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V CONGRESO GALEGO-PORTUGUÉS

DE PSICOPEDAGOXÍA
ACTAS (COMUNICACIÓNS E POSTERS)
N° 4 (Vol. 6) Ano 4°-2000 ISSN: 1138-1663

o CURRÍCULO COMO VEÍCULO DE INTEGRA9AO SOCIAL

José Carlos MORGAD0 1


Universidade do Minho

RESUMO

o presente artigo centra-se na problemática da integra~ao curricular, inventariando alguns dos


fundamentos e preceitos que a tonificam e fazem desta prática urna via, por excelencia, para a con-
solida~ao da justü;a curricular e da integra<;ao social. Na parte final alude-se a um recente modelo
de educa<;ao alternativo aescola pública - o programa «homeschooling».

"Educar pessoas com maior amplitude e flexibilidade de interesses é urna das vias indis-
pensáveis para construir sociedades dia a dia mais humanas, democráticas e solidárias"2.

INTRODur;JO

Acrescente complexidade das sociedades contemporaneas tem tornado cada vez mais eviden-
te que a educa~ao dos cidadaos se torna indispensável para poderem responder aos desafios deco-
rrentes das profundas muta<;6es científicas, tecnológicas e sociológicas da vida moderna.

Estas transforma~6es, que no dizer de Stoll & Fink3 demonstram que estamos a viver um perío-
do de transi<;ao decorrente da passagem de urna sociedade pós-industrial para urna sociedade da
informac;ao e do conhecimento, mais nao sao do que a evidencia da explosao, de algum modo
(des)ordenada, de informa<;ao, que nao se esgota nela própria, e que tem como ber<;o precisamen-
te o pós-industrialismo.

1. Toda a correspondencia relativa a este artigo deve ser enviada para: José Carlos Morgado, Instituto de Educa~ao
e Psicologia, Universidade do Minho, Campus de GuaItar, 4710-057 Braga, Portugal. E-maíl
jmorgado@iep.uminho.pt
2. Torres Santomé, J. (1999). Currículos Flexíveis. A urgencia de urna revisao da cultura e do trabalho nas escalas.
Jornal A Página da Educa~iio, 85, pp. 4-8, p. 7.
3. Stoll, L. & Fink, D. (1999). Para cambiar nuestras escuelas. Reunir la eficacia y la mejora. Barcelona:
Ediciones Octaedro.

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Tal explosao implica que o caminho no sentido da democratizac;ao social se vai tomando gra-
dualmente mais complexo, dado que nao é possível aescola ombrear com a dimensao da informac;ao
que propulsiona a sociedade. Além do mais, a escola, e contrariamente ao que defende Dickens4 , está
muito longe de ter de ensinar apenas factos, até porque a vida nao é feita apenas de factos.

De entre as várias estratégias para um melhor aproveitamento desta multiplicidade de infor-


mac;ao, e com o intuito de assegurar tanto o direito a educac;ao quanto a igualdade de oportunida-
des, afinal imperativos de todas as agendas democráticas, urna delas emerge com alguma acutilan-
cia e que é escopo deste artigo - a integrac;ao curricular.

1. N09AO DE INTEGRA9AO

Em qualquer sociedade democrática, o sistema educativo, fruto de um determinado projecto


político que pretende conformar o futuro, é visto como um meio conducente a urna maior equida-
de e coesao social. Daí que os argumentos discursivos mais utilizados recentemente no campo edu-
cativo insistam na generalizac;ao da educac;ao como factor preponderante na construc;ao de urna
sociedade igualitária.

Vivemos num tempo de grandes transformac;6es, onde o acelerado desenvolvimento de novas


tecnologias de informac;ao e o esbater das fronteiras políticas, culturais, científicas e económicas
muito tem contribuído para urna nova conjectura mundial, fortemente dependente da posse de
determinados conhecimentos, mas onde os recursos mais valiosos continuam a ser as pessoas e
onde a educac;ao se assume como a via decisiva para a inclusao ou exclusao sociaP.

Tais fenómenos tem concorrido para a necessidade evidente de reposicionar e/ou adaptar dos
sistemas educativos a novas realidades, outorgando um outro papel aescola, mais consonante com
as exigencias do meio em que se encontra inserida e com a finalidade última do desenvolvimento
global e harmonioso da personalidade dos indivíduos. Gimen0 6 considera que a actual sociedade do
conhecimento ou da informac;ao "exige da educac;ao escolar urna resposta adequada se esta nao qui-
ser ficar amargem dos circuitos de comunicac;ao, de cultura e do conhecimento".

Corroborando esta opiniao, Femandes 7 defende que tais mudanc;as se justificam tanto pela
"crescente complexidade da sociedade em que vivemos", quanto pela "necessidade de fundamen-
tar, em bases mais sólidas, decis6es que tem importantes implicac;6es sócio-morais para o indiví-
duo e para a sociedade", podendo, assim, as instituic;6es escolares proporcionarem melhores opor-
tunidades educativas, perseguindo "urna educac;ao de qualidade elevada para todos".

4. Cf. Dickens, C. (1961). Hard Times. London: Collins. O autor considerava que a vida era apenas feita de factos
e defendia que só se poderiam formar as mentes das crianc;as com factos. Tudo o resto seria inútil.
5. A este propósito Cf. C.N.E. (1997). Política Educativa: Construc;iio da Europa e Identidade Nacional. Lisboa:
Ministério da Educac;ao.
6. Gimeno, 1. (1997). Políticas y prácticas curriculares: determinación o búsqueda de nuevos esquemas? In José
Pacheco, Maria Alves & Maria Flores (Orgs.). Reforma curricular: da intenc;iio a realidade. Braga:
Universidade do inho, pp. 23-50, p. 33.
7. Fernandes, M. (1998). A mudanc;a de paradigma na avaliac;ao educacional. Educac;iio, Sociedade & Culturas, 9,
pp.7-32, p. 8.

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Em termos de conhecimento, tais mudanc;as anunciam o eclodir do que Santos 8 denomina por
"paradigma emergente", estimulado pelo espectacular avanc;o das ciencias e pela progressiva cadu-
cidade do poder explicativo do "paradigma dominante"9, deixando de fazer sentido a dicotomizac;ao
entre ciencias naturais e ciencias sociais, já que se passa a falar de urna pluralidade metodológica
na construc;ao do conhecimento. Ergue-se, assim, urna "nova ordem científica" em que o ser huma-
no, enquanto "autor e sujeito do mundo", é colocado no centro do conhecimento. Recupera-se,
deste modo, o papel do ser humano como actor principal do processo educativo.

Se os desafios sociais contemporaneos elegem como prioridade global o desenvolvimento de


urna sociedade democrática, perseguindo a formac;ao e valorizac;ao da pessoa e esforc;ando-se pela
reduc;ao das assimetrias e das desigualdades sociais, tais propósitos significam também trazer para
a primeira linha das preocupac;oes as questoes relativas ao conhecimento, urna vez que "a resposta
a globalizac;ao e a sociedade da informac;ao reside no conhecimento, na capacidade de criac;ao, de
transmissao e de aplicac;ao dos conhecimentos"lO.

Torna-se assim relevante o papel social e cultural da educac;ao, tanto no que diz respeito ao
desenvolvimento de capacidades e da personalidade do indivíduo - imperativos imprescindíveis a
sua autonomia e convivencia social -, quanto a integrac;ao e utilizac;ao social dos saberes e do con-
hecimento. A educac;ao "deve permitir as pessoas analisar, tomar decisoes, trabalhar e desfrutar (o
mundo) de modo muito mais responsável, com liberdade, preocupando-se com o bem estar de
todos"ll.

Tais propósitos implicam que a escola enquanto instituic;ao privilegiada de formac;ao do indiví-
duo se organize, de forma "a construir um mundo de possibilidades", onde o conhecimento é visto
como um processo de construc;ao inacabada em que todos devem participar 12 • Mais do que forne-
cer informac;ao, que hoje se adquire facilmente pelos mais diversos meios, a escola deve promover
a aquisic;ao e o desenvolvimento de capacidades para obter essa informac;ao, preocupando-se mais
com o desenvolvimento de processos de aprendizagem do que com a transmissao de informac;ao e
de conhecimento.

É nesta linha de pensamento que Húsen 13 considera necessário que na escola se experienciem
"práticas de diferenciac;ao pedagógica", respeitando "experiencias de vida e estilos cognitivos diver-
sificados", concretizando-se, assim, "o princípio da realizac;ao pessoal" de cada indivíduo, princípio
este que, no dizer de Leite 14 , se deve assumir como um "direito inalienável de todo o indivíduo para
escolher livremente trajectórias educativas", e implicará que as organizac;oes escolares nao só se
estruturem com base em princípios de participac;ao democrática, como também criem alternativas

8. Santos, B. (1999). Um discurso sobre as ciencias. Porto: Afrontamento, pp. 36-44.


9. Cf. Santos, B. (1999), Op. cit., (pp. 10-11). O autor descreve o "paradigma dominante" como um modelo global
de racionalidade científica, caracterizado pela previsibilidade do comportamento futuro dos fenómenos a luz de
certas regularidades observadas e baseado num conhecimento causal.
10. Cameiro, R. (1997). Comunicac;ao proferida na Conferencia sobre "Política Educativa: Construc;ao da Europa e
Identidade Nacional". Conselho Nacional de Educa~iio. Lisboa: ME, pp. 72-85, p. 81.
11. Torres Santomé, J. (2000). Entrevista. Jornal A Página da Educa~iio, 87, p. 11.
12. Torres Santomé, Op. cit.
13. Húsen, T. (1988). Núevo análisis de la sociedade del aprendizage. Barcelona: Paidós, MEC.
14. Leite, C. (2000). A Flexibilizac;ao curricular na construc;ao de urna escola mais democrática e mais inclusiva.
Território Educativo, 7. Porto: DREN, pp. 20-26, p. 20.

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significativas e diversificadas de forma9ao e, ainda, procurem estimular "dinamicas de inclusao",
assumindo a responsabilidade de proporcionar o sucesso escolar a todos os cidadaos.

Tem-se tomado cada vez mais clara a "necessidade de estabelecer urna maior e melhor liga9ao
entre a cultura escolar e a cultura social e experiencial dos alunos e dos seus contextos de provenien-
cia", o que enfatiza a importancia das decisoes sobre a selec9ao e organiza9ao dos conteúdos q~e
devem ser ministrados na escola, ou seja, "um maior protagonismo nas decisoes sobre o currículo 15.

No entanto, o que na prática se tem verificado é que a escola nao tem conseguido adaptar-se as
novas realidades, nem construir ritmos paralelos que se assemelhem as cadencias de desenvolvi-
mento do tecido social. Como postula Torres Santomé l6 , toma-se premente urna "revisao da cultu-
ra e do trabalho nas escolas", urna vez que se continuam a trabalhar conteúdos pouco relevantes e
de forma pouco motivadora para os alunos, correndo-se o risco de perderem o contacto com a rea-
lidade em que vivem. Adianta ainda o autor que "as situa90es e problemas da vida quotidiana, as
preocupa90es pessoais, costumam ficar a margem dos conteúdos e processos educativos", valori-
zando-se mais urna aprendizagem democrática de conteúdos culturais pouco significativos do que
urna compreensao clara do que muitas vezes se valoriza. É neste sentido que Stoll & Fink17 afir-
mam que sem urna planifica9ao partilhada e cuidadosa do trabalho escolar, qualquer estratégia de
mudan9a pode converter-se numa estratégia de gestao burocrática que nao influencie nem a vida
dos professores, nem a dos alunos. Ou seja, qualquer estratégia de mudan9a educativa depende da
cultura da escola, sendo esta fortemente influenciada pela própria cultura docente, o que nos leva
a concluir que qualquer altera9ao no interior da escola resultará sempre da maior ou menor
mudan9a do pensamento e das práticas docentes l8 •

Urge, assim, assumir o currículo como urna constru9ao partilhada, através da institucionaliza9ao
consciente das práticas deliberativas l9 , como mecanismo capaz de garantir a ponte e estabelecer um
diálogo permanente entre a escola, o meio e a sociedade, contribuindo-se assim para a realiza9ao do
indivíduo através de um processo de forma9ao integral, flexível e aberto, nao só no que diz respei-
to aos valores e as culturas, como também aos saberes e aos domínios de aprendizagem.

É nesta perspectiva que Beane20 avan9a com a n09ao de integra9ao curricular, por oposi9ao a
um currículo espartilhado, delimitado por territórios disciplinares bem vincados, onde o primado
da sequencialidade determina e imp6e o conhecimento ministrado ao aluno. O autor refere-se a
integra9ao curricular como um supra-conceito, isto é, como um campo conceptual que nao se res-
tringe as fronteiras das disciplinas e que "tem sido utilizado, por norma, para temas centrados na
resolu9ao de problemas que ajudam os alunos a integrar as experiencias educacionais nas suas
vidas pessoais e sociais"21.

15. Alonso, L. (2000). Desenvolvimento Curricular, profissional e organizacional: urna perspectiva integradora da
mudan~a. Território Educativo, 7, Porto: DREN, pp.33-42, p. 33.
16. Torres Santomé, J. (1999). Currículos Flexíveis. A urgencia de urna revisan da cultura e do trabalho nas escolas.
Jornal A Página da Educa<;lio, 85, pp. 4-8, p. 4.
17. Stoll, L. & Fink, D. (1999), Op. cit.
18. Fullan, M. (1991). The New Meaning 01 Educational Change. New York: Teachers College Press.
19. Pacheco, J. & Paraskeva, J. (2000). A tomada de decisao na contextualiza<;ao curricular. Revista de Educa<;iio,
IX, 1. Lisboa: Universidade de Lisboa, pp.III-116.
20. Beane, J. (1997). Curriculum integration. New York: Teachers College Press.
21. Beane, 1. (2000). O que é um Currículo Coerente? In José Augusto Pacheco (Org.), Políticas de Integra<;iio
Curricular. Porto: Porto Editora, pp. 39-58, p. 50.

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Para Torres Santomé22 , o currículo integrado "é o produto de urna filosofia sócio-política e urna
estratégia didáctica", isto é, fundamenta-se numa determinada concep~ao de socializa~ao das novas
gera~6es, num determinado ideal de sociedade e nas formas que podem facilitar os processos de
ensino e aprendizagem. Em suma, a integra~ao curricular é vista como urna forma de reduzir a arti-
ficialidade da escola, pela abordagem de conteúdos e de temáticas que se relacionem com as neces-
sidades dos alunos e com os seus problemas e realidades mais comuns. Dilui-se, assim, "o proble-
ma das escolas tradicionais, onde se dá urna grande enfase aos conteúdos apresentados em pacotes
disciplinares" impedindo que os alunos sejam capazes de ver esses conteúdos como fazendo parte
do seu próprio mundo.

Se as propostas anteriores consideravam a (re )organiza~ao dos conteúdos curriculares como o


elemento chave da integra~ao curricular, esbatendo fronteiras disciplinares, valorizando conteúdos
e destrezas provenientes de várias disciplinas do conhecimento e, como salienta Beane23 , centran-
do-se o processo de ensino-aprendizagem em tomo de temáticas ou problemas significativos que
ligam o currículo escolar ao mundo em geral, pelo contrário, para Zabalza24 , a integra~ao é vista
como um dos cinco critérios cruciais para o desenvolvimento do currículo a partir do contexto esco-
lar: a) pluralismo - já que a escola deve oferecer e organizar-se em torno de um modelo pedagógi-
co plural, que permita a convivencia de todos, rejeitando as exigencias de um projecto unitário; b)
continuidade - vista como "um indicador da racionalidade e, simultaneamente, um potenciador do
máximo desenvolvimento individual no processo de aprendizagem"; c) integrar;iio - entendida
como "urna autentica conexao, na própria essencia do modelo formativo, do educativo e do instru-
tivo num autentico e pleno desenvolvimento pessoal-funcional do sujeito"; d) alfabetizar;iio cultu-
ral - urna vez que "a escola elementar cumpre, no ambito instrutivo, a tarefa de realizar urna auten-
tica alfabetiza~ao cultural de toda a popula~ao infantil"; e) abertura - "abertura ao exterior que per-
mita a génese dinamica de circuitos de interac~ao mútua entre escola-fann1ia, escola-contexto
sócio-cultural, escola-comunidade local". No fundo, para o autor, a integra~ao é um dos pressu-
postos fundamentais para um desenvolvimento do currículo numa perspectiva abrangente e inclu-
siva, já que deve atender sobretudo ao papel dos vários agentes educativos e ao contexto em que a
escola está inserida.

Para Skilbeck25 , a integra~ao curricular deve assumir-se como urna forma consubstanciadora da
coesao social, respeitando as diferen~as e baseando-se num trabalho conjunto das pessoas, numa
boa rela~ao comunicacional que se constrói na base de propósitos comuns, de cedencias e com-
promissos que devem ser atingidos.

Em essencia, e como referimos noutro locaF6 , entendemos que a integra~ao curricular é um pro-
jecto que depende essencialmente de mecanismos de delibera~ao. SÓ tem sentido problematizar a

22. Torres Santomé, J. (1999). Op. Cit., p. 7.


23. Beane, J. (2000). Integra~ao Curricular: a essencia de um escala democrática. In José Pacheco, José Margado e
Isabel Viana (Orgs.). Políticas Curriculares: Caminhos de Flexibilizar;iio e Integrar;iio. Braga: Universidade do
Minho, pp. 45-61.
24. Zabalza, M. (1987). Planificar;iio e desenvolvimento curricular na escola. Porto: Edi~5es Asa, pp. 38-44.
25. Skilbeck, M. (1997). Intercultural actions and social cohesion: a challenge for education. Educar;iio e Sociedade,
1 (97), pp. 69-78.
26. Margado, J. (2000). A integra~ao curricular no ensino básico: certezas e possibilidades. In José Pacheco, José
Margado e Isabel Viana (Orgs.). Políticas Curriculares: Caminhos de Flexibilizar;iio e Integrar;iio. Braga:
Universidade do Minho, pp. 93-101.

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integra~ao curricular a partir de urna altera~ao significativa dos contextos educacionais, o que
dependerá de urna nova postura da escola e dos professores, e se nao se evitar questionar ocurrí-
culo como um processo deliberativo. O currículo será, entao, concebido como um projecto que
implica espa~os e tempos constantes de tomadas de decisao em vários níveis e etapas, envolvendo
os diversos agentes educativos, operando-se, assim, quer ao nível da constru~ao do conhecimento,
quer ao nível da forma em que esse conhecimento se implementa. Se assim for, e perante urna
sociedade verdadeiramente heterogénea, estaremos a caminhar no sentido de construir um currícu-
lo flexível e integrador, sensível as diferencia~oes, mas também a estimular a cristaliza~ao de meca-
nismos de delibera~ao, inegáveis contributos para a consolida~ao de urna sociedade democrática.

2. FUNDAMENTOS DA INTEGRA9AO CURRICULAR

A integra~ao curricular implica que se estabele~am algumas premissas sem as quais se tradu-
zirá num projecto irresolúvel. Aliado ao relativismo cultural que trespassa todo o currícul0 27 , a inte-
gra~ao deve também, por esta causa, nao perder de norte dois grandes objectivos que se podem
intrometer no desenvolvimento do processo de integra~ao do currículo. Por um lado, o estado em
que se encontram a forma~ao inicial e a forma~ao contínua de professores, e, por outro lado, o
poder expresso dos manuais escolares.

A forma~ao inicial e a forma~ao contínua de professores nao tem permitido outra coisa que nao
seja urna sequencializa~ao do conhecimento, pelos tanques das disciplinas, e tem inviabilizado a
constru~ao do conhecimento apoiado num território relacional. Ou seja, tanto a forma~ao inicial
como a forma~ao contínua nao tem nada a ver com a lógica da integra~ao do conhecimento que se
quer que o currículo assuma.

Com efeito, admitir o currículo como um processo que nao é politicamente neutro é defini-lo
como um espa~o dialéctico, determinado por um conjunto amplo de decisoes, negociadas e rene-
gociadas a vários níveis 28 • Nesta conformidade, implicar os professores no processo de desenvolvi-
mento curricular só ganha sentido se tal acontecer numa base deliberativa, ou seja, o professor
impoe-se como um agente social e nao como um sujeito técnico, emprestando ao processo todos os
seus ideais, perspectivas, desejos e volitudes e que, ao interactuar com os seus pares, fará do campo
curricular um campo deliberativo, mas sobretudo um locus permanentemente descontinuado.

Desta forma, a delibera~ao deverá ser sempre focada como urna componente crucial do delica-
do processo político de que se constitui o campo curricular, porquanto ao currículo desaguam todas
as nuances políticas mais amplas e mais específicas.

Isto implica, com toda a clareza, urna outra dinamica na forma~ao de professores, tanto a nível
inicial como, e sobretudo, na forma~ao contínua.

Toma-se cada vez mais evidente urna certa instabilidade da profissao docente, que associada ao
facto de se atribuírem, com frequencia, as escolas e aos professores as responsabilidades pelos fra-
cassos escolares, tem originado ansiedade e incertezas, favorecendo o isolamento dos professores e
um distanciamento em rela~ao aos alunos. Tais factos, geradores de um crescente "mal-estar profis-

27. Gimeno Sacristán, J. (1998). Poderes inestables en educación. Madrid: Morata.


28. Goodson, Y. (1994). Studying curriculum. New York: Teachers College Press.

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sional" resultam, no dizer de Nóvoa29 , de dois aspectos fundamentais: por um lado, "a tendencia para
separar a concepc;ao da execuc;ao", ou seja, a produc;ao dos currículos e programas de ensino da sua
operacionalizac;ao na escola e na sala de aulas; por outro lado, "a tendencia no sentido da intensifi-
cac;ao do trabalho dos professores", aumentando-Ihe as tarefas diárias. Trata-se de um fenómeno
social que, para o autor, decorre da "ausencia de um projecto colectivo", enfatiza o tecnicismo do tra-
balho docente, reduz significativamente a sua autonomia e provoca a deteriorac;ao do seu estatuto pro-
fissional, acentuando um papel mais consonante com o de funcionário público em detrimento do de
um profissional autónomo. No fundo, e como referem Apple & Jungck30, "a qualidade cede lugar a
quantidade", perdendo-se competencias colectivas em favor de competencias administrativas.

Assim, nao tem cabimento a imagem do professor como um funcionário público, submetido de
forma passiva e absoluta ao poder da tutela, ou de um trabalhador que executa determinadas tare-
fas decididas e/ou encomendadas por outros, urna vez que o professor tem urna determinada auto-
nomia e responsabilidade que sao inevitáveis, a partir do momento em que se enfrenta com urna
prática que, no caso da educac;ao, é urna prática aberta. Nem sequer é admissível um profissiona-
lismo apoiado na defesa de interesses corporativos, ainda que alguns deles sejam legítimos, ou par-
tindo do princípio de que apenas a eles pertencem as habilidades, conhecimentos e motivos para
construir urna boa educac;ao31 •

Torna-se necessária urna outra concepc;ao da formac;ao de professores, "urna formac;ao onde se
destaca o valor da prática como elemento de análise e reflexao do professor" 32. Tal modelo impli-
cará que se considere a formac;ao inicial como ponto de partida de um permanente e complexo pro-
cesso de desenvolvimento profissional, devendo a formac;ao contínua ser vista como um "aper-
feic;oamento permanente", centrado nas actividades diárias da sala de aulas e na procura de res-
postas para a resoluc;ao de problemas inerentes avida escolar. Em suma, e como postula Schon33 , a
formac;ao de professores deve incidir na resoluc;ao de problemas práticos, na base de urna reflexao
permanente do professor.

A recontextualizac;ao da formac;ao de professores passa também por fazer com que os neófitos 34
ganhem urna certa aproximac;ao a família dos alunos, já que nao se podem substituir a ela. Após a
profissionalizac;ao, o professor constrói um espac;o próprio no sistema escolar, espac;o este que além
de estar alheado da família, se ancora num terreno inseguro e mal definido. A profissionalidade
docente nao é urna profissao liberal, já que é condicionada e controlada por diversos factores, para
além de partilhar determinados aspectos com outros membros da cultura. Ninguém é professor em

29. Nóv.oa, A. (1992). Formac;;ao de professores e profissao docente. In António Nóvoa (Coord.), Os professores e
a suafornlac;iio. Lisboa: Publicac;;6es D. Quixote, pp. 13-33, pp. 23-24.
30. Apple, M. & Jungck, S. (1990). No hay que ser maestro para enseñar esta unidad: la enseñanza, la tecnología y
el control en el aula. Revista de Educación, 291, pp. 149-172, p. 156.
31. Larson, M. (1977). The rise ofprqfissionalisln. Berkele}" iniversity of California Press.
32. Marcelo Garcia, C. (1992). A fornlac;;ao de professores: novas perspectivas baseadas na investigac;;ao sobre o pen-
samento do professor. In António Nóvoa (Coord.), Os professores e a sua formac;iio. Lisboa: Publicac;;6es D.
Quixote, pp. 51-76, p. 53.
33. Schon, D. (1987). Educating the reflective practitioner. New York: Jossey-Bass.
34. Cf. Marcelo Garcia, C. (1992), Op. Cit., p. 66. O autor considera que a fase de iniciac;;ao profissional dos pro-
fessores, embora sendo urna fase que, inevitavelmente, marcará o seu desempenho futuro, tem sido esquecida
quer a nível superior, quer nas próprias instituic;;6es de formac;;ao docente, inviabilizando o desenvolvimento de
atitudes a reflexao e aumentando as caréncias formativas dos professores.

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sentido estrito, até porque qualquer outra pessoa pode fazer igualmente bem o que ele faz 35 • Ainda
que seja melhor formado que os pais para exercer esta competencia, e ainda que tenha direito a ter
autonomia profissional em nome do respeito pelos alunos e pelo bem comum, tal autonomia nunca
poderá ser ilimitada.

De entre as quest6es que contribuem para esta fragilizada forma~ao de professores, ocupam
lugar preponderante os manuais escolares. Com efeito, mexer na forma~ao de professores implica
desmanualizar o professor.

o manual está montado de tal maneira que só um professor experiente poderá flexibilizar o pró-
prio manual. Um professor neófito segue o livro, em alguns casos meticulosamente, até com o
objectivo de cumprir o programa.

o manual transmite urna constru~ao muito específica do conhecimento e depende de urna de


lógica de sequencializa~ao. Ora, se queremos integrar o currículo ternos de, descomplexadamente,
diluir o poder do manual, desterritorializá-Io, isto é, se queremos integrar o conhecimento ternos de
diluir as fronteiras que o manual determina, e o facto é que o manual nao permite isso. Daí o manual
ser uro instrumento segregador, construído como se todos os alunos fossem iguais.

Nas palavras de Mendes 36 , os manuais escolares,

"Amados, por uns, e criticados, por outros, (...) continuam a desempenhar um papel insubs-
tituível na educa~ao. Com efeito, além de um meio didáctico de extrema utilidade - para alu-
nos, professores e, por que nao, para as próprias famI1ias/encarregados de educa~ao -, eles
veiculam valores e princípios, ideologias e perspectivas, ao mesmo tempo que ajudam a fixar
e a moldar memórias, inclusive a própria memória histórica e mesmo a(s) identidade(s)."

Ou seja, e de acordo com Monioe 7 , "o manual tende a estimular puls6es positivas e negativas,
leva a amar, odiar e respeitar..., prop6e modelos identificatórios; contribuindo para a constru~ao da
identidade, ele visa fazer aceitar ideais, guiando e refor~ando o amor próprio".

Trazendo a cola~ao o raciocínio de Castr0 38 , os manuais escolares "sao objectos particularmen-


te complexos, característica para que contribuem decisivamente a rede de rela~6es intertextuais em
que sao posicionados, a natureza plural dos seus destinatários, a multiplicidade de objectivos que a
sua utiliza~ao persegue, o tipo de condicionalismos que marcam a sua produ~ao e difusao".

Se o currículo é assumidamente um lugar de selec~ao do conheciment039 , entao os manuais esco-


lares "podem ser descritos em fun~ao dos conhecimentos que comportam e dos princípios que subor-

35. Henry, M. (1996). Parents-school collaboration. Albany: State University of New York Press.
36. Mendes, J. (1999). Identidade nacional e ideologia através dos manuais de História. In Rui Vieira de Castro et
al, Manuais escolares. Estatuto, Funr;oes, História. Braga: CEEP, Universidade do Minho, pp 343-354, p. 343.
37. Moniot, H. (1997). Didactique de l'Histoire, col. «Perspectives didactiques», Paris, NathanIPédagogie, p. 202,
apud Mendes, Op. cit., p. 343.
38. Castro, R. (1999). Já agora, nao se pode exterminá-los? Sobre a representa<;ao dos professores em manuais esco-
lares de Portugues. In Rui Vieira de Castro et al, Manuais escolares. Estatuto, Funr;oes, História. Braga: CEEP,
Universidade do Minho, pp 189-196, p. 189.
39. Forquin, J. (1993). Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre:
Artes Médicas.

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dinaram as inclus6es e exclus6es que realizam" 40. Por outras palavras, se o currículo é o resultado de
urna determinada selec~ao, entao o manual, que é a base do currículo, promove essa selec~ao.

Prossegue ainda Castro41 , que

"Sendo os manuais escolares um repositório dos conteúdos legitimados na escola e para a


escola sao, em simultaneo, urna tecnologia para transmissao daqueles, integrando aspectos
relativos a sequencia e ao ritmo da sua transmissao, através, por exemplo, das actividades
que prop6em e dos modos de avaliar as aquisi~5es realizadas~ neste sentido, desempenham,
importantes fun~6es pedagógicas. Olhados por este angulo, eles podem permitir aceder ao
conhecimento da "ideologia pedagógica" subjacente, do modo como é entendido o proces-
so de "transmissao" e "aquisi~ao" que tem lugar na sala de aula e do "papel" que nele é
reservado aos alunos e aos professores.

As fun~6es pedagógicas e culturais que os manuais realizam nao sao, por outro lado, disso-
ciáveis da sua natureza de "bem de consumo"~ algumas das op~6es tomadas por autores e
editores, as múltiplas estratégias de sedu~ao que sao desenvolvidas, nao podem ser desarti-
culadas das características do "mercado" em que tem que ocorrer, radicando mais em preo-
cupa~6es comerciais do que pedagógicas, e das características do(s) público(s) alvo."

Daí que, o manual seja um vício da/na forma~ao de professores, já que este é manualizado quer
na forma~ao inicial, quer na forma~ao contínua. Ora, o professor nao consegue problematizar as
quest6es relativas aos conteúdos, nao só porque foi treinado como um utilizador do manual, como
também porque se apoia em determinadas práticas instituídas na escola, como por exemplo a ava-
lia~ao em que, por norma, há um apelo mais directo a aspectos periféricos, tais como memoriza~ao
e compreensao de factos, assiduidade, participa~ao, etc., do que a constru~ao do conhecimento, já
que esse é fomecido pelo manual.

Além do mais, e ainda de acordo com Castro42 ,

Os manuais escolares sao textos de utiliza~ao preferencial pelos alunos - nas suas "activi-
dades", nos seus "enquadradores discursivos", nos seus "textos de endere~amento" sao os
alunos que elegem como destinatários~ mas este é um destinatário de segundo nível, porque
o primeiro é, obviamente, o professor que é quem decidirá sobre a sua adop~ao ou nao~ aliás,
este destinatário emerge frequentemente em notas de abertura que precisamente o seleccio-
nam como leitor primeiro~ pode acontecer, para lá disto, a ocorrencia de comentários, de
sugest6es, de observa~6es que só ganham sentido se concebermos o professor como leitor
ideal deste tipo de textos.

Em essencia, nao há só urna ideia de selec~ao ancorada ao manual, há também urna ideia de
mercantilizal¡iio do conhecimento, tal como refere Apple43 • Esta mercadoriza~ao é estimulada pelas
editoras já que ninguém sabe quais sao os critérios para a escolha deste ou daquele manual. No
fundo, sem urna ampla discussao sobre o papel do manual enquanto material didáctico e sobre a

40. Castro, R. (1999). Op. cit., p. 189.


41. Castro, R. (1999). Op. cit., pp. 189-190.
42. Castro, R. (1999). Op.o cit., p. 191.
43. Apple, M. (1997). Abordagens Sociológicas do Currículo. Lisboa: Universidade de Lisboa.

465
finalidade e intencionalidade da forma~ao de professores, a integra~ao curricular nao tem con-
di~5es de se afirmar. Até porque, para além do cumprimento destes fundamentos, a integra~ao
curricular necessita da concretiza~ao de determinados preceitos que a seguir se analisam.

3. PRECEITOS DA INTEGRA9AO CURRICULAR

A diversidade imp5em-se factualmente como um dos preceitos mais importantes para urna efec-
tiva integra~ao do currículo. Na verdade, a integra~ao curricular só se conseguirá impor como um
documento de justi~a se respeitar a realidade pela diversidade, diversidade esta que justifica a plu-
ralidade de conhecimento e de informa~ao que configura um determinado contexto social.

Urna das causas cruciais para inviabilizar qualquer tentativa de integra~ao curricular é a tenden-
cia de monoculturaliza~ao da escola e de disciplinariza~ao do conhecimento, até porque o proble-
ma da disciplinariza~ao dá urna falsa ideia de estaticismo. Ora, o conhecimento é um palco de dina-
micas diversas, urna constru~ao contínua. Aliás, a cultura é urna constru~ao permanente.

A constru~ao do conhecimento em tanques compartimentados é um erro e adia o processo de desen-


volvimento integrado do currículo. É neste sentido que Torres Santomé44 salienta que toda a proposta
curricular deve traduzir urna sensibilidade cuidada perante a sociedade, os alunos e os professores:

Elaborar urna proposta curricular obriga a participar na reflexao acerca de que tipo de
cidadaos e sociedade queremos construir ... isto obriga-nos a reflectir sobre urna série de
quest5es prévias destinadas a averiguar o presente - como sao as nossas sociedades, que
problemas necessitam de resolu~ao urgente, quais sao as causas das situa~5es injustas que
detectamos, etc.

Desenvolver projectos curriculares obriga a atender a urna série de quest5es: as tarefas que
cada um dos alunos realiza, o acompanhamento da sua realiza~ao, aquilo que sabem e aqui-
lo que para eles é ininteligível, detectar as suas percep~5es da realidade, valores e expectati-
vas, averiguar que situa~5es problemáticas do seu desenvolvimento pessoal e social afectam
as suas interac~5es sociais.

Os professores tem de dedicar-se a este tipo de investiga~ao nas aulas, tendo de destinar
também algum tempo para leituras, seminários de actualiza~ao constante, trabalho em equi-
pa de planifica~ao, acompanhamento e avalia~ao dos projectos curriculares nos quais este-
jam comprometidos. Para além disso tem de estar muito bem informados das quest5es cul-
turais, laborais, económicas e políticas e que sao imprescindíveis para conseguir urna ade-
quada compreensao da comunidade e do mundo em que vivemos.

Assim, a integra~ao curricular estabelece um apelo também a alunos, mas sobretudo aos pro-
fessores, até porque, de acordo com o auto¡A5, estes "enquanto intelectuais ao servi~o da democra-
cia e da justi~a social" devem contribuir para a desmistifica~ao daquilo que é definido como con-
hecimento oficial.

44. Torres Santomé, J. (1997). Política Educativa, Prácticas Culturales y Justicia Social. In José Pacheco, Maria
Alves & Maria Flores (Orgs.). Reforma curricular: da intenc;iio a realidade. Braga: Universidade do Minho, pp.
51-81, p. 5I.
45. Torres Santomé, J. (1997), Op. cit., p. 55.

466
A sensibilidade a diversidade atravessa a assun~ao de urna perspectiva multicultural da edu-
ca<;ao, até porque, tal como salienta Paraskeva46 , "a sociedade faz-se orgulhosamente apresen-
tar como um textil de padr5es múltiplos, que segundo a segundo, se multiplicam e coexistem na
base de determinada cumplicidades chuleadas dissimuladamente. A Escola, ao nao conseguir
traduzir esta imagem, hiberna, entra em coma profundo, até porque o acesso a escola é presidi-
do e orientado pela diversidade o que faz da escola urna montra cognitiva, afectiva e social-
mente desigual".

Neste facto, prossegue o autor47 , os professores nao estao isentos de culpa, até porque "a esco-
la multiculturallimita-se a ser mais urna boa ideia mas sem um compromisso prático por parte dos
professores".

No entanto, e apesar das dificuldades estruturais que o sistema público de educa<;ao enfrenta,
urna outra dificuldade come~a a ganhar alguma visibilidade nos países tidos como mais industria-
lizados e que, de todo, coloca em causa a educa~ao como processo social sensível a diversidade e
ao multiculturalismo. Referimo-nos especificamente aos programas «homeschooling»48, que se
situam na sequencia do projecto de reforma educacional, levado a cabo pelos movimentos mais
identificados com a ideologia neoliberal49 , onde para além de este programa, se encontram ainda os
projectos relacionados com as «charters schools»so. As «charters schools» sao um novo modelo de
gestao proposto para as escolas públicas, em que os pais tem a possibilidade de poder escolher a
escola que querem que os seus filhos frequentem. Estas escolas surgem como um mecanismo para
o combate aos índices de insucesso e abandono escolares, revelando-se e assumindo-se socialmen-
te como urna das melhores solu<;5es [no sentido da eficácia] encontradas para a redecredibiliza<;ao
do sistema público de ensino, ao abrigo do lema financiamento público - gestao privada, impri-
mindo maior responsabilidade na consecu<;ao tanto da formula~ao dos objectivos, quanto dos resul-
tados obtidoss 1• Estamos perante um projecto que tem tido grande adesao nos Estados Unidos da
América do NorteS2 e no Canadás3, e que vai ao encontro do impaciente desejo de reforma que se
esperava a qualquer momento vir a acontecer em tomo do sistema público de ensino, face aos bai-
xos níveis de operancia apresentadoss4.

46. Paraskeva, 1. (1998). A dinamica dos conflitos ideológicos e culturais na fundamentar;iio do currículo. Braga:
Universidade do Minho , p. 342.
47. Paraskeva,1. (1998). A dinamica dos conflitos ideológicos e culturais na fundamentar;iio do currículo. Braga:
Universidade do Minho ,p. 343.
48. A este propósito Cf. National Homeschool Association. Mission Statement. Homeschooling families: ready for
the next decade. New York: National Homeschool Association. http://www.n-h-a.org/nha.html; e ainda Home
School Legal Defense Association.(2000) The home school reporto http://www.leah.org/hslda.html.
49. Cf. Apple, M. (1999). Power, meaning and identity. New York: Peter Lang.
50. Charters Schools Development Center (1999). http://www.csus.edu/ier/charter/charter.html.
51. Charters Schools Research (1999). The State of Charters Schools, Third Year Report.
http://www.ed.gov/pubs/charter3rdyear/html.
52. Cf. AFT Report of Charter Schools Reseacrh Project. (1997) Washington, D.C.: United States Department of
Education.
53. Cf. Canada's Charters Schools: Initial Report. (1998). The Society for Advancement of Excellence in Education.
Alberta: Canada.
54. Vanourek, G., Manno, B., Finn, C., & Bierlein, L. (1997). Charter Schools in Action Project. Final Report, Part
2. The birth pains and lije cicles of charter schools: Hudson: Hudson Institute.

467
Paralelamente a este projecto, surge, em sintonia com os fundamentos que o fazem emergir, o
programa «homeschooling», um modelo de educa~ao alternativo a escola pública. Este movimen-
to, surge também face a progressiva descredibiliza~ao da escola enquanto institui~ao educativa, em
que os pais receosos e temerosos da inoperancia da escola em reproduzir determinados valores,
sobretudo religiosos, optam por instituir um modelo de educa~ao conduzido familiarmente 55 •

Fortemente implementado nos Estados Unidos da América do Norte56 , na Austrália57, no


Canadá58 , caracteriza-se por urna multiplicidade de modelos de acordo, nao apenas com o interes-
ses da crian~a, mas com as características e interesses das próprias famílias.

Trata-se de um movimento que tenta revivificar determinados valores tradicionais, que se


entendiam perdidos na escola, e que tem tido grande impulso por parte dos governos dos respecti-
vos países, dado que se apresentam como projectos viáveis no plano económico, mas sobretudo no
plano social.

Mais do que um projecto paralelo a escola pública, a semelhan~a do que já acontecia com o
ensino privado, os programas «homeschooling» sao um projecto alternativo que teve a partida
grande adesao por parte dos movimentos religiosos, sobretudo daqueles que se encontravam pro-
fundamente identificados com as ideologias da Direita que, ao constatarem que a sua mensagem
estava arredada do discurso da escola, viram no programa «homeschooling» a possibilidade de rea-
bilitar a sua mensagem e a sua imagem59 •

Deste modo, e perante um programa educativo que envolve já milh6es de crian~as e respecti-
vas famílias 60 , caem por terra nao só as no~6es de diversidade e multiculturalismo, a que anterior-
mente nos referimos, a verdadeira fun~ao social da escola, ou seja, a capacidade de construir redes
sociais ao abrigo das teias da socializa~ao, como ainda a no~ao democrática de educa~ao apoiada
numa escola que se oriente por práticas curriculares democráticas, tal como as que sao sugeridas
por Apple & Beane61 :

1. a livre circula~ao de ideias, independentemente da sua popularidade, que permite as pessoas


estarem o mais bem informadas possível;

2. fé na capacidade individual e colectiva de as pessoas poderem criar condi~6es para a resolu~ao


dos seus problemas;

55. Home School Today. Reasons for homeschooling. http://www.adelaide.net.auf.-rnbpaine/homescho.html.


56. The Wisconsin Parents Association. Homeschooling in Wisconsin. At home learning. Wisconsin: Wisconsin
Parents Association; National Homeschool Association. Mission Statement. Homeschooling families: ready for
the next decade. New York: National Homeschool Association. http://www.n-h-a.org/nha.html.
57. Home School Today. Looking for an alternative to school based education? Teach your children at home!
http://www.adelaide.net.au/-.rnbpaine/homescho.html
58. Alberta Home Education Association. How to start Home Schooling. Wysiwyg://13/http://www.abhome-ed.org/.
59. Lyman, 1. (1998) Homeschooling. Back to the future? Policy Analysis, n° 294.
60. Lines, P. (1997) Homeschooling: An overview for educational policymakers. United States Department of
Education Working Paper; Home School Legal Defense Association.(2000) The home school reporto
http://www.leah.org/hslda.html; National Home Education Research Institute at http://www.nheri.org.
61. Apple, M. & Beane, J. (2000). Em defesa das escolas democráticas. In Michael Apple & James Beane (Orgs.),
Escolas Democráticas. Porto: Porto Editora, pp. 19-55, pp. 27-28.

468
3. o uso da reflexao e da análise críticas para avaliar ideias, problemas e planos de ac~ao;

4. preocupa~ao pelo bem-estar dos outros e pelo «bem comum»;

5. preocupa~ao com a dignidade e com os direitos do indivíduo e das minorias;

6. compreensao de que a democracia nao é tanto um «ideal» que se persegue, como um conjunto
de valores «idealizados», que devemos viver quotidianamente e que devem orientar a nossa
vida enquanto POyO;

7. a organiza~ao de institui~6es sociais com a finalidade de promover e expandir o modo de vida


democrático."

Tanto os projectos «charters schools», quanto os programas «homeschooling», que se inserem


no propósito neoliberal de reforma da educa~ao, ao inviabilizarem as dinamicas inerentes a diver-
sidade, multiculturalismo e socializa~ao, colocam em causa a verdadeira hipótese de práticas
democráticas curriculares, hipotecando a integra~ao, criando dificuldades a cristaliza~ao de valores
e dinamicas que fundamentem a sociedade democrática. O projecto social neoliberal conseguiu
aproveitar-se da crise da escola pública, antecipando-se com um antídoto que nada tem a ver com
os princípios avan~ados por Holt62 , mas que resvalou para um modelo mais segregador e gerador
de maiores desequilíbrios sociais. Em essencia, a integra~ao do currículo depende de várias
quest6es - forma~ao de professores, manuais escolares, sensibilidade a diversidade e multicultura-
lismo -, mas sobretudo, nao só da necessidade de urna conveniente discussao sobre o verdadeiro
papel da educa~ao, como também da cria~ao de alternativas credíveis as solu~6es que sao avan~a­
das pelo projecto neoliberal.

CONSIDERAr;OES FINAIS

A eficácia da integra~ao curricular depende, nao só de determinados fundamentos e preceitos,


como também dos referentes para os quais aponta, aliás anteriormente analisados, na base dos quais
se construirá o currículo como um campo explícito de justi~a social.

Em essencia, a integra~ao só tem sentido se permitir a equidade e a justi~a social como práticas
efectivas do currículo, vividas por todos mas sobretudo pelos seus elementos substantivos - pro-
fes sor e aluno. Ganha sentido entao, referir o raciocínio de Conne1l63 , para quem "o sistema educa-
tivo é um bem público de grande importancia constituindo urna das maiores indústrias de qualquer
economía moderna", bem público esse, cuja envergadura outorga o direito de questionar quem sao
efectivamente os seus beneficiários.

Assim, a integra~ao curricular deverá contribuir para que este bem público se estenda a todos,
compartilhando na resolu~ao dos problemas que a sociedade enfrenta. A integra~ao do currículo
deve, com toda a naturalidade, destruir o processo de desenvolvimento curricular apoiado em crité-
rios de exclusao e marginaliza~ao das vozes das classes mais desfavorecidas.

62. Holt, 1. (1981) Teach your own. New York: Delacorte.


63. Connell, R. (1997a). Escuelas y justicia social. Madrid: Morata, p. 18.

469
Embora integra~ao e justi~a curriculares sejam conceitos que nao se devem confundir, por urna
questao de justic;a, o processo de desenvolvimento do currículo tem que realizar-se sensível a inte-
gra~ao, impedindo, tal como refere Connel64 , que "no interior das instituic;6es formalmente igua-
litárias, crianc;as proletárias, pobres e pertencentes a minorias étnicas [continuem] a ter desempen-
ho inferior, em testes e exames, ao de crian~as oriundas de famílias ricas ou da classe média, que
[estao] sujeitas a reprovac;6es e aevasao escolar e [tenham] muito menos chances de entrar para a
universidade". A diluic;ao deste tipo de quotidiano curricular passa por urna participac;ao activa dos
professores no processo de desenvolvimento do currículo, professores esses que devem estar (ser)
convenientemente preparados, até porque a natureza política do currículo (Apple, 1999)65 cria-lhe
um espac;o dialéctico constantemente determinado por um amplo conjunto de decis6es (Goodson,
1994)66.

Fundamentalmente, a integrac;ao curricular é urna quesHlo de justic;a social.

64. Connell, R. (1997b). Pobreza e educa~ao. In Pablo Gentili (Org.), Pedagogia da exclusiio. Crítica ao neolibe-
ralismo em educac;iio: Petrópolis: Editora Vozes, pp. 11-42, p. 14.
65. Apple, M. (1999). Políticas culturais e Educac;iio. Porto: Porto Editora.
66. Goodson, Y. (1994). Op. cit

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