Comentário Ao Filme - Nuremberg

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 4

Manuel Boinho

Aluno nº 149124660

Comentário ao filme “O Julgamento de Nuremberga”


Cadeira de Direito Penal I

Docente: Professor Paulo Pinto de Albuquerque

O filme “O Julgamento de Nuremberga”1 (2000) passa-se em 1945 e retrata aquele que


foi o julgamento internacional das mais altas patentes do regime nazi após a II guerra
mundial, este foi um julgamento inédito, foi o primeiro julgamento de crimes de guerra
a grande escala. Os generais nazis tiveram julgamentos justos gozando inclusive da
presunção de inocência. Este foi um ato de humanidade sem precedentes, demonstrado
pelos países vencedores.
No início do filme é referido, num diálogo com um procurador americano que a
opinião de Churchill era de que os líderes nazis prisioneiros de guerra deviam ser
fuzilados, por crimes contra a humanidade, o procurador – personagem de Alec Baldwin
– retorque dizendo algo muito interessante: da mesma forma que consideram ser crime
para os nazis matar sem um julgamento, o mesmo não deveria ser diferente para eles.
Ficou bastante claro, os generais nazis deviam ser julgados e sentenciados à luz do
direito internacional. Esta é uma afirmação muito importante e que segue aquele que é
um princípio fundamental do direito penal, ou seja, não existe sentença sem existir,
naturalmente, um julgamento, até pela presunção da inocência que deve assistir a todo o
ser humano. Os Estados membros, ao garantirem um julgamento aos prisioneiros de
guerra nazis estavam, acima de tudo, a fazer cumprir este princípio fundamental de

1
Filme de 2000, interpretado por Alec Baldwin, Jill Hennessy, Brian Cox, entre
outros.
Manuel Boinho
Aluno nº 149124660
direito. Se não o fizessem, estariam a agir em desconformidade com aquilo que é um
estado de direito e em pé de igualdade com aquilo que foi feito pelos nazis: violação de
princípios fundamentais de direito.
Os procuradores selecionados para representar cada um dos países vencedores,
tiveram como primeiro desafio de definir quem seriam os réus a serem julgados. Numa
cena do filme dentro de um avião, os procuradores decidiram julgar pelo menos um
representante de cada uma das categorias de pessoas que consideravam responsáveis
pelas atrocidades cometidas, desde lides políticos, militares e industriais e banqueiras
que financiaram a guerra e beneficiaram de muito do trabalho escravo feito pelos
prisioneiros judeus.
A escolha do local do tribunal também não foi por acaso, foi em Nuremberga
que haviam sido aprovadas as primeiras leis que legalizaram a perseguição de judeus na
Alemanha nazi. Os julgamentos iniciaram-se então a 20 de novembro de 1945 e apenas
terminaram a 14 de outubro de 1946.
A Carta de Nuremberga codificou três categorias principais de crimes: crimes
contra a paz, crimes de guerra e cries contra a humanidade - apesar de no filme ter sido
acrescentado o crime de conspiração para cometer agressão – estes foram os quatro
crimes base que os aliados usaram para acusar cada um dos réus individualmente.
Durante o julgamento, uma das questões mais prementes que foi suscitada e que
é falada até hoje, foi a eventual violação do princípio da legalidade, antes dos
Julgamentos de Nuremberga, muitos dos crimes cometidos pelos líderes nazis (como
genocídio e crimes contra a humanidade) não estavam codificados no direito
internacional da maneira como foram julgados. Mesmo que agora se legislasse no
sentido de introduzir uma lei que protegesse estes direitos violados pelos nazis, ainda
havia a questão do princípio fundamental da não retroatividade da lei penal,
independentemente do que se fizesse agora, na altura em que os alegados crimes foram
praticados, não existia lei que os previsse, logo, não lhes poderia ser aplicado
retroativamente a nova lei penal. Estamos a falar do princípio de nullum crimen sine
previa lege. Os advogados de acusação dos países aliados responderam a esta
argumentação dizendo que os crimes cometidos eram tão graves e violavam princípios
tão fundamentais que não era necessária codificação prévia quando foram cometidos.
Argumentaram ainda que muitos dos crimes cometidos eram considerados violação do
direito internacional consuetudinário e que crimes como o tratamento brutal de
prisioneiros e o assassinato de civis já eram proibidos por convenções como a
Manuel Boinho
Aluno nº 149124660
Convenção de Haia de 1907. Esta fundamentação, apesar de tudo, parece-me algo
pobre, insuficiente e até bastante perigosa e, abre, na minha opinião, um precedente
enorme, a partir daquele momento qualquer condenação poderia ser sustentada em
direito consuetudinário internacional, que não tendo nenhuma consagração legal
expressa, passa bastante insegurança jurídica.
Para mitigar os efeitos menos positivos que poderiam vir a emergir destes
julgamentos, as nações aliadas que eram partes contratantes da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem vieram, em 1950, vieram acrescentar um artigo 2º ao nº7 desta
Carta. O nº1 deste mesmo preceito prevê precisamente a regra geral da não
retroatividade da lei penal e o princípio da legalidade, como tal, com vista à clarificação
contextual do aspeto de responsabilidade desta regra, para que não restassem dúvidas
sobre a validade das perseguições após a Segunda Guerra Mundial, foi acrescentado
este nº2 que deixa claro que os autores da Convenção não pretendiam permitir uma
exceção à regra da irretroatividade.2 Estes dois preceitos devem ser interpretados em
conformidade um com o outro, e o segundo não vem estabelecer uma exceção à regra
geral, mas dá sustentação legal a casos como este, não passando tanta insegurança
jurídica, dentro do possível. Este artigo prevê que mesmo em casos em que o crime é
cometido sem existir lei contemporânea que condenasse o mesmo, a ação dessa pessoa
pode ser sempre considerada crime segundo os princípios gerais de direito, reconhecido
pelas nações civilizadas.
Este preceito vem introduzir uma válvula de escapa fundamental no sistema, no
entanto, por outro lado, na minha opinião esta norma contém uma cláusula geral
demasiado abrangente, estou a falar do conceito de “nações civilizadas”. A aplicação
desta norma vai sempre depender daquilo que os julgadores considerem ser as nações
civilizadas, a o preenchimento deste conceito vai ser sempre feito por parte dos países
vencedores da guerra. Imaginemos por exemplo, que havia sido a Alemanha a vencer a
guerra, numa situação hipotética em que esta norma já estivesse em vigor, aquelas que
seriam consideradas as “nações civilizadas” seriam as vencedoras da guerra, portanto a
Alemanha e os seus países aliados, instrumentalizando a norma para aquela que fosse o
seu desejo político.
Os advogados de acusação aliados destacaram ainda a natureza excecional de
crimes, como o genocídio, alegando que estes violavam princípios básicos da
civilização humana, crimes deste género nunca poderiam ser justificáveis com base na
2
Guide on Article 7 of the European Convention on Human Rights, pg 25
Manuel Boinho
Aluno nº 149124660
legalidade interna de um regime ou pela falta de codificação internacional prévia. Neste
ponto, creio não existirem margens para dúvidas, concordo na totalidade com este
entendimento, acredito que existam sim uma determinada espécie de crimes que não são
iguais aos outros, não têm de estar submetidos a uma legalidade positivada como os de
mais, há crimes cuja magnitude exige uma resposta, mesmo que sem lei codificada ou
positivada.
Fora este, outros argumentos foram utilizados na defesa dos réus, estes
afirmaram que estavam apenas a seguir ordens. A verdade, e foi este o entendimento e a
argumentação utilizada pelos juristas aliados, é que existe uma responsabilidade inata ao
ser humano de recusar este tipo de ordens, os réus eram capazes de culpa, sabiam muito
bem as consequências dos seus atos, existia uma certa obrigação de recusar estas ordens
que provocavam danos irreversíveis à humanidade da qual eles faziam parte.
Urge ainda mencionar a questionabilidade de um julgamento desta natureza, que
apesar de tudo, apenas tinha juízes aliados, ou seja, juízes das nações vencedoras a
julgar aquelas que foram as principais figuras do eixo, do lado perdedor. Existe aqui
alguma desconformidade com o direito e os seus princípios base, sobretudo no que toca
aos tribunais, pois estes devem ser independentes e apenas subordinados à lei. A
Independência deste tribunal é controversa, é impossível julgar de forma totalmente
imparcial em condições como estas. No entanto, não vejo outra forma de o fazer,
tínhamos uma nação completamente capturada pelo ideal nazi que foi implementado na
população por parte de Hitler, não existiam condições para julgar convidando juízes e
juristas nazis.
Apesar das suas dificuldades, os Julgamentos de Nuremberga representaram um
ponto decisivo na evolução do direito internacional e da justiça. Estes julgamentos
criaram precedentes fundamentais para a responsabilização por crimes de guerra e
crimes contra a humanidade, ainda que tenham enfrentado críticas e desafios éticos e
jurídicos significativos.

Você também pode gostar