIP-ZIP (Bairros de Intervenção Prioritária / Zonas de Intervenção Prioritária) é um programa de


financiamento da Câmara Municipal de Lisboa, que na sua primeira edição em 2010, financiava, num
total de 1 milhão de euros, projectos que visassem a recuperação de áreas urbanas assinaladas como
prioritárias pelo município.
8. Este projecto lembra que as parcerias com as instituições públicas são fundamentais, uma vez que
no contexto português, como reflexo do estado social, as entidades públicas continuam a ser as maio-
res responsáveis pelas grandes reformas urbanas e sociais. Os programas de revitalização urbana dos
centros históricos, os projectos de reabilitação dos bairros sociais, a recuperação de infra-estruturas
urbanas são quase exclusivamente promovidos e desenvolvidos pelas entidades estatais.

81
24. Arquitectura espontânea, Marrocos

Exposição Architecture Without Architects, Bernard Rudofsky


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

3.1.1. Processos participativos em arquitectura


“(…) os arquitectos precisam de aceitar alterações nos métodos e valores
da prática e, em particular, encarar as questões que a participação levanta não
como uma ameaça, mas como uma oportunidade, conduzindo a uma forma
de arquitectura que amplia as possibilidades. Isto é conseguido aceitando –
ou, esperemos, acolhendo – os aspectos políticos do espaço, os caprichos dos
usuários, os diferentes modos de comunicação e de representação, ampliando a
definição do conhecimento arquitectónico e aceitando a inevitável contingência
da prática.” (Till, em Jones, Petrescu e Till, 2005, p.39)
A participação em arquitectura visa a inclusão do utilizador nos processos
de decisão e concepção, desenho e construção. Mais do que a liberdade criativa
do arquitecto, a força motriz do projecto é a vontade do utilizador. Intrínsecas
a este modelo de trabalho estão duas ideias fundamentais. Primeiro, a ideia de
que a participação dos destinatários da arquitectura permite mais facilmente à
disciplina tomar-se, não apenas como uma resposta às encomendas do poder,
mas como um meio de intervenção social. Segundo, a vontade de substituir os
mecanismos de decisão, tendencialmente autocráticos, por um modelo mais
democrático, facilitando uma comunicação ascendente entre a população e os
decisores.
Um dos momentos que marcou e que ajudou a difundir este origens da prática
participativa
pensamento na arquitectura foi a exposição, comissariada por Bernard
Rudofsky e inaugurada pelo MoMA, em Novembro de 1964, Architecture
Without Architects, a Short Introduction to Non-Pedigreed Architecture.
Contrariamente a uma prática de autoria, artística e financeira, a exposição
mostrava exemplos de arquitectura vernacular desenvolvida em diferentes
culturas pelas comunidades. Segundo Bandeirinha (2007, p.29), a exposição de
Rudofsky ajudou a caracterizar uma nova época e assinalar o declínio de outra.
Da exposição emergiram conceitos que consideravam a obra arquitectónica
como um feito colectivo.

83
25. Housing by People

John Turner
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

“A ideia de uma participação mais activa dos destinatários da Arquitectura


surgia, pela via das ciências sociais, como uma forma de conferir maior base de
credibilidade à disciplina, alargando a sua capacidade de interferência social,
tradicionalmente limitada ao papel de resposta às encomendas do poder.”
(Bandeirinha, 2007, p.30)
Numa altura em que intensificava a crítica ao Movimento Moderno,
a participação surgia em conjunto com outras ideias, como a humanização
da arquitectura e a integração de outros saberes na disciplina. Estas ideias
estabeleciam-se como a resposta a uma cada vez mais latente passividade da
arquitectura perante os problemas sociais de então, e um afastamento em relação
ao que deveria ser a sua preocupação central: os seus destinatários. Entre as
propostas abstractas do Movimento Moderno e os interesses especulativos em
torno da habitação, a arquitectura esquecia-se da sua dimensão social. Entre
os autores que promoveram esta prática destacam-se, o italiano Giancarlo De
Carlo e o britânico John F. C. Turner.
Para Giancarlo De Carlo, um dos pioneiros a promover processos
participativos em arquitectura, os modelos e esquemas propostos pelo
Movimento Moderno eram demasiado abstractos, não reflectindo a
complexidade e diversidade cultural da sociedade de então. Como alternativa
propunha a participação dos utilizadores no processo de desenho e construção,
cabendo ao arquitecto a responsabilidade de ajudar a configurar uma habitação
de acordo com a forma de vida, memórias e aspirações de cada utilizador, bem
como mediar as vontades destes com as da administração pública.
Giancarlo De Carlo concebeu, assim, o processo participativo de acordo
com três fases: identificação das necessidades dos habitantes; formulação de
uma ou várias hipóteses a serem discutidas com os habitantes; análise dos
usos e avaliação dos resultados. Para De Carlo estas não eram fases distintas
e independentes, sendo a presença do utilizador indispensável em todas as

85
26. Villaggio Matteoti

De Carlo: exposições, reuniões e entrevistas com os moradores

27. Prodac Norte

Ateliermob: reuniões e entrevistas com os moradores


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

etapas do processo para o sucesso do projecto.9


Postura semelhante foi adoptada pelo Ateliermob no Prodac Norte,
lembrando o processo utilizado por De Carlo no bairro operário Villaggio
Matteotti (1970-1975) em Terni, onde também o primeiro passo foi a
realização de uma assembleia de moradores. De Carlo pretendia perceber
as necessidades reais dos moradores tanto ao nível do espaço público como
ao nível da habitação. Giancarlo De Carlo propôs várias soluções para serem
apresentadas aos habitantes, em conjunto outros projectos residenciais
de outros países, com vista a gerar novas ideias e alargar a discussão. A
apresentação de outros projectos era considerada por De Carlo fundamental
no processo participativo, vista pelo arquitecto como uma oportunidade de
educação e desenvolvimento cultural da comunidade.
A participação, foi considerada por De Carlo como o espaço de reflexão,
sendo da responsabilidade do arquitecto revelar, através do diálogo e dos meios
de representação (desenhos, maquetes, fotografias etc.), as memórias e sonhos
que podem ter em comum os habitantes de uma comunidade. Neste caso os
arquitectos antes de projectar o espaço, programam o método participativo,
ou seja, organizam a informação, a forma como intervêm os participantes e a
ordem pela qual se realizarão as actividades.
A partir da ideia de uma prática participativa, alguns arquitectos autoconstrução

começaram, inclusive, a promover e a prestar assistência em processos de


autoconstrução, como John Turner. Este autor defendia que a habitação
é melhor concebida e gerida por aqueles que a utilizarão, sendo que, dessa
forma, a estes deveria ser dada a responsabilidade de organizar e gerir os seus

9. Giancarlo De Carlo, enumerando os passos que envolvem a maioria da produção arquitectónica,


concluiu que o único papel que o utilizador desempenha na arquitectura é o de usar a estrutura. A defi-
nição da função, a localização, o financiamento, a manutenção, a reutilização/reciclagem, demolição e
substituição são da responsabilidade do proprietário. O arquitecto é responsável pela definição da orga-
nização espacial, pelo desenho da forma e da estrutura e pela supervisão da construção. Ao usuário cabe
fazer uso da estrutura. Para De Carlo, entre as três fases que constituíam o processo de arquitectura, a
“definição do problema”, a “elaboração da solução” e a “avaliação dos resultados”, havia uma cada vez
maior separação. (Hatch, 1984, p.3-4)

87
28. Construir juntos

Guimaraes 2012, CuratorsLab


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

espaços. (Turner, 1991)


Apesar destes processos de autoconstrução terem sido realizados
maioritariamente em países subdesenvolvidos, particularmente na América
Latina, onde Turner trabalhou entre meados dos anos cinquenta e meados dos
anos sessenta, assiste-se actualmente à proliferação de experiências idênticas
em diferentes contextos, nomeadamente em países europeus. Talvez o apelo
que Turner fez, ao assinalar a necessidade dos países desenvolvidos aprenderem
com as experiências daqueles, então, considerados subdesenvolvidos, esteja
hoje a ser respondido.
Na aldeia Cova do Vapor, em Portugal, foi realizada recentemente uma Exyzt
Casa do Vapor
experiência de autoconstrução pelo colectivo de arquitectos franceses Exyzt.
Este é um atelier sediado em Paris que conta com o contributo de uma série
de profissionais desde arquitectos, a construtores, cozinheiros, jardineiros,
fotógrafos e outros, desenvolvendo situações, acções e instalações em meios
urbanos. Os Exyzt desenvolvem um trabalho de pesquisa a partir de situações
e práticas experimentais, construindo os seus próprios projectos, a partir de
uma rede alargada de colaboradores e sempre com um carácter temporário.
O seu projecto em Portugal, na aldeia Cova do Vapor, surgiu da vontade
de reutilizar o material utilizado num outro projecto do grupo, desenvolvido
no âmbito de Guimarães – Capital Europeia da Cultura 2012. O projecto
consistiu na construção de um centro cultural temporário, Casa do Vapor,
elaborado em conjunto com o colectivo ConstructLab, com a comunidade local
e ainda com voluntários de outras partes do país, combinando esforços, ideias
e competências de diferentes áreas. O programa albergava uma residência
para artistas, uma biblioteca, uma cozinha comunitária, uma escola de surf e
um espaço para workshops, bem como espaços exteriores para usos múltiplos.
Este era, no entanto, um programa aberto às propostas dos moradores e, à
medida que o projecto foi evoluindo, outros espaços foram tomando forma,
como um skatepark e uma oficina de bicicletas.
A Cova do Vapor, aldeia com cerca de 200 habitantes, é caracterizada por

89
29. Casa do Vapor

Exyzt, voluntários e moradores: processo de construção


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

uma arquitectura informal, onde a autoconstrução é um processo recorrente,


contexto que contribuiu para o sucesso desta iniciativa. As experiências e o
conhecimento adquirido pelas pessoas no processo de construção das suas
próprias casas potenciaram o projecto, valorizando o que esta comunidade
tem de único.
Turner “argumentava que só estes tipos de aglomerado de geração
espontânea tinham a flexibilidade suficiente para se moldarem a previsível
evolução socio-económica dos habitantes, e condenava sempre a rigidez
‘arquitectónica’ dos conjuntos habitacionais de promoção pública, ou
centralizada, que remetiam os moradores para uma extrema dificuldade de
transformar os espaços, encerrados enquanto obra concluída, alheando-os dos
sentidos mais íntimos de transformação e pertença.” (Bandeirinha, 2007, p.46)
A Casa do Vapor, à semelhança de outras estruturas projectadas por
este atelier, era temporária, tendo sido iniciada a construção a 15 de Abril de
2013, inaugurada a 15 de Julho e parcialmente desmontada a 15 de Outubro
do mesmo ano.10 O projecto, que envolveu mais do que a construção de uma
estrutura, não terminou contudo nessa data, contribuindo para a criação de
uma nova dinâmica e energia na comunidade local. Citando Eduardo Gomes
(em Moutinho, 2013), morador, “a Casa do Vapor veio fomentar a participação
das pessoas, mostrar a importância de congregar esforços, conhecimentos para
melhorar o que foi construído”. Como reconheceu Ricardo Carneiro (em
Moutinho 2013), arquitecto da Câmara Municipal de Almada, “a consequência
mais positiva foi a assunção por parte dos moradores da capacidade colectiva de
modificar algo”.
Estes processos resultam num ganho de parte a parte. Ao ser dado democratização
da arquitectura
ao utilizador o poder de decisão sobre o espaço em que habita, este reflecte
sobre o mesmo, o que potencia o seu envolvimento de forma activa nos

10. O material de construção será novamente reutilizado, desta vez pelo Ateliermob na construção de
uma cozinha comunitária no bairro Terras do Lelo Martins, Costa da Caparica, onde muitas das habita-
ções não têm ainda água, saneamento e electricidade.

91
30. Rede de relações

Desenho de Merril Sineus


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

processos de construção e gestão desse espaço. O arquitecto, ao promover o


diálogo e ao valorizar o conhecimento dos utilizadores adquirido através da
vivência dos espaços, aceita que não é o único autor da obra e aprende com as
experiências dos utilizadores. Este processo, para além de reforçar o sentido
de comunidade, permite o início de uma maior preocupação e investimento
individual, podendo, desta forma, constituir-se como alternativa num país
com uma situação económica fragilizada e com muitas populações a necessitar
dos serviços e apoio dos arquitectos.
No entanto, como o próprio Giancarlo De Carlo (em Jones, Petrescu
e Till, 2005) constatou, ao considerar a participação na arquitectura, é
importante não perder de vista o sentido crítico. De Carlo (em Jones, Petrescu
e Till, 2005, p.13) assinala que os processos participativos podem conter
uma certa demagogia, ao criar falsos consensos, através da manipulação
das vontades, com o intuito de legitimar determinada solução. Além disso,
aludindo ao conceito de flexibilidade, Giancarlo De Carlo considera ainda
que, idealmente, o processo participativo não termina com a conclusão do
projecto, sendo que este deveria ser pensado para que um novo consenso se
possa alcançar caso as circunstâncias ou vontades se alterem.
“Não é uma questão de tentar encontrar um consenso entre as diferentes
posições, mas usar o julgamento para chegar a uma solução coerente. O processo,
que pode potencialmente conduzir a consequências inesperadas, ainda tem
intencionalidade. Isto inevitavelmente leva à aceitação da diferença e não à
imposição de uma falsa igualdade, ainda que isso possa contradizer as normas
liberais da participação, na qual a procura por uma solução validada por todos
é fundamental.” (Till, em Jones, Petrescu e Till, 2005, p.39),
Segundo Jeremy Till (em Jones, Petrescu e Till, 2005, p.31-39), sugerir
um processo participativo assente em “condições ideais de cooperação mútua,
conhecimento não contestado, comunicação aberta e um eventual consenso” é
irrealista. Este autor considera, que os processos participativos não dissolvem
as estruturas de poder e as desigualdades das várias partes, pelo que as noções

93
31. SAAL, Manifestação de Associações de Moradores e Cooperativas
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

de autoridade e alteridade devem fazer parte do conceito de participação em


arquitectura. Não é, portanto, o consenso em si que torna a solução melhor,
mas antes o processo que se gera a partir da troca de ideias, que tem esse
potencial.
“A participação não é uma medida digna para os nossos dirigentes
políticos; nem é uma desculpa para a mediocridade; não é uma distracção para
valores supostamente superiores. A participação é o espaço em que a esperança
é negociada. O que está claro é que essa esperança não se refere apenas a um
futuro melhor para os usuários do ambiente construído, mas também a um
futuro melhor para a prática arquitectónica.” (Till, em Jones, Petrescu e Till,
2005, p.40)
Estes trabalhos reabrem o debate sobre a participação na arquitectura,
os objectivos e valores que esta metodologia de trabalho incorpora, o papel que
se atribui aos arquitectos e aos cidadãos, bem como as consequências das suas
decisões. Os modelos de trabalho que lhe estão implícitos passam pela ideia de
democratização da arquitectura, ao partilharem autoridade e conhecimento
com os utilizadores ou mesmo com outras disciplinas. Em Portugal, no pós
25 de Abril, idêntico processo foi adoptado no programa SAAL (Serviço de
Apoio Ambulatório Local) que promoveu a participação activa dos moradores
no processo de concepção e construção das suas próprias habitações.11
Esta ideia de democratização da arquitectura, sobre a qual se fundou
o programa SAAL, sustentava-se no vislumbre de um modelo de sociedade
alternativo. Devido à sua brevidade temporal, o SAAL não teve tempo de
madurar para se perceber a viabilidade deste modelo. Talvez a crise a que hoje
se assiste seja o estímulo e a oportunidade para que se explore novamente este
caminho. Sem certezas, fica a esperança e a vontade de que estas práticas o
possam fazer.

11. O SAAL tinha como objectivo a melhoria das condições habitacionais das classes mais desfavore-
cidas, através de equipas de técnicos que actuavam localmente, gerindo e assistindo na construção de
novas casas e infra-estruturas.

95
32. Moradores e profissionais na Casa do Vapor

Cova do Vapor
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

“Por isso, todas as barreiras entre os construtores e os utilizadores devem


ser abolidas, para que a construção e utilização se tornem duas partes diferentes
do mesmo processo de planeamento. Portanto, a agressividade intrínseca da
arquitectura e a passividade forçada do utilizador devem-se dissolver numa
condição de equivalência criativa e de decisão onde cada – com impacto
diferente – é arquitecto, e cada evento arquitectónico – independentemente de
quem o concebe e o desenvolve – é considerado arquitectura.” (De Carlo, em
Jones, Petrescu e Till, 2005, p.11)

97
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

3.2. Santiago Cirugeda


“Desde o início da sua carreira Santiago Cirugeda tem concebido as
suas acções e propostas como ensaios realistas, empíricos e divulgadores que, à
margem das suas conquistas, podem proporcionar um conhecimento que pode
ser usufruído por todos.” (Benitez, em Cirugeda e outros, 2010, p.24)
No contexto de uma nova geração de arquitectos espanhóis que
procuram, soluções para as carências que encontram na sociedade, Santiago
Cirugeda destaca-se pelo carácter crítico e arrojado dos seus trabalhos.12
A partir da observação e da análise da cidade e da sua envolvente social,
Santiago Cirugeda propõe um modelo alternativo para a forma como é feito
o planeamento urbano.
Em 2003 fundou o atelier Recetas Urbanas onde desenvolve estratégias Recetas Urbanas

de ocupação urbana, cujo denominador comum é o uso de procedimentos


arquitectónicos com vista a rentabilizar espaços desaproveitados em favor

12. Em 2010 a revista 2G publicou uma edição “2GDossier. Jóvenes Arquitectos Españoles” expondo
o trabalho que estes arquitectos têm desenvolvido, as suas ideias e motivações. Também em 2010, o
jornal espanhol EL PAÍS publicou o artigo “Arquitectos com nuevas respuestas” onde são exploradas
as motivações, ideias e características desta geração. Além de Santiago Cirugeda, são apresentados
Adriana Cantis (FreshMadrid), Andrés Jaque, José Selgas e Lucía Cano, Enrique Krahe, Eva Morales,
Rubén Alonso e David Cañavate (La Panadería), Victoria Garriga e Toño Foraster (AV62 arquitectos).

99
33. Contenedores de espacio publico

Santiago Cirugeda, Recetas Urbanas


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

da comunidade. Baseado em pressupostos como a reutilização, economia de


meios e em serviços autogeridos pelos cidadãos, o atelier Recetas Urbanas tem
vindo a conceber pequenas intervenções e a fornecer serviços de assessoria e
aconselhamento para que o cidadão possa intervir no seu ambiente construído.
O trabalho de Cirugeda não incide maioritariamente sobre a prática de prática

projecto na sua forma convencional, mas antes sobre a definição de estratégias


de acção, que, quase nunca, constituem uma solução definitiva ou única e
cujo objectivo principal é gerar o debate público. Neste sentido, e tendo
em conta, o carácter temporário e de intervenção cívica dos seus trabalhos,
mais do que intervenções arquitectónicas, estes podem ser entendidos como
“acções” ou “receitas” para a apropriação de espaços desocupados, instalação e
transformação de estruturas temporárias em espaços a serem habitados.
Em 1997, após identificar um problema de falta de parques infantis
no centro histórico de Sevilha, e perante a imobilidade de município que não
atendia às reivindicações da comunidade, Cirugeda desenvolveu o projecto
Contenedores de espacio público. A sua estratégia consistiu na solicitação de
uma autorização para a instalação de um contentor na via pública, com o
pretexto de o utilizar para o depósito de escombros de uma pequena obra,
transformando-o, posteriormente, em espaço de recreio.
O contentor esteve instalado em vários locais, durante o Verão de
1997, tendo sido usado de forma activa pelos membros da comunidade
como espaço de recreio, como palco para representação teatral e dança. Por
último, serviu como lugar de reflexão sobre o espaço público, ao acolher uma
exposição onde se apresentaram outras possibilidades para o seu uso, como
pequenos jardins, através da plantação de árvores e pequenos arbustos, ou até
uma pequena piscina.
No projecto Hacia una arquitectura dinámica y ligera, a estratégia
adoptada por Cirugeda passou por “vandalizar” um edifício, escrevendo na
fachada a sigla “S. C.” com o objectivo de pedir uma licença para a instalação
de um andaime na via pública de forma a poder pintar a fachada. Depois

101
34. Hacia una arquitectura dinámica y ligera

35. Andaime instalado por Santiago Cirugeda

Rua Divina Pastora, Sevilha


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

de autorizado e instalado o andaime, Cirugeda fechou a parte superior do


mesmo com perfis metálicos e placas de PVC. O andaime foi usado como
espaço de refúgio, configurando uma habitação mínima durante o período
de três meses concedido pela licença. Como afirma Santiago Cirugeda esta
acção pode ser vista como uma possibilidade de ampliação de uma habitação
no centro histórico, que estaria de acordo com as normas de construção neste
contexto.13
Ambas as intervenções surgem da vontade de dinamizar e adaptar a
cidade histórica às necessidades actuais dos seus cidadãos. Ao referir-se à cidade
de Bath, como a cidade “preservada”, Kevin Lynch (1975, p.13-14) escreveu:
“para os turistas ou profissionais que a visitam, é um cenário magnifico, mas a
cidade, como palco, carece de profundidade histórica e presença viva que devem
ser sentidas numa urbe activa e completa.” As acções de Cirugeda questionam
se, ao restringir consideravelmente a actuação que se pode exercer sobre o
património, não se estarão a transformar as cidades, em museus e cenários
magníficos que não se adequam às necessidades reais dos seus cidadãos.
Em ambos os projectos, a intervenção do arquitecto foi mínima,
no entanto capaz de gerar um considerável impacto sobre a comunidade.
A pequena intervenção toma-se como uma forma de regeneração urbana,
enunciando que a revitalização de uma determinada área da cidade, nem
sempre necessita de grandes planos e intervenções que quase sempre
implicariam grandes custos. Além disso, mostra como pequenas estruturas
podem ser adaptadas para desempenhar outros usos para os quais não foram
pensadas. Subvertendo as normas para resolver um problema e expor o seu
ponto de vista, a lei, que à partida seria um impedimento para intervir, foi
contornada de forma a desacreditar o argumento utilizado pelo município,
demonstrando que a cidade beneficiaria pela introdução destas estruturas.

13. Os andaimes, como estruturas baratas, flexíveis e ligeiras, poderiam constituir-se como uma solução
para um crescimento urbano feito pelos cidadãos, e compatível com as exigências impostas pela preser-
vação do património. (Cirugeda, 2007)

103
36. “En construcción!”

Plataforma online Recetas Urbanas


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

Um dos traços mais característicos do trabalho de Cirugeda, é, assim, subversão da lei

a sua estreita relação entre a legalidade e a ilegalidade, na procura por vazios


legais e situações ambíguas na lei, que aproveita a seu favor e da comunidade.
Além de procurar responder aos problemas que encontra na cidade, os seus
trabalhos constituem-se como crítica ao actual estado da disciplina, procurando
reavivar o envolvimento social e político da arquitectura, reafirmando a sua
relevância.
“As genealogias, então, serão diferentes, feitas não de corporativismo
senão de interdisciplinaridade, porque além de essa disposição em concentrar-
se em questões como a optimização e a adequação - aspectos que podemos
encontrar noutras práticas arquitectónicas - o que destaca o trabalho de Cirugeda
é a existência de uma dimensão crítica. Uma dimensão critica que realça as
implicações da especulação sobre o solo e a casa.” (Torres, em Cirugeda e outros,
2010, p.16)
A dimensão crítica, que David Torres (em Cirugeda e outros, 2010)
assinala, não reside apenas no campo teórico, uma vez que Cirugeda, através
de acções práticas de subversão de normas e leis que regulam a planificação
urbana, tem activamente contribuído para o debate sobre a cidadania, a
economia, a política e a ideologia na arquitectura.
Verifica-se ainda um distanciamento da arquitectura da necessidade
imperativa de ser objecto construído. “Num contexto de mobilidade de
referências, perante a cada vez maior intangibilidade da grande encomenda,
perante a própria crise de permanência dos valores, a arquitectura deixa de estar
necessariamente subjugada à ideia do objecto construído. Como consequência
desta condição, as ideias e táctitas arquitectónicas também se expressam através
de objectos temporários ou acções efémeras.” (Gadanho, em Arqa, 2009, p.30)

3.2.1. Prática de código-aberto


Cirugeda disponibiliza gratuitamente informação detalhada sobre os

105
37. Aula abierta

Recetas Urbanas, Sevilha


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

seus projectos, através de um sistema de consultoria de arquitectura online.14


Os seus trabalhos são tomados como um conjunto de acções exemplificativas
para incentivar os outros cidadãos a intervir activamente na sua envolvente.
Neste modelo de cidade autogerida pelos cidadãos, Santiago Cirugeda reserva
ao arquitecto a responsabilidade de fornecer um serviço de aconselhamento
e assessoria. Esta prática, aproxima-se do trabalho desenvolvido por alguns
arquitectos que, nas décadas de sessenta, setenta e oitenta do século XX,
defendiam a introdução do utilizador no processo de concepção. No entanto,
ao contrário da arquitectura participativa, esta prática não pressupõe um
trabalho em conjunto com a comunidade. O papel do arquitecto é, ao invés, o
de fornecer as ferramentas que possibilitem que o cidadão actue sobre o seu
ambiente construído, segundo uma “receita” pré-estabelecida pelo arquitecto
que pode ser, ainda assim, adaptada ao contexto e à vontade daquele que toma
a acção.
Um autor que enunciou esta vontade através dos seus projectos foi
Yona Friedman. Nas décadas de sessenta e oitenta do século XX, desenvolveu
uma série de manuais de autoconstrução para trabalhadores não qualificados
na Índia, e em vários países em África e na América do Sul. Anteriormente,
na Exposição Internacional de Osaca em 1970, Yona Friedman tinha já
apresentado o seu projecto Flatwriter. Inspirado na máquina de escrever,
Flatwriter consistia num aparelho constituído por um teclado com 53 teclas
com referência a diversas associações que se poderiam fazer entre os espaços
funcionais de uma habitação. Assim, cada pessoa ao “escrever” poderia definir
a sua própria casa e contribuir para o desenho urbano. (Bandeirinha, 2007,
p.34)
Esta prática, como é formulada por Santiago Cirugeda, é classificada
na publicação Camiones, Contenedores, Colectivos e por outros ateliers que
a promovem, como uma arquitectura de código-aberto. (Cirugeda e outros,
2010, p.86) Desta forma, a arquitectura constitui-se como uma ferramenta

14. Disponível na Internet: http://www.recetasurbanas.net/index1.php

107
38. Taller de autoconstrucción

Recetas Urbanas, Sant Cugat del Vallès


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

para que as pessoas reinterpretem, redefinam, redesenhem e se apropriem da


sua envolvente construída.
A liberdade concedida ao utilizador é também uma das características “obra-aberta”

identificadas por Nuno Portas na “obra-aberta”. Abordando o tema da “obra-


aberta” na arquitectura, Nuno Portas fala de uma arquitectura “incompleta”
que deixa uma “margem de adaptabilidade” capaz de responder a variações e
transformações funcionais ao longo do tempo.15 Característica que o mesmo
autor identifica como tendo estado sempre presente na arquitectura, uma vez
que todos os edifícios se adaptam ao longo do tempo, mas que normalmente
não é pensada pelo arquitecto durante a fase de concepção do projecto.16 Uma
arquitectura que procura na flexibilidade dos espaços uma margem para a
individualidade, distinguindo-se, contudo, de uma prática participativa.
Embora distinta da “obra-aberta”, a prática de arquitectura de código-
aberto parte do mesmo princípio, a oferta de um “serviço” adaptável às
necessidades e vontades do utilizador. Porém, enquanto a “obra-aberta”
se estabelece como um produto “inacabado”, resultado de uma prática de
arquitectura que não diverge necessariamente de uma prática tradicional,
mas que procura dotar-se de maior flexibilidade ao conceber liberdade ao
utilizador, na arquitectura de código-aberto são fornecidos exemplos de
acção que pretendem ser repetidos, adaptados, reinterpretados pelos cidadãos
integralmente. Na prática de código-aberto o utilizador pode reinterpretar
todo o projecto, partindo não de um produto inacabado mas de um manual
exemplificativo, assumindo um maior protagonismo face ao arquitecto, que

15. Uma atitude que lembra a estratégia do “espaço-extra” da dupla francesa Lacaton e Vassal. O “es-
paço‐extra” foi a forma encontrada por Anne Lacaton e Jean‐Philippe Vassal para potenciar o espaço e
fomentar a liberdade do habitante. Uma estratégia que marca uma mudança na abordagem ao projecto,
ao deixar espaço ao utilizador para intervir na arquitectura, apostando numa maior economia de custos,
mais contundente com o panorama actual, uma das estratégias a valorizar nas práticas emergentes que
se apresentam nesta investigação.
16. Na Introdução ao livro “Obra-aberta”, Umberto Eco assinala também, que toda a obra de arte é
aberta, no sentido em que está sujeita a diferentes interpretações, desperta diferentes sentimentos e
estímulos a quem a experiencia ou dela usufrui. Posteriormente o mesmo autor introduz um outro sig-
nificado ao termo “obra-aberta”, como aquela que foi concebida para ser alterada. (Eco, 1991, p.7-11)

109
39. Grúa

Recetas Urbanas
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

passa a tomar um papel equiparável ao de assessor.


Numa época de crise económica esta prática estimula o cidadão a arquitecto como
assessor
intervir, promovendo acções de arquitectura que de outro modo não seriam
desenvolvidas. É uma prática que, ao incentivar à acção e ao promover a
autoconstrução, aproxima a arquitectura do cidadão, contrariando a ideia de
que um projecto de arquitectura é algo inacessível à maioria da população.
José María Galán Conde (em Cirugeda e outros, 2010, p.22), ao escrever
sobre a prática que Santiago Cirugeda tem vindo a desenvolver, considera que
o papel do arquitecto pode ser “entender o potencial de uso de um conjunto de
dispositivos, gerir a sua distribuição ou oferecer assessoria legal sobre modos de
ocupação. O seu papel não tem já que abranger todo o processo de decisão da
obra, e pode limitar-se a promover uma investigação, ainda que a aparência
final seja decidida por outros arquitectos ou agentes.” Desta forma, o arquitecto
prescinde do seu papel como autor individual da obra, promovendo, ao invés,
a actuação e a criatividade dos cidadãos.
Porém, ao analisar na prática estes trabalhos, assentes num modelo de
arquitectura de código-aberto, poder-se-ão levantar algumas dúvidas sobre a
viabilidade deste modelo, algumas das quais também expostas por Cirugeda.
Será o cidadão comum, que, em princípio, não desenvolveu as competências
técnicas nem têm as capacidades de percepção e organização espacial do
arquitecto, capaz de responder de forma adequada a determinada situação de
arquitectura? Por outro lado, ainda que à partida, esta atitude possa ser vista
como capaz de expandir a prática disciplinar, uma vez que o arquitecto passa
a desempenhar funções de “assessoria”, não resultará este modelo de prática,
em última instância, numa maior limitação do seu campo de acção, visto que
dele não dependem algumas das decisões de projecto?
Manfredo Tafuri (1985, p.88-90), abordando o trabalho de Le
Corbusier para Argel, escreveu: “A todos os níveis de fruição e leitura, a Argel
de Le Corbusier impõe uma comparticipação total do público. Mas atenção: o
público é aqui condicionado a uma participação crítica, reflectida, intelectual.”

111
40. Projecto Obus para Argel

Le Corbusier
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

Tafuri (1985, p.90) afirmou ainda que esta liberdade concedida ao público não
pode ser considerada senão como forma de explicar aos “participantes” o seu
“mau gosto”, assumindo-se a arquitectura “como acto pedagógico e instrumento
de integração colectiva.” Entendendo a prática de Santiago Cirugeda como
um convite à intervenção activa do cidadão, o papel do arquitecto passa
não só por gerir os instrumentos técnicos e humanos, percebendo, através
das suas competências, que opiniões são válidas e a que vontades atender
mas, simultaneamente, o de educar o cidadão. Neste sentido, é indispensável
um conhecimento abrangente, não só do ambiente físico, mas também do
contexto social sobre o qual se intervém.
“Na actualidade os cidadãos não estão habituados a participar
activamente na construção do contexto onde vivem. Seria necessário idealizar
novas estratégias para motivá-los a tomar iniciativas independentemente da
administração.” (Cirugeda, 2007, p.28)
Ao analisar os factores que conduziram ao fracasso do projecto de Le
Corbusier para Argel, Tafuri (1985, p.91) aponta que a indefinição das suas
propostas não se enquadrava com as mentalidades que pretendia despertar.17
A questão que se coloca então é a de saber se as pessoas realmente respondem
a este tipo de estímulos e se não se trata esta prática, de um “modelo de
laboratório” sem a possibilidade de ser posto em prática. Nos projectos de
Cirugeda, um dos principais objectivos, que seria o de motivar os cidadãos
a repetirem as suas acções, não se verificou, quer tenha sido pelo medo de
subverter as normas ou de se envolverem num processo demasiado complexo.
Partindo desta lógica de disponibilização dos projectos aos cidadãos plataformas online

que queiram intervir na cidade, o atelier Recetas Urbanas tem vindo a


construir colectivamente com outros ateliers de arquitectura, associações e

17. Sobre o trabalho de Corbusier, Tafuri escreveu ainda: “Ele «inventa» a sua encomenda, generaliza-a,
está disposto a pagar pessoalmente o seu papel activo. Isto faz com que todos os seus modelos assumam
as características de experiências laboratoriais: e não se dá a um modelo de laboratório qualquer
possibilidade de traduzir-se tout-court na realidade. (..) O carácter genérico das hipóteses esbarra contra
as estruturas retrógradas que pretende estimular.” (Tafuri, 1985, p.91)

113
41. Colonización esqueleto para residencia-taller

Todo por la praxis inserido no projecto “Increasis”


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

outros profissionais, a plataforma Arquitecturas Colectivas. Esta plataforma


é, assim, destinada à troca de informações, estabelecimento de protocolos e
promoção de encontros entre todos aqueles que queiram intervir sobre o seu
ambiente físico18. São neste momento 91 colectivos associados a esta rede de
trabalho e partilha, entre os quais o grupo Todo por la Praxis.
Partilhando características com o trabalho de Santiago Cirugeda,
Todo por la Praxis promove acções de subversão, insubordinação e ocupação
espontânea do espaço público, na procura por modelos alternativos de
organização e gestão da cidade, contrários aos modelos que promovem a
especulação, a gentrification e a segregação ou controlo social. Através do
seu projecto Increasis19, apresentado em Junho de 2013, propõe-se divulgar
online estratégias de activação e revitalização de estruturas que se encontram
desocupadas, seguindo a lógica de reabitação do património imobiliário
inacabado ou sem uso.20 Nesse sentido, Increasis assume-se como uma base de
dados online onde será disponibilizada informação sobre as fases do processo
de construção, e os requerimentos legais necessários para essa ocupação.
Esta prática de partilha de conhecimento e experiências entre colectivos
e outros profissionais, vai além de uma arquitectura de código-aberto, ao
estabelecer uma rede de contactos entre colectivos partilhando informação
entre eles e com o público com o objectivo de promover o seu trabalho
e difundir um modelo de acção que tem questionado a maneira como se
trabalha em Espanha. Ao incorporar as potencialidades das novas tecnologias
de comunicação no seu trabalho ampliam a sua eficácia, admitindo que não
podem chegar a todo o lado e que uma atitude de promoção e troca de ideias

18. Disponível em: http://arquitecturascolectivas.net


19. Increasis está disponível na Internet: http://increasis.org/
20. Em Portugal, José Aguiar assumiu esta crítica no seu artigo para o I Congresso da Ordem dos
Arquitectos, em 2000, considerando que, face ao excesso de construção, a cidade do futuro já existe
hoje. José Aguiar assinala que as actuais oportunidades para os arquitectos estão na rentabilização do
património construído. (Aguiar, 2000)

115
42. Hacia una arquitectura dinámica y ligera

Santiago Cirugeda, Recetas Urbanas


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

levará a um sucesso mais alargado.21


A humanização da arquitectura e a integração do indivíduo no
processo de concepção e construção a partir de modelos de participação,
autoconstrução e autogestão, bem como a promoção de uma arquitectura de
código-aberto são temas transversais ao trabalho de Santiago Cirugeda e de
outros colectivos que recorrem a estas plataformas de partilha de informação.
Neste sentido, como afirmou S. Giendion (Cit. por Filgueiras, 1985, p.93):
“a arquitectura deixou de ser já um monopólio de especialistas agnósticos e
negociantes que construíam tudo quanto os seus clientes desejavam. Abandonou
a sua indiferença; adquiriu o valor necessário para enfrentar decisivamente a
vida, contribuindo para a moldar.”

21. O projecto FreshMadrid é um outro exemplo de uma publicação na Internet que surgiu em 2006
com a vontade de divulgar e promover o trabalho destes jovens arquitectos, particularmente de ate-
liers de Madrid. Adriana Cantis, comissária FreshMadrid, em entrevista à revista Arqa, explica que o
projecto surgiu depois de ter sido detectado, entre os finais dos anos 90 e princípios dos anos 2000, na
Escola Superior Técnica de Arquitectura de Madrid, um novo posicionamento do arquitecto perante o
projecto, acompanhado por uma expansão dos limites do discurso da disciplina. Contrapondo-se com as
plataformas tradicionais da especialidade, FreshMadrid pretende, simultaneamente, estimular e apoiar
a produção de novos projectos e difundir os trabalhos que evidenciem a transformação e evolução que
ocorre na arquitectura, dando lugar para o protagonismo dos jovens arquitectos. Desde 2006 a 2009,
anualmente, e em 2012, FreshMadrid organizou exposições de trabalhos de alguns ateliers de Madrid
e ibero-americanos e debates sobre os novos paradigmas da arquitectura actual.

117
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

3.3. Atelier MOOV

“Os arquitectos não são os únicos que enfrentam os problemas de hoje


e devem misturar-se da maneira mais simples com os outros especialistas
empenhados no apetrechamento do cenário construído: técnicos de todos os
sectores, administradores, juristas, etc. Para esse encontro devem levar, não uma
mensagem superior, mas uma liberdade de abordagem para criar as modificações
necessárias às pessoas, para fazer com que as opções colectivas aconteçam numa
base suficientemente ampla.” (Benevolo, 1998, p.115)

O atelier MOOV, composto pelos arquitectos António Louro, José Niza


e João Calhau, define-se como um estúdio de arte e arquitectura que opera nos
limites da disciplina.22 Os MOOV identificam o seu processo de trabalho como
adisciplinar, uma abordagem ao projecto que permite uma contaminação dos
processos de trabalho e das ideias, cruzando diferentes modos de pensar e
actuar ao recorrer a ferramentas próprias de outras disciplinas.

Indo ao encontro das palavras de Leonardo Benevolo, António prática

Louro (em entrevista ao autor, 2013) define esta prática como “um conjunto

22. Disponível na Internet: http://www.moov.pt/

119
43. Seta Amarela

Fotografias da instalação/performance no Festival Lugar à Dança’06, Lisboa


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

de pessoas que têm uma formação qualquer mas que estão todos em pé de
igualdade e, idealmente, todos a pensar num campo disciplinar que não é o seu”.
Contrariamente à ideia de abstracção, o seu trabalho surge de uma mistura,
atitude que António Louro compara ao conceito musical do remix. Recorrendo
a instrumentos e metodologias que, tradicionalmente, não estão associados à
prática de arquitectura, os trabalhos do atelier MOOV procuram, também,
constituir-se como uma crítica à disciplina. Exemplos destes trabalhos, que
assinalam uma mudança na abordagem à disciplina, bem como a expansão
dos seus limites, são os projectos Seta Amarela e SWARS.

O projecto Seta Amarela surge como resposta a um concurso para um


festival de artes performativas em Lisboa, que apelava aos artistas a intervirem
no espaço público. A partir de uma reflexão sobre o significado e forma de
ocupação dos dispositivos urbanos contemporâneos, o projecto consistia
em seis setas espalhadas pelo espaço público, expostas em diferentes sítios
e dispostas de diferentes formas. A ideia era intervir no espaço público com
um número reduzido de objectos, deixando que a imaginação das pessoas
possibilitasse estas diferentes apropriações.

Estas intervenções efémeras, que situam entre a intervenção


arquitectónica e as artes visuais e performativas, têm o potencial de, ao
possibilitar diferentes usos, atribuir múltiplos significados a um espaço.
Como consequência, como refere José Capela (2007), o uso sobrepõe-se à
função prevista para determinado espaço. “O uso, tal como se sobrepõe à lógica
funcional que pode ter determinado ou caracterizado os espaços, sobrepõe-se
também ao seu simbolismo social – facto evidente nas deliberadas subversões de
uso promovidas sob a designação de ‘détournement. Neste sentido, caberá à boa
arquitectura potenciar o uso, mais do que determinar formas.” (Capela, 2007,
p.7)

O projecto SWARS, realizado em conjunto com o estúdio Dass,


integrou a exposição Arquitecturas Digitais da primeira edição da Trienal de
Arquitectura de Lisboa. Partindo de uma selecção de edifícios mediáticos de

121
44. Swars - Architecture Strikes Back

Atelier Moov
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

arquitectos portugueses, SWARS fazia uma analogia entre o filme Star Wars e a
rivalidade promovida pelo star-system. Os edifícios foram reinterpretados em
naves e estações espaciais em confronto e foi realizado uma vídeo-instalação
em formato de trailer de um filme que nunca iria existir. O projecto tinha
como objectivo estabelecer-se como uma crítica e estimulando o debate torno
do star-sytem.

“Num universo cada vez mais mediatizado, o Arquitecto é


fundamentalmente uma assinatura. Um actor que se apresenta como autor de
fórmulas mágicas. Essa assinatura é a ferramenta da sua afirmação e um ás
de trunfo na conquista palmo a palmo das batalhas da galáxia.” (Arqa, 2007,
p.105)

Embora possa contradizer a noção convencional de arquitectura


como algo estável e duradouro, as intervenções deste grupo, com um carácter
temporário, ao libertarem a arquitectura de uma prática disciplinar formal e
tradicional, abrangem um alargado campo de acção. Recorrendo a formas de
expressão que, convencionalmente, estão associadas às práticas artísticas, os
seus trabalhos materializarem em instalações no espaço público, performances,
vídeos e exposições, entre outros, e, desta forma, questionam os limites da
arquitectura.

“É o espaço de acção ao qual têm recorrido muitos jovens arquitectos


para se posicionarem criticamente mostrando insatisfação com certas dinâmicas
da profissão. Foi o caminho encontrado para entrar na prática de arquitectura
com uma certa liberdade, num momento em que as operações urbanísticas e
edificatórias e a massificação e restrição dos concursos dificultam o acesso à
obra construída. Tem sido o cenário para manifestar um compromisso com a
sociedade através da acção, o momento para estabelecer cumplicidades com
outros profissionais interessados também no feito urbano: artistas, desenhadores
gráficos, colectivos de cidadãos, ciências sociais, etc. Em definitivo, a oportunidade
para mostrar, actuando, que a arquitectura devia ampliar e reposicionar os seus
limites disciplinares.” (Cámara, 2010)

123
45. Advertisements for Architecture

Bernard Tschumi
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

O reposicionamento disciplinar assinalado por Jorge García de La


Cámara é, segundo Bernard Tschumi (1994a, p.102) um processo natural em
todas as áreas do saber, nas quais, frequentemente, se geram trabalhos situados
nos seus limites. Para este autor, tais trabalhos fornecem um importante
contributo para perceber o estado da disciplina, os seus paradoxos e as suas
inquietações. Numa realidade em constante mutação, as novas dinâmicas
sociais e as novas relações espaço-tempo podem ser entendidas como a
consequência destes processos híbridos, de contaminação de saberes e de
expansão dos limites da arquitectura. Processos que podem ser compreendidos
a partir de uma leitura às correntes expressivas do início do século XX, como
o Expressionismo, o Futurismo, o Construtivismo, e em trabalhos de autores
da década de sessenta.

3.3.1. Prática interdisciplinar

“Limites actuais da arquitectura: 1) coisas relativas à relação entre


os espaços e o seu uso, entre ‘tipo’ e ‘programa’, entre objectos e eventos; 2)
coisas relativas à noção de arquitectura. (No entanto, podem ser plantas
precisas, secções, e axonometrias, cada qual implicando uma redução lógica do
pensamento arquitectónico para o que pode ser mostrado, para a exclusão de
outras preocupações. Estão, assim, contidos numa espécie de prisão da linguagem
arquitectónica, onde ‘os limites da minha linguagem são os limites do meu
mundo’. Qualquer tentativa de ir para além desses limites, para oferecer uma
outra leitura da arquitectura, obriga a questionar os modelos estabelecidos.)”
(Tschumi, 1994b, p.XX)

Considerando a definição dos limites disciplinares da arquitectura


apresentada por Tschumi (1994b)23, vários foram os momentos em que se

23. The Manhattan Transcripts foi pela primeira vez publicado em 1981 no Reino Unido na revista Ar-
chitectural Design, e posteriormente reeditado, em 1994, pelo MIT Press. Os textos que acompanham
a segunda edição do livro são excertos da palestra que teve lugar na Architectural Association em 8 de
Junho de 1982.

125
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

assistiu à expansão do campo de acção da arquitectura. Em movimentos


como o Construtivismo Russo, já referido anteriormente, a arquitectura e a
arte juntaram-se para permitir uma experiência que ambicionava redefinir
a cidade em todos os seus campos. Foi com a consciência que as outras artes
influenciam a arquitectura que surgiu a Bauhaus em 1919, do ideal de criar
uma escola que reunia o ensino de arquitectura, do artesanato e das artes.
Este espírito colaborativo entre as várias disciplinas permitia a valorização da
obra não construída, propiciando momentos de reflexão sobre o avanço da
arquitectura.

A relação entre as artes plásticas e a arquitectura data da sua origem origens de


uma pratica
enquanto disciplinas, quando não era clara a distinção entre artista e arquitecto. interdisciplinar
Vários foram os arquitectos que questionaram as suas barreiras, como Boullée
e Piranesi, ao porem em causa a possibilidade da obra construída expressar de
forma completa as suas ideias. Recorrendo a obras pictóricas conceptuais que
materializavam pensamentos utópicos e visionários, utilizaram instrumentos
das artes plásticas para idealizar projectos de arquitectura experimentais que
vieram, mais tarde, a influenciar a obra construída.

Os anos cinquenta, sessenta do século XX em Inglaterra foram um


momento particularmente importante, quando o grupo britânico The
Independent Group, criou uma rede artística capaz de pôr em confronto
disciplinas diversas como a literatura, o teatro, a arquitectura, o cinema,
a pintura e a escultura, para espalhar mensagens onde a crítica social e a
irreverência eram muito claras. Cruzando influências diversas, desde o New
Brutalism à Pop-art, os diferentes pólos artísticos foram articulados procurando
satisfazer as necessidades do pós-guerra. Neste sentido a arquitectura não era
mais uma disciplina isolada, mas sim um elemento articulado numa acção
multidisciplinar.

Alison e Peter Smithson tiveram um papel determinante ao assinalarem


através de estudos, diagramas e projectos a necessidade da arquitectura
se relacionar mais com as ciências sociais. Procuraram uma cidade mais

127
46. Urban Re-Identification Grid

ALison e Peter Smithson


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

complexa, capaz de responder a mudança e ao crescimento e capaz de se


revitalizar socialmente. Através da célebre Urban Re- Identification Grid
analisaram os elementos de transição entre os espaços, os actos quotidianos
levados a cabo pelos habitantes e a relação entre a cultura dos vários lugares,
recorrendo a associações sócio-espaciais entre a casa, a rua, o bairro e a cidade.

A arquitectura procurou, assim, uma prática interdisciplinar aliando-


se a outras disciplinas, não só no campo artístico como também no campo das
ciências sociais, como a sociologia e a antropologia, incorporando métodos
científicos, como a investigação sociológica e modelos matemáticos, para ser
capaz de responder aos problemas da época.

Os eventos, as situações e os acontecimentos que resultam deste


reposicionamento são marcados por uma certa irreverência, não só pelo facto
de se assumirem como uma alternativa de abordagem ao projecto em relação
a um modelo de trabalho mais convencional, que só por si seria um sinal de
ousadia, mas também porque estes trabalhos são quase sempre acompanhados
por um forte discurso crítico.

Grupos como o The Independent Group e os Archigram em Inglaterra,


os Metabolistas no Japão, ao estabeleceram novas formas de expressão e
linguagem, romperam com os modelos vigentes, questionando a ordem
dos sistemas estabelecidos. Os seus trabalhos, marcados por um carácter
experimental, e por vezes utópico, além de contribuírem para a reflexão
e o debate em torno de questões que inquietavam a sociedade de então,
reposicionavam a prática arquitectónica como um meio para a crítica. Com
as suas propostas visionárias, os Archigram sublinhavam a necessidade de
transformar a maneira de pensar a disciplina para que esta pudesse traduzir
as mudanças que a sociedade impunha.

O limite disciplinar, marcado pela experimentação, pode ser então


considerado como um lugar intermédio entre dois territórios, desencadeando
novas linguagens e modos de expressão. Embora este não seja um fenómeno

129
47. Walking City

Archigram

48. Plug-in City

Archigram
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

novo, um novo conjunto de tecnologias e uma nova realidade económica


têm-no potenciado, abrindo caminho a diferentes modos de projectar o
espaço e fazer arquitectura. Características de uma prática que se define na
ambiguidade entre a arte e a arquitectura, exprimindo uma ideia, uma crítica
ou uma ideologia.

José Capela (2007, p.14), ao se indagar sobre a utilidade da arquitectura, arquitectura como
acção crítica
põe a possibilidade de esta não se destinar a servir, mas antes à acção crítica.
Lembrando o texto Interventions in the Relations of Production, or Sublimation
of Contradictions? On Commitment Then and Now de Hilde Heynen e as
referências que este autor faz a Theodor Adorno e Walter Benjamin, José Capela
(2007, p.15) considera que fazer arquitectura com a única intenção de passar
uma mensagem, seria “prescindir de fazer projectos para serem construídos
(o que seria criar modelos) ou de enunciar uma ética (o que seria entrar no
âmbito racional) para, em vez disso promover uma acção crítica ficcional.”
Pondo em causa esta forma de fazer arquitectura, Capela (2007, p.17) vê a
possibilidade de conjugar a acção crítica com um projecto de arquitectura,
quando conciliadas “uma operatividade vocacionada para o questionamento
do programa disciplinar – com um sentido político que assim não se refugia
exactamente na política – e, por outro, o processo criativo, definidor da condição
artística da arquitectura.”

“A minha resposta parcial, muito parcial, enquanto um educador de


arquitectos é (re)politizar a arquitectura e aceitar a sua fragilidade diante das
forças contingentes.” (Till, Cit. por Harboe, 2012, p.11)

Quando Jeremy Till escreve sobre a necessidade de (re)politizar a


arquitectura refere-se à necessidade de recuperar a carga ideológica que a
caracterizou nas épocas passadas. De acordo com esta ideia, assim como uma
política define orientações e acções a serem tomadas segundo determinada
ideologia, também a arquitectura o pode fazer, definindo os princípios,
objectivos e ideias que lhe sirvam de guia.

131
49. Project for a Painted Wall

Projecto de Jason Crum na exposição do MoMA “9+1 Ways of Being Political”


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

Entre Setembro de 2012 e Junho de 2013 esteve patente no MoMA a


exibição 9+1 Ways of Being Political: 50 Years of Political Stances in Architecture
and Urban Design comissariada por Pedro Gadanho. Através de um olhar
histórico, a exposição investiga as diferentes esferas de acção política que foram
ocupadas pela arquitectura desde meados do século XX até à actualidade.

Integrado na exposição estava o projecto IKEA Disobedients do Andrés Jaque


IKEA Disobedients
arquitecto espanhol Andrés Jaque.24 Este arquitecto defende que as imagens e
o slogan que a marca de mobiliário IKEA utiliza para caracterizar o ambiente
doméstico não reflectem a heterogeneidade da sociedade actual: “tudo o que
a IKEA fabrica é com o objectivo de transformar a esfera doméstica numa
vida feliz, ensolarada, num espaço despolitizado, habitado por pessoas jovens,
contentes e saudáveis.”25

Questionando os modelos familiares e os espaços domésticos que


a marca sueca promove, o arquitecto espanhol concebeu uma instalação/
performance, a partir de um conjunto de móveis IKEA, dispostos no espaço,
não seguindo as instruções de instalação fornecidas pela empresa. Neste
espaço, um grupo de actores representou várias ambiências domésticas
atípicas, reflexo de um estudo realizado durante quatro meses na cidade de
Nova Iorque. Ao visitante é, ainda, dada a possibilidade de interagir com a
obra, alterando-a pouco a pouco.

Esta peça é um exemplo de uma nova forma de desenvolver a prática


arquitectónica, neste caso, através de acções performativas de envolvimento
do público com a arquitectura de uma maneira não-tradicional. Neste caso
a arquitectura não se trata de construir um edifício, mas antes representar as
diversas situações que nele se geram e questionar, assim, a forma estandardizada
como se constrói.

24. IKEA Disobedients foi pela primeira vez apresentado em Madrid em Novembro de 2011, integrado
na exposição Performance y Arquitectura comissariada por Ariadna Cantis.
25. Disponível na Internet: http://www.andresjaque.net/cargadorproyectos.php?variable=38#

133
50. IKEA Disobedients

Andrés Jaque
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

Estes trabalhos, ao situarem a prática da arquitectura entre a crítica, limites disciplinares

a acção política e a arte, ou mesmo ao aproximar-se das ciências sociais,


questionam os limites da disciplina. Segundo Bernard Tschumi (1994a, p.102-
103) a acção da arquitectura começa e acaba na resposta a uma necessidade.
Porém, este autor considera ainda, que a arquitectura, acima de tudo, é uma
forma de saber e, enquanto tal, não se limita à produção de objectos com
relação directa com a utilidade.

“É evidente, a partir de episódios isolados – frequentemente postos


de lado no passado - que a natureza da arquitectura não se encontra sempre
em edifícios. Eventos, desenhos e textos expandem os limites das construções
socialmente justificáveis.” (Tschumi, 1994a, p.112)

Tschumi (1994a, p.102-103) afirma ainda que, perante a tentadora


vontade de centrar a crítica de arquitectura em questões formais, funcionais
e racionais, são os trabalhos situados na fronteira da disciplina, que podem,
mais do que os edifícios construídos, dar uma indicação sobre o estado da
disciplina e que têm o poder de fazer avançar o pensamento arquitectónico.
Este encontro de diferentes disciplinas fomenta a evolução dos procedimentos,
das formas, dos formatos e das representações do pensamento arquitectónico.

À medida que se incrementam conhecimentos e metodologias de


outras disciplinas na prática de arquitectura, assiste-se a uma reinvenção,
reformulação e inovação das ordens e dos padrões estabelecidos. Neste
sentido, os trabalhos aqui expostos são importantes não apenas pelo resultado
final mas mais pelo processo e intenções que os motivaram, isto porque, uma
vez expostos, revelam possibilidades que a obra arquitectónica em si mesma
não poderia transmitir.

“Aqueles que dizem que a arquitectura se torna impura se tiver de pedir


argumentos emprestados a outras disciplinas, não só esquecem as inevitáveis
interferências da cultura, da economia e da política, como subestimam a
própria capacidade da arquitectura de estimular o desenvolvimento da cultura

135
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

contribuindo para a sua polémica. Enquanto prática e enquanto teoria, a


arquitectura deve importar e exportar.” (Tschumi, Cit. por Capela, 2007, p.12)

137
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

3.4. Arrebita!Porto
“’A matéria do arquitecto não é revolucionar a sociedade mas a própria
arquitectura’, como diria Gregotti, citado por Bohigas, nos anos 60. Mas
também não se revoluciona a arquitectura seguindo estritamente as pegadas
das instituições que detêm o poder. Isto é, a intervenção do arquitecto tem que se
sustentar fundamentalmente nas hipóteses e espaços intersticiais da disciplina,
naquilo que permite à arquitectura funcionar como um acrescento de civilização,
de drama, e de transcendência na requalificação do urbano.” (Figueira, 2005,
p.35)
O Arrebita!Porto é um projecto de reabilitação urbana com o objectivo
de recuperar e requalificar edifícios devolutos do centro da cidade do Porto
sem custos. O projecto surgiu como resposta ao apelo feito pelo concurso Faz
- Ideias de origem portuguesa na sua primeira edição em 2010, promovido
pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Fundação Talento.26 José Paixão
(em entrevista ao autor, 2013), arquitecto e autor do Arrebita!Porto, na altura
residente na Áustria, explica que foi a degradação e o abandono dos centros

26. Faz - Ideias de origem portuguesa incentivava os portugueses residentes no estrangeiro a apresen-
tar projectos a serem aplicados em Portugal, nas áreas do ambiente e sustentabilidade, inclusão social,
diálogo cultural e envelhecimento.

139
51. Combater o abandono dos centros urbanos

Arebita!Porto
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

históricos em Portugal, uma realidade que contrastava com o contexto onde


vivia, que o motivou a apresentar esta proposta.
Para alcançar o objectivo a que se propõe, o Arrebita!Porto depende
de parcerias e protocolos estabelecidos com empresas, entidades públicas e
universidades, e de uma equipa de estudantes e jovens profissionais voluntários
em sistema de rotatividade. Assenta no pressuposto, fundamental, de criar
valor, para todos, sem que haja custos associados. As soluções técnicas são
adoptadas consoante as parcerias que se estabelecem com as empresas que
prestam serviços de consultadoria e fornecem os materiais, o que lhes permite,
além de, deduzir os custos no IRC (em estatuto de mecenato), promover a
sua imagem e divulgar os seus produtos. Aos estudantes e jovens profissionais
é dada a oportunidade de adquirirem experiência prática, fora do meio
universitário. As universidades prestam apoio de supervisão, e beneficiam
de um acesso à prática a partir de possíveis casos de estudo. Assente nestas
premissas, foi atribuído ao projecto o primeiro lugar no concurso.
Actualmente integrado na Fundação Porto Social, o Arrebita!Porto prática

propõe-se a reabilitar edifícios devolutos ou degradados no centro da cidade


do Porto, elegendo aqueles para os quais não há solução, por não atraírem
investimento por parte do mercado ou pela falta de meios e disponibilidade
das entidades públicas. Neste sentido, o Arrebita!Porto não procura ser
uma alternativa às soluções estabelecidas, mas antes um modelo que as
complemente.
Este projecto é apresentado por último por se situar entre um projecto
de arquitectura e um projecto de acção social. Mais do que um projecto
de arquitectura, este é um projecto social que se serve das ferramentas
da arquitectura, bem como de outras disciplinas, para atingir o objectivo
pretendido. Embora distinto pela sua abordagem mais pragmática e pelo
modelo de trabalho em rede que sugere, parte dos mesmos princípios na
procura por soluções não convencionais para resolver um problema urbano e
social, reunindo muitas das questões anteriormente enunciadas.

141
52. Trabalho em rede

Arrebita!Porto
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

José Paixão defende que este não é um conceito de projecto tal como
é concebido tradicionalmente, uma vez que não surge da vontade de produzir
arquitectura, mas antes da vontade de resolver um problema social, criando
um modelo de actuação, que possa ser repetível, para o qual a arquitectura, em
coordenação com outras áreas, se pode constituir como o meio para alcançar
esse objectivo.

3.4.1. Um modelo de trabalho em rede


“O projecto Arrebita! não vai resolver, nem o problema do abandono
dos centros das cidades, nem, numa escala maior, o problema da conjuntura
económico-social do país. Por outro lado, em paralelo, eu acho que é importante
sermos pró-activos e tentarmos dar o contributo na medida das nossas
possibilidades, para contornar estas dificuldades. O valor do Arrebita! está,
exactamente, em ser um projecto agregador, um projecto aberto, e quase que
inovador, no sentido em que é positivo e, de facto, consegue ultrapassar as
dificuldades impostas pelas circunstâncias.” (José Paixão, em entrevista ao
autor, 2013)
Baseado no WWOOF (World-Wide Opportunities on Organic
Farms)27, o Arrebita!Porto assenta no princípio da troca directa de bens e
serviços por forma a superar a falta de recursos económicos. O contributo das
diversas áreas profissionais para o projecto, o envolvimento do proprietário
e dos parceiros empresariais, bem como os limitados recursos económicos,
traduzem-se num modelo que é construído colectivamente e em que todas as
partes desempenham um papel igualmente importante. Partindo do diagrama
ilustrado na imagem à esquerda, a relação que se procura não é de cliente ou
usuário e prestador de serviços, mas uma relação de pares. interacção do
arquitecto com
Estabelece-se, assim, uma rede de colaboração com diferentes agentes outros profissionais

27. WWOOF é uma associação internacional de quintas onde os proprietários dão alojamento e comida
a voluntários que se disponibilizam a trabalhar a meio tempo em trabalhos agrícolas. Desta forma há
uma troca de serviços sem que seja necessária a troca de dinheiro. (http://www.wwoof.net)

143
53. Primeira intervenção

Arebita!Porto. Primeiros trabalhos no edifício da rua da Reboleira, 42, Porto


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

profissionais, com a criação de um banco de conhecimento, de experiências,


de recursos e práticas de colaboração, tanto na concepção como na execução
de projectos. É esta rede de relações que permite encontrar soluções e
viabilizar este modelo de intervenção. Na medida em que supõe que todos
os parceiros trabalhem em cooperação, permite que a informação e as ideias
sejam partilhadas promovendo, desta forma, a formação de uma cultura de
participação, de colaboração e de responsabilidade. É neste sentido que o
trabalho em rede permite, não só, que o objectivo do projecto seja alcançado,
mas também, beneficiar os parceiros que o apoiam, aumentando assim o seu
impacto.
Inerente a esta organização em rede, está também a ideia da arquitectura
como espaço de encontro de outras áreas, na promoção de uma prática
interdisciplinar. O projecto Arrebita!Porto reforça a ideia, exposta nas outras
partes deste capítulo, que para resolver um problema social é necessário não
só o empenho de diversos indivíduos e entidades, como também de diversas
disciplinas.
A sua mais valia está em conseguir agregar os diferentes parceiros em
torno de um objectivo e dessa forma criar um modelo de trabalho, que pode
ser encarado como forma de aproximar as empresas, as universidades, as
entidades públicas, permitindo com limitados recursos económicos, responder
a um problema. Neste sentido pode conduzir ao debate sobre uma acção
interdisciplinar com vista a melhorar a qualidade dos espaços marginalizados
das cidades, debate que esteve muito presente nos anos sessenta e setenta do
século XX mas com pouco reflexo nos exercícios práticos de arquitectura.
“Como é possível relacionar a multiplicidade dos aspectos do espaço
examinados dentro das várias disciplinas, perspectivas e metodologias: ‘espaço
arquitectónico’, ‘espaço gestual’, ‘espaço de habitantes’, ‘espaço vivido’?” (Stanek,
2011, p.137)
Entre 1960 e 1970 esta questão trazia para o debate uma maior
preocupação com as diferenças sociais e culturais dentro do espaço urbano.

145
54. La Production de l’espace

Henri Lefebvre
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

Uma preocupação que enunciou que os problemas sociais da cidade não


ficavam resolvidos somente através de uma resposta programática e funcional.
Assim, as preocupações sociais e culturais não deveriam terminar quando
começava o projecto de arquitectura, sendo necessário uma reunião de
esforços e um diálogo maior entre os diversos agentes. Em França, na segunda
metade do século XX, este debate em torno desta questão ganhou um maior
destaque através do trabalho de um conjunto de sociólogos.
“Não se limitando a discussões teóricas, a questão sobre a unidade
e a multiplicidade de espaço chegou ao centro dos debates franceses sobre
arquitectura e urbanismo no final da década de 1960 e o início da década
de 1970. O que à primeira vista parecia estar muito longe de preocupações
práticas, eventualmente, resumia-se a uma pergunta sobre a possibilidade de
uma cooperação interdisciplinar entre os arquitectos, urbanistas, geógrafos
e sociólogos nas áreas da educação, pesquisa e design. O conceito de espaço -
espaço urbano, o espaço social, ou espaço ‘tout court’ - desenvolvido desde 1950
pelo Chombart, Ledrut e Lefebvre, foi investido com a capacidade de se tornar
um ponto de encontro entre estas disciplinas.” (Stanek, 2011, p.136-137)
Henri Lefebvre contribuiu para a investigação sobre a produção do
espaço através da execução de estudos e da organização de seminários onde
reuniu profissionais do campo das ciências sociais, bem como arquitectos
e urbanistas, promovendo a constituição de equipas interdisciplinares para
execução de projectos. As teorias de Lefebvre, expostas na sua obra La
Production de l’espace de 1974, estão hoje na base de teorias de pensamento
urbano que anunciam alternativas para a organização da cidade.
Lefebvre propunha que se encarasse a arquitectura como um estímulo
para a produção de relações sociais, opondo-se à instrumentalização da
disciplina como consequência do capitalismo. Desse modo, propunha a
interacção do arquitecto com outros agentes profissionais, acreditando que,
desta forma, a arquitectura poderia não só dar resposta às necessidades
funcionais mas também contribuir na prática para o debate social, cultural e

147
55. Free Park-in

OUA. Possibilidade de divisão do parque


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

político.
Ao promover este diálogo entre os vários agentes profissionais, o
projecto Arrebita!Porto, pode ser analisado dentro de uma esfera de acção
interdisciplinar. Este projecto questiona a maneira o posicionamento
da disciplina, explorando os seus limites de actuação. Ao abstrair-se do
formalismo e da forma tradicional de projectar, o arquitecto assume uma
abordagem mais operativa, prática, e contundente com a condição económica
vigente. Ao actuar mesmo quando não solicitada, a arquitectura toma-se
como um agente activo na requalificação urbana e social.
Como forma de mitigar o problema dos sem-abrigo e de rentabilizar OUA
Free Park-In
as estruturas que têm um funcionamento parcial, um modelo (de troca
de serviços) idêntico foi proposto pelo atelier OUA (Office for Unsolicited
Architecture) no seu projecto Free Park-In. OUA propõe a instalação de
estruturas ligeiras em parques de estacionamento cobertos, habitualmente
desocupados durante a noite, para que estas acolham os sem-abrigo da cidade.
A partilha de espaço supõe que os programas não se sobrepõem, uma vez que
durante o dia estas estruturas são removidas para que o parque possa servir a
sua função.28
Como faz em todos os projectos que desenvolve, OUA propõe uma
estratégia de financiamento para viabilizar a proposta. Neste caso, para
suportar os custos que estas estruturas teriam, cada residente concordaria
em prestar serviço durante o dia nos parques, estacionando, lavando carros
e prestando apoio noutras tarefas. Desta forma, os parques poderiam cobrar
taxas adicionais por estes serviços de forma a financiar o projecto. Esta pode
ser também considerada uma forma de conceder uma ocupação para os sem-
abrigo durante o dia, ao inseri-los na dinâmica da sociedade, potenciando a
diminuição da exclusão social.

28. Ao final do dia, quando o parque se esvazia, as estruturas são transportadas por um caminhão que
contém todo o equipamento necessário para a montagem das “habitações” que estão já delimitadas
no chão. Ao sem-abrigo são providenciadas desde estruturas de suporte para as “tendas”, a casas-de-
-banho, comida e algum mobiliário de apoio.

149
56. San Pedro Apóstol

Open Architecture Network


MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

Da mesma forma que o projecto Arrebita!Porto, a mais-valia do Free


Park-In não está no objecto em si, mas antes no modelo que sugere. Esta
troca de valor baseada numa rede de parcerias é, segundo José Paixão (em
entrevista ao autor, 2013), o grande potencial do Arrebita!Porto. Este, aliás, é
um modelo de trabalho que as organizações não-governamentais têm vindo
a desenvolver com sucesso. Pode-se referir, a título de exemplo, o caso da
organização Architecture for Humanity e o seu projecto Worldchanging/Open
Architecture Network.
Este projecto nasce da vontade de criar oportunidades para os
arquitectos ajudarem as comunidades em crise. Desta forma foi criada
uma plataforma online que oferece aos arquitectos, designers, construtores,
utilizadores, a possibilidade de partilhar ideias e projectos de arquitectura
num sistema de partilha livre e gratuita. Worldchanging é dedicado a projectos
que tenham como objectivo melhorar as condições de vida da população e do
ambiente construído.
Através desta partilha de ideias, planos e desenhos, pretendem-se
divulgar os projectos e estimular o debate e a colaboração em rede para a
resolução de diferentes desafios entre pessoas das mais diversas áreas, desde
arquitectos, engenheiros, políticos, membros da comunidade, organizações
sem fins lucrativos, entre outros.
“Afinal, se estamos a responder de forma significativa os desafios da
construção de um futuro sustentável, precisaremos de (muita) ajuda de pessoas
de todas as esferas.”29
Em última análise, a mais valia de projectos como o Arrebita!Porto, é a
forma pragmática como se propõem soluções para a resolução de problemas
específicos, neste caso, a degradação dos centros urbanos. Tomando uma
atitude diferente de Santiago Cirugeda, este projecto enquadra-se no sistema
para nele encontrar os meios para a sua viabilização. Todavia, até que ponto

29. Disponível na Internet: http://openarchitecturenetwork.org/about

151
57. Trabalhos de reabilitação

Arrebita!Porto
MODELOS ALTERNATIVOS DE PRÁCTICA

se pode tomar este modelo como uma fórmula a generalizar? O sucesso do


Arrebita!Porto resulta da sua singularidade e carácter inovador. A solução
para a arquitectura não parece ser a generalização deste modelo, isto porque,
à semelhança dos exemplos anteriormente expostos, a sua relevância está
também na sua diferenciação. No entanto, não deixa de ser ainda necessário,
que mais iniciativas destas surjam para que o debate possa continuar e a
arquitectura resgate, de novo, o seu papel social.

153
CONSIDERAÇÕES FINAIS
CONSIDERAÇÕES FINAIS

“(...) será possível responder aos dados e meios limitados da conjuntura


presente posta ao projectista, mas sem comprometer o futuro, isto é, contendo
tendencialmente uma necessidade de evolução e reconversão aberta à visão
utópica que se arrisca no presente?

Cremos que esta é a via a tentar, e mais: que há arquitecturas que a


preparam e arquitecturas que a negam, barrando o futuro. Via que seria uma
forma de ser de um tempo em que é necessário “fazer reforma e permanecer
revolucionário” (Ricoeur).” (Portas, 2007, p.19)

No final desta investigação surge a necessidade de responder à pergunta


que o seu título enuncia. Será possível falar numa arquitectura de intervenção
que através de modelos alternativos de trabalho propõe uma renovação do
papel social do arquitecto?

De forma a responder a esta pergunta será necessário esboçar


algumas considerações finais, em jeito de conclusão. Os trabalhos expostos
demonstram que, para que a arquitectura tenha sucesso na resolução das
questões complexas da actualidade, tem de se aliar a outras disciplinas, como,
a economia, a sociologia, a antropologia, a arte, etc. Assim, é importante olhar
para outras áreas que podem ser igualmente importantes para o arquitecto.

157
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os trabalhos apresentados demonstram um renovado compromisso social


através de uma diversidade de práticas arquitectónicas.

Embora estas práticas assinalem uma mudança na disciplina,


delineando novos contornos, importa assinalar que, na actualidade, estas
estão restritas, na sua generalidade, a um grupo de arquitectos jovens. Em face
das transformações inerentes a um momento de “transição”, estes arquitectos
têm respondido com modelos de trabalho que, embora pretendam ser uma
alternativa a uma arquitectura que tem estado principalmente comprometida
com questões formais, estéticas e tecnológicas, não se querem constituir como
ruptura, mas antes como ampliação.

Assim, importa, desde logo, afirmar que a arquitectura de intervenção


que aqui se expõe não se destaca tanto por uma desvinculação com os modelos
tradicionais, mas antes pela ampliação do seu campo de acção, pela inclusão de
saberes e abordagens próprias de outras disciplinas e/ou pela reinterpretação
de alguma das premissas nas quais se baseia a prática de arquitectura, como a
relação cliente-arquitecto.

Fica explícita a ideia de que a prática de arquitectura não se esgota na


construção de edifícios e no planeamento urbano, e que pode compreender
outros trabalhos como estruturas efémeras, performances, vídeos e
intervenções temporárias no espaço público.

Os projectos apresentados, não pretendem ser tomados como


referências de uma nova forma de actuar, mas sim constituir-se como
exemplos concretos de abordagens contundentes com o actual contexto
económico. Processos de trabalho que respondem às transformações sociais,
às quais se assistem, particularmente desde o acentuar da crise económica em
2008. Mudanças encaradas, nos trabalhos expostos, como uma oportunidade
para o desenvolvimento da sociedade e da própria disciplina. O trabalho
destes arquitectos é, assim, apresentado com vista a estimular uma reflexão
sobre a viabilidade de um modelo de trabalho assente na encomenda, sujeito

159
CONSIDERAÇÕES FINAIS

à instabilidade da economia e ao mercado de trabalho, que não tem dado


resposta ao cada vez maior número de arquitectos.

Perante a actual crise, a solução mais imediata para os arquitectos na


procura por um caminho profissional tem sido a emigração, deixando implícita
a ideia que em Portugal não há oportunidades de trabalho. O incentivo dado
aos jovens para que emigrem e deixem o seu país, como referido pelo arquitecto
Eduardo Souto de Moura (Agência Lusa, 2011): “a solução para a arquitectura
portuguesa é emigrar”, poderia revelar a incapacidade da arquitectura em se
adaptar a novas circunstâncias sociais e económicas.

Num tempo favorável à construção, impulsionada pela entrada de


Portugal na União Europeia, em que dominava a encomenda pública e a
expansão do parque imobiliário, os arquitectos lidaram com uma realidade
muito diferente da actual.

“Os anos 80 são um fardo difícil de gerir, estão já na história como


uma década de excesso de maquilhagem e de excesso de gel, fenómenos
directamente ligados ao início das emissões da MTV. Na arquitectura, os anos
80 correspondem à pré-história da mediatização do arquitecto e das suas obras.
O arquitecto português tende a abandonar a indumentária da revolução e a
integrar o relativismo cultural que lhe permitirá acompanhar o boom económico.”
(Figueira, 2005, p.53)

As referências estéticas e o processo de trabalho que se estabeleceram


para a arquitectura portuguesa no período referido por Jorge Figueira, não
parecem estar hoje adequadas à nova realidade socioeconómica. Parece
evidente a necessidade de adaptar a disciplina a esta realidade. No entanto, o
modelo baseado na arquitectura de autor é aquele que continua a ser explorado
nos programas académicos, como refere Luís Tavares Pereira (em Arqa, 2009,
p.38). Este autor considera que a actual dificuldade de acesso dos arquitectos
ao mercado de trabalho não é só o resultado da desregulação no ensino da
arquitectura e do elevado número de escolas, mas também de um modelo de

161
CONSIDERAÇÕES FINAIS

ensino vocacionado unicamente para uma prática projectista.

“Ora a questão é que os arquitectos - e as escolas de arquitectura - têm


que estar preparados para pensar experimentalmente e actuar com instinto
pedagógico. (…) A atitude experimental é uma dádiva face à história e ao futuro
da cidade; a atitude pedagógica envolve os utentes numa narrativa que os aceita
e engloba. A falta destes dois tipos de envolvimento traduz-se numa perca de
sentido para o projecto de arquitectura.” (Figueira, 2005, p.35)

Os ateliers aqui apresentados, estão a demonstrar como uma adaptação


pode ser feita, sendo proactivos, actuando em contextos socioeconómicos
fragilizados, procurando financiamento para os seus projectos, envolvendo o
utilizador nos processos de concepção e construção, fornecendo “ferramentas”
para as pessoas actuarem e aliando-se a outros profissionais.

Remete-se para o trabalho desenvolvido pelo Ateliermob no bairro


do Prodac e o projecto Arrebita!Porto para realçar que o financiamento foi
conseguido depois de uma primeira abordagem ao projecto. O Arrebita!Porto
desenvolveu, inclusive, um modelo alternativo de financiamento, reforçando
a ideia de que o arquitecto não tem necessariamente que esperar por uma
encomenda para fazer arquitectura. Santiago Cirugeda foi ainda mais longe
ao desenvolver um manual de actuação incentivando o cidadão a actuar sobre
o seu ambiente físico. Apesar de assentarem em modelos que não são novos,
afinal já Piranesi foi à procura de clientes para os seus projectos e Palladio
construiu as suas próprias obras, estes projectos são inovadores e alternativos
na sua articulação experimental que fazem para resolver um problema
específico.

Ao incluir o utilizador no processo de concepção o arquitecto assume


o papel de assessor baseado num trabalho de aconselhamento vocacionado
para auxiliar os cidadãos a tomar a acção. Utilizando a sua capacidade de
organizador espacial o arquitecto pode adoptar uma prática de código-aberto
pondo as ferramentas à disposição das pessoas, para que estas reinterpretem,

163
CONSIDERAÇÕES FINAIS

redesenhem, reutilizem e se apropriem da envolvente em que vivem,


incorporando as suas próprias lógicas, vontades e necessidades. O papel
do arquitecto passa a ser o de identificar situações urbanas concretas, que
possam necessitar da sua intervenção, disponibilizando as suas competências
e conhecimentos a entidades, instituições privadas ou simples cidadãos que
delas possam necessitar.

Ao longo desta investigação, através da análise dos projectos


expostos, foram apontados alguns exemplos de estratégias actuais de prática
arquitectónica que se situam no limite da disciplina. Estes exemplos têm-se
fomentado em ambientes colaborativos livres de barreiras disciplinares. Não
se defende que é este o caminho que a disciplina deve seguir, mas, como se
afirmou no terceiro capítulo e como defende Tschumi será necessário tê-lo em
consideração para impulsionar o avanço da prática disciplinar da arquitectura.

“O desafio é encontrar pontos de contacto entre estes universos e gerar


práticas críticas e analíticas capazes de atravessar fronteiras que, na nossa
opinião, tendem a tornar-se cada vez mais estanques. Talvez assim a arquitectura
possa reencontrar uma posição social de relevo e contribuir para a sua reinvenção
necessária e urgente.” (Jornal Arquitectos, 2013, Editorial)

Contudo, o reposicionamento disciplinar que estas práticas enunciam,


deixa a dúvida se a arquitectura não correrá o risco de se perder noutras áreas
profissionais. Através de estratégias de actuação alternativas, o arquitecto
prescinde, por vezes, do rigor formal e do controlo do projecto e da construção
que está na base da sua formação. Como ressalva o Jornal Arquitectos (2013,
Editorial), “e se os arquitectos prescindem da base estruturante do seu saber,
correm o risco de se dissolver noutros campos profissionais, ou numa lógica de
mercado que já não os contempla.”

Questionado sobre qual a razão desta mudança de mentalidade dos


arquitectos mais jovens, manifestando uma maior preocupação para com
as questões sociais e a expansão do seu campo de acção, Tiago Saraiva (em

165
CONSIDERAÇÕES FINAIS

entrevista ao autor, 2013) refere que é neste campo onde existe muito trabalho
a fazer. Perante o processo de regressão social a que assistimos, contrariamente
ao que se possa pensar, o trabalho do arquitecto é cada vez mais necessário.
A falta de fundos, não é sinónimo de falta de oportunidades, por isso, nesse
sentido, António Louro (em entrevista ao autor, 2013) considera que o número
de arquitectos em Portugal, tendo em conta as necessidades do país, não é
exagerado, havendo ainda espaço para mais arquitectos.

No entanto, esta abordagem optimista e pragmática, é marcada,


particularmente nos exemplos estrangeiros apresentados, por um certo
carácter utópico. Ao manifestarem algum radicalismo, os seus discursos
teóricos revelam alguma incapacidade de serem postos em prática. Contudo,
esta atitude não é inconsciente e pode-se considerar, fundamentalmente, como
uma forma de levantar um problema e estimular o debate. As ferramentas
da arquitectura são utilizadas para estabelecer uma crítica, não só à própria
disciplina, mas também a um determinado problema social ao qual não está a
ser dada a devida atenção.

À crítica que apresentam está associada uma ideologia, a manifestação


de uma ideia de sociedade, com os princípios, objectivos e as ideias que lhe
servem de guia bem definidos. Tafuri (1985, p.18) refere a importância da
ideologia na arquitectura que aceita tornar política a sua obra: “enquanto
agentes políticos, os arquitectos devem assumir a tarefa de invenção contínua
de soluções de vanguarda, aos níveis mais generalizáveis. O papel da ideologia,
nestas condições, torna-se determinante.” Também Tatjana Schneider (2009)30
defende que a arquitectura é uma forma de expressão política e social:
“Entendemos a arquitectura como uma disciplina que é inerentemente política
e, por isso, sempre crítica.”

Neste sentido, poder-se-ia ainda recordar as considerações feitas

30. Tatjana Schneider é co-autora de uma investigação sobre práticas alternativas de arquitectura apre-
sentada na Universidade de Sheffield realizada em conjunto com Jeremy Till.

167
CONSIDERAÇÕES FINAIS

por Bruno Zevi (1996, p.140-142), relativamente à dimensão política da


arquitectura quando, na sua obra “Saber ver a arquitectura”, considerou que, em
qualquer sociedade, as formas de expressão arquitectónica estão intimamente
relacionadas com os acontecimentos políticos e sociais do seu tempo.

Os modelos apresentados passam pela ideia de democratização da


arquitectura, ao procurarem um público mais alargado, ao partilharem
autoridade e conhecimento com outras disciplinas ou mesmo com os próprios
usuários. Seguindo os ideais socialistas, situam-se entre a vontade reformista
e revolucionária.

Relativamente a este ponto, poder-se-á fazer uma distinção entre o


trabalho dos arquitectos portugueses e o do arquitecto espanhol Santiago
Cirugeda. Atendendo à redefinição do papel social do arquitecto, o conjunto
de abordagens propostas pelos arquitectos portugueses enquadra-se dentro do
que se pode considerar uma acção reformista, baseada numa reorganização do
sistema existente. Por outro lado, as acções de Santiago Cirugeda poderão ser
vistas mais como acções revolucionárias como forma de subversão do sistema.

É necessário retomar a uma atitude proactiva e progressista, uma


atitude que pontou tempos de evolução na História, como no Iluminismo,
apresentado por Tafuri (1985, p.18) como o momento em que “renunciando
a um papel simbólico, pelo menos no sentido tradicional, a arquitectura – para
evitar a sua própria destruição – descobre a sua vocação científica.”

Contudo, Ole Bouman (Cit. por Harboe, 2012 p.17), bem como
outros autores, questionam se esta nova prática, que remonta aos ideais dos
anos cinquenta, sessenta e setenta do século XX, não será uma nostalgia,
uma moda, e se implicará de facto um compromisso social da arquitectura.
Importa reforçar, que alguns dos arquitectos que manifestam a vontade de
um compromisso social chegam a revelar alguma contradição a essa mesma
vontade, não reflectindo na prática o discurso teórico que defendem. À
semelhança do que aconteceu com o tema da sustentabilidade, transformado

169
CONSIDERAÇÕES FINAIS

numa marca de publicidade muitas vezes sem reflexo real, fica a dúvida se não
acontecerá o mesmo com estes projectos que fazem, agora, uso da bandeira
do social.

Estes ateliers anunciam o prenúncio de uma moda que se está a


multiplicar e que poderá conduzir ao desgaste do discurso. Um desgaste
que poderá resultar em projectos irreflectidos e, consequentemente, pouco
adequados, conduzindo a uma descredibilização de quem realmente se
compromete com estas questões.

Para perceber esta ideia, poder-se-á fazer a alusão ao Movimento


Moderno, à sua rápida difusão e ao seu consequente descrédito e crítica.
Assente também numa ideologia que tinha por base preocupações sociais,
procurando uma arquitectura para todos que pudesse ir ao encontro das
necessidades da época, foi quando o Estilo Internacional surgiu e se difundiu
que a sua arquitectura começou a ser produzida em massa, sob princípios
quase meramente formais e esquecendo o seu propósito inicial. Fica a dúvida
se a rápida difusão destas novas práticas e a sua transformação em moda não
terá consequências semelhantes.

Importa ainda questionar se, ao negarem o estatuto de “arquitecto-


estrela” recorrendo a modelos alternativos de trabalho, alguns destes
arquitectos não terão a pretensão de se tornarem eles próprios mediáticos. A
propósito da avaliação da Trienal de Arquitectura de Lisboa de 2013, Nuno
Grande refere (em Arqa, 2013, p.27) que “a questão é que esse discurso se está
a tornar, hipocritamente, num novo “sistema” mainstream, guiado por uma
“fórmula” organizativa que arrasta consigo uma outra “fauna” de curadores e
de criadores, cujo modo de organização e de acção se revela tão “tribal” quanto
o das velhas “tribos” culturais, por eles mesmo criticadas.” Ainda que de uma
forma caricaturada, a reflexão de Nuno Grande não deixa de alertar para este
facto.

Chega-se ao fim desta investigação com a convicção de que é a

171
CONSIDERAÇÕES FINAIS

valorização do processo em relação ao objecto que se obtém, que poderá


conduzir a soluções mais comprometidas socialmente e que respondam
efectivamente às transformações actuais. São as acções e decisões, desde o
início do projecto, através do seu planeamento e execução, passando pela
forma como se usam os edifícios, pela necessidade da sua readaptação ou não,
até à sua final demolição que se devem concentrar os esforços do arquitecto.

“Talvez se devesse actuar exactamente sobre a formação dos profissionais,


sobre a reeducação dos próprios arquitectos, de maneira a que estes fossem
capazes de dizer adeus à arquitectura naquilo que ela hoje representa, e de
inventar uma capacidade verdadeira de intervenção sobre o real, sobre o bem
da comunidade e da cidade.” (La Cecla, 2011, p.55)

Após estas considerações, e respondendo à pergunta que então se


deixou em aberto, conclui-se que a arquitectura pode realmente contribuir
para a resolução dos problemas que hoje afectam a sociedade, através de uma
prática consciente e interventiva. Dessa forma a arquitectura pode superar
os condicionamentos inerentes à sua prática, passando a desempenhar,
efectivamente, um papel fundamental na vida das pessoas. Os exemplos
apresentados demonstram-no, não constituindo, certamente, os únicos
caminhos viáveis para alcançar uma arquitectura de intervenção.

“Porque é homem e porque a sua acção não é fatalmente determinada,


ele deve procurar criar aquelas formas que melhor serviço possam prestar quer
à sociedade quer ao seu semelhante, e para tal a sua acção implicará, para além
do drama da escolha, um sentido, um alvo, um desejo permanente de servir.”
(Távora, 1996, p.74)

Se a arquitectura ambiciona ser uma disciplina relevante tem de


participar activamente na discussão dos problemas da esfera pública,
dirigindo-se novamente para as massas e não apenas para uma minoria que
pode pagar este serviço. A maioria da população, ainda que possa apreciar um
jogo de formas bem proporcionadas, tem, actualmente, outras preocupações

173
CONSIDERAÇÕES FINAIS

mais imediatas, às quais a arquitectura, em conjunto com outras disciplinas e


agentes, pode responder, tal como se procurou demonstrar nesta investigação.
Deste modo é necessário manter e aprofundar o debate e a reflexão, para que
a profissão não perca o seu valor e se constitua um meio imprescindível de
resistência e de apoio à superação da crise que se enfrenta.

“Mas os arquitectos, que com alguma inconsciência se auto-atribuem a


qualificação de homens de síntese, talvez porque alguns riscam e imaginam um
pouco melhor, se quiserem re-dar qualidade à cidade da era da técnica e dos
técnicos e dos fenómenos complexos de cuja solução há que dar conta, terão de
abalançar-se a um intenso esforço de estudo, a modificar a sua formação, re-
formulando corajosamente o seu lugar na edificação da cidade.” (Portas, 2007,
p.16)

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gram-_749_medium-528x241.jpg
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189
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190
FONTE DAS IMAGENS

191
ANEXOS
JOSÉ PAIXÃO, ARREBITA!PORTO

João Carlos Alves: Começo por fazer um apanhado das questões que que-
ro colocar-te. Primeiro gostava de perceber como é que este projecto do
Arrebita!Porto surge. Sei que nasce de um concurso de ideias promovido
pela Fundação Gulbenkian e pela Fundação Talento. As primeiras pergun-
tas relacionam-se com as motivações que te levaram a concorrer com este
projecto. De seguida queria que me falasses sobre o projecto, como é que se
estabeleceu e perceber como é que funciona em termos de logística, se são
vocês que contactam as empresas e as entidades públicas, com que entida-
des procuram parcerias e como é que se estabelecem essas parcerias. Como
é que é feita a identificação das estruturas a intervir? De seguida queria
perceber um pouco como é que vocês trabalham, ou seja qual é a vossa me-
todologia, estratégia de intervenção. Que fases é que envolve? Por fim, as
últimas perguntas seriam relacionadas com alguns temas que eu acho que
o vosso trabalho envolve, nomeadamente este carácter que o atelier tem, de
abranger outras áreas disciplinares para além da arquitectura, esta relação
de coordenação que o arquitecto tem entre as diferentes áreas, e podendo
desenvolver trabalhos não só na área disciplinar da arquitectura.

José Paixão: Eu se calhar começo mesmo por aí, dizendo que este não é um
atelier de arquitectura. Nós somos um projecto social que tem uma missão so-
cial e recorre-se à arquitectura, como ferramenta, para produzir esse impacto
pretendido. À arquitectura como a outras ferramentas, sendo elas a engenha-
ria, design, comunicação, apoio jurídico, etc. Portanto, é a convergência de
valências na sociedade em torno de uma missão colectiva. Esse é o ponto de
partida. O ponto de partida aqui não é fazer arquitectura, mas é resolver um
problema social, para o qual as competências de arquitectura são relevantes.

JCA: Ou seja, não é um atelier de arquitectura mas é a partir da arquitectu-


ra que se aspira resolver um problema?

JP: A partir da arquitectura e de outras ferramentas. O problema que visamos


é intervir em edifícios devolutos e degradados do centro da cidade para os
quais não existe outra solução. O que é que isto quer dizer? Reabilitações que

195
não foram feitas até agora e que não há perspectiva de virem a ser feitas por
carência financeira de proprietários ou inquilinos, por se situarem em zonas
problemáticas da cidade que não atraem investimento, por muito dificilmen-
te ser justificado o investimento pelo retorno durante a sua exploração, etc.
Intervimos através de projectos de reabilitação para os quais o mercado não
consegue actuar, numa margem muito limitada, e complementando o esforço
público e as iniciativas comerciais, no sentido da regeneração do centro da
cidade. Portanto o Arrebita!Porto é uma solução através de um modelo alter-
nativo que tem essa capacidade de intervir onde os outros não conseguem e
nunca de forma concorrencial.

JCA: Aproveito para te perguntar, uma vez que já definiste qual é a área
de acção do vosso projecto, no fundo na tua resposta está implícito como
vocês selecionam os edifícios e estruturas a intervir, como é realmente feita
essa escolha? Vocês contactam os proprietários, fizeram uma análise do
edificado da zona da sé?

JP: Nós estamos a intervir num edifício que fica na Rua da Reboleira que serve
como piloto, como exercício para testar a validade deste modelo. Foi selecio-
nado exactamente porque se inseria neste quadro. Era um edifício que estava
abandonado há mais de vinte anos. Pertence à Câmara Municipal do Porto
que, durante este período, se tentou desfazer dele sem qualquer sucesso. Por
outro lado, a Câmara também não tem capacidade ou disponibilidade para in-
tervir em todo o seu património, portanto é um bem público que nos pertence
a todos e que está desperdiçado, que está inactivo. É especialmente neste tipo
de casos, situados em zonas nobres da cidade que urgem ser dinamizadas, que
nós queremos intervir. Eu posso-te falar do processo de selecção deste edifí-
cio, que foi feito em colaboração com a Câmara Municipal do Porto. Posso-te
justificar que foi selecionado por ser da Câmara, em primeiro lugar, para que
a Câmara também tenha aqui um papel neste modelo. Nós pretendemos aqui
reunir diferentes forças no mesmo sentido e a Câmara como poder local não
se podia ausentar. Por isso, e também porque a Câmara concede ao projecto,

196
JOSÉ PAIXÃO, ARREBITA!PORTO

muito mais facilmente, uma utilidade pública e uma utilidade social, que é,
não diria difícil, mas mais complexo de justificar em casos de particulares.

JCA: Para um primeiro exercício parece mais fácil esta parceria com a Câ-
mara, até para validar o projecto como tu dizias.

JP: Exacto.

JCA: Ou seja antes de partirem para o projecto, para a reabilitação, esta-


beleceram uma parceria com a Câmara, e aqui parece-me que foi bastante
importante esta parceria.

JP: Exactamente. Não só na figura da Câmara, mas também através dos seus
diferentes órgãos. Este é um atelier da Porto Vivo, onde nós estamos instala-
dos, onde é o nosso local de trabalho. A Porto Vivo presta-nos também apoio
técnico, consultoria, fiscalização de obra. Nós, enquanto projecto, não esta-
mos instituídos autonomamente, estamos incubados num outro organismo
municipal que é a Fundação Porto Social, através da qual estabelecemos par-
cerias com terceiros, com fornecedores, com consultores, etc. Portanto, é a
Câmara, através dos seus diferentes órgãos, que nos presta um apoio.

JCA: As parcerias que vocês estabelecem com as empresas é feita através da


Fundação Porto Social?

JP: A Fundação Porto Social é, digamos, a nossa instituição de alojamento, a


estrutura onde estamos incubados e que tem as competências e a personali-
dade legal para poder celebrar estas parcerias. Nós, nesta fase piloto, optamos
por não avançar com uma constituição autónoma, exactamente porque se-
riam encargos acrescidos, para os quais não tínhamos experiência, e também
porque estamos numa fase de experimentação. Existe aqui um risco associa-
do, podendo o projecto não resultar e portanto invalidando a continuidade da
organização. O plano, se tudo correr bem, como nós esperamos, conseguindo
validar em meados do próximo ano este modelo, é emanciparmo-nos da fun-
dação e constituirmos uma estrutura própria.

197
JCA: O que é que te motivou a concorrer ao concurso “Faz - Ideias de ori-
gem portuguesa” com este projecto? Qual foi a motivação? Vias um proble-
ma e uma oportunidade nos centros, no caso, no centro histórico do Porto?

JP: Sim. Há aqui duas coisas. Uma é a oportunidade proporcionada pelo con-
curso. Esta não era uma ideia premeditada, não era um sonho de infância, foi
algo que surgiu em resposta a uma convocatória que foi lançada, com a qual
eu me identifiquei, por ser imigrante há doze anos, erradicado e sem estar
ligado ao país. Estimei este concurso e queria participar. Isto por um lado. E
depois, por outro, a necessidade que me parecia muito imediata de reabilitar
e de regenerar os centros das cidades portuguesas. Uma coisa que contrastava
com a experiência que eu tinha por onde andei. Sempre que eu regressava não
era só dramático, era inconcebível, era inadmissível. Havia aqui um problema
óbvio à partida se eu tinha que eleger um para abordar.

JCA: Consideras ou consideravas, na altura, que as entidades públicas e os


arquitectos não estão/estavam sensibilizados para este problema da neces-
sidade da revitalização dos centros?

JP: O que eu acho, em relação aos arquitectos é que havia, se calhar, uma ex-
cessiva concentração no produto, na autoria e no desenho, e, se calhar, carecia
alguma atenção a modelos para viabilizar esse resultado. Portanto, o projecto
não parte da ideia de criar um edifício ou da ideia de reabilitar um edifício.
Parte da ideia de regenerar o centro da cidade e criar um modelo que viabilize
esse objectivo. O ponto de partida é aquele diagrama, que tu vês ali atrás, que
encaixa todas as partes que estão envolvidas através de um sistema de trocas
e contrapartidas. Nós não temos dinheiro, ou pelo menos é o que se diz, e
também se dizia que ninguém ganhava com a reabilitação, portanto temos
de criar aqui um modelo alternativo antes de pensarmos na concepção do
edifício e nos aspectos técnicos que estão implicados num projecto deste gé-
nero. A montante está um modelo que viabiliza esse processo. A arquitectura
é uma disciplina técnica, tem de se focar nessa dimensão, mas também tem
um plano social, e portanto às vezes, se calhar, falta a capacidade de conseguir

198
JOSÉ PAIXÃO, ARREBITA!PORTO

interagir com outros agentes, por forma a viabilizar as soluções, e não delegar
isso para outras entidades, outros gestores, assumindo também a arquitectura
essa responsabilidade directa.

JCA: Depreendo, pela resposta a esta pergunta, que consideras que há uma
responsabilidade do arquitecto em dar resposta a alguns dos problemas da
sociedade, nomeadamente aqueles que passam pela arquitectura.

JP: Não só dos arquitectos. Eu acho que todos, em todas as profissões.

JCA: A falta de meios não pode ser vista como uma desculpa para intervir?

JP: A falta de meios não pode ser negligenciada. Tem de ser compreendida
e tem de ser solucionada, mas isto não impede que se tente agir através de
outros mecanismos, criando ferramentas, abrindo novos caminhos. Portanto
há aqui duas faces da mesma moeda. Por um lado, compreender a conjuntu-
ra, as dificuldades, as exigências e tentar trabalhar nas raízes do problema. O
projecto Arrebita! não vai resolver, nem o problema do abandono dos centros
das cidades, nem, numa escala maior, o problema da conjuntura económico-
-social do país. Por outro lado, em paralelo, eu acho que é importante sermos
pró-activos e tentarmos dar o contributo na medida das nossas possibilida-
des, para contornar estas dificuldades. O valor do Arrebita! está, exactamente,
em ser um projecto agregador, um projecto aberto, e quase que inovador, no
sentido em que é positivo e, de facto, consegue ultrapassar as dificuldades
impostas pelas circunstâncias.

JCA: Recordo-me de uma entrevista tua à RTP, no qual descrevias o pro-


jecto como sendo, e ainda agora o disseste, uma ideia diferente, “outside
the box”, assim a chamaste. Poderia dizer-se que este vosso atelier não se
encaixa num modelo tradicional? Faço esta pergunta, por um lado, por-
que o vosso objectivo não é produzir valor económico para o atelier, e por
outro porque surge da identificação de um problema na cidade e da vossa
vontade em apresentar uma solução, sem que tenham sido solicitados a
fazê-lo.

199
JP: Eu começo por dizer que não é um atelier. É a tal história, ‘nem tudo o que
parece é’. Aqui o conceito de projecto não é um conceito de projecto tal como
concebido na arquitectura. É um projecto na medida em que aqui se desenha
um modelo para combater um problema social. A arquitectura é apenas uma
ferramenta, uma peça chave, entre outras, para a concretização desse resulta-
do.

JCA: Consideras, então, este vosso projecto mais como um veículo para
atingir um fim, possibilitando que outras pessoas possam também parti-
cipar, intervir?

JP: Sim, exactamente.

JPA: O trabalho que vocês fazem não é arquitectura? Tu já disseste que não
é um atelier.

JP: É arquitectura ao serviço. O que eu me recuso é a estar a destacar a arqui-


tectura entre as outras ferramentas que nós usamos. Mais do que um projecto
de arquitectura ou um atelier de arquitectura é um projecto de comunicação,
no sentido em que só é possível se nós conseguirmos transmitir o que faze-
mos, dando retorno e conhecimento às partes envolvidas. Se conseguirmos
convocar as pessoas a participar e se tornar o tal veículo, a tal oportunidade
para aqueles que estão sensibilizados para o problema poderem ter um papel
relevante na sua resolução. É um projecto de comunicação que se faz nos dois
sentidos de dentro para fora, apelando também à participação. Por isso, tão
relevante como ter competências profissionais ao nível da arquitectura, da en-
genharia, etc., há que tê-los também ao nível da comunicação.

JCA: O vosso projecto é feito de cooperação, de coordenação entre diferen-


tes áreas, de comunicação, como me dizias agora. A comunidade é também
um factor importante no projecto?

JP: Eu diria que até agora, neste ano e pouco de actividade, que essa se calhar
tem sido a nossa maior falha. Não temos conseguido potenciar, tanto quanto

200
JOSÉ PAIXÃO, ARREBITA!PORTO

desejaríamos, a participação local no projecto. Há diferentes factores que po-


dem justificar esse facto, como o facto de os trabalhos que têm sido desenvol-
vidos até agora, terem sido sobretudo técnicos, e que não são muito acessíveis.
Não sei se será isso, mas se calhar termo-nos fechado um bocado dentro das
questões das minucias técnicas do projecto não tem permitido estabelecer o
link com a comunidade.

JCA: Vocês têm agora a reabilitação de um edifício em andamento. Podes


falar-me da forma como vocês trabalham?

JP: Nós começamos em Abril de 2012. Os primeiros meses foram de inspec-


ção, diagnostico, levantamento, etc. Desde então desenvolveu-se a arquitectu-
ra, as especialidades, a especificação de soluções consoante as parcerias que
íamos estabelecendo com fornecedores e afins, a parte de medições, que foi
entretanto concluída, prospecções arqueológicas. Portanto, toda esta parte de
instrução de processo foi terminada recentemente e estamos agora numa fase
de transição para a entrada em obra, havendo diversos caminhos que se afi-
guram para a realização do trabalho. A participação de um empreiteiro é im-
prescindível, construtores, uma vez que não temos alvará de construção e pre-
cisamos desse enquadramento para a empreitada e de know-how para formar
e orientar as equipas na aplicação das técnicas e na execução dos trabalhos.
Precisamos da cedência também de algum equipamento mais pesado e mes-
mo a afetação de alguns recursos para a realização de tarefas mais exigentes e
de maior risco. Esta é também uma peça fundamental, um pilar, no projecto.
Aqui temos diferentes opções em cima da mesa que estamos a explorar para
que se possa consumar essa parceria e se possa dar seguimento ao projecto.

JCA: Relativamente ao programa, e voltando à questão da participação da


comunidade no projecto, num dos vídeos publicados no jornal Público,
falavas de um programa de carácter público para o piso do rés-do-chão.
Como é que é feita a definição do programa?

JP: Surgiu de algumas condicionantes impostas pela Câmara, que é o pro-

201
prietário, e aqui nós estamos a prestar um serviço e não estamos a adquirir
a propriedade. A propriedade mantém-se em sede da Câmara Municipal e
nós apenas exigimos que a sua exploração seja de natureza social para refor-
çar mais uma vez este aspecto de não ser concorrencial ao mercado, de não
haver uma rentabilização própria, mas sim um benefício público. Também
associado à missão de combater o abandono está a função programática de
habitação. Quanto ao piso térreo, apesar de estar definido como sendo um
programa público, nós optámos por aguardar um pouco mais pelo desenrolar
do processo, para também, se calhar já de uma forma mais credibilizada pelos
primeiros resultados que se conseguem ver deste esforço, definir em conjunto
com a Câmara qual a solução que interessa a ambas a partes.

JCA: Embora a vossa primeira reabilitação venha a estar concluída em


2014, será uma preocupação vossa manter um contacto com a obra depois
de concluída? Ou seja, pensas que o trabalho do arquitecto termina com a
conclusão da obra?

JP: A minha função neste projecto não é na qualidade de arquitecto, é na qua-


lidade de coordenador que é muito diferente. Eu não estive envolvido, de todo,
no processo de elaboração da arquitectura ou qualquer aspecto técnico. Para
isso existem as equipas de jovens profissionais e existem também coordena-
dores técnicos que fazem parte do núcleo de coordenação do projecto. A mi-
nha função é fazer gestão de parcerias, fazer abordagens, relações públicas,
etc. Contudo, eu respondo-te de uma outra forma. Eu acho que o projecto
Arrebita!Porto de forma alguma se desvincula do seu produto, até por ser o
seu piloto. Este é também um dos aspectos que faz com que o projecto seja tão
atractivo para as empresas, o facto de a sua contribuição permanecer na forma
de um edifício, com um reconhecimento duradouro, na medida em que é um
contributo para a cidade que permanecerá. Nesse sentido é fundamental con-
tinuar a acompanhar toda a ocupação e utilização do edifício e também fazer
sempre a avaliação dos resultados. Avaliação após a conclusão deste processo
de reabilitação, mas também a avaliação contínua de como é que o processo

202
JOSÉ PAIXÃO, ARREBITA!PORTO

de exploração tem sido gerido, sempre com um esforço de tentar optimizar o


modelo. O modelo de selecção, o modelo de execução e depois o modelo de
gestão.

JCA: É importante para vocês manter o contacto até para melhorar no fu-
turo o projecto e as estratégias de actuação.

JP: Exactamente.

JCA: Nesta relação, que vocês mantêm com as entidades públicas, as em-
presas, as universidades, achas que se poderia considerar este vosso projec-
to como um exemplo de aproximação entre as universidades, as empresas
e a sociedade? Numa altura em que, muitas vezes se fala que as universida-
des vivem um pouco ausentes da realidade social e também desligadas do
contexto empresarial.

JP: Eu vejo o potencial, eu vejo um potencial enorme sinceramente, porque o


grande valor do projecto é a rede que está montada na prática no terreno, uma
rede que se vai consolidando. Há um know-how nesta gestão que eu acho que
pode ser aproveitado de forma muito útil também pelas faculdades para tes-
tarem os conhecimentos na prática, no terreno, numa relação de simbiose que
resulte em benefício para ambas as partes. Eu acho que existe um potencial
enorme que não está a ser aproveitado como poderia. Mas é a tal coisa, este é
um projecto-piloto, há aqui muito para se melhorar e eu acho que este é, de
facto, um dos aspectos que não se está a reflectir tal como eu tinha previsto
na prática.

JCA: Têm encontrado alguma dificuldade nesta relação? Que feedback é


que têm recebido? Estás-me agora a falar das faculdades que não tem cor-
rido como tinham previsto.

JP: Por um lado o papel das faculdades seria de prestar um apoio de supervi-
são. Esta é a nossa necessidade que seria satisfeita pela contribuição das facul-
dades. E, por outro lado, as faculdades retiravam daqui os tais casos de estu-

203
do, o tal acesso à prática, onde testar, onde demonstrar, onde criar exercícios,
onde ensinar, etc. Esta relação não tem existido. Por um lado, não tem existido
de todo no aproveitamento, eu acho, dos casos de estudo. E são esporádicas
e casuísticas as vezes em que nós temos situações deste género, em que a ex-
periência que está criada é útil para a criação de conhecimento e para este
esforço de racionalização que é importante. É também importante para nós
refletirmos segundo uma perspectiva crítica, para conseguirmos aprender a
partir daí, e de uma forma comparativa. Não tem acontecido e o apoio que
temos recebido, de facto tem havido um apoio, é um apoio muito mais pessoal
do que institucional. Apesar de ser de uma professora da Faculdade de Arqui-
tectura e apesar de haver um enquadramento protocolar que nos vincula, a
instituição e o projecto, na prática, a sua tradução é um apoio a título pessoal
de uma professora da faculdade. Isto tem sido um bocado por nós termos tido
muita mais facilidade em satisfazer as nossas necessidades através de parcerias
empresariais. Olhando para a rede que está montada verifica-se facilmente
a quantidade de consultores das mais diversas especialidades que temos, do
lado da engenharia, por exemplo, que prestam apoio, em detrimento das fa-
culdades.

JCA: Com a Faculdade de Engenharia passa-se o mesmo?

JP: Exactamente, passa-se exactamente o mesmo. Acho que há muito mais


maleabilidade e agilidade por parte das empresas em se decidir e em concre-
tizar essa vontade na prática, do que por parte das faculdades. Mas eu não
estou a criticar ou a acusar qualquer uma das partes. Nós também somos res-
ponsáveis por não termos efetivado e promovido essa parceria tanto quanto
podíamos. Mas, de facto, não passou de um apoio institucional e eu acho que
há aqui muito potencial que não está a ser aproveitado.

JCA: Falando agora dos colaboradores que são estudantes.

JP: São sobretudo jovens recém formados. Mas, se calhar, falavas diretamente
com eles, para conheceres a experiência deles.

204
JOSÉ PAIXÃO, ARREBITA!PORTO

JCA: Como é que vocês conheceram o projecto? Como é que iniciaram a


vossa participação no Arrebita!Porto?

Bruno Costa: Eu conheci o projecto através da difusão mediática que teve na


altura e depois acabei por ter, também, vários amigos envolvidos no Arrebita!.
Sempre me interessou o projecto e sempre estive com esta ideia de participar
no Arrebita!, já há bastante tempo. Depois tive a oportunidade, inscrevi-me e
comecei agora o trabalho. Iniciamos o trabalho há um mês todos e entramos
numa fase quase transitória, entre a fase de projecto, dar os últimos retoques,
e a partir para a fase de construção. Embora o projecto como o José disse
não é só um projecto de arquitectura e acabamos por estar envolvidos em
diferentes campos, a fazer outro tipo de campanhas para projecto, a participar
em workshops de seminários. O Projecto é muito dinâmico nesse aspecto por-
que acabamos por estar envolvidos em vários acontecimentos e não apenas na
produção arquitectónica, dita física.

JCA: O facto de não estares só envolvido na arquitectura ou na engenha-


ria e poderes também desenvolver trabalho noutras áreas, também o lado
prático e o objectivo social do projecto, foram factores que vos motivaram?

BC: Motivou-me mais participar na fase de construção, porque é, realmente,


aquele papel que o arquitecto acaba por nunca ter na construção do edifício,
embora faça acompanhamento de obra etc. Nunca põe as mãos na massa e
acho interessante que isso se faça, aprendendo no local, com outros meios e
de forma mais eficiente. Por vezes mesmo em obra notamos que o construtor
civil tem um entendimento muito mais aprofundado de construção do que
nós, porque, realmente, põe as mãos na massa. Depois sim, a função social do
projecto foi o dado mais decisivo que levou a que eu me candidatasse, ainda
mais no Porto, uma cidade com a qual eu tenho uma ligação sentimental forte,
que está realmente a necessitar. Este projecto era urgente para a cidade, por-
que as instituições camarárias não estavam a sortir todo o efeito necessário.
Este projecto tem um carácter diferente e acho que era necessário.

205
Cláudia Ribeiro: Eu conheci o projecto através de pessoas que estiveram cá. O
que me interessou foi este carácter social muito forte e a solução que tem, que
acho muito indicada. Se resultar, tenho a certeza que vai resultar, é incrível. É
contrapor tudo o que está a ser feito agora, mesmo a ideia do arquitecto, da
arquitectura, que se calhar não passa tanto pela estetização, mas realmente por
pôr em prática e resolver questões que são importantes, nos dias de hoje, nas
sociedades em todo o mundo.

JCA: Vocês vêm este projecto a ser expandido para outras cidades, talvez
portuguesas, e para outras áreas da cidade que não só os centros? Pensa-
ram nisso? Veem essa necessidade?

BC: Acho que essa resposta tem de ser dada, em primeiro lugar, pelo José que
ele é que tem em mente o que pensou para o projecto. Mas sim, acho que é um
modelo, tanto quanto eu conheço do modelo, acho que é um modelo adap-
tável a outras circunstâncias. No entanto, julgo que será mais directa a sua
adaptação a centros históricos não operacionais como o Porto, mais há uns
anos até, centros históricos completamente parados e congelados por várias
dinâmicas que não funcionam como a lei das rendas. Há muitos problemas
envolvidos nisto, não vale a pena começar a falar sequer. Acho que a interven-
ção no centro da cidade é mais directa porque encontramos edifícios em tal
estado de degradação e em zonas não atractivas que o seu valor de mercado
é quase nulo e então será mais fácil. Mais fácil e mais complicado ao mesmo
tempo. Para não fazermos parte desta concorrência de mercado são edifícios
que são mais apetecíveis para este tipo de projecto.

Yuri Piffer: Mas eu acho que é possível sim aplicar. Porque, primeiramente,
nasce de uma ideia de um valor de troca. Isso vai acontecer, isso está aconte-
cendo, então eu acho que isso é possível sim. Me parece que nos próximos anos
mundiais haverá muita gente capacitada sem poder aplicar a seu trabalho. Eu
acho que estas pessoas vão conseguir seguir a sua vida se elas se conseguirem
adaptar a um valor de troca local. Algumas favelas do Brasil começam a fazer
isso. São lugares muito pobres, elas não conseguem crescer com dinheiro, com

206
JOSÉ PAIXÃO, ARREBITA!PORTO

o real, e eles criaram ali um valor de troca, uma troca de um serviço, uma
moeda local. Isso tem funcionado e dinamizado a região.

JCA: Ou seja, esta é também uma das características do projecto, criar va-
lor a partir da troca de serviços, sem que haja a necessidade de troca de
dinheiro?

YP: Eu vejo isso como um grande potencial.

JP: Só para colmatar aquela questão da escalabilidade do projecto. Eu acho


que é adaptável a outros casos mantendo o princípio de actuar onde as solu-
ções existentes não surtem efeito e onde o impacto pode ser maior. A ideia dos
centros históricos era exactamente por cumprir estes requisitos. Agora, se ca-
lhar, as coisas estão a mudar. De facto, o Porto parece um estaleiro e, por isso,
pode haver a legitimidade de equacionar intervir noutras áreas da cidade, que
careçam de intervenção também, e para as quais não existam outras soluções.

JCA: Antes disseste que este não era um atelier de arquitectura. Tendo em
conta a vossa experiência, parece-te mais fácil, tratar as questões sociais
às quais a arquitectura pode dar resposta, por não ser um atelier, por não
terem a preocupação de criarem valor económico para o atelier? Há mais
liberdade para responder ao que é realmente essencial?

JP: O projecto tem de ser sustentável. Eu acho que aqui a diferença pode ser
na missão do projecto. O projecto, de facto, não tem como missão gerar lucro,
tem como missão criar valor social, mas tem que ser sustentável e, portanto,
a questão económica e a questão financeira não podem ser desprezadas, tal
como acontece num atelier tradicional, que tem que gerar receita suficiente
para ser sustentável.

JCA: Ou seja, vocês geram receita.

JP: Exactamente. Existe aqui a necessidade de criar fontes de receita que pos-
sam garantir a auto-sustentabilidade do projecto, não necessariamente o lu-
cro. E mesmo que haja lucro, que neste momento não há, tem de ser enca-

207
minhado para o reforço da solução, o que nos distingue, se calhar, de uma
empresa. Eu aqui não punha a questão tanto ao nível de atelier de arquitectura
ou não-atelier de arquitectura, mas antes entre empresa comercial e empresa
social ou empresa comercial e projecto sem fins lucrativos.

JCA: Na medida em que não surge da resposta a uma solicitação de um


cliente, poder-se-ia dizer que o vosso trabalho é arquitectura não solicita-
da? São vocês a definir o programa para cada edifício, o local a intervir e o
orçamento?

JP: Não é bem assim. É a tal história de trabalharmos sempre em sintonia, em


coordenação com todas as partes. O envolvimento, quer do proprietário, neste
caso da Câmara Municipal, quer dos fornecedores, bem como a limitação dos
recursos que temos, obriga a uma gestão muito equilibrada e exigente, não
só ao nível de recursos, mas também de espectativas, de retornos. Não é um
modelo em que eu apresento uma solução fechada, mas em que uma solução
é construída colectivamente e em que todas as partes desempenham um papel
igualmente importante, não numa relação de cliente ou usuário e prestador de
serviços, mas numa relação de parceiros. Mesmo os beneficiários finais serão
parceiros, na medida em que estarão de alguma forma a contribuir também
para este modelo.

JCA: Voltando à ideia de pensar diferente, se calhar peço-te mais a tua opi-
nião pessoal, porque a pergunta poderá não ter a ver com o projecto. Tendo
em conta também o contexto actual, a saturação do mercado de trabalho,
não se torna cada vez mais necessário que o arquitecto pense “outside the
box” e não apenas em sobreviver projetando edifícios?

JP: Eu acho que tem a ver com o projecto, porque é um bocado o que o pro-
jecto faz. Como eu já te expliquei também, o nosso ponto de partida não foi
impor ou fazer autoria de uma solução. O projecto foi construir uma solu-
ção colectivamente e é um projecto que é construído diariamente. Não é um
projecto fechado, não foi e nunca o será. É um projecto que está sempre em

208
JOSÉ PAIXÃO, ARREBITA!PORTO

evolução, que aproveita as oportunidades que vão surgindo e as valências que


se vão disponibilizando. Não existe aqui nenhum protagonismo principal de
um maestro ou de um iluminado que impõe uma solução. Portanto, é uma so-
lução colectiva, aberta a todos, no qual todos podem desempenhar um papel
importante. É essa que se pretende que seja a grande inovação, que esperamos
que se reflita num produto inovador no domínio da arquitectura.

JCA: Ainda no sentido da pergunta anterior, penso que já falaste um


pouco sobre isso, mas tu és, corrige-me se estiver enganado, o assessor, o
orientador, o comunicador, falavas há pouco que eras o relações públicas,
embora tenhas dito que não vias esse teu trabalho como sendo de arquitecto.
De qualquer forma, a minha pergunta é se o papel do arquitecto pode passar
também por colocar os seus conhecimentos à disposição de indivíduos que
tenham vontade de actuar, concretizar uma ideia de arquitectura, servindo, o
arquitecto apenas como orientador, mediador ou assessor?

JP: Eu acho que a definição é pouco importante. Para mim é sempre ridículo
ver empresas pequenas, cujo único sócio tem na sua assinatura CEO. Eu acho
que esta catalogação é o menos importante. Eu acho que o importante é, se ca-
lhar, pensarmos nas competências que são desenvolvidas durante a formação
de um arquitecto e qual o potencial que elas têm para criar consensos, para
criar pontes e convergências. Eu acho que, de facto, olhando para as compe-
tências e características de um arquitecto vemos alguém que consegue pensar
a diversas escalas, que consegue pensar em diversas linguagens, que consegue
fazer essa tal inter-relação, essa coordenação e essa gestão que pode ser extra-
polada de um edifício para questões sociais e para questões publicas.

JCA: Que benefícios é que pensas que se podem retirar de projectos como
o Arrebita!Porto?

JP: Respondendo muito sinteticamente, para além do produto, do efeito e do


impacto pretendido, acho que a grande mais valia está no processo. Um pro-
cesso em que, no seu desenrolar, as partes vão aferindo benefícios, sem ter

209
de aguardar pelo final e pelo produto para rentabilizá-lo e gerar valor. Essa
é a ideia de um ganhar constante e contínuo, quer pelas mais-valias para os
jovens profissionais e pelas contrapartidas para as empresas, quer pela geração
de conhecimento para as faculdades, etc., que acontece de uma forma conti-
nuada no processo.

JCA: Quais é que pensas que podem ser os desafios e exigências para o ar-
quitecto e para a arquitectura no contexto actual?

JP: Eu acho que seria interessante os arquitectos pensarem a montante do edi-


fício e a montante do projecto de arquitectura. No sentido do que eu estava a
dizer, em todo o processo de bastidores, se quisermos, em todo o processo de
coordenação e de gestão e de tomadas de decisões, etc. Que possam viabilizar
essa concretização na qual os arquitectos têm todas as competências para te-
rem sucesso.

JCA: A tua opinião seria mais processo e menos objecto?

JP: Eu não quero desprezar aqui o objecto, mas eu acho que para que o objecto
se torne, de facto, objecto existe todo um terreno circunstancial que tem de
acontecer. E acho que o arquitecto pode também intervir nesse sentido para
que ele próprio ganhe com a concretização do objecto.

210
ANTÓNIO LOURO, MOOV

João Carlos Alves: Recorrendo a abordagens e ferramentas próprias


de outras disciplinas, os vossos trabalhos procuram, de alguma forma,
dar resposta ou chamar à atenção para determinado problema social.
Consideras que a arquitectura tem uma responsabilidade social? E se sim,
quais pensas que são as limitações da arquitectura nesse sentido?

António Louro: Obviamente a arquitectura tem uma responsabilidade social.


Há, desde logo, duas limitações óbvias que são políticas e económicas. Ou
seja, tu enquanto arquitecto podes desenvolver uma serie de trabalhos de
forma não solicitada, pró-activa, mas que estão sempre limitados aos meios
financeiros que consegues convocar para fazer a obra e também à recepção
politica que ela vai ter. O que eu quero dizer com isso é que podes actuar nas
franjas e, nós já fizemos isso. Procurar fazer as coisas sem licenciamento, mas
é óbvio que aí estás limitado a um determinado tipo de escala de intervenção.
Pensar que vais mudar a cidade sem envolver quem realmente dirige, a classe
politica, e sem envolver os meios económicos, que são aqueles que te podem
dar capital para fazer as coisas, não faz sentido.

JCA: O vosso atelier desenvolveu dois projectos que identificaram como


não solicitados.

AL: Quais eram?

JCA: Um deles era o “SWARS” que achei bastante interessante porque me


pareceu ser uma crítica a um “tipo” de arquitectura que se faz actualmente.
O outro era o “I5”. Como foi feita a bordagem as estes projectos? Como é
que trabalham neste sentido da não solicitação?

AL: Há uma questão muito importante, quando é um trabalho não solicitado,


de alguma forma tem de nos divertir. Temos de ser felizes a fazê-lo senão não
vale a pena. Portanto tem de ser uma coisa que nos desperte interesse. Depois
há sempre circunstâncias, que não te consigo explicar, que nos empurram
para determinado tipo de trabalho. No “SWARS” nós trabalhamos com outro
atelier que são os Dass. O David Seabra [atelier Dass] estudou comigo, portanto

211
somos amigos desde a universidade e já nos apetecia trabalhar juntos. Na
primeira edição da Trienal de Arquitectura houve uma exposição chamada
“Arquitecturas Digitais” para a qual fomos convidados. Embora tenhamos
achado que não fazia muito sentido, porque utilizamos o digital apenas como
ferramenta e não nunca como meio de concepção do trabalho, aceitámos o
desafio. Convidámos o David para trabalhar connosco, porque achámos que
fazia sentido e seria interessante. Já que nos tinham convidado para estar na
Trienal, o melhor era que fizéssemos uma crítica bem-humorada ao sistema
de referências da própria arquitectura. Desenvolvemos para essa exposição
um pequeno trailer de um filme que nunca iria existir, sobre a arquitectura
portuguesa adaptado ao ambiente da Guerra das Estrelas. Basicamente
convertemos uma serie de edifícios, mais ou menos conhecidos, de arquitectos
portugueses, transformámo-los em naves a combaterem entre si. “Esta coisa
de rivalidade”. E depois mais tarde gostámos da ideia, quisemos desenvolvê-la
à escala mundial, em jeito de reflexão sobre o star-system, procurando também
perceber como é que a arquitectura pode trabalhar com sistemas operacionais
que não são totalmente característicos da arquitectura. Aqui estou a falar
da figura do remix, por exemplo, que é muito caro aos músicos que pegam
em várias músicas e as misturam. Nós achamos que poderia ser interessante
esta coisa de pegar num edifício e reinterpretá-lo. E de repente o que era um
edifício passa a ser uma nave. E é óbvio que há muitos edifícios sobre os quais
se diz “parece um ovni”. E nós quisemos um bocadinho levar essa expressão
ao extremo.

JCA: Portanto o projecto “SWARS” pode ser visto como uma crítica ao
mainstream da arquitectura?

AL: Era uma crítica, mas era também uma questão de trabalhar com uma
serie de edifícios que tinham características que, na nossa opinião, podiam ser
inspiração para outra coisa que não edifícios e, sobretudo, esticar as fronteiras
da disciplina. Porque não pegar em edifícios e passá-los para o espaço digital
em confronto com outros tipos de ambientes e outro tipo de pessoas que

212
ANTÓNIO LOURO, MOOV

não aqueles para o qual foram pensados. Mas também é preciso dizer que os
edifícios que lá estão são edifícios que nós admiramos e gostamos. Ou seja, é
verdade que existe um star-system, mas muitos desses arquitectos produzem
obras de arquitectura verdadeiramente incríveis. Agora se elas são produzidas
porque existe o star-system ou o contrário, não sei. Interessou-nos mandar
achas para a fogueira e depois logo ver. Foi interessante, porque nós queríamos
fazer um trailer de dois minutos, a tal ideia de trailer para filme que nunca
iria existir, depois acabamos por não conseguir reunir os meios técnicos
necessários para fazer o trailer tal como nós o queríamos e transformamos
o storyboard numa banda desenhada. Foi a fuga para a frente. Cerca de um
ano depois de termos feito a banda desenhada há aquele incêndio do edifico
dos OMA em Pequim. Eles têm o CCTV, mas ao lado do CCTV há outro
edifico que serve de apoio, um edifício gigante. Esse edifício ardeu, em 2009,
e quando arde marca um bocado o fim do star-system. De lá para cá veio a
crise, os arquitectos tiverem de se tornar muito mais objectivos e muito menos
de gestos gratuitos e a banda desenhada sai um bocadinho fora de tempo. É
uma crítica de uma coisa que já não existe, mas isso é muito comum hoje. Tu
começas a pensar numa coisa, quando tentas pôr cá para fora algo, a própria
realidade já é diferente.

JCA: Pensas que a realidade na arquitectura está a mudar motivada pela


crise? Como vês o grau de compromisso dos arquitectos portugueses com
as questões sociais?

AL: Eu acho que é bastante reduzido e acho que muitos deles estão a ser
empurrados para essas questões mais por uma questão de tendência e de
moda do que propriamente por convicção. Se me perguntares, é bom, ou seja
é preciso é que eles trabalhem mais nesse sentido. Porque é que eles chegam lá?
Há uns por motivos mais nobres e outros menos, mas é bom. Isto é um modo
mais prático de fazeres arquitectura e tentares ajudar de um modo directo as
pessoas que mais precisam. O arquitecto e a questão social têm uma longa
história. Hoje em dia, e isso é que eu acho que é um bocadinho novo, há uma

213
ligação estreita entre um certo trabalho de arquitectura que se preocupa mais
com o que é possível, ou seja bastante mais realista e bastante mais táctica,
no sentido em que procura práticas que possam ser construídas num curto
espaço de tempo.

JCA: Falavas dos bairros sociais. É claro que a questão social sempre esteve
presente na arquitectura. A minha pergunta é se vias o compromisso
do arquitecto a trabalhar nesse sentido sem ter sido solicitado a fazê-lo,
mesmo quando convocado para determinado projecto cujas preocupações
sociais não são, à partida, uma condicionante?

AL: Eu diria, sendo absolutamente sincero, não. Vamos ser sinceros,


arquitectura é uma coisa para ricos e tu vês as casas que tu admiras e os
edifícios, aquilo são coisas muito dispendiosas. Dos melhores exercícios que
eu gosto de fazer é abrir aqueles livros que dizem low-budget houses e etc. e eu
parto-me a rir. Porque aquilo continua a ser tudo para ricos. Portanto fazer um
exercício de contenção e de trabalhar um bocadinho com a escassez, eu acho
que hoje em dia nós estamos mais bem preparados para o fazer, mas lá está
é muito importante não vivermos isolados. Tu estás a trabalhar para alguém
que tem espectativas. Coisas que tu achas que são interessantes, como por
exemplo o betão à vista, essas pessoas acham pobre, porque têm um conjunto
de referências através das quais identificam o que é a arquitectura. E depois
não têm a capacidade para conseguir distinguir que tu usares uma serie de
materiais sem um tipo de revestimento, por exemplo, pode ser uma resposta
para a escassez. Acham que a coisa está inacabada. Tu enquanto arquitecto se
quiseres trabalhar esse tipo de soluções passa muito também por estabeleceres
diálogo e desceres tu um bocadinho ao meio onde estás a intervir.

JCA: Quais é que pensas serem os problemas da cidade contemporânea e


da sociedade a que os arquitectos podem dar resposta?

AL: Essas perguntas tão abstractas são complicadas. Vou-te dar uma resposta
contraditória. Eu não acho que a cidade contemporânea tenha grandes

214
ANTÓNIO LOURO, MOOV

problemas e ao mesmo tempo acho que tem muitos.

JCA: São problemas mais pontuais que não requerem grandes soluções?

AL: Ou seja, existe uma inteligência arquitectónica que é específica e que não
tem a ver só como nós desenhamos. Tem a ver com o modo como nós encaramos
os problemas. Consigo-te dizer isto porque aqui no atelier já trabalhamos com
vários técnicos e vários artistas de outros campos, e há claramente um modo
diferente de abordar os problemas em arquitectura, e até de os visualizar. Eu
acho que essa inteligência arquitectónica pode ser interessante para resolver
uma serie de problemas imediatos, que é o que raramente acontece. O
arquitecto é aquele que é chamado para pensar uma coisa que tem que ficar
lá vinte anos, trinta anos. Nesse sentido, a deslocação, mais por necessidade
do que por querer, do arquitecto para campos mais efémeras, e que não tem
a ver só com a capacidade de fazer uma serie de acções de caracter artístico,
mas também com acções funcionais, é interessante e pode dar resposta a uma
serie de problemas. Como a sociedade acelerou há problemas que também são
efémeras.

JCA: Vocês tinham um estúdio que era o Moovlab, que entretanto agregaram
ao MOOV. De que forma o trabalho desenvolvido no Moovlab com um
carácter experimental e de pesquisa influenciou os vossos projectos?

AL: Contaminou o nosso trabalho de uma forma inconsciente. O Moovlab


acaba por se fundir com o MOOV porque às tantas já não fazia sentido a
distinção. As coisas começaram-se a cruzar de tal modo que temos aqui dois
nomes para duas coisas que são a mesma coisa. A questão é que, sobretudo, no
Moovlab, nós fazíamos coisas muito efémeras, instalações no espaço público,
mais tácticas. Mas depois esta maneira de pensar as coisas de uma forma mais
realística contamina a forma como tu fazes arquitectura e às tantas já não
estás a planear tudo, deixando muitas coisas abertas para as pessoas, que vêm
habitar ou utilizar a tua arquitectura, possam também elas alterar o espaço.
Isso, eu acho, é uma coisa que veio do trabalho desenvolvido no Moovlab,

215
um trabalho que procuramos que fosse sempre interactivo, não no sentido
tecnológico, mas no sentido de convidar as pessoas a tocar e a, de alguma
forma, mudar/alterar o espaço.

JCA: Mantêm alguma relação com as universidades? Tendo em conta esta


vossa experiência, pensas que as universidades sairiam beneficiadas se
concentrassem os seus programas mais na pesquisa e na experimentação,
também em torno das transformações que ocorrem na sociedade?

AL: Eu sou professor e tu estavas a fazer a questão e eu estava-me a lembrar dos


meus alunos. Não sei se precisa. Por exemplo, embora eu encaminhe os meus
alunos nesse sentido por defeito profissional, dado o que eu faço, eu acho que a
geração mais nova é naturalmente interessada por esse tipo de assuntos, muito
mais do que os seus professores. O que eu acho é que, mais do que a universidade
se tentar focar nesses temas, não deve cortar as asas aos alunos quando eles
querem experimentar esse tipo de coisas. Quando tu lanças um exercício,
há várias formas de o fazer. Já tive várias discussões de júri sobre trabalhos
em que os alunos propunham soluções mais efémeras, mais programáticas
e menos desenhadas, porque havia pouca aceitação dos professores a isso,
porque pensam que é uma fuga para a frente. Aí, o que eu acho que se deve
fazer é respaldar as costas dos alunos e dizer isto pode ser um caminho e é
interessante que tu penses assim. Mas, por outro lado, a universidade tem de
preparar também um bocadinho para a vida e é fundamental que se saiba
desenhar, ou seja, saber dominar as ferramentas clássicas de arquitectura.
Eu acho que estas questões, mais da exploração no sentido de saber como é
que se pode esticar os limites da disciplina deve ser uma coisa a estar sempre
presente, no consciente dos alunos, e deve ser fomentada. Não sei se tem de
ser o cerne do programa. Pode ser o cerne de um exercício, do programa não
sei se tanto, porque aquilo que faz a inteligência específica da arquitectura é o
modo como ela é ensinada. Sobretudo, eu acredito muito, que uma formação
em arquitectura é, no mínimo, dez anos, o que significa que tens uma primeira
parte que é fortemente marcada pela academia e tens uma segunda parte, que

216
ANTÓNIO LOURO, MOOV

eu acho que anda à volta dos cinco anos, que é fundamentalmente marcada
pelos teus interesses, por aquilo que procuras fazer. Só depois desses dez
anos estás preparado, definindo se queres ter uma prática mais convencional,
menos convencional, etc. Portanto, não me preocupa muito que a academia
formate um pouco os alunos, porque eles a seguir vão seguir o seu caminho.
No fundo, resumindo, eu acho que a academia é classicista, é convencional,
mas se calhar tem de ser assim. Se tu quiseres um pensamento alternativo não
faz sentido enquadrá-lo na academia. Faz sentido, se calhar, tu procurares um
atelier que esteja a desenvolver trabalhos desse género, procurar uns amigos
e desenvolver trabalho nesse sentido, ou seja assumir que se está a trabalhar
à margem do sistema e não tentar que o sistema trabalhe à margem, porque
isso não faz sentido.

JCA: Pensas que se poderia falar de uma redefinição dos limites do campo
de acção do arquitecto, quando se verifica que alguns ateliers, entre os quais
o vosso, desenvolvem trabalhos como por exemplo, instalações artísticas,
performances, vídeos, exposições, acções cívicas? Vês a necessidade da
diversificação do campo de trabalho do arquitecto?

AL: Eu penso que sim. Mais uma vez acho que muito desta diversificação é
por necessidade e não tanto por convicção. No entanto, estou curioso para ver
se muitos destes arquitectos que agora desenvolvem trabalhos neste sentido,
o continuarão a fazer quando o tempo das vacas magras passar, não que
em Portugal isto tenha sido um paraíso. Basta falar um bocado com eles e
percebe-se que o seu discurso é “o que há agora para fazer é isto e faz-se isto,
mas quando houver prédios, betão para fazer é aí que queremos voltar.”

JCA: Tendo em conta o contexto actual de crise, a expansão do campo de


acção do arquitecto pode ser uma solução para o saturado mercado de
trabalho?

AL: Acho que sim. A inteligência específica da arquitectura que já falei, é muito
ecléctica e consegue dar resposta a muitas coisas diferentes. Como arquitecto

217
não é necessário desenhar edifícios para estar a intervir, até no campo da tua
profissão. Através da teoria, da investigação, do ensino, da crítica, tudo são
coisas que podem fazer útil o teu papel enquanto arquitecto. E isso é uma
coisa que eu tento passar muito aos meus alunos, há muitas formas de fazer
arquitectura. Fazer edifícios é se calhar a mais óbvia, mas está muito longe
de ser a única. Por exemplo, os arquitectos que trabalham nas Câmaras são
peças essenciais. Há arquitectos brilhantes a trabalhar nas Câmaras e isso é
bom para todos. No essencial é necessário que esta inteligência específica da
arquitectura esteja espalhada pelo máximo de sítios possíveis. E se houver
bons arquitectos nas Câmaras, nas universidades, empresas de construção
para melhor desenvolverem os seus produtos, é já um bom caminho, dando
mais mérito a quem tem uma prática de arquitectura menos óbvia. Tu falavas
no papel social do arquitecto, se tu dedicares parte da tua vida a desenvolver
um material e esse material permitir que uma série de pessoas consiga fazer
a sua casa de uma forma mais barata, estás a ter um papel social relevante,
sem precisar de desenhar um edifício. O que eu acho é que temos de valorizar
quem não tem esta prática de atelier, e, nesse sentido, quanto mais se abrir o
campo de acção melhor. Portanto, quando se diz que há muitos arquitectos
em Portugal eu considero isso bom, ainda pode haver mais. Agora temos de
ter consciência que quando há cerca de vinte e dois mil arquitectos escritos na
Ordem, não vai haver o projecto que nos ensinam na universidade para todos.
O que se tem de perceber é que isto é um facto, e fazer a pergunta de como nos
vamos posicionar perante isto.

JCA: Como reacção ao Movimento Moderno, nas décadas de 60/70 surgiam


grupos como o Team X, os Archigram, os Metabolistas, entre outros, que
assumiram um posicionamento de reflexão sobre a arquitectura na sua
relação com a sociedade. Pensam que será possível estabelecer algum
paralelo entre estes grupos e o vosso trabalho, bem como o de outros
jovens arquitectos cujos projectos questionam o papel do arquitecto na
sociedade?

218
ANTÓNIO LOURO, MOOV

AL: Eu acho que ainda é muito cedo para tentar tirar conclusões. Se calhar
daqui a vinte anos conversamos e não sei se serei a pessoa ideal. Mas eu
acho que se olhares para outros ateliers que estão a fazer um trabalho menos
convencional, como os Exyzt, os Raumlabor, esse tipo de ateliers, que à sua
maneira, são revolucionários, e daqui a dez anos quando se olhar para trás
isso perceber-se-á, sobretudo nesta maneira de “fazer arquitectura para hoje”
ou “para ontem”. Ou seja, muitas vezes não há projecto, “tens aqui um monte
de madeira, vamos fazer uma coisa e vamos fazer uma coisa com estas pessoas
que estão aqui” e isso vem de tentar contrariar esta ideia de que a arquitectura
necessita de muito tempo, porque envolve imensos meios, e às tantas quando
a sociedade acelera, tu, como arquitecto também sentes necessidade de
acelerar, ou pelo menos acelerar parte dos teus projectos e perceberes que a
realidade está a mudar todos os dias e como é que eu posso fazer projectos que
acompanhem essa realidade. Eu acho que isso se consegue retirando uma série
de etapas ao processo de projectar, sendo também mais modesto naquilo que
se quer fazer. Hoje em dia já não queres projectar bairros inteiros, se calhar
queres projectar apenas um banco para o senhor que vive ao teu lado, e vais-
te sentar com ele e vamos ver como é que vamos fazer aqui o banco. Mas a
questão é que em vez de teres folhas e folhas de esquiços muito bonitos sobre
o bairro que querias fazer, tens ali o banco na rua que serve para uma série de
coisas. Outra coisa que é muito interessante é quando tu constróis realmente
uma coisa tu não sabes depois onde aquilo vai parar. Há pessoas, se calhar,
que não vão usar aquilo como banco, vão usar como outra coisa e o banco
é transformado. Isso é muito interessante: tu perceberes que precisas de pôr
coisas na rua, nem que sejam mínimas. Eu acho que estres grupos abriram
o caminho ao mostrar que é possível. “Eu com mais dois amigos posso fazer
aqui uma coisa.”

JCA: Que referências é que procuram quando desenvolvem os vossos


projectos? Que influências marcam o vosso trabalho?

AL: Não existem referências arquitectónicas directas. Eu diria que procuramos

219
mais referências em campos que são periféricos à arquitectura. É onde
encontramos, sobretudo, uma reflexão sobre a sociedade que nos interessa
mais depois explorar. Porque é que eu te digo isto? Nós enquanto arquitectos
temos uma inteligência muito específica e temos um modo de encarar os
problemas de um ponto de vista muito específico. O que nós gostamos, por
exemplo, quando abrimos o nosso processo de concepção a outras pessoas
que não são arquitectos, é perceber como é que essas pessoas vêm aquele
problema, que é necessariamente diferente do modo como nós vemos.
Portanto, quando procuramos referências, e se queremos fazer alguma coisa
que possa acrescentar algo novo áquilo que está em debate, nós tentamos
procurar um saber exterior à disciplina.

JCA: Na revista Arqa referem que o projecto “Seta Amarela” foi


determinante para assumirem o interesse por uma prática adisciplinar. O
que é que entendes por uma prática adisciplinar?

AL: O adisciplinar é um ilogismo, a palavra não existe. Nós criámo-la porquê?


Há sempre uma certa arrogância em criar uma palavra, embora não tenha
sido essa a nossa vontade. Na altura que nós criámos esta palavra esta reflexão
era já usual, o multidisciplinar, ou seja convocar diversas disciplinas para fazer
uma coisa. Só que tu convocas diversas disciplinas, cada uma no seu galho.
Imagina, alguém da área da música, tu carpinteiro e eu arquitecto. Estamos
aqui os três, vamos todos trabalhar para fazer este telemóvel. Naturalmente
o que vai acontecer é que um faz a música, outro vai fazer a capa e alguém
fará outra coisa. A nós não nos interessava isto. O que nos interessava era
baralhar as coisas. Ou seja, quando nós dizemos adisciplinar, quer dizer que
não há disciplina. É um conjunto de pessoas que têm uma formação qualquer
mas que estão todos em pé de igualdade e, idealmente, todos a pensar num
campo disciplinar que não é o seu, eu a pensar na música e outra pessoa a
pensar no espaço. Porquê? Porque uma pessoa de fora da disciplina vai ter
uma abordagem do espaço sem preconceitos. Uma das coisas mais bonitas
que há quando tu estás a trabalhar em algo com alguém que não é arquitecto

220
ANTÓNIO LOURO, MOOV

é essa pessoa fazer-te perguntas. Por exemplo, uma janela, “isto não podia
ser em arco?”. Tu respondes imediatamente que não. Mas depois obrigas-te
a pensar: “porque é que não pode ser em arco?”. E pensas: “Ah é feio!”. “Mas
é feio porquê?” E se formos todos arquitectos, um diz que não pode ser em
arco e toda a gente concorda, porque todos nós temos o mesmo background
académico. É por isso que este tipo de perguntas nos interessam – “porquê é
que não é em arco?”

JCA: Lembro-me de um projecto vosso, “Sonda3”.

AL: Este foi também um projecto para a Trienal. Nós acabamos por estar
sempre na Trienal, mas através de projectos laterais. Com este projecto
achamos que seria interessante fazer as mesmas três perguntas a uma série de
agentes do processo construtivo, desde o político que decide o que é preciso
construir, até ao arquitecto, ao engenheiro, ao empreiteiro, ao trolha que está lá
a construir, a quem vai vender, e a estes juntamos aqueles que nós chamamos
opinion makers populares, que são o taxista e o empregado de mesa. Foi
engraçado porque conseguimos convencer a Trienal a fazer estas entrevistas
no ciclo de conferências que eles organizaram e, desta forma, podemos fazer
estas perguntas a arquitectos top, ao Thom Mayne, ao Souto Moura. Ao Souto
Moura para aí há vinte anos que ninguém lhe pergunta o que é a arquitectura.
Perguntam-lhe outras coisas, e perguntam-lhe o que é arquitectura e ele fica
…, tal como o Thom Mayn. Depois acabam por responder, uns com umas
respostas mais interessantes e outras menos. Mas, por exemplo, quando fazes
a pergunta ao taxista, ele responde-te rapidamente que arquitectura é “os
edifícios”. Está ali chapado. Não quisemos fazer juízo nenhum, mas pô-los em
confronto, através da montagem do vídeo, uma vez que não há uma hierarquia,
não vai de quem sabe mais para quem sabe menos. O que nós optamos por
associar foi os princípios, os meios e os fins de resposta, e depois tens uma
série de gente a fazer … e outros a responder directo. Todos nós temos uma
palavra a dizer sobre arquitectura, mas às vezes, se calhar, pensamos de mais
e fazemos de menos.

221
JCA: De de que forma é que o projecto “Seta Amarela” vos motivou no
sentido de um trabalho adisciplinar e o que é que mudou no vosso método
de trabalho a partir daí?

AL: Há um concurso para um festival de artes performativas e o que, sobretudo,


nos chamou à atenção foi a ideia de intervir no espaço público. Nós achamos
isso interessante e dissemos: “vamos ter uma ideia e vamos desenvolver um
conceito para isto”. Sobretudo porque tínhamos vários amigos do campo
artístico e a maneira como eles se apropriavam do espaço público, parecia-
nos que ficava um bocado aquém do potencial que aquilo podia ter. Então
decidimos pôr as mãos na massa e apresentar algo. O nosso projecto acabou
por ser seleccionado para fazer parte desse festival. Está aqui uma seta. Mas
sobretudo, o que nos interessava, e o que nos interessou daí para a frente, foi
esta ideia de intervenção no espaço público a partir do mínimo de objectos. As
setas eram seis e a maneira e foram dispostas no espaço dando a possibilidade
das pessoas interagirem com elas, intensificando a narrativa não dizendo para
quê que as setas serviam. Nós estivemos dozes horas na rua e a meio do dia,
eramos seis, cada um com uma seta diferente, cada um tinha uma história
diferente para contar sobre a seta. E era esta ideia do boato que se espalha
pela cidade e às tantas as pessoas nunca chegaram a saber quantas setas
eram. E nós depois no fim íamos perguntar às pessoas, “mas então quantas
setas eram?” e uns diziam sessenta, outras diziam mais de cem. E é esta ideia
que há muito no cinema, há aqueles filmes de terror que gostam de mostrar
tudo e há outros que só gostam de dar a entender, que são normalmente os
mais assustadores. Nós começamos a perceber quando intervéns no espaço
público, podes deixar muito à imaginação da pessoa, não tens de fazer tudo,
fazendo só parte do trabalho, e depois a maneira como apresentas, a maneira
como tu montas o guião, deixando o resto à responsabilidade das pessoas.
Depois isso começou-nos a interessar muito, esta ideia de fazer coisas e de
nos confrontarmos directamente com as pessoas, que há muito pouco em
arquitectura. Em arquitectura tu confrontas-te com os clientes e ponto final.

222
ANTÓNIO LOURO, MOOV

Interessou-nos esta ideia de nos confrontarmos com uma audiência maior,


que não só os clientes. Interessou-nos esta coisa de ir para o espaço público,
este espaço de negociação, de trabalhar para hoje, conseguir os recursos para
fazer as coisas, diferente de um projecto mais convencional, de uma casa ou de
um edifício, onde estamos sempre dependentes de outros.

JCA: No projecto “Habitats Abertos”, no Equador, a vossa intenção era dar


aos habitantes um posição activa fazendo-os co-responsáveis pelo projecto,
através de um sistema arquitectónico aberto. Num sistema destes, como é
que é feita a articulação entre as vontades dos habitantes e as do arquitecto
enquanto profissional?

AL: Quando nós começamos a fazer instalações percebemos que o contributo


das pessoas, para o que púnhamos na rua, era muito interessante, levando-
nos para caminhos que não tínhamos planeado. Começamos, então, a pensar
como é que podíamos transportar esta imponderabilidade para a arquitectura,
e a perceber que, à semelhança daquilo que fazíamos nas instalações, há uma
série de camadas na arquitectura para as quais as pessoas podem dar tão ou
melhor resposta do que o arquitecto. Numa casa, que é um ambiente tão
intimo, um organismo que vai crescendo ou decrescendo, achamos que não
fazia sentido apresentar um produto acabado. A estas pessoas pode e deve ser
dada a oportunidade de gerir o seu ambiente. Repara que isto não é válido em
todas as sociedades. Nós não queríamos pôr um projecto destes, por exemplo
na Finlândia. Culturalmente não faz sentido. Quando nós descobrimos este
concurso, já tínhamos estado na América do Sul, onde eles são muito mais
pró-activos sobre a habitação, e achamos que esse era o contexto para testar
isto. Nós, como arquitectos, o que é que podemos fazer? Podemos pôr a nossa
técnica à disposição e acrescentar uma série de constrangimentos positivos
áquilo que as pessoas podem fazer. E o que é que nós fizemos? Delimitamos
a implantação. Ao limitarmos a implantação, estamos basicamente a definir
frentes de rua, tornando mais fácil gerir a rua. Ao delimitar a implantação
limitaste a profundidade das divisões e conseguiste fazer com que todas as

223
divisões pudessem ter ventilação cruzada. Repara, mas para isto tu precisas
de saber a importância da ventilação cruzada e de perceber como é que podes
organizar isto no espaço. Para isto é necessário um arquitecto. Mas depois o
que é que nós nos demitimos de pensar? Se a casa tinha duas águas, se tinha
cobertura plana, isso as pessoas podem decidir. Nós basicamente definimos o
envelope e definimos qual seria a maneira ideal desse envelope crescer. Mas as
pessoas depois definem a forma final desse envelope e a sua pele.

JCA: Um modelo destes seria possível de aplicar em Portugal? Disseste que


por exemplo na Finlândia não.

AL: Eu acho que Portugal está no limite, porque as pessoas já esperam ter uma
casa pronta, e sobretudo, nós arquitectos temos pouca experiência em primeira
mão de bairros sociais. Infelizmente ou felizmente quase nenhum estudante
de arquitectura vive num bairro social. Isso tem um pouco a ver com aquilo
que eu te disse, que arquitectura é para ricos. Os estudantes de arquitectura
necessitam de ter alguns meios económicos para conseguir concretizar os
estudos e além disso é necessário uma estabilidade familiar. Neste sentido,
acabamos por não ter esta experiência em primeira mão e cometer muitos
erros básicos. Eu como acabei por viver paredes meias com um bairro social,
muitos dos meus amigos eram de lá, fui exposto a esta realidade muito cedo
e acabei por conseguir perceber algumas coisas. Uma dessas coisas é que cá
em Portugal, isto não é válido porque as pessoas esperam que a casa esteja
pronta. Essa ideia da casa poder crescer não lhes é muito grata, até porque
acham – há um bocado aquela ideia de que o estado tem de apoiar – que
pode ser um insulto receberem uma casa incompleta. Enquanto noutro tipo
de culturas isto é visto como uma oportunidade, cá é vista como uma falta de
respeito. Portanto, eu diria que Portugal está no limite, e curiosamente diria
que era mais fácil se calhar tu passares um modelo destes a uma franja da
sociedade que não precisaria de um modelo destes, mas que vê isso como
uma oportunidade, do que às pessoas, que se calhar mais necessitavam deste
modelo, porque vão ver isso como uma falta de respeito. A arquitectura esbarra

224
ANTÓNIO LOURO, MOOV

sempre nas questões socioculturais. Tu não trabalhas no vazio, e portanto, um


modelo que serve para um lado pode não servir para outro.

JCA: Numa sociedade onde impera o consumo, a imagem e a rentabilidade,


procurar trazer para primeiro plano a dimensão social da arquitectura
pode ser considerado uma utopia?

AL: Acho que não e se tu vires a tendência de uma série de jovens arquitectos,
que estão a fazer coisas nesse campo, verificas que não é utopia nenhuma.
Quando a sociedade tende para uma determinada direcção há sempre uma
reacção. Quando tu tens um manancial de futilidade que nos enche muito os
dias tens tendência a fazer algo que seja mais substancial e que dê resposta.
Portanto, eu não acho que isto seja utópico e acho que é até normal a coisa
acontecer. Agora tem é de acontecer com qualidade. Ou seja não é por
estares a fazer um projecto social que tens de ser menos rigoroso ou menos
ambicioso. Se vais fazer o banco para o velhinho vais tentar fazer o melhor
banco possível com as ferramentas que tens, e muitas vezes o que eu vejo é uma
atitude “se é social já não tenho de me esforçar tanto, basta fazer uma coisa
qualquer”. Uma das coisas que me tem deixado mais contente é que muita da
arquitectura que dá uma resposta mais directa a necessidades sociais, quer
seja em situações de emergência, quer seja em bairros mais críticos ou países
menos desenvolvidos, tem cada vez uma melhor qualidade arquitectónica.
Trabalham com a austeridade e o mínimo de recursos, mas com um melhor
pensamento arquitectónico do que, por exemplo, há dez anos. E isso porquê?
Há mais gente a trabalhar nesse campo, há mais experiência.

JCA: Até porque a má arquitectura pode agravar os problemas que se estão


a tentar resolver.

AL: Muitos dos problemas resolvem-se não fazendo arquitectura. Já nos


pediram um projecto em que a coisa ficou resolvida numa reunião. Tu falas com
as pessoas e percebes que ok, o que é necessário fazer é trabalhar o pavimento.
Mas enquanto arquitecto é muito difícil encarar o problema e perceber que a

225
solução não passa por fazer aquilo que nós sabemos fazer melhor. É necessária
uma certa modéstia que não nos é incutida e, sobretudo, perceber em que
situações aquilo que nos propomos a fazer é melhor do que o que já está feito.
Tu visitas a obra de um colega e encontras sempre um defeito. O que eu acho é
que se deve ter a sapiência de saber quando é que vale a pena convocar recursos
para mudar uma coisa e quando é que não vale, e perceber que o que já está
feito está bom. É espectacular? Não é, mas funciona. Se calhar vais investir o
teu tempo noutra coisa ao lado e nesses sentido se tu me tivesses perguntado
por exemplo, o que é fundamental o arquitecto pensar a nível social hoje em
dia? Eu diria que é mais naquilo que já está construído e curiosamente não
te diria reabilitação tal e qual como ela está a ser discutida hoje em dia, que é
os centros históricos. Pensar como é que podes reabilitar os subúrbios, como
é que podes dar uma maior qualidade áquilo. Neste momento há milhões de
casas construídas nos subúrbios, muitas delas com má qualidade, mas estão lá
e a solução não vai ser demoli-las porque já foram convocados uma serie de
recursos, material, tempo. Agora ainda vais gastar mais energia a mandar aquilo
abaixo? Não. A questão é como é que tu podes aproveitar aquilo que já está
feito? E não estamos a falar em Africa ou em situações de emergência, mas sim
de coisas que existem hoje em dia, onde vivem milhares e milhões de pessoas.
Tu dás uma volta aqui pela Cintura de Lisboa. Começas no Catujal, ali ao pé
da Expo, Bairro de Angola, depois vais até à Pontinha, Amadora, e percebes
que falta ali imensa inteligência arquitectónica para pensar o espaço que já lá
está. Mas pensar o espaço não é mandar a baixo e reconstruir de novo. Como
é que se poderia melhorar o que já lá está? Por exemplo, os programas POLIS,
através dos quais se fizeram aquelas obras, algumas boas, outras nem tanto,
sobretudo na costa portuguesa, contribuíram para a décalage entre o espaço
público e o edificado porque, basicamente, só consertaram o pavimento. Eu
acho que era necessário quase um programa POLIS para os edifícios. Como se
melhora o comportamento energético do edifício? Isso é uma questão social,
porque as pessoas vivem ali. Mas isto pede uma certa modéstia do arquitecto
em trabalhar com o que já existe.

226
ANTÓNIO LOURO, MOOV

JCA: E terá também a ver com as limitações com que falavas há pouco,
porque uma programa desses teria de partir da vontade política. Mesmo a
questão do orçamento seria outro problema.

AL: A questão é que passa por tu, enquanto arquitecto, convenceres as


entidades políticas e os próprios habitantes que aquilo é benéfico para todos.
Isso passa por algum trabalho de campo, fazendo estudos efectivos de como é
que aquilo pode ser realmente melhor.

JCA: A pesquisa, num atelier de arquitectura é importante, não só a pesquisa


em torno das questões técnicas/tecnológicas, mas também na procura por
perceber quais são as transformações que ocorrem na sociedade?

AL: Eu acho que isso vem tipo esponja. O que eu acho que tu, enquanto
arquitecto, e isso é que é positivo, deves tentar ter muita experiência, não te
fechar na tua concha, não ir só aos jantares de arquitectos. Portanto, tentar
viver, ver, falar com um maior número de pessoas para conseguires e ir
absorvendo coisas. Pesquisa dentro do atelier, eu acho que depende muito
da escala. Num atelier pequeno como o nosso – sou eu e o José que não está
cá e de vez enquanto temos mais algumas pessoas que trabalham connosco
– a pesquisa é feita com os projectos que nós temos. Nós não temos tempo
nem disponibilidade financeira para dizer “pára, agora durante três meses
vou estudar os subúrbios”. Só poderíamos fazer isso se quisesse fazer um
doutoramento e aproveitasse o doutoramento para pensar sobre este assunto.
É assim que eu vejo isto. De resto, podes ir pesquisando projectando. Qual é a
vantagem quando tu tens num atelier? Tu podes escolher alguns dos projectos
que fazes e esses projectos já indicam caminhos. Por exemplo aquele projecto
dos “Habitats Abertos” é um concurso que nós escolhemos fazer porque havia
a vontade de trazer para a arquitectura o processo que íamos verificando no
nosso atelier, o processo de interacção com as pessoas, e achamos que aquela
podia ser a oportunidade. Fizemos investigação fazendo esse concurso. Depois
apresentamos também uma proposta para o Mercado do Chão do Loureiro,
um antigo mercado que ficava no centro de Lisboa e acabamos por usar

227
algumas coisas que estão nos “Habitats Abertos” para esse projecto também.

JCA: Aquele era um edifício da Câmara?

AL: Aquele era um edifício da Câmara. Nós sabíamos que o projecto nunca iria
ser feito porque o edifício tinha demasiado valor e a Câmara tinha a intenção
de fazer um parque de estacionamento, que fizeram e mal. Mas o conceito era
suficientemente forte para ser trabalhado noutro sítio, esta ideia de uma casa
que está preparada para os primeiros cinco anos de vida de um jovem. E é
muito interessante, agora ver, alguns concursos lançados pela Câmara, com o
factor tempo, que é uma coisa que é muito importante. Tu quando fazes algo,
neste caso uma casa com rendas controladas para jovens, é muito importante
projectares um tempo final para isto. A esses casas associamos empresas,
uma vez que a nossa ideia era que se pudesse viver e trabalhar no mesmo
sitio durante cinco anos com uma renda mínima. Ao viveres e trabalhares
no mesmo sitio com uma serie de pessoas a comungar os mesmos interesses,
poder-se-ia criar sinergias para acontecer qualquer coisa. Mas uma das coisas
mais importantes do projecto era que tu só podias lá estar cinco anos, por
duas questões: primeiro, se a tua empresa não estava se tinha desenvolvido ao
fim de cinco anos se calhar tens de pensar se faz sentido ou não continuares e
a segunda era para dares oportunidade a mais gente, para rodar.

JCA: Qual é que era o programa que vocês propunham?

AL: O que nós propusemos, e o que eu acho que era mais interessante ali,
foi uma célula, que tinha cerca de 2,20m por 8m ou 7m com um módulo de
casa de banho no centro que te permitia gerir o espaço. Ou seja mais uma
vez esta questão de tu poderes interagir com o espaço, podendo escolher
entre mais espaço para trabalhar ou para viver. Tu não sabes quanto é que as
pessoas querem. Há pessoas que se dedicam ao trabalho e o espaço de viver
pode ser só uma cama, podendo puxar a casa de banho o máximo possível,
ou vive versa. Ou num mês estás virado para uma coisa e em outro mês está
virado para outra. Depois havia também uma coisa interessante: um vazio

228
ANTÓNIO LOURO, MOOV

central que permitia que os corredores de acesso em galeria pudessem ter uma
largura muito grande e essa largura, basicamente metade, era espaço afecto
à tua célula, só com uma marcação no pavimento, mas que permitia estar a
trabalhar na galeria e potencializando-a como espaço de socialização.

JCA: Qual é que era o estado do edifício?

AL: O edifício estava em bom estado, mas estava completamente devoluto.


Não se passava lá nada há cerca de cinco anos. Fizemos um levantamento
sumário do edifício e fizemos aquela proposta já sabendo que nunca iria ser
aceite, mas o que nos interessava era pensar sobre esta ideia de uma unidade
habitacional para uma serie de pessoas que querem viver no centro mas não
têm essa possibilidade, e como se poderia levar isso ao mínimo. Por exemplo,
os serviços eram partilhados, fazendo com que tudo seja mais barato. E isso
é que permite que a renda seja mais barata. Ou seja, tu para conseguires um
determinado tipo de coisas também tens que fazer ver às pessoas que é preciso
abdicar de outras. É preciso abdicar se calhar de espaço, é preciso abdicar de
ter a tua cozinha, a tua máquina de lavar, e se calhar muitas pessoas não estão
dispostas a abdicar disso. Mas eu acho que há um número suficiente para
rentabilizar uma coisa destas.

JCA: Vocês têm pensado mais algum projecto deste tipo, não solicitado?

AL: Estamos com algumas ideias, mas nestes últimos dois anos não. Nestes
últimos dois anos, como temos tido mais solicitações estamos um bocado
concentrados nisso e sobretudo agora estamos envolvidos em três projectos
de execução que nos tomam imenso tempo. Isto também coincidiu com a
altura em que eu comecei a dar aulas, portanto acabei por ter menos tempo
e também acerca de dois anos que não fazemos concursos, ou se fazemos
são concursos muito específicos para uma coisa que já estamos a fazer, de
forma a arranjar financiamento. Estávamos a fazer cerca de três concursos por
ano, o que era bastante duro e estávamos a entrar num ritmo que já era um
bocadinho diferenciado, e achamos que “ok já ganhamos músculo” e agora

229
se calhar precisamos de nos concentrar nas coisas mais construíveis. Agora
estamos nisto, não quer dizer que daqui a um ano voltemos a isso. Lá está,
como é uma equipa muito pequena, o modo como nós vamos gerindo o nosso
trabalho é muito circunstancial, ou seja, se entra um projecto um pouco maior,
nós se calhar durante um ano estamos só dedicados áquilo. E como hoje, tu
não sabes o dia de amanhã é muito difícil tu teres pessoas aqui a trabalhar.

230
TIAGO MOTA SARAIVA, ATELIERMOB

João Carlos Alves: Recorrendo a abordagens e ferramentas próprias


de outras disciplinas, os vossos trabalhos procuram, de alguma forma,
dar resposta ou chamar à atenção para determinado problema social.
Consideras que a arquitectura tem uma responsabilidade social? E se sim,
quais pensas que são as limitações da arquitectura nesse sentido?

António Louro: Obviamente a arquitectura tem uma responsabilidade social.


Há, desde logo, duas limitações óbvias que são políticas e económicas. Ou
seja, tu enquanto arquitecto podes desenvolver uma serie de trabalhos de
forma não solicitada, pró-activa, mas que estão sempre limitados aos meios
financeiros que consegues convocar para fazer a obra e também à recepção
politica que ela vai ter. O que eu quero dizer com isso é que podes actuar nas
franjas e, nós já fizemos isso. Procurar fazer as coisas sem licenciamento, mas
é óbvio que aí estás limitado a um determinado tipo de escala de intervenção.
Pensar que vais mudar a cidade sem envolver quem realmente dirige, a classe
politica, e sem envolver os meios económicos, que são aqueles que te podem
dar capital para fazer as coisas, não faz sentido.

JCA: O vosso atelier desenvolveu dois projectos que identificaram como


não solicitados.

AL: Quais eram?

JCA: Um deles era o “SWARS” que achei bastante interessante porque me


pareceu ser uma crítica a um “tipo” de arquitectura que se faz actualmente.
O outro era o “I5”. Como foi feita a bordagem as estes projectos? Como é
que trabalham neste sentido da não solicitação?

AL: Há uma questão muito importante, quando é um trabalho não solicitado,


de alguma forma tem de nos divertir. Temos de ser felizes a fazê-lo senão não
vale a pena. Portanto tem de ser uma coisa que nos desperte interesse. Depois
há sempre circunstâncias, que não te consigo explicar, que nos empurram
para determinado tipo de trabalho. No “SWARS” nós trabalhamos com outro
atelier que são os Dass. O David Seabra [atelier Dass] estudou comigo, portanto

231
somos amigos desde a universidade e já nos apetecia trabalhar juntos. Na
primeira edição da Trienal de Arquitectura houve uma exposição chamada
“Arquitecturas Digitais” para a qual fomos convidados. Embora tenhamos
achado que não fazia muito sentido, porque utilizamos o digital apenas como
ferramenta e não nunca como meio de concepção do trabalho, aceitámos o
desafio. Convidámos o David para trabalhar connosco, porque achámos que
fazia sentido e seria interessante. Já que nos tinham convidado para estar na
Trienal, o melhor era que fizéssemos uma crítica bem-humorada ao sistema
de referências da própria arquitectura. Desenvolvemos para essa exposição
um pequeno trailer de um filme que nunca iria existir, sobre a arquitectura
portuguesa adaptado ao ambiente da Guerra das Estrelas. Basicamente
convertemos uma serie de edifícios, mais ou menos conhecidos, de arquitectos
portugueses, transformámo-los em naves a combaterem entre si. “Esta coisa
de rivalidade”. E depois mais tarde gostámos da ideia, quisemos desenvolvê-la
à escala mundial, em jeito de reflexão sobre o star-system, procurando também
perceber como é que a arquitectura pode trabalhar com sistemas operacionais
que não são totalmente característicos da arquitectura. Aqui estou a falar
da figura do remix, por exemplo, que é muito caro aos músicos que pegam
em várias músicas e as misturam. Nós achamos que poderia ser interessante
esta coisa de pegar num edifício e reinterpretá-lo. E de repente o que era um
edifício passa a ser uma nave. E é óbvio que há muitos edifícios sobre os quais
se diz “parece um ovni”. E nós quisemos um bocadinho levar essa expressão
ao extremo.

JCA: Portanto o projecto “SWARS” pode ser visto como uma crítica ao
mainstream da arquitectura?

AL: Era uma crítica, mas era também uma questão de trabalhar com uma
serie de edifícios que tinham características que, na nossa opinião, podiam ser
inspiração para outra coisa que não edifícios e, sobretudo, esticar as fronteiras
da disciplina. Porque não pegar em edifícios e passá-los para o espaço digital
em confronto com outros tipos de ambientes e outro tipo de pessoas que

232
TIAGO MOTA SARAIVA, ATELIERMOB

não aqueles para o qual foram pensados. Mas também é preciso dizer que os
edifícios que lá estão são edifícios que nós admiramos e gostamos. Ou seja, é
verdade que existe um star-system, mas muitos desses arquitectos produzem
obras de arquitectura verdadeiramente incríveis. Agora se elas são produzidas
porque existe o star-system ou o contrário, não sei. Interessou-nos mandar
achas para a fogueira e depois logo ver. Foi interessante, porque nós queríamos
fazer um trailer de dois minutos, a tal ideia de trailer para filme que nunca
iria existir, depois acabamos por não conseguir reunir os meios técnicos
necessários para fazer o trailer tal como nós o queríamos e transformamos
o storyboard numa banda desenhada. Foi a fuga para a frente. Cerca de um
ano depois de termos feito a banda desenhada há aquele incêndio do edifico
dos OMA em Pequim. Eles têm o CCTV, mas ao lado do CCTV há outro
edifico que serve de apoio, um edifício gigante. Esse edifício ardeu, em 2009,
e quando arde marca um bocado o fim do star-system. De lá para cá veio a
crise, os arquitectos tiverem de se tornar muito mais objectivos e muito menos
de gestos gratuitos e a banda desenhada sai um bocadinho fora de tempo. É
uma crítica de uma coisa que já não existe, mas isso é muito comum hoje. Tu
começas a pensar numa coisa, quando tentas pôr cá para fora algo, a própria
realidade já é diferente.

JCA: Pensas que a realidade na arquitectura está a mudar motivada pela


crise? Como vês o grau de compromisso dos arquitectos portugueses com
as questões sociais?

AL: Eu acho que é bastante reduzido e acho que muitos deles estão a ser
empurrados para essas questões mais por uma questão de tendência e de
moda do que propriamente por convicção. Se me perguntares, é bom, ou seja
é preciso é que eles trabalhem mais nesse sentido. Porque é que eles chegam lá?
Há uns por motivos mais nobres e outros menos, mas é bom. Isto é um modo
mais prático de fazeres arquitectura e tentares ajudar de um modo directo as
pessoas que mais precisam. O arquitecto e a questão social têm uma longa
história. Hoje em dia, e isso é que eu acho que é um bocadinho novo, há uma

233
ligação estreita entre um certo trabalho de arquitectura que se preocupa mais
com o que é possível, ou seja bastante mais realista e bastante mais táctica,
no sentido em que procura práticas que possam ser construídas num curto
espaço de tempo.

JCA: Falavas dos bairros sociais. É claro que a questão social sempre esteve
presente na arquitectura. A minha pergunta é se vias o compromisso
do arquitecto a trabalhar nesse sentido sem ter sido solicitado a fazê-lo,
mesmo quando convocado para determinado projecto cujas preocupações
sociais não são, à partida, uma condicionante?

AL: Eu diria, sendo absolutamente sincero, não. Vamos ser sinceros,


arquitectura é uma coisa para ricos e tu vês as casas que tu admiras e os
edifícios, aquilo são coisas muito dispendiosas. Dos melhores exercícios que
eu gosto de fazer é abrir aqueles livros que dizem low-budget houses e etc. e eu
parto-me a rir. Porque aquilo continua a ser tudo para ricos. Portanto fazer um
exercício de contenção e de trabalhar um bocadinho com a escassez, eu acho
que hoje em dia nós estamos mais bem preparados para o fazer, mas lá está
é muito importante não vivermos isolados. Tu estás a trabalhar para alguém
que tem espectativas. Coisas que tu achas que são interessantes, como por
exemplo o betão à vista, essas pessoas acham pobre, porque têm um conjunto
de referências através das quais identificam o que é a arquitectura. E depois
não têm a capacidade para conseguir distinguir que tu usares uma serie de
materiais sem um tipo de revestimento, por exemplo, pode ser uma resposta
para a escassez. Acham que a coisa está inacabada. Tu enquanto arquitecto se
quiseres trabalhar esse tipo de soluções passa muito também por estabeleceres
diálogo e desceres tu um bocadinho ao meio onde estás a intervir.

JCA: Quais é que pensas serem os problemas da cidade contemporânea e


da sociedade a que os arquitectos podem dar resposta?

AL: Essas perguntas tão abstractas são complicadas. Vou-te dar uma resposta
contraditória. Eu não acho que a cidade contemporânea tenha grandes

234
TIAGO MOTA SARAIVA, ATELIERMOB

problemas e ao mesmo tempo acho que tem muitos.

JCA: São problemas mais pontuais que não requerem grandes soluções?

AL: Ou seja, existe uma inteligência arquitectónica que é específica e que não
tem a ver só como nós desenhamos. Tem a ver com o modo como nós encaramos
os problemas. Consigo-te dizer isto porque aqui no atelier já trabalhamos com
vários técnicos e vários artistas de outros campos, e há claramente um modo
diferente de abordar os problemas em arquitectura, e até de os visualizar. Eu
acho que essa inteligência arquitectónica pode ser interessante para resolver
uma serie de problemas imediatos, que é o que raramente acontece. O
arquitecto é aquele que é chamado para pensar uma coisa que tem que ficar
lá vinte anos, trinta anos. Nesse sentido, a deslocação, mais por necessidade
do que por querer, do arquitecto para campos mais efémeras, e que não tem
a ver só com a capacidade de fazer uma serie de acções de caracter artístico,
mas também com acções funcionais, é interessante e pode dar resposta a uma
serie de problemas. Como a sociedade acelerou há problemas que também são
efémeras.

JCA: Vocês tinham um estúdio que era o Moovlab, que entretanto agregaram
ao MOOV. De que forma o trabalho desenvolvido no Moovlab com um
carácter experimental e de pesquisa influenciou os vossos projectos?

AL: Contaminou o nosso trabalho de uma forma inconsciente. O Moovlab


acaba por se fundir com o MOOV porque às tantas já não fazia sentido a
distinção. As coisas começaram-se a cruzar de tal modo que temos aqui dois
nomes para duas coisas que são a mesma coisa. A questão é que, sobretudo, no
Moovlab, nós fazíamos coisas muito efémeras, instalações no espaço público,
mais tácticas. Mas depois esta maneira de pensar as coisas de uma forma mais
realística contamina a forma como tu fazes arquitectura e às tantas já não
estás a planear tudo, deixando muitas coisas abertas para as pessoas, que vêm
habitar ou utilizar a tua arquitectura, possam também elas alterar o espaço.
Isso, eu acho, é uma coisa que veio do trabalho desenvolvido no Moovlab,

235
um trabalho que procuramos que fosse sempre interactivo, não no sentido
tecnológico, mas no sentido de convidar as pessoas a tocar e a, de alguma
forma, mudar/alterar o espaço.

JCA: Mantêm alguma relação com as universidades? Tendo em conta esta


vossa experiência, pensas que as universidades sairiam beneficiadas se
concentrassem os seus programas mais na pesquisa e na experimentação,
também em torno das transformações que ocorrem na sociedade?

AL: Eu sou professor e tu estavas a fazer a questão e eu estava-me a lembrar dos


meus alunos. Não sei se precisa. Por exemplo, embora eu encaminhe os meus
alunos nesse sentido por defeito profissional, dado o que eu faço, eu acho que a
geração mais nova é naturalmente interessada por esse tipo de assuntos, muito
mais do que os seus professores. O que eu acho é que, mais do que a universidade
se tentar focar nesses temas, não deve cortar as asas aos alunos quando eles
querem experimentar esse tipo de coisas. Quando tu lanças um exercício,
há várias formas de o fazer. Já tive várias discussões de júri sobre trabalhos
em que os alunos propunham soluções mais efémeras, mais programáticas
e menos desenhadas, porque havia pouca aceitação dos professores a isso,
porque pensam que é uma fuga para a frente. Aí, o que eu acho que se deve
fazer é respaldar as costas dos alunos e dizer isto pode ser um caminho e é
interessante que tu penses assim. Mas, por outro lado, a universidade tem de
preparar também um bocadinho para a vida e é fundamental que se saiba
desenhar, ou seja, saber dominar as ferramentas clássicas de arquitectura.
Eu acho que estas questões, mais da exploração no sentido de saber como é
que se pode esticar os limites da disciplina deve ser uma coisa a estar sempre
presente, no consciente dos alunos, e deve ser fomentada. Não sei se tem de
ser o cerne do programa. Pode ser o cerne de um exercício, do programa não
sei se tanto, porque aquilo que faz a inteligência específica da arquitectura é o
modo como ela é ensinada. Sobretudo, eu acredito muito, que uma formação
em arquitectura é, no mínimo, dez anos, o que significa que tens uma primeira
parte que é fortemente marcada pela academia e tens uma segunda parte, que

236
TIAGO MOTA SARAIVA, ATELIERMOB

eu acho que anda à volta dos cinco anos, que é fundamentalmente marcada
pelos teus interesses, por aquilo que procuras fazer. Só depois desses dez
anos estás preparado, definindo se queres ter uma prática mais convencional,
menos convencional, etc. Portanto, não me preocupa muito que a academia
formate um pouco os alunos, porque eles a seguir vão seguir o seu caminho.
No fundo, resumindo, eu acho que a academia é classicista, é convencional,
mas se calhar tem de ser assim. Se tu quiseres um pensamento alternativo não
faz sentido enquadrá-lo na academia. Faz sentido, se calhar, tu procurares um
atelier que esteja a desenvolver trabalhos desse género, procurar uns amigos
e desenvolver trabalho nesse sentido, ou seja assumir que se está a trabalhar
à margem do sistema e não tentar que o sistema trabalhe à margem, porque
isso não faz sentido.

JCA: Pensas que se poderia falar de uma redefinição dos limites do campo
de acção do arquitecto, quando se verifica que alguns ateliers, entre os quais
o vosso, desenvolvem trabalhos como por exemplo, instalações artísticas,
performances, vídeos, exposições, acções cívicas? Vês a necessidade da
diversificação do campo de trabalho do arquitecto?

AL: Eu penso que sim. Mais uma vez acho que muito desta diversificação é
por necessidade e não tanto por convicção. No entanto, estou curioso para ver
se muitos destes arquitectos que agora desenvolvem trabalhos neste sentido,
o continuarão a fazer quando o tempo das vacas magras passar, não que
em Portugal isto tenha sido um paraíso. Basta falar um bocado com eles e
percebe-se que o seu discurso é “o que há agora para fazer é isto e faz-se isto,
mas quando houver prédios, betão para fazer é aí que queremos voltar.”

JCA: Tendo em conta o contexto actual de crise, a expansão do campo de


acção do arquitecto pode ser uma solução para o saturado mercado de
trabalho?

AL: Acho que sim. A inteligência específica da arquitectura que já falei, é muito
ecléctica e consegue dar resposta a muitas coisas diferentes. Como arquitecto

237
não é necessário desenhar edifícios para estar a intervir, até no campo da tua
profissão. Através da teoria, da investigação, do ensino, da crítica, tudo são
coisas que podem fazer útil o teu papel enquanto arquitecto. E isso é uma
coisa que eu tento passar muito aos meus alunos, há muitas formas de fazer
arquitectura. Fazer edifícios é se calhar a mais óbvia, mas está muito longe
de ser a única. Por exemplo, os arquitectos que trabalham nas Câmaras são
peças essenciais. Há arquitectos brilhantes a trabalhar nas Câmaras e isso é
bom para todos. No essencial é necessário que esta inteligência específica da
arquitectura esteja espalhada pelo máximo de sítios possíveis. E se houver
bons arquitectos nas Câmaras, nas universidades, empresas de construção
para melhor desenvolverem os seus produtos, é já um bom caminho, dando
mais mérito a quem tem uma prática de arquitectura menos óbvia. Tu falavas
no papel social do arquitecto, se tu dedicares parte da tua vida a desenvolver
um material e esse material permitir que uma série de pessoas consiga fazer
a sua casa de uma forma mais barata, estás a ter um papel social relevante,
sem precisar de desenhar um edifício. O que eu acho é que temos de valorizar
quem não tem esta prática de atelier, e, nesse sentido, quanto mais se abrir o
campo de acção melhor. Portanto, quando se diz que há muitos arquitectos
em Portugal eu considero isso bom, ainda pode haver mais. Agora temos de
ter consciência que quando há cerca de vinte e dois mil arquitectos escritos na
Ordem, não vai haver o projecto que nos ensinam na universidade para todos.
O que se tem de perceber é que isto é um facto, e fazer a pergunta de como nos
vamos posicionar perante isto.

JCA: Como reacção ao Movimento Moderno, nas décadas de 60/70 surgiam


grupos como o Team X, os Archigram, os Metabolistas, entre outros, que
assumiram um posicionamento de reflexão sobre a arquitectura na sua
relação com a sociedade. Pensam que será possível estabelecer algum
paralelo entre estes grupos e o vosso trabalho, bem como o de outros
jovens arquitectos cujos projectos questionam o papel do arquitecto na
sociedade?

238
TIAGO MOTA SARAIVA, ATELIERMOB

AL: Eu acho que ainda é muito cedo para tentar tirar conclusões. Se calhar
daqui a vinte anos conversamos e não sei se serei a pessoa ideal. Mas eu
acho que se olhares para outros ateliers que estão a fazer um trabalho menos
convencional, como os Exyzt, os Raumlabor, esse tipo de ateliers, que à sua
maneira, são revolucionários, e daqui a dez anos quando se olhar para trás
isso perceber-se-á, sobretudo nesta maneira de “fazer arquitectura para hoje”
ou “para ontem”. Ou seja, muitas vezes não há projecto, “tens aqui um monte
de madeira, vamos fazer uma coisa e vamos fazer uma coisa com estas pessoas
que estão aqui” e isso vem de tentar contrariar esta ideia de que a arquitectura
necessita de muito tempo, porque envolve imensos meios, e às tantas quando
a sociedade acelera, tu, como arquitecto também sentes necessidade de
acelerar, ou pelo menos acelerar parte dos teus projectos e perceberes que a
realidade está a mudar todos os dias e como é que eu posso fazer projectos que
acompanhem essa realidade. Eu acho que isso se consegue retirando uma série
de etapas ao processo de projectar, sendo também mais modesto naquilo que
se quer fazer. Hoje em dia já não queres projectar bairros inteiros, se calhar
queres projectar apenas um banco para o senhor que vive ao teu lado, e vais-
te sentar com ele e vamos ver como é que vamos fazer aqui o banco. Mas a
questão é que em vez de teres folhas e folhas de esquiços muito bonitos sobre
o bairro que querias fazer, tens ali o banco na rua que serve para uma série de
coisas. Outra coisa que é muito interessante é quando tu constróis realmente
uma coisa tu não sabes depois onde aquilo vai parar. Há pessoas, se calhar,
que não vão usar aquilo como banco, vão usar como outra coisa e o banco
é transformado. Isso é muito interessante: tu perceberes que precisas de pôr
coisas na rua, nem que sejam mínimas. Eu acho que estres grupos abriram
o caminho ao mostrar que é possível. “Eu com mais dois amigos posso fazer
aqui uma coisa.”

JCA: Que referências é que procuram quando desenvolvem os vossos


projectos? Que influências marcam o vosso trabalho?

AL: Não existem referências arquitectónicas directas. Eu diria que procuramos

239
mais referências em campos que são periféricos à arquitectura. É onde
encontramos, sobretudo, uma reflexão sobre a sociedade que nos interessa
mais depois explorar. Porque é que eu te digo isto? Nós enquanto arquitectos
temos uma inteligência muito específica e temos um modo de encarar os
problemas de um ponto de vista muito específico. O que nós gostamos, por
exemplo, quando abrimos o nosso processo de concepção a outras pessoas
que não são arquitectos, é perceber como é que essas pessoas vêm aquele
problema, que é necessariamente diferente do modo como nós vemos.
Portanto, quando procuramos referências, e se queremos fazer alguma coisa
que possa acrescentar algo novo áquilo que está em debate, nós tentamos
procurar um saber exterior à disciplina.

JCA: Na revista Arqa referem que o projecto “Seta Amarela” foi


determinante para assumirem o interesse por uma prática adisciplinar. O
que é que entendes por uma prática adisciplinar?

AL: O adisciplinar é um ilogismo, a palavra não existe. Nós criámo-la porquê?


Há sempre uma certa arrogância em criar uma palavra, embora não tenha
sido essa a nossa vontade. Na altura que nós criámos esta palavra esta reflexão
era já usual, o multidisciplinar, ou seja convocar diversas disciplinas para fazer
uma coisa. Só que tu convocas diversas disciplinas, cada uma no seu galho.
Imagina, alguém da área da música, tu carpinteiro e eu arquitecto. Estamos
aqui os três, vamos todos trabalhar para fazer este telemóvel. Naturalmente
o que vai acontecer é que um faz a música, outro vai fazer a capa e alguém
fará outra coisa. A nós não nos interessava isto. O que nos interessava era
baralhar as coisas. Ou seja, quando nós dizemos adisciplinar, quer dizer que
não há disciplina. É um conjunto de pessoas que têm uma formação qualquer
mas que estão todos em pé de igualdade e, idealmente, todos a pensar num
campo disciplinar que não é o seu, eu a pensar na música e outra pessoa a
pensar no espaço. Porquê? Porque uma pessoa de fora da disciplina vai ter
uma abordagem do espaço sem preconceitos. Uma das coisas mais bonitas
que há quando tu estás a trabalhar em algo com alguém que não é arquitecto

240
TIAGO MOTA SARAIVA, ATELIERMOB

é essa pessoa fazer-te perguntas. Por exemplo, uma janela, “isto não podia
ser em arco?”. Tu respondes imediatamente que não. Mas depois obrigas-te
a pensar: “porque é que não pode ser em arco?”. E pensas: “Ah é feio!”. “Mas
é feio porquê?” E se formos todos arquitectos, um diz que não pode ser em
arco e toda a gente concorda, porque todos nós temos o mesmo background
académico. É por isso que este tipo de perguntas nos interessam – “porquê é
que não é em arco?”

JCA: Lembro-me de um projecto vosso, “Sonda3”.

AL: Este foi também um projecto para a Trienal. Nós acabamos por estar
sempre na Trienal, mas através de projectos laterais. Com este projecto
achamos que seria interessante fazer as mesmas três perguntas a uma série de
agentes do processo construtivo, desde o político que decide o que é preciso
construir, até ao arquitecto, ao engenheiro, ao empreiteiro, ao trolha que está lá
a construir, a quem vai vender, e a estes juntamos aqueles que nós chamamos
opinion makers populares, que são o taxista e o empregado de mesa. Foi
engraçado porque conseguimos convencer a Trienal a fazer estas entrevistas
no ciclo de conferências que eles organizaram e, desta forma, podemos fazer
estas perguntas a arquitectos top, ao Thom Mayne, ao Souto Moura. Ao Souto
Moura para aí há vinte anos que ninguém lhe pergunta o que é a arquitectura.
Perguntam-lhe outras coisas, e perguntam-lhe o que é arquitectura e ele fica
…, tal como o Thom Mayn. Depois acabam por responder, uns com umas
respostas mais interessantes e outras menos. Mas, por exemplo, quando fazes
a pergunta ao taxista, ele responde-te rapidamente que arquitectura é “os
edifícios”. Está ali chapado. Não quisemos fazer juízo nenhum, mas pô-los em
confronto, através da montagem do vídeo, uma vez que não há uma hierarquia,
não vai de quem sabe mais para quem sabe menos. O que nós optamos por
associar foi os princípios, os meios e os fins de resposta, e depois tens uma
série de gente a fazer … e outros a responder directo. Todos nós temos uma
palavra a dizer sobre arquitectura, mas às vezes, se calhar, pensamos de mais
e fazemos de menos.

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JCA: De de que forma é que o projecto “Seta Amarela” vos motivou no
sentido de um trabalho adisciplinar e o que é que mudou no vosso método
de trabalho a partir daí?

AL: Há um concurso para um festival de artes performativas e o que, sobretudo,


nos chamou à atenção foi a ideia de intervir no espaço público. Nós achamos
isso interessante e dissemos: “vamos ter uma ideia e vamos desenvolver um
conceito para isto”. Sobretudo porque tínhamos vários amigos do campo
artístico e a maneira como eles se apropriavam do espaço público, parecia-
nos que ficava um bocado aquém do potencial que aquilo podia ter. Então
decidimos pôr as mãos na massa e apresentar algo. O nosso projecto acabou
por ser seleccionado para fazer parte desse festival. Está aqui uma seta. Mas
sobretudo, o que nos interessava, e o que nos interessou daí para a frente, foi
esta ideia de intervenção no espaço público a partir do mínimo de objectos. As
setas eram seis e a maneira e foram dispostas no espaço dando a possibilidade
das pessoas interagirem com elas, intensificando a narrativa não dizendo para
quê que as setas serviam. Nós estivemos dozes horas na rua e a meio do dia,
eramos seis, cada um com uma seta diferente, cada um tinha uma história
diferente para contar sobre a seta. E era esta ideia do boato que se espalha
pela cidade e às tantas as pessoas nunca chegaram a saber quantas setas
eram. E nós depois no fim íamos perguntar às pessoas, “mas então quantas
setas eram?” e uns diziam sessenta, outras diziam mais de cem. E é esta ideia
que há muito no cinema, há aqueles filmes de terror que gostam de mostrar
tudo e há outros que só gostam de dar a entender, que são normalmente os
mais assustadores. Nós começamos a perceber quando intervéns no espaço
público, podes deixar muito à imaginação da pessoa, não tens de fazer tudo,
fazendo só parte do trabalho, e depois a maneira como apresentas, a maneira
como tu montas o guião, deixando o resto à responsabilidade das pessoas.
Depois isso começou-nos a interessar muito, esta ideia de fazer coisas e de
nos confrontarmos directamente com as pessoas, que há muito pouco em
arquitectura. Em arquitectura tu confrontas-te com os clientes e ponto final.

242
TIAGO MOTA SARAIVA, ATELIERMOB

Interessou-nos esta ideia de nos confrontarmos com uma audiência maior,


que não só os clientes. Interessou-nos esta coisa de ir para o espaço público,
este espaço de negociação, de trabalhar para hoje, conseguir os recursos para
fazer as coisas, diferente de um projecto mais convencional, de uma casa ou de
um edifício, onde estamos sempre dependentes de outros.

JCA: No projecto “Habitats Abertos”, no Equador, a vossa intenção era dar


aos habitantes um posição activa fazendo-os co-responsáveis pelo projecto,
através de um sistema arquitectónico aberto. Num sistema destes, como é
que é feita a articulação entre as vontades dos habitantes e as do arquitecto
enquanto profissional?

AL: Quando nós começamos a fazer instalações percebemos que o contributo


das pessoas, para o que púnhamos na rua, era muito interessante, levando-
nos para caminhos que não tínhamos planeado. Começamos, então, a pensar
como é que podíamos transportar esta imponderabilidade para a arquitectura,
e a perceber que, à semelhança daquilo que fazíamos nas instalações, há uma
série de camadas na arquitectura para as quais as pessoas podem dar tão ou
melhor resposta do que o arquitecto. Numa casa, que é um ambiente tão
intimo, um organismo que vai crescendo ou decrescendo, achamos que não
fazia sentido apresentar um produto acabado. A estas pessoas pode e deve ser
dada a oportunidade de gerir o seu ambiente. Repara que isto não é válido em
todas as sociedades. Nós não queríamos pôr um projecto destes, por exemplo
na Finlândia. Culturalmente não faz sentido. Quando nós descobrimos este
concurso, já tínhamos estado na América do Sul, onde eles são muito mais
pró-activos sobre a habitação, e achamos que esse era o contexto para testar
isto. Nós, como arquitectos, o que é que podemos fazer? Podemos pôr a nossa
técnica à disposição e acrescentar uma série de constrangimentos positivos
áquilo que as pessoas podem fazer. E o que é que nós fizemos? Delimitamos
a implantação. Ao limitarmos a implantação, estamos basicamente a definir
frentes de rua, tornando mais fácil gerir a rua. Ao delimitar a implantação
limitaste a profundidade das divisões e conseguiste fazer com que todas as

243
divisões pudessem ter ventilação cruzada. Repara, mas para isto tu precisas
de saber a importância da ventilação cruzada e de perceber como é que podes
organizar isto no espaço. Para isto é necessário um arquitecto. Mas depois o
que é que nós nos demitimos de pensar? Se a casa tinha duas águas, se tinha
cobertura plana, isso as pessoas podem decidir. Nós basicamente definimos o
envelope e definimos qual seria a maneira ideal desse envelope crescer. Mas as
pessoas depois definem a forma final desse envelope e a sua pele.

JCA: Um modelo destes seria possível de aplicar em Portugal? Disseste que


por exemplo na Finlândia não.

AL: Eu acho que Portugal está no limite, porque as pessoas já esperam ter uma
casa pronta, e sobretudo, nós arquitectos temos pouca experiência em primeira
mão de bairros sociais. Infelizmente ou felizmente quase nenhum estudante
de arquitectura vive num bairro social. Isso tem um pouco a ver com aquilo
que eu te disse, que arquitectura é para ricos. Os estudantes de arquitectura
necessitam de ter alguns meios económicos para conseguir concretizar os
estudos e além disso é necessário uma estabilidade familiar. Neste sentido,
acabamos por não ter esta experiência em primeira mão e cometer muitos
erros básicos. Eu como acabei por viver paredes meias com um bairro social,
muitos dos meus amigos eram de lá, fui exposto a esta realidade muito cedo
e acabei por conseguir perceber algumas coisas. Uma dessas coisas é que cá
em Portugal, isto não é válido porque as pessoas esperam que a casa esteja
pronta. Essa ideia da casa poder crescer não lhes é muito grata, até porque
acham – há um bocado aquela ideia de que o estado tem de apoiar – que
pode ser um insulto receberem uma casa incompleta. Enquanto noutro tipo
de culturas isto é visto como uma oportunidade, cá é vista como uma falta de
respeito. Portanto, eu diria que Portugal está no limite, e curiosamente diria
que era mais fácil se calhar tu passares um modelo destes a uma franja da
sociedade que não precisaria de um modelo destes, mas que vê isso como
uma oportunidade, do que às pessoas, que se calhar mais necessitavam deste
modelo, porque vão ver isso como uma falta de respeito. A arquitectura esbarra

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TIAGO MOTA SARAIVA, ATELIERMOB

sempre nas questões socioculturais. Tu não trabalhas no vazio, e portanto, um


modelo que serve para um lado pode não servir para outro.

JCA: Numa sociedade onde impera o consumo, a imagem e a rentabilidade,


procurar trazer para primeiro plano a dimensão social da arquitectura
pode ser considerado uma utopia?

AL: Acho que não e se tu vires a tendência de uma série de jovens arquitectos,
que estão a fazer coisas nesse campo, verificas que não é utopia nenhuma.
Quando a sociedade tende para uma determinada direcção há sempre uma
reacção. Quando tu tens um manancial de futilidade que nos enche muito os
dias tens tendência a fazer algo que seja mais substancial e que dê resposta.
Portanto, eu não acho que isto seja utópico e acho que é até normal a coisa
acontecer. Agora tem é de acontecer com qualidade. Ou seja não é por
estares a fazer um projecto social que tens de ser menos rigoroso ou menos
ambicioso. Se vais fazer o banco para o velhinho vais tentar fazer o melhor
banco possível com as ferramentas que tens, e muitas vezes o que eu vejo é uma
atitude “se é social já não tenho de me esforçar tanto, basta fazer uma coisa
qualquer”. Uma das coisas que me tem deixado mais contente é que muita da
arquitectura que dá uma resposta mais directa a necessidades sociais, quer
seja em situações de emergência, quer seja em bairros mais críticos ou países
menos desenvolvidos, tem cada vez uma melhor qualidade arquitectónica.
Trabalham com a austeridade e o mínimo de recursos, mas com um melhor
pensamento arquitectónico do que, por exemplo, há dez anos. E isso porquê?
Há mais gente a trabalhar nesse campo, há mais experiência.

JCA: Até porque a má arquitectura pode agravar os problemas que se estão


a tentar resolver.

AL: Muitos dos problemas resolvem-se não fazendo arquitectura. Já nos


pediram um projecto em que a coisa ficou resolvida numa reunião. Tu falas com
as pessoas e percebes que ok, o que é necessário fazer é trabalhar o pavimento.
Mas enquanto arquitecto é muito difícil encarar o problema e perceber que a

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solução não passa por fazer aquilo que nós sabemos fazer melhor. É necessária
uma certa modéstia que não nos é incutida e, sobretudo, perceber em que
situações aquilo que nos propomos a fazer é melhor do que o que já está feito.
Tu visitas a obra de um colega e encontras sempre um defeito. O que eu acho é
que se deve ter a sapiência de saber quando é que vale a pena convocar recursos
para mudar uma coisa e quando é que não vale, e perceber que o que já está
feito está bom. É espectacular? Não é, mas funciona. Se calhar vais investir o
teu tempo noutra coisa ao lado e nesses sentido se tu me tivesses perguntado
por exemplo, o que é fundamental o arquitecto pensar a nível social hoje em
dia? Eu diria que é mais naquilo que já está construído e curiosamente não
te diria reabilitação tal e qual como ela está a ser discutida hoje em dia, que é
os centros históricos. Pensar como é que podes reabilitar os subúrbios, como
é que podes dar uma maior qualidade áquilo. Neste momento há milhões de
casas construídas nos subúrbios, muitas delas com má qualidade, mas estão lá
e a solução não vai ser demoli-las porque já foram convocados uma serie de
recursos, material, tempo. Agora ainda vais gastar mais energia a mandar aquilo
abaixo? Não. A questão é como é que tu podes aproveitar aquilo que já está
feito? E não estamos a falar em Africa ou em situações de emergência, mas sim
de coisas que existem hoje em dia, onde vivem milhares e milhões de pessoas.
Tu dás uma volta aqui pela Cintura de Lisboa. Começas no Catujal, ali ao pé
da Expo, Bairro de Angola, depois vais até à Pontinha, Amadora, e percebes
que falta ali imensa inteligência arquitectónica para pensar o espaço que já lá
está. Mas pensar o espaço não é mandar a baixo e reconstruir de novo. Como
é que se poderia melhorar o que já lá está? Por exemplo, os programas POLIS,
através dos quais se fizeram aquelas obras, algumas boas, outras nem tanto,
sobretudo na costa portuguesa, contribuíram para a décalage entre o espaço
público e o edificado porque, basicamente, só consertaram o pavimento. Eu
acho que era necessário quase um programa POLIS para os edifícios. Como se
melhora o comportamento energético do edifício? Isso é uma questão social,
porque as pessoas vivem ali. Mas isto pede uma certa modéstia do arquitecto
em trabalhar com o que já existe.

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TIAGO MOTA SARAIVA, ATELIERMOB

JCA: E terá também a ver com as limitações com que falavas há pouco,
porque uma programa desses teria de partir da vontade política. Mesmo a
questão do orçamento seria outro problema.

AL: A questão é que passa por tu, enquanto arquitecto, convenceres as


entidades políticas e os próprios habitantes que aquilo é benéfico para todos.
Isso passa por algum trabalho de campo, fazendo estudos efectivos de como é
que aquilo pode ser realmente melhor.

JCA: A pesquisa, num atelier de arquitectura é importante, não só a pesquisa


em torno das questões técnicas/tecnológicas, mas também na procura por
perceber quais são as transformações que ocorrem na sociedade?

AL: Eu acho que isso vem tipo esponja. O que eu acho que tu, enquanto
arquitecto, e isso é que é positivo, deves tentar ter muita experiência, não te
fechar na tua concha, não ir só aos jantares de arquitectos. Portanto, tentar
viver, ver, falar com um maior número de pessoas para conseguires e ir
absorvendo coisas. Pesquisa dentro do atelier, eu acho que depende muito
da escala. Num atelier pequeno como o nosso – sou eu e o José que não está
cá e de vez enquanto temos mais algumas pessoas que trabalham connosco
– a pesquisa é feita com os projectos que nós temos. Nós não temos tempo
nem disponibilidade financeira para dizer “pára, agora durante três meses
vou estudar os subúrbios”. Só poderíamos fazer isso se quisesse fazer um
doutoramento e aproveitasse o doutoramento para pensar sobre este assunto.
É assim que eu vejo isto. De resto, podes ir pesquisando projectando. Qual é a
vantagem quando tu tens num atelier? Tu podes escolher alguns dos projectos
que fazes e esses projectos já indicam caminhos. Por exemplo aquele projecto
dos “Habitats Abertos” é um concurso que nós escolhemos fazer porque havia
a vontade de trazer para a arquitectura o processo que íamos verificando no
nosso atelier, o processo de interacção com as pessoas, e achamos que aquela
podia ser a oportunidade. Fizemos investigação fazendo esse concurso. Depois
apresentamos também uma proposta para o Mercado do Chão do Loureiro,
um antigo mercado que ficava no centro de Lisboa e acabamos por usar

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algumas coisas que estão nos “Habitats Abertos” para esse projecto também.

JCA: Aquele era um edifício da Câmara?

AL: Aquele era um edifício da Câmara. Nós sabíamos que o projecto nunca iria
ser feito porque o edifício tinha demasiado valor e a Câmara tinha a intenção
de fazer um parque de estacionamento, que fizeram e mal. Mas o conceito era
suficientemente forte para ser trabalhado noutro sítio, esta ideia de uma casa
que está preparada para os primeiros cinco anos de vida de um jovem. E é
muito interessante, agora ver, alguns concursos lançados pela Câmara, com o
factor tempo, que é uma coisa que é muito importante. Tu quando fazes algo,
neste caso uma casa com rendas controladas para jovens, é muito importante
projectares um tempo final para isto. A esses casas associamos empresas,
uma vez que a nossa ideia era que se pudesse viver e trabalhar no mesmo
sitio durante cinco anos com uma renda mínima. Ao viveres e trabalhares
no mesmo sitio com uma serie de pessoas a comungar os mesmos interesses,
poder-se-ia criar sinergias para acontecer qualquer coisa. Mas uma das coisas
mais importantes do projecto era que tu só podias lá estar cinco anos, por
duas questões: primeiro, se a tua empresa não estava se tinha desenvolvido ao
fim de cinco anos se calhar tens de pensar se faz sentido ou não continuares e
a segunda era para dares oportunidade a mais gente, para rodar.

JCA: Qual é que era o programa que vocês propunham?

AL: O que nós propusemos, e o que eu acho que era mais interessante ali,
foi uma célula, que tinha cerca de 2,20m por 8m ou 7m com um módulo de
casa de banho no centro que te permitia gerir o espaço. Ou seja mais uma
vez esta questão de tu poderes interagir com o espaço, podendo escolher
entre mais espaço para trabalhar ou para viver. Tu não sabes quanto é que as
pessoas querem. Há pessoas que se dedicam ao trabalho e o espaço de viver
pode ser só uma cama, podendo puxar a casa de banho o máximo possível,
ou vive versa. Ou num mês estás virado para uma coisa e em outro mês está
virado para outra. Depois havia também uma coisa interessante: um vazio

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central que permitia que os corredores de acesso em galeria pudessem ter uma
largura muito grande e essa largura, basicamente metade, era espaço afecto
à tua célula, só com uma marcação no pavimento, mas que permitia estar a
trabalhar na galeria e potencializando-a como espaço de socialização.

JCA: Qual é que era o estado do edifício?

AL: O edifício estava em bom estado, mas estava completamente devoluto.


Não se passava lá nada há cerca de cinco anos. Fizemos um levantamento
sumário do edifício e fizemos aquela proposta já sabendo que nunca iria ser
aceite, mas o que nos interessava era pensar sobre esta ideia de uma unidade
habitacional para uma serie de pessoas que querem viver no centro mas não
têm essa possibilidade, e como se poderia levar isso ao mínimo. Por exemplo,
os serviços eram partilhados, fazendo com que tudo seja mais barato. E isso
é que permite que a renda seja mais barata. Ou seja, tu para conseguires um
determinado tipo de coisas também tens que fazer ver às pessoas que é preciso
abdicar de outras. É preciso abdicar se calhar de espaço, é preciso abdicar de
ter a tua cozinha, a tua máquina de lavar, e se calhar muitas pessoas não estão
dispostas a abdicar disso. Mas eu acho que há um número suficiente para
rentabilizar uma coisa destas.

JCA: Vocês têm pensado mais algum projecto deste tipo, não solicitado?

AL: Estamos com algumas ideias, mas nestes últimos dois anos não. Nestes
últimos dois anos, como temos tido mais solicitações estamos um bocado
concentrados nisso e sobretudo agora estamos envolvidos em três projectos
de execução que nos tomam imenso tempo. Isto também coincidiu com a
altura em que eu comecei a dar aulas, portanto acabei por ter menos tempo
e também acerca de dois anos que não fazemos concursos, ou se fazemos
são concursos muito específicos para uma coisa que já estamos a fazer, de
forma a arranjar financiamento. Estávamos a fazer cerca de três concursos por
ano, o que era bastante duro e estávamos a entrar num ritmo que já era um
bocadinho diferenciado, e achamos que “ok já ganhamos músculo” e agora

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se calhar precisamos de nos concentrar nas coisas mais construíveis. Agora
estamos nisto, não quer dizer que daqui a um ano voltemos a isso. Lá está,
como é uma equipa muito pequena, o modo como nós vamos gerindo o nosso
trabalho é muito circunstancial, ou seja, se entra um projecto um pouco maior,
nós se calhar durante um ano estamos só dedicados áquilo. E como hoje, tu
não sabes o dia de amanhã é muito difícil tu teres pessoas aqui a trabalhar.

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