Manual de Metodologia Jurídica - Nitish Monebhurrun

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Diagramação Gledson Zifssak - Kalima
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Revisão Kalima Editores
Capa IDÉE arte e comunicação

Produção do E-pub Guilherme Henrique Martins


Salvador
ISBN 9786555599336

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

M742m Monebhurrun, Nitish


Manual de Metodologia Jurídica: técnicas para argumentar em textos
jurídicos / Nitish Monebhurrun. – 2. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022.

EPUB 136 p.
ISBN 978-65-5362-110-7 (Impresso) 1. Direito. 2. Metodologia Jurídica.
3. Textos jurídicos. I. Título.

2022-1779 CDD 340


CDU 34

Índices para catálogo sistemático:


1. Direito 340
2. Direito 34
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Data de fechamento da edição: 18-7-2022


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

PRIMEIRA PARTE - Método para a construção de textos


jurídicos: raciocínio jurídico para artigos, monografias,
dissertações e teses

Capítulo 1 - Os problemas identificados na construção da


argumentação jurídica

I. Um problema estrutural na argumentação jurídica

A. Os problemas na construção dos textos

B. Um método que impede o tratamento rigoroso


do assunto

II. Um problema substancial

A. O problema com a valorização do pensamento


pessoal

B. O distanciamento problemático da esfera de


competências técnicas

Capítulo 2 - Proposta de método para a construção da


argumentação jurídica

I. A fase preliminar

A. A construção da argumentação jurídica pela


problematização
B. A estruturação da argumentação jurídica pela
sintetização

II. A fase escrita

A) O método da redação da introdução

B) Método para a redação do corpo do texto

SEGUNDA PARTE - Método para o comentário de jurisprudência

Capítulo 1 - A fase preparatória

I. A contextualização do problema jurídico

A. A contextualização pela leitura do caso

B. A contextualização pela sintetização do caso

II. A problematização do problema jurídico

Capítulo 2 - A fase escrita

I. A apresentação da problemática na introdução

A) O objetivo da introdução de um comentário do


caso

B) A apresentação da introdução

II. O exame da problemática no corpo do comentário

MODELOS DE COMENTÁRIO

Introdução
I. Apresentação do caso Tatar c. Romênia

A. Apresentação fática do caso

B. O problema jurídico submetido à CEDH

II. O reconhecimento do princípio da precaução

A. A validade do princípio ambiental da precaução pelos


direitos humanos

B. A aplicação do princípio da precaução sujeita à


margem de apreciação do Estado

Considerações finais

I. A apresentação do caso

A) A apresentação fatual do caso

B) A apresentação do problema jurídico

II. As implicações do caso

A) As implicações históricas diante das quais se


apresenta a sentença da Corte Permanente de
Arbitragem

B) As implicações para o direito de residência da


população nativa dos Chagos

BIBLIOGRAFIA
INTRODUÇÃO

Os métodos e as técnicas da argumentação jurídica e da construção de


trabalhos jurídicos apresentados neste livro não têm um valor universal.
Trata-se apenas de uma proposta metodológica entre vários outros métodos.
Apresenta-se como um método potencialmente cumulativo aos outros. Pode
ser utilizado como um instrumento pelos juristas confirmados e pelos alunos
de direito para construir os seus trabalhos jurídicos ou para aprimorar a sua
capacidade argumentativa.
O livro terá às vezes um tom crítico ao apreciar os moldes nos quais são
apresentados as teses, as dissertações, as monografias e os artigos. As críticas
buscam apontar alguns problemas importantes que maculam por vezes os
textos produzidos pelos juristas ao enfraquecer as suas teses. Apresentar esses
problemas é um primeiro passo necessário para justificar a
imprescindibilidade de um preparo metodológico rigoroso nos estudos do
Direito desde os primórdios da formação. Ora, na prática, o contato dos
alunos com os estudos sobre a metodologia do Direito ocorre tardiamente, no
final da graduação. Em alguns casos, resume-se sobremaneira à formatação
de texto. Um dos objetos deste livro é sustentar – e conscientizar – que o
estudo do Direito é incompleto sem uma compreensão cabal da metodologia.
Um método baseia-se no rigor intelectual e é constituído de técnicas
organizacionais claras para demonstrar um raciocínio, para valorizar uma
argumentação, sempre com o objetivo de conhecer o objeto do estudo e de
tornar um trabalho jurídico convincente1. Sendo um meio para convencer, o
método torna-se o instrumento principal e vital do jurista2 do qual não se
espera necessariamente um conhecimento enciclopédico, mas uma
capacidade de construir o seu próprio pensamento sobre um determinado
tema. Uma reserva de cultura e de conhecimento permanentemente regada é
inoperante se não pode ser dominada, canalizada e aplicada quando for
preciso. O que é importante não é apenas o que sabemos, mas como
utilizamos a nossa sabedoria, o nosso conhecimento, para construir uma
argumentação convincente. O conhecimento deve ser obrigatoriamente
processado para que um trabalho jurídico apresente analiticamente as ideias
do autor com as devidas fundamentações. Uma monografia, uma dissertação,
uma tese de doutorado não é um exercício de compilação ou de reprodução,
não é um relato da pesquisa, mas uma aplicação desta. É um trabalho com a
sua própria energia dinâmica e é oriundo de um pensamento pessoal rigoroso,
sólido e construído. Um método eficiente é aquele que simplifica
informações complicadas e que clarifica situações confusas3. Um dos mestres
da metodologia, René Descartes, afirmava que ele não era um gênio, mas
tinha apenas um método.
Um método se entende melhor sob uma configuração dialógica4: é a
responsabilidade do autor criar, por meio da sua escrita, as condições para
estabelecer um diálogo, uma ponte para com o leitor. A figura do leitor não
pode ser negligenciada, pois, é o juiz de um trabalho, de um artigo, de uma
dissertação, de uma tese, e, num outro contexto, de uma petição. A sua leitura
deve ser, portanto, agradável, inteligível, compreensível e útil. Ora, muitos
trabalhos tomam uma forma concêntrica, como um diálogo na mente do
próprio autor que dá assim a impressão de escrever para si mesmo. Em
muitos casos, isso é feito em detrimento da clareza da argumentação; o autor
escreve o que lhe parece evidente sem cuidar das expectativas dos leitores
potenciais e, assim, aumenta a distância entre a sua vontade de convencer e o
entendimento de quem lê. Três ingredientes ajudam o diálogo autor-leitor:
conhecimento, estilo e método. O conhecimento decorre da pesquisa; o estilo
é a forma de escrever; o método é a forma de organizar, de construir e de
apresentar claramente o conhecimento em uma argumentação.
A título ilustrativo, a distância entre o autor e o leitor se reflete na relação
aluno-professor. Ao trabalhar sobre um assunto específico, muitos alunos
desenvolvem uma tendência de expor os seus conhecimentos e a sua cultura
em vez de responder à questão ou de tratar do assunto; tem-se uma vontade
de dividir publicamente o que foi estudado – às vezes para tentar
impressionar o professor ou para parecer um bom aluno. Porém, o
conhecimento se torna, nesse caso, fútil, pois, o que se espera do estudante
não é apenas a amplitude do seu conhecimento, mas principalmente o uso que
se faz deste. Infelizmente, muitos trabalhos universitários – monografias,
dissertações, teses, artigos –, não são corretamente construídos e escritos por
serem compilações e não demonstrações, por repetirem sobremaneira o que já
foi escrito sem testar as suas próprias ideias. Para ser justo, deve-se frisar que
o automatismo de compilar e repetir informações não emana per se e
naturalmente da vontade do aluno, mas do próprio corpo docente.
O aluno médio e o jurista médio têm, ambos, a capacidade de pesquisar e
de coletar informações e dados e, para tanto, as novas tecnologias têm sido
coadjuvantes. Contudo, o que traça a linha de demarcação clara entre o bom
jurista e o jurista médio é justamente a capacidade – e a consciência –
metodológica. Uns produzem textos ou trabalhos mormente descritivos
conquanto outros arriscam uma análise pessoal, trazem uma argumentação
rigorosamente construída e demonstrada: ou seja, além de saberem pesquisar,
são capacitados para defender uma tese. Normalmente apenas os últimos
conseguem realmente convencer os leitores. Os seus trabalhos e textos são
convincentes por terem um embasamento metodológico5.
Lamentavelmente, muitos cursos de direito não oferecem deveras as
ferramentas e as técnicas metodológicas aos juristas no início da sua
formação. Esses cursos têm com certeza aulas de metodologia. No entanto,
observa-se que se trata normalmente de aulas que ensinam os vários discursos
sobre o método. Aprende-se o que os (grandes) autores – filósofos ou
sociólogos, por exemplo – escreveram e pensaram sobre o método. Em outros
casos, a metodologia limita-se à apresentação das técnicas de formatação de
texto. Entretanto, os métodos para construir uma argumentação jurídica e
para raciocinar de uma forma crítica e independente não são sempre
ensinados. Os alunos sabem o que as outras pessoas pensam, mas, nesse
processo, não são preparados para desenvolver e para expressar o próprio
pensamento nos seus textos. Da mesma forma, poucas obras sobre a
metodologia jurídica detalham minuciosamente as técnicas e os passos
metodológicos para construir um texto jurídico e para erguer uma
argumentação; muitas se limitam aos aspectos da formatação formal dos
trabalhos. Ora, sem um domínio da metodologia jurídica, a formação do
jurista é indubitavelmente incompleta.
Este livro não pretende aportar uma luz indefectível sobre essas questões;
tampouco se apresenta como um trabalho de discursos históricos sobre o
método. Trata-se de um pequeno manual que oferece pistas e técnicas para
construir e sustentar uma argumentação jurídica convincente e também para
incitar os juristas a não negligenciarem e descartarem a função do método nos
seus trabalhos. Um dos objetivos será demonstrar o valor agregado do uso de
um método – em especial, do método que será explicado infra – durante um
trabalho jurídico. Espera-se que a presente contribuição sirva para ressaltar
que a estrutura de um trabalho é apenas o espelho da substância: esta se
reflete naquela.
A primeira parte do livro dedica-se, portanto, à apresentação de algumas
técnicas que podem ser úteis para a construção de textos jurídicos como
artigos, monografias, dissertações e teses, enquanto a segunda parte focaliza-
se na explicação de métodos utilizáveis para comentar a jurisprudência – que
é um exercício com grande relevância na elaboração desses mesmos
trabalhos, mas cuja especificidade lhe confere um tratamento especial e
separado no livro.
PRIMEIRA PARTE
Método para a construção de textos jurídicos: raciocínio
jurídico para artigos, monografias, dissertações e teses

O método aqui apresentado explica o passo a passo para a construção de


textos jurídicos como artigos, monografias, dissertações e teses. O objetivo é
permitir que a reflexão do aluno seja visível da primeira palavra do seu
trabalho até a última. Por conseguinte, explanar-se-á como costurar um fio
condutor nítido que possa guiar qualquer leitor, apresentando-lhe
permanentemente, ao longo de sua leitura, a lógica da construção do
pensamento do autor. O esforço metodológico é aquele que faz o autor para
não perder os seus leitores potenciais. É um avanço socrático que segue um
silogismo quase matemático: o leitor entende a linha de argumentação e a
lógica que liga cada argumento, cada capítulo, e cada subparte, pois o
trabalho segue uma construção metodológica que o permite navegar
facilmente entre os argumentos. Um leitor pode não concordar com a
substância do trabalho, com as ideias apresentadas, com os resultados, mas se
o método utilizado for rigoroso, ele não poderia criticar o desencadeamento
lógico da argumentação: eis uma das características de uma boa tese. Ora, na
prática, em razão de um despreparo metodológico, alguns problemas
maculam os trabalhos acadêmicos, deixando-os mais combalidos. A primeira
parte do livro destrinchará esses problemas (Capítulo 1) antes de propor as
ferramentas metodológicas para superá-los com o intuito de produzir textos
jurídicos mais convincentes (Capítulo 2).
Capítulo 1 Os problemas identificados na construção da
argumentação jurídica

Um método é sempre embasado no valor que lhe conferimos: importante


ou supérfluo; útil ou inútil; merecedor de dedicação e de tempo ou não. É o
valor dado ao método na construção da argumentação jurídica que determina
a qualidade do raciocínio jurídico. O raciocínio é o pensamento, enquanto a
argumentação é a forma convincente – e, até certo ponto, a arte –, de
apresentar o pensamento. Ambos devem ser valorizados, e um problema
inerente a um conduz à fraqueza do outro. Nesse sentido, é possível
identificar um problema por um lado estrutural (I) e por outro substancial (II)
no método da construção da argumentação jurídica: ambos enfraquecem o
raciocínio jurídico.

I. Um problema estrutural na argumentação jurídica

O problema estrutural deve ser entendido como um problema na


organização do pensamento e no tratamento dos argumentos. A ordem na
argumentação reflete a ordem no pensamento. Destarte, alguns problemas são
constatados na construção dos textos jurídicos (A), os quais impedem um
tratamento completo e rigoroso do assunto, objeto da pesquisa (B).

A. Os problemas na construção dos textos

Uma explicação conceitual do problema (i) antecederá a ilustração deste.


Poderá ser observado como, nesse processo, a capacidade de argumentar é
sobremaneira enfraquecida pelo hábito de fazer trabalhos meramente
descritivos (ii).
(i) A explicação conceitual do problema O método reflete a clareza do
pensamento e ajuda a espelhar a substância de forma mais clara. Ora,
um trabalho desarticulado revela um pensamento confuso e uma
argumentação combalida. Isto se verifica quando a lógica na estrutura
do trabalho – expressada no sumário –, não é costurada de forma a
erguer uma argumentação sólida, rigorosa, organizada, com um início e
um fim, e com uma coerência evidente entre o início e o fim. Nesse caso,
não há uma articulação e tampouco existe uma ligação entre as
diferentes partes do trabalho: cada parte – cada capítulo, por exemplo –,
é completamente independente das outras, não há um diálogo entre si, o
que deixa às vezes a impressão de haver várias teses independentes em
uma tese defendida. Observa-se esse fenômeno quando o trabalho
contém uma grande parte descritiva e uma opinião analítica tênue – o
que, no final, enfraquece o poder argumentativo do texto6. Elaborar um
trabalho jurídico meramente descritivo que se limita a retraçar apenas o
estado da arte equipara-se a ceder a uma escolha fácil. A competência de
um jurista não se verifica por capacidade de descrever e de repetir.
Alguns exemplos clarificarão e ilustrarão, a seguir, essas afirmações e
constatações.
(ii) A ilustração do problema: um método que incita à descrição Percebe-
se um certo padrão na elaboração dos textos jurídicos universitários. O
padrão segue uma sequência pela qual confunde-se apresentação da
pesquisa com aplicação desta. Os trabalhos, em vez de aplicar a pesquisa
à uma problemática para oferecer uma reflexão, limitam-se a apenas
apresentar o que foi pesquisado. Descrevem as ferramentas, porém sem
mostrar como devem ser utilizadas para resolver o problema. Por
exemplo, considerando hipoteticamente o assunto ‘A proteção do meio
ambiente pelos Direitos Humanos’, dois modelos de construção de textos
que apareceriam são: Modelo 1:
1. A proteção do meio ambiente.
2. Os princípios dos Direitos Humanos.
3. A proteção do meio ambiente pelos Direitos Humanos.
Modelo 2:
1. A proteção do meio ambiente sob uma perspectiva histórica.
2. Os princípios jurídicos da proteção do meio ambiente.
3. Os princípios dos Direitos Humanos.
4. A proteção do meio ambiente pelos direitos humanos.
Assim, os modelos costumam seguir grosso modo três passos ao lidar
com o assunto. O primeiro é uma parte histórica do assunto; o segundo é uma
parte conceitual e de definição; o terceiro adentra no tratamento do tema,
porém sem sempre aprofundar. Nesse terceiro passo, o título do capítulo é às
vezes o mesmo que aquele da própria monografia, dissertação ou tese. Por ser
restrito às últimas páginas do trabalho, esse terceiro passo não consegue tecer
a esperada análise detalhada. Trata-se de uma estrutura adotada em muitos
trabalhos. Contudo, não é uma estrutura que convence, pois potencializa a
probabilidade de resultar num trabalho bastante descritivo. A descrição
constata-se, primeiramente, na parte histórica (1), e confirma-se naquela
sequência dos outros capítulos que se dedicam a revisar o estado da arte ao
descrever os conceitos (2).
(1) A parte histórica como capítulo meramente descritivo A parte
histórica – que pode, com certeza, ter a sua utilidade quando devidamente
justificada – se tornou, no entanto, uma parte protocolar e mecânica dos
trabalhos jurídicos7. É utilizada, parece, porque é assim que todo mundo
faz, porque é assim que sempre foi. Ora, ao fazer isso segue-se uma
‘moda’ do capítulo histórico e, de certo, não se aplica um método. Os
alunos raramente explicam a razão dessa parte histórica, nunca a
justificam, considerando que é evidente para o leitor, e pensando talvez
que ajude a tornar o texto mais claro, mais convincente. O problema da
parte histórica é que ela não trata da problemática, mas descreve de forma
compilatória o contexto histórico em filigranas do tema. Se o pesquisador
deve, por óbvio, conhecer esse contexto, não é sempre útil escrever um
capítulo sobre este. O pesquisador não deve relatar tudo o que foi
pesquisado, pois não se espera dele um relatório de pesquisa. O
pesquisador competente é justamente aquele que sabe filtrar os elementos
da pesquisa que são relevantes para tratar da problemática delimitada. Na
sua forma mais comum, o capítulo histórico coloca o leitor na espera e
impede o aluno de responder ao assunto desde o início do seu trabalho.
Esse capítulo congela o tempo para o leitor, colocando-o num suspenso
de baixa qualidade – de qualquer forma inútil e pouco produtivo para um
trabalho jurídico –, para descrever um processo histórico. Equipara-se a
um desvio antes de responder à questão central do trabalho. Se o assunto
é a proteção do meio ambiente pelos direitos humanos, qualquer leitor-
jurista espera entender como e segundo quais técnicas jurídicas os
direitos humanos contribuem – ou não – à proteção do meio ambiente.
Ele espera que todo o trabalho argumente sobre a possibilidade jurídica
daquela proteção. Iniciar sistematicamente com uma parte histórica
protocolar não é nada outro que fugir – às vezes inconscientemente – do
assunto. Ora, alguns assuntos podem requerer uma parte histórica por ser
fundamental para situar um contexto8; a contextualização histórica pode
ser tão importante para determinado assunto que a consagração de uma
parte inteira para tanto se justifica por ser útil e relevante. Nesse caso, o
mais importante – metodologicamente – é poder justificar a escolha, a
inclusão e a relevância de uma parte que trata da história do assunto ou da
problemática. Todavia, em muitos trabalhos, percebe-se que o capítulo
histórico tem um valor apenas decorativo, sem fundamentos, sem razão
de ser ou de existir por não contribuir à reflexão do autor, mas por
sobrecarregar ou procrastinar o avanço da reflexão. O mesmo comentário
aplica-se às partes que se encasquetam a descrever sobremaneira os
conceitos utilizados para examinar o assunto.
(2) A redundância da descrição conceitual Indubitavelmente, o
pesquisador deve explicar os conceitos e os princípios a serem utilizados
durante o trabalho. A base de qualquer pesquisa é a definição dos
conceitos operacionais. Dito isto, espera-se dele que consagre mais tempo
e páginas para aplicar esses princípios e conceitos à problemática e para
responder às questões centrais do trabalho. Não é produtivo apenas
descrevê-los como se a descrição fosse o resultado esperado, como se a
mera descrição fosse a pura argumentação. Por exemplo, no assunto
hipotético utilizado (A proteção do meio ambiente pelos direitos
humanos), não ajuda a demonstração ter uma parte inteira sobre os
princípios dos direitos humanos ou sobre os princípios do direito
ambiental mesmo que o pesquisador deva ter o domínio desses temas.
Seria mais relevante analisar e tentar demonstrar como a existência de
princípios dos direitos humanos dialogam potencialmente com a do
campo do meio ambiente e como são úteis para a sua proteção. Nesse
sentido, a apresentação e a descrição dos conceitos e dos princípios pode
ser limitada à introdução – cujo método de elaboração será explicado
infra. Para resumir, um trabalho universitário do tipo monográfico deve
proporcionar uma análise e uma reflexão e não um relatório descritivo.
Caso contrário, não pode haver um tratamento rigoroso do assunto
estudado.

B. Um método que impede o tratamento rigoroso do assunto

Não há um tratamento com o devido rigor porque o assunto será


realmente tocado apenas no final do trabalho, às vezes em poucas páginas do
último capítulo. Percebe-se, por exemplo, que em muitos textos o título da
última parte – o último capítulo, por exemplo – é o mesmo que o do assunto a
ser tratado9. A argumentação e a análise em si começam nessa parte final na
qual há pouco espaço para desencadear uma demonstração convincente. Isto
implica, a contrario sensu, que os capítulos anteriores não tratam em si do
assunto e pouco esclarecem sobre a problemática. Quantitativamente, a parte
fundamental – e esperada – do trabalho é concentrada em poucas páginas,
além disso, no final do texto. Note-se que parte da doutrina propõe esse
método, caracterizando-o como articulado e lógico – mas, sem explicar
claramente a articulação ou a lógica10. Obviamente, quando numa dissertação
de 150 páginas a problemática é abordada em apenas poucas páginas, o
pesquisador nunca poderá oferecer uma explicação minuciosa e detalhada da
sua reflexão e dos seus resultados com a tecnicidade esperada, com a devida
demonstração e com uma argumentação persuasiva. Não se pode aprofundar
o exame dos problemas jurídicos. Há várias voltas diuturnas impingidas ao
leitor antes de abordar o assunto cabalmente. No final, parece que cabe ao
leitor pescar, buscar e entender o raciocínio do trabalho quando isso é
responsabilidade e dever do autor. Chama-se rigor. O trabalho universitário
deve unir conhecimento e método para pormenorizar esse conhecimento para
construir uma tese argumentativa. Eis o trabalho mais difícil.
Outrossim, percebe-se que esse problema estrutural se coaduna com um
problema de natureza mais substancial.
II. Um problema substancial

O método torna-se importante apenas quando o seu valor intrínseco é


reconhecido, quando a sua razão de ser é compreendida e quando sua
utilidade é sabida. Por isso, é preciso estar convencido a montante da
pesquisa de que um método serve a algo, e que o seu propósito é auxiliar na
elaboração da pesquisa e na confecção da tese. O método é uma ferramenta
para construir o pensamento e para saber os nossos limites enquanto
pesquisadores. Logo, quando o método é negligenciado, o esforço de
apresentar um pensamento pessoal é dirimido (A) além de ter o risco de
ultrapassar as competências técnicas ao adentrar em searas cujo teor não
dominamos (B).

A. O problema com a valorização do pensamento pessoal

Muitos trabalhos acadêmicos em Direito revelam que o valor do método é


insignificante, o que tem como consequência resultados (monografias, teses,
dissertações) enfraquecidos (i). Esse problema é, no fundo, sintomático da
falta de distância crítica que tende a acompanhar o pesquisador no seu
trabalho (ii).
(i) Um problema decorrente do valor conferido ao método de estruturação
do trabalho jurídico Da mesma maneira que existem métodos para
conduzir a pesquisa, há métodos para estruturar o trabalho final. A
estrutura de um texto jurídico não é algo formal. É o esqueleto que
permite sustentar uma tese e, por isso, deve ser confeccionado com muita
atenção. Entretanto, observa-se o valor periférico conferido ao método
utilizado para a estruturação de um trabalho jurídico: por essência, o
método parece secundário, relegado a um plano meramente formal.
Menosprezar a lógica de estruturação de uma tese equipara-se a
menosprezar a própria tese. Por isso, a escrita de um trabalho jurídico
começa de fato apenas quando se tem a estrutura – sintetizada pelo
sumário –, pronta. Não se pode escrever um texto em bloco para depois
dividi-lo artificialmente em capítulos ou seções, pois isso remeteria a
escrever antes e a pensar depois. Calibrar a estrutura de um trabalho
jurídico é algo estratégico porque significa pensar em como concatenar
logicamente os argumentos para sustentar a tese. Quando isso não é
explicado ao aluno, tende-se a acreditar que a estruturação do trabalho é
de diminuta importância por ser meramente formal. Pensar cabalmente na
estrutura lógica do trabalho facilita o diálogo com o leitor, permite atrai-
lo mais facilmente às ideias e ao raciocínio do autor. O argumento
jurídico elabora-se com base em conhecimento oriundo da pesquisa
(substância), mas também na maneira de apresentá-lo de forma
convincente (estrutura). Os autores sabem por que escrevem, mas não
para quem: a figura do leitor não é considerada, as suas expectativas são
negligenciadas, e ele é afastado do foco do trabalho. Ou seja, a falta de
método provoca um problema de comunicação potencial. Perde-se de
vista que um argumento jurídico deve convencer – pois é a sua essência
–, e que o convencimento é um processo rigoroso e complexo. O trabalho
não deve se apresentar como uma exposição de conhecimento, mas como
um processo argumentativo cujo objetivo seja convencer: eis assim que
se confirmam as técnicas e as competências do jurista. Ora, sem um
método meticuloso e sem um valor real atribuído a ele, é difícil ter uma
produção científica contundente. Nesse caso, torna-se fácil ceder a um
outro tipo de problema, aquele da falta distância crítica.
(ii) Um problema de falta de distância crítica A ladainha é conhecida: “Tu
pensarás apenas ao fazer uma tese de doutorado”. Comumente, os alunos
da graduação e, às vezes, do mestrado são impedidos de manifestar a sua
opinião ao preparar, respectivamente, uma monografia ou uma
dissertação11. A formação se inicia e se continua com essa crença,
incorporada à mente dos jovens juristas, de que não são habilitados para
pensar. Em vez de formar os alunos a desenvolver a capacidade de
raciocinar e de argumentar de forma independente, fomentando, para
tanto, maturidade e capacidade crítica, semeia-se um inibição. Ou seja, a
principal função da universidade é esvaziada. Nesse processo, constata-se
que a “consciência crítica”12 que Darcy Ribeiro queria tanto para a
universidade brasileira é menosprezada.
O problema chamado aqui de distância crítica é a facilidade com a qual
muitos alunos se entregam à doutrina e deixam esta última pensar por eles.
Utiliza-se a doutrina como um argumento de autoridade. Em vez que pensar
com a doutrina, de utilizá-la para construir uma reflexão, prefere-se apenas
compilá-la. Isto se verifica na forma como a doutrina é utilizada nos textos:
vários contêm inúmeras frases começando com “Segundo X ou segundo Y,
ou Para X ou Y”, e no final, sabemos o que todo o mundo pensa, menos o
aluno. Nesse processo de name dropping, há uma sacralização da doutrina.
Isso se manifesta também no uso que se faz do marco teórico.
O marco teórico não é, em si, um problema. O problema surge quando
atrás da onda doutrinal, os alunos tentam buscar um refúgio confortável no
qual não é preciso mais pensar, no qual tudo já foi mastigado e se encontra
pronto para ser repetido. Ao proceder dessa forma, o próprio papel da
doutrina – que é incitar a mais reflexões sobre um assunto – é negado. Assim
sendo, os trabalhos se tornam meras repetições de autores sacralizados ou
menos sagrados, e representam intrinsecamente pouco interesse, pois não há
esforço para resolver um problema jurídico. Parece que são trabalhos feitos
para validar um curso, para obter um diploma; por conseguinte, a relação
com os estudos do Direito torna-se mecânica. A valorização da ciência
jurídica e do ensino completo do direito não é possível sem uma distância
crítica, pois o jurista não pode ser um robô... e os professores não podem
querer que os alunos o sejam.
O uso de um método rigoroso visa a consolidar o raciocínio jurídico que
deve sustentar qualquer argumentação jurídica. Caso contrário, a
argumentação e o raciocínio sofrem ambos de um colapso. Do conjunto dos
problemas identificados no método da construção da argumentação jurídica
resultam algumas consequências prejudiciais sobre o raciocínio jurídico, que
por seu lado se torna combalido.
Esse problema é acentuado por uma tendência que pode ter o jurista de
ultrapassar a sua zona de competências técnicas.

B. O distanciamento problemático da esfera de competências


técnicas

Por distanciamento, entende-se o fato de engajar-se em discussões cujo


teor teórico e cujas ferramentas metodológicas não são dominados. Essa
problemática se constata, em especial, quando o jurista adentra em trabalhos
multidisciplinares (i) e se confirma quando aborda o direito comparado (ii).
(i) Um problema de método nos trabalhos multidisciplinares Os trabalhos
multidisciplinares são aqueles nos quais o Direito é aplicado e estudado
juntamente com outras ciências, normalmente, sociais. Há, nessa linha,
muitos trabalhos que mesclam o direito com a sociologia, a economia, as
ciências políticas, a antropologia etc. Não existe um problema intrínseco
e de princípio com esse método. Os problemas sociais precisam de vários
esclarecimentos, e a resolução de um problema requer em muitos casos e
simultaneamente a contribuição do direito e de outras ciências sociais.
Contudo, torna-se problemática quando não há um método para tanto13.
Lamentavelmente, o jurista às vezes tem esse defeito de acreditar que o
domínio do direito implica, por extensão, o das outras ciências sociais, e
versa então sobre estas como se estivesse dentro da normalidade científica.
Outros trabalhos apenas seguem uma onda de multidisciplinaridade apenas
porque faz parte de uma tendência. Em ambos os casos, quase ninguém se
pergunta: 1) Por que se referir à multidisciplinaridade? 2) Quais são as
técnicas necessárias para um trabalho multidisciplinar sério e contundente?
Para abordar um assunto de forma multidisciplinar, é preciso justificar
porque uma mera análise jurídica não basta, e, além disso, importa
demonstrar que se tem não apenas o conhecimento sólido, mas também o
domínio cabal dos instrumentos e das técnicas de outras ciências que se
pretende utilizar. Caso contrário, o trabalho tem pouco interesse: aquele que
quer ler um estudo sociológico ou econômico sobre um assunto consultará
uma obra de um sociólogo e de um economista, e não a de um jurista. Por
definição, um jurista não é a pessoa mais competente e indicada para lidar
com assuntos ligados à sociologia, às ciências políticas ou à economia. É por
isso que há sociólogos, cientistas políticos e economistas; é por isso que há
faculdades diferentes, formações diferentes, diplomas diferentes, profissões
diferentes – e métodos diferentes inerentes a cada ciência.
As ciências sociais com certeza dialogam, mas têm métodos diferentes –
não se trata de um método inconsútil que liga todas essas ciências. Ignorar
essa realidade e mergulhar numa abstração em que todas as ciências são
naturalmente conectadas equipara-se a uma falta de rigor científico. E
sobretudo jogo intelectual com conceitos pode trazer uma satisfação para os
que assim atuam, mas se encontra a anos-luz do que se chama seriamente de
ciência. Pela leitura de um trabalho jurídico, o leitor ou o examinador busca
basicamente ver se o aluno é um jurista competente.
Há pelo menos duas posturas ao examinar um método multidisciplinar.
Primeiramente, e sendo humilde, o jurista pode reconhecer os seus limites e
estudar apenas o pouco que o direito pode propor para um assunto específico;
assim, a sua contribuição será aquela de um jurista. Em segundo lugar, ele
pode optar por sincretizar várias ciências para chegar a uma conclusão. No
entanto, ao proceder dessa forma, ele deve imperativamente justificar
minuciosamente todos os seus passos e explicar e frisar de modo preliminar
as técnicas e os métodos a serem utilizados assim como a necessidade
imprescindível de uma abordagem multidisciplinar; no mesmo sentido,
deverá demonstrar as suas competências para sincretizar os métodos, ou seja,
além de ser jurista, deverá ele provar que pode atuar como economista ou
sociólogo ou cientista político, o que não é algo óbvio. O jurista deve ter um
conhecimento multidisciplinar, mas não deve confundir isso com a
competência técnica para atuar em âmbitos não jurídicos.
Nessa mesma toada, acrescenta-se outro problema substancial que macula
os trabalhos acadêmicos, notadamente pela falta de domínio e de uso dos
métodos adequados: o uso criticável do direito comparado.
(ii) Um problema com o uso do Direito Comparado O estudo do direito
comparado se subdivide em macrocomparações e em microcomparações.
Numa macrocomparação, comparam-se sistemas jurídicos diferentes14.
Seria, por exemplo, a comparação geral entre o sistema do direito
romano-germânico e o sistema de common law para salientar as suas
diferenças e as suas eventuais similaridades. Num estudo de
microcomparação, faz-se uma análise cruzada de um instituto jurídico em
dois ou mais sistemas jurídicos diferentes15. Seria, por exemplo, um
estudo comparado do direito da propriedade no direito chinês e no direito
brasileiro. Ora, o direito comparado tem um método16.
Os trabalhos acadêmicos, como também as decisões do poder
Judiciário17, fazem um uso atécnico do direito comparado. O direito
comparado se reduz à mera citação do direito estrangeiro – por vezes – de
forma cosmética ou retórica – outras vezes –, sem que haja sequer uma
referência às fontes primárias. Outrossim, o direito comparado é utilizado
com uma certa facilidade para importar institutos jurídicos alheios sem filtro:
em vez de pensar nos problemas locais com instrumentos jurídicos locais
adaptados, o primeiro reflexo é consultar o direito estrangeiro, tornando
assim o direito comparado um argumento de autoridade. Eis algo que se
verifica na própria prática do STF18. Percebe-se também que há um núcleo de
países cujo direito é mais consultado nesse exercício de comparação. São, por
exemplo, os Estados Unidos, a Alemanha ou a França – algo que um velho
decreto brasileiro chamava de “povos cultos”19.
Nesse uso sem método do direito comparado, além de negligenciar as
fontes primárias, desloca-se o direito do seu contexto. O estudo técnico de
direito comparado requer um domínio de fatores jurídicos (o próprio sistema
jurídico, as instituições jurídicas, a formação das fontes primárias) e
extrajurídicos (a língua, a história, a política, a economia, a sociedade, às
vezes a religião) atinentes ao direito estrangeiro sendo estudado20. Além do
mais, o trabalho do comparatista requer várias vezes estudos in loco –
sabendo que ser comparatista é uma profissão. Eis aqui apenas uma amostra
dos fatores menosprezados nos trabalhos acadêmicos que pretendem utilizar
o direito comparado.
Os problemas acima apontados impedem em muitos casos uma
demonstração completa e uma arguição convincente. Nesse processo, um dos
elementos fundamentais ao construir um texto jurídico, que é a consideração
das expectativas dos leitores potenciais, é negligenciada. O desafio do autor é
não perder os seus leitores e, por isso, ele deve ter precisão e rigor
metodológico. Para tanto, o seu conhecimento, a sua sabedoria e toda a sua
pesquisa não devem apenas ser ‘jogados’ de forma desordenada aos leitores,
pois o risco é o de perdê-los. Resolver os problemas estruturais e substanciais
é o passo científico preliminar que deve acompanhar todo trabalho sério;
organizar e ordenar os argumentos são aqui os desafios a superar. Para tanto,
é possível propor um método para a construção da argumentação jurídica.
Capítulo 2 Proposta de método para a construção da argumentação
jurídica

Antes de tudo, o método abrange técnicas organizacionais para


desencadear de maneira ordenada o raciocínio jurídico que sustentará a
demonstração de uma tese. No direito, o convencimento é oriundo
principalmente da argumentação, e raramente da descrição. Proceder de
forma metodológica visa tornar a argumentação inatacável. Há, portanto,
etapas para a construção de uma demonstração rigorosa e convincente: a fase
preliminar que será explicada é, nesse sentido, imperativa (I) para facilitar a
fase escrita que seguirá (II).

I. A fase preliminar

A fase preliminar consiste em preparar o terreno para que a parte escrita


flua logicamente e rapidamente. É a parte na qual todo o trabalho se pensa e
se organiza: é nessa fase que se constrói o fio condutor da argumentação.
Segundo o método aqui proposto, a construção da argumentação jurídica
começa com um processo de problematização (A) e se completa por uma
técnica de sintetização (B).

A. A construção da argumentação jurídica pela problematização

É necessária uma pesquisa organizada, guiada e completa (i) para iniciar


o processo de problematização, na busca da problemática (ii).
(i) A problematização oriunda da pesquisa Para qualquer tipo de trabalho
universitário é sempre fundamental definir e conhecer os conceitos-chave
do assunto que está sendo tratado (1), pois é o passo preliminar
obrigatório para saber como orientar a pesquisa (2).
(1) A definição dos conceitos-chave para a pesquisa Os conceitos-chave
de um assunto devem sempre ser definidos a montante do trabalho. A
lógica é aqui cartesiana: metodologicamente, é preciso conhecer os
conceitos e os princípios que se pretende estudar antes de qualquer
análise. A definição permite esclarecer – para os leitores, mas também
para o próprio entendimento do autor –, a substância e os contornos dos
conceitos e dos princípios fundamentais do tema21. O autor mostra,
portanto, que ele usa definições científicas e não apenas os seus
preconceitos para delimitar o trabalho e estudar o tema. É nada mais que
uma demonstração de rigor científico. Percebe-se que várias teses ou
dissertações ou que vários artigos abordam o tema sem sequer identificar
e explicar os termos fundamentais. Não se pode considerar ab initio num
trabalho científico que os termos são autoexplicativos; não se pode
antecipar que o leitor os entenderá automaticamente. Todos os termos
têm um significado próprio na linguagem do direito e a necessidade de
definir implica a busca desse sentido e do efeito útil de cada conceito. No
Direito, os termos são sempre escolhidos e nunca são acidentais. Por isso,
cabe ao autor revelar o sentido intrínseco de todas as palavras-chave do
assunto, até porque dependendo do contexto alguns termos podem ser
polissêmicos e não cabe ao leitor decifrar e decodificar o seu sentido. É
uma forma socrática de avançar no pensamento ordenado.
O exercício preliminar de definição e de conhecimento das palavras-
chave permite delimitar as questões tópicas frisadas pelo assunto que está
sendo examinado. Trata-se do primeiro passo da pesquisa: as palavras
consideradas como chaves indicam o caminho para iniciar a pesquisa, para
saberem que fontes pesquisar.
(2) As fontes para a pesquisa Ao começar um trabalho jurídico, o reflexo
de muitos alunos é referir-se em primeiro lugar aos textos doutrinais.
Busca-se o que já foi escrito e produzido pela doutrina sobre o assunto, e
a doutrina torna-se a base a partir da qual parte a pesquisa.
O método aqui apresentado segue uma lógica diferente. A doutrina será,
com certeza, consultada, mas não no início. A razão para tanto é simples: este
método avança na pesquisa indo das fontes mais objetivas às fontes mais
subjetivas – e a doutrina encontra-se nessa última categoria. Todos os
especialistas das ciências sociais têm a sua matéria-prima: a do jurista é o
texto normativo, seja a lei, a Constituição, os tratados; são todos os
instrumentos positivados no direito. São eles que o jurista deve consultar
antes de tudo. Ao pensar num problema jurídico e ao tentar resolvê-lo, é o
direito aplicável – o direito bruto –, que deve ser examinado22. Partindo desta
primeira fonte, o jurista deve construir a sua própria opinião sobre o seu
tema, relacionando-o à inquietação que embasa a pesquisa. Eis algo a ser
feito antes de examinar o que pensa a doutrina. Esse processo acostuma o
aluno a pensar por si mesmo, e não pela procuração da doutrina. Trata-se da
forma socrática de avançar na pesquisa, vislumbrando, sempre, a busca e a
valorização da confecção de uma opinião pessoal autônoma.
Na lógica da gradação das fontes, da mais objetiva à mais subjetiva, é a
pesquisa da jurisprudência que deve seguir após a busca dos instrumentos
jurídicos positivados; o objetivo é entender como os textos normativos foram
oficialmente interpretados pelos tribunais nacionais ou internacionais. Para o
jurista é o direito aplicado e aplicável que prevalece antes de tudo. Ao
apresentar uma petição e ao pleitear perante um tribunal, todo advogado deve
demonstrar que o direito positivo foi violado; utilizando um silogismo
jurídico, ele deve explicar como determinados fatos infringiram uma norma:
utilizar-se-á, detarte e obrigatoriamente, o próprio texto jurídico cuja violação
está sendo pleiteada. Para esta demonstração, a jurisprudência anterior é útil
para entender como determinada regra já foi interpretada.
É apenas no final que a doutrina deve ser utilizada para entender a
opinião dos professores. A interpretação doutrinária é o pensamento pessoal
do autor com as suas posições subjetivas e, às vezes, com os seus
preconceitos ou com os seus marcos teóricos que podem, aliás, ser escolhidos
mais por afinidade que por relevância. O objeto deste método não é
menosprezar o valor da doutrina: ao contrário, a doutrina é de suma
importância, mas o pesquisador precisa saber conferir-lhe o valor que ela tem
na sua relação com as outras fontes.
Dirão alguns, todavia, que a interpretação dos tribunais pode também ser
contaminada pelos preconceitos dos juízes, ou, no mesmo sentido, que a
própria lei contém a opinião subjetiva do legislador – e que no final, não há
fontes objetivas. Ora, não se trata aqui de fontes objetivas per se ou puras,
mas das fontes mais objetivas na hierarquia da normatividade, segundo o que
possui a força mais vinculante. A doutrina serve para relevar o sentido das
fontes primárias. Isso não significa que o teor das normas ou das decisões não
seja criticável. Se, por óbvio, a crítica deve segura e fundamentalmente
existir, ela deve considerar a realidade do direito positivado. É pouco
científico o jurista que se limita à afirmação de que tudo é fatalmente político,
e que logo todas as abordagens do Direito se valem. É também um truísmo
afirmar que o direito é – pois, sempre foi! – ligado à política. O papel do
jurista é, justamente, dissociar o político do jurídico sem, portanto, ignorar
essa coexistência. Ele sabe que a política pode influenciar o direito, mas a sua
função é estudar e explicar os fenômenos jurídicos. O jurista é formado para
lidar com questões, problemáticas e assuntos jurídicos. É um papel humilde,
mas importantíssimo: se é preciso saber os nossos limites científicos,
devemos ao mesmo tempo conferir a esse papel o seu valor intrínseco.
Enraizado na realidade e no funcionamento do direito, ciente do processo da
formação do direito, o jurista deve sempre estudar o direito que se aplica,
mantendo, sempre também, a sua distância crítica. Por isso, é o estudo do
direito positivado que constitui o primeiro passo no caminho da pesquisa
jurídica.
Para resumir, os passos a seguir para a pesquisa vão do direito mais
positivo ao menos positivo, dependendo claramente do sistema jurídico
relevante: os precedentes serão nesse sentido estudados em primeiro lugar
num sistema de common law; será a lei que prevalecerá num sistema do
direito romano-germânico; o direito costumeiro será a fonte fundamental no
âmbito de um estudo sobre alguns sistemas de direito africano.
Assim, para um sistema de direito romano-germânico como o direito
brasileiro, os passos a adotar para a pesquisa serão: 1. O texto aplicável
(Constituição, lei...) 2. Os costumes
3. Os princípios gerais de direito 4. As decisões anteriores 5. A doutrina
Essa ordem não decorre de uma invenção. As três primeiras fontes – junto
com a analogia – e a ordem delas são oriundas da própria Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro – do art. 4º do Decreto-Lei n. 4.657 de 1942.
No direito internacional, o ordenamento das fontes obedece a uma lógica
similar segundo o art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, que
dispõe sobre as fontes do direito internacional; há três fontes principais e dois
meios auxiliares: As fontes principais:
1. Os acordos internacionais 2. Os costumes
3. Os princípios gerais do direito Os meios auxiliares:
1. As decisões judiciais 2. A doutrina
As decisões anteriores são importantes por fomentar a jurisprudência,
mas também porque são elas que revelam em muitos casos os costumes e os
princípios gerais de direito. Nessa construção, iniciando pela fonte mais
objetiva (os textos normativos aplicáveis), a pesquisa continua nas fontes
mais subjetivas (a doutrina). Esta última tem um papel fundamental para o
estudo do direito, pois é um observador, crítico do trabalho dos legisladores e
dos tribunais. Entretanto, antes de chegar a ela, é aconselhável que o jurista
construa a sua própria opinião sobre o tema estudado. Uma vez que tenha o
seu pensamento pessoal, ele poderá compará-lo com a doutrina para ver onde
se situa a sua reflexão em relação àquela dos demais autores. É uma técnica
que permite ao pesquisador saber se a sua posição em relação à problemática
é original e se está em concordância ou em dissonância com a doutrina. Com
esse método, o jurista pensa por si mesmo antes de ler o pensamento dos
outros: ele se liberta ab initio da doutrina, mas volta a ela no final. A doutrina
aparece assim como um apoio: o jurista pode utilizá-la para sustentar um
argumento; ele pode também defender uma posição criticando, nesse
processo, as posições doutrinais. Em todo caso, ele não se vincula
sistematicamente a um eixo doutrinal ou a um marco teórico; ele se vincula
prioritariamente a sua capacidade de pensar e de raciocinar.
Da pesquisa feita ao perscrutar as fontes acima mencionadas, tem-se já
uma ideia mais nítida das grandes questões, dos grandes debates e dos
problemas relativos ao assunto. A partir deste ponto de pesquisa, o
pesquisador deve posicionar-se ao problematizar o tema. Para tanto, o
próximo passo é a busca de uma problemática para direcionar o trabalho.
(ii) A busca da problemática A definição da problemática (1) e uma
ilustração conseguinte (2) permitirão explicar a busca.
(1) A definição da problemática A problemática é a perspectiva escolhida
para examinar um assunto. É a identidade do trabalho, pois é o ângulo
pelo qual o autor decidiu abordar uma questão jurídica. A problemática
corretamente apresentada é fundamental para entender o objeto do
trabalho e a sua utilidade. Com uma pesquisa completa, torna-se possível
entender as questões que ainda não foram resolvidas em relação a um
determinado assunto; é também possível perceber sob qual perspectiva
um assunto, embora muito estudado, não foi examinado. Abre-se então o
espaço para elaborar uma problemática, isto é, a grande questão original
que orientará toda a construção do trabalho e todo o processo
argumentativo. A problemática é a pedra angular do trabalho visto que a
‘tese’ é a construção de uma resposta à problemática.
O objeto do trabalho, o seu fio condutor ou a sua delimitação se entendem
pela problemática. Uma vez que se tem todos os insumos – oriundos da
pesquisa – para pensar num assunto, é preciso canalizar o conhecimento para
propor uma análise. A problemática corrobora se a perspectiva escolhida para
o estudo é jurídica e, portanto, se o autor está pensando e raciocinando como
um jurista.
Sendo a identidade do trabalho, a problemática deve ser original e
inovadora, pois, nesse caso, assim será também a tese defendida. Por isso,
dedica-se um tempo considerável e efetua-se uma pesquisa minuciosa para
encontrar a originalidade de uma tese, para descobrir o que não existe nos
trabalhos existentes.
No âmbito do texto escrito, a problemática é apresentada e justificada na
introdução e, mais especificamente, numa parte determinada da introdução –
o que será explicado infra ao ver o método da introdução. Por agora, é
possível dar uma ilustração da formulação da problemática.
(2) Uma ilustração da problemática A formulação da problemática pode
ser relativamente mais fácil quando o assunto a ser examinado já aparece
sob um formato interrogativo. Considerando este assunto geral “Devemos
sempre respeitar as leis?”, é possível ver que a problemática está
implícita e quase inerente ao tema. Uma forma simples e muito prosaica
para problematizar neste caso seria, por exemplo: em quais
circunstâncias o respeito das leis pode ser ultrapassado? Talvez não seja
aqui a forma mais original para lidar com esse assunto, e se a
problemática proposta tem o mérito da simplicidade e da clareza, ela não
deixa de ser muito escolar e, até certo ponto, banal e esperada – sem
estar, todavia, errada. O interesse que essa escolha pode despertar não
será necessariamente alto. Para o mesmo assunto, existem outras formas
de problematizar. Um exemplo pode ser o seguinte: se em razão da sua
própria existência material é esperado que as leis sejam respeitadas e
cumpridas, algumas circunstâncias excepcionais podem justificar a sua
violação? Essa formulação é dialética, ligeiramente mais sofisticada que
a primeira problemática, e desperta potencialmente e com maior
probabilidade o interesse do leitor desde o início.
Buscar a problemática implica encontrar a perspectiva para propor um
estudo inovador que contribua à reflexão sobre o tema e que não seja uma
mera compilação de trabalhos existentes.
O outro tema pode ser utilizado para continuar as ilustrações de
problemáticas: “o soft law”. Uma forma de problematizar pode ser: o soft law
deve ser sistematicamente descartado dos estudos jurídicos em razão do seu
valor não vinculante? Uma resposta (tese) potencial a esta problemática
seria, por exemplo: se uma parte da doutrina minimiza o valor do soft law, a
observação da prática mostra que ele pode adquirir uma consolidação
jurídica com efeitos vinculantes na prática. Pode haver várias possibilidades
para examinar a questão do soft law; o ângulo aqui escolhido frisa a
problemática do valor jurídico do soft law na prática. Uma outra problemática
poderia propor um estudo mais teórico do tema; um outro ainda poderia
adotar uma posição crítica em relação ao assunto. As problemáticas se valem
quando elas são devidamente justificadas.
A partir da problemática é possível começar o processo de argumentação;
é a fase de construção dos argumentos e do raciocínio para sustentar a tese. É
o trabalho intelectual cujo objetivo é propor uma reflexão sobre a
problemática e algumas respostas para resolvê-la. Essa argumentação pode
ser desencadeada por um processo chamado sintetização.

B. A estruturação da argumentação jurídica pela sintetização

A sintetização permite ir diretamente ao ponto e evita que o autor fuja do


assunto. Sintetizar os argumentos implica, na realidade, construir o sumário.
Este, se for corretamente organizado, reflete a tese do autor e revela o fio
condutor do trabalho. Entender o método sintético significa compreender a
essência, o valor real e o uso de um sumário (i) antes de poder utilizá-lo (ii).
(i) Entendendo o método sintético na construção do sumário de um
trabalho jurídico.
A partir da essência do método (1) é possível entender as ferramentas que
ele oferece na construção de um sumário (2).
(1) A essência do método Com a pesquisa feita, a parte escrita do
trabalho jurídico pode parecer fácil. No entanto, uma fase entre a
pesquisa e a escrita é, em muitos casos, negligenciada: é a parte da
construção do sumário. Muitas vezes, o sumário é elaborado de uma
maneira artificial no sentido de que as diferentes partes (capítulos,
subitens, etc.) do texto não têm uma relação lógica entre si.
A diferença entre um sumário construído e pensado e um sumário
protocolar é que o primeiro é atento ao leitor e considera as suas expectativas.
Há, na primeira hipótese, uma preocupação de clareza e uma vontade de
convencer o leitor ao mostrar-lhe a lógica que costura todas as partes do
texto. O sumário reflete o pensamento do autor e a sua demonstração:
constitui as vértebras do seu raciocínio23. Portanto, um sumário
desorganizado revela potencialmente uma argumentação desordenada, o que
é, por óbvio, um óbice à sustentação de uma tese.
Uma metáfora pode ser utilizada para ilustrar esse ponto: a metáfora da
visita do castelo. Face à imensidade de um castelo, é possível andar sozinho
nele para tentar descobri-lo e entender a sua história, a sua arquitetura, a sua
estrutura... Não obstante, não sendo um especialista, é sempre difícil visitar
um castelo sozinho de uma maneira completa, compreensiva e ordenada,
entendendo imediatamente o uso de determinado quarto, de uma torre, da
determinada escada, de um calabouço ou do contexto atrás de uma pintura, da
cor de uma parede, do tamanho de uma cama. Nessas circunstâncias, é muito
fácil se perder – seja fisicamente, seja na compreensão da história do castelo
–, embora estando nele. Se seria objetivamente possível dizer que houve uma
visita do castelo, a sua compreensão seria, entretanto completa.
Metaforicamente o castelo simboliza todas as informações que decorrem da
pesquisa feita para um trabalho jurídico. Se essas informações são jogadas
aos leitores de uma forma desordenada e desarticulada, eles terão com certeza
uma grande dificuldade para entender o raciocínio. A pesquisa pode ser de
forte relevância, mas se não for apresentada de uma maneira organizada e
racional todo o exercício se torna completamente fútil. Não se convence o
leitor quando se tem todos os elementos para resolver um problema e que
estes não são corretamente aplicados, simplesmente porque enseja que a
problemática não será cabalmente resolvida. Para voltar à metáfora do
castelo, a visita torna-se imediatamente compreensível, completa, acessível e
interessante quando há um guia para conduzir, orientar e explicar. A
imensidade do castelo pode, assim, ser absorvida. Sob a mesma lógica, um
trabalho jurídico deve ter um guia; este último materializa-se na forma de um
método de estruturação apropriado devidamente refletido na organização do
sumário. Este ordena os argumentos do autor para racionalizar a sua
demonstração. Esse processo requer rigor, concisão e coerência para tornar
uma tese complexa facilmente acessível ao leitor. Para tanto, o método
sintético oferece algumas ferramentas úteis.
(2) As ferramentas do método sintético As ferramentas são as da
desconstrução a priori e da reconstrução a posteriori dos argumentos:
dividir no início para unir, agrupar e harmonizar no final. Dessas
ferramentas (2.1) verifica-se uma lógica quase matemática para construir
uma tese (2.2).

(2.1) Da desconstrução à reconstrução da argumentação Sintetizar


significa dividir as partes de um todo com o espírito de resumi-las. O
método sintético se apoia na ideia de uma divisão e na pormenorização
lógica dos argumentos ao apresentar e ao construir um texto jurídico.
Diferencia-se completamente da lógica do tríptico Tese – Antítese –
Síntese.
Após um processo de pesquisa robusto para estudar um determinado
assunto, torna-se possível formular alguns argumentos que permitem
responder à problemática. Esses argumentos são em seguida utilizados para
construir a sequência do sumário, que é a coluna vertebral do trabalho. Ao ler
apenas os títulos do sumário, o leitor deve saber o objeto de cada parte e a
argumentação geral24. A formulação dos títulos deve, por isso, ser rigorosa e
precisa. O sumário na sua integralidade apresenta-se como uma fotografia da
tese. Ele expressa já os resultados da pesquisa, isto é, a aplicação da pesquisa
à problemática para propor uma reflexão.
Supondo que a pesquisa permita encontrar nove (9) ideias e argumentos
para examinar uma determinada problemática25, a forma mais fácil para
apresentar um sumário com essas informações será dividi-lo em nove partes:
nove capítulos, por exemplo. Cada ideia, cada argumento seria assim exposto
em um capítulo. Em si, esse método não está errado, mas não entra na lógica
da sintetização por ao menos duas razões.
Primeiramente, sob essa lógica de apresentação, a construção do sumário
se torna pouco prática se em vez de nove ideias e argumentos há vinte, trinta
ou mais – o que é normalmente o caso para trabalhos do tipo monográfico.
Um sumário com trinta capítulos peca pela estranheza da estruturação e,
nesse sentido, pela dificuldade de entender e de seguir o fio condutor geral da
tese defendida. Será muito mais complicado estabelecer e costurar a relação,
científica, lógica e coerente que cada parte tem com a outra – do primeiro
capítulo até o trigésimo, por exemplo. Há o risco de que cada parte pareça
solta e independente do resto do trabalho.
Em segundo lugar, uma estruturação que segue essa forma com certeza
não ajuda o trabalho do leitor, que pode se perder ao navegar entre os
inúmeros capítulos; ele esquecerá provavelmente a primeira parte do trabalho
ao ler a última que terá uma relação longínqua com o resto. Não poderá ele
ter uma fotografia da tese com um simples olhar. Ficará mais difícil agarrar e
seguir o fio condutor. Esse tipo de estruturação pode facilmente perder o
leitor, pois ele não terá a possibilidade de entender a ideia central da tese pela
mera leitura o sumário. Aqui, é preciso lembrar que cabe ao autor o papel de
facilitar a compreensão dos leitores; não são estes que devem adivinhar o
pensamento e o posicionamento do primeiro. O esforço de clareza pertence
ao autor e apenas a ele.
Para remediar essa dificuldade, os nove, vinte ou trinta ideias e
argumentos podem ser sintetizados em apenas algumas grandes ideias
principais tendo uma relação lógica entre si. Para tanto, as ligações, as
conexões e os elos lógicos entre as ideias devem ser encontrados e pensados:
são as pontes que ligam os argumentos de uma maneira coerente e
harmoniosa entre si. Para o jurista, a capacidade de estabelecer tais ligações
depende da sua capacidade de sintetizar, isto é, de ver como agrupar as ideias
relacionadas.
Supondo que após a pesquisa e a reflexão haja 9 ideias/argumentos
selecionados para sustentar na tese: Ideia/Argumento 1
Ideia/Argumento 2
Ideia/Argumento 3
Ideia/Argumento 4
Ideia/Argumento 5
Ideia/Argumento 6
Ideia/Argumento 7
Ideia/Argumento 8
Ideia/Argumento 9
Adotando um método que não seja sintético, o sumário pode ter este
formato: Capítulo 1: ------------------------------------
Capítulo 2: ------------------------------------
Capítulo 3: ------------------------------------
Capítulo 4: ------------------------------------
Capítulo 5: ------------------------------------
Capítulo 6: ------------------------------------
Capítulo 7: ------------------------------------
Capítulo 8: ------------------------------------
Capítulo 9: ------------------------------------
Como foi mencionado, o método sintético tenta encontrar as pontes
possíveis entre as ideias e os argumentos disponíveis. Pela necessidade da
explicação, podemos considerar que, após ter perscrutado todas as ideias, o
conjunto de 9 ideias pode ser condensado em 3 grupos de argumentos:
Sintetizando toda a pesquisa, já temos os três capítulos principais, ou as
três partes principais do trabalho:

A montante, já verificamos que os argumentos 1-3 têm uma relação


lógica e intrínseca entre si: eles formam um argumento principal e são os três
componentes de um argumento ou de uma ideia central a ser defendida. As
ideias 1, 2 e 3 foram, destarte, sintetizadas num argumento principal que se
torna o Capítulo 1. Esses mesmos passos e essa mesma construção se aplicam
aos dois outros grupos de ideias para confeccionar os Capítulos 2 e 3.
Construir os capítulos principais do trabalho utilizando esse método engendra
quase naturalmente as subpartes do trabalho:

O sumário terá in fine a seguinte forma: Capítulo 1: --------------------------


-
I: ----------------------
II: ---------------------
III: --------------------
Capítulo 2: ---------------------------
I: ----------------------
II: ---------------------
III: --------------------
Capítulo 3: ---------------------------
I: ----------------------
II: ---------------------
III: --------------------
Importa assegurar-se que os três capítulos tenham uma relação lógica
entre si e que eles se coadunem para expressar a tese. No mesmo sentido,
todas as subpartes de um capítulo devem também ter uma relação
harmonizada: ao ler apenas os títulos das três subpartes de um capítulo, deve
ser possível entender como eles se completam para alçar o capítulo em
questão. Ao ler apenas os títulos dos capítulos deve ser possível captar
imediatamente a tese, a argumentação geral, o fio condutor. A clareza do
sumário é o espelho da perspicuidade de uma tese.
O mesmo método pode ser utilizado quando em um trabalho volumoso
são necessárias mais que duas camadas de subdivisões. Isto se aplica, por
exemplo, para teses ou para dissertações, e pode ser ilustrado da seguinte
forma: Principais ideais/argumentos utilizáveis após a pesquisa:
Ideia/Argumento 1
Ideia/Argumento 2
Ideia/Argumento 3
Ideia/Argumento 4
Ideia/Argumento 5
Ideia/Argumento 6
Ideia/Argumento 7
Ideia/Argumento 8
Ideia/Argumento 9
Ideia/Argumento 10
Ideia/Argumento 11
Ideia/Argumento 12
Buscando a relação lógica entre as ideias – Passo 1:

Buscando a relação lógica entre as ideias – Passo 2:


Com esse ordenamento, o sumário final terá esta forma: Capítulo 1: ------
------------
I: ------------------
A: ------------------
B: ------------------
II: ------------------
A: ------------------
B: ------------------
Capítulo 2: ------------------
I: ------------------
A: ------------------
B: ------------------
II: ------------------
A: ------------------
B: ------------------
Capítulo 3: ------------------
I: ------------------
A: ------------------
B: ------------------
II: ------------------
A: ------------------
B: ------------------
Trata-se de uma construção de baixo para cima, bottom-up. Partindo de
todas as informações decorrentes da pesquisa, adota-se um processo de
sintetização para construir e organizar minuciosamente todas os níveis do
raciocínio. A relação entre cada parte de um texto jurídico deve ser contínua;
tudo deve fluir como uma corrente que se completa com todos os seus elos.
Os argumentos devem se encaixar um ao outro. É uma lógica quase
matemática que prevalece.

(2.2) A lógica quase matemática da argumentação Um exemplo facilitará


o entendimento do que se chama aqui de lógica quase matemática.
Podemos considerar um sumário com essas divisões: I. ------------------
A. ------------------
B. ------------------
C. ------------------
II. ------------------
A. ------------------
B. ------------------
C. ------------------
Daí vamos entender a lógica utilizando números, e não letras. Para tanto,
podemos considerar que a problemática da tese ou da dissertação é
equiparada ao número 40. Logo, o objetivo do trabalho – tese, artigo,
monografia ou dissertação – será de trazer elementos de respostas para
esclarecer a problemática e resolvê-la. Como os argumentos devem ser
refletidos pelo sumário, espera-se que este último já ofereça a trama geral de
respostas que ajudará o leitor a entender o posicionamento do autor. Para
resolver uma problemática igual a 40, os elementos de resposta devem
obrigatoriamente resultar a 40. Portanto, no exemplo utilizado, a soma de
todos os argumentos (A, B e C de ambos os capítulos) deve ser
numericamente 40.
Considerando que essas ideias/esses argumentos permitam responder à
problemática “40”: Ideia/Argumento 1 = 7
Ideia/Argumento 2 = 7
Ideia/Argumento 3 = 6
Ideia/Argumento 4 = 7
Ideia/Argumento 5 = 6
Ideia/Argumento 6 = 7
Primeiro Passo: agrupar os argumentos sob uma forma lógica em relação
à problemática “40”:

Segundo Passo: estabelecer a relação entre capítulos principais e


subpartes:

O sumário terá, por conseguinte, a seguinte forma: Capítulo 1: ------------


------20
Seção 1:------------------7
Seção 2:------------------7
Seção 3:------------------6
Capítulo 2: ------------------20
Seção 1:------------------7
Seção 2:------------------6
Seção 3:------------------7
Percebe-se imediatamente porque a lógica de construção se equipara à
matemática. A problemática é 40, e os argumentos principais para resolvê-la
são 20 + 20. Esses argumentos aparecem nitidamente já no sumário de uma
maneira facilmente acessível ao entendimento do leitor. Isso significa que a
tese não foge do assunto, mas o trata completamente. Outrossim, verifica-se
que o conjunto das seções de um capítulo se somam para resultar no título
deste último. Não há uma seção solta, autônoma, que não trata do assunto,
que não participa da resolução da problemática. Tudo é logicamente
relacionado. É assim que deve ser construída a argumentação de uma tese,
com essa ideia de torná-la inatacável e indefectível metodologicamente.
Dessa forma, todo o trabalho será argumentativo; não haverá espaço para
descrições inúteis ou para capítulos que procrastinam no avanço do
raciocínio. É claro que o uso de letras e não de números (na formulação do
sumário) relativiza a lógica matemática: é justamente por isso que foi
chamada de lógica quase matemática. Na realidade, é a forma de construir o
raciocínio que deve obedecer a esse método matemático. A exatidão dos
números deve ser substituída pela precisão das palavras. Assim, além da
relevância da pesquisa, das ideias e dos argumentos, a formulação nítida e
concisa dos títulos de todas as partes é de suma importância. Deve buscar-se
as palavras certas para qualificar as ideias.
Como se constatou, toda a preparação obedece a uma teoria de
desconstrução. O assunto estudado é dissecado e pormenorizado nos detalhes,
o uso de cada argumento é profundamente sondado para ver como será
utilizado na tese. Utilizando uma alegoria teatral, a preparação do trabalho é
tudo o que se passa fora do palco; isto posto, começar a escrever significa
levantar as cortinas e apresentar um trabalho já pronto e consolidado. Em
outras palavras, no presente método, não há espaço para a improvisação ou
para o discovery writing – isto é, descobrindo os argumentos ao escrever. O
autor deve conhecer e dominar todos os seus argumentos antes de começar a
escrever. Isso torna a escrita muito mais fácil, clara, rápida e eficiente. Ao
chegar na seção 1 do primeiro capítulo, já se sabe por que essa seção existe e
qual é a sua utilidade, a sua contribuição e o seu objeto. A estrutura do
trabalho é assim pensada para evitar redundâncias e para maximizar a fluidez.
Esse método sintético pode agora ser ilustrado com alguns exemplos.
(ii) Utilizando o método sintético na construção do sumário de um
trabalho jurídico.
Serão utilizados como exemplo os assuntos mencionados na parte sobre a
formulação da problemática. O primeiro era “Devemos sempre respeitar as
leis?”. A problemática escolhida foi: Em quais circunstâncias o respeito das
leis pode ser ultrapassado? As ideias – a título de exemplo – que decorrem
da pesquisa e que tratam da problemática são estas: 1. Teoricamente, há um
respeito às leis, pois elas decorrem da vontade do povo.
2. O respeito é necessário para manter a ordem social.
3. A desobediência civil pode ser aceita quando as leis têm um caráter
hediondo.
4. Na desobediência civil a moralidade prevalece sobre a legalidade.
Dessas ideias é possível defender a posição de que, embora o respeito às
leis seja o princípio, uma desobediência pode, em certos casos, ser tolerada –
o que revela a argumentação principal de um eventual trabalho sobre esse
assunto que terá, logo, como grandes eixos: 1. As expectativas do respeito às
leis em princípio.
2. A aceitação de uma desobediência civil como exceção.
São os dois grandes pontos que sintetizam as ideias principais. Nesse
caso, o sumário final pode ser apresentado assim: I. As expectativas do
respeito das leis em princípio A) O respeito das leis teoricamente esperado
para celebrar a vontade do povo.
B) Um respeito necessário para manter a ordem social.
II. A aceitação de uma desobediência civil como exceção A) A aceitação
da desobediência civil frente às leis hediondas.
B) A prevalência da moralidade sobre a legalidade na desobediência civil.
Como com os números – na lógica matemática –, ao se perguntar “Por
quê?” depois de cada capítulo principal, as respostas devem surgir de forma
aparente após a leitura dos subitens. Por exemplo, se perguntamos por que há
expectativas de um respeito das leis em princípio, as respostas devem se
encontrar no A e no B da primeira parte, isto é, as leis são respeitadas em
princípio porque decorrem da vontade do povo (A), o que permite manter
uma ordem social (B). A + B devem ser iguais a I. Da mesma forma, I + II
devem responder à problemática. Um leitor pode não concordar com a
problemática ou com os argumentos, mas ele não poderá contestar o método
de estruturação e a organização do raciocínio e da argumentação.
Um outro tema pode ser utilizado a título de ilustração, aquele do soft
law, cuja problemática era: o soft law deve ser sistematicamente descartado
dos estudos jurídicos em razão do seu valor não vinculante? Assim como o
assunto precedente, a pesquisa pode fornecer algumas pistas de reflexão para
se pensar a organização do trabalho: 1. A própria formação do soft law revela
o seu valor jurídico duvidoso.
2. O valor jurídico duvidoso se confirma, pois a violação do soft law é
juridicamente questionável.
3. O soft law pode ter, no entanto, uma utilidade na construção do direito
positivo.
4. O soft law pode ser e é efetivamente usado pelos tribunais ao
interpretar textos jurídicos.
Portanto, a tese a ser demonstrada pode ser sintetizada assim: I. O valor
jurídico duvidoso do soft law II. O valor jurídico perfectível do soft law A
ideia será afirmar que, embora o valor jurídico do soft law seja duvidoso, ele
não deixa de ser perfectível – e o próprio direito pode ajudar nesse sentido.
Posto isto, o sumário terá a seguinte apresentação: I. O valor jurídico
duvidoso do soft law A) O valor jurídico duvidoso por razões formais: a
formação do soft law.
B) O ceticismo confirmado por razões substanciais: a dúvida sobre a
violação do soft law.
II. O valor jurídico perfectível do soft law A) A utilidade do soft law na
construção do direito positivo.
B) O uso do soft law na interpretação dos tribunais.
Essa técnica de raciocinar aplica-se também aos trabalhos mais gerais que
requerem uma resposta argumentativa. Por exemplo, para formular uma
argumentação à questão “A que serve um método nos trabalhos jurídicos?”, é
possível propor uma resposta cristalizada no seguinte sumário: I. O uso de
um método para construir uma demonstração lógica A) A utilidade do
método de pesquisa na preparação da demonstração.
B) A utilidade de um método no ordenamento dos argumentos.
II. O uso de um método verificado na construção da argumentação A) Um
método como coadjuvante de uma argumentação efetiva: uma solução aos
trabalhos descritivos.
B) Um método como chave para um trabalho personalizado pela
originalidade da argumentação.
Mais uma vez, todas as partes e subpartes abordam diretamente o assunto,
e a resposta (o posicionamento) do autor se entende lendo apenas o sumário.
Os sumários elaborados aqui para aplicar e para explicar o método
tiveram todos: duas partes e duas subpartes, e isso apenas para apresentar a
lógica da argumentação de uma forma simples e pedagógica. Ora, a mesma
lógica é obviamente aplicável à construção de todos os tipos de sumário –
para artigos, monografias, dissertações ou teses –, não obstante o número de
partes e de capítulos. O mais importante é que tenham um fio condutor claro
entre si.
Todo esse trabalho – de desconstrução e de reconstrução – ocorre a
montante da fase escrita. É um processo de consolidação preliminar do
pensamento, da forma de argumentar; tudo se constrói pedra por pedra, tendo
os leitores como alvo, e daí implanta-se o processo de convencimento.
Quando toda essa parte preparativa fundamental está completa, a parte escrita
se torna mais fácil. Entrementes, alguns passos metodológicos devem
necessariamente ser mantidos nessa fase.

II. A fase escrita


Na fase anterior, todos argumentos já foram selecionados, organizados e
ordenados. Para escrever, basta seguir a ordem já determinada no sumário. É
importante ser o mais direto possível e evitar alimentar um suspense ao
escrever: um trabalho jurídico não é um romance ou uma novela. O uso de
algumas técnicas pode ajudar nesta fase escrita, seja na introdução (A), seja
na redação do corpo do texto, no qual o método da conclusão será também
mencionado (B).

A) O método da redação da introdução

A introdução é o primeiro contato entre o autor e o leitor. É,


normalmente, por aqui que começa a leitura. Portanto, é dali que o leitor
começa a construir a sua impressão do texto com o acesso aos seguintes
elementos: o teor da pesquisa, o domínio do assunto, o método, a nitidez das
ideias, a argumentação, o estilo, a capacidade de pensar como um jurista, o
entendimento de um problema jurídico, a sua problematização. Contudo, é
uma parte do trabalho frequentemente negligenciada. O valor da introdução é,
nesse caso, completamente descartado (i) conquanto a construção de uma
introdução deve seguir um passo a passo rigoroso (ii).
(i) O papel da introdução frequentemente negligenciado Em muitos
trabalhos, a introdução se reveste de um valor mormente protocolar e
decorativo. Parece que existe porque é assim que se começam todos os
trabalhos. Todavia, muitas introduções não informam claramente qual é o
objeto do trabalho. Às vezes, aparecem como meros resumos dos
capítulos principais do texto. Cada parágrafo da introdução se limita
apenas a descrever o que seguirá doravante, como uma mise en bouche...
Às vezes o número de páginas dedicado à introdução é revelador por ser
desproporcional ao tamanho geral do trabalho.
A introdução não é um resumo: é o espaço no qual se explica ao leitor a
escolha do assunto: é a parte do trabalho na qual o autor deve contextualizar
o assunto, problematizar, justificar a sua problemática, mostrar a utilidade e a
originalidade da perspectiva por ele elencada; é o espaço que deve ser
explorado para definir os conceitos chaves e úteis para lidar com o assunto.
Outrossim, a introdução serve para delimitar o trabalho e, assim, para
oferecer um ângulo de estudo ao leitor, explicando-lhe como contribui aos
estudos sobre o tema. Por ser no início do trabalho, ela não deixa de ser uma
demonstração nos trilhos argumentativos. Na realidade, é justamente o ponto
cardinal da argumentação e da demonstração. A introdução é um trampolim
para entender o resto do texto. É um tipo de contrato que se firma com o
leitor.
Dito isto, é possível verificar em muitos trabalhos que esses elementos
incandescentes que caracterizam uma tese e atraem a atenção ao apontar ao
interesse do assunto são ausentes das introduções – se não for do texto em
geral26. Muitas dissertações, teses ou artigos jurídicos pecam por não conter
uma contextualização do tópico, um levantamento das grandes questões
ligadas a este, uma delimitação justificada do trabalho, uma definição jurídica
dos conceitos-chave, um processo de problematização ou uma problemática.
Tudo isso prejudica a tese, pois fragiliza a essência e o sentido dessa palavra.
Às vezes esses diferentes elementos são contidos nos trabalhos, mas apenas
como capítulos específicos; ou seja, os capítulos que devem servir para
desenvolver os argumentos são utilizados para descrever pontos que caberiam
melhor na introdução. Consequentemente, isso deixa pouco espaço, no resto
do trabalho, para examinar profunda e tecnicamente os argumentos.
A utilização de um método silogístico pode ajudar a outorgar à introdução
o valor que ela merece e o papel que ela tem intrinsecamente.
(ii) A construção silogística da introdução Depois de ter apresentado as
ferramentas para entender esse método silogístico (1) dever-se-á apontar
uma singularidade da estrutura que terá a introdução (2).
(1) As ferramentas do método silogístico No espírito da construção
silogística, todos os parágrafos, todos os segmentos da introdução são
conectados: cada parágrafo da introdução – ou cada parte da introdução –
é o resultado do parágrafo anterior. O ordenamento da introdução segue
uma lógica específica e construída para chegar à problemática (que não
deve aparecer ao leitor como uma surpresa, saindo do nada). Ao menos
nove (9) passos devem ser seguidos para se aplicar o presente método: a
partir de uma contextualização geral, (1.1) os conceitos chaves devem ser
definidos (1.2) para chegar a uma contextualização mais específica (1.3);
isso permitirá delimitar o trabalho e começar o processo de
problematização (1.4) do qual decorrerá a problemática (1.5); esta deve,
em seguida, ser explicada (1.6); a sua originalidade e a sua utilidade
devem ambas ser ressaltadas (1.7); da mesma forma, eventuais métodos
específicos utilizados devem ser frisados (1.8); finalmente, a relação entre
essa problemática e os argumentos da tese – que se encontram no sumário
– deve ser justificada (1.9).
Perceber-se-á que a introdução se ergue como um funil, filtrando a
demonstração do mais geral ao mais específico. Constatar-se-á também que
todos os elementos utilizados para a introdução são os que já foram
encontrados, definidos e delimitados na fase preparatória preliminar.

(1.1) Primeiro Passo: contextualização geral A contextualização geral


significa explicar ao leitor por que e como o assunto examinado suscitou o
interesse do autor. Explica-se de onde parte a inquietação. Pode ser, por
exemplo, uma mudança no ordenamento jurídico decorrente da adoção de
uma nova lei ou de uma nova decisão. Sempre há – ou ao menos, deve
haver – um elemento impulsionador de um trabalho jurídico. Uma tese
não nasce ex nihilo. Portanto, é esse elemento propulsor de interesse que
pode ser utilizado para começar a escrever e para oferecer uma
contextualização geral. Desde já o leitor dever ser levado a compartilhar o
interesse original do autor.
Depois da contextualização geral, tornar-se relevante tratar as definições
dos conceitos-chave.

(1.2) Segundo passo: a definição dos conceitos-chave Na fase preparatória


sobre a pesquisa, todas as palavras e todos os conceitos-chave para
examinar o assunto já foram definidos. As definições devem aparecer no
início do trabalho: é metodologicamente rigoroso definir o objeto do
estudo antes de começar a análise. A construção de um trabalho não pode
começar seriamente se a base não for sólida. Como mencionado acima,
deve haver uma gradação nas fontes para definir as palavras-chave: das
fontes mais objetivas (lei, Constituição, tratados...) às mais subjetivas (a
doutrina). É o espaço para resolver e esclarecer todos os equívocos,
explicando pedagogicamente o sentido real de uma palavra, de um
conceito, justificando, por exemplo, porque uma definição foi escolhida e
não uma outra – e colocando, in fine, as definições em relação com o
assunto. Daí, pode haver uma contextualização específica do assunto.

(1.3) Terceiro Passo: uma contextualização específica A cada passo há


uma especificação do assunto – na lógica do filtro. Contextualizar
especificamente implica já iniciar o processo de delimitação do assunto,
isto é, o corte do trabalho, a centralização do foco. Essa parte pode assim
ser reservada para a contextualização histórica (1.3.1), para contextualizar
os grandes debates sobre o assunto (1.3.2) e para, eventualmente,
contextualizar a abordagem da questão em relação às outras ciências
(sociais) se e quando for necessário (1.3.3).

(1.3.1) A contextualização histórica É sempre importante relacionar o


texto ao contexto. Todavia, essa ligação deve ser explicada e justificada.
No presente método utiliza-se a introdução para tanto. Como foi
mencionado na primeira parte, não há necessidade de um primeiro
capítulo histórico, mesmo que essa possibilidade não seja por princípio
excluída, pois há assuntos específicos que demandam uma parte histórica.
Contudo, não é o caso para a maioria dos trabalhos. É importante lembrar
que o jurista não é um historiador e não possui as competências técnicas
para atuar como tal e para fornecer um estudo completo sobre a história
de uma determinada questão. No entanto, o jurista pode apresentar de uma
forma resumida uma evolução histórica do assunto com o objetivo de
contextualizar a problemática e de delimitar o seu trabalho. O objetivo
aqui é explicar ao leitor como uma questão costumava ser tratada
historicamente e por que as circunstâncias atuais justificam uma outra
abordagem ou uma outra perspectiva. Será, por exemplo, mostrar como
um determinado problema jurídico recebeu recentemente um tratamento
jurídico diferente em comparação com a sua abordagem clássica, seja
pelos tribunais, seja pela doutrina. Para que a contextualização histórica
seja relevante e pertinente ao trabalho importa colocá-la em relação com o
tema, explicando como ela permite entender melhor o caminho que se
traça até a problemática. Proceder dessa forma evita utilizar o contexto
histórico de uma forma mormente protocolar, sem fundamentos, sem
necessidade. Mostra-se assim que a construção do trabalho foi
devidamente pensada e que a inclusão de todas as partes da introdução foi
minuciosamente calculada, sempre com o objetivo de permitir que o leitor
entenda imediatamente o raciocínio. Seguindo a mesma lógica, podem ser
apresentados os grandes debates que existem sobre o assunto.

(1.3.2) A contextualização dos grandes debates sobre o assunto É útil


saber em qual dialética ou controvérsia doutrinal inscreve-se o tema.
Apontar a existência de um debate, seja doutrinal seja jurisprudencial
permite ao aluno se posicionar em relação a este com base em seus
próprios argumentos. Posicionar-se no debate permite ao pesquisador já
indicar a sua opinião fundamentada. É também uma forma para começar a
delimitar o tema. Apresentar uma controvérsia existente ajuda na
problematização e permite traçar o raciocínio que justificará doravante a
sua problemática. Nesse sentido, não se faz apenas uma compilação da
doutrina sobre o assunto, mas explica-se como o pesquisador se
posicionará em relação ao que já foi publicado. É nesse mesmo sentido
que a referência às outras ciências (sociais) na introdução permite uma
melhor contextualização e uma melhor delimitação do tema ao informar o
leitor como a perspectiva jurídica demarcar-se-á de estudos econômicos,
sociológicos, políticos, etc.

(1.3.3) A contextualização ao referir-se às outras ciências sociais Para o


leitor, é, em alguns casos, interessante saber o valor agregado da ciência
jurídica no tratamento de uma questão específica. É útil explicar a
contribuição do direito na resolução ou no esclarecimento de um
problema específico da sociedade por exemplo. Dessa forma, a
contribuição jurídica pode ser comparada com aquelas das outras ciências
sociais de modo a destacar a função do direito frente ao tema. Será, ao
mesmo tempo, uma forma de justificar a relevância da pesquisa jurídica
feita. É apenas a título ilustrativo que a referência deve ser feita a essas
ciências: referir-se aos outros âmbitos das ciências sociais vale
unicamente se o objetivo da comparação for de explicar melhor a
perspectiva jurídica. Não deve ser esquecido que se trata de um estudo
jurídico e que o autor é sobretudo um jurista. Para tanto, eventuais
conhecimentos dessas outras ciências podem ser utilizados pontualmente
apenas para afiar a contextualização da pesquisa – desde que o jurista não
pretenda ser sociólogo, economista, antropólogo, etc.
Com a contextualização específica, o recorte do trabalho começa a ser
esboçado. O leitor deve ser mantido na linha do fio condutor, e nesse
momento se torna conveniente explicar-lhe a delimitação do texto. A
delimitação deve decorrer da contextualização para alcançar uma fluidez
entre as diferentes partes da introdução.

(1.4) Quarto Passo: a delimitação do trabalho Delimitar significa desenhar


e justificar a linha de separação entre o que entrará no âmbito do estudo e
o que será intencionalmente excluído. Quando não se escreve um manual,
não se espera que o autor trate do assunto de uma forma exaustiva,
apontando todos os detalhes, explorando todos os aspectos do debate,
esgotando todas as problemáticas. Ao delimitar o assunto, o autor explica,
destarte, quais elementos entraram na circunferência do trabalho – e por
quê. No cruzamento das possibilidades para analisar uma questão, ele roça
o terreno para mostrar o caminho que escolherá, justificando devidamente
essa escolha. A delimitação irá reforçar o interesse do trabalho, e do leitor
que deve sempre – ao longo do texto – ser incitado a querer avançar na
leitura. Na ponta do caminho escolhido deve ser encontrada a
problemática: esta deve ser uma consequência lógica não apenas da
delimitação, mas também da contextualização geral e específica.

(1.5) Quinto Passo: a problemática A problemática que já foi encontrada e


delimitada na fase preparatória deve ser encaixada nessa fase da
introdução. Ela deve ser logicamente conectada aos parágrafos anteriores
da introdução e aos que seguirão. A problemática – cuja definição e cuja
explicação encontram-se supra – é, ao mesmo tempo, a cristalização da
pesquisa e a pedra angular da demonstração. O resto do trabalho terá a
pretensão de resolvê-la. Tudo o que será explicado doravante, todas as
ideias e todos os argumentos utilizados devem obrigatoriamente ter a
problemática na pontaria. Dessa maneira, assegura-se que haverá uma
análise, um estudo pensado, e não uma exposição de ideias ou uma
descrição. Depois da sua apresentação a problemática pode ser –
tecnicamente – explicada.

(1.6) Sexto Passo: a explicação da problemática Este passo não é


obrigatório e depende da complexidade da problemática. Em alguns
casos, a problemática merece uma explicação mais detalhada por ela ser
demasiadamente técnica. Um pequeno parágrafo pode, portanto, ser
dedicado especificamente para esse propósito com o mesmo objetivo de
guiar o leitor e de estar atento às suas expectativas. Explicar a
problemática não significa repeti-la, mas apenas simplificar, ilustrar e
demonstrar a sua tecnicidade. Para os assuntos muito técnicos é uma etapa
útil antes de abordar a questão da originalidade do trabalho e da sua
problemática.

(1.7) Sétimo Passo: salientar a originalidade do trabalho Trabalhos como


teses, dissertações ou artigos e mesmo monografias devem buscar
contribuir com os estudos sobre o tema que está sendo analisado. É o
próprio da pesquisa buscar essa contribuição. O aluno deve explicar a
originalidade da sua problemática, enfatizando o que ela contém e traz de
novo e de diferente, como ela se destaca do que já foi escrito e por que
merece uma leitura. Não é difícil encontrar essa justificativa considerando
que segundo o presente método a problemática se escolhe justamente em
função da sua novidade e originalidade: é um trabalho já pensado a
montante que deve agora, a jusante, apenas ser revelado ao leitor. Basta,
então, apresentar a singularidade do trabalho antes de explicar
eventualmente quais métodos serão aplicados.

(1.8) Oitavo Passo: frisando eventuais métodos utilizados Normalmente é


sensato mencionar o método que conduzirá o trabalho depois de ter
exposto a problemática. O tipo de método pode variar em função do
trabalho. O método pode, por exemplo, ser indutivo: nesse caso, o estudo
parte da observação da realidade (de casos) para chegar ao resultado;
parte-se aqui do específico ao geral. O método pode ser dedutivo, que se
inicia de um postulado geral a ser testado em casos específicos aplicando
um silogismo27. Ambos os métodos podem também se coadunar a uma
proposta qualitativa pela qual se parte da interpretação decorrente da
observação para categorizar os insumos da pesquisa, para mostrar
tendências ou padrões. Se o aluno tiver como objetivo fazer uma pesquisa
multidisciplinar, ele deve mostrar que possui todas as ferramentas e as
técnicas para mesclar as diferentes ciências. Neste caso, o método da
multidisciplinaridade deve ser explicado e justificado. Num estudo que
pretende tratar juntamente o direito e a economia, por exemplo, precisa-se
explicar com quais ferramentas será feita a análise econômica do Direito.
O mesmo princípio se aplica em caso de análise sociológica (ou outra) do
Direito. Reitera-se, contudo, o cuidado que o pesquisador deve ter com
estudos multidisciplinares, sobretudo quando ele não é um especialista de
uma das disciplinas que pretende incorporar no trabalho. Finalmente, após
esse passo, a problemática pode ser relacionada aos argumentos que serão
defendidos na tese.

(1.9) Nono Passo: a justificativa entre a problemática e os argumentos


defendidos na tese Este passo serve, na realidade, para informar qual é a
tese (resposta à problemática) e também para introduzir os capítulos
principais do trabalho, pois estes contêm a argumentação principal da
tese. O leitor deve saber que para uma determinada problemática existem
determinados argumentos. Logo, precisa-se explicar qual será a tese
defendida e quais serão os argumentos utilizados para tanto. Como esses
argumentos foram distribuídos ao longo do sumário, o objetivo é terminar
a introdução anunciando como os diferentes capítulos se coadunam para
sustentar a tese. É tanto importante apresentar esses argumentos quanto
explicar como eles se conjugam de forma a sustentar a tese. Desta forma,
a última parte da introdução serve de ponte com o resto do trabalho. Em
outras palavras, a introdução se encerra com uma ponte que estabelece a
conexão com os outros capítulos do texto.
A título de ilustração, o mesmo assunto do Soft law pode ser utilizado. A
problemática encontrada era: o soft law deve ser sistematicamente descartado
dos estudos jurídicos em razão do seu valor não vinculante? Lembre-se que
os dois grandes argumentos (capítulos) para examinar a problemática e para
trazer elementos de respostas são: I. O valor jurídico duvidoso do soft law.
II. O valor jurídico aperfeiçoável do soft law. No caso de um trabalho sobre
o soft law, o último parágrafo da introdução pode ser formulado da seguinte
forma: Mesmo que o valor jurídico do soft law seja a priori duvidoso
(Capítulo I), a prática revela que ele não deixa de ser aperfeiçoável
(Capítulo II).
Desse ponto em diante, o trabalho pode seguir com a escrita do primeiro
capítulo. Outra forma de terminar a introdução – depois desse parágrafo que
serve de ponte consiste em fazer pequenos resumos de cada capítulo. Antes
de examinar como se organiza a construção do resto do texto, uma
especificidade desse método para elaborar a introdução deve ser explicada: é
relativo ao marco teórico.
(2) Uma singularidade do método para construir a introdução Um
elemento, presente em muitos casos na introdução, não foi mencionado
acima: o marco teórico. A razão é simples: não há sempre e
necessariamente UM marco teórico. O método apresentado privilegia o
pensamento do autor, as suas opiniões, os seus argumentos defendidos no
trabalho todo –, ou seja, a sua capacidade de raciocínio por si mesmo.
Portanto, não há necessariamente um norte, um marco teórico que
determinará a montante segundo qual escola se deve pensar. Não terá um
autor que agirá como muleta ou como um argumento de autoridade para
sustentar a tese. Não que esteja errado ter um marco teórico num
trabalho: é só que o método proposto aqui segue uma lógica diferente,
sem ser melhor ou pior. Incentiva-se a construção da reflexão pessoal ao
dialogar, por óbvio, com outros autores, com outros marcos sem se
concentrar apenas em um.
A doutrina e as diversas teorias relevantes devem seguramente ser
utilizadas e citadas. Na etapa preparatória, a doutrina foi mencionada como
uma fonte para a pesquisa. Contudo, o aluno não deve se limitar a apenas
citar e compilar os livros e artigos. A doutrina é um dos insumos que auxilia
a calibrar a reflexão, porém, para tanto, precisa-se ter uma certa distância
crítica para desenvolver o reflexo de não apenas repeti-la. Deve haver ao
mesmo tempo um uso completo e minucioso da doutrina e, no entanto, uma
distância em relação a ela. Em outras palavras, o aluno não tem um guia
principal ou um guru na pessoa de um marco teórico. Ele é independente.
Todo o trabalho deve refletir o seu pensamento e a sua posição; ele deve
entender e respeitar as teorias doutrinais, mas sem permitir que estas últimas
pensem no lugar dele. Assim, o método exposto busca realmente valorizar o
pensamento pessoal do autor.
Com a introdução pronta, é agora possível iniciar a redação do resto do
trabalho que obedece também a uma forma específica.

B) Método para a redação do corpo do texto

Duas partes serão examinadas aqui: o método para unir as partes que
contêm a argumentação principal (i) e a conclusão (ii).
(i) O método para unir as partes que contêm a linha de argumentação
Como o sumário já foi elaborado, já se sabe o conteúdo de cada capítulo e
de cada subitem. A construção geral da argumentação já foi feita, a
relação entre cada argumento já foi encontrada. O roteiro geral está
pronto e o campo já foi devidamente balizado para que possa iniciar-se a
fase da escrita do texto.
A técnica escrita que busca o convencimento máximo embasa-se na
mesma lógica matemática de ligar claramente todos os componentes da
argumentação. Por isso, as diversas partes do trabalho – capítulos, seções,
subitens etc. –, devem ser interconectadas. Para tanto usar-se-á a técnica dos
parágrafos introdutórios e de transição.
Os parágrafos introdutórios podem ser utilizados entre uma parte
específica do trabalho e as suas subdivisões: por exemplo, entre um capítulo e
as suas seções; entre uma seção e as suas subseções etc. Para ilustrar, se o
capítulo 1 tem três seções, há ao menos duas formas de escrever.
A primeira forma:
Capítulo 1: –---------------------
Seção 1: -------------------------
Nesse caso, a primeira seção começará imediatamente após o capítulo 1,
sem nada, sem nenhum texto específico, entre eles. No método aqui proposto,
há um passo preliminar: explica-se a relação entre o capítulo 1 e os seus
subitens. Esclarece-se por que o capítulo 1 contém três subitens e como as
ideias apresentadas e defendidas em cada seção completam a ideia geral do
capítulo. Dessa forma, garante-se a pertinência de todos os subitens e evita-se
qualquer digressão. Formalmente, essa ligação se faz com um parágrafo
introdutório depois do capítulo. Esse parágrafo não é um resumo dos
subitens. A explicação pode ser ilustrada com alguns exemplos.
O primeiro exemplo é relativo ao assunto já utilizado: Devemos sempre
respeitar as leis? A primeira parte da argumentação (do sumário) para tratar
essa questão era: I. As expectativas do respeito das leis em princípio A) Um
respeito das leis teoricamente lógico para celebrar a vontade do povo.
B) Um respeito necessário para manter a ordem social.
Segundo o método de estruturação proposto, a apresentação pode ser feita
da seguinte forma: I. As expectativas do respeito das leis em princípio O
respeito das leis é lógico sob a perspectiva da teoria jurídica considerando
que as leis são oriundas da vontade do povo (A) considerando que elas visam
a manutenção da ordem social que se encontra igualmente em adequação com
a vontade popular (B).
A) Um respeito das leis teoricamente lógico para celebrar a vontade do
povo.
B) Um respeito necessário para manter a ordem social.
Antes de abordar as partes A e B, explica-se a relação que elas têm entre
si e como elas ilustram a ideia central do capítulo I. Isso é importante para o
autor e, por conseguinte, para o leitor. Para o autor: ao proceder dessa
maneira, ele avança com confiança na sua demonstração, pois ele sabe
exatamente todas as conexões que formam o seu raciocínio e ele sabe em
qual direção está indo o trabalho; a experiência mostra que essa técnica torna
a escrita mais eficiente. Para o leitor: o texto se torna obviamente mais claro e
mais acessível, pois consegue acompanhar, o fio condutor da argumentação
que se revela naturalmente e sem esforço a ele.
O tema ´soft law´ foi um outro exemplo utilizado supra. A primeira parte
do trabalho tinha essa forma: I. O valor jurídico duvidoso do soft law A) O
valor jurídico duvidoso por razões formais: a formação do soft law.
B) O ceticismo confirmado por razões substanciais: a dúvida sobre a
violação do soft law.
Ao aplicar o presente método de estruturação, este primeiro capítulo
começaria assim: I. O valor jurídico duvidoso do soft law O soft law tem um
valor jurídico duvidoso considerando apenas a sua própria elaboração que
foge dos princípios clássicos da formação do direito (A), o que levanta a
questão da possibilidade da violação do soft law, confirmando dessa forma o
ceticismo inicial (B).
A) O valor jurídico duvidoso por razões formais: a formação do soft law.
B) O ceticismo confirmado por razões substanciais: a dúvida sobre a
violação do soft law.
Costura-se assim, por meio do parágrafo introdutório, a lógica entre as
várias partes e subpartes. E da mesma maneira, ao terminar um subitem não
se deve começar abruptamente o próximo subitem. É necessário ter uma
conexão para explicar por que um subitem resulta naturalmente no próximo:
chama-se de parágrafo de transição. Para resumir, todas as partes e subpartes
do trabalho devem ser ligadas por parágrafos introdutórios ou por parágrafos
de transição; ao terminar uma parte, é preciso introduzir aquela que segue: I. -
-----------------
Parágrafo introdutório (introduzindo a relação entre A, B e C) A) ----
--------------
Parágrafo de transição (explicando a passagem do A ao B) B) --------------
----
Parágrafo de transição (explicando a passagem do B ao C) C) --------------
----
Parágrafo de transição (entre o I e o II) II. ------------------
Parágrafo introdutório (introduzindo a relação entre A, B e C) A) ----
--------------
Parágrafo de transição (explicando a passagem do A ao B) B) --------------
----
Parágrafo de transição (explicando a passagem do B ao C) C) --------------
----
Parágrafo de transição (entre o II e o III) III. ------------------
Parágrafo introdutório (introduzindo a relação entre A, B e C) A) ----
--------------
Parágrafo de transição (explicando a passagem do A ao B) B) --------------
----
Parágrafo de transição (explicando a passagem do B ao C) C)
Posto isso, o método para apresentar a conclusão pode ser explicado.
(ii) O método para apresentar a conclusão A conclusão não é um mero
resumo do trabalho e tampouco é um espaço reservado para encaixar
ideias e argumentos que surgiram in extremis. A forma da conclusão
varia segundo o tipo de trabalho. A conclusão de uma dissertação ou de
uma tese é diferente daquela de um artigo. Porém, se o conteúdo e o
volume são diferentes, a razão de ser é a mesma: responder à
problemática exposta na introdução. Deve-se explicar como toda a
argumentação utilizada ao longo do texto permite chegar a determinado
resultado. Para trabalhos maiores (teses, dissertações) não é inútil
relembrar os argumentos principais: como se trata de trabalhos de muitas
páginas, o leitor pode esquecer alguns detalhes ao chegar à conclusão
final. Logo, um resumo dos diferentes capítulos é útil para esses trabalhos
de grande porte. Depois do resumo, o mais importante é explicar os
resultados da tese e as respostas cunhadas frente à problemática
apresentada na introdução. Para os artigos, o resumo não é sempre útil,
pois, dada a quantidade de páginas, as informações permanecem mais
facilmente na mente do leitor. De qualquer forma, tanto para as teses,
dissertações e monografias como para os artigos, o autor deve dar a sua
opinião sobre os seus resultados: ele deve qualificar a sua análise
confirmando assim o interesse, a utilidade e a originalidade do seu
trabalho e das suas conclusões. A formulação da conclusão deve ser de tal
forma que o leitor entenda facilmente por que – logicamente –
determinados argumentos conduzem a determinados resultados
considerando dada problemática. A conclusão é também o espaço para
eventualmente antecipar futuras evoluções do assunto, do campo de
estudo da tese e da problemática. À luz da tese defendida, o autor pode
oferecer uma reflexão sobre as consequências que podem decorrer da sua
tese futuramente. É uma forma de encerrar, de fechar o trabalho, abrindo
novas perspectivas de estudo, de reflexão, de dúvidas e, talvez, de outras
teses, mostrando assim a aplicabilidade futura dos resultados
encontrados.
SEGUNDA PARTE
Método para o comentário de jurisprudência

Método para o comentário de decisão: surgem aqui três palavras-chave


que permitem entender o objeto e o objetivo desse exercício. O comentário
implica análise e contribuição crítica de uma decisão sob uma perspectiva
jurídica; a decisão é o julgamento emana de um tribunal; o método embasa-se
nas técnicas de raciocínio jurídico que permitem uma construção lógica e
argumentativa cujo produto é a apreciação do pesquisador ao examinar o caso
em questão. Em outras palavras, o comentário não é uma repetição ou um
mero resumo do caso. Além disso, precisa-se estudar a decisão per se e não
apenas ler um comentário da doutrina sobre a decisão como se faz às vezes.
O método é justamente útil para estabelecer a linha de demarcação entre o
que é e o que não é um comentário28.
O interesse de um comentário de jurisprudência é entender se o jurista
conseguiu identificar o problema jurídico de um caso para construir uma
reflexão mais ampla que ressalte o interesse, a importância, a utilidade e a
relevância da decisão em comparação com jurisprudência anterior. O objetivo
não é apenas acadêmico, pois esse exercício permite – a todos os
profissionais do direito – acompanhar a evolução jurisprudencial, entendê-la,
contextualizá-la e, eventualmente, criticá-la quando for necessário. Por isso,
ao fazer uma análise jurisprudencial, o aluno deve ter a certeza de que ele não
está apenas repetindo ou reformulando comentários existentes, pois, nesse
caso, o trabalho tem pouco interesse. Saber comentar a jurisprudência é,
também, crucial para os que pretendem fazer uma monografia, uma
dissertação ou uma tese. A jurisprudência expressa o espírito das leis, a
interpretação judicial do direito aplicável. Nos trabalhos universitários há
uma tendência de concentrar a jurisprudência em uma parte separada ou em
um capítulo isolado; nesse caso, a jurisprudência não é utilizada ao longo do
trabalho para apoiar a reflexão e para demonstrar a tese. Há um debate – por
vezes abstrato – de princípios ou de doutrina antes que apareça a
jurisprudência, em muitos casos no final do trabalho, como se as decisões não
fossem fontes de interpretações fundamentais para o entendimento do direito.
Trabalhos jurídicos convincentes utilizam a jurisprudência do início até o
fim, obviamente quando relevante, para ilustrar a tese. Para tanto, devem ser
dominadas algumas técnicas de análise de decisões na argumentação jurídica.
Ao menos quatro elementos são fundamentais ao analisar uma decisão: o
problema jurídico submetido aos juízes ou árbitros, o raciocínio do tribunal
ao resolver o problema, as conclusões do tribunal e, o valor e o sentido geral
da decisão.
É preciso identificar cada elemento para iniciar uma análise da
jurisprudência. O problema jurídico é a questão do direito que um tribunal
deve examinar para solucionar um contencioso: é a pedra angular de toda
disputa jurídica – e por conseguinte, do comentário jurisprudencial –, pois
sem ela não existe um caso e tampouco uma decisão e, a fortiori, nada há
para analisar. Tudo decorre do problema ou dos problemas jurídicos. O
raciocínio jurídico do tribunal facilita a compreensão das técnicas
hermenêuticas, dos princípios do direito e do silogismo utilizados para
justificar a decisão. As conclusões, em si, situam o caso numa linha
jurisprudencial, salientando se houve uma confirmação ou uma alteração da
jurisprudência. O conjunto ilumina o valor e o sentido geral da decisão, isto
é, os seus efeitos sobre a prática. Destrinchar uma decisão é trabalho
metódico e minucioso.
Os trabalhos acadêmicos que incorporam a jurisprudência no seu bojo
mostram, em alguns casos, dois tipos de erro: erro de distância e erro de
fontes. No primeiro caso – erro de distância –, percebe-se uma tendência a
parafrasear. Isto acontece quando a análise jurisprudencial se resume, na
verdade, a uma descrição linear, parágrafo por parágrafo, argumento por
argumento, da decisão na sua integralidade, reproduzindo assim o conteúdo
do caso numa forma sintética sem que a opinião do aluno apareça. No
segundo caso – erro de fontes –, o aluno sequer tem a decisão como fonte de
trabalho, mas glosa sobre os glosadores da decisão, isto é, comenta os
comentários doutrinários feitos sobre a jurisprudência. Nesse caso, a matéria
primária, que é a decisão em si, não é encarada diretamente. Para evitar
ambos os erros, é preciso explicar a lógica e a dinâmica de um dos métodos
utilizáveis para comentar uma decisão.
Para tanto, a busca do problema jurídico do caso sob análise é o primeiro
passo a ser concluído. É somente a partir desse ponto que se torna possível
problematizar o problema jurídico encontrado, ou seja, elevá-lo ao âmbito de
uma discussão técnica que vai além da decisão em si e que tem um interesse
maior para a prática ou para a teoria do direito. Eis justamente o ato de
comentar uma decisão. Esse processo contém uma fase preparatória
obrigatória (CAPÍTULO 1) antes que se inicie a fase escrita (CAPÍTULO 2).
Capítulo 1 A fase preparatória

A fase preparatória serve para contextualizar o problema de direito (I), o


qual inicia o processo da problematização (II).

I. A contextualização do problema jurídico

A contextualização da questão de direito submetida a um tribunal se faz


pela leitura da decisão (A) e se entende pela sintetização do caso (B).

A. A contextualização pela leitura do caso

Ler o caso remete a um truísmo, porém é uma evidência que vale reiterar
quando se trata de trabalhos referentes à jurisprudência. É preciso ler todo o
caso pois é apenas assim que se tornam possíveis tanto a contextualização
normativa (i) como a contextualização jurisprudencial (ii), instrumentos que
permitem a análise de uma decisão.
(i) A contextualização normativa Ao ler e estudar o caso, um dos passos
sine qua non é identificar todas as normas e/ou princípios aplicáveis. Esse
trabalho é relativamente fácil, considerando que o tribunal se refere a
essas fontes na sua decisão. A contextualização normativa permite
entender e localizar o ramo do direito relevante ao caso. Para
compreender a argumentação das partes e do tribunal é preciso referir-se
às fontes jurídicas utilizadas e lê-las com os olhos e a distância de um
jurista. Estudar as normas aplicáveis independentemente da interpretação
do tribunal é útil para saber se os juízes as interpretaram e aplicaram
corretamente: é uma forma de preparar eventuais críticas frente à decisão
do tribunal. O mesmo método de distanciamento e de contextualização se
aplica à jurisprudência.
(ii) A contextualização jurisprudencial É raro estudar um caso no qual o
tribunal não se refere às decisões anteriores – notadamente em Direito
Internacional. Normalmente as partes – requerentes e réus – utilizam a
jurisprudência nas suas petições e nos seus argumentos. O tribunal é
assim levado a examiná-la. Quando a jurisprudência é citada e utilizada
pelo tribunal ao construir as suas conclusões, esse material entra no raio
de atratividade da análise jurisprudencial. É preciso conhecer os casos
anteriores referentes ao mesmo problema jurídico e entender qual foi a
posição dos outros tribunais sobre este. Essa contextualização
jurisprudencial fornece um insumo útil para a análise crítica. No mesmo
sentido, se houver, pode ser interessante pesquisar casos posteriores
similares e disponíveis para fazer um trabalho comparativo. O objetivo é
situar a decisão numa linha jurisprudencial para delimitar a sua
contribuição. O processo da contextualização facilita depois a
sintetização do caso.

B. A contextualização pela sintetização do caso

A sintetização pode ser entendida como um fichamento inteligente do


caso: isto é, elaborar uma fotografia do caso em uma lauda. No direito
internacional, por exemplo, as decisões são normalmente extensas e o método
da sintetização é útil para localizar facilmente as informações vitais. Veremos
infra que o fichamento tornar-se-á útil para a parte escrita do comentário. Ter
o costume de sintetizar casos permite obter, a longo prazo, um banco de
dados jurisprudenciais práticos e acessíveis. O fichamento pode seguir a
forma seguinte: (a) Nome do tribunal (b) Data (c) Nome das partes à disputa:
requerente/réu (d) Os fatos (e) O processo (por exemplo: o processo do
esgotamento das vias de recursos internos para um caso da Corte
Interamericana de Direitos Humanos) (f) Os argumentos das partes (g) O
problema jurídico (h) A conclusão e o ratio decidendi do Tribunal Entender
esse esqueleto de uma decisão é uma fase obrigatória para poder
problematizar o caso e analisá-lo.

II. A problematização do problema jurídico

Há uma diferença entre problemática e problema jurídico. Como


supramencionado, o problema jurídico é aquele em razão do qual decorre a
disputa entre duas partes: é a questão jurídica submetida a um tribunal. A
problemática, de forma geral, é a perspectiva ou o ângulo escolhido por um
pesquisador para examinar um assunto específico, seja num artigo, numa
dissertação ou numa tese. Ela é a grande pergunta de um trabalho acadêmico
e serve de base para a construção de uma reflexão técnica e complexa.
A mesma lógica se aplica ao comentário de jurisprudência. O assunto a
ser examinado nesse caso é justamente o problema jurídico (a questão
jurídica) que decorre de uma decisão. Com base nesse problema, formula-se
uma problemática para embasar o comentário. É a perspectiva (jurídica) sob a
qual o autor decide estudar o problema jurídico, analisá-lo, comentá-lo e
eventualmente criticá-lo. Por essa razão, o processo de problematização é
fundamental para que o comentário seja realmente analítico e não descritivo.
Proceder dessa forma facilita a originalidade de um trabalho. O comentário
da jurisprudência é um trabalho que pode ser incorporado às monografias,
dissertações e teses como também ser o objeto de um artigo.
A originalidade de um comentário se define claramente após a leitura de
outros comentários doutrinários sobre um caso específico. Contudo, a leitura
da doutrina deve acontecer apenas após todo o processo acima descrito. A
razão para isto é simples: é preciso ler o caso com a mente pura para
formular e ter a própria opinião independente sobre a decisão. Referir-se à
doutrina antes de ter lido a decisão pode implicar uma leitura a posteriori
com preconceitos, pois a posição doutrinária é subjetiva. Os comentários
doutrinários são posteriormente úteis para ajudar o aluno situar o próprio
posicionamento: concordante ou discordante. Se é óbvio que a doutrina deve
ser estudada, utilizada e citada no comentário, no texto escrito, na fase
preparatória de pesquisa, o reflexo de consultar a doutrina deve ser
hierarquicamente secundário.
Com esse processo de pesquisa – a decisão em si, as normas aplicáveis, a
jurisprudência, o problema jurídico, a problemática e a doutrina – torna-se
possível confirmar e delimitar uma reflexão sobre a decisão. Pode-se afirmar
criticamente o que se pensa sobre a decisão. A essa altura, o aluno já sabe que
direcionamento adotará para analisar determinada decisão e pode, então
passar à fase escrita.
Capítulo 2 A fase escrita

A parte escrita concernente à análise jurisprudencial pode ter dois rumos.


Primeiramente, o comentário da jurisprudência pode constar numa
monografia, numa dissertação ou numa tese de doutorado. Nesse caso, a
reflexão geral do aluno sobre a jurisprudência relevante ao tema será
incorporada ao longo do texto. Com o trabalho elaborado na fase
preparatória, será mais fácil utilizar a jurisprudência de maneira mais
argumentativa em vez de apenas fazer relatos descritivos ou citações diretas
de decisões. Em segundo lugar, a análise da decisão de determinado tribunal
pode ser, em si, o objeto de um artigo. Nesse caso, todo o artigo concentrar-
se-á no debate jurídico oriundo da decisão em questão. É nesse sentido que
muitas revistas jurídicas reservam uma seção para os artigos que se limitam à
análise jurisprudencial. O presente capítulo tratará dessa segunda categoria de
trabalho acadêmico. Essa delimitação tem uma justificava simples: quem
domina o método para concentrar a análise de uma decisão num artigo
consegue incorporar uma reflexão sobre a jurisprudência em outros tipos de
trabalho; quem pode mais pode menos. No âmbito de um artigo, o método de
estruturação consiste em saber como elaborar a introdução (I) antes de
examinar tecnicamente a problemática no resto do texto (II).

I. A apresentação da problemática na introdução

É preciso saber qual é o objetivo e o objeto da introdução de um artigo


propondo uma análise de caso (A) antes de propor uma forma para apresentá-
la (B).

A) O objetivo da introdução de um comentário do caso

O conteúdo da introdução já foi confeccionado na fase inicial: é o


fichamento do caso a comentar e a problemática encontrada. Os elementos do
fichamento29 podem ser detalhados na introdução. O texto deve ser escrito de
uma maneira lógica que relaciona e encaixa os fatos do caso às conclusões do
tribunal passando pelos argumentos das partes, pelo processo e pelo problema
jurídico. Isto permite uma contextualização a um leitor que não lê o caso ou
que desconhece este. Cabe ao autor, nessa parte introdutória, resumir a
decisão para o leitor de uma maneira inteligível: a sintetização se apresenta
como um método eficiente por esses fins. Nesse ponto, é preciso lembrar que
um jurista lendo um comentário de caso não espera apenas um resumo da
decisão. Por isso, a apresentação sintética do caso deve conduzir à
problemática que decorre do problema jurídico. O autor deve informar como
ele problematizou a decisão e de qual perspectiva será conduzida a análise.
Em outras palavras, o posicionamento subjetivo do autor deve sobressair
depois da apresentação objetiva da decisão. A partir desse momento em
diante, o trabalho adota a forma de um artigo, pois o comentário é nada mais
que um artigo sobre um caso. A reflexão do autor sobre a decisão começa ao
problematizar e ao apresentar a problemática. Em geral, os elementos fatuais
do caso não aparecem mais depois da introdução, a não ser que seja de forma
pontual, a título de ilustração. O autor deve sempre ter em mente que o leitor
quer acompanhar a sua demonstração por meio dos seus argumentos; ele não
quer ler ou reler o caso. Por essa razão, o resto do comentário a desenvolver
no corpo do trabalho deve ser uma análise. É possível pensar em uma
introdução com várias formas. Apenas um modelo será apresentado a seguir.

B) A apresentação da introdução

Cada elemento que ajuda a construir a introdução de um comentário de


decisão pode ser um parágrafo desta. Um modelo possível é o seguinte: •
Parágrafo 1: uma contextualização geral, por exemplo do ramo do direito no
qual se situa o caso, e breves constatações das questões recentes ou
recorrentes sobre o tema. Pode também informar sobre as consequências
geradas por a decisão sob análise.
• Parágrafo 2: a apresentação fatual do caso com as partes e o tribunal. A
parte processual pode ser apresentada nesse parágrafo também se não for
muito grande ou em um outro parágrafo se for mais amplo e se os detalhes
são úteis ao comentário da decisão.
• Parágrafo 3: os argumentos das partes.
• Parágrafo 4: o problema jurídico submetido ao tribunal.
• Parágrafo 5: as conclusões e o ratio decidendi do tribunal.
• Parágrafo 6: a problematização do problema jurídico e a apresentação da
problemática a ser tratada. A problemática escolhida deve ser explicada e
justificada, a sua relevância, utilidade e eventual originalidade devem ser
apontadas para ressaltar o interesse do trabalho.
• Parágrafo 7: o posicionamento do autor frente à problemática escolhida
• Parágrafo 8: os argumentos que serão utilizados em cada capítulo do artigo
para examinar a problemática ao sustentar o posicionamento do autor.
Esse último parágrafo estabelece a ponte, a ligação lógica entre a
introdução e o corpo do comentário que busca aprofundar a análise.

II. O exame da problemática no corpo do comentário

Como num artigo, essa parte do trabalho se destina a uma análise jurídica
com argumentos, técnicas e métodos jurídicos. Analisar um caso equipara-se
a expressar a capacidade de extrair um problema jurídico de um caso
específico para costurar em torno dele uma reflexão, colocando-o em relação
com o ordenamento jurídico estudado. É um método indutivo: entender,
explicar e analisar princípios de direito induzindo-os de um caso cujo papel é
atuar como uma fonte de dados. Portanto, o comentário eleva o debate para
além do caso e constitui uma opinião que certamente permite entender a
decisão, mas que deve ser útil e utilizável de forma geral, para entender uma
evolução, uma revolução, uma novidade, um status quo, um princípio
nascente ou uma lacuna em um ramo do direito. É sob essa perspectiva que se
espera um comentário.
O método de estruturação do artigo pode variar. É, por exemplo, possível
comentar uma decisão sob a seguinte forma: 1. Uma introdução geral
frisando e contextualizando o problema de direito submetido ao tribunal.
Proceder dessa forma implica não entrar diretamente no estudo do caso, mas
permite preparar o leitor ao ressaltar os debates principais, a atualidade
jurídica ou as inquietações gerais conectadas à decisão. O leitor entenderá
assim o contexto geral da questão antes de ser apresentado ao caso
contencioso.
2. Uma apresentação do caso que se aproxima do exercício já feito
supra – salientando, em especial, o problema do direito e a problemática.
3. A extração do teor e da contribuição do caso para o ordenamento
jurídico e para a prática (ou para a teoria) jurídica.
A apresentação do comentário depende também do tamanho do trabalho,
mesmo que a lógica continue sendo a mesma. A título de ilustração, seguem
infra dois comentários feitos pelo presente autor, ambos com tamanhos
diferentes, pois as abordagens são distintas. Considerando que comentário de
decisões não é um exercício frequente – em comparação com trabalhos sob o
formato de artigos, teses, monografias ou dissertações –, esses dois exemplos
servirão de ilustração das técnicas supramencionadas.
MODELOS DE COMENTÁRIO

Comentário n. 1 – O caso Tatar c. Romênia, Caso n. 67.021/2001,


Corte Europeia de Direitos Humanos, Decisão (6-7-2009)30 [Comentário
extenso].

Introdução
A proteção dos direitos humanos e a do meio ambiente sempre foram
intimamente imbricadas, mas essa relação foi destacada especialmente pela
crescente preocupação com a proteção ambiental – ligada à expansão
tentacular do desenvolvimento sustentável. Hoje em dia, um estudo completo
sobre o direito do meio ambiente implica indubitavelmente uma referência
aos direitos humanos. A prática demonstra cada vez mais que as
problemáticas desses dois âmbitos estão interligadas31. Um estudo integrado
dos direitos humanos e do direito ambiental pode ser realizado seguindo ao
menos dois métodos.
É, primeiramente, possível interrogar-se sobre a existência de um direito
humano ambiental, isto é, o direito do ser humano a viver num meio
ambiente sadio. Se essa preocupação não existia nos primeiros instrumentos
relativos aos direitos humanos32, ela foi incluída posteriormente em alguns
tratados e Constituições nacionais33. Por exemplo, o art. 24 da Carta Africana
sobre os Direitos do Homem e dos Povos dispõe: “Todos os povos têm
direito a um meio ambiente geral satisfatório, propício ao seu
desenvolvimento34”. Um protocolo sobre os direitos das mulheres na África
foi anexado a essa carta em 2003, e os arts. 18 e 19 afirmam o direito da
mulher africana de viver em um meio ambiente saudável e sustentável35. Em
outra região geográfica, foi adotado um Protocolo adicional à Convenção
Americana sobre Direitos Humanos; este é relativo à matéria de direitos
econômicos, sociais e culturais (O Protocolo de San Salvador) e o seu art. 11
salienta que “[t]oda pessoa tem direito a viver em meio ambiente sadio
(…)36”. Esse direito a um meio ambiente sadio encontra-se também, por
exemplo, na Carta Árabe sobre os Direitos Humanos37. Para manter essa
variação geográfica, a Declaração sobre os Direitos Humanos da Associação
das Nações do Sudeste Asiático pode também ser mencionada por apontar a
existência de um direito a um meio ambiente seguro, sadio e sustentável38.
No âmbito do direito nacional, um estudo de 2011 sublinha que 79
Constituições contêm explicitamente um direito humano ambiental39. Basta,
portanto, apenas citar como exemplo o art. 225 da Constituição brasileira,
segundo o qual “[t]odos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações40”. Nessa primeira
configuração na qual os direitos humanos cruzam o meio ambiente, há uma
vontade – política – de considerar a proteção ambiental como um direito
humano, de elevar o primeiro ao nível do segundo, dando-lhe para tanto um
valor fundamental e imperativo. Porém, não é essa problemática que será
aqui examinada; os direitos humanos e o meio ambiente têm, também, uma
relação de causalidade.
Um dano ambiental pode ter como consequência a violação dos direitos
humanos sem que exista, em si, um direito humano ambiental autônomo.
Nesse caso, uma medida lesiva ao meio ambiente será interpretada como uma
transgressão aos direitos humanos. Dois pontos podem ser notados:
primeiramente, perante as lacunas do direito ambiental e das dificuldades a
aplicá-lo, especialmente no direito internacional, os direitos humanos
apresentam-se como um meio subsidiário para postular – embora
indiretamente – uma reparação para um dano ambiental; em segundo lugar,
essa possibilidade implica uma interpretação dos instrumentos relativos aos
direitos humanos que integre as considerações ambientais. Uma interpretação
evolutiva é nesse sentido juridicamente possível e foi, por exemplo,
reconhecida pela Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH), seja de uma
forma geral41 ou especificamente nos casos que tangenciam o meio
ambiente42. Essa interpretação evolutiva não é extensiva, inverossímil e
também não está fora do contexto dos direitos humanos, pois ao final, o
problema jurídico está relacionado com a violação ou não de um instrumento
que garanta esses direitos. O âmbito dos direitos humanos permite apenas
efetivar os princípios do direito ambiental – internacional. Esses princípios
são garantidos por meio da proteção dos direitos humanos43. No caso
Gabçikovo-Nagymaros, o Juiz Weeramantry evocou o assunto afirmando em
uma opinião separada: The protection of the environment is likewise a vital
part of contemporary human rights doctrine, for it is a sine qua non for
numerous human rights such as the right to health and the right to life itself.
It is scarcely necessary to elaborate on this, as damage to the environment can
impair and undermine al1 the human rights spoken of in the Universal
Declaration and other human rights instruments44.
Nesse sentido, a Corte Europeia dos Direitos Humanos já tem uma
jurisprudência considerável em que a proteção do meio ambiente se articula
com os direitos humanos: há, por exemplo, casos relativos à poluição
sonora45, à poluição industrial46, ao desmatamento47 ou ao tabagismo
passivo48. A Corte considera que, em alguns casos, um dano ambiental pode
ser prejudicial aos direitos humanos. É sob essa perspectiva que este artigo
apresentará o caso Tatar c. Romênia, cujo tratamento pela CEDH corrobora
uma construção pretoriana indireta – e ainda em andamento – de um direito
ambiental alternativo49. Assim sendo, uma apresentação do caso (I) salientará
o reconhecimento pela Corte do reiteradamente debatido princípio da
precaução (II).

I. Apresentação do caso Tatar c. Romênia


A apresentação fática do caso (A) colocará em evidência o problema
jurídico submetido à CEDH (B).

A. Apresentação fática do caso

O conflito surgiu em 2000, dois anos após um investimento feito por um


investidor australiano, Aurul, na Romênia, na região da Baia Mare onde
moravam os requerentes, Vasile Gheorghe Tatar e Paul Tatar. A sociedade
australiana investiu nessa região com uma autorização estadual para explorar
uma mina de ouro50. Em razão de uma atividade industrial intensiva, a região
de Baia Mare é considerada como extremamente poluída51. O Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente e a Organização Mundial da Saúde
confirmaram essa constatação52. A atividade de mineração causou um
acidente ecológico que implicou um derramamento de cianeto de sódio53 –,
uma substância tóxica54. Nenhuma medida foi adotada pelo Estado para sanar
a situação, e a empresa continuou a sua atividade. O senhor Vasile Tatar
interpôs consequentemente uma ação penal perante as jurisdições romenas
invocando o risco pela saúde dos habitantes de Baia Mare por causa da
utilização de uma tecnologia perigosa pela empresa; ele denunciou também o
risco para o meio ambiente e o agravamento do estado da saúde do seu filho,
Paul Tatar, que já sofria de asma55. Nenhuma satisfação foi dada por parte
dos tribunais nacionais. Perante esse impasse, o requerente submeteu o caso à
CEDH, afirmando que, segundo o art. 35 da Convenção Europeia para a
Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, as vias de
recursos internos haviam sido esgotadas56. A jurisdição da Corte foi assim
requerida em razão da violação do art. 2 referente ao direito à vida; o Senhor
Tatar alegou que a inação das autoridades romenas infringiu o seu direito a
vida57. A CEDH reconheceu a sua competência diante do caso e decidiu
examiná-lo no mérito apontando, no entanto, que a base jurídica mais
conveniente era o art. 8º relativo ao direito ao respeito pela vida privada e
familiar, e não o art. 2º supramencionado.
Perante a Corte, os requerentes atacaram a passividade do governo
romeno face aos eventos, afirmando que as autoridades estaduais não lhes
garantiram um acesso à informação ambiental que poderia ter permitido uma
avaliação dos riscos e uma contestação ab initio. Destarte e segundo eles, o
Estado não adotou as medidas de precaução para proteger o meio ambiente e
a saúde da população em questão. Não houve verdadeiramente uma consulta
das comunidades locais e, mesmo que os requerentes não tenham contestado
a margem de apreciação do Estado, eles invocaram uma ausência de
equilíbrio no comportamento da Romênia entre o interesse público e a
obrigação de respeitar o direito à vida privada e familiar. Assim sendo, a não
intervenção das autoridades romenas expôs a saúde da população local a
risco58. O governo romeno argumentou, por sua parte, que um estudo de
impacto ambiental tinha sido feito sem revelar risco para o meio ambiente ou
para a população, explicando na mesma linha – e baseando-se nos estudos
científicos –, que não existia um nexo de causalidade entre as atividades
litigiosas e as doenças respiratórias, em especial, a de Paul Tatar59. Na
opinião da Romênia não houve, portanto, uma violação da Convenção
Europeia dos Direitos Humanos.
O problema jurídico que foi nesse caso submetido à Corte não é novo e já
foi debatido na sua jurisprudência.

B. O problema jurídico submetido à CEDH

A CEDH teve que decidir se uma infração contra o meio ambiente


poderia implicar violação do direito à vida privada e familiar, prevista no art.
8º da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das
Liberdades Fundamentais. Relembrando a sua própria jurisprudência, a Corte
confirmou que houve, no caso Tatar, uma violação do art. 8º pelo governo
romeno.
Segundo ela, mesmo que não tenha sido possível demonstrar o nexo de
causalidade entre as atividades litigiosas e o agravamento da doença
respiratória de Paul Tatar por causa de uma incerteza científica, o caso
implica claramente o risco substancial à saúde e ao bem-estar dos
requerentes; esse risco é suficiente para obrigar o Estado a adotar as medidas
adequadas e razoáveis para proteger os direitos dos sujeitos à vida privada e
familiar, e para fruir de um meio ambiente sadio e protegido60 – também
reconhecido no direito da Romênia61. O risco fundamentado por provas é
suficiente para desencadear a proteção prevista no art. 8º. Nesse caso, não
foram as ações do Estado, mas a sua omissão e a sua não intervenção que
foram prejudicáveis aos requerentes. O Estado tem o dever de vigilância e
due diligence no seu território e deve impedir que as atividades empresariais
prejudiquem os direitos humanos – e ambientais – da população nacional.
Cabe aqui uma obrigação positiva ao Estado de se esforçar para adotar todas
as medidas razoáveis de modo a prevenir tais violações62.
Não obstante essa conclusão, assim como o reconhecimento da
responsabilidade do réu, a CEDH não concedeu uma compensação aos
requerentes por danos morais ou materiais, limitando-se a indicar apenas a
obrigação do réu das despesas judiciais63. O reconhecimento da violação do
direito à vida privada e familiar aparece como um remédio em si, uma
satisfação autossuficiente64 – com as quais os Juízes Gyulumyan e Zupancic
não concordaram, conforme a opinião parcialmente dissidente emitida por
eles. Os Juízes dissidentes salientaram que o estado de incerteza jurídica no
qual os requerentes foram abandonados durante muitos anos constitui um
sofrimento moral certo que justifica uma reparação por dano moral65. A
CEDH ressaltou a sua metodologia nesse assunto com base no caso Varnava
c. Turquia no qual distinguiu os casos nos quais o requerente “has suffered
evident trauma, whether physical or psychological, pain and suffering,
distress, anxiety, frustration, feelings of injustice or humiliation, prolonged
uncertainty, disruption to life, or real loss of opportunity66” das “situations
where the public vindication of the wrong suffered by the applicant, in a
judgment binding on the Contracting State, is a powerful form of redress in
itself67”.
No entanto, não é por essas considerações que o caso Tatar é considerado
uma decisão de princípio. Esse caso é importante por consolidar a
jurisprudência “ambiental” da Corte e constitui um primeiro passo para o
reconhecimento pela CEDH do princípio da precaução.

II. O reconhecimento do princípio da


precaução
O caso Tatar demonstra como os princípios dos direitos humanos podem
ser úteis para efetivar os do direito ambiental, garantindo-lhes assim uma
existência jurídica mais concreta e um efeito útil e prático. A relação é a de
uma fecundidade recíproca: um princípio do direito ambiental é utilizado para
justificar uma violação de um direito humano, e, nesse processo, o primeiro
adquire um valor jurídico mais preciso – menos duvidoso. O princípio da
precaução foi, dessa forma, usado para provar e corroborar uma violação do
direito à vida pessoal e familiar; reciprocamente, com essa aplicação, os
direitos humanos reconhecem a validade do princípio da precaução (A),
mesmo que a CEDH não detalhe as medidas de precaução conforme o
princípio – recorrente nas suas decisões – da margem de apreciação (B).

A. A validade do princípio ambiental da precaução pelos


direitos humanos

O princípio 15 da Declaração do Rio de 1992 sobre o Meio Ambiente e o


Desenvolvimento dispõe: Com o fim de proteger o meio ambiente, o
princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de
acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou
irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como
razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a
degradação ambiental68.
Ainda não há uma definição jurídica definitiva do princípio da precaução
– ou da precaução em si69. Referência é feita ao princípio em alguns
instrumentos internacionais normalmente ambientais70. Os tribunais
internacionais também nunca adotaram uma linha jurisprudencial única e
nítida ao se referirem diretamente ou indiretamente ao princípio da
precaução. Em 1998, no caso Hormônios, o Órgão de Apelação da
Organização Mundial do Comércio estendeu-se sobre o princípio litigioso
apontando: The status of the precautionary principle in international Law
continues to be subject of debate among academics, law practicioners,
regulators and judges. The precautionary principle is regarded by some as
having crystallized into a general principle of customary international
environmental law. Whether it has been widely accepted by Members as a
principle of general or customary international law appears less than clear.
We consider, however, that it is necessary, and probably imprudent, for the
Appellate Body in this appeal to take a position on this important, but
abstract, question. We note that the Panel itself did not make any definitive
finding with regard to the status of the precautionary principle in international
law and that the precautionary principle, at least outside the field of
international environmental law, still awaits authoritative formulation71.
A Corte Internacional de Justiça não tinha esclarecido a problemática no
caso Gabcikovo-Nagymaros. No caso Papeleras entre a Argentina e o
Uruguai, a Corte reconheceu timidamente a possibilidade de aplicar o
princípio sem, todavia, inverter o ônus da prova ao réu: nesse caso, o
princípio não foi aplicado, mas as perspectivas de uma aplicação futura foram
implicitamente expostas72. A observação da prática mostra que o princípio da
precaução tem tido uma consideração e um eco mais fortes na União
Europeia. Em 2000, a Comissão Europeia elaborou uma comunicação sobre o
princípio da precaução afirmando claramente que o princípio fazia parte das
suas políticas e do direito da União Europeia como um instrumento de gestão
de riscos, especialmente no âmbito da proteção da saúde e do meio
ambiente73. O tratado sobre o Funcionamento da União Europeia reconhece o
princípio da precaução como um motor da política ambiental da União em
seu art. 191 (2). Assim, talvez não seja por acaso que a Corte da Justiça da
União Europeia tem se referido ao princípio de precaução com uma posição
comparativamente contundente, determinada, afirmativa e confiante. O art.
191(2) foi aplicado e interpretado pela Corte que lhe conferiu o seu espírito
intrínseco, por exemplo, nos casos em que um produto litigioso era
potencialmente nocivo à saúde. No caso Gowan Comércio Internacional e
Serviços Lda v. Ministero della Salute, a Corte destacou que o nível elevado
da proteção devida à saúde na política ambiental europeia baseia-se no
princípio da precaução que determina as outras políticas gerais da União.
Para tanto, a Corte afirmou que quando há um risco à saúde dos
consumidores, as instituições podem legalmente adotar medidas preventivas
sem esperar que o risco se realize74. Essa posição da Corte de Justiça da
União Europeia não é isolada e oferece uma interpretação interessante do
princípio considerando o contexto do desenvolvimento sustentável75.
Por isso, a Corte Europeia dos Direitos Humanos não inovou
necessariamente no âmbito europeu com o caso Tatar, salvo se este é
comparado com as suas decisões anteriores76. De fato, no caso Asselbourg, a
Corte não reconheceu a aplicabilidade do princípio da precaução mesmo
havendo um risco de poluição77. O caso Tatar constitui assim uma evolução
jurisprudencial; é a primeira aplicação concreta do princípio da precaução
pela CEDH78. Mesmo que não haja uma “probabilidade causal” entre uma
poluição e o estado de saúde dos sujeitos, a existência de um risco sério e
substancial é suficiente para obrigar o Estado a adotar medidas preventivas
em aplicação do princípio da precaução, disse a Corte79. Segundo esse
princípio, a incerteza científica não é uma razão que justifique a não adoção
de medidas apropriadas para prevenir um risco80: essa é a posição atual da
Corte. O raciocínio probabilístico81 da Corte é aqui inovador e, ao mesmo
tempo, surpreendente. Inovador: o nexo de causalidade parece ser substituído
pela busca de uma probabilidade causal. Por essa lógica, a Corte estende a
sua própria margem de julgamento não para avaliar a relação clássica e rígida
de causalidade, mas para julgar a probabilidade de uma relação de
causalidade. Surpreendente: apesar de ter inovado com essa argumentação, a
CEDH não trouxe necessariamente mais clareza ou mais critérios objetivos
para concluir sobre uma violação da Convenção. A teoria da probabilidade
causal é abstrata por incentivar um raciocínio pouco matemático e muito
baseado em uma avaliação da porcentagem causal82: as partes não devem
provar que a causa tem um efeito, mas a probabilidade entre a causa e o
efeito. É preciso, então, medir a causalidade; não obstante, a Corte não
propõe uma metodologia para isso, mantendo assim o pleno poder para
decidir nos casos futuros. No caso Bacilia c. Romênia em 30 de março 2010,
o Juiz Zupancic, baseando-se no caso Tatar, afirmou numa opinião
concordante que a teoria clássica da causalidade constitui uma barreira
conceitual para julgar alguns casos nos quais os elementos de riscos são
palpáveis83. O espírito do princípio foi também aplicado em 2009 no caso
Brânduse c. Romênia84. A condição, no entanto, para que esse argumento
seja admissível é a existência de um risco iminente mesmo na ausência de
certeza científica. Também, para fazer um estudo criterioso, a decisão Tatar
pode ser lida conjuntamente com as decisões López Ostra85, Hatton86 e
Fadeyeva87, nas quais a CEDH salientou que, para concluir sobre uma
violação do art. 8º, o dano ambiental deve atingir um nível mínimo de
gravidade, excluindo assim os riscos ambientais cotidianos88.
Esse processo é importante para entender como um princípio, ab initio
declaratório, adquire um valor jurídico, pois o processo é o da passagem do
soft law ao direito mandatório. O art. 15 da Declaração do Rio 1992, a qual se
refere a CEDH89, não tem um valor jurídico em si. O princípio adquire tal
valor ao ser usado por um tribunal como fundamento para a sua decisão, ao
seu raciocínio e a sua conclusão. Nessa lógica, o princípio 15 reveste-se de
um valor jurisprudencial e é este que lhe garante existência propriamente
jurídica90. Esse raciocínio é válido para qualquer ramo do direito, tanto
nacional quanto internacional. No caso da CEDH, são os direitos humanos
que “convidam” o princípio do direito ambiental como um meio de
interpretação. Os direitos humanos não se substituem ao direito ambiental,
mas ajudam-no a obter uma efetividade par ricochet91. As cortes e as
convenções relativas aos direitos humanos não têm uma vocação – pelo
menos direita e principal – a se aplicarem automaticamente aos casos
ambientais. Ademais, os requerentes em tais situações buscam principalmente
uma reparação por violação dos direitos humanos e não por dano ambiental –
que a Convenção Europeia sobre os direitos humanos não protege expressis
verbis. É errado afirmar que a Corte interpreta e aplica os textos jurídicos
para proteger o meio ambiente ou para reparar um dano ambiental.
Primeiramente, na prática, a proteção do meio ambiente é difícil quando o
caso se encontra perante a Corte simplesmente porque o dano já ocorreu;
mas, a decisão da Corte e a sua jurisprudência podem agir como um alerta
para os Estados, incitando-os a prevenir casos similares no futuro. Em
segundo lugar, se a Corte conceder uma indenização, será apenas porque
houve violação de direitos humanos, e não porque houve dano ambiental.
Talvez seja por isso que a CEDH decidiu não conceder compensação aos
requerentes no caso Tatar. Este tem forte coloração ambiental por causa dos
fatos e pelo uso e reconhecimento do princípio da precaução. A Corte está
ciente de ter aberto aqui um precedente importante, propiciando para tanto
uma técnica para conectar a proteção do meio ambiente aos direitos humanos.
É, todavia, compreensível que ela não queira construir, com essa decisão, um
pretexto para que lhe sejam submetidos todos os casos nos quais exista uma
relação potencial entre os direitos humanos e o meio ambiente. A mensagem
implícita decorrente da ausência de compensação é que a CEDH não é e não
se apresenta como uma corte ambiental. A consideração de um princípio do
direito ambiental por razões de interpretação não amplia a jurisdição da
Corte. É também um meio – de política judicial – de evitar um aumento de
processos puramente ambientais perante a CEDH. Esta faz assim a sua
política de prevenção de pedidos excessivos deixando claro que se num caso
relativamente grave como Tatar não for dada uma compensação, o patamar
de gravidade do dano ambiental para receber outros pedidos é muito alto. No
mesmo espírito, tendo em vista que a Corte reconheceu a responsabilidade do
Estado romeno, ela continua a sua política judicial de não impor, por
exemplo, de que forma prática o princípio da precaução deve ser aplicado.
B. A aplicação do princípio da precaução sujeita à
margem de apreciação do Estado

No caso Irlanda c. Reino Unido, a CEDH definiu a margem de


apreciação da seguinte forma: By reason of their direct and continuous
contact with the pressing needs of the moment, the national authorities are in
principle in a better position than the international judge to decide both on the
presence of such an emergency and on the nature and scope of derogations
necessary to avert it92.
O princípio aplicado é o da subsidiariedade93, ou seja, uma delegação de
poder e de competência ao corpo organizacional mais próximo do problema a
ser tratado94. Há, por exemplo, uma presunção de que as autoridades locais
estão mais cientes dos problemas locais. A mesma lógica se aplica às
autoridades nacionais: estas estão potencialmente em uma melhor posição
para lidar com um assunto puramente nacional. Na linguagem da CEDH, a
questão é também a da não ingerência na política interna dos Estados. A
CEDH é competente para julgar uma violação da Convenção Europeia
relativa aos direitos humanos, mas ela reconhece a sua incapacidade a
substituir o Estado para decidir quais são as melhores políticas que devem ser
adotadas para respeitar os direitos humanos. Assim, no caso Tatar, a Corte
apontou que cabe às autoridades romenas – e não a ela – formular as políticas
ambientais e industriais nacionais95. Os Estados têm um poder discricionário,
um breathing space96 – decorrente do seu poder soberano. A CEDH pode
somente examinar a situação a posteriori para julgar se o exercício do poder
discricionário infringiu a Convenção; ela não pode ditar a política a ser
adotada nem pode intervir em nome e no lugar do Estado. A Corte tem nesse
sentido uma jurisprudence constante: “it is certainly not for ... the Court to
substitute for the national authorities any other assessment of what might be
best policy (…). This is an area where the Contracting Parties are to be
recognised as enjoying a wide margin of appreciation97”. Ela pode apenas
verificar se a margem de apreciação do Estado estabeleceu um equilíbrio
entre o interesse público e o interesse particular do requerente para examinar
se o Estado excedeu o seu poder discricionário violando assim as disposições
da Convenção Europeia sobre os direitos humanos98. Nessa lógica, no caso
Tatar, a Corte apenas reconheceu a utilidade e a aplicabilidade do princípio
da precaução para avaliar uma violação do art. 8º da Convenção; no entanto,
ela não impôs uma política de implementação desse princípio à Romênia.
Esse caso é marcante para a jurisprudência da Corte por inovar na utilização
do princípio da precaução cujos contornos foram delimitados pelos juízes
usando a teoria clássica da margem de apreciação: ambos os princípios que
não aparecem na Convenção têm em comum o reconhecimento da sua
validade jurídica pela Corte Europeia dos Direitos Humanos no caso em
comento.

Considerações finais
A inserção das questões ambientas no âmbito da CEDH confirmou-se
com o caso Tatar assim como a aplicabilidade dos princípios dos direitos
humanos para lidar com assuntos ambientais. A prudência e a razão incitam
um exame cauteloso dessa jurisprudência para evitar conclusões espontâneas
e radicais, afirmando já a existência de um direito humano ambiental e de
uma corte (regional) de direitos humanos ambientais pronta para aplicá-lo. Os
direitos humanos pertencem a um campo definido, e todos os assuntos não
têm necessariamente uma vocação a aproximar-se dessa área99; haveria, no
caso contrário, uma inflação de direitos humanos “a tudo”, o que pode
prejudicar a seriedade desse tema bem como a qualidade do seu tratamento.
As decisões da CEDH mostram que há uma construção passo a passo – mas,
ainda indefinida – de uma forma de direito ambiental alternativo que busca a
ajuda e o apoio dos direitos humanos. Todavia, deve-se lembrar que os
patamares erigidos pela Corte para receber casos ambientais ainda são altos e
é unicamente a sua jurisprudência futura que confirmará a sua posição sobre a
relação entre o meio ambiente e os direitos humanos.
Comentário n. 2 – O caso da República da Ilha Maurício c. Reino
Unido perante a Corte Permanente de Arbitragem, 2014100 [Pequeno
comentário].
Eis aqui um caso cuja decisão é fortemente sensível, pois trata-se de um
problema jurídico que abrange as questões da soberania, da proteção do meio
ambiente e da proteção dos direitos humanos num contexto geopolítico e
geoestratégico sensível. A apresentação do caso (I) justificará suas
implicações (II).

I. A apresentação do caso
A apresentação fatual (A) antecederá a do problema jurídico que está
sendo debatido perante a Corte Permanente de Arbitragem (B).

A) A apresentação fatual do caso

No dia 1º de abril de 2010, o Reino Unido estabeleceu uma zona marinha


protegida de 636.600 km2 ao redor do arquipélago de Chagos, excluindo uma
das suas ilhas – a Diego Garcia. A zona é caracterizada como um no-take
zone, no qual qualquer forma de exploração ou de atividade econômica é
proibida. O Reino Unido tem afirmado a sua soberania sobre o arquipélago
localizado no meio do Oceano Índico e embasa a sua decisão de criar a zona
marinha protegida nos seus poderes regulatórios, nas prerrogativas de
poderes públicos que cabem a todo Estado soberano. O ecossistema marinho
da zona econômica exclusiva do arquipélago é tão diverso quanto raro, com
únicas espécies de peixes e de corais; os recifes de coral mantiveram quase a
mesma natureza que tiveram há um século. A legalidade da zona marinha
protegida é, no entanto, contestada pela República da Ilha Maurício que
afirma também, por seu lado, a sua soberania sobre o arquipélago. É o
problema jurídico submetido à análise da Corte Permanente de Arbitragem.

B) A apresentação do problema jurídico


Com base na Convenção de Montego Bay sobre o direito do mar, de 10
de dezembro de 1982, e nos princípios do direito internacional público, os
árbitros nomeados devem examinar a legalidade da zona marinha protegida,
estabelecida pelo Reino Unido. Para tanto, eles devem determinar de forma
preliminar qual Estado possui efetivamente a soberania sobre os Chagos.
Segundo o art. 56 (1) (b) (iii) da Convenção de Montego Bay, cabe ao Estado
costeiro a proteção e a preservação do meio ambiente marinho dentro da zona
econômica exclusiva; para tal fim, o art. 194 (1) permite aos Estados o uso
dos meios práticos disponíveis. Dentro dessa lógica, conquanto a Convenção
não mencione expressis verbis as zonas marinhas protegidas, estas são
comumente reconhecidas como um meio eficiente para a proteção do meio
ambiente marinho. Ora, o reconhecimento do Reino Unido como o Estado
costeiro – e, destarte, soberano – pode ter algumas implicações irreversíveis.

II. As implicações do caso


O contexto geral desse caso tem implicações que vão além dos únicos
interesses das partes ao contencioso. A decisão terá implicações históricas
(A) além de determinar o direito de residência da população nativa dos
Chagos (B).

A) As implicações históricas diante das quais se


apresenta a sentença da Corte Permanente de
Arbitragem

Os principais interessados nesse caso são, na realidade, os próprios


“chagossianos” – a população de Chagos, deportada do arquipélago pela
coroa inglesa nos anos setenta à Ilha Maurício e aos Seychelles. Ao conceder
a sua independência à Ilha Maurício, o Reino Unido lhe impôs uma condição
– contrária ao Direito Internacional: o desmembramento de Chagos,
originalmente e juridicamente, parte do território mauriciano. A razão: o
Reino Unido já tinha prometido arrendar uma das ilhas do arquipélago – a
Diego Garcia – aos Estados Unidos para o estabelecimento de uma base
militar, que ainda está operacional e da qual foram atacados o Afeganistão
em 2011 e o Iraque em 2003. No contexto da guerra fria, a localização do
arquipélago era perfeita para policiar, ao mesmo tempo, o continente asiático,
o continente africano e a região do oriente médio. O Reino Unido foi pago
por meio de descontos de preço para mísseis nucleares submarinos chamados
Polaris. A condição imposta pelos Estados Unidos era a limpeza – humana –
das ilhas, e foi por essa razão que a população local foi deslocada, deportada
e forçosamente exilada por meios que valem apenas pela sua ilegalidade,
iniquidade e desfaçatez. Essa população – os “chagossianos” – tem, desde
essa época, batalhado em vão perante os tribunais ingleses e recentemente
perante a própria Corte Europeia dos Direitos Humanos para obter o
reconhecimento da violação dos seus direitos fundamentais e para requerer o
direito de regresso e de residência no arquipélago. Por isso, a decisão da
Corte Permanente de Arbitragem é esperada com impaciência. Se a
legalidade da zona marinha protegida for reconhecida, os efeitos sobre um
eventual direito de regresso e de residência dos “chagossianos” no
arquipélago serão irreversíveis.

B) As implicações para o direito de residência da


população nativa dos Chagos

Como a zona marinha foi caracterizada como um no-take Marine


Protected Area, qualquer forma de exploração do mar territorial ou dos
recursos marinhos – para a mera sobrevivência – torna-se juridicamente
impossível. Os “chagossianos” eram muito dependentes da exploração do
mar e assim querem continuar a ser e a viver caso o direito a residência lhes
seja reconhecido: pretendem utilizar o mar para as atividades tradicionais
como a pesca, mas também para o turismo. Isto tornar-se-á impossível com a
zona marinha protegida; aliás, segundo as notas e as informações
diplomáticas vazadas pelo assim chamado wikileaks, essa zona foi
perfidamente estabelecida de propósito para, justamente, impedir qualquer
direito ao regresso e à residência, e para continuar a utilizar Diego Garcia
como um centro geoestratégico. O valor jurídico dos wikileaks como um
meio de prova é ainda debatido, mas alguns tribunais já os utilizaram.
No mesmo sentido, a evolução do direito ambiental apresenta-se como
um impedimento definitivo. Existe um princípio emergente de não regressão
no direito ambiental segundo o qual uma vez que uma garantia sobre a
proteção ambiental é dada e juridicamente positivada, não pode ela sofrer de
qualquer regressão, não pode ela ser revertida. Assim, segundo esse princípio
que o Reino Unido poderá futuramente utilizar, no caso de uma zona marinha
protegida, qualquer regressão não é possível: a proteção absoluta seguindo a
lógica do no-take zone não pode ser relativizada, caso contrário equiparar-se-
á a uma medida insustentável. Nessa perspectiva, as consequências eventuais
sobre os “chagossianos” serão também drásticas.
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3 GRUA, François. Méthode des études de droit. Conseils sur la
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4 DE OLIVEIRA LEITE, Eduardo. A monografia jurídica. 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1997. p. 27-28.
5 Ver: VARELLA DIAS, Marcelo; MONEBHURRUN, Nitish. O que é uma
boa tese de doutorado em Direito? Uma análise a partir da própria
percepção dos programas. Revista Brasileira de Políticas Públicas. v. 3, n.
2, 2013, p. 424-443.
6 DE OLIVEIRA LEITE, Eduardo. A monografia jurídica. 3. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 120.
7 Ver sobre esse assunto: OLIVEIRA, Luciano. Não fale do Código de
Hamurabi! A pesquisa sóciojurídica nas pós-graduação em Direito. In:
OLIVEIRA, Luciano. Sua Excelência o Comissário e outros ensaios de
sociologia jurídica. Rio de Janeiro: Letra Legal, 2014. p. 137 et seq.;
ACCA DOS SANTOS, Thiago. Meu trabalho precisa de um capítulo
histórico? In: QUEIROZ RABELO MAFEI, Rafael; FEFERBAUM,
Marina. Metodologia da Pesquisa em Direito: técnicas e abordagens
para elaboração de monografias, dissertações e teses. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2021. p. 151 et seq.
8 Sobre esse assunto em geral ver a reflexão interessante de: DOS
SANTOS ACCA, Thiago. Como sei se um trabalho acadêmico precisa
de uma parte histórica? Quando posso usá-la para auxiliar na construção
do meu trabalho? In. MAFEI RABELO QUEIROZ, Rafael;
FEFERBAUM, Marina. Metodologia jurídica: um roteiro prático para
trabalhos de conclusão de curso. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 103-122
(Série GVLaw)
9 VARELLA DIAS, Marcelo; MONEBHURRUN, Nitish. O que é uma
boa tese de doutorado em Direito? Uma análise a partir da própria
percepção dos programas. Revista Brasileira de Políticas Públicas. v. 3,
n. 2, 2013, p. 431.
10 Por exemplo: CAMPOS GALUPO, Marcelo. Da ideia à defesa:
monografias e teses jurídicas. Belo Horizonte: Mandamentos Editora,
2003. p. 145.
11 Em geral, ver: MAFEI RABELO QUEIROZ, Rafael. Como encontrar
um bom tema dentro de minha área de interesse?. In: MAFEI RABELO
QUEIROZ, Rafael; FEFERBAUM, Marina. Metodologia jurídica: um
roteiro prático para trabalhos de conclusão de curso. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 64-6.
12 RIBEIRO, Darcy. De fracasso em fracasso: o Brasil como problema.
Brasília: Editora UnB. 2010, p. 67.
13 Ver a reflexão de: CORRÊA DA COSTA LEISTER, Ana Carolina;
LIANG WANG, Daniel Wei. Quando convém fazer um trabalho
interdisciplinar e como devo fazê-lo? Exemplos de direito e economia.
In: MAFEI RABELO QUEIROZ, Rafael; FEFERBAUM, Marina.
Metodologia jurídica: um roteiro prático para trabalhos de conclusão de
curso. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 191-209 (Série GVLaw).
14 FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos. Introdução ao Direito Comparado.
2. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 9-10.
15 FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos. Introdução ao Direito Comparado.
2. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 10-11. Ver geralmente: WIGMORE,
John Henry. A New Way of Teaching Comparative Law. Journal of the
Society of Public Teachers, 1926, p. 6 (acesso pelo Heinonline).
16 ANCEL, Marc. Utilidade e Métodos do Direito Comparado. Porto
Alegre: Fabris, 1980. p. 47.
17 Ver, por exemplo, Supremo Tribunal Federal. Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental 130 – Distrito Federal.
Relator Min. Carlos Ayres Britto, 2009; Supremo Tribunal Federal. Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.510 – Distrito Federal. Min
Relator Ayres Britto. 2008; Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus
124.306 – Rio de Janeiro. Min Relator Marco Aurélio. 2016; Supremo
Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6524 –
Distrito Federal. Min. Relator Gilmar Mendes. 2020. Ver geralmente:
PERRONE CAMPOS MELLO, Patrícia; MENESES GRAÇA, Felipe. O
STF em rede? Quanto, como, com que engajamento argumentativo o
STF usa precedentes estrangeiros em suas decisões? Revista de Direito
Internacional, v.17, n. 1, 2020, p. 93-125; FREIRE, Alonso; SAUAIA.
Suprema imprecisão: a metodologia em Direito Constitucional
Comparado e as deficiências em seu uso pelo Supremo Tribunal Federal.
Revista de Direito Internacional, v. 17, n. 2, 2020, p. 126-142; DE
SIQUEIRA MIRANDA PAIVA, José Eduardo. A arbitrariedade na
fundamentação das decisões do Supremo Tribunal Federal. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 67 et seq.
18 Ver, por exemplo: Supremo Tribunal Federal. Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental 130 – Distrito Federal.
Relator Min. Carlos Ayres Britto, 2009
19 BRASIL. Decreto n. 848. Organiza a Justiça Federal (11/10/1890),
disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-
1899/decreto-848-11-outubro-1890-499488-publicacaooriginal-1-
pe.html. O art. 386 do decreto dispunha: “Constituirão legislação
subsidiária em casos omissos as antigas leis do processo criminal, civil e
comercial, não sendo contrárias às disposições e espírito do presente
decreto. Os estatutos dos povos cultos e especialmente os que regem as
relações jurídicas na República dos Estados Unidos da América do
Norte, os casos de common law e equity, serão também subsidiários da
jurisprudência e processo federal”.

20 CONSTANTINESCO, Leontin-Jean. Tratado de Direito Comparado:


introdução ao Direito Comparado. Rio de Janeiro, Renovar. 1998, p. 83-
84; GUTTENRIDGE, Harold Cooke. Comparative Law: an Introduction
to the Comparative Method of Legal Study and Research. Cambridge:
Cambridge University Press, 1946, p. 128; VAN HOECKE, Mark.
Methodology of Comparative Law Research. Law and Method, v.4,
2015, p. 27; LEGRAND, Pierre. Le Droit comparé. Paris: PUF, 2015,
p.19; FERREIRA DE ALMEIDA, Carlos. Introdução ao Direito
Comparado. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 22; AGOSTINI, Eric.
Droit comparé. Paris: PUF, 1988, p.16.
21 MAFEI RABELO QUEIROZ, Rafael. Como encontrar um bom tema
dentro de minha área de interesse?. In: MAFEI RABELO QUEIROZ,
Rafael; FEFERBAUM, Marina. Metodologia jurídica: um roteiro prático
para trabalhos de conclusão de curso. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 55
(Série GVLaw).
22 Sobre a pesquisa legislativa, ver: DE PAULA, Felipe; DE PAIVA
MENDES, Luiz Guilherme. A pesquisa legislativa: fontes, cautelas e
alternativas à abordagem tradicional. In: QUEIROZ RABELO MAFEI,
Rafael; FEFERBAUM, Marina. Metodologia da Pesquisa em Direito:
técnicas e Abordagens para elaboração de monografias, dissertações e
teses. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 129 et seq.
23 DE OLIVEIRA LEITE, Eduardo. A monografia jurídica. 3. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais. 1997, p. 118.
24 DE OLIVEIRA LEITE, Eduardo. A monografia jurídica. 3. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais. 1997, p. 118.
25 Entrarão aqui os argumentos/as ideias finais, após uma seleção rigorosa
que implica descartar outros argumentos/outras ideias. A pesquisa aporta
muitas informações e nem todas devem necessariamente ser utilizadas ao
fazer o trabalho; apenas as que são mais relevantes devem ser
consideradas.
26 VARELLA DIAS, Marcelo; MONEBHURRUN, Nitish. O que é uma
boa tese de doutorado em Direito? Uma análise a partir da própria
percepção dos programas. Revista Brasileira de Políticas Públicas. v. 3,
n. 2, 2013, p. 431-436.
27 MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO SERVILHA, Cláudia. Manual de
Metodologia da Pesquisa no Direito. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p.
84-90.
28 Ver geralmente: DE PALMA BONACORSI, Juliana; FERFERBAUM,
Marina; PINHEIRO, Victor Marcel. Meu trabalho precisa de
jurisprudência? Como posso utilizá-la? In: QUEIROZ RABELO
MAFEI, Rafael; FEFERBAUM, Marina. Metodologia da Pesquisa em
Direito: técnicas e abordagens para elaboração de monografias,
dissertações e teses. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 99 et seq.
29 Ver supra o capítulo 2, Parte I (B): A contextualização pela sintetização
do caso.
30 Monebhurrun, Nitish, Tătar vs. Romênia (27 de janeiro de 2009), In.: RORIZ, Jo
DO AMARAL JR, Alberto. O Direito Internacional em movimento: Jurisprudên
internacional comentada Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, Tribu
Penal Internacional, Corte Interamericana de Direitos Humanos e Corte Europeia
Direitos Humanos, Vol. II, Brasília: IBDC. 2020.
31 Por exemplo: Review of Further Developments in Fields With Which the S
Commission Has Been Concerned – Human Rights and the Environment
Nations Commission on Human Rights. Final Report by Mrs Fatma Zohra Ksent
Special Rapporteur, E/CN.4/Sub.2/1994/9 (6-6-1994), 40 p.; KNOX, John H.
the Independent Expert on the Issue of Human Rights Obligations Relating to
Enjoyment of a Safe, Clean, Healthy and Sustainable Environment. United Natio
Human Rights Coucil, A/HRC/22/43 (24-12-2012), 19 p.; 2011 Office of the UN H
Commission for Human Rights Study – Human Rights and Environment
input by the Dutch Section of the International Commission of Jurists, jun. 2011, 43
32 KNOX, John H. Report of the Independent Expert on the Issue of Human Rig
Obligations Relating to the Enjoyment of a Safe, Clean, Healthy and Sustaina
Environment. United Nations Human Rights Coucil, A/HRC/22/43 (24-12-2012), p
MARTIN, Jean-Christophe; MALJEAN-DUBOIS, Sandrine. “La Cour européenne
droits de l’Homme et le droit à un environnement sain”. In: PRADEL
Prévention des risqué et responsabilités pénale en matière de domma
environnemental: une approche internationale, européenne et nationale. United Natio
Institute for Training and Research, 2008, p. 37.
33 SHELTON, Dinah. “Human Rights and the Environment: What Spec
Environmental Rights Have Been Recognized?”. Denver Journal of International L
and Policy, v. 35, n. 1, 2006, p. 164-165.
34 Carta Africana sobre os Direitos do Homem e dos Povos (27-6-1981). Disponível e
https://www.achpr.org/pr_history. Acesso em 12 jul. 2022.
35 Protocolo sobre os Direitos das Mulheres em África (7-11-2003). Disponível e
https://www.achpr.org/pr_pressrelease/detail?id=315. Acesso em 12 jul. 2022.
36 Protocolo adicional à Convenção Americana sobre Direito Humanos em Matéria
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (17-11-1988), art. 11.
37 O art. 38 da Carta dispõe: “Every person has the right to an adequate standard of liv
for himself and his family, which ensures their well-being and a decent life, includ
food, clothing, housing, services and the right to a healthy environment. The Sta
parties shall take the necessary measures commensurate with their resources
guarantee these rights”. Disponível e
http://www1.umn.edu/humanrts/instree/loas2005.html. Acesso em: 12 jul. 2022.
38 Declaração sobre os Direitos Humanos da Associação das Nações do Sudeste Asiáti
parágrafo 28(F) (18-11-2013). Disponível em: https://asean.org/asean-human-righ
declaration/. Acesso em: 12. jul. 2022.
39 011 Office of the UN High Commission for Human Rights Study: Human Rights a
Environment. Stakeholder input by the Dutch Section of the International Commiss
of Jurists, jun. 2011, p. 25 (Anexo II). Também: SHELTON, Dinah. “Develop
Substantive Environmental Rights”. Journal of Human Rights and the Environment
1, n. 1, 2010, p. 98.
40 A Constituição brasileira está disponível e
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 12
2022.
41 Tyrer c. Reino Unido, Caso n. 5.856/72, Decisão (25-4-1978), parágrafo 31. Vej
também: KRAVACHENKO, Svitlana; BONINE, John E. “Interpretation of Hum
Rights for the Protection of the Environment in the European Court of Human Righ
Global Business & Developmet Law Journal, v. 25, 2012, p. 250.
42 Mangouras c. Espanha, Caso n. 12.050/2004, Decisão (8-1-2009), parágrafo 41.

43 KRAVACHENKO, Svitlana; BONINE, John E. “Interpretation of Human Rights


the Protection of the Environment in the European Court of Human Rights”.
Business & Developmet Law Journal, v. 25, 2012, p. 248; MARTIN, Jean-Christop
MALJEAN-DUBOIS, Sandrine. “La Cour européenne des droits de l’Homme et
droit à un environnement sain”, in PRADEL, Jean (org.). Prévention des risqué
responsabilités pénale en matière de dommage environnemental: une appro
internationale, européenne et nationale. United Nations Institute for Training a
Research, 2008, p. 38.
44 Gabcikovo-Nagymaros (Hungria/ Eslovaquia), C. I . J., Opinião separada do J
Weeramantry, Rec., p. 88-89.
45 Por exemplo: Powell and Rayner c. Reino Unido, Caso n. 9.310/81, Decisão (21
1990); Hatton c. Reino Unido, Caso n. 36.022/97, Decisão (8-7-2003);
outros c. França, Casos n. 3.675/04 e 23.264/2004, Decisão (13-12-2012);
Gomez c. Espanha, Caso n. 4.143/2002, Decisão (16-11-2004); Deés c. Hungria
n. 2.345/2006, Decisão (9-11-2010); Mileva e outros c. Bulgária
34.339/2002 e 21.475/2004, Decisão (25-11-2010); Dubetska e outros c. Ukrân
Caso n. 30.499/2003, Decisão (10-2-2011); Zammit Maempel e outros c. Malta
n. 24.202/2010, Decisão (22-11-2011).
46 Por exemplo: Lopez Ostra c. Espanha, Caso n. 16.798/90, Decisão (9-12-199
Guerra e outros c. Itália, Caso n. 14.967/89, Decisão (19-2-1998); Taskin e outros
Turquia, Caso n. 46.117/99, Decisão (10-11-2004); Giacomelli c. Itália
59.909/2000, Decisão (2-11-2006); Martinez Martinez e María Manzano c. Espan
Caso n. 61.654/2008, Decisão (3-7-2012).
47 Por exemplo: Hamer c. Bélgica, Caso n. 21.861/2003, Decisão (27-11-2007);
c. Grécia, Caso n. 41.666/98, Decisão (22-5-2003).
48 Por exemplo: Florea c. Romênia, Caso n. 37.186/2003, Decisão (14-9-2010).

49 MARTIN, Jean-Christophe; MALJEAN-DUBOIS, Sandrine. “La Cour européenne


droits de l’Homme et le droit à un environnement sain”, in PRADEL
Prévention des risqué et responsabilités pénale en matière de domma
environnemental: une approche internationale, européenne et nationale. United Natio
Institute for Training and Research, 2008, p. 37.
50 Tatar c. Romênia, Caso n. 67.021/2001, Decisão (6-7-2009, versão final da decisã
parágrafo 6.
51 Tatar c. Romênia, Caso n. 67.021/2001, Decisão (6-7-2009, versão final da decisã
parágrafos 8-9.
52 Ibid., parágrafo 9. Também: DUTU, Mircea. “CEDH. Le droit ‘à la jouissance d
environnement sain et protégé’. Arrêt du 27 janvier 2009 prononcé dans l’affaire Ta
c./ Roumanie (Requête N.67021/01)”. Romanian Journal of Environmental Law
2009, p. 119; SHELTON, Dinah. “Tatar c. Roumanie: European Court of Hum
rights decision on protections against environmental harms and on proof of causat
and damages”. American Journal of International Law, v. 104, 2010, p. 248.
53 Tatar c. Romênia, op. cit., parágrafo 24.

54 Ibid., parágrafo 65.

55 Ibid., parágrafo 42.

56 O art. 35 da Convenção dispõe: “O Tribunal só pode ser solicitado a conhecer de


assunto depois de esgotadas todas as vias de recurso internas, em conformidade com
princípios de direito internacional geralmente reconhecidos e num prazo de seis me
a contar da data da decisão interna definitiva”. Disponível e
http://www.echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf. Acesso em: 12 jul. 2022.
57 Tatar c. Romênia, op. cit., parágrafo 70.

58 Tatar c. Romênia, op. cit., parágrafos 73-77.

59 Ibid., parágrafos 78-84.

60 Ibid., parágrafo 107.

61 O art. 35 da Constituição da Romênia de 1991 alterada por uma emenda em 20


dispõe: “(1) The State shall acknowledge the right of every person to a healthy, w
preserved and balanced environment. (2) The State shall provide the legislat
framework for the exercise of such right. (3) Natural and legal entities shall be bou
to protect and improve the environment”. Disponível e
http://www.cdep.ro/pls/dic/site.page? den=act2_2&par1=2#t2c2s0a35.
62 Ibid., parágrafo 121-122. Também: DUTU, Mircea. “CEDH. Le droit ‘à la jouissan
d’un environnement sain et protégé’ Arrêt du 27 janvier 2009 prononcé dans l’affa
Tatar c./ Roumanie (Requête N.67021/01)”. Romanian Journal of Environmental La
n. 2, 2009, p. 121.
63 Tatar c. Romênia, op. cit., parágrafos 127-132.

64 DUTU, Mircea. “CEDH. Le droit ‘à la jouissance d’un environnement sain et proté


Arrêt du 27 janvier 2009 prononcé dans l’affaire Tatar c./ Roumanie (Requ
N.67021/01)”. Romanian Journal of Environmental Law, n. 2, 2009, p. 125.
65 Tatar c. Romênia, op. cit., opinião parcialmente dissidente dos Juízes Gyulumyam
Zupancic.
66 Varnava c. Turquia, Casos n. 16.064/90, 16.065/90, 16.066/90, 16.068/90, 16.069/
16.069/90, 16.070/90, 16.071/90, 16.072/90, 16.073/90 (Grande Câmara), Decisão (
9-2009), parágrafo 224.
67 Ibid. Vejam também: SHELTON, Dinah. “Tatar c. Roumanie: European Court
Human rights decision on protections against environmental harms and on proof
causation and damages”. American Journal of International Law, v. 104, 2010, p. 2
253.
68 A Declaração está disponível e
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20do%20Rio%201992.p
Acesso em: 12 jul 2022.
69 KAZHDAN, Daniel. “Precautionary Principle: Pulp Mills and the Evolving Disp
Between International Tribunals Over the Reach of the Precautionary Principl
Ecology Law Quarterly, v. 38, 2011, p. 529; LUCCHINI, Laurent. “Le principe
précaution en droit international de l’environnement: ombres plus que lumière
Annuaire Français de Droit International, v. 45, 1999, p. 711 e 718-719; SAND
Philippe. “O princípio da precaução”. In: DIAS VARELLA, Marcelo; BARR
PLATIAU, Ana Flávia. Princípio da precaução. Belo Horizonte: Editora Del R
2004. cap. 13.
70 Por exemplo: Convenção sobre as Mudanças Climáticas de 1992, art. 3(3); Convenç
para a Proteção dos Ambientes Marinhos do Nordeste Atlântico de 1992, art. 2(2)
Convenção do Mar Báltico de 1992, art. 3(2); Convenção sobre a Conservação
Gestão de Populações de Peizes Tranzonais de 1995, art. 5(c). Vejam també
SANDS, Philippe. “O princípio da precaução”. In: DIAS VARELLA, Marce
BARROS PLATIAU, Ana Flávia. Princípio da precaução. Belo Horizonte: Edit
Del Rey, 2004, cap. 13; LEME MACHADO, Paulo Afonso. “Princípio da Precauç
no Direito Brasileiro e no Direito Internacional e Comparado”, in DIAS VARELL
Marcelo; BARROS PLATIAU, Ana Flávia. Princípio da precaução. Belo Horizon
Editora Del Rey, 2004. cap. 13.
71 EC Measures concerning Meat and Meat Products (Hormones), WT/DS26/AD
WT/DS48/AD/R, Report of the Appellate Body (16-1-1998), parágrafo 123 (notas
rodapé omitidas).
72 Pulp Mills on the River Uruguay (Argentina v. Uruguay), Judgment (20-4-2010), I.C
Reports 2010, parágrafo 164.
73 European Commission. Communication from the Commission on the Precaution
Principle (2-2-2000), 29 p.
74 Gowan Comércio Internacional e Serviços Lda v. Ministero della Salute
79/09. Judgment of the Court (Second Chamber) of 22 December 2010, parágrafos
73.
75 National Farmers’ Union and Others, Case C-157/96 (1998), parágrafo 64;
Kingdom v Commission, Case C-180/96 (1998) ECR I-2265, parágrafo 100;
Agricoltura Italia and others, Case C-236/01, ECR I-8105 (2003), parágrafo 111.
76 Por exemplo: Balmer-Schafroth c. Suiça, Caso n. 22.110/93, Decisão (26-8-199
Asselbourg c. Luxemburgo, Caso n. 29.121/95, Decisão (29-6-1999).
77 Asselbourg c. Luxemburgo, Caso n. 29.121/95, Decisão (29-6-1999): “In the inst
case, the Court considers that the mere mention of the pollution risks inherent in
production of steel from scrap iron is not enough to justify the applicants’ assert
that they are the victims of a violation of the Convention. They must be able to ass
arguably and in a detailed manner, that for lack of adequate precautions taken by
authorities the degree of probability of the occurrence of damage is such that it can
considered to constitute a violation, on condition that the consequences of the
complained of are not too remote (see, mutatis mutandis, the Soering v. the Uni
Kingdom judgment of 7 July 1989, Series A n. 161, p. 33, § 85). In the Cou
opinion, it is not evident from the file that the conditions of operation imposed by
Luxembourg authorities and in particular the norms dealing with the discharge of
polluting wastes were so inadequate as to constitute a serious infringement of
principle of precaution”. Disponível e
https://www.stradalex.com/en/sl_src_publ_jur_int/document/echr_29121-95
em: 12 jul 2022.
78 Tatar c. Romênia, op. cit., parágrafos 107 e 120; KRAVACHENKO, Svitla
BONINE, John E.”Interpretation of Human Rights for the Protection of
Environment in the European Court of Human Rights”. Global Business & Developm
Law Journal, v. 25, 2012, p. 275.
79 Tatar c. Romênia, op. cit., parágrafo 107.

80 Ibid., parágrafo 109.

81 POMADE, Adélie. “L’établissement du lien de causalité entre le dommage subi


l’exploitation des ressources”. In: AILINCAI, Mihaela; LAVOREL, Sabi
Exploitation des ressources naturelles et protection des droits d’ l’Homme
Pédone, 2013, p. 128.
82 POMADE, Adélie. “L’établissement du lien de causalité entre le dommage subi
l’exploitation des ressources”. In: AILINCAI, Mihaela; LAVOREL, Sabi
Exploitation des ressources naturelles et protection des droits d’ l’Homme
Pédone, 2013, p. 128-129.
83 Bacila c. Romênia, Caso n. 19.234/2004, Decisão (30-3-2010), Opinião concorda
do Juiz Zupancic, parágrafo 8.
84 Brânduse c. Romênia, Caso n. 6.586/2003, Decisão (7-4-2009), parágrafo 67.

85 López Ostra c. Espanha, Caso n. 16.798/90, Decisão (9-12-1994).


Hatton c. Reino Unido, Caso n. 36.022/97, Decisão (8-7-2003).
86
87 Fadeyeva c. Rússia, Caso n. 55.723/2000, Decisão (9-6-2005).

88 Por exemplo: Fadeyeva c. Rússia, Caso n. 55.723/2000, Decisão (9-6-2005), parágr


70. Vejam também: KRAVACHENKO, Svitlana; BONINE, John E. “Interpretation
Human Rights for the Protection of the Environment in the European Court of Hum
Right”. Global Business & Developmet Law Journal, v. 25, 2012, p. 265.
89 Tatar c. Romênia, op. cit., parágrafo 120.

90 Para uma posição similar: Responsibilities and Obligations of States Sponsor


Persons and Entities With Respect to Activities in The Area. Seabed Dispu
Chambers of the International Tribunal for the Law of the Sea, Case n. 17, Advis
Opinion, parágrafo 127.
91 MARTIN, Jean-Christophe; MALJEAN-DUBOIS, Sandrine. “La Cour européenne
droits de l’Homme et le droit à un environnement sain”. In: PRADEL
Prévention des risqué et responsabilités pénale en matière de domma
environnemental: une approche internationale, européenne et nationale. United Natio
Institute for Training and Research, 2008, p. 38.
92 Irlanda c. Reino Unido, Caso n. 5.310/71, Decisão (18-1-1978), parágrafo 207.

93 CAROZZA, Paulo G. “Subsidiarity as a Structural Principle of International Hum


Rights”. American Journal of International Law, v. 97, n. 1, p. 40.
94 Ibid., p. 40-46.

95 Tatar c. Romênia, op. cit., parágrafo 108.

96 BRAUCH, Jeffrey A. “The Margin of Appreciation and the Jurisprudence of


European Court of Human Rights: Threat To The Rule of Law”. Columbia Journa
European Law, v. 11, 2005, p. 116; YOUROW, Horward C. “The Margin
Appreciation Doctrine in the Dynamics of European Human Rights Jurisprudenc
Connecticut Journal of International Law, v. 3, 1987, p. 118.
97 Powell and Rayner c. Reino Unido, Caso n. 9.310/81, Decisão (21-2-1990), parágr
44. No mesmo sentido: Fadeyeva c. Rússia, Caso n. 55.723/2000, Decisão (9-6-200
parágrafo 104; Buckley c. Reino Unido, Caso n. 20.348/92, Decisão (29-9-199
parágrafo 76; Hatton c. Reino Unido, Caso n. 36.022/97, Decisão (8-7-200
parágrafo 122.
Por exemplo: Fadeyeva c. Rússia, Caso n. 55.723/2000, Decisão (9-6-2005), parágr
98 134; Hatton c. Reino Unido, Caso n. 36.022/97, Decisão (8-7-2003), parágrafo
Vejam também: KRATOCHVÍL, Jan. “The Inflation of The Margin of Appreciat
Doctrine By The European Court of Human Rights”. Netherlands Quarterly of Hum
Rights, v. 29, n. 3, 2011, p. 329-330.

99 SHELTON, Dinah. “Human Rights and the Environment: What Spec


Environmental Rights Have Been Recognized?”. Denver Journal of International L
and Policy, v. 35, n. 1, 2006, p. 163.
100 MONEBHURRUN, Nitish. O caso da República da Ilha Maurício c. Reino Un
perante a Corte Permanente de Arbitragem, 2014. In.: MONEBHURRUN, Nit
(org.). Crônicas do Direito Internacional, Revista de Direito Internacional
2014, p. 1-9.

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