Cyberpunk e Pos Modernismo

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Cyberpunk e Pós-modernismo

Adriana Amaral∗

Índice As teorias pós-modernas, o contexto da soci-


edade contemporânea e a aceleração e propaga-
1 Os anos 80 via literatura e as teorias ção das tecnologias de comunicação têm gerado
contemporâneas 2 diversos fenômenos sociais e estéticos. As artes
2 Cyberpunk - gênese, conceito e prin- sempre trataram das angústias dos homens de seu
cipais temáticas 3 tempo. A literatura, as artes plásticas, o cinema,
3 Elementos pós-modernos no cyber- entre outros, sempre exprimem o imaginário de
punk 5 sua época. A tecnologia que começou a estar pre-
4 Referências Bibliográficas 7 sente na vida quotidiana em fins do século XIX,
avança, desde o século XX, para uma quase que
onipresença em nossos atos mais triviais. Como
Resumo: O presente trabalho traz um descreveu Baudrillard em A sociedade de con-
levantamento das principais características do sumo, estamos rodeados de objetos por todos os
cyberpunk – subgênero literário que partiu da lados e esses objetos adquiriram uma “vida” atra-
ficção-científica em fins da década de 80 do vés da tão proclamada reificação, ou seja, da sua
século XX. Nesse artigo, o cyberpunk é apresen- elevação a um status de quase mágicos, impres-
tado enquanto gênero tipicamente pós-moderno, cindíveis, como se jamais pudéssemos ter vivido
híbrido, mescla tanto da literatura quanto das sem tais objetos, ou melhor, como se toda a hu-
teorias advindas das ciências sociais, represen- manidade jamais pudesse ter existido sem eles.
tando um imaginário no qual a tecnologia é tão É o que os marxistas (que atualmente parecem
ou mais importante do que a existência humana. soar tão demodés ou old-fashioned na língua do-
As imagens pós-modernas do cyberpunk tanto minante na cultura) como Guy Debord (2000, 67)
são produtos quanto produtoras desse contexto chamam de fetichização.
tecnológico e são permeadas por uma visão de
futuro no qual a interação entre seres humanos e Nos chaveiros brindes, por exemplo, que não
máquinas é indissociável. são comprados mas oferecidos junto com a
venda de objetos de valor, ou que decorrem
Palavras-chave: pós-modernidade e tecnolo- de intercâmbio em circuito próprio, é possí-
gia, ficção científica e cyberpunk. vel perceber a manifestação de uma entrega
mística à transcendência da mercadoria. (...)
Como nos arroubos dos que entram em transe

Mestre em Comunicação Social pelo Programa ou dos agraciados por milagres do velho feti-
de Pós-graduação em Comunicação Social pela Pon- chismo religioso, o fetichismo da mercadoria
tifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
atinge momentos de excitação fervorosa.
Brasil e Doutoranda pelo mesmo programa.
2 Adriana Amaral

1 Os anos 80 via literatura e as texto/filme de misógeno, sexista e repulsivo co-


teorias contemporâneas mentando que é um retrato de um cidadão doente
em uma época doente: “It shows how the practio-
Um desses momentos de excitação com a mer- ners of that time had no regard for humanity. The
cadoria – a década de 80 do século XX – situa- 1980s were a celebration of pure profit and capi-
se justamente no mesmo período em que veio talism without any regard of spiritualism whatso-
ao mundo um subgênero da ficção científica, ever.” (COWEN, 2000, p. 23)
o cyberpunk. Contudo, vamos explicitar um Na crítica do filme, o jornalista Matthew
pouco mais a relação histórico-temporal na gê- Cowen faz questão de salientar a decadência da
nese dessa representação artística. década de 80 em contraste com a América poli-
A década de 80, muito bem descrita pelo jor- ticamente correta de fins de 90/ 2000. “Whether
nalista e escritor Tom Wolfe em A Fogueira das American Psycho is merely a disturbing sadism
Vaidades e A Palavra Pintada, entre outros, nos romp or a surreal critique of Ronald Reagan’s
introduz à época pós-guerra fria, do capitalismo America, the movie is sure to provoke lusty me-
selvagem de Wall Street, dos ternos desestrutura- mories of bad pop music, platinum credit cards,
dos dos yuppies em seu consumo fanático de gri- and self-indulgent, coke-filled nights.”(COWEN,
fes e da cocaína como a droga da moda, tempo 2000, p.23)
de badalação dos artistas plásticos em vernissa- Essas e outras obras apresentam o retrato de
ges concorridas, na qual o crítico do jornal tem uma geração pós-guerra fria, na qual as utopias e
mais poder que o próprio artista, criando rótulos ideais pacifistas presentes nas décadas anteriores
a cada semana. encontram-se em processo de total dissolução.
Outras duas obras seminais que se passam nos A razão pura é substituída pelo que Maffe-
coloridos oitenta e que traçam um panorama da soli chama de razão sensível. Por exemplo,
época são Brilho da noite, cidade grande de Jay o surgimento dos agrupamentos sociais efême-
McInerney e American Psycho de Bret Easton ros, as chamadas tribos, da qual a cultura jovem
Ellis. A primeira obra mostra a decadência de um da década de 80 em diante tem se alimentado,
jornalista ambicioso circulando na noite novaior- são atores sociais no teatro da contemplação do
quina com o glamour das festas e a ostentação mundo. A extrema cientifização do modernismo
característica da chamada geração X em sua tra- contrasta com os livros de auto-ajuda e com o
jetória rumo ao vazio existencial. Já a segunda1 , misticismo acolhido por uma grande parcela da
nos introduz ao mundo de um psicopata, escon- classe média.
dido sob a máscara de um publicitário hedonista Por outro lado, as grandes narrativas são subs-
que assassina prostitutas e colegas de trabalho tituídas pelo prazer imediato do consumo, do
por motivos banais como ter achado o cartão de culto ao corpo e da idealização da tecnologia
visitas do colega mais bonito que o seu próprio como a redentora dos problemas da sociedade vi-
cartão. abilizada através da cultura do computador pes-
Em uma entrevista no lançamento do filme – soal, também uma invenção daquele período.
que no Brasil recebeu o título de Psicopata Ame- Alguns desses tópicos constituem o cerne
ricano – o ator galês Christian Bale, que inter- das teorias dos chamados autores pós-modernos
preta o protagonista Patrick Bateman, defende- franceses Da mesma forma, as imbricações da
se dos críticos norte-americanos que acusam o cultura com a economia, a política, etc e as
1 questões em relação à suposta ahistoricidade do
American Psycho foi transformado em um filme
com o mesmo nome no ano 2000. mundo contemporâneo, à compressão espaço-

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temporal e à extrema aceleração das transforma- short-story2 homônima. Segundo Featherstone


ções também aparecem no pensamento desses e Burrows (1995), o termo está diretamente li-
autores. gado às teorias pós-modernas, pois tanto o cy-
São várias as origens filósoficas que desembo- berpunk é uma fonte para essas teorias, sendo es-
caram nas chamadas teorias pós-modernas para tudado por diversos autores, quanto, na contra-
alguns, teorias da contemporaneidade para outros mão, as teorias fundamentam cultural e social-
e as controvérsias continuam no centro dos deba- mente esse tipo de ficção. Os autores apontam
tes acadêmicos. Não cabe aqui esse debate e sim, que o termo cyberpunk, assim como seu corre-
apenas apresentar a pós-modernidade como um lato, cyberspace3 , origina-se do termo ciberné-
dos elementos que dá sustentação teórica à fic- tica, conceito cunhado pelo teórico Norbert Wi-
ção científica e mais precisamente ao cyberpunk. ener em 1948, não por acaso uma das obras fun-
De acordo com Stuart Sim (1999) as raí- damentais tanto para a informática quanto para a
zes mais remotas do que chamamos de pós- teoria da comunicação.
modernidade encontram-se na Grécia Antiga Featherstone e Burrows (1995) também apon-
através dos filósofos chamados céticos. Depois tam o trabalho de William Gibson como uma
disso, segundo o autor, o pós-modernismo bebeu obra exemplar de poética cyberpunk. Gibson é
na fonte do marxismo e do niilismo nietzschi- um dos principais autores de ficção cyberpunk,
ano com seu anúncio de morte da metafísica e tendo, no livro Neuromancer4 (1984) criado o
do estruturalismo, seja ele lingüistico (Saussure) conceito de ciberespaço e inspirado uma série de
ou antropológico (Lévi Strauss). Tanto o mar- outros autores como Pat Cadigan, Bruce Sterling,
xismo quanto as filosofia de Nietzsche e o estru- Lewis Shiner e Greg Bear.
turalismo são legados da era moderna em suas es- O cyberpunk é visto como uma visão de fu-
sências, primando pelo radicalismo e pela busca turo no qual há uma ambigüidade intrínseca à
de novas formas de conhecimento. época, sendo por vezes nostálgico, romântico e
Sim (1999) também aponta a herança crítica anti-tecnológico e por vezes deslumbrado com os
de Foucault e o pós-estruturalismo de Derrida “brinquedinhos” proporcionados pela tecnologia
como os outros antecessores do pensamento pós- per se. Na introdução do livro Cyberspace, Cy-
moderno. Como já foi dito anteriormente, essas berbodies e Cyberpunk, Featherstone e Burrows
origens apontadas pelo autor do Dicionário do estabelecem uma relação entre a teoria social de
Pensamento Pósmoderno são controversas e sus- Baudrillard e a literatura de Gibson enfatizando
citam mais questionamentos do que o que será que aonde Baudrillard diz ter abandonado a te-
abordado nesse artigo. oria em favor de uma literatura acerca do social
foi o exato ponto onde Gibson maximizou a teo-
ria em sua literatura, sendo que, ambos associam
2 Cyberpunk - gênese, conceito e a cibercultura à pós-modernidade.
principais temáticas Ainda no mesmo artigo, os autores apontam
Após uma breve contextualização da década de 2
Short-story é um gênero literário que difere do
80 e das teorias pós-modernas, vejamos por que conto e da novela, tipicamente na língua inglesa.
3
elas são uma fonte para a ficção científica con- Em português ciberespaço.
4
temporânea através do movimento cyberpunk. Neuromancer é o principal livro no qual foi base-
O termo cyberpunk foi cunhado pelo escritor ado o filme Matrix (1999). Entre suas outras obras es-
tão Mona Lisa Overdrive e Johnny Mnemonic – tam-
norte-americano Bruce Bethke em 1983, em sua
bém transformado em filme.

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que o cyberpunk é uma visão de mundo atual filme Blade Runner – considerado como o pri-
que engloba literatura, música, cinema, teorias, a meiro filme cyberpunk, tanto nas concepções de
cultura jovem e a cultura da MTV e a cultura do conteúdo como de forma – originado do livro Do
PC/Macintosh. Nesse contexto, são citados Mary androids dream of eletric sheep? de Philip K.
Shelley, Philip K. Dick e J.G. Ballard, Gibson e Dick. “Somos nossa memória, mas se ela pode
outros escritores, McLuhan, Wiener, Walter Ben- ser implantada que garantia há para nossa identi-
jamin e Baudrillard como teóricos e a música de dade?” (DICK apud McCARRON, 1995, p. 264)
Patti Smith, Lou Reed, Ramones, Sex Pistols (a Este é outro ponto que McCarron (1995) des-
geração punk ) como fontes de sua influência. taca na temática cyberpunk, a questão da identi-
A visão cyberpunk reconhece o enfraqueci- dade/existência e o fim da memória privada. Se-
mento do espaço público e o aumento da priva- gundo ele, o computador, seja o hardware ou
tização da vida social, na qual os laços sociais o software, é importante por ser uma metáfora
fortes não existem mais. Para os autores, nesse para a memória humana. Ele também indica que
espaço público as pessoas são tecnologizadas e nos textos (aqui em um sentido amplo, incluindo
reprimidas ao mesmo tempo, sendo que a tecno- imagens, sons, jogos, filmes, etc) há um desdém
logia media nossas vidas sociais. É ainda mais em relação ao físico, uma fascinação com as for-
fácil de perceber tais características nas imagens mas pelas quais a carne é irrelevante comparada
mostradas nos produtos culturais como videocli- com a memória. Quanto aos personagens, eles
pes, filmes, livros, comerciais, todos enfatizando são, em sua maioria, meio humanos, meio an-
a interação e interface homem-máquina, seja via dróides e, em geral, os cyborgues são mais huma-
internet, realidade virtual, RPGs, etc. nizados que os próprios humanos. Apesar disso,
Na visão dos autores é através da hipereste- os leitores procuram a supremacia do humano em
tização do quotidiano que viemos a nos conhe- relação à máquina, justamente, como afirma Bau-
cer, através da ficção, “in an increasingly hype- drillard (1997), em função dos erros e da impre-
raestheticized everyday life, it is through vari- visibilidade das atitudes humanas em relação aos
ous fictions that we endavour to come to know seres maquínicos.
ourselves.” (FEATHERSTONE e BURROWS, McCarron (1995) lista ainda outros pontos
1995, p.13) centrais na ficção cyberpunk:
Já McCarron (1995) afirma que o cyberpunk
• Falta de interesse pela reprodução bioló-
apresenta questões filosóficas de ordem moderna
gica;
nos remetendo diretamente à dicotomia cartesi-
ana mente/corpo, no qual a mente pura apresenta • Há possibilidade de mundos paralelos;
um desprendimento puritano do corpo, sendo
• Ataque ao corpo (compra de próteses e im-
este, um acidente de percurso, desconectado da
plantes que indicam o desejo do consumo, a
substância pura da mente. Ele apresenta a in-
grande crença americana de auto-inventar-
teração humana e mecânica como indissociável
se);
e conflituosa, todavia central na narrativa cyber-
punk. • O ciberespaço é apresentado teologica-
Essa mesma narrativa, segundo ele, questiona mente;
as hierarquias humanas propondo uma diminui-
ção e, quase um borrão, nas diferenças entre ani- • Há uma sátira ao “capitalismo” e à “socie-
mais, humanos, andróides, etc. Ele cita como dade” em geral, mas, há uma utilização ex-
exemplo desse questionamento hierárquico, o tensiva dos meios de comunicação para di-
vulgar essas obras;

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• Questiona o conceito de humanidade Pierre Lévy e Nicholas Negroponte e, por outro


opondo-o com o inumano; lado, em Paul Virillio e Jean Baudrillard, apenas
para citar alguns.
• As multinacionais substituem o governo e Conforme Roberts (2000), o gênero de ficção-
são atacadas por grupos (um bom exemplo científica como um todo não é futurístico, nem
é no filme Clube da Luta, a cena em que o profético, mas sim nostálgico e principalmente
grupo liderado pelo personagem de Edward diz mais a respeito da sociedade do tempo em
Norton explode o prédio do Credicard em que foi escrito (o tempo presente), do que so-
New York). bre as possibilidades de visão de futuro. Para
Bukatman (1998), a ficção científica ganha cada
McCarron (1995) acredita ser irônico o fato de
vez mais importância no momento cultural pre-
que o capitalismo é o responsável pela literatura
sente por ser este um momento que vê a si pró-
de fantasia moderna, mas que, ao mesmo tempo,
prio como ficção-científica, ou, nos termos de
ele seja agredido por ela. “It is ironic to think
Baudrillard, um tempo hiperreal. Esse presen-
that if capitalism is responsible for the modern
teísmo encontra-se no centro de uma cultura em
fantastic, then the modern fantastic is more than
transformação. O autor inglês fala que a ficção-
happy to bite the hand that feeds it, and to bite the
científica oferece um modo de representação al-
hand, moreover, with a prosthetic mouth” (Mc-
ternativo, mais adequado à sua era, tentando re-
CARRON, 1995, p.272)
colocar um quadro filosófico e metafísico em
Bukatman (1998) também comenta que uma
torno dos eventos mais importantes dentro das
das questões centrais do cyberpunk está na di-
nossas vidas.
ficuldade de separar humanos de não-humanos,
A partir disso, podemos inferir que a ficção-
humanos da tecnologia, tanto retórica quanto fe-
científica e o cyberpunk como um sub-gênero
nomenologicamente. É por isso, que para ele, a
desta, seja, nos termos de Eco (1998), um mundo
ficção-científica de maneira geral e o cyberpunk
possível construído a partir de um presente que
criam metáforas do discurso pós-moderno, apre-
nos parece por demais complexo e cujas cama-
sentando uma profunda reorganização da socie-
das como a sociedade, a tecnologia, a estética, a
dade e da cultura e, além disso, repetidamente
economia, a cultura parecem estar confusas, mes-
narram o novo sujeito, ao qual ele diz possuir
cladas umas às outras. Através da arte cyberpunk
uma identidade terminal.
em sua narrativa espelhada do mundo presente, o
O autor afirma que a tecnologia sempre cria
futuro se mostra como uma possibilidade de aná-
uma crise para a cultura e é, ao mesmo tempo,
lise cultural.
a forma de maior liberação e a mais repressiva
na história, evocando terror e euforia sublime em
medidas iguais. Esse misto de medo e adora- 3 Elementos pós-modernos no
ção geram histórias que tanto parecem ser anti- cyberpunk
tecnológicas quanto a favor da tecnologia, for-
mas híbridas de representação artística que estão Uma outra questão extremamente ligada à pós-
altamente conectadas ao tempo em que pertecem. modernidade e que, segundo Bukatman (1998),
Além de permear o universo fantástico da aparece muito freqüentemente na temática cyber-
ficção-científica, a distinção entre os pró- punk é que a cidade modernista cede espaço ao
tecnologia e os anti-tecnológicos também acon- não-lugar e o espaço sideral da ficção científica
tece no domínio das ciências humanas como do período clássico – anos 30/40 – dá lugar ao
pode-se perceber em obras distintas como as de ciberespaço.

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No cyberpunk, a cidade aparece tanto como associação entre esse estilo literário/visual com a
um parque temático, quanto uma simulação, estrutura comercial da cultura de massa, através
combinando símbolos da era espacial de alta tec- da qual o estilo é difundido.
nologia com a visão vitoriana do crescimento de- Para finalizar as relações entre ficção-
sordenado e não planejado. A cidade aparece científica e pós-modernidade Bukatman (1998)
como uma entidade negativa, um espaço escuro afirma que tanto nas teorias pós-modernas
e superpovoado quebrado por formas de neon quanto na ficção-científica, através da sua
e estruturas corporativas, sendo claustrofóbica e linguagem – iconográfica e narrativa – o choque
monádica. Os detritos do passado reaproveitado do novo é estetizado e examinado; além disso,
misturam-se aos shopping-centers onde o tempo ambas possuem uma ahistoricização, contudo
não parece passar. O espaço terminal é o domínio com uma perspectiva crítica, pois a ficção-
do cyberpunk. científica transforma nosso próprio presente
Nesse cenário, o submundo e a escuridão da em um passado determinado de algo que virá,
rua são componentes essenciais do gênero e nos o que remonta novamente à idéia de Roberts
remontam às origens góticas da ficção-científica. (2000) de que a ficção-científica é extremamente
Roberts (2000) afirma que o ar sombrio, o estra- nostálgica e romântica.
nhamento, o sobrenatural e o etéreo são cons- Por fim, o autor explicita a relação entre a
tituintes da literatura gótica do final do século ficção-científica e os efeitos especiais tão acla-
XIX tendo em Edgar Allan Poe e em Blake al- mados e criticados por sua presença como formas
guns de seus textos fundadores. Frankestein de de convencimento fenomenológico: “Further, the
Mary Shelley aparece como o grande paradigma special effect is often a product of the very tech-
do gênero gótico, porém apontando para a ficção- nologies that the narrative attempts to explain and
científica em seus pontos mais célebres. A ques- ground.” (BUKATMAN, 1998, p.14)
tão da razão e da ciência, do progresso desorde- No que diz respeito ‘a estética, Bukatman
nado que as mesmas proporcionam ao homem, (1998) afirma que o cyberpunk tem suas ima-
a existência humana, a morte de Deus e tantas gens centradas no surrealismo, enquanto Roberts
outras idéias encontram no famoso romance um (2000) já vê a ficção-científica como um misto
modelo que ainda é citado até os dias de hoje. entre realismo e simbolismo.
Bukatman (1998) explica que essa nova repre- Nessa pequena análise entre cyberpunk e pós-
sentação do espaço (seja a cidade, seja o cibe- modernidade ainda é preciso ressaltar uma outra
respaço) aponta para uma desorientação ou des- posição que tem a ver com a atitude cyberpunk e
locamento de um mapa cognitivo para que o su- não diretamente com seus textos.
jeito possa compreender os novos termos da exis- Para Barbrook (2001), o cyberpunk nos Esta-
tência na contemporaneidade. Segundo ele, a dos Unidos é um filhote da ideologia californiana
cultura dominante é definida pela acelerada mu- da década de 60 em duas correntes que se relaci-
dança tecnológica, especialmente eletrônica. onam e se chocam, estando estampada nas atitu-
Segundo Bruce Sterling, que além de escri- des dos hackers e crackers (piratas digitais) que
tor cyberpunk também é teórico, “o novo modo acreditam no livre fluxo de informação e na pi-
do ser é o estado tecnológico da mente – techno rataria de dados. Uma outra vertente encontra-se
state of mind”. (STERLING apud BUKATMAN, na fundação da ONG EFF (Eletronic Free Fron-
1998). Para ambos esse modo do ser possui uma tiers) fundada por John Perry Barlow, ex-letrista
aproximação entre a ficção e a teoria tanto estilís- e compositor da banda hippie Greatful Dead e
tica quanto tematicamente. Isso possibilita uma atualmente lobbysta no senado norte-americano

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para o não-controle da internet pela polícia e McCARRON, Kevin. Corpses, Animals, Machi-
pelo sistema. Apresenta-se aqui uma relação en- nes and Mannequins: The Body and Cyber-
tre cowboys, hippies e cyberpunks, apenas lem- punk. In: FEATHERSTONE, Mike; BUR-
brando que o que une os dois grupos é a utopia ROWS, Roger (ed.). Cyberspace Cyberbo-
de um estado não-controlado, sendo que a EFF dies Cyberpunk. London: Sage, 1996.
prega um renascimento eletrônico da democracia
jeffersoniana misturando anti-autoritarismo ao li- McINERNEY, Jay. Brilho da noite, cidade
beralismo. grande. Porto Alegre: L&PM, 1986.

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