Do Verdadeiro e Da Verdade - Contra Os Acadêmicos
Do Verdadeiro e Da Verdade - Contra Os Acadêmicos
Do Verdadeiro e Da Verdade - Contra Os Acadêmicos
Do Verdadeiro e da Verdade
Um dos temas mais caros ao estudante de loso a — e aos lósofos e eruditos em geral
— é a questão da verdade e suas modalidades. Não raro, ao inquirirmos sobre a pessoas
próximas, nos responderão que cada um acredita em algo, e aquela é “sua verdade”, “sua
lógica” ou coisa do tipo; menos raro ainda é que, ao negarmos que isso faça sentido,
sejamos acusados de “donos da verdade” como se tentássemos imputar uma crença em
outros. Não tentaremos resolver o problema da verdade neste ensaio, mas esperamos
fornecer algum guiamento através de raciocínios simples e exemplos cotidianos.
Livros que tratam do tema da verdade costumam começar por alguns caminhos dos quais
dois são os mais comuns: primeiro, a de nição de verdade surge após muitas
considerações anteriores; segundo, a verdade é estudada logo de imediato através da
coletânea e análise de muitas opiniões até que se adquira algo palatável.[1] Aqui,
seguiremos um procedimento misto.
Tomemos o questionamento acerca da verdade, que leva à conhecida resposta sobre o
que cada um crê; de fato, as pessoas creem em coisas, e nada há de mal nisso; é
interessante atentar que uma das de nições de conhecimento mais conhecidas é aquela
onde o temos como uma crença verdadeira e justi cada.[2] Olhando de perto,
percebemos que parece haver uma discrepância entre “verdade” e “crença”, ou, entre
“verdade” e “verdadeiro”. Responder a alguém que pergunta sobre a verdade como se ela
fosse uma crença é não responder, visto que, o fato das pessoas crerem em coisas
diversas não implica uma diversidade de verdades, mas sim, de crenças que podem ou
não ter a qualidade de verdadeiros, i.e., status de verdade.
Aqui vemos que há um problema grave em perguntas sobre “a” verdade. Se há apenas
uma, e a colocarmos em um objeto singular, todo o resto é falso e isso repugna à
experiência; se a colocarmos em muitos, ela vira uma qualidade dada a muitos, uma
categoria. Mas, se dada a muitos, pode-se deduzir, ainda que sub-repticiamente, que ela
seja uma crença, e aí o problema da validade da crença surge como um trem
desgovernado; é preciso um critério universalmente válido.
Toda essa problemática é um dos fatores que levam tantos pensadores a simplesmente
desistir do tema enquanto leva outros e simplesmente assumirem espécies de relativismo.
A verdade, como de nida normalmente é tido como uma espécie de relação; uma
proposição, juízo, uma asserção sobre algo, é verdadeira, possui qualidade de verdade,
quando exprime corretamente o que se quer dizer sobre algo. Quando dizemos que uma
caneca é uma caneca, estamos falando a verdade, nossa asserção sobre é verdadeira; a
relação entre o que dizemos e o que de fato está ali, é correta. A grosso modo, é isso o
que se diz quando lemos, por exemplo em Sto. Tomás de Aquino: A verdade é a
adequação do intelecto à coisa. [3] Essa modalidade de verdade é chamada de Lógica[4],
pois é essencialmente o objeto desta; quando, por exemplo, analisamos um juízo qualquer
que não possua contradição interna (quadrado redondo!), não podemos concluir sua
verdade; mas quando tratamos do que ele se refere, temos um medium: a coisa! Assim, a
verdade lógica é dita como essa relação, a adaequatio. Mas, isso não quer dizer que o juízo
sem contradição interna seja intrinsecamente falso; mas a “verdade” dele possui outro
nome: a tal, chamamos “veritativa”.
Ainda há um problema: mas, e quanto à coisa? Ela não é uma relação nem um juízo, então
é falsa? Não; ela possui uma modalidade própria de verdade, chamada ontológica e que é
aquela de que trata Agostinho: verdadeiro é aquilo que é[5]. Em última instância, a coisa
mesma é aquela que nos dará o ponto nevrálgico da verdade, pois, sem ela, não podemos
ter nem a relação desta com nosso intelecto e nem como avaliar a verdade do juízo.[6]
Então, há ao menos três modalidades de verdade: ontológica, lógica e veritativa.
1. Identidade: P=P; todas as coisas são idênticas a si mesmas; pode-se ver aqui a
verdade ontológica, pois todas as coisas são idênticas a si mesmas; se não o
fossem, não seriam elas mesmas. Do mesmo modo, as a rmações sobre as coisas
devem obedecer à mesma regra, visto que, se a rmarmos que uma caneca é um
pepino, a a rmação se torna falsa e nossa adaequatio vai por água abaixo. O
mesmo ocorre com o juízo mesmo, pois ele deve ser ele mesmo sob pena de,
senão, ser outro.
3. Terceiro excluído: P V ~P; uma coisa é ou não é; uma coisa, para ser verdadeira,
deve ser algo; o não-ser, nada é. A mesma regra vale para a adaequatio e o juízo
enquanto juízo.
Mas, e a questão da crença? Crença, ou, o ato de crer, de acreditar que algo de fato o é,
soa como uma modalidade de adaequatio; é como se esperássemos pela con rmação da
asserção. Quando a asserção se con rma, diz-se que sabemos. Essa intelecção que deu
origem à de nição de conhecimento anteriormente dita; o que não quer dizer que tal não
tenha sido duramente criticada.[12] Mas isso é outra história.
Com essas poucas observações, que de qualquer forma não sai mais do que o “meta-
básico” para que se comece a pensar sobre o assunto, é possível que o leitor sinta-se
impelido a procurar mais sobre nos livros citados e nos livros citados nos livros, ao mesmo
tempo em que se mantêm longe do relativismo mais comum, o subjetivista, digo, aquele
que procura dizer que cada um tem uma verdade, o que vimos não ser mais do que um
mal-entendido, uma adaequatio malfeita.
[1] Por exemplo, Kant e Xavier Zubiri foram partidários do primeiro processo; Sto. Tomás
de Aquino, do segundo.
[2] Para um ótimo artigo sobre, ver Linda Zabzebski, O problema do conhecimento, in
Compêndio de Epistemologia.
[4] Régis Jolivet explica isso em seu Curso de Filoso a, P.61 e seguintes.
[7] O tema do “factum” mistura-se ao de “realidade”; de certo modo, ambos são estudados
em pormenores em obras de Ontologia, como o Ontologia e Cosmologia de Mário Ferreira
dos Santos.
[8] Alguns usam Aristóteles [Metafísica VI,4 1027 B25-28] como cavalo de batalha para
dizer que a verdade “está apenas na mente”. Essa concepção é errônea pois toma a
verdade apenas de um modo, e abre caminho para um relativismo subjetivista que, no
m, irá basear-se em certa disparidade cognitiva no homem o que é cabalmente falso,
visto que nosso aparato cognitivo em geral é o mesmo e da notória confusão que fazem
entre este e as vivências individuais.
[9] No sentido de que um objeto não pode possuir dois predicados contraditórios ao
mesmo tempo.
[10] “Qualquer que seja o conteúdo do nosso conhecimento e seja como for que se
relacione com o objeto, a condição universal, embora apenas negativa, de todos os nossos
juízos em geral, é que se não contradigam a si mesmos; caso contrário, tais juízos (mesmo
sem não se considerar o objeto) não são nada. ” Crítica da Razão Pura B189 ou A150
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PUBLICADO EM Ensaios
Vanderson diz:
4 de junho de 2019 às 13:32
Isaac diz:
14 de agosto de 2019 às 10:56
Boa!
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