Sentenciada - Zoey Moreau e A BR - Michelliny Santos

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Nota da autora + Gatilhos


Dedicató ria
Epígrafe
Pró logo - Ibrahim
Capítulo 1 - Zoey
Capítulo 2 - Ibrahim
Capítulo 3 - Zoey
Capítulo 4 - Zoey
Capítulo 5 - Zoey
Capítulo 6 - Ibrahim
Capítulo 7 - Zoey
Capítulo 8 - Zoey
Capítulo 9 - Zoey
Capítulo 10 - Zoey
Capítulo 11 - Ibrahim
Capítulo 12 - Ibrahim
Capítulo 13 - Zoey
Capítulo 14 – Ibrahim
Capítulo 15 - Zoey
Capítulo 16 - Marcella Moreau
Capítulo 17 - Ibrahim
Capítulo 18 - Zoey
Capítulo 19 - Ibrahim
Capítulo 20 – Zoey
Capítulo 21 - Zoey
Capítulo 22 – Ibrahim
Capítulo 23 – Ibrahim
Capítulo 24 – Zoey
Capítulo 25 – Ibrahim
Capítulo 26 – Zoey
Capítulo 27 – Ibrahim
Capítulo 28 - Zoey
Capítulo 29 – Zoey
Capítulo 30 – Ibrahim
Capítulo 31 – Zoey
Capítulo 32 – Ibrahim
Capítulo 33 – Zoey
Capítulo 34 – Ibrahim
Capítulo 35 – Zoey
Capítulo 36 – Ibrahim
Capítulo 37 – Zoey
Capítulo 38 – Zoey
Capítulo 39 – Zoey
Capítulo 40 – Zoey
Capítulo 41 – Ibrahim
Capítulo 42 – Ibrahim
Capítulo 43 – Zoey
Capítulo 44 – Ibrahim
Capítulo 45 – Ibrahim
Capítulo 46 – Zoey
Capítulo 47 – Ibrahim
Capítulo 48 – Ibrahim
Capítulo 49 – Ibrahim
Capítulo 50 – Ibrahim
Epílogo – Zoey
Cena Bô nus - Vittorio Moreau
Copyright © 2024 – Michelliny Santos
SENTENCIADA
1ª Ediçã o
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser
reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrô nicos ou mecâ nico
sem consentimento e autorizaçã o por escrito do autor/editor.
Revisão: Alice Lima
Esta é uma obra de ficçã o. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos sã o produtos da imaginaçã o da autora. Qualquer
semelhança com fatos reais é mera coincidê ncia. Nenhuma parte desse livro
pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes – tangíveis
ou intangíveis – sem pré via autorizaçã o da autora. A violaçã o dos direitos
autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do
có digo penal.
TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁ FICO DA LÍNGUA
PORTUGUESA.
Nota da autora + Gatilhos
Dedicató ria
Epígrafe
Pró logo - Ibrahim
Capítulo 1 - Zoey
Capítulo 2 - Ibrahim
Capítulo 3 - Zoey
Capítulo 4 - Zoey
Capítulo 5 - Zoey
Capítulo 6 - Ibrahim
Capítulo 7 - Zoey
Capítulo 8 - Zoey
Capítulo 9 - Zoey
Capítulo 10 - Zoey
Capítulo 11 - Ibrahim
Capítulo 12 - Ibrahim
Capítulo 13 - Zoey
Capítulo 14 – Ibrahim
Capítulo 15 - Zoey
Capítulo 16 - Marcella Moreau
Capítulo 17 - Ibrahim
Capítulo 18 - Zoey
Capítulo 19 - Ibrahim
Capítulo 20 – Zoey
Capítulo 21 - Zoey
Capítulo 22 – Ibrahim
Capítulo 23 – Ibrahim
Capítulo 24 – Zoey
Capítulo 25 – Ibrahim
Capítulo 26 – Zoey
Capítulo 27 – Ibrahim
Capítulo 28 - Zoey
Capítulo 29 – Zoey
Capítulo 30 – Ibrahim
Capítulo 31 – Zoey
Capítulo 32 – Ibrahim
Capítulo 33 – Zoey
Capítulo 34 – Ibrahim
Capítulo 35 – Zoey
Capítulo 36 – Ibrahim
Capítulo 37 – Zoey
Capítulo 38 – Zoey
Capítulo 39 – Zoey
Capítulo 40 – Zoey
Capítulo 41 – Ibrahim
Capítulo 42 – Ibrahim
Capítulo 43 – Zoey
Capítulo 44 – Ibrahim
Capítulo 45 – Ibrahim
Capítulo 46 – Zoey
Capítulo 47 – Ibrahim
Capítulo 48 – Ibrahim
Capítulo 49 – Ibrahim
Capítulo 50 – Ibrahim
Epílogo – Zoey
Cena Bô nus - Vittorio Moreau
Antes de começar a leitura queria deixar algumas coisas claras
aqui, a mais importante delas é que nã o existe uma só pá gina desse livro
que eu tenha romantizado, assim como nos meus outros livros. Escrevo
romances problemá ticos onde os personagens se envolvem
inusitadamente e tentam sobreviver juntos. Alguns nã o têm escolhas
sobre ir embora da vida do “cô njuge”, assim como na vida real. Zoey e
Ibrahim foram meu maior desafio, Ibrahim principalmente, esse de
longe foi o personagem masculino com mais dificuldade de mostrar o
lado humano e com o qual me peguei tentando ter uma conversa mental.
Acho que tem pessoas que nascem do bem, e sã o corrompidas de tanta
dor que se passam enquanto estã o respirando; acho que pra algumas
pessoas se tornar mau ou incompreendido é o ú nico jeito de seguir com
a vida, mesmo que de maneira errada. Eles sã o o casal com sentimentos
e situaçõ es mais complexos e diante disso só tenho a dizer que os
gatilhos deste livro envolvem:
Dubcon
Violência física e psicológica
Descrições gráficas de violência e assassinato
Sequestro
Assassinatos
Tortura
Para todas que acordam pensando em como levaram o dia, mergulham
em livros com vilõ es em busca de algum conforto, porque a
compreensã o foge dos parâ metros heroicos e nossos pensamentos
intrusivos sã o maiores que nossa vontade de agir com uma cidadã de
bem.
Para todas que conseguem ser boas no que fazem mesmo com o coraçã o
partido.
Se você me queria morta, era só dizer.
Nada faz eu me sentir mais viva.
Taylor Swift
​ la tem os olhos com a capacidade de queimar minha alma com o fogo
E
mais puro e consumidor que possa existir. Eu consigo sentir na minha
pele o formigamento, a pele fria aquecendo com um simples olhar. Todas
à s vezes que ela repousa os olhos em mim, minha alma se inquieta e se
eu nã o desvio os olhos, corro o risco de me colocar de joelhos perante
ela e implorar.
​Seu corpo tã o pequeno, suntuoso e frá gil podia esconder bem a força
que continha dentro dela, mas diabos, eu sabia da celestial força que
espreitava cada espaço de pele, ossos e ó rgã os de Zoey Moreau.
​Ela tem a capacidade de embaralhar alguém, de fazer as pessoas agirem
por ela, porque Zoey possuí uma grandeza nata. Ela é espetacular e com
um espírito de liderança que a faz lutar mesmo quando nã o tem nada.
Mesmo quando eu a humilho e eu odeio fazer isso.
​Odeio que ela seja filha de quem é, e de que tenha os olhos dele. O
assassino dos meus pais. Os olhos que vejo em Zoey me lembram da
noite em que precisei me rastejar com a tíbia exposta até a estrada para
pedir ajuda para os meus pais, com pouca vida dentro de um carro
jogado em uma ribanceira.
​Eu a odeio tanto quanto a venero e isso é errado. Eu nã o posso sentir
nada além de ó dio e desprezo por Zoey Moreau, essa garota
impertinente. Odeio quando preciso vendar seus olhos e amarrar suas
mã os para nã o ter nenhum contato direto enquanto a fodo.
​ e apaixonar por ela seria como condenar minha alma a traiçã o da
M
memó ria dos meus pais. Mesmo assim, quando a noite chega e eu
preciso visitá -la no quarto, eu nã o resisto em me afundar nela, em tocar
sua pele quente e com um cheiro amendoado. Quando minhas mã os
estã o nela, eu sinto a necessidade de tirar a venda dos seus olhos, virar
seu corpo ao meu e sentir seu toque.
​Mas, eu nã o posso.
​Zoey é minha esposa e cativa.
​Esse casamento é um castigo para Kai Moreau, e sua filha nã o deve ser
feliz ao meu lado, em momento nenhum que se mantiver no meu
territó rio e carregar meu sobrenome.
​Ela nã o chegou até mim como um cordeiro, e claramente toda vez que
tento domesticá -la, sua fú ria aumenta e a torna imprevisível, indomável
e tempestuosa.
​E quando eu a tomo com violência, eu nã o consigo distinguir qual de nó s
dois eu estou punindo, porque eu claramente quero Zoey Moreau, e ela
visivelmente me quer longe dela.
​Quando eu a acuso de ser filha de um assassino, seu olhar brilha em
chamas e um sorriso mordaz desenha seus lá bios finos.
​— Meu pai pode ser muitas coisas, mas claramente nã o é um assassino
covarde. Ele nunca mataria ninguém sabotando os freios do carro, e se
você acha que foi ele, você nã o o conhece.
​Eu avanço na sua direçã o, mas antes que eu chegue até ela sou
paralisado pelo contato direto com seus olhos solares, me inibindo,
queimando minha pele. Entã o, como um covarde, eu abandono o quarto
e volto horas depois para colocá -la de costas e possuí-la como se
estivesse lhe ensinando uma liçã o de moral quando, na verdade, sou eu
quem está sendo consumido pelas chamas da puniçã o por gostar de me
deitar com ela.
​De poder ver sua pele, de achá -la um absurdo de linda e de ficar
repetindo a gritos na minha cabeça, todas as vezes que estoco nela, que
ela é minha.
​“Minha. MINHA. MINHA MULHER. MINHA PROPRIEDADE”
​ ntã o, quando gozo, eu a marco inteira e espero por alguma reaçã o da
E
parte dela, e tudo que recebo é seu anseio por ser solta das minhas
amarras e poder se lavar.
​Eu nã o me permito vê-la nua por completo, além do que preciso ver.
Temo que se eu visse mais do que vejo, eu seria engolido pelos
sentimentos que espreitam minha mente e me entregaria a Zoey.
​Se é que existe algo dentro de mim com algum valor para ser entregue.
​Sou um homem sem alma e só sendo um para fazer tudo que eu faço
com uma garota que nã o deveria estar pagando pelos erros do pai, mas
que desde o momento que coloquei meus olhos nela eu soube que nã o
haveria castigo melhor.
​E novamente, volto a perguntar. A mesma pergunta que me fiz quando a
vi naquele maldito vestido de noiva.
​— Quem você está castigando, Ibrahim Vassiliev?
​ u vou embora de Las Vegas um ano antes de seguir para a Rú ssia. A
E
ideia é que meu pai me monitore e se convença de que eu estou segura e
bem na Suíça. Vittorio me acompanha, passando praticamente seis
meses comigo, morando sob o mesmo teto. Nó s dois nã o trocamos
muitas palavras, o tempo de falar, de ficar com raiva e revoltada pela
escolha dele já passou do prazo de validade.
​Olho para o meu irmã o e nã o encontro aquela chama protetora que nos
ligava, agora tudo que consigo sentir por ele é uma espécie de raiva fria.
Ele me usou como moeda de troca para os inimigos quando podia ter
pedido ajuda ao nosso pai, seu orgulho me jogou no risco e agora eu
estou com a vida sentenciada ao desconhecido.
​— O nosso pai vai enlouquecer quando descobrir o que aconteceu
comigo — penso alto enquanto Vittorio e eu estamos sentados na sala
do apartamento do centro da cidade de Zurique, logo apó s uma vídeo
chamada com meu pai.
​Ele nã o sabe que Vittorio está aqui comigo. Ninguém sabe. Nem mesmo
os seguranças do meu pai.
​— Ele nunca poderá saber que foi você quem me jogou para os russos,
se ele descobrir, ninguém pode prever o que ele fará contra você —
continuo.
​Vittorio retifica os ombros, a má scara de má rmore sendo tomada por
uma expressã o pensativa, mesmo na penumbra, consigo ver a
perturbaçã o do meu irmã o.
​— Eu nasci para seguir o legado da nossa mã e, proteger tudo que foi
dado a ela, e mesmo odiando o que eu fiz com você e nã o conseguindo
dormir a noite por causa disso, no final de tudo a certeza de dever
cumprido me alcança. — Sua voz grossa flutua pela pequena sala,
repleta de tensã o — Eu fiz o que me mandaram fazer desde que comecei
a andar.
​Balanço a cabeça, me sentindo entorpecida e sonolenta. Já sã o semanas
sem conseguir dormir direito, imaginando os piores cená rios. O cansaço
está me exaurindo pouco a pouco.
​— Nã o consigo te culpar por ter feito isso comigo, mesmo que eu te
odeie neste momento. Você e Alessio nasceram para liderar nosso país e
o legado Rivera foi uma reparaçã o para a mamã e. Se Maximiliano
conseguisse tirar você da Filadélfia, estaria ressaltando a ilegitimidade
da nossa mã e, a desmerecendo. Você agiu pelo bem dela, e eu nã o
consigo te culpar porque eu também faria de tudo por ela.
​— Ainda assim, entregar você foi um preço alto demais e eu nunca vou
me perdoar se algo te acontecer.
​Abraço meus joelhos, olhando a noite caindo lá fora e as pessoas
caminhando em mais uma noite agitada de sexta-feira.
​— O que acha que querem com esse casamento entre Ibrahim e eu? Ele
nã o deixou claro quando nos encontramos.
​Vittorio respira fundo.
​— Nikolai quer atingir nosso pai onde mais dó i, e ele também
conseguirá negociar diretamente com ele. Tendo posse de você, nosso
pai cederá a qualquer pedido da Bratva, e uma dessas concessõ es será
permitir que os produtos deles sejam vendidos entre as cinco famílias.
Nikolai quer ganhar força com a Camorra.
​Balanço a cabeça, um riso fraco saindo dos meus lá bios. Vittorio está
tentando me confortar, fazer com que eu ache que isso é apenas
negó cios, mas nã o é.
​Os Vassiliev querem vingança.
​Ibrahim deixou isso claro na primeira vez que nos encontramos. Aqueles
olhos azuis selvagens e inflexíveis deixaram claro o desejo de me
castigar pela morte dos pais dele.
O que meu irmã o nã o sabe é que eu sei o motivo por trá s de
estarem me levando. Vittorio está omitindo que os Vassiliev vieram atrá s
de nó s dois para vingar a morte dos pais do meu futuro marido.
O cansaço me acerta em cheio quando, em um golpe final de
tortura, eu lembro de como Ibrahim prometeu que me quebraria em
tantos pedaços quanto ele foi quebrado, e tudo piora quando olho para
Vittorio e o vejo mentindo para mim, ocultando que meu destino é bem
pior do que parece.
Sigo para o meu quarto e me jogo na cama, aninhando minha
cabeça no travesseiro, fecho meus olhos e quando percebo que estou
sendo levada pela inconsciência, olhos azuis selvagens me sugam para
um embate visceral onde me pego novamente em uma sala fechada com
Ibrahim Vassiliev.
A noite que o vi pela primeira vez na vida volta a minha mente e
eu perco o fô lego. Lembro da sensaçã o dos olhos queimando minhas
costas quando me viro e encontro o par de olhos mais peculiares que já
tive a chance de ver. Um azul límpido sem contençã o nenhuma quanto a
sua ferocidade.
Em um momento estou vendo Alessio e Mia juntos no sofá , me
sentindo enojada e no outro segundo uma parede de mú sculo se projeta
na minha frente. Alto demais. Preciso erguer meu pescoço para poder
fitar seus olhos azuis e a proximidade do homem faz com que os
soldados ao meu redor deem um passo à frente, mas algo em mim me
faz levantar a mã o, pedindo para que eles fiquem onde estã o.
— O que a deixa tã o desconfortável em uma noite de ganhos para
sua família, senhorita Moreau?
A voz grossa, com o inglês bruto faz um calafrio repercutir pela
minha espinha e eu preciso de toda força possível para me manter firme
sobre meus saltos.
O cabelo loiro está penteado para trá s, deixando o rosto com
traços má sculos e rú sticos evidentes. O corpo forte e grande o suficiente
para que eu precise inclinar meu pescoço, está bem-vestido com um
terno preto feito sob medida.
— Eu nã o conheço você. — Minha voz é um sussurro firme e faz
os olhos do homem brilhar com um tipo de sentimento brutal.
Tudo nele exala brutalidade.
— Você logo conhecerá , fui enviado pelo seu irmã o para uma
visita amigável. Meu nome é Ibrahim.
Degusto seu nome na minha boca tentando associar a algo, mas
sem sucesso. A sua presença catalisadora parece drenar até o ú ltimo
neurô nio em mim.
— Vittorio o mandou aqui?
Ele assente, repuxando os lá bios em um sorriso cruel que me faz
prender a respiraçã o e fitar a pele vermelha deles.
O jeito como ele me olha me faz sentir como se eu estivesse nua,
seus olhos circulam pelo meu rosto e corpo sem pudor algum, como se
ele quisesse me devorar.
Os homens ao redor sempre me olharam com desejo, e
principalmente ambiçã o por eu ser quem sou, mas a forma como este
homem me olha faz com que minha pele queime.
— Você deveria falar com meu irmã o mais velho, que está bem
ali, ele ficaria feliz em receber um convidado de Vittorio. — Passo a
língua pelos lá bios, sentindo minha boca completamente seca.
Ibrahim mantém os olhos em mim.
— Foi com você que eu vim falar, Zoey Moreau. Creio que nó s
dois temos algo a conversar.
A confusã o preenche meu rosto e antes que eu tenha alguma
reaçã o, Alessio surge na minha frente, lançando um olhar rá pido a
Ibrahim e se virando na minha direçã o com fogo frio nos olhos.
— Vittorio enviou um convidado… — Puxo o ar que falta nos
meus pulmõ es, tentando raciocinar.
Alessio olha rapidamente para Ibrahim antes de me fuzilar com
os olhos.
— Onde está sua amiga? — Ignora minha fala, procurando por
Heather.
Respiro fundo, tentando desviar minha atençã o do homem mais
velho ao meu irmã o.
— O nome dele é Ibrahim, Alessio. Vittorio tem negó cios com ele
e o mandou aqui para nos conhecer.
Ibrahim olha para Alessio com uma expressã o tã o dura no rosto
que seus olhos chegam a semicerrar, e é quando eu percebo que esse
homem nã o veio de forma amigável até aqui, e com certeza nã o é um
amigo de Vittorio.
Antes que eu possa falar algo a Alessio, depois de dizer para onde
e com quem Heather saiu, ele some da estufa, me deixando com Ibrahim,
que volta sua atençã o para mim, dessa vez, com diversã o e crueldade.
Minha respiraçã o fica presa na garganta e meu coraçã o martela.
— Eu nã o sei quem você é, mas sugiro que saia daqui por onde
entrou. Um aceno meu e você está morto — declaro, tentando encontrar
firmeza na voz.
Ele sorri. Um tipo de sorriso bestial onde os dentes ficam
amostra e a barbaridade escorre como veneno das presas.
— Se você fosse me entregar aos seus homens, já teria feito isso,
mas está curiosa demais sobre quem eu sou para sequer se mover, nã o é,
criaturinha?
Meu coraçã o parece inchar dentro do meu peito e eu sinto as
batidas dele na minha garganta. O homem à minha frente olha ao redor e
pega um copo de uísque do garçom que passa por nó s.
— Nos arrume um lugar privado e sem seus homens. O que tenho
para falar nã o vai demorar muito e é do seu interesse.
Fecho meus punhos.
— Eu nã o seria louca de ficar sozinha com você. — Mantenho
meus olhos vacilantes nele. — Diga o que quer e vá embora, ou eu
mandarei matá -lo.
Outro sorriso bestial seguido de um gole despreocupado da sua
bebida. Ele grunhe em um sorriso divertido e aponta para a saída da
estufa.
— Me encontre no banheiro feminino da ala vip, criaturinha. Você
tem 3 minutos.
Largando o copo da sua mã o, ele começa a andar em direçã o a
saída, deixando meu coraçã o ainda mais acelerado. Olho ao redor, para
os homens fazendo minha segurança e gesticulo para um deles, avisando
que vou ao banheiro. É claro, eles me seguem até lá , ficando na porta.
Respiro fundo duas vezes antes de entrar no banheiro, tomando
consciência de que minha adaga está amarrada a minha coxa e que nã o
sou indefesa. E seja o que esse homem veio fazer aqui, me machucar nã o
está nos planos dele, ele nã o faria isso nesse territó rio.
​Adentro o banheiro, o vendo encostado na pia com os braços fortes
cruzados no peito e uma expressã o sombria. Mantenho minha mã o na
maçaneta, lançando a ele um olhar frio.
​— Feche a porta.
​— Quem é você? — rebato.
​Ele diminui o espaço entre nó s dois, pressionando meu corpo contra a
porta, sua mã o desliza pela lateral do meu corpo e eu ouço o trinco da
porta sendo fechada. De forma rasa, eu inspiro o cheiro dele, um cheiro
suave e amadeirado. Ele olha para mim de cima, mantendo os olhos
azuis doentes em mim. Está tã o pró ximo que sinto o calor do seu corpo
penetrar pelo fino tecido do meu vestido.
​— Você é uma criaturinha bem corajosa, nã o está nem tremendo e
aceitou entrar em um banheiro com um desconhecido. — Sorri,
soprando seu há lito no meu rosto. — Você gosta do perigo, ele te excita,
criaturinha?
​Meu sangue corre quente pelas minhas veias, enviando uma contraçã o
para minha regiã o íntima e me deixando completamente confusa.
​— Quem é você? O que está fazendo aqui? — sibilo.
​Ele se afasta, me deixando ver bem seu rosto maníaco.
​— Meu nome é Ibrahim. Ibrahim Vassiliev. O sobrenome deve ser
familiar para você, nã o?
​Engulo em seco, erguendo minha cabeça para manter meus olhos firmes
nos dele.
​— Como entrou em Las Vegas?
​— Seu irmã o Vittorio deu um jeito nisso, ele é um cara bem articulado,
consegue colocar qualquer pessoa em territó rio inimigo. Tiro o chapéu
para a inteligência dele.
​ perto a saia do meu vestido, buscando alívio para a tensã o que
A
predomina no meu corpo.
​— E por que ele faria isso? — Minha voz é apertada.
​Ibrahim apoia o quadril no balcã o da pia, sorrindo de forma tã o
selvagem que sua expressã o me enche com uma espécie de medo.
​— Por que ele nã o faria isso, já que seremos cunhados em breve?
​Uma risada tensa sai dos meus lá bios e eu tiro minhas costas da porta,
caminhando para o meio do banheiro, sentindo-me relaxar.
​— Está dizendo que meu irmã o se casará com uma das suas irmã s? Você
tem irmã s? Eu nem mesmo sabia que Nikolai Vassiliev tinha filhos.
​Ele balança a cabeça devagar e olha para mim lentamente, pedaço por
pedaço do meu corpo.
​— Você ainda nã o entendeu?
​Sinto o gelo na minha espinha, é como se uma pedra fosse jogada sobre
mim, o impacto do esclarecimento me atinge. Olho para o homem na
casa dos 30 anos, com certeza mais velho que meus irmã os.
​— Vittorio nã o me entregaria ao inimigo, e com toda certeza eu tenho
direito de escolher se vou me casar com você ou nã o. E nã o, eu nã o vou!
— declaro, cerrando meus punhos.
​O homem grande apoiado no balcã o ri com um humor divertido e
sombrio. Uma risada tã o gutural que entra no meu ouvido como uma
agulha.
​Tomando impulso, ele começa a caminhar na minha direçã o, dando um
passo de cada vez e eu recuo, com a garganta trancada, até sentir a
parede fria nas minhas costas. Engulo com dificuldade quando ele forma
uma gaiola com seus braços ao redor do meu corpo.
​Ele é bem maior do que eu, e para ficar cara a cara comigo seu corpo fica
inclinado.
​— Seu irmã o escolheu te entregar a mim a perder o territó rio dele. Ele
nem mesmo hesitou quando apareci pronto para acabar com tudo que
sua mã ezinha conquistou. — Seus dedos frios seguram meu queixo com
brusquidã o, inclinando meu pescoço até que meu rosto esteja perto do
dele. — Ele te entregou para ser meu depó sito de porra, a minha
putinha.
S​ into o gosto de sangue na minha boca e só entã o percebo que estava
mordendo o interior da minha bochecha. Meu estô mago pesa e a fú ria
que transcorre pelas minhas veias me faz deslizar a mã o pela minha
coxa, em busca da minha adaga.
​— Eu nã o faria isso se fosse você… — Sua mã o grande bruscamente
interrompe o movimento da minha mã o e antes que eu possa tomar uma
açã o, ele me vira de costas, colocando meus braços atrá s das costas e
pressionando a lateral do meu rosto contra a parede.
​Trinco os dentes, grunhindo da raiva que aquece todo meu corpo e se
derrete no meu ventre.
​Ele usa seu peso para me manter subjugada e sua mã o adentra o meu
vestido, subindo pela minha coxa.
— Nã o me toque, seu filho da puta! — grunho, tentando me
mover, lutar contra ele.
Sinto o sorriso doentio nos seus lá bios, a malícia e sagacidade.
Ele nã o usa qualquer pudor ao me tocar e meu corpo inteiro se acende
com o toque frio.
— Daqui a alguns anos você estará mais apetitosa para mim, nã o
quero foder você sendo tã o nova. Vou esperar que complete 23 anos, e
entã o nã o terei piedade. — Sua mã o desceu pela minha coxa, levando a
adaga com ele. — Vou comer você sem piedade, criaturinha. Te foder de
forma tã o suja que você se sentirá como uma das mulheres que trabalha
nas boates do seu pai, que só serve para ter o buraco entre as pernas
preenchido.
O calor vulcâ nico da gana me faz ter uma explosã o de adrenalina
e eu uso toda minha força para me desvencilhar dos braços desse
monstro. Ofegante e com os pulsos doloridos, eu defiro o tapa no seu
rosto.
Meu peito sobe e desce em uma respiraçã o acelerada e eu posso
sentir todo meu sangue concentrado no meu rosto.
— Eu nunca vou permitir que um monstro como você toque em
mim, seu filho de uma puta! Eu prefiro sangrar até a morte a ter suas
mã os no meu corpo. — Encaro seus olhos diabó licos, exalando toda a
insubmissã o que existe dentro de mim — Eu mato você antes que ouse
enfiar qualquer coisa nojenta em mim! Meu irmã o negociou com você?
Azar o seu! Casando comigo só terá um buraco para preencher com sua
porra e com certeza nã o é o do meio das minhas pernas.
Com uma calma clínica nos olhos azuis, ele abre um sorriso de
desafio e todo seu rosto se transforma em algo mais sombrio, repleto de
sombras, que me dizem exatamente o que ele é.
Olho para minha adaga na sua mã o, e penso em tirá -la dele, mas
só de pensar em estar em contato com ele meu corpo se retrai.
— Você é mesmo filha do homem que matou covardemente uma
família, sem se importar que uma criança estivesse no carro. Os olhos
dele também devem ter brilhado com esse mesmo clarã o indomável que
vejo nos seus olhos. — Seus lá bios avermelhados retorcem em desprezo.
— Eu vou consumir você, criaturinha. Entrar tã o dentro do seu corpo
que vou levar pedaço por pedaço, até que só sobre cacos, e quando eu
terminar de te quebrar, vou mandar você de volta para o seu pai e ele
terá que conviver com o meu reflexo em você.
​(...)
Acordo com um sobressalto, os lençó is da cama grudados na
minha pele suada. Meu peito sobe e desce em uma respiraçã o acelerada
e eu acendo as luzes do quarto, correndo para o banheiro, indo até a pia
lavar o rosto e tirar a sensaçã o de lava vulcâ nica da minha pele.
​Todas as noites, quando consigo dormir por mais de 4 horas, é com
Ibrahim que sonho. Em alguns pesadelos, ele me força a deitar com ele, e
em outros, ele me persegue por uma floresta densa e o pior de tudo isso,
é que nã o acordo só com medo. O calor no meu corpo é sinô nimo de
outra coisa, algo além de medo.
​Verifico as horas, vendo que nã o se passa nem das 4:00 da manhã ainda.
Tomo um banho rá pido, escovo meus dentes e visto uma roupa de
treino. Vittorio e eu estamos treinando combate para que eu possa
enfrentar ameaças. Passamos o ú ltimo ano morando na academia,
lutando, me aperfeiçoando e essa é a melhor parte do dia.
​Durante os cinco anos depois que encontrei Ibrahim no cassino, eu nã o
tive mais nenhuma notícia dele e eu fico grata por isso. Depois daquele
encontro, a ú ltima coisa que eu precisava era da presença dele na minha
vida pelos poucos anos que me restam antes de me tornar sua esposa.
​Porém, os dois anos em Zurique passam rá pido e antes que eu possa
tomar noçã o do tempo, minhas malas estã o prontas e Vittorio me leva
até o jatinho.
​O assombro nos seus olhos e todo pesar no seu corpo deixa claro que o
que me espera é pior do que eu imagino.
​A mã o do meu irmã o vem até o colar solar no meu pescoço, um presente
do meu pai quando completei três anos de idade. O pingente de um colar
com um sol pequeno e delicado descansa entre meus seios cobertos por
uma blusa de manga longa.
​— Conseguir convencer Nikolai a permitir que um homem da minha
confiança a acompanhasse. Ele sempre estará à sua disposiçã o e se algo
acontecer, Zoey, eu vou atrá s de você — promete, mas eu nã o acredito
em mais nada que saia da boca de Vittorio.
​— Se algo acontecer comigo, entregue a carta que escrevi ao nosso pai.
Eu nã o vou me perdoar se ele perder a cabeça, nã o o quero sendo infeliz.
​— Nada vai acontecer com você, Zoey. Eles nã o seriam burros de tocar
em um ú nico fio de cabelo seu.
​Olho para o meu irmã o, sentindo a brisa fria soprar os fios do meu
cabelo. Estamos em um inverno rígido, combinando com o meu destino.
​Vittorio arranca o colar com meu rastreador, dando seu golpe final no
alcance do nosso pai em mim. Ele já se livrou dos homens e no momento
que eu subo para o aviã o, eu nã o olho para trá s, mesmo sabendo que
Vittorio pode ser o ú ltimo parente que eu possa ver.
Quando o jatinho está no ar e a Suíça se transforma em um céu
azul coberto por nuvens, eu começo a rezar. Rezo por força, por
sabedoria e proteçã o, e ao sentir minhas mã os tremendo, eu imploro a
Deus que Ibrahim Vassiliev nã o seja cruel.
Eu nã o sei nada sobre ele. Até seis anos atrá s eu nem mesmo
sabia da existência dele e pesquisar sobre ele foi a mesma coisa que ler
um livro em branco. Nã o há nada sobre ele. Se Vittorio sabe de algo
sobre ele, nã o me deixou a par e esse é mais um motivo para eu odiá -lo
Quanto mais perto de Moscou o jatinho sobrevoa, mais perto de
um ataque de pâ nico silencioso minha mente se encontra. O frio que
entra no aviã o me faz procurar um casaco mais grosso, mas nem mesmo
assim eu paro de tremer e começo a pensar que os calafrios nã o estã o
ligados ao clima.
O piloto avisa que estamos perto de pousar e meus olhos
encaram a neve densa através da janela e eu começo a procurar por um
casaco mais grosso, o que estava comigo antes de eu entrar no jatinho,
eu o procuro por toda parte, mas simplesmente nã o o encontro, e
apenas de olhar para o homem sentado a alguns assentos longe de mim,
eu posso sentir o que acontece. Eles claramente querem começar o
espetá culo de torturar uma Moreau.
Meus pensamentos sã o confirmados no momento que salto do
aviã o para a pista congelada. Abraço meu corpo enquanto tremo com
brutalidade e meus dedos parecem prestes a caírem das minhas mã os.
Meus lá bios ficam dormentes e eu tento produzir calor com o casaco
mais grosso que trouxe.
Um carro está me esperando na pista e eu forço minhas pernas a
seguirem o percurso até ele, enquanto pareço estar convulsionando.
— Você poderia ligar o aquecedor do carro? — peço ao
motorista, assim que entro no banco de trá s.
Ele fica em silêncio e por um momento eu acho que ele nã o fala
em inglês, mas isso só dura até eu o ouvir mandar os homens fazerem o
que quiserem com minhas malas.
Nã o vou pedir duas vezes, prefiro congelar até que implorar
qualquer coisa aos russos sabendo o quanto eles esperam por isso.
O motorista percorre o caminho lentamente e com certeza nã o é
por causa das ruas congeladas, ele está adorando ouvir meus dentes
batendo uns nos outros e minhas mã os em busca de fornecer calor para
os meus braços. Posso ver o sorriso pelo retrovisor e a fú ria que escorre
pelas minhas veias é bem-vinda, me aquece e faz com que eu mantenha
minha cabeça erguida.
Minha família nã o é uma vergonha, e ser uma Moreau é motivo de
orgulho para mim.
Apó s os 60 minutos mais longos que presenciei, o carro entra em
uma mansã o que se assemelha a uma fortaleza. Portõ es enormes cercam
o lugar e cachorros do maior porte estã o pelo jardim congelado junto
com homens armados. Todo o perímetro é vigiado e para o motorista
adentrar o lugar é preciso passar por mais de dois homens.
Duas pessoas me esperam na frente da mansã o, a imagem
borrada deles pelo vidro do carro me faz semicerrar os olhos para ter
uma visã o melhor. Um homem e uma mulher.
Meus braços estã o congelados para abrir a porta, meus dedos
dormentes e na tentativa de abrir a maldita porta eu falho
miseravelmente, e ela é aberta por um homem alto, de cabelo loiro com
fios grisalhos e olhos azuis límpidos.
Ele coloca a cabeça dentro do carro, torcendo o rosto em uma
expressã o de desgosto antes de se virar para o motorista e falar algo em
russo com uma ignorâ ncia nítida. Quando ele olha para mim, congelada
no banco de trá s, seu rosto suaviza e ele sorri.
— Sou Nikolai, pai de Ibrahim.
O filho da puta que minha mã e dispensou e nunca foi capaz de
esquecê-la. Seu rosto é gentil como minha mã e sempre disse, mas eu
encontro algo no sorriso dele e nesses olhos que faz com que uma
advertência se acenda na minha mente.
— Venha, querida. Vamos aquecer você. Nã o se deve tratar uma
convidada assim.
Ele estende a mã o e mesmo com o corpo trêmulo e rígido, me
forço a sair de dentro do carro com toda força que consigo reunir. O
vento frio que me acerta, no momento que estou fora do carro, me faz
grunhir.
A mulher, uma ruiva de olhos verdes rígidos, me olha com gana,
todo seu rosto é tomado por uma expressã o tã o dura que se fosse
possível me reduzir a cinzas, eu estaria flutuando em micropartículas.
— Ela tem os olhos do assassino do pai — profere com um inglês
bruto, nã o avançando na minha direçã o por interferência de Nikolai.
— Sasha, nã o é assim que tratamos a mulher com quem nosso
filho vai se casar. Seja mais simpá tica ou volte para dentro. — Nikolai
avisa a mulher que só pode ser sua esposa.
Ele se casou? Isso nã o chegou ao conhecimento do meu pai. Do
contrá rio, ele nã o continuaria tã o inseguro quanto a minha mã e.
Ela profere algo em russo, claramente uma ofensa, enquanto
espuma com os olhos na minha direçã o. Nikolai aumenta seu tom de voz
e fica sério. A mulher retorce os lá bios em degradaçã o e se retira. Eu
poderia me importar com qualquer uma dessas coisas se nã o estivesse
congelando e parado de sentir minhas orelhas e lá bios.
Nikolai tira seu casaco e o passa ao redor dos meus ombros, me
guiando para dentro da mansã o. No momento que entro, sou tomada
por uma sensaçã o de abraço materno. O calor da casa me preenche
sedutoramente e eu fecho os olhos, respirando fundo e sentindo meu
sangue voltar a correr quente e com força total pelas minhas veias.
— Seja bem-vinda a Rú ssia, Zoey. — Nikolai gesticula para a linda
sala com paredes grossas, repletas de obras de artes e animais
empalhados. — Sua nova casa. Espero que os pró ximos dias sejam
melhores. Sasha é um pouco rancorosa…
Eu nã o consigo ouvir o que ele está terminando de falar porque
em um momento eu estou usando a ú ltima força do meu corpo para
manter meu sangue quente nas veias, e no segundo seguinte, eu sou
sugada para uma escuridã o gelada.
​ criaturinha Moreau mal havia chegado e a dor de cabeça já tinha
A
acontecido, mas isso eu nã o poderia culpá -la. Nã o foi uma opçã o dela
desmaiar de hipotermia, ela ter chegado nesse estado só mostra como o
meu povo está entusiasmado para usá -la como brinquedo. Se vingar de
tudo o que a Camorra nos causou desde que Kai Moreau assumiu a
liderança.
​Meu tio, Nikolai, está no quarto junto comigo, ouvindo o médico que ele
mesmo chamou para a garota desfalecida sobre a cama, com o cabelo
negro e solto, e os lá bios rosados ressecados e pá lidos.
​Ela ainda parece uma menina, a mesma menina que vi há seis anos e
meio. Eu devia ter estipulado um prazo maior para me casar com ela. 23
anos nã o parece ter tirado a aparência dos 17 quando a vi pela primeira
vez. Esse acordo é um erro. Eu nã o deveria estar envolvendo minha vida
com a de uma Moreau, me casando com a filha do assassino dos meus
pais.
​— Ela está recebendo fluidos quentes e a temperatura do seu corpo
voltará a se restabelecer em breve. A enfermeira vai ficar monitorando a
temperatura e a pressã o arterial. Foi por pouco, meu senhor — o
Dr.Palin relata ao meu tio.
​Estou encostado na janela, mantendo distâ ncia da garota inconsciente
que já chegou tirando o pouco de paz que tenho.
​ E por que ela ainda nã o acordou? Tem algo de errado com o corpo

dela além do que está nos falando? — questiono, impaciente.
​O Dr.Palin balança a cabeça.
​— Ela nã o parece ter descansado, a mente dela simplesmente se
desligou. Acho que ela dormirá por alguns dias, virei diariamente checar
como ela está .
​Meu tio caminha para fora do quarto com o médico e a enfermeira, me
deixando sozinho com a garota Moreau e mesmo adormecida, nã o posso
negar que sua presença causa um misto de emoçõ es negativas em mim,
e se ela abrisse esses olhos, entã o… Talvez eu mesmo seria capaz de
matá -la e mandar sua cabeça para o seu paizinho.
​Bufo cerrando meus punhos, ficar nesse quarto está me deixando mais
cruel do que o habitual.
​Meu tio está no corredor e assim que saio do quarto ele me conduz até o
escritó rio da parte superior da casa. Seus olhos azuis límpidos, assim
como os meus, e do irmã o dele, fitam a blusa branca com uma grande
mancha de sangue sob a jaqueta que estou usando.
​— Estava caçando? — Vejo o repú dio nos seus olhos.
​Ele nunca foi um homem cruel, as pessoas que matou podem ser
contadas nos dedos de uma só mã o. Ele é um estrategista e o trabalho
sujo da organizaçã o é meu. Quando ele se refere a caçar, está
perguntando se eu e meu machado fomos para a floresta soltar os
prisioneiros para serem caçados. Caçar é um ó timo negó cio quando se
precisa obter respostas. É o tipo mais agressivo da tortura.
​Pegue um homem com segredos e o jogue em uma floresta com
cachorros famintos e um psicopata louco por diversã o e terá todas suas
respostas. Nã o me chamam de Perdigueiro por bobagem.
​— Qual o seu plano, Nikolai? — Respiro fundo.
​Seus olhos recaem em mim.
​— A ideia de trazê-la para se casar com você, foi sua, Ibrahim. Foi você
quem orquestrou isso e encurralou Vittorio Moreau até que ele desse
sua irmã a nó s — lembra-me.
​— Uma ideia plantada por você, e com componentes cruciais que só
você sabia como obter. Eu nã o cheguei nisso sozinho, tio. Você pô s a
ideia na minha cabeça e agora eu quero saber o que planeja fazer.
​Um sorriso de canto desenha seus lá bios, desaparecendo rapidamente,
enquanto ele se senta na sua cadeira girató ria.
​— O pai dela nã o demorará a perceber que a filha nã o está onde ele
pensa. O sujeito é impaciente e sagaz. Precisamos do casamento e da
consumaçã o dele. Duvido que Kai Moreau irá agir contra nó s sabendo
que sua filha está aqui sendo uma de nó s, carregando nosso sobrenome
e… — Ele olha para mim, concentrado — Colocando um filho nela,
garante um herdeiro que nos dará acesso a Camorra e circulaçã o das
nossas mercadorias.
​Retifico meus ombros, captando cada pequeno pedaço do plano de
Nikolai. Isso é pessoal. É contra Marcella Moreau e o marido dela,
principalmente a ela. A mulher que o rejeitou.
​Eu dei muniçõ es para sua vingança porque eu também quero a minha. A
morte dos meus pais nã o pode passar batido enquanto aquela família
vive feliz como a porra dos donos do mundo. Eu perdi muito de mim na
noite que Kai Moreau ceifou a vida das ú nicas pessoas com importâ ncia
da minha vida, e se para retribuir em uma moeda dolorosa for ter a filha
dele, seu bem mais precioso, eu farei isso.
​Sou diferente do meu tio, perdi meus pais com 10 anos da forma mais
bruta que um garoto dessa idade poderia. Eu os vi morrer de uma
maneira que nã o desejo nem a um animal e fui obrigado a crescer como
filho dos meus tios — irmã da minha mã e, e o irmã o do meu pai. — Algo
deu muito errado no meu cérebro. Infelizmente, nã o foi o lado civilizado
que aflorou em mim, e sim um selvagem e impiedoso. Nã o existe
qualquer grama de bondade ou racionalidade digna de admiraçã o.
​— Quero me casar com ela para fazer dela meu brinquedo e torturar o
pai dela com minhas brincadeiras. Nã o quero que Zoey Moreau carregue
nenhum filho meu, meu sangue nã o se misturará com o do homem que
acabou com a vida dos meus pais. — Caminho até a mesa do meu tio,
espalmando minhas mã os na mesa enquanto o olho profundamente —
Trouxe Zoey Moreau aqui para lidar com o meu lado mais selvagem. Ela
pagará por tudo o que o pai dela me causou e será tratada exatamente
como a filha de um assassino. Se achou que isso seria um arranjo
diplomá tico, tio, você falhou. Zoey Moreau será meu deposito de porra e
a minha bolinha antiestresse — declaro, sorrindo de forma selvagem
para o meu tio.
​Ele fica parado como se acabasse de sofrer um golpe. Ele acha que
plantou uma ideia na minha cabeça que beneficiaria ele, talvez ele ainda
ache que é capaz de me controlar como quando eu tinha 14 anos.
​Nikolai, tia Sasha…. ambos nã o têm ideia do que vou fazer com essa
garota. Minha tia, que odeia todos os Moreau e quer ver a desgraça
deles, até ela pode chegar a se compadecer da criaturinha Moreau.
​Deixo meu tio para trá s com a decisã o de preparar o casamento para o
dia que ele achar mais propício, mas que nã o demore muito, ou nã o terá
lençó is legítimos para enviar para a família Moreau.
​Preciso me manter longe da criaturinha Moreau se quero que esse jogo
de cã o e gato entre nó s seja compensador para mim. Eu só tenho que me
desprender do fato dessa menina ainda ser exatamente isso, uma
menina. Nã o fodo com mulheres que nã o tenham mais de 28 anos e uma
base de experiência, justamente para nã o ter que ensinar nada e ser
saciado sem que eu tenha que pedir por algo delas.
​Vou para minha casa, que fica no mesmo terreno da mansã o, com 8
quilô metros de distâ ncia. Percorro o caminho coberto de neve, que me
leva até meu refú gio e tomo um banho morno, jogando minhas roupas
ensanguentadas no lixo.
​Preciso parar de usar peças brancas quando caço, isso está me custando
um bom dinheiro com camisetas. Tia Sasha precisa parar de encher meu
closet com tantas peças brancas. Meu tom é bordô , a cor camufla bem os
estragos que eu causo com minhas presas.
​Por volta das 19:00 horas ouço a campainha da minha casa ser tocada
quando estou na mesa de jantar, desfrutando de uma grande porçã o de
carne defumada com uísque. A campainha só toca uma vez antes da
pessoa entrar na casa, pela ocorrência, eu nã o preciso forçar o
pensamento para saber quem é.
​— Seu pai a está tratando como se ela merecesse algum cuidado!
​Tia Sasha surge na cozinha com o rosto torcido pela có lera. Ela anda pela
cozinha, fervendo de chateaçã o e uma ira incontrolável.
​ Ele praticamente nã o saiu daquele quarto desde que ela chegou aqui,

está montando vigília esperando que ela acorde. Isso é o cú mulo! —
vocifera, estendendo as mã os até meu balcã o de granito.
​Engulo a carne junto com o uísque, lançando a minha tia um olhar
apaziguador.
​— Ela é filha da mulher que ele amou, a garota se parece com ela e deve
ser mais fá cil ver a semelhança entre as duas quando a mesma está de
olhos fechados. Acho que qualquer um consegue ignorar que ela é filha
do pai dela quando ela nã o está de olhos abertos. — A ú ltima fala se
trata de um pensamento alto.
​Minhas palavras nã o fazem bem a minha tia, a fú ria em seus olhos
verdes só queimam ainda mais.
​— O trato foi trazer essa garota para reparar o erro que o pai dela nos
causou, tirando Mikhail e Ana de nó s. — Ela caminha em minha direçã o,
sua mã o pequena e gelada tocando meu braço e seus olhos me
implorando — Essa menina precisa ser a ruína do pai dela, nã o a nossa.
Faça-a pagar por tudo, filho. Acabe com a felicidade de Kai Moreau e da
família dele, do mesmo modo como fizeram conosco. — Sua mã o aperta
meu braço — Você precisa fazer essa menina deixar o pai dela infeliz.
Use-a como um precursor de infelicidade para os Moreau! Acabe com
eles!
​Seguro a mã o da minha tia, vendo a raiva dando lugar ao desespero e eu
odeio o que sinto vendo ela desse jeito. Ela sacrificou toda sua vida por
mim, se casou com um homem que nã o a ama para me criar com uma
base familiar. Qualquer coisa que tire sua paz, é digno da minha
perversidade.
​— Os Moreau terã o o que é preciso, mã e. Eu prometo. A filha deles nã o
está aqui de férias.
​Lá grimas umedecem seus olhos e ela desaba no meu peito. Afundo meus
dedos no seu cabelo, prometendo silenciosamente o preço a ser
cobrado.
​ ma claridade fria me desperta e eu luto contra o peso das minhas
U
pá lpebras para abrir meus olhos e me dar conta de que a neve, que vejo
através da janela, tornam minhas ú ltimas lembranças reais. Olho para
todo o enorme quarto com tons verdes e nã o encontro ninguém. Meu
braço está com um acesso, e um soro que está na metade goteja.
​Com o corpo pesado e ainda frio, eu arranco o acesso do braço, nã o vou
confiar em nada que venha desta casa, dessas pessoas, principalmente
se vier como endovenosa. Levanto da cama procurando meu equilíbrio e
percebo que minhas roupas foram trocadas por um pijama que nã o me
pertence.
​Nã o tenho a oportunidade de pensar em quem me despiu, minha mente
se preocupa com outras coisas e a mais gritante é o fato de as janelas
estarem com grades e a porta do quarto trancada. Por quanto tempo
dormi?
​O que eles acham que vou fazer? Fugir com essa quantidade de guardas
e cachorros esperando a oportunidade para me atacarem?
​Estudo todo o quarto, procuro por câ meras da forma como minha mã e
ensinou e encontro a lente de uma no centro do quarto, acima da cama.
Desvio meus olhos. Nã o quero que eles saibam que eu sei que estou
sendo monitorada. Um dos erros de um prisioneiro é deixar que o
carcereiro perceba o grau do seu conhecimento sobre a cela.
​ ã o demora muito para que a porta seja aberta, poucos minutos apó s eu
N
despertar e andar pelo quarto.
​Uma mulher mais velha, com roupas simples e cabelo preso em um
coque firme, entra no quarto carregando uma muda de roupas dobradas.
​— Estou aqui para ajudá -la a se lavar, senhorita. O senhor Nikolai pediu
para que eu a prepara-se para o jantar.
​A mençã o a palavra jantar faz meu estô mago se agitar com fome. Encaro
a senhora, me perguntando se vale a pena criar problemas com uma
mulher de idade que fala um inglês tã o arrastado e manca de uma perna.
​Decido ir para o banheiro sem causar problemas. O banheiro é tã o
grande quanto o quarto e enquanto eu tiro minhas roupas, a mulher
regula a á gua do chuveiro. Suspiro de alívio ao ver o vapor sair da á gua.
Nã o sei se aguentaria tomar banho de á gua gelada depois de quase
morrer de frio.
​— Qual seu nome? — questiono a mulher ao entrar no box e receber a
á gua quente no meu corpo.
​A mulher nã o mantém os olhos nos meus, ela parece precavida e
procura fazer seu trabalho sem muito assunto ou interaçã o comigo.
​Ensaboei meu corpo inteiro, me derretendo com a temperatura da á gua
e me sentindo recarregada com o banho quente. Paro de prestar atençã o
na mulher presente e coloco minhas mã os contra a parede, sentindo a
á gua escorrer pelas minhas costas e aquecer meus ossos.
​Engulo um gemido de satisfaçã o e fecho meus olhos, deixando que a
á gua aqueça todos os lugares que foram tocados pelo gelo. Me deixaram
chegar à hipotermia e isso deixa claro que eu nem mesmo vi a porta do
iceberg.
​Meus pensamentos me levam a lugares obscuros sobre o que posso
enfrentar em territó rio inimigo. A Bratva é o pior dos lugares para um
Moreau. Estar aqui sem proteçã o pode levar a minha morte, nã o posso
baixar minha guarda, preciso de alguma arma. Os homens que vi até
agora sã o brutamontes, mas nã o é isso que me assusta, tenho confiança
da minha habilidade de combate e ser grande também é um ponto fraco
para esses monstros.
​ oje, durante o jantar, eu irei pegar uma faca. Qualquer coisa que sirva
H
para perfurar.
​A mulher aponta para a muda de roupa e eu me pergunto onde minhas
malas com minhas coisas estã o. Essa calça jeans preta e a blusa de
mangas escuras nã o sã o minhas, e parecem terem pertencidos a outra
pessoa.
​Visto as roupas, que ficam compridas em mim, tiro o excesso de á gua do
meu cabelo e sigo a mulher para fora do quarto, mantendo meus olhos
atentos a qualquer movimento, corredor e portas. Pelo percurso do
terceiro andar até o térreo, principalmente pelos lugares que eu passo,
eu vejo o brilho das câ meras. Estou sendo monitorada por todo lugar.
​— Venha, você vai comer na cozinha junto com os outros criados. A
senhora Sasha nã o a quer circulando pela casa. — A mã o da mulher
impassível segura meu cotovelo, me levando para outro corredor.
​Os corredores sã o de pouca iluminaçã o e a casa é terrivelmente
silenciosa. Estamos prestes a entrar no que eu presumo ser a cozinha
quando a voz suave de Nikolai nos faz olhar para trá s.
​— Cora, a garota vem comigo. — Sua voz é um comando amigável e uma
perturbaçã o se passa nos olhos de Cora, mas ela nã o contesta.
​— Estou bem comendo na cozinha, nã o quero atritos com sua esposa,
senhor — digo.
​Nikolai sorri e faz um aceno para que Cora continue seu caminho sem
mim. Ele se aproxima com as mã os atrá s das costas e um sorriso
pequeno nos lá bios.
​— Sua mã e conhecia o segredo de todo mundo na casa onde ela morava
porque se tornou pró xima dos criados. Eu nã o quero arriscar que a filha
dela seduza meus empregados e descubra o que acontece por essas
paredes.
​Mantenho meu rosto imparcial.
​— Eu duvido que qualquer um dos seus empregados queira falar
comigo, eles sabem quem eu sou. Nã o existe motivo para preocupaçã o.
​Os olhos azuis de Nikolai brilham com seriedade.
​— Eu nunca subestimaria a filha da Marcella, principalmente sabendo o
tipo de genitor que ela escolheu para gerar você.
S​ orrio de lá bios fechados.
​O orgulho dele deve ter mesmo sido fodido pela minha mã e e pisoteado
pelo meu pai. O desprezo na sua voz é carregado e seus olhos somem
com a gentileza ao mencionar meu pai.
​— Para onde devo ir? — questiono.
​Ele gesticula para o lado direito do corredor e eu dou um passo à frente,
com ele atrá s de mim. A sala de jantar, luxuosa e intimista, surge com
suas luzes incandescentes fazendo com que o cabelo da mulher ruiva
ganhe um tom mais escuro.
​Os olhos verdes dela crepitam e ela se ergue na mesa, batendo com as
mã os na madeira.
​— O que ela está fazendo aqui?! — vocifera, com toda ira centralizada na
voz gritante.
​Nikolai aponta uma cadeira no centro da mesa para mim e gesticula para
o empregado parado ali colocar meu prato.
​— Zoey é a nossa convidada, e futura nora. Vamos tratá -la como se deve,
Sasha. — Ele toma seu assento na cabeceira da mesa, tentando disfarçar
a tensã o nos ombros.
​Tomo meu assento sem olhar para a mulher do outro lado, a beira de um
ataque de raiva, esperando uma ú nica oportunidade para voar em cima
de mim. Me mantenho neutra, alerta para o pior.
​— Eu nunca vou aceitar a filha do assassino da minha irmã como esposa
do meu filho! O pai dela matou os dois, Nikolai, e você a está tratando
como se ela fosse uma convidada? Essa garota deveria estar no canil, se
alimentando com os cachorros! — Ela contorna a mesa, vindo na minha
direçã o.
​— Melhor você parar onde está , senhora. Se me tocar, eu nã o vou ficar
parada — declaro, sem olhar para ela, me mantendo parada na cadeira.
​Uma risada amarga sai dos seus lá bios e ela avança ainda mais.
​— E o que vai fazer? Me matar? Seus irmã os sã o monstros como seu pai
e deveriam ter morrido naquela gaiola. Você nã o parece ser diferente. —
Seu rosto de traços rígidos se aproxima da lateral do meu rosto, e eu me
viro na sua direçã o encontrando seus olhos verdes oliva. — Você deve
estar ansiosa para ir para cama com meu filho, nã o é? Acha que vai
seduzi-lo como sua mã e fez com o seu pai…
​— Sasha, já chega. — Nikolai se levanta.
​Me mantenho inabalada, olhando para a mulher com a maior indiferença
possível.
​— Senhora, se tem uma coisa pela qual nã o estou ansiosa é ter seu filho
perto de mim. Para sua felicidade, ele nã o me atrai e toda vez que eu for
para cama com ele, saiba que nã o é por livre e espontâ nea vontade.
​— Olhe só para isso… — Sopra — Tentando ser uma puritana e
passando ao meu filho um perfil de abusador. Você é bem perversa.
Conheço garotas como você, e se veio para cá de boa vontade, é porque
algo a agradou.
​— A hospitalidade, com certeza.
​Seus olhos cintilam e eu diria que ela está prestes a me bater, mas seu
nojo por mim é tanto que até me tocar parece sujeitá -la a se sujar.
​Nikolai vem até a mulher no momento que a mesma segura um copo,
pronta para lançá -lo contra mim. Ele segura o pulso dela e me tira da sua
vista, falando algo em russo que parece formatar seu cérebro.
​A mulher amolece como á gua e é retirada da sala de jantar por uma
empregada. Nikolai, que está de costas para mim, parece respirar fundo
diversas vezes antes de se voltar na minha direçã o com o sorriso gentil.
Ele toma seu assento e gesticula para a comida ser servida.
​— Perdoe minha esposa, Zoey. Ela está com os nervos aflorados com sua
presença e com o casamento estando tã o pró ximo.
​Solto minha respiraçã o, observando meu prato ser servido.
​— Quando será o casamento? — inquiro.
​— Daqui a duas semanas, quando a neve baixar. Ibrahim está resolvendo
assuntos importantes e ainda nã o decidiu que tipo de cerimô nia vocês
terã o.
​Com certeza a que mais tiver mais membros do conselho para verem
uma Moreau sendo feita de refém e tomada como uma puta. É assim que
eles me verã o, como a puta do chefe deles.
​— O que aconteceu com minhas roupas? — pergunto enquanto corto
um pedaço de carne.
​ Foram jogadas fora, nã o queremos correr o risco de você ter trazido

algum rastreador com você. Amanhã terá roupas novas à sua disposiçã o.
Quanto a ligaçõ es com sua família, você pode continuar tendo até que
aconteça o casamento.
​Um certo aperto pressiona meu peito, e a comida começa a pesar no
meu estô mago com o pensamento de que estarei me comunicando com
meu pai no territó rio inimigo, fingindo que estou bem e segura. Meu
peito aperta ainda mais quando penso em como ele ficará despedaçado
quando descobrir o que está acontecendo comigo.
​Subo para o meu quarto com o sentimento de peso no meu corpo e
caminho até a cama. Espero pelas lá grimas que nã o desceram, nem
mesmo quando deixei aquele banheiro do cassino com meu destino
escrito.
​Tudo que parece ter se formado em mim é um buraco que suga qualquer
emoçã o e me entorpece, deixando apenas o medo livre para dominar
minha mente. E é com um pensamento assim que penso que Ibrahim irá
entrar neste quarto e cumprir suas palavras.
​Ao invés de dormir, eu o espero com a faca de pã o que coloquei por
dentro da manga da blusa durante o jantar.
​Em todos os cená rios, eu acabando morta parece um final mais indolor,
entã o que se dane se eu precisar matar Ibrahim Vassiliev.
​ rês dias transcorrem densos como a neve que cai do céu e cobre o solo.
T
Os arredores da mansã o sã o movimentados e todos os dias chegam
pessoas diferentes para fazer a ronda da noite, trocando de turno logo
de manhã . A troca de homens parece ocorrer todos os dias, para nã o
acontecer nenhum deslize de algum deles entender como funciona a
logística de segurança da casa.
​Lá em casa as coisas sã o diferentes, mesmo vivendo sob ameaças de
ataque, nó s temos tecnologia e uma legiã o de soldados em um nú mero
maior do que nosso inimigo. Eu presumo que essa movimentaçã o toda
aqui seja por minha causa. Embora eu tenha falado com meu pai ontem
à noite e ele ainda ache que estou na Suíça, Nikolai nã o quer arriscar
perder seu trunfo.
​Me mantenho no quarto e minha presença nã o é requisitada, eu também
nã o vejo uma ú nica sombra da presença de Ibrahim e isso é um alívio
para os problemas que estã o se desenrolando com o passar dos dias.
Meu café da manhã é servido no quarto, assim como as outras refeiçõ es,
e é sempre Cora quem traz.
​De todos os empregados desta enorme mansã o, apenas ela parece falar
inglês. Em uma manhã de quarta-feira, a porta do meu quarto é aberta
por Cora e uma outra mulher mais jovem. Me viro para as duas
mulheres, estudando a presença de ambas.
​ A senhorita Petrov veio tirar suas medidas para o vestido — Cora

explica, fechando a porta atrá s de si.
​Vou para o meio do quarto, me colocando à disposiçã o da jovem de
cabelo escuro, que me olha de forma avaliativa. Mantenho meus olhos
nos dela, sem desviar da forma curiosa como ela me olha e a mesma
sorri com deboche.
​— Você é pequena, ele nã o vai gostar disso — comenta com um sorriso
nos lá bios, pegando a fita.
​— Deixe-me adivinhar, você é uma das mulheres dele? — Desço meus
olhos pelas suas pernas longas e suas curvas longilíneas. Ela parece uma
modelo.
A morena sorri, jogando o cabelo para o lado enquanto se
aproxima de mim com sua fita. Começando as medidas pela altura. O
cheiro agradável dela entra nas minhas narinas, o cheiro é desconhecido
e nã o ativa nenhuma memó ria.
— Ibrahim e eu temos nossos momentos de diversã o. Ele é um
homem insaciável e com um gosto definido para mulheres, e é olhando
para você que posso afirmar que você nã o vai aguentar nem a primeira
noite com ele. — Sua voz nã o esconde o prazer de estar debochando de
mim.
— Te mandaram aqui para me assustar com histó rias sobre como
seu senhor tem fetiche por quebrar mulheres no sexo? É uma nova
tá tica? — Suspiro, abrindo os braços quando ela passa a fita pela minha
cintura e seios.
Os olhos castanhos dela brilham.
— Eu estou apenas tentando preparar você. Ibrahim nã o será
cruel se você fizer o que ele pedir. — Ela baixa o tom de voz, me olhando
mais de perto e com um brilho de atençã o nos olhos.
Ela olha para Cora parada na porta esperando por algum pedido
da parte dela, entã o ela se aproxima ainda mais de mim.
— Se você ficar parada, deixá -lo terminar o que tem para fazer,
talvez nã o se machuque tanto. Quanto mais você desafiar Ibrahim, mais
ele irá querer te castigar. Todas as mulheres que vã o para cama com ele
sã o masoquistas, ele procura por esse tipo. — É um aviso.
Sinto minha garganta fechar.
— Você é masoquista? — questiono.
Ela balança a cabeça, assentindo.
— Por isso Ibrahim e eu demos certo durante um tempo, antes
dele enjoar de mim e procurar por coisas ainda mais depravadas.
Eu olho para ela, me questionando como ela consegue estar
conversando comigo sobre esse assunto, como se estivéssemos falando
sobre o clima, e, principalmente, porque essa conversa está me deixando
enjoada.
— Ele mandou uma das amantes dele para preparar meu vestido
de noiva, o grau de doença deve ser bastante elevado. — Solto uma
respiraçã o rasa, vendo a garota mais velha que eu ir para trá s de mim.
Mesmo em cima de um pequeno banco, ela consegue ser mais
alta que eu, e ela é tã o bonita que me pergunto qual seja o problema
para ela gostar de um sexo sujo. Conheci muitas mulheres que foram
atrá s da ajuda da minha mã e para se refugiar, e entre elas conheci uma
que nã o conseguia ter sexo sem violência. Nã o sei o que se passa na
cabeça de alguém para sentir prazer com a dor, essa ideia é tã o
deturpada na minha mente que, só de pensar que minha primeira vez
vai doer, um nó se forma no meu estô mago.
— Ouça, eu vou ser franca com você porque um dia também já fui
inocente. — Ela vem para minha frente, perto o bastante para seu
sussurro ficar entre nó s duas. Cora parece estar alheia ou simplesmente
finge nã o se importar. — Ele nã o vai ser carinhoso, e você nã o parece ser
uma menina que aceita as coisas calada e isso será só um dos motivos
para ele te castigar. — Os olhos castanhos dela parecem preocupados,
empá ticos. — Obedeça a ele, faça exatamente o que ele pedir, mesmo
sem saber como fazer. A primeira vez pode ser uma droga, mas eu
garanto que melhora. — Seus olhos descem pelo meu corpo e suas íris
sã o sombreadas por um tremor — Vai ser difícil para você. É pequena
para ele e Ibrahim nã o tem paciência.
Um gosto amargo preenche minha boca e eu saio de cima do
banco, lançando à amante do meu noivo um olhar nada cordial. Eu nã o
confio em ninguém aqui, muito menos nos seus olhos demonstrando
essa empatia. Ela pode muito bem ter sido enviada por ele para me fazer
tremer de medo e implorar quando chegar o momento, exatamente
como ele quer, e eu ressalto que prefiro ser morta a implorar.
— Você já terminou seu trabalho aqui?
Ela abre a boca como se fosse falar mais alguma coisa com essa
falsa preocupaçã o e eu aponto para a porta.
— Aliá s, meu nome é Yuliya, eu sou a estilista da família. Eu nã o
tenho questõ es com sua família, nã o a considero inimiga. Nã o estou
pedindo para confiar em mim, mas posso ser sua melhor chance de
qualquer tipo de amizade aqui.
Um riso á cido escorre da minha boca e eu viro de costas, indo
para a janela. Cruzo meus braços, olhando para a neve cobrindo o
jardim. Ouço a porta ser aberta e em seguida fechada com a chave.
Inspiro fortemente sentindo um espasmo no mú sculo facial.
Meu sangue corre frio e meus olhos ardem com a ausência de
lá grimas. Pensamentos torturantes me cortam de dentro para fora e,
pouco a pouco, eu consigo sentir o tamanho do meu medo. Até ontem,
ele era um botã o; hoje, ele parece ter adquirido o tamanho de uma pedra
de aquá rio.
Eu preciso sair desse quarto ou vou enlouquecer de ociosidade
misturada a pensamentos de medo e desespero. Nã o posso deixar esses
dois sobreporem a calma que aprendi a manter sobre todas as coisas da
minha vida.
Procure por uma distração. Saia desse quarto!
Caminho até a porta, batendo na madeira com força até a mesma
ser aberta por um homem com o rosto coberto de tatuagem e o dobro do
meu tamanho.
O que diabos eles acham que vou fazer para manter um homem
desses na minha porta?
— Eu posso ir lá fora? — pergunto com firmeza, sentindo a
sensaçã o de desespero se impregnando em meus pulmõ es, poluindo a
minha mente.
Sinto como se fosse sufocar dentro desse quarto, e, se eu nã o
puder sair, vou perder a cabeça e me machucar tentando ir lá fora.
Foram três malditos dias aqui dentro.
O homem usa o comunicador na orelha para falar algo em russo
e, em seguida, faz um aceno com a cabeça para fora do quarto. Um
suspiro silencioso de alívio saí dos meus lá bios. Mesmo nã o tendo um
casaco adequado para a neve e o frio lá fora, eu pego a jaqueta mais
grossa que encontro nas coisas que Cora me trouxe três dias atrá s, com
lã por dentro.
Sou seguida de perto, como se eu fosse a porra de uma ameaça
imprevisível. Sinto-me como um cã o sendo levado para um passeio apó s
comer, mas sem a parte da amabilidade.
No momento em que cruzo a parte de fora da casa, o ar gélido
entra pelo tecido da minha roupa, arrepiando todos os pelos do meu
corpo e me fazendo estremecer. A bota afunda na neve no primeiro
passo e os flocos caem no meu cabelo, repousando nos meus cílios.
Sinto o contato gelado e inspiro o cheiro limpo, sentindo o
monstro do pâ nico atenuar suas garras na minha mente. Dou um passo à
frente, indo para o fundo da casa e meu movimento faz mais dois
homens surgirem em meu encalço.
Eles estã o com medo. Meu pai é um bom motivo para se temer,
ele nã o se importa com a quantidade de estragos e mortos quando o
assunto passa a ser do interesse dele. Se ele soubesse que estou aqui, a
casa já estaria tomada antes mesmo que um desses milhares de homens
e cachorros tomassem consciência do que está acontecendo.
Nikolai tem supervisionado toda a minha comunicaçã o com meus
pais, atento a qualquer có digo que eu possa trocar com eles e ele nã o me
deixa esquecer que, com um deslize meu, Vittorio e todo o legado da
minha mã e virariam lembranças. Por mais que eu odeie Vittorio neste
momento, eu nã o desejo a morte dele.
Lembrar de Vittorio me leva a Alessio, e o nó da preocupaçã o
aperta ainda mais meu peito. Quando eu fui embora, ele estava se
recuperando da segunda overdose e tentando manter a cabeça no lugar.
Ver meu irmã o chegar a quase perder a vida duas vezes me fez chegar
perto de contar a ele o motivo por trá s da sua dor.
Entretanto, eu nunca entregaria Heather a Alessio, sabendo que
ele fez algo tã o perturbador com ela que a mesma abraçou com unhas e
dentes a chance de arriscar sua vida para ficar longe dele.
Como será que Alessio está sobrevivendo neste momento? Será
que um dia terei a chance de me reunir com minha família novamente e
ter uma tarde de conversa com meu pai?
Meus questionamentos sã o como punhaladas no meu peito,
fazendo-me pisar mais forte na neve, praticamente correr enquanto o
frio me castiga e os flocos de neve se acumulam em meus cílios, me
fazendo piscar uma série de vezes para limpar meu campo de visã o.
Minhas mã os estã o congelando e a calça jeans nã o é grossa o bastante
para me proteger contra uma temperatura tã o abaixo de zero. Até meus
cã es de caça estã o mais protegidos do que eu.
Nã o me detenho por isso, continuo avançando pela propriedade
com o vento contra meu rosto e meus dentes batendo um no outro. Enfio
minhas mã os dentro dos bolsos da jaqueta e piso fundo, usando a força
do meu ó dio para me impulsionar para frente.
Devo estar no limite, mesmo depois de tanto tempo, porque
nenhum dos homens diz nada sobre voltar, nem mesmo quando chego
perto do bosque denso e imponente à minha frente. É só quando estou
de frente com ele que paro de andar.
Eu encaro as á rvores repletas de neve, o caminho que se estende
a quilô metros, com neve por todo o solo. Respiro fundo, sentindo meus
pulmõ es queimarem ao perceber o quanto caminhei e como a sensaçã o
pungente de ser aprisionada nã o sai de mim, mesmo que meu corpo
inteiro esteja queimando de frio. Literalmente queimando com gelo, e
nã o dormente.
Derrotada, estou prestes a voltar de onde vim quando ouço
latidos vindos de dentro do bosque e entã o uma figura humana se
desenha ao longe.
Semicerro os olhos, tentando discernir a figura e por que ela
parece tã o familiar, despertando meu interesse o bastante para que eu
nã o saia do lugar.
Mas é apenas quando ele está a poucos metros de mim que
percebo que essa silhueta larga, com o tamanho mais volumoso por
causa das roupas, é o maldito que sentenciou minha vida.
Ele se aproxima com dois cachorros brancos que parecem lobos
ao lado dele. Ele parece uma sombra, vestido de preto no meio de tanto
branco, carregando um machado e com o cabelo loiro penteado para
trá s.
Seus olhos azuis se fixam em mim, como um leã o avaliando antes
de atacar. Meu coraçã o erra as batidas e meus pés parecem virar
concreto.
— Ora, ora… A criaturinha Moreau parece uma mulher agora. —
Seus olhos sobem das minhas pernas para o meu rosto. — Ganhou
curvas notáveis, meu bem. Está apetitosa para o abate.
Eu recuo diante do olhar dele, meu sangue viscoso correndo
pelas minhas veias com uma temperatura explosiva. Ibrahim está sério,
o seu machado está pinga gotas de sangue que mancham a neve branca.,
Olhando para ele, apenas um pensamento vem à minha cabeça enquanto
ele me olha como se eu fosse sua fonte de alimentaçã o.
Fuja, Zoey! Corra!
Por um momento, acho que estou correndo, mas nem mesmo
mexi um ú nico mú sculo. É apenas minha mente gritando ordens a um
corpo entorpecido.
Os cachorros parecem farejar meu medo e começam a latir,
avançando na minha direçã o, me fazendo tropeçar nos meus pró prios
pés e cair de bunda no chã o, com os olhos arregalados e o coraçã o
ressoando nos meus ouvidos.
Ibrahim nã o está dando nenhum comando a eles para pararem e
os homens estã o rindo por cima dos latidos dos cachorros. Viro de
costas, pronta para me rastejar quando ouço a voz autoritá ria de
Ibrahim.
— Quietos!
Os cachorros param de latir e os homens de rir, mas, mesmo
assim, eu engatinho pela neve com a adrenalina enviando calor
suficiente para driblar o frio congelante do medo.
Um grito fino sai dos meus lá bios quando tenho meu tornozelo
puxado e sou virada na direçã o de Ibrahim. Ele coloca um joelho sobre
minha barriga e suga toda coragem de mim com seus olhos cruéis,
repletos de luxú ria.
Meu peito sobe e desce em uma respiraçã o ruidosa, e os
cachorros cercam meu corpo enquanto seu dono está me olhando de
cima, com a perversidade vazando de seus olhos.
— Nã o quis esperar até o dia do nosso casamento e veio esfregar
essa bunda gostosa na minha cara, Zoey? — Ele olha para cima, onde os
homens estã o ao redor. — Deixe-nos, ela está comigo agora!
Nã o. Nã o. Nã o!
Com os olhos brilhando de forma animalesca, ele se inclina na
minha direçã o.
— Ninguém virá te salvar, criaturinha.
S​ ou jogada sobre o ombro dele sem esforço algum, seus braços me
agarram como se eu nã o tivesse o valor mínimo do peso que ele pode
carregar. Minhas mã os agarram a parte de trá s da sua jaqueta, com o
pâ nico dominando todo meu corpo a cada passo que ele dá pela neve,
em direçã o ao desconhecido.
​Procuro minha voz, minha força, qualquer coisa que possa me fazer lutar
neste momento, mas tudo que recebo é uma resposta paralítica do meu
corpo, como se todas as minhas forças tivessem sido drenadas durante a
caminhada pela neve. Meu corpo está gritando que nã o tem energia
suficiente para se defender e eu vou ser abusada sem ter um pingo de
dignidade para revidar contra este monstro.
​Uma porta é aberta e logo estamos dentro de um chalé aquecido. Ele
sobe as escadas, largando seu machado cheio de sangue no chã o da
entrada da casa. O sangue congelado ali ativa todos os pontos defensivos
do meu corpo, e começo a esmurrar as costas dele, sentindo meu
coraçã o errar as batidas a cada degrau das escadas.
​Sou jogada, sem cuidado nenhum, sobre uma cama, meu corpo
sacudindo no colchã o duro. Faço o esforço de me levantar para sair
correndo, mas seus braços me empurram novamente para a cama e seus
olhos azuis me alertam, com um brilho diabó lico exalando das suas
írises.
​ Por que está relutando, criaturinha? Nã o saiu de casa justamente

para me encontrar e ser comida por mim? — Ele tira sua jaqueta,
revelando os braços robustos cobertos por uma blusa de manga longa
que aperta seu punho.
​Afundo meus dedos nos lençó is, sentindo todo o meu corpo rígido e meu
coraçã o bater de forma abafada. Meus olhos parecem embaçar diante de
tanto medo, ao ver ele me analisar como se estivesse decidindo por onde
começar.
— Se você quer se vingar do meu pai, a melhor maneira seria me
matando. Por que nã o faz isso? Por que nã o me mata e manda o rosto do
meu corpo para ele? — Encontro minha voz rouca no meio de tanto
barulho mental.
Os olhos de Ibrahim brilham de forma letal e ele balança a
cabeça, se aproximando de mim na cama. Me afasto, empurrando meu
corpo para trá s quando ele afunda o joelho no colchã o em um
movimento lento.
Seus olhos focam nos meus, descontentes em vê-los tã o de perto.
Seu ó dio é tã o cru que posso senti-lo por todo meu corpo, me
queimando.
— Matar você nã o vai me divertir mais do que poder comer você,
marcar seu corpo e te quebrar pedaço por pedaço, até que você deseje
acabar consigo mesma sem precisar de mim para isso. — Seu polegar e
indicador agarram meu queixo de forma brusca. — Nã o será a mim a
quem você vai implorar para morrer, criaturinha. E assistir ele te ver
desejar estar morta, vai ser a minha vingança.
Mordo a lateral da minha bochecha com tanta força que o gosto
de sangue me distrai do sentimento explosivo de querer matar esse filho
da puta com minhas pró prias mã os. Ele acaba de revelar o seu plano, e
eu decido que, se ele quer me ver implorar para ser morta, entã o ele
mesmo terá que fazer isso.
Nã o importa em quantos pedaços ele vá me quebrar, eu nã o me
importo nem mesmo com o quanto de mim vai se perder nesse
processo. Todas as vezes que eu pensar em querer morrer, usarei isso
para resistir. Eu sempre gostei de um bom desafio, e se o de agora é
sobreviver mesmo querendo morrer, entã o que eu seja a melhor das
atrizes.
Ibrahim parece ler meus pensamentos, ele vê meu desafio
refletido em meus olhos e isso o deixa ainda mais irado, como se
encontrar resistência em mim fosse um chute em suas bolas.
— Vire-se de costas! — ordena.
— Tem medo de se apaixonar pelos meus olhos enquanto me
fode? — cuspo as palavras com amargura.
Seus dedos aumentam a pressã o em meu queixo, e ele o empurra
para cima, me forçando a olhar para ele e encontrar o mais puro
repú dio.
— Eu nunca vou te foder como se você fosse digna de qualquer
gentileza, principalmente quando você carrega os olhos de um
assassino. Eu nã o tenho medo, tenho aversã o ao que você é.
Escuto o som de algo se quebrando dentro de mim, e as lá grimas
que pareciam ter desaparecido no ú ltimo ano, voltam e umedecem meus
olhos. Mas, antes que ele possa ver o brilho delas, sou virada de bruços
bruscamente, e agradeço por isso. Nã o quero que esse monstro veja
qualquer sinal de fraqueza em mim e eu nã o vou me importar com o
quanto isso vai doer, eu aguentarei.
Eu serei tã o forte quanto Alessio foi quando aguentou ser
queimado vivo. Tanto quanto minha mã e suportou para chegar onde
chegou e, com certeza, ainda mais forte que meu pai, que sobreviveu por
todos esses anos.
Eu sou a prole de duas pessoas inquebráveis, e eu nã o vou ter
medo. Nã o vou deixar que me quebrem, nã o importa o que vier a seguir.
Aperto as beiradas da cama, olhando para a parede de madeira
pintada com um tom escuro, e volto a lembrar de uma mú sica antiga que
eu ouvia quando criança. Sinto o puxã o na minha calça e fecho os olhos,
pressentindo o pior. A cama se move, e por um momento tudo fica em
silêncio e quieto, apenas minhas mã os apertando com toda a força o
colchã o é o ú nico desconforto.
Viro minha cabeça para trá s, agitada quando sinto uma picada
aguda na minha bunda, bem a tempo de ver Ibrahim Vassiliev injetando
algo em mim.
— O que está fazendo comigo? O que colocou em mim? —
Levanto da cama, todo meu sangue correndo pelo meu corpo como
veneno.
Olho para a seringa na sua mã o, e em seguida para seus olhos
sem expressã o e eu deduzo o pior. Ergo minha calça que só foi baixada
menos da metade, sentindo meu glú teo direito doendo pela invasã o de
uma agulha.
— Isso é um anticoncepcional, uma garantia de que nã o vou ter
como a mã e do meu filho, a garota cujo o pai é o pior tipo de homem que
existe no mundo. — Ele descarta a seringa, me lançando um olhar hostil.
Engulo em seco, sentindo minha pulsaçã o diminuir com a certeza
de que ele nã o me envenenou.
— Outra pessoa poderia ter feito isso, você nã o precisava me
tratar dessa forma.
— E como eu deveria tratar uma cadelinha como você?
Fecho minha expressã o, nã o existe nenhuma forma de ter
qualquer conversa racional com esse animal. Ele nem mesmo parece ser
um homem com qualquer gota de civilidade.
Passo por ele, pronta para sair daqui e voltar para o quarto que
tenho como cela, quando sua mã o grande envolve meu braço duramente,
me fazendo ir contra seu peito, firme e largo. Ergo meu rosto, tentando
evitar uma careta de dor pela brutalidade como ele me segura.
— Nã o me lembro de ter dado permissã o para você sair, ainda
posso brincar com você como pretendo desde o momento em que te vi
de quatro na neve.
O frio engloba minha espinha e meu sangue parece circular ainda
mais rá pido.
— O que você ainda quer comigo, Ibrahim? Estou cheia de você
por hoje, já nã o basta ter mandado uma das suas amantes tirar minhas
medidas? Seu jogo é ainda mais doentio do que eu imaginei… — Minha
voz soa tã o desafiadora ao ponto de eu lembrar da minha mã e, e de
temer que ele queira me punir por tamanha ousadia.
Seus olhos, por sua vez, parecem ficar abalados ao ouvir seu
nome saindo da minha boca e antes que eu possa detectar outro sinal de
emoçõ es no seu rosto, sou jogada novamente na cama.
Dessa vez, com tamanha força que quase vou parar do outro lado.
Ele arranca sua camisa pela cabeça, me fazendo perder o ar diante das
diversas tatuagens que escondem sua pele e o faz parecer ainda maior.
Ibrahim sobe em cima de mim, me puxando para debaixo dele,
depositando todo seu peso em cima de mim, despertando um calor no
meu ventre que parece liquidificar meus ó rgã os e transformar tudo em
calor líquido. Eu arfo, apertando os bíceps de Ibrahim.
O contato das minhas palmas com sua pele cria uma enorme e
fodida sensaçã o de familiaridade, como se esses mú sculos firmes e ,a
temperatura amena deles fossem, de algum modo, pertencentes a mim.
A sensaçã o me deixa tã o aturdida que eu só percebo que Ibrahim
parece atingido por algo, quando seus olhos parecem em choque com ao
encontrar os meus. Todos seus mú sculos estã o tensionados e ele parece
incapaz de se mover, assim como eu, enquanto nos olhamos.
Os olhos dele se tornam mais escuros quando vistos de perto, a
claridade que eles ostentam parece simplesmente ter sido englobada
por uma sombra. O rosto dele é ainda mais bonito, consigo ver as
pequenas sardas pelo seu nariz, e a marca de sol e linha de expressã o em
torno do seu rosto… Ele parece mais jovem, mais bonito e os lá bios dele
sã o tã o avermelhados.
Ibrahim se abaixa na direçã o dos meus lá bios e eu anseio pelo
contato de forma tã o deturpada. Eu nã o deveria estar sentindo isso pelo
meu inimigo, o homem que quer me destroçar.
Antes que eu feche meus olhos para receber meu primeiro beijo,
ele sai de cima de mim com pressa, virando-se de costas, com a
respiraçã o pesada.
Me ergo nos meus cotovelos sentindo meu pró prio coraçã o
descompassado.
​Sem que eu possa ter qualquer reaçã o, ele me agarra pelo braço e me
arrasta escada abaixo, fazendo minhas palavras entrarem em minha
garganta e ser deixada para trá s, com minha jaqueta tirada de mim em
algum momento.
​Ele abre a porta do chalé e com uma força maior com a qual me jogou na
cama, ele me lança contra a neve, me fazendo cair por cima do meu
braço e mesmo com meu grito abafado, ele simplesmente bate à porta
com um estrondo.
​Tento me mover, mexer meu braço grunhindo no processo, tanto de dor
como de frio, por estar quase imersa na neve com poucas roupas. Uso
meu lado esquerdo para me erguer, mordendo meus lá bios para nã o
gritar com a dor que engloba todo meu braço direito de forma
lancinante.
​Acabei de ter meu braço quebrado?
​Grunhido, eu tento movê-lo sem muito sucesso de desempenho e uma
grande taxa de dor. Me levanto com esforço onde afundei na neve e
batendo meus dentes, eu começo a caminhar de volta a mansã o,
segurando meu braço machucado e gemendo, como se emitir algum
ruído fosse me aquecer ou aliviar a dor que estou sentindo.
​Devo ser realmente asquerosa para ser tratada dessa forma e jogada ao
chã o, como se fosse um saco de batatas em vez de um ser humano.
Porra, o filho da puta quebrou meu braço?
​ ndo de um lado para o outro pelo meu quarto, meu corpo acordado
A
com uma espécie de fogo, que queima cada pedaço de mim, tortura
minha mente ao ponto de eu precisar me machucar em busca de
racionalidade. Estou fora de mim. O cheiro dela no meu quarto está me
deixando ainda mais louco, totalmente irracional ao ponto de querer ir
atrá s dela e possuí-la na neve.
​Meu circuito simplesmente parece corrompido, ele foi sabotado no
momento em que me deixei mergulhar nos olhos dela. O que diabos eu
estava fazendo quando me deixei observá -la tã o de perto?
​Um rosnado animalesco sai dos meus lá bios, me sento na beirada da
cama, aperto minhas mã os enquanto uso toda força possível para
expulsar o toque dela dos meus braços, o calor do corpo pequeno me
aquecendo e suas pernas abraçando meu quadril.
​Eu ia beijá -la. Estava desejando beijar a filha do homem que matou
minha família e destruiu minha vida, que me tornou um animal e tirou
minha honra como homem. O que diabos é esse fogo queimando meu
peito, incendiando minhas veias e fazendo meu pau doer de tã o duro
que ele está ?
​Os olhos dela sã o como o primeiro sol da manhã , poderosos,
convidativos, tã o malditamente hipnotizantes que eu pude senti-los
fazer contato com a alma que eu nã o sentia há muito tempo. Eu estou
fervendo por ela. Sentindo tanto desejo que minha pele está arrepiada e
com calor acumulado em lugares que eu nem mesmo sabia que podiam
ser aquecidos.
​Meu corpo, que sempre foi frio, está pegando fogo.
​Levanto-me da cama, ainda sem camisa, e vejo a jaqueta dela jogada na
cama. Fecho meus punhos, pronto para pegar essa peça nefasta e
queimar na minha lareira, mas estou tã o eletrificado com as sensaçõ es
dela na minha pele e mente, que eu simplesmente faço a ú nica coisa que
sou capaz de fazer para nã o ir atrá s de Zoey Moreau.
​Com o pau duro como uma rocha, eu encontro uma certa dificuldade
para retirar ele de dentro das calças, principalmente porque minhas
mã os estã o trêmulas de desejo, como se eu estivesse em abstinência.
​Enrosco minha mã o pelo meu mastro, sentindo meu líquido pré-
ejaculató rio umedecer meus dedos, estou pingando de desejo e
necessidade, um gemido juvenil e humilhante sai da minha boca quando
acaricio a glande sensível.
​Fecho meus olhos, com meu peito subindo e descendo de forma
desenfreada a cada vai e vem da minha mã o. Lembro do toque dela, da
mã o pequena, e aumento a intensidade da minha pegada no meu pau,
imaginando que seja aquela criaturinha me masturbando com força nas
suas mã os pequenas, macias e quentes.
​Arquejando, eu aumento a velocidade, com os olhos dela brilhando em
desafio na minha mente, com o cheiro dela inundando o meu olfato,
como se ela ainda estivesse aqui. Me encosto com uma mã o na parede
aumentando a pressã o e intensificando meus movimentos, estou
pingando tanto, que meu líquido se torna um lubrificante perfeito para a
intensidade que estou empenhando no meu pau, imaginando que seja a
criaturinha Moreau fazendo isso, e nã o eu.
​Eu preciso gozar nela, manchar sua pele lisa com minha porra, até que o
único cheiro que eu sinta nela seja o meu!
​Perco minha respiraçã o quando estou a segundos de gozar, apanho a
jaqueta dela, a ú nica coisa que esteve em contato com a pele dela, que
carrega seu cheiro. Jogo a porra da jaqueta em cima da cama, me
posiciono e explodo com mais porra do que me lembro de ter ejaculado
um dia, maculando todo o tecido da jaqueta, rosnando como um animal
pelo peso do descontrole que sai dos meus ombros quando me liberto
de toda a tensã o no meu corpo.
​Ofegante, com o suor pingando da minha testa, eu escorrego para o chã o,
sentindo um breve alívio que logo volta a pesar quando eu lembro do
momento em que a vi na neve.
​23 anos e ela está ainda mais fatal do que quando tinha 16. Na primeira
vez que eu a vi pessoalmente, tã o linda, dentro de um vestido recatado,
com o cabelo negro ondulado caindo pelas costas e aqueles olhos
solares, eu estremeci. E hoje, depois de quase malditos sete anos de
espera, ela surge na minha frente, no meu territó rio, com os fios pretos
cobertos de flocos de neve, em uma calça jeans justa demais para o
corpo de curvas suntuosas… Diabos, ela ter ficado de quatro na neve foi
a pior coisa que ela podia ter feito.
​Algo primitivo rosnou dentro de mim e eu estava pronto para fazê-la
minha ainda hoje, mas o maldito sentimento de afeiçã o surgiu no
momento que fiz contato visual com ela.
​Minha mente está mais fodida do que imaginei, me dando a falsa
sensaçã o de estar afeiçoado a filha do meu inimigo, isso parece uma
piada e, com toda certeza, nã o é algo real ou possível de acontecer. Tudo
que quero de Zoey Moreau é seu corpo, eu quero quebrá -la enquanto
encontro meu prazer nisso, porque está bem claro para mim que vou me
sentir muito bem comendo sua boceta.
​Guardo sua jaqueta maculada com meu gozo em uma das gavetas do
meu closet e vou tomar banho, com a fome por Zoey, novamente
desperta dentro de mim, e com a certeza de que vou bater outra durante
o banho, e pelos dias que seguirem, até eu estar finalmente me enfiando
nela.
​ unca senti esse tipo de desejo que queima de dentro para fora, e com
N
certeza nunca me senti tã o atraído assim por uma mulher, mas nã o
posso mostrar a ela o quanto eu a desejo. Preciso arrumar alguém que
dê um jeito nisso. Talvez hoje seja a noite em que eu vá encontrar uma
das minhas presas mais submissas, ou mais de uma delas. Com todo esse
combustível em minhas veias, duvido que eu vá conseguir frear esse
desejo com apenas uma mulher.
​Visto roupas pesadas, a neve está mais densa e a temperatura está mais
baixa depois da manhã . Lembro imediatamente do que eu fiz com ela, a
jogando na neve sem casaco. Puta merda!
​Abandono meu almoço e sigo para a mansã o, bufando contra a parte da
minha mente que batalha contra o meu lado mais irracional, o
convencendo de que precisamos saber se ela nã o teve outra hipotermia.
O que uma parte parece sentir preocupaçã o, a outra me consola, dizendo
que estou indo apenas para me certificar de que ela se machucou e está
sendo castigada.
​Ela merece. Quanto mais sofrimento ela tiver, melhor será para o pai dela
perceber que sua filha foi jogada aos lobos.
​Nikolai caminha de forma temperamental na minha direçã o, com o rosto
vermelho de chateaçã o quando me vê cruzar a sala onde ele e minha tia
estã o.
​— Você quebrou o braço da garota, Ibrahim! — vocifera.
​O grito de Zoey quando a joguei na neve surge em uma parte distante do
meu cérebro, e uma pequena parte em mim se retesa com o
conhecimento do que eu fiz.
​— Um braço quebrado nã o é nada, e ela provavelmente mereceu. Se ela
quisesse segurança nã o sairia do quarto, a garota nã o é idiota para nã o
notar que todos aqui estã o esperando uma oportunidade para machucá -
la. — Minha tia se ergue do sofá , caminhando na minha direçã o com
uma expressã o gentil nos olhos — Você almoçou, filho?
​Me direciono para Nikolai, mantendo minha expressã o imparcial.
​— O que importa se ela quebrou o braço? Isso nã o vai adiar o que tem
que acontecer. — É minha voz que diz isso, mas o gosto de como essas
palavras soam na minha boca cria um gosto amargo difícil de engolir…
​Os olhos do meu tio parecem obscurecer e ele respira fundo,
canalizando seu controle. Deve ser a primeira vez que o vejo tã o fora do
seu manejo.
​— Ela terá que passar vinte dias com o braço imobilizado, pelo menos
até poder tirar o gesso. O Dr.Palin deixou claro que ela nã o pode fazer
esforços com o braço se quiser se recuperar rá pido. E eu nã o sei se você
percebeu, sobrinho, mas o tempo nã o está a nosso favor. A cada dia que
passa, Kai Moreau fica mais desconfiado, e se ele ver a filha com o braço
engessado, vai querer ir até ela.
​Relaxo os ombros, unindo minhas mã os em frente ao meu corpo.
​— Ela dará um jeito de convencê-lo, essa garota parece ter todos os
homens da família nas mã os. Volte a lembrá -la do que vai acontecer se o
pai dela invadir nosso territó rio e ela o fará acreditar que ela é capaz de
fazer chover todo dia no deserto. — Respiro fundo, impaciente — Vinte
dias é o necessá rio para ela se livrar do gesso?
​Meu tio passa a mã o pelo cabelo, a impaciência jorrando de todos seus
poros e transpassando seus olhos.
​— Você nã o chegará perto dela pelos pró ximos vinte dias, nem mesmo
sair do quarto ela vai e tampouco receber visitas, além da empregada.
​— E sua, ao que parece — provoco com irritaçã o.
​— Você quem causou isso, Ibrahim. Nã o importa o quanto você e sua
mã e a odeiem, isso nã o importará de nada se Kai Moreau descobrir onde
a filha dele está se ela ainda estiver imaculada. Quer sua vingança?
Entã o use o lado racional do seu cérebro e pare de agir como um animal!
​Fito meu tio, deixando que ele veja que está cruzando sua linha comigo e
que sua agressividade está começando a me irritar. Ele nã o consegue
lidar com minha irritaçã o e sabe disso. Nã o importa o quanto de
respeito eu tenha por ele, se ele nã o souber reconhecer até onde pode ir
comigo. Ele pode parecer ser o chefe dessa organizaçã o, mas é a mim
que os homens obedecem.
​— Essa garota nã o deveria estar aqui, vocês dois deveriam ter matado o
filho deles, varrido o legado da mã e deles para debaixo do tapete e
estaria tudo resolvido. Escolheram trazer um deles para nossa casa e
agora estã o brigando por causa dela. A prole maligna mal chegou e já
está causando briga entre pai e filho! — minha tia exclama com ira na
voz, se colocando entre o meu tio e eu.
​Olho para Nikolai.
​— Ele nã o é meu pai e nã o decide o eu que faço ou nã o. O chefe dessa
organizaçã o sou eu, só para lembrá -lo, caso tenha esquecido disso por
estar sentando na minha cadeira durante todos esses anos. — Olho para
as escadas, ansiando por ver a criaturinha — Se eu quiser vê-la, eu vou.
Nã o tenho medo de Kai Moreau e estou pronto para enfrentá -lo se ele
entrar no meu territó rio. Ele pode matar meus homens, queimar nossos
cartéis, mas a filha dele… isso ele nã o vai recuperar. Ela é minha agora.
​Saio da mansã o, deixando-os para trá s, enquanto rumo para o meu
carro, em direçã o ao apartamento, que tenho como lugar íntimo para
receber minhas visitas femininas. Eu nã o levo nenhuma mulher para o
meu chalé em respeito a minha tia. Subo para o meu apartamento,
encontrando três das minhas presas, me esperando nuas em cima do
meu sofá .
​O sorriso nos lá bios das três revelam que hoje vieram prontas para me
satisfazer e receber minha gratificaçã o por isso. Tiro minha jaqueta,
caminhando até elas, tentando catalisar a luxú ria que emana delas.
​Mas, apenas de ver a cor clara do cabelo delas, o que deveria ser
despertado, simplesmente continua dormindo. Deixo que elas avancem
em cima de mim, que tirem minhas roupas e tentem me excitar entre
elas.
​Nada acontece, e a tensã o sexual a qual estava no meu corpo, quando
deixei a mansã o, parece ter desaparecido. Olho para as três mulheres,
dignas de passarelas pelo físico e beleza escultural, procuro o brilho
selvagem e olhos amarelos.
O corpo longilíneo que sempre preferi e tive atraçã o a vida
inteira, simplesmente se torna algo a ser analisado, nã o tem chamas,
desejo… A ú nica coisa que vem a minha cabeça é o corpo pequeno,
suntuoso e preenchido de Zoey Moreau.
— Vã o embora! A festa acabou!
As três mulheres que estavam se tocando, simplesmente me
olham confusas, temendo terem feito algo para me desagradar. Apanho
as roupas em cima do sofá e jogo em cima delas, virando as costas para
ir ao banheiro ter um acesso de fú ria contra mim mesmo por essa
situaçã o.
Zoey Moreau me amaldiçoou e ela pagará caro por isso.
​ stou presa novamente no quarto, desta vez, com o braço engessado e a
E
presença do soldado que Vittorio prometeu que eu teria. Foi ele quem
me achou na neve, com o braço mole e gemendo de dor. Ele me trouxe
nos braços até a mansã o e ficou comigo durante todo o processo da
consulta até agora. O moreno alto, com corpo slim e um rosto
descontente nã o saiu do meu lado desde entã o. Cora traz o café da
manhã para nó s dois e só trocamos poucas palavras.
​Ele parece um gaviã o ativo, analisando todos que entram no quarto,
cada movimento na minha direçã o, como se um ú nico deslize fosse
custar uma morte rá pida e sangrenta.
​O ú nico que entra no meu quarto, para acompanhar minhas ligaçõ es
com meu pai, é Nikolai. Nã o deixo de notar como sua expressã o suaviza
quando ele ouve a voz da minha mã e, e praticamente parece sorrir
quando ouve a risada dela. Quando a voz do meu pai surge na ligaçã o,
Nikolai praticamente sai de cena.
​— Como está Alessio? — pergunto à minha mã e na nossa ligaçã o. Nã o
nos falamos com muita frequência, como antes, é difícil conciliar o fuso
horá rio.
​Depois de quebrar o braço e evitar mostrar esse detalhe na vídeo
chamada, eu tenho evitado mais de uma ligaçã o por semana, com a
desculpa de que estou estudando demais e chego cansada.
​ Ele está melhor que antes, parece mais conformado. Mas tudo isso vai

mudar na próxima semana. Heather estará recebendo sua primeira
dispensa, e vai voltar para Las Vegas, para cuidar do pai. Seu pai e eu
tentaremos de tudo para conter Alessio, mas sabemos como ele é.
​Nã o consigo simplesmente nã o sentir medo por Heather, lembrando de
como Alessio ficou fora de si quando ela se foi. Quando ele descobrir que
ela está de volta, o pior pode acontecer, e Heather será a ú nica
machucada nisso.
​Converso com minha mã e por mais alguns minutos antes do sono
começar a pesar minhas pá lpebras. É difícil encontrar um horá rio
decente para entrar em contato com Las Vegas de forma a nã o despertar
suspeitas, ainda assim, tudo acaba encontrando uma forma de acontecer.
​Entrego o celular a Nikolai, que sai do quarto sem olhar para trá s. Edan,
meu guarda costas, analisa a situaçã o, seus olhos castanhos avaliativos,
mas ele também nã o diz nada. Simplesmente se senta na sua poltrona e
fica de olho na porta enquanto eu me entrego ao sono.
​(...)
​ uinze dias se passam comigo dentro do quarto, ainda com o braço
Q
imobilizado, e ao invés de estar perdendo a cabeça, me sinto mais segura
estando aqui com o braço quebrado. Depois do que aconteceu no chalé,
eu simplesmente nã o quero procurar motivos para encontrar Ibrahim. O
homem é um monstro e nã o tem nenhuma piedade nos seus olhos. Está
claro para mim que, quando eu estiver em suas mã os, ele irá cumprir
sua promessa de me quebrar. Estou aperfeiçoando minha resistência
mental dentro desse quarto, preparando meu cérebro para o pior.
​Dor física. Tortura psicoló gica.
​Nã o importa qual será o método, eu posso aguentar. Os conselhos de
Vittorio e as histó rias do meu pai estã o na minha mente, como um
manual de instruçã o. Também lembro dos vá rios tipos de mulheres que
chegaram no complexo da minha mã e, cada uma com uma histó ria
diferente e traumas dilacerantes.
​Eu farei tudo que eu puder para nã o virar uma estatística de fatalidade e
suicídio. Tudo o que está acontecendo é maior que eu, maior do que
tudo isso, e sou apenas um meio para a conquista; nã o vou facilitar em
nada a vida dessa família, principalmente do filho deles.
​Acordo no meio da noite sob um silêncio incomum na casa, minha boca
seca e a sensaçã o de estar febril preenche minha pele. Olho para frente
da cama, onde Edan dorme na poltrona, desvio meus olhos para a porta
e percebo que ela está encostada, nã o fechada como sempre.
​Procuro por á gua e encontro minha garrafa vazia, penso em acordar
Edan ou chamar Cora pela campainha, mas o reló gio marca mais da
meia-noite.
​Tomando cuidado com meu braço pendurado na tipoia, me levanto da
cama de forma silenciosa. Normalmente, Edan tem o sono tã o leve como
uma pena, mas nos ú ltimos dias ele tem ficado tã o alerta que hoje, com a
saída dos donos da casa para uma reuniã o da organizaçã o, ele
simplesmente cedeu ao cansaço.
​Os homens estã o em menor nú mero lá fora, a casa cheia, com os criados
dormindo. Ao que parece, essa reuniã o é importante, e convoca até os
homens de posiçã o mais baixa.
​Com meus pés descalços e as pernas cobertas por uma calça de pijama
fina, eu caminho para fora do quarto, com a garrafa de á gua na mã o boa.
A mansã o silenciosa me deixa alerta e minha atençã o é despertada por
cada ruído que escuto vindo dos mó veis e do aquecedor da casa.
​Desço as escadas com cuidado, engolindo minha saliva para enganar
minha garganta seca, irritada. No momento em que chego no corredor
pouco iluminado, que leva à cozinha, começo a ouvir vozes duras se
comunicando em russo.
​Uma voz feminina parece falar algo de modo tranquilizador e a voz
masculina se sobrepõ e com ignorâ ncia. Encostando meu corpo na
parede e com o coraçã o disparado por reconhecer o tom rouco e bruto
na sua língua nativa, eu simplesmente congelo pressentindo o pior.
​— Você precisa relaxar e me deixar fazer direito, ou isso nã o vai
funcionar. Droga, homem! — É a voz suave de Yuliya, desta vez, em
inglês.
​Olho pelo recanto da abertura, encontrando os dois se agarrando. Yuliya
está em cima do balcã o com Ibrahim no meio das suas pernas puxando
seu cabelo e beijando seu pescoço, enquanto a mã o dela parece buscar o
que tem dentro das calças dele.
​— Fique quieta, nã o te trouxe aqui para ouvir conselhos. Me deixe fazer
do jeito que eu quero e vamos conseguir chegar ao final disso. — Ele
parece bravo consigo mesmo e com ela, enquanto morde seu pescoço e
puxa seu cabelo para trá s. — Você sabe como eu gosto de ser tocado,
tente mais uma vez.
​Yuliya enfia a mã o dentro das calças dele, e Ibrahim rosna, fazendo o
som que sai da sua boca secar ainda mais minha garganta e pesar no
meu estô mago.
​Uma certa raiva acomete minha mente e eu aperto a garrafa na minha
mã o. Ele trouxe uma de suas amantes para dentro de casa e nã o está
preocupado em ser pego. O filho da puta nem mesmo teve alguma
consideraçã o depois de me arremessar na neve e quebrar meu braço no
processo, me odeio por pensar que alguém como ele poderia ao menos
pensar em sentir qualquer tipo de empatia. Os monstros nã o sabem o
que é isso.
​— Porra! Porra! — Ibrahim xinga, claramente descontente, e avança com
mais força em Yuliya, como se precisasse que ela despertasse algo nele.
​Já chega. Eu nã o vou voltar com sede para o meu quarto apenas para dar
privacidade a esses dois, se querem foder, deveriam pelo menos ter
encontrado um lugar privado. Com a chateaçã o ressoando pelo meu
corpo, eu entro na cozinha, acendendo a luz de todo o cô modo, fazendo
ambos olharem na minha direçã o, totalmente fora de si.
​Ibrahim parece queimar quando seus olhos encontram os meus, e Yuliya
olha para baixo, onde suas mã os estã o empenhadas sob a calça de
Ibrahim, depois volta seus olhos para mim. Ela está só de sutiã , com
marcas de mordida por todo seu colo, seus olhos parecem culpados em
minha direçã o. Claramente ela nã o está sendo obrigada a isso.
​— Peço desculpas por interrompê-los, mas estou com sede demais para
esperar que os animais terminem o coito. — Respiro fundo, caminhando
até a geladeira, retirando meus olhos da cena grotesca à minha frente —
Os donos do canil saem, e os cachorros no cio fazem a festa — sussurro
para mim mesma, ciente de que eles podem nã o ter ouvido.
​ bro a geladeira com uma só mã o, encontrando dificuldade para
A
equilibrar a jarra d'á gua até a pia, onde coloquei a minha garrafa.
​— Oh, você ficou duro… — A voz dela é um sussurro tã o baixo que eu
quase nã o escuto.
​— Vá embora, isso nã o foi graças a você! — Ibrahim articula para Yuliya,
de forma fria e insensível.
​Me apresso para encher a minha garrafa e sair daqui antes que ela se vá .
Nã o quero correr o perigo de ficar sozinha com esse ser umbroso, mas é
extremamente difícil encher a garrafa usando apenas uma mã o, estou
fazendo uma bagunça e prestes a desistir quando as mã os de Ibrahim
tomam a jarra das minhas mã os, enche um copo com á gua para mim e
logo em seguida minha garrafa.
​Seus olhos olham para a lateral do meu rosto e eu evito olhar para o dele
e a expressã o faminta nos seus olhos. Ele escorrega o copo pela pia e eu
levo o mesmo até a boca, engolindo o líquido com necessidade, sentindo
os olhos de Ibrahim no movimento da minha garganta, descendo para o
volume dos meus seios, em uma blusa henley justa. Percebo tarde
demais que os dois botõ es estã o abertos, deixando o começo do vã o
entre meus seios expostos.
​Fechar botõ es com uma só mã o nã o é nada prá tico. Ainda mais quando a
mã o que foi imobilizada é a que faz tudo.
​— Gostou do que viu? — questiona, apoiando o quadril no balcã o,
ronronando.
​Enxugo minha boca, esticando a mã o para pegar minha garrafa. Nã o
quero conversar com um homem desse tipo, e na ú ltima vez que fiquei
sozinha com ele, terminei com meu braço quebrado
​— Você parecia estar tendo dificuldade com Yuliya. Sua arma está
passando por um momento ruim? — Olho para ele, com a chateaçã o
brilhando nas minhas írises.
​O azul de seus olhos estã o escuros e seus punhos cerrados. Ibrahim se
aproxima lentamente, respirando tã o pesadamente, que quando me
prende entre ele e o balcã o, seus lá bios sopram a respiraçã o em uma
lufada de ar que me arrepia da cabeça aos pés e me faz sentir o cheiro de
á lcool.
​ cheiro suave dele, o mesmo maldito cheiro da noite no cassino e o
O
mesmo que posso sentir nos meus sonhos, entra em minhas narinas,
fazendo um nó se formar no meu ventre. Aperto a beira da bancada
atrá s de mim a cada centímetro que Ibrahim aproxima seu rosto do meu.
​— O que você fez comigo? —questiona, com um tom gutural, sua
respiraçã o pesada soprando os fios do meu cabelo.
​Estou sem ar e enjaulada pelos seus braços ao redor de mim.
​— O que eu posso ter feito para você, Ibrahim?
​Ele fecha os olhos, mordendo os lá bios quando pronuncio seu nome, seu
se corpo aperta contra o meu e meu sangue congela ao sentir algo tã o
duro e tã o extenso pressionar contra minha barriga.
​Sua testa toca a minha e ele expira o ar, me puxando para perto dele,
como se estar em contato com minha pele fosse como se refrescar de
uma insolaçã o.
​— Me solte! — Engulo meu medo, com o corpo repleto de tensã o por
estar em contato com ele. Exatamente como aquele dia em seu quarto.
​— Eu posso te foder aqui e agora, te ter ajoelhada no chã o e me enfiar na
sua boca atrevida sem piedade. E por todo inferno, eu quero muito essa
boquinha tentando engolir meu pau com força.
​Sinto o que está pressionando contra minha barriga pulsar, e minha
garganta secar a cada maldito segundo que ele se esfrega contra mim,
arrancando pedaços da minha sanidade e umedecendo minha calcinha
de alguma forma. Meu Deus, ele é meu inimigo. Esse homem quer me
destruir e pelo caminho que está percorrendo, ele vai conseguir.
​— Eu estou machucada e nem mesmo você deve ser tã o doente para
abusar de alguém nestas condiçõ es, nã o é? — Tento impor distâ ncia
entre nó s dois, contudo, seu braço em volta da minha cintura parece me
prender ainda mais. — Solte, você está me machucando — balbucio.
​Outra respiraçã o forte e sua mã o sobe até minha nuca, os dedos
adentrando em meu cabelo, fazendo-me morder minhas bochechas para
nã o gemer. Estremeço com o contato das suas mã os puxando meus fios
de forma bruta.
​— Você me faz querer te machucar ainda mais, criaturinha. Quero entrar
tã o fundo dentro de você, sentir você se esforçando para me receber…
tã o malditamente pequena que eu sei que farei um estrago grande em
você. Mas, você é forte, nã o é? Vai me aguentar chegar até o fundo sem
me pedir para parar, nã o vai? — Sua voz é um arquejo gutural e seus
dedos agora afundam na minha cintura, tirando ainda mais meu ar.
​Todo o meu corpo parece acometido por calafrios, e eu simplesmente
perco o conhecimento e controle sobre minha respiraçã o. Tento afastar
Ibrahim, e isso o faz rosnar e apertar os fios do meu cabelo com força,
puxando minha cabeça para trá s. Um gemido de dor escapa dos meus
lá bios e eu aperto sua camisa.
​— Diga, minha nêmesis. Diga que vai aguentar quando eu entrar dentro
de você, sem pedir para que eu pare. Diga que vai me deixar possuí-la
como eu quiser — ordena, mordendo o ló bulo da minha orelha,
causando ainda mais estremecimento pelo meu corpo.
​Fico calada, mordendo meus lá bios para lidar com a queimaçã o do seu
aperto em meu couro cabeludo, e a sensaçã o dolorosa nos bicos do meu
peito e no meio das minhas pernas.
​— A ú nica coisa que vai ouvir de mim é o quanto eu desprezo e odeio o
seu contato. Você é sinô nimo de tudo que eu mais desprezo nesse
mundo, e me deitar com você será como pagar pelos meus pecados e me
sujar ainda mais. — Encontro as palavras para atingi-lo, da mesma
forma como ele faz comigo quando abre a boca. — Se quer uma puta
submissa, procure aquelas que costumam engolir sua porra com prazer,
porque de mim tudo o que vai ter é um corpo vazio e meu olhar de
aversã o quando estiver sobre mim.
​Seu aperto no meu cabelo afrouxa e seus dentes deixam o ló bulo da
minha orelha. Lentamente, ele se afasta de mim, com os olhos azuis
obscurecidos com uma expressã o predató ria.
​Busco respirar calmamente, mantendo meus olhos nos dele, como se
tudo o que eu fosse capaz de sentir fosse o mais puro desprezo. Porém,
Ibrahim parece ir além da minha camada ó ptica.
​— Eu odeio seus olhos com todas minhas forças, Zoey Moreau, e eu te
garanto que todas as vezes que me olhar da forma como está me
olhando, eu nã o vou ter piedade de você. Vou te tratar pior que uma puta
e te mostrar o verdadeiro significado do desprezo.
S​ olto sua camisa, mantendo meus olhos nele como se isso fosse um
desafio. Ouço o rosnado na sua garganta, a gana que preenche suas írises
e a prontidã o dele para me castigar.
​— Nó s dois iremos arruinar um ao outro, nã o será só eu quem perderá
pedaços. Olhe para você, me desejando tã o explicitamente que precisa
ser bruto para disfarçar o fato de que, tudo o que quer, é alguma afeiçã o
da filha do seu inimigo — sussurro as palavras de forma pesada, como
se essa verdade fosse densa o suficiente para nos atingir. — Quando
você entrar dentro de mim, quem estará tentando punir, Ibrahim? Eu
posso me perder como você pretende fazer acontecer, mas eu nã o serei a
ú nica a enlouquecer nesse jogo. Se eu cair, eu levo você.
​Minhas palavras parecem atingi-lo de uma forma tã o brutal que o fazem
se afastar de mim, a duras custas, como se eu fosse radioativa. Ele está
prestes a falar algo quando Edan surge na cozinha, com uma expressã o
dura no rosto.
​— Senhorita Moreau? — Seus olhos me estudam, em busca de algo fora
do lugar.
​Ibrahim olha para Edan, o dissecando, e a postura do meu guarda costa
nã o se abala. Ao que parece, Vittorio escolheu um homem corajoso.
​— Eu vim buscar á gua, você estava dormindo e eu nã o quis acordá -lo. Já
estou voltando para o quarto.
​Edan continua onde está , com os olhos temperamentais em Ibrahim.
Respiro fundo.
​— Ele e eu estávamos tendo uma conversa, ninguém foi machucado
dessa vez.
​Passo por Ibrahim, sem olhar em sua direçã o e nem ele na minha. Sua
atençã o está totalmente voltada para Edan, como se ele estivesse
farejando algo.
​Edan por sua vez, nã o desvia os olhos de Ibrahim e apenas sai de cena
quando começa a me acompanhar de volta para o quarto. Quando estou
no alto da escada e olho para baixo, encontro o par de olhos azuis
analisando a situaçã o com o desagrado por toda sua feiçã o.
​— Você precisa se manter longe desse homem — Edan pontua, fechando
a porta do quarto e me olhando com uma preocupaçã o explícita.
​ lho para ele, aturdida por ele estar falando tã o diretamente comigo.
O
Desde que chegou, trocamos poucas palavras e ele se fecha em sua
carranca protetora avaliativa.
​— Ah, é? E como vou fazer isso quando me casar com ele? Se tiver uma
soluçã o, por favor, compartilhe.
​Me sento na cama, colocando a garrafa em cima da cabeceira. Passo a
mã o pelo cabelo, exausta.
​— Evite cruzar com ele antes do casamento, e tente ao má ximo mostrar
que ele nã o é bem-vindo ao seu lado. Ele é mais sombrio e perigoso do
que nos disseram. Eu nunca vi um olhar tã o bá rbaro no rosto de um
homem como no dele… — Edan vai até a janela averiguar o som de
carros que acabam de chegar.
​— Você acha que um olhar de desprezo vai parar o que ele quer fazer
comigo?
​— É melhor achar que sim, se nã o quiser ser morta pelas mã os dele. —
Edan fecha a cortina, olhando para mim com atençã o — Ficarei ao seu
lado quando estiver sozinha, tentarei ao má ximo criar rotas de
distraçã o.
​— E por que você faria isso?
​— Você ainda é uma Moreau, filha do homem que mudou a vida da
minha família e a minha com um voto de confiança. Graças ao seu pai e
Vittorio, hoje eu tenho muito mais que um lar e meu juramento a sua
família se estende a todos os membros. Vittorio nã o me enviou de férias,
minha obrigaçã o agora é proteger você.
​Um calor derrete o pouco do gelo preso no meu corpo, a sensaçã o
pequena de estar amparada é boa, tira um pouco da tensã o que
predomina o meu corpo desde o momento que entrei naquela cozinha.
​ ara minha surpresa, quem surge no meu quarto à s 10:00 da manhã ,
P
com meu vestido de noiva em mã os, é a mesma mulher que ontem
estava quase fodendo com meu futuro marido na bancada da cozinha.
Sua presença faz Edan levantar da poltrona e analisar a morena,
julgando o tipo de perigo que ela tem a oferecer.
​— Bom dia. — Gesticula para a capa que está segurando — Trouxe seu
vestido de noiva para você provar. — Seus olhos divergem entre Edan e
eu.
​Um sorriso sem humor se forma em meus lá bios e eu gesticulo para
Edan, sinalizando que está tudo bem. Yuliya entra, acanhada com a
presença e os olhos insistentes de Edan, que ainda nã o decidiu se deve
relaxar ou nã o.
​— Como você pode ver, nã o estou em condiçõ es de provar um vestido.
— Movo meu braço engessado — O homem com quem estava ontem à
noite causou isso. Acho que ele quis praticar o que faz com você e as
outras.
​As bochechas pá lidas dela sã o tingidas e ela adentra o quarto, olhando
para mim.
​— Podemos conversar em particular, por favor?
​Semicerro os olhos, respirando fundo.
​— Por que eu iria querer falar com você? — inquiro.
S​ eus olhos, castanho-escuros, parecem apreensivos e, ao olhá -la bem,
vejo o ar de inocência que ela tem sob a pele de uma mulher que se
envolve com homens como Ibrahim, em busca de dor e prazer. Ela
claramente é uma dualidade que nã o devo confiar e nem me deixar ser
enganada.
​Ela sabia do meu braço, trazer o vestido aqui foi intencional para
descobrir algo. Tenho a impressã o de que o mestre dela a mandou em
busca de algo, depois daquele olhar no pé das escadas, uma parte de
mim foi alertada para as pró ximas jogadas de Ibrahim.
​— Edan, pode esperar lá fora por alguns minutos?
​O moreno olha para mim com um aviso silencioso de que eu nã o deveria
ficar sozinha com ninguém nessa casa. Sustentando seu olhar, eu o
garanto de que vou ficar bem.
​— Como quiser, senhorita.
​Ele sai do quarto e Yuliya se aproxima de mim, colocando o vestido
sobre a cama, seus olhos vã o até meu braço engessado antes de se
voltarem para os meus olhos.
​— Aquilo ontem à noite nã o acontecia há muito tempo, e nã o chegamos
ao fim. Ibrahim me ligou para uma conversa sobre a verba para o meu
ateliê, acabamos bebendo e uma coisa levou a outra, mas nã o aconteceu
nada. Nã o chegamos ao fim — justifica, como se eu precisasse saber
disso.
​Suspiro, passando a mã o pelo meu cabelo recém-escovado por Cora. É
uma droga nã o poder nem mesmo pentear meus cabelos.
​— Yuliya, eu nã o quero saber das suas atividades com Ibrahim, eu nã o
me importo com isso. O que veio fazer aqui? Com certeza fazer a prova
do vestido nã o é o motivo da sua visita.
​A cada segundo que se passa ela parece mais tensa, e eu me pergunto se
ela está com medo de mim ou de voltar sem o que seu mestre pediu para
buscar.
​— Eu queria saber como você estava, quando soube o que houve com
seu braço me questionei o que tinha acontecido entre você e ele. Ibrahim
é bruto, mas nã o a esse ponto. Ele nã o passa dos limites se a mulher nã o
pedir, existe sim a questã o do consentimento com ele.
​ utro sorriso se forma nos meus lá bios, como se ela estivesse me
O
contando uma piada. Ele nã o deve ser um monstro assim com ela e
olhando de cima abaixo, seus ossos estã o todos no lugar.
​— Diga-me, o que veio fazer aqui? — pergunto, impaciente por tamanha
divagaçã o.
​Yuliya tira algo de dentro da bolsa, uma seringa fina, igual a que Ibrahim
usou em mim naquela manhã . O amargor preenche minha boca e a
decepçã o me acerta em cheio ao ver que ele mandou sua amante aplicar
o anticoncepcional em mim. Nã o é como se eu estivesse esperando que
ele o fizesse, achei que eu seria digna de aplicar isso eu mesma. Assim
como eu nã o confio nele, o sentimento do meu caro noivo é recíproco.
​— Nã o faz um mês ainda— falo.
​Ela assente.
​— Apenas trouxe para você ficar ciente de que eu farei a aplicaçã o
mensal. Ibrahim me deixou encarregada disso. Nikolai quer que você
engravide e essas injeçõ es precisam ser mantidas em segredo. Virei te
visitar uma vez no mês para tirar suas medidas e preparar suas roupas,
ninguém desconfiará de mim.
​Yuliya nã o parece ter mais do que alguns anos a minha frente e algo em
mim, bem no fundo, diz que ela nã o está gostando de fazer isso, e que ela
preferia estar longe daqui, em vez de olhar para o meu rosto tomado de
angú stia, pois isso nã o é algo que consiga esconder.
​A forma como isso está evoluindo, arrancando pedacinhos de mim, que
toda noite digo que nã o vã o me fazer falta… está começando a pesar. Ser
tratada como um animal em um zooló gico, como se eu fosse perigosa e
ao mesmo tempo desprezível.
​— Zoey, peça a ele para nã o ser bruto. Converse com ele, diga como se
sente. Ibrahim ouve as mulheres, ele nã o é tã o selvagem como as
pessoas pensam. Por trá s da pele de caçador tem um homem que se
importa. — Ela se aproxima, seus olhos escuros praticamente me
implorando. — Ele nã o vai te quebrar se nã o houver resistência. Por
favor, me ouça.
​— Você nã o é a filha do inimigo dele. Ibrahim nã o tem nenhum vínculo
de raiva contra você, e nã o ache que conhece ele, você claramente nã o
sabe muito além do que ele quer mostrar. Aquele homem nã o tem nada
de bom dentro dele, e seu ú nico propó sito comigo é me destruir. —
Passo minha mã o pelo meu braço engessado, me sentindo sufocada. —
Todos vocês estã o jogando algum tipo de jogo comigo, onde quem será o
primeiro a ver eu implorar ganhará algum prêmio doentio. E você quer
saber, Yuliya? Eu nã o vou ficar de joelhos para nenhum de vocês, nã o
importa o que querem fazer.
​— Zoey…
​— Saia da porra do meu quarto! Eu dispenso qualquer ajuda falsa que
venha me oferecer com esses conselhos de merda.
​Minha voz alterada faz Edan abrir a porta do quarto e analisar a
situaçã o, ao ver meu rosto tomado pela fú ria angustiante, ele gesticula
para Yuliya sair e ela deixa para trá s o maldito vestido.
​— Eu preciso sair desse quarto! — Levo minha mã o até minhas costelas,
que doem pela falta de ar que o pâ nico está causando. — Eu quero sair
daqui!
​Minhas pernas vacilam e Edan corre para me segurar, antes que eu caia
de joelhos. Sua mã o agarra a minha e seus braços me sustentam com
firmeza.
​— Vamos tomar um ar, Zoey. Está tudo bem. Estou te segurando.

Ibrahim

​ spero Yuliya na sacada do meu chalé, contando os minutos que ela


E
passa dentro da mansã o. A sensaçã o pesada de desconfiança enche
minha mente, ativando meu lado mais calculista.
​Relembro a noite de ontem, pulando a parte dos golpes que as palavras
de Zoey me causaram, focando no momento em que seu segurança
correu ao seu socorro com a expressã o de ter perdido algo, se
tranquilizando no momento que colocou os olhos nela. Intocada.
Malditamente intocada, ainda.
​Fui conversar com Nikolai sobre esse segurança e ao que parece, ele é
um dos termos de Vittorio Moreau para entregar a irmã , como se ainda
tivesse algum direito de negociar, como se a faca nã o tivesse no seu
pescoço. De todas as formas, meu tio e eu concordamos, mas o que eu
nã o sabia era que esse segurança viria como um carrapato em algo que
me pertence, e com a petulâ ncia de me desafiar.
Nã o posso sequer matá -lo, porque um dos termos que assinamos
com sangue, foi de que Zoey manteria alguém de sua escolha ao seu
lado, e se isso for prejudicado, o acordo se desfaz. Eu gostaria de poder
dizer que minha organizaçã o é mais poderosa que a Camorra, que
nossos aliados sã o fiéis o suficiente para entrar em uma guerra contra.
Mas é sobre a Camorra que estamos falando, até
mesmo sem a ajuda de suas alianças ela é capaz de vencer. O maldito Kai
Moreau blindou sua organizaçã o e tem como o maior aliado o Capo da
Alemanha.
​Ir contra eles é suicídio e ter Zoey Moreau aqui é um trunfo que nã o
posso perder. Estou com a jugular do inimigo nas mã os.
​Yuliya sobe as escadas da sacada, sacudindo a neve do seu casaco grosso.
​— Ele dorme no quarto com ela, parece um cachorro leal, pronto para
atacar todos que chegam perto dela. No momento em que eu entrei ele
nã o hesitou em se colocar na frente dela. — Informa com casualidade —
Uma coisa precisamos admitir, a lealdade dos soldados da Camorra aos
Moreau é mais forte do que o amor à pró pria vida.
​Levo meus dedos aos lá bios, ponderando.
​Esse desespero dele é para protegê-la mesmo?
​Zoey é uma Moreau, e qualquer homem que se casar com ela equivale a
subir na vida e ganhar um poder maior do que se pode imaginar. É por
isso que Kai Moreau sempre gerenciou quem ficava perto da filha.
​Nã o acho que o interesse desse soldadinho seja apenas protegê-la. Ele
largou toda sua vida para estar aqui, cuidando da prole.
​— Onde ele dorme? — questiono Yuliya.
​— Na poltrona na frente da cama dela, com domínio total da porta. Nã o
vi onde ele esconde as armas, mas vi o contorno de uma adaga na
cintura dele.
​Encaro a mulher à minha frente, confiando nas suas palavras. Yuliya é
bem mais do que os olhos podem ver. Nos conhecemos desde que ela era
uma criança enviada para um dos bordeis, vendida pelo pai. Eu a peguei
para mim e a treinei para ser meus olhos e ouvidos, o sexo foi uma
consequência da proximidade. Porém, faz anos que nã o fazemos mais
isso, e ontem à noite foi um deslize de desespero.
​Achei que Yuliya poderia me ajudar a ter uma ereçã o, já que ela conhece
meus gostos, mas simplesmente nã o aconteceu, nã o até Zoey entrar na
cozinha, com os olhos em chamas, com os peitos e a bunda em destaque
pela roupa de dormir justa ao corpo, e os pés pequenos e delicados
descalços.
​Porra, eu estava pronto para possuí-la ali mesmo.
​— Ibrahim, você nã o pretende machucar essa garota, nã o é? — Yuliya
pergunta, com receio.
​Fico em silêncio e seus olhos sã o tomados de apreensã o.
​— Ela nã o merece pagar pelo que o pai dela fez. Você está centralizando
sua raiva na pessoa errada.
​— Eu nã o vou machucá -la se ela for uma boa garota e aceitar o seu
castigo sem pestanejar. O destino dela, ser de sofrimento ou nã o,
depende exclusivamente dela e você deveria tê-la avisado como as coisas
funcionam aqui.
​Yuliya abaixa os olhos, respirando fundo, como se toda essa situaçã o a
sobrecarregasse. Estar na linha de fogo onde envolve uma mulher na
idade de Zoey, sem experiência com homens, faz Yuliya lembrar dela
mesma.
​Desvio meus olhos dela, olhando para dois pontos que acabam de entrar
em meu territó rio, em direçã o ao bosque, nã o preciso forçar minha visã o
para ver Zoey e seu guarda-costas andando lado a lado.
​Cerro meus punhos, sentindo algo ferver dentro de mim, deixando-me
mais decisivo.
​Está na hora desse casamento acontecer, esteja o braço dela recuperado
ou nã o. Nã o vou perder meu trunfo para um soldado da Camorra e
muito menos deixar que Zoey tenha outro homem além de mim. Eu vou
estragá -la para qualquer outro homem que nã o seja eu, e quando eu
fizer isso, ela saberá .
​Dispenso Yuliya e sigo em direçã o à mansã o, para ter uma reuniã o com
Nikolai. Na noite passada, ele se reuniu com os membros do conselho
para convidá -los para o casamento, e eu quero descobrir quais foram as
reaçõ es dos homens que passaram a vida inteira com medo da Camorra,
passando distante dos territó rios deles.
​— Eles estã o achando que estamos cavando nossa cova. Alguns até
parecem certos de sair da Rú ssia. Segundo eles, quando Kai Moreau
descobrir onde sua filha está , ele irá atrá s de todos nó s. Um por um —
informa, esticando as costas na cadeira.
​Sorrio, balançando a cabeça.
​— Eles nã o estã o errados, os primeiros dias depois da descoberta, ele
fará de tudo para reaver a filha, vai ignorar nossos termos
completamente e querer iniciar uma guerra.
​Meu tio balança a cabeça, os olhos ganhando um brilho malicioso.
​— Ele nã o vai fazer isso. A mulher dele já percebeu que tem algo de
errado e está sendo apenas uma questã o de tempo para ela entrar em
contato comigo. Iremos negociar com Marcella Moreau, apenas ela
consegue manter a besta do marido sob controle.
​— O casamento precisa acontecer antes da pró xima semana. Se a mã e
dela sabe que tem algo errado, logo juntará as peças e ela tem seu
pró prio exército. — Respiro fundo, olhando para os flocos de neve
caindo lentamente — Reú na todos os membros que quiserem participar,
faremos uma cerimô nia discreta à noite e, no dia seguinte, enviaremos
os lençó is para Kai Moreau com nossos termos — declaro, com a voz
carregada e sombria.
​Meu monstro interior está à espreita, louco para correr atrá s de Zoey
Moreau pela floresta. Nossa primeira noite nã o será em cima de uma
cama, tenho planos melhores para possuir minha esposa.
​ gesso mal é retirado do meu braço e o vestido de noiva é posto em
O
mim. A sensaçã o é que o tecido grosso e quente do vestido é como uma
mortalha. Minhas mã os tremem, e eu respiro de forma parcelada,
enquanto pisco os olhos diversas vezes, em uma tentativa de espantar o
medo e ansiedade que afloram por eles, transbordando como um
vazamento incessante.
​Cora e Yuliya estã o abotoando o vestido na parte de trá s e eu estou de
frente para o espelho, encarando minha imagem assombrada, dentro da
peça branca de mangas rendadas que vai até meus punhos. A gola,
também rendada, parece estar apertando meu pescoço, tirando meu ar.
A cada botã o fechado pareço sofrer o golpe da constataçã o que nã o
tenho para onde fugir agora, e tudo vai acontecer esta noite se Vittorio
nã o aparecer com qualquer plano que tenha armado. Nã o é possível que
ele vá me deixar passar por isso.
​Meu cabelo está preso em um coque elegante, com flores brancas em
formato de presilhas. A saia lisa do vestido é como um repelente para
minhas mã os, tudo neste vestido, e o fato dele estar no meu corpo, me
dá a sensaçã o de estar sendo contaminada por radiaçã o.
​Minha mente parece ser tomada por uma série de vertigem ao pensar no
que vai acontecer depois da cerimô nia, em como meu pai vai reagir
quando descobrir que me casei com o inimigo dele. Como eles irã o
informá -lo sobre isso? Tenho certeza de será que da pior maneira, para
torturá -lo e colocar toda minha família de joelhos.
​Quando as cinco famílias descobrirem o que acontecerá comigo, haverá
uma grande revolta contra meu pai e todos irã o falar sobre como ele
perdeu a filha para o inimigo. Esse casamento será uma vergonha. Eu me
tornarei uma escó ria, traidora e, talvez, nem mesmo eu poderei voltar a
pisar meus pés no lugar que tive como casa.
​— Acabamos — Yuliya informa, vindo para o meu lado verificar seu
trabalho minimalista para me deixar igual uma princesa sendo
sacrificada.
​Eu só consigo lembrar da cena da Sansa Stark, de Game Of Thrones, se
casando com Ramsay e eu tenho certeza de que, depois da cerimô nia,
meu marido fará o que o personagem fez com ela, eu nã o tenho dú vidas
de que Ibrahim será cruel e nã o tem chance de eu estar me iludindo.
​Os piores cená rios se passam em minha cabeça e meu estô mago vazio se
revira; eu preciso usar todas minhas forças para nã o correr para o
banheiro e vomitar toda á gua que bebi hoje. Nã o conseguir colocar nada
além de á gua para dentro do estô mago, e a fraqueza em minhas pernas
pode ser motivada pela falta de alimentaçã o.
— Você está linda, Zoey — Yuliya elogia, enrolando uma mecha
fina do meu cabelo que está solto em seu dedo.
Nã o tenho energia para falar qualquer coisa com ela, ou me
importar por ter sido ela a me arrumar. Eu olho dela para Cora, ambas
de olho em mim, em busca de algo que denuncie que vou estragar esta
noite. Os olhos das duas estã o dizendo para eu nã o tentar nada, que
agora é tarde demais para qualquer rebeldia.
Yuliya veio para assistir à cerimô nia. Está vestida elegantemente
com um vestido vinho de seda, com um casaco de pele marrom. A neve
continua caindo e lá fora deve estar mais frio do que o habitual, mas
mesmo assim, tudo será feito no jardim, com a presença de alguns
membros da organizaçã o; os que estã o vindo hoje conferir a primeira
vitó ria da Bratva contra a Camorra. Devem estar ansiosos por isso, como
abutres.
Eu nã o vou fraquejar diante dessas pessoas, eles nã o verã o nada
além do meu ó dio exalando por cada poro do meu corpo.
Nikolai entra no quarto, seguido pela esposa. Os dois olham para
mim e no olhar de Sasha eu vejo o mais cruel dos olhares, já Nikolai
parece atingido. Sua expressã o se abala e ele desvia os olhos de mim,
gesticulando para que Cora e Yuliya saiam do quarto.
Marido e mulher me olham da porta, a primeira a entrar é Sasha,
um sorriso malicioso nos lá bios, simbolizando sua perversidade.
— Hoje será a primeira de muitas noites de terror para você. Eu
nunca achei que ficaria tã o feliz por meu filho ter um lado selvagem e
adorar destroçar pessoas. — Seus olhos verdes brilham com
contentamento. — O melhor de tudo isso é saber que sua beleza nã o
simboliza nada para que ele chegue a se apaixonar por você. Ao
contrá rio de sua mã e, você nã o vai ser capaz de amolecer o coraçã o de
Ibrahim.
Aperto a saia do vestido, sustentando meus olhos nos dela, deixo
um sorriso falso se desenhar em meus lá bios fechados e isso parece
irritá -la.
— Você nã o deveria ficar tã o segura sobre isso. Seu filho é
homem, e homens tendem serem estú pidos quando o assunto é sexo.
— Estou começando a sentir pena de você, garota. Tã o
inexperiente e sonhadora em achar que meu filho, sendo quem é, vai se
render a você pelo sexo. Você nã o é especial.
— Deveríamos fazer uma aposta sobre isso? Eu tenho mais de
50% de certeza de que seu filho vai perder a cabeça.
O sorriso vitorioso nos seus lá bios recua e ela abaixa os olhos
para o vestido, o desdém contornando suas feiçõ es rígidas, se
misturando com a satisfaçã o de saber que esta noite eu serei quebrada.
— Sasha, desça. Hoje nã o é noite para atritos. — A voz de Nikolai
é baixa, autoritá ria, carregando um certo peso.
Sasha sorri, assentindo.
— Você tem razã o, querido. Hoje é uma noite para comemorar
nossa vitó ria sobre a Camorra!
Rindo, como se fosse a pessoa mais feliz do mundo, ela sai do
quarto, me deixando sozinha com Nikolai. Seus olhos, azuis e abalados,
sobem para o meu rosto, focando a atençã o nele.
— Você está linda.
Engulo com dificuldade, apertando a saia do vestido para conter
o descontrole que deseja tomar todo meu corpo.
Ele está tirando do meu pai a chance de ver a filha de noiva, de
entregá -la a um bom homem. Nã o só tirando do meu pai, como da minha
mã e. Meu casamento e dos meus irmã os deveriam ser motivo de
comemoraçã o, alegria e festividade, nã o isso. O filho da puta sabe o que
está fazendo ao atingir meu pai. Tenho certeza de que ele esperou muito
tempo por isso.
— Devíamos tirar uma foto — sugere, tirando o celular do bolso,
eu recuo em cima do salto alto.
— Eu sei o que está fazendo, Nikolai. Como pode nã o ter
superado isso depois de tantos anos? — Balanço a cabeça, incrédula. —
Você poderia ter tido uma família de verdade, ser amado assim como
meu pai. Se tivesse seguido sua vida sem pensar no que perdeu para ele,
hoje nã o estaria desejando ter o que ele tem.
A expressã o de Nikolai obscurece, demonstrando que neste
momento, o homem gentil e educado deu lugar ao seu lado rancoroso e
vil.
— Seu pai nã o tem nada que eu queira, nã o mais. O que tem para
ser invejado na sua família, Zoey? O poder? Seus irmã os sã o uma có pia
da besta que seu pai sempre foi; Marcella é um tola, e você, foi o bode
expiató rio deles. Sua mã e era uma mulher inteligente antes de conhecer
seu pai, e assim como ela foi arruinada pelo casamento, você também
será .
Passo a língua pelo meu lá bio inferior, balançando minha cabeça,
demonstrando o quanto estou incrédula com tamanha inveja e ciú mes.
— Nunca vai conseguir destruir o que eles têm, Nikolai. Eles se
amam incondicionalmente. O que você fez Vittorio fazer comigo nã o faz
com que eu ame menos meu irmã o ou o veja como um monstro. Estou
aqui porque nenhum de nó s vai abrir mã o de defender o legado que
minha mã e conquistou junto ao meu pai.
Com o canto dos seus olhos franzidos, ele me olha com atençã o e
se afasta, voltando a ser o homem com postura e expressã o de falsa
gentileza.
— Se um dia isso chegar ao fim, me diga como foi se casar com
um homem como Ibrahim, e o quanto de você se perdeu no caminho, e
quando fizer isso, pense na sua mã e e pergunte a si mesma se ela é feliz
ao lado do seu pai, depois de tudo o que ele fez com ela.
Fico em silêncio, com os punhos cerrados e a garganta seca. A
sensaçã o que tenho é de que estou em um pesadelo sem fim, sendo
torturada a cada maldito segundo e nem mesmo posso recuperar o ar
antes de ser atingida.
Encaro Nikolai, absorta na histó ria dos meus pais.
— Minha mã e suportou tudo e chegou onde está agora graças ao
amor que ela sentiu pelo meu pai. O amor dela foi capaz de superar a
infelicidade, e a devoçã o do meu pai por ela foi o precursor de tudo o
que você vê agora. Olhe a sua volta, Nikolai. Me diga se em algum
momento meu pai colocou minha mã e em segundo plano. Mesmo a
organizaçã o nã o é tã o importante para ele como minha mã e, e o amor
que ela deposita nele supera o que você assume como infelicidade. Ela é
uma mulher feliz ao lado do homem que escolheu e é isso que te mata
por dentro, nã o é? Saber que ela foi capaz de encontrar felicidade com
meu pai. Eu, com certeza, vou ser infeliz nesse casamento, eu nunca vou
amar um homem como seu sobrinho, isso está fadado à desgraça e na
primeira oportunidade que eu tiver de destruir todos vocês, nã o vou
hesitar.
Algo se passa nos olhos de Nikolai, uma espécie de cautela e
choque. É como se ele olhasse para mim e pressentisse o pior.
Preciso de todas as forças que consigo reunir para descer as
escadas, seguida de Nikolai e Edan. Meu segurança demonstra afliçã o me
vendo nesse vestido, assim como eu quando olho para o que estou
vestido e associo a uma mortalha, Edan parece pensar o mesmo.
O frio que beija meu rosto quando chego na porta do jardim me
faz estremecer, e ter todo meu corpo arrepiado me dá uma sensaçã o de
morte. À minha frente se estende um tapete vermelho sobre a neve,
levando a Ibrahim, de frente ao que eu suponho que seja um juiz. Os
convidados sã o, em sua maioria, homens, cerca de vinte. Todos bem-
vestidos com casacos de pele ao lado das suas mulheres. Eles estã o
olhando para mim, sozinha, paralisada na porta, com a neve caindo
sobre minha cabeça.
Eles me olham com determinaçã o, me veem como uma vaca indo
para o abate e estã o se divertindo com isso. Consigo sentir o desdém, a
satisfaçã o e a vitó ria que gritam de seus corpos. Eu absorvo tudo isso,
erguendo meu queixo cada vez mais, reunindo todas as minhas boas
lembranças, e de todas vezes que meu pai me viu derrotar alguém no
ringue e sorriu, falando o quanto ninguém poderia tirar o que eu era.
Zoey, você é uma força da natureza. Nenhum ser nesse mundo será
capaz de evitar o que você pode causar. Desde que você não tenha medo
ou paralise por ele, você é capaz de vencer qualquer coisa. Quer destruir o
mundo sozinha, Ragazza? Você consegue.
Lembro do sorriso do meu pai, seus olhos dominantes, com
aquele brilho fenomenal de ser imbatível, acendendo em minha mente.
Os homens que minha mã e conseguiu que se dobrassem diante dela me
encoraja.
Eu sou Zoey Moreau. Filha de Kai e Marcella Moreau e eu nã o vou
ter medo.
Sozinha e assistida por todos os presentes, eu dou um passo
firme e determinado, seguido de outro, e a cada passo dado eu
mantenho meus olhos em um Ibrahim, vestido socialmente com um
terno preto de três peças . Ele está com um sorriso selvagem nos lá bios e
os olhos famintos em cada curva desenhada nesse vestido.
Ouço risadas baixas, alguns xingamentos sussurrados contra mim
e eu canalizo isso como uma forma de abastecer a raiva que me aquece e
me faz andar até meu destino. Memorizo o rosto de todos aqui,
prometendo a mim mesma que, quando chegar a hora da minha
vingança, eu irei ter a cabeça de todos espetadas para expor a todos
aqueles que tentarem me subjugar.
— Você está parecendo um anjo caído que encontrará sua
desgraça daqui a pouco. — Ibrahim me recebe em frente à tribuna.
Olho para frente, vendo o juiz ficar neutro diante da expressã o
furiosa no meu rosto. Ibrahim se direciona a ele e todos os presentes
que estã o de pé ficam em silêncio, esperando pelo momento em que eu
me tornarei de Ibrahim Vassiliev.
Limpando a garganta e com o que presumo ser uma bíblia diante
de si, a cerimô nia começa e minhas pernas trêmulas passam a ficar mais
firmes quando foco minha mente para minhas melhores lembranças, ao
lado da minha família. Na nossa viagem para a praia, dois anos atrá s, as
brigas bobas de Alessio e Vittorio, e nosso pai sorrindo por uma piada
extremamente fora de ritmo criada pela minha mã e.
Ninguém nunca poderá tirar isso de mim e eu vou me apegar a
tudo que amo, como se fosse a corda para me manter segura e viva. O
motivo para continuar.
Meu pai nunca vai permitir que eu passe minha vida entre
inimigos, eu voltarei para casa e remendarei cada pedaço que for
quebrado durante o caminho.
— Ibrahim, você aceita Zoey Moreau como sua legítima esposa?
Estamos virados um para o outro, com os olhos em uma guerra
de resistência. O juiz nã o completa a sentença com os juramentos sobre
amar e respeitar e isso nã o me surpreende. Ele está fazendo exatamente
o que pediram a ele para fazer. Porém, tenho uma surpresa quando
Ibrahim ergue a sobrancelha para ele, pedindo que ele continue.
O homem de meia-idade limpa a garganta e completa:
— Promete ser fiel, amá -la, respeitá -la. Na alegria, na tristeza, na
saú de e na doença, na riqueza e na pobreza. Por todos os dias da sua
vida até que a morte os separe?
O sorriso de Ibrahim se alarga e ele respira fundo como se esse
fosse o momento de maior diversã o para ele.
— Sim, eu aceito.
Antes que o juiz possa falar as palavras para mim, eu o corto,
incapaz de ouvir meu nome nesse juramento. — Aceito. — Minha voz é
firme, sem nenhum reflexo de sentimento.
Ibrahim pega a aliança que Nikolai está segurando, um círculo
fino e dourado. Sua mã o puxa a minha sem gentileza nenhuma e
escorrega a aliança apertada pelo meu anelar, estendendo sua mã o para
mim logo em seguida.
Com minhas mã os firmes, eu coloco a aliança nele e no momento
de nos declarar oficialmente casados, Ibrahim já está avançando na
minha direçã o. Segurando minha nuca, me puxando para seu peito forte.
Bato minhas mã os contra ele e de olhos abertos, assim como ele, sou
puxada para um beijo brusco.
Seus lá bios sã o duros sobre os meus, e ele os move de forma
rá pida e impiedosa, fazendo com que os meus se movam com os dele,
sem meu comando, e tã o rá pido quanto esse beijo começa, ele termina,
com Ibrahim me afastando com uma expressã o de… desprezo?
Com as costas da mã o, ele limpa os lá bios. Fico tã o aturdida com
o gesto que nem mesmo ligo para as fotos que estã o sendo tiradas e as
pessoas comemorando.
Sasha entrega um lenço ao filho, quando o mesmo se afasta de
mim para receber os cumprimentos, e ele o passa nos lá bios.
Uma risada curta de incredulidade sai dos meus lá bios. Ele acha
que sou suja como ele?
​Ninguém vem me cumprimentar, e se nã o fossem os olhares de desdém
e sarcasmo, eu diria que sou invisível. Ninguém está prestando atençã o
em mim, ocupados demais planejando o pró ximo passo com Ibrahim e a
família. Caminho perto da casa, onde Edan está observando tudo.
​— Você deveria comer algo, Zoey. Suas mã os estã o tremendo, e nã o é de
frio. — Observa.
​— Vai doer muito? — Minha voz é um sussurro fraco, cedendo ao
nervosismo pesando no meu estô mago.
​Edan parece saber do que estou falando, seus olhos se desviando dos
meus para sua bota molhada pele neve.
​— Mais do que você pode imaginar, ele fará ser pior do que se deve.
​ ngulo em seco, meu coraçã o martelando como se de repente eu tivesse
E
desenvolvido uma arritmia.
​— O que eu faço para que nã o doa tanto? Existe algum método para isso,
nã o tem? — insisto, com a angú stia apertando meu peito.
​Edan respira fundo, frustrado e desconfortável. Suas írises escuras
parecem carregadas, ele olha para mim com tamanha pena que eu sinto
vontade de chorar.
​— Tente relaxar na hora, quanto mais relaxada você ficar, melhor será .
Pense em algo que te faz feliz, ignore os movimentos que ele fizer… se
perca dentro da sua mente como fez alguns instantes atrá s.
​Minha garganta aperta de forma que eu quase me curvo para poder
respirar, me apoio contra a parede, desviando meus olhos dos
convidados que estã o comendo a alguns metros, conversando alto e
bebendo.
​— Você precisa comer algo, Zoey, ou vai desmaiar. Vamos à cozinha
encontrar algo…
​Sua mã o segura meu cotovelo, mas antes que eu possa dar um passo
uma mã o forte circula minha cintura me deixando completamente
rígida.
​Estando ao lado dele, eu percebo o quã o baixa eu sou. Com 1,64 m para
um homem de mais de 1,90 m, é um absurdo de diferença e
desvantagem.
​— Fugindo para algum lugar, esposa? — A voz rouca e controlada entra
em meus ouvidos, fazendo minhas entranhas se contorcerem.
​Edan vê minhas pernas quase cederem e eu só nã o caio porque o braço
desse desgraçado está me sustentando.
​— Ela nã o comeu nada, eu estava levando-a para cozinha.
​Ibrahim olha para mim, despreocupado.
​— Nã o comeu nada, esposa? Bem, nã o terá graça se você desmaiar
durante nossa primeira noite. — Ele ergue os olhos para Edan — O que
ainda está fazendo aqui? Eu estou com ela agora.
​Edan olha para mim, hesitando. Levanto a mã o, agitando a mesma no ar.
​— Estou bem, pode ir — digo, recuperando um pouco de ar, voltando a
encontrar firmeza em minhas pernas.
​ s olhos do meu segurança estã o agitados e ele hesita bastante antes de
O
virar as costas e me deixar sozinha com meu marido. Ibrahim me vira de
frente para ele, os olhos obscurecidos e a expressã o dura.
​— Tentando colocar um par de chifres em mim quando nã o faz nem uma
hora que nos casamos, criaturinha?
​Me afasto dele, respirando o mais profundamente que consigo.
​— Infelizmente, nã o sou tã o sem cará ter como você. Volte para seus
convidados abutres e me deixe respirar algum ar puro.
​Uma risada sonoramente sombria sai dos seus lá bios e ele passa a língua
pelos mesmos, avaliando meu corpo, contemplando o vestido.
​— Você vai comer alguma coisa e vamos nos divertir, esposa.
​Um calafrio sobe pela minha espinha e eu prendo minha respiraçã o,
ciente de que agora nã o tem nada e nem ninguém que possa impedir
Ibrahim Vassiliev de me quebrar. Se Vittorio for agir, que seja agora
mesmo. Droga, eu realmente espero que ele tenha algum plano, nã o é
possível que ele vá deixar esse homem ter o que ele quer.
​Ele me leva para dentro da mansã o e Cora prepara um prato com a
comida que está sendo servida lá fora. Nã o consigo comer mesmo com
estô mago doendo, mas o olhar de Ibrahim deixa claro que se eu nã o
engolir isso nos pró ximos minutos, ele vai me levar lá fora e tirar tudo de
mim na frente de todo mundo. Ele tem essa coragem porque é um
selvagem, e para garantir toda grama de dignidade que ainda me resta,
eu engulo a comida.
​Quando o prato está praticamente vazio, Ibrahim se levanta da cadeira e
me segura pelo pulso.
​— Venha, chegou a hora de ser minha, Zoey Moreau.
​Quero dizer a ele para nã o fazer isso, levar Yuliya ao invés de mim. Neste
momento, estou com tanto medo, que a comida parece estar fazendo o
caminho de volta.
​Ibrahim nã o espera pelo meu movimento, simplesmente começa a me
arrastar para fora da mansã o e quando me dou conta de que estamos
indo para o bosque, eu me preparo para correr de volta.
​— Para onde está me levando? — Minha voz soa esganiçada e meus
saltos afundam na neve.
​ om os olhos completamente escuros e uma expressã o animalesca no
C
rosto, Ibrahim simplesmente me tira do chã o, passando seus braços
embaixo dos meus joelhos e costas. O desespero engloba todo meu
corpo e eu agarro a camisa sob o terno dele.
​— Desde o dia em que te vi de quatro na neve eu quis te possuir em
cima dela e é isso que vou fazer. Vou te foder do jeito que eu quero nesse
bosque, até nosso calor derreter a neve sob nó s dois. — Ele rosna,
começando a caminhar para dentro do bosque iluminado pela luz da lua.
— Sua primeira vez será inesquecível, Zoey. Vou fazer questã o de que se
lembre dela para sempre.
​Meu coraçã o bate tã o forte, que eu sinto a vibraçã o dele por todo meu
corpo. O medo me paralisa, eu me agarro a Ibrahim como se, de alguma
forma, ele fosse me soltar de um penhasco. Sinto como se estivesse a
minutos da minha morte e a sensaçã o é vertiginosa e enjoativa.
​Minha ficha cai por terra, e a ú nica esperança que estava me mantendo
firme nessa situaçã o toda é abalada por um terremoto de angú stia e
desespero.
​Ninguém virá me salvar. Meu pai e meus irmã os simplesmente nã o
fizeram nada para impedir que isso acontecesse. Vittorio realmente me
entregou de mã o beijada para o inimigo.
​ eu corpo paralisado nos braços de Ibrahim fica ainda mais rígido, com
M
o sangue correndo lentamente pelas minhas veias, quando vejo o lençol
branco estendido no chã o. Um cobertor tã o grande e largo para abrigar
um homem do tamanho dele.
​Sinto algo se quebrar dentro de mim ao olhar para o chã o coberto de
neve, sentindo as mã os do homem que me trouxe aqui para o pior, como
um precursor de sentimentos ruins.
​Ibrahim se abaixa, comigo nos braços, me depositando em cima da
coberta, eu nã o consigo olhar para ele. Meu coraçã o está batendo tã o
rá pido e desesperadamente que estou por um fio de implorar. Meu
irmã o nã o está vindo me resgatar e esse homem quer me destruir.
​— Finalmente o desafio nos seus olhos deu lugar ao medo — observa, se
erguendo como um monstro para receber sua gló ria. — Eu poderia dizer
que isso vai ser rá pido e indolor, mas quero levar meu tempo com você.
A noite será uma criança, pequena Moreau.
​Aperto o lençol ao meu redor, erguendo meus olhos para Ibrahim
tirando seu paletó e desabotoando os primeiros botõ es da sua camisa
social branca. Procuro pela força capturada pelo desespero. Meus lá bios
tremem e o frio ao redor de mim umedece meus olhos, e antes que eu
possa perceber, meu corpo está tremendo.
​Eu posso lutar contra ele, acertá -lo em um ponto vital e fugir daqui.
Encontrar Edan e traçar um plano de fuga. Ele deve saber como sair
daqui… Nã o é?
​— Erga o vestido e tire a calcinha — ordena Ibrahim, abrindo sua calça,
o volume desenhado ali é monstruoso e faz meu estô mago queimar.
​Fico inerte. A garganta tã o seca que chega a doer. Seus olhos brilham em
chateaçã o ao me ver parada e com a calça aberta revelando uma cueca
preta, ele se ajoelha diante de mim, me puxando pelos tornozelos. Chuto
suas mã os, usando as minhas para me manter no lugar.
​— O que foi? Vai ser contra isso agora? Quer mostrar resistência para
quando for contar sobre essa noite, dizer a todos que lutou contra o
animal da Bratva que te comeu como se fosse uma puta?
​Meu peito queima e a onda de fú ria acarreta na minha mã o esquerda,
desferindo um tapa forte na face de Ibrahim, o som cria um eco entre as
á rvores e o som da noite. O tapa foi forte o suficiente para fazê-lo virar a
cabeça e deixar as marcas dos meus dedos na sua face.
​Os poucos segundos sem açã o da parte dele me dã o a chance de chutar
seus ombros com força e me levantar em um pulo. Com os sapatos fora
dos meus pés e Ibrahim caído no chã o, me preparo para correr. No
segundo passo que dou meu tornozelo é agarrado novamente e puxado
com tanta força que eu caio de cara na neve, de barriga contra o solo
branco. Insisto na minha fuga, chutando a mã o que me segura, como se
estivesse quebrando vidro.
​Isso nã o parece desestabilizar Ibrahim, só deixá -lo ainda mais irritado,
de modo que, quando ele vira seu corpo na minha direçã o e me arrasta
pelo calcanhar com brutalidade, eu grunho, na tentativa de me segurar
em algo só lido, mas tudo o que encontro é neve e terra.
​— Me solte, seu doente! SOLTE! — exclamo, me virando de barriga para
cima para mirar meu pé livre na mã o que me arrasta.
​— Você só está me excitando ainda mais, criaturinha. Nunca gostei de
nada fá cil e seus golpes só me fazem te querer ainda mais.
​Suas mã os agarram minha cintura e, sem esforço nenhum, ele me joga
em cima do cobertor; caio de bunda no solo amortecido pela neve e me
preparo para usar tudo que tenho para lutar contra Ibrahim.
​Seu corpo cobre o meu, o peso absurdo desse corpo grande esmagando
minhas pernas e quadril. Uso minhas unhas para arranhá -lo, mas com
uma só mã o ele coloca meus braços acima da minha cabeça, prendendo
meus punhos com sua mã o imensa, em um aperto que faz uma dor fina
percorrer o braço que saiu do gesso uma noite atrá s.
​O gemido de dor escapa dos meus lá bios, quase como um grito, e eu
mordo meu lá bio inferior para nã o emitir nenhum barulho.
​Ibrahim está em cima de mim, os olhos nos meus, com uma selvageria
repleta de luxú ria. As írises, que sã o claras, agora estã o tã o escuras,
como se ele estivesse possuído por um espírito maligno. Nã o tem
nenhuma piedade nesses olhos e eu estremeço.
​— Você está tornando isso cada vez pior para você. Quanto mais tempo
passar sem que eu esteja usufruindo do seu corpo, mais irritado eu vou
ficar, e quando estiver dentro de você, sobre sua pele, nã o terei
misericó rdia. — Ele se aloja no meio das minhas pernas sem dificuldade,
e eu sinto ele duro e pulsante na minha coxa.
​O pavor engloba o calor da adrenalina com gelo puro e eu paro de me
mover, vendo que ele está se deliciando com a sensaçã o de estar entre
meus joelhos erguidos, o quadril sobre o meu.
​A respiraçã o dele é ruidosa, seu peito sobe e desce
descompassadamente, me fazendo olhar para a pele repleta de
tatuagens expostas graças aos botõ es da blusa aberta.
​— Você nã o tornará isso fá cil mesmo se eu cooperar, entã o vá em frente
e acabe com isso, seu animal repulsivo — digo entredentes, respirando
com dificuldade, graças ao seu peso sobre mim.
Com a mã o livre, sinto ele levantando a saia do vestido até minha
cintura, deixando minhas pernas geladas expostas ao frio extremo, que
tanto meu corpo como o clima estã o produzindo.
O rosto obscuro de Ibrahim, com fios escuros caindo pela testa
devido à falta de iluminaçã o, , deixa tudo ainda mais assustador. Pesado.
Meu Deus, eu tenho a sensaçã o de que ele vai me devorar, porque esse
homem aparenta qualquer coisa que nã o seja humana.
— Nã o preciso da sua cooperaçã o, o que eu quero está quente e…
— Arqueio meu corpo ao sentir seu dedo entrar dentro da minha
calcinha e tocar minha intimidade. Arregalo os olhos, minha respiraçã o
sendo cortada. — Inferno, você é pequena! — rosna, tocando um ponto
sensível da minha intimidade, que parece despertar com a pressã o nele.
Seus dedos desenham toda minha intimidade em toques lentos e
decisivos, que causam em meu corpo uma sensaçã o tã o fervente que um
líquido quente parece escorrer da minha espinha.
Ibrahim usa o dedã o e o indicador para capturar o meu clítoris e
o pressionar contra eles, fazendo com que eu me mova inquieta embaixo
dele e morda meus lá bios para nã o emitir nenhum ruído. O que diabos
ele está fazendo?
— Acabe logo com isso! — Grunho, lutando contra o calor
vulcâ nico correndo pelas minhas veias.
Os olhos impiedosos estã o curiosos, sedentos e ele abandona o
que está fazendo para pegar o cinto e amarrar meus punhos, sem sair do
meio das minhas pernas.
Ele fica de joelhos, mirando minha intimidade ainda coberta.
Minhas pernas estã o tremendo de tensã o e a cada maldito segundo em
que ele passa os olhos por elas, é agoniante.
Ibrahim parece engolir em seco no momento em que arranca a
calcinha de renda, com um puxã o, a fazendo arrebentar sem muita
dificuldade. Ele prende o ar e sorri como um maníaco, recebendo uma
visã o satisfató ria ao ver o que tenho entre as pernas. O calor na minha
espinha parece descer ainda mais, e é malditamente doente como eu
sinto minha pró pria lubrificaçã o, apenas por estar sendo observada por
ele.
Qual o problema com essa parte do meu corpo? Por que estou
reagindo se isso é praticamente um abuso?
— Tã o malditamente pequena e molhada… Tã o linda — profere,
com a voz rouca, voltando os dedos para minha entrada, dessa vez,
penetrando um dedo.
Contraio todo meu corpo, fechando os olhos com a invasã o que
me faz gemer pela ardência. Ibrahim faz um barulho gutural e eu abro os
olhos para ver a expressã o dolorida no seu rosto.
— Você é pequena demais, e tã o apertada… Porra, isso vai doer
muito, mas você vai aguentar, nã o vai? — Sua voz se torna um sussurro
rouco necessitado, seus olhos no dedo parado dentro de mim. — É uma
garota forte, nã o é, Zoey?
Posso sentir a tensã o no meu corpo, a minha intimidade
apertando o dedo dele. Meus mú sculos estã o rígidos, pressentindo o
pior.
Com o peito subindo e descendo, o corpo queimando, eu olho
para o céu estrelado, percebendo que a neve parou de cair.
— Nã o é para relaxar, quero que continue tensa. Nã o gosto de
nada fá cil e isso nã o é para ser prazeroso para você. — O tom é
carregado de chateaçã o e tensã o.
Volto para o momento, olhando para Ibrahim e sendo tomada
novamente pelo pavor ao ver ele colocar para fora o pênis. Nenhuma
palavra no mundo pode definir o sentimento que me faz perder a
habilidade de respirar e ser levada a borda de um penhasco de mais de
100 metros de altura, com lanças afiadas esperando meu corpo.
Isso nã o pode ser normal.
Ele nã o vai só me machucar, como vai causar um trauma em mim.
Ibrahim massageia o membro monstruoso, com veias salientes
por todo mastro grosso, brilhando com seu líquido. Procuro na minha
memó ria alguma conversa que eu tenha tido sobre homens possuir
ó rgã os tã o grandes e como uma mulher pode suportar.
— Nã o… — Me debato, o pavor em cada palavra, enquanto forço
minhas mã os para se livrarem do cinto ao redor dos meus punhos e uso
meus pés para me afastar.
Ibrahim afunda os dedos nas minhas coxas, tã o fortemente que
arfo com a pressã o. Balanço minha cabeça, desesperada, sentindo os
enfeites no meu cabelo caírem e as mechas serem soltas.
— Você vai me machucar muito, isso nã o cabe em mim. Ibrahim,
nã o! Eu uso minha boca, minhas mã os…, mas nã o faça isso! — proponho,
praticamente implorando, enquanto luto para me soltar do cinto
firmemente preso no meu punho.
O sorriso maquiavélico se desenha nos lá bios avermelhados e ele
continua subindo e descendo sua mã o no ó rgã o desproporcional, ao qual
parece pulsar na sua mã o.
Ainda de joelhos e mantendo minhas pernas dobradas, ele se
inclina na minha direçã o, puxando meu corpo para baixo do dele,
segurando minha coxa com possessividade.
— Shii, criaturinha. Eu vou foder sua boca também, mas nã o hoje.
— A mã o desce para a parte posterior, em direçã o a minha bunda, onde
seus dedos se afundam, causando mais terror em mim. — Você pode
gritar o quanto quiser, ninguém vai te ouvir quando eu entrar dentro de
você. Eu darei um jeito de me encaixar em você, nem que eu precise te
rasgar.
Um barulho trêmulo escapa da minha boca e uma lá grima
solitá ria escorre pela lateral do meu olho. Ibrahim assiste a minha
expressã o decair no mais puro temor.
O dedo dele fez o caminho de volta para minha entrada, me
invadindo com um, que por si só já causa uma ardência quase
insuportável, que me faz fechar os olhos e morder meus lá bios, quando
ele adiciona o segundo dedo, eu aperto os intrusos no meu canal, de
forma involuntá ria, ouvindo Ibrahim praguejar.
Nem a neve ao redor de nó s dois, molhando o lençol e o tecido do
meu vestido, é capaz de acalmar o fogo que arde em minhas veias, no
mais puro á pice.
Nã o consigo controlar o gemido dolorido que sai dos meus lá bios
quando ele força seus dedos dentro de mim, o barulho molhado,
obsceno, faz com que eu fique ainda mais rígida e inflexível, Ibrahim
cantarola.
— Isso, querida. Continue assim para que haja muito sangue nos
lençó is, e seu pai enlouqueça com o pensamento do que a filha passou
na primeira noite dela.
Abro meus olhos, ú midos por lá grimas de pâ nico e a ardência no
meio das minhas pernas com a exploraçã o. Olho para Ibrahim, nã o
encontrando nada racional enquanto ele observa como seus dedos estã o
sendo engolidos por mim.
Ele quer exatamente o meu pâ nico, o desespero… o pior desse
cená rio é a sua vitó ria, minha resistência é seu trunfo. Nunca conheci um
homem tã o doente assim e eu sinto muito pelo meu pai, mas nessa noite
nã o tenho como ganhar desse monstro.
Mergulho na minha mente, lembrando da mú sica que minha mã e
costumava cantar para mim. A melodia envia boas memó rias, envolve
meu corpo de segurança e me leva para noites em que Alessio, Vittorio e
eu fugíamos de madrugada para piscina, durante o inverno, para Alessio
aliviar a dor fantasma das queimaduras.
Eram nossos momentos como irmã os.
A risada dos gêmeos, idênticas, ecoam pela minha mente e eu
posso sentir a tensã o evaporar do meu corpo.
— O que está fazendo? — A voz de Ibrahim nã o é amigável e
quando eu abro os olhos, ele está aturdido. — Nã o te dei permissã o para
relaxar. Está gostando de ser fodida pelos meus dedos, sua putinha?
Sorrio bravamente.
— Nã o é tã o ruim, afinal.
Um brilho bestial se expande em seus olhos e ele afasta todo meu
vestido para cima, até minha barriga e minhas pernas ficarem
completamente expostas. Ele se posiciona em cima de mim, a cabeça na
minha entrada e quando a tensã o parece querer me dominar, eu a
mando para o lugar mais obscuro dentro de mim.
Em cima de mim, se sustentando com um só braço, Ibrahim sorri
com humor negro.
— Hora de ser quebrada, Zoey. Quero ver se vai conseguir com
isso.
Eu queria perguntar como exatamente ele iria me quebrar, mas
soube a resposta assim que ele pressionou seu pênis contra minha
entrada, de forma tã o impiedosa, que com certeza algo rasgou para dar
passagem a ele.
Nã o foi de primeira, a terceira tentativa bruta de entrar dentro de
mim, fez um estrago tã o grande, que eu mal me recuperei da penetraçã o
quando outra dor, mais fina, me arranca um grito, repercute por todo
meu corpo no momento que ele vai até o final. Me preenchendo,
esticando a um ponto onde eu posso senti-lo além dos meus limites.
— CARALHO! — O rosnado de Ibrahim é tã o alto quanto o grito
de dor que sai dos meus lá bios. — PORRA!
Ele está imó vel em cima de mim, tremendo e meus olhos estã o
embaçados pelas lá grimas. Movimento meus punhos amarrados,
tentando acertar seu peito para que ele saia de cima de mim. É demais.
Eu nã o estou suportando-o . Estou tã o esticada, preenchida, que até meu
ar saindo de mim causa dor.
— Você vai se acostumar, apenas fique parada. Isso nã o vai
acabar tã o rá pido, levo um tempo para gozar e só saio daqui depois que
conseguir isso. — Um gemido gutural sai de seus lá bios, tã o carregado
como o gemido de um animal ferido.
Aperto seu braço com as duas mã os, procurando algo ao qual
segurar diante de tanta dor.
— Por favor, nã o se mexa. Está doendo… — As lá grimas e
gemidos que saem de mim sã o involuntá rios.
O borrã o das minhas lá grimas começa a dar lugar à clareza e eu
vejo os olhos de Ibrahim fechados, o rosto contorcido em uma expressã o
confusa para mim, mas tã o atraente que faz minha respiraçã o acelerar
ainda mais.
Ibrahim abre os olhos e ao encarar os meus, sua expressã o se
fecha, se tornando umbrosa e eu engasgo de dor ao sentir todo meu
canal se fechando contra seu pênis, em busca de libertaçã o. Clamando
para essa intrusã o acabar, mas o que acontece é Ibrahim se mover
vagarosamente, me esticando ainda mais, me fazendo gritar e morder
meus lá bios, até eu sentir o gosto de sangue na minha língua.
Afundo minhas unhas no seu braço, chorando de dor e tã o
dolorida, que a cada movimento dos seus quadris, indo profundamente
em mim, é como se eu estivesse sendo esfaqueada.
Continuo de olhos fechados recebendo suas estocadas profundas
e impiedosas, me levando para uma parte tã o obscura de mim mesma,
que eu encontro nessa dor uma espécie de fuga quanto ao que está
acontecendo comigo, uma pró pria puniçã o por eu nã o ter lutado mais
contra Vittorio, por nã o ter corrido até o nosso pai e falado tudo. Foda-
se, Vittorio. Ele nã o veio me salvar e aqui estou eu, no meio do bosque
repleto de neve, sendo quebrada por um homem sem misericó rdia, na
noite que deveria ser especial para mim.
Os gemidos guturais de Ibrahim parecem ser involuntá rios e ele
os emite com raiva, como se nã o fosse capaz de controlá -los. Uma de
suas mã os está no meu quadril, me mantendo no lugar, para o seu corpo
grande nã o me arrastar, quando ele estoca sem nenhuma piedade. A
pressã o dos seus dedos em minha pele é tanta, que eu nã o consigo mais
identificar os pontos que doem em mim. Tudo parece doer.
Felizmente, ele nã o dura horas em cima de mim, como achei que
seria. Se passa muito tempo, segundo minha perspectiva de dor, e
quando ele aumenta seus movimentos, entrando e saindo
freneticamente, até seu corpo ficar rígido e eu sentir seu líquido
jorrando dentro de mim. Ibrahim geme longamente, de lá bios fechados,
e eu continuo de olhos fechados, ouvindo o som molhado que estava
ecoando até poucos segundos atrá s.
De repente, tudo para e eu abro os olhos secos e irritados pelas
lá grimas que caíram sob pressã o.
Ibrahim sai de cima de mim, e eu contraio meu rosto em uma
careta no momento que ele se retira. Observo ele se erguer, ajeitando a
calça, passando a mã o pelo cabelo, limpando o suor da sua testa.
Ergo meu tronco, sentindo uma dor aguda no meio das minhas
pernas, baixo a saia do vestido incapaz de me olhar.
Ibrahim joga um lenço tirado do bolso do seu paletó na minha
direçã o e eu engulo em seco, sentindo o frio me congelar e a sensaçã o de
desamparo me jogar em queda livre.
Tenho um sobressalto quando ele se aproxima, se agachando
perto de mim, recuo, me encolhendo em mim mesma e ele sorri, se
aproximando ainda mais.
— Você é um charme bagunçada desse jeito, minha putinha. É
uma pena que eu tenha outras coisas para fazer no momento.
Mordo minha bochecha com força o suficiente para sangrar, é
como se eu precisasse de um pouco de dor e ficar longe dele. Me sinto
tã o usada, tã o suja.
Seus dedos capturam meu queixo, fazendo-me olhar para ele.
Meus lá bios tremem com pouco resquícios de raiva. Os olhos azuis
penetram os meus e eu vejo um animal faminto e ao mesmo tempo
zangado.
— Onde está sua dignidade agora, Zoey Moreau? Onde está sua
petulâ ncia? Agora você é minha para ser usada como eu quiser. Seus
irmã os e pai nã o vã o salvá -la do que aconteceu aqui. Quando estiver
sozinha à noite, ou com pessoas ao seu redor, você vai lembrar de mim.
Quando estiver andando, passo por passo, vai sentir o que fizemos essa
noite. Seu corpo me pertence e sua alma também.
Tiro meu rosto da sua mã o, sentindo o pouco do que sobra da
minha ira no meio da onda de apatia que me assola, queimando nos
meus olhos.
— Eu quero que você se foda, seu filho da puta. Nã o sou sua e
nunca serei, ter a merda do seu pau em mim significa tanto quanto
ajudar um mendigo com uma nota de 5 dó lares. Vou considerar essa
noite como uma caridade.
Ele sorri, sombriamente, arrancando o lençol manchado debaixo
de mim e tirando seu cinto em volta dos meus pulsos; abandonando meu
corpo na neve fria, que queima minha pele mesmo coberta.
— Diga isso a si mesmo até se convencer, enquanto isso, vou
enviar para seu pai a prova de que agora você nã o passa de uma putinha
do inimigo dele.
Dobrando o lençol manchado e molhado pela neve, como uma
tela grotesca, Ibrahim me lança um ú ltimo olhar e vai embora, me
deixando para trá s bagunçada, dolorida e com ó dio de mim mesma.
Nã o consigo me mover, levo minha mã o ao meu peito
comprimido por uma pressã o opressora e espero por longos minutos,
antes de gritar o mais alto que posso para esvaziar toda a angú stia em
mim.
​ ã o olhe para trá s. Nã o ouse! Ela é a filha do homem que matou seus
N
pais, o motivo por eu ter me transformado no monstro que ela sentiu
dentro de si momentos atrá s.
​Mas ela não tem culpa…
​Balanço minha cabeça, caindo de joelhos na neve, com a pele queimando
e o peito castigado por uma sensaçã o sufocante de culpa. Por que estou
me sentindo tã o mal? Isso deveria me fazer sentir justificado, ter uma
sensaçã o melhor sobre derrotar meu inimigo.
​O meu lado humano, o pedaço do menino que insistiu em sobreviver na
minha mente, está encolhido dentro de mim, se sentindo sujo e um
monstro. Minha parte animal rosna contra ele e o mesmo responde alto.
​Ela é uma garota inocente e você a arruinou!
​Afundo meus dedos na neve, abandonando o lençol com a prova da
minha brutalidade animalesca. O sentimento bom que tive ao está
dentro dela, a satisfaçã o se tornou um peso capaz de fazer com que eu
me curve e queira rasgar minha pele com minhas unhas, até arrancar
esse monstro de dentro de mim.
​Quero voltar até Zoey, aninhá -la em meus braços e pedir perdã o. Quero
aquecer seu corpo pequeno, limpar o que fiz com ela. Seu grito de dor,
que naquele momento foi mú sica para os meus ouvidos, se torna um
pesadelo que vivo de olhos abertos, e suas lá grimas, ao qual meu
monstro estava se banqueteando, vã o me assombrar para sempre.
​ parte mais doentia de mim, sem quaisquer resquícios de humanidade,
A
amou cada segundo daquilo e eu fui tomado por ele. Zoey nã o desperta
só meu lado humano. Aquela mulher. A minha mulher, tem acesso a uma
parte de mim que sobreviveu, mesmo depois de ser mutilado, de ver sua
mã e morrendo engasgada com o pró prio sangue, com um galho de
á rvore atravessado na sua garganta.
​Levanto-me do chã o, caminhando pesadamente para o meu chalé. Abro
a porta do banheiro, abandonando o lençol manchado na cama e retiro
minhas roupas, ficando de frente para o espelho. Minha respiraçã o
enfraquece quando meus olhos enxergam o que tem por baixo dessas
tatuagens. Um corpo mutilado por vidros e arames.
​No dia do acidente, caímos em uma á rea repleta de arames farpados e
com cabos de alta tensã o. O carro rolou pela ribanceira até ficar preso
nos arames, e para sair do carro eu precisei passar pelos vidros e pelos
arames. Com uma fratura exposta na tíbia, cheio de desespero para
salvar meus pais, eu nã o me importei com a dor enquanto tentava voltar
à estrada.
​Eu nem mesmo senti a dor quando estava saindo daquela armadilha e
esfregando minha pele nos vidros e arames farpados. Tudo doía e eu só
tinha um propó sito: chegar na estrada, escalar a ribanceira e pedir por
ajuda.
​Consegui chegar até lá e um caminhoneiro me olhou aterrorizado, mas
tudo o que eu conseguia era pedir ajuda. Só quando acordei no hospital
e vi meu corpo todo enfaixado, foi que percebi que minha pele nã o tinha
nenhum machucado artificial. Quando tiraram as faixas e me deixaram
ver meu corpo… O garoto de 10 anos morreu ali. Nã o tem um ú nico
centímetro no meu corpo, das pernas até o peito, onde nã o tenha
cicatrizes. As tatuagens cobrem a desfiguraçã o, mas nã o é como se eu
nã o pudesse ver o que tenho nessa pele, basta tocar.
​Desvio meus olhos do espelho quando se torna insuportável encarar o
reflexo, vendo o demô nio que tomou meu corpo duelar contra o
pequeno resquício de alma que ainda existe em mim, que nem mesmo
eu sabia que podia senti-lo dentro de mim com tamanha resistência.
​ ntro dentro do box para tomar banho e simplesmente nã o sou capaz de
E
ligar a á gua. A sensaçã o quente do corpo dela está impregnado no meu,
assim como seu cheiro. Meu corpo está rígido apenas de pensar em tirar
o cheiro dela de mim, é como se a á gua fosse lavar a sensaçã o de
pertencimento que tive quando encostei em Zoey Moreau, quando estive
dentro dela.
​Isso é tã o fodido.
​Como posso estar sentindo esse tipo de coisa pela filha do assassino dos
meus pais?
​Desisto da ducha e volto a vestir a roupa que estava usando, deixando
apenas o paletó de lado. Estou terminando de me arrumar quando a
campainha começa a tocar insistentemente. Xingo mentalmente,
descendo os degraus até abrir a maldita porta.
​Vadim, meu braço direito, está parado à porta, me olhando
imparcialmente enquanto varre os olhos pelo meu corpo, em busca de
resquícios da minha noite de nú pcias.
​— Vittorio Moreau está aqui, e nã o de uma forma amigável. Ele veio
buscar a irmã — anuncia.
​Franzo o cenho.
​— Como ele entrou aqui?
​Vadim se encosta na porta, eu percebo seu punho machucado e um corte
no recanto da boca.
​— O filho da puta nos hackeou, manipulou nossas câ meras e só
percebemos sua presença quando ele já estava dentro da propriedade.
​Meu sangue circula devagar, alerta. Zoey está fora do meu alcance, eu a
deixei para trá s.
​— Ele já encontrou a irmã ?
​Vadim estreita os olhos puxados em confusã o.
​— Ela nã o está aqui com você?
​Fecho a porta atrá s de mim, pegando meu casaco no processo e
caminhando para a mansã o com passos apressados.
​— Onde está o filho do diabo? — questiono, ouvindo os passos de Vadim
atrá s de mim.
​ Amarrado contra uma coluna, ele massacrou dez dos nossos homens

antes de ser capturado.
Um xingamento carregado ricocheteia pelas minhas paredes
mentais a cada passo fundo na neve.
— Ó timo. Peça para alguma criada encontrar minha esposa, ela
está no bosque. Deixe o filho do diabo comigo.
— O que porra ela faz no bosque em uma temperatura tã o baixa,
Ibraim? Nã o me diga que foi foder a garota como um urso!
Ignoro o tom de voz cheio de sarcasmo de Vadim e entro na
mansã o, indo para o escritó rio de Nikolai, o ú nico lugar com um quarto
de pâ nico para nossos prisioneiros, e onde Nikolai poderia conter um
homem como Vittorio Moreau.
O quarto está aberto, Vittorio Moreau está de joelhos no chã o,
com o corpo e braços amarrados contra uma coluna. A boca dele está
coberta por sangue, e seu cabelo, negro como o da irmã , está ú mido de
suor que se mistura ao sangue do seu rosto.
— Parece que seu cunhado veio tomar sua esposa de você, e ele
quase conseguiu — Nikolai assovia, rodando na cadeira para olhar pra
mim.
Vittorio ergue a cabeça, a luz branca iluminando seu rosto
extremamente tomado pela có lera e a expressã o animalesca. Me
aproximo dele, vendo o mesmo lutar contra as amarras, para se
aproximar de mim.
— Você disse que nã o ia tocar nela! — ruge — Eu quero minha
irmã , traga-a para mim!
Seu corpo forte luta contra as amarras e ele rosna, o sangue
pingando com a saliva da sua boca. Relaxo minha postura, depositando a
caixa com os lençó is manchados em cima da mesa.
— O acordo foi que eu me casaria com sua irmã em troca de nã o
matar você e passar seu domínio na Filadélfia para o filho da sua tia
Emília — lembro-o.
Outro rosnado, repleto de raiva, ressoa dele, com a minha voz e as
írises verdes queimam como larvas vulcâ nicas.
— A porra do acordo dizia claramente que você nã o tocaria nela.
O casamento seria apenas para manter minha irmã sob seu domínio!
Olho para o meu tio, assimilando sua expressã o de gló ria ao ver o
desespero no rosto de Vittorio Moreau. Suspiro, gesticulando para
Vadim despachar a caixa.
— Ora, como eu poderia me manter casado com sua irmã sem
tocá -la, sendo ela minha esposa? — Me aproximo de Vittorio, fazendo-o
lutar bravamente contra as amarras de ferro, na busca por me atingir —
Todos nó s temos papeis nesse acordo a cumprir, até a sua irmã . Ela é
minha esposa agora, e abrir as pernas é o mínimo que ela pode fazer.
Com um grunhido brutal, Vittorio usa todo o peso do seu corpo
grande para me atingir, sendo contido por estar preso.
— SEU DOENTE DO CARALHO, ELA É UMA MENINA! VOCÊ É A
PORRA DE UM PEDOFILIO E EU VOU MATAR VOCÊ POR TER TOCADO
NELA. VOU CORTAR SUAS MÃ OS E ENFIAR SEU PAU DE MERDA NA SUA
BOCA! EU VOU MATAR VOCÊ !
Sua voz poderosa repleta de fú ria, capaz de estremecer o inferno,
repercute por toda a sala e Vadim coloca a mã o na arma, surpreso pelas
amarras terem parecido inofensivas com a explosã o de Vittorio.
Respiro fundo.
— Você armou buscá -la antes do casamento, suponho, mas
chegou tarde demais. Deve ter sido bem trabalhoso ter entrado no nosso
sistema, burlar nossa segurança… — Piso em cima da poça de sangue
que vaza da sua perna, com um corte bem-feito na coxa. — Achou que eu
nã o saberia que você tentaria salvar sua irmã zinha? Meu caro, conheço
seu talento com tecnologia, mas, infelizmente, foi você quem me
subestimou. A cada metro quadrado dessa casa tem homens de
prontidã o. — Ergo o dedo, pendendo minha cabeça para o lado — E sua
irmã tem 23 anos, ela nã o é mais uma menina. A transformei em uma
mulher algumas horas atrá s.
Vittorio ergue a cabeça, cuspindo o sangue acumulado na sua
boca, que cai na minha blusa branca. Sorrio olhando o resultado; pego
um lenço e limpo a sujeira, vendo o rosto de Vittorio assumir a derrota.
— Você a entregou muito rá pido, um claro sinal de que planejava
algo para tomar ela de mim antes do tempo. Os sinais foram bem claros
e, durante dias, até os anos que sua irmã passou longe, eu monitorei o
que vocês faziam. Você, seu filho de um diabo, estava fortalecendo sua
irmã para o momento que viesse buscá -la. Tentando infiltrar homens na
minha casa… — Olho para Nikolai e Vadim observando. — Nó s sabíamos
de tudo e esperamos até você vir, mas devo admitir que você veio mais
despreparado do que imaginei.
— Deixe-me ver minha irmã ! — ordena.
— Estou mandando o lençol para sua família, junto com algumas
fotos do casamento, você pode ver com eles se entrar no aviã o ao qual
chegou aqui. Talvez, você é quem deveria levar, seu pai vai amar receber
as duas notícias de que a filha agora é casada com o inimigo dele, e que
foi o filho dele quem a entregou! — Uma risada satisfató ria sai dos meus
lá bios — Você arruinou sua família, Vittorio Moreau.
Ele abaixa a cabeça, como se isso fosse uma luta perdida, a ú nica
coisa que sai da sua boca é para alguém trazer sua irmã .
Olho para Vadim, que faz um aceno negativo com a cabeça.
Estreito os olhos e me aproximo dele, o mesmo sussurra em meu ouvido
algo que faz meu coraçã o gelar.
— Ninguém está conseguindo encontrá -la, senhor. Já estamos
movendo os homens, e como as câ meras estã o adulteradas, nã o há
nenhum sinal dela.
— O que está acontecendo, Ibrahim? — Nikolai se ergue na
cadeira, o cenho franzido.
Olho para Vittorio Moreau, caminhando na sua direçã o com a
fú ria causada pela possessividade e desejo crepitando em minhas veias.
Agarro a gola da sua blusa, o obrigando a olhar para mim.
— Onde está minha esposa? ONDE COLOCOU ELA? — Me viro
para Vadim — Procure pelo guarda-costas dela, eles nã o podem estar
muito longe!
Vittorio começa a rir, tossindo com o esforço, fazendo com que
respingos de sangue escorram pela sua boca.
— Minha irmã é mais esperta do que eu pensei, acabou que eu
nem precisei tirá -la daqui — cospe com orgulho.
Com meu monstro por toda superfície da minha mente, eu aperto
o pescoço de Vittorio, deixando ele ver a parte mais obscura de mim e a
certeza de que vou matá -lo se o que me pertence nã o voltar para mim.
E como o filho do diabo que ele é, como se a dor fosse um prazer
para ele, o desgraçado apenas sorri e eu saco minha adaga, pronto para
retalhar pedaço por pedaço se Zoey nã o for encontrada nos pró ximos
minutos.
Eu mal a tive, e de maneira nenhuma vou abrir mã o daquela
garota. Ela é minha!
— Pare com isso, Ibrahim! Saia e vá procurar a garota. Nã o
desperdice seu tempo com ele, deixe que os outros homens façam isso!
— Nikolai intervém, no momento que minha adaga começa um corte
vertical no peito de Vittorio.
Encaro o homem à minha frente, com olhos verdes obscurecidos
pela dor. Ele nã o emite nenhum barulho e sua respiraçã o está rá pida, um
claro sinal de que ele sente dor.
— Onde ela está ? — Pressiono meu braço contra o seu pescoço,
sibilando como o diabo, com o pior de mim pronto para matá -lo.
Vittorio sorri, a respiraçã o falhando.
— Mesmo se eu soubesse, eu nã o entregaria minha irmã
novamente. Prefiro que ela esteja morta do que ao seu lado!
Balanço a cabeça.
— E ela vai morrer se nã o for achada nos pró ximos minutos, isso
é territó rio inimigo e todos aqui só estã o esperando uma chance para
acabar com ela. — É mais um pensamento alto do que uma fala e
Vittorio estremece, perdendo o sorriso.
Abandono seu corpo machucado e saio do escritó rio com os
punhos cerrados e sangue manchando minha blusa. Se Zoey conseguir
sair da propriedade, pode estar em vantagem, mas se ainda estiver aqui
seu futuro é incerto. Meus homens nã o sã o civilizados e com uma
Moreau a solta, eles vã o aproveitar a chance de encontrar uma vingança
pessoal.
— Reú na os homens e avise que aqueles que colocarem as mã os
em Zoey Moreau vã o se tornar minha presa na pró xima caçada! —
ordeno a Vadim, me armando com um dos meus machados para ir em
busca da minha esposa.
​ madrugada se transforma em uma manhã ensolarada, que derrete a
A
neve no telhado e nos arbustos, e com ela vem o desespero de que Zoey
nã o foi encontrada. Nã o temos pistas ou nenhum rastro dela. Ela parece
ter evaporado, toda a mansã o e a propriedade foram colocados de
cabeça para baixo. O segurança dela continua aqui, preso com Vittorio e
para minha surpresa, os dois estã o igualmente preocupados com o
desaparecimento dela.
​Meu peito parece estar sendo comprimido, e nas minhas veias corre o
mais puro ó dio e desespero. Nessa altura, tudo pode ter acontecido, mas
uma coisa é certa: Zoey nã o saiu da propriedade.
​Segui seus rastros até um determinado caminho da mansã o,
desaparecendo antes de chegar à mesma. O bosque onde tivemos nossa
primeira noite nã o contém vestígios de nó s dois, fui mais afundo e nã o
encontrei qualquer pista de que Zoey passou das limitaçõ es.
​Vadim e Nikolai estã o investigando a casa dos soldados, os celulares e
carros. Se um deles a pegou, com certeza nã o viverá para ver mais um
sol nascer.
​— Seria maravilhoso se ela tivesse caído em um dos lagos congelados,
assim esse circo na minha casa acabaria! — minha tia exclama, a
perversidade em cada palavra, enquanto me vê colocar os criados da
casa em fila na sala para um interrogató rio.
I​ gnoro sua fala, desviando a espécie de rebeldia que nasce em uma parte
de mim direcionado a ela. Encaro os empregados, questionando o que
estavam fazendo na noite de ontem. Todos têm sua histó ria para contar
e a ú nica que fica em silêncio é Cora.
​Ela já é uma senhora de idade, vítima de violência doméstica e entre
todos da casa ela é a mais confiável porque quase nunca fala nada, e
muito menos questiona as ordens que lhe sã o dadas. Só que hoje, seu
rosto rígido, geralmente imparcial, parece atormentado.
​— Ibram, ela nã o está na casa, e se passou a noite lá fora é provável que
esteja desmaiada com hipotermia. A temperatura baixou drasticamente
essa madrugada — Vadim alerta. — Nã o perca seu tempo interrogando
os empregados, eles sabem de Zoey Moreau tanto quanto nó s.
​Respiro fundo, mantendo os olhos em Cora, que abaixa a cabeça.
Dispenso os empregados, com exceçã o de Cora. A mulher manca na
minha direçã o com o rosto sério. Minha tia cansa de assistir meu
interrogató rio e sobe escadas acima, em busca do meu tio.
​— Onde ela está , Cora? — questiono minha empregada, a mulher que
trocou minhas fraldas, com o maior controle que consigo reunir. — Onde
está a minha esposa?
​Cora ergue seus olhos, inflexíveis.
​— Nã o sei do que está falando, meu senhor. Desculpe, mas tenho serviço
a fazer.
​Ela vira as costas para mim, mancando para a cozinha e meu peito se
enche com uma espécie de angú stia que sufoca a raiva. Com os punhos
cerrados, eu me controlo para nã o explodir de raiva e acabar
descontando nas pessoas que nã o tem nada a ver com isso. Cada
segundo longe dela, sem notícias, parece fazer com que o buraco em
meu peito se dilate e sugue minha energia.
​— O que vamos fazer agora, Ibram? Nã o tem um só lugar que nã o tenha
sido revirado, a garota evaporou. Verificamos os tú neis que dã o para a
cidade e se ela passou por eles, nó s nunca saberemos… — Vadim se
ergue do sofá , esticando as costas e o rosto torcido por desgosto. — Se
nã o a acharmos nas pró ximas cinco horas, Kai Moreau ficará ainda mais
irado ao saber que, você nã o só desflorou a filha dele, como a perdeu.
Sem Zoey Moreau vamos ser mortos.
​Continuo olhando para o corredor, onde Cora desapareceu, com o corpo
cheio da maldita esperança. Espero Vadim se dispensar para fiscalizar os
lugares pró ximos aos tú neis na cidade e me encaminho para a cozinha,
em busca de Cora.
​Encontro-a no balcã o, cortando verduras com mais três criados por
perto. Todos eles fazem um aceno respeitoso em minha direçã o, se
colocando à minha disposiçã o. Caminho até Cora, ficando pró ximo o
suficiente apenas para que ela possa me ouvir.
​— Cora, por favor, eu sei que você sabe onde ela está . Eu estou morrendo
por dentro… Por favor — peço, a angú stia pesando em cada palavra,
deixando meu corpo rígido graças à parte brutal que me recrimina por
estar me preocupando com Zoey Moreau.
​Cora me ignora, usando a faca bruscamente para cortar cenouras em
rodelas. Seu rosto parece ficar mais rígido a cada segundo com a minha
presença.
​— Está implorando desse jeito para quando encontrá -la fazer algo pior
do que fez ontem à noite, meu senhor? — A faca atinge com tanta força a
cenoura, que o pedaço cai aos meus pés. — Usando essa garota como se
ela tivesse alguma responsabilidade pelo que o pai dela fez. O senhor é
perverso. Nã o merece uma garota como aquela.
​Aperto meu maxilar, engolindo o sabor amargo que inunda minha boca.
Me viro por completo na direçã o de Cora.
​— Ela está segura? — É tudo que sou capaz de questionar. Cora continua
sem me olhar, mas pela baixa na intensidade com que a faca corta o
legume, posso presumir que a resposta é positiva. — Escute, ela nã o
estará segura por muito tempo enquanto estiver nesta propriedade. Tem
uma centena de homens a procurando. Homens que preferem morrer a
perder a chance de se vingar dos Moreau. Seja onde ela estiver, Cora, ela
nã o estará segura por muito tempo e nó s dois sabemos que você nã o vai
se perdoar se algo acontecer com ela — sussurro, firmemente, pró ximo
do ouvido de Cora.
S​ eus ombros tencionam, seus olhos se mantêm baixos e ela para de
mover a faca. Penso que ela irá me falar, dizer o mínimo que seja, mas
Cora apenas faz um barulho de desdém com a boca.
​— Acredito que a morte seja mais agradável para ela do que permanecer
ao lado de um homem que só quer vingança. — Seus olhos sobem para
os meus. — O senhor a machucou sem piedade e certamente voltará a
fazer novamente.
​Algo como correntes cercam meu peito, causando uma espécie de dor
incapacitante, capaz de fazer aquele monstro sob minha pele rosnar
para Cora, quase chegando ao passo de perder o controle e exigir a
resposta.
​Mas, o que eu procuro está bem à minha frente, nas mã os de Cora.
Observo o que ele está fazendo e para quem vai essa refeiçã o. Cenouras,
carne de primeira com muitos ossos grossos… Mabi.
​Abandono a cozinha, saindo pelas portas dos fundos, caminho pela neve,
que está derretendo com o sol mais quente que o normal nessa época de
inverno intenso. Vá rios dos homens estã o em volta da casa, armados e
quando me veem se colocam de prontidã o, até eu afastá -los com as
mã os.
​Caminho quase correndo para o canil, indo para a baía com aquecedor
que vive fechada e coberta por causa da agressividade da sua
proprietá ria. Os cachorros nã o estã o aqui, estã o todos fora com os
homens procurando rastros.
​Me aproximo, com o coraçã o batendo forte até a ú ltima baía, retirando a
tela escura que protege o pequeno canto contra movimentos e luzes
fortes.
​Uma respiraçã o aliviada sai dos meus lá bios, mas eu volto a prendê-la
quando Mabi se coloca de pé, protegendo uma Zoey adormecida atrá s
dela.
​Minha Doberman mais agressiva, que criei desde que era um filhote, e
que de todas as pessoas a qual ela nã o tinha uma reaçã o negativa era eu,
está rosnando para mim, para proteger a mulher que dorme encolhida
dentro de uma cela de cachorro. Ela é pequena, mas até seu corpo se
torna grande demais dentro dessa baía.
​ oey está encolhida de costas para mim, o vestido de noiva sujo de
Z
sangue ralo e lama. O aquecedor está no má ximo… Ela passou as ú ltimas
8 horas aqui?
​Tento me aproximar, abrir o pequeno portã o, até ser afastado
bravamente por Mabi em sua forma mais perigosa de ataque. Ela está
rosnando, mostrando seus caninos afiados, capazes de triturar minha
mã o.
​— Mabi, se afaste! — peço baixo, carinhosamente, como sempre a trato.
​Seu rosnado fica mais firme e ela late quando encosto no portã o. Zoey
desperta com um sobressalto e olha na minha direçã o, com seus olhos
â mbar vermelhos e inchados. E eu juro que algo se parte dentro de mim
quando ela os arregala e pressiona suas costas contra a parede.
​Mabi intensifica os latidos, se colocando cada vez mais
ameaçadoramente contra mim. Olho para Zoey, em busca de algum
ferimento e tudo que encontro é o mais puro terror nos seus olhos.
​— Mabi, fique quieta! — grito sobre seus latidos, fazendo-a insistir
ainda mais.
​Zoey desvia os olhos dos meus, levando suas mã os à s orelhas para
abafar os latidos possessivos e protetores.
​Os dois cuidadores adentram o canil e eu os afasto com as mã os,
gesticulando para que saiam imediatamente. Olho para Zoey na minha
forma mais humana, só ela pode acalmar Mabi. Nã o existe nenhuma
forma de eu abrir esse portã o e ter minha mã o ilesa.
​— Peça para ela parar e vamos para casa, Zoey. Eu nã o vou machucar
você.
​Zoey nã o olha na minha direçã o e a impaciência começa a se reunir em
grandes porçõ es em mim.
​— Se você nã o vier por bem, seu irmã o Vittorio pagará por sua teimosia.
Ele está sob meu domínio — digo, atraindo a atençã o dela.
​Os olhos de Zoey, que sã o como vitrais, assumem um brilho de atençã o.
​— Seu irmã o está aqui, e se você nã o colaborar, nã o vai ser só seu
sangue que será derramado. Deixe de birra e saia daí, estou começando
a ficar impaciente!
​ tom autoritá rio deixa Mabi ainda mais agressiva, se colocando na
O
frente de Zoey, como se ela fosse um filhote dela. Zoey coloca a mã o
sobre as costas de Mabi, fazendo minha cachorra mais leal e valente
parar de latir para se aconchegar ao toque dela.
​Mabi lambe o rosto de Zoey, se sentando ao lado dela, como se a minha
esposa fosse eu. Minha cachorra nã o confia em estranhos e o ú nico
humano que ela deixou que chegasse perto fui eu, mas o que é isso que
eu estou vendo agora? Como essa mulher conseguiu fazer uma cachorra
selvagem, que adora caçar humanos, se aproximar tanto dela? Eu levei
cinco anos para conquistar a confiança de Mabi.
​Hesitante, Zoey engatinha para fora da cela e no momento que ela cruza
a linha de saída eu a pego pelos braços, imobilizando suas costas contra
meu peito.
​— Me solte, seu monstro desprezível! — Esperneia, tentando soltar seus
braços do meu aperto.
​Colo minha boca na sua orelha, sentindo meu corpo ser tomado de alívio
por finalmente tê-la de volta nos meus braços. Eu nã o sabia que estava
temendo tanto nunca mais tocá -la até esse momento.
​— Você me deu uma boa dor de cabeça esta manhã , esposa. Primeiro dia
de casados e já mostrou seu temperamento. Será que vou ter que te
acorrentar na cama? — rosno, sentindo meu lado mais animal aflorar na
minha pele, enquanto ela se esfrega em meu peito em busca de se livrar
de mim.
​A resistência dela alimenta a parte mais perigosa em mim e se eu nã o
aprender a controlar isso, vou transformar Zoey Moreau em meu
brinquedo de tortura.
​— É isso que você quer fazer, nã o é? Me ter aos seus pés, sujeita-me aos
seus abusos… — Sua voz soa entrecortada pela sua respiraçã o
acelerada. — Eu odeio você, Ibrahim! ODEIO COM TODAS MINHAS
FORÇAS!
​A pego nos braços, encarando seus olhos fervilhando de ó dio e desprezo.
Algo se encolhe dentro de mim e a outra parte a desafia.
​— Seu ó dio é um sentimento que vou beber a cada maldito momento
que for pra cama com você. Quando eu estiver aí dentro, te preenchendo,
vou me aquecer com sua pele e esse sentimento. Esse ó dio é melhor do
que a sua indiferença, minha querida.
​Ela faz de tudo, menos tocar em mim e enquanto saio com ela do canil,
os homens se juntam para ver a filha do inimigo capturada novamente.
Alguns riem, e me olhando do alto da janela do seu quarto, minha tia nã o
parece nada feliz.
​Ignoro tudo e todos, levando Zoey para nosso chalé. Ela precisa de um
banho e uma boa escovada nesse cabelo negro.
I​ brahim me coloca no chã o do quarto e, por um momento, acho que ele
vai querer algo a mais de mim quando o mesmo passa a mã o pelo
cabelo, me olhando de forma temperamental. Cerro meus punhos,
sentindo meu corpo trêmulo e pronta para atacá -lo com minhas unhas
se ele tentar fazer a mesma coisa que ontem.
​— Vá tomar banho, irei trazer roupas quentes para você vestir. —
Aponta para a porta do lado esquerdo do quarto. — Acredito que saiba
como deixar a á gua quente, nã o é?
​Minha raiva rumina dentro de mim, faz com que eu olhe para esse
homem e sinta vontade de matá -lo. Ele com certeza nã o é humano.
​— Onde está meu irmã o? Me leve até ele! — ordeno, de punhos
cerrados, minha garganta seca pela fú ria.
​Ibrahim respira fundo.
​— Quer ir ver ele ainda suja de sangue e com minha porra seca entre
suas pernas? Eu nã o me importo se sua resposta for sim, tenho certeza
de que seu irmã o vai amar ver que a irmã zinha agora é minha puta.
​Ergo minha mã o, acertando seu rosto em cheio, mas dessa vez Ibrahim
segura meu pulso e me puxa na sua direçã o, os olhos azuis gélidos. Ele
aperta meu pulso, me fazendo grunhir com dor. Tento me soltar e ele me
puxa para mais perto do seu corpo quente e robusto, me fazendo
esmurra-lo com a mã o livre.
I​ brahim me faz olhar para ele, meus olhos mergulham no céu azul que
sã o os seus, e meus lá bios tremem com a sensaçã o pesada de vergonha e
revolta.
​— Aconteça o que acontecer, quando ver o seu irmã o, nã o peça para ir
embora. Você agora é minha, Zoey, e consegue sentir isso. Nã o existe
mais um lugar no mundo para você onde eu nã o esteja. Eu sou seu
marido, sua casa! Você é minha agora.
​Sofro com suas palavras, lembrando da noite de ontem, onde ele
simplesmente me tomou para si com a determinaçã o de que eu fosse
marcada para sempre. Até mesmo agora, com suas mã os em mim e seu
calor entrando pelo meu vestido eu consigo sentir… Sinto o que Ibrahim
fez ao meu corpo a cada maldito movimento.
​— Eu nã o quero ficar aqui! Nã o quero mais repetir o que fez comigo
ontem! — exclamo, lá grimas querendo esborrar dos meus olhos.
​Ele me segura mais firmemente, seus olhos firmes nos meus, uma
expressã o calma neles.
​— Mas você vai. Nã o te explicaram o que acontece com uma mulher e
um homem quando eles se casam e tem a primeira noite, minha
criaturinha? O seu sobrenome agora é Vassiliev e qualquer decisã o
sobre sua vida cabe a mim, seu marido.
​Puxo meu pulso da sua mã o, me afastando dele com a pressã o
esmagadora dos fatos que ricocheteiam por toda minha mente. Minhas
forças parecem falhar e fico de costas para Ibrahim, levando minhas
mã os até minha barriga em busca de ar. Estou tã o pesada, me sentindo
tã o dilacerada, que o simples fato de estar de pé é capaz de exaurir toda
minha energia vital.
​— Saia daqui! Eu nã o quero ficar olhando para sua cara! — grito,
incapaz de olhar para trá s.
​Por um momento penso que Ibrahim vai permanecer aqui, mas ouço
seus passos indo para a saída, batendo a porta com força. Respiro fundo,
forçando a costura do vestido de noiva pela gola.
​Com grunhidos e raiva, eu rasgo o tecido sujo, brutalmente e sem me
importar de estar machucando minha pele, pego uma tesoura no
banheiro e transformo esse vestido em retalhos, até estar apenas de
calcinha. Olho para minhas pernas, sentindo as consequências dele ter
estado dentro de mim. Minhas coxas estã o manchadas com o sangue
seco e o líquido dele.
​Meu estô mago se revira e pouco me importando com a temperatura da
á gua, eu entro embaixo de um jato morno, arrancando com cuidado a
calcinha que já nã o tem serventia pra nada.
​Esfrego minha pele com as unhas, como se fosse capaz de remover a
sensaçã o do corpo de Ibrahim do meu, passo minhas unhas por toda
extensã o que encontro arranhando minha pele até machucar e, ainda
assim, nã o sinto como se isso fosse me limpar.
​Nã o encontro lá grimas, nem mesmo quando tento lavar minha vagina
dolorida com cuidado e me dou conta de quã o violada eu fui. Tudo que
sou capaz de sentir no momento é a raiva mais crua. Um ó dio que
aquece minhas veias e faz minha mente desenrolar cená rios onde eu
mato o filho da puta das formas mais dolorosas.
​Encosto minhas mã os na parede, cansada demais de me machucar, com
a pele ardendo como á lcool em uma ferida. Só me dou conta de que se
passou horas quando Cora entra no banheiro, me olhando com uma
compreensã o que faz meu peito doer.
​Ontem, quando eu estava andando, machucada e sem rumo, Cora me viu
indo para o canil e nã o me denunciou ao seu patrã o. Ela me pediu
apenas para ficar longe da Doberman que me protegeu a madrugada
inteira, deixando sua ferocidade de lado ao ver meu estado.
​Até uma cachorra foi capaz de se compadecer.
​— Menina, venha se trocar e comer alguma coisa.
​Desligo a á gua sentindo meu cabelo pingar pelas minhas costas. Olho
para Cora, tentando nã o mostrar a ferocidade nos meus olhos.
​— Meu irmã o está realmente aqui ou isso foi mais uma mentira daquele
homem desprezível? — questiono.
​Cora abre um roupã o, me vestindo com ele e me passando uma toalha
para o cabelo.
​— Ele invadiu a mansã o ontem, logo apó s o casamento. Matou uns cinco
guardas e foi preso no escritó rio do senhor Nikolai.
​ o final, Vittorio veio me salvar tarde demais. Se ele tivesse chegado
N
horas antes… Fecho meus olhos com força, incapaz de pensar em outro
cená rio e sentir ilusõ es quebradas em diversos pedaços.
​Em cima da cama tem um vestido de tricô vermelho, com mangas longas
e um comprimento abaixo dos meus joelhos. Junto com o vestido, tem
um par de botas preta sem salto, que vai até meu tornozelo.
​Cora se oferece para pentear meus cabelos cheios de nó , mas preciso
descontar um pouco dessa raiva em algo.
​O rosto da mulher de meia-idade se contorce ao me ver pentear meus
cabelos com tanta agressividade, como se aquilo nã o doesse em nada em
mim, mas é justamente pela dor que passo o pente pelos nó s, com minha
raiva centralizada nos fios embaraçados, sentindo meu couro cabeludo
queimar e meu rosto nã o revelar nada além de uma má scara de
má rmore.
​Fito meu reflexo no espelho, encontrando-me tã o pá lidas e com os olhos
acesos, que essa imagem nã o me remete a mim mesma. Meu cabelo
preto parece mais escuro em contraste com minha pele sem coloraçã o
alguma, eu costumava ter as bochechas coradas.
​Estou tã o absorta no meu reflexo que nã o percebo que ele está atrá s de
mim, até suas mã os pararem o movimento das minhas e pegar o pente
das minhas mã os. Seus olhos azuis me fitam pelo espelho, sérios.
​— Você deveria ser mais cuidadosa quando estiver penteando seus
cabelos, esposa. Eles sã o a coisa mais bonita em você.
​Sinto minha pulsaçã o aumentar ao encontrar seus olhos, e tudo piora
quando ele coloca meu cabelo para trá s.
​— Um cabelo tã o bonito e macio como o seu, precisa ser cuidado com
gentileza, e como nã o deixou que Cora fizesse isso, eu assumo daqui. —
Ele olha para a mulher nos observando com atençã o. — Vá esquentar
uma sopa de carne para sua senhora.
​Cora hesita, porém, basta um olhar mais entornado de Ibrahim para que
ela saia mancando. Ele puxa um banco, se colocando atrá s das minhas
costas na penteadeira e todo meu corpo fica rígido, mesmo que ele ainda
só esteja tocando meu cabelo.
​ or alguma razã o, minha garganta parece se fechar e tudo que sou capaz
P
de fazer é fuzilar Ibrahim com os olhos, recebendo em troca um sorriso
ladino.
​Ele separa meu cabelo em mechas como se já tivesse feito isso antes e
começa a pentear os fios gentilmente, com uma delicadeza que um
homem como ele nã o parece ter. Ontem eu só vi seu lado animal.
​— Você machucou Vittorio? — Minha voz rouca faz com que Ibrahim
erga os olhos para o meu rosto, parecendo desconcertado por alguns
segundos.
​Seu pomo de adã o sobe e desce, engolindo sua saliva, e o pente desliza
pelo meu cabelo molhado.
​— Preocupada com ele depois dele te entregar para mim?
​Engulo em seco no momento em que os dedos de Ibrahim tocam minha
nuca rapidamente.
​— O quã o ferido ele está ? — insisto.
​— Ele ainda pode andar, e usar as mã os quando estiverem soltas. Nã o
está tã o ferido quanto deveria por ter entrado no territó rio inimigo e
tentado levar a minha esposa. — O som de posse em sua voz faz minha
pele eriçar, e por mais que a minha língua coce para dizer que nã o sou
dele, o meio dolorido das minhas pernas acende em um lembrete.
​— O que você planeja fazer comigo agora? Me manter presa nesse chalé
esquentando a cama para você? O que fará no momento que meu pai
receber os lençó is e perder a cabeça?
​Penteando meu cabelo com toda concentraçã o do mundo, Ibrahim
parece absorto no que faz e minha pergunta parece ser algo bobo.
​Sinto suas pernas me colocarem no meio delas, prendo minha
respiraçã o prevendo o pior quando seus olhos encaram meu colo
desnudo, subindo para meu pescoço e clavícula, amostra graças ao
decote redondo do vestido. Contenho a vontade de me encolher e aperto
minhas mã os ao sentir seus dedos abandonarem meu cabelo para tocar
a pele do meu pescoço, como se fosse algo que desperta seu maior
desejo.
​Fico rígida. Meu corpo esquenta como se ele estivesse me tocando com
uma brasa, e o contato é tã o carregado que eu levanto da penteadeira,
deixando Ibrahim com as mã os no ar.
​— Evite me tocar, eu nã o gosto das suas mã os em mim — cuspo,
sentindo o local onde suas mã os estavam, ardendo.
​Ele se levanta com o rosto fechado, os olhos azuis obscurecendo e meu
corpo inteiro fica alerta. Mesmo mantendo distâ ncia, meu coraçã o
dispara com o pensamento de que ele vai avançar em mim a qualquer
segundo.
— Eu nã o preciso da porra da sua permissã o para tocá -la, e eu
sugiro que pare de se retrair quando eu fizer isso. Cada vez que se
afastar do meu toque, mais vou colocar as minhas mã os em você!
Entenda de uma vez por todas, você é minha para eu fazer o que eu
quiser! — Seu tom de voz é ríspido, impaciente e carregado de uma
autoridade que me faz recuar.
Os olhos azuis, que estã o escuros, me olham de cima a baixo
antes dele dar um passo na minha direçã o e eu recuar. Ibrahim pragueja.
— Se continuar fugindo de mim assim, como se eu
fosse alguma porra de doença contagiosa, eu nã o vou ter piedade de
você, Zoey! Aprenda a aceitar o fato de que agora é minha esposa!
​Seu tom de voz sempre controlado, aumenta a intensidade, fazendo-o
falar tã o alto, que preenche todo o quarto. Com o asco nos meus olhos,
ele finalmente parece repelido em olhar para mim ou se aproximar.
​Cora entra no quarto com a sopa e eu recuso a comida, sem apetite
algum.
​— Apenas me leve até o meu irmã o! — insisto.
​Impaciente e quase fora de si, Ibrahim me segura pelo pulso, nã o me
deixando nem mesmo vestir um casaco. Ele me arrasta pela neve, em
direçã o a mansã o. Acompanhar os passos das suas pernas longas é um
desafio que nã o cedo e uso todas as forças nas minhas pernas para me
impulsionar e acompanhar seu ritmo.
​Adentramos a casa silenciosa, ele abre a porta do escritó rio e me joga
para dentro, o que eu vejo faz meu coraçã o errar uma batida. Dentro de
uma cela branca, dentro desse escritó rio, está Vittorio de joelhos,
amarrado a uma coluna, com o chã o ao redor dele coberto pelo seu
sangue.
​ rosto do meu irmã o está machucado, com hematomas roxos, cortes e
O
sangue. O cabelo preto como ô nix, ú mido e caindo sobre sua testa.
Percebo o corte na sua coxa com um torniquete improvisado, pelo que
suponho tenha sido feito por Edan, que está ao lado dele, apenas com as
mã os e pés amarrados, também machucado.
​Os olhos de Vittorio, envenenados de fú ria, sobem pelo meu rosto,
adquirindo uma expressã o de alívio.
​— Zoey… — fala, se esforçando para sair das correntes.
​Caminho em sua direçã o, preocupada. Fiscalizo seus machucados,
percebendo que nã o é nada mortal, e que com alguns cuidados ele ficará
inteiro novamente.
​Algo em meu peito parece decepcionado quando percebe que ele nã o foi
tã o machucado como pensei. Nã o consigo nã o sentir raiva de Vittorio.
​— O que veio fazer aqui? — questiono, a voz abafada pela onda de
sentimentos contraditó rios que me cercam.
​— Cheguei tarde demais para impedir o casamento, eu deveria ter
chegado mais rá pido. Zoey… — Ele se esforça, tentando sair das amarras
para se aproximar de mim. — O acordo era pra ele nã o tocar em você. Os
dois só deveriam se casar para ele conseguir abrir territó rio nas nossas
fronteiras. Em momento nenhum eu permiti nesse acordo que você
fosse tocada por ele!
​Meu coraçã o aperta e a noite de ontem é como um loop na minha
cabeça, me fazendo sentir dores físicas e emocionais, apenas de lembrar
como Ibrahim me tocou.
​— E você confiou que ele nã o fosse fazer isso? — Aponto para Ibrahim
atrá s de mim com o rosto repleto de deleite. — Olhe para o monstro a
quem me entregou, que foi capaz de ameaçar sua vida, e me diga que
realmente achou que ele nã o fosse me tocar, Vittorio! — A raiva
finalmente se agita dentro de mim, me tornando impiedosa — Você ao
menos tem noçã o do que ele vai fazer comigo? VOCÊ ME ENTREGOU AO
PIOR TIPO DE MONSTRO QUE EXISTE NA TERRA!
​— Zoey…
​— Você nã o pensou em mim, Vittorio. O irmã o que deveria me proteger
me entregou de bandeja ao inimigo, e foi incompetente o suficiente para
chegar depois de eu ter sido fodida como um animal! — Meu peito
parece afundar. — Eu nunca vou te perdoar por ter escolhido proteger
seu territó rio ao invés de me escolher. Você sabe que tipo de homem é
Ibrahim Vassiliev, porque semelhantes se reconhecem, nã o é?
​— Zoey, eu vou dar um jeito, vou te tirar daqui…
​— O que você veio resgatar nã o está mais aqui, Vittorio. Ela foi quebrada
em diversos pedaços na neve, noite passada. Eu nã o sonho nem mesmo
em voltar para casa depois do que aconteceu comigo. Como vou ter a
coragem de olhar para os nossos pais sabendo o que aconteceu comigo?
Eles tinham uma filha digna poucas horas atrá s, agora tudo o que sobrou
foi um fragmento do que eu era.
​Vittorio é o puro retrato da tortura com minhas palavras e eu acho isso
pouco. Eu quero que ele sofra como eu sofri ontem, quero ver ele tã o
quebrado quanto eu, porque o ú nico responsável por isso é ele.
​— Me diga, valeu a pena ter me entregado a um ogro que parece nunca
ter sido educado para respeitar uma mulher? Você deve saber a
resposta, já que também nã o consegue tratar nenhuma mulher com
quem vai para cama como se ela fosse um ser humano. — Me abaixo
diante do meu irmã o, deixando ele ver as marcas das minhas unhas pelo
meu colo. — Se sente bem sabendo que eu fui tratada pior do que as
mulheres com quem dorme?
​Os olhos verdes do meu irmã o se enchem de lá grimas e vejo ele se
quebrar diante de mim, como se fosse feito de vidro.
​Vittorio, o garoto e homem que se fechou para o mundo, que nunca
demonstrou seus sentimentos, está chorando perante a irmã que ele
deveria proteger e ao invés disso a entregou como garantia.
​No fundo, eu sabia que ele viria atrá s de mim, que ele seria incapaz de
me deixar casar com Ibrahim. Vittorio passou os ú ltimos seis anos
planejando como me resgatar e me manter segura, e se ele realmente
achou que Ibrahim nã o fosse me tocar, devo acreditar que havia um
acordo de sangue que foi quebrado.
​Isso nã o me admira. Ibrahim me sentenciou desde o momento que
colocou os olhos em mim.
​ Volte para Filadélfia, seu precioso territó rio, ao qual me sacrificou

para proteger. Volte para lá e se esconda da fú ria de Alessio e do nosso
pai, porque nó s dois sabemos que eles nã o vã o deixar isso em branco. —
Encosto meus dedos no rosto ferido de Vittorio, tremendo de angú stia e
raiva. — Lembre-se do meu rosto, Vittorio, da expressã o que vê nele
agora, e nunca se esqueça que foi você o responsável pela sentença de
morte contra a garota esperançosa que um dia eu fui.
​Edan parece tã o atingido quanto Vittorio, e eu me ergo, olhando para o
meu irmã o como se essa fosse a ú ltima vez. Ele abaixa a cabeça, os
ombros tremendo com tamanha rigidez.
​Me afasto dele, incapaz de manter meu olhar no seu corpo ferido. Sinto a
mã o de Ibrahim na minha cintura e sua respiraçã o forte quando ele se
direciona ao meu irmã o.
​— Nosso acordo continua de pé, Vittorio Moreau. Mesmo que eu tenha
passado por cima de uma das clá usulas, você também o fez entrando no
meu territó rio. Ninguém precisa morrer por isso, vamos resolver isso
como uma família que somos agora. — Sua mã o torna o aperto na minha
cintura mais forte e meu irmã o ergue a cabeça.
​— Você vai se arrepender disso. Meu pai nã o matou sua família e eu vou
provar isso!
​Ibrahim sorri cruelmente.
​— Boa sorte com isso, Moreau. Vou esperar ansiosamente por essa
prova, e pela reaçã o do seu pai ao descobrir que a filha agora é uma
Vassiliev. E dito isso… — Sua mã o captura meu queixo e eu desvio meus
olhos dos dele. — Minha esposa e eu ainda estamos em lua de mel,
temos que aproveitar cada segundo disso, nã o é, senhora Vassiliev? —
Seus olhos me obrigam a fitá -los e eu encontro ali minha ruína. — Dessa
vez, o monstro que você tanto ressaltou na conversa com seu irmã o, vai
te possuir em cima de uma cama.
J​ ogo-a sobre a cama, vendo-a cair de costas e se apressando em se
afastar do meu toque. Zoey se espreme contra a cabeceira da cama, a
respiraçã o pesada e os olhos fervilhando. Eu a encaro com todo desejo
que
grita dentro de mim, para eu entrar dentro dela, tirar sua roupa e me
perder no seu cheiro, na sua carne, assim como eu também a olho como
um animal ferido.
​Ela me chamou de monstro e porra, isso fez algo aqui dentro se retrair. A
forma como ela se referiu a minha pessoa, minutos atrá s, deveria ser um
motivo de felicidade, eu finalmente estou subjugando a filha do meu
inimigo, arrancando pedaços dela ao ponto dela começar a se odiar…
Entã o, porque diabos, isso está fazendo eu me sentir mal? Por que porra
eu me importo por ela achar que eu nã o sou nem mesmo um ser
humano?
​— Nã o espero que você aguarde eu me recuperar depois do que fez
ontem, mas pode ao menos nã o me tocar hoje? — Sua voz é trêmula, ela
puxa a saia do vestido para cobrir as pernas amostra.
​Engulo em seco, meu lado selvagem espreitando Zoey, sussurrando para
que eu a coma novamente, sem pudor algum. Eu quero tanto voltar a
estar dentro dela que manter meu corpo imó vel é um desafio.
​A maneira como esses olhos me fitam em desafio e medo acendem meu
desejo tanto quanto gasolina e fogo, apenas de olhar para pele dela,
avermelhada graças a suas unhas…
​Ela estava no banheiro tentando se limpar de mim, cortou sua pele com
as unhas em busca de apagar meus rastros e isso me atingiu com uma
revolta por mim mesmo. Uma coisa já ficou clara: da mesma forma como
eu gosto de maltratar Zoey, tem uma parte de mim que odeia o
sofrimento dela.
​— Coma alguma coisa e tente descansar. — É com esforço que abandono
o quarto, com todo meu lado primata me xingando.
​Por que eu deveria me importar com o que ela acha de mim ou por ela
está dolorida.? Tudo o que eu deveria fazer é fodê-la até ela desmaiar
nos meus braços, acordá -la e voltar entrar e sair, até que meu desejo seja
drenado.
​Desço para o primeiro andar do chalé, onde Vadim está me esperando
na varanda, fumando um dos seus charutos com cheiro de madeira.
​Ele ergue as sobrancelhas para mim, sorrindo de canto enquanto segura
o charuto com os dentes. Respiro fundo, me apoiando na madeira da
varanda.
​— Tenho que admitir que nã o esperava você tã o rá pido, vim disposto a
esperar por horas enquanto curtia sua esposa, Ibram. — Seu riso é
carregado e ele estica as pernas, relaxando na poltrona.
​— Por que está aqui? — questiono, virando meus olhos para o
horizonte, iluminado pela luz amarelada do sol que derrete a neve.
​— Você parecia um pouco perturbado quando saiu, arrastando sua
esposa pelo braço. Achei que iria destroçá -la.
​— Falta de vontade nã o é.
​— Nã o nos faça perder o ú nico trunfo que temos em 40 anos contra a
maldita Camorra. Já foi suficiente você ter violado a garota, passando
por cima do acordo. — Vadim me olha de forma concentrada, os olhos
cinzas preocupados. — Marcella Moreau entrou em contato com Nikolai
e ele foi até ela. Felizmente, vocês já estã o casados.
​Nikolai nã o me falou sobre isso, e visto que ele nã o está na mansã o
desde o nascer do sol, posso supor que ele correu para mostrar seu
triunfo sobre a mulher que o rejeitou.
​ Ela é mais inteligente que o marido, isso nã o é uma surpresa.

Acredito que nos pró ximos dias eles recebam os lençó is e eu daria tudo
para ver o rosto de Kai Moreau. — Inspiro profundamente, sentindo a
satisfaçã o.
​Vadim tira o charuto da boca.
​— O irmã o mais velho dela se casou, aliá s. Pelo que me foi informado,
ele já estava casado há seis anos, mas a garota nã o sabia e fugiu dele
durante todo esse tempo. Ele mandou aquela maldita Alta Cú pula atrá s
da esposa e há alguns dias aconteceu a cerimô nia.
​— Nã o me surpreende que os rumores sejam de que ele é a veia do pai.
Se casou com uma menina, a levou para cama e a enganou por seis anos?
— Uma risada sem humor escapa dos meus lá bios. — Acho que nã o tem
nenhum filho daquela besta que seja bom da cabeça.
​Vadim estica os lá bios em um sorriso sugestivo.
​— Foi por isso que foi foder sua jovem esposa na neve, ontem? Ela nã o
se atrai por lugares tradicionais ou o quê? O clima estava abaixo de zero,
nã o sei como seu pau subiu.
​A lembrança de Zoey deitada, com o cabelo preto em destaque em meio
a tanto branco, faz meu sangue ferver e uma sensaçã o dolorida se
apegar ao meu pau. Ela estava tã o quente, tã o malditamente apertada e
selvagem…
​— Embarque Vittorio Moreau de volta para onde ele veio, o guarda costa
também — aviso.
​Vadim se ergue, retificando os ombros.
​— Sinto muito por isso, chefe, mas o guarda costas fica. Ao menos que
você queira mais uma quebra de acordo…
​Passo a mã o pelo cabelo, respirando fundo. Ainda mantenho a
desconfiança no má ximo e se eu o ver mais pró ximo do que deveria da
minha mulher, nã o vou me importar de matar o desgraçado.
​— Mantenha ele com os outros homens, nã o quero ele perto do meu
chalé.
​Vadim mantém o sorriso zombeteiro nos lá bios, como se minha
expressã o fosse alguma piada para ele. E talvez seja. Eu nã o deveria
estar mostrando tanto interesse e desconforto.
​ ecido extravasar toda energia e desejo que circulam pelo meu corpo na
D
academia da fortaleza, em um saco de areia.
Troco a calça jeans por uma bermuda de tecido mole e enfaixo
minhas mã os. O lugar está vazio hoje, os homens devem ter aproveitado
a chance de para irem até a cidade comemorar o triunfo contra a
Camorra. Eu também deveria estar celebrando.
Nã o.
Eu devia estar dentro dela, vendo-a se esforçar para me aguentar,
sentindo os mú sculos da sua boceta se contraindo ao redor do meu pau.
Acerto o saco em uma sequência de socos, enquanto lembro da
textura da pele de Zoey, de como seus cabelos ô nix sã o sedosos e o
quanto os fios ondulados a deixam ainda mais atraente. Seus olhos
redondos e brilhantes sã o a minha condenaçã o, mas eu nã o evito de
pensar que eles sã o lindos.
O corpo pequeno e preenchido com curvas sedutoras com certeza
é minha perdiçã o, e mesmo que eu nã o o tenha visto por baixo das
roupas, eu posso imaginar o que tem ali. Minha boca se enche com saliva
quando o vislumbre daqueles seios firmes e redondos piscam na minha
mente. Porra, o vestido de hoje os deixaram tã o ressaltados.
Nunca gostei de mulheres baixas, mas aqui estou eu, com o pau
duro e dolorido, enquanto esmurro violentamente um saco de areia para
controlar a vontade de correr para minha casa, a deitar na minha cama,
tirar suas roupas e me enfiar dentro dela.
Porra, o sabor dela, o cheiro ficou em meus dedos e é tã o viciante
que só uma vez foi capaz bagunçar minha mente. Eu nunca senti tanto
desejo, necessidade… Sim, eu estou me revirando de necessidade.
Ansiando por estar dentro dela, com a vista daquela bunda preenchida
com minhas mã os.
Eu estou beirando ao desespero.
Nã o posso voltar para o chalé esta noite e a encontrar lá , ou eu
nã o terei misericó rdia. Tem coisas em mim que nã o consigo controlar, e
eu realmente nã o quero mais receber aquele olhar de desprezo que ela
me deu hoje.
Meus movimentos cessam e minha respiraçã o ofegante se
mistura a um rosnado angustiante e raivoso quando lembro de como ela
se referiu a mim hoje, em como me olhou… Eu sou um monstro para ela,
e ela nã o quer estar comigo. Inferno, ela vai me deixar na primeira
oportunidade que tiver, e só de pensar em nã o ver mais Zoey, meu lado
mais selvagem rosna.
Ela é minha agora! Ninguém pode tirá-la das minhas garras. Nem
mesmo o pai dela!
Se ela me acha um monstro, entã o eu deveria mostrá -la que ela
foi criada por um e viver comigo nã o vai ser tã o diferente.
(...)
Evito meu chalé por exatamente uma semana, focado nos
assuntos mais urgentes da organizaçã o, como a falta de movimentaçã o
dos Moreau desde que receberam os lençó is, e isso nã o é um bom sinal.
Kai Moreau está silencioso, e seu filho mais velho também. Nã o
temos ninguém monitorando a situaçã o em Las Vegas e a calmaria tem
deixado Nikolai mais sério.
— A mã e dela deve estar mantendo o marido e o filho sob rédeas
curtas, enquanto tenta encontrar uma forma de tirar Zoey das nossas
mã os — reflete Nikolai, em uma das nossas reuniõ es.
Sentado no sofá , com um copo de Vodka na mã o, eu penso
diferente. Conheço a fama de Marcella Moreau, sei que ela tem seu
pró prio exército ,e que apenas ela se iguala a Kai. Neste momento, ela
deve estar mobilizando seus homens lentamente.
O silêncio de Kai e Alessio é o que me intriga e me deixa alerta. Os
dois têm pavios curtos e compartilham de um amor imenso pela filha e
irmã . Conheço o tipo deles, e para ter se passado uma semana sem
nenhuma movimentaçã o, eu só posso pensar que ambos estã o
espalhando gasolina por todo meu territó rio.
— Nosso conselho precisa ficar ainda mais alerta, precisamos
reforçar nosso lado se quisermos vencer esse embate — aconselho,
olhando para janela. — Kai nã o terá piedade e seu filho muito menos.
Eles vã o nos atingir na parte mais vital dessa organizaçã o em busca de
nos fazer ficar de joelhos.
Nikolai se vira na minha direçã o, concentrado.
— Marcella conhece as clá usulas desse acordo, se nosso
territó rio for prejudicado, a filha dela pagará por isso. Ela nã o vai deixar
o marido e o filho agirem como animais selvagens.
Bebo uma dose generosa da minha bebida, com a cabeça
martelando no meu pró ximo passo.
— Vamos atiçá -los. Um dos lados tem que fazer algum
movimento para mostrar quem está ditando as regras.
— E como faríamos isso?
Olho para o copo com o líquido transparente, passando a língua
pelos meus lá bios.
— Minha esposa pode cumprimentar seus pais e irmã o por vídeo.
Vou deixá -la feliz e reluzente para mostrar ao pai dela que ela está bem e
segura, e que se ele ameaçar nosso povo, esse bem-estar vai cair por
terra.
Meu tio se inclina na sua cadeira, balançando a cabeça, como se
minha ideia fosse o que ele já estivesse considerando há algum tempo.
Deixo seu escritó rio, esbarrando na minha tia, que simplesmente
parece me ignorar para ir falar com Nikolai. Os ú ltimos dias parecem
mais difíceis para ela do que para mim, e sou eu quem está há dias
tentando drenar o desejo que corró i todo meu corpo com a mã o, em
horas alternadas do dia, como um maldito adolescente que descobriu a
punheta.
O dia está quase acabando e quando chego na varanda do meu
chalé, eu preciso controlar a vontade insana de ir até Zoey e empalar sua
boceta pequena e apertada com o meu pau.
Tomo o ar, mantendo meu corpo imó vel por longos minutos antes
de entrar, me vestindo com minha armadura de homem selvagem e
cruel. Hoje nã o é um dia para ser gentil. Para Zoey, nunca vai ter um dia
assim comigo, porque nã o importa o que digam, os filhos pagam sim
pelos pecados dos pais, e ela está aqui para aliviar essa dívida.
Adentro o chalé, ciente de que ela está no quarto, assistindo o fim
do dia pela varanda. Ela faz isso todos os dias e eu a monitoro pela
câ mera de segurança instalada no quarto, e eu sei que ela sabe disso.
Zoey nã o é ingênua em questã o de segurança.
Abro a porta do quarto e sou recebido pela sua imagem de costas
para mim. O cabelo preto solto, com ondulaçõ es perfeitas, caindo pelas
costas do vestido preto.
Eu vejo o claro momento que ela sente meu cheiro e seus ombros
ficam rígidos, e reunindo toda coragem que ela tem em si, ela se obriga a
nã o olhar em minha direçã o. Caminho até ela, o coraçã o batendo mais
rá pido do que o usual, principalmente quando o cheiro floral entra no
meu nariz, inundando todo o sistema.
Fico de frente para ela, vendo suas bochechas rosadas pelo vento
frio e os lá bios ú midos. Zoey cruza os braços e finalmente olha para
mim.
O choque que o olhar dela causa no meu corpo é simplesmente
algo que nã o consigo encontrar palavras.
— Estava me perguntando quando você voltaria para continuar o
que começou aquela noite… — A voz rouca faz meu pau doer e seus
olhos queimam minha pele. — Foi para isso que veio, nã o foi?
— Quero outra coisa de você esta noite, e se colaborar, eu
prometo tornar nossa noite menos dolorosa para você.
A dureza estampa seu rosto enquanto ela mantém os olhos em
mim, sem desviar.
— O que você quer de mim?
Tudo o que você quiser me dar! Quero você inteira!
Retifico meus ombros, a olhando de volta com a clara evidência
de que quero mais dela do que ela pode imaginar.
— Você vai mandar um vídeo para o seu pai, o tranquilizando de
que está bem. Meu territó rio está tranquilo demais para eu aceitar que
seu pai colocou o rabo entre as pernas. Tenho certeza de que ele e seu
irmã o estã o planejando um grande estrago.
Um sorriso rá pido se forma nos lá bios bonitos e rosados, os olhos
se acendendo como uma á rvore de Natal, ela aperta ainda mais seus
braços, fazendo os seios se comprimirem e eu preciso cerrar os punhos
para lidar com a onda de fome por ela que meu corpo reclama.
Ela é sua. Faça-a lembrar disso!
Zoey se afasta de mim como se estivesse lendo meus
pensamentos, seu corpo se retesa e ela comprime os lá bios, me dando as
costas, seguro seu braço, fazendo-a se virar para mim.
— Nã o vire as costas quando eu estiver te admirando, esposa.
Gosto de olhar para você e saber que sou o ú nico que pode te desejar e
entrar em você. — A puxo pelos braços, sentindo suas mã os no meu
peito. — Vamos gravar um vídeo para o seu pai e nos divertir depois.
Ok?
​Cerca de 30 minutos depois Zoey está sentada no sofá da nossa sala, com
o vestido preto de mangas curtas. Quando eu ligo a câ mera seu rosto
muda. De algo sombrio, ele parece se iluminar, mesmo que seus olhos
brilhem com tristeza.
​— Pai, irmã o… Vocês devem ter ficado bastante surpresos com o que
aconteceu comigo, nã o sei como cheguei a isso — ela hesita, engolindo
em seco — Eu estou bem, nã o fui ferida e estou sendo cuidada pelo meu
marido. — A palavra causa aversã o a ela e eu continuo a olhando
intensamente para que continue. — Por favor, nã o ajam sem receber as
pró ximas coordenadas da Bratva, isso nã o é uma questã o só territorial,
se trata de um casamento agora. Mesmo que consigam me resgatar, eu
continuo sendo esposa de Ibrahim Vassiliev. Nã o se preocupem comigo,
tudo que precisam fazer é seguir as instruçõ es que vã o receber e
poderemos nos ver se todas as exigências forem cumpridas.
​Desligo a câ mera ao perceber que Zoey está se machucando. Suas unhas
afundam em seu pulso com tamanha força e brutalidade que um
arranhã o fundo surge ali.
​O que gravei é o suficiente e a tortura dela está encerrada por hoje.
​— O que quer de mim agora? — Sua voz é dura e ela parece tã o tensa
que seu corpo fica trêmulo.
​Desvio meus olhos dos dela, focando em assistir à gravaçã o para que ela
nã o veja o quanto estou me controlando para nã o devorá -la.
​ Suba para o quarto, erga o vestido acima da cintura e me espere com

essa bunda empinada para mim. O resto eu farei, querida.
​Nã o estou olhando para ela, mas sinto o desamparo e o medo nos seus
olhos e ela nã o se mexe pelos pró ximos 2 minutos. Quando acho que ela
vai me desafiar, ou fugir, Zoey simplesmente sobe as escadas.
​ orço minhas mã os, com o estô mago pesado e o pâ nico em forma de bile
T
subindo pela minha garganta. Olho para todos os lados do quarto, me
decidindo se vale a pena me trancar ou pular a janela, mas logo chego à
conclusã o de que nã o importa eu fugir ou nã o, Ibrahim sempre irá atrá s
de mim.
​Olho para a cama, lembrando da ordem que ele me deu, para deitar nela
e meu orgulho simplesmente nã o permite que eu faça isso. Eu nã o vou
me curvar diante de Ibrahim como ele deseja, se ele deseja isso de mim
terá que me cortar em mais pedaços.
​Meu coraçã o bate absurdamente no momento que a porta do quarto se
abre e ele entra, fechando a porta atrá s de si. Solto minhas mã os,
segurando a saia do vestido, mantendo meus olhos nele.
​Ele se encosta contra a porta, seu peso de mais de 100 kg fazendo a
porta ranger na sua pose casual. Seus olhos percorrem meu corpo antes
de parar nos meus, e esse olhar selvagem faz o mais profundo frio
passar pela minha espinha.
​— Você é orgulhosa demais para se submeter a minha ordem de ficar de
quatro esperando por mim, hum? — Ouço a fechadura da porta e entã o
ele dá um passo na minha direçã o. — Nã o vou me esquecer de como foi
uma boa menina minutos atrá s, vou cumprir nosso acordo.
​Ibrahim caminha até a cama, se sentando na beirada fazendo o colchã o
afundar. Ele retira o casaco, jogando-o no chã o do quarto, seus dedos
percorrem os fios dourados antes de gesticular para suas pernas.
​— Venha aqui, sente-se no meu colo.
​Meu corpo enrijece e o descontentamento circula pelas minhas veias, me
fazendo olhar para Ibrahim de forma suspeita. Ele sorri. Um sorriso que
nã o chega aos seus olhos azuis, que neste momento estã o claros como o
céu de um dia de verã o.
​— Que tipo de brincadeira doentia quer fazer esta noite, Ibrahim? —
questiono com a voz baixa, imó vel.
​Ibrahim abre suas pernas, dando batidinhas na perna esquerda para que
eu me sente, o sorriso ladino começa parecer assustador e seus olhos
estã o obscurecendo, um claro sinal de que daqui a pouco nã o sobrará
nenhuma paciência nele.
​— Venha, esposa. Sente no seu marido e deixe ele fazer você relaxar. —
Ele morde os lá bios e chama de forma rouca. — Vou te mostrar como
isso pode ser bom.
​Engulo minha saliva, buscando hidratar minha garganta seca e apertada,
com o medo em cada poro do meu corpo, junto a hesitaçã o. Eu olho para
Ibrahim, vejo o lado primitivo querendo me pegar e isso é o suficiente
para que eu nã o queira ser tomada novamente como naquela noite.
​Caminho até ele com o corpo rígido, entro no meio das suas pernas e me
sento de lado sobre a coxa grossa e rígida, sentindo o calor do corpo e
seu cheiro entrar no meu nariz. Prendo minha respiraçã o, incapaz de
olhar tã o de perto para ele.
​— Você é tã o pequena que seus pés quase nã o tocam no chã o. — Sorri,
colocando uma das mã os nas minhas costas.
​Preciso de todo controle para nã o pular de seu colo quando ele me toca,
seu toque parece ser feito de eletricidade e em contato com minha pele,
queima.
​Ibrahim desenha círculos com os dedos nas minhas costas, alojando sua
cabeça no meio dos meus seios, roçando seu queixo pelo meu colo. Sua
outra mã o vem de encontro a minha barriga e deliberadamente eu me
movo, fazendo-o soltar um gemido dolorido.
​— Shh, fique quietinha, nã o importa o quanto sinta vontade de se
movimentar, tente ficar parada. Vou fazer isso ser bom para você hoje.
​ voz rouca sussurra ao pé da minha orelha, os lá bios e dentes
A
capturando a pele sensível, chupando o ló bulo, fazendo eu fechar os
olhos e sentir um calor líquido se formar no meu estô mago. Nã o sei o
que fazer com minhas mã os ou onde apoiar meus braços, tudo o que
faço é ficar parada, de olhos fechados e com o pelos eriçados, enquanto
minha respiraçã o sai parcelada.
​As mã os de Ibrahim descem para minhas pernas, as abrindo e tateando
a pele sob o vestido, em um toque duro, quente e possessivo. Seus lá bios
agora estã o ao redor do meu pescoço, me lambendo e chupando, como
se eu fosse um doce. A mã o, que está em minhas costas, sobe para o meu
cabelo, adentrando os fios e puxando minha cabeça para trá s a fim de ter
acesso ao meu pescoço.
​— Porra, esse cheiro… Você é tã o cheirosa, porra! — geme, passando a
língua vagarosamente pela minha clavícula.
​Sua mã o dentro do meu vestido sobe até a borda da calcinha,
acariciando um ponto sensível sobre a ela, fazendo com que eu feche as
pernas com o choque e perca uma respiraçã o. Ibrahim agarra meu
cabelo, puxando os fios para trá s com tamanha força que eu abro meus
olhos, soltando um gemido de dor.
​Ibrahim olha para mim, os olhos felinos e impiedosos.
​— Se fechar as pernas de novo vou esquecer de ser gentil e te foder no
chã o como se fosse uma cadela — rosna, puxando meus cabelos.
​Balanço a cabeça, assentindo, com a respiraçã o presa, o couro cabeludo
queimando, mas a dor nã o é ruim. Neste momento, suas mordidas, seus
dedos puxando meus fios nã o me causam uma dor ruim e eu nã o
entendo essa sensaçã o. Meu corpo parece estar em brasas, que derrete o
medo e me faz ansiar pelo toque dele.
​Ibrahim desvia seus olhos dos meus para me posicionar de costas para
ele, com minha bunda em cima do seu pênis e senti-lo me leva à noite
que isso esteve dentro de mim, na dor absurda queimando meu canal.
​Meu corpo congela ao sentir todo o comprimento dele pressionado
contra minha bunda, a rigidez é tã o presente que sinto como se fosse um
pedaço de madeira.
​ Relaxe, hoje nã o vai doer tanto. Quanto mais relaxada você estiver,

menos dor sentirá . — Sopra roucamente, com os dentes pelo meu
pescoço e eu nã o acredito nele.
​Ele é enorme e nã o parece ter controle nenhum quando está fazendo
sexo, ele vai me machucar de novo e meu corpo assume sua postura de
defesa ficando completamente rígido e alerta. Ouço o suspiro longo de
Ibrahim; sua mã o grande e pesada sobe pelo meu vestido e eu a observo
pelas minhas coxas.
​Tudo nele é tã o grande e eu pareço tã o pequena e frá gil perante ele.
​— Eu prefiro usar a minha boca, você pode me ensinar como te dar
prazer dessa forma — proponho, sem ar e rígida.
​Ibrahim empurra a minha calcinha para o lado, tirando meu ar ao tocar
meu clítoris com uma precisã o que me faz arquear as costas e agarrar
suas coxas para me manter no colo dele. Ele brinca com a á rea sensível,
despertando brasas pelo meu corpo.
​— Eu vou foder sua boca petulante logo, logo, esposa, mas antes, eu
quero te acostumar com meu pau.
​Aperto suas coxas ao sentir seus dedos me dedilhando com suavidade,
aumentando a sensibilidade o suficiente para me fazer morder meus
lá bios e fechar meus olhos, com o corpo tenso pela onda de sensaçõ es
inteiramente novas. Nã o é 100% prazeroso, mas nã o é ruim. Transforma
o gelo em um líquido quente e eu sinto a necessidade de tocar em
Ibrahim.
​Um gemido alto, escandaloso, escapa dos meus lá bios e eu me jogo para
trá s, caindo sobre seu peito quando ele introduz um dedo dentro de
mim. A invasã o me faz contrair e com a boca na minha orelha eu ouço
Ibrahim xingar.
​— Droga, você lubrifica com facilidade, é bastante sensível, e apertada
pra uma porra! — rosna, com o dedo arqueando dentro de mim — Abra
mais as pernas, e nã o ouse fechá -las por nada.
​Sua ordem é como um botã o de comando e no momento que ele começa
a meter mais um dedo dentro de mim, eu sinto um calor incomum,
febril, me tomar. Mordo meus lá bios com força, tentando nã o gemer.
Esfrego minhas costas contra o peito forte de Ibrahim, ouvindo sua
respiraçã o no meu ouvido, enquanto seus dedos estã o dentro de mim,
entrando e saindo de forma deliciosa.
​É como se ele tivesse todo o comando do meu corpo, me causasse febre
e me deixasse à beira do nirvana e quando seus outros dedos continuam
a estimular meu clitó ris, eu sinto algo quente e pesado se apegar a
minha espinha, a tensã o se espalhar por todo meu corpo.
​Levo minhas mã os até os cabelos de Ibrahim sentindo a suavidade dos
fios curtos, ouvindo-o respirar pesadamente no meu ouvido. Meu corpo
parece estar preenchido com nó s, e os dedos dele em mim desatam um
por um, até eu sentir a tensã o em meu corpo se transformar em uma
explosã o capaz de me fazer gemer baixo e me sentir à beira do abismo.
​Meu corpo se enche de adrenalina durante segundos inteiros e eu me
contraio inteira, jogando minha cabeça no ombro de Ibrahim,
pressionando meu corpo contra o dele, até a descarga fazer vagalumes
surgirem no meu campo de visã o e eu cair mole nos braços dele
ofegante e exausta.
​Nã o tenho tempo de processar o que acabou de acontecer comigo. Em
um momento estou nos braços dele, e no segundo seguinte estou sobre a
cama com Ibrahim me olhando da beirada da cama. Os olhos azuis
escuros e famintos.
​Olho para o volume nas suas calças, vendo-o abrir a mesma e baixá -la
junto com a cueca. Meu coraçã o bate na garganta e encarar o pênis que
irá me destroçar me causa angú stia. Pressinto a dor antes que ele esteja
dentro de mim.
​Ibrahim sorri, levando os dedos que estavam em mim até a boca,
segurando seu pau longo e grosso com a outra, acariciando a cabeça
brilhante.
​— Vire-se de costas, eu nã o quero olhar para os seus olhos quando
estiver fodendo com você — avisa, se aproximando da cama.
​Meu coraçã o continua batendo descompassadamente, subo meus olhos
para Ibrahim, em busca de algum sinal de que ele ainda esteja no
controle contra seu lado primata, e tenho minha resposta quando ele
segura meus tornozelos e me vira de costas para ele.
​ medo se mistura a uma doentia excitaçã o, e quando me puxa até a
O
beirada da cama e me ergue com o braço pela minha cintura, me
colocando de quatro, meus braços tremem de antecipaçã o. Ainda estou
trêmula pelo orgasmo de segundos atrá s. Meu corpo inteiro se arrepia
quando ele passa a mã o pela minha bunda, desferindo um tapa tã o forte
que meus braços quase nã o sã o capazes de me sustentar e por um triz
eu nã o caio de cara no travesseiro.
​— Eu estava louco para saber como era essa bunda por baixo das roupas
desde que te vi de quatro na neve, criaturinha. E porra, ela fica tã o linda
empinada para mim… — Outro tapa que me faz grunhir e gemer, minha
vagina pulsando e tã o molhada que sinto escorrer. — Olha só para você,
excitada pelo monstro que eu sou, Zoey. Babando como uma
cachorrinha.
​Ibrahim pincela minha entrada com seu pau, e eu aperto os lençó is,
temendo a dor do momento que ele entrar e me derretendo pela
sensaçã o de prazer quando ele pressiona a cabeça dura e macia do seu
membro contra meu clítoris. Eu nem mesmo senti quando ele tirou
minha calcinha.
​— Vamos lá , esposa. Nã o contenha seus gemidos, eu sei que você quer
gemer como uma cachorrinha. Tem medo de que alguém a ouça
gemendo como uma putinha, por estar sendo comida pelo monstro que
você devia odiar?
​Aperto os lençó is com mais força quando a cabeça se força contra minha
entrada, deslizando sem muita dificuldade pela minha lubrificaçã o, mas
ainda assim, grande demais.
​— Porra, relaxa essa bocetinha ou eu vou arrombar entrando com tudo.
Caralho! — Ibrahim geme, pressionando com mais força até estar
dentro.
​Um gemido dolorido escapa dos meus lá bios quase como um grito
quando ele entra, causando uma ardência e a sensaçã o de estar sendo
invadida.
​— Caralho, eu ainda nã o entrei todo e você está asfixiando meu pau.
Porra! Você é tã o curta e apertada… — Sua voz rouca e pesada me faz ter
vontade de xingá -lo. — Relaxa para mim, esposa. Garanto que a dor vai
passar.
​Sua mã o vem até minhas costas, empurrando meu tronco para baixo,
mantendo minha bunda empinada para ele. Com a bochecha contra o
colchã o eu sinto os dedos de Ibrahim afundar no meu quadril e com um
grito meu e um rugido dele, eu consigo senti-lo inteiro dentro mim,
desafiando todo o espaço no sentido que posso senti-lo no meu ú tero,
batendo ali com casualidade em uma estocada profunda.
​É doloroso, mas nã o tanto quanto da primeira vez.
​Os movimentos de Ibrahim sã o tranquilos, suaves, e a dor começa a se
mesclar com algum atrito que estimula o prazer e meus gemidos baixos
e tímidos se tornam mais altos no momento que ele intensifica os
movimentos, me fazendo ir do inferno ao paraíso a cada estocada
profunda.
​Os rugidos dele sã o guturais, preenche todo o quarto e ele me
bombardeia com raiva, desejo e fome. Seus dedos apertam minha
cintura com tamanha força que a dor se mistura com as outras, e eu me
deixo ser levada pela parte onde a dor é sinô nimo de puniçã o e que nã o
é ao lado prazeroso que devo me apegar.
​Ser fodida por Ibrahim nã o é pra ser bom, eu nã o posso gostar disso.
Estou aqui, sendo comida desse jeito, porque ele acha que devo pagar
por algo que meu pai fez.
​A cada estocada cheia de raiva, selvagem eu aperto os lençó is e empurro
o pouco de prazer para longe, mesmo sendo impossível ignorar isso.
Ibrahim dura minutos completos, como se a cada estocada sua fome
aumentasse, e eu me pergunto se é normal um homem demorar tanto
para gozar. Meus joelhos estã o começando a doer, juntamente com meus
pulsos, e quando eu acho que ele terminou comigo, ele me vira para ele,
me erguendo nos seus braços.
​Seu rosto está com aquela expressã o animalesca, suado. Ele passa
minhas pernas ao redor do seu quadril, e eu prendo meus braços em
volta do seu pescoço. Ibrahim caminha até a parede me colocando
contra ela e volta a entrar dentro de mim.
​ Mantenha a porra dos olhos fechados! — ordena, e nã o é como se eu

tivesse outra opçã o, comparado a intensidade com a qual ele sacoleja
meu corpo contra a parede.
​Essa posiçã o o deixa ainda mais dentro de mim e a cada movimento eu
sinto meu centro de prazer despertar e eu nã o quero que ele me faça
gozar de novo. Nã o quero me entregar ao prazer com Ibrahim e atribuir
o crédito a ele.
​O alívio me preenche quando o sinto intensificar as estocadas e rosnar,
até seu corpo ficar rígido e seu líquido ser expelido em mim, em um jato
quente e abundante. Ibrahim me sustenta pela bunda e deixa sua cabeça
descansar no meu ombro, seus lá bios buscando a pele do meu pescoço.
Nossas respiraçõ es ofegantes se mesclam com densidade e eu me vejo
apoiada no seu corpo quente e suado e só entã o percebo que nenhum de
nó s dois tirou qualquer peça de roupa.
​Com as pernas bambas e o corpo fraco, Ibrahim me desce dos seus
braços, seu líquido escorrendo pelas minhas pernas e uma dor pesada
por todo meu corpo.
​Ele nã o olha na minha direçã o, subindo as calças ele caminha para o
banheiro e eu fico parada com o corpo encostado na parede, tremendo e
com a mente enevoada. Olho para o líquido branco misturado com um
pouco de sangue nas minhas pernas e tenho vontade de correr para o
banheiro que está ocupado por Ibrahim, mas ao invés disso eu passo os
pró ximos minutos em um estado de estupor.
​Quando Ibrahim volta para o quarto, ele está completamente nu e de
banho tomado. Meus olhos vã o dos seus pés grandes, subindo pelas
coxas fortes e tatuadas até o peitoral dele…
​Nenhum centímetro ali está livre de tatuagens macabras como caveiras
de diversos estilos, mas a que me chama mais atençã o é a de um rosto
com a boca aberta, como se estivesse gritando, bem no meio do peito
dele.
​Ibrahim é robusto e seus mú sculos sã o sobressaltados, perto dele
pareço uma criança e quando ele se aproxima de mim com o pênis ereto,
puxando meus cabelos e me obrigando a olhar para ele, eu sinto que
esta noite estou condenada.
​ inhas mã os vã o até seu peito e a textura me faz olhar para a pele
M
coberta, desço meus dedos encontrando uma pele que parece
desfigurada sob as tatuagens. Com ele tã o pró ximo de mim como agora,
eu consigo vê-las.
​Nem mesmo a tinta foi capaz de cobrir.
​O corpo dele é de alguém que parece ter rolado por arame farpado.
​— Sinta o que seu pai fez comigo, além de matar meus pais. — Sua voz é
dura e ele puxa meus cabelos para que eu olhe para ele. — Essa noite eu
nã o vou parar até que me sinta satisfeito. Nã o vou me importar se você
desmaiar de exaustã o. Hoje é o dia de começar a pagar pelo que seu pai
me fez e se for uma boa garota, te deixo gozar.
​Estou aturdida demais tocando nas suas cicatrizes para contestar e
quando ele me joga na cama, amarra minhas mã os para que eu nã o o
toque e venda meus olhos, eu simplesmente nã o consigo parar de
pensar que o corpo dele parece uma tela mutilada.
​Meu pai nã o faria isso com uma criança.
​Eu preciso provar isso.
​ Por favor, Kai, você nã o pode perder a cabeça agora, a vida da nossa

filha depende da sua racionalidade! — peço, tentando me aproximar.
​O som do ú ltimo jarro de flores se espatifando contra a parede faz meu
sangue gelar ainda mais. Fecho os olhos rapidamente, sentindo um
pedaço de vidro cortar as costas da minha mã o esquerda.
​Kai ruge como um animal ferido, quebrando tudo o que encontra pela
frente, esmurrando as paredes e liberando sua agonia, a dor dilacerante
que machuca até mesmo seu lado mais obscuro.
​— MINHA FILHA FOI LEVADA DE MIM SOB MEUS OLHOS, MARCELLA!
COMO VOCÊ QUER QUE EU FIQUE CALMO E TENHA QUALQUER
RACIONALIDADE? EU VOU MATAR CADA UM DELES!
​Ele avança para seu arsenal de armas, pronto para ir caçar os
responsáveis por capturar Zoey, eu corro na direçã o dele, me colocando
à sua frente, até que seus olhos incandescentes pela raiva possam focar
em mim. Levo minhas mã os até o rosto do meu marido, buscando o seu
lado acessível entre tanta raiva. Nem mesmo os calmantes que Heather
deu o conteve por muito tempo.
​— Ela também é minha filha e eu também estou com raiva, Kai. —
Aperto minhas mã os no seu rosto, fazendo-o se inclinar na minha
direçã o. — Estou com tanta raiva e sede por vingança como você. Só de
pensar que nossa filha foi maculada, isso me estilhaça. Eu quero tanto
quanto você invadir o territó rio da Bratva e fazê-los virar cinzas, mas
simplesmente nã o podemos. Nã o enquanto Zoey estiver com eles. —
Minha voz fraqueja.
​Os olhos de Kai focam em mim, ú midos e repletos de sentimentos
quebrados. Eu me vejo refletida nessas írises amarelas e uma parte de
mim se conecta com Kai.
​— Eles nos enviaram os lençó is e a certidã o de casamento para nos
submeter ao que eles querem. Em algum momento vamos precisar ceder
para ter nossa filha de volta e nã o teremos isso com fogo e sangue, Kai.
— Engulo a angú stia, ciente de que Kai nã o pode saber do envolvimento
de Vittorio nisso. — Eu prometo que assim que Zoey estiver de volta,
nó s dois iremos destruir a Rú ssia juntos, mas enquanto nossa menina
estiver no territó rio deles, carregando o sobrenome de um deles… Nã o
podemos promover uma guerra.
​Um grunhido angustiado sai da boca de Kai, ele vira a cabeça em agonia,
uma lá grima solitá ria escapando dos seus olhos.
​— Você sabia que ele havia se casado e tido um filho?
​Balanço a cabeça.
​— Nã o é filho dele, é de Mikhail. O irmã o que morreu 25 anos atrá s com
a esposa. Eles disseram que o menino estava no carro para que nã o
houvesse ameaças contra a vida dele.
​— Você se encontrou com o filho da puta que é Nikolai Vassiliev? — Kai
se desfaz das minhas mã os, andando em círculos com os punhos
cerrados. — Há quanto tempo sabia que Zoey estava em territó rio
inimigo? Como você soube?
​O corte recém-feito pelo vidro quebrado começa a incomodar e eu olho
para o centro externo da minha mã o, vendo um pequeno acú mulo de
sangue, os olhos de Kai também descem para ali e a ferocidade se aplaca
brevemente quando ele segura minha mã o.
​— Me perdoe, eu nã o quis te machucar. — Ele pragueja contra si mesmo,
me levando para o banheiro do nosso quarto, onde pega o kit de
primeiros socorros.
​Começo a falar tudo que eu sei.
​— Procurei Nikolai algumas semanas antes dos lençó is chegarem. Na
ú ltima videochamada que tive com Zoey eu percebi que o cená rio havia
mudado, que ela estava escondendo algo. Nossa filha nunca foi uma boa
mentirosa. Mandei dois dos meus homens ver se estava tudo bem com
ela em Zurique, e eles voltaram com um recado de Nikolai.
​Gentilmente, mesmo com tanta raiva, Kai limpa o corte pequeno na
minha mã o, usando um Band Aid cor de pele para proteger o corte. Seus
olhos vã o até os meus.
​— Nikolai acha que você é culpado pelo que aconteceu com Mikhail e a
família dele anos atrá s. O sobrinho dele também, e desejam vingança,
por isso levaram Zoey.
​Os olhos de Kai assumem confusã o, ele balança a cabeça, como se
estivesse dispersando uma ideia absurda e depois se volta para mim, os
olhos mais felinos e sedentos por vingança.
​— Eu sei que nã o foi você. No dia do acidente você estava comigo e
Vittorio no hospital depois dele ter pego uma virose, e eu também sei
que você nã o encomendou a morte deles. Tem pessoas alimentando o
ó dio entre as duas organizaçõ es e nó s precisamos descobrir quem é.
​— Você acha que vou esperar de braços cruzados eles terem a boa
vontade de entregar minha filha? Acha que vou me sentar e negociar
com os sequestradores dela? — A voz de Kai se torna sombria, pairando
entre tons tã o obscuros como a morte encarnada. — Eu vou matar eles,
Marcella. Um por um com minhas pró prias mã os. O sangue naquele
lençol vai ser pago quando nã o sobrar mais nenhum filho da puta que se
lembre que minha filha foi tirada de mim!
​Avanço na sua direçã o no momento em que ele está pronto para sair
pela porta, tento neutralizar seu corpo com o meu em busca de que ele
deixe de lado essa explosã o.
​— Você vai ter sua chance, Kai. Eu garanto que vai! Neste momento, eu,
você e Alessio devemos pensar em tudo com calma e esperar a Bratva
dizer o que quer de nó s. Eles estã o com a Zoey! — Meu desespero
começa a pesar na minha voz e olhar para Kai se transforma em uma
sú plica. A ú ltima e impossível coisa que eu deveria fazer é pedi-lo para
esperar. — Nã o mate nossa filha desse jeito, porque no momento que
você decidir invadir o territó rio deles, é o corpo dela que receberemos!
Estou desesperada e tentando nã o enlouquecer de angú stia, Kai. Estou
tentando ser forte por nó s dois, entã o, por favor, me ouça! — Minha voz
soa como uma explosã o de sentimentos e Kai fica rígido.
​Seu corpo inteiro trava diante do meu pedido, e o seu lado mais
primitivo e fraternal pedindo que ele destrua o mundo em busca da sua
Ragazza. Da criança que devolveu seu brilho humano, amoleceu seu
coraçã o e o curou das feridas do passado que eu nã o fui capaz.
​Zoey nasceu no momento que os monstros do passado saíam de dentro
de nó s dois e se acomodavam no meio da nossa cama, me fazendo odiar
Kai, me sentir vazia e entregue ao sentimento de perda enquanto Kai me
via perder o brilho e o carinho por ele. Quando engravidei de Zoey tudo
isso mudou, algumas inseguranças minhas persistiram, mas eu nã o era
capaz de olhar para Kai sem lembrar que ele me deu os maiores três
motivos de vida para ser feliz.
​Como se seu lado racional e sua dor se identificassem com a minha, Kai
cede, me puxando para os seus braços. Eu o abraço com força, forçando
as lá grimas a nã o caírem. Nã o posso desmoronar agora, nã o quando
tenho uma filha que está nas mã os de um homem que nã o conheço.
​Nem o pró prio Nikolai eu reconheço mais.
​— Eu vou trazer nossa menina de volta, eu prometo. Nem que para isso
eu precise sangrar de joelhos — promete.
​Seguro sua camisa com força, me sustentando em Kai como minha
â ncora, como ele sempre foi durante todos nossos anos juntos.
​Saímos do quarto juntos, em direçã o ao quarto onde Heather e Alessio
estã o. O silêncio é um ó timo indicativo de que a esposa conseguiu
controlá -lo, e foi por isso que deixei Heather cuidar disso. Nem mesmo
eu conseguia lidar com as explosõ es de raiva do meu filho mais velho,
mas sua esposa, a garota que chegou a nossa casa acuada, consegue
fazer Alessio pensar em meio a raiva e esse é um dos motivos pelo qual
sou grata a ela por ter voltado a vida dele.
​Bato na porta e Heather a abre, percebo que ela está com o rosto
conciso. Assim como meu quarto, esse também está destruído, inclusive
as janelas de vidro. Alessio está sentado na cama, os punhos enfaixados
e os olhos verdes destilando um ó dio puro.
​ ê-lo me faz pensar em Vittorio e em como ele desapareceu desde que
V
descobri a verdade. A preocupaçã o arranha meus ossos ao pensar que
ele entregou Zoey, achando que podia salvá -la no ú ltimo minuto, e neste
momento, ele deve estar no mesmo lugar que ela.
​— Por onde vamos começar a matar para trazer minha irmã de volta? —
A voz gutural de Alessio inunda o quarto, fazendo até Kai ficar rígido ao
meu lado.
​— Nã o vamos atacar, ainda nã o. — A derrota na voz de Kai é evidente.
​Alessio se levanta, o rosto em um misto de confusã o e revolta.
​— O que quer dizer com essa porra? É claro que vamos promover uma
guerra, pai! Zoey foi obrigada a se casar com um deles, foi maculada!
Devemos fazer o filho da puta que fez isso com ela conhecer o inferno
enquanto estiver vivo.
​Kai olha para mim, seus olhos endurecendo pela có lera quando olha
para Alessio.
​— E eles vã o. Mas antes, vamos descobrir o que eles querem de nó s.
​(...)
​ ma semana se passa sem quaisquer notícias ou movimento de Nikolai
U
e seu sobrinho. Kai, Alessio e Jace formam um cerco em torno da nossa
organizaçã o, mandam homens para Rú ssia para averiguar a situaçã o de
perto e ficar a par de qualquer movimento.
​Nossa casa se transformou em um centro de combate, como se a
qualquer minuto fossemos ser atacados, e, diante disso, Kai e Alessio
parecem se manter racionais, como se esperar um ataque os ajudassem
com os demô nios que cobram vingança e sangue.
​Em uma sexta-feira de manhã , quando estamos reunidos no escritó rio
com Jace, avaliando a situaçã o e ajudando Heather e eu manter nossos
maridos sob controle, um e-mail chega, através de uma conta privada.
​Kai e eu praticamente quebramos o laptop no momento de reproduzir o
vídeo. Meu coraçã o se afunda em afliçã o e a raiva borbulha nas minhas
veias quando vejo o rosto da minha filha.
​A voz dela é firme, mas eu conheço essa expressã o nos olhos dela, eu
conheço qualquer mudança nos meus filhos e sou castigada em saber
que minha filha está amedrontada e pelo movimento de seus olhos eu
posso supor que seu medo vem da pessoa que está filmando-a.
​Com tensã o nos ombros e mandíbula, Zoey fala, fazendo Kai se retrair ao
ver a filha tentando parecer forte.
​— Pai, irmão… Vocês devem ter ficado bastante surpresos com o que
aconteceu comigo, não sei como cheguei a isso. — Ela hesita, engolindo
em seco. — Eu estou bem, não fui ferida e estou sendo cuidada pelo meu
marido. Por favor, não ajam sem receber as próximas coordenadas da
Bratva, isso não é uma questão só territorial, se trata de um casamento
agora. Mesmo que consigam me resgatar, eu continuo sendo esposa de
Ibrahim Vassiliev. Não se preocupem comigo, tudo que precisam fazer é
seguir as instruções que vão receber e poderemos nos ver se todas as
exigências forem cumpridas.
​O som de algo se partindo soa atrá s de mim, mas eu nã o consigo
desviar os olhos de Zoey na tela do computador, em busca de ferimentos,
de qualquer sinal de que está sendo machucada. Seus braços estã o
expostos para mostrar que ela está bem, mas isso nã o me tranquiliza.
​— Ele vai usar o casamento para nos forçar a ceder territó rios. — Jace
suspira e Alessio xinga do outro lado do cô modo.
​— O que sabemos sobre Ibrahim? Por que ninguém consegue nenhuma
informaçã o dele? — Alessio rosna. — Onde está Vittorio quando se
precisa dele? Eu vou embarcar para a Filadélfia, ele precisa saber o que
está acontecendo!
​Heather e eu trocamos um olhar rá pido. A fiz prometer que ela nã o
contaria nada a Alessio. Com a raiva que ele e Kai estã o, sã o capazes de
proporcionar o pior.
​— Alessio, Zoey está bem. Mandaram esse vídeo para fazerem as
exigências, nã o acho que vã o machucá -la sabendo o que isso pode custar
a eles — Heather comenta, se aproximando do marido. Meu filho parece
relaxar com o toque dela.
​Olho para Kai, que está terrivelmente quieto. Ao lado dele, Jace parece
concentrado em ler a mente dele. Silenciosamente, nó s três parecemos
chegar à mesma conclusã o.
​ Vamos convidar Ibrahim Vassiliev para um encontro e ouvir os

termos dele pessoalmente. Sem armas. Sem soldados. Apenas ele e eu.
Sou eu quem ele quer ver implorar. — A voz de Kai é inflexível e sua mã o
pousa no meu ombro.
​Nã o havia percebido que estava tã o tensa até sentir sua mã o ali.
​ ome. O pior tipo de fome. Aquela que consome cada grama de energia,
F
corró i seu corpo e te faz achar que está morrendo de forma agonizante.
Essa é a definiçã o do que me acomete quando fico longe do corpo da
minha esposa, e por isso eu nã o dou sossego a ela durante uma semana
inteira.
​Por mais que eu veja a exaustã o no seu corpo, as manchas que tenho
deixada na pele com meus dedos e dentes… eu simplesmente nã o
consigo parar. Eu a possuo mais de cinco vezes no dia, deixando o
melhor para a noite. Nã o tenho nenhum controle por essa cobiça
cegante e tã o necessitada.
​Nã o importa quantas vezes eu goze, a satisfaçã o só dura por míseros
segundos, e a necessidade de entrar de novo nela me açoita. Zoey nã o
reclama, nem mesmo quando fica dolorida até o ú ltimo osso. Ela
simplesmente me deixa vendar seus olhos e me saciar.
​Suas mã os ficam livres agora e ela se esforça para nã o me tocar, como se
soubesse que seu toque é letal para mim. Tudo o que ela parece fazer é
facilitar para que eu acabe rá pido e a deixe em paz, mas já se passaram
uma semana e eu nem mesmo sai de casa ou de cima dela.
​Vadim parece ter notado meu estado e simplesmente me deixou
consumar minha lua de mel. Nã o há interrupçõ es, eu cuido da
alimentaçã o de Zoey, sempre levando comida pra ela na cama e muita
á gua. Nunca a deixo desidratar, nã o quero vê-la desmaiar ou perder a
energia quando estou com ela. Eu gosto dos seus gemidos, do corpo
quente e pequeno que se encaixa perfeitamente com o meu.
​Tomo uma ducha gelada e saio do banheiro com uma toalha em volta do
quadril, colocando os olhos em uma Zoey quase adormecida na cama.
Seu vestido está desalinhado e suas pernas semiabertas, como se ela nã o
fosse capaz de fechá -las.
​Suspiro profundamente. Ela está com meu cheiro, com a minha porra
ainda fresca entre as pernas e o cabelo ondulado irresistivelmente
bagunçado. Minha linda e pequena esposa está completamente
desalinhada.
​— Tome banho. Cora virá preparar algo para você almoçar, estou te
dando o dia de folga hoje. — Viro as costas para ela, indo até o closet em
busca de uma roupa.
​Zoey fica em silêncio e eu odeio como a ausência de som da parte dela
mexe comigo. Eu gosto de ouvi-la falar, emitir gemidos e até quando me
amaldiçoa, eu aceito tudo que vier da boca dela, menos esse silêncio.
Visto uma calça jeans e uma blusa de frio, tirando o excesso de
á gua do meu cabelo antes de voltar ao quarto. A neve voltou a cair e a
temperatura está abaixo de 16 graus. Essa foi a melhor época para se ter
uma lua de mel.
— Nã o vai se levantar para tomar banho? — questiono, passando
meus dedos pelos fios ú midos do meu cabelo.
Zoey, que está com os olhos baixos, opacos,
simplesmente os fecha, me fazendo caminhar na sua direçã o e segurar
seu queixo, a obrigando a olhar para mim.
— Você está com o cheiro da minha porra e completamente
bagunçada, eu nã o me importo que outras a vejam assim e constaste o
quanto é minha.
Ela abre os olhos, faíscas pequenas surgindo nas írises, antes de
se transformar em cinzas, quando ela tira seu queixo dos meus dedos.
— Por que simplesmente nã o vai se foder e me
deixa em paz? Nã o está vendo que estou esperando você sair para
limpar todos seus vestígios do meu corpo?
S​ orrio, baixando meus olhos até o volume dos seus seios cobertos, que
ainda nã o tive o prazer de ver. Porra, eu ainda nã o a vi nua e é melhor
manter isso assim, se está difícil me separar dela apenas tendo contato
com a pele dos seus membros inferiores, imagine o tipo de loucura que
eu faria tendo seu corpo pele com pele?
​— Isso será difícil e nem toda á gua do mundo será suficiente para isso,
esposa. Estou impregnado em cada parte do seu corpo e o fato de você
estar deitada nessa cama, tã o bagunçada e dolorida, é um fato disso. —
Toco seu joelho desnudo a sentindo ficar rígida. — Nã o está
conseguindo se mexer de dor depois de tanto ser esticada, nã o é?
​Seus olhos me fuzilam e uma risada amarga escapa dos seus lá bios.
​— Você se acha insubstituível só porque foi o primeiro homem com
quem dormi, como se isso fosse uma garantia de algo. Eu nã o me
importo com quantas vezes você me foda, me marque e deixe meu corpo
dolorido… Nem mesmo me importo com o fato de dormir com você,
porque no momento que isso acabar eu vou me livrar da sensaçã o do
seu toque e, com certeza, de tudo isso que está acontecendo. Vou apagar
da minha mente todo o contato que tivemos e tudo isso nã o passará de
uma lembrança sombria.
​Seus olhos estã o frios, e a firmeza com que fala as palavras faz meus
demô nios se moverem, inquietos com a ú nica possibilidade dela sonhar
em me esquecer.
​Nã o vou ser o ú nico obcecado nessa relaçã o. Assim como ela comanda
meus pensamentos, me faz ter fome e desejá -la com a força de uma
colisã o, Zoey também precisa compartilhar isso comigo.
​— Você nã o terá um ú nico dia livre de mim, Zoey Moreau. Nunca irá se
libertar do que começamos naquela noite, sobre a neve. Nã o vou deixar
essas manchas se apagarem do seu corpo e a sensaçã o de dor
desaparecer. — Me inclino na sua direçã o, ficando frente a frente com
seu rosto bonito. — Quando você achar que está bem, eu voltarei e te
farei lembrar de que é minha. Só preciso resolver alguns assuntos e
voltarei para acabar com você.
​Ela parece prestes a cuspir em mim e antes que faça isso eu me levanto
da cama, olhando-a uma ú ltima vez antes de sair do meu chalé. No
minuto que estou fora, no frio e com os pés afundados na neve, o
pensamento de voltar para cama e ficar com Zoey me atinge.
​Sexo nunca foi uma grande coisa para mim. Era só uma maneira de
extravasar e saciar uma necessidade. E agora me pego desconcertado
com a força que isso tornou, nunca houve tamanho desejo dentro de
mim capaz de me fazer querer largar minhas responsabilidades para
foder uma boceta e sentir aquelas pernas pequenas em volta do meu
quadril.
​Ficar longe dela me deixa com um humor irritadiço, e quando entro na
mansã o e sou recebido pelos olhos verdes preocupados da minha tia, eu
tenho vontade de me castigar por estar desejando tanto a filha do
homem que ferrou com nossas vidas.
​— Onde esteve durante essa ú ltima semana, filho? — pergunta,
caminhando na minha direçã o, até suas mã os estarem na minha
bochecha.
​Seus olhos analisam meu rosto em busca de alguma resposta, ferimento
ou qualquer sinal que denuncie meu humor. Tiro suas mã os do meu
rosto, apertando-as carinhosamente.
​— Estive ocupado com algumas tarefas.
​— Seu tio e eu nã o sabíamos onde você estava, nã o atendia nossas
ligaçõ es e o chalé estava fechado. — Seu rosto se fecha. — Levou a filha
da Besta para algum lugar?
​Nikolai sabia exatamente onde e o que eu estava fazendo, assim como
Vadim, por isso nenhum dos dois me incomodou durante todo esse
tempo.
​— Ela está no chalé, mas nã o aconselho que vá visitá -la, a garota nã o
está na sua melhor aparência.
​Os olhos da minha tia brilham em expectativa e animaçã o, e vê-la feliz
por pensar que fiz mal a Zoey me enche de um sentimento negativo que
nã o deveria estar aqui.
​— É o mínimo que ela merece, nã o veio aqui para férias e ser sua esposa
nã o significa nada além dela ser um produto para seu uso, filho. — Suas
mã os voltam para o meu rosto e ela sorri amplamente — Finalmente
estamos conseguindo nos vingar do que aconteceu com seus pais. Logo
você poderá se libertar desse fardo e comemorar sua vitó ria sobre os
Moreau.
​Olho para minha tia em silêncio e com o rosto como uma pedra. Ela foi a
pessoa que mais me incentivou a buscar vingança e aceitou o casamento
com Nikolai para se manter perto de mim. Tem muitas coisas que estã o
acontecendo porque ela nã o me deixou esquecer, e Zoey estar nesta
situaçã o com certeza é uma dessas.
​Deixo-a na sala e vou para o escritó rio de Nikolai, onde ele e Vadim se
encontram perto um do outro, conversando entre si.
​— Achei que seu cio fosse durar o inverno todo. — Vadim se vira na
minha direçã o, um sorriso de lado nos seus lá bios finos.
​Fecho a porta atrá s de mim.
​— Alguma novidade dos Moreau? — inquiro.
​Nikolai me passa um pequeno cartã o de madeira branco, com um
endereço.
​— Kai Moreau quer um encontro entre vocês dois, apenas vocês. — Sua
voz nã o é nenhum pouco amigável ao comunicar isso.
​Pego o cartã o, lendo o endereço. Suíça.
​Nã o em Las Vegas ou na Rú ssia. Um lugar neutro.
​Nã o preciso ser um expert em leitura corporal para saber que meu tio
nã o está nada feliz por nã o estar recebendo nem mesmo a atençã o de
Kai e Marcella Moreau. Ele pensou que o casal fosse achar que ele estava
por trá s de tudo, fosse o mestre do plano.
​Mas eles sã o mais espertos do que imaginei e querem tratar isso
diretamente comigo.
​— Confirme o encontro. Vou pegar o aviã o amanhã à tarde.
​Os olhos do meu tio se estreitam.
​— Vai levar sua esposa?
​— Claro que nã o. Kai Moreau nã o verá a filha tã o cedo, esse é um dos
castigos dele.
​ astigado. Essa é a palavra que resume o estado do meu corpo. Nã o tem
C
um só lugar onde uma sensaçã o pesada de dor esteja se propagando.
Sinto como se tivesse levado uma surra de dentro para fora e os
mínimos movimentos me causam dores irritantes.
​Cora me ajuda a chegar à banheira, onde a á gua morna me espera. Nã o
tenho vergonha nenhuma de ficar nua na frente dela, nã o é a primeira
vez, mas quando seus olhos abaixam para as manchas no meu quadril,
eu sinto como se fosse uma qualquer, sem dignidade nenhuma.
​—A á gua morna vai aliviar seus mú sculos, trouxe um analgésico que
também vai ajudar. — Sua voz é complacente por trá s de um inglês
bruto.
​Entro na banheira, contendo um gemido com o alívio que percorre por
todo meu corpo. Faz quase uma semana que nã o me lavo direito e ter o
contato da á gua com a minha pele desperta o melhor refú gio para as
sensaçõ es que me predominam.
​Ibrahim tem sido tudo, menos gentil. Ele é como um animal faminto que
nã o me enxerga como nada além de um banquete. Todas as vezes que ele
está em cima e dentro de mim, ele é impiedoso. Sempre ouvi das outras
mulheres da organizaçã o sobre seus parceiros e atividades sexuais, e o
que Ibrahim faz comigo nã o é nada dos que elas descreveram.
​Ele está me castigando de uma forma que até mesmo longe dele, eu
consigo senti-lo. O meio das minhas pernas está tã o dolorido que sinto
dificuldade em passar a mã o durante o banho. Nã o dó i tanto quando o
sangue está quente e ele em mim, mas quando a racionalidade volta a
minha cabeça, tudo parece queimar.
​A dor é bem-vinda na maior parte do tempo, me faz fugir de estar
gostando do sexo com ele, o que as vezes tende a acontecer, quando ele
permite. Nã o quero gentileza da parte dele, nem mesmo quero que ele
pense em mim com consideraçã o quando estiver me fodendo.
​Essa dívida precisa ser quitada e se para isso esse filho da puta precisar
consumir meu corpo até o ú ltimo pedaço, entã o que ele vá em frente.
Isso alimenta meu ó dio por ele, faz com que eu nã o tenha nenhuma
chance de sentir qualquer tipo de sentimento. Estou ciente das
condiçõ es que as mulheres na organizaçã o desenvolvem com
casamentos como esse, e com certeza desenvolver uma síndrome de
Estocolmo nã o está nos meus planos.
​— Todos aqui acham que foi meu pai que matou o antigo chefe e a
esposa? — questiono Cora, esfregando meus braços doloridos de tanto
sustentar meu corpo, quando Ibrahim me coloca de quatro.
​Cora desvia os olhos dos meus, se apressando em pegar o shampoo para
por no meu cabelo, nã o vejo mais sua expressã o quando ela se coloca
atrá s de mim e começa a esfregar meu couro cabeludo.
​— O senhor Nikolai encontrou o homem que cortou os freios do carro,
ele disse que havia sido enviado pelo seu pai. O menino diz ter visto seu
pai na noite do acidente.
​— Você nã o parece acreditar muito nessa verdade — observo.
​Os dedos de Cora ficam mais rá pidos no meu couro cabeludo e ela puxa
minha cabeça suavemente para trá s, para tirar o excesso de espuma. Fito
seus olhos rígidos e misteriosos, ela nã o expressa nada.
​— O que eu penso nã o importa, senhora. Sou apenas uma empregada e
minha opiniã o vale tanto quanto o barro sob a neve onde eles pisam.
​— Eu me importo com sua opiniã o, ela pode me ajudar a esclarecer as
coisas, me tirar daqui.
​Cora olha para mim, os olhos demonstrando uma espécie de pena,
compaixã o e outro sentimento que aflora em mim uma inexplicável
vontade de chorar. Suas mã os ficam suaves no meu cabelo, como uma
carícia.
​— Você nã o percebeu a forma como ele te olha? O senhor Ibrahim nunca
vai deixá -la ir embora, mesmo que seu pai nã o tenha matado o dele. Ele
nã o está fazendo tudo isso com você apenas por ser filha de quem é.
​Subo minha cabeça, sentindo os fios encharcados nas minhas costas e a
sensaçã o de perturbaçã o serpenteando por minhas veias, como um
monstro de dentes afiados.
​— Ele encontrou em você o que os homens passam a vida procurando
em diversas mulheres, menina. De todas as mulheres no mundo, ele
encontrou o encaixe dele na filha do inimigo e isso vai destruir vocês
dois. Você, principalmente.
​Minha respiraçã o fica presa na minha garganta e meu coraçã o bate
dolorosamente, devagar e forte. Minha mente retorna para Las Vegas,
onde encontrei diversos tipos de mulheres que serviam como refú gio
para seus maridos animais. Minha pró pria mã e é um exemplo e eu nã o
sei em quantos pedaços meu pai a quebrou antes de se dar conta de que
estava machucando-a.
​Eu sei da dor que mulheres corrompidas por um sentimento traiçoeiro,
que começa como paixã o, carrega por cada dia da vida. Passei a vida
fugindo de homens quebrados e cruéis. Espelhei meus irmã os como o
tipo que eu nã o deveria me envolver e filtrei os meus melhores
pretendentes até chegar à conclusã o de que nunca me casaria com
nenhum maldito homem da organizaçã o.
​Nenhum homem que matar fosse tã o comum quanto andar.
​Homens capazes de deitar a cabeça no travesseiro, foder mulheres e
seguir a vida com naturalidade depois de acabar com vidas pertencentes
a uma mã e, irmã , namorada e filhos.
​Nunca fui de pensar que homens maus merecessem morrer, é difícil
desejar o fim da vida de uma pessoa duvidosa quando seu pai e seus
irmã os fazem parte do lado escuro. Seria tã o hipó crita da minha parte
fechar os olhos ou sequer pensar que uma pessoa ruim deveria morrer.
Como eu poderia fazer isso e continuar pedindo a Deus que continuasse
mantendo meu pai e irmã os em segurança, voltando para casa sã o e
salvos?
​Visto um vestido quente de crochê verde e Cora escova meu cabelo,
colocando um diadema de pérolas fina como adorno e calçando um par
de sapatilhas nos meus pés. Ela me medicou e serviu um assado de
frango, que eu devoro como se estivesse há dias sem comer, deixando de
lado qualquer etiqueta ao dispensar os talheres para pegar tudo com as
mã os.
​Como assustadoramente rá pido, como se a qualquer momento Ibrahim
pudesse aparecer e me bagunçar inteira. Bebo tanta á gua que meu
estô mago dilata e quando termino tudo, estou exausta demais para
qualquer reaçã o.
​Meus olhos chegam a pesar de tal forma, que eu uso toda minha força
para chegar à cama, e antes de cair na inconsciência, eu vejo os cuidados
de Cora comigo, e até mesmo quando uma sombra assustadoramente
grande, com uma voz bruta adentra o quarto e fala com ela, Cora insiste
em ficar no quarto.
​— … Vou precisar viajar. Mantenha ela longe da minha mã e e de Nikolai.
Da mansã o. Se vierem até aqui, você sabe o que fazer. — A voz ríspida
faz um breve medo se entrelaçar com o desaforo em mim e eu afundo
ainda mais a cabeça no travesseiro.
​Cora e Ibrahim começam a falar em russo e ambos parecem discutir. A
mulher baixa e manca, vestida de preto da cabeça aos pés, está de braços
cruzados e mantém os olhos resolutos no seu senhor, que por sua vez,
parece perturbado.
​Ele diz algo em tom baixo, rouco e ignorante e Cora aponta para mim na
cama, eu entendo o que ela diz, mesmo com o inglês tã o ruim.
​— Deixe-a descansar por alguns dias, você a está usando como se ela
fosse um animal. Se a procurar nos pró ximos dias eu vou dar a ela uma
boa faca afiada ou colocar sua cachorra violenta para dormir no quarto.
​Lembro da cachorra branca com um sinal de nascença preto circular no
olho e imediatamente meu cérebro escreve um lembrete de ir até ela
com alguma comida.
​Mas nã o hoje.
​ stou tã o exausta que no momento que o silêncio se propaga pelo
E
quarto, eu apago.
​(...)
​ ã o sei exatamente por quanto tempo eu durmo, mas eu presumo que
N
tenha se passado umas boas horas. Sou despertada por um calor
subindo pelas minhas pernas, a textura á spera sobe pelo interior da
minha coxa e mã os fortes afundam seus dedos na minha carne, me
fazendo erguer-me assustada e encontrar Ibrahim, sem camisa se
enfiando sob meu vestido, no breu do quarto.
​— Porra, qual o seu problema, seu pervertido? — disparo, fechando
minhas pernas e usando minhas mã os para ir mais pra trá s.
​Sem esforço nenhum ele me puxa de volta para ele, deixando minha
intimidade bem no meio da sua cara e minhas coxas separadas com suas
mã os enormes e brutas.
​— Eu prometi a Cora que deixaria você descansar por alguns dias, mas
nã o vou ser capaz de cumprir essa promessa… — Suspira alto,
brincando com o tecido da ú nica barreira que separa sua boca da minha
vagina. — Nã o feche as pernas, ou quando eu entrar vou fazer estrago,
minha doce putinha.
​O palavreado usado deixa claro que ele nã o será carinhoso e uma
sensaçã o de gelo e fogo engloba minha espinha. Em desafio, eu encosto
meus joelhos fazendo Ibrahim rosnar e afastar a cabeça com um
semblante felino.
​A pouca luz me deixa ver a fome crua nos seus olhos, as cicatrizes com
relevos, graças as cicatrizes que preenche todo seu corpo. Nos ú ltimos
dias eu o tenho visto nu mesmo em pouca luz, e a aparência da sua pele
é de alguém que rolou em arame farpado e quis camuflar as cicatrizes
com tatuagens.
​Isso nã o o torna repugnante, o maldito consegue até levar essas marcas
ao seu favor.
​— Achei que a essa hora estivesse rolando na cama com Yuliya, devo ser
uma novidade viciante para sempre estar voltando para mim, a filha do
homem que matou seus pais. — Reú no toda coragem debaixo de uma
grande camada de medo. — Nã o sente remorso de estar me desejando
tanto? O que seus tios estã o pensando ao ver você tã o sedento por mim?
​Os olhos de Ibrahim ganham uma tonalidade mais escura e ele se
posiciona no meio das minhas pernas, puxando-as para sua cintura,
arranhando minha pele com suas unhas como se cada marca que fizesse
em mim fosse uma obra de arte.
​— Nã o se ache tanto, criaturinha. Nã o é porque estou vindo te foder
diariamente, que isso torna você especial. Eu apenas gosto de te ver
sofrendo enquanto te fodo. É revigorante sentir você se esforçando para
me aguentar inteiro. — Seu rosto se aproxima do meu, um sorriso
diabó lico nos lá bios e palavras sopradas com crueldade. — Quero foder
a filhinha do Capo da Camorra e chegar com o cheiro dela no nosso
encontro. Vou olhar para a cara dele e apreciar a expressã o de horror
que tomará seu rosto quando ele ver o meu tamanho e pensar nas
formas que estou tomando você para mim.
​Uma espécie de nojo avassalador circula por todo meu corpo e eu retraio
meu rosto ao encarar Ibrahim Vassiliev. Até onde ele quer ir com isso?
Que tipo de puniçã o ele quer infligir ao meu pai? O quã o baixo ele vai
chegar?
​— Você é nojento — cuspo as palavras com có lera, cega de raiva — Sua
mã e tem sorte de estar morta, nã o sei o que ela acharia de um monstro
baixo como você, se estivesse viva.
​As palavras soam claras da minha boca e atingem Ibrahim como pedras
pontiagudas pressionadas a sua carne. Todo animal atinge seu limite de
paciência quando está sendo provocado, a fú ria deles explodem em
segundos e dura por minutos curtos.
​Porém, Ibrahim nã o é do tipo que explode. Ele é um caçador, tem a
paciência de um. Nã o importa se ele está sentindo raiva, nojo ou
indiferença… Ele nunca reage como se fosse explodir. Seu rosto e seus
olhos obscurecem e ele se torna ainda mais calculista, quando essas
írises azuis ganham um tom mais escuro e felino, eu sei que ultrapassei
um limite que nã o sou capaz de aguentar.
​— Vire-se. Fique de quatro. Mã os no colchã o! — ordena.
​— Ibrahim…
​ le balança a cabeça calmamente, levando um dos seus dedos até meus
E
lá bios, pressionando-os enquanto me pede para ficar calma e em
silêncio.
​— Você gosta de ser atrevida para ser fodida como uma puta, nã o é?
Sempre que planejo pegar leve com você, você dificulta. — Sua voz é
umbrosa e meus ombros pesam. — Está gostando disso, nã o é?
​Engulo em seco, mirando seus olhos com o má ximo de firmeza que
consigo.
​— Eu nunca vou gostar disso, de pertencer a você nos poucos minutos
que possui meu corpo… Nunca vou gostar de estar fazendo sexo com
você. — Minha voz treme e Ibrahim circula meus lá bios com seu dedo.
​Inclinando a cabeça para o lado como se estivesse me apreciando, se
comunicando como se eu fosse uma criança.
​— Entã o lute contra mim, Zoey Moreau. Me expulse do seu corpo, repila
meu toque e use alguma força para me impedir de possuir seu corpo!
Faça ao menos parecer que nã o gosta disso! — Eleva o tom de voz e
minha visã o embaça com lá grimas de raiva.
​— Eu odeio você! Nunca desejei tanto a morte de alguém como desejo a
sua!
​Suas mã os abrem minhas pernas e as puxam até me encaixar em cima
das suas coxas dobradas. Fico sentada ali, o tronco erguido, minhas
pernas de cada lado dele, minhas mã os no seu peito apertando sua
camisa e meus seios comprimidos contra o peitoral forte e largo.
​O rosto de Ibrahim está bem pró ximo do meu e sua mã o agora está
tirando os fios indomáveis do meu cabelo no meu rosto, os prendendo
em um punhado com apenas uma mã o.
​— Seu ó dio é tã o delicioso quanto sua boceta apertada, e esse
sentimento é recíproco, minha criaturinha voraz. Eu te odeio na mesma
intensidade que quero te foder, e eu vou fazer isso agora.
​Com um grito surdo de surpresa da minha parte, ele me ergue sem
muito esforço para colocar minha calcinha de lado e baixar sua cueca, a
ú nica peça que ele está usando.
​Só percebo que sua proximidade foi o suficiente para criar uma
lubrificaçã o em mim quando a cabeça larga força uma intrusã o. Cravo
minhas unhas nos ombros dele, fechando meus olhos e prendendo
minha respiraçã o quando ele se força ainda mais.
​A mistura de um prazer distante e uma dor presente duelam e, antes que
alguma delas possam decidir qual irá prevalecer, eu já estou empalada
com Ibrahim todo dentro de mim, tirando meu ar e um gemido
estrangulado.
​— Oh, caralho… quente e apertada para uma porra! — rosna, apertando
a mã o que está prendendo meu cabelo. — Você é tã o pequena! Tã o
malditamente perfeita, caralho!
​Com os olhos fechados e os dentes fincados nos meus lá bios, eu inclino
meu corpo para o de Ibrahim, tombando minha cabeça até encontrar seu
pescoço. Afundo minhas unhas na pele quente e encosto meus lá bios no
seu pescoço pronta para morder assim que ele começar a se
movimentar.
​Nó s dois sairemos machucados daqui.
​Gemendo dolorosamente, quase como um rosnado e as mã os firmes em
mim, Ibrahim se movimenta lentamente arrancando de nó s dois um
barulho gutural e animalesco.
​Eu nã o sei como ele consegue caber dentro de mim, e tampouco como
consigo dilatar tanto e ainda sentir nem que seja um pequeno prazer
nisso…
​A cada movimento dele, uma série de palavrõ es sai da sua boca e os
movimentos lentos vã o se intensificando ao ponto da dor se sobressair e
eu morder a pele do seu pescoço com força na tentativa de fazê-lo
refrear seus movimentos, avisá -lo que está indo muito fundo, mas
Ibrahim só parece mais incentivado a continuar. É como se minhas
mordidas e arranhõ es fossem um aceno positivo.
​Meu sofrimento em aguentá -lo só parece chegar a uma pausa quando ele
me deita na cama, vindo por cima e mantendo minhas pernas ao redor
do seu quadril se sustentando sobre os braços fortes.
​Nossos olhos se encontram rapidamente e meu nú cleo se enche de calor
ao ver a expressã o faminta nos olhos azuis; o som baixo e rouco saindo
dos seus lá bios abertos a cada vez que entra dentro de mim. Suas mã os
livres buscam as minhas, entrelaçando-as e, pela primeira vez, estamos
nos encarando enquanto fazemos isso.
​— Você gosta de ser preenchida por mim, de ser minha… — Arqueja,
saindo lentamente e entrando com força, me fazendo gemer alto. — Nã o
consegue esconder que esse ó dio por mim também queima de desejo,
Zoey.
​Meu corpo inteiro parece entrar em chamas quando ele chama meu
nome com a voz rouca e prepotente. Levo minhas mã os até suas costas,
arranhando a pele, em busca de deixá -lo tã o marcado quanto eu.
​Só percebo a bolha de intimidade selvagem que nó s dois estamos
quando percebo que estou gozando junto com Ibrahim, misturando
meus gemidos com o dele, arqueando meu corpo na sua direçã o.
​E tudo só piora quando ele sai de cima de mim espalhando seu gozo
pelas minhas pernas e acende as luzes do quarto.
​O pescoço dele está marcado por mordidas. Mordidas feitas por mim,
sua pele está vermelha pelas minhas unhas e tudo isso parece um
quadro de resistência, mas na verdade, eu estava me entregando.
​Nu e diabolicamente cruel, Ibrahim apanha sua roupa do chã o, olhando
para mim.
​— Seu pai vai adorar ver as digitais da filha em mim. Aposto que ele
tentará me matar. — Com um sorriso enorme, ele caminha até a cama
onde estou petrificada e ajeita uma mecha do meu cabelo — Das duas
uma, esposa: amanhã ou você fica viú va ou ó rfã de pai.
​Me encolho na cama, fechando minhas pernas e baixando meus olhos
para a bagunça que me encontro, ainda trêmula pela descarga de prazer.
Meus pensamentos sã o rá pidos, castigadores.
​— Nã o diga a ele que foi Vittorio quem me entregou a você, por favor,
Ibrahim — peço, com a voz baixa e rouca.
​Ibrahim veste suas roupas, passando os dedos pelo cabelo e me olhando
com uma sugestã o clara de sarcasmo.
​— Por que nã o? Nã o quer destruir sua família perfeita, segundo você?
​Minha garganta está seca e meu corpo tã o pegajoso, que a exaustã o se
torna um fardo maior que a vergonha e o desespero de manter meu pai
protegido da verdade.
​ Diga-me o que você quer e eu farei se prometer nã o contar nada a ele.

— Seguro meus joelhos, fraquejando. — Eu ser sua esposa nã o tem
significado emocional nenhum para você, e dentre todas as pessoas no
mundo, eu sou a que você mais odeia e que faria de tudo para ver a ruína
da minha família. Mas nã o estou pedindo, podemos negociar.
​A expressã o no rosto de Ibrahim se torna claramente inclinada a ouvir o
que tenho a dizer e com passos lentos, ele se aproxima da cama, de mim.
Meu cheiro vem do seu corpo e eu engulo em seco quando ele se senta
ao meu lado.
​— O que eu ganho se omitir do seu pai que foi o seu irmã o que te
entregou a mim, esposa? — Ronrona, o olhar intenso no meu.
​Engolindo todo meu orgulho e sem força nas cordas vocais, eu cedo a
Ibrahim Vassiliev.
​— Qualquer coisa.
​Um sorriso sombrio desenha o canto dos seus lá bios e o que estampam
seus olhos nã o é o triunfo, é algo tã o obscuro, que arrepia cada
centímetro de pele no meu corpo.
​— Está começando a fazer esse casamento ficar interessante, minha
doce esposa. Vou pensar em algo. — Seus dedos ajeitam meu cabelo,
colocando uma mecha atrá s da orelha e com um suspiro alto, depois de
me olhar por segundos inteiros, ele se levanta. — Nos vemos em breve.
Nã o chegue muito perto da mansã o e siga tudo o que Cora disser. Seja
uma boa menina e talvez eu traga um presente para você.
​Meu corpo está tã o rígido, que eu só percebo os espasmos quando
Ibrahim sai por completo do quarto e eu volto a respirar.
​ ualquer coisa.
Q
​Peça-me qualquer coisa.
​Qualquer. Coisa.
​O que eu quiser.
​Minha mente está enevoada com as possibilidades, carregada de
excitaçã o e pesada com a sensaçã o de eu querer tanta coisa de Zoey, que
nã o consigo escolher uma só , dentre tudo que quero.
​A imagem dela permanece na minha mente como uma fotografia. Os
olhos arregalados e ú midos, o cabelo negro bagunçado e suas pernas
amostras. Meu peito parece ronronar a cada vez que pronuncio seu
nome na minha mente e, como se fosse um mantra, eu me pego
repetindo seu nome, até sentir as batidas do meu coraçã o encontrarem
um ritmo calmo, que me tranquilize.
​Estou agitado com o fato de que em algumas horas vou estar no mesmo
cô modo com o homem que destruiu toda a humanidade em mim; tirou
meus pais de mim e qualquer chance de felicidade. Meu lado mais
animal me diz para matá -lo. Acabar com ele de forma tã o lenta até ele
implorar pela vida.
​Kai Maldito Moreau, o assassino que preenche meus pesadelos quando
fecho os olhos. Desde os 11 anos eu penso em diversas maneiras de
matá -lo, e estar indo ao seu encontro, sem poder realizar nenhuma das
minhas fantasias, está me consumindo.
​ Você está indo pronto para provocá -lo. Quer despertar a besta que

todos dizem que ele é? — Vadim me olha do assento à minha frente, um
sorriso debochado nos lá bios.
​Ele está olhando para o meu pescoço, onde as mordidas de Zoey estã o
estampadas, assim como seus arranhõ es.
​— Se ele se sentir provocado, estarei disposto a um combate. A idade
pode tê-lo deixado mais fraco e lento, se uma fatalidade acontecer,
podemos culpar ele mesmo. — Sopro.
​Vadim ri, balançando a cabeça.
​— É um encontro diplomá tico, Ibram. Nenhum dos dois podem começar
uma briga ou qualquer um dos termos que foi colocado vai por á gua
abaixo, e Alessio Moreau terá todo o direito de entrar em guerra
conosco.
​Respiro profundamente, segurando meu corpo com Vodka, sentindo as
ondulaçõ es do vento contra o jatinho. Saímos da Rú ssia há duas horas, e
o tempo está parecendo uma eternidade.
​— Você parece ansioso, algo que nunca vi antes — Vadim comenta.
​— Sua cabeça deve estar fodida, Vadim. A ú nica coisa que estou sentindo
é a mais pura chateaçã o por terem envolvido diplomacia na má fia.
​Os olhos cinzas do meu conselheiro se mantêm no meu rosto.
​— Você nã o parece mais você, desde o dia que aquela garota chegou na
mansã o. E, claramente, nã o parece em si quando envolve ficar longe
dela. O que diabos está acontecendo, Ibrahim? Nã o me diga que tomou
um chá de boceta!
​— A ú nica coisa que mudou nesse jogo, é que temos um trunfo contra a
Camorra, e a inquietaçã o que diz estar vendo em mim nã o é relacionada
a Zoey Moreau.
​Vadim nã o parece engolir minhas respostas, tampouco eu.
​— E sobre o que é? Como você disse, agora tem uma arma contra Kai e
Alessio Moreau.
​Olho para o meu conselheiro, levando minha bebida até os lá bios. Vadim
está relaxado demais, ou aparentando estar. Todos estã o se
comportando como se o jogo já tivesse sido ganho e algo vermelho
cintilante está aceso em minha mente desde que Zoey chegou no meu
territó rio, sem nenhum contratempo.
​— De qualquer forma, acho que Kai nã o vai ficar manso quando ver seu
tamanho e as marcas da filhinha em você. Nenhum pai aceitaria isso.
​— O estrago já foi feito e a filha dele corrompida. O que ele vai fazer? Me
matar?
​— Matar seria misericordioso e sabemos que nã o é o estilo dele. Kai
Moreau adora uma morte lenta, suja e com pedidos de clemência, como
fez com o sogro e primo.
​Relembro da histó ria onde ele matou o pró prio primo, dentro de uma
gaiola, e o mutilou na frente de todas as cincos organizaçõ es, e do sogro
que ele torturou e colocou fogo. A crueldade dele é temida por todos e o
filho mais velho é ainda mais feroz que o pai, mas ainda assim, nã o é o
suficiente para me assustar. Se eu tivesse algum medo em relaçã o aos
Moreau, teria seguido minha vida há muito tempo; conformado com o
fato deles terem tirado tudo de mim.
​ erca de 14 horas depois de Vadim e eu averiguamos se Kai armou
C
alguma emboscada, nó s dois seguimos para o ponto de encontro. O local
é movimentado, em uma rua comercial de Zurique, com transeuntes por
toda parte. O prédio está destacado entre os outros por uma placa roxa,
sinalizando uma boate noturna em um dos andares.
​Vadim e eu caminhamos lado a lado, com a atençã o redobrada e a arma
engatilhada. Pegamos o elevador até o ú ltimo andar e assim que as
portas de metais se abrem, quem nos recebe é o traidor.
​Jace.
​Um dos homens que já foi um amigo do meu pai, que eu cresci vendo
fotos de ambos juntos nos anos de ouro da juventude, até ele cometer o
erro de se apaixonar pela minha mã e e fugir da organizaçã o por violar
seu juramento.
​Eu ainda nã o havia sido gerado, a gravidez da minha mã e aconteceu
anos depois, e eu entendo completamente a surpresa no seu rosto ao
olhar para mim. Eu sou um clone do meu pai. Do que ele era.
​ Surpreso por Mikhail ter tido um filho, Jace Petrova? — Vadim sai do

elevador com seu sorriso de desdém. — Ainda usa o sobrenome russo
ou adotou a porra de um italiano/americano, assim como adotou um
filho da puta deles como seu Capo?
​Os olhos castanhos de Jace se mantêm em mim como se eu fosse uma
assombraçã o, e se ele é abalado com as palavras de Vadim,
simplesmente nã o demonstra.
​— Venham.
​Ele caminha por um corredor claro pela luz do final da tarde. Vadim e eu
trocamos um olhar antes de segui-lo até a porta dupla que dá a um salã o
de apostas abandonado. A sala vermelha, com poucas luzes, me faz
semicerrar os olhos para poder ver os detalhes.
​Mas assim que encontro a sombra do homem que vim encontrar, a
curiosidade dá lugar a uma lembrança antiga e quando ele se ergue da
cadeira, demonstrando seu tamanho e largura eu me pergunto porque
ele parece tã o diferente das minhas lembranças.
​A ú ltima vez que o vi eu tinha 10 anos, estava todo cortado e alucinando
de dor e adrenalina, é claro que a imagem nã o vai ser clara.
​Caminho para o meio do salã o e Kai Moreau se mantém afastado. Uma
das luzes se acende e eu o vejo. Totalmente de preto, fios grisalhos
misturados aos negros, a maldita cicatriz descendo dos olhos a bochecha
e os olhos…
​Os olhos da mesma cor dos da filha.
​Ela tinha que ter os olhos desse assassino?
​Cerro meus punhos, apertando minha mandíbula com a onda de
ressentimento e agressividade. Tudo em mim grita para que eu avance e
o mate ali mesmo.
​A expressã o de Kai nã o é tã o diferente quando ele olha para mim dos
pés à cabeça, e seu conselheiro precisa se aproximar dele.
​Ah, quã o satisfató rio é ver esse sofrimento despertado pelo mais puro
ó dio ao me ver. Ele deve estar se perguntando como eu faço para caber
na filha dele, o sofrimento dela…
​— Você a machucou? — Sua pergunta é tensa, todo seu corpo está rígido
e seus olhos parecem em chamas. Uma crueldade tã o voraz emana do
corpo dele, que eu consigo ver a besta espreitando sob a pele dele.
​Esse sentimento que ele emana, a dú vida cruel, os piores cená rios se
desenhando na cabeça dele… eu adoro isso.
​Levo minha mã o até a lateral do meu pescoço, sorrindo casualmente.
​— Ah, nã o. Isso nã o foi porque eu estava a machucando, mesmo que
exista uma certa dificuldade com a diferença de altura. Sua filha é um
pouco afobada, provavelmente a mesma veia lasciva da mã e e dos
irmã os…
​Kai avança e meu corpo é arrastado até a parede, seu braço contra meu
pescoço. Nada nele parece humano agora e eu deixo que ele veja que nã o
é apenas ele com um lado animal ali. Sorrio na sua direçã o, mostrando
meus dentes, enquanto Vadim e Jace tentam mediar.
​— O QUE VOCÊ FEZ COM A MINHA FILHA? VOCÊ A FORÇOU?
​Meu ar começa a ser cortado, mas, mesmo assim, eu continuo sorrindo.
Sou mais alto que ele por poucos centímetros, e algo que nã o posso
negar é a força que ele tem.
​— Ela é exatamente como a mã e dela e adora se deitar com um monstro,
se divertir rolando nos lençó is da forma mais suja. — Sorrio, arqueando
em busca de ar.
​— Eu vou acabar com você, seu filho da puta! Vou tirar o que você tem
no meio das pernas e enfiar na sua boca, e entregar essa merda de corpo
para os homens mais sedentos, até que você esqueça que um dia foi
homem! — rosna, o mais puro ó dio em cada palavra — QUEIMAREI
TUDO O QUE VOCÊ POSSUI E FAREI COM QUE ASSISTA TUDO EM MAIS
PURA AGONIA!
​Continuo sorrindo, o oxigênio cada vez mais raro.
​— Tente se acalmar, sogro. Somos uma família agora. Sua filha nã o iria
querer ver nó s dois brigando por um simples fato de anatomia, que é
totalmente resolvido quando me encaixo nela.
​Com um rosnado gutural, Kai tenta quebrar meu pescoço quando é
detido por Vadim e Jace que o contém enquanto eu curvo meu corpo em
busca de ar, mantendo o sorriso de vitó ria nos meus lá bios, ouvindo
cada condenaçã o e xingamento que sai da boca dele.
​ le está completamente descontrolado, como a besta que ele é. A força
E
que Jace e Vadim exercem sobre ele é desproporcional e claramente o
machuca com tamanha resistência. Eu vejo meus piores pesadelos
refletidos nos seus olhos raivosos. Algo pinica minha pele, pesa minha
mente ao ver tais sentimentos estampados em olhos idênticos ao da
mulher que nã o consigo me imaginar distante.
​A graça se perde no meio do pensamento de que isso nã o é um jogo, e
que se eu nã o parar de provocar ficarei sem minha esposa. Pelo ó dio que
emana de Kai Moreau, está claro que ele prefere promover uma guerra a
deixar a filha dele em minha posse.
​O descontrole dele é tanto que só cessa quando a pró pria Marcella
Moreau rompe a porta e caminha até o marido, ficando na ponta dos pés
para mirar os olhos dele.
​— Nos deem um minuto. — Ela nem mesmo olha para mim quando
pede por isso.
​Vadim e eu saímos, meu conselheiro parece assombrado com a explosã o
do Capo da Camorra. Eu massageio meu pescoço com o sentimento de
inquietaçã o borbulhando nas minhas veias e agora eu sei o motivo dela.
​Estou inseguro.
​E nã o é com a destruiçã o do meu territó rio e nem com a minha morte.
Eles podem tirar ela de mim. Porra! Que sentimento de merda é esse?
​— Ibram, você está bem? — Vadim me analisa, os olhos cinzas buscando
o que posso ter certeza ser a coloraçã o no meu rosto. — Porra, ele quase
te matou!
​Passo a mã o pelo cabelo, engolindo o desespero que sobe pela minha
garganta. Se Vadim ao menos soubesse que é pela minha esposa que
estou assim, ele com certeza acharia que tudo está arruinado e eu estou
jogando fora os planos de me vingar e trazer de volta o poder para o
nosso territó rio.
​Antes que eu possa dar qualquer resposta a ele, Jace surge nos
chamando para entrar novamente. Desta vez, eu deixo minha
provocaçã o na porta quando atravesso.
​Kai está sentado atrá s de uma mesa redonda, com a esposa ao seu lado,
a mã o no ombro dele, como se seu toque fosse capaz de estabilizar o
monstro nele.
​Eu a olho pela primeira vez, encontrando muito de Zoey nela, inclusive
na altura e na ondulaçã o do cabelo. A filha pegou a tonalidade do cabelo
e dos olhos do pai, mas a semelhança entre eles acaba, aí e começa a de
Marcella.
​Os olhos verdes e redondos estã o atentos a mim; ela comprime os lá bios
e aperta o ombro de Kai, que ainda fervilha.
​— Viemos aqui para um acordo — Jace comunica.
​Cruzo os braços.
​— Nã o sã o vocês que distribuem as cartas hoje. Nã o viemos ouvir
nenhum acordo — Vadim esclarece.
​Kai parece estar se contorcendo e a mã o má gica da esposa nã o parece
ser algo que vá contê-lo por muito tempo.
​— Vã o em frente e diga o que querem. — Dessa vez é Marcella que toma
a frente, sem nenhuma gentileza na voz.
​— Territó rio e zonas de circulaçã o para drogas e armas. E claro, a
tecnologia que usam nos cassinos. Nossos homens terã o permissã o de
descarregar em Las Vegas e outras regiõ es de vocês sem nenhum
empecilho.
​Os ombros do Capo estã o tremendo, seus olhos estã o fixados em mim,
como se fossem capazes de me machucar da forma mais dolorosa
possível.
​— Nó s podemos ceder isso. — Marcella e Jace chegam a um consenso
rá pido.
​E eu nã o gosto disso.
​— Estã o aceitando tudo fá cil demais. O que querem em troca? —
questiono.
​— Desfaça o casamento com a nossa filha, a entregue para nó s e
assinamos uma promissó ria acatando as exigências de vocês.
​— Nã o.
​Tanto Kai quanto Marcella prendem a respiraçã o.
​— O que pretende fazer se mantendo casado com ela? Se é vingança
contra Kai, entã o resolvam isso entre vocês. Zoey nã o tem nada a ver
com isso. — É possível ver o quanto ela está se controlando para se
manter calma.
​— Zoey permanecerá como minha esposa até que eu decida o contrá rio.
Eu sou o marido dela, ela aceitou o casamento e tudo foi feito conforme a
lei. Tudo pode ser dissolvido em uma organizaçã o, menos um
casamento.
​Vadim olha para mim, confuso. Para ele, Zoey serviu ao seu propó sito,
mas eu nã o consigo me desfazer dela.
​— Nã o vamos aceitar isso. Você a forçou a se casar com você e veio até
aqui para uma negociaçã o. Estamos entregando o que pediu, o mínimo
que pode fazer é devolver o que nos tirou.
​— Eu nã o tirei nada de vocês, ainda. Zoey veio até mim de boa vontade,
assim como aceitou se casar comigo e a nã o ser que ela queira sair do
meu lado, nã o acontecerá divó rcio.
​Kai se ergue, os punhos cerrados contra a mesa e a mandíbula trincada.
Os olhos nada humanos me fitam com desordem, capaz de transformar
tudo em um caos.
​— Traga a minha filha de volta e eu juro que nã o vou banhar seu
territó rio com todo sangue russo que eu encontrar. Dou minha palavra
que nã o irei atrá s de nenhum de vocês, mas se continuar persistindo em
se manter casado com ela, nã o haverá acordo. No momento que cruzar
aquela porta a caçada começa e todos nessa sala sabemos o quanto isso
vai custar ao seu povo.
​Deixo o sorriso de desdém se estampar nos meus lá bios. Vadim está
tenso e posso ver o que se passa na cabeça dele. Ele está perguntando o
que diabos estou fazendo, o acordo nã o era esse, mas ele é apenas meu
conselheiro, sou eu quem decido como esse jogo vai ser.
​— Dizime tudo se achar que isso vai trazer sua filha de volta. Se eu
tivesse essa possibilidade de trazer meus pais de volta a vida e ter de
volta o que eu perdi, eu faria a mesma coisa. Mas você está prestes a
conhecer a limitaçã o do seu poder, Kai Moreau. Quer sua filha de volta?
Entã o, tente fazê-la sair do meu lado, porque esse casamento só acaba
quando um de nó s dois cansar um do outro.
​Os punhos dele batem forte contra a mesa de metal.
​ EU NÃ O MATEI SEUS PAIS!

​— Nã o vim ouvir sua defesa e mentiras. Aceite meus termos, e eu posso
ceder e deixar com que veja sua filha — sibilo.
​Marcella entra na frente de Kai, deixando uma mã o contra o peito
arfante do marido. Sua expressã o está amolecida, ela nã o hesita na hora
do pedido, aproveitando a oportunidade de me colocar contra a parede e
pegar algo que nã o posso negar, pois também tenho o dever de proteger
meu territó rio.
​— Daremos tudo o que pedir, desde que deixe Zoey voltar para casa por
10 dias a cada dois meses. Assinamos uma promissó ria de sangue
selando nosso acordo.
​Eu simplesmente nã o posso negar isso.
​Isso pode ser o fim entre minha esposa e eu.
​O que deveria ter sido uma vitó ria, sai como uma derrota e uma espécie
de raiva que transcende minha racionalidade, simplesmente me deixa
cego, até mesmo quando Vadim vem falar comigo.
​— O que porra foi aquilo, Ibrahim? — questiona, possesso.
​— AGORA NÃ O!
​Entro na minha suíte e a onda de possessividade driblada faz com que
eu destrua cada pequena coisa que eu encontro à minha frente.
​O pior disso tudo?
​É que o Kai Moreau que eu vi hoje nã o parece em nada com o que eu vi
no dia do acidente e isso me levanta dú vidas cruéis.
​ silêncio é a pior companhia nesse momento, infla o medo e a
O
ansiedade que estã o enroscados em mim. Neste momento tudo pode ter
acontecido entre meu pai e Ibrahim. Um dos dois pode até mesmo
estarem mortos, mas nã o acredito que algo assim tenha acontecido. A
mansã o à minha frente está silenciosa, e a neve que cai torna o ar ainda
mais tenso.
​Cora está perambulando pelo chalé, limpando os lugares que nem sujo
estã o. Ela nã o tem saído do meu lado desde que Ibrahim se foi e eu
atribuo isso ao perigo de ter Sasha e Nikolai Vassiliev perto de mim.
Aposto que a ruiva iria amar ter alguns minutos sozinha comigo, e assim
como o sobrinho, descontar o pouco da raiva que sente pela minha
família.
​Pego um casaco pesado e visto botas de neve, saindo para a varanda da
frente da casa, onde Edan se encontra. Nã o o vejo há uma semana e, pela
sua cara, eu percebo que andou sendo a distraçã o dos homens da Bratva.
Ele nã o está muito machucado, só alguns hematomas no rosto que estã o
começando a desaparecer.
​Uma espécie de alívio é expresso no seu rosto quando ele me vê. Uma
sensaçã o de familiaridade me invade, como há muito tempo nã o
acontecia. Edan é a ú nica coisa da minha vida na Camorra, um pedaço do
que eu sou, ou do que costumava ser, e ver ele me remete a lembranças
de casa.
​ Você está bem? Ele te machucou? — Edan se aproxima, os olhos por

toda pele exposta do meu corpo.
​— Andou brigando? — Encaro o hematoma no seu rosto, o lá bio e o
supercílio cortados.
​Edan dá de ombros, enfiando as mã os dentro da jaqueta, que parece ser
fina demais para esse inverno tã o rigoroso. Está claro que nenhum de
nó s dois estamos tendo qualquer tipo de cuidado, ainda assim é demais
nã o terem fornecido a ele roupas adequadas.
​— Ouça, seu irmã o chegou à Filadélfia em segurança. Ele tentará provar
a inocência do seu pai e te libertar daqui. Até lá , por favor, nã o faça nada
que os desagrade, se mantenha na sombra. As pessoas nesta casa estã o
sedentas por uma oportunidade de “brincar” com a filha dos Moreau —
Edan sussurra as palavras firmemente, a voz engrossando a cada
palavra, como se ele temesse que o pior fosse acontecer a qualquer
segundo. — Pelo seu rosto posso dizer que ele nã o tem feito coisas
agradáveis com você, e eu estou proibido de chegar perto desse chalé.
​Foco minha atençã o no moreno ansioso e preocupado a minha frente,
tentando me ver através dos seus olhos. Será que ele vê os pedaços de
mim que estã o sendo retirados? As pessoas sã o capazes de ver? Me sinto
tã o exposta.
​— Eu nã o vou seguir nenhum plano ou orientaçã o de Vittorio, foi ele
quem me meteu nisso. Nã o quero nem mesmo ouvir qualquer palavra
que ele transmita a você — declaro.
​— Zoey…
​Ergo minha mã o, fazendo-o se calar. Cruzo meus braços e respiro fundo,
olhando para a mansã o borrada pelos flocos de neve que caem
copiosamente.
​— Ele foi se encontrar com o meu pai. — Meu coraçã o segue a
frequência nervosa da minha voz quando as digo em voz alta. — Qual
dos dois você acha que vai matar o outro primeiro?
​Edan fica em silêncio. O som de uma serra elétrica e latidos à distâ ncia
preenchem o espaço, as batidas do meu coraçã o se tornam
dolorosamente lentas, repletas de afliçã o ao pensar no meu pai.
— Nenhum dos dois. O encontro foi planejado com diplomacia,
acordado com paz. Ambos levaram os conselheiros e se houver qualquer
tipo de descontrole, a parte manifestada terá direito a reclamar o
territó rio oponente. Ibrahim nã o parece ser do tipo que arriscaria seu
poder.
Olho para Edan.
— Ele é um provocador! Saiu daqui pronto para fazer meu pai
perder o controle, e conhecendo o homem que me criou, posso afirmar
com toda certeza que ele nã o ficaria parado sendo provocado pelo
homem que reivindicou a filha dele — exprimo com a voz alterada pelo
medo e por nã o saber o que está acontecendo.
— O Capo foi com Jace, e você o conhece o suficiente para saber
que ele nunca deixaria seu pai se descontrolar em nenhuma situaçã o.
— E quanto ao meu irmã o mais velho? Ele pode estar tramando a
ruína da Bratva enquanto nosso pai está em uma sala com Ibrahim.
Minha família é composta por homens malucos, e você sabe disso. Neste
momento, eu temo que Alessio, meu pai e até mesmo minha mã e tenham
perdido a cabeça depois de terem recebido os lençó is.
Uma expressã o suave se desenha no rosto de Edan e eu o encaro
com o cenho franzido.
— O que foi?
— Você nã o ficou sabendo sobre seu irmã o mais
velho?
Meu sangue parece esfriar e as batidas do meu coraçã o abafam
minha voz com o tamanho medo das pró ximas palavras que irã o sair da
boca de Edan. Alessio tentou se matar de novo? Meu Deus, eu nã o
aguentaria uma notícia assim agora.
— Ele… Ele está …? — Nã o consigo finalizar a frase, minha
garganta se fecha com o pâ nico, e o frio se torna tã o denso ao meu redor
que me sinto dentro de uma caverna escura e apertada, com tudo me
comprimido.
Edan deve estar vendo o desespero no meu rosto, ele toca meu
ombro, balançando a cabeça.
— Seu irmã o se casou com Heather Volpini, Zoey. Tiveram uma
pequena cerimô nia diante da Alta Cú pula.
A descarga do medo amolece meu corpo e eu preciso me encostar
contra a varanda para me manter de pé. As batidas do meu coraçã o sã o
tã o rá pidas, bombardeando sangue com força total para minha cabeça,
que sinto a vertigem me tomar e o suor umedecer minhas mã os.
Ao passo que o assombro vai se esvaindo do meu corpo, eu
começo a digerir a informaçã o que Edan acabou de dar. Alessio e
Heather estã o casados? Eu perdi algo tã o importante assim?
— Quando foi o casamento? — Minha voz é apenas um sussurro.
Saber que meu irmã o e minha melhor amiga estã o casados é
como um golpe, nã o pelo casamento em si, e sim pelo fato de eu nã o ter
estado lá e por nã o saber se deveria ficar feliz por Heather ou nã o.
— Eles estã o casados há seis anos, na verdade. O SottoCapo
ocultou o casamento dela até ela voltar para a organizaçã o e descobrir
pela Alta Cú pula.
Edan me conta toda a histó ria que ele ficou sabendo por Vittorio
e vou juntando as peças ao lembrar de como Heather pediu,
desesperada, para meu pai tirar ela da Camorra, do radar de Alessio.
Ele a levou para a cama e a fez acreditar que o casamento havia
sido forjado. O desespero de Heather vem a minha mente, as noites que
a vi vomitando no banheiro, se condenando. Ela achou que Alessio a
tinha enganado e que ela estava condenada; foi por isso que ela tomou
uma atitude tã o drá stica de abandonar tudo e ingressar no exército.
Alessio foi tã o estú pido! Ele perdeu anos por causa de uma
mentira. Anos e a afeiçã o de Heather, já que ele teve que recorrer a Alta
Cú pula para reaver ela. Tã o burro e estú pido. Se ele ao menos tivesse me
falado que havia se casado com ela, eu mesmo daria a localizaçã o da
esposa.
Será que eles estã o felizes juntos? A ú nica coisa que sei é que
Heather manterá Alessio sob controle, ela é racional e sabe bem os
riscos que nossa organizaçã o está passando. Agora como segunda
senhora, ela deve pensar primeiramente na Camorra, e manter a cabeça
de Alessio fria é uma tarefa cuja certeza de que ela vai conseguir é
incontestável.
Minha mã e e Heather vã o unir forças.
Edan tira algo do bolso, uma corrente dourada e ao ver o
pingente de um sol sou acometida por uma enorme vontade de chorar,
que se mistura a uma raiva que começa a crepitar nas minhas veias.
— Seu irmã o pediu que eu te desse isso. Guarde em um lugar
seguro, está sem o rastreador, mas acredito que tenha um valor afetivo.
— Estende o colar na minha direçã o e eu mordo minha bochecha para
conter a onda de lá grimas.
Cubro o com a minha mã o e o aperto firmemente, inundando-o
de calor, como se com isso eu pudesse sentir meus pais, meu irmã o. As
lembranças das tardes de sol nas praias de Los Angeles, o cheiro de
protetor solar e as corridas com Vittorio e Alessio pela praia repercutem
pela minha mente, como um filme.
Imagens dos meus pais abraçados na areia, com mamã e deitada
no peito largo do meu pai, de ó culos de sol, lendo um livro enquanto
meu pai acariciava seu cabelo…
Nunca pensei que boas lembranças pudessem ter um efeito tã o
cruel assim. Estou com cortes tã o profundos e abertos, que as coisas
boas que vivi na minha vida tem o efeito de sal em feridas.
— Me deixe sozinha por algum tempo. — Desnorteada e com a
mente prestes a colapsar, eu caminho pela neve.
Minha bota afundando no chã o com a pisada dura, eu nã o sei
para onde estou indo e nem onde quero chegar. Eu só preciso andar,
sentir meus pulmõ es cheios o suficiente para esvaziar minha mente.
Uma espécie de rancor começa a se formar a cada centímetro do meu
cérebro, repercutindo pelo meu corpo ao pensar que, enquanto meu
irmã o teve um casamento, lua de mel, eu estive aqui, sendo comida por
um homem que só me vê como uma puta.
Sou usada tantas vezes, tem horas que quando ele acaba nã o
sobra muito de mim e eu me pego desejando que ele volte a me possuir,
porque só assim eu volto a sentir alguma coisa.
Ibrahim está conseguindo deixar sua marca no meu corpo. Nã o.
Ele conseguiu, desde a primeira vez, quando me quebrou em cima da
neve onde meus pés afundam neste momento. Estou sendo moldada ao
gosto dele, exatamente como ele disse que eu seria, meu corpo nã o luta
mais contra as sensaçõ es negativas. Sempre que ele entra em mim, eu
fujo da dor me enroscando no pouco do prazer que encontro e dessa
forma estou me sentenciando a um vício forçado.
Arquejo fortemente e paro de caminhar quando meus pulmõ es
impõ em seu limite, caio de joelho na neve, percebendo que estou longe
demais da casa, do chalé e de qualquer outra propriedade. Estou no
bosque onde Ibrahim me possuiu, com a neve por todo lado, caindo nos
meus cabelos e cílios, gelando a pele do meu rosto.
Uma espécie de queimaçã o começa no meu peito quando volto
para a noite onde tudo aconteceu, e só basta isso para que eu consiga ver
nó s dois ali. Afundo minhas mã os na neve, apertando com força, até
sentir minha mã o queimar com o gelo. Posso me ver, sentir o medo
misturado ao desespero e a dor saindo de mim em forma de gemidos
estrangulados.
Quantos pedaços de mim foram cortados naquela noite? O ó dio e
a tristeza que me consomem sã o tã o avassaladores que nem mesmo
imaginar a morte de Ibrahim alivia os pensamentos que tenho. A morte
nã o é o suficiente.
Ele quer sua vingança me punindo, mas já nã o tem muita coisa
para ele quebrar aqui. É como se minha coluna fosse partida, depois de
segurar um peso absurdo e tudo o que sobrou foi uma alma obscura
inalando e bufando uma necessidade de fazer o homem que tirou minha
luz se tornar meu prisioneiro.
Eu farei Ibrahim se quebrar de ó dio e desejo por mim. Nã o quero
seu sangue. Eu quero seu sofrimento. Sua alma em pedaços do que resta.
— Olhe só , o passarinho veio cantar. — Uma voz masculina, com
um inglês fajuto, soa atrá s de mim, me fazendo virar rapidamente em
direçã o a ela.
Dois homens de estrutura mediana e cabelos escuros me fitam
com um sorriso macabro e eu me levanto lentamente do chã o.
— Está muito longe de casa, vadia — o segundo diz, ele tem uma
tatuagem no pescoço que sobe pela sua testa em nú meros romanos.
Eles dã o um passo na minha direçã o.
— Já nos divertimos um pouco com aquele soldado, o banquete
principal é você, vadiazinha. Nosso chefe nã o vai se importar com isso.
Nossa senhora disse que podíamos.
Equilibro meu corpo, fincando meus pés no solo sob tanta neve,
enquanto estudo o corpo dos meus adversá rios.
— Oh, vocês vã o me machucar? — Deixo um falso tremor
escorrer pela minha voz e eles riem, satisfeitos.
— De uma forma que você nem imagina, vadia.
Como uma boa atriz, eu deixo meu rosto transparecer medo para
alimentar o monstro neles e antes que eu possa piscar, um deles avança,
tentando agarrar meu cabelo e acertar um soco na minha barriga. Uso
minhas mã os para desviar das deles, pegando seu punho e usando sua
força para colocá -la atrá s das costas dele, completamente contorcida.
Ele grita de dor e xinga em russo, e por um momento eu penso
que tenho alguma vantagem, mas sou acertada no rosto pelo parceiro
dele, que arranca sangue da minha boca, mas nã o é forte o suficiente
para me derrubar.
Sou rá pida em me recuperar do golpe e me desvio deles. Vittorio
me ensinou a desviar de pessoas com o dobro da minha força e
tamanho. Sou pequena e rá pida, mesmo em um solo tã o pegajoso como
esse. Uso meu joelho e punhos para acertá -los quando se aproximam.
Porém, porra, sã o logo dois contra uma garota que nã o tem se
alimentado direito e está com as forças em modo reserva. Sou puxada
pelo cabelo e tenho meus braços imobilizados por um deles.
O moreno com tatuagem romana sorri macabramente, cuspindo
o sangue da boca acertada por um soco meu.
— Você é uma puta rá pida e espertinha que agora vai saber seu
lugar. Quero deixar seu rosto bem-marcado para quando for ver seu
paizinho! — Os dois riem e eu sorrio.
O sangue está inundando minha boca e minha respiraçã o arfante
é um dos indícios que meu corpo está cheio de adrenalina.
— Se eu fosse um de vocês, eu faria o favor de me matar. Nã o
achem que meu pai e irmã o vã o deixar isso em branco — digo ,antes de
ter meu ar completamente tirado dos meus pulmõ es quando sou
acertada no meio das costelas.
Meus joelhos vacilam e se nã o fosse pelas mã os do homem me
segurando eu teria caído no chã o. A dor embaça meus olhos e corta meu
oxigênio. O pró ximo golpe é no meu rosto, um tapa tã o forte que me faz
morder minha bochecha e cuspir sangue.
Realmente chego a achar que eles vã o me matar quando já estou
de joelhos. Um rosnado poderoso e alto faz meus dois agressores
olharem para trá s e eu ergo meus olhos, sentindo um fio de sangue
descendo pela minha bochecha.
— Merda! Nã o se mexa! — O homem que está me segurando
sibila para o outro, completamente paralisado diante da cachorra branca
com dentes amostra.
Mas é tarde demais. Mabi avança violentamente, que seus
rosnados sã o tã o obscuros e poderosos, quanto o som dos seus dentes
destruído as roupas e a pele daquele que estava me segurando. O
parceiro dele nã o o ajuda, ao ver o amigo ser mutilado, gritando por
ajuda e dor, ele corre e Mabi o devora.
​ abi está devorando o que sobrou do corpo do homem que ela acaba de
M
matar, levantando o rosto apenas para me verificar. O pelo branco está
manchado de sangue, que da sua boca enorme. Eu fico petrificada na
neve, sentada, com o coraçã o acelerado e o terror por cada poro do meu
corpo.
​O som dos dentes dela mastigando a carne do pescoço do meu agressor
é alto em meus ouvidos e eu evito até mesmo respirar.
​Ela nã o vai me machucar. Nã o é a primeira vez que ela me defende. Essa
cachorra nunca demonstrou agressividade, o ataque dela foi direcionado
ao homem que estava me segurando. Eu nã o sei o motivo, mas desde o
começo ela se impô s entre o perigo e eu.
​Com cuidado, eu a chamo.
​— Ei, garota… — Minha voz é trêmula e a cachorra de olhos pretos
infernais me olha com altivez.
​Ela ergue a cabeça com o focinho todo sujo de sangue e se aproxima de
mim graciosamente. Se aproxima o suficiente para eu estender a mã o e
tocar na sua cabeça, ela se senta e olha para mim. Meu coraçã o ainda
bate com o resto da adrenalina e Mabi parece sentir isso e se curva para
mostrar submissã o.
​— Boa garota. — Olho ao redor, sentindo meu estô mago se revirar ao
ver o cadáver mutilado, até as pegadas do outro homem que correu pela
saída do bosque. — Precisamos sair daqui antes que mais deles
apareçam.
​Fico de pé, sentindo uma dor fina e quase incapacitante preencher todo
meu tronco. Levo a mã o até minhas costelas, tateando em busca de
averiguaçã o se estã o intactas. Com pouca dificuldade eu começo a
caminhar pela neve, Mabi ao meu lado, seguindo meus passos vacilantes
e alerta a qualquer movimento.
​Ao sair do bosque, eu dou de cara com Edan, correndo nessa direçã o e
Mabi reage imediatamente, fazendo-o parar e erguer as mã os quando
ela apenas rosna e se coloca ameaçadoramente a minha frente. Essa
grande criatura nã o deve ter uma boa reputaçã o para todos terem tanto
medo dela assim. E, pelo que fez lá atrá s, eu nã o duvido da sua
capacidade.
​— Está tudo bem, garota. Ele nã o é uma ameaça. — Me abaixo com um
silvo de dor para tocar na sua cabeça. Ela se acalma, mas nã o desfaz a
postura ameaçadora.
​Edan olha para a cachorra branca como a neve, toda manchada de
sangue e em seguida para mim. Meu rosto está quente e sinto algo
ú mido perto do meu olho. Devo estar sangrando.
​— Precisamos voltar ao chalé imediatamente. — Edan parece
desesperado.
​Eu aquiesço e começo a caminhar, mas só percebo que estou lenta
quando vejo Edan caminhar, nervoso e impaciente, ele me coloca em
seus braços e volta a andar com rapidez, fazendo Mabi trotar ao nosso
lado.
​Cora está nos esperando no chalé, a indiferença que sempre predomina
no seu rosto parece dar lugar a afliçã o e ela dita ordens para Edan me
colocar no banheiro. Nã o sei o que está acontecendo, mas claramente
nã o deve ser algo bom, mesmo assim, tudo com o que me preocupo é
com Mabi, que me segue de perto e a qual ninguém tem coragem de
expulsá -la.
​Nã o tenho noçã o do que está acontecendo, tudo é muito rá pido. Cora
lava meu corpo, cuida dos ferimentos aparentes no meu rosto e me veste
com uma camisola composta.
​ O que está acontecendo, Cora? — questiono, enquanto ela fiscaliza

minhas unhas em busca do que suponho ser sangue — Aconteceu
alguma coisa entre Ibrahim e meu pai?
​Seus olhos rígidos endurecem ainda mais ao me fitar.
​— Você foi avisada que nã o deveria sair sozinha de casa. Agora temos
um assassinato entre os homens e estã o acusando você.
​— Nã o fui eu e isso é bem claro de esclarecer ao olhar para o corpo. —
Aponto para Mabi que está deitada no chã o do quarto, com o sangue
seco.
​— Ela pode ter matado, todos sabemos do que esse monstro é capaz.
Mas os senhores da casa querem saber por que você agrediu os homens
dele, os levou para o bosque…
​Levanto da cama, o cenho franzido e um sorriso incrédulo nos lá bios.
​— Isso é um absurdo! Eles me seguiram até lá e tentaram me atacar, eu
apenas me defendi.
​Cora suspira.
​— Menina, você nã o entendeu onde está ? Acha que alguém aqui quer ser
justo com você? Sua melhor chance de defesa é o seu marido e ele nã o
está aqui, nã o sabemos quando ele volta.
​Mantenho minha atençã o em Cora, dessa vez, pesada com raiva e
preocupaçã o.
​— E daí? O que eles farã o comigo? — A chateaçã o varre meus sentidos
para um caminho duvidoso onde a inconformidade me faz questionar o
que essas pessoas podem fazer comigo.
​Ouvimos duas batidas na porta e Cora retifica os ombros, me olhando
com o sinal de que devo descer. Olho para a camisola de seda que estou
vestindo e depois para o meu reflexo no espelho do quarto. Um
hematoma está começando a se formar ao redor dos meus lá bios e Cora
colocou um curativo em cima da minha sobrancelha.
​Nã o estou tã o horrível, mas já tive dias melhores.
​Estou começando a me desprender da minha vida cheia de proteçã o,
sendo arrastada para esse lugar onde o meu bem-estar nã o vale uma
moeda, e ele é posto em uma competiçã o para ver quem irá acabar
comigo primeiro.
​ om a cabeça erguida e já sem nenhum medo dentro de mim porque a
C
có lera toma conta de todos meus sentidos, eu desço degrau por degrau,
pronta para ter um embate com qualquer que seja a pessoa que veio me
julgar.
​Espero Nikolai, mas quem encontro na sala ao lado do homem que me
atacou é Sasha, com um casaco de pele comprido e os cabelos ruivos
soltos. Seus olhos verdes soltam faíscas e tem um sorriso satisfeito nos
lá bios.
​Ela analisa todo meu corpo, demorando no meu rosto ferido. O homem
ao lado dela sussurra algo no seu ouvido e ela semicerra os olhos
raivosos.
​— Você atacou os homens da nossa organizaçã o — declara.
​Direciono meus olhos para o filho da puta com apenas um hematoma
nos olhos.
​— Eu tentei me defender do ataque deles, mas basta olhar para mim e
ver quem foi o atacado. — Relaxo meus ombros, balançando a cabeça
para o meu agressor — Dois contra um nã o é muito justo, nã o acha?
​O homem de expressã o macabra me mostra os dentes e se vangloria da
minha situaçã o, nem parece estar se importando de ter perdido o
parceiro de covardia.
​Sasha olha dele para mim.
​— O que está esperando? Leve-a para o subsolo.
​— Senhora… — Cora tenta intervir, mas é silenciada.
​— Vai me trancafiar em um subsolo? — pergunto, antes de perder a voz.
​— Você precisa aprender bons modos, e se meu filho está tendo
dificuldades, eu mesmo farei isso por ele.
​O homem vem na minha direçã o com um sorriso cruel, nas mã os dele
tem uma corda e eu tento me defender, fugir, mas as mã os de Cora tocam
no meu braço como se ela estivesse falando para eu nã o lutar contra.
Olho para ela assustada e ela balança a cabeça em negativa.
​— Se lutar será pior, menina. Apenas vá com eles. — Seu tom de voz é
tã o baixo e tã o condenató rio contra si mesma, que eu me encolho.
​Minhas mã os sã o amarradas e eu sou puxada para fora do chalé,
descalça e com apenas uma camisola. O frio congelante é a primeira
coisa a me receber do lado de fora, queimando as solas dos meus pés.
Edan é detido quando tenta me acompanhar, seus olhos buscam os meus
em um pedido de desculpas e desamparo.
Meus olhos umedecem, o ar é cortado e assim que vejo o buraco
onde vã o me enfiar, todos os meus medos vêm à tona, como monstros
sedentos que foram extintos com anos de terapia e o incentivo do meu
pai.
Alguém abre a tampa do subsolo do canil e antes que eu possa
implorar, sou jogada dentro e a tampa se fecha me deixando dentro de
um buraco frio, escuro e silencioso.
O ar some. O desespero vem à tona e eu começo a esmurrar as
paredes de barro e gritar.
— ME TIREM DAQUI! ME TIREM DAQUI! EU NÃ O CONSIGO
RESPIRAR! ESTÁ TUDO ESCURO… EU TENHO MEDO DO ESCURO. —
Arranho as paredes de barro gritando como se meu desespero fosse me
tirar daqui — EU SOU CLAUSTROFÓ BICA! NÃ O ME DEIXEM AQUI! POR
FAVOR! POR FAVOR!
Nada. Nenhum som.
Eu nã o consigo enxergar nada. Tudo aqui tem cheiro de
excrementos e meus pés estã o sobre algo pegajosos e eu estou em queda
livre no meu pior pesadelo.
Alessio tem pavor do fogo por ter sido queimado vivo. E eu tenho
medo do escuro e de espaços pequenos por ter sofrido a vida inteira
com o fato de que, à noite, sempre podia trazer a morte à s pessoas que
me amavam.
Lugares pequenos acarretam o maior trauma da minha vida junto
à escuridã o. Eu tinha 9 anos quando passei metade de um dia presa em
tubulaçã o, tentando fugir de alguém que até hoje nã o tenho recordaçõ es.
E estou presa de novo.
Estã o me fazendo reviver a pior lembrança da minha vida e dessa
vez nã o importa quantos gritos e lá grimas saiam de mim. A tampa que
impede minha saída está fora do alcance das minhas mã os e as paredes
sã o de barro. Nã o importa o quanto eu esmurre, me debata, grite, tente
pular para chegar à saída… Ninguém virá me salvar.
Desta vez nã o tem meu pai.
Nã o tem Alessio, Vittorio ou tio Jace.
Eu vou morrer aqui dentro sem ter visto ele novamente.
S​ e passam três dias desde a discussã o entre Vadim e eu dentro de um
quarto de hotel, onde ele ressalta os perigos que estou colocando a
organizaçã o e a vida de todos, aceitando o acordo que eu mesmo fiz Kai
e Marcella Moreau chegarem.
​— Essa garota transitando entre a Rú ssia e Las Vegas é claramente
nosso fim. Ela vive dentro da mansã o, Ibrahim! Ela é filha de Kai
Moreau! Acha que se casou com uma garotinha ingênua? Nã o vai
demorar nem dias até que ela reporte tudo o que viu ao pai e assim fazer
com que eles invadam nosso territó rio, nos capture e acabe com tudo o
que temos! — Vadim branda, apertando o copo de uísque tã o forte, que
posso ouvir o exato momento em que o vidro trincou.
​Uno minhas mã os, inspirando profundamente. Meus pensamentos estã o
a todo vapor nos ú ltimos três malditos dias, e tudo que consigo é tentar
traçar um plano para manter Zoey como minha esposa e meu territó rio
seguro.
​— O acordo era entregar a garota, pegar o que queríamos e reinar com a
submissã o de Kai Moreau a nó s. Mas, onde exatamente, você meteu esse
plano sem me consultar, Ibrahim? Eu sou a merda do seu conselheiro!
​Ergo meus olhos para o rosto furioso de Vadim. Ele está perto de
explodir, assim como nossos inimigos em algum lugar de Zurique. Sã o
três dias sem respostas e eu nã o me surpreenderia se meu territó rio
estivesse sendo incendiado e meu pessoal morto por Alessio Moreau.
​ Zoey vai ficar com os pais durante dez dias a cada dois meses, vamos

usar ela para monitorar as açõ es dos pais e irmã o. Me divorciar dela
resultaria em deixar Kai Moreau ainda mais sedento para dizimar todo
nosso pessoal, nossos domínios. — Levanto do sofá , indo até o bar me
servir de um copo de Vodka. — A filha deles nã o é mais quem costumava
ser, e ela fará o que eu disser. Mandá -la de volta por alguns dias mostrará
a Kai que sua filha agora é uma marionete usada por mim, fará com que
ele pense duas vezes antes de sabotar esse acordo.
​Vadim semicerrou os olhos, incrédulo demais.
​— E como exatamente você controla essa garota, Ibrahim? Com seu pau?
Porque apaixonada por você ela nã o é! Se assinarmos aquela
promissó ria, vamos ver os Moreau triunfar contra a Bratva. A primeira
coisa que ele fará quando a filhinha tocar os pés em casa é arrumar todo
combustível necessá rio para queimar tudo.
​Balanço a cabeça calmamente.
​— Ele faria isso se eu me divorciasse da filha dele, com toda certeza. Se
eu perder meus laços com Zoey e a entregar, mesmo com uma maldita
promissó ria de sangue, ele iria atrá s de vingança.
​Vadim ri nervosamente, derrubando um pouco da sua bebida.
​— E o que garante que ele nã o irá depois do que você fez? Acha que ele
está feliz com sua insistência em se manter casado com a menina dos
olhos dele? — Vadim se aproxima de mim, apontando o dedo em riste.
— É bom que você nã o esteja deixando essa menina manipular você.
Nã o só sua vida quem está em jogo.
​Encaro Vadim, mirando meus olhos bem na linha dos dele. Para o dedo
apontado na minha direçã o e na sua ousadia. Nã o preciso emitir
qualquer som ou ter qualquer que seja a açã o para ele se encolher e
baixar os olhos.
​— Você sabe o que faz, eu nã o deveria duvidar disso. Perdoe minha
explosã o, só estou preocupado com o nosso inimigo sendo provocado e
sendo ele quem é. — Sua voz é baixa, submissa.
​Retifico meus ombros, engolindo minha bebida em um gole sedento. Eu
ainda sei o que estou fazendo e usarei Zoey tanto para minhas
necessidades físicas quanto estratégicas. Ela é meu trunfo, aliá s. Enganei
seu irmã o, entrei em um jogo perigoso para tê-la e nã o vou perdê-la tã o
facilmente.
​— Avise ao conselheiro deles que estou pronto para dar meu sangue à
promissó ria deles.
​Os olhos de Vadim nublam, ele hesita por poucos segundos, antes de
pegar seu celular e fazer a ligaçã o. Nã o se passa nem mesmo 2 horas
completas para estar Kai e eu, em frente ao outro. Dessa vez, Marcella
nã o está presente e o homem à minha frente mantém seus olhos
demoníacos em mim de forma sedenta.
​Jace, Vadim e um dos juízes supremos, ao qual toda a organizaçã o é
subjugada, está à nossa frente segurando uma adaga e uma promissó ria.
​A tal promissó ria a qual me refiro nã o é um pedaço de papel, e sim um
ferro quente para marcar nossa pele e nos lembrar que quando, esse
ferro encontrar nossa pele, nosso sangue irá se misturar com ele e de
uma forma irrevogável, nó s dois teremos um acordo.
​O que me surpreende é Kai ter aceitado ceder. Ele deve estar
desesperado para barganhar comigo e ter sua filha de volta. Mesmo que
Zoey e eu possamos acabar em divó rcio, esse acordo prevalece e se um
de nó s descumprir a sentença é a decapitaçã o.
​— Estendam a palma da mã o — O juiz comanda a Kai e eu.
​Faço o que ele diz. Minha palma é a primeira a ser cortada, a de Kai logo
em seguida enquanto o ferro esquenta no ponto de brasa. Olho para o
brasã o ú nico, com os dizeres “verdade, confiança, morte” em um círculo
serpenteando por pequenas escamas, que simbolizam as escamas de um
peixe, para nos lembrar que assim como ele é facilmente capturado e
morto ao ser levado da á gua, assim se torna nosso destino se formos
contra esse acordo.
​Ergo a manga da minha blusa, entregando o antebraço para ser
marcado. Espero o arrependimento de Kai, a intençã o pela sua tã o fá cil
redençã o, mas ele cede seu braço e recebe a marca sem fazer nem
mesmo uma ú nica careta. Seu rosto está rígido, com as suas emoçõ es
fechadas dentro de si. Ele fervilha o suficiente para que o calor seja
maior do que esse ferro contra sua pele. E assim como o meu corpo é
tomado de cicatrizes, ouvi a histó ria de que Kai Moreau possui
queimaduras por todo o corpo. Assim como o filho dele.
​— O acordo está selado com sangue e fogo. O fim dele acaba com a
morte de um de vocês. Se decidirem desobedecer ao juramento sagrado,
serã o punidos pela morte — o Juiz proclama, enquanto guarda suas
ferramentas.
​Jace e Vadim se aproximam de nó s dois, olho para a marca no meu braço
e em seguida para Kai, que já está me fitando.
​— Eu garanto que se minha filha chegar a minha casa machucada, de
qualquer forma que seja, eu nã o vou me importar em perder minha
cabeça. — Ele dá um passo sutil. — Isso nã o acabou. Esse acordo é sua
ruína, Ibrahim Vassiliev. Transmita ao seu tio meus cumprimentos, eu
irei até ele em breve.
​— Irá matá -lo como fez com meus pais? — Sorrio.
​Os olhos de Kai perdem o controle rapidamente e ele cerra os punhos.
Sua voz é forte, grave e possessa.
​— Eu nã o matei seus pais, nã o sei por que acha que fui eu, está
completamente enganado e quando perceber isso será tarde demais.
​Mantenho o sorriso amargo nos meus lá bios, sentindo a minha pele
onde foi queimada arder.
​— Isso com certeza nã o acaba aqui. Somos uma família agora. Transmita
ao meu cunhado, o SottoCapo da Camorra, meus devidos cumprimentos
e avise que se ele for atrá s de mim ou dos meus homens, eu vou atrá s da
outra metade dele na Filadélfia. Maximiliano parece bem à vontade em
me entregar seu filho do meio, e tendo sua filha como minha esposa, as
cartas estã o ao meu favor.
​Os punhos cerrados dele se tornam mais apertados e uma veia salta na
sua testa. Penso que irá avançar na minha direçã o a qualquer momento.
Porém, de mandíbula cerrada e tomado de fú ria, Kai Moreau desaparece
porta a fora, levando seu conselheiro.
​Olho para a marca no meu braço, horrível e com cheiro de carne assada.
Ergo meus olhos para Vadim e silenciosamente nó s dois nos
comunicamos.
​Está na hora de voltar para casa.
​ er Zoey e cobrar meu favor.
V
​Vadim e eu saímos do prédio onde o acordo foi selado, só basta
entrarmos no elevador para que o celular dele comece a tocar
incontrolavelmente. Nos ú ltimos dias tenho me irritado com isso,
principalmente pelo fato dele nã o o atender.
— Caralho, atende logo esse celular!
Vadim respira fundo, bloqueando a tela, mas nã o o rá pido o
bastante para que eu nã o veja no nome de Yuliya na tela.
— Por que Yuliya está ligando para você? —
questiono.
Ele dá de ombros.
— Algo sobre querer dinheiro para loja dela…
Yuliya nunca pediria dinheiro a Vadim, as questõ es financeiras
sã o tratadas comigo. Se ela está com problemas, deve ter ligado para
mim e meu celular está em algum lugar que desconheço.
— Me dê seu telefone, Vadim — ordeno.
Vadim parece ficar na defensiva.
— Nã o é hora de dar ouvidos a Yuliya agora, Ibrahim. Vamos
cuidar da ferida e voltar para casa.
Mantenho meus olhos nele, firmes. Mesmo assim, ele parece
relutar. Sem mais opçõ es, eu uso a força para tirar o celular dele e
retornar à ligaçã o de Yuliya. Ela atende no segundo toque.
— Graças a Deus você atendeu, Vadim…
— Sou eu. O que aconteceu?
— Ibrahim, é mesmo você. Graças a Deus! Eu estou há dias
tentando falar com você…
As portas do elevador se abrem no primeiro andar e eu caminho
para fora com Vadim em meu encalço parecendo aflito.
— O que aconteceu?
Estamos do lado de fora em uma manhã ensolarada e Vadim vai
buscar o carro enquanto eu fico na calçada esperando. Meus olhos em
cada pedaço da rua.
— Sua tia trancou Zoey no subsolo do canil e não estamos
conseguindo contato com ela. — Yuliya hesita — O guarda-costas dela
disse que ela é claustrofóbica.
Meu corpo parece paralisar e meus olhos agora traçam todo o
caminho da estrada à minha frente, em busca de uma rota para chegar
ao aeroporto o mais rá pido possível.
— Há quanto tempo ela está lá , Yuliya? Quantos malditos dias? —
Cerro meus punhos, apertando meus olhos e praguejando mentalmente.
— Três dias completos. Nem comida ou água estão sendo
permitidos levar a ela. Por favor, não diga que fui eu. Só liguei porque Cora
foi me procurar…
Desligo a chamada. Discando o nú mero de Nikolai. Sã o mais de
cinco horas para eu chegar na Rú ssia, e se até lá ela nã o for tirada de lá ,
eu garanto que dessa vez minha tia conhecerá minha verdadeira face.
Quem ela pensa que é para tratar minha esposa como um animal?
​ tempo de voo é torturante. Todos os tipos de sentimentos estã o
O
enroscados em mim em uma espiral de destruiçã o e preocupaçã o, tento
falar com Nikolai até perder o sinal e nã o estou gostando do fato dele
estar me ignorando. A cada maldito segundo que se passa a minha
esposa está presa e apavorada dentro de um subsolo. Porra, como minha
tia pode fazer isso?
Eu pedi tanto a Cora para manter Zoey sob controle, longe de
todos, agora ela está há três dias presa no seu maior pesadelo. Meu peito
parece em chamas só de imaginar o pâ nico que ela está sentindo.
Vadim tem o cuidado de se manter longe de mim, minha ira será
direcionada a ele quando eu resgatar minha esposa, e assim como os
meus tios, ele também sofrerá um castigo por ter se mantido em
silêncio. Neste momento, a raiva só me deixa pensar em quem terei que
machucar se eu achar Zoey ferida.
Um instinto protetor se apossa do meu corpo, ricocheteia minha
mente tã o fortemente que tudo se torna uma nuvem cinza densa. Meu
coraçã o bate acelerado, meus punhos estã o cerrados e meu corpo
inteiro está rígido, como se qualquer movimento da minha parte
resultasse em algum machucado em Zoey. Até respirar se torna uma
tarefa difícil.
Quando o jatinho pousa, perto do começo da tarde, e vejo a neve
caindo. No maldito momento em que a porta do jatinho abre e a escada
desce, eu corro em direçã o ao carro que está na pista me esperando;
expulso o motorista e assumo a direçã o. Eu odeio dirigir carros, eles me
lembram do quanto tive que lutar para sair de um. Entrar dentro de um
equivale a relembrar a minha luta.
Estar ao volante nã o me traz conforto ou segurança.
Parece só me deixar ainda mais nervoso e em questã o disso faz
mais de uma década que nã o dirijo um.
Porém, nesse momento nã o se trata de mim, e quando dou
partida no carro, meu objetivo borra as lembranças sombrias na minha
mente.
Nã o sei quantas regras de trâ nsito eu passei por cima, as buzinas
sã o um borrã o. As coisas só começam a adquirir alguma clareza quando
meus pés pisam no gramado aos arredores da casa, quando saio do
carro.
Os homens ao redor da casa se alarmam, ouço alguém chamar
meu nome, e ignoro. A ú nica coisa que consigo fazer é correr pelo solo
revestido de neve e gelo. Corro como se minha vida dependesse do quã o
rá pido posso chegar lá , e sinto pessoas correndo atrá s de mim, gritando
meu nome.
Os cachorros começam a latir quando adentro no canil. Caio de
joelho, usando a força para levantar a porta de metal do subsolo. A
escuridã o me recebe em cheio, junto a um vislumbre perolado. No
momento em que a luz do dia adentra o espaço pequeno e fundo, eu
pulo lá dentro.
Meu coraçã o de ferro parece sofrer rachaduras que fazem com
que o sangue escorra em camadas grossas, quentes e viscosas, tã o
torturantes que minha garganta se fecha.
Deitada em posiçã o fetal, com a camisola suja de barro escuro,
assim como sua pele, está minha esposa. Tã o encolhida, como se seu
corpo inteiro estivesse sendo castigado por uma dor imensurável. Os
braços dela… Meu Deus, ela esfolou os braços com as unhas?
— Zoey? — Minha voz é tã o carregada que até mesmo eu nã o a
reconheço.
A seguro, tirando os fios de cabelo do seu rosto. Aqui está frio e
ú mido, mas ela está quente e suando.
— Zoey, vamos lá , querida. Vou te tirar daqui. — Seu corpo está
amolecido, como o de uma boneca de pano, e quando a ergo pelos
ombros e fito seu rosto, os olhos â mbar parecem mortos.
Mortos nã o. Sem vidas. Sã o como vitrais.
O rosto dela está tã o sujo… Ela está com a aparência de alguém
que foi exposta a uma tortura cruel. E ela foi. Prendê-la aqui embaixo,
longe de ruídos ou de qualquer luz, quando o maior medo dela é ser
presa em um cená rio como esse?
Os olhos dela sobem até onde a luz está vindo, e seu corpo
enrijece, um soluço agudo escapa dos seus lá bios e o tremor se espalha
por cada pedaço de mú sculo dela, as lá grimas começam a escorrer
copiosamente. Seus olhos baixam para o meu rosto e eu vejo os
sentimentos dela, como se tivessem grifados.
O cansaço e a dor que o horror lhe causou deixam o par de olhos
mais lindos que já vi em puro retrato de desespero. Como se estivesse
com medo de continuar presa aqui, ela joga seus braços ao redor do meu
pescoço, me agarrando com força.
— Nã o me deixe aqui! Nã o me deixe aqui! — Sã o frases repetidas
com loucura e desespero, suas unhas afundam na minha pele. — Me tire
daqui! ME TIRE DAQUI! — O seu grito se mistura com o choro, tornando
o som tã o angustiante que me corta profundamente.
Ela me aperta, com seu rosto contra meu ombro ela chora, grita
roucamente com soluços e ranho, que ela simplesmente nã o tem
controle. Esse estado me mata. Vê-la assim parece ser uma adaga
enfiada a cada som.
— Vou você tirar daqui. Você nunca mais passará por isso. Eu
prometo.
Passo meus braços sob seus joelhos e costas, me erguendo com
ela nos meus braços. Saio do subsolo, carregando-a sem muito esforço e
ao chegar no topo, encontro Cora, Yuliya, Nikolai e minha tia.
Devo ser a personificaçã o do mal encarnado, de um animal
selvagem, porque meus tios dã o um passo para trá s e abaixam os olhos.
Deixo claro, apenas com um olhar, que depois que eu cuidar da minha
mulher, eu virei atrá s deles. De todos os envolvidos nisso.
— Providencie comida para ela, e muita á gua — instruo a Cora,
com um rosnado, enquanto a mesma coloca um cobertor em volta de
Zoey.
Carrego-a apressadamente, com medo de que a adrenalina do
medo que ela sentiu escorra do seu corpo e o frio acometa seu corpo,
fazendo-a congelar com a descarga e a temperatura abaixo de zero.
Adentro nosso chalé, avançando para o andar superior. Yuliya se apressa
em entrar no banheiro conosco, e encher a banheira com á gua morna.
— Coloque-a no chã o, eu cuido disso. — Se prontifica.
Zoey continua me apertando e suando. Estou com tanta raiva
dentro de mim pelo que fizeram com ela, que simplesmente nã o terá
uma só pessoa que vai me tirar do lado dela.
— Eu cuido da minha esposa. Saia!
— Ibrahim…
Me viro na direçã o de Yuliya, com Zoey nos meus braços,
bufando.
— Eu disse pra sair! — declaro, com a voz tomada pela có lera.
Yuliya tem um sobressalto com meu tom de voz e obedece, sem
olhar para trá s, fechando a porta atrá s de si.
Com a banheira meia cheia, eu coloco Zoey dentro dela, tirando
sua camisola esfarrapada e suja no processo. Um som de alívio escorre
dos seus lá bios e ela segura com força nas bordas da banheira. Espero a
á gua chegar na altura perfeita para cobrir o má ximo do seu corpo antes
de começar a lavar seu rosto e cabelo, usando uma bucha para esfregar
sua pele.
​Zoey está tremendo, mas nã o é pelo meu toque. Ela está sentada,
completamente rígida. O frio finalmente a está alcançando e eu aumento
a temperatura da á gua.
​Eu dou banho nela. Tiro toda sujeira do seu corpo, até a pele branca
voltar ao seu brilho. Minha concentraçã o em limpá -la, minha
preocupaçã o em fazê-la ficar bem é maior do que o fato de estar vendo-a
nua pela primeira vez.
​ eixo-a na banheira, permanecendo ao seu lado, tocando sua pele para
D
deixar claro que estou aqui e ela está segura. Zoey ainda chora e seus
olhos estã o vermelhos, mesmo assim, ainda parece que a vida foi
drenada dela.
​— Você precisa se hidratar. Vamos sair, ok? — digo suavemente, me
levantando para pegar a toalha e o roupã o.
​Zoey agarra minha mã o antes que eu me levante por completo, me
olhando com toda angú stia que um ú nico ser humano é incapaz de
sentir.
​— Nã o vai embora outra vez, por favor? Fique comigo ou posso ser
jogada naquele buraco de novo. — Sua voz carrega mais pesar do que
seu rosto demonstra. — Nã o saia do meu lado, Ibrahim, por favor.
​Ela nã o está pedindo, está implorando e o sentimento na sua expressã o
me enche de compaixã o e ira. Ira por todos que a fizeram sentir na pele
o medo que vejo em cada traço do seu rosto.
​Aperto sua mã o molhada, mantendo meus olhos nos dela.
​— Eu nã o vou. Se eu sair dessa casa, você vem comigo — sussurro.
​Isso nã o parece ser o suficiente para afastar o assombro no seu rosto.
Me coloco de joelhos na frente da banheira e levo minhas mã os até o
rosto de Zoey. Faço-a olhar para mim, ver meu juramento a ela, a
proteçã o que a envolve emanando de mim. Também deixo que ela veja o
lado selvagem que está prestes a cometer uma atrocidade com quem
deixou ela por mais de 3 dias naquele subsolo.
​— Eu prometo a você que ninguém voltará a fazer isso. Ninguém mais
vai machucá -la. Onde quer que eu vá , você pode ir comigo, nã o vou
deixá -la sozinha. Eu prometo. — Sou firme em cada palavra, sem desviar
meus olhos dos dela.
​Uma lá grima cansada e solitá ria escapa do seu olho e sua cabeça pende
para frente, indo contra meu ombro. Afundo meus dedos no seu cabelo
molhado e abraço, acariciando sua cabeça, depositando um beijo na sua
têmpora.
​— Vamos, minha linda. Você precisa se hidratar e comer. Vou deixá -la
descansar depois que fizer tudo o que precisa para voltar a ficar bem —
falo baixinho, contra sua orelha.
​ oey assente e me deixa tirá -la da banheira. A cubro com um roupã o e
Z
seco seus cabelos na toalha, para tirar o excesso. Noto a sujeira embaixo
das suas unhas, como se ela tivesse arranhado as paredes para sair de lá
e quando nã o obteve sucesso, arranhou a si mesma, até encontrar uma
fuga na dor. Cuido de cada um dos arranhõ es, limpando-os e passando
uma pomada cicatrizante que encontro no banheiro.
​Cora e Yuliya estã o no quarto quando saímos do banheiro, Zoey parece
nã o assimilar a presença delas, é como se ela só se importasse comigo e
mesmo isso sendo uma sensaçã o fodida, nã o consigo parar de sentir
uma certa satisfaçã o pela importâ ncia que ela está me direcionando.
​— Podem sair. Se precisarmos de algo, eu chamo. — Dispenso Yuliya e
Cora. Todavia, Cora insiste em examinar Zoey.
​— O guarda-costas dela está detido em uma das celas por tentar libertar
ela. — Cora desvia seus olhos para as duas garrafas de á gua e a comida
que trouxe. — Aqui tem um ensopado de frango com batatas, menina.
Vai fortalecer você.
​Zoey ergue os olhos vermelhos e inchados para ela, forçando um aceno
de cabeça. Pego a garrafa de 1 litro e entrego a minha esposa.
​— Beba, vai te fazer se sentir melhor.
​Seus olhos baixam para a garrafa estendida na minha mã o, e eu
realmente espero que ela proteste, mas para a surpresa de todos ela
pega a garrafa e leva aos lá bios.
​— Com calma, linda. — Me apresso em controlar a pressa com a qual ela
engole o líquido, segurando a sua mã o. — Devagar ou vai se engasgar. —
Me sento ao seu lado, levando minha mã o até suas costas para fornecer
algum conforto.
​Depois de quase beber a garrafa toda, tento convencê-la a comer algo,
tendo uma recusa da sua parte. Ela balança a cabeça, subindo na cama.
​— Eu quero descansar, estou com sono. — Leva a mã o até o rosto,
esfregando-o.
​Só percebo que Yuliya e Cora ainda estã o no quarto quando me viro para
acomodar Zoey nos lençó is. Depois de deixá -la confortável, eu me volto
para falar com as duas.
​— Vamos conversar lá fora.
​ uliya assente e Cora já está de saída, assim como eu, quando sou
Y
surpreendido pela mã o de Zoey novamente. Olho para ela, destruída
emocionalmente. Seus dedos curtos e sua mã o pequena segurando meus
dedos com força.
​— Pode ficar até eu dormir? — sussurra, o cansaço pendurado em cada
palavra.
​Isso pega nã o só eu de surpresa, mas também as duas mulheres no
quarto. Aturdido, eu olho para Zoey. Ela realmente me pediu isso? Logo
para mim? Queria ouvir novamente essas palavras saindo da sua boca,
preencheu alguma parte de mim.
​Contendo o sorriso, e ouvindo a porta se fechar, eu me deito na cama, ao
lado dela.
​— Nã o vou a lugar algum, linda.
​Ela nã o solta minha mã o, nã o me afasta. Pelo contrá rio, ela se aproxima
de mim e encosta sua cabeça ao lado do meu corpo.
​ resultado do terror, depois de ser exposto, é perdurar na mente da
O
vítima sem prazo de encerramento. Basta fechar os olhos para que as
paredes voltem a se fechar em torno de mim, o chã o se tornar instável e
o ar ser drenado dos meus pulmõ es com uma agulha grossa e dolorosa.
Nã o importa o esforço que eu coloque para permanecer de olhos
fechados e mentalizar que estou segura, o terror continua me aninhando
e, ironicamente, estar pró xima de Ibrahim me fornece alguma espécie de
refú gio.
​Tenho a impressã o de que se ele estivesse aqui isso nã o teria acontecido.
Ele mesmo gosta de me torturar e odeia que outras pessoas mexam com
seu brinquedinho, e ver a fú ria acesa nos seus olhos me traz uma certa
familiaridade dos ú ltimos meses. Nã o sei quanto tempo passei naquele
buraco, mas nos momentos de clareza era em Ibrahim que eu pensava, o
invocava nos meus pensamentos.
​Eu sabia que a presença dele iria acabar com meu sofrimento. Minhas
esperanças de ser resgatada pela minha família viraram pó em algum
momento, enquanto estava dentro daquele lugar. Meus pais nunca
levaram tanto tempo para me encontrar, e eu já deveria estar de volta a
minha casa… Por que está demorando? Por que ainda nã o ouvi sobre
nenhum assassinato ou tentativa de invasã o? Meu pai amoleceu e meu
irmã o perdeu sua crueldade? Até mesmo minha mã e…
​ e mexo na cama, abrindo meus olhos, cessando a tortura mental por
M
estar de olhos fechados, revivendo o pâ nico uma vez atrá s da outra.
Minhas mã os estã o trêmulas e meu corpo dolorido. Nã o tenho certeza se
peguei no sono, mas ao ver a ausência de Ibrahim da cama e nã o ter me
dado conta de que levantou, indica que eu dormi.
​Estou apenas com o roupã o e meu cabelo está completamente seco, com
alguns nó s. Ergo meu tronco, sentindo meu rosto inchado e a barriga
vazia, deve fazer dias que nã o como, mais do que posso deduzir. A
fraqueza é presente no momento que levanto da cama e cambaleio para
trá s, com uma forte vertigem. Me manter de pé é um desafio, que ainda
assim, nã o me limita em caminhar em direçã o à porta do quarto.
​Me seguro nas paredes, forçando um passo atrá s do outro, me
arrastando escadas abaixo até começar a ouvir vozes.
​— …Isso explica as marcas no rosto dela. Quem mais está envolvido
nisso? — A voz de Ibrahim é tempestuosa, carregada como uma nuvem
de raios.
​— Nã o cabe a mim falar, o importante agora é que ela está bem. Se
tivesse demorado mais para conseguirmos falar com você, só iríamos
encontrar o corpo dela. Sua tia fez todos os homens fazerem vigília para
que ninguém chegasse perto do subsolo — Cora relata.
​Gostaria de continuar escondida ouvindo tudo o que eles têm para falar,
mas estou faminta e ficar sozinha é apavorante, como se eu fosse ser
jogada novamente no subsolo. Adentro a cozinha, atraindo a atençã o dos
dois, Ibrahim vem rapidamente ao meu encontro, segurando meu braço
para que eu chegue até a mesa.
​— Eu adoraria o ensopado agora, Cora, por favor.
​Os olhos rígidos da mulher me olham com pena e ela se apressa em me
servir uma tigela de ensopado com vá rios acompanhamentos.
​Ibrahim me analisa, o rosto imparcial, comparado a vertente de emoçõ es
que tinham horas atrá s. Ele está ao meu lado, sua mã o grande tocando
minhas costas.
​— Já soltaram Edan? — questiono com a voz baixa, rouca pelos gritos
que nã o parecem ter sido só uma imaginaçã o.
​ Ele está de volta ao dormitó rio, mas nã o é com ele que deveria estar

preocupada. Seu estado nã o é nenhum pouco agradável. — Ibrahim
parece se irritar com a minha pergunta e sua resposta é seca.
​Cora serve a comida e sem pensar duas vezes ou medir meus
movimentos, eu avanço até a tigela, deixando os talheres de lado, para
tomar direto do prato. O sabor preenche minha boca e o caldo desce
como se fosse uma cura, sinto meu estô mago se abrir em satisfaçã o no
momento que a comida chega até ele.
​Nã o devo parecer nada humana comendo neste momento, e isso nã o me
preocupa, tudo que eu quero é preencher o buraco na minha barriga.
Engasgo vez e outra, mas nã o desacelero o ritmo.
​Só quando me sinto mais que satisfeita, eu ergo meus olhos para
Ibrahim, limpando minha boca com as costas da mã o. Minha mente está
voltando ao normal, os acontecimentos antes de ser presa.
​— O que foi decidido na reuniã o que teve com meu pai?
​Ele retifica os ombros, se afastando de mim.
​— Vamos subir para o quarto.
​— Vai me contar o consenso que chegaram? Acho que nã o ganho nada
com isso já que ainda estou aqui, nã o é?
​Os olhos de Ibrahim assumem uma expressã o tã o rígida que eu engulo
meus questionamentos em seco e subo com ele para o quarto. Ele tranca
a porta e o cansaço junto a afliçã o se misturam em mim, eu olho para ele,
exausta.
​— Hoje nã o. Me deixe recuperar minhas forças, eu nã o consigo lidar com
seu desejo estando assim… — sussurro.
​Ele respira fundo, passando direto por mim para ir até o banheiro.
​— Eu nã o sou um monstro tã o terrível assim para comer você nesse
estado. — Volta ao quarto trazendo um pente e um ó leo de cabelo. —
Sente-se. Nã o estou interessado em sexo, pelo menos, nã o agora.
​Um certo alívio se apossa do meu peito e eu caminho até o banco da
cabeceira. Ibrahim se posiciona atrá s de mim, colocando meu cabelo
para trá s, enchendo sua mã o de ó leo antes de passar pelos meus fios
embaraçados.
​ le é alto demais e precisa ficar inclinado enquanto desembaraça meu
E
cabelo, com o rosto concentrado. Eu olho para ele, pelo espelho,
tentando decifrar esses olhos azuis, claros como o mar, sem aquela
expressã o maligna que me aterroriza quando ele está me punindo. Ele já
fez isso antes, pentear meus cabelos. Suas mã os grandes separam as
mechas do meu cabelo e sã o delicadas a cada escovada, e eu sinto essa
delicadeza causando arrepios na minha pele, fechando minha garganta
ao pensar que ele está tendo algum tipo de compaixã o de mim.
​E é esse pensamento que me faz ver o estado do meu rosto no espelho. O
lá bio cortado, cicatrizando, uma mancha esverdeada ao redor do meu
olho e um corte no supercílio… Meus olhos estã o apagados, minha pele
está seca e apagada.
Entendo porque ele nã o esteja interessado em sexo, minha
aparência de agora espantaria até o mais faminto dos homens. Abaixo
meus olhos, incapaz de continuar olhando para o estado de derrota que
me encontro.
— Se você está aqui e sem nenhum arranhã o, significa que a
negociaçã o foi bem. O que meu pai pediu a você? — Eu preciso saber.
Ibrahim começa a trançar meu cabelo, seus olhos sem entrar em
contato com os meus.
— Está se perguntando o porquê ainda está aqui, comigo? Por
que seu papai nã o veio salvá -la?
— O acordo era conseguir territó rio e poder sobre a Camorra e
ver meu pai de joelhos diante de você. Humilhado por ter a filha
manchada pelo inimigo. Conseguiu sua vingança contra ele, o que mais
poderia querer?
Ibrahim larga a escova, colocando suas mã os sobre meus ombros
e me olhando com intensidade pelo espelho.
— Se eu quisesse manchá -la, eu nã o teria me casado com você.
Seguir a tradiçã o da sua família de tirar sua virtude em matrimonio e
expor os lençó is. Em nenhum momento cheguei a manchar sua imagem,
ninguém poderá dizer que você é impura.
— Nã o venha com essa, você se casou comigo para ter direito a
qualquer exigência que fizesse ao meu pai. Ele nunca me deserdaria e ao
se casar comigo, você garantiu a chance de administrar o que me
pertence por nascimento. — Levanto-me do banco, enfrentando meu
marido ardiloso. — Você nã o se casou comigo para preservar minha
honra porra nenhuma!
Ibrahim apenas me olha com indiferença, e eu odeio isso. Odeio
que ele nã o esteja reagindo e nã o queira brigar comigo, quero que ele
perca o controle e me diga o que concordou com meu pai.
Preciso saber se tenho algum valor para o meu pai ainda. Isso
está me matando.
— Me casar com você foi uma cortesia, minha cara. Eu podia
apenas ter te sequestrado e te fodido sem assumir um compromisso,
isso doeria ainda mais no seu orgulho e do seu pai, mas eu fui cortês.
Claro que nã o vou ser hipó crita de dizer que nã o pensei nos benefícios
que me casar com você traria, e sinceramente, nã o foram eles que
pesaram na minha decisã o final.
— Claro que nã o. — Sorrio amargamente. — Você quis seguir
com o casamento para me transformar em Vassiliev, porque isso
machucaria mais meu pai do que ter a filha raptada, estuprada e
abandonada. Ter seu sobrenome impõ e ao meu pai a realidade de que a
filha dele agora pertence ao inimigo dele.
Ibrahim assente, cruzando os braços e com a expressã o ainda
mais fechada. Caminho até ele, me aproximando o suficiente para ficar
na ponta dos pés para confrontá -lo.
— O que meu pai pediu em troca de te dar o que você quer? Eu
tenho direito a resposta!
Algo faísca nos olhos de Ibrahim, algo tã o frio que seus lá bios
franzem rapidamente, antes da sua expressã o voltar à imparcialidade.
Ele se afasta de mim, virando as costas largas. Ele respira fundo antes de
olhar para mim como se buscasse controle.
— O que aconteceu com aquela Zoey de horas atrá s, que estava
me pedindo para nã o sair do lado dela, me segurando? Prefiro aquela
versã o a essa de agora. Você está procurando por uma discussã o, mas
nã o vou fazer isso hoje.
— POR QUÊ ? — Fervo — Ah, seu jeito de discutir comigo é me
punindo com seu pau? Me deitando de costas e montando em mim como
um animal no cio?
Ando até o centro do quarto, fazendo a mençã o de abrir meu
roupã o.
— Quer que eu trepe com você em troca de me dizer o que
acordou com meu pai? Podemos fazer isso! Você poderia ter dito antes.
Eu estar ferida nunca impediu você de me comer antes, nã o é agora que
vai funcionar.
Em um segundo estou abrindo meu roupã o e no outro Ibrahim
está fechando-o com firmeza, me olhando de uma forma dura e fria que
me deixa aturdida.
Segurando minhas mã os com brutalidade e o maxilar trincado,
ele me direciona o pior olhar que uma mulher pode receber.
— Sinto muito, esposa, mas nã o quero comer você — diz de
forma rude, largando minhas mã os e saindo do quarto sem olhar para
trá s.
Meu coraçã o parece sofrer um baque. Ele acabou de me rejeitar
​ u saio do quarto tã o rá pido quanto eu sou capaz, enfiando minha
E
respiraçã o pulmã o abaixo, até estar em um lugar seguro para soltá -la.
Nã o posso e nã o vou cair no confronto de Zoey enquanto ela estiver
machucada, traumatizada. Apenas de olhar para ela se pode ver o quã o
afetada ela está , e incitar uma briga entre nó s dois é uma consequência
disso. Ela está no modo autodestruiçã o e isolamento e, porra, como eu
gostaria de ter me enfiado dentro dela e estava prestes a fazer isso.
​Até mesmo agora, enquanto caminho a passos apressados para a
mansã o, eu penso em voltar e ficar com Zoey nesta noite fria. Recuperar
o tempo que passamos longe.
​Nã o foi só por isso que fugi, eu também nã o quero responder sua
pergunta. Nã o estou pronto para admitir que logo ela terá espaço,
voltará para casa e limpará seus vestígios de mim durante 10 dias. Nã o
sei o que farei com ela longe, e nem do que serei capaz quando ela voltar.
O que sinto por Zoey é como um vício em metanfetamina, me faz acessar
emoçõ es que achei estarem mortas, relaxa meus demô nios, e me faz
querer viver como há muito tempo nã o desejo.
​O que eu farei quando entrar em abstinência?
​Nã o deveria ter concordado com esse acordo, é evidente que isso é uma
armadilha. Kai nã o iria querer a guarda compartilhada da sua filha, ele
foi aquela reuniã o para resgatar a mesma, disposto a dar tudo por ela.
Marcella parece ter lido meu rosto, ela calculou algo e eu caí, porque
estou preferindo ser feito de idiota do que perder a razã o do despertar
das minhas emoçõ es fodidas.
​Entro na mansã o e meus tios já estã o esperando por mim, com
expressõ es cuidadosas. Nikolai já deve saber do meu acordo com Kai,
Vadim deve ter passado tudo para ele, ocultando, é claro, o que eu pedi.
Nã o quero que ele saiba que posso estar caindo em uma armadilha, isso
o faria tomar decisõ es precipitadas, como devolver Zoey. Ele faria isso e
eu acabaria matando-o, como quero fazer agora.
​— Filho… — minha tia começa, com a voz penosa e eu ergo a mã o.
​— A partir de hoje, se um de vocês chegarem perto de Zoey novamente,
eu vou tirar os dois dessa casa e mandar para qualquer parte do país
onde nã o irã o prejudicar ninguém. — Olho para minha tia, medindo-a da
cabeça aos pés. — Desde quando se tornou tã o cruel para prender uma
garota em um subsolo e privá -la de comida e á gua?
​As íris verdes brilham de chateaçã o, é algo tã o maligno que nã o consigo
reconhecer esta mulher como a que me criou.
​— Ela é uma Moreau! A filha do homem que matou minha irmã . Nã o me
diga que esqueceu que graças ao pai dela sua mã e teve uma morte lenta
e dolorosa, enquanto sufocava com o pró prio sangue? — Ela caminha na
minha direçã o, os ombros demonstrando sua tensã o e raiva. — Eu nã o
entendo a comoçã o em torno do que eu fiz. Nã o foi para isso que ela veio
para cá , ou eu me enganei e ela será a senhora da organizaçã o?
​— Ela é minha esposa e em momento algum dei autorizaçã o para
alguém, além de mim, tocar nela. Sou eu quem decide se Zoey chora ou
sorri. Eu nunca me esquecerei da forma como meus pais morreram
porque eu estava lá . Sã o vocês dois quem estã o se esquecendo a quem
pertence a autoridade dessa organizaçã o, e eu nã o vou hesitar em
mostrá -los.
​Nikolai está sentado no sofá , de pernas cruzadas, assistindo o
descontrole da minha tia e minha frieza se derretendo com a onda de
chateaçã o. Faz mais de duas décadas que nã o mostro nenhum
destemperamento e estar fazendo isso com a presença de Zoey deixa
claro para eles que ela está me afetando.
​ Eu nã o tive nada com isso, e nã o estava por perto quando sua mã e

trancafiou Zoey Moreau, se eu tivesse é claro que isso nã o teria
acontecido. Ela é nosso trunfo e machucá -la é como dar um tiro no
pró prio pé. Eu estava na cidade tratando de negó cios — Nikolai fala,
pacientemente.
​— O soldado que bateu nela, quero ele na minha pró xima caçada. Faz
tempo que nã o caço e ter uma isca anima meus â nimos.
​Minha tia arregala os olhos.
​— Ela o agrediu! Essa garota está fazendo sua cabeça, Ibrahim! Vai
sacrificar um dos nossos soldados mais fiéis por ter se protegido da
natureza ardilosa da garota que tem como esposa?
​Sorrio, incrédulo. Eu pensei em deixar minha tia passar por essa,
incapaz de machucá -la, mas vendo como ela faz questã o de despertar
meu lado protetor sobre Zoey, defendendo o agressor, faz com que eu
sinta uma necessidade obscura de puni-la. Ela nã o é a mulher doce que
me criou, me defendendo do mundo… Minha tia parece ter se
transformado em uma versã o deturpada de crueldade.
​Onde estava esse lado que eu nunca tive acesso?
​Balanço a cabeça na sua direçã o.
​— Acho que chegou o momento de sair do trono, tia. Se acomodou por
muito tempo dando ordens e vou considerar que isso a corrompeu.
​Ela pisca, temerosa.
​— Sua mã e agiu por impulso, isso nã o vai se repetir. Deixe essa histó ria
morrer e poupe o soldado. O outro teve uma morte horrível pelos
caninos da sua cachorra — Nikolai intervém, ao ver que estou prestes a
dar minha sentença, isso o faz se levantar do sofá com cautela.
​Continuo olhando para minha tia.
​— Ela nã o é minha mã e, e com certeza nã o merece nenhuma
consideraçã o quando nã o vê problema no que fez, e ainda ousa
argumentar sobre minhas decisõ es. — Olho para o anel em formato de
estrela no dedo de Nikolai e em seguida volto meus olhos para minha tia,
que está recebendo o golpe da minha negaçã o. — A partir de hoje, você
ficará encarregada dos serviços da mansã o e da preparaçã o da comida
dos homens. De todos eles. Evacue seu quarto de rainha e se instale em
um dos quartos dos serviçais. — Olho para suas roupas de marcas e
joias. — Cora cuidará das roupas que irá usar, e quanto a você, Nikolai…
— Olho para ele. — Devolva meu anel e procure se manter afastados dos
meus deveres. Vocês dois esqueceram que o herdeiro dessa porra sou
eu, e nã o vocês!
​Deixo os dois completamente sem palavras e reaçã o. Minha tia parece à
beira de um colapso e Nikolai está rígido quando viro as costas e volto
para o meu chalé.
​Nã o tenho nenhuma espécie de felicidade por fazer isso com eles, pelo
contrá rio, me sinto sujo, mal-agradecido por terem cuidado de mim e eu
estar escolhendo a filha do inimigo a eles. Afinal, eu nã o deveria punir a
minha tia, até uns dias atrá s eu tinha planos piores para Zoey e olhe eu
agora, tomando partido dela.
​O que eles fizeram com ela me enche com a mais viscosa e fervilhante
ira, eu nunca conseguiria deixar isso em branco sabendo que neste
momento, aquela garota está no quarto, com medo de fechar os olhos e
ser englobada pelo escuro, que mesmo com a temperatura abaixo de
zero, todas as janelas do quarto estã o abertas e seu corpo e rosto estã o
machucados… Eu nã o consigo admitir isso, e grande parte disso é minha
culpa.
​O fogo da raiva aquece meus ossos e sobe para minha cabeça, cutucando
o pouco autocontrole que tenho agora. Se eu for para o chalé, eu irei
descontar isso em Zoey, me enfiando dentro dela com força,
machucando-a ainda mais.
​Desvio o caminho e vou até o celeiro, onde guardo minhas armas. A neve
continua caindo, meu cabelo está cheio de flocos e meu corpo
produzindo mais calor que o normal, reconheço a primeira dose da
adrenalina no meu sangue no momento que seguro meu machado.
​Hoje é a noite de Mabi e eu caçarmos.
​A noite está perfeita para isso.
​Com meu machado na mã o, a camiseta branca amostra, eu vou até o
canil libertar minha Doberman, que trabalhou mais do que eu nos
ú ltimos dias, protegendo nossa dona.
​ la parece estar me esperando, quando a solto da baía ela me cheira e
E
começa a se dirigir para o lado de fora. Sua pelagem branca se
camuflando com a neve, eu a sigo até o dormitó rio onde os soldados
descansam. Sã o 23hrs. Alguns ainda estã o acordados jogando cartas,
assistindo TV… Procuro pelo meu alvo e antes de localizá -lo, eu sou visto
por um deles, todos se levantam ao notar minha presença. Entro na sala,
varrendo meus olhos até encontrá -lo.
​Aponto meu machado até ele.
​— Você. Me acompanhe.
​O homem de estrutura média e olhos franzidos engole em seco.
​— Senhor, tenho ordens da senhora sua mã e para permanecer aqui até
segunda ordem. — Sua voz vacila.
​Sorrio.
​— Isso é uma segunda ordem e se eu tiver que chamá -lo novamente,
será bem pior — aviso-o.
​Ele se ergue, com todos em silêncio como, se qualquer movimento fosse
resultar em meu machado cravado no crâ nio deles. Eu amo a sensaçã o
de medo, e Mabi, que está ao meu lado, também parece sentir a mesma
coisa que eu.
​— Você nã o precisa de sapatos e nem de um casaco, vai ser um passeio
rá pido. — Mantenho o sorriso quando o vejo tentar se arrumar para sair
comigo.
​O homem fraqueja.
​— Mas senhor, está congelando lá fora, por favor.
​— Você nã o vai sentir frio, acredite em mim. Vai estar ocupado demais
para isso.
​— Senhor… Por favor! — A lamú ria engloba cada palavra trêmula que
sai da sua boca. Os outros soldados baixam a cabeça.
​Faço a mençã o de sair da cabana para me antecipar em chegar no
bosque, mas antes, eu me viro para os meus homens.
​— O primeiro que trouxer ele para mim vai ganhar a cortesia de nã o
morrer da mesma forma esta noite, e o que se recusar pode ser
arrastado com esse aí.
​ scuto ele implorar, e em seguida, ser pego pelos homens e arrastado
E
para o bosque atrá s de mim. Ele implora, reza e pede perdã o enquanto é
arrastado pela neve, apenas de pijama. O percurso até o bosque é de 10
minutos e quando chegamos lá os dois homens que o estã o arrastando,
jogam o agressor da minha esposa aos meus pés e voltam para a cabana.
​Jogado na neve, tremendo de frio e com lá grimas descendo pelo seu
rosto, ele une as mã os e começa a esfregá -las.
​— Por favor, eu imploro, meu senhor. Eu tenho uma família, sou o
provedor da minha casa! Eu imploro! Nã o me mate! NÃ O ME MATE, MEU
SENHOR! — Ele agarra meu pé, encostando a testa na minha bota
enquanto continua a implorar.
​Mudo o peso de uma perna para a outra.
​— Quem bateu mais na minha esposa? Você ou seu colega? — questiono.
​— Ele!
​— Nã o é o que parece, soldado. As marcas no rosto da minha esposa
parecem ter sido feitas por alguém que usa anéis, exatamente como
esses que você tem nos seus dedos. — Respiro fundo, expirando uma
fumaça quente dos meus lá bios e nariz. — Você gostou de bater em um
Moreau? Sentiu alguma espécie de poder ao fazer isso?
​Ele ergue sua cabeça na minha direçã o, demonstrando todo seu medo e
angú stia, e isso nã o é nada comparado ao que havia no olhar de Zoey,
quando a tirei daquele buraco, e o que poderia ter acontecido com ela se
Mabi nã o tivesse aparecido. Só de pensar nisso eu estremeço de raiva.
​— Está vendo aquela bandeira vermelha há 20 metros de onde estamos?
— Aponto para a bandeira acesa pela luz da lua, balançando ao vento, no
alto de uma á rvore — Se você for rá pido e chegar nela, você vive feliz e
saudável.
​Mabi começa a rosnar e o homem olha para ela e depois para mim, como
se me pedisse por algo. Me abaixo para acariciar a cabeça de Mabi, me
demorando, até acalmá -la.
​— Você ainda nã o está correndo por quê? — sussurro sem olhar para
ele e antes que as palavras saiam completa da minha boca, o homem se
ergue e começa a correr.
​ fundando na neve e arfante pelo medo e adrenalina. Assisto ele correr
A
pelos pró ximos cinco metros antes de me levantar e posicionar meu
machado nas minhas mã os.
​Faz muito tempo que eu nã o o uso, será que consigo acertá -lo dessa
distâ ncia? Mabi volta a rosnar, e eu espero pacientemente antes de
começar a caminhar a passos largos e pegar impulso para arremessar o
machado.
​O som dele rodando no ar, cortando o vento é mú sica para os meus
ouvidos e muniçã o para a adrenalina no meu corpo. Quando a lâ mina
grossa e afiada crava no crâ nio do homem, dando apenas três segundos
dele em pé antes de cair no chã o, eu sorrio. O corpo cai de frente, em um
barulho surdo, amortecido pela neve. O sangue que escorre da sua
cabeça mancha a neve e antes que eu possa dar permissã o, Mabi corre
para devorar nossa caça.
​Eu avisei que isso nã o iria demorar muito, mas com certeza o processo
de tirar a pele que sobrar dele, vai me levar alguns bons minutos. Mabi
adora o tecido humano torrado e eu sempre faço toda a escalpelaçã o
para servir a ela o fruto da nossa caça, assim como alguns ó rgã os vitais
para todos os cachorros do canil.
​ braço meus joelhos, descansando minha cabeça neles, enquanto olho
A
para o céu branco do lado de fora da janela. O nó formado em meu peito
parece ficar mais apertado a cada dia que passa, e quando eu respiro
sinto uma dor fantasma esmagando minha mente. Já se passou uma
semana desde o que aconteceu comigo, e Ibrahim tem se mantido
distante. Nã o tenho saído do quarto e quando o vejo, nã o nos falamos.
Ele entra para tomar banho, se trocar e sai, no outro dia, a mesma coisa.
​Ele nã o fica para conversar e nã o me toca, as poucas vezes que trocamos
olhares, ele desvia, como se olhar para mim fosse desagradável e eu
odeio que isso esteja me afetando. Devo ter desenvolvido algum tipo de
vínculo das nossas fodas, porque estou começando a sentir saudades de
como sentir dor e ser usada, me fazia esquecer de tudo ao meu redor.
​E é isso que eu quero. Quero esquecer tudo. O terror que me persegue à
noite e a cada vez que fecho meus olhos. A tristeza está sendo abafada
por raiva e ressentimento quando os dias se passam e eu nã o vejo
nenhuma movimentaçã o, nenhum ato de resgate.
​Onde estã o meus pais e irmã o? Eles deveriam estar colocando fogo em
tudo isso ao meu resgate. Esse silêncio está me corroendo, estou em
agonia e morrendo lentamente em meio a tanto desprezo, ó dio e
vingança. Minha saú de mental está indo para o lixo e minha resistência
está ruindo. Ter me jogado naquele buraco escuro e ú mido foi um bom
jeito de me domesticar, principalmente juntando ao fato de que ninguém
está vindo ao meu socorro.
​Minha fé em um salvamento está abalada, vá rias teorias estã o
começando a serem forjadas na minha mente. Dú vidas cruéis, como se
eu nã o conhecesse a minha família.
​E, se meu pai não está fazendo nada, por que agora sou uma vergonha
para ele?
​Alessio deve estar com raiva de mim por eu ter me entregado tão fácil.
​Minha mãe deve achar que estou aqui de boa vontade, Nikolai pode tê-la
convencido disso.
​Mas, minha família nã o é assim. Nó s vamos até o fim do mundo um pelos
outros… Entretanto, estou aquecendo a cama do homem que me violou
na nossa primeira noite, porque Vittorio me entregou a ele. As coisas
podem ter mudado, meus pais podem ter sofrido uma lavagem cerebral
e achar que estou bem aqui.
​Aperto minha cabeça com as mã os, grunhindo de agonia com esses
pensamentos conflitantes. Eu estaria tã o tranquila se pelo menos
soubesse de algo, mas até Edan está estranhando nã o ter acontecido
nada, ele me pressionou a continuar perguntando a Ibrahim o que foi
decidido na reuniã o entre ele e meu pai, mas nã o tenho tido a chance de
interrogá -lo, e quando tive, ele saiu porta a fora. Me desprezando. O
desejo que ele sentia por mim parece ter escorrido e eu deveria ficar
feliz por nã o estar sendo usada como antes, mas ao invés disso, minha
mente está ferrada o suficiente para sentir falta disso.
​Levanto-me da cama, com minha camisola branca de seda e caminho até
o banheiro para lavar meu rosto; encontro meu reflexo no espelho e
desprezo a aparência abatida e chorosa que vejo ali. Eu nunca fui assim.
Meus olhos nunca decaíram tanto… Estou parecendo um zumbi cheio de
raiva. Meus lá bios estã o trêmulos e minha pele mais pá lida do que
nunca, quase da mesma tonalidade da neve congelada no chã o do lado
de fora.
​Desço meus olhos para os arranhõ es cicatrizados, desaparecendo da
minha pele. A dor parece ser atrativa em momentos como esse, talvez
seja só nela que encontrarei algum refú gio. Olho para a navalha que
Ibrahim usa para se barbear e eu sinto as batidas lentas do meu coraçã o.
​O quã o fodida minha mente deve estar para eu pensar em tal coisa?
Engulo minha saliva mantendo meus olhos na lâ mina brilhante, balanço
minha cabeça, com uma parte do meu cérebro me condenando, e a outra
parte atiçando minha vontade de cortar minha pele em busca de alguma
dor.
​Com a mã o firme, eu a estendo de forma lenta, as batidas do meu
coraçã o sendo sentida a cada centímetro mais perto, e entre um
centímetro entre meus dedos e o objeto de desejo, uma voz grossa e
autoritá ria me faz ter um sobressalto.
​— O que você está fazendo? — Olho para o meu lado esquerdo, vendo
Ibrahim com os olhos azuis céticos, entre mim e a navalha na pia.
​Me mantenho no lugar, afastando minha mã o.
​— O que faz aqui? Já se cansou de Yuliya? — Tiro meus olhos dos dele,
pronta para voltar para o quarto, mas antes que eu passe pela porta,
Ibrahim me segura pela cintura.
​Odeio a sensaçã o quente que seu toque me causa, como alguma parte
em mim parecesse derreter com o toque dele. Isso é tã o errado…
​— Por que acha que eu estaria com Yuliya? — Sua voz é baixa,
concentrada assim como seus olhos no meu rosto.
​— Nã o acho, tenho certeza. Se nã o estava com ela, com certeza com
outras que passou essa semana inteira. — Afasto sua mã o da minha
cintura, caminhando para o quarto com uma inquietaçã o no peito. — Eu
nã o me importo com quem esteja fodendo, tudo o que estou querendo
de você é saber o que me pai te pediu. — Olho para ele. — Me diga,
Ibrahim. Estou cansada de tentar adivinhar.
​O homem à minha frente se esquiva da ú ltima parte do que eu falei e
continua me olhando intensamente.
​— Eu nã o estava com Yuliya, nem com nenhuma outra mulher. Nã o no
sentido que você está pensando, esposa.
​Passo a mã o pelo cabelo, exausta.
​— Nã o me importo com quem esteve, apenas responda a minha
pergunta! — Meu tom saiu alto, exasperado, e isso faz com que Ibrahim
se aproxime de mim.
​Seu tamanho causa uma sombra que cobre todo meu corpo, e eu preciso
erguer a cabeça para olhar nos olhos azuis dele. Ibrahim fica segundos
inteiros me olhando, dissecando minhas camadas, como se tivesse em
busca de alguma resposta, ou ele só está vendo os frangalhos da minha
mente.
​Eu respiro fundo, inalando seu cheiro e sou acertada por uma onda de
familiaridade que me leva a dias bons e ruins. Ele se inclina em minha
direçã o, seu rosto tã o pró ximo, que sinto sua respiraçã o controlada ao
passo que a minha fica presa.
​— Vamos a um lugar juntos hoje e eu contarei o que seu pai e eu
decidimos. Se você tentar alguma gracinha como escapar, eu vou te
trazer de volta pelos cabelos e te acorrentar na cama — sussurra com
firmeza.
​Um sorriso sem humor se forma nos meus lá bios e eu pisco os olhos em
desafio. Sei muito bem que ele é capaz disso e de me trancafiar dentro
daquele buraco, é por isso que nã o deixo o desafio escorrer para minha
boca.
​— Coloque algo que garanta que nã o vá congelar — aconselha.
​— Para onde estamos indo?
​Ele se afasta, expirando com força, ao me dar as costas para sair do
quarto.
​— Estarei esperando lá embaixo.
​Antes que eu possa perguntar novamente para onde estamos indo ele
desaparece, batendo a porta do quarto. Fico alguns segundos parada,
tentando criar uma rota para o destino, mas nada agradável surge.
​Caminho pro closet, para escolher uma roupa, vendo que uma já está
separada em um cabide. Uma calça jeans preta forrada e uma blusa de
manga longa, com um casaco térmico, junto a botas de salto baixo.
Eu visto tudo depressa, alcançado as luvas pretas,
que compõ em a tonalidade escura do que estou vestindo. Deixo meu
cabelo solto e desço as escadas. Ibrahim e Cora estã o na entrada e
quando me veem chegar, analisa meu corpo dos pés à cabeça.
Observo dois capacetes nas mã os de Ibrahim e um frio sobe pela
espinha. Ele só pode estar louco.
— Nã o vamos voltar hoje, mantenha o chalé
fechado, com as luzes apagadas.
Cora assente.
Ibrahim coloca a mã o no meio das minhas costas, me
incentivando a caminhar para o lado de fora, onde a noite já caiu e a
neve cessou. Na entrada do chalé tem uma moto preta, e
assustadoramente grande.
— Nã o está me dizendo que vamos andar nisso com as estradas
congeladas, nã o é? Nem pensar, Ibrahim! — protesto.
Ele dá de ombros, preparando os capacetes.
— Algum problema em andar de moto, princesinha? É delicada
demais para subir na garupa?
Bufo.
Alessio e Vittorio nunca foram fã s de motos e eu nunca subi em
uma. Tínhamos motos na garagem, uma dezena que nã o eram usadas.
Nunca subi em uma e nesse inverno rigoroso é a mesma coisa de estar
pedindo para morrer.
— Você realmente me odeia, isso eu já entendi, mas arriscar sua
pró pria vida para me matar, nã o é um pouco demais?
Pela primeira vez eu vejo Ibrahim sorrir. Um sorriso de verdade,
que estica seus lá bios naturalmente e faz os cantos dos seus olhos
franzir e brilharem tã o lindamente que eu perco meu fô lego.
Ele parece tã o jovem sorrindo.
Tã o inocente.
Posso sentir meu coraçã o batendo.
— Eu nã o dirijo carro, passei grande parte da minha vida em
cima de uma moto. Em todas as estaçõ es. A ú nica coisa que deveria se
preocupar é se está pronta para passar uma noite fora de casa comigo.
— O que você poderia fazer fora dela que já nã o fez aqui? — Algo
pesa no meu peito e eu fecho minha expressã o. — Nã o importa o lugar,
você sempre vai tomar o que quiser de mim sem pensar nas
consequências. Só vai parar com isso quando nã o sobrar mais nada em
mim que possa drenar.
Os olhos que estavam com um brilho radiante obscurecem e seus
lá bios se tornam uma linha rígida. Nó s dois ficamos nos encarando por
segundos, mastigando minhas palavras, medindo o peso delas e quando
acho que o atinge de alguma forma, um sorriso amargo se desenha nos
seus lá bios.
— Nó s dois somos a ruína do outro, Zoey. Assim como você, eu
nã o vou sair impune disso.
— O que quer dizer com isso? — inquiro.
Ele caminha até mim, colocando o capacete e prendendo, seu
dedo faz uma carícia no meu queixo enquanto seus olhos se aprofundam
nos meus.
— Um dia você vai entender que nã o é a ú nica que está sendo
punida. — Seu sorriso passa de amargo para melancó lico.
Ele coloca o capacete, baixando a viseira e sobe na moto, observo
a cena desse homem gigante fazendo essa moto parecer um brinquedo.
Ibrahim bate no assento de trá s da moto e eu permaneço parada no
lugar.
— Você nã o quer saber o acordo que seu pai fez comigo? É
melhor subir.
Nã o preciso de incentivo melhor que esse para segurar nos
ombros dele e subir na moto que é grande demais para mim.
— Segure-se em mim o mais forte que conseguir — avisa,
ligando-a.
Assim que ele dá partida, meu corpo vai para a frente, eu agarro
sua cintura com meus braços, apertando sua jaqueta de couro. Estou
empinada no banco alto e debruçada para segurar em Ibrahim, a
velocidade aumenta quando saímos da propriedade e o som alto do
motor preenche meus ouvidos e todo o trajeto.
Ibrahim nem mesmo vai devagar, e em algum momento o medo
em mim passou a ser excitaçã o, ao sentir o vento gelado no meu rosto,
os carros sendo deixados para trá s e as luzes se tornando piscantes a
cada metro corrido. Fecho meus olhos, agarrada a Ibrahim, sentindo
pela primeira vez, depois de muito tempo uma sensaçã o de liberdade,
onipotência. Fecho minhas pernas ao redor de Ibrahim e o aperto mais
forte, enquanto peço com euforia para que ele vá mais rá pido.
Sem nem mesmo hesitar ao me ouvir gritar por isso, ele acelera
no meio de uma pista com poucos carros e gelo pelo acostamento. Meu
rosto está congelando, mas a sensaçã o de liberdade está enchendo meu
peito. O vento faz meus olhos lacrimejar e seca meus lá bios… Uma
pessoa em sã consciência nã o gostaria disso, mas eu estou amando.
Finalmente os resquícios daquele buraco estã o saindo do meu
corpo e mente e eu estou recuperando minha alma ativa e desafiadora.
Ibrahim parece fazer uma volta pela cidade antes de chegarmos a
um hotel, claramente de luxo. O porteiro parece conhecê-lo mesmo antes
dele tirar o capacete, porque assim que chegamos somos recepcionados.
Com o corpo dormente, tenho ajuda para sair da moto e retirar o
capacete, enquanto Ibrahim age naturalmente.
— Senhor, é uma honra tê-lo aqui esta noite. — O senhor de idade
sorri, desviando seus olhos para mim — Entã o, essa é a nova senhora
Vassiliev?
Ibrahim entrega nossos capacetes ao manobrista e vem para o
meu lado, passando o braço em torno da minha cintura.
— Essa é Zoey.
O senhor, que eu nem mesmo sei o nome, apenas sorri
abertamente e aperta minha mã o, sorrio de volta antes de ser levada
para dentro do hotel por Ibrahim. O recepcionista lhe entrega a chave do
quarto e nó s dois caminhamos para o restaurante do hotel. O braço dele
se mantém firme ao redor de mim e ele me guia até uma mesa redonda
de dois lugares, e por incrível que pareça, ele puxa a cadeira.
— É uma surpresa que se importe com as pessoas ao nosso redor
para ser um cavalheiro comigo. — Comento tirando minhas luvas
quando me sento à mesa.
— Nã o me importo com a opiniã o de ninguém, e desde que você
se comporte, posso ser mais do que um cavalheiro esta noite.
​Se senta à minha frente, também tirando suas luvas de couro. Chega a
ser engraçado como tudo parece pequeno para um homem do tamanho
dele: a mesa, a cadeira… tudo parece minú sculo.
​— Por que um hotel ao invés da floresta novamente? Existe algum
motivo para estar sendo cordial comigo? — questiono.
​Colocando as duas mã os em cima da coxa, ele parece estranhamente
relaxado e, olhando bem agora, percebo que sua aparência mais jovem
vem de um novo corte de cabelo e barba feita.
​Por que nã o percebi isso antes? E por que estou ficando quente?
​— Nã o ultrapasse os limites esta noite com voltas ao passado, apenas
aproveite o momento e a minha boa vontade em te tratar bem. Nã o
quero brigar esta noite, Zoey. — Respira fundo.
​Semicerro os olhos, tentando entender o que está acontecendo e o que
ele quer com isso, mas se ele está disposto a manter a civilizaçã o esta
noite, eu também posso fazer isso.
​O garçom se aproxima da mesa e Ibrahim faz o pedido em Russo. Desvio
meus olhos dele quando um magnetismo começa a me puxar para os
detalhes do seu rosto, que estã o realçados pelo corte de cabelo e a barba
feita.
​Eu sei que ele é mais velho do que eu, mas nã o sei a idade certa. Com
certeza mais velho que meus irmã os. Quando o garçom vai embora,
Ibrahim volta a olhar para mim, com esses pares de olhos mais
cristalinos que já vi na minha vida.
​— Tem algo deixando você desconfortável? — Seus olhos varrem o
salã o, inflexíveis.
​— Nã o, só faz muito tempo que nã o vejo outras pessoas ou vou a um
restaurante. Parece uma coisa nova.
​Ele volta a relaxar.
​— Você precisava disso depois do que aconteceu na minha ausência.
Considere isso como um pedido de desculpas da minha tia.
​Uma risada sem humor escapa dos meus lá bios, fazendo Ibrahim prestar
atençã o neles e discretamente, ele passa a língua pelos seus pró prios
lá bios.
​— Nã o esperava nenhuma hospitalidade da sua família e organizaçã o,
mas com certeza fui surpreendida pela açã o dela. Ela tem um grande
ó dio por mim.
​ Nã o vamos falar sobre isso hoje. Aproveite sua noite livre da minha

família e do ó dio dos meus homens. Está em um ambiente seguro com
tudo ao seu favor. — Seus olhos brilham com um certo divertimento e eu
respiro fundo.
​O garçom chega com uma garrafa de vinho e apenas uma taça. Ibrahim o
dispensa e serve minha taça.
​— Você bebe, nã o é? Seu pai te criou com as raízes italianas, entã o deve
secar essa garrafa sem nenhum problema.
​Há quanto tempo nã o coloco uma gota de vinho na boca? A ú ltima vez
foi em uma comemoraçã o com a minha mã e há 3 anos?
​O que me surpreende nisso tudo é o vinho que está sendo servido. O
meu preferido. Seria normal se estivéssemos na Itá lia ou na minha casa,
mas aqui? Isso nã o é nenhuma coincidência.
​Encaro Ibrahim enquanto ele termina de servir a minha taça. Nã o digo
nada. Nã o quero dar qualquer muniçã o a ele sobre mim, e por mais
curiosa que eu esteja para saber como ele sabe disso, eu nã o vou
perguntar.
​— Quantos anos você tem mesmo? Acho que nunca perguntei sobre isso.
— Levo a taça até os lá bios.
​Ele ergue a sobrancelha, relaxando na cadeira.
​— Curiosa para saber quantos anos nos separa do convencional, esposa?
​— Você tem cara de velho, quero saber o quã o velho é.
​Outro sorriso e o vinho parece borbulhar pela minha garganta. Eu quase
me engasgo.
​— Farei 36 em breve.
​É a minha vez de sorrir com humor e eu posso jurar que Ibrahim ficou
duro na cadeira.
​— Você tinha 29 anos quando me assediou, eu tinha apenas 17. Isso se
classifica como pedofilia. Sua organizaçã o nã o despreza isso?
​Isso nã o o afeta, seus olhos parecem brilhar com mais intensidade.
​— Isso só pode ser uma piada comparando a diferença de idades das
garotas da Camorra que se casam com homens que já tinham esposas.
Nã o é a sua tia Emília, cujo cunhado a condenou ser uma incubadora, ser
esposa de um homem com mais de 20 anos de diferença?
​ ngulo o vinho junto com seu contragolpe.
E
​Nosso jantar chega, e para me deixar ainda mais surpresa, o prato
servido é macarrã o com almô ndegas. Meu prato preferido desde que eu
era uma criança e vivia pedindo para minha mã e preparar todo final de
semana. Ibrahim está jogando algum jogo, e eu nã o vou cair em
questionamentos, ele nã o tem como ter certeza de que essas sã o minhas
coisas preferidas se eu nunca falei, ele está apenas supondo até que eu
confirme.
​Jantamos em silêncio, com ele me notando durante todo o tempo,
estudando cada pequena açã o da minha parte enquanto eu tento ao
má ximo ignorar sua presença.
​Nó s nã o pedimos a sobremesa e quando chega o momento de subirmos
para o quarto, eu chego à conclusã o de que ele vai aperfeiçoar esse jogo
quando for me tomar na cama.
​O vinho que havia me deixado leve está começando a pesar no meu
estô mago e na cabeça, e a cada passo até chegar na suíte, eu imagino que
ele nã o terá piedade nenhuma, que essa será uma das noites que ele nã o
vai parar nem mesmo para tomar ar.
​Quando eu entro na suíte de conceito aberto mostrando toda a beleza da
noite Russa em seus prédios iluminados, sou surpreendida pela mã o de
Ibrahim que segura meu pulso e me puxa para ele.
​Sou pega completamente de surpresa ao sentir seus lá bios nos meus.
Ferozes. Um beijo quase desajustado pela diferença de tamanho que ele
logo resolve ao me erguer em seus braços, tirando meus pés do chã o e
encaixando nossos corpos e lá bios.
​Eu nem mesmo consigo fechar os olhos.
​Meus batimentos batem loucamente e a ú nica coisa que consigo pensar
é que ele está me beijando e que seus lá bios sã o macios e quentes, mas
apressados e impiedosos sobre os meus.
​ s lá bios dela tem um gosto melhor do que me lembro da noite do
O
casamento, quando tive um pequeno gosto deles, mas agora, que posso
devorá -los, lamber e me saborear com o gosto doce, o descontrole fica
nítido para nó s dois. Eu sabia que devia ter ficado longe desses lá bios,
desde o primeiro momento, eu sabia.
​Com Zoey nos meus braços, as pernas em torno do meu quadril, eu a
empurro contra a parede, enfiando minha língua dentro de sua boca de
forma selvagem. Um de nó s dois geme e eu nã o tenho certeza se foi ela
ou eu.
​Afundo meus dedos no seu cabelo enquanto danço com meus lá bios
sobre os dela, ditando o movimento que parece ser bruto demais para
ser acompanhado e o qual Zoey está se esforçando para entrar em
sincronia. Desço uma das minhas mã os até a lateral da sua coxa grossa,
apertando por cima do tecido jeans grosso, sedento para deixar minhas
marcas nela.
​Meu pau está duro desde o momento que entramos no elevador e ela
começou a passar a língua pelos lá bios para capturar o ú ltimo gosto do
vinho que tomou. E porra, ele ainda está aqui e eu estou me
embriagando com ele.
​— Nã -nã o consigo respirar — ela arfa contra meus lá bios, e eu puxo os
fios de cabelo que estã o ao redor dos meus dedos.
​ Essa é a intençã o, minha putinha. Sugar tudo de você, até seu ar. —

Desço meus lá bios para o seu pescoço, abrindo os primeiros botõ es do
casaco.
​Zoey está ofegante e quente, e pelo modo como está apertando suas
pernas ao meu redor eu tenho a certeza que o beijo bruto a deixou
excitada.
​Beijo sua garganta macia, sugando a pele do lugar e mordendo
suavemente, enquanto me controlo para nã o machucá -la, mas isso é tã o
difícil. Zoey desperta meus instintos mais primitivos e eu só quero fodê-
la da forma mais crua possível, até a exaustã o, e até mesmo assim eu nã o
me sentiria saciado.
​Depois de uma semana resolvendo questõ es da organizaçã o, apó s ter
tirado Nikolai do meu cargo, meu nível de abstinência por minha esposa
está elevado.
​— Ibrahim… — geme ao me ver arrancar seu casaco e retirar a blusa de
frio sob ele. — Você quer fazer isso sem roupas?
​As duras custas, eu ergo meu olhar até o seu, vendo as íris amarelas
acesas como uma lâ mpada incandescente.
Esta pode ser minha ú ltima noite com ela, amanhã ela estará
embarcando para Las Vegas com os homens do seu pai, tracei um plano,
mas ele nã o me garante com toda certeza do mundo de que terei Zoey
novamente, é por isso que esta noite eu quero tudo com ela.
Quero seu corpo completo, sentir sua pele como nunca fiz desde
que nos casamos.
— Eu quero tudo esta noite. Seu corpo, sua alma e até mesmo seu
coraçã o. Me dê tudo que tem, Zoey Moreau, e eu prometo te
recompensar por isso.
Ela pisca e eu levo meus lá bios até os dela antes de retirar
completamente sua blusa e deixá -la com o tronco coberto apenas pelo
sutiã preto de renda. Ela move seus lá bios junto com os meus, suas mã os
em meus ombros, apertando-os, como se isso fosse demais para ela.
Carrego-a até a cama, deitando seu corpo e cobrindo-o com o
meu. Me alojo no meio das suas pernas com minhas mã os explorando
seu abdô men quente, até a curva da sua cintura fina, sem tirar meus
lá bios famintos do dela, depositando meu peso nos braços para nã o
esmagá -la.
Eu estou em necessidade, atingindo a irracionalidade, e ela
parece estar me testando porque quando desvio meus lá bios para
receber a visã o dos seus seios redondos e inchados, Zoey me empurra
para se desvencilhar de mim.
— Que porra, Zoey? — Rosno enfurecido enquanto ela pula para
a beirada da cama até ficar de pé.
Ela para no centro do quarto, passando as mã os pelo cabelo, me
olhando de forma analítica e com um desamparo que freia meu instinto
de avançar nela e jogá -la na cama.
— Você esteve com Yuliya nessa ú ltima semana? — Seu
questionamento é baixo, como se ela se envergonhasse da pergunta.
Me sento na cama, meu pau pulsando ao ponto dele e minhas
bolas estarem doloridas apenas por ver ela de sutiã com essa pele pá lida
amostra.
— Por que eu estaria com Yuliya? — Suspiro pesadamente,
passando a mã o pelo rosto.
Zoey fica em silêncio como se a resposta fosse ó bvia, e eu preciso
de dois segundos para clarear a minha mente em meio a tanto tesã o
acumulado. Olho bem para a minha esposa.
— Nã o. Eu nã o estive com ela ou com qualquer outra mulher, e é
por isso que aconselho você voltar para os meus braços e me deixar te
comer. Estou faminto, Zoey. Faminto por você. — Levanto-me da cama,
dando um passo moderado na direçã o dela, com o corpo rígido de
desejo. — Sabe como foi difícil me controlar nessa ú ltima semana para
nã o tomá -la para mim sabendo o quã o assustada você estava?
Os olhos redondos parecem ficarem maiores e a beleza deles,
envolto desse rosto angelical com madeixas negras, é minha perdiçã o.
Minhas palavras soam como rosnados necessitados de tamanha
fome que corre pelas minhas veias.
— Faz muito tempo que nã o sinto uma tortura como é a de estar
no mesmo local que você e nã o poder te tocar, Zoey Moreau. Todas as
noites, nesses ú ltimos sete dias, eu entrei no nosso quarto e assisti você
dormir, sem poder tocar um ú nico dedo em você, porque se eu o fizesse,
eu nã o iria conseguir parar. Você é pior do que um vício e quanto mais
eu luto para ficar longe, mais eu fracasso. Eu nunca desejei algo ou
alguém como desejo você e estou prestes a explodir se nã o me deixar
tocá -la, me enfiar em você sem nenhuma camada de roupa nos
impedindo de nos tocar.
Só percebo que estou prendendo seu corpo contra a parede de
vidro quando a vejo respirar de forma rasa e comprimir o corpo contra o
vidro em busca de espaço. Espalmo minhas mã os contra ele, formando
um cerco com meus braços em torno da minha pequena e assustada
esposa.
— Está com medo de mim? — Sopro as palavras, como se o ar ao
nosso redor tivesse ficado rarefeito.
Os olhos de Zoey ficam sedutores mesmo com uma sombra de
medo os sombreando. Essa garota se excita com o perigo.
Lentamente, ela balança a cabeça sem tirar os olhos de mim, mas
a verdade está ali, assim como seu medo.
— Deve ser difícil para você me desejar tanto sabendo que sou a
prole do homem que você acha que destruiu sua vida e te transformou
no que é hoje — sussurra firmemente.
— Oh, você nã o imagina o quanto, mas meu conforto está em te
possuir e saber que estou me impregnando na sua pele e mente. Te
deixando tã o doente quanto eu. Se você me disser que nã o sente nada
por mim, estará mentindo.
As gemas douradas brilham em suas ó rbitas e Zoey engole em
seco se mantendo firme.
— Nada positivo, eu posso garantir.
Desço minha mã o pelos seus braços, barriga até chegar na
braguilha da calça. Zoey prende a respiraçã o.
— E como você pode me garantir isso, esposa? — Abro o botã o e
desço o zíper mantendo meus olhos nela. — Coisas negativas te deixam
molhada, morrendo para ser saciada? — sibilo, tocando meu nariz na
sua bochecha, enquanto respiro seu cheiro suave.
Os pelos do seu corpo eriçam e eu baixo a calça, tendo a vista de
uma calcinha preta fio dental. Engulo em seco com a visã o e me livro da
sua calça, me afastando dois passos para poder admirá -la.
Perco minha respiraçã o e meu sangue corre enlouquecidamente
pelas minhas veias, quente como lava. Parada, com os braços ao lado do
corpo e o mesmo contra o vidro, eu devoro cada pedaço da menina que
fiz minha mulher.
O corpo sinuoso, com curvas delimitadas com uma definiçã o que
só o treino de combate traz. Seus seios sã o mais volumosos do que
imaginei e estã o comprimidos no sutiã preto de renda, se
movimentando a cada respiraçã o ofegante da dona.
Desço meus olhos para suas coxas torneadas, que estã o tã o
apertadas uma na outra que deixam minha boca seca ao pensar na
umidade que se encontra no meio delas. Essa é a mulher mais linda que
já vi na minha vida e tudo nela é tã o delicado que, por um momento, eu
acho que minha brutalidade vai quebrar pedaço por pedaço.
Mas só olhando eu percebo como ela foi feita sob medida para
mim. Zoey parece frá gil, mas é tã o resistente quanto o metal, é tã o
malditamente feroz como uma onça.
— Eu deixaria você fazer qualquer coisa comigo, Zoey, até
assumir o controle — desabafo me ajoelhando na frente dela. — Diabos,
eu seria seu escravo, mataria por você… Se me pedisse para fazer amor
com você, eu aprenderia apenas para te satisfazer. — Seguro seu quadril
firmemente, beijando sua barriga por toda extensã o, enquanto arquejo a
cada vez que minha língua toca sua pele. — Eu quero te comer e quero
demorar fazendo isso. — Invado sua calcinha com um dedo, gemendo ao
sentir a umidade e o corpo dela se arqueando em surpresa. — Você é tã o
gostosa e sensível, que eu adoro meter com força, apenas para te ver
lutando de prazer ao ser preenchida por mim.
Meu dedo entra sem dificuldade na sua fenda ensopada,
arrancando de Zoey um gemido contido. Sua cabeça vai para trá s, contra
o vidro e suas mã os agarram os meus ombros.
Assisto tudo com fascínio, castigando-a quando fecha os olhos.
Frustrada ao ter meu dedo fora dela, Zoey olha para mim em busca de
explicaçõ es.
— Nã o feche esses olhos para mim, esposa. Quero ver cada á rea
de prazer que estou despertando em você — ordeno.
Seu quadril vem em busca do meu dedo e eu volto a penetrá -la,
ouvindo seu arquejo e o som molhado com a penetraçã o. Ela aperta o
dedo do meio que está nela e meu coraçã o bate mais forte, eu engulo em
seco, começando a suar.
— Você gosta quando faço isso, minha putinha? — Movo meu
dedo arqueado dentro dela, acariciando suas paredes.
— Oh, Deus… — engasga, ofegante.
Sorrio sombriamente, fazendo movimentos de entra e sai,
lentamente, que a deixa inquieta e arquejante. Seguro seu quadril,
pressionando contra o vidro da parede para mantê-la quieta enquanto
trabalho. Com a boca aberta e lutando para manter os olhos abertos, ela
pisca sucessivamente, apertando meus ombros com força.
Ela está tã o molhada, que o som do meu dedo entrando e saindo
dela, se mistura com os gemidos contidos, direcionados diretamente
para o meu pau pulsando dentro das calças. Sou capaz de gozar apenas
de ver seu corpo em busca de mais prazer, com o som que nó s dois
fazemos e a visã o de Zoey seminua contra as luzes da noite da Rú ssia.
Isso foi o que eu sempre quis desde agora, ter essa visã o. Minha
mulher se contorcendo de prazer contra uma maldita parede de vidro,
enquanto apenas um ú nico dedo meu entra e sai dentro dela em um
movimento rítmico… Estou fascinado, em transe, incapaz de parar com
isso. Adiciono mais um dedo, fazendo Zoey arquear as costas e afundar
as unhas na minha pele.
— Ibrahim… Eu acho que… — Suas palavras desaparecem na
nuvem carregada que é seu orgasmo.
Sugando meus dedos para dentro dela, apertando-os com um
tremor delicioso, ela goza fortemente e eu assisto tudo de boca aberta,
vendo seu corpo assumir uma linguagem sensual.
Suas pernas tremem e Zoey estaria no chã o se nã o fosse minha
mã o a sustentando. Aturdida e ofegante, ela olha para baixo, com as
faces vermelhas e a luz branca do quarto deixa ela completamente acesa,
com os olhos parecendo chamas amarelas e as pupilas dilatadas.
Porra, como uma mulher pode ser tã o bonita assim?
Tiro meus dedos ensopados de dentro dela e os levo até minha
boca, chupando-os com satisfaçã o ao sentir o gosto dela explodir na
minha boca. Zoey me olha com os olhos arregalados e eu me ergo do
chã o para levá -la até a cama.
Jogo-a sobre o colchã o fofo, fazendo os seios dela balançarem.
Tiro sua calcinha ensopada com sua ajuda e ergo seus joelhos, abrindo
suas pernas.
— Você nã o vai tirar suas roupas? — pergunta ofegante, quando
começo a mergulhar no meio das suas pernas.
Sorrio.
— Primeiro quero mais do seu mel, aquilo nã o foi suficiente.
Quero você gozando na minha boca, eu quero extrair seu gosto direto da
fonte — rosno, abrindo ainda mais as pernas dela.
A boceta rosada, encharcada e inchada, se abre para mim e eu
salivo. Zoey tenta fechar as pernas, me fazendo ter que usar um pouco
de força para deixá -las abertas. Ergo meus olhos para minha esposa.
— Nã o, meu bem. Quando eu estiver aqui você nunca deve fechar
as pernas ou eu irei puni-la, entendeu? Isso aqui é meu e nem você tem o
direito de me afastar dela.
Zoey está completamente vermelha e trêmula de timidez e
excitaçã o. Engolindo em seco, ela abaixa a cabeça no colchã o, e com toda
a ansiedade e fome, eu desço a minha língua até chegar nos lá bios
melados. Passo-a de baixo acima e Zoey estremece, contendo um gemido
alto de escapar dos seus lá bios.
A felicidade cantarola nas minhas veias quando seu gosto
preenche toda minha língua, e com fome de mais, eu começo a chupá -la.
Sua fenda, seu clítoris e tudo que eu tenha direito.
Fico tã o possessivo e com sede por mais e mais, que Zoey começa
a implorar por mim, para que eu a preencha. Seus dedos capturam os
fios do meu cabelo e ela prende as pernas em torno da minha cabeça,
mas eu nã o consigo parar, me sinto como um vampiro. O gosto dela é
meu novo sabor preferido e eu quero chupá -la até extrair a ú ltima gota
desse néctar que escorre para minha boca.
Quando Zoey explode em um orgasmo forte e sua excitaçã o
escorre pela minha boca eu a sinto perder as forças e seu corpo quente
produzir suor. Passo a língua por toda extensã o para limpar os
resquícios e me ergo sobre o corpo dela.
Com os olhos enevoados e excitados, minha esposa me lança um
olhar de satisfaçã o. Abaixo minha cabeça para beijar seus lá bios e sou
recebido pela mesma selvageria que encontro em mim, o que me deixa
mais duro e dolorido.
Em um ú nico movimento, Zoey usa minha força contra mim e fica
por cima. Ergo meu tronco para continuarmos o beijo, minhas mã os
correndo para abrir o fecho do seu sutiã . Ela tira minhas roupas com a
minha ajuda, sem desgrudar um do outro e quando estamos os dois
completamente nu, pele com pele, tudo parece esquentar ainda mais.
Meu pau está duro e ereto, cutucando Zoey, fazendo com que ela
pare o beijo para olhar para baixo, um olhar de apreensã o se formando
no seu rosto.
— Entre devagar, eu ainda nã o estou acostumada com isso, com
seu tamanho… — pede, engolindo em seco.
Junto seu cabelo em uma mã o, sorrindo dolorosamente com a
pele da sua barriga contra a cabeça ú mida do meu pau. Pego a mã o dela,
levando-a até ele.
O aperto dela é cuidadoso, me faz estremecer.
— Segure mais apertado, querida — praticamente balbucio as
palavras.
Zoey olha para nossas mã os unidas ao redor do meu pau, e porra,
a mã o dela é tã o pequena em comparaçã o minha, que ela quase nã o se
fecha a redor dele.
Sentada nas minhas pernas, ela me vê fechar os olhos quando ela
desce com a mã o e sobe lentamente.
— Você gosta disso com força? — sussurra com sua voz sedutora.
Mordo meus lá bios para nã o gemer como um adolescente.
— Porra, sim. Com força.
Zoey me aperta, descendo e subindo com a mã o, dando uma
atençã o a glande vazando. Aperto seus cabelos e mordo meus lá bios,
sentindo até no ú ltimo á tomo com me masturbando do jeito rude como
eu gosto. Rá pido.
Eu nã o posso gozar assim, desse jeito nã o. Quero fazer isso
dentro dela.
Jogo-a contra a cama, me alojando no meio das suas pernas
enquanto as abro e me coloco no meio da sua fenda ensopada.
— Devagar… — arfa.
Nã o importa o quanto ela dilate, ainda é pequena demais para
mim, e tã o malditamente perfeita que isso só fica delicioso. Forço minha
entrada, sentindo choques de prazer por todo meu corpo e quase
gozando só com isso.
— Caralho, Zoey! — O braço que estou sustentando meu peso
treme diante da onda de prazer absurda. — Mantenha seus olhos
abertos, eu preciso vê-la enquanto entro em você — ordeno em um
grunhido.
Zoey leva suas mã os para minhas costas, arranhando-as com suas
unhas profundamente, a cada centímetro meu dentro dela. Eu preciso
prender minha respiraçã o quando estou completamente dentro, o suor
pingando pela minha testa.
Minha esposa fica imó vel e fecha os olhos embaixo de mim.
— Foi demais? Posso ficar só pela metade — minto, nem se ela
pedisse eu seria capaz disso. Já estou à beira da loucura ficando parado
com ela me apertando.
Zoey balança a cabeça, abrindo os olhos com brilho de lá grimas.
— Você é grande, leva um tempo para a pressã o ir embora —
confessa, com a voz pesada e as unhas fincadas na minha pele.
— Preciso me mover, Zoey. Isso é uma tortura.
Ela assente e eu respiro aliviado, na primeira estocada a qual nó s
dois gememos juntos. Eu claramente sinto mais prazer que ela, nã o que
ela nã o sinta com a penetraçã o, mas é claro pelo rosto dela que o prazer
só começa a surgir depois de alguns minutos, e é quando eu posso
aumentar a velocidade das minhas estocadas, ir até o fundo e voltar.
Bombeio dentro de Zoey como se eu fosse um animal no cio.
Retardo meu ponto de inflexã o, apenas para me deliciar com a sensaçã o
dela me apertando, em como ela é quente e em como se abre inteira
para me receber.
Ela é pequena demais para que eu alcance o bico do seu peito,
entã o uso minha mã o livre para estimular seu clítoris inchado e isso faz
com que Zoey gema com mais intensidade, e me aperte como se eu fosse
uma corda de salvaçã o.
Nossos gemidos e suor se mesclam, e enquanto estou dentro
dela, olhando no fundo dos seus olhos, vendo o prazer fazendo-os
queimar, um sentimento sombrio de sumir com ela para um lugar que
ninguém vai nos achar, me acerta.
Essa pode ser a ú ltima vez de nó s dois se eu nã o usar a carta que
tenho na manga para ela voltar para mim. Mas eu nã o quero fazer isso.
Nã o quero que ela me odeie ainda mais, nã o quero ser o monstro da sua
histó ria mais do que já me tornei.
​ eitada ao lado de Ibrahim, ouvindo sua respiraçã o calma, reforça o
D
sentimento de traiçã o que paira ao nosso redor. Seus dedos fazendo
movimentos circulares no meu quadril me dã o a sensaçã o de estar
sendo cortada a cada toque, nã o porque o toque seja desagradável, é
justamente por nã o ser.
​Minha cabeça repousa sobre seu peito, junto a minha mã o, e eu sinto a
textura das cicatrizes que estã o por toda parte do seu corpo. O silêncio
impera, denso e frio, depois do calor sexual esvair do nosso corpo e só
sobrar exaustã o e culpa.
​Culpa por me entregar a ele.
​E culpa por estar sedento de desejo pela filha do inimigo, ao ponto de
oferecer carinho depois do sexo.
​Saio dos meus pensamentos quando ele se levanta da cama, indo em
silêncio até o banheiro. Me ergo sentindo uma dor fina e o líquido seco
de Ibrahim pelas minhas pernas; essa sensaçã o me atormenta, faz com
que eu tenha vontade de chorar por nã o ter relutado, e pior ainda, por
ter aproveitado os momentos que ele esteve em cima de mim.
​Cada maldito momento.
​Cubro meu corpo com o lençol e passo os dedos pelos fios do meu
cabelo embaraçado. A vergonha é tanta que eu curvo minha cabeça e
fecho meus olhos, condenando cada segundo que se passa quando estou
no mesmo ambiente dele. Ao mesmo tempo que a culpa me atinge, a
revolta também se faz presente ao lembrar que isso já faz dois meses, e
ainda nã o tive nenhum tipo de ajuda da minha família para me tirar
disso. Posso estar na cama do inimigo, mas nã o é como se tivesse
opçõ es.
​Ibrahim volta do banheiro com o cabelo loiro ainda desalinhado e
vestindo uma cueca box preta. As luzes deixam seu corpo amostra e eu
olho para todas as cicatrizes no seu corpo.
​Mesmo coberto de tatuagem, ainda é possível ver as cicatrizes grossas
sob elas.
​— O carro que eu estava com meus pais caiu em uma zona
desmilitarizada, o carro capotou até ficar coberto por arames farpados,
eu saí em busca de ajuda. — Ele aponta para si mesmo. — Como você
mesmo pode ver.
Engulo em seco, sentindo a angú stia no meu peito apenas por
tentar imaginar a cena de um garoto de 10 anos rastejando por arame
farpado.
— Seus pais morreram na hora? — questiono com a voz baixa.
Ibrahim balança a cabeça, os olhos claros demonstrando uma
espécie de dissociaçã o enquanto ele se senta ao meu lado na cama.
— Meu pai morreu na hora, mas minha mã e foi empalada por um
pedaço de ferro e morreu engasgada no pró prio sangue. Foi uma morte
lenta, dolorosa e até o ú ltimo minuto ela pensou em mim.
Aperto o lençol com força, tentando nã o sentir a dor que soa a
cada palavra que sai da boca dele. Ninguém que nunca viu o corpo dele
poderá dizer o que ele sente ao falar sobre o assunto, e com certeza,
assim como eu, se perguntaria como ele sobreviveu.
— E você tem certeza de que foi o meu pai quem fez? — Minha
voz embarga. — A Bratva e a Camorra estavam sem conflitos na época.
Os olhos de Ibrahim sã o rígidos nos meus quando ele afirma sem
dú vidas:
— Eu vi seu pai no dia do acidente, sei que foi ele e você também
deveria acreditar nisso. Acha que só porque ele é bom com você, é assim
com todos? Veja o trono de sangue que ele está sentado, os pró prios
membros da família que ele matou e me diga se seu pai nã o faria isso.
Mantenho meus olhos nele, cravando essa batalha.
— Ele é cruel, e eu reconheço isso. E é por isso que eu tenho
minhas dú vidas sobre o envolvimento dele sobre isso. Se meu pai
quisesse matar o seu, ele nã o teria escolhido uma colisã o ou cortado os
freios do carro. E você sabe disso, Ibrahim!
— Nã o, querida. Tudo foi planejado na maior crueldade possível
para acabar com a vida de todos naquele carro. Ele escolheu o lugar
certo, o horá rio perfeito, onde a estrada estaria vazia e aquele caminhã o
iria colidir conosco, jogando-nos no precipício. — Ele se ergue, a altura e
tamanho colossal retalhados. — Nem mesmo você consegue manter os
olhos nas minhas cicatrizes, e isso é irô nico, nã o acha? Você nã o se
importa de ficar sobre elas quando estou te fodendo.
Seu tom é amargo e seus olhos obscurecem, sua expressã o se
fechando, como se ele estivesse magoado pela forma como eu o olho.
— Suas cicatrizes nã o sã o um problema para mim, elas sã o para
você se acha que isso causa algum tipo de repú dio em mim. — Abraço
minhas pernas balançando minha cabeça. — Eu nunca iria te
menosprezar por tê-las, fazem parte do que você é. O que me enoja em
você, Ibrahim, é você me castigar por algo que nã o tenho culpa.
— Minha mã e e eu também nã o tínhamos culpa, mas seu pai nã o
pensou sobre isso quando decidiu matar nó s três.
— Ibrahim, ele nã o fez isso… — Respiro fundo, tentando
encontrar forças para lutar contra sua certeza, contra o ó dio na sua face.
Ele se senta na cama, bufando contra mim em uma torrente tã o
grande de amargura e descontrole, que eu preciso me afastar para nã o
deixá -lo me tocar.
— Como pode saber disso? Você nem era nascida. Está colocando
a mã o no fogo pelo seu pai mesmo os dias estando se passando e ele nã o
ter tomado nenhuma providência sobre te tirar de mim? — Um sorriso
zombeteiro se forma nos seus lá bios — Seu pai nã o vai te salvar de mim,
Zoey. Sabe o que ele me propô s?
Meu corpo se acende em expectativa. Finalmente ele irá falar.
Ibrahim agarra meu queixo com os dedos e mantém a pressã o firme no
local.
— Seu querido pai concordou em nos deixar casados, pedindo
apenas que você voltasse para casa por um período de dez dias a cada
dois meses.
Balanço a cabeça.
— Ele nunca concordaria com isso! — Nego. Nã o é possível que
meu pai tenha chegado apenas a isso. — Isso claramente é um truque, e
você também sabe disso. Meu pai nunca faria um acordo como esse se
nã o tivesse um plano. No momento eu pisar em Las Vegas, será nosso
fim. Eu nã o voltarei mais aqui.
Ibrahim me mostra a marca de ferro quente no seu braço,
demonstrando que eles assinaram uma promissó ria e o medo agarra na
minha espinha, com mã os congeladas ao pensar que meu pai está dando
sua vida pela minha.
Ibrahim mantém o sorriso nos lá bios, trazendo meu rosto para
mais perto do dele, até sua respiraçã o soprar contra meu rosto.
— Mesmo que ele nã o queira me devolver, você vai se voluntariar
para voltar, esposa. Nã o tem outra opçã o.
Trinco meus dentes, apertando os lençó is.
— Por que eu faria isso? Você nã o pode me machucar enquanto
eu estiver com a minha família, no meu territó rio. A Bratva nã o tem
força contra a Camorra, e uma vez que eu pousar lá , estarei longe de
você e de todos os doentes que te cercam e você chama de família!
Ibrahim me joga contra a cama, sentando-se no meu quadril
enquanto prende minhas mã os sobre minha cabeça. Tento lutar contra
ele, mas seu peso é o triplo do meu e tudo que consigo fazer é sacudir
minhas pernas em desespero.
— Quer um ú ltimo gostinho antes de me entregar a minha
família, seu doente? — rosno. — Se quer uma despedida, eu posso te dar.
Será uma ú ltima esmola para você.
Sua mã o aperta meus pulsos e eu mordo o interior da minha boca
para conter o gemido de dor, ao passo que Ibrahim retira o lençol do
meu corpo, me deixando exposta; sua mã o livre brinca com meu mamilo
direito enrijecido.
— Você nunca vai se livrar de mim, Zoey Vassiliev. Nenhum
homem no mundo será capaz de nos separar, nem o pró prio diabo. Sua
alma é minha, e esse corpo… — Seu dedo desliza pela linha dos meus
seios até minha barriga, ele umedece os lá bios com os olhos brilhando
de possessividade. — Esse corpo pequeno é tã o meu que mesmo que
você tente se deitar com outro, perceberá quã o estragada foi. — Seus
olhos sã o profundos nos meus. — Diga, você consegue ficar de pé sem
sentir sua boceta dolorida depois de algum tempo?
— O que você fez comigo, seu bastardo?! — Minha respiraçã o
fraqueja e Ibrahim sorri.
— Você encontra o alívio quando te penetro, e tenho certeza de
que passou esses dias ansiando por isso, nã o foi? — Ele abaixa a cabeça,
passando seu nariz pela minha bochecha. — Quando eu nã o estou por
perto você sente uma necessidade de estar comigo, fantasia meu pau
entrando no seu canal apertado e o alargando até essa urgência pulsante
de ser aliviada. — Seus dedos vã o para minha vagina, a penetrando com
dois deles, me fazendo perder o fô lego e arquear as costas.
Meu corpo se acende e eu sinto o meio das minhas pernas latejar
por mais, por movimento.
Ibrahim estuda minha expressã o quando movimenta seus dedos
dentro de mim e eu contraio meu rosto, mordendo meus lá bios para nã o
emitir nenhum ruído.
— Você vai embora, mas vai voltar. Estamos condenados a nã o
conseguir viver sem o outro, Zoey. Eu te moldei ao meu gosto, e você me
viciou no seu corpo — ronrona, com sua ereçã o roçando na minha
barriga.
Praguejo.
— Essa manipulaçã o barata nã o funciona comigo, Ibrahim. Seu
pau nã o é má gico e eu com certeza nã o vou voltar para você. Pelo
contrá rio, eu verei meu pai e irmã o queimando tudo o que você tem e
irei dançar em cima da sua cova por tudo o que me fez passar! Eu serei a
viú va mais feliz do mundo… PARE COM ISSO! — grito a ú ltima parte,
quando ele arqueia os dedos dentro de mim, fazendo uma mistura de
dor e prazer escorrer pelo meu corpo.
Seus olhos estã o felinos, e ele nã o demonstra nenhum tipo de
misericó rdia quando se aloja no meio das minhas pernas e entra dentro
de mim, sem eu lubrificar o bastante para nã o sentir o desconforto do
seu tamanho.
Ibrahim grunhe como um animal quando está completamente
dentro de mim, prendendo minhas mã os sobre minha cabeça.
— VOCÊ É UM FILHO DA PUTA! EU TE ODEIO! — exprimo com
toda dor e confusã o por todo meu corpo, nublando minha mente.
— E eu amo isso, minha putinha — geme, movimentando seus
quadris até estar enfiado em mim por completo, estocando lentamente,
como se estivesse aproveitando cada segundo — Eu amo como você luta
para me abrigar nessa bocetinha apertada… Meu Deus, eu amo isso!
Porra! Sou capaz de gozar só de estar dentro de você, sem me mexer —
pragueja, fechando os olhos enquanto contrai o rosto em uma expressã o
de prazer. — Porra, abre mais as pernas para mim, querida.
Nã o vou emitir nenhum gemido, nã o importa se isso é bom. Irei
me apegar a parte do meu cérebro que processa a dor no fundo, e evito
olhar para a expressã o de Ibrahim, que de alguma forma, mexe comigo.
Os gemidos dele aumentam minha excitaçã o e a cada estocada
dentro de mim é equivalente a me puxar para mais pró ximo do abismo.
Ele xinga a cada movimento, se deliciando com o meu corpo, como se
fosse a porra de um banquete para um homem que passou anos
comendo nabo.
— Vamos, minha putinha. Goze comigo — chama com sua voz
rouca, que arrepia toda a camada de pele do meu corpo.
Ibrahim se livra das minhas mã os para apertar minhas coxas e
conseguir mais impulso de ir fundo, rosnando como se fosse um animal,
e o pior disso tudo é que meu corpo é levado pelo de Ibrahim, como se
ele tivesse essa corda que o controla e isso é tã o ferrado.
Mordo meus lá bios, gemendo e segurando o lençol da cama com
força, quando sou arrebentada por mais um orgasmo nessa madrugada,
o qual eu já perdi a conta.
Nó s dois explodimos juntos, nos enlaçando enquanto arqueamos
nosso corpo em sincronia. O líquido dele me preenche e vaza entre
minhas pernas quando ele sai de dentro de mim, arrancando-me uma
careta de dor.
Ibrahim cai para o lado, em êxtase e ofegante, e minha visã o está
repleta de vagalumes, enquanto minhas pernas parecem gelatinas, assim
como o resto do meu corpo.
Se passam alguns minutos até ele se levantar, verificar a hora e
apanhar algo do bolso da sua calça e caminhar na minha direçã o.
— Você acha que vai me manter ao seu lado por causa do sexo?
Me subestima tanto assim?
Ele sorri.
— Ora, querida, claro que nã o é por isso que você vai voltar para
mim.
Me ergo nos cotovelos até ficar sentada na cama. Um
pressentimento ruim toma conta de todo meu corpo, enviando ondas de
arrepios a cada centímetro de pele.
Ibrahim me mostra seu celular e eu congelo no lugar ao ver
Vittorio preso a uma cadeira, com as mã os amarradas, sem camisa e
descalço, com fios elétricos ligados ao seu corpo.
— Se você nã o voltar em 10 dias, seu irmã o passará de uma dessa
pra melhor. Você quer arriscar confiar que seu pai vai salvar vocês dois?
Ele pode ser esperto, mas nã o é onipresente, nã o pode proteger os dois
filhos.
Eu fico muda. Paralisada, sem conseguir mover um ú nico dedo.
Ibrahim descarta o celular e pega uma caixa pequena de veludo, abrindo
a mesma até um colar de prata com um pingente de floco de neve
delicado aparecer.
— Vi seu colar com um sol e temos que admitir que essa sua vida
ficou no passado, e agora você tem uma nova. — Ele vem para trá s de
mim, passando o colar pelo meu pescoço. — Para você se lembrar da sua
casa quando estiver com seus pais, e especialmente, de mim.
Meus lá bios tremem e mesmo que eu quisesse gritar, nenhum
som sai da minha boca. Estou em um transe, a ú nica coisa que consigo
sentir é o cordã o frio do colar ao redor do meu pescoço.
Até onde a crueldade de Ibrahim irá comigo?
Por quanto tempo continuarei sendo punida por ele?
Com todos meus mú sculos travados, eu observo Ibrahim começar
a se vestir e apanhar minhas roupas que estã o no chã o, jogando-as na
minha direçã o. O olhar austero.
— Só temos duas horas para te deixar pronta e te entregar aos
soldados do seu pai. Se vista!
​ u deveria estar nervosa com a aproximaçã o do jatinho ao solo de Las
E
Vegas, ansiando por ver meus pais e voltar para casa depois de todo
terror, mas tudo que sou capaz de sentir é como se eu fosse um vó rtice
de coisas ruins. Qualquer açã o da minha parte pode fazer uma guerra
implodir, a destruiçã o da minha família.
​Estou machucada e sangrando por dentro, mas de maneira nenhuma eu
vou mostrar isso aos meus pais. Eles deveriam ter me deixado lá , fui
comprometida o suficiente para nã o saber mais como lidar com eles. O
que estã o esperando de mim? Provavelmente o pior. E o que farã o se
verem o real estado que me encontro é equivalente a sacrificar Vittorio e
o meu pai.
​Deus… Meu pai assinou uma promissó ria mesmo todos sabendo que ele
nã o está disposto a cumprir o que prometeu. Ele prefere morrer a me
ver voltar para o inimigo e se ele nã o matou Ibrahim antes é porque
minha mã e esteve no meio disso tudo.
​— Já vamos pousar… — Edan avisa, voltando a se sentar à minha frente,
afivelando o cinto. — Você está realmente bem?
​Ergo meus olhos para ele, assumindo a má scara de imparcialidade que
vou empenhar pelos pró ximos dez dias. Nã o deixarei que meu pai veja o
meu verdadeiro estado, e tampouco me mostrarei subjugada.
​O plano de Ibrahim é devolver seu brinquedo quebrado para a loja, para
que o dono veja o que ele fez com sua peça preferida e assim o encha de
revolta e desgosto. Eu nã o jogarei esse jogo.
​Ninguém vai me ouvir reclamar ou choramingar. Os dois lados
dependem de mim para ter uma reaçã o, e o meu marido só espera um
desacato da minha parte para tirar algo importante de mim, enquanto
meu pai só procurará por um hematoma no meu corpo para declarar
uma guerra.
​Nenhum dos lados terá qualquer vitó ria e eu terei dez dias para planejar
minha fuga de Ibrahim, sem precisar sacrificar ninguém por isso.
​— Nã o relate nada do que aconteceu comigo na Rú ssia aos meus pais e
irmã o. Se perguntarem sobre a forma como eu era tratada, apenas diga
que nã o existia nenhuma espécie de interaçã o entre mim e a família
Vassiliev.
​Edan estreita os olhos.
​— Quer que eu minta para o meu Capo e impeça ele de se vingar das
pessoas que fizeram mal à filha dele? Isso vai contra meu juramento.
​— Você decidiu mudar seu juramento quando foi posto para me
proteger. Seu dever é esse e neste caso também deve cumprir com o que
eu digo.
​— Nã o vou mentir para o seu pai, Zoey. — Ele é categó rico.
​Firmo meu olhar no dele, impaciente para a lealdade dele ao meu pai.
​— Será divertido ver você contar o que aconteceu comigo, Edan. Como
explicará ao meu pai que nã o conseguiu me proteger de ser atacada por
soldados russos, quando sua obrigaçã o era uma dessas coisas?
​A musculatura do seu maxilar fica rija, assim como seus ombros, e uma
raiva fria transpassa pelos seus olhos, repercutindo por todo seu corpo
ao perceber que assim como eu, ele falhou no seu ú nico papel.
​Respiro fundo.
​— Foi o que eu pensei…
​Em algum momento eu penso que vou ser assolada pela ansiedade e
saudade, mas estou trabalhando tanto para construir um muro ao redor
das coisas ruins que aconteceram comigo na Rú ssia, de uma forma que
eu nã o deixe transparecer nada para eles, e quando o jatinho pousa na
pista particular e a porta se abre, eu me sinto com a mesma capacidade
de sentir que uma pedra.
​ primeira pessoa a me abraçar é minha mã e, antes mesmo que eu
A
termine de descer as escadas. Seus braços magros sã o firmes ao meu
redor, seus dedos adentrando no meu cabelo ativando memó rias felizes
junto ao seu cheiro.
​— Você está em casa agora. Você está em casa. — Ela repete as palavras
como se fosse um mantra, enquanto me mantém nos seus braços, seus
lá bios contra minha testa.
​Se forma uma agitaçã o ao redor de mim entre ela, eu e meu pai. Quando
ambos se convencem de que realmente sou eu, em carne e osso, os olhos
deles examinam meu rosto e corpo, repletos de angú stia e preocupaçã o.
​Os olhos do meu pai sã o mais vorazes, suas mã os seguram meus pulsos,
ao passo que seus olhos vã o dos meus pés até a cabeça.
​Fito seus olhos e abro um sorriso, me sentindo estranha por ainda
conseguir sorrir. O movimento muscular parece algo tã o novo quanto
estar de volta em casa.
​— Estou bem, eu juro. Nã o fui machucada. — Aperto sua mã o, firmando
meus olhos nos dele e depois para minha mã e. — Nã o fui feita de
prisioneira como estã o demonstrando parecer. — Sorrio — Olhem bem
para mim, eu estou bem. Terã o dias para verificar isso.
​Meu pai parece ser feito de concreto, de tã o rígido, e seus olhos cintilam
com um ó dio tã o genuíno que poderia corromper até a alma mais pura
do mundo.
​Ergo meus olhos por cima do ombro dele, vendo meu irmã o mais velho
parado a três metros de distâ ncia, com uma aura tã o sombria quanto um
ritual macabro. Os olhos verdes estã o fixos no meu rosto de forma fria.
Mas nã o me demoro muito nele quando vejo quem está ao seu lado, com
um sorriso pequeno no rosto, sem a euforia de averiguar se estou ferida.
​Caminho até Heather e nó s duas nos abraçamos instintivamente, faz
tanto anos e ela nã o parece ter mudado nada.
— Você nã o perdeu seu juízo ao se casar com o meu irmã o,
Heather?
Ouço sua risada, vendo seu rosto se iluminar quando nos
separamos.
— Ele nã o é tã o ruim, aprendeu a me ouvir e fazer tudo o que eu
digo. Agora ele é como um filhotinho — confessa e uma risada sincera
escapa dos meus lá bios.
Olho para o meu irmã o que está com os braços atrá s das costas,
seu olhar firme se desmonta por alguns segundos, e ele faz algo que nã o
fazemos há muito tempo. Acho que nã o tenho nem mesmo uma
lembrança de um abraço entre nó s dois e diante da forma tensa como fui
embora sem falar com ele, é de certa forma um alívio vê-lo bem.
— Oi, Zoey. Bom ter você de volta — sussurra contra meu ouvido,
enquanto me aperta nos seus braços.
— É bom ver você vivo, Alessio. — Minha voz embarga com a
lembrança do dia que o encontrei inconsciente, dentro do seu
apartamento.
Sinto as mã os da minha mã e no meu ombro e a presença do meu
pai ao meu lado e por alguma razã o fico tensa ao lado da minha família,
desconfortável.
Só faz alguns minutos, mas me sinto fora de
contexto, como se nã o pertencesse mais a eles.
— Vamos para casa, ragazza. Justine preparou um banquete para
você. — Os lá bios do meu pai tocam minha têmpora e eu sorrio de lá bios
fechados.
Edan se vai com o grupo de soldados, que parecem estar à espera
dele, e eu entro no carro com meus pais. Minha mã e nã o solta minha
mã o e eu posso senti-la tremendo enquanto, por sua vez, meu pai
alterna o olhar entre o retrovisor e eu.
Nã o sei se eles conseguem ver em quantos pedaços fui quebrada,
mas visto como ele ainda permanece por aqui, ainda deve estar
ponderando tudo.
Minha casa está igual ao dia em que eu fui embora, mas a
sensaçã o de estar aqui é diferente, de uma forma que nunca imaginei ser
possível sentir. Me referir ao lugar que cresci como minha casa parece
distante. Nã o entro como se fosse dona do lugar, e sim como uma
impostora.
​ Deve estar faminta, querida. Vamos comer algo. Eu fiz seu macarrã o

preferido. — Minha mã e aperta minha mã o, que ela nã o soltou em
nenhum momento.
​— Acho que é melhor Zoey ir para o escritó rio, temos muito o que
conversar. — A voz austera de Alessio ressoa atrá s de mim.
​— Alessio, Zoey precisa de descanso. Foram horas de voo. Deixe que eu e
sua mã e cuidemos dela. — Heather intervém.
​— Alessio tem razã o. — Meu pai olha para mim. — Nã o se importa de
nos acompanhar até o escritó rio, nã o é? Precisamos eliminar isso pela
raiz. — Seu olhar desce para a aliança no meu dedo, se estreitando a
cada centímetro que sobe até meu rosto.
​— Kai, Zoey irá falar quando ela se acomodar. Nã o vou submeter a
minha filha a uma sessã o de interrogató rio agora. — Minha mã e parece
impaciente, nervosa. — Vamos para a cozinha, Zoey.
​Respiro fundo, soltando minha mã o da dela.
​— Nã o estou com fome, comi no aviã o e descansei. Estava ciente de que
vocês iriam querer saber o que aconteceu assim que eu chegasse.
​Olho para o meu pai.
​— Estou pronta.
​— Jace está nos esperando no escritó rio. — Ele aponta para o corredor.
— Podemos ir.
​Sigo com eles, percorrendo o corredor pelo qual eu costumava correr e
bisbilhotar o que meu pai fazia trancado por horas nele. Eu toco nas
paredes, em busca de qualquer sensaçã o que me lembre de que é aqui o
lugar ao qual pertenço.
​O rosto de Jace se acende em surpresa ao me ver, e ele se contém para
nã o vir em minha direçã o, eu sorrio de longe.
​— Oi, tio Jace.
​— Zoey… — Seu sorriso é triste.
​Me sento na poltrona em frente ao meu pai, irmã o e tio Jace. O rosto de
Kai Moreau é uma sombra assustadora da rigidez e aversã o, mas nã o por
mim. Ele deve ter sentido o cheiro de Ibrahim em mim; eu me esfreguei
e passei sabonete três vezes, mas é como se estivesse impregnado na
minha pele.
​ Como você foi parar nas mã os de Ibrahim Vassiliev, ragazza? Onde ele

te abordou? Estamos tentando juntar as peças, mas nã o chegamos a
nenhuma conclusã o. Você estava cercada de seguranças e todos os dias
se correspondia conosco.
​Evito olhar para Heather e a minha mã e, para nã o levantar suspeitas.
Nã o vou conseguir evitar a culpa de Vittorio nisso por muito tempo, mas
enquanto eu puder adiar isso, melhor será .
​— Foi uma emboscada da família Vassiliev, eles planejaram isso por
muito tempo, ao que parece. Em um momento eu estava na Suíça e no
outro na Rú ssia, me casando com ele.
​— Como ele conseguiu isso? — A voz de Alessio é tã o sombria quanto
sua expressã o.
​— Eu nã o sabia quem ele era, quando ele se apresentou a mim naquela
noite, anos atrá s, no cassino eu mantive contato com ele.
​Meu pai se inclina na cadeira.
​— Você se relacionou com ele enquanto esteve na Suíça? Como nã o fui
informado sobre isso? Eu sabia de todos seus passos, Zoey.
​Respiro fundo.
​— Ele é mais esperto do que se pode imaginar, pai.
​Um silêncio de longos segundos impera pelo escritó rio, como se minhas
palavras estivessem sendo dissecadas. Alessio se aproxima de mim, me
analisando.
​— Você foi obrigada a se casar com ele? — questiona.
​Todos prestam atençã o a essa pergunta e eu balanço a cabeça.
​— Nã o. Eu nã o sabia quem ele era até o dia seguinte do casamento, mas
já era tarde demais para qualquer açã o. Nã o houve nenhum tipo
violência na nossa relaçã o, foi tudo consentido.
​Olhe como você mente bem, como engana os únicos homens que se
preocupam com você. Deveria ganhar um prêmio por isso.
​Meu pai leva a mã o até o rosto, respirando fundo em busca de controle,
enquanto Heather, praticamente, precisa segurar Alessio para mantê-lo
no lugar.
​— Você nã o irá voltar para mã os dele, vamos entrar com um pedido de
divó rcio alegando violência doméstica. Qualquer porra de pretexto que
te livre daquele brutamontes — Jace relata.
​— Nã o. Nos pró ximos dias, com você em casa, nó s iremos invadir a
Rú ssia e fazer todos os envolvidos prisioneiros. Você foi enganada e por
mais que pareça estar bem, eu posso ver além da superfície, Zoey. Eu
nã o vou poupar nenhum deles. — Alessio é pura fú ria fria, queimando
todos ao redor.
​Fico de pé alternando meu olhar entre ele e meu pai.
​— Eu sinto muito, mas vocês nã o farã o isso. Nã o terá nenhum tipo de
vingança.
​Todos olham para mim com descrença, e eu continuo com a voz firme.
​— Sou legalmente casada com ele, tenho seu sobrenome. Eu posso ter
sido enganada, mas isso nã o altera o fato de que me casei com ele
porque eu quis. Ibrahim tem mais vantagens que vocês dois. Podem ter
forças e condiçõ es de bancar uma guerra contra a Bratva, mas farã o isso
por qual motivo? Por ele ter se casado comigo e me usando para
conquistar territó rio da Camorra? Ele teria direito de qualquer forma
como meu marido. Vocês demoraram demais para me recuperar, deviam
terem agido quando receberam os lençó is, e agora é tarde demais. —
Olho para o meu pai e irmã o, tentando nã o demonstrar a raiva que se
culmina dentro de mim por eles nã o terem agido rá pido. — Quando
tiveram a chance de me trazer para casa, adiaram isso. Nã o tem nada
para ser salvo. Até mesmo diante da Alta Cú pula, cujo chefe é você, pai,
conhece as regras. Meu casamento com o sobrinho do seu inimigo só se
dissolve com a morte, e nenhum de vocês tem o direito de tirar a vida
dele. Nã o mais.
Minha família está atô nita, meu irmã o, que antes estava fervendo,
parece ter sofrido um baque com minhas palavras e eu odeio ver a culpa
se desenhando e rostos, porque só prova que eles também sabiam que
deveria ter ido ao meu resgate muito antes.
— Vou para o meu quarto, a viagem me cansou. Por favor, me
deixem pelo menos recobrar minhas forças antes de começarem a
querer me envolver nos planos de matar meu marido.
Dou as costas, capturando o ú ltimo olhar acuado deles, e eu nã o
me sinto nenhum pouco feliz por isso. Eu acabei de dar algum tipo de
razã o para Ibrahim.
Nikolai surta. Sua explosã o de raiva é tamanha que, por um
momento, eu acho que ele terá coragem de avançar em um confronto
contra mim, e uma parte de mim espera que ele faça isso, mas fico
decepcionado quando ele prende seus punhos ao lado do corpo e vira as
costas para mim, esmurrando a mesa, até um objeto de vidro se
espatifar no chã o. Um porta-retrato onde está eu, ele e minha tia. A
ú ltima foto tirada no ano passado.
— Nó s vamos ser mortos! Onde você estava com a cabeça? Ter a
filha dele no nosso territó rio era nossa proteçã o contra os ataques a nó s!
— Se vira na minha direçã o, os olhos azuis descontrolados. — Kai
Moreau virá atrá s dos raptores da filha, e nã o terá qualquer
misericó rdia.
Respiro calmamente, estudando a ira de Nikolai e eu posso dizer
com toda certeza que tem algo a mais nisso. Ele parece possesso, nã o só
por Zoey ter saído do territó rio, sua raiva vai além disso.
— Ele nã o virá atrá s de mim, nem invadirá nossas propriedades,
quem fará isso é o filho dele e eu estarei esperando. — Digo
calmamente, me apoiando na parede do recanto do escritó rio.
— Conhece o histó rico de crueldade de Alessio Moreau, ele vai
nos deixar por ú ltimo. A primeira coisa que ele vai fazer é ir atrá s dos
conselheiros que testemunharam a uniã o entre a irmã dele e você,
depois, virá atrá s dos nossos homens e quando essa organizaçã o estiver
desmembrada e nã o tivermos para onde correr, seremos os pró ximos. —
Seus olhos se estreitam e seus punhos se apertam de pura raiva e
frustraçã o — Nó s tínhamos tudo ao nosso favor!
— Ela voltará para casa, e tudo o que teremos de Alessio é uma
birra que causará algumas mortes. Você está agindo como se eu fosse
um imbecil. Sou o chefe da organizaçã o e nunca colocaria meus
interesses em risco, principalmente meus negó cios.
Um sorriso descrente se desenha nos lá bios de Nikolai.
— Você nã o se importa com os homens que matam e morrem por
você? Todos aqueles que dependem da proteçã o e te pagam uma fortuna
para isso?!
— Se eles estavam preocupados com segurança, nã o deveriam ter
se envolvido quando resolvi trazer a filha do inimigo para cá . Eu nã o
devo nada a eles e nem a ninguém, Nikolai. Eles pagam para usar o que
vendo e usufruir o que disponibilizo nas redes de prostituiçã o, armas e
trá ficos. Alessio pode até achar que estará me prejudicando, matando os
pedó filos e sanguessugas, mas estará me fazendo um favor.
O olhar de Nikolai agora é incrédulo.
— Sã o essas pessoas que construíram o que você tem hoje. Eles
prometeram proteger a nossa família e lutar por nossos interesses.
Como pode falar algo assim? Ser tã o indiferente à luta deles?
Cruzo meus braços na altura do meu peito, inclinando minha
cabeça para o lado, em uma tentativa de estralar meu pescoço. Estou
perto de perder minha paciência com uma cobrança que nã o me cabe.
— Em nenhum momento eles me escolheram como o chefe deles
e obedecem à s minhas ordens porque você os leva a eles. Nenhum
desses homens, dentro das suas casas aquecidas, elegantes e com
esposas esnobes, me têm como superior. Eu irei proteger todos aqueles
que lutam comigo no campo de batalha, e que estã o dispostos a
combater a Camorra comigo, mas quanto ao seu povo, Nikolai, cabe a
você protegê-los.
— Ibrahim!
— Deveria estar reunindo todos eles agora mesmo, colocando-os
em algum lugar seguro, se bem, que nã o há nenhum lugar no mundo
seguro para quem afronte os Moreau.
Nikolai caminha em minha direçã o, com passos apressados, os
punhos cerrados, pronto para me confrontar punho com punho, mas eu
só preciso retificar meus ombros e o encarar profundamente para que
ele lembre de quem eu sou, e o que ele é. Ele pode ter gerido essa
organizaçã o por anos, mas o direito é meu.
Eu sou o herdeiro e nem mesmo isso o conselho pode tirar de
mim, eles tentaram, mas a linha de sucessã o é clara, e mesmo assim,
deixei Nikolai assumi por esses anos e ele escolheu pessoas que nã o sã o
do meu gosto e as quais eu nã o moveria um dedo para proteger.
Os olhos da mesma tonalidade dos meus me fitam com tanta
có lera que parecem estarem pegando fogo. Se ele estivesse com uma
arma, já teria atirado em mim. Eu mantenho meu rosto lívido, o corpo
alerta para qualquer movimento indesejado da parte dele.
— Nã o era pra ser assim. A garota Moreau era pra ser nossa
reconstruçã o, o símbolo do nosso poder e nã o a nossa destruiçã o. Você
concordou que colocaríamos os Moreau de joelhos. — Sua respiraçã o
pesada sopra perto de mim. — O que aconteceu com você? Se apaixonou
por ela?
— Eu nunca me apaixonaria por Zoey Moreau e cometeria o
mesmo erro que você, Nikolai. Meu tipo de vingança mudou.
— Você está sendo irracional, Ibrahim! Destruindo nossas
possibilidades. Nosso lar! — Ele está rosnando, parecendo um animal à
beira do descontrole, e isso é patético.
— Meu lar nã o se resume a pessoas fora dessa propriedade. Você
entrelaça sua vida com pessoas que te matariam na primeira
oportunidade e, agora vem até mim, para que eu tenha misericó rdia
deles? — Sorrio. — Corra para avisar que essa é a nossa ú ltima noite
antes do ataque Moreau. Tenho coisas melhores para fazer.
Afasto seu corpo da minha frente, dando passos para sair do
escritó rio, quando Nikolai berra meu nome.
— Para onde está indo em uma situaçã o como essa?!
— Como você disse, Alessio vai começar a nos desmembrar antes
de nos atingir no coraçã o. Ele só nã o sabe que os membros dessa
organizaçã o nã o sã o meus, e sim seus. Meus homens estã o em
segurança, assim como a casa. Você e minha tia podem ficar seguros
quanto a ficar aqui até segunda ordem, eu mesmo garanti que nossa
fortaleza nã o será atingida.
Seus olhos adquirem um requinte de esperança por estar a salvo,
mas ainda trovejam com a insatisfaçã o e rancor.
— E para onde irá quando os ataques começarem? Você é o chefe,
deve cuidar do que é seu.
Dou as costas para ele e rumo para a saída do escritó rio,
deixando Nikolai sem sua resposta. Meus estabelecimentos serã o
obviamente destruídos por Alessio, e meus carteis queimados, mas só
terá as estruturas dele para serem reduzidas a brasas.
Tudo que tem importâ ncia foi evacuado antes mesmo de mandar
Zoey de volta à família, e minha maior preocupaçã o agora é com os 10
dias que ficarei longe dela.

Zoey

​ braço minhas pernas, comprimindo meus joelhos contra meu peito,


A
fazendo a á gua ao redor de mim ondular. O silêncio do banheiro acalma
minha mente, mesmo que o medo ainda seja um gelo instalado em
minha espinha, que queimam como brasas. Estou em um modo de
sobrevivência, onde minha ansiedade está no mais alto grau e até
respirar parece doer.
​Minhas horas de alívio sã o quando escapo para um banho de banheira e
fico segura com a sensaçã o de nã o estar sendo monitorada pelos meus
pais e irmã o. Nos ú ltimos dois dias eles têm sido cautelosos à minha
volta, como se estivessem pisando em ovos e eu nã o os culpo. Tentar agir
como se eu nã o estivesse traumatizada, quando isso está claro, deixa as
pessoas sem saber o que fazer.
​Duas batidas soam na porta e minha mã e adentra meu banheiro,
segurando um roupã o branco.
​— As roupas de banho do seu banheiro nã o foram abastecidas nos
ú ltimos três dias, Justine já está cuidando disso. — Ela caminha até o
cabide, pendurando o roupã o ali.
​— Obrigada.
​Penso que ela vai embora, mas ela permanece no banheiro, perto da
porta, com os olhos suaves e um sorriso pequeno nos lá bios.
​— Eu posso me aproximar? — pergunta docemente.
​Levo alguns segundos para processar seu pedido, antes de permitir que
ela chegue perto de mim. Minha mã e se senta à beira da banheira e leva
a mã o até meu cabelo molhado, acariciando os fios ú midos, com a
mesma textura dos dela.
​— Heather está planejando chamar você para sair hoje à noite para o
cassino, nã o vai ter muito movimento. Alessio foi resolver algumas
pendências e ela está sozinha em casa. O que você acha?
​Olho para minha mã e.
​— Nã o acreditei quando soube que Alessio e Heather tinham se casado,
achei que ela passaria o resto da vida dela fugindo dele, mas depois de
descobrir o motivo para ela ter fugido, eu só consigo achar meu irmã o
um burro completo. — Sorrio.
​Minha mã e assente.
​— Ele disse que queria que ela vivesse uma vida antes de se
comprometer de verdade com ele e a organizaçã o. Você sabe que o
romantismo dos homens dessa família nã o é o forte deles. Heather está
cuidando de Alessio, fazendo-o se arrepender todos os dias da escolha
que ele fez quando a enganou.
​— Nã o posso negar que ele parece mais manso quando está ao lado dela.
Como ela mesma disse, ele agora é um filhotinho.
​Nó s duas rimos. Minha mã e continua acariciando meu cabelo, e por
alguma razã o o toque me faz lembrar de Ibrahim e em cada momento
que ele penteou os fios.
​Fico tensa com a lembrança intrusiva e desvio meus olhos dos da minha
mã e, focando na á gua ao meu redor, enquanto tento desacelerar as
batidas do meu coraçã o.
​— Zoey, eu sei que parece que falhamos com você te deixando lá por
todo esse tempo, nã o tem um dia que a culpa nã o me massacre, assim
como ao seu pai. — Sua voz embarga e ela respira fundo. — Quando eu
descobri o que tinha acontecido eu fui até Nikolai, e eu estava pronta
para me juntar ao seu pai e invadir a Bratva, mas…
​Minha mã e para de falar, como se as pró ximas palavras fossem um peso
que ela nã o quisesse compartilhar. Eu a olho e vejo novamente a marca
do sofrimento dos ú ltimos meses estampado na sua expressã o. Seus
olhos estã o fundos, tal como os do meu pai. Tem mais fios grisalhos em
seu cabelo e seus ombros estã o encurvados.
​— Nikolai também tinha Vittorio na sua mira. Todos em Nova York só
esperam uma chance para destituir seu irmã o do papel dele, e só Deus
sabe como prefiro Vittorio de volta ao nosso lar do que sofrendo as
consequências de estar em um lugar que pessoas nã o o aceitam. — Os
olhos dela umedecem e ela engole em seco. — Eu nã o podia contar ao
seu pai e nem deixar ele atacar os russos, sabendo que você estava na
posse deles e Vittorio na linha da Famiglia. Enviei todos meus homens
para reforçar a segurança dele, fiz contatos com famílias amigas e enviei
provas da falta de lealdade da organizaçã o de Nova York contra o
Underboss deles. Seu pai está alheio ao que está acontecendo com
Vittorio, ele acha que seu irmã o está bem e seguro, tentando te salvar…
​— E ele está ? — Minha pergunta é dura, descrente de que Vittorio possa
estar tentando me ajudar depois de me ter colocado nisso.
​— Nã o tenho notícias dele há um mês, nã o sei por onde ele anda e nem o
que está fazendo. Eu achei que iria sentir alívio por você estar em casa,
mas apenas de ver como a luz que irradiava de você esvaiu do seu
rosto… — Ela está se esforçando para nã o chorar, a culpa desenha seus
traços, tornando seu rosto em uma tela de sofrimento. — Seu pai e
irmã o ficaram de mã os atadas e nã o tivemos opçõ es se nã o recuar
quando Nikolai começou a enviar ameaças. Um ataque nosso, e você
seria ferida. Nã o podíamos correr o risco de te perder. Eu nã o aguentaria
assistir mais um filho sendo torturado.
​— Mã e… — Seguro sua mã o, suavizando meu tom de voz, enquanto um
nó se forma na minha garganta.
​— Seu pai nã o está bem, a culpa o tem consumido desde quando ele viu
Ibrahim Vassiliev e assinou aquela promissó ria. Com você aqui, segura,
ele está disposto a passar por cima do acordo e tomar tudo da Bratva.
Alessio e ele já começaram e nã o vã o parar até colocar as mã os nos
Vassiliev.
​O medo enraizado na minha espinha se torna tã o gélido, que esse frio
transpassa por todo meu corpo e eu me viro em desespero para minha
mã e, saindo da banheira com a á gua molhando todo o chã o a cada passo
que dou para pegar o roupã o.
​— Estã o atacando a Bratva? — O medo soa em cada palavra, e eu estou
tã o rígida que nã o consigo mover nenhum um ú nico mú sculo.
​Minha mã e assente.
​— Desde a noite passada. Alessio já capturou três conselheiros deles.
Muitos já foram mortos.
​— Mã e, faça meu pai parar! Ele vai morrer se Ibrahim executar a
promissó ria! — Meus olhos se enchem com lá grimas de desespero.
​Ela se ergue, caminhando na minha direçã o.
​— Esse ataque nã o está partindo do seu pai, é do seu irmã o. Jace e ele
trabalham em um plano orquestrado por seu pai para ser executado por
Alessio. Tanto Ibrahim Vassiliev quanto Kai nã o podem se confrontar,
mas nada impede Alessio.
​Vittorio. Ibrahim está com Vittorio!
​Levo minha mã o até a cabeça, o desespero açoita meu corpo de dentro
para fora e eu preciso me sustentar na pia para nã o cair. Minha visã o
está borrada por lá grimas e tudo que consigo pensar é em perder meu
irmã o.
​Onde eu estava com a cabeça quando eu voltei? Como eu pude achar que
minha família teria me deixado de lado?
​— Zoey?
​Sinto uma enorme vontade de vomitar, um mal-estar violento me toma e
antes que eu perceba já estou colocando tudo o que comi para fora, em
golfadas agressivas que fazem minha garganta arder.
​— HEATHER! — Minha mã e começa a gritar enquanto me ampara e
segura meu cabelo. — Está tudo bem, querida. Coloque para fora!
​Heather entra no banheiro ficando ao meu lado, e outra pessoa entra
com ela. Eu viro meu rosto para tentar diferenciar. Poderia muito bem
ser Alessio, mas nã o é. Eu sei diferenciar os gêmeos pelo olhar.
​ nquanto Alessio tem fogo nos olhos, Vittorio é carregado de frieza e
E
solenidade. E sã o o par de olhos verdes solenes que estã o me olhando
com preocupaçã o.
​— Vittorio? — Minha voz é rouca, abafada e incrédula.
​Minha mã e ergue o rosto e Heather mantém a atençã o em mim.
​— Ele chegou agora a pouco, estávamos esperando vocês descerem —
Heather informa.
​Minha mã e nã o sai do meu lado e assim como ela, eu estou chorando até
o ranho escorrer.
​Vittorio está seguro e sem nenhum machucado.
​Ibrahim me enganou.
​Meu irmã o se aproxima de mim com um lenço e nossos olhos se
encontram cheios de dor, saudades e ressentimento. Eu estou tã o
aliviada que sinto a necessidade de abraçá -lo, mas antes que eu faça isso
acabo mergulhando em uma escuridã o, onde a ú ltima coisa que sinto
sã o os braços fortes de Vittorio.
​ oda minha família está no quarto quando eu abro meus olhos. Todos,
T
com exceçã o de Alessio. Meu pai está ao meu lado na cama, segurando
minha mã o, enquanto minha mã e está do outro lado do quarto,
conversando com Vittorio. Ao passo que a consciência volta para minha
mente, eu me ergo rapidamente em direçã o a Vittorio, sendo impedida
de me levantar por completo pelas mã os do meu pai.
​— Você teve uma queda de pressã o, Zoey. Nã o se mova tã o bruscamente
assim. — A voz preocupada do meu pai entra nos meus ouvidos, mas eu
só consigo encarar o meu irmã o do meio.
​— Eu estou bem. Estou bem! — Garanto com a mente agitada, voltando
a encostar minhas costas nos travesseiros atrá s de mim. — Vittorio, você
está bem?
​Meu irmã o, que está em silêncio, apenas balança a cabeça, como se nã o
fosse digno de dirigir a palavra a mim, e isso faz meu peito afundar. Eu
nã o estou me importando com o fato dele ter me colocado nessa
situaçã o, tudo o que consigo pensar agora é que ele está bem e seguro.
Mas, como?
​— Heather, nã o seria melhor levarmos ela para o complexo para que
você possa examiná -la melhor? — Meu pai sugere, mas eu nego de
imediato apertando sua mã o.
​— Estou bem, pai. Eu juro. Foi só uma queda de pressã o. — Olho para
Heather — Nã o foi?
​ om uma expressã o desconcertante no rosto, ela assente.
C
​— Vou ficar de olho nela por essa noite, senhor Moreau. Nã o se
preocupe, tenho tudo que preciso aqui.
​Minha mã e dá um passo à frente, com a preocupaçã o estampada no seu
rosto.
​— Acho melhor deixarmos Zoey descansar um pouco, ela ainda está
tentando se adaptar ao horá rio novamente. Vou pedir para Justine
preparar algo quente. — Ela estende a mã o para o meu pai — Kai, pode
vir comigo um minuto? Você também, Jace.
​Meu pai olha para mim, se decidindo. Abro um sorriso pequeno na sua
direçã o, apertando sua mã o duas vezes e ele se ergue, me dando um
beijo na testa antes.
​Todos se vã o, com exceçã o de Heather e Vittorio. A ruiva está ao meu
lado de modo protetor e parece querer ficar aqui até mesmo se eu
mandá -la embora.
​Vittorio está parado perto da porta, com a camisa social branca
destacada no seu peitoral forte, o cabelo preto, maior do que ele
costuma deixar, e com indícios de que dormir nã o tem sido muito
praticado por ele. Meu irmã o parece diferente, desalinhado.
​— Por onde você esteve? — É minha primeira pergunta a ele.
​Ele ergue seus olhos, como se me olhar fosse doloroso, vergonhoso e eu
insisto no contato visual. Com uma respiraçã o funda, ele cola suas costas
largas contra a parede.
​— Procurando uma forma de tirar você de onde te coloquei. — Seu tom
é tã o baixo, envergonhado.
​— Achei que estava sendo mantido preso por Ibrahim, ele me mostrou
fotos. O que aconteceu, Vittorio?
​— O conselheiro dele me capturou quando fui em busca de provas sobre
o que aconteceu no dia do acidente para ele achar que foi nosso pai que
encomendou a morte dele. — Ele ergue a cabeça, seus olhos assumindo
uma expressã o obscura — E eu descobri. Estava prestes a embarcar para
Rú ssia quando Alessio me contactou para dizer que você estava em casa,
e que ele estava a caminho de destruir a Bratva.
​ eather respira fundo ao meu lado, a preocupaçã o dela é evidente, em
H
cada poro do seu corpo.
​— O que descobriu é suficiente para Ibrahim me deixar ir embora?
​— Você nã o vai voltar, Zoey. Está em casa e longe daquele filho da puta.
Quem irá ao encontro dele sou eu, com notícias que o fará se remoer
dentro do caixã o ao saber a verdade sobre a morte dos pais dele.
​Sinto algo apertar meu coraçã o, e nã o é expectativa que sinto para
descobrir a verdade por trá s do que me trouxe sofrimento. Contudo,
quando Vittorio me conta a verdade e me mostra evidências eu começo
a chorar.
​Choro por Ibrahim, mesmo que eu nunca vá admitir isso.
​Eu teria preferido que fosse meu pai a ter matado a família dele, desse
jeito, eu nã o estaria sentindo essa compaixã o enorme por ele. Os atos
dele contra mim seriam justificáveis.
​Peço ao meu irmã o e Heather para que saiam e me deixem sozinha com
as fotos de Ibrahim criança, logo apó s o acidente, com fotos da perícia. O
que eu vejo estilhaça meu coraçã o e eu soluço a cada foto que vejo.
​A ú ltima é uma de 15 dias antes do acidente, com uma bola de futebol,
brincando em um campo vasto. O cabelo loiro está bem cortado e os
olhos azuis cintilando de felicidade, mas o que me mata é o sorriso
radiante que morreu junto com os pais dele.
​A verdade vai destruí-lo ainda mais.
(...)
​ u acordo no meio da madrugada, depois de adormecer, exaurida pela
E
torrente de lá grimas que saiu de dentro de mim. Meu peito está
dolorido, com um sentimento de compaixã o que eu nã o deveria ter, e
que ainda assim nã o consigo evitar de sentir.
​Por um momento eu penso em voltar para Ibrahim, apenas para poder
vê-lo e tentar aliviar a dor que ele sentirá quando descobrir o que
aconteceu com seus pais. Duvido que será meu consolo que ele vai
desejar, e se houver alguma humanidade nele, vai me deixar ir e sentir
remorso o resto da sua vida.
​ evanto-me da cama, acendendo as luzes para descer até o primeiro
L
andar em busca de algum ar fresco. Estou sentindo falta da neve, do frio
que me cercou durante os ú ltimos meses, e isso é só uma das sensaçõ es
absurdas que estou sentindo em relaçã o ao local onde eu estava sendo
mantida como refém e depó sito de esperma para um homem que me
odeia.
​Desço as escadas com a pouca luminosidade da mansã o, ciente de que se
passa das duas da manhã e todos devem estar recolhidos, com exceçã o
dos homens do lado de fora.
​A voz do meu pai surge no escritó rio, no momento em que estou
atravessando o corredor para a porta do jardim. A primeira palavra me
faz parar para ouvir escondida.
​— Nã o há sinal dele, continuarei procurando, mas nã o temos garantia de
que vamos achá -lo. O desgraçado encobriu todos seus rastros. Ninguém
sabe onde ele está , é como se todos o conhecessem, mas nã o soubessem
quem ele é. — É a voz de Alessio através do computador.
​— Nem mesmo eu sabia da existência dele até pouco tempo atrá s, ele é
bom em se esconder, assim como o tio dele. Talvez, eu tenha que optar
pelo lado mais extremo dessa situaçã o. — Meu pai fala baixo, mas firme
o suficiente para que eu possa ouvi-lo com clareza.
​— Vai mesmo seguir com seu plano inicial? — Alessio questiona. —
Envenenar o corpo de Zoey para fazê-lo se contaminar é perigoso
demais para ela, mesmo com o antídoto por perto.
​Meu coraçã o erra uma batida.
​— Isso nã o será perigoso para ela, e ela nã o precisa saber que irá se
tornar a portadora da morte dele. Zoey está dividida entre ele e a nossa
família, esse filho da puta precisa morrer e ela nã o vai permitir isso.
Vamos agir como eu disse desde o começo, já tenho o veneno, ele só
precisa ser borrifado no corpo dela nos dias que ela estiver com ele,
depois, é só questã o de tempo.
​Um certo silêncio perdura por alguns segundos, onde eu posso ouvir as
batidas agressivas do meu coraçã o.
​— Entã o, mandaremos Zoey de volta para ele, para que ele possa matá -
lo lentamente a cada vez que ele a tocar? — É a voz de Vittorio dessa
vez.
​Espero pela resposta do nosso pai, com a garganta seca e a respiraçã o
ofegante, e um peso absurdo na minha mente, fazendo-me ter vertigem.
​— Sim. É isso.
​— Zoey é a ú nica que pode acabar com essa destruiçã o, ele está
esperando esses ú ltimos dias se passarem para vir ao buscá -la. Eu
gostaria muito de ter um tempo com ele, tenho muito o que falar, mas a
opçã o dele definhando me atrai ainda mais, posso acelerar o sofrimento
dele contando a verdade sobre a morte dos seus pais — Vittorio fala
calmamente, com uma crueldade fria a cada palavra.
​Sinto uma nova onda de enjoo e começo a refazer meu caminho para o
quarto em passos rá pidos, lutando para nã o vomitar ali mesmo. Entro
no meu quarto, correndo em direçã o ao banheiro, onde me debruço
sobre a privada e coloco todo o conteú do que comi para fora.
​Minha cabeça gira em diversas direçõ es, com as palavras do meu pai e
irmã os ecoando por elas. Conheço os homens pelo qual fui criada,
conheço seus níveis de crueldade e saber que neste momento Alessio
está caçando Ibrahim, levando a Rú ssia abaixo em meu nome nã o me
tranquiliza.
​Eu odeio estar sentindo qualquer tipo de empatia por Ibrahim, eu devia
odiá -lo, e uma parte de mim odeia, mas nã o o suficiente para que seja eu
a pessoa a matá -lo. Nã o acho que tenha qualquer forma deles deixarem
que o homem que me tirou de casa fique vivo. Alessio e papai nã o sabem
o que aconteceu comigo, a forma como Ibrahim me tomou. Mas Vittorio
sabe e meu irmã o é um manipulador nato, um deus da discó rdia, e nos
olhos dele reflete a raiva e o rancor mais puro, a certeza de que ele nã o
vai parar até destruir Ibrahim, porque nã o foi só eu quem ele prejudicou,
Vittorio também.
​Falta menos de sete dias para eu voltar à Ibrahim, como manda o acordo
feito por ele e meu pai, e em contratempo disso, eu preciso encontrar
uma forma de ser a ú nica pessoa a ver o mundo de Ibrahim ruir.
​O que ele tomou de mim nã o pode ser pago aos meus irmã os e nem ao
meu pai, eu sou a destinatá ria, é a mim que o sofrimento dele deve ser
voltado. Eu quero estar diante de Ibrahim quando ele descobrir que a
pessoa que ele puniu nã o tinha culpa de nada.
​Um homem como ele deve ser capaz de sentir algum tipo de remorso, e
se nã o sentir, eu duvido que ele consiga seguir a vida dele sabendo o que
aconteceu com seus pais, porque até mesmo para mim é uma verdade
dolorosa.
​ terceiro cartel é levado abaixo à s 9 da manhã , destruído em uma
O
explosã o que faz os tijolos voarem em vá rias direçõ es. É mais uma
destruiçã o que me deixará de mã os atadas por meses. Com o binó culo,
observo o local sendo reduzido a cinzas, apreciando o espetá culo que
Alessio Moreau está proporcionando, achando que sã o coisas de valores
para mim que ele está destruindo.
​Tudo que ele explodiu até agora vinha sendo gerido por Nikolai. Foram
criadas pelo meu avô , passado para o meu pai e entã o para mim, mas no
momento de se tornar meu, aconteceu algo que ninguém esperava:
desinteresse.
​Eu nunca tive nenhum interesse pelo funcionamento da organizaçã o,
mesmo sabendo como tudo funciona, assim como um engenheiro
entende de construçõ es. Nossos bordeis, carteis de drogas, passaram do
meu pai para Nikolai e eu investi meu tempo em algo que prendeu
minha atençã o desde o começo.
​Fabricaçã o de armas e trá fico delas.
​Eu construí meu império a partir disso e meus negó cios estã o bem
protegidos da ira de Alessio Moreau. A ú nica pessoa que ele está
atingindo é Nikolai, que enviou todos os homens a sua disposiçã o para
lutar nessa guerra, sem nenhuma chance de ganhar. Nos ú ltimos seis
dias, o que mais lavou o chã o de Moscou, foi o sangue russo, drenado
pelo pró prio Alessio.
​ enho que admitir que ele nã o tem nada humano, sua crueldade e
T
perversidade é assustadora para qualquer um, um claro DNA do pai
dele.
​— Deveríamos sair da Rú ssia antes que ele te encontre, ou me encontre
— Vadim aconselha enquanto observamos o cartel sendo tomado pelas
chamas.
​— Você pode ir a hora que quiser, Vadim. Nosso territó rio na Turquia
continua intocado e operando normalmente, será bom ter você por lá .
​— E quanto a você, Ibram? O que vai fazer?
​Respiro fundo, me abaixando para apanhar um pedaço de madeira
carbonizada, fruto do incêndio à minha frente.
​— Eu irei recuperar nossas perdas. Alessio está me fazendo um favor ao
destruir toda a Bratva do meu tio para a minha surgir.
​Vadim me olha com descrença, tentando entender aonde eu quero
chegar com isso. Ele sabia que isso aconteceria quando eu assinei a
promissó ria, assim como eu também.
​— Você orquestrou isso, nã o foi? — Ele olha para o fogo consumindo
tudo atrá s de mim. — Seu doente de merda, o que você está planejando?
​Respiro fundo, sorrindo brevemente.
​— Nossos bordeis e carteis estavam ultrapassados, as mercadorias já
nã o eram das melhores. Com tudo o que está acontecendo, nó s podemos
inovar.
​— E você acha que vai viver até lá ? Ou que Kai Moreau e os filhos vã o
deixar? Sua cabeça está a prêmio, assim como a minha. Qualquer vacilo e
estamos nas mã os deles. Eu nã o quero parar na mã o de nenhum doente
Moreau, e nã o desejo isso a você também. — O tom ríspido de Vadim
deixa claro que ela nã o está nada feliz pelo que está acontecendo, e o seu
medo está evidente.
​Observo meu conselheiro com os ombros tensos e a imagem do fogo
queimando nos seus olhos.
​— Kai Moreau é o meu sogro, querendo ele ou nã o. Quando me casei
com Zoey garanti o direito de assumir a parte dela na organizaçã o da
família. Kai e eu temos um acordo feito pela Alto Cú pula, e todo esse
show que Alessio está proporcionando acaba quando eu reclamar meu
direito de marido.
​Vadim se vira na minha direçã o, atento e confuso.
​— O que quer dizer com isso?
​— Eu tenho uma cadeira na mesa da Alta Cú pula onde posso denunciar
Alessio Moreau por desordem ao meu territó rio e ainda exigir que tudo
seja reconstruído nos meus termos. Por que acha que ele está tã o
desesperado para me achar? Se eu morrer, meus direitos legítimos, que
adquiri me casando com uma herdeira direta do chefe da Alta Cú pula,
nã o podem ser usados, mas comigo vivo garanto que todo tijolo
queimado seja substituído por algo melhor.
​Olhos de Vadim se arregalam e um sorriso mordaz desenha seus lá bios
finos.
​— Seu filho da puta, você se tornou um herdeiro Moreau! — constata. —
A Alta Cú pula deles estabelece que o esposo da ú nica filha mulher tenha
os mesmos direitos que ela. Pela lei deles, você é tã o herdeiro quanto
Alessio e Vittorio Moreau, e um futuro filho que você tenha com Zoey
aumenta sua patente. Enquanto você estiver vivo, pode reclamar tudo o
que perdeu a Alta Cú pula, alegando que seu cunhado desobedeceu à s
leis deles. Além de punido, a família Moreau terá que se retratar com
você.
​Balanço a cabeça sutilmente, concordando. Vadim xinga em russo, dando
um soco no ar de felicidade e alívio.
​— Seu grande filho de uma puta! Como pensou em tudo isso? — Suas
mã os capturam meus ombros e ele beija minha face. — Você nã o é tã o
irracional como parece!
​Me afasto dele, virando as costas para sair do meio das pedras que
somam os escombros do que um dia foi o cartel.
​— Eu estudei a Alta Cú pula por anos, desde que Zoey Moreau completou
14 anos e começou a ficar atrativa para os meus olhos — confesso.
​— E o que vai fazer agora?
​— Vou buscar minha esposa, claro. Nã o estou morto e Alessio nem
mesmo capturou meus tios, a ú nica vantagem dele é estar destruindo o
legado da Bratva. — Paro um momento para olhar para trá s, respirando
fundo — Nã o me importa se ele queimar tudo, isso nã o vai recuperar a
irmã dele de mim. Zoey e eu estamos entrelaçados pelo resto das nossas
vidas e nã o tem ninguém que possa tirar ela de mim.
​Acredito que isso já está bem claro, e é por isso que estã o tã o
desesperados para me matarem, mas irei lutar até contra a morte para
permanecer com Zoey, nã o estou disposto a ver minha pequena esposa
vivendo em um mundo sem mim.

Zoey

​ eu pai está ficando ansioso a cada dia que se passa e Alessio nã o


M
consegue capturar Ibrahim. Posso ver nas suas feiçõ es, na sua linguagem
corporal. Ibrahim está vivo e os dias se passando sem ele nem mesmo
estar se importando com todo seu territó rio sendo consumidos por fogo,
seus homens morrendo e mulheres sendo tidas como reféns até falarem
o que sabem sobre ele.
​A Rú ssia está de cabeça para baixo e os â nimos de lá estã o começando a
chegar aqui. Meu pai e Vittorio passam o dia presos no escritó rio,
conversando à portas fechadas, enquanto minha mã e tenta me distrair
do que está acontecendo.
​Como isso seria possível?
​Estou divergindo entre Camorra e Bratva, mesmo que o ú nico lugar onde
eu queira estar é longe disso tudo. Minha cabeça pesa com cada notícia
de Alessio, relatando que achou o esconderijo de um dos conselheiros e
que tem pista de Nikolai.
​O confronto já chegou ao passo onde todos estã o delatando Nikolai, e só
nã o fazem o mesmo com Ibrahim porque nã o sabem nada dele. Por anos
e anos ele se colocou diante dos homens como um fantasma, como se o
pró prio tivesse um povo e o tio o dele.
​Ibrahim é mais inteligente do que imaginei. Tem algo de humano nele,
mesmo até animais têm níveis de inteligência.
​Saio de encontro a Heather no complexo, em uma quarta-feira de
manhã , acompanhada por dois homens do meu pai e mais homens a
distâ ncia. Minha presença na Camorra tem levantado burburinhos sobre
eu ter voltado apenas para envergonhar meus pais.
​As pessoas estã o falando de mim como se eu fosse a culpada, e os mais
velhos me apontam como uma leviana que se deixou ser seduzida pelo
inimigo. Segundo eles, eu nã o deveria ter voltado.
​— …Se ela está casada com o inimigo, o lugar dela nã o é mais aqui. Se o
Capo nã o quer reconhecer a filha promíscua que tem, entã o deveríamos
reclamar a Alta Cú pula antes que a presença dela contamine nossas
meninas.
​Chego bem a tempo de ouvir um homem de idade falando isso a mais
dois homens mais novos que ele, em frente ao consultó rio de Heather.
Eu realmente nã o me importo com isso, minha vida já está de cabeça
para baixo, pra que eu vou me importar com o que falam de mim? Nunca
me importei, e nã o vai ser agora.
​Antes que o senhor de idade perceba minha presença, a porta do
consultó rio se abre e Heather aparece, com o rosto tomado por uma
antipatia obscura. Sua mã o descansa no batente da porta e ela respira
fundo, tentando manter a calma.
​— É da filha do Capo que disponibiliza seus medicamentos e
atendimento médico 24 horas que vocês estã o falando, senhores.
Deveriam ser mais cuidadosos com as palavras, eu adoraria sentar à
mesa com o meu marido e deixar as palavras que disseram sobre a irmã
dele sair da minha boca. — Uma das suas mã os entra dentro do bolso do
jaleco enquanto ela retifica os ombros. — Nã o me olhem como se eu
fosse o diabo na terra, vocês sã o piores, e se nã o quiserem acabar com
uma boa puniçã o, eu sugiro irem embora do meu complexo médico, aqui
nã o é centro de fofoca. Se nã o estiverem doentes, vã o embora.
​Os três parecem aturdidos e quando se erguem a contragosto para irem
embora dã o de cara comigo. Suavizo meu rosto, lançando a eles um
olhar dó cil.
​— Senhores, algo que queiram me falar? — questiono.
​Sã o seus pés que me dã o a resposta, os três passam por mim com o
má ximo de distâ ncia possível e eu ergo meus olhos para minha cunhada.
​ Você nã o precisava ouvir isso, já está lidando com coisas demais. —

Heather gesticula para que eu entre na sua sala.
​— Nã o é um problema, eles sempre falaram, só que agora tem um
motivo. — Adentro a sala limpa, com paredes pintadas de azul e com
fotos de Alessio e Heather na parede e na mesa.
​Sã o as fotos que chamam minha atençã o. Os dois estã o abraçados e
sorrindo amplamente. Alessio está sorrindo, como se tivesse encontrado
a verdadeira felicidade com Heather em seus braços. Isso acende um
sorriso nos meus lá bios e tira o pouco do peso que me comprime, é tã o
bom saber que ele encontrou o lar dele.
​Ele mais do que ninguém merece isso.
​Heather percebe meu olhar nas fotos e um sentimento afetuoso brilha
em seus olhos.
​— Ele é uma pessoa completamente diferente quando nã o está
encoberto pelo papel de SottoCapo. Temos dois encontros durante a
semana, vamos ao cinema, shopping ou jantamos fora.
​Sorrio com sinceridade, lá grimas ameaçando escapar dos meus olhos
por ver que a felicidade chegou para o meu irmã o mais velho.
​— Ele está te tratando bem? — pergunto.
​— Desde o dia que a verdade sobre nó s dois foi revelada, sim. Eu nã o
consigo mais imaginar ele sendo capaz de me machucar novamente.
​— E ele nã o vai. Os homens dessa família aprendem a zelar pelo amor
das companheiras quando percebem que elas sã o a ú nica fonte de amor
que os nutre.
​Heather assente, com um pequeno sorriso nos lá bios, ela gesticula para
que eu sente na poltrona em frente a ela. Desde algumas noites passadas
ela parece esquivar a qualquer avanço da minha parte.
​— Está tudo bem? Por que me chamou aqui?
​Heather abaixa os olhos rapidamente, comprimindo os lá bios enquanto
parece tentar encontrar as palavras.
​— Como vã o os enjoos? Só teve aquela noite ou eles têm persistido?
​— Vomitei algumas vezes depois, mas nã o acho que eu esteja doente. A
situaçã o ao meu redor está me causando uma ansiedade fora do comum.
​Ela assente de imediato.
​ Sim, sim, é claro. — Respira fundo, brincando com uma caneta. —

Zoey, você e seu marido usam algum método anticonceptivo?
​A pergunta me pega de surpresa.
​— Claro. Por que está perguntando isso?
​Heather parece ficar mais arredia a cada segundo.
​— Qual o método, Zoey?
​— Foi meu pai quem te pediu para fazer essas perguntas? — Minha voz
soa incrédula.
​— Nã o, Zoey. Ele nã o me pediu para te perguntar nada e você nã o
precisa ficar nervosa. Tenho observado você desde que chegou, e estou
preocupada…
​— Sobre o quê?!
​— Zoey, tem alguma chance de você estar grávida?
​Levanto-me da cadeira, meu coraçã o batendo loucamente por uma
pergunta idiota como essa.
​— É claro que nã o, tomo a vacina a cada um mês! — exclamo, me
virando de costas.
​— Nunca esqueceu de tomar ou pode ter tomado um medicamento que
cortou o efeito da vacina? Isso pode acontecer, é mais comum do que
você pensa.
​— Chega, Heather! — Me viro na sua direçã o, a respiraçã o ofegante pelo
nervosismo e uma chateaçã o que nã o sei de onde está saindo. — Eu nã o
estou grávida, saberia se estivesse.
​Heather também se levanta, a expressã o inabalável, ela está
completamente no seu papel de médica agora.
​— Saberia mesmo, Zoey? Nem você e nem eu sabíamos o que realmente
era sexo, quanto mais sintomas de gravidez.
​— Você passou dos limites, nã o quero mais falar sobre isso.
​Abro a porta do consultó rio, fechando-a com força e pisando forte até a
saída. Saio de lá tã o atordoada que nã o noto que os seguranças nã o
estã o no meu encalço e nem o carro me esperando. Meu coraçã o bate
descompassadamente enviando uma pressã o torturante para minha
cabeça de um modo que posso sentir tudo vibrando ao meu redor.
​ stou prestes a me escorar contra a parede quando um forte aperto me
E
puxa em direçã o a um beco. Antes que eu possa gritar uma mã o grande
cobre minha boca e um corpo colossal cobre o meu. O beco é escuro,
com poucos raios de luz adentrando, mas ainda assim posso vê-lo e o
grito se perde na minha garganta.
​— Olá , esposa. Sentiu saudades? — A voz grossa, com o sotaque russo,
fazendo as palavras soarem brutas envia uma onda de arrepios pelo
meu corpo.
​Afundo minhas unhas nos seus braços cobertos por uma blusa de manga
longa e ele sorri de forma mordaz.
​— Nã o achou que eu fosse te abandonar aqui, achou? Hora de voltar
para casa, querida.
​Tento gritar contra a palma da sua mã o, mas o barulho é abafado e
minhas pernas estã o imobilizadas por ele.
​Ibrahim finalmente apareceu, e em Las Vegas.
​O quã o louco é esse homem?
I​ brahim me segura pelo braço, arrastando-me pela multidã o de pessoas
que passam por nó s, tento me soltar e correr de volta ao complexo, mas
a força que ele está exercendo sobre mim é tã o bruta que meus esforços
parecem socos com luva de borracha contra á gua.
​Eu nã o sei como ele tirou os homens do meu pai de fora do radar, nã o
acredito que eles possam ter sido comprados, entã o eu aposto no pior.
Entramos em um beco com saída para rua seguinte, atrá s do complexo e
eu sou empurrada para dentro de um jeep preto, onde um motorista já
nos espera.
​— Você acha que vai se livrar disso? Está em Las Vegas, será só uma
questã o de tempo para o meu pai me encontrar! — grito, no momento
que ele se inclina para colocar o cinto de segurança em mim.
​Ibrahim nã o parece nenhum pouco nervoso mesmo estando tã o
apressado.
​— Só estou cumprindo o acordo que fiz com ele, querida. Os dez dias já
estã o expirando, só me antecipei em te buscar. — Ele bate no banco do
motorista — Vá em frente!
​O carro arranca, saindo do acostamento com uma velocidade má xima,
fazendo meu corpo colidir contra a montanha de mú sculo que é Ibrahim,
o mesmo que está ao meu lado, segurando minhas mã os para que eu nã o
tente pular do carro em movimento.
​ O acordo já era, Ibrahim! Eu nã o quero voltar com você! Você mentiu

para mim, meu irmã o está bem. Nã o tenho motivo nenhum para seguir
com esse casamento. Me deixe ir embora! — Estou gritando com toda
onda de exasperaçã o que toma meu corpo.
​— Esse casamento nã o tem prazo de validade, esposa. Ele só acaba
quando um de nó s morrer, e acredite, iremos envelhecer juntos. — Sorri,
despreocupadamente, exalando confiança e euforia.
​Estreito meus olhos, avaliando seu rosto.
​— Você já está velho, entã o creio que sua morte está mais pró xima do
que a minha.
​— Olha só para você, esposa, me desafiando a te mostrar minha
vitalidade. — Ele aperta sua mã o ao redor dos meus pulsos — Nã o se
preocupe, logo, logo estaremos rolando em uma cama, ou no chã o.
​— Eu odeio você!
​Outro sorriso mordaz, seguido dos seus braços ao meu redor.
​— E eu aprecio como seu ó dio se derrete por mim, querida.
​O carro avança por Las Vegas, saindo da cidade para entrar em Los
Angeles, e o desespero fica ainda maior dentro de mim quando percebo
que nenhum carro está nos seguindo. O que aconteceu com os homens
que meu pai colocou no meu encalço, o que diabos Ibrahim fez para tirá -
los dos seus postos?
​Eu vou enlouquecer!
​O carro para longas horas depois, em uma casa de praia remota, perto
das montanhas de Los Angeles, reclusa e pequena o suficiente para nã o
atrair atençã o, mas entendo a intençã o de Ibrahim assim que ele me
coloca para fora do carro.
​Ele está se escondendo a vista de todos, sem fazer muito esforço. Eu sei
que ele tem direito a me ter de volta, segundo o acordo que ele fez com
meu pai, e que minha opiniã o pouco importa. Sou como uma boneca
sendo puxada de um lado para o outro, esperando ser rasgada ao meio e
deixar os dois lados satisfeitos.
​— Mantenha o carro a distâ ncia da casa e se mantenha discreto. Se
alguém questionar, você deixe claro que fez apenas uma corrida com um
casal que ficou em uma pista de voo clandestina de Las Vegas — Ibrahim
instrui ao jovem motorista, que apenas assente e entra novamente no
carro.
​Ele me puxa pelo pulso em direçã o a casa pequena, com paredes de
vidro e madeira, meus pés afundam na areia e a revolta é como veneno
nas minhas veias, me enchendo com uma ira tã o grande que eu chuto
Ibrahim. Bem nas bolas.
​— Filha da puta! — xinga, soltando minhas mã os enquanto curva o
corpo para frente.
​Nã o espero nem mesmo um ú nico segundo para começar a correr em
direçã o à s montanhas, perdendo meus sapatos no processo da corrida,
em meio ao solo arenoso com um sol ameno sobre minha cabeça.
​Ibrahim parece se recuperar rapidamente e começa a correr na minha
direçã o, xingando e rosnando meu nome. Tenho vantagem nessa corrida,
posso ter pernas curtas, mas a gravidade está ao meu favor, enquanto
Ibrahim desafia a pró pria ao correr com seu tamanho animalesco. Porra,
ele é uma visã o assombrosa nas minhas costas e eu uso todo fô lego que
tenho em mim para chegar as montanhas, começando a escalar a
primeira.
​Porém, antes que eu chegue na segunda, sou pega pelo cabelo e
empurrada para baixo, caindo de costas contra a areia, em uma queda
surda que tira o oxigênio dos meus pulmõ es.
​— Porra, Zoey! Nã o tem para onde fugir, por que insiste tanto em me
tirar do sério?!
​Rolo até ficar de barriga para baixo, recobrando o fô lego, sentindo areia
cair do meu cabelo e por toda minha roupa. Tento levantar, mas antes
que o faça, Ibrahim já está montado em mim com uma expressã o nada
agradável.
​— Achei que estava com saudades de mim depois de tantos dias longe,
eu estava de você. Desse temperamento arisco. — Suas mã os se
entrelaçam com as minhas acima da minha cabeça e ele se inclina na
minha direçã o, roçando o nariz pela pele do meu rosto — Vamos parar
com isso e ficar juntos, ok?
​— Vai se ferrar, eu nã o quero estar com você! Mal estamos juntos e eu já
estou machucada. Um grande marido de merda você é! — cuspo as
palavras em meio à s golfadas de ar que capturo para os meus pulmõ es
vazios.
​Os olhos de Ibrahim amolecem, como se minhas palavras o fizessem
ficar arredio.
​— Desculpe por ter puxado você daquela forma, eu nã o sei ser gentil,
nunca precisei ser e nã o tenho controle da minha força na maior parte
do tempo. Por favor, vamos só ir para casa, nã o vou tocar em você se nã o
quiser. Só quero passar um tempo juntos.
​Eu pisco, confusa pelo comportamento dele. Ele falou de forma mansa, e
foi educado como eu nunca vi antes, e olhando para ele eu consigo
captar uma essência obediente e receptiva, algo que nunca vi antes e
com toda certeza me desestabiliza.
​Ele sai de cima de mim, estendendo a mã o para me ajudar a levantar e
confusa eu aceito. Está quase na hora do almoço e o sol começou a ficar
mais forte, nó s dois caminhamos um ao lado do outro em direçã o à casa,
que está a alguns metros.
​Respiro fundo em busca de algum machucado e nã o encontro nada fora
do lugar, só uma pressã o a mais no crâ nio decorrente da corrida; meu
sangue parece estar começando a circular de volta pelo meu corpo ao
invés de ficar acumulado na minha cabeça.
​Ibrahim abre a porta da casa pequena, que mais parece uma cabana e eu
passo meus olhos por toda parte, encontrando pouca mobília e cô modos
compartilhados, com exceçã o do banheiro. A cama é grande, mas nã o tã o
grande para acomodar alguém do tamanho dele, seus pés ficaram
sobrando.
​— Está com fome? Vou preparar algo para comermos. — Fecha a porta
atrá s de si, colocando a chave no bolso da sua calça.
​Acanhada, eu me sento em uma das poltronas, passando minhas mã os
pelos meus braços, retirando o resto de areia das minhas roupas.
​— Tome.
​Ele estende um copo com á gua na minha direçã o e eu pego sem titubear,
minha garganta está seca e eu estou transpirando.
​— Por quanto tempo ficaremos aqui? — inquiro, sem olhar para ele.
​ Quanto tempo for necessá rio, voltar para Rú ssia nã o é uma boa opçã o

no momento, seu irmã o acabou com as bases da organizaçã o e nossa
casa está cercada. — Ouço ele pegar panelas e circular pela cozinha, mas
nã o noto nenhuma chateaçã o no seu tom de voz.
​— Deveria estar lutando pelo seu territó rio. Que tipo de Capo é você?
​— Você é mais importante de qualquer territó rio, Zoey e eu nã o me
importo se seu irmã o está destruindo tudo. Minha maior prioridade no
momento é ficar com a minha família.
​Algo faz uma pressã o no meu peito, tã o forte que eu prendo minha
respiraçã o e fecho meus olhos para lidar com a torrente de sentimentos
que descarrega por todo meu corpo. Família. Ele nunca teve isso, nem
mesmo quando achou que tinha depois que os pais dele morreram.
​Eu deveria contar a verdade a ele agora, destruí-lo e ir embora, mas nã o
sou capaz, e eu odeio nã o saber o porquê. E carregar esse segredo está
me quebrando ainda mais.
​— Eu preciso usar o banheiro — digo, me levantando da poltrona.
​Ibrahim me analisa por alguns segundos antes de simplesmente assentir
e apontar para a porta ao lado do quarto, caminho até lá me sentindo
tonta, assimilo isso a corrida de mais cedo, mas só me sinto melhor
quando lavo meu rosto e tento voltar a ó rbita.
​Encaro meu reflexo no espelho, vendo minha face mais pá lida que o
normal, belisco minhas bochechas em busca de alguma coloraçã o e sou
acometida por uma enorme vontade de vomitar, e mesmo a privada
estando ao meu lado, eu quase nã o consigo chegar até ela antes de
colocar tudo para fora.
​O barulho do vô mito chega até Ibrahim e em menos de 30 segundos ele
está abrindo a porta e vindo na minha direçã o. Se abaixando ao meu
redor, segurando meu cabelo e acariciando minhas costas.
​Suas mã os grandes sã o quentes e me trazem um certo conforto quando
eu termino de colocar tudo para fora, caio para trá s, sendo sustentada
pelo corpo dele, minha cabeça encosta na curva do seu pescoço e eu
fecho os olhos inspirando seu cheiro almiscarado.
​— Está vendo o que sua corrida maluca foi capaz de fazer contra você,
Zoey? — Seu tom é calmo, quase amável. — Venha, vamos para a cama.
​ palavra cama acende um alerta na minha cabeça e ele nega com a
A
cabeça.
​— Nã o é o que está pensando, quero só que fique deitada enquanto eu
termino de fazer a comida. — Ele me ergue nos seus braços, me levando
para a cama — Nã o é só em sexo com você que eu penso, mulher.
​— Também pensa nas muitas formas de me quebrar como forma de se
vingar do meu pai, é claro que nã o posso me esquecer disso.
​Sou depositada em cima da cama com cuidado, recebendo um olhar
cauteloso de Ibrahim, que se afasta sem mais nenhuma palavra.
​Deito de lado, cobrindo meus olhos contra a claridade. Minha cabeça
parece estar em um torno onde as dores sã o como facadas no meu olho
direito. É insuportável. Nunca me senti tã o fraca como agora.
​Nã o sei em qual momento eu acabo pegando no sono em meio a névoa
de dor e enjoo, mas quando acordo está tudo escuro e Ibrahim está
sentado na poltrona, com um celular na mã o e uma expressã o nada feliz.
​Minha língua, que está colada no céu da boca, parece pegajosa e quando
engulo minha saliva eu percebo que minha boca está seca. Um gemido
sai dos meus lá bios deliberadamente e isso atrai a atençã o de Ibrahim,
que larga o celular e vem ao meu encontro com um copo de á gua.
​— Você apagou por quatro horas inteiras, parece que nã o andou
dormindo bem nesses ú ltimos dias — comenta.
​Pego o copo das suas mã os, contrariando ele na minha mente. Eu dormi
muito nos ú ltimos dias. Estava sempre dormindo e me sentindo cansada,
associo isso a um possível começo de depressã o.
​— Nã o, é difícil dormir em uma casa onde todos estã o planejando o pior
tipo de mortes para outras pessoas, assim como era difícil dormir com
um predador sexual como você, que nem mesmo me deixava em paz —
desabafo. Mesmo que isso seja uma mentira. Eu nã o me sentia em casa, e
com uma estranha saudade e necessidade de estar com ele.
​Ibrahim retifica os ombros.
​— Você nã o gostava do sexo entre nó s dois?
​Suspiro, largando o copo em cima da cabeceira.
​— Bem, nã o era uma atividade agradável, principalmente na primeira
vez, e depois dela. Nã o existia nada humano na forma como você fazia
sexo comigo, e sabe disso.
— A intençã o nã o era te dar prazer, mas a forma como você me
faz perder o controle foi além do que eu podia prever.
Sorrio de maneira incrédula.
— Entã o, a culpa foi minha por você ter sido um
animal? Te excitava me ver implorar para você parar?! — questiono, com
a incredulidade em cada palavra.
Ibrahim tem o rosto limpo de emoçõ es, ele parece um robô me
olhando.
— Você nunca implorou para que eu parasse, Zoey.
Pelo contrá rio, deixava que eu fosse até o final e quantas vezes eu
quisesse. Você queria que eu me desfizesse de toda minha raiva, que eu
esquecesse o porquê te tratava daquela maneira. Nosso sexo sempre foi
uma luta para ver qual lado cedia primeiro e eu nã o quero que seja mais
assim.
— Quando você estava dentro de mim eu só queria que acabasse
logo, Ibrahim. Eu nã o suportava ser alvo de tanta raiva e crueldade. A
cada vez sua dentro de mim, você arrancava um pedaço meu e foram
pedaços tã o grandes que hoje eu estou vazia e nã o reconheço mais um
lugar no mundo onde eu pertença. — Levo minha mã o ao peito em uma
tentativa de respirar fundo. — Me sinto desconexa de tudo ao redor
desde que você me tomou naquele bosque. Nã o sou mais a filha dos
meus pais, nã o pertenço a minha pró pria organizaçã o e a minha casa
nã o é mais meu lar! — Levanto-me da cama com as lá grimas ameaçando
escorrer dos meus olhos, junto com a explosã o de toda frustraçã o que
estou sentindo nos ú ltimos dias. — Você foi tã o cruel comigo que me
fragmentou inteira! Eu nã o tenho mais para onde ir, e enquanto você e
meu pai brigam por mim, nã o percebem que já nã o existe uma Zoey para
ser salva. Mas nã o é a mim que querem salvar, nã o é? — Bato meus
punhos contra seu peito, minhas lá grimas inundam todo meu rosto
enquanto eu rosno contra ele. — Estã o brigando entre si e nã o
percebem que me arruinaram! Eu nã o quero mais ficar ao lado de
nenhum de vocês, tudo que eu desejo nesse momento é fugir para um
lugar distante…
Minhas forças, que até um segundo atrá s estavam no seu á pice, se
rendem e meus olhos se perdem entre um ponto e outro. Um soluço alto
sai dos meus lá bios e tudo que Ibrahim faz é observar. Com o rosto
molhado, e perdida na minha dor mais profunda da apatia, eu olho para
Ibrahim como se uma fronteira nos separasse.
— Eu queria estar morta, assim tudo isso acabaria. Essa angú stia,
o medo constante e esses sentimentos controversos teriam fim —
sussurro com convicçã o. — Se eu morresse tudo isso acabaria. Por que
nã o me matou de verdade? Deveria ter feito isso. Eu estou tã o ferrada
que comecei a sentir saudades de você enquanto estava com meus pais,
e fiquei ansiosa para te encontrar novamente.
A expressã o de Ibrahim sofre um golpe e ele me toca, posso jurar
que ele está tremendo, seus olhos estã o tã o arregalados quanto o
choque que se expande por todo seu rosto.
— Jamais repita isso, por favor! Nunca mais diga essas palavras…
— Ele se afasta de mim, levando as mã os até a cabeça em desespero. —
Diga que me odeia, me machuque com qualquer arma, fuja de mim,
entregue-me ao seu pai, mas… Jamais diga que quer morrer! — A ú ltima
parte soa em um grito de desespero.
Seu grito me faz estremecer e quando ergo meus olhos para
Ibrahim, vejo o brilho das lá grimas nas írises azuis, logo depois, uma
pequena trilha molhada desce pelo seu olho direito e Ibrahim sai da
cabana, fechando a porta com toda força.
O frio e a surpresa me englobam, assim como uma certeza que
surge na minha cabeça quando as palavras de Heather vêm até minha
mente, em um momento inoportuno, e eu começo a fazer as contas na
minha cabeça.
Estou atrasada.
Minha menstruaçã o nã o desce há muito tempo.
​ u me tornei o pior monstro que existe na face da terra. Destruí a alma
E
de uma garota, sem ter dado a ela a chance de se defender de mim, e
agora ela prefere estar morta a sentir o que a rodeia. Impeço o rugido de
angú stia e dor que quer sair do meu peito e caminho para dentro da
á gua do mar, com as ondas se chocando contra meu corpo, A cada
centímetro que adentro pela á gua.
​O que eu esperava depois de ter feito o que eu fiz com ela? Eu a achava
mesmo tã o inquebrável para tratá -la como se nã o tivesse sentimentos?
Ela era só uma garota e eu a sentenciei sem dar nem mesmo uma chance
de ela viver uma vida digna, assim como fizeram comigo.
​As palavras carregadas dela ecoam pela minha cabeça, e eu me desafio a
ir mais fundo no mar negro pela noite, necessitando de um castigo, de
algo que faça minha mente parar de pensar que quebrei Zoey Moreau,
em um grau tã o alto, que a morte é atrativa para ela agora.
​Sabe como é a merda do sentimento de nã o ter mais nada dentro de
você, que só a morte oferece algum consolo? Eu sei. Passei os ú ltimos
anos da minha vida lutando para ficar vivo, enquanto uma voz na minha
cabeça me mandava apertar um gatilho contra minha boca. Eu nã o tinha
nada além dessa maldita vingança para me motivar a viver um dia de
cada vez.
​E por qualquer Deus que exista, eu juro que quando coloquei os olhos
nela, eu senti uma fagulha de vida se acender em mim. Uma fagulha, da
mesma cor dos olhos dela, clareou as profundezas da minha mente
tomada de escuridã o, revolta e autodestruiçã o. Mesmo assim, eu nã o fui
capaz de ser decente com ela, ela ainda era a filha do meu inimigo, e se
era capaz de causar algum tipo de alegria em mim, entã o imagine no
monstro que é o pai dela.
​Uma garota cheia de luz, cercada de monstros, e, mesmo assim, eu fui o
ú nico a despedaçar sua mente. Levei ela ao extremo da vida, a coloquei
de joelhos e a despedacei em fragmentos, que agora pairam ao meu
redor. A luz daqueles olhos majestosos foi desligada e tudo o que sobrou
foi uma aparência vitral.
​Minha raiva por ser ela a mulher que minha alma havia escolhido para
mim foi fora do limite, eu preferia tomá -la para me satisfazer do que
parar pra perceber o que estava fazendo com ela. Parece uma piada
dizer que me importo com ela depois de tudo o que eu fiz.
​Eu sou a porra de um doente fodido.
​Estou arruinando a vida da mulher por quem já cheguei a sentir algo, e
essa culpa começa a rachar meus ossos.
​As ondas me submergem, e nã o luto contra elas, deixo elas me
subjugarem, me afogarem até que o oxigênio no meu cérebro comece a
ser cortado e meus pensamentos a ficarem distorcidos, e, ainda assim,
eu nã o consigo deixar de sentir essa sensaçã o perturbadora de que
estou matando Zoey.
​Nossa primeira noite vem em minha mente e eu grito contra a á gua
salgada que entra na minha boca ao lembrar do grito dela, das lá grimas
e de como eu a humilhei, sem dar a ela a chance de escolher se queria
ficar comigo ou nã o.
​Minha vingança foi maior do que o sentimento que ela despertou em
mim, e isso nã o me oferece nenhum consolo. Nem mesmo o mar parece
querer me engolir e me levar para suas profundezas. Em um momento
minha cabeça está explodindo com a pressã o da á gua entrando nos
meus pulmõ es, e no minuto seguinte estou na areia cuspindo tudo o que
engoli, vomitando tudo o que tenho estô mago, até nã o me sobrar mais
forças e eu cair de costas contra a areia molhada.
​ eus olhos absorvem a beleza do céu estrelado que nã o vejo com
M
frequência na Rú ssia, e o rosto de Zoey se desenha em meio as estrelas
antes de eu cair na inconsciência.
​(...)
​Acordo com raios de sol queimando meus olhos e a tarefa de manter os
olhos abertos é á rdua. Levo minha mã o até o rosto para me proteger,
mas o sol quente e a sensaçã o da roupa ú mida na minha pele, é demais
para que eu permaneça deitado, principalmente quando o chã o onde
estou é arenoso.
Ergo-me do chã o, sentindo minha cabeça doer e a garganta
dolorida com o esforço que meu corpo fez para expulsar toda á gua para
fora, olho em direçã o ao mar, me sentindo o pior tipo de ser humano
para que até o mar nã o queira meu corpo.
Como vou encarar Zoey depois de ontem? Como ao menos posso
me considerar um homem depois do que fiz com ela? Nunca me coloquei
no papel de vítima, e nã o é agora que vou fazer isso. Sinceramente, eu
nã o estou disposto a abrir mã o dela, mesmo depois de tudo isso. Quero
curá -la. Se eu a ferir, posso consertar, nã o posso?
Minhas chances para isso sã o mínimas, eu nem mesmo sei o que
é cuidar de alguém, mas tudo que quero é expurgar a sensaçã o de vazio
que preenche Zoey nesse momento.
Cambaleando e faminto, começo a caminhar de volta para a
cabana, pela intensidade da luz do sol posso sugerir que seja cerca de 6
da manhã . Ela nã o baixou as persianas das paredes de vidro e eu
procuro por alguma sombra dela antes de entrar na cabana.
O primeiro som que ouço quando abro a porta é de Zoey
vomitando agressivamente, adentro a casa em passos apressados até
parar ao lado dela. Ela está agarrada ao vaso sanitá rio, vomitando como
se já nã o tivesse força e mais nada para colocar para fora.
— Você está doente? O que aconteceu nesses ú ltimos dias? —
questiono, me colocando atrá s dela para lhe dar suporte.
Ela está branca como uma folha de papel e nã o olha na minha
direçã o, nem mesmo quando para de colocar tudo para fora. Pela sua
situaçã o, a bagunça no banheiro eu posso dizer que ela passou a noite
vomitando.
— O que você tem, Zoey?
— Preciso ir a uma farmá cia. — Sua voz é enfraquecida, rouca.
— Você precisa de um médico. Está fria como uma pedra! O que
diabos aconteceu com você nesses ú ltimos dias? — insisto, exasperado
por vê-la tã o fraca.
Zoey aperta a descarga, caindo para o lado, limpando sua boca
com as costas das mã os, enquanto seus olhos vazios me fitam com o
puro medo refletido neles e eu odeio isso. Odeio que ela olhe para mim e
sinta qualquer medo, eu nunca vou ser capaz de machucá -la. Nã o mais.
Levo minha mã o até seu joelho erguido e seus ombros
estremecem.
— O que foi, querida? — questiono com o tom baixo.
Ela respira fundo, prendendo a respiraçã o logo depois, mordendo
os lá bios em nervosismo.
— Estou atrasada. Há três semanas.
Franzo o cenho, confuso.
— Seja mais clara, por favor.
Seus olhos se fecham rapidamente, ela esfrega a mã o no rosto e
pondera sobre o que deve ser dito ou nã o. Uma chave parece virar na
minha cabeça e eu congelo onde eu estou, começo a pesquisar na minha
mente a ú ltima vez do anticoncepcional dela…
Merda!
— Preciso de um teste para ter certeza. Pode ir comprar? — Ela
tenta soar indiferente, mas está com tanto medo e vulnerável que minha
ú nica vontade é abraçá -la.
Apenas uma vacina foi aplicada nela por mim, e depois disso
nenhuma outra. Nã o há outra explicaçã o. Zoey está carregando um filho
meu, a garota está condenada a gerar o filho do homem que a maltratou
e acabou com sua saú de mental.
Dou um passo para trá s, meu estoque de oxigênio parece ser
cortado, ando até uma das paredes de vidro, apoiando minha mã o nela
para sustentar o peso do meu corpo.
Eu deveria ao menos ter garantido que nã o iria arruiná -la desse
jeito. Um filho é para vida toda e eu duvido que Zoey queira sequer
passar o pró ximo minuto comigo.
— Vai me culpar por algo que deveria ter sido você a cuidar? —
Sua voz fraca soa atrá s de mim — Isso aconteceu por sua causa.
Respiro fundo. Sim, isso é minha culpa. O pâ nico se mistura com
uma faísca de esperança, transformando isso em uma péssima
combinaçã o, porque eu nã o deveria ficar feliz por ela estar grávida de
mim, nã o depois de tudo que eu a fiz passar… Como posso ser um
monstro tã o vil?
Como posso estar vendo como esperança e felicidade, algo que
com certeza a está assombrando?
Me viro para Zoey, descendo meus olhos até a barriga que ainda
está lisa, meu coraçã o acelera no peito e eu me pergunto o que ela vai
querer fazer com essa criança…
— Vou preparar seu café da manhã e comprar o teste. Se estiver
mesmo grávida precisa se alimentar.
Passo por ela, indo até a cozinha. Ela precisa tomar algo frio para
acalmar o estô mago, e tudo que tenho é um suco de laranja de garrafa.
Droga, preciso comprar coisas naturais, farei isso hoje, junto com frutas.
Nã o temos muitas frutas aqui.
— Você está sensível a algum alimento? — questiono, enquanto
tiro os ovos da geladeira para fazer uma omelete.
— Nã o acho que eu consiga comer qualquer coisa sem vomitar
em seguida — ela ofega, enquanto se senta em uma das banquetas,
descansando a cabeça nas mã os.
Ela nã o deve ter dormido nada enquanto eu estava lá fora, me
lamentando depois de ser um filho da puta.
— Você precisa comer, dê algo para colocar para fora, ou nem
você e nem esse bebê chegaram a lugar algum.
Só percebo os pesos das minhas palavras quando elas saem da
minha boca e imediatamente ergo o rosto para Zoey, ela nã o está
olhando para mim, sua cabeça está baixa, como se ela nã o fosse capaz de
sustentar o peso.
Penso imediatamente que minhas palavras sã o um gatilho para
ela, e assim como ela nã o quer viver, esse bebê terá o mesmo destino. É
torturante pensar nisso. Dó i mais do que tudo que já senti na vida e me
enche de um medo avassalador.
Sirvo um prato de omelete e uma sopa rá pida de legumes, junto a
um copo de suco. Zoey nã o consegue levar mais do que uma colher a
boca antes de ter uma â nsia de vô mito e correr para o banheiro, e eu
simplesmente nã o posso deixar que ela fique sem comer.
Também nã o consigo ficar longe dela, entã o mando Eric, um dos
rapazes que trabalha para mim e vive em Las Vegas, comprar um teste
de cada marca diferente, apenas para que todas as respostas que eles
derem fiquem clara, tanto pra mim quanto para Zoey.
Preparo um banho para ela, com roupas dela que trouxe da
Rú ssia e mesmo sob protesto para deixá -la sozinha, eu simplesmente
nã o posso. Grávida ou nã o, Zoey é minha responsabilidade.
A ajudo-a a se vestir, mantendo meus olhos na sua barriga nua,
em busca de algum indício de que tem um filho meu crescendo ali. Estou
ansioso. Ansioso para descobrir e ver a barriga dela ganhando forma.
— Se eu estiver grávida, você vai me obrigar a ter o bebê? —
pergunta, enquanto o vestido desliza pelo seu corpo.
Evito seu olhar, mesmo sendo inevitável.
— Você quer um filho cujo sangue se misturará com o do seu
inimigo? — insiste.
Que se foda Kai Moreau. Essa vingança acabou noite passada.
— Ele será nosso filho. Um pedaço seu e meu. Nã o me importo
com quem seja o avô dele, nem se ele vai me odiar quando crescer.
Tenho medo de nã o ser um bom pai e fracassar com ele como fiz com
você, mas eu quero essa criança, Zoey. Ela é um pedaço seu. Fizemos isso
juntos e mesmo se você nã o quiser, eu posso ficar de joelhos e te
implorar para que tenha essa criança.
— A decisã o nã o cabe a você, nã o importa o quanto implore. Você
nã o pode me obrigar a gestar um filho seu, depois de tudo que fez.
Minha voz se perde na garganta e meu corpo estremece. Balanço
a cabeça, sentindo meus olhos começarem a lacrimejar.
— Por favor, nã o faça isso. Nã o tire meu filho de mim. Nã o existe
perdã o no mundo que eu possa pedir para reparar o que fiz com você, e
você estaria devolvendo tudo em moeda maior o que eu fiz, abortando
essa criança. Mas Zoey, por favor, nã o faça isso comigo. Eu nã o tenho
nada além de você e a possibilidade de você estar esperando um filho
meu. Nã o tenho nada além disso. — Meus joelhos cedem e eu me coloco
de joelhos diante dela, estremecendo a sua frente. — Se sua decisã o for
nã o ter o bebê, me entregue a sua família. Eu prefiro morrer a nã o poder
ter vocês comigo.
Os olhos delas estã o repletos de lá grimas, ela balança a cabeça
em negativa, se afastando de mim.
— Quando vai parar de ser cruel comigo, Ibrahim? Eu nã o me
importo com o que vai acontecer com você, os danos que me causou
foram o suficiente para eu parar de querer me importar com qualquer
coisa que tenha relaçã o com você.
— É uma criança, Zoey! Ela nã o pode pagar pelos meus pecados.
— Como pode dizer isso quando me fez pagar pelos pecados que
meu pai nem mesmo provocou?! — rosna.
Levanto-me do chã o, exasperado.
— Vou passar a minha vida me retratando por isso, você nã o sabe
como é doloroso olhar para você e ver esse olhar vazio sabendo que fui
eu quem causou isso! Nã o cometa o mesmo erro que eu, por favor!
Ela leva as mã os à cabeça, balançando-a, como se minhas
palavras fossem um absurdo.
— ME DEIXE EM PAZ! EU QUERO VOLTAR PARA MINHA CASA!
— Sua casa sou eu, Zoey. E nosso filho.
— Eu nã o posso estar grávida de você! Nã o depois de tudo que
passei na sua mã o!
Me aproximo dela, sentindo algo ú mido escorrer pela minha
bochecha.
— Esse filho pode ser nosso recomeço, a reparaçã o de todos os
erros.
Zoey começa a chorar desconsoladamente e eu só consigo pensar
que isso fará mal ao bebê, eu preciso que ela pare. Que descanse. Isso
está acabando com nó s dois.
— Você nã o entende, Ibrahim. Tem coisas que nã o sabe e quando
a verdade vier à tona fará você sentir nojo de você mesmo. — Soluça
com a mais pura dor nos seus olhos.
Pisco.
— O que eu nã o sei, Zoey?
Ela fica em silêncio, chorando, como se o peso do mundo
estivesse nos seus ombros, e se nega a falar comigo nos pró ximos
minutos que acarreta a chegada de Eric com os testes.
Eu a entrego e ela passa uma hora inteira dentro do banheiro.
Quando sai, caminha direto para a cama e entro no cô modo frio que é o
banheiro, encontrado todos os 15 teste abertos, e todos com duas listras.
​ s lá grimas que caem pela minha face nã o sã o por mim, e sim por esse
A
bebê que mal foi concebido e já está envolto de um mundo onde ele será
o motivo de confronto. Eu nã o tinha como esconder isso de Ibrahim,
serã o dois meses ao seu lado e os enjoos estã o ficando piores a cada dia
que passa, e mesmo tendo feito o que fez, ele é o pai, merece saber que
carrego um filho dele, mesmo que eu condene isso com todo meu ser.
​Como pude engravidar dele? Essa criança nã o será bem-vinda em
nenhuma das duas famílias, ela só terá a mim. Ibrahim nã o pode se
esconder pelo resto da vida dele, Alessio vai encontrá -lo e pouco vai
importar para ele se carrego um filho dele no meu ventre.
​A melhor soluçã o para tudo isso é ir para longe com esse bebê, um lugar
onde ninguém possa nos ferir. Nã o acredito que meu pai faria mal a
criança, mas ele com certeza nã o a aceitaria. É sangue do seu inimigo e
ele já mostrou que nã o poupa nem mesmo sua família. A ideia de ter ele
ou ela tirado de mim, antes mesmo que eu possa segurá -lo nos braços,
faz minha cabeça sofrer uma pressã o avassaladora. Nã o serei capaz de
abortar, mesmo que eu use essa estratégia para ferir Ibrahim e o faça
achar que é que farei. Ele nã o merece minha misericó rdia, e eu farei tudo
o que tiver ao meu alcance para proteger essa criança, mesmo que isso
inclua excluir o progenitor.
​Me viro na cama, buscando uma posiçã o onde eu nã o seja tomada por
um mal-estar. Nã o faço ideia se esses sintomas sã o normais para uma
gravidez, nem mesmo sei se com tanto estresse e medo, ela pode chegar
a ir adiante e esse simples fato me assombra ainda mais.
​Quero ir embora para um lugar seguro, longe de toda preocupaçã o,
conflito e até mesmo de Ibrahim. Nã o aguento olhar para ele e ver sua
face de arrependimento, sabendo que esses sentimentos só irã o piorar
quando ele descobrir a verdade, e eu nã o vou protegê-lo da dor da
verdade, assim como ele nã o me poupou dos seus abusos.
​Tudo isso pesa tanto.
​O mundo inteiro parece descansar nos meus ombros, sem que eu possa
respirar, é como se qualquer fô lego que eu tomasse fosse nocivo para a
vida que cresce dentro de mim, e que já tem tanto do amor, que nã o sou
capaz de fazer nada para prejudicá -lo.
​Levo minha mã o até minha barriga, ainda lisa, as lá grimas escorrem por
um só lado do meu rosto e eu fungo, enquanto tento passar um
sentimento bom ao bebê, mesmo que já nã o reste muitas coisas boas em
mim, apenas ele.
​— Por favor, Zoey, pare de chorar. O bebê pode sentir tudo o que você
sente, isso fará mal a ele — Ibrahim implora as minhas costas, a voz
dolorida e isso só me faz chorar ainda mais.
​— Ninguém além de nó s dois irá aceitar esse bebê, e nem pouparam sua
vida. Essa criança, se nascer, terá o destino marcado por tragédias e
assassinatos. Seus tios terã o matado o pai dele, e seu avô irá rejeitá -lo. E
tudo isso é culpa minha!
​— Acha que seus irmã os irã o me matar?
​Nã o sou capaz de me virar para ele.
​— Segundo a lei de vocês, eu nã o posso ser julgado de morte pelos
Moreau por ser seu marido. Família nã o pode matar família, essa lei foi
intitulada pela Camorra depois do que seu pai fez com a família paterna
dele. Eles nem mesmo podem encomendar minha morte. Alessio,
Vittorio e Kai Moreau precisam viver com o fato de que sou seu marido e
que nosso filho é fruto disso.
​— Você nem mesmo acredita no que está falando, sabe que eles nunca
deixarã o você se livrar do fato de ter me levado. Vittorio nunca
esquecerá disso, ele é o ú nico que conhece a verdade do nosso
relacionamento.
​As mã os de Ibrahim tocam meus ombros, virando-me na sua direçã o
com gentileza, seus olhos estã o cheios de determinaçã o e dor. Uma dor
que nã o é sobre ele, é por mim. Eu olho para ele e vejo o quã o assustado
ele está com o meu estado e em como isso o prejudica.
​— Zoey, confie em mim. Ninguém vai me tirar do lado de vocês dois, eu
nã o vou morrer. Nó s três iremos para longe daqui, seguir nossa vida em
outro lugar. Alessio nã o acabou com nada que tenha valor para mim, ele
destruiu tudo o que importava para Nikolai.
​Nossos olhos se encontram, os azuis límpidos brilhando com confiança
para mim, sua mã o grande descendo até meu ventre.
​— Nã o acha que eu seria burro de deixar meu territó rio ser
bombardeado se eu me importasse com ele, acha? Meus negó cios nã o
estã o concentrados na Rú ssia, minha linda. Tudo aquilo é de Nikolai, na
verdade, era. Você já deveria ter aprendido que ninguém toca no que é
meu, esposa.
​Engulo em seco, tentando juntar as peças do que ele está falando.
Ibrahim nunca mostrou desinteresse pela Rú ssia, mas também nunca se
mostrou muito entusiasta, ele foi sempre uma incó gnita para mim e para
todos ao seu redor. Ele nunca revelou seus interesses, até agora.
​— Se você sair do meu lado, se for capturado eu nã o poderei garantir a
segurança do nosso filho. Tenho certeza de que minha mã e tentaria me
ajudar, mas com meu pai e irmã os unidos, seria uma briga perdida. —
Ibrahim limpa as lá grimas que descem pela minha bochecha. — Nos
mantenha seguro, Ibrahim. Estou pedindo a você. Estou implorando.
​Sua mã o engloba meu ventre e eu vejo o brilho feroz nos seus olhos,
aquele que deixa claro que o mundo virá a ruir se alguém encostar no
nosso filho. Mas a sombra da verdade ainda encobre nossa relaçã o.
Ibrahim vai aguentar a culpa e querer continuar comigo? Esse filho
ainda vai ser aceitável para ele quando seus olhos pousarem no filho e
ver que ele foi fruto de uma vingança a uma pessoa que nã o tinha
nenhuma culpa?
​ omo será a vida de Ibrahim quando descobrir que meu pai nunca foi o
C
vilã o da vida dele? O precursor de todo seu sofrimento e cicatrizes. Pela
segunda vez na minha vida, eu desejei que meu pai fosse culpado por
algo, e novamente por ele.
Levo minha mã o até o rosto de Ibrahim, e o mesmo se aconchega
a ela, levando seus lá bios até minha palma, a beijando delicadamente.
Trago seu rosto para mais perto para que possa beijá -lo e pela primeira
vez vejo-o ficar hesitante. Puxo para mais perto, em busca de mais
contato com seus lá bios quentes e ele só leva dois segundos para
começar a retribuir e se debruçar sobre mim, encontrando sua posiçã o
entre minhas pernas, sustentando todo seu peso nos braços para poupar
meu corpo. E Deus, eu senti falta disso, da sensaçã o de ter ele na minha
pele, sendo impiedoso ou nã o.
Passei oito dias na minha casa, me sentindo uma intrusa, porque
estava em abstinência pelo homem que me fez ir ao inferno.
Nossas línguas se encontram em um duelo amigável, com a
malícia enraizada em uma fome que parecemos nutrir um pelo outro.
Tã o grande que faz meu coraçã o palpitar, puxo os fios de cabelo curto na
sua nuca para trazê-lo para mais perto, despertando sua fome.
Ibrahim cola seu corpo com o meu, sua mã o buscando minha pele
em um aperto firme e bruto, que faz com que toda minha pele se arrepie
com a lembrança do seu toque. Meu nú cleo contrai com uma
necessidade que vem de algum lugar desconhecido.
Eu realmente o quero. O sexo. Sua pele em contato com a minha
junto aos seus lá bios.
— Zoey… — Ibrahim afasta os lá bios dos meus, e eu o puxo de
volta, passando minhas pernas em torno dele em busca de fricçã o. —
Zoey, eu nã o posso…
— Claro que pode, eu preciso de você — murmuro contra seus
lá bios, descendo minhas mã os para abrir sua calça.
Ibrahim tenta lutar contra meus avanços e isso me deixa ainda
mais autoritá ria, faminta. Eu me ergo junto com ele, montando no seu
colo, na luta para tirar sua camisa e abrir o botã o da calça sem tirar
meus lá bios do dele.
— Vou machucar o bebê, eu nã o posso. — Ele me afasta com o
fogo queimando nos seus olhos, fazendo aquela fome animal queimar
nas suas íris azuis, que já estã o obscurecidas — Você sabe que eu vou,
nã o posso. Desculpe.
Meu rosto está a centímetros do dele, minha respiraçã o ofegante
soprando no seu rosto.
— Você nã o quer? — Toco na sua calça, sentindo a ereçã o
pressionando contra o jeans. — Você também quer — afirmo.
Ele respira fundo, levando as mã os até meu rosto quente.
— Eu morro por isso, esposa. Mas nã o podemos, eu nã o posso.
Você sabe como eu te fodo, nã o sei fazer isso carinhosamente quando se
trata de você. — Seus lá bios tocam minha bochecha, subindo para minha
orelha enquanto sua mã o adentra meu cabelo. — Eu gosto de estar bem
fundo em você, te sentindo me apertar por nã o ter espaço, lutando para
me aceitar.
Eu arfo ao sentir seus dentes no ló bulo da minha orelha, meu
corpo esquenta como se eu estivesse em estado febril.
— Você nã o precisa ser bruto, tenho certeza que consegue se
controlar. — Ofego sentindo seus dedos apertarem o meu quadril e sua
ereçã o contra minha bunda. — Nã o precisa entrar todo — Ibrahim geme
com frustraçã o e me inclino para colar meus lá bios na sua orelha — É só
nã o ir tã o fundo e ficaremos bem, o bebê e eu. Por favor, Ibrahim, eu
preciso disso como se estivesse louca. Vamos fazer, ok? Você consegue se
controlar, pelo bebê.
Outro gemido dolorido dele antes dele me virar para a cama e
cobrir seu corpo com o meu. Nos livramos da sua camisa e, como um
animal faminto, seus lá bios capturam os meus em um beijo feroz, sem
qualquer restriçã o. Minha pele está em chamas e quando os lá bios de
Ibrahim tocam o meu pescoço junto com sua língua eu me sinto em
ponto de combustã o.
— Porra, Zoey, se continuar se esfregando assim no meu pau eu
vou gozar nas calças. Fica quietinha e deixa eu te tratar bem. — Suas
mã os colocam meus braços acima da minha cabeça e ele segue uma
trilha de beijos do meu pescoço até meu colo.
Minha respiraçã o sai dos meus lá bios parcelada, fervente e me
manter imó vel é uma tortura, ainda mais quando Ibrahim ergue meu
vestido e começa a explorar minhas coxas, brincando com a barra da
minha calcinha.
Sofro um choque na espinha ao lembrar da sensaçã o de ter sua
boca na minha intimidade e, antes que ele peça, eu já estou abrindo
minhas pernas para receber sua carícia. Eu nunca estive tã o sedenta
antes como agora, tã o sedenta que estou tremendo de antecipaçã o,
quando seus lá bios sugam meu clítoris inchado, eu me curvo em uma
sensaçã o deliciosa que arranca um gemido longo dos meus lá bios.
O som faz Ibrahim ficar mais atento, voraz, como se me lamber
fosse garantir um prêmio a ele, entã o tudo se torna uma bolha quente de
prazer, com meus olhos girando nas ó rbitas quando ele me chupa pra
valer, se dedicando a cada nervo daquela á rea, dando atençã o a todos
eles como se fossem seus fiéis sú ditos e eu me contorço a cada lambida e
chupã o autoritá rio.
— Você é tã o deliciosa, esposa. Sua boceta tem o gosto do meu
doce preferido e eu quero sugar cada gotinha desse mel… Porra, tã o
encharcada. Caralho, Zoey. Linda. Minha esposa é linda!
Ouço seus elogios em meio a névoa de deleite, assim como as
sacanagens que ajudam a me levar para o abismo do prazer, onde eu
salto sem paraquedas e caio violentamente. Ibrahim usa suas mã os para
manter as minhas pernas abertas enquanto explodo em um gemido
longínquo. Minhas pernas se tornam gelatinas e a pressã o na minha
cabeça se desfaz, como se gozar fosse tudo que eu precisasse e Deus,
como foi forte!
Lambuzado, Ibrahim sobe até está cara a cara comigo e suas íris
obscurecidas deixam claro que ele quer me foder com força.
— Você precisa me controlar, nã o me deixar ir muito fundo. Eu
juro que perco o controle quando entro na sua boceta, Zoey. Me
empurre, me morda, se for preciso. Faça o que for preciso para me parar.
— Seu aviso é repleto de seriedade e eu balanço a cabeça, assentindo.
Ainda ofegante, Ibrahim arranca meu vestido e calcinha,
retirando suas pró prias calças. Um medo sobe pela minha espinha ao
ver seu tamanho e o quã o duro ele está , eu me pergunto quanto de
sangue é preciso para irrigar o pau dele para que ele tenha uma ereçã o.
Esse tamanho é assustador, assim como intrigante, todas as vezes que
vejo eu me pergunto como ele pode caber dentro de mim.
Ibrahim me vira de lado, me pegando de surpresa com a posiçã o.
— Assim nã o vou tã o fundo e nosso bebê fica em uma posiçã o
confortável. — Ele se posiciona na minha entrada, arrancando um
suspiro de nó s dois quando se força na minha entrada encharcada —
Porra, você está tã o excitada, Zoey. Isso vai ser tã o gostoso.
E é. Pela primeira vez eu nã o sinto dor com sua penetraçã o, só o
prazer. Ibrahim entra lentamente, nã o indo tã o fundo e me dando tempo
de me acostumar com seu tamanho. É a melhor penetraçã o. Me contorço
inteira de prazer, mas nã o posso dizer o mesmo sobre Ibrahim que está
mordendo os lá bios e tenso sem se mover.
— Até aqui está confortável? Porra! — geme entredentes.
— Pode ir um pouco mais fundo, nã o está incomodando, pelo
contrá rio. — Aperto os lençó is em busca de amparo com a onda de
prazer e tensã o por todo meu corpo.
— Nã o, vou ficar por aqui. Nã o quero riscos para o bebê, isso é
uma delícia! Eu aguento. Posso me mover?
Balanço a cabeça de imediato.
— Por favor… — incentivo, chorosa.
Ibrahim fecha os olhos com força, abrindo a boca em um gemido
surdo quando estoca lentamente. Entrando e saindo malditamente
devagar, com um barulho molhado que repercute por toda a cabana.
— Meu Deus! Você é tã o quente, tã o apertada e está molhada pra
cacete… Está tã o fá cil deslizar que eu preciso tomar cuidado para nã o ir
até o fundo. Inferno, Zoey!
Suas mã os estã o segurando minha bunda, os dedos se enterrando
na minha carne de forma bruta o suficiente para deixar suas marcas.
Nã o sei até quando ele manterá o controle, mas eu já estou perdendo o
meu com seu ritmo lento.
— M-mais rá pido, Ibrahim — clamo com um tom de sú plica,
apertando o lençol da cama com força o suficiente para deixar meus
dedos sem circulaçã o.
— Nã o faça isso comigo, esposa. Eu prometi nã o perder o
controle. — Sua mã o direita defere um tapa na minha bunda que
repercute por todo meu corpo. — Pare de pedir feito uma putinha
carente, ou eu vou acabar me enterrando em você — grunhe.
E por Deus, eu quero que ele perca. Preciso que ele assuma seu
lado selvagem e me foda com força, nã o acho que exista qualquer
contraindicaçã o disso, mulheres grávidas nã o estã o mortas. Eu com
certeza nã o estou.
— Ibrahim, por favor! — choramingo, mudando nossas posiçõ es
de modo que ele fique em cima de mim. Seus olhos sã o um fogo vivo
assustado. — Eu aviso se nã o aguentar, só me foda como sempre faz! Eu
preciso disso agora.
— Zoey…
— Eu estou pedindo por favor, você nã o tem ideia do que estou
sentindo agora. — Puxo sua boca na minha direçã o, querendo lhe
mostrar o tamanho da minha necessidade e Ibrahim geme como um
animal ferido contra os meus lá bios.
Isso é o estopim para ele começar a aumentar os movimentos,
mas ainda é cuidadoso o suficiente para nã o ir ao fundo e nã o entrar
completamente. A sensaçã o é maravilhosa, nossos gemidos se
mesclando e nossos corpos produzindo calor, em contato com o outro,
sã o detalhes que me enchem de prazer e uma percepçã o que nã o tinha
antes. Observo Ibrahim em cima de mim, com os fios loiros caindo por
sua testa e o suor se formando ali, seu rosto contorcido com o prazer
mais puro cantarolando nas minhas veias, me fazendo desejar está em
outras posiçõ es.
Nosso á pice se entrelaça, nos fazendo cair juntos do penhasco.
Meu grito ecoa pela cabana, sendo seguido por um rugido animalesco da
parte de Ibrahim, seu líquido quente espirra dentro de mim, todo seu
corpo fica tenso antes dele cair para o lado completamente ofegante e
desorientado.
Assisto luzes escuras piscando nos meus olhos enquanto um
sorriso se desenha nos meus lá bios com a sensaçã o plena que preenche
meu corpo da cabeça aos pés, uma exaustã o deliciosa.
Ibrahim me puxa para os seus braços, descansando seu queixo no
topo da minha cabeça com seus dedos acariciando minha pele nua.
O casulo quente de intimidade e conexã o entre nó s dois nos
aconchega e quando ergo minha cabeça para receber seu beijo, nossos
olhos se cruzam e uma risada escapa dos nossos lá bios.
Uma risada que se torna uma gargalhada suave e cheia de
carinho ao nos abraçarmos.
​ ncontrei uma médica em Los Angeles, em menos de 48 horas, com
E
ajuda de Vadim e Eric. Nó s três traçamos um plano de nos movimentar
pelos domínios da Camorra sem sermos capturados, despistamos a
atençã o dos Moreau enviando meu jatinho para a Suíça, conseguindo
testemunhas falsas de que viram Zoey e eu saindo do aviã o. A atençã o
deles está em outro lugar, e isso abre um pouco de liberdade para que eu
leve Zoey ao médico para saber como ela e o bebê estã o.
​Tenho assuntos para tratar enquanto estiver em solo americano, e entre
eles é com os Moreau. Mas, assim que tudo estiver resolvido, embarcarei
com minha esposa para a Turquia até tudo se resolver na Rú ssia, nã o
posso abandonar o país onde eu nasci e o qual sou herdeiro.
​Irei reconstruir todos os danos causados, com cautela. Nã o posso
arriscar deixar ninguém descobrir que Zoey está grávida,
principalmente seus irmã os e pai. Vou sumir do radar com ela e voltar
apenas quando o nosso filho estiver com pelo menos dois anos. Relatar a
gravidez dela seria como atrair ainda mais a ira do seu pai.
​E eu nã o duvido que Kai Moreau mataria o pró prio neto para que seu
sangue nã o se misture ao meu. Eu faria isso se estivesse no lugar dele.
Desde o momento que aqueles testes deram positivo e eu decidi viver
com Zoey, o sangue o qual ela herdou parou de importar para mim e se
existir um futuro onde o pai dela quiser um cessar fogo, estarei
esperando. Mas nã o para conviver com ele ou deixar meu filho conviver
com ele, eu aceitarei para que Zoey viva em paz.
​Jamais irei perdoar Kai Moreau pelo que me fez e com toda certeza irei
destruí-lo ainda mais levando sua filha para sempre. No final de tudo, a
pior vingança que eu poderia ter contra ele era me apaixonar por sua
filha.
​E com certeza o castigo de Zoey também.
​O peso das minhas açõ es com ela sã o algo que vou carregar pelo resto da
minha vida, a cada olhar que trocarmos, eu vou me lembrar do que fiz e
sei que ela nunca esquecerá do tipo de brutalidade e violência a qual a
envolvi.
​Esses ú ltimos dois dias tem sido um sonho acordado, onde nos
comunicamos, passamos todo o tempo juntos e caminhamos por horas
pela praia para que ela tome um ar puro. Eu a amparo nas noites em que
os enjoos a privam do sono e conto a ela histó rias sobre mim.
​Ela parece interessada em ouvir cada detalhe, como se fosse de extrema
importâ ncia ela me conhecer. Nã o sã o fatos felizes, tento poupá -la dos
detalhes mais só rdidos da minha recuperaçã o depois do acidente,
contando a ela como conhecer Vadim me ajudou a desvendar minha
pró pria natureza.
​— Eu nã o era nada além do que um corpo deformado e uma cabeça
fodida, tudo no meu corpo doía a um ponto que nem a morfina ajudava
mais, e os primeiros cincos anos eu vivi como um animal preso no
escuro, cultivando raiva, amargura e depressã o. Nã o conseguia entender
como havia perdido tudo daquela forma, como de repente meu mundo
ruiu sem aviso. Nã o suportava me olhar no espelho e ver a luz do dia.
Minha tia foi um barco de salvaçã o, eu acredito. Ela me mostrava amor
cuidando de mim, tentando preencher o vazio da ausência da minha
mã e. Nó s dois estávamos compartilhando a mesma dor. Ela perdeu a
irmã e nã o teve tempo de viver o luto para cuidar de mim.
​Conto a Zoey durante uma noite, enquanto estamos deitados na cama,
com ela sobre meu peito e com seus dedos traçando as cicatrizes ali
expostas.
​ Ela me ajudou a criar conexã o com a natureza, teve a ideia de

construir o chalé para mim e me deixar viver como a dor me permitisse.
Eu havia crescido com Vadim, ele foi meu tutor antes da morte dos meus
pais e depois ele se tornou minha sombra. Vadim mantinha tudo em
ordem, junto com meus tios, para que eu nã o precisasse me preocupar
com nada além de encontrar um meio de viver com a minha dor, e com o
corpo novo junto com as dores. Eu passava o dia no bosque, ouvindo
apenas o barulho da natureza. Nã o fazia nada além de me sentar no solo
por horas, era o ú nico momento que eu nã o revivia o acidente.
​Zoey ouviu tudo em silêncio, sem falar uma ú nica palavra, a ú nica coisa
que denunciava que ela estava ouvindo era seu dedo traçando meu peito
e sua respiraçã o baixa soprando minha pele.
​— Sinto como se tivesse morrido junto com meus pais e ao invés de ter
minha alma despachada para algum lugar de paz, fiquei preso em um
corpo deformado. Enjaulado em uma vida que eu nã o queria mais viver
e os ú nicos sentimentos eram me vingar.
​Zoey fica tensa com a ú ltima parte, assim como eu. Tento quebrar a
tensã o mantendo a carícia no seu cabelo.
​— Me arrependo por ter feito o que fiz com você, e acho que vou passar
a vida pagando por isso enquanto ver o ressentimento nos seus olhos,
mesmo quando permite que eu te toque. Os dias passarã o e isso nã o será
curado. — Engulo em seco — Eu nã o sabia que poderia me apaixonar,
achei que nã o houvesse qualquer chance de isso acontecer. Meu coraçã o
já estava tomado por esse sentimento viscoso de que tudo que tocasse
morreria, que eu já estava convicto de que viveria apenas para causar
dor. Viver com o fato de que machuquei você vai me atormentar pelo
resto da minha vida.
​— Se eu quisesse ir embora, você permitiria? — Sua voz soa como um
sussurro calmo, que para mim é como uma arma contra meu coraçã o.
​Eu nã o respondo a sua pergunta, e ela cai no sono com a certeza de que
nã o existe uma ú nica possibilidade onde ela possa viver livre de mim.
​Admito meus erros, estou pagando por eles e odeio essa necessidade de
ter Zoey como oxigênio. Minhas garras a alcançaram desde o momento
que coloquei meus olhos nela, e estã o tã o firmes ao redor dela que para
sair, eu terei que sangrar até a morte.
​Na manhã seguinte, eu preparo o café da manhã dela, com a maioria
sendo comida líquida. Zoey nã o está conseguindo manter nada só lido no
estô mago e hoje saberemos o que está acontecendo, eu nã o acho que
vomitar tanto seja normal.
​— Como conseguiu encontrar uma médica tã o rá pido? — questiona,
bebendo sua vitamina de morango.
​Morango parece ser a ú nica fruta que nã o causa aversã o a ela.
​— Nã o tem nada que o dinheiro nã o consiga encontrar uma soluçã o,
esposa.
​Seus olhos se estreitam.
​— Você parece ter muito, achei que fosse Nikolai que cuidava de todo
patrimô nio.
​Me encosto contra a bancada, admirando a beleza da minha mulher por
trá s de toda desconfiança que ela procura sanar a cada pergunta.
​— Eu te disse, tenho meus pró prios negó cios, e eles dã o muito dinheiro.
Dinheiro suficiente para que você e nossos futuros filhos possam gastar
como bem quiserem.
​— Eu nã o preciso do seu dinheiro, Ibrahim.
​— Mas eu estou te dando ele. Minhas contas bancá rias e cartõ es de
crédito já estã o com a funçã o conjunta ativa. Seu nome também já consta
como titular. Você é a minha esposa e ú nica herdeira, mesmo sabendo
que tem dinheiro para o resto da sua vida graças a sua herança, eu quero
que gaste o meu, use. Quero que use tudo que for meu, Zoey. Meu
dinheiro, sobrenome e tudo que tenho. — É um pedido em forma de
sú plica.
​Um sorriso pequeno e lindo se forma nos lá bios dela, de maneira quase
perversa, e diabos, eu amo o desenho que se forma neles. Zoey é um
espetá culo de mulher, e ela sabe disso.
​— Deve ser o primeiro homem que implora para a esposa torrar seu
dinheiro. Cuidado, Ibrahim, eu posso aceitar.
​Estremeço com o timbre sexy e risonho, e minhas partes de baixo
respondem ao seu timbre. Me aproximo dela, deslizando a mã o para
segurar a dela.
​— Estou aqui para realizar tudo o que você deseja. Tem algo que queira
comprar? Que sempre desejou e nunca pode ter?
​Outro sorriso.
​— No momento, eu só estou desejando um sanduiche de carne,
suculento, com bastante molho, picles e pã o italiano. — Posso vê-la
salivando só de falar.
​— Isso nã o parece saudável para o bebê, nã o sei se posso realizar isso.
​Seus olhos faíscam.
​— Juro por Deus, que se eu nã o comer isso nas pró ximas horas, vou
acabar tirando um pedaço de você. Nã o faz ideia do quã o mal-humorada
eu fico quando nã o consigo o que quero, nã o brinque com isso.
​Aperto sua mã o, me inclinando para ficar cara a cara com ela.
​— E qual pedaço meu você está pensando em arrancar, esposa? Tenho
uma parte que adoraria receber sua boca aveludada em uma carícia —
provoco.
​As faces dela sã o tingidas por um tom rosado, mas ela nã o desvia os
olhos dos meus, mantendo o desafio ali.
​— Você pode ter isso, dependendo do que vai me dar hoje. Realize tudo
o que desejo hoje, sem reclamar ou achar que isso vai fazer mal ao bebê.
​Porra, estou duro! Ela está jogando pesado e eu estou caindo como uma
pena. Dou a volta pela bancada, sustentando seu corpo no meu para
beijá -la ardentemente. Nossos corpos só precisam se tocar para que a
explosã o de desejo aconteça.
​Coloco Zoey em cima do balcã o, abrindo suas pernas, apertando suas
coxas enquanto mergulho minha língua na sua boca e ela tenta retribuir
com esforço. É fá cil perder a cabeça e esquecer que meu ritmo é demais
para ela, mas é tã o prazeroso ver ela se empenhando para seguir meus
movimentos.
​Estamos prestes a fazer sexo em cima dessa bancada quando Eric buzina
do lado de fora. Um rosnado preenche meu peito e uma onda de mal
humor se propaga pelo meu corpo.
​— Eu tinha que contratar um filho da puta pontual?
​ oey leva as mã os até o meu rosto, se inclinando para beijar minha
Z
bochecha.
​— Podemos fazer isso quando chegarmos, temos um longo dia pela
frente.
​Suspiro.
​— Isso se a médica autorizar o sexo.
​Ajudo Zoey a sair de cima da bancada e abro a porta para que ela vá em
direçã o ao carro. Eric abre um sorriso de cortesia para ela e antes que
ele abra a porta do carro, eu já estou fazendo isso.
​— Nã o sabia que tinha homens até aqui — comenta, se acomodando no
banco de trá s.
​— Sou nigeriano, senhora Vassiliev. Ele conseguiu um visto para mim e
minha família, e desde entã o faço alguns serviços para ele.
​Sento-me ao lado de Zoey no banco de trá s, verificando se ela está de
cinto. Erguendo uma sobrancelha inquisidora na minha direçã o, ela fala
baixo o suficiente para que só eu escute quando o carro começa a sair da
cabana.
​— Nã o sabia que podia ter compaixã o pelas pessoas, isso é novo.
​Seguro sua mã o pequena.
​— Avise se sentir vontade de vomitar, Eric achou alguns sacos que
servem exatamente para isso.
​Assentindo, ela volta a sua atençã o para a janela do carro, encostando a
cabeça. Tiro meu celular do bolso para checar as mensagens, Vadim
mandou cinco desde a noite de ontem, pedindo para eu entrar em
contato com ele quando possível.
​Os assuntos estã o inacabados e ainda preciso tirar proveito de Kai
Moreau e seu poder, a Rú ssia precisa se reerguer e ele terá um papel
crucial nisso. Seu filho fez o trabalho de destruir, entã o que seja ele a
cuidar de tudo, afinal, essa é a lei dele.
​Imunidade total aos Moreau e cô njuges. Sou um Moreau, segundo a lei
deles.
​O consultó rio médico fica a quilô metros consideráveis de onde estamos
hospedados, e precisamos parar duas vezes para Zoey vomitar. Quando
chegamos lá , Zoey está mais pá lida que o normal e com a pressã o baixa.
Esperamos por 10 minutos até que a médica nos atenda, o que me irrita,
visto que temos hora marcada e minha esposa precisa se alimentar.
​Uma enfermeira se aproxima para levar Zoey para sala de ultrassom, ela
está tã o fraca que eu praticamente a carrego, sustentando-a pelos
ombros.
​— Bom dia, senhor e senhora Vassiliev. — A médica nos recebe,
desviando os olhos de imediato para Zoey. — Primeira gravidez?
​Zoey assente.
​— Ela precisa ser atendida, agora mesmo. Se nã o notou, ela está
passando mal — comento com mal humor.
​— Ibrahim! — Zoey me lança um olhar cortante, se virando para pedir
desculpas a médica.
​— Nã o se preocupe, estamos acostumados com pais superprotetores
aqui. Vou cuidar de você. Iremos fazer alguns exames antes do
ultrassom.
​— Quero saber se o bebê está bem primeiro — Zoey diz, ansiosa.
​— Todos os exames sã o para confirmar que tanto você e o seu bebê
estejam bem, senhora. Nã o irá demorar mais do que dez minutos.
​Duas enfermeiras colhem o sangue de Zoey, assim como sua urina e logo
depois a médica consulta Zoey sobre seus sintomas e quando
começaram. Minha esposa nã o consegue responder com exatidã o
quando foi sua ú ltima menstruaçã o, entã o a gravidez pode ter mais
semanas do que pensamos.
​Finalmente, quando Zoey está deitada na mesa do ultrassom, minha
ansiedade parece suavizar, apenas por alguns segundos, antes da médica
colocar o aparelho na barriga de Zoey e uma imagem aparecer na tela.
Um ponto tã o pequeno.
​— Olhem o bebê de vocês aqui. — Ela aponta para o monitor, nos
mostrando um pequeno ponto. — Um saco gestacional que corresponde
a quatro semanas de gravidez.
​— Ele está bem? — Zoey e perguntamos em uníssono.
​A médica sorri, apertando um botã o que faz um som de batidas rá pidas
preencher toda a sala. Os pelos do meu corpo se eriçaram e sinto como
se houvesse acabado de sofrer um impacto, meu coraçã o bate
lentamente e eu nã o consigo tirar meus olhos do monitor.
​— Esse som é o coraçã o do bebê: forte e saudável.
​O som. Esse som…
​O coraçã o do meu filho batendo junto com o meu, preenchendo meus
ouvidos, enviando uma onda de carinho tã o forte por todo meu corpo
que explode em uma espécie de amor tã o novo que eu preciso dar um
passo para trá s para de me sustentar.
​Sinto como se estivesse renascendo, o calor por todo meu corpo, as
emoçõ es que estavam presas em alguma parte de mim se libertam como
fogos de artifício, expulsando toda a escuridã o de mim. Estou em transe.
Sendo acometido por tantos sentimentos positivos que nã o percebo a
lá grima descendo pelo meu olho até que Zoey a veja.
​— Ibrahim, você está bem? Está chorando? — Seu tom é preocupado e
surpreso. Eu a escuto como se ela estivesse distante de mim.
​O ú nico som que ressoa nos meus ouvidos é o da vida do meu filho, me
trazendo de volta ao mundo da luz. Salvando-me da escuridã o em que
estive preso durante anos, e quando a percepçã o de que me sinto vivo e
completo termina de tomar meu corpo junto com a sensaçã o de cura, eu
caio de joelhos, sem conseguir tirar meus olhos do pequeno ponto na
tela que acaba de me devolver minhas emoçõ es mais felizes.
​O inverno acabou. Meus ossos estã o aquecidos novamente. Nã o me sinto
quebrado. É diferente de tudo, é colorido… Eu consigo respirar. Eu
finalmente consigo respirar depois de ter prendido minha respiraçã o
por todos esses anos.
I​ brahim continua a encarar a foto do ultrassom em um polaroid, seu
dedo acariciando o pequeno ponto ali, com os olhos vidrados e tudo que
consigo pensar foram nas lá grimas solitá rias que escaparam dos seus
olhos, como se elas estivessem lavando algo de dentro dele.
Saímos da clínica até uma Subway e ele ainda nã o disse nenhuma
palavra, ele nã o para de olhar o ultrassom, como se de alguma forma
algo estivesse falando com ele e eu penso no pior.
Perco a fome ao pensar que ele se deu conta de que
está tendo um bebê com a filha do seu inimigo e o melhor que tem a se
fazer é devolver a mercadoria a ele, como forma de cravar o final da sua
vingança. Que troféu seria maior do que ter levado a filha do homem que
ele odeia, a usando como quis para depois devolvê-la carregando um
filho dele?
​Repasso na minha mente todas as conversas que tivemos nas ú ltimas
duas noites e o ó dio que ele carrega é tã o grande que me surpreende ele
nã o ter me mutilado e enviado meus pedaços para o meu pai. Ibrahim é
um homem que nã o tem nada a perder, ele passou todos os anos da sua
vida, até agora, sobrevivendo um dia apó s o outro, com o ú nico incentivo
de poder se vingar um dia, e ele conseguiu, mesmo que meu pai seja a
pessoa errada.
​Ele diz que está apaixonado por mim, mas seus sentimentos nã o sã o
confiáveis quando a ú nica coisa que ele conheceu nos ú ltimos anos da
sua vida foi o mais puro ó dio. O que ele sente por mim é incerto e eu sou
descartável, principalmente agora que carrego um filho que pode tornar
a vida do meu pai miserável.
​Poderia contar a verdade a ele, terei que contar em algum momento,
mas nã o consigo fazer isso. Nã o quero ser a pessoa que gira a adaga que
já está no seu peito, esperando o golpe final. Eu deveria ficar feliz por
fazê-lo sofrer com a verdade, mas me sinto tã o fraca e patética por estar
sentindo compaixã o dele depois de tudo, e ainda carregando o seu filho.
​Como eu pude deixar as coisas chegarem até aqui? Como me arrastei
tanto para no fim ser capturada pela tristeza do meu carrasco?
Enquanto ele só me enxergava como uma ferramenta, um pedaço de
carne para se banquetear, eu estava colecionando as migalhas que ele
me deu, e Deus, eu realmente acreditei nele nesses ú ltimos dias.
As lá grimas que ele derramou hoje podem ser muito bem de
triunfo. O ú ltimo golpe para se libertar do verdadeiro inferno que viveu.
Eu fui tã o burra assim? Realmente acreditei que isso podia dar
certo? Que ele estava apaixonado por mim?
Levanto-me da mesa em um rompante, deixando minha comida
para trá s enquanto a raiva e tristeza duelam dentro de mim. Acelero
meus passos para fora do estabelecimento, esbarrando nas pessoas
quando saio para a calçada, deixando Eric confuso quando nã o aceito
sua ajuda. Eu preciso de ar. Preciso ir embora. Ninguém pode me ajudar
e os que podiam, irã o me deixar na mã o por estar grávida. Nã o há
ninguém que eu possa recorrer e tudo que me resta é ir em busca de um
futuro incerto para mim e esse bebê.
Eu nã o olho para trá s, sigo avançando pela calçada enquanto
tento pensar em uma forma de chegar a outro país sem alertar a minha
família. Tenho barras de ouro em um cofre de um dos bancos da
Camorra, e uma quantia considerável de dinheiro que ficaram
disponíveis para mim quando completei vinte anos. Um dinheiro que foi
dado do meu pai para mim, e que nã o contém sua supervisã o.
Posso chegar a Las Vegas de metrô , pegar o dinheiro e
desaparecer na Europa. Criar meu filho longe da Camorra e Bratva,
recomeçar minha vida do zero. Eu posso fazer isso, eu consigo!
Nã o preciso do Ibrahim ou do meu pai.
A briga deles podem continuar por anos a fio sem
que eu me envolva mais, já foi o suficiente e essa criança no meu ventre
nã o vai ser prejudicada, darei minha vida por ela.
— ZOEY! — Ouço Ibrahim berrar atrá s de mim, e eu aumento
meus passos, indo para o calçadã o da praia, tentando me misturar com
as outras pessoas. — ZOEY, VOLTE AQUI! PARA ONDE ESTÁ INDO?
Para longe de você!
O borrã o de lá grimas começa a embaçar minha visã o e eu preciso
limpar antes que elas escorram pelo meu rosto. Estou quase chegando a
uma estaçã o de ô nibus quando tenho meu braço puxado com força o
suficiente para que eu bata contra o peito de Ibrahim.
— SOLTE! ME SOLTE! — grito, esmurrando seu
peito com desespero. — NÃ O QUERO FICAR COM VOCÊ , QUERO IR
EMBORA! SOLTE! — Meus pulmõ es estã o prestes a colapsar, eu estou à
beira de um ataque de pâ nico.
Ibrahim me envolve em seus braços enquanto luto contra ele,
ordenando que me solte. Ele nã o o faz, só aperta ainda mais.
— Se acalme, Zoey. Me diga o que está acontecendo. Respire, por
favor! — Sua voz é malditamente calma contra meus ouvidos, e ele me
aperta tã o firme que nã o consigo me desvencilhar dos seus braços.
Minha visã o fica toda borrada por lá grimas e um soluço alto
escapa dos meus lá bios enquanto vou perdendo as forças. As pessoas
estã o olhando e eu ouço Ibrahim comunicá -las de que é meu marido e
que estou tendo uma crise. Eu o odeio! Odeio! Preciso odiar!
Seus braços só me soltam quando eu paro de lutar contra eles,
mas suas mã os continuam em mim, ele busca meus olhos e eu fervo em
ressentimento contra ele.
— O que aconteceu? Por que está com tanta raiva e fugindo,
querida?
— Nã o sou sua querida! — rebato, trovejando com todo
sentimento ruim que tenho dentro de mim. — Eu nã o sou nada além de
um objeto de vingança para você. Deve estar contente por finalmente
conseguir se vingar de forma grandiosa do meu pai, nã o é? Me entregar
a ele com um filho seu na barriga é um golpe que ele nã o poderá se
esquivar e você sabe que eu nunca vou ser capaz de abortar essa criança,
que irei obrigar a todos da minha família a conviver com o fato de que
terei um filho seu! Você sabe disso e vai me devolver mesmo assim! —
Empurro seu peito e ele nem mesmo sai do lugar — EU TE ODEIO.
— Ei, de onde tirou essa ideia? Zoey, pelo amor de Deus! Eu
jamais faria isso.
— Você nã o vai me enganar com palavras bonitas, eu sei qual é
seu jogo — cuspo as palavras com toda resignaçã o dentro de mim.
Os olhos de Ibrahim estã o arregalados, como se o que se está se
passando diante dele fosse uma alucinaçã o. Me afasto das suas mã os e
ele tenta avançar.
— Vamos voltar para casa, Zoey. Nã o sei o que te fez pensar isso,
mas está errada. Eu nunca vou devolver você, principalmente com meu
filho na sua barriga!
— Mentiroso! Eu nã o acredito em você! Você quer que eu ceda
exatamente para seguir com seu joguinho doente. — O vento faz os fios
de cabelo voar para o meu rosto — Nã o vou mais ser enganada, nem ser
a porra da sua ferramenta!
— Zoey, trate de se acalmar agora mesmo ou eu irei levá -la daqui
a força! — brada, com chateaçã o na voz. — Está dando um show e tanto
e prejudicando meu filho com essas emoçõ es.
— Como se você se importasse com ele!
A calma foge do seu rosto e seus olhos se tornam duas esferas
quentes e temperamentais. Como um predador nervoso, ele avança na
minha direçã o segurando meu braço com força.
— Nunca mais ouse dizer que eu nã o me importo com o meu
filho! Ele e você sã o as ú nicas coisas que me mantém vivo e eu nã o sei de
onde tirou a ideia de que eu vou devolvê-la ao seu pai, mas está
enganada. Ninguém vai tirar vocês de mim! Ninguém! Você só vai
embora com ele se me matar primeiro, e mesmo que o faça, eu garanto
que meus homens protegeram vocês dois para que nada aconteça com a
minha esposa e meu filho.
Ele está bravo com minhas palavras e atitude, bufando por eu
sequer pensar em tirar o filho dele e ir embora. O que eu vejo no seu
rosto é um sentimento cru de proteçã o e desespero, como se um ú nico
pensamento de nã o poder ter esse bebê com ele arrancasse sua alma, e
com pequenas gotas de lucidez, o cená rio começa a se formar na minha
frente.
Ibrahim nã o estava pensando em me devolver, ele estava
pensando no filho o tempo inteiro. Suas lá grimas foram verdadeiras e
assim como eu sinto em cada osso do meu corpo, em cada filamento esse
amor incondicional pela criança que está no meu ventre, ele também
sente.
— Você nã o entenderia se eu falasse, nem mesmo eu entendo. Eu
nasci de novo, Zoey. O som do coraçã o desse bebê está aqui. — Ele
aponta um dedo para sua têmpora. — E aqui. — Desce para o coraçã o.
— Ele me devolveu a vida há menos de uma hora, está tudo confuso na
minha cabeça, meu coraçã o está batendo de uma forma nova para mim e
eu nã o consigo entender por que estou começando a achar que cores
têm vibraçõ es. O mundo parece novo para mim. — Sua voz embarga e
seus olhos sã o tomados por um brilho de lá grimas que os deixa mais
claros.
Lá grimas continuam descendo pelo meu rosto e todo mundo está
olhando para nó s dois. Um sorriso torto surge nos lá bios de Ibrahim.
— Eu nã o vou mentir quando disser que meu filho é a minha
vida. Nã o consigo parar de pensar que ele arrancou aquela escuridã o de
mim e que agora o mundo tem outro significado.
Um suspiro alto sai dos meus lá bios e eu preencho os poucos
sentimentos que nos separa, ficando nas pontas dos pés para abraçá -lo.
Ibrahim me abraça de volta, afundando o rosto no meu ombro.
— Obrigado. Obrigado por me devolver a vida — sussurra contra
minha pele e eu o aperto ainda mais.
Sei exatamente do que ele está falando apenas por olhar em seus
olhos e nã o ver mais a dor refletida neles. A violência colossal parece ter
se esvaído, e toda a sombra de ressentimento parece ter sido dissipada.
Ibrahim voltou a vida depois de 25 anos morto de sentimentos
positivos. A caverna onde ele viveu esses anos foi finalmente destruída, e
ele finalmente pode respirar ar puro.
É um novo recomeço para nó s dois. Para ele principalmente.
​ le parece uma nova pessoa no mesmo corpo, tem um sorriso nos seus
E
lá bios e seus olhos estã o brilhando com uma intensidade sem violência.
Estamos parados há o que suponho ser mais de 30 minutos em direçã o à
praia, sentados na areia perto, da nossa cabana. A mã o de Ibrahim está
entrelaçada na minha, e ele olha para o mar como se pudesse
compreendê-lo.
​— O mundo nã o era tã o colorido assim, e o mar com certeza nã o parecia
nada além de grande.
​Sorrio.
​— Como ele se parece agora? — sussurro.
​Ibrahim puxa a respiraçã o, fechando os olhos rapidamente.
​— Ainda continua enorme, infinito. Eu nã o parava para observar ou
ouvir, e nunca pensei que o som poderia causar uma sensaçã o tã o boa no
meu cérebro. Me sinto no meio de possibilidades que antes nem se
passavam pela minha cabeça. Ele parece calmo, mesmo sendo revolto.
Tudo parece calmo.
​— Sua mente está limpa agora, você é capaz de notar coisas que antes
passavam despercebidas. Quando deixamos o ressentimento de lado, a
vida ganha outro significado, Ibrahim.
​Sua mã o aperta a minha, e por um segundo, acho que consigo ler o que
se passa na sua mente. Ele está pensando no meu pai e no que fez
comigo, seus olhos se afastam dos meus, obscurecendo com os
sentimentos que sugam a paz dele ao lembrar de tudo que fez. Nó s dois
teremos pesadelos com isso e viveremos em uma bolha quando
olharmos um para outro, em cada discussã o, e trouxermos o assunto à
tona.
​— Preciso que nosso relacionamento dê certo, porque nã o quero viver
minha vida sem você. Conviver comigo será difícil e eu estarei disposto a
dar todo espaço que você precisar, mas nã o consigo ficar longe. Você
acha que vamos achar uma soluçã o para o passado?
​Olho para ele.
​— Você é capaz de deixar o passado para trá s? Aceitar que o avô do seu
filho matou seus pais?
​— Isso é pedir muito, Zoey. Nunca existirá qualquer tipo de convivência
entre seu pai e eu. Eu o quero morto, sofrendo como meus pais sofreram
enquanto estavam morrendo — admite.
​— E como acha que isso dará certo entre nó s? Todos os dias eu olharei
para você e verei o ó dio pela minha família refletido em seus olhos, e
isso me lembrará o porquê de sermos casados, do que fazia comigo. Eu
posso esquecer o passado desde que você faça o mesmo!
​Sua mã o solta a minha e ele se ergue da areia, passando as mã os pelo
cabelo de forma exasperada. Eu continuo olhando, medindo a atmosfera
entre nó s dois.
​— Como quer que eu deixe para trá s o que seu pai fez com os meus?
Fazer isso é o mesmo que enterrá -los sem justiça!
​Balanço a cabeça. Minha mente grita para que eu conte a ele, tire de vez
esse peso sobre meus ombros e nos permita viver sem a sombra do
passado em cima de nó s. Só a verdade pode nos ajudar, mas a que preço?
Eu adoraria contar, mas ao olhar para ele agora, vendo a vida irradiar
dos seus olhos graças ao bebê, como posso levá -lo de volta à s
profundezas do que ele viveu, com a verdade mais só rdida sobre a morte
dos seus pais?
​— Você tem razã o, é melhor que continue com essa sombra sobre você,
mas nã o pense que isso nã o respingará em nó s dois, até que estejamos
tã o cobertos por essa culpa que olhar um para o outro se torne
insuportável.
​ evanto-me da areia, limpando meu vestido. Ibrahim olha para mim com
L
desolaçã o por todo o rosto.
​— Zoey…
​Ergo as mã os em sinal de rendiçã o.
​— Está tudo bem, só nã o chegue perto por enquanto. Nã o consigo lidar
com suas emoçõ es mais tempestuosas quando se trata do meu pai.
​Viro as costas, caminhando para a cabana, ouvindo Ibrahim chutar a
areia e nã o me sentindo nenhum pouco feliz pelo modo como as coisas
estã o indo. Parece que a cada questã o resolvida voltamos à estaca zero e
isso me cansa, drena todas minhas forças.
​Olho para o sanduíche embalado que ele trouxe e está em cima do
balcã o, assim como o refrigerante e eu nã o penso duas vezes antes de ir
devorar. Estou faminta desde a hora que acordei e sendo capaz de comer
tudo o que aparecer pela minha frente. Essa criança vai me render uns
bons quilos a mais, e se ela for tã o grande como seu pai eu estarei em
uma enorme encrenca.
​— Seria bom se você puxasse mais a mim, sendo menina ou menino. Se
for menina, verá que ser pequena, tem suas vantagens, é uma graça ter
pernas curtas. Mas, se for um menino nã o será tã o bom assim, entã o dou
a permissã o para que cresça, mas nã o tanto quanto seu pai. Meu corpo
com certeza nã o está pronto para gerar um bebê gigante — falo comigo
mesma, a boca repleta de comida.
​Ibrahim nã o entra na cabana pelas pró ximas duas horas, eu o vejo do
lado de fora conversando no celular, de costas para mim. Aproveito essa
pouca distâ ncia para tomar um banho demorado, passar o creme que a
médica recomendou para a minha barriga e visto uma roupa confortável.
​Felizmente, o bebê nã o rejeita o sanduíche e eu tenho a sorte de ficar
mais do que quatro horas sem colocar minhas tripas para fora. Lavo os
pratos da noite passada que estavam sobre a pia e me sirvo de um copo
de suco natural, para engolir junto com as vitaminas que a médica
receitou, e o simples fato de ter passado por um dia como esse nã o me
cansaria meses atrá s, mas agora, parece que passei três dias em um
campo de batalha.
​ aixo as persianas automá ticas da cabana e quando a escuridã o engloba
B
o quarto, eu vou para a cama e sem qualquer pensamento eu mergulho
em um sono profundo.
​(...)
​ cordo sentindo um corpo quente e largo atrá s de mim, junto uma mã o
A
grande englobando a minha barriga, a acariciando com delicadeza em
círculos adoráveis. Ibrahim percebe que acordo mesmo que eu nã o me
mova e seus lá bios vã o para o meu pescoço, arrepiando todo meu corpo
quando ele me puxa em direçã o ao seu corpo com o tronco nu.
​— Você cheira tã o bem. — Ouço sua inspiraçã o profunda antes de sentir
seus dentes no meu pescoço.
​Arqueio meu corpo para trá s sentindo sua ereçã o na minha bunda.
​Meus hormô nios parecem trabalhar a toda velocidade com o simples
contato, fazendo todo meu corpo se acender em uma deliciosa sensaçã o
no meu ventre.
​— Que horas sã o? — pergunto com a voz rouca de sono, sendo puxada
cada vez mais para o corpo de Ibrahim.
​— Já é noite, você dormiu a tarde inteira. — Seus lá bios vã o para o meu
ombro nu, beijando, lambendo e mordiscando.
​— O que você fez nesse meio tempo?
​— Assisti você dormir, me controlando para nã o te acordar só para
provar do seu corpo. — Sua mã o grande segura meu quadril com
dominâ ncia, fincando os dedos na minha carne. — Você é tã o linda,
esposa. Tã o malditamente irresistível. Quero morar dentro de você.
​Sua mã o leva minha bunda em direçã o a sua ereçã o e o calor se torna
líquido entre minhas pernas, com a mesma mã o ele a sobe até meu peito
esquerdo, inchado e dolorido. Segurando-o por completo, ele aperta e
um gemido sonoro sai da minha boca, tã o delicioso quanto seus lá bios
em meu pescoço.
​Sinto sua outra mã o passear pelas minhas costas, deslizando por dentro
da minha camisola, até encontrar a ú nica barreira que o separa da
minha intimidade. Seu dedo indicador circula o tecido e ele pragueja.
​ A gravidez está deixando você insaciável, esposa, e eu estou adorando

isso. Mal toquei em você e já está babando. Porra, que delícia.
​Suspiro longamente, fechando meus olhos enquanto inclino meu quadril
em direçã o ao seus dedos, mas Ibrahim nã o está com pressa, por cima
da calcinha ele acaricia meu clítoris, como se estivesse dedilhando uma
melodia lenta e torturante.
​— Ibrahim… — choramingo.
​— Shh… Nã o seja apressada, quero levar meu tempo com você —
ronrona, enfiando o dedo dentro da minha calcinha. — Caralho, está
encharcada e eu nem comecei.
​Arqueio todo meu corpo, engasgando quando ele enfia dentro de mim o
dedo largo, que juntando a pressã o que sua outra mã o exerce no meu
peito é torturante de tã o boa.
​— Gosta quando te acaricio desse jeito, nã o é, Zoey? Adora quando enfio
meu dedo em você e mexo assim… — Aperto o lençol da cama e mordo
meus lá bios quando seu dedo se curva dentro de mim e começa a se
mover para frente e para trá s.
​— Céus… — Deliro de olhos fechados, sentindo meu corpo em estado
febril.
​Ele me estimula, de uma forma tã o sacana, que nã o levo muito tempo
para gozar, como se ele soubesse exatamente onde me tocar. Explodo em
uma onda de prazer que faz com que as minhas paredes se contraiam ao
redor do dedo de Ibrahim, o fazendo xingar e ficar mais duro e pulsante
nas minhas costas.
​A descarga acende um pensamento distante e eu recobro minha
respiraçã o, me virando na direçã o do meu marido com o rosto sério.
Suas írises estã o acesas e o desejo predomina suas feiçõ es, deixando-o
irresistível com sua má scara de predador.
​— Você nã o pode querer me fazer esquecer das coisas que dissemos um
ao outro com sexo. O sexo nã o vai encobrir a verdade, só adia-la para
mais tarde.
​— Nã o quer que eu a toque? — Ele parece ofendido.
​— Nã o quero que tente me fazer esquecer com sexo. Se nã o encaramos
nossas questõ es com lucidez, nã o vamos resolvê-las nunca e o ú nico
diá logo que teremos serã o sacanagens enquanto me fode.
​Suas mã os saem do meu corpo, mas ele permanece por perto, apenas de
cueca. Seus olhos se estreitam, em uma nítida linguagem de que ele nã o
quer ter nenhuma conversa no momento.
​— Falar sobre você ser filha de quem é nã o vai mudar esse fato, e eu
estou cansado de ficar lembrando disso. Hoje nã o, nem amanhã ou
depois! Seus olhos já sã o minha maldiçã o, Zoey. Olhar para eles e saber
que amo os olhos que sã o iguais ao do meu inimigo.
​Ele se levanta da cama, virando as costas para mim e eu fico muda,
congelada no lugar, digerindo suas palavras. Ele acabou de falar sobre
amor e com palavras tã o perturbadas que tirou o encanto que isso
poderia ter.
​Ibrahim caminha até a cozinha, abrindo um dos armá rios até encontrar
uma garrafa de Vodka, a qual abre e bebe do gargalo.
​— O fato de eu ter o sangue dele nã o impede você de me amar, se é que
você me ama.
​— Se é que te amo? — Ele se vira na minha direçã o, abandonando a
garrafa e parecendo muito, muito bravo. — Olhe para mim, garota! É
cega para nã o ver como eu me entrego a você e vivo das suas migalhas?
Se eu amo você? Deixei meu territó rio sob ataque para vir te buscar,
desafiei a minha sorte de estar vivo entrando no domínio do inimigo,
porque eu nã o conseguia passar mais um dia longe de você. — Ele se
aproxima de mim, ficando tã o pró ximo que sinto o cheiro da Vodka pura
contra meu rosto. — Eu tenho quase certeza de que me apaixonei por
você desde que vi uma foto sua, andando pelas ruas de Las Vegas, e te
quebrei tã o fortemente para nã o acreditar nisso. Você deveria ser uma
ferramenta, um meio de vingança e nã o se tornar a porra do meu
coraçã o! Eu nã o sei se agradeço ou amaldiçoou o dia que você me olhou
com esses olhos e me marcou como seu. Depois de você, eu nã o
funcionei com mais nenhuma mulher, e eu tentei. Tentei tã o duramente e
me via voltando para sua cama, implorando pelo seu corpo, pela sua
pele e para que me olhasse. E quando o fazia eu me sentia privilegiado.
​Seus dedos seguram meu queixo e seus olhos estã o tã o escuros e
intensos, que dizer que ele está fora de si é um eufemismo. Ibrahim está
fervendo de emoçõ es, se derretendo e me amando a cada palavra.
​— Todas as noites em que esteve sob meu teto, eu te assisti dormir e me
perguntava que tipo de feitiço você havia jogado em mim, nã o era
possível que eu fosse capaz de te amar, mas olhe para mim agora,
cercado de você, sem saber como seria um dia da minha vida com sua
ausência; preferindo perder tudo o que tenho a perder você. Eu te amo
tã o intensamente, Zoey Moreau, que esse amor nã o cabe dentro do meu
peito e quando eu paro pra pensar em quanto amo você, meu coraçã o se
enche como se fosse explodir e eu fico sem ar! É um sentimento que
diverge entre tó xico e desafia os parâ metros do que é saudável. Eu posso
matar por você, assim como consertar alguma coisa. Eu te amo, e odeio o
fato de você ser filha de quem é!
​Ele me larga, virando as costas novamente com sua explosã o. Estou sem
palavras, congelada na cama com suas palavras queimando em minha
mente com cada frase sendo repetida, uma atrá s das outra, até toda sua
declaraçã o ressoar pela minha mente.
​Ele me ama, e odeia isso.
​Ele me ama, e me quebrou como se me odiasse.
​Porque o que nos ligou desde o começo foi o ó dio e ele ter se apaixonado
por mim foi a destruiçã o da sua vingança.
​ silêncio que impera sobre nó s dois no dia seguinte é avassalador,
O
desconfortável, pesado. É como se com esse silêncio as afirmaçõ es de
ontem se tornassem uma sentença, nã o uma declaraçã o de amor. Me
sinto angustiada com a forma como nó s dois evitamos conversar e em
como Ibrahim parece bravo, com o semblante fechado em uma ira fria, e
eu evito seu olhar, receosa de que ele queira brigar.
​As emoçõ es e verdades que ele declarou ontem, me deixaram o resto da
noite acordada, remoendo tudo o que foi dito, com a verdade de que me
amar nã o é algo bom para ele, o destró i por eu ser filha de quem sou, e
eu estou tã o cansada disso, desses sentimentos conflitantes. Queria que
as coisas entre nó s dois fossem simples, resolvidas facilmente, como um
casal normal.
​Por que nã o podemos ser normais?
​A resposta se forma em minha cabeça sem que eu ouse fazer esforço
para me lembrar.
​Ele prepara meu café da manhã e me observa de soslaio enquanto bebo
meus remédios, enquanto está na sala tratando dos seus assuntos pelo
celular, falando em russo como se fosse proposital para que eu nã o
entenda.
​A ú nica palavra que consigo traduzir é, acordo, porque eu a ouvi
diversas vezes saindo da boca de Vittorio, na época que passamos na
Suíça, antes que eu embarcasse para Rú ssia. Tomo meu café na bancada,
de costas para ele, enquanto ele parece sem paciência no telefone,
chegando a me assustar quando grita, fazendo o copo que está na minha
mã o cair no chã o, se derramando no meu vestido verde e espatifando-se
no chã o.
​Me apresso em limpar, com o coraçã o acelerado pelo susto. Ouço
Ibrahim dizer algo em russo antes de desligar o celular e eu cato os
pedaços de vidro com a mã o.
​— Solte isso, você vai se machucar assim. — Sua mã o segura a minha,
tirando os cacos dela. — Vá se trocar, eu limpo isso.
​Tiro minhas mã os da dele, ignorando sua ordem.
​— Posso muito bem limpar minha bagunça, nã o preciso da sua ajuda.
Volte para o que estava fazendo. — Continuo apanhando os cacos de
vidros, tentando nã o pensar na sua presença ao meu lado.
​— Droga, Zoey! Pode me obedecer pelo menos uma vez na vida? Que
merda.
​É o estopim. Lanço a ele um olhar fulminante e o empurro pelos ombros,
fazendo com que ela caia sentado no chã o, em uma posiçã o patética para
alguém do tamanho dele. Ele fica perplexo por alguns segundos antes de
fechar a cara novamente.
​— Merda é a droga do seu comportamento e ordens. Eu nã o sou uma
das suas cachorras para me dar comandos. Saia daqui você, eu nã o
preciso da sua ajuda, e nem da sua grosseria!
​A expressã o nos seus olhos se intensifica e ele se levanta do chã o
ameaçadoramente, como se fosse me punir, e eu realmente espero que
ele faça isso, desse jeito, eu posso lembrar o tipo ruim que ele é.
​— Eu vou sair, preciso resolver meus negó cios. — Sua ira continua, mas
ele nã o direciona a mim.
​Tiro meus olhos dele e volto a recolher os cacos de vidro no chã o,
ouvindo seus passos até a porta ser aberta e fechada com brutalidade.
Limpo toda a bagunça que fiz antes de trocar meu vestido manchado de
suco.
​Estou quente como o inferno com tanta coisa presa na minha garganta.
Como ele tem a coragem de me culpar por ter se apaixonado por mim?
Eu certamente nã o o culpo pelos meus sentimentos conflitantes e com
certeza nã o desconto nele minhas frustraçõ es, nó s dois estamos no
mesmo barco e ele resolve se ilhar na sua desgraça logo quando estamos
evoluindo para algo, mas nã o é de se admirar, ele foi covarde desde o
momento que nos conhecemos.
​Foi covarde quando me obrigou a casar com ele e está sendo covarde em
nã o lidar com seus sentimentos, os derramando em cima de mim, como
se eu fosse a pessoa capaz de resolvê-los. Estou farta de Ibrahim e do seu
humor oscilante.
​Nó s dois sempre viveremos em guerra e essa criança será afetada por
isso. Está bem claro para mim que nã o iremos nos adequar um ao outro,
e que a ú nica linguagem com a qual concordamos e cedemos é quando
fazemos sexo.
​E nã o é de um pau que eu preciso, é de um marido e pai para o filho
dele!
​Ando de um lado para o outro na cabana, me sentindo claustrofó bica por
estar presa aqui, sem ter o que fazer. Tento ler um dos livros que Eric
trouxe sobre a maternidade na primeira viagem, mas nada,
absolutamente nada prende minha atençã o. Estou morrendo de agonia
depois da noite passada, cheia de palavras declaradas como tanta
intensidade que nã o posso identificar nenhum sentimento além do ó dio
por elas terem sido ditas. Isso está me consumindo.
​Como alguém pode ser tã o cruel ao dizer que te ama?
​Jogo os livros de lado, abandono meu almoço e tiro minhas roupas,
ficando apenas com a lingerie preta, caminho a passos duros e
apressados para fora da cabana, bufando por todos meus poros.
​— Senhora? — Eric tem um sobressalto quando me vê, e seus olhos
espantados percorrem todo meu corpo até ele perceber o que está
fazendo e tentar se recompor. — A senhora está bem?
​Ó timo, ele saiu e deixou um cã o de guarda.
​— Para onde ele foi? — questiono.
​Eric está muito assustado, sem saber para onde olhar e com medo de
que eu entenda seu nervosismo com outra coisa.
​— Meu irmã o o levou para uma fá brica no centro, senhora. Ele nã o vai
demorar a voltar, acho que seria melhor entrar, vestir uma roupa…
I​ gnoro seu desespero e caminho para a praia, sentindo meus pés
afundando na areia e o vento frio da primavera acariciando minha pele,
fazendo meu cabelo voar. Entrar no mar nã o vai fazer mal, pelo
contrá rio, será até terapêutico.
​Nã o preciso olhar para trá s pra saber que Eric está pegando seu celular
para ligar para Ibrahim, o homem está com cara de quem me acha uma
louca e até eu estou começando a achar que tudo isso está mexendo com
minha sanidade mental.
​As ondas chegam até meus pés e eu sorrio tristemente lembrando de
como minha mã e adora a praia, das férias na nossa casa de praia na
cidade; Alessio, Vittorio e eu construindo castelos de areia, mesmo
depois de grandes… É ramos uma família e tanto, mesmo com todos os
defeitos.
​Alessio terá a família perfeita dele, irá se reconstruir, e eu ficarei longe
deles, porque já nã o existe mais nenhum espaço para mim onde meu
filho nã o for aceito.
​Preencho os poucos metros que me separa do fundo e começo a nadar
contra as ondas, mergulhando debaixo delas até necessitar de oxigênio.
A cada mergulho é como se eu fosse submersa em lembranças da minha
infâ ncia e isso aquece meu coraçã o de uma forma tã o gratificante, que
qualquer sentimento ruim e até mesmo a chateaçã o se esvai de mim.
​Quando os mergulhos me cansam, eu fico parada no mar, sentindo as
ondas no meu corpo, respirando o ar puro. A á gua que estava gelada,
começa a ficar morna depois de um tempo e o ú nico frio que sinto é do
vento tocando no meu rosto. A sensaçã o de estar sendo reparada, tendo
minhas feridas embalsamadas, me faz entender o porquê da minha mã e
gostar tanto do mar, porque sempre gostou de passar a maior parte do
seu tempo no litoral, comigo e meus irmã os.
​Levo minha mã o a minha barriga nua, tentando passar essa
tranquilidade e plenitude para o bebê, fazendo uma promessa de que
mais sentimentos como esses serã o sentidos com o passar do tempo.
Estou disposta a sacrificar tudo só para que ele ou ela nunca tenha que
se sentir triste ou rejeitado.
​— ZOEY?!
​ grito de Ibrahim me faz olhar para trá s, onde ele está na beira do mar,
O
chamando pelo meu nome com uma clara irritaçã o e isso só faz com que
o bom sentimento que eu estava sentindo desapareça como fumaça no
vento.
​— Saia dessa á gua fria! Você vai pegar uma gripe e prejudicar o meu
filho!
​Meu filho? Ele fez sozinho?
​Suspiro alto. Eu sei que entrar na á gua fria nã o é benéfico,
principalmente quando o vento está tã o gélido assim, mas eu também
conheço minha imunidade e sei o quanto sou resistente. Já perdi as
contas de quantas vezes entrei em piscinas e no mar em época de
inverno e nã o tive nem mesmo uma coriza.
​— ESTÁ ESPERANDO QUE EU ENTRE AI, PORRA? — esbraveja.
​Respiro fundo e começo a sair, caminhando com os pés firmes para nã o
ser derrubada pelas ondas. Ibrahim varre os olhos pelo meu corpo,
fechando o semblante em uma carranca ao ver que estou só de calcinha
e sutiã .
​Os dois irmã os atrá s dele estã o de olho em nó s e isso só faz Ibrahim ficar
ainda mais humorado. Antes que eu chegue na borda ele passa o roupã o
pelo meu corpo, o prendendo no meu corpo.
​— Você parece amar fazer um espetá culo para os outros. Meus olhos no
seu corpo nã o bastam, Zoey? — diz baixo, contra meus olhos, enquanto
me leva para dentro da cabana, lançando um olhar mordaz para os
irmã os ali. — Podem ir embora!
​Ele me arrasta para dentro de casa, fechando a porta com um chute e eu
preciso respirar fundo para nã o perder minha paciência com tamanha
ignorâ ncia. Sigo para o banheiro, sem parar pra ouvir o sermã o de
Ibrahim, que parece ansioso por isso, ele que fale com minhas costas, e
engula toda sua má educaçã o.
​Tiro o roupã o e as roupas íntimas molhadas, entro em uma ducha morna
para tirar todo o sal do meu corpo. Por um momento eu acho mesmo
que ele vai entrar no banheiro, me surpreendo quando desligo a á gua e
nada dele aparecer.
​ nrolo meu corpo com uma toalha e tiro o excesso de á gua dos meus
E
cabelos com outra, saio do banheiro encontrando Ibrahim contra a
parede de vidro, segurando um copo com o que suponho seja Vodka.
​Seus olhos acompanham meus movimentos até onde estã o as malas com
nossas roupas e ele parece tã o feroz, que me desperta sensaçõ es que
divergem da excitaçã o ao medo.
​— Eu te deixo sozinha por duas horas e você sai nua na frente de um
homem, se exibindo para ele! — exclama.
​— Eu nã o estava nua, e nã o sabia que Eric estava do lado de fora. Nã o
vou pedir desculpas porque nã o fiz nada demais, e com certeza nã o te
ofendi. — Procuro uma calcinha confortável em meio aos fios dentais
que tem aqui. A amante dele deve ter feito essa mala.
​— Zoey, nã o me faça perder a paciência, eu juro que estou me
controlando, mas você nã o está ajudando em nada! — Ele vem na minha
direçã o, deixando o copo pelo caminho. — Você adora me provocar
quando já estou no meu limite, nã o é?!
​Ergo meus olhos para ele e retiro a toalha para me vestir, isso faz seus
olhos baixarem para o meu corpo e os olhos suavizam com a visã o.
Ibrahim cerra os punhos e inspira profundamente.
​— O que acontece se você perder a paciência? Vai repetir nossa primeira
vez?
​Vejo a perturbaçã o no fundo dos seus olhos com a mençã o e seu maxilar
tensiona de tal modo que ouço seus dentes ranger. Visto a calcinha, e
estou pronta para colocar o vestido quando ele me puxa para seus
braços e nada mais que o desespero percorre seu rosto.
​Suas mã os capturam meu rosto e a angú stia preenche todo seu rosto, eu
fico despreparada diante disso.
​— Eu disse que te amava e você ficou em silêncio a noite inteira, parou
de olhar para mim e mudou de humor. Sou tã o desprezível assim que só
a ideia de eu te amar te enoja? Eu nã o posso te amar, meu raio de sol? —
Sua mã o é firme no meu rosto e ele amolece como areia na á gua. — Sei
que nã o me ama, e estou disposto a amar por nó s dois. Sou capaz de
tudo, Zoey, menos de aguentar seu desprezo e indiferença. Nã o faça isso
comigo. Nã o me despreze! — Suplica, beijando meus lá bios de forma
trêmula, beijos repetidos, necessitados.
​— Você está bêbado? — questiono, assustada pela sua vulnerabilidade.
Nã o é possível que ele esteja, só o vi beber apenas um copo.
​Ibrahim me abraça apertado, como se eu fosse desaparecer se me soltar
e eu tento empurrá -lo pelos ombros, e isso só o faz se segurar
firmemente em mim.
​— Nã o me despreze, nã o posso conviver com isso. Você é tudo que
tenho, assim como o bebê. Minha tia nã o quer mais contato comigo, ela e
Nikolai estã o me condenando por ter me apaixonado por você e ter
deixado nossa organizaçã o se transformar em cinzas.
​— Ibrahim, você está me sufocando. Solte.
​— Por favor, Zoey. Prometa que vamos ficar juntos, vamos superar tudo.
Eu preciso de você.
​Encontro forças para empurrá -lo e fitar seu rosto repleto de sentimentos
angustiantes e isso me atinge. Sua vulnerabilidade, o brilho de lá grimas
nele me desconcerta, ele está saindo da sua pele de lobo e os
sentimentos que estã o surgindo nele devem estar deixando-o louco.
​— Ei, você está bem? — pergunto, analisando seu rosto tomado de
tristeza.
​Ele balança a cabeça de forma agitada e se afasta de mim.
​— Seu silêncio está me matando, assim como a incerteza nos seus olhos
sobre permanecer ao meu lado e criar nosso filho juntos. Eu me declarei
para você e vi sua expressã o morrer. Você nã o quer ficar comigo, nã o é?
Quer ir para longe e me privar do meu filho, eu nã o a culparia por isso,
mas eu nã o sobreviveria se isso acontecesse.
​Ele parece tã o destruído.
​— Como você queria que eu interpretasse uma declaraçã o depois de ser
dita da maneira como foi? — Respiro exasperada. — Suas palavras
foram como uma sentença, como se me amar fosse o pior castigo que
poderia ter tido na sua vida. Me perdoe se nã o as vi com a beleza que
deveriam ter, estava ocupada demais suportando o peso da sua
condenaçã o ao me falar tudo aquilo — ironizo, me cobrindo com o
vestido.
I​ brahim respira alto, seu corpo inteiro tenso.
​— Amar você nã o me castiga, nã o foi isso que eu quis passar a você.
Estava com medo de que você me rejeitasse, mas tudo só piorou quando
ficou em silêncio e nem sequer dirigiu a palavra a mim no dia seguinte!
​Um sorriso incrédulo e exasperado desenha meus lá bios.
​— Foi isso que te deixou com raiva? Meu silêncio? Pelo amor de Deus,
como queria que eu reagisse? Você, mais uma vez, jogou uma bomba nos
meus braços e esperou que eu a desativasse. Eu também tenho meus
sentimentos conflitantes por você Ibrahim, mas nã o me vê
choramingando e fazendo cara feia porque você nã o se dá conta deles,
nã o é? Você é tã o sentimentalmente imaturo!
​— Eu nã o tinha que me preocupar com a porra de sentimento até você
aparecer na minha vida. Meu mundo era preto e branco e eu estava feliz
com isso, entã o você chegou borrando tudo de vermelho e agora tudo o
que quero é que continue fazendo o trabalho de colorir minha vida,
porque, sinceramente, eu nã o consigo mais viver em um mundo onde
seu cheiro e presença nã o estejam presentes. Me sinto um maldito
viciado.
​Ele confessa isso com gentileza, sem o tom mordaz de ontem. Suas
palavras sã o calmas, pausadas e me deixam ver o sentimento inocente
por trá s delas. A genuinidade, e eu perco o ar e a capacidade de pensar.
​Olho para Ibrahim com surpresa, vendo o medo de eu ficar em silêncio
mais uma vez.
​— Era só ter dito isso assim, seu idiota. Eu teria escutado e dito que
aprecio seus sentimentos por mim.
​Os olhos azuis brilham, e antes que ele diga qualquer palavra, eu
preencho o espaço que nos separa e colo minha boca na dele, em um
beijo suave.
​— Eu senti sua falta enquanto estive na casa dos meus pais. Nã o sei o
que sinto, mas isso me puxa para você, me faz te querer por perto e te
desejar com toda minha alma, e eu realmente nã o entendo isso, mas
estou disposta a explorar esse sentimento se você me prometer que
deixará a Camorra em paz e seguirá vida ao meu lado, sem pensar em
voltar para se vingar do meu pai novamente. Deixe minha família em paz
e vamos criar a nossa, Ibrahim. — Seguro seu rosto, colando minha testa
na sua. — Pode fazer isso por mim, por favor?
​Antes que sua resposta chegue aos meus ouvidos, o barulho da porta
sendo arrombada me faz ter um sobressalto, e um grito ficar preso na
minha garganta.
​Ibrahim me coloca atrá s dele, mas assim que vejo o brilho verde e a
expressã o diabó lica que predomina os olhos de Vittorio, eu saio de trá s
dele.
​— Vejo que nã o contou a ele a verdade por trá s do assassinato dos pais
dele, Zoey. Sentiu pena do monstro? — A voz do meu irmã o é calma e
sua mã o na arma apontada para Ibrahim é firme.
​Meu corpo inteiro gela.
​— Sabia que era uma questã o de tempo para que você nos encontrasse,
Vittorio. — Ibrahim está tenso, mas sua voz é relaxada diante do meu
irmã o. — Abaixe a arma, você nã o pode me matar.
​Vittorio sorri.
​— E quem disse que quero matar você? O que tenho reservado em
mente precisa de você vivo. — Os olhos do meu irmã o vêm até mim
novamente. — Nã o contou a ele quem matou os pais dele, nã o é?
​— Do que você está falando agora? — Ibrahim suspira.
​— Vittorio… — Balanço a cabeça, mas meu irmã o se aproxima ainda
mais, com um sorriso cruel, jogando uma pasta no chã o.
​— Estou ansioso para ver o que você é capaz de sentir ao saber que nã o
foi meu pai que matou os seus pais, e sim a mulher que te criou como se
fosse filho dela, junto com o homem que você deixou que te
manipulasse.
​Ibrahim olha para mim em busca da piada, mas estou paralisada no
lugar, com a garganta fechada. Vejo algo transpassar nos seus olhos
antes dele se abaixar para pegar a pasta no chã o.
​A pasta que mostra a verdadeira perícia feita no carro, as digitais que a
polícia encontrou, e fotos de uma câ mera de segurança que flagrou sua
tia cortando os freios do carro e Nikolai pagando a um motorista para
colidir com um caminhã o no carro dos pais de Ibrahim.
​ le foi criado pelos assassinos do seu pai e eu vejo que essa verdade o
E
trucida de dentro para fora a cada pá gina que ele passa dos arquivos que
Vittorio reuniu.
​ que vejo no rosto de Ibrahim, enquanto as peças vã o se juntando na
O
sua cabeça, me despedaça mais do que imaginei. A felicidade de alguns
dias atrá s desaparece enquanto ele segura o relató rio original da perícia,
sua mã o está tremendo e seus olhos estã o turvos. Ele está no chã o, de
joelhos diante das provas, e ele nã o poderia estar mais quebrado do que
agora.
​Vittorio ergue os olhos para mim e minha respiraçã o presa faz tudo isso
parecer irreal. Meu irmã o fiscaliza todo meu corpo em busca de algum
ferimento e faz um gesto para que eu vá para o lado dele.
​— Venha, Zoey. Esse pesadelo acabou, você vai voltar para casa — diz,
enquanto mantém Ibrahim na mira.
​Eu balanço a cabeça, isso nã o acabou, está longe de acabar. Me abaixo
para tocar Ibrahim e ele se esquiva do meu toque e esse gesto é como
uma facada no peito.
​— Ibrahim…
​— Você sabia? — Sua voz é tã o baixa, cheia de um peso que nem um
homem do tamanho dele parece capaz de suportar. — Você sabia
durante todo esse tempo, e nã o me contou?
​— Zoey tem o coraçã o de uma boa mulher, infelizmente. Achei que com a
informaçã o ela iria aproveitar para ver sua desgraça, mas claro, minha
irmã nã o tem o mesmo sangue frio que Alessio e eu. Ela era a mais pura
entre nó s, até você manchá -la com sua monstruosidade. — Vittorio
cospe as palavras com toda có lera que reuniu durante os ú ltimos anos.
​Olho para ele, pedindo que fique em silêncio e isso o faz me olhar de
forma confusa.
​— O que diabos é isso, Zoey? Está tendo compaixã o do homem que te
sujou?
​— Cale a boca, você nã o sabe de nada. — Me volto para Ibrahim, tirando
os papéis da sua mã o — Você teria acreditado em mim se eu te falasse
sobre isso? É claro que nã o.
​O brilho em seus olhos implode sentimentos de dor, raiva e
ressentimento puro, e um som primitivo escapa dos seus lá bios quando
ele curva a cabeça em um claro movimento de tortura mental. A mente
dele o está lembrando de tudo, juntando todas as peças em busca da
verdade. Mesmo com provas é difícil para ele admitir que seus tios
fizeram o que fez.
​— Como conseguiu isso? — ele questiona Vittorio.
​Meu irmã o tem o rosto tomado por uma expressã o lívida, imperturbável,
onde só a satisfaçã o se desenha em suas feiçõ es.
​— Nã o foi difícil, Nikolai deixou muitas pistas dessa merda, ele nem
mesmo apagou o primeiro relató rio da perícia ou sumiu com a equipe
florense. Mesmo seu pai sendo um criminoso, a polícia local foi a
primeira a ser acionada, concluíram que nã o foi um acidente depois de
investigar, mas como era assunto da má fia, eles arquivaram tudo, até
dois meses atrá s quando comecei a procurar provas.
​Os lá bios de Ibrahim sã o uma linha fina e seus olhos nã o ficam fixos em
nada, assim como engole a saliva uma vez atrá s da outra, com sua
respiraçã o saindo parcelada de seus lá bios e tã o curtas, que percebo que
ele está à beira de um ataque de pâ nico antes mesmo dele perder a força
e se curvar no chã o.
​Tento ampará -lo, mas nã o existe consolo ou alguém que possa nos salvar
quando perdemos a verdade, a qual era a ú nica coisa que tínhamos. Ele
passou a vida inteira sendo grato à s pessoas que acabaram com a vida
dele e fizeram dela um teatro, onde apenas ele nã o sabia que tudo era
atuaçã o, e nã o tinha nada de verdade.
​ u quebro com ele quando seus olhos revoltos de dor se erguem para
E
mim, como se ele lembrasse de tudo que fez comigo e isso o destró i.
Consigo ver a sanidade saindo de seus olhos quando ele percebe que me
castigou por uma mentira. Seus olhos baixam para minha barriga, seu
rosto se contorce em agonia e eu me mantenho parada, sem saber o que
devo fazer.
Vittorio me puxa pelo braço, tirando-me de perto de Ibrahim.
— Você está bem? Ele faz algo com você? — Os
olhos verdes de Vittorio examinam meu rosto com preocupaçã o.
Balanço a cabeça, confirmando a primeira pergunta.
— O que você vai fazer com ele, Vittorio?
O rosto do meu irmã o é tomado por uma sombra.
— Esse verme precisa sangrar por tudo que fez
você passar por todo sofrimento. Ele nã o vai se livrar do que fez com
você, Zoey. Vá para fora, Edan está lá fora com o carro. Nossos pais estã o
te esperando, você pode finalmente sair desse pesadelo.
Nã o. Eu nã o tenho mais para onde voltar, já nã o tenho uma casa
para chamar de minha. Meus pais perderam a filha dele, e os fragmentos
do que sou agora é voltado para Ibrahim. O homem que eu achei ser
inquebrável que está em pedaços na minha frente.
— Zoey, saia daqui! — Vittorio agora está ordenando.
Nã o posso. Nã o posso deixá -lo. Estou hesitando
diante da minha liberdade, deliberando, como se Ibrahim merecesse
isso, quando tudo o que me causou foi dor e tirou de mim todas as
certezas da minha vida, mas ainda assim, olhando para ele, coberto pela
névoa da dor e desolaçã o, eu me pergunto se ele merecia o que fizeram
com ele.
— Você nã o vai levá -la. — A voz de Ibrahim soa rouca e firme em
meio ao pâ nico que ele sente. — Zoey é minha esposa e eu tenho um
acordo com seu pai.
Ele se ergue ficando na mira do revó lver de Vittorio, que agora
está sorrindo sombriamente.
— Você é mesmo doente, nã o é, seu filho da puta? Mesmo
sabendo que nã o devemos nada a você, e depois do inferno que fez ela
passar, ainda quer ficar com ela? Você a destruiu e eu acabarei com sua
vida!
As palavras de Vittorio somam mais cortes na armadura de
Ibrahim, mas ele nã o se altera e transforma seu rosto em uma má scara
de pedra.
— Isso nã o muda o fato de que ela me pertence e de que é comigo
que ela vai ficar. Quer tentar levá -la? Me mate primeiro.
Vittorio só aperta a arma ansiosamente, se sentindo desafiado e
eu me coloco no meio dele e Ibrahim, na frente da arma.
— Você nã o pode me salvar, Vittorio. Nã o tenho mais nada para
ser salvo aqui, é o fim de jogo. Matar Ibrahim nã o vai consertar nada em
mim, apenas saciar o ego ferido de vocês.
Os olhos verdes do meu irmã o sã o incrédulos na minha direçã o.
— Nã o me diga que se apaixonou por esse pedaço de merda,
Zoey? Foi tã o burra assim?! — dispara.
Sinto a mã o de Ibrahim no meu ombro e eu fico tensa ao ver
Vittorio acender seus olhos com a perversidade que existe por baixo de
tanta frieza.
— Eu prefiro você viú va do que ao lado dele. Esqueceu do que ele
fez com você? Posso te lembrar. Ele nã o te ama, Zoey. Nem mesmo te ver
como uma mulher de verdade, ele só quer seu corpo.
O silêncio de Ibrahim me deixa ansiosa, toda essa situaçã o e eu
nã o tenho certeza de nada, além de querer que isso acabe. Vittorio nã o
pode saber que estou grávida, a decepçã o e a raiva em seus olhos já
mostram que ele nunca aceitará nada que me ligue a Ibrahim.
Meu irmã o sorri ao ver o silêncio, o consentimento da minha
parte em ficar com o homem que ele odeia, e ele começa a rir de forma
incrédula.
— Pelo visto, a relaçã o de vocês dois consiste em esconder fatos
importantes um do outro, nã o é? Nã o sei muito sobre relacionamentos,
mas creio que isso esteja totalmente errado.
A mã o de Ibrahim no meu ombro fica tensa e eu olho para ele
antes de fitar Vittorio em busca da resposta. E em só um olhar eu
percebo que pedaços meus irã o sair voando em direçã o ao chã o para ser
pisoteados.
Olho para Ibrahim, cansada de mentiras e jogos, e ele já está me
olhando de volta, com o remorso por todo seu rosto, e desta vez eu nã o
vejo uma vítima e sim o grande mestre de jogos que ele é. O caçador sem
sentimentos com o qual eu lutei naquela noite na neve para me que ele
nã o me tomasse sobre a neve fria.
Meu coraçã o se parte antes que eu possa ouvir as palavras de
Vittorio, porque eu passei os ú ltimos dias aprendendo a ler os olhos de
Ibrahim. Ao mergulhar nessas esferas azuis, ser tocada pela alma
escondida ali de tal maneira que nã o a vejo mais, tudo que vejo é homem
que foi até o fim quando eu disse nã o.
O homem da nossa primeira noite.
Aquele que me jogou na neve e me fez quebrar o braço.
— Seu marido ligou para nosso pai dois dias atrá s para negociar
sobre a destruiçã o do territó rio dele. Se nosso pai seguisse tudo o que
ele tinha a pedir, entã o ele te devolveria daqui a 9 meses. Me perguntei
por que esperar nove meses e descobri sobre sua gravidez enquanto
segui o rastro dele até aqui. — Meu irmã o nã o sente nenhum remorso
ou empatia com as palavras quando me diz as seguintes palavras: — Ele
vai tirar seu filho, mandar você de volta para casa e criar o bebê para
herdar sua posiçã o na organizaçã o. Como eu disse, minha querida irmã ,
ele nã o a vê como uma mulher, apenas como uma ferramenta. Se achou
que ele te daria uma oportunidade de ser feliz e construir uma família,
você se enganou. Ele nã o está interessado em você, e sim no que pode
dar a ele.
Uma lá grima solitá ria e descrente escorre pela minha bochecha, e
eu me viro na direçã o de Ibrahim, com a interrogaçã o desenhando todo
meu rosto.
— Você nã o iria tirar meu filho de mim, isso é mentira, nã o é? —
questiono, quase suplicando.
Ibrahim fica em silêncio. Impenetrável na sua armadura recém-
feita e brilhante.
— É mentira, nã o é? Você nã o faria isso! FARIA? — O desespero
começa a ganhar vida na minha voz e a dor se torna uma angú stia tã o
antiga e presente, que me enche com o sentimento mais mordaz que
alguém possa sentir.
— Eu confiei em você! Eu te perdoei pelo que fez comigo. Como
sequer pensou nisso?
— Zoey… — Ouço a voz de Vittorio em tom de alerta, e ignora
enquanto o encaro com toda a raiva e decepçã o do mundo o rosto do
pior homem que já conheci.
​Sinto as lá grimas começarem a cair enquanto Ibrahim nã o demonstra
nenhuma emoçã o, apenas remorso.
​Ele parece exatamente aquele homem vil que eu conheci e me deixei ser
enganada por suas feridas. Me enchi de tanta compaixã o e esperança,
que fiquei cega diante dos fatos.
​As palavras de amor? Quã o patética você foi, Zoey? Um homem como ele
nã o é capaz de amar ninguém, ele só é capaz de destruir a tudo e a
todos.
​Nó s dois nos encaramos como dois desconhecidos, cheios de
ressentimento, sem palavras diante da traiçã o, enganaçã o e tragédias.
​Quanta tristeza pode caber em um ser humano? Estou começando a
achar que nã o sou capaz de encontrar mais a luz no meu caminho.
Suguei a escuridã o de Ibrahim inteira para mim e agora nã o vejo nada
além de preto. Onde estã o minhas cores? Onde está a alegria da minha
vida?
​— Zoey, você está sangrando. — A voz de Vittorio é baixa e ele caminha
na minha direçã o.
​Olho para baixo, sentindo o líquido quente descer pelas minhas coxas,
afasto o vestido vendo o sangue descer lentamente, manchando o chã o.
E é só entã o que a dor emocional se dissipa e eu começo a sentir as
có licas fortes no pé da barriga.
​Vittorio tenta me amparar antes que eu chegue ao chã o, mas acho que é
Ibrahim que me alcança primeiro. O choque finalmente se apaga e minha
consciência se desliga, e a ú nica coisa que consigo pensar é que nã o terá
mais nenhum bebê e que Ibrahim perdeu seu trunfo contra a Camorra.
​ quã o certo você acha que está até perceber que estava errado? Em
O
quantos segundos você pode perder tudo o que tinha? As respostas para
as minhas perguntas se formam em segundos, enquanto eu espero na
recepçã o da clínica com Vittorio Moreau do outro lado, mantendo os
olhos em mim.
​18 segundos. Zoey me olhou durante 18 segundos, com todo sentimento
bom que havia nela se tornando cicatrizes em seus olhos. Aquelas duas
gemas incandescentes brilharam para mim pela ú ltima vez antes de se
apagarem e se transformarem em vitral.
​Eu nem percebi quando ela começou a sangrar. Meu peito estava envolto
de desespero e minha mente estava lutando para nã o colapsar. Tento
rezar como fazia quando era um menino, pedindo a qualquer Deus que
salve a vida dela e do nosso filho, porque eu nã o vou sobreviver se
perder eles, já nã o tenho nada, e sem eles eu nã o vou a lugar algum.
​Nã o me importo se a família dela quer minha cabeça, eu mereço. Nã o
acho que, depois do que foi dito hoje, Zoey vai querer mais alguma coisa
comigo. E, depois do que eu fiz com ela, nã o posso exigir que fique
comigo.
​O que eu fiz com ela… Eu destruí seu espírito, quebrei seu corpo e ela
nem mesmo era culpada de nada. Eu condenei uma alma inocente em
busca de uma vingança que nenhum Moreau tinha qualquer
responsabilidade, lutei contra os inimigos errados, e as consequências
disso sã o a pressã o da culpa que parece apertar minha garganta até que
minhas vias respirató rias se fechem por completo. Eu nã o consigo
respirar, me mexer ou pensar que seja tarde demais.
​Nã o posso perder Zoey e nosso filho.
​Eu nã o tenho nada além deles.
​As pessoas que eu amei a vida inteira e protegi com todo meu sangue,
foram as que tiraram de mim a minha humanidade e me deixaram
chegar a um estado onde eu nã o era nada além de um animal na pele de
um humano, e minhas açõ es com Zoey sã o uma prova disso.
​O que eu farei da minha vida quando a ver novamente e encarar a
decepçã o em seus olhos? Como posso explicar a ela que eu nã o queria
que as coisas fossem daquele jeito? Liguei para Kai Moreau propondo o
acordo quando percebi que o fardo de carregar um filho meu pesava
tanto em Zoey que ela nã o seria capaz de amar o nosso filho e iria
preferir passar por um aborto a gestar essa criança. Eu nã o podia perder
a criança. Meu plano era barganhar com Zoey: o bebê pela liberdade
dela.
​Na minha mente fodida, ela iria querer isso porque, no momento do
desespero, você nã o para pra pensar em quem é a pessoa ao seu lado, só
nas circunstâ ncias. E eu me fiz de ignorante sobre o que eu sabia sobre
Zoey, ela nunca seria capaz de matar um bebê, mesmo ele sendo meu. O
coraçã o dela nã o é tomado de malícia como o meu, ela é capaz de
enxergar o bem, mesmo quando a ú nica coisa que seja exalada seja o
ó dio.
​Como um pardal inocente, eu a aprisionei e coloquei minha semente
nela, e quando achei que ela seria cruel de querer tirar meus vestígios
dela, ela só estava procurando uma forma de proteger a si mesma e ao
bebê.
​— Senhor Vassiliev? — A Dra. Barnes, a mesma que atendeu Zoey no dia
que viemos, surge na recepçã o.
Eu pressinto que alguma coisa deu errado antes mesmo que ela
diga. A dor é visceral e já estou tã o calejado que a ú nica coisa que me faz
ficar em pé e ouvir é a esperança de que eu esteja errado.
— Sua esposa teve um aborto espontâ neo devido ao estresse, a
gravidez estava no início e nã o havia muito o que se podia ser feito. Eu
sinto muito.
Posso ouvir Vittorio Moreau suspirando por perto, escuto a á gua
pingando no bebedouro, a enfermeira digitando no computador, eu
consigo ouvir tudo. As paredes começam a se fechar ao meu redor e eu
permaneço imó vel, vendo as cores sendo sugadas do mundo novo, que
eu nã o tive nem mesmo a chance de aproveitar.
— Ela está bem? Minha esposa está bem? — Ouço minha voz
perguntando, enquanto minha mente implora para que a médica diga
que pelo menos ela esteja bem.
Nã o vou suportar perder os dois por culpa minha.
— Sim, senhor Vassiliev. Ela está em observaçã o, com fluidos
para ajudar no sangue que perdeu.
— Eu posso vê-la?
— Você nã o vai chegar perto da minha irmã , o mínimo que pode
fazer agora é deixá -la em paz. — Vittorio Moreau surge no meu campo
de visã o — Matou o filho dentro dela, e agora quer vê-la? Por quê?
Precisa acabar com ela também?
Fecho meus punhos, sentindo o luto que começou a se formar
dentro de mim, se potencializando na raiva que é alimentado pelas
palavras do pequeno diabo.
— Tente ficar entre minha esposa e eu, e o pró ximo na minha
lista de mortos será você. Nã o estou pedindo sua permissã o ou de
qualquer outro aqui. Você quer me matar? Me entregarei a sua família
quando falar com sua irmã .
Vittorio estreita os olhos, abrindo um sorriso ladino de escá rnio.
— Você tem 10 minutos com ela, Zoey será levada para Las Vegas.
Nesse momento ela precisa da família dela e nã o do homem que a
destruiu. — Ele aponta para o reló gio. — 10 minutos e eu entrarei no
quarto.
A médica acena com a cabeça para que eu entre no quarto, e
meus passos sã o tã o pesados que sinto como se quilos de concreto
fossem colocados nos pés e uma adaga se cravasse no meu peito a cada
passo dado.
Me sinto tã o cheio de sentimentos que cortam meu coraçã o que
desejo voltar a nã o sentir nada. Estou me rastejando, buscando forças
para ficar de pé e nã o cair de joelhos diante da minha morte, porque a
ú nica coisa que pode me salvar agora é Zoey.
Abro a porta do quarto pequeno e estéril, vendo-a deitada na
cama, com a cabeça de lado e a mã o sobre a barriga. Meu primeiro
instinto é querer correr para seus braços para que ela me console e diga
que vamos ficar bem.
Quero. Nã o, eu necessito que ela olhe para mim sem ó dio. Se ela
me odiar, eu nã o vou ser capaz de levar mais um dia vivo.
Ela ergue os olhos na minha direçã o e estã o tã o opacos que só
aumenta a ferida em meu peito, eu dou um passo em sua direçã o,
engolindo as lá grimas que querem jorrar dos meus olhos quando fico
em sua presença e compartilho da dor da nossa perda.
— O que está fazendo aqui? Nã o existe mais um bebê, nã o sou
mais necessá ria para você. — Sua voz é baixa, rouca e tã o vazia quanto
minha alma.
Tento alcançar sua mã o, mas ela a tira de perto e me olha como se
eu fosse o ser mais repugnante da face da terra, e eu sou.
— Por favor, me perdoe… — Minha voz embarga e meus joelhos
cedem ao lado da cama. Meu corpo parece tã o pesado quanto a dor de
ter perdido um filho que nã o cheguei a conhecer — Por tudo. Me
perdoe! Eu preciso de você, Zoey, e me odeio por pedir que tenha
compaixã o de mim mais uma vez, mas eu nã o consigo. Nã o consigo
enfrentar tudo o que está por vir sem você.
— Eu nunca mais sentirei tal sentimento por você, olhe onde isso
me colocou. Você me usou como quis, sugou tudo de bom que havia em
mim e ainda me fez achar que em algum lugar dessa trama você gostava
de mim. Me encheu de esperanças, me levou aos céus e eu caí do ú ltimo
degrau dessa ilusã o de que as coisas seriam melhores. Eu realmente
achei que íamos conseguir, mas isso era só mais um plano seu, nã o era?
Me enganar para que fosse uma incubadora, tomar o meu filho de mim e
me devolver? — Ela fala isso de forma tã o apá tica que eu preciso olhar
nos seus olhos para captar o sentimento de traiçã o e tristeza.
— Nã o achei que você iria querer gerar o nosso filho, você
mesmo deu a entender isso e eu o queria. Nã o podia perder vocês dois.
— Minhas mã os começam a tremer e meu coraçã o afunda de uma
maneira que sinto a dor física similar à de estar sendo torturado.
Zoey evita meus olhos, e eu juro que preferia que ela estivesse me
esfaqueando a isso.
— Bom, nã o existe mais um bebê e nada além de uma certidã o de
casamento que me ligue a você. Meu pai nã o é culpado pela morte dos
seus, esse casamento já nã o tem sentido. Me dê o divó rcio.
É demais e eu arrebento como uma á rvore de 100 anos, sendo
cortada depois de anos proporcionando ar puro, sombra e boas
lembranças, mesmo que nã o tenha sido nada disso que dei a Zoey. As
palavras delas quebram o ú nico pedaço inteiro que estava em mim e
lá grimas começam a cair dos meus olhos.
— Por favor, nã o faça isso comigo. Eu só tenho você, Zoey! —
Seguro sua mã o, levando-a até meu rosto. — Por favor, olhe para mim,
veja o quã o destruído eu estou, eu preciso de você!
Ela tenta afastar sua mã o do meu rosto, contorcendo o rosto em
uma careta de dor enquanto eu a forço a continuar me tocando, eu
preciso disso, do calor do seu corpo. Preciso que ela me conserte como
fez antes, só ela é capaz disso.
— Você fez isso a você mesmo, nã o tem o direito de me pedir
nada. Eu nã o vou voltar para você, Ibrahim. Acabou, de uma vez por
todas!
Balanço a cabeça, me negando a acreditar. Beijo a palma da sua
mã o, abrindo um sorriso de esperança em meio a dor e lá grimas.
— Nã o, meu amor. Nã o acabou. Posso me redimir com você, te
dou o que quiser, sou até capaz de pedir perdã o ao seu pai e passar a
vida inteira me sujeitando ao que ele decidir. Nó s podemos ir para longe,
Zoey. Um lugar que tenha sol e praia para você passar o dia sob o sol,
você gosta, nã o é? Eu vi como ficou feliz na praia, como gostou de tomar
banho de mar. À noite, podemos sair para jantar e dançar. Sei como você
gosta de mú sica, eu lembro de ter achado isso nas minhas pesquisas
sobre você. — Falo sem pausas, segurando sua mã o pequena com as
minhas. — Vamos ter um casamento normal, como os das outras
pessoas. Podemos ter outro bebê. Eu serei bom, Zoey. Nã o tocarei em
você se nã o quiser, me conformo só de respirar o mesmo ar que você e te
ter onde meus olhos possam vê-la. Nã o sou capaz de viver um dia sem
olhar para você, é a coisa mais linda e preciosa que tenho na vida. Meu
sol.
— Ibrahim, solte… — Sua voz embarga enquanto ela tenta se
desfazer de mim, mas nã o estou pronto para soltá -la.
— Meu amor, eu serei tudo que nã o fui. Me dê uma chance de
provar isso, ok? Serei um bom homem! O que você deseja que eu seja?
Posso ser quem você quiser!
— Você está me machucando, me solte! — Tem dor e desespero
na sua voz e isso é o suficiente para que solte sua mã o.
Tento com todas minhas forças fazê-la entender, me ergo para
segurar seu rosto e a obrigar a olhar para mim, e ela olha com tamanha
indiferença que me queima como brasas.
— Você me odeia? É capaz de me odiar depois de tudo que
passamos?
Seus olhos vagueiam pelo meu rosto antes de se firmar nos meus,
e tem tanta ausência neles que eu preferia mil vezes que houvesse pelo
menos ó dio ali.
— Nã o consigo te odiar, mas me esforçarei para te esquecer. Eu
existia antes de você e era feliz, tenho uma nova chance para fazer isso e
nã o vou desperdiçar. Em algum momento da minha vida futura, tudo o
que você será é uma sombra que se dissipará com as boas lembranças
que irei construir. Vou apagar você, sua crueldade e seu toque de mim
como se fossem feitos apenas tinta contra um tecido, lavável. Eu vou
seguir minha vida e você passará o resto da sua assombrado pelas
pessoas que confiou, que assim como você fez comigo, te destruíram. A
nossa diferença Ibrahim, é que eu nunca faria alguém pagar com a vida
os danos que outras pessoas causaram em mim. Eu confiei em você e só
precisava que fizesse o mesmo por mim. Agora, está tudo acabado e eu
quero que desapareça da minha vida. Nã o quero ter que olhar para seu
rosto nunca mais. Vá embora.
Balanço a cabeça, atingido por todas as palavras que sã o como
cortes sendo cauterizados por á cido. Me contorço com a dor que envolve
meu corpo e pressiona meu cérebro;
— Eu te amo. Amo de todo meu coraçã o e sei que existe algum
bom sentimento em você por mim, nã o é? Zoey, por favor, nã o diga essas
coisas para mim. Nã o diga que vai me esquecer. Isso dó i. — Minha voz
soa estrangulada pela torrente de emoçõ es que ousa implodir.
Procuro por confirmaçã o em seus olhos, qualquer expressã o que
diga que ela vai me dar uma chance de reparar meu erro, mas só
percebo que isso nã o vai acontecer quando estou sendo arrastado do
quarto.
Tento lutar contra Vittorio e o guarda-costas, enquanto berro
com lá grimas pelo nome de Zoey.
— ME PERDOE, ZOEY! ME PERDOE!
O ú ltimo vislumbre que tenho dela é de vê-la virando o rosto para
nã o me ver sendo arrastado para minha morte pelas mã os do seu irmã o.
E eu nunca estive tã o ansioso por isso.
Mas, nã o posso morrer agora. Minha dor antiga persiste com as
presentes, e os traidores do meu pai precisam pagar.
Eu irei me entregar aos Moreau de bom grado, mas antes Sasha e
Nikolai precisam pagar pelo que fizeram, preciso entender por que
mataram os irmã os quando tudo o que meus pais fizeram por eles foi
amá -los.
Preciso ouvir da boca da mulher que me criou porque ela matou
minha mã e, e entã o eu deixarei os Moreau fazer o que quiserem comigo.
Vittorio nã o espera por um ataque meu e quando o imobilizo e
chuto para longe o guarda-costas dele, eu começo a correr para longe da
clínica, me juntando a multidã o, até entrar em um prédio com saídas
para os fundos.
O jatinho para Turquia estava pronto há dias, apenas esperando
Zoey, eu e nosso bebê, mas agora apenas um de nó s está voltando ao
lugar onde tudo começou. As lá grimas nã o param de escorrer dos meus
olhos, junto com a dor emocional por todo meu corpo, e ainda assim, eu
sigo em direçã o a mais doses letais.
Preciso saber por que me mataram antes que eu tivesse a chance
de viver de verdade.
​ ikolai reforçou a segurança ao redor da fortaleza onde ele e a esposa
N
estã o se escondendo. Há três dias, quando pousei em solo russo, Vadim
me comunicou que meu tio se desfez de todos os antigos homens e
contratou assassinos de aluguel para fazer sua proteçã o e a de Sasha.
Tenho estudado como entrar na fortaleza desde que cheguei, desviando
meus pensamentos de todas as dores para focar apenas em conseguir
ficar cara a cara com as duas pessoas que acabaram com a minha vida.
​Sã o três dias sem dormir, de apenas encostar a cabeça na parede e forçar
os olhos a ficarem abertos. Toda vez que a voz de Zoey se forma em
minha mente ou eu lembro da médica informando que ela perdeu nosso
filho, eu a expulso da minha cabeça com desespero.
​Se eu parar pra pensar sobre isso, vou colapsar e deixar Nikolai e Sasha
saírem dessa sem a devida responsabilidade.
​— Você deveria comer alguma coisa, Ibram. Nos ú ltimos dias parece ter
perdido peso, e convenhamos que um homem do seu tamanho nã o
combina magro. — Vadim empurra dois sanduíches de carne na minha
direçã o. — Aqui, coma.
​Estamos sentados na varanda de um sobrado afastado de Moscou, um
ponto quase deserto entre á rvores, neve e soldados. Mabi está em
alguma parte daqui com outros cachorros, e até mesmo olhar pra essa
cachorra me remete a Zoey.
​ Alguma notícia sobre os homens que Nikolai contratou? — questiono,

enfiando minhas mã os dentro do bolso da jaqueta, enquanto observo os
flocos de neve caírem.
​Vadim se apoia na sacada de madeira, com uma caneca quente de café
nas mã os.
​— Você nã o é o ú nico atrá s dele. Nossos homens comunicaram que Kai
Moreau está aqui tentando localizar Nikolai, mas o acesso ao lugar onde
ele e sua tia estã o é de difícil localizaçã o, quase totalmente ilhado. Ele
escolheu um bom lugar para se esconder. — Vadim olha pra mim,
concentrado. — Você tem certeza de que foram eles que mataram seus
pais?
​Fico em silêncio, dando um breve aceno com a cabeça para confirmar.
​— Isso explica por que todos os documentos com os relató rios do
acidente desapareceram dias apó s o acidente, nã o sobrou muita coisa
para ser contestada, apenas um laudo que afirmava que os freios haviam
sido cortados, e a colisã o com um caminhã o. — Vadim respira fundo,
fazendo o ar que sai do seu nariz e boca se condensar ao clima frio. —
Vamos pegar eles, Ibram. É só uma questã o de tempo. Teremos que ser
mais rá pidos do que Kai Moreau, no entanto.
​Ocultei a parte de que vou me entregar aos Moreau logo depois de
capturar Nikolai e minha tia. Passarei para Vadim toda a liderança e irei
desaparecer nas garras dos Moreau. Nã o tenho mais nada a perder, e
qualquer sentido que minha vida tinha acabou sendo perdido quando
Zoey escolheu me deixar, e eu nã o a culpo. O que eu podia esperar dela
depois de tudo que fiz?
​Entro na casa a fim de tomar um banho morno, e vestir roupas mais
confortáveis e quentes, enquanto repasso na minha cabeça toda a
estratégia de proteçã o que Nikolai executa quando está em perigo, ele é
esperto, seus pensamentos e açõ es mudam o tempo inteiro como um
cofre de combinaçõ es, mas eu cresci com ele, sei mais do que ninguém
como a mente dele pode funcionar em momentos de tensã o.
​Ele está se escondendo e eu só posso deduzir que ele sabe que eu sei de
algo. As investigaçõ es de Vittorio podem nã o ter sido tã o discretas
assim, e se ele sabe que eu sei, ele vai se esconder até no ú ltimo buraco
da terra.
​Visto uma roupa escura e desço para o primeiro andar apó s ouvir o som
de uma voz feminina, que reconheço de imediato, e assim que ela me vê
um sorriso brilha nos seus olhos.
​Yuliya caminha na minha direçã o, ficando nas pontas dos pés para me
abraçar, ela parece aliviada por me ver, mas nem um pouco feliz pelo
meu estado. Ainda assim, ela nã o pergunta por Zoey e eu fico grato por
isso. Acho que está ó bvio que nó s dois chegamos no limite.
​— O que você trouxe para nó s, Yuliya? — Vadim pergunta, servindo uma
dose de conhaque a ela.
​Nó s três nos sentamos um em frente ao outro e Yuliya começa a falar
tudo o que sabe sobre a chegada de Kai Moreau na cidade, as poucas
notícias de Nikolai.
​— O Capo da Camorra veio com poucos homens, menos de 10. Estã o
hospedados perto das á reas mais remotas de Moscou e todos os dias os
homens dele vã o à cidade. Creio que o pró prio Kai está localizando
Nikolai, ele nã o deu nem as caras desde que chegou aqui, mas minhas
fontes dizem que ele passa o dia fora da casa, onde está e chega perto do
amanhecer. Ele veio sozinho. Sem o filho mais velho. Sobre Nikolai,
posso ter uma breve ideia onde ele possa estar.
​Olho para Yuliya e ela tira um pequeno mapa da bolsa, todo rabiscado. E
minhas suspeitas parecem se confirmar com o que está ali.
​— Nikolai nã o iria se esconder na vista de todos, ele iria para o lugar
mais remoto e de difícil acesso nesse período do ano. — Aponto para as
montanhas no papel. — O ponto mais alto e inacessível de Moscou, com
a pró xima nevasca, ficará impossível subir até as montanhas sem
arriscar a pró pria vida. Nikolai está aqui.
​Um minuto de silêncio se estende pela sala, vejo o receio no olhar de
Vadim e Yuliya com a localizaçã o perigosa.
​— Vamos esperar a neve derreter nos pró ximos dias, a previsã o do
tempo diz que teremos sol daqui a uma semana. Nikolai nã o vai a lugar
nenhum. — Vadim aconselha.
​Balanço a cabeça.
​ Nã o tenho tempo de esperar, vou partir amanhã de manhã . Nã o

preciso que ninguém vá comigo, eu só quero armas. A subida pelas
montanhas será um desafio, mas nã o é impossível. — Olho para Yuliya.
— Arrume roupas térmicas para mim, e má scaras para proteger meu
rosto do gelo.
​— Ibrahim, você está sendo precipitado. Podemos lidar com isso de
outra forma, juntos. Vamos esperar o nível da neve baixar.
Olho para Vadim, negando.
— Nikolai só está esperando uma brecha para pegar um
helicó ptero até uma pista clandestina para sair do país, nã o darei a ele
essa vantagem.
Yuliya fica em silêncio, ciente de que nã o vou desistir e Vadim se
levanta para servir mais conhaque. O dia se arrasta de forma tortuosa e
eu subo para o quarto para ficar sozinho com meus pensamentos. Tiro a
foto do ultrassom do meu filho de dentro do bolso e me deito na cama,
acariciando o pequeno ponto no papel.
Sou tomado por um sentimento de perda, similar a ter a espinha
partida em duas, e essa dor é maior do que eu me lembro de já ter
sentido, até mesmo quando perdi meus pais. Dessa vez, é algo cru e
totalmente da minha responsabilidade. Eu fui o responsável por ter
perdido meu filho e nem que eu viva por cem anos, eu vou esquecer isso.
Minha alma está tã o castigada, que quando a primeira lá grima
escorre pelo meu olho, ela tem um peso punitivo. Minha mente grita que
nã o tenho o direito de chorar por esse ser que eu nunca saberei se seria
menina ou menino, que nã o dei a chance de vê-lo conhecer o mundo e
respirar pela primeira vez.
Eu o amei. Amei com todo meu coraçã o e ele me deu uma chance
de vida nova e como todas as coisas boas que aconteceram na minha
vida, eu o destruí.
Matei meu filho, e condenei a mã e dele.
Perdi os dois.
E acabei com a minha vida.
(...)
Tenho três horas de sono perturbado, acordo com a imagem de
Zoey sangrando, enquanto perde nosso filho, e meu coraçã o dispara tã o
forte que é como se eu tivesse vivendo aquilo em tempo real e pudesse
fazer algo, mas essa esperança se torna fumaça dissipada quando olho
ao meu redor e percebo que estou em um quarto escuro com neve
caindo densamente pela janela.
Verifico as horas, vendo que nã o passa nem das 3 da manhã .
Percebo que Yuliya deixou um pacote para mim com roupas térmicas e
um casaco pesado junto a uma bota. Troco de roupa, engulo a á gua e a
comida à força e vou atrá s de adagas e armas.
Estou prestes a sair de casa para pegar um dos jeeps quando
Vadim surge no meu campo de visã o, com roupas parecidas com as
minhas e duas submetralhadoras ao lado do corpo.
— Nã o acha que vou deixar você ir sozinho para essa missã o
suicida, nã o é?
— Você nã o vai, preciso que fique e coloque tudo nos trilhos se
algo acontecer comigo. A organizaçã o precisa de alguém se eu nã o
voltar.
Vadim pisca, fazendo flocos de neve cair dos seus cílios.
— Serei a garantia de que você vai voltar, Ibrahim. Prefiro que
seja eu morto, a você. Eu nunca vou deixar que lute uma batalha sozinho,
somos irmã os de juramento. Sou seu Beta. Se você sangra, eu também o
faço. E com toda certeza do mundo, se está indo atrá s de vingança, eu o
acompanharei.
Balanço a cabeça, pensando em quã o louco ele é de me
acompanhar sabendo que se algo me acontecer, ele tomará a frente de
toda a organizaçã o já que nã o tenho filhos. Quase tive um.
— Preciso que um de nó s dois garanta que Zoey tenha direito a
tudo meu. Se eu morrer, muitos lutaram pra que ela nã o consiga nada.
— Zoey terá tudo o que você disse que ela teria, Ibrahim. Eu já
cuidei disso. Ela estará amparada pelo resto da vida dela e protegida
também. Confie em mim, amigo. Eu nunca te deixaria na mã o.
Meu coraçã o destroçado parece sofrer ainda mais um golpe com
o afeto que Vadim oferece, e eu me sinto um filho da puta por está
permitindo que ele venha comigo, mesmo que nã o tenha opçõ es. Nã o
adianta dizer sim ou nã o, ele vai me seguir sem meu consentimento
porque foi pra isso que ele foi treinando, toda sua vida foi devotada a
organizaçã o, a mim e ao meu pai antes de mim.
Ele, tanto quanto eu, quer justiça pelo seu antigo chefe.
Entro no jeep, acompanhado de Vadim, e dirijo em meio a neve,
até a localizaçã o mais pró xima de onde Nikolai possa estar. Vadim e eu
vamos em silêncio, o ú nico som sendo o do motor do carro lutando
contra a neve do lado de fora.
Quando chegamos no limite da estrada, escondemos o jeep entre
á rvores carregadas de neve e começamos a subir a colina íngreme até o
topo, onde torcemos para que alguma casa se encontre. O vento é forte e
gélido aqui em cima, e Vadim trouxe conhaque para esquentá -lo.
A neve nos afunda quando pisamos nela, tornando a subida ainda
mais difícil, mas estou munindo com força de vontade para descobrir a
verdade, com uma fome assassina para descobrir que merda se passou
na cabeça dos irmã os dos meus pais para os matarem e me criarem
como se fosse filhos deles.
Minha tia, a que mais me entregou carinho e me amou
incondicionalmente, fazendo tudo isso depois de matar a irmã e
usurpado o lugar dela.
Caminhamos por duas horas, com a neve ficando mais densa e
nosso corpo congelando, sem parar pra descansar. Vadim parece tã o
determinado quanto eu, e a todo momento nó s dois usamos o limite da
nossa visã o para buscar qualquer presença. Com a neve caindo tã o
fortemente, é até difícil ver o horizonte, a ú nica coisa que vemos é a cor
branca e o gelo tomando nosso corpo.
Minha garganta está seca e doendo, meus pulmõ es estã o
queimando como se estivessem pegando fogo, e eu nã o desisto ou paro
pra recobrar o fô lego, continuo subindo, subindo até o solo se tornar
plano e o vislumbre de uma mansã o de pedra antiga surgir no meu
campo de visã o.
— Nã o tem nenhum homem do lado de fora. — Vadim comenta,
sem fô lego.
— Nã o fomos os primeiros a chegar.
À minha frente, uma trilha de pegadas fundas se desenha em
direçã o a casa. Vadim e eu sacamos nossas armas e caminhamos em
direçã o a nossa possível morte. E eu nã o estou com medo. A ú nica coisa
que consigo pensar é como quero estourar meus miolos como um
covarde depois que tudo isso acabar.
Cada segundo respirando, é uma tortura.
Cada segundo sabendo que nunca mais terei Zoey ou irei segurar
nosso filho é um castigo que me faz ansiar por conhecer o demô nio cara
a cara.
O portã o alto de madeira está aberto e um corpo se encontra no
meio dele, deitado de bruços com a mã o na arma. Vadim e eu nos
olhamos enquanto mantemos a arma engatilhada; caminhamos
lentamente para dentro da casa vendo mais corpo pela frente.
Ouvimos um som alto de algo quebrando e um grito de dor alto
vindo de dentro da casa, e eu acelero meus passos bem a tempo de ver
Kai Moreau quebrando uma cadeira contra as pernas de Nikolai.
E Kai Moreau está sozinho. Ele conseguiu apagar dez homens
sozinho e subir uma montanha vestindo poucas roupas de frio.
O rosto dele está tomado por uma expressã o bestial e algo nele
me diz que nã o serei eu a pessoa a matar Nikolai.
Minha tia está amarrada a uma cadeira, chorando e implorando
para que Kai pare de espancar Nikolai.
— Minha filha nã o é de implorar, ela aprendeu isso com a mã e
dela, mas ela é humana. O médico que a examinou nos disse que o braço
dela foi quebrado e que ela passou por uma hipotermia. — A voz dele é
infernal. — E mesmo assim, ela nã o implorou, nã o é?
Outro golpe, dessa vez, tã o forte que ouvimos o som dos
ligamentos do joelho de Nikolai se rompendo e ele caindo no chã o,
amarrado a cadeira, urrando de dor.
Dou um passo em direçã o a cena, fazendo Kai Moreau erguer
seus olhos, acesos com fú ria, na minha direçã o.
Um sorriso satâ nico se desenha nos seus lá bios e fios de cabelo
preto e grisalhos caem por sua testa.
— Ibrahim! — minha tia grita com agonia.
Já Kai Moreau parecia estar esperando por mim para completar a
festa. Acabar com todos Vassiliev de uma vez.
— Estava contando com sua presença, meu jovem. Mas chegou
cedo demais, ainda nã o acabei de me divertir com seu tio.
Coloco minha arma no chã o e vejo Vadim mirar a dele em direçã o
a Kai.
— Se quer justiça por Zoey, é a mim que deve torturar. Sou o
ú nico responsável por todo sofrimento dela.
Kai continua sorrindo.
— Claro que é, mas só de saber que passou os anos da sua vida
sendo criado pelos assassinos do seu pai, que os protegeu e amou como
se fossem merecedores disso… — Ele respira fundo, satisfeito. — Isso é
revigorante. Você terá o que merece, depois que eu acabar com esses
dois, minha esposa vai amar receber sua tia na nossa casa, como um
enfeite de decoraçã o para a coleçã o dela.
Olho para os olhos verdes, cheios de lá grimas da minha tia, com
esperança de que a defenda, a salve. Mas eu vim aqui justamente para
acabar com a vida dos dois.
Nikolai está agonizando no chã o e ensopado na sua pró pria poça
de mijo.
— Deixe-me saber o motivo deles terem feito o que fizeram com
os irmã os deles, entã o pode fazer o que quiser comigo — digo, acenando
para que Vadim baixe a arma.
Kai chuta Nikolai e se senta em uma cadeira para recuperar o
fô lego.
— Ah, você quer saber? Eu vou contar a você, garoto. — Ele
aponta para Nikolai. — O homem que orquestrou a morte do seu pai e
alimentou você com a ideia de que fui eu, queria o poder da Bratva.
Queria o cargo do pró prio irmã o. Era pra você ter morrido com os dois
no acidente, e ele ainda tentou matá -lo depois disso, mas depois que viu
que poderia manipular você de outra forma, ele começou a semear na
sua cabeça a ideia de se vingar de mim.
Mantenho meus olhos sérios em Kai Moreau e na sua aparência
infernal.
— Ele queria poder, poder para mostrar a Marcella que podia
fornecer a ela mais do que eu tinha a oferecer, ele achou que poderia tê-
la de volta depois de assumir o poder como Chefe da Bratva. Esse
pedaço de merda fez o que fez para ter minha esposa, acredita nisso? Ele
passou anos e anos mandando cartas para ela, nunca aceitou o fato de
ela ter me escolhido, nã o é engraçado? — Ele ri, olhando para Nikolai
com escá rnio. — Ele manipulou essa puta ao lado dele com palavras
doces de amor para que ela o ajudasse a eliminar a pró pria irmã , e ela
acreditou quando ele disse que os dois teriam uma família e criariam
você como filhos dele. Uma grande família de merda!
Um soluço escapa da boca da minha tia e ela desvia os olhos de
mim.
— Acho que ela queria tanto o que a irmã tinha, que nã o pensou
duas vezes em matar a irmã , pegar o filho dela e ainda ganhar esse
pedaço de merda como marido. — Kai olha para ela com uma careta. —
Você realmente foi boba de achar que ele havia esquecido a minha
esposa? Depois de tudo que ele planejou para ter poder e ir atrá s dela?
Nó s dois esperamos pela resposta dela, mas o silêncio é absoluto,
entã o Kai se vira na minha direçã o.
— Nikolai tentou matá -lo também, nã o se engane. Mesmo depois
de você sobreviver, ele continuou tentando e ela… — Ele aponta para
minha tia — Ela o impedia. Ele já estava disposto a acabar com vocês
dois, até descobrir que eu teria uma filha mulher, entã o você se tornou
uma arma ao invés de um empecilho. Como ele nã o pode ter Marcella,
ele faria nossa filha pagar por isso e passou anos te manipulando, até
que você nã o queria nada além de quebrar Zoey. E você conseguiu.
Sua voz entoa tanta amargura, que repercute pelos meus ossos.
Vadim ergue ainda mais a arma quando Kai se levanta, onipotente em
toda sua postura assassina.
— Você quer acabar com eles, ou vai me dar as honras? —
questiona. — Minha filha pode ter sido ferida, mas ela ainda tem os pais
dela e muito amor para receber, enquanto você nã o passa de um nada.
Nã o tem nada. — Ele sorri cruelmente. — Nã o tem nem mesmo um
ú nico motivo para viver. Acabe com eles como achar melhor e vá me
encontrar. Garanto que Alessio demonstrará todo tipo de afeto por você.
Eu nã o vou perder minha vida tocando em um só fio de cabelo seu,
afinal, temos um acordo. Mas meus filhos podem fazer o que quiserem.
Você nã o tem motivos para continuar vivo, e se quer sentir algo, minha
família vai te oferecer isso.
Ele arruma seu casaco, tirando a neve dos ombros e caminhando
para a saída. Quando está prestes a sair, ele para ao meu lado.
— Se pedir com jeitinho, posso até convencer Alessio a ser
misericordioso. Estarei esperando você lá embaixo, se revolver matar a
sua tia, mande a cabeça para mim e quanto a Nikolai, esse nem mesmo
serve para alimentar meus cachorros. Pode fazer o que quiser com ele,
desde que o mate.
Ele se vai, adentrando a neve como se ela nã o fosse nada e nem
fizesse nenhum mal a ele. Olho para minha tia chorando de um lado e
Nikolai agonizando de dor do outro.
Kai finalmente teve a chance de quebrar a cara dele, e ele fez mais
do que isso. Nem se vivesse, Nikolai seria mais capaz de andar. Suas
pernas estã o em lados opostos e seus joelhos quebrados, ele nem
mesmo se mexe.
— O que quer que eu faça, Ibrahim? — Vadim pergunta.
Olho para minha tia. Ela é tã o culpada quanto Nikolai, nã o
importa se tentou me salvar ou nã o.
— Ibrahim, nã o faça isso comigo, por favor. Eu cuidei de você, te
tratei como se fosse meu filho. Eu amo você. — Sua voz chorosa entra
nos meus ouvidos e ecoam vazias dentro de mim.
Todo carinho que um dia ganhei dela se tornou nocivo. Um tiro
seria misericordioso demais quando minha mã e passou minutos
sufocando com o pró prio sangue.
Nã o, o inverno dará um jeito nisso.
Prendo ainda mais suas mã os, tiro-a da cadeira e a amarro contra
uma coluna no chã o frio e quando ela começa a implorar eu amordaço
sua boca para que ela nã o ouse pedir ajuda.
Nikolai tenta articular palavras, mas tudo que sai da sua boca sã o
gemidos de dor e quando percebem o que estou prestes a fazer, os dois
se desesperam.
Eu vou embora, tranco todas as portas da casa de pedra, nesse
inverno rigoroso, onde ninguém virá se aventurar pelas pró ximas duas
semanas, e os deixo morrerem juntos, vendo um ao outro definhar até
que nã o se tenha mais vida ali. Frente a frente.
Deixo-os e vou cumprir minha sentença com os Moreau.
Vadim tenta me impedir, entrando na minha frente e me
empurrando contra o jeep.
— Nã o faça essa loucura, Ibrahim! Eles vã o matar você!
Eu nã o luto contra ele, fico parado o olhando com o vazio nos
meus olhos.
— E você acha que quero viver? Eu já nã o tenho mais nada pelo
que viver, Vadim. Tudo o que eu tinha se desfez.
— Porra, você nã o pode fazer isso! Eles vã o acabar com você! Por
favor, irmã o, pense duas vezes antes de entregar sua vida aos Moreau.
Zoey ainda pode te perdoar.
Eu nem mesmo tenho essa esperança. Nã o resta mais nada além
de um vazio em mim. Seguro o ombro de Vadim e o faço olhar pra mim.
— Faça com que Zoey receba tudo o que ela tem direito, e seja
leal a ela. Ofereça sua ajuda em tudo o que ela precisar e cuide para que
Yuliya continue com a vida dela. Nã o deixe tudo acabar, Vadim. Seja a
ponte que mantém tudo funcionando, é sua funçã o agora ser o Chefe de
toda a organizaçã o.
Ele balança a cabeça, expulsando minhas palavras, insistindo com
desespero para que eu mude de ideia. Mas é tarde demais, estou pronto
para implorar a Kai Moreau para que me mate. Eu preciso pagar por
tudo que fiz com Zoey.
Acordo ouvindo vozes em tons baixos, conversando em uma
tentativa de nã o me acordar, mas claramente é falha quando abro meus
olhos e encontro minha mã e e Alessio do outro lado do quarto,
cochichando um com o outro. Minha mã e parece irritada e Alessio
determinado. Eles olham em minha direçã o ao me ver mexer e ambos
caminham na minha direçã o.
— Como você está , querida? — minha mã e pergunta, colocando
sua mã o no meu cabelo.
Seus olhos verdes e redondos estã o repletos de preocupaçã o,
abaixo minha cabeça para ver Alessio e o encontro olhando para mim
com a mesma preocupaçã o. Levo minha mã o até minha barriga e ergo
meu tronco.
— Aconteceu alguma coisa com o bebê? — Minha voz é tomada
de afliçã o e antes que eu possa me desesperar minha mã e balança a
cabeça.
— Vocês dois estã o bem, a médica veio aqui poucos minutos
atrá s. Está tudo bem, Zoey — garante.
Mantenho meus olhos em Alessio, receosa com sua presença.
Conheço o irmã o que tenho para saber que ele nã o está nenhum pouco
feliz com essa criança, e que ele preferia um aborto a me ver criar o filho
do inimigo.
— Você deveria considerar se cuidar mais, se quer mesmo gestar
essa criança. A médica disse que sua pressã o está baixa, e isso é
prejudicial tanto para você quanto pra isso na sua barriga. — Ele nã o
esconde o quanto nã o se agrada da minha situaçã o.
Acomodo minhas costas contra a cabeceira da cama, resoluta.
— Eu nã o me importo o quanto desaprove minha escolha,
Alessio. Isso nã o vai mudar minha decisã o. Você, Vittorio e nosso pai
podem estarem torcendo para que eu mude de ideia e opte por um
aborto, mas isso nã o vai acontecer.
Alessio passa a mã o pelo cabelo, respirando exasperado.
— Por quê, Zoey? Por que quer tanto uma criança de um homem
que só te usou como um pedaço de carne? Nã o existia qualquer respeito
entre vocês. Nã o venha me dizer que ele gostava de você.
— Nã o se trata dele, do que tive com ele. Essa criança nã o tem
culpa do que aconteceu entre o pai e eu, e ela nã o merece pagar por
nada. Se eu pudesse escolher, nã o teria engravidado, mas isso agora nã o
é uma questã o de arrependimento. Eu terei esse bebê!
— Sabe como essa criança será tratada pela organizaçã o? Todos
irã o vê-la como uma mancha no legado da nossa família, eles olharam
pra você e vã o ver a filha do Capo que foi casada com o inimigo mortal e
engravidou dele. Ninguém irá aceitar que essa criança circule pelo nosso
meio, Zoey.
Aperto o lençol, sorrindo com desâ nimo.
— Nã o se preocupe quanto a isso, irmã o. Nã o planejo
permanecer em Las Vegas, já nã o tenho mais nada aqui.
Essas palavras soam como bofetadas no rosto da minha mã e e ela
saem da minha boca antes que eu possa impedi-las.
— Zoey, como pode dizer isso? Nó s somos sua família, estaremos
do seu lado nã o importa qual seja sua decisã o. Se você quer esse filho,
terá meu apoio. — Ela olha de mim para Alessio com seriedade. — O que
essa criança precisa é de uma família, e ela terá ! Nã o me importo com o
sangue que corre nas veias dele ou dela. — Ela fita Alessio. — Isso
também nã o deve importar para você, ouviu?
Alessio respira fundo, silenciosamente, e sai do quarto deixando-
me com a nossa mã e. Ela se senta ao meu lado, seus olhos buscando os
meus e toda vontade que tenho de chorar é reprimida.
— Meu pai já sabe sobre a gravidez? — questiono, soando tã o
amedrontada quanto um cachorro encurralado.
Mamã e assente, apertando minha mã o.
— Onde ele está ?
Nã o consigo nã o sentir o pâ nico por nã o tê-lo visto nessa ú ltima
semana que passei no hospital, ele nem mesmo deu as caras e eu estava
morrendo de medo de perguntar o motivo.
— Seu pai foi em busca de satisfaçã o contra Nikolai. Ele quis
entender o motivo de terem usado ele como o mandante do assassinato
do pai do seu marido. Está tudo resolvido, ele volta para Las Vegas esta
noite.
Contenho a vontade de perguntar sobre Ibrahim, Vittorio disse
que ele fugiu. Eu mergulho na minha mente, repasso suas palavras, as
expressõ es e os momentos de conexã o que tivemos, e nã o encontro uma
forma de acreditar que ele um dia tenha me visto além do que uma
ferramenta de vingança e isso machuca.
Eu nã o podia deixar ele usar essa criança, tirar ela de mim, entã o
implorei a médica para que falasse que eu havia perdido quando, na
verdade, tudo nã o passou de um breve sangramento por esforço físico.
Fico lembrando do rosto de Ibrahim com a notícia de que eu havia
perdido e me sinto culpada, mas ao mesmo tempo aliviada.
Vou criar essa criança longe de confrontos e tudo ficará bem. Eu
vou ficar bem.
— Nã o imaginei que seria você a me dar o primeiro neto. —
Minha mã e sorri, colocando uma mecha do meu cabelo atrá s da minha
orelha. — Eu realmente nã o me importo com o pai dessa criança, se você
a quer, nó s daremos um jeito. O que nã o posso aceitar é perder você e a
oportunidade de te ver sendo uma mã e incrível.
Será que serei mesmo uma boa mã e? Já estou começando essa
gravidez privando meu filho de conhecer o pai.
— Obrigada, mã e. Eu preciso da senhora mais do que nunca
agora.
Minha mã e nã o sai do meu lado o dia inteiro, e até mesmo
quando Heather vem me visitar ela continua aqui. Os dois, Alessio e
Vittorio, parecem se revezar para manter a segurança do quarto, como
se eu estivesse sob ameaça, mas entendo suas presenças como uma
forma deles terem certeza de que estou em casa, de que estou bem.
Perto do começo da noite, meu pai entra no quarto, depois que
estou de banho tomado e sentada na poltrona. Heather e minha mã e
saem do quarto e eu ergo meus olhos hesitantes na direçã o do meu pai.
Absorvo seu rosto imparcial, os olhos brilhantes e sua postura
implacável. Nenhum de nó s se movimenta e eu fico em silêncio, sem
saber o que dizer a ele. Fico com medo de que pense o pior de mim, que
me ordene como Capo que eu tire esse bebê.
Sou uma decepçã o para ele em todos os sentidos agora. Me deixei
ser capturada, deixei-me ser envolvida pelo inimigo e até cogitei em
viver uma vida com ele, e tudo isso estaria acontecendo se nã o tivesse
descoberto a farsa por trá s do porque ele queria ficar comigo.
— Quando você era pequena, era mais apegada a mim do que a
sua mã e. Seus dois irmã os nã o conseguiam viver sem ela, mas você era o
contrá rio. Quando estava doente adorava ser ninada por mim, segurava
minha blusa com suas mã ozinhas pequenas e passava minutos me
olhando enquanto eu te dava mamadeira. — Ele sorri, enfiando as mã os
no bolso. — Chorava quando eu tinha que ir pra reuniõ es da Cú pula e
por vá rias vezes eu levava você para que sua mã e pudesse descansar. Eu
amei você desde o primeiro momento Zoey, e você me amou de volta.
Nunca consegui entender o porquê me queria tanto perto, porque só se
acalmava comigo e me olhava como se eu fosse o seu mundo. Caramba,
como eu adorava passar meus momentos com você. Sua mã e dizia que
eu acabaria estragando você, te dando o que me pedia, mas eu nunca
conseguia negar quando me olhava com tanta ternura enquanto
chamava por mim. Sua mã e foi meu primeiro amor, mas você, Zoey, com
certeza é o amor mais puro que eu tive na minha vida.
— Pai...
Ele fecha os olhos ao me ouvir chamar por ele.
— Quando eu recebi aqueles lençó is eu queria entrar em guerra,
eu quis acabar com o mundo, mas o ú nico pensamento de que um passo
meu colocaria você em risco acabava comigo e eu fiquei paralisado. Eu te
devo um pedido de perdã o pelas coisas terem chegado aonde chegaram
e por tudo que você passou. Eu só tinha uma missã o: proteger você, e eu
falhei. — Sua voz embarga e ele engole em seco antes de continuar. —
Passei a vida inteira matando e orquestrando vinganças, sendo o melhor
no ramo, e quando chegou o momento de proteger você, eu falhei. Nunca
vou me perdoar por isso. Nã o sei se vai chegar um dia que eu irei parar,
olhar para você e nã o ver o que fizeram com nó s dois. Você é meu
coraçã o, Zoey. Minha alma. E a machucaram. E porra, é tã o difícil
respirar sabendo disso, sinto como se fosse perder a cabeça a qualquer
momento.
Levanto-me da poltrona, caminhando em sua direçã o, com os
olhos marejados. Seguro seu rosto com minhas mã os, fazendo-o olhar
para mim.
— Me perdoe se eu o deixei pensar que nã o fez muito por mim.
Toda sua vida foi devotada a nossa família e por mais que eu nunca
tenha dito o quanto o admiro e sou agradecida por isso, eu quero que
saiba que eu sou. Eu nunca o vi como o monstro que todos falam e eu te
amo, pai. Amo tanto que estava morrendo de medo de ter te
decepcionado. Eu sinto muito, por tudo. Juro que tentei manter a
bravura que me ensinou durante toda minha vida, e fico feliz por ter
permanecido com ela até hoje. — Uma lá grima escorre pela minha
bochecha e me afundo nos braços do ú nico homem que eu sei que me
ama e me entende em todos os aspectos da minha vida. — Eu nã o o
culpo por nada, sei que estava lutando por mim e arriscou sua vida pela
minha. Sei de todos seus sacrifícios e a ú nica coisa que te peço é para
que nã o me peça para tirar meu bebê, pai. O senhor é o ú nico com esse
poder sobre mim.
Os braços do meu pai me envolvem firmemente e ele beija o alto
da minha cabeça, inspirando meu cheiro.
— Nunca, Ragazza. Vamos criar esse bebê, juntos. Se você quer,
eu também quero. Nã o vou perder minha filha duas vezes, passarei por
cima de todo meu orgulho, das minhas pró prias regras, mas eu nã o vou
perder você de novo, Zoey.
Me debulho em lá grimas, fungando contra sua blusa enquanto o
alívio toma todo meu corpo. Abraço meu pai, tã o apertado, como se ele
fosse desaparecer a qualquer momento.
— Obrigada. Obrigada, pai! — Agarro sua blusa, chorando de
alívio e agradecimento.
Nó s dois sabemos o quanto a aceitaçã o dele sobre meu estado
retira essa tonelada das minhas costas. A semana inteira eu estava
sufocada, pensando no pior, que me forcei a comer e beber. Finalmente
ter a luz verde da sua aceitaçã o sobre mim é o estímulo para eu seguir
em frente e alcançar minha felicidade.
Porque eu ainda posso ser feliz.
Minha mã e estava carregando meus dois irmã os na barriga
quando o mundo dela ruiu em pedaços, e adivinha, ela nã o morreu e
tampouco eu vou.
Sou uma Moreau. Uma divisã o de Kai Moreau e Marcella Rivera.
Eu nã o morro. Nã o me despedaço, nã o importa o preço que colocarem
nisso.
Estou pronta para enfrentar as opiniõ es e falató rios de toda a
organizaçã o. Se meu pai me aceitou, ninguém mais importa. Um dia,
tudo isso será fumaça no pedaço e eu darei a meu filho a melhor vida e
família que ele poderá ter.
Nã o preciso de Ibrahim Vassiliev. Onde quer que ele esteja, deve
estar festejando por ter conseguido fugir da fú ria dos Moreau e com o
tratado que tem com o meu pai, tudo que foi danificado na Bratva
voltará a ser erguido.
Meu pai me solta, fazendo carinho no meu cabelo e
permanecendo comigo no quarto mesmo depois que eu durmo. Ele
dorme na poltrona, e quando acordo no dia seguinte ele está aqui, com
meu café da manhã e uma revista de palavras cruzadas que resolvemos
juntos.
Com o passar dos dias a família se reú ne ficando mais presente.
Vittorio se mantém por perto e eu evito conversar com ele sobre
qualquer outra coisa. No fundo, eu sinto que o perdoei, mas um
ressentimento paira sobre nó s dois, assim como a culpa que ele sente.
Felizmente, ele nã o tem coragem de falar sobre eu interromper essa
gravidez, seria o fim da nossa irmandade.
Nosso pai e Alessio nã o sabem que ele está envolvido no que
aconteceu comigo, e nunca saberã o. Esse segredo morrerá comigo,
mamã e e Heather.
Em uma noite de primavera em Las Vegas, no meio dela, Alessio
me convida para visitar sua casa e a de Heather. Eles moram a poucos
quilô metros da mansã o Moreau, em uma casa com cercas brancas e um
jardim invejável.
A casa parece ter saído de um folheto primaveril e é aberta ao
jardim. Eles nã o têm vizinhos e criam um cachorro que me faz lembrar
de Mabi, a feroz cachorra que me defendeu como ninguém.
— Seja bem-vinda! Deixe eu pegar seu casaco… — Heather
parece energética. — Alessio inventou de fazer um peru recheado, ele
disse que você gosta. Eu fiz o purê de batatas… Você nã o está mais
vomitando, nã o é?
Balanço a cabeça, sorrindo. Ela respira aliviada e me conduz para
dentro da casa, onde o cheiro de comida preenche todo o espaço, eu
preciso conter o gemido de satisfaçã o que quase sai dos meus lá bios ao
sentir.
Vamos até a cozinha e meu irmã o está atrá s do fogã o, usando um
avental e mexendo na panela que está no fogã o, e isso me faz sorrir. Eu
nunca o vi tã o doméstico assim antes, muitas coisas parecem terem
mudado. Com Alessio, principalmente.
— Está com o mesmo cheiro do que a Justine prepara, nã o é? —
Sorri orgulhoso na minha direçã o e meu coraçã o se enche de alegria ao
vê-lo tã o cheio de vida.
— Onde aprendeu a cozinhar, Alessio?
Heather estala a língua.
— Ele nã o revela isso nem mesmo a mim, já perguntei a mã e de
vocês se ela sabia de onde veio tamanha aptidã o culiná ria e ela se
surpreendeu ao descobrir que o filho sabia cozinhar. — Ela caminha até
Alessio, encostando a lateral da cabeça no braço direito dele. — Esse é
um bom momento para você revelar de onde vieram seus dotes, querido.
Alessio sorri, claramente derretido com o contato da esposa.
— Vá tomar banho, mulher. O jantar ficará pronto daqui a poucos
minutos — diz ele, beijando a testa de Heather rapidamente.
— Zoey, se precisar de mim, é só gritar — fala, ficando nas pontas
dos pés para dar um rá pido selinho em Alessio, entã o ela corre pelas
escadas de serviço, para o segundo andar, deixando apenas meu irmã o e
eu.
Faz anos que nã o fico sozinha com Alessio, e nã o tenho boas
lembranças de quando nos encontramos a só s. Nas duas ú ltimas vezes,
fui visitá -lo no apartamento dele e ele estava inconsciente depois de
duas overdoses.
Eu me ressenti tanto dele, por querer se matar a viver sem
Heather, e hoje eu entendo a parte dele que buscava alivio na
inconsciência. À s vezes, é só dormindo que o peso do mundo para de
pesar.
— Heather disse que é você quem cuida de todas as flores do
jardim. Admito que nã o acreditei muito. Ser delicado nunca foi seu forte
ou o de Vittorio — comento, admirando as roseiras pela parede de vidro
da cozinha.
— Eu aprendi a ser, por Heather. Nenhuma mulher merece
conviver com um homem bruto, irmã . E sua cunhada tem se mostrado
muito feliz com meu jeitinho.
Sorrio com o tom delicado que ele usa no final, repleto de
sarcasmo.
— É realmente bom ver você feliz, Alessio. Sempre torci para ver
algo assim acontecendo com você. Entre nó s, você era o que mais
merecia.
Ele ergue os olhos para mim, apagando o fogo.
— Nó s três merecemos, Zoey. E você vai ser feliz também, terá
um filho. Eu sinto muito pelo que eu disse, nã o pesei seus sentimentos e
muito menos levei em consideraçã o que essa criança é importante para
você. Heather me fez entender. Me desculpe.
Balanço a cabeça, levando minha mã o até minha barriga de dois
meses, que já começou a ficar saliente. No ú ltimo exame descobrimos
que o bebê é grande e o sexo ainda continua um mistério. Heather está
convicta de que no pró ximo mês nó s iremos saber.
— E quando você e a Heather terã o um bebê também? Creio que
você queira, está desenhado na sua cara.
Alessio suspira, comprimindo os lá bios rapidamente.
— Eu quero, mas Heather ainda nã o está pronta. Ela quer se
concentrar mais no complexo médico, estudar e eu a apoio. O corpo é
dela e se tem algo que aprendi a respeitar foi as decisõ es dela. Entã o,
tudo no tempo que ela estipular.
Sorrio. É realmente bom ouvir isso. Quem era Alessio e o que ele
se tornou? Estou surpresa com tanta mudança.
— E quanto a você, o que quer fazer, Zoey?
Respiro fundo, me sentando à mesa, perto do balcã o. Tive duas
semanas para pensar nisso e cheguei à conclusã o de que nã o quero
permanecer em Las Vegas.
— Quero voltar a Zurique depois do bebê nascer. Provavelmente
nossos pais nã o gostarã o da ideia, mas nó s dois sabemos que o lugar
dele nã o é aqui. Ele é filho do inimigo, e nã o é porque o avô é o Capo que
irá se livrar dessa sentença.
— O lugar dele ou dela será onde quiser, Zoey. Eu nã o me importo
de levar qualquer pessoa que ouse julgar meu sobrinho pra conhecer o
inferno. Nenhum de nó s se importa com o bastardo do pai.
Nã o agora. Essa criança irá nascer e terá características de
Ibrahim e isso será difícil até para minha pró pria família, será um
lembrete para toda organizaçã o que eu traí a organizaçã o me casando
com o inimigo e tendo um filho dele.
Sei até onde os limites se encontram, e até onde vou submeter
meu filho ou filha.
Além de tudo isso, preciso do divó rcio para seguir minha vida
sem estar completamente ligada a Ibrahim. Nã o sei por onde ele anda, e
com toda certeza ele tampouco se importa de ter notícias minhas. Tudo
parece ter morrido naquele hospital.
Durante o jantar na casa de Alessio, Vittorio aparece, apó s nosso
irmã o mais velho chamá -lo. Os dois conversam como nos velhos tempos
e de onde quer que os dotes culiná rios de Alessio tenham saído, Vittorio
parece conhecer bem e Heather passa o resto da noite o alfinetando para
que ele revele.
Quando o jantar acaba, Vittorio e eu seguimos para casa de carro,
a ú nica coisa que ele diz é:
— Acho que deveria se casar com Edan.
Olho para ele, confusa:
— Do que está falando?
— É uma forma de manter você e essa criança protegidas. Edan é
um bom homem e te manteria distante de qualquer direito que Ibrahim
Vassiliev possa querer reclamar sobre você e a criança. Se casando com
Edan, você garante proteçã o para vocês dois.
Antes que eu passe na cara dele o ú ltimo arranjo de casamento
que ele me colocou, a voz se cala na minha cabeça ao pensar que
Ibrahim possa querer tudo de volta. Eu nã o penso e nã o planejo me
casar novamente, mas se minha ú nica opçã o for essa para manter meu
filho seguro. Eu farei.
​ lessio adora brincar com meu coraçã o. Ele extrai sangue de mim até
A
que eu sofra uma parada cardíaca, e entã o, ele me traz de volta à vida.
Repetidas vezes. Eu apago por um tempo desconhecido, e quando
recobro minha consciência estou deitado em uma cama de metal, dentro
de uma sala toda branca, com o par de olhos verdes satâ nicos me
fitando.
​— Isso está começando a ficar divertido. A cada vez que você morre,
passa mais tempo para voltar a vida. Na pró xima vez, pode ser que você
nem volte mais. Isso nã o é bom de se ouvir, brutamontes?
​Sim, é bom ouvir. Os momentos que passo apagado sã o os mais
prazerosos, mas quando ele me traz de volta sou absorvido pela agonia
da minha existência. Oro para que na pró xima vez meu coraçã o nã o volte
a bater. Eu nã o aguento mais. Estou cansado.
​Zoey, eu estou cansado. Eu não consigo mais.

Zoey

É​ uma menina. Meu bebê é uma menina e Heather fica mais feliz do que
eu. Ela abandona a má quina de ultrassom para pular de alegria pelo seu
pró prio consultó rio, comemorando o fato de que terá mais uma garota
Moreau no nosso ciclo. Minha mã e é toda sorrisos e meu pai pareceu
empalidecer e se sustentar na parede.
​ É uma menina! Mais uma mulher para o grupo. Uma mini Zoey ou

Marcella! Se ela puxar a mã e ou a avó será uma mulher foda!
​Sorrio, tentando desvendar no monitor como ela sabe que, de fato, é
uma menina, eu só consigo enxergar o relevo da minha bebê, e todos já
concordamos de que ela é enorme. Isso nã o é uma característica minha,
obviamente. Eu tenho a sensaçã o de que ela terá mais dele do que mim,
eu sinto isso de todo coraçã o.
​— Bem, isso será um motivo para eu envelhecer mais rá pido — meu pai
comenta.
​Minha mã e ri abraçando-o pela cintura.
​— Seu pai quase enfartou quando descobrimos que você seria uma
menina, e toda vez que alguém fazia uma piada sobre casar você com um
dos filhos deles, ele ameaçava o pobre coitado, sem brincadeira
nenhuma. Mesmo depois de você grande, nenhum homem era capaz de
chegar perto de você com medo do seu pai — mamã e relata, enquanto
meu pai limpa o suor da testa.
​— O senhor terá que se acostumar com isso, Capo. Eu espero que se eu
tiver um bebê também seja uma menina. Os homens dessa família sã o
peculiares demais para serem semeados.
​Meu pai limpa a garganta, passando os braços ao redor da minha mã e.
​— E quando exatamente você e Alessio vã o abrir a fá brica de fazer
meninas? Preciso começar a tomar remédio de pressã o quando isso
tiver início.
​— Você com certeza precisa de remédios, Kai. Mas nã o é pressã o, e sim
calmantes. — Mamã e olha para Heather. — Poderia prescrever o mais
forte que tiver. Ele anda tendo picos de energias insuportáveis para
qualquer ser humano aturar.
​Eu vejo o sorriso entre eles, o olhar e as bochechas da minha mã e corar
quando meu pai ergue a sobrancelha para ela. Heather estreita os olhos
e o silêncio preenche o espaço, até minha mã e começar a disfarçar a
tensã o sexual, saindo do consultó rio com meu pai logo atrá s chamando
por ela.
​— Meus picos de energia têm incomodado você, querida? Nã o escuto
muitas reclamaçõ es, pelo contrá rio… — diz ele, enquanto sai do
consultó rio, fechando a porta atrá s de si até sua voz desaparecer.
​Heather sorri, pegando um lenço para limpar o gel na minha barriga.
​— Eles ficaram mais unidos nos ú ltimos anos, estã o felizes no
relacionamento, e Marcella parece ter relaxado um pouco mais na
presença de Kai. Isso é bom de ser ver.
​Balanço a cabeça, concordando.
​— Meu pai fez por merecer, se ganhou uma nova chance da minha mã e,
isso significa que ele se esforçou por isso. Fico feliz por isso.
​Sento-me na cadeira ginecoló gica, baixando meu vestido enquanto
Heather desliga os aparelhos. Nó s duas nã o tivemos oportunidades para
conversar, sempre estamos cercadas pelos meus pais ou irmã os, e eu
sinto como se precisasse desabafar.
— Vittorio me aconselhou a casar novamente. Um casamento de
conveniência — conto.
Heather olha rapidamente para mim, com os olhos alertas.
— O que ele está planejando agora? Ter metido você nessa
situaçã o já nã o foi o suficiente?
Levo minha mã o até a barriga saliente, acariciando a
protuberâ ncia rígida e macia.
— Eu nã o vou me casar, foi apenas um pensamento dele. Ele disse
que Ibrahim ainda tem direito a mim e ao bebê comigo casada com ele.
Vittorio me aconselhou a procurar o divó rcio, e me casar para que eu
possa registrar a bebê no nome de outro homem, para mantê-la longe do
pai verdadeiro. Nã o foi uma ideia ruim, tenho medo de que ele descubra
que nã o abortei a criança e venha exigir os direitos dele. Ele é capaz
disso.
Heather me olha com atençã o.
— Ele teria direito a criança, mesmo com ela registrada no nome
de outra pessoa, um simples exame de DNA provaria que ele é o pai. Seu
casamento com outra pessoa só dificultaria o processo. Em todo caso,
nã o acho que deveria fazer isso e sei que nã o vai. Ele fugiu e nã o deu as
caras até agora. Se houvesse o mínimo de preocupaçã o ele teria te
procurado, algumas coisas sã o melhor esquecidas. Você terá uma filha
linda e viverá feliz com ela, isso é tudo que importa.
Aquiesço.
— Espero ver você hoje à noite na mansã o. Recebi um folheto
com apartamentos em Zurique.
Heather sorri.
— Claro que estarei lá . Tenho alguns atendimentos no restante
do dia, mas a noite estarei livre.
Me despeço dela depois de pegar mais uma receita
de vitaminas e sigo para a saída do complexo. Meus pais foram embora
primeiro e deixaram um carro me esperando, junto a Edan, que está
cuidando de mim desde que voltei a circular pela Camorra. Nó s dois nã o
nos falamos além do essencial, ele é fechado e sempre na dele. Estou
caminhando para a saída, quando uma senhora esbarra, derrubando
todos os papeis que estavam nas mã os dela.
— Meu Deus, onde estou com a cabeça? Mil perdõ es, senhorita!
Eu paraliso ao ouvir o sotaque na voz dela, olho para a saída,
onde Edan está me esperando, e depois para a senhora que está
abaixada no chã o, olhando para mim, com os lá bios articulando a
palavra banheiro.
Meu primeiro pensamento é de que Ibrahim finalmente deu as
caras, depois de 3 meses e o peso desse pensamento me faz querer
dissolver na terra, antes que ele chegue perto da minha filha.
— Terceira cabine no banheiro feminino. — A senhora que
esbarrou em mim diz enquanto sai como se nada tivesse acontecido.
O pâ nico parece tomar conta do meu rosto, assim como minha
respiraçã o fica presa na minha garganta, e meus batimentos disparam.
Edan parece notar isso de longe e se aproxima de mim com o rosto
analítico.
— Está sentindo alguma coisa? — inquire, analisando todo meu
rosto.
Balanço a cabeça, negando.
— Preciso ir ao banheiro, pode me esperar do lado de fora do
complexo. Nã o vou demorar.
Minha voz soa o mais firme possível, mesmo com todo meu corpo
tremendo e vacilando a cada passo que eu dou em direçã o ao banheiro.
Eu deveria estar fugindo, indo para qualquer lugar, menos para essa
armadilha, mas eu conheço Ibrahim, sei que ele nã o vai desistir até
conseguir falar comigo. Nessa altura, ele já deve saber que nã o pedi o
bebê e veio aqui exatamente para me levar com ele, só que dessa vez
nã o.
Levo minha mã o até minha bolsa, ao lado do meu corpo,
segurando o cabo da adaga guardada ali, disposta a ir até o fim dessa
histó ria se for preciso, para que eu tenha paz. Ele já conseguiu me levar
sob os olhos dos homens do meu pai, mas dessa vez, eu nã o vou
cooperar. Se veio atrá s da filha, ele terá que escolher entre sair daqui
vivo ou morto, mas de jeito nenhum com nó s duas.
Entro no banheiro, com meus batimentos cardíacos ressoando
em meus ouvidos e minha mã o firme na adaga dentro da bolsa. No
momento que a porta se fecha atrá s de mim, e o banheiro vazio me
recebe, uma porta se abre e estou pronta para o pior.
Mas nã o é Ibrahim.
É o homem mais velho, de cabelo preto e olhos acinzentados que
sempre estava ao lado dele. O conselheiro.
O nome dele. Eu nã o me recordo.
​Os olhos do homem baixam para minha barriga de quatro meses que
nã o deveria estar tã o grande, mas devido a minha altura e o tamanho do
bebê pareço estar com mais meses do que realmente tenho.
​— Puta merda, ele sabia que você estava grávida? — Sua voz é cheia de
espanto e ele fita minha barriga, como se fosse uma assombraçã o. —
Quantos meses?!
​Aperto o cabo da adaga, sem baixar minha guarda.
​— O que você quer aqui?
​Sua sobrancelha arqueada se movimenta e ele exala com força.
​— Ele nã o sabia que você estava grávida, se soubesse, nã o teria se
entregado mesmo que você nã o o quisesse perto dessa criança. O filho é
dele, tenho certeza disso — fala consigo mesmo, enquanto anda de um
lado para o outro pelo banheiro.
​— O que veio fazer aqui? — questiono mais uma vez com a voz
inflexível.
​ s olhos cinza do homem sã o julgadores em mim, é como se ele me visse
O
como um ser humano desprezível.
​— Estou aqui por Ibrahim, vim libertá -lo e preciso da sua ajuda, nã o é
possível que você seja uma mulher tã o rancorosa a ponto de deixar seu
pai e irmã os continuar torturando-o . Já faz três meses e nã o tenho
mesmo uma ú nica notícia. Se ele foi morto, quero saber pelo menos
onde está o corpo.
​As palavras me pegam desprevenida e eu franzo o cenho, dissecando o
que ele acabou de dizer.
​— Ibrahim fugiu do meu irmã o meses atrá s, ele nã o está sob a custó dia
da Camorra.
​Os olhos do homem assumem um brilho opaco, e ele abre a boca
rapidamente, assimilando minha ignorâ ncia quanto ao assunto.
​— Você nã o sabe — afirma.
​Fico em silêncio, com o cenho franzido, confusa com o que está se
passando nesse banheiro. O moreno parece se munir de esperança e se
aproxima de mim.
​— Ibrahim se entregou ao seu pai três meses atrá s, ele foi trazido para
Las Vegas, mas nã o tenho notícias e nem sei onde o colocaram. Ele pode
estar morto, ou nã o. Você precisa me ajudar a descobrir.
​Ibrahim se entregou ao meu pai? Por que ele fez isso depois de fugir? A
pergunta é respondida antes que eu me esforce muito para pensar. Ele
foi atrá s dos tios.
​Todo esse tempo meus pais e irmã os estava em posse de Ibrahim e
agiram como se ele estivesse longe e nem mesmo fico revoltada sobre
isso, mas fico com sentimento de peso com a constataçã o de que eles
podem ter matado o pai da sobrinha deles, nã o que isso importe para
nenhum deles, mais vale Ibrahim morto do que vivo para eles.
​(...)
​ u repasso todos os locais que meus irmã os e pai usam como câ mera de
E
tortura, desconhecendo a maioria delas, mas sei quem pode saber.
Quando a noite chega e toda a família se reú ne para comemorar a
descoberta do sexo do bebê, eu espero por uma oportunidade de
conversar com Heather.
​Observo meu irmã o mais velho por toda a noite, assimilando seus
sorrisos e comparando o Alessio, homem de família, com o Alessio
assassino e ditador. Meu irmã o é conhecido como carrasco, todos os
desertores e traidores da organizaçã o têm medo de cair em suas mã os e
acabar sendo torturados por ele.
​Eu ouvi muitas histó rias de como ele drenava todo o sangue do corpo de
suas vítimas, até que elas morressem secas, sem nem mesmo uma gota.
Depois, ele desmembrava o corpo e servia de comida aos cachorros da
mansã o, ou mandava os pedaços para a família e é por isso que eu sei
que Ibrahim está vivo. Pode nã o estar bem, mas vivo, sim.
​Se Alessio o tivesse matado, a Bratva teria recebido os pedaços dele, e a
Camorra entraria em comemoraçã o. O silêncio é um indicativo de vida,
mesmo que nã o possa ter certeza de que exista um bom estado físico
que Ibrahim possa se encontrar e isso faz com que eu sinta minha
garganta fechada.
​Espero Heather sair do banheiro, depois de esperar um momento dela
longe de Alessio, e quando ela sai eu a puxo pelo braço e a levo até meu
quarto.
​— O que foi? — pergunta, alarmada.
​Minhas mã os estã o trêmulas e minha atençã o divergindo entre ela e a
porta.
​— Você precisa me ajudar a encontrar Ibrahim Vassiliev.
​As írises bicolores se expandem e ela fica tensa. Porra, ela sabia que ele
estava sendo torturado esse tempo todo? É claro que sabia, ela dorme
com meu irmã o!
​— Por que quer ajudá -lo depois de tudo o que ele fez, Zoey? Ele nã o
merece sua misericó rdia.
​Balanço a cabeça.
​— Nã o. Ele nã o merece. E nã o estou fazendo isso por ele. — Olho para
Heather com toda tensã o que circula pelo meu corpo. — Nã o posso
deixar Alessio matar o pai da minha filha. O que eu direi a ela quando
perguntar sobre o pai? Como vou olhar para minha filha e permitir que
ela conviva com o homem que matou o pai dela? Ibrahim nã o merece
misericó rdia, mas ele recebeu uma segunda chance graças a essa criança
que está dentro de mim. Nã o estou pensando em ninguém além dela,
entã o Heather, como tia e minha melhor amiga, eu imploro para que me
ajude a encontrá -lo.
​Heather fica em silêncio, com os olhos bicolores inexpressivos, até
baixarem para minha barriga, ela engole em seco, lutando contra me
ajudar e trair seu marido, libertando o prisioneiro. Sua decisã o nã o é
tomada por mim, e sim pela bebê. Ela quer que Alessio tenha contato
com a sobrinha e que nã o carregue o título de assassino.
​— Eu irei ajudar, Zoey. Mas saiba que estará por sua conta e risco
libertar esse homem e lidar com as consequências. Ele nã o vai te deixar
em paz e ainda exigirá a criança. Seus pais, e nem mesmo Alessio
poderã o intervir nisso, entã o se quer mesmo libertá -lo, pense bem esta
noite, e me encontre amanhã no final da tarde no complexo.
​ u ouço os batimentos cardíacos do bebê quando caio na inconsciência e
E
até mesmo quando me sobra alguns minutos lú cido. Eu o ouço
preencher toda a sala branca e a imagem daquele pequeno pontinho no
ultrassom aparece em minha mente, como se eu estivesse revivendo
aquele momento, e é nisso que encontro um pouco de fô lego. Uma
pequena alegria para me manter longe da dor, enquanto Alessio e
Vittorio brincam com meu corpo. Eles estã o me quebrando de diversas
formas. Estou deitado na maca, nu, desde o dia que eu cheguei. Um ano
atrá s?
​Nã o faço ideia.
​Nã o consigo me mover, a ú nica parte do meu corpo que se mexe em mim
sã o os meus olhos, o resto do meu corpo só parece existir quando
Vittorio joga á gua gelada ou quando Alessio entra com o choque.
​Acho que meu corpo retalhado de cicatrizes nã o tem um propó sito para
ele. Nã o sei por quanto tempo eles irã o perdurar com esses joguinhos,
mas enquanto estou vivo, eu penso no filho que eu ia ter. E em diversos
momentos eu penso na mulher de olhos solares, que vagueia pela minha
mente como um farol no meio de um mar escuro.
​Eu esqueci o nome dela, mas nã o seu rosto. Minha mente está se
quebrando, mas as lembranças felizes que tive ao lado dela nã o. Poucas
coisas sã o reais agora, mas ela é a prova de que eu tive uma vida. De que
algo feliz aconteceu comigo.
Zoey

​ u tenho apenas uma noite para fazer meu cérebro pensar da mesma
E
forma que o do meu pai. Elaboro pensamentos que ele teria se fosse
soltar um dos seus prisioneiros, mesmo sendo ele seu inimigo. O homem
que me criou nã o pensa só nas vantagens, ele também pensa no preço
que a outra parte pagará por receber um indulto dele. Nos meus 24 anos
de vida, foram raras as vezes que ele fez um acordo com alguém.
​E as chances dele aceitar o meu sã o rasas, ainda assim, eu prefiro fazer
isso sobre o conhecimento dele do que agir por suas costas. Espero o dia
amanhecer e ele sair da ala dele, e quando ele me encontra o esperando,
nã o evita o olhar de surpresa.
​— Aconteceu alguma coisa, Ragazza?
​Balanço a cabeça, sentindo seus olhos fazendo um raio-x através de mim.
​— Preciso de um minuto. Podemos ir ao escritó rio?
​Suas sobrancelhas se unem rapidamente e ele assente, gesticulando para
que eu caminhe na sua frente. Sigo escadas abaixo, até entrar no local
onde era o lugar mais seguro da casa e para onde eu corria quando
queria ficar com o meu pai.
​— É sobre a compra do seu apartamento em Zurique? Nã o precisa se
preocupar com isso, basta escolher o que quiser.
​Espero ele contornar a mesa e se sentar na sua cadeira, aperto o tecido
do meu vestido e me fortaleço de uma confiança que vem das
profundezas do meu ser. Nã o é por Ibrahim. Isso é pela minha filha.
​— Ibrahim Vassiliev está sob o poder de Alessio há três meses.
​Meu pai nã o esboça nenhuma reaçã o e também nã o fala nada. Ele fica
em silêncio esperando que eu termine de falar.
​— Liberte-o, por favor. — Minha voz nem mesmo fraqueja, mas quando
meu pai estreita os olhos eu sinto uma angú stia tomar meu peito. —
Como vou poder criar minha filha ao redor dos homens que serã o
responsáveis pela morte do pai dela? Eu nã o quero mais nenhum
contato com Ibrahim Vassiliev, e farei de tudo para ele nã o ter alcance
sobre minha filha, mas nã o posso virar as costas e permitir que o senhor
e meus irmã os acabem com a vida dele.
​ eu pai parece uma rocha, ele nã o exibe nenhuma expressã o e isso me
M
remete a Vittorio. Minha ansiedade aflora e eu me mantenho firme. Um
dos desafios de ser uma Moreau é enfrentar outro membro com o
mesmo sobrenome; somos pessoas desafiadoras, intensas e
imprevisíveis. Uma conversa pode acabar em um abraço ou com uma
adaga fincada no peito.
— Eu temi que fosse ouvir isso de você, mas imaginei que fosse
acontecer. Sua mã e me alertou com o mesmo pensamento que você está
tendo. — Ele estica o pescoço para o lado, respirando fundo — Eu matei
meu primo, pai, tio e irmã … É uma lista macabra e pecaminosa.
Adicionar o pai da minha neta nela nã o seria nada, mesmo eu sendo
proibido de tocar em um só fio de cabelo dele por um acordo de sangue.
Engulo em seco, colocando minhas mã os no encosto da cadeira à
minha frente.
— Pai, nã o estou pedindo isso como esposa dele, e sim como sua
filha. Nã o deixe que meus irmã os derramem o sangue de Ibrahim que é
o mesmo que minha filha tem. Nã o condene o nascimento dela com uma
morte, nã o quero que um dia ela descubra o que aconteceu com o pai
dela se ele chegar a morrer. — Respiro fundo, sentindo o peso do futuro
acerca da minha filha. — Um dos motivos pelo qual quero criar ela longe
da organizaçã o é para que nã o lembre a ela o que aconteceu comigo, eu
nã o vou poder esconder ela da verdade o resto da vida, mas eu garanto
que eu a protegerei e se for necessá rio que eu minta, eu farei isso.
— Você está disposta a deixar que o homem que te fez mal
chegue perto dessa criança, conviva com ela? Todos nó s sabemos que ele
nã o vai parar quando descobrir que você nã o perdeu o bebê.
O tom de voz dele nã o é acusador, e muito menos repreensor.
Meu pai está conversando comigo com paciência, como se estivesse
querendo que eu tivesse ciência de tudo.
— Se ele quiser fazer parte da vida da filha, ele poderá . Eu nunca
irei tirar isso dela, a menos que isso coloque sua vida em risco. Lutarei
contra ele, se for preciso, mas eu quem farei isso, pai. Chega de lutar por
mim. De vingança. Liberte-o. Acabe com todo esse transtorno e deixe
que a vida siga o rumo dela. — Balanço a cabeça, desfazendo os
pensamentos intrusivos que dizem que enfrentar meu pai por Ibrahim é
traiçã o. — Estou cansada, pai. Eu só quero viver em paz com minha filha,
longe de tanto ó dio e represá lias. Nossa família precisa voltar a ser o que
era antes, teremos uma nova criança e assim como o senhor se renovou
no nascimento dos meus irmã os e no meu, faça isso pela sua neta. Pode
fazer isso por mim? Pela sua Ragazza?
Os olhos da mesma tonalidade dos meus cintilam com um brilho
ávido. Ele nã o fala nada, apenas gesticula para que eu saia e eu espero
que isso seja um sim. Eu sei que é, resta saber como Alessio irá reagir a
isso, mas nem ele irá contra a ordem do nosso pai.
Entro em contato com Vadim como disse que faria, e no final da
tarde, ele se encontra comigo e com Heather no complexo. Edan nã o está
por perto, dispensei todos os homens que deveriam fazer minha
segurança e meu pai nã o foi contra isso sabendo o que eu faria hoje.
Heather dirige para um prédio de três andares, perto dos limites
da cidade, Vadim vem nos acompanhando com o carro logo atrá s.
Nenhuma de nó s duas falamos nada e pelo rosto dela, percebo que nã o
está nenhum pouco feliz por estar fazendo isso. Se eu pudesse pedir isso
a outra pessoa, eu, com certeza, faria.
O prédio nã o tem segurança nenhuma e os primeiros andares
parecem estar caindo aos pedaços. Subimos as escadas até o ú ltimo
andar, onde uma porta de metal pertencente a um frigorífico está e
quando Vadim encara a porta eu vejo uma raiva crua exalando de suas
íris.
Heather abre a porta sem esforço algum, como se ela tivesse
acostumada a fazer isso diversas vezes e eu me pergunto se Alessio a
traz aqui e o quanto isso parece perturbador. Ele nã o deveria manter a
esposa longe da parte sombria dele? Mas o relacionamento dos dois nã o
parece nenhum pouco convencional.
Vadim entra na sala e a primeira coisa que vejo sã o paredes
brancas e cortinas de plá sticos por toda parte. O ambiente é congelante,
estéril e tã o limpo como poderia ser.
— Puta merda! — Ouço Vadim xingar antes de correr para o meio
da sala, Heather o acompanha e eu fico parada.
Meu estô mago sofre um golpe e eu tenho vontade de vomitar.
Meu corpo é abraçado pelo frio e meus lá bios tremem ao ver Ibrahim…
O que restou dele.
— Ibrahim? Ibrahim, está escutando? Inferno, ele está morto?!
Heather se debruça sobre o corpo nu em cima de uma maca de
metal e checa os sinais vitais dele, correndo para pegar uma bolsa de
sangue.
— A pulsaçã o está fraca, ele está entrando em choque por falta de
sangue. — Ela verifica as bolsas de sangue na geladeira, pegando uma
depois de olhar o ró tulo. — Qual é o tipo sanguíneo dele?
Vadim está começando a se desesperar a cada vez que olha para
Ibrahim.
— O negativo. Ele vai ficar bem, nã o é? O que diabos fizeram com
ele aqui?
Heather fica em silêncio, se concentrando em encontrar um
acesso no braço dele para começar a levar o sangue até o corpo dele.
De onde estou, eu só vejo a lateral do corpo de Ibrahim e isso é o
suficiente para que emoçõ es esmagadoras e uma pressã o incapacitante
tome conta do meu corpo. Esse nã o parece ele. Tudo nesse homem
parece cadavérico, até a cor do seu cabelo parece ter sido apagada. O
Ibrahim forte, absoluto e cruel nã o passa de um corpo sem vida, com seu
conselheiro tentando trazer ele de volta.
E eu estou com medo.
Um medo paralisante que me faz querer chorar por vê-lo nessa
situaçã o. Por que ele se entregou a isso? Ele devia ter continuado
fugindo, nunca ser pego… Eu teria preferido que ele fosse pra longe.
Lentamente, eu me aproximo da maca, tremendo a cada passo.
Meu coraçã o bate forte em meu peito, enquanto sou açoitada por uma
espécie de culpa por Ibrahim estar desmaiado na marca, respirando de
forma rasa e gelado como uma pedra de gelo. Procuro um cobertor para
cobrir sua nudez e levo minha mã o até a sua, que perdeu grande parte
da sua massa muscular.
— O pulso está ficando mais forte — Heather comenta, com seu
dedo na jugular de Ibrahim.
O efeito é imediato, assim que o sangue entra na sua veia. Ele
abre os olhos, piscando contra as luzes e Vadim respira aliviado. Seus
olhos estã o desfocados, opacos e ele nã o olha para nenhum de nó s, seus
olhos se fixam no teto, enquanto sua boca seca parece balbuciar palavras
incompreendidas.
— Ibram? Está me ouvindo? Sou eu, Vadim. Vou te tirar daqui,
chefe. — Ele olha para Heather — Quando posso mover ele?
— Deixe ele receber a transfusã o primeiro, e depois pensamos
nisso.
Ele está tã o pá lido, é como se nã o tivesse nenhuma gota de
sangue no corpo dele. O corpo cheio de cicatrizes perdeu grande parte
da sua massa muscular e Ibrahim parece apenas uma fumaça da grande
fogueira que foi um dia.
Três meses.
Três malditos meses e eu nã o sabia de nada.
— Nã o vou esperar mais um minuto nessa câ mera de morte, vou
levar ele daqui! — Vadim abre espaço entre Heather e eu, nos
empurrando para erguer um homem de quase dois metros de altura em
seu ombro.
Um gemido baixo sai dos lá bios de Ibrahim fazendo meu peito se
comprimir. Assisto Vadim sair com ele da sala e meus pés estã o indo
juntos quando as mã os de Heather me seguram pelo braço.
— Pense na sua filha, se for com ele pode ser capaz de nã o criar
ela. Nenhum de nó s sabemos o que ele irá querer fazer depois que se
recuperar.
Engulo em seco, sentindo a sala fria congelar minhas lá grimas na
minha bochecha. Sinto-me como se tivesse sido cortada em diversos
pedaços, com sangue vertendo do meu corpo. Eu olho para Heather e a
ú nica coisa que consigo perguntar é mais um motivo para que eu sinta
meu espírito se quebrar em angú stia.
— O que Alessio faz nessa sala?
(...)
Eu passo na minha cabeça, como uma fita sendo rebobinada, tudo
o que aconteceu naquela sala. Quando fecho meus olhos, é Ibrahim que
vejo, em um estado de morte que me faz lembrar da primeira vez que o
vi, das nossas discussõ es e nos ú ltimos dias que passamos juntos.
Por um breve período de tempo eu achei que nó s dois
poderíamos dar certo, e o rancor que senti nos ú ltimos meses parecem
bobo, comparados ao fato de que enquanto eu estava feliz com a
gravidez, escolhendo apartamentos e roupas para nossa filha, ele estava
sendo morto, só para meu irmã o ter o gosto de ressuscitá -lo novamente,
drenando o sangue até que ele entrasse em parada cardíaca.
Eu sabia da crueldade dos homens da minha família, mas ver de
perto nã o me preparou para o trauma que desencadeou na minha
mente. Em momento nenhum desejei algo assim a Ibrahim, nem mesmo
quando achei que ele estivesse bem.
Já se passou um mês desde que ele foi libertado e eu nã o tenho
notícias, o que me deixa ansiosa, mas ciente de que ele está bem, se algo
tivesse acontecido a notícia já teria se espalhado. Estou ciente de que ele
está se recuperando, e que se Vadim contar que continuo grávida, é só
uma questã o de tempo para ele buscar seus direitos.
É por isso que antecipei minha viagem para Zurique e fiz minhas
malas. Encontrei um apartamento perto do centro da cidade e de um
hospital, minha mã e se ofereceu para me acompanhar, mas neste
momento eu preciso ficar sozinha. Longe até mesmo da minha família.
Nos ú ltimos cinco meses fui bombardeada com mais informaçõ es do que
seria natural e se eu nã o estivesse tã o firme com a minha gravidez, eu
nã o teria aguentado o baque.
Alguém bate na porta do meu quarto duas vezes, antes dela se
abrir, eu me surpreendo em ver Vittorio. Ele e Alessio passaram os
ú ltimos dias me evitando, e eu a eles.
— Já organizou tudo — observa, vendo minhas malas por todo
quarto.
Balanço a cabeça, assentindo. Ele nã o entra por completo no
quarto, fica encostado na porta, avaliando o territó rio.
— Você nã o precisa ir embora, se o problema for a minha
presença, eu voltarei para Filadélfia logo. Nã o podia voltar enquanto
você nã o estivesse bem, e agora que tudo parece estar se resolvendo, é a
hora de ir.
Vittorio parece acuado, o que é algo inusitado.
— Nã o. Nã o estou indo embora por causa de você. Estou indo
embora porque quero uma vida diferente, em um ambiente novo. Nã o
tenho rancores contra você, Vittorio.
Ele nã o parece convencido disso.
— Tudo o que aconteceu com você foi culpa minha, Zoey. Todo o
inferno que você passou e eu nunca vou pedir perdã o por isso, nã o
tenho esse cinismo depois de tudo. Se eu nunca vou ser capaz de me
perdoar, quem dirá você.
Respiro fundo, me sentando na cadeira de balanço que meu pai
colocou ali. Cinco meses de gravidez e pareço estar perto de dar à luz
devido ao tamanho do bebê que está me cansando, e fazendo-me sentir
como um saco de batatas ambulantes.
— Nã o vou viver no passado, Vittorio. Sim, foi você quem me
colocou nisso, mas nã o foi proposital, nem mesmo você podia saber o
que aconteceria comigo. Parei de culpar você há muito tempo, isso nã o
me levou a lugar algum, nã o consertou nada. Você é meu irmã o e sei que
isso vai te consumir pelo resto da sua vida, entã o nã o cabe a mim
atormentar você. Deveria começar a se perdoar também, Vittorio. O que
passou, passou e só o futuro pode reparar o que aconteceu.
Seus olhos verdes descem para minha barriga, onde minha mã o
descansa, algo brilha nos seus olhos, com uma espécie de afeto distante.
— Eu espero que seja feliz, Zoey. O mínimo que posso fazer por
você é te apoiar. Qualquer que seja a decisã o que tomar daqui para
frente, conte comigo.
— Eu sei disso, Vittorio. Obrigada.
Ele assente, mantendo os olhos sérios em mim por mais alguns
segundos antes de sair do quarto.
Minha mã e sobe para me ajudar a terminar de arrumar as malas,
principalmente as coisas da bebê. Em uma manhã de junho, cinco dias
perto do aniversá rio do meu pai e irmã os, eu vou embora para Suíça,
escolhendo essa data com o intuito de fugir da atençã o que minha
família ganha nessa época do ano com o aniversá rio do Capo e dos filhos.
Minha mã e escolheu uma das mulheres do complexo que ela
cuida para me acompanhar e cuidar de mim quando ela nã o estiver por
perto. Sendo assim, quando chego em Zurique tenho a companhia de
uma mulher com o dobro da minha idade, com treinamento de defesa
pessoal, mesmo que seja ó bvio que meu pai colocou pessoas para ficar
de olho na minha segurança.
Os dias em Zurique sã o calmos, dou pequenas caminhadas e
tomo café na varanda do meu apartamento. Converso com Keena, a
minha companhia, e durante uma conversa nó s duas falamos sobre o
nome da bebê que eu ainda nem pensei em um.
Ela elabora uma lista com nomes afortunados e eu rio de todos,
mas durante a noite eu tento chegar a um consenso com a minha bebê,
que adora chutar minha barriga e me deixar desconfortável com ela
tomando todo o espaço dentro de mim. Eu adoro conversar com ela, ela
sempre responde com seus chutes certeiros na minha bexiga e na maior
parte das noites nã o me deixa dormir, porque acha meu corpo muito
pequeno para ela.
Ao entrar no sexto mês de gravidez, eu decidi sair com Keena
para a feira de frutas, perto do apartamento, mesmo com a minha coluna
me matando. Keena se distancia para colocar as sacolas em algum lugar
seguro enquanto eu fico perto de uma barraca de maçã , devorando uma.
A manhã está transcorrendo bem como todos os dias, mas algo
está diferente. Me sinto ansiosa, vigiada e quando olho ao redor nã o
demoro em ver de onde vem essa sensaçã o.
Poucos metros de mim, o homem, com dois metros de altura e
com o corpo colossal, está me olhando de forma dura. Os olhos azuis
cravados na minha barriga e ele nã o parece nenhum pouco contente. Eu
sofro um choque ao vê-lo depois de tanto tempo e encontrar no seu
rosto a fú ria crua que me recordo bem e me paralisa.
Eu vacilo, deixando a maçã na minha mã o cair e quando dou um
passo para trá s, ele caminha na minha direçã o e com poucos passos sua
mã o segura meu pulso.
Os olhos azuis tempestuosos me fitam, como se eu fosse uma
ladra.
— Para onde pensa que vai com meu filho na barriga, sua mulher
cruel? O jogo de gato e rato acabou. Eu te peguei, esposa, e você nã o vai a
lugar nenhum com nosso bebê!
​ que eu posso falar que faça essa fú ria nos olhos dele desaparecer?
O
Como eu posso sequer tentar lutar contra seu aperto firme no meu
braço e sua força me arrastando entre a multidã o, para algum lugar onde
eu nã o consigo enxergar o perímetro, tudo que vejo sã o pessoas abrindo
espaço e pouco se importando com um homem de dois metros de altura,
de peso considerável e um rosto austero, levando uma mulher com
menos da metade do tamanho dele, e ainda grávida.
​Este momento parece muito com um sequestro e ninguém está fazendo
nada. Um dos motivos de eu ter me mudado para cá foi justamente pela
receptividade dos habitantes, mas claramente foi um equívoco meu, eu
deveria ter ido para Sicília.
​— Para onde está me levando? — questiono Ibrahim, com um fio de voz,
sentindo seu aperto intensificar no meu braço a ponto de eu fazer uma
careta de dor.
​— Você nã o tem direito a perguntas.
​Direto e rancoroso. Eu mereço isso. Era só uma questã o de tempo para
ele descobrir que a bebê está viva e nã o justificando sua ira, eu a
entendo. Mas de jeito nenhum vou aceitar que só eu tenho culpa disso,
as coisas teriam sido bem diferentes se ele tivesse sido sincero comigo
desde o começo.
​Ibrahim entra em um prédio de tijolos, me levando escadas acima, mas é
demais para mim. Eu estou grávida de um bebê gigante e meu
condicionamento físico se tornou medíocre. Eu paro de subir os degraus,
me encostando na parede fria enquanto me curvo para recuperar meu
fô lego. Ibrahim lança um olhar na minha direçã o, um vinco de
preocupaçã o se formando na sua testa, antes dos seus olhos
endurecerem.
​Antes que eu possa gritar de surpresa, meu corpo é erguido pelos braços
fortes de Ibrahim ao redor das minhas costas e atrá s dos meus joelhos.
Como se eu nã o estivesse pesando nada, ele me carrega escadas acima e
me encho de gratificaçã o ao ver que os três meses de tortura nã o
deixaram danos aparentes.
​Ele recuperou uma grande quantidade de peso, e sua força parece a
mesma, mas isso só dura até chegamos ao terceiro lance de escadas e eu
o senti ficar cansado.
​— Eu posso andar, me coloque no chã o — digo suavemente, na tentativa
de nã o irritá -lo, porém tudo em mim parece incomodar Ibrahim.
​— Se quer ajudar com algo, feche a porra da boca. Seu peso nunca foi um
problema para mim, e tampouco será agora.
​Quero reforçar que estou sentindo seu peito subindo e descendo com
dificuldade, mas me sinto acuada pelo tom ríspido na voz dele. Eu nã o
deveria. Ibrahim só está colhendo os frutos das suas decisõ es, ele
também ia tirar o nosso filho de mim, me usando apenas como
incubadora.
​Ele tem todo direito de estar com raiva, assim como eu tive o direito de
decidir esconder essa gravidez dele, optando pelo melhor que achei ser
no momento.
​Ibrahim abre a porta de um apartamento e entra comigo nos braços, me
colocando sentada em cima de um sofá vermelho. Ele vira as costas,
passando os dedos pelo cabelo loiro, que estã o maiores do que eu me
lembrava, descendo a mesma pela barba, que está por toda bochecha e
queixo.
​Ele nã o parece ter se cuidado nos ú ltimos meses, mesmo depois de ter
sido liberto.
​— Com qual direito você mentiu para mim sobre ter perdido nosso
filho? — Sua voz é carregada, pesada e ele nã o está olhando para mim.
​ u engulo em seco, sentindo a gravidade entoada nas palavras ditas pela
E
primeira vez em voz alta.
​— Com o mesmo direito que você pensou em me usar como uma
incubadora e tirar minha filha de mim, me devolvendo ao meu pai e a
usando como uma garantia de poder.
​Ibrahim se vira na minha direçã o, ansioso. Os olhos azuis estã o
brilhando, faiscando com um sentimento limpo de curiosidade.
​— Filha? É uma menina?
​Balanço a cabeça, afirmando, e ele passa a mã o pelo rosto, tomado com
um sentimento protetor e orgulhoso, e desde o momento que nos
reencontramos eu vejo a fú ria ser apaziguada, contudo, isso só dura por
dois minutos. Quando Ibrahim volta a olhar para mim, seu rosto está
expressivo, voraz, como se ele estivesse vendo em mim sua inimiga
mortal.
​— Eu ia morrer e ela viveria no mundo sem mim. Sem a porra do pai
dela para protegê-la! Você ia tirar de nó s nosso direito de pai e filha. —
Ele se aproxima de mim, ameaçador. — Ia deixar minha filha ser criada
pelos meus assassinos, os assassinos do pai dela! Você foi cruel. Achei
que fosse diferente dos seus irmã os, mas o mesmo sangue podre que
corre nas veias deles nã o difere nenhum pouco em você, nã o é?
​Eu fico parada no sofá , consumida pela fú ria dele, que é como uma
lâ mina na minha pele, cortando sem piedade. Fecho meu rosto em uma
má scara de calma, mesmo que eu esteja fervendo por dentro.
​— Eu nunca deixaria que meus irmã os matassem você, nem mesmo
sabia que você estava preso. Passei três meses acreditando que estava
em algum lugar do mundo, vivendo a sua liberdade e orquestrando seu
pró ximo trunfo contra a Camorra, porque nã o importa se isso foi uma
questã o de vingança ou nã o, você gostou de ver meu pai se curvando,
cedendo e como conseguiu uma vez, poderia conseguir de novo. —
Procuro respirar devagar para nã o explodir de vez. — Deve ser bom
estar interpretando o papel de vítima novamente, nã o é, Ibrahim? Você
sempre é a vítima! O pobre coitado que teve os pais mortos e agora
quase perdeu a chance de ser pai por causa de mim!
​ Nã o venha com joguinhos de manipulaçã o, Zoey! Você sabe que está

errada, sabe o tamanho da merda que fez mentindo para mim e ainda
quer encontrar um contexto onde sua narrativa se enquadre?! Me faça o
favor!
​Me levanto do sofá , com todas as minhas emoçõ es fervendo em brasas
acordadas depois de meses entorpecidas. Eu encaro Ibrahim com
chateaçã o, ressentimento.
​— A narrativa só se torna favorável quando se trata de você me
enganando, prometendo a terra e o céu para mim, quando estava me
enganando para que eu tivesse essa criança, você a tomasse de mim e
depois me mandasse de volta para minha família? — Sorrio sem humor
algum. — Você ligou para o meu pai e prometeu me devolver quando eu
tivesse a minha filha, disse que nã o seria um problema se desfazer de
mim desde que me convencesse a nã o causar problemas a você! — Meu
peito queima de ressentimento e eu cuspo as palavras com toda raiva
que senti, desde que ouvi tudo o que ele planejou pelas minhas costas.
— Ia tirar meu direito de ser mã e. De escolher ser a mã e dela e me
mandar embora no momento que eu a colocasse para fora! E você ainda
quer me perguntar com qual direito eu menti sobre essa criança ter
morrido? — Estou sem fô lego e meus olhos queimam com lá grimas que
nã o quero derramar.
​Ibrahim está parado, com a mandíbula trincada e os olhos gélidos. Ele
também parece estar queimando, mas, ao contrá rio de mim, o fogo que o
queima é frio como gelo.
​— Você deu a entender que nã o queria gestar essa criança. O que queria
que eu fizesse? — questiona com a voz baixa, contida e rouca.
​— Eu também mostrei o quanto a queria quando me deixei ser
enganada por você, me deixei ser convencida de que poderíamos ter
uma vida juntos e me deitei com você uma vez atrá s da outra,
celebrando um futuro que só existiu na minha cabeça. Enquanto eu
pensava em superar tudo, você elaborava mais um ataque. Durante
aqueles dias na cabana em que te aceitei do jeito que você era, que me
deixei ficar vulnerável e rolei com você na cama… Isso continuou dando
a entender que eu nã o queria a família que iríamos ter? Provavelmente,
sim. Você ligou para o meu pai no dia seguinte, apó s temos feito sexo,
nã o deu nem tempo de limpar seus vestígios de mim antes que você já
estivesse me traindo e me entregando de volta.
​O rosto de Ibrahim assume uma má goa e uma lá grima solitá ria escorre
de um só olho meu, a qual limpo rapidamente. Sorrio de amargura e
ressentimento, enquanto falo as palavras que assombram minha cabeça
desde o primeiro dia que ele me usou.
​— Era só o que eu tinha entre as pernas que você queria. Sempre usando
até se sentir saciado e me descartando como se eu nã o fosse nada além
de uma embalagem. Para você, eu nunca tive sentimentos, e até mesmo
minha dor era excitante para você. É tã o cruel que iria continuar se
deitando comigo enquanto me enganava e já tinha me negociado. — Me
aproximo dele.
​Fico tã o perto que sinto o calor do seu corpo e ele ficar rígido com
minha aproximaçã o, ouço ele trincar os dentes e ficar abalado.
Mantenho um sorriso triste nos lá bios, cheio de autocomiseraçã o.
​— No final, a ú nica coisa que me diferenciava de uma das suas
prostitutas era uma certidã o de casamento e o fato de que, pelo menos
com elas, você nã o precisava foder como se quisesse matá -las.
​Quando sinto que minhas lá grimas vã o cair, eu viro as costas depois de
externar tudo o que minha mente sussurrou para mim, desde que
comecei a adquirir sentimentos por ele. Caminho até uma das janelas,
piscando uma vez atrá s da outra para espantar as lá grimas. Meu peito
está oco. Sinto como se finalmente tivesse drenado minhas forças e
sentimentos.
​Ibrahim fica dolorosamente em silêncio, só comprovando minhas
palavras e alimentando a certeza que era só uma hipó tese, é que eu
esperava que, no fundo, com uma maldita e boba esperança, que ele
fosse negar.
​Como posso ser tã o tola?
​Preciso apoiar minha mã o na parede para nã o me deixar cair com
tamanha pressã o que sinto no peito. Procuro respirar fundo e isso só faz
com que o buraco no meu coraçã o se expanda, e isso é tudo culpa minha
e da esperança boba que criei.

— Vou providenciar para que suas coisas venham para esse
apartamento, quero ficar perto de você até a bebê nascer. — Sua voz
polida só abre ainda mais a ferida que nem começou a cicatrizar.
​— Nã o. Nã o vou morar com você e nem me desfazer dos planos que fiz.
​— Vai me proibir de acompanhar sua gravidez? De ser pai da minha
filha? — Ele realmente parece aflito, e bravo, mas a primeira impressã o
só deve ser coisa da minha cabeça fodida.
​Recobro um pouco do meu fô lego, me virando na sua direçã o com as
minhas mã os na barriga em busca de conforto nos chutes que a bebê
começou a dar. Acho que é pedido para que eu me acalme, estou fazendo
mal a ela sentindo toda essa angú stia.
​Fito os olhos de Ibrahim, apagando qualquer expressã o dos meus olhos.
​— Quando quiser me visitar é só ligar, tirarei um dia para mostrar todos
os exames e evoluçõ es que perdeu da bebê, mas nunca apareça sem
aviso ou me aborde na rua. Eu nã o quero ter nenhum contato além do
necessá rio com você, e se for possível, vamos formalizar o divó rcio antes
que ela nasça.
​Algo se quebra no olhar de Ibrahim, deixando-0 vulnerável, atingido. E
ele continua estancado no lugar, como um soldado caído. Mas essa
aparência nã o vai mais despertar minha compaixã o, eu nunca mais
sentirei nada parecido com isso sobre ele.
​— Eu vou levar você de volta, nã o acho que esteja bem para caminhar
sozinha nessas condiçõ es.
​Ele faz mençã o de vir na minha direçã o, mas eu desvio meus olhos dos
dele, erguendo minha mã o para repelir qualquer contato entre nó s dois,
enquanto caminho para a saída sem olhar para trá s.
​ s palavras dela continuam ecoando pelas paredes de tijolos, mesmo
A
horas depois dela ir embora. Elas me fazem companhia, me
assombrando enquanto permaneço sentado por horas a fio no sofá ,
vendo o dia se transformar noite, em um estado quase vegetativo.
Repito, disseco, catá logo e separo as sílabas de cada palavra que saiu
como sangue de uma ferida aberta.
​Penso em como os olhos dela estavam brilhando de má goa, em como as
lá grimas estavam sendo desafiadas a nã o abandonarem os olhos… Nã o
houve fraqueza, Zoey derramou em cima de mim todos os seus
fantasmas sobre nosso relacionamento e eu, como um idiota, nã o
conseguir articular nenhuma só palavra. Foi um baque tudo aquilo que
saiu da boca dela, eu nã o deveria estar surpreso porque em poucos
momentos juntos, eu nã o demonstrei qualquer afeto por ela, mas nã o
consigo deixar de pensar que Zoey se sinta tã o inferior. Eu nã o consigo
aceitar que eu a fiz sentir assim.
​Eu vi o quã o humilhada ela se sentiu, vi os danos que causei nela acabar
com sua dignidade perante meus olhos horas atrá s e eu nã o fui capaz de
dizer nada, como eu poderia? Fui eu quem a fez se sentir como se ela
nã o tivesse valor, que seu corpo era a ú nica coisa valiosa nela.
​Ainda assim, fico me perguntando como ela nã o percebeu a força com
que chegou na minha vida. Estou surpreso e perturbado, porque na
minha mente, Zoey sabia o tamanho da influência que tinha sobre mim,
em como eu posso rastejar se ela pedir. Ela é meu norte. Minha musa. E
se aguentei esses três meses com vida foi justamente porque eu tinha
esperança de que a teria de volta.
​Minhas noites insones se resumem a pensar nela, relembrar seus olhos,
sua pele, o calor e o cheiro que vive em mim como um vício feliz. No
ú ltimo mês que passei me recuperando dos danos causados ao meu
corpo, eu tracei diversos planos para voltar pra ela, enlouquecendo com
os momentos distante e mesmo quando comecei a odiá -la, quando
Vadim deixou escapar que ela estava grávida, e eu comprovei sua
mentira de ter perdido o bebê, eu ainda ansiava por ela.
​Zoey Moreau é como meu coraçã o batendo fora do peito. É feroz, intenso
e a distâ ncia me deixa ansioso. Poderiam se passar mil anos, eu poderia
viver mil vidas diferentes, mas eu nunca seria capaz de descrever o que
sinto por ela. É algo que queima, nã o como brasas de fogo, mas como
gelo. É similar ao inverno rigoroso com apenas uma lareira para se
aquecer, sem roupas.
​E ela vai ter uma filha minha.
​Uma menina.
​O fogo da lareira parece ter ficado mais forte e eu nã o consigo deixar de
pensar em como eu desisti quando me entreguei a Kai Moreau.
​Eu ia morrer sem conhecer a minha filha. Sem saber da existência dela e
pensar nisso nos ú ltimos dias tem me feito ter um começo de um ataque
de pâ nico.
​Graças ao gosto doentio que Alessio tinha em me matar e trazer de volta
a vida, desenvolvi uma arritmia e por passar mais de três minutos sem
pulso, ganhei alguns danos neuroló gicos, que, segundo meu médico,
explica a perca de memó ria a curto prazo e meu desligamento em
momentos de estresse.
​Já nã o sou o mesmo que era há quatro meses, meu físico e emocional
precisaram passar por uma situaçã o de merda dessa para poderem
funcionar direito. Claro, o meu coraçã o e cérebro nã o. É um milagre eu
nã o ter sofrido um derrame ou morte cerebral, e eu vejo isso como uma
segunda chance.
​ iquei tã o cheio de fú ria em descobrir que Zoey mentiu sobre o aborto,
F
que peguei o primeiro voo para Zurique e estava disposto a confrontá -la,
mas nã o esperava que fosse eu ser a pessoa a ficar sem palavras quando,
na verdade, eu tinha muita coisa a falar.
​Queria olhar nos olhos dela e descobrir como ela foi capaz? Eu nunca
teria tentado tomar nossa filha dela, mesmo que tenha dado a entender
isso. Quando liguei para Kai e negociei entregar Zoey, eu nã o estava
falando a verdade, eu só queria que ele parasse de mandar seus homens
em busca dela.
​Apó s ter pego Zoey em Las Vegas e levado para a cabana, ativei
novamente a ira de Kai Moreau e seus filhos, e eles usaram tudo o que
tinham para irem atrá s de Zoey. Destruindo lugares de importâ ncia para
mim. Entã o, eu arrisquei e blefei, e claramente, isso se voltou contra
mim e agora estou sentado há horas em um sofá , com vista para o centro
de Zurique, pensando em como estive perto de perder a coisa mais
valiosa da minha vida.
​Uma menina.
​Ela será tã o bonita quanto Zoey, espero que ela tenha o mesmo sorriso e
eu irei me apaixonar duas vezes.
​Levanto do sofá , apó s as seis da manhã , vendo o sol ameno iluminar a
cidade e o som dos transeuntes e de carros pela rua. Tomo um banho
gelado, visto uma roupa fresca e saio do apartamento sem me alimentar.
Estou ansioso demais para pensar em me cuidar, eu só quero ver Zoey e
assimilar seu novo corpo.
​Ela está tã o linda com aquela barriga, tã o majestosa e iluminada que
aumenta minhas certezas de que ela nunca esteve tã o linda como agora.
Cruzo as três ruas que separa o meu prédio do dela, caminho entre os
pedestres parando em uma barraca de frutas para comprar laranjas
frescas, nã o quero chegar de mã os vazias e adoraria fazer um suco para
Zoey.
​Sã o 8:00 da manhã quando anú ncio minha chegada na recepçã o e ouço
uma breve hesitaçã o da cuidadora de Zoey para me deixar subir. Me
pergunto se está cedo demais. Zoey dormia o dia inteiro no início da
gravidez, será que isso continua?
​ ato na porta do apartamento e leva menos de um minuto para que ela
B
seja aberta por uma loira de olhos castanhos puxados. Ela precisa erguer
o rosto para encontrar meu rosto e o que vejo na sua expressã o nã o me
cativa, ela parece está me avaliando como um inimigo.
​— Zoey está terminando de tomar banho. Pode entrar e esperar na sala.
— Abre espaço para que eu entre.
​Adentro o apartamento pequeno e confortável, procurando por alguma
memó ria registrada da gravidez. Qualquer foto de Zoey com a gravidez
começando a ficar evidente, eu quero saber o que perdi, as mudanças
pelo qual seu corpo passou.
​Nã o encontro nenhuma foto.
​— Você já preparou o café da manhã dela? — pergunto a loira, que
suspira alto e se apoia no balcã o, me olhando como um gaviã o.
​— Ela gosta de tomar o café da manhã na padaria no final da esquina,
temos uma rotina de acordar, nos arrumar e ir até lá . A caminhada faz
bem para ela.
​Estreito os olhos, contendo um suspiro. Ela nã o precisa mais sair de casa
para tomar café, vou cuidar disso desde agora. Zoey quase nã o estava
aguentando caminhar ontem, e está se cansando muito rá pido. Claro, ela
precisa fazer atividades físicas, mas vou cuidar disso de outra forma.
​— Faz muito tempo que ela está no banho? — inquiro.
​— Ela acabou de entrar, vai levar um tempo até que saia. Zoey costuma
tirar esse tempo da manhã para o autocuidado, entã o pode esperar
sentado.
​Nã o preciso nem fazer esforço para saber que essa loira nã o gosta de
mim. Coloco a sacola de papel no balcã o da cozinha e saio sem dar
explicaçõ es. Acelero meus passos quando estou na rua para chegar à
padaria para comprar pã o integral fresco e depois vou a uma mercearia
comprar ovos, e frutas como mamã o e maçã . Compro queijo para ir
juntos com os ovos e adiciono mais ingredientes ricos em fibras.
Volto para o apartamento carregando sacolas e recebo um olhar
confuso da loira. Evito qualquer tipo de contato com ela e encontro
sozinho os utensílios que vou utilizar para fazer tudo.
Levo cerca de 40 minutos e nada de Zoey aparecer, só quando
estou pondo a comida na mesa que o aroma dela enche a sala e eu viro o
rosto em direçã o ao corredor, vendo-a com um vestido branco fresco e o
cabelo ú mido caindo por um lado.
— Que cheiro é… — Ela interrompe sua fala quando olha para
mim colocando os pratos na mesa.
A mais pura surpresa cruza seu rosto e sua boca se abre
rapidamente, sem sair nenhum som. Nó s dois nos encaramos com
surpresa, a minha, obviamente, é por estar fascinado com o que estou
vendo.
Ela está tã o linda com essa barriga.
Nã o tem um só defeito nela. Quero me ajoelhar e beijar todos os
centímetros de pele expostos antes de ir para a barriga.
— Sente-se. — Puxo uma cadeira, terminando de servir os ovos à
mesa — Acabou de sair do fogo. Comece pelo leite, é bom para acordar
nossa filha.
Zoey pisca, continuando parada como se estivesse vendo uma
alucinaçã o. Limpo a garganta, fazendo um gesto com as mã os para que
ela se mova e ela parece voltar a si. Andando como se todo seu corpo
estivesse alerta, ela se senta na cadeira que estou segurando e ergue os
olhos para a loira que está no sofá assistindo toda a cena.
— Você disse que ele viria, entã o deixei que entrasse, mas se
quiser eu o tiro daqui. — A loira de olhos puxados fala e Zoey balança a
cabeça.
— Tudo bem, Keena. Venha comer também.
— Nã o, obrigada. Vou até a padaria, se você permitir.
Zoey assente para ela, parecendo implorar a mesma com os olhos
para que ela nã o a deixe sozinha comigo, e caramba, isso me incomoda.
Sou tã o horrível assim?
Percebo o desespero dela quando a porta se fecha e nó s dois
somos englobados pela presença um do outro. Zoey desvia os olhos dos
meus, e sirvo a ela um copo de leite, um prato de ovos mexidos com
queijo, torradas e outro com frutas fatiadas.
Ela nã o fala nada. Simplesmente fica calada sem me olhar, presto
atençã o apenas nos seus movimentos de pegar a comida com o garfo e
levar a boca. Ignorando completamente minha presença.
— Eu posso me sentar e tomar café da manhã com vocês? —
pergunto.
Ela assente e eu puxo uma cadeira à sua frente, me servindo do
que preparei. Acabo percebendo que Zoey e eu só compartilhamos uma
refeiçã o juntos uma vez, antes de eu mandá -la de volta para Las Vegas e
isso parte meu coraçã o.
Trato de observar a quantidade de comida que ela ingere, sempre
descendo meus olhos para a barriga redonda, que parece maior do que
deveria ser.
— Você já escolheu um nome para ela? — questiono.
Zoey leva o copo de leite até a boca, balançando a cabeça em
negaçã o.
— Eu posso escolher?
Finalmente ela ergue os olhos para mim, surpresos e receosos.
— Qual nome tem em mente?
Desço meus olhos para barriga, tentando nã o sorrir ao pensar no
nome e em como ele se enquadra a essa garotinha crescendo dentro de
Zoey.
— Mavie.
— Ma Vie? Como “minha vida” em francês? — instiga, baixinho.
Concordo.
— Essa criança me trouxe de volta à vida, acredito que nó s dois.
Nã o tem um nome melhor para ela, nã o é?
Zoey fica em silêncio, assimilando e sua expressã o se suaviza,
brotando um leve sorriso nos lá bios, enquanto ela experimenta o nome,
levando a mã o até a barriga em uma espécie de aprovaçã o.
Quando terminamos o café, eu coloco tudo na lava-louça,
enquanto Zoey reú ne tudo o que tem da nossa filha dentro do quarto
dela. Eu sigo para o corredor, parando na porta de um quarto de bebê,
branco com detalhes rosas, com todos os mó veis ainda para montar.
Tudo está empilhado e as sacolas estã o por toda parte.
Zoey se senta com dificuldade em uma cadeira de balanço, com
um á lbum nas mã os junto ao celular. Ela percebe meu olhar na barriga e
nos movimentos dela, e logo explica.
— Ela é grande para o meu corpo. A médica disse que nã o há
chances de eu ter um parto normal.
— É doloroso ter ela aí dentro?
Zoey tenta encontrar uma posiçã o confortável e isso responde a
minha pergunta.
— Nã o é tã o ruim, mas eu certamente nã o quero engravidar
novamente de um bebê desse tamanho. Minhas costas doem o tempo
inteiro e ela vive chutando minha bexiga nã o me dando tempo de chegar
ao banheiro, à s vezes.
Estreito meus olhos.
— Você com certeza vai engravidar de novo, e se todos herdarem
os meus genes, será doloroso, mas isso nã o significa que vamos encerrar
em uma criança só . Eu quero ter mais. Mavie precisa de irmã os.
Ela ergue os olhos com uma expressã o dura neles e eu me
condeno por ter soado tã o autoritá rio e possessivo, ela claramente nã o
gostou.
— Nó s nã o iremos ter mais filhos juntos, Ibrahim. Qual parte do
eu querer o divó rcio você nã o entendeu ontem?
Cerro meu punho, permanecendo com o olhar na minha mulher.
— A ú nica forma de nos separarmos é com a minha morte, e
mesmo morto eu viria te procurar. Nosso casamento nã o começou com
um fim estipulado. Quando você se tornou minha, aceitou o fato de
continuar me pertencendo pelo resto da sua vida, esqueça o divó rcio,
Zoey. Isso nã o vai acontecer.
Seus olhos brilham com frieza e ela balança a cabeça, abrindo um
sorriso curto de desdém.
— Você acha mesmo que vou querer algo com você depois de
tudo? Nã o se engane, Ibrahim. O que sempre vai nos ligar é essa criança,
mas apenas ela. Eu nã o quero mais você como meu parceiro ou marido.
Neste momento eu só queria distâ ncia, mas nã o posso fazer isso porque
você é o pai da minha filha.
Eu me mantenho no meu lugar para nã o perder o controle para o
desespero e a chateaçã o que suas palavras me causam.
— Que pena que isso nã o seja seu desejo, mas tenho uma
péssima notícia para você: nã o vou dar o divó rcio! Quer ficar distante de
mim? É uma pena também, eu nã o vou a lugar algum! Mavie terá os pais
juntos, nã o importa o que eu tenha que fazer. Você é minha esposa, Zoey.
A porra do amor da minha vida e por mais machucada que esteja, nã o
pode ser tã o cega para nã o enxergar que eu te amo com todas as fibras
do meu corpo. — Abro meus braços, sem fô lego com tantos sentimentos.
— Olha para mim, para os meus olhos e diz que nã o existe amor aqui
para você. Eu te amei desde o primeiro dia, fui incapaz de te odiar
quando eu deveria ter feito isso. Se eu tivesse te odiado, talvez as coisas
fossem mais fá ceis do que te amar, porque nã o tem um dia que eu nã o
sinta como se fosse morrer porque você nã o está ao meu lado. Nã o tem
um ú nico maldito dia que eu deixe de pensar menos em você e desejar
sua presença. Quero compartilhar tudo. Minha alegria, tristeza e até
mesmo meus fracassos. Quero me curvar diante de você e te exaltar
como nunca fiz e quero isso desde o momento que coloquei meus olhos
em você.
Caminho até ela, me ajoelhando na sua frente, levando minhas
mã os até sua barriga macia e dura, sentindo-a ficar tensa com meu
toque. Eu a fito com amor, devoçã o e desespero.
— Te amei tanto que te fiz acreditar que eu te odiava e queria te
matar. A intensidade dos meus sentimentos foi sentida, mesmo que da
forma errada. Sabe a força com a qual achou que eu queria destruir
você? Aquilo nã o era sobre ó dio, era sobre eu querer morrer por me
sentir tã o devoto a você. — Meu peito sobe e desce em uma velocidade
opressora e eu preciso segurar as coxas dela para controlar o tremor nas
minhas mã os. — Quando eu te olhava, era incapaz de pensar em outra
coisa além do quanto eu a queria. Até hoje eu sinto necessidade por você
e me entreguei ao seu pai porque preferia morrer a passar um dia sem
te ter. Sou doente por você, Zoey Vassiliev. Tenho orgulho por ser minha
esposa e morro de felicidade quando recebo migalhas suas. É s a minha
deusa, mulher. Minha musa e eu vou venerar cada pedaço seu pelo resto
da minha vida.
Levo minhas mã os até seu rosto, sentindo Zoey se afastar do meu
toque com os olhos espantados e petrificados diante da minha explosã o.
Encosto minha testa na sua, afundando meus dedos no seu cabelo,
mesclando minha respiraçã o pesada com a artificial dela.
— Por favor, me deixe beijá -la. Eu preciso disso tanto quanto eu
preciso de oxigênio agora. Passei os ú ltimos meses desejando tocar
meus lá bios nos seus, Zoey… Por favor, esposa…
Estou prestes a ignorar se sua resposta é um sim ou um nã o, mas
antes que eu faça isso, Zoey se ergue da cadeira sem esforço algum, me
deixando desorientado e faminto. Eu levanto junto com ela, prestes a
avançar na sua direçã o quando ela ergue as mã o com a expressã o
decisiva.
— Nã o! Fique onde está , porra! — Ordena e meu corpo obedece
ao seu comando. Fico parado no meio do quarto, com a respiraçã o
ofegante e a fome e necessidade correndo pelas minhas veias.
Zoey vira de costas, passando a mã o pelo cabelo.
— Se me ama tanto quanto diz e quer que eu acredite nisso, me
dê o divó rcio. Nã o aguento mais um minuto com o pensamento de que
você pode querer me possuir porque estamos casados. — Ela se vira
para mim, inexpressiva. — Vou dar entrada nos papéis, você só precisa
assinar. Nã o quero nada seu. Assine e eu vou acreditar que realmente me
ama.
Rosno.
— Eu te amo, e é por isso que nã o vou me divorciar de você. Se eu
deixar você ir embora, nã o vai mais voltar e eu nã o quero assistir esse
filme de novo, Zoey. Eu nã o tenho forças. Prefiro perder um braço ou
uma perna a ter que te perder de novo.
— Você me perdeu! — grita, alterada — Você me perdeu meses
atrá s com suas mentiras! O que havia entre nó s dois acabou, Ibrahim! O
que está fazendo agora é me torturar e eu vou enlouquecer!
— Entã o seremos dois, porque nã o aceito viver sem você e nã o te
dar o divó rcio mostra o quã o desesperado eu estou, porque prefiro você
casada comigo, ligada a mim por uma certidã o de casamento que me
diga que você é minha esposa, do que viver em um inferno sabendo que
você pode encontrar outra pessoa, que nã o terá nada além da nossa filha
que possa manter você na minha vida. — Balanço a cabeça, perturbado.
— Nã o posso, Zoey. Me perdoe, mas eu nã o posso viver em um mundo
onde estamos divorciados.
Ela puxa os cabelos, frustrada e agoniada. Balançando a cabeça
como se eu fosse uma ideia perturbadora, ela me manda embora. E eu
vou, apenas para voltar amanhã e deixar claro que em nenhuma versã o
da sua vida Zoey irá se ver livre de mim. Sou um maldito filho da puta
doente. Nã o sou capaz de viver sem ela e o simples pensamento de que
ela nã o quer nada comigo me faz ter vontade de colocar fogo no mundo.
Porra!
​ u preciso esperar cerca de 30 minutos para me levantar da cama
E
quando acordo e isso é uma das muitas coisas que me enchem de
chateaçã o. Nã o ser capaz de me equilibrar direito, andar duro e ter
problemas para segurar as coisas também se incluem nisso. Alessio
fodido Moreau deve estar feliz agora, e eu o subestimei junto aos seus
métodos de tortura.
Levanto da cama à s 7:00 da manhã e sigo para o banheiro, onde
travo mais uma luta para colocar pasta de dente na escova e até mesmo
segurar a escova sem sentir minhas mã os tremerem; respiro fundo,
lembrando da paciência de Vadim quando tudo isso começou e por mais
que eu odeie depender de outras pessoas, tenho que admitir que nã o ter
Vadim por perto é um saco.
Aquelas palavras motivadoras dele tiveram um certo efeito, e
estou começando a precisar delas toda vez que penso que nã o serei
capaz de segurar minha filha sem o risco de derrubá -la. Isso me
perturba e eu preciso mandar esse pensamento para as profundezas do
meu ser.
Visto uma roupa fresca que oculta as cicatrizes do meu corpo e
sigo para o apartamento de Zoey, convicto de que hoje nã o teremos
nenhum motivo para discutir. Nã o quero estressá -la e nem colocar Mavie
sob esse sentimento. Faltam apenas quatro meses para o nascimento,
até lá , Zoey e eu teremos que aprender a conviver sem querer matar o
outro.
Pego o elevador até o quarto andar, recebendo um olhar
espantado do porteiro novo, que me olha da cabeça aos pés como se eu
fosse uma figura inusitada. Nã o estranho o olhar. Nã o existem muitas
pessoas com mais de 2 metros de altura andando tã o livremente por aí.
Bato na porta e quando ninguém vem me receber, eu forço a
maçaneta, me surpreendendo por estar aberta. A sala está limpa e em
silêncio, sem a presença inquisidora da cuidadora de Zoey. Verifico as
horas do reló gio da parede, me certificando de que Zoey já esteja
acordada e se preparando para tomar café.
Estou pronto para começar o café da manhã , mas sinto a
necessidade de verificar Zoey e saber se ela acordou bem, entã o sigo
para o corredor a passos curtos e quando estou entre o quarto dela e o
banheiro, começo a ouvir gemidos profundos, baixos e necessitados.
Imediatamente vou até a porta, e antes que a abra eu diferencio o
tipo de gemido e esse que está vindo do banheiro nã o é de dor. Engulo
em seco, cerrando meus punhos e prendendo minha respiraçã o,
inclinando meu pescoço para que eu possa ter certeza.
O som é abafado, mas claro. Eu jamais confundiria os gemidos
dela. Sei quando é de dor e quando está envolvido de prazer. E esse que
raspa sua garganta e engloba o espaço é manhoso, um pedido por mais…
Sem qualquer barulho, eu giro a maçaneta e abro a porta devagar,
tendo a visã o de uma Zoey com os olhos fechados e a cabeça arqueada
para trá s dentro da banheira, com a mã o em um esforço longo para
alcançar sua carne e essa imagem envia ondas de prazer para o meu
corpo; acorda o que estava adormecido desde que nos separamos e eu
preciso travar no lugar para nã o reagir a imagem, contudo, é impossível.
A imagem dela dentro da banheira cheia de espuma, com a
barriga saliente amostra, a pele molhada e pá lida brilhando e o cabelo
preto para trá s, enquanto a boca está aberta e os olhos apertados…
Consigo ver tudo através do espelho em frente a banheira. Vejo a luta
dela para alcançar a carne sensível, a barriga está dificultando e os
gemidos de prazer se misturam aos de frustraçã o.
Ah, minha Zoey. É para isso que estou aqui.
Caminho até ela com a boca seca e os olhos cheios de luxú ria,
totalmente envenenado pela visã o e perto da perda do meu controle.
Meu pau roça contra a calça jeans e eu mantenho minha respiraçã o
controlada.
Sento na borda tã o silenciosamente que ela nã o nota minha
presença, concentrada, com os olhos fechados e a boca aberta em busca
de alcançar o á pice. Porra…
Desço meus olhos da sua garganta, ondulando até os seios cheios
e expostos, com auréolas rosadas. Caralho, os peitos dela estã o enormes.
E a barriga dela… Zoey está magnífica, ainda mais do que era e eu quero
muito louvar a ela como a minha deusa.
Mergulho minha mã o na á gua, cobrindo minha mã o na sua
intimidade, sentindo os dedos pequenos dela no seu clitó ris e dentro de
si, Zoey arregala os olhos espantada, prendendo a respiraçã o.
Seus olhos nublam ao me ver e antes que ela diga algo, eu tiro sua
mã o do meu trabalho e traço uma carícia no seu pontinho inchado.
— Shii, deixe que eu faço. Precisa de pressã o, assim, querida. —
Pressiono meu dedo no seu clítoris ouvindo um suspiro longo saindo da
boca de Zoey, circulando com a mesma pressã o.
— E-eu nã o dei permissã o para você entrar aqui. — Sua voz é
estrangulada, desesperada e antes que ela pense demais, eu introduzo
um dedo dentro do seu canal ensopado, sendo recebido por um aperto.
Porra. Nó s dois prendemos nossa respiraçã o e Zoey fecha os
olhos, abrindo a boca em um gemido surdo. Suas mã os agarram a borda
da banheira e ela abre mais as pernas e minha vontade é de entrar
dentro com ela, me livrar das minhas roupas e fazer o trabalho com meu
pau dolorido, mas isso é gostoso. Ver ela se contorcendo de prazer,
incapaz de fechar a boca e abrir os olhos.
Mantenho pressã o com movimentos circulares no seu monte de
nervos, coloco e retiro o dedo de dentro dela, a sentindo dilatar, e pedir
por mais que um dedo. Entã o, introduzo outro e ela grita, arqueando as
costas.
Estou sem ar e com o peito queimando de desejo, eu baixo minha
testa e encosto a minha na dela. Zoey captura meu pescoço, suas unhas
na minha carne, e seus gemidos ficam mais fortes a cada movimento
rá pido que faço dentro dela.
Zoey me segura como se estivesse na beira do abismo, e eu uso
minha outra mã o livre para segurá -la pela lateral do corpo, para que ela
nã o escorregue dentro da banheira.
— Ahhhh! — O anú ncio do orgasmo é como mú sica para os meus
ouvidos e suas unhas rasgando a pele do meu pescoço, é um maldito
gosto bom.
Quero passar mais tempo com o toque dela, dentro dela, mas
porra, ela está tã o perto e ela quer tanto isso.
— Amor, você quer gozar? — Minha voz é rouca, quase animal.
Zoey aprofunda suas unhas e puxa os fios de trá s do meu cabelo.
— Ibrahim… — clama.
— Ok, vou te fazer gozar forte, mas seja uma boa menina e me
deixe ver seus olhos se entregando.
Ao invés de se afastar, ela me surpreende quando cola seus lá bios
nos meus em um beijo quase terno se nã o fosse a situaçã o atual. O beijo
me acende. Um toque de fogo em uma pele gelada e eu fecho meus olhos,
mantendo os ritmos das minhas carícias.
Zoey movimenta seus lá bios ú midos nos meus, afundando seus
dedos no meu cabelo, me puxando para ela, gemendo contra meus lá bios
e tocando sua língua com a minha. O beijo parece diferente de todos, é
novo, necessitado e repleto de um sentimento distante que nenhum de
nó s conhece. Ele se encaixa. Ela se encaixa e gosto tanto do que está
acontecendo, que quando ela goza e petrifica os lá bios nos meus, eu nã o
consigo parar de beijá -la, nem mesmo quando sinto suas paredes se
contraindo ao redor dos meus dedos.
Ela leva mais tempo que o normal para se recuperar e nossos
lá bios ficam grudados, com as mã os dela ao redor da minha cabeça
perdendo as forças. Eu a puxo para mim, tomando cuidado com a
barriga quando desgrudo meus lá bios dos seus para abraçá -la, me
molhando inteiro no processo. Ela está trêmula e fraca nos meus braços,
e o calor irradia do seu corpo molhado.
Estico o braço livre para apanhar uma toalha e cobrir seu corpo
antes de voltar a aninhá -la nos meus braços, beijando seu cabelo, seu
rosto e sua boca.
Estamos bem por esses poucos minutos, voltamos a nos conectar,
e eu a tenho frá gil e adorável nos meus braços, mas esse momento é
extremamente curto.
Zoey se ergue das minhas pernas e caminha para o centro do
banheiro, substituindo a toalha por um roupã o em um completo
silêncio.
— Sente-se na cadeira, vou secar seu cabelo — digo, me
levantando da borda com uma certa dificuldade.
Ainda de costas vejo ela balançar a cabeça.
— Saia.
— O que disse?
— Saia.
— Zoey, querida…
Ela me olha pelo reflexo do espelho e seus olhos estã o duros e
maliciosos, quase perturbados.
— Nã o confunda as coisas, isso nã o significou nada. Foi só tesã o.
Meus hormô nios estã o alterados e eu faria isso com qualquer um que
fosse capaz de me dar um orgasmo, nã o se sinta especial e nem ache que
estou amolecendo. Você entende de necessidades, nã o entende? — Ela
sorri cruelmente. — Acho que vou precisar de você mais vezes para isso,
porém nã o ache que você vai passar de uma ferramenta de prazer para
mim. — Suspira, caminhando até a pia para escovar os dentes. — Estou
com fome, adoraria os ovos com queijo que você fez outro dia. Vá
preparar e me deixe terminar as coisas aqui.
Eu fico mudo com o tamanho do estrago que suas palavras e
indiferença entram em meus ouvidos e se desenham no seu rosto
enquanto ela me ignora. Nã o tenho palavras para dizer o quanto me
sinto usado e descartado, e o quanto isso me magoa e me enche de uma
vergonha que nunca senti antes.
Mesmo com tudo o que eu fiz com ela, nã o acho que em algum
momento eu a castiguei dessa forma. Envergonhado e me sentindo
usado, eu saio do banheiro com as mã os trêmulas e um nó na garganta,
totalmente vulnerável e exposto como nunca estive antes.
A morte seria melhor que isso.
Ela triturou minha dignidade e pisou nos meus sentimentos.
(...)
Os dias se passaram e eu adoraria dizer que o que aconteceu no
banheiro nã o voltou a se repetir, mas voltou. Um dia depois, eu nem
mesmo havia recuperado os pedaços do estrago que as palavras dela
causaram em mim. Queria ser forte o suficiente para colocá -la contra a
parede e gritar sobre sua atitude de merda e o quanto isso está me
machucando, mas eu nã o consigo. Os momentos que ela permite que eu
toque nela sã o os mais sagrados que tenho da minha vida, e mesmo
quando tudo acaba e ela me manda sair, eu faço isso, torcendo para que
ela me mande ficar.
Sempre ficamos juntos quando Keena nã o está por perto. À s
vezes na sala, no banheiro ou na cozinha, e raramente no quarto dela.
Nã o existe nada da parte dela que seja afetuoso ou respeitoso comigo.
Quando estamos transando é como se eu fosse apenas um acessó rio de
prazer e nã o um ser humano, e quando Zoey se satisfaz apenas se vira
para o outro lado ou some no banheiro, deixando claro que eu devo sair.
Temos momentos como pai e mã e quando ela me deixa sentir
Mavie chutando, ou eu massageio seus pés e costas depois de um dia
cansativo comparecendo a reuniõ es de mã es de primeira viagem e aulas
sobre como cuidar de um recém-nascido. Ela está me deixando
empenhar meu papel como pai do filho dela, e apenas isso.
Por mais vontade que eu tenha de implorar para que ela pare de
me usar dessa forma, tenho medo de que ela nã o queira mais meu toque
e me recuse de todas as formas.
Em uma tarde, quando ela e Reena saem para uma das aulas de
Zoey, eu tento montar o berço de Mavie e os outros mó veis, tentando
escapar dos meus pensamentos e focar na minha fonte de alegria, mas
montar um berço se torna um desafio para mim.
Os parafusos sã o muito pequenos, minhas mã os estã o trêmulas
demais e eu mal consigo ligar a furadeira, isso me enche de frustraçã o e
uma vontade enorme de me esconder do mundo. Virei um inú til que
nem mesmo o berço da filha consegue montar, mas nã o vou desistir.
Mesmo que eu tivesse sem as duas mã os, eu continuaria tentando, nada
me importa mais do que dar a minha filha o que eu nã o tive.
Nã o quero outro homem fazendo o meu trabalho.
Passo três horas para montar a base, sentindo todos os
ligamentos e nervos da minha mã o doerem com a rigidez tomando conta
do meu braço inteiro. Eu preciso de um banho e um pouco de Vodka
para sanar minhas feridas esta noite, visto que Zoey chega cansada e nã o
irá querer minha presença.
Estou prestes a ir embora para o meu apartamento quando meu
celular começa a tocar, penso ser Vadim antes de atender, mas quando
vejo o nome de Zoey meu coraçã o acelera com esperança.
— Oi. Já terminou sua aula?
Ouço o som de pessoas falando atrá s dela e um suspiro vindo da
sua boca.
— Está havendo uma festa para os pais hoje, todos os progenitores
foram convidados. Você quer vir?
— Claro. Chego em 5 minutos.
Desligo o celular, pegando minha jaqueta em cima dos mó veis e
caminho para a saída do prédio, sem nem mesmo tomar um banho
antes, depois de passar o dia todo suando. Eu nã o me importo com isso,
nã o vou perder nenhum momento como pai ou deixar Zoey sozinha
nesse momento, já passei tempo demais ausente durante a gravidez.
Pego um Tá xi, sob o olhar incrédulo do motorista, que me olha
como se eu fosse irreal e suas perguntas sobre meu tamanho sã o ainda
piores. Eu o ignoro, deixando claro que nã o quero conversar.
Chego no centro maternal, onde Zoey está e o qual a trago
quando ela me pede. Adentro o prédio de tijolos, pedindo informaçõ es
sobre onde fica a sala de reuniõ es e uma jovem simpá tica me leva até
ele.
A sala está repleta de balõ es, comida e uma mú sica suave
preenchendo a sala. Localizo Zoey pela roupa e o penteado, e caminho
até ela, que está conversando com uma mulher alta, ambas sorrindo,
enquanto Zoey está tomando algo que deduzo ser suco.
Chego perto delas, colocando minha mã o na base da espinha de
Zoey, a fazendo se virar na minha direçã o e o sorriso nos seus lá bios
congelam, já a mulher sorri ainda mais.
— Zoey, entã o esse é seu marido?! Isso explica o tamanho da sua
barriga, querida. — A mulher, que tem em torno da minha idade, sorri e
estende a mã o na minha direçã o. — Sou Mô nica, a professora.
Aperto sua mã o, mantendo a outra nas costas de Zoey.
— Ibrahim.
— Vocês dois podem ir até o fotó grafo tirar a foto para o mural do
trimestre? Estamos querendo registrar os momentos em família para
reunir lembranças para os bebês quando nascerem, e colocar no mural.
Zoey fica tensa sob minha mã o e a incentivo a caminhar até onde
a câ mera está . Os olhares para nó s dois nã o sã o nada discretos, algumas
pessoas parecem realmente espantadas, porém isso nã o é nada. Eu só
quero ter um momento com a minha família, assim como eles.
— Nã o precisamos fazer isso — Zoey sussurra, enquanto
andamos lentamente. Tem sido cada vez mais difícil para ela ficar de pé.
— O que vou dizer à nossa filha quando ela crescer e ver que os
pais nã o têm nenhuma foto juntos? Vamos tirar essas fotos, e outras.
Sorria. Nã o está fazendo isso por mim ou por você, é por ela.
Minha voz soou ríspida e eu atribuo isso ao fato de Zoey estar
querendo se esquivar de mim todas as vezes, menos quando me quer na
cama dela.
Nó s dois nos posicionamos para a foto e quando o fotó grafo
demonstra desconforto por estarmos tã o distante, eu enlaço Zoey pela
cintura, inclinando sua barriga na minha direçã o, ela olha para mim,
aturdida e a fito com todo amor que existe dentro de mim, mesmo ele
sendo tã o machucado por ela.
Tiramos cinco fotos e circulamos pelo salã o, conversando com
outros casais que tiveram coragem de se aproximar de mim. Quando
percebo que Zoey está ficando cansada e com os pés inchados, começo a
fazê-la se despedir de todo mundo.
Voltamos para o apartamento dela e a primeira coisa que ela faz
quando chega é ir ao banheiro. Aproveito os poucos minutos para fazer
um copo de leite quente para ela e ligo todas as luzes do apartamento,
para que nã o tropece ou esbarre em nada.
Estou terminando de esquentar o leite quando noto que Zoey
está demorando demais e vou atrá s dela, a encontrando no corredor, na
porta do quarto da bebê, vendo o trabalho que fiz em montar o berço.
Ela está encostada na porta, com as duas mã os na barriga,
acariciando-a como sempre faz.
— Ainda nã o terminei, mas garanto que vai ficar pronto antes de
ela nascer — comento, parando ao lado dela.
Zoey respira fundo.
— Eu estava pensando em outro nome para ela.
Olho para a minha esposa.
— Mavie nã o te agradou?
Ela ergue os olhos para mim, eles estã o brilhando e sua voz
parece carregada de sentimentos genuínos.
— Eu passei os ú ltimos dias pensando que se ela tivesse o mesmo
nome que sua mã e, seria uma forma de manter as boas lembranças que
você tem dela, é uma forma de eternizá -la na neta. — Zoey baixa os
olhos para a barriga. — Anna Moreau Vassiliev é um bom nome, e será
uma honra ter nossa filha carregando o nome da pessoa que você mais
amou na sua vida.
As palavras se perdem e o rosto da minha mã e aparece em minha
mente, com seus olhos azuis brilhantes e o cabelo loiro. Meu coraçã o é
quebrado e consertado ao meu tempo, e eu sofro o impacto desse gesto
de Zoey.
Lá grimas ameaçam cair pelos meus olhos e antes que aconteça,
eu respiro fundo e faço um aceno positivo para Zoey.
— Obrigado.
Ela balança a cabeça e faz mençã o de se retirar, mas antes que ela
entre no seu quarto, eu seguro seu pulso e a olho profundamente.
— Eu te amo, Zoey, e isso está me matando.
O silêncio engloba nó s dois e algo se quebra nos seus olhos, como
vidro sendo estilhaçado. Algo brilha ali e eu penso ser lá grimas e que ela
finalmente vai ceder.
— Eu sei, Ibrahim — sussurra. — Amar um ao outro está
arruinando nó s dois. Nã o sabemos como fazer isso, existem muitas
feridas e as minhas nã o parecem cicatrizar.
Puxo-a para o meu corpo, implorando por um pouco de afeto,
qualquer coisa.
— Nã o me descarte esta noite, deixe-me ficar com você. Quero
sentir seu corpo, seu cheiro… Preciso me aninhar em você, Zoey. Estou
tã o machucado. Você pode agir como se importasse comigo? Por favor?
Uma lá grima escorre pelo meu olho e logo outra, minha voz
vacila e minhas mã os tremem. Zoey ergue os olhos para mim e a vejo
sentindo tanta compaixã o que isso nã o me incomoda. Qualquer migalha
dela é o suficiente para mim.
Levo sua mã o até meu rosto, sem controle algum das lá grimas
que saem dos meus olhos e da afliçã o que enche meu peito.
— Eu nã o aguento mais, Zoey. Acabe com isso. Sinto como se
fosse explodir a qualquer momento, tudo dó i. É insuportável está perto
de você, fazer sexo com você e nã o poder te ter de verdade. Eu nunca te
tive de verdade, tive? Isso me assombra. Morro de medo de nunca ser
capaz de me sentir amado por você, quando isso é a ú nica coisa que
quero. — Fungo, tropeçando nas palavras aflitas que saem da minha
boca. — Zoey, eu posso passar o resto da minha vida pedindo perdã o e
aceitando o que tiver para me dar, só me deixe ficar com você, okay?
Meu dedã o acaricia a pele da sua bochecha e seus olhos brilham
com lá grimas. Ela está parada, absorvendo minhas palavras que
parecem ser difíceis demais para ela, pesadas…
Engulo minhas lá grimas, procurando conforto uma ú ltima vez.
Ela nã o me quer mais, só causo sofrimento na vida dela, eu tenho que
acabar com isso.
Limpo minhas lá grimas, buscando a força para o que eu preciso
fazer.
— Só esta noite. Me deixe ter tudo de você por hoje e eu prometo
que assino o divó rcio e nã o a incomodo mais. Só esta noite, eu preciso
disso para seguir em frente. Preciso te amar como deveria ter sido desde
o começo, e por esta noite, eu vou fazer isso.
​ u quero levar meu tempo com ela, apreciar seu corpo, suas carícias e
E
exaltar todas suas curvas. Quero amá -la como nunca fiz antes, passar
meus lá bios por cada centímetro da sua pele, até que a pró pria Zoey se
convença de que é nos meus braços que ela pertence, que somos o
encaixe um do outro. Isso é tã o ó bvio para mim, mas por que nã o para
ela?
​Tomamos uma ducha morna juntos, antes de seguirmos para o quarto,
em silêncio. Lavo o corpo de Zoey com uma bucha e prendo seu cabelo
para nã o molhar. Mesmo com ar denso com tensã o sexual, eu nã o a toco
dessa forma quando estamos embaixo do chuveiro. Eu aproveito o
momento para apreciá -la, admirar e lavar sua barriga, que a cada dia
parece ficar maior.
​Eu sorrio ao pensar que Zoey teve uma má sorte ao gerar uma criança
que puxou ao meu gene, e em como ela é pequena e mesmo assim
consegue manter essa gravidez tã o ferozmente.
​Os olhos dela sã o sérios, mas brilhantes. Um cerco de emoçõ es incendeia
as íris amarelas e eu prendo meus olhos nos dela como uma afirmaçã o
das palavras que disse minutos atrá s. Se ela quer o divó rcio, eu posso
fazer isso, nã o posso? Ela nunca irá embora da minha vida, nã o por
completo. Teremos Anna pelo resto das nossas vidas, estaremos
eternamente conectados, mas, ainda assim, isso nã o me parece o
suficiente.
​ cho que nem mesmo estar sob o mesmo teto que ela, tocando-a como
A
estou agora, é o suficiente. Meu peito queima por Zoey, e minha urgência
por ela ultrapassa qualquer nível de racionalidade. Eu preciso tanto dela
quanto preciso respirar, e eu sou capaz de tudo, apenas para que ela me
olhe com amor.
​A levo para o quarto sem tirar o excesso de á gua do nosso corpo, me
inclino na direçã o dela para tocar nossos lá bios enquanto nos conduzo
até a cama. Sinto Zoey tensa, dura nos meus braços como se estivesse
com medo e eu interrompo o beijo para olhar em seus olhos em meio a
pouca luz do quarto.
​— Está com medo de mim? — sussurro, em uma pergunta firme,
levando minha mã o até a presilha do seu cabelo para soltá -lo.
​Os lá bios dela tremem e ela balança a cabeça.
​— Fico me perguntando se por ser a ú ltima vez, você irá querer ser cruel
e em como eu permitiria isso, apenas para que nó s dois possamos seguir
adiante sem estarmos amarrados a um sentimento destruidor de que
desejamos um ao outro.
​Acaricio sua bochecha, beijando sua testa, nariz e bochecha lentamente.
​— Por que acha que serei cruel com você depois de tudo, Zoey?
​— Porque você nã o conhece outra coisa além da crueldade, Ibrahim.
Mesmo que me ame, vai demonstrar isso da pior forma, porque foi o tipo
de amor que você recebeu. Nã o sabe como ser carinhoso. Sua natureza é
bruta e as poucas vezes que houve um momento de carinho entre nó s
dois, acabou como havia começado: brutal.
​A sento na cama, usando minhas mã os para sustentar seu peso, para que
ela nã o sinta as costas doerem. Me ajoelho diante dela, mirando seus
olhos, acariciando a pele da sua mã o fria.
​— Você me ensinou a como cuidar de você, Zoey. A como te tocar e eu
quero fazer esta noite ser sobre amor, quero que se encerre da maneira
como você merecia desde o começo. Naquela noite, na neve, eu era o
pior que podia dar para você, mas hoje eu quero te dar o que nã o pude e
que toda mulher merece. Eu quero te amar como se nã o houvesse um
amanhã e preciso que confie em mim para isso. Pode fazer isso por mim,
amor?
​ s olhos dela continuam brilhando.
O
​— Uma ú ltima noite?
​Com o peito apertado demais, eu aquiesço.
​— Nossa ú ltima noite — afirmo.
​Zoey assente e eu a beijo suavemente, contendo a urgência
tamborilando nas minhas veias, reprimo todos meus demô nios e fecho
meus olhos, pedindo abertura para saborear mais dos seus lá bios, me
encaixar na sua boca da maneira certa, e ela retribui ao beijo, me
deixando incapacitado de pensar, apenas com vontade de me derreter
sobre ela.
​Levo seu corpo para o centro da cama e me concentro em beijar cada
centímetro de pele perfumada que encontro, sentindo Zoey começar a
relaxar e suspirar com o contato dos meus lá bios pelo seu pescoço,
clavícula e ao redor dos seus seios até a barriga.
​Nã o quero que tudo se resuma ao sexo, eu quero amar cada pedaço dela
antes de estar dentro dela.
​— Eu amo como sua pele é macia, como seu corpo ondula quando toco
nele e em como você cora ao sentir prazer. — Confesso me equilibrando
nos braços para nã o pressionar sua barriga. — Amo a sensibilidade que
tem nas costelas quando eu encosto a minha língua… — Desço meus
lá bios até as esquerdas sentindo Zoey se contorcer e suspirar — …
Assim, querida. Assim mesmo.
​Zoey leva suas mã os até meus braços e eu me deleito com seu toque.
​— Gosto de ser o ú nico a saber como você fica vulnerável a manhosa na
cama, isso me enche de alegria e excitaçã o. — Beijo seus lá bios,
descendo minha mã o até os lá bios de baixo. — Porra, e eu amo como
você lubrifica rá pido. — Contenho um gemido ao sentir sua entrada já
ú mida.
​— Ibrahim… — geme, necessitada, com as bochechas rosadas e a
respiraçã o pesada.
​Sorrio sob a tortura, me sentindo cada vez mais duro e dolorido contra
ela, e Zoey também sente e isso a faz ficar ainda afoita.
​— Shii, princesa. Nó s vamos com calma, quero tomar meu tempo com
você. — Sugo a pele do seu pescoço, mordendo-o o suficiente para
deixar uma marca. — Que coisa feia da minha parte deixar minha esposa
grávida com um chupã o no pescoço. O que as pessoas irã o pensar de
você, Zoey?
​Suas unhas afundam nos meus bíceps e ela abre as pernas, tentando me
abraçar, e quando sinto meu pau pincelar sua entrada, é preciso todo o
autocontrole da minha parte.
​— Você também nã o vai aguentar muito, vamos logo com isso. Eu
preciso de você dentro de mim. Uma vez, depois outra e outra — geme e
eu rosno contra sua mandíbula ao perceber o tom necessitado na sua
voz.
​Desço meu corpo pelo seu torso, dando atençã o a sua barriga até chegar
no meio das suas pernas, sentindo Zoey à s abrir mais para mim. A
imagem dos lá bios ensopados e brilhantes me atinge como uma bala e
eu perco a respiraçã o, contendo o xingamento.
​— Tã o malditamente perfeita! — rosno, enfiando meu rosto entre suas
pernas, indo direto para fonte de mel.
​Zoey arqueia as costas o quanto pode e inclina o quadril em minha
direçã o, enquanto perco meu juízo a chupando como se ela fosse a fruta
mais doce do mundo. E ela é. O gosto dela é carimbado na minha mente
e sempre que minha língua o recebe é como se os fogos de artifícios de 4
de julho fossem disparados.
​Porra! Porra!
​— Ibrahim!
​Caralho, já ?
​— Nã o, Zoey. Se concentra, nã o quero parar agora. — Passo minha
língua por toda extensã o antes de mergulhar novamente na sua fenda.
​— E-eu acho que nã o consigo… — Arqueja tentando fechar as pernas.
​Volto a separá -las com as minhas mã os, nã o deixando nada me
desconcentrar da minha extraçã o de mel.
​— Claro que consegue, é só se concentrar. Nã o goza agora, amor, eu
quero te chupar até perder o juízo.
​Ela deve estar apertando o lençol, seu corpo está tenso e ela geme entre
dentes, grunhindo como um animal ferido e inferno, os sons que ela faz,
o gosto dela… Tudo isso vai me fazer explodir logo em breve sem que eu
precise me tocar. Porra, sou eu quem deve se controlar.
​— D-desculpe.
​Ela treme inteira na minha boca, suas pernas viram gelatina, enquanto
ela explode com um grito longo. Seu líquido escorre pela minha boca e
eu capturo cada gota, sentindo a força de Zoey vir junto com ele.
​Quando volto para cima dela, a vejo de olhos fechados e boca aberta,
sorrio com a imagem, vendo seu peito subir e descer em uma respiraçã o
ofegante.
​— Ei, olha para mim.
​Zoey abre os olhos e estã o cheios de vida, cintilando a luz amarela
maravilhosa deles, que me deixam incapacitado por alguns segundos,
absorto na beleza deles.
​— Quero que ela tenha seus olhos, será a coisa mais linda da minha vida.
Sinto que se ela puxar a você, teremos a sorte de ter uma filha tranquila
e com o coraçã o bom.
​— Sinto que ela será um clone feminino seu, ela já começou a se
assemelhar a você desde a barriga. Sabe como é difícil encontrar uma
posiçã o para dormir com um bebê do tamanho dela? — Sua voz é rouca,
bem-humorada e nó s dois sorrimos.
​— Espero que seja apenas o tamanho que ela puxe de mim, mas se nã o
for, nó s dois daremos um jeito. Estou pronto para amá -la como merece e
nunca desistir dela.
​Zoey leva a mã o até meu rosto.
​— Eu sei. Nã o tenho dú vidas de que será um bom pai para ela. Em algum
momento desse ú ltimo mês você também se tornou um bom marido.
​Uma luz verde de esperança se acende dentro de mim, mas perde sua
força quando Zoey completa o que está falando.
​— Mas eu nã o quero você de volta, só quero que isso termine.
​Isso me corta em pedaços tã o pequenos que me mover significa me
desmontar inteiro.
​— Me matar teria o efeito que você deseja, esposa, porque só eu morto
nã o vou estar presente na sua vida. Mesmo quando essa noite acabar, e
se isso acabar em divó rcio, eu nã o vou superar você e nem deixar que
você tenha outra pessoa. Eu prefiro morrer a te ver com outro, entendeu,
bem? — Minha voz vacila diante da torrente dura da verdade doentia
que nos cerca.
​Saio de cima dela, me sentando sobre meus joelhos com os olhos
ardendo e a garganta queimando.
​— Você sabe, eu sei que isso aqui nã o vai ser o fim, Zoey. Nã o vai existir
uma vida na qual eu consiga viver sem te amar desesperadamente e meu
pior castigo é acordar todo dia sabendo que você me rejeita. Esta noite
eu terei tudo e espero que isso me conforme, mas nã o apareça com
ninguém, jamais, na minha frente. Posso te dar o divó rcio e seguir
coexistindo com você, como pai da sua filha, e ex-marido. Mas, eu nunca
vou aceitar te ver com outro homem.
​Ela se ergue com os olhos mais sérios e uma expressã o abatida.
​— Você acha que vou ser capaz de amar outra pessoa depois de ter
minha cabeça e coraçã o contaminados pelo tipo de amor doentio que
você injetou em mim? — Sua voz fraqueja e ela respira fundo. — Eu nã o
consigo parar de ficar voltando para você, sempre procurando um
motivo para te ter ao meu lado e isso é tã o ferrado depois de tudo que
me fez… — Ela leva as mã os até a cabeça. — Nã o consigo parar de
pensar que isso nã o é normal, que eu nã o deveria sentir o que sinto por
você. Estou sufocando, Ibrahim. Minha cabeça parece que vai explodir ,e
mesmo eu dizendo que nã o, nã o sou capaz mais de negar que isso é
amor. Eu me apaixonei por você sem nem mesmo saber como. Um dia fui
dormir te odiando e no outro acordei te amando. Como pude ser capaz
de amar uma pessoa que só me fez mal?
​Lá grimas descem pela sua bochecha e ela funga com sua confissã o que
me deixa paralisado na cama, assimilando o que ela acabou de me dizer.
​Zoey me ama? Ela acabou de dizer as palavras?
​Fito seu rosto angustiado, tentando me compadecer dela porque, para
todos os fins, isso nã o deveria ter acontecido. Zoey e eu nos casamos
como inimigos mortais, indo até o fim desse poço de ó dio quando
ofendemos um ao outro e nos maltratamos de diversas formas. Esse
amor é o sentimento mais puro que nasceu entre nó s dois, e foi
contaminado por todos os sentimentos ruins que nos predominavam.
Foi como uma semente que nasceu em um solo arenoso, cheio de
pedregulho, onde nenhum de nó s dois cuidou para que fosse cultivado,
mas ele foi crescendo, independente das pessoas ao redor, da situaçã o,
do tipo de clima.
​A gente nã o escolhe amar alguém, na maior parte do tempo. Sim, o amor
é uma escolha, mas à s vezes ele também é um acidente. Nã o deveríamos
ter nos apaixonado, e olhe onde estamos, magoados e sangrando, com a
constataçã o de que amamos um ao outro e nã o conseguimos seguir sem
o outro.
​Se estávamos predestinados, o destino foi cruel no momento que
plantou esse amor entre nó s dois. Nã o tenho muitas crenças, mas
acredito que se existiam outras vidas, Zoey e eu somos alma gêmeas,
entã o devemos ter feito muito mal ao karma para que nossa uniã o nessa
vida tenha acontecido assim.
​Eu olho para ela chorando e encontro minhas pró prias lá grimas
silenciosas. Me aproximo de Zoey, trazendo-a para o meu peito,
enquanto sinto seus soluços e minha lá grimas caindo no seu cabelo.
Nossos corpos nus parecem esfriar e buscam um no outro uma camada
quente de proteçã o, e até mesmo nesse momento eu sinto nosso encaixe.
​É terrível como tudo desde o começo se encaixou, quando deveria ter
sido o contrá rio. Nã o era pra ter atraçã o. Nada além de ó dio e retaliaçã o,
mas olhe para nó s dois agora: machucados demais por amar um ao
outro.
​— O que faremos? — soluça, enfiando seu rosto no meu peito.
​Beijo seu cabelo, sentindo mais lá grimas caindo do meu rosto.
​— Vamos aprender a tornar isso saudável, faremos esse casamento dar
certo, Zoey. Sem mais ó dio, mentiras ou segredos. Vamos fazer terapia,
se for preciso. Estou disposto a tudo para sarar nó s dois e todos os
danos, teremos uma filha e quando ela nascer terá um pai e uma mã e
com o dobro de amor para depositar nela. Nó s vamos conseguir, Zoey.
Nã o se preocupe, vamos cuidar disso. — A abraço com força, contendo
um soluço. — Eu prometo que vamos nos consertar, querida. Eu
prometo.
​(...)
​ bservo Zoey dormir tranquilamente em meus braços, abraçada ao meu
O
corpo, com sua barriga apoiada em mim, e eu sou incapaz de fechar
meus olhos e deixar que minha mente tente apagar essa visã o dela tã o
pacífica, me abraçando como se eu fosse seu bote salva-vidas, confiando
em mim como sempre deveria ter sido.
​Mantenho meus dedos acariciando seu cabelo enquanto meus lá bios
estã o colados na testa dela. Desvio meus olhos para a janela do outro
lado do quarto, pensando que esta é uma das muitas madrugadas que
passo em claro, mas com Zoey nos meus braços. E dessa vez, continua
sendo ela o motivo da minha insô nia, e também, dos pensamentos de ser
melhor por ela.
​Quando os primeiros raios de sol apontarem no horizonte e eu preparar
o café da manhã dela, eu darei meu primeiro passo para fazer esse
casamento dar certo. Está na hora de pedir perdã o a família dela, de me
curvar e deixar claro o quanto amo a filha e irmã deles, e que nã o estou
disposto a deixá -la.
​O principal de tudo, é deixar Zoey segura quanto à s minhas açõ es e
sentimentos. Eu jamais a farei duvidar de mim de novo, dela mesma. Vou
mostrar que esse amor nã o precisa ser doloroso, nocivo. Anna virá ao
mundo com pais melhores e terá a melhor família que eu poderei
fornecer a mã e e filha. Para isso, eu vou enfrentar todos meus medos e
dilemas e entre todos eles está Vittorio, Alessio e Kai Moreau.
​Sei o quanto a família importa para Zoey e que nã o há nenhuma chance
de ela reivindicar a eles, e eu tampouco pediria isso. Já tirei muito dela, é
a minha vez de ceder alguma coisa.
​Aos poucos, tornaremos isso saudável.
​Zoey desperta por volta das 7 da manhã e leva alguns segundos para
perceber onde está e com quem, mas assim que percebe pisca os olhos e
eu a puxo para mais perto.
​— Você parece ter dormido bem — comento, beijando sua testa.
​Ela respira fundo, afundando o rosto na curva do meu pescoço enquanto
descansa a mã o no meu peito.
​ Você é um apoio melhor do que o travesseiro, eu mal senti a Anna

mexer durante a noite. Foi uma noite maravilhosa de sono, como nã o
havia tido há meses — confessa, abrindo um sorriso satisfeito.
​Levo minha mã o até sua barriga, fazendo movimentos circulares por
toda extensã o.
​— Bom saber disso, é mais um motivo para manter meu lugar nessa
cama. — Desço meus lá bios até os dela, iniciando um beijo lento.
​A mã o de Zoey sobe para meu cabelo e suspira contra meus lá bios, me
abraçando da maneira como consegue.
​— O que quer de café da manhã ?
​Sinto seu sorriso contra meus lá bios e sua mã o descer pelo meu
abdome. Porra, eu amo a libido que a gravidez potencializou nela e todo
o atrevimento também. Em um segundo Zoey está montada em mim,
com os cabelos assanhados caindo pelo seu ombro. Ainda estamos nus
da noite de ontem e só de ter dormido com ela, mesmo a mente a mil,
acordei com uma puta ereçã o.
​Isso deveria ser errado? Acordar excitado pela esposa grávida? E se ela
nã o estivesse com tanta disposiçã o por sexo como Zoey está ?
​Meus pensamentos vã o para o ralo quando Zoey se encaixa no meu pau
e desliza por ele com um gemido alto, me fazendo apertar seu quadril e
morder os lá bios.
​— Porra, Zoey! — praguejo, sentindo meu pau ir fundo nela, sua boceta
deliciosa e quente me apertando. — Porra, que delícia!
​Zoey espalma as mã os em meu peito, começando a rebolar com
movimentos lentos. A cara dessa safada mordendo os lá bios, seus
movimentos sinuosos… Porra! Que inferno de mulher perfeita.
​Sou incapaz de tirar meus olhos dela enquanto ela satisfaz a nó s dois, e
eu só consigo pensar que eu criei um monstro no quesito sexo. Ela é
fantá stica e eu nã o sei como manterei minhas mã os e meu pau longe
dela por alguns dias.
​Nã o demoro muito para alcançar meu á pice, mas retardo meu ponto de
inflexã o para que Zoey venha comigo, e quando acontece, eu ergo meu
tronco para conter nosso grunhido, beijando sua boca e sugando todos
os seus gemidos com a minha língua.
​ ncerramos o primeiro sexo matinal, indo para o banho juntos. Deixo
E
Zoey se arrumando e vou fazer o café da manhã , mas percebo, antes de
começar a pegar nas panelas, que hoje nã o é um dia bom para minha
coordenaçã o motora.
​Estou com os dedos rígidos e derrubando os talheres, tento me virar,
mas é uma missã o arruinada e eu me frusto. Preciso respirar fundo e
mandar todas as sensaçõ es ruins que me circulam nesse momento para
as profundezas.
​— Deixe que eu cuido disso. — Zoey aparece do meu lado, tomando a
espá tula da minha mã o com dificuldade.
​Ela sorri, assumindo o fogã o e eu me afasto para tentar esconder dela
minha fraqueza e inutilidade, mas ela percebeu isso há muito tempo.
Passamos quase todo o tempo juntos, e Zoey deve ter associado uma
coisa com a outra. Ela já presenciou eu tendo dois minis apagõ es
durante uma conversa, ou perdendo a linha do raciocínio e a expressã o
nos olhos dela foram de total compreensã o, como agora.
​— Você nã o deveria estar vendo alguém para te ajudar com isso? — Sua
voz suave soa atrá s de mim.
​— Como assim?
​— Um médico.
​Suspiro. Abandonei a fisioterapia no primeiro segundo que vi resultados
para vir atrá s de Zoey.
​— Vou voltar depois que resolver algumas coisas.
​Ela olha rapidamente para mim.
​— Assuntos da organizaçã o?
​Balanço a cabeça.
​— Vou solicitar uma reuniã o com seu pai e irmã os. Preciso me desculpar
e encontrar uma forma de convivemos como uma família.
​Zoey apaga o fogo dos ovos e se vira na minha direçã o com o nã o pronto
a ser dito, mas balanço a cabeça.
​— Anna nã o vai ser privada dos avô s por causa de mim, Zoey. Kai,
Alessio e Vittorio terã o que entender isso. Também nã o estou animado
por isso, mas farei por vocês duas.
​ Tem certeza de que quer fazer isso? Alessio e Vittorio sã o os mais

difíceis de falar.
​Nã o estou nem um pouco animado para ver os dois depois de tudo o que
aconteceu.
​— Vou embarcar para Las Vegas o mais rá pido possível.
​ oey nã o fica animada com a minha ida a Las Vegas, e eu tampouco por
Z
deixá -la com a gravidez avançando cada dia mais. Porém, tem coisas que
precisam ser resolvidas e mesmo que, em um futuro distante, os Moreau
e eu nunca possamos conviver de forma pacífica, quero deixar claro a
eles de que estou levantando minha bandeira branca, abrindo mã o dos
benefícios que ganhei ao me casar com Zoey.
​Nã o preciso da Camorra, a Bratva está se levantando com força depois
que Vadim e eu temos começado uma nova produçã o de drogas e armas,
distribuindo por toda Europa. Estamos trabalhando com um dos
melhores químicos que se poderia achar e essa parceria já começou a
dar frutos graú dos à organizaçã o.
​Em breve, Zoey e eu teremos que embarcar para Rú ssia, nã o posso viver
minha vida longe da administraçã o da Bratva e eu sinto que ela irá
entender quando eu falar sobre o assunto com ela.
​Parado em frente ao prédio onde se concentra a Alta Cú pula, eu respiro
fundo, tentando nã o perder o controle caso Kai Moreau e seus filhos
venham para cima de mim, em busca de sangue. Estou seguro quanto ao
pai, mas Vittorio e Alessio? Sã o uma só espécie desprezível.
​Sou escoltado e revistado antes de seguir adiante, com dois guardas ao
meu lado, me levando para o quinto andar, onde me colocam em uma
espécie de sala gelada, convertida em um escritó rio. Está vazio. A ú nica
coisa que denuncia que esse lugar pertence a Kai Moreau é uma foto de
Marcella grávida, do que suponho ser dos gêmeos infernais.
​Me mantenho calmo, analisando tudo ao meu redor, tentando traçar
uma linha de escape, caso eu precise. Se passam mais de cinco minutos
até uma porta atrá s da mesa ser aberta e Kai Moreau surgir por ela
carregando uma pasta. Como sempre, está vestido de preto e a cicatriz
no seu rosto parece mais acentuada hoje.
​— É muito audacioso ou suicida de aparecer aqui — comenta
impassível, enquanto joga a pasta em cima da mesa.
​Mantenho meus olhos nos dele, encarando seu rosto como se fosse um
pesadelo que passei anos tendo, só que dessa vez, nã o sinto raiva ou
vontade de trucidá -lo. Estou encarando-o como o pai da mulher que eu
amo, o avô da minha filha.
​— Estou aqui por um motivo simples: sua filha e neta.
​Kai se encosta na mesa de vidro, cruzando os braços fortes.
​— E o que tem elas? Até onde sei, elas estã o seguras e sendo vigiadas. E
claro, você também sabe disso, já que está vivendo com a minha filha.
​Balanço a cabeça.
​— Zoey e eu continuamos casados, é um consenso. Iremos criar nossa
filha juntos e o motivo de eu ter vindo até aqui é para deixar claro que
nunca vou ser um empecilho entre a relaçã o que vai desenvolver com a
sua neta. Terá todo o direito de avô , assim como sua esposa.
​Um sorriso de desdém desenha os lá bios de Kai e ele respira fundo.
​— Veio aqui me informar que está de volta com a minha filha e quer que
eu, minha esposa e meus filhos aceitá ssemos você?
​— Nã o quero que me aceitem, nã o estou pedindo por isso. O que estou
falando é que eu nã o irei interferir na convivência de vocês. Serã o bem-
vindos quando quiserem aparecer.
​— Está propondo um acordo de paz entre a Bratva e a Camorra?
​— Devemos nos unir agora, mais do que nunca. Zoey é uma Vassiliev e
terá a herdeira da organizaçã o. Os sangues estã o misturados, nã o tem
motivos para continuar o conflito. Meu conselheiro está disponível para
ouvir as exigências do seu, e se, no futuro pró ximo, você vier à Rú ssia,
será recebido como um convidado.
​ rosto de Kai Moreau está sério, ele nã o parece estar cogitando, sua
O
mente está divagando por camadas de cada fala minha, pelas minhas
açõ es.
​— Depois de tudo o que fez com ela, como tem coragem de querer ter
uma vida juntos? Eu entendo você estar apaixonado por ela, mas,
sinceramente? Nã o entendo a minha filha por querer você.
​Abaixo meus olhos até a foto onde Marcella está posando, com as mã os
na barriga e um sorriso no rosto. Eu também nã o entendo como ela
continuou casada com um homem como ele.
​— Isso é um mistério que você tenta resolver até o dia de hoje, suponho.
Sua esposa tinha todo o direito de ir embora, mas você nã o deixou
porque homens como nó s dois, como seu filho, Alessio, preferimos
morrer a ter que seguir nossa vida sem nossas mulheres. Eu me
arrependo de tudo que eu fiz com Zoey, de ter sido enganado e levado a
crer que tinha sido você o assassino dos meus pais. Vou passar o resto
da minha vida me redimindo com Zoey, você sabe bem como é isso, nã o
é, Kai?
​Um brilho gélido passa pelos seus olhos â mbar e ele se apoia ainda mais
na mesa, ficando em silêncio por um breve período .
​— Eu nã o gosto de você, e na primeira oportunidade que eu tiver, vou
acabar com sua vida. Eu prefiro Zoey viú va do que casada com alguém
assim. Nunca existirá paz entre nó s e eu nunca colocarei meus pés no
seu territó rio. Sobre minha neta, eu a amo e farei de tudo por ela. Quero
acompanhar o nascimento, o crescimento dela, mas eu nã o quero que
isso aconteça com sua sombra por perto. Entã o, o que tenho a propor é
simples.
​Retifico meus ombros, esperando pelo pior que está por vir.
​— Zoey dará à luz em Las Vegas, na Camorra. A criança será americana e
terá a iniciaçã o que a mã e teve.
​É a minha vez de rir.
​— É claro que nã o. Minha filha vai nascer no local onde deve. Anna
pertence a Bratva e é lá que ela irá crescer. Sinto muito pelo seu orgulho,
mas se quer conviver com sua neta, entã o comece a cogitar visitá -la na
Rú ssia, Capo.
​ desafio brilha nos olhos de Kai, mas ela nã o contesta e quando penso
O
que teremos um confronto, fico mais aliviado ao ver seu silêncio como
uma aceitaçã o.
​A porta atrá s dele se abre novamente e Alessio e Vittorio saem dela. É
assustadora a semelhança, mesmo ele sendo gêmeos, a ú nica coisa que
me faz diferenciá -los é a roupa. Vittorio está sempre vestido de social
enquanto Alessio prefere roupas despojadas.
​E com certeza o olhar.
​Percebo quem é Alessio pela intensidade selvagem e macabra nos olhos,
me olhando como se eu fosse uma presa interessante para brincar,
enquanto Vittorio nã o demonstra nada além de uma raiva fria, que deixa
qualquer pessoa com medo das suas açõ es.
​Alessio pode ser o mais descontrolado, mas Vittorio é o mais perigoso e
eu sei o que a combinaçã o desses gêmeos resultou em mim, agora
mesmo enquanto estou pé, eu sinto os danos que causaram no meu
corpo.
​— Olhe só para esse brutamontes, está parecendo saudável — Alessio
comenta, baixando os olhos para minhas mã os com espasmos a cada
cinco minutos. — Pelo menos a punheta ficou mais prazerosa, isso
quando consegue bater uma.
​Respiro fundo, controlando a necessidade que tenho de querer me
vingar deles dois e fazer pior do que fizeram comigo.
​— Bem, Zoey nã o tem reclamado, entã o posso dizer que a brincadeira de
vocês dois nã o prejudicou em nada minha vida sexual.
​Os três Moreau se tornam felinos, provocados com as minhas palavras e
eu me mantenho parado no meu lugar, alternando o olhar entre eles.
​— Devia ter te matado e tirado da minha sobrinha a desgraça de ter um
filho da puta desgraçado como pai. — É Vittorio quem diz isso, e dessa
vez, seu tom de voz nã o ostenta nenhum tipo de controle.
​— Sim, você deveria, mas contou com a sorte de que Zoey nã o
descobriria o que aconteceu comigo e que mesmo que soubesse, ela nã o
iria se importar. Mas, sabe, existe um laço entre marido e mulher que se
desenvolve depois de um tempo e nã o importa o tamanho da fú ria ou a
vontade de deixar o outro… O casal sempre termina juntos. — Olho para
Alessio e Kai — Vocês dois entendem do que estou falando, nã o é? Se
quisessem que Zoey terminasse com um homem bom, teria sido para a
esposa de vocês exatamente o contrá rio do que foram e teriam mandado
ela para longe da organizaçã o. Nã o se preocupem, eu serei bom para ela.
Zoey é a pessoa mais importante da minha vida, e se eu a machucar
novamente, me entregarei a vocês três de bom grado.
​Alessio, Kai e Vittorio estã o fervilhando, desejando tirar sangue de mim,
me matar aqui e agora, mas nã o irã o fazer isso, porque além de eu ter
vindo com permissã o, eu sei que Zoey pediu ao três para que me
ouvissem. Dessa forma, depois que eu termino de falar e deixo claro que
eles serã o bem-vindos a conhecer e conviver com Anna, eu me retiro da
Camorra e pego meu jatinho de volta à Suíça.
​Eu nã o vejo ou ouço falar de Marcella Moreau, o que deixa claro o que
ela acha da decisã o que a filha dela tomou para vida.
​(...)
​2 meses depois

​ gravidez de Zoey avança como as temperaturas frias da Rú ssia.


A
Voltamos para cá no ú ltimo mês, mobiliei uma das casas mais perto da
civilizaçã o e onde ficaremos até que Anna tenha idade suficiente para
lidar com a vida no campo durante o inverno.
​A barriga de Zoey cresceu de tal maneira que as caminhadas cessaram e
seus pés passam o dia inchados, assim como ela deitada na cama ou no
sofá , falando com a mã e ou comprando coisas para Anna pela internet.
Tenho trabalhado menos, voltado cedo para casa.
​Sempre saio depois de fazer o café da manhã dela, acender a lareira e
volto por um curto período para almoçar com ela e durante a noite
tiramos uma boa parte do tempo para assistir novelas russas. Zoey tem
tido como passatempo aprender a língua e quando nã o está
conversando com nossa empregada, fica debruçada em livros de
gramá tica russa.
​Sempre deixo ela sob a supervisã o de Cora, outra auxiliar e uma
enfermeira, e quando volto, dispenso todas para cuidar de Zoey. Hoje à
noite, Zoey parece estar em um pico de energia e enquanto faço
massagem nos pés dela, ela me conta sobre seu dia, como se tivesse
ligado nos 220.
​Ela está esticada no sofá , com três travesseiros atrá s dela e as mã os na
barriga, tentando acalmar Anna, que nos ú ltimos dias tem pedido para
sair da barriga da mã e. Minhas mã os estã o nos pés dela, liberando a
passagem de sangue para suavizar o inchaço.
​— A médica marcou o parto para o dia 28 de novembro, acho que estou
um pouco nervosa. Minha mã e vai embarcar para cá na pró xima semana,
mas mesmo assim, sinto como se nã o estivesse preparada. Ah, eu disse
que Heather também vem? A Doutora aceitou deixar ela auxiliar no
parto, o que me deixa mais segura.
​— Vai dar tudo certo, querida. Vou pedir a Cora para arrumar os quartos
de hó spedes, as bolsas maternidades já estã o prontas. Está tudo pronto
para a chegada dela.
​Zoey tenta se inclinar para pegar o chocolate quente, mas é um
movimento que requer esforço demais de uma mulher com a mobilidade
tã o limitada por uma barriga maior que ela. Sorrio, me inclinando para
pegar a caneca e lhe entregar.
​— Estou ansiosa para que ela saia logo, obviamente, está difícil com essa
barriga. Mas, ao mesmo tempo, acho que vou sentir falta de nã o ter mais
ela dentro de mim. Consegue entender?
​Levo minha mã o até a barriga inchada, sentindo Anna inquieta dentro
da mã e.
​— Com quem acha que ela vai parecer? — questiono pela primeira vez.
​— Tenho plena certeza de que é com você, ela já puxou o tamanho. Nã o
vai me admirar que ela venha com olhos azuis e cabelo loiro.
​— Nã o podemos ter certeza disso.
​Zoey semicerra os olhos, desconfiada.
​— Você está louco para que ela se pareça com você, nã o é?
​Sorrio.
​— Claro que nã o, quero que ela seja um clone seu. Cabelo preto e olhos
â mbar. Uma mulher assim já é um ganho, duas entã o é como acertar na
loteria.
​ Filhas mulheres tendem a puxar mais o pai na minha família. Eu

herdei poucas coisas da minha mã e, só a altura e o cabelo ondulado, o
resto é tudo herança do meu pai.
​Acaricio sua barriga, tentando acalmar os chutes de Anna, enquanto
Zoey toma um gole do seu chocolate quente.
​— Essa garotinha vai vir para desafiar nó s dois, querida. Escute o que
estou dizendo.
​Zoey e eu rimos, e dormimos no sofá depois dela se recusar a subir para
o quarto.
​Quando Marcella e Heather Moreau chegam a nossa casa, eu evito fazer
presença para que Zoey nã o precise enfrentar um conflito. O ú nico
momento que faço questã o de estar com a minha esposa é quando o dia
do parto chegar, Marcella e eu chegamos a um consenso de que nossas
divergências nã o importam.
​Zoey pede por mim e eu nã o solto sua mã o por nada. Fico com ela em
todas as etapas, desde anestesia até a sala de parto e quando a doutora
começa a abrir a barriga da minha esposa, camada por camada, eu tento
nã o morrer de afliçã o.
​— Você está segurando minha mã o muito forte, Ibrahim — Zoey
comenta, me olhando profundamente.
​Algumas lá grimas escapam dos seus olhos e ela força um sorriso em
meio ao medo que está sentindo.
​— Desculpe — Afrouxo o aperto, acariciando seu cabelo. — Está
sentindo dor?
​— Nã o, está tudo bem. Só estou com medo.
​Sorrio acariciando sua testa.
​— Está tudo bem, meu amor. Você está se saindo tã o bem, é tã o corajosa.
Estou tã o orgulhoso de você.
​Mais lá grimas vazam dos seus olhos e eu beijo sua testa.
​— Você vai ser uma mã e incrível, Zoey. Nossa filha terá muita sorte por
ter você, e eu juro que vou proteger vocês duas com minha alma. Eu te
amo tanto.
​Nosso diá logo é encerrado quando o choro fino repercute por toda sala,
ergo minha cabeça sobre a cortina vendo Heather segurar Anna, toda
ensanguentada e chorona. Ela gesticula para que eu me aproxime.
​— Quer cortar o cordã o umbilical?
​Meu coraçã o erra as batidas e meus olhos se enchem com lá grimas ao
ver a pequena criatura de cabelos pá lidos, chorando como se estivesse
sendo ferida. O choro é forte e isso só pode ser um indício de que ela é
saudável, nã o é?
​Pego a tesoura que me passa, corto o cordã o e tenho minha filha passada
para os meus braços. Um som escapa da minha boca ao sentir o corpo
pequeno dela nas minhas mã os e seu choro de desespero.
​— Oi, meu amor. Oi. — Minha voz embarga em meio à s lá grimas,
enquanto eu a admiro e a embalo nos meus braços. — Eu sou seu pai.
​Levo ela em direçã o a Zoey, incapaz de soltá -la nesse momento, mas
assim que Zoey vê nossa filha e eu a coloco sobre seu peito, e vejo as
mulheres da minha vida juntas, tudo ganha sentido. É como se meus
pulmõ es se enchessem de ar e todas as memó rias ruins fossem
expurgadas da minha mente.
​— Oi, pequena… Você é tã o linda. Tã o perfeita — Zoey soluça enquanto
embala nossa filha nos braços.
​Anna encontra o peito de Zoey sem dificuldade, comigo e Heather a
segurando para que ela se encaixe no corpo da mã e, a mesma para de
chorar quando começa a sugar o leite. Heather se aproxima de nó s, com
os olhos lacrimejando e eu me coloco em torno da minha família como
um leã o.
​Zoey olha para mim e eu vejo o que eu sinto refletido nos olhos dela,
nossas lá grimas sendo pelo mesmo motivo.
​— Bem-vinda ao mundo, Anna Moreau Vassiliev — Zoey sussurra,
beijando a testa da nossa pequena.
​E meu Deus, essa é a melhor sensaçã o da minha vida. Eu nunca
experimentei algo assim e meu peito está explodindo. Minha filha. Eu fiz
uma vida, e ela é perfeita. Em meios a tantos erros, eu acertei em alguma
coisa. E foi um acerto e tanto.
​Anna nasceu no dia 28 de novembro, em um dos invernos mais
rigorosos, mas, de alguma forma, ela trouxe o calor com ela, nos inundou
de amor e até mesmo quando Marcella entra no quarto para vê-la, no
meio da emoçã o, nó s dois acabamos nos abraçando.
Dois anos e meio depois…

​ Ibrahim, traga a Anna de volta para a borda agora mesmo! — exclamo



aos berros ao eleve-lo incentivar a nossa filha a mergulhar na piscina
novamente — Você está louco?!
​Posso vê-lo sorrindo e falando algo baixo, no ouvido de Anna, enquanto
a traz de volta para a borda da piscina. Pego uma toalha e assim que
minha filha fica ao meu alcance, eu a enrolo e verifico seu rosto
ensopado. Anna sorri, mostrando seus dentinhos e segura meu rosto.
​— Zoey, isso nã o é nenhum perigo para ela, você concordou com as aulas
de nataçã o e Anna se sai muito bem nelas — Ibrahim diz, saindo da
piscina apenas de calçã o.
​Fervilho na direçã o dele, abraçando Anna para espantar o frio do seu
corpo longo.
​— Com a professora, tudo bem. Com você, nã o! Como nã o sente medo de
mergulhar ela dessa forma, ela é só um bebê.
​Trago o rosto da minha filha para perto do meu, beijando as bochechas
gordinhas e Anna me afasta.
​— Eu tenho dois anos, assim… — Ela mostra dois dedinhos gordos,
fazendo o pai sorrir.
​As lendas nã o mentem. Meninas sã o mais apegadas ao pai, e no caso de
Anna, ela é cú mplice do dela. Esses dois vã o me matar.
​ Tudo bem, querida. Nã o vou mais praticar com ela, só fiz porque

estava calor e ela me pediu. Mas, nã o se preocupe, nã o vai mais
acontecer. — Ergue as mã os.
​— É bom que seja verdade, Ibrahim. Se eu ver você deixando ela
mergulhar sem a supervisã o da professora eu mesmo acabo com você,
entendeu? Agora, vá até o escritó rio, Vadim está esperando por você. E
depois, tente comprar mais algumas uvas de onde comprou aquelas no
mês passado. Meus pais vã o chegar na pró xima quinta-feira e eu quero
fazer uma boa sobremesa.
​Ibrahim suspira. Ele e meu pai nã o construíram uma boa relaçã o, eles
brigam mais do que tudo sobre a criaçã o de Anna, e só fazem as pazes
perto dela e sempre acabam a noite tomando Vodka no escritó rio em um
silêncio mortal.
​Passo direto pelo meu marido, seguindo para o quarto de Anna, com ela
nos meus braços. Enquanto isso ela está dizendo o quanto é bom tomar
banho de piscina e o quanto ama mergulhar, e suas mã os capturam os
fios do meu cabelo, enrolando-os enquanto ela conversa comigo.
​— Tudo bem, mocinha. Eu sei o quanto você gosta, mas só pode com a
professora. O papai nã o entende nada de mergulhos.
​Encho a banheira do quarto dela, me concentrando em tirar seu maiô
enquanto ela enche.
​— O papai é legal!
​— Você sempre faz questã o de dizer isso, querida. E eu entendi desde a
primeira vez, mas a mamã e também é legal, nã o é? Faço tortas deliciosas
para você, encho você de carinho e brinquedos… — Tento, pegando nos
braços para colocá -la na banheira.
​— Vovô Kai tem presentes mais legais! — grita, feliz da vida e eu
suspiro.
​Minha filha é fã de todos os homens dessa família, menos da mã e dela.
Quando o avô vem visitar, os dois inventam todo tipo de brincadeira e
Ibrahim sempre entra nelas. Quando vai para Las Vegas é paparicada
pelos tios, que toda noite fazem vídeo chamada e promete o mundo
inteiro a ela.
​ enho medo de Anna crescer mimada e egoísta diante da proteçã o e
T
mimos que recebe, e é por isso que eu sempre doso tamanhas doses de
toda atençã o exagerada. Quero criá -la como fui criada pela minha mã e,
sempre com os pés no chã o. Mas é difícil olhar para esses olhos azuis
redondos com cílios longos e nã o se derreter, principalmente quando ela
os pisca.
​Como eu dizia desde a minha gravidez, Anna é uma có pia feminina do
pai, e as ú nicas coisas físicas que ela herdou de mim sã o os lá bios e o
nariz arrebitado. Ela é alta para sua idade, e gordinha, do tipo que você
sente vontade de passar o dia apertando.
​Eu amo como ela é meiga e carinhosa, e como sempre corre para dormir
conosco quando nã o quer ficar sozinha. Ela é tã o atenciosa e está
sempre ligada aos pequenos detalhes. À s vezes, pego muito de Alessio
nela, e quando os dois estã o juntos essas semelhanças ficam evidentes.
Os dois sã o organizados, nã o conseguem comer sem deixar que os
outros legumes se encostem e amam roupas monocromá ticas.
Vittorio, Alessio e meu pai nã o se importam de Anna se parecer
tanto com o pai, nem mesmo quando a viram pela primeira vez. O amor
foi instantâ neo e fez com que metade das coisas ruins que aconteceram,
ficasse para trá s. Agora, somos uma família que se reú ne uma vez no
mês e falamos sobre tudo.
Meus irmã os nã o vêm nos visitar, mas meus pais estã o sempre
por aqui.
— Seus avó s estã o vindo para cá em breve para ver você, e é claro
que seu avô vai trazer muitos presentes.
Comunico a Anna, enquanto visto um vestido creme soltinho e
fresco para aliviar o calor que está fazendo. Ela balança a cabeça como
se soubesse.
— O vovô vai me dar um pô nei, ele e papai.
— É mesmo?
Ela assentiu sorrindo.
Engraçado, nenhum dos dois me comunicou sobre
ter um cavalo no quintal da casa e nem a minha mã e deve estar sabendo
disso, ou ela teria me dito.
Faço um rabo de cavalo nos fios loiros e finos ondulados, e levo
Anna para seu almoço comigo, com Cora, e com o pai, se ele já tiver
terminado a reuniã o.
Para minha surpresa, Ibrahim nã o veio almoçar e eu fico com a
tarefa da vez de alimentar Anna, com seu feijã o preto, verdurinhas com
arroz e vagem, tudo amassadinho. Geralmente é Ibrahim quem a
alimenta, nesse horá rio eu sempre tenho aulas de planejamento. Estou
no meu primeiro ano do curso de ciências da computaçã o e estou
trabalhando tanto para a Camorra quanto para a Bratva em questõ es de
segurança cibernética. Mas hoje é uma exceçã o.
Dou a comida da nossa filha e depois vou com ela até o balanço
do quintal, para colocá -la para dormir. Canto sua cançã o de ninar
preferida enquanto ela enfia a mã o dentro da minha blusa para segurar
meu peito. Mesmo tendo parado de mamar no segundo ano de vida,
Anna nã o perdeu o costume pelo peito.
Coloco ela na caminha e desço para terminar de almoçar e
encontro Ibrahim na cozinha com os ombros tensos.
— Ei, Vadim já foi? Achei que iria ficar para almoçar. Anna dormiu.
Ibrahim tenta dispensar a tensã o, mas eu o conheço bem demais
para saber que tem algo errado.
— Surgiu alguns assuntos para serem tratados em Lisboa, acho
que vou ter que viajar em breve, mas só farei isso depois da visita do
seus pais.
Me sento na bancada com meu prato de comida, pronta para
devorar tudo.
— Lisboa? Foi pra lá que a ú ltima carga de armas foi despachada
na semana passada — lembro — Aconteceu alguma coisa?
Ibrahim se senta ao meu lado, claramente descrente.
— Foi perdida. Toda a carga.
— Como assim perdida, instalamos rastreadores
nos caixotes.
Sua mã o encontra a base da minha coluna e ele sorri em uma
tentativa de aliviar a pressã o.
— Eu vou descobrir, querida.
Anna dorme a tarde inteira e sobra um tempo para Ibrahim e eu
ficamos sozinhos. Aproveitamos ele para limpar nosso quarto, cheio de
brinquedos e paredes pintadas com canetas de cera, para logo depois
nos jogarmos na cama.
Ibrahim entra no meio das minhas pernas e eu balanço a cabeça
exausta.
— Ontem à noite nã o foi o suficiente? — Ergo a sobrancelha,
sentindo-se beijar minha barriga, levantando a regata no processo.
— Ora, querida. Nunca vai ser suficiente e com a presença dos
seus pais e minha viagem a Lisboa… Vai ser muito tempo.
Sorrio levando meus dedos até seu cabelo, sentindo seus lá bios
na pele da minha barriga, sua língua.
— Eu ia aproveitar a tarde para um cochilo, mas isso parece uma
ideia melhor.
Ibrahim rosna, subindo os lá bios para os meus seios e eu me
deixo ser levada pela onda quente de prazer enquanto rolamos pela
cama, devoramos os lá bios um do outro e somos levados ao á pice.
Parece que nunca vou me cansar disso, nã o importa quantas
vezes fazemos. É sempre uma novidade, sempre me tira de ó rbita e faz
meu corpo explodir como fogos de artifícios e eu amo como Ibrahim
consegue ser carinhoso, mas ao mesmo tempo bruto. É uma combinaçã o
maravilhosa que arranca as melhores sensaçõ es de mim.
Quando acabamos e nos abraçamos nus, somos tomados por um
relaxamento milenar.
— Você está tomando pílulas — afirma.
— Sim, desde que Anna nasceu.
— Nã o quer ter outro filho? Já deveríamos estar
tentando, essa casa está grande demais apenas para nó s três.
— Querido, Anna ainda nem entrou na escola e eu quero
terminar meu curso. Temos tempo até o segundo filho, nã o me diga que
sua filha começou a entediar você.
— Claro que nã o, só estou preocupado com a minha idade.
Quando Anna tiver 18 anos eu estarei com 52 anos, fico pensando se
terei tempo de ver mais do que uma filha entrando na faculdade.
Isso me arranca uma gargalhada sincera.
— Meu Deus, Ibrahim. Crise de meia idade? Com um físico como
o seu, e sua dificuldade em morrer eu nã o estaria tã o preocupado se
fosse você. — Me deito sobre seu peito, olhando para ele. — Teremos
mais filhos, só que nã o no momento. Nem mesmo vou avisar quando
parar de tomar a pílula para ser uma surpresa para nó s dois.
Um sorriso se desenha nos seus lá bios e ele me puxa para um
beijo, antes de nó s dois cairmos em um cochilo que só dura poucos
minutos antes de Anna acordar. E quando ela o faz, Ibrahim me manda
continuar dormindo que ele vai cuidar dela, exatamente como fazia
quando ela era recém-nascida e acordava no meio da noite.
Tinha vezes que ele a colocava no meu peito e ficava segurando-a
sem me acordar, até hoje eu nã o sei como ele fazia isso. Ele é um ó timo
pai, e à s vezes sinto que até melhor que eu como mã e.
Meus pais chegam na quinta-feira de manhã e Anna corre em
direçã o a eles como um furacã o, é extremamente difícil de controlar
suas pernas longas quando ela começa a correr. Meu pai a pega do chã o,
rodopiando e dando beijos atrá s do outro.
Anna pula para os braços da minha mã e e o sorriso radiante no
rosto dela nã o esconde a alegria que ela sente em ter a neta nos braços.
Cumprimento meus pais com um abraço apertado e os levo para dentro.
A neta deles pergunta pelo pô nei e tanto o pai como o avô olham
para mim desconfiados, fazendo o favor de mudar rapidamente de
assunto.
Os três somem da minha vista, enquanto mamã e eu vamos para a
cozinha tomar chá gelado e conversar sobre os ú ltimos acontecimentos
da Camorra.
— Heather está com suspeita de gravidez — comunica.
— Sério?! — praticamente grito as palavras.
Minha mã e assente, sorrindo.
— A menstruaçã o está atrasada e ela anda tendo enjoos matinais.
Alessio está fora de si e já comprou todo tipo de exame, mas ainda é
muito cedo para saber.
— Meu Deus, ela nã o me contou! Mã e, o Alessio vai enlouquecer.
Ela assente, rindo.
— Seu pai está ainda mais nervoso, todos estã o. Seu irmã o está
deixando todos loucos e nã o quer que ninguém de fora da família
descubra.
Levo a mã o à boca, incrédula. Eu preciso ligar para Heather e
debater sobre tudo isso. Mais um bebê Moreau, Deus permita que nã o
puxe ao pai.
Meu pai entra com Anna nos braços, com o rosto sujo do que
presumo ser geleia de morango e eu vejo na interaçã o deles o que eu já
tive com ele. A maneira como ele brinca e conversa com ela… Era como
costumávamos fazer, meu coraçã o se enche de alegria ao ver minha filha
sendo amada como eu fui por ele, até mais.
Ele passou por cima do orgulho dele por ela e mesmo nã o
gostando de Ibrahim, age pacificamente em torno dele para nã o deixar
Anna pensar que eles nã o se gostam.
A ú nica coisa que desfoca em tudo é minha relaçã o com Vittorio,
nó s dois nunca mais nos falamos depois da ú ltima vez, e quando
conversamos é sobre Anna. Eu nã o sei como anda sua vida, mas vejo a
culpa o corroendo sempre que está por perto.
Ele sentiu medo de que eu fosse privá -lo de acompanhar o
crescimento da sobrinha, e me pediu para que eu o deixasse vê-la de vez
em quando. A culpa o está corroendo, e o pior disso tudo?
As vezes sinto como se nosso pai soubesse a verdade por trá s do
meu casamento com Ibrahim. Que Vittorio me meteu nisso e quando
esses pensamentos surgem na minha cabeça, eu temo pelo pior.
— Um pô nei!
Ibrahim surge com um quando estamos almoçando no quintal e
Anna corre em direçã o a ele com meu pai logo atrá s. Levo a mã o à
cabeça, suspirando alto.
Como vou controlar essa menina com um pô nei agora?
— Precisamos de uma casa com um quintal maior — sussurra
Ibrahim no meu ouvido com um tom risonho.
Olho para ele levando minha mã o até seu rosto.
— Eu te amo.
A surpresa brilha em seus olhos antes do brilho de lá grimas
surgir ali. Eu nã o digo isso com frequência, a ú ltima vez foi quando ainda
estávamos em conflito, a esperança que essas palavras acendem em seus
olhos é de aquecer até o coraçã o mais gelado do mundo, e em nenhum
momento nó s dois cortamos o contato visual.
Apenas quando eu encosto a cabeça no seu peito e nó s dois
observamos meus pais ensinando Anna a montar.
Quem diria que o que aconteceu três anos atrá s, terminaria
assim?
Com uma casa cheia de fotos com nossa filha desde o nascimento
dela, comemorando cada aniversá rio e momentos entre família, logo
com Ibrahim.
​ elo menos uma vez no ano, durante o verã o, os chefes e subchefes das
P
cinco famílias se reú nem em Ná poles, na Itá lia, para três dias de
reuniõ es e comemoraçõ es sobre os ganhos e evoluçã o das organizaçõ es.
Este ano, assim como os outros, meu entusiasmo é zero. Ir para uma
cidade pequena, cercada de pessoas conservadoras e pragmá ticas me
deixa ansioso para ir embora.
​Me levem a mal, mas eu odeio a falsa moral que os homens da má fia
pregam sobre mulheres, mesmo tendo crescido com um pai e uma mã e
que seguiram as regras do casamento. Bom, pelo menos desde que meu
irmã o gêmeo e eu nascemos.
​Sinto que fui corrompido quando atingi uma certa idade, onde o bem e o
ideal, aquilo que é certo se tornou profano. Minha boa conduta é uma
fachada para os meus anseios por coisas que deixariam qualquer pessoa
de bom senso de queixo caído e renderia um padre me exorcizado.
​Meu pai conhece meu gosto por mulheres quebradas, sujas no sentido
de topar qualquer coisa por sexo, desde eu pague bem. Eu nã o preciso
ouvir o desabafo delas, me concentrar em dar prazer mesmo sabendo
como posso fazer. Meu negó cio com elas é dar a quantia que me pedem
em troca de aliviar o terror dos meus demô nios e nossas atividades
envolvem um sexo obsceno, masoquista e regado a profanidade.
​Nã o suporto estar no meio de homens de fachadas, que acham que ter
uma esposa em casa e uma penca de filhos é resultado de uma
realizaçã o, e quando esses mesmos homens se aproximam de mim e
perguntam quando finalmente irei me casar, assim como Alessio, eu
limpo a garganta e deslizo dos seus tentá culos, ciente de que estã o
tentando me empurrar uma das filhas puritanas deles.
​Sei que chegará o momento em que terei que ter uma esposa, e já estou
cuidando disso. Estou com 29 anos, passando do prazo de validade e eu
posso sentir meus pais inquietos. Zoey se casou, teve uma filha e Alessio
está prestes a ter o seu primeiro.
​Engulo o líquido castanho de uma só vez ao pensar na minha irmã e o
que fiz a ela para proteger um territó rio que nem mesmo por direito me
pertence, foi usurpado por meu pai. Ela está casada com um
brutamontes, um homem que a quebrou e eu nã o consigo comprar a
felicidade que ela ostenta agora.
​Eu estava lá um dia depois do casamento, eu a vi depois da lua de mel
que nã o deveria ter acontecido. Os olhos da minha irmã , a tensã o no
corpo dela… Ela fora destruída e por alguma razã o quis continuar com
esse casamento. Nã o importa quantas vezes ela me diga que está feliz e
que me perdoa, eu nunca irei esquecer o que causei nela.
​Mesmo tendo Anna e ela sendo o motivo de alegria de todos os Moreau,
se eu pudesse voltar ao tempo e feito meu plano de entregar Zoey e
roubá -la de volta no dia do casamento, eu nã o teria feito. Embora eu
tenha assinado um acordo com Ibrahim para deixar minha irmã se casar
com ele, a ideia nã o era essa. Eu consenti sabendo que daria um jeito de
resgatá -la antes que ela subisse no altar, dando ênfase de que ele nã o
poderia consumar o casamento, mas nã o contava com a sagacidade e
inteligência do meu adversá rio.
​Ibrahim estava de olho em todos meus movimentos, assim como tinha
conseguido apoio dentro da organizaçã o para acabar com a minha vida e
tomar meu territó rio, ele também encontrou uma forma de me manter
preso na Filadélfia enquanto abusava da minha irmã .
​Hoje vejo Zoey sendo esposa dele, tendo uma filha com ele e só consigo
pensar que Anna é pura demais para ser filha de um homem como
Ibrahim. E uma coisa eu nã o posso negar, ele pode ser um energú meno,
mas é um ó timo pai e eu odeio admitir isso, mesmo que me sinta
aliviado por isso. Mas o peso da culpa nunca saíra dos meus ombros, nã o
importa quantas vezes Zoey diga que nã o importa mais e tudo ficou no
passado.
​Eu sempre vou olhar para minha irmã e ver os danos que causei nela
para proteger um territó rio que tem de mim um interesse forçado.
Cresci com meu pai me dizendo que eu seria o Underboss, que a
Filadelfia me pertencia e que meu dever era governar tal como ele, e
quando se é criado por um pai que mudou todo um rumo de cinco
organizaçõ es com sangue e medo, tornou a esposa de filha bastarda a
senhora suprema, com direito a cadeira na mesa da Alta Cú pula, você
começa a ver para o que nasceu.
​— Nã o acha que está bebendo demais, Vittorio? — Meu pai se aproxima
de mim, com as mã os atrá s das costas, e uma expressã o amigável, bem, o
que se parece ser.
​Olho para o meu copo vazio.
​— Achei que iria mandar Alessio este ano, mas visto pelo que nossa
família passou com o casamento de Zoey, nada melhor do que você para
impor medo e cessar os falató rios — comento.
​Nó s dois estamos em um escritó rio de um dos castelos do Capo da
Ndrangheta, eu estou olhando para o jardim através de uma janela que
estava coberta por cortinas pesadas. Todo o cô modo estava escuro até
eu abrir essa brecha.
​— Você parece um pouco irritado, essas reuniõ es sempre deixam você
assim. Tem algo que queira contar, filho?
​Olho para ele, encontrando a imparcialidade estampada no seu rosto e
quando fico em silêncio, ele respira fundo e balança a cabeça.
​— Anna iria adorar esses jardins com fontes. Ela iria adorar toda a
Sicília, a garota se parece com a mã e no espírito de aventura.
​— Alguma coisa ela tinha que puxar a Zoey, afinal. Mas sim, eu concordo.
Talvez devêssemos trazer ela no pró ximo verã o, quando essas reuniõ es
enfadonhas nã o estiverem acontecendo.
​Os olhos do meu pai brilham com algum brilho desconhecido, e um
sorriso se desenha no recanto dos seus lá bios. Ele parece brutal, a
cicatriz descendo como uma lá grima pelo seu olho dá mais ênfase a essa
expressã o.
​— Preciso que venha comigo a um lugar amanhã , vou me encontrar com
um conhecido nos arredores da cidade.
​Balanço a cabeça, concordando. Será bom sair do ar abafado que é está
envolta da Cú pula.
​Dou meu dia por encerrado depois de passar quase o tempo todo me
esquivando dos homens da organizaçã o e subo para o quarto reservado
para mim. Caio na cama, um pouco tonto pela quantidade de uísque.
Meu celular vibra dentro do bolso e eu o pego, apenas para ver uma
mensagem de Risa, uma das minhas parceiras sexuais mais frequentes,
me perguntando se quero os serviços dela hoje. Eu adoraria, mas com a
distâ ncia ela se torna inú til para mim, entã o bloqueio o celular, tiro
meus sapatos e me viro na cama de madeira, ouvindo-a ranger com meu
peso.
​Pego no sono imediatamente, mesmo que nã o consiga dormir bem, e
quando acordo, sinto meus mú sculos rígidos e a cabeça pesada, a boca
seca e pegajosa.
​Me levanto para começar a me arrumar. ciente de que nã o se passa nem
das seis da manhã , mas quero evitar o má ximo que eu puder dos Capos e
Dons que estã o reunidos aqui hoje. Principalmente Maximiliano
Colombo e seus simpatizantes, que desejam me ver longe da Filadélfia.
Olhar para eles me faz desejar acabar com suas vidas lentamente, drenar
o desejo de me expulsar com minhas adagas.
​Eu olho para eles e imagino o pior tipo de dor que posso fazê-los sentir e
eu já planejei até uma maneira de conseguir fazer, mas me pego
impossibilitado de executar pelas regras que jurei proteger. E por essas
regras que dei minha irmã de bandeja ao inimigo.
​Encontro meu pai já pronto, com suas costumeiras roupas pretas
tomando café com Matteo, o Don da La Santa, em uma conversa baixa. Os
olhos cansados e fundos do Don se erguem para mim, e ele faz um gesto
para o meu pai, que se vira para me ver chegar na cozinha.
​— Coma alguma coisa, vamos sair daqui a pouco — avisa.
​ Vai visitar o velho Francesco Gambino? — Matteo pergunta, levando

uma caneca de café aos lá bios.
​Tento associar o nome a alguma lembrança, mas nada vem à minha
mente. Meu pai termina seu café, cumprimentamos algumas pessoas e
saímos de carro, sem capota, pelas ruas longas e apertadas de Ná poles,
com o clima do verã o escaldante. O dia está claro demais para causar
sensibilidade aos olhos, o que requer ó culos escuros. O som do mar e o
cheiro de maresia me fazem lembrar da minha mã e e uma espécie de
carinho toma meu peito.
​Só pensar nela para causar algum sentimento bom.
​Meu pai para o carro em frente a uma casa murada com pedras, com um
jardim tomado por uma grama alta e fontes secas, com rachõ es que
deixam claro que nã o vêm á gua há muito tempo.
​— Quem é Francesco Gambino? — questiono quando ele desliga o carro.
​Meu pai ajeita os ó culos escuros e sai do carro.
​— Fique por aqui, eu volto logo.
​Ele adentra a casa, me deixando para trá s, limpo as gotículas de suor que
começam a se formar em minha testa e saio do carro, caminhando para
dentro dos muros da casa que está precisando urgentemente de uma
manutençã o. Ou melhor, uma demoliçã o.
​Caminho pelos jardins tomado por ervas daninhas e grama, procurando
algum lugar para sentar ou até mesmo algum criado para me oferecer
um copo de á gua.
​Estou me aproximando dos fundos quando paro de caminhar ao ver uma
jovem trajando um vestido longo, ajoelhada diante a um altar de Santa
Catarina de Siena, conheço a santa de longe. Paro onde estou, a poucos
metros de distâ ncia e observo a mulher ajoelhada, com as mã os unidas e
um véu branco na cabeça.
​Junto à s características que consigo ver de onde estou: pele escura,
cabelos cacheados e estrutura mediana.
​Quando ela para de rezar e se ergue, virando o rosto na minha direçã o, o
véu que está no seu cabelo voa e a garota tem um sobressalto, ficando
imediatamente desconfiada. Ela leva a mã o fina até o peito e entreabre
os lá bios preenchidos e avermelhados com um grito surdo de surpresa.
S​ ofro um choque com o que vejo. É uma garota bonita. De uma beleza
que nã o estou acostumado a encontrar. Os olhos dela sã o redondos e
castanhos, seu cabelo cacheado bate no meio das costas e tem um
volume que destaca o rosto com traços delicados, que parecem terem
sido desenhados a mã o.
​— Quem é você? — pergunta em italiano, com o tom grave e abafado
pelo medo.
​Levo cinco segundos inteiros para achar o fio da meada, impactado pela
beleza da jovem magra, com cintura fina e um rosto que eu passaria
anos tentando desenhar até acertar na perfeiçã o.
​— Desculpe assustá -la, nã o era a intençã o.
​Dou um passo para pegar o véu que voou para uma das á rvores secas, a
cinco metros de onde estamos, ela se move em direçã o oposta à minha,
mantendo os olhos escuros nos meus e com uma expressã o mais
inquisidora.
​— Como entrou aqui?
​— Você fala inglês?
​Ela perceber que sou americano só parece agravar ainda mais a
desconfiança dela, e sei que está prestes a correr.
​Meu Deus, ela parece um anjo. É tã o linda e parece ser tã o pura.
​— Sou um amigo do seu pai, vim visitá -lo. Neste momento ele está lá
dentro com o meu pai — explico.
​A morena permanece desconfiada e temerosa. Estendo o véu na sua
direçã o.
​— Isso pertence a você, senhorita.
​Ela baixa os olhos dos meus para o véu e eu percebo que ela está
prendendo a respiraçã o. Antes que ela possa pegar seu véu, uma voz
atrá s de nó s a chama.
​— Ethel, entre. Temos visita. — É uma voz feminina, uma mulher mais
velha da versã o jovem à minha frente.
​A mulher sorri educadamente na minha direçã o.
​— É um prazer recebê-lo, jovem Moreau. Meu marido e seu pai o
esperam na sala.
​ lho em direçã o a Ethel, achando o nome tã o lindo e ú nico, como a
O
aparência dela. Ela deve ter 18 anos, no má ximo 20. Entrego o véu a ela,
que parece ainda mais espantada ao ouvir meu sobrenome.
​Sigo para a sala, sem encontrar dificuldade em encontrar o cô modo. Meu
pai e um senhor de idade estã o, ao que parece, à minha espera. O
homem de pele escura sorri brevemente em minha direçã o e gesticula
para que eu sente em uma das poltronas vinhos de tecido desgastado, e
assim eu o faço.
​— Lembro dele ragazzi correndo com o irmã o gêmeo pelas ruas de
Ná poles, e sua esposa e o senhor correndo atrá s dele. — Ele tosse, se
recompondo logo em breve. — O tempo realmente passa, Capo.
​Meu pai, que está sentado em uma postura relaxada, assente.
​— Quantos anos sua filha tem agora, Francesco?
​— Minha Ethel completou 19 anos no início do verã o, Capo. Está uma
linda flor, vou chamá -la.
​Em 30 segundos, a garota de momentos atrá s aparece, com o vestido
mais alinhado ao corpo e uma expressã o ingênua e submissa estampada
em cada parte do seu corpo.
​— Capo, essa é minha filha, Ethel.
​Observo a jovem abaixar os olhos e fazer um cumprimento respeitoso ao
meu pai enquanto desvia a atençã o de mim, que estou completamente
fascinado pelos traços finos do seu rosto.
​— Sirva-nos com um pouco de limonada, querida.
​— Claro, papi. Com licença.
​Sou tomado por um sentimento diferente, que nunca senti antes, mas
que desaparece rapidamente quando penso que ela só tem 19 anos e
parece pura demais para os meus interesses. Uma menina como ela nã o
é para um homem como eu, se eu a tivesse teria que quebrar sua alma e
fazê-la sentir o gosto pela profanidade da existência humana.
​Dispenso o pensamento de desejo que repercutiu pela minha mente,
tentando prestar atençã o no que meu pai e seu amigo estã o falando. Pelo
que entendo, esse tal Francesco fazia parte da igreja cató lica, mas saiu
dela ao conhecer a esposa e ter uma filha e isso explica a situaçã o da
casa, mas nã o o interesse do meu pai nele.
​ uando estamos saindo, meus olhos encontram com os de Ethel
Q
novamente e uma força gravitacional parece me levar a me aprofundar
na beleza dos olhos escuros, na inocência deles, mas basta que eu
lembre que tipo de homem que sou para que entre no carro, tentando
apagar o nome dela da minha cabeça.
​Quando meu pai e eu voltamos ao castelo, ele me segue até o escritó rio,
com as mã os cruzadas atrá s das costas e um sorriso ladino.
​— O que achou?
​Olho para ele, confuso.
​— Sobre o que?
​— Ethel Gambino.
​— O que eu poderia achar dela?
​— Se nã o prestou atençã o, deveria ter feito, mas temos mais dois dias
aqui para você poder conhecê-la melhor.
​Meu corpo enrijece de pura atençã o e eu foco meus olhos no meu pai,
que, por sua vez, está me olhando como se eu nã o fosse uma grande
questã o.
​— Fiz um arranjo de casamento entre vocês. Você, Vittorio, tomará
aquela garota como sua esposa e eu nã o quero ouvir objeçõ es sobre isso.
​Uma risada sem humor sai dos meus lá bios.
​— Nã o pode estar falando sério, eu nunca conseguiria tocar em uma
garota inocente, e o senhor sabe disso.
​Os olhos do meu pai cintilam em um humor hostil.
​— Você e ela terã o até um ano para gerar um herdeiro para a Filadélfia e
garantir a sucessã o do cargo de Underboss. Essa decisã o foi tomada por
mim e eu nã o estou aceitando objeçõ es. Isso nã o é uma negociaçã o,
Vittorio, é um comunicado.
​Um pâ nico frio se instala pelo meu peito e eu fico inerte diante das
palavras dele.
​— O senhor nã o pode fazer isso comigo, pai. Eu vou acabar com essa
garota, ela é uma menina. Nunca sequer vou conseguir encostar nela! —
refuto, com a voz abalada.
​Meu pai abre um breve sorriso de vingança antes do seu rosto ser
tomado por uma espécie de frieza cheia de ressentimento.
​ Quem é você para querer escolher ou tomar decisõ es sobre sua vida

depois do que fez, Vittorio? Estou tirando seu direito de escolha.
​Eu nã o preciso de muito para saber que ele sabe o que eu fiz com Zoey, e
de que esse é meu castigo. Mas é completamente irracional e antes que
eu possa argumentar, meu pai me deixa para trá s, com uma torrente de
ansiedade e medo.
​Ele sabe como eu sou, e o que eu sou. Eu posso me casar com a garota
como ele quer, mas eu jamais serei capaz de tocá -la. Meninas como ela
sonham com um homem carinhoso e respeitoso, e eu sou a antítese
disso e nunca serei capaz de quebrar aquele lindo anjo para suprir uma
vingança pelo que fiz.

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