TJSP Ai 2201370-11.2014.8.26.0000

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Registro: 2015.0000292432

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de


Instrumento nº 2201370-11.2014.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em
que é agravante SPIE ENERTRANS S.A., são agravados IESA PROJETOS,
EQUIPAMENTOS E MONTAGENS S/A, IESA ÓLEO & GÁS S/A, INEPAR S.A.
INDÚSTRIA E CONSTRUÇÃO, INEPAR EQUIPAMENTOS E MONTAGENS
S/A, INEPAR - ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÃO S.A., INEPAR
TELECOMUNICAÇÕES S/A, IESA TRANSPORTES S.A., SADEFEM
EQUIPAMENTOS E MONTAGENS S.A. e TT BRASIL ESTRUTURAS
METÁLICAS S/A.

ACORDAM, em 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do


Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram
provimento ao recurso. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que
integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores


FRANCISCO LOUREIRO (Presidente) e TEIXEIRA LEITE.

São Paulo, 29 de abril de 2015.

ENIO ZULIANI
RELATOR
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO N.º: 30932


AGRAVO DE INSTRUMENTO .Nº: 2201370-11.2014.8.26.0000
COMARCA: SÃO PAULO
AGRAVANTE: SPIE ENERTRANS S/A
AGRAVADO: IESA OLEO E GÁS S/A E OUTROS
JUIZ PROLATOR: DANIEL CARNIO COSTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL.


Agravante que possui crédito decorrente de sentença arbitral
proferida em 2003. Alegação de que o crédito não estava
constituído na data da recuperação, de modo que não estaria
sujeito aos seus efeitos. Crédito existente antes do pedido.
Mesmo ocorrendo desconsideração da personalidade jurídica
(inversa) a relação material de débito permanece hígida entre o
credor e o devedor originário e somente a responsabilidade
secundária alarga o campo da responsabilidade. Não surge
obrigação diferente ou que permita tratamento diferenciado diante
da recuperação judicial. Correta a decisão que entendeu estar
sujeito aos efeitos da recuperação o montante pleiteado pela
agravante. Não provimento.

Vistos.

SPIE ENERTRANS S/A ingressou com agravo de


instrumento em face de r. decisão proferida nos autos do pedido de
recuperação do Grupo Inepar e que entendeu que seu crédito é anterior ao
pedido de recuperação, e, portanto, sujeito aos seus efeitos. Explica que a
agravante e a INEPAR S/A, controladora das agravadas IESA OLEO E GAS
S/A E IESA PROJETOS, litigaram em arbitragem conduzida pela Corte
Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, em Paris.
Em 7.5.2003, o respectivo Tribunal Arbitral prolatou sentença arbitral
estrangeira que condenou a INEPAR a indenizar a recorrente pelos danos que
advieram da inexecução do contrato de obras e serviços executados no
exterior. Houve homologação do julgado pelo STJ e, em 23.8.2010 a agravante
iniciou o procedimento de cobrança junto à Justiça Federal. Naquele feito, foi

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demonstrado o desvio de finalidade da INEPAR e das sociedades que


compõem o conglomerado por ela comandado, tendo sido deferida a
desconsideração inversa da personalidade jurídica, em decisão publicada em
14.4.2014, com mandados juntados aos autos em 18.9.2014 e 11.9.2014. Foi
interposto agravo de instrumento em face de referida decisão e o resultado,
desfavorável aos devedores autoriza dizer que estabilizada a desconsideração
em 30.9.2014 para a IESA OLEO E GAS S/A e em 23.9.2014 para IESA
PROJETOS. Assim, essas são as datas em que o crédito existente contra elas
passou definitivamente a existir. Depois, portanto, do pedido de recuperação
judicial, que ocorreu em 29.8.2014. Ademais, a decisão de desconsideração
inversa da personalidade jurídica tem efeitos ex nunc. Requer a antecipação
dos efeitos da tutela jurisdicional, sendo reconhecido que o crédito tem
natureza extraconcursal por ter sido constituído depois do pedido de
recuperação.

Negado efeito ativo às fls. 604. Contraminuta às fls. 607 e


seguintes, requerendo seja negado provimento ao recurso. Parecer da D. PGJ,
pelo não provimento do recurso. Nova manifestação da agravante às fls. 642,
reforçando suas alegações anteriores.

É o relatório.

A recuperação busca aliviar o peso das dívidas


inadimplidas e outras que certamente não serão quitadas quando dos
vencimentos futuros, permitindo que a sociedade empresária em crise elabore
um plano para satisfazer a todos, com condições especiais, para não sucumbir.
O que faz parte ou não entra no quadro das dívidas ganha importância
fundamental e essa é a razão do presente agravo.

Nos termos do que dispõe o art. 49 da LRE, “estão

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sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do


pedido, ainda que não vencidos”.

Pois bem.

Conforme demonstram os documentos encartados, bem


como as declarações da própria agravante, é certo que o crédito mencionado é,
de fato, anterior à recuperação, de modo que, pela anterioridade, entra no
modelo recuperacional.

Conforme elucida FABIO ULHOA COELHO, “a


recuperação atinge, como regra, todos os credores existentes ao tempo da
impetração do benefício.” (COELHO, Fabio Ulhoa. Comentários à nova Lei de
Falências e de Recuperação de Empresas. 8ª ed. Saraiva: São Paulo, 2011). E
a lei complementa: 'ainda que não vencidos'.

Ora, ainda que não haja trânsito em julgado quando do


pedido de recuperação, tal fato não afasta o crédito dos efeitos da recuperação
judicial, na medida em que a sentença do Tribunal Arbitral estrangeiro, que
reconheceu o montante devido, data de 7.5.2003 (proferida há mais de 11
anos), o que é expressamente declarado pela própria recorrente (fls. 6), de
modo que o crédito já era existente, mesmo que pendente seu pagamento.

Não bastasse isso, também a homologação do julgado


arbitral estrangeiro pelo C. STJ é anterior ao pedido de recuperação judicial,
tanto que o procedimento de cobrança teve início perante a Justiça Federal em
23.9.2010, conforme demonstra o documento de fls. 276.

A posterior desconsideração não altera o vencimento da


obrigação e não muda o titular da prestação. Antes de tudo é preciso registrar a
correção do pensamento geral de que o credor que faz negócio com uma

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sociedade empresária está ciente “dos limites de suas pretensões” ou como


disse MARÇAL JUSTEN FILHO (Desconsideração da personalidade societária
no direito brasileiro, RT, 1987, p. 122) “de promover cobrança direta contra o
sócio”, o que permite afirmar que também está ciente de que grupos podem ser
criados e que a recuperação poderá ser viabilizada. É parte do risco assumido.

A obrigação é, basicamente, um vínculo jurídico e existem


elementos que constituem a relação, sem, contudo, deterem individualidade
que justifique fragmentação da sua essência ou conteúdo básico. Pode até
ocorrer que o débito (Schuld) possa ter distanciamento cronológico do fator
responsabilidade (Haftung), como, por exemplo, quando há substituição da
figura do devedor originário pela interferência de fenômeno que permita a
substituição ou a própria subsidiariedade, como a hipótese do art. 50, do CC.
Isso não permite diferenciar a obrigação e criar duas, como pretende o
recorrente, ou seja, uma que estaria sujeita aos efeitos da recuperação e outra
que não, como se a desconsideração da personalidade jurídica inversa tivesse
o condão de criar modalidade obrigacional diversa.

A desconsideração da personalidade jurídica, cuja matriz


está no art. 50, do CC, não traz embutida em sua essência o poder de alterar a
função governamental do grupo de sociedades reunidas para, especificamente,
criar independência ou autonomia de uma ou duas, como se deseja no caso,
deslocando parte do grupo do plano emergencial da recuperação. O recorrente
pretende criar patrimônios distintos e não há. Assim e considerando de forma
hipotética que a devedora original é a sociedade dominante que teria
construído outras para desviar bens e fraudar credores, o levantamento da
personalidade de maneira a alcançar as novas, faz com que as dominadas
satisfaçam as dívidas da dominante (MENEZES CORDEIRO, O Levantamento
da Personalidade Colectiva, Almedina, Coimbra, 2000, p. 82). Isso é, data
vênia, obrigar, por via indireta, a própria devedora e cabe dizer que a obrigação
não se modifica.

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Não há, portanto, que considerar definitivamente


constituído o crédito apenas quando as agravadas deixaram transcorrer in albis
o prazo para manifestação acerca da desconsideração inversa da
personalidade jurídica. Até porque, o trânsito em julgado, caso existisse,
constituiria uma fase complementar da obrigação que, como já defendia
CLÓVIS DO COUTO E SILVA, é um processo. O crédito (leia-se a prestação)
foi constituído anteriormente, com a sentença arbitral, e somente a exigibilidade
foi posteriormente confirmada.

Assim sendo, absolutamente correta a decisão que


considerou o crédito da recorrente como sendo anterior ao pedido de
recuperação e, portanto, sujeito aos seus efeitos.

Nega-se provimento.

ÊNIO SANTARELLI ZULIANI


Relator

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