Pecados Audaciosos (After Wedding Livro 2) - Islay Rodrigues

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Pecados Audaciosos

After Wedding

Islay Rodrigues
Sobre o autor(a):

Islay Rodrigues é uma aquariana e cearense de vinte e poucos anos. Moradora de


Fortaleza, está seguindo sua estrada de tijolos amarelos em direção a realização
profissional e buscando o seu lugar no mundo. É amante de praias, adora viajar, e
registra os melhores momentos da vida com fotografias. É bastante extrovertida e
defensora dos animais, divide o espaço de sua casa com seis gatos e um cachorro.
Encontrou na escrita um refugio nos dias de estresse, escreve de tudo um pouco,
desde aventura e fantasia, a romance adulto e erótico, tendo como inspiração, grandes
escritoras como Collen Houck ou J.K Rowling, até Tessa Date e Eloisa James.
Conheceu o mundo da leitura aos doze anos, quando ganhou um exemplar de “O
mágico de Oz*, desde então, não parou de se aventurar.

Encontre-a nas redes sociais:


Instagram:
@autoraislay
Revisão não profissional.
Imagem de capa: Freepik
Capa: Islay Rodrigues
Prólogo
Em toda a Londres circulavam os rumores. De Bristol à Exeter, só se
falava sobre o mesmo assunto. A desgraça reinava sobre a casa dos Devon.
As enormes torres escuras e velhas do castelo Cartland se sobressaindo na
paisagem, a grandeza e a assombrosa aura de morte que circulava o local
eram como um ponto turístico para os moradores curiosos de Devonshire.
Todos queriam ver, nem que fosse de longe, o local onde há alguns anos,
um enorme mistério havia dado início. Quando, enquanto passeava pelos
jardins proibidos da propriedade, uma camponesa que colhia frutas do
pomar, viu uma mulher cair do alto da grande torre norte que dava direto
para o lago verde lodoso.
Desde então as fofocas circulavam como fogo em uma trilha de pólvora.
Todos tinham um palpite diferente sobre a morte da marquesa. Uns diziam
que tinha tropeçado no parapeito e caído pela janela da masmorra. Outros
opinavam que estava tentando salvar um pássaro que estava preso em uma
archote dos lados de fora da pedra lisa e escorregadia, e deslizou, caindo
para a morte.
Mas as línguas mais maldosas iam mais fundo. Escavavam os podres da
família Devon escondidos por trás das muralhas grossas do castelo. Diziam
que o próprio marquês havia atirado a mulher de lá de cima, e pior, que a
própria marquesa teria se jogado na tentativa de escapar do casamento que
tanto odiava.
Afinal, era do conhecimento de todos que o casamento entre Liliana
Hardweel e Gerard Devon havia sido forçado. Um homem tão odioso e
abominável, que gelava a espinha de qualquer um que cruzasse seu caminho,
jamais poderia merecer alguém tão puro e amável quanto lady Liliana. A
jovem tinha apenas dezesseis anos quando tinha se casado com o odioso por
necessidade de dinheiro. Sem saber a grande insensatez que estava
cometendo.
Sendo o último da sua linhagem, sem irmãos ou parentes distantes, lorde
Devon queria desesperadamente um herdeiro. E tendo passado por dois
casamentos mal sucedidos e visto suas últimas duas esposas falecerem no
parto de bebês defeituosos, teve que recorrer ao último ato de desespero e
desposar a filha de um fazendeiro local, antes que fosse tarde demais e não
tivesse mais condições de procriar.
Se empenhou com tanta veemência em ter um filho que não ligava o
mínimo para o bem estar da jovem, que com o passar dos anos, foi se
tornando cada vez mais decrépita por conta de seus constantes abusos. Ele a
culpava por não querer um filho tanto quanto ele e a castigava ao fim de
todo mês, quando sua regra descia. A jovem que antes era estonteante e
jovial, sucumbiu a desgraça.
Com o passar dos anos, foi sumindo e sendo cada vez menos vista
passeando pela propriedade. Rumores de que tinha enlouquecido circularam
por todo o vilarejo. Foi uma surpresa de proporção colossal quando a
notícia de que tinha finalmente engravidado chegou aos ouvidos do povo.
Lorde odioso, como era chamado entre o povo, ergueu uma grande guarda
em volta da esposa. Os boatos diziam que passou os nove meses de sua
gestação presa há uma cama, impedida de fazer qualquer atividade que
ameaçasse a vida ou bem estar do bebê. Lorde Devon cuidava ele próprio da
mulher, se certificando de que nada desse errado. Aquela criança era a sua
última chance de deixar o legado de sua família a salvo.
O marquês finalmente se viu exultante de felicidade quando a criança,
além de nascer com vida, também era um menino. Saudável e cheio de
fôlego, pois seu berreiro era ouvido por todo o vilarejo. O povo dizia que em
comemoração, o marquês sediou um enorme banquete para alguns dos
membros mais importantes do parlamento, enquanto Liliana se recuperava
dos ferimentos físicos e mentais que a gravidez havia deixado.
O tempo foi passando e quase ninguém no vilarejo, ou até na casa, tinha
posto os olhos na criança. Alguns criados diziam que lorde Devon se
encarregava o próprio de preparar o menino para receber seu titulo e o
nome nobre da família Devon.
Enquanto isso, a marquesa foi esquecida entre as paredes sujas de
Cartland, usada para gerar um filho e descartada pelo lorde odioso. Que
mais tarde, teve que mandar o filho para Eton.
E somente aos oito anos de idade, quando passou de carruagem pelas
ruas do povoado, os moradores de Devonshire viram o pequeno herdeiro
detestável dos Devon. Uma cópia fidelíssima de seu pai, cabelos loiros, olhos
verdes, nariz empinado e a perfeita postura empedernida e autoritária do
marquês.
A criança ainda não entendia o quanto seu pai era odiado, mas,
possivelmente o odiava muito mais. Partiu pelos portões de Cartland pela
primeira vez, e descobriu que o mundo não era nada da maneira que seu pai
descrevera. Se viu deslumbrado com tudo que não fosse a escuridão e
umidade do castelo, partiu para Londres sem saber o que destino lhe
reservava.
Mais tarde naquela semana, os criados ouviram barulhos vindos do alto
da torre norte, o som nítido de um estampido, e de repente tudo cessou.
No mesmo momento do lado de fora das muralhas, a camponesa assistia a
queda da marquesa, observando com horror seu corpo frágil sumir dentro
das águas do lago escuro.
A morte de Liliana não foi uma surpresa para o povo. A jovem, diziam
eles, havia assinado um contrato com o próprio tinhoso no dia do seu
casamento. Sua morte foi alegada como acidente, e nunca foi solucionada.
Mesmo com todos os rumores e versões, a camponesa se mantinha em
silêncio sobre o que de fato viu no alto daquela torre na tarde em que estava
colhendo frutas. Nunca diria que viu o sangue e o objeto metálico
acompanhando o corpo da marquesa, ou o buraco na testa da mulher. O
medo era grande demais para sequer se lembrar.
Os anos se passaram e a morte de Liliana virou um conto de terror usado
para assustar crianças desobedientes. Bastava-se dizer: "Obedecesse teus
pais ou chamarei lorde Devon para te pegar durante o sono e te levar ao seu
castelo." e logo os pequenininhos entravam na linha.
Os adultos também corriam de Devon com medo, seu nome virou
sinônimo de mau agouro, e com o tempo, o homem parou de ser visto. A
última vez que o viram foi atravessando o lago a nado no meio de uma
tempestade, e dias depois, morreu de uma forte pneumonia. Deixando para
trás o mistério da morte de Liliana, o enorme castelo assustador, o título, e o
ódio nos corações dos aldeões. Mas principalmente seu filho e sucessor da
linhagem, o único que conhecia a verdade sobre a morte de sua mãe:
Sebastian Edmond Tresscott Devon, o sexto marquês de Standhurt .
CAPÍTULO UM
Londres, mansão Standhurt - Abril de 1788

Sebastian Devon não era um santo. Na verdade, era muito o contrário


disso. Devasso. Dissoluto. Malvado. Impiedoso. Eram alguns dos subtítulos
que acompanham seu nome. Admirava muitíssimo sua fama e trabalhava
habilmente todos os dias para mante-la incorruptível. Aos dezoito anos no dia
do enterro do próprio pai sediou um bacanal memorável no salão principal do
castelo Cartland, onde havia uma parede cheia com os retratos de seus
ancestrais. Um feito que selou de vez seu título majoritário de libertino
irrefreável. Foi o pivô de centenas de escândalos envolvendo esposas infiéis,
e o maior destruidor de corações juvenis da Grã-Bretanha. Circulava por ai o
boato de que estava proibido de pisar em solo parisiense, por conta de um
rumor envolvendo a filha do príncipe francês, e também diziam que ele
próprio deu um novo significado a palavra, depravação.
Raramente queria alguma coisa e não há tinha no final. E naquele
momento ele se encontrava querendo Seraphne York. Em apenas uma
semana ela conseguiu fazer o que nem mesmo a meretriz mais habilidosa foi
capaz. Deixo-o louco, borbulhante e doente de luxúria.
No momento que seus dedos encontraram o vão molhado entre as pernas
dela, ele soube que teria que entrar ali. Nem que apenas uma única vez. Nem
que para isso tivesse que violar seus princípios e cometer a sandice de se
casar.
Buscou por dias uma solução para aquela fascinação alucinada que tinha
pela moça mas não conseguia evitar, quando percebeu que acabaria
enlouquecendo se não tivesse Seraphne, decidiu sucumbir a maior das
insanidades e pedi-la em casamento. Ofereceu joias, dinheiro, viagens e todo
o luxo que podia proporcionar. Nem é capaz de narrar o próprio espanto ao
ouvir pela boca da própria um sonoro e lastimável, não.
A princípio se sentiu embasbacado, jamais tinha conhecido uma mulher
que negava riquezas ou o futuro de uma rainha, mas logo depois sua surpresa
foi substituída pelo desaforo abrupto ao saber que Seraphne estava aceitando
o cortejo de Ferrowls. Veja só, o moleque ainda cheirava a leite materno e
achava que podia competir com ele. Ele até riria, se não estivesse tão fulo da
vida.
Estava quase morrendo afogado na própria amargura quando Christopher,
seu melhor amigo, lhe deu um conselho que fez uma ideia brilhar em sua
cabeça. Sabia que aquilo não tinha nada a ver com o que o amigo tinha
querido dizer, mas o que importava era que provaria que não seria feito de
bobo. Óbvio que não dava a mínima para as futilidades do casamento, só
queria provar para Seraphne que nunca deveria tê-lo desafiado.
Só precisou esperar a oportunidade perfeita e a encontrou no sarau de
batismo dos gêmeos Cavendish. Quando metade dos convidados já tinham
ido e os que restavam estavam entretidos em conversas amenas, ele
esgueirou-se com ela na privacidade da estufa nos jardins e colocou seu plano
maquiavel em ação.
A beijou ferozmente, e ela se derreteu como neve ao sol. Ele adorava
isso, e por isso a queria tão fervorosamente. A maneira como se entregava
para ele, como se não quisesse nada em troca, como se nada importasse, só
ele. Ela o fazia se sentir necessário. E ele não conseguia deixar de querer
mais e mais. E ali, com ela derramada em seus braços, iluminada por um
facho de luz laranja do pôr do Sol, divina como uma deusa, ele desejou fazer
aquilo da maneira correta, afastou a boca da dela e enfiou o rosto na
curvatura de seu pescoço. Onde o delicioso aroma de jasmim alagou o seu
olfato.
— Case-se comigo. — Arfou, desejando com loucura que ela dissesse que
sim.
A mulher se afastou dele com uma mão em seu peito largo, olhou-o nos
olhos. Ele soube da resposta antes mesmo que ela abrisse a boca.
— Não voltei atrás em minha resposta. Jamais poderia ser o marido que
desejo. — Disse, ele sentiu seu corpo se retrair pela recusa e apertou os olhos
digerindo a resposta.
Tomou fôlego, e quando os abriu novamente, já não continham paixão,
somente determinação e frieza, pura e premeditada.
— Então você não me deixa escolha. - Sussurrou no ouvido dela, e antes que
ela perguntasse o que ele queria dizer com aquilo voltou a devora-la com a
boca. Bebendo do gemido de prazer que ela soltou.
Com os ouvidos atentos do lado de fora do domo de vidro, ele agarrou a
cintura dela com possessividade e ela gemeu novamente, rendida. Ele
espalhou beijos pelo queixo dela, descendo pelo pescoço até encontrar o
ombro fino, no exato momento que as silhuetas embaçadas se aproximavam
do vidro grosso das portas de entrada. Enfiou um dedo no vale entre os seios
macios e empurrou o espartilho para baixo com um único movimento. Os
seios pálidos com auréolas rosadas, quase transparentes, se exibiram para ele,
ela arfou, e ele foi incapaz de resistir a tentação. Beijou um mamilo e depois
o outro pois sabia que depois disso demoraria um longo tempo até vê-los
novamente.
A estufa foi aberta e se afastou, ela estava tão absorta no momento íntimo
que sequer notou que já não estavam sozinhos.
— Seraphne Marianne Rose York! — Gritou Marie York e a mulher em seus
braços deu um sobressalto, virando um bloco de mármore.
Afoita tentou subir seu espartilho mas estava tremendo e a peça escapava
de suas mãos pequenas. Ele permaneceu parado, sem ajuda-la, sentindo o
sabor da vitória se alastrar pelo seu paladar. Ela o procurou com os olhos
esperando sua ajuda, e ele viu o exato momento que os olhos de Seraphne
desanuviaram ao entender tudo.
Lady Cavendish andou apressada até eles e cobriu-a com um casaco.
— Por que? Por que Sebastian? — Perguntou com a voz cortada.
— Porque era o único jeito. — Respondeu friamente e viu que ela ia lhe
bater, mas nada fez, apenas recebeu a pancada pois sabia que devia isso a ela.
Ela o olhou com os olhos alagados de lágrimas de traição e ele sentiu algo
estremecer dentro dele.
— Vamos Sera, vamos sair daqui. — Disse Sophie, a levando para longe.

Uma semana depois.


Ele fitava a cor azul marinho e prateado do dossel de sua cama enquanto
dentro do seu peito uma angústia traiçoeira castigava-lhe o íntimo. Nem
mesmo o calor convidativo que emanava da lareira podia esquentar o vazio
turbulento que perturbava-lhe o sono. Jamais pensou que no fim de tudo,
pudesse sentir algo parecido com culpa.
Achava que qualquer resquício de humanidade que havia nascido com ele,
estava morto e enterrado nas profundezas do seu coração poeirio e ressecado.
Isso se ele sequer existisse.
Não conseguia apagar de sua mente o rosto banhado de lágrimas de
Seraphne York, quando há sete dias atrás, havia destruído seus sonhos
românticos e virgininais de um casamento regado a pétalas de flores e
sentimentalismo.
Não estava se sentindo arrependido por tomar o que é seu por direito.
Jamais havia cogitado a hipótese de casamento, até conhecê-la. Ele não
gostava de admitir nem para si mesmo, mas a moça de cabelos ouro líquido,
estava tornando-o louco.
O eco irritante de seus pensamentos foram abafados por batidas em sua
porta. Levantou apreensivo, jamais recebia visitas às três da madrugada, a
não ser meretrizes e amantes do passado. E ainda assim, nunca antes de
mandar um bilhete de aviso.
Foi até a gaveta superior do seu criado mudo e tirou de lá uma pequena
pistola que guardava para ocasiões como esta. Caminhou apenas de robe até a
porta da frente, naquele horário todos os criados já estavam dormindo.
Olhou pelo vitral da porta e viu uma silhueta curvilínea envolta em um
sobretudo negro com um grande capuz escondendo o seu rosto. Contudo, ele
não precisava ver o rosto daquela bela criatura para saber de quem se tratava.
A luva branca de renda fina denunciava que era uma dama, e ele só conhecia
uma mulher louca o suficiente para sair no meio da noite e andar até a sua
casa.
Guardou a arma no bolso do robe e abriu a porta, deixando que ela
entrasse apressada, dando uma olhada na rua, verificando se alguém estaria
por ali.
— O que você está fazendo aqui tão tarde da noite, acaso enlouqueceu? —
Inquiriu, enquanto ela abaixava o capuz revelando a beleza angelical de seu
rosto.
— Quero conversar com você. — Disse entrando casa a dentro como se já
estivesse habituada a aquele tipo situação.
— E não podia esperar até amanhã? — Ele perguntou, seguindo-a para dentro
da sala de visitas, que estava iluminada pela meia luz da lua.
— Não. Isso tem que ser resolvido o quanto antes. — Respondeu e ele
resolveu ficar em silêncio. Notou que ela evitava olha-lo diretamente, e
percebeu que estava praticamente nu diante dela. Se ele puxasse a faixa, o
robe de seda deslizaria para o chão.
Um calor satisfatório se alastrou pela pele dele ao perceber que sua noiva
estava com as faces ruborizadas. Isso provava que ela não era tão imune a ele
quanto queria aparentar.
— Então, o que é tão importante? — Indagou, andando até um aparador onde
tinha um bonito decanter de cristal, serviu duas doses de xerez.
Ele deveria se sentir no mínimo envergonhado por estar diante da mulher
que arruinou, mas invés disso, deu-lhe uma boa olhada lasciva. Seraphne era
como um diamante bruto, prestes a ser lapidado pelas mãos dele.
Era uma promessa. Como o alívio que vem depois de um dia cansativo.
Era um sopro de ar fresco no meio do calor escaldante.
Estendeu o copo para ela. Ele não deixou de notar o leve tremor das mãos
dela quando seus dedos esguios envolveram o cristal frio.
— Tenho uma proposta para fazer. — Disse levando o líquido aos lábios e
sorvendo um pouco. Parecia estar tomando coragem. Fez uma careta de
desagrado ao sentir o sabor amadeirado e ardoso descer pela sua garganta.
— Sou todo ouvidos. — Ele sentou em uma poltrona, enquanto ela trocava
um peso de um pé para o outro.
Sebastian simplesmente adorava o efeito que causava nela, por mais que
ela se negasse, a atração entre os dois era tão óbvia quanto o ar que passava
pela janela.
— Não sou uma tola inocente, milorde. — Começou, olhando o líquido no
copo em sua mãos. — Sei que só está se casando comigo por desejo, e
infelizmente isso não é suficiente para manter um casamento. Pelo menos não
para mim.
— Onde está querendo chegar? — Perguntou, avaliando seu rosto nervoso,
enquanto tomava o conhecimento de que nada de bom resultaria dali.
— Aceito ir para a cama com você. — Um rastro de fogo desceu do seu peito
até o centro de sua virilha deixando aquela parte dele subitamente rígida. —
Contanto que desfaça o noivado. — Sua excitação foi embora tão rápido
quanto veio. — Desta maneira você conseguirá o que quer e eu poderei me
ver livre do noivado.
Ele engoliu em seco, jamais iria se acostumar com a habilidade que ela
tinha de fazê-lo se sentir menor.
— Supondo que eu aceite... — começou, se acomodando na poltrona,
sentindo todo o corpo ficar rígido pela raiva.— Sua reputação continuará
suja, e as de suas irmãs também, não sei se lembra desse detalhe.
— Se você se recusar a casar comigo, não restará outra alternativa se não
regressar para nossa casa, na América.— Disse isso tão casualmente como
quem diz as horas.
Ele tomou outra dose da sua bebida. Ela preferia ir morar em outro
continente do que se casar com ele. Ele ficou parado, olhando o rosto
angelical dessa mulher cruel.
A queimação da rejeição borbulhava em seu peito como vinte doses de
uísque misturadas com ácido.
Foi tolo por acreditar que Seraphne poderia ser diferente de qualquer outra,
ou diferente dos seus pais. Infelizmente para ela, ele jamais precisou da
afeição de ninguém para viver.
Queria apenas o direito de ter livre acesso ao seu corpo, o resto ele poderia
comprar com o seu dinheiro, todas eram assim e ela não seria diferente.
— Sua proposta é bastante tentadora. — Falou, levantando da poltrona e
andando até a sineta para chamar qualquer criado que estivesse disponível
para afasta-la dali. — Mas terei que recusar. O que você está me oferecendo
agora, eu poderei ter quantas quiser dentro de duas semanas.
Ela se empertigou, erguendo o seu belo queixo em posição de desafio. Ele
trataria de tirar esse ar rebelde de seu rosto logo após o casamento, não
aceitaria uma esposa opiniosa ou desobediente.
— Espero que saiba que não sou um peão de seu jogo milorde, encontrará em
mim uma adversária. — Disse ardil, fitando-o com desprezo. Ele abriu uma
gargalhada divertido. Camuflado toda a rejeição que estava sentindo.
— Isso é algo que vou pagar para ver.
CAPÍTULO DOIS
The London Post

11 de abril de 1788

Essa semana a sociedade londrina acordou com uma notícia um tanto


surpreendente. Seraphne York, uma das três irmãs escandalosas (apelido
dado por esta autora que vos fala), está de casamento marcado com o
cobiçado marquês Standhurt.
A notícia é um tanto surpreendente visto que a moça é obviamente
desqualificada para um cargo tão concorrido. Todas as gerações
antecessores do marquês devem estar se revirando nos túmulos com a
escolha da noiva.
E se os reais motivos do casamento não fossem tão honestos?
Fontes confiáveis confessaram para essa simples redatora que os dois
pombinhos foram pegos em um momento um tanto comprometedor no
batismo dos filhos do duque de Ballister! Eu diria que nosso honorável e
arrojado lorde Standhurt foi ludibriado pela jovem que não esconde de
ninguém que veio a Londres à procura de um título. O golpe do jardim foi
aplicado com sucesso.
O casal se unirá em matrimônio em duas semanas na catedral de St.
George. Boatos de que será uma grande festa cheia de convidados e tudo que
uma futura marquesa tem direito.
A conclusão que tiramos disso minhas senhoras é bem simples:
Segurem bem seus filhos em casa. Homens, tomem cuidado, ainda restam
duas York à solta!

Seraphne rasgou a página do jornal em suas mãos, a amassou, jogou-a no


chão, pisou em cima dela quatro vezes e a atirou no fogo alto da lareira
enquanto bufava como um touro bravo.
— Vejo que já leu a coluna de Abbot. — Disse Daphne, entrando na sala bem
no seu momento de explosão e sentando-se em uma cadeira para tomar o
desjejum.
— Já falei para não ler isso, Sera. — Disse Josephne, sem erguer os olhos do
livro que tinha em mãos.
Como se isso fosse fácil, como se ela fosse capaz de desviar os olhos da
enorme manchete onde seu nome estava escrito com letras negras e
espaçadas. Mentiras! Disparates! Impropérios!
Pela terceira vez naquela semana a acusavam de algo que ela não fez.
Como se já não bastassem os cochichos pelas suas costas por onde passava,
ainda tinha que aturar isto. O problema não era ser enganada e obrigada a se
casar com um homem que não amava. Não, isso ela tinha consciência de que
era de sua total culpa. O problema era ter que ler acusações e palavras
maldosas sobre suas irmãs. As únicas que não tinham nada a ver com as
burrices que havia cometido.
Elas eram, sem sombra de dúvidas, o único motivo para Seraphne estar
fazendo isso. Sabia que as irmãs não desejavam se casar com um nobre
inglês, já tinham dito isso trilhões de vezes, mas ela não seria capaz de tirar
delas o benefício da escolha.
Queria que as irmãs encontrassem um marido digno, diferente do dela,
aristocrata ou não. Queria que elas ao menos tivessem alguma reputação. Já
que a dela, já estava indiscutivelmente na lama.
— Acredito que vou ter um surto. — Falou, jogando-a no sofá com o rosto
enfiado em uma almofada.
— Isso só está acontecendo por seu noivado ser muito recente e de certa
maneira um escândalo. Essas velhas são todas fofoqueiras, adoram ter
motivos para falar de alguém. — Comentou Daphne enquanto a outra
acenava positivamente com a cabeça.
— Sem falar que estão furiosas por terem perdido um partido tão bom logo
no início da temporada! — Riu Josephne, e ela encarou a irmã com o
semblante sério.
Standhurt não seria um bom partido nem se nascesse de novo mil vezes.
Um canalha, traiçoeiro e covarde. Aproveitador de virgens. Nunca devia ter
ficado à sós com ele sabendo o que ele faria com ela, o que os dois fariam um
com o outro. Mas ele era tão irresistível, tão, tão, tão... Argh.
No princípio não quis se casar com ele por ser um libertino, a ela
assombrava o destino de uma esposa traída, mas depois, teve a chance de
conviver mais próxima de Standhurt, e descobriu que ele era completamente
o oposto do que achou que fosse.
Bruto. Arrogante. Dissimulado e completamente sombrio. Sentia calafrios
ao olhar nos olhos dele e ver uma alma vazia.
Não se sentia envergonhado por ter enganado ela, ou sequer culpado por
manchar sua reputação. Tinha colocado-a em uma carruagem na noite
passada e mandado de volta para casa, sem um pingo de remorso. Era
revestido de chumbo e ela suspeitava que ele fosse oco por dentro.
Sempre sonhou com o dia do seu casamento. Em uma enorme igreja cheia
de pessoas, em um vestido grande e rendado, com uma orquestra ao fundo
enquanto seu pai a entregava para o homem de sua vida.
E agora teria que se contentar com Standhurt. Bufou. Não era um homem
feio, muito pelo contrário, era muito bonito, e talvez esse fosse o problema.
Homens bonitos não prestavam. Veja o caso de sua amiga Sophie, casou-se
com um pecado e passou meses separada do marido por acreditar que ele a
traía. Ela, teve apenas sorte, pois Christopher é um homem íntegro, que
jamais forçaria ela a nada. Diferente do seu noivo.
Levantou do sofá e caminhou até a janela que dava de frente para o Hyde
park. Se casaria em duas semanas, com certeza não seria com o homem de
sua vida, mas seria o casamento de seus sonhos de menina. Seu pai não
estava economizando em nada nos preparativos para a cerimônia e a festa de
recepção. Ela sabia que todos estavam se esforçando para fazê-la feliz. Mas
não estava.
Sebastian podia ter ganhado a batalha, mas não iria ganhar essa guerra.
Seraphne sabia que só tinha feito isso para coloca-la na sua vasta coleção de
vitórias e para provar que tinha controle sobre ela. E ela odiava se sentir
manipulada. Não iria deixa-lo sair vitorioso por muito tempo, quando ele
souber o que ela está planejando, se arrependerá amargamente por tê-la
enganado.
E somente a antecipação doce da vingança, fazia ela querer prosseguir.

❀❀❀

Sebastian parou de frente para o mostruário de joias e avaliou


detalhadamente cada peça de ouro posta sobre o veludo vermelho. Tinha
reservado os mais caros da maior joalheria de Londres e nenhum era capaz de
lhe cativar o interesse. Queria algo bonito, mas sofisticado, que ao olhar de
perto, se revelaria deslumbrante e único, igual a sua noiva.
— No dia do meu noivado com Sophie dei um anel de ouro maciço com uma
pedra em formato de coração incrustada.— Disse Christopher, suspirando
profundamente. Sebastian estava para dar um chute no homem.
Estava todo tempo suspirando de amores pela esposa e sendo um péssimo
padrinho de casamento. As favas com Sophie e seu anel de coração, ele
precisava dar um jeito em Seraphne ou ficaria viúvo antes de se casar.
— Da para prestar atenção na questão principal? - Indagou impaciente, e o
amigo saiu de seu transe. Ele pegou um anel do mostruário e logo o
devolveu, nada era digno de Seraphne.
— Sim, claro. — Limpou a garganta.— como eu ia dizendo, Sophie me
confessou noite passada, sem querer é claro, porque se ela ao menos sonhar
que eu andei passando informações para o time adversário vai me decepar a
cabeça, e eu não disse qual.
Sebastian não conseguiu controlar um sorriso. Era difícil de acreditar que
seu amigo, aquele mesmo que sediou a maioria de suas depravações, estava
com medo da esposa.
— Ela nunca irá saber. Não por mim. Agora fale de uma vez. — Acalmou-o.
— Enfim, ela deixou escapar que Seraphne está irredutível. Não vai se casar
sem sua avó Geraldhne e a velha só poderá chegar em Londres dentro de
duas semanas. — Disse, e um aperto doloroso se fez no estômago do
marquês.
— Ela está louca se acha que vou esperar mais duas semanas! — Explodiu e
todos na joalheria o olharam enviesados.— Ela está fazendo isso de propósito
Christopher, isso tudo é um castigo pelo que eu fiz, eu sei disso.
Levou uma mão a testa.
— Acalme-se Sebs, Seraphne está apenas tentando fazer do seu casamento
algo especial. — Disse ele em tom brando, e Sebastian se escorou no balcão.
Era uma grande mentira, ela estava fazendo isso para confronta-lo, para
provar que poderia mata-lo lentamente se quisesse.
— Não posso aguentar Christopher. — Revelou sentindo todo o peso nas
costas. — Não sei como conseguiu passar mais de um ano desejando Sophie.
Eu estou contando os dias, as horas e até os malditos minutos! Não posso
esperar mais duas semanas. Droga, fizemos um acordo e eu dei um mês, ela
já me fez adiar esse casamento longe demais. A essa hora nós já estaríamos
casados se não fosse por um maldito detalhe.
— O padre morreu Sebastian, isso não é um detalhe. — Alertou, e ele olhou
irritado para seu rosto.
— Você não está ajudando. — Rosnou e Christopher rolou os olhos.
— Escute...— Disse, abaixando a voz.— ...você já tentou...você sabe... o
cinco contra um?
Sebastian ergueu os olhos para o rosto envergonhado do duque e ao
entender o que tinha querido dizer, não conseguiu controlar a vontade de rir.
— Então foi assim que você sobreviveu? — Perguntou, em meio a
gargalhadas. Ele ficou vermelho como um tomate e o chutou na canela.
— Cala essa boca. — Ele apertou os lábios na tentativa de segurar a risada.
— Olhe, tente não pensar nisso por enquanto, e se empenhe em outra coisa,
como tentar conquistar o coração da garota.
A vontade de rir se foi.
— O coração? O que está sugerindo, que eu faça ela se apaixonar por mim?
— Ele assentiu. — Você está louco. Olhe para mim Christopher, tenho cara
de quem preciso disso?
— Estou apenas querendo dizer que Seraphne não vai aceitar se deitar com
você estando tão chateada como está. Para dizer o mínimo. — Simplificou, e
ele ergueu as sobrancelhas.
— Eu pensei que essa fosse a obrigação dela como minha esposa. — Falou
consternado, e Christopher o olhou como se tivesse ficado louco.
— Não se iluda, só será bom se ela quiser também. E se ela não quiser, bom,
digamos que você estará sendo uma cópia nojenta do seu pai. — Sebastian se
empertigou imediatamente. Christopher sabia apertar exatamente onde doía.
— Não vou força-la a nada, seu grande asno! — Ele abriu um sorriso
satisfeito em vê-lo irritado. — Apenas pensei que...— parou ao se dar conta
de algo.— espera um momento, se ela não aceitar se deitar comigo como o
casamento será consumado?
— É aí que está a questão. — Rapidamente ele compreendeu. Mesmo depois
de casados, não teria a certeza de que Seraphne era irrevogavelmente dele.
Não até tirar sua virgindade. — Entendeu, não foi?
— Estou fodido. — Deixou escapar alto demais e uma mulher que passava
atrás deles, caiu desmaiada. Não deram o mínimo de importância, agora ele
tinha um problema maior. — Christopher, como posso fazer isso? Como
fazer Seraphne se apaixonar da noite para o dia? Tenho certeza que tem mais
afeição a répteis do que a mim.
O amigo abriu um sorriso cúmplice.
— Comece tentando ser gentil, atenda ao pedido dela e espere a avó, faça ela
ter um casamento dos sonhos, dê tudo o que ela quiser e ao fim da cerimônia,
ela estará tão maravilhada com tudo, e principalmente com a sorte de ter um
noivo tão prestativo que praticamente irá pular em seu pescoço. Garanto a
você.— Sebastian ouviu tudo com a atenção nos anéis à sua frente.
Christopher estava certo, tinha que aceitar que não estava em posição de
ser exigente. Queria que Seraphne se entregasse para ele de boa vontade. Não
via a hora de dar fim ao seu sofrimento, não precisaria ser gentil por muito
tempo, só precisava dormir com ela uma vez para acalmar o fogo de seu
corpo.
— Tem razão. Diga a Sophie que concedo as duas semanas que ela tanto quer
para trazer a velha, mas não tolerarei nada mais que isso. — O amigo
comemorou animado e deu palmadinhas nas costas de Sebastian.
— Vai ver, daqui a duas semanas valerá a pena. — Disse, e ele fez um gesto
de pouco caso com a mão.
Não seria tão ruim conceder as duas semanas, nesse meio tempo poderia
aproveitar para ajudar nos arranjos da festa. E também a colocar a pequena
ideia que acabou ter, em ação. Seraphne até poderia ter uma ou duas
qualidades, mas no fundo era tão fútil quanto qualquer outra mulher.
Se aproximou do joalheiro e apontou para os anéis.
— Não gostei de nenhum seu estoque, mas estou disposto a pagar o dobro do
mais caro se o senhor conseguir fabricar um único anel em duas semanas .
CAPÍTULO TRÊS
O ateliê de Gianny Fintwick ficava praticamente espremido entre uma
padaria e uma barbearia no distrito de Smithfield. A bonita fachada adornada
de flores do local, destoava do restante do comércio por ali. O bairro de
classe média era geralmente habitado pelas classes trabalhadoras, o que não
foi uma surpresa quando o pequeno grupo de mulheres chamaram a atenção
de alguns transeuntes quando desceram da elegante carruagem. Atravessaram
a pequena calçada, onde Josephne York parou para acariciar a orelha de um
cachorro que vigiava a entrada e passaram pelas portas grossas do ateliê.
O motivo de estarem ali era para a última prova do vestido de noiva de
Seraphne. E depois dessa, não teria mais motivos para adiar o inevitável. Iria
se casar.
A figura miúda e requintada do senhor Gianny apareceu nos fundos da
loja, andando até elas ligeiramente. Exibindo seu nariz adunco e seu bigode
prateado. Era um homem de humor cativante. Não era o mais cobiçado de
Londres, mas era muito conhecido por ser ousado e levar as opiniões de suas
clientes em consideração. Ele havia feito o enxoval de Sophie e segundo ela,
era muito bom no que fazia.
— Oh, Lady Sophie, Senhorrites Yorrk! — Disse, com sua habitual saudação
entusiástica. — Vierron fazerr a última prrove de vestide, imegine?!
Seraphne tentou proferir uma palavra mais só saiu um chiado estranho e
meio esganiçado.
— Sim! Estamos tão ansiosas! — exclamou Josephne bem mais animada do
que ela. Em milhões de aspectos.
— Clarro, mademoiselle, venhon comige. - Disse, indicando com a mão e
entrando mais para dentro do ateliê, que estava vazio.
Acompanharam o homem passando pelas muitas fileiras de vestidos. De
todos os tipos, cores e modelos, por um longo corredor que dava direto a um
pequeno altar de frente para um espelho. Seraphne se sentiu caminhando pelo
corredor da morte.
— Está tudo bem? — Sophie perguntou, tocando levemente a mão no em seu
braço gelado.
— Sim, estou ótima. — Mentiu, forçando um sorriso que pareceu assustador.
A verdade era que a cada dia que passava, uma realidade aterradora vinha
se chocando contra ela. Iria de fato se casar. E até acordar aquela manhã, para
finalizar os retoques de seu vestido, ainda não tinha se dado conta disso.
Ia além de um simples juntar de nomes. A partir de domingo, ela não
seria mais a simples e liberta, Seraphne York, filha de um investidor
americano. Não, invés disso ela seria a marquesa de Standhurt. Seria a lady
Sebastian Devon. E teria que assumir o papel que esse nome lhe impunha,
teria que abandonar o lar de seus pais, e se aventurar com outra pessoa em
mundo completamente desconhecido. Pessoa essa que nem ao menos
conhecia. Ou se quer gostava.
Olhou de relance para as irmãs, essa era a parte que lhe doía mais. Desde
que nasceu, sempre teve a segurança e o conforto de saber que tinha duas
irmãs ao seu lado. Dentro de uma semana, tudo estaria dissolvido. Como
poderia deixar sua irmandade para sempre? O trio iria se desfazer e seriam
uma dupla.
Olhou para os seus rostos radiantes, e sentiu seu coração se desprender do
peito. Elas eram um complemento, cada uma tinha o faltava na outra e isso
causava um equilíbrio. Agora, sem as irmãs, faltariam suas duas partes. O
que seria dela sem elas?
Tentou pensar positivo, mas foi um fracasso.
— Aqui, está! — Disse o estilista, quase perdido no amontoado de cetim e
seda branco perolado.
As outras mulheres ali soltaram suspiros altivos encantados. Seraphne
encarou de frente o que seria seu vestido de noiva. Viu nitidamente uma
algema.
— Suba aqui, cherrie. —Indicou o pequeno altar e impulsionada por um
pequeno empurrão de Sophie, ela subiu. Com a ajuda das irmãs, ficou só de
roupas de baixo.
Suas mãos suavam frio. Seu estômago estava sendo castigado pelo
nervosismo. O estilista passou primeiro a anágua de arame pela sua cabeça, o
negócio desceu até descansar na altura do seu quadril. Depois, passou o
tecido farto pela cabeça. Ele caiu sobre o corpo dela como uma chuva de seda
macia. Se emoldurando por ele como peças de um quebra cabeça. Atrás dela,
um soluço emocionado se fez, e tudo que conseguiu fazer foi ficar dura como
uma estaca.
Gianny terminou de abotoar o espartilho com detalhes florais em tons
dourados bordados a mão, e jogou o longo véu, também branco sobre sua
cabeça. A essa altura todos ao seu redor estavam se debulhando em lágrimas.
Até mesmo o estilista!
– Ah, mon cher! Você está deslumbrrante! — Disse, tirando um lenço do
bolso da calça e enxugando os olhos marejados.
Ela virou-se de frente para o espelho e encarou o próprio reflexo.
Era sem sombra de dúvidas um vestido muito bonito. Branco perolado com
detalhes dourados por todas as partes. Ela tinha desejado que fosse
inteiramente branco, mas Sophie disse que não precisava de mais um
escândalo no seu casamento.
Ela já não dava a mínima para os costumes da alta sociedade. Deveria usar
cores berrantes, que remetessem a felicidade, ou que trouxessem coisas boas
para a celebração, Seraphne queria mais era que tudo se explodisse. Usaria
branco e as favas quem se achasse ofendido.
Principalmente se esse alguém fosse seu futuro marido.
As mangas do vestido eram de cetim e iam até o cotovelo se pregando ao
braço. O decote era modesto, mostrando apenas o início dos seios, o
espartilho modelava a cintura com seus detalhes em dourado e suas pedras de
brilhantes, refletindo todas as luzes ao baterem nele. Caia como uma cascata
gigante de tecidos brancos e dourados ao redor dela. Fazendo-a sentir-se um
enorme bolo de seda, recheado com anáguas e véus.
— Você está tão bonita Sera. Espere só até mamãe ver você... — Suspirou
Josephne aparecendo atrás dela.
Seraphne conseguiu sorrir para a irmã. Seria um casamento bonito, ao
menos pelo lado de fora.
— Nunca achei que fosse dizer isso Seraphne, mas ver você vestida assim me
deu até vontade de casar. — Comentou Daphne, arrancando risadas
emocionadas.
Seraphne passou as mãos enluvadas uma na outra, tentando reprimir
todos os sentimentos que a sufocavam e emitiu uma risada baixa.
— Ah meu Deus! Estou fazendo Daphne virar uma romântica, então é
verdade o que dizem, milagres podem acontecer! — Brincou.
— Você vai ser a noiva mais escandalosa que pisou na Catedral de St.
George. — Foi a vez de Sophie. Ficaram rindo e falando sobre a
magnificência do seu vestido enquanto Gianny terminava com seus retoques.
Naquele mesmo dia ele seria entregue na sua casa.
Quando tudo estava acabado, ela foi avaliar as últimas peças para o seu
enxoval de casamento. Seraphne estava confusa sobre tudo, principalmente
os robes e camisolas de sedas de todas as cores que pareciam faltar pedaços
de tecido.
Ela não havia organizado seu enxoval, estava ocupada demais com os
outros preparativos, deixou isso por conta de sua madrinha. Pegou um pedaço
de seda preta da caixa e abriu o negócio no ar.
— Sophie, pode vir aqui, por favor? — chamou pela amiga, que monitorava
as irmãs ali perto.
— Sim? — Perguntou a morena chegando por trás, olhando para a peça na
mão de Seraphne.
— Pensei que tivesse dito que meu enxoval estava pronto. —Falou, com o
semblante confuso.
— E está. — Respondeu a duquesa com simplicidade.
— Creio que não Sophie, olhe para isto, falta um bom pedaço de tecido nessa
camisola. — Ergueu o tecido no ar e deixou que a amiga vislumbrasse a peça.
— Guarde isso! Se uma de suas irmãs o vir será bem difícil de explicar. —
Disse, pegando a camisola e jogando na caixa cheia de peças intimas.
— Explicar o quê? — Perguntou cada vez mais confusa. Sophie inspirou
fundo e suas feições ficaram levemente ruborizadas.
— O que você sabe sobre a noite de núpcias? — Perguntou, e Seraphne
ergueu as sobrancelhas.
— Mamãe conversou comigo sobre isso há duas noites atrás. Sei o que
acontece entre um homem e uma mulher, embora ache um tanto evasivo. —
Revelou, sentindo o rosto formigar.
— Sim, mas não é tão evasivo quanto parece. Quer dizer... Assim...existe
modos... Quer dizer... Maneiras... De não ser tão... Evasivo. — Disse ela,
entrelaçando os dedos um no outro e olhando para todos os cantos da sala,
exceto para a amiga.
— De que maneiras está falando? — Seraphne perguntou, um pouco mais
interessada. Sua mãe tinha dito que seria doloroso e esquisito, e que tudo que
deveria fazer era ficar deitada e deixar que o marido assumisse a tarefa, mas
nada sobre maneiras de amenizar a situação.
— Bom... É algo um tanto... Embaraçoso. Mas existem... Coisas... Que pode
vir a agradar o seu parceiro. — começou.— Uma roupa mais provocante, por
exemplo, ou um perfume. Algo que seja do agrado dele e tenho certeza que
ele tentará lhe agradecer de alguma maneira.
— Não entendi exatamente o que está querendo dizer.
— Você saberá usar quando chegar a hora. Basta dizer isso. — Disse, dando
a conversa por encerrado e saindo dali a ponto de bala.
Seraphne permaneceu lá, sentada, divagando sobre sua noite de núpcias.
Não tinha o menor interesse em agradar Sebastian em nada. Depois que seu
casamento estivesse consumado ela não voltaria a dividir a cama com ele.
Se iria entrar naquele casamento a contra gosto, iria usar das suas próprias
armas para se defender de uma desilusão.
Tinha prometido e iria cumprir, seria uma adversária à sua altura .

❀❀❀

O barulho de vozes masculinas e risadas altivas chegavam aos ouvidos de


Sebastian enquanto o mesmo assistia com o queixo apoiado na mão,
Christopher embaralhar as cartas do baralho com maestria.
Uma noite de carteado regada a uísque e auto depreciação em uma sala
privada no clube white's, séria a sua despedida de solteiro.
— Você se casando, quem diria... — Disse Thomas, levando o copo aos
lábios. O conde era o mais civilizado naquela mesa, trajando suas roupas
negras impecáveis, com o cabelo muito bem penteado para trás.
Sebastian ficou em silêncio, sabia que o único motivo para terem
convocado essa reunião de carteado era pelo simples interesse de bombardeá-
lo com suposições.
— Por algum motivo isso não me deixou surpreso. — Comentou Alec
avaliando-o assiduamente. O maldito sabia ler as pessoas melhor do que
ninguém, não perdia a chance de infernizar os miolos de alguém. —Você não
é do tipo que aprecia a concorrência.
— Sebastian agiu por paixão. — Defendeu-o Christopher, enquanto distribuía
as cartas ordenadamente. Northwest abriu uma gargalhada, se remexendo na
cadeira com aquele trapo indecente que chama de kilt.
— Sebastian? Apaixonado? Vamos Christopher, nem você acredita nisso. —
Disse, e uma leve irritação brotou no peito dele. Detestava que Alec fosse tão
irritantemente esperto.
— Se não foi por paixão o que mais faria-o tomar uma atitude tão
desesperada? - Indagou Thomas, avaliando seu baralho e descartando a
primeira carta.
— É Sebs, o que mais? — Inquiriu Alec, dissimulado, e Sebastian se segurou
para não atirar o copo de brandy em sua cara.
— Desejo-a, somente isto. — Respondeu evitando de ficar aborrecido com os
olhares encima dele.
— Como se desejo fosse o componente essencial para se casar com alguém.
— Disse Thomas, com irrelevância.
— Mas é. Por que acha que ainda não me casei? — Inquiriu Alec, arqueando
uma sobrancelha. — Se eu tiver que ficar amarrado a alguém para o resto da
vida, que seja com uma bela dama voluptuosa que me tire do tédio uma vez
ou outra.
— Acaso não encontrou tal mulher em todos esses meses que esteve em
Londres? — Sebastian perguntou, e os lábios do escocês subiram em um leve
sorriso.
— Até encontrei, mas ela já estava casada com um brutamontes. — Disse,
Christopher lhe lançou um olhar de morte, ao mesmo tempo que ele fingia
uma expressão de inocência.
Alec não perdia a oportunidade de fazer insinuações sobre a esposa de
Christopher. Mas, por mais que não parasse de cortejar Sophie, era mais claro
que a água que ele só fazia isso para irritar o amigo.
— Por que não procura um rabo de saia e esquece da minha esposa ? —
Perguntou Christopher, atingindo um leve tom de vermelho.
— Christoph, já me conhece. Me divirto mais com mulheres inalcançáveis.
— Piscou um olho travesso.
— Vejam só quem acabou de entrar no clube. — Disse Thomas, os três
olharam na mesma direção, a porta de entrada.
Os olhos de Sebastian encontraram com os de Ferrolws e uma raiva
conhecida brotou em seu peito.
— Como se sente sabendo que sua noiva preferia se casar com ele ao invés
de você? — Cutucou Alec e ele franziu o cenho irritado.
Odiava lembrar do fato de que Seraphne quase se casou com outro
homem. Mesmo depois de ele tê-la pedido em casamento. Coisa que jamais
faria se não tivesse completamente desesperado.
— Você nunca cala a boca? — Perguntou enquanto pegava uma carta do bolo
e descartava outra.
— Não, irritar alguém é bem mais divertido. — Respondeu, bebendo de seu
copo.
— Ouvi dizer que ele ficou muito mal quando tudo aconteceu, estava a um
passo de oficializar o noivado com Seraphne. - Comentou Thomas, e ele deu
de ombros. Pouco se importava com as dores de Ferrolws, contanto que
ficasse bem longe de sua noiva.
— O que pretende fazer depois de casado? — Perguntou Christopher,
mudando de assunto pois deve ter percebido que Sebastian apertava o copo
de vidro com força demais.
— O que todo casado costuma fazer, suponho.
— Procriar como coelhos?
— Engordar?
— Gastar rios de dinheiro em adornos inúteis?
— Dar bailes cheios de frescura e debutantes virgens?
Sebastian ignorou todos os três. Estava pensando seriamente em mudar de
grupo de amigos. Esses só serviam para lhe dar dor de cabeça.
— Vocês são uns idiotas. — Resmungou e os três riram.
— Isso é para você sentir na pele o que eu senti quando comuniquei que iria
me casar e fizeram da minha vida um inferno. — Disse Christopher com um
ar de satisfação.
— Aguardo ansiosamente a sua vez. — Ele falou para Alec, e o escocês rolou
os olhos. Segundo suas contas, o tempo do duque estava esgotando.
— Escute, pretende ficar em Londres depois de suas bodas? — Perguntou
Thomas e ele assentiu, somente pensar em suas bodas fazia seu corpo tremer
pela antecipação.
E não estava mais longe, se casaria em um dia. Amanhã neste mesmo
horário, ele estaria desfrutando dos benefícios de ser casado com Seraphne
York.
— Sério? Vai mesmo correr o risco de Seraphne pedir uma anulação? —
Perguntou Alec, e ele se empertigou de imediato.
Sabia que o amigo só estava falando isso para irrita-lo, mas Sebastian não
podia fingir que isso não era uma preocupação. Se tinha uma mulher louca o
suficiente para cometer tal absurdo, essa era a sua noiva.
— Acha que tem uma chance de ela fazer isso? — As palavras saíram antes
que ele pudesse controlar. Alec deu um sorriso satisfeito. Sentiu vontade de
esgana-lo.
— É uma possibilidade visto que ela entrou neste noivado a contra gosto. —
Disse Thomas, alheio ao desespero silencioso dele.
— E o que acha que eu devo fazer? — Perguntou, colocando a mente para
funcionar.
— Quer que nós te digamos como consumar seu próprio casamento? Jamais
pensei que viveria para ver o devasso marquês de Standhurt pedindo
conselhos como um adolescente virgem. — Comentou Alec e Sebastian
estreitou os olhos para ele, faltava pouco para ele sair morto dali.
— Por que não sai em viagem como os franceses? Eles chamam isso de lua
de mel. — Christopher sugeriu, e ele ergueu as sobrancelhas, avaliando essa
alternativa.
Porém, ele não queria passar a sua noite de bodas em uma carruagem na
estrada. Teria que ir para a propriedade mais próxima. Sentiu um arrepio na
espinha ao lembrar do castelo velho e sombrio. Preferia pegar a malária do
que voltar para lá, mas Seraphne era uma recompensa que valia a pena.
Abriu um sorriso inexpressivo. Ao que parece, iria visitar o inferno antes
do que tinha previsto .
CAPÍTULO QUATRO
Seraphne estava terminando de preencher o último baú com seus
pertences quando uma criada entrou em seu quarto trazendo um bilhete do
seu noivo, convocando-a para uma cavalgada no Hyde Park. Ela olhou para o
dia lá fora, procurando no céu algum indício de uma possível tempestade mas
nem mesmo o clima estava a seu favor. O sol estava radiante e luminoso, sem
uma mísera nuvem preocupante.
Vestiu seus trajes de montaria e o encontrou na saída de sua casa
pontualmente às quatro da tarde. Era a primeira vez que seriam vistos juntos.
Andando lado a lado a cavalo. Alimentando ainda mais as línguas maldosas
das velhas da alta sociedade. Com certeza diriam que ela também o obrigará a
fazer isso. Do mesmo jeito que estavam dizendo que ela, havia armado uma
armadilha para o marquês.
Olhou para seu perfil, sentia as vísceras darem um nó ao imaginar que
amanhã seriam marido e mulher. Sebastian era tão imponente e sombrio, não
parecia o tipo de marido que levaria flores para ela. Ergueu as sobrancelhas,
se dando conta de que ele jamais tinha lhe dado flores. E isso era uma regra
essencial para o cortejo.
— Então, o que quer comigo? — Perguntou sem mais rodeios. As mechas
douradas dos cabelos dele caíam para trás sedutoramente. Dando uma
aparência angelical, quando na verdade era o demônio em pessoa.
— Um pouco de gentileza seria agradável, Seraphne. — Falou sem olha-la no
rosto. Ela odiava sua mania de querer comandar tudo.
— Podes me dizer, por favor, querido noivo, por que raios foi me buscar em
minha casa para andar a cavalo? — Repetiu irônica, e isso fez ele virar o
rosto para ela, a fitou com os olhos semicerrados.
— Não gosto do seu tom. — Disse sério, ela tentou reprimir o calafrio de
medo que passou pela sua coluna.
— Felizmente ainda não somos casados, ainda tenho livre vontade. —
Retrucou, virando o rosto na direção oposta. Quando ele a olhava
atentamente ela ficava estranhamente ruborizada.
Era tão estranho que estivesse diante dele ali. O único homem que a tocara
de maneira tão íntima. Parecia um passado distante, na verdade eles pareciam
pessoas diferentes. Aquele Sebastian que ela conhecia nos momentos de
luxúria era outro homem, bem diferente desse andando ao seu lado.
Continuou guiando o seu cavalo para dentro do parque com a dama de
companhia seguindo os dois há uma distância segura.
— Vim para lhe entregar isto. — Disse, estendendo um pequeno saquinho de
veludo vermelho.
Seraphne apanhou o tecido e puxou a corda fina que o fechava,
derramando o conteúdo em sua mão e vislumbrando o anel, petrificada.
Apanhou a peça entre os dedo. De longe parecia um simples anel de ouro
com uma esmeralda, mas ao aproximar do rosto, via-se pequenos diamantes
enfeitando a pedra como uma constelação de estrelas, rodeando todo o anel.
Quase caiu para trás, devia ter custado quatro olhos e um fígado.
— Não posso aceita-lo. — disse decidida, devolvendo o anel ao homem que a
olhava em desaforo.
— Por que não? É minha noiva, deve, aceita-lo. — Rebateu, sem pegar o
anel.
— É além de um anel. É uma demonstração de carinho, é como uma
declaração de amor, e é mais que óbvio que não temos isso. — Falou
voltando a olhar aquele anel. Sentiu seu coração definhar.
— Pare de romantizar tudo Seraphne, é apenas um anel. — Disse rude e
tomou o anel de sua mão. Puxando-a em seguida e enfiando o negócio no seu
dedo anelar sem qualquer zelo.
Seraphne olhou para sua mão enfeitada. O pequeno anel ofuscaria
qualquer outro adereço que colocasse ali. O ouro contrastava com os pelinhos
loiros de sua mão, e o verde da esmeralda se destacava. Não, não era apenas
um anel, sentia como se fosse feito para ela.
— Obrigada. — Disse por fim, e ele assentiu uma única vez, ainda sério,
voltando a trotar com ela do seu lado.
A sensação daquele anel no seu dedo foi algo totalmente novo. Se sentia
marcada. E talvez, se fosse de outro homem, ela tivesse se sentido satisfeita,
invés disso se sentiu ainda mais sufocada.
— Também quero deixar algumas coisas esclarecidas antes de entrarmos na
igreja amanhã. — Prosseguiu e ela sentiu suas mãos suarem. Era o momento
dos ajustes finais.
— Tudo bem. — Consentiu, tentando esconder a tremedeira de suas mãos
debaixo do tecido de seu vestido.
— Tem uma vida bastante liberal para uma mulher, deve saber que depois
que nos casarmos nenhum comportamento inadequado vai ser tolerado. —
Comandou como se tivesse adestrando a um cachorro. — Não vou aceitar
qualquer tipo de rebeldia ou desobediência.
Deu um tempo para Seraphne processar direito o que tinha acabado de
ouvir. A mulher no entanto se encontrou completamente sem palavras.
— Não ficaremos muito tempo na festa seguida do casamento, planejo sair de
Londres o quanto antes. — ele anunciou e todo o sangue fugiu do corpo dela.
— Sair de Londres? O que quer dizer com isso? — Ele a encarou friamente.
— Vamos nos mudar para a casa onde nasci, em Devonshire. — Respondeu,
Seraphne sentiu cada nervo de seu corpo paralisar.
— Você não me disse que teríamos que abandonar Londres! — Expeliu as
palavras para fora de sua boca, odiando o rosto do homem na sua frente.
— Estou dizendo agora. — Disse casualmente, como se não desse a mínima
para a reação dela.
— Não posso abandonar Londres, tenho minha família, e toda a minha vida.
— Falou na esperança de colocar algum juízo na cabeça dele.
— Ninguém da sua família, além de sua mãe, apóia o nosso casamento. Não
preciso de mais ninguém alimentando sua teimosia. — Retrucou rude, ela
estremeceu com o olhar inexpressivo que ele lançou.
— Não te apoiam com razão, seu ogro insensível. — Sibilou por entre os
dentes e Sebastian cerrou o maxilar. Desafiado pela atitude da noiva.
— Cuidado com o que diz Seraphne. Não lhe aconselho a despertar a minha
fúria. — Disse ameaçador. Nesse momento ela o detestou mais que tudo.
Sentiu toda a indignação voltar a martelar em seu peito, seu pior pesadelo
iria se concretizar. Iria se casar com um tirano.
— Se fizer isso, se me afastar da minha família, nunca poderei amar você. —
disse com ódio reprimido, Sebastian a olhou com um sorriso balançando nos
lábios. Seraphne se sentiu humilhada, o toque de deboche em seu olhar
mostrava que ele fazia muito pouco caso dos seus sentimentos, a vontade de
chorar a atingiu com força.
— Nunca disse que quero o seu amor. Na verdade. Isso, é a ultima coisa que
quero de você. Deus sabe que nunca precisei do amor de mulher alguma para
viver. — Respondeu, e contrariando a avalanche de dor dentro de seu peito,
Seraphne se ergueu em cima do seu cavalo e fitou Sebastian por cima da
barreira de lágrimas.
— Eu odeio você. — Disse por entre os dentes e deu a volta em seu cavalo,
galopando para longe dali, deixando as lágrimas de desamparo caírem em seu
rosto.

Depois de passar horas intermináveis em um jantar com sua família, ela se


recolheu para o seu quarto pela última vez. Havia passado todo o jantar em
silêncio, mesmo com todas as tentativas de sua mãe e suas irmãs de anima-la,
sentia-se afundada em tristeza.
Nunca imaginou, ou sequer cogitou a hipótese de Sebastian querer se
mudar para o interior. E um problema que considerava grande, se
transformou em um enorme. Se já estava sofrendo por ter que abandonar as
suas irmãs, agora estava ainda mais dolorida, pois seria arrastada para ainda
mais longe delas. Uma depressão que jamais havia sentido se localizou em
seu coração.
Já havia pensado em milhares de maneiras de acabar com esse casamento.
Sim, poderia fugir, ou simplesmente deixar Standhurt esperando no altar, mas
sua covardia impedia que ela fizesse qualquer dessas coisas. Não podia
desprezar os esforços de sua família. Tinham vindo de longe apenas para ver
a celebração, seu pai havia gastado rios de dinheiro e sua mãe estava
exultante, perdida em felicidade. Seraphne se encontrava em um beco sem
saída.
Olhou para os baús organizados no meio do quarto. Seus olhos arderam e
logo já estava chorando feito uma menina. Uma covarde, era isso o que ela
era.
Podia continuar mentindo para todo mundo, mas não podia mentir para si
mesma. No fundo, bem debaixo dos escombros, uma parte dela queria muito
se casar com Standhurt, e era justamente essa parte que a impulsionava a
seguir em frente.
Sabia que amanhã, quando atravessasse aquela igreja, estaria selando seu
destino para sempre. Olhou para o anel de ouro repousando em seu dedo,
uma esmeralda, como os olhos de Sebastian Devon, o maior enigma de sua
vida.
Não entendia como alguém poderia ter tantas personalidades. Conheceu
diversos homens em um só. O devasso, o controlador, o traidor, o possessivo
e agora o insensível.
Seraphne não entendia os reais motivos por trás das suas atitudes. Não
tinha se prendido a ela apenas pelo sexo, isso ela sabia que ele tinha aos
montes. Também não era pelo dinheiro, esse anel em seu dedo era um
lembrete do quanto ele era abastado financeiramente.
Com toda a certeza não era por amor, Seraphne já tinha visto homens
apaixonados, e ele, obviamente não estava. Tirando todos estes motivos, não
restava nada.
Ela sabia que não era o tipo de mulher que alguém escolheria para ser
marquesa. Era triste, mas reconhecia que era inadequada, ela, e toda a sua
família eram inadequados. Ela não servia para ser esposa de um nobre, já até
havia tentado aprender etiqueta mas eram coisas demais para decorar.
Não conseguia achar as razões, e isso estava martelando em sua cabeça de
maneira insistente. Tinha que descobrir, tinha que saber o por quê de ele ter
feito o que fez.
Uma batida na porta a tirou dos seus devaneios. Logo a cabeleira loira
cacheada de Daphne apareceu pela porta, segurava uma bandeja de prata com
um bule e duas xícaras em cima.
— Posso entrar? — Perguntou amigável, ela assentiu com um pequeno
sorriso. Sorrir estava sendo bastante difícil nos últimos dias.—Vim
ver como estava, e aproveitei para lhe trazer um desses chás de ervas
calmantes que tanto gosta.
— Não precisava ter se incomodado. Eu estou bem. — Mentiu, indo até a
irmã e ajudando-a servir o chá, colocando um pouco de leite no seu.
— Não precisa ser forte o tempo todo Seraphne, as vezes desabafar ajuda. —
A irmã disse, e ela encarou seus olhos azuis por um tempo.
Era a irmã mais velha, mas Daphne era de longe a mais sábia de todas as
três. Sua irmã tinha os olhos e os ouvidos de uma águia, era muito sagaz e
observadora, era óbvio que saberia que algo, além de todo o resto, estava
atormentando-a.
— Estou aterrorizada Daph. — Revelou deixando todo o seu desespero sair
junto com as palavras. A irmã diminuiu a distância entre elas e levou uma
Seraphne trêmula e chorosa para sentar-se na borda da cama.
— Ei, se acalma e me diz o que anda te causando medo. — Pediu carinhosa e
aquele gesto só deu mais vontade de chorar. Daphne podia ter todos os
defeitos do mundo, mesmo assim, se tratando dela e de Josephne, a baixinha
perdia suas defesas.
Deixava de ser impassível para ser carinhosa, para ser justamente aquilo
que Seraphne precisava naquele momento. E era isso que ela iria perder, o
acalento de suas irmãs. Elas eram a sua cura nos momentos ruins, e amanhã
perderia tudo isso para sempre.
— Amanhã, depois do casamento, Standhurt vai me levar para Devonshire.
— Disse e irmã continuou olhando-a séria, acima de tudo, não parecia
surpresa.
— Eu já imaginava que isso fosse acontecer. — Falou, passando
delicadamente um dedo pelo dorso da mão dela. — É o que acontece com os
casados Sera, eles se mudam para procriar e fazer essas coisas de casados.
— Mas não quero ir. Não quero deixar vocês. — soluçou e a outra a puxou
em um abraço.
— Seraphne, você sempre será nossa irmã, não é porque amanhã você vai se
chamar Seraphne Devon que deixará de ser uma York. - Disse afetuosa, e
uma risada fraca escapou pelos lábios dela.
— As vezes me pergunto de onde tira tanta maturidade Daphne. — Falou
enquanto limpava as lágrimas com o dorso da mão. Ela deu uma leve
risadinha.
— Talvez eu não seja mais tão inocente irmã. — Revelou misteriosa.
Seraphne encarou os contornos de seu rosto, era muito bonita, talvez até a
mais bonita de todas as três, Daphne era uma mulher muito auto dependente.
As vezes até achava que nasceu na época errada.
— Me prometa que não irá cometer escândalos enquanto eu estiver longe. —
Pediu e ela abriu um sorriso mordaz.
— Escândalos sem você não tem a menor graça. — Brincou e dessa vez
sorriram juntas, até uma percepção aterradora cair sobre elas.
— Amanhã tudo será diferente. — Constatou, e pediu apenas para que tivesse
forças para enfrentar o que estava por vir.
CAPÍTULO CINCO

Na manhã de domingo Seraphne sentiu como se fosse enfrentar todos os


seus demônios de uma única vez. Passou todo o tempo em que se arrumava
em completo silêncio, pois sentia que se abrisse a boca acabaria chorando e
não queria estragar a felicidade de sua mãe.
Já tinha desistido de sofrer suas feridas. Tinha entrado naquela estufa por
vontade própria e agora iria arcar com as consequências disso. Se olhou no
espelho e vislumbrou a obra de arte que era seu vestido. Até teria se sentido
emocionada, se não fosse o adicional de que em menos de cinco horas, iria
embora para sempre.
— Está pronta para ir querida? — Phillip York perguntou colocando a cabeça
para dentro do quarto. Ela encarou o pai com os olhos perdidos por um
momento e ele muito desajeitado entrou ali dentro com ela.
— Está muito parecida com sua mãe na juventude. – Ele disse admirando-a.
Seraphne sorriu, ao imaginar sua mãe no dia do seu casamento. —
Estranhamente, ela também não queria se casar comigo.
Essa informação a pegou de surpresa.
— Mamãe não queria se casar com o senhor? Como? — Era algo difícil de
imaginar, já que seus pais eram o exemplo vivo de amor conjugal.
Ele olhou para a frente como se visse o passado com exatidão.
— Bom, eu era apenas o filho de um mercador tentando construir um futuro
promissor. Ela não queria alguém que estava subindo, ela queria alguém que
já estivesse no topo. — Seraphne fez uma careta, esse era bem o tipo de coisa
que sua mãe faria.
— E como acabaram tão felizes? — Inquiriu, ele suspirou pesadamente.
— Confesso que no início foi difícil. Eu não era o melhor exemplo de marido
presente. O negócio de máquinas a vapor já estava dando lucro, eu sempre
permanecia fora, até que ela decidiu que tentaria transformar nosso
casamento em um de verdade. — Ele riu. — Traduzindo, ela me colocou
rédeas. Nosso amor surgiu devagar, Marie sempre soube o que eu precisava
no momento que eu precisava, e quando eu vi estava completamente
apaixonado. Sejamos francos eu não conseguia me separar dela, não foi atoa
que tivemos três filhas em intervalos de quatro meses.
As faces dela ficaram vermelhas. A vida íntima dos pais era algo que
ignorava deliberadamente.
— Sei que diz que não quer se casar com Devon, particularmente eu também
gostaria que não, mas eu não permitiria isso se não achasse que você quer
isso, e se nega a aceitar. — Ela engoliu em seco, percebendo que seu pai a
conhecia melhor que ela mesma.
— Tenho medo de que minhas escolhas me afastem da minha família. —
Revelou sucumbindo ao choro e seu pai a envolveu em um abraço paternal.
Beijou o topo de sua cabeça.
— Jamais poderia nos perder. Sempre poderá voltar para nós, Sera. — Ele
disse acalentando-a e Seraphne suspirou, sabendo que era verdade. Apenas
foi preciso ouvir até que tivesse a certeza. Separou-se de seu pai e ele
enxugou as lágrimas do rosto dela, com um último sorriso encorajador,
acompanhou o progenitor até a carruagem luxuosa que a levaria até a igreja.
Arrancou alguns suspiros de suas tias enquanto passava, e conseguiu até
sorrir quando sua avó colocou em seu peito um lindo broche de rubis que
acompanhava várias gerações de noivas da família. Dividiu a carruagem com
suas irmãs e Sophie, pois tinha que tomar alguns cuidados para não amassar
ou danificar o vestido.
— É a última tentativa Seraphne, basta dizer um sim e suborno o cocheiro
para nós levar até a fronteira com a Escócia. — Disse Josephne, e as três a
olharam com expectativa.
— É tentador Jose, mas terei que recusar. — Respondeu, olhando o trajeto
que fazia pelas ruas de Londres através da janelinha da carruagem.
— Tem certeza? Podemos mudar nossa identidade e viver como camponesas
no sul. — Sugeriu Daphne, e ela não conseguiu segurar a risada. Somente
suas irmãs para fazerem-na sorrir naquela situação.
Chegaram de frente para catedral histórica e Seraphne recebeu o braço de
seu pai enquanto caminhava para dentro, ignorando os burburinhos de vozes
e os olhares das pessoas na rua. Tinha certeza que amanhã todos estariam
falando dela e do feito grandioso que conseguiu se casando com o marquês.
Como se casar com Devon fosse algo de proveitoso.
Atravessou a igreja calmamente, com o véu arrastando atrás dela e um
buquê de flor de laranjeira nas mãos, ignorando friamente o homem com os
trajes de gala do exército britânico que a aguardava no altar.
Mais uma novidade sobre ele. Não sabia que ele tinha servido ao exército.
Somente de relance era possível sentir a imponência de sua postura. Ela tinha
medo de olha-lo e sucumbir a vontade de sair dali correndo.
Ficou de frente para o padre. Suas mãos suavam e seus pensamentos não
estavam funcionando corretamente. Aquele espartilho estava esmagando seus
pulmões e o cheiro forte do homem que estava parado ao seu lado estava
deixando ela inebriada. Se ajoelhou no altar ao lado dele.
— Senhoras e Senhores. — Começou o padre de maneira saudosa, sua voz
ecoou dentro da igreja alta. — Estamos aqui reunidos para celebrar a união
desses dois jovens em matrimônio. — Seraphne viu pelo canto do olho que
Sebastian balançava uma das pernas impaciente. — Peço que se juntem a
mim em uma breve oração antes de darmos andamento a cerimônia.
Todos na igreja fizeram silêncio enquanto o homem abençoava os dois de
maneira teatral. Seraphne sentiu vontade de rir uma ou duas vezes de
nervosismo. Não arriscou sequer uma olhada em Sebastian, a presença do
noivo era tão intensa que podia sentir na pele cada vez que ele a olhava.
Cada respiração que dava, cada movimento ou tremor, ela sentia de
maneira evasiva, como se estivessem ligados por uma corda de calor
invisível.
— Hoje testemunharemos a mais sincera forma de amor.— O padre
continuou e Seraphne não conseguiu segurar a risada irônica que escapou por
seus lábios, chamando a atenção de todos para ela.
— Desculpe. — Sussurrou, ficando vermelha ao mesmo tempo que o mesmo
prosseguia: — O amor que é perseverante nas leis de Deus, nunca morre. —
Lançou uma olhada repreensiva para ela, e ela reprimiu a vontade de rolar os
olhos. — O casamento conforme...— A fala do padre foi interrompida pela
voz impertinente do seu noivo.
— Tudo bem, já entendemos. Amor. Deus. Tudo certo. Será que podemos
pular para a parte em que dizemos "aceito"? — O padre o olhou
escandalizado ao mesmo tempo que um alvoroço varria a igreja.
Seraphne achou que o padre fosse cair duro para atrás. Atingiu um leve
tom rosado, que ficou azul e depois roxo. Aquele seria o escândalo do século.
Quando recuperou a cor saudável o padre fechou o semblante para Sebastian.
Atrapalhar a cerimônia assim era uma tremenda falta de respeito, mas ele não
se daria ao luxo de perder a gorda doação que seu noivo estava fazendo a
igreja.
— Muito bem. — Disse, pegou uma toalhinha branca de seda e fez sinal para
que juntassem suas mãos. Ele colocou a mão debaixo da dela, e Seraphne
sentiu a textura fria da mão dele. Envolveu-a com os dedos grandes, somente
aquele toque foi tão intimo que ela sentiu-se ruborizar.
Depois que suas mãos estavam bem unidas e cobertas pelo lenço, o padre
pediu: — Repitam comigo.
Antes que pudesse voltar atrás, ergueu sua vista para ele. E foi arrastada
para a floresta sombria e hipnotizante que
habitava dentro dos olhos dele. Ele a encarava profundamente. Repetindo
seus votos de maneira forte e irremediável com sua voz ressoante de barítono
rouco.
Da boca para fora lhe jurou fidelidade. Prometeu que iria honra-la e ama-
la mesmo nas horas mais difíceis. Que o cálice dela nunca estaria vazio, pois
ele seria sua água. E que não existiria pobreza enquanto tivessem a riqueza de
amar um ao outro, até que a morte os separassem. E por mais que soubesse
que eram palavras sem significado, Seraphne acreditou.
E quando o padre perguntou a ela, se ela aceitava se tornar esposa dele.
A palavra "sim" saiu tão fácil e decidida de seus lábios que nem ela mesma
percebeu o toque singelo da verdade camuflado nas letras.
Sebastian, ainda com um olhar penetrante, deslizou uma aliança de ouro
pelo dedo dela, marcando-a para sempre como sua. E Seraphne nunca se
sentiu tanto de alguém como ali, na frente de toda a Londres.
— Em nome do pai, do filho e do espírito santo, eu vos declaro, marido e
mulher .
❀❀❀

Nunca uma recepção de casamento foi tão movimentada. Todos queriam


ver, nem que fosse de longe, o mais novo casal sair sob uma chuva de arroz
pelas portas da St. George. Sebastian não sabia se sentia aliviado ou
simplesmente exultante de felicidade. Carregar Seraphne para fora da igreja
como um troféu de sua vitória foi o algo mais delicioso que já experimentou.
Ele ajudou-a a entrar na carruagem prateada que os aguardava no fim da
imensa escadaria, e observou contente o rubor no rosto gentil da sua esposa.
Esposa. Adorava o som dessa palavra. Esposa. Se sentiu privilegiado por
ser o único que a chamaria assim para o resto da vida.
Ele sabia que ela estava com raiva e ressentida. Sebastian tinha plena
noção de que merecia isso. Mas seu humor tinha ficado tão bom, que nada
que Seraphne dissesse poderia estragar isso.
— Quanto tempo teremos até partir para Devonshire? — Perguntou arisca,
cortando o silêncio bruscamente.
Ele encarou-a. Gostava do vermelho que tingia suas bochechas. Ele
passou a manhã em total desespero. Em terror pela possibilidade de Seraphne
desistir do casamento ou simplesmente deixa-lo prostrado no altar. Ela nunca
saberia que a sensação de vê-la desfilar pela igreja em direção a ele, foi o
mais perto que ele já chegou da felicidade.
— No máximo um hora. — Ela o olhou desapontada. — Será uma viagem
demasiado longa, e teremos que passar a noite em uma estalagem. Quanto
antes formos melhor.
— Temos mesmo que ir? — Perguntou, ele encarou seu belo rosto
angustiado. Ir para Devonshire estava doendo mais nele do que nela. E ela
não fazia ideia, ou sequer se preocupava com isso.
Ele não podia simplesmente permanecer em Londres, onde as chances de
ela pedir uma anulação eram muito maiores, e também onde ela tinha todo o
apoio de sua família. Ele sabia que era um cretino egoísta, mas era um cretino
egoísta que estava apenas garantindo o futuro de sua esposa ao seu lado.
— Sim. Teremos de ir. — Respondeu firme. Não deixando mais espaço para
discussões sobre o assunto.
— E se formos somente amanhã? — Sugeriu, tentando persuadi-lo. —
Poderíamos descansar um pouco antes de fazer uma viagem tão longa.
— Já tomei minha decisão. — Refutou. Ela torceu a boca, como fazia quando
estava com raiva além do limite.
— E minha opinião não te importa o mínimo? — Perguntou ríspida.
Sebastian respirou fundo, a última coisa que queria era perder o único
resquício de bom humor que apareceu em dias.
— Seraphne, já falamos sobre isso. Não pode apenas aceitar minha decisão
em silêncio? — Tentou ser o menos rude possível. Porém, não foi o
suficiente.
-— Mal me casei e já me sinto arrependida. — Resmungou cruzando os
braços. E Sebastian sentiu como se um punho se enterrasse em seu estômago.
Seraphne tinha o poder de machuca-lo de formas que, até conhece-la, ele
achou não existirem.
De formas que pensou que nunca poderiam atingi-lo de novo. Palavras
tinham um peso muito forte para ele. E as dela doíam como sal em ferida.
Qualquer intensão de ser agradável se foi, e ele teve que erguer novamente as
barreiras que o impediam de ser atingido. Fez a única coisa que sabia fazer
nesses momentos. Atacar para se defender.
— Não se preocupe, terá muitas ocasiões para se arrepender no futuro. —
Zombou, fechando ainda mais o semblante, olhando além das ruas de
Londres.
— Detesto você. — Ela cuspiu as palavras. Ele abriu um sorriso vazio.
— Bem vinda a família Devon.
Passaram o restante da manhã como dois estranhos. Sorrindo quando
convinha e falando entre si apenas quando necessário. Seraphne continuava
rígida como uma rocha. Não voltaram a se tocar uma única vez desde a hora
dos votos na igreja. O que foi uma tortura para Sebastian, pois ele sentia uma
necessidade fustigante de ter qualquer contato físico com ela.
Ele se perguntava o que ela faria quando ele fosse busca-la aquela noite
para consumar o casamento. Porque Deus era testemunha de ele iria. Daria
um fim ao desejo quente que persistia em castiga-lo cada vez que ele cruzava
com o olhar de Seraphne. Sem falar que não queria deflorar sua esposa
docemente virginal entre as paredes imundas de Cartland.
Não seria uma atividade insatisfatória para nenhum dos dois. Já tinham
compartilhado da intimidade, mesmo que parcialmente, ele sabia que sua
esposa era uma mulher voluptuosa. Experiente o suficiente para leva-lo ao
delírio ao menor toque de seus lábios.
— Standhurt, cuide bem de minha filha...— ia dizendo Phillip York enquanto
eles faziam um brinde entre os amigos mais íntimos. — Agora que estão
finalmente casados me sinto no dever de dar-lhe um aviso...— chegou mais
perto.—... Deus te ajude.
— Papai! — Seraphne exclamou ultrajada, enquanto as risadas inundava o
recinto.
Sebastian apenas fez um aceno com cabeça, feliz que seu sogro não
estivesse mais querendo mata-lo ou castra-lo.
— Quero desejar felicitações ao casal, embora eu tenha ficado seriamente
magoado por não ter sido convidado para ser o padrinho. — Comentou
Northwest exibindo seu sorriso irritante.
— Não fique com ciúme Alec, ainda resta Thomas. — Disse Christopher,
Alec fez um breve aceno de pouco caso com a mão.
— Até que Thomas encontre a noiva perfeita que tanto busca já estaremos
todos mortos. — Rebateu, causando uma nova maré de risadas e uma
carranca reprovadora em Haddington.
Beberam algumas taças de espumante, trocando conversas, até pouco mais
da metade do salão esvaziar.
— Temos que ir. — Ele anunciou para a esposa, que suspirou pesadamente.
Ele se proibiu de sentir pena dela e começou a se despedir dos amigos.
Seraphne poderia voltar sempre que quisesse, depois que ele tivesse o que
queria.
Organizou as carruagens dos criados e verificou se os baús estavam em
ordem. Esperou sua esposa na porta de saída. Não fazia o tipo que gostava de
despedidas longas, um até logo já bastava. Alguns minutos depois ela saiu.
Decidida e irreverente, trajando um vestido azul acetinado de viagem e uma
expressão de enterro.
Ele estendeu a mão para ajuda-la a subir mas ela simplesmente o ignorou.
Ele censurou a pontada de rejeição e entrou depois dela, se sentando no
banco à sua frente. Percebeu que ela segurava o choro, mas era teimosa e
arrogante demais para demonstrar fraqueza diante dele.
Ele não se importava, com o tempo daria um jeito de arrancar essa
petulância de seu rosto. Um sentimento delicioso de posse lhe aflorou o
intimo enquanto batia no teto da carruagem, fazendo o cocheiro coloca-la em
movimento. Sabendo que aquilo, era apenas o início da guerra.

❀❀❀

Viajaram por várias horas em silêncio, ele com um livro em mãos,


bastante compenetrado, e ela colocando em prática seu novo projeto de
escrita.
Era um tanto irritante tentar escrever com o homem na sua frente em silêncio
constante. Ele tomava toda a sua concentração. As pernas longas cruzadas
uma em cima da outra em uma postura relaxada era algo muito novo para
Seraphne.
A carruagem parecia muito pequena com ele lá dentro. Emanava calor e
tensão. Vez ou outra seus olhos a traiam e se desviavam para a musculatura
de sua panturrilha prensada na perna da calça.
Ele ainda usava seu traje de gala.
E estava tão encantador quanto quando esteve no altar. Sentiu uma grande
vontade de falar com ele sobre seu período de serviço, mas decidiu que era
melhor se manter afastada e demonstrar seu descontentamento.
Eles não parariam para almoçar, já tinham comido o bastante na recepção
após o casamento. Continuou o caminho com a pena e o tinteiro, forçando
sua mente a lhe dar ideias para um possível romance aventureiro.
— O que você está escrevendo? — A voz grave invadiu o silêncio na
carruagem e Seraphne deu um leve pulinho de susto.
Encarou o homem a sua frente, estava olhando fixamente para ela. Seu
livro descansava fechado sobre suas coxas grossas, fez um breve aceno de
pouco caso com a cabeça.
— Nada demais. Apenas bobagens. — Respondeu, voltando a se concentrar
no papel e no ponto de onde parou.
— Que tipo de bobagens? — Ele insistiu.
— É um romance. — Falou por fim, e esperou pelo sopro de pouco caso dele.
Mas não veio.
— Uma história romântica? — Perguntou incrédulo e ela assentiu. — Jamais
imaginei que admirasse tal estilo. Posso ler?
Seraphne estreitou os olhos. Buscando entender o por que de ele ter
decidido subitamente se tornar agradável?
— Não acredito que você vá gostar. — Falou, ele franziu o cenho.
— Não pode saber se não me deixa ler. — Estendeu a mão para os papéis.
Relutante, ela entregou a folha manchada de tinta e juntou as mãos inquietas
sobre o colo, enquanto os olhos verdes dele passavam por cada frase
lentamente.
Ele não entendia exatamente o porquê mas aquilo ligeiramente se tornou
algo importante para ela. Desejava, muito, saber sua opinião.
Era uma leitora assídua desde muito nova, buscava sempre aprimorar seus
conhecimentos. Antes, quando eram apenas comerciantes em Nova York, ela
tinha o sonho inocente de se tornar escritora.
O homem elegante a sua frente se remexeu no acento e ergueu os olhos
para ela.
— Me casei com um Shakespeare de saias. — Disse, e uma vontade plena de
sorrir tomou a face de Seraphne. — Você é muito boa.
— Acha a sério? — Perguntou, enquanto pegava o papel de suas mãos e
passava a vista nas letras.
— Sim. Onde aprendeu a escrever? — Perguntou interessado. Ela estranhou
aquele homem a sua frente, tão informal e amigável, nem parecia o cretino de
horas trás.
— Não conte para mamãe, provavelmente é o meu maior segredo...— Disse
fazendo um breve suspense. — Quando era mais nova eu costumava passar
horas da noite lendo os livros na biblioteca de nossa casa.
Ele abriu um sorriso arrebatador. Um dos poucos que ela viu em seu
rosto.
— Se gosta de bibliotecas espere só até a ver a de Cartland, é a maior de todo
o condado. — Falou inocentemente, sem perceber que estava tocando em um
assunto delicado.
Seraphne não gostaria da biblioteca de Cartland, primeiramente não
gostava nem da palavra Cartland. Preferiria mil vezes a biblioteca de seus
pais em Londres. Ele percebeu que isso tirou o sorriso de seu rosto e baixou o
olhar para o chão da carruagem.
— Nunca me contou que serviu ao exército. — ela disse casualmente, para
impedir o clima negativo de voltar.
— Sim. Ingressei aos dezenove anos. — Respondeu. — Nunca fui a guerras
ou a conflitos, apenas comandei tropas em viagens comerciais de interesses
da coroa.
— Em que lugares esteve? — Perguntou, realmente interessada.
— Índia, França, Portugal, Grécia...— Listou, e ela ergueu as sobrancelhas.
Sebastian não devia ter mais de trinta anos. Era uma idade razoavelmente
nova para se ter realizado tantas coisas.
— Eu sempre quis ir à Grécia. As praias e o sol paradisíaco seriam ótimas
inspirações para possíveis contos. Mas papai não gosta muito de viagens,
veio para a Inglaterra a maior parte do tempo apagado em sua cabine no
navio. — Falou, e o marido a fitou intensamente.
— Poderemos ir quando desejar. — Falou, e o tom intenso de sua voz
arrepiou vários pêlos da nuca dela.
Ficaram se encarando por alguns minutos. Até ela balançar a cabeça na
tentativa de espairecer.
— Por que decidiu servir? — Indagou, tentando cobrir os braços arrepiados.
Ele deu de ombros e fitou por fora da janela. O céu já estava com seu tom
azul pré noturno.
— Era tudo o que meu pai menos queria. — Falou vagamente e ela continuou
olhando seu rosto perdido em memórias.
Tinha se alistado apenas para afrontar seu pai? Subitamente o foco de
Seraphne se tornou outro. Nunca tinha ouvido falar sobre nada dos pais de
Sebastian, nem ao menos os seus nomes.
— Como se chamavam? — Ela a olhou sem entender. — Os seus pais. —
Explicou, o semblante dele tornou-se sombreado.
— Liliana e Gerard. — Respondeu a contra gosto, como se as palavras
machucassem sua língua.
— Liliana é um nome bonito. — Falou, ele a ignorou, ainda olhando a
estrada passar com velocidade.
Aparentemente ele não gostava dos próprios pais. E ela achou essa uma
atitude bastante estranha, geralmente os filhos amam incondicionalmente
seus progenitores. Se pegou cada vez mais curiosa sobre a vida de seu
marido. Queria saber sobre seu passado, então algo lhe ocorreu. Talvez, os
motivo pelos quais fosse tão severo, fossem justamente esses. Os seus
falecidos pais.
Uma pulga incomoda começou a coçar atrás de sua orelha. Mas antes que
pudesse fazer novas perguntas a carruagem desacelerou e pouco depois
pararam de frente a uma estalagem luxuosa. The Gold three, dizia a placa do
lado de fora.
Sebastian lhe lançou um olhar quase tímido quando saíram da carruagem
e entraram no saguão do pequeno hotel. O local era bastante movimentado,
provavelmente por ser Bristol, uma das cidades mais populosas da Inglaterra.
Seraphne se manteve perto enquanto ele ia até a recepção. Observou que
o lugar por mais que fosse pequeno era bastante ostensivo, com uma
decoração rica em adornos dourados, e um luxuoso candelabro de cristal
pendendo do teto.
Pouco depois estavam indo em direção ao seu quarto enquanto alguns
criados do hotel traziam seus muitos baús logo atrás. Chegaram de frente para
a porta e Sebastian passou a chave na fechadura, abrindo e deixando que ela
passasse na frente, não teriam que dividir o mesmo quarto, ele alugou um
com porta conjunta.
Enquanto os criados colocavam sua bagagem no chão, Seraphne
observou a decoração delicada do ambiente, era muito charmoso e
aconchegante, com um papel de parede cor de pêssego e detalhes em
dourado. Um teto oval onde pendia um pequeno candelabro, uma lareira, uma
mesa de jantar, um lavatório e adereços de higiene intima, uma janela
pequena que dava para a rua, e uma enorme cama de dossel, alta, cheia de
travesseiros e cortinas vermelhas.
Seraphne parou os olhos naquela cama aconchegante e muito bem
arrumada e instintivamente seus olhos se encontraram com os de Sebastian,
subitamente teve a percepção de um pequeno detalhe que havia esquecido.
Estava finalmente, em sua noite de núpcias.
CAPÍTULO SEIS

Depois de pedir que servissem o jantar no quarto e trouxessem


banheiras com água para um banho, Sebastian fechou a porta e se
virou para ela devagar. O quarto, assim como todos os lugares que
ele habitava, se tornou subitamente pequeno e abafado. Estavam a
sós pela primeira vez desde o dia que mudou sua vida. Na estufa.
Ele caminhou até uma jarra de água que descansava em um
criado mudo e bebeu um pouco. Parecia muito tranquilo e
habituado a aquele tipo de situação. Obviamente estar a sós com
uma mulher não era uma novidade para ele. Tentando combater o
nervosismo, ela tirou as luvas das mãos e as colocou em cima da
cama. Passou uma mão pelo tecido macio dos lençóis de algodão.
A cor branca imaculada fez Seraphne arrepiar-se com pensamentos
libidinosos.
Notou que Sebastian estava muito quieto e o procurou com o
olhar. Quase caiu para trás ao perceber que ele estava bem atrás
dela.
— Prefere tomar banho antes ou depois? — Perguntou, os olhos
predadores focados na boca semi aberta da esposa. Uma onda de
calor passou pelo corpo dela, se concentrando em seu centro.
— Antes ou depois de que? — Indagou, engolindo a saliva que se
formou em sua boca.
Ele observou o movimento da garganta dela, e deve ter sentido o
nervosismo da mulher, pois se afastou um passo para trás.
— Do jantar, é claro. — Respondeu, adotando novamente seu tom
informal.
— Ah, antes, acho. — Ela respondeu, aproveitando e se afastando
para longe. Sentia a necessidade de obter distância.
Desceu os olhos para os dedos das mãos e reprimiu a vontade
de roer as unhas. Tinha medo de como seria quando dissesse que
após a consumação, os dois não voltariam a compartilhar
intimidade.
Uma batida soou na porta e ela sentiu certo alívio quando
vários criados entraram ali, trazendo uma tina e vários baldes de
água para enche-la, impossibilitando que permanecesse sozinha
com Sebastian. Quando eles saíram novamente o marido
atravessou o quarto na direção oposta.
— Vou te dar privacidade, volto depois que acabar. — disse sem
olha-la, atravessando a porta de ligação e sumindo atrás dela.
Foi reconfortante estar sozinha novamente. Caminhou pelo
quarto se desfazendo das roupas de viagem. Quando ficou nua,
afundou uma perna na água fria, deixando seu corpo se acostumar a
temperatura e logo depois afundou inteira na água.
Foi maravilhoso fazer aquilo depois de todo o dia exaustivo que
tinha tido. Seus músculos cansados pela viagem relaxaram
gradativamente, lhe dando a sensação de plenitude. Do outro lado
da parede ela pôde ouvir a voz autoritária de Sebastian,
provavelmente falando com algum criado da hospedaria.
Continuou ouvindo os sons que ele fazia pelo quarto. O bater
pesado de seus passos pelo chão, o farfalhar de tecidos, e depois o
barulho de algo pesado afundando na água.
Seraphne percebeu que estava presenciando os sons de
Sebastian tomando banho. Sentiu seu pescoço afoguear e sua pele
se tornar sensível ao constatar que em menos de cinco metros o seu
marido estava nu do outro lado daquela porta de madeira fina e
tentadora.
Ela estava dividida entre o nervosismo e a sensação gratificante
de compartilhar de um momento íntimo como aquele. Deveria estar
triste e amedrontada por vislumbrar um futuro longe de tudo que
está acostumada. Porém, tudo que ela conseguia sentir era
ansiedade.
Não sabia o que o seu futuro lhe reservava, Sebastian havia sido
claro em suas intenções de domestica-la como um cavalo.
Infelizmente para ele, ela não era uma égua muito volátil.
Saiu da água e foi até o baú com o seu enxoval, escolhendo a
camisola branca de seda com faixas de renda e mangas abertas.
Tinha a plena consciência de que ele entraria por aquela porta a
qualquer minuto, exigindo seus direitos de marido. Andou até a
penteadeira onde escovou os fios finos de seu cabelo comprido,
deixando-os respirar livres para secar, e amaciou a pele com uma
essência de cerejeira.
Como premeditado, Sebastian entrou pela porta cinco minutos
depois. Como na noite em que ela visitou sua casa, ele usava nada
mais que um robe de seda azul marinho cobrindo seu corpo
vantajoso. Ela podia ver na pele exposta de seus braços e pernas, e
também pelos fios de cabelo molhados, que ele acabara de sair do
banho, sequer se enxugou.
Seraphne lembra que quase perdeu o raciocínio na noite em
questão. Jamais havia visto um homem tão irritantemente atraente.
Ela se proibiu de admira-lo mais que o necessário, não podia gostar
daquilo além do permitido.
Ele caminhou até ela, passos predadores e cautelosos como os
de um felino. Ela não sabia exatamente o que fazer, então
continuou de pé próximo a penteadeira encarando seus olhos
fixamente.
— Está nervosa? — Ele perguntou, capturando uma mecha dos
cabelos dela entre os dedos e admirando o loiro refletido na luz das
velas.
— Não é como se eu tivesse outra opção. — Ela respondeu,
sabendo que isso iria irrita-lo. Ele engoliu em seco e se afastou
apenas para contempla-la em silêncio.
— Seraphne, sou o mesmo homem que beijou você nos jardins dos
bedfords meses atrás. O mesmo homem que te tocou, e te fez
estremecer. — Disse intensamente, essa lembrança parecia tão
distante para ela. Era como se pertencessem a outra pessoa.
— O mesmo homem que arruinou minha reputação. — cerrou a
mandíbula para controlar as emoções.— Você não tem ideia do que
eu passei nas últimas semanas. Do que eu e minhas irmãs tivemos
que passar, sendo ridicularizadas e taxadas de caçadoras de títulos.
— Não conseguia lembrar sem sentir a raiva atravessa-la.
— Eu realmente tentei fazer isso da maneira correta. Eu te pedi em
casamento, mais vezes do que meu orgulho me permite contar! —
Sua voz foi se alterando e as veias de seu pescoço começaram a
saltar. — Invés disso você decidiu aceitar o cortejo daquele
palerma do Ferrolws.
— Eu pensei que minha recusa fosse o suficiente para você
perceber que eu não queria me casar com você. — Ela gritou,
ficando de frente para ele, tentando ignorar o olhar de fúria que ele
exibia. — Ferrolws era quem eu queria!
Muito tarde, percebeu que falou a última coisa que deveria ter
dito. Os olhos de Sebastian, os músculos e até mesmo a aura
entorno dele ficaram sombrias. Ela deu um passo para trás, sabendo
que a próxima ação do seu marido iria ser devastadora.
E estava certa, nem mesmo toda a perfeição do mundo poderia
ser capaz de ofuscar a beleza de Sebastian, quando ele puxou a
faixa do robe e ficou nu diante dela.
Ela desviou a vista tentando prender os olhos e a mente em
qualquer coisa que não fosse no homem despido na sua frente. —
Olhe para mim. — Ele ordenou usando sua voz de comando. Ela
lutou consigo mesma, mas seus olhos criaram vida própria, e
vasculharam o corpo de cima a baixo sem pudores.
Não era uma mulher tímida. Talvez isso fosse uma herança de
família. Admirou o peito musculoso e dourado sob a luz da lareira.
Os contornos de seu pescoço e ombros largos, seu abdômen
retraído, cheio de ondulações, e as duas linhas masculinas que
faziam um caminho para baixo, onde seus pelos dourados
brilhavam e o volume ereto de sua virilidade saltava para cima,
necessitando de atenção.
Ela parou o olhar ali, pois foi simplesmente incapaz de desvia-
los. Nunca tinha visto a anatomia íntima de um homem. Sempre se
baseou nas estátuas de museus e livros de biologia. Nunca, jamais,
havia imaginado que aquilo poderia ser tão atraente.
Engoliu, ao sentir a boca salivar. Imaginando como seria beijar
a ponta avermelhada e sentir o sabor em sua boca. Ela se assustou
com o rumo de seus pensamentos, obviamente não era normal
alguém querer beijar ali.
— Gosta do que vê? — A voz dele soou rouca, afagada pela
luxúria. Seraphne logo percebeu que ele era muito confiante quanto
a isso. Também, não era para menos, o maldito era perfeito. Em
todos os lugares.
— Nada surpreendente. — Desdenhou, forçando seus olhos a
encarar o rosto dele. Ele estreitou os olhos para ela, notadamente
com o ego ferido.
— Não me interessa suas preferências femininas. Terá que se
contentar com o que tem. — Disse, colocando o cabelo molhado
para trás. — Paguei caro por esse casamento, e vou desfrutar do
meu direito de marido.
— Não estou negando nada a você. — Ela disse, irritada por sua
escolha de palavras. Não era um objeto, e ele não era o seu dono.
— Só peço que seja rápido.
Desamarrou a faixa que prendia o robe com as mãos trêmulas
pela raiva, e deixou que o tecido caísse junto ao chão. Ficando
somente com a camisola branca que Sophie tinha escolhido para
suas bodas. Se não estivesse com tanta raiva teria se sentido pelo
menos um pouco tímida. Mas o contrário disso, atravessou o quarto
e afastou as cobertas, deitou-se na cama de peito para cima, subiu a
camisola até a altura de sua barriga e ficou lá, de olhos fechados
deitada como uma estátua como sua mãe havia instruído.
Sentiu o vento frio que passava pela janela beijar a sua pele
jamais exposta a outros olhos. Quando Sebastian demorou para se
juntar a ela na cama, abriu os olhos e o encontrou encarando-a
estarrecido.
— O que está esperando? Estou aqui não estou? Vamos, pegue
logo o que lutou tão honestamente para ter. — Cuspiu as palavras.
Sebastian torceu a mandíbula, notadamente desafiado.
Andou até ela, cada passo fazendo o músculo de sua coxa grossa
se contrair. Parou ao lado dela e Seraphne sentiu metade da
coragem ir embora quando o colchão afundou ao seu lado e sentiu
o calor da pele nua emanar sobre ela. Fechou os olhos não se
permitindo sentir nada.
Não demorou para sentir a respiração dele bater em seu rosto. E
seu estômago retorceu-se de nervosismo. Sentiu uma mão raspar a
lateral de sua coxa, e foi incapaz de controlar os arrepios que subiu
por sua coluna. O toque que era leve, se tornou ávido e subiu por
sua barriga, parando em seu seio coberto pela camisola. Ele era um
maldito libertino, mesmo sob o tecido da camisola, sabia
exatamente onde toca-la. Seraphne sentiu os efeitos que aquele
toque causava em seu corpo, aquela sensação dolorosa que sentia
no meio de suas pernas sempre que ele a acariciava voltou com
tudo, apertou os dentes, na tentativa de não demostrar o quanto foi
agradável.
Ele se aproximou mais dela, e depositou um beijo casto em seu
ombro, enquanto brincava em círculos pelo seu mamilo. O cheiro
de homem recém lavado alagou o olfato dela e Seraphne virou o
rosto na direção oposta pois sentia que iria perder aquela batalha
vergonhosamente. Mas, para sua surpresa, no instante seguinte já
não tinha mais com o que lutar. O toque sumiu de seu corpo e ela
sentiu ele se afastando. Abriu os olhos e viu ele encarando o dossel
da cama frustrado.
— O que há? — Perguntou, ele respirou fundo.
— Não consigo, está feliz? — Passou uma mão pelos cabelos,
impaciente. — Não consigo fazer isso com você aí dura como um
poste!
Ela abaixou a camisola, cobrindo sua nudez parcial. Se virou
para ele irritada.
— Não, não estou feliz. — Se apoiou nos cotovelos. — Pode
finalmente receber o prêmio pela sua vitória e se recusa. Não te
entendo maldito!
Ele virou-se para ela, e Seraphne sentiu algo próximo do
desespero quando encontrou aquele olhar em seu rosto. Não podia
lidar com aquele olhar apaixonado. Pois sempre que ele dedicava
aquele olhar para ela, acabava nos braços dele de alguma maneira.
— Não me arrependo do que fiz. Sou um homem egoísta. Jamais
poderia deixar que se casasse com outro. Jamais poderia ceder este
privilégio...— Lançou um olhar pelo corpo dela — O privilégio de
ter você como esposa.
E foi assim que todas as suas defesas foram abaixo. Maldito
fosse Sebastian Devon! Por que não podia ser sempre o maldito
ditador? Por que tinha que ter tantas personalidades e conseguir
derruba-la com uma simples escolha de palavras. O toque rouco na
voz dele foi o limite. Seraphne não era uma santa, e aquele ali era
seu marido, se não fizesse amor com ele dessa vez, não faria nunca.
Antes que pensasse demais, levantou-se somente o suficiente
para conseguir passar a camisola por sua cabeça. Ficando
totalmente nua. Sentindo as faces arderem, olhou para o marido
que a admirava encantado.
— Tentaremos uma segunda vez. — Disse, se permitindo descer os
olhos pelo peito dele, dessa vez com luxúria. — Prometo que não
encontrará resistência, se prometer que deixará de me tratar como
um objeto.
Ele suspirou pesadamente, seu olhar deixou claro que aceitou o
acordo. Deslizou um dedo pela barriga dela, subindo, passando
pelo vale entre os seios, e pousando-o em seu queixo. Virou o rosto
da esposa para ele, e roçou suas bocas em uma carícia rápida
demais.
Ela não quis se afastar, quis ir além, odiava aquele homem
imensamente, mas adorava o seu toque muito mais.
Envolveu os ombros dele com os braços e o puxou contra ela,
consumindo sua boca em um beijo saudoso, lascivo, e
completamente depravado.
— Oh, Deus. — Sebastian sussurrou quando ela puxou ele para se
encaixar entre suas pernas.
Queria senti-lo, sua pele nua contra a dela, a fricção macia, o
calor inebriante, a intimidade que ela nunca havia experimentado
com mais ninguém. E ao compartilhar aquele toque íntimo, ambos
sentiram uma paixão avassaladora consumi-los.
Sebastian desceu a cabeça e abocanhou o mamilo rosado e
túrgido da esposa, sugando-o como se necessitasse disso para viver.
Ela enfiou as unhas no pescoço dele, achando que morreria se ele
parasse.
Um desejo intenso e conhecido rugiu dentro dela, uma
necessidade inexplicável de receber o toque dele na fenda entre
suas pernas.
Quando os seios da mulher ficaram pesados e ele soube que a
carne de seu mamilo estava tremendamente sensível, levou
novamente a boca para a dela e beijou intensamente, descendo a
boca pelo seu pescoço e chupando-a. Marcando seu território,
fazendo ela sentir cada raspar de seus dentes.
Estar assim com ele naquela cama, trocando carícias, era um
momento tão intimo e único que Seraphne sentiu uma onda
assustadora de afeição pelo marido. E somente a noção de que ele
já esteve daquela maneira com outras mulheres, fez ela querer
puni-lo severamente. Nunca foi possessiva ou ciumenta, mas se
tratando daquele homem maldito ela não tinha controle sobre suas
emoções.
Se assustou com esses pensamentos intrusos e mandou-os para
longe. Ele era o mesmo homem que havia traído sua confiança e
afastado ela de sua família. Ao decidir que só dormiria com ele
uma vez, ela sabia que não poderia esperar fidelidade dele, e nem
queria. Não, não queria.
Qualquer preocupação sobre isso foi arrastada para longe
quando ela sentiu o contorno roliço de sua ereção se encaixar na
entrada dela. Engoliu em seco e fechou os olhos em expectativa.
— Olhe para mim. Quero que me veja quando te fizer minha. —
Ele rosnou, selvagemente.
E ela obedeceu. Encarando as turmalinas lapidadas perdidas no
desejo enquanto sentia o corpo dele invadir o dela em um golpe
certeiro e extremamente doloroso. Prendeu o grito na garganta, e
fincou as unhas nas costas dele, tentando se habituar com a dor.
— Me desculpe. — Ele sussurrou, tremendo visivelmente pelo
esforço de continuar parado dentro dela. — Nunca estive com uma
virgem. Fui muito duro?
Oh se foi. Duro, comprimido, grosso, quente e completamente
bem vindo. A dor foi esquecida tão rápido quanto veio. Seraphne se
mexeu enquanto experimentava a sensação nova de estar conectada
daquela maneira a alguém. E foi divino.
— Estou bem, continue. — Pediu, submissa ao marido.
Ele apoiou seu peso nos antebraços, e recuou, apenas para voltar
a invadi-la. Seraphne sentiu o deslize do corpo dele ao entrar no
seu e não achou aquilo mais evasivo. Observou a pele dele se
tornar vermelha, as pálpebras pesadas, e o suor se misturar com a
água do banho.
O marido respirava com dificuldade. Era óbvio que ele estava
se contendo, e ela não queria isso. Queria que ele desse seu melhor.
Que saciasse sua fome. Para não restar arrependimentos.
Ela levou a boca até a dele, e ele penetrou-a com sua língua, ela
gemeu, experimentando a sensação de ser possuída por ele em dois
lugares ao mesmo tempo.
— Sera, não posso mais me conter. Me perdoe se eu for bruto,
estou esperando isso há muito tempo. Prometo que dá próxima vez
irei recompensa-la. — Ele arfou seu nome de modo tão carinhoso e
gentil, de uma maneira que jamais havia dito, e naquele momento,
Seraphne desejou que tivesse uma próxima vez.
Sebastian ergueu seu tronco e ficou de joelhos entre as pernas
da esposa. Com ambas as mãos ele agarrou a cintura dela, elevou
seu quadril na altura de sua virilha, alinhou-a e penetrou-a tão
profundo que Seraphne gritou. O marido tomou velocidade,
trazendo o corpo dela de encontro ao seu. Inundando o quarto com
o som de suas peles se chocando e do dossel da cama investindo
contra a parede.
Sebastian parecia um deus da luxúria. A personificação da
audácia, com a pele brilhando pelo suor e os olhos verdes que
geralmente eram sombrios e sérios, embriagados de devoção e
desejo. Por ela.
Seraphne sentiu uma avalanche inexplicável de sensações
soterra-la, era como ser virada do avesso. Por um momento perdeu
o controle sobre si mesma e voltou a tona quando Sebastian rugiu
sem deixar de estoca-la. Corrompendo a santidade do seu corpo
com sua semente profana. Ele continuou penetrando a mulher sem
querer deixar aquela sensação ir embora e ao fim tombou para o
lado com as pernas trêmulas, e o peito arfante. Olhou para ela
abismado, como se não entendesse o que tinha acabado de
acontecer.
— Santo Deus! — foram as primeiras palavras a saírem de sua
boca.
CAPÍTULO SETE

Se sentindo exposto demais, Sebastian, ainda muito atordoado,


levantou da cama e praticamente correu em direção ao seu próprio
quarto para vestir um roupão. Sentia uma forte necessidade de
manter distância de Seraphne. O que tinha acontecido ali há
instantes atrás abalou significativamente suas estruturas.
Já tinha compartilhado a cama com dezenas de mulheres, talvez
centenas, e nunca nenhuma delas o fez perder completamente as
falas. Tinha tido o mais inexplicável, avassalador e longo orgasmo
de sua vida, e ainda assim, seu corpo já estava ereto novamente,
desejoso. O que era chocante em vista da quantidade de vezes que
ele já praticou o coito.
Seu coração ainda martelava forte no peito, e sentia que se
abrisse a boca, iria dizer uma bobagem sentimental e isso era a
última coisa que queria. Seraphne era apenas um objeto do seu
desejo e o que tinham compartilhado era a prova de que aquele
casamento não era uma perda de tempo total.
Gemeu angustiado, seus planos eram de sair do corpo dela no
último momento, mas foi incapaz de abandona-la. Ficou tão
entretido ao vê-la chegar ao ápice com ele tão profundamente
dentro dela que esqueceu-se de todo o resto. Se derramou como
nunca havia antes.
Agora existia o risco de que ela engravidasse, e esse
pensamento trouxe vertigens a ele. Não sabia exatamente o porquê,
mas estava furioso com ela. Não era assim que ele havia planejado
nada disso. Tinha se aberto demais. Deixado escapar coisas demais.
E odiava isso. Odiava.
Vestiu-se com uma roupa limpa, ignorando os arrepios de
desejo ao lembrar de sua mulher nua do outro lado da porta.
Balançou a cabeça irritado, afastando os pensamentos. Chamou
alguns criados da estalagem para retirar as banheiras e esquentar
novamente a comida que estava fria por conta do imprevisto.
Depois que tudo estava novamente posto em seu lugar, inclusive
seus pensamentos, chamou a esposa pela porta de comunicação.
Não sabia em que tipo de relação havia se metido. Tudo que menos
queria era uma garota cheia de pensamentos românticos aos seus
pés.
Na primeira oportunidade iria deixar tudo claro. Não iria aceitar
que ela o dominasse outra vez. Ele ditava as regras. Ele dizia
quando ia acontecer, ele seria o dominador. Ele que deixaria ela
sem palavras e abalaria suas estruturas, não o contrário.
Perdeu rapidamente o rumo de seus pensamentos quando ela
entrou no quarto tão plena quanto sempre. Usava um vestido de
algodão amarelo com um decote oval e mangas rendadas. Deixou
os cabelos molhados secarem soltos ao ar livre.
Ele sempre ficava hipnotizado quando via o todo o
cumprimento de seu cabelo. Uma linda cortina brilhante de seda
dourada e escorrida. Sebastian desejou enrola-lo em sua mão.
Tinham compartilhado intimidade a pouco tempo, e por mais que
tivesse sido bem mais do que ele esperava, ainda estava longe de
saciar todos as vontades que tinha de Seraphne.
Ela puxou uma cadeira na mesa rotunda, sentou-se, e começou a
comer calmamente. Ele observou-a enquanto comia, somente o
tilintar dos talheres quebrando o silêncio. Ela evitava olha-lo.
Mantinha os olhos presos no ato de cortar a comida e leva-la a
boca. Ele notou que a pele das bochechas dela estavam coradas. O
lábio inferior estava inchado e mais abaixo, no queixo, tinha a
nítida marca vermelha de dentes. Os dentes dele. Sebastian nunca
se sentiu tão possessivo quanto nesse momento. Vendo os vestígios
de seu primeiro encontro sexual com sua esposa.
Porém, estava estranhando muitíssimo o comportamento dela.
Esperava uma situação constrangedora. Nem mesmo uma meretriz
experiente ficaria tão informal depois de um sexo como aquele.
Ela notou que ele a encarava.
— Amanhã partiremos a que horas? — Perguntou, bebendo um
pouco do vinho de sua taça. A voz dela estava rouca, e saber que
isso era uma consequência dos gritos de prazer dela, fez uma
necessidade animalesca rasgar as veias dele.
Sebastian tentou se tranquilizar, não podia perder a compostura.
Não iria aceitar ser atraído por ela novamente.
— Junto com o sol. — Puxou a gola de sua blusa na tentativa de
conseguir ar. — Ainda tem um bom pedaço até Devonshire e mais
outro até Cartland. Planejo chegar pouco antes do almoço. —
Achou melhor tirar o olhar dela, e cortou um pedaço do bolo de
carne.
— Hum. — Ela respondeu apenas.
Continuaram a comer em silêncio. Ele nunca havia se sentido tão
desconfortável na presença de uma mulher. Nem mesmo na de sua
mãe.
Comeu tão rápido quanto pôde, queria tê-la longe. Sentia-se
pressionado e não entendia o por quê. Obviamente Seraphne não
estava no pé dele, ou demonstrando qualquer outra emoção. Talvez
esse fosse o problema.
Ela também tinha estado lá, Sebastian sabia que ela tinha
apreciado o encontro sexual, a resposta de seu corpo foi
escancarada. Então por que não estava tão abalada quanto ele? Por
acaso não tinha gostado? Por acaso ele não havia sido bom o
bastante? Não era digno de ao menos um suspiro apaixonado?
Chega. Ele tinha que falar. Tinha que colocar para fora ou
morreria engasgado, e odiaria morrer sem antes saber o que se
passava na mente de sua esposa.
Virou todo o vinho de uma vez e dirigiu os olhos para ela. Bem
no momento que ela passeava com a língua pelo lábio, capturando
uma gota de vinho que escapou.
— Temos que conversar. — Anunciou firme. Ela ergueu os olhos,
e ao ver expressão obstinada dele, inclinou o queixo em posição de
desafio.
Sebastian sabia o que vinha depois daquela expressão. Não iria
deixar Seraphne desrespeita-lo. Não iria admitir qualquer rebeldia
de sua parte.
— Sim, eu também gostaria de conversar com você. — Falou,
largando o garfo e a faca e cruzando as mãos em seu colo.
Ela também queria conversar? Por que ele sentiu isso como um
mal sinal?
— Então pode começar. — Falou, se mexendo desconfortável na
cadeira. — O que quer falar?
Ela torceu os dedos da mão e desviou os olhos para o canto da
sala em sinal de nervosismo. Ele percebeu que ela estava reunindo
coragem, e foi então que teve certeza que sim, era um mal sinal.
— Não quero voltar a dividir a cama com você.
Tudo se tornou silêncio. O movimento do hotel abaixo deles
sumiu, o tique-taque do relógio igualmente, até mesmo o vento
parou de entrar pela janela. Ou o mundo havia parado, ou parou
somente para Sebastian.
O homem ficou em estado pétreo encarando Seraphne no fundo
dos olhos enquanto todos as partes do seu corpo sentiam, uma à
uma, o impacto daquela notícia. Se juntando em uma bola de
rejeição e humilhação no centro de seu corpo.
Dentre todas as mulheres, ela era quem o tinha, e dentre todas
as mulheres, ela era a única que o rejeitava sem piedade.
— Posso saber o por quê de sua decisão? — Indagou calmamente,
estranhando sua própria estabilidade.
— Tenho vários motivos na verdade. — Ela disse, sustentando seu
olhar bravamente.
— Então diga-me. — pediu displicente. — Quero muito saber os
motivos pelos quais sou tão desprezível.
— É necessário que diga em voz alta? — Ela disse, parecia
magoada e ele não entendia o porquê. — Só o fato de ser você já
me faz querer nunca voltar a deitar-me contigo!
Sebastian lutou contra a vontade de recuar para trás. Sentiu
como se ela tivesse acabado de dar-lhe um tiro no meio do peito. A
dor fez ele voltar a se sentir um menino assustado. Levantou da
cadeira fazendo o negócio cair para trás com um baque, espalmou
as mãos na mesa e fitou os olhos daquela mulher cruel.
— Sim, é preciso que diga em voz alta. Diga! — Ordenou
perdendo o limiar da voz e beirando ao grito.
Ela também levantou, destemida, sem demostrar um pingo de
medo pela explosão dele. Ele tinha que lhe dar algum crédito, era
uma mulher corajosa.
— Comecemos pelo motivo de eu estar aqui. As vezes acho que se
esquece que eu não escolhi este casamento. — Esbravejou.
— Mesmo assim você está aqui. Se não quisesse este casamento
teria vendido a alma ao demônio mas não teria entrado naquela
igreja. — Retalhou e isso fez ela perder as falas. Ótimo. Ele
precisava tomar novamente o controle da situação.
— Tudo bem. Vamos deixar isso de lado e falar sobre o fato de que
está me afastando de minha família. Mesmo sabendo que eu serei
completamente infeliz sem eles. — Bateu com o pé no chão.
— É o que os casados fazem Seraphne. Eles se mudam para suas
próprias casas e vivem suas próprias vidas. Não pode ficar para
sempre vivendo a sombra de suas irmãs! — Gritou em resposta
atravessando o quarto, precisava de mais distância.
Mas parou no meio do ato de andar ao ouvir a resposta da
mulher: — Não é porque você é sozinho e vazio que todo mundo
quer ser como você!
Sozinho e vazio. Isso resumia toda a vida dele. Apertou os
dentes. Isso já foi o suficiente. Ele não era obrigado a ouvir isso.
Não fazia questão nenhuma do sexo. Isso nunca seria um problema,
não para ele. Estava muito longe de ser parecido com Christopher,
não iria manter celibato e correr como um cachorrinho atrás dela.
Para o inferno com isso.
— Foda-se toda essa merda. — Disse virando-se para ela. A
mulher não teve sequer a decência de ficar escandalizada com a
escolha de palavras dele. — Não preciso de seus míseros favores,
as mulheres não se negam para mim. Na verdade existe uma fila
bastante extensa de beldades que quero voltar a provar quando
chegar em Devonshire.
Ela vacilou a postura desafiadora. E ele adorou ver que isso
desestabilizou-a pelo menos um pouco.
— Ótimo, fique com todas elas. — Sua voz não saiu tão firme
quanto antes. Ele resolveu se aproveitar disso.
— Ficarei. Melhor que isso, vou colocar todas em uma sala e fazer
a maior orgia que Devonshire já viu. E só vou parar quando todas
as lembranças dessa maldita noite se apagarem da minha mente. —
As palavras saíram ácidas de sua boca, e bateram em cheio na
esposa.
Ficaram se encarando com olhares quebrados.
— Espero que você pegue a sífilis. — Ela disse por fim, dando as
costas e saindo do quarto as pressas, batendo a porta de
comunicação ao passar.
Dando a ele o tempo que precisava para fechar novamente as
feridas abertas.

❀❀❀

No dia seguinte a carruagem dos Standhurt's partiu de Bristol em


direção a Devonshire junto com os primeiros raios de sol. A manhã estava
muito fria e nem mesmo com a ajuda de alguns agasalhos Seraphne
conseguiu se esquentar. Talvez, a culpa fosse de seu marido, que estava tão
sombrio e endurecido que exalava frieza ao seu redor.
O homem não tinha olhado em seu rosto nem para desejar bom dia. E
quando chegou a hora de subirem na carruagem, ele preferiu ir a cavalo todo
o restante do caminho. Se antes o espaço lá dentro era pequeno com ele, sem
ele parecia assustador. Ela não gostava de sentir-se sozinha. Desejou ter as
irmãs por perto para lhe fazer companhia, mas sabia que isso seria
impossível.
Viajaram por varias horas e pararam por volta das nove para tomar o
desjejum e esticar as pernas em uma pequena estalagem na beira da estrada.
Sentaram um de frente para outro em uma mesinha pequena junto da janela.
Próximos demais para o gosto dela, os joelhos dele vez ou outra raspavam no
seu vestido. O lado bom era que Sebastian estava tão sombrio e distante, que
pareciam estar cada um em um continente diferente.
Seraphne precisou sentar-se de lado, pois estava dolorida entre as pernas.
Cada vez que pensava no momento ardente que teve com ele, os picos dos
seus seios ficavam eriçados e seu corpo latejava. Atento a cada movimento
que o homem fazia.
Tinha sido um momento único. Intenso, íntimo, magnífico e mútuo. Até
ele levantar-se sem olhar para trás e deixa-la jogada como uma roupa usada.
Tinha prometido que não a trataria mais como um objeto.
Antes, ela tinha cogitado a hipótese de voltar a fazer aquilo com ele.
Pensou até que não poderia mais ficar sem aquilo. Porém quando ele saiu tão
indiferente fechando a porta atrás de si, ela se sentiu...descartada. Se
encontrou iludida pela segunda vez naquela relação e percebeu que em algum
momento no meio do sexo, baixou a guarda.
Não podia deixar ele domar seu coração. E agora via que tinha razão
quanto a isso. Quando ele avisou que queria conversar, ela sentiu que ele iria
de alguma maneira magoa-la ainda mais, então decidiu magoa-lo primeiro.
Assim ficaria um passo a sua frente.
Não contava que ele fosse ficar tão alterado. Ou que fosse tentar
argumentar com ela. Pensou que ele daria de ombros e voltaria a comer
normalmente. Jamais cogitou que ele fosse passar em sua cara que realmente
planejava dormir com outras mulheres em Devonshire. Ou que o que tinham
feito, só havia sido especial para ela, um sexo razoável. Argh, detestava-o.
Principalmente por saber que só estava querendo voltar para Devon para
voltar a ver suas beldades.
Mastigou uma boa garfada de seus ovos mexidos enquanto um ignorava o
outro deliberadamente.
La fora, o clima ainda estava muito frio e o céu estava fechado, anunciando
uma chuva. Estava cansada de estar na estrada, queria chegar logo em
Cartland e se acomodar entre as cobertas de sua nova cama. Deu uma olhada
de esguelha no homem a sua frente, ele lia o mesmo livro do dia anterior,
totalmente por fora. Decidiu ser a mais sensata dos dois e quebrar de vez com
aquele comportamento infantil, eram adultos e encarariam a situação como
tais.
— Quanto tempo até chegarmos em Exeter? — Perguntou como quem não
quer nada, bebendo um pouco do seu chá.
— Em uma ou duas horas. — Respondeu sucinto, sem erguer os olhos do
livro.
— Hmmm. — ela murmurou ainda fitando o rosto dele. — Os criados estarão
nos esperando?
— Sim. — Seus lábios mal se mexeram, para ela não era suficiente.
— Faz quanto tempo que não vai até lá? — Insistiu, e finalmente conseguiu
sua atenção. Os olhos verdes se ergueram do livro diretamente para ela, a
perfurando como duas adagas afiadas.
— Dez anos. — Respondeu outra vez sucinto e Seraphne imaginou que devia
ter sido quando seu pai faleceu.
— Por que esperou tanto tempo para retornar? Sempre ouvi dizer que
Devonshire é um dos condados mais bonitos da Grã-Bretanha, com suas
aglomerações de rochas e montanhas. Sem falar que é um povoado rico em
tradições e é sempre muito acolhedor. — Falou sem conseguir travar a
língua. Os olhos dele grudados nela estava a deixando desconfortável. Quase
se arrependeu por ter começado um diálogo.
— Espere e verá. — Respondeu finalmente tirando a vista, deixando o
mistério de sua resposta pairar no ar.
Ela decidiu ficar calada o restante da refeição e o seguiu quando ele
levantou para pagar a conta. Ele viu a mulher o seguindo e virou-se para ela
com uma expressão interrogativa.
— Ah, eu gostaria de ajudar com minhas despesas. — Ela explicou
mostrando o saquinho com suas economias. Sebastian olhou para aquele
saco, e cerrou o maxilar, estreitando os olhos.
— Guarde isso, agora. — Ordenou por entre os dentes. Cheio de raiva
contida.
Ela estava pronta para começar uma discussão, mas viu que estavam
parados no meio do salão e atraíam alguns olhares. Resignada obedeceu o
marido, que deu as costas e andou em direção ao balcão. Quando ele
retornou, pegou seu casaco que descansava no encosto da cadeira e jogou em
cima dos ombros, andando em direção a saída sem se importar se estava
deixando ela para trás.
Se tivesse imaginado que ele agiria como um bastardo teria esperado para
dar as notícias somente quando estivessem em Cartland. Quando ele chegou a
porta da estalagem um homem de estatura mediana, portando um cão enorme
de caça, o parou com uma mão em seu ombro.
— Standhurt! — Disse como se não acreditasse que estava vendo o próprio a
sua frente. — Não acredito que seja você!
— Adoraria dizer que sou uma miragem Bourne, mas não, sou eu. — O
marido respondeu, os dois trocaram um abraço com palmadinhas nas costas.
— O que faz aqui? Ouvi dizer que tinha se casado. — Comentou o homem se
afastando junto com seu cão. — Não vai me dizer que está voltando para
Devonshire?
— Outra coisa que eu adoraria negar. Mas sim, estou indo para Cartland. —
Respondeu, o outro homem pareceu surpreso. — E me casei ontem. —
Adicionou.
— Veja só, nunca imaginei que fosse viver para ver você casado e voltando
para Devonshire. — Observou. — Achei que fugisse das duas coisas.
Seraphne ergueu as sobrancelhas, agora quem estava surpresa era ela. Se
seu marido não gostava de Devonshire, por que estava insistindo tanto em
retornar?
— Bom, uma hora um homem tem que tomar certas decisões na vida. — Ele
respondeu e o tal Bourne abriu uma gargalhada.
— Espero que essas decisões não tenham estragado o quão divertido você
era. — disse dando um tapinha cúmplice no ombro de Sebastian. — Até hoje
Poppy fala de você. Ainda é apaixonada sabe? Espere só até ela saber que
está de volta.
Sebastian rapidamente procurou a esposa com a vista. E no fundo dos
seus olhos Seraphne soube que a menção daquele nome não era desejada.
A pulga da discórdia começou a coçar atrás de sua orelha. Quem era
Poppy?
— Bourne, deixe-me apresenta-lo a minha esposa. — Seraphne semicerrou
os olhos, ele estava mudando o foco da conversa. Se antes ela suspeitava,
agora tinha certeza.
Caminhou até eles com o olhar dos dois sobre ela e parou de frente para o
homem. Abrindo o sorriso mais falso que toda a maldita Bristol já viu.
— Bourne, esta é Lady Seraphne Devon. Seraphne, este é Lorde Frederick
Grettwel, o marquês de Bourne. — Seraphne fez uma breve reverência ao
qual o homem retribuiu. Estava levemente avermelhado, com certeza havia
percebido que Seraphne ouviu o conteúdo da conversa.
Ficaram os três mudos por vários segundos até ela baixar os olhos para o
mastim aos seus pés.
— Oh, que cachorro mais bonito. — Disse, se agachou ao chão e estendeu a
mão para tocar-lhe na cabeça.
— Cuidado, ele não gosta que lhe toquem na... — Bourne começou, mas
parou ao ver que seu cachorro não só adorou a carícia de Seraphne como
também deitou-se no chão para ela lhe acariciar a barriga.
— Perdoe-me milorde, tenho certa aptidão para domar cães raivosos. —
Disse com um sorriso audaz.
Bourne olhou dela para o cachorro prostrado, e do cachorro para
Sebastian.
Seraphne sorriu para Bourne, e Sebastian bufou ao seu lado.
— É melhor irmos indo, ainda tem um bom pedaço até Cartland. — Falou
levemente incomodado.
— Foi bom ver você, apareça em Stonecourt qualquer dia desses, estaremos
no Touro Negro como nos velhos tempos. — Disse Bourne, e Seraphne
crispou os lábios. Isso cheirava a bordel barato.
— Milorde. — Ela se despediu com uma reverência.
Quando entraram em viagem novamente, os pensamentos dela não
paravam de lhe perturbar. O encontro imprevisto com o lorde Bourne só
serviu para colocar ainda mais dúvidas em sua cabeça. Uma série de
"porquês" giravam em torno do seu casamento com Sebastian. Devonshire.
Seus pais. Todo o tempo que passou afastado e agora uma mulher, que
aparentemente foi importante o suficiente para deixar seu marido inquieto
com a pequena menção de seu nome.
Quando a chuva começou a castigar o teto da carruagem e eles entraram
na indiscutível Exeter, Seraphne já estava decidida de que vir a Devon, não
era uma ideia tão ruim assim.
CAPÍTULO OITO

Prostrada na entrada do castelo, Seraphne observava Sebastian galopar


para longe. Sem acreditar que o maldito tinha mesmo abandonado ela nas
portas de Cartland com simples "Adeus". Ficou lá, por mais tempo do que
gostaria de admitir. Com lama nas botas e na barra do vestido, rodeada de
baús, sob o olhar de pena dos criados. Desejando ter uma pedra para lhe
acertar na cabeça.
— Co-com licença, milady. — Gaguejou uma voz atrás dela. Virou-se
enfurecida.
— O que é? — Perguntou ríspida, enquanto tentava parecer digna na situação
em que se encontrava. Outra vez descartada.
— Sou Marie Elnice, a governanta. — Se apresentou embaraçada. —
Presumo que a senhora seja a lady Devon?
Seraphne crispou os lábios com nojo ao ouvir aquela mulher chama-la
daquela maneira.
— Não sou senhora. Nem lady e muito menos uma Devon. Me chame de
Seraphne. — Respondeu, abrandando o humor, deixando para descontar sua
raiva em quem realmente merecia.
— Sim, milady, se me acompanhar, posso guia-la até os seus aposentos. —
Disse subserviente. Seraphne assentiu e acompanhou a mulher para dentro
das enormes muralhas desgastadas.
Enquanto adentrava ela não deixou de notar o estado degradante em que a
propriedade se encontrava. Protegido por uma muralha de tamanho mediano
feita de pedras rochosas, o castelo ficava entre um lago aparentemente escuro
e meio lamacento e uma floresta mais assombrosa ainda do outro lado.
Ao redor da propriedade a devastação era ainda maior. A grama estava
morta, e o hera morta que cobria metade das paredes era o único indício de
flora. O único tom de verde que se via era o do lodo, as árvores eram secas, e
não tinha qualquer resquício de fauna.
As portas enormes rangeram quando dois criados empurraram para abri-
las. Ela entrou ali e ficou impressionada como o lado de fora parecia muito
mais acolhedor. Um breu. Escuro até o último canto. Não entrava luz nem
por uma fresta das janelas, que estavam todas fechadas por cortinas.
O vão de entrada era enorme com entradas para todos os lados e um hall
deslumbrante com seis pilares sustentando o teto oval, cobertos de poeira e da
mesma hera marrom que cobria as paredes do lado de fora.
Elas subiram uma longa escada de mármore branco que levava até uma
bifurcação. Cada lado levava para uma direção diferente, uma norte e outra
sul.
A governanta baixinha, que aparentava não ter mais que quarenta anos,
virou na direção sul, levando ela por um labirinto confuso de corredores
iguais, assustadores e soturnos. Com tapeçarias marcadas pelo mofo, e teias
de aranha enfeitando cada reentrância.
Depois de uma série de espirros, e de subirem mais dois lances de escada,
ela finalmente chegou à uma porta dupla de cor escura. Observou o desenho
entalhado na madeira, arabescos que formavam uma grande águia prateada.
"O ninho azul" dizia uma placa na porta. Marie Elnice girou a maçaneta e
deixou que ela entrasse.
O local com certeza era o mais arrumado pelos quais ela passou. O chão
de madeira estava recém encerado, e o cheiro de móveis velhos estava sendo
amenizado pelo aroma da madeira sendo queimada na lareira.
Ela foi até as cortinas e as abriu, sendo banhada por uma camada grossa
de poeira bem no meio da cara. Tossiu, tirando os excessos da poeira do
rosto, e quando abriu os olhos para conhecer o quarto iluminado pela luz do
dia, logo entendeu o porque de se chamar Ninho Azul. O quarto, que ficava
em uma torre, era todo decorado com as cores azul marinho acetinado e o
prateado da família Standhurt. O papel de parede, os tapetes, as cortinas, as
cobertas na cama. Tudo era azul. Mas o mais surpreendente era a visão que
tinha de sua janela, podia ver toda a Dartmoor dali. Se sentiu literalmente em
um ninho, no galho mais alto de uma árvore.
Logo os criados vieram com seus baús, os colocando desordenadamente
no meio do quarto.
— Vou deixar que fique a vontade, milady. Caso precise de alguma coisa,
basta puxar a corda com a sineta. — Disse a governanta, e saiu depois fazer
uma reverência.
Seraphne precisava sim de uma coisa. Uma passagem só de ida no
próximo navio que levava até o Tibete. Resignada, se proibiu de pensar em
Sebastian, ou no que quer que ele estivesse fazendo. Tratou de organizar suas
coisas.
Quando foi preciso colocar os seus muitos vestidos no armário, Seraphne
decidiu pedir a ajuda de uma criada, ou não acabaria nunca. Puxou a cordinha
com a sineta e alguns minutos depois uma moça não muito mais velha que
ela entrou no quarto. Ela observou que aquela moça era bastante exótica,
nunca tinha visto uma pele tão dourada, ou cabelos tão curtos em uma
mulher. Achou-a uma criatura curiosa.
— Sim, milady? — Perguntou solicita.
— Poderia me ajudar a organizar essas roupas? — Ela indagou gentilmente, e
a jovem assentiu andando até ela. Ainda sem erguer a cabeça pegou um
punhado de vestidos.
Seraphne notou com estranheza que os criados tinham uma postura muito
esquisita. Quase como se tivessem medo de olhar em seus olhos.
— Como se chama? — Perguntou observando a jovem, que se mostrou um
pouco nervosa.
— Daisy, milady. — Respondeu, esticando um vestido em um cabide e
voltando para pegar outro no baú.
— Me diga Dayse, trabalha aqui tem muito tempo? — A jovem morena deu
uma leve olhada de soslaio.
— Não muito senhora, pouco mais de um ano. — Respondeu, ainda
concentrada no que estava fazendo.
— Sabe me dizer por que o castelo se encontra em uma situação tão
deplorável? — Indagou, a jovem parou, se virando para olha-la diretamente
pela primeira vez.
— Não nos culpe senhora, até faríamos alguma coisa, mas...— Parou de falar
rapidamente, como se percebesse que iria falar algo inadequado.
— Mas... — Seraphne incitou-a a prosseguir, ela segurou na barra do vestido
nervosamente.
— Não me entenda mal senhora, todos nós precisamos do emprego. — Disse
e Seraphne assentiu uma vez. — É o marquês. Ele não nos deixa mexer na
propriedade.
— Como assim? — Seraphne inquiriu confusa.
— Não podemos fazer nada. Limpar, cuidar, tratar. Nada. — A jovem
respondeu e uma ruga se formou entre as sobrancelhas de Seraphne.
— Está me dizendo que o marquês não permite que cuidem da propriedade?
— Perguntou incrédula.
— Sim, milady. Apenas mantemos o que dá. Vez ou outra trocando aquilo
que não presta mais, ou cuidando para que a madeira não apodreça. — Disse,
Seraphne ficou encarando seu rosto com a boca semi aberta.
Não tinha explicação lógica para aquilo. Qualquer pessoa que tivesse uma
propriedade ancestral como aquela iria tomar todas as medidas para preservar
e cuidar.
Pelo visto Sebastian era diferente dos demais humanos do mundo.
Infelizmente ela não era, e não poderia passar o resto de sua vida vivendo no
meio de um monte de lixo.
Agora que também era a senhora daquela casa, iria tomar as medidas
necessárias para tornar a vida ali dentro no mínimo tolerável.
— Dayse, o que você faz geralmente aqui? — Perguntou para a moça.
— Fui contratada como criada, milady. — Respondeu e Seraphne abriu um
sorriso satisfeito.
— Deve conhecer muito bem o castelo. Sim? — Ela assentiu. — Então, a
partir de hoje você será minha donzela pessoal. — Comunicou, e criada
arregalou os olhos, espantada.
— Mas é um cargo muito acima dos meus conhecimentos. — Refutou,
Seraphne balançou os ombros.
— Não tem importância. Eu posso ensinar aquilo que você não sabe e você
pode me ensinar mais sobre o castelo. — Tentou persuadi-la, mas a jovem
continuou em silêncio a fitando dividida. — Temos um acordo?
Ela fechou a boca e pareceu pensar bastante. Seraphne não entendia o
porquê de seu receio. Seria um emprego bom. Ela não seria uma pessoa
desagradável e também tinha o aumento do salário. Sem falar nos benefícios
que ela ganharia com o novo cargo.
— Tudo bem. Temos um acordo. — Sorriu contente e logo as duas se
colocaram a tirar o restante das coisas dos baús.
Esperava do fundo do coração encontrar uma companhia amigável em
Cartland. Não aguentaria passar os seus dias presa entre aquelas paredes,
isolada do mundo e sozinha.
Não podia contar com a companhia de seu marido. Obviamente. Teria que se
virar se não quisesse mofar como os móveis daquele lugar.
— Notei que tem uma aparência distinta, não é inglesa é? — Indagou para
Dayse, que a ajudava a tirar seus muitos livros de um baú.
— Por parte de pai sim. Mas minha mãe era da Espanha. — Disse, agora
parecia mais a vontade na presença da marquesa.
— Oh! Sempre quis conhecer a Espanha. — Exclamou. — Eles são donos de
uma excelente literatura. Mas você já deve saber.
Dayse esboçou um breve sorriso.
— Nunca aprendi a ler. — Disse, parando os olhos em uma peça de
Shakespeare. — Trabalho desde bem jovem, nunca tive tempo para
frequentar a escola. O mesmo acontece com vários meninos que moram no
castelo, e no vilarejo.
O sorriso de Seraphne sumiu.
— Não existe uma escola nas redondezas? — Indagou, não conseguia
acreditar que alguém pudesse viver sem conhecer o mundo mágico que há
nos livros.
— Bom, existia a do senhor Greyson. Ele era dono de uma pequena capela
onde costumava receber alguns meninos do vilarejo, mas foi preciso que
encerrasse as aulas abruptamente. — Seraphne assentiu em silêncio, sua
cabeça funcionado como as peças de um relógio.
Pegou um pequeno exemplar de capa marrom avermelhada, o seu livro
preferido quando criança, e estendeu para a jovem.
— Aqui, agora terá como praticar. — Disse, Dayse olhou para o livro e o
pegou, sua expressão de incredulidade deixou Seraphne sem jeito. A donzela
passou uma mão pelo relevo na capa e o abraçou em seguida.
— Obrigada. — Disse, e só de ver o sorriso emocionado no rosto da jovem
foi o suficiente para Seraphne.
Quando terminaram com tudo dentro do quarto, a noite já tinha caído e
vários candelabros e archotes iluminavam os corredores do castelo.
Olhando pela janela, ela podia ver ao longe uma aglomeração de luzes
espalhadas desordenadamente, e percebeu se tratar do vilarejo. Possivelmente
o que Dayse havia mencionado.
Ficou feliz em saber que existia vida fora dali. Assim não se sentia de todo
isolada. O grande relógio na sala badalou anunciando as dezesseis horas, ela
desceu acompanhada de Dayse para o salão de jantar.
Enquanto passavam pelos corredores mal iluminados cobertos de poeira,
Seraphne tentou decorar o caminho se apegando a detalhes, como um jarro ou
um quadro.
Desceram dois lances de escada e se despediu de Dayse ao chegar ao salão
principal. Sozinha ela passou por uma porta que se abriu com a ajuda de dois
lacaios.
Vislumbrou o grande salão embasbacada. A magnificência daquele lugar
era surpreendente. O teto abobadado sustentado por seis pilares de rocha lisa
tinha a cor azul do céu e adornos dourados nos ligamentos com os pilares.
No centro do teto, um grande lustre de cristal rodeado de velas iluminava
toda a mesa de jantar, que com certeza acomodaria todos os moradores de
Devon e ainda restaria espaço. Se sentiu diminuta naquele ambiente, perdida
em meio a toda aquela grandeza. Ofuscada pela beleza daquele lugar, que
mesmo destruído, conservava sua beleza.
Caminhou até a mesa e ficou bastante indecisa sobre qual acento deveria
tomar. Suas escolhas eram muito amplas. Sentou-se ao lado da cabeceira,
imaginou que Sebastian sentaria ao seu lado. Foi quando ergueu os olhos e
viu de relance algo que lhe chamou a atenção. Na parede da outra
extremidade, cinco quadros estavam bem dispostos em molduras de
acabamento prateado. Homens de rosto diferentes, mas com certa
semelhanças entre si.
Ela observou atentamente do primeiro até o último. Com seus olhos de
águia, buscou qual era a ligação entre aqueles cinco homens.
Levantou-se de sua cadeira e atravessou a longa sala, se aproximando
mais dos quadros. Foi quando percebeu a semelhança, o vínculo estranho
entre aqueles cinco homens era nada mais que os olhos.
Verdes claros e sombrios. Absortos na seriedade. E logo que percebeu
isso, percebeu também de quem se tratavam, eram os marqueses de
Standhurt. Todas as cinco gerações.
Seus olhos se cravaram no quinto homem, a semelhança com seu marido
era gritante, tirando o fato de que aquele homem com feições endurecidas e
nariz empinado lhe parecia muito mais cruel que Sebastian.
Tal pensamento lhe causou certo desconforto. Não queria comer com
aqueles olhos inquisidores em cima dela. Voltou para seu lugar na mesa um
pouco mais incomodada, com a sensação de estar sob a vigilância de um ser
invisível.
Esperou pacientemente por ele, batendo levemente os dedos na mesa em
sinal de irritação. Quando se passou uma hora de espera e os criados
começaram a lhe lançar olhares de pena, Seraphne percebeu que o desgraçado
não viria.
Mandou que servissem seu jantar e comeu, tentando manter sua melhor
pose de plenitude, sentindo um rancor avassalador mastigar suas tripas.
Ele tinha feito isso de propósito, ela sabia, apenas para humilha-la em
frente aos seus criados. Provavelmente estava rindo dela com a boca em outra
mulher. E ela odiou. Se detestou por sentir qualquer resquício de dor com
esse pensamento. Comeu engolindo os pedaços da comida quase sem
mastigar, não apreciou em nada a refeição.
Quando finalmente comeu o suficiente para poder se retirar sem parecer
uma tola, se ergueu da mesa com sua melhor postura de marquesa e
abandonou o salão a passos decididos.
Tentando com todas as forças não imaginar Sebastian nos braços de uma
beldade morena chamada Poppy.

❀ ❀ ❀
Assim que entrou pelas portas de Cartland, Sebastian se sentiu oprimido
pelas lembranças. Quando decidiu voltar, imaginou que assim como as
cicatrizes de seu corpo, as de sua mente também tinham se apagado. Mas
estava enganado. Redondamente.
Aquelas muralhas manchadas de sangue nunca deixariam de atormenta-lo.
Largou Seraphne na porta de entrada, e correu para o único lugar ali onde se
sentia seguro. O antigo farol que ficava nos fundos da propriedade.
Estava arrependido, não aguentaria voltar a viver ali. Queria voltar para
Londres, fugir novamente de Devonshire, e desta vez não cometeria a
estupidez de voltar. Somente quando a noite caiu e ele estava suficientemente
bêbado, entrou pelas portas dos fundos do castelo. Tomando o cuidado de
não cruzar seu caminho com Seraphne, entrou no espaço vazio de baixo da
grande escadaria e puxou uma pequena saliência na parede que formava uma
alavanca, pode ouvir o arrastar de algo velho e com um "click" a parede falsa
cedeu, ele olhou através do longo corredor afundado no breu e o atravessou,
sempre dobrando no corredor à sua direita. Ele conhecia cada fresta, porta,
sala, passagens secretas e reentrância daquela construção. Quando era menino
seu único passatempo era a exploração, e por mais que odiasse Cartland,
tinha que reconhecer que o castelo era uma obra de arte.
Abriu um sorriso maligno enquanto andava enfiado na escuridão. Se
sentia puramente satisfeito. Seu pai sempre amou aquela construção mais do
que a tudo no mundo. Morreria pela segunda vez se visse o estado em que a
propriedade se encontrava. Sebastian rinha feito de propósito. Ordenou que
os criados parassem de limpar, ou cuidar da terra, deixou ao capricho do
tempo. Se não podia mandar demoli-la, iria deixar que o tempo fizesse seu
trabalho.
Finalmente chegou no fim do último corredor e subiu uma longa escada
estreita, só precisou empurrar a parede no fim da escada e já estava dentro do
próprio quarto. Tirou o casaco e as botas de viagem e se atirou na cama
sentindo todos os músculos do corpo tensos.
Estava muito cansado, não tinha dormido muito bem na noite anterior
depois da briga que teve com Seraphne. Ficou bolando na cama da estalagem
até os primeiros raios de sol entrarem pela janela. Depois teve certeza de que
não suportaria viajar no mesmo ambiente que ela. Detestava admitir, mas
estava muito magoado.
Seraphne havia ferido seu orgulho de homem. Nunca antes ele havia sido
rechaçado por um mulher, principalmente após terem estado na cama com
ele.
As mulheres costumavam correr para ele aos montes e se ajoelhar aos
seus pés para lhe oferecer carinho e devoção, e não aceitaria menos que isso
dela.
Encarou o dossel da cama e lembrou de seu encontro com Bourne, o
homem era estúpido demais para perceber que sua esposa estava logo do lado
e acabou falando de Poppy.
Poppy... Pensar nela trouxe um sorriso aos lábios do marquês. Poppy
nunca diria não para ele. Talvez fosse isso que Sebastian devesse fazer,
recordar o passado. Se Bourne estivesse certo e ela ainda fosse apaixonada
por ele, não seria difícil voltar a se enfiar entre as pernas da meretriz.
Ouviu a voz melodiosa de sua esposa e seus pensamentos mudarem de
rumo de súbito. Rapidamente imagens da noite passada inundaram sua
mente.
O corpo esguio e nu, a pele vermelha, os cabelos loiros pregados em seus
corpos suados, a textura macia da pele leitosa, e os pequenos gemidos
travessos que escapavam involuntariamente...
Sebastian sacudiu a cabeça mandando todas essas imagens para longe.
Porém não conseguiu. Então resolveu apelar para a ajuda. Foi até a mesa
onde tinha uma garrafa de uísque escocês, presente de casamento de
Northwest, e virou o líquido em um copo. Bebendo toda a dose de uma vez e
enchendo-o novamente.
Olhou para a porta de comunicação com o quarto de sua esposa, e fez
uma cara de desagrado. Nunca a usaria, nunca se humilharia para ela. Ele
jamais iria implorar por afeição. Passou toda a sua infância implorando pela
atenção de uma mulher e nunca a recebeu. Somente depois de adulto, várias
livras mais rico, conseguiu a afeição de dezenas delas.
Saboreou em silêncio o azedo do uísque se misturar com o amargor de
seu íntimo enquanto ouvia os movimentos dela. Notou que ela abandonou o
quarto, possivelmente para jantar.
Ele não sabia o que fazer agora que tinha voltado, estava de férias do
parlamento e nem se quisesse ocuparia sua cabeça com trabalho, quando
pensou que estaria sozinho em Cartland com ela, imaginou que aproveitariam
o tempo desonrando cada compartimento do castelo.
Agora que estava proibido de toca-la, realmente estava sem muitas
opções. Podia ler, mas não conseguiria, descobriu que tentar ler tendo
Seraphne por perto era impossível. Ela chamava sua atenção em tudo, em
cada gesto, em cada traço, cada movimento o fazia perder a concentração.
Então, decidiu ficar deitado e esperar que ela retornasse. Passou o dia
atento aos seus passos do outro lado da parede. Uma parte dele queria
atravessar a porta que os afastava e perguntar como estava se sentindo, o que
tinha achado de Cartland. Mas a outra parte, uma mais rígida e ressentida,
queria se afastar e deixar ela por conta própria. Era uma mulher muito auto
suficiente, saberia se virar sem ele.
E era isso que ele detestava.
Queria que ela ficasse completamente dependente dele. Não, ele queria que
ela precisasse dele.
Ele odiava se sentir tão diminuído, Seraphne cuspia facas em forma de
palavras sem se importar se iria machuca-lo ou não. E a pior parte era
perceber que machucava. Depois de anos de um corpo dormente, Sebastian
descobriu uma mulher que foi capaz de tirar-lhe as horas de sono, e foi
estúpido o suficiente para se casar com ela.
Naquele dia ele não iria descer para o jantar. Não, Cartland já estava
sugando a pouca vitalidade que ele tinha, e não queria que Seraphne o visse
bêbado.
Ficou em sua masmorra de reclusão, completamente afundado na
escuridão, com a garrafa de uísque vazia de um lado e o corpo jogado em
cima da cama, só quando ouviu os passos de sua mulher passar pela porta e
entrar em seu quarto, foi que ele conseguiu finalmente dormir.
CAPÍTULO NOVE

Seraphne acordou no meio da noite com frio e reparou que uma corrente
de ar muito forte entrava pelas janelas abertas, fazendo as cortinas prateadas
voarem como vultos na penumbra do quarto. Levantou, ignorando os
calafrios de medo, e puxou as persianas das janelas, voltando para as cobertas
e se enfiando lá embaixo, tentando não tremer como uma menina
amedrontada.
Sentia-se perdida, sozinha naquele castelo. Sabia que não teria para onde
correr, não poderia mais buscar abrigo no quarto das irmãs, e seu marido
estava fora de questão. Fechou os olhos e tentou dormir, pensando na sua
antiga cama em Londres e no aconchego da casa de seus pais. Porém, foi
atrapalhada por um barulho distante vindo de algum lugar acima do quarto
dela.
Uma pessoa normal teria ignorado o barulho. Mas ela jamais conseguiria
dormir até ter certeza de que a causa daquele barulho não era uma
assombração.
Levantou-se na ponta dos pés, com o frio específico do medo invadindo
seu estômago. Pegou apenas um castiçal com uma vela, e saiu só de camisola
para o corredor. Novamente o barulho se repetiu, semelhante a alguém
batendo em uma porta. Engoliu em seco, e começou a andar na direção da
escada que levava ao último andar. Daphne sempre foi a mais medrosa das
três irmãs, contudo, agora ela se encontrava em um nível de terror que seu
coração cavalgava dentro do peito.
Cartland a noite daria uma ótima inspiração para contos assombrosos. O
silvo do vento que entrava açoitando as cortinas. As sombras dos móveis
gastos fazendo silhuetas monstruosas no chão. A luz da lua entrando pelas
frestas das janelas, possibilitando uma penumbra dramática.
Chegou no quarto e último andar, e caminhou sorrateiramente na direção
de onde o barulho se distinguia, ficando cada vez mais alto e nítido atrás de
uma porta que ficava exatamente sobre o quarto dela. Sua respiração
acelerou, estendeu mão para girar a maçaneta e...
— Brincando fora da cama? — A voz grave de Sebastian soou atrás dela, e
seu coração falhou três batidas.
— Jesus! Você quase me matou de susto, Sebastian! — Sussurrou, colocando
uma mão sobre o peito, verificando se seu coração ainda estava lá ou se tinha
saído pela sua boca.
— Me desculpe, não consegui evitar. — Ele disse, tentando conter o riso. —
O que faz fora da cama?
— Ouvi um barulho e vim ver do que se tratava.
— Sozinha? É mais corajosa do que pensei. — Disse, observando-a.
— E você, o que faz fora da cama? — Arqueou uma sobrancelha. — Acaso
vem chegando agora de sua saída?
Ele fechou o sorriso e permaneceu calado, seus olhos sombreados pela
chama da vela.
— E quem disse que eu sai? — Perguntou, ela cerrou os lábios, irritada.
— Presumindo que você está cheio de camas para visitar e que eu não vi nem
sua sombra durante o dia inteiro, tirei minhas próprias conclusões. —
Respondeu, aborrecida consigo mesma por se importar com aquele fato a
ponto de querer machuca-lo.
Ele estreitou os olhos de sua maneira única, e avaliou a esposa
atentamente, até que ela ficasse inquieta.
— O que há? — Ela perguntou, levemente incomodada.
— Por um momento tive a impressão de que você está com ciúmes. —
Sugeriu, um rubor furioso tomou posse das faces de Seraphne.
— Eu apenas...— Começou a se explicar, mas foi atrapalhada pelas mesmas
batidas que levaram-na até ali. Deu um passo para mais perto de Sebastian.
— Pelo visto você não é tão corajosa quanto parece. — Ele riu, girou a
maçaneta da porta gasta e entrou no quarto escuro. Cautelosamente, ela foi
atrás dele, iluminando o aposento com a parca luz da vela.
Aparentemente não tinha nada no quarto, a não ser uma mesa de chá com
cinco cadeiras, um sofá e duas poltronas, todos cobertos de poeira.
— Está vendo? Não é nada. — Sebastian disse, indicando o quarto vazio.
— O que estava fazendo aquele barulho? — Ela perguntou, sem deixar de
vasculhar todos os lugares com a vista, temendo ser surpreendida por uma
criatura horrenda.
— É um castelo velho, esses barulhos acontecem frequentemente. — Ele
explicou e ela se aproximou mais dele só por precaução.
Seraphne percebeu que ter a presença de Sebastian ali era reconfortante.
Nunca imaginou que iria encontrar abrigo no calor de seu corpo, e por mais
que ela estivesse além de irritada com ele, naquele momento, agradeceu
silenciosamente por ele estar ali.
— É. Não deve ser na...— Antes que ela pudesse concluir, a janela bateu com
toda a força revelando a causa do barulho. Isso a fez dar um pulo e se agarrar
ao pescoço de Sebastian como se o marido fosse sua última esperança de
vida.
— Acalme-se querida, é apenas a janela. — Ele acalmou-a, rodeando a
cintura dela com um braço.
Só depois que o susto inicial passou Seraphne percebeu a situação em que
havia se metido. Estava nos braços de Sebastian. Agarrada ao seu pescoço,
com o rosto enfiado no seu peito largo. Era possível sentir todos os músculos
tesos em contato com o corpo dela, que estava nu, coberto apenas pela
camisola de algodão.
Percebeu também que ele estava ciente disso.
Ele era quente. E aquele calor atraente que emanava da pele dele, entrou
através dela esquentando tudo que era frio. Seraphne, devagar, ergueu o rosto
para ele. O castiçal que estava em sua mão caiu no momento do susto, a vela
tinha apagado, enfiando os dois na penumbra do quarto, possibilitando ver
apenas os contornos do rosto do homem.
Ela podia sentir as batidas do coração dele enlouquecidas. E sentiu o
próprio coração acelerar. A respiração dele ficou lenta. O cheiro do álcool em
seu hálito denunciava que tinha ingerido uma grande quantidade. A rigidez
de sua ereção investiu contra a barriga dela, e seu corpo acendeu.
Seraphne ficou parada enquanto o marido subia uma mão travessa pelo
seu corpo, deixando um rastro de fogo para trás. Fazendo-a fechar os olhos
com força, lutando contra a vontade de se agarrar a ele ainda mais. Uma mão
grande envolveu um seio dela, e Seraphne estrangulou um gemido de
satisfação quando ele acariciou seu seio gentilmente.
Ela ouviu o suspirou pesado que ele soltou. A mão em seu seio se tornou
possessiva e a outra que ainda estava na cintura dela a puxou ainda mais
contra o membro que estava tão rígido que deixou a carne de sua barriga
dolorida. Ele gemeu, e o gemido longo se transformou em um rosnado. E no
instante seguinte ela estava sentada sobre a mesa com Sebastian entre suas
pernas. A mesa rangeu e balançou com seu peso, mas não se importou. No
fundo de sua mente ela sabia que aquilo não estava certo, mas ficou
impossível se concentrar no porque quando ele enfiou seus dedos entre os
cabelos da nuca dela e os puxou para trás, deixando todo o seu pescoço com
livre acesso.
— Sebastian. — Ela sussurrou, mas o homem pareceu não ouvi-la. Ele beijou
sua garganta, ao mesmo tempo que sua ereção ainda coberta pelo tecido da
calça, espremeu a carne mais íntima. Seraphne arfou, pois jamais imaginou
que somente um pouco de pressão pudesse causar aquela reação do seu
corpo.
— Você sente isso? — Ele perguntou, voltando a investir os quadris na
direção dela. A mesa novamente rangeu.
— Sim. — Ela respondeu, com as pálpebras pesadas, estava conhecendo
mais sobre seu corpo naquele momento.
— Toda vez que me recusar isso só aumentará, até se tornar insuportável, e
quando essa hora chegar, você vai me implorar para entrar dentro de você. —
Por mais que a frase fosse carregada de presunção, ela não encontrou nenhum
indício disso nos olhos dele, somente uma verdade inegável.
Ele raspou os dentes em seu pescoço, e investiu outra vez, e não parou
mais. A cada investida ela sentia como se ele mandasse chamas pelo corpo
dela. Fincou os dentes em seu ombro e aumentou a pressão, a mesa balançava
junto com eles, mas Seraphne estava mais preocupada em aumentar ainda
mais a fricção, sentindo que algo crescia dentro do seu corpo e corria em
busca de libertação. Gemeu, agarrou o redondo e firme traseiro dele e o
puxou para mais, e mais, ia finalmente chegar ao fim daquela corrida carnal.
Ouviu o barulho de madeira rachando.
POW!
No instante seguinte estava no chão com Sebastian em cima dela. A mesa
tinha cedido e se feito em pedaços, e o barulho foi estrondoso. Uma cortina
de poeira subiu do chão e rodeou os dois, Sebastian foi o primeiro a se
levantar e a puxou.
— Machucou-se? — Perguntou, vasculhando as costas dela em sinal de
ferimentos. Mas ela se sentia bem, o tampo da mesa tinha absorvido todo o
impacto, sentia apenas um enorme frustração. Tirou uma camada de poeira
do rosto, e percebeu que aquela mesa ter cedido foi coisa do destino.
Só então se deu conta do que estava prestes a fazer. Ele tinha sido um
bruto insensato o dia inteiro, foi rude, nem se preocupou em ver como ela
estava, largou-a na entrada do castelo sem dar satisfações, e achava que
poderia beija-la e fazê-la esquecer de tudo? Andou em direção a saída do
quarto.
— É melhor irmos dormir. — Disse, e antes que ele a impedisse, antes que
fizesse qualquer coisa da qual se arrependeria, saiu do quarto e deixou-o
sozinho na escuridão.

❀❀❀

Depois de tomar o desjejum na privacidade do próprio quarto, Seraphne


decidiu começar sua expedição pelo castelo com Dayse ao seu lado. A
devastação em alguns cômodos era bem maior do que em outros. Portas e
janelas soltas, alguns móveis quebrados e destruídos pelo tempo. Tapeçarias
raras estavam cobertas de pó. Os poucos quadros que enfeitavam as paredes
estavam opacos, e as armaduras medievais precisavam ser polidas.
Desceu para o último andar, onde Marie Elnice tinha reunido toda a
criadagem para apresenta-la formalmente. Coisa que quem deveria ter feito,
era o senhor da casa. Com aquela atitude Sebastian colocava em dúvida a
autoridade dela como senhora daquele lugar. Mas ela daria um jeito de
conseguir a admiração dos criados de outra maneira. Uma que seu marido
desconhecia.
A ala dos criados, ficava bem próximo da cozinha. Os quartos eram
pequenos, os papéis de parede azul escuro estavam rasgados em alguns
lugares, a maioria dos móveis, como camas, armários e escrivaninhas
estavam gastos e os colchões tinham o cheiro forte de mofo. Mas ainda assim
era a ala mais limpa do castelo.
Seraphne ficou dividida entre o alivio e o espanto. O alívio de saber que
os barulhos na noite eram causados pelas portas e janelas sendo arrastadas
pelo vento, e espanto por perceber que teria que começar as mudanças
daquele lugar de imediato. Não podia permitir que aquele povo permanecesse
trabalhando ali naquelas condições.
Quando decidiu que já tinha visto o bastante, e estava cheia de ideias para
pôr em prática, reuniu uma boa dose de coragem e se dirigiu ao quarto de seu
marido. Ela bateu na porta do corredor, para deixar claro que seus assuntos
ali não eram nada além de profissionais.
— Entre. — A voz soou lá dentro e ela o fez. Quase perdeu o raciocínio
quando encontrou o cretino apenas de calções.
Quase deu meia volta e fugiu dali, mas optou por ser madura e sensata.
Ele era seu marido afinal, ela já tinha visto ele usando menos que calções.
Ele retirava as roupas de um de seus baús. Que ainda não haviam sido
esvaziados. Ela observou seus movimentos, a maneira como eram tão
masculinos. Um simples ato de puxar tornava-o perdidamente sensual.
Ela rapidamente se repreendeu por sequer pensar nele desta maneira. Sua
atitude noite passada deixou muitas coisas claras para ela. Detestava que
alguém tivesse controle sobre suas emoções. Sempre foi muito madura
quanto a esses sentimentos. Foi sincera quando disse que não queria-o
novamente. Mas nesse momento, percebendo que naquela mesma manhã, ele
poderia ter estado com outra mulher em Exeter, fazia ela sentir-se debilitada e
doente.
Ele finalmente ergueu os olhos para a porta onde ela se encontrava parada
e seus olhos de turmalina perfuraram-na, cheios de petulância.
— Achei que tivesse dito que nunca mais tornaria a entrar em meu quarto. —
Disse com sua típica arrogância. Seraphne se controlou para não dar meia
volta e manda-lo atravessar um mar de piranhas.
Enfiou sua revolta goela abaixo e continuou de pé. Imitando perfeitamente
a postura ereta que sua amiga Sophie havia lhe ensinado para situações como
aquela.
— Certos assuntos exigem sacrifícios. — Falou, ele se ergueu ficando de
frente para ela, muito à vontade por estar seminu. O peito brilhava com seus
pelinhos dourados, e o algodão do calção se pregava as coxas e formava um
farto pacote no meio de suas pernas.
— Que assuntos você poderia querer tratar comigo? — Perguntou, cruzando
as mãos atrás do corpo em uma postura relaxada.
— Presumo que tenha se divertido bastante na última noite. — Falou arisca,
dando uma olhava ao redor do quarto. A decoração era tão rústica quanto no
quarto dela. Azul e prateado por todos os lados e uma imensa visão de
Dartmoor.
— Por que você se importa? — Arqueou uma sobrancelha, e exibiu um
sorriso audacioso. — Acaso sente ciúmes?
Seraphne olhou-o de cima a baixo com desprezo e riu entre os lábios.
— Eu nunca sentiria ciúmes de você. — Disse na defensiva, a boca do
maldito se esticou em um sorriso divertido.
— O rubor que está crescendo em suas bochechas prova que está mentindo.
— Riu, ela gesticulou irritada. Andou pelo quarto até chegar a uma prateleira
onde continha uma pequena coleção de livros.
— Pense o que quiser. — Rebateu, passando os dedos pela lombada de um.
— Seraphne, por que não acaba de uma vez com isso? É mais que óbvio que
queremos um ao outro. — Ele disse e ela parou seus movimentos, digerindo a
verdade daquela frase.
— Atração não é suficiente, e você não pode me dar o que eu quero. —
Retrucou, ele levou uma mão aos cabelos e os puxou em sinal de frustração.
— Posso dar o que quiser, basta você pedir. Me diga o preço. — Ele exigiu,
cerrando os punhos.
— O único que quero seu dinheiro jamais poderia pagar. — Ela disse,
virando-se para ele.
— E o que é isso? — Sebastian perguntou, ela o olhou nos olhos, se
questionando o que tinha feito aquele homem se tornar tão vazio.
Olhou para a grande cama de dossel antes de olha-lo nos olhos, e ergueu o
queixo.
— Se me prometer que pode ser fiel aos votos que me fez diante do altar
então deixo que me tome agora. — Disse bravamente, ele a encarou, cerrou
os lábios e seu rosto se torceu de frustração.
O silêncio que se seguiu foi sua resposta, e aquilo doeu de maneiras que
ela jamais esperava.
Suspirou, voltando a andar pelo quarto, dessa vez parou de frente para a
janela.
— De qualquer maneira, não foi sobre isso que eu vim falar com você. —
Disse, e ele fechou o semblante.
— E sobre o que mais você poderia querer falar comigo? — Indagou,
voltando a ser o carrancudo e grosseiro.
— Sobre este castelo. — Ela disse, ele ergueu as sobrancelhas. Obviamente
não era o assunto que esperava.
— O que tem de errado? — Perguntou, levemente confuso.
— A pergunta certa seria: o que não tem de errado. — Indicou o espaço com
as mãos. — Está em frangalhos.
— Se essa é a sua grande revelação, perdeu seu tempo. Eu já sabia. — Ele
disse, dando as costas para ela e voltando a procurar uma roupa dentro do
baú.
— Como assim? Você já viu o estado em que os cômodos se encontram?
Tem mais poeira dentro desse lugar que em um deserto. — Ela contrapôs, ele
ergueu novamente os olhos para ela.
— O que você de fato quer Seraphne? — Perguntou impaciente. Ela
entrelaçou os dedos das mãos, nervosa.
— Quero reforma-lo.
— Não. — Ele disse, curto e direto, sem sequer pensar na possibilidade.
— O que quer dizer com "não"? Você não pretende que vivamos no meio
desse monte de lixo, pretende? — Ele respirou fundo, estava tentando
nitidamente não se estressar.
— Os criados vivem aqui há anos, ninguém nunca reclamou de nada. — Ela
franziu o cenho incapaz de acreditar nas palavras que acabaram de sair de sua
boca.
— Você realmente acha que essa gente vai arriscar perder o emprego e
provavelmente o único lar que tem, indo reclamar com você? — Andou
indignada até ele. — Você sabia que existem crianças nesse lugar que sequer
sabem ler?
— Desde quando você se importa com os criados? — Gritou, agora
enfurecido.
— Desde que passei a ser responsável por eles. — Ela respondeu, orgulhosa
por seu posicionamento.
— Cuide da sua vida que dos meus criados cuido eu. Até que um deles venha
até mim moribundo, cada partícula de poeira e teia de aranha vai ficar
exatamente onde está. E não ouse me desobedecer. — Gritou enfurecido, e o
ódio dela atingiu limites impossíveis.
Enfiou sua revolta pela garganta e sem mais uma única palavra, se retirou
do quarto batendo a porta com um estrondo ao passar. Se detestando por
pensar, ao menos por um segundo, que ele poderia ser algo além de um
cretino insensível.
CAPÍTULO DEZ

Era óbvio que Seraphne não ia se calar e fingir que aquela briga não havia
acontecido. Não tinha passado dezoito anos da sua vida defendendo seus
princípios, para no fim, baixar a cabeça para um tipo como Sebastian Devon.
Não tinha a menor intensão de obedecer as suas ordens. Tinha anos de
experiência em cabos de guerra. Certa vez tinha até convencido Daphne a
comer vitela, e se tinha feito isso, poderia fazer qualquer coisa.
Na semana que se passou, ela agiu devagar e de maneira astuta. Começou
mudando pequenas coisas e limpando os cômodos menores que sabia que ele
não frequentaria. Mudou também a decoração do próprio quarto, já que era
óbvio que ele não entraria lá. Eles se viram mais duas vezes naquela semana,
momentos rápidos, quando se cruzavam pelo corredor, nas horas que ele
decidia descer e se enfiar dentro da torre do farol, nos fundos da propriedade,
e ficava lá dentro por horas.
Seraphne estava seriamente preocupada com a saúde do marido. Ele não
saia do quarto para nada e geralmente só via saindo de lá garrafas de bebidas
vazias, e as bandejas de comida voltavam sempre do jeito que entravam.
Intocadas.
Por mais que ele fosse um calhorda bruto, ela não queria perde-lo. Pelo
simples fato de que era muito jovem para se tornar viúva. Ele obviamente
adorava aquele clima soturno do castelo e estava se adaptando ao lugar como
um fungo que vem do vento. Ela não entendia os motivos por ele insistir
tanto em manter o castelo em ruínas.
Seraphne tinha certeza que se ele desse uma chance, e deixasse que ela
mudasse o ambiente ali dentro, tudo se tornaria melhor. Acreditava em uma
crença antiga que leu certa vez em um livro de um escritor estrangeiro. Você
deve atrair coisas boas para si.
Felizmente ela estava certa sobre Dayse. A garota era doce e muito gentil.
Lembrou sua irmã Josephne por dezenas de vezes. Era habilidosa com as
mãos e sabia bordar, coisa que nem Seraphne e nem suas irmãs se dedicaram
a aprender. As duas passavam muitas horas dos dias juntas, e isso estava
fazendo-as criar um bonito vinculo de amizade.
Elas e uma grande equipe de criados estavam limpando o último aposento
do quarto andar, quando encontraram um luxuoso piano de cauda. Era
branco, e trabalhado em entalhes dourados. Estava coberto por um fino pano,
e para a surpresa de todos, estava em perfeito estado. Diferente dos outros
móveis daquele andar, dos quais boa parte foi preciso ser jogada fora.
— É o piano da antiga marquesa. — Disse Marie Elnice, aparecendo por trás
delas e olhando para o objeto como se fosse um fantasma.
Seraphne estranhou aquilo muitíssimo. Principalmente porque era a
primeira vez que tocavam no nome da marquesa. Era como se os pais de
Sebastian jamais tivessem morado ali. Na casa não existia nada que tivesse
pertencido a eles. E ela suspeitava de que seu marido tivesse se livrado deles
quando herdou o marquesado.
Naquele mesmo dia mandou que polissem o piano. Era um adereço belo
demais para ficar esquecido em uma torre velha. Tinha a intenção de coloca-
lo no salão principal. De onde tinha tirado os cinco quadros dos antigos
marqueses e mandado coloca-los na galeria ancestral dos Standhurt. Não
gostava de comer com aqueles narizes empinados lhe mandando olhares de
julgamento.
Ela não sabia se ficava feliz ou triste por Sebastian não dar a mínima para
como ela estava levando seus dias. Ele simplesmente não se importava. E
isso, por mais que ela detestasse admitir, incomodava.
No final da semana, em comemoração por todos terem realizado com
perfeição a limpeza e o descarte de lixo do lado sul, Seraphne deu folga para
todos os criados e decidiu que queria conhecer o vilarejo.
Precisava urgentemente resolver algumas pendências. Subiu na
carruagem real e pouco depois ela e Dayse estavam andando pelas ruas
estreitas. Ela, como era muito curiosa, olhava a tudo com atenção e não
deixou de notar certos olhares atravessados. Algumas pessoas correram para
dentro de suas casas e alguns até fecharam as janelas a medida que
adentravam.
— Tenho a impressão de que não somos bem vindas. — Falou, passando por
uma taberna onde alguns homens começaram a cochichar olhando com
desgosto para o emblema dos Standhurt's na carruagem.
— Não somos nós que eles odeiam, milady. — Disse Dayse.
— E é a quem? — Seraphne perguntou, o cenho franzido.
— Ao marquês. — A donzela respondeu, Seraphne não conseguiu esconder
sua surpresa.
— O odeiam? Mas por quê?
— Não posso lhe responder com nitidez senhora. Quando cheguei em
Cartland o marquês já não morava mais aqui.
— Os criados mais antigos nunca comentaram nada? — Especulou, Dayse
balançou a cabeça negativamente.
— Desde que me tornei sua donzela os outros se afastaram. — Disse,
Seraphne abriu a boca, injuriada.
— Posso saber o motivo? — Perguntou, a jovem se encolheu no acento.
— Os criados tem medo do marquês. — Disse tão baixo que Seraphne mal
entendeu.
Mais uma vez seus pensamentos se misturaram, completamente confusos.
Ela sabia que seu marido era um homem difícil de lidar e um cretino
miserável a maior parte do tempo, mas não acreditava que Sebastian fosse tão
cruel a ponto de despertar medo nas pessoas. Não pôde dar andamento a
conversa pois a carruagem diminuiu a velocidade, indicando que estavam
próximas do destino.
Desceu acompanhada de Dayse, olhando aos arredores. A pequena capela
coberta de hera, ficava ao lado de uma casa que tinha o teto remendado por
tábuas de madeira. Era uma construção simples, com paredes repletas de
rachaduras e demolida do meio para o fundo. Logo um homem alto e um
pouco magricela saiu recebe-la. Ele usava um óculos, que também estava
remendado em vários lugares das hastes.
— Deve ser o senhor Greyson. — Sorriu para o homem. Ele a olhou com
receio, estudando suas roupas. Seraphne tinha escolhido um conjunto bem
simples para se vestir naquele dia. Não queria chamar a atenção do povo. —
Sou Seraphne Devon, a marquesa de Standhurt.
Os olhos do homem se abriram brevemente pelo espanto, ele encarou-a
com incredulidade, até que ela se sentisse desconfortável.
— Poderia me deixar entrar por um momento? Gostaria de ter uma palavra
com o senhor. — Disse, se sentindo envergonhada por ter que se alto
convidar.
—Ah, claro, sim, perdão. — Ele apressou-se em dizer, recuperando-se,
indicou a entrada da casa com um braço. Ainda olhando para ela como se não
acreditasse.
A casa era um tanto baixa, mas parecia ser grande em largura, algumas
tábuas rangeram quando ela andou até a sala, onde o cheiro de hortelã
cozinhando preenchia todo o espaço.
— Sente-se, por favor. — Greyson disse, puxando uma cadeira de uma
mesinha redonda. Ela o fez, e Dayse se colocou ao seu lado, ainda de pé.
Uma mulher com uma gravidez bastante avançada veio andando dos fundos
do corredor, de onde Seraphne supunha ser a cozinha, ela limpava as mãos
em um pano enquanto andava até eles. Tinha os cabelos encaracolados
recolhidos em um coque com alguns cachos caindo ao redor de seu rosto
delicado, ela era bastante bonita. — Esta é minha esposa, Louise. — Greyson
a apresentou, a jovem mulher sorriu para Seraphne, que retribuiu gentilmente.
Greyson se virou para a mulher. — É a marquesa de Standhurt.
O sorriso de Louise vacilou por um momento, e encarou Seraphne com a
mesma incredulidade que seu marido há poucos minutos. Aquilo estava
começando a incomoda-la seriamente.
— Quantos meses? — Seraphne perguntou se referindo a gravidez, na clara
tentativa de interromper aquele silêncio.
— Ah, já passa dos nove, estamos esperando que nasça a qualquer momento.
— Disse, acariciando a enorme barriga. Mais um pouco de silêncio. — Por
sorte chegaram bem na hora que estou tirando um chá do fogo, espero que
aceite uma xícara, madame.
Parecia se esforçar para ser uma boa anfitriã.
— Seria ótimo. — Seraphne respondeu, tirando suas luvas das mãos. Quando
a mulher se afastou, ela se virou para o senhor Greyson. — Chegou aos meus
ouvidos que costumava dar aulas em sua capela.
— Sim.
— Eu gostaria de saber o porquê interrompeu suas aulas. — O homem
ergueu as sobrancelhas, pensou um pouco.
— A capela estava velha, a parte de trás demoliu após uma forte tempestade,
e o restante da construção não é mais segura. — Ele explicou, a mulher
voltou dos fundos trazendo uma bandeja com um bule fumegante e algumas
xícaras. Greyson a olhou carinhoso enquanto ela servia o chá. — Minha
esposa Louise costumava dar as aulas, ela é preceptora de uma família
abastada no centro de Exeter. — A mulher sorriu acanhada. — Tínhamos
uma biblioteca sabe? Mas com a falta de renda foi impossível mantê-la. Eu
faço os bicos que dá, mesmo assim o dinheiro não é suficiente para reformar
a capela, e comprar os materiais de estudo necessários. Nem todos poderiam
comprar, são tempos difíceis no vilarejo.
Seraphne aceitou a xícara que a mulher ofereceu.
— E se eu estivesse disposta custear tudo? O senhor se disponilizaria a tomar
frente desse projeto? — O homem coçou o queixo, avaliando.
— Não sei. — A olhou embaraçado. — O povo talvez não queira deixar os
filhos estudarem se souber que o dinheiro vem de uma Devon.
Ela absorveu aquela informação engolindo uma dose de seu chá. Estava
mais que claro que aquele povo abominava qualquer coisa que tivesse o
nome Devon no fim.
— Então isso ficará em segredo. — Disse, o homem a olhou por um
momento.
— Me desculpe a pergunta, mas qual seu real interesse em reabrir a escola?
— Louise perguntou, Seraphne colocou a xícara sobre a mesa.
— Bom, não estou feliz com o estado de desgaste que essa cidade se
encontra, mas acima de tudo por que não consigo suportar que existam tantas
crianças iletradas. — Disse com sinceridade. Louise e o marido se olharam,
trocando palavras silenciosas. Quando o homem a olhou novamente, exibia
um sorriso afável.
— Muito bem então, se esse é seu único interesse, temos um acordo. —
Seraphne sorriu, e apertou a mão de Dayse em comemoração.
Depois de terminar o chá e finalizar os últimos detalhes do projeto, elas
deram um até breve ao casal e andaram pela cidade até a chegarem a uma
humilde marcenaria.
Entrou no recinto apinhado de madeira e bateu com a mão na campainha
acima do balcão. Pouco depois um homem levemente corcunda com uma
cara emburrada saiu de dentro do que parecia ser uma dispensa.
— Pois não? — Perguntou tão rude quanto seu rosto.
— Vim contratar seus serviços de marceneiro. — Ela falou, exibindo um
sorriso simpático.
Ele olhou para a carruagem parada na rua e depois desceu o rosto pelo
corpo dela. Observando seus trajes. Por fim, cuspiu no chão com tanta força
que poderia ter perfurado o solo.
— Não faço acordos com uma Devon. — Disse ríspido, Seraphne não se
deixou abalar pela sua rudeza.
Precisava muito daqueles móveis e ele era o único profissional respeitável
em toda a Devonshire.
— Não sei que tipo de desavença tem com meu marido, mas não sou ele.
Estou disposta a pagar qualquer quantia. — Insistiu.
— O dinheiro Devon é amaldiçoado. Qualquer um que toque nele cai em
desgraça, assim como todas as gerações da família. — Retorquiu, cuspindo
novamente no chão, cada vez mais próximo do pé dela.
Dayse ao seu lado tremia feito vara verde entrelaçando sua mão no braço
da patroa.
— Não vou pagar com o dinheiro de meu marido, sou uma mulher
independente. — Tirou da bolsa um saquinho substancialmente pesado e
jogou na mão do homem.
Ele pegou o saco no ar, e avaliou seu peso. Medindo o tamanho da sua
integridade e a sua ganância. Quando ficou satisfeito, estendeu uma mão para
ela.
— Sendo assim, ficarei feliz em trabalhar para a senhora, milady.

❀❀❀
As noites se tornaram bem mais agradáveis sem os barulhos inoportunos.
Seraphne imaginou que seu marido perceberia a diferença no ar, mas o
homem não deu o menor sinal de vida. Ela só sabia que ele estava vivo
porque ouvia o som de seus passos pelo quarto.
Os móveis que tinha projetado com a ajuda do carpinteiro, demorariam
duas semanas para chegar. Isso significava que ela tinha duas semanas para
achar uma desculpa razoável. Sabia que Sebastian ficaria furioso e já estava
preparando o seu discurso para quando essa hora chegasse.
Enquanto ela não vinha. Decidiu que estava na hora de começar a
organização do lado norte, e como seu marido geralmente ficava bem longe
de lá, eles puderam trabalhar mais a vontade. E até com alguns sorrisos nos
rostos.
Aos poucos os criados estavam confiando nela. Pareciam um pouco mais
a vontade em sua presença. Menos Marie Elnice, que obviamente não
aprovava o fato de ela estar desobedecendo o marido. Mesmo que isso fosse
pelo bem de todos.
Limparam cada andar de baixo para cima. Ela dava as instruções, os
homens faziam o trabalho bruto e as mulheres limpavam. O lado norte por
algum motivo parecia bem mais sombrio que o lado sul. Até mesmo o ar era
diferente. Quando finalmente chegaram ao último andar, Seraphne entrou
pela primeira vez nos aposentos dos antigos marqueses.
O quarto da mulher era delicado e elegante. Com os pequenos detalhes de
sua estadia sendo levados pelo tempo. O do homem era bem mais rústico,
cheio de livros de linhagens e um em especial sobre os Standhurt's.
Seraphne separou este para dar uma breve olhada. Agora que, de um
maneira ou de outra, fazia parte daquela família, queria saber mais sobre
eles. Talvez um dia, quem sabe, em uma remota possibilidade, Sebastian
quisesse ter filhos com ela.
Ela podia negar seu corpo para o prazer, mas não podia tirar o direito dele
de querer um herdeiro. Caso isso chegasse a acontecer, ela talvez, quem sabe,
poderia abrir uma exceção.
Limparam os dois cômodos que com certeza eram os piores em questão
de sujeira e começaram a retirar os objetos que não serviam mais.
Em uma dessas buscas, dentro do quarto do marquês, escondido atrás de
várias camadas de roupas velhas e tranqueiras, estava um retrato em tamanho
real de uma bela mulher.
A jovem sorria para o pintor em sua pose. Sentada em uma mesa de chá,
segurando nas mãos um pequeno livro de capa verde aberto, ela usava um
vestido de várias tons de amarelo. A tinta brincava com os tons em perfeita
sincronia. Seus olhos azuis eram cheios de vida e encaravam um ponto a sua
frente. Um suave sorriso inocente balançava em sua boca, transmitindo uma
energia de completa paz.
Seraphne não reconheceu aquela mulher de lugar algum, mas sabia que
havia algo nela que lhe lembrava alguém.
— Milady, ele está vindo! — Dayse irrompeu pela porta apavorada, e
Seraphne já sabia de quem se tratava.
Permaneceu de frente para o quadro e esperou pacientemente a chegada
do furacão.
Ela não precisou se virar para saber que seu marido estava lá dentro. Ela
podia sentir todo o calor que emanava de seu corpo como um imã.
— Saia. — A voz dele trovejou contida pela fúria. Dayse lançou um olhar
desolado para ela, Seraphne sorriu, esperando que isso a acalma-se um
pouco. E mostrando que estava tudo bem.
Ainda relutante, ela deixou o quarto. Que estava iluminado pela luz
entrando das janelas. Ouviu a porta bater com toda a força e se preparou para
o que estava por vir.
Ele ficou em silêncio por bastante tempo. Até ela desistir e se virar para
ela, a curiosidade a vencendo. Seu coração saltou. Já havia até se esquecido o
quanto ele ficava lindo sob a luz do dia.
Tinha os olhos fixos e perdidos no quadro atrás da esposa, com uma
expressão de dor física extrema. Então Seraphne soube quem a mulher do
quadro lhe lembrava. A seu próprio marido. Ficou parada deixando ele tomar
o tempo necessário para digerir todas aquelas informações. Devia ser difícil
para ele rever a mãe depois de tanto tempo.
Quando ele olhou para ela, o ódio contido em seus olhos a fez estremecer.
— Você me desobedeceu. — Foram as primeiras palavras a saírem de sua
boca. O tom de sua voz estava tão frio quanto sua postura. — Além de me
desobedecer, faz isso na frente de todos os meus criados. Com a ajuda deles!
— Fiz apenas o que todos queriam fazer, mas ninguém fazia por medo de
você. — Rebateu. tentando não se encolher diante de sua imponência.
— E o que te dá o direito de erguer a voz sobre eles e passar por cima de uma
ordem minha? — Perguntou sem se importar em controlar os gritos. Ela
jamais havia visto um homem furioso. Estava um pouco amedrontada.
— Acredita-se que seja a esposa que deva cuidar dos assuntos domésticos. —
Respondeu, dando um pequeno passo para trás.
— Acredita-se também que a esposa deva ser submissa ao marido, sua
hipócrita desprezível. — Berrou e sua ofensa fez Seraphne retrair-se. Ele a
achava desprezível?
— Nunca vou ser submissa a você! — Gritou de volta mas logo se
arrependeu, de alguma maneira conseguiu deixa-lo ainda mais furioso.
Uma grossa veia saltou de sua testa, e a pele ficou escarlate por toda a
parte. Ele andou até ela a passos largos e colocou um dedo riste.
— Eu avisei Seraphne, tenha consciência disso, e dessa vez eu não vou voltar
atrás. — Sua voz saiu ameaçadora e completamente apavorante. — Quer
tanto restaurar Cartland? Ótimo, fique a vontade. Estou indo embora.
Seraphne arregalou os olhos, ele lhe deu as costas e se afastou em
direção a porta, ela correu e se colocou na frente dele, impedindo sua
passagem.
— Vai embora para onde? — Perguntou, e odiou o desespero que saiu em sua
voz.
Ele abriu um sorriso tão maligno que se comparava com o próprio
lúcifer.
— Para qualquer lugar longe de você. — Disse, ela sentiu a dor de uma faca
em seu coração. Não entendia o porque de isso estar doendo tanto, ela não o
amava. Amava?
— Você não pode fazer isso comigo. Se vai me deixar, me permita a menos
voltar para a casa dos meus pais, em Londres. — Pediu, ele abriu uma risada
divertida na cara dela. Ela o desprezou como nunca.
— Mas é claro que não. Este é o castigo por você ter me desobedecido. Vai
ficar confinada por trás dessas muralhas enquanto eu vou voltar para minha
vida. — Olhou bem no fundo dos olhos dela e disse sem piscar nenhuma vez:
– Só agora percebo a grande burrice que fiz me casando com você. Não valeu
a pena o esforço.
Seraphne o encarou, absorvendo a dureza daquelas palavras. Jamais quis
aquele casamento, jamais buscou nada nele além de prazer físico, e agora
ouvir essas últimas palavras saírem de sua boca, fez o seu peito sangrar como
um golpe certeiro de uma espada.
Olhou para o anel de noivado em seu dedo, a esmeralda brilhou
sutilmente pela luz do sol, e então junto com o vento que veio da janela
beijando seu rosto em um rastro frio, ela soube porque havia se casado com
ele, soube porque nunca cogitou a hipótese de fugir ou porque atravessou
aquela igreja com passos firmes e decididos.
Foi uma tola, nunca percebeu que o motivo para no fundo, querer se casar
com ele era tão simples e cruel quanto a brisa gelada do inverno que estava
por vir.
Ela estava irrevogavelmente apaixonada por Sebastian.
CAPÍTULO ONZE

Sebastian entrou no pequeno prostíbulo e rapidamente o cheiro forte de


álcool e tabaco invadiu suas narinas. Já se faziam dez anos desde que tinha
estado naquele lugar pela última vez, tirando a aquisição de uma ou duas
cortinas novas, tudo estava exatamente do jeito que ele se lembrava.
Ficou parado na porta observando. Não sabia exatamente o porquê tinha
entrado ali. Distração, era o que ele queria mas sabia que se desse mais um
passo, algo no seu casamento estaria rompido para sempre.
— Standhurt! — Gritou uma voz conhecida e ele reconheceu Bourne. Estava
sentado em uma mesa redonda de carteado, juntamente com mais um homem,
e cada um deles tinha uma mulher em seu colo.
Ele reconheceu o outro homem imediatamente, era Northwest. Franziu o
cenho. O que Alec está fazendo tão longe de Londres?
Caminhou até os homens e puxou uma cadeira vazia para se sentar. Alec
olhou para ele com aqueles olhos âmbar irritantes e ao cruzar seu olhar com o
do amigo, Sebastian soube que ele já tinha entendido tudo.
— O que está fazendo em Bristol? — Inquiriu diretamente para ele, o escocês
acomodou a bela morena que brincava com a boca em sua orelha.
— Negócios. — Respondeu sucinto, um leve sorriso travesso no canto da
boca, alheio ao carinho da meretriz. - E você? O que está fazendo tão longe
de Cartland? Imagino que sua esposa não esteja esperando lá fora na
carruagem.
Sebastian se mexeu incomodado no acento, recebendo a primeira
pancada.
— Não. Não está. — Respondeu, aceitando o copo de xerez que um garçom
trouxe para ele.
Bebeu um pouco, o líquido desceu ardendo. Continuou sob a avaliação do
homem. Se imaginasse que o encontraria ali, jamais teria ido.
— Já cansou da vida de casado? Eu sempre soube que você não serviria para
isso. — Bourne brincou.
Sebastian apenas fitou seu rosto sem saber exatamente o que dizer. No
que se tratava de seu casamento, ele gostaria de esquecer. De tudo.
— Está voltando para Londres? — Perguntou Northwest, ele assentiu uma
vez.
Não queria que seu amigo visse mais do que já era óbvio. Ele não estava
arrependido ou sequer angustiado pela sua decisão. Precisava sair de Cartland
imediatamente ou ficaria louco. Sua esposa estava matando-o. Passou
semanas trancafiado em seu quarto, lutando consigo mesmo para não
atravessar aquela porta, subir as suas saias e fincar seu mastro bem fundo
nela, proclamando-a sua.
Ouvi-la se movimentando todos os dias. Se banhando, comendo e
sorrindo, tudo sem ele, estava machucando-o por dentro. A mulher estava
fazendo questão de esfregar em sua cara que não precisava dele para nada.
E ele detestava se sentir tão inútil. Não iria aceitar aquilo, queria estar
por cima dela de alguma maneira, queria voltar a ter as rédeas da situação.
Ele foi um covarde, deveria ter imposto seus direitos de marido e dito logo de
início que ela lhe devia prazer físico.
Lhe devia, maldita. Ele não conseguia acreditar que tivesse sido tão ruim
a ponto de sequer perturbar os sonhos dela. Lembrava da época em que os
dois trocavam beijos e carícias nos jardins dos bailes e isso parecia tão
distante.
Ele quis se casar com aquela Seraphne, não com a mulher amarga ao
qual tinha tomado como esposa. Esperava que nos dias que passou dentro de
seu quarto, ela fosse irromper pela porta de comunicação vestida em seda e
fosse montar em cima dele, libidinosa. Sonhou como um tolo.
Nem mesmo sob a ameaça de infidelidade, ela cedeu. Não se importava
se ele procuraria outras, e essa era a pior parte. Pensava no casamento de seu
amigo Christopher, e no como sua esposa Sophie demonstrava sentir ciúmes
dele. Simplesmente porque queria-o inteiramente para ela, isso significava
que Seraphne não queria-o. E ele teria que aceitar a droga desse fato.
Todas as noites ele encontrava conforto dentro de uma garrafa de uísque.
Estava infeliz, mais do que já esteve desde que era menino, e noite passada
estava disposto a mudar tudo, quando acordou aquela manhã tinha planos de
ir até Seraphne e seria agradável com ela. Ele sabia que o único motivo por
estar sendo um completo déspota era o castelo.
Cartland não fazia bem para ele. Sem o uísque ele não conseguia dormir,
os pesadelos vinham a todo instante. Se sentia novamente como aquela
criança amedrontada e sozinha que um dia foi. Jamais imaginou, que ao sair
do quarto encontraria o castelo completamente mudado. Sua raiva e
constrangimento só foi aumentando a cada passo que dava e encontrava um
cômodo diferente, completamente limpo e restaurado.
Deixando óbvio a desobediência de sua esposa. Ele novamente se sentiu
impotente, ela havia feito tudo aquilo mesmo depois de ele ter dito não.
Havia feito sem ele. Passado por cima de sua palavra e novamente esfregado
em sua cara o quanto era auto suficiente.
Correu atrás dela como um louco enfurecido, até encontra-la no antigo
quarto de seu pai. Ele estava possesso de raiva. Além de furioso. Sua esposa
tão delicada e jovial dentro daquele local sujo e abominável. Ia tira-la de lá e
faze-la se arrepender por tê-lo desobedecido, mas perdeu todo o sangue do
corpo quando encontrou lá também sua mãe.
Estava perfeitamente pintada e emoldurada com suas faces rosadas e
sorriso gentil, uma embusteira. Sebastian sentiu uma dor conhecida atravessa-
lo.
Era a primeira que via o rosto bonito da mãe desde que abandonou
Cartland aos nove anos de idade. Depois naquela semana, morreu deixando-o
para sempre. Sem saber os motivos por ter sido uma mãe tão terrível.
Ele não sabia ao certo o que devia sentir. Raiva, injúria, vontade de
arremessar aquele quadro longe, ou se simplesmente deixava suas emoções
transbordar para fora de seu corpo em forma de lágrimas. Que era exatamente
o que ele queria fazer. Chorar.
Mas não podia fazer aquilo, não diante de Seraphne, nunca deixaria que
ela visse o menor sinal de fraqueza dele, jamais deixaria que ela soubesse que
ao revelar aquele quadro, tinha despedaçado o restante que ele tinha do
coração.
Quis machuca-la. Não fisicamente, como seu pai teria feito, não, ele
queria causar-lhe a mesma dor que estava sentindo. A dor de ter sido
abandonado.
Então fez a única coisa que saberia que a machucaria. Pegou suas coisas
e deixou Cartland, antes que cometesse uma atrocidade, ou pior, antes que
desmoronasse diante dela.
— Sim. Planejo ir ainda essa noite. — Respondeu, levando o copo aos lábios
outra vez.
— Ora, Ora, Sebastian Devon. — Como uma bênção ou uma tentação
demoníaca, Poppy apareceu em sua frente. A bela ruiva usava um vestido
escandaloso que deixava todo o seu busto a mostra e boa parte dos seios
brancos.
O sutiã do espartilho fazia os montes aveludados saltarem para cima
ameaçando se libertar a qualquer momento.
— Ouvi os rumores mas não acreditei. — Disse, se encostando na mesa entre
ele e Northwest. Ergueu uma perna nua por uma fenda do vestido e a colocou
delicadamente na cadeira a frente dele, deixando-se ver toda a extensão da
sua coxa e canela voluptuosa.
— Poppy. — Ele cumprimentou, tentando parecer mais imparcial o possível.
Era uma mulher bonita e disponível, ele não ia para cama com ninguém há
três semanas.
— Olhe só para você, a última vez que nos vimos não era metade do quão
bonito é hoje. — Se aproximou mais dele, seus lábios pintados de vermelho
esboçando um sorriso malicioso.
Sebastian pensou no quanto seria fácil dar fim ao seu sofrimento e tomar
Poppy como costumava fazer há muitos anos atrás. Tinha dito para Seraphne
que faria isso, mas também sabia que poderia fazer sexo com a ruiva quantas
vezes quisesse, em nenhuma das vezes ele ficaria satisfeito. Por que não era
ela que estava perturbando o seu sono.
– Ouvi dizer que tinha se casado, o que faz aqui? Já cansou-se da esposa? —
Perguntou ferina, com o veneno banhando sua voz falsamente doce.
— Estou apenas de passagem. — Ele falou. Se ela, ou seus amigos sequer
suspeitassem que era o contrário. Que na verdade era a sua esposa que não o
queria mais, ele seria motivos de risos para sempre.
— Imaginei que estivesse querendo recordar o passado. — Falou, ele lhe
dirigiu um olhar, recordar o passado era a última coisa que queria no
momento.
Bebeu o restante do seu xerez e colocou umas moedas sobre a mesa.
Levantou, ajeitando sua casaca de viagem.
Tinha entrado naquele bordel com a cabeça cheia, um impulso
momentâneo causado pela falta que sua esposa fazia. Agora, vendo Poppy e
Northwest no mesmo lugar, o ajudou a clarear suas ideias. Não podia voltar
para Cartland sem parecer ridículo e covarde diante da esposa.
— Estou de partida, vejo vocês outra hora. — Anunciou, sem olhar para os
outros cavalheiros se pôs a andar de volta a para a saída.
— Espere, eu vou com você, já fiz o que tinha que fazer em Bristol. — Disse
Alec, se despedindo da morena que estava em seu colo, e acompanhando o
marquês para fora.
Ótimo. Agora, além de viajar o caminho todo até Londres se
martirizando pelo início fracassado de seu casamento, Sebastian também teria
que aturar os olhares inquisidores de Alec.
— Tomou a decisão certa lá dentro. — Disse o escocês, enquanto esperavam
trazerem suas carruagens.
— A que decisão se refere? — Perguntou imparcial, o escocês deu um leve
sorriso.
— De não ter ido para a cama com Poppy. — Falou. Ele ficou em um
silêncio de concordância, sabendo que o amigo tinha razão.

❀❀❀

Seraphne ficou por um bom tempo parada na janela após a partida de


Sebastian. Nem mesmo quando a carruagem virou a colina e sumiu de vista
ela conseguiu acreditar que seu marido a havia deixado. Levando tudo. Tudo.
Até o último par de meia, deixando bem claro que nunca mais voltaria ali. Ela
nunca havia sentido a dor de ter o coração partido.
Foi a primeira vez em sua vida que chorou de uma dor sentimental. Uma
dor aguda e grosseira, que te causa ferimentos invisíveis, e um sofrimento
além da imaginação. Não conseguia entender como não tinha percebido antes
que estava apaixonada pelo marido. Agora que ela finalmente entendia o seu
próprio sentimento, percebeu que esteve apaixonada por ele desde o
princípio.
Achou que o odiava, mas percebeu que entre o amor e o ódio a linha é
tênue, fugaz, insignificante. Confundiu seus sentimentos, achou que o odiava
quando na verdade sentia raiva por ele deixar bem claro que nunca poderia
corresponder os sentimentos dela. Desde a primeira vez que se beijaram nos
jardins dos Bedfords, desde aquele dia, Sebastian não abandonou mais a sua
mente, e nem o seu coração. Finalmente tinha a explicação para o desejo
incontrolável que sentia por ele, e isso fez seu coração encolher até se tornar
um grão.
A noite foi a pior parte, embora não compartilhassem a mesma cama, ela
tinha a segurança de saber que ele estava logo ali, detrás daquela porta.
Agora, ele poderia estar em qualquer lugar. Em qualquer cama. Com
qualquer outra mulher. E somente o pensamento de que ele pudesse estar com
outra mulher, a deixava desolada e perdida.
Se a menos tivesse percebido antes, poderia ter feito tudo diferente. Não
teria o amor do marido, mas teria ele, e isso devia bastar.
Agora que finalmente tinha o livre arbítrio para fazer o que quiser com
Cartland, descobriu que nada tinha importância se ele não tivesse ali. Chorou
por todas as noites daquela semana, e quando viu que Sebastian nunca
retornaria, cansou de sofrer pelo marido. A vida não iria parar por conta dele,
se queria de volta sua vida de solteiro, ela também poderia ficar feliz com
isso, simultaneamente ela também estaria solteira.
Sem falar que agora era a chefe da casa, podia convidar suas irmãs para
visitá-la, e faria isso o mais cedo possível, mas antes precisava dar
seguimento a restauração de Cartland. Então, decidiu que voltaria aos seus
planos originais. Passou a semana seguinte organizando os móveis novos do
lado sul, e logo aproveitou para encomendar os do lado norte.
Pegou o quadro da marquesa e decidiu pendura-lo no salão principal,
bem no centro da parede onde ficavam os antigos marqueses. Também
mandou colocar lá o piano, como o solado era um imenso tabuleiro de dama,
a cor do material caiu bem com a decoração.
O lago do lado do castelo também foi limpo, tiraram todo o lodo e as
plantas aquáticas que infestavam água. O que deixou a água mais limpa e
mais convidativa. Também mudou toda a fachada do castelo, contratou vários
homens da cidade para que limpassem as muralhas e as paredes por fora.
Trocando todas as janelas e portas por uma decoração mais moderna.
Deu novamente vida aos jardins, mandou que plantassem grama e
diversos tipos diferentes de flores, e até algumas árvores. Também pediu que
construíssem um chafariz e um sistema de irrigação bem no meio do jardim.
Por fim, para dar um acabamento especial, colocou a enorme bandeira
dos Standhurt's em um mastro no topo da torre mais alta do castelo.
E quando se passou um mês, seu trabalho já estava concluído. Com a
ajuda tanto dos criados quanto de pessoas que ela havia contratado, fez das
antigas ruínas de Cartland, algo novo, esplendoroso e magnífico. Quem visse
o castelo antes, jamais iria acreditar que tinha se transformado no que é hoje.
Sua mãe ficaria orgulhosa de vê-la.
A vida ali dentro obviamente tinha se transformado em outra, os criados
aos poucos passaram a respeita-la, não por ser marquesa, mas sim pela
admiração e o cuidado que ela tinha com os seus e com o povo de
Devonshire. Passaram a usar uniformes novos de um material mais
confortável, agora todos os cômodos eram bem iluminados e com o cheiro
agradável das flores que ela colhia no jardim.
Tudo estava perfeito e lindo do jeito que ela havia planejado, tirando o
fato de que todo o seu trabalho parecia não ter servido de nada sem Sebastian
ali. Ele fazia uma falta enorme, mesmo que enfurnado em seu quarto a
construção parecia grande e silenciosa demais sem ele ali. Muitas vezes ela se
pegou parada na frente da janela desejando que sua carruagem dobrasse a
colina e entrasse nos terrenos de Cartland, mas sabia que estava sonhando
como uma tola.
Até mesmo os criados tinham pena dela, eles evitavam tocar no assunto
quando ela estava por perto, mas todos em Devonshire já sabiam que ela
havia sido abandonada pelo marido. Quando ela ia ao povoado aos domingos,
sentia os cochichos pelas suas costas e sabia que estavam falando dela. A
esposa que foi rejeitada e trocada por uma vida de luxo na cidade.
Seraphne tentava não pensar nas coisas que ele poderia estar fazendo,
mas seus pensamentos eram traiçoeiros. Passava os seus dias tentando dar
seguimento ao livro. Mas era o trabalho braçal que a distraia completamente.
As obras da pequena capela estavam a todo pano, tiveram apenas que dar
uma parada quando Louise entrou de resguardo pelo nascimento do pequeno
bebê de nome Theon Greyson. Ela levou uma cesta com vários adereços e
alguns mantimentos do castelo para a família em forma de felicitações.
Também escrevia cartas para suas irmãs, em uma delas pedia para que
não procurassem Standhurt quando estivessem em Londres. Não queria que
sua família se enfiasse em seus problemas conjugais.
As vezes montava em um cavalo e se aventurava pelas terras de seu
marido, tentando se afastar de Cartland nem que por um tempo, para esquecer
que aquele castelo e sua desobediência foram os culpados por ele ter ido.
Estava na cozinha de sua casa fazendo um bolo de milho com a ajuda de
Marie Elnice quando Dayse invadiu o recinto.
— Foi cancelado! O solstício foi cancelado. — Disse cabisbaixa, todos na
cozinha a olharam compartilhando da mesma expressão triste.
— Ficamos sabendo hoje cedo Dayse, não fique assim, ano que vem você
poderá ter outra chance. — Disse Marie Elnice, e os ombros da mola caíram
ainda mais pela tristeza.
— Outra chance para quê? — Seraphne perguntou, e só então Dayse notou
que ela estava ali. Ficou levemente constrangida por encontra-la na cozinha.
— Dayse acredita que será pedida em casamento nesse solstício, milady. —
Respondeu Marie Elnice, Seraphne franziu o cenho.
— Por que acredita nisso? — Perguntou, Dayse encarou o chão e chutou uma
pedrinha com a ponta do pé.
— Tem uma conversa antiga em Devonshire, diz-se por ai que todo solstício
de verão de um ano bissexto, uma moça de família humilde é agraciada com
a sorte de encontrar o amor verdadeiro no beijo de um nobre. — Marie Elnice
explicou, Seraphne sorriu.
— E por que foi cancelado? — Perguntou, a governanta exibiu um sorriso
amarelo.
— A praça onde geralmente acontece o festejo está arruinada. — Disse sem
encara-la. — Não vem havendo reformas desde que...bom... Desde que o
antigo marquês morreu.
Seraphne ergueu as sobrancelhas, isso queria dizer que Sebastian vinha
faltando com suas responsabilidades com o povo. Aos poucos ela estava
descobrindo os motivos por odiarem tanto seu marido, negligência e falta de
tato. Sebastian não pisava em Devonshire há mais de dez anos e quando
voltou não moveu um dedo para ajudar o povo que vinha se mantendo por
conta própria.
Rapidamente um sentimento de culpa castigou Seraphne. Agora aquele
povo também não teria solstício por causa dele, e ela levava isso como um
grande ponto contra seu favor. Vinha conquistando aquele povoado aos
trancos e barrancos e odiaria levar a culpa por algo que ela não fez.
Rapidamente já havia tomado sua decisão.
— Anime-se Dayse, terá seu solstício e sua chance de se apaixonar. — Falou,
sentindo o primeiro sopro de animação em semanas. — Já tenho o lugar
perfeito para sediar a festa.
A moça se ergueu do banco de um pulo, a euforia balançando em seus
olhos.
— Sério, milady? Onde? — Seraphne abriu um sorriso satisfeito.
— Aqui em Cartland, é claro.
CAPÍTULO DOZE

Sebastian sabia que sua chegada em Londres não ficaria em segredo por
muito tempo. Passando-se um mês desde que deixou Devonshire as fofocas
rolaram soltas. Aparentemente ele e seu casamento eram o assunto da vez.
Tinha saído até no jornal, a manchete dizia: "Lua de fel: O casamento que
durou menos que o cortejo."
Ele evitava sair de sua casa, passava a maior parte do dia organizando
assuntos no parlamento e vez ou outra recebia bilhetes de Marie Elnice sobre
como andavam as coisas em Cartland.
A governanta nunca mencionava sua esposa diretamente, só dava indícios de
que Seraphne estava bem e que os dias na propriedade nunca foram tão
prósperos.
Ele não sabia se ficava aliviado por ela estar bem ou enfurecido por saber
que ela estava muito melhor sem ele. Detestava o fato de que se importava
demais com ela.
Passava suas noites atormentado. Com o corpo dolorido de desejo pela
esposa. Muitas vezes teve que aliviar seu sofrimento com a própria mão, se
odiando por sempre pensar nela quando chegava no limite.
Não sabia exatamente como se sentir. Antes ele podia se prender a ilusão
de que tinha entrado aquele casamento por desejo, mas agora, percebendo o
quanto sentia falta dela, soube que era muito mais que isso. E teve medo de
estar criando ilusões. Ele sabia que sentimentos como amor e afeição não
eram para alguém como ele. Aprendeu desde criança que a única base capaz
sustentar uma relação eram os interesses mútuos.
Sim, ele tinha obrigado Seraphne a se casar com ele, porque achou que
ela fosse mais um troféu de suas vitórias, porém, agora percebia que havia
feito tudo aquilo por outro motivo. Outro motivo que perturbava-o e o
deixava amedrontado. Estranhou muitíssimo o fato de nenhuma das suas
cunhadas ou Sophie bater em sua porta xingando-o de todos os impropérios
possíveis. Imaginou que elas seriam as primeiras a lhe perturbar, mas
nenhuma das cunhadas deu importância para o sofrimento da irmã.
Ele imaginava que possivelmente a esposa havia mandado cartas
contando o quanto ele foi um marido horrível.
Sebastian detestava admitir que ela tinha razão quanto a isso. Ele foi um
marido horrível, mas não conseguia se controlar, Cartland trazia lembranças
ruins demais. E isso misturado ao fato de que ela o rejeitava, o deixou
possesso. Fora de si.
Depois de muitas noites deitado em sua cama fitando o dossel azul
marinho, decidiu sair um pouco.
Sentia seu corpo mais leve, embora o aperto no seu coração fosse
constante e ficou surpreso por perceber que ainda tinha um coração no fim de
tudo.
A carruagem parou de frente para a mansão suntuosa de Haddington, e ele
caminhou até a porta onde puxou a aldrava em formato de corvo. Os lordes
tinham preferido uma reunião em um lugar mais reservado. E mais reservado
que a mansão de Thomas impossível. A casa ficava em uma área afastada das
outras casas, era gigantesca, protegida por várias árvores.
O mordomo abriu a porta. — Boa noite milorde. — Cumprimentou dando
espaço para ele entrar. Sebastian retirou o casaco e seguiu o mordomo pelos
corredores da grande mansão imaculada. Como sempre vazia e silenciosa,
lady Haddington não permitia que os criados usassem os mesmos corredores
de acesso que os senhores da mansão. Aparentemente ela gostava de dar a
impressão de que a casa mantinha-se limpa e elegante por si só. Lincoln abriu
uma porta corrediça, e anunciou sua chegada na sala de jogos.
Os três homens já estavam lá, sentados confortavelmente ao redor de uma
mesa próximo da lareira. O marquês caminhou até eles e sentou-se na cadeira
que restava, destinada a ele. Era a primeira vez que saia de casa desde que
tinha posto os pés em Londres.
Tinha visto Christopher nesse período de um mês, mas isso não diminuiu
o constrangimento da situação. Todos sabiam o que se passavam pela cabeça
de cada um, mas ninguém tinha coragem de pôr as palavras para fora.
Sebastian preferia assim. A última coisa que queria era falar sobre seu
casamento. Ou o fracasso que ele era.
Jogaram em silêncio apostando uma pequena quantia de dinheiro para
começar. Foram bebendo e descartando cartas enquanto continuavam em
silêncio, Sebastian decidiu ser o primeiro a falar.
— Como estão meus afilhados? — Descartou uma carta, Christopher abriu
aquele típico sorriso que sempre surgia quando alguém mencionava os filhos.
— Estão muito bem. Você precisa vê-los, cresceram dois metros desde que
você... — O duque parou subitamente, percebendo que iria tocar na palavra
"casamento".
— Espero vê-los em breve. — Sebastian disse, preenchendo o silêncio
pungente da pausa.
— Logo começaram as eleições para a Câmara dos Comuns. — Thomas
disse mudando o foco do assunto para política. Sebastian agradeceu
silenciosamente, queria poder desfrutar da sua noite sem seus pensamentos
girarem em torno de Seraphne.
— Qual seu melhor palpite sobre os resultados? — Sebastian indagou, o
conde refletiu por alguns segundos.
— Aquele rapaz que luta pelos direitos dos mineradores de carvão tem uma
boa chance com o povo. — Disse.
— Eu estava pensando...— Alec entrou na conversa, descartando uma carta.
O rosto exibia uma expressão tranquila, Sebastian sabia que depois daquela
expressão sempre vinha uma indigestão. —...Pretende ficar em Londres por
muito mais tempo?
A pergunta veio nociva e suave. Quase escondendo a verdadeira intensão
por trás dela. Sebastian conhecia Alec desde Eton, bem antes de conhecer
Christopher. Sabia que ele era estrategista e indireto, quando implicava com
um assunto, não largava o osso até ter as resposta que buscava.
— É onde moro não é?! — Respondeu, encarando as cartas em sua mão.
Sentiu os olhares dos três homens em cima dele e soube que isso era apenas o
início do interrogatório.
— E lady Seraphne? — Perguntou Haddington.
— O que tem? — Perguntou imparcial, desejando por todos os santos que
esse assunto acabasse ali.
— Bom, não vem para Londres? — Perguntou, como se fosse óbvio.
Sebastian ergueu os olhos para os três, cerrou o maxilar.
— Não. — Respondeu duro.
— E o que a dama em questão achou disso? — Perguntou Northwest, o
marquês cerrou os punhos.
Odiava entrar em assuntos que exigiam qualquer demonstração de
sentimentalismo, sua vida conjugal não era da conta de ninguém, mas esses
eram os seus amigos, os mesmos que tinham ajudado ele no momento mais
crucial de sua vida. Eles tinham feito uma reunião semelhante a essa quando
Christopher mandou Sophie embora. Agora infelizmente, era a vez dele.
— Ela não tem que achar nada, está vivendo muito bem em Cartland. —
Respondeu, bebendo um gole de seu xerez. — Tem tudo o que uma mulher
precisa. — O jogo havia sido esquecido.
— Como pode ter tanta certeza disso? — Indagou Thomas, ele o olhou
confuso.— De que tem tudo que precisa?
— O que mais uma mulher poderia querer além de ocupações, dinheiro, um
teto para morar quente no inverno e um prato com comida? — Os três
homens o olharam como se ele fosse louco.
— Bom, o que toda mulher casada costuma querer. — Alec corrigiu,
enfatizando a palavra "casada".
— E o que seria isso? — Perguntou, desejando realmente a resposta.
Queria muito saber o que precisava fazer para ter sua esposa.
— Realmente não sabe não é? — Indagou Christopher e ele bufou
impaciente.
— Você é a prova viva de que nada adianta deitar-se com centenas de
mulheres, se não souber realmente como funciona a cabeça delas. — Alec
riu. Agora eles estavam atacando seu ego masculino.
— A questão é que mulheres como Seraphne não se contentam com os luxos
que você está acostumado a proporcionar, ela quer te dissecar até que tenha
todos os órgãos expostos e não ficará feliz até que tenha seu coração ainda
batendo servido em uma bandeja. — Alec falou e os outros dois riram.
— Seja claro imbecil. — Rosnou.
— Amor Sebastian, o que Alec está querendo dizer é que ela quer o seu
amor. — Christopher explicou.
Sebastian sentiu todo o sangue fugir de seu rosto e encarou os três amigos
com a mente em branco.
— E filhos, com certeza ela quererá filhos. — Alec concluiu, e isso só
agravou ainda a grande náusea que circulava seu estômago.
Simplesmente não conseguia pensar em si mesmo como um pai. Com
certeza não era um bom exemplo para tal função e o exemplo mais próximo
que tinha de paternidade era o seu pai. E preferia morrer em meio ao fogo do
que repetir suas ações.
Quando decidiu se casar, ele pensou que poderia derramar sua semente
em qualquer parte fora de Seraphne, geralmente fazia isso com as meretrizes,
mas nunca imaginou que sua mulher seria irresistível. Somente a ideia de
jorrar em qualquer canto que não fosse dentro dela parecia absurda.
De qualquer maneira isso não poderia ser levado em relevância, não
quando sua esposa havia deixado bem claro que não desejava ter intercurso
com ele uma segunda vez.
— Eu não acredito que ela vá querer. — Disse amargamente, fitando o fogo
que crepitava na lareira.
— Mas e se quiser? — Insistiu o desgraçado e ele explodiu.
— Se ela quiser então eu farei, miserável! — Gritou, Northwest sorriu ao ver
que atingiu bem onde queria. — Está satisfeito?
— Muitíssimo. — Respondeu escondendo um sorriso dentro do copo,
desejou ter algo para atormenta-lo de volta, mas o maldito era tão certo
quanto o menino jesus.
— Se isso te incomoda tanto por que não retorna para casa Sebastian? —
Perguntou Christopher, ele suspirou, sentindo que não tinha mais porque
manter suas defesas em alerta naquele momento.
Seus ombros caíram, e ele afundou o rosto nas mãos. Sentia muita falta de
Seraphne.
— Não posso. Ela me odeia, me despreza, não me quer como homem, sou
um estorvo em seu caminho, é melhor que fique aqui, e deixe que ela
continue feliz em Cartland. - Respondeu, deixando a mascara da indiferença
cair, mostrando o quanto aquilo estava abalando-o.
— Isso é típico de você sabe? — Disse Thomas. — Sempre foge quando a
situação se torna intensa.
Sebastian franziu o cenho. Era verdade? Ele fazia mesmo isso? Piscou,
nem precisava perguntar. Sabia que era verdade, aprendeu a fazer isso
quando criança e nunca mais parou.
— Eu não acredito que você fez tudo aquilo para se casar com ela, para no
fim de tudo abandona-la. — Disse Christopher. Ele tinha razão.
Mas como poderia voltar? Como voltaria a encarar Seraphne depois de ter
dito em sua cara que se arrependia de tudo? Céus, foi um idiota!
— Não sei se consigo voltar, não tenho cara para isto. — Confessou
envergonhado, Haddington levantou e andou até ele, depositou a mão em
suas coisas e deu algumas palmadinhas.
— É para isso que existem os amigos, suponho. — Disse, Sebastian fitou-o
confuso.
— Que quer dizer com isso? — Perguntou, Alec sorriu do outro lado da
mesa.
— Não é óbvio? Vamos todos para Cartland.

❀❀❀

Seraphne bateu com os calcanhares no flanco do cavalo incitando-o a


galopar mais rápido. O dia estava excepcionalmente bonito. O sol finalmente
resolveu aparecer em Cartland. O verão era a temporada mais bonita nas
redondezas.
Tudo ganhava mais vivacidade e cor, principalmente os campos de grama
verde e os jardins cobertos de flores de todos os tipos e tonalidades. Ela tinha
saído para cavalgar aquela tarde afim de sair um pouco do castelo. A
sensação de liberdade era tremenda, principalmente por estar montada
escarranchada em cima do dorso do animal.
Isso lhe dava mais liberdade de movimentos, e fazia ela se sentir como
uma aventureira selvagem. Tinha apenas um grampo prendendo a parte da
frente do seu cabelo, o restante estava jogado para trás, voando como uma
cortina de seda ao vento.
A maior surpresa estava quando se olhava para os trajes que ela estava
usando. Alguns dias atrás ela decidiu que a vida era muito curta para ficar
vivendo de limitações, decidiu que mais ninguém iria dizer como ela deveria
ser. Em um rompante de sobrecarga e adrenalina, pegou uma calça do
estoque de uniformes dos criados, e vestiu-a.
Quase matou do coração a todos quando desceu a escada usando nada
mais que uma camisa de mangas longas, também do uniforme masculino,
junto com um corpete de couro marrom, calças azul marinho que ficava um
pouco folgada nas pernas e botas de cavalgar.
Sentiu um arroubo de confiança quando montou no cavalo livre de
etiquetas pela primeira vez, sentiu-se livre, sentiu-se plena. Desde então, não
tirava mais os trajes. Até mesmo os criados já tinham se acostumado. Embora
alguns dos homens evitassem olhar diretamente para ela quando passava.
Agora que tinha tomado a decisão de criar alguns animais, precisava
estar sempre cavalgando pela propriedade, sempre monitorando. Tinha feito
negócio com um fazendeiro de uma propriedade não muito longe. Estava
cedendo a terra para o plantio de milho e trigo, recebendo com isso uma
porcentagem dos lucros, também estava criando ovelhas e vacas de modo que
pudesse ajudar no comércio de Devonshire com a exportação de lã e leite.
Podia não ter frequentado a faculdade como um homem, mas
acompanhou o crescimento do seu pai, que ergueu seu sustento do nada e o
mantinha a todo vapor até os dias atuais. Tinha os conhecimentos básicos
sobre negócios, principalmente porque ajudava na administração de muitas
das varias fazendas de seu pai.
Isso estava lhe favorecendo muitíssimo. Os moradores do povoado
passaram a lhe dedicar mais educação. E isso já valia a pena por todo o resto.
Em uma semana seria o solstício, e Seraphne estava fazendo todos os
arranjos possíveis para ser tudo tão perfeito quanto Devonshire merecia.
Depois de anos de negligência por parte de Sebastian, ela desejava conseguir
a confiança do povo e se não fosse pedir muito, o respeito. A princípio os
moradores se negaram de maneira veemente a pôr os pés em Cartland.
As vezes Seraphne ouvia um ou dois comentários estranhos sobre mal
agouro ou maldição, mas sempre paravam de cochichar quando percebiam
sua presença. Porém ao que parecia Dayse tinha feito a cabeça de todos. Nada
podia ser mais persuasivo do que uma mulher crente de que irá casar-se.
Naquela tarde de quarta-feira ela estava ajudando o rapaz dos estábulos a
guiar as ovelhas de volta para o curral, quando o rapaz ergueu os olhos para o
longe, além das terras e apontou para a curva da colina.
— Parece que tem visitas, lady Seraphne. — Ele disse com seu forte sotaque
rural, ela se virou na direção ao qual ele apontava.
Estava esperando a chegada de suas irmãs, mas ainda não podia ser elas,
tinha enviado o convite para o solstício ontem, não teria dado tempo de
chegar até Londres. Continuou encarando a carruagem, usando a mão para
proteger os olhos da luz do sol, e se surpreendeu ao ver mais três carruagens
dobrando a colina e entrando na propriedade de Cartland.
— Cuide das ovelhas Maison, vou ver de quem se trata. — Avisou, largando
as cordas no chão, sentindo algo pungente espremer seus órgãos.
Sabia que as chances eram mínimas, em nenhum momento se iludiu com
a esperança de que pudesse ser ele, mas não foi capaz de reprimir os seus
desejos mais profundos. Queria que fosse ele. Retornando para casa.
Retornando para ela.
Cavalgou mais rapidamente, seu coração saiu do compasso. Subiu em
um pequeno morro e pôde ver com mais exatidão, sentiu seus ânimos
murcharem ao perceber que havia se iludido, não era ele. Mas ficou
igualmente feliz ao ver a carruagem vermelha com dourado dos Ballister's, e
também a de cor amarela com um corvo de asas abertas dos Haddington's, e
até mesmo a verde e preta de Northwest. Seraphne sentiu a felicidade se
esvaindo ao pensar no por quê de eles estarem ali.
Será que tinha acontecido alguma coisa com seu marido? Rapidamente a
felicidade deu lugar ao medo, apertando suas tripas e fazendo suas mãos
suarem e tremerem ao redor das rédeas de couro. Quando as carruagens
passaram pelos portões da propriedade ela voltou cavalgando a toda
velocidade em direção a entrada do castelo, queria estar lá quando
chegassem, mas perdeu um bom tempo desviando caminho das vacas no
pasto.
Quando chegou galopando, alguns de seus amigos já estavam saindo da
carruagem. Entre eles suas irmãs, que sorriam em êxtase para ela. Foi quando
o alívio a invadiu, pois percebeu que se tivesse acontecido algo de grave
provavelmente elas não estariam tão felizes.
Da carruagem dos Ballister's também saiu Sophie, Christopher e seus
afilhados, Charlotte e Simon, que pareciam duas vezes maior desde que os
tinha visto pela última vez. Logo Haddington saiu de sua carruagem,
ostentando sua finíssima linhagem nobre com um simples gesto de mãos.
Seraphne nunca entendeu o porquê Thomas Stock andava com homens como
seu marido, Christopher, e Northwest. Eram nobres, mas obviamente não
tinham quase nada em comum com o conde.
Imaginava que deveria existir um laço de amizade muito forte por trás de
todas as diferenças.
Northwest saiu da carruagem ajeitando a seu kilt indecente ao redor da
cintura. Ela ainda Pode ver de relance a brancura de sua coxa torneada.
Diminuiu a velocidade do cavalo percebendo que iria receber seus
convidados, desgrenhada, suada e de calças. Sequer pensou nisso ate ver o
olhar de espanto no rosto das visitas ao vê-la de calças.
Pensou que a melhor maneira de sair daquela situação embaraçosa, era
agindo como se tudo fosse perfeitamente normal.
Então, como uma surpresa meticulosa e maligna, um segundo membro
saiu da carruagem de lorde Northwest. Banhando o corpo dela em dormência
e fazendo seu coração fugir do compasso. Seu próprio marido.
CAPÍTULO TREZE

Seraphne encarou Sebastian como se ele fosse uma miragem. Olhou-o


pela primeira vez com os olhos de uma mulher apaixonada. Parecia uma
divindade, tão galante e nobre, usando um longo casaco de viagem e luvas de
couro negro, com o verde dos seus olhos sendo realçados pelo preto da
casaca.
Não deixou de evitar sentir alívio, pensou que nunca mais voltaria a ver o
seu marido. E agora estava ele aqui, parado na sua frente, depois de dois
meses, com a maior cara de pau do mundo. Todo o alívio de tê-lo de volta foi
substituído pela raiva. Se perguntou como reagiria quando voltasse a vê-lo de
novo, o homem que havia feito ela virar motivo de piadas e fofocas por toda
a Devonshire e também em Londres.
O homem que havia trocado ela por uma vida de libertinagem e
devassidão. O maldito que havia deixado ela largada nesse castelo esquecido
por Deus. Sentiu o sangue ferver nas veias e uma vontade avassaladora de
atropela-lo com o cavalo.
Desviou os olhos do seu rosto irritantemente bonito e se dirigiu para os
outros convidados, que ainda olhavam embasbacados para as pernas dela
cobertas pela calça. Desmontou do cavalo como um pulo habilidoso, e
ignorando o olhar penetrante do marido, correu para agarrar as irmãs em um
abraço.
— Como é bom ver vocês! — Ela deixou a emoção da saudade banhar sua
voz. Abraçou Daphne, Josephne e Sophie ao mesmo tempo.
— Também é bom ver você irmã, mas está nos esmagando. — Daphne arfou,
como quem tentava respirar. Seraphne soltou uma risada, se afastou delas.
Se virou para os cavalheiros que observavam tudo estagnados e meio
atônitos. Com o que restava de sua dignidade fez a melhor reverência que
conseguiu. Sendo retribuída muito mal. Os homens não olhavam diretamente
para ela.
— Eu não estava esperando vocês. — Ela disse timidamente, se abaixou para
pegar Charlotte no colo. A menininha já pesava significativamente, abriu um
sorriso banguela.
— Titia! — Exclamou, com sua voz fofa de bebê, Seraphne sorriu em
resposta.
— A situação exigiu que viéssemos urgentemente. — Disse Daphne de
maneira ferina, sem disfarçar a indireta. Pelo canto do olhos Seraphne viu que
Sebastian trocou o peso de um pé para o outro desconfortável.
Ela não queria falar sobre esse assunto na frente dele, não queria que ele
soubesse o quanto a destruiu dia após dia pela sua ausência.
— Venham, vamos entrar, vou pedir para Brandon levar suas malas para os
quartos. — Falou, se dirigindo para a entrada do castelo, eles a
acompanharam. — Pretendem ficar por muitos dias?
Seraphne não deixou de perceber a tensão emanando entre eles. Ela
estava agindo indiferente a presença do seu marido de propósito. Tratando-o
como uma visita. Ela não podia se apegar a ilusão de que ele estivesse ali
para ficar. Talvez só estivesse acompanhando seus amigos.
Ele ficou todo o tempo calado, e ela não arriscou olha-lo. Tudo estava
diferente desde que ele tinha partido. Até mesmo ela.
— Uau, você nunca mencionou que o castelo era tão magnífico assim nas
cartas que nos enviou, Sera. — Disse Josephne deslumbrado, entrando pelas
pesadas portas da frente de Cartland.
Seraphne sorriu orgulhosa. Sabendo que sua irmã não diria a mesma
coisa se tivesse encontrado o castelo no mesmo estado que ela encontrou.
Cartland era precioso, não por sua beleza e raridade, mas sim pela história
por trás de sua construção.
Há duzentos anos atrás, quando a guerra civil no sul havia acabado,
deixando para trás centenas de homens feridos e mutilados, Mcnair Devon, o
general do exército inglês de Roosevelt, juntamente com o que restava dos
seus homens, buscou refúgio nas terras rochosas desabitadas.
Ele usou o dinheiro de suas economias para financiar a construção de
um abrigo onde seus homens pudessem chamar de lar. Com a ajuda dos
poucos que restavam, ele tirou do próprio solo rochoso material para a
construção de Cartland, e ergueram cada parede, pilar e alicerce com as
próprias mãos e o suor da própria testa.
Cinco anos depois ele recebeu honrarias e foi agraciado pela coroa com o
título de marquês de Standhurt, fundador da cidade, que ganhou seu nome em
sua homenagem.
Tinha lido toda a história no livro da linhagem Standhurt que encontrou
no quarto do antigo marquês. Conhecia agora a árvore genealógica dos
Devon e havia assinado com elegância seu nome no papel ao lado de seu
marido, com orgulho por fazer parte daquela família.
— É uma das cinco maravilhas de Devonshire. — falou docemente,
admirando aquelas muralhas cheias de histórias.
— Eu não me lembrava de Cartland ser tão bonito assim no passado. —
Christopher comentou, carregando nos braços sua filha Charlotte.
A menina que tinha pouco mais de um ano descansava a cabecinha no
ombro do pai, brincando com o laço de sua gravata, enquanto ele trazia pela
mão, o outro gêmeo, Simon. Seraphne sorriu com ternura. Era estranho e
encantador ver um homem tão grande e amedrontador como Christopher
Cavendish em uma cena tão íntima e afetuosa.
Se perguntou se teria o mesmo privilégio um dia. E engoliu em seco por
saber que provavelmente seu marido nunca daria filhos a ela. Se arrependia.
De tudo.
— Tive algum trabalho com um ou dois grãos de poeira milorde, mas como
pode ver, consegui deixar esse lugar habitável. — disse sem perceber que
simultaneamente estaria alfinetando Sebastian.
— Se tiver se referindo ao estado antigo do castelo devo dizer que tirou mais
que um ou dois grãos de poeira. — Haddington observou, encantado
enquanto caminhavam pelos corredores longos, e entravam na sala de visitas.
— Minha esposa tem um dom de consertar coisas danificadas. — A voz de
Sebastian reverberou pelo salão como uma música melódica, atravessou o
corpo de Seraphne se alojando em alguma parte ali dentro.
Já tinha esquecido como era lindo o toque de barítono e a rouquidão que
sua voz trazia. Maldito fosse, "minha esposa"? Acaso já não era mais
solteiro? Olhou para ele de relance e viu que ele a encarava profundamente,
sem desviar.
— Esta enganado milorde, tem certas coisas que não posso consertar. —
Respondeu, subitamente tudo se tornou silêncio.
Ficaram todos os oito e até mesmo Charlotte e Simon, petrificados. Com
a tensão e o magnetismo circulando, fazendo o pescoço dela esquentar e suas
mãos suarem. Odiava que ele tivesse tanto controle sobre ela.
— Mais alguém notou que ela está usando calças? — Inquiriu Northwest,
quebrando a tensão e fazendo todos virarem seus olhares para ela.
— E o que tem? — Perguntou Daphne casualmente. — Você vive de saias e
todos nós fingimos que isso é normal.
Subitamente uma chuva de risadas inundou a sala, até mesmo
Haddington, que permanecia sério boa parte do tempo, estava rindo do
comentário sobre a vestimenta escocês. O homem perdeu completamente as
falas e adquiriu um leve rubor ao ser ridicularizado por ninguém menos que
Daphne.
— Só quero deixar claro que não é uma saia. — Disse ele na defensiva, com
o tom levemente aborrecido, seu sorriso travesso já não estava mais lá. — Se
chama kilt e é muito comum na Escócia.
— Talvez chamem de kilt na Escócia, mas na américa chamamos de saia, e é
bem feia por sinal. — Continuou, Northwest fitou-a de boca aberta,
notadamente aturdido.
— Oh céus, achei que nunca fosse ver esse dia... — Christopher riu. — ...
Mas finalmente alguém conseguiu fazer Alec ficar sem palavras!
O moreno do outro lado da sala desviou os olhos raivosos de Daphne e
fitou Christopher com o cenho franzido.
— Cale essa boca. — Disse ríspido se sentando na cadeira enquanto todos
continuavam a rir.
Sem querer, o olhar dela cruzou com o do marido. Ele a observava com
seu rosto imparcial e taciturno de sempre, frisando levemente os lábios em
sinal de irritação.
— Podemos conversar um instante? — Perguntou, aproveitando que as
atenções não estavam neles.
Um nervosismo que ela não sentia há dias voltou a castigar-lhe o
estômago. Assentiu levemente, acenando para que ele acompanhasse ela até o
local que ela havia feito de escritório.
Andou pelos corredores com ele logo atrás dela, e entrou na salinha
harmoniosa, respirando fundo varias vezes, controlando a parte que queria
correr até ele e se jogar em seus braços. Se virou para ele depois de fechar a
porta e permaneceu taciturna.
— O que quer comigo?

❀❀❀

Sebastian estava quase chegando ao seu limite. Ele era bastante


conhecido por ter um estoque ínfimo de paciência e sua esposa estava
acabando de vez com todas as reservas.
Jamais imaginou que ao chegar em Cartland iria encontra-la montada em
uma besta fera cavalgando pelo prado como a deusa Diana, usando nada mais
que calças e uma blusa de linho branco cobrindo seu corpo.
Imediatamente quis puxa-la daquele cavalo demoníaco, mas perdeu
completamente o raciocínio quando avistou o castelo. Obviamente não era o
mesmo lugar que ele havia deixado dois meses atrás. Não. Sua esposa
reformou até o último tijolo, até o último canto, fresta e circunferência. Ela
destruiu todo um trabalho de dez anos em apenas algumas semanas.
Transformou Cartland em uma pintura. Se não fosse a grande bandeira
da sua família voando no alto da torre norte, teria achado que não havia
sobrado nada, nenhum resquício ou memórias de que um dia sua família
havia morado ali.
Encarou seu rosto bondoso coberto pelo suor e manchas vermelhas,
estavam sozinhos após semanas. Seus cabelos lisos bem penteados caiam
soltos para trás e o corpete marcava sua cintura pequena e o contorno saliente
de seu seio.
— Então, o que quer comigo? — Sebastian tinha milhares de respostas
diferentes para essa pergunta, mas decidiu que não era o momento certo para
nenhuma delas.
— Não gosto de ser tratado como visita dentro de minha própria casa. —
Falou dando as costas e indo até a janela vislumbrar a imensidão de
mudanças naquele terreno. A começar pelo jardim meticulosamente tratado.
— Bom, você se colocou nessa posição quando decidiu ir embora. — Ela não
tentou ser gentil, foi curta e direta, do jeito que sempre foi desde que a
conhecia.
— Ótimo, agora estou de volta e gostaria de saber...— estreitou os olhos. —
por que tem um bando de vacas soltas no meu terreno? — Indagou surpreso,
observando ao longe Maison ordenar as vacas para dentro de um curral.
Avistou também uma aglomeração de coisas felpudas e brancas correndo
animadas pela relva verde. Aquilo eram...ovelhas?
— Decidi dar um pouco de vida ao local, também cedi o terreno para o
plantio de trigo e milho e estou exportando leite para os povoados vizinhos.
—Respondeu, ele tentou esconder sua surpresa.
Mais uma vez ela esfregando na sua cara o quanto era independente. Ele
era um cretino por ter desejado encontra-la desolada pela sua partida? Era
pedir demais que sua mulher fosse como as outras e estivesse jogada na cama
chorando pela sua falta? Pelo visto sim.
Seraphne não parava de arranjar maneiras para castra-lo. De onde ele
vinha eram os homens que cuidavam dos negócios da propriedade. E também
eram os homens que usavam calças.
Ele não sabia se ficava furioso com ela por ter tomado todas dessas
decisões sem ele ou se abaixava aquelas calças e mostrava para ela quem era
o homem daquela relação.
— Você não deveria ter feito isso sem me consultar. — Rebateu, franzindo o
cenho tomado pela irritação. Estava cansado de se sentir inútil diante dela.
— Eu até teria consultado se acreditasse que você voltaria. — Outra vez
direta e afiada. Como uma espada de esgrima, o perfurando com as verdades
que ele se recusava a admitir.
— Agora que estou de volta quero estar a par de tudo que acontece no castelo
e na propriedade. — Principalmente no que diz respeito a você.
— Se pretende desfazer todo o meu trabalho diga logo. Não vou aceitar
entregar esse povo e esse castelo a ruína uma segunda vez, desta vez serei eu
a deixar Cartland, e você não poderá me impedir. - Sebastian estreitou os
olhos.
Ele não poderia impedir?
Apertou os dentes tentando controlar sua raiva. Passou a vista pela
salinha bem mobiliada. Lembretes de que ela havia desobedecido sua ordem
e mostrado que não precisava dele. Para nada.
— Não tenho a intenção de desfazer nada.— respirou fundo e se virou para
olha-la, plena e confiante com aquela calça maldita. — Quero ajudar.
Ela ergueu as sobrancelhas pasma. Se debruçou sobre a escrivaninha,
erguendo o seu traseiro para o ar, deixando a calça se apertar ao redor da sua
voluptuosidade, fazendo o membro dele endurecer subitamente, como se ele
fosse um adolescente virgem.
Desviou os olhos dali, e fitou o teto, tentando esconder a ereção com as
mãos.
— Esta é a planilha com todos os orçamentos e planejamentos do último mês,
amanhã o Sr. Elrick vai estar aqui cedinho com seus homens para monitorar a
plantação, poderá conversar com ele e ficará a par de tudo. — Disse
estendendo um caderno cheio de anotações para ele.
Reconheceu a letra dela em todas as planilhas e cálculos, por trás de cada
nome e inscrição. Sebastian não conseguiu conter o espanto. Nunca conheceu
uma mulher com um conhecimento tão vasto sobre negócios. Pensou que
estava se casando com um escândalo, com uma mulher que faria seu pai
morrer de vergonha no inferno, invés disso se casou com um gênio de cabelo
dourado e curvas salientes.
Ele tinha ouvido falar de mulheres que dirigiam negócios, mas nunca
algo assim. Rapidamente um sentimento de adoração tocou seu íntimo e um
carinho que ele jamais havia sentido por mulher alguma, brotou em seu peito.
Sentiu vontade de toca-la. Beija-la. Desfruta-la. Mostrar como pode ser
divertido entrar dentro dela sem preliminares sobre a mesa ao qual ela estava
debruçada instantes atrás.
— Pretende ficar no seu antigo quarto ou vai ocupar outro? — Perguntou
enquanto puxava a corda com a sineta, chamando um criado.
Sebastian olhou para ela. Que tipo de pergunta era aquela? Ele ficaria
onde ela estivesse, inferno.
— Que quer dizer com isso? — Indagou forçando a si mesmo a se manter
calmo. Sabia que ela não queria compartilhar a cama com ele, mas dormirem
cada um em um lado do castelo, parecia demais.
— Imaginei que agora que não somos mais marido e mulher você fosse
querer mais privacidade. — Sebastian fitou Seraphne cada vez mais
transtornado.
Tinha ouvido direto? Sentiu todos os nervos do corpo entrarem em
colapso.
— Não somos mais marido e mulher? — Perguntou franzindo o cenho, ao
mesmo tempo que olhava para a aliança dourada que ela ostentava no dedo.
A prova definitiva de que ela era indubitavelmente dele. — Este anel que
você está usando e uma cama que provavelmente ficará danificada para
sempre, são as prova s concretas de que sim, somos marido e mulher. —
Falou, sem desviar os olhos dos dela.
Seus lábios entreabertos denunciaram que ela lembrava da última parte
tão bem quanto ele. Foi ali que ele viu que suas chances não estavam tão
arruinadas assim.
— Chamou, milady? — Uma voz disse seguida de uma batida na porta.
Seraphne pareceu acordar e andou para trás da mesa.
— Sim, Brandon, entre. — Mandou, com as faces coradas, evitando olhar
para ele.
O menino entrou na sala trajando um uniforme perfeito e muito bem
passado. Fez uma reverência honrosa a sua esposa e uma meio sem jeito para
ele.
— Quero que chame o restante dos criados e levem a bagagem que está no
saguão de entrada para os quartos no lado sul. — O menino anuiu. — O
Duque e o Conde deverão ficar no terceiro andar nos aposentos de solteiros,
os Ballister's ficarão no aposento conjunto que fica no mesmo andar que o
meu. — Sebastian observou sua mulher disparando ordens e se possível ficou
ainda mais excitado. — Coloque minhas irmãs no segundo andar, e deixe que
elas escolham seus quartos. As crianças ficarão no berçário.
O criado assentiu e deu uma leve engolida, fazendo seu pomo de Adão
subir e descer.
— E quanto ao milorde? — Disse notoriamente nervoso. Sebastian já não se
importava que todos ali tivessem medo dele, com os anos tinha se
acostumado. — Onde vai ficar?
Ele encarou o garoto com petulância. Até que nível sua mulher tinha
conquistado a lealdade de seus criados? Que se referiam a ele na sua frente
como se não estivesse ali.
— Ficarei onde devo ficar, maldição. — Respondeu, o garoto começou a
tremer. Seraphne lhe lançou uma olhada de repreensão.
— Leve a bagagem do marquês para os seus antigos aposentos, Brandon. -
Ela disse gentilmente e ele assentiu nervoso. — Está dispensado.
O garoto fez uma reverência estropiada e saiu voando de lá como se o
próprio tinhoso estivesse lá dentro.
— Ele fez apenas uma pergunta, não tem porquê ser tão desagradável. — Ela
o repreendeu.
A frustração por perceber que era inútil para ela misturado a pressão de
não saber o que fazer para mudar isso fez ele explodir.
— Não me diga como devo tratar meus criados.
— Não são objetos do seu capricho. São pessoas com sentimentos. —
Retrucou se virando para ele.
— Interessante, você se preocupa com o sentimento de todos, menos com os
meus! - Rilhou furioso, por ser menos importante para ela que um criado.
— Sentimentos? Achei que você nem ao menos tivesse um coração. — Ele
engoliu em seco com o impacto da pancada.
Respirou frustrado, por um momento eles quase conseguiram terminar
uma conversa em harmonia, atravessou a sala e passou direto por ela.
— É bom que tenha percebido enquanto é cedo. — Falou, se afastando para
longe. — Estou de volta e pretendo ficar, será mais fácil para nós dois.—
Parou no momento que ia atravessar a porta, se virou para ela. — Na próxima
vez que nos vermos, é bom que você esteja usando um vestido.
CAPÍTULO QUATORZE

— Quero que me contêm as novidades! — Seraphne pediu animada,


fechando a porta de sua sala pessoal, e se sentando entre suas irmãs de frente
para Sophie.
Tinham desfrutado de um suntuoso banquete de boas vindas, e agora
teriam um tempo para as fofocas enquanto os homens jogavam uma partida
de carteado.
Suas irmãs e Sophie se entreolharam desconfiadas e ela soube que tinha
algo de errado.
— Qual o problema? — Perguntou, azedando a voz. Sabendo que não
gostaria do assunto que viria a seguir.
— Seu casamento é a única fonte das fofocas. — Sophie disse, Seraphne fez
uma careta de desgosto.
Já imaginava que fosse motivo de piadas em Londres. Desde que começou
seu arranjo com Sebastian os jornais de fofoca e as línguas maldosas não
paravam de falar dela.
Era óbvio que o fato de seu marido tê-la abandonado para viver por dois
meses na cidade não passaria despercebido.
— O que estão falando? — Perguntou, se preparando.
— Bom, a última de todas foi o fato de seu marido cretino ter abandonado
você no campo para morar sozinho na cidade. — Daphne disse irritada,
Sophie a olhou com repreensão.
— Daphne, você não deve chamar um marquês de cretino. — Corrigiu, a
baixinha deu de ombros.
— Mas é o que ele é. — Afirmou, Seraphne fitou sua irmã com ternura.
— Me diga Sera, ele foi desagradável com você? Forçou-a a alguma coisa?
— Perguntou Josephne de maneira doce, por um momento Seraphne sentiu
vontade de chorar.
Somente ali na companhia das irmãs e de sua amiga, percebeu o quanto
sentia falta delas. De sua companhia, suas conversas e suas amizades.
— Não, não me forçou a nada. Temos apenas divergências que não podem
ser resolvidas com conversa. — Não era uma mentira. Conversar com
Sebastian tinha se tornado impossível.
Sempre acabavam em uma briga. Era desgastante e frustrante desejar um
homem que deixava bem claro nas suas atitudes e palavras que nunca poderia
ser aquilo que ela busca.
— Só não viemos antes porque mamãe queria que ficássemos em Londres
vigiando-o de perto. — Daphne respondeu, Seraphne revirou os olhos, era só
o que faltava, sua mãe fazer suas irmãs de detetives.
Porém, outra parte dela, bem mais forte e curiosa, queria saber o que
Sebastian andou fazendo enquanto esteve longe dela.
— Não saiu de casa uma só vez.— Respondeu Josephne como se lendo seus
pensamentos. — Ficava trancado todas as noites.
Seraphne soltou a respiração que nem percebeu estar segurando. Sentiu
o alívio invadir suas veias como um anestésico.
— Mas isso não ameniza em nada o fato de que ele largou-a aqui. — Disse
Daphne revoltada.
Seraphne uniu, sabia que sim. Por mais que tivesse ficado aliviada por
ele estar de volta, não podia continuar sofrendo por um homem que não
poderia ama-la verdadeiramente.
Ele não podia ir embora e voltar como se nada tivesse acontecido. Como
se nada tivesse sido dito. Suas palavras ainda estavam nítidas na mente dela.
— Olhe pelo lado positivo, seu vestido de noiva virou referência em Londres.
Gianny tem adquirido uma popularidade imensa. — Falou Sophie e ela abriu
a boca surpresa em um sorriso feliz.
— Eu achei que fossem todos falar mal do meu vestido! — Exclamou
extasiada.
— Somente as amargas do comitê de ladys, mas o restante das moças todas
estão buscando imitar o modelo de seu vestido. — Sophie continuou.
Seraphne ficou imensamente feliz por Gianny estar finalmente ganhando
o reconhecimento que merecia. Mas também sentiu uma forte pontada de
satisfação por saber que mesmo depois de todo o falatório, ainda era tida
como um ponto de referência.
— Adoraria ver a cara daquelas enrugadas. Passaram toda a temporada
ridicularizando a nós três e agora terão de me engolir. — Disse, Daphne
sorriu, acompanhada de uma risadinha de Sophie.
— Você não deveria rir de uma coisa assim. — Josephne disse, as três
olharam para ela. Seraphne franziu o cenho, nunca tinha visto sua irmã tão
séria.
— Qual o problema Jose? -— indagou gentilmente, a York mais jovem
levantou irritada da cadeira.
— Elas nos ridicularizam com motivos, somos tudo o que dizem. — Falou,
Seraphne deu uma olhada de esguelha nas outras duas que pareciam tão
aturdidas quanto ela.
— O que está querendo dizer Jose? — Josephne se virou para olhar para ela,
e ela se assustou pois jamais viu sua irmã tão seria.
— Estou querendo dizer Seraphne que não passamos de alpinistas sociais e
caçadoras de títulos. — Seraphne levantou-se.
— Jose, por que você está dizendo isso? — Reprimiu o aperto no peito ao
receber um olhar de desprezo da irmã.
— É a verdade, e você agora que é marquesa invés de tentar reverter a nossa
reputação só faz atribuir ainda mais sujeira ao nome de nossa família. —
Seraphne se encolheu como se ela tivesse batido em seu rosto.
— Jose, não faça isso, não deixe que um sentimento supérfluo estrague nossa
irmandade. — Disse Daphne se erguendo do sofá e se colocando ao lado de
uma Seraphne chorosa.
— Supérfluo? Só por que você é incapaz de amar não significa que pode
diminuir os sentimentos dos outros. — Rilhou Josephne com as faces
vermelhas e os olhos transbordando de lágrimas.
— Já chega, não vou permitir que me ofenda, se quer perder suas únicas
irmãs por um amor não correspondido, faça isso, mas não volte chorando aos
nossos pés quando ele destruí-la. — Daphne gritou, m rodeando Seraphne
com os braços.
— Não restou nada para ele destruir! — Josephne gritou abrindo a porta da
sala e saindo correndo em direção às escadas.

❀❀❀

No dia seguinte Josephne não saiu do quarto para nada. Comeu suas
refeições trancada com a desculpa de que estava sentindo enxaquecas.
Seraphne sentia-se péssima, nunca tinha parado para pensar no modo como
suas atitudes interferiam na vida de suas irmãs. Foi egoísta por pensar
somente nela enquanto Josephne sofria calada por todos esses meses.
— Está assim desde que você se mudou, no princípio achamos que fosse
saudades de você, mas certa vez me esgueirei para dentro do seu quarto e vi
uma carta de amor. — ia dizendo Daphne, elas tomavam o chá da tarde em
uma mesinha no jardim. — Mamãe estava muito preocupada, Josephne não
come, sorri, nem brinca, ou sai para cavalgar no Hyde Park, que era um de
seus passatempos preferidos.
— Acha que tem haver com Haddington? — Indagou aflita e ela assentiu.
— De umas semanas para cá vem agindo diferente na presença dele, nem
parece nossa irmã, parece mais uma dessas perfeitinhas inglesas de nariz
arrebitado. — Respondeu com irritação.
— E o que acha que ela quis dizer com aquilo ontem, "não restou nada para
ele destruir" ? — Perguntou, Daphne torceu a boca.
— Haddington está cortejando Lady Beatrice. — Seraphne abriu a boca
surpresa, imaginava a dor de Josephne, sentia. E quis fazer de tudo para
ameniza-la.
Lady Beatrice era a filha de um visconde, na temporada passada esteve
hospedada na casa de campo de lady Lindsay no Hampshire com elas.
Era uma moça doce. Por mais que quisesse, Seraphne não encontrou
defeitos nela. Era exatamente o tipo com quem Haddington se casaria.
—Oh Daph, ela está desolada. — Lamentou.— Crê que ele não corresponde
aos sentimentos dela por culpa de nossa reputação.
— E o que podemos fazer Seraphne? A culpa não é nossa, muito pouco sei
sobre o amor, mas o que sei é que quando se ama alguém, não importa as
dificuldades ou as barreiras que o destino impõe. Obviamente os sentimentos
dela não são correspondidos. — falou sua irmã demostrando mais uma vez o
quanto era sábia.
O restante da tarde Seraphne passou organizando os detalhes do solstício
que aconteceria em cinco noites, queria deixar o castelo com uma decoração
exuberante, queria que o povo de Devonshire, se sentisse confortável ali. E
principalmente conseguir finalmente a afeição de todos eles.
Não sabia como diria para o seu marido que eles sediariam a festa,
estava buscando uma maneira de dar a notícia quando ele irrompeu porta a
dentro bufando como um touro bravo.
— Você. — Disse apontando um dedo autoritário para ela. — Venha comigo.
Agora!
Seraphne poderia muito bem tê-lo ignorado, mas vendo o seu atual
estado de fúria decidiu que o melhor a se fazer, era obedece-lo. Segui-o pelos
corredores do segundo andar e pela escada que levava ao salão de jantar.
Quando entrou no ambiente viu que seu marido estava de pé no meio do
salão, a postura ereta de quando estava furioso.
— Pode me dizer o que significa aquilo? — Apontou para o quadro de sua
mãe bem pendurado na parede.
Seraphne deu de ombros, obviamente sem entender o motivo de sua
explosão. Era apenas um quadro, não o armagedon.
— Achei que ficaria melhor aí do que mofando na torre norte. – Respondeu
calmamente, estava decidida a não deixa-lo irrita-la. Percebeu que todas as
brigas com o marido terminava a machucando seriamente e não se sentia
disposta a sentir dor.
— Achou que ficaria melhor? – Repetiu suas palavras com petulância. —
Pois eu não. Ordeno que mande-o tirar daí, e este piano nojento também. E
caso ouse me desobedecer, demitirei todo aquele que tentar te ajudar.
Seraphne não deixou de se sentir ofendida. Tinha tido bastante trabalho
em tirar as marcas do tempo daquele belo piano para ouvir alguém chama-lo
de nojento.
— Eles ficarão onde estão. E se você mandar tirar, pego-o sozinha e coloco-o
de volta. Sem a ajuda de ninguém. Assim não haverá quem demitir. — Falou
decidida e as veias da testa de Sebastian começaram a se tornar visíveis.
Pensou seriamente em correr.
Ele atravessou o pedaço de espaço que separava-os e se colocou diante
dela, Seraphne reprimiu a vontade de se encolher de medo diante da raiva
descontrolada que emanava dele.
— Por que você faz questão de tê-la ali, Seraphne? – Seraphne deu um passo
para trás. — Por que insisti em me desobedecer?
— É tua mãe Sebastian, por que a despreza desta maneira? — Seraphne
inquiriu de volta e o movimento de seu pomo de Adão revelou que aquele
assunto o deixava nervoso.
— Nunca foi uma mãe para mim. — Respondeu severo, com as expressões
faciais inexpressivas, revelando que as suspeitas dela tinham fundamento.
Sim, os motivos pelo seu marido ser o que era, duro e incapaz de
expressar sentimentos, era de alguma maneira resultados de um passado que
se revelava cada vez mais misterioso. Eles ficaram em silêncio por vários
segundos depois de sua singela revelação. O silêncio sussurrando palavras
invisíveis.
— Quer saber? Ganhaste, fica com teu quadro e teu piano, só não reclame
quando eu passar a fazer coisas que te desagrade. — Dito isso lhe deu as
costas e abandonou o grande salão.
Deixando Seraphne estagnada no mesmo lugar com seus pensamentos
confusos sendo refletidos em sua face.
Então, como se o destino quisesse lhe dar as respostas de que buscava,
Marie Elnice entrou no salão segurando uma bandeja de prata com um bule
de chá e xícaras. — Muito agradáveis suas irmãs milady. — Ela disse com
um sorriso gentil, depositando a bandeja na mesa.
— Certa vez mencionou que conhece meu marido desde muito jovem Marie.
— Disse ela cortando o assunto. A senhora olhou-a com o sorriso fugindo de
seu rosto.
— Sim, conheço-o. – Respondeu cruzando as mãos nervosa na frente do
corpo e Seraphne assentiu uma vez, decidida e firme.
— Então deve ter as respostas que eu busco.
CAPÍTULO QUINZE

— O que quer saber senhora? — Perguntou com um sorriso que mais denotava
medo, que gentileza.
Seraphne indicou uma cadeira na mesa de carvalho maciço. Em todos as semanas
que passou sozinha naquela casa, sofrendo pela falta de Sebastian e se perguntando o
por quê de ele ser tão miserável, jamais imaginou, que a resposta para as suas
perguntas estava bem debaixo do seu nariz.
Dayse havia dito por alto uma vez que Marie Elnice era uma das criadas mais
antigas da família Devon, obviamente a mulher a sua frente conheceu os pais de
Sebastian. Se sentia tola por não ter chegado a essa conclusão antes.
— Marie, nesses últimos meses em que estive aqui, já deve ter percebido que não
tenho uma relação saudável com meu marido. — começou, puxando cadeira ao seu
lado e se sentando. A governanta ficou ainda mais inquieta e abaixou os olhos para os
dedos das mãos.
— A vida pessoal dos patrões não é assunto dos criados, milady. — Disse como uma
perfeita governanta. Infelizmente não chega nem perto da verdade.
Seraphne sabia que todos dentro do castelo, sabiam que seu casamento era um
desastre.
— Vamos esquecer por um momento que somos patroa e criada e invés disso vamos
pensar em nós duas como duas mulheres que apenas querem o bem do mesmo
homem. — O rosto da mulher corou levemente.
Não foi difícil, com o passar dos dias, para ela perceber que Marie Elnice era leal
ao seu marido. Sempre que tocavam em seu nome uma expressão de afeto semelhante
ao de uma mãe, tomava suas faces. Somente pelo fato de ela se dirigir a ele pelo nome
de batismo, já era um indício de que tinham uma relação além de patrão e governanta.
Sem falar que Marie Elnice era a única criada em todo o castelo que não se encolhia
de medo diante de Sebastian e aparentemente, ela era a única com quem ele falava de
maneira mais aberta e até gentil.
— Tudo bem. — Foi sua resposta direta, ela assentiu grata.
— Eu suspeito, que os motivos por Sebastian ser do jeito que é, tem alguma coisa a
ver com seus pais.— comecei e ela anuiu, mostrando que estava ouvindo. — Como
sei que você trabalhou aqui na época em que ele era criança, certamente deve saber
como era o relacionamento dos três.
Marie Elnice encarou a patroa por um tempo. Ponderando se estava tomando a
decisão certa em confidenciar isso a ela. Por fim suspirou pausadamente e remexeu
nos botões do avental enquanto dizia: —Homem cruel o lorde Gerard Devon...—
Começou, sua voz estava áspera, seus olhos perdidos em memórias. —... Quando
cheguei em Cartland eu era muito nova, tinha em torno dos vinte e dois anos e fui
contratada como donzela da antiga marquesa.
Fez uma breve pausa seguida de um silêncio tenso encarando o quadro da
marquesa.
— Você teria admirado lady Liliana, era uma mulher doce, gentil, 3 delicada, incapaz
de machucar qualquer ser vivo. — Fez outra pausa. — Não merecia o destino que
havia sido imposto a ela. Se casou com o marquês por necessidade, sem imaginar que
anos mais tarde ele seria o causador de sua ruína.
A cada palavra Seraphne ia ficando mais tensa, com medo por saber a verdade e
ansiosa pelo mesmo motivo.
— Ele amava o marquesado mais que a tudo no mundo. Cuidava deste castelo como
se fosse um bebê e não deixava de ressaltar a sua posição, humilhando qualquer um
que fosse abaixo dele. Queria um herdeiro a todo custo, era muito violento sabe,
muitas das vezes presenciei seus atos de barbárie, machucava-a a cada mês em que
sua regra descia, chamava-a de estéril, inútil, trancava-a em seu quarto na torre por
dias, sem deixar que visse a luz do sol ou sequer se alimentasse. — O sentimento
característico da raiva brotou no coração de Seraphne.
Pela pintura de seu rosto no quadro, suspeitava que o antigo marquês não fosse
flor que se cheire. Mas jamais algo como isto.
— E então? — Instigou ela a prosseguir.
— Lady Liliana passou meses sofrendo nas mãos do marido, além de machuca-la em
seus momentos de raiva ele descontava também nos criados, e muitas vezes no povo
do vilarejo. — Disse. — Como Cartland é o único terreno com solo fértil de toda a
região, todo o cultivo de milho, leite, algodão, lã e muitas vezes água potável provinha
daqui, e quando estava chateado, ele simplesmente impedia o povo de plantar.
— Então é por isso que o povo odeia o nome Devon? —Inquiriu, digerindo as
informações.
— Sim e também por vários outros motivos que direi logo mais. — Disse, Seraphne
assentiu. — Quando finalmente o marquês se deu por vencido e decidiu parar de
tentar ter um filho, lady Liliana engravidou.
Essa parte Seraphne já esperava, obviamente o fruto dessa gravidez estava em
algum lugar do castelo enchendo a cara de bourbon.
— A essa altura lady Liliana já não era mais a mesma, vivia muito sozinha, isolada.
Eu era a única que entrava em seu quarto e raramente comia, não tinha ânimo ou
qualquer resquício de emoções, muitas vezes cheguei bem a tempo de salva-la de
cometer uma loucura.
— Que tipo loucura se refere?
— Bom, certa vez a encontrei com uma navalha perfurando a pele do braço. —
Seraphne arquejou horrorizada. —
Passou toda a gravidez assim, se machucando ou se privando de comer, até o marquês
decidir montar guarda ao redor dela.
O rosto dela enfureceu-se, como se vivesse as cenas novamente.
— Passou os nove meses da gestação se certificando que lady Liliana não machucasse
o bebê de alguma maneira e foi quando a criança finalmente nasceu que as coisas
pioraram. — Disse, muito sombria. As entranhas na barriga de Seraphne deram um
nó.
— Lady Liliana abominava a criança. Dizia que era um fruto maldito da semente de
seu marido. — O coração dela começou a martelar forte. Pensou em Sebastian
menino, sozinho, sem nunca conhecer qualquer tipo de amor ou afeto, resultando
nessa pessoa taciturna e insensível que ele é hoje. E pensar que ela contribuiu com
isso, lhe dava vertigens.
Havia sido dura demais com ele, dito coisas ruins. Privado ele de sentir o
carinho dela.
— O lado bom foi que Lorde Devon estava tão exultante com o nascimento da criança
que esqueceu-se da mulher. Dedicou todo o seu tempo ao menino. — Entristeceu. —
Pobre criança o menino Sebastian.
No tom de voz piedoso da mulher, Seraphne soube que o destino de seu marido
não havia sido muito melhor que o da mãe.
— Ele era proibido de sair do castelo, até ter quatro anos de idade nunca tinha visto
nada além dessas paredes, seu pai se encarregou ele próprio de educar o menino e o
seu tipo de educação era cruel.
As mãos de Seraphne começaram a tremer pela revolta.
— Espancava-o a cada desobediência. — O peso dessa frase foi tanto que ela expeliu
todo o ar dos pulmões. Jamais poderia imaginar. Jamais. — Ele era apenas um
menino, devia estar brincando, explorando as colinas, fazendo amigos no vilarejo,
invés disso era obrigado a se portar como um molde de seu pai. Ele queria ter a prole
perfeita, queria que o menino chegasse em Eton como um perfeito cavalheiro, uma
obra de arte, e quando a criança se rebelava era castigada de maneiras severas.
Os olhos de Seraphne já estavam borrados pelas lágrimas. A dor de saber os
motivos pelos quais seu marido era assim, era sufocante.
— E ninguém fazia nada? A marquesa ou um criado? — Ela indagou sem tentar
camuflar a indignação.
— Lady Liliana tinha muito medo do marquês, para ela, quanto mais ele estivesse
concentrado no menino, melhor. Assim ele não voltava a perturba-la. — Seraphne
apertou os punhos consumida pela raiva. — Quanto aos criados, qualquer um que
tentasse ajudar acabava demitido e outros tinham um destino bem pior, ele era um
homem muito poderoso e destruiu muitas famílias em Devonshire, tirando o sustento
de suas casas e a oportunidade de ter uma vida digna.
Agora ela entendia os motivos por todos temerem seu marido e abominarem o
nome dos Devon.
— Aos nove anos de idade o menino foi embora para começar seus estudos e só
voltou para o enterro de sua mãe um mês depois. E então só retornou aos dezoito anos
para o enterro do marquês. — Disse, Seraphne juntou as mãos sobre o colo.
— De que maneira morreram? — Perguntou com medo da resposta.
— Ela caiu do alto da torre norte onde ficava o seu antigo quarto, morreu afogada no
lago. A menos é esta a versão contada pelo marquês. O corpo nunca foi visto por mais
ninguém além dele e da criança. — A boca de Seraphne estava batendo lá no chão.
Jamais imaginou que ali houvesse acontecido uma tragédia como aquela. Sabia
que a torre norte era bem alta, mas a única passagem para fora era uma janela e a
pessoa teria que se pendurar para cair de lá, ou ser jogada.
— E quanto a ele? Morreu de quê? — Perguntou depois que conseguiu voltar a
raciocinar.
— Certa noite saiu no meio de uma tempestade e pegou uma pneumonia, sua morte
não foi tão dolorosa quanto ele merecia. — O rancor saiu forte na sua voz.
Seraphne jamais havia chegado a desejar ou comemorar a morte de alguém. Mas
se havia uma pessoa que merecia, essa era Gerard Devon.
— Depois do enterro do pai, lorde Sebastian foi embora para Londres, ordenou que
parassem de cuidar do castelo, imagino que as memórias da sua infância eram
dolorosas demais, e essa foi a maneira que encontrou de se vingar de seu pai. —
Concluiu, Seraphne se sentiu péssima.
Foi evasiva e egoísta demais. Sem perceber ela estava escavando todo o passado
de Sebastian e esfregando-o em sua cara. Agora que conhecia a história, via que seu
marido era apenas uma consequência dos abusos de seu pai cruel.
Respirou fundo, obviamente teria que ter outra abordagem com ele. Estava
acostumado a ser tratado com indiferença, e ela se odiava por ter se negado a ele
também. Tinha que voltar a ser não só sua mulher, tinha voltar a ser sua amiga. Estava
disposta a lutar pelos dois.
Mas antes ela precisava saber se no fim, valeria a pena, se tinha a remota
possibilidade de no vazio poeirio do coração dele, ainda restar algum espaço para ela.
— Obrigada Marie, fez a coisa certa em me contar. Farei o possível para fazer aquele
homem florescer. — Falou, levantando da cadeira, a governanta a imitou.
— É que, tem mais uma coisa. — Disse nervosa enfiando as mãos no bolso do avental
e tirando de lá um envelope marrom amassado e um pouco gasto. — Uma noite antes
da morte de lady Liliana, quando eu fui deixar o seu jantar em seu quarto ela me
entregou isto.
Seraphne pegou a carta estendida e leu a letra elegante em uma tinta desgastada e
rala "Para Sebastian", os olhos dela se abriram como dois pratos, fitando aquela carta
em sua mão.
— Ela pediu para que eu o entregasse quando tivesse idade o suficiente para
compreender, mas como ele nunca retornou, estive guardando por todo esse tempo, eu
venho carregando ela comigo desde que ele voltou, tentando tomar coragem para
entrega-la. — E estava passando essa missão para ela? — Mas agora que sabe da
história acredito que seja mais qualificada para isso.
Seraphne encarou o papel marrom, aquela carta simbolizava duas coisas, uma
esperança e uma destruição, joga-la sobre seu marido, neste momento seria como dar
um tiro no escuro. Sem saber onde a bala atingiria. A única certeza que ela tinha
naquele momento era que o conteúdo daquele envelope jamais poderia chegar até as
mãos de Sebastian

.
❀❀❀
Seraphne voltou para seu quarto pressionando aquela carta contra sua
barriga como se fosse um pecado sujo.
Temendo que Sebastian aparecesse a qualquer instante. Ela não ia permitir
sob hipótese alguma que o conteúdo daquela carta destruísse ainda mais o seu
marido.
Pensar na negligência e crueldade de sua mãe fez Seraphne sentir um
desprezo imenso pela antiga marquesa. Se nunca havia sido uma mãe ou
sequer uma presença reconfortante, não deveria ter nada ali dentro que
pudesse amenizar o passado.
O que estava feito, estava feito, e nada poderia mudar o vidro
estilhaçado. Ela adoraria poder, mas não podia. Tinha ciência de que não
podia julgar a marquesa. Mas não conseguia deixar de sentir rancor,
Sebastian não tinha culpa por seu pai ser um monstro. Era apenas uma
criança descobrindo da pior maneira a crueldade humana.
Uma criança que jamais conheceu o amor sincero e puro. Que não vem
carregado de interesses ou corrompido pelo pecado. Jamais conheceu o
carinho ou a piedade, resultando no homem que é hoje. Destruindo as
chances dela de ter um casamento saudável e feliz.
E se por acaso ele lesse a carta de sua mãe e se sentisse sufocado outra
vez? Se fosse embora de novo? Seraphne sentia que dessa vez ele não
regressaria. E não faria isso.
Seu marido era um homem corrompido, mas ela sentia e sabia que ainda
tinha uma esperança. Sebastian correspondia ao desejo dela, o seu ataque de
raiva quando comunicou que queria compartilhar sua cama era a prova de
que teria uma chance se jogasse com as cartas certas.
Guardou o papel gasto dentro do baú onde continha o seu enxoval. Pois
sabia que seria o último lugar onde alguém procuraria. E tentou não se sentir
culpada ou criminosa por estar omitindo uma coisa daquela magnitude do
marido.
Se confortou com o pensamento de que era para o seu próprio bem, e que
quando tudo estivesse acertado entre os dois, ela entregaria e seria o apoio
para seu marido caso ele precisasse.

Cartland nunca esteve tão animado e vivaz, a presença de seus entes


queridos ali deixava o castelo vazio muito mais acolhedor. Principalmente
com a presença das crianças.
Os sons de suas risadas, as brincadeiras divertidas. A simples visão de
brinquedos espalhados pelo chão. Seraphne sentia seu coração doer só de
imaginar que logo eles iriam embora.
Ver a maneira como Sophie amava incondicionalmente seus filhos, só
dava a certeza de que Seraphne queria aquilo para ela. Queria encher o
castelo de crianças barulhentas de cabelos loiros e olhos verdes hipnotizantes,
e um dia ter a visão de seus filhos brincando no verde ofuscante da
propriedade.
Queria de todo o coração mandar toda a tristeza que um dia banhou o
castelo Cartland para bem longe. Preencher o silêncio com o som de risadas e
principalmente de amor. Incondicional e profundo.
Mas para isso teria que primeiro resgatar seu marido das trevas. Só não
sabia como devia fazer isso, o único que sabia era que tinha que ser ela a dar
o primeiro passo. Resolveu pedir ajuda a única pessoa que entenderia sua
situação atual.
— Quer saber como seduzir Sebastian?! — Sophie gritou escandalizada,
Seraphne olhou para os lados para ver se tinha mais alguém por ali.
— Céus, não grite! — ela se recompôs envergonhada.
— Desculpe. Foi o susto inicial. — Colocou de lado o livro que tinha em
mãos. — Mas por que está me perguntando isso? Por acaso vocês ainda
não... — Arqueou uma sobrancelha, sugestiva.
— Claro que fizemos. — Respondeu de súbito, ficando vermelha ao
prosseguir um pouco mais baixo: — Dois meses atrás.
A morena esbugalhou os olhos.
— Não é para menos que esteja tão enervado como está. — Disse, Seraphne
franziu o cenho confusa.
— O que a falta "daquilo" tem haver com o estresse constante de meu
marido? — Indagou, Sophie se aproximou mais, como se fosse confidenciar
o maior dos segredos.
— É algo físico, entende? — Disse quase em um sussurro. — Um homem
quando não libera seu...— Seu rosto já estava da cor de um tomate maduro.
— Líquido? – Ofereceu a palavra.
— Isso, seu líquido. – Falou agradecida. — Bom, não é como uma mulher.
Ele tende a ficar mais sobrecarregado, com tensões pelo corpo e segundo
Christopher chega até a sentir dor...— Colocou uma mão sobre a boca. — Na
região proibida. - Concluiu em um sussurro. Seraphne ergueu as sobrancelhas
surpresa.
Jamais iria imaginar que o mau humor de seu marido se devesse ao fato
de que estava privando sua semente de encontrar seu solo fértil.
— É por isso que ele foi embora para Londres? — Inquiriu, Seraphne
assentiu.
Por mais que desejasse se abrir para a amiga, sentia que estaria traindo
Sebastian de alguma maneira se confidenciasse o seu passado para Sophie.
Os segredos do seu marido só cabiam a ele.
— Mas por que você não quis voltar para a cama dele? Acaso não foi
satisfatório? — Seraphne lembrou da sensação ardente de ter o seu marido
em todas as partes do corpo dela.
Do toque quente de sua pele, da invasão agradável de seu corpo no dela.
Suas mãos libertinas tocando em lugares que ela sequer sabia ser capaz de
proporcionar tanto prazer.
— Foi bastante satisfatório. — Disse afastando os pensamentos antes que seu
corpo entrasse em chamas. — Fui uma tola Sophie. Pensei que fazendo isso
me afastaria de uma possível ilusão amorosa. Sem nem perceber que já estava
apaixonada desde o princípio.
Sophie abriu a boca surpresa e a encarou como se um chifre tivesse
brotado em sua testa.
— Ama-o? — Perguntou incrédula, os olhos de Seraphne se encheram de
lágrimas arrependidas.
— Loucamente. — Confidenciou sentindo um pequeno alívio ao soltar
aquele segredo. — No início pensei que fosse somente a luxúria, sem
perceber que isso era apenas uma evidência do meu amor.
Sophie levantou-se e a envolveu em um abraço afetuoso.
— Oh Sera. — Disse pesarosa. — Tem que dize-lo, querida.
— Não posso. — Fungou. — Não até ter certeza de que colherei os frutos do
meu amor, não vou me jogar de cabeça em um poço vazio, amo-o, mas
também amo a mim mesma, e não aceito menos que ser amada de volta.
— As vezes me assunto com a sua perspicácia. Quisera eu ter tido um pouco
de sua sabedoria. Teria resolvido meus problemas conjugais há muito mais
tempo. — Disse jocosa e uma risada escapou dos lábios da loira.
— O que eu faço Sophie? Como faço para arrancar as trevas daquele homem
teimoso? — Inquiriu, Sophie afagou o cabelo da amiga.
— Eu não acredito que vá ser fácil. Mas voltar a compartilhar a cama com ele
talvez possa ser bom. Segundo Christopher, o amor físico cria intimidade,
acabamos deixando escapar emoções silenciosas em pequenos gestos,
criamos vínculo. — Respondeu, Seraphne relembrou do modo carinhoso
como Sebastian se referiu a ela na noite de suas bodas. Chamou-a de Sera, de
uma maneira quase idolatrante.
— Mas não sei como fazer isso, tenho medo de parecer ridícula. — Disse,
irritada por ser tão inexperiente. Era injusto que somente os homens
pudessem adquirir experiência antes do casamento.
— Simplesmente não o rejeite quando ele der um avanço, surpreenda-o.
Tenho certeza que do resto ele se encarregará.
Seraphne continuou confusa mas decidiu assentir. Sophie era
obviamente mais experiente do que ela e devia saber do que estava falando.
Não sabia de onde tiraria coragem para procura-lo depois de ter dito
com tanta veemência que não desejava-o mais, ou depois da noite em que
ficaram sozinhos no escuro, porém teria que tentar, iria passar por cima do
orgulho e fazer aquele homem possui-la novamente.
Era uma York e honraria o escândalo que vem com o nome.
CAPÍTULO DEZESSEIS

Na manhã seguinte, Sebastian, juntamente com os outros lordes,


abandonaram o castelo para cavalgar pela propriedade. Ele queria ver de
perto todo o trabalho que sua esposa tinha tido em sua ausência e isso
também seria bom para ele desanuviar a mente. Se sentia sufocado.
Seraphne era impossível. Ultimamente ele estava perdendo todas as
batalhas. Sendo constantemente vencido por ela. Em tudo. Olhou para a
plantação meticulosa, e no modo como o terreno ao redor do castelo estava
diferente. Tudo parecia mais vivaz, mais colorido, voltando lentamente ao
que era quando ele era um menino.
Olhar para aquele jardim, mesmo que fosse de longe, lhe trazia dor
física. Podia jurar que um punhal atravessava seu coração ao lembrar da bela
mulher que deveria ter cumprido o papel de sua mãe passeando pelas flores.
Ignorando-o, deixando que ele passasse por todo o inferno
sucessivamente. Sem lhe dirigir a palavra uma única vez. Ou sequer um olhar
de conforto. Apertou as mãos entorno das rédeas, engolindo em seco, por se
lembrar vividamente da fisionomia de seu rosto.
Graças a sua esposa impertinente. Que insistia em deixar aquele quadro
maldito e aquele piano no salão principal. Atormentando-o com lembranças
dolorosas demais para serem colocadas em palavras.
No fundo, a criança assustada que habitava dentro dele só queria saber o
por quê. Por que ela foi tão perversa. Tão mais cruel que seu pai. Que de sua
maneira sádica demonstrava que pelo menos um mínimo de importância com
ele.
— Seraphne fez o que você deveria ter feito há muitos anos atrás. Cartland é
belo demais para ser deixado em ruínas. — Comentou Christopher, enquanto
cavalgavam de volta para o castelo.
Ele sabia que sim. Era o melhor. Principalmente se eles desejassem
morar ali a maior parte do ano. Mas outra parte dele ainda não aceitava que
ela fosse tão independente. Desde que se libertou das amarras de seu pai,
nunca aceitou receber ordens de ninguém.
Recebeu bons castigos no seu tempo de estudos, não se orgulhava muito
dessa época de sua vida, mas foi de fato um rebelde. E agora ela chegava e
simplesmente destruía tudo ao qual ele havia erguido para se defender.
Destruía toda a sua moral, sua confiança na masculinidade, seu lugar
como marido e tirava os direitos que ele tinha como homem. Sem aviso
prévio. Como um furação louro e indecente.
— Vê-se abertamente que ela tem carinho pela propriedade. — Haddington
comentou.
Não teria se soubesse o que aconteceu ali dezoito anos atrás. Sebastian
não conseguia nem pensar no passado sem alterar-se. Decidiu que seria
melhor mudar de assunto, nada de bom acontecia com ele quando as
recordações surgiam.
— Ouvi dizer que está cortejando lady Beatrice Crawford. — Thomas
pareceu incomodado ao ouvi-lo tocar naquele assunto.
— Sim, é uma moça encantadora. — Respondeu, o semblante sério
impenetrável e um vinco se formando entre as sobrancelhas grossas.
— Encantadora? — Alec interferiu. — Até um poste tem mais emoções que
aquela garota.
Christopher estrangulou uma risada.
— Bom, para mim parece bastante encantadora. — Thomas se defendeu,
levemente irritado.
— E planeja se casar com ela? — Indagou, o conde se mexeu inquieto no
flanco do cavalo.
— Sim. Vou fazer o pedido quando regressar a Londres. — A resposta pegou
a todos de surpresa. Nem mesmo Alec que precisava encontrar uma esposa
no período de cinco anos, estava tão desesperado para se casar.
— Por que tanta pressa? A moça está grávida ou algo assim? — Uma das que
Sebastian mais gostava em Alec era sua falta de senso. Perguntava as coisas
sem medir o tamanho de suas palavras.
— Quê? Não! Não. — Respondeu Thomas, como se a suposição fosse
absurda. — Não. — Afirmou.
— Sempre pensei que você fosse se juntar com a York mais nova. —
Christopher disse, Thomas o olhou como se tivesse acabado de xinga-lo do
maior dos palavrões.
— Enlouqueceu? Jamais poderia me casar com uma York. — Sebastian o
olhou, ofendido.
— É de minhas cunhadas e esposa que está falando. — Defendeu, Thomas
logo tratou de se retratar.
— Não estou querendo ofender-lhe. Apenas não acredito que alguém como
Josephne York possa ser algo além de uma conhecida para mim. — Seu tom
foi de desculpas mas não amenizou em nada seu insulto. Relevou.
Thomas nunca foi muito sensível aos sentimentos alheios.
— E todas aquelas valsas e passeios de barco que vocês fizeram na
temporada passada? — Northwest inquiriu.
— Nunca passou disso. E nunca passará. — Sua resposta foi direta e
decisiva. Dura. Irrevogável.
O que era uma lástima, pois Sebastian tinha certeza que aquela garota
estava apaixonada.
— Então não me sentirei mal em corteja-la. — Disse Alec, pegando a todos
de surpresa. Principalmente Thomas, que rapidamente se tornou sombrio.
— Não sabia que estava interessado na York mais nova, se quiser posso pedir
para que Sophie facilite as coisas. — Disse Christopher, e uma aura
realmente perigosa começou a fluir ao redor de Thomas.
— Vamos Christopher, sabe que não preciso de ajuda para conquistar uma
mulher. — Disse o escocês com uma piscadela marota e seu cínico sorriso
habitual.
Christopher usou uma mão para proteger os olhos do sol, estreitou a
vista e apontou para a frente com a outra.
— O que é aquilo indo em direção ao castelo? — perguntou.
Todos seguiram os olhares na mesma direção. Parecia uma charrete
cheia de tranqueiras. Apressaram o galope dos cavalos e chegaram ao mesmo
tempo que Seraphne saía do castelo para receber o condutor.
Somente em vê-la, Sebastian sentia seu corpo entrando em estado de
alerta absoluto.
Desceu do seu cavalo, entregou o animal ao cavalariço e andou em
direção a esposa. Agora que estava de volta ia se colocar a frente de todo e
qualquer negócio que ela tivesse.
Era uma mulher e tinha que exercer sua função de esposa, apenas. Fazer
coisas de sua posição, como tomar chás ou bordar uma almofada.
— Obrigada Sr. Kniff, pode levar até Maison que ele ajudará o senhor a
retirar o material. — Disse com um sorriso gentil, Sebastian olhou para
dentro da charrete.
Para que serviria toda aquela lenha e montes de feno?
O condutor da charrete lançou um olhar amedrontado para ele. Subiu no
veículo e saiu dali tinindo. Seraphne lhe deu as costas sem a menor
explicação e voltou para dentro de casa. Seguiu-a.
— Para que pediu tanta lenha? Olhei mais cedo nos estábulos e temos lenha
suficiente para a semana. — Falou, se aproximando por trás.
Ela estava excepcionalmente linda aquela manhã. Usando um vestido
simples de algodão rosa, e uma trança emoldurando sua cabeça.
As últimas noites que passou no castelo, sua mulher dormindo do outro
lado da porta foi um tormento tão grande para ele, que conseguiu fazê-lo
esquecer do seu passado por mais de um momento.
— Ah. As lenhas serão para a fogueira do solstício de verão. — Respondeu
quando dobraram um corredor vazio, ele franziu o cenho confuso.
— Solstício de verão? — ela parou de andar, se virou para ele.
— Como, por negligência sua, a praça da cidade está destruída pelo tempo,
ofereci o castelo para sediar o festejo. — Sebastian fechou subitamente a
cara.
Um solstício de verão? Foi arrastado novamente para sua infância.
Quando sempre assistia a festividade pela janela de seu quarto. Preso como
um pássaro em uma gaiola. Encantado pela música rural, pelo som das
risadas, pelos passos frenéticos de dança, e o brilho da fogueira. Fascinado,
enquanto ouvia seu pai vociferar que eram todos "porcos imundos que
desgraçavam o legado de sua família."
Agora sua esposa independente estava tentando realizar a um sonho de
menino, trazendo a festa para dentro de sua casa. Mostrando mais uma vez,
como era superior a ele.
— Quando você pretendia me comunicar? — Perguntou irritado, ela abriu
um sorriso óbvio.
— Agora. — O calor característico da raiva começou a subir pelo corpo do
marquês. — Mas não precisa se preocupar, já tenho tudo sob controle, não
preciso de sua ajuda para nada.
Sebastian encarou o rosto delicado de sua esposa enquanto ouvia aquelas
palavras. "Tenho tudo sob controle. Não preciso de sua ajuda para nada."
Foi tomado por um impulso primitivo. Mandou toda a coerência para os
recônditos da mente. Não precisava dele para nada?
Pegou-a pelo braço e com um só movimento tinha o corpo dela preso
entre ele e a parede. Ela arfou e o encarou surpresa, com a boca entreaberta
pelo susto. Sebastian chegou mais perto, de modo que somente ela pudesse
ouvir a promessa em sua voz, não iria ter pudores, iria mostrar para ela o
quanto ela podia precisar dele. Ele iria fazê-la necessitar. Iria fazê-la suplicar.
— Farei você precisar de mim. — Disse brusco, consumido pelo desejo,
agarrando a nuca fina de sua mulher, e devorando-a em um beijo avassalador.

❀❀❀

Os lábios de Sebastian esmagaram os dela quase dolorosamente


enquanto a empurrava para trás. A prendendo entre seu corpo e a parede. Foi
tudo tão súbito que Seraphne não teve tempo para nada. A mão dele mantinha
a cabeça dela parada no ponto exato para a invasão de sua língua. Ele
penetrou-a como se ela fosse uma fonte de água límpida e ele estivesse
sedento, agarrando a cintura dela com a outra mão para mantê-la mobilizada.
Ela tinha até esquecido de como era magnífico ser beijada por ele. Tinha
certeza que o seu beijo foi uma das razões pelas quais amava-o.
Ardentemente.
Ele desceu a boca para o pescoço dela, deixando um rastro de pelos
eriçados por onde seus dentes raspavam. Seraphne tinha perdido as contas de
quantas vezes desejou que ele fizesse justamente isso. Que desfrutasse do seu
direito de marido.
— Adoro o sabor de sua pele. — Ele disse, descendo ainda mais a boca.
Encontrando o vão entre os seios espremidos no espartilho e enfiando a
língua ali, fazendo as pernas de Seraphne amolecerem.
Ele puxou os cordões do espartilho apressado, abrindo somente o
suficiente para libertar os pequenos seios. A despindo no meio do corredor
vazio.
Ele não teve rodeios, envolveu um seio leitoso com a boca e o sugou
severamente. Apertando o pico entumecido entre os dentes.
— Isto é por você ter me proibido de tomar o que meu...— Rosnou, ela arfou
de prazer e dor. Sentindo o botão entre suas pernas pulsar de um desejo
descontrolado.
Tomada de uma necessidade angustiante, Seraphne colocou uma mão
sobre o volume que pressionava o tecido calça dele, acariciou a rigidez.
Sebastian parou seus movimentos para olha-la, parecia surpreso com o toque
despudorado da esposa, mas logo estava completamente hipnotizado.
Ele investiu contra a mão dela, seus quadris fazendo um movimento
completamente sensual e primitivo. Ela observou os contornos do rosto dele,
era tão perfeitamente lindo que sentia seu corpo escorrer de prazer por ele.
Queria agrada-lo, queria fazê-lo sentir o mesmo que ela sentia, queria
deixa-lo delirante de prazer por ela, por isso, não teve vergonha quando
desabotoou os botões da calça de montaria e envolveu o membro macio,
quente e desprotegido com a mão.
Sebastian estremeceu e apoiou suas mãos na parede atrás dela, um braço
de cada lado da cabeça da esposa. O peito robusto subia e descia em
descompasso.
Ela raspou o polegar na ponta avermelhada, ele rosnou sedutoramente
em resposta, ela viu que ele gostou dessa carícia e repetiu, prolongando o
toque com movimentos circulares, seu dedo deslizando habilmente com a
ajuda do líquido transparente que saia da ponta pulsante. Sebastian enfiou o
rosto na curva do pescoço dela e começou a soltar esbaforidos de seu hálito
quente, completamente rendido pelo prazer.
Seraphne jamais imaginou que tivesse aquele tipo de poder sobre ele, se
sentiu poderosa, feminina. Intensificou o aperto ao mesmo tempo que fez um
leve movimento de vai e vem com a mão, isso foi suficiente para faze-lo
gemer em seu ouvido, um gemido gutural e submisso, atraente ao extremo.
Pelos indícios do corpo dele, ela soube que estava indo pelo caminho
correto, depositou uma mão no peito dele enquanto a outra continuou a
trabalhar em todo o comprimento daquele homem magnífico, cada vez mais
veloz, cada vez mais firme.
Um lado primitivo dela, que até então ela não conhecia, quis ir além. Ela
queria vê-lo no limite, queria fazê-lo delirar, vicia-lo nela. Jamais imaginou
que dar prazer fosse algo tão satisfatório. Ter o controle sobre o corpo de
alguém, despertando a ira do desejo.
— Oh Sera, eu vou... Oh...Oh! — Ele gemeu investindo contra a mão dela.
Explodiu em espasmos e Seraphne observou maravilhada o momento em que
ele expelia sua semente para fora. Jatos quentes e espessos, em uma
velocidade impressionante, enquanto ele continuava convulsionando e se
segurando nela para não cair.
Naquele momento ele parecia tão frágil, as emoções ruins afastadas dali
dando lugar apenas a intimidade, ao que os dois podiam fazer somente um
com o outro.
Sentir o prazer dele escorrer pela mão dela, marcando-a na musseline do
seu vestido, fazendo ela saber que somente ela tinha o privilégio de vê-lo
assim, e foi lindo, foi supremo, único e perfeito.
Até o momento passe e ele se tornar rígido como uma parede de cimento.
Subitamente Seraphne soube que tinha algo de errado, a postura dele
denotava indiferença pura e cruel. Ele se afastou dela e tirou um lenço do
bolso, pegou sua mão lambuzada e limpou seu líquido dali como se o que
tivessem acabado de fazer não tivesse significado nada.
Ela puxou sua mão bruscamente enquanto o arrependimento mastigava
suas entranhas, puxou o espartilho para cima, cobrindo a nudez de seus seios.
— O que houve dessa vez Sebastian? — Perguntou, sentindo a irritação
doma-la inteiramente.
Ele olhou-a, torceu o maxilar.
— É muito simples. — Ele disse, de maneira muito petulante. — Quer passar
por cima de tudo que eu digo e andar por ai como se fosse a rainha da
desobediência? Ótimo, faça isso, mas nunca se esqueça do seu lugar neste
casamento, eu ainda sou o seu marido.
Seraphne franziu o cenho tomada pela raiva, estava cansada, de tudo.
Tinha tentado ser agradável, tinha sido simpática desde a sua volta e vinha
realmente tentado ser uma esposa compreensiva mesmo sabendo do seu
passado, mas Sebastian nunca aprenderia, não do jeito carinhoso e dócil que
ela tinha imaginado.
— O que você quer de mim Sebastian? — Ela gritou empurrando-o para
longe dela.
— Eu quero que pare de agir como se fosse o homem desta relação! — Ele
gritou-lhe de volta. — Quero que seja uma marquesa, não a filha de um
americano selvagem!
Ela se afastou como se ele tivesse acabado de acertar um tapa em seu
rosto. Aceitaria de tudo, que ele a xingasse de todos os nomes, que ele
ofendesse seus esforços e fosse um péssimo marido, mas nunca iria permitir
que ele denegrisse a imagem de seu pai, ou de sua família e até mesmo de seu
sangue nova yorquino.
— É uma marquesa que você quer? Então é uma marquesa você vai ter. —
Fez uma reverência, talvez a mais próxima da perfeição que já conseguiu, e
deu as costas, se afastando com toda a sua paciência destruída, pensando que
seu marido era mais parecido com o próprio pai, do que gostaria de admitir.

❀❀❀

Sebastian descobriu da pior maneira que sua esposa não estava para
brincadeira. Naquela mesma noite as mudanças começaram. Subitamente
Seraphne deixou de ser risonha e receptiva para se tornar fria e indiferente.
Obedecendo suas ordens, ficando longe dos negócios, e se comportando
como a perfeita esposa de um nobre.
E teria sido até perfeito, se isso não estivesse matando ele lentamente.
Ela estava ignorando-o. Complemente. Já não falava com ele nem para
desejar bom dia. Cruzavam um com o outro pelos corredores e agiam como
dois estranhos. Não importava o que ele fizesse para chamar sua atenção, ela
não se importava. Até quando fazia uma pergunta, ela respondia sem olha-lo.
Como se ele não estivesse presente e ela estivesse conversando com o vento.
E isso foi a gota que encheu o copo.
Um desespero corrosivo começou a castigar o coração de Sebastian. Ele
começou a se sentir como aquele garoto que foi no passado, ignorado e
sozinho. Seraphne estava agindo igual a sua mãe.
Porém, era a primeira vez que Sebastian sabia que a culpa por estar
sendo tratado assim, era única e exclusivamente dele.
Tinha a beijado com a intensão de mostrar que também poderia tirar o ar
de seus pulmões, queria fazer com que a esposa precisasse dele tanto quanto
ele precisava dela. E de uma maneira tão natural e deliciosa Seraphne
conseguiu reverter a situação.
Ele jamais imaginou foi que fosse cair em sua própria armadilha.
Quando ela tocou-o, como uma deusa da audácia, fazendo com que ele
tivesse o segundo melhor orgasmo de sua vida, Sebastian sentiu uma onda
avassaladora de carinho por sua esposa.
Um sentimento inédito, forte, sufocante puramente doloroso envolveu
seu peito e rodeou seu coração gelado como um manto de calor. E nada no
mundo foi mais apavorante do que isso.
Naquele momento, seu instinto foi apenas a auto defesa. Agiu como um
bastardo, como sempre fazia quando sua esposa ameaçava derrubar suas
estruturas. E agora estava vivendo um inferno pessoal, tendo que ver a cada
dia Seraphne se tornando mais distante.
E o pior de tudo era que ele não podia simplesmente mostrar que estava
descontente com isso sem parecer um débil, afinal de contas foi ele quem
pediu para ela agir assim.
Quem os visse de fora diria que eram o casal perfeito. Um marido
concentrado no trabalho e uma esposa subserviente. Porém, somente ele e
Seraphne sabiam que ele estava sendo castigado. Ele nunca admitiria em voz
alta, mas estava amargamente arrependido. Seu corpo doía pelo trabalho que
estava tendo com Cartland, sua paciência estava esgotada e sua fome sexual
pela esposa ainda estava insaciada.
Tinha que arranjar uma maneira de trazer sua esposa de volta sem
parecer um ridículo. Ou entraria em estado de loucura.
Faltando apenas um dia para o solstício, Seraphne resolveu oferecer um
jantar especial para os convidados de Cartland, visto que eles iriam embora
logo após o festejo.
Sebastian descobriu que era tremendamente bom receber seus amigos ali.
Ele ainda tinha muitas memórias ruins de Cartland, e não conseguia se sentir
confortável dentro das paredes de rocha lisa, mas o trabalho árduo que estava
tendo ali estava fazendo com que ele adquirisse certo carinho pelas terras. A
paisagem, o castelo, e principalmente o que ele representava para a sua
esposa.
Ele deu uma olhada nela no outro extremo da mesa de jantar. Estava a
três cadeiras de distância dele, conversando educadamente com o duque de
Northwest, segurava uma taça de vinho na mão pequena.
Ele sentiu um ciúme doentio daquela taça e também de Alec, por terem a
atenção que ele desejava. Queria que aqueles lábios de rubi sorrissem para
ele, e que aqueles olhos de esmeralda bruta olhassem com admiração para
ele. Só ele.
— Por que não compartilham o conteúdo da conversa? Parece estar sendo
bastante interessante. — Disse arisco, chamando a atenção não só dos dois,
quanto da mesa inteira.
Northwest estreitou os olhos para ele. e abriu um sorriso.
— Porque não tenta controlar um pouco o seu ciúme? — Sebastian cerrou os
punhos ao redor dos talheres.
— Estávamos falando sobre a terra de Northwest. — Interrompeu Seraphne.
— Sobre os jogos Highlands de verão.
— Jogos de verão? Isso parece divertido. — Disse Josephne, abrindo a boca
pela primeira vez naquela noite.
— Sim madame, são. Mas receio que não sejam jogos feitos para uma
mulher. — Northwest respondeu.
— Acontece meu lorde, que são poucos os jogos feitos para uma mulher. —
Josephne prosseguiu, adquirindo aquela sua velha expressão competitiva. —
Felizmente isso nunca me impediu de jogar. Como deve se lembrar. —abriu
um sorriso audacioso, fazendo todos recordarem do fatídico dia que foram
pegas jogando de ceroulas ao ar livre.
— Sei disso, recordo-me perfeitamente. — O escocês piscou um olho,
coquete. — Porém, quando digo que não são feitos para mulheres falo a
sério, na grande maioria são jogos que exigem muita força física e
habilidades com armas de caça. — Explicou.
— Argh. — Um som audível de escárnio foi expelido da garganta de Daphne
York, sentada na outra extremidade da mesa. Todas as cabeças se viraram
para ela vagarosamente.
— Que quer dizer com "Argh"? — Perguntou Alec acidamente, arqueando
uma sobrancelha.
A garota ergueu os olhos acidentados para ele. O pequeno queixo
erguido em uma postura de desafio. Sebastian reconheceu facilmente aquela
expressão, pois já a tinha a visto no rosto de Seraphne minutos antes de
começar uma discussão. Pobre Alec.
— Quero dizer milorde, que suas festividades não passam de uma
competição acéfala de brutamontes de saias erguendo troncos para se exibir
como pavões. — Subitamente toda a mesa entrou em um silêncio pungente,
somente o som das respirações e da cabeça de Alec entrando em erupção.
Os três homens ali sabiam que Alec era extremamente orgulhoso por
ser metade escocês e não escondia isso de ninguém. Não era atoa que andava
por aí ostentando as cores de sua linhagem.
Foram poucas as vezes que alguém insultou seu sangue e saiu com a
cara intacta.
—Acéfala? — repetiu a palavra quase com incredulidade.
— Sim, caso não saiba o que significa eu posso lhe explicar. — A York
provocou, com um sorriso puramente maldoso. Alec se mexeu na cadeira.
— Eu sei o que acéfala significa! — Exclamou, sem esconder sua irritação.
— E significa...— Daphne o instigou a prosseguir, com petulância.
— Você é uma jovenzinha impertinente. — Ele disse, o cenho franzido pelo
aborrecimento.
— E você é um homem adulto que usa saias! — Explodiu, erguendo-se na
mesa.
— Eu já disse que não são saias! — Alec gritou Alec de volta, também se
erguendo.
— Eu estou grávida. — De repente toda a atenção se moveu de Daphne para
Sophie. A bela duquesa estava com um expressão plena, como se tivesse
acabado de informar o tempo.
Christopher levantou de sua cadeira meio trôpego, andou até a esposa,
pegando-a pela mão.
— Está falando a sério? — Perguntou, estava emocionado.
— Sim. — Disse Sophie, sorrindo. — Segundo minhas contas estou com
quase dois meses.
Os olhos de Christopher se encheram com lágrimas de felicidade.
Encostou a testa na da esposa em uma imagem de revirar os olhos.
— Obrigada, meu ébano. — Sussurrou, segurando a esposa em um beijo
completamente apaixonado.
Quando se soltaram os dois sorriam um para o outro. Christopher se
virou para os amigos. — Vou ser pai novamente!
— Escolheu o melhor momento para dar a notícia. — Disse Thomas,
causando uma pequena maré de risadas.
Imediatamente todos levantaram para parabenizar o casal exultante de
felicidade. Esquecendo-se da briga que havia acontecido há poucos minutos.
Ver aquela troca de felicidade e carinho entre seu amigo e sua esposa
ativou em Sebastian um sentimento que até então nem ele mesmo tinha
percebido que estava ali, desejou sentir aquele mesmo tipo de felicidade.
Procurou Seraphne pelo salão e encontrou-a perto da lareira, encarava o
fogo inexpressiva, ainda segurando sua taça de vinho. Ele já tinha uma
esposa, só precisava ser o marido que ela merecia.
CAPÍTULO DEZESSETE

O barulho de música rural faziam os pés inquietos de Seraphne


balançarem inconscientemente. Estava parada na porta do castelo,
observando tudo atentamente como uma boa anfitriã enquanto o povo de
Devonshire se divertia.
Nunca tinha estado em um baile rural antes, e admitia que era bem mais
divertido que os bailes cheios de regras da alta sociedade.
— Estou tão animada, nunca estive em um solstício antes. — Disse Daphne,
ficando na ponta dos pés para observar melhor o grupo de casais que faziam
passos de uma dança vigorosa no meio do salão.
— Não vá se meter em nenhum escândalo Daph. — Disse Jose, com um
meio sorriso observando a empolgação de Daphne. Seraphne para ela cheia
de carinho, era bom ver a irmã agindo como costumava.
Embora ainda fosse nítido que estava triste, era reconfortante ver que
estava tentando.
— Eu até tento mas acho que o escândalo tem uma paixão secreta por mim.
— Daphne respondeu, enquanto era arrastada por um rapaz para a pista de
dança.
— Meu pressentimento me diz que ela está certa. — Disse Sophie, Seraphne
sorriu em resposta.
Ainda não tinha parado para conversar com amiga desde que a mesma
tinha anunciado sua gravidez. A verdade era que estava se sentindo uma
pessoa horrível.
É claro que estava feliz por Sophie, considerava-a como uma irmã e sabia que
ela merecia toda a felicidade do mundo, mas era uma péssima pessoa por
sentir inveja da felicidade da amiga?
Seraphne apenas estava exausta, não entendia por quê tudo tinha que ser
tão mais complicado para ela. Sabia que Sebastian ainda não estava
preparado para ser pai, nem para ser marido ele estava direito. Quanto mais
todo o resto.
— Lady Devon, devo admitir que sabe como dar uma festa. — Disse
Northwest, aparecendo atrás delas junto de Ballister e Haddington.
Ficou um pouco desapontada, esperava que seu marido estivesse com
eles.
— Fico feliz que esteja gostando, Alteza. — Disse.
— Lady Sophie, como sempre esplendorosa. Concede-me sua mão para uma
dança? — Ele perguntou com um sorriso tão galante que até Seraphne se
sentiu um pouco afetada.
Christopher se colocou na frente na esposa.
— Nem nesta vida e nem na próxima. — Pegou-a pelo braço e levou ela dali
entre sorrisos, só Deus sabe para onde.
— Como sempre um ciumento. — Northwest resmungou, se virou para
Josephne. — E quanto a você senhorita York? Concede-me?
— Será um prazer, milorde. — Josephne respondeu, aceitando a mão dele e
indo em direção ao grupo no meio do salão.
Só por curiosidade Seraphne deu uma olhada de soslaio em Haddington.
O homem fitava a tudo com certo desprezo, fora isso, não demonstrava
nenhuma emoção.
Seraphne nunca entenderia o que levou Josephne, que sempre foi a mais
romântica das três, a se apaixonar por alguém como Thomas Stock. Nem em
um milhão de anos aquele homem mereceria o amor de sua irmã.
— Deve estar se sentindo muito longe de casa, milorde. — ela comentou,
preenchendo o silêncio entre os dois.
Nunca tinha estado sozinha com o conde antes. Na verdade, não se
lembrava de ter sequer conversado com ele alguma vez em sua vida.
— Certamente. — Respondeu, sem se esforçar em fingir interesse.
Seraphne encarou as suas feições. O cabelo bem penteado, os fios negros
brilhando pela luz das chamas das fogueiras, os olhos negros tão gelados
quanto a neve de dezembro. Não era um homem de beleza comum. Tinha
traços em seu rosto, coisas que ela não sabia ao certo o quê, que o tornavam
atraente aos olhos.
— Soube que está comprometido em casamento com Lady Beatrice
Crawford. — Ela comentou, avaliando suas expressões. Tentando ver o
mesmo que sua irmã tinha visto.
— Ainda não, mas ficarei assim que retornar a Londres. — ele respondeu,
ainda sem olhar diretamente para ela. Os olhos negros tão compenetrados na
festa quanto os de uma estátua.
— Certa vez uma jovem me disse que o amor está nos pequenos gestos. —
Ela falou, enquanto observava uma carruagem bastante luxuosa parar na
porta do castelo. — Espero que tenha feito a escolha certa, milorde.
Fez uma reverência antes de se afastar e ele retribuiu, com um leve tom
de confusão no rosto.
— Posso perguntar quem lhe disse isso, milady? — O conde perguntou
enquanto se afastava. Seraphne se virou para ele apenas por um segundo
antes de responder, enfim percebendo o que seu rosto tinha de tão instigante.
O negrume profundo dos olhos, que recordavam o cristal da mais escura
obsidiana.
— Josephne, milorde. — Respondeu sem esperar pela reação dele, apenas
deu as costas e se afastou, indo receber os convidados atrasados.
No momento em que pisou no hall de entrada os convidados desceram
da carruagem revelando seus rostos, ela sentiu seu estômago gelar, ninguém
menos que Ferrowls e Bourne.
Pensou em voltar para o castelo de fininho, mas o conde viu-a.
— Lorde Bourne, é um prazer revê-lo, milorde. — ela cumprimentou, com
uma vênia nervosa.
Sentiu o olhar pesado de Ferrowls sobre ela. Olhou-o com um meio
sorriso, os cabelos negros jogados para trás e seus olhos azuis, saudando-a.
— Lorde Ferrolws, como vai? — Perguntou educadamente, e o seu antigo
noivo abriu um sorriso doce.
— Perfeitamente, Seraphne. — Respondeu agradável. Ela se perguntou como
teria sido sua vida se tivesse se casado com ele invés de Sebastian. Imaginava
que seria muito diferente.
— Quero me desculpar por ter aparecido assim sem um aviso prévio,
acontece que fiquei sabendo há poucas horas que o festejo aconteceria
justamente na casa dos Devon, uma ironia interessante, devo acrescentar. —
Comentou Bourne, ela estremeceu de irritação. — Como um bom nascido de
Devonshire eu nunca poderia faltar, e trouxe Ferrowls comigo, que está
passando uma temporada em minha casa.
— Espero que se divirtam bastante e se sintam à vontade. — Disse Seraphne
se preparando para sair dali. — Se me derem licença, tenho que voltar para o
salão.
Ela deu as costas para os dois e se afastou dali. Procurando seu marido
por todos os cantos. Ainda estava irritada com ele, mas sabia que Ferrowls
ainda era um assunto delicado demais.
Não encontrou-o em parte alguma e imaginou que era melhor assim,
desta maneira ele não faria uma cena desnecessária.
— Lady Devon. — Disse uma voz feminina atrás dela, se virou para dar de
cara com Margaret Turner, a esposa do marquês de Bristol. Seu marido era
um dos sócios de Sebastian.
— Está gostando da festa milady? — Perguntou por educação, buscando uma
razão para sair dali. Dayse tinha comentado sobre a mulher certa vez, era
famosa por ter a língua mais maldosa de todo o condado.
— Sim, há tempos o povo de Devonshire não tinha uma celebração tão
acalorada. — Comentou com um sorriso forçado. Seraphne quase revirou os
olhos. — Tenho um carinho muito especial pela sua senhoria, milady, por
isso eu fico muito feliz de ver que reatou seu casamento. Mesmo depois do
que ocorreu em Bristol.
Seraphne sentiu um calafrio de mau agouro. O que aconteceu em Bristol
que ela não estava sabendo? Não queria demonstrar que a marquesa estava
conseguindo atingi-la.
— Enfrentou a situação de forma muito madura recebendo-a aqui e deixando
que ela dance com seu marido. — continuou, apontando com um dedo o
salão de dança, onde Sebastian dançava com uma beldade ruiva, que ela
nunca tinha visto na vida.
— Que quer dizer com enfrentar a situação de uma forma madura? —
Perguntou sucumbindo a curiosidade, sentindo suas pernas começarem a
perder a sensibilidade.
— Não é novidade milady, todos em Devonshire falam disso. Na noite em
que deixou Cartland, lorde Standhurt esteve em Bristol, no touro negro, é um
bordel muito famoso na cidade. — Seraphne sentiu todo o sangue sumir de
seu corpo. — Poppy Valmet é a cortesã mais requisitada do estabelecimento
e tem uma história antiga com o marquês.
Poppy. O chão pareceu sumir sob seus pés por vários segundos. Encarou
a bela mulher ruiva dos pés a cabeça e a maneira como os dois
compartilhavam uma conversa acalorada.
Uma rachadura se abriu em seu coração. Foi uma tola por achar que ele
permaneceria fiel.
Sebastian falava alguma coisa para a mulher, que respondia tudo com
risadas tão melodiosas que irritavam os ouvidos de Seraphne. Ela puxou a
respiração com força e se afastou da marquesa mandando-a mentalmente para
o inferno.
Ia correr dali, naquele momento todo o seu trabalho pareceu em vão, iria
se enfiar em seu quarto, onde poderia gritar e berrar impropérios o quanto
desejasse. Estava para deixar o salão quando viu uma silhueta em sua frente.
— Milady, se sente bem? — A voz de Ferrowls soou acima dela.
— Sim, apenas preciso, preciso... — Sua voz foi sumindo a medida que o
lampejo de uma ideia brilhava em sua mente ferida.
Abriu um sorriso ardiloso ao olhar para o marquês. — Gostaria de
dançar, Nicholas?
O homem ergueu as sobrancelhas, e ficou com as bochechas vermelhas
por ela usar seu nome de batismo tão carinhosamente. Corrigiu a postura, e
estendeu uma mão para Seraphne.
— Claro milady, por quê não?

❀❀❀

Sebastian desceu os degraus das escadas, inseguro. Estava em dúvidas se


realmente deveria ir a aquela festa. Ele sabia que não era bem vindo entre o
povo de Devonshire. Mas queria estar naquele festejo, queria ver de perto o
trabalho de sua esposa e quem sabe talvez tira-la para dançar, e
possivelmente acabar com a angústia que castigava seu íntimo.
Assim que pôs os pés no salão foi abordado por Northwest e
Christopher.
— Sebastian! Que bom que te encontrei. — Disse Christopher, parecia estar
aliviado em vê-lo.
— Por que está me procurando? — Perguntou, continuando andando até o
salão de baile de onde vinha o barulho caloroso de uma música.
— Para quê? Para que eu estou procurando você?... Bom...para...para...— O
duque balbuciou, e ficou pensando como se estivesse sob pressão, por fim
olhou para Northwest. — Alec está precisando de um dos seus calções!
— Eu o quê? — Northwest indagou atordoado e Christopher deu uma leve
cotovelada em sua costela. — Ah sim! Sim. Lembrei, é verdade.
Sebastian franziu o cenho.
— Para que você quer meus calções homem? — Inquiriu.
— Eu...am...bom... Como deve saber eu não uso nada por baixo do kilt...— O
escocês começou, encarando Christopher com um olhar assassino. —... E
como está uma noite muito fria...minhas terras baixas estão encolhendo aqui.
Sebastian fez uma cara de nojo enquanto Christopher fazia um grande
esforço para segurar uma gargalhada.
— Que tipo de conversa estranha é essa? — Disse Thomas se juntando ao
grupo.
— Pergunte ao seu amigo excêntrico aqui. — Sebastian apontou para Alec.
— Peça um de meus calções à Marie Elnice. Estou indo atrás da minha
esposa.
Rapidamente os três se colocaram na frente dele.
— Ou podemos ir beber alguma coisa mais forte em seu escritório, o quê me
diz? — Christopher interpôs, Sebastian estreitou os olhos. Tinha algo de
errado.
— Não, obrigado. Preciso ver minha esposa. — Respondeu, passando
facilmente pelos três.
— Vamos com você. — Disse Alec, se colocando à esquerda dele,
Christopher à direita e Thomas na frente. Como se ele fosse o próprio rei e
precisasse de uma escolta.
Ele estava certo de que algo grande estava acontecendo. E sabia que
envolvia a Seraphne.
Eles caminharam até uma mesa onde tinha vários tonéis de conhaque, ele
não deixou de notar que recebia muitos olhares a medida que cortava
caminho entre as pessoas. Já estava acostumado a receber olhares de medo e
pena, mas no passado as pessoas não cochichavam tão descaradamente na sua
cara.
Apertou os punhos irritado com toda aquela atenção, sabendo exatamente
o que aquelas pessoas estariam falando. Sobre sua infância. Sobre seus pais.
Ia voltar a buscar sua esposa, quando a silhueta curvilínea de Poppy se
colocou à sua frente.
Os olhos quase soltaram de surpresa. Não imaginava que ela fosse ter a
coragem e pôr os pés em sua casa.
— Milorde, conceda-me o prazer desta dança. — Ela disse, pegando-o pela
mão e levando-o até o meio do salão. Ele mal teve tempo de digerir as
informações antes de perceber que estava bem no olho do furacão.
— O que você está fazendo? — Perguntou, se afastando até atingir a medida
de um braço.
— Quero fazer uma proposta a você. — Disse com um sorriso, sem se
importar com a demonstração de desprazer. — Sei que seu casamento é uma
mentira, é o assunto mais comentado daqui até a França, possivelmente.
Ele franziu o cenho irritado. Odiava que tivesse se colocado em tal
situação. Se nunca tivesse ido embora de Cartland, sua vida conjugal não
seria um livro aberto. Se tivesse permanecido ali poderia ter tido uma chance,
mesmo que a mais remota, de reconquistar sua esposa.
E neste momento, esse era o seu único objetivo. Conseguir Seraphne.
Simplesmente cansou de ser um orgulhoso. Resolveu que era muito melhor
ser desprovido de orgulho que passar o rosto de sua vida morrendo um
pouquinho a cada minuto.
Ele simplesmente não tinha adjetivos suficientes para descrever o que
queria fazer com ela. Várias palavras vinham a sua boca mas nenhuma
parecia ter o significado correto, ele poderia dizer que queria: foder, comer,
ou trepar. E nenhuma delas seria correta.
Porque a verdade dolorida era que ele queria, fazer amor com sua esposa.
Céus, ele mal conseguia suportar a percepção deste fato.
— Sebastian? Você está me ouvindo? — A voz irritante de Poppy atrapalhou
seus pensamentos.
— Fala logo o que quer Poppy. — Disse ríspido, se sentindo levemente
enjoado pelo cheiro doce que ela emanava.
— Aceito voltar a ser sua amante. — Disse fazendo ele estagnar no chão de
madeira. Sebastian abriu a boca em uma gargalhada.
— O que te faz achar que eu quero voltar a te ter como amante? — Perguntou
se deliciando com o tom vermelho do ódio brotando no rosto dela. — Escute
Poppy, por mais que tenha me demorado para cair a ficha, percebi muito
recentemente que sou casado. E por mais que eu tenha sido um estúpido no
começo, não farei isso novamente, sou fiel a minha esposa.
Ela encarou-o enfurecida, ele podia jurar que o fogo do inferno crepitava
nas pupilas azuis. Ela olhou pro lado e estreitou os olhos, quando voltou o
olhar para ele um sorriso maligno balançava em sua face.
— Ao que parece você é o único que pensa dessa maneira. — Apontou
sutilmente para a direção em que olhava.
Sebastian seguiu a direção de seu dedo e sentiu a sensação angustiante da
fúria domar os seus órgãos um a um ao ver sua esposa dançando com
ninguém menos que o marquês de Ferrowls.
Ele ficou parado, vendo-a sorrir enquanto Ferrowls mantinha uma mão
pousada em sua cintura, dançando energicamente pelo salão, como um casal
bonito e feliz.
Essa cena arrastou-o de volta para o inferno de quatro meses atrás.
Quando Seraphne preferiu Ferrowls. Quando ela disse com todas as letras
que nunca se casaria com ele. Quando ela fez ele se sentir o pior dos lixos.
Fazendo ele sentir a insegurança, fazendo ele perder sua confiança nele
mesmo. Olhou para Ferrowls agora do mesmo jeito que olhou ha quatro
meses atrás, buscando no marquês os motivos para ele ser melhor. Buscando
as razões por Seraphne preferi-lo sempre.
O sangue borbulhou nas veias dele e ele sentiu uma vontade colossal de
atravessar a parede com Ferrowls. Largou Poppy na pista de dança e saiu de
lá mandando um olhar furioso para seus amigos, entendendo finalmente o
porquê de eles agirem daquela maneira.
Planejava ir até o lado de fora tomar um pouco de ar fresco, quando
ouviu uma voz pronunciar seu nome bem atrás da cortina que separava ele do
jardim maldito que sua esposa havia reformado.
Deu mais um passo para trás, aguçando os ouvidos.
— A semelhança com o odioso é perturbadora, até mesmo o jeito que se
porta, como se fossemos uma pilha de esterco debaixo do seu nariz. — Disse
uma voz feminina seguida de um muxoxo.
— E viram como é linda a marquesa? Doce, educada e gentil, é triste ver que
está tendo o mesmo destino de lady Liliana. — Disse outra voz se juntando a
primeira. Sebastian sentiu seu sangue petrificar nas veias.
— Tadinha, mau sabe que o único motivo para toda essa gente ter vindo até
aqui foi para testemunhar o fracasso de seu casamento. — Disse uma terceira
voz, fazendo o sangue petrificado de Sebastian ferver como água quente.
— Ouvi dizer que está ocorrendo uma aposta— disse a primeira voz. — No
total de vinte libras, que ele dará um vexame até o final da noite.
Sebastian sabia que nada de bom poderia resultar daquela festa. Sabia
que aquelas pessoas só estavam ali para ver de perto a obra de arte da família
Devon, para comer e beber as custas dele enquanto zombavam do seu
passado.
Ele estava lá, no limite. Já não restava mais nada de paciência. Tentou
ser agradável desde o princípio da noite, do seu jeito, mas tentou.
Eles queriam um vexame? Então Sebastian iria dar um vexame, faria
aquele povo teme-lo até à medula ou não se chamava Sebastian Edmond
Tresscott Devon.
Andou a passos largos até o seu quarto, sentindo a cabeça latejar de uma
raiva insana. Foi direto até o criado mudo ao lado de sua cama, onde abriu a
gaveta e retirou a pistola que guardava ali dentro.
Finalmente ela iria ser útil para alguma coisa. Caminhou de volta pelo
mesmo corredor, com a vista escurecida pela raiva e o ciúme corroendo seu
pingo de persuasão.
Ele parou bem no meio da escada do hall, onde todos teriam uma visão
esplêndida do que ele estava prestes a fazer. Ergueu a arma para o alto, e
antes que algum bom senso aparecesse em sua cabeça, apertou o gatilho.
O estampido da bala reverberou pelo salão, acima do barulho da música
e das vozes. Fazendo tudo cessar e um silencio pétreo domar o salão. Todas
as cabeças se viraram na direção dele.
Olhos de espanto. Medo. E julgamento.
— Acabou a festa. Todos para fora do meu terreno. Agora!
CAPÍTULO DEZOITO

Seraphne ficou parada no salão de baile, simplesmente estagnada, vendo


as pessoas se espremer umas nas outras para sair do castelo. Sentindo cada
olhar de pena sob sua pele, ouvindo cada cochicho enquanto seu rosto
queimava pela vergonha e seu coração fervia pela fúria. Nem mesmo quando
tudo cessou e já não restava mais ninguém além de seus amigos, ela
conseguiu acreditar que Sebastian tinha feito o que fez.
Olhou-o no topo da escada, seus olhos verdes afundados na fúria com a
pele do rosto vermelha e as veias de seu pescoço saltadas. Ela jamais
imaginou que ele fosse chegar a aquele ponto.
Com um simples apertar de gatilho o maldito tinha destruído todo o
avanço que ela fez com aquele povo em três meses, com um simples apertar
de gatilho ele ativou uma fúria dentro dela que ela jamais imaginou ser capaz
de sentir.
Ela se sentiu insignificante, jamais imaginou que ele fosse chegar ao
ponto de ridiculariza-la na frente do povo de propósito, sem um pingo de
consideração ou respeito. Segurou suas lágrimas do mesmo jeito que vinha
segurando desde que descobriu sobre sua infidelidade, engoliu a seco,
preferia ficar careca a ter que chorar diante dele.
— Maison! — gritou pelo cavalariço, sem quebrar o contato visual com o de
Sebastian. Ela queria que ele visse ali a determinação de uma mulher. Ela
tinha finalmente chegado ao seu limite.
Maison veio andando dos fundos segurando um chapéu velho nas mãos
nervosas.
— Sim, milady? — Perguntou o garoto.
— Mande que prepararem uma carruagem, estarei pronta em vinte minutos.
— Ordenou e começou a subir os degraus, ignorando os olhares de surpresa
de seus amigos, que assistiam a tudo atônitos.
— O que você está acha que está fazendo? — Sebastian perguntou, seguindo-
a pelos corredores como uma nuvem tempestuosa.
— Indo embora. — Ela anunciou, apressando o passo para ganhar distância.
— Se pensa que eu vou permitir isso, você enlouqueceu. — Ele esbravejou,
agarrando o braço dela, fazendo com que ficasse cara a cara com ele.
— Pois eu quero ver você tentar me impedir. — Ela respondeu igualmente
furiosa, puxando o braço com esforço e dando um pisão em seu pé. O
homem se encolheu com dor e ela aproveitou esse momento para correr em
direção ao seu quarto.
Ganhando tempo para fechar a porta do corredor com a tranca e ir
correndo fechar a porta de comunicação com o quarto dele. Foi até o armário
de onde tirou os baús vazios e começou a enche-los com suas coisas.
— Seraphne! — Ele gritou forçando a maçaneta da porta de comunicação.
— Eu estou avisando, se vocês não abrir esta porta agora eu vou leva-la
abaixo.
Ela ponderou se deveria levar a ameaça dele a sério. Por fim deu de
ombros, ele não teria coragem.
— Fique à vontade, ficará mais difícil me perseguir com um braço quebrado.
— Respondeu e deu um pulo com o susto quando com um único chute a
porta foi abaixo com um estrondo.
— Parece que essa madeira nova que encomendou não é muito forte. — Ele
disse irônico, entrando no quarto, Seraphne correu para o outro lado do
aposento, tomando distância.
— Eu quero que você fique longe de mim! — Disse, tentando segurar as
lágrimas que ameaçavam cair. — Eu vou embora e você não pode me
impedir.
— Não posso? — O rosto dele estava vermelho pela fúria. — Eu sou o seu
marido. Para a sua maldita infelicidade foi comigo que você se casou!
Ela estremeceu com o tom furioso de sua voz. Queria gritar, espernear,
manda-lo ao inferno, mas não conseguia, a dor por saber que ele tinha estado
com outra mulher se sobressaia sobre todas as outras. Ela queria feri-lo,
queria magoa-lo igualmente. Queria que ele sumisse de sua vista.
— Não me venha com essa.— Ela mal conseguia controlar a angústia na
voz. — Nesses momentos você lembra que é meu marido, mas quando foi
preciso que agisse como um, você arrumou suas malas e foi embora para
passar dois meses vivendo como um maldito libertino! — Ela puxou o anel
do dedo esquerdo, era a primeira vez que tirava-o dali desde de o dia em que
Sebastian o tinha colocado. — Não o considero meu marido!
E em um ato impensado, atirou o anel contra ele. A esmeralda cortou o ar
como uma estrela cadente de luz verde, aterrissando no peito largo coberto
por uma camisa branca e um colete de cetim prateado.
No momento em que o anel saiu de sua mão Seraphne arrependeu-se
amargamente, e quis recupera-lo. Porém, para isso ela teria que se aproximar
da parede de músculos rígidos que fitava-a com o fogo de mil infernos nos
olhos.
— Você me deixou ir! — Ele gritou dando um passo na direção dela, uma
aura sombria vagando ao redor dele, Seraphne deu um passo para trás,
cautelosa. — Eu não vou agir como você. Não vou permitir que você vá.
Você não pode me deixar!
Então ele apressou o passo na direção dela e Seraphne não ficou parada
para descobrir qual era sua intensão, desatou a correr pelo quarto, com ele
perseguindo-a.
— Por que você faz tanta questão de me ter aqui? Se eu for você estará livre
para aproveitar seus dias com sua amante ruiva. — Ela sibilou, correndo em
círculos, escapando de sua mão ágil por muito pouco.
— Está falando de Poppy? — Ele perguntou encurralando-a, ouvir ele
pronunciar aquele nome fez uma torrente de ódio subir pelo corpo dela.
Pegou a jarra de água que descansava no criado mudo ao lado de sua cama e
atirou o negócio nele com toda a sua força. Errou por muito pouco, a peça
estraçalhou contra a parede.
— Você está louca, mulher! — Ele gritou indo na direção dela, Seraphne
tentou fugir subindo em cima da cama, mas foi puxada pelo pé, atirada no
colchão macio e presa pelo peso do corpo dele.
— Me solte. — Ela gritou, se debatendo em seus braços enquanto ele tentava
com esforço mantê-la presa. — Você não pode me prender para sempre.
— Eu darei um jeito de fazer você querer ficar. — Ele falou, segurando as
duas mãos dela sobre a cabeça e apertando-a com força.
— Como você pôde? Como pôde me humilhar daquela maneira diante de
toda aquela gente? — Ela desistiu de lutar, as lágrimas vencendo-a.
— Você está chateada por isso ou por que eu estraguei o seu momento de
amor com o Ferrowls? — Ele revidou, sem dar importância para as lágrimas
dela. Seu rosto vermelho pela raiva estava muito próximo dela e sua
respiração estava dificultada pelo esforço.
— Seu grande hipócrita! — Ela gritou, tentando mover suas pernas para se
libertar. Ele juntou ainda mais os seus corpos, entrelaçando suas pernas
grossas nas dela. Em uma posição íntima demais. — Eu sei sobre sua beldade
ruiva, sei que esteve em um bordel em Bristol!
Ele permaneceu fitando-a com raiva, não demonstrou um pingo de
surpresa ou sequer culpa.
— Eu estive em um bordel em Bristol... — Seraphne sentiu a dor atravessa-la
pela segunda vez, mais forte que a primeira. —...mas não estive com
nenhuma outra mulher desde que você apareceu em minha vida.
— E você espera mesmo que eu acredite? — Indagou furiosa, desejando ter
força suficiente para joga-lo longe.
— Eu sou louco por você, maldita! — Ele gritou, movendo os quadris contra
a barriga dela, fazendo ela sentir nitidamente a dureza de sua ereção. — Você
sente isso? — investiu novamente, seus olhos furiosos se enchendo de água e
transbordando em seu rosto vermelho. — Só você consegue me deixar assim,
Seraphne. Só você.
A voz dele estava agoniada, ao mesmo tempo áspera com a raiva e frágil
pelo choro. As lágrimas grossas escorrendo pelo queixo e pingando no rosto
dela. E ele nunca esteve tão lindo. Deixando que suas emoções saíssem
finalmente para fora. Mostrando que existia sentimentos debaixo daquela
armadura de músculos firmes.
— Por favor, não me deixe... — Ele pediu, desabando em cima dela como
uma criança em busca de consolo. Seu grande corpo musculoso balançando
pelos soluços. — Se você for, eu morrerei.
Ela não sabia se ficava mais surpresa pela declaração ou pelo fato de que
acreditava em sua palavra. E vendo ele rendido daquela maneira diante dela
fez a rachadura em seu coração aquecer e cicatrizar. E ela queria-o. Dentro
dela.
— Lady Devon, sua carruagem está esperando, milady.— Disse a voz de
Marie Elnice do outro lado do corredor. Todo o corpo do homem ficou rígido
em cima dela.
Ele soltou as suas mãos e ficou de joelhos em cima da cama, sem quebrar
o contato visual com ela, subiu o seu vestido para cima, lutando contra as
camadas de algodão, desistindo de achar a abertura e rasgando o tecido
bruscamente, ela sentiu o vento frio beijar sua intimidade molhada.
Ele voltou a encara-la enquanto abria os botões da própria calça,
liberando com uma mão toda a grossura rosada e brilhosa pela lubrificação.
Então ele se encaixou nela, e ela derreteu com o toque íntimo de seu sexo no
dela, longe de pensar em lutar contra aquilo.
— Eu não vou mais, Marie! — Teve tempo de gritar antes de Sebastian se
afundar dentro dela.
Dessa vez não teve dor, nem desconforto. Apenas a sensação deliciosa de
estar sendo totalmente preenchida. Sebastian soltou o ar dos pulmões com
força, os olhos apertados e um rugido sôfrego escapando do fundo de sua
garganta, parecia estar aliviado.
Com os dedos trêmulos Seraphne começou a desabotoar os botões do
colete dele. Ela não queria nada entre os dois, queria sentir a pele nua dele na
dela e saborear com a vista a vermelhidão e o suor.
Quando o marido estava finalmente com o tronco despido ela o puxou
mais para si, afoita.
— Seraphne, espere um pouco. — Sebastian a afastou, mantendo ela abaixo
dele até que se acalmasse e olhasse para ele.
Ela bufou impaciente e ele quase sentiu vontade de sorrir. Era
gratificante ver que a esposa o queria tanto quanto ele queria a ela.
— Antes de tudo, devemos deixar tudo em pratos limpos. – Ele prosseguiu,
estava em agonia por estar tão profundamente dentro dela, mas não podia se
arriscar a um novo desentendimento após o amor.
Ela suavizou o semblante, pareceu finalmente prestar atenção nele.
— Quero apenas que me escute. — Ele pediu, e ela anuiu. — Sei que a
maneira como nosso casamento aconteceu não foi a mais romântica. Naquela
época, achei que conhecia você, mas estava enganado. Todos as vezes que
me rechaçou, esteve sempre tentando me mostrar que era diferente, e eu fui
cego demais para vê-lo, mas agora eu vejo, você me fez ver Sera. — Olhou
profundamente nos olhos dela, com a seriedade de um juramento. — Estou
disposto a fazer de tudo por você. Se quer andar de calças, comandar uma
fazenda, entrar em um clube de apostas, terá o meu apoio, só por favor, não
me exclua outra vez.
Seraphne repousou uma mão no maxilar dele, não esperava ouvir aquilo
nem em cem anos. Mas ficou imensamente feliz, isso era um indício de que
seu marido podia sim mudar para algo melhor. Ele aninhou o rosto na mão
dela.
— Em que momento ficou tão maduro? — Perguntou.
— Acredito que quando passou a me ignorar, tive a percepção de que se não
fizesse algo, você me deixaria de vez. — Ela suspirou, acariciando a
bochecha dele com o dedo.
— Sebastian...— Suspirou o nome dele. — Pensei em te agredir fortemente,
mas deixar de vez, jamais.
— Jura? — Ele perguntou, o brilho de uma desolação balançando nos olhos
enevoados.
— Juro. — Sussurrou. E ele gemeu, baixando a cabeça até que seus lábios
encontrassem a curva do pescoço dela.
— Se dê para mim, Sera. — Ele pediu, puxando os cordões do espartilho dela
sem nenhum cuidado, estragando a costura, deixando a peça inútil para o uso.
— Já sou tua Sebastian, apenas pegue. — Ela arfou, ao sentir a língua
inquieta contra seu mamilo túrgido.
— Você é tão linda, minha linda esposa submissa. — Ele disse, adorando-a
com a língua, com as mãos, e lábios, e mais.
Ela mal conseguia respirar com todas as sensações em seu corpo. Sua
boca quente contra sua pele, suas mãos em seus seios, e seu membro ficando
cada vez mais duro dentro dela, deixando seu corpo latejante de desejo.
— Sebastian, por favor... — Ela pediu, quase choramingando, desejando com
a vida que ele marcasse seu corpo até explodir em sua essência.
Ele tomou-a na boca quando saiu por inteiro e voltou a preenche-la, a
sensação foi indescritível e deixou-a mole sobre o colchão. Ele foi delicado, e
apaixonado, no início, mas logo estava lá o homem viril tomando sua mulher
de volta. Invadindo-a com estocadas brutas, que faziam a alma de Seraphne ir
até o céu e regressar para seu corpo.
Ele tremia, e gemia, e falava palavras ininteligíveis, beijava a boca dela,
mordia seu pescoço, sugava seus seios e esfregava sua masculinidade na
intimidade dela. E nada parecia mais íntimo ou suficiente. Ele estava faminto,
e estava tomando tudo a que tinha direito.
— Minha, minha, minha. — disse, colidindo seu corpo no dela
sucessivamente. — A partir de hoje, vou simplesmente tomar o que meu
sempre que eu desejar.
Oh céus, sim. Sim. Ele podia toma-la quantas vezes quisesse, como
quisesse e onde quisesse. Ela tentou assentir ou pronunciar qualquer palavra
mas era impossível, sua garganta não conseguia formular qualquer palavra
além de "Aaahn" ou "Ahrrrr".
Ela olhou-o, as pálpebras pesadas, os cabelos caindo sobre a testa, podia
sentir as batidas loucas do coração dele. Sentia que seu corpo estava prestes a
se desfazer em um prazer imensurável. Ele era tão lindo que beirava a
perfeição. Deslizou uma mão entre os dois e tocou aquele botão sensível em
sua fenda úmida.
Isso foi o limite. Quando ele pressionou o pequeno monte de nervos em
um breve movimento circular, Seraphne explodiu, deixando um último grito
rasante escapar de sua garganta, sentindo seu corpo se derramar nos lençóis,
sem receber uma trégua de Sebastian.
Ele deixou que ela gritasse, deixou que ela fincasse as unhas em suas
costas, observou tudo com fascínio, se banqueteando com o orgasmo de sua
esposa.
Só então dando uma última estocada profunda, aquecendo o interior dela
com o calor satisfatório de sua semente.
A visão dele perdendo o controle em cima dela era simplesmente
magnífica. Os cachos dos cabelos pregados em sua testa e a pele, fielmente
vermelha pelo prazer. E ela amava-o tanto que poderia ficar assim com ele
por horas. Apenas sentindo o quão bom era estar ligada a ele daquela
maneira.
Quando os espasmos cessaram, ele guiou suas bocas em um último beijo,
deixando escapar emoções como paixão e carinho naquela carícia. Ele puxou
a mão dela e Seraphne sentiu algo frio deslizar pelo seu dedo anelar, percebeu
se tratar do seu anel de noivado.
Ele soltou a boca dela e olhou-a nos olhos quando depositou um beijo
casto em seu dedo. Seus olhos de turmalina dizendo o que sua boca era
incapaz de falar. Ela lembrou da primeira vez que ele tinha colocado aquele
anel ali, dizendo que não precisaria do seu amor para viver.
— Nunca o tire novamente. — ordenou e ela assentiu, com um sorriso
amoroso. Sabendo que aquele Sebastian de meses atrás era apenas um
homem amargurado com um passado infeliz.
Ele saiu de dentro dela puxou-a para seu peito, ela respirou aliviada com
esse gesto. Esperava que ele fosse querer o seu espaço, ou simplesmente
estragar tudo, como sempre fazia.
Invés disso tudo o que ela ouviu sair de sua boca foi o som calmo e
ressonante de um ronco.
CAPÍTULO DEZENOVE

Sebastian acordou sentindo o cheiro forte de cerejeira invadir suas


narinas. Abriu os olhos sonolentos e encontrou uma cortina espessas de fios
dourados derramados no lençol branco.
Lembranças da noite passada começaram a inundar sua mente torpe pelo
sono. Céus, há muito tempo não dormia de maneira tão profunda e entregue.
Encarou o motivo de sua paz. Ela dormia de costas para ele, a respiração
tranquila e arrastada, com o lençol cobrindo sua nudez.
Ele sorriu, pois foi simplesmente incapaz de controlar o próprio rosto.
Era a primeira vez que dividia a cama com uma mulher depois do sexo.
Sempre achou desnecessário prolongar a partida, depois que fodia ele gostava
de dormir na própria cama, sozinho e livre de qualquer intimidade. Porém,
noite passada quando ele tombou para o lado depois de fazer amor com a
esposa, só conseguia pensar em fazer de novo pela manhã.
Ele se aproximou mais dela, encostando a ereção nas nadegas formosas
cobertas pelo lençol. Acariciou a pele do braço dela com um dedo, beijando
gentilmente a curva de seu pescoço macio.
Ela se esfregou nele, manhosa como uma gata, e mudou de posição. O
lençol deslizou para baixo, revelando os picos duros e rosados dos seus seios.
Ele admirou-a, impressionado por sua beleza. Fechou os olhos e gravou
esse momento em sua mente como uma pintura, sabendo que ficaria
guardado ali para sempre.
Abocanhou um mamilo rosado, sugando a auréola com tanto desejo que
seu membro pulsou em expectativa. Contudo isso não foi suficiente para
fazê-la acordar.
Ele se sentiu desafiado. E um pensamento perverso passou por sua
mente, um sorriso maligno cresceu no canto de sua boca enquanto ele
deslizava pelos lençóis de algodão e seda, até ficar no meio das pernas dela.
Ele puxou o lençol de cima dela, relevando toda à sua nudez,
centímetros e mais centímetros de pele branca e nua. Todinha para ele.
Ele abriu-a para ele, percebeu que as pálpebras dela estavam inquietas. Ela
acordaria a qualquer minuto. Ainda teve tempo de admirar sua intimidade
rosada, coberta por fios dourados quase transparentes.
A visão do próprio paraíso. Ele chegou com o nariz naquele monte de
pêlos e inspirou, se deliciando com o cheiro irresistível de sua mulher. Isso,
foi o suficiente para fazê-la acordar.
Ela olhou para ele assustada.
— Sebastian, o que você está fazendo? — Perguntou, tentando se cobrir com
a mão.
— Tomando o meu café da manhã. — Ele respondeu com um sorriso
audacioso, antes de saudá-la com a língua.

***

— O que é isso na sua cara? — Alec perguntou.


— O quê? — Sebastian passou a mão no rosto, buscando uma sujeira ou um
inseto.

— Acho que se chama sorriso. — Disse o escocês. O marquês olhou-o


irritado, ao mesmo tempo que os outros dois caíam na risada.
Sebastian não deu importância, pela primeira vez em muito tempo se
sentia feliz, com o peito leve e a consciência tranquila.
— Experimente passar a manhã na cama com sua esposa e saberá o porquê
de meu sorriso. — Respondeu, batendo o taco na bola azul, fazendo-a voar
vários metros a frente.
Após o almoço atrasado os homens haviam decidido jogar uma partida de
críquete no gramado bem aparado do terreno.
— Fico feliz que tenha feito às pazes com sua esposa, sinceramente depois de
ontem eu pensei que ela fosse mandar você ao inferno. — Alec continuou,
batendo em sua bola, levando-a para próximo da de Sebastian.
Ele estremeceu ao pensar que Seraphne pudesse estar longe dele nesse
momento. Noite passada quando ela disse que iria embora, tudo perdeu a
importância. Ele viu no fundo dos olhos de sua esposa que ela estava falando
a verdade. E a noção de acordar no dia seguinte sabendo que ela não estaria
logo ali, do outro lado da porta, nem que fosse só para ignora-lo, foi mais
aterrorizante do que tudo no mundo.
Não importava o que ele tivesse que fazer, ele não deixaria ela ir. Se
arrastaria no chão aos seus pés se assim ela pedisse. Largou o orgulho, a
razão, e largaria muito mais se fosse preciso.
— Daqui uns dias será você Thomas, preparado para a vida de casado? —
Perguntou Christopher, Thomas tirou sua vista do horizonte.
Parecia muito perdido em pensamentos. Há dias ele estava distante.
— Não acredito que meu casamento vá ser parecido com o de vocês. —
Respondeu, batendo em sua bola, com tanta força que o objeto voou
semelhante a um pequeno meteoro de luz vermelha pelo ar.
— O que quer dizer? Casamento é casamento, homem. — Christopher
continuou, enquanto eles caminhavam em direção as bolas.
— Bom, primeiramente lady Beatrice é uma moça de sangue nobre, prendada
e moldada para ser uma esposa respeitável e servil. Ela jamais levantaria a
voz para mim ou cometeria a insanidade de aceitar toda aquela ralé
camponesa em meu salão de baile. — O conde respondeu, usando seu fiel
timbre esnobe. Sucessivamente Alec, Christopher e Sebastian reviraram os
olhos.
As diferenças entre eles eram absurdas. Mas mesmo assim conseguiram
manter a amizade por dezessete anos. Mesmo que Sebastian desaprovasse as
atitudes de Thomas não poderia deixar de ser seu amigo nunca. Se não fosse
por Thomas, na sua época de escola, Sebastian não teria sobrevivido aos
anos. Tendo que ouvir os insultos sobre a morte dos seus pais e as teorias
diabólicas dos alunos, que chamavam-no de filho de um assassino.
— Essa sua teoria é ridícula, o sangue nobre de uma moça não a torna uma
santa. Sophie por exemplo é filha e neta de duques. — Disse Christopher.
— Sophie era uma mulher bastante adorável pelo que me lembro, até o dia
em que conheceu as York. — Retrucou Thomas, Sebastian franziu o cenho
irritado.
— Não entendo esse seu rancor pela família de minha esposa. Não, melhor,
entendo sim. — Disse Sebastian encarando-o. — Na verdade você está
frustrado por ter que se casar com sua frígida quando deseja outra mulher.
Thomas parou de andar encarando Sebastian, enfurecido.
— O que você está sugerindo? — Perguntou, as orelhas ficando vermelhas
em sinal de raiva.
— Ora, não é preciso juntar dois mais dois para ver nitidamente que você
gosta da York mais nova. — O outro respondeu com petulância. Thomas
cuspiu no chão como se somente a suposição daquilo trouxesse nojo.
— Eu jamais sujaria o nome da minha família desta maneira. — Disse
enfurecido, partindo para cima de Sebastian. Mas foi impedido por Alec, que
segurou o homem pelos ombros enquanto ele bufava.
— Olhe para você Thomas, quando foi que ficou assim por uma mulher? —
Sebastian disse, retribuindo sua fúria. Não tinha medo de uma boa briga e
Thomas estava precisando de uns socos para acordar. — Você vai estragar a
sua vida e eu não vou participar dessa loucura, se quer se enfiar em um
casamento infeliz como o de seus pais, faça isso. Mas não ouse falar mal de
minha cunhada, ela não tem culpa de ter se apaixonado por um fodido como
você.
— Sebastian, chega. — Disse Christopher. Thomas encarou-o por vários
minutos, por fim, afastou Alec com um empurro. Ajeitou os amassados de
sua casaca negra.
— Estarei fora de sua casa antes que termine o dia.

❀❀❀
Seraphne suspirava distraidamente fazendo círculos com o dedo na borda
de sua xícara fumegante de chá. Estavam tomando chá sentadas no jardim, e
ela se perguntava se todas as manhãs eram assim tão lindas ou se estava
sendo assim somente para ela.
Recordando com detalhes as sensações da língua de Sebastian em seu
corpo pela manhã. Jamais imaginou que um homem pudesse beijar uma
mulher daquela maneira, ou que fosse gostar tanto a ponto de querer repetir o
mais rápido possível.
— Pretende ir a Londres para a temporada social? — Perguntou Sophie,
segurava nos braços sua filha Charlotte, a menina brincava com a barra da
saia da mãe enquanto seu irmão balançava em um cavalinho de madeira.
— Acredito que sim. Agora que sou marquesa posso ser uma influência boa
para Jose e Daph. — Respondeu, soprando a fumaça do chá, e bebericando
um pouco.
— Não perca o seu tempo. Não pretendo me casar, a não ser que eu me
apaixone ou que o pretendente seja lindo como Apolo. Duas coisas
impossíveis. — Disse Daphne.
— O amor chega para todos Daph. Ele não avisa, apenas se aloja no seu peito
e suga toda a sua essência como um parasita. — Disse Josephine, amarga
como fel.
Seraphne murchou, era triste ver sua irmã tão diferente do que era.
— Veja pelo lado bom, poderemos voltar a cavalgar pelo Hyde Park como
fazíamos meses atrás! — Disse Sophie, mudando o foco de Josephine
rapidamente.
Seraphne sorriu para a amiga, grata. Sabia que Jose estava sofrendo, se
pudesse tomaria toda a dor que a irmã estava sentindo e colocava dentro de si
mesma. Mas não podia, então faria o que estivesse ao seu alcance para
ameniza-la. Ajudaria Josephine a superar seu amor estranho por Haddington.
Nem que durasse meses ou anos. Iria para Londres na temporada sim,
queria aproveitar seu novo status de casada e mimar suas irmãs como
pudesse, dar a liberdade que elas mereciam.
Encarou o perfil juvenil de Josephine. Estava meio pálida, com a pele um
pouco macilenta. Não parecia muito saudável. Mas não deu importância, em
pouco tempo iria voltar ao seu aspecto jovial quando lhe comprasse novos
vestidos, perfumes e joias. Faria com que sua irmã fosse cortejada por
condes, marqueses, viscondes e até duques. Para provar que Haddington não
era nada.
Infelizmente naquela mesma tarde ela teve que dar adeus a todos. O que
foi uma surpresa, visto que eles iriam embora somente no dia seguinte pela
manhã.
— Milady, foi um prazer ficar hospedado em sua humilde residência, espero
regressar em breve. — Disse o duque de Northwest, usando seu infalível
sorriso galante, se abaixando para beijar a mão dela. As bochechas de
Seraphne formigaram.
Notou que Haddington foi o primeiro a subir em sua carruagem, nem se
dignou a dar um adeus. Ela realmente não entendia o que sua irmã tinha visto
nele.
— Daphne, se acontecer qualquer coisa, por mais insignificante que seja, por
favor, me avise. — Pediu ao dar um abraço na irmã. Seraphne estava há dias
com um pressentimento ruim.
— Pode deixar. — Prometeu e pouco depois eles estavam partindo.
Ela ficou parada do lado de fora do castelo ao lado de Sebastian,
observando as carruagens até que elas dobrarem as colinas e sumissem de
suas vistas.
Ela se virou para seu marido, ele a encarava fixamente. Estavam enfim
sozinhos.
— Aconteceu algo com Haddington? — Perguntou, ele torceu a boca,
levemente incomodado.
— Tivemos divergências. — Respondeu. — Mas não é a primeira vez que
isso acontece, logo ele cairá em si.
Ela queria saber quais eram essas divergências, queria conversar, saber
por que seu marido andava com alguém tão insípido. Mas percebeu que isso
era um assunto somente dele, então calou-se.
— O que teremos para o jantar? — Perguntou, se virando para entrar no
castelo, ele parou-a com uma mão.
— Espere um minuto, preciso fazer algo que não fiz quando chegamos aqui
pela primeira vez. — Seraphne franziu o cenho confusa, e soltou um grito de
surpresa quando Sebastian ergue-a nos braços.
— O que você está fazendo? — Ela perguntou, não resistindo e caindo na
risada. Entre a excitação e o embaraço por eles estarem bem de frente para
vários lacaios.
— A convenção dita que o noivo deve levar sua noiva nos braços para dentro
de casa. — Ele disse, carregando-a sem esforço.
— Mas isso é apenas na lua de mel! — Ela protestou, adorando ver o sorriso
de felicidade enfeitando o rosto dele.
— Minha querida, já você vai descobrir que a lua de mel acabou de começar.
CAPÍTULO VINTE

Um clarão iluminou o quarto e Seraphne acordou assustada pelo barulho


alto de um trovão acima dela. Levantou-se da cama e correu para fechar as
janelas que batiam contra as paredes, estremecendo pelos respingos frios da
chuva que vinham com o vento.
Procurou seu marido do outro lado da cama mas encontrou-a vazia.
Andou sorrateiramente até o quarto dele, agora que não tinha mais porta
dividindo os quartos ela só precisou enfiar a cabeça lá dentro para constatar
que ele também não estava lá.
Ia voltar para sua cama, mesmo sozinha, e tentar voltar a dormir quando
ouviu o som melodioso de uma música se sobressaindo sobre o barulho da
chuva.
Aguçou os ouvidos e percebeu se tratar do som do piano. Pegou seu robe
de seda branca e cobriu sua nudez antes de abrir a porta e seguir o som triste
da melodia. Dividida entre o medo e a curiosidade. Se perguntando onde seu
marido deveria estar.
Caminhou pelos corredores escuros e vazios, se assustando vez ou outra
com o som estridente dos trovões.
Desceu as grandes escadas devagar, tomando cuidado para não fazer
barulho, agora o som da música era mais alto que a chuva lá fora, invadindo
todo o ar de baixo com sua sintonia profunda. Ela entrou lentamente no salão
principal, o coração frenético e surpreso por encontrar seu marido de frente
para o piano.
Ele tocava nas teclas delicadamente, produzindo uma melodia tão
profunda que parecia sair direto do seu coração, enquanto tocava ele fitava o
quadro de sua mãe, o rosto banhado pela tristeza. Seraphne sentiu um desejo
intenso de aninha-lo em seu colo e dar a ele todo o carinho que sua mãe havia
lhe negado.
Caminhou calmamente até ele, temendo que ele não gostasse de sua
invasão no seu momento de intimidade. Somente quando ela estava no meio
do salão, ele desceu os olhos para ela.
As turmalinas vasculharam-na da cabeça aos pés. Mas não tinha raiva ali,
somente carinho. Ela suspirou profundamente, perdida na beleza dele.
Rendida. Eram raros os homem que sabiam tocar o piano, isso era uma
atividade unicamente feminina, mas ver o marido ali, manuseando as teclas
tão habilmente, achou-o tremendamente masculino.
Ela parou ao lado do piano e apoiou os cotovelos na madeira fria,
saboreando com os olhos e ouvidos ele terminar de tocar sua canção.
Aplaudiu como uma boa espectadora ao fim. Ele chamou-a para perto com
uma mão, e sentou-a em seu colo, às únicas coisas que os separavam eram os
tecidos dos robes.
— Eu não sabia que você sabia tocar piano. — Ela disse, enfiando os dedos
por entre os cabelos dourados. Ele fechou os olhos, aproveitando a carícia.
— Aprendi aos sete anos. — Disse, olhando de novo para o quadro da antiga
marquesa. O rosto inexpressivo. — Tinha dias que ela nem comia ou bebia,
apenas ficava lá em sua sala, tocando este maldito piano.
— E você queria ter algo em comum com ela? — Seraphne perguntou,
também admirando a bela mulher que Liliana tinha sido.
— Naquela época eu só queria ter uma mãe. — Ele anunciou isso assim, sem
aviso prévio, deixando-a embasbacada. — Agora... Acho que eu só quero
saber o por quê.
— Talvez o convívio com seu pai não tenha sido saudável para ela. —
Sugeriu. adorando que ele tivesse se abrindo. Expondo seus sentimentos
abertamente.
— Saudável? — Ele perguntou, soltou uma risada amargurada. — Quando a
bíblia diz que o diabo está entre nós, eu tinha certeza que estava se referindo
ao meu pai.
Seraphne não sabia de devia rir ou chorar.
— Mesmo assim, eu...eu acreditava que uma mãe deveria amar
incondicionalmente seu filho. — Ela o abraçou, antes que começasse a chorar
e fazer com que ele pensasse que ela estava com pena dele. — Eu só queria
entender, saber o por quê de ela nunca ter me amado o suficiente para me
defender, ou sequer se importar.
Ela permaneceu em silêncio, parte do seu peito doendo pela culpa. Sabia
que podia ter as repostas que ele tanto buscava guardadas em uma carta
dentro de um baú no andar de cima.
Mas, o outro lado dela tinha medo. Eles tinham acabado de finalmente
fazer as pazes, e se esta carta estragasse tudo? E se ela corrompesse o
emocional do seu marido a ponto de ele se afundar na tristeza? A ponto de
nunca se recuperar? Eram muitas dúvidas e nenhuma certeza. E neste
momento, ela não daria espaço para dúvidas.
Olhou-o nos olhos, depositando uma mão em seu queixo, recebendo o
calor de sua pele e sentindo a textura macia dos pêlos de sua barba.
— Eu protegerei você, sempre. — Disse, depositando um beijo casto do
canto da boca dele. Sebastian respirou profundamente, beijando a palma da
mão dela, cheio de ternura.
— Disso eu não duvido. — Sorriu. — Minha esposa é uma amazona que
monta em cavalos usando nada mais que calças cobrindo seu corpo adorável.
— então, de repente o olhar dele mudou para um completamente malicioso,
puxou a faixa que amarrava o robe dela.
Como em todas as vezes que ficou nua diante dele, o coração dela
acelerou. Trotando em seu peito como um cavalo desgovernado.
— Acha que eu seria um bom pai? — Perguntou, envolvendo a cintura dela
com as mãos, fazendo com que ela abrisse as pernas em cima de seu colo.
— Ninguém nasce sabendo fazer alguma coisa. Você precisaria ser um pai
primeiro antes de se fazer tal pergunta. — Ela respondeu, observando com
deleite ele abrir a faixa do próprio robe. Exibindo toda a magnificência de seu
corpo robusto e a rigidez saborosa de sua ereção.
— Tenho que discordar em certo ponto. — Ele disse, descendo a boca pelo
pescoço dela, agarrando suas nadegas com as mãos grandes, puxando ela de
encontro ao seu sexo. — Você nasceu sabendo me fazer feliz como ninguém.
— Beijou o queixo dela. — Gosto de pensar que foi destinada a mim.
Ela choramingou, em parte por ter sido preenchida, e em parte por ouvir
sua pequena declaração. Não conseguiu responder em palavras, então o
beijou.
Os dois fizeram amor quente e descontrolado enquanto o céu desabafava
lá fora, abafando os sons de seus gemidos e palavras de adoração no salão de
teto abobadado.
E ali, naquele mesmo lugar onde um dia Sebastian tinha dado início a sua
vida de libertinagem em busca de afeto superficial, se encontrou finalmente
no meio do abraço da esposa .

❀❀❀
Passando-se uma semana desde a partida dos seus amigos, Sebastian
imaginou estar vivendo no paraíso.
Jamais imaginou que poderia ser tão feliz vivendo em Cartland. Desde
criança associou aquele castelo a tristeza, dor e sofrimento. E agora, estava
vivendo ali os melhores dias de sua vida.
Quando olhava para o castelo já não tinha tantos pensamentos ruins, e
quando eles vinham, simplesmente invocava na mente a lembrança de sua
esposa dormindo e logo eles eram arrastados para longe.
Sebastian se sentia tão sortudo por tê-la ao seu lado. Seraphne era uma
mulher destemida, forte. E ele era agradecido por isso, se não fosse por esse
lado dela, talvez ele nunca tivesse se dado conta de que deveria mudar.
Ele jamais iria se arrepender de tê-la feito se casar com ele. Sua esposa
ferrenha fisgou-o sem querer. No dia em que entrou como uma fera disposta
a lutar pela amiga no magistério, no dia que Christopher arquitetou um plano
maluco para ter Sophie de volta em casa.
Desde aquele dia, ele sabia que seria ela. E estava sendo ela desde então.
Depois de muito pedir, tinha finalmente conseguido fazer com que ela
voltasse a administrar a propriedade com a ajuda dele. Ou ele com a ajuda
dela, já que, por mais vergonhoso que fosse admitir, ela sabia muito mais
sobre a terra do que ele.
– Tem certeza disso? Não quero afetar novamente sua masculinidade. — Ela
disse esnobe, quando ele fez a proposta.
— Caso isso aconteça você poderá me repreender da maneira que quiser. —
Ele retrucou, irritado consigo mesmo por ter sido tão estúpido. Um sorriso
travesso iluminou o rosto dela.
— Tudo bem. Mas tenho uma condição.
— Por que estou com um mal pressentimento? — Ele perguntou olhando-a
receoso. Ela se debruçou sobre mesa.
— Eu volto...se...você permitir que eu use calças quando for cavalgar. —
Uma expressão aborrecida tomou o rosto dele.
— Isso está fora de questão. — Cortou. Era um ciumento, e não tinha
vergonha de demonstrar isso.
— Olhe por outro lado, Sebastian. — Ela disse o nome dele sedutoramente,
batendo as pestanas, paquerando-o. — Com essas calças... eu não uso nada
por baixo.
E foi assim que ela venceu facilmente aquela batalha.
É claro que ele colocou limites, ela só poderia sair daquele jeito quando
ele estivesse junto. Para que pudesse agir como um fiel marido ciumento ao
mandar olhares fulminantes a cada vez que um trabalhador ou criado olhava
para onde não devia.
Estavam tomando o café da manhã certo dia quando Marie Elnice
colocou a correspondência ao lado dele na mesa. Ele folheou os envelopes e
abriu o que tinha o selo vermelho do ducado de Ballister no lacre. Leu a carta
rapidamente, sorrindo ao ler o relato animado de Christopher ao contar que
sua filha Charlotte ia deixa-lo louco. Que as fofocas sobre o noivado dele
finalmente acabaram, e que Thomas tinha noivado oficialmente alguns dias
atrás.
A notícia não o deixou surpreso. Ficou apenas magoado por não ser o
próprio Thomas a dá-lo a notícia. Pelo visto Sebastian tinha realmente tocado
em uma ferida exposta.
Já tinha brigado com Thomas algumas vezes durantes os anos, e sempre
faziam as pazes, sejam com cartas ou um convite para uma bebedeira.
Mas a confirmação daquele noivado era uma resposta clara, e era bom
que Sebastian se mantivesse longe. Ele era fiel a sua amizade, mas não podia
querer por perto alguém que desprezava o sangue de sua esposa.
Afinal de contas, um dia ela seria mãe dos filhos dele.
— Algum problema, querido? — Seraphne perguntou, tocando gentilmente
na mão dele. Fazendo a raiva ir embora com aquele simples toque.
— Thomas está noivo de Lady Beatrice Crawford, se casarão em dois meses
na catedral de St. George. — Ele falou, bebendo um gole de chá.
— Oh. — Ela proferiu, apenas fitando a mesa, os pensamentos perdidos. —
Pobre Jose...— Murmurou.
Sebastian não sabia se ficava feliz ou triste por sua cunhada. Certamente
se casar com Thomas não era um grande troféu. Além do amigo ser
totalmente engessado, tinha uma mãe intragável, que faria da vida dela um
completo inferno.
— Preciso escrever para minha irmã. — A esposa disse, levantando de sua
cadeira e correndo escada acima em direção ao escritório.
Naquele dia foi bem difícil colocar um sorriso no rosto dela. Estava
nitidamente preocupada com a irmã e nada do que ele fazia, era suficiente
para tirar o semblante distante do seu rosto.
— O que acha de trazermos Josephne para passar uma temporada aqui
conosco? — Ele perguntou, acariciando o topo da cabeça dela.
Estavam deitados na cama dos dois, fitando o fogo que dançava na
lareira, em silêncio.
— Você faria mesmo isso? — Perguntou, erguendo-se para olha-lo. — Não
seria um incômodo?
— Josephne nunca seria um incômodo, ela é sua irmã, o que a torna minha
irmã, e me torna responsável por ela. — Ele falou, e pela primeira vez
naquele dia ela abriu um sorriso feliz.
Ela se jogou em seu pescoço e encheu seu rosto de beijos, Sebastian
sorriu, sabendo que tudo valeria a pena se tivesse o sorriso de Seraphne no
final.
CAPÍTULO VINTE E UM

Seraphne não demorou a enviar uma carta a sua irmã. Esperava de coração
que Josephne aceitasse, estar longe de Londres era tudo do que ela precisava
naquele momento.
Enquanto a resposta não vinha, ela passava os dias inquieta, tentando
ocupar sua mente com qualquer distração que aparecesse. Lendo, escrevendo,
cavalgando, ajudando na cozinha. Mas nada parecia ser capaz de desanuviar
sua mente. Estava preocupada demais com Josephne e nada fazia aquela
angústia em seu peito passar.
A escola no povoado já estava em pleno funcionamento sendo
comandada pelo senhor Greyson. Ela tinha tirado um dia para levar alguns
doces e materiais para as crianças. A biblioteca de Cartland era imensa e
possuía um grande estoque de livros e pergaminhos em branco.
Certa manhã comandou uma equipe de limpeza pelo castelo. Fazia isso
de tempos em tempos para impedir que voltasse a cumular poeira ou teias de
aranha nas salas vazias.
Depois de limpar todo o lado sul, foram para o lado norte, começando
pelo primeiro andar e indo para o segundo andar. Tudo estava ocorrendo
muito bem, até ela ouvir um chiado desesperado do lado de fora da parede
rochosa.
Caminhou até a janela e colocou a cabeça no lado de fora, procurando a
fonte do chiado e vendo um pássaro lutar para libertar sua asa presa em uma
ponta afiada das hastes do archote. Foi até a porta e chamou por um criado,
mas todos já estavam no piso de cima, ocupados demais limpando. Ela puxou
a sineta mas foi inútil, o tempo que um criado levaria para chegar até ela o
pássaro poderia quebrar a asa pelo esforço de se soltar.
Ela voltou para a janela e olhou para baixo, encontrou o lago verdoso lá
embaixo. Respirou fundo, colocou um pé no parapeito, tomou impulso e
subiu na janela, se apoiando na grade para não cair lá embaixo.
Ignorou o frio em sua barriga, e estendeu uma mão para o pássaro, que
não estava muito longe, mas o pobre animal ficou assustado ao vê-la e tentou
voar na direção oposta para se livrar dela.
Se esticou mais um pouco, chegando a ficar na ponta dos pés. Mais um
pouquinho, apenas mais um pouquinho, e ela alcançaria-o. Estendeu a mão,
se segurando apenas com os dedos na grade. Dessa vez conseguiu agarra-lo,
retirou sua asa com cuidado da ponta de ferro. E libertou-o para voar
livremente. Observou com um sorriso satisfeito ele voar piando feliz por estar
liberto. Tudo bem, agora sua missão seria voltar para dentro da sala sem.
Começou a regressar lentamente, tomando cuidado para não deslizar na
pedra arisca. Se apoiou novamente no parapeito e estava quase dentro da sala
quando ouviu a voz desesperada de Sebastian gritar o seu nome.
No momento que ela se virou para olha-lo, seu pé escorregou, e ela não
teve tempo de segurar o peso de seu corpo com a mão, não teve nem tempo
para gritar antes cair direto para o chão. Sentiu a pancada fria da água contra
suas costas, e foi engolida pela água salobra.
A dor em suas costas era tão grande que ela mau tinha forças para erguer
os braços e nadar até a superfície. A pancada tinha expulsado o ar dos seus
pulmões, privando ela de ter qualquer fôlego. As saias do vestido começaram
a pesar para baixo, arrastando-a para o fundo. Seus braços fracos doíam pelo
esforço de tentar subir, estava quase lá quando sentiu uma mão agarrar em
sua cintura e puxa-la com força para a cima.
Quando emergiu, ela puxou o ar com dificuldade para os pulmões, se
agarrando ao pescoço de seu salvador enquanto era levada para terra firme.
Sebastian segurou-a nos braços e andou a passos largos para dentro do
castelo. Aquilo não era necessário, a dor da pancada em suas costas já tinha
passado e ela já se sentia bem.
— Sebastian, já me sinto melhor. Ponha-me no chão. — Pediu, tentando se
desvencilhar. Mas ele aferrou-a ainda mais contra o corpo.
— Fique quieta. — Ordenou ríspido, seus olhos faiscando, com uma mistura
de raiva e assombro, seu rosto estava branco como uma vela.
Irrompeu pelas portas de Cartland berrando ordens para todos os lados.
Mandando que preparassem um banho com água quente, e que trouxessem
toalhas e lençóis e preparassem um chá imediatamente.
Ela não estava entendendo nada daquela situação. Tinha caído de uma
pequena altura em um lago, não era o fim do mundo.
— Sebastian. Estou bem. — Ela falava mas era inútil, o homem estava
descontrolado.
Ele levou-a até o seu quarto e começou a tirar as suas roupas molhadas
com urgência, sem se importar com a presença das criadas enchendo a
banheira.
— Sebastian! — Ela gritou seu nome em um tom duro, finalmente chamando
a atenção dele. — Você está agindo como um louco!
Ele encarou-a friamente. Ordenou que criadas saíssem do quarto apenas
com um aceno de cabeça.
— Eu estou agindo como um louco? Você acabou de se jogar de uma janela
há mais de dez metros de altura e eu estou agindo como um louco?
— Eu estava tentando salvar a um pássaro que estava preso no archote do
lado de fora. — Ela explicou, e ele soltou uma risada incrédula. Desprovida
de qualquer emoção.
— Um pássaro? Salvar um pássaro? Você tem noção do susto que me deu?
— Ele gritou, ela deu um passo para trás. — Qualquer pessoa que cai naquele
lago morre de alguma maneira, se não por mim, ao menos pense em você
mesma, tire sua roupa e entre nesta banheira!
Então ela se deu conta do grande erro que havia cometido. Céus, tinha
esquecido completamente dos pais dele.
— Sebastian, me desculpe. — Andou até ele, mas ele se afastou.
— Por favor Seraphne, faz o que eu estou pedindo uma única vez na vida! —
Ele pediu. Mas ela não desistiu. Chegou mais perco, sabendo que por mais
que ele estivesse fervendo de raiva, jamais a machucaria.

— Você está molhado também. — Disse pousando uma mão no peito dele.
Levou os dedos até os botões de sua camisa encharcada. Ele não lutou contra
ela, esperou pacientemente ela se livrar de sua camisa, e logo depois de suas
calças. — Venha, entre comigo
O puxou pela mão e afundou os dois na banheira de água morna. Ela
estava se detestando por sido tão insensível. Jogou um pouco de água nos
ombros dele, o banhando e massageando seus músculos até que ele parecesse
relaxado. Ele suspirou, rendido e a puxou para mais junto dele. Pousou a
cabeça no peito dela.

— Me perdoe, reconheço que fui imprudente, nunca foi minha intenção


deixar você preocupado...— ele impediu que ela prosseguisse colocando um
dedo em seus lábios.
— Shiiiii...— disse, erguendo a cabeça para olhar nos olhos dela. — Me
perdoe também, exagerei, é que...— piscou.— ver você pendurada naquela
janela, me fez vislumbrar um mundo onde você não estaria, e isso me deixou
apavorado.
Seraphne sentiu as pernas amolecerem ao ouvir aquela declaração. Era
sempre assim quando ele demonstrava seus sentimentos com relação a ela.
— Por favor, nunca me assuste desse jeito de novo. — Pediu, acariciando o
rosto dela com o dorso da mão. — Se você morrer, eu já não terei nada,
morrerei de dor Seraphne, juro que sim.
— Oh querido... — Emocionada, ela envolveu o corpo dele com os braços.
Ele puxou a respiração pesadamente, acariciando as costas dela, nua.
Olhando-a com uma intensidade que ela jamais esperava que ele fosse
demonstrar um dia. Os olhos verdes que ela tanto amava.
Os cabelos molhados pingavam, e gotas de água escorriam pelo rosto
bem modelado. Os picos dos mamilos dela endureceram, ela desejava-o.
Naquele momento. Sentiu o desejo conhecido acender o centro de seu corpo.
Enfiou uma mão audaciosa na água, e acariciou o comprimento que, para o
seu deleite, já estava pronto para ela.
Ouviu com nitidez o momento que a respiração dele acelerou. Ela amava
deixa-lo daquela maneira, ela se sentia a mulher mais desejada do mundo,
perdia as vergonhas e as inibições e só pensava em agrada-lo cada vez mais.
Sebastian sabia ler sua mulher melhor que ninguém, puxou-a, fazendo
com que ela encaixasse as coxas ao redor de sua cintura, e com um único
movimento, eles eram um só.
Ela jogou a cabeça para trás ao senti-lo. Era sempre assim, perfeito,
como se aquele espaço entre suas pernas fosse feito exclusivamente para o
corpo dele se encaixar. Ela começou a se mover sobre, enquanto ele
admirava-a com os olhos de um homem apaixonado, deixando que ela
guiasse os dois no caminho para o prazer absoluto. E Seraphne levou,
cavalgando seu marido como se ele fosse um cavalo indomável.
Ela olhou-o no olhos, a pele vermelha, a respiração entrecortada, o
coração batendo desenfreado, comandado por milhares de sentimentos. Tê-lo
daquela maneira fez o peito dela transbordar de amor e aquele sentimento foi
tão forte que ela não foi capaz de guarda-lo para ela mesma: — Sebastian, te
amo. — Sua voz saiu baixa, mas foi como um súbito trovão. Todo o corpo
de Sebastian ficou rígido abaixo dela.
Ela perdeu aquela pequena parcela de coragem e fichou os olhos, pois
foi incapaz de encarar a resposta do marido, tinha medo do que iria encontrar.
Sentiu seu corpo ser erguido, sentiu braços fortes ao redor de sua cintura, e
pouco depois estava sendo domada.
— Diga novamente. — Ele pediu, saindo totalmente de dentro dela, fazendo-
a choramingar pela distância.
— Te amo. — Repetiu e ele recompensou-a voltando a preenche-la. Apenas
para sair de novo.
— Diga. — Pediu novamente, o rosto vermelho, os olhos intensos.
— Eu te amo, Sebastian. — Ela repetiu e mais uma vez ele deu sua
recompensa.
E disse de novo, e mais alto e mais forte, mas nunca menos, querendo
enfiar aquelas três palavras dentro dele tão fundo quanto ele estava se
enterrando dentro dela.
As lágrimas começaram a se derramar dos olhos dele, e as estocadas se
tornaram mais rápidas, a água da banheira começou a balançar e a cair pelas
bordas, estava nítido nos olhos dele que ela tinha ganhado aquela batalha.
Aquelas três palavras estavam irrevogavelmente carimbadas dentro dele.
A corrida não demorou muito mais, os dois chegaram ao extremo do
prazer juntos. Sebastian tinha planos de chantagear Seraphne durante a noite
inteira de diversas maneiras para que ela voltasse a proferir aquelas palavras.
— Obrigado. — Ele disse quando conseguiu acalmar a respiração. —
Morrerei tentando fazer você feliz.
Ela sorriu em resposta, e esperou pacientemente quando ele saiu da
banheira, indo até o armário pegar uma toalha para seca-los.
Seraphne sentiu um letárgico cansaço rodeá-la, era sempre assim após
fazer amor com ele, tão intenso que sentia todos os músculos do corpo
esmorecer.
— Seraphne... — Ele chamou-a e sua voz austera fez ela despertar de sua
breve inércia.
Seraphne sentiu todo o seu sangue ser drenado do corpo ao ver que
Sebastian estava parado na frente do armário, segurando nas mãos o
envelope aberto onde continha a carta de sua mãe.
Ela olhou mais para baixo, o baú de seu enxoval estava revirado, junto
com algumas outras roupas ali, e logo entendeu. Quando Sebastian entrou
ordenando que trouxessem pilhas de toalhas, as criadas tinham pego as que
estavam em seu enxoval. A carta estava entre os tecidos de duas toalhas, e no
meio do movimento, possivelmente caiu ao chão.
— Isto é...— ele perdeu as falas olhando fixamente para o envelope
desgastado. — ... Esta letra...
Ela levantou da banheira, andou trêmula até o biombo, onde vestiu o
corpo com um roupão antes de se virar para ele. De todas as maneiras que
tinha planejado entregar aquela carta, nenhuma das vezes ele a encontrava
daquela maneira.
— Como conseguiu isso? — Perguntou, as mãos tremendo furiosamente e o
rosto adquirindo nuances sombrios.
Ela encarou o marido sentindo-se encolher pela vergonha, percebeu que
na sua tentativa de protegê-lo do passado, acabou se enfiando em uma
situação comprometedora, situação essa que poderia fazer seu marido perder
toda a confiança nela para sempre. E tendo finalmente a noção do seu erro,
ela decidiu que a melhor maneira de se redimir seria contando a verdade.
— Sua mãe entregou para Marie Elnice uma noite antes de morrer. — Disse,
e ele deu dois passos para trás, em busca de apoio, o rosto dolorosamente
surpreso. — Ela pediu para Marie entrega-la quando tivesse idade suficiente
para compreender. Como você foi embora de Cartland ela nunca teve a
oportunidade de lhe entregar, e depois ela achou que eu seria mais qualificada
para isso.
— Desde quando? Desde quando você sabe sobre meus pais? — Ele
perguntou, ela sentiu um frio se alastrar pelo corpo dela ao ouvir o tom gélido
em sua voz.
— Desde que você voltou de Londres. — Respondeu, Sebastian soltou o ar
dos pulmões com força, como se tivesse recebido uma pancada.
— E manteve isso em segredo mesmo depois de tudo? Mesmo sabendo que
tudo que eu mais queria eram as repostas que contêm nesta carta? — O tom
de decepção em sua voz partiu ela em duas.
— Não era a minha intenção guarda-la por tanto tempo.
— Este segredo não era seu para você esconde-lo Seraphne, não era seu para
você decidir me entregar somente quando fosse conveniente para você. —
Ele cuspiu as palavras com desprezo, ela rodeou os braços ao redor do corpo,
cedendo a dor.
— Eu estava esperando o momento correto. — ela parou de falar quando a
risada dele contornou o ar, cruel e amargurada.
— E todas os dias que passamos juntos? Nenhum deles foi o momento certo?
— Ele perguntou aos gritos e ela se encolheu, os olhos ardendo pela vontade
de chorar.
— Eu só estava pensando no seu próprio bem! — Gritou de volta e os olhos
de turmalina fitaram-na irreconhecíveis.
— No meu próprio bem? — Perguntou. — Me poupe, tanto você quanto eu
sabemos que você fez isso por egoísmo!
Ela permaneceu em silêncio, os soluços sacudindo o seu corpo e a dor da
verdade corroendo seu peito. Ele estava certo, ela foi egoísta, teve tantas
chances de entregar a carta a ele e não fez por medo de perde-lo.
Ele deu as costas para ela, pisando duro em direção ao próprio quarto,
lhe dando ultimo olhar de desprezo. Seraphne sentiu o desespero consumir
seu corpo.
— Sebastian, por favor, não me deixe. — Pediu entre soluços, estendendo
uma mão para o ar.
Ele parou no meio da porta, nem precisou se virar para tirar o chão
debaixo dos pés dela: —Preciso de um tempo, longe de você. — E se foi.

❀❀❀
Seraphne ficou de frente para a janela observando seu marido galopar
para longe entrando na escuridão. O coração despedaçado transbordando
pelos olhos. Tudo que ela mais temia tinha se concretizado, e a culpa era
totalmente dela. E essa era a pior parte.
Ficou de pé na janela, pois somente a ideia de se deitar naquela cama
sem ele, trazia dores muito profundas. Nem notou quando o dia finalmente
amanheceu, tão absorta no seu próprio arrependimento. Tudo que ela menos
queria era que Sebastian se isolasse com aquela carta. E se não fosse capaz de
perdoa-la nunca? E se nunca confiasse nela novamente?

Ele estava certo, ela foi egoísta. Estava tão feliz vivendo finalmente os
seus melhores dias de casada que teve receio de estragar tudo com a entrega
daquele envelope. E agora não adiantava mais remoer os erros do passado,
foi inconsequente e tinha que aceitar esse fato.
Se Sebastian chegasse a perdoa-la um dia, ela podia levar isso como um
aprendizado, jamais iria esconder segredos dele. Caso ele não perdoasse...Ela
não saberia como prosseguir, mas daria um jeito.
O curto tempo em que ficaram juntos só serviram para fazer com que ela
tivesse mais certeza de que o amava. Sua lealdade, sua obstinação, sua
capacidade de demonstrar em pequenos gestos o quanto ele se importava com
ela. E na primeira oportunidade, por causa de um pequeno deslize, ela
colocou tudo a perder.
Levantou aquela manhã sentindo o corpo pesado pela exaustão e os olhos
inchados pelo choro incessante. Não esperava que ele fosse estar na mesa de
café da manhã, mas não pode reprimir a ínfima esperança de que ele
estivesse.
— Bom dia, senhora. — Disse Marie Elnice, com um pequeno sorriso
acolhedor. Seraphne correspondeu como pôde. — Trouxe sua
correspondência.
— Obrigada Marie, sabe me dizer se meu marido regressou para casa? —
Perguntou, observando a governanta servir um pouco de chá em uma xícara.
— Não, milady. — Respondeu com um olhar de alento. Seraphne assentiu,
olhando para as próprias mãos, segurando o choro que insistia em voltar. —
Não se preocupe. Minha mãe sempre dizia que nosso lar é onde mora nosso
coração, e o coração do menino Sebastian mora onde você está. Ele irá
voltar.
Seraphne olhou para Marie Elnice, ela não sabia de onde a governanta
tinha tirado aquela insanidade, Sebastian até podia gostar dela e quere-la em
sua cama, mas chegar a ama-la ou acha-la seu lar, isso era um pensamento
com o qual Seraphne não se iludia. Mas agradeceu pelas palavras da
governanta.
Tomou seu chá em silêncio, aquecendo o oco do seu estômago e olhando
fixamente para o quadro de lady Liliana. Quem olhava para o sorriso gentil
em seu rosto nem imaginava que ela tinha visitado o inferno. No fim de tudo,
Seraphne se considerava uma mulher de muita sorte, mesmo tendo tentado,
Gerard Devon não tinha consigo corromper a alma de seu marido.
Ela ia levantar de sua cadeira quando seus olhos bateram no amontoado
de envelopes na bandeja ao seu lado. O carimbo negro de sua família com a
letra caprichosa de Daphne fez um calafrio percorrer suas entranhas.
Pegou o papel e rompeu o lacre com o dedo, passando a vista
rapidamente pela caligrafia escrita as pressas e sentindo todo o sangue fugir
de seu corpo.
"Aconteceu uma desgraça, Josephne está gravida. Mamãe está de cama e
papai enlouqueceu, chamou Haddington para um duelo, você tem que vir
para Londres antes que aconteça uma desgraça ainda maior."
O papel deslizou das mãos duras de Seraphne para o chão, e então sua
mente explodiu ao finalmente receber as respostas para todas as perguntas
que vinham rondando o relacionamento de sua irmã com Haddington. "Não
restou nada para ele destruir. "
Por isso eles se afastaram subitamente, por isso ela se manteve reclusa a
maioria dos dias que esteve em Cartland, provavelmente para disfarçar os
enjoos. E uma verdade dolorosa castigou seu íntimo e despertou uma fúria de
morte dentro dela, por isso ele decidiu se casar tão subitamente, para fugir do
compromisso com Josephne.
Cretino desprezível!
— Maison! — Ela gritou, subindo as escadas as pressas.
O menino veio correndo dos fundos.
— Sim, milady?
— Prepare a carruagem com os cavalos mais rápidos de meu marido,
partiremos para Londres em cinco minutos. — Maison voltou correndo em
direção aos estábulos.
Ela trocou suas roupas por uma de viagem e colocou em uma bolsinha
tudo o que poderia precisar durante a curta viagem. O duelo aconteceria na
madrugada daquele dia, se os cavalos fossem rápidos e não houvessem
paradas desnecessárias no caminho, ela chegariam bem a tempo de impedir
que quatro pessoas ficassem órfãs de pai.
Desceu as escadas as pressas e respirou contente quando viu a carruagem
posta de frente para a propriedade. Antes de entrar no grande veículo ela se
virou para Marie Elnice.
— Se meu marido voltar para casa...— rapidamente engoliu as próprias
palavras. Quem ela estava querendo enganar? Ele não voltaria. Não por ela.
— Esqueça. Voltarei o quanto antes, e talvez seja necessário que arrume um
quarto extra, pode ser que eu não volte sozinha.
— Sim, senhora. — A governanta concordou e com uma última olhada para
Cartland, Seraphne entrou na carruagem e partiu.
CAPÍTULO VINTE E DOIS

Sebastian passou minutos, talvez horas, somente encarando a caligrafia


delicada de sua mãe. Sentado em um banco nos fundos de uma taberna em
Exeter, ele buscava coragem para abrir aquele envelope e talvez dar um fim à
sua extensa angústia.
Contudo, agora que ele finalmente estava em posse das últimas palavras
de sua mãe, um medo assustador rodeava seu íntimo. E se aquela carta só
trouxesse mais dúvidas?
Então, pensou em sua esposa, esteve pensando nela durante toda a noite.
Tinha saído de Cartland no meio da noite porque precisava de um tempo para
entender seus próprios sentimentos. Passou anos de sua vida fugindo do seu
passado, anos remoendo em sua mente toda a sua infância fracassada e no
quanto gostaria de ter tido a presença amorosa de uma mãe.
Passou anos buscando em sua mente respostas para ela não ama-lo,
mesmo sabendo que foi concebido contra a vontade dela. Anos e mais anos
achando que era incapaz de ser amado, que era algum tipo de repelente de
pessoas. Até que veio ela, Seraphne. Tão linda e obstinada, com sua linda
cortina de cabelos dourados e aquele rubor atraente que o deixava
hipnotizado. Sua esposa rebelde, que mesmo ele não merecendo, amava-o.
E ali, olhando para aquela carta, Sebastian pensou nos últimos dias que
passou ao lado de sua esposa. Todas as manhãs de plenitude ao acordar ao
lado dela, todos os sorrisos sinceros e conversas animadas. As noites que
eram sempre sua parte preferida, os momentos cavalgando pela propriedade,
vislumbrando a beleza de sua mulher atenuada pela luz ofuscante do sol
batendo em seus cabelos, e no instante seguinte Sebastian percebeu que não
precisava mais entender sua mãe. Aquele buraco vazio em seu peito já estava
preenchido, por ela. Seraphne.
Oh céus, ele estava apaixonado pela própria esposa! O que era bom, já
que ele já estava casado com ela.
Um sorriso, que não foi capaz de controlar brotou em seu rosto. Sim, ele a
amava. Sempre amou. Desde o primeiro momento. Certo disso e
determinado, Sebastian colocou o dinheiro da cerveja na mesa e se saiu as
pressas da taberna. Ele tinha que conta-la, ela tinha que saber que ele a
amava. Céus, ele amava. Com todo o ardor do seu coração.
Galopou como um louco de volta para casa, o sol já estava brilhando forte
no céu e a coragem em seu peito impulsionava ele a cavalgar cada vez mais
rápido. De encontro ao seu amor.
Ele devia ter percebido desde o princípio, devia ter notado que o desejo
que ele sentia por ela não era normal, devia ter percebido que o único motivo
por tê-la forçado a se casar com ele, e era simplesmente porque ele estava
apaixonado por ela. Sua esposa insolente, que invadiu seu coração sem pedir
permissão e tomou posse de todo o seu ser.
Atravessou os portões de Cartland pela primeira vez na vida feliz por
chegar em casa. Sim, agora ele podia chamar Cartland de lar, era onde sua e
esposa estava e seria onde ele criaria todos os seus cinco filhos. Com a
mulher que ele ama.
Quando entrou pelas enormes portas de madeira do hall, ostentava o
maior sorriso que toda a Grã-Bretanha já havia visto. Subiu os degraus de
dois em dois, pensando que quando ele a encontrasse iria beija-la, deita-la no
chão e fazer um filho nela.
— Sebastian. — Ouviu a voz de Marie Elnice chamando, mas não parou.
— Agora não Marie, preciso falar com minha lady. — Disse com urgência,
sem olhar para trás.
— Ela não está em casa, milorde. — ele parou no meio da escada, se virando
para olha-la.
— E onde ela está? — Perguntou, já sabendo que não iria gostar da reposta.
— Saiu há uma hora, está a caminho de Londres. — Rapidamente o chão
sumiu debaixo dos pés dele.
Ela havia deixado-o? Não, não fazia o menor sentido. Ela disse que o
amava-o, prometeu que nunca iria abandona-lo. Não, não podia ser verdade.
— E por acaso ela me deixou alguma nota? — Perguntou incapaz de
acreditar que Seraphne havia deixado-o.
— Não, milorde, acredito que ela achava que o senhor não retornaria. —
disse a mulher e a dor atravessou-o.
Era obvio que ela acharia isso. Ele foi mais uma vez um maldito
estúpido! Argh. Ele e sua mania de destruir todo resquício de alegria que
ousava aparecer em sua vida.
Porém, dessa vez seria diferente. Ele saboreou o doce da felicidade e
gostou. Não iria deixar que ela fosse embora. Iria até Londres e iria fazer sua
esposa saber que ele a ama.
— Acredito eu, milorde, que houve alguma emergência em sua família. —
Marie Elnice continuou, ele franziu o cenho, preocupado.
— Por que você acha isso, Marie? — Perguntou, descendo os degraus em
direção a ela.
— Bom, ela recebeu uma correspondência de sua irmã hoje mais cedo, e
quando leu, imediatamente mandou que preparassem a carruagem.
— Onde está essa correspondência? — Ele inquiriu, ainda mais aflito. E se
aconteceu alguma coisa com suas cunhadas?
— Aqui, encontrei-a jogada no chão da sala de chá. — estendeu a carta
aberta para ele, com os dedos trêmulos Sebastian passou a vista nos
garranchos de Daphne York.
Santo pai amado!
— Mande selem novamente meu cavalo, Marie. — Ele pediu, subindo
novamente os degraus da escada.
Seraphne tinha saído há uma hora, com um pouco de rapidez ele poderia
alcança-la, provavelmente ela estaria planejando várias maneiras de
assassinar Haddington.
Sebastian nunca imaginou que seu amigo fosse capaz de uma coisa
assim. Estava escrito com letras vermelhas no manual dos canalhas que os
quatro haviam fundado anos atrás: nunca deflore uma virgem, se não tiver
intensão de se casar com ela.
E agora a moça estava gravida. Por isso ele estava tão apressado em se
casar... e Sebastian não sabia se sentia fúria ou simplesmente decepção.
Iria chegar a tempo do duelo e iria se certificar de arrancar membro por
membro de Thomas. E depois iria enfia-lo no altar mais próximo. Foda-se
sua hierarquia familiar de merda.
Cinco minutos depois ele estava na estrada rumo a Londres, galopando
destino ao seu futuro. Deixando de vez o passado para trás.

❀❀❀
A noite caia pesadamente sob as ruas de Londres. A lua brilhava no céu
com todo o seu esplendor, sempre testemunha, iluminando as três silhuetas
encapuzados que percorriam as ruas vazias a cavalo. A brisa gelada competia
com o frio oco dos seus estômagos. O galope furioso do cavalo pelo chão
repercutindo na noite como os tambores de uma batalha.
— Você tem certeza que estamos indo na direção correta Daph? — Gritou
Seraphne, a cada minuto que passava, se sentia mais aflita. Fazia dez minutos
que seu pai tinha saído de casa, dez minutos de diferença entre a vida e a
morte.
— Sim, ouvi papai dizer para mamãe mais cedo que eles se encontrariam no
lado leste do parque, onde tem aquela estatua antiga do Duque de Norfolk. —
Respondeu a irmã, tomando a dianteira.
Seraphne não sabia onde seu pai estava com a cabeça. Mesmo que ele
saísse ileso do duelo, mesmo que conseguisse limpar a honra de Josephne,
seria preso e pendurado na forca por matar ninguém menos que um dos mais
poderosos pares do reino.
Maldito Haddington!
Ela deu uma olhada de soslaio em Josephne. A mais jovem das York
permanecia com a vista focada no caminho. As faces muito pálidas e olheiras
profundas abaixo dos olhos, ela parecia acabada.
As três dobraram a direita, na parte mais afastada do parque. Ela já
conhecia a fama do esconderijo por ser bastante usado pelos casais que
queriam certa privacidade. Agora ela também sabia que era utilizado para a
prática de duelos.
Chegaram a uma parede de cerca viva e puderam ver ao longe as silhuetas
disformes de seu pai e Haddington, apontando as armas um para o outro.
— Parem! — Seraphne gritou, movida pelo desespero. E os homens viraram
as cabeças para elas.
— O que vocês estão fazendo aqui? — Esbravejou seu pai, quando elas
chegaram perto o suficiente.
— Impedindo o senhor de cometer uma loucura. — foi Daphne quem
respondeu, descendo do cavalo e caminhando até seu pai. Phillip estava na
companhia de Garret, seu contador e padrinho de duelo.
— Será possível que nenhuma única vez na vida vocês podem me obedecer?
— Perguntou o patriarca visivelmente alterado, olhando para seu rival com
fúria nas pupilas.
Seraphne olhou para Haddington. Ele usava um longo sobretudo negro e
olhava a todos como se fossem baratas em sua comida. Ao seu lado uma
mulher de alta estatura, queixo pontuado e nariz empinado imitava seu olhar.
Porém, o dela continha bem mais desprezo.
— Papai, não podemos permitir que o senhor destrua sua vida dessa maneira.
— Ela suplicou, rezando para que seu pai criasse algum juízo.
— Ele arruinou o futuro de Josephne. — Respondeu ele tremendo pelo ódio.
— Se recusa a leva-la ao altar. Esta é a única maneira de eu defender sua
irmã.
— Ele se recusa a leva-la ao altar? — Perguntou Seraphne transtornada.
Então ela estava certa? Ele tinha apenas se aproveitado de Josephne? Se virou
para Haddington com a intenção de ela mesma lhe dar um tiro, quando um
cavalo apareceu galopando mais ao longe.
Não foi preciso ela olhar por muito tempo para identificar o intruso. Os
cabelos dourados voando com o vento e toda aquela musculatura rígida eram
coisas que ela reconheceria até no seu pior estado de embriaguez.
— Sebastian! — disse surpresa quando o marido desceu do cavalo, indo em
direção a eles. — O que você está fazendo aqui? Como nos encontrou?
— Cheguei em casa e você não estava lá, então Marie Elnice me entregou o
bilhete de sua irmã. — Ele respondia a tudo fulminando Thomas com os
olhos.
— Isso não explica como sabia que estaríamos neste ponto do parque. — Ela
insistiu.
— Conheço este lugar desde que me entendo por gente, me envergonho em
dizer que contribui um pouco com sua fama de espaço para duelos. —
Explicou.
Ela sentiu vontade de beija-lo, de perguntar se ele a perdoava, de
prometer que nunca iria esconder nada dele novamente, mas não era o melhor
momento. Então, ela se colocou ao seu lado, todos encarando Haddington
com raiva e desprezo.
— Você trouxe sua mãe para um duelo? Isso é típico de um moleque como
você. — Sebastian disse com uma leve risada, Haddington franziu o cenho
ainda mais o cenho, irritado.
— Ele não me trouxe, eu decidi acompanhá-lo, para o caso de ele sucumbir
ao seu lado nobre e em um ato impensado cometer a sandices de se casar com
essa daí. — Disse a mulher, sua voz conseguia conter mais nojo que seu
olhar.
— Sinto muito desaponta-la milady, mas é exatamente isso que ele fará. —
Respondeu Sebastian, a mulher deu uma breve risada maligna.
— Entenda uma coisa lorde Standhurt, os Stock não juntam seu sangue com
vermes. — Disse a mulher, um sorriso cruel enfeitando sua face. — Você até
pode ter caído nas garras dessa família, mas meu filho não. Ele prefere
morrer pelo tétano a ter que desposar alguém tão asqueroso.
— A única coisa asquerosa aqui é você e esse seu filho covarde! — gritou
Daphne em resposta.
— Parece que seu filho não pensou que ela fosse tão asquerosa assim quando
decidiu desonra-la. — Seraphne veio em defesa da irmã.
— Ah, mas meu filho fez apenas o que qualquer homem faria com uma
vagabunda qualquer. — Respondeu a megera, Daphne fez menção de correr
até ela, mas foi impedida por Garret, que segurou-a pelo braço.
— Thomas, estou tentando colocar algum juízo em sua cabeça velho amigo,
sei que você não é assim, é o seu filho que vai ficar órfão de pai. Pense na
criança. — Disse Sebastian, tentando ser persuasivo.
— Até onde sei, esse bebê pode ser de qualquer um. — Respondeu o conde,
sua mãe riu em aprovação.
— Seu desgraçado, você vai pagar por ter dito isso! — Gritou Phillip York
tomando dianteira e voltando a apontar a arma para Haddington, o dedo no
gatilho ameaçando disparar a qualquer minuto.
— Chega! — Todas as cabeças se viraram de uma única vez para Josephne.
Ela descia do cavalo e ostentava uma aura sombria ao seu redor, Seraphne se
assustou pois nunca tinha visto sua irmã daquele jeito. — Já chega papai,
abaixe essa arma.
O homem não deu ouvidos.
— Baixa logo! — Gritou a mais nova e isso foi suficiente para seu pai
obedecer, levemente confuso. — Vocês aparecem aqui, com suas armas e
opiniões, disparando grosserias, sem nenhuma vez se perguntar o que eu
quero.
Todos permaneceram calados. Pasmos demais para emitir uma reação.
— Papai, eu aprecio muito que o senhor queria limpar minha reputação, mas
não é o senhor que tem que fazer isso. — Continuou, seus olhos cansados
ficando vermelhos pelo esforço de não chorar. — Olhem para essa família.
— apontou para os Stocks. — Realmente acham que eu quero fazer parte
disto?
— Josephne, minha filha, eu apenas achei que fosse isso que você queria. —
disse seu pai amorosamente, a mulher suspirou, um som triste.
— Bom, eu pensei que queria, porque eu achei que era amada. — O peso
dessa frase pairou na noite. As faces de Haddington rígidas e cruéis,
sombreadas pela luz da lua, não se moveram um centímetro. — É mais que
óbvio que me enganei. Nunca poderia me submeter a um casamento onde
meu marido iria me odiar cada vez que me visse pela manhã. Ou se
envergonhasse por eu ser quem eu sou.
— Mas Jose você tem certeza de que quer isso? Ele arruinou todas as suas
chances de arrumar um marido digno, é a obrigação dele. — Disse Daphne,
encarando os Stock com desprezo.
— Eu também estava lá Daphne, fiz tudo conscientemente e agora eu devo
arcar com as consequências. — Jose respondeu. — Papai, eu sei que não é o
futuro que o senhor planejou para mim. Pensamentos românticos me levaram
a crer em um sentimento que não existia. Mas agora eu estou implorando, por
favor, me deixe traçar meus próprios passos.
Tudo ficou silêncio por um bom momento. Apenas os corações trotando
nos peitos furiosamente e as respirações aceleradas. Por fim, o patriarca
exalou o ar dos pulmões com força.
— Você será desprezada, as mulheres trocarão de calçada nas ruas para não
ter que passar ao seu lado, virará motivo de risadas e piadas e perderá o
respeito entre os homens. Mesmo assim, você está certa de sua decisão? —
Perguntou para a filha, uma lágrima pesada escorreu dos olhos da mais jovem
quando ela assentiu, vislumbrando o que seria seu destino. — Muito bem, se
é o que quer. Como seu pai, eu ofereço todo o meu apoio.
— Obrigada. — Ela disse com um pequeno sorriso, emocionada.
— Argh! Já cheguei ao meu limite, vamos embora Thomas. — Disse a
condessa, dando as costas. Thomas já ia imita-la quando Josephne o chamou.
— Espere! Antes de você ir, quero devolvê-lo algo. — Thomas se virou para
ela. Parecia surpreso. Os olhos escuros indecifráveis passearam pelo rosto de
Josephne. Então ele veio caminhando até ela, que foi ao seu encontro.
Então, quando menos esperavam o punho de Josephne afundou no nariz
empinado de Haddington. Usando uma força tão bruta que o homem caiu
com o impacto, sangrando rios pelo nariz.
— Pronto, agora estamos quites. — disse a loira dando as costas para o
homem, e caminhando em direção ao cavalo.
— Como ousa tocar no meu filho! — Bradou a condessa enfurecida,
correndo até o homem no chão.
Enquanto todos se dispersavam, o senhor York ostentava um grande
sorriso no rosto, o peito estufado e os olhos brilhando pelo orgulho:
— Essa é a minha menina.
CAPÍTULO VINTE E TRÊS

Depois de passar horas acalentando uma chorosa e depreciativa senhora


York, as três York's subiram os degraus da grande casa em direção ao quarto
de Josephne. Fazia tempo desse que Seraphne não tinha um tempo a sós com
suas irmãs e algo dentro dela dizia que daqui para a frente tudo seria diferente
por um bom tempo.
Era estranho andar de novo pelos corredores da casa de seus pais e
perceber que ali já não era mais o seu lar. Riu de si mesma ao pensar nela há
quatro meses atrás, com medo do imprevisível e apavorada por ter que deixar
sua família para trás. Agora ela entendia que família é algo que nem mesmo o
tempo pode mudar. Nem mesmo os anos podem tirar suas raízes de você, ela
podia ter ido embora para longe e considerar o seu marido o seu lar, mas suas
raízes estariam sempre fincadas ali, naquela irmandade apelidada
carinhosamente de "as três irmãs escandalosas".
— Jose, o que acha de passar um tempo conosco em Cartland? Você pode vir
também Daphne, se quiser. — Disse, observava as duas irmãs se deitarem na
cama de casal do quarto de Josephne.
A mais nova inspirou fundo, acariciando os nós dos dedos que estavam
vermelhos por terem socado a cara de Haddington.
— Eu agradeço o seu convite Sera, mas minha estadia na Inglaterra está com
os dias contados. — Anunciou, fazendo Daphne se sentar de um pulo.
— O que quer dizer com isso Jose? — Perguntou. Josephne levantou da cama
e caminhou devagar até a vidraça da janela, admirando a lua enquanto falava:
— Daqui a pouco não poderei mais esconder minha barriga, sei que isso não
permanecerá em segredo por muito tempo, duvido muito que a condessa vá
manter a boca fechada, sei que você não deseja um casamento nobre Daph,
mas se eu permanecer por perto minha reputação também afetará a sua, e eu
jamais irei permitir que você pague por um erro meu.
— Mas isso não explica você querer abandonar a Inglaterra. — Disse
Seraphne.
— Eu não quero permanecer aqui, jamais vou me submeter ao repúdio de um
inglês novamente. — Encarou os nós das mãos. — Por mais que seja
doloroso admitir, eu não suportaria vê-lo se casando, não suportaria vê-lo
criar uma família. E repudiar o meu filho. — sua voz falhou pelo princípio de
um choro. — Por isso, eu prefiro ir embora.
— Não, você não pode fazer isso. Não pode sair por aí sozinha, vai precisar
de ajuda com o bebê e todo o resto... Por favor Jose...— Pediu Daphne,
também começando a chorar.
— Me desculpe Daph, mas isso é algo que sinto que tenho que fazer. —
Disse, indo em direção a irmã para aninha-la em um abraço.
Seraphne podia não concordar, mas entendia Josephne de todo o coração.
Um York pode passar anos, talvez a vida inteira, sem se apaixonar, mas
quando acontece, é forte e para todo sempre. Ela desejava de todo o coração
que o tempo curasse as feridas de sua irmã. Josephne merecia nada menos do
que a felicidade.
Depois de horas de choro e risadas emotivas, Josephne finalmente
dormiu com a cabeça apoiada nos travesseiros. Ela deu um beijo singelo em
sua testa, pensando no caminho difícil que sua irmã teria que seguir, e
acompanhou Daphne em direção as escadas para o andar de baixo. Sebastian
a aguardava na sala de visitas tomando um copo de brandy com seu pai e
Garret.
— Está pronta para ir? — Ele perguntou e ela assentiu. Nem tinha se dado
conta até a pouco tempo que agora ela tinha a própria casa, a algumas
quadras dali.
— Ficarei em Londres por uns dias. Se acontecer qualquer coisa mande um
correio e virei correndo. — Falou no ouvido de Daphne, sendo respondida
com um aceno de cabeça.
Caminhou em direção a saída e entrou na carruagem com a ajuda de
Sebastian, que entrou logo depois e bateu no teto, colocando o veículo em
movimento.
Foram o caminho todo em silêncio, um ao lado do outro, aproveitando
apenas o calor que irradiava das peles.
Ele não parecia mais tão zangado com ela. Fitava a todo o percurso em
silêncio, reflexivo, mesmo assim ela estava feliz, afinal de contas ele tinha
vindo até ali atrás dela. Para proteger a honra de sua família.
Chegaram na grande casa escura e foram atendidos pelo mordomo que
veio correndo dos fundos vestido apenas de pijama e um gorro na cabeça.
— Milorde, o senhor não avisou que estava vindo. — Disse exasperado.
Sebastian não deu importância.
— Tudo bem Stanys, me virarei sozinho, não precisa que acorde ninguém. —
Disse e o mordomo assentiu, faz uma reverência e voltou a sair as pressas.
Seraphne olhou ao redor, só tinha estado naquela casa uma vez há
muitos meses atrás, quando veio barganhar sua virgindade em troca da
liberdade. Era estranho e muito prazeroso pensar naquele lugar como seu lar.
— Tenho uma proposta para fazer para você. — Disse Sebastian perto
demais do ouvido dela, fazendo com que os pêlos de sua nuca se arrepiarem.
— Tem é? — Ela conseguiu proferir, mesmo com todo o seu corpo
concentrado no homem atrás dela.
— Sim, estou oferecendo minha virgindade, em troca do seu corpo nu
estirado em minha cama, lá em cima. — Ele disse, agarrando a cintura dela
por trás e trazendo o corpo dela de encontro ao seu. Envolvendo o lóbulo da
orelha dela com os lábios e fazendo uma leve sucção. Ela arfou com a
surpresa.
— Mas você não é virgem! — Exclamou enquanto ele a empurrava em
direção aos degraus. Seraphne agradeceu por ter o corpo dele como apoio, ou
cairia para trás com a sensação da boca dele sugando a pele do seu pescoço.
— Não, mas sou virgem do que importa. — Ele virou ela para ele, e colocou
a mão onde ela tinha a aliança de casamento e seu anel de noivado, sobre seu
peito. — Meu coração está oficialmente deflorado por você.
Ela segurou a respiração por meio minuto, o baque daquelas palavras
cruzando o seu corpo, fazendo seu coração pular frenético no peito.
— O que você está querendo dizer? — Perguntou encarando os olhos de
turmalina, cheios de devoção.
— Hoje, quando estava sentado com a carta da minha mãe nas mãos, eu
percebi que não me importava mais, todo aquele vazio que esteve em meu
peito por anos, já não estava mais, você me preencheu Seraphne. Meu
coração está cheio de você. Sua americana impetuosa e tarada. Você roubou
meu coração. — Disse com um enorme sorriso no rosto.
Seraphne não sabia exatamente o que dizer, jamais imaginou que um dia
ouviria aquelas palavras saírem da boca dele e agora ele estava anunciando
tão vorazmente que ela era dona do seu coração. Um sentimento que beirava
a plenitude se apossou dela e a felicidade transbordou nos olhos.
Ele puxou ela para um beijo, consumindo sua boca com desejo enquanto
juntava o corpo dela ao seu, foram aos tropeços em direção aos aposentos
dele.
Sem separar suas bocas, em uma briga frenética de línguas e mãos, um
tentando tirar as roupas do outro no caminho, jogando as peças pelo chão dos
corredores.
Quando finalmente chegaram de frente para a porta, ele tateou em busca
da maçaneta e abriu, puxando Seraphne para cima fazendo ela rodear a
cintura dele com as pernas, fechando a porta atrás deles com um chute.
— Céus, como eu amo você. — Ele disse. quando liberou o corpo dela da
chemise, deixando-a nua diante dos olhos dele. — Amo cada pedacinho de
você.
E mostrou para ela nas horas seguintes, toda a sinceridade de suas
palavras. Quando a emoção do ato conjugal se dissipou os dois ficaram
deitados abraçados na cama, fitando o fogo alto da lareira que ele mesmo
tinha acendido.
— Me desculpe por ter escondido a carta de você, tinha razão quando disse
que eu fui egoísta. — Ela falou depois de um tempo, acariciando a mão do
marido que repousava em sua cintura.
— Me perdoe por tê-la chamado de egoísta. Parte da culpa é minha, se eu
tivesse compreendido meus sentimentos desde o início do nosso casamento
você não teria porquê se sentir insegura. — Respondeu, ela assentiu, grata
que agora ele pudesse enxergar claramente os erros, pois só assim eles
poderiam seguir em frente, acertando.
— Então você leu a carta? — Perguntou após um breve silêncio. O assunto
era delicado e ela entenderia se ele não quisesse falar, mas uma parte dela
queria saber o que tinha acontecido com lady Liliana.
— Não. Passei a noite com medo de abri-la e quando amanheceu eu decidi
voltar para casa, para lermos juntos. — Ele respondeu e ela se virou para
olha-lo.
— Você a trouxe? — Perguntou, ela estava cheia de todo o mistério, queria
dar de vez um fim a tudo. Ele levantou da cama por um momento, indo até
seu casaco no chão e tirando o envelope amarrotado do bolso.
Se sentou na borda da cama e ela se ergueu, esperando ele romper o
lacre e sanar suas dívidas. Mas ele exitou.
— Eu não consigo, pegue, abra você e leia em voz. — Pediu, estendendo a
carta para ela, Seraphne pegou o envelope receosa.
— Tem certeza? Não quer ler sozinho primeiro? — Ele negou com a cabeça.
— Quero fazer isso com você, nada de segredos. — Ela sorriu
amorosamente, depositando um beijo em sua bochecha.
Rompeu o lacre da carta, e abriu o papel velho. Com cuidado para não
danificar nada, e com uma última olhada receosa para seu marido, ela
começou a leitura.
Ao fim, olhou para ele. Sebastian fitava a escuridão reflexivo.
— Está tudo bem? — Perguntou deixando a carta de lado e abraçando o
marido por trás.
— Sim, é só que, passei anos da minha vida achando que tinha sido ele quem
a matou. — Falou, Seraphne não conseguiu reprimir as lágrimas que
começaram a cair.
— Se você quiser ficar sozinho eu vou compreender. — Ela disse, mas ele
negou com a cabeça, tocando suas mãos com carinho.
— Não, está tudo bem agora.

❀❀❀
Seraphne caminhava pacientemente ao lado de suas irmãs e Sophie,
observando a tudo com interesse. O cais estava bastante agitado naquele dia,
pessoas e mais pessoas carregando baús, homens vendendo peixe mais para o
lado, crianças correndo para dentro dos navios.
O clima entre as quatro era de luto intenso, mesmo depois de uma grande
festa de despedida e vários momentos juntas nas últimas semanas. Parece que
se tem uma perspectiva diferente da despedida quando sabe que não verá o
alguém amado por um bom tempo.
— Então é isso. — Disse Josephne quando as quatro chegaram de frente ao
grande navio imponente, era muito luxuoso, e ostentava uma grande bandeira
francesa em um mastro. — Sentirei a falta de vocês.
— Tem certeza que quer fazer isso Jose? Nunca é tarde para mudar de ideia.
— Disse Sophie dando um grande abraço nela. Os olhos das quatro
começando a marejar.
— Desculpe, tenho que fazer isso. — Respondeu Jose, com a voz falha pela
emoção.
— Não esqueça de nos mandar várias cartas, principalmente quando o bebê
nascer, quero saber de cada mínimo passo que meu sobrinho ou sobrinha der.
— Disse Daphne, lutando para controlar o choro.
— Claro que sim, e você também Sophie, não se esqueça de me enviar uma
carta quando o seu bebê nascer. — Falou colocando uma mão sobre a barriga
da duquesa, que já estava se sobressaindo na roupa. Assim como a dela.
Ao que parecia, as duas tinham o mesmo tempo de gestação, quatro
meses. A barriga de Josephne era um pouco mais pequena, desproporcional
ao corpo esguio dela.
As pessoas já estavam começando a falar, e não demoraria para sair nos
periódicos de fofocas. Ao que parecia Phillip York não estava brincando
quando disse que Josephne sofreria o repúdio das pessoas. Certo dia foi
proibida de entrar em um ateliê, isso causou uma briga feia entre Daphne e a
estilista, mas no fim, Josephne simplesmente deu as costas e saiu. Ela estava
enfrentando isso com mais força do que todos esperavam.
Seraphne entendia que ela quisesse se manter reclusa e criar o seu filho
longe, mas desejava que a irmã mudasse de ideia. Daqui para frente tudo
seria diferente para Jose e ela queria estar por perto para ser seu apoio caso
ela precisasse.
— Não demorará até nós vejamos novamente. — Disse, quando chegou sua
vez de abraça-la.
— Estarei contando os dias. — Respondeu e soltou-a, limpando uma lágrima
com o dorso da mão enluvada.
Josephne já ia preparada para sua estadia. Tinha convencido papai a dar
o dinheiro do seu dote para que usasse na sua chegada à Paris, e por mais que
tenha sido uma ideia boa, foi triste, por que isso mostrava que ela já não tinha
esperanças em se casar.
Seraphne estava vivendo tão feliz seus dias com Sebastian. As últimas
semanas em Londres foram como um sonho, Sebastian estava agindo como
se tivesse cortejando-a, levando-a para passeios de barco e piqueniques no
gramado do Hyde Park, vez ou outra fazendo uma mulher cair desmaiada ao
pegarem os dois em meio a beijos, no mínimo audaciosos, pelos jardins.
Subitamente eles passaram de piada, para o casal mais bonito da
temporada de 1788, causando suspiros entre as debutantes e olhares de inveja
entre as amargas da alta sociedade. Tinham até sido mencionados nos
periódicos algumas vezes.
E mesmo assim ela não estava completamente feliz, desejava do fundo
do seu coração que suas irmãs pudessem sentir a mesma felicidade que estava
sentindo.
— Todos a bordo! — Gritou o marinheiro, anunciando a partida inevitável.
Josephne respirou fundo, tomando coragem antes de se virar e subir a rampa,
determinada. Deixando uma Daphne em prantos para trás.
Elas a observaram quando ela caminhou até a proa, os cabelos loiros
voando junto com o vento.
— França, aí vamos nós! — ela gritou com um último adeus, erguendo um
lenço branco no ar e soltando-o, para que voasse livre.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO

The London Post

14 Agosto de 1789

É uma menina!

A primeira filha do marquês de Standhurt nasceu um mês atrás na


propriedade do marquês em Devonshire.
Chegaram aos ouvidos dessa redação que o marquês jamais esteve tão
exultante de felicidade. Deu o nome de Liliana para a jovem garotinha, que
mal nasceu e já fisgou um partidão.
Parece que o duque de Ballister, que também virou pai de outra menina há
pouco tempo, propôs um enlace ao marquês, que é seu amigo de longa data.
Parece que a pequena Liliana está prometida em casamento com o pequeno
herdeiro dos Ballister's, Simon Cavendish, o sucessor do título.
Queria eu, mal ter nascido e já ser a prometida de um duque!
Parece que a jovem Lily não vai precisar seguir os mesmos passos da mãe
para arrumar um marido.

— Que jornalzinho mais peçonhento. — Disse Sebastian, amassando o jornal


e jogando-o no fogo. — Como ficaram sabendo sobre Lily e Simon?
— Já era de se esperar, você contou para metade do condado. — A esposa
respondeu folheando o livro, que tinha chegado aquela manhã, pela vigésima
vez.
Não cansava de admirar a capa grossa e azul marinho com as letras em
prateado e, principalmente, não cansava de ver seu nome assinado logo
abaixo. Seraphne Y. D.
Durante os meses de sua gestação finalmente conseguiu concluir seu
livro, se não fosse pela ajuda de Sebastian sequer teria conseguido, o marido
foi seu maior apoio com relação a sua carreira. Com a ajuda de Greyson, que
agora era dono de uma livraria em ascensão no centro de Londres, ela tinha
conseguido publica-lo. Aparentemente todos queriam saber as dicas de uma
Lady para fisgar um marquês.
— Ei, você é minha esposa, tem que me defender. — Disse o marquês,
fingindo estar ofendido.
— Desculpe querido. — Ela disse, distraidamente.
— Vejo que não sou mais o dono de sua completa atenção, estou começando
a ficar ciumento com esse concorrente em suas mãos. — Ela ergueu os olhos
para ele, com um sorriso, deixou o livro de lado.
— Você é inteiramente dono de minha atenção.
Ele levantou uma sobrancelha e a olhou maliciosamente. Ela conhecia
perfeitamente aquele brilho audacioso em seu olhar.
Logo aceitou o convite e já estava ao lado dele. Beijando seu pescoço.
Sebastian estava levando ao pé da letra a recomendação do médico.
— Seraphne acha que já podemos? Você não está sentindo coisas pós parto?
— Perguntou levantando de sua cadeira, faziam dois meses que ele não fazia
amor com sua esposa, somente a menção de tal ideia deixava seu corpo em
chamas.
— Sebastian, já fazem dois meses, até quando pretende estender isso? — Ele
voltou para perto dela.
— Também estou sofrendo de saudade, mas tenho medo. — Ele relutou.
— Não tenha, se dê para mim. — Ela pediu, isso foi suficiente para fazê-lo
cair em cima dela, sem se importar se estavam no meio da sala de visitas, ele
a queria com tanta intensidade que seu cérebro mal podia raciocinar.
— Sebastian, pensei que poderíamos fazer isso no nosso quarto. — Seraphne
disse entre beijos, longe de lutar contra aquilo.
— E para que você comprou esse sofá tão grande se não foi para isto? —
Perguntou enquanto mordia a curvatura do pescoço dela, céus, como ele
amava o seu sabor.
Ela fez menção de responder mas perdeu o raciocínio quando ele envolveu
seu seio com uma mão, raspando o dedo no pico rígido. Ele adorava saber
que sua esposa o desejava tanto quanto ele desejava a ela, e Sebastian
duvidava que o tempo fosse capaz de apagar aquilo.
— O que acha de tentar um garoto desta vez? — ele perguntou causando um
sorriso pleno no rosto dela. Ele jamais imaginou que fosse capaz de amar
tanto alguém, Seraphne era a sua alma gémea, ele sentia dentro dos seus
ossos.
Respirou o cheiro do perfume dela, aquela massa de cabelos dourados e
pele de porcelana todinha dele, essa mulher deslumbrante que sem nem
tentar, o faz o homem mais feliz do mundo.
— Podemos tentar, mas e se vier outra menina? — Perguntou, enquanto
tentava abrir os botões da camisa dele. Ele olhou-a com um sorriso
audacioso.
— Aí, a gente tenta de novo, e de novo, e de novo, e de novo. — Ela sorriu,
se perdendo em um gemido de prazer quando ele deslizou para dentro dela.
Sebastian sentiu o ar voltar para os pulmões, e antes de mais nada sorriu,
estava finalmente em casa.
EPÍLOGO

Caro Sebastian.

Certamente já terei partido deste mundo quando você estiver lendo esta
carta, com sorte já será um homem crescido e poderá compreender os meus
motivos.
Jamais buscarei desculpas para remediar minhas atitudes, ao que parece,
quando se está a beira de cometer suicídio, o ser humano ganha uma
perspectiva diferente de suas ações em vida.
Sei que muito provavelmente você me odeia, e com razão, fui negligente e
deixei que seu pai fizesse com você o mesmo que fez comigo. Me faltam
palavras para descrever o quanto eu lamento.
Espero que cresça e seja um homem superior ao que ele foi, que faça boas
escolhas na vida e que não tenha medo de errar de vez em quando, é preciso
cair para poder levantar.
Faça bons amigos, e seja leal a eles, aproveite seus dias de jovem, mas
não exagere muito na bebida, quando chegar o dia, encontre uma boa moça,
que faça seus dias serem sempre radiantes, tenha filhos com ela, e os ensine
os verdadeiros valores de um homem.
Apenas viva. Com a certeza que mesmo depois de tudo, você sempre esteve
no meu coração.

Com amor. Mamãe.

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