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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Celso Belmiro
Daniel Queiroz Pereira
Flávia Pereira Hill
Leonardo Oliveira Silveira Santos Martins
(coordenadores)

COLETÂNEA

ESTUDOS SOBRE
MEDIAÇÃO
NO BRASIL E NO EXTERIOR

VOLUME 4

1
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR
Celso Belmiro
Daniel Queiroz Pereira
Flávia Pereira Hill
Leonardo Oliveira Silveira Santos Martins
(coordenadores)

COLETÂNEA

ESTUDOS SOBRE
MEDIAÇÃO
NO BRASIL E NO EXTERIOR

VOLUME 4

OBSERVATÓRIOS DA MEDIAÇÃO E DA ARBITRAGEM


Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Universidade Estácio de Sá
Programa de Pós-Graduação em Direito

1ª edição

Santa Cruz do Sul

2020

2
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

CONSELHO EDITORIAL

Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa – Direito – UFSC e UNIVALI/Brasil


Prof. Dr. Alvaro Sanchez Bravo – Direito – Universidad de Sevilla/Espanha
Prof. Dr. Argemiro Luís Brum –Economia – UNIJUI/Brasil
Prof. Dr. Carlos M. Carcova – Direito – UBA/Argentina
Profª. Drª. Caroline Müller Bitencourt – Direito – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Demétrio de Azeredo Soster – Ciências da Comunicação – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Eduardo Devés – Direito e Filosofia – USACH/Chile
Prof. Dr. Eligio Resta – Direito – Roma Tre/Itália
Profª. Drª. Gabriela Maia Rebouças – Direito – UNIT/SE/Brasil
Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin – Direito – UNIJUI/Brasil
Prof. Dr. Giuseppe Ricotta – Sociologia – SAPIENZA Università di Roma/Itália
Prof. Dr. Humberto Dalla Bernardina de Pinho – Direito – UERJ/UNESA/Brasil
Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – Direito – PUCRS/Brasil
Prof. Dr. Ismael Francisco de Souza - Direito - UNESC/Brasil
Prof. Dr. Janriê Rodrigues Reck – Direito – UNISC/Brasil
Prof. Dr. João Pedro Schmidt – Ciência Política – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Jose Luis Bolzan de Morais – Direito – FDV/Brasil
Profª. Drª. Kathrin Lerrer Rosenfield – Filosofia, Literatura e Artes – UFRGS/Brasil
Profª. Drª. Katia Ballacchino – Antropologia Cultural – Università del Molise/Itália
Profª. Drª. Lilia Maia de Morais Sales – Direito – UNIFOR/Brasil
Prof. Dr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão – Direito – Universidade de Lisboa/Portugal
Prof. Dr. Luiz Rodrigues Wambier – Direito – UNIPAR/Brasil
Prof. Dr. Maiquel Angelo Dezordi Wermuth – Direito – UNIJUI/Brasil
Profª. Drª. Nuria Belloso Martín – Direito – Universidade de Burgos/Espanha
Prof. Dr. Sidney César Silva Guerra – Direito – UFRJ/Brasil
Profª. Drª. Silvia Virginia Coutinho Areosa – Psicologia Social – UNISC/Brasil
Prof. Dr. Ulises Cano-Castillo – Energia e Materiais Avançados – IIE/México
Profª. Drª Verônica Teixeira Marques de Souza – Ciências Sociais – UNIT/Brasil
Profª. Drª. Virgínia Appleyard – Biomedicina – University of Dundee/ Escócia

COMITÊ EDITORIAL

Profª. Drª. Fabiana Marion Spengler – Direito – UNISC/Brasil


Prof. Me. Theobaldo Spengler Neto – Direito – UNISC/Brasil

3
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Essere nel Mondo


Rua Borges de Medeiros, 76
Cep: 96810-034 - Santa Cruz do Sul
Fones: (51) 3711.3958 e 9994. 7269
www.esserenelmondo.com.br
www.facebook.com/esserenelmondo

Todos os direitos são reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser
reproduzida por qualquer meio impresso, eletrônico ou que venha a ser
criado, sem o prévio e expresso consentimento da Editora. A utilização
de citações do texto deverá obedeceras regras editadas pela ABNT.
As ideias, conceitos e/ou comentários expressos na presente obra são
criação e elaboração exclusiva do(s) autor(es), não cabendo nenhuma
responsabilidade à Editora.

C694 Coletânea estudos sobre mediação: no Brasil e no exterior: volume IV [recurso


eletrônico] / coordenadores Celso Belmiro... [et al.] – Santa Cruz do Sul:
Essere nel Mondo, 2020.
266 p.

Texto eletrônico.
Modo de acesso: World Wide Web.

1. Mediação. 2. Arbitragem internacional. 3. Resolução de disputa (Direito).


4. Tecnologia e direito. 5. Processo civil. 6. Direito comparado. I. Universidade
do Estado do Rio de Janeiro. Grupo de Pesquisa Observatório da Mediação e da
Arbitragem. II. Universidade Estácio de Sá. Grupo de Pesquisa Observatório da
Mediação e da Arbitragem. III. Belmiro, Celso. IV. Pereira, Daniel Queiroz.
V. Hill, Flávia Pereira. VI. Martins, Leonardo Oliveira Silveira Santos.

CDD-Doris: 341.4618
Bibliotecária responsável: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406
ISBN: 978-65-5790-032-1
Catalogação: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406
Correção ortográfica: pelos autores
Diagramação: Daiana Stockey Carpes
Bibliotecária responsável: Fabiana Lorenzon Prates - CRB 10/1406
Catalogação: Fabiana Lorenzon Prates
Revisões: revisão metodológica e gramatical pelos autores
Diagramação: Daiana Stockey Carpes

4
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

APRESENTAÇÃO

Apresentamos à comunidade acadêmica e aos profissionais o resultado dos trabalhos


realizados ao longo dos últimos meses pelos Grupos de Pesquisa “Observatório da Mediação
e da Arbitragem” em funcionamento na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na
Universidade Estácio.
Foram buscados temas de alta indagação jurídica e de grande repercussão prática, que
desafiam os estudiosos e operadores do direito a buscar soluções inovadoras e que garantam
a efetividade das ferramentas de prestação jurisdicional. Da mesma forma, os temas vão de
questões domésticas a problemas verificados no direito estrangeiro.
A presente coletânea, intitulada Estudos sobre Mediação no Brasil e no Exterior,
foi disposta em quatro volumes a partir das contribuições apresentadas pelos integrantes
de ambos os Observatórios que vêm desenvolvendo suas atividades em conjunto, a fim de
otimizar os recursos e compartilhar as respectivas redes de pesquisa.
A partir dessas premissas, esperamos que os leitores possam aproveitar todo o conteúdo
dessa coletânea que ultrapassa as 1.200 páginas, o que torna esse projeto o mais completo
diagnóstico da mediação realizado no Brasil desde a edição do CPC e da Lei n 13.140/2015.
Uma ótima leitura a todos!

Os Coordenadores.
Primavera de 2020.

5
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Sumário

NORMAS PROCESSUAIS FUNDAMENTAIS E PRINCÍPIOS DA CONCILIAÇÃO E 8


DA MEDIAÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Aline Alves de Melo Miranda Araujo

DESJUDICIALIZAÇÃO E UTILIZAÇÃO DAS FORMAS DE SOLUÇÃO 28


CONSENSUADA DOS CONFLITOS NOS SERVIÇOS EXTRAJUDICIAIS:
UMA NOVA FRONTEIRA PARA A DISSEMINAÇÃO DA CULTURA DOS MASC
Celso Belmiro

MEIOS ALTERNATIVOS PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS E A ATUAÇÃO DO 42


MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NA MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM DOS
LITÍGIOS TRABALHISTAS
Daniel Queiroz Pereira e Larissa Camargo Costa

MEDIAÇÃO ONLINE: REMÉDIO ADEQUADO CONTRA A PROLIFERAÇÃO DE 57


LITÍGIOS DURANTE A PANDEMIA
Flávia Pereira Hill

A EVOLUÇÃO DOS MÉTODOS CONSENSUAIS NA AÇÃO DE IMPROBIDADE 71


ADMINISTRATIVA
Inês da Trindade Chaves de Melo

MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM INTERNACIONAIS E O PROCESSO DE VALIDAÇÃO 83


E SEUS EFEITOS NO BRASIL
Leonardo Oliveira Silveira Santos Martins

6
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

O RESGATE DO PAPEL SOCIAL DO INDIVÍDUO PELA MEDIAÇÃO: EM BUSCA 93


DE UM NOVO OLHAR PARA OS CONFLITOS
Nadine Langner dos Santos e Charlise Colet Gimenez

PLATAFORMAS ONLINE DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS COMO FERRAMENTAS 105


PARA DESAFOGAR O JUDICIÁRIO
Nathalia Ribeiro

A ANULAÇÃO DE MEDIAÇÃO HOMOLOGADA EM JUÍZO EM RAZÃO DE 119


ATOS PRATICADOS POR FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS
Osmar Mendes Paixão Côrtes

A MEDIAÇÃO COMO TUTELA DE CONFLITOS DE CONSUMO: UMA ANÁLISE 131


DO DIREITO COMPARADO
Plinio Lacerda Martins, Sergio Gustavo Pauseiro e Marcella da Costa Moreira de Paiva

MEDIAÇÃO COMO UMA DAS FORMAS ADEQUADAS PARA RESOLUÇÃO DE 148


CONFLITOS EM DIREITO DE FAMÍLIA
Quellen Cristina de Souza Freitas

A CONSTRUÇÃO DA CULTURA DA PAZ E OS MÉTODOS NÃO ADVERSARIAIS 159


DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS
Renata Braga Klevenhusen, Caio de Carvalho Alves, Marcelle Ribeiro França e Vitor
Hugo Saviolo Ramos

SOBRE LIMITES E POSSIBILIDADES DA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS ESCOLARES 176


JUDICIALIZADOS NO ÂMBITO DO TJRJ: UM ESTUDO DE CASO A PARTIR DE
UMA INTERFACE ENTRE O DIREITO E A ANTROPOLOGIA
Robert Segal

FORMA APROPRIADA DE DESJUDICIALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO PARA O 199


ADOLESCENTE COM PRÁTICA INFRACIONAL
Rosângela Martins Alcantara Zagaglia Paiva

OS MÉTODOS ADEQUADOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E 222


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: DO LITÍGIO AO CONSENSO
Tânia de Sousa Elias

ANÁLISIS DEL MARCO JURÍDICO PENAL DE JUSTICIA RESTAURATIVA 240


EN MÉXICO Y PANAMÁ. UN ENFOQUE INTEGRAL SOBRE SU IMPERIOSA
ARMONIZACIÓN
Yulisán Fernández Silva e Jazmín Flores-Montes

7
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

NORMAS PROCESSUAIS FUNDAMENTAIS


E PRINCÍPIOS DA CONCILIAÇÃO
E DA MEDIAÇÃO NO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL

Aline Alves de Melo Miranda Araujo

1. Introdução ao novo sistema de princípios processuais

J. J. Calmon de Passos foi preciso ao declarar: “Se quisermos identificar o que, na segunda
metade do século XX, representou novidade no campo do direito processual, concluiremos
por identificá-la na denominada constitucionalização do processo1.” O Constitucionalismo
surge como movimento jurídico baseado na teoria dos direitos fundamentais, em que as
normas constitucionais conferem força normativa aos princípios que contêm.
Com a derrota dos regimes nazista e fascista na Segunda Guerra Mundial, reconheceu-
se estar o Direito, nas palavras de Flávia Hill, “necessariamente imbuído de valores éticos e
que a adoção de um sistema normativo acrítico, como sustentado pelo positivismo jurídico,
se mostra falsa e equivocada.”2 Há um reencontro com o pensamento kantiano3, com os

1 in “Instrumentalidade e Devido Processo”, Revista Diálogo Jurídico, Ano I, Vol. I., n°1, abril de 2001, Salvador, pág. 05
2 In O Direito Processual transnacional como forma de acesso à justiça no século XXI, pág. 13. Rio de Janeiro: GZ
Editora. 2013.
3 O imperativo ético de Kant apresenta-se como um novo paradigma baseado na racionalidade do homem, que diante de
sua liberdade e autonomia é um ser dotado de moralidade e dignidade, e não num objeto.

8
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

ideais de moralidade, dignidade, Direito cosmopolita e paz perpétua4.


Os direitos humanos, supranacionais, pairam sobre os ordenamentos jurídicos nacionais,
e amenizam a rigidez das soberanias ao lhes orientar a interpretação, ou penetram nas cartas
constitucionais sob a veste de direitos fundamentais. O formato desse fenômeno é a atuação
das cortes internacionais de direitos humanos da OEA e da ONU5, cujas jurisprudências
reconheceram o acesso à justiça como parte do mínimo existencial da dignidade humana6 para
atuar na ausência da adequada prestação jurisdicional pelo Estado reclamado, resguardando
desta forma os direitos fundamentais dos cidadãos.
Acrescente-se a isto a globalização do processo, mediante a reflexão de Serge Guinchaud
e juristas de diversas nacionalidades que concebem os chamados princípios fundamentais
processuais7, que são fontes supralegislativas de Direito Processual, um verdadeiro direito
comum do processo, ou direito processual horizontal8. Tais princípios vão reiteradamente
influenciando a aplicação e a renovação das legislações e constituições nacionais.
Segue-se então o atual estágio do direito processual, resultante da aproximação dos
diversos ordenamentos jurídicos, tendo por objetivos a proteção dos direitos humanos, a
promoção do acesso à justiça e a universalização da jurisdição para a proteção das relações
cotidianamente internacionalizadas, resultando no Direito Processual Transnacional9.
O Código de Processo Civil de 2015 foi concebido neste ambiente, não se tratando mais
de um conjunto de normas destinadas a organizar o procedimento em juízo para culminar
com a decisão adjudicada pelo magistrado em um caso concreto individual; por certo é
mantida essa função, a qual apenas não é mais suficiente para definir o papel do direito
processual nos sistemas jurídicos.
As reformas processuais ocorridas no Brasil desde a década de 90 ocuparam-se em
aumentar os graus de efetividade, ampla defesa e celeridade do processo, para aproximar
o jurisdicionado a uma decisão justa10. A codificação, a seu turno, trouxe vantagens ao
permitir a reformulação das regras sob um sistema organizado sob uma plataforma coerente
de valores, estes instituídos no capítulo inicial do Código de 2015 dedicado às normas

4 Conforme lição de Flávia Piovesan in Direitos Humanos e Justiça Internacional. 6. Ed. São Paulo: Saraiva. 2015. Pág. 46.
5 Para Leonardo Greco, “Foram a constitucionalização e a internacionalização dos direitos fundamentais, particularmente
desenvolvidas na jurisprudência dos tribunais constitucionais e das instâncias supra-nacionais de Direitos Humanos, como
a Corte Européia de Direitos Humanos, que revelaram o conteúdo da tutela jurisdicional efetiva como direito fundamental,
minudenciado em uma série de regras mínimas a que se convencionou chamar de garantias fundamentais do processo,
universalmente acolhidas em todos os países que instituem a dignidade da pessoa humana como um dos pilares do Estado
Democrático de Direito”.
6 Flávia Hill in O Direito Processual Transnacional como forma de acesso à justiça, pág. 20, Ed. GZ, Rio de Janeiro,
2013, assim leciona: “Os constitucionalistas modernos e, com destaque, os brasileiros, debruçam-se atualmente com lou-
vável empenho em torno do tema, tendo reconhecido que o mínimo existencial do princípio fundamental da dignidade da
pessoa humana implica garantir renda mínima, saúde básica, educação fundamental e acesso à justiça.”.
7 A iniciativa coube ao processualista francês Serge Guinchaud, seguida por outros fenômenos como a criação de Códigos
Tipo, ou o Código Modelo Para a Ibero América, e a produção do Principles and Rules of Transnational Civil Procedure,
em conjunto por juristas da American Law Institute – ALI e da UNIDROIT, disponível em < https://www.unidroit.org/instru-
ments/transnational-civil-procedure> . Acesso, acessado em 15/12/2019.
8 Esta expressão é cunhada por Serge Guinchaud in Droit Processuel. Droits fondamentaux du process. 6. Ed. Paris:
Dalloz. 2011. Pág. 47.
9 Flávia Hill identifica “o atual estágio evolutivo do Direito, que vimos de apresentar, consubstancia-se em um dos dois
sólidos pilares que fundamentam a noção do Direito Processual Civil Transnacional como resposta adequada à garantia do
acesso à justiça em prol da sociedade contemporânea.” Op cit, pág. 22/23.
10 Nas palavras do processualista Leonardo Greco in Garantias fundamentais do processo: o processo justo: ”Como relação
jurídica plurissubjetiva, complexa e dinâmica, o processo em si mesmo deve formar-se e desenvolver-se com absoluto respeito
aos direitos fundamentais de todos os cidadãos, especialmente das partes, de tal modo que a justiça do seu resultado possa
ser alcançada pela adoção das regras mais propícias à ampla e equilibrada participação dos interessados, à isenta e adequada
cognição do juiz e à apuração da verdade objetiva: um meio justo para um fim justo”.

9
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

fundamentais do processo civil, determinando que o mesmo seja ordenado, disciplinado e


interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição
da República Federativa do Brasil (art. 1º CPC). Apresentam-se nos dispositivos seguintes
os princípios que encontram fundamento direto nos direitos fundamentais (art. 5º CR), e ao
resguardá-los ganham o status de verdadeiras garantias constitucionais.
A adoção dos métodos consensuais debuta como princípio autônomo e constitui norma
fundamental (art. 3º, §2º CPC), traçando um novo paradigma que eleva o fundamento social
da jurisdição em face ao próprio fundamento funcional pertinente à atuação jurisdicional.
A preferência do legislador pela promoção da pacificação social é reiterada em diversos
dispositivos do código que demarcar oportunidades para a tentativa de solução consensual,
que elege a conciliação e a mediação como institutos processuais adequados para a resolução
do mérito da causa (art. 487, III, b do CPC).
Neste contexto, ganha relevo o estudo dos princípios atinentes à mediação e conciliação
os quais, nas letras do artigo 166 do Código de Processo Civil, são “independência, da
imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade
e da decisão informada”. A presente análise visa traçar algumas relações entre as normas
fundamentais processuais, constantes dos artigos 2º e 3º do CPC, e os princípios informativos
dos métodos autocompositivos.

2. Normas fundamentais do processo civil e métodos consensuais de solução de


conflitos

O movimento cultural e jurídico11 do acesso à justiça iniciou-se nos anos 7012,


reconhecendo a imprescindibilidade de se conferir efetivas condições às partes de ingressar
em juízo para conferir concretude a direitos. As ondas de acesso à justiça identificadas por
Mauro Cappelletti e Bryant Garth13 consistiram na onda da ampliação da gratuidade judiciária;
na revisão de esquemas de legitimação em juízo, segunda; na terceira onda para a criação de
procedimentos para tratamento de direitos plúrimos e, por fim; sua quarta onda promoveu
os direitos de igualdade.
Tratado a partir da viabilidade em se acionar a máquina judiciária, o princípio evoluiu

11 Mauro Cappelletti assim lecionou: “Como movimento de pensamento, o acesso à justiça expressou uma potente reação
contra uma impostação dogmático-formalística que pretendia identificar o fenômeno jurídico exclusivamente no complexo
da norma” (in Acesso à Justiça e a função do Jurista em nossa época, RP 61 pág. 144 01/1991).
12 Aluísio Gonçalves de Castro Mendes e Larissa Clare Pochmann da Silva relatam com precisão:”a obra de Mauro Cappel-
letti, em colaboração com Bryant Garth e Nicolò Trocker, publicada em 4 (quatro) volumes, em anos distintos, a partir de
1974/1975, foi de extrema importância para a estruturação do tema, revelando-se um verdadeiro marco para o estudo do
direito processual. Apesar da extensão e da relevância em sua íntegra da pesquisa, apenas o último volume, assinado por
Mauro Cappelletti e Bryant Garth, que representou a conclusão dos estudos do denominado Projeto Florença - na verdade,
essa denominação representou a reunião de um conjunto de projetos de pesquisa centralizado em Florença (CAPPELLETTI,
1982, p. 2) -, foi traduzido para o português, sendo divulgado no Brasil através de tradução realizada pela hoje Ministra
aposentada do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie Northfleet” (in “Acesso à Justiça: uma releitura da obra de Mauro Cap-
pelletti e Bryant Garth, a partir do Brasil, após 40 anos”.. Revista Quaestio iuris, vol. 08, nº. 03, Rio de Janeiro, 2015. pp.
1827-1858 DOI: 10.12957/rqi.2015.18818. Disponível em <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/
article/view/19385>.
13 In Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, pág. 10.

10
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

para significar a obrigação de o litigante ter à sua disposição um processo justo14, ou seja,
aquele que observa princípios fundamentais. Segundo esta nova visão, não será suficiente
o mero ingresso no Judiciário se subsistem óbices a que o processo realize o que se propõe:
conferir ao titular da ação a real possibilidade que obtenha aquilo que o direito material
prevê. A observância às garantias processuais – ao lado da valoração das provas pelo juiz,
e da aplicação da lei – elevará o grau de justiça da decisão proferida pelo juiz15e, portanto,
corresponde ao atendimento ao princípio do acesso à justiça.
Os entraves existentes para se acessar o judiciário propiciaram, em grande medida,
a adoção de métodos consensuais de solução de conflitos; estes se iniciaram em muitas
situações onde a “alternativa”16 passou a ser a ser única viável às partes, considerando os
custos do ajuizamento ou prosseguimento de uma demanda; ou mesmo a incapacidade do
sistema decisório em produzir uma decisão adjudicada (dificuldades práticas na realização
de perícias, em processar demandas repetitivas em grande escala, e dificuldades na fase de
execução, por exemplo).
O sistema multiportas norte-americano (Multi-door Courthouse17) foi igualmente
embrionado na década de 70, e compreendeu o Poder Judiciário como um centro de
resolução de disputas capaz de disponibilizar procedimentos diversos conforme alguns
critérios, como a natureza da disputa, o relacionamento entre as partes, o valor da disputa
e o custo de um acordo. O Brasil vem tentando implementar os métodos consensuais no
âmbito do Poder Judiciário para aumentar a eficiência processual18, o que motivou as
reformas anteriores ao anterior código de 1973, e o empreendimento agregou escopos
políticos e sociais, atinentes à democratização da Justiça e à pacificação social19. Mas
remotamente, tais objetivos são compatíveis com a tradicional doutrina processualista de

14 Leonardo Greco assim lecionou sobre a garantia do acesso à justiça (in Garantias fundamentais do processo: o processo
justo): “Segundo JAVIER BARNES VAZQUEZ, a garantia da tutela jurisdicional efetiva não é mais do que a conseqüência neces-
sária da própria noção de Estado de Direito e da proscrição da auto-tutela. A consagração desse direito em face do poder
público é freqüentemente apontada como a forma mais genuína e importante desse direito. A garantia do acesso à Justiça
não se esgota no direito de provocar o exercício da função jurisdicional, mas abrange também o direito de defesa, ou seja,
o direito de ser ouvido e de influir na atividade jurisdicional por parte daquele em face do qual foi ela desencadeada”.
15 Michele Taruffo (in Idee per uma teoria dela decisione giusta) rejeita tanto a idealização de uma decisão judicial perfeita,
quanto o pessimismo de não obtê-la, e assim leciona sobre os modos de obter uma decisão o mais justa possível: “Infine,
anche il valido impiego di un procedimento giusto e necessario, poiche e attraverso il procedimento che si forma la decisione
finale, ed un « buon » procedimento e quanto occorre per preparare nel modo migliore tale decisione”.
16 A doutrina norte-americana cunhou a expressão ADR, sigla correspondente a alternative dispute resolution, significando
qualquer processo que implique o término de uma disputa, com exceção do julgamento pelo juiz. Devido à inserção dos
mecanismos consensuais no diploma processual civil torna-se mais frequente falar-se em métodos adequados de solução de
conflitos – MASC’s. Aqui trataremos indistintamente por ambos os termos tanto a conciliação quanto a mediação.
17 Aduz Earl Johnson, Jr. (Dispute Resolution Magazine, Fall 2012, vol. 19, n. 01, Ed. American Bar Association Section of Dis-
pute Resolution, ISSN: 1077-3592, Features, p. 07) que Frank Ernest Arnold Sander não cunhou a expressão, mas concebeu que
cada demanda merecia um processo personalizado em seu discurso Varieties of Dispute Processing, proferido na Conferência
Nacional de Causas da Insatisfação Popular com a Administração da Justiça, chamada “Pound Revisited Conference.”, ocorrida
entre 7 e 9 de abril de 1976 em Minnesota – EUA. Posteriormente o jurista publicou a obra deste nome, em 1978.
18 Depreende-se da Exposição de Motivos do CPC, elaborado pela Comissão de Juristas, alta preocupação com a eficiência
antes de tudo, o que exemplificamos com o seguinte trecho: “Nessa dimensão, a preocupação em se preservar a forma
sistemática das normas processuais, longe de ser meramente acadêmica, atende, sobretudo, a uma necessidade de caráter
pragmático: obter-se um grau mais intenso de funcionalidade. Sem prejuízo da manutenção e do aperfeiçoamento dos in-
stitutos introduzidos no sistema pelas reformas ocorridas nos anos de 1992 até hoje, criou-se um Código novo, que não
significa, todavia, uma ruptura com o passado, mas um passo à frente. Assim, além de conservados os institutos cujos re-
sultados foram positivos, incluíram-se no sistema outros tantos que visam a atribuir-lhe alto grau de eficiência.”
19 Conforme lição de Ada Pellegrini Grinover: “Releva, assim, o fundamento social das vias conciliativas, consistente na
sua função de pacificação social. Esta, via de regra, não é alcançada pela sentença, que se limita a ditar autoritativamente
a regra para o caso concreto, e que, na grande maioria dos casos, não é aceita de bom grado pelo vencido, o qual contra
ela costuma insurgir-se com todos os meios na execução; e que, de qualquer modo, se limita a solucionar a parcela de lide
levada a juízo, sem possibilidade de pacificar a lide sociológica, em geral mais ampla, da qual aquela emergiu, como simples
ponta do iceberg.” (Fundamentos da Justiça Conciliativa, pág. 03).

11
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

adequação e adaptabilidade processuais20.


Formalmente prevista no Código Buzaid, a conciliação – tida como a atividade do juiz
em audiência preliminar21 ou ao início da audiência de instrução22 – ganhou novo impulso
ao ser estabelecida como política pública para o Poder Judiciário pela Resolução CNJ n°
125/201023, a qual determinou a criação de núcleos permanentes e centros judiciários
pelos Tribunais para respectivamente fomentarem e executarem a atividade, e instituiu
um Código de Ética para Conciliadores e Mediadores (Anexo III), com regras e princípios
inovadores no sistema brasileiro.
A mediação foi pela primeira vez estabelecida como atividade a ser executada no
âmbito do processo judicial em duas leis praticamente simultâneas – o código processual da
Lei nº 13.115/2015 e a lei de mediação da Lei nº 13.140/201524, que trata ainda da mediação
extrajudicial e a realizada no âmbito da Administração Pública. Promulgadas no mesmo
ano - porém com vigências diferentes - a lei especial e o diploma processual geral, dúvidas
que possam surgir em torno de alguma antinomia entre suas regras devem ser solucionadas
tanto sob as regras de anterioridade ou de especialidade quanto sob o manto do caráter de
norma fundamental conferido pelo CPC aos métodos consensuais.
As disposições atinentes aos métodos consensuais de solução de conflitos permeiam
todo o Código, desde o capítulo inicial, constituindo norma fundamental do processo civil25,,
prosseguindo ao Livro III, Título IV, Capítulo III, Seção V, dirigida a conciliadores e mediadores
como auxiliares da justiça mas com importante caráter normativo quanto ao procedimento;
e em seguida ao Capítulo V, do Título I, Livro I da Parte Especial, que disciplina as audiências
de conciliação e mediação. Estabelecido o delineamento básico, os métodos consensuais são
pontualmente tratados em outras partes do código26.
As normas fundamentais do processo civil distinguem-se das demais normas
processuais civis (Livro I, Título único, Capítulo I da Parte Geral), e inauguram esta tipologia
no direito processual brasileiro. “Normas” é o temo utilizado para designar tanto princípios
(que apresentam valores), quanto regras (que apresentam situações e consequências); e o
adjetivo “fundamentais” remete inicialmente aos princípios que sabemos assim designados,
os princípios fundamentais processuais idealizados por Serge Guinaud. O artigo 1º do código
se reporta às normas fundamentais da Constituição da República, que são os princípios
fundamentais contidos no Título I da Carta (arts. 1º a 4º), porém o conceito flerta com
os direitos e garantias fundamentais do Título II (artigos 5º a 17), onde se encontram os
princípios processuais constitucionais consistentes em garantias processuais e remédios
constitucionais.
Os direitos fundamentais, no Brasil, são veiculados em texto constitucional 27, vinculam
todos os Poderes Públicos e têm aplicabilidade imediata (art. 5º, §1º CR), não se confundindo,

20 Conforme o magistério de Cândido Rangel Dinamarco, em A instrumentalidade do processo.


21 Art. 331 do CPC/1973 nas suas redações a partir da Lei nº 8.952, de 13.12.1994.
22 Arts. 447 e 448 CPC/1973.
23 Vide Código de Ética de Conciliadores e Mediadores, em seu Anexo III.
24 Não foi editada qualquer lei específica sobre conciliação até a data de publicação deste artigo.
25 Conforme artigo 3° §§ 1° a 3° e artigo 12, §2°, I.
26 Vide artigos 250, IV; 303, II; 308 §3°; 319, VII; 335 I e II; 340 §§3°e 4e4°; 694 a 696 do Código de Processo Civil.
27 Na lição de Paulo Gustavo Gonet Branco (in Aspectos de Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Hermenêutica Consti-
tucional e Direitos Fundamentais, Ed. Brasília Jurídica, Brasília:2000, Pág. 126): “Essa característica da constitucionalização
dos direitos fundamentais traz consequências de evidente relevo. As normas que os abrigam impõem-se a todos os poderes
constituídos, até ao poder de reforma da Constituição.”

12
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

portanto, com os direitos resguardados pelas normas processuais fundamentais que, ao


assim serem denominadas, veiculam regras ou princípios fundamentais processuais, os quais
se encontram nessa área de confluência entre o direito constitucional e o direito processual,
adotando o código a teoria do direito processual constitucional28.
Enunciada a garantia da inafastabilidade da tutela jurisdicional (CPC, art. 3º, caput), é
prevista a solução consensual de conflitos que deverá ser promovida pelo Estado “sempre que
possível” (art. 3º, §2º), ou seja; o dispositivo determina não apenas a adoção, implementação ou
aplicação de métodos não-adversariais, mas a promoção, remetendo ao fomento e ao estímulo.
E o sujeito dessa atividade é o Estado, abarcando o Poder Judiciário e ainda os Poderes Legislativo
e Executivo.29 A previsão insere-se na garantia da inafastabilidade da tutela jurisdicional de modo
que nenhum dos poderes poderá apartar os métodos consensuais do Poder Judiciário.
A segunda parte do enunciado não deve ser limitada à literalidade, pois se o seu alcance
dependesse de uma mera relação de causalidade entre condições estruturais para a adoção de
procedimentos consensuais, estabelecer-se-ia de uma obviedade desnecessária; refere-se a uma
escolha do legislador, no design de disputa institucional, à frente das políticas sazonais de Tri-
bunais ou da preferência de magistrados, dirige-se o código a estes determinando que se faça a
mediação ou conciliação permitidas apenas as exceções legais genericamente previstas no artigo
334, §4º do CPC. Certamente, o comando não se destina às partes pois não estariam, por absur-
da a hipótese, obrigadas a conciliar, é clara sua autonomia neste sentido por força do artigo 166.
Prossegue o §3º do artigo 3º determinando a todos os atores do processo (juízes,
advogados, defensores e promotores) o estímulo à solução consensual, impondo às
instituições correspondentes a adoção de posturas e programas que se coadunem com a
norma fundamental. Tratando-se de entes estatais, a carga de obrigatoriedade deste comando
se acresce ao disposto no §2º do artigo30.
Apesar de baseado o procedimento civil comum em audiências de conciliação ou
mediação realizadas antes da resposta do réu31, a expressão constante da parte final do
dispositivo – “inclusive no processo judicial” – deixa claro que os esforços para alcançar
soluções amigáveis devem se iniciar antes do ajuizamento do feito; quando da consulta das
partes, em inquéritos civis e medidas preparatórias, e mesmo em audiências pré-processuais,
consideradas aquelas oportunizadas antes da distribuição da ação ao juízo natural32.

28 Nas palavras de Humberto Dalla Bernardina de Pinho:” Ao dizer que o Código será disciplinado de acordo com os valores
e princípios, o legislador está adotando, expressamente, a teoria do direito processual constitucional” (in “Os princípios e
as garantias fundamentais no projeto de código de processo civil: breves considerações acerca dos artigos 1º a 12 do PLS
166/10”.. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Volume VI. ISSN 1982-7636, pág. 51)
29 A norma fundamental, nesta hipótese, deve ser observada pelos três poderes tanto em suas funções privativas quanto
nas administrativas. Neste ponto, não há que se recorrer a qualquer argumento “geográfico” quanto à norma localizar-se
numa lei processual; trata-se de um código que consiste em lei aprovada em um regime qualificado e eleita à categoria de
norma fundamental processual; assim tanto o legislador ordinário quanto o julgador ou o administrador devem respeitar a
forma consensual de solução no Poder Judiciário em suas funções. Não poderá o Conselho Nacional de Justiça, por exem-
plo, editar resolução que vede algum método consensual; o Procurador-Chefe de advocacia pública não poderá proibir os
procuradores de propor acordos; o legislador não poderá excluir algum método consensual do Poder Judiciário sem antes
derrogar este dispositivo mediante quórum o qualificado da codificação.
30 Caberá a responsabilização de advogados públicos, defensores ou promotores nos moldes do §6 do artigo 77 do CPC,
dada a abertura do caput quanto às hipóteses de responsabilização das partes.
31 Além da norma do procedimento comum contida no artigo 334 e parágrafos do CPC, temos nos procedimentos especiais,
como nas ações de família a audiência preliminar de conciliação do artigo 695 e seguintes do CPC.
32 Conforme previstas na Resolução CNJ 125/2010, art. 8º §1º: “As sessões de conciliação e mediação pré-processuais deverão
ser realizadas nos Centros, podendo, as sessões de conciliação e mediação judiciais, excepcionalmente, serem realizadas nos
próprios Juízos, Juizados ou Varas designadas, desde que o sejam por conciliadores e mediadores cadastrados pelo tribunal (in-
ciso VII do art. 7º) e supervisionados pelo Juiz Coordenador do Centro (art. 9°)” (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16).

13
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Esta postura alinha-se com o princípio cooperativo constante do artigo 6º, pois a decisão
de mérito, justa e efetiva corresponde à sentença homologatória de transação judicial que
culmina com o processo cercado de garantias. Para tanto, é desejável que os representantes
de partes opostas obtenham treinamento em técnicas de negociação e comunicação
desenvolvidas para se tornarem capazes de mutuamente gerar uma espiral construtiva de
atitudes e percepções33. Caso contrário, conciliadores e mediadores nestas treinados terão
um trabalho muito mais dificultoso em audiência (art. 334) quando instaurado o processo.
Numa outra hipótese, Juízes, promotores e defensores públicos devem se ajustar para tornar
possível o estabelecimento de uma rotina viável de audiências para os jurisdicionados, e
nisso devem cooperar entre si.
A boa-fé no processo (art. 5º) é objetiva e comporta três funções34: “a) cânon
interpretativo/integrativo; b) norma de criação de deveres jurídicos; c) norma de limitação
ao exercício de direitos subjetivos”. Aplica-se a boa-fé a esta atividade de cooperação tanto
para estimulá-la como para limitá-la; as normas fundamentais do processo não se coadunam
com a utilização do processo em prejuízo a outra parte ou terceiros, da legalidade ou da
ordem pública como nas hipóteses descritas no artigo 80 do Código. Alterar a verdade para
obter acordo ou mediante o acordo (art.80, II), utilizar o acordo para conseguir objetivo
ilegal (III) são fatos que poderão ser invocados para desconstituir o acordo e são passíveis
de serem conhecidas pelo conciliador ou mediador para suspender a sessão, ou pelo juiz na
oportunidade da homologação. Ser a única parte a requerer audiência de conciliação e nela se
recusar ao procedimento sem apontar causa configura incidente manifestamente infundado
(VI) ou ato temerário pelo não exercício tempestivo da manifestação de desinteresse (V). O
simples não comparecimento injustificado é conduta que conta com penalização específica
no artigo 334, §8º do CPC.
As normas fundamentais do processo contêm efetividade e a infringência a estas
frustram os direitos fundamentais relacionados ao processo, gerando nulidades35.
O princípio dispositivo (art. 2º) remonta ao início do processo e constitui uma exceção
ao impulso oficial, temperando o gerenciamento do processo pelo magistrado quando a lei
permita as partes modular o procedimento; caso do estabelecimento do calendário processual
(art. 191) ou da dupla recusa em participar de audiência de conciliação ou mediação (art. 334
§4º). A leitura do princípio sob a garantia fundamental do acesso à justiça leva a permitir uma
interpretação alargada para todo o procedimento, significando que o autor da ação, após o
ajuizamento, não delega ao Poder Judiciário a titularidade do seu direito de agir; da mesma
forma que inicia terá o direito de desistir da ação – abrindo mão de qualquer espécie de
solução; ou terá a possibilidade de requerer, a qualquer tempo, que seja designada audiência
de conciliação ou mediação36, dispondo da decisão adjudicada em prol de uma solução

33 Tais técnicas são difundidas no Manual de Mediação do CNJ.


34 Esta é a Lição de Aluísio Gonçalves de Castro Mendes e Larissa Clare Pochmann da Silva In “Normas fundamentais do
código de processo civil de 2015: breves reflexões”, Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano
10. Volume 17. Número 2. Julho a Dezembro de 2016, ISSN 1982-7636. p. 47. Disponível, disponível em <https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/26287/18958>. Acesso>, acesso em 10/12/2019.
35 Carlos Alberto Álvaro de Oliveira (op cit) lecionou sobre essa característica, a ” normatividade do direito fundamental,
norteadora não só da regulação legislativa do processo, como também do regramento da conduta das partes e do órgão
judicial no processo concreto e ainda na determinação do próprio conteúdo da decisão”.
36 Não esqueçamos o princípio tempus regit actum a determinar a aplicação do CPC a processos em curso; assim a norma
fundamental deve prevalecer para adaptar o procedimento à adoção dos métodos consensuais de solução ainda que já
citado o réu e ultrapassada a fase de designação da audiência prevista o artigo 334.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

consensual – observados os requisitos legais como a presença de direitos transacionáveis.


A duração razoável do processo consiste no grande dilema da administração da justiça
tornando-se, portanto, norma fundamental processual no artigo 4º do Código de Processo
Civil. O princípio evoluiu do conceito de celeridade, abrandando a tensão que o mero desejo
de encurtamento temporal exercia sobre as demais garantias processuais; assim a duração
razoável do processo concebe a relativização das medidas aceleradoras em prol dos demais
princípios fundamentais processuais. Neste ponto o diploma processual civil responde à
influência da internacionalização dos institutos, reportando a dosimetria da duração até a
atividade satisfativa37.
O objetivo de imprimir maior rapidez aos processos impulsionou os métodos
consensuais, afinal a negociação favorece desde a formulação de uma solução para o conflito
até a atividade satisfativa final. Inicialmente, a transação é analisada pelas partes como
forma de abreviação do processamento do feito e, por consequência, economia de custos,
sejam estes gerados pela própria demanda em sua duração, sejam aqueles resultantes da
própria privação do bem de vida buscado em juízo. Firmado o acordo e nele incluídas as
condições de tempo e modo que foram convencionadas pelas próprias partes, este apresenta
uma segunda vantagem além do encurtamento do procedimento, consistente nas maiores
chances de ser espontaneamente cumprido.
A duração do processo a ser medida para fins de atendimento ao princípio abrange
o tempo de cumprimento do acordo homologado judicialmente assim como o tempo de
processamento do feito além da sentença de mérito para o efetivo cumprimento da decisão.
Objetivamente considerada a duração razoável do tempo em seu aspecto de celeridade
processual – quantos dias, meses, anos que dura -, a solução mais rápida constitui um fator
importante a ensejar a adesão das partes ao consenso, resultando em uma associação entre
as normas fundamentais contidas no artigo 4º e 3º, §2º do CPC.
Algumas hipóteses, contudo, revelam o divórcio entre o desejo de celeridade e a
promoção do consenso, o que ocorre se forem necessárias mais audiências além da primeira
realizada, ou se a designação de audiências preliminares e posteriores depender de um
agendamento a perder de vista.
Os princípios concentram valores, e a medida de suas incidências se faz em convivência
com os demais princípios. Disso implica que os métodos consensuais, conquanto tenham-se
tornado norma fundamental do processo civil não constituem um objetivo per si e encontram
limites no conteúdo axiológico das demais normas fundamentais, e vice-versa38. Nestes
exemplos o magistrado deverá observar o grau de adequação do método consensual para a
solução do caso, o que representa a base da promoção dos métodos consensuais contida no
artigo 3º, §3º do CPC; ou deixar de realizar a primeira ou demais sessões consensuais com

37 Neste ponto o legislador observa a tendência internacional, retratada na obra de Flávia Hill, Camila Bem e Flávio Campista
(in A duração razoável do processo e os parâmetros jurisprudenciais dos tribunais internacionais de direitos
humanos, pág. 132): “A Corte Interamericana de Direitos Humanos não destoa da orientação da Convenção Americana de
Direitos Humanos, e observa que ‘prazo razoável’ de acordo com o artigo 8.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos
deve ser apreciado em relação à duração total do procedimento até a condenação definitiva, conforme decidido no caso
Suárez Rosero Vs. Equador, mais o tempo que se prolongar a etapa de execução da sentença, conforme ficou estabelecido
no caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) Vs. Brasil”.
38 Robert Alexy em sua Teoria dos direitos fundamentais, expõe que a colisão entre os princípios não os invalida, e exem-
plificou a respeito de um condenado que deveria comparecer a audiência sob o risco de sofrer um derrame cerebral, e assim
sentenciou sobre os princípios envolvidos (págs. 94/96): “A solução para essa colisão consiste no estabelecimento de uma
relação de precedência condicionada entre os princípios, com base nas circunstâncias do caso concreto.”

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

base na garantia da duração razoável do processo39 principalmente se a postergação de uma


solução representar um tempo excessivo, ou custos exorbitantes, ainda que haja grandes
chances de acordo.
Os objetivos de pacificação social podem sobrepujar a celeridade em oportunidades
como a prevista no §2º do artigo 334 do CPC, que permite a realização de tantas audiências
consensuais quanto necessárias em um tratamento adequado do conflito. A celeridade não
constitui uma norma fundamental, apenas um componente indicativo da duração razoável
do processo, é preciso vislumbrar, além da relação de adequação que compõe o juízo de
razoabilidade como a concepção multiportas, a necessidade e proporcionalidade entre o
tempo, o método de resolução e o conflito.
Ada Pellegrini Grinover, ao dispor sobre o fundamento político da conciliação, explicitou
dois aspectos do princípio participativo; o primeiro, consistente na intervenção na hora da
decisão; o segundo, atinente ao controle sobre o exercício do poder40, o que pode representar
a atividade do conciliador em juízo ou, ainda, a oitiva das partes, de interessados, ou mesmo
de vários setores da sociedade quanto à decisão – consensual – a ser construída.
A atual leitura do contraditório participativo, considerado como a concretização do
princípio da participação democrática no processo, encontra total pertinência nos mecanismos
consensuais, eis que a garantia compreende o direito de ser ouvido e apresentar documentos em
um ambiente ético e imparcial, o que resultará em uma decisão de mérito produzida sob o pálio
do Poder Judiciário. O contraditório e a ampla defesa instituídos no artigo 5º, LV da Constituição da
República encontram correspondência nos artigos 7º e 9º do CPC, que contém algumas nuances
de princípios correlatos como da igualdade, e específicos, como a não-surpresa.
A diferença dos efeitos desta participação com relação ao processo adversarial é que
a sessão de conciliação ou mediação poderá se encerrar sem qualquer exceção ao segredo
garantido por lei41, e por consequência o ato processual não servirá a produção de prova
para influir a decisão do juiz. O contraditório participativo na sessão autocompositiva terá,
contudo, uma potencialidade maior, de propiciar a produção imediata de decisão; apenas não
será elaborada pelo juiz, mas por ambas as partes.
Algumas consequências decorrem da garantia; o exercício da administração da sessão
pelo próprio conciliador ou mediador, e não pelo juiz, ressaltando o seu caráter democrático.
Ressalvadas as exceções legais, o cidadão detentor do direito de ação terá o direito de exigir
a realização da audiência instituída no artigo 334 do CPC, pois dela decorre a oportunização
aos litigantes de espaço para a participação na construção da decisão42.

39 José Carlos Barbosa Moreira levantou questões relevantes sobre a audiência preliminar do art. 331 do antigo CPC/1973
ao criticar a valorização extrema da norma como solução ao problema da duração razoável do processo no artigo “O futuro
da Justiça: alguns mitos” in Temas de direito processual. 8ª série. São Paulo, Saraiva, 2004, p. 08: “A tentativa ob-
rigatória de conciliação, tal como regulada no art. 331, é uma faca de dois gumes: quando se obtém o acordo das partes,
encurta-se notavelmente o itinerário do feito; quando não, ele ao contrário se estica mais do que se se omitisse a audiência
a isso destinada, sem que os ganhos laterais superem o inconveniente da procrastinação. Pois bem: qual o percentual de
tentativas frutíferas? Superará ele notavelmente o das infrutíferas? E mais: em que matérias tem sido mais fácil promover o
acordo? Quais os principais óbices à respectiva consumação?”
40 Op cit., pág. 05: “Mas o princípio manifesta-se, na verdade, numa imensa variedade de formas, desde a simples informa-
ção e tomada de consciência, passando pela reivindicação, as consultas, a co-gestão, a realização dos serviços, até chegar à
intervenção nas decisões e ao controle, como a caracterizar graus mais ou menos intensos de participação.”
41 A confidencialidade tem as linhas gerais descritas nos §§1º e 2º do art. 166 do CPC e maiores detalhes na descrição
contida no artigo 30 e parágrafos da Lei nº 13.140/2015, que previu as exceções nos §§3 e 4º.
42 Obviamente tal reinvindicação haverá de ser confrontada com as demais normas do código, incluídas as demais garan-
tias fundamentais, como a duração razoável do processo, como acima explicitamos.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

A audiência bilateral exige a eficaz intimação para a participação das partes, e todas
terão o direito de ter a palavra e relatar sua versão dos fatos, observando a do outro; de
apresentar documentos – advertidos, claro, das características da confidencialidade; de
fazer propostas e contrapropostas; de exigir a presença de terceiros não constantes da
relação processual, mas que de alguma forma sejam afetados pelo possível acordo ou
que sejam responsáveis pelo seu cumprimento43. Afinal, se o contraditório participativo44
é uma expressão do princípio constitucional democrático no processo civil, devem ser
afastados quaisquer impedimentos a que as partes possam utilizar do processo judicial para
produzir a solução de seus próprios conflitos. Ainda que no campo civilístico a questão
seja solucionada à luz da admissibilidade de transação e da autonomia da vontade, ainda
que estes sejam indisponíveis, esta possibilidade não será concretizada se não houver na
seara processual a oportunidade para a conciliação.
Há ofensa inicial à paridade de tratamento e, em última análise, ao contraditório
participativo45, se o órgão jurisdicional substituir a audiência do artigo 334 por alguma
iniciativa de negociação direta exterior ao processo, suspendendo o seu andamento; nesta
hipótese as tratativas se desenvolverão em ambiente proporcionado por uma das partes, que
obviamente desfrutará de melhor conforto da situação em flagrante prejuízo à igualdade46.
Aqui é ainda aplicável a norma fundamental da inafastabilidade da tutela jurisdicional, esta
entendida de uma forma ampla, sob o viés multiportas47.
Por último, o contraditório participativo exige que o acordo que apresente conformidade
com a lei e a ordem pública deva ser homologado pelo juiz imparcial e competente para
o julgamento do feito ou designado coordenador de Centro Judiciário48. Certamente o
contraditório será amplo acaso identificadas as exceções à confidencialidade constantes do
artigo 30§§ 3º e 4º da Lei nº 13.140/2015, que vermos a seguir.

43 Conforme Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Pedro Gomes de Queiroz in As garantias fundamentais do processo
e o instituto da mediação judicial: pontos de tensão e de acomodação: “o contraditório participativo pressupõe que todos
os contrainteressados tenham o direito de intervir no processo e exercer amplamente as prerrogativas inerentes ao direito de
defesa e que preservem o direito de discutir os efeitos da sentença que tenha sido produzida sem a sua plena participação.
44 Leonardo Greco, “Garantias Fundamentais do Processo: o Processo Justo”, in Os princípios da Constituição de 1988,
coletânea organizada por Manoel Messias Peixinho, Isabella Franco Guerra e Firly Nascimento Filho, 2ª ed., Lumen Juris,
Rio de Janeiro, 2006, págs.369/40: “2.Contraditório participativo. Talvez a mais importante dessas garantias, porque ela
própria engloba diversas outras, é a garantia do contraditório, consagrada no inciso LV do art. 5ᵒ da Constituição Federal.
Contraditório como implementação no processo judicial do princípio político da participação democrática ou da chamada
democracia participativa. Contraditório como a garantia que assegura aos sujeitos parciais do processo a mais ampla
possibilidade de influir eficazmente em qualquer provimento jurisdicional, especialmente o provimento jurisdicional final,
submetendo à cognição do juiz todas as alegações e provas que possam contribuir para essa influência. Contraditório como
influência com paridade de armas.”
45 Para Carlos Alberto Alvaro de Oliveira “a participação no processo para a formação da decisão constitui, de forma imedia-
ta, uma posição subjetiva inerente aos direitos fundamentais, portanto é ela mesma o exercício de um direito fundamental.
Tal participação, além de constituir exercício de um direito fundamental, não se reveste apenas de caráter formal, mas deve
ser qualificada substancialmente.” Op. cit.
46 SCHENK, Leonardo Faria. Cognição Sumária: limites impostos pelo contraditório no processo civil. São Paulo:
Saraiva, 2013, p. 58: “É possível afirmar que o contraditório é indissociável do princípio da igualdade, eis que a garantia da
possibilidade de manifestação em todas as fases deverá ser assegurada de igual modo aos litigantes na dinâmica processual,
refletindo a busca pela almejada efetividade da prestação jurisdicional, que contempla a paridade de armas como um dos
pilares da ampla defesa.”
47 Nas palavras de Ada Pellegrini Grinover, op. cit.: “a mediação e a conciliação, como visto, se inserem no plano da política
judiciária e podem ser enquadradas numa acepção mais ampla de jurisdição, vista numa perspectiva funcional e teleológi-
ca,” pág. 03.
48 Nos termos do artigo 9º da Resolução CNJ 125/2010: “Art. 9° Os Centros contarão com 1 (um) juiz coordenador e, se ne-
cessário, com 1 (um) adjunto, aos quais caberão a sua administração e a homologação de acordos, bem como a supervisão
do serviço de conciliadores e mediadores. Salvo disposição diversa em regramento local, os magistrados da Justiça Estadual
e da Justiça Federal serão designados pelo Presidente de cada tribunal dentre aqueles que realizaram treinamento segundo
o modelo estabelecido pelo CNJ, conforme Anexo I desta Resolução” (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16).

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

No mais, subexistem princípios gerais aplicáveis ao processo elencados no artigo 8º do


Código para a atuação do juiz nas tentativas de conciliação a seu cargo ou no processamento
do feito – dignidade da pessoa humana, proporcionalidade, razoabilidade, legalidade,
publicidade e eficiência, atendendo os fins sociais e exigências do bem comum: os mecanismos
consensuais detêm espoco preponderantemente social, visando a pacificação. Assim, devem
ser observados por conciliadores e mediadores em suas atuações como auxiliares da justiça,
seja na organização e administração da sessão autocompositiva, quanto na finalização das
providências processuais decorrentes da realização do acordo.

3. Princípios informativos da conciliação e da mediação

O Código de Processo Civil de 2015 (art. 166) institui a adoção dos métodos
consensuais como norma fundamental e, da mesma forma, inaugura princípios informativos
da conciliação e da mediação, os quais também devem ser interpretados à luz das demais
normas fundamentais. Os princípios informativos pertinentes à conciliação e à mediação
consagrados pela lei geral processual são: “independência, da imparcialidade, da
autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão
informada”49.
A Lei de Mediação, em seu artigo 2º, acrescenta ainda os princípios da isonomia entre
as partes, da busca do consenso e da boa-fé, deixando de fazer menção aos princípios da
independência e da decisão informada, e diante de seu caráter de lei especial não derroga os
princípios do diploma processual, mas lhe acrescem. Não há que se defender, por absurdo,
o menosprezo à isonomia ou boa-fé na conciliação; o artigo 166 trata de princípios setoriais,
que encontram justificação nos princípios fundamentais processuais e, por esta razão,
permanecem resguardados nas normas atinentes à igualdade (art. 7º CPC), ao contraditório
(art.; 7º e 9º CPC) e à boa-fé (art. 5º CPC).
A busca do consenso constitui um objetivo curioso ao se tornar exclusivo da mediação,
eis que contraria a literalidade da regra do Código de Ética dos Conciliadores e Mediadores
consistente na ausência de obrigação de resultado50. A maneira de compatibilizar as disposições
é utilizar a interpretação teleológica eis que estes terceiros imparciais não terão suas atividades
profissionais avaliadas conforme os índices de acordo que alcancem, conquanto tenham a
missão de buscar o consenso das partes respeitados os princípios informativos e princípios
fundamentais do processo51.
Estas diferenças pontuais não geram uma separação ontológica entre a mediação e a
conciliação as quais, definidas por decorrência das atividades dos mediadores e conciliadores nos

49 Outros princípios instituídos pela Resolução CNJ n° 125/2010 em seu Anexo III (Código de Ética de Conciliadores e
Mediadores Judiciais) não foram acolhidos pela legislação processual, como: autonomia (do mediador ou conciliador), em-
poderamento, validação, respeito à ordem pública e leis vigentes, competência, e outros que são classificados como regras:
desvinculação da profissão de origem, ausência de obrigação de resultado e teste de realidade.
50 Esta é a redação do artigo 2º, III do Anexo III da Resolução CNJ nº 125/2010: “III – Ausência de obrigação de resultado -
dever de não forçar um acordo e de não tomar decisões pelos envolvidos, podendo, quando muito, no caso da conciliação,
criar opções, que podem ou não ser acolhidas por eles;”.
51 Dada a autonomia da vontade das partes inexiste obrigação de resultado tanto na atividade conciliatória quanto na me-
diação, o que está expressamente previsto no Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais como uma regra do
procedimento.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

parágrafos 2º e 3º do artigo 165 do código, são regidas pelos mesmos princípios informativos52.
A oralidade e a informalidade já são nossas conhecidas desde os juizados de pequenas
causas53, e estão atualmente mantidas nos juizados especiais54 sucessores, passando então a
integrar o procedimento comum, ou seja, a serem aplicados em quaisquer órgãos jurisdicionais,
em qualquer instância, desde que incidentalmente se institua algum procedimento de
conciliação ou mediação.
A oralidade se refere ao contato pessoal com as partes através da realização de
audiências e classicamente se desdobra em irrecorribilidade, imediatidade, concentração dos
atos processuais e identidade física do juiz; contudo não é um princípio cuja aplicação tenha
sido prestigiada, por diversos motivos. Inicialmente, diante das dificuldades práticas em se
assegurar que o julgamento seja feito pelo juiz que presidiu a audiência, eis que a duração
do processo ultrapassa a permanência do mesmo em sua lotação original, a preferência pela
prova documental, registrada, fornece vantagens.
Em segundo lugar, o grande número de processos em curso no Poder Judiciário brasileiro
tem sido um fator relevante, invocado pelos órgãos judiciais como obstáculo em termos de
tempo para se realizar audiências em todos. Por último, ligada a oralidade à noção, pelos
magistrados, de produção de prova, é ainda um meio desvalorizado, pelo tempo que toma e
pela possibilidade da mentira, chance esta sobrevalorizada55.
A informalidade dispensa a rigidez de ritos pré-estabelecidos, o que não significa, por
outro lado, a ausência total de regras procedimentais; antes mesmo do tratamento pelo
próprio código processual dos métodos consensuais de solução de conflitos – ou MASCS, se
adotarmos a concepção de “métodos adequados” – diplomas regulamentares56 e manuais dos
conselhos fiscalizadores57 disciplinam a sessão de conciliação ou mediação e estabelecem
alguma ordem de atos, embora permitida a dispensa de algumas fases. O Código de Processo
Civil, acertadamente, não desceu às minúcias da audiência do artigo 334 e outras de seu
texto; o princípio tem seu conteúdo aberto e a forma das sessões evoluirá com o tempo,
mantém o texto sua contemporaneidade dispensando reformas posteriores.
A imparcialidade também já frequentava os códigos processuais anteriores quanto
aos magistrados e auxiliares da justiça – nos quais se inserem conciliadores e mediadores,

52 Traçar as diferenças entre os MASCS - para Leonard Riskin (Compreendendo as orientações, estratégias e técnicas do
mediador: um padrão para iniciantes. In: Azevedo, André Goma de (org.). Estudos de Arbitragem, Mediação e Negociação.
Brasília: Brasília Jurídica, 2002) uma diferença de gênero (mediação) para espécie (conciliação) - transborda os objetivos do
presente trabalho, mas é necessário ressaltar que constam do código definições baseadas nos conflitos a serem tratados,
que são fatores externos aos novos institutos processuais. Contudo, a procura por uma definição mediante o procedimento
da conciliação ou da mediação não revelará uma individualização de conceitos, a não ser nas menções a sugestões, cujas
identificações podem ser bem traiçoeiras na casuística das audiências. Sem diferenças precisas quanto a técnicas utiliza-
das, restam princípios genericamente colocados, deixando à prática dos Tribunais nomear suas atividades num ou noutro
método sem consequências.
53 A primeira referência veio na instituição dos Juizados de Pequenas Causas, conforme se depreende da Lei n°7.422/84:”
Art. 2º - O processo, perante o Juizado Especial de Pequenas Causas, orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade,
informalidade, economia processual e celeridade, buscando sempre que possível a conciliação das partes.”
54 Conforme artigo 2° da Lei n° 9.099/95: “Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, infor-
malidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.” A nova lei re-
presentou um amadurecimento dos antigos juizados de pequenas causas, e em realidade a edição da nova lei foi necessária
diante da declaração de inconstitucionalidade da Lei n°7.422/84, e posteriormente à Emenda Constitucional 22/99.
55 Dados de pesquisa empírica realizada por Bárbara Gomes Lupetti Batista e constante do artigo “A oralidade processual e
a construção da verdade jurídica”. Disponível em: <https://www.jfrj.jus.br/sites/default/files/revista-sjrj/arquivo/76-252-
1-pb.pdf>. Acesso em: 28/01/2020.
56 Vide as Resoluções CNJ nº 125/2010 e CJF nº 298/2016.
57 Conselho Nacional de Justiça e Conselho da Justiça Federal têm se destacado nesta função e produziram excelentes ma-
teriais como o Manual de Mediação CNJ e o Manual de Mediação e Conciliação da Justiça Federal.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

contudo o instituto confere relevos particulares às suas funções. O mediador não adjudicará
qualquer decisão, e sequer se aplica algum paralelo ao princípio do juiz natural pois pode
ser escolhido pelas partes, contudo deverá imediatamente comunicar impedimento (art. 170)
para que as negociações sejam conduzidas em respeito à paridade de tratamento entre as
partes, norma fundamental do processo civil (art. 7º).
A autonomia da vontade diz respeito, inicialmente, ao aspecto processual, ou seja, à
disposição das partes em se submeter ao MASC conforme se trate de relação continuada ou
não – indicando que poderá ocorrer conciliação ou mediação. O comparecimento à audiência
prévia de conciliação é obrigatório e será contrário à vontade de uma das partes ao menos,
bastando que a outra não manifeste expressamente desinteresse no método consensual, na
forma do artigo 334, §4º, I do CPC. Incide o princípio de forma ampla na hipótese da dupla
recusa das partes em não realizar a audiência, bem como na sua realização, de forma mais
restrita, tomando em conta a vontade de uma parte apenas contra a vontade da outra, em
realizá-la. Ressalte-se aqui que nenhuma outra audiência do código contém regra semelhante
em termos da apreciação da vontade das partes para sua realização, cuja determinação
compete ao juiz imbuído do impulso oficial, ainda que a requerimentos de produção de prova
oral. Considerando que o dispositivo atribui de forma completa às partes a decisão – ou a
uma, e retiradas as exceções legais como a inadmissibilidade de transação –, a conclusão é
por haver uma grande carga da autonomia da vontade na regra do artigo 334, §4º, I do CPC.
Assim, à luz das características dos métodos consensuais, que operam através de
técnicas negociais e da perspectiva de mudanças nas intenções iniciais das partes, a questão
da obrigatoriedade da audiência para a parte não concordante deve ser resolvida à luz da
norma fundamental contida no artigo 3º, §3º do CPC, pois o estímulo à conciliação e à
mediação deve não apenas para as partes em juízo, mas sobre elas próprias.
A técnica das sessões autocompositivas determina a realização pré-mediação58, que
consiste na fase preliminar da audiência, oportunidade em que o conciliador ou mediador fará
a explicação das regras e princípios do procedimento, o que é indispensável ainda diante do
princípio da decisão informada. Segue-lhe a declaração de abertura59, que tem entre as suas
funções obter a concordância de ambas as partes em se submeter às regras do procedimento.
Assim, antes mesmo de qualquer tentativa de transação, basta a uma das partes manifestar-
se contrariamente à autocomposição após o que não será concluída a abertura da sessão.
O §4º do artigo 166 prevê quanto a este aspecto a viabilidade de as partes alterarem
regras procedimentais, o que se deve à vista ainda do princípio da informalidade do caput do
dispositivo ou ainda diante da norma fundamental que resguarda o princípio cooperativo no
artigo 6º do código. O dispositivo aplica-se à própria sessão autocompositiva – a qual poderá

58 A pré-mediação é uma etapa informativa anterior à sessão autocompositiva, a ser realizada tanto na conciliação quanto
na mediação e, nas lições de Tânia Almeida: “no que tange aos mediandos, estes recebem informações sobre o processo de
autocomposição visando: (i) elencar claramente os temas que os trazem à Mediação; (ii) possibilitar a escolha consciente
da Mediação como meio de resolução do conflito e; ou das questões existentes; (iii) identificar se encontram em si mesmos
disponibilidade para rever posições rígidas ou competitivas; (iv) trabalhar focados na busca de soluções de benefício mú-
tuo; (v) reconhecer a possibilidade de empenho na observância dos propósitos e princípios éticos do instituto” (in Caixa de
ferramentas em mediação. Apostes práticos e teóricos. São Paulo: Dash editora, 2014, Pág. 37).
59 O Manual de Mediação e Conciliação da Justiça Federal define o que se realizará nestas etapas da sessão de forma di-
versa, contudo os doutrinadores costumam divergir ou misturar as fases de pré-mediação e abertura (Pág. 63/64). O Manual
de Mediação do Conselho Nacional de Justiça tem a pré-mediação (pág. 310) em um dos pontos do programa de formação
de mediadores, mas não trata da fase do procedimento.

20
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

ser cindida, ter a participação de alguns ou todos os interessados em cada oportunidade,


ou ter a ordem das falas estabelecida. No que se refere à autonomia da vontade em outros
momentos do processo existem as regras contidas nos artigos 190 e 191, que permitem a
flexibilização procedimental e o estabelecimento de calendário processual. Todos estes casos
representam exceções à norma fundamental do impulso oficial já permitidas no enunciado
do artigo 2º do código.
O princípio também pode ser lido sob o aspecto material, significando que apenas haverá
adesão espontânea ao acordo, manifestando a parte sua vontade livre de vícios, conforme
a disciplina dos negócios jurídicos na seara do direito civil. Assim, iniciado o procedimento
e, realizadas as tratativas, acaso nenhuma opção tenha sido do agrado de uma das partes,
basta que diga que recusa a proposta entabulada, e será encerrada a sessão. A invocação do
princípio da autonomia da vontade será suficiente para permitir o encerramento da sessão
autocompositiva a qualquer tempo, hipótese em que o processo prosseguirá com a abertura
do prazo para contestação (art. 335, I do CPC).
Decisão informada refere-se à condição dos conciliandos ou mediandos de perceber os
termos e consequências do acordo firmado, bem como a existência de alternativas melhores
à adesão. A determinação do esclarecimento das partes quanto às regras da transação e da
sessão autocompositiva já existia em regulamentos anteriores, porém, aparece pela primeira
vez em forma de princípio processual. Sob este aspecto significa que este esclarecimento
deve fazer parte da sessão de conciliação ou mediação, e deve ser proporcionado a todos
que dela participem. Encontra-se presente o aspecto civil, já que a ausência do atendimento
ao princípio pode resultar em ofensa à autonomia da vontade como vimos.
Deste princípio decorre o direito de ouvir e ser ouvido em uma sessão processual de
conciliação ou mediação presidida por um conciliador ou mediador capacitado após prestar
curso de técnicas de negociação em conformidade com o currículo estabelecido pelo Conselho
Nacional de Justiça. Partes que tenham informações precisas, pessoalmente em audiência,
sendo-lhes facultadas formular perguntas específicas tanto ao mediador quanto à outra parte
sobre qualquer aspecto da transação, certamente terão mais chances de negociar, realizar
contrapropostas e tomar a decisão que melhor lhes convir.
A independência dirige-se aos conciliadores e mediadores, os quais sendo auxiliares
da justiça, terão todos os poderes necessários a iniciar, conduzir e encerrar a audiência
exclusiva de conciliação ou mediação judicial, sendo servidores ou voluntários; estarão
todos vinculados ao Código de Ética dos Conciliadores e Mediadores60, encontrando também
disciplina quanto a eventuais abusos no próprio Código de Processo Civil (art. 173).
Os mesmos têm a aptidão de dirigir e até mesmo interromper a sessão acaso entendam
que não estão atendidos os demais princípios ou normas no decorrer do procedimento, e por
consequência é desnecessária qualquer decisão judicial neste sentido. Por outro lado, diante
da norma fundamental do estímulo ao consenso, a qualquer tempo no processo, por todas as
partes, o magistrado poderá determinar que nova sessão seja realizada de ofício: já realizada
uma sessão anteriormente pressupõe-se que ao menos uma tenha expressado a vontade de
conciliar. Resta nesta hipótese definir se a parte cuja vontade tenha ensejado a realização da
audiência mude de idéia e manifeste a desistência na forma dos artigos 334, §4º I e 335, II

60 Constante do Anexo III da Resolução CNJ nº 125/2010.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

do CPC; neste caso o magistrado deverá decidir à luz do comando das normas fundamentais
do processo civil e eventuais colisões entre seus princípios.
A confidencialidade é o princípio inaugurado no diploma processual e na Lei de
Mediação sem qualquer tradição no direito brasileiro, cujo passado aliás remonta à mais
absoluta publicidade do processo, à exceção de segredos de justiça baseados no interesse
da instrução penal, ou na intimidade das partes em questões de família. Questiona-se
se, por também localizar-se neste dispositivo do Livro III, Título IV, Capítulo III, Seção V,
se o princípio da confidencialidade estaria se dirigindo tão-somente a estes auxiliares
da justiça, não se aplicando aos juízes competentes para o julgamento após frustrado o
consenso. Outra questão, decorrente, diz respeito à possibilidade de os juízes julgarem
os processos depois de fracassada a tentativa conciliação por estes realizada ao início das
audiências de instrução.
É claro que os demais princípios informativos da conciliação e mediação orientam ou
limitam as atuações de conciliadores e mediadores – enunciados no artigo 166 – e dos demais
atores do processo; tomemos por exemplo a autonomia da vontade das partes, que não
podem ser impingidas pelo magistrado, como não podem ser por estes auxiliares da justiça,
a aceitar o acordo.
Contudo, nenhuma destas hipóteses contempla a oposição de segredo em face do juiz
da causa, mesmo de fato conhecido pelo conciliador ou mediador judiciais, o que parece
ser a principal razão do princípio, o qual podemos definir como a obrigação de que todos
os participantes da sessão não-adversarial guardem segredo sobre fatos, documentos e
propostas apresentados na mesma em face daqueles que dela não participem. Inevitável
que, para atender ao princípio, da ata da audiência não poderá constar qualquer reprodução
ou menção destes dados.
Afinal, um dos receios das partes em negociar consiste em que os dados que sejam
revelados nesse esforço sejam posteriormente utilizados para a formação do convencimento
do juiz, e essa é a razão do princípio. A confidencialidade também fundamenta a realização
da sessão consensual nos centros judiciários (art. 165) e por conciliadores ou mediadores
certificados (art. 167 §1º do CPC): apenas assim será resguardado o princípio e, de forma
mediata, a norma fundamental do estímulo das soluções consensuais.
Disto decorrem algumas consequências: acaso inexistente centro judiciário na comarca
ou seção judiciária – posto que a criação só é exigida pelos conselhos superiores6162 diante
de um certo número de órgãos judiciais reduzidos – e, ainda, ausentes estes auxiliares da

61 Conforme o artigo 8º da Resolução CNJ 125/2010: “§ 2º Nos tribunais de Justiça, os Centros deverão ser instalados nos
locais onde existam 2 (dois) Juízos, Juizados ou Varas com competência para realizar audiência, nos termos do art. 334
do Novo Código de Processo Civil. § 3º Os tribunais poderão, enquanto não instalados os Centros nas Comarcas, Regiões,
Subseções Judiciárias e nos Juízos do interior dos estados, implantar o procedimento de Conciliação e Mediação itinerante,
utilizando-se de Conciliadores e Mediadores cadastrados. § 4º Nos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça, é fac-
ultativa a implantação de Centros onde exista um Juízo, Juizado, Vara ou Subseção desde que atendidos por centro regional
ou itinerante, nos termos do parágrafo anterior. § 5º Nas Comarcas das Capitais dos Estados bem como nas Comarcas do
interior, Subseções e Regiões Judiciárias, o prazo para a instalação dos Centros será concomitante à entrada em vigor do
Novo Código de Processo Civil. § 6º Os tribunais poderão, excepcionalmente, estender os serviços do Centro a unidades
ou órgãos situados em outros prédios, desde que próximos daqueles referidos no § 2º, podendo, ainda, instalar Centros
Regionais, enquanto não instalados Centros nos termos referidos no § 2º, observada a organização judiciária local. (Redação
dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)”
62 No âmbito federal, disciplinou o Conselho da Justiça Federal na Resolução CJF 298/2016, em seu artigo 7º §2º: “Nas
subseções judiciárias onde houver um único juízo, juizado ou vara, é facultativa a implantação de CEJUSCONS, desde que
atendidos centros regionais ou itinerantes.”

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

justiça capacitados, caberá ao magistrado realizar a sessão de conciliação ou mediação; caso


em que, frustradas as tentativas de consenso, não restará outra alternativa senão a remessa
dos autos ao juízo tabelar para iniciar a instrução probatória - o que inclui pode incluir uma
outra audiência pra instrução, pois os dados da primeira serão confidenciais. Tal providência
será determinada na própria audiência, com ciência pessoal das partes, pois nela se inicia o
prazo processual para a contestação (art. 335, I do CPC).
Da mesma forma, intimar as partes a formular propostas escritas as deixará disponíveis
para avaliação do magistrado em uma eventual condenação – e a parte, sabedora deste fato,
terá mais uma razão a recusá-la; a ausência da oralidade, ademais, neste caso, prejudicará
uma negociação dinâmica e não resultará em um acordo mais justo63: a formalidade da escrita
desconhecerá e poderá omitir detalhes que poderiam beneficiar não somente uma, mas ambas
as partes, bem como serem decisivos na própria escolha em transigir ou não. A sentença
proferida por juiz, em decisão adjudicatória, que apresentar fundamentação calcada em
termos da proposta escrita estará cunhada de nulidade, e a solução quanto à sua declaração
pelo Tribunal será o encaminhamento dos autos a outro magistrado, em observância ao
princípio da imparcialidade.
O direito de conhecer e se manifestar sobre todas as alegações e provas é limitado em
se tratando de sessões individuais – ou caucus –; técnica praticada com certa frequência por
mediadores e conciliadores quando vislumbram a necessidade de oitiva privada de uma das
partes, normalmente para acalmar ânimos, aplacar receios. Poderá ainda fazer perguntas para
colher novas informações que uma das partes resista em revelar, ou aplicar técnicas que não
seriam recomendáveis na presença da outra parte, sob pena de desequilibrar a negociação,
como o teste de realidade64.
Em todo o caso, a sessão individual confere ao mediador acesso a questões centrais ou
colaterais que estejam obstando a solução consensual, cujo conhecimento lhe facilitará gerar
opções para as partes, sem que essa informação seja compartilhada pela parte não participante
da sessão. A confidencialidade está assegurada no artigo 31 da Lei nº 13.140/201565 66,
contudo, na utilização cotidiana do caucus, não raramente, após a intervenção do conciliador
ou mediador, a parte permitirá que alguma informação nela revelada seja compartilhada com
a outra parte na sessão conjunta, provavelmente porque disso dependerá o encaminhamento
da solução do conflito.

63 Adotando uma concepção ampla de jurisdição abarcando a resolução consensual de conflitos, e dado que entre as de-
cisões de mérito se inserem a sentença homologatória de acordo, temos que as ideias de Michele Taruffo quanto a uma
potencialidade maior da decisão justa ser aquele que observa as normas processuais temos por este exemplo de uma in-
fringência a princípio – da confidencialidade – que resultará em um acordo menos proveitoso por uma ou ambas as partes,
por prejudicada a negociação.
64 Consoante o Manual de Mediação e Conciliação da Justiça Federal “O cheque ou teste de realidade consiste na apresen-
tação de uma perspectiva diversa àquela de uma ou ambas as partes, de maneira a se notar a discrepância entre o que
se imagina e o que se costuma ocorrer”, pág. 82. Disponível, disponível em < https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-
justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/outras-publicacoes/manual-de-mediacao-e-conciliacao-na-jf-
versao-online.pdf>. Acesso em 10/11/2019.
65 Lei 13.140/2015: “Art. 31. Será confidencial a informação prestada por uma parte em sessão privada, não podendo o
mediador revelá-la às demais, exceto se expressamente autorizado”.
66 Sobre o tema já trataram Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Pedro Gomes de Queiroz: “Não enxergamos violação ao
contraditório, desde que o mediador exponha a possibilidade da realização de sessões privadas no curso do procedimento,
e as partes concordem expressamente”, pág. 8.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

4. Conclusão

O direito processual brasileiro encontra-se renovado com o Código de 2015, e abraça


algumas tendências estrangeiras sob a influência da globalização, da atuação dos órgãos de defesa
dos direitos humanos e, por fim, da formação da adoção de um direito processual constitucional.
Temos normas fundamentais processuais que remetem ao texto constitucional, e por coerência
sistêmica detêm primazia sobre as demais normas processuais, aí incluídos regras e princípios.
Os princípios fundamentais deixam de ser considerados meras abstrações para
apresentar sua vocação à efetiva aplicação concreta67. Diante do primado dos princípios
fundamentais processuais constantes do primeiro capítulo, Livro I do Código de Processo Civil;
os princípios informativos da conciliação e mediação são especiais, mas se suas aplicações
entrarem em colisão com aqueles, devem ceder. Inexistem fórmulas prontas, apenas o caso
concreto poderá indicar a prevalência de uma ou outra norma fundamental processual,
quando colidentes entre si.
Os métodos adequados de solução de conflitos, tão prestigiados, agora possuem um
corpo de princípios e regras rico para que sejam utilizados no âmbito do Poder Judiciário,
sendo amplas as possibilidades de realizações pelos seus atores para que o acesso à justiça
seja alcançado.
Apenas a casuística, fomentada pelo efetivo estímulo do Estado determinado por norma
fundamental (artigo 3º §2º do CPC) aos métodos consensuais – em outras palavras, recursos
financeiros traduzindo-se em recursos humanos e materiais – se traduzirá em questões mais
complexas do que as que, por ora, nos propomos a analisar.

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DESJUDICIALIZAÇÃO E UTILIZAÇÃO
DAS FORMAS DE SOLUÇÃO
CONSENSUADA DOS CONFLITOS NOS
SERVIÇOS EXTRAJUDICIAIS: UMA NOVA
FRONTEIRA PARA A DISSEMINAÇÃO
DA CULTURA DOS MASC

Celso Belmiro

1. Considerações Iniciais - Por que “desjudicializar”? – Breves anotações acerca das


mazelas do sistema de justiça e das alternativas para sua racionalização

Não chega a ser novidade estratégica principiar-se um artigo – científico ou de opinião


–, que tenha por finalidade tratar dos métodos adequados de soluções de conflitos (MASC)
através da indicação de um problema comum, presente em todos os ensaios que tratam do
tema: a pouca eficiência no sistema vigente de acesso à justiça e de prestação jurisdicional. E
não poderia ser diferente: se se buscam alternativas, se são intensamente investigadas outras
possíveis saídas e soluções para uma determinada situação, é porque evidentemente o problema
está presente, como o elefante que insiste em não sair da sala. E não há como ignorá-lo...

28
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Porém, diferentemente do que ocorre de forma rotineira, não serão aqui trazidos os
dados constantes do relatório anual do CNJ – Conselho Nacional de Justiça – denominado
“Justiça em Números”, onde se apontam, ano após ano, as mazelas de um sistema que parece
vocacionado à ineficiência, com números cada vez mais impressionantes de demandas
ajuizadas e de outras tantas pendentes de julgamento ou, ainda, os percentuais alarmantes
da “taxa de congestionamento” dos tribunais nacionais. Os dados, ainda que de extrema
relevância, compõem a “consequência” do problema. E, neste capítulo introdutório, o foco
será, porém, a indicação, ainda que sem a pretensão de esgotamento da extensa matéria,
das possíveis alternativas e soluções para o grave problema, através do processo de
“desjudicialização” (ou “extrajudicialização” )1, com vista a tornar mais razoável e racional a
complexa situação em que se encontra o sistema de prestação jurisdicional no Brasil.
Assim, em abordagem introdutória, pode-se afirmar que, se houve o efetivo
reconhecimento de uma crise relacionada ao excesso de demandas apresentadas ao Poder
Judiciário, duas frentes de batalha se abrem: a primeira, ainda com vistas à solução das
controvérsias no âmbito estatal (vale dizer, mantendo-se o processo estatal de solução de
conflitos), refere-se à necessidade de que os procedimentos judiciais sejam mais simples e
mais céleres. Nesse sentido, Cândido Dinamarco, ao tecer comentários sobre a elaboração do
NCPC, já reconhecia que o afã de aceleração do processo “se manifesta de modo explícito em
um daqueles propósitos enunciados pela Comissão (o da “simplificação dos procedimentos,
eliminando formalidades ou atos desnecessários ou inúteis”) e está presente ao longo de todo
o Código, na disciplina de muitos de seus institutos.”2 É necessário, portanto, sob os auspícios
do novo CPC, que uma vez mantidos os processos sob a jurisdição estatal, cobertos pelo
manto do Estado-Juiz, que eles se desenvolvam no menor tempo possível e que sejam também
simplificados, o mais informalizados possível, para que se respeite o princípio constitucional
da razoável duração do processo e para que a prestação jurisdicional seja efetiva.
A outra das frentes de batalha, especificamente tratada no presente ensaio, é a da
diminuição ou retirada completa da solução das controvérsias do âmbito do Poder Judiciário, o
que se dá por meio da chamada Desjudicialização. Por meio dela, elimina-se a necessidade de
instauração de um processo judicial e outorga-se a um terceiro a possibilidade de solucionar o
conflito, como se dá, a título de exemplo, no procedimento instaurado perante a arbitragem,
conforme já previsto na lei respectiva (Lei 9.307/96) desde o longínquo ano de 1996.3
Se é possível afirmar que o NCPC trouxe importantes inovações quanto ao intrincado
tema da desjudicialização, como a previsão da usucapição extrajudicial (art. 1701, inserindo
o art. 216-A na Lei 6.015/73 – Lei dos Registros Público), da homologação do penhor
legal (previsto sem seu art. 703) e do protesto de sentença judicial (art. 517), é também
importante ressaltar, por outro lado, que a busca pela desjudicialização não nasce apenas
com a promulgação do Código de Processo Civil de 2015, dado que antes de sua edição
já havia iniciativas concretas e específicas com esta finalidade, como a já mencionada Lei

1 O posicionamento mais acertado no que se refere à relação entre as expressões parece ser o que sustenta ser a “desju-
dicialização” um gênero mais amplo do qual faz parte a espécie “extrajudicialização”, quando o exercício de determinada
atividade específica for atribuído aos Serviços Extrajudiciais delegados.
2 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v.1. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 43
3 Com vistas a incentivar a busca da solução pela via da arbitragem, o legislador buscou dar à “sentença arbitral” o mesmo
status da decisão proferida pelo órgão jurisdicional (título executivo extrajudicial), exigindo-se, quanto ao procedimento, as
mesmas garantias do processo judicial, como a o contraditório, a ampla defesa e a imparcialidade do órgão julgador.

29
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

de Arbitragem, a Lei 11.441/2007, tratando da possibilidade de realização de separação,


divórcio, inventário e partilha diretamente nos Serviços Extrajudiciais, a Lei 9.514/97, que
trata do sistema financeiro imobiliário (alienação fiduciária de bem imóvel) e que prevê,
em seus art. 26 e 27 a chamada “excecução extrajudicial” em casos de inadimplemento
das parcelas pelo mutuário, a Lei Federal 11.790/08, introduzindo a desjudicialização do
procedimento de registro tardio de nascimento e, ainda, a possibilidade de protesto da CDA –
Certidão de Dívida Ativa, eliminando a necessidade de instauração de milhares de processos
de execução fiscal, o que se deu através da inserção do parágro único ao art. 1º. da Lei
9.492/97 feita pela Lei Federal 12.767/2012.
A esse propósito, com relação especificamente à Lei 11.441, seus resultados são abso-
lutamente expressivos. Dados coletados da CENSEC – Central Notarial de Serviços Eletrônicos
Compartilhados, que é integrada obrigatoriamente por todos os tabeliães de notas do país4 e
é administrada pelo CNB – Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal, dão conta da realiza-
ção, entre atos de separação, divórcio, restabelecimento da sociedade conjugal, de inventário
e partilha, no período compreendido entre os ano de 2007 (início de vigência da lei) e o fim
do ano de 2019, de nada menos que 2.424.912 (dois milhões, quatrocentos e vinte e quatro
mil, novecentas e doze) escrituras lavradas no período5. Vale dizer: todos esses atos exigiam,
ainda que não houvesse qualquer conflito de interesses entre as partes, o ajuizamento de
uma demanda perante o Poder Judiciário para a obtenção dos resultados jurídicos práticos
almejados pelas partes.
Repita-se à exaustão: em uma única iniciativa, com a edição de uma única lei, dispensou-
se a instauração de quase dois milhões e meio de processos judiciais. Some-se a isso a questão
envolvendo o custo unitário de cada processo judicial instaurado (e pendente) e se terá, então, a
exata noção do quanto de tempo e dinheiro poderá ser poupado das partes e do aparelho estatal,
vale dizer, de todos os contribuintes, com a adoção de medidas como esta. Daí a necessidade
de serem incentivadas todas as iniciativas que visem a retirar do Judiciário parcela significativa
de suas atribuições, principalmente se envolverem atos e negócios jurídicos que não encontram
fundamento minimamente razoável para que permaneçam sob a tutela do Estado.
Uma vez respondida, ainda que brevemente, a provocação apresentada no título do
capítulo (“Por que desjudicializar?”), passa-se à abordagem do objeto específico do presente
estudo: a desjudicialização por meio da utilização, no âmbito dos Serviços Extrajudiciais, das
formas consensuadas de solução de conflitos, conforme prevista na Lei 13.140/2015 (Lei da
Mediação), nos Provimentos 67/2018 e 72/2018, além da Recomendação 28/2018, todos do
Conselho Nacional de Justiça.

2. A atividade extrajudicial desempenhada pelos Serviços Extrajudiciais delegados


e a viabilidade de sua integração aos MASC

Notários e Registradores são profissionais de Direito recrutados através de concurso


4 Conforme exige o Provimento CNJ 18/2012
5 Os dados constam da dissertação de Mestrado de Virgínia Viana Arrais, cujo título é “Desjudicialização da
Separação, do Restabelecimento da Sociedade Conjugal, do Divórcio e do Inventário: Efetividade do Princípio
Constitucional da Duração Razoável do Processo”, defendida e aprovada perante banca examinadora do Programa
de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá em 21/07/2020 e gentilmente cedidos pela autora.

30
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

público para desempenhar função pública, exercendo-a, contudo, em caráter privado,


conforme determina o art. 236 da Constituição da República6. São dotados de fé pública e
continuamente fiscalizados pelos Tribunais de Justiça dos Estados, por meio das Corregedorias-
Gerais desses Tribunais e de seus órgãos fracionários. Devem respeitar não só a Constituição
da República e as leis de regência das matérias em que atuam (Lei 6.015/73, Lei 9.492/97
entre outras), como também a Consolidação Normativa da respectiva Corregedoria Estadual
(em alguns Estados, “Código de Normas” ou “Normas de Serviço”), além de diversos atos
administrativos esparsos, como Provimentos, Atos Executivos, Portarias e Recomendações
emitidas pelos órgãos de fiscalização e controle, seja em nível estadual ou federal.
O fundamento da existência, em nosso sistema jurídico, dos Serviços Extrajudiciais
Delegados, Serviços Notariais e Registrais (ou ainda “cartórios” extrajudiciais) está, conforme
já explicitado, no art. 236 da Constituição da República e têm eles como norma geral de
regência de sua atividade a Lei 8.935/94.
Conforme lecionam Martha El Debs, Renata El Debs e Thiago Silveira, na obra “Sistema
Multiportas – A mediação e a conciliação nos cartórios como instrumento de pacificação
social e dignidade humana”:

Os notários e registradores são agentes públicos, mas não são considerados funcionários
públicos em sentido estrito. São particulares em colaboração com a administração,
pessoas alheias ao aparelho estatal, mas que compõem uma terceira categoria de agentes
públicos, ao lado dos agentes políticos e dos funcionários públicos. (...) não integram
a estrutura do funcionalismo público e não são remunerados pelos cofres públicos: a
remuneração da atividade provém dos particulares, por meio dos emolumentos, que
possuem natureza de taxa. O exercício desta atividade é delegação pelo Estado ao
particular. Trata-se do instituto da delegação e não da concessão ou permissão, que tem
natureza contratual7

Sua remuneração, reafirme-se, se dá através do pagamento de “emolumentos” (cuja


natureza jurídica, segundo reconheceu o STF em mais de uma oportunidade, é de taxa
estadual), aos quais, ao longo do tempo, foram sendo acrescentados, por leis estaduais,
inúmeros percentuais de cobrança e subsequentes repasses a terceiros, que se destinam aos
mais diversos objetivos, muitas vezes completamente desvinculados da atividade extrajudicial
desempenhada por estes profissionais, como o reaparelhamento do Tribunal de Justiça (desde
instalações físicas até máquinas e equipamentos), da Defensoria Pública, da Procuradoria do
Estado e de diversos outros órgãos como, em alguns estados, o Ministério Público e até mesmo
a Santa Casa da Misericórdia. Referidos adicionais são pagos pela parte e, na maioria dos
Estados, inteiramente repassados pelo titular do serviço aos órgãos beneficiários, encarecendo
o preço ao usuário final do serviço, em alguns casos, em mais de 50%.8

6 “Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus
prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços
notariais e de registro.
§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que
qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.”
7 DEBS, Martha El; DEBS, Renata El; SILVEIRA, Thiago. Sistema mutiportas – a mediação e a conciliação nos cartórios
como instrumento de pacificação social e dignidade humana. Salvador: Editora Juspodivm, 2020, p.158-159
8 A título ilustrativo, no Rio de Janeiro esses repasses (acrescidos ao preço final cobrado do usuário) são de 34%. Em MG,
39,66%, em SP 38, 49%, no RS, 35,09% e na BA, 52,20%.

31
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

No que se refere à compatibilização da atividade de notários e registradores com a


conciliação e a mediação, é imperioso afirmar, desde logo, que não se trata apenas de uma
atividade “compatível”, mas, muito mais do que isso, pode-se dizer que se trata de vocação
natural desses profissionais o desempenho desse munus, uma vez que a conciliação e a mediação
guardam estreita relação com a atividade de notários e registradores, o que pode ser demonstrado,
inicialmente, por meio dos exatos termos empregados pelo art. 6º. da Lei 8.935/94, segundo o
qual, aos notários compete: I – formalizar juridicamente a vontade das partes; II – Intervir nos
atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade;
Formalizar juridicamente a vontade das partes consiste em atribuir a essa manifestação
uma “forma” para que sua eficácia esteja garantida, em qualquer tipo de ato ou negócio
jurídico, dos simples aos solenes, o que se faz através de orientação, aconselhamento,
assessoramento, análise dos elementos necessários para a constituição do ato, tudo, enfim,
que for imprescindível para a validade jurídica e produção dos efeitos que as partes pretendem.
Neste sentido, defende Celso Campilongo que:

O notário desenvolve função facilitadora das transações, sejam elas relativas a uma
escritura de venda e compra ou a uma escritura de mediação e conciliação. Por isso,
mediar e conciliar são atribuições ínsitas, inerentes, inatas aos notários e registradores.
O notário é verdadeiro “engenheiro” das soluções consensuais, exatamente como o faz
o melhor dos mediadores.

E acrescenta o Professor Titular de Filosofia e Teoria Geral do Direito da USP – Universidade


de São Paulo9:

Notários e registradores gozam de fé pública, são investidos nos respectivos postos


por concursos, gozam de elevadas garantias de imparcialidade e neutralidade, são
fiscalizados e regulados – sem ingerências que desnaturem suas independências – pelo
Poder Judiciário, possuem formação jurídica atestada por exames rigorosos, têm deveres
comuns relativos à confidencialidade, sigilo e publicidade de seus atos, procuram eliminar
e reduzir incertezas quanto aos direitos das partes, possuem familiaridade e experiência
no tratamento de conflitos de direitos e procedimentos para sua resolução, gozam da
confiança das partes e estão submetidos a rígidos controles de responsabilidade. É
dessa base comum a notários e registradores que nascem os fundamentos institucionais
que os qualificam e os recomendam aos papéis(...) DE MEDIADORES E CONCILIDADORES

Com base nesses elementos, por força das características próprias da atividade e
dos requisitos exigidos para o seu desempenho, as habilidades profissionais requeridas
de tabeliães e oficiais de registro, inerentes ao exercício do seu mister, é que se afirma
que a perspectiva e os objetivos buscados com a implementação dos MASC se adequam
perfeitamente a esses profissionais do Direito.

3. A Capilaridade dos Serviços Extrajudiciais de Notas e de Registros Públicos – o


fermento para a disseminação dos MASC

A lei de regência da atividade extrajudicial (Lei 8.935/94) estabelece, em seu art. 44, §

9 Parecer elaborado acerca do Provimento da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo n. 17/2013, que au-
torizou e implementou os serviços de mediação e conciliação nos Serviços Extrajudiciais daquele Estado.

32
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

2º. que “em cada sede municipal haverá no mínimo um registrador civil das pessoas naturais”.
Isso faz com que os serviços extrajudiciais estejam espalhados por todo o território nacional,
em uma ramificação maior até do que os próprios órgãos do Poder Judiciário. Nesse sentido,
relembre-se os critérios, previstos nas normas dos estados, para a criação de uma “comarca”
e, a partir daí, a viabilidade de instalação de um órgão jurisdicional, ainda que de atribuição
única. Não raro, diversos municípios se encontram desprovidos de qualquer representação
do Poder Judiciário, fazendo eles parte de uma região e, na sede desta (e apenas na sede) o
cidadão tem acesso ao órgão estatal. Tal não acontece com os Serviços Extrajudiciais.
Em números precisos, são 13.627 unidades, das mais diversas atribuições, distribuídos
pelos 5.570 municípios brasileiros10, sendo necessário, conforme afirmado, pelo menos um em
cada município, com finalidade, a princípio, de realização de atos de nascimentos, casamentos
e registro de óbitos, nada impedindo, porém, que venham a realizar outros atos, como os aqui
abordados, tendentes à solução extrajudicial do conflito. No estudo mencionado, verificou-se
que existem mais Serviços Extrajudiciais do que, por exemplo, loterias (13.241), agências dos
Correios (12.362), igrejas católicas (em torno de 11.000) e agências do Banco do Brasil (5.450)11.
Trata-se, portanto, de entidades que desempenham atividade pública (ainda que em
caráter privado) e estão presentes em todo o território nacional, apresentando-se como
instrumento com enorme potencial e excepcionais possibilidades de difusão da cultura do
não-litígio e da busca dos meios adequados de solução de conflitos.

4. Provimento 67/2018 CNJ – o embrião da utilização dos Serviços Extrajudiciais


para conciliação e mediação12

Em 26 de março de 2018, o CNJ fez publicar o Provimento 67, que teve por finalidade
dispor sobre os procedimentos de conciliação e de mediação nos serviços notariais e de
registro no Brasil.
Já nos “considerandos”, o Provimento 67/2018 reconhece a efetividade da conciliação
e da mediação como instrumentos de pacificação social, solução e prevenção de litígios e
identifica a necessidade de organização e uniformização de normas e procedimentos afetos
aos serviços de conciliação, mediação e a outros métodos consensuais de solução de conflitos,
a serem prestados pelos serviços notariais e de registro.13

10 Fonte: “Cartório em Números: Capilaridade, Serviços Eletrônicos, Cidadania e Confiança. Serviços Públicos que nada
custam ao Estado e que beneficiam o cidadão em todos os municípios do país”, publicação da ANOREG/BR – Associação de
Notários e Registradores do Brasil.
11 Para fins de contextualização e com base em números absolutamente precisos, 88 países possuem “cartórios” que atuam
no mesmo sistema jurídico vigente no Brasil (notariado “latino” ou notariado de “Direito latino”), ao que se somam alguns
dados relevantes sobre o sistema utilizado no Brasil, que está presente: a) em 7 das 10 maiores economias do mundo (Ale-
manha, França, Japão, China, Rússia, Indonésia e Brasil); b) em 22 dos 28 países que compõem a União Europeia; c) em 15
dos 20 países que compõem o G20, além de representar o modelo que atende a 2/3 da população mundial. Não é pouco...
12 Merece menção o Provimento da Corregedoria do Estado de São Paulo 17/2013 que, com base na Resolução 125/2010
do Conselho Nacional de Justiça e com vistas a regulamenta-la, autorizou os notários e registradores paulistas a realizarem
mediação e conciliação e disciplinou, de forma pormenorizada, essa atuação. Porém, em virtude de iniciativas da OAB junto
ao CNJ, foi proferida liminar suspendendo provisoriamente os seus efeitos, o que culminou com a edição do Provimento
CGJ 31/2016, em 08 de junho de 2016, através do qual foi revogado o mencionado Provimento CGJ 17/2013 (também pelo
motivo de que, nesta data, já estava em vigor a Lei de Mediação (Lei 13.140/2015)).
13 Importa, uma vez mais, trazer as lições de Celso Campilongo, para quem “Mediar e conciliar não são meros clichês de
salvação desesperada de uma Justiça falida. São muito mais. Visam o escopo social de pacificação e o objetivo político de
participação na construção do direito. Pressupõem o espaço de liberdade que apenas o direito garante ao cidadão; liberdade
para a discussão e aceitação do acordo; liberdade para a formação e manifestação da vontade; liberdade para o atingimento

33
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Em seu art. 2º, estabelece o ato normativo em questão a facultatividade da prestação


deste específico serviço pelos tabelionatos e ofícios de registro, que poderão ser localizados
por meio de listagem pública mantida pelos Tribunais de Justiça em seus sites.
Como a atividade extrajudicial é permanentemente fiscalizada e supervisionada pela
Corregedoria-Geral dos Estados e do Distrito Federal (o que tem por consequência a garantia
de fiel cumprimento dos requisitos exigidos em lei, além da segurança jurídica e fé pública
inerentes à atividade desempenhada pelos cartórios), o Provimento 67/2018 exige que a
regulamentação da conciliação e mediação realizada nos serviços extrajudiciais seja feita
pelos NUPEMECs – Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos e
pelas Corregedorias-Gerais de Justiça dos Estados.
Significa isso que itens como: o processo de autorização, a possibilidade de realização do
serviço por escreventes habilitados, a manutenção de cadastro de conciliadores e mediadores
habilitados, a avaliação da eficiência do serviço, as exigências para a atuação do tabelião
ou registrador como mediador ou conciliador, quase tudo relacionado ao desempenho da
atividade, enfim, passe pelo crivo do Poder Judiciário.
É interessante observar a preocupação do provimento com a necessária formação
específica do notário ou registrador para aturarem como conciliadores ou mediadores. Para
este fim, dedica o caput e quatro longos parágrafos, para estabelecer que não basta ter a
delegação do serviço extrajudicial, mas que, antes, é necessário que haja a formação em curso
específico para o desempenho de tais funções, que será custeado pelos próprios serviços
notariais e registrais e será prestado por escolas judiciais ou por instituição formadora de
mediadores judiciais14, ou mesmo associações, escolas ou institutos vinculados aos serviços
notariais ou de registro, em todos os casos acima respeitando-se os parâmetros da Resolução
ENFAM n. 6/2016.15
Em boa hora, ocupou-se também o provimento de reafirmar a necessidade de
observância, pelos notários ou registradores que desempenharem essa nova função, dos
princípios e regras contidos na Lei 13.140/2015, no art. 166 do CPC e no Código de Ética de
Conciliadores e Mediadores (anexo III da Resolução CNJ 125/2010), aplicando-se-lhes, dentre
outros, o dever de confidencialidade e as regras de impedimento e suspeição previstas nos
art. 148, II, 167, § 5º, 172 e 173 do CPC, bem como nos arts. 5º a 8º da Lei 11.340/2015.
No que toca ao objeto da conciliação ou mediação, o provimento repete a fórmula já
prevista no art. 3º, § 2º, da Lei 11.340/2015, estabelecendo que quando se tratar de direitos
indisponíveis transacionáveis (formulação que decorreu da evolução do pensamento acerca
do conceito de “direitos indisponíveis”), há a exigência da homologação em juízo, através da
instauração do procedimento de jurisdição voluntária previsto no art. 725, VIII do CPC.
Neste específico ponto, tudo indica que o provimento não tenha adotado a melhor
solução possível. Na verdade, se os métodos de autocomposição têm, entre suas inúmeras
vantagens, também a de evitar que as partes precisem buscar o Poder Judiciário, não faz
sentido esta exigência quando o consenso é obtido por intermédio dos serviços delegados
que, além de desempenharem atividade pública, são constantemente fiscalizados pelo
próprio Poder Judiciário. Perdeu-se importante oportunidade de desburocratizar e incentivar
do consenso; liberdade para a disposição sobre direitos; liberdade para a eleição da forma.”

14 A listagem de estabelecimentos autorizados pelo CNJ a funcionar como cursos de formação de conciliadores e mediado-
res é encontrável no site do próprio Conselho Nacional de Justiça.
15 ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados.

34
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

a autocomposição em cartórios quando se tratar desta específica modalidade de direitos


(indisponíveis, mas que admitem transação).
Da mesma forma, o art. 13, ao estabelecer que o requerimento de conciliação ou de
mediação poderá ser dirigido a qualquer serviço notarial ou de registro “de acordo com as
respectivas competências” (mesma fórmula adotada pelo art. 42 da Lei 13.140/2015) acaba
por criar desnecessária polêmica, especialmente porque não têm os dispositivos uma redação
clara que permita auferir o que se pretendeu estabelecer com a expressão “competências”.
Um conflito que envolva um aspecto qualquer do casamento somente poderia ser resolvido
num serviço de Registro Civil de Pessoas Naturais (RCPNs)? Um conflito fundiário somente no
Registro de Imóveis da localidade em que situado o imóvel? E se esse específico serviço de
registro de imóveis não adere à possibilidade facultada de realizar conciliações e mediações,
a parte ficaria proibida de ter acesso à conciliação ou a mediação em cartórios? Conflitos que
envolvam uma procuração ou escritura lavrada em um tabelionato de notas, somente neste
encontrariam possibilidade de conciliação ou mediação?
Neste sentido, o posicionamento Luiz Ricardo Bykowski dos Santos e Sebastião Sérgio
da Silveira, em artigo intitulado “Mediação e conciliação nos cartórios de registro civil das
pessoas naturais: instrumento para a solução alternativa de litígios e fortalecimento da
cidadania”:

O fundamento do nosso trabalho se dá exatamente sob este prisma: sendo o Registro


Civil de Pessoas Naturais justamente a especialidade de serventia extrajudicial com maior
ocorrência em nosso país, logicamente serão nelas em que a mediação e a conciliação
terão a maior probabilidade de ocorrência

E utilizando-se especificamente o Estado do Amazonas como paradigma, prosseguem


os autores:

A possiblidade de acesso ao Poder Judiciário no citado estado, localizado em parte da


floresta amazônica, certamente apresenta grande dificuldade e, no mais das vezes,
sequer compensa financeiramente o deslocamento da parte para buscar a proteção
estatal, uma vez que se tem notícia da necessidade de longas viagens por vias fluviais,
com duração de vários dias, para que seja garantido o acesso à cidade mais próxima.
(...)
Ora, se houver um Registro Civil de Pessoas Naturais com possibilidade legal de realizar
a mediação e conciliação, logicamente mais um meio eficaz para solução da lide se
apresentará, bem como tal providência possivelmente seja a mais econômica.16

Portanto, não parece fazer muito sentido a restrição imposta, sendo o entendimento
mais consentâneo com o que pretendeu o legislador da Lei 13.140/2015 que a possibilidade
de realização de conciliação ou mediação pelos serviços extrajudiciais seja a mais ampla
possível, sem qualquer tipo de restrição.
Nos arts. 13 a 20, o provimento procurou estabelecer os requisitos para a apresentação
do requerimento de conciliação ou mediação e o procedimento a ser observado pelo cartório,
como a designação imediata de data para a realização da sessão de conciliação ou de mediação,

16 SANTOS, Luis Ricardo Bykowski; SILVEIRA, Sebastião Sérgio da. “Mediação e conciliação nos cartórios de Registro Civil das
Pessoas Naturais, Instrumento para a solução alternativa de litígios e fortalecimento da cidadania.”. In Revista Cidadania
e Acesso à Justiça. Disponível em: <https://www.academia.edu/35604568/MEDIACAO_E_CONCILIACAO_NOS_CARTO-
RIOS_DE_REGISTRO_CIVIL_DAS_PESSOAS_NATURAIS> Acesso em 05/11/2019.

35
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

o modo por meio do qual a parte requerida será notificada e os custos iniciais referentes a
este procedimento.
Obtido o acordo, na conformidade do art. 22, será lavrado termo de conciliação e ou
de mediação, fazendo-se o arquivamento no livro cartorário próprio (livro de conciliação e
de mediação, cuja abertura atenderá às normas estabelecidas pelas Corregedorias-Gerais de
Justiça dos Estados e do Distrito Federal). Não obtido o acordo na primeira sessão, é possível a
designação de novas sessões de conciliação ou de mediação, até que finalizadas as tratativas.
Quanto aos valores a serem pagos pelos interessados, o tema é tratado na Seção VII – Dos
Emolumentos. E talvez nesse ponto específico resida o mais grave equívoco do provimento.
Isso porque os emolumentos pagos aos serviços notariais e registrais têm natureza jurídica de
taxa estadual, como já mencionado no presente ensaio, espécie, portanto, do gênero tributo,
que é submetido à estrita competência tributária do ente federativo para o estabelecimento
de seu valor de cobrança.
Ainda assim, o art. 36 do Provimento 67/2018 procurou estabelecer que:

Art. 36. Enquanto não editadas, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, normas
específicas relativas aos emolumentos, observadas as diretrizes previstas pela Lei 10.169, de
29 de dezembro de 2000, aplicar-se-á às conciliações e às mediações extrajudiciais a tabela
referente ao menor valor cobrado na lavratura de escritura pública sem valor econômico.

A essa disposição é acrescentado o seu § 1º, que dispõe:

Os emolumentos previstos no caput deste artigo referem-se a uma sessão de até 60


(sessenta) minutos e neles será incluído o valor de uma via do termo de conciliação e de
mediação para cada uma das partes.

Ocorre que o provimento em questão, ao dispor sobre os valores a serem cobrados


das partes, acaba por criar um problema de natureza econômico-financeira para os Serviços
Extrajudicias, tendo em vista que o valor proposto (o de uma escritura pública sem valor econômico
– que em alguns estados não chega a 100,00 (cem reais)) é absolutamente incompatível com o
investimento que deve ser feito em treinamento (cursos de formação), instalações (que devem
ser dignas e minimamente confortáveis para que seja criado um ambiente acolhedor e propício
à autocomposição), contratação de novos funcionários (que devem se dedicar exclusivamente à
nova atividade), cujos encargos trabalhistas e previdenciários são todos inteiramente suportados
pelo notário ou registrador, no modelo existente de atividade desempenhada em caráter privado.
Não fosse suficiente o pouco atrativo financeiro (para uma atividade que apesar de
pública, repita-se, é exercida em caráter inteiramente privado), o art. 39 complementa a
delicada situação, dispondo que:

Art. 39. Com base no art. 169, § 2º. do CPC, os serviços notariais e de registro realizarão
sessões não remuneradas de conciliação e de mediação para atender demandas de
gratuidade, como contrapartida da autorização para prestar o serviço.

O que é ainda agravado pelo seu parágrafo único:

Parágrafo único. Os tribunais determinarão o percentual de audiências não remuneradas,


que não poderá ser inferior a 10% da média semestral das sessões realizadas pelo serviço
extrajudicial nem inferior ao percentual fixado para as câmaras privadas.

36
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Vale dizer, o Provimento, além de fixar a remuneração em patamares bem abaixo das
câmaras privadas (prática de mercado), parece não se preocupar com a quantidade máxima
de audiências não remuneradas (o que, eventualmente, acabaria por inviabilizar por completo
a prestação do serviço, mas sim com o percentual mínimo, não importando o quanto esse
valor percentual possa alcançar (20, 30, 50%?). Quando o Provimento busca comparação
com as câmaras privadas, é somente para a fixação desse percentual de audiências não
remuneradas, ignorando por completo o valor a ser cobrado como remuneração justa pelo
relevante serviço prestado.17 Não há análise econômica que faça a conta fechar...
Ainda assim, as medidas previstas no Provimento 67/2018, como um todo, são
alvissareiras e representam um novo marco na pluralização do acesso aos meios adequados
de solução de conflitos, mesmo que hoje ainda se encontre pendente de regulamentação
em várias unidades da Federação, abrindo importante flanco para a ampliação da cultura
da solução acordada de conflitos, especialmente pela capilaridade de que são dotados os
serviços extrajudiciais por todo o país.
Em outras palavras, com a possibilidade aberta para que os cartórios possam realizar
conciliação e mediação e a exigência de que estejam em todos os municípios do país (o que
não é exigido nem para varas judiciais), a disseminação da cultura do acordo pode encontrar,
nos serviços extrajudiciais, um grande aliado.

5. A Recomendação 28/2018 CNJ e os CEJUSCs

Como prosseguimento à iniciativa tomada com o Provimento 67/2018 e tomando


por base a sua atribuição de consolidar a política pública permanente de incentivo e
aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios, contida na Resolução
125/2010 daquele Conselho Nacional, o CNJ faz publicar a Recomendação 28/2018, através
da qual resolve:

Art. 1º. Recomendar aos tribunais de justiça dos Estados e do Distrito Federal, por
intermédio de seus Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de
Conflitos, a celebração de convênios com notários e registradores do Brasil para a
instalação de centros judiciários de solução de conflitos e cidadania nos locais em que
ainda não tenham sido implantados.

Trata-se de mais uma iniciativa para a utilização dos serviços extrajudiciais de notas e
de registros como polos difusores da cultura da solução consensualizada dos conflitos, desta
vez com a instalação de CEJUSCs nas dependências desses serviços, em virtude de convênio
celebrado entre o Poder Judiciário e Notários e Registradores.

17 Para efeito de ilustração, o CBMA – Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem estabelece como custas de mediação e
honorários dos mediadores os seguintes valores: a) taxa de registro (que deve ser recolhida pelo solicitante, no momento
da instauração do proceso: R$ 4.000,00 (quatro mil reais), não compensáveis; b) taxa de administração: valor a ser reco-
lhido mensalmente pelas partes, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) para cada parte, a partir do Termo de Mediação e
enquanto durar o procedimento. c) honorário do(s) mediador(es): deverão ser recolhidos, em partes iguais, pelo solicitante
e pelo solicitado, antes da assinatura do Termo de Mediação, o valor de R$ 800,00 (oitocentos reais) a hora efetivamente
prestada pelo(s) mediador(es), garantidas 10 (dez) horas mínimas ao(s) profissional(is).Além disso, não estão incluidas nos
itens acima eventuais despesas incorrida pelos mediadores e pelo CBMA, que solicitará, sempre que necessário, o reembolso
dos valores despendidos.(o regimento de custas pode ser consultado no site: www.cbma.com.br)

37
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Por óbvio, o funcionamento de CEJUSCs nesta condição está sujeito às rígidas normas
de controle do Poder Judiciário, desde o estudo preliminar, que envolve a viabilidade jurídica,
técnica e financeira do serviço para que possa ser celebrado o convênio, passando pela
manutenção em seu site de listagem pública dos CEJUSCs instalados por meio desse convênio
e chegando na fiscalização, pela Corregedoria-Geral da Justiça e pelo juiz coordenador do
CEJUSC de todos os procedimentos de conciliação e de mediação realizados nos parâmetros
fixados na Recomendação.
Mais uma vez vislumbra-se, com a Recomendação 28/2018, uma clara intenção do
Conselho Nacional de Justiça de apostar na difusão dos meios adequados de solução dos
conflitos através dos serviços notariais e de registro espalhados por todo o território nacional.

6. Provimento 72/2018 CNJ – As medidas de incentivo à quitação de dívidas nos


tabelionatos de protesto do país.

Por derradeiro, em 27 de junho de 2018, o CNJ, por meio de sua Corregedoria Nacional
de Justiça, para além da consensualidade buscada por meio de conciliações e de mediações
stricto sensu, criou a possibilidade de que, especificamente os tabelionatos de protesto do
país procedam às chamadas medidas de incentivo à quitação ou renegociação de dívidas
protestadas, dispondo que são medidas prévias e facultativas aos procedimentos de
conciliação e mediação.
E na esteira do que já fora disposto no Provimento 67/2018, há aqui forte atuação do
órgão de fiscalização que, dentre outras iniciativas, manterá em seu site listagem pública
dos tabelionatos de protesto autorizados a realizar, tanto as medidas de incentivo à quitação
ou renegociação de dívidas como também, se for o caso, a conciliação ou a mediação
subsequente.
Dispõe o parágrafo único do art. 4º que referidas medidas serão adotadas pelos
delegatários ou por seus escreventes autorizados, devendo as sessões de conciliação e
mediação observar as regras do Provimento 67/2018.
Sensível facilitação do acesso às medidas consensuais pode ser observada quando se
faculta, tanto ao credor, quanto ao devedor, o requerimento para o início do procedimento,
que pode ser feito pessoalmente ou por meio eletrônico, tanto no tabelionato onde foi
lavrado o protesto, como também pelas centrais eletrônicas (CRAs – Centrais de Remessa de
Arquivos ou CENPROTs – Centrais Eletrônicas de Protesto) mantidas pelos IEPTBs – Institutos
de Estudos de Protestos de Títulos e outros documentos de dívida, entidade representativa
da categoria dos tabeliães de protesto e presente em todos os Estados do país.
O art. 6º cuida dos requisitos mínimos para o requerimento das medidas de incentivo à
quitação e a renegociação, ganhando destaque a necessidade de indicação de meio idôneo de
notificação da outra parte (para além do endereço físico já apontado quando da apresentação
do título a protesto) e a proposta de renegociação da dívida. Se feito pelo credor o requerimento,
deve ele apresentar o valor atualizado do débito e eventuais condições especiais de pagamento,
como abatimento parcial do valor ou parcelamento, tudo sempre observando-se as instruções
contidas na autorização do credor, que poderá também dar autorização ao tabelionato de
protesto para dar quitação ao devedor e promover o cancelamento do protesto.

38
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Dispõe a seu turno o art. 10 que o credor ou devedor poderão requerer a designação
de sessão de conciliação ou de mediação, aplicando-se, uma vez mais, as disposições do
Provimento 67/2018.
Regramento interessante surge no art. 11, referente às CDAs (Certidões de Dívida Ativa)
da União, Estados, Distrito Federal e Municípios e respectivas autarquias quando referidos
títulos executivos extrajudiciais estiverem protestados nos respectivos tabelionatos, abrindo-
se a possibilidade de, através de convênio firmado entre os tabelionatos de protesto do Brasil
e as pessoas jurídicas de direito público acima indicadas, seja possível a adoção das medidas
de incentivo à quitação e renegociação do crédito público, tudo a depender, se se tratar de
convênio de âmbito nacional, de homologação da Corregedoria Nacional de Justiça, ao passo
que, em se tratando de convênio local, a homologação será dada pelas Corregedorias dos
Estados e do Distrito Federal mediante, uma vez mais, estudo prévio acerca da viabilidade
jurídica, técnica e financeira do serviço.
Quanto aos valores cobrados das partes, as mesmas considerações tecidas em relação
ao Provimento 67/2018 aqui são renovadas. Eis o expresso teor do art. 14 do Provimento
78/2018:

Art. 14. Enquanto não editadas, no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, normas
específicas relativas aos emolumentos (...) aplicar-se-á às medidas de incentivo à quitação
ou à renegociação de dívidas protestadas a tabela referente ao menor valor de uma
certidão individual de protesto; às conciliações e às mediações extrajudiciais, a tabela
referente ao menor valor cobrado na lavratura da escritura pública sem valor econômico,
incidindo as disposições previstas na Seção VII do Provimento CN-CNJ 67/2018.

Em um contexto em que vicejam estudos cada vez mais qualificados e elaborados


acerca da análise econômica do Direito e de estudos prévios sobre a viabilidade financeira
de se adotar tal ou qual solução, convém mencionar os valores concretos estabelecidos no
dispositivo acima transcrito para as medidas de incentivo à quitação ou à renegociação de
dívidas protestadas, vale dizer, o valor de uma certidão individual de protesto no ano de 2020. A
título exemplificativo, esse valor representa, para remuneração do trabalho a ser desenvolvido
pelo tabelião de protesto na busca por evitar mais um processo judicial: no Distrito Federal, R$
9,30 (nove reais e trinta centavos); no Paraná, R$ 13,51 (treze reais e cinquenta e um centavos,
sem reajuste desde 2017) e na Bahia, R$ 8,50 (oito reais e cinquenta centavos).
Há, portanto, que se fazer ajustes específicos e pontuais, aproveitando-se todo o
caminho já traçado pela Lei 13.140 e pelos atos editados pelo CNJ, para que a possibilidade
de uso da capilaridade dos Serviços Extrajudiciais na difusão da cultura de utilização dos
MASCs se torne uma realidade concreta e efetiva.

7. Considerações finais

1. O sistema adjudicativo de solução de conflitos, via jurisdição estatal impositiva, já


não é capaz de, sozinho, dar conta da explosão de litigiosidade que se verificou no país,
especialmente por meio da entrada em vigor da Constituição Cidadã de 1988 e dos muitos
direitos que, em boa hora, foram reconhecidos aos brasileiros e, em especial, o direito de
acesso à justiça.
39
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

2. Identificados os enormes problemas de congestionamento das unidades estatais de


prestação jurisdicional (varas, câmaras e turmas), tornou-se necessário, em dado momento
histórico, a busca de alternativas para a solução dos conflitos verificados na sociedade e que
esta solução não passasse necessariamente pelo Poder Judiciário.
3. Surgiram então, com este propósito, todos os estudos doutrinários e as inovações
legislativas relacionadas à desjudicialização e, no que foi especificamente analisado, aos
MASCs – métodos adequados de solução de conflitos, em especial a conciliação e a mediação,
que tiveram como marco legal a edição da Lei 13.140, em 26 de junho de 2015.
4. O objeto primordial do presente estudo foi a abordagem das iniciativas tomadas,
especialmente pelo CNJ, para o funcionamento dos serviços notariais e de registro como
polos irradiadores da cultura da autocomposição, através do desempenho das atividades
de conciliadores e mediadores pelos titulares de tais serviços públicos delegados e,
especificamente em relação aos tabelionatos de protesto, também a possibilidade de
implementação das medidas de incentivo à quitação e renegociação de dívidas protestadas.
5. A conclusão que se apresenta é a de que a capilaridade de que são dotados os serviços
extrajudiciais pode ser um elemento decisivo para a mudança – que se apresenta como urgente
– no pensamento coletivamente difundido de que a solução imediata para um determinado
conflito de interesses é a sua judicialização, abrindo-se uma nova e promissora possiblidade,
feitos os devidos ajustes, de um grande giro estratégico na prestação jurisdicional com a
adesão e o efetivo funcionamento desses serviços delegados como unidades de conciliação
e mediação de conflitos e polos irradiadores de sua cultura.

Referências

CAMPILONGO, Celso Fernandes. Função social do notariado: eficiência, confiança e


imparcialidade. São Paulo: Saraiva, 2014.

DEBS, Martha El; DEBS, Renata El; SILVEIRA, Thiago. Sistema mutiportas – a mediação e
a conciliação nos cartórios como instrumento de pacificação social e dignidade
humana. Salvador: Editora Juspodivm, 2020

GRINOVER, Ada Pellegrini...[et al.]. Lei de Mediação comentada artigo por artigo:
dedicado à memória da Profa. Ada Pellegrini Grinover. Indaiatuba: Editora Foco, 2018.

HALE, Durval; PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; CABRAL, Tricia Navarro Xavier. O marco
legal da mediação no Brasil: comentários à Lei no. 13.140, de 26 de junho de 2015.
São Paulo: Atlas, 2016.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função judicial no


contemporâneo Estado de Direito. 2. ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2014.

NICÁCIO, Camila Silva. De “alternativa” a método primeiro de resolução de conflitos: horizontes

40
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

da mediação para além de sua institucionalização. In: Mediação: uma experiência


brasileira. São Paulo: CLA Editora, 2017.

PAUMGARTTEN, Michele; PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Os Desafios para a Integração
entre o Sistema Jurisidicional e a Mediação a partir do Novo Código de Processo Civil. Quais
as Perspectivas para a Justiça Brasileira? In: A Mediação no Novo Código de Processo
Civil. 2a. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

SANTOS, Luis Ricardo Bykowski; SILVEIRA, Sebastião Sérgio da. Mediação e conciliação
nos cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais, Instrumento para a solução
alternativa de litígios e fortalecimento da cidadania. In Revista Cidadania e Acesso à
Justiça. Disponível em: https://www.academia.edu/35604568/MEDIACAO_E_CONCILIACAO_
NOS_CARTORIOS_DE_REGISTRO_CIVIL_DAS_PESSOAS_NATURAIS> Acesso em 05/11/2019

VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas. 6a.


Ed. São Paulo: MÉTODO, 2018.

41
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

MEIOS ALTERNATIVOS PARA SOLUÇÃO


DE CONFLITOS E A ATUAÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
NA MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM DOS
LITÍGIOS TRABALHISTAS

Daniel Queiroz Pereira


Larissa Camargo Costa

1. Introdução

O recurso à jurisdição estatal e, conseqüentemente, a confiança depositada na autoridade


judiciária para fins de distribuição da justiça são traços característicos e culturais do povo
brasileiro.
Hodiernamente, está o Poder Judiciário hipertrofiado, com uma demanda muito além
do que tem condições de absorver e processar. O resultado é um acúmulo, cada vez maior,
de processos nas pautas já superlotadas de audiências, o que acarreta o descontentamento
das partes e de seus respectivos procuradores, bem como uma sobrecarga de trabalho para
servidores e juízes. Tal situação conduz a um impasse e exige uma nova reflexão acerca da

42
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

prestação jurisdicional1 e dos meios alternativos para solução de conflitos, uma vez que a
solução de conflitos pode ter um caminho judicial ou mesmo extrajudicial.
Desta forma, os novos movimentos sociais ligados à busca da apreensão do significado
da Justiça - caracterizada em elementos que permitam melhor qualidade de vida, diminuição
da distância na redistribuição de rendas, na espera de uma ética alicerçada na dignidade
humana – não podem ignorar o discurso jurídico na sua estrutura delineadora das práticas
sociais, isto é, deve-se possibilitar o acesso democrático à efetivação do Direito2.
Neste ponto, adquire relevo a mediação, a conciliação e a arbitragem3. Estas formas
de solução de conflitos têm a finalidade precípua de evitar que uma relação conflituosa seja
prolongada em juízo, com todos os problemas dela resultantes na resistência judicializada e
que conduz a desgastes e incomodações na vida das partes.
O status de direito fundamental conferido ao acesso à justiça remete à discussão acerca
da máxima efetividade dos denominados métodos alternativos ou adequados de solução
de conflitos, no que tange à sua eficácia processual no ordenamento jurídico pátrio. A ideia
reside em fortalecer estes meios alternativos, com intuito de dirimir os litígios de forma mais
humana e eficaz.
Neste particular, deve-se ressaltar prática já tradicional na Justiça do Trabalho,
consistente na adoção das chamadas Comissões de Conciliação Prévia, bem como a atuação
do Ministério Público do Trabalho na resolução dos conflitos trabalhistas. É alvissareiro
salientar que o Ministério Público - conforme prelecionam os arts. 127, caput da CRFB/88,
1ª da LC nº 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União) e 1º da Lei nº 8.625/93
(Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) – consiste em “instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica,
do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Na defesa da
ordem jurídica, o Parquet – sobretudo seu ramo juslaboralista, cuja atuação será objeto de
análise mais detida adiante – tem se valido de diversos instrumentos institucionais, como
o inquérito civil, a audiência pública, a ação civil pública, a mediação e a arbitragem. Estes
dois últimos mecanismos, mais do que possibilitar a tutela da ordem jurídica, permitem
que conflitos sejam solucionados sem a necessária intervenção do Judiciário e revelam a
importância do Órgão Ministerial na atual ordem democrática.

1 Neste particular, sugere Jasson Ayres Torres a realização de “reformas processuais com a simplificação dos procedimentos,
a reestruturação do Poder Judiciário, visando à aproximação dos cidadãos aos serviços prestados, com o intuito de melhorar
o acesso à Justiça. Nessa linha de pensamento, está o de propiciar meios para audiências preliminares à composição mais
rápida do litígio, assim como a extensão e descentralização dos serviços da Justiça, com efetiva presença em locais deter-
minados por uma pauta de atendimento, seja no âmbito urbano, seja no âmbito rural”. TORRES, Jasson Ayres. O Acesso à
Justiça e Soluções Alternativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 155.
2 Selma Regina Conceição afirma que suprimir “os impactos das desigualdades sociais sob a égide da Justiça, permeada
por uma prática que conceba o Direito como fruto da hermenêutica técnica, sem afastar o dinamismo da realidade que
este mesmo Direito representa, é diminuir as barreiras para um novo paradigma conceitual jurídico-social, concedendo ao
cidadão uma nova interpretação deste valor social, legal, distributivo e comutativo, que é a Justiça”. CONCEIÇÃO, Selma
Regina. Manual de Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 63.
3 Humberto Dalla Bernardina Pinho classifica as vias alternativas de resolução de conflitos em puras e híbridas. As pri-
meiras se caracterizam pela solução do conflito sem qualquer interferência do Estado, destacando-se a negociação, me-
diação e arbitragem. As segundas são marcadas pela atuação do Estado-juiz, mesmo que seja para mera homologação
do acordo. Sendo assim, as vias alternativas hibridas com maior relevância em nosso ordenamento são a conciliação no
curso do processo já instaurado, a transação penal (art.76 Lei 9.099), remissão prevista no Estatuto da Criança e do Ado-
lescente (art.148,II; 180,II; 201,I da Lei 8069) e o Termo de Ajustamento de Conduta celebrado em uma Ação Civil Pública
(art 5º §6º da Lei 7347/85; art.211 da Lei 8069). PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Teoria Geral do Processo Civil
Contemporâneo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.358. Para os objetivos deste trabalho, serão enfocadas a mediação, a
conciliação e a arbitragem, sobretudo aplicadas aos dissídios trabalhistas.

43
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Saliente-se que a CRFB/88 “adotou o princípio da negociação coletiva, recomendando


o entendimento direto entre as partes para a solução de controvérsias. No art. 114, §§
1º e 2º, elegeu a negociação coletiva e a arbitragem como meios de solução dos conflitos
trabalhistas4”. A Lei nº. 9.307/96, ao seu turno, trata do instituto da arbitragem para a
solução de litígios.
As mudanças acima enunciadas refletem, pois, a tendência do incremento da
participação da sociedade na administração da Justiça5 e serão esmiuçadas no decorrer
do presente trabalho como forma de se analisar a eficácia e aplicabilidade dos meios
alternativos de solução de conflitos, especialmente os de índole trabalhista, a que já se
aludiu.

2. Meios Alternativos para Solução de Conflitos: mediação, conciliação e arbitragem.

A introdução de meios alternativos não visa a substituir ou enfraquecer o Poder Judiciário.


Visa oferecer à sociedade brasileira outro meio de solução de controvérsias que se mostra,
para alguns casos, mais adequado. Objetiva também inserir-se no âmbito de modernização do
Judiciário, facilitando, possibilitando a efetiva prestação jurisdicional por este Poder. Jasson
Ayres Torres propõe, inclusive, que a implantação de instrumentos de conciliação e mediação
se dê sob a supervisão do Judiciário, que tem experiência na realização da Justiça6. Pode ter-
se, desta forma, o processo de mediação como substitutivo ao processo judicial e o processo
de mediação como auxiliar ao processo judicial.
A “mediação é um procedimento colaborativo que visa a estabelecer ou restabelecer
o diálogo entre as partes, para que delas surja escolha de soluções7”. Apresenta, pois,
como objetivo precípuo auxiliar as partes a entenderem os seus reais conflitos e a buscarem

4 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática. 4 ed. São Paulo: LTr,
2010, p. 157.
5 Ada Pellegrini Grinover cita lição clássica de Denti, que segundo a autora, “reconduz a participação na administração
da justiça a três modelos: a) a participação como instrumento de garantia, correspondendo à evolução do Estado liberal e
tendo sua manifestação mais saliente na instituição do júri; b) a participação como instrumento de transformação, com a
função criadora do direito por parte dos órgãos jurisdicionais, exercida sobretudo nos momentos de profundas transfor-
mações econômico-sociais, e que Calamandrei reconduzia, em seu luminoso estudo de 1920, às categorias gerais da juris-
dição segundo eqüidade; e c) a participação como instrumento de controle, moderna visão da justiça de tipo corporativo do
antigo regime, que atua mediante a participação das categorias sociais representadas na solução das controvérsias, numa
espécie de co-gestão das lides, atingindo finalidades de fiscalização e absorção de tensões e conflitos sociais”. GRINOVER,
Ada Pellegrini. “A conciliação Extrajudicial” in GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo.
Participação e Processo. São Paulo: RT, 1988, p. 286.
6 “A mediação e a conciliação podem ser desenvolvidas e colocadas em efetiva atuação, sob a coordenação do Poder Ju-
diciário. Não se desconhecem os movimentos existentes e nem se coloca em dúvida a validade dos acordos que possam
ser obtidos fora do Poder Judiciário, pois buscam a pacificação social. Defendemos, porém, que essa amplitude e alterna-
tividade na solução de conflitos deva ser realizada sob a coordenação e orientação do Poder Judiciário, que tem estrutura e
confiabilidade. Basta uma tomada de consciência, uma nova mentalidade, uma forma diferenciada e corajosa de enfrentar
os problemas, com mecanismos e métodos simplificados, visando à objetividade da ação. Essa forma pragmática de aplicar
o direito para as partes envolvidas no conflito já tem sido assumida por inúmeros magistrados, que dão destaque à concil-
iação e, através dela, procuram, nos casos concretos, a realização da justiça”. TORRES, Jasson Ayres, op.cit., p. 159. Outra
visão acerca do tema é esposada por Lília Maia de Morais Sales que afirma que “o Poder Judiciário continua com o pleno
poder constitucional de solucionar os conflitos (monopólio jurisdicional) e a mediação, pela sua efetivação, auxiliará nessa
tarefa de resolução de conflitos (principalmente daqueles conflitos que, pelas condições sociais e financeiras das partes,
talvez nunca alcançassem os tribunais) evitando o número exagerado de processos nas Cortes. [...] Com as técnicas alter-
nativas de solução de conflitos, especialmente a mediação, entende-se que haverá um fortalecimento do Poder Judiciário,
pois este finalmente poderá oferecer à sociedade prestação jurisdicional efetiva, já que não mais se encontrará abarrotado
de ações judiciais”. SALES, Lília Maia de Moraes. Justiça e Mediação de Conflitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 67.
7 SALES, Lília Maria de Moraes, op.cit., p. 52.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

soluções criativas, de modo a facilitar a resolução satisfatória para ambas. Nas palavras
de Mauricio Godinho Delgado, a mediação “é a conduta, pela qual, um terceiro aproxima
as partes conflituosas, auxiliando e, até mesmo, instigando sua composição, que há de ser
decidida, porém, pelas próprias partes8”.
Desta forma, diante da definição de mediação e dos objetivos desse processo, percebe-
se que a mesma pode ser aplicada a vários tipos de conflito. Na ausência de legislação
específica que regulamente o alcance da mediação de conflitos, pode-se afirmar com maior
segurança que a mesma é aplicável às hipóteses que versem sobre direitos disponíveis,
ou sobre direitos indisponíveis em que a própria legislação abra margem para negociação
(indisponibilidade relativa).
Dentre as diversas áreas em que se pode utilizar a mediação, destacam-se:
a) Família: negociações relativas a separação ou divórcio, revisão de pensão e guarda
dos filhos, adoção, conflitos entre pais e adolescentes;
b) Sociedades empresárias e instituições: prevenção e/ou resolução de conflitos intra e
interempresariais ou institucionais, assim como entre sociedades empresárias/instituições e
seus clientes;
c) Cível: situações patrimoniais (art. 841 do CC de 2002) tais quais acidente de
automóvel (indenização), locação ou retomada de imóveis e revisão de aluguéis, dissolução
da sociedade, sucessão, inventários e partilhas, perdas e danos;
d) Comercial: títulos de crédito, frete, seguro e entrega de mercadorias, comércio
interno e internacional, Mercosul;
e) Trabalhista: conflitos individuais e coletivos;
f) Penal: nas hipóteses em que há a possibilidade de disposição da ação, já que a
vontade do indivíduo é imprescindível para a existência da ação (crimes de ação penal pública
condicionada à representação do ofendido e crimes de ação penal privada; art. 100 do CP) 9.
Especificamente no âmbito do Direito Coletivo do Trabalho, insta salientar que a ordem
jurídica trabalhista anterior a 1988 previa a mediação compulsória, a ser realizada por
autoridades do Ministério do Trabalho.

De fato, a CLT, no campo regulatório da negociação coletiva trabalhista (art. 616, §§


1º e 2º), previa a “convocação compulsória” para comparecimento perante os órgãos
administrativos especializados do Ministério do Trabalho de “sindicatos e empresas
recalcitrantes”, visando a dinâmica negocial a ser ali implementada. Presentes as partes,
processava-se a mediação administrativa em direção à negociação coletiva.
Contudo, a mesma CLT já indicava que a recusa à convocação ou o insucesso da mediação
facultavam aos sujeitos coletivos interessados a “instauração do dissídio coletivo” (art.
616, § 2º)10.

A CRFB/88 não recepcionou a compulsoriedade da mediação pelos órgãos internos do


Ministério do Trabalho (hoje, Ministério do Trabalho e Emprego – MTE). Permaneceu, contudo,

8 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 1.328.
9 Destaca Lilia Maia de Moraes Sales que “o escritório da Mediadoras Associadas em Campinas/SP, em convênio com o
Instituto de Mediação e Arbitragem no Brasil (IMAB), aponta que no âmbito comercial a mediação tem demonstrado rapidez
e eficácia nos conflitos contratuais nacionais e internacionais. Indica que nas empresas pode ser utilizada na solução e pre-
venção de conflitos organizacionais e trabalhistas. Ressalta ainda que é também importante aliada ‘nas questões que abran-
gem famílias, comunidades, escolas, em meio ambiente, onde a relação entre as partes seja importante e os participantes
desejem assumir a solução dos mesmos’”. SALES, Lília Maria de Moraes, op. cit., p. 53.
10 DELGADO, Mauricio Godinho, op. cit., pp. 1.334-1.335.

45
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

a possibilidade da mediação voluntária para solução de conflitos. Assim sendo, é digno de


nota que atualmente não apenas os agentes especializados do Ministério do Trabalho podem
atuar como mediadores. Este mister pode ser exercido por profissionais especializados,
escolhidos pelos sujeitos coletivos trabalhistas, bem como pelo próprio Ministério Público
do Trabalho, cujos membros têm atuado como mediadores nas mais variadas situações de
conflitos coletivos do trabalho, conforme será melhor explicitado adiante.
Insta ainda salientar que a

negociação coletiva plena, como meio de solução de controvérsias e de acordo com


previsão de norma internacional (Convenção n. 154 da OIT, ratificada pelo Brasil em
10.7.93 e aprovada pelo Decreto Legislativo n. 22, de 12.5.92), exige o instituto da
Mediação. Os disciplinamentos para Mediação são encontrados nas seguintes normas:
● Instrução Normativa n. 4/93 do TST (revogada pela Resolução n. 116/06 daquela Corte);
● Portaria n. 817/95, do Ministério do Trabalho e Emprego que estabelece critérios para
a participação do mediador nos conflitos da negociação coletiva;
● Portaria n. 818/95 que prevê o credenciamento do mediador perante as Delegacias
Regionais do Trabalho [hoje, Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego];
● Decreto n. 1.572/95 que regulamenta a mediação coletiva11.

Faz-se necessário ainda abordar as vantagens e desvantagens da mediação.


Dentre as vantagens do processo de mediação podem ser mencionadas as seguintes:

as partes ficam totalmente satisfeitas com o acordo; como processo colaborativo, a


mediação estimula um tratamento cordial entre as partes; a auto-estima dos participantes
é desenvolvida; normalmente o tempo do processo de mediação é curto; os custos deste
processo são menores; como as partes celebram acordo através da conversa e reflexão,
tendo o relacionamento entre elas melhorado, a possibilidade de outros conflitos é mínima;
o processo de mediação tanto resolve o conflito como previne novas controvérsias entre
as partes; o mediador é escolhido pelas partes, garantindo assim a independência dele12.

Além disso, poderá efetivamente servir à sociedade como um instrumento de


transformação cultural, que prioriza o diálogo, a confiança, a cooperação e a solidariedade
entre as partes envolvidas.
Já no que se refere às desvantagens, podem ser apontadas as seguintes: o conflito pode ser
tamanho que não comporte o processo de mediação; o processo de mediação somente é eficaz
quando há boa-fé das partes; não há obrigatoriedade da execução do acordo, a não ser que este
seja homologado pelo Poder Judiciário ou reduzido a termo e assinado pelas partes e por duas
testemunhas; nem todos os conflitos podem ser exclusivamente resolvidos através da mediação13.
A conciliação, ao seu turno,

[...] significa a discussão franca e aberta, podendo acontecer antes de ser instaurado um
processo litigioso, como política judiciária, como alternativa viabilizadora de aproximação
das partes. A força e o poder da conciliação são muito grandes, porque estabelecem um
relacionamento harmonioso entre as partes em conflito, influindo decisivamente para
criar a paz social. Evita-se, através desse procedimento, que surjam novas desavenças,
aumentem os problemas e situações incontornáveis, gravíssivimas para a sociedade14.

11 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática, op. cit., pp. 157-
158.
12 SALES, Lília Maria de Moraes, op. cit., p. 72.
13 SALES, Lília Maria de Moraes, op. cit., p. 72.
14 TORRES, Jasson Ayres, op.cit., p. 159.

46
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Trata-se de método de solução de conflitos em que as partes agem na composição,


porém dirigidas por um terceiro, destituído do poder decisório final, que se mantém com os
sujeitos originais da relação jurídica conflituosa.

Contudo, a força condutora da dinâmica conciliatória por esse terceiro é real, muitas
vezes conseguindo implementar resultado não imaginado ou querido, primitivamente,
pelas partes. Um tipo de conciliação endoprocessual muito importante no Direito
Individual do Trabalho é a que se passa nas Varas Trabalhistas, sob direção do Juiz do
Trabalho, nos processos judiciais postos a seu exame15.

O motivo de inspiração da conciliação reside na solidariedade social. Destaca Luiz


Antunes Caetano que o referido instituto está albergado na legislação pátria e que o art. 23 do
Decreto nº 737, de 25 de setembro de 1850, já instituía que “nenhuma causa commercial será
proposta em juízo contencioso, sem que previamente se tenha tentado o meio da conciliação,
ou por acto judicial, ou por comparecimento das partes16”. Alguns outros dispositivos legais
aludem a esse mecanismo de composição de conflitos. Dentre eles, pode-se destacar os arts.
139, 334 e 359 do Código de Processo Civil.
Também a conciliação responde a um reclamo de democratização da Justiça. Desta
forma, “inseridos os procedimentos conciliativos, ainda que pré-processuais e de natureza não
jurisdicional, no quadro da política judiciária, a intervenção de leigos na função conciliativa
também se coloca no âmbito da participação popular na administração da justiça17”.
Mais do que isso, atende a exigências de educação cívica e legitimação democrática,
sendo elemento propulsor de informação, conhecimento, tomada de consciência e politização
ao fornecer aos usuários da justiça informação sobre seus direitos e correlata orientação jurídica.
Insta destacar os critérios fundamentais, apontados por Ada Pellegrini Grinover, para
eficácia da função conciliativa prévia, alternativa ao processo:

a) a instituição gradativa da via conciliativa, a ser submetida a avaliações de natureza


empírico-sociológica, de modo a permitir sua expansão progressiva, com as necessárias
correções e adaptações ditadas pela experiência; b) a determinação dos critérios
orientadores para a conciliação prévia extrajudicial. Tais critérios orientadores, pelo menos
no Brasil, parecem ser os seguintes: b1) a prévia determinação dos tipos de controvérsias
que se coadunam com a conciliação; b2) a firme possibilidade de acesso à Justiça, em caso
de insucesso da conciliação; b3) sua facultatividade, a fim de não obstacular o livre acesso
aos tribunais; b4) a eqüidade, que deve presidir à mediação por parte dos conciliadores;
b5) a eficácia executiva da transação obtida pela via conciliativa extrajudicial18.

Neste particular, a atuação das Comissões de Conciliação Prévia, na seara juslaboralista,


é de extrema relevância. Isto porque o Direito Processual do Trabalho dá grande ênfase à
conciliação, como forma de se atingir o objetivo da paz social. Interessa ao Estado que as
próprias partes em litígio encontrem a fórmula capaz de compor suas divergências. Por

15 DELGADO, Mauricio Godinho, op. cit., p. 1.328. Salienta ainda o autor que a “conciliação judicial trabalhista é, portanto,
ato judicial, através do qual as partes litigantes, sob interveniência da autoridade jurisdicional, ajustam solução transacio-
nada sobre matéria objeto de processo judicial. Embora próxima às figuras da transação e da mediação, delas distingue-se
em três níveis: no plano subjetivo, em virtude da interveniência de um terceiro e diferenciado sujeito, a autoridade judicial;
no plano formal, em virtude de realizar-se no corpo de um processo judicial, podendo extingui-lo parcial ou integralmente;
no plano de seu conteúdo, em virtude de poder a conciliação abarcar parcelas trabalhistas não transacionáveis na esfera
estritamente privada”. DELGADO, Mauricio Godinho, op. cit., p. 1.328.
16 CAETANO, Luiz Antunes. Arbitragem e Mediação: rudimentos. São Paulo: Atlas, 2002, p. 99.
17 GRINOVER, Ada Pellegrini, op.cit., p. 288.
18 GRINOVER, Ada Pellegrini, op.cit., p. 292.

47
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

isso, ao criar órgãos judiciários especializados em questões do trabalho, insistiu na função


conciliatória deles. Daí a própria fórmula inscrita no art. 764 da CLT, que estabelece: “os
dissídios individuais ou coletivos submetidos à Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à
conciliação”. Além disso, há previsão no sentido de que “os juízes e Tribunais do Trabalho
empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória
dos conflitos” (art. 764, §1º da CLT). Portanto, apenas quando não houver acordo, “o juízo
conciliatório converter-se-á obrigatoriamente em arbitral[..]” (art. 764, § 2º da CLT).
As Comissões de Conciliação Prévia, cuja criação foi facultada pela Lei nº 9.958/2000,
com o intuito ostensivo de propiciar uma forma alternativa de solução dos conflitos individuais
do trabalho, agilizando sua composição e aliviando a sobrecarga da Justiça do Trabalho.
Tais Comissões têm composição paritária e podem ser criadas nas empresas, em grupos de
empresas, nos sindicatos e em organizações intersindicais.
Assim sendo, as Comissões têm natureza de órgão privado, de solução de conflitos
extrajudiciais e não público19. Cumpre mencionar ainda que a aludida Lei nº 9.958/2000, que
inseriu na CLT os arts. 625-A até 625-H, também alterou a redação do art. 876 e acrescentou
o art. 877-A, atribuindo caráter de título executivo extrajudicial ao termo de acordo firmado
perante as Comissões de Conciliação Prévia.
No que tange à arbitragem, cumpre mencionar que esta se caracteriza como tipo
procedimental de solução de conflitos mediante o qual a decisão, lançada em um laudo
arbitral, efetiva-se por um terceiro, isto é, por um árbitro, estranho à relação entre os sujeitos
em contenda e, em regra, por eles escolhido20.
Afirma Humberto Dalla Bernardina de Pinho que a adjudicação ou decisão forçada
assume basicamente a forma ou de arbitragem ou de jurisdição, eis que ocorre na hipótese
em que um terceiro emite um juízo de valor no caso concreto, quando não há a possibilidade
de acordo entre as partes21.
O instituto jurídico ora enfocado pode ser classificado conforme distintos parâmetros de
comparação. Dentre eles, pode-se destacar: arbitragem nacional e internacional; arbitragem
obrigatória e voluntária (ou facultativa); arbitragem legal ou convencional; arbitragem de
direito e de equidade22.
A arbitragem nacional é aquela que envolve sujeitos de um mesmo Estado e sociedade,
versando sobre interesses ali essencialmente localizados, ou cuja resolução não demande a
participação de entes ou poderes estrangeiros, consumando-se através da atuação de árbitro cujos
poderes circunscrevem-se às fronteiras do respectivo Estado. A contrario sensu, a arbitragem
internacional se verifica quando estão envolvidos sujeitos de diferentes Estados e sociedades,
em torno de interesses que transcendem as fronteiras de um determinado país, consumando-se
através de árbitro cujos poderes abarcam os diferentes territórios de aplicação do laudo arbitral23.

19 MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 85.
20 “A arbitragem denota a solução do conflito mediante a decisão de um árbitro, que poderá ser um órgão ou pessoa. É
uma decisão proferida por um terceiro que é aceito pelas partes como árbitro e que tem como escopo a composição de uma
controvérsia”. NETO, Francisco Ferreira Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito Processual do Traba-
lho. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 112.
21 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de, op. cit., p. 366.
22 DELGADO, Mauricio Godinho, op. cit., p. 1.329.
23 “Este tipo de arbitragem ocorre, regra geral, quanto a conflitos entre Estados, em que um terceiro Estado ou um or-
ganismo internacional passam a atuar como árbitros. Ocorre também no tocante a conflitos entre grupos econômicos ou
outros sujeitos de direito que tenham presença significativa no mercado supranacional, solucionando disputas de interesse
comerciais, tecnológicos, etc”. DELGADO, Mauricio Godinho, op. cit., p. 1.330.

48
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

A arbitragem obrigatória, ao seu turno, se caracteriza por ser imposta às partes, podendo
resultar de imposição legal ou de prévia imposição convencional, estipulada pelas mesmas
partes (trata-se da chamada cláusula compromissória, prevista no art. 4º da Lei nº 9.307/96
– Lei de Arbitragem)24. A arbitragem facultativa (ou voluntária) é decidida pelas partes no
contexto do surgimento do conflito (neste caso, a convenção que elege a arbitragem como
fórmula de resolução do conflito denomina-se compromisso arbitral e está prevista no art. 9º
da Lei nº. 9.307/96).
Outro parâmetro de comparação separa a arbitragem legal da convencional. A primeira
decorre de previsão de norma heterônoma estatal, podendo ser obrigatória (art. 23 da Lei
nº. 8.630/93, por exemplo) ou facultativa (como se verifica no âmbito do Direito Coletivo
do Trabalho, conforme previsão do art. 114, § 1º da CRFB/88). Já a arbitragem convencional
resulta de ajuste de vontade das partes, mediante convenção de arbitragem (art. 3º e seguintes
da Lei nº. 9.307/96), que pode verificar-se antes da própria existência da celeuma, tornando
obrigatório o seguimento da via arbitral caso o conflito emerja (cláusula compromissória), ou
ainda no momento em que a dissensão se manifesta, optando-se pela arbitragem para sua
solução (compromisso arbitral).
Cumpre ainda mencionar o critério diferenciador da arbitragem que a classifica em
de direito ou de equidade. A arbitragem de direito tem por objeto conflito interpretativo de
regra ou princípio jurídicos ou de cláusula contratual. A arbitragem por equidade tem por
objeto conflito de interesses materiais, dotados de evidente matiz econômico, envolvendo
reivindicações materiais ou circunstanciais disputadas pelas partes.
No que concerne à utilização da arbitragem na seara do Direito Individual do Trabalho,
cumpre mencionar que, embora existam dispositivos na ordem jurídica pátria que se refiram
a sua presença, a efetiva validade deste mecanismo de solução de conflitos era controvertida.

Duas regras importantes podem ser mencionadas. De um lado, o já referido art. 23, § 1º,
da Lei de Trabalho Portuário (n. 8.630, de 1993), que, inclusive, prevê a obrigatoriedade
da arbitragem de ofertas finais nos casos que regula.
De outro lado, há o Estatuto do Ministério Público (Lei Complementar n. 75, de 1993),
que conferiu legitimidade aos membros do Ministério Público do Trabalho para que
atuem como árbitros [...] (art. 83, XI, LC 75). Trata-se, aqui, de arbitragem meramente
facultativa, à escolha das partes contratuais trabalhistas25.

A par da existência dos dois preceitos, muito se questionava tal possibilidade, uma vez
que a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) preleciona, em seu art. 1º, que o instituto poderá
ser utilizado para “dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis” (Grifei).
O referido preceito adquiria especial relevo em virtude de vigorar no Direito do Trabalho,
sobretudo em seu segmento individual, o princípio da indisponibilidade de direitos, que
acarreta a invalidade de qualquer renúncia ou transação lesiva operada pelo empregado
ao longo do contrato de trabalho. Assim sendo, não se poderia admitir que o recurso à
arbitragem, que pode conduzir a uma considerável redução ou supressão de direitos, tenha

24 Como exemplo de dispositivo legal que menciona o caminho arbitral obrigatório pode-se citar o art. 23 da Lei nº.
8.630/93, que regula o trabalho portuário:
“Art. 23. Deve ser constituída, no âmbito do órgão de gestão de mão-de-obra, Comissão Paritária para solucionar litígios
decorrentes da aplicação das normas a que se referem os arts. 18, 19 e 21 desta Lei.
§ 1º Em caso de impasse, as partes devem recorrer à arbitragem de ofertas finais” (Grifei)
25 DELGADO, Mauricio Godinho, op. cit., pp. 1.331-1.332.

49
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

força para esterilizar ou atenuar o referido princípio. “Nessa linha, é desnecessário relembrar
a absoluta prevalência que a Carta Magna confere à pessoa humana, à sua dignidade no
plano social, em que se insere o trabalho, e a absoluta preponderância deste no quadro de
valores, princípios e regras imantados pela mesma Constituição26”. Além disso, salientava
Mauricio Godinho, haver nítida dificuldade de compatibilização da regra inserta nos arts. 18 e
31 da Lei de Arbitragem com o amplo acesso ao Judiciário (art. 5º, XXXV da CRFB/88), pois, ao
conferir status de coisa julgada material à decisão arbitral, mesmo em conflitos meramente
interindividuais, exclui da apreciação judicial lesão ou ameaça a direitos trabalhistas que
poderiam estar nela embutidas27.
Contudo, com o advento da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), tornou-se
possível a utilização da arbitragem para a solução dos conflitos nos contratos individuais
de trabalho, conforme prevê o art. 507-A, da CLT, quando a remuneração do empregado
seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral
de Previdência Social. Acrescente-se, contudo, que somente direitos disponíveis podem ser
objeto de arbitragem, conforme atestam os artigos 611-A e 611-B da CLT.
Já no âmbito do Direito Coletivo do Trabalho a própria Constituição faz referência à
arbitragem facultativa como meio para a resolução de disputas coletivas no mercado de
trabalho. Neste sentido, preleciona o art. 114, § 1º da CRFB/88 que: “Frustrada a negociação
coletiva, as partes poderão eleger árbitros” (Grifei)28.
Resulta, portanto, a arbitragem de deliberação das partes coletivas trabalhistas, no
contexto da negociação coletiva. Em tais circunstâncias, o laudo arbitral dá origem a regras
jurídicas, isto é, dispositivos gerais, abstratos, impessoais e obrigatórios no âmbito das
respectivas bases coletivas representadas.
Na esteira da CRFB/88, outros diplomas legais posteriores aludiram ao processo
arbitral no plano juscoletivo. É o caso da Lei de Greve (Lei nº 7.783/89), que, em seu
art. 3º, caput, subordina a validade do movimento paredista à frustração da negociação
coletiva e à subsequente impossibilidade de recurso à via arbitral. Dispõe ainda o aludido
diploma legal, em seu art. 7º, que as relações obrigacionais, durante o período da
greve, serão regidas por “acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do
Trabalho” (Grifei). Também a Lei de Participação nos Lucros (Lei nº 10.101/00) se referiu
à arbitragem ao prever, em seu art. 4º, que, havendo impasse na negociação coletiva
disciplinadora da participação nos lucros, as partes poderão recorrer à mediação ou à
arbitragem de ofertas finais para a solução do litígio, tendo o respectivo laudo arbitral
força normativa. Por fim, insta mencionar a já revogada Lei nº. 8.542/92 que, em seu
art. 1º, § 2º, aludia ao laudo arbitral no conjunto de diplomas coletivos e normativos
que arrolava.

26 DELGADO, Mauricio Godinho, op. cit., p. 1.332.


27 DELGADO, Mauricio Godinho, op. cit., p. 1.332.
28 “Curiosa modificação surgiu, por fim, com a ‘reforma do Judiciário’, de 2004. Incorporando, parcialmente, as críticas
feitas ao instituto do dissídio coletivo, por traduzir fórmula de intervenção desmesurada do Estado na gestão dos conflitos
coletivos trabalhistas, a EC n. 45/2004 inseriu no art. 114, § 2º, da Carta Magna nova exigência para o ajuizamento desta
ação singular: caso qualquer das partes se recuse ‘... à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de co-
mum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica...’ (grifos acrescidos). Com isso tentou-se fazer a aproximação
deste singular instituto processual à idéia de arbitragem”. DELGADO, Mauricio Godinho, op. cit., p. 1.334.

50
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

3. A atuação do Ministério Público do Trabalho na mediação e arbitragem de


conflitos trabalhistas.

Conforme já exposto na introdução deste trabalho, um de seus principais objetivos


reside em analisar as formas de atuação do Parquet Laboral na resolução de conflitos,
principalmente quando assume o papel de mediador ou árbitro. Contudo, antes propriamente
de abordar as referidas formas de atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT), que
integra o Ministério Público da União (MPU), cumpre abordar seu perfil institucional.
Conforme prevê o art. 127, caput da CRFB/88, o Ministério Público (MP) consiste em
“instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
O constituinte de 88, ao qualificar o MP como “instituição permanente”, objetivou
tutelar a própria continuidade do Parquet, resguardando-o de qualquer conduta atentatória
aos poderes que lhe foram conferidos. Trata-se, pois, de órgão através do qual o Estado
manifesta sua soberania e que tem por missão a defesa do interesse público primário, isto é,
da sociedade como um todo.
Diz ainda o texto constitucional que o MP é instituição “essencial à função jurisdicional
do Estado”. Trata-se de assertiva que comporta interpretação ampliativa e restritiva, isto
porque, ao mesmo tempo em que exerce funções que não reivindicam prestação jurisdicional,
o MP só atuará na esfera judicial quando a lei o autorizar ou o interesse público justificar tal
intervenção.
Insta também salientar que o MP tem por missão institucional e histórica a “defesa da
ordem jurídica”, em sentido amplo, tanto em sua atuação como órgão agente (parte) quanto
na qualidade de órgão interveniente (custos legis), conforme será melhor adiante explicitado.
Figura o Parquet como guardião do “regime democrático”, ou seja, como defensor da
República Federativa do Brasil enquanto Estado Democrático de Direito. Daí a necessidade e
importância das garantias29 e prerrogativas30 que lhe são conferidas como meio de assegurar
a atuação independente de seus membros.
Assevera o texto constitucional que cabe ao MP a tutela de “interesses sociais
e individuais indisponíveis”, ou seja, cabe-lhe a tutela do interesse público primário, que
consiste, conforme já mencionado, no interesse da sociedade ou do indivíduo que demanda
proteção especial do Estado. Difere, portanto, do interesse público secundário, consistente
no interesse momentâneo do administrador público.
Neste particular, cumpre mencionar que, com o advento da LC nº 75/93, instaurou-
se polêmica acerca da atuação do MP no que concerne à tutela de direitos individuais

29 “A par das garantias constitucionais conferidas à Instituição como um todo, outras há, além da independência funcional
[...], que são destinadas especificamente aos seus membros.
Assim, nos termos do art. 128, § 5º, inciso I, da CF/88, o membro do Ministério Público terá as seguintes garantias: vitalicie-
dade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios”. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho:
doutrina, jurisprudência e prática, op. cit., pp. 67-68.
30 “Insta frisar, de logo, que prerrogativa não se confunde com privilégio, vez que aquela deriva de norma de ordem pública,
cujo fim é assegurar que o seu destinatário possa exercer determinada atividade ou função com segurança, independência e
autonomia em prol da própria coletividade. Este, ao revés, constitui vantagem individual sem qualquer razão jurídica plausível,
ferindo, assim, o princípio da igualdade preconizado pela ordem constitucional (CF, art. 5º)”. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Mi-
nistério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática, op. cit., p. 71. São prerrogativas asseguradas aos membros
do Ministério Público da União aquelas previstas no art. 18 da LC nº. 75/93 e elas se dividem em institucionais e processuais.

51
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

homogêneos (art. 83, III e IV da LC nº 75/93). Para alguns, teria o referido diploma legal
extrapolado os limites previstos pelo art. 129 da CRFB/88. Contudo, a atuação do MP
está guiada pela repercussão social da questão e, mais do que isso, o Código de Defesa
do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e a Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), ao
estabelecerem a reciprocidade de suas disposições compatíveis, acabaram por definir e
prever a proteção dos direitos individuais indisponíveis via ação coletiva para a qual está
legitimado o MP. Insta salientar que o próprio Código de Defesa do Consumidor, em seu
art. 1º, considera suas disposições como sendo de ordem pública e interesse social. Daí
a legitimidade do Parquet para a tutela de tais direitos e a constitucionalidade da norma
encartada na LC nº 75/93. Não estará legitimado, entretanto, à defesa de interesses
meramente individuais, disponíveis31.
Neste passo, cumpre ressaltar que a atuação do MPT como órgão agente – isto é,
perquirindo se, de fato, ocorreu a lesão a direito metaindividual, transindividual (coletivo
lato sensu) invocada, com respaldo nos arts. 129, II da CRFB/88 e 83, III da LC nº. 75/93
– pode dar-se extrajudicialmente, judicialmente e extrajudicialmente desembocando na
esfera judicial, posteriormente. Nas palavras de Carlos Henrique Bezerra Leite, “a atuação
extrajudicial ocorre, via de regra, no âmbito administrativo, mas pode converter-se em
atuação judicial32”.
A LC nº. 75/93 prevê ainda, em seu art. 83, XI, a possibilidade de atuar o membro do
MPT como árbitro. “[...] vale destacar que a atuação do Ministério Público do Trabalho na
qualidade de árbitro, quando solicitada pelas partes, nos dissídios de competência da Justiça
do Trabalho, revela também atuação administrativa do ‘Parquet’33”.
Deste modo, com o intuito de regulamentar as atividades de mediação e arbitragem,
foi instituído Grupo de Estudo (Resolução nº 32/98 do CSMPT), no âmbito do Ministério
Público do Trabalho, para estudar teoricamente os institutos e propor ao Conselho Superior
do Ministério Público do Trabalho a normatização da atividade.

Não obstante isso, o Ministério Público do Trabalho, pelos seus Membros, vem atuando
como árbitro e mediador na solução de conflitos trabalhistas de natureza coletiva,
envolvendo trabalhadores e empresa ou sindicatos de trabalhadores e empresas (e/ou
sindicato patronal), com vantagens adicionais para as partes interessadas quais sejam:
1. credibilidade dos Membros oficiantes quanto à sua atuação e formação jurídica;
2. isenção e imparcialidade absolutas em seu pronunciamento;
3. ausência de custo para as partes, salvo se houver necessidade de perícias ou produção
de outras provas34.

Ao abordar o tema, Carlos Henrique Bezerra Leite qualifica a atuação do Parquet Laboral

31 “A Lei Complementar nº. 75/1993 dispôs sobre a organização do Ministério Público do Trabalho em seus arts. 83
usque 115. A instituição atuará nas causas de competência da Justiça do Trabalho (art. 83, caput). Suas funções espe-
cíficas estão previstas nos incisos do art. 83 e os respectivos órgãos no art. 85. Em relação às atribuições, o Supremo
Tribunal Federal, por não vislumbrar qualquer cerceamento à liberdade sindical, reconheceu a constitucionalidade do
art. 83, IV, que dispõe sobre a atribuição do Ministério Público do Trabalho para propor as ações cabíveis visando à
declaração de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva, que viole as liberdades individuais
ou coletivas ou os direitos indisponíveis dos trabalhadores. A Corte também reconheceu a legitimidade ativa
do Ministério Público do Trabalho para a propositura de ação civil pública em defesa dos trabalhadores” (Grifei).
GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008, pp. 81-82.
32 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 159.
33 SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 6 ed. São Paulo: Método, 2009, p. 183.
34 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática, op. cit., p. 158.

52
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

em judicial, prevista nos arts. 127 e 129 da CRFB/88 e no art. 8335 da LC nº. 75/93, e
extrajudicial, que se dá na seara administrativa, com arrimo no art. 8436 da LC nº. 75/9337.
Ressalva, contudo, que

os arts. 83 e 84 da LC n. 75/1993 não encerram preceitos numerus clausus, uma vez


que o Ministério Público do Trabalho, por força do disposto no caput do art. 84, também
desfruta dos demais instrumentos jurídicos de atuação conferidos, nos Capítulos I, II,
III e IV do Título I do mesmo diploma legal, a todos os ramos do Ministério Público da
União38.

Afirma ainda o autor que, quando atua judicialmente, o Ministério Público do Trabalho
pode fazê-lo na condição de custos legis, conforme já mencionado, ou de parte, que se
dá nas hipóteses previstas no art. 83, I, III, IV, V, VIII e X da LC nº. 75/93. Além destas
hipóteses, atuará o MPT como parte quando interpuser recurso das decisões da Justiça do
Trabalho (art. 83, VI da LC nº 75/93) e na forma do art. 793 da CLT (quando figurará como
substituto processual, pois atuará em nome próprio na defesa do interesse do menor).
Entretanto, menciona que tais distinções, referentes à atuação judicial do MPT, permanecem
tão somente para fins didáticos, no sentido de facilitação para o acesso coletivo à Justiça,
já que o princípio da inércia da jurisdição exige sempre que haja um autor, pois é ele quem
provoca o funcionamento do aparelho Judiciário. Defende, pois, a formação de uma nova
mentalidade a respeito da atuação judicial do Parquet Laboral, que seja consentânea com
a ideologia da nova ordem constitucional, que prestigia a unidade e indivisibilidade como
princípios institucionais do Ministério Público, e com a sistemática adotada pelo Código de
Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e pela Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85),

35 Prevê o referido dispositivo que: “Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribui-
ções junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: I - promover as ações que lhe sejam atribuídas pela Constituição Federal e
pelas leis trabalhistas; II - manifestar-se em qualquer fase do processo trabalhista, acolhendo solicitação do juiz ou por sua
iniciativa, quando entender existente interesse público que justifique a intervenção; III - promover a ação civil pública no
âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucional-
mente garantidos; IV - propor as ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo ou con-
venção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores;
V - propor as ações necessárias à defesa dos direitos e interesses dos menores, incapazes e índios, decorrentes das relações
de trabalho; VI - recorrer das decisões da Justiça do Trabalho, quando entender necessário, tanto nos processos em que for
parte, como naqueles em que oficiar como fiscal da lei, bem como pedir revisão dos Enunciados da Súmula de Jurisprudência
do Tribunal Superior do Trabalho; VII - funcionar nas sessões dos Tribunais Trabalhistas, manifestando-se verbalmente sobre
a matéria em debate, sempre que entender necessário, sendo-lhe assegurado o direito de vista dos processos em julgamen-
to, podendo solicitar as requisições e diligências que julgar convenientes; VIII - instaurar instância em caso de greve, quando
a defesa da ordem jurídica ou o interesse público assim o exigir; IX - promover ou participar da instrução e conciliação em
dissídios decorrentes da paralisação de serviços de qualquer natureza, oficiando obrigatoriamente nos processos, manifes-
tando sua concordância ou discordância, em eventuais acordos firmados antes da homologação, resguardado o direito de
recorrer em caso de violação à lei e à Constituição Federal; X - promover mandado de injunção, quando a competência for da
Justiça do Trabalho; XI - atuar como árbitro, se assim for solicitado pelas partes, nos dissídios de competência da Justiça do
Trabalho; XII - requerer as diligências que julgar convenientes para o correto andamento dos processos e para a melhor so-
lução das lides trabalhistas; XIII - intervir obrigatoriamente em todos os feitos nos segundo e terceiro graus de jurisdição da
Justiça do Trabalho, quando a parte for pessoa jurídica de Direito Público, Estado estrangeiro ou organismo internacional”.
36 “Art. 84. Incumbe ao Ministério Público do Trabalho, no âmbito das suas atribuições, exercer as funções institucionais
previstas nos Capítulos I, II, III e IV do Título I, especialmente: I - integrar os órgãos colegiados previstos no § 1º do art. 6º,
que lhes sejam pertinentes; II - instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos, sempre que cabíveis, para
assegurar a observância dos direitos sociais dos trabalhadores; III - requisitar à autoridade administrativa federal competen-
te, dos órgãos de proteção ao trabalho, a instauração de procedimentos administrativos, podendo acompanhá-los e produzir
provas; IV - ser cientificado pessoalmente das decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, nas causas em que o órgão tenha
intervindo ou emitido parecer escrito; V - exercer outras atribuições que lhe forem conferidas por lei, desde que compatíveis
com sua finalidade”.
37 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho, op. cit, pp. 159-165.
38 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho, op. cit, p. 165.

53
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

que não estabelecem divisor de águas na atuação judicial da Instituição39.


Mais do que isto, aponta que o MPT tem priorizado algumas áreas de atuação institucional
em defesa da ordem jurídico-trabalhista:

a) erradicação do trabalho infantil e regularização do trabalho do adolescente, tendo


sido criada, em novembro de 2000, a Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração
do Trabalho Infantil e do Adolescente; b) combate a todas as formas de discriminação
no trabalho, em especial, as de raça e gênero, sendo também implementada a inserção
da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho; c) erradicação do trabalho
escravo ou forçado e regularização do trabalho indígena; d) regularização das relações
de trabalho, por meio de audiências públicas que visam a orientar a sociedade e os
administradores públicos para inúmeras temáticas, como o verdadeiro cooperativismo e
a exigência constitucional do concurso público; e) defesa do meio ambiente do trabalho,
mormente na área de segurança e medicina do trabalho40.

Para operacionalizar tais metas, o MPT se vale dos diversos instrumentos institucionais
colocados à sua disposição e, quando demandado pelas partes, poderá atuar na mediação e
arbitragem de dissídios trabalhistas.

4. Conclusão

Analisados alguns dos principais temas referentes às formas alternativas de resolução


de conflitos, é possível apontar algumas conclusões.
A primeira delas reside no fato de que, embora o processo judicial também apresente
vantagens, deve-se encarecer a aplicação de outros meios para solução de conflitos, uma
vez que tais instrumentos são facilmente provocados e, por isso, são ágeis; são céleres,
já que rapidamente atingem a solução da celeuma; são sigilosos porque as manifestações
das partes e sua solução são confidenciais; são econômicos porque têm baixo custo; e são
eficazes pela certeza de satisfação dos conflitantes.
Outro aspecto a ser evidenciado reside na ideia de que o que importa é a paz social, isto é,
deve-se buscar meios possíveis e alternativos, num sentido prévio e também endoprocessual,
que evite uma desnecessária fase contenciosa na vida das partes. Trata-se, pois, de uma
superação da postura exclusivamente jurídica através da referência à própria lide, vislumbrada
como um conceito sociológico, que “revela o conflito de interesses envolvendo pessoas na
vida comum em sociedade e clamando por solução pelas vias adequadas41”.
No âmbito juslaboralista, permanece a possibilidade da mediação voluntária para
solução de conflitos coletivos, devendo-se destacar que este mister pode ser exercido por
profissionais especializados, escolhidos pelos sujeitos coletivos trabalhistas, bem como pelo
próprio Ministério Público do Trabalho, cujos membros têm atuado como mediadores nas
mais variadas situações de conflitos coletivos do trabalho.
No que tange à conciliação, também alguns pontos firmes emergiram da experiência
pátria. Pode-se, dentre eles, mencionar: a instituição de órgãos distintos, porém com liberdade

39 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática, op. cit., pp. 120-
125.
40 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho, op. cit, pp. 165-166.
41 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 12 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 185.

54
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

para atuarem juntos, para o exercício da função conciliativa e jurisdicional; o estabelecimento


de um adequado método de recrutamento dos conciliadores, entre os profissionais do direito,
e o constante aperfeiçoamento de tais profissionais; e o estímulo ao voluntariado.
Repise-se que o Direito Processual do Trabalho dá grande ênfase à conciliação, como
forma de se atingir o objetivo da paz social, pois interessa ao Estado que as próprias partes
em litígio encontrem a fórmula capaz de compor suas divergências, conforme depreende-se
do já referido art. 764, da CLT.
Já no que concerne à arbitragem, é alvissareiro reiterar que o instituto poderá ser
utilizado para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Assim sendo,
mesmo no âmbito do Direito do Trabalho, em que vigora o princípio da indisponibilidade
de direitos, ora se admite o recurso à arbitragem tanto em seu segmento coletivo (art. 114,
§§ 1º e 2º da CRFB/88) quanto em seu segmento individual, tendo em vista o advento da
Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) e as disposições contidas nos arts. 507-A, 611-A e
611-B, todos da CLT.
Em relação às formas de atuação do Parquet Laboral há de se ressaltar sua atuação
como órgão agente, que pode dar-se extrajudicialmente, judicialmente e extrajudicialmente
desembocando na esfera judicial, posteriormente. Neste passo e para os objetivos deste
trabalho, adquire relevo a atuação do Parquet como árbitro, na forma do art. 83, XI da LC nº
75/93, e mediador.
Por fim, entre as vantagens trazidas às partes pela atuação do MPT, não é demais
reiterar a credibilidade dos Membros oficiantes quanto à sua atuação e formação jurídica; a
isenção e imparcialidade em seu pronunciamento; e a ausência de custo para as partes, salvo
se houver necessidade de perícias ou produção de outras provas, o que há de fortalecer a
missão institucional e histórica do Parquet, bem como revelam sua importância na atual
ordem democrática.

5. Referências

CAETANO, Luiz Antunes. Arbitragem e Mediação: rudimentos. São Paulo: Atlas, 2002.

CONCEIÇÃO, Selma Regina. Manual de Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2009.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 12 ed. São Paulo:


Malheiros, 2005.

GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. 3 ed. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo. Participação e


Processo. São Paulo: RT, 1988.

55
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 8 ed. São
Paulo: LTr, 2010.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência


e prática. 4 ed. São Paulo: LTr, 2010.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2004.

NETO, Francisco Ferreira Neto; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito Processual
do Trabalho. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2019.

PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

SALES, Lília Maia de Moraes. Justiça e Mediação de Conflitos. Belo Horizonte: Del Rey,
2004.

SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 6 ed. São Paulo: Método,
2009.

TORRES, Jasson Ayres. O Acesso à Justiça e Soluções Alternativas. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2005.

56
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

MEDIAÇÃO ONLINE: REMÉDIO


ADEQUADO CONTRA A PROLIFERAÇÃO
DE LITÍGIOS DURANTE A PANDEMIA1

Flávia Pereira Hill

1. Introdução: em casa, e agora? Mediar ou remediar?

Os profissionais do Direito, em sua fala recente, convergem em torno da preocupação


com a eclosão de uma série de litígios durante o isolamento social decorrente da pandemia
de Covid-19 e do desafio imposto ao sistema de justiça brasileiro no sentido de se organizar
rapidamente para oferecer à sociedade mecanismos efetivos de solução dos conflitos em
meio à conjuntura atual.
Isoladas ou não, as pessoas continuam estabelecendo relações em diferentes esferas,
sejam familiares, profissionais, como consumidores e, sempre que há relações estabelecidas,
feliz ou infelizmente, há esgarçamentos e rupturas, que demandam o manejo das ferramentas
de solução auto ou heterocompositiva2.

1 Artigo redigido a partir de Live realizada no dia 03/06/2020 no perfil do Instagram do Professor Vinícius Lemos @vini-
ciuslemos.ro e de Webinar organizado pelo CEPED/UERJ, no dia 17/06/2020, na plataforma Zoom. WEBINAR CEPED UERJ.
Judicialização e desjudicialização dos litígios. Webinar apresentado por Flávia Hill, Trícia Navarro e Maria Angélica Feijó. [Rio
de Janeiro: CEPED, 17/06/2020]. 1 vídeo (47min 40 seg). Publicado no YouTube. Disponível em https://www.youtube.com/
watch?v=UawTYYvuigs
2 Em outro trabalho, abordamos que a existência de conflitos não é, em si mesma, deletéria, sendo, em verdade, um ca-
talizador de aprimoramentos e avanços, a depender de como são solucionados. HILL, Flávia Pereira. “Passado e futuro da
mediação: perspectiva histórica e comparada”. Revista de Processo. vol. 303/2020. Maio/2020. p. 479-502.

57
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Afirmar que continuamos a viver em um Estado Democrático de Direito – independentemente


de estarmos atravessando uma Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional
(ESPIN) –, implica, portanto e necessariamente, oferecer mecanismos eficazes de solução
desses litígios, sob pena de termos uma ruptura nas garantias constitucionais em pleno
vigor, o surgimento de perigosa “litigiosidade contida”, na expressão de Kazuo Watanabe, e,
consequentemente, uma grave perda de legitimidade do sistema de justiça3.
Não pode haver solução de continuidade na prestação da jurisdição, sob o simples pretex-
to de estamos em nossas casas e não circulando nas ruas. A Constituição e as Leis continuam em
vigor e a prova disso, num Estado Democrático de Direito, deve ser que o Direito Processual ofe-
reça os instrumentos hábeis para que eventuais ameaças ou violações a direitos sejam debeladas
a contento, contornadas as peculiaridades e as dificuldades surgidas no contexto da pandemia.
Não podemos experimentar um grave e nefasto déficit garantístico de acesso à
justiça nos tempos de pandemia de Covid-19. Se a sociedade já experimenta tantas agruras
decorrentes dessa calamidade sanitária mundial, não pode a ela se somar, para agravar o
cenário já aterrador, um “apagão do sistema de justiça”, um “hiato” entre a normalidade
anterior e o futuro “novo normal”, que ainda aguardamos para saber qual será.
Diante disso, os esforços dos operadores do Direito têm se concentrado em se reinventar
e também em reinventar o sistema de justiça com rapidez, para aproveitar todo o arcabouço
legislativo e as ferramentas de que já dispomos para potencializá-las, adaptá-las e, com isso,
prosseguir, ajustadas às peculiaridades em que vivemos, prestando jurisdição adequada.
Uma das soluções incontestes para os desafios prementes do momento atual, que grande
parcela dos profissionais do Direito tem reconhecido, é precisamente a valorização da solução
consensual – que parte de nós, processualistas, a bem dizer, até hoje negligenciam ou subestimam.
Vimos concentrando a quase totalidade de nossas reflexões, ainda nos dias atuais, em mecanismos
atrelados fundamentalmente ao pleno e franco funcionamento da heterocomposição, o que, a
nosso sentir, demonstra um certo grau de alheamento e insensibilidade em relação à delicada e
peculiar situação que vivenciamos, que nos impõe um sem número de limitações.
Não devemos subestimar nem desvalorizar os métodos de solução consensual dos
litígios em momento algum, muito menos agora.
O tempo atual exige maior empatia, solidariedade e fraternidade de todos. Não se trata
de ingenuidade, mas de um imperativo da realidade. Pensar o contrário que é fechar os olhos
para o óbvio, que entrou em nossas casas e nos fechou dentro delas.
Essas ferramentas não são, como alguns têm chamado, com certo tom jocoso, de
a “homeopatia do Direito Processual”, como se falassem quase que de um “placebo”, um
“chazinho de boldo” para acalmar os ânimos dos litigantes, à falta de um bom e velho processo
judicial contencioso para despejar toda a sua ira... Nada mais lamentável e dissonante das
habilidades que somos chamados, às gritas, a desenvolver com máxima urgência.
Vivenciamos um momento ideal para a ampliação dos métodos de solução consensual
dos litígios, sem precedentes no Brasil.
Embora, em especial a partir da década de 1990, a comunidade jurídica tenha passado a
estudar, com maior afinco, os meios alternativos/adequados de solução de conflitos (MASCs),

3 WATANABE, Kazuo. “Acesso à justiça e sociedade moderna”. In GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel.
WATANABE, Kazuo (Orgs). Participação e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1988.

58
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

dentre os quais, a mediação, que já eram utilizados amplamente em países integrantes do


sistema de “common law”, o tema ganhou novo fôlego no início dos anos 2000, quando órgãos
públicos, como Ministério da Justiça e Conselho Nacional de Justiça, aderiram ao movimento,
mediante a criação de políticas públicas de sua promoção, como o projeto “Conciliar é legal”,
que mobilizou os tribunais de todo o país em torno de mutirões de conciliação.
Isso se deu precipuamente como solução para a sobrecarga do Poder Judiciário. Embora
se lamente, dentro da comunidade jurídica, que o móvel dessa nova fase de fomento dos
MASCs não tenha sido tão nobre, fato é que a adesão dos órgãos públicos impulsionou uma
nova fase de divulgação e estímulo às soluções consensuais de conflitos.
Temos atualmente quase 80 milhões de ações em tramitação, sendo que o Relatório
Justiça em Números de 2019 informa que a taxa de congestionamento bruta do Poder Judiciário
é da ordem de 71,2%4. A Comissão Europeia para Eficiência na Justiça, por seu turno, divulgou
gráfico em que coloca o Brasil como sendo a Justiça mais lenta, embora conte, atualmente, com
maior número de funcionários per capita, deixando para trás, de longe, Alemanha, Portugal,
Reino Unido e até mesmo a Itália, considerada um exemplo global de lentidão (Anexo)5.
Não obstante o Poder Judiciário tenha passado a fomentar os métodos de solução
consensual dos litígios muito mais por razões pragmáticas, não se deve perder de vista a
genuína aptidão da mediação e da conciliação para solucionar determinados conflitos ainda
melhor do que a via judicial, do que a adjudicação estatal.
Portanto, os métodos de solução consensual dos litígios, tão valorizados no CPC/2015
(artigo 3º, §§2º e 3º), a ponto de o artigo 334 tornar a designação de sessão de mediação
ou conciliação a regra no procedimento comum, são, em si mesmos, a concretização de um
novo patamar de exercício da cidadania, a partir do envolvimento direto das partes litigantes
e com o auxílio de um terceiro imparcial que não é o juiz e que, almeja-se, não seja nem
mesmo um membro do Poder Judiciário, mas um membro da sociedade civil, mais organizada
e mais preparada para essa nova etapa.
Nesse momento de isolamento social decorrente da pandemia, a criação de canais de
acesso remoto aos jurisdicionados, utilizando-se a tecnologia disponível, para que sejam
tentadas a conciliação e a mediação, são de suma importância, inclusive para refrear uma
possível explosão do volume de ações judiciais na fase pós-pandemia, que toda a comunidade
jurídica teme atualmente.
A OAB/RJ, em importante nota oficial do seu Presidente, Luciano Bandeira, de 30/04/2020,
alertou os advogados para que “da mesma forma que precisamos fazer sacrifícios para
preservar o sistema público de saúde, precisamos também nos engajar para evitar o colapso
do Poder Judiciário”. Como solução, sugeriu aos causídicos que “no exercício de seu múnus
público e de sua responsabilidade social, busquem colocar em prática (...) a mediação, a
conciliação a arbitragem e a implementação de comitês de resolução de conflitos, a fim de
que essa situação crítica seja administrada da melhor forma possível”6.

4 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2019. Disponível no endereço eletrônico: https://www.cnj.jus.br/
pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/. Acesso em 20/05/2020.
5 COUNCIL OF EUROPE EUROPEAN COMMISSION FOR THE EFFICIENCY OF JUSTICE (CEPEJ). https://www.coe.int/en/web/
cepej. Acesso em 02/05/2020.
6 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SECCIONAL RJ. Em nota oficial, OABRJ sugere uso de meios extrajudiciais para pre-
venir colapso no Poder Judiciário. Disponível no endereço eletrônico: https://www.oabrj.org.br/noticias/nota-oficial-oabrj-
sugere-uso-meios-extrajudiciais-prevenir-colapso-poder-judiciario. Acesso em 30/05/2020.

59
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

2. A mediação como o mecanismo mais adequado para solucionar litígios típicos


do contexto da pandemia

A ansiedade decorrente das incertezas geradas pela pandemia e relacionada a diversos


fatores, tais como risco concreto de contágio, efetivo acometimento de familiares e amigos,
queda da renda familiar e limitações inerentes ao isolamento social, faz com que os ânimos
de acirrem e percamos, não raro, o equilíbrio e, até mesmo, o bom senso necessários para
enxergar e lidar, com o mínimo de distanciamento e racionalidade, para as diversas relações
que estabelecemos, mesmo que, ou especialmente porque, trancados em casa.
Notícias vindas de todos os lados dão conta do incremento significativo dos conflitos
familiares – e aqui nem tratamos da dramática questão da violência doméstica, pois entraríamos,
inclusive, na seara penal – que, decerto, não ocorreriam, ou não em cores tão fortes, se
estivéssemos no nosso “antigo normal”. Vivemos em um grande “Big Brother” e isso confere
um superlativo à dimensão das relações que estabelecemos, especialmente com as pessoas
que convivem diretamente conosco em um ambiente restrito e já por três meses contínuos,
como no caso do Rio de Janeiro. Tendemos a superdimensionar os problemas, que antes
seriam corriqueiros ou se diluiriam na gama de relações e experiências que normalmente
vivenciamos diariamente.
O volume de pedidos de divórcio aumentou significativamente na China, após o
abrandamento do isolamento social7. Aqui, no Brasil, por ora, verificou-se uma queda de 43%
no volume de divórcios em razão da suspensão dos trabalhos presenciais no Judiciário, mas
reconhece-se a tendência de abrupto crescimento após a retomada das atividades8.
A guarda compartilhada também tem se mostrado um desafio em tempos de pandemia.
Em um caso, o juiz Eduardo Gesse, da 2ª Vara de Família e Sucessões de Presidente
Prudente (SP), proibiu que um piloto de avião visitasse a filha por 14 dias, prazo recomendado
para a quarentena. Segundo o magistrado, “em razão da pandemia decorrente da propagação
do coronavírus, é realmente recomendável, por força da profissão exercida pelo requerido”,
evitar contato com terceiros.
No segundo caso, o desembargador José Rubens Queiroz Gomes, da 7ª Câmara de
Direito Privado do TJ-SP, determinou a suspensão das visitas no caso de um pai que quis
permanecer vendo a filha, que tem problemas respiratórios, mesmo depois de passar por
aeroportos e voltar de uma viagem internacional, por considerar que, devido ao quadro de
saúde da criança, não haveria prejuízo caso o genitor se afastasse fisicamente por 15 dias.
A advogada dessa última causa afirma que “realizar acordo é o melhor cenário, já que o
judiciário ficará lotado de novas demandas que irão surgir em razão da Covid-19”.9
Em um terceiro caso que apuramos, a juíza Fernanda Maria Zerbeto Assis Monteiro, da

7 G1. Coronavírus: confinamento teria causado número recorde de divórcios em cidade da China. Muitos casais parecem não
ter resistido à proximidade em tempo integral: após redução de transmissões do Coronavírus, município de Xi’am registrou
aumento drástico no número de pedido de divórcios. Disponível no endereço eletrônico: https://g1.globo.com/ciencia-e-
saude/noticia/2020/03/24/coronavirus-confinamento-teria-causado-numero-recorde-de-divorcios-em-cidade-da-china.ght-
ml. Acesso em 02/06/2020.
8 CONSULTOR JURÍDICO. Divórcios operam de forma excepcional por conta da quarentena. Disponível no endereço eletrônico:
https://www.conjur.com.br/2020-mai-24/divorcios-operam-forma-excepcional-conta-quarentena. Acesso em 03/06/2020.
9 ANGELO, Tiago. “Sem marco legal para guarda dos filhos na epidemia, pais devem priorizar acordos”. Consultor Jurídico.
Disponível no endereço eletrônico: https://www.conjur.com.br/2020-abr-20/fica-guarda-compartilhada-tempos-coronavi-
rus. Acesso em 02/06/2020.

60
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

3ª Vara de Família e Sucessões de Curitiba/PR, deferiu o pedido de uma mãe para suspensão
temporária do convívio presencial da filha com o pai, limitado aos finais de semana. Visando
evitar a ruptura do vínculo paterno-filial, a magistrada julgou adequado que o contato se
mantenha por chamada de vídeo nos mesmos dias de visitação acordados entre as partes.
Os encontros presenciais estão suspensos até que perdurem as restrições do poder público
com o objetivo de amenizar a disseminação da Covid-1910.
Outro núcleo potencial de emergência de conflitos em tempos de isolamento social
são os condomínios de casas ou, mais ainda, de apartamentos, visto que os condôminos
estão passando mais tempo em suas residências, devido ao isolamento social determinado
pelas autoridades.
O Desembargador do TJPE, Jônes Figueiredo Alves, diretor da comissão de magistrados
do IBDFAM, informou que “decisões recentes de magistrados de Guarujá (SP) os juízes Gustavo
Gonçalves Alvarez (3ª Vara Cível) e Gladis Naira Cuvero (2ª Vara Cível), em face de dois
inquilinos moradores de um mesmo condomínio em local nobre, os submeteram ao decreto
judicial de despejo liminar, face comportamentos antissociais e lesivos e por promoverem
festas noturnas em seus apartamentos, com a presença de muitos convidados”11. Tal
conduta, que até pouco tempo atrás, se circunscreveria a perturbar o sossego dos vizinhos,
atualmente, representa, ainda, incremento dos riscos de contágio entre os moradores, em
razão do aumento da circulação de pessoas nas dependências do condomínio.
Reportagem publicada no Jornal O Globo do dia 02/08/2020 confirma que o número
de reclamações entre vizinhos triplicou desde março de 2020, sendo que os litígios se
referem a: (i) barulho das unidades, especialmente obras; (ii) descumprimento das regras
de isolamento e (iii) atividades nas varandas ou janelas das unidades, que repercutem na
vizinhança, tais como competições de pipa, churrascos e projeção de filmes nas paredes de
condomínios. Por tal razão, ABADI (Associação Brasileira de Administradoras de Imóveis)
lançou um protocolo de mediação de conflitos condominiais, a fim de incentivar que tais
conflitos sejam solucionados através de acordo extrajudicial. Trata-se de excelente iniciativa,
que apenas corrobora a nossa defesa da mediação como método adequado para a solução
de litígios entre vizinhos, especialmente no contexto da pandemia12.
Outro núcleo que, a nosso ver, merece um olhar mais atento dos profissionais do Direito
quanto à aplicação dos métodos de solução consensual dos litígios consiste nas relações
trabalhistas, embora não seja esse o objeto do presente trabalho. Temos testemunhado
muitos empregadores demitindo seus empregados, muitas vezes, por faltar diálogo aberto
e franco entre ambos. No meio do “tsunami”, o empregador se desespera e, não vendo
saída, demite. A mediação fortaleceria o diálogo e permitiria, não raro, que soluções
fossem ventiladas em conjunto, para a próprio bem da empresa, pois podemos afirmar,
por experiência própria, que a troca de equipe é nefasta para a continuidade na prestação
dos serviços. Sendo assim, as demissões impensadas demandarão que, no momento

10 INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Pandemia do coronavírus: guarda compartilhada está entre desafios
enfrentados no Direito das Famílias. Disponível no endereço eletrônico: http://www.ibdfam.org.br/noticias/7189/+Pan-
demia+do+coronav%C3%ADrus%3A+guarda+compartilhada+est%C3%A1+entre+desafios+enfrentados+no+Direito+das+-
Fam%C3%ADlias. Acesso em 02/06/2020.
11 ALVES, Jones Figueiredo. Em proteção da família, a dispensa das regras ordinárias. Disponível no endereço eletrônico:
https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/855146981/em-protecao-da-familia-a-dispensa-das-regras-ordinarias. Acesso
em 03/06/2020.
12 DINIZ, Ana Carolina. O Globo. “Pandemia triplica o número de conflitos entre vizinhos”. Edição de 02/08/2020.

61
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

subsequente, quando as medidas de isolamento cessarem, seja necessário recontratar,


treinar a equipe novamente e assim por diante.
Por fim, tem-se a questão da renegociação dos contratos, especialmente no tocante
à prestação de serviços de educação. Fatores como: (i) alteração da forma de prestação de
tais serviços que, originalmente, se dariam presencialmente e, em razão da pandemia de
Covid-19, passaram a ocorrer remotamente, através de plataformas online; (ii) consequente
indicativo de redução dos custos das instituições de ensino com o cumprimento do contrato;
e (iii) queda significativa na renda das famílias, levou muitos pais a pretender a revisão das
mensalidades13. Em reportagem publicada em 02/08/2020, o jornal O Globo informa que
especialistas em Direito do Consumidor recomendam vivamente a “manutenção de um canal
aberto de negociação” pelas escolas, o que ratifica a nossa visão sobre o tema.
Nesses casos, em que há relação familiar, entre parceiros comerciais, equipes de
trabalho, vizinhos, etc pesquisadores e profissionais do Direito fazem coro ao afirmar que a
mediação é a solução mais adequada.
Portanto, se, no meio de boa parte da Academia, havia, desde, pelo menos, a década
de 1990, a consciência de que a solução consensual é a mais desejável e mais consentânea
com uma democracia madura, se já agregamos a isso, felizmente, em especial após a edição
da EC 45/2004, a adesão do Judiciário em razão do reconhecimento de sua sobrecarga de
trabalho, se, ao depois, em 2015, verificamos a edição do marco legal de mediação, agora,
com a gama de litígios que eclodem no contexto da pandemia, a realidade nos mostra, da
forma mais crua, a premência de nos valermos de todo o potencial que a mediação oferece.
Vimos a importância e a urgência do emprego dos métodos de solução adequada
dos conflitos. A seguir, veremos quais são os problemas e os desafios para a sua ampla e
imediata adoção.

3. Novos problemas, novas soluções: desafios para a implementação, a curto prazo,


da mediação online.

3.1. DEFICIT NO NÚMERO DE MEDIADORES:

Um dos mais graves – quiçá o mais grave – entraves à ampla adoção da mediação
no Brasil, especialmente no âmbito judicial, consiste no déficit do número de mediadores
capacitados.
A mediação demanda que o profissional desenvolva aptidões e capacidades adicionais,
com vistas a não apenas buscar solucionar o litígio pontualmente considerado, mas, mais
amplamente, restaurar o diálogo, de modo a preservar a relação pretérita existente entre
os mediandos. Por isso, com razão, a Lei Federal nº 13.140/2015 exige que o mediador
extrajudicial seja pessoa “capacitada” (artigo 9º da lei federal) e que o mediador judicial seja
pessoa capaz, que tenha concluído o ensino superior há, pelo menos, dois anos e tenha
frequentado curso de capacitação específico em consonância com as diretrizes fixadas pelo
CNJ (artigo 11 da lei federal e artigo 167, § 1º do CPC/2015).

13 CASEMIRO, Luciana. O Globo. “Informação clara e negociação na volta às aulas”. Edição de 02/08/2020.

62
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Tudo isso corrobora a necessidade de que o mediador, que é a figura central da


mediação – enquanto responsável por que, em um procedimento essencialmente informal, os
mediandos logrem retomar o diálogo rompido e cultivar um ambiente propício ao ajuste de
vontades - seja remunerado a contento, de modo a persuadir bons profissionais a ingressar
na carreira.
No Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, até muito recentemente, os mediadores
judiciais prestavam serviços pro bono, o que decerto consiste em fator dissuasivo à adesão
por novos profissionais.
Em segundo lugar, a exigência do Conselho Nacional de Justiça de que a carga horária de
atividades práticas do curso de capacitação seja realizada presencialmente, ficando afastada
a sua realização online. Em tempos de severas restrições ao deslocamento de pessoas por
razões sanitárias, essa exigência que, a nosso ver, já se mostrava infundada, visto que o
artigo 46 da Lei Federal 13.140/2015 autoriza a realização de mediação online - inclusive
internacional -, torna-se agora, a nosso ver, anacrônica e dissociada do contexto atual.
Se até a mediação pode ser online, não vislumbramos motivos razoáveis para que a
experiência prática necessária para a conclusão do curso de capacitação não possa ser realizada
igualmente com o emprego da tecnologia. Por mais que alguns mediadores argumentem
que a mediação presencial seria o ideal, forçoso convir que o emprego da tecnologia na
solução dos conflitos veio para ficar e a mediação não pode ser excluída desse movimento
irreversível, mormente em tempos de isolamento social.
Somente capacitando, com a necessária brevidade, um número suficiente de mediadores
lograremos permitir que os jurisdicionados tenham acesso a esse mecanismo adequado para
a solução de um conjunto de litígios que tem emergido em larga escala durante a pandemia.

3.2. INFORMATIZAÇÃO DOS TRIBUNAIS

Um segundo desafio consiste no emprego da tecnologia pelos tribunais brasileiros.


Muitos deles ainda não estavam em estágio avançado de informatização e, em razão das
restrições decorrentes da pandemia, foram desafiados a acelerar a sua implantação.
Traremos, a seguir, algumas benfazejas iniciativas adotadas por tribunais brasileiros,
após o surgimento da pandemia de Covid-19, com vistas a utilizar as ferramentas tecnológicas
na solução de litígios, especialmente na busca por soluções consensuais.
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ): Um problema enfrentado
pelo tribunal, especialmente pelos Juizados Especiais, consiste na realização das audiências
que já haviam sido agendadas14. As soluções que vêm sendo adotadas para não prejudicar o
andamento do feito são as seguintes:
a) Realizar audiências de conciliação e mediação online, “preferencialmente
por meio dos softwares Microsoft Teams ou Cisco Webex”, conforme Recomendação

14 O juiz Dr. Fabio Costa Soares, Titular do Juizado Especial Cível de Cabo Frio/RJ, a quem registramos o nosso agradeci-
mento pelas relevantes informações prestadas a respeito das dificuldades enfrentadas pela magistratura fluminense para
manter as suas atividades em tempos de pandemia, nos relatou que, somente no Juizado de que é titular, cerca de 500
audiências são realizadas mensalmente e, por conseguinte, precisam de soluções urgentes para que sejam realizadas e os
processos possam, pois, prosseguir.

63
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

nº 01, de 21/05/2020 e Ato Normativo Conjunto TJ/CGJ nº 08, de 17 de abril de


2020 (DJE de 20/04/2020).
b) Nos casos em que o magistrado verifica, pela sua experiência, serem
reduzidas as chances de acordo e as partes não pretendem produzir provas em
audiência, vem sendo proferido como que um “julgamento antecipado”.
c) Alguns magistrados vêm realizando, inclusive, audiências de instrução e
julgamento online, quando todos os interessados estão de acordo e têm acesso à
internet.
d) Para a citação e intimação das partes pessoas jurídicas (salvo microempresas
e empresas de pequeno porte) que não estejam cadastradas no sistema eletrônico
do tribunal (artigos 2º, 5º e 6º da lei 11.419/2006; artigo 246, §§1º e 2º, e artigo
1051 do CPC/15), a Presidência do TJRJ editou o Aviso 43, de 15/05/2020,
determinando que as partes pessoas jurídicas informem o endereço eletrônico para
recebimento de citações e intimações, no prazo de 15 dias da publicação do aviso,
como condição para peticionar nos processos eletrônicos.
e) Parte dos servidores do tribunal não tinham acesso remoto ao sistema, de
modo que coube ao tribunal fornecer infraestrutura para que pudessem trabalhar
remotamente.
f) Rotina de encaminhamento de mandados de pagamento para o Banco do
Brasil por e-mail, quando não for possível enviar pelo sistema, com indicação da
conta para transferência de valores.
g) Nas Turmas Recursais, as sessões passaram a ser realizadas por
videoconferência através do sistema Cisco Webex, disponibilizada pelo CNJ, desde
maio de 2020, com fulcro no Ato Normativo COJES nº 03/2020. Caso o advogado
queira realizar sustentação oral, deverá peticionar eletronicamente com antecedência
mínima de 72h da data da sessão, sendo-lhe fornecido o link de acesso.
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP): o Provimento CG nº 11/2020
instituiu Projeto de Conciliação e Mediação para Disputas decorrentes da Covid-19, almejando evitar
a judicialização em massa de disputas, ao oportunizar às partes a realização de sessões online de
conciliação ou mediação pré-processuais. O projeto piloto é destinado a empresários, sociedades
empresárias e agentes econômicos, desde que envolvidos em negócios jurídicos relacionados à
produção e circulação de bens e serviços. O interessado deve enviar e-mail para cerde@tjsp.jus.
br, especificando o pedido e a causa de pedir, relacionadas às consequências da pandemia da
Covid-19 e os documentos essenciais relacionados à demanda. A sessão será realizada no prazo
máximo de até 7 dias contados do pedido (o Provimento não deixa claro se a contagem se dá em
dias úteis ou corridos). Havendo acordo, será homologado pelo juiz. O Projeto vigorará pelo prazo
de até 120 dias após o encerramento do sistema remoto de trabalho do TJSP.
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO): O Provimento 18, de 06/05/2020,
regulamenta as audiências não presenciais, durante o período de crise decorrente da pandemia
da Covid-19. O artigo 2º do mencionado Provimento dispõe que as audiências preliminares
de conciliação não presenciais nos Juizados Especiais Cíveis serão realizadas por meio das
plataformas digitais Cisco Webex, Zoom, Hangouts, WhatsApp ou outra similar, a critério do
magistrado. Os §§ 1º e 2º do referido artigo preveem a possibilidade de citação e intimação
eletrônicas, inclusive por meio de aplicativo de WhatsApp ou similar, por ligação de áudio ou

64
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

de vídeo, por e-mail ou outro meio célere e idôneo de comunicação que comprove a ciência
inequívoca, contanto que seja certificado circunstanciadamente o ato nos autos.
Consideramos acertado o teor do §7º do mesmo artigo 2º, ao prever que, em caso de
acordo, o conciliador dará fé do encontro de vontades expressado na via não presencial,
submetendo o acordo a imediata homologação judicial. O provimento do tribunal goiano, em
boa hora, dispensa a coleta de assinaturas no acordo, incumbindo o conciliador de dar fé do
encontro de vontades, o que, a nosso sentir, compatibiliza a segurança jurídica, de um lado
– até mesmo porque a sessão de conciliação e mediação online decerto terão sido gravadas,
embora sejam mantidas em sigilo -, e a informalidade, de outro.
Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES): Editou a Portaria 01/2020,
publicada em 23/04/2020, regulamentando a realização online de sessões de mediação
e conciliação. Foi disponibilizado o e-mail nucleosolucaoconflito@tjes.jus.br para que os
interessados requeiram o agendamento de sessão de mediação ou conciliação online, ainda
que seja pré-processual, ou seja, antes de ajuizada a ação. Deverá ser anexado ao e-mail um
formulário preenchido (anexo à Portaria), documentação indicada e ser informado endereço
para correspondência, e-mail e telefone da parte reclamada. A sessão online somente é
realizada com o consentimento de todos os interessados.
Portanto, os tribunais que ainda não haviam implantado o sistema eletrônico, ou o
tinham implantado apenas parcialmente, estão envidando esforços para fazê-lo o quanto
antes, a fim de evitar a formação de uma nefasta “litigiosidade contida”.
Deve-se, portanto, empregar tais ferramentas, de forma perene, para viabilizar
a mediação e a conciliação online a curtíssimo prazo, a fim de evitar o agravamento da
sobrecarga do Poder Judiciário em futuro próximo. Esse movimento não pode ser postergado
para depois da retomada das atividades, mas, ao contrário, tais ferramentas precisam ser
disponibilizadas aos jurisdicionados com a maior brevidade possível. Afinal, a legitimidade
do sistema de justiça reside precisamente em sua aptidão para identificar e responder, a
tempo e a hora, aos anseios da sociedade a que serve.
De se destacar, ainda, que, paralelamente ao aparelhamento do Judiciário para atender
a essa demanda, é de todo recomendável a criação de núcleos de mediação extrajudicial
que congreguem mediadores capacitados e disponibilizem plataformas eficientes de
mediação online. Embora vivenciemos uma fase em que a mediação usualmente é oferecida
pelos tribunais, através dos Cejuscs, entendemos que o ideal é que os métodos de solução
consensual dos litígios sejam prestados prevalentemente na esfera extrajudicial.

3.3. DIVULGAÇÃO DAS FERRAMENTAS DE MEDIAÇÃO ONLINE.

Vencidos os óbices antes indicados, afigura-se imperioso divulgar amplamente à


sociedade, pelos diferentes canais de comunicação, como ter acesso à mediação online sem
precisar sair de casa.
Paulo Cezar Pinheiro Carneiro alerta, há duas décadas, que a informação é um
pressuposto indeclinável do acesso à justiça15.

15 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: Juizados Especiais Cíveis e Ação Civil Pública. Uma nova sistematização da Teo-
ria Geral do Processo. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense. 2000.
65
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Portanto, para que a mediação online seja efetivamente empregada pelos jurisdicionados
nessa fase de emergência sanitária, é necessário, antes de mais nada, informar-lhes, de maneira
clara, didática e objetiva, como acessar as plataformas eletrônicas, o que, lamentavelmente,
nem sempre é tido como prioritário entre os tribunais do país.
Deve-se, portanto, privilegiar a formulação de uma campanha ampla de difusão das
plataformas de mediação online disponibilizadas à população para a solução de conflitos
durante a fase de isolamento social decorrente da pandemia.

4. Conclusão

As restrições de deslocamento impostas pelas autoridades como forma de conter o


avanço da pandemia de Covid-19 configuraram um novo arranjo social e uma nova rotina
à população, conduzindo, de um lado, à eclosão, em maior escala, de algumas espécies de
litígios, tais como de vizinhança, guarda-compartilhada, de compras online, atendimento
médico-hospitalar de urgência, e, de outro lado, contribuindo para que os ânimos se acirrem
em razão do isolamento e as relações estabelecidas sejam superdimensionadas – assim como
os litígios delas emergentes.
Afirmar que continuamos a viver em um Estado Democrático de Direito pressupõe
necessariamente a garantia de que o sistema de justiça esteja em funcionamento. Os
profissionais do Direito reconhecem, em uníssono, temer de que o Judiciário entre em colapso
com o ajuizamento simultâneo de milhares de ações judiciais logo após a reabertura das
atividades presenciais nos tribunais do país.
No entanto, por sistema de justiça não se deve entender apenas o Poder Judiciário,
mas igualmente os novos polos de prestação de jurisdição, dentre os quais mediadores,
conciliadores, árbitros e serventias extrajudiciais.
Alguns litígios que vêm eclodindo massivamente durante a pandemia são passíveis
de serem solucionados mais adequadamente através dos métodos de solução consensual
dos litígios, especialmente através da mediação, por envolverem relações continuadas, que
merecem ser preservadas.
Alie-se a isso a necessidade de se empregar, com a máxima urgência, as ferramentas
tecnológicas à serviço da jurisdição, em virtude precisamente das restrições de circulação
decorrentes da pandemia.
A soma dos fatores antes elencados nos conduz à conclusão de que precisamos, com a
maior brevidade possível, estimular e viabilizar a mediação online dos conflitos. Se a mediação,
primeiramente, foi defendida pela academia, depois, aceita pelo Judiciário, e, finalmente,
regulada pelo legislador, agora são os fatos concretos que nos mostram, às claras, quão
imperiosa é a mudança de ótica da cultura do litígio para a cultura da pacificação.
Que as vicissitudes do cenário contemporâneo nos propiciem refletir e, finalmente,
admitir que nossas velhas convicções não mais se adequam à realidade atual.
É preciso compreender que o “ring” do tribunal não é o único nem o melhor cenário para
a solução dos litígios. Descalcemos as “luvas de box” e nos armemos do “mouse”, porque,
queiramos ou não, definitivamente, entramos em novos tempos.
Tempo de mediar, não de remediar.

66
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

ANEXO16

Referências

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

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70
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

A EVOLUÇÃO DOS MÉTODOS


CONSENSUAIS NA AÇÃO DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Inês da Trindade Chaves de Melo

1. Introdução

A situação atual do país chama atenção para a questão da probidade do agente público.
O administrador público não é o senhor dos bens públicos, é apenas seu gestor. No entanto, a
história do Brasil é marcada por situações que exibem atos incompatíveis com a administração
proba, que remontam, por exemplo, ao tesoureiro de D. João VI. Bento Maria Jargini, que foi
nomeado barão e, posteriormente, visconde, ficou conhecido pelo seguinte ditado: “Quem
furta pouco é ladrão. Quem furta muito, barão. Quem mais furta e esconde passa de barão a
visconde.”1
Com o decorrer dos séculos, a corrupção no Brasil passou a ser tolerada e institucionalizou-
se. Nos últimos anos, porém, o combate a tais práticas acirrou-se com a Operação Lava Jato,
que culminou na prisão de vários agentes públicos.
A repressão à corrupção pode ser feita de forma preventiva ou repressiva. Preventiva,
através da valorização da ética na Administração Pública e repressiva, pela aplicação efetiva
de um conjunto de leis denominado “Bloco de Combate à Corrupção”, no qual se inserem a Lei

1 CAVALCANTI, Pedro. A corrupção no Brasil. São Paulo: Siciliano, 1991. p. 46.

71
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa, ou LIA); o Código Penal; as leis que definem
os chamados crimes de responsabilidade (Lei nº 1.79/50 e Decreto-Lei nº 207/67); a LC nº
135/10 (Lei da Ficha Limpa), que alterou a LC nº 64/90, para estabelecer novas hipóteses de
inelegibilidade; a Lei nº 12.850/13 (Lei de Organização Criminosa); e a Lei nº 12.846/13 (Lei
Anticorrupção), que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas
pela prática e por atos contra a Administração Pública nacional e estrangeira e mais recentemente
com a Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Além disso, a Constituição da República Federativa
do Brasil dita, no seu art. 37, os princípios que devem nortear uma administração proba.
A corrupção é um tema constante no País e de grande importância para a sociedade,
ao lado da improbidade administrativa. Nesse cenário surgiu a Lei nº 8.429/92, que veio
regulamentar o § 4º do art. 37 da CRFB, a fim de reprimir a improbidade administrativa. Com
apenas 25 (vinte e cinco) artigos, contém vários temas controversos.
Nessa esteira, a Lei de Improbidade Administrativa consiste em um eficaz instrumento
para o combate à corrupção. No entanto, a vedação da possibilidade de acordo ou transação
na seara dessa lei acabou por dificultar a finalidade precípua de recuperação da res publica e,
por isso, inicia-se a defesa da aplicabilidade dos métodos de solução de conflito, ainda mais
com a recente alteração do artigo 17, §1º da LIA.

2. Dos métodos consensuais de solução de conflitos do NCPC e a aplicabilidade


pela Administração Pública

Ainda que com previsões esparsas em outras legislações, com o advento do Novo
Código de Processo Civil (NCPC) ocorre uma valorização dos métodos consensuais de solução
de conflitos, com uma maior promoção da razoável duração do processo por meio de seus
arts. 165 a 175. Aliás, o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 2 por meio da Resolução
nº 125/10, em seu art. 165, menciona que os Tribunais:

[...] criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela


realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, e pelo desenvolvimento
de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.

Dessa forma, verifica-se acerto do legislador quanto à previsão expressa dos métodos de
solução de conflitos, pouco abordados no antigo Código de Processo Civil (1973), reforçando
a ideia de celeridade, a exemplo da conciliação e da mediação.
Em que pese a similitude conceitual da conciliação e da mediação estabelecida pelo
legislador no NCPC, consigna-se que os institutos não se confundem, ainda que ambos sejam
realizados por um terceiro sem poder decisório e com imparcialidade. Isso porque a conciliação
é procedimento simplório, em que o conciliador pode interferir na questão, caracterizada por
incidir em uma controvérsia pontual. Diferentemente, a mediação caracteriza-se como um
procedimento de negociação realizada por terceiro também imparcial, nos casos de existência
de vínculo anterior entre as partes.3

2 DALLA, Humberto; MAZZOLA, Marcelo. Manual de mediação e arbitragem. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 38.
3 ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de; PANTOJA, Fernanda Medina; PELAJO, Samantha (coord.). A mediação no novo
código de processo civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 140-141.

72
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

A grande celeuma reside em trazer os métodos de solução de conflitos aplicáveis no


campo privado para casos em que há interesse público, muito em virtude da indisponibilidade
deste último, definido como absoluto e inflexível.
Isso porque, a título de exemplificação, a Lei 13.140/2015 impede acordos sobre
direitos indisponíveis não transigíveis, conforme previsto no artigo 3º, parágrafo segundo.4
Entretanto, a mencionada visão não se adequa ao direito administrativo moderno, por ser o
interesse público fluido, necessitando de um juízo de ponderação no caso em concreto, servindo
os métodos de solução dos conflitos como mecanismo de solução de disputas públicas.5
Aliás, há precedente do Supremo Tribunal Federal,6 no Recurso Extraordinário nº
253.885, flexibilizando o Princípio do Interesse Público e permitindo transação. Nesse sentido:

Poder Público. Transação. Validade. Em regra, os bens e o interesse público são


indisponíveis, porque pertencem à coletividade. É, por isso, o Administrador, mero gestor
da coisa pública, não tem disponibilidade sobre os interesses confiados à sua guarda
e realização. Todavia, há casos em que o princípio da indisponibilidade do interesse
público deve ser atenuado, mormente quando se tem em vista que a solução adotada
pela Administração é a que melhor atenderá à ultimação deste interesse. Assim, tendo
o acórdão recorrido concluído pela não onerosidade do acordo celebrado, decidir de
forma diversa implicaria o reexame da matéria fático-probatória, o que é vedado nesta
instância recursal (Súm. 279/STF). Recurso extraordinário não conhecido.

3. Dos métodos consensuais na Lei de Improbidade Administrativa

Ainda que o Novo Código de Processo Civil enalteça os métodos de solução de conflitos
como instrumentos de celeridade processual, o art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/927 até pouco
tempo proibia expressamente “transação, acordo ou conciliação” no processo de improbidade
administrativa, conforme se verifica, in verbis:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público
ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida
cautelar.
§ 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.

Salienta-se que o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) ajuizou uma ADI, que recebeu o nº 5.980,8
em que questionava o § 1º do art. 17 da LIA. A fundamentação do partido é de que tal regra vedava
o Ministério Público ou a pessoa jurídica da administração direta ou indireta de buscar qualquer so-
lução de composição nas ações sobre o tema de improbidade, ainda que seja de interesse público.

4 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Jurisdição e pacificação: limites e possibilidades do uso dos meios con-
sensuais de resolução de conflitos na tutela dos direitos transindividuais e pluri-individuais. Curitiba: CV, 2017.
P. 235.
5 NEIVA, Geisa Rosignoli. Conciliação e mediação pela administração pública: parâmetros para sua efetivação. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 117.
6 BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1. Turma). Recurso Extraordinário nº 253.885/MG. Recorrente: Município de Santa
Rita do Sapucaí. Recorrida: Lázara Rodrigues Leite. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Brasília. Disponível em: www.stf.gov.jus.
br. Acesso em: 20 set. 2019.
7 BRASIL. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos
de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou
fundacional e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8429.htm. Acesso em 20
set. 2019.
8 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 5.980. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?inciden
te=5512784. Acesso em 20 set. 2019

73
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

De fato, a proibição de qualquer transação ocasionava ineficiência administrativa, porque


impossibilitava a solução dos litígios de maneira mais célere. Aliás, a vedação resultava no
dúplice prejuízo ao erário, tanto por causa dos gastos com a demora do processo judicial,
quanto com a lentidão da devolução dos valores públicos desviados.
Wallace Paiva Martins Junior9 já compartilhava em parte dessa ideia, na medida em que
já sustentava, antes mesmo da alteração promovida pelo Pacote Anticrime, a possibilidade
de adoção dos institutos que favorecem autores ou partícipes de atos de improbidade
administrativa, tendo em vista a maior eficiência no combate à improbidade.
Na mesma linha, Marcelo de Figueiredo10 também já sustentava, no que tange ao art.
17, § 1º, da LIA (antes de sua alteração) a impossibilidade de transação, diante do princípio
da moralidade administrativa. No entanto, defendia a necessidade de alteração da previsão
da lei, diante dos bons resultados alcançados em operações no combate à corrupção.
Como mencionado anteriormente, diversas normas já autorizam métodos alternativos
de solução de conflitos, como a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.486/13),11 que destaca a
possibilidade de a administração pública celebrar acordo de leniência com pessoas jurídicas
que cometeram atos lesivos. Ressalta-se, no caso da leniência, que o art. 16 prevê a celebração
do acordo apenas na fase de investigações e do processo administrativo, ou seja, em fase
extrajudiciais, conforme destaca-se:

A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de


leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta
Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo [...]

Nesse sentido, antes mesmo da alteração promovida pelo Pacote Anticrime era adequado
defender a aplicabilidade do instituto da leniência na fase pré-processual e extrajudicial, mas não
no bojo da própria ação de improbidade, conforme entendimento de Kleber Bispo dos Santos:12

Desse modo, sustentamos que o acordo de leniência no âmbito da responsabilização


por atos de improbidade administrativa deve se dar na fase extrajudicial, vale dizer,
na fase do inquérito civil, instaurado pelo Ministério Público ou na fase do processo
administrativo instaurado pelo ente público interessado. Pelas razões expostas, não
entendemos ser cabível o acordo de leniência durante a tramitação da ação judicial ou
após o trânsito em jugado da ação judicial na fase de execução.

Outro método de solução de conflitos debatido na doutrina como possível em uma


ação de improbidade administrativa é o instituto da colaboração premiada, prevista na Lei nº
12.850/13 (Organização Criminosa). Nesse sentido, segundo Fredie Didier Jr.,13 o antigo § 1º
do art. 17 da Lei nº 8.429/92 já estava ultrapassado, tal tese demonstra acertada, diante da
recente alteração promovida pelo Pacote Anticrime).

9 MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 404-406.
10 FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 240-242.
11 BRASIL. Lei n° 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas
jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12846.htm. Acesso em 20 set. 2019.
12 SANTOS, Kleber Bispo dos. Acordo de leniência na Lei de Improbidade e na Lei Anticorrupção. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2018. p. 156.
13 DIDIER JR., Fredie; BOMFIM, Daniela Santos. A colaboração premiada como negócio jurídico processual atípico nas deman-
das de improbidade administrativa. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano
17, n. 67, p. 105-120, jan./mar. 2017. DOI: 10.21056/aec.v17i67.475. Disponível em: http://www.revistaaec.com/index.
php/revistaaec/article/view/ 475/637. Acesso em: 3 mar. 2018.

74
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Assim, antes mesmo da modificação do art. 17, § 1º da LIA, já se defendia a possibilidade de


uma colaboração premiada, diante da proximidade entre a ação penal e a ação por improbidade
administrativa, em virtude das sanções decorrentes, muito embora a natureza jurídica seja
diferente, já que a ação de improbidade está inserida no campo de direito administrativo com
natureza civil e a outra ação, obviamente, no de direito penal. Por fim, a conclusão do autor.

[...] na dimensão ressarcitória/desconstitutiva da ação de improbidade, que é idêntica a


qualquer ação civil pública ou ação popular, a autocomposição não apresenta qualquer
problema. Especialmente se considerarmos que o CPC apresenta a possibilidade de
homologação de autocomposição parcial (art. 354, par. único, CPC).

As fases no processo da ação de improbidade administrativa, com uma defesa prévia,


da mesma forma que ocorre no processo penal, também constituem prova da semelhança
entre as ações, ainda segundo Fredie Didier Jr.14
Na edição da Lei nº 8.429/92, o sistema do Direito Penal brasileiro era contrário a qualquer
solução negociada. Ocorre que, a partir de 1995, com a Lei nº 9.099/95, instrumentos de
justiça penal negociada começaram a ser previstos no Direito brasileiro, tendo-se desenvolvido
técnicas de justiça penal consensual. São exemplos a transação penal, prevista em seu art.
76,15 e a suspensão condicional do processo penal, prevista no art. 89.16 Nesses casos, existe

14 DIDIER JR., Fredie; BOMFIM, Daniela Santos. A colaboração premiada como negócio jurídico processual atípico nas deman-
das de improbidade administrativa. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano
17, n. 67, p. 105-120, jan./mar. 2017. DOI: 10.21056/aec.v17i67.475. Disponível em: http://www.revistaaec.com/index.
php/revistaaec/article/view/ 475/637. Acesso em: 3 mar. 2018.
15 Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arqui-
vamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada
na proposta.
§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.
§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:
I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos
termos deste artigo;
III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias,
ser necessária e suficiente a adoção da medida.
§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.
§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa,
que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.
§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.
§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para
os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.
16 Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o
Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o
acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que
autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o
processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:
I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II - proibição de frequentar determinados lugares;
III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.
§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à
situação pessoal do acusado.
§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar,
sem motivo justificado, a reparação do dano.
§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou
descumprir qualquer outra condição imposta.
§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.
§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.
§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.

75
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

negociação que produz consequências no âmbito do Direito Penal material.


Dessa forma, o que impedia a colaboração premiada na ação de improbidade
administrativa era justamente a impossibilidade da ocorrência de negociação no campo
penal, tendo em vista princípios basilares, como o da obrigatoriedade na ação civil pública e
da previsão de que o interesse público era completamente indisponível.
A partir do momento em que na esfera penal existe a possibilidade de barganha com
o acusado dos resultados que traz uma ação penal, nada mais lógico do que existir tal
possibilidade em um processo de natureza civil como o de improbidade administrativa.
Com efeito, respeitável parcela da doutrina já afirmava ser plenamente possível a
extensão da colaboração premiada para a ação de improbidade, vez que se trata de um
benefício ao acusado, além de potencializar a própria recomposição do erário. Essa tese é
abraçada, por exemplo, por Nicolao Dino17 e por Cleber Masson e Vinicius Marçal.18 Além
dos autores mencionados, fato é que já encontrávamos na jurisprudência previsão sobre a
possibilidade da colaboração premiada nas ações de improbidade administrativa, como visto
no precedente do Tribunal Regional da 4ª Região, de relatoria do desembargador federal Luís
Alberto D’Azevedo Aurvalle:19

O artigo 17, § 1º, da Lei 8.429/92 veda a “transação, acordo ou conciliação” nas ações
de improbidade administrativa. Se em 1992, época da publicação da Lei, essa vedação
até se justificava tendo em vista que estávamos engatinhando na matéria de combate
aos atos ímprobos, hoje, em 2015, tal dispositivo deve ser interpretado de maneira
temperada. Isso porque, se o sistema jurídico permite acordos com colaboradores no
campo penal, possibilitando a diminuição da pena ou até mesmo o perdão judicial
em alguns casos, não haveria motivos pelos quais proibir que o titular da ação de
improbidade administrativo, no caso, o MPF pleiteie a aplicação de recurso semelhante
na esfera cível. Cabe lembrar que o artigo 12, parágrafo único, da Lei 8.429/92 admite
uma espécie de dosimetria da pena para fins de improbidade administrativa, sobretudo
levando em conta as questões patrimoniais. Portanto, os acordos firmados entre os réus
e o MPF devem ser levados em consideração nesta ação de improbidade administrativa.

No entanto, não eram todos os doutrinadores que se curvavam para a possibilidade de


aproveitamento da colaboração premiada na ação de improbidade administrativa. Exemplo
disso são Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves.20
Esses doutrinadores afirmavam ser inviável a aplicação da delação premiada na
tentativa de inviabilizar o ajuizamento da ação de improbidade administrativa ou mesmo
extinguir aquelas que já tramitam. Isso porque o art. 17, § 1º, da LIA vedava expressamente
qualquer tipo de transação, acordo ou conciliação, como já exposto.
Entretanto, nesse ponto, conclui-se que os mencionados autores não levaram
em consideração a MP 703/15. Eles afirmavam ainda que as esferas criminal, cível e
administrativa são independentes, ressalvadas as hipóteses de prevalência da jurisdição

17 DINO, Nicolao. A colaboração premiada na Improbidade Administrativa: possibilidade e repercussão probatória. In: SAL-
GADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. Salvador:
Juspodivm, 2015. p. 455-459.
18 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicius. Crime organizado. São Paulo: Método, 2015. p. 152-155.
19 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Quarta Região (4. Turma). Agravo de Instrumento nº 50016898320164040000
5001689-83.2016.404.0000. Relator: Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle. Julgamento: 21 jan. 2016. Publicação: D.E.
28 jan. 2016. Disponível em: https://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/381072265/agravo-de-instrumento-ag-
50016898320164040000-5001689-8320164040000?ref=juris-tabs. Acesso em: 20 set. 2019.
20 GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 9 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva,
2017. p. 915.

76
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

criminal expressamente prevista nos arts. 65 e 386, I, IV e VI do Código de Processo Penal.21


Diante disso, uma visão mais progressista, já defendia que tanto a Lei Anticorrupção
quanto a Lei de Organização Criminosa, por serem posteriores à LIA, teriam revogado
tacitamente a norma que veda acordo ou transação em uma ação de improbidade.
Além do exposto, há um argumento dogmático mais simples que já defendia a revogação
do art. 17, § 1º, da LIA. O § 4º do art. 36 da Lei nº 13.140/15 (Lei da Mediação)22 expressamente
admite a autocomposição em ação de improbidade administrativa. Verifica-se:

Art. 36. No caso de conflitos que envolvam controvérsia jurídica entre órgãos ou
entidades de direito público que integram a administração pública federal, a Advocacia-
Geral da União deverá realizar composição extrajudicial do conflito, observados os
procedimentos previstos em ato do Advogado-Geral da União.
[...]
§ 4º Nas hipóteses em que a matéria objeto do litígio esteja sendo discutida em ação de
improbidade administrativa ou sobre ela haja decisão do Tribunal de Contas da União,
a conciliação de que trata o caput dependerá da anuência expressa do juiz da causa ou
do Ministro Relator.

No mais, outro argumento de reforço que já possibilitava métodos alternativos de


solução de conflitos na ação de improbidade administrativa é a Lei nº 7.347/85, que determina
a viabilidade de órgãos públicos firmarem termo de ajustamento de conduta (TAC) com os
interessados.
Nessa esteira, o Conselho Nacional do Ministério Público prevê expressamente, através
da Resolução 179/17,23 que ajustes são cabíveis nas ações de improbidade administrativa.
Destaca-se:

Art. 1º O compromisso de ajustamento de conduta é instrumento de garantia dos direitos


e interesses difusos e coletivos, individuais homogêneos e outros direitos de cuja defesa
está incumbido o Ministério Público, com natureza de negócio jurídico que tem por
finalidade a adequação da conduta às exigências legais e constitucionais, com eficácia
de título executivo extrajudicial a partir da celebração.
[...]
§ 2º É cabível o compromisso de ajustamento de conduta nas hipóteses configuradoras
de improbidade administrativa, sem prejuízo do ressarcimento ao erário e da aplicação
de uma ou algumas das sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou o ato
praticado.

Diante de tantos argumentos de reforço para concretizar acordos no bojo de uma ação
de improbidade administrativa, surgem as mais recentes introduções sobre segurança jurídica

21 Art. 65. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade,
em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
[...]
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
I - estar provada a inexistência do fato;
IV - estar provado que o réu não concorreu para a infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
VI - existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos
do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
22 BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de
controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho
de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm. Acesso em: 20 set. 2019.
23 BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público. Resolução nº 179, de 26 de julho de 2017. Regulamenta o § 6º do art.
5º da Lei nº 7.347/1985, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a tomada do compromisso de ajustamento de conduta.
Disponível em: http://www.cnmp.mp.br/portal/ images/Resolucoes/Resolu%C3%A7%C3%A3o-179.pdf. Acesso em: 20 set. 2019.

77
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

e eficiência na criação e na aplicação do direito público, no contexto da Lei de Introdução às


Normas do Direito Brasileiro (LINDB), Decreto 4.657/42.24
Com isso, passou-se a defender a revogação parcial procedida pelo art. 26 da LINDB no
art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/92. Determina o art. 26, in verbis:

Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na


aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade
administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após
realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar
compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá
efeitos a partir de sua publicação oficial.
§ 1º O compromisso referido no caput deste artigo:
I – buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os
interesses gerais;
II – (VETADO);
III – não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de
direito reconhecidos por orientação geral;
IV – deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento
e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.

Desse modo, a previsão na LINDB já autorizava a firmação de termos de ajustamento de


conduta por órgãos legitimados, tanto nos inquéritos civis e disciplinares quanto nas ações
de improbidade administrativa, podendo impactar diretamente a ADI 5.980 pelo STF, vista
anteriormente.
Com eficácia irradiadora nas demais normas do ordenamento jurídico, a LINDB era
justificativa mais que suficiente para defesa da revogação tácita do art. 17, § 1º, da Lei de
Improbidade Administrativa, não sendo lógico a espera da iniciativa do Poder Legislativo
alterando a norma da LIA, se por interpretação da LINDB possibilitam-se acordos na esfera
da ação de improbidade.
Ademais, diante de tantos casos de atos de improbidade, já se aguardava a alteração
do art. 17, § 1º, como instrumento para reforçar a ideia de que os métodos alternativos de
solução de conflitos tornam-se instrumentos eficazes para o combate mais célere e imediato
dos atos ímprobos.
Com isso, adveio o Pacote Anticorrupção, através da Lei nº13.964/19, que modificou
expressamente o §1º do art. 17 da LIA, através do seu artigo 6º, passando a prever a
possibilidade de celebração de acordo de não persecução cível, ou seja, tanto o Ministério
Público como o ente lesado podem fazer acordo. Nesse sentido, destaca-se:

Art. 6º A Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, passa a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 17.

§ 1º As ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não persecução
cível, nos termos desta Lei.

§ 10-A. Havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes requerer ao juiz


a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa) dias.

24 BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Dispo-
nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm. Acesso em 20 set. 2019.

78
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Vislumbra-se que a alteração sobre a viabilidade de acordo em ações de improbidade


administrativa foi gradativa, culminando na alteração expressa da lei, não pairando dúvidas
quanto à possibilidade de acordo em uma ação de improbidade administrativa, sendo pela
maioria das vezes, o método mais eficaz e ágil para a solução do caso em concreto.

4. Conclusão

Com base nos fundamentos acima expostos, conclui-se que os métodos consensuais
de solução de conflitos são fortes instrumentos de auxílio à celeridade em causas sobre o
combate à corrupção, incluindo-se as ações de improbidade administrativa.
No atual Estado Democrático de Direito, medidas de composição concorrem para um
resultado mais ágil em assuntos que atingem diretamente toda a sociedade, diante dos
desvios financeiros resultantes de cometimento de atos ímprobos, o que lesa os cidadãos em
esferas como saúde e educação.
Em que pese a antiga vedação legal de acordo e transação prevista no art. 17, § 1º,
da Lei nº 8.429/92, verifica-se uma onda inovadora de legislações no combate à corrupção,
como leniência, colaboração premiada, acordos e mediação, que mesmo dispostas em outras
leis permitiram amplificar a discussão sobre não ser absoluta a vedação legal da LIA.
Nesse sentido, a ultrapassada previsão legal de impossibilidade de acordos na esfera
de uma ação de improbidade administrativa foi mitigada com o tempo, com o fundamento
de que o interesse público em certas situações necessita de uma solução consensual. Desse
modo, os métodos alternativos de solução de conflitos tornaram-se parceiros do Poder
Judiciário, conscientizando o ímprobo de seus atos e permitindo a colaboração dos infratores
com a solução do caso.
Com isso, não restou outra alternativa a não ser a alteração legislativa do art. 17,
§ 1º, da LIA. Ademais, legislações como as Leis de Mediação e de Organização Criminosa
sugestionam a ocorrência de uma revogação tácita da vedação prevista na Lei de Improbidade.
Como argumento de reforço, a disposição do art. 26 da LINDB não deixou dúvida quanto a
essa revogação, uma vez que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro se irradia
para todas as demais normas do ordenamento jurídico, assim como a Lei nº 8.429/92.
Por última disposição, e para não deixar mais dúvidas, o Pacote Anticrime tornou possível
expressamente a possibilidade de acordos nas ações de improbidade, com a modificação
expressa do artigo 17, §1º da LIA.
Desse modo, a utilização da solução consensual dos conflitos na seara da improbidade
administrativa não sugestiona a interpretação de violação aos interesses difusos. Pelo
contrário, a composição na esfera da improbidade administrativa é o próprio incentivo para
a probidade administrativa, pois se reflete no aspecto positivo do interesse público.
Por fim, conclui-se que, após anos de vigência da Lei de Improbidade Administrativa,
o surgimento de várias leis integrantes do bloco de combate à corrupção, bem como demais
normas e a alteração recente promovida pelo Pacote Anticrime revelam que a composição
na improbidade administrativa, a depender do caso em concreto, pode ser o meio mais
adequado para a efetiva tutela do patrimônio público.

79
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Referências

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administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública,
nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.
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como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da
administração pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235,
de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm.
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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

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d’Azevedo Aurvalle. Julgamento: 21 jan. 2016. Publicação: D.E. 28 jan. 2016. Disponível em:
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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

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82
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM
INTERNACIONAIS E O PROCESSO DE
VALIDAÇÃO E SEUS EFEITOS NO BRASIL

Leonardo Oliveira Silveira Santos Martins

1. Introdução

Para o correto desenvolvimento do presente trabalho, uma importante premissa se faz


necessária: a distinção entre, de um lado, a arbitragem/mediação de direito internacional
público e, de outro lado, a arbitragem/mediação no direito internacional privado.
Assim é que, enquanto a primeira é realizada entre Estados, na maioria das vezes para
resolver questões relativas a, por exemplo, fronteiras, questões referentes à diplomacia e
conflitos comercias, a segunda ocorre entre particulares, para comporem-se, em grande parte
das vezes, conflitos de natureza contratual ou, em contexto mais amplo, direitos patrimoniais
disponíveis.
Para os específicos fins desse trabalho e para efeito de orientação da leitura, abordaremos
a mediação/arbitragem no plano do direito privado, com enfoque na legislação brasileira que
regulamenta a matéria em questão.
Entretanto, é importante ressaltar, desde logo, que o Brasil vem ganhando espaço
e notoriedade em tais práticas ao longo dos anos, já tendo realizado diversos acordos
internacionais, utilizando especialmente a arbitragem, sendo o 3º pais que mais resolve
casos através da Câmara de Arbitragem da Organização Mundial do Comércio – OMC, onde

83
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

tem participação efetiva em quase 12% dos litígios.


Buscando a fixação de uma cronologia, o trabalho passará, inicialmente, pela
compreensão dos conceitos fundantes de arbitragem e mediação, bem como em quais
situações poderão ser aplicadas no nosso ordenamento jurídico.
Mais adiante será feito o estudo sobre esses institutos no plano internacional, ou seja, de
que forma os países entendem a mediação e a arbitragem, com enfoque principalmente nesta
última, muito utilizada para a resolução dos mais diversos confitos no plano internacional,
em especial nas questões comerciais.
Veremos que em alguns países a arbitragem é a preferida para dirimir conflitos, onde
preferem-na do que submeter à apreciação do poder Judiciário, principalmente em questões
comerciais, que geralmente envolvem questões de valores elevados.
Aqui no Brasil a arbitragem ainda não tem grande apelo, ou adeptos, e com isso mostra
que estamos um pouco atrasados em relação a outros ordenamentos jurídicos, pois há de
considerar a arbitragem como um modo de resolução de conflitos além de simplesmente ser
alternativo, é um modo célere, comparando com um processo judicial por exemplo.
Adiante analisaremos como funciona o processo para que as arbitragens ou mediações
internacionais tenham validade no Brasil, onde veremos os requisitos legais, competência.
Nesse aspecto veremos que no nosso ordenamento a sentença estrangeira poderá ser
homologada ou não, dependendo de como o processo se deu no país origem, bem como o
direito ali envolvido.
Por fim, abordaremos como se dará o processo de execução dessa sentença estrangeira,
agora já obviamente devidamente homologada pela autoridade competente, nos casos de
não cumprimento do julgado no prazo legal estabelecido pelo nosso CPC.

2. Aspectos Gerais da Mediação e da Arbitragem no Brasil

Para uma melhor análise do tema, interessante sabermos a definição de mediação e de


arbitragem.
Tanto a arbitragem quando a mediação são meios alternativos de resolução de conflitos,
meios extrajudiciais, onde as partes submetem a um terceiro a resolução de seu conflito,
como mediador ou juiz arbitral.

2.1 DA MEDIAÇÃO

A mediação ganhou importante destaque com o advento da lei 13.140/2015, em


conjunto com a resolução 125 do CNJ, sendo definida como uma negociação intermediada
por um terceiro imparcial com objetivo de restabelecer o diálogo anterior que havia entre as
partes e que foi perdido em virtude de um conflito determinado.
A mediação merece destaque pois, como o advento da lei 13.140/2015, foi inserida no
âmbito do processo judicial, conforme artigo 334 do Código de Processo Civil, que dispõe
sobre audiência de mediação e estabelece os requisitos para sua designação, bem como a
imposição de multa em caso de ausência injustificada das partes.

84
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Também fora do âmbito do processo judicial, a seriedade e a importância do instituto


estão demonstradas, na medida em que o acordo realizado na mediação é considerado título
executivo extrajudicial, conforme artigo 784 do CPC, ou seja, em caso de descumprimento do
acordado a parte pode valer-se do título e instaurar o processo de execução para a observância
dos termos ajustados.
Há de se observar, em conformidade com a lei da mediação, os casos que poderão
ser objetos de mediação extrajudicial, bem como aqueles que deverão obrigatoriamente
ser submetidos à chancela do Poder Judiciário, mesmo que para simples homologação, por
exemplo, nos casos que tenha a necessária intervenção do MP. Casos em que envolvam
menores, incapazes, etc.
Também trouxe inovação a lei de mediação ao propor a inserção do instituto no âmbito
da administração pública, possibilitando a solução de litígios que envolvam as pessoas
jurídicas de direito público através desse método adequado de resolução de conflitos.
O importante papel que está sendo desempenhando pela mediação pode ser verificado
na medida em que os conflitos que forem resolvidos através dela, sejam a mediação judicial
seja a extrajudicial, representam menos processo para julgamento pelo Poder Judiciário,
seja porque inúmeros deixarão de ser distribuídos, bem como os pendentes serão mais
rapidamente solucionados. Beneficia-se o Poder Judiciário e a sociedade como um todo.
As vantagens para as partes também são evidentes uma vez que, além de resgatarem
o diálogo perdido, terão a possibilidade de, com o acordo firmado, obter seu imediato
cumprimento, não ficando à espera da solução pelo Poder Judiciário, que poderá levar anos.
Na verdade, a mediação sempre será uma solução mais benéfica e efetiva para as
partes, pois são elas são as maiores conhecedoras do problema existente e, portanto, podem
juntas encontrar a melhor forma de por fim ao conflito. Muito mais eficiente do que submetê-
lo ao jugo de um terceiro imparcial (Juiz), para que profira a decisão sem jamais conhecer a
extensão do problema tão bem quanto as próprias partes envolvidas.

2.2 DA ARBITRAGEM

A arbitragem, conforme dito antes, também é um meio alternativo de resolução de


conflitos, que encontra seu marco legal na Lei 9.307/96.
Segundo Francisco Rezek1, a arbitragem é uma forma de jurisdição, anterior mesmo à
jurisdição judiciária.
Quanto ao conceito propriamente dito, a definição de Carlos Alberto Carmona2 parece
a mais adequada, afirmando este autor que:

a arbitragem é um meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção


de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada,
decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo tal decisão destinada a
assumir a mesma eficácia de decisão judicial, considerada um título executivo judicial
– é colocada à disposição de quem quer que seja, para solução de conflitos relativos a
direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor.

1 REZEK, Francisco. Direito Internacional Privado. 10 ed. São Paulo. Saraiva, 2007, p 349-355.
2 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. Um comentário à lei 9.307/96. São Paulo. Atlas. 2009, p. 1.

85
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Da mesma forma que a mediação, a arbitragem mostra-se um caminho importante no


quesito resolução alternativa de conflitos, onde as partes, mediante a escolha de um árbitro,
delegam a este a missão de resolver impasses decorrentes, por exemplo, dos contratos
firmados, dispensando-se, em tais casos, a atuação do Poder Judiciário.
Assim como na mediação, nem todo conflito poderá ser objeto de arbitragem, mas
somente os direitos patrimoniais disponíveis, conforme artigo 1º da lei 9.307/96, ou seja, há
uma restrição legal para a submissão dos conflitos ao âmbito de aplicaçáo da lei.
Importante destacarmos que, dentro da arbitragem, existem duas formas de
escolha desse modo alternativo para resolução dos conflitos: cláusula compromissória e
compromisso arbitral.
A cláusula compromissória tem previsão no artigo 4º da lei de arbitragem, caracterizando-
se por ser uma convenção escrita, que pode estar ou não inserida no contrato, ou seja, poderá
ser um contrato a parte do contrato principal que as partes estejam celebrando.
Através dessa cláusula, as partes se comprometem a submeter à arbitragem os litígios
que possam surgir oriundos da execução do contrato que estão celebrando. Nos contratos
de adesão, necessária a aceitação expressa dessa disposição, estando sujeita a anulação a
clausula compromissória caso esteja inserida somente em contratos de adesão, sem anuência
expressa das partes relativamente a ela.
Caso uma das partes se recuse a cumprir a cláusula compromissória validamente
instituída, poderá a outra parte requerer ao Poder Judiciário que o litígio seja submetido à
arbitragem, conforme expressamente convencionado.
O artigo 6º da lei expressa que a competência para julgar a ação de execução de
clausula compromissória é do juízo que seria originariamente competente para conhecer do
litígio caso não houvesse a previsão da referida cláusula arbitral, ou seja, fica submetido às
normas do CPC de competência em razão da matéria e do lugar.
O compromisso arbitral, por sua vez, se diferencia da cláusula compromissória porque,
enquanto a cláusula compromissóeria visa à solução de um conflito futuro, o compromisso é
realizado diante de um conflito já existente.
Assm, se antes as partes não dispuseram nada quanto à submissão de eventuais litígios
à arbitragem e, diante da efetiva ocorrência de um litígio, resolverem submete-lo à apreciação
do tribunal arbitral, o instrumento que deverão lavrar é o compromisso arbitral.
Outro aspecto importante aspecto é quanto à lei aplicável ao contrato, ou seja, qual
a lei que será usada para solucionar o conflito. Quando não houver disposição quanto à
lei aplicável, deverá o árbitro aplicar ao mérito da questão a lei material que julgar mais
apropriada.
Como veremos à frente, a arbitragem tem sido muito utilizada na resolução de conflitos
internacionais, principalmente nas negociações comerciais, questões de transportes
marítimos, sendo constante em praticamente 90% dos contratos convencionados dessa
natureza.
No Brasil, porém, ela ainda não tem tanta aderência por conta da nossa cultura, bem
como da insegurança que as pessoas ainda possuem desse instituto. Diversos conflitos
poderiam ser facilmente resolvidos pela arbitragem, mas que, por cultura, as partes acabam
optando pela submissão ao Poder Judiciário, colaborando para o a conhecida sobrecarga
desse tradicional método heterodoxo de solução de conflitos.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Fato é que ainda vivermos a “cultura da sentença”, onde preferimos uma decisáo
proferida pelo Juiz, o famoso “bateu o martelo”, que poderá ser muito ruim para uma das
partes ou para ambas. Muito melhor seria buscarem uma solução alternativa, em que poderão
chegar a uma composição mais adequada e mais rápida, comparando-se o tempo de solução
demandado para a sentença arbitral e para a sentença judicial.

3. Mediação e Arbitragem Internacionais

Os conflitos internacionais podem ser resolvidos através do uso da força ou de


forma pacífica, com a utilização da mediação que vem ganhando notoriedade no cenário
internacional.
A própria ONU estabeleceu normas, criando o artigo 2(3), onde afirma que seus
membros devem: “resolver suas disputas internacionais de formas pacíficas de modo que a
paz, a segurança e a justiça internacionais não sejam comprometidas”.3
E mediar no cenário internacional significa estabelecer a paz, quando entre países,
Entretanto, quando se trata de relações privadas, objeto do presente trabalho, mediar significa
chegar a um senso comum, além de propiciar o restabelecimento do diálogo.
A mediação no âmbito internacional está muito mais desenvolvida do que no território
brasileiro. Primeiramente porque, em outros países, a mediação é levada a sério, e existe a
consciência e a segurança jurídica de seus efeitos.
Além disso, existem normas que asseguram o importante papel desempenhado pelo
mediador, bem como as negociações comerciais assimilaram a mediação, tendo em vista
que esta pode ser muito mais célere, bem como a solução poderá ser mais benéfica para
as partes.
A velocidade e a globalização dos negócios internacionais têm ocasionado a adoção da
arbitragem e da mediação como formas de soluções de conflitos decorrentes dos contratos
comerciais.
E com o estreitamento das relações entre os países (em se tratando de questões
comerciais, por exemplo), mostra-se totalmente adequado o uso da mediação e da arbitragem
como formas de resolução desses conflitos, como dito, pela celeridade do procedimento e
por revelar-se a solução mais adequada para as partes.
Como parâmetro, 90% dos casos comerciais se utilizam da arbitragem como meio
de resolução de eventuais conflitos, com destaque para a indústria do petróleo, transporte
marítimo. Em contratos internacionais de grandes complexidades comerciais, a arbitragem é
presente em quase 100% dos casos.
Cabe destacar o entendimento de Nadia Araújo4 que classifica a arbitragem internacional
como sendo:

aquela que envolve relação jurídica subjetivamente internacional, ou seja, partes


domiciliadas em países diversos, ou contém algum elemento subjetivo estraneidade,
isto é, o local de sua constituição, do cumprimento da obrigação, etc.

3 ONU – Art. 2 (3) - “settle their international disputes by peaceful means in such a manner that international peace and
security, and justice, are not endangered”.
4 ARAÚJO, Nadia de. Direito Internacional Privado. Teoria e Prática Brasileira. 7ª Ed. São Paulo: 2018. p. 455.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Com base nisso, torna-se de grande relevância o conhecimento da nacionalidade da


arbitragem, tendo em vista que com base nessa nacionalidade é que será verificada a lei
aplicável ao caso em questão, sendo utilizados dois critérios básicos: local da sede do Tribunal
Arbitral e nacionalidade ou domicílio das partes envolvidas.
O Brasil adota o critério da sede da arbitragem para verificação de sua nacionalidade,
conforme artigo 34, parágrafo único da lei 9.307/96, através do qual a sentença arbitral terá
a nacionalidade do local onde foi proferida, enfatizando a importância do instituto.
O mesmo se aplicará para a mediação, para termos conhecimento da nacionalidade da
mesma, da lei aplicável àquele contrato e eventual produção de efeitos em nosso território,
como veremos adiante.
Entretanto, alguns países adotam o critério da lei que rege a arbitragem. Por esse
critério, caso seja aplicada uma norma estrangeira, ou seja, não nacional, a arbitragem será
considerada internacional ou estrangeira, mesmo que proferida dentro do território nacional.
Alemanha e Grécia, por exemplo, adotam esse critério5.
Interessante investigar o porquê da adoção dos procedimentos alternativos em grande
escala no plano internacional, muito por conta das inúmeras vantagens existentes.
Primeiramente porque a parte possivelmente desconhece a legislação nacional de
outro país, vale dizer, as regras materiais e processuais aplicáveis, a língua etc. Por conta
disso, preferem recorrer à neutralidade da arbitragem a correr às vezes riscos de terem o
conflito solucionado pelo judiciário local, em tese muito mais familiar aos interesses da
outra parte.
Dessa forma, a opção pela mediação ou pela arbitragem mostra-se muito mais segura
em relações internacionais, visto que as normas ali estabelecidas, o mediador ou o árbitro
designado pelas partes será muito diferente que a submissão do litígio ao Poder Judiciário.
Outra questão importante é quanto ao sigilo, onde por vezes a questão envolverá
valores elevados e a não exposição através desses procedimentos mostra-se um instrumento
interessante para as empresas, principalmente as multinacionais.
Outros fatores são o tempo para a resolução do conflito e as despesas envolvidas, pois
a adoção da arbitragem ou da mediação mostra-se muito menos onerosa para as partes em
comparação com as despesas de uma demanda judicial.
Além desses elementos, existem outros como a flexibilidade do procedimento, já
que as partes escolhem o arbitro/mediador e a lei aplicável para a solução do litígio,
além do baixo impacto nas relações comerciais das partes, fato que não ocorreria numa
demanda judicial.
Com isso, percebem-se inúmeros fatores positivos que nos fazem entender o porquê
da preferência internacional pela solução de conflitos através destas formas alternativas ao
ajuizamento de uma demanda no Poder Judiciário.

5 DELINGER, Jacob e TIBÚRCIO, Carmem. Direito Internacional privado. Arbitragem Comercial internacional. Rio de
Janeiro. Renovar. 2003.

88
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

4. Da Homologação de Mediações ou Arbitragens Estrangeiras no Território


Brasileiro

Para a produção de efeitos em nosso território, as sentenças estrangeiras deverão passar


pela homologação local, para depois então começarem a produção dos efeitos desejados
pelas partes.
Importante destacar a alteração imposta pela emenda constitucional 45/2004, que
alterou o artigo 105, da Constituição Federal (inserindo a alínea “i”), transferindo ao Superior
Tribunal de Justiça a competência para homologação de sentenças estrangeiras. Antes a
competência era do Supremo Tribunal Federal.
Deverá a parte interessada na homologação, solicita-la junto ao STJ, na forma de petição
inicial, já que se trata de uma ação propriamente dita (Ação de Homologação de Sentença
Estrangeira), nos termos dos artigos 319 e 960 do Código de Processo Civil.
Nessa ação será realizado o chamado juízo de delibação, onde não se adentra no mérito
da questão, mas tão-somente se o processo respeitou o devido processo legal no país de
origem, bem como se o mérito decidido da causa irá ou não de encontro à ordem pública
brasileira.
A lei 9.307/96 dispõe, nos artigos 38 e 39, os motivos ensejadores da negação
de homologação de sentença arbitral que, por analogia, podemos estabelecer como
os mesmos motivos para negar eficácia local para mediações realizadas no plano
internacional.
Dentre as razões para negação de eficácia conforme a legislação mencionada, podemos
destacar, além do respeito ao devido processo legal (citação, não ocorrência de nulidades,
etc), o que está no artigo 39, alterado pela Lei 13.129/15, que aduz:

Art. 39. A homologação para o reconhecimento ou a execução da sentença arbitral


estrangeira também será denegada se o Superior Tribunal de Justiça constatar que:
I - segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por
arbitragem;
II - a decisão ofende a ordem pública nacional.

O primeiro laudo arbitral homologado pelo STJ foi o da sentença estrangeira no caso
em que foram partes L´Aiglon S/A, empresa suíça, e Têxtil União S/A empresa brasileira com
sede no Ceará.
A empresa brasileira foi condenada ao pagamento da quantia de R$ 900.000,00
(novecentos mil reais), sob o fundamento de um descumprimento parcial de contrato firmado
entre as partes, relativo a compra e venda de algodão cru. O laudo foi proferido pela Liverpool
Cotton Association, com sede na Inglaterra6.
Há uma exceção dentro dessa sistemática de homologação, que se refere ao divórcio
consensual, caso em que as partes não necessitam de homologação para produzir efeitos no

6 SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. CONTRATO. ASSINATURA A Corte Especial deferiu o
pedido de homologação de sentença arbitral ao entendimento de que é possível a cláusula compromissória tácita quando a
parte compareceu ao processo de arbitragem e não impugnou sua existência. No caso, considera-se preenchido o requisito
ao ter sido aceita a convenção de arbitragem, de acordo com a prova dos autos, ao manifestar defesa no juízo arbitral, sem
impugnar oportunamente a existência da cláusula compromissória. SEC 856-EX, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito,
julgado em 18/5/2005. (Informativo STJ Nº 0247/2005)

89
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Brasil, conforme artigo 960 §5º do CPC, o que, vale uma crítica, abre um espaço indevido
para a ocorrência de divórcios eivados dos mais diversos vícios.
Já que há essa abertura para os divórcios consensuais, porque não também atribuir
eficácia imediata a diversos outros acordos firmados e que, a princípio, não irão de encontro
à nossa ordem pública, dispensando-se-lhes a homologação?
Cabe a reflexão, bem como a afirmação de que essa exceção mostra-se completamente
sem critério objetivo, pois existem diversos outros casos que facilmente poderiam ser
dispensados desse processo de homologação, juízo de delibação, etc.

5. Da Execução de Sentença Estrangeira no Brasil

A sentença estrangeira, depois de devidamente homologada, adquire status de título


executivo judicial, conforme preceitua o artigo 515, VII do CPC e, em caso de descumprimento,
abre-se a possibilidade de a parte instaurar a fase do cumprimento de sentença, assim como
ocorre com as sentenças proferidas aqui no território brasileiro.
E nesse diapasão, surge a dúvida quanto ao juízo competente para a execução do
julgado, que conforme artigo 965 do CPC, que esclarece que compete ao juízo federal a
execução de sentenças estrangeiras7.
Assim, a título de fixação, a sentença estrangeira primeiramente passará pela ação de
homologação distribuída perante ao STJ e, logo após, caso reste descumprida, competirá ao
juízo federal dar-lhe efetividade, usando-se as regras de competência em razão do lugar para
a determinação da vara competente para o cumprimento do julgado.
Outra crítica se faz presente: desprezou-se o critério da especialidade para fixação da
competência da Justiça Federal, sabendo-se que, em determinadas matérias específicas,
cabe a justiça comum o seu processamento e julgamento. Porém, por conta de uma
“internacionalização” do processo, transfere-se ao juízo federal essa competência. Mas qual
o critério utilizado? Como executar uma sentença de alimentos na justiça federal, sendo ela
ordinariamente da competência da justiça comum? Cabe novamente a reflexão...
Exceção se faz ao divórcio consensual, que não passará pela fase de homologação,
indo direto para o cumprimento da sentença perante o juízo federal local.

6. Considerações Finais

Com base nos itens e subintens do presente trabalho, podemos concluir que tanto a
arbitragem quanto a mediação estão cada vez mais presentes no cenário internacional, pelas
inúmeras vantagens apresentadas.
Aqui no Brasil, ainda encontramos uma resistência, desnecessária, por conta de nossa
cultura ainda ser a da sentença e do fato de que temos ainda certa desconfiança quanto a
esses meios adequados de resolução de conflitos, diferentes da solução judicial.

7 Art. 965. O cumprimento de decisão estrangeira far-se-á perante o juízo federal competente, a requerimento da parte,
conforme as normas estabelecidas para o cumprimento de decisão nacional.

90
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Importante as novas normas introduzidas pelo CPC/15 que buscam não só a inserção
da mediação no nosso ordenamento, bem como introduzir um sistema de cooperação judicial
e um sistema de múltiplas portas, contando cada vez mais com a participação de todos os
envolvidos na resolução dos conflitos.
A mediação e arbitragem como meio alternativos se apresentam, quando cabíveis,
quase que 100% das vezes como o meio mais benéfico para as partes resolverem um litígio,
tendo em vista que a decisão ali proferida tem influência direta das partes na sua formulação,
inobstante as figuras do mediador e do árbitro.
A mediação busca resgatar o diálogo para a composição do litígio, missão de paz que,
no plano das relações privadas, pode representar o restabelecimento de uma conversa que
se tornou impossível com o tempo.
Da mesma forma, a arbitragem, mesmo com a figura do árbitro, não possui as mesmas
formalidades e o distanciamento presentes em uma ação proposta perante o Poder Judiciário.
Em tais meios adequados de solução, mesmo que seja proferida uma sentença (caso
não haja composição), seus efeitos poderão ser muito menos dolorosos do que se proferida
fosse pelo juiz togado.
Em se tratando de arbitragem estrangeira, mostra-se necessária a ação de homologação
de sentença judicial, e o juízo de delibação, pois de fato há de se verificar como foi o processo
no país origem, bem como se o mérito irá ferir nossa ordem pública. Não se pode executar
uma sentença que se mostra contrária aos princípios constitucionais brasileiros.
A crítica fica por conta de somente os divórcios consensuais terem sido excluídos da
ação de homologação porque, conforme demonstrado, outros tipos de acordos, que são de
jurisdição voluntária poderiam ser dispensados da ação.
Quanto à execução, outro ponto a ser observado é a opção do juiz federal, sem
menção da especialidade do mesmo, onde, por exemplo, uma sentença de guarda que aqui
é de competência da justiça comum, caso estrangeira será federal. Causaria insegurança
jurídica? Talvez.
No mais, cabe aos operadores do direito a missão de tornar a mediação e arbitragem
cada vez mais presentes no nosso ordenamento jurídico, no plano nacional e internacional.
Todos ganhariam: as partes, os advogados e o Poder Judiciário.

Referências

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

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92
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

O RESGATE DO PAPEL SOCIAL DO


INDIVÍDUO PELA MEDIAÇÃO:
EM BUSCA DE UM NOVO OLHAR
PARA OS CONFLITOS

Nadine Langner dos Santos


Charlise Paula Colet Gimenez

1. Introdução

Na mediação, a autocomposição é ecológica por duas fortes razões. A primeira porque


ela pode ser considerada como uma forma de realização da autonomia, na medida
em que educa, facilita e ajuda na produção das diferenças (produção do tempo com
o outro), que modificam as divergências. A autonomia, como a democracia, o amor
e o ódio são formas de convivência com a conflitividade, com a incompletude que a
conflitividade social determina. O indivíduo autônomo precisa negociar com o outro a
produção conjunta da diferença, o que implica, forçosamente, a mediação do simbólico.
Em segundo lugar, a mediação é uma forma ecológica de autocomposição na medida
em que, ao procurar uma negociação transformadora das diferenças, facilita uma
considerável melhoria na qualidade de vida (Luis Alberto Warat).

Cada ser humano possui suas particularidades, com valores e ideais diferentes, esses
aspectos pessoais transformam cada indivíduo em um ser único, dentro desse contexto tem-
se uma pluralidade de pessoas que em conjunto formam e transformam a sociedade. Ao
estar interligado com a sociedade, o indivíduo assume um papel social para cada âmbito da

93
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

sua vida, e, assim, produz expectativas de sua função.


É nesse cenário de expectativas que se encontram os conflitos, todavia, muito antes
de se pensar em papel social do indivíduo, é importante destacar que os conflitos sempre
existiram na sociedade, desde os primórdios da vida na Terra, e sempre existirão, ressalta-se
que os conflitos jamais serão encerrados, é da natureza humana a conquista e a disputa, o
mundo sempre enfrentou embates e guerras, o que muda é a forma com que o conflito vai
se apresentar na sociedade e o impacto que ele pode causar.
Com a impossibilidade de se conquistar a paz completa, considera-se, então, a
aplicação de mecanismos que regulem as ações humanas, nesse sentido, sobressaem os
direitos, bem como órgãos e instituições cujo propósito é regular a vida em sociedade.
Assim, direito e violência caminham lado a lado com a sociedade e os indivíduos, um
impulsionando o outro, o direito torna-se uma resposta ao que a violência provoca. A
violência é proveniente do indivíduo e o indivíduo está interligado com a sociedade, ou
seja, há uma conexão entre cada esfera.
À luz dos dias atuais, com a evolução da sociedade e a necessidade de modificar a
forma com que os conflitos estão sendo tratados, apresenta-se a mediação como meio de
tratamento de conflitos, na medida em que sensibiliza a justiça e humaniza o direito, pois
busca fomentar o papel social do indivíduo para que tome protagonismo e autonomia de suas
relações, promovendo a eficácia dos direitos humanos, e, por fim, torna-se uma proposta a
sociedade contemporânea que visa à composição do conflito e o empoderamento das partes.

2. Novos Olhares para o Papel Social do Indivíduo

Os indivíduos se vinculam com a sociedade a partir da interação entre si, pois ao


se relacionarem estão socializando. Essa relação reflete na sociedade e, também, muitas
vezes, se dá com a interferência da sociedade nessas relações. Ou seja, ocorre uma troca
entre indivíduo e sociedade, pois os indivíduos estão constantemente se relacionando, por
desempenhar um papel social, e a todo o momento estão interferindo na sociedade e sofrendo
interferência por ela.
A Sociologia examina a interação social, e como cada pessoa molda a sua ação à medida
que o outro atua, pois desde o nascimento dependemos dos outros e com eles aprendemos,
e somos constantemente influenciados1.
Nesse cenário, conforme Gimenez, Spengler e Brunet2, percebe-se então, que o ponto
de intersecção entre os indivíduos e a sociedade se dá nos grupos sociais, pois, no grupo
desaparece o indivíduo e ao estar em sociedade, o indivíduo assume um papel social dentro
desse grupo, e, ao falar em papel social, significa dizer que há uma regra de comportamento
preestabelecido para cada papel, e, ao resistir a essas regras, o indivíduo se submete a uma
independência que o irá tornar exposto à ira e às sanções da sociedade.
Assim, denota-se que o ponto que liga o indivíduo com a sociedade é a capacidade
de ser social, a interação entre as pessoas permite a ligação entre a existência humana e

1 CARMO, S. Paulo. Sociologia e sociedade pós industrial: Uma introdução. São Paulo: Paulus, 2007. p. 13.
2 GIMENEZ, Charlise Paula Colet; SPENGLER, Fabiana Marion; BRUNET, Karina Schuch. O papel do terceiro e as interro-
gações do conflito social. 1. Ed. Santa Cruz do Sul: Editora Essere nel Mondo, 2015.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

a sociedade, e consequentemente implicará no exercício de papéis sociais. A maioria dos


papéis sociais contém expectativas obrigatórias, mas também a maioria conhece expectativas
preferenciais, sendo a sua obrigatoriedade coercitiva dificilmente menor do que a das
expectativas obrigatórias3.
Com isso, percebe-se que expectativas obrigatórias seriam as decorrentes da lei, e
as expectativas preferenciais seriam as provenientes da moralidade e dos costumes de
determinadas sociedades, o que se pode concluir dessas expectativas é que ambas são
oriundas da interação social e que, se contrárias, desencadeiam um conflito.
Portanto, analisa-se como a interação social vem promovendo as relações entre os
grupos e, consequentemente, a partir da cultura que cada pessoa perpetua, dos valores e
ideais, irão exigir certa expectativas uns nos outros, que, com o passar do tempo, acabam
sendo mudados e, assim, provocam o conflito. Nesse cenário, apresentam-se os mecanismos
sociais que impulsionam a cultura da judicialização do conflito, pois, atualmente, os
conflitantes perderam a autonomia para cuidar dos seus confrontos, desse modo, em uma
relação conflituosa, os problemas acabam sendo transferidos para um terceiro supervisionar.
E, assim, ocorre a explosão de litigiosidade, existente a partir da falta de confiança dos
indivíduos um com o outro, na medida em que os sujeitos se tornam dependentes de uma
instituição para buscar o tratamento de seus problemas4.
E, com isso, confirma a necessidade da sociedade para que os tratamentos de seus
conflitos sejam por meio da atuação de um terceiro. Na medida em que esse terceiro busca
dissolver os impulsos passionais, filtrando os motivos do conflito5.
Diante disso, observa-se a crescente intervenção do terceiro nos litígios, geralmente
sendo ele o Poder Judiciário, verifica-se, então, a necessidade e a exigência que a sociedade
faz pela atuação deste, não sendo raro encontrar situações que não são da sua competência,
pois envolvem questões complexas e profundas para serem discutidas em um processo, ao
tomar para si o monopólio da jurisdição, o Estado pretende tratar o conflito pela aplicação
tão somente do Direito positivo6.
Naturalmente, como resultado, o Poder Judiciário é visto pelos olhos da sociedade
como único remédio para o tratamento dos conflitos. Logo, provocando o excesso de
instrumentalidade na sua aplicação e obtendo como resultado um Direito engessado pelas
normas, que impede o diálogo entre as partes e afasta a humanização das relações.
Na medida em que isso vai se construindo na sociedade percebe-se que o indivíduo se
afasta das suas responsabilidades, do seu papel social, e acaba injetando no Estado o dever
de tratar os seus conflitos e esperando dele uma posição adequada. Todavia, isso não se
concretiza, pois o aumento significativo de contendas salientou as crises existentes no Poder
Judiciário. Nesse sentido, operando com um sistema lento que apresenta dificuldades com a
falta de materiais, falta de pessoal, de equipamentos, e os custos, consequentemente resulta

3 GIMENEZ, Charlise Paula Colet; SPENGLER, Fabiana Marion; BRUNET, Karina Schuch. O papel do terceiro e as interroga-
ções do conflito social. 1. ed. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2015.
4 GHISLENI, Ana Carolina. O descrédito na jurisdição e a mediação enquanto política pública eficaz nos trata-
mentos de conflitos conforme a resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. 1. ed. Santa Cruz do Sul:
Essere nel mondo, 2018.
5 GIMENEZ, Charlise Paula Colet; SPENGLER, Fabiana Marion; BRUNET, Karina Schuch. O papel do terceiro e as interro-
gações do conflito social. Op. cit.
6 SPENGLER, Fabiana Marion. (Des) caminhos do Estado e da Jurisdição. 1. ed. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo,
2017. p. 108.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

no impedimento de uma atuação satisfatória e adequada aos tratamentos dos conflitos.


O ponto de desestrutura do Poder Judiciário é proveniente de muitas causas, dentre
elas está a formação dos bacharéis em Direito, que apresenta falhas no seu ensino jurídico,
a qual vai desencadear posteriormente na atuação profissional, passando pelo excesso de
ritualização e a ideia de que os juízes devem julgar todo e qualquer conflito7.
Todos os problemas do Judiciário brasileiro são conhecidos e detectados quando a lentidão
e a ineficiência se fazem sentir pelas partes, que mesmo desconhecedoras dos procedimentos
percebem que a jurisdição não responde de forma adequada8. Consequentemente, à medida
que o Estado não possui capacidade de responder adequadamente aos conflitos sociais,
acaba perdendo espaço (por sua ineficiência, inaplicabilidade e lentidão)9.
Intimamente ligado à crise de eficiência, observa-se a crise de identidade que provoca
a gradativa perda de soberania, sua incapacidade de dar respostas céleres aos litígios atuais,
e sua quase total perda de exclusividade de dizer e aplicar o Direito10. Diante desse cenário
em que o Estado lentamente vai perdendo sua autonomia e impulsionando novas operações
de justiças não profissionais, provocando a crise de identidade11.

a) crise de identidade, aqui compreendida enquanto embaçamento do papel do Poder


Judiciário como mediador central dos conflitos, perdendo espaço para outros centros de
poder, talvez mais aptos a lidar com a complexidade dos conflitos; b) e crise de eficiência,
vista a partir da impossibilidade de responder de modo eficiente à complexidade social
e litigiosa com a qual se depara12.

Importante destacar que o ordenamento jurídico não atua em conformidade com a


demanda social, pois se tornou uma institucionalização da função jurídica, especializada,
autônoma, burocrática, sistematizada, com tarefas rigidamente definidas, e hierarquizada, o
que, consequentemente, promove a padronização e a impessoalidade dos procedimentos13.
Esse cenário de insegurança e insatisfação, com desempenho distante da realidade
social, resulta em quebra de confiança da sociedade com a eficiência do Poder Judiciário.
Com isso, a crise da eficiência e a falta de confiança da sociedade obrigam a busca por novos
núcleos.
Com isso, para ir além das questões que envolvem tão somente o Poder Judiciário,
ao relacionar o indivíduo e a sociedade, bem como o desenvolvimento dos conflitos nos
dias atuais, percebe-se que a sociedade democrática convive ao lado do conflito, desse
modo, permite que cada pessoa consiga alcançar, ou pelo menos tentar, buscar o seu direito.
Portanto, o conflito sempre vai existir em uma sociedade democrática, desse modo é preciso
avaliar o conflito e a forma como tratá-lo em busca da evolução da coletividade, podendo

7 GHISLENI, Ana Carolina. O descrédito na jurisdição e a mediação enquanto política pública eficaz nos trata-
mentos de conflitos conforme a resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Op. Cit.
8 SPENGLER, Fabiana Marion. Da Jurisdição à Mediação: por uma outra cultura no tratamento de conflitos. Ijuí:
Editora Unijuí, 2010. p. 214.
9 SPENGLER, Fabiana Marion. (Des) caminhos do Estado e da Jurisdição. Op. Cit. p. 102.
10 SPENGLER, Fabiana Marion. Da Jurisdição à Mediação: por uma outra cultura no tratamento de conflitos. Op.
Cit. p. 103.
11 GHISLENI, Ana Carolina. O descrédito na jurisdição e a mediação enquanto política pública eficaz nos tratamen-
tos de conflitos conforme a resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Op. Cit. p. 30.
12 GIMENEZ, Charlise Paula Colet. SPENGLER, Fabiana Marion. O Mediador na Resolução 125/2010: um estudo a par-
tir do Tribunal Múltiplas Portas. Águas de São Pedro: Livro Novo, 2016. p. 198.
13 SPENGLER, Fabiana Marion. (Des) caminhos do Estado e da Jurisdição. Op. Cit.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

ser negativo ou positivo. Ou seja, o conflito, desde que controlado, acarreta a produção de
conhecimento e crescimento social14.

O diferencial capaz de tornar o conflito bom ou mau para a sociedade será a forma como
ele será tratado. Se for bem manejado ele assume o seu caráter afirmativo, evolucionista;
todavia, não sendo bem tratado, o conflito se torna uma ameaça à paz dos indivíduos
envolvidos e, de maneira reflexa, da sociedade como um todo15.

O conflito sendo algo impossível de eliminar deve buscar então a sua convivência
renegociando as ações a fim de colaborar com a paz social. É nesse sentido que se deve
pensar o papel social do indivíduo na busca por um melhor tratamento dos seus conflitos,
atuando com autonomia nas questões em que a complexidade do conflito se dá justamente
na sua relação entre os conflitantes, situação a qual o Estado não tem como gerenciar.
A principal característica dessas relações conflituosas se dá pelo fato dos protagonistas
se enfrentarem como inimigos, na busca pelo direito de extinguir o oponente transformando
os polos em perdedores e vencedores16.

[...] sociedade contemporânea, marcada por ideais individualistas, incapaz de reassumir


a autonomia e responsabilidade de seus ações/conflitos, requerendo a um terceiro a
imposição de uma decisão ao invés de assumir seu papel na sociedade de sujeito de
direito, e não do direito17.

A busca pela conscientização do indivíduo diante de suas ações na sociedade, a


responsabilidade perante os conflitos se dá de maneira mais dificultosa, pois a sociedade
é composta pela diversidade entre as pessoas, cada ser humano, de maneira individual,
carrega suas características pessoais, desse modo, cada pessoa carrega, em si, a sua história,
os seus valores e os seus ideais, tornando-se um ser singular.
Nesse cenário social, importante destacar que se deve reconhecer o outro sujeito, e
aceitá-lo em sua especificidade e excentricidade; isto é, o importante é reconhecer o igual na
diferença. Sem que isso provoque uma leitura a partir da relação amigo/inimigo18.
A mediação busca promover esse resgate do papel social do indivíduo, na medida em que
permite o diálogo, o momento de escuta, a compreensão do seu conflito, o autoconhecimento,
e o reencontro com o outro e consigo, compreendendo as emoções reprimidas. Para o
funcionamento da mediação não basta somente escutar, é preciso entender o outro, baixar
a proteção e enxergar que do outro lado há outro ser humano, sensível, que também está
sofrendo com o conflito. “A mediação com sensibilidade introduz o amor como condição de
vida, como uma forma de sentir e encontrar sentido para a vida. Isto é, o amor como dom

14 GIMENEZ, Charlise Paula Colet; SPENGLER, Fabiana Marion; BRUNET, Karina Schuch. O papel do terceiro e as interro-
gações do conflito social. Op. Cit. p. 60.
15 SENGER, Ilise. “A mediação e a Busca da Resolução dos conflitos com base na ética da amizade: o respeito e a considera-
ção como fator determinante na solução de conflitos”. In: Schorr, Janaína; Zasso, Izabele; Spengler, M. Fabiana. A Justiça
Brasileira em debate: Desafios da mediação. 1. ed. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2015.
16 GIMENEZ, Charlise Paula Colet; SPENGLER, Fabiana Marion; BRUNET, Karina Schuch. O papel do terceiro e as interro-
gações do conflito social. Op. Cit. p. 61.
17 GIMENEZ, Charlise Paula Colet; SPENGLER, Fabiana Marion; BRUNET, Karina Schuch. O papel do terceiro e as interro-
gações do conflito social. Op. Cit. p. 65.
18 WÜST, Caroline. Mediação Comunitária e Acesso à Justiça: As duas faces da metamorfose social. Santa Cruz do
Sul: Esse Nel Mondo, 2014.

97
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

supremo do sentido da existência”19.


Portanto, a mediação é uma das maneiras de se fazer ressurgir o papel social do
indivíduo, promovendo um tratamento adequado dos conflitos sociais, atuando de forma
complementar, a fim de educar e ajudar a produzir diferenças, a reaproximar os envolvidos
com responsabilidade dos seus atos, transformando-os em protagonistas das suas vidas,
enfim, busca não somente a recuperação do estado anterior ao conflito, mas sim uma relação
melhor do que antes, configurando-se como uma proposta de humanidade e sensibilidade
nas relações da sociedade contemporânea, justificando-se, nesse sentido, seu estudo a seguir.

3. O Novo pela Mediação

A mediação faz crescer o indivíduo, o qual assume suas responsabilidades, entende


sua relação com os grupos sociais, o qual consegue criar e cuidar dos seus conflitos, desse
modo, não irá bater à porta do Judiciário toda vez que estiver em confronto com outro.
Então, a mediação, sendo devidamente aplicada nos processos em que é necessária, irá
promover resultados nos números do Poder Judiciário, possibilitando o seu restabelecimento
para o tratamento adequado dos conflitos, ressalta-se que não é uma substituição, mas uma
abordagem para os conflitos sociais que são complexos por envolverem muito mais do que
pessoas em confronto.
No ordenamento jurídico brasileiro, o interesse pelos meios adequados de tratamento
de conflitos apresentou-se em projetos anteriores, mas o sistema de múltiplas portas foi
instituído no Brasil pela Resolução nº 125/2010 aplicado pelo Conselho Nacional de Justiça,
como a Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos, inserindo a mediação
como método complementar em busca de uma cultura de paz, a qual ultrapassa a jurisdição
tradicional e utiliza práticas consensuais e autônomas que devolvem ao cidadão a capacidade
de tratar o seu próprio litígio20.
Posteriormente, sobrevieram outros projetos de leis. Nesse contexto, surgiu a Lei nº
13.140/15, a qual trouxe a definição de mediação:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias
entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração
pública. Parágrafo único. Considera-se mediação a atividade técnica exercida por
terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes,
as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a
controvérsia21. (grifei)

Nota-se o incentivo a autonomia processual das partes, retirando o poder decisório


antes designado a um terceiro alheio ao conflito, agora é um terceiro, ainda imparcial, que,
todavia, mantem-se entre as partes, isso significa um estar no meio, em busca do equilíbrio,

19 WARAT, Luis Alberto. Surfando na Pororoca: o Ofício do Mediador. v. III. Florianópolis: Fundação BOITEUX, 2004. p. 33.
20 GIMENEZ, Charlise Paula Colet. SPENGLER, Fabiana Marion. O Mediador na Resolução 125/2010: um estudo a par-
tir do Tribunal Múltiplas Portas. Águas de São Pedro: Livro Novo, 2016. p. 129-175.
21 BRASIL. Lei nº 13.140 de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução
de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm. Acesso em: 02 jul. 2020.

98
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

não sobre, mas entre elas22.


A Lei estabelece, ainda, os princípios que delimitam a mediação:

Art. 2º A mediação será orientada pelos seguintes princípios: I - imparcialidade do


mediador; II - isonomia entre as partes; III - oralidade; IV - informalidade; V - autonomia
da vontade das partes; VI - busca do consenso; VII - confidencialidade; VIII - boa-fé. [...]
§ 2º Ninguém será obrigado a permanecer em procedimento de mediação23. (grifei)

Com os princípios definidos, constata-se a isonomia entra as partes, de modo que


não há hierarquia entre requerido/requerente, entre si e para com o terceiro, há o incentivo
a voluntariedade, a imparcialidade, retirando toda a carga simbólica que o Poder Judiciário
carrega, e ainda, o parágrafo 2º evidencia a espontaneidade que cada conflitante terá ao
escolher ou não o procedimento da mediação. Com isso, demonstra-se a necessidade da
apresentação da mediação como método adequado para resolução de conflitos, que busca
resgatar o papel social do indivíduo na sociedade, haja vista a necessidade dele abraçar o
conflito com outros olhos, buscando a autocomposição.
E ainda, a mediação também veio ser tratada no Código Processual Civil de 2015, em
seu artigo 2º, parágrafos 2º e 3º, e nos artigos 165 a 175, salientando a promoção que o
Estado deve fazer para a implantação da solução consensual dos conflitos.

Art.3º
[...]
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de
conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e
membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial24. (grifei)

Os dispositivos que abordam a mediação já determinam alguns pontos importantes do


instituto, como no seu artigo 165, parágrafo 3º, que retrata a finalidade da mediação, pois
busca o restabelecimento da comunicação, em que as partes atuam com protagonismo nas
situações, buscando identificar os motivos mais profundos dos seus conflitos, e assim tentar
estabelecer um acordo. E, ainda, ressalta que a mediação se difere da conciliação por atuar
em situações em que haja preexistência de um vínculo.

Art.165
[...]
§ 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo
anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões
e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da
comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem
benefícios mútuos25. (grifei)

A mediação ocorrerá também pela atuação de um terceiro, mas, conforme mencionado


anteriormente, este não vai estar acima da parte, mas sim entre as partes, pois busca

22 SPENGLER, Fabiana Marion. Da Jurisdição à Mediação: por uma outra cultura no tratamento de conflitos. Op. cit.
23 BRASIL. Lei nº 13.140 de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução
de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Op. cit.
24 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 02 jul. 2020.
25 Ibidem.

99
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

impulsionar a visão do conflito para ambos. A presença do terceiro é crucial nesse momento,
por isso deve ser feita com muita responsabilidade, porém destaca-se que a sua importância
não o caracteriza como poder central, mas sim em razão de ser seu papel ajudar os conflitantes
a se despirem de todo os sentimentos que os trouxeram até ali e, sozinhos, poderem traçar o
caminho para restabelecer sua comunicação. O mediador se posiciona de forma secundária,
seu papel é mediar os interesses conflitivos, conduzindo as partes para um tratamento
adequado aos desejos e necessidades delas26.
As características essenciais do mediador são: a capacidade de aplicar diferentes
técnicas autocompositivas em conformidade com a necessidade de cada litígio; ter capacidade
de escutar a exposição de cada pessoa/parte, fazendo uso da técnica da escuta ativa; a
capacidade de inspirar respeito e confiança; a capacidade de administrar situações em que os
ânimos estejam acirrados; estimular as partes a desenvolverem soluções criativas, as quais
permitam a compatibilização dos interesses aparentemente contrapostos; examinar os fatos
sob uma nova ótica, afastando as perspectivas litigiosas para aproximar as perspectivas
conciliatórias; motivar os envolvidos para atingir um resultado sem atribuição de culpas;
estimular o desenvolvimento de condições que permitam reformular questões diante de
eventuais impasses; abordar com imparcialidade todas e quaisquer questões que estejam
influenciando a relação entre as partes. Ou seja, a parte do mediador é voltada para a condução
da situação de maneira adequada, interferindo quando precisar, todavia sem qualquer poder
decisório, é tão somente um estímulo para o restabelecimento do contato27.
Já o procedimento em si da mediação se caracteriza pela: privacidade – é desenvolvido
em um ambiente secreto e somente será divulgado se for de vontade das partes; economia
financeira e de tempo – os conflitos tratados pela mediação tendem a alcançar um resultado
em menor tempo do que se tivessem um trâmite judicial regular, o que, indiretamente,
acarreta na diminuição dos custos e ainda promove a autonomia dos conflitantes, que caso
estejam novamente em confronto terão a possibilidade de lidar com ele de outra maneira,
não recorrendo ao Poder Judiciário novamente; outro ponto de destaque é a oralidade – a
mediação constitui-se em um procedimento informal, no qual as partes têm espaço para
dialogar e debater a fim de que juntas encontrem a melhor resposta ao seu conflito, inclusive,
tal aspecto permite que os conflitantes mais carentes possam externalizar seus sentimentos
e aflições a sua maneira; provoca, também, a reaproximação das partes – a partir de práticas
dialogadas e consensuais, trabalha-se o conflito, restaurando as relações entre as partes
e, por conseguinte, as reaproximando; e, por fim, a autonomia das decisões: as decisões
tomadas pelas partes, a quem compete a decisão, equilíbrio das relações entre as partes –
confere-se a todos os envolvidos igual oportunidade de fala e garante-se a compreensão das
ações que estão sendo desenvolvidas28.
Embora a mediação seja abordada ainda em âmbito judicial, é importante que
os legisladores tenham se preocupado com o rumo dos conflitos sociais, mas há certos
apontamentos realizados pelos juristas sobre a aproximação do direito e da mediação, e se

26 GIMENEZ, Charlise Paula Colet; SPENGLER, Fabiana Marion; BRUNET, Karina Schuch. O papel do terceiro e as interro-
gações do conflito social. Op. Cit.
27 SPENGLER, Fabiana Marion. Retalhos de Mediação. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2014.
28 MORAIS, Jose Luis Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e Arbitragem. Alternativas à Jurisdição! Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

100
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

o instituto sendo estabelecido pela via judicial iria conseguir superar as suas expectativas e
alcançar os objetivos, tal discussão não é o objetivo do trabalho, mas destaca-se apenas para
fins de apontamento.
Desse modo, ainda que seja uma atuação dos Poderes Judiciário e Legislativo, é importante
que tenha sido tomado a iniciativa de abordá-la, e nesse âmbito aponta-se a necessidade da
mediação enquanto política pública, pois toda política pública tem por objetivo resolver um
problema social reconhecido politicamente como público, cujos reflexos causam insatisfação
social. Ou seja, a ineficácia do Poder Judiciário é reconhecida e deve ser revista para que
possa possibilitar respostas adequadas aos conflitos29.
E, para exercer a implantação da política pública, a Resolução nº 125/2010 prevê: 1) que
devem os órgãos judiciários oferecer mecanismos de soluções de controvérsias, em especial
os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, assim como prestar
atendimento e orientação ao cidadão; 2) que se objetiva a boa qualidade dos serviços e a
disseminação da cultura de pacificação social; 3) a possibilidade de parcerias com entidades
públicas e privadas, bem como a atribuição de funções ao Conselho Nacional de Justiça e
aos Tribunais de cada estado; 4) nos artigos 13 e 14, que os Tribunais deverão criar e manter
banco de dados sobre as atividades de cada Centro Judiciário de Cidadania e Solução de
Conflitos, com as informações constantes do Portal da Conciliação30.
A Resolução nº 125/2010 do CNJ busca a construção de uma cultura jurídica que leve os
cidadãos a sentirem-se mais próximos da justiça, por meio do reconhecimento da ineficiência
da prestação jurisdicional atual e da instituição de meios complementares mais adequados às
necessidades das partes31.
E, com isso, buscam-se mudanças e transformações no relacionamento do Poder
Judiciário com a sociedade, em razão da grande insensibilidade que sentem em face
de seus problemas, dos seus direitos, da interpretação que deles o sistema faz. Ou
seja, é necessário o Poder Judiciário reconhecer a sua ineficácia na atuação em certos
conflitos sociais e, ainda, que os Tribunais se vejam como parte de uma coalização
política que leve a Democracia a sério, acima dos mercados e da concepção possessiva
e individualista de direitos32.
Portanto, ao falar em tratamento de conflitos, é importante considerar todos os pontos,
o caminho que o Poder Judiciário percorre e como a sua atividade se tornou ineficaz, em certos
conflitos sociais, exigindo então que seja repensado o modelo tradicional de tratamento de
conflitos, a fim de possibilitar que os indivíduos também repensem seu papel social33, para
que a sociedade evolua como um todo, tanto no poder que o Estado possui, quanto nos
indivíduos que compõe a sociedade.

29 GIMENEZ, Charlise Paula Colet. SPENGLER, Fabiana Marion. O Mediador na Resolução 125/2010: um estudo a par-
tir do Tribunal Múltiplas Portas. Op. Cit. p. 198.
30 GIMENEZ, Charlise Paula Colet. SPENGLER, Fabiana Marion. O Mediador na Resolução 125/2010: um estudo a partir
do Tribunal Múltiplas Portas. Op. Cit. p. 200-202.
31 GIMENEZ, Charlise Paula Colet., SPENGLER, Fabiana Marion, BRUNET, Karina Schuch. O papel do terceiro e as interro-
gações do conflito social. Op. Cit.
32 Ibidem.
33 Os caminhos da mediação podem ajudar a recuperar os sentimentos que fazem o que somos; a desfazer-nos das cama-
das superficiais para sermos muito mais íntegros nos confrontos com o outro. [...] A mediação, em uma primeira aproxi-
mação, não seria outra coisa do que a realização com o outro dos próprios sentimentos. Fazer mediação nada mais é que
viver, viver em harmonia com a própria interioridade e com os outros, viver em harmonia com a própria reserva selvagem.
((WARAT, Luis Alberto. Surfando na Pororoca: o Ofício do Mediador. Op. Cit. p. 28).

101
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

4. Considerações Finais

O trabalho apresenta a relação entre indivíduo e sociedade, bem como o conflito e o


direito. Nesse sentido, relata a intersecção que o indivíduo por ser social, ao estar dentro
de um grupo, compõe a sociedade cada um à sua maneira, e, dentro dessa composição,
ressalta-se a existência dos conflitos, como já exposto, que sempre irão existir, e podem ser
negativos ou positivos. Quando negativos vão produzir a violência, podendo ela se apresentar
de diversas formas – a violência física, a psicológica, dentre outras –, que vai resultar no
direito, na busca pelo que é de cada indivíduo.
Com a crescente procura e interferência do Poder Judiciário na sociedade, ocorre a
cultura da judicialização e a necessidade do terceiro confirmando uma verdade processual,
pois a procedência ou improcedência do processo não significa a verdade real dos fatos
ocorridos, resulta da exigência de que todos os conflitos sociais devem ser solucionados
por um juiz, sem entrar em discussão sobre a autoridade e as formalidades existentes no
ordenamento, mas tal fato provocou a impossibilidade de responder adequadamente aos
conflitos, submetendo a instituição a uma crise de eficiência e a uma crise de identidade.
Ocorre, ainda, que, além dessas crises, muitas vezes as manifestações decorrentes dos
conflitos são complexas demais para serem tratadas por um mero número no Poder Judiciário,
as quais serão submetidas a diversas normas processuais, regras e resoluções que nada
acrescentarão aos conflitantes, somente irão provocar um ressentimento maior pela situação
desencadeada, afastar as partes, e quebrar de vez os vínculos existentes, interligando-os tão
somente pelo processo judicial.
É nesse ponto que deve ser revisto o meio de tratamento de conflitos, pois isso
implica no resultado do processo, que somente vai contentar aquele que se destacou melhor
durante o período de comprovação das provas, já que o resultado do processo muitas vezes
não retrata a realidade, sendo assim tal situação enseja a discussão do que realmente está
tratando os conflitos, não foi o objeto do estudo nesse trabalho, mas do que de fato vai ser
a justiça. Destaca-se que não está se falando em alternativas, mas sim da necessidade que
em determinados processos, dos quais, em razão dos sentimentos envolvidos, se tornam
complexos e precisam receber um tratamento adequado.
Nesse ponto, apresenta-se a mediação, cujo escopo é promover a sensibilidade da justiça e
humanizar o Direito, conforme demonstrado. É o instrumento pelo qual os conflitantes vão estar
em equilíbrio, sem ganhar e perder, mas restaurando relações e satisfazendo necessidades.
O diálogo que a mediação promove irá permitir o restabelecimento da comunicação, vai
afastar a competitividade e a necessidade de estar certo, e busca impulsionar a empatia e a
alteridade para que as pessoas não enxerguem o outro como um inimigo e sim como outra
pessoa que também tem sentimentos.
O tempo todo se fala nas crises do Poder Judiciário, na sua incapacidade e morosidade,
sempre se transfere a culpa para um terceiro, sendo que também deve se considerar a
responsabilidade dos indivíduos, de que em determinadas situações certos conflitos não
devem ser levados ao Poder Judiciário, a falta de tolerância se tornou recorrente, qualquer
motivo é o suficiente para desencadear um processo. E a mediação busca também resgatar
essa responsabilidade dos indivíduos, o qual deve revisitar suas atitudes, a fim de determinar
o que pode fazer para transformar o seu convívio social um ambiente melhor de se viver,

102
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

praticar o autoconhecimento, assumir a responsabilidade dos seus problemas, buscar resolver


as situações pelo diálogo.
Enfim, a mediação é uma ética de alteridade, busca promover o reencontro da pessoa com
si mesmo e com o outro, reconhecer e respeitar a diferença do outro, deixar a competitividade
de lado e enxergar o outro como um ser humano que tem sentimentos, que também sofre
com a situação, que muitas vezes só precisa de alguém que o escute, a mediação da voz.
Resgata o papel social de cada um, para que cada pessoa possa dar o melhor de si, e assim
construir uma sociedade menos conflituosa, que valoriza os detalhes, os sentimentos, que
valoriza o outro como a si mesmo. A mediação promove o exercício dos direitos humanos,
estimula o tratamento digno que outro deve receber, que ao se deparar com as diferenças irá
respeitá-las.
A mediação, como está no âmbito do Direito, é vista como um Direito Fraterno, pois
valoriza o ser humano, é uma forma de buscar o respeito pelos direitos humanos e pela
dignidade da pessoa humana. É uma cultura em longo prazo, que os resultados aparecerão
com o tempo, e seu papel primordial está no resgate do papel que cada indivíduo assume ao
estar inserido na sociedade.

Referências

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BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares
como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no
âmbito da administração pública. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm. Acesso em: 02 jul. 2020.

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GIMENEZ, Charlise Paula Colet; SPENGLER, Fabiana Marion; BRUNET, Karina Schuch. O papel
do terceiro e as interrogações do conflito social. 1. ed. Santa Cruz do Sul: Essere nel
Mondo, 2015.

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alternativas à Jurisdição! Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

SENGER, Ilise. “A mediação e a Busca da Resolução dos conflitos com base na ética da amizade:
o respeito e a consideração como fator determinante na solução de conflitos”. In: SCHORR,
Janaína; ZASSO, Izabele; SPENGLER, M. Fabiana. A Justiça Brasileira em debate: desafios
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SPENGLER, Fabiana Marion. (Des) caminhos do Estado e da Jurisdição. 1. ed. Santa Cruz
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tratamento de conflitos. Ijuí: Unijuí, 2010.

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Fundação BOITEUX, 2004.

WÜST, Caroline. Mediação Comunitária e Acesso à Justiça: as duas faces da


metamorfose social. Santa Cruz do Sul: Esse Nel Mondo, 2014.

104
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

PLATAFORMAS ONLINE DE RESOLUÇÃO


DE CONFLITOS COMO FERRAMENTAS
PARA DESAFOGAR O JUDICIÁRIO

Nathalia Ribeiro

1. Introdução

Não é nenhuma novidade que os avanços tecnológicos revolucionaram completamente


a vida em sociedade, trazendo grandes mudanças nas relações sociais, econômicas, políticas
e culturais.
As novas tecnologias encurtaram distâncias, transformaram a forma de consumir,
modificaram o mercado de trabalho, além de terem implementado muitas facilidades e
comodidades, que já se tornaram parte da rotina dos indivíduos.
Foi justamente nesse contexto de tecnologia disruptiva1 que as inovações alcançaram
as relações jurídicas, trazendo grandes mudanças para a estrutura do Poder Judiciário e

1 Tecnologia disruptiva compreendida como aquela que rompe com pressupostos antigos e revoluciona a atividade.
SANTOS, Paulo; DE MARCO, Cristhian; MÖLLER, Gabriela. Tecnologia Disruptiva e Direito Disruptivo: Com-
preensão do Direito em um Cenário de Novas Tecnologias. Revista Direito e Práxis, v. 10, 2019. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/337666588_Tecnologia_Disruptiva_e_Direito_Disruptivo_Compreens-
ao_do_Direito_em_um_Cenario_de_Novas_Tecnologias/link/5df0a48ea6fdcc2837178b2a/download. Acesso em 11
20jun. 2020.

105
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

para o processo, com impactos relevantes na vida dos operadores do direito e do próprio
jurisdicionado.
Por exemplo, o processo, que era físico, se tornou eletrônico (Lei nº 11.419/2006);
alguns atos processuais, que eram realizados exclusivamente de forma presencial, passaram
a ser admitidos mediante o uso de ferramentas tecnológicas2; a internet se tornou uma
ferramenta oficial de divulgação de informações processuais3.
Porém, nada obstante a implementação de tantas inovações, o Poder Judiciário continua
completamente assoberbado, tendo encerrado o ano de 2018 com 78,7 milhões de processos
em tramitação4, figurando como exemplo mundial de ineficiência e congestionamento5, em
posição pior do que outros países subdesenvolvidos, como é o caso da Índia (que possui
cerca de trinta milhões de processos em curso).
Ao que parece, o uso de ferramentas tecnológicas dentro do perímetro do Poder
Judiciário, por si só, não está sendo suficiente para resolver a crise da litigância, o
que justifica a aplicação da tecnologia em outras esferas, especialmente nos métodos
alternativos de solução de conflitos, que podem prevenir o ingresso de novas ações no
Judiciário.
Embora as formas tradicionais de conciliação/mediação estejam ganhando espaço,
ainda encontram algumas dificuldades operacionais, como, por exemplo, o deslocamento e
o tempo dispendido no procedimento, que, eventualmente, podem ser minimizados com o
uso de aplicações tecnológicas (plataformas online de resolução de conflitos), maximizando
seus índices de sucesso.
E mais, a Online Dispute Resolution6 (ODR) – considerada como ferramenta online
que utiliza a inteligência artificial (“quarta parte”7) para conduzir as negociações8 – tem
o potencial de transformar a visão do jurisdicionado sobre a resolução de conflitos,
viabilizando soluções céleres e desburocratizadas, especialmente para litígios de baixa
complexidade.

2 Como, por exemplo, o depoimento pessoal, a oitiva de testemunha, a acareação e a sustentação oral, que passaram a ser
admitidas por videoconferência (arts. 236, §3º, 385, §3º, 453, §1º, 461, §2º, 937, §4º, do CPC/15). Além disso, vale desta-
car a implementação de plenário virtual no Supremo Tribunal Federal desde 2007.
3 Por exemplo, artigos 12, § 1º; 197, caput; 755, § 3º, do CPC/15.
4 “O Poder Judiciário finalizou o ano de 2018 com 78,7 milhões de processos em tramitação, aguardando alguma solução
definitiva.” Relatório “Justiça em Números 2019””, do CNJ. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/up-
loads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf. Acesso em: 11 jun. 2020. p. 79.
5 Informações veiculadas pelo Professor Richard Susskind na palestra “Online Courts and the Future of Justice”. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=QOS4LRf-zes&feature=youtu.be. Acesso em: 24 abr.20 2020.
6 Em português: resolução online de litígios.
7 Esse termo “fourth part” foi empregado originalmente por Ethan Katsh e Janet Rifin (KATSH, Ethan; RIFKIN, Janet. Online
Dispute Resolution: resolving conflicts in cyberspace. San Francisco: Jossey-Bass, 2001, p 5.)
8 A tecnologia é considerada a “quarta parte”, sendo, portanto, um elemento a mais, além das partes e da possibilidade do
terceiro neutro. ARBIX, Daniel. Resolução Online de Controvérsias. São Paulo: Intelecto, 2017. p. 215.

106
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

2. Breves considerações sobre a justiça multiportas e os métodos adequados de


solução de conflitos (ADR9)

Antes de tratar dos impactos das novas tecnologias na autocomposição, afigura-se


necessário tecer breves considerações sobre os meios adequados de solução de conflitos10.
Embora esse tema tenha adquirido visibilidade no direito brasileiro apenas nos últimos
anos, importante registrar que Frank Sander – o idealizador do sistema multiportas – já
explorava os meios consensuais como forma de alternativas à litigância desde a década de
1970.1112
Em nosso ordenamento jurídico, foi a Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) que instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos1314,
tendo sido seguida por resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público (Resoluções
CNMP nº 118/2014, 180/2016 e 181/2017), que reforçaram as formas autocompositivas
como uma realidade na solução dos conflitos.
Note-se que o CPC/15 trouxe regras mais contundentes envolvendo mediação e
conciliação, tornando obrigatória a participação das partes e dos advogados em audiência de
conciliação/mediação nos litígios instaurados perante o Poder Judiciário, dispensando-a, em
regra, apenas quando ambas as partes não tiverem interesse (art. 334).
Da mesma forma, a Lei nº 13.129/15 (que modificou a Lei nº 9.307/96, aperfeiçoando a
arbitragem) e a Lei da Mediação (Lei nº 13.140/15 – que trata da mediação nas esferas pública

9 ADR corresponde à expressão “Alternative Dispute Resolution”, que, no Brasil, alguns autores traduzem para a língua
portuguesa como MASCs (Meios Alternativos de Solução de Conflitos). Para Menkel-Meadow (1997), a expressão mais apro-
priada para denominar esse tipo de solução seria a expressão Adequate Dispute Resolution (Meios adequados de resolução
de disputas), pois “one role of legal system is to provide a variety of choices about how best to handle particular issues,
problems, disputes, conflits, and transactions – now called a menu, a multi-door corthouse” (MENKEL-MEADOW, Carrie J. Do
the haves come out ahead in alternative judicial systems? Repeat players in ADR. Ohio State Journal on Dispute
Resolution, v. 15, 1999. p. 19-61).
10 “A noção de justiça adequada ganha efetivo realce nas soluções consensuais, alcançadas por meio de conciliação, transa-
ção ou mediação, pois ninguém melhor do que as partes envolvidas no conflito para decidi- rem o melhor deslinde da lide.
Os desgastes de um longo e penoso litigio judicial acirra, ainda mais, a animosidade certamente já existente entre os envol-
vidos e, na grande maioria das vezes, a decisão nele proferida, embora encerre formalmente a lide, nem sempre é capaz de
apaziguar a desavença dos litigantes no plano dos fatos”. SILVA, Jaqueline Mielke; XAVER, José Tadeu Neves. “Primeiras refle-
xões sobre o sistema de justiça multiportas e a tutela dos direitos coletivos.”. In: MACEDO, Harzheim Elaine. DAMASCENO,
Marina. (Orgs.) Sistema multiportas e métodos integrados de resolução de conflitos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2018.
p. 69. Disponível em: http://pos.unipar.br/files/publicao_academica/c31605fefad050d121a51d63a564c9a8.pdf. Acesso
em: 28.09.19 set. 2019.
11 O conceito do sistema multiportas foi apresentado por Frank Sander em sua palestra de abertura da Pound Conference,
no ano de 1976, em Saint Paul, Minessotta, conforme explica o próprio Frank Sander em: “Diálogos entre os professores
Frank Sander e Mariana Hernandez Crespo: explorando a evolução do Tribunal Multiportas, in”. In: CRESPO, Maria Hernan-
dez. (Org.) Investindo no capital social para maximizar o sistema de solução de conflitos no Brasil. Rio de Janeiro:
FGV Editora, 2012. p. 31.
12 “A Justiça Multiportas pressupõe, nesse e em outros casos, que além do caminho judicial e da autotutela (quando permi-
tida) outros mecanismos também se mostram viáveis e disponíveis para a resolução de litígios inclusive sendo mais adequa-
dos em muitos casos. Assim, as formas autocompositivas também são hábeis a resguardar acesso à justiça e distribuição
do direito, podendo ser realizadas tanto com o auxílio de um terceiro imparcial – conciliador ou mediador – para a condução
das atividades, dando lugar às assim consideradas vias assistidas autocompositivas (conciliação e mediação), ou conduzidas
autonomamente pelas partes e seus auxiliares para o alcance de uma deliberação comum (negociação).” (SCARPARO, Eduar-
do. “Negociando estrategicamente em litígios cíveis.”. In: MACEDO, Harzheim Elaine. DAMASCENO, Marina. (Orgs.) Sistema
multiportas e métodos integrados de resolução de conflitos. Op. Cit.
13 Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/atos-normativos?documento=156. Acesso em: 11 jun.20 2020.
14 “Assim, percebe-se que um dos pontos de destaque do artigo 1º da Resolução 125/CNJ consiste, justamente, na obri-
gatoriedade de o Poder Judiciário, além da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de solução
de controvérsia, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação”. MARCATO, Ana Cândida
Menezes. “A audiência do art. 344 do Código de Processo Civil. in”. In: ZANETI JR., Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier
(Coords.); DIDIER JR., Fredie. (Coord. Geral). Justiça multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios
de solução adequada de conflitos. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 131.

107
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

e privada) complementam e integram o microssistema de meios adequados de solução de


controvérsias no país15.
Entre as ferramentas de autocomposição (isto é, aqueles em que a sentença não é
adjudicada), destacam-se a negociação, a mediação e a conciliação.
A negociação é uma forma bilateral de resolução de controvérsias, em que as partes buscam
alcançar um acordo mediante concessões recíprocas. Esse costuma ser o primeiro mecanismo de
solução de conflitos, pois sequer depende da participação de terceiros – o que, em muitos casos,
inviabiliza o consenso, já que as partes estão emocionalmente ligadas ao conflito16.
Já a conciliação e a mediação são caracterizadas pela participação de um terceiro
imparcial (facilitador), que auxilia as partes para a obtenção da solução consensual, sem
interferir concretamente na construção das soluções17.
A diferença entre a conciliação e a mediação consiste no tipo de conflito a ser tratado
por cada uma delas.
Enquanto a conciliação é adequada para conflitos em que as partes não possuem
relações com vínculo de continuidade, a mediação é a ferramenta aplicável justamente para as
controvérsias em que há vínculo anterior e contínuo entre as partes, buscando a preservação
dessa relação, que deverá perdurar depois da resolução do conflito18.
Importante registrar que a autocomposição é uma ferramenta muito importante na
resolução de conflitos, em que não há vencidos ou vencedores e as partes têm a oportunidade
de construírem juntas a solução da controvérsia, alcançando a paz social19.
Sob o prisma da eficiência e da efetividade, os meios adequados de resolução de
conflitos trazem inúmeros benefícios20, tais como a abreviação das disputas e a economia de
recursos, obtendo-se o melhor resultado possível, que é o consenso.

3. Online Dispute Resolution (ODR)

Embora ainda estejamos em fase de sedimentação dos meios adequados de solução de


conflitos no Brasil, a experiência internacional em alternative dispute resolution (ADR) já tem

15 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. “O poder de autorregramento da vontade no contexto da mediação e da conciliação.”. In:
PORTO, José Roberto Sotero de Mello. RODRIGUES, Roberto de Aragão Ribeiro (Coord.). Direito Processual Contemporâ-
neo: estudos em homenagem a Humberto Dalla Bernardina de Pinho. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2018. p. 549.
16 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. MAZZOLA, Marcelo. Manual de Mediação e Arbitragem. São Paulo: Saraiva
Educação, 2019, p. 45-47.
17 Ibidem. p. 47-48.
18 CABRAL, Trícia Navarro Xavier. “O poder de autorregramento da vontade no contexto da mediação e da conciliação.”. Op.
Cit. p. 550.
19 “A verdadeira justiça só se alcança quando os casos ‘se solucionam’ mediante consenso. Não se alcança a paz resolvendo
só parcela do problema (controvérsia); o que se busca é a pacificação social do conflito com a solução de todas as questões
que envolvam o relacionamento entre os interessados. Com a implementação de um modelo mediacional, complementar e
consensual de solução dos conflitos, o Estado estará mais próximo da pacificação social e da harmonia entra as pessoas.”.
BACELLAR, Roberto Portugal. “O Poder Judiciário e o Paradigma da Guerra na Solução dos Conflitos.”. In: RICHA, Morgana de
Almeida. PELUSO, Antonio Cezar (Coords.). Conciliação e Mediação: estruturação da política judiciária nacional. Rio
de Janeiro: Forense, 2011, pp. 32-33.
20 “Os meios de resolução de conflitos, além de estarem em consonância com os princípios da eficiência e da proporciona-
lidade, representam um importante meio de abreviação de disputas e economia de recursos, existem que que a atuação do
Estado se realize da forma menos onerosa para os cofres públicos e que acarrete menos transtornos ou sacrifício de inte-
resses legítimos dos particulares.””. MENDES, Viviane Alfradique Martins de Figueiredo. “Mecanismos de consenso no direito
administrativo e sua contribuição para a desjudicialização da política pública.”. In: PINHO, Humberto Dalla Bernardina de.
RODRIGUES, Roberto de Aragão Ribeiro. Mediação e Arbitragem na Administração Pública. Curitiba: CRV, 2018. p. 221.

108
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

quase meio século21.


Foi justamente nesse lapso temporal que a revolução digital se iniciou, a internet
expandiu e as soluções analógicas se tornaram obsoletas e inadequadas para a resolução
de conflitos havidos em meio digital, abrindo espaço para as ferramentas de online dispute
resolution (ODR).
Importante ter em mente que a ODR surgiu de um ambiente online onde eram frequentes
os mal-entendidos, com disputas de baixos valores entre pessoas desconhecidas e fisicamente
distantes, sendo escassos os caminhos para solução desses conflitos.
A evolução dos meios analógicos para a ODR que temos hoje passou inicialmente
pela imitação do tradicional ADR, com a disponibilização de equivalentes online para essas
disputas, como negociação, mediação e arbitragem.
Desde o nascimento da ODR o mundo digital evoluiu muito, especialmente com o
desenvolvimento dos algoritmos, que permitiu o surgimento da máquina (inteligência
artificial) como “quarta parte”2223 nas disputas online.
Embora haja alguma divergência no conceito de ODR24, em nossa opinião, a quarta parte
(inteligência artificial) é um elemento fundamental para sua caracterização. Caso contrário,
quando se verifica apenas a desnecessidade de espaço físico e de contato pessoal entre as
partes, sendo a mediação realizada por um terceiro imparcial, estamos diante de uma ADR
online – o que, frise-se, também é uma alternativa muito promissora para a resolução de
conflitos, mediante o uso de tecnologia.
Em nosso sentir, não é o ambiente online que caracteriza a ODR, mas sim o uso da
inteligência artificial na condução do procedimento e das negociações25.
Enquanto a ADR online amplia o acesso à justiça em sua compreensão multiportas, temos
que a ODR vai além e maximiza a eficiência, na medida em que a máquina tem condições de
processar um volume muito maior de requerimentos e está disponível para seus usuários de
forma ininterrupta (não se limita aos “horários comerciais” das cortes tradicionais e câmaras
de conciliação e mediação), podendo atender prontamente aos anseios das partes.
Especificamente em relação à atuação da máquina, esta depende não apenas da

21 Na década de 1970 foram introduzidas a mediação e em menor escala a arbitragem como formas de resolver os conflitos
fugindo dos tribunais. KATSH, Ethan; RABINOVICH-EINY, Orna. Access to Digital Justice: Technology and the Internet
of Disputes, 2017. p. 39-54.
22 Esse termo “fourth part” foi empregado originalmente por Ethan Katsh e Janet Rifin (KATSH, Ethan; RIFKIN, Janet. Online
Dispute Resolution: resolving conflicts in cyberspace. San Francisco: Jossey-Bass, 2001. p 5.).).
23 A tecnologia é considerada a “quarta parte”, sendo, portanto, um elemento a mais, além das partes e da possibilidade do
terceiro neutro (ARBIX, Daniel. Resolução Online de Controvérsias. São Paulo: Editora Intelecto, 2017. p. 215)).
24 “Some commentators have defined ODR exclusively as the use of ADR assisted principally with ICT tools, although part
of the doctrine incorporates a broader approach including online litigation and other sui generis forms of dispute resolution
when they are assisted largely by ICT tools designed ad hoc. 11 The latter definition seems more appropriate as it incorpo-
rates all methods used to resolve disputes that are conducted on the internet through a tailored online platform. Moreover,
this approach is more consistent with the fact that ODR term was created out of the conceptual distinction with offline
dispute resolution processes.” (CORTÉS, Pablo. Online Dispute Resolution for consumers in the European union.
Routledge: Abingdon, 2011. p. 54)).
25 “Katsh e Rifkin (2001) denominam a tecnologia no ODR de “quarta parte”, afirmando que esta passa a interagir com as
partes envolvidas no conflito e o terceiro imparcial (quando presente). As ferramentas tecnológicas melhorariam o processo
de solução do conflito e agiriam de forma mais decisiva do que simplesmente transferindo a informação por meio da Inter-
net. Comportar-se-iam como uma verdadeira aliada da terceira parte (árbitro, mediador ou conciliador). A tecnologia escolhi-
da garantiria grande leque de utilidades aptas a facilitar e aprimorar o processo da ODR, como, por exemplo, 5 apresentando
e organizando informações, de maneira graficamente amigável ao usuário.” (LIMA, Gabriela Vasconcelos; FEITOSA, Gustavo
Raposo Pereira. Online dispute resolution (ODR): a solução de conflitos e as novas tecnologias. Revista do Direito,
Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 50, p. 53-70, set. 2016. Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/article/
view/8360 .Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/article/view/8360. Acesso em: 27 set. 182018.)

109
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

programação dos algoritmos, como também do big data26, que fornece as informações
necessárias para que a inteligência artificial possa compreender as disputas, verificar a
pertinência e os limites das propostas, a fim de permitir a solução consensual do conflito.
Nesse contexto, a ODR garante a presença da inteligência artificial, que tem o condão de
negociar com as partes, tratando as propostas, à luz dos dados armazenados na plataforma
para aquela modalidade de disputa, viabilizando a solução consensual da controvérsia online,
de forma mais rápida, com menor custo, sem a necessidade de um representante e sem
os desgastes inerentes ao litígio judicial, dando concretude ao acesso à justiça, de forma
eficiente e adequada.

3.1. A EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA COM AS PLATAFORMAS ONLINE DE RESOLUÇÃO DE


CONFLITOS

Diante da distinção proposta no presente trabalho entre ODR e ADR online


(especificamente pela presença da “quarta parte”), passa-se a examinar as plataformas online
adotadas no exterior, com foco na resolução online de conflitos, sem tratar especificamente
do uso (ou não) da inteligência artificial.
Assim, diante das reduzidas dimensões do presente trabalho, passaremos a analisar 3
(três) plataformas estrangeiras com perfis bem diferentes de resolução de conflitos: o sistema
do e-Bay (desenvolvida pelo próprio site que administra as relações comerciais online), a
plataforma europeia de resolução de litígios online (uma plataforma independente que visa
solucionar conflitos havidos em compra e venda online dentro da União Europeia), e, por
fim, o Tribunal de Resolução Civil de British Columbia (tribunal administrativo online que
tem fases interessantes de resolução de conflitos, mas, se não for possível solucionar, já é
possível obter uma solução adjudicada).
O leading case da resolução online de conflitos é o caso e-Bay, uma plataforma de
compra e venda online que, desde 1995, conecta compradores e vendedores ao redor do
mundo.
Pois bem, a primeira medida adotada por seus fundadores para estancar os conflitos
oriundos das relações comerciais concretizadas por intermédio de sua plataforma foi a
inserção de ferramenta para avaliação das transações – o que atualmente é uma praxe em
todas as plataformas de compra e venda online –, permitindo que os usuários adquirissem
reputação, visando à redução de riscos e de transações contestadas.
Posteriormente, foi desenvolvido projeto piloto de mediação online entre compradores
e vendedores via e-mail, que, à época, já apresentava índices de sucesso superiores a 50%27.
Os sucessivos avanços na plataforma e-Bay levaram-na ao seu atual estágio de
desenvolvimento, consistente em um sistema próprio de resolução de conflitos (e-Bay

26 “Big Data é o termo empregado para designar um conjunto de dados tão grande e complexo, capaz de reunir e processar
uma quantidade de informações que leva a acreditar que estamos diante da totalidade do que se tem disponível acerca de
determinado tema. Tal conceito funda-se sobre aquilo que se convencionou chamar `5 Vs`: os aspectos velocidade, volume
e variedade, articulados com os fatores veracidade e valor.”(.” (TRINDADE, André Karam; ROSA, Alexandre Morais da. O Big
Data e a lógica da performance quantitativa no Poder Judiciário. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-
set-05/diario-classe-big-data-logica-performance-quantitativa-poder-judiciario. Acesso em: 28 set.19) 2019.)
27 E-Bay. Disponível em: www.ebay.com. Acesso em: 25 set.18 2018.

110
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Resolution Center), que possui fases não cumulativas, visando que o conflito seja encerrado
em um dos “degraus” propostos. Esse sistema conta com pouquíssima intervenção humana
e gerencia mais de 60 milhões de conflitos por ano, com 90% de sucesso28.
Sob outro prisma, vale destacar a plataforma europeia de resolução de litígios online,
que se dedica a resolver conflitos decorrentes de compras e vendas online nos países da
União Europeia.
Como já destacado, o avanço da tecnologia modificou o perfil das relações comerciais
e, atualmente, a maior parte dos consumidores da União Europeia (57%) faz compras online,
sendo certo que 33% adquire produtos de outros países do bloco, resultando em uma média
de 21% de relações que desaguam em conflitos.
Essa plataforma atualmente atende 31 países e está disponível em 25 idiomas. Apenas
nos 2 primeiros anos de funcionamento da ferramenta foram mais de 4 milhões visitas, que
resultaram no registro de mais de 50 mil queixas, totalizando uma média de 2 mil queixas
por mês, número que aumenta sobremaneira na época de natal.
A sistemática é a seguinte: a partir do momento em que o consumidor registra a
reclamação, a plataforma notifica o fornecedor e as partes podem iniciar o diálogo, com a
possibilidade de troca de arquivos e realização de reunião online. As partes têm o prazo
de 90 (noventa) dias para firmar o acordo, mas podem abandonar o procedimento a
qualquer tempo.
Caso as partes não consigam chegar a um acordo no prazo acima ou prefiram a
participação de um terceiro na negociação, a plataforma oferece às partes a opção de recorrer
a uma entidade de resolução de litígios, inaugurando prazo de 30 (trinta) dias para formular
o acordo, sob pena de extinção do procedimento na plataforma29.
Além das plataformas online de resolução de conflitos mencionadas, vale destacar
o Tribunal de Resolução Civil de British Columbia30, que é uma corte online (tribunal
administrativo) com procedimento mais complexo, que vale ser examinado.
Esse Tribunal online possui jurisdição31 para julgar conflitos referentes a acidentes
com veículos automotores envolvendo valores até $50.000,00 (cinquenta mil dólares);
disputas relativas a imóveis (questões entre proprietários, inquilinos, etc.); pequenas causas
envolvendo compra e venda de produtos ou serviços; empréstimos e débitos; construções

28 WERNECK, Isadora. “Online Dispute Resolution (ODR) e a (Des)Necessidade de formulação de reclamação prévia.”. In:
NUNES, Dierle; LUCON, Paulo Henrique dos Santos; WOLKART, Erik Navarro (Coords.). Inteligência artificial e direito pro-
cessual. Salvador: Juspodivm, 2020. p. 111-112.
29 Disponível em: https://ec.europa.eu/consumers/odr/main/?event=main.home.howitworks. Acesso em: 11 jun.20 2020.
30 SALTER, Shannon; THOMPSON, Darin. Public-Centred Civil Justice Redesign: A Case Study of the British Columbia Civil
Resolution Tribunal, 2017. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2955796. Acesso em: 01
mai. 192019.
31 “On July 13, 2016, the CRT began accepting condominium disputes. About a year later, on June 1, 2017, the CRT assumed
jurisdiction of small claims disputes $5,000 and under. The monetary threshold for claims within the CRT’s jurisdiction will
slowly increase, by regulation, until the CRT becomes the mandatory forum in British Columbia for claims under $25,000.
Consistent with the CRT’s public-focused approach, the next phases of the technology development, namely expanding the
case management system and the CRT’s communication tools, will be informed by feedback from the CRT’s early partici-
pants. In fact, in the first forty-eight hours after beginning to accept claims, the CRT made agile and transparent changes to
the CRT’s website, processes, rules, and intake form in response to feedback from participants. Continuous improvement
is a core value for the CRT, and this improvement involves consulting with the public, testing processes with stakeholders,
listening closely, incorporating feedback, and then doing all of this again and again.” (SalterSALTER, Shannon. ONLINE DIS-
PUTE RESOLUTION AND JUSTICE SYSTEM INTEGRATION: BRITISH COLUMBIA’S CIVIL RESOLUTION TRIBUNAL.Online Dispute
Resolution and Justice System Integration: British Columbia’s Civil Resolution Tribunal. Windsor Yearbook of Ac-
cess to Justice/Recueil annuel de Windsor d’accès à la justice, 34 (1), p. 112–129. Disponível em: https://www.erudit.org/
en/journals/wyaj/2017-v34-n1-wyaj03386/1043018ar.pdf. Acesso em: 27 set.19 2019.)

111
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

e reformas; relações de emprego; propriedade de bens tangíveis e intangíveis; e litígios de


qualquer valor envolvendo sociedades e cooperativas32.
Em linhas gerais, sua atuação visa à resolução de conflitos mediante o estabelecimento
de fases, em que busca o engajamento das partes entre si e com o próprio tribunal,
maximizando as chances de resolução mais democrática da disputa.
Importante ter em mente que o Tribunal de Resolução Civil de British Columbia é uma
jurisdição dirigida por pessoas e está baseado no conhecimento humano. Nesse caso específico,
a tecnologia é uma ferramenta usada para conectar o jurisdicionado aos especialistas da
corte online, que estarão empenhados na solução do problema com custo mínimo.
Por se tratar de uma ferramenta totalmente inclusiva – que busca afastar as barreiras
de acesso ao judiciário tradicional, especialmente os custos, o tempo e a assimetria de
informações – o tribunal também disponibiliza serviços analógicos para aqueles usuários que
não tem acesso à tecnologia ou preferem não utilizá-la, resolvendo os conflitos via telefone
ou manifestações escritas33.
Com efeito, o procedimento conta com as seguintes fases: esforços pessoais
(oportunidade de negociar direto com a parte contrária), facilitação (partes são assistidas por
um terceiro imparcial para facilitar o acordo consensual) e a fase adjudicatória (membro do
tribunal impõe uma decisão às partes).
É o que se passa a analisar34.
Na primeira etapa do procedimento, o usuário acessa a plataforma solution explorer,
desenvolvida para assisti-lo na compreensão e na resolução do conflito. Essa ferramenta traz
um questionário objetivo em linguagem simples, de forma que a plataforma possa fazer o
diagnóstico do problema.
Ainda nessa primeira fase – em que não é coletada nenhuma informação pessoal e
está disponível gratuitamente – o sistema informa os direitos potencialmente relevantes e
as respectivas obrigações. Para facilitar a compreensão pelo usuário leigo as informações
podem ser veiculadas em textos escritos ou vídeos, como forma de transpor a barreira da
linguagem.
Uma vez compreendido o alcance do direito pleiteado pela parte, o sistema fornece
ferramentas de autoajuda (para esforços pessoais) e auxilia a parte a preparar modelos de
cartas, por exemplo.
Se o usuário preferir o uso da ferramenta, nesse momento é instaurado o procedimento
colaborativo, em que as partes são chamadas a prestarem informações sobre o problema e
indicarem suas posições, além de trazerem as provas disponíveis. Nesse momento, a Corte

32 Disponível em: https://civilresolutionbc.ca/how-the-crt-works/getting-started/#what-are-the-crts-rules. Acesso em: 27


set.19 2019.
33 “One of the promises of online dispute resolution [ODR], and technology generally, is that it will increase access to justice
by removing barriers like cost, time, and information asymmetry. In doing so, it would offer an answer to the Action Com-
mittee’s call to provide dispute resolution that is more proportional and tailored to the needs of the public. (…) For those who
are unable or unwilling to use technology to resolve their dispute, the tribunal provides paper-based or telephone-based
services.” (SalterSALTER, Shannon. ONLINE DISPUTE RESOLUTION AND JUSTICE SYSTEM INTEGRATION: BRITISH COLUMBIA’S
CIVIL RESOLUTION TRIBUNAL.Online Dispute Resolution and Justice System Integration: British Columbia’s Civil
Resolution Tribunal. Windsor Yearbook of Access to Justice/Recueil annuel de Windsor d’accès à la justice, 34 (1), p.
112–129. p. 113-114. Disponível em: https://www.erudit.org/en/journals/wyaj/2017-v34-n1-wyaj03386/1043018ar.pdf.
Acesso em 27 set. 192019.)
34 Informações extraídas do site oficial. Disponível em: https://civilresolutionbc.ca/how-the-crt-works/getting-starte-
d/#what-are-the-crts-rules. Acesso em: 27 set.19 2019.

112
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

analisa a competência e, caso não seja competente, o conflito será remetido ao tribunal
membro com competência para dirimir a disputa.
Se a corte online for competente é iniciada a segunda fase, denominada de negociação,
em que as partes têm a oportunidade de resolver o caso diretamente, com pouca interferência
do tribunal e baixo custo.
Assim, os interessados podem se comunicar pelo meio que considerarem mais
adequado (telefone, correspondências ou meio eletrônico), sendo certo que os contatos são
monitorados pelo tribunal, a fim de identificar eventuais abusos ou assédio, únicas hipóteses
em que se verifica a sua intervenção direta.
Importante ter em mente que essa fase não resolve a maior parte dos conflitos, mas
serve para empoderar as partes com opções de resolver a disputa.
Na sequência, inicia-se a terceira fase do procedimento: a facilitação. Essa etapa busca
a resolução consensual e flexível de disputa, mediante a participação dos facilitadores
(funcionários do tribunal com experiência em resolução de conflitos). A função do facilitador
é afastar as barreiras de acesso à justiça, prestando todos os esclarecimentos às partes e
ajudando a chegar a uma solução customizada do conflito.
A rigor, a primeira medida adotada pelo facilitador é se certificar que as partes
compreenderam o conflito, esclarecer eventuais questões duvidosas, além de solicitar mais
informações ou provas às partes. Em seguida, o facilitador revisa a disputa e busca formas
de facilitar a resolução via acordo, podendo sugerir soluções neutras ou apontar a forma que
o tribunal tem a tendência de decidir esse tipo de caso.
Se as partes chegarem a um acordo, o facilitador auxilia na sua redação e pode submeter
à chancela de um membro do tribunal, para que se torne um título judicial exequível. Em caso
de não ser possível o acordo, o facilitador assume a função de gestor do caso e prepara as
partes para a fase de adjudicação, explicando o procedimento dali em diante, além de revisar
os pedidos pendentes, identificar fatos e provas relevantes e preparar os argumentos para a
última fase: a adjudicação.
A última etapa tem o propósito de alcançar uma solução final para o conflito que será
imposta às partes. Trata-se de processo adversarial, em que as partes apresentam seus
pedidos e argumentos. Com relação às provas, o especialista poderá determinar a produção
de outras provas, a fim de garantir a justiça da decisão para partes autorrepresentadas. Ao
final, a decisão é enviada por e-mail e essa ordem tem força de título executivo.
Trata-se, portanto, de modelo com ênfase nas necessidades, interesses e limitações do
jurisdicionado, para quem a justiça deve servir. O uso da abordagem adequada, com o dispêndio
dos esforços necessários para a solução do caso concreto, enseja um processo colaborativo,
com gestão processual e, quando necessário, um processo adversarial adjudicatório. Tudo
isso com o uso da tecnologia para aproximar as partes e facilitar a comunicação.
Apenas para que se possa ter uma ideia de sua eficiência, até o mês de maio/202035
foram submetidas 16.820 disputas, sendo 15.162 resolvidas, 1.658 pendentes, além de 418
novos casos recebidos naquele mês.
Em suma, a resolução online de conflitos por intermédio de plataformas ou tribunais é

35 Disponível em: https://civilresolutionbc.ca/crt-statistics-snapshot-may-2020/.https://civilresolutionbc.ca/crt-statistics-


snapshot-may-2020/. Acesso em: 11 jun.20 2020.

113
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

uma realidade mundial, que viabiliza a solução adequada para conflitos menos complexos,
melhorando não apenas a eficiência e a efetividade, como o próprio acesso à justiça.

3.2. AS PLATAFORMAS ONLINE COMO FORMA DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS NACIONAIS

No plano nacional, sem prejuízo de importantes plataformas online desenvolvidas


por legaltechs36, a ferramenta online de resolução de conflitos que mais chama atenção é o
consumidor.gov37.
Criada em 2014 pela Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), essa plataforma
funciona como um intermediador que viabiliza o diálogo entre fornecedor e consumidor, com
o objetivo de estimular a resolução consensual de conflitos consumeristas, que, como se
sabe, abarrotam o Poder Judiciário.
Importante registrar que essa plataforma tem uma atuação bastante limitada, pois não
conta com a “quarta parte” (interferência da inteligência artificial na resolução de conflitos)
e tampouco oferece métodos de conciliação, mediação ou arbitragem. Em nossa visão, não
se trata propriamente de uma ferramenta de ODR, mas certamente é um primeiro passo
do governo para romper com a cultura do litígio e incentivar os métodos consensuais de
resolução de conflitos.
Em termos práticos, a plataforma funciona da seguinte forma: o consumidor acessa a
ferramenta, faz seu cadastro pessoal e busca a empresa que causou sua insatisfação. Se a
empresa estiver cadastrada (o cadastramento e a participação nesse projeto são opcionais),
o consumidor poderá registrar a sua insatisfação (há limitação no número de caracteres para
tornar a reclamação bem objetiva), que será comunicada à empresa responsável.
Por sua vez, a empresa terá o prazo de 10 (dez) dias para apresentar sua resposta
– dentro desse período, poderá solicitar outros esclarecimentos aos consumidores – que
será disponibilizada ao consumidor. Ao final, o consumidor avalia o retorno da empresa,
classificando de acordo com seu índice de satisfação.
A plataforma governamental aposta na publicidade e na transparência para estimular a
adesão de consumidores e fornecedores, maximizando sua eficácia.
Sob esse prisma, a ferramenta disponibiliza os indicadores, ranqueando as empresas
de acordo com a sua performance na plataforma, de acordo com os índices de solução e
satisfação dos consumidores, os prazos médios de resposta e as reclamações respondidas.
Essa iniciativa do governo merece aplausos, pois permite não apenas a desjudicialização
dos conflitos, como também o empoderamento dos consumidores, que passam a ter a chance
de resolver por conta própria questões de natureza mais simples.
Os resultados colhidos revelam grande eficiência e efetividade da plataforma, com
uma média de 80% (oitenta por cento) de reclamações solucionadas em prazo médio de 7
(sete) dias.

36 Acordo Fechado, Acordo Legal, Adam, ConciliaBr, Concilie já, Concilie online, D`Acordo, EConciliador, ITKOS, JUSPRO,
Justto, Leegol, Mediar 360, Mediar Tech, Melhor Acordo, MOL, Quero Reclamar, Sem processo, Vamos Conciliar. (JUNQUILHO,
Tainá Aguiar. “Resolução On-line de Conflitos.”. In: Inteligência artificial e direito processual. NUNES, Dierle; LUCON,
Paulo Henrique dos Santos; WOLKART, Erik Navarro (Coord.). Salvador: Juspodivm, 2020. p. 192-193.).
37 Todas as informações foram colhidas no site oficial da plataforma. Disponível em: https://www.consumidor.gov.br/pa-
ges/principal/?1569680425180. Acesso em: 27 set. 2019.

114
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Embora não se negue a importância da plataforma sob o ponto de vista prático


(resultados eficientes e efetivos) e cultural (mudança de paradigmas sociais), acreditamos
que ela poderá ser aprimorada para fornecer ferramentas de conciliação e mediação ou,
quem sabe, se valer de algoritmos e ferramentas de inteligência artificial para maximizar
ainda mais seus resultados.
Registre-se, por fim, o projeto do Conselho Nacional de Justiça de integrar a plataforma
consumidor.gov ao PJe38, a fim de permitir que o jurisdicionado, ao ingressar com uma ação
judicial contra uma das empresas cadastradas na plataforma, poderá tentar uma negociação
online, sem que isso atrase ou interfira no andamento do processo judicial.
Reconhecemos que a intenção do CNJ é boa, mas não nos parece a melhor forma de
tratar a questão. Depois de contratar advogado e ajuizar a ação é mais difícil que o consumidor
esteja aberto a fazer qualquer concessão em relação ao direito que está pleiteando, além
do interesse de seu advogado nos honorários sucumbenciais, o que poderá o alcance do
consenso.
Ainda temos muito para evoluir internamente com o uso de tecnologia nas plataformas
online de resolução de conflitos, viabilizando o consenso, sem a necessidade de acionar o
Judiciário, especialmente em litígios de menor complexidade.

4. Conclusão

Nesse cenário de crise do Poder Judiciário, em que o uso judicial da tecnologia – ao


menos, por ora – não está sendo suficiente para resolver a litigância excessiva, afigura-se
necessário pensar em outras aplicações tecnológicas para colaborar na redução de litígios.
Nesse ponto, as plataformas online de resolução de conflitos se destacam como
ferramentas com grande potencial para assumir o protagonismo na resolução dos litígios
de menor complexidade, na medida em que maximizam o acesso das pessoas aos métodos
de autocomposição, reduzindo o tempo, o custo e as dificuldades operacionais, que,
eventualmente, podem desestimular os litigantes e os operadores do direito a buscar os
centros de mediação/conciliação.
A experiência estrangeira revela o sucesso de plataformas com diferentes características,
que podem (e devem) ser usadas como inspiração para sua aplicação para a realidade nacional,
com as adaptações pertinentes.
Sob o prisma nacional, já temos inúmeras legaltechs oferecendo serviços de plataformas
online de resolução de conflitos, mas, em nosso sentir, esse nicho de mercado ainda está
sendo subutilizado pelos operadores do direito e precisa ganhar maior visibilidade.
Por sua vez, a plataforma consumidor.gov ganhou destaque nos últimos anos e, apesar
de seus recursos ainda serem relativamente limitados, apresenta resultados animadores, que
revelam o acerto da iniciativa e justificam investimentos governamentais e políticas públicas
de expansão, a fim de que essa ferramenta possa ser explorada, impactando ainda mais na
redução da litigância.
Note-se, ainda, que os avanços da inteligência artificial revelam que as verdadeiras

38 Disponível em: https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1570544381.96. Acesso em 11 jun. 2020.

115
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

plataformas de Online Dispute Resolution (ODR) – em que se identifica a quarta parte – têm
tudo para revolucionar os métodos consensuais de resolução de conflitos, pois o big data
poderá auxiliar no balizamento de acordos e tratamento das informações nos contatos
mantidos entre as partes, aumentando as chances de êxito.
Portanto, forçoso reconhecer que a revolução digital alcançou o universo jurídico e veio
para ficar, assumindo a missão de trazer eficiência e efetividade para a resolução de conflitos,
inclusive em âmbito extrajudicial.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

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118
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

A ANULAÇÃO DE MEDIAÇÃO
HOMOLOGADA EM JUÍZO EM RAZÃO
DE ATOS PRATICADOS POR
FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS

Osmar Mendes Paixão Côrtes

1. Introdução

O presente estudo tem como objetivo analisar a possibilidade de mediação homologada


judicialmente ser anulada por vícios decorrentes de atos praticados por funcionários públicos
que dela tenham participado.
É sabido que servidores e empregados públicos que participam de processos de
composição extrajudicial de conflitos têm suas responsabilidades previstas especificamente
em lei. Pela natureza dos atos eventualmente viciados cabe analisar se pode-se postular a
anulação de uma mediação homologada judicialmente.
Para tanto, inicialmente, são feitas considerações sobre a anulação de sentenças
homologatórias de mediação, destacando o plano onde ocorrem os vícios que ocasionam as
nulidades.
Em um segundo momento, trata-se da participação de funcionários públicos em
mediações, referindo a regulamentação legislativa da responsabilidade do servidor e do
empregado, observando-se que a legislação vem evoluindo no sentido da proteção do

119
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

trabalhador e da própria moralidade da Administração Pública.


Posteriormente, trata-se de do dolo e da fraude, elementos ensejadores da
responsabilização dos servidores e empregados públicos que participam de mediações para
responder-se à pergunta se a configuração da responsabilidade pode levar à anulação da
mediação. E, ao final, após as premissas lançadas, encontra-se a conclusão.

2. Breves considerações sobre a anulação de sentenças ou termos de mediação

Os atos jurídicos podem ser eivados de vícios. E há instrumentos (ação rescisória e


ação anulatória) que servem para atacar os vícios que atingem os atos jurídicos no segundo
plano (o da validade-nulidade).
Vale lembrar que um fato do mundo real passa a ser um fato jurídico quando sobre
ele incide norma jurídica, vale dizer, quando acontece no mundo real o que está previsto na
norma jurídica (preenchimento do suporte fático) tem existência um fato jurídico. A partir daí
verifica-se se ele é apto a produzir efeitos, se tem eficácia jurídica.
Entre esses dois planos, o da existência e o da produção de efeitos (eficácia), há o plano
da validade, que, explica Antônio Junqueira de Azevedo, no que diz respeito aos negócios
jurídicos, deve ser examinado tendo em vista que “seus efeitos estão na dependência
dos efeitos que foram manifestados como queridos”1, exigindo o direito, portanto, que a
declaração de vontade preencha certos requisitos.
O preenchimento de pressupostos2 indispensáveis diz respeito à existência de um
fato, ato ou negócio jurídico. São pressupostos gerais aos atos jurídicos – agente, objeto,
forma, tempo e lugar3.
Em um segundo momento, cumpre verificar se foram observados os requisitos previstos
em lei, inerentes ao ato, para saber se o ato existente vale. Antônio Junqueira de Azevedo,
para quem “o plano da validade é próprio do negócio jurídico”4, afirma que a validade é
“a qualidade que o negócio deve ter ao entrar no mundo jurídico, consistente em estar de
acordo com as regras jurídicas”5.
Para que algo valha, ensina Pontes de Miranda, é preciso que exista, não tendo sentido
falar-se de validade ou de invalidade a respeito do que não existe, pois os conceitos de
“validade ou de invalidade só se referem a atos jurídicos, isto é, a atos humanos que entraram
(plano da existência) no mundo jurídico e se tornaram, assim, atos jurídicos”6.
Em momento posterior, se existente e válido o ato, investiga-se se está apto a produzir
efeitos, se é ou não eficaz. Discute-se se a eficácia é a produção dos efeitos programados
pela norma e queridos pelo agente (efeitos típicos), ou se é a aptidão para produzir efeitos.
Entendemos referir-se à aptidão para produzir efeitos.

1 Negócio Jurídico: Existência, Validade e Eficácia. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 31.
2 Foi utilizada a palavra pressuposto por considerada mais técnica. Antônio Junqueira de Azevedo (Op. Cit. p. 29), utiliza a
palavra elemento relacionado com existência. À validade relaciona requisitos, e à eficácia fatores.
3 Antônio Junqueira de Azevedo fala em elementos gerais do negócio jurídico - intrínsecos (forma, objeto, circunstâncias
negociais) e extrínsecos (agente, lugar e tempo). Op. cit. pp. 31-33.
4 Op. cit. p. 40. No mesmo sentido, Pontes de Miranda defende que a validade “só diz respeito aos negócios jurídicos e aos
atos jurídicos stricto sensu” (Tratado de Direito Privado. Tomo IV. 4 ed. p. 4).
5 Id. p. 41.
6 Op. cit. pp. 6-7.

120
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

A regra é essa – um plano precede o outro. Primeiro, o da existência; depois, o da


validade e, por fim, o da eficácia.
No direito civil, a nulidade não é, por regra, fruto de decretação judicial, salvo se a lei
exigir e os atos inexistentes e nulos não podem ser convalidados, enquanto que os anuláveis
podem. Já no âmbito processual, as nulidades devem sempre ser decretadas.
Uma decisão judicial viciada no plano da validade, pode ser objeto de ação rescisória
ou de ação anulatória. As medidas são distintas, todavia.
À luz do CPC anterior havia muita controvérsia em determinados casos se deveria ser
utilizada a rescisória ou a anulatória. Quando o ataque se dirigia a uma sentença – cabia
decidir o que seria uma sentença meramente homologatória ou de mérito, nos termos dos
artigos 485 e 486 revogados.
O Código de Processo Civil vigente dispôs no § 4º, do artigo 966, que “os atos de
disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e
homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução,
estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.” Ou seja, para atacar uma decisão homologatória
deve-se utilizar da ação anulatória e apontar os vícios identificados na legislação civil. Os
atos homologados em juízo são anuláveis e não rescindíveis.
Mas, de se notar que apesar da referência expressa no dispositivo a atos de disposição
de direitos praticados pelas partes ou outros participantes do processo, qualquer outro ato
que vicie a homologação pode ser objeto de anulação.
A importância do assunto para o tema objeto do presente estudo reside na circunstância
de que a Lei 13.140/2015 expressamente prevê, no parágrafo único do artigo 20, que “o
termo final de mediação, na hipótese de celebração de acordo, constitui título executivo
extrajudicial e quando homologado judicialmente, título executivo judicial.”
Ou seja, o termo de mediação, levado a juízo, será homologado e terá valor e natureza
de título executivo judicial (artigo 515, III, do CPC) só podendo ser anulado (e não rescindido)
se viciado nos termos da legislação civil.
Aliás, vale lembrar o estímulo dado pela legislação vigente à mediação, esse meio
autocompositivo de solução de controvérsias pelo qual um terceiro imparcial auxilia os
envolvidos a resolverem ou a prevenirem um litígio.

3. Regulamentação da responsabilidade de servidores e empregados públicos em


mediações7

A Administração Pública pode integrar e realizar mediações. E os funcionários públicos


que dela participarem têm toda uma regulamentação acerca de uma eventual responsabilização.
O artigo 37 da Constituição Federal traz uma norma genérica sobre a responsabilidade
dos servidores públicos. O parágrafo 6 é expresso ao dispor que “as pessoas de direito
público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos
que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso

7 Especificamente sobre a participação de servidores, vide nosso artigo “Responsabilidade dos servidores e empregados
públicos que participam de mediações”, publicado no recente livro Mediação e Arbitragem (PINHO, Humberto Dalla Ber-
nardina de. RODRIGUES, Roberto de Aragão Ribeiro (Coords.). v. II. Santa Cruz do Sul: Essere nel Mondo, 2020.).

121
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.


O Código de Processo Civil também trata do assunto. No artigo 184, prevê que o
“membro da Advocacia Pública será civil e regressivamente responsável quando agir com
dolo ou fraude no exercício de suas funções”. Ou seja, a Fazenda é responsabilizada
diretamente e o membro da Advocacia Pública responderá regressivamente se agir com dolo
ou fraude. Daniele e Eduardo Talamini bem anotam que se a Fazenda tiver que indenizar a
parte adversária ou o terceiro, “apenas poderá ressarcir-se junto ao advogado público se esse
tiver agido dolosa ou fraudulentamente”8.
Note-se que a Constituição Federal, ao falar em culpa, estabelece regime de
responsabilidade do servidor público em geral em termos mais amplos do que o CPC que,
por sua vez, especificamente quanto aos advogados públicos exige a comprovação de dolo
ou fraude.
Vale lembrar que já a Lei 8.429/92, no artigo 11, caracterizava como ato de improbidade
do servidor:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade,
imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto,
na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva
permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva
divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de
mercadoria, bem ou serviço.
VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de
parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas.  
IX - deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação.
X - transferir recurso a entidade privada, em razão da prestação de serviços na área de
saúde sem a prévia celebração de contrato, convênio ou instrumento congênere, nos
termos do parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.        
   
A Lei 13.140/15 preocupou-se em tratar da responsabilidade do servidor que participa
da mediação. O artigo 40 expressamente protege os funcionários públicos que participarem
do processo de composição extrajudicial do conflito:

Art. 40. Os servidores e empregados públicos que participarem do processo de


composição extrajudicial do conflito, somente poderão ser responsabilizados civil,
administrativa ou criminalmente quando, mediante dolo ou fraude, receberem qualquer
vantagem patrimonial indevida, permitirem ou facilitarem sua recepção por terceiro, ou
para tal concorrerem.

Humberto Dalla e Marcelo Mazzola anotam que para “blindar esses servidores, no
exercício de suas atribuições, eles somente poderão ser responsabilizados civil, administrativa

8 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e outros (Coords.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 3 ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 631.

122
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

ou criminalmente, quando, mediante dolo ou fraude, receberem qualquer vantagem


patrimonial indevida, permitirem ou facilitarem sua recepção por terceiro”9.
A legislação específica, assim, aproximou-se do Código de Processo Civil ao
responsabilizar o servidor público quando for caso de dolo ou fraude. Na hipótese de culpa
ou de não resolução do conflito por qualquer óbice, o servidor não será responsabilizado
pelo fracasso da mediação.
Importante, nessa linha, que o servidor materialize o que for possível, dentro das
exigências legais. Humberto Dalla e Marcelo Mazzola10 trazem interessante observação – como
a Fazenda tem inúmeros benefícios processuais, para que utilize outro meio de resolução de
conflito, deve haver uma justificativa para tanto. Aí, vale anotar a relevância de se fundamentar
analiticamente e exaustivamente o porquê da utilização da mediação por exemplo.
Isso, inclusive, para a proteção do servidor envolvido no procedimento, a fim de que
eventualmente possa ser utilizada a proteção prevista no artigo 40 da Lei da Mediação.
Vale ser observado, ainda, que o referido artigo também prevê que, além do dolo ou da
fraude, para que o servidor seja punido (civil, administrativa ou criminalmente), é necessário
que se verifique que ele tenha uma vantagem patrimonial indevida (recebimento de dinheiro,
imóvel, presente, etc.), ou participe de qualquer relação que facilite o recebimento por terceiro
de alguma vantagem.
No nosso entender, pode ser considerada como vantagem patrimonial não apenas aquela
direta, que importe em um imediato aumento no patrimônio (imóvel, dinheiro ou qualquer
objeto de valor), mas, também, aquela indireta, que possa levar no futuro ou mediatamente
a um aumento patrimonial (troca de favores que importe em uma compensação futura,
recebível no futuro ou condicionada).
Por fim, vale referir que o artigo 28 da LINDB, incluído pela Lei 13.655/2018, trouxe
disposição no sentido de que: “o agente público responderá pessoalmente por suas decisões
ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”.
Embora não seja lei específica para a mediação, pode-se concluir que há uma tendência
a se prestar cada vez mais atenção ao comportamento do servidor/agente público, que deve
exercer suas atividades com zelo, prudência e atenção.
Assim, o servidor que participar do processo de mediação deve ter a garantia de não
ser punido, exceto se verificadas as condições acima previstas – dolo ou fraude, vantagem
patrimonial ou auxílio a terceiro que venha a receber vantagem patrimonial.
Isso para tornar possível e interessante a participação no processo de composição
extrajudicial. Imagine se qualquer frustração de uma mediação levar à responsabilização? Ou
se um eventual óbice externo (como o não oferecimento de nenhum benefício à Administração)
puder ser entendido como capaz de levar à punição do servidor?
Com certeza a mediação tornar-se-ia desinteressante e poucos assumiriam o risco de
conduzi-la ou dela participar.
Já se anotou que a Administração deve ter algum benefício para que se torne atraente
participar de uma composição extrajudicial, até porque tem inúmeras vantagens quando é
parte em um processo judicial.

9 DALLA, Humberto. MAZZOLA, Marcelo. Manual de Mediação e Arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 180.
10 Op. cit. p. 181.

123
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

As vantagens para a Administração não podem se confundir com vantagens para os


servidores que representam a Administração e participam de uma mediação, obviamente.
E estes empregados públicos e servidores devem ter garantias, como as do artigo 40.
Tampouco a culpa se faz suficiente. Exige-se o dolo ou a fraude como elementos para
a caracterização do ato ilícito e da consequente responsabilização administrativa, civil e
criminal do agente.
Uma última observação, no ponto, merece ser feita. O legislador houve por bem
especificar que, tanto o servidor como o empregado público, podem ser responsabilizados
e gozam da garantia de punição apenas quando configurados dolo ou fraude (além da
vantagem). Isso porque, tanto na Administração Pública Federal Direta quanto em Autarquias
e Fundações, a maioria dos quadros de pessoal é preenchido por servidores estatutários, mas
há, também, trabalhadores em regime de emprego.

4. A responsabilização dos servidores e empregados públicos por dolo ou fraude


leva à anulação da mediação?

A legislação processual e a específica estimulam o uso dos métodos de solução


consensual de conflitos, bastando notar que o Código de Processo Civil, já no artigo 3,
parágrafos 2 e 3, especifica que o Estado promoverá, quando possível, a solução consensual
dos conflitos e que a mediação, assim como outros métodos, deverá ser estimulada por
juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, extrajudicial ou
judicialmente.
O Código de Processo Civil especifica, ainda, no parágrafo 11, do artigo 334, que, em
audiência de conciliação ou mediação, a “autocomposição obtida será reduzida a termo e
homologada por sentença”.
Homologados em juízo ou não, como podem ser os termos de mediação, é fato que
a esfera judicial deve conviver com as formas alternativas de resolução de conflitos. E o
Poder Judiciário deve evitar ao máximo desprestigiar instrumentos como os da mediação e
da arbitragem anulando-os sem justificativa razoável ou em casos de vícios graves.
A seguinte decisão, nesse sentido, bem ilustra essa preocupação ao validar mediação
feita mesmo sem previsão prévia em cláusula como a de arbitragem.

EMENTA.
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. SOCIETÁRIO. AÇÃO DE EXECUÇÃO ESPECÍFICA
DE CLÁUSULA ARBITRAL (LEI 9.307/96). ACORDO DE ACIONISTAS. PREVISÃO DE
SOLUÇÃO ALTERNATIVA DE CONFLITOS: RESOLUÇÃO POR MEDIAÇÃO OU ARBITRAGEM.
COMPATIBILIDADE. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA (VAZIA). EXISTÊNCIA. FORÇA
VINCULANTE. VALIDADE. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. O convívio harmônico dos juízos arbitrais com os órgãos do Judiciário constitui ponto
fundamental ao prestígio da arbitragem.
Na escala de apoio do Judiciário à arbitragem, ressai como aspecto essencial o da
execução específica da cláusula compromissória, sem a qual a convenção de arbitragem
quedaria inócua.
2. Não se pode ter como condição de existência da cláusula compromissória que a
arbitragem seja a única via de resolução admitida pelas partes, para todos os litígios e
em relação a todas as matérias.
3. É válida, assim, a cláusula compromissória constante de acordo que excepcione ou
reserve certas situações especiais a serem submetidas ao Judiciário, mormente quando

124
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

essas demandem tutelas de urgência.


4. Do mesmo modo, a referência à mediação como alternativa para a resolução de
conflitos não torna a cláusula compromissória nula. Com efeito, firmada a cláusula
compromissória, as partes não estão impedidas de realizar acordo ou conciliação,
inclusive por mediação.
5. Apenas questões sobre direitos disponíveis são passíveis de submissão à arbitragem.
Então, só se submetem à arbitragem as matérias sobre as quais as partes possam
livremente transacionar. Se podem transacionar, sempre poderão resolver seus conflitos
por mediação ou por arbitragem, métodos de solução compatíveis.
6. A ausência de maiores detalhes na previsão da mediação ou da arbitragem não invalida
a deliberação originária dos contratantes, apenas traduz, em relação à segunda, cláusula
arbitral “vazia”, modalidade regular prevista no art. 7º da Lei 9.307/96.
7. Recurso especial conhecido em parte e desprovido.” (STJ – RESP 1331100/BA. Relator
para acórdão Ministro Raul Araújo. Quarta Turma. DJ de 22/02/2016).

Cabe, então, a análise de se uma mediação homologada judicialmente pode ser objeto
de uma ação anulatória se o servidor ou empregado público que dela tenha participado agir
por dolo ou fraude.
O dolo é tratado nos diversos ramos do direito.
A legislação civil trata inicialmente do dolo no artigo 145 do Código Civil quando prevê
que “são os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa”. E os artigos
seguintes são dedicados a eventuais consequências de uma anulação de negócio jurídico
viciado pelo dolo. O Código revogado também trazia disposições no mesmo sentido (a partir
do artigo 92).
Mas é importante referir em que plano do direito civil encontra-se o dolo, para melhor
compreendê-lo. Encontra-se no segundo plano, da validade, já referido.
Pontes de Miranda situa o dolo como uma causa de anulabilidade dos atos jurídicos.
Ou seja, o ato doloso existe e a falha está em um momento posterior. Nas suas palavras,
dolo, “causa de não-validade dos atos jurídicos, é o ato, positivo, ou negativo, com que,
conscientemente, se induz, se mantém, ou se confirma outrem em representação erronêa”11.
Em sentido amplo, a doutrina o conceitua como a conduta astuciosa que induz alguém
à prática de um negócio jurídico, viciando a manifestação de vontade que só se consuma se
a enganação existir. O dolo objetiva prejudicar a outra parte do negócio jurídico.
Segundo José Delgado e Luiz Manoel Gomes Júnior, o “dolo pode resultar tanto de ações
comissivas quanto de omissivas. O que importa, em qualquer dessas modalidades de agir, é
que a conduta seja astuciosa, viciada pelo artifício, pelo estratagema ou ardil.”12.
A consciência do prejuízo não é exigida, apesar de quase sempre quem procede com
dolo saber que a outra pessoa foi ou pode vir a ser prejudicada.
E o dolo, embora não seja a regra, pode ocorrer também por omissão, quando houver
o aproveitamento do erro de outrem, desde que haja o dever de falar ou de esclarecer. Aliás,
no ponto, vale anotar as espécies de dolo, segundo classificação do Código Civil:
a) dolo acidental – artigo 146;
b) dolo provocado por omissão – artigo 147;
c) dolo de terceiro – artigo 148;
d) dolo do representante legal – artigo 149;

11 Op. cit. p. 326.


12 DELGADO, José Augusto. Comentários ao Código Civil Brasileiro. v. II. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 512.

125
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

e) dolo cometido por ambas as partes – artigo 150;

Pontes de Miranda, detidamente, analisa os elementos essenciais do dolo13:

a) tratar-se de fato suscetível de ser objeto de comunicação de conhecimento;


b) o agente deve saber que se trata de falso enunciado de fato;
c) o agente deve conhecer a determinação provocativa, fortalecente ou mantenedora
do dolo;
d) o agente deve querer que a pessoa manifeste a vontade viciada.

E, em seguida, distingue que não é essencial para o dolo a obtenção de vantagem


patrimonial, o que é de extrema importância para o presente texto. Isso porque, exige-se para
responsabilizar o servidor ou empregado público que participe da mediação, além do dolo,
uma vantagem patrimonial. São dois elementos distintos portanto, que não se confundem –
deve haver o dolo E uma vantagem patrimonial.
No direito penal, o dolo é tratado no mais das vezes no plano da culpabilidade e
pressupõe a vontade. Segundo José Frederico Marques, “o dolo é assim a vontade do agente
dirigida para o fato descrito como crime. A ação é voluntária porque não provém de fatores
internos ou externos que obrigam a vontade a atuar no mundo exterior; e é dolosa porque o
elemento psíquico focaliza e procura uma conduta considerada delitiva.”14.
E ele pode ser direto ou indireto, dependendo de o resultado ter se materializado
conforme a vontade do agente. Direto é o dolo quando o resultado exterior corresponder
exatamente à intenção e à vontade do agente. E indireto é o dolo quando o querer do agente
não tem apenas um sentido ou direção – a ocorrência delituosa é criada na mente do autor,
mas o ato volitivo não é unívoco. Não há, no dolo indireto, a diretriz precisa do dolo direto.
E a melhor doutrina o divide em dolo alternativo e em dolo eventual. Frederico Marques
bem explica a distinção:

É alternativo o dolo quando o agente quer um ou outro dos resultados possíveis de


sua ação. Ele atira para ferir ou para matar, de maneira que o resultado é sempre
doloso porque previsto e representado no momento intelectivo do dolo, e também pela
aceitaçãoo de ambos quando a vontade faz deflagrar a ação delituosa.
No dolo eventual, o agente prevê o resultado como possível e o admite como consequência
de sua conduta, muito embora não queira propriamente atingi-lo. O indivíduo assumiu o
risco de produzi-lo, muito embora o escopo de sua vontade não seja este.15

Analisando a legislação sobre improbidade administrativa, o Superior Tribunal de


Justiça tende a reafirmar a necessidade do elemento subjetivo dolo a ensejar a punição do
servidor:

Ementa.
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
“PREFEITO DE CAMPINÁPOLIS/MT. ALEGAÇÃO DE PROMOÇÃO PESSOAL INDEVIDA EM
JORNAL LOCAL (FOLHA DO ARAGUAIA). ART. 11 DA LEI 8.429/92. ELEMENTO SUBJETIVO
(DOLO) NÃO CONFIGURADO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A Lei da Improbidade
Administrativa (Lei 8.429/92) objetiva punir os praticantes de atos dolosos ou de

13 Op. cit. p. 332.


14 MARQUES, José Frederico. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1956. p. 200-201.
15 Id. p. 203-204.

126
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

má-fé no trato da coisa pública, assim tipificando o enriquecimento ilícito (art. 9o.),
o prejuízo ao erário (art. 10) e a violação a princípios da Administração Pública (art.
11); a modalidade culposa é prevista apenas para a hipótese de prejuízo ao erário (art.
10). 2. Não se tolera, porém, que a conduta culposa dê ensejo à responsabilização do
Servidor por improbidade administrativa; a negligência, a imprudência ou a imperícia,
embora possam ser consideradas condutas irregulares e, portanto, passíveis de sanção,
não são suficientes para ensejar a punição por improbidade; ademais, causa lesão à
razoabilidade jurídica o sancionar-se com a mesma e idêntica reprimenda demissória a
conduta ímproba dolosa e a culposa (art. 10 da Lei 8.429/92), como se fossem igualmente
reprováveis, eis que objetivamente não o são. 3. O ato ilegal só adquire os contornos
de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da
Administração Pública coadjuvada pela má-intenção do administrador, caracterizando a
conduta dolosa; a aplicação das severas sanções previstas na Lei 8.429/92 é aceitável,
e mesmo recomendável, para a punição do administrador desonesto (conduta dolosa)
e não daquele que apenas foi inábil (conduta culposa). 4. No presente caso, a conduta
imputada ao recorrente (e destacado na Sentença e no Acórdão condenatórios) consiste
na suposta realização de promoção pessoal indevida nos meses de agosto e setembro
de 2003, quando, em Jornal Local (Folha do Araguaia), houve publicação de matéria
jornalística que apresentava a imagem do recorrente e trechos do periódico que
afirmavam o seguinte: A Administração do prefeito Joaquim Matias Valadão saiu na frente
e já deu inicio às obras; (...); O Bananeira está de parabéns por ter conseguido incluir
Campinápolis dentro do programa de construção de casas populares do Governo Blairo, já
no primeiro ano. Não podemos esquecer e sempre devemos lembrar: ele (prefeito) corre
atrás das coisas; Joaquim Bananeira, o político do Vale do Araguaia. 5. Insta salientar,
ainda, que a primeira passagem do periódico que foi apontado na Sentença possui
caráter informativo acerca das ações governamentais, enquanto a segunda alude a um
comentário feito por um morador do próprio Município de Campinópolis/MT, sendo o
terceiro insuficiente para a configuração de ato de improbidade. 6. Ademais, não houve
associação à conduta do recorrente do elemento subjetivo doloso, qual seja, o propósito
desonesto, não havendo que se falar, portanto, em cometimento de ato de improbidade
administrativa tipificado no art. 11 da Lei 8.429/92. Precedentes: REsp. 939.142/RJ, Rel.
Min. FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão Min. LUIZ FUX, DJe 10.04.2008; AgRg no REsp.
1.260.963/PR, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 14.05.2012. 7. Recurso Especial
provido, para absolver o recorrente da conduta ímproba que lhe é imputada, a despeito
do parecer Ministerial oficiar pelo seu desprovimento. (STJ – RESP 1186192/MT. Relator
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Primeira Turma. DJ de 02/12/2013).

Também exigindo o dolo, ainda que genérico:

EMENTA.
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. IRREGULARIDADE
EM PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. ATO QUE ATENTA CONTRA OS PRINCÍPIOS DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO GENÉRICO COMPROVADO. 1.
Na hipótese dos autos, não há falar em reexame do contexto fático-probatório, pois
a quaestio iuris requer apenas a revaloração de fatos incontroversos já delineados
nos autos e das provas devidamente colhidas ao longo de toda a instrução probatória,
bem como a discussão, meramente jurídica, acerca da interpretação a ser dada
sobre os fundamentos apontados pelas instâncias de origem. 2. In casu, nota-se que
efetivamente houve dolo, ao menos genérico, no sentido de frustrar procedimento
licitatório, valendo destacar fundamento e constatação do Juízo singular a respeito da
controvérsia: “(...) Conclui-se, deste modo, que, na verdade quem realizou memorial
descritivo, orçamento quantitativo, memorial de cálculo e cronograma físico financeiro
da ampliação do centro de idoso foi Solismar Costa, o qual possuía impedimento legal
para tanto, por ser servidor público. Impende destacar ainda, que restou demonstrado
nos autos o conluio entre as empresas requeridas para direcionar a licitação, eis que
referido procedimento licitatório foi deflagrado apenas com um projeto arquitetônico
incompleto e desacompanhado dos demais projetos fundamentais, não só para a
execução da obra, como também para oferta de preços pelas empresas requeridas.
Nesse sentido é a prova pericial produzida: ‘O projeto apresentado pelo poder público
a fim de basear a composição dos valores da licitação estava incompleto e omisso quanto
aos materiais e serviços a serem executados’ (fls. 1665). ‘Pode-se observar no item

127
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

4.4 e seus subitens deste laudo que tais projetos são necessários para um levantamento
quantitativo e de valores, pois são os projetos que detalharão e pré-dimensionarão todas
as instalações a serem executadas”. (fls. 1667, quesito 04)’. Corrobora, ainda, com o
acima, a prova oral, na medida que o depoimento pessoal do réu Elber Fabiano Turra,
confirma a necessidade dos projetos para a proposta objetiva de preços na licitação:
‘ELBER FABIANO TURRA, engenheiro que assinou os projetos, em seu depoimento
pessoal, afirmou que na opinião do depoente, na qualidade de engenheiro civil,
entende ser possível a elaboração de proposta de valores da obra, mesmo sem o projeto
arquitetônico estar completo, entretanto será realizado por estimativa, sendo que a
fiscalização desta fica complicada em razão da ausência de especificidades’. Portanto,
se as propostas, ainda que possível de serem realizadas por estimativa, é certo que as
empresas requeridas não poderiam, sem prévio conluio, estimar valores tão próximos
quanto os das propostas apresentadas, com variações mínimas de centenas de reais,
entre umas e outras, considerando que o valor do objeto da licitação era considerável
(+78.000,00). Ademais, as empresas requeridas apresentaram as propostas de preços
confeccionadas de comum acordo, eis que todas foram redigidas com a mesma
estrutura de texto, ou seja, mesmas palavras, frases, parágrafos, definições de letras
em maiúsculas e minúsculas, além da mesma representação dos números arábicos e por
extenso, indicando que foram escritas por uma única pessoa, conforme documentos de
fls. 57, 68 e 74. (...)” 3. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do
REsp 951.389/SC, firmou jurisprudência no sentido de que, para a configuração do
ato de improbidade que atenta contra os princípio da Administração Pública (Art. 11 da
LIA), faz-se necessária a análise do elemento volitivo, consubstanciado pelo dolo, ao
menos genérico, de agir no intuito de infringir os princípios regentes da Administração
Pública. 4. Dessarte, verificada a presença de dolo genérico no caso dos autos, mister
sejam restabelecidas as sanções impostas em sentença aos recorridos Solismar Costa e
Tânia Mara Gnoatto & Cia. LTDA. 5. Recurso Especial parcialmente provido. (STJ – RESP
1708170/PR. Rel. Min. Herman Benjamin. Segunda Turma. DJ de 12/03/2019)

Todavia, de se lembrar que o artigo 28 da LINDB (incluído pela Lei 13.655/2018) prevê
a punição do agente público em caso de dolo e, também, de erro grosseiro.
Sobre a fraude, a legislação civil trata mais especificamente da fraude contra credores,
que é também uma causa de anulabilidade do negócio jurídico, consoante o disposto no
artigo 158 do Código Civil.
Conforme a doutrina civilista, ela não é um vício de vontade propriamente dito, mas o
vício que a caracteriza é social, pois o negócio é celebrado de encontro aos interesses dos
credores (que não participam do ato negocial).
Já no direito penal, a fraude em geral é tratada dentro do tipo do estelionato, que tem
justamente na fraude a sua característica primordial. Damásio de Jesus a define como o
“engodo empregado pelo sujeito para induzir ou manter a vítima em erro, com o fim de obter
um indevido proveito patrimonial”16.
Importante destacar que a vítima é levada a erro por quem se utiliza de meio fraudulento.
Na verdade ela pode, além de ser levada a erro, ser mantida em erro.
E a doutrina alinha-se no sentido de que o resultado deve ser duplo: obtenção de
vantagem ilícita e prejuízo alheio.
Ou seja, o sujeito que obtém a vantagem ilícita deve causar um prejuízo a terceiro, seja
induzindo a erro ou mantendo em erro a vítima. O prejuízo deve ser efetivo e não apenas
potencial.
Então, pode-se sintetizar que são essenciais que se façam presentes para a caracterização
da fraude: prejuízo efetivo e vantagem ilícita.

16 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. v. I. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 374.

128
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Configurados dolo ou fraude, na linha do que acima anotado, o funcionário público que
participou da mediação será responsabilizado. Trata-se de uma garantia para quem participa –
só será punido nessas hipóteses previstas na legislação – e, ao mesmo tempo, para o Estado.
Mas, ocorrendo dolo ou fraude, o empregado ou o servidor será responsabilizado civil,
administrativa e até criminalmente.
E, havendo essa responsabilização, constatada a ocorrência de um dos elementos –
dolo ou fraude – o ato em si tornar-se-á viciado (plano da validade). A mediação, assim,
deverá ser anulada por consequência, nos termos da lei civil – vício de vontade ou social que
torna o ato nulo.
Homologada judicialmente, a nulidade não será reconhecida de plano, mas dependerá
de manifestação judicial.
Mesmo que facilitado pelo já constatado dolo/fraude que ensejou a responsabilização
do servidor ou empregado público, deverá ser ajuizada ação de anulação (e não rescisória)
nos termos do parágrafo 4º, do artigo 966, do Código de Processo Civil, já que as nulidades
em processo dependem sempre de decretação judicial.

5. Conclusão

A mediação, enquanto método consensual de resolução de conflitos, tem sido cada vez
mais estimulada. A atual legislação processual a adota, inclusive, como diretriz. E a legislação
específica a regulamenta de forma detalhada.
A Administração Pública pode participar e promover mediações, nos termos da lei.
Os princípios da isonomia, moralidade, etc., devem ser preservados. Todos os participantes
devem agir conforme a legislação civil, administrativa e penal.
Por outro lado, os servidores ou empregados públicos que participam de mediações
devem ter garantias, até para que a participação não seja desestimulada. A Lei 13.140/2015,
então, prevê que a responsabilização deve ocorrer em hipóteses restritas, como quando
verificado dolo ou fraude.
Havendo esse reconhecimento, está viciado o ato da mediação, por vício social ou de
vontade.
Nos termos do Código de Processo Civil vigente, tendo havido a homologação judicial
da mediação, a via própria para atacar o ato viciado e anulá-lo deve ser a de uma ação
anulatória (não havendo mais dúvida de que não serve para o fim a via rescisória).
Mas deve haver o ajuizamento da ação, não se podendo de plano considerar nulo o ato.

Referências

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São Paulo: Thomson Reuters, 2020.

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129
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

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Editora Revista dos Tribunais, 2016.

130
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

MEDIAÇÃO COMO TUTELA


DE CONFLITOS DE CONSUMO:
UMA ANÁLISE DO DIREITO COMPARADO

Plinio Lacerda Martins


Sergio Gustavo Pauseiro
Marcella da Costa Moreira de Paiva

1. Introdução

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) estabelece no artigo


4º a Política Nacional das Relações de Consumo, destacando entre os diversos princípios,
a necessidade de incentivo de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de
produtos e serviços, “assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de
consumo” 1.
Nesse sentido, surge na sociedade contemporânea a justiça multiportas como meio
alternativo de acesso à justiça, independente da jurisdição2. Os métodos alternativos de
solução de conflitos, entre eles a mediação, vem hoje suprir a crise que a Justiça atravessa,
com elevado grau de litigiosidade, morosidade e custo.

1 O Inciso V do artigo 4 do CDC assim dispõe: incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de
qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo.
2 CABRAL, Antonio do Passo; CUNHA, Leonardo Carneiro da. “Negociação direta ou resolução colaborativa de disputas
(collaborative law): ‘mediação sem mediador.’” In: ZANETI JR., Hermes; CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Justiça Multiportas.
Salvador: Juspodivm, 2016.

131
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Hodiernamente, exige-se, que o consumidor procure primeiro um sistema de proteção


ao consumidor para formular a sua reclamação e, após, faça o registro do seu pedido perante
o Judiciário na hipótese de não atendimento a reclamação, demonstrando, assim, que não é
carecedor do direito de ação, ou seja; que há interesse na pretensão resistida deduzida em
Juízo, em atenção ao princípio da demanda resistida. Mas, como fica a teoria da asserção?
Na realidade, o Código de Defesa do Consumidor recomenda, no artigo 26, que o
consumidor reclame dos seus direitos de forma comprovada perante o fornecedor com
objetivo de obstar o prazo decadencial (§ 2º). Entretanto, não lhe impõe a obrigatoriedade
de propor ação somente após a demanda ser resistida por meio de um sistema de defesa do
consumidor.
Essas considerações preliminares buscam destacar a importância da mediação nos
conflitos de consumo ou mesmo conciliações, como no caso do sistema da plataforma
“consumidor.gov”, que é um excelente método de composição de conflito de consumo.
Contudo, a exigência do Judiciário para aceitar a reclamação do consumidor somente após
o registro e proposta de solução por meios alternativos de composição de conflito é algo
que ultrapassa a razoabilidade do direito do consumidor, implicando em flagrante afronta ao
princípio da inafastabilidade da jurisdição3.
Nessa linha, a mediação utilizada pelos países da Espanha e Portugal servem de
exemplo para os Procons sem a necessidade compulsória de exigência de condicionamento
da reclamação em meios alternativos que não seja a Justiça. O modelo espanhol possui a
previsão de um sistema multiportas, mas apresenta incongruências na mediação de consumo.
Busca-se, diante destes aspectos, analisar a mediação como instrumento para acesso
à justiça no âmbito consumerista, perpassando pela análise do sistema espanhol e brasileiro
de proteção ao consumidor, de forma comparativa.

2. Desjudicialização, Acesso à Justiça e Mediação

Durante a modernidade, o Estado concentrou os meios pacíficos de resolução de conflitos


e o próprio uso da força e da coerção. No entanto, há um movimento, iniciado em 1960,
de retorno do protagonismo das partes na solução de disputas, a partir do informalismo,
privatismo e civilismo, aderindo métodos extrajudiciais e consensuais4. Tal processo implica
a informalização do Poder Judiciário e, consequentemente, as reformas do sistema judicial
direcionadas para os jurisdicionados5
Inicialmente, as remodelações foram realizadas para ampliar o acesso dos cidadãos à
jurisdição estatal, sendo inseridas a justiça gratuita e a redução de custos, implementadas a

3 Há várias decisões judiciais de extinção de ação, por alegada ausência de interesse de agir da parte autora, em função da
mesma ter deixado de buscar a via administrativa para tentar solucionar seu conflito de consumo, com menção explícita
à ferramenta governamental denominada consumidor.gov.br. Ilustra-se como exemplo a decisão da 1ª vara Cível de Santa
Luzia/MA, que indeferiu petição inicial do consumidor que não comprovou ter buscado solução consensual de conflito com
uma instituição financeira, através da plataforma digital www.consumidor.gov.br. Processo n. 0802095-76.2019.8.10.0057.
TJMA. Sentença publicada em 29/03/2020.
4 SANTOS, Boaventura de. O Estado e o Direito na transição pós-moderna: Para um novo senso comum sobre o poder
e o direito; Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 30, jun. de 1990, p. 15-16.
5 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Jurisdição e pacificação: limites e possibilidades do uso dos meios consensuais
de resolução de conflitos na tutela dos direitos transindividuais e pluri-individuais. Curitiba: CRV, 2017.

132
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

modernização dos tribunais e as Defensorias Públicas etc. – primeira onda6. Depois, se tornou
necessária especialização dos tribunais e a representação de interesses difusos – segunda
onda7. Na terceira onda, há uma ampliação do conceito de acesso à justiça, abrangendo os
meios judiciais e extrajudiciais8.
Gradualmente, o Estado passou por um processo de diminuição, adotando a postura
de fiscalizador e de regulador e, nesse sentido, veio também o incentivo aos métodos
extrajudiciais de resolução de controvérsias9. Sob o aspecto jurisdicional, o Estado também
adota uma função minimalista, como gerenciador de conflitos, incentivando as partes a
optarem pelo método mais adequado10.
Com isso, abandona-se a perspectiva positivista e legalista de aplicação e interpretação
do direito como ideia de justiça e jurisdição, em prol da efetiva tutela do direito material
conflituoso e da concretização de direitos fundamentais11. Isso resulta em modificações
dos sistemas de pacificação social, mediante deslegalização e desregulação, em direção à
possibilidade de uso de mecanismos informais e extrajudiciais pela sociedade civil12.
Diante deste cenário, a percepção de acesso à justiça é modificada, sofrendo uma
releitura para abranger os métodos extrajudiciais. Cumpre recordar que a própria conceituação
de justiça e o direito de acesso a esta remetem ao iluminismo e às revoluções liberais. A
justiça equivale a uma base da sociedade moderna, envolvendo a distribuição de direitos e
deveres de forma razoável, mediante a maximização de benefícios e minimização de danos,
para haver um equilíbrio1314.
O acesso à justiça, por sua vez, é um direito de primeira geração, que se referia
inicialmente à possibilidade de acesso ao Poder Judiciário. Tal direito está imbricado no Estado
de direito, garantindo a isonomia dos cidadãos de acesso a um processo justo15. Frente a sua
morosidade da prestação jurisdicional, o direito passou por renovações, principalmente, a
partir das reformas de retorno ao protagonismo das partes. Com isso, o acesso à justiça deve
ser entendido como o direito dos jurisdicionados buscarem a satisfação do direito material
pelo método de resolução de conflitos que optarem uma satisfação do direito material,
seguindo a noção sociológica de jurisdição16.
Nesse passo, o Brasil passou por reformas judiciais para a inserção e o estímulo para
a adoção de meios alternativos de resolução de conflitos. Em 1996, veio a Lei de Arbitragem
(Lei n. 9.307/96), regulamentando a arbitragem no país. Contudo, o arcabouço jurídico dos
métodos alternativos de resolução de conflitos (MARC) surgiu com o Código de Processo

6 CAPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988.
7 Ibidem.
8 Ibidem. p. 67.
9 SANTOS, Boaventura de. O Estado e o Direito na transição pós-moderna: Para um novo senso comum sobre o poder
e o direito; Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 30, jun. de 1990, p. 26.
10 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. MAZZOLA, Marcelo. Manual de mediação e arbitragem. São Paulo: Saraiva
Educação, 2019. p. 53.
11 Paiva, Marcella da Costa Moreira de. Tribunal arbitral e ética discursiva. Dissertação (mestrado)-Universidade Fed-
eral Fluminense, Niterói, 2019.
12 SANTOS, Boaventura de. O Estado e o Direito na transição pós-moderna: Para um novo senso comum sobre o poder
e o direito; Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 30, jun. de 1990, p. 17.
13 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisettae, Lenira M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 7-8.
14 HANSEN, Gilvan Luiz. “A resolução de conflitos no estado democrático de direito: Uma perspectiva habermasiana”. In:
BANNWART JUNIOR, Clodomiro José. FACHIN, Zulmar Antonio. (Orgs.). Direito e filosofia: diálogos. 1. ed. Campinas: Mil-
lenium, 2012. p. 103-104.
15 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. MAZZOLA, Marcelo. Manual de mediação e arbitragem. Op. Cit. p. 55-56.
16 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 189-190.

133
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Civil (Lei n. 13.015/15), a Lei de Mediação (Lei n. 13.140/15) e a Resolução nº 125, de


29/11/2010, do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional
de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário.
Tal resolução, alterada recentemente pela Resolução nº 326, de 26/06/2020, ressalta
que os órgãos judiciários devem oferecer outros mecanismos de resolução de conflitos, em
especial, mediação e conciliação, assim como trata das atribuições do CNJ e dos tribunais a
respeito. A Resolução nº 118 de 2014, do Conselho Nacional do Ministério Público, dispõe no
mesmo sentido, prevendo a obrigação do parquet – institucionalmente e de seus membros –
na promoção de métodos de autocomposição.
O país realizou a renovação do Poder Judiciário no sentido de direcionamento para
o incentivo do protagonismo dos jurisdicionados e os métodos alternativos de solução de
controvérsias (MARC). Este aspecto está evidente no texto do Código de Processo Civil e,
especialmente, no art. 3°, § 3º, que dispõe o estímulo para tais mecanismos deverão ser feito
pelos juízes advogados, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública. O próprio
Estado incorporou a conciliação e a mediação, de modo que é possível a realização destas
no âmbito judicial ou extrajudicial. Com isso, a perspectiva do CPC de inafastabilidade da
jurisdição ultrapassa o conceito de Poder Judiciário, seguindo o fenômeno da desjudicialização
e a informalização da justiça17. Diante do mencionado, os MARCs são vislumbrados como
formas de concretização do acesso à justiça, dentro da terceira onda e do ordenamento
jurídico brasileiro atual.
Os MARCs se baseiam na autonomia de vontade das partes, de modo que, mediante
acordo de vontades, os envolvidos podem afastar a jurisdição estatal. Isto ocorre, inclusive,
no caso da mediação e da conciliação, tanto na modalidade judicial quanto extrajudicial,
podendo as partes voluntariamente participarem ou não da audiência, a partir da manifestação
do seu interesse ou desinteresse.
A mediação é um método de autocomposição de caráter consensual em que as
partes, mediante o auxílio do mediador, decidem a controvérsia conjuntamente, a partir da
comunicação e da compreensão mútua. Com efeito, permite a prevenção de novas disputas
pela reconstrução da capacidade de entendimento, por meio de diálogo, para a pacificação
do conflito. Neste sentido:

Em tal cenário, destacou-se a dinâmica do espaço e do tempo da mediação como cultura e


técnica adequadas ao tratamento de conflitos, concebendo-se, assim, o sentido presente
da função social e jurídica da justiça mediática e preventiva ao propiciar a efetivação da
cidadania e da democracia como princípios que rendem um caminho pedagógico entre
os que se envolveram em conflitos18

Somente podem ser dirimidos por meio da mediação os conflitos que versem sobre
direitos disponíveis ou direitos indisponíveis que admitam a transação (art. 3°, Lei n. 13.140
de 2015). Por conseguinte, a transacionalidade é elemento que deve ser verificado nos direitos
para que seja possível sua resolução por tal método.

17 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. MAZZOLA, Marcelo. Manual de mediação e arbitragem. Op. Cit. p. 52.
18 GAGLIETTI, Mauro. GAGLIETTI, Natália. “Os conflitos no âmbito do consumo como experiência de educação cidadã na
cultura da mediação”. In: SOBRINHO, Liton Lanes Pilau. ZIBETTI, Fabíola Wüst. SILVA, Rogerio da. (Orgs.) Balcão do Consu-
midor: coletânea cidadania, mediação e conciliação. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2018. p. 174.

134
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Quanto ao aspecto principiológico, a mediação deve ser orientada pela


imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade, busca
do consenso, confidencialidade e boa-fé (art. 2°, Lei n. 13.140 de 2015). Desta forma,
o mediador deve agir sem preferência por uma das partes, estimulando o diálogo
e a busca pelo consenso entre elas. Pela isonomia, atribui-se as partes as mesmas
oportunidades. Com a informalidade e a oralidade, o procedimento ganha celeridade
e facilita a comunicação entre os participantes. A boa-fé, por seu turno, é essencial
para o método atinja o seu objetivo de compreensão mútua. Por fim, o dever de
confidencialidade abrange as partes e o mediador, não podendo as informações ali
trazidas serem divulgadas a terceiros sem o consentimento das partes (art. 30, Lei n.
13.140 de 2015).

3. Mediação no Direito do Consumidor Brasileiro

Na sociedade de consumo, os consumidores adquirem bens e serviços para a


satisfação de seus interesses e necessidades, enquanto os fornecedores fornecem tais bens
e serviços em busca de lucro e da fidelização da clientela19. Embora não haja uma relação
necessariamente continuada, deve haver interesse do fornecedor em manter uma boa
relação com o consumidor, ainda mais frente a cultura do cancelamento20 e o ativismo digital
contra empresas que desrespeitam normas consumeristas. Por conseguinte, o empresário
deve optar por mecanismos de solução de conflitos que busquem a reconstrução do elo
entre os contraentes, evitando o desgaste da relação.
No âmbito do consumo, há relações específicas entre os consumidores e fornecedores
que são ditadas pelo mercado e pelo capitalismo, em face das necessidades e interesses
serem relativos a bens e serviços. Nesse sentido:

As práticas de consumo podem ser percebidas como um campo de disputas entre as


determinações da esfera da produção e os diferentes modos de apropriação social de
bens e serviços21

Deste modo, existe um campo de disputas bastante particular, cujo tratamento dos
conflitos deve ser manuseado a partir da lógica do microssistema jurídico consumerista. É
cediço que é norteado pela ideia de hipossuficiência do consumidor perante o fornecedor,
pressuposição esta que deve reger todo o sistema de defesa de direitos consumeristas e a
própria forma de resolução de conflitos.
No Brasil, há a judicialização de conflitos oriundos de relações de consumo e grandes
fornecedores comumente – principalmente dos setores financeiro e de telefonia – constam entre

19 GAGLIETTI, Mauro. GAGLIETTI, Natália. “Os conflitos no âmbito do consumo como experiência de educação cidadã na
cultura da mediação”. Op. Cit. p. 165-166.
20 A cultura do cancelamento é um movimento de ativismo digital que se iniciou voltada para o linchamento virtual de insti-
tuições e pessoas com posturas racistas ou sexistas. Entretanto, o ativismo nas redes sociais se expandiu para reclamações
em outras áreas, como o tratamento de forma não cordial a consumidores e publicidades abusivas ou enganosas.
21 GAGLIETTI, Mauro. GAGLIETTI, Natália. “Os conflitos no âmbito do consumo como experiência de educação cidadã na
cultura da mediação”. Op. Cit. p. 162.

135
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

os mais demandados judicialmente22. Adicionalmente, os números de ações consumeristas


assustam, em 2014, chegaram a mais de dois milhões de novos casos23.
Para a modificação deste cenário, é imperiosa a conscientização e educação dos
consumidores para mudar a postura combativa e conflituosa. Ademais, requer, principalmente,
um processo educacional para as empresas, de modo que compreendam a função dos métodos
consensuais e os seus potenciais de restauração de diálogo e, consequente, melhora da
relação dos clientes.
No tocante ao campo consumerista, é imperioso observar que a defesa do consumidor
está ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, da CRFB) e ao objetivo
da erradicação da pobreza e marginalização (art. 3°, III), sendo base para a redução das
desigualdades sociais24.
O art. 4°, V, do Código de Defesa do Consumidor prevê como princípio da Política
Nacional de Relações de Consumo o incentivo ao uso de métodos alternativos de resolução de
conflitos25. Em sentido semelhante, o inciso III do mesmo dispositivo prevê a harmonização
dos interesses dos participantes, que deve ser lido em conjunto com o inciso supracitado26.
Deste modo, verifica-se que há, no âmbito do Direito do Consumidor brasileiro, a previsão para
a criação de sistemas de MARCs, mediante tais disposições, foram instituídos os processos
administrativos no Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon) e a plataforma
digital “Consumidor.gov”.
A mediação viabiliza a consecução dos princípios processuais constitucionais da
celeridade e da duração razoável do processo e do princípio consumerista da efetiva prevenção
de danos ao consumidor27 (art. 6, VI, do CDC). Isso decorre do entendimento dos fatores
que geraram o conflito, do restabelecimento da comunicação das partes e da prevenção de
controvérsias. Em adição, deve-se ressaltar que a mediação é reconhecida como forma de
acesso à justiça e à ordem jurídica justa (Enunciado 14 da I Jornada de Prevenção e Solução
Extrajudicial de Litígios).
Embora seja a mediação mais indicada para conflitos em que os envolvidos possuem
maior convivência28, também é proveitosa em situações em que as partes pretendem manter

22 CNJ. Sumário Executivo: Justiça Pesquisa. Políticas Públicas do Poder Judiciário. Os maiores litigantes em ações con-
sumeristas: mapeamento e proposições, 2018. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2018/01/
bd8f715ca9ae1f539cd2d15421e843e7.pdf. Acesso em: 19 jul. 2020.
23 “Somente em 2014, foram mais de dois milhões de casos novos envolvendo responsabilidade do fornecedor ou
indenização por dano moral, situando o assunto como o terceiro mais demandado de todos os tribunais, com pelo menos
4% de todas as novas demandas do ano de 2014 (Justiça em Números 2015)” (CNJ, 2018, p. 7).
24 MARTINS, Guilherme M. A Mediação e os Conflitos de Consumo. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, nº 63, p. 71-83, jan./mar. 2017. p. 77.
25 Andressa Michel aponta três blocos fundamentais para a criação de qualquer programa de mediação: (a) definição de
critérios para determinar quem pode participar do programa; (b) forma de ingresso no programa; (c) desenvolvimento de
mecanismos práticos para a condução do programa. Ilustra comentários a respeito do art. 4º, V, da Lei 8.078/90, enten-
dendo com base na necessidade de proporcionar alternativas menos custosas e mais céleres para resolver os litígios, dando
margem ao surgimento da técnica do design de sistemas de disputas, envolvendo métodos sistemáticos para solucionar
conflitos complexos ou recorrentes. Trata-se de um sistema que envolve procedimentos elaborados sob medida para a
resolução de controvérsias, com o objetivo de promover eficiência e reduzir os custos, além de incentivar a participação
das partes na satisfação do fim pretendido. (MICHEL, Andressa. Programas de mediação e acidentes de consumo: um
estudo prático de métodos alternativos de resolução de conflitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v.
80, p. 237-273, out./dez. 2011. p. 242).
26 MARTINS, Guilherme M. A Mediação e os Conflitos de Consumo. Op. Cit. p. 78.
27 DAMITZ, Caroline; SANTOS, Cássio Henrique. “A mediação e a conciliação como instrumentos de efetivação dos direitos
do consumidor”. In: SOBRINHO, Liton Lanes Pilau. ZIBETTI, Fabíola Wüst. SILVA, Rogerio da. (Orgs.) Balcão do Consumidor:
coletânea cidadania, mediação e conciliação. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2018.
28 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo: Método, 2018. p. 50.

136
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

relações futuras, como ocorre nos casos consumeristas. É inegável ainda seus potenciais
reconstrutivos em casos relativos a contratos continuados, como a prestação de serviço.
A mediação, em alguns ordenamentos jurídicos, como o espanhol, é regulamentada
conforme o assunto que versa, sendo a mediação de consumo diferenciada da cível ou
comercial. Tal opção legislativa atenta às peculiaridades de cada um dos sistemas em que
se insere. No caso da mediação de consumo, envolve as disputas relativas à apropriação de
bens e serviços.

Mediación de consumo: es un procedimiento voluntario de resolución extrajudicial de


conflictos mediante el cual las personas consumidoras y los empresarios o empresarias
promueven la obtención de una solución consensuada a un conflicto, con la intervención
de una persona mediadora formada en mediación que actúa de manera imparcial, experta
y neutral (art. 2.1, do Decreto 98 de 2014 da Comunidade Autônoma da Calunha).

Portanto, a mediação de consumo, no sistema espanhol, é extrajudicial e voluntária


voltada para a resolução de conflitos entre consumidores e empresários, mediante a intervenção
de um mediador de forma imparcial, para a facilitação da comunicação e do atingimento de
um consenso entre as partes. No caso brasileiro, há a possibilidade de mediação judicial e
extrajudicial, mas propõe-se, no presente artigo, um procedimento sem intervenção do Poder
Judiciário.
Diante do exposto, a mediação consiste em um mecanismo importante dentro de
um sistema democrático e de concretização da cidadania, mediante os seus potenciais
comunicativos e pedagógicos. No caso brasileiro, o seu uso já é consagrado, inclusive, na
tutela coletiva. No caso do acidente aéreo da TAM de 2007, foi definido um sistema de
disputas multiportas, no qual havia a mediação extrajudicial com participação da Secretaria
de Desenvolvimento Econômico do Ministério da Justiça, do MP e da Defensoria Pública e
do Procon do Estado de São Paulo29. Essa metodologia foi seguida posteriormente no caso
do acidente aéreo da AirFrance com participação do Procon do Estado do Rio de Janeiro, do
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e de Secretaria de Desenvolvimento Econômico
do Ministério da Justiça.
Ademais, o Brasil possui a mediação em câmaras privadas cadastradas no Cadastro
Nacional de Mediadores Judiciais e Conciliadores (CCMJ) e nos Centros Judiciários de Solução
de Conflitos e Cidadania (CEJUSC’s), ambas de caráter judicial. Contudo, há a possibilidade de
as partes submeterem os conflitos à mediação extrajudicial em câmaras privadas.
Não há propriamente a realização de mediação de consumo por órgãos públicos não
vinculados ao Poder Judiciário, como ocorre no sistema espanhol. Ressalta-se que a resolução
de conflitos no Consumidor.gov é constantemente confundida com uma mediação, porém se
refere a uma plataforma online de resolução de conflitos em que os consumidores registram
suas reclamações e o site intermedia o contato com o fornecedor. Há no site, assim como no
Reclame Aqui, uma negociação entre as partes, agindo a plataforma apenas no contato entre
ambos, sem o uso de técnicas de facilitação da comunicação ou de entendimento mútuo.

29 MICHEL, Andressa. Programas de mediação e acidentes de consumo: um estudo prático de métodos alternati-
vos de resolução de conflitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, vol. 80, p. 237-273, out./dez. 2011. p. 243.

137
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

4. Mediação no Sistema Espanhol de Defesa do Consumidor

A União Europeia, assim como o Brasil, enfrentou reformas no sistema de resolução


de conflitos e apresenta diretivas para que os países do bloco adotem métodos alternativos.
O primeiro documento da UE sobre o tema foi Recomendação da Comissão de 30 de março
de 1998 relativa aos princípios aplicáveis aos organismos responsáveis pela resolução
extrajudicial de litígios de consumo (98/257/CE), prevendo os princípios da independência,
da transparência, do contraditório, da eficácia, da legalidade, da liberdade e da representação.
Não é necessariamente destinada à mediação, mas aos MARC’s em que a atuação do terceiro
é ativa, como arbitragem e conciliação30 Em seguida, a Recomendação da Comissão de 04
de abril de 2001 (2001/310/CE) adicionou os princípios da imparcialidade e da equidade, se
direcionando para a mediação.
Em 2008, a UE editou a Diretiva de Mediação (Diretiva 2008/52/CE do Parlamento Europeu
e do Conselho) para incentivar o uso da mediação pelos Estados-membros, que somente previa
para os casos cíveis e mercantis, excluindo a mediação de consumo de sua incidência (art. 2°).
A previsão legal europeia dispõe que deverá ser voluntária e pode ser iniciada pelas partes,
indicada ou sugerida por órgãos jurisdicionais ou ser determinada por lei (art. 3°).
Posteriormente, foi publicada a Diretiva 2013/11/CE, Diretiva sobre a Resolução
Alternativa de Litígios de Consumo31 com aplicação em conflitos nacionais e transfronteiriços,
na qual deixa evidente, em seu artigo 1°, que a legislação dos Estados da UE podem prever
a obrigação de participação das partes em MARC’s, desde que não haja impedimento para o
acesso ao judiciário. Nessa direção, países, como Espanha e Portugal, passaram a prever a
arbitragem compulsória como mecanismo prévio na resolução de controvérsias consumeristas.
Em Portugal a Lei n. 144/2015, transpõe a Diretiva 2013/11/UE, do Parlamento Europeu
e do Conselho, de 21 de maio de 2013, sobre a resolução alternativa de litígios de consumo,
estabelece o enquadramento jurídico dos mecanismos de resolução extrajudicial de litígios
de consumo, e revoga os Decretos-Leis n. 146/99, de 4 de maio, e 60/2011, de 6 de maio,
alterada pelo Decreto-Lei nº 102/2017, de 23 de agosto.
Todavia, o Decreto-Lei n. 146/99 autorizou o credenciamento pelo governo de entidades
privadas de mediação e arbitragem para resolução de conflitos nas relações de consumo. Em regra,
no site da Direção Geral do Consumidor da República Federativa Portuguesa, o cidadão pode achar
a câmara mais próxima da sua casa e buscar a resolução da sua demanda32. Hoje, além dos centros
públicos de solução de litígios, os centros privados credenciados pelo Governo Português desen-
volvem um importante papel ampliar o Acesso à Justiça através da mediação e arbitragem. A estra-

30 CARRASCO, Manuel Izquierdo. “La mediación em conflictos de consumo em la legislación de la Unión Europea y en Es-
paña”. In: CHAI, Cássius Guimarães (Org.). Mediação e Relações de Consumo. São Luís: Procuradoria Geral de Justiça do
Estado do Maranhão/Jornal da Justiça/Cultura, Direito e Sociedade (DGP/CNPq/UFMA). Mediación en conflictos de consumo:
presente y futuro. Anuario Jurídico y Económico Escurialense, XLII, pp. 129-152, 2014, p. 17.
31 “Su objetivo es imponer a los Estados Miembros que garanticen que los consumidores puedan, si así lo desean, presentar
reclamaciones contra los comerciantes, tanto en litigios nacionales como transfronterizos, ante entidades que ofrezcan
procedimientos de resolución alternativa de litigios a las que se les imponen unas determinadas condiciones de independencia,
imparcialidad, transparencia, efectividad, rapidez y justicia” (CARRASCO, Manuel Izquierdo. “La mediación em conflictos de
consumo em la legislación de la Unión Europea y en España”. In: CHAI, Cássius Guimarães (Org.). Mediação e Relações
de Consumo. São Luís: Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Maranhão/Jornal da Justiça/Cultura, Direito e Sociedade
(DGP/CNPq/UFMA). Mediación en conflictos de consumo: presente y futuro. Anuario Jurídico y Económico Escurialense, XLII,
pp. 129-152, 2014, p. 17).
32 ABREU, Elizabeth de Almeida. Arbitragem nas Relações de Consumo. Rio de Janeiro: Cop Editora, 2015.

138
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

tégia ampliou o atendimento da população e velocidade na solução das demandas de consumo33.


Houve um amplo debate entre os portugueses se a resolução de conflitos consumeristas po-
deria ser promovida com a ajuda de instituições não públicas. Nesse contexto, a pressão da União
Europeia para adotar uma modelo mais aberto e independente da estrutura estatal foi definitivo.
A Espanha, mediante tais diretivas europeias, criou um sistema de resolução de conflitos
consumeristas pautados na arbitragem, com o Decreto Real 231/2008, em conformidade
com o art. 51 da Constituição Espanhola que prevê o dever do poder público de garantia a
defesa dos consumidores34. Fernando Esteban de la Rosa35 destaca que a prática é distinta da
teoria legal, pois os procedimentos têm sido realizados como se fosse mediações.
O procedimento do Sistema Arbitral de Consumo apresenta a previsão de tentativa de
mediação prévia à arbitragem consumerista, que deve ser intentada pela Junta Arbitral de
Consumo. A mediação não será realizada quando as partes se opuserem de forma expressa
ou quando for tentada sem êxito (artigo 38, RD 231/08). O mediador deverá atuar com
independência, imparcialidade e confidencialidade, princípios caros à resolução de conflitos.
Contudo, a normativa é criticada pela ausência de disposições sobre a forma do acordo – se
haverá ata ou alguma outra formalidade – e sobre sua eficácia36. De forma geral, a doutrina
compreende que é a mesma de uma transação extrajudicial – título executivo extrajudicial,
podendo ser levada à homologação judicial ou arbitral37.
Ressalta-se que o Real Decreto Legislativo 1/2007, que o texto para a Ley General
para la Defensa de los Consumidores y Usuarios não apresenta disposições nacionais para a
mediação em matéria de consumo. No entanto, ocorrem em nível nacional no Sistema Arbitral
de Consumo, como visto anteriormente, e nas Hojas oficiales de Reclamaciones de Consumo,
ambas de caráter público38. Este segundo órgão possui uma atuação bastante similar ao
Procon no Brasil, e são realizadas mediações ou arbitragens nos processos administrativos
de reclamação, de acordo com a legislação da Comunidade Autônoma.
Em adição, as mediações são realizadas de forma privada, habitualmente no seio
de associações de consumidores, de setores específicos ou gerais, e de entidades de
resolução de litígios criadas por empresas 39. Entretanto, há uma carência quanto à
regulação quanto a mediação de consumo privada para que cumpra com os princípios
processuais 40. Ocorrem ainda no Comité de Mediación A-Digital, no qual a solução das
controvérsias é feita por via online.

33 ABREU, Elizabeth de Almeida. Arbitragem nas Relações de Consumo. Op. Cit.


34 CEBOLA, Cátia Marques. Mediación y arbitraje de consumo: una visión comparada de los modelos portugués y es-
pañol. IDP. Revista de Internet, Derecho y Política, núm. 25, septiembre, 2017, p. 8.
35 ROSA, Fernando Esteban de la. La vertebración del régimen español de la mediación de consumo en el marco
del Derecho europeo. IDP. Revista de Internet, Derecho y Política, núm. 25, septiembre, 2017, p. 19.
36 CARRASCO, Manuel Izquierdo. “La mediación em conflictos de consumo em la legislación de la Unión Europea y en Es-
paña”. In: CHAI, Cássius Guimarães (Org.). Mediação e Relações de Consumo. São Luís: Procuradoria Geral de Justiça do
Estado do Maranhão/Jornal da Justiça/Cultura, Direito e Sociedade (DGP/CNPq/UFMA). Mediación en conflictos de consumo:
presente y futuro. Anuario Jurídico y Económico Escurialense, XLII, pp. 129-152, 2014, p. 17.
37 Ibidem.
38 CARRASCO, Manuel Izquierdo. “La mediación em conflictos de consumo em la legislación de la Unión Europea y en Es-
paña”. In: CHAI, Cássius Guimarães (Org.). Mediação e Relações de Consumo. São Luís: Procuradoria Geral de Justiça do
Estado do Maranhão/Jornal da Justiça/Cultura, Direito e Sociedade (DGP/CNPq/UFMA). Mediación en conflictos de consumo:
presente y futuro. Anuario Jurídico y Económico Escurialense, XLII, pp. 129-152, 2014, p. 21-22.
39 ROSA, Fernando Esteban de la. La vertebración del régimen español de la mediación de consumo en el marco del Dere-
cho europeo. IDP. Revista de Internet, Derecho y Política, núm. 25, septiembre, 2017, pp. 17-31.
40 CARRASCO, Manuel Izquierdo. “La mediación em conflictos de consumo em la legislación de la Unión Europea y en Es-
paña”, Op. Cit., p. 25.

139
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Salienta-se que não há regulamentação específica para a mediação consumerista na


Espanha, e tampouco há disposições legais sobre o tema no Brasil. Entretanto, no país ibérico,
tal ausência gera entraves, porque não há definição sobre o dever de confidencialidade dos
mediadores, sobre o prazo prescricional ou ainda sobre a força executiva do acordo41.
De forma geral, a mediação de consumo na Espanha é de caráter voluntário, sendo
atribuídos incentivos e sanções para a participação das empresas42. Adicionalmente, as
decisões não possuem caráter vinculante, somente adquirindo-o com a homologação judicial
ou arbitral43. Distingue-se assim do sistema de arbitragem de consumo que é obrigatório para
as partes, como uma condição para as ações consumeristas. O Direito Europeu não vislumbra
a obrigação de uma arbitragem ou de uma mediação prévia ao processo judicial, mas o
Tribunal de Justiça Europeu já se posicionou no sentido de que a mediação compulsória não
viola o direito comunitário44.
Somente algumas Comunidades Autônomas possuem a previsão de procedimento de
mediação específico para relações de consumo, já que possuem competência legislativa e
administrativa para tanto. A Andaluzia, nos termos do art. 58 da Lei Orgânica 2/2007, possui
competência exclusiva dentro de seu território para editar normas sobre o procedimento
de mediação. Nesta região, diversos são os órgãos públicos de proteção ao consumidor
que possuem competência para procedimentos de mediação consumerista, os quais são:
as Juntas Arbitrales de Consumo (autonômica, provinciais e municipais); o Consejo Andaluz
de Consumo y los Consejos Provinciales de Consumo (Lei 13/2003 e Decreto 517/2008);
Servicios Provinciales de Consumo de la Junta de Andalucía (Decreto 72/2008, conforme as
disposições das hojas de quejas y reclamaciones de las personas consumidoras y usuária); as
Oficinas Municipales de Información a las personas consumidoras y los servicios locales de
consumo (Lei 5/2010 de Autonomia Local de Andaluzia)45.
O Servicio de Mediación, Reclamaciones y Arbitraje da Andaluzia apresenta os órgãos
mencionados acima, os quais realizam mediações sobre o tema dentro de suas atribuições.
No caso das Juntas Arbitrales de Consumo, segue-se a legislação espanhola, com a mediação
como etapa prévia à arbitragem e, conforme dados de 2018 da junta autonômica, de 1821
arbitragens iniciadas somente 126 foram finalizadas por mediação prévia – cerca de 7%46.
Os demais fazem as mediações dentro de um processo administrativo do órgão público,
iniciados a partir de queixas e reclamações dos consumidores.
A própria Junta Arbitral de Consumo da Comunidade Autônoma da Andaluzia critica a
fragmentação de atribuições sobre a mediação de consumo, que pode ser resolvida por meio
do Projeto da Ley de Prevención y Solución de Conflictos de Consumo ainda em tramitação47.
Tal legislação apenas regulamentará a mediação por órgãos públicos em matéria de Direito
do Consumidor.
A Catalunha, em 2014, editou o Decreto 98/2014, de 8 de julho, sobre o procedimento

41 Ibidem, p. 21.
42 Ibidem, p. 23.
43 Ibidem.
44 Ibidem, p. 24; TJ, Processo C-75/16, sentença de 14 de junho de 2017.
45 ANDALUZIA. Memoria de actividades de la junta arbitral de consumo de andalucía. Espanha: Junta Arbitral de
Consumo e Junta de Andalucía, 2018. Disponível em: https://www.consumoresponde.es/sites/default/files/articulos/Me-
moria%20de%20Actividades%20JACA%202018_0.pdf. Acesso em: 19 jul. 2020. p. 14.
46 ANDALUZIA. Memoria de actividades de la junta arbitral de consumo de andalucía. Op. Cit. p. 38.
47 ANDALUZIA. Memoria de actividades de la junta arbitral de consumo de andalucía. Op. Cit. p. 15.

140
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

de mediação nas relações de consumo. Na Comunidade Autônoma, o artigo 132.3 do Código


de Consumo de Cataluña, dispunha o seguinte: “las partes en conflicto, antes de interponer
cualquier reclamación administrativa o demanda judicial, deben acudir a la mediación o
pueden acordar someterse al arbitraje”48. Tal dispositivo teve a sua constitucionalidade
questionada no Tribunal Constitucional Espanhol por violação ao acesso à justiça, tendo em
vista que vinculava a reclamação e o processo judicial à mediação ou arbitragem prévia. A
Corte Constitucional suspendeu a aplicação do artigo sem se pronunciar sobre o tema49.
Com isso, não há a possibilidade de mediação ou arbitragem compulsória para o acesso
efetivo à tutela jurisdicional estatal ou ao processo administrativo50.
A mediação, nesse passo, é voluntária e pode ser gratuita para aqueles que possuem
direito à gratuidade de justiça (art. 31, do Decreto 98/2014). O procedimento é extrajudicial
e versa sobre conflitos derivados de una relação de consumo que sejam de livre disposição
das partes (art. 3°). Além disto, devem seguir os princípios relativos a mediação, como
voluntariedade, imparcialidade, confidencialidade, boa-fé e transparência.
O procedimento é iniciado mediante queixa, reclamação ou denúncia em que se
manifeste o desejo de mediação ou ainda por um requerimento de início do procedimento
a uma entidade mediadora – uma câmara de mediação – que esteja creditada (art. 15).
Esta entidade mediadora pode ser um órgão público da Catalunha, de suas províncias ou
municípios com competência consumerista ou, ainda, uma câmara habilitada na comunidade
autônoma, em conformidade com a Agencia Catalana del Consumo, para ser incluída na lista
única da Comisión Europea (art. 2°).
A mediação pode ocorrer presencialmente ou por via digital e, em caso de acordo,
do procedimento é redigida uma ata, que deve conter o mediador, a entidade em que foi
realizada e o respeito ao regulamento do Decreto 98/2014. A vinculação e a força executiva
seguem a regulamentação de mediação.
O sistema catalão é menos fragmentado que o andaluz e apresenta a Agencia Catalana
del Consumo que concentra a fiscalização e controle do mercado de consumo para garantir o
cumprimento das normas consumeristas e o respeito aos direitos dos consumidores (art. 5°,
do Decreto 198/2016 da Catalunha). Para tanto, possui atribuições de apuração de violações
e de sancionamento em caso destas. Os processos administrativos de apuração e de sanção
podem ser iniciados a partir de: queixas, reclamações e denúncias de consumidores,
empresas e organizações; ordem de superior hierárquico; inciativa própria; notificação da
administração pública e de empresas (art. 3°). O órgão em questão não realiza mediações,
mas faz a fiscalização e cadastro das entidades mediadoras.
O caso Catalão tem maior êxito no tocante às mediações de consumo. Conforme Balanço
de 2018 do Agencia Catalana de Consumo, das 7.068 reclamações solucionadas (cerca de

48 CATALUNHA. Ley 22/2010, de 20 de julio, del Código de consumo de Cataluña, BOE num. 196, de 13 de ago. de 2010.
49 ROSA, Fernando Esteban de la. La vertebración del régimen español de la mediación de consumo en el marco
del Derecho europeo, Op. Cit., p. 24.
50 Ao contrário da Argentina, que a Lei 24.573/95 cuida da mediação como um procedimento extrajudicial obrigatório,
portanto fora do Poder Judiciário e que se desenvolve previamente, conforme o respectivo art. 1º: Institúyese con carác-
ter obligatorio Inmediación previa a todo juicio, la que se regirá por las disposiciones de la presente ley. Este procedi-
miento promoverá la comunicación directa entre las partes para la solución extrajudicial de la controvérsia. Las partes
quedarán exentas del cumplimiento de este trámite si acreditaren que antes del inicio de la causa, existió mediación ante
mediadores registrados por el Ministerio de Justicia. Disponível em: <http://servicios.infoleg.gob.ar/infolegInternet/ane-
xos/25000-29999/29037/norma.htm>. Acesso em: 22 jul. 2020.

141
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

52% do valor total das reclamações submetidas às entidades de resolução de litígios), 5.406
foram resolvidas por mediação – cerca de 40% do valor total51.
Diante do exposto, constata-se que a Espanha não possui propriamente uma
regulamentação nacional da mediação de consumo, de modo que há a mediação prévia no
Sistema Arbitral de Consumo e a privada nas entidades de resolução alternativa de litígios.
Todavia, as Comunidade Autônomas apresentam competência exclusiva para legislar
sobre mediação consumerista e algumas, como a Andaluzia e a Catalunha, desenvolveram
o procedimento no âmbito de órgãos públicos de defesa do consumidor. Ou seja, são
extrajudiciais. Nestas, a mediação tem caráter voluntário e ocorrem no curso de processos
administrativos, mais especificamente de reclamações de consumidores.

5. Procon como Câmara de Mediação para Conflitos Consumeristas

Em 1990, foi sancionada o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078 de 1990), que
criou um microssistema de proteção e defesa dos consumidores, com normas jurídicas e a
criação de uma Política Nacional as Relações de Consumo. Neste passo, foi instituído o Sistema
Nacional e Defesa do Consumidor (SNDC), do qual os órgãos federais, estaduais, do Distrito
Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do consumidor fazem parte (art. 105,
CDC). Em âmbito nacional, cabe ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, da
Secretaria Nacional do Consumidor vinculada ao Ministério da Justiça a elaboração da política
supramencionada e outras atribuições previstas no art. 106 do CDC.
Em 28 de maio de 2012, por meio do Decreto n. 7.738, foi criada a Secretaria Nacional
do Consumidor (Senacon), à qual possui a atribuição atual de elaboração da política nacional
de consumo e das disposições do art. 106. É composta pelos Programas de Proteção e Defesa
do Consumidor (Procons) estaduais, do Distrito Federal e municipais, pelas Defensorias
Públicas, pelos Ministérios Públicos, pelas entidades civis de defesa do consumidor e pelas
delegacias do consumidor.
O Procon possui uma estrutura para instauração de processo administrativo de
reclamação, o Balcão do Consumidor, para a apuração de violação de normas consumeristas
e de existência danos aos consumidores. Contudo, a decisão do Procon não possui força
vinculante e tampouco é definitiva, podendo ser revisada judicialmente. Esclarece-se que o
Brasil adota o modelo inglês de jurisdição, no qual a jurisdição é una e exercida pelo Poder
Judiciário. Em face da ausência de poder jurisdicional, os consumidores tendem a buscar
outras formas de resolução de disputas, como o processo judicial, a mediação e a conciliação
em câmaras privadas e o Consumidor.gov.
As relações consumeristas, como é cediço, são caracterizadas pelo desequilíbrio entre
as partes, mais especificamente, pela hipossuficiência – ou vulnerabilidade – do consumidor
perante o fornecedor. A atuação do PROCON como câmara pode ser um mecanismo de reajuste
na balança dentro da controvérsia, mas deverá ocorrer em conformidade com os princípios da
mediação. Deste modo, é factível a constituição de câmara de mediação no Procon para atuar
na resolução de conflitos entre consumidores e fornecedores, adotando uma perspectiva da

51 CATALUNHA. Actuacions de l’Agència Catalana del Consum 2018. Balance 2018. Barcelona, 15 mar. 2019.

142
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

terceira onda da jurisdição. Com isso, haveria a possibilidade de realização de acordos no


âmbito do processo administrativo no órgão, como ocorre nas hojas oficiales espanholas.
Eduardo Talamini explica que a mediação é viável, pois no PROCON de São Paulo já
possui uma participação ativa do Ministério Público. Ainda mais porque a atuação conjunta
destes órgãos nas mediações coletivas relativas a acidentes aéreos – casos da Tam e da
AirFrance – foi bastante exitosa. Todavia, o autor vai além, defende que a mediação seria
possível no Procon sem a participação do Ministério Público52. Talamini sugere uma mediação
institucional, onde as partes elejam o mediador sem que sejam servidores do Procon. A OAB
poderá sugerir um rol de mediadores para a escolha das partes e nada impediria a fiscalizado
pelo Ministério Público MP como custos legis.
Esse modelo permitiria que os termos das mediações bem sucedidas fossem título
executivo extrajudicial, tornando o Procon numa verdadeira ferramenta de acesso à justiça53.
Vale dizer que o Decreto n. 7963, de 15 de março de 2013, atribui aos municípios o dever
permanente da educação para o consumo, em busca da adequada prestação de serviço
público. Com efeito, não existe óbice para investimento dessa ação nos Procons municipais,
desde que houvesse convênio com o Estado.
Tal interpretação acerca da Política Nacional de Consumo viabilizaria uma capilarização
maior na solução das demandas de consumo a nível municipal, ampliando de forma
exponencial o acesso à justiça. Poderia, inclusive, ser esse sistema espelhado no modelo
catalão, em que há a fiscalização das câmaras de MARCs pela Agencia Catalana e a realização
dos procedimentos por órgãos públicos e entidades privadas.
É imprescindível a supervisão e fiscalização do Conselho Nacional de Justiça para o
devido funcionamento da Câmara de Mediação do Procon, porém sua competência seja mais
destinada para as câmaras privadas. Ou ainda poderia ser por um órgão público voltado
para a proteção e defesa dos consumidores, como a Secretaria Nacional do Consumidor
(Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça, de forma semelhante ao que ocorre no sistema
catalão. A atuação conjunta de órgãos nacionais, estaduais e municipais para a efetivação da
câmara seria extremamente relevante e estaria em conforme com a necessidade de políticas
integradas para a defesa dos consumidores.
A mediação, no âmbito do Procon, deve ser similar a prevista no modelo supramen-
cionada, isto é, deve ser extrajudicial e voluntária, não sendo uma condição para o acesso
ao processo judicial. Também deve ser gratuita para os consumidores abrangidos pela gra-
tuidade de justiça.
No referente ao custeio, poderia ser criado um fundo próprio para a Câmara, com
recursos advindos do procedimento, ou ainda receber uma parcela do fundo de defesa do
consumidor54.
O principal desafio que se impõe na criação de uma câmara de mediação no Procon
consiste na imparcialidade da câmara e de seus mediadores. Como é cediço, a necessidade
de equidistância das partes é um princípio fundamental da mediação, sendo, inclusive, um
dever do mediador. Deste modo, seria essencial a possibilidade de escolha do terceiro pelas

52 TALAMINI, Eduardo. Apud. ABREU, Elizabeth de Almeida. Arbitragem nas Relações de Consumo. Op. Cit.
53 ABREU, Elizabeth de Almeida. Arbitragem nas Relações de Consumo. Op. Cit.
54 Alguns Ministérios Públicos estaduais, como o MPMG, apresentam fundos específicos para a defesa de consumidores,
Fundo Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor.

143
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

partes, podendo ser externo à câmara ou parte do rol de mediadores, como mencionado
anteriormente. Caso não houvesse concordância, a câmara apontaria o mediador, como
ocorre nas mediações em câmaras privadas, sem que seja vinculado a algum órgão de defesa
ao consumidor. Faz-se necessário a adoção de regras de condutas para os mediadores, como
o Código de ética para Mediadores Extrajudiciais e o Código de Ética para Instituições de
Mediação e Arbitragem, ambos do CONIMA (Conselho Nacional das Instituições de Mediação
e Arbitragem).
Um regulamento do procedimento se faz imprescindível para demonstrar a seriedade
da instituição e, bem como, para vincular os contraentes às suas regras. Adicionalmente, a
previsão das regras procedimentais gera maior credibilidade para a instituição, sendo um
incentivo a seu uso por consumidores e fornecedores.

5. Considerações Finais

Na modernidade, o acesso à justiça recebeu diversas acepções em conformidade com


as novas necessidades do Estado democrático de direito. Desde a terceira onda, o Estado-
juiz adota uma postura de gestor e fiscalizador dos meios de resolução de controvérsias,
em face da tendência de informalismo e de privatismo com o retorno do protagonismo dos
jurisdicionados. Nesta direção, há o incentivo e a regulamentação dos MARC’s. Tal processo
foi verificado nos dois países analisados, no Brasil e na Espanha, sendo que, no segundo, a
remodelação do sistema judiciário teve origem no direito comunitário europeu.
A mediação, como método de autocomposição não-adversarial, ganhou espaço como
forma de acesso à justiça e de restabelecimento de relações, mediante o diálogo e a compreensão
mútua. Apresenta suas potencialidades de reconstrução da comunicação, principalmente,
em situações de relação continuada ou de possibilidade de novas contratações. Com isso,
surge como uma aliada na solução de disputas consumeristas, caracterizadas por práticas de
apropriação de bens e serviços e pela hipossuficiência do consumidor frente ao fornecedor.
Verifica-se no presente ensaio jurídico, que a mediação como forma de tutela dos direitos
do consumidor encontra respaldo jurídico no próprio Código de Defesa do Consumidor (art.
4, V, do CDC), como sistema multiportas de composição de conflitos consumeristas, sendo
certo, que a imposição compulsória de qualquer meio alternativo de solução de demanda,
pode configurar em ato de afastamento do consumidor do direito de acesso à justiça, a
semelhança do entendimento externado pelo Tribunal Constitucional Espanhol em relação
a constitucionalidade questionada do Código de consumo de Cataluña, que entendeu por
violação ao acesso à justiça, tendo em vista que o ato normativo vinculava a reclamação e o
processo judicial à mediação ou arbitragem prévia.
No mesmo sentido, o CDC veda expressamente a utilização compulsória da arbitragem
no inciso VII do art. 51 do CDC, sendo aplicável também a mediação como mecanismo
compulsório de composição judicial ou extrajudicial.
Registra-se que a plataforma digital consumidor.gov é reconhecida como meio eficaz
de solução de conflitos consumeristas, ressaltando que a plataforma não traduz a mediação
de conflitos e, sim, conciliação de conflitos, sugerindo a criação câmaras de mediação nos
Procons, com imparcialidade da câmara e de seus mediadores, que poderá ser fiscalizada pelo

144
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Ministério Público ou mesmo pelo Conselho Nacional de Justiça, a semelhança de situações


que já foram resolvidas em atuação conjunta de órgãos nas mediações coletivas de consumo
relativas a acidentes aéreos, como nos casos da Tam e da AirfFrance.
Por fim, faz-se necessário destacar, a interpretação teleológica do inciso V do art. 4 e do
§2º do art. 26, ambos do CDC, que faculta o consumidor a optar pelos meios de composição
de conflito consumerista, como o consumidor.gov, a justiça ou mesmo a mediação, não
podendo ser exigida a compulsoriedade do meio alternativo digital, como mecanismo de
acesso à justiça.

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147
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

MEDIAÇÃO COMO UMA DAS FORMAS


ADEQUADAS PARA RESOLUÇÃO DE
CONFLITOS EM DIREITO DE FAMÍLIA

Quellen Cristina de Souza Freitas

1. Introdução

Existe amplo reconhecimento dos métodos alternativos de resolução de conflitos –


Alternative Dispute Resolution (ADR) – em todo o mundo. No Brasil, a previsão de formas
pré-processuais de resolução de conflitos remonta à Constituição do Império de 1824, que,
em seu art. 161, determinava a demonstração de procura prévia por solução pré-processual
como etapa necessária para iniciar um processo judicial.
Nos anos que se seguiram, tantas outras previsões de métodos alternativos de solução
de conflitos foram promulgadas no Brasil. No entanto, o movimento de desjudicialização
somente tomou fôlego nos últimos anos, principalmente, após a Resolução n. 125/2010 do
CNJ instituir a política nacional dos meios adequados de solução de conflitos.
Embora antes da Resolução n. 125/2010 já existisse previsão de métodos consensuais
de resolução de conflitos de forma esparsa em nosso ordenamento jurídico, estes nunca
foram tão incentivados quanto agora, razão pela qual a solução adjudicada sempre foi,
tradicionalmente, a mais procurada.
Esse caminho de procura exacerbada pela prestação jurisdicional desencadeou uma
judicialização excessiva. Em razão disso, restou prejudicada a própria prestação jurisdicional,

148
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

o produto final do Poder Judiciário e o acesso à uma resposta jurisdicional efetiva. Por
conseguinte, incrementou-se a justiça seletiva, que não alcança quem mais necessite de sua
tutela: os vulneráveis e os hipossuficientes. Enquanto os litigantes habituas – figuras assíduas
no Poder Judiciário – beneficiam-se da mora processual, os hipossuficientes e vulneráveis,
por não disporem de tempo, recursos ou mesmo por desconhecimento suportam os ônus
impostos por uma prestação jurisdicional lenta e onerosa e, consequentemente, acabam por
aceitar menos que deveria ser concedido.
Considerada o marco regulatório do tema, a Resolução n. 125/2010 trouxe em seu
bojo mudanças e inovações substanciais, implementando um robusto sistema pré-processual
de solução de conflitos, também conhecido como sistema multiportas. Nesse modelo, a parte
tem a sua disposição vários meios para resolução do conflito, podendo utilizar a solução
adjudicada ou não, cabe a parte escolher o método de resolução de conflitos que melhor se
ajuste a sua demanda.
No mesmo sentido, ergueu-se o arcabouço normativo e principiológico do Código
de Processo Civil de 2015. O sistema processual inaugurado pelo Código de Processo Civil
atual visa ao empoderamento das partes, por meio da ampla participação e efetiva influência
dos indivíduos envolvidos no conflito na atividade criativa do juiz que deságua na norma
produzida para aquele caso concreto.
Não somente isso, o Código de Processo Civil de 2015 instituiu uma nova forma de
pensar o processo, sob uma lente cooperativa e conciliativa.
Já nas primeiras normas, o Código de Processo Civil atual estabelece os pilares de
sustentação desse novo sistema. Com efeito, nos artigos inaugurais, percebe-se o cuidado do
legislador em deixar clara essa nova forma de pensar, inclusiva, conciliativa, que empodera
as partes. Afinal, a real busca do microssistema da resolução consensual de conflitos é a
pacificação social.
Tendo em vista o advento desse cenário colaborativo e propício a consensualidade,
o próprio conceito de acesso à justiça precisa ser ressignificado, com propósito de abarcar
não somente a solução adjudicada dos conflitos, mas também a solução adequada para cada
conflito, seja judicial ou não.
Apesar desse minucioso amparo legislativo dos meios de resolução de conflitos, de nada
adiante uma matriz principiológica processual que dignifica, empodera e concede autonomia
às partes, se na prática o processo não tutela substancialmente direitos, principalmente em
relação aos vulneráveis e hipossuficientes, na medida em que é moroso, custoso e ineficaz.
Tanto a dignidade quanto o empoderamento perpassam por um Poder Judiciário forte e
pelo acesso amplo à justiça substancial, com a entrega de uma resposta jurisdicional efetiva,
eficiente e em prazo razoável.
Diante da crise quantitativa e qualitativa – na medida em que o Poder Judiciário não
consegue entregar uma prestação efetiva dentro de lapso temporal razoável –, que assola o
Poder Judiciário, há quem argumente que meios alternativos de resolução de conflitos seriam
solução para o problema, pois escoariam o volume de processos a cargo do Poder Judiciário.
Essa forma de pensar os meios alternativos de resolução de conflitos é advinda de uma
cultura demandista que reclama alteração, vez que os relega a uma justiça de segunda classe.
É acertado observar o problema não através de um prisma utilitarista e pragmático, a
fim de acabar com a crise numérica do Poder Judiciário, mas pela lente da adequação, para

149
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

aperfeiçoar a distribuição da justiça, que não é monopólio estatal.


É apropriado ter a cautela nessa ponderação a fim de que o cidadão não tenha somente
o acesso formal à justiça garantido, como também a efetiva resolução de seu pleito de forma
adequada e que resguarde seus direitos.
Saliente-se que não há aqui uma argumentação para fechar a porta do Poder Judiciário
por meio de qualquer barreira ou limitação de acesso. Ao contrário, estar-se-ia disponibilizando
ao cidadão outras formas de resolução de conflito, abrindo a porta dos meios alternativos de
solução de conflitos para que a parte por meio de uma escolha livre opte pelo método mais
adequado de resolução de seu conflito, seja o modelo judicial ou não.
É inegável que um dos potenciais efeitos da utilização dos meios alternativos de solução
de conflitos, ao menos, reflexamente é desafogar o Poder Judiciário, sendo em alguma medida
útil para o escoamento do Poder Judiciário. No entanto, repise-se que esse não é o objetivo
da utilização dos meios alternativos de solução de conflitos, mas efeito reflexo decorrente da
adequação do procedimento a lide.
Assim, os meios alternativos de solução de conflitos não devem ser utilizados de forma
utilitária, pensando somente em números. Essa questão deve ser analisada por outro prisma,
sob o argumento da adequação da solução ao litígio apresentado. Tendo em vista estar-se
diante de uma forma de manifestação da cidadania e dignidade da pessoa humana.
Tratar do conceito da dignidade da pessoa humana não é tarefa fácil. Muitos estudiosos
debruçaram-se sobre o tema a fim de formular um conceito objetivo. Dentre eles, Daniel
Sarmento, que observa serem três as possíveis acepções diferentes da dignidade da pessoa
humana: “status, virtude e valor intrínseco”.
No tocante ao status, há quem entenda que só possui dignidade aquele indivíduo que
ostenta uma posição social superior ou seja detentor de algum cargo ou função notória. Quanto
a virtude, só seria um ser humano digno aquele que se porta de maneira altiva. Entretanto,
o verdadeiro significado da dignidade da pessoa humana advém do imperativo categórico
pensado por Kant, conhecido como valor intrínseco da pessoa. Este valor é atribuído a todo
e qualquer ser humano.
Partindo dessa premissa, chega-se à conclusão que o ser humano não pode ser tratado
apenas como um meio, mas como um fim em si mesmo. Todo indivíduo é sujeito e não
objeto. Essa conceituação é incompatível com a instrumentalização do ser humano para fins
do Estado, de coletividades ou de terceiros.
Ensina Christopher McCrudden1 que o valor intrínseco da pessoa corresponde ao
núcleo básico (minimum core) do princípio. De tal modo, o Estado existe para proteger e
promover os direitos das pessoas, a pessoa humana jamais pode ser tratada como simples
objeto da ação estatal. Todos possuem a mesma dignidade, que é inata ao ser humano, e não
pode sob qualquer motivo ser perdida, ainda que nas situações mais caóticas. Pois, acima de
tudo a dignidade da pessoa humana não é circunstancial, mas pessoal, é inerente a todos.
Por outro lado, acrescenta Daniel Sarmento que três são os principais inimigos do
valor intrínseco das pessoas: “compreensões desigualitárias de dignidade, organicismo e o
utilitarismo”. Na compreensão desigualitária de dignidade, a proteção da dignidade humana

1 SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. Belo Horizonte: Fórum,
2016. Pgp. 105

150
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

depende do status e realizações pessoais do indivíduo. O organicismo, por sua vez, é um


pensamento político, segundo o qual cada indivíduo não é mais do que um órgão de um
corpo social que lhe é superior. Esta corrente tende a justificar posições autoritárias, que
atropelam os direitos das pessoas em nome dos interesses do Estado. Por fim, o utilitarismo
é corrente da filosofia que defende a adoção de medidas que maximizem os interesses, bem-
estar ou felicidade da maior parte das pessoas, mesmo que ao custo do sacrifício de direitos
dos indivíduos. Conforme Sarmento:

Os direitos não devem estar sujeitos a cálculos de utilidade social. Direitos fundamentais
configuram trunfos que, a não ser em hipóteses muito excepcionais, devem prevalecer
sobre tais cálculos, ainda quando o resultado deles seja apresentado sob rótulos como
o de “bem comum” ou de “interesse público2

Outrossim, o conceito de dignidade da pessoa humana abarca também o reconhecimento


do direito à autonomia e liberdade das pessoas.
Neste sentido, a dignidade da pessoa humana se traduz no direito dos indivíduos de
fazerem as suas escolhas de vida e de agirem de acordo com elas (autonomia privada),
de participarem da formação da vontade coletiva da sua comunidade política (autonomia
pública).
Com relação a liberdade, esta subdivide-se em liberdade negativa e liberdade positiva.
A primeira desenvolve-se na ausência de impedimento externo à ação do agente. A segunda
corresponde à possibilidade real de o agente decidir e agir em conformidade com a sua escolha.
A liberdade positiva pressupõe que, além da ausência de constrangimentos, existam também
as condições materiais e culturais apropriadas para que cada pessoa possa se autodeterminar.
Ao propósito Martha Nussbaum aduz, como exposto abaixo, que não bastam direitos formais
expressos, é necessário criar condições para efetiva execução destes direitos.

Na filosofia política contemporânea, a ideia de liberdade positiva foi desenvolvida por


Amartya Sen sob outro rótulo. O filósofo e economista indiano destacou a centralidade
das condições sociais para o exercício da liberdade pelas pessoas. Ele erigiu uma
sofisticada teoria da justiça centrada na ideia de capacidades humanas – o chamado
capability approach, que se projeta diretamente na questão da liberdade. Para Sen, a
pessoa livre é aquela que tem realmente a capacidade de escolher e de agir de acordo
com a sua escolha. De acordo com a sua definição, “liberdade é o poder de obter o
resultado que alguém deseja após uma avaliação racional”. Nesse prisma, as condições
materiais são fundamentais, a fim de que as liberdades sejam reais, e não apenas meras
formalidades jurídicas.
Martha Nussbaum, outra proeminente defensora do capability approach (ela prefere
falar em capabilities, para realçar a sua pluralidade), chega a afirmar que a mais
importante questão que se deve formular, ao se examinar o nível de justiça e de
decência de uma sociedade, é “o que cada pessoa é capaz de ser e fazer” naquela
sociedade. Esta análise envolve a presença de diversos elementos: liberdades formais,
condições materiais, mas, além disso, também capacidades internas, desenvolvidas
por meio da educação e da interação com o meio social. A alusão às capacidades
internas é absolutamente pertinente.3

De todo modo, é preciso ter em conta que a dignidade deve significar o empoderamento
do indivíduo. Nessa toada, o Estado criado para proteger o indivíduo de atrocidades, deve

2 SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. Op. Cit.
3 SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. Op. Cit. p. 155

151
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

garantir a observação de direitos e garantias mínimas do cidadão, dentre eles o direito de


acesso à justiça consubstanciado na possibilidade de escolha do meio adequado de resolução
do seu conflito.
Do ponto de vista teórico, quanto ao acesso à justiça, o respeito à dignidade da pessoa
humana parece consolidado. A realidade, entretanto, não corresponde à teoria. Portanto,
ressalte-se a importância de oportunizar às pessoas o acesso e fruição aos direitos e garantias
fundamentais, de forma que os direitos não representem somente letra morta, mas sejam
efetivamente concretizados e as normas atinjam os seus fins.
A dignidade é valor intrínseco atribuído a cada pessoa humana. Assim, o ser humano
não pode ser tratado apenas como um meio, mas como um fim em si. É incompatível no
estado democrático de direito a instrumentalização do ser humano para fins do Estado, da
coletividade ou de terceiros, nesse sentir não é correto impossibilitar o acesso ao Poder
Judiciário sob pretexto de disponibilização dos meios alternativos de solução de conflitos. Ao
contrário, significa oferecer a possibilidade de alcançar a justiça no caso concreto por mais
de uma forma, a escolha da parte.
Desse modo, embora inegável que a utilização de meios alternativos de solução de
conflitos reduza o acentuado volume de processos judiciais, esse não pode ser o objetivo
da utilização dos métodos de resolução consensual de conflitos. E, sim, a disseminação da
pacificação social e o empoderamento do cidadão, detentor de direitos e garantias.
Muitas são as espécies do gênero resolução alternativa de conflitos. Dentre tais
previsões, destaca-se uma em particular: a mediação. A mediação consiste em mecanismo
de autocomposição de conflitos, orientada pelos princípios da imparcialidade, isonomia
entre as partes, oralidade, informalidade, autonomia da vontade das partes, busca do
consenso, boa-fé.
Nesse procedimento as partes, com ajuda de um terceiro facilitador, compõem o
conflito, ou seja, as partes de forma autônoma gerenciam a lide. Além disso, a atuação dos
mediadores é regida também pelos princípios do respeito à ordem pública e às leis vigentes,
empoderamento e validação, decisão informada, dentre outros.
Sob o enfoque correto, ou seja, sob o prisma da adequação, que é o ponto de partida
para a escolha do melhor procedimento, litígios em que haja vínculo anterior e cujo efeitos
repercutirão no futuro, como litígios de família, representam campo adequado para utilização
de meios alternativos de resolução de conflitos, a fim de tentar reestabelecer um convívio
harmônico e saudável principalmente quando há menores envolvidos.
Ademais, o procedimento de mediação é adequado, porquanto ainda que as partes,
eventualmente, não celebrem acordo, amadurecem o conflito gerando pacificação no seio
familiar. Haverá maior êxito no cumprimento, pois as partes participam amplamente da
confecção e delimitam o acordo.
Ressalte-se haver objeções perceptíveis ao uso desarrazoado da mediação, como se
fosse a cura para todo o mal. Há conflitos em que a forma adequada de resolução será a
judicial, excepcionalmente, chegando as partes a um acordo.
A partir dessas premissas, investigaremos formas de fomentar a utilização da mediação
para compor e solucionar conflitos inseridos no campo do direito de família.

152
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

2. Desenvolvimento

Ainda que o Código Processual Civil de 2015 incentive métodos alternativos de solução de
conflitos, bem como a autonomia da parte para compor seu conflito da melhor forma possível,
judicial ou extrajudicialmente, apenas a previsão legislativa não é suficiente para assegurar da
utilização da mediação. Assim, é necessário dar concretude aos comandos da lei.
Empoderamento pressupõe não apenas que seja disponibilizada para a pessoa
a oportunidade de escolha, mas que a escolha seja feita de forma autônoma e refletida.
Considerando vantagens e desvantagens dos modelos propostos para então fazer uma
escolha racional e relevante.
O desgaste e o conflito são naturais no seio familiar, principalmente, em relações
conjugais. Importante é utilizar instrumentos adequados para resolver o conflito, a fim de
evitar que novas ramificações daí advindas proliferem e criem-se outros problemas.
A justiça conciliativa exerce, nesse ponto, uma função preventiva, tendo em vista evitar
as possíveis lides futuras decorrentes daquela.
Assim, o direito de família, área em que, via de regra, as relações se perpetuam, é terreno
fértil para o plantio e desenvolvimento da cultura da pacificação proposta pelo microssistema
dos meios alternativos de solução de conflitos. Nessa seara não há vencedor e vencido, há
vulneráveis que precisam ser protegidos dos possíveis efeitos que essa polarização pode causar.
Fato é que sempre haverá uma parte insatisfeita na configuração dual estabelecida
pela solução adjudicada, quando não as duas. Exemplo emblemático que melhor explica
a situação é trazido por pesquisadores de Harvard. No caso concreto, havia duas crianças
disputando durante horas uma única laranja. A mãe cansada da briga, sem questionar as
crianças, cortou a laranja ao meio, entregando parte igual da fruta para cada uma. Todavia,
a solução aparentemente mais justa no sentir da mãe, foi insatisfatória e ineficaz para as
crianças, pois, em verdade, a intenção de uma era fazer um suco, enquanto a outra queria
brincar com a casca.
De igual modo, os litigantes devem ser tratados como dois lados de uma mesma moeda
e não combatentes em um ringue. Devido aos limites da sentença, essa não comporta todos
os meandros do litígio. Por conseguinte, melhor será que as partes em conjunto construam
a solução.
Do contexto apresentado, questão que urge é a seguinte: como implementar e difundir
a utilização dos equivalentes jurisdicionais? Ao menos três medidas são de grande proveito.

3. Empoderamento por meio da informação

Conforme leciona Luís Roberto Barroso “empoderamento jurídico é a possibilidade


efetiva de fazer valer os próprios direitos”4, seja judicialmente ou não. Contudo, para fazer
valer seus direitos, a parte precisa primeiramente conscientizar-se que os detém, e, de igual
modo, conhecer e dispor dos meios adequados para dar-lhes concretude.

4 BARROSO, Luís Roberto. Justiça, empoderamento jurídico e direitos fundamentais. Disponível em: http://luisrober-
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153
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

O ciclo do empoderamento começa com a informação, a partir de então, a participação


é gerada por meio da escolha.
Embora o Código de Processo Civil de 2015 incentive a utilização de métodos alternativos
de resolução de conflitos, bem como a autonomia da parte para melhor compor seu conflito. A
simples previsão no ordenamento jurídico não basta, é urgente a efetiva execução das normas.
A potencialidade da mediação ainda não foi completamente explorada devido ao déficit
de informação que a circunda. É vital dar visibilidade a esse instrumento.
Imperioso promover de forma criativa, seja por redes sociais, palestras em escolas
públicas e particulares, centros comunitários, ou mesmo ampla divulgação nos meios de
comunicação, informações a respeito dos meios alternativos de solução de conflitos no
intuito de alcançar o corpo social.
Assim, a linguagem das informações atinentes ao procedimento deve ser fácil, de modo
que permita a efetiva compreensão da pessoa que acessa à informação. Da mesma forma, é
mister ressaltar os benefícios da utilização do meio alternativo de resolução de conflito, como
o atendimento humanizado, solução em menor lapso temporal, de forma econômica e eficaz,
já que as partes estão predispostas a cumprir o acordo, pois participaram da confecção.
Acrescente-se, ainda, que benefícios como economia de custos e economia de tempo
podem ser potencializados quando as partes optarem pela mediação com emprego de meios
eletrônicos. Além de não necessitar de deslocamento.
Paralelamente, é apropriado deixar claro que as portas do Poder Judiciário não estão
fechadas, inclusive se não for solucionado o litígio mediante mediação, está assegurado a
parte o acesso à solução adjudicada. Deste modo, cria-se um ambiente em que a parte esteja
à vontade para conciliar, sem sentir-se acuada. Assim, a parte não se sentira lesada, pois lhe
foi oportunizado estar diante de um juiz togado, entretanto, escolheu acessar a justiça por
outra porta.
Conforme preconiza o artigo 2º, §2º, da Lei de Mediação, ninguém será obrigado a
permanecer em procedimento de mediação. Consoante ao citado artigo, repise-se não
haver impedimento algum quanto ao acesso à solução adjudicada, mas são oportunizadas a
parte opções para que escolha o meio adequado de solução do seu conflito, isso se dá por
intermédio do acesso à informação.
É acertado deixar claro toda a carga normativa que os princípios da Lei de Mediação
comportam. Dentre eles, nesse ponto, tem destaque a autonomia da vontade das partes que
pressupõe o acesso da parte à toda informação disponível consoante ao conflito e também
ao procedimento a que está sendo submetida. A vontade da parte deve ser livre e informada
conforme preceituam os princípios que orientam a Lei de Mediação. Só é possível dizer que a
pessoa fez a melhor escolha e de forma livre quando todas as opções são informadas e todos
os meios disponibilizados.
Antes e durante a mediação deve-se enfatizar a confidencialidade do procedimento,
bem como a não utilização das informações expostas pelas partes em futuro processo
judicial, a fim de não acuar a parte, que pode pensar que o juiz fará uma pré-julgamento.
Consequentemente, não se trata de confissão.
Em última análise, por intermédio da mediação há a maturação do conflito. Desse modo,
as próprias partes delimitam e materializam os pontos nevrálgicos do conflito. Nessa linha, ain-
da que não seja possível estabelecer um acordo, o conflito estará maturado e bem delineado.

154
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Certo é que se para a parte for ofertado procedimento – ainda que extrajudicial –
eficiente, no qual tenha livre participação, além da oportunidade de resolução em lapso
temporal exíguo e que efetivamente influencie, é bem provável que esta seja sua opção.

4. Engajamento de instituições essenciais à função jurisdicional do Estado

A Constituição Federal elenca o Ministério Público e a Defensoria Pública como


instituições essenciais à função jurisdicional do Estado.
O inciso II do artigo 4º da Lei Complementar n. 80/94 é claro ao determinar a prioridade
da Defensoria Pública na resolução extrajudicial dos conflitos:

Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: II – promover,


prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as
pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e
demais técnicas de composição e administração de conflitos (...)

O Ministério Público tem orientação no mesmo sentido, uma de suas competências,


dentre tantas outras, é exercer a função conciliativa, tendo inclusive o Conselho Nacional do
Ministério Público exarado manual de negociação e mediação para os seus membros.
Ademais, o Código de Processo Civil de 2015, art. 3º, §§2º e 3º, reforça essa orientação,
ao determinar que o Estado promoverá, quando possível, a solução consensual dos conflitos,
bem como os agentes públicos, dentre eles, defensores e promotores, estimularão o uso de
métodos de solução consensual de conflitos.
Assim, ambas as instituições representam importante espaço para implementação e
fomento da justiça conciliativa.
Interessante exemplo da Defensoria Pública na implementação da justiça conciliativa
remonta ao fenômeno recente da judicialização do direito à saúde, previsto no rol de direitos
sociais do art. 6º da Constituição Federal. As demandas envolvendo o tema são as mais
variadas, desde concessão de medicamentos até custeio de tratamentos médicos no exterior.
A judicialização do direito à saúde é importante para sanar eventuais falhas no sistema,
bem como possíveis injustiças. No entanto, a microjustiça, aquela justiça do caso concreto,
quando feita sem critérios objetivos corre o risco de produzir uma decisão sem efetividade.
Diante deste cenário, o diálogo institucional é fundamental para que as políticas
públicas funcionem e alcancem o maior número de pessoas. Alguns atores envolvidos nesta
espécie de conflitos criaram soluções dialógicas para a judicialização da saúde, problema com
tantas causas. Exemplo de sucesso é a relação dialógica que a Defensoria Pública do Distrito
Federal e a Secretária de Saúde do Distrito Federal mantiveram para que a judicialização
da saúde só ocorresse em casos excepcionais. O paciente ou seu representante procurava
a Defensoria pedindo ajuda e esta, antes de judicializar a lide, contatava a Secretária de
Saúde à procura de uma solução mais rápida e extrajudicial, na maioria das vezes a solução
era encontrada. Somente quando não alcançada uma solução consensual para o problema,
ocorria a judicialização.
A parceria foi tão bem-sucedida que gerou o CAMEDIS, “um espaço de resolução
extrajudicial de conflitos, ou seja, um arranjo institucional em que os atores políticos e

155
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

jurídicos interagem com maior respeito a sua autonomia e à do cidadão”5.


O atendimento aos reclames dos pacientes cresceu abruptamente, em contrapartida
o volume de demandas relativas ao direito à saúde diminuiu, garantindo a efetivação das
políticas públicas da forma que foram desenhadas pelos demais poderes. Este é apenas um
exemplo de diálogo e cooperação institucional, dentre outros inúmeros.
Da mesma forma, já existem projetos instituídos pela Defensoria Pública que utilizam
a mediação para compor conflitos de Direito de Família. O Ministério Público segue a
mesma orientação.
Nada impede que essas instituições implementem e divulguem novas práticas a fim de
alcançar o objetivo da pacificação social.

5. Mudança da mentalidade demandista

Na faculdade de Direito, o currículo é estruturado de forma que os profissionais sejam


treinados para litigar e não para conciliar, consequentemente, gera uma mentalidade reativa.
A modificação na mentalidade dos operadores do direito perpassa pela alteração da grade
curricular da graduação.
É apropriado treinar o profissional de modo que esse seja capaz de compreender a
dinâmica do litígio de forma racional, a fim de contrabalancear qual o modelo adequado para
a resolução da demanda apresentada. Assim é possível sair de uma mentalidade reativa para
uma intelecção que considere a adequação do procedimento a lide.
A cultura do processo, bem como do profissional do direito distante, que só visa
aos interesses primários da parte que representa, alheio às implicações que essa solução
adjudicada pode gerar, inclusive para a parte que ele representa, precisa ser substituída pela
cultura da pacificação, em que os profissionais detenham perfil colaborativo e objetivem a
pacificação social, conforme preceitua o §3º do artigo 3º do Código de Processo Civil6.
Aprimorar a grade curricular dos cursos de graduação em Direito, por conseguinte,
gerará uma gama de profissionais – advogados privados, defensores públicos, dativos e etc.
– com raciocínio crítico e criativo, que ao orientar as partes, façam um juízo prévio sobre a
adequação do procedimento que deverá ser utilizado para a resolução da lide, bem como
informe as opções dos modelos de resolução de conflitos disponíveis a parte.
O profissional do Direito precisa estar apto a se questionar se seria adequado levar ao
Poder Judiciário todo e qualquer pleito. Da mesma forma, se a demanda que lhe foi apresentada
receberá uma solução adequada por meio do procedimento de mediação.
Essa mudança de pensamento em última medida ajuda na concretização da tutela
judiciária efetiva, tendo em vista que somente serão apresentadas ao Poder Judiciário questões
em que sua atuação seja imprescindível.
Não é nossa intenção apresentar uma visão lúdica, que beira a ingenuidade, crendo que o
advogado deva ser equidistante e atue, inclusive, contra os interesses da parte que patrocina.

5 ASENSI, Felipe. PINHEIRO, Roseni. Defensoria pública e diálogo institucional em saúde: a experiência de Brasília‐
DF. Revista Direito & Práxis, Rio de Janeiro, v. 6, n. 12, 2015, p. 11-36.
6 A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advo-
gados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

156
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

No entanto, a implementação da cultura da pacificação não é uma fábula, considerando-se


a possibilidade de formular novos arranjos, inclusive, no tocante aos honorários devidos
ao advogado, conforme ocorre no procedimento de arbitragem. Não adentramos no tema
porquanto ultrapassa o objeto de investigação do presente trabalho. Nosso objetivo, contudo,
é demonstrar que o uso dos meios alternativos de resolução de conflitos não é incompatível
com o interesse do patrimonial do patrono e, menos ainda, com interesse da parte que, ao
contrário, muito se beneficiará com a adoção deste modelo.
No contexto atual, em uma sociedade dinâmica e efervescente, é importante assegurar
o conhecimento e deslinde do Poder Judiciário de demandas complexas que necessitam de
cognição exauriente, sem impor limitações ao seu acesso, mas ofertando novas formas de
resolução dos litígios.

6. Conclusão

Dada a complexidade estrutural da sociedade, bem como as formas e ramificações de


litígios envolvendo direito de família incognoscíveis pelos meios ordinários de resolução de
conflitos, são necessárias soluções criativas para prevenção e resolução dos conflitos.
Embora a mediação seja o procedimento adequado à composição e resolução dos
conflitos envolvendo direito de família, na medida em que é procedimento pautado na
autonomia e liberdade da parte, o que resulta no empoderamento e respeito ao litigante.
Essa forma de resolução de conflitos não atingiu sua potencialidade.
Há mais de uma razão para esse fenômeno. A falta de informação, a utilização incipiente
do potencial dos órgãos essenciais à função jurisdicional do Estado e a cultura demandista
que perpassa grande parte dos profissionais do direito, mas que pode ser altera a partir da
mudança da mentalidade dos futuros profissionais do Direito na graduação.
O que se propôs não foi a criação de condicionantes e limitações para o acesso à
solução adjudicada, mas oportunizar a parte a abertura de uma nova porta, quais sejam, os
meios alternativos de resolução de conflitos. A escolha deverá ser pautada na adequação.
Não trata-se de criar obstáculos e condicionantes para o acesso ao Poder Judiciário,
mas oportunizar acesso à justiça de maneira adequada, isso quer dizer, disponibilizar o
instrumento adequado, correto para a resolução do conflito e assim fomentar a escolha
da parte por outros meios de resolução de conflito e isso se dá mediante amplo acesso à
informação. A utilização dos meios de resolução de conflito não é uma etapa pré-processual,
mas uma dentre tantas formas de solucionar o conflito.
Dentro de um processo em evolução, parece claro que as formas de resolução dos
conflitos de direito de família tendem a ser aperfeiçoadas, especialmente com a inclusão de
novas ferramentas.
Neste momento, é importante ter em mente que a criatividade dessas inovações não
pode ser realizada sem considerar todo o arcabouço de proteção às garantias de defesa
do indivíduo. Em outras palavras: essas soluções criativas devem ser equacionadas com os
direitos e garantias fundamentais das partes, dentre eles, o acesso à justiça.
Ressalte-se que nem todo conflito será resolvido de modo adequado por intermédio
dos meios alternativos de solução de conflitos, alguns conflitos precisam ser levados ao

157
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Poder Judiciário. De igual modo, nem sempre a mediação será o modelo adequado para a
resolução do conflito. Não obstante, é salutar incentivar o uso da mediação inclusive nos
conflitos judicializados.
A mudança mais importante a ser feita é a mudança de mentalidade dos litigantes
e dos profissionais, do mesmo modo, a mudança da cultura demandista para a cultura da
pacificação, isso se dá por meio de fomento ao uso dos meios alternativos de solução de
conflitos, por intermédio de visibilidade e informação.

Referências

ASENSI, Felipe; PINHEIRO, Roseni. Defensoria pública e diálogo institucional em saúde:


a experiência de Brasília‐ DF. Revista Direito & Práxis, Rio de Janeiro, v. 06, n. 12, 2015,
p. 11-36.

BARROSO. Luís Roberto. Justiça, Empoderamento Jurídico e Direitos Fundamentais.


Disponível em: http://luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2014/06/ONU_Justi
ca-Empoderamento-legal-e-direitos-fundamentais_versao-em-portugues.pdf. Acesso em: 21
jul. 2020.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual
civil, parte geral e processo de conhecimento. 15.ª ed. Salvador: JusPodivm, 2013.

GRINOVER, Ada Pellegrini. “Os métodos consensuais de solução de conflitos no novo


CPC”. In: Org. CARMONA, Carlos Alberto. O novo Código de Processo Civil: questões
controvertidas. São Paulo: Atlas; 2015.

LEAL, Victor Nunes. Manual de Negociação Baseado na Teoria de Harvard. Escola da


Advocacia-Geral da União. Brasília: EAGU, 2017.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A Resolução dos Conflitos e a Função Judicial no


Contemporâneo Estado de Direito. 3. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2020.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. v. único. 12 ed.
Salvador: JusPodivm, 2020.

SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia.


Belo Horizonte: Fórum, 2016.

158
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

A CONSTRUÇÃO DA CULTURA DA PAZ


E OS MÉTODOS NÃO ADVERSARIAIS
DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

Renata Braga Klevenhusen
Caio de Carvalho Alves
Marcelle Ribeiro França
Vitor Hugo Saviolo Ramos

1. Considerações iniciais

O presente trabalho analisa a visão contemporânea do conflito e a matriz social, cultural


e histórica do método adversarial a fim de identificar possíveis gargalos que possam nos
indicar os pontos que precisam ser explorados para se concretizar a cultura da paz.
Ao compreender o conflito como algo que deva ser evitado, a teoria tradicional do
conflito o vê como algo negativo e que, portanto, deve ser expurgado da sociedade a qualquer
custo, mesmo que seja por meio da violência de um sistema adversarial e com a destruição
definitiva da relação entre os sujeitos. Nesse sentido, Luis Alberto Warat afirma que os juristas
redefinem o conflito, “pensando-o como litígio, como controvérsia. Uma controvérsia que,
por outro lado, se reduz a questões de direito ou patrimônio”1.
Na maioria das vezes, o processo judicial leva ao escalonamento da controvérsia entre
as partes, interrompendo o diálogo e inviabilizando o comportamento cooperativo e, assim,

1 WARAT, Luis Alberto. O oficioofício do mediador. Florianópolis: Habitus Editora, 2001, p. 81.

159
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

a litigiosidade acaba contribuindo para um caráter duelístico da busca da solução adversarial


do conflito.
Johan Galtung2 afirma que há uma tendência na cultura ocidental de considerar o conflito
como negativo e que precisa ser “pacificado” a qualquer custo. Na verdade, não é o conflito
um oposto da paz, mas sim algo natural que faz parte da essência humana e da atuação
humana que envolve pontos de vistas, necessidades, interesses ou estratégias diferentes.
Jean-Marie Muller analisa a dinâmica do conflito:

O conflito sempre se resume a algum tipo de rivalidade pelo domínio de um território.


Todos estão convencidos de que o sujeito ao lado quer “tirar o seu lugar”. Neste caso,
o conflito só pode ser solucionado se os adversários, tendo percebido que há “lugar
para dois”, decidam pôr suas cabeças para funcionar juntas e encontrem, assim,
alguma forma de arranjo territorial que permita ambos “ter seu próprio lugar”. Trata-
se de “transformar” o conflito de tal forma que permita uma mudança do confronto
original entre dois adversários para um nível de cooperação entre dois parceiros, em que
poderão chegar à solução3.

O foco, portanto, deve ser outro. Não se trata de eliminar o conflito, mas sim considerá-
lo como parte integrante das relações humanas e buscar meios para compor as diferenças de
forma construtiva.
Há uma tendência em se criar formas para proteger as pessoas dos conflitos. Isso
resulta numa falta de aptidão para lidar com as diferenças desde os processos iniciais da
educação infantil. As crianças não são estimuladas a lidar com as diferenças e a aprender a
compor os conflitos de forma construtiva.
O escamoteamento do conflito vai minando toda e qualquer capacidade para
autocomposição e terceiros são constantemente demandados para dar uma “solução” para
o conflito. Os sujeitos do conflito passam a ser considerados como peças, ou “objetos do
conflito.4
Eligio Resta afirma que as técnicas de mediação tornam “comunicáveis mundos e
linguagens diversas; representa contextos, interpreta textos e traduz, tornando acessíveis,
significados que, de outro modo, seriam incompreensíveis”5.
A mediação parte da perspectiva da teoria contemporânea do conflito, tratando-o como
elemento inerente à essência humana e inserindo a dinâmica dialógica e comunicacional no
processo. Isso gera nos envolvidos uma retomada de seus papéis de sujeitos e os desprende
da figura de “objetos” do conflito.
O protagonismo dos sujeitos pode ser estimulado por diversas técnicas. A questão
passa a ser como lidar de forma pacífica e o que esperar da oportunidade do conflito.
Não há uma essência negativa do conflito necessariamente, pois a questão é outra, a da
forma de se lidar com o conflito, se de forma violenta ou não-violenta. A resposta ao conflito
é que pode assumir um caráter construtivo ou destrutivo.
Sendo assim, deve-se analisar a fundo os motivos pelos quais a cooperação pode ser minada
no processo de solução de um conflito, instaurando um processo adversarial e competitivo.

2 GALTUNG, Johan. Peace and social structure: essays in peace research III. Copenhagen: Christian Elgers, 1978, p. 484.
3 MULLER, Jean Marie. Não-Violência na Educação. São Paulo: Palas Athena, 2006, p. 23.
4 GALTUNG, Johan. Peace and world structure: essays in peace research IV. Copenhagen: Christian Elgers, 1980, p. 506.
5 RESTA, Eligio. O Direito Fraterno. Tradução de Sandra Regina Martini Vial. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2004, p. 131.

160
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Uma das causas impeditivas para a colaboração no processo de solução de conflitos é


a violência que se inicia quando há um deslocamento, num embate entre os indivíduos, da
rivalidade por um objeto para a rivalidade entre os indivíduos.
Ao transformar o outro em objeto, o indivíduo não reconhece a sua humanidade e também
não a compartilha. Assim, a violência impede relações empáticas, que são fundamentais para
a solução pacífica dos conflitos.

2. Premissas da Cultura da Paz e a gestão das emoções

O art. 1º da “Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz” da Organização


das Nações Unidas, publicada em 1999, define a Cultura de Paz como um conjunto de valores,
atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida baseados:

a) No respeito à vida, no fim da violência e na promoção e prática da não-violência por


meio da educação, do diálogo e da cooperação;
b) No pleno respeito aos princípios de soberania, integridade territorial e independência
política dos Estados e de não ingerência nos assuntos que são, essencialmente, de
jurisdição interna dos Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e o
direito internacional;
c) No pleno respeito e na promoção de todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais;
d) No compromisso com a solução pacífica dos conflitos;
e) Nos esforços para satisfazer as necessidades de desenvolvimento e proteção do meio-
ambiente para as gerações presente e futuras;
f) No respeito e promoção do direito ao desenvolvimento;
g) No respeito e fomento à igualdade de direitos e oportunidades de mulheres e homens;
h) No respeito e fomento ao direito de todas as pessoas à liberdade de expressão,
opinião e informação;
i) Na adesão aos princípios de liberdade, justiça, democracia, tolerância, solidariedade,
cooperação, pluralismo, diversidade cultural, diálogo e entendimento em todos os níveis
da sociedade e entre as nações; e animados por uma atmosfera nacional e internacional
que favoreça a paz.6

No artigo 3º do mesmo diploma legal, no qual estão definidos os oito campos de ação em
que o Estado e a sociedade civil devem atuar para garantir a promoção da cultura de paz, há
menção à “possibilidade de que todas as pessoas, em todos os níveis, desenvolvam aptidões
para o diálogo, negociação, formação de consenso e solução pacífica de controvérsias” como
aspecto integralmente vinculado ao desenvolvimento pleno desta.
Fazendo um recorte nacional, a implementação de tal legislação programática no
âmbito brasileiro já teve início antes mesmo de sua publicação, mediante a promulgação da
Constituição Federal de 1988. Em seu corpo normativo, esta foi responsável por instaurar o
Estado Democrático de Direito, um tipo especial de Estado, cujo objetivo primeiro é satisfazer
os requisitos essenciais à democracia, bem como garantir a segurança jurídica por meio da
prevalência do governo das leis7.
Em acréscimo, trouxe, em seu art. 5º, um extenso rol de direitos e garantias fundamentais,

6 ONU. Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz. Resolução aprovada por Assembleia Geral em 06
de outubro de 1999, nº 53/243.
7 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002 (1933), p. 218.

161
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

e contemplou, em suas partes inaugurais, um escopo principiológico diretamente relacionado


com o programa das Nações Unidas, como exemplifica Gisela Maria Bester:

[...] são princípios que fundamentam o próprio Estado brasileiro como um todo (art. 1º),
entre outros, a cidadania (II) e a dignidade humana (III), aparecendo também entre os
objetivos fundamentais da República brasileira a construção de uma sociedade “justa”
(art. 3º, I), e a prevalência dos direitos humanos, a defesa da paz e a solução pacífica
dos conflitos entre os princípios reitores do Brasil em suas relações internacionais (art.
4º, II, VI e VII).8

Com a estruturação desse panorama jurídico, houve também mudança nas instituições
que compõem o sistema de Justiça, arquitetadas para a proteção e salvaguarda desses
direitos, em um movimento de formalização da institucionalidade democrática, com base
nos princípios de igualdade e de liberdade9. Em meio à preeminente constitucionalização, a
perspectiva de avanços na pacificação social tornou-se cada vez mais evidente, tornando-se
efetivamente uma política pública.
Nesse sentido, a busca pela construção desse panorama abarca o aprendizado individual
relativo à gestão das emoções, uma vez que o substrato emocional é ínsito à natureza
humana, ou seja, o ser humano está constantemente sendo afetado psicofisiologicamente
pelo surgimento de emoções em seu interior, cuja influência pode potencializar a tomada
de atitudes sem o devido uso da razão, culminando em maior tendência à propagação da
violência em suas inúmeras formas.
A gestão emocional pode ser caracterizada como um conjunto de habilidades
socioemocionais de autoconhecimento e autocontrole que visa a desenvolver a capacidade
do indivíduo de observar, avaliar, controlar e expressar suas emoções e sentimentos. Sua
importância é evidente no contexto atual, considerando-se, como exemplo, as inúmeras
atividades exercidas pelos profissionais da área jurídica, demarcadas, em sua maioria, por
intensos contatos e relações interpessoais, normalmente envoltos em alguma situação de
conflito de interesses, na qual estão em evidência direitos e deveres a serem contemplados
e estabelecidos. Assim, considerando a notória influência destes na vida em sociedade,
aprender a lidar com o complexo emaranhado de emoções que surgem nos conflitos torna-
se fundamental.
Sob esse viés, a própria natureza conflitiva que perpassa o domínio do Direito no mundo
dos fatos é um dos objetos principais dentro do movimento de edificação de uma cultura
de paz, em cujo cerne encontra-se o amadurecimento na forma de compreender os padrões
emocionais e como estes condicionam, em certa medida, as interpretações pessoais e as
ações ou omissões tomadas em consequência dessas, sendo crucial modificar o entendimento
socialmente prevalecente de que há necessariamente uma contraposição entre conflito e paz,
como contemplado na obra “Cultura de Paz: processo em construção”:

8 BESTER, Gisela Maria. Cultura da paz como compromisso constitucional brasileiro - Parte II: Nos caminhos do
humanismo e da justiça restaurativa. Empório do Direito, [S. l.], 17 fev. 2016. Disponível em: https://emporiododireito.
com.br/leitura/cultura-da-paz-como-compromisso-constitucional-brasileiro-parte-ii-nos-caminhos-do-humanismo-e-da-jus-
tica-restaurativa. Acesso em: 20 jun. 2020.
9 SADEK, Maria Tereza Aina. Acesso à Justiça: Visão da Sociedade. Justitia, São Paulo, v. 65, n. 198, p. 271-279, jan./
jun. 2008, p. 272.

162
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Conflito não necessariamente é sinônimo de ausência de paz. A cultura de paz busca um


entendimento de formas distintas de olhar para o conflito, para os participantes, para as
motivações que deram origem ou que contribuem para que haja uma busca de solução,
por vezes, de transformação. Após o conflito, o antes não volta a ser como era, mas
pode haver um entendimento, novamente, entre as partes, entre os envolvidos, entre os
atingidos. O conflito é transformador. A paz é restauradora. 10

Cientificamente, o ato de gerir as emoções pode ser integrado ao conceito de Inteligência


Emocional (IE), originariamente definido pelos pesquisadores Peter Salovey e John Mayer em
artigo de mesmo nome no ano de 1990 e popularizado pelo autor Daniel Goleman, professor
da Universidade de Harvard, através da publicação de seu best-seller “Inteligência Emocional:
a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente” em 1995. Posteriormente, em
1997, Salovey e Mayer trouxeram uma redefinição e revisão da IE, ampliando e esclarecendo
sua conceituação inicial, abordando-a da seguinte maneira:

A inteligência emocional implica a habilidade para perceber e valorar com exatidão a


emoção; a habilidade para acessar e ou gerar sentimentos quando esses facilitam o
pensamento; a habilidade para compreender a emoção e o conhecimento emocional,
e a habilidade para regular as emoções que promovem o crescimento emocional e
intelectual.11

Os autores dividiram o processamento de informações emocionais em um modelo


formado por 4 capacidades ou níveis, que se organizam de acordo com a complexidade dos
processos psicológicos que apresentam, quais sejam:

1) a percepção acurada das emoções; 2) o uso da emoção para facilitar o pensamento, a


criatividade e a resolução de problemas nas suas vidas; 3) a compreensão das emoções;
4) a gestão de emoções ou gestão emocional.12

Esmiuçando cada um, pode-se dizer que percepção emocional significa reconhecer
diferentes emoções em si e nos outros, de maneira acurada, e expressá-las socialmente.
Já a emoção enquanto facilitadora do pensamento é a capacidade do pensamento gerar
emoções e a possibilidade destas influenciarem o processo cognitivo. Ainda, a compreensão
emocional diz respeito a três habilidades: (a) capacidade de identificar emoções e codificá-
las; (b) entender os seus significados, o seu curso e a maneira como se constituem e se
correlacionam; e (c) conhecer as suas respetivas causas e consequências. Por fim, a gestão
emocional é a regulação de emoções em si e nos outros, isto é, a capacidade de gerar emoções
positivas e reduzir as negativas, conforme o caso13.
Sob esse espectro de análise, uma das práticas que surge em evidência devido à grande
relevância para o auxílio no aprendizado dessas habilidades é o mindfulness, palavra de
origem inglesa que significa “atenção plena”, podendo ser conceitualizada como:

10 DAMIANI, Suzana; HANSEL, Cláudia M.; QUADROS, Maria S. P. de. Cultura de Paz: processo em construção. Caxias
do Sul, RS: Educs, 2017, p. 19.
11 MAYER, J. D., & SALOVEY, P. “¿Qué es la inteligencia emocional??” In: J. M. M., Navas, & P. F., Berrocal. (Coord.). Manual de
inteligencia emocional. pp. 25-45. Madrid: Anaya, 2007. p. 32.
12 BRANCO, Maria A. V. “Inteligência Emocional.”. In: JARDIM, Jacinto; FRANCO, José Eduardo. Dicionário de educação
para o empreendedorismo. Lisboa: Gradiva, 2019. p. 424.
13 Ibidem, p. 426.

163
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

[...] uma habilidade metacognitiva caracterizada por um tipo de ciência (awareness)


gentil, não-elaborativa e não julgadora voltada para o momento presente no qual toda
sensação, pensamento ou sentimento que surge no campo atencional é observado com
aceitação e sem identificação (apego).14

Deve-se desenvolver a capacidade de gerir as emoções15, a fim de ser menos reativo a


emoções negativas e tomar decisões de forma mais intuitiva, prevendo com maior clareza a
ocorrência de resultados vantajosos e desvantajosos.
Esse aspecto é de grande importância ao avaliar-se o comum e recorrente desfecho
decorrente de atitudes tomadas sem a devida transparência no raciocínio, produto de
situações de alta carga de estímulo emocional, que pode dar ensejo a manifestações de
violência e acaba por corroborar uma cultura sempre permeada pela litigiosidade e pelo
tenso embate nas relações sociais.
Não obstante, no universo jurídico, esse padrão de comportamento reflete-se na
cultura da sentença, caracterizada pela presença de um Estado paternalista, detentor do
monopólio da jurisdição, que se dispõe a solucionar todos os conflitos mediante o processo
jurisdicional e que se encontra, na atualidade, inserida em incontáveis segmentos do meio
social brasileiro16.
Nesse contexto, o meio hegemônico de resolução de controvérsias do Poder Judiciário
do país é o processo judicial, caracterizado por uma lógica de antagonismo entre as partes,
dispostas em polos distintos e colocadas em uma posição de enfrentamento, em que apenas
uma delas sairá “vitoriosa” quando for prolatada a decisão que compõe a sentença judicial.
Em contraposição, a cultura da pacificação tem em seu cerne a responsabilização e
autonomia individuais na resolução dos conflitos em sociedade, objetivando alternativas que
privilegiem uma busca mais harmoniosa e apropriada para a solução do caso concreto em
questão, isto é, a solução pacífica das controvérsias, visando uma abordagem humana e
empática no lidar com os concidadãos. Nessa seara, Fernanda M. A. Carneiro afirma:

Essa condição pacificadora se impõe como a decisão mais acertada, considerando-se que
derrotar litigante oposto, na maioria dos casos, pode não representar, necessariamente,
que o problema tenha sido resolvido, ou que a decisão judicial, tomada com base no que
os Autos apresentam, seja, realmente, a solução desejada.17

É possível estabelecer um paralelo desse fenômeno do litígio no âmbito jurídico com


a identificação egóica com determinada posição mental, isto é, a necessidade compulsiva
de “vencer” alguma controvérsia ou embate para ter sua crença, interpretação, ideologia ou

14 ARAÚJO, Geissy Lainny de Lima. Efeitos psicofisiológicos de uma breve intervenção baseada em mindfulness
em adultos jovens saudáveis. Tese (Doutorado em Neurociências)). Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Insti-
tuto do Cérebro, Programa de Pós-Graduação em Neurociência, Natal, 2018.
15 Estudos sobre mindfullness com adultos jovens saudáveis vêm corroborando a compreensão de que o treinamento
baseado em mindfulness produz diversos benefícios ao bem-estar individual, mesmo no curto prazo, observando-se efeitos
significativos sobre aspectos importantes envolvidos no processo de regulação emocional, gerando resultados tais como
maior engajamento de processos atencionais e redução de estresse percebido, de afeto negativo e do estado de ansiedade,
além de melhora da regulação comportamental e redução da reatividade emocional. KENG, Shian-Ling; SMOSKI, Moria J. &
ROBINS, Clive J. Effects of mindfulness on psychological health: a review of empirical studies. Clinical Psychology
Review, v. 31, n. 6, p. 1041-56, 2011. Disponível em: http://doi.org/10.1016/j.cpr.2011.04.006. p. 75.
16 WATANABE, Kazuo. “Cultura da sentença e cultura da pacificação”. In: YARSHELL, Flávio Luiz. MORAES, Maurício Zanoide
de. Estudos em homenagem à Professora Ada Pelegrini Grinover. São Paulo: DPJ Editora, 2005.
17 CARNEIRO, Fernanda M. A. A mediação e sua relação com a cultura de paz e a pacificação social. Revista de For-
mas Consensuais de Solução de Conflitos, Belém, v. 5, n. 2, p. 01-19, jul./dez. 2019.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

ponto de vista justificado e sentir-se legitimado e correto perante estes.


Ambos estão interligados por uma diretriz sociopsicológica que expressa a incapacidade
de desvinculação do objeto de pensamento – não raro adstrito ao próprio conteúdo que
integra a demanda processual, resultando na obstinada e insatisfatória procura pelo “estar
certo”, ao invés da ênfase no consenso e na compreensão efetiva da heterogeneidade de
interesses e necessidades que compõem a perspectiva existencial de cada indivíduo.
John Paul Lederach, professor americano de construção da paz internacional na
Universidade de Notre Dame, ao tratar sobre os recursos necessários para a construção
da paz em seu livro “Building Peace: Sustainable Reconciliation in Divided Societies”,
subdividiu-os em socioeconômicos e socioculturais. Dentre os últimos, o autor faz menção
à descoberta de uma forma de pensar sobre a resolução de conflitos realizada por muitos
habitantes da América Central, que o fazem com base em 3 conceitos principais: confiança,
conexão e conjuntura18.
Em síntese, a confiança sugere uma abordagem holística e relacionalmente baseada
para a mediação, que se desenvolve ao longo do tempo; a conexão sugere que a construção
da paz depende de conhecer pessoas e estar conectado; e a conjuntura é a sensibilidade
a eventos e percepção de possibilidades. Juntos, trazem a compreensão da paz como um
processo de transformação baseado em recursos de dentro da configuração conflitante, que
fornecem conexão antes e durante o conflito e, finalmente, ajudam a sustentar a paz19.
Nesse eixo de abordagem, todos estão, direta ou indiretamente, conectados com a
gestão emocional, pois o ato de estabelecer e manter conexões sociais e criar confiança
nessas, principalmente dentro de um contexto conflituoso e difícil de lidar, exige habilidades
socioemocionais que auxiliem nesse processo, buscando “acalmar os ânimos” através de
procedimentos diversos, tais como uma escuta ativa e não-julgadora de outras perspectivas
e um modo específico de abordar certas situações ou problemáticas.

3. O sistema adversarial e o uso da violência como construções sociais, culturais


e históricas

Jean-Marie Muller20 esclarece que tem prevalecido, na contemporaneidade, a ideia de


uma “legítima” atuação violenta para combater a própria violência a fim de justificar o sistema
adversarial.
Deve-se analisar a razão pela qual o sistema adversarial vem sendo considerado como
método de “solução de conflitos”, pois é paradoxal utilizar a violência e o litígio para se
buscar a paz, já que por esse sistema não se busca o restabelecimento da relação e sim
apenas a impossibilidade de se discutir o conflito. Portanto, não é de pacificação que estamos
falando e sim do fim de um litígio, que não implica o fim do conflito.
Nesse sentido, Jairo Bisol afirma: “Por consequência, o direito não decide o conflito;

18 CARNEIRO, Fernanda M. A. A mediação e sua relação com a cultura de paz e a pacificação social. Revista de For-
mas Consensuais de Solução de Conflitos, Belém, v. 5, n. 2, p. 01-19, jul./dez. 2019, p. 98.
19 LEDERACH, John Paul. Building Peace: Sustainable Reconciliation in Divided Societies. Washington, D.C.: United
States Institute of Peace Press, 1997, p. 97.
20 MULLER, Jean Marie. O Princípio da Não-Violência: Percurso Filosófico. São Paulo: Editora Palas Athena, 2007, p.13.

165
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

decide o que ele reinstitucionaliza como conflito, ou seja, o ‘conflito jurídico’. Não julga o
fato; julga o ‘fato jurídico’”21.
Jean-Marie Muller afirma que, apesar da violência estar presente na história da
humanidade, não pode ser considerada oriunda de uma natureza inata cruel, pois o ser
humano é racional e, portanto, influenciado por sua cultura. Há uma construção cultural em
torno da violência, que objetiva legitimar e justificar o seu uso:

Visa ocultar aquilo que a violência tem de irracional e de inaceitável [...] O objetivo
almejado é na maioria das vezes alcançado – é a banalização da violência. Em vez
de banida – declarada à margem da lei -, a violência é banalizada – declarada em
conformidade com a lei.22

A violência é também uma construção histórica. Nesse sentido, o referido autor afirma:
“A sociedade cultiva a violência [...], inculcando-a nos indivíduos como virtude do homem
forte, do homem corajoso, do homem honrado [...]”23.
Jean-Marie Muller afirma que: “As tradições que herdamos, por terem reservado um
amplo e belo espaço à violência, não reservaram praticamente nenhum espaço à não-violência,
ignorando-lhe inclusive o nome.” E, portanto, “em vez de ser banida – declarada fora da lei -,
a violência é banalizada – declarada em conformidade com a lei”24.
Deve-se questionar o porquê da institucionalização do sistema adversarial. Por que se
elegeu o método adversarial para solução dos conflitos? Os métodos consensuais são uma
criação da contemporaneidade?
Para responder a essas perguntas, recorre-se à Filosofia da Libertação, de Enrique Dussel,
a partir da perspectiva crítica desenvolvida ao Eurocentrismo, para afirmar que os métodos
consensuais de solução de conflitos sempre estiveram presentes na história da humanidade
e foram simplesmente encobertos, dando ênfase ao sistema adversarial. Não se pretende
fazer uma análise profunda da obra de Dussel, mas tão somente analisar como o Projeto
de Modernidade e o Eurocentrismo contribuíram para o encobrimento de outras formas de
solução de conflitos para além do sistema adversarial. Como afirma Enrique Dussel:

Trata-se de ir à origem do “Mito da Modernidade”. A Modernidade tem um “conceito”


emancipador racional que afirmaremos que subsumimos. Mas, ao mesmo tempo,
desenvolve um “mito” irracional, de justificação da violência, que devemos negar,
superar”. [...] De qualquer maneira, esse Outro não foi “descoberto” como Outro, mas
foi “en-coberto” como o “si mesmo” que a Europa já era desde sempre. De maneira que
1492 será o momento do “nascimento” da Modernidade como conceito, o momento
concreto da “origem” de um “mito” de violência sacrificial muito particular, e, ao mesmo
tempo, um processo de “en-cobrimento” do não-europeu.25

Enrique Dussel afirma que, até 1492 d.C., havia um protagonismo das nações
muçulmanas e asiáticas, relegando à Europa a um papel de pouca importância. Os europeus
recorriam às guerras, “encobrindo” os povos conquistados, desconsiderando a sua cultura e

21 BISOL, Jairo. “Mediação e modernidade: sítios para uma reflexão hermenêutica.”. In: WARAT, Luis Alberto. (Org.). Em
nome do acordo: a mediação no direito. 2. ed. Argentina: Almed, 1998, p. 112.
22 MULLER, Jean Marie. O Princípio da Não-Violência: Percurso Filosófico. São Paulo: Editora Palas Athena, 2007, p.13.
23 MULLER, Jean Marie. Op. cit., p. 12.
24 MULLER, Jean Marie. Op. cit., p. 11.
25 DUSSEL, Enrique. 1492 - O encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade. Tradução de Jaime A.
Clasen. Petrópolis: Vozes, 1993, p.7.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

impondo o modo eurocentrista que utilizava o sistema adversarial ou romano para resolução
de seus conflitos:

A ‘conquista’ é um processo militar, prático, violento que inclui dialeticamente o Outro como
o ‘si-mesmo’. O Outro, em sua distinção, é negado como Outro e é sujeitado, subsumido,
alienado a se incorporar à totalidade dominadora como coisa, como instrumento, como
oprimido [...]”.26 “Uma vez reconhecidos os territórios, geograficamente, passava-se ao
controle dos corpos, das pessoas: era necessário “pacificá-las”- dizia-se na época27.

Jay Folberg afirma que os métodos consensuais de solução de conflitos eram utilizados
em territórios orientais como China, Japão e África28. Como tais povos foram colonizados,
as suas práticas consensuais foram encobertas pela ação dos colonizadores que impunham
o seu modo de ver o mundo.
Verifica-se assim que a violência não é uma característica humana inata, mas sim uma
construção cultural fruto da racionalidade humana, pois “a violência apenas existe e age
através dos homens; é sempre o homem que é responsável pela violência”29. Sendo assim, se
a violência é construída a partir da racionalidade humana, pode, portanto, ser desfeita por
essa mesma racionalidade.

4. Sintomas da contemporaneidade que contribuem para o establishment da cultura


adversarial

O que nos impede de agir de forma pacífica? Como os elementos da contemporaneidade


agem para nos distanciar da cultura da paz? Essas são as perguntas que nos dedicamos
neste item.
Antes de iniciarmos a análise dos sintomas da contemporaneidade que contribuem
para o establishment da cultura da violência, devemos analisar o seu pano de fundo, ou seja,
a dinâmica das relações sociais.
Os elementos da uma sociedade contemporânea global, complexa, líquida e da
informação em rede têm, certamente, um preço a ser pago. Byung-Chul Han mostra que
estamos diante de um novo modelo de organização social, em substituição ao modelo
disciplinar e repressor do século XX. Esse novo modelo constitui-se por outro tipo de
violência, denominado por ele de “violência neuronal”. A cobrança não vem mais do
outro – Estado ou Corporações –, mas sim do próprio indivíduo para mostrar mais e
melhores resultados:

A sociedade de hoje é uma sociedade de academias de fitness, prédios de escritórios,


bancos, aeroportos, shopping centers e laboratórios de genética. A sociedade do século
XXI é uma sociedade de desempenho.30

26 DUSSEL, Enrique. Op. cit., p. 44


27 DUSSEL, Enrique. Op. cit., p. 43.
28 FOLBERG, Jay. Mediación: resolución de conflitos sin litígio. Tradução de Beatriz E. Blanca Mendonza. México: Li-
musa, 1992, p. 21.
29 MULLER, Jean Marie. Op. cit., p. 30.
30 HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Editora Vozes, 2015. Kindle edition.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Com o uso da tecnologia e dos meios de comunicação, seria possível que houvesse uma
diminuição do ritmo de trabalho em razão da facilitação de todos os processos. Contudo,
o efeito foi reverso. Passamos a viver de uma forma frenética, já que os processos foram
simplificados. Os feedbacks são esperados de forma instantânea, já que os indivíduos são
multitarefas, executando atividades paralelas: dirigem seus carros, se alimentam, falam ao
celular e respondem mensagens via e-mail31.
Vivemos num estágio de hiperatenção e de reação, num mundo que não permite a
perfeita contemplação. Byung-Chul Han afirma que devemos “habituar o olho ao descanso,
à paciência, ao deixar-aproximar-se-de-si”, isto é, capacitar o olho a uma atenção profunda e
contemplativa.
Precisamos reaprender a não sermos tão reativos, mas a velocidade que imprimimos
nas relações contemporâneas parece nos exigir uma resposta imediata a todo e qualquer
estímulo, desde um alarme de mensagem no celular a um conflito com o vizinho. O preço é
alto, pois

a sociedade do desempenho e a sociedade ativa geram um cansaço e esgotamento


excessivos. […] O cansaço da sociedade do desempenho é um cansaço solitário, que
atua individualizando e isolando. […] esses cansaços consumiram como fogo nossa
capacidade de falar, a alma.32

A hiperatenção, como já visto anteriormente, nos leva a executar várias tarefas ao mesmo
tempo e gera um esgotamento neuronal. Assim, para dar conta de todas as atividades, mesmo
que às custas desse esgotamento, permanecemos na superfície, ou seja, não submergimos
nas relações.
A consequência é uma variedade de atividades e relações superficiais que nos esgotam
e geram um cansaço para tratar de assuntos que nos exigiriam uma maior doação para além
do superficial. Assim, diante de um conflito, e considerando que temos um aparato disponível
no sistema judicial, terceirizamos a solução dos nossos conflitos e não estamos abertos nem
à escuta, nem ao diálogo.
Trabalhar o conflito exige doação, entrega, troca, imersão, fala, escuta e empatia.
Estamos tão esgotados neuronalmente que não temos disponibilidade para isso.
Devemos analisar, também, de que forma somos educados para naturalizar a violência
e para reproduzi-la sem constestá-la. Trata-se de considerar o discurso de opressão que nos
foi apresentado justamente para “domesticar” os nossos corpos, objetificando as pessoas.
Para tanto, fomos educados a pensar em termos binários (certo/errado, bom/mau,
bem/mal), como se tudo pudesse ser analisado e julgado a partir desses termos. Diante do
errado e do mal, fomos educados, a partir de um processo de julgamento, a reagir com o uso

31 BRUM, Elaine. Revista Época, 29 abr. 2013. “Estamos vivendo como se tudo fosse urgente. Urgente o suficiente para
acessar alguém. E para exigir desse alguém uma resposta imediata. Como se o tempo do “outro” fosse, por direito, também
o “meu” tempo. E até como se o corpo do outro fosse o meu corpo, já que posso invadi-lo, simbolicamente, a qualquer
momento. Como se os limites entre os corpos tivessem ficado tão fluidos e indefinidos quanto a comunicação ampliada
e potencializada pela tecnologia. Esse se apossar do tempo/corpo do outro pode ser compreendido como uma violência.
Mas até certo ponto consensual, na medida em que este que é alcançado se abre/oferece para ser invadido. Torna-se, ao
se colocar no modo “online”, um corpo/tempo à disposição. Mas exige o mesmo do outro – e retribui a possessão. Olho
por olho, dente por dente. Tempo por tempo”. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noti-
cia/2013/04/e-urgente-recuperar-o-sentido-de-urgencia.html. Acesso em: 23 fev. 2019.
32 HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Op. Cit.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

da violência. Basta analisar os filmes e animações que são apresentados às crianças33. Trata-
se de uma sucessão de personagens malévolos que serão derrotados pelas “forças do bem”,
como se a violência fosse a única saída para tratar outra violência. Não se está a dizer que o
processo de naturalização da violência decorra tão somente deste aspecto, mas, certamente,
contribui já que povoa o imaginário infanto-juvenil.
A violência, que já vem sendo naturalizada no período infanto-juvenil, continua com o
mesmo processo ao longo de nossas vidas pelos meios de comunicação. Jean-Marie Muller
analisa o impacto dos meios de comunicação na construção da violência: “Os meios de
comunicação de massa não nos informam sobre as razões e riscos da violência, mas sobre a
própria violência; não suscitam uma opinião pública, mas uma emoção pública”34.
No artigo intitulado “Se a paz fosse Coca-Cola...”, José Paulo Santos recorre a uma
metáfora para analisar o processo de assimilação do princípio da não-violência. Afirma o
referido autor que o primeiro slogan criado para a campanha publicitária da Coca-Cola em
Portugal foi criado em 1929 por Fernando Pessoa: “Primeiro estranha-se, depois entranha-se.”
José Paulo Santos esclarece que:

De um momento para o outro, quer por via dos meios de comunicação social, quer
pelas redes sociais, somos invadidos por grotescas imagens de violência, por frases
de vingança de políticos, de comentadores e dos mais diversos indivíduos. Esta espiral
que inicia em focos muito precisos, acaba por expandir-se e alastrar-se, tornando-se,
cada vez mais, um problema para 7 mil milhões de habitantes. Um problema para o
mundo inteiro. E este vocabulário violento, estas imagens de terror, vão-se infiltrando
nas nossas mentes e nos nossos corações, fazendo emergir o pior de cada um de nós: o
desejo de vingança. Amaldiçoa-se, insulta-se, injuria-se!35

Ao final do artigo, o autor propõe uma “Coca-Cola da Paz”, ou seja, uma campanha de
marketing pela paz.
Jean-Marie Muller afirma que a não violência pode ser considerada como uma nova ideia
que causa estranheza, pois a nossa civilização consolidou e institucionalizou a violência.
Nesse sentido, o autor afirma:

A violência [...] é inerente ao nosso pensamento e comportamento. A não violência


ainda é um território inexplorado. Temos tanta dificuldade de aprender o conceito
de não violência, que freqüentemente nos vemos inclinados a negar sua relevância.
Assim temos um grande trabalho pedagógico pela frente [...] para assegurar que
a cultura da Paz e da não-violência, de fato transforme o panorama mental de
professores e alunos36.

O princípio da não-violência implica na necessidade de se buscar modos não-violentos de


agir de forma eficaz contra a violência. Trata-se de iniciar um movimento de desnaturalização
da violência e de naturalização da não violência, com a mesma expectativa da campanha
publicitária feita por Fernando Pessoa: “Primeiro estranha-se, depois entranha-se.”

33 Isso sem contar com os jogos eletrônicos que permitem que você agrida, mate e roube pessoas.
34 MULLER, Jean Marie. Op. cit. p. 9.
35 SANTOS, José Paulo. Se a paz fosse Coca-Cola. Jornal Voz de Cambra, Aveiro, jul. 2016, p. 21.
36 MULLER, Jean Marie. Não-Violência na Educação. São Paulo: Palas Athena, 2006, p. 11-12.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

5. A Escuta Ativa e a Comunicação Não-Violenta: Instrumentos para o verdadeiro


diálogo

Tensin Gyatsu, o atual Dalai Lama afirmou: “As palavras não usam armas, mas ferem o
coração”37. O aspecto comunicacional é de extrema importância para a mediação de conflitos.
O manejo das palavras permite que o conflito vá perdendo densidade e assuma o seu real
tamanho.
A escuta ativa e a comunicação não-violenta são instrumentos utilizados para permitir
um verdadeiro diálogo, realizando uma troca de ideias para a solução de conflito. Quando
bem manejados, esses instrumentos tendem a criar um fio condutor que interliga as partes
que antes se encontravam desconectadas, permitindo uma comunicação empática.
Além desses instrumentos, o mediador conta com outras ferramentas para facilitar
a comunicação e a despolarização, dentre elas o recontextualização (parafraseamento), o
resumo, a formulação de perguntas, troca de papéis, sessões privadas e teste de realidade.
A mediação é um processo comunicacional catalisado pelo mediador, que deve possuir
habilidades comunicativas, pois é por meio da linguagem que se promoverá uma comunicação
efetiva, ou seja, dialógica.
O diálogo permite a co-construção e respeita a diversidade de opiniões e as vê como
complementares. No diálogo, há a escuta ativa com o objetivo de entender o ponto de vista
do outro.
Já numa conversação adversarial, as partes buscam o embate e não a complementaridade
de pensamentos, buscam deslegitimar a fala do seu “oponente” atacando-o de forma pessoal.
Para tanto, ouvem com a intenção de contra-argumentar, não propiciando a escuta ativa.
Outro aspecto a ser considerado é que acreditamos que uma comunicação eficaz está
baseada naquilo que dizemos e não naquilo que foi compreendido pelo outro. Porém, a
dinâmica é outra, pois a comunicação está baseada naquilo que foi entendido pela outra
parte. O mediador poderá identificar ruídos na comunicação e permitir que as partes tenham
o entendimento daquilo que está sendo dito.
Deve-se considerar que o aspecto dialógico é um momento ritualístico que separa o
desentendimento do entendimento. O mediador, além de ter boa capacidade de escuta, deve
promover um ambiente propício para que os mediados saibam ouvir e para que a escuta seja
circular, ou seja, permitindo também o protagonismo do outro, bem como o aprendizado e a
ressignificação do conflito.
O mediador deve promover, também, uma comunicação compassiva, favorecendo (re)
conexões empáticas que irão facilitar o diálogo e a escuta empática.
A Comunicação Não-Violenta (CNV) é uma técnica desenvolvida pelo psicólogo
americano Marshall Rosenberg38, na década de 60, que promove a conexão entre as
pessoas. Marshall sustenta que, por meio da fala, expressamos necessidades e aponta
quatro componentes da CNV: observação, expressão de sentimentos, reconhecimento

37 Apud ARAÚJO, José Roberto. “Ensinar a paz: uma proposta para um currículo de educação.”. In: MOLL, Jaqueline. (Org.)
Caminhos da Educação Integral no Brasil: direito a outros tempos e espaços educativos no Brasil. São Paulo:
Penso, 2012. p. 211.
38 ROSENBERG, Marshall. Comunicação Não-Violenta - Técnicas Para Aprimorar Relacionamentos Pessoais e Pro-
fissionais. Trad. Mário Vilela. São Paulo: Ágora, 2006.

170
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

de necessidades e elaboração dos pedidos. A CNV nos auxilia na reformulação da nossa


expressão e na forma como ouvimos o outro.
É uma forma de comunicação que permite a conexão entre as partes, por meio do
reconhecimento das necessidades e dos sentimentos de todos os envolvidos, sem julgamentos
ou críticas. Trata-se de legitimar as necessidades e sentimentos do outro.
Marshall Rosenberg39 faz os seguintes questionamentos: como nos desligamos de
nossa natureza compassiva, levando-nos a nos comportarmos de maneira violenta? Como
algumas pessoas permaneçam ligadas à sua natureza compassiva mesmo nas circunstâncias
mais penosas?
O referido autor identificou o papel crucial da linguagem e do uso das palavras, o
que o permitiu trabalhar com os aspectos da comunicação — falar e ouvir — e forma a
estabelecermos uma conexão com o outro. A CNV estimula a nossa capacidade de mantermos
a nossa humanidade, mesmo em situações em que nos sentimos atingidos.
Segundo o autor, a observação deve ser realizada sem juízo de valor, pois a emissão de
juízos de valor tende a ser recebida pelo receptor da mensagem como crítica ou julgamento,
causando uma resistência ao que foi dito pelo emissor. O segundo componente é expressar
os sentimentos de forma clara, sem rótulos, responsabilizando-se por aquilo que está
sentindo. O terceiro componente é o reconhecimento de necessidades que decorrem dos
nossos sentimentos. Segundo Marshall, “quanto mais diretamente conseguirmos conectar
nossos sentimentos a nossas próprias necessidades, mais fácil será para os outros reagirem
a estas com compaixão”40. O quarto componente é o pedido que deve ser feito em linguagem
positiva e que deve ser claro, direto e preciso.
A CNV promove a tomada de consciência dos envolvidos de que somos todos seres
humanos que compartilhamos das mesmas necessidades, pois o que nos diferencia são as
estratégias que utilizamos para acessar tais necessidades. Quando identificamos a humanidade
no outro, que antes nos parecia uma ameaça, há uma conexão entre as pessoas.
Abraham H. Maslow analisa o compartilhamento humano das necessidades e a reação
quando tais necessidades não são atendidas:

As necessidades básicas ( de vida, de segurança, de filiação e de afeição, de respeito e


de dignidade pessoal, e de individuação ou autonomia), as emoções humanas básicas e
as capacidades humanas básicas ao que parece, neutras, pré-morais ou positivamente
“boas”. A destrutividade, o sadismo, a crueldade, a premeditação malévola etc. parecem
não ser intrínsecos, mas, antes, constituiriam reações violentas contra a frustração das
nossas necessidades, emoções e capacidades intrínsecas. A cólera, em si mesma, não é
má, nem o medo, a indolência ou até a ignorância. É claro, podem levar (e levam) a um
comportamento maligno, mas não forçosamente. Esse resultado não é intrinsecamente
necessário. A natureza humana está muito longe de ser tão má quanto se pensava. De
fato, pode-se dizer que as possibilidades da natureza humana têm sido, habitualmente,
depreciadas. 41

Sobre a “cegueira” do sujeito diante das necessidades do outro, podemos analisar,


também, a presente questão sob a ótica apontada por Apel e Lorenz. Apel42 sustenta que, em

39 MARSHALL, Rosenberg. Op cit, p. 24.


40 MARSHALL, Rosenberg. Op cit, p. 84.
41 Introdução à Psicologia do ser. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Eldorado, 1970. p. 27-28.
42 APEL, Karl-Otto. Estudos de Moral Moderna. Trad. de Benoro Dischinger. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 196.

171
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

razão da amplitude espacial e temporal das ações humanas, torna-se difícil para o homem
sentir-se emocionalmente atingido pelas consequências de suas ações.
Nesse ponto, recorre-se à ilustração realizada por Lorenz43, sobre a comparação do
homem paleolítico com um machado em punho e o piloto que transportou a bomba de
Hiroshima. O manipulador do machado de mão ainda apresentava fortes instintos repressivos,
pois ele tinha que se defrontar com seu adversário olho no olho, ou seja, ele via a sua condição
de ser humano espelhada no seu adversário. Já a situação do piloto que transportou a bomba
de Hiroshima é diferente, pois ele é preservado do encontro humano com o “inimigo”, afinal
apenas apertou um botão, não vivenciando as consequências da liberação da bomba de
forma sensitivo-emocional.
Transportando para a questão presente, a dificuldade que possuímos em enxergar a
humanidade do outro se deve ao fato de que não estarmos a ele conectados e não identificarmos
o compartilhamento das mesmas necessidades. Ao enxergarmos tão somente como inimigo,
temos dificuldade em considerá-lo um semelhante.
A CNV humaniza as relações e permite a ressignificação da construção cultural e
histórica da violência e da opressão. Somos criados para sermos reativos e a reação é sempre
mais forte do que a ação. Esse círculo vicioso de ação e reação nos impossibilita não só a
escuta ativa, mas também de elaborarmos o nosso raciocínio considerando a humanidade do
outro. Com a tendência que nos é incutida pela cultura e pela nossa historicidade, a nossa
fala será sempre adversarial e não colaborativa.
Assim, as palavras, ao invés de serem uma reação automática, passam a ser uma
escolha consciente das nossas necessidades e das necessidades dos outros. A expressão se
torna mais clara e permitimos ver o outro de forma empática. Além disso, a dinâmica da CNV
permite que os sujeitos envolvidos façam uma autoanálise e, por meio da fala, consigam
expressar as suas necessidades e os seus sentimentos que antes se achavam encobertos
por acusações e por uma fala violenta dirigida ao outro. Ao ser indagado do porquê tem
determinadas necessidades, acessamos aquilo que não conseguíamos enxergar e que, muitas
das vezes, está ao alcance do outro.
A comunicação passa a ter uma nova dinâmica, substituindo antigos padrões de defesa
e ataque.

6. Considerações finais

Durante muito tempo, o acesso à justiça foi considerado numa perspectiva reducionista,
se concentrando apenas em torno da jurisdição judicial, como se somente a via judicial fosse
a única solução.
Não se está a dizer que o processo judicial não seja uma forma legítima de solução
dos conflitos, já que a perspectiva estatal apresenta elementos democráticos, permitindo
o contraditório e o equilíbrio entre as partes por meio de um procedimento regulado
juridicamente.
A jurisdição judicial, apesar de ser um mecanismo tradicional de resolução de conflitos,

43 LORENZ, apud APEL, op. Op. Cit. p. 165-166

172
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

não deve ser considerada como a única forma de acesso à justiça.


Na perspectiva da jurisdição contemporânea, o microssistema de resolução adequada
de conflitos permite que as partes envolvidas optem pelo método mais adequado dentre a
negociação, a conciliação, a mediação, a arbitragem, a advocacia colaborativa, entre outros.
Pode-se afirmar que, embora haja diferenças entre os referidos meios alternativos, há um
elemento comum entre eles: a liberdade.
Assim, o conceito contemporâneo de acesso à justiça permite considerá-lo como “acesso
adequado à justiça”, por meio do desenvolvimento da liberdade de escolha dos sujeitos do
conflito sobre a melhor maneira de solucioná-lo. Pode-se defender a tese de que a jurisdição
judicial deva ser considerada como método residual, que seria aplicável apenas aos casos
que não fossem solucionados por meio dos métodos alternativos.
Mesmo na perspectiva da jurisdição judicial, deve-se ressignificar a essência dos
conflitos para permitir considerá-los não somente na perspectiva adversarial, mas sim numa
perspectiva cooperativa.
A construção da Cultura da Paz perpassa pela necessidade de identificação e de
percepção da face construtiva do conflito, bem como da matriz social, cultural e histórica do
método adversarial.
O presente trabalho identificou, a partir dessa matriz, gargalos socioculturais que
precisam ser trabalhados para que a política pública da consensualidade possa ser efetivamente
implementada.
Podemos afirmar que, estruturalmente, tal política pública está constituída. Porém,
além de estar estruturada, ela precisa ser eficazmente vivida pela sociedade e para tanto,
o aprendizado individual e coletivo relativo à gestão das emoções é indispensável e pode
ser desenvolvido por meio das técnicas do mindfullness, da comunicação não violenta e da
escuta ativa.
Esperamos que a Cultura da Paz seja a nova Coca-Cola. Primeiro estranha-se e depois
entranha-se!

Referências

APEL, Karl-Otto. Estudos de Moral Moderna. Trad. de Benoro Dischinger. Petrópolis: Vozes,
1994.

ARAÚJO, Geissy Lainny de Lima. Efeitos psicofisiológicos de uma breve intervenção


baseada em mindfulness em adultos jovens saudáveis. Tese (Doutorado em
Neurociências). Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Instituto do Cérebro, Programa
de Pós-Graduação em Neurociência, Natal, 2018.

ARAÚJO, José Roberto. “Ensinar a paz: uma proposta para um currículo de educação”. In:
MOLL, Jaqueline (Org.) Caminhos da Educação Integral no Brasil: direito a outros
tempos e espaços educativos no Brasil. São Paulo: Penso, 2012. p. 211.

BESTER, Gisela Maria. Cultura da paz como compromisso constitucional brasileiro -

173
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Parte II: Nos caminhos do humanismo e da justiça restaurativa. Empório do Direito,


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175
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

SOBRE LIMITES E POSSIBILIDADES DA


MEDIAÇÃO DE CONFLITOS ESCOLARES
JUDICIALIZADOS NO ÂMBITO DO TJRJ:
UM ESTUDO DE CASO A PARTIR
DE UMA INTERFACE ENTRE O DIREITO
E A ANTROPOLOGIA

Robert Segal

1 Introdução

No ano de 2019, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou seu relatório Justiça
em Números, com ano-base 2018, apresentando dados que apontam para a existência de
aproximadamente 78,7 milhões de processos judiciais em trâmite ou aguardando julgamento
junto ao Poder Judiciário, no Brasil.
Considerando que o país tinha, até então, cerca de 210 milhões de habitantes1, chega-
se à quantidade de um caso de conflito judicializado para cada 2,67 habitantes, o que ilustra

1 NITAHARA, Akemi. Estimativa da população do Brasil passa de 210 milhões, diz IBGE. Agência Brasil, Econo-
mia, 28/08/2019. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-08/estimativa-da-popu-
lacao-do-brasil-passa-de-210-milhoes-diz-ibge#:~:text=O%20Instituto%20Brasileiro%20de%20Geografia,total%20de%20
210.147.125%20pessoas>. Acesso em: 18/02/2002.

176
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

um quadro de elevada litigiosidade em nossa sociedade.


Mas, se, por um lado, parece haver uma cultura da judicialização dos conflitos no Brasil,
por outro, tem-se incrementado métodos ou meios de resolução de conflitos, tais como a
conciliação e a mediação, especialmente em áreas como direito de família, direito societário
e direito do consumidor2.
Então, a partir disso, cabe perguntar quais seriam os limites para que os conflitos
escolares tivessem o mesmo tratamento resolutivo de áreas como família, sociedades
empresariais, consumidores e relações de trabalho.
Assim, seguindo essa tendência de judicialização dos conflitos interpessoais, com
ênfase naqueles relacionados a questões escolares3-4, nesse artigo, objetiva-se uma análise
quanto aos limites e às possibilidades da mediação de conflitos, especificamente, em casos
envolvendo famílias e escolas da rede privada, tendo como recorte espacial o processamento
destes mesmos conflitos no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ),
tendo ainda como objetivos específicos:
a. Destacar aspectos relevantes tanto teóricos como normativos da mediação de
conflitos;
b. Mediante um estudo descritivo, apresentar o resultado de uma pesquisa sobre
os conflitos judicializados entre famílias e escolas da rede privada, no âmbito do TJRJ,
considerando suas respectivas naturezas, tempo estimado e resultados.
c. E, a seguir, a partir dos dados coletados em campo, apresentar uma discussão
sobre os limites e as possibilidades da mediação de conflitos escolares judicializados, com
fundamento em uma interface entre o Direito material e processual civil e as Ciências Sociais,
com ênfase no pensamento antropológico, num cenário de suposta existência de uma cultura
de conflitos, passível ou não de ser modificada pelo incremento da mediação.
Pois, para a consecução dos objetivos aqui mencionados, houve a opção por uma
pesquisa qualitativa, mediante um estudo caso sobre o tratamento dado pelo Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) aos conflitos entre famílias e escolas privadas,
que permitisse trabalhar analiticamente dados quantitativos buscados em campo5, mesmo
considerando pouco ou nenhum controle sobre eventos ou fenômenos contemporâneos num
mundo real6, tais como as decisões dos magistrados atuantes nas Varas Cíveis e nas Câmaras
Cíveis do referido Poder Judiciário.
Inicialmente, lancei mão de uma pesquisa bibliográfica, de onde foi possível recolher
referências teóricas sobre a mediação de conflitos, como destaque para as contribuições de

2 RODAS, Sérgio. Em 5 anos, Lei da Mediação ajudou a mudar cultura do litígio no país. Consultor Jurídico,
Conjur, Solução Consensual, 27/06/2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-jun-27/anos- lei-media-
cao-ajudou-mudar-cultura-litigio?fbclid=IwAR3x-EFxZGYlDWjj0Pzu3lG84x9C8RXnPu_fRjBqM0eCRw_XBpHXE_wbYq4>. Aces-
so em: 28/06/2020.
3 CHRISPINO, Alvaro; CHRISPINO, Raquel S. P. A judicialização das relações escolares e a responsabilidade civil dos
educadores. Ensaio: Avaliação de Políticas Públicas, Rio de Janeiro, v. 16, n. 58, p. 9-30, jan./mar. 2008. Disponível em:
<https://www.scielo.br/pdf/ensaio/v16n58/a02v1658.pdf>. Acesso em: 02/03/2020.
4 ORSINI, Adriana Goulart de Sena; SILVA, Lucas Jeronimo Ribeiro da. Da escola ao poder judiciário: reflexões sobre o
bullying escolar e a judicialização de conflitos infanto-juvenis. In: SILVA, Juvêncio Borges; THIBAU, Tereza Cristina Sorice
Baracho; MACHADO, Edmilson Donisete (Coord.). Acesso à justiça I: XXIV Congresso Nacional do CONPEDI, UFMG, FUMEC,
Dom Helder Câmara. Florianópolis: CONPEDI, 2015, 281-299.
5 MINAYO, Maria Cecília de Souza. Ciência, técnica e arte: o desafio da pesquisa social. In: IDEM. Pesquisa social: teoria,
método e criatividade. 21. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002, p. 9-29.
6 YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e método. Tradução de Daniel Grassi. 2. Ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.

177
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Bacellar7, Moore8 e Spengler9, assim como aquelas que pudessem auxiliar numa análise sobre
a judicialização de conflitos em questões escolares, tais como as obras de autoria de Chrispino
e Chrispino10, e Orsini e Silva11, para, em seguida, proceder uma pesquisa documental com
foco na jurisprudência12 do TJRJ.
Feito isso, o passo seguinte se deu pela escolha de contribuições no campo das Ciências
Sociais, com aporte em Geertz13-14 e Rouland15, entre outros, com vistas a compreender os
sentidos das decisões judiciais analisadas.
Grife-se, nessa oportunidade, que não se pretende crítica à atuação do Poder Judiciário,
mas, a partir das decisões dos magistrados que lá atuam, mitigar desafios referentes a um
determinado ponto da mediação de conflitos, no caso, seus limites e possibilidades no campo
escolar, em questões judicializadas.
Para tanto, houve uma pesquisa, na página (site) do TJRJ16, sobre as decisões
pertinentes aos conflitos judicializados entre famílias e escolas, respectivamente, nos
links “consultas”, “jurisprudência” e “consulta jurisprudência”17. Neste último link, em
“pesquisa livre”, deu-se uma busca de palavras-chave tais como “escolas”, “escolas
privadas”, “escolas e indenização”, “escola e bullying”, “escolas e acidentes”, “escola e
matrícula”, “escola e inclusão”, “escola e dano” e “escola e indenização”, com recorte em
casos de conflitos judicializados entre famílias e escolas da rede privada, inicialmente,
entre os anos de 1990 e 2020, considerando, a partir da natureza jurídica da própria
relação entre as famílias e as escolas privadas, baseada em relações de consumo, à luz da
Lei nº 8.078/1990.
No entanto, como um dos objetivos específicos se refere justamente à discussão sobre
os limites e as possibilidades da mediação de conflitos escolares judicializados, no âmbito do
TJRJ, houve outro recorte, dessa vez, quanto às ações judiciais envolvendo famílias e escolas
privadas, privilegiando-se o período entre o ano de 2016 – quando entrou em vigor o Código
de Processo Civil (vide art. 1.045) – e o ano de 2020.
Deste recorte, foram obtidos 18 casos de conflitos escolares judicializados, sobre os

7 BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Coleção Saberes do Direito,
53.
8 MOORE, Christopher W. O processo da mediação: estratégias práticas para a resolução de conflitos. Tradução de Magda
França Lopes. 2. Ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
9 SPENGLER, Fabiana Mario. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de conflitos. 2. Ed. Ijuí: Edi-
tora Unijuí, 2016.
10 CHRISPINO, Alvaro; CHRISPINO, Raquel S. P. A judicialização das relações escolares e a responsabilidade civil dos
educadores. Ensaio: Avaliação de Políticas Públicas, Rio de Janeiro, v. 16, n. 58, p. 9-30, jan./mar. 2008. Disponível em:
<https://www.scielo.br/pdf/ensaio/v16n58/a02v1658.pdf>. Acesso em: 02/03/2020.
11 ORSINI, Adriana Goulart de Sena; SILVA, Lucas Jeronimo Ribeiro da. Da escola ao poder judiciário: reflexões sobre
o bullying escolar e a judicialização de conflitos infanto-juvenis. In: SILVA, Juvêncio Borges; THIBAU, Tereza Cristina Sorice
Baracho; MACHADO, Edmilson Donisete (Coord.). Acesso à justiça I: XXIV Congresso Nacional do CONPEDI, UFMG, FUMEC,
Dom Helder Câmara. Florianópolis: CONPEDI, 2015, 281-299.
12 De um modo geral, jurisprudência pode ser definida como um conjunto de decisões uniformes e constantes, por parte
dos Tribunais de Justiça, resultante da aplicação das normas a casos semelhantes, constituindo-se assim regra geral aplicável
a todas as hipóteses similares ou idênticas. Cf. DINIZ, 2019.
13 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
14 GEERTS, Clifford. O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa. In: IDEM. O saber local: novos ensaios em
antropologia interpretativa. Capítulo 8. Tradução de Vera de Mello Joscelyne. 7. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, p. 249-357.
15 ROULAND, Norbert. Nos confins do direito: antropologia jurídica da modernidade. Tradução de Maria Ermantina de
Almeida Prado Galvão. 2. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 223-317. Coleção justiça e direito.
16 Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, PJERJ. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/>. Acesso em: 13/02/2020.
17 Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, PJERJ, Consultas, Jurisprudência, Consultas Jurisprudência. Disponível em:
<http://www4.tjrj.jus.br/ejuris/ConsultarJurisprudencia.aspx>. Acesso em: 13/02/2020.

178
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

quais recai a análise na última parte desse mesmo trabalho18.


Assim, espero que, a partir da apresentação dos dados coletados em campo (ainda que
em um campo digital, como o site do TJRJ) e a discussão dos mesmos, por intermédio de um
aporte teórico sobre a mediação de conflitos, em uma interface entre o Direito e as Ciências
Sociais, o presente trabalho possa contribuir para aquelas(es) que estejam envolvidas(os) em
outros estudos sobre a mediação.
Por fim, haja vista a sua questão norteadora, seus objetivos, seus métodos de coleta,
processamento e análise de dados, justificativa e relevância, esse trabalho encontra-se
organizado em três partes.
Em sua primeira parte, o foco laborativo consiste na demarcação teórica e normativa
dos métodos ou meios consensuais de resolução de conflitos. Do ponto de vista teórico,
dá-se ênfase em tais métodos, a partir de sua própria constituição histórica, aproximações
e distinções conceituais, assim como no resgate da importância teórica e prática da
separação entre posições e interesses, cuja problematização se vê por ocasião da terceira
parte desse artigo.
Enquanto isso, na segunda parte, este trabalho traz consigo um estudo sobre o
atual cenário no TJRJ em relação à judicialização de questões escolares envolvendo
famílias e instituições da rede privada da educação básica, com dados quantitativos, a
partir de uma análise descritiva, ao mesmo tempo que permite uma interpretação à luz
do referencial teórico.
Por fim, na terceira parte e antes da conclusão, há uma discussão sobre os limites e as
possibilidades da mediação de conflitos entre as famílias e as escolas privadas, considerando
um diálogo entre o Direito e as Ciências Sociais, sobretudo a partir do pensamento
antropológico, considerando a possibilidade de um estranhamento daquilo que já possa ter-
se tornado familiar – ao menos, no caso, a existência de conflitos judicializados tendo em
vista minha experiência forense e como pesquisador em temas como esse – e, portanto,
quiçá criado uma ilusão de já ser totalmente conhecido19-20; a relativização de conceitos
e categorias tomados como verdades consagradas, a fim de se vislumbrar a possibilidade
de se pensar na passagem de uma “cultura de conflitos” para uma “cultura de resolução de
conflitos”21.
Se a cultura consiste, aliás, num dos principais objetos de preocupação das Ciências
Sociais – e, em especial, da Antropologia22 –, invocá-la pode significar uma abertura ao
idealismo normatizador e uniformizador do mundo, como uma das características do

18 Com relação aos referidos casos, os mesmos foram obtidos mediante a leitura das decisões contidas nos se-
guintes processos cíveis, desde os despachos de recebimento das petições iniciais das correspondentes ações indeni-
zatórias até as decisões finais das Câmaras Cíveis do TJRJ: 0014927-83.2016.8.19.0008; 0021486-47.2016.8.19.0205;
0028603-98.2016.8.19.0202; 0040347-81.2016.8.19.0205; 0010476-35.2016.8.19.0066; 0004482-97.2016.8.19.0204;
0009871-90.2016.8.19.0001; 0025056-45.2016.8.19.0042; 0361623-28.2016.8.19.0001; 0000136-83.2017.8.19.0070;
0044702-36.2017.8.19.0000; 0005867-46.2017.8.19.0204; 0061180-16.2017.8.19.0002; 0039838-15.2018.8.19.0001;
0039838-15.2018.8.19.0001; 0029002-49.2019.8.19.0000; 0062694-39.2019.8.19.0000; 0027722-43.2019.8.19.0000.
19 KANT DE LIMA, Roberto; BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti. Como a antropologia pode contribuir para a pesquisa
jurídica?: um desafio metodológico. Anuário antropológico, UnB, Brasília, v. 39, n. 1. p. 9-37, 2014. Disponível em: <http://
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20 VELHO, Gilberto. Um antropólogo na cidade: ensaios de antropologia urbana. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
21 SPENGLER, Fabiana Mario. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de conflitos. 2. Ed. Ijuí:
Editora Unijuí, 2016.
22 LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 14. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

179
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Direito, que organiza e compreende o mundo social a partir, preponderantemente, de seu


ponto de vista23-24.
Nesse viés, para operacionalização conceitual de cultura, valho-me da perspectiva de
Geertz25, para quem a cultura pode ser definida (dentre as várias definições possíveis), como
uma teia de significados que o próprio ser humano tem tecido e como campo de ciência
interpretativa, que procura significados e sentidos no viver em sociedade.

2. Sobre os métodos de resolução consensual de conflitos: aspectos teóricos e


normativos

Conforme assinalado na introdução desse trabalho, no Brasil, há um grande volume


de conflitos aguardando o provimento jurisdicional, em uma proporção aproximada de 78,7
milhões de processos, o que sugere um fenômeno da judicialização das relações sociais no
país26, seja em consequência da exacerbação de um individualismo que tende a se transbordar
em atomismo, assim como, num quadro de formalismo judicial, através de um apego ao
conjunto de ritos e procedimentos burocratizados e impessoais, sob a mera justificativa de
certeza jurídica e segurança processual27.
Sendo a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 um marco normativo
do Estado Democrático de Direito, inclusive quando prescreve, sob o timbre dos direitos
e garantias individuais, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito” (art. 5º, XXV)28, até mediante a prestação, por parte do mesmo Estado,
“de assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”
(art. 5º, LXXIV), representando ainda, pois, do ponto de vista formal, a consolidação de uma
vasta gama de direitos, cabe indagar se estes mesmos direitos não acabariam por esbarrar,
nos limites de sua própria efetividade. Isso ocorreria pela incapacidade do Poder Judiciário
em solucionar conflitos sociais, diante de uma explosão de litigiosidade – o que pode
contribuir para a morosidade dos processos, tendo em vista o grande volume de causas
judicializadas – numa dinâmica de constantes transformações, em especial no cenário atual,
de globalização, abertura de fronteiras e desregulamentação dos mercados, que possibilitam
a abertura de instâncias outras de tratamento dos conflitos para além do monopólio estatal,
ao mesmo tempo em que, num quadro de marginalização e exclusão social, verifica-se uma
complexa litigiosidade29, potencializada pelo aumento da população e também no aumento
da quantidade de demandas judicializadas30.
Ademais, as próprias necessidades legais se definem tanto em termos de direitos

23 GEERTS, Clifford. O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa. In: IDEM. O saber local: novos ensaios em
antropologia interpretativa. Capítulo 8. Tradução de Vera de Mello Joscelyne. 7. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, p. 249-357.
24 ROULAND, Norbert. Nos confins do direito: antropologia jurídica da modernidade. Tradução de Maria Ermantina de
Almeida Prado Galvão. 2. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 223-317. Coleção justiça e direito.
25 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
26 BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Coleção Saberes do Direito, 53.
27 SPENGLER, Fabiana Mario. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de conflitos. 2. Ed. Ijuí:
Editora Unijuí, 2016.
28 O que encontrou eco no Código de Processo Civil instituído pela Lei nº 13.105/2015: “Art. 3º. Não se excluirá da apre-
ciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito”.
29 SPENGLER, Fabiana Mario. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de conflitos. 2. Ed. Ijuí:
Editora Unijuí, 2016.
30 BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Coleção Saberes do Direito, 53.

180
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

conferidos pelo sistema legal em vigor como pelo senso de injustiça, em consequência da
capacidade humana de aumentar suas expectativas. Num dado momento, a preocupação com
a justiça não diz respeito tão somente com os novos tipos de problemas, mas também de
incluir problemas de grupos que, anteriormente, não eram considerados, tais como pessoas
deficientes e minorias sexuais, por exemplo. Com isso tem-se um movimento que reivindica
o acesso à justiça em constante expansão31.
Tal realidade contribui para aquilo que se convencionou chamar de ondas de acesso à
justiça32-33.
A primeira onda diz respeito à disposição de advogados em favor das camadas
pobres da população e à efetividade de serviços de assistência judiciária gratuita – seja,
pela remuneração de profissionais e organizações privadas, por parte do Estado, seja por
intermédio de defensores públicos – ou com custas acessíveis aos menos favorecidos. Isto
porque, a principal distorção processual teria sua origem na assimetria econômica entre as
partes, razão pela qual tem cabido ao Estado intervir na busca de garantir uma isonomia
judicial entre as partes conflitantes34.
Enquanto isso, uma segunda onda de acesso à justiça nasce dos limites da proteção de
interesses individuais diante da complexidade dos conflitos em sociedade, quando passou a
se verificar, a partir da década de 1970, por exemplo, nas questões ambientais e também nos
casos envolvendo consumidores, ensejando assim uma proteção dos direitos difusos35-36.
Em relação à terceira onda, o acesso a Justiça passa a ser compreendido a partir de suas
múltiplas alternativas, merecendo atacar suas diversas barreiras, a exemplo dos entraves
processuais, fruto das imperfeições do próprio ordenamento37, bem aproveitadas por usuários
usuais (repeat players) do sistema judiciário que, conhecedores dos meandros jurídicos, com
capacidade de contratar serviços legais especializados e com habilidade para desenvolver
expertise, ou cultivar relações informais facilitadoras com titulares institucionais, colocam-se
em vantagem com relação àqueles que se utilizam do supracitado sistema apenas uma única
vez (one shotters)38.
Quanto à quarta onda, esta se refere às dimensões éticas dos profissionais que
desempenham papéis no próprio acesso à Justiça (como, por exemplo, os advogados),
implicando novas responsabilidades ao ensino jurídico39.
Por fim, mas sem esgotar as ondas de acesso à justiça (tendo em vista a ilimitada

31 GALANTER, Marc. Acesso à justiça em um mundo com capacidade social em expansão. In: FERRAZ, Leslie S.
Repensando o acesso à justiça: estudos internacionais. Volume 2 – estudos inovadores. Aracajú: Evocati, 2016,
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32 BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Coleção Saberes do Direito, 53.
33 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 1988.
34 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 1988.
35 BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Coleção Saberes do Direito, 53.
36 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Anto-
nio Fabris Editor, 1988.
37 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 1988.
38 GALANTER, Marc. Acesso à justiça em um mundo com capacidade social em expansão. In: FERRAZ, Leslie S.
Repensando o acesso à justiça: estudos internacionais. Volume 2 – estudos inovadores. Aracajú: Evocati, 2016,
p. 21-31. Disponível em: <https://mestrados.unit.br/ppgd/wp-content/uploads/sites/5/2016/12/Repensando-o-acesso-%-
C3%A0-Justi%C3%A7a-no-Brasil_Estudos-Internacionais_Volume-2_final.pdf>. Acesso em: 20/11/2019.
39 BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Coleção Saberes do Direito, 53.

181
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

capacidade inventiva humana), chega-se a uma quinta onda, com as configurações de métodos
adversariais e métodos consensuais.
Sobre os métodos adversariais, interessa registrar a participação de um terceiro
imparcial que, na atribuição de juiz ou árbitro, conhecendo a demanda – mediante coleta
de informações sobre a lide, concentrando a produção de provas e analisando argumentos
– produz um veredicto, adjudicando o ganho de causa a uma das partes em detrimento
da outra. Fundam-se em posições polarizadas, numa ótica dialética de tese (aquilo que
o autor pede) e antítese (a refutação, por parte do réu, daquilo que o autor pede), de
ausência de cooperação, sem expressão de sentimentos, e tendo seu ápice numa sentença
judicial ou arbitral40.
Historicamente, a arbitragem teve caráter obrigatório nas demandas societárias até
a entrada em vigor da Lei nº 1.350/1866, se consolidando como uma faculdade entre as
partes conflitantes, com vínculo de compromisso, com advento do Código Civil de 1916 e do
Código de Processo Civil de 1936 e, após, com o Código de Processo Civil de 197341.
Atualmente, a arbitragem encontra-se regulada pela Lei nº 9.307/1996, com as
alterações dadas pela Lei nº 13.129/2015, e pela Lei nº 13.105/2015, que instituiu o Código
de Processo Civil, em seus arts. 3º, § 1º; 485, VII; e 1.012, § 1º, IV.
Enquanto isso, nos métodos consensuais, um terceiro imparcial, com função típica
de conciliador ou mediador, colhe informações sobre o conflito, identifica e relaciona as
questões apresentadas pelos interessados e, dentro de sua competência, facilita a busca pela
realização de um acordo.
Com relação ao mediador, aliás, cabe a este focar nos interesses dos sujeitos
envolvidos no conflito, extraindo o máximo de informações possíveis – quanto ao conflito
em si, às suas necessidades e aos seus sentimentos –, a fim de facilitar o diálogo entre
aqueles para que, por eles mesmos, tenham a oportunidade de chegar a um acordo que
satisfaça a ambos42-43-44.
Ainda sobre a mediação, vale o registro de que se trata de um típico método
autocompositivo de resolução de conflito, baseado em princípios como a confidencialidade
(aquilo que é dito, gerado e elaborado entre as partes, fica adstrito às mesmas), imparcialidade
(segundo a qual o mediador, assim como conciliador, não toma partido de nenhuma das
partes), voluntariedade (uma vez que as partes só permanecem na sessão de mediação se
assim desejarem) e autonomia de vontade, tendo em vista que qualquer decisão há de ser
tomada pelas partes, sem interferência de terceiro quanto a isto45.
Tais princípios, dentre outros, encontram-se reconhecidos pela Resolução nº 125/2010,
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e incorporados tanto pela Lei nº 13.105/2015, que,

40 BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Coleção Saberes do Direito, 53.
41 SPENGLER, Fabiana Marion; SPENGLER NETO; Theobaldo (Org.). Mediação, conciliação e arbitragem. Rio de Janeiro:
FGV Editora, 2016.
42 AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Manual de mediação judicial. 6. Ed. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça,
2016. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2015/06/f247f5ce60df2774c59d6e2dddbfec54.pdf>.
Acesso em: 10/01/2020.
43 BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Coleção Saberes do Direito, 53.
44 MOORE, Christopher W. O processo da mediação: estratégias práticas para a resolução de conflitos. Tradução de Mag-
da França Lopes. 2. Ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
45 AZEVEDO, André Gomma de (Org.). Manual de mediação judicial. 6. Ed. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça,
2016. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2015/06/f247f5ce60df2774c59d6e2dddbfec54.pdf>.
Acesso em: 10/01/2020.

182
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

como dito, instituiu o novo Código de Processo Civil, como pela Lei nº 13.140/2015, conhecida
por Lei da Mediação.
No que tange, de maneira específica, à audiência de conciliação, esta já estava prevista
no art. 277, do Código de Processo Civil de 1973, instituído pela Lei nº 5.869, com as
alterações que se seguiram em leis posteriores.
Com relação à mediação, apesar de não ser um instituto novo no mundo46, no caso
brasileiro, ganhou corpo com a Resolução nº 125/2010, do CNJ, que, instituindo uma política
pública de tratamento de conflitos mediante o consenso entre as partes, como parte de um
movimento de pacificação social, estimula a criação dos Centros Judiciários de Solução de
Conflitos e Cidadania (CEJUSC), cabendo nestes espaços a atuação nas fases pré-processual e
processual, por meio de conciliadores e mediadores.
No diapasão da citada Resolução do CNJ, a conciliação e mediação restam normatizadas
pela Lei nº 13.140/2015 e pela Lei nº 13.105/2015, valendo o grifo que, segundo esta
última, “o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos” (art.
3º, § 2º) e que:

A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão


ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério
Público, inclusive no curso do processo judicial (CPC art. 3º, § 3º).

E, ainda no concernente a aspectos processuais, a audiência de conciliação e a sessão


de mediação encontram-se regidas pelo art. 334 do mesmo Código de Processo Civil.

3. Notas sobre conflitos escolares judicializados no TJRJ: um estudo de caso

Com base em um método de pesquisa qualitativo, de caráter exploratório, mediante


uma pesquisa no campo cibernético – notadamente no site do TJRJ –, foram encontrados 133
casos de conflitos escolares judicializados, a partir dos quais, cabem algumas observações.
A primeira delas diz respeito à discrepância quantitativa entre o número de ações
cíveis (133 casos) e o universo das alegações dessas mesmas ações (135 casos). Essa mesma
discrepância se deve ao fato em que, em 2 casos específicos, o que se discute é a ocorrência
simultânea de bullying e cyberbullying, ou seja, de violência escolar entre pares47, inclusive
com uso da rede das redes sociais virtuais (internet)48.
Uma segunda observação diz respeito aos fundamentos das ações indenizatórias nas
Varas Cíveis, e reiteradas nas apelações ou contrarrazões de apelação nas Câmaras Cíveis
do TJRJ, interessando a ressalva de que as demandas por acidentes com lesões leves ou
graves (lesões bucais, lesões cranianas, lesões faciais, membros quebrados etc.), no interior
das escolas privadas, constituem o maior volume incidentes, com 30 casos, seguidas por
práticas vexatórias por funcionário da escola, tais como impedimento de ingresso por roupa

46 MOORE, Christopher W. O processo da mediação: estratégias práticas para a resolução de conflitos. Tradução de Mag-
da França Lopes. 2. Ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
47 FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Campinas: Verus Editora,
2005.
48 MALDONADO, Maria Tereza. Bullying e cyberbullying. São Paulo: Moderna, 2011.

183
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

inadequada, impedimento de ingresso na escola ou realização de atividade em consequência


de mensalidade atrasada, retirada de celular, proibição do uso de alguma dependência da
escola etc., em 18 casos.
A partir desses dados, merecem atenção dois aspectos relevantes.
O primeiro deles diz respeito ao tempo médio de julgamento de mérito, entre o ingresso
com as ações nas Varas Cíveis, por parte das famílias com filhos matriculados em escolas da
rede privada, e as apelações, nas Câmaras Cíveis do TJRJ, cujo cálculo foi realizado com base
nas contribuições metodológicas de Morettin e Bussab49, a partir da soma do tempo total de
cada uma das ações em tramitação (Ʃxi), sobre o próprio número total dessas ações (n).

O que, em números, revela o seguinte resultado:

Verifica-se, portanto, que o tempo médio (Me = ẋ) de trâmite das ações analisadas, entre
o ingresso de uma petição inicial de ação indenizatória, com seu protocolo e recebimento
em uma das Varas Cíveis do TJRJ, e a decisão do recurso de apelação, pelas Câmaras
Cíveis do mesmo Tribunal, no que diz respeito aos conflitos escolares judicializados, é de
aproximadamente 3 anos e 6 meses.
Ainda com relação aos casos analisados, das 133 decisões lidas, vale registrar que
em, 50 casos, houve procedência às famílias demandantes, isto é, em 37,59% vê-se o ganho
de causa em seus pedidos de indenização por danos materiais e/ou morais, considerando
inclusive a sede de recurso de apelação, uma vez ausentes qualquer prova de verossimilhanças
nas respectivas alegações.
De um modo geral, a procedência dos pedidos das famílias diz respeito à ausência de
céleres cuidados em casos de acidentes com crianças nas escolas, por parte destas mesmas
instituições; aos casos de bullying em que, apesar de solicitações e alertas por parte das
famílias, as escolas nada teriam feito para cessar tal prática abusiva; e hipóteses de práticas
vexatórias ou violentas por funcionários das escolas.
Entre o menor valor de indenização por danos morais, de R$ 1.000, e o maior, no
patamar de R$ 60.000, a média obtida nas decisões cotejadas é de R$ 10.800, sendo que
o valor mais frequentemente arbitrado a título de reparação dos danos morais, por parte
do Poder Judiciário do estado do Rio de Janeiro – que, estatisticamente, é definido como
“moda”50 – é de R$ 5.000, cuja ocorrência refere-se a 11 casos.

49 MORETTIN, Pedro A.; BUSSAB, Wilton de O. Estatística básica. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
50 MORETTIN, Pedro A.; BUSSAB, Wilton de O. Estatística básica. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

184
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Assim, uma vez que se dê atenção à relação entre o valor “moda” das indenizações por
danos morais alcançados (R$ 5.000), em face das escolas acionadas judicialmente, e o tempo
médio de trâmite das ações cíveis em tela (3 anos e 6 meses), tem-se o valor médio de R$
1.388 por cada ano de demanda judicial em trâmite, o que, dividido em 12 meses, atinge o
valor de R$ 115,66 por cada mês que um processo judicial permanece em curso.
Interessa observar que, mesmo após a Resolução nº 125/2010, quase que, de modo
absoluto, não houve qualquer intenção no sentido de se realizar uma mediação de conflitos,
durante o desenrolar dos processos então em tramitação no TJRJ. A exceção ficou por conta
de uma única manifestação por parte do Ministério Público, favorável à mediação de conflito,
entre uma família de um aluno, de um lado, e uma escola da rede privada e sua docente, de
outro, que restou infrutífera, em decorrência à negativa de uma das partes rés51.
Estes dados são relevantes, inclusive do ponto de vista processual, eis que, diante das
variadas opões de acordo, as partes (nos casos, as famílias demandantes) podem cogitar se
os valores obtidos com as indenizações por danos morais – inclusive, levando-se em conta
um valor médio para cada ano em que a ação judicial se encontra em trâmite, portanto, sem
decisão definitiva –, efetivamente satisfazem aos seus interesses, o que, também poderia
levar-lhes à reflexão se, diante de um desgaste emocional e de recursos materiais, persistir
numa demanda judicial seria a melhor opção52, ou ao menos represente uma melhor alternativa
a um acordo negociado53-54.
Outra observação se faz importante, no sentido de que os deferimentos dos pedidos
de indenização, por danos causados aos estudantes, representados nos processos por um
de seus pais, têm sido fundamentados de acordo com os termos dos arts. 2º, 3º e 14 da Lei
nº 8.078/1990, ao qualificar as escolas privadas como prestadoras de serviço, ao mesmo
tempo em que lhes atribui a responsabilidade objetiva, portanto, sem a necessidade de
comprovação de culpa (negligência, imprudência ou imperícia), bastando a comprovação do
nexo de causalidade.
Por isso, em todas as sentenças e os acórdãos no TJRJ, há o reconhecimento claro de
que a relação entre as famílias e as escolas privadas é de consumo, o que ainda assim enseja
uma interpretação acerca de tal fato.
Do ponto de vista jurídico, uma explicação possível está na teoria do risco do
empreendimento e da responsabilidade civil, fundada na culpa objetiva, independentemente
da necessidade de se provar a negligência, a imprudência ou a imperícia55, o que tem
influenciado, inclusive, a gestão das próprias escolas56.
Essa hipótese jurídica ganhou eco no Código Civil, instituído pela Lei nº 10.406/2002,

51 Trata-se do caso ocorrido no curso do processo cível nº 0328898-54.2014.8.19.0001.


52 MOORE, Christopher W. O processo da mediação: estratégias práticas para a resolução de conflitos. Tradução de Mag-
da França Lopes. 2. Ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
53 FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como chegar ao sim: como negociar acordos sem fazer concessões. Tra-
dução de Rachel Agavino. Rio de Janeiro: Sextante, 2018.
54 Oriundo da sigla, em inglês, BATNA: Best Alternative To a Negotiated Agreement.
55 CHRISPINO, Alvaro; CHRISPINO, Raquel S. P. A judicialização das relações escolares e a responsabilidade civil dos
educadores. Ensaio: Avaliação de Políticas Públicas, Rio de Janeiro, v. 16, n. 58, p. 9-30, jan./mar. 2008. Disponível em:
<https://www.scielo.br/pdf/ensaio/v16n58/a02v1658.pdf>. Acesso em: 02/03/2020.
56 ORSINI, Adriana Goulart de Sena; SILVA, Lucas Jeronimo Ribeiro da. Da escola ao poder judiciário: reflexões sobre
o bullying escolar e a judicialização de conflitos infanto-juvenis. In: SILVA, Juvêncio Borges; THIBAU, Tereza Cristina Sorice
Baracho; MACHADO, Edmilson Donisete (Coord.). Acesso à justiça I: XXIV Congresso Nacional do CONPEDI, UFMG, FUMEC,
Dom Helder Câmara. Florianópolis: CONPEDI, 2015, 281-299.

185
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

ao estabelecer, em seu art. 932, IV, que “são também responsáveis pela reparação civil [...]
os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro,
mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos”57.
Pelo que se vê, no atual cenário brasileiro, apesar de não caber ao Judiciário o dever
originário de conduzir a identificação e solução dos problemas característicos da educação, do
ensino e das relações escolares – sendo, pois, professores, gestores de todos os níveis, famílias
e seus filhos os protagonistas do processo de restauração desses mesmos problemas58-59 –,
o Poder Judiciário tem sido constantemente acionado para resolver conflitos entre as famílias
e as escolas, como se observa na experiência do TJRJ, cuja atuação encontra alguns limites.

4. Limites e possibilidades da mediação de conflitos escolares: uma leitura


antropológica do direito material e processual civil

Uma pergunta que ainda cabe ao presente trabalho diz respeito ao que levaria as famílias
a acionarem judicialmente as escolas em que seus filhos encontram-se matriculados. Pergunta
esta que traz consigo a busca dos sentidos da educação e, no caso, da educação escolar.
Com base nesta questão, uma perspectiva explicativa se apresenta plausível com a
teoria de Durkheim60, uma vez que a educação estaria vinculada ao grau de solidariedade
pela qual uma determinada sociedade atravessa, permitindo a construção de um ser social, a
partir de valores, religiosidade e padrões de comportamentos tidos como importantes numa
dada sociedade, inclusive do ponto de vista político.
De alguma forma, a teoria durkheimiana sobre a constituição de um ser social pela
educação foi incorporada a documentos como as Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), estabelecidas pela Lei nº 9.394/1996, ao prever, em seu art. 1º, § 2º, que “a educação
escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”; os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), que em seus princípios e fundamentos, contempla a cidadania mediante o
acesso de todos à totalidade de recursos culturais considerados relevantes para a participação
na vida social61; e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), no tocante aos campos de
experiência da educação infantil62, ao ensino fundamental63 e ao ensino médio64.

57 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <ttp://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm#:~:text=LEI%20N%20o%2010.406%2C%20DE%2010%20DE%20JANEIRO%20DE%20
2002&text=Institui%20o%20C%C3%B3digo%20Civil>. Acesso em: 20/02/2020.
58 CHRISPINO, Alvaro; CHRISPINO, Raquel S. P. A judicialização das relações escolares e a responsabilidade civil
dos educadores. Ensaio: Avaliação de Políticas Públicas, Rio de Janeiro, v. 16, n. 58, p. 9-30, jan./mar. 2008. Disponível
em: <https://www.scielo.br/pdf/ensaio/v16n58/a02v1658.pdf>. Acesso em: 02/03/2020.
59 ORSINI, Adriana Goulart de Sena; SILVA, Lucas Jeronimo Ribeiro da. Da escola ao poder judiciário: reflexões sobre
o bullying escolar e a judicialização de conflitos infanto-juvenis. In: SILVA, Juvêncio Borges; THIBAU, Tereza Cristina Sorice
Baracho; MACHADO, Edmilson Donisete (Coord.). Acesso à justiça I: XXIV Congresso Nacional do CONPEDI, UFMG, FUMEC,
Dom Helder Câmara. Florianópolis: CONPEDI, 2015, 281-299.
60 DURKHEIM. Educação e sociologia. Tradução de Stephania Matousek. 5. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
61 BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília, DF: MEC; SEF,
1997, p. 27. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf>. Acesso em: 18/03/2020.
62 BRASIL. Base nacional comum curricular (BNCC). Brasílias, DF: MEC, 2018, p. 40. Disponível em: <http://basenacio-
nalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf>. Acesso em: 18/03/2020.
63 BRASIL. Base nacional comum curricular (BNCC). Brasílias, DF: MEC, 2018, p. 58; 62. Disponível em: <http://basena-
cionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf>. Acesso em: 18/03/2020.
64 BRASIL. Base nacional comum curricular (BNCC). Brasílias, DF: MEC, 2018, p. 472. Disponível em: <http://basenacio-
nalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf>. Acesso em: 18/03/2020.

186
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Entretanto, além do funcionalismo durkheimiano, vale menção às contribuições dos


estudos culturais efetuados por Boas65, cujo legado etnográfico permite compreender como,
além das instituições de um “mundo civilizado”, desde as sociedades ditas “primitivas” ou
“tradicionais”, a educação desempenha papel preponderante na transmissão de hábitos e
costumes de uma geração à outra, mantendo a coesão social.
Ora, se na perspectiva das Ciências Sociais, o principal papel da educação seria a
constituição de seres sociais, através da transmissão de hábitos e costumes às gerações mais
jovens, mantendo-os ligados às suas respectivas comunidades, ao longo da vida, como então
explicar um número crescente de conflitos judicializados, inclusive, no Brasil, envolvendo
famílias e escolas?
Uma possível resposta seria, segundo o pensamento de Durkheim66, no sentido de que,
quanto mais complexa a sociedade – a partir da passagem de uma sociedade tradicional para
uma sociedade moderna –, mais haveria conflitos, considerando o choque entre vontades
individuais, cada vez mais descoladas das vontades coletivas. Dessa forma, os conflitos
surgiriam em decorrência de modificações morais, dando aos indivíduos maior autonomia
em relação às coerções sociais, até então presentes nas sociedades tradicionais, inclusive,
com a exacerbação do consumismo.
Tal assertiva pode ainda ser compreendida de acordo com as representações nas
sociedades complexas contemporâneas em que,

[...] existem tendências, áreas e domínios onde se evidencia a procura de contestar e


redefinir hierarquias e a distribuição de poder. Ao contrário de sociedades tradicionais
mais estáveis ou integradas, está longe de haver um consenso em torno dos lugares
e posições ocupados e de seu valor relativo. Existe o dissenso em vários níveis, a
possibilidade do conflito é permanente e a realidade está sempre sendo negociada entre
atores que apresentam interesses divergentes.67-68

Se, numa via, a litigiosidade por parte das famílias em face das escolas onde seus
filhos encontram-se matriculados sugere a formação de uma cultura baseada na exacerbação
do individualismo e do materialismo, típico das sociedades de mercado69 ou complexas70 –
inclusive, como produto de uma massificação da educação, que trouxe uma gama variada
de alunos para o interior das instituições de ensino, chegando a demandar do Poder
Judiciário a intervenção em áreas que ainda não atuava71, e da crença de que cumpre à
atividade jurisdicional em solucionar os mais variados tipos de conflitos72 –, noutra, ao dar
um tratamento meramente consumerista aos conflitos escolares, o Poder Judiciário parece
reforçar esta mesma cultura, distanciando a educação do conceito de uma espécie de fato

65 BOAS, Franz. A mente do homem primitivo. Tradução de José Carlos Pereira. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
66 DURKHEIM, Émile. A divisão do trabalho social. Tradução de Eduardo Brandão. 5. Ed. São Paulo: WMF, 2019.
67 VELHO, Gilberto. Um antropólogo na cidade: ensaios de antropologia urbana. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
68 Cabendo o alerta, no entanto, que: “Nenhuma sociedade, por mais simples tecnologicamente, apresenta consenso abso-
luto. Já não faz mais sentido, em termos de antropologia, estimular fantasias a respeito de paradisíacas sociedades tribais
onde as pessoas jamais estariam em conflito” (VELHO, 2013, p. 18).
69 SPENGLER, Fabiana Mario. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de conflitos. 2. Ed. Ijuí:
Editora Unijuí, 2016.
70 VELHO, Gilberto. Um antropólogo na cidade: ensaios de antropologia urbana. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
71 CHRISPINO, Alvaro; CHRISPINO, Raquel S. P. A judicialização das relações escolares e a responsabilidade civil dos
educadores. Ensaio: Avaliação de Políticas Públicas, Rio de Janeiro, v. 16, n. 58, p. 9-30, jan./mar. 2008. Disponível em:
<https://www.scielo.br/pdf/ensaio/v16n58/a02v1658.pdf>. Acesso em: 02/03/2020.
72 BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Coleção Saberes do Direito, 53.

187
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

social total, isto é, algo que agrega as mais variadas dimensões da vida humana, de maneira
simultânea, tais como familiar, comunitária, religiosa, política, econômica etc.73.
Tanto que, observando todos os conflitos judicializados entre famílias e escolas, entre
os anos de 2016 e 2020, o embasamento jurídico de relação de consumo tem prevalecido,
tanto das petições iniciais e razões de apelações, como nas decisões das Varas Cíveis e
Câmaras Cíveis do TJRJ, sob a égide da Lei nº 8.078/1990, sobre todas as outras justificativas
possíveis, cabendo, a título ilustrativo, o seguinte exemplo:

Cabe frisar que a relação jurídica se enquadra no conceito de relação de consumo


regulada pela Lei nº 8078/90, norma de ordem pública, cogente e de interesse social.
Deve-se reconhecer, no caso em análise, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor,
com todos os seus consectários legais, uma vez que a ré, nitidamente, insere-se no
conceito de fornecedor, consagrado no art. 3º, caput, da Lei 8.078/90 [...]. Exsurge,
portanto, a responsabilidade da escola pelos danos causados à autora, aluna da ré.
Dita responsabilidade é objetiva, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do
Consumidor, e só pode ser afastada mediante prova da culpa exclusiva do consumidor,
de terceiro ou fortuito externo, o que não restou demonstrado nos autos. (Apelação
Cível nº 0005867-46-2017.8.19.0204, Rel. Des. Marcelo Marinho, 19ª Câmara Cível do
TJRJ, p. 291-292, julg. 10/03/2020)

Ademais, interessa também considerar a passagem significativa das escolas, inclusive


da rede privada, como instituições de ensino e transmissão de valores e conhecimentos, para
o conceito de empresa, tal como observado no depoimento de uma educadora, durante uma
entrevista realizada, durante uma pesquisa sobre a judicialização de conflitos escolares, na
cidade de Niterói/RJ74:

A escola mudou o olhar. A escola é uma empresa. Não é só a nossa escola. As famílias
são agora clientes. Então, qualquer problema nessa empresa, ou boto essa empresa na
justiça. Acho que a questão foi de olhar, que a escola deixou de ser a escola e passou a
ser empresa (Hannah, orientadora educacional).

Esta representação vai ao encontro da experiência judicial, ao tomar as escolas


privadas como prestadoras de serviço, de acordo com o art. 3º, caput, da Lei nº 8.078/1990,
e cuja responsabilidade independe de culpa (negligência, imprudência ou imperícia) durante
a prestação de serviço, devendo reparar os seus consumidores – neste caso, as famílias,
conforme o art. 2º da Lei em comento – em casos de dano (art. 14, caput), em consequência
de serviço defeituoso (art. 14º, § 1º), considerando aquele que não fornece a segurança
que dele se pode esperar, tendo em vista o modo de seu fornecimento (art. 14º, § 1º, I) e o
resultado e o risco que razoavelmente se esperam dele (art. 14º, § 1º, II).
Desse modo, ao ser entendida como um “serviço”, reitere-se, a educação se distancia
de seu significado de fato social total75, o que remete à ideia de acentuação do dissenso nas
sociedades complexas76.

73 MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. In: IDEM. Sociologia e antropo-
logia. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
74 SEGAL, Robert. A mediação entre famílias e escolas: limites e possibilidades, 2020, 79 p. (monografia de curso de
especialização em mediação de conflitos). AVM, Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <http://www.avm.edu.br/docpdf/
monografias_publicadas/K239644.pdf>. Acesso em: 18/04/2020.
75 MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. In: IDEM. Sociologia e antropo-
logia. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
76 VELHO, Gilberto. Um antropólogo na cidade: ensaios de antropologia urbana. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Estas observações de cunho cultural interessam à medida que abrem caminho para
uma possível compreensão acerca dos significados e sentidos das decisões judiciais que,
recebendo as petições iniciais, determinam a citação das partes rés (nos casos, as escolas),
designando datas para audiência de conciliação, e não de mediação, cuja experiência jurídica
sugere negociação meramente baseadas nos valores das indenizações.
Sobre esta compreensão, vale o registro de que, conforme dito, realizando um novo
recorte – dessa vez pertinente às ações judiciais no TJRJ, envolvendo famílias e escolas
privadas, entre o ano de 2016, considerando a entrada em vigor do Código de Processo
Civil, e julho de 2020 (data da finalização desse trabalho) –, foi possível observar que, em 16
casos, as determinações judiciais foram no intuito da realização de audiência de conciliação,
enquanto que, em somente 2 casos, houve manifestação das partes quanto à realização, ou
não, de conciliação ou mediação77.
Importa assinalar que, de acordo com o Código de Processo Civil vigente, o possível
vínculo entre as partes é uma questão pertinente à realização de conciliação ou mediação,
conforme os seguintes termos:

Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos,


responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e
pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a
autocomposição. [...]
§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo
anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização
de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.
§ 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior
entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em
conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar,
por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.78

Em que pese não definir, de modo categórico, casos específicos para a atuação exclusiva
de conciliadores e mediadores, o mesmo art. 165 do Código de Processo Civil, prevê que,
preferencialmente, proceder-se-á conciliação quando não houver vínculo anterior entre as
partes (art. 165,§ 2º), ao passo que dispõe sobre a mediação nos casos que haja vínculo
anterior entre as partes (art. 165, § 3º).
Conforme se observa nos conflitos escolares no âmbito do TJRJ, há vínculos anteriores
às demandas judicializadas, o que, ensejaria a mediação, ao invés de conciliação, consoante
previsão do art. 165 do Código de Processo Civil.
Se, no contexto brasileiro, a mediação tem representado um avanço, por exemplo,
no tocante à resolução de conflitos em áreas como familiar, empresarial e trabalhista, em
especial com o advento da Lei nº 13.104/2015, cujas relações entre os sujeitos envolvidos
são continuadas – ou seja, as partes possuem vínculo anterior às demandas judiciais –, então,
por que não lançar mão da mediação em conflitos envolvendo as famílias e as escolas onde
os filhos daquelas encontram-se matriculados, em alguns casos, com vínculos por um tempo
até considerável?
Quiçá, o critério definitivo das relações de consumo, inclusive, para a designação de

77 Cf. Processo cível nº 0021486-47.2016.8.19.02025 e 0029002-49.2019.8.19.000.


78 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 20/02/2020.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

audiência de conciliação, ao invés de sessão de mediação, em demandas ajuizadas por parte


das famílias em face das escolas, represente um limite à outra cultura na resolução dos
conflitos, especificamente nesta seara.
Isso, junto ao fato de que, ao que parece, o Poder Judiciário tem dado o mesmo
tratamento ao todos os conflitos judicializados. Observando as sentenças e os acórdãos
do TJRJ, existe ausência de tratamento diversificado para casos de acidentes nas escolas,
problemas com método pedagógico em relação aos alunos com alguma especificidade
intelectual ou motora, problemas com documentação escolar, furtos de pertences, práticas
vexatórias ou casos de violência.
Aparentemente, por questões legais objetivas, distanciadas até mesmo da natureza
de cada conflito (acidentes, problemas pedagógicos, furtos de pertences, violência etc.),
o empecilho à outra cultura no tratamento dos conflitos se deva mais a uma visão de
mundo a partir, quase que exclusivamente, do próprio papel do Direito em relação ao
mundo dos fatos79.
Por tal razão, merece uma atenção à crítica de Rouland80 acerca do monismo jurídico
que, desde a Declaração dos Direitos do Homem de 1789, solidificou um ideal de que a lei
haveria de ser aplicada a todos, de modo uniforme, ignorando a existência de realidades
plurais, cada vez mais complexas, o que, do ponto de vista prático, resulta na própria limitação
da atuação estatal, o que traz mais elementos para, inclusive, se compreender a atual crise
jurisdicional, a partir dos estudos de Bacellar81 e Spengler82.
Ao ler todas as decisões de mero expediente das Varas Cíveis, entre os anos de 2016
e 2020, especialmente quanto à citação das partes rés, pode-se observar que, à exceção de
apenas uma delas – que determinou a emenda ou complementação, pela parte autora, de sua
petição inicial, no sentido de manifestar interesse ou não na realização prévia de conciliação
ou mediação, sob pena de indeferimento da própria petição (art. 319, VII, e 321, parágrafo
único, do CPC) –, há determinações de realização de audiência de conciliação.
Em todos estes mesmos casos, não houve conciliação, seguindo-se o processo com
produção de provas documentais e/ou testemunhais, dependendo de cada caso, audiência
de instrução e julgamento até a fase de sentença, dando procedência ou não às famílias
que demandaram alguma reparação em face das escolas privadas. Em vista disso, houve
recursos de apelação, a serem analisadas pelas Câmaras Cíveis do TJRJ, com oferecimento de
contrarrazões de apelação em face da parte contrária.
Ademais, mesmo considerando a orientação contida no § 3º, do art. 3º, do Código
de Processo Civil, de que “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução
consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores
públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”,
e o dever do magistrado em sempre buscar a solução consensual, tendo em vista a

79 GEERTZ. O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa. In: IDEM. O saber local: novos ensaios em antro-
pologia interpretativa. Capítulo 8. Tradução de Vera de Mello Joscelyne. 7. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, p. 249-357.
80 ROULAND, Norbert. Nos confins do direito: antropologia jurídica da modernidade. Tradução de Maria Ermantina de
Almeida Prado Galvão. 2. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 223-317. Coleção justiça e direito.
81 BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Coleção Saberes do Direito, 53.
82 SPENGLER, Fabiana Mario. Da jurisdição à mediação: por uma outra cultura no tratamento de conflitos. 2. Ed. Ijuí:
Editora Unijuí, 2016.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

própria ênfase do referido Código83, não há indícios ao longo dos processos judiciais
pesquisados, qualquer menção à mediação, inclusive em fase de recurso, o que, pela
inteligência do referido artigo, seria cabível, suspendendo os feitos, de acordo com o
art. 16 da Lei nº 13.140/2015.
Pelos dados coletados e analisados, parece que a cultura do litígio – seja por parte dos
cidadãos que acionam o Poder Judiciário, seja pelo próprio tratamento dado aos conflitos
por parte deste último – ainda representa um limite à consolidação da mediação de conflitos
em casos de conflitos escolares, não gozando essa área social dos avanços da mediação
experimentados em outras áreas, tais como família e empresas.
Entretanto, sendo o direito dotado de valores, e considerando que os próprios valores
são construções sociais de acordo com saberes e localidades específicas, em determinados
tempos, e não gerais84-85, tem-se uma abertura à relativização da aplicação do Direito e,
consequentemente, a relativização de valores tidos como consagrados, inclusive, aqueles
experimentados nas diversas sociedades contemporâneas.
Logo, o ideal de que as relações entre famílias e as instituições da rede privada de
ensino sejam alicerçadas mormente nas relações de consumo merece ser revisto, uma vez
que se relativizem conceitos e valores pertinentes à educação, educação escolar e as próprias
relações de consumo, mesmo porque, conforme as próprias sociedades, inclusive a brasileira,
aperfeiçoam suas linguagens, mais colocam o Direito material e processual civil diante de
possibilidades de constante criação e ressignificado.
No campo dos conflitos escolares judicializados, a possibilidade da mediação de
conflitos depende de se considerar as partes envolvidas, a natureza dos próprios conflitos,
para cada caso específico – considerando, inclusive, o vínculo entre as partes – e a atuação do
Poder Judiciário no tratamento dos mesmos, para além de critérios formais e objetivos que
focam apenas nas relações de consumo.
Por vezes, as posições entre as partes estão baseadas em uma ruptura de confiança,
tal como se verificou, no curso da pesquisa, em ações judiciais com o argumento de que
as escolas foram negligentes no cuidado com crianças e adolescentes, haja vista, por
exemplo, casos de acidentes, nos mais variados graus, ocorridos no interior daquelas
instituições. Nesta situação, tomando-se o fato de que aquelas mesmas crianças e
adolescentes mantém vínculo com outras crianças e adolescentes, caberia levar em
consideração se uma decisão judicial seria efetivamente satisfatória dos interesses
daquelas pessoas que, em juízo, têm seus direitos representados exclusivamente por
seus pais ou outros representantes legais.
Estes são alguns pontos que abrem possibilidades para a mediação de conflitos escolares,
ainda mais quando há um arcabouço jurídico que permite tal abertura, como ocorre tanto
com a Lei de Mediação como o Código de Processo Civil.

83 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Direito processual civil contemporâneo. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
84 GEERTZ. O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa. In: IDEM. O saber local: novos ensaios em antro-
pologia interpretativa. Capítulo 8. Tradução de Vera de Mello Joscelyne. 7. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, p. 249-357.
85 ROULAND, Norbert. Nos confins do direito: antropologia jurídica da modernidade. Tradução de Maria Ermantina de
Almeida Prado Galvão. 2. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 223-317. Coleção justiça e direito.

191
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

5. Conclusão

À guisa de uma conclusão, importa compreender a sociedade brasileira em um contexto


complexo, em que, dentre seus mais variados aspectos, se caracteriza por aquilo que se
poderia chamar de uma cultura do dissenso. Cultura, porque esta se refere aos significados
que a própria sociedade vem construindo; dissenso, eis que, uma das características das
sociedades contemporâneas diz respeito justamente ao desatrelamento das vontades
individuais em relação às vontades coletivas.
Em vista disso, compreensível o atual quadro de litígio que se verifica no Brasil, com
um elevado volume de conflitos judicializados, o que sugere uma cultura forjada na ideia
de que recorrer à autoridade pública seja ainda o melhor caminho para solucionar conflitos,
inclusive, a partir de uma representação social de que o recurso ao referido Poder tratar-se-ia
de uma espécie de direito inalienável, em parte, encorajada pela vasta gama de direitos a ter
direitos, e que, diante de um conflito, as partes não sejam totalmente capazes de dirimi-lo
por si mesmas, necessitando de um terceiro para tanto.
Entretanto, em consequência de movimentos sociais, científicos e judiciais, nas últimas
décadas, a experiência dos métodos ou meios autocompositivos de resolução de conflitos
vem se consolidando, especialmente, em áreas como família, empresas, condomínio, trabalho
e até mesmo nas relações de consumo, o que possibilita a ênfase na satisfação de interesses
e necessidades, mediante um descolamento posicional entre partes antes fixas.
Do ponto de vista prático, no campo do Direito, inclusive o processual civil, assiste-
se tanto a um movimento de avanço dos citados métodos de resolução de conflitos como
de difusão de uma cultura jurídica que privilegie uma nova ética entre os estudantes
universitários e os profissionais que já vêm atuando junto aos Tribunais de Justiça, como
advogados, defensores públicos, procuradores de Justiça e magistrados.
Mas, como o mundo da (in)justiça é uma coisa em expansão – seja porque traz
consigo sempre novos direitos, tendo em vista a criatividade humana, seja porque incorpora
novos atores, antes excluídos deste mesmo mundo –, o mundo do Direito também sente
seus reflexos, considerando os desafios que se apresentam aos acadêmicos e juristas; a
incapacidade laboral do Poder Judiciário em lidar com uma quantidade crescente de conflitos
que lhe são apresentados; além da compreensão de que tal mundo, isolado em si – criador
de um mundo particular ou que, percebendo os diversos mundos sociais, os incorpora, mas,
ao fazer isso, os trata predominantemente sob a ótica binomial da legalidade e ilegalidade –,
acaba por reforçar uma ilusão de que aquele seja aplicável de modo universal e uniforme a
todas as pessoas e situações judicializadas.
Em decorrência disso, parece ainda existir limites a serem superados, tais como
aqueles que dizem respeito à possibilidade de mediação de conflitos em questões escolares,
inclusive, entre as famílias (que, em juízo, representam seus filhos, netos etc.) e as escolas
privadas, da educação básica, quando a leitura do Poder Judiciário se mantém focada, quase
que exclusivamente, em aspectos legais sobre as relações de consumo.
Tanto que, observando as decisões do TJRJ, entre os anos de 2016 e 2020, é possível
sentir o peso da norma consumerista em conflitos envolvendo famílias e escolas privadas,
desde as decisões de suas Varas Cíveis até aquelas pelas Câmaras Cíveis. Tal fato ilustra
o enfoque da responsabilidade objetiva das instituições privadas de ensino, enquanto

192
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

prestadoras de serviço, ao passo que tutela os direitos subjetivos das famílias demandantes,
mantendo, pois, posições fixas sob o viés judicial. E tal peso, por sua vez, não têm satisfeito
aos interesses ou às necessidades das famílias, considerando o tempo médio das ações e a
moda dos valores atribuídos a título de indenização por danos morais.
Da mesma forma, também se verifica um tratamento jurídico uniforme a todos
os conflitos referentes às famílias em face das escolas, independentemente de suas
respectivas naturezas, quais sejam: acidentes no interior dos estabelecimentos de ensino,
com consequências leves ou graves; práticas supostamente vexatórias por parte de algum
funcionário das escolas; danos e furtos de pertences de alunos dentro das escolas; conflitos
sobre supostas inadequações pedagógicas; problemas com documentação escolar; casos de
violência, nos mais variados níveis etc.
Outro fato observado, durante o supracitado período, diz respeito à pouca ou quase
nenhuma cogitação, tanto por parte dos advogados das partes como entre os magistrados,
da mediação para resolver os conflitos judicializados, conforme análise das sentenças e
dos acórdãos no âmbito do TJRJ. De um modo geral, as primeiras decisões, logo após as
petições iniciais, por parte dos magistrados lotados nas Varas Cíveis, têm sido no sentido de
se determinar datas para audiências de conciliação, o que, do ponto de vista processual se
coaduna com o que dispõe o Código de Processo Civil.
Contudo, se por um lado, estas mesmas decisões assim procedem, por outro, fica uma
indagação do motivo acerca da não indicação de sessão de mediação, ao invés de audiência
de conciliação, em especial, quando as partes conflitantes – no caso, famílias e escolas – já
possuem um vínculo anterior à judicialização das demandas, conforme prevê os arts. 165, §
3º, e 334, da referida norma processual.
A partir das referidas observações, é possível perceber limites à consolidação da
mediação de conflitos em questões escolares, a exemplo de outras experiências cada vez
mais bem sucedidas das relações sociais levadas a juízo.
Um destes limites concerne, repita-se, ao enfoque exclusivo ou predominantemente
jurídico formal aos conflitos escolares, descartando-se possibilidades de leitura de um mundo
para além do Direito, a fim de levar em consideração aspectos psicológicos, éticos, sociais
e, sobretudo, culturais relevantes, inclusive, quando está em jogo decidir litígios envolvendo
famílias – que, nas demandas judicializadas, representam menores sob suas guardas – e
escolas.
Importa ter isso em mente quando se uniformiza o tratamento dado, por parte do
Poder Judiciário, a todo e qualquer tipo de conflito envolvendo as famílias e as escolas,
inclusive, as da rede privada, objeto de análise nesse trabalho. Eis que, caberia perguntar se
seria impossível manter um vínculo entre as partes, considerando, por exemplo, um conflito
gerado por um acidente no interior de uma escola, com repercussões leves, distintamente do
que ocorre em um caso grave de violência, com repercussões físicas, morais ou psíquicas de
difícil reversão.
Em outras palavras, seria razoável dar tratamento jurídico a tipos diferentes de conflitos,
inclusive na seara escolar, com consequências distintas, inviabilizando a autocomposição
entre as partes, através da mediação, em que elas, por si mesmas, possam alcançar uma
satisfação mútua?
Possíveis respostas a esta questão podem contribuir para se pensar as possibilidades de

193
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

mediação dos próprios conflitos escolares judicializados, desde que: o mundo do Direito se
abra a outros mundos – tais como os mundos histórico, sociológico, antropológico, filosófico
etc. –; profissionais como advogados e defensores públicos orientem as partes por eles
assistidos, a buscar a solução dos conflitos, por si mesmas, portanto, de modo autônomo;
e magistrados incentivem estas mesmas partes neste mesmo sentido, sensíveis ao mundo
social para além dos Tribunais.
A Constituição Federal, o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor, o Código
de Processo Civil e a Lei de Mediação são textos e, como textos, para além de escritos,
carregam consigo variados significados e sentidos, cujas interpretações, em uma perspectiva
relativizadora para cada contexto e situação, a exemplo do que propõe o pensamento
antropológico, possibilite novas formas de se resolver conflitos, inclusive escolares, por
intermédio da mediação, o que, em última instância, contribua na transformação de uma
cultura do litígio em uma cultura da autocomposição.
Esta é a conclusão, ainda que transitória, a partir de um diálogo entre o Direito e a
Antropologia, que se pode extrair de uma pesquisa exploratória e cujas contribuições espera-
se deixar às leitoras e aos leitores.

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198
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

FORMA APROPRIADA DE DESJUDICIALIZAÇÃO


DO ATENDIMENTO PARA O ADOLESCENTE
COM PRÁTICA INFRACIONAL

Rosângela Martins Alcantara Zagaglia Paiva

1. Introdução

É recente a abordagem sobre a prática de meios alternativos na resolução de conflitos.


Surgiu da necessidade de se superar as dificuldades encontradas pelo Poder Judiciário
de sozinho entregar à sociedade prestações jurisdicionais céleres e justas. Porém, sua
existência é antiga, antecede mesmo o monopólio estatal da jurisdição. Por exemplo, têm-
se as experiências ancestrais culturalmente mantidas pelas tribos indígenas, que embora
não tenham códigos escritos, possuem normas que são transmitidas de forma oral para
gerações futuras. Na tribo dos índios Ingarikó1, quando uma dessas regras é quebrada por

1 “Cito o exemplo dos Ingarikó, povo que habita a região mais setentrional do Brasil, no norte da Terra Indígena Raposa/Serra do
Sol, ao pé do majestoso Monte Roraima. Eles não têm um código escrito, mas possuem normas que são transmitidas oralmente,
de geração em geração. São regras legisladas conforme suas próprias instituições, muito embora, como já dito, não sejam escri-
tas. Quando uma regra é quebrada, um elaborado sistema de resolução de conflitos é acionado. Há, pelo menos, quatro instân-
cias para tentar resolver a questão. A primeira é a família. Sendo algo que não pode ficar apenas na esfera privada da unidade
familiar, o problema é levado ao Tuxaua (líder político, uma espécie de cacique). Não podendo dar solução, chama-se o Esak, um
líder religioso, mas também guardião da cultura Ingarikó, que acumula alguns poderes políticos. Tanto o Tuxaua quanto o Esak
tentam resolver a questão ouvindo os envolvidos na quebra das normas, as respectivas famílias e a comunidade. Se ainda assim
não for pacificada a demanda, leva-se à instância máxima, o Pukkenak, líder máximo dos Ingarikó, guardião de toda cultura de
seu povo, com poderes políticos e religiosos, acima do Tuxaua e do Esak. Ele, após ouvir todos os envolvidos, famílias e comuni-
dade, decidirá a questão” (SILVA, Márcio Rosa da. Diálogo com sistemas de Justiça indígenas como forma de resolução
de conflitos. In: MP no Debate, de 06 de março de 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-mar-06/mp-debate-
dialogo-sistemas-justica-indigenas-resolucao-conflitos>. Acesso em: 25 mai. 2020).

199
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

um membro da tribo, “um elaborado sistema de resolução de conflitos é acionado” para tentar
resolver a questão ouvindo os envolvidos na quebra das normas, as respectivas famílias e a
comunidade. Apenas se não for pacificada a demanda nessas tentativas é que o caso é levado
à instância máxima, ao guardião da cultura do povo, com poderes políticos e religiosos, que
depois de ouvir os envolvidos, famílias e comunidade, decide a questão.
Hoje essas práticas estão sendo ressuscitadas como ferramentas paralelas à
administração da justiça do Estado para resolver conflitos que surgem na sociedade. Não
possuem a intenção de suplantar a justiça ordinária, mas complementá-la. Esses métodos ou
mecanismos alternativos constituem uma resposta à justiça sem consenso, que é buscada
através do poder coercitivo exercido pelo Estado e que protege o direito de encontrar soluções
para disputas, por meio da imposição de força legal na resolução do caso e não pela soma de
vontades de ambas as partes.
Na busca por atacar o problema de uma administração de justiça ineficaz e tardia,
o Brasil vem vivendo o auge dos métodos alternativos de resolução de conflitos, com o
objetivo maior de obter acesso rápido, imparcial, eficaz, independente, equitativo, adequado,
responsável e confiável à justiça.
O conceito de justiça por consenso se fundamenta na capacidade das pessoas de
resolver seus próprios conflitos de forma livre e pacífica, com ou sem a intervenção de um
terceiro. Quando ocorre pelo consenso das partes em acatar a decisão de um terceiro, por
elas escolhido, é denominada de arbitragem. Se as partes resolvem procurar alguém para
ajudá-los a resolver a disputa, está-se diante da mediação. No caso de acordo envolvendo
apenas as partes no conflito, ocorre a negociação.
Para Lília Maia de Morais Sales2 os meios alternativos de solução de conflitos são: a
negociação, a conciliação, a mediação e a arbitragem e “todos são de extrema relevância para
o estudo e prática da solução de conflitos na atualidade, visto que a cada dia as empresas, as
associações, os indivíduos procuram formas próprias para compor divergências”.
Hoje o Brasil convive com três tipos de justiça: retributiva, alternativa e restaurativa.
A justiça retributiva se orienta essencialmente em retribuir com o mal da pena o mal
causado pelo delito. O principal objetivo do modelo de justiça retributiva que atualmente
domina o sistema de direito penal é definir a sentença e aplicar a sanção em cada caso
específico. A justiça alternativa é qualquer procedimento alternativo ao processo jurisdicional
para solucionar conflitos de natureza civil, familiar, comercial, criminal ou judicial, aos quais
as partes envolvidas possam recorrer voluntariamente, para buscar uma solução acordada
para encerrar sua controvérsia, através das várias técnicas previstas na lei. A justiça
restaurativa é um modelo alternativo para enfrentar o crime e resolver disputas que, em
vez de se basear na idéia tradicional de vingança ou punição, parte da importância para a
sociedade da reconciliação entre a vítima e o ofensor, para que o mal sofrido seja reparado
e a pessoa responsável pelo crime possa voltar ao convívio social. Um terceiro imparcial
assume a responsabilidade de auxiliar na decisão dos envolvidos sobre quanto dano pode
ser reparado, quanto pode ser prevenido para se conseguir a restauração do status social
previamente existente.
Dentro desse contexto macro, o artigo em tela trata das formas de composição de

2 SALES, Lília Maia de Moraes. Justiça e mediação de conflitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 36.

200
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

litígios existentes no Código de Processo Civil de 2015 e na Lei nº 12.594, de 18 de janeiro


de 2012 que cria e rege o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE, e qual
o modelo mais apropriado para o adolescente com prática infracional, tendo como norte a
almejada justiça restaurativa.
Para tanto, mediante a técnica de pesquisa bibliográfica e documental, presidida pelo
método dedutivo, aborda-se, por primeiro, o processo de desjudicialização, os métodos
extrajudiciais de composição de litígios previstos no Código de Processo Civil e recepcionados
pela Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, para, ao final, analisar as formas de justiça
restaurativa que melhor respondem à resolução de conflitos envolvendo adolescentes com
prática infracional, enfoques que se caracterizam por centrar o foco na recuperação pessoal,
respeito e fortalecimento de relacionamentos.

2. Processo da desjudicialização

O processo da desjudicialização significa desonerar o Poder Judiciário de algumas


atividades que se afastam de suas funções principais, como a jurisdição voluntária ou
jurisdição administrativa, que são, essencialmente, as ações que não solucionam conflitos
de interesses por não existir litígio entre as partes. Normalmente os interessados querem
apenas que seja declarado certo direito3.
Pode-se citar como exemplo de desnecessidade de intervenção judicial no campo dos
registros imobiliários a possibilidade de retificação no âmbito administrativo para os casos em
que haja consenso entre as partes, desincumbindo o Poder Judiciário de diversas atividades
nas quais não existe controvérsia para ser resolvida, trazida à Lei dos Registro Públicos (Lei
nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973) pela Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004.
Outro exemplo de desjudicialização é o que acontece no procedimento para habilitação
de casamento. A Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004, alterou a redação do artigo 1.526
do Código Civil de 2002, para afastar a exigência da prévia homologação do magistrado
nas habilitações para o registro civil do casamento. Mantém-se a obrigatoriedade somente
para impugnações.
Também a Lei nº 11.441, de 04 de janeiro de 2007, pode ilustrar a concretização da
tendência à desjudicialização, porque disciplina a realização de inventário, partilha, separação
consensual e divórcio consensual por via administrativa, vale dizer, em cartório extrajudicial,
sem a intervenção do Poder Judiciário.
A Lei nº 11.481, de 31 de maio de 2007 (Lei de Regularização Fundiária de Terras da
União de Interesse Social) que disciplina a regularização fundiária para zonas especiais de
interesse social e o registro de imóveis, altera o Decreto-Lei nº 9.760, de 05 de setembro
de 1946, que dispõe sobre os bens imóveis da União, para estabelecer novas diretrizes
para regularização da propriedade imobiliária, cujo procedimento de regularização fundiária
passa a ser de competência do Oficial de Registro de Imóveis. Se houver impugnação, o
Registrador Imobiliário dará ciência à União, que tentará um acordo e penas se esse acordo

3 Procedimentos especiais de jurisdição voluntária (Capítulo XV - dos procedimentos de jurisdição voluntária - artigos 719
e seguintes do Código de Processo Civil de 2015).

201
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

não for possível é que a questão será remetida à Justiça Federal, que é o juízo competente
para o caso4.
Ainda a Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009 que desjudicializa a usucapião urbana
prevista no artigo 183, da Constituição Federal de 1988.
Com a perspectiva da colaboração e celeridade no processo, trazida pelo atual Código
de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015), a desjudicialização contempla
diversas medidas para desafogar o Poder Judiciário, buscando a pacificação de conflitos sociais
de modo extrajudicial. Para tanto, oferece diversas alternativas de resolução de conflitos
por vias extrajudiciais, inclusive a possibilidade de mediação e conciliação no âmbito dos
cartórios, o que antes só era possível com a intervenção do Poder Judiciário.
Antes, porém, ainda em 2010, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução
nº 125, de 29 de novembro, deu importante passo no sentido de fomentar o uso da mediação
e da conciliação, ao incumbir aos órgãos do Poder Judiciário a tarefa de “oferecer mecanismos
de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação
e a conciliação bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão” (parágrafo único,
do artigo 1º, da Resolução CNJ nº 125, de 29 de novembro de 2010). O artigo 8º, da mesma
Resolução, previu a criação de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Centros
ou CEJUSCs), para a realização de sessões de conciliação e mediação pré-processuais.
Os mais recentes instrumentos normativos no sentido da desjudicialização do Poder
Judiciário é a Lei da Mediação, Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015, que, dentre outras
disposições, prevê a possibilidade de mediação extrajudicial como figura jurídica consensual
de resolução de conflitos; e a Emenda CNJ nº 02, de 08 de março de 2016, que altera a
Resolução CNJ nº 125, de 29 de novembro de 2010, que dispõe sobre a Política Judiciária
Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário.
De acordo com o parágrafo único, do artigo 1º, da Resolução CNJ nº 125, de 29 de
novembro de 2010, alterada pela Emenda CNJ nº 02, de 08 de março de 2016:

Parágrafo único: aos órgãos judiciários incumbe, nos termos do artigo 334 do Novo
Código de Processo Civil combinado com o artigo 27 da Lei de Mediação, antes da
solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de
controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a
conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão.

Estas inovações, dentre outras nesse sentido trazidas à ordem jurídica brasileira, visam
aliviar o Poder Judiciário por meio da delegação de algumas de suas funções meramente
administrativas, desjudicializando procedimentos tipicamente administrativos5.
A tendência da desjudicialização impõe a releitura da “atuação do Poder Judiciário nos
processos de jurisdição voluntária e naqueles em que não há litígios”6, para que tal competência
possa ser compartida com outros órgãos fora da esfera judicial. A solução que já vem sendo

4 Vide Seção III-A “Da Demarcação de Terrenos para Regularização Fundiária de Interesse Social”, composta pelos artigos
18-A, 18-B, 18-C, 18-D e 18-F, do Decreto-Lei nº 9.760, de 05 de setembro de 1946, incluída pela Lei nº 11.481, de 31 de
maio de 2007.
5 SANTOS, César Augusto dos. Breve abordagem sobre o tema da desjudicialização em busca de alternativas ao
descongestionamento do Poder Judiciário. In: Revista Jurídica De Jure, vol. 10, nº 17, p. 259-281. Ministério Público do
Estado de Minas Gerais, jul./dez. 2011. p. 274.
6 CHALHUB, Melhim Namem. Usucapião administrativa. In: SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de (org.). IDEAL (Instituto de
Estudos Albergaria) - direito notarial e registral. São Paulo: Quinta Editorial, 2010. p. 231.

202
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

usada é o compartilhamento de competências entre juízes, notários e registradores, baseada


na alternatividade, ou seja, na possibilidade de o cidadão escolher entre o processo judicial
e o procedimento extrajudicial.

3. Métodos alternativos de composição de litígios previstos no Código de Processo


Civil e recepcionados pela Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012

O Código de Processo civil de 2016 recepcionou os pretensões do Conselho Nacional


de Justiça (Resolução CNJ nº 125, de 29 de novembro de 2010) de estimular a “cultura da
paz”, destacando em seu texto “as práticas de conciliação, mediação e arbitragem, firmando,
assim, instrumentos de solução de conflitos de forma rápida e eficiente”7.
Os parágrafos do artigo 3º, do Código de Processo Civil, dispõem sobre o dever do
Estado de promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, conduta a ser
incentivada por todas as instituições ligadas à justiça, antes ou durante o processo, com o
intuito de diminuir o número de ações judiciais e agilizar a entrega da prestação jurisdicional
aos jurisdicionados. Percebe-se que o uso da ação judicial para o estabelecimento da paz
social passou a ser residual.
Mais adiante, no artigo 139, inciso V, consta que incumbe ao juiz “promover, a qualquer
tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores
judiciais” e nos artigos 165 até 175, o legislador tratou dos conciliadores e mediadores
judiciais e seus métodos para resolução de conflitos. Por fim, o artigo 334 aborda as regras,
requisitos e procedimentos para a audiência de conciliação ou de mediação.
No caso de não haver vínculo entre as partes, a melhor opção é a escolha de um
conciliador. Porém, no caso de vínculo das partes anterior ao conflito, caberá ao mediador
auxiliar os interessados para que compreendam as particularidades da desavença e possam
dialogar e identificar, entre eles, as melhores soluções para resolver o impasse de modo a
gerar satisfação mútua.
No âmbito da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que institui o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo - SINASE e regulamenta a execução das medidas socioeducativas
destinadas a adolescente que pratique ato infracional, o método extrajudicial de resolução de
conflitos contemplado para determinadas situações é a mediação, sem, contudo, fechar as
postas para o uso de outros meios alternativos, sempre na perspectiva de evitar a intervenção
do Poder Judiciário. É sobre isso que trata o artigo 35, ao discorrer sobre disposições gerais
da execução das medidas socioeducativas:

Artigo 35: a execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios:
I - legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o
conferido ao adulto; II - excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de
medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos; III - prioridade a práticas
ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades
das vítimas; IV - proporcionalidade em relação à ofensa cometida; V - brevidade da
medida em resposta ao ato cometido, em especial o respeito ao que dispõe o artigo

7 CAMPOS, Mario. Métodos alternativos de resolução de conflitos e o Novo CPC. In: Jus Brasil, de 13 de novembro
2017. Disponível em: <https://mcaampos.jusbrasil.com.br/artigos/519785874/metodos-alternativos-de-resolucao-de-con-
flitos-e-o-novo-cpc>. Acesso em: 27 mai. 2020. p. 01.

203
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

122 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente)8;


VI - individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais
do adolescente; VII - mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos
objetivos da medida; VIII - não discriminação do adolescente, notadamente em razão
de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual,
ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status; e IX - fortalecimento dos
vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo (Lei nº 12.594, de 18 de
janeiro de 2012).

À luz da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, nem mesmo no caso de adolescentes


autores de ato infracional, existe a imposição da intervenção judicial ou de “medidas
socioeducativas”, podendo a situação ser enfrentada por meio de abordagens alternativas,
na forma contemplada pela “política socioeducativa” adotada pelo Município, atendendo ao
princípio basilar da criação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo que é o dar
resposta rápida e eficaz ao adolescente autor de ato infracional, e que seja de acordo com as
especificidades de suas necessidades pedagógicas individuais9.
Embora existam muitos os meios alternativos ao Poder Judiciário que podem ser usados
para a resolução de conflitos, a exemplo da investigação, da negociação, da conciliação, da
mediação e da arbitragem, todos de “extrema relevância para o estudo e prática da solução
de conflitos na atualidade, visto que a cada dia as empresas, as associações, os indivíduos
procuram formas próprias para compor divergências”10, o código de processo civil e a Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE tratam especificamente da conciliação, da
mediação e da arbitragem.
Diante da disponibilidade ou possível idealização futura de outros institutos para solução
de conflitos, além das controvérsias sobre a natureza jurídica dessas estratégias, a exemplo
da conciliação e da mediação defendidas como de autocomposição ou de heterocomposição
dependendo do ponto de vista do intérprete, sem se falar da utilização de terminologias
similares, como acontece com as palavras “arbitragem” e “arbitramento”, sem qualquer
relação entre si além da semântica, torna-se indispensável a apresentação das principais
diferenças entre essas três formas de solução de conflitos.
A conciliação se assemelha à mediação, mas não se confunde com ela. No Brasil a
mediação é voluntária, mas conciliação é exercida por força de lei e obrigatoriamente por
servidor público, que se adjudica do poder e autoridade conferidos legalmente ao seu cargo
para facilitar a resolução do litígio. O conciliador privado aparece com o advento da Lei nº
9.958, de 12 de janeiro de 2000, que impõe a tentativa de composição de conflitos pelas
comissões de conciliação prévia, antes de ingressar na via jurisdicional.
A diferença fundamental entre mediação e conciliação reside no conteúdo de cada
instituto: na conciliação o objetivo é o acordo para evitar um processo judicial; na mediação as

8 “Artigo 122: a medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante
grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento
reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. Parágrafo 1º: o prazo de internação na hipótese do inciso III
deste artigo não poderá ser superior a três meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo legal.
Parágrafo 2º: em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada (Estatuto da Criança e do
Adolescente).
9 DIGIÁCOMO, Murillo José. A mediação e o direito da criança e do adolescente no Brasil: construindo alternativas
para a desjudicialização do atendimento. In: Doutrina do Boletim Informativo nº 77, ano IX, p. 01-07. Rio de Janeiro: Centro
de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude, jan./fev./mar. de 2017. p. 04.
10 SALES, Lília Maia de Moraes. Op. cit., p. 36.

204
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

partes não são tidas como adversárias, figurando o acordo como consequência da comunicação
entre as partes. Enquanto “na conciliação o mediador sugere, interfere, aconselha”; “na
mediação, o mediador facilita a comunicação, sem induzir as partes ao acordo”11.
A conciliação se traduz no encerramento do conflito por intermédio de uma composição
amigável, por iniciativa de um conciliador que interfere nas tratativas, podendo ser um
magistrado, o árbitro ou um terceiro, dispensando sua decisão de mérito, cuja sentença
passa a ser meramente homologatória, não devendo ser confundida com o acordo, cujo teor
é levado pelas partes e homologado pelo juiz. O conciliador não é escolhido pelas partes, o
que resulta em uma maior intervenção na tentativa de solução do conflito12.
Existe muita discussão doutrinária em torno das diferenças e semelhanças entre
conciliação e mediação. Porém, o grande dissenso se dá em virtude de serem afins, chegando
até mesmo a confundirem-se algumas vezes, haja vista que tanto num quanto noutro instituto
a intervenção do terceiro visa apenas propor soluções que, entretanto, não substituem a
vontade das partes. Desse modo, “é de pouca importância tentar distingui-los”13.
Para Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Caetano Lagrasta Neto14, sobre a
diferenciação entre conciliação e mediação, “a conciliação vem prevista no Código de
Processo Civil”: “artigo 125: o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código,
competindo-lhe: [...]; IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes [...]” e no artigo 331,
in verbis:

Artigo 331: se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e
versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar,
a realizar-se no prazo de trinta dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer,
podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir.
Parágrafo 1º: obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença.
Parágrafo 2º: se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos
controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a
serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário.
Parágrafo 3º: se o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias da causa
evidenciarem ser improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo, sanear o processo
e ordenar a produção da prova, nos termos do parágrafo 2º.

A principal diferença entre conciliação e mediação está na própria distinção entre


técnicas públicas e privadas de resolução de conflitos: “são públicos os processos judiciais e
a conciliação prevista tanto na Justiça tradicional como nos Tribunais Especiais. São privadas
a negociação, a arbitragem e a mediação”. A conciliação também pode ser privada, quando
realizada fora do sistema judicial, em escritórios privados, por exemplo. Uma das grandes
diferenças entre a conciliação e a mediação reside na existência ou não de relacionamento
entre as partes. Quando se verifica uma relação em que as partes desejam manter o
relacionamento, exige-se um trabalho de mediação; no caso de simples relacionamentos
circunstanciais sem desejo de continuação ou aprofundamento aplica-se a conciliação, que
é um procedimento rápido e econômico. Destaca-se que a mediação “reflete outra formação

11 Idem, ibidem, p. 38.


12 MAIA NETO, Francisco. Arbitragem: a solução extrajudicial de conflitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 19.
13 MORGADO, Isabele Jacob. A arbitragem nos conflitos de trabalho. São Paulo: LTr, 1998. p. 20.
14 GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; LAGRASTA NETO, Caetano. Mediação e gerenciamento do processo:
revolução na prestação jurisdicional. São Paulo: Atlas, 2008. p. 12.

205
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

e especialização, com envolvimento de recursos encontrados quase que com exclusividade


nas atividades privadas”15.
De qualquer modo, a conciliação enquanto técnica de resolução de conflitos tem
grande utilidade e vasta aplicação em desavenças que não envolvem relacionamento entre as
partes. Assim, se existe um vínculo entre as partes (família, colegas de trabalho, vizinhos), a
mediação é o método mais adequado à manutenção e aprimoramento desse vínculo; por outro
lado, quando não há relacionamento entre as partes ou em relacionamentos circunstanciais
(compra e venda casual, acidentes entre desconhecidos, colisões automobilísticas), o meio
mais satisfatório de solução de conflitos é a conciliação16.
No processo de conciliação existe a tentativa de se chegar voluntariamente a um acordo,
porém, de modo diferente do que acontece com a mediação, para tanto entre os disputantes
ou contendentes intervém um terceiro, na qualidade de juiz ou autoridade pública, de forma
oficiosa e estruturada.
Já a mediação é a ajuda que um terceiro presta às partes divergentes, para que cheguem
a um acordo, formulando uma recomendação a ser submetida aos litigantes17. Trata-se de
um procedimento informal resolução de conflitos, no qual “um terceiro imparcial e neutro,
sem poder de decisão, assiste as partes, para que a comunicação seja estabelecida e os
interesses preservados, visando ao estabelecimento de um acordo”. Na mediação, as partes
são direcionadas por um terceiro (mediador) que não influenciará no resultado final, apenas
ajudando “na identificação e articulação das questões essenciais que devem ser resolvidas
durante o processo”18. Conforme o Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro19:

A mediação é um processo voluntário que oferece àqueles que estão vivenciando uma
situação de conflito a oportunidade e o espaço adequados para conseguir buscar uma
solução que atenda a todos os envolvidos. Na mediação as partes expor seu pensamento
e terão uma oportunidade de solucionar questões importantes de um modo cooperativo
e construtivo. O objetivo da mediação é prestar assistência na obtenção de acordos,
que poderá construir um modelo de conduta para futuras relações, num ambiente
colaborativo em que as partes possam dialogar produtivamente sobre seus interesses e
necessidades.

A mediação é uma forma de “autocomposição assistida” porque se trata de um


processo pelo qual uma terceira pessoa facilita a comunicação entre as partes, com o escopo
de solucionar e prevenir conflitos. O mediador é quem oferece, através de seus métodos
próprios, maior possibilidade de solução satisfatória de conflitos.
A arbitragem é a submissão do litígio à solução de um terceiro eleito pelas partes,
que formulará um laudo com força executiva que deverá ser respeitado e cumprido pelas
partes20. Trata-se de um procedimento no qual as partes elegem um árbitro para solucionar
as divergências. Ao contrário da negociação e da mediação, na arbitragem as partes não

15 GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; LAGRASTA NETO, Caetano. Op. cit., p. 12.
16 SALES, Lília Maia de Moraes. Op. cit., p. 40.
17 Plá Rodriguez apud MARTINS FILHO, Ives Gandra. Processo coletivo do trabalho. 3. ed. ver. e ampl. São Paulo: LTr,
2003. p. 23.
18 RODRIGUES JUNIOR, Walsir Edson. A prática da mediação e o acesso à justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 50.
19 PJERJ, Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro. O que é mediação? Palácio da Justiça do Estado do Rio de Janeiro
- Fórum Central. Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/web/guest/institucional/mediacao/estrutura-administrativa/o-que-
e-mediacao>. Acesso em: 28 mai. 2020. p. 01.
20 Plá Rodriguez apud MARTINS FILHO, Ives Gandra. Op. cit., p. 23.

206
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

possuem o poder de decisão, o qual se encontra a cargo do árbitro21.


A arbitragem, segundo José Osmir Fiorelli, Maria Rosa Fiorelli e Marcos Julio Olivé
Malhadas Junior22, vem se destacando nos últimos tempos como:

[...] um grande e fértil campo de trabalho para o advogado, que, com a celeridade,
objetividade e efetividade do processo arbitral, obtêm resposta aos reclamos de seus
Cientes de forma ágil e satisfatória (o mesmo ocorre, obviamente, com a remuneração
decorrente de seu trabalho na demanda).

Na definição de Carlos Eduardo de Vasconcelos23, a arbitragem é um instituto do direito,


prevista em leis e convenções internacionais, com destaque para a Convenção de Nova York,
de 1958. No Brasil a norma básica sobre arbitragem é a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de
1996, denominada “Lei Marco Maciel”. Na arbitragem o papel do terceiro, o árbitro, de forma
diversa do que acontece na mediação, “não será mais o de facilitar o entendimento - embora
na dinâmica do processo arbitrai isso sempre seja possível e recomendável -, mas o de colher
as provas, argumentos e decidir mediante laudo ou sentença arbitral irrecorrível”.
Para Walsir Edson Rodrigues Junior24, a arbitragem é um procedimento que transfere
a um terceiro imparcial, não integrante dos quadros do Poder Judiciário, o poder de emitir
decisão quanto a um conflito, a partir da apresentação das questões pelas partes”.
A arbitragem é um instituto jurídico com duas naturezas jurídicas que se completam:
a contratual e a jurisdicional. Por meio do contrato as pessoas optam por se vincular a uma
jurisdição privada, mas sujeita a princípios de ordem pública, como os da independência, da
imparcialidade, do livre convencimento do árbitro, do contraditório e da igualdade. Destarte,
a arbitragem pressupõe a autonomia da vontade (livre opção das partes) através de uma
convenção de arbitragem (cláusula contratual nomeada de “compromissória”, assinada antes
do surgimento de qualquer conflito, ou “compromisso arbitral” existente quando já existe
o conflito e as partes, de comum acordo, decidem solucioná-lo por meio da arbitragem.
Com a convenção de arbitragem devidamente formalizada, as partes ficam irrevogavelmente
vinculadas à jurisdição arbitral25.
A convenção de arbitragem pode produzir efeitos positivos, pois o poder jurisdicional
passa a ser do árbitro, depois da sua aceitação e confirmação pelas partes; e efeitos negativos,
porque subtrai o poder jurisdicional do juiz estatal que seria competente para apreciar a matéria
Podem ser objeto de processo arbitral as matérias relacionadas aos direitos patrimoniais
disponíveis e aos direitos relativos a bens que tem valor econômico e podem ser objeto de
operações de compra e venda, doação, permuta, transação, etc.26.
A utilização da arbitragem pode se dar em dois momentos: antes e depois do conflito. No
momento anterior, portanto, preventiva, é realizada por meio da cláusula compromissória ou
cláusula arbitral, isto é, as partes, ao redigirem e firmarem um contrato expressa em cláusula

21 SALES, Lília Maia de Moraes. Op. cit., p. 41.


22 FIORELLI, José Osmir; FIORELLI, Maria Rosa; MALHADAS JUNIOR, Marcos Julio Olivé. Mediação e solução de conflitos:
teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2008. p. 53.
23 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo: Método,
2008. p. 39.
24 RODRIGUES JUNIOR, Walsir Edson. Op. cit., p. 50.
25 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. cit., p. 39.
26 Idem, ibidem, p. 39.

207
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

especial que qualquer pendência surgida em decorrência do contrato será dirimida por meio
da arbitragem. No momento posterior, ou seja, depois do surgimento da controvérsia, a
parte interessada manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via
postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento,
convocando-a para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral (artigo 6º, da
Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996).
Em qualquer dos casos (cláusula ou compromisso), surgida à controvérsia, as partes,
depois da escolha do árbitro ou árbitros (pode ser mais de um, mas em número ímpar, para
que a decisão não resulte empatada27) firmarão um contrato de compromisso arbitral, onde
serão fixadas as regras procedimentais nas quais a arbitragem será desenvolvida.
Operacionalmente existem dois tipos de arbitragem: a institucional e a ad hoc. A primeira
é aquela em que as partes submetem o seu litígio a uma instituição arbitral que administrará
todo o procedimento de arbitragem, oferecendo um rol de árbitros para serem escolhidos
pelas partes, além de todos os procedimentos a serem observados. Já na arbitragem ad hoc,
as partes escolhem um árbitro, e ambos disciplinarão, previamente, os procedimentos da
arbitragem, específicos para o caso em questão28.
O árbitro (ou árbitros), terceira pessoa que compõe a relação formada na arbitragem,
é responsável pela solução de um conflito entre as partes. Para decidir as questões
suscitadas, o árbitro se fundamentará de acordo com seu livre arbítrio e convicção,
baseando-se na lei ou na equidade (fora das regras de direito objetivo) e exarando sua
decisão na sentença arbitral29.
Na arbitragem tudo é previamente estipulado pelas partes desde os prazos e os gastos,
sem burocracia e os diversos problemas da Justiça Estatal, sem se falar das nem sempre
desejadas surpresas de uma decisão judicial. Como a arbitragem se desenvolve da forma
predefinida pelas partes e, por isso, diferente do que ocorre nos fóruns, não existe tensão e
o excesso de rigor processual presentes no contencioso judicial.
No procedimento arbitral destacam-se três princípios jurídico-processuais: a igualdade
de tratamento das partes, o do contraditório e o da livre convicção do julgador, no caso,
o árbitro. Ademais é um procedimento sigiloso, pois somente as partes e o árbitro tem
conhecimento da sua ocorrência e conteúdo, e bem mais célere do que a Justiça Estatal, já
que não cabe recurso à decisão do árbitro.
Com efeito, a arbitragem difere completamente do instituto da conciliação, pois o
conciliador faz uma proposta, após ouvir as questões suscitadas pelas partes tampouco significa
mediação, pois nessa modalidade as próprias partes fazem a negociação, assessoradas por
um mediador. Não se pode olvidar que, antes de instituir a arbitragem, o árbitro pode atuar
como mediador, aproximando as partes, encontrando a melhor solução para a controvérsia. O
instituto da arbitragem também se difere da decisão judicial principalmente porque a solução
jurisdicional é pública enquanto que a arbitragem é privada, o que não significa que tenha

27 “Artigo 13: pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes. Parágrafo 1º: as partes nomearão
um ou mais árbitros, sempre em número ímpar, podendo nomear, também, os respectivos suplentes. [...]” (Lei nº 9.307, de
23 de setembro de 1996).
28 LIMA, Alex Oliveira Rodrigues de. Arbitragem: um novo campo de trabalho. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Iglu, 1998.
p. 12.
29 “Artigo 2º: a arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes” (Lei nº 9.307, de 23 de setembro de
1996).

208
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

natureza privativista. Trata-se de um equivalente jurisdicional porque equivale e substitui a


jurisdição, que se realiza fora do espaço do Poder Judiciário30.
Por fim, é importante dizer que embora nada tenha a ver com o instituto da arbitragem,
possivelmente em função da semelhança semântica, o termo “arbitramento” muitas vezes
leva a confusões, porém, o arbitramento em nada se assemelha com a arbitragem, exceto
pela aproximação semântica, pois que este se trata de “uma avaliação efetuada por perito
sobre fruto ou direito, com o intuito de orientar a convicção do juiz, em processo submetido
a sua decisão, constituindo-se também em uma das modalidades de execução da sentença”31.
A arbitragem também não se confunde com a mediação, porque esta “proporciona às
partes a possibilidade de, por vontade própria, chegar a uma decisão benéfica para ambos, já
que o mediador não decide nada, somente ajuda nessa etapa, proporcionando os meios para
que eles cheguem a um fim desejado”. De fato, o resultado da mediação “não gera vencedores
ou vencidos, no balanço entre as necessidades das partes, mesmo quando há concessões no
acordo”, eis que “todo o processo mediatório visa exatamente manter diálogos amistosos
entre os litigantes para que não haja precipitação em qualquer que seja a decisão alcançada”.
Na arbitragem “o árbitro tem poder total de decidir, sem intervenção das partes, pois em
um momento anterior elas acordaram em escolher um terceiro para resolver um litígio que
porventura acontecesse”. Em suma, o árbitro trabalha por vontade das partes, porém elas
não interferem na decisão que deverá ser aceita por ambas32.
Para concluir, destaca-se que a mediação distingue-se de todos os demais métodos
alternativos de solução de conflitos, mormente porque “no processo de mediação, existe a
preocupação em criar vínculos entre as partes, transformar e prevenir conflitos”. O mediador
tem a especial missão de ajudar as partes a “entender o conflito como algo transitório, uma
ponte para a evolução da comunicação e da convivência”. A função principal do mediador
é acalmar os ânimos das partes, ajudando-as a resolverem o dissenso de forma serena e
tranquila. com tranquilidade.
Para Luís Alberto Warat33 a maior diferença entre a mediação e os outros meios
alternativos de solução de controvérsias está na característica de transformar sentimentos
que pode ocorrer, graças á mediação, nas relações sentimentais conflituosas, situação não
levada em conta no processo judicial e nos demais procedimentos alternativos de resolução
de conflitos judiciais.

4. Justiça restaurativa e adolescentes com prática infracional

A identificação da forma mais apropriada para as questões envolvendo adolescente


com prática infracional perpassa o reconhecimento do adolescente como sujeito de direitos.
De acordo com o artigo 40 da Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela
Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, os Estados-Parte tomarão

30 MORAES, José Luis Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativas à Jurisdição. 2. ed. rev.
e amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 126.
31 MAIA NETO, Francisco. Op. cit., p. 18.
32 SOUZA, Fábio Araújo de Holanda. Mediação familiar e a segurança pública. Artigo publicado em 17 de junho de
2009. Disponível em: Acesso em: 22 ago. 2012. p. 01.
33 Luís Alberto Warat apud SALES, Lília Maia de Moraes. Op. cit., p. 04.

209
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

medidas para promover o estabelecimento de leis, procedimentos e instituições específicos


para todo o ser humano menor de dezoito anos em conflito com a lei. É preciso ressaltar que
essa Convenção Internacional não diferencia crianças, adolescentes e jovens. Trata como
“criança”, “todo o ser humano menor de dezoito anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for
aplicável, atingir a maioridade mais cedo”34.
Para tanto, reconhece à criança suspeita, acusada ou que se reconheceu ter infringido
a lei penal, o direito de receber tratamento capaz de favorecer o seu sentido de dignidade e
valor, além de “reforçar o seu respeito pelos direitos humanos e as liberdades fundamentais
de terceiros” e que levem em consideração “sua idade e a necessidade de facilitar a sua
reintegração social e o assumir de um papel construtivo no seio da sociedade”35.
O ideário de que o adolescente carente é naturalmente infrator, independentemente de
quem seja, do que faça e de onde viva, não tem mais lugar na atualidade. O estereótipo do
adolescente “marginal”, “trombadinha”, “violento”, decorre de vários fatores, dentre os quais
a própria colonização brasileira no que diz respeito à chegada dos “miúdos” ao Brasil e do
tratamento dispensado aos nativos.
São três as razões basilares que levaram à concepção de que o adolescente,
principalmente aquele oriundo da classe menos abastada, é portador de distúrbios “naturais”
da violência: a) é mais fácil fantasiar o imaginário como “verdade” do que enfrentar a realidade;
b) é preciso justificar as debilidades e ineficiência na resolução efetiva dos problemas sociais
existentes, mormente no que diz respeito ao combate à violência como um todo; e c) a
sociedade humana construída nos moldes atuais é exclusivista (mais fácil excluir o excedente
do que inseri-los na sociedade).
Desde sempre houve no Brasil a cruel associação entre criança abandonada e violência.
Suas origens podem ser atribuídas ainda ao objetivo que levou à descoberta do Brasil e sua
colonização, que foi o extrativismo. O Governo de Portugal não tinha nenhum interesse
nas crianças órfãs que aqui aportaram; ou nas mestiças abandonadas pelos portugueses e
espanhóis que não reconheciam como filhos os que nasciam da união de um homem branco
com uma “selvagem”; ou, ainda, filhos mestiços de mães indígenas. Mais tarde, a esse grupo
de crianças socialmente excluídas foram acrescidas as enjeitadas e os filhos da Lei do Ventre
Livre (1871), forçosamente separados das mães.
Na virada do século XIX, os filhos gerados pelas mães excluídas, já viviam, desde o
nascimento, nas ruas das cidades em processo de urbanização, juntamente com as evadidas
das instituições e as exploradas no trabalho infantil36. Nessa época o assunto “proteção da
infância e da juventude” não fazia parte da agenda do governo brasileiro. Quem se ocupou
com isso foram as instituições não-governamentais, a exemplo das irmandades, das confrarias
e das santas casas de misericórdia37.
Em decorrência das mudanças econômicas, sociais e políticas sofridas pela sociedade,
na época, a exemplo da abolição da escravatura de 1888 e da Proclamação da República em

34 INTERNACIONAL, Legislação. Convenção sobre os Direitos da Criança: adotada em Assembleia Geral das Nações
Unidas em 20 de novembro de 1989. Disponível em: <http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10120.htm>. Acesso em:
29 mai. 2020. p. 01.
35 Artigo 40, da Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989.
36 ROSA, Miriam Debieux. O discurso e o laço social dos meninos de rua. Psicol. USP, vol.10, no 2, São Paulo, 1999. Dis-
ponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-65641999000200013&script=sci_arttext>. Acesso em: 26 mai.
2020. p. 01.
37 ROSA, Miriam Debieux. Op. cit., p. 01.

210
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

1889, a proteção e assistência aos menores de idade foi se tornando cada vez mais necessária.
A sociedade exigia uma manifestação positiva do Estado nesse sentido, até que em 1920 já
estava consolidada a ideia de que a assistência à criança carente e abandonada, definida na
época como “menor”, deveria ser prestada pelo Estado e não pela iniciativa privada. Por isso é
que se começou a trabalhar na elaboração de uma lei de proteção aos menores brasileiros, que
acabou consolidada na forma do Decreto nº 17.043-A, de 12 de outubro de 1927, e que foi
batizado de “Consolidação das Leis de Assistência e Proteção a Menores” ou, simplesmente,
“Código de Menores de 1927”.
O Código de Menores de 1927, primeiro texto normativo especial a tratar da matéria em
toda a América Latina, adotou a tese de que a assistência aos menores (carentes, abandonados,
delinquentes) deveria acontecer por meio da educação e que, quanto mais cedo houvesse
tal intervenção, no sentido de tratamento, maiores seriam as chances de sua recuperação e
reintegração social.
É importante destacar, todavia, que a definição do menor obrigatoriamente delinquente
apenas por ser pobre não é uma construção brasileira. Um dos fatores que fortemente
concorreram para a disseminação da ideia de que criança pobre é criança delinquente,
também chamada de “menor”, segundo Jadir Cirqueira de Souza38, consistiu na criação do
Primeiro Tribunal para Menores de Illinóis, nos Estados Unidos da América, em 1899 que,
depois, teve como consequência, a criação da doutrina do menor em situação irregular. Outro
importante acontecimento que reforçou a tese da pobreza como condição de marginalidade
penal decorreu, paradoxalmente, do término da Primeira Grande Guerra Mundial, vale dizer,
dos efeitos bélicos que deixaram grande número de crianças miseráveis e sem famílias que,
para sobreviver, tiveram que praticar delitos patrimoniais e, ao mesmo tempo, era alvo fácil
para serem usadas no cometimento de infrações penais diversas39
Esses fatores internacionais também refletiram e influenciaram a sociedade brasileira,
na medida em que acrescidos aos diversos acontecimentos internos, provocaram também
no Brasil a confusão conceitual entre as crianças pobres e as crianças praticantes de ilícitos
penais. Esta visão distorcida sobreviveu ao tempo e ainda perdura na atualidade.
Apesar de alguns movimentos isolados no sentido da melhoria da defesa infanto-
juvenil no plano jurídico-legislativo devido à difusão dos princípios iluministas da Revolução
Francesa de 1789 (liberté, legalité, fraternité), até o fim da Segunda Grande Guerra Mundial
(1945), as ações protetivas tinham nítido conteúdo repressivo e autoritário. Ademais, até
então as legislações internas da maioria dos países ainda não contemplavam a proteção
infantojuvenil, nos termos da atual doutrina da proteção integral.
Isso se verifica no Brasil, pois em todas as Constituições brasileiras anteriores à de
1988, os direitos e interesses relativos às crianças e aos adolescentes foram fixados de forma
esparsa, quase inexistente, sem nenhuma sistematização, voltados, principalmente, para os
aspectos e medidas repressivas estatais da delinquência juvenil40.
A palavra “menor” fora utilizada até a década de vinte do século passado como “categoria
jurídica” caracterizadora da criança ou adolescente carente e envolvido com a prática de
infrações penais. Com o Código de Menores de 1927, o termo foi utilizado para designar

38 SOUZA, Jadir Cirqueira de. A efetividade dos direitos da criança e do adolescente. São Paulo: Pillares, 2008. p. 58.
39 SOUZA, Jadir Cirqueira de. Op. cit., p. 58.
40 Idem, ibidem, p. 24.

211
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

aqueles que se encontravam em situação de carência material ou moral, além das infratoras.
Depois surge o Código de Menores de 1979 que traz uma nova categoria, a do “menor em
situação irregular”, vale dizer, o menor de dezoito anos materialmente abandonado, vítima
de maus-tratos, em perigo moral, juridicamente desassistido, com desvio de conduta ou
autor de infração penal41.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, as crianças e os adolescentes foram
significativamente beneficiados, a começar pela expressão “menor”, substituída por “criança
e adolescente”. Adotou-se, de forma definitiva no cenário brasileiro, a doutrina jurídica da
proteção integral, que passou a representar um novo marco na proteção da infância e da
adolescência. Na visão dessa teoria, a criança e o adolescente devem ser protegidos e seus
direitos garantidos em qualquer situação, além de terem reconhecidas prerrogativas idênticas
às dos adultos. Com o termo “doutrina da proteção integral dos direitos da infância” se faz
referência a um conjunto de instrumentos jurídicos de caráter internacional, que expressam
um salto qualitativo fundamental na consideração social da infância. Nas palavras de Felício
Pontes Júnior42:

O resultado da mobilização popular em favor dos direitos da criança, que tinha como
argumento os fatores objetivos (realidade brasileira) e subjetivos (normativa internacional),
foi a inclusão na Constituição Federal de 1988 de uma verdadeira Declaração dos Direitos
e Garantias lnfanto-Juvenis Fundamentais (artigo 277) cujo conteúdo inaugurou a nova
concepção sociojurídica sobre infantes e jovens, denominada de “doutrina da proteção
integral” e, ainda, consagrando o princípio da prioridade absoluta no atendimento de seus
direitos. Entretanto, essa inovação não se resume ao aspecto de uma Constituição possuir
uma declaração específica para crianças e adolescentes. Nela estão incluídos, também, os
modos pelos quais os direitos são assegurados, ou seja, as garantias dos direitos - daí a
denominação de “Declaração de Direitos e Garantias Infanto-Juvenis Fundamentais”.

Recorde-se que a Constituição Federal de 1988 foi elaborada logo depois do encerramento
do período ditatorial, como “instrumento legítimo de consagração, com força jurídica, das
aspirações por justiça social e proteção da dignidade humana”. Não se pode perder de vista
que foi em resposta a esses anseios que o Legislador Constituinte de 1988 fez consignar,
no texto constitucional, “os direitos fundamentais da pessoa humana” inovando ao prever,
também, “os meios de garantia desses direitos e fixando responsabilidades por seu respeito
e sua promoção”43.
Na sequência cronológica, a partir das exigências da Constituição Federal de 1988 e em
substituição ao Código de Menores de 1979, em julho de 1990 o legislador infraconstitucional
criou o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), que
insere a questão dessas pessoas nos parâmetros Constitucionais e internacionais, de forma
a considerar sua peculiaridade de “pessoa em desenvolvimento”.
Com a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, que
adotaram a doutrina da proteção integral, desaparece a figura do “menor”, expressão
estigmatizada, e passa-se a falar em crianças e adolescentes, agora como sujeitos de direitos,

41 VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente: construindo o conceito de sujeito-cidadão.
p. 31-50. In: WOLKMER, Antonio Carlos; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Os “novos” direitos no Brasil: natureza e
perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 35.
42 PONTES JÚNIOR, Felício. Conselhos de direitos da criança e do adolescente. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 10.
43 DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e Constituinte. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 115.

212
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

protegidos juridicamente, devendo estes possuir os mesmos direitos que os adultos e, ainda,
contando com direitos especiais advindos da sua condição específica de pessoa em fase de
desenvolvimento.
Sinteticamente, o direito da criança e do adolescente contemporâneo se estrutura a
partir do direito internacional público e privado, dos tratados e convenções internacionais,
do direito constitucional contemporâneo, do direito civil, do direito trabalhista, do direito
processual e, também, de certas leis extravagantes como a Lei de Ação Civil Pública (Lei nº
7.347, de 24 de julho de 1985), imprescindível quando o assunto é tutela dos interesses
difusos e coletivos e a recente Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012 que, basicamente,
regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique
ato infracional e institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Ao
adolescente acusado da prática de ato infracional são assegurados direitos individuais,
relacionados nos artigos 106 a 109 do Estatuto da Criança e do Adolescente, em reprodução
a disposições similares contidas no artigo 5º, da Constituição Federal de 1988.
Mais recentemente surge Código de Processo Civil de 2015. Como a tônica do
procedimento para apuração de ato infracional é a celeridade, sendo que embora possua
regras próprias e não tenha por escopo a aplicação de sanção de natureza penal, por força
do disposto no artigo 152, do Estatuto da Criança e do Adolescente são a ele aplicadas, em
caráter subsidiário (na falta de disposição expressa do Estatuto e desde que compatíveis
com a sistemática e os princípios que estabelece), as normas gerais previstas no Código
de Processo Penal, com exceção do sistema recursal do artigo 198 do Estatuto que prevê
a adoção do sistema recursal do Código de Processo Civil, o que é válido, inclusive, para o
procedimento para apuração de ato infracional44.
Além de todo este arcabouço normativo, o direito da criança e do adolescente se
entrelaça com outras áreas não jurídicas do conhecimento, a exemplo da sociologia, da
psicologia, da pedagogia e da criminologia, dentre outras.
Esta nova ordem representa uma verdadeira revolução, na esteira dos desenvolvimentos
das doutrinas internacionais, em termos de proteção integral e do reconhecimento da
criança e do adolescente como cidadãos e sujeitos de direitos. Significa que as crianças e
os adolescentes não podem mais ser tratados como meros receptores de garantias. Como
sujeitos, são elevados a autores da própria história, enquanto atores sociais.
Para tanto, o direito da criança e do adolescente faz uso de uma importante ferramenta:
a educação, considerada um dos mais eficazes instrumentos para o surgimento do sujeito-
cidadão. Nas palavras de Josiane Rose Petry Veronese45:

O verdadeiro projeto pedagógico é aquele que se assenta neste elemento fundamental:


suscitar seres autônomos, com capacidade de criticar, de transformar, enfim, de
realmente fazer este momento histórico em que estamos temporariamente situados.

Em se tratando de socioeducação, importa mais a rapidez e precisão do que a intensidade


da resposta. Cabe ao Estado, que tem o dever de identificar (e neutralizar) as causas que são

44 MPPR, Ministério Público do Paraná. Criança e adolescente: procedimento para apuração de Ato Infracio-
nal. Disponível em: <http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-1661.html>. Acesso em: 29 mai. 2020. p. 01.
45 VERONESE, Josiane Rose Petry. 2003. Op. cit., p. 32.

213
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

identificadas como determinantes da conduta infracional, agir com a maior celeridade e da


forma menos burocrática e “invasiva” possível46.
No caso de ato infracional praticado por adolescente, não cabe a prática da justiça
retributiva, orientada à punição. O Estado não é obrigado a impor medidas socioeducativas;
antes, deve buscar “a superação dos fatores determinantes daquela conduta, inclusive como
forma de evitar a reincidência”. Diante da ordem jurídica brasileira em vigor, as orientações
normativas que eventualmente pretendam manter algumas práticas consagradas ao longo
dos anos, como é o caso, por exemplo, da “judicialização” e da “policialização” de conflitos
que acontecem no âmbito das escolas, bem como a aplicação de sanções disciplinares numa
perspectiva eminentemente punitiva e antipedagógica, como o caso de suspensão, expulsão
ou transferência compulsória do aluno, devem ser rechaçadas e abolidas47.
Se a reação punitiva acaba produzindo maior número de violência entre os adultos,
imagine com os adolescentes. É bastante cômodo taxar as pessoas de boas ou más,
encarcerando as más e abandonando-as ao deslinde do sistema. Sobre o controle da violência
pela reação punitiva, Maria Lúcia Karam48 enfatiza que no quadro de apelo e aplauso social
à repressão penal, mais urgente se torna a necessidade de uma nova atuação, partindo de
uma compreensão crítica da função judiciária e da democratização do exercício de tal função,
para dar um conteúdo ético ao direito penal, transformando-o em instrumento de limitação,
controle e redução dos níveis de violência punitiva. A prisão não corrige nem readapta. Pode
funcionar como um fator de aumento dos índices de criminalidade.
Nos últimos tempos vem sendo desenhada a ideia de substituir parcialmente a justiça
punitiva pela restaurativa, de passar de um controle segregativo para um controle integrador,
especialmente em relação ao regime jurídico dos adolescentes infratores. A possibilidade de
reparação ou conciliação entre vítima e infrator vem sendo concebida como uma alternativa à
justiça penal tradicional. Os esforços são significativos nesse sentido, inclusive para ampliar
tal prática estendendo-a aos jovens infratores, onde o fracasso da justiça retributiva é ainda
mais sentido.
A ideia é aplicar o método interdisciplinar da mediação de conflitos no campo criminal,
mais especificamente no caso de adolescente infrator, como instrumento da “justiça
restaurativa”, também denominada de “mediação restaurativa”. É que “em virtude das
peculiaridades do campo criminal, em que as ofensas podem ser físicas, morais, patrimoniais
e psicológicas, as abordagens transformativas são realizadas por meio de encontros ou
círculos restaurativos”49.
A mediação penal restaurativa vem ganhando espaço por funcionar como a resposta
que leva as partes (vítima, ofensor e a microcomunidade) a reparar, em conjunto, os danos
e prejuízos causados, por meio de soluções alternativas à prática jurídica tradicional. Figura
como o diálogo entre o autor da infração e a vítima, facilitado por uma terceira pessoa neutra,
imparcial, que ajuda na busca de solução do conflito. O encontro face a face entre a vítima
e o ofensor permite o diálogo sobre o fato criminoso, quando, por exemplo, a vítima pode
indagar ao seu algoz acerca dos motivos que levaram à conduta criminosa, as razões de ser

46 DIGIÁCOMO, Murillo José. Op. cit., p. 02.


47 Idem, ibidem, p. 02.
48 KARAM, Maria Lúcia. Op. cit., p. 121.
49 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Op. cit., p. 125.

214
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

escolhido como vítima, dentre outras perguntas que jamais seriam proferidas diante de um
juiz ou de um Tribunal de Júri. Essa comunicação poderá trazer alento à vítima que além de
saber as razões do autor do fato criminoso poderá desabafar sobre seu sofrimento e expor
sua revolta de forma pacífica50.
Ademais, a mediação penal também autoriza a resolução objetiva do conflito, ou
seja, a proposição de pena e a ficação de obrigações. A reparação poderá ser de natureza
econômica, na forma da realização de um serviço em benefício da vítima ou à coletividade.
Ainda pode simplesmente resultar numa manifestação de arrependimento ou num pedido de
desculpas51.
Os tipos penais passíveis de mediação penal restaurativa são todos os conflitos em
que as partes e a comunidade possam se beneficiar com o resultado. Assim, sempre que
os benefícios do processo restaurativo sejam identificados como possíveis, os métodos da
mediação penal restaurativa podem ser usados, em qualquer tipo penal e qualquer estágio
do processo de justiça criminal. Essencialmente a mediação penal restaurativa tem por meta
substituir o castigo pela compensação, a exclusão pela reintegração e a imposição pela
negociação. Devido aos seus benefícios relacionados à responsabilização, à conscientização
e à possibilidade de reflexão, vem sendo cada vez mais pensada e praticada para a resolução
de conflitos penais envolvendo adolescentes.
A justiça restaurativa está harmonizada com a justiça penal tradicional, inclusive
indica princípios disciplinadores e prevê a supervisão e controle, pelo Estado, dos acordos.
Conforme Ana Carla Coelho Bessa52, a mediação penal restaurativa não pode ser taxada
como conivente ou permissiva do autor do ato infracional, ou, de outro nado, como punitiva.
A pretensão dessa prática é o diálogo, a comunicação e o envolvimento ativo da vítima, do
agressor e de outros envolvidos, na busca da melhor solução possível para o conflito.
Um exemplo, do ponto de vista jurídico e ideológico, de um ambiente propício para
o desenvolvimento de mecanismos de mediação é nas escolas, onde podem ser utilizados,
inclusive no caso de prática de atos infracionais pelos alunos. Partindo do princípio de que a
intervenção socioeducativa deve ter uma conotação eminentemente “pedagógica”, as escolas
podem contribuir para a efetivação de uma política socioeducativa idônea e resolutiva, por
meio da “criação de mecanismos de prevenção à violência e à evasão escolar, bem como de
mediação dos conflitos que surgirem entre os membros da comunidade escolar”.
De acordo com o artigo 205, da Constituição Federal de 1988, a educação é um direito
de todos e um dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. O dever do Estado com a educação
será efetivado mediante a garantia de “educação básica obrigatória e gratuita dos quatro aos
dezessete anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não
tiveram acesso na idade própria” (inciso I, do artigo 208, da Constituição Federal de 1988).
Portanto, praticando ato infracional dentro ou fora do ambiente escolar, o fato é que todo
adolescente deve estar frequentando uma escola, e nenhum ambiente é mais propício para o

50 CALMON, Petrônio. Op. cit., p. 253-254.


51 Idem, ibidem, p. 254.
52 BESSA, Ana Carla Coelho. Justiça restaurativa e mediação para o adolescente em conflito com a lei no Brasil.
Dissertação (mestrado) - Orientadora Lília Maia de Morais Sales. Universidade de Fortaleza, 2008. p. 116.

215
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

enfrentamento de ações contrárias ao direito praticadas por adolescentes senão o ambiente


escolar. O índice de evasão escolar de adolescentes só ressalta a importância de políticas
públicas de inserção do adolescente ao ambiente escolar como a primeira medida de justiça
restaurativa, mais que isso, de prevenção da pratica de atos infracionais por adolescentes.
Conforme Murillo José Digiácomo53, “a ocorrência de situações de conflito nas escolas
pode criar uma oportunidade para debater questões ligadas à cidadania e à necessidade de
respeito à diversidade”. Dependendo da análise crítica e autocrítica das causas determinantes,
por meio da mediação restaurativa é possível até mesmo identificar problemas que podem
ajudar na modificação da metodologia de ensino e no aperfeiçoamento de mecanismos de
prevenção e intervenção pedagógica, “capazes de contemplar a participação dos pais ou
responsáveis e de outros membros da comunidade escolar, no espírito preconizado pela
mencionada política socioeducativa”.
A rápida e qualificada intervenção quando da ocorrência de situações de conflito
interpessoal entre membros do convívio escolar, que ainda não evoluíram para algo mais
grave, poderá evitar problemas futuros e prejuízos à comunidade escolar. O primeiro passo,
além de políticas públicas que garantam que todas as crianças e os adolescentes estejam
frequentando uma escola, é a preparação e capacitação dos professores para que consigam
identificar situações de conflito, ou potenciais, e saber como reagir diante delas, sem prejuízo
do encaminhamento posterior do caso aos mecanismos específicos de mediação54.
No combate à violência envolvendo adolescentes, a tríade: enfrentamento da evasão
escolar, capacitação dos professores para identificar situações potenciais de conflito e a
mediação propriamente dita, precisa ser implementada.
É nesse sentido que Murillo José Digiácomo55 destaca a intervenção pacificadora
do professor como primeiro passo para manter um ambiente escolar saudável e propício
ao aprendizado, como mecanismo de prevenção ao ato infracional, evitando, com isso, a
necessidade de mediação restaurativa, que “pressupõe um processo mais elaborado, com
pessoas que possuam qualificação específica para o desempenho da função”. Nas suas palavras:

Em razão disto, algumas das técnicas usadas na mediação devem ser ensinadas a todos
os profissionais da educação, de modo que estes saibam como abordar e encaminhar
o caso de forma adequada, efetuando aos alunos envolvidos e seus pais as orientações
preliminares devidas. Na verdade, cabe ao regimento escolar não apenas prever a
existência dos referidos mecanismos de mediação, mas também definir um “protocolo”
para atuação dos professores - e da própria direção da escola - quando da ocorrência
de situações de conflito envolvendo seus alunos, sem prejuízo da articulação de ações
com a “rede de proteção à criança e ao adolescente” local, de modo que esta possa ser
imediatamente acionada sempre que necessário.

A política socioeducativa instituída pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo


deve ser “ampla, intersetorial e composta por alternativas de atendimento das mais variadas”, par-
tindo sempre do pressuposto da integração operacional entre todos os órgãos responsáveis pelo
atendimento dos adolescentes e seus familiares. Neste diapasão, entende-se perfeitamente possí-
vel e desejável que a política socioeducativa do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo:

53 DIGIÁCOMO, Murillo José. Op. cit., p. 03-04.


54 DIGIÁCOMO, Murillo José. Op. cit., p. 03-04.
55 Idem, ibidem, p. 04.

216
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

[...] contemple mecanismos de mediação dentro de fora das escolas, com a definição de
“fluxos” e “protocolos” de atendimento entre os diversos órgãos e agentes corresponsáveis
pelo atendimento de adolescentes (e mesmo crianças) envolvidas com a prática de atos
infracionais e suas respectivas famílias56.

A política socioeducativa do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo é parte


integrante da Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente. Sendo assim, os recursos
materiais e humanos que atuam na política socioeducativa devem trabalhar em conjunto numa
perspectiva pedagógica e de prevenção, antes mesmo da ocorrência de um ato infracional.
Ademais, independentemente da existência de um ato infracional, os programas de mediação
em matéria de crianças e adolescentes devem estar sempre acessíveis às mais diversas
situações às quais são recomendados, servindo como alternativa importante e efetiva na
obtenção da proteção integral da criança e do adolescente.
Obviamente que é preciso investir em prevenção. E é disso que se trata neste estudo. À
luz do Estatuto da Criança e do Adolescente, de que verificada a prática de ato infracional, a
autoridade competente poderá aplicar ao adolescente, medidas socioeducativas (artigo 112);
do Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo57 para o decênio 2013 a 2022, que traz
como uma de suas diretrizes a “criação de mecanismos de prevenção, mediação de conflitos
e práticas restaurativas” e como uma das metas, que constam no eixo 04 (Sistema de Justiça
e Segurança), o estímulo à implementação de mediação de conflito e práticas restaurativas
no âmbito das Varas da Infância e da Juventude e nas escolas; e de todo o arcabouço jurídico
sobre os meios alternativos de resolução de conflitos, especialmente os previstos no Código
de Processo Civil, mormente a mediação restaurativa, é preciso desenhar o procedimento
prático que não fora estabelecido pela Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, a começar
pela retenção dos alunos nas escolas, pelo combate ao abandono e à evasão escolar, e pela
capacitação dos professores para auxiliarem na prevenção de atos infracionais.
Não se pode perder de vista que apesar da evolução em termos teóricos e normativos,
no ideário comum, as crianças e os adolescentes carentes brasileiros ainda são concebidos
como “delinquentes”. Talvez as mudanças socioeconômicas dos últimos anos venham a
exigir mais mão de obra e, destarte, repercutir na preocupação social com os brasileiros
procedentes das camadas sociais menos favorecidas.

5. Conclusão

Para finalizar e arrematar o raciocínio traz-se à luz o mito grego da Esfinge58, que
retrata bem o jovem adolescente, o qual deseja e busca, sem saber ao certo como, alcançar o
respeito como sujeito singular e autônomo. Quando isso não ocorre, este atua em desacerto,
como no caso vivenciado por Édipo59.

56 Ibid, p. 04 (grifos do original).


57 SINASE. Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo 2013-2022. Brasília, maio de 2013. Disponível em: <http://
www.ibam.org.br/media/arquivos/planonacional.pdf>. Acesso em: 29 mai. 2020.
58 DANTAS, Gabriela Cabral da Silva. Esfinge. In: Brasil Escola. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/mitologia/
esfinge.htm>. Acesso em: 29 mai. 2020. p. 01.
59 FUKS, Rebeca. Édipo Rei, de Sófocles. Disponível em: <https://www.culturagenial.com/edipo-rei/>. Acesso em: 29 mai.
2020. p. 01.

217
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Segundo a lenda grega, as condições adversas de Édipo iniciaram com o seu


nascimento, pois Laio, seu pai e rei de Tebas, fora alertado pelo Oráculo de Delfos que iria
ser acometido por uma maldição, haja vista que o filho que nasceria o mataria e se casaria
com sua esposa Jocasta.
Assim, Édipo ao nascer é abandonado por Laio, no monte Citerão, o qual tenta matá-lo
pregando um prego em cada pé. O menino foi encontrado e recolhido, mais tarde, por um
pastor e batizado como “Edipodos”, o de “pés-furados”, posteriormente foi entregue ao rei de
Corinto e sua esposa e considerado como filho do casal.
Édipo, nos arroubos da fase da adolescência (fase que ainda não era assim denominada),
vai à Delfos e consulta o Oráculo, o qual lhe dá a mesma informação ofertada a Laio, qual
seja: “matarás seu pai e desposarás sua mãe!”. Édipo acreditando tratar-se dos pais que o
criaram, foge de Corinto para Tebas. No caminho encontra um homem e, sem saber que era
seu pai, mata-o, pois Laio determinou que ele saísse da estrada e de sua frente.
Seu desafio em sua nova fase de vida não para aí, pois havia uma Esfinge que desafiava
e aterrorizava a todos os chegados na região de Tebas e o fez também a Édipo dizendo:
“decifra-me ou lhe devoro”. Então lança seu desafio: “qual é o animal que tem quatro patas de
manhã, duas ao meio-dia e três à noite?”.
Édipo consegue desvendá-lo, dizendo que era o homem. O amanhecer é a criança
engatinhando, entardecer é a fase adulta, em que usamos ambas as pernas, e o anoitecer é a
velhice, em que se usa a bengala. Conseguindo derrotar o monstro, seguiu para sua cidade
natal e casou-se, “por acaso”, com Jocasta e de mais uma saga Édipo é acometido.
Desde prismas eras, como utilizado no exemplo do mito grego de Édipo, um jovem só
se tornaria adulto e usufruiria da plenitude dos direitos de um cidadão após passar por rito
de passagem.
Inicialmente, o adolescente vivencia uma fase de isolamento, período de transição,
para o novo papel que virá a exercer na sociedade. Esse processo compreende a morte da
fase infantil e o nascer de uma nova fase, onde, gradualmente, adquire capacidade civil, da
relativa para a plena, que se afigura na fase adulta, aos dezoito anos, de acordo com o Código
Civil Brasileiro de 2002.
Para alguns, essa transição é desafiadora e aterrorizante, tendo o adolescente o desafio
de decifrar a sociedade sob pena de, não o fazendo, ser devorado pela Esfinge social. Os
excluídos por esta, entre eles os adolescentes que cometem ato infracional, necessitam
para sua reintegração social de um ritual de passagem, alternativo aos procedimentos das
audiências vivenciadas nos juizados.
É o exemplo da mediação restaurativa, que é um procedimento não adversarial no
qual um terceiro neutro - o mediador também denominado de facilitador - auxilia as partes
a negociar para chegar a um resultado mutuamente aceitável. O mediador atua como um
facilitador e não como um juiz que toma decisões. Não se trata de um árbitro que atribui a cada
um dos mediados uma parte do objeto em litígio; é mais um comunicador, um negociador.
Se os sistemas não são restaurativos, não é possível esperar a produção de mudanças
simplesmente ao prover uma intervenção restaurativa ocasional. As práticas restaurativas
devem ser sistemáticas e não situacionais. Não se pode ter a implementação reuniões
restaurativas e todos os demais atuando da forma tradicional. Não se pode ser restaurativo
com estudantes e retributivo com os professores, por exemplo. Não se pode ter uma polícia

218
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

punitiva e tribunais restaurativos.


Para reduzir a subcultura negativa que existe entre os adolescentes, para prevenir
o delito de forma exitosa e para lograr mudanças sustentáveis e significativas, a justiça
restaurativa deve ser percebida como um movimento social dedicado a fazer com que as
práticas restaurativas sejam parte integral do cotidiano.
A violência vem aumentando nos últimos anos, e, tanto adultos quanto jovens, parecem
não encontrar outra via além da violência como forma de resolução de conflitos. Por isso,
a intervenção por meio da prática da mediação é certamente a mais adequada dentre as
conhecidas ou imaginadas até então, porque supõe uma educação para a convivência que
leve a assumir a responsabilidade cidadã.
Os conflitos existem na sociedade e é importante educar os membros mais jovens para
que se façam responsáveis pelos seus atos e sejam partícipes da resolução dos conflitos
que geram.
A abordagem estatal tradicional “resolve” o conflito - que implica já certo grau de violência
- a partir da aplicação de mais violência. Os implicados depositam no outro (Poder Judicial,
Polícia) a resolução do conflito, e muitas vezes nenhuma das partes fica satisfeita com o
resultado. O conflito subjacente permanece aberto. O infrator não assume a responsabilidade
pelos próprios atos e a vítima continua sendo vítima. Enquanto isso, a sociedade contempla
desconforme, esperando que algum “outro” resolva seus conflitos.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

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221
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

OS MÉTODOS ADEQUADOS DE
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS E
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:
DO LITÍGIO AO CONSENSO

Tânia de Sousa Elias

1. Introdução

A noção de supremacia absoluta do interesse público tem sido revisitada, já que data
de uma época que não mais condiz com a evolução da humanidade. Além disso, a própria
definição de interesse público também foi objeto de aprimoramento, objetivando-se adequar
o novo perfil da Administração Pública aos anseios da sociedade.
O atual papel do Estado Democrático de Direito, com a observância dos princípios
constitucionais e o respeito ao direito à boa administração pública, deve se pautar na busca
pela resolução consensual dos conflitos, sendo que a participação do cidadão também se
mostra fundamental para a legitimidade democrática da atuação estatal.
Desta forma, a busca pela consenso, ao invés da batalha judicial, implica, acima de
tudo, uma mudança cultural, uma mudança de pensamento, onde a cooperação entre as
partes acarreta ganhos para os dois lados, pois nem sempre aquele que se logra vencedor
numa demanda, acaba vencendo de fato, tendo em vista a existência de inúmeros fatores,
dente eles, a possibilidade de se interpor recursos, bem como de ajuizar a ação rescisória nas
hipóteses legalmente previstas, além dos inúmeros entraves burocráticos para se conseguir,
222
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

efetivamente, o bem da vida pleiteado.


Nesta ordem de ideias, o NCPC veio estabelecer, expressamente, ao longo de seu
texto, inúmeros artigos possibilitando a utilização dos métodos adequados de resolução
de conflitos, destacando-se os artigos 3º, 165, §2º, 334, 359 e 487, III, do referido diploma
legal, sendo que, com relação à Administração Pública, o artigo 174 prevê expressamente a
possibilidade da utilização da conciliação e da mediação.
Contudo, para que se obtenha um resultado útil às partes e com celeridade, não se
pode deixar de observar as garantias constitucionais processuais, previstas no artigo 5º,
da CRBB/88, sob pena de se ter uma ilusória noção de celeridade, seja no âmbito judicial
ou fora dele.
Decisões resultantes do consenso, do diálogo, são cumpridas de forma mais célere e
espontânea do que aquelas unilateralmente impostas pelo Poder Público, além de demonstrar
a legitimidade democrática da Administração Pública.
Além disso, a utilização dos métodos adequados de resolução de conflitos, como por
exemplo, conciliação e a mediação, não objetiva apenas a resolução do conflito colocado em
pauta, mas também inserir na mente dos aplicadores do Direito uma nova mentalidade, uma
nova postura, possuindo, desta forma, um objetivo mais amplo, e abrangendo, inclusive,
potenciais conflitos que por ventura poderiam surgir em decorrência da falta de comunicação,
de diálogo entre as partes.
Ressalte-se que a sua aplicação não tem por objetivo excluir a atuação do Poder
Judiciário, pelo contrário, o que se pretende é fazer com que seja levado a sua apreciação
aquilo que realmente deve ser objeto da atividade jurisdicional, a fim de que possa atuar de
forma mais efetiva e eficaz.
Ademais, a preferência por parte doutrina pelo uso da expressão “adequados” ao invés
de “alternativos” decorre da constatação de que, na realidade, não se deve conceber como
uma alternância ao ingresso perante o Poder Judiciário, mas sim como métodos que estão
lado a lado, e que podem ser utilizados, inclusive, no curso do processo judicial.
Ocorre que a efetivação dos mencionados métodos no âmbito da Administração Pública
estadual suscita determinados questionamentos, relacionados aos limites legais para a realização
dos acordos, à observância dos direitos e garantias processuais constitucionalmente assegurados,
à legitimidade e à atuação do advogado público como mediador/conciliador e sua necessária neu-
tralidade na condução das sessões, cujo desenvolvimento será abordado nos próximos capítulos.

2. A Administração Pública e o efetivo acesso à uma ordem jurídica justa

Modernamente, tem se constatado que o acesso à justiça precisa ser concebido não
apenas como o ingresso no Poder Judiciário, mas sim como o acesso a uma ordem jurídica
efetivamente justa, no qual os métodos adequados de resolução de conflitos se apresentam
como instrumentos hábeis à solução de questões pela via da consensualidade.
De acordo com o ilustre mestre Humberto Dalla Bernardina de Pinho1, o princípio da

1 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. In “A releitura do princípio do acesso à justiça e o redimensionamento da in-
tervenção judicial na resolução dos conflitos na contemporaneidade”. Disponível em: https://www.cidp.pt/revistas/
rjlb/2019/3/2019_03_0791_0830.pdf. Acesso em: 04 jul. 2020.

223
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

inafastabilidade da jurisdição deve passar por uma releitura, não ficando restrito ao acesso ao
Judiciário, mas também abrangendo demais possibilidades de solucionar conflitos no âmbito
privado. Ainda segundo o renomado mestre, a via judicial deve permanecer aberta, mas não
precisa ser a primeira ou a única solução, devendo ser utilizado de forma subsidiária, evitando-
se a sua sobrecarga, a fim de gerar efetividade e a celeridade da prestação jurisdicional.
Desta forma, a busca pela consensualidade tem contribuído de forma significativa, para
a diminuição do tempo de duração das demandas que já foram ajuizadas perante os Tribunais
e também tem evitado o ajuizamento de novas ações, auxiliando no descongestionamento
do Poder Judiciário e fornecendo um resultado útil para as partes envolvidas2.
Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero3 nos informam que:

Ao lado das formas heterocompositivas, são admissíveis também meios autocompositvos


de resolução de conflitos, em que as partes interessadas resolvem por si mesmas a
ameaça ou crise de colaboração na realização do direito material. Embora de um ponto de
vista cultural possam ser vistos como sintomas de crises relativas à verdade e à certeza,
os meios autocompositivos ( que entram no gênero Alternative Dispute Resolution) são
normalmente apresentados como tendências gerais em termos de direito comparado
e são bastante incentivados no novo Código de Processo Civil (...) Ao fazê-lo, como
já observamos, o Código de Processo Civil de 2015 consagrou um sistema de Justiça
Multiportas: não apenas a heterocomposição judicial, mas também a heterocomposição
arbitral e a autocomposição por meio de conciliação e de mediação são bem-vindas para
a promoção da tutela dos direitos.

Cumpre, ainda, mencionar que o acesso deve ser assegurado não apenas no âmbito
do Poder Judiciário, mas também na esfera administrativa, na medida em que o cidadão deve
estar integrado nas tomadas de decisões por parte da Administração.
Aquele perfil autoritário, austero, da Administração Pública não mais se adequa às
Constituições democráticas, nas quais o ser humano passou para o centro do ordenamento
jurídico, devendo os demais ramos do direito obediência aos direitos e garantias
constitucionalmente assegurados.
Além disso, a noção de acesso à justiça precisa ser ampliada além das fronteiras do
território do país em que foi proferida determinada decisão, seja judicial ou administrativa,
bem como abranger não apenas a via judicial, mas também os métodos adequados de
resolução de conflitos.4

2 De acordo com Alexandre Freitas Câmara, “as soluções consensuais são, muitas vezes, mais adequadas do que a impo-
sição jurisdicional de uma decisão, ainda que esta seja construída democraticamente através de um procedimento em
contraditório, com efetiva participação dos interessados.” (In O Novo Processo Civil Brasileiro. 2.ed. São Paulo: Atlas,
2016. p. 7).
3 MARINONI. Luiz Guilherme. ARENHART. Sérgio Cruz e MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil – Volume 1 – Teoria
do Processo Civil. 2.ed. Revista dos Tribunais. 2016. p.180-181.
4 Segundo a ilustre mestre Flávia Pereira Hill, “Com efeito, o acesso à justiça deve garantir ao jurisdicionado não apenas
a possibilidade de se utilizar de instrumentos processuais eficazes perante o seu país de origem, mas onde quer que seja
necessário para que logre alcançar o bem da vida que faz jus. (...) Reconhecer que o acesso à justiça é universal e que emana
do próprio mínimo existencial da dignidade da pessoa humana, sem o qual não há existência humana condigna, importa em
assentir que se trata de um princípio basilar, que deve sobrepairar aos demais. Desse modo, faz-se necessário estender aos
jurisdicionados envolvidos em controvérsias com viés transnacional a garantia fundamental do acesso à justiça, resgatando-
se, assim, a sua genuína universalidade. (...) O princípio fundamental do acesso à justiça deve ser revisitado à luz das novas
características apresentadas pela sociedade moderna, marcadamente globalizada. O acompanhamento das modificações
sociais ao longo dos tempos é essencial para a manutenção do acesso à justiça a todos os jurisdicionados. A aplicação,
acrítica e automática, de propostas antigas a anseios sociais novos coloca em xeque o acesso à justiça e, com isso, acaba
por vulnerar a efetividade do processo.” (In O Direito Processual Transnacional como forma de acesso à justiça no
século XXI: os reflexos e desafios da sociedade contemporânea para o direito processual civil e a concepção de um título
executivo transnacional. Rio de Janeiro: GZ editora, 2013. p. 99-100).

224
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Um dos fatores que têm contribuído para o aumento da busca pelo acesso à justiça é o
direito à informação. De acordo com a lição do ilustre mestre Paulo Cezar Pinheiro Carneiro5:

É evidente que o primeiro componente a tornar algo acessível, próximo, capaz de


ser utilizado, é o conhecimento dos direitos que temos e como utilizá-los. O direito a
tais informações é ponto de partida e ao mesmo tempo ponto de chegada para que o
acesso à justiça, tal como preconizamos, seja real, alcance a todos. É ponto de partida
porque, sem ele, uma série de direitos, notadamente no campo individual, não seriam
reclamados, e ponto de chegada, na medida em que, agora no campo coletivo, eventuais
direitos reclamados e obtidos fossem realidade para poucos.

Desta forma, verifica-se que, para ser assegurada a qualidade do acesso à justiça e o
atendimento equânime das partes, a realidade social acaba por ensejar a busca pela utilização
de outros métodos, igualmente eficazes, para a resolução dos conflitos.
José dos Santos Carvalho Filho6 nos informa, ainda, que os meios de solução consensual,
como por exemplo, a conciliação e a mediação, têm sido denominados pela doutrina de
equivalentes jurisdicionais, na medida em que as partes têm buscado a autocomposição, sem
a necessidade de ingressar no Poder Judiciário, evitando, desta forma, o demandismo judicial
que sempre marcou a nossa formação cultural.
Insta salientar, ainda, que o tempo de duração de um processo é analisado, inclusive,
sob o aspecto econômico7, do que se infere que um Poder Judiciário com um menor
número de demandas consegue apresentar, de forma mais célere e com qualidade, melhores
resultados, sendo o referido fator também levado em consideração quando se pensa em
fazer investimentos em um determinado País.
Em âmbito nacional, o Conselho Nacional de Justiça, a partir de 2015, trouxe dados a respei-
to da lentidão no processo, no “Justiça em números.” A análise realizada até 31/12/2018 levou em
consideração os seguintes indicadores: (i) o tempo médio da inicial até a prolação da sentença; (ii) o
tempo médio da inicial até a baixa e (iii) a duração média dos processos que ainda estavam penden-
tes até 31/12/2018. De acordo com as informações constantes do “Justiça em números 2019”8:

Em geral, o tempo médio do acervo (processos pendentes) é maior que o tempo da


baixa, com poucos casos de inversão desse resultado. As maiores faixas de duração
estão concentradas no tempo do processo pendente, em específico na fase de execução
da Justiça Federal (8 anos e 1 mês) e da Justiça Estadual (6 anos e 2 meses). As execuções
penais foram excluídas do cômputo, uma vez que os processos desse tipo são mantidos
no acervo até que as penas sejam cumpridas.

5 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: Juizados Especiais Cíveis e Ação Civil Pública: Uma nova siste-
matização da Teoria Geral do Processo. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000. p. 57.
6 CARVALHO FILHO, JOSE DOS SANTOS. O Estado em Juízo no Novo CPC. Atlas. 2016, p.96.
7 Segundo a lição de José Rogério Cruz e Tucci “à medida em que se torna mais delongada e complexa a duração do pro-
cesso, produzindo novas contingências e incertezas, os empresários são obrigados e desenvolver, com presteza, intrinca-
dos mecanismos para proteger seus negócios, capitais e investimentos. A rapidez, destarte, constitui um dos pressupostos
essenciais para a neutralização dos riscos inerentes às tensões e desequilíbrios dos mercados (...) Daí a decisão em tempo
real hoje presente na economia (...) Salta aos olhos ‘a incompatibilidade entre essas duas concepções de tempo. Para gover-
nos, empresas e instituições financeiras, o tempo diferido dos tribunais é sinônimo de elevação dos custos das transações
econômicas. Para o Judiciário, a instituição em hipótese alguma deve ser o reflexo instantâneo dos mundos econômico e
político. O tempo real é visto pelos integrantes desse poder como a negação da maior virtude do império da lei, a certeza,
na medida em que propiciaria julgamentos precipitados, sem o devido distanciamento. Como no choque entre a panela de
barro e a de ferro sempre quebra a mais fraca, o tempo diferido dos tribunais não está conseguindo fazer frente ao tempo
real da economia...(In Tempo e Processo, São Paulo: RT.1997, pp. 117/118).”
8 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números. Brasília: CNJ, 2019, p. 148. Disponível em:<https://www.cnj.jus.
br/wpcontent/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf>, p. 148.

225
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

No que diz respeito às conciliações realizadas, de acordo com o mencionado relatório9,


constatou-se que o número de CEJUSCs instalados nos Tribunais de Justiça vem aumentando
a cada ano, desde 2006, com o advento do movimento pela conciliação, sendo que, na justiça
estadual já havia, no final de 2018, 1.088 CEJUSCs instalados. Além disso, constatou-se que
a Justiça que mais realizou conciliações foi a Trabalhista.
Registre-se, ainda, a sempre presente lição do saudoso mestre Barbosa Moreira10 que,
ao discorrer sobre o futuro da justiça, elencou a existência de quatro mitos, quais sejam:
(i) a rapidez acima de tudo (ou quanto mais depressa melhor), (ii) a fórmula mágica ou
abracadabra; (iii) a supervalorização de modelos estrangeiros e (iv) a onipotência da norma.
Desta forma, verifica-se que a busca pela consensualidade tem contribuído, de forma
significativa, para a diminuição do tempo de duração das demandas que já foram ajuizadas
perante os Tribunais e também tem evitado o ajuizamento de novas ações, auxiliando no
descongestionamento do Poder Judiciário e, com isso, fornecendo um resultado mais útil
para as partes envolvidas, mas não deve ser concebida como uma fórmula mágica que irá
resolver, de forma imediata, os problemas da justiça, eis que deve existir, antes de tudo, uma
mudança de cultura dos operadores do direito e da sociedade.

3. A Administração Pública e o interesse público

A forma de atuação da Administração Pública e a sua própria postura perante a sociedade


vêm sendo revisitadas nas últimas décadas, na medida em que a hierarquia suprema,
assim como a imperatividade absoluta dos atos administrativos vêm sendo relativizadas,
notadamente, após o advento da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu, de forma
expressa, os direitos e garantias fundamentais em seu texto, assegurando-se a primazia
do indivíduo. Com o advento da CRFB/8811, todos os segmentos do direto passaram a ser

9 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números. Brasília: CNJ, 2019, p. 148. Disponível em:<https://www.cnj.jus.
br/wpcontent/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf>, p.142-143.
10 MOREIRA, JOSÉ CARLOS BARBOSA. “O futuro da justiça: alguns mitos”. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/por-
tal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/
RDC_06_36.pdf. Acesso em: 04 jul.2020.
11 Com propriedade, Luis Roberto Barroso, ao analisar a força normativa e a efetividade da CRFB/88, nos informa que: “é bem
de ver que o próprio reconhecimento de força normativa às normas constitucionais é conquista relativamente recente no cons-
titucionalismo do mundo romano-germânico2. No Brasil, ela se desenvolveu no âmbito de um movimento jurídico acadêmico
conhecido como doutrina brasileira da efetividade3. Tal movimento procurou não apenas elaborar as categorias dogmáticas
da normatividade constitucional, como também superar algumas das crônicas disfunções da formação nacional, que se mate-
rializavam na insinceridade normativa, no uso da Constituição como uma mistificação ideológica e na falta de determinação
política em dar-lhe cumprimento. A essência da doutrina da efetividade é tornar as normas constitucionais aplicáveis direta e
imediatamente, na extensão máxima de sua densidade normativa. Como consequência, sempre que violado um mandamento
constitucional, a ordem jurídica deve prover mecanismos adequados de tutela – por meio da ação e da jurisdição –, discipli-
nando os remédios jurídicos próprios e a atuação efetiva de juízes e tribunais. Para realizar seus propósitos, o movimento pela
efetividade promoveu, com sucesso, três mudanças de paradigma na teoria e na prática do direito constitucional no país. No
plano jurídico, atribuiu normatividade plena à Constituição, que se tornou fonte de direitos e de obrigações, independente-
mente da intermediação do legislador. Do ponto de vista científico ou dogmático, reconheceu ao direito constitucional um ob-
jeto próprio e autônomo, estremando-o do discurso puramente político ou sociológico. E, por fim, sob o aspecto institucional,
contribuiu para a ascensão do Poder Judiciário no Brasil, dando-lhe um papel mais destacado na concretização dos valores e
dos direitos constitucionais. O discurso normativo, científico e judicialista foi fruto de uma necessidade histórica. O positivis-
mo constitucional, que deu impulso ao movimento, não importava em reduzir o direito à norma, mas sim em elevá-lo a esta
condição, pois até então ele havia sido menos do que norma. A efetividade foi o rito de passagem do velho para o novo direito
constitucional, fazendo com que a Constituição deixasse de ser uma miragem, com as honras de uma falsa supremacia, que
não se traduzia em proveito para a cidadania. (Barroso, Luis Roberto. In: “O Constitucionalismo Democrático no Brasil: Crônica
de um sucesso imprevisto”,, pp.4/5.Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/tvdireito/luis-roberto-barroso/o-cons-
titucionalismo-democratico-no-brasil-cronica-de-um-sucesso-imprevisto. Acesso em 04 jul. 2020.

226
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

interpretados à luz de uma nova ordem constitucional, no qual o “ser” passou a ocupar lugar
de destaque, e não apenas o “ter”.
Conforme nos ensina o mestre Humberto Dalla Bernardina de Pinho12:

No que tange exclusivamente ao direito, uma das principais mudanças pós-moderna foi,
sem dúvida, a ampliação do acesso à justiça como programa de reforma e método de
pensamento (...).
Tal mudança, inclusive, encabeçou e continua servindo de norte para todas as alterações
trazidas no bojo do direito ao longo da contemporaneidade: o acesso à justiça passa a
ser um norte, um ideal perseguido por toda e qualquer reforma do direito processual.

À luz dos direitos e garantias fundamentais previstos na CRFB/88, a noção clássica


de interesse público veio sofrendo mutações ao longo do tempo, na medida em que não se
pode mais adotar uma concepção unívoca. A noção de interesse público foi classicamente
dividida em primário e secundário, sendo que o primário corresponderia aos interesses da
coletividade, ao passo que o secundário seria aquele meramente patrimonial.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto13 previa, inclusive, a existência de interesses públicos
terciários, como sendo aqueles conferidos ao objeto do jogo de poder político.
O mestre Marco Antônio dos Santos Rodrigues14 discorre, inclusive, sobre a existência de
“interesses públicos”, ao invés de “interesse público”, em razão da diversidade de objetivos a se-
rem atingidos, como ocorre, por exemplo, no âmbito da Saúde, no qual o interesse público pode
ser atingido de várias maneiras, através da instalação de infraestrutura de saneamento básico a
toda uma comunidade, ou ainda, com a concessão de medicamento a um indivíduo determinado.
No que diz respeito à supremacia do interesse público, verifica-se que também vem
passando por uma reformulação, pois tal supremacia não implica, necessariamente, que o
interesse público deva sempre, e, em qualquer circunstância, prevalecer sobre o interesse
dos particulares.
O saudoso mestre Marcos Juruena Villela Souto15 já sustentava que o princípio da supremacia
do interesse público se encontrava obsoleto, eis que, diante de sua concepção abstrata e com
tamanha abrangência, acabava por servir como instrumento de opressão e de arbítrio por parte da
autoridade estatal, e que, com o advento das Constituições instituidoras do Estado Democrático,
os valores da pessoa humana passaram a ser reentronizados como supremos. Ademais, Gustavo
Binenbojm preconiza a impossibilidade de se estabelecer, a priori, uma regra que estabeleça uma
supremacia absoluta dos interesses públicos sobre os privados. Confira-se:16

12 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Jurisdição e Pacificação: limites e possibilidades do uso dos meios consen-
suais de resolução de conflitos na tutela dos direitos transindividuais e pluri-individuais. Paraná: CRV.2017, p.25.
13 Segundo, ainda, nos informa o saudoso mestre Diogo de Figueiredo Moreira Neto: “À falta de autêntica legitimidade,
que resulta da consonância com um projeto de poder dimanado da sociedade, os interesses públicos terciários se voltam
prioritariamente à disputa do poder, que nem sempre é respeitosa das regras do jogo democrático e, até mesmo com in-
devido sacrifício de interesses públicos secundários, quando não, e de modo ainda mais aberrante, dos próprios interesses
públicos primários. É, pois, esta renovação trazida pela juridicidade que progressivamente se vem impondo, tangida pelos
novos sopros da consensualidade e da flexibilidade, para atender às crescentes demandas sociais próprias da complexidade
e do pluralismo desta vida contemporânea, densamente organizada em sociedades cada vez mais conscientes e atuantes,
e às suas céleres e profundas mutações em todos os setores da interação humana (In “Para a compreensão do Direito Pós-
Moderno”.. Revista de Direito Público da Economia – RDPE. Belo Horizonte, v.II, n.44, p. 67-86, out/dez. 2013).
14 RODRIGUES. Marco Antônio dos Santos. A Fazenda Pública no Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Grupo Editorial
Nacional – Atlas, 2016, p.9
15 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p.178
16 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucio-
nalização. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p.31

227
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

O reconhecimento da centralidade do sistema de direitos fundamentais instituído pela


Constituição e a estrutura pluralista e maleável dos princípios constitucionais inviabiliza
a determinação a priori de uma regra de supremacia absoluta dos interesses públicos
sobre os interesses privados. A fluidez conceitual inerente à noção de interesse público,
aliada à natural dificuldade em sopesar quando o atendimento do interesse público
reside na própria preservação dos direitos fundamentais (e não na sua limitação em prol
de algum interesse contraposto da coletividade), impõe à Administração Pública o dever
jurídico de ponderar os interesses em jogo, buscando a sua concretização até um grau
máximo de otimização.

Contudo, há que se ter em mente que a flexibilidade e a instrumentalidade do Direito


Administrativo no atual contexto social não podem implicar em liberalidade absoluta, mas
sim na busca pelo consenso, observando-se os ditames constitucionais e infraconstitucionais
aplicáveis à espécie.
A função estatal na busca pela utilização de métodos adequados para a resolução de conflitos
decorre do ideal democrático, resultado da ampliação das bases do poder estatal, devendo interagir
de forma mais próxima com a sociedade, e estabelecendo vínculos com os administrados a fim
de propiciar a eficácia e a efetividade dos acordos realizados na via extrajudicial. Com isso, os
interesses públicos deixarão de ser, na prática, monopólio estatal, com a participação efetiva de
particulares, órgãos e entidades públicas, ocasionando uma boa governança e concretizando-se
a pacificação social. Inclusive, no preâmbulo17 da CRFB/88 consta a previsão de solução pacífica
das controvérsias, não havendo distinção com relação à Administração Pública.
A partir do momento em que o particular passa a ter um maior acesso às tomadas de
decisões da Administração Pública, naturalmente haverá um maior e melhor cumprimento de
suas decisões, contribuindo-se para a realização de uma boa administração.
Com relação à aplicação da consensualidade na Administração Pública, Diogo de
Figueiredo Moreira Neto18 nos ensina que:

(...) pode-se estabelecer uma tipologia da consensualidade em referência às funções funda-


mentais do Estado. Primo, a consensualidade na produção das normas, com o reaparecimento
de fontes alternativas, fontes consensuais e de fontes extraestatais: a regulática. Secundo, a
consensualidade na administração dos interesses públicos, com o emprego das formas alter-
nativas consensuais de coordenação de ações, por cooperação e por colaboração. Tertio, a
consensualidade na solução de conflitos, com a adoção de formas alternativas de composição.

Ademais, a boa administração19 está intrinsecamente relacionada à participação popular,

17 “ Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado De-
mocrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”
18 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p.41
19 Sobre a previsão expressa do conceito de boa administração, o artigo 41, da Carta dos direitos fundamentais da União
Europeia dispõe no sentido de que: “O Direito a uma boa administração 1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assun-
tos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável. 2.
Este direito compreende, nomeadamente: a) O direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada
qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente; b) O direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que
se lhe refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial; c) A obri-
gação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões. 3. Todas as pessoas têm direito à reparação, por parte
da União, dos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das respetivas funções, de acordo
com os princípios gerais comuns às legislações dos Estados-Membros. 4. Todas as pessoas têm a possibilidade de se dirigir
às instituições da União numa das línguas dos Tratados, devendo obter uma resposta na mesma língua”. Disponível em:
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:12016P/TXT&from=FR. Acesso em: 04 jul.2020.

228
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

à responsividade, à moralidade e a legitimidade dos atos praticados pela Administração


Pública, servindo, inclusive, de fator para a análise das políticas públicas20.
Neste sentido, a Administração Pública deve agir em observância aos direitos e garantias
previstos não apenas de forma expressa, mas também implícitos, na CRFB/88.
Importante, registrar, contudo, que a busca pela consensualidade já vem sendo
estimulada antes do advento do NCPC, conforme se pode verificar, em âmbito federal,
através da instituição da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal –
CCAF, através do Ato Regimental nº 05, de 27 de setembro de 2007, posteriormente alterado
pelo Ato Regimental n° 2, de 9 de abril de 2009, sendo que as suas atribuições encontram-se
definidas no artigo 1821, do Decreto nº 7.392, de 13 de dezembro de 2010, com a redação
alterada pelo Decreto nº 7.526, de 15 de julho de 2011.
Desta forma, a fim de se dar concretude à resolução de conflitos através de métodos
adequados, verifica-se que a conciliação e a mediação têm sido estimuladas no âmbito
das Câmaras administrativas, com o objetivo de serem obtidas decisões acordadas sem a
necessidade do ingresso em juízo, conforme será melhor abordado adiante.

4. O Novo Código de Processo Civil e o Princípio da Solução por autocomposição

Diante do novo quadro institucional que tem sido inaugurado, com a edição da Resolução
n.125/2010, pelo Conselho Nacional de Justiça, que instituiu a Política Judiciária Nacional de
tratamento adequado dos conflitos de interesses, bem como a previsão da possibilidade de a
Administração Pública se utilizar de métodos adequados de resolução de conflitos, como por
exemplo, a conciliação, a mediação, previstas no artigo 174, do Código de Processo Civil e
na Lei 13.140/1522, constata-se que a busca pelo consenso tem sido estimulada como forma
de efetivação da paz social.
O Novo Código de Processo Civil veio positivar uma verdadeira mudança de cultura, ao
estabelecer, em seu artigo 3º23, parágrafo terceiro, que não apenas os juízes, mas também os

20 João Bernardo Antunes de Azevedo Guedes, ao discorrer sobre o tema, afirma que: “o direito a uma boa administração
pública aos poucos passou a integrar parte das mais diversas agendas políticas de Estados modernos, fazendo com que os
agentes públicos viessem a ser cada vez mais cobrados quando da emanação dos seus atos. Resultados efetivos devem ser
alcançados em consonância com a pauta da probidade e moralidade administrativa. Foi nessa esteira que a boa administ-
ração de modo gradativo surgiu no mundo jurídico até alcançar o elevado patamar de direito fundamental expressamente
previsto na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”. (In Direito Fundamental à boa administração pública:
análise da gestão e condução dos certames licitatórios. Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro. 2019, p. 20).
21 Art. 18. A Câmara de Conciliação e Arbitragem da Federal compete: I - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução
de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da Advocacia-Geral da União; II - requisitar aos órgãos e entidades da Admi-
nistração Pública Federal informações para subsidiar sua atuação; III - dirimir, por meio de conciliação, as controvérsias entre
órgãos e entidades da Administração Pública Federal, bem como entre esses e a Administração Pública dos Estados, do Distrito
Federal, e dos Municípios; IV - buscar a solução de conflitos judicializados, nos casos remetidos pelos Ministros dos Tribunais
Superiores e demais membros do Judiciário, ou por proposta dos órgãos de direção superior que atuam no contencioso judi-
cial; V - promover, quando couber, a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta nos casos submetidos a procedimento
conciliatório; VI - propor, quando couber, ao Consultor-Geral da União o arbitramento das controvérsias não solucionadas por
conciliação; e VII - orientar e supervisionar as atividades conciliatórias no âmbito das Consultorias Jurídicas nos Estados.
22 Lei 13.140/2015 – Art.2º. A mediação será orientada pelos seguintes princípios: I - imparcialidade do mediador; II - iso-
nomia entre as partes; III - oralidade; IV - informalidade; V - autonomia da vontade das partes; VI - busca do consenso; VII
- confidencialidade; VIII - boa-fé.
23 Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1º É permitida a arbitragem, na forma
da lei. § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e
outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e
membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

229
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

advogados, os defensores públicos e os membros do Ministério Público devem estimular a


solução consensual dos conflitos.
Note-se que o dispositivo não faz distinção, cabendo, inclusive, aos advogados públicos
o estímulo à solução pela via consensual.
Neste sentido, o artigo 16624, do NCPC, prevê expressamente os princípios a serem
observados pela conciliação e mediação, quais sejam, independência, imparcialidade,
autonomia da vontade, confidencialidade, informalidade e decisão informada, servindo de
norte para embasar a atuação do mediador/conciliador nas sessões, a fim de que as partes
cheguem a um acordo benéfico para ambas.
Desta forma, essa nova mentalidade acabou por ensejar a existência de um novo
princípio, qual seja, do estímulo à solução por autocomposição, que deverá nortear a busca
pela solução dos litígios.
Fredie Didier Jr25, ao discorrer sobre o tema, dispõe no sentido de que:

Compreende-se que a solução negocial não é apenas um meio eficaz e econômico


de resolução dos litígios: trata-se de importante instrumento de desenvolvimento da
cidadania, em que os interessados passam a ser protagonistas da construção da decisão
jurídica que regula as suas relações. Neste sentido, o estímulo à autocomposição pode
ser entendido como um reforço da participação popular no exercício do poder – no caso,
o poder de solução dos litígios. Tem, também, por isso, forte caráter democrático.

Verifica-se que o mencionado princípio traz uma importante missão, qual seja, a de
estimular a mudança da cultura do litígio para a do diálogo, do consenso entre as partes,
abrindo espaço para a autocomposição e valorizando a capacidade das partes envolvidas
para chegarem à solução dos conflitos.
No âmbito do estado do Rio de Janeiro, a Câmara de Resolução de Litígios de Saúde,
criada através do convênio nº 003/0504/2012, também tem resolvido centenas de demandas
na esfera administrativa, através de uma análise prévia dos requerimentos, evitando, com
isso, o ingresso em juízo.
Registre-se, ainda, o convênio celebrado, entre a Procuradoria Geral do Estado do Rio
e a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a fim de serem resolvidas demandas,
na esfera administrativa, de pleitos referentes à obtenção de vagas em escolas e de
histórico escolar.
Relevante ressaltar, ainda, a instituição da Câmara Administrativa de Soluções de
Litígios, vinculada à Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, através do Decreto
nº 46.522/2018, e regulamentada pela Resolução nº4430/2019, e que tem por objetivo a
autocomposição de controvérsias administrativas ou judiciais que
Contudo, os métodos adequados de resolução de conflitos não podem ser

24 Art. 166. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia
da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada. § 1º A confidencialidade estende-
se a todas as informações produzidas no curso do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele
previsto por expressa deliberação das partes. § 2º Em razão do dever de sigilo, inerente às suas funções, o conciliador e o
mediador, assim como os membros de suas equipes, não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos
da conciliação ou da mediação. § 3º Admite-se a aplicação de técnicas negociais, com o objetivo de proporcionar ambiente
favorável à autocomposição. § 4º A mediação e a conciliação serão regidas conforme a livre autonomia dos interessados,
inclusive no que diz respeito à definição das regras procedimentais.
25 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de con-
hecimento. 17. ed. v.1. Salvador: Editora Jus Podivm, 2015, p.273.

230
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

concebidos como uma fórmula mágica que irá resolver todos os problemas que vêm
se arrastando há décadas, na medida em que afigura-se necessária uma mudança de
cultura não apenas dos agentes privados, mas também da Administração Pública e dos
órgãos de controle.

5. Breves considerações sobre a aplicação dos métodos adequados de resolução de


litígios na Câmara Administrativa de Solução de Conflitos

A utilização dos métodos adequados de resolução de conflitos, no âmbito do estado


do Rio de Janeiro26, materializou-se através da implantação da Câmara Administrativa de
Solução de Litígios, através do Decreto nº 46.522/201827, e regulamentada pela Resolução
nº 4430/2019.
A CASC encontra-se vinculada à Procuradoria Geral do Estado, e tem por objetivo a
autocomposição de controvérsias administrativas ou judiciais que envolvam a Administração
Pública Estadual Direta e Indireta do estado, podendo abranger todo o conflito ou parte dele,
sendo que a instauração do procedimento de resolução do conflito de forma consensual
suspende a prescrição, de acordo com o disposto no artigo 3428, da Lei nº 13.140/2015, e §
6º, do art.6º, do decreto nº 46.522/2018.
Dentre as diretrizes29 de atuação da mencionada câmara, verifica-se que a instituição de
valores e de meios jurídicos objetivando-se aprofundar o relacionamento entre a Administração
estadual e as pessoas físicas e jurídicas é de salutar importância, na medida em que, com a
superação de dogmas ultrapassados pelo tempo e pela realidade institucional, a ampliação
do diálogo, e a busca pelo consenso são fatores decisivos para que se possa estabelecer
um novo modo de atuar, de decidir, onde os vencedores e vencidos serão substituídos por
ganhadores mútuos.
Outras diretrizes de relevante importância são a prevenção e a resolução de conflitos
administrativos ou judiciais envolvendo a Administração Pública estadual e as pessoas
físicas ou jurídicas, com a consequente efetividade e maior rapidez dos procedimentos e a
racionalização dos litígios levados ao Poder Judiciário.

26 Registre-se que consta referência, nas considerações iniciais do Decreto nº 46.522/2018, à bem sucedida cooperação
realizada entre a Defensoria Pública Geral do Estado e a Procuradoria Geral do Estado, que culminou com a criação da Câ-
mara de Resolução de Litígios de Saúde (CRLS). Cumpre mencionar que, apesar de ainda não serem realizadas conciliação
e mediação no âmbito da CRLS, a mencionada Câmara se utiliza de outro método adequado de resolução de conflitos, ao
realizar a análise prévia dos requerimentos em sede administrativa.
27 Segundo o disposto nos artigos 1º e15, do Decreto nº 46.522/2018: Art. 1º - A Câmara Administrativa de Soluções de
Litígios - CASC tem por objetivo a autocomposição de controvérsias administrativas ou judiciais que envolvam a Adminis-
tração Pública Estadual, Direta e Indireta, do Estado do Rio de Janeiro. Parágrafo Único - A CASC ficará vinculada à Procu-
radoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, a teor do disposto no art. 32 da Lei federal nº 13.140, de 26 de maio de 2015.
Art. 15 - Caberá à Procuradoria Geral do Estado, por meio de Resolução própria, disciplinar os aspectos procedimentais de
funcionamento da CASC.
28 Art. 34. A instauração de procedimento administrativo para a resolução consensual de conflito no âmbito da administra-
ção pública suspende a prescrição.
29 Art. 2º - São diretrizes de atuação da CASC: I - a instituição de valores e de meios jurídicos que aprofundem o relacio-
namento de pessoas físicas e jurídicas com a Administração Estadual; II - a prevenção e a solução de controvérsias admin-
istrativas e judiciais entre pessoas físicas e jurídicas e a Administração Estadual; III - a garantia da juridicidade, da eficácia,
da estabilidade, da segurança e da boa-fé das relações jurídicas e administrativas; IV - a agilização e a efetividade dos
procedimentos de prevenção e de solução de controvérsias; e V - a racionalização da judicialização de litígios envolvendo a
Administração Pública Direta e Indireta. Parágrafo Único - A CASC poderá atuar de ofício ou mediante provocação.

231
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

De acordo com o disposto no artigo 3º, da Resolução nº 4430/2019, são atribuições da


CASC: (i) prevenir e dirimir controvérsias internas entre órgãos e entidades da Administração
Pública Estadual Direta e Indireta; (ii) prevenir e dirimir controvérsias entre órgãos e
entidades da Administração Pública Estadual Direta e Indireta, bem como entre esses e os
Municípios; (iii) prevenir e dirimir controvérsias de particulares com os órgãos e entidades
da Administração Pública Estadual Direta e Indireta e (iv) resolver conflitos que envolvam
equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, a teor do disposto no § 5º,
do art. 32da Lei nº 13.140/2015.
Da leitura das atribuições da CASC verifica-se que a prevenção e a resolução de conflitos
não se limitam apenas à esfera estadual, mas também abrangem a municipal30.
Também está inserida no âmbito de atuação da CASC a resolução de litígios relacionados
ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos31, nos termos do artigo 32,
parágrafo quinto, da Lei nº 13.140/2015, retratando o equilíbrio entre a contraprestação a
ser paga pela Administração Pública e o serviço a ser entregue pelo particular.
Um ponto que se costuma questionar quando se busca a utilização dos métodos
adequados de resolução de conflitos na via administrativa é que a desigualdade entre as
partes poderia prejudicar a realização do acordo, na medida em que aquela mais fragilizada
poderia ser prejudicada.
Ocorre que, no âmbito judicial, embora o CPC/2015 disponha expressamente que
compete ao juiz32zelar pelo efetivo contraditório, e se busque assegurar mecanismos para
diminuir a disparidade existente33, também existe a desigualdade fática, com dificuldades
ainda maiores em razão da possibilidade de serem interpostos inúmeros recursos e, ainda,
com a previsão de ajuizamento de ação rescisória nas hipóteses legalmente previstas,
bem como em razão da existência de dificuldades burocráticas, naturalmente inerentes ao
cotidiano. Além disso, muitas vezes, a obtenção do bem da vida acaba restando inviabilizada
em razão da ocorrência de algum obstáculo de ordem processual34.

30 No que diz respeito aos conflitos envolvendo a União e entidades estaduais, a Câmara de Conciliação e Arbitragem da
Administração Federal (CCAF) possui atribuição para dirimi-los. A CCAF é um órgão da Consultoria Geral da União, da AGU,
e tem por finalidade resolver, na via administrativa, os conflitos entre os órgãos e entidades federais, e também as contro-
vérsias entre os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e a União (Portaria AGU nº 1099/2008).
31 Art.5º, p. único, do Decreto nº 46.522/2018. Segundo a mestre Odete Medauar, o equilíbrio econômico-financeiro,
também conhecido como equação financeira do contrato “significa a proporção entre os encargos do contratado e a
sua remuneração, proporção esta fixada no momento da celebração do contrato; diz respeito às chamadas cláusulas
contratuais, terminologia redundante, classicamente usada para designar as cláusulas referentes sobretudo à
remuneração do contratado”contratado’ (Direito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 8ª ed.,
2004, p. 254).
32 Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais,
aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo
contraditório.
33 Como ocorre, por exemplo, com a inversão do ônus da prova, que veio expressamente previsto no artigo 373, parágrafo
primeiro, do CPC/2015, in verbis: art. 373.§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas
à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção
da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão funda-
mentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. Note-se que a
apontada inversão já era prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).
34 Exemplificando, nas hipóteses de extinção do processo previstas no artigo 485, do CPC/2015: O juiz não resolverá o
mérito quando: I - indeferir a petição inicial; II - o processo ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das
partes; III - por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta)
dias; IV - verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; V - re-
conhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada; VI - verificar ausência de legitimidade ou de
interesse processual.

232
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Paulo E. A. Silva35 destaca que:

Em geral, há uma presunção de que, quanto mais detalhada essas regras, mais elevado
o nível de igualdade entre as partes e mais democrático o processo. Mas isso nem
sempre é verdadeiro. A profusão de regras pode sobrecarregar o procedimento e tornar
demasiado longo e complexo o método dialético-investigativo de solução de conflitos.
(...) A complexidade de regras processuais abrem caminho para que o diálogo entre
as partes para a solução do conflito se transforme em uma batalha de regras formais,
desatenta a seu objeto primordial, a solução dos conflitos.

Já no âmbito administrativo existe a presença do mediador ou do conciliador,


que possui, dentre outras atribuições, a de amenizar eventual disparidade, com a
certificação de que ambas as partes compreenderam as questões técnicas e jurídicas
que se encontram relacionadas ao conflito.36 Também há a observância do contraditório
e da ampla defesa, buscando-se assegurar a isonomia em seu aspecto material aos
envolvidos. Muitas vezes, o mediador realiza sessões individuais com as partes, a fim
que seja efetivamente assegurado que as mesmas compreenderam o que está sendo
objeto de negociação.
Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Vasconcelos Carrilo37, ao discorrerem sobre o tema,
nos informam que as vantagens da utilização dos métodos adequados consiste em evitar
as dificuldades que são enfrentadas na prestação da tutela jurisdicional, quais sejam, (i) o
custo financeiro dos processos (taxas judiciárias, honorários de advogados, perícias, dentre
outros), e que seria significantemente reduzido na conciliação ou na mediação, por exemplo,
(ii) a excessiva duração dos trâmites processuais e (iii) o necessário cumprimento das formas
processuais, favorecendo-se, muitas vezes, o formalismo.
Outro ponto a ser destacado é a maior informalidade na realização das sessões, fazendo
com que as partes envolvidas fiquem mais à vontade do que nas audiências realizadas no
âmbito do Poder Judiciário.
A CASC poderá atuar de ofício ou mediante solicitação dos Secretários de Estado, dos
dirigentes de entidades da Administração Pública Estadual Indireta; de outros órgãos da
Procuradoria Geral do Estado, bem como da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro,
com base em protocolos conjuntos, nos termos dos artigos 10, do Decreto n° 46.522/2018 e
6º, da Resolução nº 430/2019.38
Para a submissão de um determinado litígio à CASC, verifica-se a necessidade de serem
observadas determinadas etapas, que se encontram previstas no artigo 6º, do mencionado
Decreto, quais sejam, o exercício do juízo de admissibilidade, a sessão de mediação/

35 SILVA. Paulo E. A. Gerenciamento de processos judiciais. São Paulo: Saraiva, 2010, p.30-31.
36 Luciana Moessa de Souza nos informa que “o melhor argumento para se buscar uma decisão a respeito da adequação
da mediação de conflitos na seara pública consiste em realizar a sua comparação com o processo adversarial tradicional,
seja na esfera administrativa ou em juízo. Será que o processo contencioso, com seu formalismo e rigoroso sistema de
preclusões, oferece maiores condições de igualdade? Será que o processo judicial, em que tantas e tantas vezes a questão
de direito material é esquecida em prol de discussões processuais, e em que é comum que o “vencedor” seja quem melhor
manipula o procedimento, por ter o melhor advogado, é um processo baseado em maior equilíbrio de poder? É evidente
que não. As possibilidades de enfrentar o desequilíbrio de poder, em realidade, são muito mais profícuas na mediação.” (In
Resolução Consensual de Conflitos envolvendo Políticas Públicas. 1.ed. Fundação Universidade de Brasília – FUB.
2014, p.67)
37 DINAMARCO, Cândido Rangel e LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Novo Processo Civil. 2.ed. Mal-
heiros Editores, p.33
38 Arts. 7º, do Decreto nº 46.522/2018 e 6º, da Resolução PGE nº .430/2019.

233
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

conciliação, a busca pela autocomposição, a realização da transação, ou então, a adoção do


termo de ajustamento de conduta.
Após a realização do termo de transação ou do ajustamento de conduta, com as
obrigações a serem cumpridas pelas partes e o prazo para o seu cumprimento, haverá a
homologação pelo Procurador Geral do Estado, nos termos do parágrafo primeiro, do artigo
6º, do Decreto nº 46.522/2018.
Outrossim, o acordo terá eficácia de título executivo extrajudicial39
Sobre o tema, cumpre ressaltar a lição do mestre Humberto Dalla Bernardina de
Pinho :
40

como o TAC só pode ser celebrado pelos órgãos públicos, já caberá a eles, dentro de
suas atribuições, proceder ao exame da conveniência e oportunidade da realização do
acordo. Ademais, não houve alteração expressa do artigo quinto, parágrafo sexto, da lei
n. 7347/85. Por fim, diga-se que o art.32, parágrafo terceiro da Lei de Mediação dispõe
expressamente que havendo consenso entre as partes, o acordo será reduzido a termo
e constituirá título executivo extrajudicial.

Além disso, com relação aos órgãos e entidades da Administração Pública estadual, o
termo de transação ou de ajustamento de conduta terá a eficácia equivalente à orientação para
o cumprimento de julgado, devendo ser encaminhada para o órgão ou entidade responsável
para o seu cumprimento.41
Registre-se, ainda, que não poderão ser objeto de apreciação pela referida Câmara
os conflitos que somente possam ser resolvidos através de ato ou concessão de direitos
que dependam de autorização legislativa, as pretensões contrárias à orientação jurídica
da PGE/RJ 42, bem como contrárias à jurisprudência consolidada pelos Tribunais
Superiores 43. São limitações legais e jurisprudenciais à atuação da CASC. O fato de
os direitos serem indisponíveis não significa que não sejam transacionáveis, mas os
apontados parâmetros devem ser levados em consideração quando da submissão à
CASC.
Uma questão que tem sido colocada refere-se à necessária imparcialidade do
conciliador/mediador, considerando-se que há previsão expressa no sentido de que deve
integrar as respectivas carreiras públicas44, o que, a princípio poderia influenciar na
elaboração dos acordos. Contudo, a prática tem demonstrado que a condução das reuniões
por integrantes de carreiras públicas tem obtido resultados consideráveis, na medida em

39 Art.32, parágrafo terceiro, da Lei nº13.140/2015.


40 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Jurisdição e Pacificação. Paraná: CRV, 2001. p.277
41 De acordo com o disposto no Decreto nº40.603/2007, compete à Procuradoria Geral do Estado elaborar as orientações
para o cumprimento do julgado.
42 No sítio da PGE/RJ encontram-se relacionados os enunciados que consolidam determinados entendimentos no âmbito
da PGE/RJ.
43 Art.4º, do Decreto nº 46.522/2018.
44 De acordo com o previsto no artigo 2º, da Resolução PGE Nº 4430/2019: “A CASC funcionará vinculada ao Gabinete da
Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro e será presidida por um Procurador-Coordenador, indicado pelo Procurador-
Geral do Estado para administrar e coordenar os seus trabalhos. § 1º - A CASC será integrada por Procuradores do Estado
credenciados para atuar como mediadores e conciliadores, por ato do Procurador-Chefe do Centro de Estudos Jurídicos da
Procuradoria Geral do Estado - CEJUR/PGE, desde que atendido o requisito de capacitação previsto no art. 14 do Decreto nº
46.522/2018, sem prejuízo de suas atribuições ordinárias. § 2º - O Procurador do Estado, na atuação como mediador ou
conciliador na CASC, fica impedido de atuar, administrativa ou judicialmente, na causa objeto do litígio em curso. Já o arti-
go 14, do Decreto nº 46.522/2018 dispõe que: “somente poderão atuar na CASC os Procuradores do Estado devidamente
capacitados em mediação e conciliação”.

234
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

que possuem o conhecimento jurídico específico para auxiliar as partes45.


Tendo em vista o costume de serem levadas ao Judiciário demandas de todas as ordens,
onde a figura do magistrado resolveria os conflitos entre as partes envolvidas, poder-se-
ia indagar sobre a existência de eventual receio de submeter a demanda a uma câmara
administrativa de resolução de conflitos, no qual o mediador ou o conciliador seria ocupante
de um cargo público. Contudo, é sabido que os litígios envolvendo a Administração Pública
possuem peculiaridades que seriam de mais fácil condução por um mediador que estivesse
melhor familiarizado com o tema, oferecendo maior segurança para os envolvidos. Além
disso, muitas vezes, a razão aparente de um conflito pode não ter sido o fator determinante
de sua ocorrência, mas sim algo que está subjacente ao mesmo, e que pode ter ocasionado
inúmeros conflitos anteriores. O mediador precisa ter a sensibilidade para identificar o que
está “escondido” no conflito, razão pela qual o conhecimento adquirido pelo advogado público
lhe forneceria maior subsídio para a sua identificação.
No presente caso, verifica-se a importância do papel do mediador/conciliador, na figurada
do advogado público, na condução, no esclarecimento às partes sobre o conflito, sobre o âmbito
de atuação da CASC e também no acompanhamento de sua efetividade prática após a realização
dos acordos. Muitas vezes, os envolvidos chegam à sala para a realização de mediação/
conciliação sem o conhecimento real do que vai ser, efetivamente, objeto de transação, de que
forma que o acordo se materializará, se a outra parte também possui, efetivamente, a intenção
de realizá-lo, enfim, com muitas indagações e, o que se percebe, ao longo das sessões é que,
aos poucos, vão construindo um entendimento e acabam chegando a um consenso sobre a
questão. Inclusive, quando o acordo é exitoso, as mesmas partes acabam levando à Câmara
outros litígios para serem resolvidos. Em alguns casos, ainda que não se chegue a um acordo
propriamente dito, a impressão que uma parte tinha da outra acaba, na maioria das vezes, se
modificando para melhor, o que facilita eventual negociação futura.
Cumpre, ainda, mencionar que somente poderão atuar no âmbito da CASC os
Procuradores do Estado com capacitação em mediação ou conciliação.
Outra importante atividade do mediador, ao esclarecer às partes o que está sendo
objeto de negociação, é zelar para que não sejam realizados acordos inexequíveis, mas sem,

45 Cumpre, ainda, ressaltar que, em âmbito federal, poderão ser conciliadores os integrantes da Consultoria-Geral da
União e da Advocacia-Geral da União, nos termos do art.13, da Portaria nº 1.281/2007, in verbis: Poderão ser designados
conciliadores: I - os integrantes da Consultoria-Geral da União, por ato do Consultor-Geral da União; II - os integrantes da
Advocacia-Geral da União, por ato do Advogado-Geral da União.
Ainda sobre a atuação da CCAF, a autora Sílvia Helena Picarelli Gonçalves Johonsom di Salvo nos informar que “nos casos
mediados pela CCAF e selecionados para o presente estudo, não se constatou questionamentos quanto à imparcialidade do
mediador. De modo diverso, o fato de o mediador ser advogado público imprimiu caráter de autoridade, o que contribuiu
para uma postura mais colaborativa das partes, por exemplo no caso da Biblioteca do Colégio Militar de Santa Maria, a apre-
sentação da mediadora como procuradora federal facilitou a comunicação com uma estrutura hierárquica estratificada, o
Exército Brasileiro – a comunicação feita entre autoridades. No entanto, não se vê óbice a que se repense a exigência de que
se ocupe cargo de advogado público federal para se atuar como mediador na CCAF, tendo em vista a tendência de ampliação
do sistema gerenciado pela câmara às outras esferas da Administração Pública. (In Mediação na Administração Pública
Brasileira – O desenho institucional e procedimental, Editora Almedina, 2018, pp.159/160).
De acordo, ainda, com as informações fornecidas por Lúcio Picanço Facci, “a exigência de que o Conciliador seja integrante
da AGU, obviamente, não inibe a presença de representantes dos Estados e dos Municípios nas reuniões de conciliação.
Atuarão estes últimos como partes interessadas no conflito objeto do processo na Câmara. Embora tenham funções dife-
rentes do Conciliador, uma vez dentro do contexto de busca pelo entendimento mútuo que caracteriza as reuniões havidas
na CCAF, e para que o propósito de construir consensualmente uma decisão para que o caso seja alcançado, deverão os
representantes dos Estados e Municípios estarem pautados pelas mesmas premissas que informam a atuação do Concili-
ador, acima referidas.” (In Meios adequados de resolução de conflitos administrativos. Rio de Janeiro: Editora Lumen
Juris, 2019, p.167).

235
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

contudo, imiscuir-se no mérito discutido entre as partes envolvidas.


Outro ponto a ser observado é que, na prática, a utilização da conciliação e da mediação
acaba por gerar um método híbrido, com a mesclagem dos dois métodos.
Ademais, o artigo 12, do mencionado decreto prevê que a CASC deve atuar na identificação
das controvérsias jurídicas que envolvam a Administração Pública direta e indireta passíveis
de serem solucionadas através da transação por adesão, nos termos do artigo 35, da Lei nº
13.140/201546.
Outro fator de extrema importância é a possibilidade de serem submetidos à
CASC os conflitos decorrentes de processo judicial em curso47. Em sede do processo nº
0015578.46.2011.8.19.0023, envolvendo a COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO RODOVIÁRIO
E TERMINAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (parte autora) e o DEPARTAMENTO DE TRANSITO
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DETRAN/RJ (réu), houve a suspensão do processo para que
as partes pudessem, através da via consensual, chegar a um acordo na CASC. Trata-se de
ação de reintegração de posse c/c pedido de cobrança, com pedido liminar, onde a parte
autora objetiva ser reintegrada na posse de determinado imóvel que era objeto de uso por
parte do Réu para a prestação do serviço de vistoria veicular à população. Ocorre que a
referida reintegração, caso fosse deferida a liminar, poderia causar prejuízos à continuidade
da prestação do serviço, com a paralisação do posto de vistoria e prejudicando os usuários,
razão pela qual a v. decisão indeferiu a liminar.
Note-se que a ação foi ajuizada em 2011, ou seja, há nove anos, sendo que, no curso
do processo, em 23/07/2019, o MM Juízo determinou a sua suspensão, a fim de que as
partes pudessem estabelecer um diálogo para que se busque um consenso, do que se infere
a importância da utilização dos métodos consensuais para a resolução dos conflitos. O
processo encontra-se em tramitação.
Desta forma, verifica-se que a concepção, antes quase absoluta, de que a Fazenda
Pública não fazia acordos, hoje já se encontra superada, inclusive, com previsão expressa no
NCPC. É sabido que não se pode deixar de levar em consideração a existência de balizamentos
e limites legais para a sua realização (artigo 37, caput, da CRFBB/88), mas, a utilização
dos métodos adequados de resolução de conflitos tem sido de extrema relevância para a
democratização da atuação da Administração Pública e para a busca pela paz social.

46 Art. 35. As controvérsias jurídicas que envolvam a administração pública federal direta, suas autarquias e fundações
poderão ser objeto de transação por adesão, com fundamento em: I - autorização do Advogado-Geral da União, com base
na jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal ou de tribunais superiores; ou II - parecer do Advogado-Geral da
União, aprovado pelo Presidente da República.§ 1º Os requisitos e as condições da transação por adesão serão definidos
em resolução administrativa própria.§ 2º Ao fazer o pedido de adesão, o interessado deverá juntar prova de atendimento
aos requisitos e às condições estabelecidos na resolução administrativa.§ 3º A resolução administrativa terá efeitos gerais
e será aplicada aos casos idênticos, tempestivamente habilitados mediante pedido de adesão, ainda que solucione apenas
parte da controvérsia.§ 4º A adesão implicará renúncia do interessado ao direito sobre o qual se fundamenta a ação ou o
recurso, eventualmente pendentes, de natureza administrativa ou judicial, no que tange aos pontos compreendidos pelo
objeto da resolução administrativa.§ 5º Se o interessado for parte em processo judicial inaugurado por ação coletiva, a
renúncia ao direito sobre o qual se fundamenta a ação deverá ser expressa, mediante petição dirigida ao juiz da causa.§ 6º
A formalização de resolução administrativa destinada à transação por adesão não implica a renúncia tácita à prescrição nem
sua interrupção ou suspensão.
47 Na esfera federal, da leitura do inciso IV, do artigo 18, do Decreto nº 7.392/2010, verifica-se a possibilidade de os Minis-
tros dos Tribunais Superiores e demais membros do Judiciário suspenderem os processos, a fim de se tentar resolver o con-
flito na via consensual. Em sede do Mandado de Segurança nº 33069, referente a um conflito de terras na Bahia, localizado
no Município de Rodelas, o Ministro Gilmar Mendes, com base na concordância das partes na busca pelo consenso, encami-
nhou os autos do referido mandado de segurança à CCAF. Verificou-se que inúmeras ações judiciais envolvendo agricultores
e indígenas são fruto da ausência de uma tentativa prévia de uma solução consensual. Registre-se que a concordância das
partes é um fator essencial para o encaminhamento dos processos para a CCAF.

236
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

6. Conclusão

Portanto, o atual papel do Estado Democrático de Direito, com a observância dos


princípios constitucionais e o respeito ao direito à boa administração pública, deve ser
compatível com os novos tempos, na busca pela resolução consensual dos conflitos, sendo
que a participação do cidadão também se mostra fundamental para a legitimidade democrática
da atuação estatal.
Quanto mais eficiente for a Administração Pública na busca pelo consenso, maior será
o grau de satisfação e menores serão as demandas ajuizadas perante o Poder Judiciário.
Desta forma, constata-se a existência de reflexos diretos na economicidade, e na
segurança jurídica, evitando-se o comprometimento dos recursos públicos com o patrocínio
de demandas que podem ser resolvidas de forma consensual.
Para que o futuro não repita o passado, precisamos modificar nossa conduta, nossa
forma de pensar no presente e, partindo-se da premissa de que a Administração Pública vem
passando por mutações ao longo de décadas e de que as noções de supremacia absoluta do
interesse público e de sua indisponibilidade não mais se adaptam à nossa realidade fática,
tem se constatado um novo modo de atuar da Fazenda Pública nos tribunais.
Antes, quando se iniciava determinada audiência, partia-se da premissa genérica, salvo
exceções expressamente autorizadas, de que a Fazenda Pública não realizaria acordo algum,
mas hoje o cenário se modificou, na medida em que a busca pelo consenso tem sido cada
vez mais estimulada.
Sendo assim, todos ficarão satisfeitos. A Administração Pública reduzirá os seus
custos e o número de demandas ajuizadas, além de contar com a participação popular na
tomada de decisões, fator de extrema importância para que se tenha, efetivamente, uma boa
administração. O cidadão terá o seu pleito resolvido sem a delonga do processo judicial. O
Poder Judiciário não será sobrecarregado com demandas desnecessárias. E o ordenamento
jurídico se fortalecerá, com a mudança de perfil dos operadores do direito, do litígio ao
consenso, fator essencial para a busca da pacificação social.

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239
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

ANÁLISIS DEL MARCO JURÍDICO PENAL


DE JUSTICIA RESTAURATIVA EN MÉXICO
Y PANAMÁ. UN ENFOQUE INTEGRAL
SOBRE SU IMPERIOSA ARMONIZACIÓN

Yulisán Fernández Silva


Jazmín Flores-Montes

1. Consideraciones iniciales

La forma en que es percibida la Justicia Restaurativa -en lo adelante JR - actualmente,


como una parte del proceso de justicia penal1 y su divagación existente al estar dispersa
entre diversas normativas y principios legales del Estado mexicano y panameño, provoca que
esta no sea observada como el nuevo paradigma de formas de justicia humana. Esto dificulta
que cobre vida propia y pueda desarrollarse a la par de la justicia tradicional, limitando
las herramientas en las que puede apoyarse y su aceptación como un nuevo cimiento de
la justicia, con grandes beneficios sobre sus participantes, logrando así por una parte, las
condiciones óptimas para el infractor hacia su posible reintegración social, y por la otra, que
la víctima recupere su dignidad humana y sus aptitudes de pertenencia en una comunidad y

1 La Justicia Tradicional, es la que, siendo de cualquiera de las materias del Derecho que admite el juicio, se acude a los
Tribunales para que las partes versen, donde uno sale ganador y el otro vencedor, y en este caso de la Justicia Penal, es
mediante una sanción punible en la mayoría de los casos privativa de libertad hacia una de las partes, y sobre la otra la
simulación de obtención de justicia.

240
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

la cotidianidad de su rol dentro de esta.


En ese sentido, otras bondades del enfoque restaurativo que trae consigo la JR, están
dirigidas a las formas de resarcimiento del daño, puesto que estas metodologías profundizan
en aspectos psicológicos y sociológicos para identificar las inquietudes y necesidades de
los sujetos que resultan afectados, de manera directa o indirecta, por la comisión de un
hecho delictivo.
Por lo anterior, consideramos que la Justicia Restaurativa es una herramienta que genera
condiciones favorables para la intervención no solo de las victimas e infractores, sino también
con la confluencia de familiares, vecinos cercanos, operadores del Sistema de Justicia y a la
comunidad en general. Esta invitación a la participación de los diferentes actores de una forma
u otra coadyuva a que se reconozca que existe un conflicto, del cual hay que responsabilizarse,
e impulsar alternativas viables para reparar el daño causado, que pueden contribuir a lograr la
reconciliación y el perdón visto como un sentimiento genuino de compasión2.
Así mismo, referimos que la flexibilidad que proyectan los programas y prácticas de
contenido restaurativo, han propiciado su adaptación a diversos modelos de justicia en el
continente americano, impulsándose su instrumentalización desde las legislaciones procesales,
también en leyes de desarrollo en materia de Justicia alternativa, o inclusive como un dispositivo
más de los mecanismos alternativos de solución de controversias. Lo anterior ha resultado posible,
debido a que, desde esta corriente pacífica de gestión de conflictos, se propugna por una justicia
más participativa, analizando las causas que ocasionaron el hecho criminal e incorporando una
metodología adecuada para resolverlo a través de la colaboración de los involucrados.
No obstante, la diversidad de aplicación del paradigma restaurativo en los distintos
modelos de ejercicio también ha provocado una distorsión, identificándose en algunas
normativas con la mediación y la conciliación, dentro de una misma denominación, lo que
genera confusión sobre los fundamentos de su aplicación. Por otro lado, la carencia de
uniformidad de criterios en las legislaciones procesales penales, o la propia ausencia de la JR
en las normativas jurídicas, impide la consolidación de un modelo pacificador y colaborativo
alejado del esquema adversarial. En ese sentido, el artículo analiza la construcción normativa,
en el ámbito penal, de la JR en México y Panamá con el propósito de detectar áreas de
perfeccionamiento proclives a la articulación de un modelo procesal integral y armónico
en las normativas de estas naciones. Se toma como referencia las normativas procesales
para adolescentes, las leyes especiales de Métodos de Solución de Conflictos ―MSC―, y los
procedimientos referentes a la fase de ejecución penal.

2. ¿Dónde ubicar la Justicia Restaurativa?

Un aspecto que ha generado gran debate tiene que ver con los fundamentos jurídicos
de la JR, postulándose dos vertientes que perfilan un enfoque comparativo sobre la forma de
implementar estas metodologías: como mecanismo o proceso; y como programa.
En apoyo a la primera tesis, la denominación del mecanismo, a los procesos restaurativos,
responde a que se encuentran vinculada a un modelo jurídico concreto, y buscan su aplicación

2 Gómez, G. d., & Villeda, B. J. (2018). “Justicia restaurativa, una herramienta de paz en la resolución de conflictos comuni-
tarios. Caso Nuevo León”. Política criminal, 13(25), 548-571, p. 555.

241
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

a través de marcos legales estrechos que le confieren operatividad. Desde esa óptica, el proceso
se entiende como la participación conjunta de víctima, victimario, facilitador y comunidad para
resolver las cuestiones derivadas del delito, buscando como resultado el acuerdo reparatorio
que responda a las necesidades individuales y colectivas. En este sentido, la intervención de
la JR no puede supeditarse a un esquema procesal, considerando que sus postulados no solo
contemplan la participación y acercamiento de las partes a conocer las causas del conflicto,
sino que, también se constata el impacto emocional reflejado en la víctima, como factor
sensibilizador en el infractor que le impulsa a responsabilizarse con el hecho y reparar el daño.
De manera que, los posibles pasos, o fases, que pueden desarrollarse desde el enfoque
restaurativo, no pueden considerarse actos procesales, puesto que estos no encuentran
sustrato en la actividad jurisdiccional, sino en la colaboración de las partes3-4. Tampoco puede
considerarse la JR como un mecanismo, considerando que va mucho más allá de la intervención
de dos personas auxiliadas por un mediador o conciliador en función de lograr un acuerdo
provechoso para los involucrados. En la JR se busca involucrar a la comunidad en la solución
del conflicto, proyectando un efecto expansivo hacia el reforzamiento del tejido social.
Por otro lado, una segunda postura, avalada por la ONU, define la JR como un programa,
que integra cualquier esquema procesal que utilice e intente lograr resultados restaurativos
(Brito, 2010). Sobre este tópico, cabe señalar que resulta frágil la tesis que designa la JR como
un modelo o un programa, puesto que esta metodología contempla un grupo de principios
y valores como el respeto, encuentro, reparación, responsabilidad, seguridad, curación,
reintegración y empatía5-6, que tienen una connotación diferente en cada país o región donde
se implementa. De ahí que, no pueda representarse como un modelo único o ideal. Tampoco
es saludable, incorporarle como un atributo general, el término de comunitaria, considerando
que el área de aplicación de los procesos restaurativos habilita otros ámbitos en los que, de
igual modo tienen un impacto trascendental.
Dentro de este marco, coincidimos con la Dra. Virginia Domingo de la Fuente7 en
considerar a la JR como ¨un marco filosófico o teoría jurídica — que impulsa el cambio de
paradigma — para responder al delito que se centra en el daño causado y en las acciones
requeridas para enmendar este daño. Concordamos también, en que ciertamente, …¨ se
parte de la premisa que el crimen causa daños a las personas y a la comunidad, y que la
justicia puede reparar esos daños, dándole participación a las partes en el proceso¨.
Además, también se les da participación a otros sujetos afectados indirectamente por el
delito resultante del hecho punible, haciéndole ver al acusado las consecuencias de sus actos,
y motivándole a reconocer su participación, así como, reparar el daño causado, acciones
estas que gravitan dentro de un grupo de metodologías que propician su materialización, y
que pueden denominarse procesos, programas o prácticas según su contenido.

3 Fernández Pereira, J. A. (2002). Temas para el estudio del Derecho Procesal Penal.Parte I. La Habana: Editorial Félix
Varela.
4 Maier, J. B. (2003). Derecho Procesal Penal.Tomo II.Parte general.Sujetos procesales (1ra ed.). Buenos Aires: Edi-
tores del Puerto s.r.l.
5 Domingo de la Fuente, V. (16 de 10 de 2017). Justicia restaurativa como ciencia penal o social, encaminada a
mejorar la justicia. Educació Social. Revista d’Intervenció Socioeducativa (67), 73-90.
6 Albertí i Cortés, M., & Pedrol Llirinós, M. (2017). El enfoque restaurativo en el ámbito educativo. Cuando innovar la
escuela es. Educació Social. Revista d’Intervenció Socioeducativa, 47-72.
7 Domingo de la Fuente, V. (16 de 10 de 2017). Justicia restaurativa como ciencia penal o social, encaminada a me-
jorar la justicia. Educació Social. Revista d’Intervenció Socioeducativa (67), 73-90.

242
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

3. La Justicia Restaurativa ni es abolicionismo penal, ni supone privatización del


Modelo de Justicia criminal

La convergencia de los postulados de la JR y las del abolicionismo penal, ha sido


objeto de debate por los autores que defienden la desaprobación del Derecho Penal
como instrumento de control social y la expropiación del conflicto al Estado, a fin de
devolverles a las partes en disputa, la posibilidad de alcanzar un acuerdo entre ellas, a
través del diálogo8.
Los abolicionistas son partidarios de eliminar el castigo para reprimir a una persona
acusada y condenada por la comisión de un delito, y se oponen a la consolidación de
la ley penal como medio de control social. Estos tratadistas sostienen, que el modelo
de justicia penal tradicional causa más perjuicios que beneficios a la comunidad, y que
el castigo, no es un medio adecuado para reaccionar frente a un ilícito penal, y, por
mejor que se pueda utilizar, es un orden social injusto, selectivo y estigmatizante 9.
Esta visión, partidaria de la revocación ius puniendi, entiende que el modelo penal
debe ser reemplazado por mecanismos descentralizados de gestión de controversias,
considerando que los Tribunales no son escenarios idóneos para ventilar conflictos
interpersonales, debiendo gestionarse desde la esfera privada y con la participación de
los involucrados.
Desde esta perspectiva la JR, puede representarse como un dispositivo viable para
la descentralización del conflicto y devolverles a las partes la posibilidad de sanear sus
relaciones centrándose en la reparación del daño, y la responsabilización del ofensor por la
conducta realizada. Lo anterior supone, según esta corriente, que el enfoque restaurativo
tiene una orientación y propósito, similares a las teorías abolicionistas.
Sin embargo, si bien es cierto que las metodologías restaurativas ofrecen una visión
distinta al clima adversarial, al preponderar la reparación sobre el castigo; ello no supone una
ruptura o negación de la potestad del Estado y su sistema legal actual. En el mismo sentido, la
JR tampoco puede considerarse un modelo que negocia penas, ni genera impunidad, mucho
menos agravar la situación de los involucrados, ni en lo procesal ni en lo personal, puesto que
su perfil deontológico se opone a ello. Es decir, la JR busca desburocratizar la administración
de justicia, y consolidar las modalidades de solución pacífica de controversias, sin renunciar
a la función social10.
Por consiguiente, la introducción del paradigma restaurativo acentúa la concepción
garantista sobre un ¨Derecho Penal mínimo¨11, considerando que la ausencia de un Derecho
Penal como instrumento de control social, generaría una anarquía punitiva, es decir, el libre
abandono del sistema social y una reacción salvaje incontrolada contra las ofensas, con un
inevitable predominio del más fuerte12.

8 Llobet Rodríguez, J. (2005). Justicia Restaurativa y la Protección de la Víctima. Libro en Homenaje a Julio Maier,
pp. 873-886.
9 Achutti, D. (2015). Abolicionismo penal y justicia restaurativa: del idealismo al realismo político-criminal. Re-
vista de Derechos Humanos y Estudios Sociales, Año VII(13), 55-74
10 Díaz Madrigal, I. N. (2016). La mediación en el sistema de justicia penal: justicia restaurativa en México y Es-
paña. Serie Juicios Orales. núm. 9. México, D.F, p. 45.
11 Ferrajoli, L. (1986). El derecho penal mínimo. Poder y control, vol. 10, 1-25.
12 Ferrajoli, L. (1986). El derecho penal mínimo. Poder y control, vol. 10, 1-25, p. 17.

243
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

4. Análisis sobre tratamiento jurídico del enfoque restaurativo en la legislación


federal de México

4.1 LA LEY NACIONAL DE MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUCIÓN DE CONTROVERSIAS EN


MATERIA PENAL

En enfoque restaurativo en México, ha diversificado su proyección en las distintas


legislaciones nacionales del ámbito penal, con el propósito de abarcar todas las etapas del
proceso criminal.
En este sentido, la promulgación de Ley Nacional de Mecanismos Alternativos de Solución
de Controversias en Materia Penal―en lo adelante LNMASCMP―, promulgada 29 de diciembre
de 2014, ha venido a clarificar los aspectos relacionados con los principios, definiciones, y
reglas generales de los MSC, refrendados en la ley fundamental. Sin embargo, en materia de
JR, se vislumbra un área de oportunidad, que requiere de un estudio para postular las bases
de una restructuración normativa incorporando en esta, el enfoque restaurativo.
En primer orden, la LNMASCMP adolece de una conceptualización diáfana sobre JR,
lo que dificulta en mayor medida definir los fundamentos teóricos de la institución, a fin
de propiciar una instrumentalización adecuada, máxime, cuando el ordenamiento procesal
federal no clarifica la temática abordada. Estos aspectos, han sido contemplados con mayor
claridad en las leyes de las entidades federativas, como el caso de Nuevo León, entidad
que incorpora los MSC desde el año 2005, y que en su actual ordenamiento sobre justicia
alternativa― Ley de Mecanismos Alternativos para la Solución de Controversias para el Estado
Nuevo León, en lo adelante LMASCNL―, logra postular un concepto de Justicia Restaurativa en
la fracción XV del Artículo 2:

Justicia Restaurativa: Mecanismo mediante el cual las partes de una controversia


se involucran para identificar y atender colectivamente las consecuencias del hecho
o conducta que se reclama y las necesidades y obligaciones de cada uno de los
interesados a fin de resolver el conflicto, esto con el propósito de lograr la reintegración
en la comunidad, la recomposición social, así como la reparación del daño o perjuicio
causado, o ambos, en su caso.

Otro aspecto relevante del cuerpo legal de la entidad federal ― artículo 24 ― es, que
se apertura la posibilidad a las partes para que puedan elegir el tipo de proceso restaurativo
y los MSC contemplados, para solucionar su disputa13; aunque, la reparación del daño en el
ámbito penal queda fuera de la aplicación de esta ley, considerando que solo aplica para las
controversias que se suscitan en materia familiar, civil, escolar y comunitaria.
Por su parte, la LNMASCMP, contempla dentro de las denominaciones recogidas en
su texto, como dispositivos no adversariales, a la mediación, la conciliación, y la Junta
Restaurativa; este último sería el único de los procedimientos restaurativos reconocidos.
La designación de Junta Restaurativa resultó ser un nombre novedoso, interesante y

13 LEY DE DE MECANISMOS ALTERNATIVOS PARA LA SOLUCIÓN DE CONTROVERSIAS PARA EL ESTADO DE NUEVO LÉON. (28
de JUNIO de 2017). PERIÓDICO OFICIAL DEL ESTADO. Recuperado el 23 de Mayo de 2020, de www.hcnl.gob.mx: http://
www.hcnl.gob.mx/trabajo_legislativo/Ledees/Leydees/Leyde_de_mecanismos_alternativos_para_la_solucion_de_contro-
versias_para_el_Estado_de_nuevo_leon/

244
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

de amplio contenido social14 ya que, no solo involucra a los protagonistas del conflicto, sino
posibilita de la intervención de representantes de la comunidad a la que pertenecen, a efecto
de fomentar la recomposición social. La denominación de Junta Restaurativa proviene del
poder legislativo15, y representa una innovación nominal, considerando que virtualiza los
objetivos tradicionales de la JR16.
Cabe señalar, que la Junta Restaurativa es el único mecanismo― así nombrado por la
ley que distingue desde la propia conceptualización cuáles son los actores que podrán
interactuar dentro del enfoque restaurativo, en este caso la víctima, el ofensor y además la
comunidad17:

artículo 27: La Junta Restaurativa es el mecanismo mediante el cual la víctima u ofendido,


el imputado y, en su caso, la comunidad afectada, en libre de ejercicio de su autonomía,
buscan construyen opciones y proponer opciones de solución de controversia, con el
objeto de lograr un acuerdo que atienda las necesidades y responsabilidades individuales
y colectivas, así como la reintegración de la víctima u ofendido y del imputado a la
comunidad y la recomposición del tejido social.

Por lo que, la calificación de las personas plenamente identificadas sería uno de los
criterios para remitir al proceso restaurativo, que continuaría con la valoración del resarcimiento
del daño, desde una perspectiva integral.
Ahora bien, a pesar de concebirse la Junta, como un modelo de aplicación de la JR, no
cumple totalmente esta finalidad, considerando que, se contempla dentro de la LNMASCMP
como uno de los mecanismos alternos, y tal denominación distorsiona la naturaleza y alcance
de este tipo de metodologías de intervención. La forma de materializarse es a través del
acuerdo reparatorio que concentra las necesidades individuales y colectivas.
En este orden de ideas, la Junta Restaurativa― también nombrada en otros ordenamientos
jurídicos como conferencias familiares, o grupales de comunidad y familia―, tiene por objetivo
desarrollar entre todas las personas que participan, un plan para responder al delito, y, sobre
todo, realiza una reparación, buscando mayor participación de la comunidad local, desde un
entorno próximo a las partes y a la comunidad18-19.
Es decir, los procesos restaurativos buscan enfatizar en la dimensión social de los
delitos y conflictos, restaurar el lazo social dañado, a través de un proceso de reparación
y reconciliación entre víctima y ofensor, con la participación de la comunidad20. Luego,
la utilización de los esquemas restaurativos, buscan más allá de la responsabilización y
reinserción del infractor, además, su diseño no está enfocado a reducir la reincidencia;

14 CARLÍN BALBOA, A. MANUAL BÁSICO DE JUSTICIA PARA ADOLESCENTES, México D.F, México: Poder Judicial del Estado de
Nuevo León, 2018, p.65.
15 Graillet González, E. (2015). DE LA JUNTA RESTAURATIVA. En C. A. Vásquez Gándara, LEY DE NACIONAL DE
MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUCIÓN DE CONTROVERSIAS EN MATERIA PENAL COMENTADA (pág. 143).
Veracruz: Universidad de Xalapa, p. 144.
16 Sánchez García, A. (2019). ESQUEMAS DE MEDIACIÓN Y ARBITRAJE. Ciudad de México: tirant lo blanch, p. 30.
17 LEY DE NACIONAL DE MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUCIÓN DE CONTROVERSIAS EN MATERIA PENAL. (29 de Diciem-
bre de 2014). Diario Oficial de la Federación. Recuperado el 22 de Mayo de 2020, de /www.diputados.gob.mx: http://www.
diputados.gob.mx/LeydeesBiblio/pdf/LNMASCMP_291214.pdf
18 Forés, N. C. (2015). Prácticas restaurativas: círculos y conferencias. Recuperado el 23 de Mayo de 2020, de Sociedadvas-
cavictimologia. org,: Http: //Sociedadvascavictimologia. org, p. 9.
19 Rodríguez, R. C. (2017). La justicia restaurativa como mecanismo de solución de conflictos. Su examen desde el derecho
penal. Justicia juris, 13(1), 122-132, p. 124.
20 Britto Ruiz, D. (2010). JUSTICIA RESTAURATIVA: Reflexiones sobre la Experiencia de Colombia. Loja: Universidad Técnica
Particular de la Loja, p. 25.

245
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

tampoco sus fundamentos teóricos están orientados únicamente a delitos leves u ofensores
no reincidentes. Por ende, sus postulados también pueden aplicarse a conductas más graves,
con la diferencia de que en los delitos de mayor entidad no actuarían como dispositivos que
buscan la extinción de la acción penal, sino que representan un complemento ― tampoco
es un reemplazo al modelo tradicional vigente ― al proceso penal, pudiendo emplearse
en cualquier etapa del proceso, y ayudando a sanar a la víctima, y que el victimario logre
responsabilizarse con sus acciones21.
Al analizar los aspectos mencionados, se advierten algunos desaciertos del modelo
restaurativo que obra en la LNMASCMP. En primer orden, la propia configuración legal del
artículo 27 de la normativa22, dispone que el objetivo fundamental de la Junta Restaurativa
es la de lograr un acuerdo que podrá contener la satisfacción de las necesidades colectivas
e individuales. Lo que nos lleva a colegir, que la materialización de estas necesidades, están
reflejadas en el contenido del convenio. Este particular, se ve ratificado en la consecución
de los apartados del cuerpo legal, reflejándose en la figura del facilitador quien deberá,
concretar los aspectos del acuerdo especialmente en materia de reparación ― en este caso el
alcance de la reparación comprende el reconocimiento de responsabilidad y formulación de
una disculpa, así como el compromiso de no repetición de la conducta a través de programas
o actividades que contribuyan evitar a la reincidencia en la conducta; y además, un plan
de restitución que pueda ser económico o en especie―, lo que posibilitará a través de la
ratificación del convenio, la extinción de la acción penal.
Lo anterior significa, que lo dispuesto en la Junta Restaurativa, deberá patentizarse
en la suscripción del acuerdo, lo que impone una restricción a este proceso, en cuanto que,
en el período de formulación de denuncia y antes de dictar el auto de apertura a juicio,
solo podrá llevarse a cabo en la conductas delictivas previstas en autorizadas en la norma
(Código Nacional de Procedimientos Penales, 2014) -CNPP―art. 187, fracción I, II, III―,
desnaturalizando los fundamentos teóricos de esta institución. Es decir, en los casos en que
se pretenda lograr un acuerdo reparatorio, por medio de este modelo restaurativo, solo podrá
realizarse, por lo menos en la etapa investigativa, en delitos culposos, o delitos de carácter
patrimonial sin violencia contra las personas, lo que sin dudas representa una limitante para
modalidad restaurativa, al tener que regirse por la legislación procesal.
Otros aspectos que dificultan la instrumentación de la Junta Restaurativa, en la
fase investigativa, es, que de acuerdo a su metodología este dispositivo requiere mayor
preparación en la detección y armonización de los intereses y necesidades de las partes―el
art.28 de la LNMASCMP aborda que el facilitador realizará sesiones preparatorias con cada
uno de los intervinientes―, escenario que involucra otros actores como la comunidad, por
la connotación social que puede conllevar una actuación asertiva de los intervinientes23.
Por tanto, es poco probable que los aspectos señalados puedan materializarse a través del

21 Domingo de la Fuente, V. (16 de 10 de 2017). Justicia restaurativa como ciencia penal o social, encaminada a
mejorar la justicia. Educació Social. Revista d’Intervenció Socioeducativa (67), 73-90, p. 79.
22 LEY DE NACIONAL DE MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUCIÓN DE CONTROVERSIAS EN MATERIA PENAL. (29 de Diciem-
bre de 2014). Diario Oficial de la Federación. Recuperado el 22 de Mayo de 2020, de /www.diputados.gob.mx: http://www.
diputados.gob.mx/LeydeesBiblio/pdf/LNMASCMP_291214.pdf
23 LEY DE NACIONAL DE MECANISMOS ALTERNATIVOS DE SOLUCIÓN DE CONTROVERSIAS EN MATERIA PENAL. (29 de Diciem-
bre de 2014). Diario Oficial de la Federación. Recuperado el 22 de Mayo de 2020, de /www.diputados.gob.mx: http://www.
diputados.gob.mx/LeydeesBiblio/pdf/LNMASCMP_291214.pdf

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

acuerdo reparatorio, en el período de UN MES que prevé la legislación procesal federal para
la fase indagatoria. De ahí que, en la práctica las autoridades prioricen su aplicación en la
fase de ejecución penal, quedando latente la modificación del término previsto en el período
investigativo, buscando optimizar la función judicial.

4.2 LA LEY NACIONAL DE EJECUCIÓN PENAL Y LAS BONDADES DE LOS PROCESOS RESTAURATIVOS

En materia de ejecución penal, y en el Sistema de Justicia integral para adolescentes, son


las dos áreas donde más se ha trabajado en materia de JR en la nación Azteca, reflejándose
estos aspectos en las leyes orgánicas promulgadas.
La Ley Nacional de Ejecución Penal ― en lo adelante LNEP ―, promulgada en fecha
6 de junio del 2016, incorpora algunos procesos restaurativos, lo que constituye una nota
relevante, puesto que en las normas de las entidades federativas no se contemplaba de esta
manera. El cuerpo legal incorpora una denominación más abarcadora de la reparación del
daño, ¨reparación integral¨, considerando las imprecisiones previstas en otras normativas,
lo que permite establecer una dimensión real sobre el resarcimiento del daño, y satisfacer
las necesidades de la víctima que difícilmente se cumplen con la aplicación del modelo de
justicia tradicional24.
Un aspecto relevante de esta ley es que se ilustra sobre el objeto de aplicación de la
JR, en la fase de ejecución penal, enunciándose todos los atributos indispensables de esta
institución25:

artículo 200. Objeto de la Justicia Restaurativa en la ejecución de sanciones. En la


ejecución de sanciones penales podrán llevarse procesos de Justicia Restaurativa, en los
que la víctima u ofendido, el sentenciado y en su caso, la comunidad afectada, en libre
ejercicio de su autonomía, participan de forma individual o conjuntamente de forma
activa en la resolución de cuestiones derivadas del delito, con el objeto de identificar
las necesidades y responsabilidades individuales y colectivas, así como a coadyuvar
en la reintegración de la víctima u ofendido y del sentenciado a la comunidad y la
recomposición del tejido social.

Sin embargo, de la lectura del artículo, y los siguientes de este título, se advierte
que no hay una descripción de los procesos restaurativos que podrán utilizarse en favor
del arreglo de la víctima y el ofensor, con la participación de la comunidad. Solo puede
colegirse, de la propia configuración legal del art.200, que el modelo empleado es la
Junta Restaurativa porque la conceptualización es casi una réplica de la incorporada a
la LNMASCMP26.
Por otro lado, la disposición regulatoria de ejecución de penas, no solo se limita a señalar
el modelo restaurativo heredado de la LNMASCMP; sino que en su configuración presenta dos

24 Maltos Rodríguez, M. (2017). La justicia restaurativa en las Ley dees “nacionales” mexicanas. Recuperado el 12 de Mayo
de 2020, de http://biblioteca.cejamericas.org: http://biblioteca.cejamericas.org/bitstream/handle/2015/5530/MariaMal-
tos_Lajusticiarestaurativa_REV20.pdf?sequence=1&isAllowed=y
25 Ley de Nacional de Ejecución Penal. (16 de Junio de 2016). Diario Oficial de la Federación. Recuperado el 24 de Mayo de
2020, de www.diputados.gob.mx: http://www.diputados.gob.mx/Ley deesBiblio/pdf/LNEP_090518.pdf
26 Maltos Rodríguez, M. (2017). La justicia restaurativa en las Ley dees “nacionales” mexicanas. Recuperado el 12 de Mayo
de 2020, de http://biblioteca.cejamericas.org: http://biblioteca.cejamericas.org/bitstream/handle/2015/5530/MariaMal-
tos_Lajusticiarestaurativa_REV20.pdf?sequence=1&isAllowed=y, p. 40.

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ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

aspectos renovadores. En primer orden, la ley, además de la Junta Restaurativa, privilegia


otras metodologías de intervención a las que podemos llamar prácticas restaurativas debido
a la versatilidad y amplitud de su instrumentalización. Estas prácticas están identificadas
como programas y encuentros, el primero enfocado a la figura del infractor, y la búsqueda de
la revalorización de su conducta, a partir del resultado provocado en la persona perjudicada.
La otra denominación, es la de encuentros o sesiones conjuntas víctima-ofensor, y donde el
facilitador tendrá un papel relevante en el progreso de la comunicación entre las partes, así
como canalizar las propuestas planteadas por los intervinientes, a fin de lograr un acuerdo
que todos estén dispuestos a aceptar como resultado de la sesión, según lo dispuesto en el
art. 204 de esta normativa27.
El segundo aspecto renovador viene implícito en lo referido anteriormente, y es,
que estas metodologías restaurativas no van enfocadas exclusivamente a la participación
colectiva―a través de la intervención colaborativa de la víctima, ofensor y comunidad―;
sino que también pueden implementarse con una orientación individual, permitiendo, en
ausencia de las víctimas, a la persona privada de libertad, reflexionar sobre el daño causado
y conducirse en lo adelante con un comportamiento adecuado.
Por otra parte, el cuerpo legal mencionado habilita la utilización de los procesos y
prácticas restaurativas para todos los tipos penales obrantes en la legislación sustantiva―art.
202―, lo que permite que puedan invocarse en delitos de mayor entidad. Dichos modelos
con enfoque reparador podrán ser implementados a partir de la emisión de la sentencia
condenatoria y en caso de que, por acuerdo de las partes, se opte por el mismo, el órgano
jurisdiccional canalizará la solicitud al área correspondiente.
De lo referido en este acápite se desprende que no existen límites para suscribir
acuerdos en cuanto a la materia disponible, y ello pudiera representar una incongruencia
con lo reflejado en el CNPP, considerando las restricciones para acoger las salidas alternas.
Sin embargo, desde la óptica de la etapa del proceso en que se implementa esta normativa,
hay que considerar que los acuerdos alcanzados no se perfilan como una solución alterna
que persigue la extinción de la acción penal, sino que su efecto está dirigido exclusivamente
a la reparación del daño, y la responsabilización del hecho por el ofensor. Por lo que, en
ese sentido, no encuentran ninguna limitación ni en materia catálogo de delitos, ni en la
condición legal con la que responden penalmente los ofensores, o sea, el carácter de primario,
o reincidentes.
Como último aspecto hay que mencionar, que si el sentenciado decide acogerse a los
procesos restaurativos, el Juez de Ejecución lo considerará como parte del plan de actividades,
que se contemplan en el régimen penitenciario, dentro de la organización de los tiempos
y espacios en que cada persona privada de la libertad realizará sus actividades laborales,
educativas, culturales, de protección a la salud, y deportivas28.

27 Ley de Nacional de Ejecución Penal. (16 de Junio de 2016). Diario Oficial de la Federación. Recuperado el 24 de Mayo de
2020, de www.diputados.gob.mx: http://www.diputados.gob.mx/LeydeesBiblio/pdf/LNEP_090518.pdf
28 Ley de Nacional de Ejecución Penal. (16 de Junio de 2016). Diario Oficial de la Federación. Recuperado el 24 de Mayo de
2020, de www.diputados.gob.mx: http://www.diputados.gob.mx/LeydeesBiblio/pdf/LNEP_090518.pdf

248
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

4.3 EL ENFOQUE RESTAURATIVO DE LEY NACIONAL DEL SISTEMA INTEGRAL DE JUSTICIA PENAL
PARA ADOLESCENTES (LNSIJA), Y SU EFECTO DINAMIZADOR EN EL ORDENAMIENTO PENAL
MEXICANO

La legislación procesal en materia juvenil constituye dentro del ordenamiento jurídico


mexicano el referente más importante en materia de justicia alternativa, considerando que en
su entramado normativo se condensan todas las metodologías de intervención de la justicia
alternativa, y también las salidas alternas al proceso penal.
En cuanto el enfoque restaurativo, cabe señalar que esta normativa, es la que impulsa
en mayor medida, los postulados de la JR, a partir de su reconocimiento como principio
desde la misma norma procesal29:

Artículo 21. Justicia Restaurativa El principio de Justicia restaurativa es una respuesta a


la conducta que la Ley de señala como delito, que respeta la dignidad de cada persona,
que construye comprensión y promueve armonía social a través de la restauración de
la víctima u ofendido, la persona adolescente y la comunidad. Este principio puede
desarrollarse de manera individual para las personas mencionadas y sus respectivos
entornos y, en la medida de lo posible, entre ellos mismos, a fin de reparar el daño,
comprender el origen del conflicto, sus causas y consecuencias.

El reconocimiento de la JR como principio, trae consigo la obligatoria virtualización de


sus postulados, en consonancia con lo reflejado en la Constitución en materia de MSC, y que
propicia que desde la propia ley procesal juvenil se reconozca una vía no adversarial accesible
para los ciudadanos. Por otro lado, todas las decisiones que adopten las autoridades deberán
prestar atención a lo refrendado en este principio.
Otro aspecto interesante sobre el reconocimiento y virtualidad de la JR como regla
fundamental, es que propicia la aplicación de modelos restaurativos con intervención
colectiva, considerando a los protagonistas del conflicto y la comunidad; y también establece
la posibilidad del trabajo individual en la búsqueda de la satisfacción y reparación30.
Ahora bien, hay un aspecto que pudiera considerarse el más relevante, y tiene que ver
con la conveniencia de establecer un vínculo legal estrecho entre los MSC y las salidas alternas
al proceso―Art.82 y Art.93 de la LNSIJA ―, lo que genera un grado de conexidad importante
en las estructuras del modelo de justicia alternativa, propiciándose una instrumentación
adecuada y soluciones más efectivas. Esto, por lo menos en el ámbito juvenil, suple las
falencias del CNPP, en cuanto a la ausencia de una disposición concreta sobre los mecanismos
alternos y los modelos restaurativos en el ámbito procesal de adultos, debiendo remitirse a
la LNMASCMP, aspecto que genera una incongruencia jurídica, puesto que los principales
postulados y figuras procesales―así como principios y conceptualizaciones de corte adjetivo―
deben refrendarse bajo la norma procesal, aunque después resulte necesario remitir a una
legislación especial.
En este sentido, la LNSIJA logra suplir las ausencias detectadas en el CNPP, sin ello se

29 LNSIJA. (16 de Junio de 2016). Diario Oficial de la Federación. Recuperado el 24 de Mayo de 2020, de www.diputados.
gob.mx: http://www.diputados.gob.mx/LeydeesBiblio/pdf/LNSIJPA.pdf
30 Maltos Rodríguez, M. (2017). La justicia restaurativa en las Ley dees “nacionales” mexicanas. Recuperado el 12
de Mayo de 2020, de http://biblioteca.cejamericas.org: http://biblioteca.cejamericas.org/bitstream/handle/2015/5530/
MariaMaltos_Lajusticiarestaurativa_REV20.pdf?sequence=1&isAllowed=y, p. 42.

249
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

contraponga a los dispuesto en LNMASCMP, ya que la ley de mecanismos tiene un efecto


tonificador, sobre el marco jurídico de las modalidades pacíficas de gestión de conflictos,
y esto propicia que pueda esclarecer, complementar y servir de marco de referencia, ante
cualquier duda que pueda surgir con motivo de la operatividad de estos procesos.
Como elemento contrastante, la ley procesal juvenil, mantiene la misma línea que el
CNPP, sobre incluir en una misma denominación los MSC y las metodologías restaurativas.
Sin embargo, se introduce un componente novedoso, la denominación de ¨procesos
restaurativos¨, integrándose en esta modalidad: la reunión de la víctima con la persona
adolescente, la Junta Restaurativa y los círculos. La inclusión de estos nuevos modelos
de justicia reparadora permite diversificar los esquemas de intervención restaurativa, y la
participación de la comunidad afectada; también a los operadores del Sistema de Justicia
para adolescentes, como nuevos actores, a fin coadyuvar a que los protagonistas puedan
enfrentar los hechos de una manera pacífica.
Hay que agregar que, en cuanto a la pertinencia del acuerdo reparatorio, la ley solo
restringe la suscripción a los delitos de violencia familiar―Art. 96 de la LNSIJA―, por
lo que se contempla un catálogo más amplio de delitos mediables, y en consecuencia
mayores posibilidades extinguir la acción penal, mediante una salida alterna al proceso.
Esta circunstancia, cambia en la fase de ejecución penal donde se prevé la posibilidad
de aplicar los procesos restaurativos para todos los delitos, período en que el acuerdo
no representaría una salida anticipada al proceso, sino que se enfocaría en la reparación
del daño.
Otro aspecto significativo, es la posibilidad de que lo convenido a través de los MSC o
las metodologías restaurativas, pueda materializarse a través de un acuerdo reparatorio, o
también desde el plan de reparación que opera como condición, en la suspensión condicional
del proceso. Lo referido, supone entonces la posibilidad de encontrar una solución alterna
hasta en delitos de violencia familiar―vetados para celebrar acuerdos reparatorios―, tomando
en cuenta que nada impide que pueda desahogarse el mecanismo por vía de la suspensión
condicional del proceso31:

Artículo 93. Del acuerdo: Los acuerdos alcanzados a través de los mecanismos establecidos
en este Título, se tramitarán conforme a lo establecido en el Título siguiente, ya sea
como acuerdos reparatorios o como propuesta del plan de reparación y sugerencias de
condiciones por cumplir para la suspensión condicional del proceso.

Lo anterior demuestra, que la LNSIJA ha venido a suplir todas las vicisitudes de los MSC,
en la ley procesal de adultos, logrando no solo diversificar las formas de solución pacífica
de conflictos, sino que ofrece algunas alternativas para que estos puedan materializarse, en
función privilegiar el derecho de los ciudadanos― en este caso de los menores― de acceder a
una justicia más participativa, en todas las etapas del proceso penal, y con especial atención
a la fase de ejecución penal.

31 LNSIJA. (16 de Junio de 2016). Diario Oficial de la Federación. Recuperado el 24 de Mayo de 2020, de www.diputados.
gob.mx: http://www.diputados.gob.mx/LeydeesBiblio/pdf/LNSIJPA.pdf

250
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

4.3.1 La Justicia Restaurativa en la ejecución de las medidas de sanción en la LNSIJA

La fase de ejecución del código procesal juvenil establece parámetros similares a la ley federal
de adultos―LNEP―, con relación a los efectos derivados de los acuerdos en la etapa de cumplimiento
de pena, en donde el fin perseguido, será la reparación del daño, y no la extinción de la acción
penal, puesto que ya hay una sentencia firme. Por tanto, será viable este modelo a todos los
delitos, y no contradice en modo alguno, los aspectos reflejados en fases predecesoras, ni tampoco
colisiona esto, con otras formas de gestión pacífica de conflictos. Lo que sí, es válido señalar, es
que la consecución del acuerdo no conllevará ningún beneficio de excarcelación anticipada.

5. Análisis sobre tratamiento jurídico del enfoque restaurativo en la legislación


nacional de Panamá

5.1 LOS PROGRAMAS DE RESOCIALIZACIÓN CON CONTENIDO RESTAURATIVO, EN LA FASE DE


EJECUCIÓN PENAL DE LA LEY NO.63 DEL 2008, QUE ADOPTA EL CÓDIGO PROCESAL PENAL

La legislación procesal penal de Panamá, a diferencia del ordenamiento penal mexicano,


no cuenta con una normativa especial en material de ejecución penal, de ahí que, los preceptos
que regulan el procedimiento pos-condena se encuentran consignado en la Ley No.63 del
2008, que adopta el Código Procesal Penal.
En ese sentido, con la puesta en vigor de la legislación procesal y su correspondencia
con el Código Penal del 2007, se inserta una nueva figura jurisdiccional, que se le denomina
Juez de cumplimiento, autoridad encargada del seguimiento al procesado, considerando su
status procesal ya sea privado de la libertad, o beneficiado con la suspensión condicional de
la ejecución de la sanción, o , que le sea concedido el beneficio la libertad condicional, pues
en cualquiera de estas circunstancias, continúa sometido a la vigilancia de la pena, por no
haberse extinguido totalmente. Otras funciones del Juez de cumplimiento están vinculadas a
la resolución de todas las solicitudes presentadas por el fiscal y el defensor. Estas peticiones
están relacionadas con la actualización, modificación o suspensión de la condición procesal
del sancionado, lo que significa ser garante del aspecto resocializador― ello contempla la
posibilidad de desprisionalización a condenados que mantengan buena conducta y posibilidad
de reinserción social ―de la pena y verificador de las condiciones del sentenciado32.
Ahora bien, en materia de JR, la legislación procesal no ha incorporó dispositivos alternos
de solución de controversias. En contraposición a ello, se introdujeron figuras que pudieran
caracterizarse con ciertos tintes restaurativos33, como pueden ser: las medidas alternas al
cumplimiento de la pena de privación de la libertad, art. 57 del Código Penal; y, la suspensión
condicional de la ejecución de la pena, figura recogida en el art. 98 de la norma sustantiva y
el art.509 apartado IV de legislación adjetiva.

32 Rangel Buitrago, S. C. (2018). Ejecución Penal y Medidas de Seguridad. En M. PÚBLICO, CÓDIGO PROCESAL PENAL DE
LA REPÚBLICA DE PANAMÁ (COMENTADO) (págs. 320-324). Ciudad de Panamá: Procuraduría General de la Nació.
33 España Lozano, J. (2017). Análisis de la justicia restaurativa y la conciliación penal a la luz de la suspensión
condicional del proceso. En G. d. Gorjón Gómez, Tratado de Justicia Restaurativa, Un enfoque integrador (págs. 237-252).
Ciudad de México: tirant lo blanch.

251
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

En el caso de las medidas alternas del cumplimiento de la pena, estas tienen un enfoque
resocializador puesto que le conceden al sancionado la oportunidad de incorporarse a un
programa de trabajo o estudio, que, de acuerdo con su comportamiento, podrá desplegarse
dentro o fuera del centro penitenciario. Entre las medidas que se contemplan en el art. 57 se
encuentran: La educación con provecho académico, en los distintos niveles de enseñanza; El
trabajo en labor comunitaria no remunerado; y , la participación como instructor en cursos
de alfabetización, de educación, de adiestramiento o de capacitación, la que se computará
por cada ocho horas laboradas como un día de trabajo34. Lo anterior, se concatena con
la potestad concedida al Juez de cumplimiento, de sustituir hasta el 30% de las penas de
prisión impuesta, por otras penas menos estigmatizantes como el trabajo comunitario,
arresto domiciliario, días multas o una compensación económica a la víctima, ya sea de forma
individual o mixta35.
Por otro lado la suspensión condicional de la ejecución de las penas, permite por medio
de la figura del Juez de cumplimiento, que las sanciones impuestas al infractor, ―ya sea la
pena de prisión, el arresto de fines de semana, la reclusión domiciliaria o inclusive la de
días-multa―, puedan suspenderse por un término de dos a cinco años, siempre y cuando
el sancionado se sometiere a un grupo de condiciones dispuestas en ley : que sea infractor
primario de la norma, y además haber cumplido con los términos de la reparación de la
víctima, o al menos, haberse comprometido a cumplir satisfactoriamente el resarcimiento al
afectado (De Castro, 2015). No obstante, la institución mencionada cuenta con una limitante
de aplicación―un aspecto que se diferencia notablemente con la legislación mexicana―, y es
que solo pueden ser elegibles para este beneficio, los sancionados a penas de hasta 3 años
de privación de libertad; eliminándose esta condición, para las sanciones de arresto de fines
de semana, de prisión domiciliaria, o de días-multa.
Es decir, la ausencia de metodologías restaurativas en la fase de ejecución penal
de la legislación procesal panameña es visible, pero esto no obsta para que dentro del
ordenamiento procesal puedan visualizarse algunos preceptos con proyección a la justicia
reparadora. En el caso de las medidas alternas a la pena, estas tienen por propósito
reconducir la conducta del infractor y convidarle a reinsertarse en la sociedad con un
comportamiento responsable. Lo referido, propicia la responsabilización del sancionado
por los actos reprochables, y actuar en consecuencia, para generar un compromiso de
no repetición; aspectos que convergen con los postulados de la JR. Por otra parte, la
suspensión condicional de la ejecución de las penas propicia la reparación del daño en su
afectación real, considerando el criterio de la víctima, generando un clima de acercamiento
y comunicación, que favorece el saneamiento de las heridas emocionales. Estos factores
constituyen esbozos del enfoque restaurativo, y develan un área de oportunidad propensa
al asentamiento definitivo de la JR en la legislación procesal nacional.

34 MINISTERIO PÚBLICO. (2015). TEXTO ÚNICO DEL CÓDIGO PENAL DE LA REPÚBLICA DE PANAMÁ. (Comentado): PROCURA-
DURÍA GENERAL DE LA NACIÓN.
35 MINISTERIO PÚBLICO. (2015). TEXTO ÚNICO DEL CÓDIGO PENAL DE LA REPÚBLICA DE PANAMÁ. (Comentado): PROCURA-
DURÍA GENERAL DE LA NACIÓN.

252
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

5.1 LEY NO. 40 DE 1999, RÉGIMEN ESPECIAL DE RESPONSABILIDAD PENAL PARA LA


ADOLESCENCIA (RERPA)

Derivado de los cambios progresivos y la constante evolución del marco legal de


Panamá en materia de adolescentes y menores, surge la necesidad de regular para que los
adolescentes puedan crecer y desarrollarse dentro de una sociedad donde el Estado les
reconozca y salvaguarde sus derechos, sin importar su etnia, género, ni condición social,
garantizándoles su presente y su futuro. De tal forma, que el en año de 1999; se instaura la Ley
No. 40 la cual establece el Régimen Especial de Responsabilidad Penal para La Adolescencia-
en adelante (RERPA)- con la intención de sistematizar la administración de justicia juvenil, que
tiene como propósito elemental la “protección integral de la infancia”.
El concepto de protección integral de la infancia se propagó en la década de los
noventa por toda América Latina, el cual se basa en los postulados de intervención mínima,
flexibilización de la respuesta penal y aplicación mínima de las prerrogativas previstas en la
jurisdicción ordinaria, siendo estos los principios claves en la implementación de modelos
de Justicia Restaurativa36, en los que el Estado debe de velar por el interés superior de la
niñez y la adolescencia (Ley 40 de 1999 del Régimen Especial de Responsabilidad Penal
para la Adolescencia). De este modo, se pretendía armonizar el marco normativo del país
específico, integrando a su legislación lo concerniente en materia de adolescentes, menores
o de familia, las convenciones, estatutos y tratados sobre los derechos del niño o niña,
menores o adolescentes que fuera parte37.
Partiendo de esta doctrina, se muestra el análisis de la Ley No. 40 de 1999, del Régimen
Especial de Responsabilidad penal para la adolescencia para conocer la relación existente
con la JR aplicada a adolescentes en el ámbito penal, de ahí que el artículo 1, de la RERPA
(1999) se establezcan los términos y condiciones en que los adolescentes y las adolescentes
son responsables por las infracciones que cometan contra la ley penal, además, se faculta a
determinados órganos judiciales para la creación de instituciones y procedimientos específicos
en la jurisdicción de menores y reglamenta el régimen especial de custodia, protección y
educación de menores privados de libertad.
Al respecto, con base en las particularidades que identifican a los diversos procesos que
admite la Justicia Restaurativa, dentro del artículo 4, párrafo primero y cuarto- se expresan
las finalidades primordiales de la RERPA (1999) como la resocialización de los infractores, es
decir, que la única finalidad de la sanción es que se asegure su reinserción en la familia y en
la sociedad, a través del aprendizaje de una actitud constructiva en relación con su entorno.
Lo referido, se patentiza en los postulados de la Justicia Restaurativa, los cuales explican
que, dentro de la reparación del daño causado, se deben generar condiciones óptimas para el
infractor hacia su posible reintegración social, así como organizar el sistema de instituciones
que intervienen en la investigación del acto infractor, en el juzgamiento de adolescentes y en
la resolución no litigiosa de conflictos, artículo 6- párrafo primero-.
Así mismo, esta ley se refiere a la existencia del principio de finalidad y proporcionalidad

36 Ministerio de Gobierno de la República de Panamá, M., & Fondo de las Naciones Unidas para la Infancia, U. (2017). Marco
legal de justicia penal adolescente. Panamá: UNCEF/ MGRP, p. 7.
37 O´Donnell, D. (2004). Anuario del XIX Congreso Panamericano del Niño. La Doctrina de la Protección integral y las nor-
mas jurídicas vigentes en relación a la familia, (págs. 119-161). Monterrey.

253
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

de la sanción y sobre la finalización de estas, aludiendo que las sanciones que se les impongan
sean conducentes y tengan como fin la resocialización del adolescente, siendo obligación
del Juez de cumplimiento velar por esa observancia, del mismo modo se concede a los
adolescentes la posibilidad, pero a la vez, la obligatoriedad de participar en programas de
asistencia y orientación de carácter socioeducativas como la amonestación, la participación
obligatoria en programas de asistencia, la prestación de servicios a la comunidad y la reparación
de daños a la víctima, artículos 16.14, 125 y 130-134 de la RERPA (1999), pretendiendo
proporcionar un enfoque restaurativo en beneficio del adolescente, y lo encuentre como un
área de oportunidad para la reconstrucción del tejido social.
La relación con los elementos personales que integran la noción de proceso restaurativo
que expone el38 y el informe del39 sobre los sujetos indirectos que participan en los procesos
restaurativos, se contempla de forma similar en esta Ley en los artículos 48, 127, 128 de la
(Ley 40 de 1999 del Régimen Especial de Responsabilidad Penal para la Adolescencia, 1999),
el involucramiento y participación de manera activa de familiares, tutores o responsables del
adolescente en diversas parte del proceso penal; esto es, durante el proceso: en el estudio
psicosocial del adolescente o como testigos del hecho investigado y en la culminación del
proceso: en la ejecución de medidas cautelares o en el cumplimiento las sanciones impuestas.
Al mismo tiempo, manifiesta que la forma de aplicación de las sanciones deberá tener
objetivos primordialmente educativos, preferentemente con la intervención de la familia, la
comunidad, y con la asistencia de especialistas. Esto permite la visibilización de la Justicia
Restaurativa a través de la inclusión de familiares o allegados, profesionales de la judicatura,
trabajadoras sociales, abogados o representantes de la comunidad, fomentando el diálogo
y la cooperación para poder tener sociedades más pacíficas, libres de violencia y conflicto.
La propia ley compete a los Jueces penales para conocer en primera instancia sobre la
suspensión condicional del proceso, para los casos en que el adolescente reúna dos requisitos:
que el delito cometido admita la conciliación; y que el adolescente haya realizado esfuerzos
por reparar el daño causado, o que el acto cometido no puso en grave peligro ni la integridad
física de las personas ni sus bienes. También concede el beneficio a las formas de terminación
anticipada del proceso a los adolescentes, como la remisión, el criterio de oportunidad, la
conciliación, cuando los delitos cometidos por estos causan daños leves o insignificante o
cuando el adolescente tenga escasa participación en el delito -artículos 21.8, 98, 17.7, 66-78
y 131 de la RERPA (Ley 40 de 1999 del Régimen Especial de Responsabilidad Penal para la
Adolescencia, 1999), incidiendo en ambigüedad respecto de lo que comprenden los MSC y
las salidas alternas del proceso penal, ya que no explica la diferencia de lo que representan
ambos esquemas de justicia.
Siendo esta la forma en que la Justicia Restaurativa manifiesta sus postulados, y
bondades aplicadas en materia penal para adolescentes, entrando paulatinamente en un
área del derecho muy sensible por tratarse con menores y adolescentes. Además, impulsa

38 Oficina de las Naciones Unidad contra la Droga y el Delito, O. (2006). Manual sobre Programas de Justicia Restaurativa.
Serie de Manuales sobre Justicia Penal. Obtenido de https://www.unodc.org/documents/justice-and-prison-reform/Manual_
sobre_programas_de_justicia_restaurativa.pdf, p. 6.
39 Organización de las Naciones Unidas, O., & Comisión de Prevención del Delito, O. (16-25 de abril de 2002). Debate
temático sobre la reforma del sistema de justicia penal: logro de la eficacia y la equidad. Reglas y normas de las Naciones
Unidas en materia de prevención del delito y justicia penal. Obtenido de https://www.unodc.org/documents/commissions/
CCPCJ/CCPCJ_Sessions/CCPCJ_11/E-CN15-2002-05-Add1/E-CN15-2002-5-Add1_S.pdf

254
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

al Estado panameño en la creación de instituciones e inclusión de la comunidad para llevar


a cabo el papel importantísimo de salvaguardar los derechos de las y los adolescentes,
manifestando compromiso en el acompañamiento cuando un adolescente ha cometido un
delito y generándole condiciones para que el adolescente consiga reparar el daño causado y
logrando así su posible reincorporación a la sociedad.
Pero también se hace necesaria la incorporación de los diversos procesos de Justicia
Restaurativa a esta legislación para facilitar el derecho de acceso a la justicia y para no
estar combinando e improvisando que debería aplicarse en pro del adolescente, produciendo
simplicidad y economía procesal dentro de los juicios y procesos penales.

6. Conclusiones

Como ideas finales, puede concluirse que, en las legislaciones penales juveniles de
México y Panamá, existe una mayor flexibilización mediante la introducción de preceptos
y figuras que permiten alejarse del modelo de justicia tradicional e implementar nuevos
esquemas de corte colaborativo, buscando estrategias más inclusivas, y a la vez menos
lesivas para los adolescentes, en consonancia con la protección al Interés Superior de la
niñez y la adolescencia. En ese sentido, la Ley Nacional del Sistema Integral de Justicia
Penal para Adolescentes ha incorporado los principios esenciales de la JR, desarrollando
un catálogo de procesos restaurativos, que posibilita diversificar las fórmulas pacificas de
solución de conflictos, considerando además que la propia ley dispone las salidas alternas
que materializarán la aplicación del enfoque reparador, aspecto que sin dudas conecta con
la sinergia que debe existir entre los preceptos de una normativa. En Panamá, por su parte,
en enfoque se ha dirigido a establecer algunos preceptos que pueden conducir a prácticas
restaurativas como la resocialización de los infractores y la reparación del daño causado,
por medio del aprendizaje de una actitud constructiva hacia su entorno, que determina la
reintegración social del individuo, postulados que se refrendan en la Justicia Restaurativa. Este
perfil de las leyes penales juveniles, tienen la misma configuración legal, en las normativas
que remiten a la fase de ejecución penal de ambos países.
Por otro lado, aunque México cuenta con una La Ley Nacional de Mecanismos Alternativos
de Solución de Controversias en Materia penal, a diferencia de Panamá, que introdujo la
modalidades no adversariales en la legislación procesal; la normativa de la nación Azteca
no cuenta con una denominación específica de procesos restaurativos, y la metodología
restaurativa que se reconoce, Junta Restaurativa, es contemplada como un mecanismo alterno,
de similar construcción a la mediación y la conciliación, lo que impide una cabal compresión
sobre la distinción entre las metodologías restaurativas, y dispositivos alternos de solución
de conflicto.
En consecuencia, los fundamentos teóricos, principios y definiciones sobre los modelos
restaurativos, deberán estar contemplados en las leyes procesales nacionales, y de esa
manera replicarse en las leyes adjetivas para adolescentes, considerando que el enfoque
restaurativo, constituye un rubro dinamizador de los modelos de enjuiciamiento, por ello
adquiere un carácter relevante en todo el Sistema de Justicia Penal.

255
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

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258
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Wachtel, T., O’Connell, T., & & Wachtel, B. .. (2010). Reuniones de justicia restaurativa:
Real justice y Manual de reuniones restaurativas. International Institute for Restorative
Practices.

259
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

SOBRE OS COORDENADORES

CELSO BELMIRO
Mestre e Doutorando em Direito Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá (UNESA).
Especialista em Direito Público e Privado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
(EMERJ). Especialista em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Arthur Thomas (FAAT).
Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Notário no Rio de
Janeiro (aprovação em 1o. lugar em concurso público) e ex-Procurador da Fazenda Nacional
(aprovação em 1o. lugar em concurso público). Palestrante e conferencista em congressos,
seminários e simpósios sobre Direito Processual Civil e Direito Notarial e Registral. Professor
convidado da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e conferencista do Fórum
de Direito Notarial, Registral e Urbanístico do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Ex-professor dos cursos de pós-graduação da Universidade Cândido Mendes, da Fundação
Getúlio Vargas, da Escola de Administração Fazendária e dos cursos preparatórios CEJ 11
de Agosto e Master Juris. Membro Titular da Academia Notarial Brasileira, do IBDP - Instituto
Brasileiro de Direito Processual e do Conselho Editorial da Editora Impetus. Pesquisador do
Observatório da Mediação e Arbitragem da Universidade Estácio de Sá.

DANIEL QUEIROZ PEREIRA


Professor Adjunto de Prática Jurídica Trabalhista e Direito Processual do Trabalho da
UERJ. Professor Adjunto de Legislação Social da UNIRIO. Professor Titular de Direito Civil,
Direito do Trabalho e Prática Simulada do Ibmec/RJ. Professor da EMERJ e da ESAP. Advogado
e Consultor Jurídico.

260
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

FLÁVIA PEREIRA HILL


Professora Adjunta de Direito Processual Civil da UERJ. Doutora e mestre em Direito
Processual pela UERJ. Pesquisadora visitante da Università degli Studi di Torino, Itália. Membro
da Comissão de Mediação de Conflitos da OAB/RJ. Tabeliã. E-mail: flaviapereirahill@gmail.com.

LEONARDO OLIVEIRA SILVEIRA SANTOS MARTINS


Doutorando em Direito pela Universidade Estácio de Sá/RJ (PPGD-UNESA). Mestre em
Direito, através do Programa de Mestrado da Universidade Cândido Mendes (UCAM-RJ).
Especialista em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes (UCAM-RJ). Especialista
em Direito Eleitoral pelo Instituto A Vez do Mestre. Professor de Direito da Universidade
Estácio de Sá (Graduação e Pós-Graduação). Membro efetivo do Instituto de Direito Processual
(IBDP). Associado do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON).
Membro do grupo de pesquisa Observatório de Mediação e Arbitragem. Advogado.

261
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

QUALIFICAÇÃO DOS AUTORES DOS


ARTIGOS DO VOLUME IV

ALINE ALVES DE MELO MIRANDA ARAUJO - Possui graduação em Direito pela


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1997). Atualmente é Juiza Federal da Tribunal
Regional Federal da 2ª Região. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Conciliação
e Mediação.

CAIO DE CARVALHO ALVES - Graduando no Curso de Direito da Universidade


Federal Fluminense – Volta Redonda. Membro do Programa MeditaUFF no Curso de Direito da
Universidade Federal Fluminense – Volta Redonda.

CELSO BELMIRO - Mestre e Doutorando em Direito Processual Civil pela Universidade


Estácio de Sá (UNESA). Especialista em Direito Público e Privado pela Escola da Magistratura
do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ). Especialista em Direito Notarial e Registral pela Faculdade
Arthur Thomas (FAAT). Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Notário no Rio de Janeiro (aprovação em 1o. lugar em concurso público) e ex-procurador da
Fazenda Nacional (aprovação em 1o. lugar em concurso público). Palestrante e conferencista em
congressos, seminários e simpósios sobre Direito Processual Civil e Direito Notarial e Registral.
Professor convidado da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e conferencista
do Fórum de Direito Notarial, Registral e Urbanístico do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro. Ex-professor dos cursos de pós-graduação da Universidade Cândido Mendes, da
Fundação Getúlio Vargas, da Escola de Administração Fazendária e dos cursos preparatórios CEJ
11 de Agosto e Master Juris. Membro Titular da Academia Notarial Brasileira, do IBDP - Instituto
Brasileiro de Direito Processual e do Conselho Editorial da Editora Impetus. Pesquisador do
Observatório da Mediação e Arbitragem da Universidade Estácio de Sá.

262
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

CHARLISE PAULA COLET GIMENEZ - Doutora em Direito e Mestre em Direito pela


Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Especialista em Direito Penal e Processo Penal
pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ. Professora
dos Cursos de Mestrado e Graduação em Direito da Universidade Regional Integrada do
Alto Uruguai e Missões - URI, campus Santo Ângelo. Coordenadora do Curso de Graduação
em Direito da URI. Líder do Grupo de Pesquisa “Conflito, Cidadania e Direitos Humanos”,
registrado no CNPQ. Advogada. Atua no estudo do Crime, Violência, Conflito e Formas de
Tratamento de Conflitos - conciliação, mediação, arbitragem e justiça restaurativa. E-mail:
charliseg@santoangelo.uri.br.

DANIEL QUEIROZ PEREIRA - Professor Adjunto de Prática Jurídica Trabalhista e Direito


Processual do Trabalho da UERJ. Professor Adjunto de Legislação Social da UNIRIO. Professor
Titular de Direito Civil, Direito do Trabalho e Prática Simulada do Ibmec/RJ. Professor da
EMERJ e da ESAP. Advogado e Consultor Jurídico.

FLÁVIA PEREIRA HILL - Professora Adjunta de Direito Processual Civil da UERJ. Doutora
e mestre em Direito Processual pela UERJ. Pesquisadora visitante da Università degli Studi di
Torino, Itália. Membro da Comissão de Mediação de Conflitos da OAB/RJ. Tabeliã. E-mail:
flaviapereirahill@gmail.com

INÊS DA TRINDADE CHAVES DE MELO - Doutoranda do Programa de Pós-Graduação


em Direito da Universidade Estácio de Sá (UNESA); Desembargadora do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro; Presidente do Fórum Permanente da Transparência e Probidade
Administrativa da EMERJ.

JAZMÍN FLORES-MONTES - Doctoranda en MASC por la Universidad Autónoma de


Nuevo León, México. Máster en Derecho Constitucional y Gobernabilidad. Miembro Activa
de la RED Universitaria de Promoción de Derechos Humanos de la UANL. Email: jazmin_7_7@
hotmail.com. https://orcid.org/0000–0001-8197-6782

LARISSA CAMARGO COSTA – Pós-graduanda em Direito Regulatório pelo CEPED/


UERJ. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO.
Advogada.

LEONARDO OLIVEIRA SILVEIRA SANTOS MARTINS - Doutorando em Direito pela


Universidade Estácio de Sá/RJ (PPGD-UNESA). Mestre em Direito, através do Programa de
Mestrado da Universidade Cândido Mendes (UCAM-RJ). Especialista em Direito Tributário pela
Universidade Cândido Mendes (UCAM-RJ). Especialista em Direito Eleitoral pelo Instituto A Vez
do Mestre. Professor de Direito da Universidade Estácio de Sá (Graduação e Pós-Graduação).
Membro efetivo do Instituto de Direito Processual (IBDP). Associado do Instituto Brasileiro de
Política e Direito do Consumidor (BRASILCON). Membro do grupo de pesquisa Observatório
de Mediação e Arbitragem. Advogado.

263
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

MARCELLA DA COSTA MOREIRA DE PAIVA - Doutoranda em Direito no Programa


de Pós-Graduação em Direito, Instituições e Negócios (PPGDIN), na Universidade Federal
Fluminense. Mestra pela Universidade de Vigo, Espanha. Mestra em Justiça Administrativa
na Universidade Federal Fluminense. Professora na Pós-Graduação de Processo Civil e Gestão
Jurídica no Instituto Brasileiro de Mercados de Capitais (IBMEC). Professora Universitária do
Curso de Direito na Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO). Membro do Grupo de
Pesquisa de Arbitragem da Universidade Federal Fluminense (UFF).

MARCELLE RIBEIRO FRANÇA - Graduanda no no Curso de Direito da Universidade


Federal Fluminense – Volta Redonda. Membro do Programa MeditaUFF no Curso de Direito da
Universidade Federal Fluminense – Volta Redonda.

NADINE LANGNER DOS SANTOS - Acadêmica do Curso de Graduação em Direito da


Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI) campus Santo Ângelo.
Bolsista de Iniciação Científica do Projeto “Mediação como instrumento para promoção de
direitos humanos: pela humanização do direito”, coordenado pela professora Dra. Charlise
Paula Colet Gimenez. E-mail: nalangner@gmail.com

NATHALIA RIBEIRO - Mestranda em Direito Processual Civil pela UERJ. Pós-Graduada


em Direito Processual Civil pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ).
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Coordenadora
Adjunta de Processo Civil da Escola Superior de Advocacia/RJ. Advogada.

OSMAR MENDES PAIXÃO CÔRTES - Pós-Doutor em Processo Civil pela UERJ. Doutor
em Direito pela PUC/SP. Mestre em Direito e Estado pela Unb. Diretor do IBDP. Professor do
doutorado/mestrado do IDP/DF. Advogado.

PLINIO LACERDA MARTINS - Doutor em Direito pela UFF, Mestre em Direito pela UGF,
Professor adjunto do Departamento de Processo da Faculdade de Direito da UFF., Professor
do quadro permanente do programa de Pós-graduação do Doutorado em Direito Instituições
e Negócios da Universidade Federal Fluminense.

QUELLEN CRISTINA DE SOUZA FREITAS - Mestranda em Direito Processual, pós-


graduada em Direito do Estado e pós-graduanda em Direito Processual Civil pela UERJ –
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Advogada.

RENATA BRAGA KLEVENHUSEN - Pós-doutora pelo IFCS/UFRJ/Universidade de


Coimbra (2019). Pós-doutora pelo Instituto de Medicina Social da UERJ (2009). Doutora em
Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003). Mestre em Direito Civil pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1997). Professora adjunta do Curso de Direito da
Universidade Federal Fluminense (PUVR/ICHS). Coordenadora do Programa MeditaUFF e do
Grupo de Estudo e Pesquisa em Métdos Consensuais no Curso de Direito da Universidade
Federal Fluminense – Volta Redonda.

264
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

ROBERT SEGAL - Doutor em Educação pelo PPGE da UFRJ, mestre em Educação pelo PPGE
da UNIRIO, mestrando em Sociologia e Direito pelo PPGSD da UFF, especialista em Mediação de
Conflitos pela UCAM e AVM, especialista em Direito Ambiental pela ESA da OAB/RJ e UNIFOA,
licenciado em Filosofia pela UNIRIO, bacharel em Direito pela UCAM, advogado e integrante do
grupo de pesquisas do Observatório da Mediação. E-mail: robertsegal70@gmail.com

ROSÂNGELA MARTINS ALCANTARA ZAGAGLIA PAIVA - Defensora Pública. Doutora


pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UERJ, na área de Transformações
do Direito Privado, Cidade e Sociedade, linha de pesquisa Direito Civil; Doutora pelo Programa
de Pós-Graduação da Universidade Del Museo Social Argentino; Professora da Graduação e da
Pós-Graduação em Direito Especial da Criança e do Adolescente da Faculdade de Direito da
UERJ; Professora da Graduação/EAD da UNESA, em Direito da Criança e do Adolescente por
17 anos - até 2019.

SERGIO GUSTAVO PAUSEIRO - Doutor em Direito pela UFF, Mestre em Direito pela
UFF, Professor adjunto do Departamento de Direito Privado da Faculdade de Direito da UFF,
Professor do quadro permanente do programa de Pós-Graduação do Doutorado em Direito
Instituições e Negócios da Universidade Federal Fluminense.

TÂNIA DE SOUSA ELIAS - Procuradora do Estado do Rio de Janeiro. Mestranda em


Direito Processual Civil na UERJ. Especialização em LLM.Litigation - Fundação Getúlio Vargas
– FGV. Especialização em Direito Penal e Processo Penal - Universidade Gama Filho, UGF.
Especialização em Formação de Advogados Públicos - Fundação Getúlio Vargas, FGV.

VITOR HUGO SAVIOLO RAMOS - Graduando no no Curso de Direito da Universidade


Federal Fluminense – Volta Redonda. Membro do Programa MeditaUFF no Curso de Direito da
Universidade Federal Fluminense – Volta Redonda.

YULISÁN FERNÁNDEZ SILVA - Doctorando en MASC por la Universidad Autónoma de


Nuevo León, México. Máster en Criminología por la Universidad de la Habana, Cuba. Profesor
de Derecho Penal, y Cultura de Paz por la Universidad Autónoma de Nuevo León. Email:
fedezyulisan@gmail.com. https://orcid.org/0000-0002-9145-6075.

265
ESTUDOS SOBRE MEDIAÇÃO NO BRASIL E NO EXTERIOR

Apresentamos à comunidade acadêmica e aos profissionais o resul-


tado dos trabalhos realizados ao longo dos últimos meses pelos Grupos
de Pesquisa “Observatório da Mediação e da Arbitragem” em funciona-
mento na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e na Universidade
Estácio.
Foram buscados temas de alta indagação jurídica e de grande re-
percussão prática, que desafiam os estudiosos e operadores do direito
a buscar soluções inovadoras e que garantam a efetividade das ferra-
mentas de prestação jurisdicional. Da mesma forma, os temas vão de
questões domésticas a problemas verificados no direito estrangeiro.
A presente coletânea, intitulada Estudos sobre Mediação no Brasil
e no Exterior, foi disposta em quatro volumes a partir das contribuições
apresentadas pelos integrantes de ambos os Observatórios que vêm de-
senvolvendo suas atividades em conjunto, a fim de otimizar os recursos
e compartilhar as respectivas redes de pesquisa.
A partir dessas premissas, esperamos que os leitores possam apro-
veitar todo o conteúdo dessa coletânea que ultrapassa as 1.200 páginas,
o que torna esse projeto o mais completo diagnóstico da mediação reali-
zado no Brasil desde a edição do CPC e da Lei n 13.140/2015.

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