Raquel Varela

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RAQUEL VARELA

Tenho pensado na cobertura mediática - não disse jornalismo, propositadamente -


da guerra.

Em primeiro lugar há uma dimensão de infligir o horror, a nós. Destroços, ruínas,


como quem semeia a desesperança. Se todos os dias assistíssemos à cobertura
das reuniões diárias de estudantes e judeus contra a guerra em Nova Iorque ou
Londres, desertores do exército norte-americano e israelita, certamente teríamos
outra visão do mundo. Este é o aspecto mais importante - o horror paralisa-nos, a
resistência mobiliza-nos.

Escombros nada dizem sobre a guerra, as suas causas e como combatê-la,


escombros ensinam-nos a estar quietos, com medo.

O argumento também serve para a resistência ucraniana e russa à guerra. Os


desertores na Ucrânia e na Rússia e a perseguição e prisão de Zellensky e Putin a
estes não tem espaço mediático. É preciso continuar a matança, e pacifistas,
resistentes e revolucionários não existem, só escombros.

Em segundo lugar as palavras. A comunicação - usei de novo a palavra


comunicação e não jornalismo - gozou o fartote, e bem, com a ideia russa de
"operação especial" mas à invasão do Líbano chama "incursão israelita no Líbano"
ao genocídio em Gaza chama "guerra Israel - Hamas" (notem que até o nome de
um Estado, e de um povo, Palestina, fica assim suprimido).

Em terceiro lugar o jogo de vídeo, dos aviões e das bombas, o, enfim, glamour da
guerra, com os fatos de 4 mil euros de Von der Leyen a visitar a carne para canhão
na Ucrânia ou os caças israelitas a pilotar o mundo. Na RTP2 está a dar uma série,
Mundo em Chamas, justamente sobre o contrário, a desumanização da guerra.
Não só os mortos e estropiados, mas o enfrentamento entre seres humanos,
iguais entre si em algum ponto desta história e as suas tenebrosas escolhas.

Em quarto lugar Israel. Hoje poucos duvidam que, no seu combate, o dos EUA
com a China e a Rússia, Israel transformou-se num Estado pária, um porta-aviões
dos EUA, que pode deixar morrer todos os reféns e colocar como escudos
humanos desta guerra toda a população israelita.
Israel executa e mostra com orgulho cidadãos de outros países, que considera
terroristas, nesses outros países, usando a Inteligência Artificial. Nem discuto se
são ou não terroristas ou luta armada, falo apenas da execução. Notem, Hitler
negava que estava a matar judeus nos campos de concentração, fez até um teatro
em Terezin, para mostrar como eram bem cuidadas as crianças judias. E Franco,
líder fascista de Espanha, negava a sua cumplicidade nos bombardeamentos de
civis em Guernika ((tornada pública, sob ameaça, por um grande jornalista,
Georges Steer, para o Times).

Finalmente, informações jornalísticas importantes, como a história destes países,


são ignoradas ou contadas de forma infantil- alguém escreveu que essa, a
história, é a disciplina mais perigosa, porque nos diz que já foi diferente, há
alternativa. A história foi substituída por especialistas, assim se autodenominam,
em material de guerra, que soletram as siglas dos tanques em longas prédicas
televisivas.

Outro tipo de informação central, como a IA está a ser usada nesta guerra? que
empresas no mundo fabricam armas? componentes electrónicas, software para
esta matança? Além da disputa imperialista do mundo, eu queria saber quem
ganha e quanto ganha com o material de destruição que é produzido. Porque
todos os dias, e onde, milhares de trabalhadores acordam e vão produzir material
de destruição em vez de material de ensino ou cura ou cultura? E como o Relatório
Draghi pretende que a UE "saia da crise", lei-se recuperar as taxas médias de lucro
das grandes empresas e bancos europeus, investindo em guerra (na comunicação
diz-se "defesa e segurança")? Sim, quanto sangue há em cada moeda dourada da
"recuperação europeia" e do "combate ao terrorismo"?

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