Pecados Audaciosos (After Wedding Livro 2) - Islay Rodrigues
Pecados Audaciosos (After Wedding Livro 2) - Islay Rodrigues
Pecados Audaciosos (After Wedding Livro 2) - Islay Rodrigues
After Wedding
Islay Rodrigues
Sobre o autor(a):
11 de abril de 1788
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Assim que entrou pelas portas de Cartland, Sebastian se sentiu oprimido
pelas lembranças. Quando decidiu voltar, imaginou que assim como as
cicatrizes de seu corpo, as de sua mente também tinham se apagado. Mas
estava enganado. Redondamente.
Aquelas muralhas manchadas de sangue nunca deixariam de atormenta-lo.
Largou Seraphne na porta de entrada, e correu para o único lugar ali onde se
sentia seguro. O antigo farol que ficava nos fundos da propriedade.
Estava arrependido, não aguentaria voltar a viver ali. Queria voltar para
Londres, fugir novamente de Devonshire, e desta vez não cometeria a
estupidez de voltar. Somente quando a noite caiu e ele estava suficientemente
bêbado, entrou pelas portas dos fundos do castelo. Tomando o cuidado de
não cruzar seu caminho com Seraphne, entrou no espaço vazio de baixo da
grande escadaria e puxou uma pequena saliência na parede que formava uma
alavanca, pode ouvir o arrastar de algo velho e com um "click" a parede falsa
cedeu, ele olhou através do longo corredor afundado no breu e o atravessou,
sempre dobrando no corredor à sua direita. Ele conhecia cada fresta, porta,
sala, passagens secretas e reentrância daquela construção. Quando era menino
seu único passatempo era a exploração, e por mais que odiasse Cartland,
tinha que reconhecer que o castelo era uma obra de arte.
Abriu um sorriso maligno enquanto andava enfiado na escuridão. Se
sentia puramente satisfeito. Seu pai sempre amou aquela construção mais do
que a tudo no mundo. Morreria pela segunda vez se visse o estado em que a
propriedade se encontrava. Sebastian rinha feito de propósito. Ordenou que
os criados parassem de limpar, ou cuidar da terra, deixou ao capricho do
tempo. Se não podia mandar demoli-la, iria deixar que o tempo fizesse seu
trabalho.
Finalmente chegou no fim do último corredor e subiu uma longa escada
estreita, só precisou empurrar a parede no fim da escada e já estava dentro do
próprio quarto. Tirou o casaco e as botas de viagem e se atirou na cama
sentindo todos os músculos do corpo tensos.
Estava muito cansado, não tinha dormido muito bem na noite anterior
depois da briga que teve com Seraphne. Ficou bolando na cama da estalagem
até os primeiros raios de sol entrarem pela janela. Depois teve certeza de que
não suportaria viajar no mesmo ambiente que ela. Detestava admitir, mas
estava muito magoado.
Seraphne havia ferido seu orgulho de homem. Nunca antes ele havia sido
rechaçado por um mulher, principalmente após terem estado na cama com
ele.
As mulheres costumavam correr para ele aos montes e se ajoelhar aos
seus pés para lhe oferecer carinho e devoção, e não aceitaria menos que isso
dela.
Encarou o dossel da cama e lembrou de seu encontro com Bourne, o
homem era estúpido demais para perceber que sua esposa estava logo do lado
e acabou falando de Poppy.
Poppy... Pensar nela trouxe um sorriso aos lábios do marquês. Poppy
nunca diria não para ele. Talvez fosse isso que Sebastian devesse fazer,
recordar o passado. Se Bourne estivesse certo e ela ainda fosse apaixonada
por ele, não seria difícil voltar a se enfiar entre as pernas da meretriz.
Ouviu a voz melodiosa de sua esposa e seus pensamentos mudarem de
rumo de súbito. Rapidamente imagens da noite passada inundaram sua
mente.
O corpo esguio e nu, a pele vermelha, os cabelos loiros pregados em seus
corpos suados, a textura macia da pele leitosa, e os pequenos gemidos
travessos que escapavam involuntariamente...
Sebastian sacudiu a cabeça mandando todas essas imagens para longe.
Porém não conseguiu. Então resolveu apelar para a ajuda. Foi até a mesa
onde tinha uma garrafa de uísque escocês, presente de casamento de
Northwest, e virou o líquido em um copo. Bebendo toda a dose de uma vez e
enchendo-o novamente.
Olhou para a porta de comunicação com o quarto de sua esposa, e fez
uma cara de desagrado. Nunca a usaria, nunca se humilharia para ela. Ele
jamais iria implorar por afeição. Passou toda a sua infância implorando pela
atenção de uma mulher e nunca a recebeu. Somente depois de adulto, várias
livras mais rico, conseguiu a afeição de dezenas delas.
Saboreou em silêncio o azedo do uísque se misturar com o amargor de
seu íntimo enquanto ouvia os movimentos dela. Notou que ela abandonou o
quarto, possivelmente para jantar.
Ele não sabia o que fazer agora que tinha voltado, estava de férias do
parlamento e nem se quisesse ocuparia sua cabeça com trabalho, quando
pensou que estaria sozinho em Cartland com ela, imaginou que aproveitariam
o tempo desonrando cada compartimento do castelo.
Agora que estava proibido de toca-la, realmente estava sem muitas
opções. Podia ler, mas não conseguiria, descobriu que tentar ler tendo
Seraphne por perto era impossível. Ela chamava sua atenção em tudo, em
cada gesto, em cada traço, cada movimento o fazia perder a concentração.
Então, decidiu ficar deitado e esperar que ela retornasse. Passou o dia
atento aos seus passos do outro lado da parede. Uma parte dele queria
atravessar a porta que os afastava e perguntar como estava se sentindo, o que
tinha achado de Cartland. Mas a outra parte, uma mais rígida e ressentida,
queria se afastar e deixar ela por conta própria. Era uma mulher muito auto
suficiente, saberia se virar sem ele.
E era isso que ele detestava.
Queria que ela ficasse completamente dependente dele. Não, ele queria que
ela precisasse dele.
Ele odiava se sentir tão diminuído, Seraphne cuspia facas em forma de
palavras sem se importar se iria machuca-lo ou não. E a pior parte era
perceber que machucava. Depois de anos de um corpo dormente, Sebastian
descobriu uma mulher que foi capaz de tirar-lhe as horas de sono, e foi
estúpido o suficiente para se casar com ela.
Naquele dia ele não iria descer para o jantar. Não, Cartland já estava
sugando a pouca vitalidade que ele tinha, e não queria que Seraphne o visse
bêbado.
Ficou em sua masmorra de reclusão, completamente afundado na
escuridão, com a garrafa de uísque vazia de um lado e o corpo jogado em
cima da cama, só quando ouviu os passos de sua mulher passar pela porta e
entrar em seu quarto, foi que ele conseguiu finalmente dormir.
CAPÍTULO NOVE
Seraphne acordou no meio da noite com frio e reparou que uma corrente
de ar muito forte entrava pelas janelas abertas, fazendo as cortinas prateadas
voarem como vultos na penumbra do quarto. Levantou, ignorando os
calafrios de medo, e puxou as persianas das janelas, voltando para as cobertas
e se enfiando lá embaixo, tentando não tremer como uma menina
amedrontada.
Sentia-se perdida, sozinha naquele castelo. Sabia que não teria para onde
correr, não poderia mais buscar abrigo no quarto das irmãs, e seu marido
estava fora de questão. Fechou os olhos e tentou dormir, pensando na sua
antiga cama em Londres e no aconchego da casa de seus pais. Porém, foi
atrapalhada por um barulho distante vindo de algum lugar acima do quarto
dela.
Uma pessoa normal teria ignorado o barulho. Mas ela jamais conseguiria
dormir até ter certeza de que a causa daquele barulho não era uma
assombração.
Levantou-se na ponta dos pés, com o frio específico do medo invadindo
seu estômago. Pegou apenas um castiçal com uma vela, e saiu só de camisola
para o corredor. Novamente o barulho se repetiu, semelhante a alguém
batendo em uma porta. Engoliu em seco, e começou a andar na direção da
escada que levava ao último andar. Daphne sempre foi a mais medrosa das
três irmãs, contudo, agora ela se encontrava em um nível de terror que seu
coração cavalgava dentro do peito.
Cartland a noite daria uma ótima inspiração para contos assombrosos. O
silvo do vento que entrava açoitando as cortinas. As sombras dos móveis
gastos fazendo silhuetas monstruosas no chão. A luz da lua entrando pelas
frestas das janelas, possibilitando uma penumbra dramática.
Chegou no quarto e último andar, e caminhou sorrateiramente na direção
de onde o barulho se distinguia, ficando cada vez mais alto e nítido atrás de
uma porta que ficava exatamente sobre o quarto dela. Sua respiração
acelerou, estendeu mão para girar a maçaneta e...
— Brincando fora da cama? — A voz grave de Sebastian soou atrás dela, e
seu coração falhou três batidas.
— Jesus! Você quase me matou de susto, Sebastian! — Sussurrou, colocando
uma mão sobre o peito, verificando se seu coração ainda estava lá ou se tinha
saído pela sua boca.
— Me desculpe, não consegui evitar. — Ele disse, tentando conter o riso. —
O que faz fora da cama?
— Ouvi um barulho e vim ver do que se tratava.
— Sozinha? É mais corajosa do que pensei. — Disse, observando-a.
— E você, o que faz fora da cama? — Arqueou uma sobrancelha. — Acaso
vem chegando agora de sua saída?
Ele fechou o sorriso e permaneceu calado, seus olhos sombreados pela
chama da vela.
— E quem disse que eu sai? — Perguntou, ela cerrou os lábios, irritada.
— Presumindo que você está cheio de camas para visitar e que eu não vi nem
sua sombra durante o dia inteiro, tirei minhas próprias conclusões. —
Respondeu, aborrecida consigo mesma por se importar com aquele fato a
ponto de querer machuca-lo.
Ele estreitou os olhos de sua maneira única, e avaliou a esposa
atentamente, até que ela ficasse inquieta.
— O que há? — Ela perguntou, levemente incomodada.
— Por um momento tive a impressão de que você está com ciúmes. —
Sugeriu, um rubor furioso tomou posse das faces de Seraphne.
— Eu apenas...— Começou a se explicar, mas foi atrapalhada pelas mesmas
batidas que levaram-na até ali. Deu um passo para mais perto de Sebastian.
— Pelo visto você não é tão corajosa quanto parece. — Ele riu, girou a
maçaneta da porta gasta e entrou no quarto escuro. Cautelosamente, ela foi
atrás dele, iluminando o aposento com a parca luz da vela.
Aparentemente não tinha nada no quarto, a não ser uma mesa de chá com
cinco cadeiras, um sofá e duas poltronas, todos cobertos de poeira.
— Está vendo? Não é nada. — Sebastian disse, indicando o quarto vazio.
— O que estava fazendo aquele barulho? — Ela perguntou, sem deixar de
vasculhar todos os lugares com a vista, temendo ser surpreendida por uma
criatura horrenda.
— É um castelo velho, esses barulhos acontecem frequentemente. — Ele
explicou e ela se aproximou mais dele só por precaução.
Seraphne percebeu que ter a presença de Sebastian ali era reconfortante.
Nunca imaginou que iria encontrar abrigo no calor de seu corpo, e por mais
que ela estivesse além de irritada com ele, naquele momento, agradeceu
silenciosamente por ele estar ali.
— É. Não deve ser na...— Antes que ela pudesse concluir, a janela bateu com
toda a força revelando a causa do barulho. Isso a fez dar um pulo e se agarrar
ao pescoço de Sebastian como se o marido fosse sua última esperança de
vida.
— Acalme-se querida, é apenas a janela. — Ele acalmou-a, rodeando a
cintura dela com um braço.
Só depois que o susto inicial passou Seraphne percebeu a situação em que
havia se metido. Estava nos braços de Sebastian. Agarrada ao seu pescoço,
com o rosto enfiado no seu peito largo. Era possível sentir todos os músculos
tesos em contato com o corpo dela, que estava nu, coberto apenas pela
camisola de algodão.
Percebeu também que ele estava ciente disso.
Ele era quente. E aquele calor atraente que emanava da pele dele, entrou
através dela esquentando tudo que era frio. Seraphne, devagar, ergueu o rosto
para ele. O castiçal que estava em sua mão caiu no momento do susto, a vela
tinha apagado, enfiando os dois na penumbra do quarto, possibilitando ver
apenas os contornos do rosto do homem.
Ela podia sentir as batidas do coração dele enlouquecidas. E sentiu o
próprio coração acelerar. A respiração dele ficou lenta. O cheiro do álcool em
seu hálito denunciava que tinha ingerido uma grande quantidade. A rigidez
de sua ereção investiu contra a barriga dela, e seu corpo acendeu.
Seraphne ficou parada enquanto o marido subia uma mão travessa pelo
seu corpo, deixando um rastro de fogo para trás. Fazendo-a fechar os olhos
com força, lutando contra a vontade de se agarrar a ele ainda mais. Uma mão
grande envolveu um seio dela, e Seraphne estrangulou um gemido de
satisfação quando ele acariciou seu seio gentilmente.
Ela ouviu o suspirou pesado que ele soltou. A mão em seu seio se tornou
possessiva e a outra que ainda estava na cintura dela a puxou ainda mais
contra o membro que estava tão rígido que deixou a carne de sua barriga
dolorida. Ele gemeu, e o gemido longo se transformou em um rosnado. E no
instante seguinte ela estava sentada sobre a mesa com Sebastian entre suas
pernas. A mesa rangeu e balançou com seu peso, mas não se importou. No
fundo de sua mente ela sabia que aquilo não estava certo, mas ficou
impossível se concentrar no porque quando ele enfiou seus dedos entre os
cabelos da nuca dela e os puxou para trás, deixando todo o seu pescoço com
livre acesso.
— Sebastian. — Ela sussurrou, mas o homem pareceu não ouvi-la. Ele beijou
sua garganta, ao mesmo tempo que sua ereção ainda coberta pelo tecido da
calça, espremeu a carne mais íntima. Seraphne arfou, pois jamais imaginou
que somente um pouco de pressão pudesse causar aquela reação do seu
corpo.
— Você sente isso? — Ele perguntou, voltando a investir os quadris na
direção dela. A mesa novamente rangeu.
— Sim. — Ela respondeu, com as pálpebras pesadas, estava conhecendo
mais sobre seu corpo naquele momento.
— Toda vez que me recusar isso só aumentará, até se tornar insuportável, e
quando essa hora chegar, você vai me implorar para entrar dentro de você. —
Por mais que a frase fosse carregada de presunção, ela não encontrou nenhum
indício disso nos olhos dele, somente uma verdade inegável.
Ele raspou os dentes em seu pescoço, e investiu outra vez, e não parou
mais. A cada investida ela sentia como se ele mandasse chamas pelo corpo
dela. Fincou os dentes em seu ombro e aumentou a pressão, a mesa balançava
junto com eles, mas Seraphne estava mais preocupada em aumentar ainda
mais a fricção, sentindo que algo crescia dentro do seu corpo e corria em
busca de libertação. Gemeu, agarrou o redondo e firme traseiro dele e o
puxou para mais, e mais, ia finalmente chegar ao fim daquela corrida carnal.
Ouviu o barulho de madeira rachando.
POW!
No instante seguinte estava no chão com Sebastian em cima dela. A mesa
tinha cedido e se feito em pedaços, e o barulho foi estrondoso. Uma cortina
de poeira subiu do chão e rodeou os dois, Sebastian foi o primeiro a se
levantar e a puxou.
— Machucou-se? — Perguntou, vasculhando as costas dela em sinal de
ferimentos. Mas ela se sentia bem, o tampo da mesa tinha absorvido todo o
impacto, sentia apenas um enorme frustração. Tirou uma camada de poeira
do rosto, e percebeu que aquela mesa ter cedido foi coisa do destino.
Só então se deu conta do que estava prestes a fazer. Ele tinha sido um
bruto insensato o dia inteiro, foi rude, nem se preocupou em ver como ela
estava, largou-a na entrada do castelo sem dar satisfações, e achava que
poderia beija-la e fazê-la esquecer de tudo? Andou em direção a saída do
quarto.
— É melhor irmos dormir. — Disse, e antes que ele a impedisse, antes que
fizesse qualquer coisa da qual se arrependeria, saiu do quarto e deixou-o
sozinho na escuridão.
❀❀❀
Era óbvio que Seraphne não ia se calar e fingir que aquela briga não havia
acontecido. Não tinha passado dezoito anos da sua vida defendendo seus
princípios, para no fim, baixar a cabeça para um tipo como Sebastian Devon.
Não tinha a menor intensão de obedecer as suas ordens. Tinha anos de
experiência em cabos de guerra. Certa vez tinha até convencido Daphne a
comer vitela, e se tinha feito isso, poderia fazer qualquer coisa.
Na semana que se passou, ela agiu devagar e de maneira astuta. Começou
mudando pequenas coisas e limpando os cômodos menores que sabia que ele
não frequentaria. Mudou também a decoração do próprio quarto, já que era
óbvio que ele não entraria lá. Eles se viram mais duas vezes naquela semana,
momentos rápidos, quando se cruzavam pelo corredor, nas horas que ele
decidia descer e se enfiar dentro da torre do farol, nos fundos da propriedade,
e ficava lá dentro por horas.
Seraphne estava seriamente preocupada com a saúde do marido. Ele não
saia do quarto para nada e geralmente só via saindo de lá garrafas de bebidas
vazias, e as bandejas de comida voltavam sempre do jeito que entravam.
Intocadas.
Por mais que ele fosse um calhorda bruto, ela não queria perde-lo. Pelo
simples fato de que era muito jovem para se tornar viúva. Ele obviamente
adorava aquele clima soturno do castelo e estava se adaptando ao lugar como
um fungo que vem do vento. Ela não entendia os motivos por ele insistir
tanto em manter o castelo em ruínas.
Seraphne tinha certeza que se ele desse uma chance, e deixasse que ela
mudasse o ambiente ali dentro, tudo se tornaria melhor. Acreditava em uma
crença antiga que leu certa vez em um livro de um escritor estrangeiro. Você
deve atrair coisas boas para si.
Felizmente ela estava certa sobre Dayse. A garota era doce e muito gentil.
Lembrou sua irmã Josephne por dezenas de vezes. Era habilidosa com as
mãos e sabia bordar, coisa que nem Seraphne e nem suas irmãs se dedicaram
a aprender. As duas passavam muitas horas dos dias juntas, e isso estava
fazendo-as criar um bonito vinculo de amizade.
Elas e uma grande equipe de criados estavam limpando o último aposento
do quarto andar, quando encontraram um luxuoso piano de cauda. Era
branco, e trabalhado em entalhes dourados. Estava coberto por um fino pano,
e para a surpresa de todos, estava em perfeito estado. Diferente dos outros
móveis daquele andar, dos quais boa parte foi preciso ser jogada fora.
— É o piano da antiga marquesa. — Disse Marie Elnice, aparecendo por trás
delas e olhando para o objeto como se fosse um fantasma.
Seraphne estranhou aquilo muitíssimo. Principalmente porque era a
primeira vez que tocavam no nome da marquesa. Era como se os pais de
Sebastian jamais tivessem morado ali. Na casa não existia nada que tivesse
pertencido a eles. E ela suspeitava de que seu marido tivesse se livrado deles
quando herdou o marquesado.
Naquele mesmo dia mandou que polissem o piano. Era um adereço belo
demais para ficar esquecido em uma torre velha. Tinha a intenção de coloca-
lo no salão principal. De onde tinha tirado os cinco quadros dos antigos
marqueses e mandado coloca-los na galeria ancestral dos Standhurt. Não
gostava de comer com aqueles narizes empinados lhe mandando olhares de
julgamento.
Ela não sabia se ficava feliz ou triste por Sebastian não dar a mínima para
como ela estava levando seus dias. Ele simplesmente não se importava. E
isso, por mais que ela detestasse admitir, incomodava.
No final da semana, em comemoração por todos terem realizado com
perfeição a limpeza e o descarte de lixo do lado sul, Seraphne deu folga para
todos os criados e decidiu que queria conhecer o vilarejo.
Precisava urgentemente resolver algumas pendências. Subiu na
carruagem real e pouco depois ela e Dayse estavam andando pelas ruas
estreitas. Ela, como era muito curiosa, olhava a tudo com atenção e não
deixou de notar certos olhares atravessados. Algumas pessoas correram para
dentro de suas casas e alguns até fecharam as janelas a medida que
adentravam.
— Tenho a impressão de que não somos bem vindas. — Falou, passando por
uma taberna onde alguns homens começaram a cochichar olhando com
desgosto para o emblema dos Standhurt's na carruagem.
— Não somos nós que eles odeiam, milady. — Disse Dayse.
— E é a quem? — Seraphne perguntou, o cenho franzido.
— Ao marquês. — A donzela respondeu, Seraphne não conseguiu esconder
sua surpresa.
— O odeiam? Mas por quê?
— Não posso lhe responder com nitidez senhora. Quando cheguei em
Cartland o marquês já não morava mais aqui.
— Os criados mais antigos nunca comentaram nada? — Especulou, Dayse
balançou a cabeça negativamente.
— Desde que me tornei sua donzela os outros se afastaram. — Disse,
Seraphne abriu a boca, injuriada.
— Posso saber o motivo? — Perguntou, a jovem se encolheu no acento.
— Os criados tem medo do marquês. — Disse tão baixo que Seraphne mal
entendeu.
Mais uma vez seus pensamentos se misturaram, completamente confusos.
Ela sabia que seu marido era um homem difícil de lidar e um cretino
miserável a maior parte do tempo, mas não acreditava que Sebastian fosse tão
cruel a ponto de despertar medo nas pessoas. Não pôde dar andamento a
conversa pois a carruagem diminuiu a velocidade, indicando que estavam
próximas do destino.
Desceu acompanhada de Dayse, olhando aos arredores. A pequena capela
coberta de hera, ficava ao lado de uma casa que tinha o teto remendado por
tábuas de madeira. Era uma construção simples, com paredes repletas de
rachaduras e demolida do meio para o fundo. Logo um homem alto e um
pouco magricela saiu recebe-la. Ele usava um óculos, que também estava
remendado em vários lugares das hastes.
— Deve ser o senhor Greyson. — Sorriu para o homem. Ele a olhou com
receio, estudando suas roupas. Seraphne tinha escolhido um conjunto bem
simples para se vestir naquele dia. Não queria chamar a atenção do povo. —
Sou Seraphne Devon, a marquesa de Standhurt.
Os olhos do homem se abriram brevemente pelo espanto, ele encarou-a
com incredulidade, até que ela se sentisse desconfortável.
— Poderia me deixar entrar por um momento? Gostaria de ter uma palavra
com o senhor. — Disse, se sentindo envergonhada por ter que se alto
convidar.
—Ah, claro, sim, perdão. — Ele apressou-se em dizer, recuperando-se,
indicou a entrada da casa com um braço. Ainda olhando para ela como se não
acreditasse.
A casa era um tanto baixa, mas parecia ser grande em largura, algumas
tábuas rangeram quando ela andou até a sala, onde o cheiro de hortelã
cozinhando preenchia todo o espaço.
— Sente-se, por favor. — Greyson disse, puxando uma cadeira de uma
mesinha redonda. Ela o fez, e Dayse se colocou ao seu lado, ainda de pé.
Uma mulher com uma gravidez bastante avançada veio andando dos fundos
do corredor, de onde Seraphne supunha ser a cozinha, ela limpava as mãos
em um pano enquanto andava até eles. Tinha os cabelos encaracolados
recolhidos em um coque com alguns cachos caindo ao redor de seu rosto
delicado, ela era bastante bonita. — Esta é minha esposa, Louise. — Greyson
a apresentou, a jovem mulher sorriu para Seraphne, que retribuiu gentilmente.
Greyson se virou para a mulher. — É a marquesa de Standhurt.
O sorriso de Louise vacilou por um momento, e encarou Seraphne com a
mesma incredulidade que seu marido há poucos minutos. Aquilo estava
começando a incomoda-la seriamente.
— Quantos meses? — Seraphne perguntou se referindo a gravidez, na clara
tentativa de interromper aquele silêncio.
— Ah, já passa dos nove, estamos esperando que nasça a qualquer momento.
— Disse, acariciando a enorme barriga. Mais um pouco de silêncio. — Por
sorte chegaram bem na hora que estou tirando um chá do fogo, espero que
aceite uma xícara, madame.
Parecia se esforçar para ser uma boa anfitriã.
— Seria ótimo. — Seraphne respondeu, tirando suas luvas das mãos. Quando
a mulher se afastou, ela se virou para o senhor Greyson. — Chegou aos meus
ouvidos que costumava dar aulas em sua capela.
— Sim.
— Eu gostaria de saber o porquê interrompeu suas aulas. — O homem
ergueu as sobrancelhas, pensou um pouco.
— A capela estava velha, a parte de trás demoliu após uma forte tempestade,
e o restante da construção não é mais segura. — Ele explicou, a mulher
voltou dos fundos trazendo uma bandeja com um bule fumegante e algumas
xícaras. Greyson a olhou carinhoso enquanto ela servia o chá. — Minha
esposa Louise costumava dar as aulas, ela é preceptora de uma família
abastada no centro de Exeter. — A mulher sorriu acanhada. — Tínhamos
uma biblioteca sabe? Mas com a falta de renda foi impossível mantê-la. Eu
faço os bicos que dá, mesmo assim o dinheiro não é suficiente para reformar
a capela, e comprar os materiais de estudo necessários. Nem todos poderiam
comprar, são tempos difíceis no vilarejo.
Seraphne aceitou a xícara que a mulher ofereceu.
— E se eu estivesse disposta custear tudo? O senhor se disponilizaria a tomar
frente desse projeto? — O homem coçou o queixo, avaliando.
— Não sei. — A olhou embaraçado. — O povo talvez não queira deixar os
filhos estudarem se souber que o dinheiro vem de uma Devon.
Ela absorveu aquela informação engolindo uma dose de seu chá. Estava
mais que claro que aquele povo abominava qualquer coisa que tivesse o
nome Devon no fim.
— Então isso ficará em segredo. — Disse, o homem a olhou por um
momento.
— Me desculpe a pergunta, mas qual seu real interesse em reabrir a escola?
— Louise perguntou, Seraphne colocou a xícara sobre a mesa.
— Bom, não estou feliz com o estado de desgaste que essa cidade se
encontra, mas acima de tudo por que não consigo suportar que existam tantas
crianças iletradas. — Disse com sinceridade. Louise e o marido se olharam,
trocando palavras silenciosas. Quando o homem a olhou novamente, exibia
um sorriso afável.
— Muito bem então, se esse é seu único interesse, temos um acordo. —
Seraphne sorriu, e apertou a mão de Dayse em comemoração.
Depois de terminar o chá e finalizar os últimos detalhes do projeto, elas
deram um até breve ao casal e andaram pela cidade até a chegarem a uma
humilde marcenaria.
Entrou no recinto apinhado de madeira e bateu com a mão na campainha
acima do balcão. Pouco depois um homem levemente corcunda com uma
cara emburrada saiu de dentro do que parecia ser uma dispensa.
— Pois não? — Perguntou tão rude quanto seu rosto.
— Vim contratar seus serviços de marceneiro. — Ela falou, exibindo um
sorriso simpático.
Ele olhou para a carruagem parada na rua e depois desceu o rosto pelo
corpo dela. Observando seus trajes. Por fim, cuspiu no chão com tanta força
que poderia ter perfurado o solo.
— Não faço acordos com uma Devon. — Disse ríspido, Seraphne não se
deixou abalar pela sua rudeza.
Precisava muito daqueles móveis e ele era o único profissional respeitável
em toda a Devonshire.
— Não sei que tipo de desavença tem com meu marido, mas não sou ele.
Estou disposta a pagar qualquer quantia. — Insistiu.
— O dinheiro Devon é amaldiçoado. Qualquer um que toque nele cai em
desgraça, assim como todas as gerações da família. — Retorquiu, cuspindo
novamente no chão, cada vez mais próximo do pé dela.
Dayse ao seu lado tremia feito vara verde entrelaçando sua mão no braço
da patroa.
— Não vou pagar com o dinheiro de meu marido, sou uma mulher
independente. — Tirou da bolsa um saquinho substancialmente pesado e
jogou na mão do homem.
Ele pegou o saco no ar, e avaliou seu peso. Medindo o tamanho da sua
integridade e a sua ganância. Quando ficou satisfeito, estendeu uma mão para
ela.
— Sendo assim, ficarei feliz em trabalhar para a senhora, milady.
❀❀❀
As noites se tornaram bem mais agradáveis sem os barulhos inoportunos.
Seraphne imaginou que seu marido perceberia a diferença no ar, mas o
homem não deu o menor sinal de vida. Ela só sabia que ele estava vivo
porque ouvia o som de seus passos pelo quarto.
Os móveis que tinha projetado com a ajuda do carpinteiro, demorariam
duas semanas para chegar. Isso significava que ela tinha duas semanas para
achar uma desculpa razoável. Sabia que Sebastian ficaria furioso e já estava
preparando o seu discurso para quando essa hora chegasse.
Enquanto ela não vinha. Decidiu que estava na hora de começar a
organização do lado norte, e como seu marido geralmente ficava bem longe
de lá, eles puderam trabalhar mais a vontade. E até com alguns sorrisos nos
rostos.
Aos poucos os criados estavam confiando nela. Pareciam um pouco mais
a vontade em sua presença. Menos Marie Elnice, que obviamente não
aprovava o fato de ela estar desobedecendo o marido. Mesmo que isso fosse
pelo bem de todos.
Limparam cada andar de baixo para cima. Ela dava as instruções, os
homens faziam o trabalho bruto e as mulheres limpavam. O lado norte por
algum motivo parecia bem mais sombrio que o lado sul. Até mesmo o ar era
diferente. Quando finalmente chegaram ao último andar, Seraphne entrou
pela primeira vez nos aposentos dos antigos marqueses.
O quarto da mulher era delicado e elegante. Com os pequenos detalhes de
sua estadia sendo levados pelo tempo. O do homem era bem mais rústico,
cheio de livros de linhagens e um em especial sobre os Standhurt's.
Seraphne separou este para dar uma breve olhada. Agora que, de um
maneira ou de outra, fazia parte daquela família, queria saber mais sobre
eles. Talvez um dia, quem sabe, em uma remota possibilidade, Sebastian
quisesse ter filhos com ela.
Ela podia negar seu corpo para o prazer, mas não podia tirar o direito dele
de querer um herdeiro. Caso isso chegasse a acontecer, ela talvez, quem sabe,
poderia abrir uma exceção.
Limparam os dois cômodos que com certeza eram os piores em questão
de sujeira e começaram a retirar os objetos que não serviam mais.
Em uma dessas buscas, dentro do quarto do marquês, escondido atrás de
várias camadas de roupas velhas e tranqueiras, estava um retrato em tamanho
real de uma bela mulher.
A jovem sorria para o pintor em sua pose. Sentada em uma mesa de chá,
segurando nas mãos um pequeno livro de capa verde aberto, ela usava um
vestido de várias tons de amarelo. A tinta brincava com os tons em perfeita
sincronia. Seus olhos azuis eram cheios de vida e encaravam um ponto a sua
frente. Um suave sorriso inocente balançava em sua boca, transmitindo uma
energia de completa paz.
Seraphne não reconheceu aquela mulher de lugar algum, mas sabia que
havia algo nela que lhe lembrava alguém.
— Milady, ele está vindo! — Dayse irrompeu pela porta apavorada, e
Seraphne já sabia de quem se tratava.
Permaneceu de frente para o quadro e esperou pacientemente a chegada
do furacão.
Ela não precisou se virar para saber que seu marido estava lá dentro. Ela
podia sentir todo o calor que emanava de seu corpo como um imã.
— Saia. — A voz dele trovejou contida pela fúria. Dayse lançou um olhar
desolado para ela, Seraphne sorriu, esperando que isso a acalma-se um
pouco. E mostrando que estava tudo bem.
Ainda relutante, ela deixou o quarto. Que estava iluminado pela luz
entrando das janelas. Ouviu a porta bater com toda a força e se preparou para
o que estava por vir.
Ele ficou em silêncio por bastante tempo. Até ela desistir e se virar para
ela, a curiosidade a vencendo. Seu coração saltou. Já havia até se esquecido o
quanto ele ficava lindo sob a luz do dia.
Tinha os olhos fixos e perdidos no quadro atrás da esposa, com uma
expressão de dor física extrema. Então Seraphne soube quem a mulher do
quadro lhe lembrava. A seu próprio marido. Ficou parada deixando ele tomar
o tempo necessário para digerir todas aquelas informações. Devia ser difícil
para ele rever a mãe depois de tanto tempo.
Quando ele olhou para ela, o ódio contido em seus olhos a fez estremecer.
— Você me desobedeceu. — Foram as primeiras palavras a saírem de sua
boca. O tom de sua voz estava tão frio quanto sua postura. — Além de me
desobedecer, faz isso na frente de todos os meus criados. Com a ajuda deles!
— Fiz apenas o que todos queriam fazer, mas ninguém fazia por medo de
você. — Rebateu. tentando não se encolher diante de sua imponência.
— E o que te dá o direito de erguer a voz sobre eles e passar por cima de uma
ordem minha? — Perguntou sem se importar em controlar os gritos. Ela
jamais havia visto um homem furioso. Estava um pouco amedrontada.
— Acredita-se que seja a esposa que deva cuidar dos assuntos domésticos. —
Respondeu, dando um pequeno passo para trás.
— Acredita-se também que a esposa deva ser submissa ao marido, sua
hipócrita desprezível. — Berrou e sua ofensa fez Seraphne retrair-se. Ele a
achava desprezível?
— Nunca vou ser submissa a você! — Gritou de volta mas logo se
arrependeu, de alguma maneira conseguiu deixa-lo ainda mais furioso.
Uma grossa veia saltou de sua testa, e a pele ficou escarlate por toda a
parte. Ele andou até ela a passos largos e colocou um dedo riste.
— Eu avisei Seraphne, tenha consciência disso, e dessa vez eu não vou voltar
atrás. — Sua voz saiu ameaçadora e completamente apavorante. — Quer
tanto restaurar Cartland? Ótimo, fique a vontade. Estou indo embora.
Seraphne arregalou os olhos, ele lhe deu as costas e se afastou em
direção a porta, ela correu e se colocou na frente dele, impedindo sua
passagem.
— Vai embora para onde? — Perguntou, e odiou o desespero que saiu em sua
voz.
Ele abriu um sorriso tão maligno que se comparava com o próprio
lúcifer.
— Para qualquer lugar longe de você. — Disse, ela sentiu a dor de uma faca
em seu coração. Não entendia o porque de isso estar doendo tanto, ela não o
amava. Amava?
— Você não pode fazer isso comigo. Se vai me deixar, me permita a menos
voltar para a casa dos meus pais, em Londres. — Pediu, ele abriu uma risada
divertida na cara dela. Ela o desprezou como nunca.
— Mas é claro que não. Este é o castigo por você ter me desobedecido. Vai
ficar confinada por trás dessas muralhas enquanto eu vou voltar para minha
vida. — Olhou bem no fundo dos olhos dela e disse sem piscar nenhuma vez:
– Só agora percebo a grande burrice que fiz me casando com você. Não valeu
a pena o esforço.
Seraphne o encarou, absorvendo a dureza daquelas palavras. Jamais quis
aquele casamento, jamais buscou nada nele além de prazer físico, e agora
ouvir essas últimas palavras saírem de sua boca, fez o seu peito sangrar como
um golpe certeiro de uma espada.
Olhou para o anel de noivado em seu dedo, a esmeralda brilhou
sutilmente pela luz do sol, e então junto com o vento que veio da janela
beijando seu rosto em um rastro frio, ela soube porque havia se casado com
ele, soube porque nunca cogitou a hipótese de fugir ou porque atravessou
aquela igreja com passos firmes e decididos.
Foi uma tola, nunca percebeu que o motivo para no fundo, querer se casar
com ele era tão simples e cruel quanto a brisa gelada do inverno que estava
por vir.
Ela estava irrevogavelmente apaixonada por Sebastian.
CAPÍTULO ONZE
❀❀❀
Sebastian sabia que sua chegada em Londres não ficaria em segredo por
muito tempo. Passando-se um mês desde que deixou Devonshire as fofocas
rolaram soltas. Aparentemente ele e seu casamento eram o assunto da vez.
Tinha saído até no jornal, a manchete dizia: "Lua de fel: O casamento que
durou menos que o cortejo."
Ele evitava sair de sua casa, passava a maior parte do dia organizando
assuntos no parlamento e vez ou outra recebia bilhetes de Marie Elnice sobre
como andavam as coisas em Cartland.
A governanta nunca mencionava sua esposa diretamente, só dava indícios de
que Seraphne estava bem e que os dias na propriedade nunca foram tão
prósperos.
Ele não sabia se ficava aliviado por ela estar bem ou enfurecido por saber
que ela estava muito melhor sem ele. Detestava o fato de que se importava
demais com ela.
Passava suas noites atormentado. Com o corpo dolorido de desejo pela
esposa. Muitas vezes teve que aliviar seu sofrimento com a própria mão, se
odiando por sempre pensar nela quando chegava no limite.
Não sabia exatamente como se sentir. Antes ele podia se prender a ilusão
de que tinha entrado aquele casamento por desejo, mas agora, percebendo o
quanto sentia falta dela, soube que era muito mais que isso. E teve medo de
estar criando ilusões. Ele sabia que sentimentos como amor e afeição não
eram para alguém como ele. Aprendeu desde criança que a única base capaz
sustentar uma relação eram os interesses mútuos.
Sim, ele tinha obrigado Seraphne a se casar com ele, porque achou que
ela fosse mais um troféu de suas vitórias, porém, agora percebia que havia
feito tudo aquilo por outro motivo. Outro motivo que perturbava-o e o
deixava amedrontado. Estranhou muitíssimo o fato de nenhuma das suas
cunhadas ou Sophie bater em sua porta xingando-o de todos os impropérios
possíveis. Imaginou que elas seriam as primeiras a lhe perturbar, mas
nenhuma das cunhadas deu importância para o sofrimento da irmã.
Ele imaginava que possivelmente a esposa havia mandado cartas
contando o quanto ele foi um marido horrível.
Sebastian detestava admitir que ela tinha razão quanto a isso. Ele foi um
marido horrível, mas não conseguia se controlar, Cartland trazia lembranças
ruins demais. E isso misturado ao fato de que ela o rejeitava, o deixou
possesso. Fora de si.
Depois de muitas noites deitado em sua cama fitando o dossel azul
marinho, decidiu sair um pouco.
Sentia seu corpo mais leve, embora o aperto no seu coração fosse
constante e ficou surpreso por perceber que ainda tinha um coração no fim de
tudo.
A carruagem parou de frente para a mansão suntuosa de Haddington, e ele
caminhou até a porta onde puxou a aldrava em formato de corvo. Os lordes
tinham preferido uma reunião em um lugar mais reservado. E mais reservado
que a mansão de Thomas impossível. A casa ficava em uma área afastada das
outras casas, era gigantesca, protegida por várias árvores.
O mordomo abriu a porta. — Boa noite milorde. — Cumprimentou dando
espaço para ele entrar. Sebastian retirou o casaco e seguiu o mordomo pelos
corredores da grande mansão imaculada. Como sempre vazia e silenciosa,
lady Haddington não permitia que os criados usassem os mesmos corredores
de acesso que os senhores da mansão. Aparentemente ela gostava de dar a
impressão de que a casa mantinha-se limpa e elegante por si só. Lincoln abriu
uma porta corrediça, e anunciou sua chegada na sala de jogos.
Os três homens já estavam lá, sentados confortavelmente ao redor de uma
mesa próximo da lareira. O marquês caminhou até eles e sentou-se na cadeira
que restava, destinada a ele. Era a primeira vez que saia de casa desde que
tinha posto os pés em Londres.
Tinha visto Christopher nesse período de um mês, mas isso não diminuiu
o constrangimento da situação. Todos sabiam o que se passavam pela cabeça
de cada um, mas ninguém tinha coragem de pôr as palavras para fora.
Sebastian preferia assim. A última coisa que queria era falar sobre seu
casamento. Ou o fracasso que ele era.
Jogaram em silêncio apostando uma pequena quantia de dinheiro para
começar. Foram bebendo e descartando cartas enquanto continuavam em
silêncio, Sebastian decidiu ser o primeiro a falar.
— Como estão meus afilhados? — Descartou uma carta, Christopher abriu
aquele típico sorriso que sempre surgia quando alguém mencionava os filhos.
— Estão muito bem. Você precisa vê-los, cresceram dois metros desde que
você... — O duque parou subitamente, percebendo que iria tocar na palavra
"casamento".
— Espero vê-los em breve. — Sebastian disse, preenchendo o silêncio
pungente da pausa.
— Logo começaram as eleições para a Câmara dos Comuns. — Thomas
disse mudando o foco do assunto para política. Sebastian agradeceu
silenciosamente, queria poder desfrutar da sua noite sem seus pensamentos
girarem em torno de Seraphne.
— Qual seu melhor palpite sobre os resultados? — Sebastian indagou, o
conde refletiu por alguns segundos.
— Aquele rapaz que luta pelos direitos dos mineradores de carvão tem uma
boa chance com o povo. — Disse.
— Eu estava pensando...— Alec entrou na conversa, descartando uma carta.
O rosto exibia uma expressão tranquila, Sebastian sabia que depois daquela
expressão sempre vinha uma indigestão. —...Pretende ficar em Londres por
muito mais tempo?
A pergunta veio nociva e suave. Quase escondendo a verdadeira intensão
por trás dela. Sebastian conhecia Alec desde Eton, bem antes de conhecer
Christopher. Sabia que ele era estrategista e indireto, quando implicava com
um assunto, não largava o osso até ter as resposta que buscava.
— É onde moro não é?! — Respondeu, encarando as cartas em sua mão.
Sentiu os olhares dos três homens em cima dele e soube que isso era apenas o
início do interrogatório.
— E lady Seraphne? — Perguntou Haddington.
— O que tem? — Perguntou imparcial, desejando por todos os santos que
esse assunto acabasse ali.
— Bom, não vem para Londres? — Perguntou, como se fosse óbvio.
Sebastian ergueu os olhos para os três, cerrou o maxilar.
— Não. — Respondeu duro.
— E o que a dama em questão achou disso? — Perguntou Northwest, o
marquês cerrou os punhos.
Odiava entrar em assuntos que exigiam qualquer demonstração de
sentimentalismo, sua vida conjugal não era da conta de ninguém, mas esses
eram os seus amigos, os mesmos que tinham ajudado ele no momento mais
crucial de sua vida. Eles tinham feito uma reunião semelhante a essa quando
Christopher mandou Sophie embora. Agora infelizmente, era a vez dele.
— Ela não tem que achar nada, está vivendo muito bem em Cartland. —
Respondeu, bebendo um gole de seu xerez. — Tem tudo o que uma mulher
precisa. — O jogo havia sido esquecido.
— Como pode ter tanta certeza disso? — Indagou Thomas, ele o olhou
confuso.— De que tem tudo que precisa?
— O que mais uma mulher poderia querer além de ocupações, dinheiro, um
teto para morar quente no inverno e um prato com comida? — Os três
homens o olharam como se ele fosse louco.
— Bom, o que toda mulher casada costuma querer. — Alec corrigiu,
enfatizando a palavra "casada".
— E o que seria isso? — Perguntou, desejando realmente a resposta.
Queria muito saber o que precisava fazer para ter sua esposa.
— Realmente não sabe não é? — Indagou Christopher e ele bufou
impaciente.
— Você é a prova viva de que nada adianta deitar-se com centenas de
mulheres, se não souber realmente como funciona a cabeça delas. — Alec
riu. Agora eles estavam atacando seu ego masculino.
— A questão é que mulheres como Seraphne não se contentam com os luxos
que você está acostumado a proporcionar, ela quer te dissecar até que tenha
todos os órgãos expostos e não ficará feliz até que tenha seu coração ainda
batendo servido em uma bandeja. — Alec falou e os outros dois riram.
— Seja claro imbecil. — Rosnou.
— Amor Sebastian, o que Alec está querendo dizer é que ela quer o seu
amor. — Christopher explicou.
Sebastian sentiu todo o sangue fugir de seu rosto e encarou os três amigos
com a mente em branco.
— E filhos, com certeza ela quererá filhos. — Alec concluiu, e isso só
agravou ainda a grande náusea que circulava seu estômago.
Simplesmente não conseguia pensar em si mesmo como um pai. Com
certeza não era um bom exemplo para tal função e o exemplo mais próximo
que tinha de paternidade era o seu pai. E preferia morrer em meio ao fogo do
que repetir suas ações.
Quando decidiu se casar, ele pensou que poderia derramar sua semente
em qualquer parte fora de Seraphne, geralmente fazia isso com as meretrizes,
mas nunca imaginou que sua mulher seria irresistível. Somente a ideia de
jorrar em qualquer canto que não fosse dentro dela parecia absurda.
De qualquer maneira isso não poderia ser levado em relevância, não
quando sua esposa havia deixado bem claro que não desejava ter intercurso
com ele uma segunda vez.
— Eu não acredito que ela vá querer. — Disse amargamente, fitando o fogo
que crepitava na lareira.
— Mas e se quiser? — Insistiu o desgraçado e ele explodiu.
— Se ela quiser então eu farei, miserável! — Gritou, Northwest sorriu ao ver
que atingiu bem onde queria. — Está satisfeito?
— Muitíssimo. — Respondeu escondendo um sorriso dentro do copo,
desejou ter algo para atormenta-lo de volta, mas o maldito era tão certo
quanto o menino jesus.
— Se isso te incomoda tanto por que não retorna para casa Sebastian? —
Perguntou Christopher, ele suspirou, sentindo que não tinha mais porque
manter suas defesas em alerta naquele momento.
Seus ombros caíram, e ele afundou o rosto nas mãos. Sentia muita falta de
Seraphne.
— Não posso. Ela me odeia, me despreza, não me quer como homem, sou
um estorvo em seu caminho, é melhor que fique aqui, e deixe que ela
continue feliz em Cartland. - Respondeu, deixando a mascara da indiferença
cair, mostrando o quanto aquilo estava abalando-o.
— Isso é típico de você sabe? — Disse Thomas. — Sempre foge quando a
situação se torna intensa.
Sebastian franziu o cenho. Era verdade? Ele fazia mesmo isso? Piscou,
nem precisava perguntar. Sabia que era verdade, aprendeu a fazer isso
quando criança e nunca mais parou.
— Eu não acredito que você fez tudo aquilo para se casar com ela, para no
fim de tudo abandona-la. — Disse Christopher. Ele tinha razão.
Mas como poderia voltar? Como voltaria a encarar Seraphne depois de ter
dito em sua cara que se arrependia de tudo? Céus, foi um idiota!
— Não sei se consigo voltar, não tenho cara para isto. — Confessou
envergonhado, Haddington levantou e andou até ele, depositou a mão em
suas coisas e deu algumas palmadinhas.
— É para isso que existem os amigos, suponho. — Disse, Sebastian fitou-o
confuso.
— Que quer dizer com isso? — Perguntou, Alec sorriu do outro lado da
mesa.
— Não é óbvio? Vamos todos para Cartland.
❀❀❀
❀❀❀
❀❀❀
No dia seguinte Josephne não saiu do quarto para nada. Comeu suas
refeições trancada com a desculpa de que estava sentindo enxaquecas.
Seraphne sentia-se péssima, nunca tinha parado para pensar no modo como
suas atitudes interferiam na vida de suas irmãs. Foi egoísta por pensar
somente nela enquanto Josephne sofria calada por todos esses meses.
— Está assim desde que você se mudou, no princípio achamos que fosse
saudades de você, mas certa vez me esgueirei para dentro do seu quarto e vi
uma carta de amor. — ia dizendo Daphne, elas tomavam o chá da tarde em
uma mesinha no jardim. — Mamãe estava muito preocupada, Josephne não
come, sorri, nem brinca, ou sai para cavalgar no Hyde Park, que era um de
seus passatempos preferidos.
— Acha que tem haver com Haddington? — Indagou aflita e ela assentiu.
— De umas semanas para cá vem agindo diferente na presença dele, nem
parece nossa irmã, parece mais uma dessas perfeitinhas inglesas de nariz
arrebitado. — Respondeu com irritação.
— E o que acha que ela quis dizer com aquilo ontem, "não restou nada para
ele destruir" ? — Perguntou, Daphne torceu a boca.
— Haddington está cortejando Lady Beatrice. — Seraphne abriu a boca
surpresa, imaginava a dor de Josephne, sentia. E quis fazer de tudo para
ameniza-la.
Lady Beatrice era a filha de um visconde, na temporada passada esteve
hospedada na casa de campo de lady Lindsay no Hampshire com elas.
Era uma moça doce. Por mais que quisesse, Seraphne não encontrou
defeitos nela. Era exatamente o tipo com quem Haddington se casaria.
—Oh Daph, ela está desolada. — Lamentou.— Crê que ele não corresponde
aos sentimentos dela por culpa de nossa reputação.
— E o que podemos fazer Seraphne? A culpa não é nossa, muito pouco sei
sobre o amor, mas o que sei é que quando se ama alguém, não importa as
dificuldades ou as barreiras que o destino impõe. Obviamente os sentimentos
dela não são correspondidos. — falou sua irmã demostrando mais uma vez o
quanto era sábia.
O restante da tarde Seraphne passou organizando os detalhes do solstício
que aconteceria em cinco noites, queria deixar o castelo com uma decoração
exuberante, queria que o povo de Devonshire, se sentisse confortável ali. E
principalmente conseguir finalmente a afeição de todos eles.
Não sabia como diria para o seu marido que eles sediariam a festa,
estava buscando uma maneira de dar a notícia quando ele irrompeu porta a
dentro bufando como um touro bravo.
— Você. — Disse apontando um dedo autoritário para ela. — Venha comigo.
Agora!
Seraphne poderia muito bem tê-lo ignorado, mas vendo o seu atual
estado de fúria decidiu que o melhor a se fazer, era obedece-lo. Segui-o pelos
corredores do segundo andar e pela escada que levava ao salão de jantar.
Quando entrou no ambiente viu que seu marido estava de pé no meio do
salão, a postura ereta de quando estava furioso.
— Pode me dizer o que significa aquilo? — Apontou para o quadro de sua
mãe bem pendurado na parede.
Seraphne deu de ombros, obviamente sem entender o motivo de sua
explosão. Era apenas um quadro, não o armagedon.
— Achei que ficaria melhor aí do que mofando na torre norte. – Respondeu
calmamente, estava decidida a não deixa-lo irrita-la. Percebeu que todas as
brigas com o marido terminava a machucando seriamente e não se sentia
disposta a sentir dor.
— Achou que ficaria melhor? – Repetiu suas palavras com petulância. —
Pois eu não. Ordeno que mande-o tirar daí, e este piano nojento também. E
caso ouse me desobedecer, demitirei todo aquele que tentar te ajudar.
Seraphne não deixou de se sentir ofendida. Tinha tido bastante trabalho
em tirar as marcas do tempo daquele belo piano para ouvir alguém chama-lo
de nojento.
— Eles ficarão onde estão. E se você mandar tirar, pego-o sozinha e coloco-o
de volta. Sem a ajuda de ninguém. Assim não haverá quem demitir. — Falou
decidida e as veias da testa de Sebastian começaram a se tornar visíveis.
Pensou seriamente em correr.
Ele atravessou o pedaço de espaço que separava-os e se colocou diante
dela, Seraphne reprimiu a vontade de se encolher de medo diante da raiva
descontrolada que emanava dele.
— Por que você faz questão de tê-la ali, Seraphne? – Seraphne deu um passo
para trás. — Por que insisti em me desobedecer?
— É tua mãe Sebastian, por que a despreza desta maneira? — Seraphne
inquiriu de volta e o movimento de seu pomo de Adão revelou que aquele
assunto o deixava nervoso.
— Nunca foi uma mãe para mim. — Respondeu severo, com as expressões
faciais inexpressivas, revelando que as suspeitas dela tinham fundamento.
Sim, os motivos pelo seu marido ser o que era, duro e incapaz de
expressar sentimentos, era de alguma maneira resultados de um passado que
se revelava cada vez mais misterioso. Eles ficaram em silêncio por vários
segundos depois de sua singela revelação. O silêncio sussurrando palavras
invisíveis.
— Quer saber? Ganhaste, fica com teu quadro e teu piano, só não reclame
quando eu passar a fazer coisas que te desagrade. — Dito isso lhe deu as
costas e abandonou o grande salão.
Deixando Seraphne estagnada no mesmo lugar com seus pensamentos
confusos sendo refletidos em sua face.
Então, como se o destino quisesse lhe dar as respostas de que buscava,
Marie Elnice entrou no salão segurando uma bandeja de prata com um bule
de chá e xícaras. — Muito agradáveis suas irmãs milady. — Ela disse com
um sorriso gentil, depositando a bandeja na mesa.
— Certa vez mencionou que conhece meu marido desde muito jovem Marie.
— Disse ela cortando o assunto. A senhora olhou-a com o sorriso fugindo de
seu rosto.
— Sim, conheço-o. – Respondeu cruzando as mãos nervosa na frente do
corpo e Seraphne assentiu uma vez, decidida e firme.
— Então deve ter as respostas que eu busco.
CAPÍTULO QUINZE
— O que quer saber senhora? — Perguntou com um sorriso que mais denotava
medo, que gentileza.
Seraphne indicou uma cadeira na mesa de carvalho maciço. Em todos as semanas
que passou sozinha naquela casa, sofrendo pela falta de Sebastian e se perguntando o
por quê de ele ser tão miserável, jamais imaginou, que a resposta para as suas
perguntas estava bem debaixo do seu nariz.
Dayse havia dito por alto uma vez que Marie Elnice era uma das criadas mais
antigas da família Devon, obviamente a mulher a sua frente conheceu os pais de
Sebastian. Se sentia tola por não ter chegado a essa conclusão antes.
— Marie, nesses últimos meses em que estive aqui, já deve ter percebido que não
tenho uma relação saudável com meu marido. — começou, puxando cadeira ao seu
lado e se sentando. A governanta ficou ainda mais inquieta e abaixou os olhos para os
dedos das mãos.
— A vida pessoal dos patrões não é assunto dos criados, milady. — Disse como uma
perfeita governanta. Infelizmente não chega nem perto da verdade.
Seraphne sabia que todos dentro do castelo, sabiam que seu casamento era um
desastre.
— Vamos esquecer por um momento que somos patroa e criada e invés disso vamos
pensar em nós duas como duas mulheres que apenas querem o bem do mesmo
homem. — O rosto da mulher corou levemente.
Não foi difícil, com o passar dos dias, para ela perceber que Marie Elnice era leal
ao seu marido. Sempre que tocavam em seu nome uma expressão de afeto semelhante
ao de uma mãe, tomava suas faces. Somente pelo fato de ela se dirigir a ele pelo nome
de batismo, já era um indício de que tinham uma relação além de patrão e governanta.
Sem falar que Marie Elnice era a única criada em todo o castelo que não se encolhia
de medo diante de Sebastian e aparentemente, ela era a única com quem ele falava de
maneira mais aberta e até gentil.
— Tudo bem. — Foi sua resposta direta, ela assentiu grata.
— Eu suspeito, que os motivos por Sebastian ser do jeito que é, tem alguma coisa a
ver com seus pais.— comecei e ela anuiu, mostrando que estava ouvindo. — Como
sei que você trabalhou aqui na época em que ele era criança, certamente deve saber
como era o relacionamento dos três.
Marie Elnice encarou a patroa por um tempo. Ponderando se estava tomando a
decisão certa em confidenciar isso a ela. Por fim suspirou pausadamente e remexeu
nos botões do avental enquanto dizia: —Homem cruel o lorde Gerard Devon...—
Começou, sua voz estava áspera, seus olhos perdidos em memórias. —... Quando
cheguei em Cartland eu era muito nova, tinha em torno dos vinte e dois anos e fui
contratada como donzela da antiga marquesa.
Fez uma breve pausa seguida de um silêncio tenso encarando o quadro da
marquesa.
— Você teria admirado lady Liliana, era uma mulher doce, gentil, 3 delicada, incapaz
de machucar qualquer ser vivo. — Fez outra pausa. — Não merecia o destino que
havia sido imposto a ela. Se casou com o marquês por necessidade, sem imaginar que
anos mais tarde ele seria o causador de sua ruína.
A cada palavra Seraphne ia ficando mais tensa, com medo por saber a verdade e
ansiosa pelo mesmo motivo.
— Ele amava o marquesado mais que a tudo no mundo. Cuidava deste castelo como
se fosse um bebê e não deixava de ressaltar a sua posição, humilhando qualquer um
que fosse abaixo dele. Queria um herdeiro a todo custo, era muito violento sabe,
muitas das vezes presenciei seus atos de barbárie, machucava-a a cada mês em que
sua regra descia, chamava-a de estéril, inútil, trancava-a em seu quarto na torre por
dias, sem deixar que visse a luz do sol ou sequer se alimentasse. — O sentimento
característico da raiva brotou no coração de Seraphne.
Pela pintura de seu rosto no quadro, suspeitava que o antigo marquês não fosse
flor que se cheire. Mas jamais algo como isto.
— E então? — Instigou ela a prosseguir.
— Lady Liliana passou meses sofrendo nas mãos do marido, além de machuca-la em
seus momentos de raiva ele descontava também nos criados, e muitas vezes no povo
do vilarejo. — Disse. — Como Cartland é o único terreno com solo fértil de toda a
região, todo o cultivo de milho, leite, algodão, lã e muitas vezes água potável provinha
daqui, e quando estava chateado, ele simplesmente impedia o povo de plantar.
— Então é por isso que o povo odeia o nome Devon? —Inquiriu, digerindo as
informações.
— Sim e também por vários outros motivos que direi logo mais. — Disse, Seraphne
assentiu. — Quando finalmente o marquês se deu por vencido e decidiu parar de
tentar ter um filho, lady Liliana engravidou.
Essa parte Seraphne já esperava, obviamente o fruto dessa gravidez estava em
algum lugar do castelo enchendo a cara de bourbon.
— A essa altura lady Liliana já não era mais a mesma, vivia muito sozinha, isolada.
Eu era a única que entrava em seu quarto e raramente comia, não tinha ânimo ou
qualquer resquício de emoções, muitas vezes cheguei bem a tempo de salva-la de
cometer uma loucura.
— Que tipo loucura se refere?
— Bom, certa vez a encontrei com uma navalha perfurando a pele do braço. —
Seraphne arquejou horrorizada. —
Passou toda a gravidez assim, se machucando ou se privando de comer, até o marquês
decidir montar guarda ao redor dela.
O rosto dela enfureceu-se, como se vivesse as cenas novamente.
— Passou os nove meses da gestação se certificando que lady Liliana não machucasse
o bebê de alguma maneira e foi quando a criança finalmente nasceu que as coisas
pioraram. — Disse, muito sombria. As entranhas na barriga de Seraphne deram um
nó.
— Lady Liliana abominava a criança. Dizia que era um fruto maldito da semente de
seu marido. — O coração dela começou a martelar forte. Pensou em Sebastian
menino, sozinho, sem nunca conhecer qualquer tipo de amor ou afeto, resultando
nessa pessoa taciturna e insensível que ele é hoje. E pensar que ela contribuiu com
isso, lhe dava vertigens.
Havia sido dura demais com ele, dito coisas ruins. Privado ele de sentir o
carinho dela.
— O lado bom foi que Lorde Devon estava tão exultante com o nascimento da criança
que esqueceu-se da mulher. Dedicou todo o seu tempo ao menino. — Entristeceu. —
Pobre criança o menino Sebastian.
No tom de voz piedoso da mulher, Seraphne soube que o destino de seu marido
não havia sido muito melhor que o da mãe.
— Ele era proibido de sair do castelo, até ter quatro anos de idade nunca tinha visto
nada além dessas paredes, seu pai se encarregou ele próprio de educar o menino e o
seu tipo de educação era cruel.
As mãos de Seraphne começaram a tremer pela revolta.
— Espancava-o a cada desobediência. — O peso dessa frase foi tanto que ela expeliu
todo o ar dos pulmões. Jamais poderia imaginar. Jamais. — Ele era apenas um
menino, devia estar brincando, explorando as colinas, fazendo amigos no vilarejo,
invés disso era obrigado a se portar como um molde de seu pai. Ele queria ter a prole
perfeita, queria que o menino chegasse em Eton como um perfeito cavalheiro, uma
obra de arte, e quando a criança se rebelava era castigada de maneiras severas.
Os olhos de Seraphne já estavam borrados pelas lágrimas. A dor de saber os
motivos pelos quais seu marido era assim, era sufocante.
— E ninguém fazia nada? A marquesa ou um criado? — Ela indagou sem tentar
camuflar a indignação.
— Lady Liliana tinha muito medo do marquês, para ela, quanto mais ele estivesse
concentrado no menino, melhor. Assim ele não voltava a perturba-la. — Seraphne
apertou os punhos consumida pela raiva. — Quanto aos criados, qualquer um que
tentasse ajudar acabava demitido e outros tinham um destino bem pior, ele era um
homem muito poderoso e destruiu muitas famílias em Devonshire, tirando o sustento
de suas casas e a oportunidade de ter uma vida digna.
Agora ela entendia os motivos por todos temerem seu marido e abominarem o
nome dos Devon.
— Aos nove anos de idade o menino foi embora para começar seus estudos e só
voltou para o enterro de sua mãe um mês depois. E então só retornou aos dezoito anos
para o enterro do marquês. — Disse, Seraphne juntou as mãos sobre o colo.
— De que maneira morreram? — Perguntou com medo da resposta.
— Ela caiu do alto da torre norte onde ficava o seu antigo quarto, morreu afogada no
lago. A menos é esta a versão contada pelo marquês. O corpo nunca foi visto por mais
ninguém além dele e da criança. — A boca de Seraphne estava batendo lá no chão.
Jamais imaginou que ali houvesse acontecido uma tragédia como aquela. Sabia
que a torre norte era bem alta, mas a única passagem para fora era uma janela e a
pessoa teria que se pendurar para cair de lá, ou ser jogada.
— E quanto a ele? Morreu de quê? — Perguntou depois que conseguiu voltar a
raciocinar.
— Certa noite saiu no meio de uma tempestade e pegou uma pneumonia, sua morte
não foi tão dolorosa quanto ele merecia. — O rancor saiu forte na sua voz.
Seraphne jamais havia chegado a desejar ou comemorar a morte de alguém. Mas
se havia uma pessoa que merecia, essa era Gerard Devon.
— Depois do enterro do pai, lorde Sebastian foi embora para Londres, ordenou que
parassem de cuidar do castelo, imagino que as memórias da sua infância eram
dolorosas demais, e essa foi a maneira que encontrou de se vingar de seu pai. —
Concluiu, Seraphne se sentiu péssima.
Foi evasiva e egoísta demais. Sem perceber ela estava escavando todo o passado
de Sebastian e esfregando-o em sua cara. Agora que conhecia a história, via que seu
marido era apenas uma consequência dos abusos de seu pai cruel.
Respirou fundo, obviamente teria que ter outra abordagem com ele. Estava
acostumado a ser tratado com indiferença, e ela se odiava por ter se negado a ele
também. Tinha que voltar a ser não só sua mulher, tinha voltar a ser sua amiga. Estava
disposta a lutar pelos dois.
Mas antes ela precisava saber se no fim, valeria a pena, se tinha a remota
possibilidade de no vazio poeirio do coração dele, ainda restar algum espaço para ela.
— Obrigada Marie, fez a coisa certa em me contar. Farei o possível para fazer aquele
homem florescer. — Falou, levantando da cadeira, a governanta a imitou.
— É que, tem mais uma coisa. — Disse nervosa enfiando as mãos no bolso do avental
e tirando de lá um envelope marrom amassado e um pouco gasto. — Uma noite antes
da morte de lady Liliana, quando eu fui deixar o seu jantar em seu quarto ela me
entregou isto.
Seraphne pegou a carta estendida e leu a letra elegante em uma tinta desgastada e
rala "Para Sebastian", os olhos dela se abriram como dois pratos, fitando aquela carta
em sua mão.
— Ela pediu para que eu o entregasse quando tivesse idade o suficiente para
compreender, mas como ele nunca retornou, estive guardando por todo esse tempo, eu
venho carregando ela comigo desde que ele voltou, tentando tomar coragem para
entrega-la. — E estava passando essa missão para ela? — Mas agora que sabe da
história acredito que seja mais qualificada para isso.
Seraphne encarou o papel marrom, aquela carta simbolizava duas coisas, uma
esperança e uma destruição, joga-la sobre seu marido, neste momento seria como dar
um tiro no escuro. Sem saber onde a bala atingiria. A única certeza que ela tinha
naquele momento era que o conteúdo daquele envelope jamais poderia chegar até as
mãos de Sebastian
.
❀❀❀
Seraphne voltou para seu quarto pressionando aquela carta contra sua
barriga como se fosse um pecado sujo.
Temendo que Sebastian aparecesse a qualquer instante. Ela não ia permitir
sob hipótese alguma que o conteúdo daquela carta destruísse ainda mais o seu
marido.
Pensar na negligência e crueldade de sua mãe fez Seraphne sentir um
desprezo imenso pela antiga marquesa. Se nunca havia sido uma mãe ou
sequer uma presença reconfortante, não deveria ter nada ali dentro que
pudesse amenizar o passado.
O que estava feito, estava feito, e nada poderia mudar o vidro
estilhaçado. Ela adoraria poder, mas não podia. Tinha ciência de que não
podia julgar a marquesa. Mas não conseguia deixar de sentir rancor,
Sebastian não tinha culpa por seu pai ser um monstro. Era apenas uma
criança descobrindo da pior maneira a crueldade humana.
Uma criança que jamais conheceu o amor sincero e puro. Que não vem
carregado de interesses ou corrompido pelo pecado. Jamais conheceu o
carinho ou a piedade, resultando no homem que é hoje. Destruindo as
chances dela de ter um casamento saudável e feliz.
E se por acaso ele lesse a carta de sua mãe e se sentisse sufocado outra
vez? Se fosse embora de novo? Seraphne sentia que dessa vez ele não
regressaria. E não faria isso.
Seu marido era um homem corrompido, mas ela sentia e sabia que ainda
tinha uma esperança. Sebastian correspondia ao desejo dela, o seu ataque de
raiva quando comunicou que queria compartilhar sua cama era a prova de
que teria uma chance se jogasse com as cartas certas.
Guardou o papel gasto dentro do baú onde continha o seu enxoval. Pois
sabia que seria o último lugar onde alguém procuraria. E tentou não se sentir
culpada ou criminosa por estar omitindo uma coisa daquela magnitude do
marido.
Se confortou com o pensamento de que era para o seu próprio bem, e que
quando tudo estivesse acertado entre os dois, ela entregaria e seria o apoio
para seu marido caso ele precisasse.
❀❀❀
❀❀❀
Sebastian descobriu da pior maneira que sua esposa não estava para
brincadeira. Naquela mesma noite as mudanças começaram. Subitamente
Seraphne deixou de ser risonha e receptiva para se tornar fria e indiferente.
Obedecendo suas ordens, ficando longe dos negócios, e se comportando
como a perfeita esposa de um nobre.
E teria sido até perfeito, se isso não estivesse matando ele lentamente.
Ela estava ignorando-o. Complemente. Já não falava com ele nem para
desejar bom dia. Cruzavam um com o outro pelos corredores e agiam como
dois estranhos. Não importava o que ele fizesse para chamar sua atenção, ela
não se importava. Até quando fazia uma pergunta, ela respondia sem olha-lo.
Como se ele não estivesse presente e ela estivesse conversando com o vento.
E isso foi a gota que encheu o copo.
Um desespero corrosivo começou a castigar o coração de Sebastian. Ele
começou a se sentir como aquele garoto que foi no passado, ignorado e
sozinho. Seraphne estava agindo igual a sua mãe.
Porém, era a primeira vez que Sebastian sabia que a culpa por estar
sendo tratado assim, era única e exclusivamente dele.
Tinha a beijado com a intensão de mostrar que também poderia tirar o ar
de seus pulmões, queria fazer com que a esposa precisasse dele tanto quanto
ele precisava dela. E de uma maneira tão natural e deliciosa Seraphne
conseguiu reverter a situação.
Ele jamais imaginou foi que fosse cair em sua própria armadilha.
Quando ela tocou-o, como uma deusa da audácia, fazendo com que ele
tivesse o segundo melhor orgasmo de sua vida, Sebastian sentiu uma onda
avassaladora de carinho por sua esposa.
Um sentimento inédito, forte, sufocante puramente doloroso envolveu
seu peito e rodeou seu coração gelado como um manto de calor. E nada no
mundo foi mais apavorante do que isso.
Naquele momento, seu instinto foi apenas a auto defesa. Agiu como um
bastardo, como sempre fazia quando sua esposa ameaçava derrubar suas
estruturas. E agora estava vivendo um inferno pessoal, tendo que ver a cada
dia Seraphne se tornando mais distante.
E o pior de tudo era que ele não podia simplesmente mostrar que estava
descontente com isso sem parecer um débil, afinal de contas foi ele quem
pediu para ela agir assim.
Quem os visse de fora diria que eram o casal perfeito. Um marido
concentrado no trabalho e uma esposa subserviente. Porém, somente ele e
Seraphne sabiam que ele estava sendo castigado. Ele nunca admitiria em voz
alta, mas estava amargamente arrependido. Seu corpo doía pelo trabalho que
estava tendo com Cartland, sua paciência estava esgotada e sua fome sexual
pela esposa ainda estava insaciada.
Tinha que arranjar uma maneira de trazer sua esposa de volta sem
parecer um ridículo. Ou entraria em estado de loucura.
Faltando apenas um dia para o solstício, Seraphne resolveu oferecer um
jantar especial para os convidados de Cartland, visto que eles iriam embora
logo após o festejo.
Sebastian descobriu que era tremendamente bom receber seus amigos ali.
Ele ainda tinha muitas memórias ruins de Cartland, e não conseguia se sentir
confortável dentro das paredes de rocha lisa, mas o trabalho árduo que estava
tendo ali estava fazendo com que ele adquirisse certo carinho pelas terras. A
paisagem, o castelo, e principalmente o que ele representava para a sua
esposa.
Ele deu uma olhada nela no outro extremo da mesa de jantar. Estava a
três cadeiras de distância dele, conversando educadamente com o duque de
Northwest, segurava uma taça de vinho na mão pequena.
Ele sentiu um ciúme doentio daquela taça e também de Alec, por terem a
atenção que ele desejava. Queria que aqueles lábios de rubi sorrissem para
ele, e que aqueles olhos de esmeralda bruta olhassem com admiração para
ele. Só ele.
— Por que não compartilham o conteúdo da conversa? Parece estar sendo
bastante interessante. — Disse arisco, chamando a atenção não só dos dois,
quanto da mesa inteira.
Northwest estreitou os olhos para ele. e abriu um sorriso.
— Porque não tenta controlar um pouco o seu ciúme? — Sebastian cerrou os
punhos ao redor dos talheres.
— Estávamos falando sobre a terra de Northwest. — Interrompeu Seraphne.
— Sobre os jogos Highlands de verão.
— Jogos de verão? Isso parece divertido. — Disse Josephne, abrindo a boca
pela primeira vez naquela noite.
— Sim madame, são. Mas receio que não sejam jogos feitos para uma
mulher. — Northwest respondeu.
— Acontece meu lorde, que são poucos os jogos feitos para uma mulher. —
Josephne prosseguiu, adquirindo aquela sua velha expressão competitiva. —
Felizmente isso nunca me impediu de jogar. Como deve se lembrar. —abriu
um sorriso audacioso, fazendo todos recordarem do fatídico dia que foram
pegas jogando de ceroulas ao ar livre.
— Sei disso, recordo-me perfeitamente. — O escocês piscou um olho,
coquete. — Porém, quando digo que não são feitos para mulheres falo a
sério, na grande maioria são jogos que exigem muita força física e
habilidades com armas de caça. — Explicou.
— Argh. — Um som audível de escárnio foi expelido da garganta de Daphne
York, sentada na outra extremidade da mesa. Todas as cabeças se viraram
para ela vagarosamente.
— Que quer dizer com "Argh"? — Perguntou Alec acidamente, arqueando
uma sobrancelha.
A garota ergueu os olhos acidentados para ele. O pequeno queixo
erguido em uma postura de desafio. Sebastian reconheceu facilmente aquela
expressão, pois já a tinha a visto no rosto de Seraphne minutos antes de
começar uma discussão. Pobre Alec.
— Quero dizer milorde, que suas festividades não passam de uma
competição acéfala de brutamontes de saias erguendo troncos para se exibir
como pavões. — Subitamente toda a mesa entrou em um silêncio pungente,
somente o som das respirações e da cabeça de Alec entrando em erupção.
Os três homens ali sabiam que Alec era extremamente orgulhoso por
ser metade escocês e não escondia isso de ninguém. Não era atoa que andava
por aí ostentando as cores de sua linhagem.
Foram poucas as vezes que alguém insultou seu sangue e saiu com a
cara intacta.
—Acéfala? — repetiu a palavra quase com incredulidade.
— Sim, caso não saiba o que significa eu posso lhe explicar. — A York
provocou, com um sorriso puramente maldoso. Alec se mexeu na cadeira.
— Eu sei o que acéfala significa! — Exclamou, sem esconder sua irritação.
— E significa...— Daphne o instigou a prosseguir, com petulância.
— Você é uma jovenzinha impertinente. — Ele disse, o cenho franzido pelo
aborrecimento.
— E você é um homem adulto que usa saias! — Explodiu, erguendo-se na
mesa.
— Eu já disse que não são saias! — Alec gritou Alec de volta, também se
erguendo.
— Eu estou grávida. — De repente toda a atenção se moveu de Daphne para
Sophie. A bela duquesa estava com um expressão plena, como se tivesse
acabado de informar o tempo.
Christopher levantou de sua cadeira meio trôpego, andou até a esposa,
pegando-a pela mão.
— Está falando a sério? — Perguntou, estava emocionado.
— Sim. — Disse Sophie, sorrindo. — Segundo minhas contas estou com
quase dois meses.
Os olhos de Christopher se encheram com lágrimas de felicidade.
Encostou a testa na da esposa em uma imagem de revirar os olhos.
— Obrigada, meu ébano. — Sussurrou, segurando a esposa em um beijo
completamente apaixonado.
Quando se soltaram os dois sorriam um para o outro. Christopher se
virou para os amigos. — Vou ser pai novamente!
— Escolheu o melhor momento para dar a notícia. — Disse Thomas,
causando uma pequena maré de risadas.
Imediatamente todos levantaram para parabenizar o casal exultante de
felicidade. Esquecendo-se da briga que havia acontecido há poucos minutos.
Ver aquela troca de felicidade e carinho entre seu amigo e sua esposa
ativou em Sebastian um sentimento que até então nem ele mesmo tinha
percebido que estava ali, desejou sentir aquele mesmo tipo de felicidade.
Procurou Seraphne pelo salão e encontrou-a perto da lareira, encarava o
fogo inexpressiva, ainda segurando sua taça de vinho. Ele já tinha uma
esposa, só precisava ser o marido que ela merecia.
CAPÍTULO DEZESSETE
❀❀❀
***
❀❀❀
Seraphne suspirava distraidamente fazendo círculos com o dedo na borda
de sua xícara fumegante de chá. Estavam tomando chá sentadas no jardim, e
ela se perguntava se todas as manhãs eram assim tão lindas ou se estava
sendo assim somente para ela.
Recordando com detalhes as sensações da língua de Sebastian em seu
corpo pela manhã. Jamais imaginou que um homem pudesse beijar uma
mulher daquela maneira, ou que fosse gostar tanto a ponto de querer repetir o
mais rápido possível.
— Pretende ir a Londres para a temporada social? — Perguntou Sophie,
segurava nos braços sua filha Charlotte, a menina brincava com a barra da
saia da mãe enquanto seu irmão balançava em um cavalinho de madeira.
— Acredito que sim. Agora que sou marquesa posso ser uma influência boa
para Jose e Daph. — Respondeu, soprando a fumaça do chá, e bebericando
um pouco.
— Não perca o seu tempo. Não pretendo me casar, a não ser que eu me
apaixone ou que o pretendente seja lindo como Apolo. Duas coisas
impossíveis. — Disse Daphne.
— O amor chega para todos Daph. Ele não avisa, apenas se aloja no seu peito
e suga toda a sua essência como um parasita. — Disse Josephine, amarga
como fel.
Seraphne murchou, era triste ver sua irmã tão diferente do que era.
— Veja pelo lado bom, poderemos voltar a cavalgar pelo Hyde Park como
fazíamos meses atrás! — Disse Sophie, mudando o foco de Josephine
rapidamente.
Seraphne sorriu para a amiga, grata. Sabia que Jose estava sofrendo, se
pudesse tomaria toda a dor que a irmã estava sentindo e colocava dentro de si
mesma. Mas não podia, então faria o que estivesse ao seu alcance para
ameniza-la. Ajudaria Josephine a superar seu amor estranho por Haddington.
Nem que durasse meses ou anos. Iria para Londres na temporada sim,
queria aproveitar seu novo status de casada e mimar suas irmãs como
pudesse, dar a liberdade que elas mereciam.
Encarou o perfil juvenil de Josephine. Estava meio pálida, com a pele um
pouco macilenta. Não parecia muito saudável. Mas não deu importância, em
pouco tempo iria voltar ao seu aspecto jovial quando lhe comprasse novos
vestidos, perfumes e joias. Faria com que sua irmã fosse cortejada por
condes, marqueses, viscondes e até duques. Para provar que Haddington não
era nada.
Infelizmente naquela mesma tarde ela teve que dar adeus a todos. O que
foi uma surpresa, visto que eles iriam embora somente no dia seguinte pela
manhã.
— Milady, foi um prazer ficar hospedado em sua humilde residência, espero
regressar em breve. — Disse o duque de Northwest, usando seu infalível
sorriso galante, se abaixando para beijar a mão dela. As bochechas de
Seraphne formigaram.
Notou que Haddington foi o primeiro a subir em sua carruagem, nem se
dignou a dar um adeus. Ela realmente não entendia o que sua irmã tinha visto
nele.
— Daphne, se acontecer qualquer coisa, por mais insignificante que seja, por
favor, me avise. — Pediu ao dar um abraço na irmã. Seraphne estava há dias
com um pressentimento ruim.
— Pode deixar. — Prometeu e pouco depois eles estavam partindo.
Ela ficou parada do lado de fora do castelo ao lado de Sebastian,
observando as carruagens até que elas dobrarem as colinas e sumissem de
suas vistas.
Ela se virou para seu marido, ele a encarava fixamente. Estavam enfim
sozinhos.
— Aconteceu algo com Haddington? — Perguntou, ele torceu a boca,
levemente incomodado.
— Tivemos divergências. — Respondeu. — Mas não é a primeira vez que
isso acontece, logo ele cairá em si.
Ela queria saber quais eram essas divergências, queria conversar, saber
por que seu marido andava com alguém tão insípido. Mas percebeu que isso
era um assunto somente dele, então calou-se.
— O que teremos para o jantar? — Perguntou, se virando para entrar no
castelo, ele parou-a com uma mão.
— Espere um minuto, preciso fazer algo que não fiz quando chegamos aqui
pela primeira vez. — Seraphne franziu o cenho confusa, e soltou um grito de
surpresa quando Sebastian ergue-a nos braços.
— O que você está fazendo? — Ela perguntou, não resistindo e caindo na
risada. Entre a excitação e o embaraço por eles estarem bem de frente para
vários lacaios.
— A convenção dita que o noivo deve levar sua noiva nos braços para dentro
de casa. — Ele disse, carregando-a sem esforço.
— Mas isso é apenas na lua de mel! — Ela protestou, adorando ver o sorriso
de felicidade enfeitando o rosto dele.
— Minha querida, já você vai descobrir que a lua de mel acabou de começar.
CAPÍTULO VINTE
❀❀❀
Passando-se uma semana desde a partida dos seus amigos, Sebastian
imaginou estar vivendo no paraíso.
Jamais imaginou que poderia ser tão feliz vivendo em Cartland. Desde
criança associou aquele castelo a tristeza, dor e sofrimento. E agora, estava
vivendo ali os melhores dias de sua vida.
Quando olhava para o castelo já não tinha tantos pensamentos ruins, e
quando eles vinham, simplesmente invocava na mente a lembrança de sua
esposa dormindo e logo eles eram arrastados para longe.
Sebastian se sentia tão sortudo por tê-la ao seu lado. Seraphne era uma
mulher destemida, forte. E ele era agradecido por isso, se não fosse por esse
lado dela, talvez ele nunca tivesse se dado conta de que deveria mudar.
Ele jamais iria se arrepender de tê-la feito se casar com ele. Sua esposa
ferrenha fisgou-o sem querer. No dia em que entrou como uma fera disposta
a lutar pela amiga no magistério, no dia que Christopher arquitetou um plano
maluco para ter Sophie de volta em casa.
Desde aquele dia, ele sabia que seria ela. E estava sendo ela desde então.
Depois de muito pedir, tinha finalmente conseguido fazer com que ela
voltasse a administrar a propriedade com a ajuda dele. Ou ele com a ajuda
dela, já que, por mais vergonhoso que fosse admitir, ela sabia muito mais
sobre a terra do que ele.
– Tem certeza disso? Não quero afetar novamente sua masculinidade. — Ela
disse esnobe, quando ele fez a proposta.
— Caso isso aconteça você poderá me repreender da maneira que quiser. —
Ele retrucou, irritado consigo mesmo por ter sido tão estúpido. Um sorriso
travesso iluminou o rosto dela.
— Tudo bem. Mas tenho uma condição.
— Por que estou com um mal pressentimento? — Ele perguntou olhando-a
receoso. Ela se debruçou sobre mesa.
— Eu volto...se...você permitir que eu use calças quando for cavalgar. —
Uma expressão aborrecida tomou o rosto dele.
— Isso está fora de questão. — Cortou. Era um ciumento, e não tinha
vergonha de demonstrar isso.
— Olhe por outro lado, Sebastian. — Ela disse o nome dele sedutoramente,
batendo as pestanas, paquerando-o. — Com essas calças... eu não uso nada
por baixo.
E foi assim que ela venceu facilmente aquela batalha.
É claro que ele colocou limites, ela só poderia sair daquele jeito quando
ele estivesse junto. Para que pudesse agir como um fiel marido ciumento ao
mandar olhares fulminantes a cada vez que um trabalhador ou criado olhava
para onde não devia.
Estavam tomando o café da manhã certo dia quando Marie Elnice
colocou a correspondência ao lado dele na mesa. Ele folheou os envelopes e
abriu o que tinha o selo vermelho do ducado de Ballister no lacre. Leu a carta
rapidamente, sorrindo ao ler o relato animado de Christopher ao contar que
sua filha Charlotte ia deixa-lo louco. Que as fofocas sobre o noivado dele
finalmente acabaram, e que Thomas tinha noivado oficialmente alguns dias
atrás.
A notícia não o deixou surpreso. Ficou apenas magoado por não ser o
próprio Thomas a dá-lo a notícia. Pelo visto Sebastian tinha realmente tocado
em uma ferida exposta.
Já tinha brigado com Thomas algumas vezes durantes os anos, e sempre
faziam as pazes, sejam com cartas ou um convite para uma bebedeira.
Mas a confirmação daquele noivado era uma resposta clara, e era bom
que Sebastian se mantivesse longe. Ele era fiel a sua amizade, mas não podia
querer por perto alguém que desprezava o sangue de sua esposa.
Afinal de contas, um dia ela seria mãe dos filhos dele.
— Algum problema, querido? — Seraphne perguntou, tocando gentilmente
na mão dele. Fazendo a raiva ir embora com aquele simples toque.
— Thomas está noivo de Lady Beatrice Crawford, se casarão em dois meses
na catedral de St. George. — Ele falou, bebendo um gole de chá.
— Oh. — Ela proferiu, apenas fitando a mesa, os pensamentos perdidos. —
Pobre Jose...— Murmurou.
Sebastian não sabia se ficava feliz ou triste por sua cunhada. Certamente
se casar com Thomas não era um grande troféu. Além do amigo ser
totalmente engessado, tinha uma mãe intragável, que faria da vida dela um
completo inferno.
— Preciso escrever para minha irmã. — A esposa disse, levantando de sua
cadeira e correndo escada acima em direção ao escritório.
Naquele dia foi bem difícil colocar um sorriso no rosto dela. Estava
nitidamente preocupada com a irmã e nada do que ele fazia, era suficiente
para tirar o semblante distante do seu rosto.
— O que acha de trazermos Josephne para passar uma temporada aqui
conosco? — Ele perguntou, acariciando o topo da cabeça dela.
Estavam deitados na cama dos dois, fitando o fogo que dançava na
lareira, em silêncio.
— Você faria mesmo isso? — Perguntou, erguendo-se para olha-lo. — Não
seria um incômodo?
— Josephne nunca seria um incômodo, ela é sua irmã, o que a torna minha
irmã, e me torna responsável por ela. — Ele falou, e pela primeira vez
naquele dia ela abriu um sorriso feliz.
Ela se jogou em seu pescoço e encheu seu rosto de beijos, Sebastian
sorriu, sabendo que tudo valeria a pena se tivesse o sorriso de Seraphne no
final.
CAPÍTULO VINTE E UM
Seraphne não demorou a enviar uma carta a sua irmã. Esperava de coração
que Josephne aceitasse, estar longe de Londres era tudo do que ela precisava
naquele momento.
Enquanto a resposta não vinha, ela passava os dias inquieta, tentando
ocupar sua mente com qualquer distração que aparecesse. Lendo, escrevendo,
cavalgando, ajudando na cozinha. Mas nada parecia ser capaz de desanuviar
sua mente. Estava preocupada demais com Josephne e nada fazia aquela
angústia em seu peito passar.
A escola no povoado já estava em pleno funcionamento sendo
comandada pelo senhor Greyson. Ela tinha tirado um dia para levar alguns
doces e materiais para as crianças. A biblioteca de Cartland era imensa e
possuía um grande estoque de livros e pergaminhos em branco.
Certa manhã comandou uma equipe de limpeza pelo castelo. Fazia isso
de tempos em tempos para impedir que voltasse a cumular poeira ou teias de
aranha nas salas vazias.
Depois de limpar todo o lado sul, foram para o lado norte, começando
pelo primeiro andar e indo para o segundo andar. Tudo estava ocorrendo
muito bem, até ela ouvir um chiado desesperado do lado de fora da parede
rochosa.
Caminhou até a janela e colocou a cabeça no lado de fora, procurando a
fonte do chiado e vendo um pássaro lutar para libertar sua asa presa em uma
ponta afiada das hastes do archote. Foi até a porta e chamou por um criado,
mas todos já estavam no piso de cima, ocupados demais limpando. Ela puxou
a sineta mas foi inútil, o tempo que um criado levaria para chegar até ela o
pássaro poderia quebrar a asa pelo esforço de se soltar.
Ela voltou para a janela e olhou para baixo, encontrou o lago verdoso lá
embaixo. Respirou fundo, colocou um pé no parapeito, tomou impulso e
subiu na janela, se apoiando na grade para não cair lá embaixo.
Ignorou o frio em sua barriga, e estendeu uma mão para o pássaro, que
não estava muito longe, mas o pobre animal ficou assustado ao vê-la e tentou
voar na direção oposta para se livrar dela.
Se esticou mais um pouco, chegando a ficar na ponta dos pés. Mais um
pouquinho, apenas mais um pouquinho, e ela alcançaria-o. Estendeu a mão,
se segurando apenas com os dedos na grade. Dessa vez conseguiu agarra-lo,
retirou sua asa com cuidado da ponta de ferro. E libertou-o para voar
livremente. Observou com um sorriso satisfeito ele voar piando feliz por estar
liberto. Tudo bem, agora sua missão seria voltar para dentro da sala sem.
Começou a regressar lentamente, tomando cuidado para não deslizar na
pedra arisca. Se apoiou novamente no parapeito e estava quase dentro da sala
quando ouviu a voz desesperada de Sebastian gritar o seu nome.
No momento que ela se virou para olha-lo, seu pé escorregou, e ela não
teve tempo de segurar o peso de seu corpo com a mão, não teve nem tempo
para gritar antes cair direto para o chão. Sentiu a pancada fria da água contra
suas costas, e foi engolida pela água salobra.
A dor em suas costas era tão grande que ela mau tinha forças para erguer
os braços e nadar até a superfície. A pancada tinha expulsado o ar dos seus
pulmões, privando ela de ter qualquer fôlego. As saias do vestido começaram
a pesar para baixo, arrastando-a para o fundo. Seus braços fracos doíam pelo
esforço de tentar subir, estava quase lá quando sentiu uma mão agarrar em
sua cintura e puxa-la com força para a cima.
Quando emergiu, ela puxou o ar com dificuldade para os pulmões, se
agarrando ao pescoço de seu salvador enquanto era levada para terra firme.
Sebastian segurou-a nos braços e andou a passos largos para dentro do
castelo. Aquilo não era necessário, a dor da pancada em suas costas já tinha
passado e ela já se sentia bem.
— Sebastian, já me sinto melhor. Ponha-me no chão. — Pediu, tentando se
desvencilhar. Mas ele aferrou-a ainda mais contra o corpo.
— Fique quieta. — Ordenou ríspido, seus olhos faiscando, com uma mistura
de raiva e assombro, seu rosto estava branco como uma vela.
Irrompeu pelas portas de Cartland berrando ordens para todos os lados.
Mandando que preparassem um banho com água quente, e que trouxessem
toalhas e lençóis e preparassem um chá imediatamente.
Ela não estava entendendo nada daquela situação. Tinha caído de uma
pequena altura em um lago, não era o fim do mundo.
— Sebastian. Estou bem. — Ela falava mas era inútil, o homem estava
descontrolado.
Ele levou-a até o seu quarto e começou a tirar as suas roupas molhadas
com urgência, sem se importar com a presença das criadas enchendo a
banheira.
— Sebastian! — Ela gritou seu nome em um tom duro, finalmente chamando
a atenção dele. — Você está agindo como um louco!
Ele encarou-a friamente. Ordenou que criadas saíssem do quarto apenas
com um aceno de cabeça.
— Eu estou agindo como um louco? Você acabou de se jogar de uma janela
há mais de dez metros de altura e eu estou agindo como um louco?
— Eu estava tentando salvar a um pássaro que estava preso no archote do
lado de fora. — Ela explicou, e ele soltou uma risada incrédula. Desprovida
de qualquer emoção.
— Um pássaro? Salvar um pássaro? Você tem noção do susto que me deu?
— Ele gritou, ela deu um passo para trás. — Qualquer pessoa que cai naquele
lago morre de alguma maneira, se não por mim, ao menos pense em você
mesma, tire sua roupa e entre nesta banheira!
Então ela se deu conta do grande erro que havia cometido. Céus, tinha
esquecido completamente dos pais dele.
— Sebastian, me desculpe. — Andou até ele, mas ele se afastou.
— Por favor Seraphne, faz o que eu estou pedindo uma única vez na vida! —
Ele pediu. Mas ela não desistiu. Chegou mais perco, sabendo que por mais
que ele estivesse fervendo de raiva, jamais a machucaria.
— Você está molhado também. — Disse pousando uma mão no peito dele.
Levou os dedos até os botões de sua camisa encharcada. Ele não lutou contra
ela, esperou pacientemente ela se livrar de sua camisa, e logo depois de suas
calças. — Venha, entre comigo
O puxou pela mão e afundou os dois na banheira de água morna. Ela
estava se detestando por sido tão insensível. Jogou um pouco de água nos
ombros dele, o banhando e massageando seus músculos até que ele parecesse
relaxado. Ele suspirou, rendido e a puxou para mais junto dele. Pousou a
cabeça no peito dela.
❀❀❀
Seraphne ficou de frente para a janela observando seu marido galopar
para longe entrando na escuridão. O coração despedaçado transbordando
pelos olhos. Tudo que ela mais temia tinha se concretizado, e a culpa era
totalmente dela. E essa era a pior parte.
Ficou de pé na janela, pois somente a ideia de se deitar naquela cama
sem ele, trazia dores muito profundas. Nem notou quando o dia finalmente
amanheceu, tão absorta no seu próprio arrependimento. Tudo que ela menos
queria era que Sebastian se isolasse com aquela carta. E se não fosse capaz de
perdoa-la nunca? E se nunca confiasse nela novamente?
Ele estava certo, ela foi egoísta. Estava tão feliz vivendo finalmente os
seus melhores dias de casada que teve receio de estragar tudo com a entrega
daquele envelope. E agora não adiantava mais remoer os erros do passado,
foi inconsequente e tinha que aceitar esse fato.
Se Sebastian chegasse a perdoa-la um dia, ela podia levar isso como um
aprendizado, jamais iria esconder segredos dele. Caso ele não perdoasse...Ela
não saberia como prosseguir, mas daria um jeito.
O curto tempo em que ficaram juntos só serviram para fazer com que ela
tivesse mais certeza de que o amava. Sua lealdade, sua obstinação, sua
capacidade de demonstrar em pequenos gestos o quanto ele se importava com
ela. E na primeira oportunidade, por causa de um pequeno deslize, ela
colocou tudo a perder.
Levantou aquela manhã sentindo o corpo pesado pela exaustão e os olhos
inchados pelo choro incessante. Não esperava que ele fosse estar na mesa de
café da manhã, mas não pode reprimir a ínfima esperança de que ele
estivesse.
— Bom dia, senhora. — Disse Marie Elnice, com um pequeno sorriso
acolhedor. Seraphne correspondeu como pôde. — Trouxe sua
correspondência.
— Obrigada Marie, sabe me dizer se meu marido regressou para casa? —
Perguntou, observando a governanta servir um pouco de chá em uma xícara.
— Não, milady. — Respondeu com um olhar de alento. Seraphne assentiu,
olhando para as próprias mãos, segurando o choro que insistia em voltar. —
Não se preocupe. Minha mãe sempre dizia que nosso lar é onde mora nosso
coração, e o coração do menino Sebastian mora onde você está. Ele irá
voltar.
Seraphne olhou para Marie Elnice, ela não sabia de onde a governanta
tinha tirado aquela insanidade, Sebastian até podia gostar dela e quere-la em
sua cama, mas chegar a ama-la ou acha-la seu lar, isso era um pensamento
com o qual Seraphne não se iludia. Mas agradeceu pelas palavras da
governanta.
Tomou seu chá em silêncio, aquecendo o oco do seu estômago e olhando
fixamente para o quadro de lady Liliana. Quem olhava para o sorriso gentil
em seu rosto nem imaginava que ela tinha visitado o inferno. No fim de tudo,
Seraphne se considerava uma mulher de muita sorte, mesmo tendo tentado,
Gerard Devon não tinha consigo corromper a alma de seu marido.
Ela ia levantar de sua cadeira quando seus olhos bateram no amontoado
de envelopes na bandeja ao seu lado. O carimbo negro de sua família com a
letra caprichosa de Daphne fez um calafrio percorrer suas entranhas.
Pegou o papel e rompeu o lacre com o dedo, passando a vista
rapidamente pela caligrafia escrita as pressas e sentindo todo o sangue fugir
de seu corpo.
"Aconteceu uma desgraça, Josephne está gravida. Mamãe está de cama e
papai enlouqueceu, chamou Haddington para um duelo, você tem que vir
para Londres antes que aconteça uma desgraça ainda maior."
O papel deslizou das mãos duras de Seraphne para o chão, e então sua
mente explodiu ao finalmente receber as respostas para todas as perguntas
que vinham rondando o relacionamento de sua irmã com Haddington. "Não
restou nada para ele destruir. "
Por isso eles se afastaram subitamente, por isso ela se manteve reclusa a
maioria dos dias que esteve em Cartland, provavelmente para disfarçar os
enjoos. E uma verdade dolorosa castigou seu íntimo e despertou uma fúria de
morte dentro dela, por isso ele decidiu se casar tão subitamente, para fugir do
compromisso com Josephne.
Cretino desprezível!
— Maison! — Ela gritou, subindo as escadas as pressas.
O menino veio correndo dos fundos.
— Sim, milady?
— Prepare a carruagem com os cavalos mais rápidos de meu marido,
partiremos para Londres em cinco minutos. — Maison voltou correndo em
direção aos estábulos.
Ela trocou suas roupas por uma de viagem e colocou em uma bolsinha
tudo o que poderia precisar durante a curta viagem. O duelo aconteceria na
madrugada daquele dia, se os cavalos fossem rápidos e não houvessem
paradas desnecessárias no caminho, ela chegariam bem a tempo de impedir
que quatro pessoas ficassem órfãs de pai.
Desceu as escadas as pressas e respirou contente quando viu a carruagem
posta de frente para a propriedade. Antes de entrar no grande veículo ela se
virou para Marie Elnice.
— Se meu marido voltar para casa...— rapidamente engoliu as próprias
palavras. Quem ela estava querendo enganar? Ele não voltaria. Não por ela.
— Esqueça. Voltarei o quanto antes, e talvez seja necessário que arrume um
quarto extra, pode ser que eu não volte sozinha.
— Sim, senhora. — A governanta concordou e com uma última olhada para
Cartland, Seraphne entrou na carruagem e partiu.
CAPÍTULO VINTE E DOIS
❀❀❀
A noite caia pesadamente sob as ruas de Londres. A lua brilhava no céu
com todo o seu esplendor, sempre testemunha, iluminando as três silhuetas
encapuzados que percorriam as ruas vazias a cavalo. A brisa gelada competia
com o frio oco dos seus estômagos. O galope furioso do cavalo pelo chão
repercutindo na noite como os tambores de uma batalha.
— Você tem certeza que estamos indo na direção correta Daph? — Gritou
Seraphne, a cada minuto que passava, se sentia mais aflita. Fazia dez minutos
que seu pai tinha saído de casa, dez minutos de diferença entre a vida e a
morte.
— Sim, ouvi papai dizer para mamãe mais cedo que eles se encontrariam no
lado leste do parque, onde tem aquela estatua antiga do Duque de Norfolk. —
Respondeu a irmã, tomando a dianteira.
Seraphne não sabia onde seu pai estava com a cabeça. Mesmo que ele
saísse ileso do duelo, mesmo que conseguisse limpar a honra de Josephne,
seria preso e pendurado na forca por matar ninguém menos que um dos mais
poderosos pares do reino.
Maldito Haddington!
Ela deu uma olhada de soslaio em Josephne. A mais jovem das York
permanecia com a vista focada no caminho. As faces muito pálidas e olheiras
profundas abaixo dos olhos, ela parecia acabada.
As três dobraram a direita, na parte mais afastada do parque. Ela já
conhecia a fama do esconderijo por ser bastante usado pelos casais que
queriam certa privacidade. Agora ela também sabia que era utilizado para a
prática de duelos.
Chegaram a uma parede de cerca viva e puderam ver ao longe as silhuetas
disformes de seu pai e Haddington, apontando as armas um para o outro.
— Parem! — Seraphne gritou, movida pelo desespero. E os homens viraram
as cabeças para elas.
— O que vocês estão fazendo aqui? — Esbravejou seu pai, quando elas
chegaram perto o suficiente.
— Impedindo o senhor de cometer uma loucura. — foi Daphne quem
respondeu, descendo do cavalo e caminhando até seu pai. Phillip estava na
companhia de Garret, seu contador e padrinho de duelo.
— Será possível que nenhuma única vez na vida vocês podem me obedecer?
— Perguntou o patriarca visivelmente alterado, olhando para seu rival com
fúria nas pupilas.
Seraphne olhou para Haddington. Ele usava um longo sobretudo negro e
olhava a todos como se fossem baratas em sua comida. Ao seu lado uma
mulher de alta estatura, queixo pontuado e nariz empinado imitava seu olhar.
Porém, o dela continha bem mais desprezo.
— Papai, não podemos permitir que o senhor destrua sua vida dessa maneira.
— Ela suplicou, rezando para que seu pai criasse algum juízo.
— Ele arruinou o futuro de Josephne. — Respondeu ele tremendo pelo ódio.
— Se recusa a leva-la ao altar. Esta é a única maneira de eu defender sua
irmã.
— Ele se recusa a leva-la ao altar? — Perguntou Seraphne transtornada.
Então ela estava certa? Ele tinha apenas se aproveitado de Josephne? Se virou
para Haddington com a intenção de ela mesma lhe dar um tiro, quando um
cavalo apareceu galopando mais ao longe.
Não foi preciso ela olhar por muito tempo para identificar o intruso. Os
cabelos dourados voando com o vento e toda aquela musculatura rígida eram
coisas que ela reconheceria até no seu pior estado de embriaguez.
— Sebastian! — disse surpresa quando o marido desceu do cavalo, indo em
direção a eles. — O que você está fazendo aqui? Como nos encontrou?
— Cheguei em casa e você não estava lá, então Marie Elnice me entregou o
bilhete de sua irmã. — Ele respondia a tudo fulminando Thomas com os
olhos.
— Isso não explica como sabia que estaríamos neste ponto do parque. — Ela
insistiu.
— Conheço este lugar desde que me entendo por gente, me envergonho em
dizer que contribui um pouco com sua fama de espaço para duelos. —
Explicou.
Ela sentiu vontade de beija-lo, de perguntar se ele a perdoava, de
prometer que nunca iria esconder nada dele novamente, mas não era o melhor
momento. Então, ela se colocou ao seu lado, todos encarando Haddington
com raiva e desprezo.
— Você trouxe sua mãe para um duelo? Isso é típico de um moleque como
você. — Sebastian disse com uma leve risada, Haddington franziu o cenho
ainda mais o cenho, irritado.
— Ele não me trouxe, eu decidi acompanhá-lo, para o caso de ele sucumbir
ao seu lado nobre e em um ato impensado cometer a sandices de se casar com
essa daí. — Disse a mulher, sua voz conseguia conter mais nojo que seu
olhar.
— Sinto muito desaponta-la milady, mas é exatamente isso que ele fará. —
Respondeu Sebastian, a mulher deu uma breve risada maligna.
— Entenda uma coisa lorde Standhurt, os Stock não juntam seu sangue com
vermes. — Disse a mulher, um sorriso cruel enfeitando sua face. — Você até
pode ter caído nas garras dessa família, mas meu filho não. Ele prefere
morrer pelo tétano a ter que desposar alguém tão asqueroso.
— A única coisa asquerosa aqui é você e esse seu filho covarde! — gritou
Daphne em resposta.
— Parece que seu filho não pensou que ela fosse tão asquerosa assim quando
decidiu desonra-la. — Seraphne veio em defesa da irmã.
— Ah, mas meu filho fez apenas o que qualquer homem faria com uma
vagabunda qualquer. — Respondeu a megera, Daphne fez menção de correr
até ela, mas foi impedida por Garret, que segurou-a pelo braço.
— Thomas, estou tentando colocar algum juízo em sua cabeça velho amigo,
sei que você não é assim, é o seu filho que vai ficar órfão de pai. Pense na
criança. — Disse Sebastian, tentando ser persuasivo.
— Até onde sei, esse bebê pode ser de qualquer um. — Respondeu o conde,
sua mãe riu em aprovação.
— Seu desgraçado, você vai pagar por ter dito isso! — Gritou Phillip York
tomando dianteira e voltando a apontar a arma para Haddington, o dedo no
gatilho ameaçando disparar a qualquer minuto.
— Chega! — Todas as cabeças se viraram de uma única vez para Josephne.
Ela descia do cavalo e ostentava uma aura sombria ao seu redor, Seraphne se
assustou pois nunca tinha visto sua irmã daquele jeito. — Já chega papai,
abaixe essa arma.
O homem não deu ouvidos.
— Baixa logo! — Gritou a mais nova e isso foi suficiente para seu pai
obedecer, levemente confuso. — Vocês aparecem aqui, com suas armas e
opiniões, disparando grosserias, sem nenhuma vez se perguntar o que eu
quero.
Todos permaneceram calados. Pasmos demais para emitir uma reação.
— Papai, eu aprecio muito que o senhor queria limpar minha reputação, mas
não é o senhor que tem que fazer isso. — Continuou, seus olhos cansados
ficando vermelhos pelo esforço de não chorar. — Olhem para essa família.
— apontou para os Stocks. — Realmente acham que eu quero fazer parte
disto?
— Josephne, minha filha, eu apenas achei que fosse isso que você queria. —
disse seu pai amorosamente, a mulher suspirou, um som triste.
— Bom, eu pensei que queria, porque eu achei que era amada. — O peso
dessa frase pairou na noite. As faces de Haddington rígidas e cruéis,
sombreadas pela luz da lua, não se moveram um centímetro. — É mais que
óbvio que me enganei. Nunca poderia me submeter a um casamento onde
meu marido iria me odiar cada vez que me visse pela manhã. Ou se
envergonhasse por eu ser quem eu sou.
— Mas Jose você tem certeza de que quer isso? Ele arruinou todas as suas
chances de arrumar um marido digno, é a obrigação dele. — Disse Daphne,
encarando os Stock com desprezo.
— Eu também estava lá Daphne, fiz tudo conscientemente e agora eu devo
arcar com as consequências. — Jose respondeu. — Papai, eu sei que não é o
futuro que o senhor planejou para mim. Pensamentos românticos me levaram
a crer em um sentimento que não existia. Mas agora eu estou implorando, por
favor, me deixe traçar meus próprios passos.
Tudo ficou silêncio por um bom momento. Apenas os corações trotando
nos peitos furiosamente e as respirações aceleradas. Por fim, o patriarca
exalou o ar dos pulmões com força.
— Você será desprezada, as mulheres trocarão de calçada nas ruas para não
ter que passar ao seu lado, virará motivo de risadas e piadas e perderá o
respeito entre os homens. Mesmo assim, você está certa de sua decisão? —
Perguntou para a filha, uma lágrima pesada escorreu dos olhos da mais jovem
quando ela assentiu, vislumbrando o que seria seu destino. — Muito bem, se
é o que quer. Como seu pai, eu ofereço todo o meu apoio.
— Obrigada. — Ela disse com um pequeno sorriso, emocionada.
— Argh! Já cheguei ao meu limite, vamos embora Thomas. — Disse a
condessa, dando as costas. Thomas já ia imita-la quando Josephne o chamou.
— Espere! Antes de você ir, quero devolvê-lo algo. — Thomas se virou para
ela. Parecia surpreso. Os olhos escuros indecifráveis passearam pelo rosto de
Josephne. Então ele veio caminhando até ela, que foi ao seu encontro.
Então, quando menos esperavam o punho de Josephne afundou no nariz
empinado de Haddington. Usando uma força tão bruta que o homem caiu
com o impacto, sangrando rios pelo nariz.
— Pronto, agora estamos quites. — disse a loira dando as costas para o
homem, e caminhando em direção ao cavalo.
— Como ousa tocar no meu filho! — Bradou a condessa enfurecida,
correndo até o homem no chão.
Enquanto todos se dispersavam, o senhor York ostentava um grande
sorriso no rosto, o peito estufado e os olhos brilhando pelo orgulho:
— Essa é a minha menina.
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
❀❀❀
Seraphne caminhava pacientemente ao lado de suas irmãs e Sophie,
observando a tudo com interesse. O cais estava bastante agitado naquele dia,
pessoas e mais pessoas carregando baús, homens vendendo peixe mais para o
lado, crianças correndo para dentro dos navios.
O clima entre as quatro era de luto intenso, mesmo depois de uma grande
festa de despedida e vários momentos juntas nas últimas semanas. Parece que
se tem uma perspectiva diferente da despedida quando sabe que não verá o
alguém amado por um bom tempo.
— Então é isso. — Disse Josephne quando as quatro chegaram de frente ao
grande navio imponente, era muito luxuoso, e ostentava uma grande bandeira
francesa em um mastro. — Sentirei a falta de vocês.
— Tem certeza que quer fazer isso Jose? Nunca é tarde para mudar de ideia.
— Disse Sophie dando um grande abraço nela. Os olhos das quatro
começando a marejar.
— Desculpe, tenho que fazer isso. — Respondeu Jose, com a voz falha pela
emoção.
— Não esqueça de nos mandar várias cartas, principalmente quando o bebê
nascer, quero saber de cada mínimo passo que meu sobrinho ou sobrinha der.
— Disse Daphne, lutando para controlar o choro.
— Claro que sim, e você também Sophie, não se esqueça de me enviar uma
carta quando o seu bebê nascer. — Falou colocando uma mão sobre a barriga
da duquesa, que já estava se sobressaindo na roupa. Assim como a dela.
Ao que parecia, as duas tinham o mesmo tempo de gestação, quatro
meses. A barriga de Josephne era um pouco mais pequena, desproporcional
ao corpo esguio dela.
As pessoas já estavam começando a falar, e não demoraria para sair nos
periódicos de fofocas. Ao que parecia Phillip York não estava brincando
quando disse que Josephne sofreria o repúdio das pessoas. Certo dia foi
proibida de entrar em um ateliê, isso causou uma briga feia entre Daphne e a
estilista, mas no fim, Josephne simplesmente deu as costas e saiu. Ela estava
enfrentando isso com mais força do que todos esperavam.
Seraphne entendia que ela quisesse se manter reclusa e criar o seu filho
longe, mas desejava que a irmã mudasse de ideia. Daqui para frente tudo
seria diferente para Jose e ela queria estar por perto para ser seu apoio caso
ela precisasse.
— Não demorará até nós vejamos novamente. — Disse, quando chegou sua
vez de abraça-la.
— Estarei contando os dias. — Respondeu e soltou-a, limpando uma lágrima
com o dorso da mão enluvada.
Josephne já ia preparada para sua estadia. Tinha convencido papai a dar
o dinheiro do seu dote para que usasse na sua chegada à Paris, e por mais que
tenha sido uma ideia boa, foi triste, por que isso mostrava que ela já não tinha
esperanças em se casar.
Seraphne estava vivendo tão feliz seus dias com Sebastian. As últimas
semanas em Londres foram como um sonho, Sebastian estava agindo como
se tivesse cortejando-a, levando-a para passeios de barco e piqueniques no
gramado do Hyde Park, vez ou outra fazendo uma mulher cair desmaiada ao
pegarem os dois em meio a beijos, no mínimo audaciosos, pelos jardins.
Subitamente eles passaram de piada, para o casal mais bonito da
temporada de 1788, causando suspiros entre as debutantes e olhares de inveja
entre as amargas da alta sociedade. Tinham até sido mencionados nos
periódicos algumas vezes.
E mesmo assim ela não estava completamente feliz, desejava do fundo
do seu coração que suas irmãs pudessem sentir a mesma felicidade que estava
sentindo.
— Todos a bordo! — Gritou o marinheiro, anunciando a partida inevitável.
Josephne respirou fundo, tomando coragem antes de se virar e subir a rampa,
determinada. Deixando uma Daphne em prantos para trás.
Elas a observaram quando ela caminhou até a proa, os cabelos loiros
voando junto com o vento.
— França, aí vamos nós! — ela gritou com um último adeus, erguendo um
lenço branco no ar e soltando-o, para que voasse livre.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
14 Agosto de 1789
É uma menina!
Caro Sebastian.
Certamente já terei partido deste mundo quando você estiver lendo esta
carta, com sorte já será um homem crescido e poderá compreender os meus
motivos.
Jamais buscarei desculpas para remediar minhas atitudes, ao que parece,
quando se está a beira de cometer suicídio, o ser humano ganha uma
perspectiva diferente de suas ações em vida.
Sei que muito provavelmente você me odeia, e com razão, fui negligente e
deixei que seu pai fizesse com você o mesmo que fez comigo. Me faltam
palavras para descrever o quanto eu lamento.
Espero que cresça e seja um homem superior ao que ele foi, que faça boas
escolhas na vida e que não tenha medo de errar de vez em quando, é preciso
cair para poder levantar.
Faça bons amigos, e seja leal a eles, aproveite seus dias de jovem, mas
não exagere muito na bebida, quando chegar o dia, encontre uma boa moça,
que faça seus dias serem sempre radiantes, tenha filhos com ela, e os ensine
os verdadeiros valores de um homem.
Apenas viva. Com a certeza que mesmo depois de tudo, você sempre esteve
no meu coração.