A Comunicação e A Informação Na Cultura - PARA ALUNOS
A Comunicação e A Informação Na Cultura - PARA ALUNOS
A Comunicação e A Informação Na Cultura - PARA ALUNOS
Discutimos neste ensaio a atual cinética do mundo, que tem nas tecnolo-
gias da informação e da comunicação a sua condição de possibilidade e de
RESUMO
existência. A cultura e as suas práticas não são alheias a este movimento. Com
a mobilização tecnológica, deixamos de ter fundamento seguro, território co-
nhecido e identidade estável. O mal-estar instalou-se na cultura, a tal ponto
que passamos a senti-la em perigo. Mas com a crise da cultura é a própria
ideia de humano que está em risco.
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gico. E os ojetos técnicos estabelecem uma ligação sensorial connosco, uma ligação
com a nossa pele, o que quer dizer, uma ligação com as nossas emoções. E também os
médias passam por este processo e exprimem esta sensibilidade.
Os médias, hoje
Os médias nasceram como uma promessa de cidadania, ao serviço da sociedade
democrática, exercendo a vigilância sobre os poderes públicos e as instituições, e
instruindo os cidadãos sobre as decisões a tomar no espaço público. No entanto, como
a experiência contemporânea é uma experiência tecnológica, os médias estão sujeitos
a este mesmo movimento. O que quer dizer que os média refletem as condições da
época, que são tecnológicas, e as contradições que a própria época tem, por razões
também tecnológicas (Martins, 2008; 2010b; 2015b). Nestas circunstâncias, os média
passam a constituir um instrumento da ordem do espetáculo (Guy Debord, 1967),
com uma “ética da estética” (Maffesoli, 1990), tendo um compromisso apenas com a
emoção, o que corresponde, na realidade, a uma retração do pensamento. Lembremos,
todavia, neste contexto, o personagem Ulrich, do livro O homem sem qualidades,
de Robert Musil (1952). Mobilizados pela técnica, os médias contribuem para que a
nossa época acumule conhecimentos como nunca aconteceu antes, em nenhuma outra
época. Mas sentem-se absolutamente incapazes para alterar o curso das coisas.
Esta situação agrava-se pelo facto de a soberania ter deixado de residir nos estados
nacionais, tendo sido transferida para estruturas políticas e econômico-financeiras su-
pranacionais, como o Banco Mundial, o Banco Central Europeu, o Fundo Monetário
Internacional, a Organização Mundial do Comércio, a União Europeia, o Mercosul,
a União Africana (Martins, 2008). Nestas condições, as decisões mais importantes
passaram para a responsabilidade de verdadeiros “governos mundiais”, tendo os pa-
íses uma margem de manobra estreita e sendo as suas decisões de efeito político e
económico reduzido. As principais decisões são colocadas num outro patamar, em
macro-estruturas globais, financeiras e políticas. E quando hoje vemos alastrarem os
fenómenos populistas, não podemos deixar de os considerar como uma realidade da
mesma ordem que a retração do pensamento.
Cultura e mal-estar
A mobilização tecnológica da época tornou manifesto um mal-estar na cultura e no
humano, que se tem generalizado pelo facto de o mal-estar ser concomitante ao sentimen-
to de impotência, relativamente ao atual estado do mundo. A este respeito, lembramos,
por um lado, Crise no castelo da cultura: das estrelas para os ecrãs (Martins, 2017), e
por outro, as alterações climáticas, de que são um gritante exemplo, tanto os recentes
incêndios florestais, em Portugal e na Califórnia, como o ciclone Idai, em Moçambique.
No fundo, a nossa relação com as tecnologias diz muito sobre a nossa identidade, assim
como sobre a relação que mantemos com o planeta, cujas capacidades se vão exaurindo.
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Mas um outro mal-estar cultural, que é também um mal-estar político, são os naciona-
lismos, assim como as convocações ao patriotismo. O nacionalismo e o patriotismo signi-
ficam hoje meros tribalismos, o que quer dizer, egoísmos, que desenvolvem sentimentos
xenófobos, propagam a intolerância ao outro e destilam ódio àquele que é estrangeiro.
Dadas as condições tecnológicas da época, ocorre hoje uma migração massiva de
pessoas, numa escala tal, como nunca aconteceu no passado, a ponto de as sociedades
serem hoje todas transculturais. Neste contexto, se nos colocamos de um ponto de vista
meramente nacionalista, o outro acaba sempre por ser para mim um problema. É da
lógica das relações humanas que num primeiro momento eu possa ficar fascinado pelo
outro. Mas o momento seguinte é o de me sentir incomodado pelo outro. Porque é di-
ferente de mim e eu não o entendo. Porque tem hábitos que não são os meus, crenças
que não são as minhas, vê o mundo de um modo diferente do meu e também age de um
modo distinto de mim. No limite, aquilo que começa como o encontro com um outro,
pode acabar em abafamento, anulamento, apagamento, dominação e violência sobre o
outro. É esta a lógica das relações humanas, sejam elas vividas em termos individuais,
ou em termos coletivos. Por essa razão, entendemos que o nacionalismo abre hoje ca-
minho a sociedades mais intolerantes e xenófobas. O único ponto de vista que julgamos
fazer sentido, nas atuais circunstâncias do mundo, assim como a única pedagogia a de-
senvolver nos contextos interculturais, são os que nos colocam do lado da comunidade
humana como um todo, mantendo e alimentando sempre um sentido de humanidade.
Os nacionalismos intolerantes
A atual compreensão da cultura não é, pois, dissociável da mobilização tecnológica
da época. A cultura do Ocidente foi construída segundo o princípio da analogia, com
todas as coisas a remeterem para uma causa anterior, sendo Deus a primeira das causas,
aquela que reúne na unidade todas as coisas. O Ocidente foi feito por três religiões prin-
cipais, tendo cada uma delas um livro sagrado, que nos funda de acordo com o princípio
da analogia. Nestas três tradições religiosas, no Judaísmo com a Torá, no Cristanismo
com a Bíblia e no Islão com o Alcorão, é Deus a causa das coisas, para onde toda a
criação remete.
Com a laicização da cultura, esta mundividência acabou no Ocidente. O iluminis-
mo e o romantismo desferiram um golpe fatal no princípio da analogia, abrindo cami-
nho à modernidade. Daí para a frente, tendo Deus morrido, o homem passou a contar
apenas consigo próprio para fazer o seu caminho. A visão de um mundo separado e
autotélico é aprofundada pelas tecnologias da imagem, que começaram por meados
do século XIX, com a invenção da máquina fotográfica, prosseguiram com o cinema,
a televisão e o vídeo, e chegaram à internet e ao digital (Martins, 2009). A tecnolo-
gia, hoje, não aspira apenas a fazer-nos o braço; quer produzir-nos por inteiro. E é
um facto, a tecnologia não apenas faz expandir a experiência do humano, por exem-
plo, através da máquina fotográfica, da programação informática e do design gráfico,
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