Atuação Ass
Atuação Ass
Atuação Ass
Educação: desafios do
verbo esperançar!
Anais do
III Seminário Internacional e
VII Fórum de Serviço Social
na Educação do GEPESSE
PARTE I - Dimensão Socioeducativa
do Trabalho dos Assistentes Sociais
Cristiano Costa de Carvalho; Eliana Bolorino Canteiro Martins;
Ney Luiz Teixeira de Almeida; Adriana Freire Pereira Férriz;
Carlos Felipe Nunes Moreira (Orgs.)
REALIZAÇÃO: APOIO:
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: “Serviço Social e Educação:
Desafios do Verbo Esperançar!”. CARVALHO, Cristiano Costa de; MARTINS, Eliana Bolorino Canteiro; ALMEIDA, Ney
Luiz Teixeira de; FÉRRIZ, Adriana Freire Pereira; MOREIRA, Carlos Felipe Nunes (Orgs.). Gradus Editora, 2024. 384p.. : il.
(algumas color.).
DOI: 10.46848/9786588496237
A Gradus Editora adota a licença da Creative Commons CC BY: Atribuição-Não Comercial-Sem Derivados - CC BY-NC-
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Direitos reservados à
Publicado no Brasil
FICHA TÉCNICA
Editor-chefe — Lucas Almeida Dias
Diagramação e Projeto gráfico — Natália Huang Azevedo Hypólito
Capa — Natália Huang Azevedo Hypólito
Arte — André Vitor Gonçalves de Souza, Luma de Alencar Almeida
Revisão — Lucas Almeida Dias
COMITÊ EDITORIAL
Prof. Dr. Douglas M. A. de A. P. dos Santos Profa. Dra. Cintya de Oliveira Souza Profa. Dra. Ana Cláudia Bortolozzi
Profa. Dra. Andreia de B. Machado Profa. Dra. Manuela Costa Melo Prof. Dr. Carlos Gomes de Castro
Profa. Dra. Ana Beatriz D. Vieira Profa. Dra Janaína Muniz Picolo Dr. Yan Corrêa Rodrigues
Prof. Dr. Thiago Henrique Omena Prof. Dr. Luís Rafael Araújo Corrêa Prof. Dr. Fábio Roger Vasconcelos
Prof. Dr. Leandro A. dos Santos Prof. Dr. Gustavo Schmitt Prof. Dra. Renata Cristina L. Andrade
Profa. Dra. Daniela Marques Saccaro Profa. Dra. Gladys del C. M. Morales Profa. Dra. Márcia Lopes Reis
As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade do(s)
autor(es) e não necessariamente refletem a visão da CAPES, CNPq, FAPESP e dos PPGSS da UNESP, UERJ e UFBA.
Sumário
APRESENTAÇÃO....................................................................................................................................................................6
Cristiano Costa de Carvalho; Eliana Bolorino Canteiro Martins
SERVIÇO SOCIAL: uma Profissão Necessária para a Educação que Queremos. ............................. 313
Alexandre Marques Mendes; Otávio Augusto Oliveira Silva ; Rita de Cássia Lopes de Oliveira Mendes
O Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Serviço Social na Educação (GEPESSE) criado e inscrito no
diretório de grupo de pesquisa do CNPq desde 2010, tem como um dos seus objetivos a realização de
eventos científicos com o intuito de propiciar a socialização de estudos, pesquisas e reflexões sobre a
interface do Serviço Social com as políticas de educação em todos os níveis e modalidades de ensino.
Nesta direção, em 2023, o GEPESSE organizou o III SEMINÁRIO INTERNACIONAL E VII FÓRUM
DE SERVIÇO SOCIAL NA EDUCAÇÃO DO GEPESSE: “SERVIÇO SOCIAL E EDUCAÇÃO: DESAFIOS DO
VERBO ESPERANÇAR!” e ocorreu nos dias 7, 8 e 9 de novembro nas dependências da Faculdade de
Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” campus de
Franca. O evento acolheu estudantes de graduação, pós-graduação, pesquisadores e profissionais
– assistentes sociais, psicólogos, educadores dentre outros do Brasil e de outros países da América
Latina, Europa e África.
Historicamente, desde o ano 2010, os eventos do GEPESSE manteve abrangência nacional na
organização dos eventos e recentemente (a partir de 2017) conseguiu alcance internacional propiciando
espaços de troca de conhecimentos, de experiências, forjando estratégias de luta coletiva subsidiadas
no campo da crítica, da formação permanente e da produção de conhecimentos sobre política
educacional e as particularidades do trabalho de assistente social nesta política social, forjando ações
que vislumbram o reconhecimento da efetiva contribuição do serviço social nesta política pública.
Nesta edição contamos com a valiosa contribuição de palestrantes de Angola, Argentina, Portugal
e Espanha, proporcionando o intercâmbio estratégico entre o Brasil com a comunidade dos países
de língua portuguesa e espanhola. Na oportunidade reafirmamos a parceria do Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social – UNESP/Campus de Franca com a Universidade de Luanda (UNILuanda)
e Universidade Católica de Angola (UCAN), por meio de convênio de cooperação técnica, ampliando
o processo de internacionalização do Serviço Social brasileiro e efetivando troca de conhecimentos e
culturas a comunidade acadêmica dos dois países.
O tema do evento: “Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!” foi escolhido e inspirado
com intuito de homenagear e reafirmar o pensamento do patrono da educação brasileira, Paulo Freire
(1921 -1997), utilizando a expressão “verbo esperançar” – mas o que Paulo Freire quis dizer com essa
expressão? Segue explicação com suas próprias palavras:
É preciso ter esperança, mas ter esperança de o verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo
esperar, e esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás,
esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros
para fazer de outro modo (Freire, 1992, p.110-111).
É justamente este o sentido do evento – fortalecer o coletivo para exercitar o verbo “esperançar”.
Contudo para esperançar se faz necessário reconhecer os meandros da política de educação e
fortalecer as lutas coletivas na direção de uma educação crítica, propositiva, libertadora.
1 assistente social. Doutorando em Serviço Social na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” campus de
Franca (UNESP, Franca, São Paulo, Brasil). Bolsista CAPES. Pesquisador vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre
Serviço Social na área da Educação (GEPESSE). E-mail: cristiano.c.carvalho@unesp.br
2 assistente social. Doutora em Serviço Social pela PUC-SP (PUC-SP, São Paulo - SP, Brasil). Pós-doutora em Serviço Social
(UERJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil). Docente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Livre Docente
pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” campus de Franca (UNESP, Franca, São Paulo, Brasil). Bolsista
Produtividade em Pesquisa do CNPq –nível 2. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Serviço Social na área da
Educação (GEPESSE). E-mail: elianacanteiro@terra.com.br
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Neste sentido, conforme afirma o Prof. Dr. Ney Luiz Teixeira de Almeida (2013), a política de
educação no Brasil ainda não se constituiu como direito social, portanto, o país possui uma imensa dívida
histórica. Afirma ainda que, a política de educação é uma estratégia de intervenção do Estado, a partir
da qual o capital procura assegurar as condições necessárias à sua reprodução, mas também expressa
o resultado da luta política da classe trabalhadora em dar direção aos seus processos de formação,
convertendo-se em um campo de embates e de projetos educacionais distintos, contraditórios de
negação e reconhecimento dos diretos sociais (Almeida, 2011).
No Brasil, o GEPESSE é pioneiro na temática do Serviço Social na Educação e traz como
marca o empenho em ser coletivo, a partir da sua própria natureza, ou seja, a sua formação sendo
interinstitucional agregando três grandes universidades públicas, a Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho” (UNESP, Franca, São Paulo, Brasil), Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil) e Universidade Federal da Bahia (UFBA, Salvador, Bahia,
Brasil) e sempre pautando os estudos, pesquisas e ações à partir da valiosa contribuição dos seus
integrantes formado por estudantes de graduação, pós-graduação, docentes, assistentes sociais,
pedagogos/as, psicólogos/as, fonoaudiólogos/as, gestores/as da educação entre outros, reconhecendo
o conhecimento, a experiência de todas/os na luta pela educação pública, laica, de qualidade socialmente
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Refirmamos que não se trata de uma luta corporativa para ampliação do mercado de trabalho para
os assistentes sociais e psicólogos, mas da compreensão da efetiva contribuição que esses profissionais
podem oferecer unindo esforços aos demais trabalhadores da educação para viabilizar a escola, no
sentido amplo deste termo, na perspectiva sinalizada por Gramsci ou seja:
Uma escola que dê à criança (jovens, adultos...) a possibilidade de se formar, de se tornar homem, de adquirir
aqueles critérios gerais necessários para o desenvolvimento do caráter. Uma escola humanista, em suma, assim
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como a entendiam os antigos gregos e mais próximos homens do Renascimento. Uma escola que não hipoteque o
futuro do garoto, nem obrigue a sua vontade, sua inteligência, sua consciência e informação a se mover na bitola
de um trem com estação marcada. Uma escola de liberdade e livre iniciativa e não uma escola de escravidão e
de mecanicidade. Também os filhos dos trabalhadores (operários) devem ter diante de si todas as possibilidades,
todos os campos livres para poder realizar sua individualidade de forma melhor, e por isso no modo mais produtivo
para eles e para a coletividade (Gramsci, 1991, p.33).
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Parte Temática Quantidade de artigos
I Dimensão Socioeducativa do Trabalho de Assistentes Sociais. 36
II Educação básica. 39
III Ensino superior. 35
IV Educação Profissional e tecnológica/ Movimentos Sociais da Educação. 29
Destacamos que o evento recebeu financiamento das agências de fomento: Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) que
foram essenciais para garantir a concretização do evento. Nosso muito obrigado!!!
Por último, mas não menos importante, expressamos a nossa gratidão a comissão organizadora,
com mais de 30 integrantes a nível local, comissão científica e avaliadores e avaliadoras ad-hoc com
50 especialistas da área, as e os coordenadores/as das sessões temáticas, à Seção Técnica de Apoio
ao Ensino, Pesquisa e Extensão (STAEPE), representado pela Sandra Aparecida Cintra Ferreira e ao
Escritório de Apoio à Pesquisa (EAP), representado por Adriana Sivieri de Araújo Bessa, por todo
empenho, dedicação e compromisso profissional.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de. O Serviço Social na Educação: novas perspectivas sócioocupacionais.
Disponível em: < https://necad.paginas.ufsc.br/files/2012/07/O_Servico_Social_na_Educacao_perspectivas_
socio_ocupacionais1.pdf >. 2013. Acesso em: 10 jan. 2024.
ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de. “Apontamentos sobre a Política de Educação no Brasil hoje e a inserção dos/
as assistentes sociais”. In: CFESS. Subsídios para o debate sobre Serviço Social na Educação. Brasília: CFESS,
2011.
CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Subsídios para a atuação dos assistentes sociais na política de
educação. Brasília, DF: CFESS, 2012. (Série 3: Trabalho e projeto profissional nas políticas sociais).
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1992.
GRAMSCI, Antonio. Escritos Políticos, v.1: 1910-1920. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
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AVALIADORES E AVALIADORES AD HOC
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Dra. Mireille Alves Souza (UFTM, Uberaba, Minas Gerais, Brasil)
Dra. Nayara Hakime Dutra (UNESP, Franca, São Paulo, Brasil)
Dr. Ney Luiz Teixeira de Almeida (UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil)
Dra. Paula Manuela Rodrigues de Sousa (UTAD, Trás-os-Montes e Alto Douro, Portugal)
Dra. Rosana Ribeiro (UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil)
Dra. Silvia Cristina Yannoulas (UnB, Brasília, Distrito Federal, Brasil)
Dra. Silvia Neves Salazar (UFES, Vitória, Espírito Santo, Brasil)
Dra. Silvia Regina Silveira (PMG, Gravataí, Rio Grande do Sul, Brasil)
Dr. Simão João Samba (UCAN, Luanda, Angola)
Dra. Simone Eliza do Carmo Lessa (UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil)
Dra. Sueli Maria do Nascimento (UFAL, Maceió, Alagoas, Brasil)
Dra. Suênya Thatiane Souza de Almeida (UEMG, Divinópolis, Minas Gerais, Brasil)
Dra. Talita Prada (IFBA, Porto Seguro, Bahia, Brasil)
Dra. Teresa Rodrigues da Silva (ISSSL, Lisboa, Portugal)
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COORDENADORES/AS DAS SESSÕES TEMÁTICAS
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DIREITO À EDUCAÇÃO E CONTRADIÇÕES SOCIOECONÔMICAS:
Desafios e Perspectivas para o (a)
Assistente Social no Contexto do Neoliberalismo
RESUMO: O Serviço Social é uma profissão eminentemente interventiva que atua diretamente junto à sociedade
nas mais diversas manifestações e expressões da Questão Social. A partir dele, serão tratadas uma série de
discussões que se relacionam direta ou indiretamente com a sociedade, envolvendo a partir disso inúmeras
áreas e setores sociais, bem como as políticas sociais e a política da educação. Uma das políticas sociais que
demonstra maior necessidade de atenção do (a) assistente social na atualidade é a Política da Educação, que
envolve uma série de fatores de ordem social e econômica. Nesse sentido, o presente artigo visa analisar e
discutir a sociedade contemporânea, a partir dos desdobramentos promovidos pelas políticas neoliberais,
buscando avaliar a atuação do(a) assistente social no que se refere ao direito à uma educação de qualidade,
frente às existentes contradições socioeconômicas. Partindo de uma revisão bibliográfica, de caráter qualitativo,
constatou-se a relevância do Serviço Social na atuação em defesa desse direito garantido constitucionalmente.
Palavras-chave: Serviço Social. Política de Educação. Neoliberalismo.
INTRODUÇÃO
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se evidencia por meio da desigualdade social, bem como a dificuldade de acesso aos serviços básicos
garantidos constitucionalmente, como saúde, moradia, assistência social e educação, dentre outros.
A educação, nesse sentido, será o elemento centralizado na presente análise, buscando compreender
mais a fundo a realidade educacional a um nível social, de forma a identificar os condicionantes da
relação entre sociedade-escola, marcada pela influência do sistema capitalista na relação trabalho-
produção, que promove o desnivelamento da sociedade, popularmente denominado de desigualdade
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social. Dessa forma, analisar e compreender essa disparidade é uma forma de perceber e evidenciar
essa realidade, e com isso, por meio da perspectiva do Serviço Social, apontar os principais desafios
impostos à prática do assistente social, bem como as possibilidades de atuação frente a esse cenário.
O Serviço Social, enquanto um campo de análise acadêmica e científica, possui inúmeras
possibilidades de estudos e pesquisas para a compreensão da realidade social. Atualmente, inúmeras
são as questões pensadas e trabalhadas pelo assistente social, enquanto um profissional que cumpre
um papel social, ou seja, voltado para a melhoria de certos aspectos da sociedade na perspectiva de
efetivação de direitos sociais4.
Nesse contexto, a educação, enquanto uma prática que também atende a fins sociais, se torna um
rico e fértil campo de pesquisa para o Serviço Social, dada também a sua importância na sociedade
atual, tanto para a população no geral, como para o neoliberalismo, que tem na escola um grande
potencial formador ideológico de uma sociedade mercadológica e competitiva. Assim, as contradições
capitalistas percebidas a nível social se estendem para as relações educacionais, e, por isso, a
importância da atuação do Serviço Social nessas instituições, bem como de pesquisas voltadas à
compreensão dessa realidade.
Com isso, o objeto central da presente pesquisa é a relação do assistente social com as expressões
e manifestações da questão social evidenciados na escola, no que tange aos direitos à educação frente
às contradições do neoliberalismo, pensando a partir de critérios sociais e econômicos, e assim poder
identificar os desafios e impasses colocados à atuação do profissional de Serviço Social em especial
na área da Educação/Política de Educação, e como estes condicionam essa atuação, bem como as
possibilidades disponíveis aos assistentes para atuarem frente a essa realidade socioeducacional.
A leitura e compreensão das questões educacionais em um estudo acadêmico se desdobram em
um universo de significados, prismas e paradigmas, que evidenciam a complexidade da educação
em uma sociedade determinada e condicionada pelos interesses neoliberais. Um dos atributos mais
característicos dessa sociedade capitalista é seu caráter mercadológico, que insere as relações de
produção, trabalho e trocas comerciais no centro da sociedade, forçando todos os campos desta a se
adequarem e se voltarem para essa direção.
Com o advento do capitalismo e desenvolvimento do modo de produção industrial, praticamente
tudo se tornou uma mercadoria. Marx (2010) explica como elementos da sociedade, existentes há
séculos na história humana, tais como o próprio trabalho e a terra, se tornam mercadoria no sistema
capitalista, o que centraliza o dinheiro em uma posição formidável e determinante na sociedade.
Nesse sentido, o trabalho humano, a produção, o comércio, a atuação profissional, e a própria
educação passam a orbitar as relações econômicas, ao passo em que estas se tornam os meios, os
objetivos e os fins para toda a sociedade. Com o processo educacional sendo visualizado sob o prisma
mercadológico, as contradições marcadas pela economia capitalista, não somente serão repercutidas
na escola, como evidenciarão e determinarão a desigualdade social desde a infância, sendo que a
escola enquanto uma instituição que cumpre uma atribuição de caráter social, serão condicionadas à
produção de mão-de-obra para o mercado de trabalho.
Frente a esse cenário, pensando no Serviço Social como uma prática que objetiva estabelecer
condições de melhorias para a sociedade, diante da efetivação de direitos sociais em sua essência,
4 Vale ressaltar aqui os Princípios Fundamentais do Código de Ética do (a) Assistente Social de 1993 que sustenta o projeto
Ético Político da Profissão. Para mais informação acesse o Código de Ética do Assistente Social; http://www.cfess.org.br/
arquivos/CEP_CFESS-SITE.pdf.
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seja na saúde, no trabalho ou mesmo na educação, é de suma importância pensar e analisar essas
condições a nível acadêmico, articulado à prática do assistente social. Dessa forma, busca-se contribuir
à bibliografia existente sobre essa temática, no intuito de ampliar o horizonte de perspectivas que têm
a educação no centro do Serviço Social como objeto de estudo.
Sendo a educação um campo de atuação do assistente social, o presente estudo busca evidenciar
os fatores que condicionam essa relação, no intuito de responder à seguinte questão: quais são os
desafios e possibilidades que recaem à prática do assistente social, nas disparidades existentes entre o
direito básico à educação e as contradições socioeconômicas no contexto neoliberal? Para buscar esta
resposta, parte-se de uma investigação de caráter científico.
A pesquisa científica é cercada de inúmeras possibilidades de estratégias, procedimentos,
perspectivas, instrumentos e técnicas que ampliam o leque de informações acerca de determinado
tema. Devido a essa pluralidade de possibilidades, e por meio das relações de pesquisa, tese, antítese
e síntese, o conhecimento científico é construído em consonância à uma realidade percebida e
evidenciada socialmente, mas onde muitos elementos passam despercebidos ou distorcidos em
virtude da estrutura fortemente ideológica da sociedade atual.
Por meio da pesquisa científica torna-se viável e possível aos profissionais, de qualquer dimensão
O sistema capitalista, desde sua gênese à atualidade, perpassando por diversas e profundas
transformações, é caracterizado, a níveis sociais e econômicos, por uma veemente contradição que se
materializa na chamada luta de classes, em que essa dialética estrutural da sociedade atua como o motor
basilar do sistema capitalista em uma constante e dinâmica evolução e difusão. Esse processo, aliado
às características do mercado de trabalho, condicionou uma estrutura social imersa à desigualdade
social, que repercute em todas as dimensões da sociedade, sobretudo na educação.
A educação básica brasileira é um exemplo claro de como as contradições sociais estruturam uma
intensa disparidade do nivelamento educacional entre as classes, onde os indivíduos com condições
melhores disporão dos recursos para uma educação privada, enquanto a maior parte da população
dispõe apenas do serviço público ofertado pelo Estado nacional, sendo que esse ensino é negligenciado
tanto a nível político como a nível social, levando a uma desvalorização da educação pública.
Essa estrutura tem um objetivo básico, que busca assegurar a relação de dominação entre as classes
sociais, ao passo em que os mais favorecidos financeiramente terão oportunidades de crescimento
educacional e profissional, e acesso às melhores instituições de ensino superior, enquanto a população
pobre, em todo o processo de ensino-aprendizagem, é condicionada ao mercado de trabalho, ocupando
funções de menor ofício intelectual, e maiores esforços braçais.
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De acordo com Marx (2008), a história de todas as sociedades até o contexto atual tem sido a luta
de classes. Essa relação dialética entre classes sociais, tem sido o motor que movimenta e girou a
história, que em sua totalidade de eventos e fatos, contribui à construção da estrutura da sociedade
contemporânea. Segundo o autor, a moderna sociedade burguesa, não aboliu as contradições de
classe, apenas inseriu novas classes e novas condições de opressão e dominação, a partir da relação
entre burgueses - proprietários dos meios de produção -, e proletários - profissionais explorados por
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
meio do trabalho.
Nesse sentido, uma das condições modernas de exploração, nessa relação entre patrões e
empregados, surge a partir da monetização das relações sociais, em que o proletário, desprovido
de propriedade privada, não tem escolha a não ser vender sua força de trabalho para o burguês,
dono dos meios de produção, que ocorre por meio da remuneração salarial, que como explica Marx
(2010) não é proporcional ao esforço prestado pelo trabalhador, configurando assim em uma nova
forma de exploração.
Chama-se essa organização das classes no trabalho, divisão social do trabalho, a qual impõe aos
trabalhadores, membros das classes operárias, o trabalho braçal, e deixa a encargo da burguesia o
trabalho intelectual. Compreende-se, no capitalismo, diversas divisões do trabalho, como ressalta Marx
(2010): a separação da produção social nos grandes ramos, como agricultura, indústria, extrativismo
etc.; a diferenciação desses ramos em espécies e variedades; além da divisão em uma oficina, a divisão
do trabalho singularizada, entre outras.
Quanto à divisão social do trabalho, segundo Marx (2010) esta opera a partir da limitação dos
indivíduos a esferas profissionais particulares, desde a família e posteriormente na tribo, quando surge
uma divisão natural de trabalho em decorrência das diferenças de sexo e de idade, ou seja, divisões de
base fisiológicas.
A divisão do trabalho na sociedade se processa através da compra e venda dos produtos dos diferentes
ramos de trabalho (...). A divisão manufatureira do trabalho pressupõe concentração dos meios de produção
nas mãos de um capitalista; a divisão social do trabalho, dispersão dos meios de produção entre produtores
de mercadorias, independentes entre si. (...) A divisão manufatureira do trabalho pressupõe a autoridade
incondicional do capitalista sobre seres humanos transformados em simples membros de um mecanismo que
a ele pertence. A divisão social do trabalho faz confrontarem-se produtores independentes de mercadorias,
os quais não reconhecem outra autoridade além da concorrência, além da coação exercida sobre eles pela
pressão dos recíprocos interesses, do mesmo modo que no reino animal a guerra de todos contra todos, o
bellum omnium contra omnes, preserva mais ou menos as condições de existência de todas as espécies. O mesmo
espírito burguês que louva, como fator de aumento da força produtiva, a divisão manufatureira do trabalho,
a condenação do trabalhador a executar perpetuamente uma operação parcial e sua subordinação completa
ao capitalista, com a mesma ênfase denuncia todo controle e regulamentação sociais conscientes do processo
de produção como um ataque aos invioláveis direitos de propriedade, de liberdade e de iniciativa ao gênero
capitalista. (Marx, 2010, p. 410-11).
Essa exploração ocorre por uma série de fatores, que vão desde a alienação da força de trabalho,
onde Marx articula o conceito de mais-valia, até os aparelhos de dominação criados pelo Estado para
assegurar essa exploração, tais como as medidas de repressão e punição. Wacquant (2012) ressalta o
papel do Estado, que reprime a marginalização da sociedade criada por ele próprio em consonância
aos interesses capitalistas.
Sendo assim, o Serviço Social se insere intimamente nessas questões, devendo atuar em favor
daqueles que são desfavorecidos por essa complexa, ampla e excludente estrutura social de dominação
e exploração. Segundo Eurico (2018), o Serviço Social no Brasil se insere em um contexto específico,
marcado e determinado pelas características do capitalismo em nosso país. Para a autora,
O Serviço Social brasileiro enfrenta na década de 1980 os mesmos dilemas postos para a sociedade, no árduo
processo de redemocratização do país. Do ponto de vista do debate acerca do racismo, o período também é
emblemático, e o avanço da luta contra o preconceito e a discriminação étnico-racial, seja em âmbito nacional, seja
internacionalmente, com certeza incide na profissão. Ora, se o Serviço Social é parte e expressão da sociedade,
a intervenção protagonizada por várias mulheres negras, militantes, que ingressaram na profissão tem grande
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impacto no sentido de ampliar o debate e exigir respostas institucionais acerca do racismo. A partir desta década
o coletivo profissional será provocado a repensar suas referências teóricas e ampliar o debate para apreender os
desdobramentos do racismo institucional no trabalho profissional. (Eurico, 2018, p. 517).
Saad Filho (2018) destaca as contradições existentes nas próprias características da economia
brasileira, que está no centro das relações contraditórias entre Estado, setor privado e sociedade
civil, que ora tende à completa liberação econômica, no sentido de um Estado mínimo, ora tende à
fortificação deste Estado para a garantia da política neoliberal. O autor destaca a influência do chamado
novo-desenvolvimentismo na América Latina no início do presente século, como uma alternativa
heterodoxa ao neoliberalismo, marcado pelas seguintes prerrogativas:
1) não haverá mercado forte sem um Estado forte; 2) não haverá crescimento sustentado a taxas elevadas
sem o fortalecimento dessas duas instituições (Estado e mercado) e sem a implementação de políticas
macroeconômicas adequadas; 3) mercado e Estado fortes só serão construídos por um projeto nacional de
desenvolvimento que compatibilize crescimento econômico sustentado com equidade social; e 4) não é possível
atingir o objetivo da redução da desigualdade social sem crescimento a taxas elevadas e continuadas (SICSÚ et
al. apud Saad Filho, 2018, p. 151).
Nesse sentido, além das contradições promovidas pela estrutura econômica do país na sociedade,
Para Carcanholo (2008), as crises capitalistas se definem como uma superacumulação, ou seja, a
superprodução de capital, incapaz de continuar obtendo seus níveis de lucratividades anteriores e,
por isso, deve estar em um movimento dinâmico e sempre se transformando. Assim, o autor destaca
a dialética do desenvolvimento/subdesenvolvimento, como uma das principais contradições do
capitalismo, percebidas a nível mundial, onde os países desenvolvidos ditam as leis do mercado,
enquanto os países subdesenvolvidos, ou em uma classificação mais coerente e atual, os países
dependentes, são reféns dos interesses dos países dominantes.
Assim, a lógica de acumulação e reprodução do capital em escala mundial possui determinadas
características que produzem o desenvolvimento de algumas economias e, ao mesmo tempo, o
subdesenvolvimento de outros. É no contexto dessa dependência que existe a estrutura social brasileira,
e, portanto, a atuação profissional do (a) assistente social que deve compreender a totalidade dessa
realidade, e no caso da educação, articular essas contradições e seus reflexos no ensino.
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Como aponta Paulo Netto (2009), as transformações sofridas pelo capitalismo desde sua fase inicial
até os dias atuais, não mudaram sua essência, em que o neoliberalismo recoloca, em um patamar muito
mais elevado, o sistema totalizante de contradições que fornecem às elites econômicas seus traços de
exploração e alienação, traços estes que, como apresenta o autor, são apontados pela crítica marxiana.
Ainda segundo o autor,
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Repondo estes caracteres em nível econômico-social e histórico-político distinto, porém, a idade do monopólio
altera significamente a dinâmica inteira da sociedade burguesa: ao mesmo tempo em que potências contradições
fundamentais do capitalismo já explicitadas no estágio concorrencial e as combina com novas contradições e
antagonismos, deflagra complexos processos que jogam no sentido de contrarrestar a ponderação dos vetores
negativos e críticos que detona. Com efeito, o ingresso do capitalismo no estágio imperialista assinala uma
inflexão em que a totalidade concreta que é a sociedade burguesa ascende à sua maturidade histórica, realizando
as possibilidades de desenvolvimento que, objetivadas, tornam mais amplos e complicados os sistemas de
mediação que garantem sua dinâmica. (Paulo Netto, 2009, p. 20).
Todas essas questões se circunscrevem na dimensão de atuação do (a) assistente social. No caso
da educação, sendo um elemento obrigatório e indispensável, como prevê a Constituição Federal de
1988, é também um campo de atuação desse profissional, que está diretamente ligado aos paradigmas
impostos pela estrutura da sociedade capitalista.
Assim o (a) assistente social possui uma carga trabalhista muito complexa, pois, ele não atua apenas
sobre a realidade social, mas atua na realidade social, e estar inserido no contexto, com parte dele, nem
sempre é uma tarefa fácil, cabe a análise do contexto vivenciado, e não desvincular do foco principal da
atuação do profissional de Serviço Social que está nas particularidades das expressões e manifestações
da questão social, “[...] o trabalho profissional requer inventividade, inteligência e talento para criar,
inventar, inovar, de modo a responder dinamicamente ao movimento da realidade.” (CONSELHO
FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2012, p. 4).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como tornou-se evidente com o presente estudo bibliográfico, o Serviço Social cumpre um papel
fundamental na sociedade capitalista, tanto no que se refere à sua abrangência como ao seu impacto
junto as famílias e a sociedade, em especial aquelas em situação de dificuldade ou vulnerabilidade social
e/ou econômica. Este tipo de contexto é recorrente no capitalismo, e sendo evidenciado pelas políticas
neoliberais por meio da desigualdade social, reverbera em todas as dimensões sociais, como a educação.
A escola, por sua vez, não é o objeto de atuação do (a) assistente social em si, mas por comportar uma
escala de relações sociais determinadas pela estrutura econômica, torna-se um importante campo de
atuação do profissional, que ao mesmo tempo cumpre uma função social e educacional nesse ambiente,
devendo, assim, atuar em defesa de uma educação de qualidade para toda a sociedade.
Diante de tal assertiva, pensar a atuação do (a) assistente social nos remete a analisar que
historicamente a profissão se mobiliza para que haja efetividade na inserção de assistentes sociais no
contexto escolar para apresentar respostas no sentido de viabilização na garantia de direitos sociais no
âmbito educacional, resultante disso, foi a implementação da Lei nº 13.935, de 11 de dezembro de 20195.
Portanto, acreditamos que esse debate não se esgota aqui, mas abre oportunidade para novas e
ainda mais profundas reflexões sobre a temática, assim entendemos, pois reconhecemos no papel
político desempenhado pelo Estado, uma alternativa viável para o enfrentamento das expressões
da questão social no âmbito escolar, onde uma das possibilidades seria a criação de mecanismos que
promovessem o diálogo permanente, a fim de que os usuários tivessem acesso as políticas sociais, para
que não sejam percebidos como uma dificuldade para o contexto escolar.
5 Lei nº 13.935 prevê que as redes públicas de Educação Básica contarão com serviços da Psicologia e do Serviço Social
para atender às necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação
18
REFERÊNCIAS
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BRASIL. LEI Nº 13.935, de 11 de dezembro de 2019. Dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de
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ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13935.htm. Acesso em: 07 de junho de 2022.
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CORATO, Carmen. Formação social brasileira: interface com as relações raciais. EM PAUTA, Rio de Janeiro, n.
46, v. 18, 2020.
19
POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL E O SERVIÇO SOCIAL:
Possibilidades de Desenvolvimento da Dimensão Socioeducativa no Exercício
Profissional das/os Assistentes Sociais no IFMT.
RESUMO: O processo de democratização do acesso à educação proporcionado por ações como expansão
e interiorização dos Institutos Federais, aprovação do Programa Nacional de Assistência Estudantil e a
instituição da Lei nº 12.711/2012, impulsionou a inserção do Serviço Social na Educação Profissional e
Tecnológica. Demandados para atender ao novo perfil estudantil, esses profissionais têm buscado estratégias
para superar a concepção simplista quanto à Política de Assistência Estudantil e o reducionismo do exercício
profissional voltado à execução e acompanhamento dessa política. Nesse sentido, este artigo tem como objetivo
apresentar uma reflexão sobre a dimensão socioeducativa do Serviço Social e sua articulação como exercício
profissional no âmbito da Política de Assistência Estudantil do Instituto Federal de Mato Grosso. Realizou-
se uma pesquisa documental de abordagem qualitativa, com informações coletadas por meio dos relatos de
experiências registrados no Relatório Final da Reunião dos Assistentes Sociais do IFMT e revisão bibliográfica
para fundamentar o estudo. Os resultados demonstraram que a dimensão socioeducativa do Serviço Social
no IFMT está articulada ao exercício profissional dos Assistentes Sociais no âmbito da Política de Assistência
Estudantil. As intervenções profissionais estão pautadas nas dimensões teórico-metodológica, ético-política e
técnico-operativa da profissão, de modo a contribuir com a garantia do direito à educação.
Palavras-chave: Política de Assistência Estudantil; Serviço Social; Dimensão Socioeducativa; IFMT.
ABSTRACT: The process of democratization of access to education provided by actions such as expansion and
internalization of Federal Institutes, approval of the National Student Assistance Program and the institution
of Law No. 12,711/2012, boosted the insertion of Social Work in Professional and Technological Education.
Demanded to meet the new student profile, these professionals have sought strategies to overcome the
simplistic conception of the Student Assistance Policy and the reductionism of professional practice aimed at
implementing and monitoring this policy. In this sense, this article aims to present a reflection on the socio-
educational dimension of Social Work and its articulation as a professional exercise within the scope of the
Student Assistance Policy of the Federal Institute of Mato Grosso. A documentary research with a qualitative
approach was carried out, with information collected through the reports of experiences recorded in the Final
Report of the Meeting of Social Workers of the IFMT and a bibliographic review to support the study. The results
showed that the socio-educational dimension of Social Work at IFMT is linked to the professional practice of
Social Workers within the scope of the Student Assistance Policy. Professional interventions are based on the
theoretical-methodological, ethical-political and technical-operative dimensions of the profession, in order to
contribute to guaranteeing the right to education.
Keywords: Student Assistance Policy; Social service; Socio-educational Dimension; IFMT.
INTRODUÇÃO
A inserção do Serviço Social na Educação não é algo recente, estudos evidenciam que sua ocorrência
remonta a década de 1930, mas é a partir da década de 1990 que essa profissão ganha novos contornos
1 Instituto Federal de Mato Grosso, Campus Juína, bacharel em Serviço Social e mestranda em Educação pela Universidade
do Estado de Mato Grosso - UNEMAT, alessandra@ifmt.edu.br
2 Instituto Federal de Mato Grosso, Campus Barra do Garças, bacharel em Serviço Social mestranda em Gestão das
Organizações- Ramo Gestão Pública IPP/ISCAP, anelise.rondon@ifmt.edu.br
3 Instituto Federal de Mato Grosso, Campus Rondonópolis, bacharel em Serviço Social e mestranda em Política Social pela
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, dilma@ifmt.edu.br
4 Instituto Federal de Mato Grosso, Campus Pontes e Lacerda, bacharel em Serviço Social e especialista em Gestão
Estratégica na área social, elielmax.ramos@ifmt.edu.br
5 Instituto Federal de Mato Grosso, bacharel em Serviço Social e especialista em Economia Solidária e Políticas Públicas
pela Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT, juliete@ifmt.edu.br
20
na referida política. O Movimento de Reconceituação da profissão, somada a luta do Conselho Federal
de Serviço Social (CFESS) e dos Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS) para construção de
um Projeto de Lei6, contribuíram com a inserção dos profissionais de Serviço Social e Psicologia na
educação básica.
Ao longo do século XXI, o Serviço Social tem sido requerido para atuar na Política de Educação,
ampliando a discussão sobre o exercício profissional do/a Assistente Social nos diferentes níveis e
modalidades de ensino. Enquanto profissão que visa a garantia de direitos, o exercício profissional
requer a apreensão das dimensões técnico-operativa, teórico-metodológica e ético-política, sempre
pautada no Projeto Ético-Político profissional, para compreender a realidade social, por meio de
subsídios que proporcionem condições para o enfrentamento das questões sociais que perpassam o
ambiente escolar.
No que se refere a inserção do Serviço Social na Educação Profissional e Tecnológica (EPT),
considera-se que sua ampliação tenha ocorrido a partir do processo de expansão e interiorização
dos Institutos Federais (IFs) pelo país, a aprovação do Programa Nacional de Assistência Estudantil
(PNAES) e a aprovação da Lei nº 12.711/20127 (Prada; Garcia, 2017, p. 317), visto que são políticas que
alteraram o contexto educacional e o perfil estudantil.
6 Projeto de Lei nº 3.688/2000, dispõe sobre a inserção do Serviço Social e da Psicologia na rede básica de ensino em todo
o Brasil.
7 A Lei dispõe sobre a reserva de 50% das vagas nas IFs para estudantes oriundos de escolas públicas, com renda per capita
de um salário-mínimo e meio, pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência.
21
O SERVIÇO SOCIAL E OS INSTITUTOS FEDERAIS: Requisições Profissionais
A inserção do Serviço Social nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETs),
ocorreu, majoritariamente, a partir de 2008, proporcionado pelo Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), que além de expandir e interiorizar
essas instituições, teve por finalidade ampliar as condições de acesso e permanência na educação
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
superior. Acrescido a isso, houve a aprovação do Decreto nº 7.234/2010, que instituiu o Programa
Nacional de Assistência Estudantil (PNAES).
O Serviço Social na Educação Profissional e Tecnológica (EPT) é demandado para atender a nova
conjuntura da Política Educacional brasileira, sendo sua atuação voltada principalmente a execução do
PNAES (Prada; Garcia, 2017, p. 317). O processo de democratização do acesso à educação alterou o
perfil dos estudantes, os quais passaram a ingressar nos IFETs, intensificando também, as desigualdades
sociais, fato que exigiu o aumento percentual de servidores, dentre eles, profissionais de Serviço Social
que, juntamente de outros servidores, auxiliam a execução das atividades educacionais.
A ampliação do número de matrículas, a diversificação da oferta de diferentes níveis e modalidades
de ensino, a Política de Ações Afirmativas, a diversidade estudantil, o PNAES, a estrutura multicampi
com autonomia administrativa, a extensão universitária, dentre outros fatores, justifica a demanda
destes profissionais e o aumento do quantitativo de servidores nos IFs (Prada; Garcia, 2017, p. 317).
Cabe destacar que de acordo com Ofício Circular nº 015/2005/CGGP/SAA/SE/MEC, que trata do
plano de carreira dos cargos técnico-administrativos em educação (PCCTAE) nos IFs, as atribuições
inerentes ao cargo de Assistente Social correspondem a:
Prestar serviços sociais orientando indivíduos, famílias, comunidade e instituições sobre direitos e deveres
(normas, códigos e legislação), serviços e recursos sociais e programas de educação; planejar, coordenar e avaliar
planos, programas e projetos sociais em diferentes áreas de atuação profissional (seguridade, educação, trabalho,
jurídica, habitação e outras); desempenhar tarefas administrativas e articular recursos financeiros disponíveis.
Assessorar nas atividades de ensino, pesquisa e extensão (MEC, 2005).
Nessa conjuntura, a inserção do Serviço Social na EPT, no decorrer das últimas décadas, tem por
finalidade, principalmente, às demandas institucionais para ampliação das condições de acesso,
permanência e êxito dos estudantes nos diferentes níveis e modalidades de ensino, alicerçado na
articulação de programas governamentais instituídos com esse objetivo (CFESS, 2013, p. 37)
Esses profissionais estão inseridos em um espaço sócio-ocupacional em que as desigualdades sociais
interferem no processo de ensino-aprendizagem, impondo o desafio de contribuir com a garantia do
acesso à educação. Logo, precisam adquirir um conjunto de conhecimentos necessários para identificar
e intervir na realidade social, uma vez que, a materialização do seu exercício profissional ocorrerá em
uma relação dialógica aos condicionantes externos e internos à sua intervenção. A categoria profissional
de Serviço Social precisa apresentar respostas teórico-práticas que atendam aos princípios do Projeto
Ético-Político da profissão e as demandas institucionais.
À vista disso, cabe ressaltar que, no que concerne à educação pública, a categoria profissional de
Serviço Social, desde 2001, tem observado e apontando a diversidade de expressões da questão social
no ambiente escolar. De acordo com o CFESS (2001), o baixo rendimento escolar; a evasão escolar;
o desinteresse pelo aprendizado; os problemas com disciplina; a insubordinação às regras escolares;
a vulnerabilidades às drogas; as atitudes e comportamentos agressivos e violentos se apresentavam
como desafios a serem superados.
No que concerne, aos profissionais de Serviço Social no IFMT, seu exercício profissional tem
centralidade nas ações voltadas à execução da Política de Assistência Estudantil, cuja finalidade
está em atender prioritariamente o público composto pelos filhos da classe trabalhadora. As
principais intervenções desses profissionais nos campi consistem na análise socioeconômica dos
processos de seleção dos auxílios financeiros para estudantes em vulnerabilidade socioeconômica
22
e no acompanhamento dos discentes beneficiados, dentre outras atividades que perpassam pela
materialização das ações da PAE (Ferreira, 2019), contudo, não se restringe a isso, como veremos no
decorrer deste artigo. Outras questões que permeiam o ambiente escolar também são consideradas
enquanto elementos que interferem no direito à educação.
Questões como condição de saúde, física e emocional, problemas familiares, relacionamento
professor-aluno, integração social no ambiente escolar, dificuldades financeiras, entre outros, podem
influenciar na conclusão dos estudos. Por consequência, a permanência e o êxito estudantil, não se
restringe ao repasse financeiro concedido através dos auxílios e bolsas, mas ao conjunto de políticas a
serem implementadas de modo a contribuir com a permanência dos estudantes nessa instituição.
A maior carga do exercício profissional do Serviço Social inseridos nos IFs se trata da concessão
de auxílios financeiros, considerando que, as dificuldades de cunho econômico podem interferir na
trajetória acadêmica de estudantes de baixa renda, “seja através da falta de recursos necessários para
o acesso a importantes bens e práticas culturais, seja pela necessidade de conciliar estudos e trabalho”
(Vargas, 2008, p. 50).
Ainda que o Serviço Social tenha nas instituições e organizações, sua maior requisição profissional,
sendo demandado para atuar frente às expressões da questão social, ao tempo em que atende
23
de ofícios de alfaiataria, carpintaria, ferraria, sapataria e selaria, inicialmente, e, posteriormente, o de
tipografia (IFMT, 2014).
A expansão dos campi do IF em Mato Grosso deu-se a partir da estrutura institucional já existente.
Na ocasião, as unidades do CEFET Cuiabá, CEFET MT, da Escola Agrotécnica Federal de Cáceres e
suas respectivas unidades de ensino descentralizadas (Campo Novo do Parecis, Bela Vista e Pontes
e Lacerda) foram incorporadas a RFEPCT por meio da Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, e
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
24
Quadro 1 - Distribuição das/os Assistentes Sociais pelos Campi do IFMT
Status Nome do Campus Qtde de Assistente Social
Alta Floresta 1
Barra do Garças 1
Bela Vista 1
Cáceres 1
Campo Novo do Parecis 0
Confresa 1
Juína 1
Campus
Pontes e Lacerda 1
Primavera do Leste 0
Octayde Jorge da Silva (Cuiabá) 3
Rondonópolis 1
São Vicente 1
Sorriso 1
Várzea Grande 1
Observa-se, no quadro 1, que algumas unidades da instituição ainda não possuem em sua equipe,
a inserção de Assistentes Sociais. Reflexo do processo desmonte de direitos, dentre eles, da política
educacional, que tem afetado os Institutos Federais nos últimos anos e que gerou entraves para
ocupação desses profissionais nesses espaços.
Destaca-se que, em 2015, o Ministério da Educação (MEC) sofreu uma redução de aproximadamente
R$ 10 bilhões em seu orçamento, seguido de R$ 6,4 bilhões em 2016 e com a aprovação da Emenda
Constitucional nº 95 em 2017. A situação se agravou, os gastos públicos foram congelados por 20 anos
e somado a Portaria nº 282 que contingenciou as despesas já previstas na Lei Orçamentária Anual
(LOA), os cortes foram de 4,3 bilhões, e mais de dois bilhões em 2018 (Prada; Garcia, 2019).
Não obstante, as/os Assistentes Sociais, procuraram atuar de forma articulada, desenvolvendo ações
voltadas ao fortalecimento da categoria no IFMT, ocupando outros espaços dentro das unidades, como
estratégia para ampliação da perspectiva da Política de Assistência Estudantil e melhores condições
de trabalho.
A ocupação das/os Assistentes Sociais nas unidades do IFMT é diversificada, sendo: doze profissionais
que fazem parte da equipe de assistência estudantil, vinculadas o Departamento de Ensino, três em
cargos de Coordenação de Assistência Estudantil e Inclusão; uma na função de Direção de Ensino
(campus); um como Chefe de Gabinete (campus); uma lotada na Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas
(reitoria) ocupando a Coordenação do Núcleo de Qualidade de Vida; uma na Coordenação de Gestão
de Pessoas (campus) atuando no atendimento ao Servidor.
A diversidade de ocupações no âmbito dos campi, coaduna com as orientações dos Subsídios para a
atuação de Assistentes Sociais na Política de Educação (CFESS, 2013), visto que a inserção das profissionais
do Serviço Social tem atendido às requisições institucionais e contribuído, principalmente, com
a ampliação das condições de acesso e permanência e êxito dos estudantes nos diferentes níveis e
modalidades de ensino. Nessa direção, as/os Assistentes Sociais têm procurado trabalhar a partir dos
25
programas governamentais, mas ampliando as possibilidades de atuação com a instituição da dimensão
socioeducativas da categoria, com o intuito de garantir o direito à Educação.
A inserção das/os Assistentes Sociais no IFMT contribui com a formação de sujeitos críticos, com a
efetivação de direitos e com a construção de uma educação transformadora. Portanto, seu exercício
profissional ultrapassa a execução de editais de processos seletivos para concessão de auxílios e/ou
bolsas e o acompanhamento dos estudantes atendidos pela PAE, deve se pautar também na formulação
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
de ações socioeducativas que possam contribuir com permanência, êxito e com a formação humanística
e integral dos estudantes durante o percurso formativo.
Nesse sentido, é possível intervir no processo de formação do estudante, por meio do desenvolvimento
de ações e projetos nos espaços educacionais, que ampliem o conhecimento da sua realidade em uma
perspectiva que abarca a complexidade da dinâmica das relações sociais, a fim de oferecer respostas
profissionais que superem a ação imediatista e coaduna com o projeto ético-político da profissão.
Destaca-se que, nos campi são intuídas as Comissões Locais Permanentes de Assistência
Estudantil que assessora as Coordenações de Assistência Estudantil e Inclusão (CAES) nos campi, de
caráter consultivo e propositivo sobre a matéria da Política de Assistência Estudantil, as CLPAES são
compostas por:
26
I - todos os membros da equipe multiprofissional do campus: Assistentes Sociais, Psicólogos(as), Pedagogos(as),
Técnicos em Assuntos Educacionais, Nutricionistas, Tradutores intérpretes de LIBRAS, Assistentes de Alunos,
Enfermeiros(as), e outros servidores que venham a ser designados pelo campus para o atendimento educacional
especializado - AEE;
II - pelo menos 01 (um) representante do segmento técnico-administrativo indicado pela Coordenação de
Assistência Estudantil e Inclusão do campus;
III - pelo menos 01 (um) representante do segmento docente, preferencialmente das Ciências Humanas e Sociais,
Linguagens e Artes indicado pela Coordenação de Assistência Estudantil e Inclusão do campus;
IV - pelo menos 02 (dois) representantes do segmento estudantil e seus suplentes: 01 (um) da educação básica
e 01 (um) do ensino superior, eleitos de forma transparente, pública e democrática entre os pares, garantindo a
participação das entidades estudantis (quando houver) com o apoio das CLPAEs, garantindo ampla divulgação
(REGIMENTO GERAL DO IFMT, 2022, p. 66-67).
Essa equipe, em que a/o Assistente Social está inserida/o, tem o caráter democrático desde a sua
composição ao enfrentamento de desafios, os quais perpassam a formação humana e impactam
na permanência estudantil, tais como , o debate sobre questões que vão para além das disciplinas
compostas na grade curricular do curso, desenvolvendo ações socioeducativas que tenham como pauta
temáticas referentes ao enfrentamento à desigualdade de gênero, combate ao racismo, capacitismo,
discriminação a população LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros,
A/o Assistente Social se insere como profissional de caráter educativo, nas orientações,
preferencialmente, à população em vulnerabilidade socioeconômica sobre seus direitos e deveres,
fortalecendo o processo de emancipação estudantil, agindo para que haja a transformação da realidade
de modo a contribuir para superação das desigualdades.
Embora o exercício profissional da/o Assistente Social esteja pautado principalmente na execução
da Política de Assistência Estudantil (Prada; Garcia, 2017), o compromisso com o Projeto Ético-Político
da profissão converge com as regulamentações que direcionam a execução dessa política nos campi.
A Política de Assistência Estudantil regulamentada pelas Resoluções do CONSUP IFMT nº 89 e 90
de 2022, por meio de seus princípios, norteiam as ações a serem desenvolvidas para promoção de
oportunidades e contribuição no acesso, permanência e êxito dos estudantes.
Durante a análise do relatório final da reunião das/os Assistentes Sociais, realizado em maio de
2022, na cidade de Cuiabá, foi possível constatar a massiva participação das/os profissionais de Serviço
Social lotadas/os nos campi do IFMT. Das dezenove profissionais, dezessete estavam presentes, ocasião
27
em que o coletivo expôs as dificuldades e angústias, bem como, relataram a execução de atividades
e seus resultados, propuseram ações a serem implementadas e deliberaram por encaminhamentos
necessários a execução do exercício profissional e principalmente a garantia de direitos.
Dentre as ações realizadas pelas/os profissionais, na perspectiva da Política de Assistência
Estudantil, constatamos medidas de caráter universal e socioeducativo, como: palestras sobre
educação inclusiva, educação para os direitos humanos, educação alimentar e nutricional, educação
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
As ações socioeducativas realizadas pelas/os assistente sociais contaram com a realização do Dia
dos Povos Indígenas, alusivo aos povos originários com o objetivo de proporcionar o conhecimento
sobre a diversidade cultural e sua importância para um ambiente de integração e convívio social, a
partir do respeito a essa diversidade. Demonstrando que todos somos sujeitos de direitos, mas que
somos diferentes em nossa cultura, valores e costumes, possibilitando aos estudantes compreender e
analisar todo o processo histórico, de luta e conquista dos direitos dos povos indígenas.
Igualmente, evidenciamos ações relacionadas à Consciência Negra, em sua maioria realizadas no
mês de novembro. As ações demonstram que foi um espaço de discussão sobre as relações étnico-
raciais, enquanto estratégias de combate à discriminação e desigualdade racial. As ações foram
desenvolvidas, principalmente, em forma de palestras, mesas redondas e minicursos, todos com o
objetivo de trabalhar sobre a cultura e representações africanas.
Os Fóruns Locais de Assistência Estudantil, também foram elencados como um evento realizado
pelos dezenove campi e em todos eles os estudantes se apresentaram como protagonistas.
Evidenciamos que se tratou de um espaço democrático de discussões e levantamento de demandas
estudantis, a serem encaminhadas a gestão e debatidas no Fórum Central de Assistência Estudantil,
de maneira que as questões apresentadas sejam discutidas e implementadas para a melhoria da
política em âmbito institucional.
Destaca-se que as ações constatadas no relatório, não são uniformes, cada campi a partir de suas
especificidades busca implementar aquela que melhor irá atender sua demanda, o que também irá
divergir com as estratégias utilizadas para execução das ações. Entretanto, todas se apresentaram como
imprescindíveis para o desenvolvimento e formação integral dos estudantes. Em todas, observamos a
participação da/o Assistente Social, seja na execução ou planejamento das ações.
Segundo Ferreira (2019, 59), nas duas últimas décadas as/os Assistentes Sociais têm sido
demandadas/os a atuar na Política de Educação, para possibilitar uma discussão ampliada sobre o
ingresso dos estudantes nos diferentes níveis e modalidade de ensino, no enfrentamento da questão
28
social e nas relações sociais estabelecidas no ambiente escolar. Essa condição foi evidenciada
durante toda análise do documento, ações voltadas a identificação dos motivos para solicitação de
transferências, levantamento de fatores que interferem na permanência e êxito, projetos de extensão
com vista a dialogar com a comunidade externa sobre as possibilidades de acesso a carreira profissional,
dentre outras medidas, foram apontadas como atividades realizadas pelas/os Assistentes Sociais.
Os dados demonstram o apoio aos estudantes para criação dos grêmios estudantis e/ou fomento ao
movimento dos estudantes, em que as profissionais de Serviço social se tornaram referência dentro
do espaço escolar, orientando e articulando junto aos profissionais o atendimento às demandas
levantadas. Constatamos que nem todos os campi possuem movimentos estudantis ou grêmios,
entretanto, há indícios de implementações futuras.
O acolhimento e acompanhamento biopsicossocial dos estudantes, em todos os campi, foi realizado
pela Coordenação de Assistência Estudantil e Inclusão e equipe multiprofissional. A pesquisa
demonstrou que casos como crises de ansiedade, conflitos familiares, deficiências e transtornos do
neurodesenvolvimento, na maioria dos casos foram encaminhados para atendimento pela rede se
serviços dos municípios. Destaca-se, o processo de articulação das profissionais junto às instituições
como Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado de
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A inserção do Serviço Social na Educação Profissional e Tecnológica (EPT) tem sua ampliação a
partir do processo de expansão e interiorização dos Institutos Federais (IFs) e a partir da aprovação do
Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) e a promulgação da Lei nº 12.711/2012 (Prada;
29
Garcia, 2017, p. 317).Entretanto, embora o exercício profissional das/os Assistentes Sociais esteja
voltado à execução da Política de Assistência Estudantil, a pesquisa revelou que a práxis profissional
no IFMT não se restringe à implementação e execução dessa política.
Em resumo, as/os profissionais inseridos no âmbito do IFMT têm buscado fomentar debates acerca
dos limites e desafios para a construção de possibilidades e intervenções do Serviço Social na Educação
Profissional e Tecnológica para além dos recursos financeiros da Política de Assistência Estudantil,
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
desenvolvendo ações socioeducativas que têm contribuído com a formação humana e integral dos
estudantes. Segundo Vasconcellos (2015, p. 388), ações socioeducativas “em todas as instâncias e
momentos da atuação profissional, guarda a possibilidade de fomento da participação substantiva
dos usuários no controle social e ampliação dos direitos sociais, para além do simples acesso/usufruto
de um serviço”, portanto, reafirmam a necessidade da efetivação de uma prática profissional à luz do
Projeto Ético-Político da categoria, para efetivação de uma educação emancipadora, garantindo o
acesso, a permanência e êxito dos estudantes.
É necessário enfatizar o cenário de retrocessos em que estes profissionais estão inseridos, tendo
em vista o avanço de medidas neoliberais, o ataque à democracia e aos direitos sociais conquistados
historicamente pela classe trabalhadora. Constatamos, que o exercício profissional das/os Assistentes
Sociais do IFMT tem adotado uma postura investigativa, fundamental para desvelar a realidade social
e suas contradições, assim como revela-se interventiva como o desenvolvimento de ações voltadas
para o fortalecimento da categoria e do direito à educação.
A temática aqui abordada tem significativa importância, especialmente porque, está inserida em
um campo permanente de disputa, logo não é possível finalizar este artigo afirmando que os desafios
impostos aos profissionais de Serviço Social do IFMT foram resolvidos com as estratégias apresentadas
no decorrer dessa investigação, mas podem estimular uma profunda reflexão acerca dos desafios
para a construção de uma Política de Educação que cumpra sua função social de agregar, emancipar e
garantir condições equitativas de acesso, permanência e êxito para todos os estudantes.
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Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
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SUPERVISÃO ACADÊMICA DE ESTÁGIO EM SERVIÇO
SOCIAL E A DIMENSÃO EDUCATIVA DA PROFISSÃO
Eliane Marques de Menezes Amicucci1
RESUMO: Este ensaio teórico apresenta a dimensão educativa presente no trabalho profissional do assistente
social perpassando pela supervisão de estágio em Serviço Social, enfatizando a supervisão acadêmica. Tem como
objetivo problematizar a necessidade de compreender o potencial da dimensão educativa quando desenvolvida
na perspectiva da práxis que, vislumbra a partir de atividades educativas de cunho crítico a formação profissional
com perfil proposto pelas Diretrizes Curriculares da ABEPSS.
Palavras-Chaves: Práxis. Dimensão Educativa. Serviço Social. Supervisão acadêmica. Formação Profissional
ABSTRACT: This theoretical essay presents the educational dimension present in the professional work of the
social worker, going through the supervision of internship in Social Work, emphasizing the academic supervision.
It aims to problematize the need to understand the potential of the educational dimension when developed
from the perspective of praxis, which glimpses from educational activities of a critical nature the professional
training with a profile proposed by the ABEPSS Curricular Guidelines.
Key words: Praxis. Educational Dimension. Social services. Academic supervision. Vocational training
Neste ensaio teórico discorremos sobre a dimensão educativa presente no trabalho profissional
do assistente social, objetivando problematizar a necessidade de compreender o potencial dessa
dimensão quando desenvolvida na perspectiva da práxis por meio do exercício da supervisão
acadêmica de estágio em Serviço Social, proporcionando a formação profissional com viés crítico, com
competências, habilidades previstas nas Diretrizes Curriculares da Abepss de 1996.
A atividade humana para se constituir enquanto práxis precisa ser guiada por uma intencionalidade
e por um fim, produzir algo, resultado e efetividade, tem que causar mudança, trata-se de uma atividade
consciente, esta é a perspectiva de uma práxis educativa que subsidia a formação humana.
É nessa perspectiva que buscamos refletir sobre a supervisão acadêmica de estágio em Serviço
Social, considerando-a como uma atividade educativa desenvolvida na perspectiva da práxis; sem
negar e desconsiderar o contexto educacional caracterizado pela lógica mercantil que reflete na
condição do trabalho docente, bem como as condições das relações de trabalho de todos aqueles
envolvidos na atividade de estágio: estagiário (enquanto estudante trabalhador); supervisor de campo,
coordenador de estágio e coordenador de curso (este último embora não faça parte diretamente do
processo da atividade de estágio, é responsável por coordenar, gestar o curso de Serviço Social o que
implica sua participação na discussão, reflexão, planejamento em conjunto com supervisor acadêmico
e coordenador de estágio dessa atividade).
A supervisão acadêmica é uma atividade educativa que possui intencionalidade, logo, se constitui
de uma dimensão pedagógica por excelência, fazendo a mediação entre conhecimento e realidade,
estabelecendo ou pelo menos deveria estabelecer o diálogo entre os sujeitos envolvidos no processo da
atividade de estágio supervisionado, vislumbrando a formação profissional, bem como com princípios
e valores ético-políticos pautados na perspectiva de uma educação voltada à formação humana.
1 Assistente Social. Mestre e Doutora em Serviço Social pela UNESP/Franca. Docente da graduação e Pós-graduação-
Mestrado Acadêmico em Serviço Social da Universidade Federal do Tocantins. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa
sobre o Serviço Social na área da Educação-GEPESSE/UNESP-Franca e Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Exercício
Profissional em Serviço Social e Formação Profissional-GEPESSFEP da UFT. E-mail: elianeamicucci@yahoo.com.br.
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SUPERVISÃO ACADÊMICA DE ESTÁGIO E A DIMENSÃO EDUCATIVA DA PROFISSÃO
A partir das Diretrizes Curriculares da ABEPSS de 1996 que a supervisão acadêmica aparece como
intrínseca à atividade de estágio supervisionado, no intuito do acompanhamento direto e sistemático
do estagiário.
Porém, é com a implantação da Política Nacional da ABEPSS em 2010 que o debate em torno da
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
supervisão acadêmica começa a ficar latente, pois essa política traz orientações político-pedagógicas
para sua operacionalização que pode ser individual e/ou em grupo conforme realidade de cada Unidade
de Formação Acadêmica – UFA.
A PNE destaca que a supervisão acadêmica realizada em pequenos grupos serve para que os
estagiários e supervisores acadêmicos possam dialogar sobre as experiências vivenciadas nos campos
de estágios a partir do contato com a realidade do trabalho profissional.
A supervisão acadêmica de estágio é por excelência um espaço educativo porque permite através
da reflexão propiciada pelo supervisor acadêmico o conhecimento da realidade social, institucional
e profissional, buscando desenvolver no estagiário a criticidade, o olhar investigativo em torno das
situações, da dinâmica das relações sociais, desenvolvendo futuramente seu trabalho na perspectiva
da práxis.
Compreendemos que a supervisão acadêmica está no âmbito da educação, mas, na perspectiva
de uma educação com vieses transformadores, na construção de outra sociabilidade, logo, o objetivo
é formar profissionais dotados de consciência crítica que possam trocar conhecimentos e o debate
sobre os processos sociais em curso com a população atendida proporcionando também o processo
de conscientização.
Partimos da concepção de uma educação libertadora trazida por Freire (2013) que reconhece o
homem enquanto ser inconcluso, inacabado, que possui um caráter histórico, assim, compreende-se
que no processo dialógico é possível (re) pensar sobre o trabalho e formação profissional.
Com o diálogo é possível gerar a consciência crítica do educando, na perspectiva de troca de saberes,
“o educador enquanto educa é educado, em diálogo com o educando, que ao ser educado também
educa” (Freire, 1987, p.39).
Evidenciamos que a dimensão educativa da supervisão acadêmica pode proporcionar a
formação integral do estagiário, baseada em princípios e valores baseada numa educação voltada
à formação humana.
Nesta perspectiva, o supervisor acadêmico é um educador que desenvolve sua práxis política através
de processos reflexivos com os estudantes sobre a realidade social, instigando que sejam construtores
de sua própria história e conscientes desse processo.
Pauta-se numa concepção de educação como construção coletiva do conhecimento e consciência
crítica da complexa realidade social buscando o diálogo e interação entre os sujeitos. Assim, vislumbra-
se uma educação para além do capital, conforme aponta Mészaros(2008), visando a construção de
uma nova sociabilidade.
A formação integral do homem perpassa pelas condições de uma educação que propicie a
consciência crítica do ser social, que ele seja participativo, criativo e não meramente preparado para
obter competências e habilidades para o mercado de trabalho.
A educação também é para além das salas de aula, se ela abarca a vida social, o processo de ensino-
aprendizagem, precisa ultrapassar a educação formal que se encontra imbuída pela lógica do capital.
A educação, entendida como construção coletiva de produção do conhecimento, da ação social,
busca intencional de sentidos e significados, diálogo e interação, perpassa todas as práticas sociais.
Toda ação humana deve ser interpretada como atitude, influindo nela seu contexto, momento,
posição. Tudo o que dá sentido a ela, tanto do ponto de vista da sociedade e do próprio indivíduo, sendo,
portanto, imprescindível entendê-la constituída cultural e historicamente em suas relações sociais.
34
A educação integra, junto com outras dimensões da vida social, o conjunto de práticas sociais
necessárias à continuidade de um modo de ser, às formas de sociabilidade que particularizam uma
determinada sociedade. Sua função social, portanto, é marcada pelas contradições, pelos projetos e
pelas lutas societárias.
A educação é historicamente e hegemonicamente conservadora, constituindo um espaço de disputa,
o que dificulta mencionar que a educação nesta sociabilidade leva à formação integral do homem, pois
ela atende aos interesses das classes dominantes.
É neste momento que descobrimos a natureza e função da educação. Cabe a ela, aqui conceituada num sentido
extremamente amplo, a tarefa de permitir aos indivíduos a apropriação dos conhecimentos, habilidades e valores
necessários para se tornarem membros do gênero humano (Tonet, 2016.p.97)
A educação como está organizada nos moldes do capital não permite a construção de uma visão
crítica da realidade, muito menos da sociabilidade alienada e alienante.
Mészaros (2008) aponta que é necessário criar estratégias para modificar as condições objetivas
de reprodução a partir da universalização da educação e do trabalho como atividade humana auto-
realizadora, pensar a educação para além do capital exige pensar na sobrevivência do ser humano.
A educação para além do capital na visão de Meszáros (2008), mas, que compartilhamos, pressupõe
35
Estas atividades educativas são travadas com as lutas específicas e gerais da classe trabalhadora,
seu conteúdo deve ser embasado no conhecimento crítico do processo histórico e social; compreensão
da gênese do sistema capitalista, das suas contradições e na busca da superação desse sistema.
O cotidiano profissional também se configura como espaço privilegiado para a construção
do conhecimento e socialização de saberes; é nesse espaço e no desenvolvimento de atividades
educativas que podem ser discutidos conteúdos que trazem os elementos da conjuntura política,
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
econômica e social.
No âmbito da educação superior não é diferente, embora exista uma dimensão educativa inerente
à atribuição do docente, é necessário compreender qual a direção social do desenvolvimento das
atividades propostas.
As atividades de cunho educativo precisam ter direção para processos emancipatórios, devem ser o
norte na ação profissional. Fazer a crítica da realidade social, pois a emancipação é condição humana e
política para outra sociabilidade.
Com base nessas considerações, compreendemos que a supervisão acadêmica de estágio em
Serviço Social constitui-se numa atividade educativa, sua dinamicidade conduz a processos reflexivos
junto aos estagiários sobre a processualidade da realidade social e as contradições que permeiam as
relações sociais na ordem da sociabilidade do capital.
Quando há o diálogo, a troca de conhecimento entre o professor supervisor acadêmico e o estagiário
existe a possibilidade de desenvolvimento da consciência crítica, das potencialidades desse sujeito.
Essa é a proposta do ser mais e de educação libertadora trazida por Paulo Freire (2013) e coerente com
as lutas políticas do Serviço Social no que tange uma educação participativa, democrática que não
reproduza os interesses capitalistas.
Reafirmamos que a partir das Diretrizes Curriculares da ABEPSS de 1996, a supervisão de estágio
passa a ser legitimada e tratada de forma indissociável da atividade de estágio supervisionado em
Serviço Social.
Aquilo que era uma das reivindicações da categoria profissional na década de 1990 presente nos
estudos de Buriolla(1992) sobre estágio e supervisão em Serviço Social, no que diz respeito à supervisão
também ser exercida por um docente do curso e não somente pelo assistente social no espaço
institucional, passa ser orgânica com as Diretrizes Curriculares da ABEPSS de 1996. Nesse sentido, há a
recomendação que a “[...] supervisão de estágio seja feita por um professor supervisor e pelo profissional
do campo através da reflexão, acompanhamento e sistematização [...] (ABESS, 1997, p.71).
A supervisão acadêmica2 revela sua particularidade frente à supervisão de campo, o supervisor
acadêmico busca articular os fundamentos históricos, éticos, teóricos, metodológicos e políticos da ação
profissional, uma vez que há de se considerar o movimento do cotidiano institucional, em que se encontra
o assistente social no campo. Dada essa particularidade, compreende-se a supervisão acadêmica
[...] como componente curricular, deve ser prevista na matriz curricular do curso, mas a operacionalização
desta deve ser diferenciada das demais disciplinas do curso, sua dinâmica deve articular conteúdos teórico-
metodológicos e permitir espaços para o relato das atividades desenvolvidas pelos alunos, refletindo com os
mesmos o fundamento das suas ações como futuros assistentes sociais (Teixeira, 2013, p.06)
2 Não pretendemos privilegiar o papel do supervisor acadêmico em detrimento ao papel do supervisor de campo,
pressupondo uma dicotomia: o supervisor acadêmico é o responsável pelos aspectos teóricos, e o supervisor de campo
pelos aspectos da prática. Os dois supervisores de estágio possuem características próprias que estão no âmbito de suas
atribuições enquanto supervisor de campo e supervisor acadêmico, garantindo sua complementaridade
36
Através da análise do trabalho profissional nos espaços institucionais, o supervisor acadêmico
quando percebe que o estagiário encontra dificuldade de fazê-lo, pode conduzí-lo ao exercício da
passagem do abstrato ao concreto pensado da realidade do trabalho profissional.
Se a intervenção profissional não ultrapassou o campo da imediaticidade também precisa
ser refletido e criar novas possibilidades, que a partir da tríade singularidade-universalidade-
particularidade permite a reconstrução do objeto de intervenção profissional. A categoria mediação
pode instrumentalizar o supervisor acadêmico e estagiários para (re) pensarem o trabalho profissional.
Considerar a realidade enquanto totalidade implica compreendê-la como um complexo formado
pelos níveis do singular, do particular e do universal.
Presencia-se neste ínterim, a supervisão acadêmica de estágio em Serviço Social como ato educativo
que propicia a problematização, reflexão do trabalho profissional, assim como mediação, momentos
que o supervisor acadêmico faz o caminho do singular ao universal, possibilitando a leitura crítica e
modos de interpretar o real.
A supervisão acadêmica estabelece a mediação entre a formação e o trabalho profissional,
mediação esta que está intrinsecamente relacionada a totalidade social, como possibilidade de
respostas concretas para demandas sociais e institucionais que se encontram nas potencialidades e/
A supervisão acadêmica é uma atividade educativa que possui intencionalidades, embasada numa
perspectiva de educação para que se possa vislumbrar a formação de sujeitos pensantes, críticos na
busca por outra sociabilidade.
O ato de educar é complexo. O êxito do ensino não depende tanto do conhecimento do professor,
mas da sua capacidade de criar espaços de aprendizagem, vale dizer, “fazer aprender” e de seu projeto
de vida de continuar aprendendo (Gadotti, 2003, p.41).
37
Nesta concepção supervisores acadêmicos não podem atuar de forma técnica, mas através de
uma pedagogia dialética que leve ao estagiário a experiência da reflexão, da criticidade; devem ser
construtores do saber, valorizem o saber adquirido pelo estagiário no processo da formação profissional
proporcionando a autonomia deste. Que a supervisão seja um espaço de criação, que compartilhem
experiências significativas e tenha direção para processos emancipatórios.
O pedagógico diz respeito à problemática que envolve a educação na sua totalidade e historicidade,
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
e ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora da ação educativa e refere-se a finalidades da ação
educativa, implicando objetivos socio-políticos a partir dos quais se estabelecem formas organizativas
de cunho sistematizador dessa ação (Libâneo, 1998)
A concepção de educação pautada na perspectiva gramsciana, que menciona a elevação do senso
comum ao bom senso, também é importante no âmbito da supervisão acadêmica, pois trata-se da
elevação da consciência humana para que não se forme profissionais com práticas mecanicistas.
Essa perspectiva é necessária porque no âmbito da formação profissional e no processo de supervisão
acadêmica, os educadores (docentes supervisores acadêmicos) podem contribuir na elevação do senso
comum dos estudantes, que a partir do conhecimento científico adquirido tem condições de refletir
e criticar a realidade vivenciada por eles nos campos de estágio, articulando as dimensões teórico-
metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas da profissão, bem como a unidade teoria-prática.
Abreu e Cardoso (2009) também afirmam que a função pedagógica do trabalho profissional dos
assistentes sociais visa processos formadores de cultura, uma nova cultura no sentido da busca da
criticidade, consciência política dos projetos societários em disputa.
Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas “originais”; significa
também, e, sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, “socializá-las” por assim dizer,
transformá-las, portanto, em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual
e moral (Gramsci, 1982)
Sabemos que todo ser humano tem uma cultura e forma-se uma visão de mundo, mas, a partir de
um processo reflexivo porque é nesse âmbito que o processo de ensino-aprendizagem acontece, é
possível construir conhecimentos acerca da realidade social e suas contradições.
Semeraro (2006) aponta que as ideias de Gramsci (1982) contribuem para compreendermos
acerca dos intelectuais orgânicos que estão intimamente imbricados nas relações sociais, tal como os
assistentes sociais.
Gramsci (1982) afirma que esse intelectual deve ser um construtor, organizador, educador
permanente. O intelectual orgânico é aquele que:
[...] além de especialistas na sua profissão que os vincula profundamente ao modo de produção de seu tempo,
elaboram uma concepção ético-política que os habilita a exercer funções culturais, educativas e organizativas
para assegurar a hegemonia social e o domínio estatal da classe que representam[...] (Semeraro, 2006, p.135).
Nesta relação pedagógica desenvolve-se o processo de significação da existência humana. São nas
relações pedagógicas entre supervisores de campo, acadêmicos, intelectuais orgânicos por excelência,
que acontece a problematização do trabalho profissional, mas na direção de processos emancipatórios
que elevem a consciência crítica do estudante de Serviço Social sobre o processo desta totalidade social.
A supervisão acadêmica se direciona para processos emancipatórios, sendo o norte na ação
profissional, assim como já estabelecido no projeto ético-político profissional. Fazer a crítica da
realidade social, pois a emancipação é condição humana e política para outra sociabilidade.
Viana (on-line) menciona que a emancipação não se refere apenas ao indivíduo como entidade
isolada, mas, fundamentalmente como um ser social. Ela é pressuposto da democracia e se funda na
formação da vontade particular de cada um, tal como ocorre nas instituições representativas.
A emancipação é a formação para a autonomia, entretanto, ela só pode ser bem sucedida se for
um processo coletivo, considerando que na nossa sociedade a mudança individual não provoca
necessariamente a mudança social, mas, esta é precondição daquela. As atividades educativas devem
38
contribuir, portanto, para o processo de formação e emancipação, contribuindo para criar condições
em que os indivíduos, socialmente, conquistem a autonomia (Viana, on-line, p.10)
Os valores autonomia, liberdade, conhecimento crítico são constitutivos do processo de emancipação
humano-social e política, o que implica a visão da totalidade social das relações de opressão e das lutas
de resistência por sua transformação (Ciavatta, 2014)
A emancipação no sentido de alguma forma de libertação daquilo que oprime, somente se realiza no
campo da história da vida humana. A “emancipação, nesse sentido, supõe que o ser humano seja o sujeito
artífice de seu próprio agir e que ele se liberte em todos os aspectos de sua vida” (Ciavatta, 2014, p.13).
A classe trabalhadora precisa ter suporte que possibilite pensar sua condição, que seja fortalecida
e reconhecida como sujeito político e coletivo na possibilidade de construir uma nova sociabilidade.
Essa necessidade precisa ser apreendida também pelo estagiário para que futuramente possa
proporcionar enquanto profissional a consciência crítica da população que irá atender.
Aludimos a importância do supervisor acadêmico, enquanto educador, para viabilizar esse processo
de ensino-aprendizagem.
Nesse sentido, a supervisão acadêmica deve ser estruturada numa perspectiva de trabalho
participativo e sócio-educativo entre supervisores de campo/acadêmicos, estudantes, coordenadores
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Seguimos reafirmando que a partir da aquisição da consciência crítica do assistente social, sua
intervenção profissional se realizará na perspectiva da práxis, assim, suas atividades de cunho
educativo estarão voltadas ao processo reflexivo e crítico da gênese das contradições sociais impostas
pelo sistema capitalista, possibilitando a mobilização e organização política da classe trabalhadora
39
para a construção de uma nova sociabilidade, assim como, no planejamento de suas atividades via
supervisão acadêmica de estágio.
Enfatizamos que a dimensão educativa da supervisão de estágio permite a formação de profissionais
pensantes, críticos, com competências teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas
para a intervenção na realidade social.
Embora fizemos um recorte para discorrer sobre a dimensão educativa da supervisão acadêmica
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
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41
O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NO CONTEXTO DA
INCLUSÃO DIGITAL E O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO ATIVO
Camila Barbosa Vieira1
Ana Jéssica Assumção2
Maria José de Oliveira Lima3
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
RESUMO: O presente artigo trata-se de um ensaio teórico que buscou debruçar-se sobre a compreensão
de fenômenos característicos da sociedade contemporânea do Capital, como é o caso do Envelhecimento
Populacional e a Tecnologização. A partir da perspectiva crítica, amparadas pelo materialismo histórico dialético,
foi possível dialogar com estes temas em perspectiva, onde evidencia–se que diante das violências sociais
empregadas pela lógica do capital, a exclusão da pessoa idosa, bem como, a exclusão digital, fazem parte de
uma mesma gênese, à constituição do sistema econômico vigente, sua manutenção e maturação. Considerando
isto, compreende-se a necessidade de abordagens com vistas ao fortalecimento das demandas coletivas para
o processo de ruptura, e possível superação do cenário violento que estes representam à classe trabalhadora.
Neste contexto, percebe-se o potencial da atuação do/a assistente social, no que diz respeito a sua dimensão
educativa associada a letramentos digitais às pessoas idosas, entendendo ser necessário ações que ultrapassem
o sentido inclusivo simplista, que considerem somente como “disponibilizar o acesso”. É necessário estimular
com que a população trabalhadora idosa, de maneira crítica, acesse e usufrua dos meios de comunicação, visto
que em uma sociedade tecnologizada, o uso da tecnologia pelas pessoas idosas, é um elemento importantíssimo
para o processo de envelhecimento ativo e autônomo.
Palavras-Chave: Envelhecimento; Tecnologia; Dimensão Educativa do Serviço Social.
O fenômeno do envelhecimento é inerente ao ser humano, e este fato pode confortar e desinquietar,
simultaneamente, a grande maioria da população. Afinal, envelhecer é sinônimo de longevidade e
sobrevida, porém, também acarreta certa incerteza quanto a qualidade desta manutenção da vida com
qualidade, ou seja, contemplar a perspectiva do envelhecimento ativo.
Dentro deste contexto, criou-se o estigma discriminatório de que a pessoa idosa venha a ser um fardo,
ou algo dispensável socialmente. Guimarães expressa que “nos dicionários emocionais da população,
velhice é sinônimo de decadência, de decrepitude e de perda de dignidade” (Guimarães, 1997, p. 7).
No Brasil, o cenário do envelhecimento, não obstante, vinha sendo trabalhado como uma esfera
da vida privada, por particularizar o cuidado ao idoso à sua família de origem. Para os pobres, como
ajuda em forma de caridade pública e de forma extremamente restrita, em questões de saúde.
De acordo com pesquisa realizada pelo IBGE em 2022, a população total do país foi estimada em
1 Assistente social. Discente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social UNESP/Franca-SP. Doutoranda e Mestra
em Serviço Social (Unesp/Franca-SP). Especialista em Educação em e para os Direitos Humanos no contexto da Diversidade
Cultural (UNB). Professora Orientadora: Profa. Dra. Maria José de Oliveira Lima. E-mail: c.vieira@unesp.br
2 Assistente social. Discente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social UNESP/Franca-SP. Graduada em Serviço
Social (UNESP); Especialista em Famílias: contextos sociais e trabalho profissional (UNIFEB); Mestrado profissional em
Gestão de Organizações de Saúde (USP/Ribeirão Preto - SP). Professora orientadora: Rosalinda Chedian Pimentel. E-mail:
ana.jessica@unesp.br
3 Assistente social. Graduada, especialista, mestre e doutora em Serviço Social pela UNESP (Franca-SP). Docente do curso
de Serviço Social da UNESP, no âmbito da Graduação e Pós-Graduação. Atualmente é Coordenadora do Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social (UNESP/Franca). Líder do Grupo de pesquisa GESTA (UNESP/Franca). Coordenadora de
Projeto de Extensão Universitária - GEUNIC - Universidade na comunidade (UNESP/Franca). E-mail: maria.jose-oliveira-
lima@unesp.br.
4 Graduada em Ciências Administrativas (Mackenzie). Bacharel em Ciências Econômicas (UERJ). Mestre e Doutora em
Planejamento Urbano e Regional (UERJ). Especialista em Planejamento Energético (COPPE/UFRJ). Docente da Pós-
Graduação em Serviço Social (UNESP-Franca/SP), na USP (Ribeirão-Preto/SP) - FEA e Enfermagem; integra, também, o
Conselho Consultivo da Escola de Educação Física da USP/RP. Tem experiência nas áreas de Economia e de Administração,
atuando principalmente nos seguintes temas: planejamento, estratégias, economia, desenvolvimento regional,
responsabilidade social e economia brasileira. E-mail: rchedian@gmail.com
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212,7 milhões de pessoas no ano de 2021, o que representa um aumento de 7,6% em comparação ao
estimado em 2012. Equivalente a este período, a população com 60 anos ou mais, aumentou de 11,3%
para 14,7%. Assim, esta parcela etária obteve um crescimento populacional de 39,8% , saltando de
22,3 milhões para 31,2 milhões.
Por conseguinte, o aumento da faixa etária do envelhecimento populacional, há alguns anos vem
ocupando um espaço relevante nas discussões sobre envelhecimento ativo e etarismo. Observando
a conjuntura familiar da pessoa idosa, em pouco anos houve uma grande transformação em sua
composição e demografia.
Analisando a velhice através de um viés sociológico, a pessoa idosa se tornou um ator social
importante, capaz de movimentar e influir na discussão de pautas sociais.
Esta pauta, faz parte da realidade de muitas nações do mundo. Sendo que, cada país ao seu modo,
vivenciam o envelhecimento populacional de acordo com os seus contextos culturais, sociais, políticos
e econômicos. Segundo as projeções demográficas realizadas pela ONU em 2019, o processo de
envelhecimento vem crescendo de forma acelerada no mundo (Alves, 2019).
Apesar da supracitada longevidade, muitos idosos vivenciam esta fase com dificuldades e limitações.
A idade avançada pode acarretar doenças crônicas, cardiovasculares e degenerativas, as quais
Para resguardar os direitos de proteção à pessoa idosa, foi desenvolvida a Política Nacional do
Idoso (PNI) - Lei 8.842/94 a qual regulamenta o Conselho Nacional do Idoso. Ainda que, a pauta de
envelhecimento saudável aconteceu somente com a Portaria 1.395, em 1999, a qual contemplou de
fato o assunto. Para o alcance do propósito da Política Nacional de Saúde do Idoso, são definidas como
diretrizes essenciais:
a promoção do envelhecimento saudável;
a manutenção da capacidade funcional;
a assistência às necessidades de saúde do idoso;
a reabilitação da capacidade funcional comprometida;
a capacitação de recursos humanos especializados;
o apoio ao desenvolvimento de cuidados informais ;
o apoio a estudos e pesquisas.
A premissa da garantia de direitos tem de estar alicerçada sob a ótica da diversidade e individualidade
humana. É consensual, compreender através da Gerontologia Social, o aspecto primordial do
envelhecimento ativo como um processo biopsicossocial, porém é imprescindível correlaciona-lo com
os fatores dialéticos que compõem os elementos sociais.
Como relata Beauvoir (1990, p. 15), a velhice
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[...] é um fenômeno biológico: o organismo do homem idoso apresenta certas singularidades. A velhice acarreta,
ainda, consequências psicológicas: certos comportamentos são considerados, com razão, como características
da idade avançada. Como todas as situações humanas, ela tem uma dimensão existencial: modifica a relação
do indivíduo com o tempo e, portanto, sua relação com o mundo e com sua própria história. Por outro lado, o
homem não vive nunca em estado natural; na sua velhice, como em qualquer idade, seu estatuto lhe é imposto
pela sociedade à qual pertence [...].
A autora argumenta, que é importante avançar sob o pensamento analitico contemplando os vários
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aspectos da velhice, pois todos estão interligados e reagem paralelamente ao curso do outro, assim
é preciso analisar o movimento indefinido desta conjuntura, para compreender a sua totalidade.
O percurso metodológico para a construção dos saberes do envelhecimento, não é unilateral.
Tal aspecto, dificilmente é dialogado. Assim compartimenta-se o fenômeno do envelhecimento
em esferas isoladas, sem a articulação de diálogos que possam construir a visão de integralidade das
correlações que configuram e potencializam as subjetividades entre esses elementos.
Observar práticas culturais, sem dúvida, é uma das estratégias para compreender como a sociedade
se reproduz em vários cenários, principalmente quando se pensa em articulações sociais e papéis
excludentes impostos pelo capital.
Analisar o papel da pessoa idosa na sociedade e a construção sócio histórica da velhice, através de
uma perspectiva baseada no conceito de metacontingência - junção de contingências comportamentais
que se entrelaçam e produzem um produto agregado, sendo a reprodução de um ambiente cultural
selecionador - é reconhecer as práticas culturais como fatores determinantes da gênese social.
O conceito de metacontingência descreve a relação entre um conjunto de contingências comportamentais
entrelaçadas e os efeitos causados no ambiente em função de tal entrelaçamento, permitindo, assim, o
desenvolvimento de estrutura conceitual que amplia o instrumental teórico da análise do comportamento em
direção à mudança cultural. (Martone , 2012, p. 184).
No Brasil, ainda permanece a cultura de que a pessoa idosa não possui as mesmas habilidades que
uma pessoa jovem para tomar decisões importantes e estar ativo no mercado de trabalho. A velhice
transmite a ideia de fragilidade e incapacidade de contribuição para a sociedade, como se este não
mais pudesse agregar valor à comunidade, o que na verdade, para o capital, se traduz como a exclusão
derivada da capacidade de trabalho em larga escala.
Em 2014, foi realizada uma pesquisa na comunidade indígena Guarani Mbyá sobre o papel dos
mais velhos, através desta, constatou-se que aqueles de maior faixa etária na tribo, possuem papel
de destaque na comunidade. Para eles, perto dos 40 anos um Guarani Mbyá pode ser considerado
ancião, pois a tribo atribui a sabedoria e conhecimento, aos mais velhos. Esse integrante se torna o
mais sábio e importante da comunidade, assumindo um status de grande relevância perante os outros
membros, ele é consultado para todas as decisões importantes da comunidade - políticas, alimentícias,
de moradia. (Marques, 2015).
A tradição Guarani Mbyá corrobora com a valorização da idade avançada, sendo atribuída a
ela a concepção de sabedoria e importância, pois se enaltece quem dispõe de experiência de vida,
outorgando a este a responsabilidade de orientação ativa em assuntos importantes ao desenvolvimento
comunitário da tribo.
Remetendo ao ensino na sociedade capitalista, seguindo a teoria da reprodução, ele é visto como um
aparelho ideológico a serviço do Estado burguês, a fim de reproduzir os interesses da classe dominante
(Poulantzas, 1975).
A concepção de educação, de forma abrangente, está vinculada a figura da infância, assim
colocando-a como um ‘recipiente vazio e novo, que deve ser preenchido’. Com o desenvolvimento da
fase adulta, encontramos o período de aprendizado técnico e universitário, outrossim, associado a fase
jovem e adulta. Contudo, qual o espaço ocupado pela velhice inserida nos processos de aprendizagem?
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As pessoas no estágio da infância, juventude, vida adulta, são educadas em formação, para
constituírem uma carreira que se enquadre dentro das necessidades do capital. Assim, assumindo um
papel já desenvolvido pela estrutura desigual do Estado, dentro da esfera produtiva.
Marx (1983), explana que o capital não está atrelado com o tempo de duração da força de trabalho,
pois o exército industrial é vasto, e sempre será restabelecido. Desta forma, a pessoa idosa não tem
utilidade e será afastada do mercado de trabalho. Por esta perspectiva, considera-se a aposentadoria
como um rito de passagem, da idade produtiva ao mercado de trabalho, para o fim da produtividade.
Pode-se reafirmar esta analogia, se for analisar a nomenclatura, correspondente à aposentadoria,
derivada de outros países, como em francês: retrait, e inglês: retired.
Compreende-se que a velhice nunca foi uma prioridade para o projeto burguês de educação, apenas
foi redesenhada para o período de aposentadoria, o qual foi estrategicamente imposto ao idoso. Em
contrapartida, a força de trabalho é reabastecida constantemente por jovens, recém formados.
Logo que se pensa na estrutura formal de ensino ser estabelecida por métodos que contemplam as
primeiras fases da vida, como as práticas pedagógicas, é inegável compreender o seu perfil excludente,
parte do sistema produtivo. Certamente, essas análises são fatores predominantes ao fato de que, a
educação educa pessoas nos ciclos etários da vida associados à infância e adolescência, e profissionaliza
Dessa forma, já é possível compreender que o sistema historicamente vem estimulando a produção
tecnológica (avanços técnicos) a fim de seus interesses econômicos. Com o amadurecimento da esfera
da produção, o capital alcança um estágio de ápice transformação, tendo este marco caracterizado
enquanto ‘Revolução Tecnológica’, reconhecendo este, como o período em que as máquinas e o
universo digital revolucionam a esfera da produção e reprodução social.
A conexão entre capital, tecnociência e regulações públicas ganha novo patamar a partir dos anos de 1970, com
a ampla disseminação das tecnologias da informação/comunicação (TICs) e da inteligência artificial (IA), nos
contextos da economia e da sociabilidade em geral. A própria informação foi potencializada e transfigurada em
insumos para os fluxos de capital nos seus diferentes segmentos. (Barbosa, 2021, p. 31).
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Com essa nova ‘roupagem’ que o capitalismo emprega ao intento de sua expansão, muitas
transformações ocorreram na esfera da vida, sobretudo, na de pessoas-que-vivem-do-trabalho.
[...] o momento histórico no qual progressivamente todo e qualquer processo estabelecido entre, de um lado, o
conteúdo das relações sociais produzido no e pelo trabalho, e de outro, as formas deste conteúdo ser vivenciado
pelos indivíduos na experiência da vida em sociedade, pode ser digitalmente automatizado, desde o chão de
fábrica até o escritório ou a sala de estar. (Araújo, 2022, p. 25).
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Diante do contexto, as violências, violações e exclusões sociais são agudizadas, entendendo que os
determinantes sociais da vida em sociedade começam a estar centrados nos avanços tecnológicos, e
claramente, reguladas pelo acesso e/ou pela sua falta.
O conceito de “era tecnológica” encobre ao lado de um sentido razoável e sério, outro, tipicamente ideológico,
graças ao qual os interessados procuram embriagar a consciência das massas, fazendo-as crer que têm a felicidade
de viver nos melhores tempos jamais desfrutados pela humanidade. (Vieira Pinto, 2005, p. 41).
Indicadores e censos da realidade brasileira vão sinalizar a grande desigualdade que o país vive,
tais quais também se apresentam quando se diz ao acesso à tecnologia. Percebe-se que a população
mais vulnerável e excluída historicamente vem novamente ser impactada por este determinante, e,
não somente ao não acesso, ao não letramento digital, mas também, sob o foco das violências sociais
no âmbito do universo cibernético.
De acordo com o Dossiê da Intolerância, no ciberespaço são dez as principais formas mais evidenciadas: Aparência,
Classe social, Deficiência, Homofobia, Misoginia, Política, Idade/geração, Racismo, Religião e Xenofobia (Dossiê,
2016 apud Quadrado; Ferreira, 2020, p. 422).
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A DIMENSÃO EDUCATIVA NO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL: uma Reflexão Histórica da
Construção do Compromisso de Superação às Violências e Exclusões Sociais Engendradas
no Capitalismo.
Diante do contexto violento que é a sociedade de classe e a produção das desigualdades de classes,
as práticas sociais precisam estar atentas às dobraduras contemporâneas do capital como forma de
resistir e fortalecer-se conjuntamente.
No que se refere ao Serviço Social e a gênesis das intervenções sociais na sociedade, sabe-se que
a mesma percorre um processos histórico da caridade, da manutenção do estado capitalista, até o
reconhecimento da necessidade de se posicionar em um lado da sociedade, desta forma, lutar por justiça
social e amplitude de direitos junto com a classe trabalhadora e as diversas categorias que levantam
conjuntamente esta bandeira de defesa é de extrema necessidade às possíveis transformações.
Embora o contexto seja, desde o cerne da profissão, de contradições e disputa por interesses,
característico do contexto capitalista, é através do caminhar, dos processos históricos junto às práticas
sociais vivenciadas, mediatizadas e articuladas pela profissão, que justificaram e institucionalizaram
o Serviço Social e a necessidade da área especializada dentro da divisão sociotécnica do trabalho,
Fato é que a profissão de Serviço Social tem, desde seu surgimento, a dimensão educativa enquanto
característica intrínseca, dentre suas “principais dimensões”, o que também chamou atenção
rapidamente do Estado, como foi dito acima. De acordo com Cardoso e Maciel, “a função educativa é a
primeira e essencial dos referidos profissionais”, (2000, p. 148), tal qual, vem, ao compasso do tempo,
se ressignificando nos processos institucionalizados de como esta profissão se apresenta e “interage”
com a sociedade.
Junto ao primeiro estágio da profissão na sociabilidade, o caráter educativo se materializou no
intento de mediação dos interesses da sociedade burguesa no trato das vulnerabilidades que vinham
sendo recentemente aparentes e sinalizando um possível caos social, conforme aponta Abreu (2011),
A prática profissional inscreve-se nesses processos a partir da mediação do sistema de controle social em que
se situam as práticas assistenciais, considerando, sobretudo, o agravamento da questão social e as exigências
postas pelo novo padrão produtivo e de trabalho; vincula-se, pois, à necessidade histórica de imprimir às referidas
práticas um cunho “educativo”, “ressocializador”, mediante inculcação de um novo código de conduta individual,
familiar e política do trabalhador e sua família, adequado às necessidades da produção e da reprodução social.
(Abreu, 2011, p. 39-40).
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necessitado, condição básica para a intervenção – desenvolvimento do processo de “ajuda” psicossocial
individualizada, em sentido estrito. (Abreu, 2011, p. 87).
Desta forma, neste período histórico, mesmo com o avanço profissional, ainda é possível notar a
presença conservadora dentro dos processos educativos que permeiam a ideologia da profissão
enquanto categoria, entretanto os processos continuaram a caminhada, e sempre, respaldados com o
cunho educativo enquanto ferramenta (dimensão) peculiar e nata da profissão.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Após esses estágios, destacados anteriormente, o Serviço Social na dinâmica geopolítica (América
Latina), com maior força pelo Serviço Social brasileiro, começa a expandir seus horizontes contidos,
em plena Ditadura Militar, e passa a observar com maior criticidade o contexto macro societário e os
reflexos do contexto opressor vigente. Desta maneira começa a reconhecer a necessidade de novo
posicionamento crítico à profissão. Sendo assim, avança em relação ao ideário frente à perspectiva
educativa, sob a qual atuava até então. O período é marcado com o Movimento de Reconceituação do
Serviço Social e, a partir das intervenções, tomaram novas tendências frente à dimensão pedagógica,
sendo inicialmente ao cunho para a participação.
[...] à época viabiliza a inscrição da participação – até então, elemento inerente aos processos de ajuda –
como esfera programática das políticas sociais, tendo em vista a chamada integração social aos programas de
desenvolvimento. (Abreu; Cardoso, 2009, p. 598).
O processo de rompimento com o conservadorismo foi um contexto molecular, visto que mesmo
os processos pedagógicos para a participação, corroboram com o sistema no contexto de fomentar
a terceirização da responsabilização do Estado para a sociedade, e a visão ainda reducionista na
perspectiva crítica. Entretanto, os estágios se fizeram necessários e relevantes para a evolução e
maturação da profissão.
No momento em que o Serviço Social rompe suas alianças com o conservadorismo e aproxima-se
da teoria social crítica de Karl Marx, a profissão, além de ampliar seu repertório crítico profissional,
também inicia a possibilidade da construção coletiva de seu Projeto Ético Político, que reverberou
impactos revolucionários no processo de “ser e fazer-se” da profissão junto à comunidade.
A partir de então, a profissão passou a defender os interesses da classe subalterna e lutar por
intentos de justiça social, e, suas ações e respostas interventivas também necessitam de ajustes à novos
direcionamentos, diferentes dos quais estiveram sendo feitos ao longo da história, até o momento.
A aproximação pedagógica nesse último momento, onde a construção ética política do Serviço Social
é fortemente declarada e enunciada junto a categoria, é a vertente para a emancipação, visto que esta,
constitui-se de elementos como a solidariedade e a colaboração entre as classes subalternas, a mobilização, a
capacitação e a organização das mesmas na medida em que condições históricas determinadas contribuem para
subverter a ordem intelectual e moral do capital, na construção de uma nova cultura. (Duriguetto; Baldi, 2012,
p. 196).
Dessa forma, emancipação passa-se a ser o alvo ideológico. A mudança cultural da sociabilidade
através da cultura passa a ser em busca de uma nova construção ideológica e, neste compasso, o
estabelecimento de novos processos necessários contra hegemônicos ao capital.
Desse modo, o processo de construção de uma pedagogia emancipatória, que reflete as contradições e os desafios
postos nas lutas sociais das classes subalternas, afirma-se entre duas direções, nem sempre excludentes, quais
sejam, entre o horizonte da cultura do “bem-estar” e o da superação da ordem capitalista e construção de nova e
superior cultura. Os desdobramentos desses processos na configuração da mobilização social e organização no
âmbito das práticas educativas em Serviço Social [...]. (Abreu; Cardoso, 2009, p. 601).
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da sociedade, em instrumento a serviço da instauração de uma sociedade igualitária. Para isso, a pedagogia
revolucionária, longe de secundarizar os conhecimentos descuidando de sua transmissão, considera a difusão
de conteúdos, vivos e atualizados, uma das tarefas primordiais do processo educativo em geral e da escola em
particular. (Saviani, 2003, p. 65).
Tal construção do conhecimento, sob o viés educativo, é uma forma de emancipação, cuja contribuição
é fundamental para fortalecer a classe subalterna, visando processos de justiça social entre homens e
mulheres, na condição de classe nesse sistema.
Assim, as reflexões de Saviani (2003) são certeiras ao contextualizar que essa pedagogia deva ser
revolucionária. E mais, essa pedagogia tende, e deve, ter suas ações e construções, através de seu
caráter de intelectual. Entretanto, cabe ainda destaque à compreensão da categoria em Gramsci, para
a devida distinção da diferença educativa e papel de intelectual presente na sociedade e, sobretudo,
qual é caro e necessário ao Serviço Social.
Para Gramsci (2001) existe a influência de diferenças de várias tendências junto ao papel de
intelectual e destaca dois tipos de intelectuais, o tradicional e o orgânico. O tradicional se caracteriza
pelo seu distanciamento da classe social e, o orgânico surge no interior da própria classe, dando sentido
e organicidade.
O termo envelhecimento ativo, é um conceito ainda complexo para grande parte da sociedade,
pois sua definição é constituída de elementos subjetivos. O termo “ativo”, pode gerar certa obviedade,
que ocasiona uma limitação dentro do que pretende-se referir, afinal, presume-se a ligação com os
conceitos de saúde e bem estar.
Porém, para pensar no envelhecimento é necessário compreender diversos fatores que constituem
este fenômeno, contemplando assim a pessoa idosa em sua plenitude.
Desta forma, o trabalho do assistente social frente à população idosa é desenvolvido por
atendimentos individualizados, e coletivos. A forma deste, é deliberada pela observação do profissional
ao cenário em que o usuário está inserido. No entanto, em um primeiro momento é importante que o
atendimento seja realizado individualmente.A escuta de qualidade do profissional ao idoso, quando o
atendimento está sendo realizado, é um diferencial para a análise e diagnóstico em seu parecer.
Atualmente o termo “fator humano”, ou seja, a sensibilidade utilizada durante o procedimento do
atendimento é essencial para compreender fatores determinantes, que cerceiam a questão social.
Essa aproximação favorece a construção dos vínculos entre profissional e usuário.
A sensibilidade pode ser um dos instrumentais que mais fortalecem e agregam valor ao atendimento
do assistente social. Quando se pensa no atendimento à população idosa, esse fator ganha relevância,
pois aquele usuário pode estar fragilizado, e por este motivo estar precisando de uma ação interventiva.
Para o atendimento é importante que seja realizada uma escuta de qualidade, com a acolhida da
pessoa idosa e de seus familiares, se possível, uma vez que, em alguns casos estes não possuem mais
vínculos familiares.
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O assistente social busca promover a autonomia dos usuários, aqueles que se encontram em
situação de vulnerabilidade social e/ou risco. Este é um construtor de novas propostas na sociedade,
sempre viabilizando a garantia de direitos e segurança aos mínimos essenciais.
A profissão inclui um forte caráter sociopolítico, crítico e interventivo, o qual utiliza dessas
expressões para transformar a realidade utilizando de políticas públicas e justiça social.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
“Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e
serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática;” (Código de Ética do
Assistente Social, 1993)
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digital. Como contribuiu Freire (1987), para uma prática educativa para a emancipação, “Não basta
saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto
social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho”.
Com base nessa conceituação de inclusão digital, para ir além da barreira de disponibilidade de acesso é necessário
lidar com as questões associadas às necessidades e habilidades cognitivas, físicas, motoras e psicológicas
individuais para uso da tecnologia. Fatores esses relacionados com os níveis de usabilidade, acessibilidade e
inteligibilidade. (Osório; Ávila; Piccolo, 2015, p. 223).
Outro recurso oriundo da profissão é a promoção da autonomia dos sujeitos, que se encontram
em situação de vulnerabilidade social, promovendo seu olhar e consciência como sujeito de direitos e
integrante participativo da sociedade.
Pode-se considerar que para a promoção da autonomia é necessário alcançar a participação e
mobilização dos sujeitos acerca de suas pautas e vivências coletivas. No que tange aos determinantes
da exclusão digital,
[...] a participação social está vinculada à capacidade do sujeito de apropriar-se dos modelos e engajar-se
produtivamente nos eventos orientados para finalidades específicas e norteados por práticas (Buzato, 2015,
p. 126).
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CONCLUSÃO
A partir das análises construídas, compreende-se que é fundamental incentivar a pessoa idosa,
através de uma proposição crítica, para que a mesma possa estar inserida e pertencente ao cenário
da sociedade tecnologizada. O profissional deve desenvolver estratégias que possam contribuir com
a realidade em que vive o usuário, para buscar alternativas que venham contribuir frente às suas
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
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Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
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A DIMENSÃO EDUCATIVA DA SUPERVISÃO DE ESTÁGIO EM SERVIÇO SOCIAL
Cirlene Aparecida Hilário da Silva Oliveira1
Suely Aparecida Alberto Melo2
RESUMO: Neste artigo abordamos acerca da dimensão educativa da supervisão de estágio supervisionado em
Serviço Social, a fim de refletir sobre perfil pedagógico que embasa a atuação profissional do assistente social
na efetivação do projeto ético político e no compromisso educativo e formativo no processo de supervisão
de estágio. O caminho metodológico se deu no levantamento bibliográfico e em publicações de pesquisas
científicas sobre a temática. O estágio supervisionado é em uma atividade curricular obrigatória, componente
fundamental no processo de formação profissional. O processo de supervisão de estágio constitui-se de uma
dimensão educativa que se materializa na práxis e se expressa nas respostas profissionais mediadas pelas
dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, articuladas da unidade teoria-prática. É
preciso superar a fragmentação do processo de ensino-aprendizagem permitindo uma relação entre estagiários,
supervisores de campo e acadêmicos num efetivo processo educativo e compreender o exercício profissional
como processo emancipatório, analítico e reflexivo, assumindo posicionamento político para assegurar uma
direção social estratégica e hegemônica na profissão alicerçada no compromisso com as lutas democráticas e
emancipatórias da classe trabalhadora e de toda sociedade.
Palavras-chave: Serviço Social. Estágio Supervisionado. Supervisão de Estágio. Dimensão Educativa.
INTRODUÇÃO
55
profissional, constituindo-se, a supervisão, como uma modalidade de intervenção, atribuição privativa
dos assistentes sociais.
Buscamos, assim, refletir a dimensão educativa no exercício profissional trazendo estudos sobre
os perfis pedagógicos apresentados no trabalho dos assistentes sociais e que perpassam as práticas
profissionais desde a institucionalização da profissão.
Considerando as alterações no mundo do trabalho e os rebatimentos nas condições de vida da maioria
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
O Serviço Social, como profissão, inscreve-se na divisão sociotécnica do trabalho como uma atividade
de cunho eminentemente educativo. A história da profissão tem sido marcada tanto pelo surgimento
como pelo agravamento da questão social e também por seus desdobramentos. Os assistentes sociais
atuam nas manifestações da questão social, tal como se apresentam na vida dos indivíduos sociais de
diversos segmentos das classes subalternas em sua relação com a classe dominante. Conforme Almeida
(2019, p. 35) “pensar na ação socioeducativa do Serviço Social é pensar em um processo educativo que
se faz presente na prática profissional e que se fundamenta na questão social, ou seja, é uma prática
social e educativa que emerge da contradição entre capital e o trabalho.
Os assistentes sociais realizam assim uma ação de cunho socioeducativo na prestação de serviços sociais,
viabilizando o acesso aos direitos e aos meios de exercê-los, contribuindo para que necessidades e interesses
dos sujeitos sociais adquiram visibilidade na cena pública e possam ser reconhecidos, estimulando a organização
dos diferentes segmentos dos trabalhadores na defesa e ampliação dos seus direitos, especialmente os direitos
sociais (Iamamoto, 2009, p. 20).
56
a expressão mais elaborada da prática dos assistentes sociais na referida fase do desenvolvimento profissional
(Abreu, 2002, p. 83-84).
As atuais exigências postas para o assistente social, ao mesmo tempo que demandam novas
competências profissionais, ainda reforçam demandas históricas colocadas à profissão as quais são
voltadas ao ajustamento dos usuários e aos limites dos programas assistenciais.
No conjunto desta ação profissional institucionalizada, o assistente social é reconhecido como o profissional da
ajuda, do auxílio, da assistência, da gestão de serviços sociais, desenvolvendo uma ação pedagógica, distribuindo
recursos materiais, atestando carências, realizando triagens, conferindo méritos, orientando e esclarecendo a
população quanto a seus direitos, aos serviços, aos benefícios disponíveis, administrando recursos institucionais,
numa mediação da relação: Estado, instituição, classes subalternas (Yazbek, 2009, p. 135-136).
O Serviço Social, como profissão inscrita na divisão social e técnica do trabalho portanto, submetida
às mesmas condições de trabalho da classe trabalhadora, ao ser requisitado para intervir, a depender
da formação teórico-metodológica e do compromisso político com os interesses do trabalhador
pode dar respostas condizentes aos interesses do capital ou pode favorecer estrategicamente a luta
das classes subalternas.
A prática pedagógica, portanto, de acordo com os perfis apresentados, interfere diretamente na
atuação profissional do assistente social e, por conseguinte, na sua atribuição enquanto supervisor de
estágio, que é um espaço de construção da identidade profissional do estudante em formação.
A identidade profissional se constrói na práxis, e se expressa nas respostas construídas
profissionalmente para atender às demandas que incorrem no cotidiano profissional. A construção
da identidade é um processo dinâmico que resulta da relação entre indivíduo e sociedade. Conforme
Martinelli (2013, p. 145), “sob o ponto de vista dialético, a identidade é uma categoria sócio-histórica
que pulsa com o tempo e com o movimento, a partir de determinações políticas, sociais, econômicas,
históricas, culturais’.
Ao viabilizar o acesso a um recurso material concreto ou contribuir com o acesso a um direito do usuário, o(a)
assistente social não apenas repassa o material, mas o faz dentro de um processo educativo, que exige diálogo
competente, troca de informações, orientações, potencialização da organização e mobilização dos sujeitos para
a conquista dos seus direitos. A dimensão socioeducativa é, portanto, fundante na identidade do Serviço Social.
(Jacinto, 2017, p. 88).
Conforme Yazbek (2009, p. 128) o Serviço Social participa de um processo que tanto permite a
continuidade da sociedade de classes, quanto cria as possibilidades de sua transformação. “Não se
57
trata de uma dicotomia, mas o fato de que ele não pode eliminar essa polarização de seu trabalho, uma
vez que as classes sociais e seus interesses só existem em relação [...] essencialmente contraditória.”
A atuação do(a) assistente social tanto pode favorecer a interação entre os sujeitos sociais, estimulando a
reflexão sobre a ideologia dominante, contribuindo com a mobilização social, com a instrumentalização da
população atendida para a busca de seus direitos, quanto pode vincular aos interesses dominantes, servindo
como poderoso instrumento de legitimação da desigualdade social e de aprofundamento das relações de
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Segundo Lewgoy (2010, p.25), “a profissão é uma atividade historicamente determinada pelo
modo como a sociedade se organiza e, ao mesmo tempo pelo resultado do desempenho da categoria
profissional, isto é, do posicionamento e das respostas oferecidos por ela às demandas sociais dos
distintos grupos e classe sociais”.
Autores como Gramsci e Paulo Freire têm contribuído intelectualmente com as discussões
pertinentes à dimensão educativa no trabalho social. Paulo Freire ressalta a importância de se ter uma
consciência crítica sobre a realidade social e propõe uma educação popular que estimula a práxis social
a partir de uma leitura crítica da realidade concreta:
[...] a educação popular cuja posta em prática, em termos amplos, profundos e radicais, numa sociedade de classe,
se constitui como um nadar contra a correnteza é exatamente a que, substantivamente democrática, jamais separa
do ensino dos conteúdos o desvelamento da realidade. É a que estimula a presença organizada das classes sociais
populares na luta em favor da transformação democrática da sociedade, no sentido da superação das injustiças
sociais (Freire, 2001).
Entre os conceitos difundidos pelo pensamento de Gramsci, o intelectual, conforme aponta Jacinto
(2017, p. 87) é “aquele que tem por função realizar o movimento entre concepção de mundo e contexto
histórico-social, procurando estimular formas organizativas que permitam que a ação revolucionária
se desenvolva”. Assim,
O(A) assistente social pode configurar-se como intelectual orgânico às classes subalternas com as quais atua,
apreendendo junto com as mesmas, estratégias para a conquista da contra-hegemonia, um processo que se faz
e refaz em cada ação, em cada reflexão, em cada nova descoberta. É um processo educativo por excelência, uma
vez que o conhecimento é construído no coletivo, através de uma nova leitura da realidade, de processos de
reflexão, de engajamento político, no sentido da “grande política”, aquela em que se constroem coletivamente
caminhos para outra sociedade verdadeiramente humana e possível (Jacinto, 2017, p. 91).
A atuação do assistente social é por vezes tensionada pelas transformações por que passa a
sociedade sob a ótica neoliberal e as relações sociais no modo de produção capitalista, no qual o
intelectual define-se a partir do vínculo e da função que mantem com a classe que representa. Assim,
conforme Almeida (2019),
[...] não se pode afirmar que todos os assistentes sociais são intelectuais orgânicos. Pois, conforme apontam Silva
e Poltronieri (2015), não são todos os profissionais que atuam de modo a organizar, direcionar e dirigir seus
usuários. Temos aqueles que adotam postura messiânica, que não articulam os sujeitos, de modo a não contribuir
na tomada de consciência da população atendida e ainda cooperam com o senso comum (Almeida, 2019, p. 71-72).
A dimensão educativa está relacionada a todas as outras dimensões do Serviço Social, caracterizando-
se como uma profissão de caráter político, mas também pedagógico e que possui uma intencionalidade
que leva a investir na criação e articulação dos meios e instrumentos necessários à consecução das
suas finalidades profissionais.
Conforme Guerra, (2000, p. 2) “Na medida em que os profissionais utilizam, criam, adequam
às condições existentes, transformando-as em meios/instrumentos para a objetivação das
intencionalidades, suas ações são portadoras de instrumentalidade”
No exercício profissional o assistente social lança mão do acervo ídeo-cultural disponível nas ciências sociais ou
na tradição marxista e o adapta aos objetivos profissionais. Constrói um certo modo de fazer que lhe é próprio
e pelo qual a profissão torna-se reconhecida socialmente. Produz elementos novos que passam a fazer parte de
um acervo cultural (re) construído pelo profissional e que se compõe de objetos, objetivos, princípios, valores,
finalidades, orientações políticas, referencial técnico, teórico-metodológico, ídeo-cultural e estratégico, perfis
58
de profissional, modos de operar, tipos de respostas; projetos profissionais e societários, racionalidades que se
confrontam e direção social hegemônica, etc. (Guerra, 2000, p.13).
O Serviço Social brasileiro construiu um projeto profissional inovador e crítico, pautado na tradição
marxista, apoiado em valores e princípios éticos humanistas, cuja formação busca desenvolver
competências teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas, coerentes com o projeto
societário emancipatório.
A ação educativa na perspectiva da emancipação busca desenvolver as potencialidades e
habilidades, mas também é um processo político de formação da cidadania, exigindo-se a troca dos
saberes e produzindo um conjunto de significados sociais, políticos e culturais.
Ao destacarmos a dimensão educativa na supervisão de estágio reafirmamos o compromisso com o
projeto ético-político defendido pela categoria profissional.
59
A supervisão na condição de atribuição profissional, contempla uma dimensão formativa. É um
processo pedagógico de ensino e aprendizagem, portanto, é um processo educativo, que se materializa
nas dimensões teórico-metodológico, ético-político e técnico operativo e nos processos de trabalho
do assistente social, o que exige do profissional um olhar crítico e propositivo no exercício da profissão.
No processo de aprendizagem, os sujeitos envolvidos: estudantes, equipes profissionais e o/a supervisor/a,
ao discutir e materializar a profissão no exercício profissional, se constroem e se reconstroem como sujeitos,
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
elaboram saberes conjuntos em um processo deliberado de favorecer o aprimoramento ético e intelectual, por
meio de um espaço didático-pedagógico privilegiado (Guerra, Braga, 2009, p. 534).
No processo de estágio supervisionado deve ocorrer a supervisão de campo realizada por assistente
social que atua no campo de estágio e a supervisão acadêmica, realizada por professor da instituição de
ensino superior com formação em Serviço Social. Ambos atuam diretamente no processo de formação
acadêmica do estagiário, desempenhando uma função pedagógica ao constituir o elo da relação entre
campo de estágio e o processo de ensino.
Um princípio fundamental no processo de supervisão é a dimensão coletiva do trabalho, o que o
torna um desafio, considerando toda a conjuntura do exercício profissional e da formação na atualidade.
Várias são as atribuições, demandas e atividades institucionais que desafiam a interlocução de todos
os envolvidos no processo de estágio. Conforme aponta Martiniano (2017, p. 43), “Quanto às ações
conjuntas com o supervisor de campo, percebe-se um distanciamento com estes profissionais; muitos
deles ainda não compreendem o estágio como central na formação, profissional, além do fato de que
muitos desconhecem as propostas das Diretrizes curriculares vigentes e também a PNE”.
O processo de supervisão é essencial na formação profissional, e os supervisores, tanto de campo
quanto o acadêmico, detêm um conhecimento que possibilitará ao estudante a interpretação critica
das diversas manifestações da questão social nos campos de estágio, fazendo dialogar com os
conhecimentos formalizados nas disciplinas e as experiências do trabalho.
Dessa maneira, os campos de estágio mediatizados pelo método dialético permitem aos supervisores de campo,
acadêmicos e estagiários sucessivas mediações, possibilitando comunicações, informações, estabelecimento
de relações sociais, que permitem aos usuários expressar sua identidade e atitudes, possibilitando a todos uma
mobilização, organização, ou seja, a possibilidade de transformar suas histórias. O estágio supervisionado por
sua própria dinamicidade é permeado por sucessivas mediações, que perpassam todo o processo de supervisão
(Martiniano, 2017, p. 39).
As ações socioeducativas são efetivadas no fazer profissional, na mediação das relações. Sua
intervenção interfere nas concepções e representações da população acerca de si própria, do Estado e
da sociedade. O profissional tem o papel de apoiar as lutas e reivindicações das camadas populares da
classe trabalhadora, possibilitando a elas a participação, fortalecimento enquanto grupo organizado e
efetivação dos seus direitos de cidadania.
As contraditórias necessidades sociais do capital e do trabalho geram demandas para os assistentes sociais
expressas em diversas formas de requisição da intervenção profissional, mediatizadas pelo mercado de trabalho
dessa categoria. Tais requisições e os espaços ocupacionais que as mediatizam não esgotam as possibilidades da
intervenção profissional, mas representam, como foi assinalado, referências fundamentais para uma apreensão
60
das condições socioinstitucionais de redefinição da função pedagógica do assistente social, em face dos interesses
de classes em confronto (Abreu, 2002, p. 190).
Refletir a função educativa na supervisão de estágio nos remete a pensar nas contradições da
organização do trabalho em nossa sociedade, nas possibilidades de superação e no processo educativo
do trabalho profissional com ações que contribuam para uma na perspectiva emancipatória.
O desafio ao estudante, ao supervisor de campo e ao supervisor acadêmico é o de transitar, simultaneamente,
pelos campos cognitivos, operativo, valorativo, ético, político, o que exige de todos esses sujeitos, portanto,
as competências teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa; competências essas que devem ser
construídas não de forma solitária, mas coletivamente (Jacinto, 2017, p. 140).
61
o Serviço Social, pautado no projeto ético-político do Serviço Social, no Código de Ética profissional,
ancorada nas Diretrizes Curriculares.
O estágio é um processo educativo, que se efetiva no interior da prática social. É um dos componentes
curriculares privilegiados na construção da relação teoria/prática, no qual o supervisor de campo
compartilha com o supervisor acadêmico e demais docentes da unidade de formação, o processo de
construção do conhecimento, viabilizando ao estudante estagiário, a vivência da práxis.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
CONSIDERAÇÃO FINAL
O Serviço Social nasce e se alicerça profissionalmente para intervir na realidade social. Apresenta
um caráter acadêmico-profissional e social renovado, voltado à defesa dos trabalhadores e na luta
pela afirmação dos direitos de cidadania. Compreender o compromisso profissional na realidade para
a qual o assistente social vem intervir, mostra a importância da dimensão educativa no trabalho social
O assistente social na sua intervenção pela prática social educativa pode contribuir na construção
social coletiva mobilizando os atores envolvidos para serem, em conjunto, atores protagonistas de
suas histórias, sujeitos sócio-históricos pensantes e atuantes.
A importância deste estudo é refletir a prática social educativa, entendendo a importância da
formação crítica e qualitativa, bem como o trabalho profissional em consonância com o projeto ético
político. Pensar a intervenção profissional com a perspectiva de contribuir para a construção de uma
nova cidadania para a construção de uma nova ordem societária. Para tanto, é importante aprofundar
os conhecimentos, desvelar os sentidos e significados da dimensão educativa no trabalho social, se
fortalecer junto a categoria e buscar sustentação nas dimensões teórico-metodológicas e ético-
políticas, que dão direção ao trabalho profissional.
Constitui-se um desafio ético político construir um espaço do pensar crítico, da investigação e da
busca de soluções, considerando a direção do projeto ético político que se pauta na emancipação
humana e o caráter contraditório da intervenção do assistente social que se dá dentro da sociedade
capitalista. É preciso superar a fragmentação do processo de ensino-aprendizagem permitindo uma
relação entre estagiários, supervisores de campo e acadêmicos num efetivo processo educativo.
Compreender o exercício profissional como processo emancipatório, analítico e reflexivo assumindo
posicionamento político para assegurar aos usuários o entendimento sobre direito, cidadania e
emancipação social.
Dessa forma, pretende-se que este artigo seja inspiração para novas indagações, considerando
a dinâmica da realidade social e a necessidade de atualização do conhecimento tanto na formação
quanto no exercício profissional.
REFERÊNCIAS
62
ALMEIDA, Cleusimar Cardoso Alves. As tendências pedagógicas na supervisão de estágio do Curso de Serviço
Social: a compreensão dos sujeitos. 2019. 263p. Trabalho de Conclusão de Curso (Doutorado) Universidade
Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – Franca, 2019.Franca
FREIRE, Paulo. Política e educação: ensaios. 5. ed. (Coleção Questões de Nossa Época; v.23). São Paulo,
Cortez, 2001. Disponível em: https://cpers.com.br/wp-content/uploads/2019/09/14.-Pol%C3%ADtica-e-
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GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade no trabalho do assistente social. Cadernos do Programa de Capacitação
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2000. Disponível em: http://www.uel.br/cesa/sersocial/pages/arquivos/GUERRA%20Yolanda.%20A%20
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JACINTO, Adriana Giaqueto. Trabalho socioeducativo no Serviço Social à luz de Gramsci: o intelectual orgânico.
Revista Katálysis, Florianópolis, v.20, n. 1, p. 84-92, abril 2017.
JACINTO, Adriana Giaqueto. A dimensão educativa na supervisão de estágio em Serviço Social: o papel do
63
O SERVIÇO SOCIAL NA ABORDAGEM SOBRE GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA:
Um Relato de Experiência nas Escolas Públicas de São Miguel dos Campos, Alagoas
Resumo: O presente artigo traz considerações teóricas acerca da atuação do Serviço Social na rede municipal de
educação de São Miguel dos Campos, município alagoano, quanto à abordagem da temática sobre gravidez na
adolescência para turmas de oitavo e nono anos do Ensino Fundamental 2. Para tanto, se ampara teoricamente
no debate da ação socioeducativa do Serviço Social em diálogo com a exposição de indicadores nacionais dos
casos de gravidez na adolescência, baseando-se numa perspectiva histórico-crítica. A construção metodológica
se apoia em pesquisa bibliográfica e empírica, por meio da exposição da prática mencionada. Verifica-se a
importância da presença de assistentes sociais na educação básica, especialmente no âmbito socioeducativo, e
revela algumas necessidades e perspectivas de avanço ao Serviço Social no âmbito da Educação em São Miguel
dos Campos.
Palavras-chave: Serviço Social. Ação socioeducativa. Gravidez na adolescência.
Abstract: presents theoretical considerations about Social Work activities in São Miguel dos Campos, a city
in Alagoas (Brazil), municipal network education, addressing teenage pregnancy in eighth and ninth-grade
classes. Therefore, it is theoretically based on the socioeducational action of Social Work discussion, dealing
with national indicators of teenage pregnancy cases exposure, and based on a critical historical perspective.
Its methodological construction bases on bibliographical and empirical research, through the presentation of
mentioned practical experience. It appears the matter of social workers in basic education, especially in the
socio-educational sphere, reveals some needs and prospects for the Social Work advance in São Miguel dos
Campos education.
Keywords: Social Work. Socioeducational action. Teenage pregnancy.
INTRODUÇÃO
Embora os indicadores nacionais tenham apontado para um cenário de regressão gradual dos casos
de gravidez na adolescência desde o ano de 2015 (Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania,
2022), números mais recentes ainda chamam atenção. De acordo com o Ministério da Saúde (2023),
14% do total de nascimentos no ano de 2020 partiram de mães adolescentes, correspondendo ao
total de 380.778 casos, dos quais 17.526 envolveram mulheres entre 10 e 14 anos e 363.252 entre
15 a 19 anos.
A gravidez que acomete crianças e adolescentes em idade escolar deve manifestar prejuízos ao seu
cotidiano educacional, dada a nova rotina de cuidados exigida da gestante, que perpassa necessidades
— ausência nas aulas para o acompanhamento pré-natal; a requisição por adaptações escolares de
cunhos estrutural e/ou pedagógico e licença-maternidade —, podendo repercutir como desdobramento
1 Mestranda em Serviço Social pelo Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Faculdade de Serviço Social da
Universidade Federal de Alagoas (PPGSS/FSSO/UFAL). Bacharela em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas
(UFAL). Assistente social na política de Educação. E-mail: gabriela7fn@gmail.com.
2 Bacharel em Serviço Social pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR), Licenciado em Química pela Universidade
Estadual de Alagoas (UNEAL). Assistente social na política de Educação. E-mail: leandroeleuterio13@gmail.com.
3 Bacharela em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Bacharel em Direito pela Universidade
Tiradentes (UNIT) e advogada. Assistente social na política de Educação. E-mail: elainegoomesadv@gmail.com.
4 Bacharela em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Assistente Social na política de Educação.
E-mail: leni27.oliveira@gmail.com.
5 Bacharel em Administração Pública pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR). Especialista em Administração
Pública pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Secretário Municipal de Educação de São Miguel
dos Campos, Alagoas (AL). E-mail: gabinetesemedsmc@gmail.com.
64
condicional as possibilidades de largo afastamento e/ou abandono escolar. Além destes aspectos,
constata-se ainda que a gravidez nesse período se caracteriza por privações de uma importante etapa da
vida na qual a criança e/ou a adolescente vê-se diante da responsabilidade de cuidar de outra vida. Fato
que geralmente acomete também outros membros da família, a exemplo das avós maternas comumente.
No que concerne à inserção profissional do Serviço Social na educação básica, a sanção da Lei
nº 13.935/19 — que dispõe sobre a prestação de serviços de Psicologia e Serviço Social nas redes
públicas de educação básica — passou a ser encarada com responsabilidade pela Secretaria Municipal
de Educação (SEMED) do município alagoano de São Miguel dos Campos. De modo que, desde 2021,
todas as 23 unidades escolares do município contam com serviços de Psicologia e, mais recentemente,
com a inserção de assistentes sociais no quadro, numa equipe formada por quatro profissionais
alocados na própria SEMED, que atende a toda rede municipal de educação desde o ano de 2022.
Nesse sentido, visando o fortalecimento no amparo e no atendimento da comunidade escolar,
constata-se como espaço de atuação profissional de assistentes sociais o trabalho com temáticas
pertinentes à comunidade, considerando as particularidades regionais e o perfil de cada escola. Logo,
diante da campanha da Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, através da ação
intersetorial do Serviço Social da SEMED, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS),
65
2022). No estado de Alagoas, de acordo com o Jornal Gazeta de Alagoas (Bezerra, 2023), em 2022 foi
observada a redução significativa de 23% no número de casos de gravidez na adolescência envolvendo
meninas de 11 a 14 anos, em comparação ao ano de 2021. Mesmo diante de um resultado positivo, há
ainda pouco a comemorar: apesar da diminuição significativa do número, o estado segue com o grande
desafio de educar, prevenir e garantir diretos — como os da entrega voluntária para adoção e acesso
ao aborto legal nos casos de violência sexual, além do atendimento de saúde, que corresponde do pré-
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
natal ao puerpério.
A gama de impactos negativos à integralidade desses sujeitos pode perpassar questões vinculadas
à saúde física e emocional, além de gerar prejuízos significativos e em diversos níveis para a interação
social das adolescentes. Em se tratando do contexto escolar, essa nova determinação na vida de
adolescentes, em especialmente àquelas em situação de vulnerabilidade social, pode fazer com que
abandonem precocemente a escola. Nas palavras da assistente social Fanelli (2008):
A concepção contemporânea de gravidez na adolescência está permeada por três fatores indissociáveis: o
biomédico, que enfatiza os perigos decorrentes da gestação precoce na saúde materno-infantil; o psicológico,
que traz à tona os riscos psicossociais para aqueles que a experimentam; e o social, que se pauta no agravamento
da pobreza que pode estar relacionada ao incremento das famílias monoparentais, prioritariamente as chefiadas
por mulheres, à interrupção precoce da trajetória escolar, assim como à inserção precária no mercado de trabalho
(Fanelli, 2008, p. 51).
Um estudo realizado pela Fundação Abrinq revelou que quase 30% das mães adolescentes com até
19 anos de idade não concluíram o ensino fundamental, sendo ainda mais alarmante a situação nas
regiões Norte e Nordeste, onde ultrapassam os 35% as mães que não concluíram o Ensino Fundamental
(Jornal Nacional, 2019), além apontar as dificuldades de inserção dessas jovens mães no mercado de
trabalho, o que pode desaguar na manutenção de um círculo vicioso de pobreza e reprodução das
desigualdades sociais e de gênero, evidenciando as contradições da sociedade capitalista.
Se tratando da configuração das escolas públicas de educação básica do Brasil, é fácil assimilar que
dela façam parte estudantes em situação de vulnerabilidade social. Logo, a presença do Estado, através
de políticas públicas para promoção de ações educativas que visem orientar os/as estudantes sobre
questões de saúde, se torna imprescindível. Isto posto, como forma de promover medidas educativas e
de prevenção que contribuam para a redução dos casos de gravidez na adolescência, através da Lei nº
13.798/2019, que institui a semana em que constar o 1º dia de fevereiro como a Semana Nacional de
Prevenção da Gravidez na Adolescência, deve ser reconhecida com responsabilidade pelas pastas de
Educação e Saúde de estados e municípios como justificativa para o desenvolvimento de um trabalho
intersetorial de campanhas junto ao Programa Saúde na Escola8.
Em face das considerações até então realizadas, no que corresponde à atuação do Serviço Social
na educação no trato sobre a gravidez na adolescência, verificam-se duas principais possibilidades de
intervenção. Uma refere-se à intervenção individual junto à estudante que vivencia gravidez e licença-
maternidade para orientações, encaminhamentos, acompanhamento, interlocução com as unidades
de ensino, visando garantir que realizem as adaptações necessárias ao desenvolvimento educacional
da adolescente, com medidas preventivas de evasão, violação de direito, preconceito e discriminação.
A outra diz respeito ao ato de se reportar às medidas de prevenção sobre o eixo de uma intervenção
coletiva, ou até mesmo individual, em casos de orientações preventivas particularmente demandadas,
apoiando-se na ação socioeducativa da profissão, em sua função pedagógica, o que, para Abreu (2008),
[...] é determinada pelos vínculos que a profissão estabelece com as classes sociais e se materializa,
fundamentalmente, por meio dos efeitos da ação profissional na maneira de pensar e agir dos sujeitos envolvidos
nos processos da prática. Tal função é mediatizada pelas relações entre o Estado e a sociedade civil no
enfrentamento da questão social (p. 17).
8 O chamado PSE é um programa instituído pelo Decreto nº 6.286, de 5 de dezembro de 2007, o qual tem por finalidade
contribuir para a formação integral dos estudantes da rede pública de educação básica através de ações de prevenção,
promoção e atenção à saúde, no âmbito dos Ministérios da Educação e da Saúde.
66
Dentro dessa mobilização de cunho preventivo do Serviço Social na abordagem da gravidez na
adolescência, há ainda a possibilidade da criação de espaços não só informativos, mas de participação
coletiva diante da temática, tendo em vista o protagonismo estudantil no fortalecimento da autonomia,
da liberdade e da ampliação da cidadania, conforme preconiza o Código de Ética do/a Assistente Social
– Lei nº 8.662/1993. Como profissional articulador é possível, a partir do Serviço Social, se estabelecer
ainda a interlocução com outros mecanismos estatais, a exemplo do Programa Saúde na Escola, como
é observável na experiência relatada a seguir.
9 As escolas favorecidas foram: a Escola Municipal Dr. Iramilton Leite, a Escola Municipal Luzinete e Lindalva Jatobá, a
Escola Municipal Mário Soares Palmeira e a Escola Municipal Professora Ana Neri Malheiro de Oliveira, todas situadas na
zona urbana de São Miguel dos Campos. Somado o quantitativo de matriculados do mês de março, de acordo com relatório
da SEMED, tem-se um total de 1.354 matrículas nas turmas de oitavo e nono anos. Por estar localizada na zona rural do
município, a Escola Municipal José Marcos da Rocha foi a única unidade de Ensino Fundamental 2 não contemplada pela
ação, ficando a cargo da própria escola a abordagem da temática com um total de 44 estudantes de oitavo e nono anos
matriculados no mês de março. Vale enfatizar que as escolas de Ensino Médio do município são vinculadas ao Governo do
Estado de Alagoas, razão pela qual as ações descritas foram realizadas estritamente através da articulação entre a SEIJPAZ
e a 2ª Gerência Regional de Ensino de Alagoas.
10 De acordo com o Ministério da Saúde (2023a), as informações qualificadas para o desenvolvimento de habilidades
socioemocionais e o empoderamento devem ser universalmente acessíveis, de modo que os serviços de saúde garantam o
acesso aos métodos contraceptivos independentemente da presença de pais ou responsáveis.
67
As rodas de conversa são reputadas também por sua potencialidade na produção de narrativas individuais e/
ou coletivas. Então, os depoimentos apresentados nas discussões são tomados para sistematização não só com
finalidade devolutiva, mas com o fito de elencar conteúdos e sustentar análises sobre inserções sociais, vivências
de práticas específicas, experiências subjetivas em dado tema (p. 4).
adolescentes. Vale dizer que contou também com a contribuição dos diversos agentes
educacionais de cada unidade escolar, como gestores/as, professores/as e disciplinários/as11
tanto na organização e mobilização das turmas, como no engajamento durante os debates.
Então, a participação dos/as assistentes sociais nas rodas de conversa como mediadores de saberes
relativos às suas formação e atuação possibilitou a construção de um diálogo mais sólido com os/as
adolescentes. As provocativas de abordagem se manifestaram em quatro eixos, a saber: 1) impactos e
responsabilidades sociais da gravidez na adolescência, em falas embasadas nos indicadores aludidos
no item anterior; 2) descrição dos serviços e recursos oferecidos pela rede de saúde; 3) perspectiva
dos direitos das estudantes gestantes e puérperas; e 4) abordagem sobre violência sexual e canais de
denúncia e acolhimento.
Sobre o primeiro eixo abordado, os impactos sociais se configuram como preocupantes
consequências para a vida de adolescentes que precisam lidar com a gravidez, pois deve afetar o
ciclo de amizades, já que a garota passa a ter uma vida com responsabilidades características da fase
adulta. A abordagem realizada pelos/as assistentes sociais envolvidos/as nas rodas de conversa teve
como foco demonstrar a gravidade desses impactos na rotina social de jovens adolescentes de ambos
os sexos, ao mesmo tempo em que foram problematizadas questões que envolvem o projeto de vida
desses/as adolescentes. Na ocasião foi possível observar que grande parte do público envolvido
possuía significativa inquietação quanto ao futuro profissional, fato compreensível por se tratar de
uma trajetória que deve possibilitar a independência financeira desses sujeitos.
Um fator primordialmente considerado nas rodas de conversa foi a condição de pauperismo
vivenciada pela maioria das adolescentes que passam ou passaram pela gravidez na adolescência,
uma vez que de acordo com dados do IBGE, as maiores taxas de gravidez na adolescência estão entre
as jovens mais pobres e com menor escolaridade, de forma que os indicadores demonstram que esse
perfil social possui cinco vezes mais chances de engravidar do que as adolescentes mais abastadas
(UFMG, 2021).
Outro ponto importante e que merece ser enfatizado foi a proposta de um discurso, que envolveu
adolescentes do sexo masculino, ao passo que pôde contribuir para a formação de um entendimento
geral de que filhos não devem ser gerados nesse momento da vida. Contudo, em caso de haver, leva-se
a reflexão sobre a importância da participação de ambos diante desse contexto. Esse referenciamento
direcionado aos adolescentes na atribuição de um compromisso mútuo pela prática de sexo seguro,
do uso de métodos contraceptivos, bem como da necessidade de sua participação, caso haja gestação,
nos cuidados com a gestante e o bebê, reforçou a responsabilidade masculina perante a problemática
da gravidez na adolescência.
O segundo eixo priorizou a explanação dos mecanismos e recursos disponibilizados pelo SUS,
dando visibilidade aos serviços de atendimento médico da atenção básica nas UBSs, a importância da
interação direta desses/as adolescentes com os Agentes Comunitários de Saúde, o reforço da disposição
gratuita de métodos contraceptivos — visto que a discussão maior ficou a cargo dos/as profissionais de
Enfermagem. Ocorreu no sentido de encorajar atitudes em prol da ampliação da cidadania através do
acesso à rede de saúde e de incitar o desenvolvimento da autonomia desses sujeitos de direito.
11 Disciplinários são profissionais responsáveis por orientar alunos sobre regras e procedimentos, regimento escolar,
cumprimento de horários; ouvir reclamações e analisar fatos. Além de prestar apoio às atividades acadêmicas, controlar as
atividades livres dos/as alunos/as, bem como orientar suas entrada e saída, fiscalizar espaços de recreação e definir limites
nas atividades livres.
68
Já na perspectiva dos direitos, as falas dos/as assistentes sociais estiveram fundamentadas na Lei
nº 6.202, de 17 de abril de 1975, a qual garante o regime de exercícios domiciliares às estudantes
gestantes a partir do oitavo mês e/ou mediante a apresentação de atestado médico no período anterior
ou posterior ao parto, assegurando o direito à prestação de exames finais.
Acerca da abordagem dos dispositivos de proteção contra a violência sexual, enfatizou-se a
necessidade de denúncia ao Conselho Tutelar, além da exposição de outros canais de acolhimento
e canais de denúncias, como a SEMUDH, os/as psicólogos/as escolares, o próprio Serviço Social da
educação e a SEIJPAZ. Neste eixo foi necessário o reforço acerca do entendimento sobre a violência
sexual, que, segundo a Organização Pan-americana de Saúde (OPMS), correspondente a
[...] todo ato sexual, tentativa de consumar um ato sexual ou insinuações sexuais indesejadas; ou ações para
comercializar ou usar de qualquer outro modo a sexualidade de uma pessoa por meio da coerção por outra
pessoa, independentemente da relação desta com a vítima, em qualquer âmbito, incluindo o lar e o local de
trabalho (OPAS/OMS, [s.d.], n.p.).
Diante do relato de experiência e das considerações teóricas até aqui exibidas, alcançam-se alguns
pontos de fragilidade no trabalho dos/as assistentes sociais na Educação no trato com os ensejos da
12 A exemplo, em 2019, o ex-presidente Bolsonaro, se posicionou publicamente, orientando que os pais rasgassem páginas
da “Caderneta de Saúde da Adolescente”, material desenvolvido pelo Ministério da Saúde para meninas de 10 a 19 anos. In:
Ferreira e Grandelle (2019).
69
gravidez na adolescência perante as reais potencialidades de atuação da profissão, como por exemplo:
na ausência de reflexão para o trabalho da temática junto às turmas de sexto e sétimo anos de forma
pedagógica, coletiva e pertinente à faixa-etária — já que a gravidez na adolescência engloba também
meninas a partir dos 10 anos de idade — e no débito na elaboração de estudos sociais para abordagens
mais personalizadas conforme o perfil de cada comunidade escolar, — sobretudo perante a possibilidade
de construção de indicadores sobre a gravidez na adolescência na educação pública do município, para
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
embasar reflexões sobre políticas públicas e o desenvolvimento de ações integrais. Nessa perspectiva,
como finalidade de registro do desenvolvimento profissional na política de educação municipal de
São Miguel dos Campos/AL neste Terceiro Seminário Internacional de Serviço Social na Educação,
revelam-se algumas necessidades e projeções de avanço profissional, numa perspectiva progressista
e democrática, no subitem a seguir.
70
1.442/2016, que institui o Fórum Intersetorial da Educação, no intuito de corroborar com a articulação
de ações junto a diversos setores da sociedade civil e do poder público16 na viabilização de serviços da
Rede em sua integralidade, com vista na garantia de maiores níveis de eficácia e qualidade de vida aos
estudantes miguelenses. Alinhado a essa construção, o ano de 2023 marca, através da contratação e
o reordenamento de assistentes sociais nas estruturas da política de educação, novos passos para o
fortalecimento do trabalho em Rede.
É possível afirmar que as ações políticas transversais no diálogo entre saúde, educação, cultura
e assistência social convergem com o entendimento de educação, na perspectiva abordada pelo
Conselho Federal de Serviço Social (CFESS, 2014), como um complexo constitutivo da vida social que
se realiza para além do espaço escolar, onde, além de possuir alta relevância enquanto coopera para a
reprodução do ser social17, também
Integra, junto com outras dimensões da vida social, o conjunto de práticas sociais necessárias à continuidade de
um modo de ser, às formas de sociabilidade que particularizam uma determinada sociedade, [...] [onde, sua função
social] é marcada pelas contradições, pelos projetos e pelas lutas societárias e não se esgota nas instituições
educacionais, embora tenha nelas um espaço privilegiado de objetivação (CFESS, 2014, p. 16).
Em vista disso, no segundo semestre de 2023, o Gabinete da SEMED conferiu à equipe de assistentes
71
espaço, aludindo à atual conjuntura do Serviço Social na educação quando, no exercício do cargo de
Secretário da Educação do Município de São Paulo, disse:
Numa perspectiva realmente progressista, democrática e não-autoritária, não se muda a “cara” da escola por
portaria. Não se decreta que, de hoje em diante, a escola será competente, séria e alegre. Não se democratiza a
escola autoritariamente. A Administração precisa testemunhar ao corpo docente que o respeita, que não teme
revelar seus limites a ele, corpo docente. A Administração precisa deixar claro que pode errar. Só não pode é
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Dessa forma — com respeito, compromisso e estratégia —, espera-se a efetivação da Lei nº 13.935,
de 2019. Em suma, para além do “conserto” das fissuras da prática da dimensão socioeducativa, situa-
se a necessidade antecedente de ter arquitetadas as vias racionais e estruturais de trabalho19, a partir
de uma reflexão prévia dos reais potenciais deste, considerando ainda o cenário substancial das
fragilidades englobadas nos os limites do próprio Estado.
Contudo, a disposição das forças políticas executivas combinadas às potencialidades de contribuição
reflexiva de profissionais do Serviço Social — que optam por auferir postura crítico-investigativa
—, confere à profissão em suas contribuições, margem para a criação de mecanismos estatais de
fortalecimento da democracia, da intersetorialidade na rede pública, da informação, garantia de
direitos e da cidadania. Guerra (2016) nos diz que
[...] estamos aptos a desenvolver novas competências no âmbito do mercado de trabalho, ocupando novos
e tradicionais espaços profissionais no interior do Estado [...] questionando critérios de elegibilidade que
são focalistas, que tratam direitos como privilégios, ampliando o quanto possível estes critérios, visando a
universalização, qualificando e ou redirecionando os programas focais para o atendimento de demandas dos
usuários, democratizando o acesso pela via da informação, sendo esta, a meu ver, um dos maiores instrumentos do qual
o assistente social dispõe para fortalecer sujeitos coletivos, pesquisando e conhecendo os sujeitos que demandam as ações
profissionais, seus modos de vida e formas de resistência, estabelecendo alianças pragmáticas com eles, conquistando
legitimidade por parte dos sujeitos que se utilizam dos serviços que executamos e/ou planejamos, estabelecendo
compromisso com as denúncias e efetivando o trabalho de organização popular (p. 22, grifos nossos).
Portanto, pensar ações socioeducativas que comunguem com o projeto profissional crítico em
intencionalidade requer dos/as profissionais “[...] tomarem consciência dos fundamentos (objetivos
e subjetivos) sobre os quais a prática profissional se desenvolve” (Guerra, 2016, p. 3). Para tanto, é
imprescindível que estes partam de uma análise histórico-crítica da sociedade capitalista, determinada
nas contradições entre capital e trabalho, com vista no alargamento, sobretudo às populações mais
pauperizadas, da cidadania — ainda que uma cidadania burguesa —, do acesso e dos direitos previstos
na Constituição Federal de 1988, ao posicionarem-se incessantemente em favor dos interesses da
classe trabalhadora.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme o exposto, verifica-se a importância do Serviço Social, não somente em sua inserção
na política pública de educação, mas também na atuação dentro das unidades escolares. No que diz
respeito à abordagem socioeducativa no trato da gravidez na adolescência, corrobora-se a importância
do diálogo entre uma equipe multiprofissional, podendo o/a assistente social participar como sujeito
mobilizador dos setores político-estatais e estudantil20. Quanto à abordagem específica do Serviço
Social, houve como possibilidade de interação o enfoque nos impactos e indicadores da gravidez na
19 Que por sua vez, tem potencial para fundamentar ações como a coordenação de pesquisas socioeconômicas nas
comunidades escolares, bem como para projetar, por exemplo, parcerias de estágio e extensão com a Universidade Federal
de Alagoas (UFAL) — dentre outras tantas possibilidades de contribuição, que portam elementos para subsidiar avanços
estratégicos frente às ações socioeducativas com o público escolar.
20 Vale destacar, conforme a lei nº 13.935/19 que “As equipes multiprofissionais deverão desenvolver ações para a melhoria
da qualidade do processo de ensino-aprendizagem, com a participação da comunidade escolar, atuando na mediação das
relações sociais e institucionais.”
72
adolescência, em orientação e apresentação dos serviços e recursos ofertados pelo SUS, na perspectiva
dos direitos das gestantes e em licença maternidade, ademais, no diálogo sobre violência sexual e
canais de denúncia.
Assim, é possível compreender que o trabalho do/a assistente social na educação se dá não só na
requisição por encaminhamentos e denúncias, mas na necessidade de promover orientações de caráter
social, coletivo ou individual, a usuários/as e familiares, além de outros/as profissionais envolvidos/as
no processo educacional.
O interesse de revisitar, de modo teórico-analítico, a experiência que contemplou a campanha
da Semana de Gravidez na Adolescência, viabilizou a reflexão crítica da imediaticidade irreflexiva
do cotidiano, partindo da exposição das fissuras da ação socioeducativa experienciada. Como
consequência, constatou-se como um fator determinante, a ausência de uma estrutura racional do
trabalho. Somada a essa análise, refletir sobre o cenário político da educação municipal a partir do
Serviço Social deu margem para o vislumbre de novos horizontes de trabalho dentro da política de
educação, como a provocação para a criação de projetos de pesquisas que objetivem coletar dados das
escolas públicas municipais sobre a gravidez na adolescência.
A importância dessas investigações oportuniza ao/a profissional visualizar projeções políticas,
REFERÊNCIAS
ABREU, Marina Maciel. Serviço Social e a organização da cultura: perfis pedagógicos da prática profissional.
São Paulo: Cortez, 2008.
BEZERRA, Jamylle. Casos de gravidez na infância e adolescência têm queda em Alagoas. Gazeta de Alagoas,
fev. 2023. Disponível em: https://d.gazetadealagoas.com.br/cidades/398094/casos-de-gravidez-na-infancia-e-
adolescencia-tem-queda-em-alagoas. Acesso em: 30 jul. 2023.
BRASIL. Ministério da Saúde. Falta de acesso à serviços de saúde e desinformação são fatores de risco para a
gravidez não intencional na adolescência. Gov.br, 2023b. Disponível em: https://aps.saude.gov.br/noticia/20497.
Acesso em: 30 jul. 2023.
BRASIL. Ministério da Saúde. Gravidez na adolescência: saiba os riscos para mães e bebês e os métodos
contraceptivos disponíveis no SUS. Gov.br, 2023a Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/
noticias/2023/fevereiro/gravidez-na-adolescencia-saiba-os-riscos-para-maes-e-bebes-e-os-metodos-
contraceptivos-disponiveis-no-sus. Acesso em: 30 jul. 2023.
BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Casos de gravidez na adolescência diminuíram, em
média, 18% desde 2019. Gov.br, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2022/
fevereiro/casos-de-gravidez-na-adolescencia-diminuiram-em-media-18-desde-2019. Acesso em: 30 jul. 2023.
73
BRASIL. Presidência da República. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF, 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/l8069.htm. Acesso em: 12 jul. de 2023.
CENTRO DE REFERÊNCIA EM EDUCAÇÃO INTEGRAL. São Miguel dos Campos (AL) implementa educação
integral com perspectiva intersetorial. EducaçãoIntegral.org, 2017. Disponível em: https://educacaointegral.org.
br/experiencias/sao-miguel-dos-campos-al-implementa-educacao-integral-com-perspectiva-intersetorial/.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
74
NADA SOBRE NÓS SEM NÓS:
O Trabalho Socioeducativo na Mobilização da Criação do Fórum de Usuários da
Política de Assistência Social na Cidade de Franca/Sp
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo descrever a articulação realizada para a criação do Fórum
de usuários da Política de Assistência Social no município de Franca. A articulação realizada se deu através
dos grupos de pessoas atendidas pelos CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), pelos integrantes
do PETSS (Programa de Educação Tutorial em Serviço Social) e dos trabalhadores do SUAS (Sistema Único
de Assistência Social). Esse processo aconteceu durante as atividades da pré conferência e na Conferência
Municipal de Assistência Social no ano de 2023. Para alcançar este intento, partiu-se de uma mobilização entre
esses grupos perpassando pela participação social dos usuários na política da assistência social e dentro disso
discutimos as seguintes temáticas; “O SUAS que temos e o SUAS que queremos”; controle social, contribuições
do Serviço Social e trabalhadores do SUAS. Nesse sentido, o Fórum dos usuários em Franca-SP foi consolidado
na Conferência Municipal da Assistência Social.
ABSTRACT: This article aims to write the articulation of the creation of the user forum by the group of people
assisted by the assistance policy, PETSS (Program of Tutorial Education in Social Service) with the workers
of SUAS (SINGLE SYSTEM OF SOCIAL ASSISTANCE), this process was carried out in the pre-conferences
and in the Municipal Social Assistance Conference in the year 2023 in the city of Franca, in the interior of the
state of São Paulo. In order to achieve this intention, we started with a mobilization between these groups,
passing through the social participation of users in the social assistance policy and within that we discussed
the following themes; “The SUAS we have and the SUAS we want”; social control, Social Service contributions
and SUAS workers. In this sense, the users’ Forum in Franca-SP was consolidated in the Municipal Social
Assistance Conference.
Keywords: Assistance Policy Users, Social Participation, User Forum
INTRODUÇÃO
As reflexões presente neste artigo são “relato de experiência” acerca do processo de participação
do PETSS no âmbito do trabalho socioeducativo nas pré conferências para a Conferência Municipal
de Assistência Social no município de Franca/SP e as ações de mobilização para a tentativa de
consolidação do Fórum dos Usuários do SUAS neste município. Para tanto, para a construção deste
“relato de experiência”, foram realizadas pesquisas bibliográficas, documental e pesquisa participante.
As análises dos dados coletados foram pautadas através do método materialismo histórico-dialético e
suas categorias constitutivas.
É importante compreender a perspectiva histórica no que se refere à proteção social e ao mesmo
tempo da identidade atribuída ao Serviço Social. A proteção social foi sendo gestada à medida que
haviam manifestações dos trabalhadores por melhores condições de vida. Na prática, não havia espaço
para reflexão e crítica, porque colocava em risco o equilíbrio da ordem. Dessa forma, baseavam-se em
medidas caritativas que resultavam em dependência às práticas clientelistas e em nada colaboraram
para a superação das expressões da questão social. Voltava-se a uma prática humanitária articulada
a um projeto burguês, como estratégia de controle social para influenciar o comportamento humano
no âmbito da manutenção da hegemonia dominante. Utilizam de uma legislação insuficiente que
1 Discente do curso de Serviço Social, na Faculdade de Ciências Humas e Sociais- UNESP; geovanna.ellen@unesp.br.
2 Discente do curso de Serviço Social, na Faculdade de Ciências Humas e Sociais- UNESP; helena.vitoria@unesp.br
3 Discente do curso de Serviço Social, na Faculdade de Ciências Humas e Sociais- UNESP;
75
demarcava a assistência à população como uma forma de controlar a pobreza e ratificar a sujeição e
submissão dos trabalhadores.
Da gênese da Política Social no Brasil até a década de 1980 houve mudanças significativas, com
o Brasil vivenciando o enfervecimento de diversos segmentos dos movimentos sociais. Destaca-se
que o Brasil entre 1964 e 1985 vivenciou o cenário de opressão, aliado ao cenário de desigualdades
sociais, vivenciados por um momento histórico de ditadura militar, onde houveram diversas violações
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
de direitos sociais e com forte repressão por meio militar, sobretudo contra a classe trabalhadora. Este
momento histórico, reflexo de opressão, violência e desmonte de ações democráticas e sociais, causou
a comossão de diversas organizações sociais para redemocratização e garantia de direitos de diversos
segmentos sociais.
Na segunda metade da década de 1980, com o fim da ditadura militar, o Estado sofre pressão para a
adoção de um novo modelo de práticas políticas e comprometimento com a população como sujeitos
de direitos. Nas palavras de Santana, Serrano e Pereira (2013, p.2) “o Brasil atravessou os anos 80 com a
força expressiva dos movimentos sociais, buscando um reordenamento do Estado nas políticas sociais
que correspondesse às necessidades da sociedade”. Posteriormente, a partir de 1990 fundamenta-se
no Brasil o Capitalismo Contemporâneo, com a consolidação da hegemonia neoliberal, em que há o
“Estado mínimo para as questões sociais e garantia de direitos e um Estado máximo para o Capital,
nessa conjuntura, materializam-se estratégias de desmobilização, despolitização, individualização e a
desvinculação da teoria com a prática, tendo em vista a manutenção da ordem dominante e da classe
que a representa.
A seguir será realizado uma reflexão acerca da mobilização para a construção e efetivação do Fórum
dos Usuários da Política de Assistência Social no município de Franca/SP, como modo de se concretizar
a participação popular do público atendido por esta política. Logo, vislumbra-se uma perspectiva de
ampliação da cobertura de efetividade da ação da população perante a política de assistência social, tendo
em vista a ideia da universalidade do acesso a direitos sociais legalmente definidos, fundamentando-se
na socialização da política através da instituição dos espaços de controle social.
Importante destacar que para o Serviço Social esta ação é coerente com o projeto ético-política
da profissão , na perspectiva de fortalecer, junto aos/às usuários/as, a noção de direito social, e a
necessidade da ação coletiva da mobilização e da organização, para a defesa e a garantia dos mesmos,
em direção às noções de democracia e de protagonismo popular.
A concepção de direitos na sociedade ocidental teve início com a declaração de direitos humanos em
meados do século XVIII. São esses, direitos universais garantido a todo e qualquer cidadão. Segundo
a Organização das Nações Unidas (ONU), os direitos humanos são “garantias jurídicas universais que
protegem indivíduos e grupos contra ações ou omissões dos governos que atentem contra a dignidade
humana”. São exemplos de direitos humanos o direito à vida, direito à integridade física, direito à
dignidade, entre outros. O contexto da declaração de direitos humanos se dá em função de momentos
históricos que marcaram a sociedade de maneira política, econômica e social e reverberam até os dias
atuais. Neste momento de início do surgimento da concepção de direitos sociais acontecia a transição
do capitalismo monopolista industrial para o capitalismo monopolista financeiro quando já ecoava os
ideais do liberalismo clássico, cuja principal ideologia é a defesa do estado mínimo para o social.
A primeira geração de direitos humanos aconteceu no final do século XVIII, no momento em
que aconteceu a independência dos Estados Unidos em 1787 e a Revolução Francesa, em 1789.
Seu marco histórico é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Essa geração tem como
elemento principal a ideia clássica de liberdade individual, concentrada nos direitos civis e políticos.
76
Esses direitos só poderiam ser conquistados mediante a abstenção do controle do Estado, já que sua
atuação interfere na liberdade do indivíduo. A segunda geração dos direitos humanos surge após a
Primeira Guerra Mundial, quando começa a se fortalecer a concepção de Estado de Bem-Estar Social.
Com o processo de industrialização e exploração do capital pelo trabalho, houve então o surgimento
da questão social e suas diversas expressões retratando a desigualdade do sistema capitalista, com a
manifestações das expressões da questão social a classe trabalhadora começa a se posicionar e lutar
exigindo direitos básicos, então para amenizar a tensão do momento surge a necessidade do Estado
em garantir direitos, trazendo o princípio de igualdade alimentada pelo liberalismo clássico que impõe
a ideia de que há oportunidades iguais a todos os cidadãos, através de políticas públicas como acesso
básico à saúde, educação, habitação, trabalho, lazer, entre outros.
A partir dos anos 1960, surge a terceira geração de direitos humanos, norteada pelo ideal de
fraternidade ou solidariedade. A principal preocupação passa a ser com os direitos difusos e com
os direitos coletivos. Essas três gerações determinam então que o direito de todos os cidadão
deve ser garantido a partir dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, essas concepções são
fundamentadas pelo liberalismo, que dá sustentação aos valores cultuados pelo capitalismo, e que
beneficia historicamente as classes burguesas, pois é uma ideologia que conserva o ideal da não-
77
predominantes, a natureza e o propósito do trabalho social têm sofrido transformações significativas,
em detrimento das populações mais vulneráveis e dos próprios profissionais que atuam nesse campo.
Nessa direção, a hegemonia neoliberal no âmbito do capitalismo atual, enfatiza as “falsas” autonomia
e liberdade do indivíduo sob o discurso da meritocracia, nessa direção, com ações estratégicas de
despolitização dos sujeitos e a culpabilização dos mesmos, na lógica, portanto, da fragmentação que
enfraquece as lutas e conquistas coletivas.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Resultante das fortes mobilizações dos movimentos sociais revogando por condições dignas de
vida e a redemocratização do país, foi aprovada a Carta Constitucional do país, a Constituição Federal
(CF) de 1988, baseada nos seguintes fundamentos: I – A soberania; II – A cidadania; III – a dignidade
da pessoa humana; IV – Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – O pluralismo político
(Brasil, CF, 1988). Descritos no terceiro artigo da Carta Magna, os objetivos fundamentais se resumem
na construção de uma sociedade livre, justa e solidária; que assegure o desenvolvimento nacional
e erradique a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais regionais, de modo a
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação (Brasil, CF, 1988).
Integrando o “Título VIII – Da Ordem Social”, da Constituição Federal de 1988 que tem como base o
bem-estar e a justiça social, em seu art. 193 em seu parágrafo único determina que: “O Estado exercerá
a função de planejamento das políticas sociais, assegurada, na forma da lei, a participação da sociedade
nos processos de formulação, de monitoramento, de controle e de avaliação dessas políticas.” (Brasil, C.F,
1988). Dessa forma, enfatiza-se a participação popular da população na formulação, monitoramento,
controle e avaliação das políticas públicas, de forma legítima e garantida por lei, que se constitui por
meio de Fóruns, Câmaras, Conselhos e Conferências. Constituindo-se de suma importância, sobretudo
vindo de um período de pós regime militar, onde não existia a participação popular nas políticas
públicas, mas sim, havia todas as formas de repressão às pessoas que se organizavam politicamente.
Concomitantemente, em seu art. 194. implanta o sistema de seguridade social: “A seguridade
social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade,
destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.” (Brasil,
C.F, 1988). No âmbito da Assistência Social, enquanto seguridade social e política pública vinculada
à cidadania, descrita nos artigos 203 e 204 da Carta Magna/1988, tem como meta minimizar
vulnerabilidades e riscos sociais, diminuir a desigualdade de renda e combater a extrema pobreza no
país, além de garantir o acesso à rede de proteção “à família, à maternidade, à infância, à adolescência e
à velhice” (Brasil, CF, 1988); consoante à proteção social, prescreve políticas e ações de transferências
de renda, programas, serviços, projetos, e benefícios socioassistenciais ações continuadas de cunho
socioeducativo, para superação das violações de direito sofridas pela população atendida.
É importante situar o cenário brasileiro posterio à promulgação da Constituição Federal. O Brasil
se encontrava na conjutura de eleições presidenciais em 1989, onde estava concorrendo o liberal
Fernando Collor de Mello (PRN, atual Agir), o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Collor é eleito
através de uma plataforma neoliberal, com uma política de Estado mínimo para políticas sociais e forte
para a elite brasileira. Portanto, mesmo com uma onda neoliberal se inserindo no contexto brasileiro,
era preciso também definir medidas de políticas sociais e legislação trabalhista que pudessem constituir
instrumentos bloqueadores do avanço do movimento proletário, para “apaziguar” os trabalhadores.
Apesar dos avanços políticos, civis e sociais inscritos na Constituição Federal de 1988, foi somente
no ano de 1993 que a legislação que dispõe sobre a organização e gestão da política de assistência
social foi aprovada, mais precisamente em 7 de dezembro. Trata-se da Lei n° 8.742/93 denominada
78
como a “Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS)”, no qual legitima a política pública bem como a
participação da população frente a organização da política de assistência social, por meio do art. 5º
da LOAS estabelecendo a organização da assistência social tendo como base as seguintes diretrizes:
“II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas
e no controle das ações em todos os níveis” (Brasil, LOAS, 1993). Esta regulamentação torna legítima a
participação popular na área da assistência social, de forma que a população atendida possa ter espaço
para reivindicar seus direitos e lutar pela melhoria das condições de serviços prestados, de forma a
lhes garantirem os direitos estabelecidos nesta lei, de modo efetivo.
No ano de 2004 acontece a aprovação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), que
determina que “O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) é um sistema público que organiza, de
forma descentralizada e participativa, os serviços socioassistenciais no Brasil.” No que diz respeito ao
Sistema Único de Assistência Social (SUAS), a PNAS/2004 retrata que este “materializa o conteúdo
da LOAS, cumprindo no tempo histórico dessa política as exigências para a realização dos objetivos e
resultados esperados que devem consagrar direitos de cidadania e inclusão social” (Brasil, 2004, p. 39).
Nesse sentido, em todo campo legislativo é referenciado respectivo ao SUAS se constituir enquanto
um sistema de campo legítimo para a ação participativa da população nas constituições e controle da
79
usuários e usuárias para a defesa e a garantia de seus direitos; e, VI – comissões ou associações comunitárias ou
de moradores organizadas em base territorial, que tenham o intuito de promover esclarecimento, informação e
formação da comunidade no âmbito da Assistência Social, e que desenvolvem projetos comunitários relacionados
à política de assistência social; (Brasil,2015)
Em suma, o papel do assistente social deve-se voltar-se para que estas legislações sejam concretizadas
de modo efetivo, proporcionando espaços de construção coletiva e base para a população se organizar
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
enquanto um coletivo, fortalecendo o movimento da classe trabalhadora, tendo como base este
expresso arcabouço. Neste aspecto a luta é crucial tendo em vista que o Serviço social tem que trabalhar
fundamentado em uma perspectiva teórico-metodológica comprometida com os rumos da profissão
e a garantia para o fortalecimento das diretrizes definidas no projeto ético-político profissional e a
elaboração de estratégias que garantam a concretização de uma prática profissional voltadas para a
transformação social. Visto que, conforme a lei 8662/1993 no art. 4º Constituem competências do
Assistente Social: IX - prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às
políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade.
Centrando-se especificamente no município de Franca/SP, é importante aprofundar-se em que
cenário a assistência social se institui no município, com suas devidas particularidades e dimensões.
A trajetória da assistência social iniciou-se com as ações desenvolvidas pelas entidades sociais
filantrópicas a partir do ano de 1900, ganhando maior expressão a partir dos anos 1940, dirigidas
sobretudo por grupos ligados a diversas doutrinas religiosas. Assim, por décadas, a assistência social
transitou no campo da solidariedade e da filantropia, com a perpetuação do ideário de ausência do
Estado, repercutido pelo cenário vivenciado no período social brasileiro (Peres, 2015). Alguns anos
depois, a presença do Estado se torna visível na área da assistência social, como especifica Peres
(2015, p. 15):
A presença do Estado no campo da assistência social se deu a partir de 1947 com as ações coordenadas pela
Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA) e, em 1968, com a representação da Secretaria de Estado da
Família e Bem-Estar Social por meio da Equipe de Ação Social (EAS). Somente em 1973 o município criou o
Departamento de Promoção Social (Depros), que oferecia atendimento nas áreas de saúde, educação, cultura
e habitação.
Com o cenário efervescente de movimentos sociais e avanço nas políticas públicas, sobretudo
com a promulgação da Constituição Federal e a aprovação da LOAS, inicia-se um processo de
repensar algumas atuações profissionais, de modo que “os dez primeiros anos da LOAS, significaram
para o município de Franca um período de apropriação e estudos acerca dos referenciais teórico-
metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos da assistência social. O trabalho na área, embora
sob a orientação do direito e da cidadania, permaneceu segmentado” (Peres; et al, 2015, p. 15). O
referencial mais significativo neste período se constituiu com a criação do Conselho Municipal de
Assistência Social (CMAS), por meio da Lei Municipal no 4.799, em 1996, originando-se o controle
social no município de Franca. (Peres; et al, 2015, p.15)
Ademais, com a implementação da PNAS e as NOBS, o município de Franca foi se apropriando das
diretrizes e orientações do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), a partir de 2005, o município
inicia a reestruturação organizacional da Secretaria de Ação Social (SEDAS), criando as divisões técnicas
de Proteção Social Básica (PSB) e Proteção Social Especial (PSE); constituiu equipe de monitoramento
e avaliação; instalou as unidades do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e do Centro de
Referência Especializado de Assistência Social (CREAS); organizou a realização do Cadastro Único;
integrou os profissionais de psicologia nas equipes das unidades estatais; descentralizou os serviços
nos territórios; e definiu cofinanciamento por pisos. (Peres; et al, 2015, P.16)
No que se refere à participação popular no município de Franca, está se desenvolve no ritmo das
implantações das normas, diretrizes e orientações voltadas para a assistência social. A participação
social acontece por meio dos conselhos municipais e além do Conselho Municipal de Assistência Social
que está vinculado à assistência social existem outros conselhos de direitos como: Conselho Municipal
80
da Pessoa Idosa (COMUPI), Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA),
Conselho Municipal da Pessoa Com Deficiência (CMPCD), Conselho Municipal de Desenvolvimento
da Comunidade Negra (Comdecon), Conselho Municipal da Juventude (CMJ), Conselho Municipal
da Condição Feminina (CMCF), Conselho Municipal de Defesa dos Direitos Humanos (CMDDH) e
Conselho Tutelar. Com exceção do Conselho Tutelar, os demais têm prevista a participação popular de
usuários.( Peres; et al., 2015, p. 26)
Em suma, a objetivação da participação popular dentro das instâncias de controle social, permanece
como um desafio para a assistência social, que tem nesse aspecto uma de suas bases fundamentais
para a atuação profissional e para continuidade de uma perspectiva ético-política. Dessa forma, é
necessário o aprimoramento desses espaços, devido a falta de financiamento voltado para a política
de assistência social, baseados em uma lógica neoliberal de estado mínimo e terceirização. Ademais, é
preciso refletir que as pessoas atendidas dependem da possibilidade da descentralização das reuniões,
da possibilidade de transportes, de locais para ocorrer as reuniões, da flexibilização dos horários e de
uma linguagem acessível para a sua efetivação.
A categoria dos Assistentes Sociais firma no Código de Ética da profissão o compromisso ético com
a classe trabalhadora no enfrentamento das desigualdades sociais geradas pelo modo de produção
capitalista, que se baseia na exploração dos sujeitos, visando a obtenção de lucros, apropriando-se da
riqueza socialmente produzida. Assim, entende-se que os Assistentes sociais devem pautar as suas
ações:[...] “na direção de um projeto em defesa dos interesses da classe trabalhadora e que se articula
com outros sujeitos sociais na construção de uma sociedade anticapitalista.” (CFESS, 2011).
Para que se compreenda verdadeiramente as demandas e para que se efetive uma política de
seguridade social que contemple de fato a classe trabalhadora, faz-se necessário a participação
ativa dos usuários no planejamento das políticas públicas, podendo assim, ter impactos positivos na
luta pelo processo de transformação societária. No entanto, a classe dominante, detentora não só
dos meios de produção, mas também das ferramentas de controle e manipulação, ainda consegue
fazer com que os sujeitos não acessem os seus direitos de maneira ampla. Embora garantida por lei, a
proteção social não se aplica, na realidade, no caráter de superação da condição em que se encontram
os usuários na qual atende, mas sim no intuito de amenizar, momentaneamente, as expressões de
exaltação do grupo explorado.
Pensando nisso, e, ressaltando a importância da participação dos usuários na construção das
políticas públicas, o Assistente Social compromissado com os princípios ético-políticos da categoria
profissional, tem papel fundamental no sentido de informar os usuários a respeito da conjuntura
política, despertando o senso crítico destes, a fim de compreender os direitos que lhe pertencem, mas,
também, da importância da participação ativa da classe trabalhadora no controle, na construção e no
acompanhamento das políticas sociais, por meio da participação ativa nos processos constituintes.
A mobilização social e a organização, são regidas pela participação social dos usuários que são
atendidos pela política da assistência social, porém, para esse fator acontecer, é necessário garantir
os direitos destes. Pela promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social, foram determinados os
princípios da “participação da população, por meios de organizações representativas, na formulação
das políticas e no controle das ações em todas os níveis” (Brasil, 1993, art. 5o, item II).
Portanto, as pessoas que são atendidas nos espaços sócio-ocupacionais, têm o direito de serem
inseridas em um sistema de proteção social abrangente, que envolva não apenas a distribuição de
recursos financeiros, mas, também, a promoção de participação nos conselhos de direitos, na gestão
81
de políticas sociais e nos espaços de organização/mobilização popular. Também, têm o direito de
receber informações explícitas e acessíveis sobre os serviços disponíveis, os critérios de elegibilidade,
os procedimentos a seguir e quaisquer direitos e responsabilidades associados à participação nos
programas. Segundo a carta de princípios, o fórum tem por finalidade “[...] fomentar articulação
política, a mobilização, a formação, o empoderamento, monitoramento, o controle social e representar
o coletivo dos/as usuários/as nas instâncias de discussão, deliberação, pactuação, controle e gestão
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
82
em situações específicas. O processo reflexivo, tem como objetivo a formação da consciência crítica.
Esse objetivo somente se realiza à medida que são criadas as condições para que os usuários elaborem,
de forma consciente e crítica sua própria concepção de mundo. Ou seja, que se façam sujeitos do
processo de construção da sua história, da história dos serviços e das instituições e da história da sua
sociedade. Essas categorias são originárias do pensamento de Paulo Freire, das suas proposições sobre
o processo de conscientização enquanto base de uma educação para a liberdade. Nessa direção,
Faleiros (1981), em diálogo com Freire, vincula a conscientização à ação e afirma que o ponto de
partida teórico e prático para o movimento de conscientização é a própria realidade, a realidade
concreta histórica como um todo, e que se manifesta nas particularidades de cada situação.
[...] A conscientização não se produz num movimento de idéias, mas se enraíza nas situações concretas,
nas contradições, nas lutas cotidianas para superação dessas contradições. Assim, o diálogo não é um meio
de persuasão ou de orientação, uma estratégia de convencimento e manipulação, mas uma relação, uma
comunicação, um intercâmbio de mensagens a partir de situações específicas, de relações de poder e de uma
visão geral do processo social. (Faleiros, 1981, p. 99-100).
83
da política de assistência social foi alinhado com compromisso ético e político da profissão e que
compreende a importância de consolidar a intervenção profissional em ações críticas e reflexivas
sobre a estrutura da sociedade, ao contrário, as intervenções realizadas seriam de manutenção da
ordem burguesa o que destoa do projeto ético-político da categoria do serviço social. Haja vista que
compreender as vulnerabilidades sociais e relacionais para planejar um processo de intervenção é
necessário conhecer a realidade da população e do território de abrangência: “[...] apreender como os
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
sujeitos a vivenciam [...] desvendar as condições de vida dos indivíduos, grupos e coletividades [...] é um
requisito para que se possa decifrar as diversas formas de luta [...]” (Iamamoto, 2015, p. 76).
Contudo, cada grupo de estudante foi à uma região do município se aproximar das dinâmicas e da
realidade de cada território, as ações socioeducativas se modificaram de acordo com cada região,
aconteceu entre os dias 03 e 31 de maio e 14 de junho de 2023 com aproximadamente 2h de duração,
abarcando um público intergeracional e as atividades propostas envolveram discussões sobre tema
da Conferência da Assistência Social - “O SUAS que temos e o SUAS que queremos; a compreensão
sobre como é e como funciona a Assistência Social, bem como o CRAS, CREAS e demais equipamentos;
a escuta qualificada dos participantes sobre suas demandas coletivas; as realidades das pessoas
presentes; orientações e debate sobre os programas e benefícios que o governo disponibiliza; Discussão
sobre os “cinco eixos” que fazem parte da construção da Conferência: Financiamento; Controle Social;
Articulação entre segmentos; Serviços, programas e projetos; Benefícios e transferência de renda.
Portanto, é fundamental que seja planejadas ações interventivas garantindo a participação popular,
pois são as pessoas que usam a política de assistência que estão lidando diariamente com as mais
diversas e violentas expressões da questão social , visto que o nosso projeto ético-político pauta-se
em fundamentos para a construção de uma nova ordem societária, sociedade essa: democrática e sem
dominações de classe, gênero, e raça, a periferia deve ser ouvida. Com o suporte teórico-metodológico
e ético-político, os estudantes precisavam se planejar para executar a dimensão técnico-operativa.
Paralelo ao exercício da mediação e do conhecimento compartilhado no momento da capacitação
realizado para subsidiar as ações socioeducativas na mobilização, entende-se a importância de fazer
escolhas de referenciais e metodologias utilizados no processo da função pedagógica, estendendo o
conhecimento construído através da práxis.
Os estudantes participaram de 03 encontros em cada CRAS, o objetivo geral dos encontros foi o
compartilhamento de informações sobre a política de assistência social, o que já constituiu a política
e o que poderia melhorar, e nesse processo foi realizado a fomentação da importância da participação
popular nas políticas públicas e que essa participação pode ser realizado em espaços como o conselho
e a conferência, porém que poderia haver uma mobilização para a criação do fórum dos usuários,
e que esse seria mais um espaço de participação social, e durante esse processo havia um objetivo
geral porém cada grupo realizou escolhas de como conduzir as ações. No CRAS Oeste os estudantes
fomentaram a participação social e a mobilização para consolidação do fórum a partir de dinâmicas e
reflexões. No CRAS Sul, a partir de apresentações sobre a política de assistência e reflexões.
Na região leste foi feito através de acolhida, vídeos ilustrativos, dinâmicas e reflexões. No Centro
de Referência da região norte os estudantes utilizaram músicas, exposição de imagens, dinâmicas
e ilustrações e no CRAS Centro foi realizado a partir de exposições, músicas e diálogos horizontais.
Todas as atividades foram realizadas a partir do eixo de participação social, e portanto cada grupo de
estudantes realizou as ações socioeducativas de formas diferentes buscando compreender a realidade
de cada território e a dinâmica do grupo de participantes.
‘’O desafio é re-descobrir alternativas e possibilidades para o trabalho profissional no cenário atual; traçar
horizontes na formulação de propostas que façam frente à questão social e que sejam solidárias com o modo de
vida daqueles que a vivenciam, não só como vítimas, mas como sujeitos que lutam pela preservação e conquista
da sua vida, da sua humanidade (Iamamoto, 2015, p. 75).
84
Relacionando o pensamento de Iamamoto com o processo do trabalho sócio-educativo, é
importante evidenciar que es estudantes compartilharam certos receios no momento de planejar
os instrumentais, entendendo que para que o projeto de intervenção em determinada realidade seja
eficaz, é imprescindível a dissociação entre o teor teórico-metodológico, ético-político e técnico
operativo para traçar a mediação em um determinado contexto sócio-histórico. Martinelli (2009,
p.2) ressalta a necessidade do profissional realizar a interpretação da realidade a partir das relações
estrutura, conjuntura e cotidiano:
[...] instituem-se como formas de acesso às múltiplas determinações da realidade, pela mediação dos
contextos, acontecimentos, atores, forças sociais em presença, os quais podem ser alcançados pela análise de
conjuntura como um recurso metodológico para apreender dialeticamente o movimento do real e penetrar
em suas tramas constitutivas
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência que os estudantes do grupo PETSS obtiveram juntamente com os usuários da política
de assistência social e os profissionais, foi um enorme processo de aprendizagem, um momento em que
puderam aproximar a dimensão teórico-metodológica construído na universidade com o saber ético-
político e técnico-operativo nos equipamentos de política social, uma oportunidade de aproximar
do exercício profissional, entendendo importância da indissociação entre as três dimensões para o
planejamento de ações e atividades no trabalho.
Identificou-se que a instrumentalidade exige que exista essa articulação entre as dimensões mas que
também seja planejado instrumentais para a materialização das intervenções. A intervenção profissional
pode ser feita de inúmeras formas, porém com essa experiência, entendemos que para além dos
instrumentais é necessário o direcionamento ético-político à qual está se materializando as atividades.
A participação popular foi fundamental para promover de fato a construção de uma nova
ordem societária, conforme norteia o projeto ético-político de serviço social. Contudo, o trabalho
socioeducativo para a mobilização para a criação do fórum foi um processo árduo, durante todo o
processo houve barreiras institucionais e desmobilização por parte de profissionais da politica de
assistencia social, mas conforme foi refletido durante o relato de experiência, é importante sempre
fazer uma leitura crítica da realidade e uma análise de conjuntura sem fazer o descolamento entre a
totalidade e a singularidade, entendendo que vivemos em uma sociabilidade com ideologias neoliberais
que o tempo todo implementa o discurso da meritocracia e culpabilização do sujeito, em que o Estado
deve ser mínimo para o social, então sempre haverá a desmobilização quando o assunto se trata em
85
articulação política da classe trabalhadora e principalmente aquela que vive de forma violenta as
expressões da questão social, causada pela exploração do capital pelo trabalho.
Compreendemos que só articulando com a classe trabalhadora conseguiremos construir articulações
e força política para enfrentar as artimanhas da hegemonia neoliberal e promover de fato a garantia de
direitos e a participação popular a fim de construirmos uma nova ordem societária sem dominação de
gênero, raça/etnia e classe social.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
REFERÊNCIAS
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seguridadesocialposconstituicaofederal1988avancosedesafios para implementação da política.pdf. Acesso em:
20 nov. 2019.
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DESAFIOS DA DIMENSÃO EDUCATIVA DO SERVIÇO SOCIAL NA
PROTEÇÃO SOCIAL DE BASE À PESSOA IDOSA EM ANGOLA:
Uma Análise Necessária.
RESUMO: Este artigo tem como título “Desafios da Dimensão Educativa do Serviço Social na Proteção Social de
base à Pessoa Idosa em Angola: Uma análise necessária”, cuja reflexão gira em torno do materialismo histórico
dialético, com o objetivo de analisar a dimensão educativa do serviço social nos processos, dinâmicas e relações
da proteção social de base em Angola, num grupo social específico compostas por pessoas idosas. É uma pesquisa
bibliográfica e documental. Durante a interlocução teórica, enriquecida pelos dados documentais sobre a
proteção social no país referenciado, os resultados da pesquisa fazem perceber que Angola é um país capitalista,
pelas políticas sociais que visam enfrentar as refrações da questão social e que a pessoa idosa, estando numa
condição de trabalhador com precária força de trabalho para vender, maior parte é protegida por condições
básicas de vida que não devem elevá-los para uma qualidade de vida, mas sim, apenas para não perecerem. O
serviço social é a profissão canalizada neste processo para que pela sua dimensão educativa viabiliza processos
de emancipação que visão reproduzir esta ordem.
Palavras-chaves: dimensão educativa, serviço social, proteção social, pessoa idosa
INTRODUÇÃO
A proteção social e o Serviço Social, são produto do capitalismo na sua era monopólica (Pereira e
Santos, 2021). Por isso, pensar os seus fundamentos na pessoa idosa em Angola, requer apreender as
múltiplas determinações da sociedade capitalista, postulando sua universalidade fazendo dialogar com
a singularidade angolana e por esta interlocução, captar a particularidade da sociabilidade burguesa
em Angola.
Por isso, se torna nossa preocupação o artigo com o tema “Desafios da Dimensão Educativa do
Serviço Social na Proteção Social de base à Pessoa Idosa em Angola: Uma análise necessária”, para
que à luz do materialismo histórico-dialético se concretize o objetivo de analisar sinteticamente
o capitalismo angolano a partir das políticas que lhes dão forma e consequentemente, analisar os
desafios pelos quais os assistentes sociais atravessam para realizar a dimensão educativa da sua ação
e perceber o sentido desta ação.
Esta pesquisa é bibliográfica e documental, cuja finalidade foi de explorar as mais variadas teorias
e leis angolanas que fundamentam a proteção social às pessoas idosas, mas sempre se baseando na
análise crítica.
4 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social na Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita
Filho”. Possui graduação em Serviço Social pela Faculdade de Serviço Social da Universidade de Luanda - Angola (2022).
Participa como membro do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Envelhecimento Políticas Públicas e Sociedade (GEPEPPS)
do PPGSS/FCHS da UNESP.
87
Sabendo que, tanto a educação e como a proteção social são expressões da sociedade capitalista, já
que como política visam reproduzir a ordem vigente, não apresentam alternativas de pôr fim a mesma
sociedade? E se não apresentam alternativas, de que se valem as mesmas para a classe trabalhadora?
Será que a emancipação política é um fim em si mesmo para a classe trabalhadora, da qual as pessoas
idosas são parte? E o Serviço Social em Angola, o que tem a dizer? Que desafios os assistentes sociais
em Angola atravessam na sua prática profissional? São estas questões que norteiam o nosso debate.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Trazemos neste espaço este ponto para analisar o enquadramento da dimensão educativa do
Serviço Social na proteção social de base à pessoa idosa em Angola, porque tanto o Serviço Social
como a proteção social são filhos gêmeos gerados pelo modo de produção capitalista, que em Angola
penetrou pela via colonial (pela colonização portuguesa) e cristalizou-se na atualidade.
Tendo este raciocínio como base, é necessário questionar por que em Angola existem diferentes
níveis de proteção social? Achamos ser necessário porque pelo contrário nossa análise perde razão de
ser: afinal o trabalho, e cabe aqui dizer que o trabalho assalariado é o critério da proteção social (Behring
e Boschetti, 2009). Sendo assim, quando é que se instalou o trabalho assalariado e consequentemente
a proteção social aos trabalhadores?
A implantação e a aceleração do trabalho assalariado na década de 1960 e o início da década de 1970, que
impulsionaram a taxa de crescimento da economia, são acompanhadas pela industrialização da produção e criação
de vias de escoamento dos produtos(caminhos-de-ferro), processo que para o capitalista colonial vai significar
crescimento econômico e para o angolano autóctone significou intensificação da exploração do trabalho pelo
assalariamento com consequências negativas para ele (Monteiro, 2016, p. 93).
É com a instalação do trabalho assalariado que se flagra devidamente o modo de produção capitalista
em Angola, e com ele as primeiras formas de proteção social nas quais o serviço Social emerge em
1962 (Monteiro, 2016).
Na sociedade capitalista, onde o fundamental para a classe burguesa é a produção contínua de
riquezas, através do processo de exploração do trabalhador por meio da sua força de trabalho, nessa
sociedade, a pessoa idosa é vista como um empecilho, uma vez que não possui força de trabalho
suficiente para a manutenção do capital, por isso, é descartada por perder o seu valor de troca.
Para Netto e Braz (2012. p.124), a criação de valor opera-se no tempo de trabalho necessário; a valorização
opera-se no tempo de trabalho excedente. Assim, por falta de força de trabalho por causa das limitações físicas,
incapacidade psicológica geradas pelas desigualdades sociais, os trabalhadores perdem o seu valor de uso na
sociedade capitalista (Monteiro, 2016).
Sendo o trabalho a categoria fundante do ser social segundo (Lukács, 2018), no ser social capitalista,
sendo que é através do trabalho assalariado que o trabalhador é explorado, dominado através da
expropriação do produto do seu trabalho. Como afirma Paiva,
pela via da alienação do trabalho, o operário passou a trabalhar para o capitalista a quem entrega, na condição de
assalariado, o produto de seu trabalho que será apropriado pelo capital. Esse mecanismo de expropriação atinge
os objetos mais necessários à vida e ao trabalho, negando o trabalhador aos limites da fome. Assim, alienado do
seu produto o trabalhador está alienado de si mesmo (Paiva, 2012, pp. 97-98).
Assim, com o processo de envelhecimento, o trabalhador é visto como improdutivo, sendo que, já
não serve para os interesses do capital, uma vez que é visto como incapaz para a produção e reprodução
do sistema.
Ao envelhecer, o trabalhador perde valor para o capital, que não significa que deixa de ser explorado.
A pessoa idosa, pertencente à classe proletária, já não é mais enxergada como valioso, uma vez que
atingiu a idade delimitada para a produção ativa, é agora separado do sistema produtivo, pois já não
satisfaz as exigências do mercado, ficando assim à mercê do Estado.
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Deste modo, o envelhecimento desta classe será condicionado não apenas por fatores biológicos,
mas também por múltiplas determinações, quer sociais, económicos, psicológicos e políticos. Daí que
se pode afirmar que a forma como um indivíduo, pertencente à classe burguesa, vai envelhecer, será
completamente diferente daquele pertencente à classe trabalhadora, pois na sociedade de classe como
a atual [...] “faz-se necessário reconhecer que a existência humana não é dada pelo desejo individual
dos sujeitos, mas, sim, condicionada pela sua localização na sociedade de classe, se como comprador
ou vendedor de força de trabalho” (Farage, 2023, p.28).
Pelo que, a pessoa idosa pertencente à classe proletária terá uma velhice subalternizada, doentia e com
variadas limitações pois as condições materiais onde está (esteve) inserido condicionaram tal situação.
No processo de produção de ideologias, a teoria do envelhecimento na sociedade capitalista visa
reproduzir a ordem, através do positivismo e neopositivismo enraizados na mesma ordem. Segundo
Carvalho apud Texeira (2021),
a perspectiva francófona sobre as teorias do envelhecimento na Gerontologia, visando enfatizar os aspectos
o modelo biológico, cronológico e demográfico, onde demarca-se a incapacidade para continuidade laboral,
as transformações físicas, perda de papéis sociais, tendo o Estado o compromisso de proteger essas pessoas,
socializando os custos do envelhecimento de um segmento que participou da criação de riquezas dessa mesma
sociedade, com seu trabalho no vigor de suas forças físicas. Essa compreensão do envelhecimento que acentua os
Se tivermos que ter em conta a perspectiva ontológica desta realidade veremos que o envelhecimento
é síntese de múltiplas determinações, cuja intervenção do Estado deve realizar-se com a estratégia da
multissetorialidade. Por isso, é que, Teixeira (2021) como forma de criticar a visão anterior, fundada no
positivismo e suas ramificações, salienta que
Trata-se de análises generalistas e que abordam o envelhecimento de modo homogêneo, como se todos
envelhecessem da mesma forma e sob as mesmas condições. Ou seja, partem da noção de que a velhice
homogeneíza os problemas vividos (de saúde física, mental, de ausência de recursos, de laços familiares, dentre
outros), pois decorrem de uma base comum, os determinantes biológicos (Teixeira, 2021, p. 77).
Assim sendo, com essa visão positivista foi atrelado à velhice todos os problemas sociais decorrentes
da idade. Ao contrário da perspectiva de totalidade onde o envelhecimento é visto como um processo
heterogêneo, multidimensional, condicionado por múltiplas determinações, a perspectiva francófona
aborda o envelhecimento como um processo homogêneo, determinado somente por aspectos
biológicos ou cronológicos, intrínseco à idade. Essa perspectiva deixa evidente que basta envelhecer
para que o ser humano apresente vários problemas.
Com essa visão positivista e suas vertentes e as lutas da classe operária em Angola deram luz à
política de proteção social para a pessoa idosa e todos os normativos legais atrelados à este segmento
da população.
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condições que favorecem a exploração – uma vez que são ganhos advindos de intensos processos de
lutas internas que Angola e os angolanos viveram e vivem desde o tempo colonial até a atualidade.
Nesta ordem de ideias, Monteiro, (2020) salienta que,
Desde o momento em que as expressões da questão social e a luta da classe trabalhadora por melhores condições
de vida e de trabalho passaram a ser uma ameaça à ordem estabelecida, as manifestações da questão social se
tornaram alvo de intervenção estatal, mesmo que minimamente e de forma pontual, durante a fase concorrencial
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
do capitalismo. Porém o Estado só passou a intervir de forma mais sistemática na fase monopolista do capitalismo,
por meio das políticas sociais.
Apesar da proteção social ser um conjunto de direitos que beneficia diretamente o trabalhador,
ela foi projetada primeiramente pelo Estado colonial português (na sua fase monopolista), órgão
mediador entre as classes antagónicas, cujo fim último favorece sempre a classe burguesa hegemônica,
para garantir aos trabalhadores condições “mínimas” de trabalho, para continuarem a trabalhar sem
questionar, garantindo assim a acumulação de riquezas.
Logo, a proteção social em Angola surge como um conjunto de direitos projetados “criteriosamente”
para responder as expressões da questão social, garantindo desta forma, a continuidade e a
intensificação do processo de exploração de trabalho, por via de um precário trabalho assalariado e
serviços públicos básicos e com isso a manutenção de um capitalismo que quase se identificava com a
escravatura. Para Monteiro (2016, p. 92-93),
[…] a escravatura tinha sido legalmente abolida por não interessar mais para o capital imperialista colonial, uma
vez que cumprira o seu papel na acumulação que favoreceu a resolução industrial e se apresentava inadequada
ao novo estágio de desenvolvimento do capitalismo. Em um novo quadro político em que sopram os ventos de
liberdade e melhores condições de trabalho, o surgimento formal dos movimentos de libertação nacional e início
oficial das lutas armadas pela libertação nacional, o governo colonial português muda o modo de olhar Angola
(Monteiro, 2016, p. 92).
Esta liberdade que teve como fundamento a emergência do trabalho livre, num capitalismo já
implantado por via colonial, não tinha como não se basear no trabalho assalariado. Nesta senda,
segundo o autor,
para garantir a exploração capitalista colonial pelo trabalho assalariado face às diversas pressões internas e
externas tendentes à ampliação dos direitos da classe trabalhadora e a emancipação política dos angolanos, o
governo e o capital colonialista institucionalizaram o Serviço Social em Angola. E implementaram um conjunto
de mecanismos de aumento de produtividade e exploração que ao mesmo tempo também vão significar pequena
conquista de direitos dos trabalhadores angolanos (Monteiro 2016, p. 95).
Portanto, o Serviço Social em Angola surge, de um lado, da necessidade do governo colonial português
capitalista em continuar com a exploração dos angolanos através do trabalho assalariado e por outro,
da necessidade da Igreja Católica em manter a sua hegemonia no território. Por isso, para garantir a
continuidade dessa exploração, criaram um conjunto de “estímulos” sociais para o enfrentamento da
questão social, controlo das tensões existentes e intensificar a produção de mais valia.
Desta forma, assim como o Serviço Social, as primeiras conquistas de emancipação política dos
trabalhadores (direitos trabalhistas) em Angola surgem com o governo capitalista português, cujo
objetivo era manter a sua hegemonia sobre a classe dominada, fazendo perpetuar a acumulação de
riquezas por via da exploração do trabalhador pelo trabalho assalariado. Segundo Yazbek (2009),
[…] o serviço Social participa tanto do processo de reprodução dos interesses de preservação do capital, quanto
das respostas às necessidades de sobrevivência dos que vivem do trabalho. Não se trata de uma dicotomia, mas
do fato de que ele não pode eliminar essa polarização de seu trabalho, uma vez que as classes sociais e seus
interesses só existem em relação (Yazbek, 2009, p. 128).
Aproveita-se neste sentido salientar que concordamos com os autores que defendem o Serviço
Social na história, por tanto, uma profissão que se explica pelas suas múltiplas determinações, pelas
suas condições socio-históricas, e não uma profissão cujo ser dependeu de um falso evolucionismo da
caridade, ajuda e filantropia.
90
A constituição do mercado de trabalho para o assistente social pela via das políticas sociais – recorde-se que
aqui fazemos referência às políticas sociais do Estado burguês no capitalismo monopolista – é que abre a via para
compreender simultaneamente a continuidade e ruptura, antes aludidas, que assinalam a profissionalização do
Serviço Social. De uma parte recuperam-se formas já cristalizadas de manipulação dos vulnerabilizados pelas
sequelas da “questão social” […] de outra, com a sua reposição no patamar das políticas sociais, introduz-se-lhes
um sentido diferente: sua funcionalidade estratégica passa a dimanar dos mecanismos específicos da ordem
monopólica para a preservação e controle da força de trabalho (Netto 1996, p. 71).
A proteção social surge como alternativa do estado angolano, para responder face à desproteção
social dos proletários, causada pela agudizada desigualdade social das classes sociais antagónicas.
A lei orgânica de proteção social angolana surge da necessidade do Estado para responder às
manifestações da questão social, com destaque para o envelhecimento humano da classe trabalhadora
subalterna. Esta lei referencia 3 dispositivos ou níveis de proteção:
• Proteção Social de Base;
• Proteção Social Obrigatória;
• Proteção Social Complementar.
Por não ser nosso propósito neste espaço detalharmos os dispositivos todos, apenas, vamos analisar
a proteção social de base num grupo social específico que é de pessoas idosas.
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proteção social, daí o fundamento da classificação dos níveis de proteção. Temos na Lei de bases sobre
a Proteção social os seguintes fundamentos e objetivos
a) A solidariedade nacional que reflete características distributivas e é, essencialmente, financiada através
do imposto;
b)O bem-estar das pessoas se concretiza através da promoção social e do desenvolvimento regional, reduzindo,
progressivamente, as desigualdades sociais e as assimetrias regionais;
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Vale sublinhar que, a conceção desses direitos sociais pelo Estado burguês, não foram mero acaso,
são conquistas da classe trabalhadora (que em Angola começaram na era colonial, através da revolta/
lutas dos trabalhadores contra governo colonial português, burguês, e essas lutas se verificam até
à atualidade com o atual governo, que assumiu a liderança após a independência do país), com vista
a minimizar as desigualdades sociais, (e assim tornar o trabalhador mais pacífico) para permitir a
continuação da exploração deste.
Portanto, a política de proteção social com destaque à pessoa idosa, foram “projetas” pelo Estado
angolano burguês – claro que os limites impostos pelo capital, o que faz com que essas políticas
permitam somente a emancipação política dos trabalhadores – para a insuperação do capital, e
viabilizar a produção de riqueza para os “Senhores” detentores da propriedade privada e dos meios
de produção e nunca a emancipação humana, pois, para se alcançar esta última, teria que se mudar a
forma de sociabilidade, do trabalhado assalariado para trabalho associado.
Podemos afirmar que, as políticas de proteção social à pessoa idosa em Angola, com ênfase ao
nível da proteção social de base (assistência social), servem apenas para dar condições mínimas a
este segmento da população uma vez que, a forma de sociabilidade capitalista não lhes proporcionou
condições para trabalharem no regime salarial, assim, o acesso às essas políticas – cujo objetivo é criar
condições para não morrem – oportuniza a dominação desacerbada destes.
Segundo Tonet (2015, p. 2) […] por mais aperfeiçoados que sejas os direitos, civis, políticos e sociais
jamais poderão romper os limites postos pela hegemonia burguesa. Ou melhor,
[…] dada a dependência ontológica do Estado em relação à economia, as políticas sociais, por mais que possam
contribuir para a defesa dos interesses dos trabalhadores, sempre esbarrarão nos limites insuperáveis postos
pela reprodução do capital (Tonet, 2015, p. 2).
O Decreto Presidencial nº 180/12 de 15 de Agosto, traça a Política para a Pessoa Idosa como parte
do Dispositivo da política de proteção social de base.
O primeiro artigo desta política salienta que o seu objeto estabelece linhas orientadoras de
intervenção organizada, articulada e complementar do Executivo, organizações não governamentais,
associações e demais atores sociais, na proteção e assistência social à pessoa idosa (Angola, 2012).
Essas pessoas, segundo o Decreto, são cidadãos com mais de 60 anos de idade e que se encontrem em
situação de dependência física ou económica e de isolamento.
92
É notória a forma como o Estado assume esta política contando com o terceiro setor, ou seja, o
Estado Angolano não assume todas as responsabilidades de proteção às pessoas idosas, legalizando a
participação da sociedade civil neste processo. Sendo assim, o que seria uma política, torna-se práticas
de ajuda, caridade e filantropia por parte da sociedade civil, condição que torna real a fragilização da
dimensão política da questão social para a classe trabalhadora da qual fazem parte as pessoas idosas.
Como se realiza esta proteção?
Dar à pessoa idosa a oportunidade de satisfazer as suas necessidades básicas e beneficiar da assistência familiar
e comunitária, do acesso aos cuidados de saúde, educação, assistência social e jurídica, cultura, transporte e
informação e, aos equipamentos e serviços sociais existentes. (Angola, 2021, p. 3544).
São estas, as formas de proteção social às pessoas idosas que Estado angolano estabelece, realizando-
se em instituições diferenciadas nos quais os assistentes sociais realizam suas práticas profissionais.
É a partir daqui que se pode pensar os desafios das práticas educativas dos assistentes sociais no
acesso a estes serviços. Neste caso, o profissional deve ter capacidade de enxergar os fundamentos,
natureza e função social destas políticas para melhor realizar práticas pedagógicas que estimulam as
pessoas idosas a questionar os seus direitos e assim reivindicar sempre a sua condição de dependência
em relação ao Estado angolano. Por isso, é que na próxima sessão falar-se-á de forma sintética estes
Segundo Jacinto (2017), o Serviço Social, enquanto profissão, não teria existido se não existisse o
capitalismo, ou seja, foram reivindicações dos trabalhadores (expressão da agudizada desigualdade
social) que fizeram os capitalistas refazerem as suas estratégias para continuar com a exploração,
criando assim uma profissão que atendesse às expressões da questão social. Portanto, desde o seu
surgimento o Serviço Social já aparece com o objetivo de servir a classe dominante opressora.
A dimensão educativa está atrelada ao Serviço Social desde o seu surgimento, uma vez que, em todo o
processo de mediação, (no enfrentamento das expressões da questão social), do qual é parte constitutiva
das atribuições do Assistente Social, a dimensão educativa está presente em toda a sua intervenção.
Segundo Cardoso e Maciel (2000, p.144) apud Jacinto (2017, p. 89),
a função educativa dos/as assistentes sociais, contida em seu projeto ético-político profissional concretiza-se
fundamentalmente através do estabelecimento de novas relações pedagógicas entre o assistente social e os
usuários de seus serviços. Relações estas favorecedores de um processo de participação dos sujeitos envolvidos,
numa dupla dimensão: de conhecimento crítico sobre a realidade e recursos institucionais tendo em vista a
construção de estratégias coletivas em atendimento às necessidades e interesses das classes subalternas; e
de mobilização desses sujeitos, instrumentalização de suas lutas e manifestações coletivas na perspectiva do
fortalecimento e avanço da organização das referidas classes como classe hegemônica (Cardoso; Maciel,apud
Jacinto, 2017, p. 89).
Apesar da emancipação política dos trabalhadores (políticas públicas, “direitos sociais e trabalhista”),
ser um ganho para a classe trabalhadora, como afirmamos acima, ela também serve para permitir a
contínua exploração do trabalhador, através do trabalho assalariado. Assim, numa esfera contraditória,
da mesma forma que as políticas de proteção social surgem como conquistas da classe trabalhadora,
agem na vida da classe trabalhador – na medida em que favorecem condições dignas de trabalho –
porém, é também por meio das políticas públicas (que existem por meio do trabalho assalariado, com
o objetivo de minimizar as exacerbadas desigualdades sociais entre as classes antagônicas) que o
trabalhador é incansavelmente explorado/dominado.
Assim, em Angola as políticas públicas surgem com o Estado colonial português burguês, para
estancar o espírito de revolta dos trabalhadores, e atraí-los com vista a intensificar o processo de
93
exploração/dominação. Os trabalhadores já não dispunham das suas propriedades privadas, só
tendo a força de trabalho para trocar, com as políticas públicas “aliciantes” (e precisando de recursos
para saciar as suas necessidades básicas), não tinham outras opções a não ser “ceder” ao trabalho
“miseravelmente” assalariado. Por isso, se pode afirmar categoricamente que as políticas públicas
criadas pelo Estado capitalista têm consequências boas e ruins para os trabalhadores, na medida em
que estas também favorecem a dominação e a opressão.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
É importante lembrar que foram as lutas sociais que romperam o domínio privado nas relações entre o
capital e trabalho, extrapolando a questão social para a esfera pública. Os conflitos sociais passam a exigir a
interferência do Estado no reconhecimento e na legalização de direitos e deveres dos sujeitos sociais envolvidos,
consubstanciados nas políticas e serviços (Iamamoto 2015, p. 160).
O Assistente Social, enquanto intelectual orgânico – os intelectuais orgânicos atuam nos processos
de formação de uma consciência crítica, ou seja, estabelecem uma relação orgânica com a classe que
se identificam. (Gramsci apud Jacinto 2017, p. 87) – no âmbito das suas atribuições, pode favorecer
a classe opressora – criando condições para a reprodução das desigualdades sociais – ou a classe
oprimida – trabalhando na construção de consciência crítica revolucionária dos trabalhadores, e assim
criar condições para o alcance da emancipação humana – o que vai influenciar uma ou outra atitude
é a sua identificação/reconhecimento enquanto indivíduo social. Ainda que ele pertença à classe
trabalhadora subalterna, se ele não se identificar com essa realidade, na realização das suas tarefas,
estará a serviço reprodução do capital.
É firmada uma aliança entre o intelectual orgânico e a classe que representa, existe uma identidade de objetivos.
Se ele se identifica e se sensibiliza com o projeto da classe dominada, apoia, reflete em conjunto, orienta, informa,
estimula, facilita espaços, convive e vive as esperanças e iniciativas dos que buscam a superação da dominação
em quaisquer formas que se apresente (Jacinto 2017, p. 87).
Desta feita, a dimensão educativa do Serviço Social perpassa por construir (através do seu
trabalho) nos/com seus usuários uma consciência crítica; no entendimento da visão de mundo; no
reconhecimento pessoal como indivíduo pertente à classe trabalhadora, logo, explorado; na construção
de uma sociedade igualitária, onde não existem as lutas de classes, trabalho alienado e estranhado,
tampouco a opressão e a dominação.
O assistente social, no seu trabalho com os usuários de seus serviços, com destaque às pessoas idosas,
(ao garantir o acesso aos direitos sociais destas) esse trabalho passa a ser um espaço que otimiza a
construção de consciência crítica, uma vez que, ele utilizando o diálogo, reflete com essas pessoas sobre
o mundo contemporâneo, as mais variadas conceções, e sobretudo, sobre a consciência de classe – as
disparidades existentes entre elas – com ênfase na erradicação de todas as formas de desigualdades
sociais, com a superação da sociedade capitalista e surgimento do comunismo. Porém, isso só será
possível, como afirmamos acima, se ele “o profissional” se reconhecer como parte integrante da classe
trabalhadora, logo, também explorado e dominado pela classe burguesa hegemónica, o contrário é
utopia. Ou seja, vai trabalhar para proliferar as ideologias dominantes e não para a construção de uma
contra-ideologia (contra-hegemonia), que é o que se espera da classe trabalhadora.
Segundo Jacinto (2017), […] A dimensão socioeducativa é, portanto, fundante na identidade
do Serviço Social. O trabalho do/a assistente social situa-se predominantemente no campo
político-ideológico.
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Diante do exposto, pode surgir a seguinte inquietação: como pode, um indivíduo pertencente à
classe trabalhadora, logo, também explorado, trabalhar para proliferar a ideologia dominante? A
resposta podemos encontrar nos manuscritos de Jacinto (2017),
enquanto profissão, “o Serviço Social nasce já no dilema de servir ao poder dominante”, visto que, na divisão
sociotécnica do trabalho, é a profissão que deve ter a capacidade de responder às demandas advindas da questão
social, todavia, para amenizar conflitos, gerenciar a pobreza, criar estratégias de solução de problemas sociais a
partir da própria classe que mais sofre com os mesmos (Jacinto, 2017).
Portanto, podemos afirmar que a dimensão educativa faz parte do Serviço Social. No âmbito das
suas intervenções, o Assistente Social usa esse instrumento ou para contribuir para a emancipação dos
seus usuários emancipar os seus usuários, através da reflexão sobre a ideologia dominante – criticando
radicalmente o capitalismo, estimulando à luta para a ampliação dos direitos sociais – objetivando
a superação dessa forma de sociabilidade – ou para contribuir para o processo de alienação, como
afirma Jacinto (2017), contribuindo para a mobilização social dos usuários, quanto para a reprodução
das ideologias dominantes e continuidade das desigualdades sociais e das relações de subalternidade.
A função educativa dos(a) assistentes sociais, contida em seu projeto ético-político profissional,
segundo Cardoso e Maciel (2000, p. 144) apud Jacinto (2017):
São estas elucidações sobre a dimensão educativa do Serviço Social que nos vão ajudar a perceber
quais os desafios destes profissionais, na materialização desta prática, que é intrínseca à profissão.
A dimensão educativa como parte fundante da práxis do assistente social, visa contribuir para a
formação de modos de consciência que, se por um lado canalizam a ideologia vigente para a sua auto-
reprodução, também podem constituir-se possibilidades de resistência contra a mesma ordem, criando
protagonismo nas classes subalternizadas através de conquistas, ainda que mínimas, de determinados
níveis de emancipação política pelos direitos sociais, económicos, políticos e culturais, como o caso da
proteção social. As pessoas idosas a que nos referimos neste espaço, são parte da classe subalternizada.
Essa práxis, oportuniza a mudança de consciência, o raciocínio crítico sobre o mundo contemporâneo
e estimula os usuários à atitudes práticas e emergências com vista a conquista e ampliação dos direitos
sociais. Portanto, é um espaço privilegiado para discussões e reflexões críticas, de organização de
forças da classe oprimida.
Se na sessão anterior, falou-se sinteticamente do fundamento do Serviço Social e sua relação com
a política de proteção social, neste espaço, vamos refletir sobre os desafios da dimensão educativa
do Serviço Social na política de proteção social à pessoa idosa. Sendo assim, temos como elucidação a
noção segundo a qual,
Como todas as outras dimensões da atividade humana, também a educação deverá se adequar, predominantemente,
da sua maneira específica e com todas as mediações, ao fim determinado pela natureza da burguesia. Ela deverá
ser, e é, configurada para atender os interesses dessa classe. Não é difícil de entender que, sendo a burguesia a
classe dominante – econômica, política e ideologicamente – é também ela que exerce o papel dominante nesse
processo (Tonet, 2020, p. 14).
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O que fazer? Freire (1987) salienta que,
O que temos de fazer, na verdade, é propor ao povo através de certas contradições básicas, sua situação
existencial, concreta, presente, como problema que por sua vez, o desafia e, assim, lhe exige resposta, não só no
risível intelectual, mas no nível da ação (Freire, 1987).
Assim, os assistentes sociais, como partes da classe trabalhadora com consciência de classe
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
trabalhadora, devem realizar práticas educativas subservientes aos interesses do proletariado, ainda
que sua natureza seja contribuir na reprodução da sociabilidade burguesa.
Em Angola, os desafios da dimensão educativa pelos quais os assistentes sociais atravessam,
expressam-se sobretudo pelos equívocos que os profissionais têm tanto do capitalismo que rege
aquela sociedade, como da profissão em si que é vista fundamentalmente como uma profissão de ajuda
e não como trabalho.
Por exemplo, alguns assistentes sociais que fizeram parte de um estudo de Amor Monteiro (2016),
salientaram que o Serviço Social,
“É uma profissão virada para a sociedade, ou seja, é o fazer social (Assistente Social B7).”
“Serviço Social é um tipo de serviço com pendor institucional, político e histórico virado para assistência das necessidades
dos utentes independentemente dos problemas a que se propõe. (Assistente Social B9)”
“O Serviço Social é uma prática profissional que visa criar mecanismos para que a pessoa ou um grupo social crie bases
para o seu desenvolvimento pessoal. (Assistente Social B12)”
“O Serviço Social é uma profissão que tem a sua intervenção na questão social. Visa trabalhar os aspectos sociais que
dificultam o bem-estar do utente. (Assistente Social B14)”
“Para mim é uma profissão como qualquer outra, que sempre esteve ligado no desenvolvimento do ser humano,
capacitando-o para que por si mesmo consiga superar-se. (Assistente Social B16)”.
Com estes depoimentos cabe-nos analisar o que está por detrás das expressões destes assistentes
sociais, já que toda consciência é expressão das condições materiais de uma determinada sociedade,
e Angola, é parte da periferia capitalista, país do terceiro mundo, de onde é muito gritante a
decadência ideológica.
A qualidade de um profissional é síntese de múltiplas determinações, podemos aqui citar apenas
algumas como a qualidade da formação profissional, a exigência das instituições públicas, a qualidade
dos usuários e tantas outras. Se um profissional não entende de fato quais os fundamentos da profissão,
quais os seus objetivos, não tem como exercê-la de forma crítica.
Se a consciência sobre a profissão for destorcida, a dimensão educativa que lhe dá corpo será com
muita probabilidade aquela requerida pela ideologia vigente para reproduzir as desigualdades sociais.
A título de exemplo, um profissional, um assistente social que educa o usuário no sentido de que ele
deve ser a solução de todos os problemas, ou ele deve promover o seu desenvolvimento pessoal, é
expressão de um equívoco gritante sobre a questão social que é independente do indivíduo social.
Dá-se o caso de este indivíduo social ser uma pessoa idosa, precário pela sua posição de classe,
sem capacidade de lutar por si mesmo para promover o desenvolvimento pessoal. Para este caso, o
assistente social deve ter consciência de classe trabalhadora, de estar a favor desta classe, de possuir
cultura que visa desmistificar a questão social para que em suas práticas profissionais, a dimensão
educativa dialogue com a linha de Paulo Freire e António Gramsci, principalmente, no sentido de
promover a consciência crítica aos usuários a fim de estes exigirem do Estado a realização dos seus
direitos e articuladamente, criem ações com vista à superação desta forma de sociabilidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Espera-se que o leitor não se tenha esquecido das questões que nortearam o debate. Mas caso
aconteça, repetimos: Sabendo que tanto a educação e como a proteção social são expressões da
sociedade capitalista, já que como política visam reproduzir a ordem vigente, não apresentam
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alternativas de pôr fim a mesma sociedade? E se não apresentam alternativas, que de que se valem
as mesmas para a classe trabalhadora? Será que a emancipação política é um fim em si mesmo para
a classe trabalhadora, da qual as pessoas idosas são parte? E o Serviço Social em Angola, o que tem a
dizer? Que desafios os assistentes sociais em Angola atravessam na sua prática profissional?
Pelo debate ocorrido neste espaço, estamos seguros em confirmar que as políticas sociais, todas
elas, quais quer que sejam, em sua ontologia não visam pôr fim a sociedade burguesa, pelo contrário,
visam fazer a manutenção do “status quo”. Logo, a emancipação política não deve ser um fim em si
mesmo para a classe trabalhadora (referimo-nos da classe em que as pessoas idosas são parte). Mas
sim uma fase ou conquista histórica necessária para que se visualize a emancipação humana, para que
os trabalhadores neste estado de emancipação gozem da liberdade plena.
O Serviço Social, uma profissão também burguesa, atravessa muitos desafios em Angola, quer
porque, situa-se num mundo do trabalho assalariado que apenas se instalou no fim do século XX, e que
na atualidade ainda se assiste resquícios de trabalho escravo no mesmo país. Logo, estes profissionais
estão numa totalidade de consciência trabalhadora muito precária, com poucas capacidades de
reivindicar a ordem social, cujas manifestações se revelam, nos equívocos sobre a questão social, sobre
a própria profissão, enfim, uma certa consciência que precariza a prática profissional e a dimensão
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98
SERVIÇO SOCIAL E EDUCAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA:
Desafios Contemporâneos para a Promoção de Políticas
Públicas Educacionais no Contexto Neoliberal do Século XXI
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo central apresentar uma reflexão teórica sobre a relação
entre o Serviço Social e as repercussões dos ideários neoliberais na educação pública brasileira. Para cumprir
este objetivo, as discussões promovidas por este texto buscam delinear brevemente a inserção do Serviço
Social na educação brasileira; o trabalho do assistente social na sociedade capitalista e os principais desafios
contemporâneos para a efetivação de políticas públicas educacionais no contexto neoliberal do século XXI.
Os procedimentos metodológicos eleitos foram o desenvolvimento da pesquisa bibliográfica e documental
na apreensão de teorias e considerando o plano de propostas educacionais promovidas pelo governo do ex-
presidente Jair Messias Bolsonaro (2019-2022). Subsidiado pelo referencial crítico-dialético, a reflexão teórica
indica algumas contribuições sobre o tema proposto e possíveis orientações sociais e estratégicas para o
enfrentamento do conservadorismo, especificamente nas políticas educacionais públicas no cenário brasileiro.
ABSTRACT: The main objective of this article is to present a theoretical reflection on the relationship between
Social Work and the repercussions of neoliberal ideas on Brazilian public education. To fulfill this objective, the
discussions promoted by this text seek to briefly delineate the insertion of Social Work in Brazilian education; the
work of the social worker in capitalist society; and the main contemporary challenges for the implementation of
educational public policies in the neoliberal context of the 21st century. The chosen methodological procedures
were the development of bibliographical and documentary research in the apprehension of theories and
considering the plan of educational proposals promoted by the government of former president Jair Messias
Bolsonaro (2019-2022). Subsidized by the critical-dialectical framework, the theoretical reflection indicates
some contributions on the proposed theme and possible social and strategic guidelines for confronting
conservatism, specifically in public educational policies in the Brazilian scenario.
Keywords: Social service. Public education. Neoliberalism.
INTRODUÇÃO
Este estudo é produto das reflexões teóricas, com ênfase na “Educação e Serviço Social” empreendidas
pelos autores, especificamente por um deles, ao longo de sua trajetória acadêmica e no processo de
elaboração da dissertação de mestrado. O principal objetivo da pesquisa bibliográfica e documental
foi explorar e analisar aspectos relevantes relacionados à inserção do/a assistente social nas políticas
educacionais no contexto brasileiro, buscando uma compreensão analítica do panorama das políticas
educacionais no contexto neoliberal e suas principais repercussões no trabalho do/a assistente social.
A temática desta investigação se delineia, portanto, em função das mudanças morfológicas no âmbito
das políticas educacionais no Brasil, advindos principalmente das imposições ideológicas e de organismos
internacionais que promoveram prejuízos à classe trabalhadora, em especial, aos/às assistentes sociais
1 BacharelemServiçoSocialpelaUniversidadeEstadualPaulista“JúliodeMesquitaFilho”Faculdade deCiênciasHumanas
e Sociais - Campus de Franca/SP. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - Campus de Franca/SP. Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisas sobre Políticas Públicas na Infância e Adolescência (GEPPIA). E-mail: rafael.goncalves@unesp.br.
2 Assistente Social. Doutora em Serviço Social pela PUC/SP. Pós-doutorado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ). Docente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social - Universidade Estadual Paulista – UNESP Campus de
Franca/SP. Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq – nível 2. E-mail: elianacanteiro@terra.com.br. Linha de Pesquisa:
Estado, Políticas Sociais e Serviço Social.
3 Bacharel em Serviço Social e discente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS) da Universidade
Estadual Paulista – UNESP Campus de Franca/SP, sob a orientação da Prof.ª. Dr.ª Eliana Bolorino Canteiro Martins. E-mail:
yukari.yamauchi@unesp.br. Linha de Pesquisa: Estado, Políticas Sociais e Serviço Social.
99
(foco do presente estudo), mas que certamente trouxeram repercussões significativas no interior da
dinâmica escolar que afetaram o Estado de direito à educação tão arduamente conquistado pelos
movimentos sociais da educação e explicitado pela Constituição Federal de 1988.
É importante contextualizar, ainda que brevemente, sobre o cenário mundial da hegemonia
neoliberal como uma resposta às crises cíclicas que afetaram o sistema capitalista de reprodução,
sobretudo a partir dos anos de 1970. Diante dessas circunstâncias, ao preservar seu crescimento e
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
expansão, foram implementadas diversas medidas articuladas entre o Estado e o setor privado no
âmbito da reestruturação produtiva.
Tais crises recorrentes no sistema capitalista ao longo do século XX levaram a elite dominante ao
questionamento das políticas sociais vigentes pelo Estado de Bem-Estar Social (lembrando que o Brasil
foi embrionário) e da capacidade do Estado em garantir a proteção social para a população. Nesse
contexto, o neoliberalismo emergiu como uma corrente de pensamento que defende a diminuição
da intervenção estatal na economia e bem como a promoção de reformas liberais e de natureza
mercantilista para sustentar o que é denominado de “autorregulação do livre mercado”.
A partir da década de 1970, os governos de diversos países incorporaram em seus planos de governo
políticas neoliberais como forma de enfrentamento às instabilidades econômicas e a estagnação
do crescimento do mercado. Estas políticas, incluíram sobremaneira, a privatização de empresas
estatais, o aumento da exploração sobre a classe trabalhadora, a compressão de salários e seus
direitos trabalhistas, ocasionando também em seus resultados o enfraquecimento dos movimentos
sindicais, privatização e comercialização de patrimônios públicos, e ataques contra a educação pública,
sintonizada a onda neoconservadora que se alastrou pelo mundo e de forma peculiar nos países de
capitalismo periférico e dependente como o Brasil.
Os mecanismos de controle ideológico promovidos historicamente, por governos neoliberais,
elaboraram uma série de narrativas em torno desta gradativa retirada da responsabilidade estatal
perante as expressões da questão social. Nesse cenário, ao elencar a realidade brasileira na
contemporaneidade, é possível afirmar que tais estratégias foram presentes nos últimos governos
brasileiro, especificamente ao analisar o âmbito da política de educação.
Como forma de evidenciar o projeto educacional que remontam a ótica neoliberal e suas repercussões
no âmbito da educação pública brasileira, o estudo se propõe a discutir, brevemente, sobre a inserção
do/a assistente social no âmbito da política educacional no cenário brasileiro, e na sequência, o papel
do Estado especificamente no trato desta política social e as manifestações do conservadorismo,
elencando a interface com os impactos macroestruturais promovidos pelo ideário neoliberal no campo
da educação no recente governo de Jair Messias Bolsonaro (2019-2022).
Ademais, o texto também se propõe a contribuir para os estudos científicos sobre o trabalho
do/a assistente social no âmbito da educação, apresentando os possíveis desafios enfrentados pela
categoria profissional para assegurar a construção de projetos educacionais orientados na concepção
de educação pública, de qualidade e socialmente referenciada, contra hegemônica do projeto
educacional orientado pelo ideário ultra-neoliberal-conservador do governo em referência.
É possível afirmar que a relação entre serviço social e educação são acompanhados desde os
primórdios da profissão em decorrência da potencialidade política e interventiva desta profissão no
enfrentamento das diversas formas de manifestações da questão social (Almeida, 2007), certamente
de forma diferenciada de acordo com a evolução sócio-histórica da sociedade e da própria profissão.
100
Entretanto, com base nos estudos efetuados pelos autores Dentz; Silva (2015) os primeiros
registros documentados sobre a atuação do serviço social na educação ocorreram em meados de 1930,
contexto que denunciava os principais índices estatísticos desfavoráveis na educação4 e acirramento
da desigualdade social5 no Brasil.
Em resposta a este cenário e com o objetivo de impulsionar a industrialização brasileira, o governo
de Getúlio Vargas (1951-1954), Juscelino Kubitschek (1956-1961) e João Goulart (1961-1964)
elaboraram o projeto de desenvolvimentismo nacional e os/as assistentes sociais nesses períodos
históricos, foram requisitados para a execução das políticas sociais, dentre elas podemos incluir a
política de educação.
No espaço escolar, o referido projeto imbricava nas práticas interventivas do/a assistente social
na “preparação social dos indivíduos a fim de torná-los, segundo suas aptidões, cidadãos produtivos e
úteis ao capital” (Vieira, 1977, p. 178).
Percebe-se que as motivações do Estado brasileiro e sua relação com projeto educacional neste
contexto, já determinava a educação como instrumento para a formação técnica dos trabalhadores
com vistas a atender as requisições do mercado de trabalho e, concomitantemente efetivar o controle
da classe trabalhadora no atendimento de algumas das suas demandas, porém sintonizadas com os
Retomando a reflexão sobre o Serviço Social, no contexto histórico dos primórdios da profissão
e sua relação com a educação, destacamos que às bases conservadoras tradicionais que pautavam à
profissão (Iamamoto, 2015), as contribuições do/a assistente social no âmbito da política de educação
inicialmente eram funcionais ao ideário dominante, se organizaram tendo como referência o modelo
proveniente dos Estados Unidos da América traduzida no denominado: Serviço Social de caso, de
grupo e desenvolvimento da comunidade.
Modelo este formatado na intenção de ajustamento social e moralização da vida social imprimindo
nas expressões da questão social a configuração de “problemas sociais”, individualizados, fragmentados,
despidos de determinantes econômicos, sociais, culturais e históricos. Portanto, a atuação do/a
assistente social neste contexto educacional era destinada a resolução de problemas pontuais e
funcionais para a manutenção do status quo.
Contudo, após o Movimento de Reconceituação, ocorrido em meados dos anos de 1960/1970, que
promoveu a aproximação com a teoria social crítica marxiana e o diálogo da categoria profissional
articulado com os movimentos sociais, evidenciando as lutas das classes sociais, a formação e o exercício
profissional de assistentes sociais foram redimensionados por uma perspectiva crítica. Sem dúvida este
posicionamento foram elementos primordiais para balizar a leitura questionadora da “questão social”
e suas expressões em uma perspectiva crítico-dialética, bem como preconizar ações propositivas para
o seu enfrentamento. Nesse sentido, ao considerar o campo das políticas sociais e por consequência,
as políticas educacionais como lócus privilegiado da ação profissional (Almeida, 2007), as dimensões
4 “De acordo com o censo de 1940, a taxa de analfabetismo de pessoas de 15 anos ou mais era de 55,9%”. (Mantovani, 2012).
5 “Em 1940, apenas um terço da População Economicamente Ativa (PEA) era assalariado”. (Pochmann, 1998).
101
teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo do serviço social brasileiro admitem a
educação na perspectiva ampliada, ou seja, a educação que extrapola o espaço formal do ensino.
Assim, a concepção de educação que orienta atualmente o trabalho do/a assistente social na política
educacional está sintonizada na educação crítica, emancipatória, propositiva que visa a formação
integral para o desenvolvimento das potencialidades humanas.
Neste sentido, as entidades representativas da profissão (conjunto CFESS/CRESS/ABEPSS)
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
102
uma crise no ordenamento social, repercussões nos valores e nos projetos sociais, que, de acordo com
as concepções desenvolvidas por Netto (1999), em síntese os projetos sociais são:
[...] aqueles que apresentam uma imagem da sociedade que se quer se construir, que contam com determinados
valores para justificar sua construção e meios para concretizá-la. São projetos coletivos, onde suas propostas
estão voltadas para o conjunto da sociedade. Porém, há concorrência entre diferentes projetos societários e,
na realidade em que vivemos, os projetos societários que atendem aos interesses das classes trabalhadoras
e subalternas contam sempre com condições menos favoráveis diante dos projetos das classes possuidoras e
dominantes. (Netto, 1999, p.4).
privatização, da financeirização, dos modelos de gestão e de exploração do trabalho, expandindo as áreas e intensificando
as formas de acumulação capitalista.” (Andrade, 2019, p. 112).
7 “A crise econômica dos anos 80, a década perdida, foi objeto de inúmeros estudos de economistas. No caso brasileiro,
a aceleração da inflação e a centralidade política da discussão sobre planos de estabilização econômica deram o tom aos
primeiros governos civis posteriores ao regime autoritário, o de José Sarney (1985-1990) e o de Fernando Collor de Mello
(1990). A sucessão de planos econômicos frustrados condicionou o processo político em seu conjunto, lançando dúvidas e
temores com relação à própria consolidação das instituições democráticas.” (Brasilio; Kugelmas, 1991, p. 145).
103
Nesse sentido, as bases teóricas da profissão, apresentam uma constante dupla tendência: por um
lado, a possibilidade de reatualização do conservadorismo; e por outro, o potencial de avanço crítico na
intervenção profissional por meio de qualificação, formação e institucionalização gradual da profissão na
sociedade brasileira. O segundo, exige a consideração de uma atuação coerente com as demandas sociais
que são apresentadas, indissociáveis do seu compromisso ético-político com a classe trabalhadora.
Essa fragmentação e fragilização intencional, orientada pela lógica dominante, leva a uma interpretação
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
pessoal das demandas sociais que são apresentadas, causando para o/a assistente social, o constante
sentimento de fracasso e impotência justamente pelo distanciamento dos propósitos sociais da profissão
por meio do trabalho coletivo. Como resultado, ao estabelecer esta individualidade frente às demandas
apresentadas, reduz-se as possibilidades da construção de uma atuação contra hegemônica.
Conforme exposto anteriormente, a dinâmica de dominação e direcionamento das intervenções
do/a assistente social na sociedade capitalista remonta aos primórdios da profissão, pois, o profissional
em questão se enquadra na divisão social do trabalho em um contexto já marcado pelas manifestações
da questão social, resultantes das crises cíclicas enfrentadas pelo sistema capitalista de reprodução e
seu mecanismo de exploração e dominação sobre as classes sociais.
A presente realidade que permeia a categoria profissional, prescreve a necessidade de uma abordagem
abrangente em relação à condição do/a assistente social enquanto trabalhador/a assalariado/a. Para
tanto, é preciso compreender plenamente essa realidade, levando em consideração as dinâmicas
que se manifestam na vida individual e no trabalho do/a assistente social, a fim de identificar as reais
motivações subjacentes às suas contradições, os desafios que restringem a intervenção profissional,
bem como às causas da precarização do trabalho e a flexibilização gradual dos direitos trabalhistas.
Nesse contexto, somente por meio de uma compreensão integral, embasada em uma perspectiva
crítica, será possível empreender os esforços concretos para alcançar a autonomia relativa do
profissional, bem como, a valorização salarial, o reconhecimento social e a adoção de estratégias de
enfrentamento condizentes com a luta da classe trabalhadora. Essas ações visam promover benefícios
e direitos que ampliam a cidadania de toda população, as quais incluem os/as assistentes sociais.
O período de gestão de Jair Messias Bolsonaro apresentou como proposta um plano de governo com o
intuito de assegurar o controle ideológico das classes populares urbanas enquanto mecanismo fundamental
para implementar um projeto de privatização do ensino ao invés de garantir a sua democratização.
Dentre as principais propostas listadas, observa-se que uma delas defendia que o governo
conseguiria alcançar maiores conquistas dispondo da mesma quantidade de recursos, o que apenas
revela o caráter obscurantista e direitista dessas propostas, principalmente por contrariarem todas as
medidas e ações consideradas de esquerda.
De maneira geral, as políticas fascistas passaram a adotar medidas que atacam diretamente a
dimensão educativa e o projeto ético-político profissional de assistentes sociais, cujas ações são
justificadas por considerarem os processos educativos emancipatórios um espaço de reprodução da
“doutrina marxista”.
Durante uma entrevista realizada pela Revista Veja no dia 31 de dezembro de 2018, Bolsonaro
incentivou, durante os seus discursos de ódio, a necessidade de se combater o “lixo marxista” que está
presente nas instituições de ensino, justificado por posicionamentos religiosos e conservadores que
incentivam a adoção de ações de caráter ultranacionalistas que contrariam os princípios constitucionais
e a laicidade do Estado. É possível compreender que tais discursos apenas incentivam a reafirmação
104
da onda obscurantista que priva o desenvolvimento de conhecimentos e saberes científicos, além de
atacar as ciências da natureza, da filosofia e das artes nos diversos espaços e ambientes educacionais.
Um dos principais desafios enfrentados pelos/as assistentes sociais para assegurar a construção de
uma educação pública de qualidade consiste em desconstruir a sua imagem enquanto um sistema que
comercializa serviços no contexto da Organização Mundial do Comércio (OMC), e que cujo papel esteja
associado a uma instituição que possui um potencial meramente lucrativo no mercado de serviços
educacionais. Conforme disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a educação
deve ser reconhecida como direito fundamental ao pleno desenvolvimento da personalidade humana,
responsável por fundamentar as bases do Estado Democrático de Direito.
Dentre os diversos ministros conservadores que passaram pelo Ministério da Educação (MEC) no
governo Bolsonaro, pode-se citar o patriota, liberal-conservador, cristão e professor por vocação, Ricardo
Vélez Rodríguez. De acordo com a notícia online divulgada pelo UOL no dia 31 de janeiro de 2019, o
referido ex-ministro da educação ocupou o cargo no período de 01 de janeiro de 2019 a 09 de abril
de 2019, e foi responsável pela reafirmação do caráter excludente e de expulsão das classes populares
urbanas dos espaços das universidades ao afirmar que a universidade, do ponto de vista das capacidades,
“não é para todos”, e que esta deveria ser destinada somente para uma elite cultural dominante.
105
a sua despolitização, reduzindo as ações públicas na área social e que cujas ideias fundamentam-
se na ideologia neoliberal. As suas intervenções reforçam a concepção de solidariedade, caridade e
filantropia, além de direcionar as suas ações para o atendimento de demandas corporativas e não-
classistas. Já o segundo projeto consiste na busca pela construção de uma democracia de massas, isto
é, de uma concepção política voltada para ampliar a participação política da sociedade e democratizar
as ações do Estado por meio de reformas que atendam às necessidades das classes populares urbanas e
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
periféricas, e que contrariam os interesses privados e corporativos com vistas a consolidar um projeto
societário amplo, universal e democrático. (Coutinho, 2006 apud Pereira, 2022, p.111-112).
Diversas políticas sociais como a saúde, educação e cultura passaram a serem influenciadas pela
noção de publicização, uma vez que são responsáveis por descentralizar para o setor público não-
estatal - também compreendida como terceiro setor - a prestação de serviços que não envolvem o
poder do Estado, mas que necessitam diretamente do seu apoio.
A participação da sociedade de classes também é velada e os recursos públicos são transferidos para
o setor privado, de modo a destruir políticas públicas organizadas pelo princípio da universalidade.
Apropriado pelo discurso de justiça social, o Poder Executivo apenas intensificou as intervenções
de sucateamento das políticas sociais justificadas pelos ajustes fiscais, além de atingir o mundo do
trabalho, haja vista a precarização de contratações, salários inferiores e temporários.
Ainda nos dias atuais, é possível analisar que essas medidas contraditórias apenas reafirmaram
a lógica burguesa de se construir um ensino possível para a geração do lucro, ou seja, rentável para
o empresariado, barato e reprodutor dos seus princípios ideológicos. Somado a essas medidas e
fortalecido cada vez mais pelas influências da mídia e das redes sociais, os meios de comunicação em
massa têm caminhado em direção à manipulação das massas populares sob o amparo dos interesses
do mercado financeiro internacional que tendem a reafirmar os princípios e valores burgueses, o
que também reflete diretamente sobre as políticas sociais em geral, e as políticas educacionais em
específico. A disseminação de informações também passou a moldar pensamentos e a coibir a liberdade
de expressão em detrimento de conteúdos informativos, e que são organizados para a defesa de
interesses econômicos e partidários do populismo de direita.
A América Latina também se deparou com o processo de recuperação histórica do regime ditatorial,
apreendido enquanto símbolo de um passado que voltou a fazer parte das nossas realidades em termos
econômicos, políticos e culturais. A passagem para a ditadura civil-militar não ocorre somente por
meio de golpes de Estado ou militares, mas também se torna possível por meios democráticos, em que
o governante pode corroer todo o sistema por dentro. Na realidade contemporânea, é notório que o
regime democrático fora violentamente esvaziado de seu significado social, e com isso a população
passou a criticar os rumos tomados pela política, não se sentindo mais representada pelos partidos
políticos, principalmente por serem enxergados enquanto defensores dos interesses privados das elites.
Esses fatores fazem com que lideranças autoritárias comecem a ganhar mais força e voz, de modo
com que os seus ideais sejam naturalizados por setores das elites políticas e econômicas locais (Levitsky;
Ziblatt 2018 apud Mayer, 2023, p. 14). Não obstante, a democracia é transformada em autocracia sob
o discurso ideológico de se combater a corrupção e contribui para a promoção da segurança nacional.
Destarte, a crise democrática no país está diretamente vinculada às dificuldades reais em processar
demandas sociais de uma sociedade cada vez mais complexa e contraditória.
Ao associar tais aspectos ao modelo de gestão implantado pelo ex-presidente, torna-se evidente o
fato de que as elites romperam o pacto com a classe trabalhadora ao acentuar medidas de destruição
de seus direitos, do não atendimento às suas necessidades mais elementares e ao abrir espaço para
a instauração de um ideário neoliberal ultrarradical. Nesse sentido, inicia-se um movimento de hiper
individualização que não só é responsável pelo desmonte das políticas sociais, mas que também
exclui os estratos populares urbanos e periféricos do modelo de sociabilidade ideal projetado pela
classe dominante. Esse movimento também faz com que os indivíduos não consigam organizar-se
106
politicamente, não se enxerguem enquanto parte de uma sociedade, isto é, de uma comunidade comum,
mas tão somente como indivíduos que vivem em competição entre si lutando pela sua sobrevivência.
A partir da análise desses fatores, observa-se que o populismo direitista no Brasil foi responsável
por implementar diversas medidas de exclusão em defesa de um modelo de sociabilidade harmônica
e livre de conflitos diretos a partir da inter-relação entre as correntes de pensamento neoliberais e
conservadores. Segundo as análises de Enchelstein (2019), o populismo surge como uma alternativa
ao modelo fascista do início do século XX, buscando representar os interesses daqueles que não se
sentem representados pelos sistemas políticos existentes. Logo, as reações da população contra as
elites políticas passaram a ser instrumentalizadas por grupos que buscam destruir o sistema vigente e
instaurar um novo regime de governo pautado num perfil sócio-étnico-cultural dominante, ou seja, do
homem branco cristão ocidental.
Os grupos partidários dessa vertente atuam em defesa de um regime específico formado por um
modelo cultural e totalitário que possuem valores tradicionais em oposição às lutas históricas da
população negra, indígenas, comunistas, à comunidade LGBTQIAPN+, ao feminismo, dentre outros
setores sociais que influenciam diretamente na construção identitária do perfil predominante de
quem acessa e permanece nos diversos espaços da educação no país.
O cenário pandêmico abriu espaço para uma série de retrocessos no campo dos direitos humanos
e sociais, caminhando principalmente em direção à privatização da educação pela agenda neoliberal
ultrarradical, além de desafiar o trabalho profissional de assistentes sociais. Um dos aspectos que
podem ser elucidados nesse contexto diz respeito à desarticulação de estratégias e ações entre os
municípios, estados e o Distrito Federal, haja vista a adoção de políticas negacionistas que impossibilitam
a compreensão de todas as particularidades de vida dos/as estudantes, além da falta de incentivo à
construção de um currículo de ensino que confira maior articulação de toda a comunidade escolar
com vistas à formação continuada de professores/as para a reafirmação de um modelo de educação
integral e efetivo.
O compromisso ético e político de atenção às diversidades sócio-étnico-culturais que constroem o perfil
predominante de quem acessa, permanece e conclui as etapas de ensino estão fadadas ao esquecimento.
A partir das reflexões realizadas, torna-se evidente que a agenda da educação brasileira apresenta
um forte retrocesso histórico sob a influência de uma elite dominante ultrarradical que ameaça a
educação crítica, os direitos humanos e sociais, as conquistas trabalhistas e silencia o protagonismo
dos movimentos sociais. Esse retrocesso busca recuperar as bases de um modelo educacional moral e
cívico, principalmente na Educação Básica, além de censurar professores/as nas salas de aula, monitorar
os conteúdos dos materiais didáticos para a aplicação do Enem - principalmente de todo material
bibliográfico que analisa o saldo deixado pela ditadura civil-militar no país - além de atingir o Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), uma vez que passaram a sofrer com o seu desfinanciamento
a partir das medidas de privatização implantadas.
Todos os elementos teóricos e as análises apresentadas apenas reforçam a busca pela manutenção
de uma estrutura social injusta, desigual e dividida por interesses antagônicos sustentados pelas
relações de conformidade e subserviência. A agenda política implantada pelo período Bolsonarista
esteve atrelada ao pensamento conservador de defesa da família tradicional e da religião em oposição
107
à esquerda e com forte viés militarista e de armamento da população. Mas porque analisar gestão do
governo Bolsonaro sendo que está se findou? Justamente porque revisitar este processo histórico
recente é essencial para interpretar o momento atual e compreender a correlação de forças atuais.
O saldo deixado pelo governo no âmbito da educação brasileira apenas tornou evidente o processo
de esvaziamento dos programas e projetos que inviabilizam e excluem diversos/as estudantes das
agendas governamentais e da participação no mapeamento de políticas públicas educacionais
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
socialmente referenciadas.
A “educação da tristeza” se tornou parte da realidade de milhares de estudantes pelo país, abrindo
espaço para a difusão da pedagogia do medo e do controle, tornando hegemônica no interior da educação
brasileira os valores morais, militares e autoritários, e que são utilizados enquanto pilares fundamentais
para a sustentação de um modelo de ensino conformista e precarizado em todo o território nacional.
Com o objetivo de contribuir para a defesa do direito à educação nas redes públicas de educação
básica e para a promoção do bem-estar social de professores/as, estudantes, familiares, direção e
toda a equipe técnica, a partir de um longo movimento de luta da categoria profissional de assistentes
sociais e de psicólogos através de suas entidades representativas, cerca de vinte anos, foi aprovada
a Lei n° 13.935, de 11 de dezembro de 2019, que dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia
e serviço social nas redes públicas de educação básica para atender às necessidades e prioridades
definidas pelas políticas de educação, por meio de equipes multiprofissionais no âmbito dos estados e
municípios, de forma integrada e qualificada.
As ações interdisciplinares de psicólogos/as e assistentes sociais nas redes de ensino possuem um
importante papel e responsabilidade social para o fortalecimento das condições de permanência na
educação e para a defesa do bem-estar social de toda a comunidade escolar. O trabalho realizado pelas
equipes multiprofissionais também contribui para a manutenção da saúde mental, o desenvolvimento da
criatividade e das relações interpessoais, a construção de espaços educacionais mais plurais e inclusivos,
além do incentivo à capacitação e formação continuada de todo o quadro de profissionais da educação.
Ademais, a profissão de Serviço Social carrega uma importante responsabilidade de construir
de maneira coletiva e interdisciplinar com as demais profissões que atuam no trabalho coletivo
desenvolvido no âmbito da educação, um novo currículo educacional que seja capaz de incentivar a
construção do pensamento popular, da interculturalidade, de uma formação permanente que envolva
os aspectos sociais, pedagógicos e psicológicos, principalmente, de metodologias pedagógicas que
estejam sintonizadas ao cotidiano da vida social, ou seja, das realidades vivenciadas por milhares de
estudantes que lutam diariamente para acessar, permanecer e concluir as diversas etapas e níveis da
educação pública no país.
A luta, que foi travada para aprovação da referida lei ainda não terminou, ainda há uma longa jornada
repleta de embates e desafios que precisam ser enfrentados, para a sua implementação em todos os
municípios do território brasileiro. Defender uma formação qualificada, livre, plural e emancipatória
onde estudantes possam comandar a própria vida e o futuro da sociedade precisa ser diária. Mas para
que essa formação seja efetiva, é preciso garantir que haja “uma escola de liberdade e de livre iniciativa,
não uma escola de escravidão e de orientação mecânica”. (Gramsci, 2004e, p.75).
Diante da complexidade da realidade social, permeada por acirramento das expressões da questão
social que incidem sobremaneira no universo educacional outros saberes são necessários para efetivar
que a escola cumpra seus objetivos, dentre eles destacamos a significativa contribuição de assistentes
sociais e psicólogos, cada qual, poderão colocar o seu arsenal de conhecimentos, habilidades e expertises
para, juntamente com os demais profissionais da educação, com estudantes e suas respectivas famílias
possam mobilizar esforços para efetivar o direito a educação pública, laica, de qualidade socialmente
referendada e para todos, todas e todes.
108
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ano de 2020 o Brasil foi surpreendido pela emergência de um vírus que deflagrou fortes riscos
de contaminação e que, em decorrência da sua expansão desenfreada, tornou-se uma pandemia
cujas proporções saíram do controle das instâncias da política de saúde. Para além desta situação de
emergência nacional, diversas intervenções reacionárias e genocidas do governo do ex-presidente
Jair Messias Bolsonaro (PL) foram colocas em prática, iniciando pelo negacionismo da gravidade da
pandemia e dos percalços presentes no seu enfrentamento, tais como: o parco investimento no âmbito
da saúde pública na efetivação de medidas preventivas (vacinas) e também curativas (fornecimento
de equipamentos médicos hospitalares) dentre outros; e principalmente pela falta de coordenação
nacional nas ações da área da saúde púbica acrescida da demora em viabilizar o isolamento social
evitando a proliferação do vírus.
Diante desse cenário de contradições, o século XXI encontra-se imerso aos interesses do “Estado da
morte” e de uma crescente guerra cultural que avança sem precedentes, e que atinge especialmente a
classe trabalhadora, portanto incide também na categoria profissional de assistentes sociais, dentre
outras profissões indispensáveis para a defesa dos direitos sociais historicamente conquistados. A
109
Destarte, não podemos nos conformar com o quadro de contrarreformas e dos crescentes
retrocessos históricos no âmbito das políticas sociais, especificamente da política de educação
brasileira. É importante que haja maior investimento do orçamento público para a implementação
de políticas públicas, de modo a reafirmar o seu papel intersetorial na garantia de maior qualidade
em todas as Etapas e Níveis da educação nas redes públicas de ensino. O processo de organização,
planejamento e gestão das universidades não podem deixar de atender às necessidades presentes no
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
REFERÊNCIAS
110
Mayer, R. O ovo da serpente do século XXI: crise da democracia, neoliberalismo e populismo de direita. In:
Elenice Parise Foltran; Marli de Fátima Rodrigues (Org.). Efeito Bolsonaro na educação: análise crítica. Ponta
Grossa: ZH4, 2023, p. 10-33.
Netto, J. P. A construção do projeto ético-político do serviço social. In: Associação Brasileira de Estudo e
Pesquisa em Serviço Social: Conselho Federal de Serviço Social. Capacitação em Serviço Social e Política Social.
Módulo 1 – 105 Brasília, 1999. 22 p. https://www.ssrede.pro.br/wpcontent/uploads/2017/07/projeto_etico_
politico-j-p-netto_.pdf.
Pochmann, M. Velhos e novos problemas do mercado de trabalho no Brasil. UNICAMP, p. 1-21, 19 jul. 2023.
Pereira, L. D. Educação e Serviço Social: da Igreja ao empresariado. Uberlândia: Navegando Publicações, 2022.
Raichelis, R. O assistente social como trabalhador assalariado: desafios frente às violações de seus direitos.
Serviço Social & Sociedade, n. 107, p. 420–437, set. 2011.
Universidade “não é para todos”, mas “somente para algumas pessoas”, diz ministro da educação. UOL Online,
2019. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/temas/educacao/universidade-nao-e-para-
todosmas-somente-para-algumas-pessoas-diz-ministro-da-educacao/. Acesso em: 21 mai. 2023.
Vieira, B. O. História do serviço social: contribuição para a construção de sua teoria. Rio de Janeiro: Agir, 1977.
111
QUESTÕES RACIAIS E A QUESTÃO SOCIAL NO BRASIL ONTEM E HOJE:
Análises a partir de uma Perspectiva Crítica.
RESUMO: O presente trabalho intitulado “Questões Sociais e a Questão Racial no Brasil ontem e hoje” é fruto de
nossas inquietações devido ao choque que tivemos aquando da nossa imersão no contexto brasileiro. Objetiva-
se analisar a desigualdade racial no Brasil desde os tempos mais remotos até aos dias de hoje, utilizando como
principais categorias de análise a histórica e a sociológica, através do método materialismo histórico-dialético.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental que através da abordagem qualitativa apresenta o quadro
da desigualdade racial no país, cujos resultados apontam que, apesar da questão social ser antiga no Brasil, a luta
pela igualdade de direitos e oportunidades entre brancos/as, pretos/as e indígenas não passa de uma miragem,
pois, muitas vezes, a pessoa não branca ainda é vista como coisa ou objeto, por isso, desafia o Serviço Social a
propor respostas efetivas que possibilitem a afirmação das populações menos equipadas a conquistarem os
seus espaços de debate e tomada de decisão para que sejam os/as donos/as de seus próprios destinos. E insta o
Estado a criar políticas de reparação a esta população ex-escravizada, promovendo assim a justiça social entre
cidadãos/às brasileiros/as/es.
Palavras-chave: Relações raciais; questão social; racismo estrutural e Serviço Social.
ABSTRACT: The present work entitled “Social Issues and the Racial Question in Brazil yesterday and today” is
the result of our concerns due to the shock we had during our immersion in the Brazilian context. The objective
is to analyze racial inequality in Brazil from the earliest times to the present day, using as main categories
of analysis the historical and sociological, through the historical-dialectical materialism method. This is a
bibliographic and documentary research that through the qualitative approach presents the picture of racial
inequality in the country, whose results indicate that, although the social issue is old in Brazil, the struggle for
equal rights and opportunities between whites, blacks and indigenous people is nothing more than a mirage,
because, often, the non-white person is still seen as a thing or object, therefore, it challenges Social Work to
propose effective responses that enable the affirmation of less equipped populations to conquer their spaces of
debate and decision-making so that they are the owners of their own destinies. And it urges the State to create
reparation policies for this ex-enslaved population, thus promoting social justice among Brazilian citizens.
Keywords: Race relations; social issue; structural racism and social work.
1 Graduado em Serviço Social pela Faculdade de Serviço Social da Universidade de Luanda- Angola, Mestrando do curso
de Serviço Social pelo Programa de Pós-graduação da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual
Paulista, Júlio de Mesquita Filho / UNESP-Franca. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES). Membro do Grupo de Estudos, Pesquisa e Formação Profissional em Serviço Social (GEFORMSS) –
UNESP, email: mauro.augusto@unesp.br
2 Graduado em Serviço Social pela Faculdade de Serviço Social da Universidade de Luanda- Angola, Mestrando do
curso de Serviço Social pelo Programa de Pós-graduação da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade
Estadual Paulista, Júlio de Mesquita Filho / UNESP-Franca. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES). Membro do Núcleo Negro para Pesquisa e Extensão Universitária (NUPE) – UNESP, email:
miguel.pimpao@unesp.br
3 Pós-Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho/ UNESP de Franca. Doutoranda em Promoção de Saúde pela Universidade de Franca, Brasil. Email: arnet.fernandez@
unesp.br.
4 Docente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UNESP/Franca e do Programa de Pós-Graduação em
Políticas Públicas da UFPI - Universidade Federal do Piauí/Teresina. Líder do GEFORMSS - Grupo de Estudos e Pesquisa
sobre Formação Profissional em Serviço Social/UNESP-CNPq e Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa Formação,
Trabalho, Desigualdade Social e Políticas Públicas/UFPI-CNPq. Email: cirilene.oliveira@unesp.br.
5 Antropólogo graduado pelo programa de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mestre em
Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, Pós-doutorado em Educação pela Universidade de Campinas. Livre docente do departamento de
Ciências Sociais e dos programas de pós-graduação em Ciências Sociais (Campus Araraquara) e Serviço Social (Campus de
Franca) e coordenador científico do núcleo negro para pesquisa e extensão (Nupe). Email: dagoberto.jose@unesp.br.
112
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como título “Questões Sociais e a Questão Racial no Brasil Ontem e Hoje”,
resulta das nossas reflexões em torno da disciplina de Questões Étnico-Raciais no Brasil, da FCHS/
UNESP, Câmpus de Franca. Assim, nosso objetivo principal nesse artigo consiste em analisar a
desigualdade racial no Brasil desde os tempos mais remotos até aos dias de hoje a partir de um
debate argumentado sobre as pesquisas realizadas por vários autores que abordam essa temática
relacionando a luta antirracista à luta anticapitalista à luz do Serviço Social. Utilizamos à análise
histórica e a sociológica como principais categorias através do método materialismo histórico-
dialético. Quanto aos procedimentos técnicos trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental e
quanto a abordagem é qualitativa.
A modo de contextualização, vale dizer que o dia 13 de maio de 1888, ficou conhecido como a
data da Abolição da Escravatura no Brasil após quase 400 anos desde a chegada dos portugueses,
após a assinatura da Lei Áurea, uma lei que definia a liberdade para toda população escravizada e a
inserção desses de forma efetiva na sociedade, lamentavelmente, a classe negra, que era escravizada,
foi deixada às margens da sociedade. Sequer houve qualquer preocupação em relação ao trabalho,
Neste primeiro capítulo, a partir de uma perspectiva histórica, aborda-se de forma sucinta sobre o
racismo no Brasil, as relações raciais e as relações de poder, através de um olhar crítico da realidade
objetiva tendo como pano de fundo o Serviço Social.
Assim sendo, importa referir que a questão racial no Brasil tem sido tratada, a partir do resgate
de uma setorização histórica dos negros, e não de uma reconstrução histórica considerando o negro
como sujeito histórico como fundamentam Pinto e Lourau (2020), chegando mesmo a propor que,
antes de quaisquer análises das questões raciais que se abordam no Brasil, vale partir do princípio da
caracterização étnica da população brasileira a qual é fruto do encontro de diferentes grupos étnicos.
Nesse sentido, podemos citar a diversidade dos povos nativos que aqui já estavam antes da
“descoberta” do colono português, isto é, no século XVI, os migrantes, os africanos de diversas origens
étnicas (maioritariamente angolanos), que foram arrancados de suas terras, vendidos como mercadoria
e transformados em escravos e, por fim, outros grupos de imigrantes da Ásia (PINTO e LOURAU, 2020).
Partindo do fato de que o racismo é uma construção histórica e social, no Brasil o racismo se
fundamenta historicamente por mais de três séculos de escravidão e por teorias racialistas que fizeram
parte da construção da identidade nacional. Ficando evidente como, após o processo de abolição da
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escravatura, a ausência do Estado na integração da população negra por meio do fornecimento de
condições materiais e políticas para sua participação em uma sociedade livre garantiu a sobrevivência
e ressignificação da mentalidade e prática escravocrata nas estruturas da república.
Neste sentido, antes de avançarmos para qualquer tentativa de debate sobre esta questão, achamos
imprescindível o delineamento do conceito de raça a fim de facilitar a compreensão sobre o racismo no
Brasil e as suas manifestações, uma vez que, como a maioria dos conceitos, isso para não falar de todos
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e cair no erro da generalidade, o de raça, tem seu campo semântico e uma dimensão temporal e espacial
que permitir-nos-á abrir os horizontes da nossa imaginação, a partir de uma realidade concreta.
Assim sendo, para Telles (2003), raça é uma ideia e não um fato biológico pelo que, a noção de raça
foi criticada como ideologia depois de sua suposta existência justificar a colonização, escravização,
segregação, esterilização, perseguição e morte de milhões de pessoas.
Na mesma senda, na visão do professor e sociólogo congolês e brasileiro Kabengele Munanga,
poderíamos dizer que o conceito de raça nos séculos XVI-XVII, passa efetivamente a atuar nas relações
entre classes sociais da França da época, pois utilizado pela nobreza local que se identificava com os
Francos, em oposição aos Gauleses, população local identificada com a Plebe. Desta forma, o conceito
de raça passa a ter uma conotação a fim de legitimar as relações de dominação e de sujeição entre
classes sociais (Nobreza e Plebe), sem que houvesse diferenças morfo-biológicas notáveis entre os
indivíduos pertencentes a ambas as classes (Munanga, 2004).
Em outras palavras, poderíamos afirmar que, o racismo apresenta vários conceitos, sendo um
deles definido como a superioridade de uma raça (etnia) sobre a outra. Ou seja, se dá por meio de um
processo hierárquico e hegemônico de uma etnia “raça branca” que se sobrepõe às outras etnias “raça
negra, amarela, vermelha, etc.”
É fato que a sociedade brasileira se encontra marcada pela exclusão social e pela discriminação
racial. Por motivos históricos e econômicos, os negros e os indígenas são os grupos que mais sofrem
com a assimetria regional, o preconceito e a discriminação, pois tal como era no passado, os negros hoje
ainda são muitas vezes vistos como simplesmente “escravos/as” ou até mesmo como “não humanos”.
(Maringoni, 2011)
Vale lembrar que, foi Nina Rodrigues quem escreveu pela primeira vez sobre a situação dos negros
no Brasil, isto é, no século XIX. Da obra dele podemos extrair as seguintes palavras:
“[...] O problema do negro no Brasil tem, de fato, feições múltiplas: uma do passado - estudo dos negros africanos
que colonizaram o país; outra do presente: negros e crioulos, brancos e mestiços; a última do futuro: mestiços e
brancos crioulos”. (Moura, 1983).
Nesta passagem é possível perceber o desejo que se nutria em branquear a população negra, porque
do ponto de vista da racialidade os negros eram considerados como uma praga para a sociedade brasileira.
E isso fica bem evidente na abordagem de Freyre em sua obra “Casa Grande & Senzala”, publicada em
1933, onde dentre os vários aspectos, procurou defender como a miscigenação através do casamento
consensual entre homens brancos (o senhor) e mulheres negras (escravizadas) era o fator de progresso
da nação brasileira, uma vez que a convivência entre a Casa Grande e a Senzala era harmoniosa.
Essas teorias apregoadas por Freyre no século XX ainda imperam nos tempos hodiernos, ao que
alguns autores como Munanga (2004), vai designar como o mito da democracia racial, uma vez que a
população não branca sofre todos os dias que sai à rua simplesmente por apresentar características
diferentes aos padrões de beleza e cultura eurocêntricos.
No entanto, fica evidente que, apesar de todo o esforço feito e todos os mecanismos utilizados para
se eliminar a população negra no Brasil ao longo dos anos, desde enquanto colônia, com o abolicionismo
da escravatura em 1888 até aos dias de hoje, essa tentativa fracassou, como podemos conferir abaixo
em trechos publicados por Nina.
“Estigmatizados pelo passado como escravos e considerados pessoas de qualidade inferior, os forros formavam
um grupo relativamente pouco numeroso no Brasil colonial, até mesmo no século XIX. Seus descendentes,
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entretanto, multiplicaram-se no decorrer do tempo, constituindo-se numa parcela bastante representativa da
população livre” (Nina Rodrigues 1957, P. 70).
Tal como poderemos ver mais adiante, em termos numéricos, a população negra é superior em
relação à população branca e a tentativa de branqueamento desta se no passado não foi bem-sucedida,
está longe de o ser nos dias que nos correm, pois a luta antirracista bem como os fundamentos da
afrodescendência vem ganhando espaço na sociedade e a conscientização da negritude como um valor
ancestral por parte da população negra e parda vai se agigantando cada vez mais e mais.
Tal como ficou patente até aqui, o fato de não terem sido consideradas as formas de inclusão social,
condicionou e de que maneira a vida da população negra, uma vez que apesar de terem uma certa
liberdade, continuavam reféns daqueles que detinham o poder e os recursos que eram certamente,
pessoas de raça branca, ou seja, percebemos que ao ser negado o direito à alfabetização, à moradia e até
a determinados ofícios que em termos profissionais serviram de diferencial no mercado de trabalho, a
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as relações de colonialidade operando tanto de fora para dentro do território como internamente,
bem como a centralidade da diáspora no processo de construção do país. Tudo isso, porém, não seria
possível sem que a concepção de que a humanidade era dividida entre raças fosse amplamente aceite
como verdade do ponto de vista científico (Neder. 1997).
Com o passar do tempo, porém, essa tese tem vindo a perder força, passando a ser combatida e sendo
praticamente extinta dos discursos oficiais, contudo, se por um lado as distinções de raça foram se
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esvaziando de sentido em seu fundamento biomédico, em seu sentido sociológico tais ideias passaram
por um intenso processo de sofisticação, tornando-se extremamente importantes no processo de
constituição do Brasil como Estado-nação com as profundas marcas de desigualdade, violência e
privilégio que carrega ainda hoje.
Toda essa análise nos ajuda a perceber que não obstante a se passarem cerca de 135 anos desde que
foi assinada a Lei Áurea, ainda existe muita precariedade e a população negra ainda enfrenta muitos
dos problemas que enfrentava anteriormente, ou seja, “mudaram-se os rótulos, ficaram as garrafas”.
Marx (1852) afirmava que o “morto apodera-se do vivo”. Com base na permanência da escravidão sob
outras formas, constata-se que não são apenas as velhas formas que se inserem nas novas, mas as novas
recorrem às velhas sempre que possível. Portanto, faz-se necessário compreender de que forma a raça
incide nas relações sociais brasileiras e de que forma as marcas da colonialidade e da dependência são
por ela atravessadas.
Ao longo deste capítulo procura-se fazer uma análise sobre a questão social enquanto objeto do
Serviço Social, na perspectiva de vários autores, desde o ponto de vista da concepção do termo, bem
como as suas expressões ou manifestações até aos dias hodiernos.
Posto isso, vale ressaltar que a concepção de questão social mais difundida no Serviço Social é a de
Iamamoto e Carvalho (1983, p.77):
“A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária
e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do
empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a
burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão”.
A partir dessa concepção pode-se apreender que a questão social além de ser um processo de
amadurecimento da classe operária e a sua inserção na sociedade salarial é também um processo de
luta pelo reconhecimento desta no cenário da economia quer do privado como do próprio Estado, bem
como a exigência de um tratamento mais digno pela classe burguesa, uma vez que é o proletário quem
produz a riqueza e por isso, deve beneficiá-la diretamente.
Na mesma senda, Teles (1996, p. 85) considera que:
“[...] a questão social é a aporia das sociedades modernas que põe em foco a disjunção, sempre renovada, entre
a lógica do mercado e a dinâmica societária, entre a exigência ética dos direitos e os imperativos de eficácia da
economia, entre a ordem legal que promete igualdade e a realidade das desigualdades e exclusões tramada na
dinâmica das relações de poder e dominação”.
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Nesta ordem de ideia podemos dizer que a questão social representa não só as desigualdades, mas,
também, o processo de resistência e luta dos trabalhadores que são a população excluída e subalternizada,
na luta pelos seus direitos econômicos, sociais, políticos, culturais, esta população que é maioritariamente
negra, uma vez que o capitalismo tem como objetivo acumular capital e não garantir condições de vida
para toda a população como podemos deduzir da lógica do capital e a lógica do trabalho.
É assim que ao se referir sobre o objeto do Serviço Social temos de ressaltar obrigatoriamente alguns
pensadores contemporâneos que embora às vezes com visão distinta dão embasamento teórico para
a compreensão da profissão e da atuação dos profissionais. Nesse prisma, Iamamoto, (1997, p. 14),
define-o nos seguintes termos:
“Os assistentes sociais trabalham com a questão social nas suas mais variadas expressões quotidianas, tais
como os indivíduos as experimentam no trabalho, na família, na área habitacional, na saúde, na assistência social
pública etc. Questão social que sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as
desigualdades e a ela resistem, se opõem. É nesta tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia
e da resistência, que trabalham os assistentes sociais, situados nesse terreno movido por interesses sociais
distintos, aos quais não é possível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida em sociedade. [...] a questão social,
cujas múltiplas expressões são o objeto do trabalho cotidiano do assistente social”.
Segundo Faleiros, (1997, P. 37): “[...] a expressão questão social é tomada de forma muito genérica,
Na mesma senda, Arcoverde (2008) considera que apesar dos avanços, e da superação das tarefas
atribuídas aos Assistentes Sociais, o Serviço Social recorta como objeto de atuação a ação social da
classe operária que luta pela transformação da sociedade e do homem por meio da defesa de processos
de conscientização, capacitação e organização social. A concretude destes elementos é o que Faleiros
designara como empoderamento, coisa que numa sociedade cada vez mais capitalista parece ser
impossível de se alcançar, principalmente para os menos equipados, no caso, a população não branca.
Uma vez que o Serviço Social é uma profissão inserida na contradição do processo capitalista como nos
lembra Iamamoto (1982), para mediar a relação entre o explorador e o explorado, teoricamente, passa
a orientar-se pela análise marxiana da sociedade burguesa, no entanto, abandonou a transformação
social como objeto profissional e, no âmbito da ABESS/ CEDEPSS, o objeto passou a ser definido como
a questão social, ou as expressões da questão social, como pode-se observar abaixo:
“O assistente social convive cotidianamente com as mais amplas expressões da questão social, matéria prima de
seu trabalho. Confronta-se com as manifestações mais dramáticas dos processos da questão social no nível dos
indivíduos sociais, seja em sua vida individual ou coletiva” (ABESS/CEDEPSS, 1996, p. 154-5).
Arcoverde, (2008) ressalta que o resgate do significado social do exercício profissional, referenciado
à produção e reprodução das relações sociais na formação social da sociedade capitalista é empreendido
na obra de Iamamoto (1982), na qual fica situado definitivamente o Serviço Social como espaço
profissional de mediação de necessidades materiais e imateriais implicadas no e com o processo de
trabalho, população e políticas sociais.
Assim sendo, a prática profissional passa a ser compreendida como intermediação entre classes
fundamentais e enquanto tal determinada em suas alternativas de ação. Nesse sentido, a questão
social já entendida como questão de política, demanda intervenção sistemática do regulador da
relação capital e trabalho – o Estado – que o faz via políticas sociais e instituições de prestação de
serviços sociais. É assim que se pode afirmar que o Estado é um ente que contribuí para o processo
de exploração, pois ele serve mais aos interesses da burguesia, no entanto, aparece como o ponto de
equilíbrio entre a burguesia e o proletariado, através das políticas de Assistência Social.
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Numa sociedade cada vez mais racista, homofóbica e desigual o profissional de Serviço Social
é chamado para atender esta demanda que acentua a equidistância entre homens ricos e homens
empobrecidos, no sentido de mediar através das políticas afirmativas, na luta pela igualdade de direitos
e de oportunidades, permitindo a mobilidade social dos menos equipados, apesar do Brasil possuir
o segundo maior contingente de Assistentes Sociais no mundo, ainda é diminuta o trabalho destes
diante da demanda do racismo estrutural a que a população negra está submetida devido as limitações
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Apesar da questão social ser um fenômeno antigo no Brasil conforme a autora, a população negra
é a mais afetada com as diferentes manifestações desta, dado que por questões históricas as pessoas
negras sempre foram colocadas na cauda da classificação hierárquica da raça humana. É por isso que, os
Assistentes Sociais são aqui chamados para mediar o acesso aos direitos sociais dessa população que
é a maioria no Brasil, pois de acordo com o censo populacional realizado em 2010 pelo IBGE concluiu
que 54%, isto é, mais do que a metade da população brasileira é negra.
Curiosamente, a mesma fonte destaca que 65% da população desempregada no Brasil é negra e
a população negra empregada ganha menos de 42% em relação a população branca, um total contra
censo, uma vez que se por um lado, uma pequena minoria da população detém todos os privilégios, por
outro lado, a grande maioria da população pouco ou nada tem para viver condignamente (IBGE, 2010).
Nas suas palavras, o autor Nelson Rodrigues destaca muito bem o estado e/ou nível de discussão
da questão racial no Brasil. Olha-se para o fato de o país não apresentar uma política segregacionista
entre brancos e negros, tais como ocorreu em outros países, como Estados Unidos e África do Sul,
como justificativa de que no Brasil todas as raças convivem de forma amistosa e respeitosa.
Assim, Nelson Rodrigues (1957) apud Pinto e Ferreira (2014) afirma:
Não caçamos pretos, no meio da rua, a pauladas, como nos Estados Unidos. Mas fazemos o que talvez seja pior.
A vida do preto brasileiro é toda tecida de humilhações. Nós tratamos com uma cordialidade que é o disfarce
pusilânime de um desprezo que fermenta em nós, dia e noite.
Por essa razão, é muito interessante aquilo que é ressaltado por Ferreira (2002), em uma pesquisa
realizada pelo Datafolha, em 1996: “89% dos brasileiros afirmaram que existia racismo no Brasil; porém,
apenas 10% admitiram a discriminação como sua, apesar de serem unânimes ao admitirem que o racismo
é percebido em outras pessoas”. Olhando para o modo como as pessoas concebem essa situação, torna-
se extremamente difícil a concretização de medidas que contribuam para a mudança desse quadro.
O que fica evidente, é que existe um silenciamento quanto a questão racial no Brasil, e isso, condiciona
significativamente a discussão em torno desse assunto, é como se o preconceito e a discriminação
não existissem, o que nos leva a perceber que existe uma dificuldade em lidar com o preconceito e a
discriminação racial no país.
A população negra brasileira é um grupo fortemente subalternizado e cotidianamente vivenciam a
violação de direitos. O sistema carcerário é composto em maior número por pessoas negras que vivem
118
em precárias condições devido à precária infraestrutura e alto índice de violência. Aí se encontra uma
consequência da criminalização da pobreza, onde ela incide de forma mais contundente na população
negra, dados os aspectos já refletidos (Brasil, 2017).
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública do ano de 2021, podemos constatar os seguintes
dados que nos ajudam a perceber o quanto as questões étnico-raciais estão amplamente ligadas as
questões sociais no Brasil, por exemplo, a população negra foi:
1) 75,8% das vítimas de homicídio;
2) 64,3% das vítimas de latrocínio;
3) 75,3% das vítimas de lesão corporal seguida de morte;
Outro dado interessante que pode ser retirado desse anuário é que a chance de um negro ser vítima
de homicídio no Brasil é 2,6 vezes maior do que a de um não negro e que a taxa de mortalidade de
negros é de 29,2 por 100 mil ao passo que a taxa de mortalidade de não negros é de 11,2 por 100
mil. Pessoas negras representam: 62,7% dos policiais assassinados, 78,9% das vítimas de intervenções
policial (ABSP; 2021).
Os dados tornam-se mais preocupantes quando olhamos para a questão do género, segundo esse
relatório, as mulheres negras concentraram índices piores de qualidade de vida quando comparado
Todos os dados apresentados mostram claramente que vivemos num país em que a negritude e a
pobreza são criminalizadas, e as condições de desenvolvimento, trabalho e vida da população negra
são piores que a da população branca. Em pesquisa divulgada recentemente pelo PNUD (Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento) baseada no PNAD/IBGE, um negro ganha, em média,
metade da renda de uma pessoa branca situação muito semelhante ao mesmo estudo feito 13 anos
antes em 2010, em que o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de uma pessoa negra era 14,4%
menor que de uma pessoa branca. O IDH está relacionado com nível de escolaridade, expectativa de
vida, renda, e outros fatores.
O gráfico abaixo mostra que o IDH no Brasil e do mundo entre 1990 e 2021. Há 30 anos, o IDH
do Brasil era de 0,613 e do mundo de 0,601. Nos 25 anos seguintes a diferença aumentou em favor
do Brasil que chegou em 2015 com IDH de 0,753 para um IDH global de 0,724. Porém, o nível de
desenvolvimento humano ficou estagnado no Brasil desde meados da década passada e o IDH de
0,754 em 2021 é semelhante ao IDH de 2015 e pouco maior do que o de 2012.
119
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar das teorias eugenistas, hoje, já não terem o mesmo peso que tinham nos séculos XIX e XX,
as suas raízes ainda se encontram bem assentes na sociedade brasileira, que embora não tenha muros
de argamassa que separem brancos e negros, a discriminação deste último empurra-o à periferia e à
favelização o que concorre para a pauperização dele.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
A escravização da população negra saída de África no Brasil deixou marcas indeléveis que a
branquitude jamais conseguirá apagar, pois o Bantu é colonizador, não é à toa que a população negra
no Brasil ainda é a maioria e está longe de o deixar de ser, apesar dos genocídios que a história deste
país registrou e ainda registra contra esta.
Apesar da questão social ser antiga no Brasil e tem vindo a atualizar-se ao longo dos tempos, a
luta pela igualdade de direitos e oportunidades entre brancos, pretos e indígenas não passa de uma
miragem, daí que, o Serviço Social é desafiado a propor respostas efetivas que possibilitem a afirmação
das populações menos equipadas a conquistarem os seus espaços de debate e de decisão.
Os Assistentes Sociais são chamados para assumirem o seu papel de mediação a nível das
políticas educativas através da materialização da lei número1639 que estabelece o ensino da cultura
afrodescendente no sentido das gerações mais novas se apoderarem deste conhecimento e evitarem
a reprodução do racismo nas futuras gerações.
A raça é um conceito criado pelos seres humanos que se consideravam superiores aos outros seres
com vista a escravizá-los e explorá-los qual animais se tratassem, por isso, hoje, somos desafiados
(brancos, pretos, vermelhos, amarelos e indígenas) a contrapor estes argumentos que adiam cada vez
mais o processo de harmonização da sociedade e a sã convivência entre seres humanos.
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121
COMPETÊNCIAS FORMATIVAS DOS/AS ASSISTENTES SOCIAIS E
SUA PRÁXIS PROFISSIONAL NA ÁREA SOCIOJURÍDICA EM ANGOLA
Adão Joaquim Manual José1
Nayara Hakime Dutra 2
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Resumo: A presente pesquisa científica tem como objetivo refletir a importância da dimensão socioeducativa
na formação de compentências em Serviço Social, que habilita à uma práxis profissional nos diferentes espaços
sociocupacionais, particularmente na área sociojurídica. O estudo baseou-se metodologicamente em revisão
bibliográfica e documental, triangulada com as experiências colhidas durante o estágio profissionalizante no
Judiciário, isto é, na Sala/Vara da Família do Tribunal Provincial de Comarca de Luanda “Dona Ana Joaquina”.
A pesquisa conclui que a formação de competências em qualquer área do saber, particularmente em Serviço
Social requer um projeto pedagógico e uma teoria libertadora de consciências capazes de transformar o ser
ontológico em um sujeito pensante, crítico e intectual orgânico, culturalmente versado e politicamente atento
ao tempo histórico, com vista a desmistificar as raízes das expressões da questão social que provocam marasmo
social na classe subalternizada neste mundo globalizado, neocolonial predominado pelo sistema capitalista.
Palavras-Chaves: Competências Formativas. Assistentes Sociais. Práxis Profissional. Esfera Sociojurídica.
Abstract: This scientific research aims to reflect the importance of the socio-educational dimension in
the formation of competencies in Social Work, which enables a professional praxis in the different socio-
occupational spaces, particularly in the socio-legal area. The study was methodologically based on a bibliographic
and documentary review, triangulated with the experiences collected during the professional internship in
the Judiciary, that is, in the Family Room/Court of the Provincial Court of the District of Luanda “Dona Ana
Joaquina”. The research concludes that the formation of competencies in any area of knowledge, particularly in
Social Work requires a pedagogical project and a liberating theory of consciousnesses capable of transforming
the ontological being into a thinking, critical and intectual organic subject, culturally versed and politically
attentive to the historical time, with a view to demystifying the roots of the expressions of the social question
that provoke social marasmus in the subalternized class in this globalized, neocolonial world predominated by
the capitalist system.
Key words: Formative Competencies. Social Workers. Professional Praxis. Socio-legal sphere.
INTRODUÇÃO
122
Com o efeito, a classe burguesa detentora do capital e dos meios de trabalho procura através
da competitividade fraguementar a classe subalternizada sem que esta tome consciência dessa
artimanha. Essa realidade social desafia-nos a refletir como o Serviço Social enquanto disciplina
científica contribuiria para a formação de intelectuais orgânicos, competentes e proativos, que por
intermédio da sua práxis profissional nas diferentes áreas sociocupacionais em geral, e em particular
na área sociojurídica seriam capazes, não apenas de desvendar as artimanhas capitalistas que reforçam
a “cosificação” da classe subalternizada, como também de contribuir para a defesa dos seus direitos
sociais. Essa e outras provocações constituem o centro da nossa reflexão ao longo deste trabalho.
Partindo das primícias acima referidas que compõem as competências, como conhecimentos
teóricos e domínio concreto do tal conhecimento cognitivo, o “saber-fazer” demonstrado na prática
123
com o comportamento exemplar do indivíduo, o conhecimento de si mesmo como líder ou membro, isto
é, do seu “eu” ou do domínio próprio e valorização do “outro” enquanto sujeito social, conhecimento
da sua personalidade e a influência que tem no seio do grupo em que está inserido ou se insere, suas
motivações intrínsecas e extrínsecas que geram comportamentos positivos ou negativos no exercício
das suas atividades laborais, refletimos o seguinte:
Será que todos os modelos de projetos pedagógicos podem formar competências compatíveis
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
com o Serviço Social, sendo uma profissão que deve defender os direitos sociais dos grupos
sociais subalternizados?
Como as competências formativas podem ajudar o/a assistente social desvendar os mecanismos
fortalecedores e legitimadores da fragmentação social da classe trabalhadora subalterna impostos
no sistema capitalista que se materializam arbitrariamente na cultura organizacional através da
competitividade meritocrática que favorecem a classe burguesa detentora do capital e dos meios
de produção?
Pelas reflexões acima precisa-se elucidar que não basta um profissional buscar competências numa
determinada área das ciências, porém se espera desse profissional que desenvolva competências
estratégicas que o habilite à uma crítica-construtiva da realidade social capaz de desmistificar os
mecanismos dos discursos de competências fortalecedores e legitimadores da classe burguesa,
tendo como estratégia a burocracia propagada nas organizações públicas, privadas e na sociedade
civil, ainda que enfrentem os valores vigentes na sociedade capitalista, mas desde que estejam a favor
da classe subalternizada.
No caso do Serviço Social, enquanto ciência social aplicada e concomitantemente categoria
profissional, abarca um pendor histórico-social crítico nas suas indissociáveis tríades competências
formativas teórico-metodológica (saber) ético-política (princípios e valores), técnico-operativa
(fazer), cuja materialização comporta exigências cognitivas e estratégicas desafiantes para discernir
os discursos e atos construídos no sistema capitalista que legitima a bárbarie, conforme Iamamoto
(2009, p. 3) apregoa que:
[...] Isso exige um profissional (assistente social) culturalmente versado e politicamente atento ao tempo histórico;
atento para decifrar o não-dito, os dilemas implícitos no ordenamento epidérmico do discurso autorizado pelo
poder; bem como uma competência estratégica e técnica (ou técnico-política) que não reifica o saber fazer,
subordinando-o à direção do fazer.
No mesmo diapasão, Guerra e Braga (2009, grifo nosso) afirmam que, o Serviço Social enquanto
categoria profissional é uma profissão de caráter interventiva e investigativa inserida na divisão
sócio-técnica do trabalho e intervém nas manifestações da questão social, sendo que nas dimensões
investigativa e interventiva estão expressas as competências profissionais e se ressalta a importância
da dimensão investigativa para o desvelamento de uma dada realidade social, pois para se intervir é
preciso antes de tudo conhecê-la; […] mas sem significar que aquela dimensão esteja acima da outra, pois
coexistem e se interconectam de forma articulada e indissociável. Sendo portanto, um dos maiores desafios
dos/as formandos/as e profissionais em serviço social hoje, a articulação das três dimensões formativas sem
equívocos existentes sobre a categoria práxis, isto é, a relação entre investigação e intervenção, pesquisa e
ação, ciência e técnicas, instrumentais e instrumentalidade.
Esse processo de desenvolvimento de competências tem o seu início na acadêmia onde o estreante
em serviço social toma contato com as diversas teorias subjacentes ao trabalho do/a assistente social e
reforçadas nas matérias da disciplina da dimensão educativa, exigindo para o efeito conteúdos temáticos
programáticos inconfundíveis, consistentes e contextualizados às transformações emergentes no
sistema capitalista, bem como uma entrega abnegada de todos os sujeitos sociais envolvidos nos
diversos processos ensino-aprendizagem e docente-educativo, conforme Santos; Oliveira e Bonalume
(2016, p. 30) apontam que:
124
[...] No processo de formação profissional é necessário se ter clareza quanto às competências e habilidades a
serem exigidas ao futuro profissional para desempenhar sua função. Elas devem ser constantemente atualizadas,
diante das demandas já postas pela sociedade e também daquelas que emergem, seja no cotidiano profissional,
seja pelas transformações sociais, econômicas e políticas, que se apresentam como desafio e demandam
soluções concretas.
Esse modelo pedagógico com cultura libertadora de consciências apresentadas por Freire (1970) e
Gramsci (1999), habilita o educador a partir da realidade social do educando para juntos construir e
reconstruir a cosmovisão e cosmogonia de forma crítica, garatindo o desenvolvimento do conhecimento
mais elaborado como um instrumento a mais para lutar contra a opressão. Ora, quando essa metodologia
de ensino é triangulado com uma teoria social crítica desenvolvida por Marx (1996) e consequemente
defendida no Projeto Ético-Política do Serviço Social brasileiro (conforme mencionado acima) e nas
obras de vários autores/as como: Iamamoto (2020, 2021), Gramsci, 1999 apud Jacinto (2017), Netto
(2021), Tonet (2012) e outros, abrem o espaço da apresentação do ser humano como o principal ente
histórico-ontológico criativo e recreativo da vida social, isto é, uma teoria que explica a universalidade
125
da relação entre a realidade e o objeto, a totalidade e a essência, articulando o momento do indivíduo
e do gênero humano, permitindo a compreensão da sua totalidade como intelectual político que pensa
a sociedade a partir da dimensão política, bem como intelectual social que pensa a sociedade a partir
da dimensão social e onto-teleológica.
De acordo com Fernandes (2016, p. 20) explica que:
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
[…] A teoria social crítica traz na sua essência a análise da realidade sócio-histórica, explicita as dimensões de todo
objeto (suas contradições, nexos internos e externos). Estes nexos são dimensionados através de características
sociológicas, antropológicas, sociais, econômicas e outras.
A autora Guerra (2019, p. 37), na qualidade de militante do projeto ético-político do Serviço Social
brasileiro considera que:
[…] Nós assistentes sociais, como seres prático-críticos encontramos a base de fundamentação da profissão na
realidade social que engendra as particularidades do capitalismo em diferentes estágios e sua complexificação
nos diferentes modelos de produção adotados na direção da preservação do sistema.
Contrariamente, profissionais formados com base a uma pedagogia, cultura e teorias “científicas
alienantes” que reforçam a opressão da classe subalternizada, serão compententes nas suas
intervenções profissional decifrarem as complexas expressões da questão social e as sutilezas que
podem conter as políticas públicas e sociais direcionadas para essas demandas sociais?
Neste quesito, Iamamoto (2020 p. 27) pontua que:
[…] Um dos maiores desafios que o Assistente Social vive no presente é desenvolver sua capacidade de decifrar
a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de
demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e não só executivo.
Vale ainda lembrar que, Guerra (2018, grifo nosso) alerta que o caráter interventivo que o Serviço
Social demanda é tributário de complexidade e diversidade originadas pelas demandas e requisições
das classes sociais, que colocam a dimensão instrumental como a dimensão mais desenvolvida da
profissão capaz de indicar as condições e possibilidades da mesma. Exigindo do/a profissional a criação
e recriação tanto de categorias intelectivas que possam tornar compreensíveis as problemáticas que lhe são
postas como de intervenção nos sistemas de mediações que possibilitam a passagem das teorias às práticas,
demando ao profissional total domínio da competência técnico-operativa para a articulação dos instrumentais
que nelas encerram, usando de forma assertiva a sua versatilidade, habilidades, capacidade analística-crítica
e o poder discricionário técnico durante a sua intervenção social.
Ressalta-se que a Dimensão técnico-operativa comporta […] “As estratégias, táticas, instrumentos
e técnicas, conhecimentos específicos, procedimentos, éticas, cultura profissional e institucional,
particularidades dos contextos organizacionais” (Guerra, 2013, p. 26).
Outrossim, entende-se que a autora enlucida que é a partir da competência técnico-operativa,
que os/as assistentes sociais concretizam a intencionalidade teleológica da sua práxis profissional, a
instrumentalidade, possibilitando-os/as a modificação do cotidiano profissional e o cotidiano das classes
sociais subalternizadas que demandam a sua intervenção, bem como a modificação das condições, dos
meios e dos instrumentos existentes, e os convertendo em condições, meios e instrumentos para o
alcance dos objetivos profissionais, a partir do uso de técnicas de investigação e intervenção como a
entrevistas e a observação, bem como o uso dos instrumentais. Importa referir que os instrumentais
se dividem em duas classes, qualitativa e quantitativa, de acordo com Martinelli e Koumrouyan (1994)
apud Fernandes (2016, p.16) descrevem que:
[…] Os Instrumentais quantitativos são aqueles que garantem o acompanhamento de programas, a mensuração
dos resultados obtidos e a relação custo/benefício, valorizando a eficiência, a eficácia e a efetividade das ações e
objetivos, respondendo mais prontamente às exigências técnico-burocráticas. Dentre eles encontram-se: mapas,
rotinas, convênios, regulamentos, planejamento estratégico, processos informativos, relatórios quantitativos,
memorandos, cartas, gráficos, tabelas estatísticas e outros.
126
Sendo que os instrumentais qualitativos (Ibid p. 16):
[…] São indicadores objetivos que se constituem em referências que permitem acompanhar a evolução da
qualidade de vida e desempenho das ações e atividades, tais como: Planejamento estratégico participativo,
orçamento participativo, plebiscito, fóruns, pesquisa-ação, observação participante, aparatos tecnológicos,
especialmente internet, seminários, encontros, referendo, iniciativa popular, audiência pública, ação civil pública,
conferência, conselho de representantes, mandado de segurança coletivo, parecer social, diário de campo,
assessoria, supervisão acadêmica, supervisão técnica, meios de comunicação formais/informais/orais/escritos/
contatos, reuniões, visitas e outros
Geralmente, o/a assistente social é reconhecido na esfera sociojurídica como um perito social,
assessor, ou consultor que constrói os conhecimentos científicos acerca de uma situação processual
por meio de estudo/perícia social com a finalidade de oferecer elementos de provas para a decisão
judicial justa.
O termo sociojurídico, segundo Fávero (2003, p.10) apud Fávero (2013, p. 509) foi cunhado pela
primeira vez em Serviço Social na revista Serviço Social & Sociedade n.º 67 da Cortez Editora, com a
significação de:
[…] Conjunto de áreas em que a ação do Serviço Social articula-se a ações de natureza júrica, como o sistema
judiciário, o sistema penitenciário, o sistema de segurança, os sistemas de proteção e acolhimento como abrigos,
internatos, conselhos de direitos, entre outros.
No caso do sistema judiciário, o juiz durante a instrução processual pode solicitar ou nomeia um
perito especializado em Serviço Social, com competências para a realização assessoria social para a
compreensão de uma demanda social ou para a realização de um estudo social que demanda as expressões
da questão social, como informação de denúncias de violação de direitos humanos, levantamentos ou
identificação da realidade sociofamiliar, viabilização de direitos sociais, etc., que exijam perícia social,
de maneira a contribuir como suporte à decisão que o Magistrado Judicial irá tomar.
No mesmo diapasão Sales; Matos e Leal (2010, p. 289) afirmam que:
[…] A perícia social tem a finalidade conhecer, analisar, e emitir parecer sobre situações conflituosas no âmbito de
litígios legais-em especial no campo dos conflitos familiares – tendo em vista subsidiar os juízes em suas decisões.
Portanto, a perícia social na área de Serviço Social é um processo que envolve o estudo social, o laudo social
e o parecer social, atividades estas que não se restringem ao campo sociojurídico, visto que são competências
privativas do assistente social, preservadas na lei da regulamentação da profissão, que exigem uma base técnica,
teórico-metodológica e compromisso ético.
127
sociofamiliar vivida por determinados sujeitos ou grupos de sujeitos, sobre o qual os assistentes sociais
são chamados a opinar. Portanto, é um processo de trabalho que objetiva interpretar a realidade social
ou expressões da questão social na qual está inserido o objeto da ação profissional
A realização hesitosa de um estudo social ou uma perícia social exige do profissional o domínio das
três dimensões e/competências do serviço social, que servem de suporte para a operacionalização das
técnicas de entrevistas e observações articuladas com os instrumentais quantitativos e qualitativos,
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
que normalmente ocorrem por via de visitas domiciliar ou institucionais, se o contexto assim demandar.
Conforme sinaliza Oliveira (2009, p. 131), que a realização de um estudo social no contexto do
Centro Jurídico Social da Universidade Estadual de São Paulo/Campus de Franca é feita com recurso:
[…] Às técnicas de entrevistas individualizadas com os usários e membros de suas famílias, casais, filhos e, se
necessário, com demais pessoas que fazem parte da realidade dos usuários. […] Se houver necessidade, para maior
aproximação “in loco” com os usuários, são realizadas visitas domiciliares estabelecer contato real com a vida da
população, seus costumes, sua realidade e a maneira que se estabelecem as relações no cotidiano de suas vidas.
Neste sentido, a inserção dos/as assistentes sociais na esfera sociojurídica, com realce no judiciário
permite a efetivação dos direitos humanos dos sujeitos socias que acorrem a estas instâncias em
busca da justiça, pois são nesses espaços que eles/as materializam o cumprimento exequível dos
instrumentos internacionais e nacionais, os princípios e compromissos obrigatórios legais, judiciais,
sociais, econômicos e outros, que constituem as bases do respeito das sociedades pela dignidade dos
seus membros, e da garantia da segurança e integridade das pessoas.
Visto desta forma, compreende-se a unanimidade dos autores em focar suas discussões, primeiro,
sobre a importância e a urgente necessidade de formação de competências específicas de forma clara e
consistentes baseadas nas três dimensões que caracterizam o Serviço Social enquanto disciplina científica
e categoria profissional, criando oficinas que habilitam os estudantes a construírem os instrumentos e
instrumentais, bem como a operacionalizerem na prática nos campos de estágios curriculares.
Segundo, tem a ver com a investigação e a intervenção social, que obriga aos profissionais em
serviço social dinamismo, proatividade e estratégias para a operacionalização dos instrumentos e
instrumentais aproriados em cada contexto socioprofissional e no caso concreto do judiciário recaiem
a instrução social por fazer parte da instrução processual, que principia com a consulta dos processos,
conhecimento do requerente e dos requeridos, número do processo, número da folha e sua natureza.
Ou seja, os conhecimentos científicos da área de Serviço Social são registrados em um relatório, um
laudo com um parecer social técnico que serve de referência ou prova documental que vai contribuir
para formar o processo, que informa a ação sobre a qual o magistrado judicial decide.
Terceiro, a proeficiência na execução das demandas no judiciário exigem do profissional uma
postura responsável e crítica, comprometida com espírito ético e moral que demanda a profissão, a fim
de questionar o subjetivismo no trato das expressões da questão social, que inviabilizam a promoção
do superior interesse dos direitos sociais da criança.
Angola é um país da região Austral do continente Africano, é membro dos Países Africanos de
Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), com
uma extensão territorial de 1.245,700Km2 e segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística
referentes aos resultados definitivos do recenseamento geral da população e habitação de
angola-2014, afirmam que:
[…] A população em Angola, à data do momento censitário, 16 de maio de 2014, é de 25.789.024 de pessoas.
A maioria da população em Angola são mulheres, 13.289. 983, correspondente a 52% do total, enquanto a
população masculina é de 12.499. 041, representando 48% do total da população (Angola, 2016, p. 31).
128
O Serviço Social enquanto ramo das ciências humanas e categoria profissional foi institucionalizado
em Angola, segundo Monteiro (2016) e Santos (2019), pela primeira vez na década de 1960-1962,
resultante de um “casamento entre Estado Colonial Português com a Igreja Católica, porém em
1977, dois anos após a independência da República Popular de Angola (predominado pelo sistema
político monopartidarista de matriz socialista-leninista) foi extinto, tendo sido reaberto em 2005 com
refundação da primeira escola do Serviço Social, não mais com o nome de Pio XII, como no tempo
colonial, mas agora como Instituto Superior João Paulo II, hoje unidade orgânica da Universidade
Católica de Angola.
Cinco anos mais tarde criou-se a primeira instituição estatal de Serviço Social em Angola democrática
com a designação de Instituto Superior de Serviço Social, afeto ao Ministério do Ensino Superior,
Ciência, Tecnologia e Inovação do art. 1º, 2º e 3º, à luz do Decreto Ministerial nº 7/9, de 12 de Maio.
Atualmente, esta instituição foi fundida com mais três outras instituições de ensino superior pública
por força do Decreto Presidencial nº 281/21 de 1 de dezembro, que estabelece a Reorganização
da Rede de Instituições Públicas de Ensino Superior, tendo criado à luz do art. 1º do Decreto
Presidencial nº 285/20 de 29 de outubro, o Estatuto Orgânico da Universidade de Luanda/UniLuanda,
concomitantemente no seu art. 9º. nº 2, alínea b) criou-se a Faculdade de Serviço Social.
129
conformidade com o artº 25º da Lei nº 29/22, de 29 de agosto (Lei Orgânica sobre a Organização e
Funcionamento dos Tribunais, na qualidade de órgãos da Jurisdição Comum) que são:
1.Tribunal Supremo (órgão superior da hierarquia dos Tribunais da Jurisdição Comum);
2.Tribunais da Relação (tribunais de 2ª instância);
3.Tribunais de Comarca (tribunais de 1ª instância desdobrados em Salas de Competências Especializada) (Angola,
LEI nº 29/22, de 29 de AGOSTO, p. 6194).
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
No que tange as competências dos Magistrados Judiciais no exercício das suas funções, eles
gozam de independência e apenas devem obediência à Constituição e á lei, conforme o art. 178º
da Constituição (Angola, 2010). Ou seja, os Juízes não têm chefes, apenas os tribunais é que são
classificados em instâncias.
Quanto ao acesso à justiça, a Constituição da República de Angola (Angola, 2010) assevera, nos
números 1 e 2 do artigo 2º ser um Estado Democrático de Direito […], que promove e defende os direitos
e liberdades fundamentais do Homem […], assegurando o respeito e a garantia da sua efetivação pelos
poderes legislativo, executivo e judicial, seus órgãos e instituições, bem como por todas as pessoas
singulares e coletivas.
Mais adiante no artigo 29º encontramos, não apenas, as garantias do acesso aos direitos, como
também, as garantias da efetivação da jurisdicionalidade, conforme reza o artigo 29.º, números 1 e 5 que:
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência dos meios econômicos;
5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais
caraterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou
violações desses direitos (Angola, 2010, p. 13).
130
Assim, julga-se que a ação dos mesmos pode resolver todos os problemas dos utentes/usuários sem
ter em conta que, na maioria das vezes, tais problemas são determinados pelas diversas expressões
da questão social e pela inexistência de serviços sociais de proximidade vocacionados à prevenção,
mediação e proteção da classe subalternizada.
Aditivamente, durante realização do estágio profissionalizante no Tribunal Provicial de Comarca
de Luanda “Dona Ana Joaquina” observou-se que a situação tende agrava-se ainda mais devido a
inexistência de assistentes sociais efetivos em todas as Salas da Família/Vara deste Tribunal. Outrossim,
observou-se também um certo desconhecimento das competências formativas em Serviço Social e
das atribuições privativas por parte dos profissionais eventuais que por ali passaram como auxiliares
dos juízes, bem como por parte da maioria dos estagiários. Situações que dificultam a efetivação da
justiça na sua plenitude nesta Sala/Vara, dando origem a elevados processos de variadas naturezas,
que aguardam por perícias sociais.
Apesar de que exista uma noção apurada e vontade manifesta pela presidência da instituição em
referência, bem como pela parte dos juízes sobre a urgente necessidade da empregabilidade dos/
as assistentes sociais para darem corpo às demandas sociojurídicas complexas, que exijam estudos/
perícias sociais para a obtenção de provas materiais, que contribuiriam para a aceleração dos processos
CONSIDERAÇÃO FINAL
131
Ademais, sugere-se às instituições superiores afins que criem centros encubadores jurídicos sociais
para as práticas pedagógicas dos estudantes em equipes multi e interdisciplinares (direito, serviço social
e psicologia social e forense) simulando práticos que exijam a intervenção dos formandos. Portanto,
advoga-se também a necessidade da inclusão no Código do Processo Penal Angolano o Serviço Social,
como esfera especializada em estudo/perícias sociais no judiciário.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Referências
132
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Claudia Mônica dos; BACKX Sheila; GUERRA, Yolanda. (Orgs.). A dimensão técnico-operativa no Serviço Social:
desafios contemporâneos. 2. ed. Juiz de Fora: UFJF, 2013.
GUERRA, Yolanda; BRAGA, Maria Elisa.Instrumentalidade do Serviço Social, 10ª Ed., Revista, São Paulo:
Cortez, 2018.
GUERRA, Yolanda; BRAGA, Maria Elisa.Consolidar Avanços, Superar Limites e Enfrentar Desafios: os
fundamentos de uma formação profissional crítica. In: GUERRA, Yolanda; LEWGOY. Alzira Maria Baptista;
MOLJO, Carina Berta; SERPA, MOEMA; SILVA, José Fernando Siqueira (Orgs.). Serviço Social e Seus
Fundamentos: Conhecimento e Crítica, 2ª Ed., Campinas: Papel Social, 2019.
IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na cena contemporânea. In: CONSELHO Federal de Serviço
Social-CFESS. Serviço Social: Direitos Sociais e Competâncias Profissionais, Brasília: CFSS eABEPSS, 2009.
IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional, 27ª.
Ed., São Paulo: Cortez, 2020.
IAMAMOTO, Marilda Villela. A Questão Social No Capitalismo.In: DURIGUETTO, Maria Lúcia; IAMAMOTO,
Marilda Villela (Org.). Serviço Social: Questão Social, Território e Política Social, Juiz de Fora: UFJF, 2021, E-book.
JACINTO, Adriana Giaqueto. Trabalho socioeducativo no Serviço Social à luz de Gramsci: o intelectual orgânico,
Artigo científico, R. Katál., Florianópolis, v. 20, n. 1, p. 84-92, jan./abr. 2017.
133
A DIMENSÃO EDUCATIVA DO SERVIÇO SOCIAL COMO INSTRUMENTO
ANTIRRACISTA NO TRABALHO PROFISSIONAL
Iolanda Neves1
Resumo: O artigo em questão aborda a ainda pouco explorada Dimensão Educativa do Serviço Social e o
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Antirracismo. Ele compreende o Serviço Social como uma profissão que se coloca a favor das pautas dos
trabalhadores. Portanto, é necessário que o mesmo compreenda os mecanismos que mantêm a estratificação
social. Nesse sentido, com o objetivo de aprofundar o debate sobre a dimensão educativa do Serviço Social, a
qual é um componente indispensável da instrumentalidade da profissão, e também o debate étnico-racial, é
crucial entender o entendimento como alicerce das relações desta sociabilidade. É com base nisso que este
artigo se constrói.
Palavras - Chaves: Dimensão Educativa; Questão étnico-racial; Serviço Social.
Abstract: This article addresses the still relatively unexplored Educative Dimension of Social Work and
Antiracism. It comprehends Social Work as a profession that aligns itself with the agendas of workers. Therefore,
it is necessary for it to comprehend the mechanisms that uphold social stratification. In this context, aiming to
delve into the discussion about the educational dimension of Social Work – an indispensable component of the
profession’s instrumentality – and also the ethnic-racial debate, it is crucial to understand understanding itself
as the foundation of the relations within this sociability. It is upon this foundation that this article is constructed.
Keywords: Educative Dimension; Ethnic-Racial Issue; Social Work.
INTRODUÇÃO
Paulo Freire traz em seu livro Pedagogia do Oprimido a necessidade de se pensar o outro, o oprimido,
como um terreno a ser explorado, com todas as suas possibilidades de trocas horizontais. Ou seja,
Freire traz a necessidade de entendermos quem são os sujeitos de nossas ações sociais para que
possamos construir processos educativos de emancipação humana política e social.
Para melhor adensar na discussão sobre a dimensão educativa, traz - se bell hooks, que ousadamente
da cor e gênero aos oprimidos que Paulo Freire retrata. Bell hooks, mulher negra, ativistas da
discussão étnico racial, seguidora de Paulo Freire, em seu livro “Ensinando a transgredir” (2019) nos
traz a pensar o que até então Paulo Freire ainda não tinha refletido: gênero e a raça. Visto que, para
além de homem cis, paulo freire era um homem branco a sua época, mas avançou e reconhceu suas
lacunas sempre que questionado.
Bell hooks2 colore a pedagogia do oprimido de Paulo Freire e nos chama para um enfrentamento
radical, pensando em transgredir as regras do estado burguês. Ela nos possibilita adensar a debate
sobre a dimensão educativas e a práxis revolucionária, trazendo à superfície o não avanço do que diz
respeito a mudanças sociais de forma mais efetiva estão justamente na desumanização de corpos que
não servem para a manutenção desta estratificação social.
Deste modo, pensando na necessidade de construir ações mais efetivas de enfrentamento à questão
social, sobretudo, a partir da dimensão educativa, é que o presente artigo se apresenta.
O artigo começa pela dimensão educativa do Serviço Social, e pensando como indissociável da
instrumentalidade da profissão. A entendendo, como basilar para o fazer profissional e para se
pensar a emancipação humana. Traz - se durante o capítulo autoras como Yolanda Guerra, a fim de
aprofundarmos no debate educativo o compreendo como ponto de partida de todas as ações que
visam transformação social.
1 Iolanda Neves, Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Estadual Paulista - Júlio de Mesquita Filho
Campus Franca, Mestranda, iolanda.neves@unesp.br
2 bell hooks se escreve com letras minúsculas por uma questão política da autora que prefere dar ênfase a sua escrita que
em seu nome.
134
Na segunda parte do texto, falamos sobre a dimensão educativa do Serviço Social no antirracismo,
compreendo também, que a dimensão educativa do Serviço Social é parte chave do combate ao
racismo. Para tanto, o texto começa com um resgate aos mais de 300 anos de escravização do povo
negro, entendendo que, é basilar para a compreensão das disparidades sociais vivenciadas no hoje por
pessoas negras.
Pessoas negras são as principais sujeitas no que diz respeito à desproteção social. Isso se dá pelo
longo período em que, enquanto escravizadas, sua humanidade foi retirada. E compreendo que este
debate nos propõe a remontar um presente de luta, traz-se Renata Gonçalves, pesquisadora das
questões étnico raciais dentro do Serviço Social, que brilhantemente aponta para as lacunas e as
discorre construindo a possibilidade de um futuro sem racismo e sem esta sociabilidade do capital.
O texto presente se constrói numa perspectiva dialética crítica, visando o compromisso com
os debates urgentes do nosso cotidiano, compreendendo que como os abismos sociais ainda não
foram superados, é preciso que incessantemente continuemos a fomentar estes debates. Visa-
se a necessidade de esperançar diante das mazelas do sistema em que vivemos, é preciso que se
compreenda que mesmo que moleculares, as ações, que visam a emancipação humana política e social
dos indivíduos, não deixam de ter seus efeitos.
DESENVOLVIMENTO
Como uma profissão liberal e que se constrói no bojo da divisão sociotécnica do trabalho na sociedade
capitalista, é preciso que o Serviço Social esteja atento às contradições do cotidiano. Deste modo, é
preciso que a profissão esteja imbuída do olhar crítico para o cotidiano, a fim de fazer o enfrentamento
à superestrutura do capital3.
Para tanto, é preciso que compreendamos a instrumentalidade do Serviço Social, que é basilar para
a transformação do cotidiano. Visto que quando falamos sobre a instrumentalidade do Serviço Social
fala-se sobre um movimento de rompimento com a visão formalista diante dos instrumentos utilizados
na prática profissional (Guerra, 2000). Através da capacidade teleológica, de ideação de uma ação ou
algo e que se transforma em mobilização dos meios visando objetivar suas intencionalidades.
Desta maneira, ao fazermos o movimento de objetivar as intencionalidades no exercício profissional,
é preciso que antes compreendamos para onde estamos seguindo. Se nos apoiamos nas investidas
neoliberais contra tudo o que é social, ou se estamos de fato ao lado da classe trabalhadora, visando
construir uma sociabilidade igualitária e que garanta os direitos em todas suas esferas de progresso e
humanização dos indivíduos.
3 Termo cunhado por Gramsci para falar sobre a estrutura do capital e suas contradições.
135
Visto que, pensando o trabalho do assistente social e seus rebatimentos ímpares no cotidiano, se
o profissional desta área não entende a gravidade da falta da instrumentalidade, de intencionalizar
ações que reverberam na emancipação social e política das pessoas que nesta sociabilidade vivemos, o
que se tem, é a repetição e manutenção de um sistema que visa sobretudo as disparidades sociais a fim
de manter poderes oligárquicos, como é o que se vive com o capitalismo.
Neste sentido, o movimento de buscar maneiras de pensar e agir profissionalmente a fim de se
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
colocar enquanto resistência diante das investidas neoliberais do sistema do capital, traz a dimensão
educativa como estratégia. Principalmente porque, ao pensarmos em dimensão educativa da profissão
estamos falando sobre
a possibilidade de rupturas moleculares, ressaltando que a posição hegemônica é uma construção histórica e, por
isso, suscetível de contra-hegemonia. As rupturas moleculares – socialização do poder e da política, a ocupação de
posições, a elevação cultural e do conhecimento, a consciência crítica – poderão contribuir para uma nova visão
de mundo, desarticulando a ideologia dominante. A libertação do estágio inicial para um novo estágio de contra-
hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica, na medida em que indivíduos, grupos ou segmentos em
relação com outros pares absorvem as experiências e amadurecem concepções e práticas autônomas, podendo
multiplicar possibilidades de emancipação coletivas. (Giaqueto, 2017)
Neste sentido, para que isso seja possível, precisamos colocar na superfície a necessidade da relação
teoria prática. Não há possibilidade de construir ações e impacto no que se refere ao cotidiano se
estamos longe da historicidade, se não se mantém uma formação continuada. Visto que, a intervenção
na realidade, como foi trazido no texto parte da ideação e as intencionalidades.
Com isso, pode-se dizer que as intencionalidades estarão de acordo com o nosso adensamento na
realidade através não só da observação do movimento do real, mas através da busca de autores críticos e
suas percepções históricas. Deste modo, quando a ideação crítica se junta a mobilização a fim de mudanças
do status quo, o que temos é um uma intervenção mais efetiva e que vincula a classe trabalhadora à
realidade, mesmo que com as dificuldades postas pela alienação da sociabilidade capitalista.
A Partir do que foi trazido sobre a dimensão educativa do Serviço Social, nestas linhas traremos a
importância desta dimensão para se pensar ações antirracistas no bojo da profissão. Entendendo que
o Serviço Social tem um compromisso inadiável e intransigente com as expressões da questão social.
Desta forma é mais que necessário que se debata a questão racial à luz do Serviço Social.
Segundo dados do IBGE 2021,
Pretos e pardos enfrentam maior insegurança de posse da moradia: 20,8% das pessoas pardas e 19,7% das pessoas
pretas residentes em domicílios próprios não tinham documentação da propriedade, enquanto a proporção entre
as pessoas brancas era praticamente a metade (10,1%).Uma análise das linhas de pobreza propostas pelo Banco
Mundial atesta a maior vulnerabilidade das populações preta e parda. Em 2021, considerando a linha de U$$5,50
diários (ou R$ 486 mensais per capita), a taxa de pobreza dos brancos era de 18,6%. Já entre pretos o percentual
foi de 34,5% e entre os pardos, 38,4%. Na linha da extrema pobreza, (US$1,90 diários ou R$ 168 mensais per
capita), as taxas foram 5,0% para brancos, contra 9,0% dos pretos e 11,4% dos pardos. Em 2021, havia 8,4% da
população na extrema pobreza. O percentual da população branca estava abaixo dessa média. Já as populações
preta e parda tinham proporções acima da média e dos brancos”, diz o analista André Simões. (SEADE, 2020)
Os dados apresentados acima são rebatimentos dos mais de 300 anos de escravização de povos
africanos no Brasil. Como nos relembra Renata Gonçalves (2018)
Quando nos debruçamos sobre o que ocorreu nos dias posteriores ao congraçamento de 13 de maio de 1888,
percebemos que as correntes formais deixaram de existir, mas o salto para que os(as) trabalhadores(as) negros(as)
fossem reconhecidos(as) como parte constitutiva da insipiente nação brasileira tornou-se um longo e intolerável
cortejo. O Estado brasileiro não implementou políticas que impulsionassem a inclusão destes(as) no universo da
cidadania, até porque isto implicaria profundas mudanças nas relações sociais, especialmente no campo. Ironia
das ironias, finalmente libertos(as) e aptos(as) a venderem livremente sua força de trabalho ao capitalista, a
136
almejada liberdade não garantiu condições para que se integrassem de fato ao proletariado, não puderam sequer
compor o exército industrial de reserva, a não ser, parafraseando Florestan Fernandes (2008), como escória da
escória do operariado em formação. (Gonçalves, 2018)
Neste sentido, quando pensamos neste momento histórico é possível apreender o porquê a maioria
das pessoas negras estão em desproteção social. É um processo de desumanização que reverbera em
todas as esferas da vida cotidiana do negro brasileiro. Assim, os/as assistentes sociais, profissionais que
“ [...]modificam, transformam, alteram as condições objetivas e subjetivas e as relações interpessoais e
sociais existentes num determinado nível da realidade social: no nível do cotidiano.[..] “(Guerra, 2007,
p.2), precisam estar em constante reflexão acerca desta historicidade, visto que, seu cotidiano de
trabalho é intrínseco a mesma.
É no racismo, sexismo e classicismo, que a sociabilidade do capital se estrutura, para que se mantenha
o trabalhador estranhado e alienado de seus direitos e humanidade. O racismo, por exemplo, pensando
a particularidade do Estado brasileiro, é a principal estratégia de manutenção da ordem capitalista. Há
um trabalho constante em manter a ideia do país das três raças como projetou Florestan Fernandes.
Assim, fazendo com que as pessoas negras tenham dificuldade de se enxergar como tal e reconhecer
os rebatimentos de sua cor em sua vida cotidiana e pessoal.
Atrelado a este desejo de arianização, existia o indiscreto charme da burguesia agrária, que lucrou fartamente com
o estímulo estatal de importação de imigrantes brancos. Ao contrário dos autores que elevavam os fazendeiros
paulistas à categoria de nova classe empresarial, cuja racionalidade capitalista os teria feito compreender
que a escravidão já não era mais rentável, Jacob Gorender (1980) assinala a permanência altamente lucrativa
do trabalho escravo até o último momento. O fim do tráfico externo, na verdade, estimulou internamente a
comercialização de escravizados(as). O apelo à força de trabalho do imigrante operou “[...] como fonte alternativa
de mão-de-obra tão somente suplementar, sob formas de escravidão incompleta6 ”. (GORENDER, 1980, p. 564,
grifo do autor). Somente no momento derradeiro, às vésperas da abolição, com um pé atrás, mas com a garantia
de que dos cofres públicos viria a solução imigrantista para ocupar o lugar do imprescindível trabalho escravo, a
carroça do atraso paulista, sem charme e sem escrúpulo algum, aderiu à abolição. Os estímulos do Estado foram
fundamentais para a substituição da força de trabalho com vistas a “[...] satisfazer uma teia de interesses que se
conjugavam dentro de uma visão capitalista dessa transação, com capitais em jogo e interesses ideológicos e
políticos que se completam”. (Moura, 1988, p. 88). Longe de qualquer distinta qualificação, os imigrantes chegavam
de áreas da Europa “[...] onde o avanço do capitalismo criava uma superpopulação desocupada e miserável, cujo
excesso inassimilável os próprios governos europeus tinham interesse em expelir”. (GORENDER, 1980, p. 566).
Vitoriosa a campanha abolicionista, o destino dos(as) negros(as) já não interessava a nenhum outro grupo social,
nem mesmo à força dirigente adepta dos ideais da igualdade. A classe média urbana se voltou aos propósitos
de sua própria ascensão social alicerçada pela ideologia meritocrática. A revolução burguesa foi limitadíssima.
Aboliu a escravidão, mas deixou intocado o problema do negro, resolvendo apenas o problema do branco (SAES,
2001). (Gonçalves, 2018)
Neste sentido, esse momento histórico e latente se relaciona com o Serviço Social pois,
Na gênese do Serviço Social, na década de 1930, esta população permaneceu escanteada. Diluída na condição de
pobre e miserável, tornou-se objeto de uma caridade que, mais do que flertar, estabeleceu ligações perigosas com
a política eugenista do Estado brasileiro. Produto histórico das relações sociais, a profissão esteve estreitamente
vinculada às ideias da classe dominante e reproduziu ou reforçou o status quo. De um lado, recebeu investidas
eugenistas sob o argumento de que, para assegurar moralmente o destino da comunidade nacional, era preciso
contribuir para melhorar a raça. De outro, e sem sair do universo ideológico conservantista, a categoria se
viu sob o manto do mito da democracia racial, ideologia responsável por propagar a ideia de uma escravidão
branda e de uma convivência pacífica entre os povos, não havendo, portanto, no Brasil um problema negro,
como se reconhecia existir em outros países. Em ambos os casos, de harmonia entre as raças e de eugenia, os(as)
primeiros(as) assistentes sociais não perceberam que o nó da questão social, núcleo elementar da profissão,
residia justamente na ofuscada questão racial. (Gonçalves, 2018)
137
Com isso, podemos dizer que é muito recente o Serviço Social enquanto uma categoria profissional
que se coloca a par do que diz respeito à defesa intransigente dos direitos mas sobretudo da luta contra
todas as formas de preconceito, como assim vemos em nosso código de ética.
Ao longo das últimas décadas, o Serviço Social brasileiro vem construindo um projeto de profissão sustentado
por um arcabouço teórico metodológico direcionado pelo esforço de apreensão da realidade sob a orientação
do marxismo e uma direção ético-política vinculada às lutas da classe trabalhadora. Essa construção, embora
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
recente, nos deixa um importante legado de amadurecimento teórico-político e coloca o importante desafio,
sobretudo às entidades dessa profissão, de construir táticas e estratégias de consolidação do projeto profissional
crítico. (SUBSÍDIOS PARA O DEBATE SOBRE A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NA FORMAÇÃO EM SERVIÇO
SOCIAL, 2017 2018)
Almeida (2013) menciona que desde os anos 80 as assistentes sociais engajadas nas lutas antirracistas vêm
tocando a pauta dentro e fora da profissão, seja na articulação com o movimento negro, seja nos encontros da
categoria. Somado a isso, temos a aprovação do Código de Ética de 1993 que demarca em seus princípios um
exercício profissional que combata toda forma de opressão e discriminação. Além disso, as Diretrizes Curriculares
da ABEPSS de 1996 apontam em seu conteúdo programático a incorporação de conteúdos obrigatórios nos
currículos acadêmicos sobre a questão étnico-racial (SUBSÍDIOS PARA O DEBATE SOBRE A QUESTÃO ÉTNICO-
RACIAL NA FORMAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL, 2017-2018)
Contudo,
ainda temos uma tímida produção e ações políticas – embora estejam numa crescente – no campo da luta
antirracista no Serviço Social, que reverbera na formação profissional limitando o aprofundamento de uma
analise da totalidade da realidade brasileira, ou seja, em que medida o racismo impacta o processo de formação
e trabalho profissional. (SUBSÍDIOS PARA O DEBATE SOBRE A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NA FORMAÇÃO
EM SERVIÇO SOCIAL, 2017-2018)
Desta maneira, levanta-se a necessidade da profissão de se apropriar do debate étnico racial. Como
um movimento que entende não só o que prega a categoria profissional em suas diretrizes, mas como
um movimento coletivo de comprometimento radical com a emancipação humana, pensando que os
profissionais em Serviço Social são também classe trabalhadora e sofrem com os rebatimentos da
questão social. Isso deve ser feito com urgência, articulados estratégias com a classe trabalhadora, a
fim de informatizar e construir enfrentamentos ao que está posto como sociabilidade do capital.
Ainda que raça não tenha nenhum sentido biológico, sob o ponto de vista sócio-histórico, raça continua sendo um
recurso político–ideológico de estigmatização, segregação, dominação e exploração em todo o mundo. Embora
sua existência não seja mais validada pelas ciências naturais, sua existência é real nas mentes e na vida social
concreta dos sujeitos. E mesmo esvaziada de sentido biológico, a ideia de raça persiste, sobretudo, no âmbito das
relações de poder e dominação para a manutenção de uma sociedade desigual (SUBSÍDIOS PARA O DEBATE
SOBRE A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NA FORMAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL , 2017 - 2018)
Sabe-se que não é um trabalho fácil, principalmente quando se pensa que a categoria profissional
não tem uma hegemonia no que diz respeito a instrumentalidade e práxis da profissão. Ou seja, os
campos de atuação do Serviço Social são territórios de grandes disputas em que é preciso traçar
estratégias para que se faça cumprir o que temos posto em nosso código de ética.
Para tanto, como nos traz Guerra (2010), precisamos estar apoiados na razão dialética, esta que para
além de visar a emancipação humana, coloca o assistente social como um profissional deliberadamente
pedagógico crítico. Desta forma, é importante reiterar que o Serviço Social é uma profissão educativa,
assim, uma profissão em que nas mediações do cotidiano profissional, fala sobre uma práxis
revolucionária que visa informatizar, destrinchar e lutar pela vida e existência da classe trabalhadora.
Com isso, é preciso que nosso fazer profissional esteja atrelado a discussão de pautas como a racial.
Nas entrevistas sociais, nos laudos e pareceres, é preciso que conste nossa instrumentalidade, está
que tem como intencionalidade o rompimento com a ordem burguesa e que, compreende que se não
superarmos o racismo, e fazermos o enfrentamento nas mínimas ações profissionais, não se é possível
pensar a emancipação política e social da sociedade brasileira como um todo.
138
Por fim, é importante reiterar que a dimensão educativa do Serviço Social é também um
enfrentamento a está sociedade do espetáculo4, em que não se domina “as regiões subdesenvolvidas
apenas pela hegemonia econômica” (Debord, 2020, p.38). Com isso, a formação continuada é um
alicerce importante para que se construa uma dimensão educativa radical e crítica. Compreendo que
ainda não superamos esta sociabilidade do capital, é preciso que estejamos em constante formação
para que não sejamos cooptados pelos diversos mecanismos para se manter as disparidades sociais.
Desta forma, é preciso que fique claro que isso só será possível no coletivo, através de ações que mesmo
que moleculares, como nos traz Gramisc, tem suma importância, visto que, mesmo que focalizadas,
ainda são ações que visam transformação.
4 CONSIDERAÇÃO FINAL
Diante das investidas do sistema capitalista, a fim cristalizar o trabalho estranhado e explorado, é
preciso que sejamos combativos. Principalmente enquanto profissionais do seio do cotidiano, estes que
transformam e recriam o movimento do real, pois compreendemos como o cotidiano e suas nuances,
Com isso, o que fica para reflexão final deste artigo é que saibamos que estamos lidando com uma
superestrutura, e que diante de tantas profissões do presente, o Serviço Social é uma das únicas com
uma visão da totalidade de uma maneira crítica do movimento do real. E assim, seu compromisso deve
ser visto como urgente e que saibamos que mesmo diante de tudo o que está posto pela sociabilidade do
capital, ainda há tempo de transformação desta sociabilidade do capital.Como nos traz Eurico, é preciso
reafirmar que nosso compromisso com a classe trabalhadora precisa considerar necessariamente suas pautas
universais, mas também apreender suas particularidades. Entre o universal e o particular se põe um campo
de disputas onde certamente o pertencimento étnico-racial, a identidade de gênero, a orientação sexual, o
lugar ocupado na divisão social e técnica do trabalho revelam a diversidade humana, mas também acirram a
desigualdade no interior da própria classe. (Eurico, 2018)
E para tanto, é preciso, também, que se compreenda que este trabalho educativo é também um
movimento de que se constrói a partir da constância das ações, buscando aprimorar nossos olhares
para a realidade, aprofundando nossas leituras e escritas. Principalmente porque, para que se torne
139
real a emancipação social e política da sociedade como um todo, se faz necessário compreender de
onde saímos enquanto indivíduos desta realidade do capital e onde chegamos com a mesma.
As conquistas são nítidas, mas ainda muito frágeis quando se pensa em como se garantem os direitos
constitucionais brasileiro. Neste sentido, o trabalho de base, como o da assistente social, é primordial
para o enfrentamento das expressões da questão social.
Neste sentido,
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Com isso, traz-se que a dimensão educativa nos proporciona olhar o que é tido como o Monstro5
e compreender que toda uma sociedade o criou. Com isso, quer se dizer que o cotidiano do capital
molda as relações para que se mantenha as disparidades sociais, para que enxerguemos mulheres,
negros e pessoas empobrecidadas enquanto algo que não deve ser visto, e justamente para construir
uma voz que ecoe a igualdade é que a dimensão educativa do Serviço Social se constrói. Por isso, que
estejamos sempre esperançando novos horizontes de mais oportunidades e garantia dos direitos ao
lado da classe trabalhadora que também é composta por assistentes sociais.
REFERÊNCIAS
GUERRA, Yolanda. Instrumentalidade: “Capacitação em Serviço Social e Política Social”. Módulo 4: O trabalho
do assistente social e as políticas sociais. CFESS/ABEPSS-UNB, 2000.
GONÇALVES, Renata. Quando a questão racial é o nó da questão social. Revista Katálisis, Florianópolis, v. 21,
n. 3, p. 514-522, set./dez. 2018.
JACINTO, Giaqueto Adriana. Trabalho socioeducativo no Serviço Social à luz de Gramsci: o intelectual
orgânico. Revista Katálisis, Florianópolis, v. 20, n. 1, p. 84-92, jan./abr. 2017.
ABEPSS. Subsídios para o debate sobre a questão étnico-racial na formação em Serviço Social, 1ª Edição,
Vitória, p. 10-14, Dez 2017-2018.
IBGE. Pessoas pretas e pardas continuam com menor acesso a emprego, educação, segurança e saneamento.
Agência de Notícias IBGE, Rio de Janeiro, 14 de dezembro de 2012. Disponível em: <URL completa do artigo>.
Acesso em: 23 de agosto de 2023.
SEADE. Pandemia afasta ainda mais negros da aposentadoria do INSS. Fundação Sistema Estadual de Análise
de Dados, São Paulo, 23 de novembro de 2020. Disponível em: <URL completa do artigo>. Acesso em: 23 de
agosto de 2023.
EURICO, Campos Márcia. A luta contra as explorações/opressões, o debate étnico-racial e o trabalho do
assistente social. Revista Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 515-529, set./dez. 2018.
140
SERVIÇO SOCIAL NA EDUCAÇÃO:
Aproximações com a Dimensão Socioeducativa do Assistente Social.
RESUMO: O presente artigo busca uma aproximação com a dimensão socioeducativa do assistente social no
espaço sócio-ocupacional da Educação. Compreende-se que essa dimensão educativa do assistente social deve
ocupar toda a extensão do ambiente escolar. Trata-se de um artigo construído a partir de revisão de literatura
e pesquisa bibliográfica em produções teóricas e legislações que orientam, informam e discutem sobre a
inserção do assistente social na Educação e sobre a dimensão socioeducativa do assistente social. Conclui-se
que a dimensão educativa deve seguir os princípios ético-políticos da profissão, garantindo a execução de um
trabalho crítico e criativo, na perspectiva da garantia de direitos e que é fundamental ao Serviço Social priorizar,
incorporar e aprofundar essa dimensão pedagógico-interpretativa e socializadora das informações – a dimensão
educativa – enquanto espaço sócio-ocupacional do assistente social na Educação.
Palavras- chave: Educação. Serviço Social na Educação. Dimensão educativa.
ABSTRACT: This article seeks an approximation with the socioeducational dimension of the social worker in
the socio-occupational space of Education. It is understood that this educational dimension of the social worker
INTRODUÇÃO
O presente artigo busca uma aproximação com a dimensão socioeducativa do assistente social em
um espaço sócio-ocupacional determinado – a política pública da Educação. A dimensão socioeducativa
do assistente social envolve as três dimensões da profissão: a teórico-metodológica, técnico-operativa
e ético-política2.
A dimensão socioeducativa, à luz dos princípios ético-políticos da profissão, oportuna a execução de
um trabalho crítico e criativo, na perspectiva da garantia de direitos, através da execução de práticas
educativas que provoquem mudanças e reflexões em seus estudantes, familiares e comunidade escolar,
estimulando a participação e mobilização política.
Compreende-se a educação pública como direito social e o assistente social na política de Educação
posiciona-se em defesa de uma educação pública, universal, gratuita e de qualidade. Pensar o espaço
sócio-ocupacional do assistente social na Educação requer pensar a totalidade histórica e o movimento
do capitalismo em momentos de crise, o que acarreta alterações no financiamento das políticas
públicas, as quais, historicamente, os assistentes sociais dedicaram-se a implementar. E pensar o
Serviço Social na Educação requer compreendê-lo além da prática, mas inserido em processos de
trabalho, no movimento de produção e reprodução da vida social, na participação da produção de
valor e no processo de redistribuição de riquezas na sociedade (Pereira, 2015).
1 Mestra em Serviço Social e Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal Fluminense. Assistente Social do Cefet/
RJ – UnED Angra dos Reis. E-mail: carina.aparecida@gmail.com.
2 Segundo Guerra (2012 apud Pereira, 2015), a dimensão teórico-metodológica se refere à capacidade de apreensão do
método e das teorias e sua relação com a prática, na ação profissional. A dimensão técnico-operativa se relaciona aos
objetivos e finalidades das ações do assistente social e os princípios e valores humano-genéricos que os guiam. E a dimensão
ético-política faz alusão à capacidade de o profissional articular meios e instrumentos para materializar os objetivos, com
base nos valores concebidos.
141
A inserção dos assistentes sociais na política de Educação está dividida em segmentos de ensino –
educação básica e/ou educação superior, nas formas de financiamento público e/ou privado. Na educação
básica, a Lei Nº 13.935, de 11 de dezembro de 2019 dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia
e de serviço social nas escolas. O assistente social, dessa forma, compõe equipe multidisciplinar,
de forma a propor ações para a melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem, com a
participação da comunidade escolar, atuando na mediação das relações sociais e institucionais (Brasil,
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
2019). Nas Instituições de Ensino Superior, os assistentes sociais atuam de forma o promover o acesso
e permanência dos discentes nessa modalidade de ensino. A dimensão socioeducativa do assistente
social, muitas vezes, é executada através de projetos de extensão. Compreende-se que essa dimensão
educativa do assistente social deve ocupar o espaço sócio-ocupacional da Educação em toda a extensão
do ambiente escolar, tornando-se parte do cotidiano escolar.
Trata-se de um artigo construído a partir de revisão de literatura, onde se procedeu com a pesquisa
bibliográfica em produções teóricas e legislações que orientam, informam e discutem sobre a inserção
do assistente social nesse espaço sócio-ocupacional da Educação e sobre a dimensão socioeducativa
do assistente social.
Iniciamos o artigo dialogando sobre alguns dilemas da formação e atuação profissional em Serviço
Social, partindo para a compreensão da inserção do Serviço Social na política pública de Educação
e, posteriormente, apresentam-se algumas considerações acerca da dimensão socioeducativa do
Serviço Social.
É no marco do capitalismo monopolista que o Serviço Social se apresenta como “uma das
especializações do trabalho, parte da divisão social e técnica do trabalho social” (Iamamoto, 2008,
p. 414). Enquanto tal, “os assistentes sociais trabalham com as múltiplas dimensões da questão social
tal como se expressam na vida dos indivíduos sociais, a partir das políticas sociais e das formas de
organização da sociedade civil na luta por direitos” (2008, p. 160). Exige-se, pois, desses profissionais
a análise do desenvolvimento capitalista, das formas de enfrentamento da “questão social” em
cada momento histórico e do papel do Estado. Para tanto, há dois projetos políticos institucionais
orientando tais ações, uma vez que “vive-se uma tensão entre a defesa dos direitos sociais universais
e a mercantilização e re-filantropização do atendimento às necessidades sociais” (2008, p. 196). O
primeiro projeto atua na defesa da democracia, universalização dos direitos, participação popular,
defesa da cidadania, primazia do Estado e o segundo atua na defesa do ideário neoliberal, com políticas
de ajuste, reforma do Estado, política social subordinada à política econômica (2008, p. 196-197).
Ao profissional cabe então a defesa de um projeto político institucional que vá ao encontro do projeto
ético-político da profissão, respeitando os princípios fundamentais do Código de Ética Profissional
(1993), dentre os quais: “opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de
uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero”.
O profissional situa-se numa zona de tensão entre o projeto ético-político e o estatuto do assalariado:
[...] verifica-se uma tensão entre projeto profissional, que afirma o assistente social como um ser prático-
social dotado de liberdade e teleologia, capaz de realizar projeções e buscar implementá-las na vida social; e a
condição de trabalhador assalariado, cujas ações são submetidas ao poder dos empregadores e determinadas
por condições externas aos indivíduos singulares, às quais são socialmente forjados a subordinar-se, ainda que
coletivamente possam rebelar-se (Iamamoto, 2008, p. 416).
Corroboramos com Iamamoto (1992) ao apontar o espaço profissional como um produto histórico,
condicionado pelo nível de luta pela hegemonia que se estabelece entre as classes fundamentais e suas
respectivas alianças e pelo tipo de respostas teórico-práticas densas de conteúdo político dadas pela
142
categoria profissional. A partir dessa leitura, o profissional poderá pensar nas potencialidades, para
além da realidade posta.
Ao assistente social cabe ainda “reassumir o trabalho de base, de educação, mobilização e
organização popular, organicamente integrado aos movimentos sociais e instâncias de organização
política de segmentos e grupos sociais subalternos” (Iamamoto, 2008, p. 200).
No que se refere ao processo de formação profissional do assistente social, o sucateamento da
Universidade pública o afeta diretamente. A partir do processo de mercantilização da educação,
a universidade pública viu-se sucateada em razão de transferências de orçamento público para
instituições privadas (Iamamoto, 2008, p. 436). A Universidade pública é regida pela não separação
do ensino, pesquisa e extensão “os esforços se direcionam para preservar, no ambiente universitário,
a integração entre o ensino, a pesquisa e a extensão e assegurar a liberdade didática, científica
e administrativa para produzir e difundir conhecimentos -, e realizar a sua crítica -, voltados aos
interesses das maiorias” (2008, p. 432). Uma universidade pública, gratuita e de qualidade, que cultive
a razão crítica e o compromisso com os valores universais (2008, p. 432); são esses os princípios que
são colocados em xeque na contemporaneidade.
Ainda no que se refere ao ensino, há aumento significativo dos cursos na modalidade de ensino
3 A Seguridade Social aparece na Constituinte de 1988 e é composta pelo tripé: Saúde, enquanto direito de todos,
Previdência, de caráter contributivo, e Assistência Social, voltada para os que dela necessitarem. A Saúde, Previdência e
Assistência Social passam a compor o tripé da Seguridade Social no Brasil.
4 O artigo 205 da Constituição Federal (1988) estabelece que: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
5 A Lei nº. 8.662, de 7 de junho de 1993, dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências. É um
marco importante para a profissão, juntamente com o Código de Ética profissional e as Diretrizes Curriculares da ABEPSS
(Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social) de 1996.
143
Para Oliveira (2017), a educação além de atuar na esfera da reprodução social, a partir do repasse
de concepções, valores e comportamentos aos seus usuários, atua na esfera da produção, quando
qualifica a mão de obra e produz conhecimentos que subsidiam o desenvolvimento da ciência e da
tecnologia, entendidos como fatores de produção. Nesse sentido, a educação é um campo de disputa
entre as classes.
A Carta Magna encontra no Brasil um cenário de “grandes resistências em efetivar direitos
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
instituídos ou, ao contrário, com nítidas ações de retrocesso e desrespeito aos direitos conquistados”
(CFESS, 2001, p. 9). Ao se analisar o orçamento púbico, nota-se a redução de recursos para as políticas
públicas, dentre elas, a Educação (CFESS, 2001).
As políticas públicas, em tempos neoliberais, tornam-se seletivas e focalizadas6, mercadorizadas7
e descentralizadas8. No que se refere ao princípio da descentralização, transfere-se para segmentos
da sociedade civil responsabilidades do âmbito do Estado.
O fundo público9 é reorientado para atender ao chamado déficit fiscal do Estado10 e com isso
o fornecimento de políticas públicas por parte do Estado vê-se comprometido: “de “motores” do
crescimento, as políticas sociais passam a ser vistas como “freios” do crescimento econômico e se
sucedem as críticas ao peso do Estado social, das despesas crescentes e das “generosas” prestações
sociais” (Boschetti, 2012, p. 781).
A “questão social”11 é fragmentada e parcializada, uma vez que entendê-la a partir da contradição
capital/trabalho remeteria à base do sistema capitalista, afetando a constituição da ordem burguesa.
A “questão social” é tratada nas suas refrações, as quais são vistas como problemas sociais a serem
tratados no âmbito particular e aparente e não o tratamento da “questão social” em si, tratamento esse
que só pode ser entendido como sua dissolução, sua resolução, seu fim.
As respostas do Estado às manifestações, refrações, expressões da “questão social” estão
diretamente ligadas à mobilização de seus demandatários, ou seja, o Estado abarca a luta de classes
e responde tanto às demandas dos trabalhadores quanto ao capital. Tendo sido tomado pelo capital,
atende-o prioritariamente, uma vez que é sua própria expressão. Por outro lado, responde às demandas
dos trabalhadores tanto quanto forem sua mobilização e articulação política, de forma a exigir do
Estado respostas às suas demandas.
Tendo sido a ordem burguesa constituída sob o aporte do ideário liberal e seu individualismo (ethos
individualista), pressupunha-se que, os direitos sociais, por terem caráter coletivo, seriam incompatíveis
6 Seletiva no sentido de selecionar os que terão acesso aos serviços ofertados pela política; uma espécie de triagem que
contraria o caráter universal que orienta as políticas públicas. Focalizada no sentido de ser focada num segmento e para um
segmento. Exemplo de política seletiva e focalizada é a Assistência Social.
7 Os serviços ofertados pela respectiva política são transformados em mercadorias, de forma a serem vendidos e comprados
no mercado. Exemplo de política mercadorizada é a Educação.
8 A descentralização abarca dois movimentos. Um no sentido de transferir responsabilidade aos municípios (municipalidades)
na execução das políticas e outro no sentido de transferir para a sociedade civil a responsabilidade do trato com o social, como
é o caso das ONGS (Organizações Não-Governamentais), muitas vezes financiadas com orçamento público.
9 Salvador apresenta que “o fundo público envolve toda a capacidade de mobilização de recursos que o Estado tem para
intervir na economia, além do próprio orçamento, as empresas estatais, a política monetária comandada pelo Banco Central
para socorrer as instituições financeiras etc. A expressão mais visível do fundo público é o orçamento estatal” (Salvador,
2010, p. 607).
10 A partir dos anos 1990, os sistemas de proteção social nos países centrais e, as políticas públicas nos países periféricos
que não chegaram a desenvolver plenamente seus sistemas de proteção social são difundidos como onerosos ao Estado,
tendo, portanto, que serem revistos. Atribui-se, desde então, à proteção social ofertada pelo Estado a culpa pelas crises
inerentes ao sistema capitalista (Boschetti, 2012, p. 780).
11 Iamamoto (2000, p.54) define a questão social como o “[...] conjunto das expressões das desigualdades sociais
engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter
coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho -, das condições
necessárias à sua realização, assim como de seus frutos. É indissociável da emergência do “trabalho livre”, que depende da
venda de sua força de trabalho como meio de satisfação de suas necessidades vitais. [...] Historicamente a questão social
tem a ver com a emergência da classe operária e seu ingresso no cenário político, por meio das lutas desencadeadas em prol
dos direitos atenientes ao trabalho, exigido o seu reconhecimento como classe por parte do bloco do poder, e, em especial,
do Estado e do empresariado industrial”.
144
com as proposições de tal ideário. A ordem burguesa tornou-os compatíveis, ressignificando-os: “o
caráter público do enfrentamento das refrações da “questão social” incorpora o substrato individualista
da tradição liberal, ressituando-o como elemento subsidiário no trato das sequelas da vida social
burguesa” (Netto, 2007, p. 35). Isto foi possível pelo processo de culpabilização do indivíduo por sua
situação social, onde ao indivíduo é lançada a responsabilidade pelo lugar que ocupa na estrutura
social, ou seja, é responsabilidade de cada um buscar seu estabelecimento na estrutura social, por seu
próprio esforço, sendo culpabilizado caso não alcance melhores projeções. Para Netto (2007, p. 36),
“o redimensionamento do Estado burguês no capitalismo monopolista em face da “questão social”
simultaneamente corta e recupera o ideário liberal – corta-o, intervindo através de políticas sociais;
recupera-o, debitando a continuidade das suas sequelas aos indivíduos por elas afetados”.
Por um lado, o indivíduo é culpabilizado por sua condição social e, no ambiente escolar, é
bombardeado com o discurso do mérito, da meritocracia, reproduzindo, no âmbito do discurso, o
processo de culpabilização do alunado pelo seu fracasso escolar, tornando comuns falas como: “o
rendimento não foi suficiente, porque ele não se esforça”; “ele dorme na aula, não presta atenção”, “ele
quase não frequenta, nem sei quem é”.
A lógica do mercado adentra o espaço escolar e, principalmente com a eleição de Jair Bolsonaro para
145
Reconhecendo a escola enquanto lugar de correlação de forças, Paulo Freire (2018) colocar-se-á
ao lado da classe trabalhadora e defenderá seu projeto emancipatório. Enquanto crítico do ensino
tradicional, que utilizava o método da memorização, propõe um ensino que reforce a capacidade crítica
do educando, assim como sua curiosidade e até mesmo sua insubmissão (Freire, 2018, p. 28). Para
Paulo Freire (2018), “ser cidadão é o ser político, capaz de questionar, criticar, reivindicar, participar,
ser militante e engajado, contribuindo para a transformação de uma ordem social injusta e excludente”
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
É fundamental para todo esse processo resgatar a função social da escola pública, entendida como:
A escola pública, em todos os níveis e modalidades da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental
e Ensino Médio), tem como função social formar o cidadão, isto é, construir conhecimentos, atitudes e valores
que tornem o estudante solidário, crítico, ético e participativo. Para isso, é indispensável socializar o saber
sistematizado, historicamente acumulado, como patrimônio universal da humanidade, fazendo com que
esse saber seja criticamente apropriado pelos estudantes, que já trazem consigo o saber popular, o saber da
comunidade em que vivem e atuam (Brasil, 2004, p. 19-20).
No que se refere estritamente ao Serviço Social, o Conselho Federal de Serviço Social reconhece a
dimensão socioeducativa do assistente social:
a dimensão pedagógico-interpretativa e socializadora das informações e conhecimentos no campo dos direitos
sociais e humanos, das políticas sociais, de sua rede de serviços e da legislação social que caracteriza o trabalho
do/a assistente social reveste-se de um significado importante no campo da educação. (CFESS, 2012, p. 53).
146
É incipiente a produção de conhecimento sobre a dimensão socioeducativa do Serviço Social na
Educação, sendo necessário aprofundar as pesquisas e a produção do conhecimento acerca dessa
dimensão neste espaço sócio-ocupacional determinado. Os assistentes sociais que atuam na Educação,
muitas vezes, estão alocados em diferentes níveis de ensino, o que dificulta ainda mais a reflexão
conjunta da categoria quanto a essa dimensão educativa. A Lei nº 13.935/2019 tornando-se efetiva, a
Educação básica ganhará reforço na recomposição das equipes profissionais.
A ação educativa do assistente social associa as três dimensões da profissão: a teórica-metodológica,
técnico-operativa e ético-política. Nesse sentido, defendemos que os princípios a serem considerados
sejam sempre os dispostos no Código de Ética da profissão, independente das visões de mundo e
valores de cada profissional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escola, enquanto aparato institucional do Estado, possui limites, mas também possibilidades e entre
essas possibilidades está a dimensão socioeducativa do assistente social, atuando de forma preventiva.
REFERÊNCIAS
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transnacional entre o Reino Unido e o Brasil Capitalismo, Classe e Meritocracia: um estudo transnacional entre
o Reino Unido e o Brasil. Acesso em: 24 de jul de 2023.
148
A EXPERIÊNCIA DA DISCIPLINA ELETIVA SOBRE INSTRUMENTOS,
TÉCNICAS E A DIMENSÃO EDUCATIVA EM SERVIÇO SOCIAL NA FSS/UERJ
Carlos Felipe Nunes Moreira12
RESUMO: o texto representa um inicial esforço de sistematização e tem por objetivo compartilhar a experiência
de ministrar a disciplina eletiva “instrumentos, técnicas e a dimensão educativa em Serviço Social” no curso de
graduação da Faculdade de Serviço Social da UERJ, nos anos de 2022 e 2023. Disciplina esta que, em linhas
gerais, buscava articular a natureza educativa do Serviço Social, seus instrumentos e técnicas de trabalho e a
contribuição pedagógica de intelectuais ainda pouco trabalhados na profissão. O relato revela o percurso de
como essa experiência se efetivou na prática, seus fundamentos teóricos e alguns resultados.
Palavras-chave: Serviço Social. Instrumentos. Técnicas. Dimensão educativa.
ABSTRACT: the text is an initial systematization effort and aims to share the experience of teaching the elective
subject “instruments, techniques and the educational dimension in Social Work” in the undergraduate course
at the Faculty of Social Service at UERJ, in the years 2022 and 2023. This discipline, in general terms, sought
to articulate the educational nature of Social Work, its instruments and work techniques and the pedagogical
contribution of intellectuals who have not yet worked in the profession. The report reveals the path of how this
INTRODUÇÃO
Na língua portuguesa a palavra experiência tem alguns significados. Um deles diz respeito ao
conhecimento ou aprendizado obtido através da prática ou da vivência: experiência de vida; experiência
de trabalho. E este ensaio tem justo por objetivo compartilhar a experiência de ministrar, até aqui por
três semestres, a disciplina eletiva “instrumentos, técnicas e a dimensão educativa em Serviço Social”
no curso de graduação da Faculdade de Serviço Social da UERJ.
No entanto, outro significado da palavra experiência é aqui fundamental: ensaio prático para
descobrir ou determinar um fenômeno, um fato ou uma teoria. Uma experimentação. Um experimento.
A decisão de ofertar uma disciplina eletiva que articulasse instrumentos, técnicas e a dimensão
educativa em Serviço Social foi, acima de tudo, uma experiência de caráter prático-científico voltada
a produção de novos conhecimentos. Nesse sentido, os objetivos planejados para a disciplina foram:
149
d) refletir acerca de alternativas teórico-políticas na exploração do caráter educativo da profissão
a partir do diálogo introdutório com intelectuais potentes ao desenvolvimento de tal exploração, tais
como: Ailton Krenak, Augusto Boal, bell hooks, Frantz Fanon, Lélia Gonzalez, Lev Vygotsky, Nadejda
Krupskaya ou Paulo Freire.
DESENVOLVIMENTO
A disciplina inicia com a dinâmica de grupo chamada “menos assistente social”, que consiste em, após
distribuir uma folha branca para cada pessoa da turma e lhes deixar disponível lápis de cor, pedir para
que individualmente desenhem um trabalhador ou trabalhadora qualquer, exceto assistente social. Na
sequência, pedir para que desenhem aquilo que o seu trabalhador produz. E, por fim, desenhar suas
principais ferramentas. É proibido escrever. Apenas desenhos são permitidos na dinâmica.
O objetivo dessa atividade é destacar que, ontologicamente: (a) todo trabalho produz algo, seja
material, seja imaterial; (b) todo trabalhador utiliza ferramentas para produzir algo; (c) o produto do
trabalho visa satisfazer necessidades humanas e sociais; (d) nas sociedades capitalistas o trabalhador
assalariado só possui sua própria força de trabalho, uma vez que os meios de produção estão
apropriados privadamente pela burguesia. A reflexão central proposta é que se essas são verdades
para toda a classe trabalhadora, é também verdade para assistentes sociais.
Cabe então resgatar, a partir de Iamamoto e Carvalho (1982), o objeto e o produto do trabalho
em Serviço Social mediados pelo significado social da profissão. Grosso modo, o primeiro trata-se
das manifestações da questão social no capitalismo monopolista e o segundo (tão imaterial quanto o
outro) voltado para o ajustamento de comportamentos e garantias sociais de reprodução da força de
trabalho, “[...] fundamentalmente como uma atividade auxiliar e subsidiária no exercício do controle
social e na difusão da ideologia dominante junto à classe trabalhadora” (Iamamoto, 1982, p. 94).
E para o alcance dessa intencionalidade a força de trabalho de assistentes sociais, mediada pelas
políticas sociais e subsumida aos regramentos institucionais, é contratada pelo empregador para,
por meio de uma ação de cunho educativo, se colocar em ação através da utilização de uma série de
instrumentos de trabalho profissional.
150
No primeiro módulo da disciplina aqui socializada, dois autores auxiliaram significativamente no
inicial movimento de inventariar os instrumentos e as técnicas de trabalho em Serviço Social: Magalhães
e Sousa. Com base em suas produções pode-se afirmar que são instrumentos de “comunicação oral”
(Magalhães, 2019) ou “instrumentos diretos” (Sousa, 2008): a entrevista (individual ou grupal), a visita
(domiciliar ou institucional), a reunião de equipe, o grupo e a mobilização de comunidade.
Já os “instrumentos indiretos” (Sousa. ibid.) ou de “comunicação escrita” (Magalhães, ibid.) são:
relatórios, laudos, pareceres, livros de registro, atas de reunião e diário de campo. Ao longo dos diálogos
na disciplina outros instrumentos foram citados e acrescentados ao inventário, como o estudo social, o
encaminhamento, a sistematização, a análise institucional, o projeto de intervenção, o estudo de caso
e a palestra, por exemplo.
O percurso da disciplina revelou indícios de haver a necessidade de se propor outras divisões
internas nesse conjunto geral de instrumentos. Além daquela, já mencionada, que separa instrumentos
materiais (os de comunicação escrita e indireta) dos imateriais (os de comunicação oral e direta),
talvez possa-se separá-los também em instrumentos de ação (entrevista, visita, laudos e pareceres,
por exemplo) e instrumentos de planejamento (como planos de trabalho e projetos de pesquisa ou de
intervenção). Ou ainda dividi-los de uma terceira forma: aqueles que são exigidos e já estabelecidos
151
depende da sua opção político-profissional se posicionar enquanto facilitador dos interesses do
capital ou do trabalhador, “ambos presentes, em confronto, nas condições em que se efetiva a prática
profissional” (Iamamoto, 1982, p. 95). Podendo, assim, reforçar a legitimação da ordem vigente ou
reforçar um projeto alternativo de ordem. Por último, a atuação de Rosa auxilia na compreensão de
que o caráter técnico da ação está sempre subordinado à dimensão política da prática. E é a opção
política da assistente social que guia a sua prática educativa.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
O módulo II tomou como base a produção de Abreu (2002) sobre a dimensão pedagógica do Serviço
Social e seus diferentes perfis educativos ao longo da história profissional. Outras duas contribuições
valorosas foram as provocativas problematizações de Tonet (2014) sobre atividades educativas
emancipadoras e o clássico texto de Vasconcelos (1993) no qual ela apresenta a sua proposta de
“prática reflexiva”. Ao término desse módulo foi aplicada a seguinte avaliação:
Tomando por base textos, aulas e debates da disciplina até o momento, elabore individualmente ou
em dupla uma síntese (em 02 ou 03 laudas) que busque responder: de que maneiras o instrumento
________x______ pode contribuir com o trabalho educativo de assistentes sociais? (a lacuna deverá ser
preenchida com um instrumento de trabalho a sua escolha). Orientações: 1- a tarefa é individual ou
em dupla (trio não). Sugiro que, em caso de dupla, as pessoas sejam do mesmo grupo, 2- a escolha do
instrumento é livre, porém a sugestão é que seja o mesmo instrumento escolhido pelo seu grupo para
o seminário, 3- a escolha dos textos para a elaboração da tarefa também é livre, porém sugiro que
Iamamoto e Abreu estejam necessariamente presentes, 4- entendam essa avaliação como uma etapa
preparatória para os futuros seminários. E sintam-se à vontade para colocar seus pontos de vista (e
não somente o dos autores) no texto.
Na sequência, o último módulo da disciplina era todo dedicado à organização e apresentação dos
seminários, que tiveram por objetivo abordar a dimensão educativa do Serviço Social articulando
um instrumento profissional com o debate pedagógico de algum dos seguintes intelectuais: Ailton
Krenak, Augusto Boal, bell hooks, Frantz Fanon, Lélia Gonzalez, Lev Vygotsky, Nadejda Krupskaya ou
Paulo Freire.
Cada seminário teve até 30 minutos de duração e precisavam abordar os seguintes temas: (a)
síntese do pensamento do autor escolhido, (b) relação entre o debate educativo do autor e a dimensão
educativa do Serviço Social, (c) de que maneiras o uso do instrumento de trabalho escolhido pode
contribuir com essa relação. E aqui cabe um destaque: ciente do caráter experimental dessa proposta
com, em certa medida, algum grau de ineditismo, o sucesso dos seminários dependeriam bastante de
um cuidado processo preparatório. Nesse sentido, duas datas foram reservadas para atividades em
sala de aula planejadas com esse fim. E outras duas ou três datas agendadas para a apresentação dos
seminários. No quadro abaixo estão as escolhas feitas por cada grupo:
152
Insurgentes entrevista Paulo Freire
Toc Toc visita domiciliar Lélia Gonzalez
Sem Correntes estudo social Lélia Gonzalez
a) Situação: durante um trabalho com grupo o Serviço Social se deparou com boa parte de seus
integrantes discordando e criminalizando a greve de professores da rede pública por melhores
salários e condições de trabalho, que já dura um mês. Como o tempo da atividade grupal estava no fim,
a assistente social prometeu retornar aquele debate no próximo encontro do grupo. Desafio: como a
assistente social pode utilizar as ideias e técnicas pedagógicas de Augusto Boal para, durante o próximo
encontro do grupo, provocar uma reflexão crítica sobre o tema da greve?
b) Situação: durante uma entrevista social na qual o usuário demanda à assistente social acesso aos
benefícios do Programa Bolsa-Família, a profissional identifica na fala do indivíduo uma forte tendência
c) Situação: uma menina de sete ano e negra sofreu “bullying” na escola e não aparece nas aulas
tem duas semanas. Alguns colegas de classe riram dela e utilizaram xingamentos racistas. O Serviço
Social foi acionado para ir até a casa da criança e conversar com a família. Desafio: como a assistente
social pode utilizar as ideias de Lélia Gonzalez para, durante a visita domiciliar, auxiliar a problematizar
criticamente a situação e propor algo capaz de fazer com que a família e a menina retornem fortalecidas
para a escola?
d) Situação: uma menina de sete ano e negra sofreu “bullying” na escola e não aparece nas aulas tem
duas semanas. Alguns colegas de classe riram dela e utilizaram xingamentos racistas. O Serviço Social,
após uma visita domiciliar, precisa agora apresentar para a direção da escola um estudo social sobre
o caso. Desafio: como a assistente social pode utilizar as ideias de Lélia Gonzalez para, ao elaborar o
estudo social, provocar pedagogicamente a diretora e a escola sobre racismo e feminismo negro?
13 Ver anexo.
14 Frase atribuída ao poeta e cineasta francês Jean Cocteau.
153
CONSIDERAÇÃO FINAL
O princípio norteador da experiência ora relatada considera que toda ação profissional em Serviço
Social tem, em si, uma dimensão educativa, seja ela voltada para o reforço do consenso ou para seu
questionamento. E é através do uso de um conjunto de ferramentas acionado por uma força de
trabalho qualificada por suas capacidades intelectual e comunicativa – indispensáveis a qualquer
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
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VASCONCELOS, Ana Maria de. Serviço social e prática reflexiva. In: Em Pauta – Revista de Serviço Social da
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154
PARTE I - Dimensão Socioeducativa do Trabalho dos Assistentes Sociais
155
ANEXO
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
156
PARTE I - Dimensão Socioeducativa do Trabalho dos Assistentes Sociais
157
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
158
CAPITALISMO DEPENDENTE E EMANCIPAÇÃO POLÍTICA EM ANGOLA:
Interlocução entre Dimensão Socioeducativa do Serviço Social e Gramsci
RESUMO: O artigo intitulado “capitalismo dependente e emancipação política em Angola: interlocução entre
dimensão socioeducativa do serviço social e Gramsci” é um espaço que objetiva analisar as possibilidades
de diálogo entre a dimensão socioeducativa do serviço social e Gramsci, através do materialismo historico-
dialético, com base na pesquisa bibliográfica. realizou-se levantamento de livros e artigos de pesquisadores
angolanos (assistentes sociais) e outros fundamentalmente brasileiros, que apresentaram informações que nos
levaram a concluir (provisoriamente) que enquanto Gramsci é uma figura importante na América Latina, e de
certa forma por isso, o serviço social nesta região tem uma particularidade que dimensiona significativamente
a emancipação política da profissão, em Angola a realidade é diferente ou seja, não se tem aquele pensador
marxista como referência sendo que a forma como se processa o capitalismo dependente neste país,
superprecariza todas as possibilidades de emancipação política da classe trabalhadora, ao ponto de algumas
profissões não se reconhecerem ainda como trabalho, como o caso do serviço social, e por isso, a consciência
dos mesmos tem poucas possibilidades de recorrer a teorial social emancipatória. Mas com a presença do
marxismo na profissão desde 2016, há possibilidades de se construir a interlocução dos assistentes sociais com
ABSTRACT: The article entitled “Dependent capitalism and political emancipation in Angola: dialogue between
the socio-educational dimension of social work and Gramsci” is a space that aims to analyze the possibilities of
dialogue between the socio-educational dimension of social work and Gramsci, through historical-dialectical
materialism, based on bibliographical research. A survey was carried out of books and articles by Angolan
researchers (social workers) and other fundamentally Brazilian researchers, who presented information that
led us to conclude (provisionally) that while Gramsci is an important figure in Latin America, and to a certain
extent because of this, social work in this region has a particularity that significantly dimensions the political
emancipation of the profession, in Angola, the reality is different, in other words, the Marxist thinker is not a
reference point, and the way in which dependent capitalism is processed in this country makes all the possibilities
for political emancipation of the working class super-expensive, to the point where some professions still don’t
recognize themselves as work, as is the case with social work, and because of this, their conscience has little
possibility of resorting to emancipatory social theory. However, with the presence of Marxism in the profession
since 2016, there are possibilities for social workers to build a dialogue with this thinker.
Key words: dependent capitalism, political emancipation, Angola, social work, Gramsci
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como título “capitalismo dependente e emancipação política em Angola” do
qual apreender-se-á os fundamentos históricos da “interlocução entre dimensão socioeducativa
do serviço social e Gramsci” como subtítulo que conduzirá o debate. Sendo e dirigindo-se para um
espaço académico-científico, visa objetivar a análise das múltiplas determinações que elaboram
a concreticidade do serviço social e as possibilidades de sua interlocução com um dos pensadores
mais importantes na tradição marxista, e por isso, uma profissão como expressão do legado da
emancipação política na sociabilidade capitalista, cuja base geográfico-material da particularidade
de seu movimento é Angola.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica para ampliar a produção de conhecimento sobre a realidade
da profissão em Angola, sobretudo pela vertente crítica, já que para a realização da pesquisa recorreu-
se às mediações teóricas do materialismo historico-dialético.
O “Natureza do Serviço Social em Angola” de Monteiro (2016) inaugura a perspectiva historico-crítica
da profissão, ou seja, desde 1962 quando emerge o serviço social – e abolida em 1977 pelas tendências
1 Assistente social, mestre em Serviço social e política social, doutorando em Serviço Social na Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas/UNESP, no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. E-mail: dias.mateus@unesp.br
159
e contratendências ideopolíticas que marcam a passagem da colonização para um país idenpendente
(1975) – e o seu ressurgimento em 2005, pela primeira vez, os assistentes sociais angolanos só mantêm
contacto com uma análise historico-crítica da profissão que se move naquele espaço geográfico em
2016. Vale dizer que é Amor António Monteiro que leva o marxismo na profissão que se particulariza
em Angola, através das mediações que articulam a singularidade e a universalidade da profissão no país.
A questão é: por que só neste período é que a profissão em Angola mantem contacto com a teoria que
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
define um ideário que vai para além da emancipação política – a emancipação humana (Marx, 2013)?
Isso pode dar indícios ou nivelar as possibilidades de diálogo entre o serviço social e o pensamento de
Gramsci em Angola?
A mesma dinâmica que explica as continuidades e descontinuidades da profissão, explica também
o vai-e-vem da emancipação política, explica a superexploração da dimensão objetiva e subjetiva da
classe trabalhadora: o capitalismo com rosto de dependência nos países que outroura vivenciaram a
colonização como o caso de Angola. Neste sentido, questiona-se: a forma como se dá o capitalismo num
determinado país peculiariza uma determinada forma de emancipação política da classe trabalhadora?
O serviço social em Angola tem a particularidade que lhe torna real pela forma como o destino do país é
traçado pelos centros capitalistas? A subjetividade das/dos assistentes sociais em Angola é expressão
da pouca/fraca maturidade histórica da classe trabalhadora no país? Há possibilidades de interlocução
da dimensão socioeducativa do serviço social com Gramsci? Se não há ainda, porque?
São estas questões que orientarão o debate, dentro sempre de possibilidades e limites teóricos
baseados em autores da tradição marxista, sempre com a finalidade de perspectivar uma transformação
social revolucionária que realize a emancipação humana.
A atualidade angolana é fundamentalmente explicada por uma formação social capitalista embora
coexistam nela outros modos précapitalistas. Essa explicação é embasada nas suas particularidades
pela relação entre a universalidade do capitalismo e a singularidade de Angola pelas organizações
económica, social e cultural que formam a sua natureza desde o precolonialismo. Nesta complexidade
histórica, não é possível falar de emancipação política sem perceber a forma social peculiar às relações
de produção e forças produtivas que tornam o país, parte constitutiva e constituinte do sistema
capitalista universalizado e, por isto, é necessário analisar as possibilidades de interlocução entre
a dimensão socioeducativa do serviço social e o pensamento de Gramsci para perceber não só os
variados espaços e formas de relações sociais de dominação e exploração, mas também de resistências
políticas, económicas, culturais e sociais em função, sobretudo da regressão do legado dos direitos do
trabalho (Iamamoto, 2015).
A regressão do legado dos direitos do trabalho no capitalismo periférico manifesta-se por aquilo que
Marini (1973) denomina a superexploração da força de trabalho do proletariado. É aqui que a dimensão
política dos trabalhadores se precariza nas sociedades em que vigora o capitalismo dependente, tanto
pelo que Fernandes (1975) salienta realizar-se pelas formas de dominação externa para ocorrer o
que Hinkelammentert (1970) denomina formas políticas, econômicas e sociais de exploração. É da
totalidade das formas de dominação e exploração que o Serviço Social vai imprimir sua ontologia em
Angola desde os anos 1960 do século XX.
O capitalismo dependente imprime uma realidade instigante na sociedade angolana, pelas
determinações materiais contemporâneas que torna(ra)m o país numa periferia política, econômica
e sociocultural concebida, projetada, construída e controlada pelos centros capitalistas, como se
tal periferia tivesse o mesmo destino, imagem e semelhança daqueles, mas que os mesmos (estados
periféricos e os estados do capitalismo central) baseiam-se numa relação de dominação e subordinação
160
(Meszáros, 2002). Ainda que Gramsci não seja uma referência em Angola, todo processo que visa
tentativas de resistência e emancipação da classe trabalhadora passa por ações socioeducativas
indiretamente relacionadas com este grande pensador da tradição marxista, através de outros autores.
E o serviço social em Angola tem muito a dizer sobre o diálogo ou o não diálogo com Gramsci.
A emancipação política é objeto de debate desde a modernidade, uma das manifestações do
antropocentrismo que põe fim a sociedade feudal – aquela regida pelo teocentrismo e que justificava
as relações escravistas – dando à luz a sociedade capitalista. É aqui que graças a revolução burguesa,
fundamentalmente francesa, a liberdade é pela primeira vez defendida como um valor universal, sem
deixar de vista seu fundamento que é o trabalho livre (Monteiro, 2020).
Estamos seguro de que os desafios do trabalho socioeducativo dos assistentes sociais em Angola,
estão intimamente relacionados com os desafios de apreender a dinâmica pela qual se dá o capitalismo
em Angola, porque as condições objetivas que totalizam as expressões da questão social impõem a
precarização de estudar, pesquisar e produzir conhecimentos sobre esta formação social no país. Por
isso, concordamos com Monteiro (2020, p. 254) quando salienta que “Marx chama atenção para a
dimensão historico-concreta do modo de produção e, portanto, trata ontologicamente a categoria de
formação social”.
Com isto, pretende-se colocar saliência na afirmação de modos precapitalistas, aqueles muito
relacionados com modos de produção tribais, que hoje, ainda que sejam diferentes do sistema
capitalista, de qualquer modo servem para qualquer complexoque desencadeia no metabolismo
socioeconomico vigente (Meszáros, 2002). Ao falarmos do modo de produção tribal, só no-lo
referimos pela existência da propriedade comunal diferente da propriedade privada que é a base do
capitalismo. Na verdade, em África,
Não seria inexato afirmar que a consciência política das massas africanas nasceu, de certo modo, das estruturas
sócio-econômicas tradicionais. Por exemplo, a sociedade de tipo comunitário, a terra e os meios de produção
pertenciam à comunidade. Era a época da propriedade pública. O trabalho era não apenas uma necessidade, mas
também um hábito. Quem quer que alugasse uma parcela de terra para uso pessoal não era livre de fazer o que
lhe apetecesse com ela, porque, na realidade, a terra pertencia à comunidade (Nkrumah, 2018, p.27.)
161
A agriculturade subsistência desapareceu pouco a pouco e os africanos viram-se obrigados a oferecer seus
serviços aos colonialistas, que capitalizaram os proveitos que daí retiraram. Foi nestas condições que surgiu a
luta de classes, que era também uma luta de raças(Nkrumah p.28-29).
Como o caráter de capitalismo depedente se processa? Por que se instala a periferia? Será que o
desenvolvimento dos centros capitalistas deve necessariamente ter em sua ontologia projetos de
deformação infinita das forças produtivas das antigas colônias?
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Neste caso, em que momento podemos situar o início das expressões da emancipação política da
classe trabalhadora em Angola? É exatamente no âmbito das lutas de classe, e muito propriamente a
partir da instalação do trabalho assalariado em Angola, isto é, entre 1960-1970 que a burguesia vai usar
o Estado capitalista português para enfrentar a classe trabalhadora mediante políticas sociais. E são
essas políticas sociais que obrigam o Estado a institucionalizar o serviço social em Angola, exatamente
em 1962 (Monteiro, 2016) com a participação da igreja católica.
A implantação e a aceleração do trabalho assalariado na década de 1960 e o início da década de 1970, que
impulsionaram a taxa de crescimento da economia, são acompanhadas pela industrialização da produção e criação
de vias de escoamento dos produtos (caminhos-de-ferro), processo que para o capitalista colonial vai significar
crescimento econômico e para o angolano autóctone significou intensificação da exploração do trabalho pelo
assalariamento com consequências negativas para ele (Monteiro, 2016, p.93).
A acumulação capitalista, o aspeto politico e a intervenção do Estado serão as três dimensões que
tornarão real a inserção do Serviço Social nas políticas sociais em Angola como uma das manifestações
que marcam o princípio das contradições da emancipação política – contradição porque a realização
dos direitos trabalhistas implica o aumento da produtividade no período colonial (na década de 60
do século XX), na instalação do trabalho assalariado que deve obedecer a política ultramarina na qual
aparecem programas sociais que sistematizamos no seguinte quadro baseando-se em Mendes apud
Monteiro (2016):
162
06 assistência médica
07 acção social
08 previdência social
Fonte: elaborado com base em Mendes apud Monteiro (2016)
Por exemplo, ao se salientar as políticas sociais como formas de emancipação política, podemos
ver o caso da saúde como uma das expressões da quastão social. É no âmbito dos mecanismos
da intensificação da produtividade da mão de obra (mecanismos que caracterizam os veículos da
superexploração do trabalho na periferia angolana) que as políticas de saúde vão constituir-se como
uma das mediações do serviço social desde a era colonial até a actualidade. Esta política que aparecia
na forma de Programa de Assistência Médica, detalhava-se da seguinte forma:
Um dos direitos irrevogáveis do trabalhador é “receber a assistência médica gratuita para si e para os familiares
que com ele convivam”. Essa assistência médica compreendia a) os cuidados médicos de clínica geral e especialista,
incluídas as visitas domiciliares; b) os serviços de enfermeiros, tanto no domicílio como em hospital ou posto
médico; c) o fornecimento de produtos farmacêuticos essenciais; d) a hospitalização, quando necessária; e)
eventualmente, a manutenção de um hospital ou posto médico (Mendes apud Monteiro, 2016, p. 113).
163
essa classe só poderá desempenhar um papel subordinado e nunca poderá intervir na marcha da história como
fator de conservação ou de progresso. Tais classes estão, em geral, predestinadas à passividade, a uma oscilação
inconsequente entre as classes dominantes e aquelas revolucionárias, e suas explosões eventuais revestem-se
necessariamente de carácter elementar, vazio e sem finalidade e, mesmo em caso de vitória acidental, estão
condenadas a uma derrota final (Lukács, 2003, p. 144).
Assim sendo, tal como Marx e tantos seus seguidores, trazer Gramsci neste espaço, é um propósito
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
imprenscindível para pensar-se – pelo menos pensar – o posicionamento dos assistentes sociais entre
classes antagónicas em Angola, na medida em que,
Pode ser supérfluo justificar Gramsci – e até pretensioso, uma vez que Gramsci justifica-se por si mesmo. Não se
trata de um intelectual de gabinete ou de um observador da história, mas de um fundador, militante e dirigente
do PCI, consequente, até o cárcere e a morte, em seu compromisso com os trabalhadores (Palma, 1993, p. 22)
Na sua trajetória intelectual, Gramsci dedica tempo necessário para desvendar a categoria
“intelectual organico”, que no nosso espaço de reflexão, far-nos-á perceber melhor o posicionamento
ideológico, ético-político dos assistentes sociais em Angola, e que tal posicionamento dá uma direção
ao trabalho socioeducativo destes profissionais. Por isso é imperioso explicitar que,
A organicidade dos intelectuais define-se pela consciência e pela prática com uma determinada classe, define-se
a partir da função e do vínculo que os mesmos mantêm com a classe que representam. Os intelectuais orgânicos
atuam nos processos de formação de uma consciência crítica, ou seja, estabelecem uma relação orgânica com
a classe que se identificam. É do contato e das observações das visões de mundo, das experiências, das ações e
comportamentos das classes subalternas que os intelectuais devem se alimentar para suas formulações teóricas
e ações políticas. É firmada uma aliança entre o intelectual orgânico e a classe que representa, existe uma
identidade de objetivos. Se ele se identifica e se sensibiliza com o projeto da classe dominada, apoia, reflete em
conjunto, orienta, informa, estimula, facilita espaços, convive e vive as esperanças e iniciativas dos que buscam a
superação da dominação em quaisquer formas que se apresente(Jacinto, 2016, P.87).
O contexto dos anos 60 limitou os intelectuais trabalhadores angolanos que fazendo recurso à
categoria revolução, assunto muito em moda no mivimento socialista, acreditaram que conduziriam
a sociedade angolana negando definitivamente o capitalismo. É exatamente aqui que entra em cena
os paradoxos (bárbaros) do serviço social. os trabalhadores que outroura experimentaram o trabalho
escravo e o trabalho assalariado nos anos 60, ao se tornarem dirigentes do país, em 1975 entenderam
pôr fim ao capitalismo com todas as suas expressões, sendo que até o serviço social que é vista como
profissão que está a serviço do capitalismo colonial também é abulido em 1977 (Monteiro, 2016). Esta
profissão só renasce em 2005. Passaram 27 anos de sua ausência, e isso terá implicações notáveis na
164
formação profissional, prática profissional que envolve pesquisa bem como a dimensão política que
em sua relação muito precária por questões históricas precarizam todas as formas de resistência da
profissão na divisão social do trabalho.
A decadência ideológica de que Monteiro(2020) explica quando se refere a trajetória dos processos
emancipatórios dos trabalhadores que conquistaram a independência nacional, faz-nos perceber
que causou implicações fortes na história do serviço social e que o assistente social como intelectual
orgânico, pela defesa predominante do positivismo/funcionalista na práxis profissional, consciente ou
inconscientemente reproduz todas as expressões da ordem vigente que tornam os cidadãos-usuários,
alienados pelos bens e serviços que o Estado providencia. Essa decadência é marcada pelo fato de que os
intelectuais da classe trabalhadora que formaram o partido (MPLA, que está no poder), que assumiam
a filosofia e ideologia contrária a dominação burguesa-colonial, hoje transformaram-se em burgueses
e repetem as opressões ocorridas no contexto do trabalho assalariado dos anos 60 (no processo
de colonização) (Monteiro, 2020). Ou seja, a totalidade dos trabalhadores que outroura defendia o
socialismo (ainda que seja um socialismo equivocado (Monteiro, 2020; Mateus, 2023)), que defendia
a causa da classe trabalhadora, desde que se tornaram dirigentes da nação, tornaram-se burgueses,
representantes da burguesia dos centros capitalistas e o capitalismo dependente oficializou-se no
Nesta trama de reprodução da barbárie, os intelectuais que compõem a classe dos assistentes
sociais sociais, cuja profissão nem tem ainda um projeto politico, produz e reproduz profissionais que
por um lado não consideram o serviço social como trabalho e que de forma predominante apropriam-
se das formas de pensar e agir que reflete os valores da burguesia (aqueles que visam fragmentar os
trabalhadores), tais como:
1) Predominância da perspectiva endogenista da profissão, ou seja,considera-se a profissão como uma forma
evoluida de ajuda ( e não trabalho) (Monteiro, 2016; 2020);
2) Neutralidade científica que vai desembocar nas práticas de intervenção neutras na relação entre usuário e
o profissional;
3) Individualização da questão social ou psicologização dos problemas sociais (Netto, 1996);
4) Defesa dos valores da instituição em detrimento dos direitos dos usuários;
5) Isenção nos sindicatos, considerando-se que o assistente social é mero mediador e não trabalhador inserido na
divisão social do trabalho e que devia defender os direitos trabalhistas;
Isso é também expressão de uma classe trabalhadora politicamente fragilizada, sendo que:
a) O processo de tráfico de escravos e de colonização não só retardou a maturidade do trabalhador
moderno angolano, como também interrompeu a sociabilidade construida por trabalhadores
associados ao modo de produção tribal;
b) O trabalho assalariado só se instalou nos anos 60 do século XX;
c) Ainda existem resquícios de trabalho escravo, o que leva Monteiro (2020) a ter a hipótese de que o
capitalismo em Angola é escravista porque os direitos mínimos trabalhistas não estão sendo realizados;
d) A independência do país só foi alcançada em 1975;
e) Depois da independência, houve uma Guerra civil interna que durou mais de duas décadas;
f) A estrutura económica torna o país subdesenvolvido;
g) O governo do país esta há mais de 45 anos no poder demonstrando o sistema dictatorial que pôe
em cheque a farsa democratica.
A título de exemplo – claro, por uma história própria do Brasil –, o serviço social mergulhou em
tendências e contratendências que tornaram o que a profissão é hoje, no que diz respeito a sua posição
165
na luta de classes. Seu projeto politico exprime um posicionamento à favor da classe trabalhadora.
Isto porquê?
É a partir de 1980, portanto que a profissãp estabeleceu uma interlocussão com a teoria social de Marx como
referência analítica, com isso torna-se hegemonica no Serviço Social a abordagem no serviço social como
totalidade social que participa do processo de reprodução das relações contraditórias da sociedade capitalista
(Yasbek; Martinelli; Raichelis apud Souz; Hespanhol; Pimentel, 2016, p. 158)
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
A consciência crítica de que Gramsci se refere para dela o intelectual orgânico depender, em
Angola fracaçou, pela decadência ideologica (aquela marcada por trabalhadores revolucionários que
enfrentaram os colonizadores portugueses até conquistar-se a independência nacional em 1975,
mas que depois disso, com o poder gonernativo, os mesmo trabalhadores, hoje, transformaram-se
em burgueses) e os assistentes sociais situam-se nas expressões dessa decadência na medida em que
não estão ainda formadas as condições objetivas e subjetivas suficientes para ampliar a emancipação
política da profissão (não é por acaso que a Associação dos Assistentes Sociais de Angola só surge
na segunda década do século XXI (Monteiro, 2016)), num contexto em que não estão preparadas as
mesmas condições na totalidade da classe trabalhadora para enfrentar a burguesia local.
Sabendo que a mesma realidade alienada e alienante é dialética, repleta de contradições, e por isso, o
trabalho assalariado ao ser categoria fundante do capitalismo é também seu principal problema (Mateus,
2023), então se sinaliza aqui a possibilidades de emancipação do trabalho e de todas as expressões
decorrentes do mesmo. Não é por acaso que “[…], através do pensamento Marxista, Gramsci tem especial
preocupação com a educação e formação das massas, ou seja, a preparação dos trabalhadores para uma
verdadeira práxis revolucionária (Souz; Hespanhol; Pimentel, 2020, p. 155). Neste caso concorda-se com
Tonet (2016) quando torna saliente a necessidade da “educação contra o capital”, já que é necessário
interpretar este mundo aliando-se ao projecto de transformação revolucionária (Sader; Jinkings apud
Mateus; Monteiro, 2021, p.58). Este momento da história da classe trabalhadora, apesar dos limites,
marca a construção da resistência contraegemônica nas mais variadas formas da prática revolucionária,
conforme Gramsci teorizou e experimetou. A construção da resistência passa por um conjunto de
mediações teóricas que visam questionar a ordem vigente, sabendo que,
A Educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu – no seu todo – ao propósito de não
só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital,
166
como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não
pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade, seja na forma “internalizada”(isto é, pelos indivíduos
devidamente “educados” e aceites) ou através de uma dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e
implacavelmente impostas (Mészáros, 2008, p. 35).
Mas precisa-se – ainda que não seja um assunto central neste debate, mas necessário – relacionar ou
considerar o serviço social como profissão que se movimenta no mercado de trabalho, cuja necessidade
é de questionar a ideologia da competência vigente na medida em que no caso de o assistente social
ser um intelectual deve estar ciente da práxis profissional voltada aos grupos subalternizados de tal
forma que estimule aos mesmos a construção de resistência no cotidiano, o que isso vai requerer do
profissional, distanciamento das expressões da elite que perfaz a hegemonia. Para dar um exemplo,
Para fugir da circulação de elites, do processo burguês de seleção de talentos baseado no individualismo e
promotor da mobilidade social vertical, “é preciso que o trabalhador elabore meios educacionais específicos, para
construir e reproduzir uma concepção de mundo independente, capaz de responder à sua visão de democracia da
maioria, libertária, igualitária, e a seus anseios de revolução”(Fernades apud Oliveira, 2010, p. 98)
A partir deste autor compreende-se que o trabalho socioeducativo do assistente social deve estar
repleto de elaborações de meios educacionais específicos para construir e reproduzir uma concepção
O que é necessário para desbloquear a classe trabalhadora rumo a autoconstrução como sujeito
revolucionário, já que Marx salienta que “a emancipação da classe operária deve ser obra dos próprios
operários”? como deve ser a prática revolucionária? “Esta prática merece ser educada, política, afinada
pelos profissionais, mas nunca substituída. É por isto que insistimos em que os assistentes sociais
devem subordinar-se às iniciativas assumidas pela base” (Palma, 1993, p. 130).
167
Em meio à análise dos perfis pedagógicos assumidos na prática do assistente social, em sua tragetória histórica
de profissionalização, Abreu (2002) reconstrói três formas de inserção e ação professional em ‘em processos de
organização da cultura’, ou seja, o Serviço Social atuando sob a ‘Pedagogia da Ajuda’; ‘Pedagogia da Participação’
e ‘Pedagogia da Emancipação’. Ao assumir a função pedagógica da ajuda, o Assistente Social atua tendo um olhar
individualista diante dos fenómenos sociais (Souz; Hespanhol; Pimentel, 2020, p. 161).
A realidade trágicados assistentes sociais angolanos – parte da classe trabalhadora –, é que “em
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Angola, […] não se estuda o Serviço Social na história, mas se procura fazer a história da profissão.
Mas ainda é tratada como a história da ‘ajuda’(Monteiro, 2020, p. 89)”. Quer dizer que, conforme as/
os autoras/res acima explicitam, a pedagogia da ajuda é predominante no trabalho socioeducativo dos
assistentes sociais em Angola, o que torna real por este processo, a reprodução da ideologia vigente
pela forma e conteúdo da educação subserviente a hegemonia local e universal, aquelas traçada a
partir da Organização das Nações Unidas.
A visão que se tem da profissão em Angola, como sendo “ajuda” que fundamenta e é fundamentada
pela “pedagogia de ajuda” radica das marcas que a igreja católica imprimiu na mesma profissão, que
com a influência de autores que defendem a perspectiva endogenista, dá-se o caso de Balbina Ottoni
Vieira (1988), quando salienta que, “a experiência que se tiver da ajuda leva a uma hipótese do que é
ou sera o serviço social, isto é, a um conceito sobre ele. Isto explica a variedade de conceito de Serviço
Social nos diferentes países” (Vieira apud Monteiro, 2020, p. 90). Todo processo socioeducativo que
perfaz algumas expressões do trabalho dos assistentes sociais em Angola são regidas por valores que
sintetizam o Humanismo Cristão Abstrato. A consciência de classe, os direitos trabalhistas, bem como
a categoria revolução, são desconhecidas neste contexto. Isidro (2019) realizou uma pesquisa sobre
que valores os assistentes sociais defendem em Angola.
Os participantes dizem que o “outro é minha responsabilidade”, devendo dar-lhe possibilidade de mudança.
Descrevem que os usuários têm vários hábitos, desde o álcool e outras drogas à prostituição, etc. No entanto, a
persuasão, a empatia, a mediação, a conversação face à face, para além de justificar os valores orientadores do
trabalho profissional, devem ser aplicados. A igualdade no tratamento das pessoas, a aceitação da singularidade, o
pedido de consentimento antes das intervenções, o respeito pela sua autonomia, o envolvimento dos usuários nos
trabalhos, a prática da neutralidade, principalmente nos momentos de campanhas eleitorais, o encaminhamento
dos usuários para acesso aos bens e serviços, a valorização dos hábitos, costumes e cultura locais constam das
evidências dos valores defendidos por esses profissionais (Isidro, 2019, p. 70).
Quando um profissional do Serviço Social salienta que “o outro é a minha responsabilidade”, este,
estará assumindo a pedagogia da ajuda expressa na proliferação tradicional do messianismo que –
Iamamoto (2004) já criticou há décadas no Brasil, e Monteiro (2016) em Angola vai criticando – continua
em voga. Um capitalismo dependente como o de Angola, onde as relações sociais de produção são
extremamente precárias explica a precaridade da emancipação política da classe trabalhadora, numa
visão de totalidade, e só se pode compreendera singularidade da dimensão subjetiva dos assistentes
sociais em Angola, percebendo aquelas categorias. Aquelas categorias exprimem a produção social de
existência vigente, quando,
…na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes
da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças
produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura económica da sociedade, a
base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas
formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social,
política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que,
inversamente, determina a sua consciência. Em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais
da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica,
com as relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então. De formas de desenvolvimento
das forças produtivas, essas relações transformam-se no seu entrave. Surge então uma época de revolução
social. A transformação da base económica altera, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura
(Marx, 2016, p. 5).
168
Uma das manifestações da hegemonia burguesa realiza-se no processo formativo profissional –
aquela que se prolifera e se legitima pela ciência moderna universalizada – pelas mediações teórico-
metodológicas subservientes ao capital da periferia.
[…] a profissão em Angola tem hegemonicamente “orientação positivista, de cariz funcionalista com forte
pendor doutrinal católico”, desde a origem até os nossos dias, embora se possa verificar a coexistência de outras
tendências (Monteiro, 2020, p. 305).
Com esta tendência de reprodução dos valores da sociabilidade burguesa, no clima de um capitalismo
dependente, periférico, as possibilidades de se incorporar conteúdos críticos no trabalho socioeducativo
do assistente social à luz de Gramsci tornam-se irreais, na medida em que estes profissionais ao
recorrerem em mediações teóricas que a própria burguesia produz como força produtiva de relações
sociais que devem reproduzir o capital, só podem manter uma relação alieanada e alienante com os seus
usuários que são trabalhadores projetados para o processo de alienação na periferia.
Na mesma pesquisa já mencionada de Isidro (2019) encontra-se pistas sobre a referência ou não
referência de Gramsci na produção de conhecimento num periodo que entre 2010-2017. Os resultados
demonstram que o grande pensador marxistanão faz parte das referênciasouconjunto de autores aos
quais os estudantes deste curso recorrem para produzir conhecimento.
Com tudo já analisado, estamos seguros de que a emancipação política tanto dos assistentes
sociais como dos usuários implicados no trabalho socioeducativo deste profissional, está num clima
de elevadíssima barbárie social, já que todo o conteúdo do mesmo trabalho socioeducativo não é
emancipatório. O clima de elevadíssima barbárie é marcado por um capitalismo dependente, em cuja
exploração, a profissão nem se reconhece trabalho, e, consequentemente exclui-se de um conjunto de
expressões de reivindicar direitos trabalhistas e sociais, contribuindo desta forma na legitimação da
hegemonia burguesa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Prefere-se tornar provisórias as considerações que seriam finais, quando a realidade angolana é
um complexo de contradições que carecem de mais apreensões pelo método em Marx, e tal caminho é
muito novo para os angolanos, o que quer dizer que, muitas formulações objeto de debate neste espaço
169
merecem maior aprofundamento respeitando as dimenções temporais da história real que perfaz a
periferia angolana. Esta história real é o capitalismo com todas as suas expressões sendo algumas, a
emancipação política e o serviço social.
A formação social capitalista em Angola impõe um modo peculiar de sociabilidade pela dinâmica
de dependência das forças produtivas locais aos centros capitalistas cujas relações se realizam pela
dominação e exploração económica, política e social e desta forma, a emancipação política da classe
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
trabalhadora é condicionada por esta realidade e o serviço social ganha sua concretude na mesma. Está-
se seguro de que, num espaço em que o trabalho assalariado só se instalou entre as décadas de1960-
1970 no clima ainda colonial, a indepedência política do país só foi alcançada em 1975, além disso,
vivenciou uma Guerra civil que durou mais de 20 anos, muitos processos e estruturas de emancipação
dos quais o serviço social faria parte apresentariam outra realidade na atualidade.
A história revela que, se pretendermos comparar diferentes países de capitalismo avançado com
países de capitalismo dependente, veremos que as formas e qualidade de emancipação política
diferenciam-se por aquelas lógica e Meszáros (2002) demonstrou isso no “Para além do capital”,
apesar de que esta comparação não deva ser linear, pois no campo das mediações, acredita-se na
complexidade que brota da singularidade de cada realidade em sua relação com a universisalidade do
ser social que vigencia a atualidade.
A emancipação política da qual o serviço social é constitutivo, é em sua ontologia um processo
contraditório na medidade em que, o fato de se ampliar os direitos trabalhistas e sociais, haverá sempre
formas de se intensificar os mecanismos de extração da mais valia, pela maximização da produtividade,
porque a lógica do sistema capitalista caminha apenas nesta direção.
O serviço social em Angola pela sua dimensão socioeducativa não apresenta um diálogo direto com
o pensamento de Gramsci sendo que o problema de base reside no fato de se olhar a profissão como
“ajuda”, portanto, por aquilo que os autores deste trabalho fundamentaram salientar “Pedagogia da
Ajuda”, e assim sendo, é hegemonico a defesa do humanismo cristão abstrato, que dialoga com a teoria
social positivista de matriz funcionalista que Monteiro (2020) investigou.
Algumas atividades socioeducativas isoladas, fundamentadas no chamado empoderamento
“empowerment” dos usuários são expressões do pensamento de Gramsci, mas sem o contato direto do
pensador com a/o assistente social, mas que seu pensamento aparece por intermédio de outras/outros
autoras(es)/pensadoras(es) como Paulo Freire que é muito conhecido.
Isto é também expressão da precária consciência de classe na totalidade dos trabalhadores
angolanos, o que de certa forma torna real a precaridade da emancipação dos assistentes sociais como
educadores e de outros trabalhadores que aparecem como usuários das políticas sociais. O fato de se
ter inaugurado o pensamento crítico que se baseia no método em Marx, isto apenas desde 2016, há
possibilidades de a profissão construir interlocução com Gramsci, sendo que isto é uma necessidade
que emana da classe trabalhadora local, ainda que os trabalhadores não tenham consciência disso.
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IAMAMOTO, Marilda Villela, Renovação e conservadorismo no serviço social, 7ªed. São Paulo: Cortez, 2004.
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171
A DIMENSÃO SOCIOEDUCATIVA NA FORMAÇÃO E NO TRABALHO DAS(OS)
ASSISTENTES SOCIAIS NOS LIMITES DA SOCIABILIDADE CAPITALISTA
Fabrícia Cristina de Castro Maciel1
RESUMO: O problema central que se coloca para esta reflexão teórica, por meio de revisão bibliográfica, é o
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
ABSTRACT: The main problem presented to us at the time of this theoretical reflection, through the bibliographic
review, is to analyze the socio-educational dimension in the training and professional practice of social workers
on the contradictions inherent to the limits of capitalist sociability, in the context of the Brazilian neoliberal
State configuration. It is from the category of totality, in the historical-critical field, where we seek to know some
implications and splittings between formal education and the professional work of social workers in the daily
practice of the social reproduction of life.From the perspective of the capital system and the particularities of a
dependent and peripheral economy, the socio-educational and pedagogical actions of these professionals, based
on ethical-political projects (in dispute), express the correlation of forces of the present societal projects.In this
context, the socio-educational practices run the possibility of assuming tendencies: that are close to a reflexive,
collective, critical intervention, associated to the beacon of human emancipation; or, that reproduce the logic of
the segregating, racist, expropriating, oppressive system, acting in actions of low level of critical conscience.
Keywords: Social Service, Socio-educational dimension, Social Reproduction of Life.
INTRODUÇÃO
As reflexões propostas neste artigo são alvitre da conjugação entre as aproximações de estudos
realizados por ocasião do doutorado, cuja temática perpassa o Serviço Social e a Educação. Ao
desenvolver a pesquisa sobre a formação em Serviço social no contexto da Educação formal (e a sua
função social), suscitou a inquietação para o aprofundamento em relação a dimensão socioeducativa
da profissão, inscrita nas mediações das relações sociais estabelecidas na sociedade contemporânea.
Portanto, inicia-se um caminho a ser percorrido nesta área do conhecimento, que exigirá maior
investimento intelectual e empírico. Reforça-se que parte significativa desta produção foi elaborada
para a tese de doutoramento e é referenciada pela autora na bibliográfica.
A profissão do Serviço Social e o seu lugar na divisão sociotécnica do trabalho está intrinsecamente
vinculada ao tempo, às condições e contradições sócio-históricas, desde o seu surgimento até a
atualidade. Neste percurso é incontornável a análise da dimensão socioeducativa da formação e no
exercício profissional, em seu caráter contraditório, no contexto da sociabilidade capitalista e, mais
especificamente, condicionado à condição de economia periférica e dependente, no caso brasileiro.
Ou seja, a partir da análise sustentada pelo materialismo histórico procura-se compreender as
relações sociais estabelecidas na sociedade capitalista, considerando o trabalho como “[...] componente
distintivo do homem como um ser prático-social, portanto, histórico, produto e criador da vida em sociedade”
172
(Iamamoto, 2007, p. 201); assim, componente mobilizador da Educação formal cuja função social
responde aos interesses da sociedade entre os limites e as potencialidades da formação do ser social.
Acende a intrínseca vinculação entre a formação permanente e o seu compromisso em desvelar
os dilemas do mundo do trabalho e das especificidades do trabalho da(o) assistente social – enquanto
trabalho concreto, útil, intelectual e coletivo, procurando identificar a natureza intelectual e
socioeducativa do trabalho destas(es) profissionais, que sustentam a direção do projeto ético-político
profissional e sua própria reprodução, conforme apontam os intelectuais da categoria nas produções
acadêmicas, bem como abstrai-se dos documentos que pautam a formação e exercício profissional.2
Soma-se as requisições institucionais estabelecidas por meio do trabalho realizado, consideradas
as dimensões da formação teórico-metodológicas, técnico-operativas, ético-política e socioeducativa,
que afiançam a categoria enquanto trabalhadoras(es) coletivos com interesses, necessidades e
responsabilidades que se desdobram na construção do projeto profissional, cujas tendências podem
contrapor-se a hegemonia do sistema do capital, com distintas nuanças, ou sucumbir à sua reprodução.
Na clivagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista3 ocorre uma nova dinâmica
na organização das forças produtivas e na divisão internacional do trabalho. Num cenário de crise
econômica que se alastra desde os finais do século XIX (1870) e estende-se até 1929, o capitalismo cria
estratégia global para enfrentar suas consequências e, paralelamente, para aumentar a acumulação de
capital. Nesta marca, a hegemonia burguesa reconfigura o papel do Estado desse contexto de crises
e lutas políticas (da classe trabalhadora), mas principalmente por recear os efeitos da Revolução de
Outubro e a “sovietização” da Europa; mas também em consequência da “Grande Depressão” – com o
aumento dos conflitos devido ao desemprego, das precárias condições de trabalho, da queda do salário
real, e; noutra perspectiva, para brecar o aumento da organização popular, especialmente a sindical.
Em outros termos: “Dentro desse contexto de conflitos institucionalizados surgem as políticas sociais
como instrumentos de legitimação e consolidação hegemônica que, contraditoriamente, são permeadas por
conquistas da classe trabalhadora.” (Montaño, 2007, p. 39).
Acrescentam, Abreu e Cardoso, no percurso do permanente movimento do sistema do capital, este
procura “[...] recompor as bases político-culturais de sua hegemonia, isto é, reorganizar a cultura, para adequá-
la às exigências do padrão de racionalização da produção e do trabalho, na perspectiva da unidade em torno
dos interesses da acumulação capitalista.” (Abreu; Cardoso, 2009, p. 596). Para preservar essa lógica
de acumulação do capital econômico/financeiro e político, em termos mundiais, requer-se constante
reestruturação do sistema de produção, circulação, consumo e lucros; bem como, modificação nas
regras da sociabilidade capitalista. De acordo com Mota, realiza-se “[...] uma verdadeira reforma intelectual
e moral, visando a construção de uma outra cultura do trabalho e de uma nova racionalidade política e ética
compatível com a sociabilidade requerida pelo projeto do capital” (Mota, 2008, p. 29). Um capital cada
vez mais automatizado e informacional-digitalizado impõem relações incessantemente destrutivas ao
mundo do trabalho, escamoteando a potencialidade que permitiria as(os) trabalhadoras(es) diminuírem
as suas jornadas de trabalho.
2 Como Código de Ética Profissional (1993); Lei que regulamenta a profissão (8663/96); Diretrizes Gerais da formação
profissional/ABEPSS (1996), e demais resoluções e portarias do conjunto CFESS/CRESS/ABEPSS.
3 Segundo Paulo Netto (2009) a passagem do capitalismo concorrencial ao capitalismo monopolista no último quartel
do século XIX, deflagra profundas modificações no seu ordenamento e dinâmica econômica com incidências na estrutura
social e nas instâncias políticas dos Estados nacionais. “[...] o capitalismo monopolista recoloca, em um patamar mais alto,
o sistema totalizante de contradições que confere a ordem burguesa os seus traços balizares de exploração, alienação e
transitoriedade histórica, todos eles desvelados pela crítica marxiana.” (Paulo Netto, 2009, p. 19).
173
Ao contextualizar a reconfiguração do Estado neoliberal no Brasil, no final da década de 1980 e
início de 1990, marca-se um paradoxo em função da regulamentação pela ampliação dos direitos
sociais previstos na Constituição Federal de 19884 e os ajustes impostos pelos tratados internacionais
como o Consenso de Washington (1989); o Tratado de Marrakech que cria a Organização Mundial
do Comércio (OMC/1995); o Acordo do Livre Comércio Americano (ALCA/ 1994), e o Tratado de
Maastricht (1992) que institui a unificação europeia (Maciel, 2020). Destes surge um quadro jurídico e
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
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socioeducativa (de caráter progressista ou democrático-popular), estão designados pela necessidade
de apropriar-se de uma formação competente e histórico-crítica compatível com o conjunto dos
desafios impostos pelas novas condições de sociabilidade.
A força de trabalho da(o) assistente social é requisitada para implementar as políticas públicas
sociais (seja por meio do Estado ou das organizações sociais - como campo privilegiado de intervenção
profissional do Serviço Social), com o intuito de intermediar as demandas da população e o acesso
aos serviços sociais. Nesta esteira, o enfrentamento das distensões das classes (ou das refrações da
questão social) realiza-se na correlação de forças entre os interesses dos blocos que se hegemonizam
no poder e os mecanismos de resistência e lutas por garantias sociais no campo do trabalho.
6 “[As políticas sociais] não são apenas um campo de trabalho privilegiado, mas o fundamento da gênese profissional do
assistente social”. (Montaño, 2007, p. 70).
175
classe sobre outra, por meio de fundamentos teóricos, metodologias, técnicas e atitudes ética que
compõem os matizes da intervenção socioeducativa.
O projeto de formação profissional no Brasil reconhece essa dimensão contraditória das demandas
que se apresentam à profissão, expressão das forças sociais que nelas incidem: tanto o movimento
do capital, quanto os direitos, valores e princípios que fazem parte das conquistas e do ideário dos
trabalhadores (Iamamoto, 2007, p. 182). Neste percurso, a configuração da dimensão socioeducativa
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
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atenção quanto ao “[...] cultivo do renascimento do pensamento conservador travestido de atualidade sob
o crivo da pós-modernidade.” (Iamamoto, 2007, p. 42). Ainda, sob os ideários do neoliberalismo e da
expansão do neoconservadorismo12 a formação e os processos de trabalho são marcados também pelo
imediatismo, tarefismo, práticas fragmentadas e funcionais, voluntarismo alimentando a tendência à
mistificação das contradições de classes, colocando em xeque um possível projeto profissional crítico
ao sistema capitalista (Maciel, 2020). Ressalta-se ainda que, no processo de ensino e aprendizagem,
a definição das competências e habilidades procuram responder as exigências e transformações do
mundo do trabalho, o que se agrava com a ideia de que as tecnologias da informação e comunicação
(TICs) teriam a ‘mágica solução’ para uma formação “inovadora”, “inclusiva”, aligeirada e flexível.
Em contrapartida, advoga-se, à(ao) profissional de Serviço Social, por uma formação intelectual e
cultural, com competência técnica e científica para o desenvolvimento de suas funções nos diversos
espaços sociocupacionais, cuja atividade socioeducativa assuma uma perspectiva crítica e alinhada a
um projeto societário emancipador, com consciência do seu lugar na divisão sociotécnica do trabalho.
O que exige-se um nível de abstração da realidade social que possa comportar tanto a compreensão
sobre o exercício profissional da categoria, quanto a ótica dos sujeitos a quem se dirige a intervenção
profissional (Iamamoto, 2007). De acordo com Abreu e Cardoso (2009), é incontornável à formação e
12 Vale apontar de acordo com Iamamoto: “O pensamento conservador é incorporado pelo Serviço Social em sua
trajetória intelectual: passa da influência do conservadorismo europeu, franco-belga, em seus primórdios, para a sociologia
conservadora norte-americana nos anos 40. Apresenta-se a solidariedade como princípio ordenador das relações sociais
em tensão com os seus fundamentos históricos concretos em uma sociedade de classes. Incorpora a noção de comunidade
como matriz analítica da sociedade capitalista e como projeto norteador da ação profissional [...], mas conforme parâmetros
da racionalidade burguesa, da reprodução capitalista do capital” (Iamamoto, 2003, p. 166).
177
A partir das ideias do pensador político e historiador de nacionalidade filipina, Renato Constantino,
Mészáros nos adverte ser indispensável a uma educação de perspectiva crítica, a formação de uma
‘contra consciência’ descolonizada, envolvendo diretamente as massas populares no empreendimento
para uma ‘filosofia da libertação’. “Em outras palavras, a abordagem educacional defendida por ele
[Constantino] tinha de adotar a totalidade das práticas político-educacional-culturais, na mais ampla
concepção do que seja uma transformação emancipadora.” (Mészáros, 2008, p. 57).
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Em outra direção, o documento elaborado pela Comissão Internacional sobre Educação para o
século XXI identifica quatro pilares considerados como as bases da educação: “aprender a conhecer, isto
é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para agir sobre o meio envolvente; aprender a
viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros nas atividades humanas; aprender a ser, via essencial
que integra as três precedentes.” (Delors, et al., 1998, p. 90). De acordo com este Relatório, é sustentáculo
para os demais elementos básicos do conhecimento o aprender a viver juntos, no entanto, o que se
observa é que a formação, nos diversos níveis atinge, na maioria das vezes, o apreender a conhecer
e a fazer. Deste modo, supõem que uma formação, para superar a visão puramente instrumental da
educação, deve aprimorar, como a via obrigatória, os quatro pilares. Portanto é necessário ultrapassar
os resultados do saber-fazer, para aquisição de capacidades diversas com fins de ordem econômica,
passando a considerá-la em toda a sua plenitude, quer dizer, almeja-se a realização da pessoa que, na
sua totalidade, aprende a ser (Maciel, 2020).
Um questionamento incontornável a problematização apresentada na reflexão até então desenvolvida
aqui, é: em que condições e sob quais premissas se sustentam o apreender a ser? Se orientados pelos
determinantes históricos da sociabilidade burguesa, a valoração do humano passa por uma ordem
moralizante, cedida pelas dimensões da opressão, submissão, precarização das relações sociais etc.
Conforme apontado, a dimensão socioeducativa da profissão está ancorada nos projetos ético-políticos
e nas bases do pensamento teórico e metodológico associados, em cada tempo histórico, às distintas
vinculações com os projetos societários que influenciam a formação e o exercício profissional: seja em
termos de sua internalização e reprodução, seja na tentativa de resistência e/ou superação a eles.
Corrobora para as reflexões o que Leher (2019) reporta sobre as tendências pedagógicas que
buscam um diálogo verdadeiramente comprometido entre a universidade e a classe trabalhadora,
ao afirmar a necessidade de uma pedagogia radicalmente crítica às concepções de mundo liberal-
burguesas, questionando os dispositivos da colonialidade do saber presentes nas práticas universitárias
que, tendencialmente, se reproduz na prática profissional. Assume que, para recolocar a questão
da formação política capaz de elevar a consciência da “classe em si” para a “classe para si”13 é basal a
convergência entre a educação popular (exemplos: pedagogia da alternância, escola ativa, pedagogia
do oprimido, práxis) e a pedagogia crítica marxista (educação omnilateral, politécnica, escola única do
trabalho, trabalho como princípio educativo, escola unitária, intelectuais coletivos de classe).
Ainda numa direção similar, Abreu e Cardoso (2009), tem como referência as premissas da obra
gramsciana a procura de elucidar as práticas educativas realizadas por assistentes sociais ao vincular-se
à luta por hegemonia na sociedade. Entende que a dimensão socioeducativa é estratégica nos processos
formadores da cultura profissional, podendo cumprir o papel de reprodução da ordem capitalista ou de
construção de uma ação pautada no cariz revolucionário, ou seja, contra hegemônico. Ao considerar as
transformações da ordem do capital (e dos regimes políticos), exige-se que o trabalhador adeque-se às
13 Marx incorpora o arsenal analítico de Hegel no que tange as questões da consciência em geral, pois para ele a
consciência é compreendida como elemento ativo no processo histórico da construção da realidade social. A consciência
opera numa relação concomitante entre o em-si da realidade subjectiva e o para-si da realidade objetiva da consciência.
Ou seja, a consciência em-si e (tomada) para-si expressam a natureza da mesma, visto que elas (estas categorias) produzem
e reproduzem as determinações da realidade concreta do ser social. É nessa senda que compreendemos a unidade
dialética entre classe em si e classe para si como um produto do processo histórico. Osorio (2019) afirma que “[...] quando
agrupamentos humanos se reconhecem a si mesmos, reconhecem seu lugar na sociedade, seus interesses particulares, e
reconhecem, por sua vez, os demais agrupamentos classistas, seus interesses, e as classes com as quais mantêm posições
e interesses em conflito e antagonismo, então si fazem classes sociais que são agora classes para si.” (Osorio, 2019, p. 132).
178
necessidades dos modelos e determinações socioeconômicas, sendo a(o) profissional do Serviço Social
aquela(e) trabalhador(a) que atua nos processos e instâncias de mediação das relações de controle
social. Seja na dimensão interventiva ou investigativa que compõe uma unidade para o alcance das
finalidades da profissão, a função pedagógico-educativa se estrutura no conjunto das relações sociais.
Em outras palavras, as práticas socioeducativas compõem
[...] o nexo orgânico entre a racionalização da produção e do trabalho e a organização da cultura, por meio do
qual são articulados interesses econômicos, políticos e ideológicos, na formação de um modo de vida – cultura –
adequado a um dos projetos societários das classes sociais em confronto. (Abreu; Cardoso, 2009, p. 596).
Desta maneira, apontam Abreu e Cardoso (2009) e existência de distintos perfis pedagógicos
das(os) profissionais de Serviço Social a guiar as ações educativas em seu cotidiano, engendrando
dois grandes eixos de intervenções: o que revela a direção da ajuda; e outro que assume a linha da
participação, vinculando-se à distintos projetos profissionais e societários.
Quanto ao eixo da ajuda, esta chancela a gênese da profissão e orienta-se pelas estratégias de
reforma moral, enquadramento à ordem social, ajustamento ao mundo em que vive. Neste caso, o
foco da intervenção profissional baseia-se na ajuda psicossocial individualizada. Por sua vez, o perfil
pedagógico orientado pela prática da participação surge integrado ao projeto desenvolvimentista da
CONSIDERAÇÕES FINAIS
179
reflexão, entendida como potencial expressão da relação e vinculação entre (as)os profissionais do
Serviço Social e a população que acessa os serviços sociais. Neste esteio, é a partir da análise das
correlações de forças na sociedade, das contradições entre as classes e das consequentes expressões
da questão social que o coletivo da categoria, referenciado por um projeto ético-político, procura
direcionar suas intervenções, fazer resistências e posicionar-se teórico e politicamente frente ao
projeto societário em vigor.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
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181
EDUCAÇÃO POPULAR E SERVIÇO SOCIAL:
Reflexões e Contribuições para o Exercício Profissional
Resumo: O presente trabalho é fruto de estudos sobre a temática da educação popular e Serviço Social
considerando os desafios ao Projeto Ético Político da profissão em tempos de ultraneoliberalismo. Busca
identificar as contribuições que a educação popular possibilita ao exercício profissional em suas dimensões
teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa. As reflexões apresentadas, ainda em curso de pesquisa
e investigação, foram elaboradas através de pesquisa exploratória e bibliográfica, cujo principal resultado
é a identificação de um conjunto de princípios e valores na educação popular que contribuem e se alinham
aos princípios do Serviço Social, tendo como referência a emancipação humana, a organização coletiva dos
trabalhadores e o questionamento à ordem capitalista.
Palavras chaves: Educação Popular; Serviço Social e Exercício Profissional.
Abstract: The present work is the result of studies on the theme of popular education and Social Work
considering the challenges to the Ethical Political Project of the profession in times of ultraneoliberalism. It seeks
to identify the contributions that popular education makes possible to professional practice in its theoretical-
methodological, ethical-political and operational technical dimensions. The reflections presented, still in the
course of research and investigation, were elaborated through exploratory and bibliographical research, whose
main result is the identification in popular education of a set of principles and values that contribute and are
aligned with the principles of Social Work, having as reference to the questioning of the capitalist order, the
collective organization of workers and human emancipation.
Keywords: Popular Education; Social Work and Professional Practice.
INTRODUÇÃO:
“Repensar o trabalho de mobilização e educação popular [...] não se confunde com uma inócua ressurreição de
um passado perdido. Exige uma releitura crítica da tradição profissional do Serviço Social, reapropriando-se das
conquistas e habilitações perdidas no tempo e, ao mesmo tempo, superando-as, de modo a adequar a condução
do profissional aos novos desafios presentes.” (Iamamoto, 2002, p.33)
182
Serviço Social, se existiu, se não existiu e se existiu como foi?; 2) Sobre a sua validade teórica para os
desafios atuais; e 3) sobre a sua vinculação ou não com o marxismo, base dos fundamentos profissionais.
Compreendemos, baseados nos estudos de Machado (2012), que esse conjunto de indagações
é resultado de lacunas de pesquisas e estudos sobre a educação popular e o Serviço Social. Tal
compreensão possibilitou-nos a avaliação de que o tema não se consolida no campo acadêmico e, por
consequência, encontra-se ausente da formação profissional, não se configurando como um caminho
para a intervenção profissional.
Em um levantamento preliminar, realizado em 2022 através do Banco de teses e dissertações
da Capes, foi possível identificar pouco mais de 10 trabalhos (teses e dissertações) que tratavam
especificamente da temática. Quando consultamos livros, um pouco mais de três. Isso revela a baixa
produção, o que resulta em lacunas para tratar das possíveis (des)vinculações, contribuições, tensões
e/ou estranhamentos.
Desta forma, o objetivo do texto é apresentar algumas reflexões sobre a relação da educação popular
com o Serviço Social, baseadas em pesquisa exploratória e bibliográfica. Buscamos trilhar esse caminho
não a partir da “ressurreição de um passado perdido”, mas, à luz do que nos convida Iamamoto (2002),
buscamos realizar uma revisão crítica reapropriando-se das conquistas e habilitações perdidas no tempo
183
dialético para tecer nossas reflexões, o que implica reconhecer a educação popular como uma construção
coletiva, em movimento, dialogando com as distintas dimensões da vida dos sujeitos sociais. Por isso,
buscamos compreender e situar a educação popular e sua relação com o Serviço Social, no duplo
objetivo do materialismo dialético: como parte e expressão da realidade, numa perspectiva de totalidade
permeada pelas contradições impostas pelo capital; e do seu pressuposto de transformação da realidade.
Assim, parte da concepção cientifica de que o homem se insere na realidade do mundo, da sociedade e,
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
como tal, tem a capacidade de conhecer, de intervir e transformar. (Gadotti, 1983). Porém, como indica
Marx (2006), esse duplo objetivo se conforma na realidade contraditória do capital, onde exploração,
opressão e um conjunto de sequelas desse processo fraturam a sociedade em classes e concentram a
riqueza na mão de poucos: “Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua
livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam
diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” (Marx, 2006, p.45). Essa premissa é importante
para compreendemos a importância de socializar conhecimento, saberes, princípios que conectem os
trabalhadores às suas necessidades de classe, com o objetivo emancipatório, de transformação de sua
condição e realidade. Não à toa, o próprio Marx (2002) destaca no Manifesto do Partido Comunista a
educação como tarefa importante para avançar na construção da revolução comunista.
Dialogando com a tradição marxista, temos um intelectual que nos indica que, nesses termos, a
educação teria a tarefa de preparar os sujeitos “para pensar, estudar, dirigir ou de controlar quem
dirige”. (Gramsci, 1978, p.136). É nesse campo que identificamos a educação popular. No esforço de a
situarmos teoricamente, partimos da formulação de Silveira (2004, p. 122) onde encontramos os seus
principais elementos:
a) Ela é investimento político que constrói um lugar voltado para o processo de conhecimento da realidade;
b) É um espaço que pode possibilitar o trânsito do senso comum ao bom senso, usando os referenciais gramscianos.
Lugar de apropriação individual e coletiva, no qual está presente uma dimensão ideológica fundamental; a
de compreender a base de estruturação da vida social sob o capitalismo e da conformação possível de outras
alternativas de organização da vida social;
c) É espaço formador das classes trabalhadoras, que propicia a conformação de um outro NÓS, antagônico
ao consenso hegemônico forjado pelas classes que detêm o poder. Portanto, espaço no qual possam ser
experimentados novos valores, novos pensares, numa dimensão de práxis na qual, ativamente se busca a
elaboração da realidade a partir de uma perspectiva humano-social;
d) Finalmente, um espaço no qual os sujeitos possam exercitar o singular exercício de suas próprias sínteses,
redefinindo e recriando referências de vida, sentidos novos à sua existência individual e coletiva.
Consideramos que esse conjunto de princípios revela que a educação popular pode ser uma mediação
importante no trabalho do Serviço Social, pois se coloca a serviço da classe, com e para a classe. É
dialética, sua dinâmica tem movimento, tem história, sujeitos e se alinha ao método do materialismo
histórico e dialético, pois possibilita, criar as condições para que os sujeitos conheçam sua própria
história e, com isso, carrega o potencial de contribuir para transformá-la. Desse modo, é importante
afirmar que a educação popular possui princípios e valores e não uma definição propriamente dita. Não
se trata de uma metodologia, mas de um conjunto de premissas, a partir das quais é possível desdobrar
várias metodologias e métodos de trabalho. Como afirma Brandão (2002, p. 172 grifo original), “[...]
a educação popular aparece em momentos sucessivos e em cenários diversos. Envolve atores, ideias,
propostas e métodos de trabalho que são os mesmos e, aqui e ali, são outros [..]”
Mesmo sendo a educação popular uma realidade de vários países da América Latina, é imperioso
reconhecer que no Brasil esta se encontra com nossa particularidade histórica, de país escravizado
por 300 anos, de capitalismo dependente e tardio, que deixa marcas profundas na estruturação
do capitalismo. Para além dessa particularidade, dado o processo de desenvolvimento desigual e
combinado do capitalismo nas periferias, a educação popular emerge na América Latina, atrelada aos
movimentos populares e contestatórios da classe trabalhadora.
“[...]. A elaboração dessa concepção no Brasil teve início em fins do século XIX, no contexto das lutas pela libertação
da população escravizada, das práticas do movimento socialista e do nascente movimento operário. Num quadro
184
sócio-histórico em que as classes subalternas não possuíam acesso à educação formal, os socialistas lutavam pela
extensão do ensino básico, pela criação de escolas públicas, além de terem fundado bibliotecas populares e escolas
operárias. Nessas ações, politizavam a discussão pedagógica, de modo que as “questões sobre ‘como educar’,
‘quais conteúdos privilegiar’, ‘educação nos sindicatos’, ‘educação e política’, dentre outras, estiveram presentes na
imprensa socialista durante a primeira república”. (Duriguetto 2014, p.180 apud Paludo, 2001 p. 82-83).
Por meio da criação de diversas frentes e conjunto de forças do campo da esquerda é que a
educação popular foi reconhecida como uma prática pedagógica que possibilita a análise crítica
da realidade, que permite e impulsiona os sujeitos da classe trabalhadora a vislumbrar uma ação
emancipadora e transformadora.
Dado esse processo e com o avanço das forças democráticas, no contexto dos anos 1960 foi possível
fortalecer essa perspectiva de educação popular, sobretudo por conta de intelectuais, figuras públicas
e dirigentes políticos que alavancaram as pautas reivindicatórias da educação popular. Esses quadros
oriundos da universidade, do movimento estudantil, da igreja – em especial dos setores ligados à
teologia da libertação –, de partidos, sindicatos e movimentos sociais foram responsáveis por adensar
esses aspectos. Um dos principais intelectuais expoentes desse processo foi o educador Paulo Freire.
Para muitos autores que se dedicam a estudar sobre a educação popular, Freire é o expoente da
educação popular no Brasil. Santos (2017), sintetiza a importância e extensão da sua obra:
A partir dessa conformação, os pressupostos freirianos passaram a influenciar grande parte das
atividades educativas e de formação dos setores político-organizativos. Acrescidos a esse movimento
houve também as ações das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja Católica que, juntos,
compunham um conjunto de forças democráticas e populares em que a educação popular passou a
ter centralidade nos processos de organização e mobilização da classe trabalhadora com horizonte
de transformação social. Desse processo, é importante destacar os setores ligados à Teologia da
Libertação da igreja católica que passaram a exercer e reivindicar a educação popular e que, segundo
Duriguetto e Baldi (2014), uniram as vertentes cristãs e marxistas em seu entorno.
Esse processo é importante para compreendermos quando e em qual contexto o Serviço Social
encontrou a educação popular e vice-versa. Machado (2012) e Santos (2017) ajudam-nos a localizar
e compreender como e quando essa relação se estabelece. Machado (2012) sustenta que há muito o
Serviço Social interage com a educação popular, sobretudo com Paulo Freire. Nas palavras da autora:
“Mas não é de hoje que o Serviço Social dialoga com a área da educação popular. Conforme Netto (2002); Faleiros
(2005), a aproximação do Serviço Social com as ideias de Paulo Freire na América Latina se dá no decorrer do
Movimento de Reconceituação da profissão, ou seja, do movimento em que os assistentes sociais começam a
compreender que a erosão do Serviço Social tradicional passa pela ruptura com as amarras imperialistas do
sistema capitalista. Faleiros (2005, p. 25) afirma que devemos considerar “a influência, na formulação de um
paradigma crítico, da pedagogia da conscientização elaborada por Paulo Freire”. Ele destaca que “na perspectiva
freireana é fundamental levar em conta a cultura do povo em qualquer processo de mudança, estabelecendo com
ele um diálogo problematizador” (Ibidem). (Machado, 2014, p. 152).
Um dos elementos norteadores do potencial da relação entre Serviço Social e Educação Popular
hoje é a perspectiva de que esta não se restringe aos espaços educativos formais nem tão pouco ao
espaço da escola regular. Ao contrário, segundo Beatriz Costa, a “educação popular” designa uma
proposta de educação, uma intenção, uma diretriz, um rumo – que se realiza em diversas atividades,
formais ou informais” (Costa apud Brandão, 2002, p. 167). Assim, dialogando com a perspectiva da
185
ação pedagógica do Serviço Social, como apontada por Abreu (2002), é possível construir caminhos de
interação entre a educação popular e a formação e a ação profissional.
O Serviço Social é uma profissão que se insere nas relações sociais, e, portanto, participa e expressa
essas relações. Nesse sentido, a partir de um conjunto de mudanças no estágio do capitalismo no período
pós-guerra, cujo mote desenvolvimentista passa a ser a estratégia nos países periféricos, o Serviço
Social passa a expressar e a responder com questionamentos ao tradicionalismo e suas limitações em
responder às “novas” requisições profissionais, passando nos anos seguintes a desdobrar as vertentes
do processo de renovação do Serviço Social brasileiro. (Netto, 1991). Desse intenso e complexo
processo foi possível consolidar um posicionamento crítico na profissão. Ainda segundo Netto
(1991), foi no enfrentamento à ditadura empresarial militar que setores vanguardistas da profissão
(profissionais, estudantes, docentes), sobretudo os ligados àquele conjunto de forças democráticas e
marxistas, impulsionaram o rompimento com a neutralidade, o tradicionalismo e o conservadorismo
profissional. No que se refere à educação popular, Santos (2017) identifica que, no contexto do final
dos anos 1970, no momento do “Congresso da Virada” em 1979, a perspectiva crítica da educação
popular se fortalece. Nas palavras da autora,
“A partir desse período, a categoria profissional participava ativamente dos debates acerca da democratização
da sociedade brasileira, alinhando-se com os interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora e
aproximando-se da teoria crítica. A mudança da perspectiva político-ideológica, que emerge no final da década
de 1970, amadureceu na década de 1980 e consolidou-se na de 1990, a se destacar o Código de Ética Profissional,
cujos princípios fundamentam o Projeto Ético, Político e Profissional e relaciona-se com os fundamentos da
Educação Popular defendida aqui, a saber, uma forma de fazer Educação que pressupõe um corte de classe, com
a contribuição para uma determinada consciência social”. (Santos, 2017, p. 312-313)
A partir disso, podemos atestar que a relação entre a educação popular e o Serviço Social, existiu,
aconteceu e foi fundamental para a construção da vertente de intenção de ruptura. Esse encontro se
deu no contexto de efervescência dos movimentos sociais democrático-populares e no enfrentamento
à ditadura empresarial militar. Vale destacar que nesse período, dada a realidade imposta pela ditadura
empresarial militar, uma parte da Igreja Católica, em especial o movimento das CEB e a Teologia da
Libertação, tornaram-se um importante e fundamental espaço de acolhida de militantes insatisfeitos
com o regime autoritário. Assim, opositores da ditadura, trabalhadores sociais e profissionais do
Serviço Social foram influenciados e até forjados na perspectiva da educação popular, tornando-se
lideranças na profissão e em meios políticos. Ou seja, as experiências de educação popular, que se
abrigaram na Igreja Católica nos tempos sombrios da repressão, foram e são formadoras de lideranças
políticas, sujeitos sociais, também no Serviço Social, assim como em várias outras áreas.
É importante resgatar que essa relação não se deu sem polêmicas e disputas. Importante
lembrarmos que o processo de renovação do Serviço Social não ocorreu de forma linear e como mero
desenvolvimento natural das coisas, mas em um processo complexo e inserido nas particularidades
socio-históricas brasileiras. A ditadura empresarial militar impôs o terrorismo de Estado para resolver
impasses colocados ao capital pelo avanço dos movimentos populares na América Latina. Cortar
a democracia foi a solução encontrada para devastar as liberdades democráticas, aprofundando a
questão social e suas sequelas, trazendo um verdadeiro desastre nacional. (Netto, 1991). Por isso,
o Movimento de Reconceituação não se deu sem disputas ou consequências desse contexto. Assim,
a vertente de intenção de ruptura, a qual buscou romper com o tradicionalismo e conservadorismo,
não o fez de forma endógena, e nem de forma homogênea. O fez inserido nesse complexo processo
com “disputa por hegemonia no interior da própria categoria e nos espaços acadêmicos nos quais ela
forma”. (Farage, 2021, p. 210)
186
Desta forma, um dos elementos de polêmica será sobre o caráter eclético em algumas categorias e
conceitos marxianos, sobretudo o de classe social. Machado (2014) chama atenção sobre esse aspecto,
presente sobretudo na primeira formulação da vertente de intenção de ruptura, o chamado “Método
de BH”. Sem desconsiderar a importância dessa formulação para a profissão, muito pelo contrário, essa
primeira sistematização trouxe uma análise da prática social com a realidade, da práxis, portanto, com
criticidade, contra a suposta neutralidade, colocando-se a favor das classes subalternas e oprimidas.
A autora recupera que, ao defender que o objeto profissional seria a “ação social da classe oprimida”,
o documento revela a influência freiriana no processo de ruptura, pois o próprio documento traz
uma metodologia muito próxima a do método freiriano. Porém, mais tarde, com o aprofundamento
e amadurecimento do método marxiano, esse aspecto será superado, colocando a profissão e sua
intervenção vinculadas ao reconhecimento da questão social. Com isso, podemos afirmar que o processo
de renovação profissional e sua vinculação crítica devem-se, em significativa medida, ao encontro
com a perspectiva crítica da educação popular, sendo esta uma das mediações para o encontro com o
marxismo. Daí, identificamos o suposto desencontro entre essa perspectiva de educação popular e o
Serviço Social, do ponto de vista acadêmico e teórico. Já que, mesmo Paulo Freire sendo um reconhecido
e respeitado educador, é também considerado por muitos autores, um cristão crítico e não um marxista,
187
entre a formação profissional, em especial nas escolas de Serviço Social públicas, em sua maioria
mais críticas, e a ação profissional, eivada pelo conservadorismo. Apesar do avanço do campo crítico
e do amadurecimento e consolidação teórica do Serviço Social com bases no marxismo, há que se
reconhecer que essa hegemonia se dá mais no âmbito da formação do que no da prática profissional.
Esse hiato entre formação e ação profissional pode ser entendida em diferentes dimensões. Vale a
pena registrar alguns elementos que contribuem para o distanciamento entre o Currículo Básico do
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Serviço Social, aprovado pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), a
formação nas unidades acadêmicas e a ação profissional: i) a ampliação das faculdades privadas, em sua
maioria, mais comprometidas com a mercantilização da educação do que com a formação profissional;
ii) a proliferação do ensino à distância (EaD), que precariza a formação, pautando-a em resumos e
apostilas, esvaziando os conteúdos; iii) a precarização das políticas públicas e sociais, em especial a
partir do projeto neoliberal, de desfinanciamento público e de refilantropização dos direitos sociais;
iv) a precariedade dos vínculos empregatícios dos assistentes sociais (a ausência de piso nacional
e o número insuficiente de concursos públicos), que em muitos locais são contratados via micro
empreendedor individual (MEI), organizações não governamentais (ONG) e empresas terceirizadas e
v) a expansão do conservadorismo, em especial no último período, com ascensão da extrema direita no
Brasil e a difusão do fundamentalismo religioso, entre outros.
Este contexto coloca desafios aos princípios da profissão, expressos na Lei que regulamenta a
profissão (Lei 8662/1993), no Código de Ética Profissional (1993) e nas diretrizes e ações construídas
pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), pelos Conselhos Regionais de Serviço Social
(CRESS) e pela ABEPSS. Os avanços na construção política dos últimos trinta anos, mesmo eivados de
contradições, deparam-se com a ampliação do conservadorismo na profissão, que se revela de forma
mais contundente nos últimos anos. A contraposição ao conservadorismo e o resgate dos princípios que
fundamentam o código de ética da profissão pode encontrar na educação popular e na ação pedagógica
do Serviço Social elementos de mediação importantes para o repensar do fazer profissional.
- Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes, autonomia,
emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais;
- Defesa, intransigente, dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo;
- Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda a sociedade, com vistas à garantia
dos direitos civis, sociais e políticos da classe trabalhadora;
- Defesa do aprofundamento da democracia enquanto socialização da participação política e da riqueza
socialmente produzida;
- Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso a bens e serviços
relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática;
- Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação
de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças;
- Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões
teóricas e compromisso com o constante aprimoramento intelectual;
- Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem
dominação-exploração de classe, etnia e gênero;
- Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem os mesmos princípios deste
Código e com a luta geral dos trabalhadores;
- Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o exercício do Serviço Social sem ser
discriminado nem discriminar por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade,
opção sexual, idade e condição física (CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL, 1993, p.3).
Nessa perspectiva, o exercício profissional, além de expressar um pleno compromisso com as pautas
e reivindicações da classe trabalhadora, porque também a pertence − a partir de sua função pedagógica
−, pode cumprir a tarefa de formar e ser o agente social da classe. Neste sentido, explicita Farage:
Compreendemos que a ação do Serviço Social, pautada em atividades coletivas, que impulsionem o pensamento
crítico e a sociabilidade de classe, contribuindo para a criação de identidade entre sujeitos sociais, membros
de uma mesma classe, pode ser relevante no processo de maturação da consciência social. (Farage, (2021, p.
210-211),
188
Conforme vimos e demarcarmos no início deste texto, consideramos que os pressupostos da
educação popular válida, conecta e atualiza a contribuição da educação popular com a profissão. Mas
qual educação popular? A classista com vistas à superação da ordem. Na direção das diretrizes trazidas
por Silveira (2004), como já mencionado, a educação popular se alinha aos pressupostos profissionais
de atuação sob a questão social e suas expressões.
É nesse processo de acumulação de forças e considerando a atualidade da luta de classes, que a educação
popular pode ser um elemento essencial na construção de princípios inerentes a uma consciência social distinta,
marcada pelo compromisso de ampliação real da leitura de mundo das classes subalternas. Pois, como afirma
Gramsci (2000), a capacidade de uma classe fundamental construir sua hegemonia decorre da sua possibilidade
de elaborar sua visão de mundo própria, autônoma. [...] Os assistentes sociais, ao adotarem práticas a partir do
compromisso ético-político, atuando de forma a garantir e ampliar direitos para as classes trabalhadoras, assumem
a função política na qualidade de formadores/educadores. Dessa forma podem contribuir na desconstrução da
ideologia dominante, em especial a partir da política neoliberal e de extrema direita que acirrou o processo de
subalternização dos trabalhadores. (Farage, 2021, p.211).
Essa afirmação contribui com nossa análise de que a educação popular pode contribuir com
o exercício profissional tendo como centro a primazia do Projeto Ético Político. Projeto esse que é
dinamizado pelos horizontes dos direitos e emancipatório. Desse universo temos as dimensões
Sabemos que muitos são os desafios dada a condição assalariada do assistente social. É nesse
processo contraditório, de transformações no mundo do trabalho, de refuncionalização das políticas
públicas, de regressão social, que o profissional pode incidir, mediado pela educação popular, no
processo de formação da consciência e de organização coletiva dos trabalhadores que atende. Nesse
sentido, Duriguetto e Baldi (2014) afirmam que a educação popular tem sido assumida, cada vez mais,
como sendo um conjunto de princípios e valores, ultrapassando o caráter meramente metodológico
de trabalho de base e que, por isso, supera os limites de uma intervenção profissional. E, assim, não
se coloca imediatamente como “um arsenal de metodologias e técnicas pronto para ser usado pelo
assistente social”. (Duriguetto e Baldi,2014, p.193). As observações das autoras são fundamentais
para eliminar a ideia de que a educação popular se restringirá a uma cartilha de técnicas e dinâmicas da
qual o assistente social poderá fazer uso em diferentes situações. O que afirmamos é que a educação
popular é, antes de tudo, um caminho político, que pode e deve permear o fazer profissional em todas
as suas dimensões e em todos os locais socio-ocupacionais. A emancipação política e humana, nos
termos analisados por Marx (2009), é um processo embrenhado de relações sociais que pressupõe
o reconhecimento da luta de classes e do papel do Estado na sociabilidade capitalista e, portanto, o
reconhecimento das limitações das estruturas públicas na ordem do capital. Decorre, então, que o
centro da mediação da educação popular na ação profissional pode ser considerada a contribuição na
passagem do ‘eu’ para o ‘nós’, ou seja, do indivíduo para o sujeito social, coletivo, pertencente a uma
classe, que só superará sua condição de subalternidade se organizado enquanto classe.
Essa reflexão é importante para afirmamos que na medida em que temos limites próprios da nossa
autonomia relativa (Iamamotto 1998), da tensa relação entre estatuto assalariado e projeto ético
189
político, das particularidades dos espaços socio-ocupacionais, das demandas institucionais, temos,
por outro lado, as possibilidades de operar no campo do horizonte emancipatório, onde a nossa ação
pedagógica será a nossa atuação para além, que se situa na dimensão ético-política (não requisitada
pelas instituições empregadoras e sim compromisso profissional), pois podemos atuar na subjetividade,
na consciência dos sujeitos. E será exatamente no campo das nossas possibilidades que encontramos
confluência entre os princípios da educação popular e do Serviço Social, sobretudo nos processos
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
de organização e mobilização popular. Como afirma Iasi (2001, p. 13), é necessário compreender “o
fenômeno da consciência como um movimento e não como algo ‘dado’”, daí nosso desafio de contribuir,
através da ação profissional, para o ‘movimento’ da consciência dos sujeitos que atendemos.
Segundo Iasi (2001):
“A difícil passagem do Eu para o Nós. A capacidade de ver no outro sua própria angústia, de ver no outro algo
além que a extensão do opressor, algo humano que nos torna humanos e descobrir as energias insuspeitáveis
da ação coletiva. E o grito toma forma na ação que se confronta com a ordem das mercadorias, com a lógica do
capital, com a prepotência dos que se julgam invencíveis. E o germe do futuro toma forma contra a barbárie, nos
acampamentos dos sem-terra, na opressão das fábricas, na mulher agredida, no jovem que negaram futuro, o
futuro renasce com raiva” (Iasi, 2001, p. 9)
Por tudo isso, compreendemos que as experiências de educação popular contribuem para o Serviço
Social, sendo uma importante mediação/estratégia no fazer profissional crítico, comprometido,
sobretudo àquelas experiências diretas com os sujeitos, decifrando suas identidades e realidades
em seus cotidianos e territórios, e elaborando/articulando respostas que busquem não somente a
afirmação de direitos, mas a afirmação do horizonte emancipatório.
Sem pretensões de esgotar ou dar conta do profícuo e complexo debate em torno da relação entre
educação popular e Serviço Social, consideramos que capturamos sinais dessa relação, que vem de longa
dada, possui raízes nas influências freirianas e muito contribuiu para o processo de intenção de ruptura
com o tradicionalismo/conservadorismo profissional. Avaliamos que o conjunto de princípios e valores da
educação popular, trazidos por Silveira (2004), se alinham e sustentam a conexão, a validade e a atualidade
da relação entre educação popular e Serviço Social, sobretudo pelo seu aporte crítico e classista.
Como afirma Abreu, “as exigências atuais e necessidades organizativas próprias das classes
subalternas acabam sendo atingidas e fragilizadas pela voracidade da ofensiva ideológica neoliberal,
que tenta a todo custo suprimir qualquer perspectiva de classe contraposta à ordem do capital”
(Abreu, 2002, p. 209). Essa conjuntura, que recai sobre o assistente social enquanto trabalhador
assalariado, aponta alguns caminhos a serem trilhados. Por um lado, a subserviência à condição de
assalariamento por parte dos assistentes sociais, que não só indica uma ausência de organização nos
espaços próprios da categoria, de forma autônoma e independente das instituições empregadoras,
como sindicatos, movimentos sociais, conjunto CFESS/CRESS. Por outro, seu não reconhecimento
enquanto pertencente à classe trabalhadora cria impeditivos para que o profissional contribua no
processo de avanço da consciência dos trabalhadores atendidos, assim como para sua organização
coletiva enquanto classe. Ou seja, a construção da identificação e da identidade de classe não se dá
automaticamente, requer construção social, sociabilidade propositiva na direção da construção da
organização coletiva, da mobilização e da autonomia de classe.
Essas reflexões coadunam-se com a identificação, no processo investigativo, da ainda enorme lacuna
no que se refere a pesquisas e estudos acerca da temática, mesmo identificando várias experiências
de educação popular sendo realizadas pelos profissionais em diversos espaços socio-ocupacionais.
Isso, em certa medida, reflete a imensa distância que a universidade tem com a educação popular e
seus processos. Por fim, afirmamos que somente pelo fato da educação popular, ontem e hoje, forjar
190
movimentos e lutas em prol das pautas e reivindicações da classe trabalhadora, visando sua formação
para a emancipação, por si só já deveria interessar à categoria profissional, às entidades e à própria
formação profissional. Por isso, a educação popular permanece como desafio formativo e organizativo
para os assistentes sociais.
REFERÊNCIAS
ABREU, Marina Maciel. Serviço Social e organização da cultura: perfis pedagógicos da prática profissional. São
Paulo: Editora Cortez, 2002.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A Educação Popular na Escola Cidadã. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2002.
CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Código de Ética profissional de 1993.
DURIGUETTO, Maria Lúcia; Baldi, Luiz Agostinho de Paula. Educação Popular e Serviço Social: Um diálogo
possível? In: Moljo, Carina Berta; Santos, Claúdia Mônica. Serviço Social e Questão Social: Implicações no
mundo do trabalho e no exercício profissional do assistente social em Juiz de Fora: Juiz de Fora: Editora Juiz de
Fora, 2014.
191
SERVIÇO SOCIAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA:
experiências, desafios e possibilidades.
Izadora Vieira1
Lara Iara Gomes2
Maria Cristina Piana3
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
RESUMO: O presente trabalho tem a intenção de apresentar através de um relato de experiência duas primeiras
inserções do(da) Assistente Social no campo sócio ocupacional da Educação Básica. A primeira experiência se
dá no município de São José do Rio Preto/SP, no qual Assistentes Sociais lotados na Secretaria Municipal de
Assistência Social de tal local, se inserem na Educação Básica dentro segunda etapa do Ensino Fundamental,
através de um Projeto Piloto realizado para o desenvolvimento de um Serviço de Convivência e Fortalecimento
de Vínculos para os adolescentes. A segunda experiência se dá no município de Franca/SP, na qual Assistentes
Sociais foram contratados através de Concurso Público para estarem lotados na Secretaria de Educação do
município e realizarem trabalhos dentro das Escolas de Educação Básica em sua primeira etapa do Ensino
Fundamental, com as atribuições previstas na Lei. 13.935/2019. Ambos os relatos contam como foi e está sendo
essa experiência do(da) Assistente Social na Educação, quais os resultados já alcançados com essa participação,
os que podem ser esperados pela categoria profissional e quais os desafios enfrentados para a real efetivação
do trabalho dentro desse espaço sócio ocupacional.
Palavras-Chave: Educação Básica; Serviço Social; Desafios; Possibilidades.
ABSTRACT: The present work intends to present, through an experience report, two first insertions of the Social
Worker in the socio-occupational field of Basic Education. The first experience takes place in the municipality
of São José do Rio Preto/SP, in which Social Workers assigned to the Municipal Social Assistance Secretariat of
that location are included in Basic Education within the second stage of Elementary Education, through a Pilot
Project carried out to the development of a Coexistence and Bond Strengthening Service for adolescents. The
second experience takes place in the municipality of Franca/SP, in which Social Workers were hired through a
Public Tender to be assigned to the Municipal Department of Education and carry out work within the Basic
Education Schools in their first stage of Elementary Education, with the attributions provided for in Law
13.935/2019. Both reports tell how this experience of the Social Worker in Education was and is being, what
results have already been achieved with this participation, what can be expected by the professional category
and what are the challenges faced for the real effectiveness of the work within this socio-occupational space.
Key-words: Basic Education; Social service; Challenges; Possibilities.
INTRODUÇÃO
Este relato de experiência pretende contribuir para a reflexão do trabalho do(a) assistente social
na Educação Básica. Trata-se de duas experiências desenvolvidas no âmbito escolar por meio da
educação básica.
A primeira ocorre com a inserção do(a) assistente social na Política de Educação municipal da cidade
de Franca/SP, atuando nas escolas da primeira etapa do Ensino Fundamental, como profissionais
efetivos(as) desta política.
A segunda experiência aborda a elaboração de um projeto piloto da execução do Serviço de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos, em uma escola estadual na cidade de São José do Rio Preto/
1 Izadora Vieira - bacharela em Serviço Social pela FCHS- Unesp, Campus de Franca/SP. Mestranda pelo Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social - Mestrado e Doutorado, pela mesma universidade. Assistente Social na Secretaria de
Educação do município de Franca/SP, izadora.vieira@unesp.br.
2 Lara Iara Gomes – Mestre em Serviço Social FCHS - Unesp, Campus de Franca/SP. Doutoranda pelo Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social - Mestrado e Doutorado, pela mesma universidade. Assistente Social na Secretaria de
Assistência Social do município de São José do Rio Preto/SP, lara.g.borges@unesp.br.
3 Maria Cristina Piana - Pós doutora em Educação pela UFSCAR, Docente do Departamento de Graduação e do Programa
de Pós-Graduação em Serviço Social - Mestrado e Doutorado em Serviço Social na Faculdade de Ciências Humanas e
Sociais - Unesp, Campus de Franca/SP, cristina.piana@unesp.br
192
SP, onde foram reconhecidos os impactos das refrações da questão social 4nos sujeitos pertencentes
ao território.
Desta forma, propõe-se a analisar a atuação do(a) assistente social na educação sob duas
perspectivas: a primeira enquanto efetivação da Lei nº 13.935/2019, deste(a) profissional pela Lei que
dispõe sobre a prestação de serviços de Psicologia e de Serviço Social nas redes públicas de educação
básica e a segunda sobre a real atuação do(a) assistente social na educação a partir da articulação
entre as políticas de Assistência Social e Educação.
A necessidade da inserção desse(a) profissional na educação diz respeito às diversas expressões da
questão social que se mostram presentes no ambiente escolar e acabam, muitas vezes, influenciando
no processo de ensino e aprendizagem das crianças e adolescentes da rede pública de ensino, dessa
forma, se faz necessária uma sistematização de intervenções nesses cenários.
A educação, há muito tempo, não é mais um palco para questões exclusivamente curriculares [...]. Isso significa
que no cotidiano escolar fenômenos como racismo, homofobia, violências, trabalho infantil, agravos à saúde e a
constante luta por cidadania são onipresentes e se corporificam nas relaçoes sociais e pedagógicas construídas
[...] Essas condicionantes têm justificado a crescente inserção de assistentes sociais e instituições educacionais
(Amaro, 2017, p. 6)
4 O Serviço Social tem como objeto de seu trabalho as expressões da questão social, a qual pode ser entendida como
fruto da tensão capital x trabalho, como nos coloca Carvalho e Iamamoto (2008, p. 77) “a questão social não é senão
as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da
sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no
cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção
mais além da caridade e repressão”.
193
professores, pedagogos e outros sujeitos, sem dúvida, ensejará um atendimento integral ao corpo técnico e ao
corpo discente no processo ensino-aprendizagem em toda sua complexidade, que exige cada vez mais atenção
numa perspectiva totalizante (CFESS, 2020, p. 31).
Nesse sentido, no município de Franca o(a) Assistente Social e o(a) Psicólogo(a) trabalham sempre
em duplas nas atividades propostas para as três frentes, mas sempre contando com a colaboração da
equipe pedagógica da escola para o direcionamento das ações desenvolvidas, formando assim, sempre,
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
194
Assim sendo, entende-se que a escola é um reflexo da sociedade, por isso enfrenta também as
expressões da questão social, relações familiares com conflitos e perdas de vínculos, situações
de violência, entre muitas outras. Todos esses aspectos vão influenciar no processo de ensino e
aprendizagem das crianças e dos adolescentes, assim como na maneira deles se relacionarem uns com
os outros, e é para esse sentido que o trabalho do(a) Assistente Social e do(a) Psicólogo(a) está voltado
no município de Franca/SP, mesmo tendo em vista todas as dificuldades e desafios de demanda que são
encontrados por esses profissionais no contexto atual.
Após articulações com a escola, que demonstrou interesse por ações no ambiente escolar, houve
a reflexão pela equipe do CRAS sobre as demandas daquele território e construção de estratégias de
intervenção visando a superação das desproteções identificadas.
Desta forma, foram realizadas reuniões da coordenação do serviço com parte da gestão da
Secretaria Municipal de Assistência Social - SEMAS sendo apresentada a proposta de um projeto
piloto, no qual o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos seria desenvolvido no ambiente
escolar. O serviço de convivência e fortalecimento de vínculos compõe a proteção social básica, com o
objetivo de prevenir a ocorrência de situações de desproteção social e fortalecer os vínculos familiares
e comunitários (Brasil, 2009).
A escola se configura como espaço de diversas perspectivas e do ponto de vista institucional é
regida por normas que objetivam delimitar a ação dos sujeitos (Dayrrel ,2007). Porém, mesmo que o
grupo esteja sendo desenvolvido no ambiente escolar não se perde de vista os objetivos previstos no
âmbito do SUAS, considerando o desenvolvimento em sua totalidade baseado nas leituras de território
e que este “espaço-tempo vivido, o território é sempre múltiplo, diverso e complexo, ao contrário do
território unifuncional proposto pela lógica capitalista hegemônica” (Haesbaert, 2004, p.2).
Para a realização da atividade cabe ressaltar a importância do trabalho interdisciplinar pois a
metodologia deste serviço foi realizada pela equipe técnica do CRAS, sendo a coordenadora (na época)
195
psicóloga, tendo como técnica de referência uma assistente social e também uma educadora social
e constante interação com o corpo escolar (composto por profissionais de diferentes áreas como
pedagogia, letras, educador físico e dentre outros).
Após estes debates interdisciplinares, ficou definido que este serviço seria ofertado para o 7º
ano do ensino fundamental, com alunos na faixa etária de 12 a 13 anos no período vespertino, com
atividades semanais intercaladas entre rodas de conversa, dinâmicas e oficina de percussão. As
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
oficinas de percussão foram realizadas por um “oficineiro” e o restante das atividades pela assistente
social e o educador social.
Cabe ressaltar que o desenvolvimento das atividades do Serviço de Convivência e Fortalecimento
de Vínculos utiliza como prerrogativa o Projeto Ético Político do Serviço Social ao lidar com as
demandas inerentes a crise estrutural do capital que incide na vida dos sujeitos estando “sintonizada
ao projeto ético-político do serviço social e que, por isso, não pode ser tomada de forma abstrata, vazia
de significado político e desvinculada da perspectiva da classe trabalhadora” (CFESS; CRESS, 2011-
2014, p. 23). Além disso, utiliza os cadernos de orientações técnicas do SUAS como também ancora-se
em Moreira que pontua que “pensar de modo crítico a partir de metodologias não tradicionais, lúdicas,
criativas e que surpreendem por conta da novidade são formas bem exploradas em muitas dinâmicas
de grupo e revelam importantes potencialidades” (2015, p.153).
Para o desenvolvimento das atividades da roda de conversa houve a participação dos adolescentes
na escolha dos temas, do modo como a atividade seria executada. Outro aspecto utilizado é que os temas
foram escolhidos de forma gradativa entre uma semana e outra, isto foi pertinente pois as vivências
e demandas solicitadas por este público é dinâmica e deve acompanhar o que está em cena naquele
espaço. Portanto, um cronograma previamente construído poderia não atender as necessidades de
discussões daqueles sujeitos.
A presença desses novos profissionais, com enfoque deste artigo no assistente social, encontra
diversos desafios para serem superados, uma vez que o campo de atuação raiz do serviço social não é
a educação e sim a assistência social.
Dessa forma, é extremamente necessário ultrapassar certos estigmas sobre a atuação do assistente
social dentro do âmbito educacional, especialmente quando levamos em consideração ações já
realizadas por esses profissionais nesse espaço sociocupacional ao longo dos anos passados, os quais
não eram respaldados por nenhuma legislação federal.
Tais ações possuíam um viés de ajustamento social dos indivíduos e da família, higienização,
culpabilização e julgamentos; sem compreender a totalidade da realidade dos mesmos, com enfoque
no fracasso escolar, contribuindo para a reprodução e manutenção da ordem vigente através de uma
educação massificadora e bancária5.
Os assistentes sociais eram requisitados a intervir em situações escolares consideradas divergentes, desvio ou
anormalidade social. [...] até a metade da década de 1970 um Serviço Social de caráter essencialmente clínico,
apolítico, funcional-conservador e, portanto, legitimador da ordem vigente. A intervenção no espaço educacional
seguia a lógica desenvolvimentista voltada à preparação social dos indivíduos a fim de torná-los, segundo suas
aptidões, cidadãos produtivos e úteis ao capital (Amaro, 2017, p. 10-11).
A atuação do(a) Assistente Social não existia de maneira articulada e com a perspectiva de garantia
do acesso ao direito educacional de qualidade, como está sendo colocada agora com a Lei 13.935/2019,
tal atuação sempre aconteceu de maneira esporádica e isolada. Amaro traz foco para o processo de
5 Educação bancária é aquela na qual o educador apenas deposita e transfere os conhecimentos e valores aos seus
estudantes, sem reflexões, sem críticas e em muitos momentos com conceitos que nem mesmo fazem sentidos aos alunos,
priorizando seus aspectos cognitivos e não sociais e emocionais.
196
descoletivização desse grupo de profissionais na área da educação até o momento atual, pois sempre
houve uma dispersão geográfica das atuações e a falta de um relato em rede dos assistentes sociais
que atuavam nessa política.
[...] na contemporaneidade, carece o Serviço Social – em que pese o esforço empreendido em suas bases
organizativas na formulação de subsídios – de respostas concretas à pergunta: Qual a especificidade do
Serviço Social na educação? O não saber responder a essa questão tensiona o profissional e o expõe a um lugar
desconfortável, lugar do “não ser”, na medida em que não sabe o que fazer, em que direção atuar e com que
estratégias agir (Amaro, 2017, p. 15-16).
CONSIDERAÇÕES FINAL
Ao refletir sobre a escola é necessário a análise de um espaço que expõe diversas vulnerabilidades
vivenciadas pelos jovens e suas famílias. Portanto, ao identificar a demanda da escola, o CRAS, além de
oportunizar a intersetorialidade entre as políticas de Assistência Social e Educação, garantiu o direito
daqueles sujeitos em processo de desenvolvimento e como sujeitos históricos. A leitura atenta dos
determinantes que envolvem a questão da violência na escola é fundamental, tendo em vista que as
expressões da questão social na escola é revelada na dinâmica das relações sociais.
No que diz respeito à primeira experiência citada nesse texto, sobre a contratação de profissionais
do Serviço Social e da Psicologia na Política de Educação do município de Franca/SP, o que se tem de
resultados perceptíveis após um ano de trabalho nesse campo é um melhor entendimento do que é a
atuação desses profissionais no ambiente escolar, algo que foi bem difícil delinear no início da contratação.
197
Têm-se uma maior parceria entre a equipe escolar e a dupla de Assistentes Sociais e Psicólogos(as),
ao passo de que a escola entendeu que pode contar com esses profissionais para a elaboração de
intervenções multidisciplinares no que diz respeito ao enfrentamento das expressões da questão
social que interferem nas relações sociais e no processo de aprendizagem das crianças.
Também se percebe uma melhora, mesmo que ainda pequena, na aproximação da comunidade
familiar com a equipe escolar, vê-se em muitos momentos a necessidade de um trabalho em equipe,
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
para a otimização do processo educacional das crianças, através da parceria família e escola e o
entendimento da mesma como pertencente ao espaço educacional de seus filhos.
Em relação aos alunos têm-se uma melhora no fortalecimento de vínculos entre eles e entre seus
professores e um visível entendimento do debate que os profissionais estão levando para eles.
Contudo, esses resultados mais visíveis e transformadores virão com processos. Ainda são atuações
muito pontuais as desenvolvidas na Educação Básica escolar do município, tendo em vista a quantidade
de escolas e a frequência com que se consegue atuar em cada uma delas, esse é um dos maiores desafios
que a categoria profissional está enfrentando para a eficácia real e contínua de seu trabalho, perante
as atribuições que o Conselho Profissional e o Projeto Ético Político da Profissão prevê dentro desse
espaço sócio ocupacional.
No que diz respeito execução do Projeto Piloto no espaço escolar da Escola Estadual do município de
São José do Rio Preto/SP, Após seis foi possível observar mudanças na relação dos adolescentes com
a escola e o território, sendo possível observar o desenvolvimento de habilidades, como: a capacidade
de mediar conflitos, a interação entre os pares, fortalecimento de vínculos entre o grupo (no início
existiam subgrupos que não se articulavam, existindo até a dificuldade de formar grupos na ocasião de
alguma atividade, atualmente é observado que este desafio foi superado. Além disso, a participação
dos jovens e da família no ambiente escolar como protagonistas deste espaço. E do ponto de vista do
trabalho interdisciplinar com o corpo docente é observado que em algumas ocasiões participam dos
encontros com os jovens, assistem, se interessam pelo que está sendo discutido com estes sujeitos e
procuram a equipe para discussões de caso.
Desta forma, munidos dos referenciais mencionados, atrelado as discussões desenvolvidas com
as rodas de conversas e dinâmicas, bem como das oficinas de percussão, compreendemos que a
construção de estratégias inovadoras que atendam as demandas dos territórios deve ser apropriada
em um conjunto articulado de ações capazes de atender as demandas dos sujeitos, a forma como
compreendem e se relacionam com o espaço. Portanto, pressupõe a necessidade de conhecer o
contexto social, a dinâmica das instituições vinculadas ao território, aos usuários, bem como suas
articulações e relações sociais.
Em linhas gerais, é possível considerar que o conhecimento crítico sobre o território de abrangência
do CRAS proporcionou o desenvolvimento do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
na escola demonstrando que a intervenção acontece por meio do olhar mediatizado, reconhecendo
que famílias imersas nas mais variadas expressões da questão social sejam vistas como sujeitos
protagonistas de sua própria história.
A pesquisa permitiu identificar avanços no que concerne aos estudos sobre as experiências
mencionadas. No entanto, frente a experiências exitosas é necessário reconhecer a necessidade de
aprofundamento e discussão da inclusão do serviço na educação, no campo teórico e prático da atuação.
O Serviço Social na Educação, apesar de ser um campo de atuação visado pelos assistentes sociais
há décadas, teve sua obrigatoriedade respaldada em lei apenas recentemente, no ano de 2019 com
a Lei 13.935.
Por esse motivo, agravados ao contexto de Pandemia Covid-19 que se alastrou durante os anos
de 2020 e 2021, e ao governo Bolsonaro com forte teor neoliberal e diminuidor de políticas públicas
entre 2018 e 2022, muitos aspectos dessa legislação não foi profundamente discutido e ainda precisa
198
ser modificado. Começando pela questão do orçamento público para a contratação e manutenção
desses profissionais dentro da política de educação.
No ano seguinte à publicação da referida Lei 13.935/2019, deu-se o debate sobre a manutenção
e permanência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação (FUNDEB), que tinha previsão de término para o final do ano de 2020.
Tal discussão tornou permanente uma das principais fontes de financiamento da educação do Brasil,
através da aprovação da Lei 14.113/2020.
Essa legislação incluiu, naquele momento, assistentes sociais como profissionais da educação básica,
podendo então, ser remunerados com recursos do Fundo. De acordo com o Caderno 4 do Conselho
Federal de Serviço Social, “a Lei 14.113/2020 considerou que os/as profissionais da Lei 13.935/2019
poderiam ser remunerados/ as na parcela de 70% destinados a pagamento de profissionais da
educação” (2023, p.29).
Essa prerrogativa reforçava a visão de que assistentes sociais atuantes na política de educação
faziam parte dessa política, e não seriam apenas prestadores de serviços remunerados com recursos
de outra política pública, como a da assistência social e embasava melhor a garantia de contratação
desses profissionais pelas vias de concursos públicos.
REFERÊNCIAS
AMARO, Sarita. Serviço social em escolas: fundamentos, processos e desafios. Petrópolis. RJ. Vozes, 2017.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 30 ago. 2022.
BRASIL. Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras
providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 30 ago. 2022.
199
BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
L9394compilado.htm. Acesso em: 13 set. 2022.
BRASIL, Lei nº 13.935, de 11 de dezembro de 2019. Dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de
serviço social nas redes públicas de educação básica.
BRASIL, Lei Orgânica da Assistência Social. Tipificação nacional de serviços socioassistenciais. Brasília,
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
200
PAULO FREIRE E OS SABERES NECESSÁRIOS:
Possibilidades de atuação no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
RESUMO: Este artigo pretende abordar as possibilidades de atuação socioeducativa, mais especificamente
no espaço do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. Enxergar por partes elementos que
consideramos fundamentais para a execução das atividades, tendo como base as orientações da Tipificação
Nacional de Serviços Socioassistenciais, para, então, tentar elaborar essas partes com o todo dialeticamente.
Em primeiro lugar, veremos o significado de criatividade, sua importância e relação fundamental com a
curiosidade, com a atitude filosófica e com a educação para a transformação. Em segundo lugar, pensaremos
sobre a importância de fundamentar uma compreensão da realidade social como uma realidade contingente e
não necessária, isto é, perceber o tempo como um tempo de possibilidades de mudança e não determinado. Em
terceiro lugar, refletiremos sobre as qualidades da escuta e sua possível centralidade no trabalho socioeducativo.
Por fim, veremos o conceito de utopia em Paulo Freire e como ele poderia nos ajudar a pensar a práxis dos e das
assistentes sociais no contexto do trabalho socioeducativo.
Palavras-chave: Serviços socioassistenciais; emancipação; Paulo Freire.
INTRODUÇÃO
1 Doutoranda em Serviço Social pelo Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Unesp/Franca - SP. Integrante do
grupo de pesquisa FIAPO/UNESP-Franca. E-mail: fernanda.garcia@unesp.br
2 Professor da Unesp/Campus de Franca, docente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, SP. Doutor em
Filosofia pela USP e Pós-Doutorado em Filosofia pela USP. Coordenador do grupo de pesquisa FIAPO/UNESP-Franca.
E-mail: gustavo.pedroso@unesp.br
3 Usaremos, ao longo deste artigo, a abreviação comum (SCFV) para nos referir ao Serviço de Convivência e Fortalecimento
de Vínculos.
201
e não necessária, isto é, perceber o tempo como um tempo de possibilidades de mudança e não
determinado. Em terceiro lugar, refletiremos sobre as qualidades da escuta e sua possível centralidade
no trabalho socioeducativo. Por fim, veremos o conceito de utopia em Paulo Freire e como ele poderia
nos ajudar a pensar a práxis dos e das assistentes sociais no contexto do trabalho socioeducativo.
A proposta deste artigo é de admirar as possibilidades de atuação socioeducativa, mais
especificamente no espaço do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. Admirar no
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
sentido que Freire (2022, p. 56-57) propõe em seu livro Educação e mudança, isto é, uma ação que
configura mais do que simplesmente olhar para o objeto, já que olhar não necessariamente significa
enxergar aquilo que se olha em sua integralidade. Admirar as possibilidades do trabalho socioeducativo
é olhá-las de dentro, reconhecê-las. Ora, para os trabalhadores que executam essas atividades essas
questões podem se tornar tão comuns a ponto de serem quase imperceptíveis. O nosso convite é,
portanto, o de “ad-mirar, olhar por dentro, separar para voltar a olhar o todo ad-mirado, que é um ir
para o todo, um voltar para suas partes, o que significa separá-las” e, no fundo, elaborar essas ações
que se implicam dialeticamente.
Se podemos definir o espaço do SCFV como uma “forma de intervenção social planejada que
cria situações desafiadoras”, uma capacidade que desempenha grande importância na atuação dos
e das assistentes sociais no SCFV é a capacidade de criar, em outros termos, a faculdade de criar e
imaginar. Portanto, em primeiro lugar é necessário discutir do ponto de vista epistêmico o significado
de “criatividade” e de “imaginação”. Para isso devemos examinar o que Paulo Freire disse sobre essas
capacidades em seu livro Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
Para Freire existe uma conexão fundamental entre a criatividade, a imaginação e o processo que
deflagra no sujeito criativo a curiosidade crescente. “Não haveria criatividade sem a curiosidade que
nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando
a ele algo que fazemos” (Freire, 2019, p. 33). Portanto, anterior ao processo criativo existe o exercício
da curiosidade. Esse exercício para Freire pode passar por um processo de superação que na prática se
torna cada vez mais rigoroso. A curiosidade, como parte integrante do fenômeno vital, desencadeia-se
a partir do sentimento de inquietação diante do mundo, de um saber que reconhece, ou ao menos sente,
a sua incompletude e que, incompleto, se põe a investigar. Segue-se daí o exercício da curiosidade.
Freire faz, contudo, uma distinção fundamental para o nosso entendimento da noção de curiosidade.
De um lado, a curiosidade ingênua; e de outro lado, a curiosidade epistemológica. A primeira diz
respeito ao saber do “senso comum” uma manifestação da inquietação indagadora, da inclinação
ao desvelamento de algo, da pergunta verbalizada ou não, da procura do esclarecimento, do sinal
de atenção que sugere alerta (Freire, 2019, p. 33). A segunda se refere a superação da curiosidade
ingênua que, por meio da crítica, torna-se cada vez mais metodologicamente rigorosa e segue da
ingenuidade para criticidade, consequentemente, compreendendo seus achados com maior exatidão.
A curiosidade epistemológica, portanto, é aquela que em seu exercício desenvolve um conhecimento e
aprimoramento de seus métodos com a intenção de conhecer o mundo de maneira mais rigorosa.
Entretanto, é importante notar que mesmo que o autor faça essa distinção, ele ainda enfatiza a
identidade entre esses dois tipos de curiosidade: “Na verdade, a curiosidade ingênua que, ‘desarmada’,
está associada ao saber do senso comum, é a mesma curiosidade que, criticizando-se, aproximando-
se de forma cada vez mais metodicamente rigorosa do objeto cognoscível, se torna curiosidade
epistemológica” (Freire, 2019, p. 33). É possível dizer que a curiosidade ingênua e a curiosidade
epistemológica têm a mesma natureza.
202
É pelo exercício dessa curiosidade que criamos e imaginamos o mundo: «o exercício da curiosidade
convoca a imaginação, a intuição, as emoções, a capacidade de conjecturar, de comparar, na busca
pela perfilização do objeto ou do achado de sua razão de ser» (Freire, 2019, p. 85). A experiência
de imaginar e criar implica o desejo de compreender o mundo com maior exatidão, profundidade e
clareza, de ampliar o saber. Assim, um posicionamento apático diante da realidade e seus desafios é um
posicionamento substancialmente avesso à criatividade e à mudança.
Outro ponto que parece relevante para a nossa discussão é a importância do empreendimento de
uma certa atitude filosófica para a atuação no SCFV. Se aceitarmos que a curiosidade, a criatividade e a
imaginação são saberes necessários à prática sócio-educativa, não seria um absurdo sugerir que existe
uma conexão inevitável entre essas categorias e uma atitude filosófica. Para desenvolver essa relação
teremos como referência o artigo “E se as unhas roessem os meninos?: vendo a formação ao modo - ou
à moda - da filosofia”, de Terezinha Azerêdo Rios.
Rios (2018, p. 17), propõe que a filosofia é a prática de uma atitude de permanente crítica.
De um olhar que procura voltar-se para a realidade no sentido de vê-la com clareza, profundidade e abrangência.
Ver com clareza, tentando superar os obstáculos que às vezes embaraçam nosso olhar, armadilhas que se
colocam para que nos enganemos. Com profundidade, isto é, de maneira radical, indo às raízes, procurando os
Essa atitude, aliada a curiosidade, criatividade e imaginação podem ser elementos indispensáveis
para constituir o terreno onde serão pensadas, executadas e vividas as relações no cotidiano do SCFV.
Parece fundamental para o planejamento de uma intervenção social com o objetivo de criar situações
desafiadoras, estimular e orientar os usuários na construção e reconstrução de suas histórias, que os
e as assistentes sociais envolvidos assumam uma postura inquieta, curiosa, criativa e de uma busca
amorosa pelo saber.
É dessa relação que, para Freire (2019. p. 67), resulta o processo de aprendizado para a transformação.
Interessante pensar na e no assistente social que desempenha o trabalho socioeducativo como um
indivíduo que tem a necessidade de aprender, é necessário para aquele que ensina assumir uma
postura de também aprendiz. As atividades desenvolvidas no SCFV dão-se necessariamente durante o
convívio social. A atuação socioeducativa crítica tem um caráter dinâmico e complexo. Por essa razão,
demanda um processo contínuo de aprendizagem por parte de seus executores. Precisamos assumir
a importância dessa capacidade de “aprender não apenas para nos adaptar, mas sobretudo para
transformar a realidade, para nela intervir, recriando-a”, para superar os elementos da imediaticidade
e, compreendendo as mediações necessárias, desvelar a realidade.
É possível dizer, portanto, que nesses termos não falamos da necessidade do exercício de uma razão
instrumental, isto é, um exercício utilitário e pragmático da razão, já que essa abordagem parece ser
antagônica ao que Freire sugere e ao que determina a Tipificação dos Serviços Socioassistenciais.
Por um lado, essa perspectiva da razão instrumental pode indicar o uso do pensamento direcionado
à eficiência e o sucesso prático, levando ao conformismo e reduzindo sua capacidade crítica. Por
outro lado, a razão que se alia à curiosidade, à criatividade e à imaginação exige a articulação de uma
sensibilidade profundamente crítica. «É nesse sentido que podemos falar numa razão imaginante,
numa razão sensível, uma razão apaixonada - por que não?» (Rios, 2018, p. 18).
Schiller (Carta XIV, 2017, p. 69), em A educação estética do homem, parece nos dar uma pista desse
vínculo entre razão e sensibilidade quando, ao falar da maneira pela qual um ser humano realiza
sua humanidade, afirma que: “deve contrapor-se um mundo por ser pessoa, e ser pessoa por se lhe
contrapor um mundo. Deve sentir por ser consciente e ser consciente por sentir”. Há, portanto, no
exercício dessa razão um esforço pelo desvelamento das coisas, pela compreensão profunda e, com
efeito, a crítica da realidade e das relações sociais.
203
Torna-se fundamental para uma atuação socioeducativa, principalmente no SCFV, o exercício dessas
capacidades. Ora, se resgatarmos um trecho do primeiro eixo norteador para o desenvolvimento das
atividades no SCFV, o eixo “Eu comigo”, veremos que ele estabelece que “é preciso compreender as
particularidades de cada estágio da vida para oportunizar as falas, as expressões e as manifestações,
tendo em vista romper com visões que desqualificam suas potencialidades, aptidões e interesses”
(Brasil, 2022, p. 25). A partir disso é possível dizer é necessário que a ou o profissional pense e desafie
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
os usuários a pensar para além da imediaticidade, para além do que aparece, resgatando aquilo que
é e por meio desse movimento desempenhe uma crítica que rompa com o saber para a adaptação e
potencialize o saber para a transformação.
Se retomarmos agora aos argumentos de Freire (2019, p. 96), em Pedagogia da autonomia, poderemos
perceber melhor o ponto onde se conectam todos os argumentos dessa primeira parte do nosso
trabalho. No capítulo onde o autor discute a necessidade de compreender que a educação é uma forma
de intervenção no mundo, ele afirma:
Outro saber de que não posso duvidar um momento sequer na minha prática educativo-crítica é o de que, como
experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no mundo. Intervenção que,
para além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos, implica tanto o esforço de
reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento. Dialética e contraditória, não poderia ser a
educação só uma ou só a outra dessas coisas.
Logo, sugerimos que para a fundamentação desse esforço em reproduzir e desmascarar a ideologia
dominante é necessário o exercício da curiosidade, da criatividade, da atitude filosófica e da razão
sensível. De outra forma, esse esforço poderia terminar, ou mesmo morrer, em uma prática conformista
que enquadra os sujeitos em seus “papéis” na sociedade. Sustentamos aqui uma atuação socioeducativa
crítica, viva e desafiadora. Essa defesa, por assim dizer, não decorre de uma arbitrariedade, pois, buscamos
nos amparar nas orientações dos documentos que orientam a atuação dos profissionais no SCFV.
Mas existe, ainda, um elemento nessa exposição inicial que requer maior investigação. Trata-se do
argumento segundo o qual uma educação crítica, como forma de intervenção no mundo, deve revelar-
se dialética e contraditória. Passemos a isso.
O OLHAR DIALÉTICO
Para Freire (2019, p. 4), um dos primeiros saberes necessários para o profissional que inserido,
no contexto das ações do SCFV, em territórios marcados pela vivência das vulnerabilidades sociais,
ou nas palavras do autor “traição a nosso direito de ser”, que pretende desenvolver atividades com o
objetivo de proporcionar um espaço para a elaboração de alternativas emancipatórias dos indivíduos
ou grupos atendidos, como descreve os documentos orientadores do serviço, é a “convicção de que a
mudança é possível”.
Esse assistente social, pautado não só pelas orientações do serviço mas também pelo seu Código
de Ética, pode pretender “que a sua presença vá se tornando convivência, que seu estar no contexto
vá virando estar com ele” (Freire, 2019, p. 74). Pois bem, aqui parecemos encarar o íntimo do SCFV,
a transformação da presença, não só do profissional mas do grupo como um todo, em convivência.
Contudo, de que maneira Paulo Freire considera que ocorre essa transformação?
Os elementos que compõem essa transformação, para o autor, estão presentes na capacidade do
sujeito de perceber a realidade, ou a história, como tempo de possibilidade e não de determinação.
“O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na
objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem constata
o que o ocorre, mas também o de quem intervém, como sujeito de ocorrências” (Freire, 2019, p. 74-
204
75). Aqui, o trabalho socioeducativo aparece sob uma ótica da relação entre diagnóstico da realidade
e mudança da realidade.
Em um dos documentos que orienta a execução do SCFV, o Perguntas Frequentes Serviço de Convivência
e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), na passagem que fala sobre o que o SCFV deve oportunizar, o
texto expressa: “espera-se que as conversações e os fazeres realizados no SCFV sejam ocasiões
para ensejarem entre os profissionais e os usuários, [entre outras coisas] [...], o reconhecimento de
limites e possibilidades nas situações vividas” (Brasil, 2022, p. 31). Além disso, como já havíamos dito
anteriormente, essas aquisições têm como objetivo principal o alcance de alternativas emancipatórias.
Parece importante para essa ação a escuta, que veremos mais adiante, mas também a compreensão
de que a realidade social não é necessária, mas contingente, isto é, de que “a realidade está sendo
esta como poderia ser outra, e é para que seja outra que precisamos, os progressistas, lutar” (Freire,
2019, p. 73). Afinal, como um profissional pode facilitar a compreensão dos limites e possibilidades
nas situações vividas se a sua própria perspectiva é de que a realidade só pode ser a que está sendo e
não outra? Se na sua atuação e concepção de mundo não há a convicção - muito bem justificada - das
possibilidades de mudança?
É justamente nessa ideia necessária que Freire vai assentar sua compreensão de educação crítica
205
das emoções nas situações vividas; Reconhecimento e admiração da diferença; Escuta. Olhando de
maneira analítica para esses elementos elencados é possível inferir que anterior a qualquer uma dessas
capacidades, está a capacidade de escutar. É ela que pode possibilitar o desenvolvimento das outras
oportunidades. Vejamos, então, o que pode qualificar essa escuta.
O exercício da escuta que pensamos neste texto, é um exercício de ouvir não apenas o discurso
falado, mas também a linguagem corporal, a linguagem artística e a linguagem cinestésica. Essa escuta
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
requer, além do aprimoramento da compreensão do que ouvimos, a intimidade deste com o que vemos
e o que sentimos. Nas relações construídas no SCFV, tendo em mente seus objetivos, é imperativo
escutar até mais do que falar com os usuários. Porque a escuta, “como metáfora para a abertura de
ouvir e ser ouvido - ouvir não somente com as orelhas, mas com todos os nossos sentidos (visão, tato,
olfato, paladar, audição)” (Ostteto, 2018, p. 51 apud Rinaldi, 2012, p. 124), implica receptividade,
vontade, interesse e tolerância, isto é, “implica disponibilidade ao outro e a tudo o que ele tem a dizer”
(Ostteto, 2018, p. 51).
Essa escuta pode ter uma relação profunda com o direito de acolhimento dos usuários, ela demanda
uma presença ativa daquele que escuta para acolher, valorizar e interpretar aquilo que está sendo
falado e, ao mesmo tempo, aquele que está falando. Há, portanto, a necessidade de uma “disponibilidade
permanente” ao que está sendo dito e escutado.
Ainda, para o exercício dessa escuta é indispensável a capacidade de compreender o que está sendo
dito, sem julgamentos. Além das informações outras coisas podem estar sendo ditas, outros significados
podem ser inferidos a partir dessa escuta. O que está sendo dito exatamente? O que se pretende dizer?
Como está sendo dito? Porque? Por quem? Essas são perguntas a partir das quais o sujeito que ouve,
assumindo uma postura de aprendiz da experiência do outro, pode compreender o discurso com
mais radicalidade e rigor. É uma possibilidade de abertura para reconhecer, ou mesmo conhecer, a
identidade do outro, sua história e seu modo de ser. No entanto, isso não quer dizer que essa escuta
exija uma negação daquele que ouve. A partir daquilo que é dito e compreendido com radicalidade é
possível verdadeiramente responder, se comunicar, se opor ou se posicionar. É escutando bem “que
me preparo para melhor me colocar ou melhor me situar do ponto de vista das ideias” (Freire, 2019, p.
117). E é daí que pode se materializar a legítima convivência, a legítima educação.
Outro elemento fundamental para qualificar a escuta é o silêncio. É nesse território do silêncio e
da escuta onde podem-se “ouvir coisas inaudíveis, enxergar fenômenos invisíveis, fertilizar histórias
que atravessem o tempo e o espaço, tecer relações, imaginar, redefinir caminhos, fecundar processos
de criação” (Ostetto, 2018, p. 48). Nesse sentido, o silêncio não significa ausência, mas a presença
daquele que ouve para atribuir significado, escutar, examinar, pensar, observar, analisar. É nesse
cenário que podemos nos tornar capazes de respeitar o outro pelo que ele é e pelo que ele quer dizer.
O movimento de ouvir no silêncio cria um campo em que podemos nos perceber e perceber o outro,
alargando, assim, nossa experiência.
Esse processo de fala e de escuta, da disciplina do silêncio que deve ser assumida com rigor, para
Freire, é um processo indispensável para o que ele chama de comunicação dialógica. A comunicação
dialógica é uma abordagem que pensa a educação valorizando a interação, o diálogo aberto e o
engajamento crítico, visando à transformação social. Assim, o silêncio é fundamental, para o autor,
no espaço da comunicação, pois, “de um lado, me proporciona que, ao escutar, como sujeito [...], a
fala comunicante de alguém, procure ‘entrar’ no movimento interno do seu pensamento, virando
linguagem; de outro, torna possível a quem fala, [...] escutar a indagação, a dúvida, a criação de quem
escutou” (Freire, 2019, p. 115).
Portanto, o exercício dessa escuta requer paciência e crítica, requer a constante abertura a se
sensibilizar, se desafiar, o que parece ser uma tarefa basilar para todos os trabalhadores e trabalhadoras
no ambiente socioeducativo. Se não há comunicação, essa verdadeira comunicação de que falamos,
não há o conhecimento e reconhecimento do outro. E para toda e qualquer atividade que se pretende
206
desenvolver em um SCFV é necessário o exercício desse movimento, sem ele nenhum dos objetivos,
dos eixos norteadores, das estratégias poderá se efetivar.
É preciso pensar sobre o exercício da escuta. Enfatizamos o termo «exercício» em conexão com
a escuta, porque consideramos que ela não é uma ação que se pode aprender lendo um manual de
instruções, é efetivamente um exercício de que vai se tomando intimidade através de sua prática e
da reflexão sobre a ação. Podemos perceber que são várias as qualidades que podem caracterizar
essa escuta. Elencamos algumas mas estamos certos de que existem muitas outras. Essas qualidades
podem ser descobertas, pensadas e elaboradas no cotidiano da atividade socioeducativa, na prática
mesma de escutar. De acordo com Freire (2019, p. 117), «deve fazer parte de nossa formação discutir
quais são estas qualidades indispensáveis, mesmo sabendo que elas precisam ser criadas por nós, em
nossa prática [...]».
Essa fala do autor serve como ponto de partida para a nossa, mesmo que breve, análise sobre a
importância da utopia para a prática socioeducativa. Em primeiro lugar, no trecho citado as palavras
de Freire deixam evidentes o seu posicionamento, o autor se coloca asseguradamente ao lado da
mudança, em oposição à adaptação. Em segundo lugar, esse posicionamento não parece ser uma ação
ou intenção de fácil realização, é necessário insistir, se esforçar, para recusar o determinismo. Por
último, esse esforço de sonhar diz respeito à realidade, a utopia de que fala Freire nada tem a ver com
ilusão ou devaneio, pelo contrário, ela se relaciona com as forças que podem contribuir para a mudança
real. Vejamos esse último ponto com um pouco mais de cuidado.
Frequentemente, o conceito de utopia, no contexto dos escritos de Paulo Freire, aparece relacionado
com um outro conceito, o conceito do “inédito viável”. Em Pedagogia do oprimido, o autor (1987, p. 53)
apresenta o “inédito viável” como uma categoria capaz de evidenciar o caráter profundamente crítico
da utopia. Nesse sentido, essa categoria efetiva-se na seguinte dinâmica: a) o reconhecimento crítico da
dominação ou, nos termos de Paulo Freire, da percepção dos oprimidos de que as “situações limites” não
são “fronteira entre o ser e o nada”, mas são uma “fronteira entre o ser e o mais ser”; b) tornando esse
“percebido destacado”, aqueles que pensam utopicamente sabem, então, “que o problema não é mais um
sonho, que ele pode se tornar realidade” e que sua concretização dirigirá a ação. O “inédito viável”, nesse
contexto, é uma coisa inédita mas possível, ainda não claramente conhecida e vivida, mas sonhada.
Assim, podemos perceber a profunda conexão entre o pensamento utópico, ou o esforço utópico,
com a transformação da realidade. A partir do reconhecimento dos limites que nos são impostos
207
pela dinâmica da realidade no capitalismo conhecemos melhor a necessidade da emancipação e nos
colocamos em um movimento de recusa, de construção e composição de forças para a ultrapassagem da
fronteira entre o ser e o mais ser. Essa perspectiva talvez nos faça compreender melhor a emancipação
de que se fala na Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Um serviço que tem em vistas o
“alcance de alternativas emancipatórias para o enfrentamento da vulnerabilidade social” ganha outros
contornos quando visto a partir desse conceito de utopia. A emancipação, aqui, pode ser entendida
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
como o “inédito viável”, saindo do campo da impossibilidade e se fortalecendo como categoria crítica,
como algo possível mas que ainda não é claramente conhecido.
Por fim, parece fundamental para o profissional que desenvolve atividades socioeducativas,
principalmente no SCFV, o cultivo do desejo e do gosto pela mudança. Esse desejo relacionado ao que
pudemos ver sobre a utopia ganha forma na fome necessária de ultrapassagem e transcendência, do
anseio pelo que está por vir e que, já estando aí, não está em plenitude. Sem medo de ser criticado
como sonhador, como Paulo Freire, mas que disposto a construir uma atuação profissional viva,
cuidadosa e crítica, se coloca disponível a investigar. Que a presença da assistente social vá se tornando
convivência e nesse conviver exista a possibilidade de praticar o ato de sonhar coletivamente, nas
palavras de Freire:
o ato de sonhar coletivamente, na dialeticidade da denúncia e do anúncio e na assunção do compromisso com a
construção dessa superação, carrega em si um importante potencial (trans) formador que produz e é produzido
pelo inédito-viável, visto que o impossível se faz transitório na medida em que assumimos coletivamente a autoria
dos sonhos possíveis (Freire, 2015, p. 32).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O convite que tentamos fazer por meio desse artigo é o de admirar o trabalho socioassistencial
e o cotidiano do SCFV. Admirar suas possibilidades e suas dificuldades. Através da consideração de
algumas partes, ou de saberes que compreendemos como necessários à prática socioeducativa,
tentamos sugerir aos leitores que contribuíssem com esse movimento. Afinal, é na prática que esses
saberes serão construídos e pensados, e que novos saberes se tornarão necessários.
O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos tem em suas normas, tipificações e
orientações uma preocupação com atividades que proporcionem espaços onde são fortalecidas a
autonomia, a identidade, os afetos, a convivência com vistas ao alcance de alternativas emancipatórias.
Mas é a opção feita pelo assistente social que executa essas atividades que dará o tom para esse
espaço. É a partir do ato de admirar sua atuação que serão determinados tanto o seu papel como quais
são seus métodos e suas técnicas de ação. Em Educação e mudança, Freire (2022, p. 64) afirma que
“é uma ingenuidade pensar num papel abstrato, num conjunto de métodos e técnicas neutros para
uma ação que se dá entre homens, numa realidade que não é neutra”. Portanto, se mergulhados em
uma realidade que não é neutra, trabalhadores e usuários precisam compreender essa realidade para
então enxergar sua submissão aos condicionamentos da estrutura social e, diante disso, enxergar a
necessidade de uma opção que faça frente às contradições que constituem essa estrutura.
Não há neutralidade no serviço socioeducativo, as atividades são pensadas para ou, por um lado,
proporcionar um espaço onde a realidade objetiva, a estrutura social, vai se desvelando ao assistente
social e aos usuários num esforço crítico comum ou, por outro lado, para que essa mesma realidade
vá se mitificando e se naturalizando cada vez mais. Freire (2022, p. 65) nos convida a tomar um
posicionamento fundamentado diante disso, pois, o ou a assistente social que faz a opção de “normalizar”
a estrutura social através da ênfase na estabilidade, “pode (quase sempre tenta) disfarçá-la, fingindo
aderir à mudança, mas ficando, sem dúvida, ou com certeza, nas meias mudanças, que é uma forma de
208
não mudar”. Esse trecho (assim como outros que vimos ao longo deste artigo) manifesta a necessidade
de uma atitude radical, inquieta e crítica por parte daqueles que exigem e atuam em favor da mudança.
Talvez uma última necessidade que podemos encontrar na conclusão de nossa breve investigação
é a da importância de estar convencido, no sentido de compreender profundamente, de que “se
a declaração de que o homem é pessoa e como pessoa é livre não estiver associada a um esforço
apaixonado e corajoso de transformação da realidade objetiva, na qual os homens se acham coisificados,
então, esta é uma afirmação que carece de sentido” (Freire, 2022, p. 67-68). Parece que todos os nossos
argumentos apontam para isso, para a coragem e o esforço, isto é, técnicas e maneiras de enxergar
essa realidade como mais que um imenso aparato de dominação, ou como o reino da liberdade já
realizada. Mas de se empenhar em distinguir as forças e as tendências emancipatórias e opressivas.
Em suma, trata-se de, no imaginar, preparar e executar as atividades no SCFV, que o ou a assistente
social tenha em mente um conhecimento nítido e vivo das características do presente, das fronteiras
que nos limitam e, ao mesmo tempo, das fissuras nessas fronteiras, das alternativas que podem ser
construídas coletivamente, até mesmo no cotidiano do trabalho, para o alcance dessas alternativas
emancipatórias e, além disso, da mobilização concreta, por meio do trabalho, do verdadeiro escutar
e conviver, para que se fortaleçam essas forças de recusa ao status quo, potencializadas pelo nosso
REFERÊNCIAS
209
A DIMENSÃO SOCIOEDUCATIVA DO ASSISTENTE SOCIAL E O TRABALHO EM
GRUPOS A PARTIR DA CULTURA DE PAZ:
Um Relato de Experiencia na Escola
Resumo: A partir da concepção freiriana de educação, o objetivo deste artigo é apresentar a dimensão
socioeducativa do assistente social, que utiliza da técnica de trabalho em grupos pautada nos princípios da
Cultura de Paz para o desenvolvimento das atividades com crianças e adolescentes em uma escola. As reflexões
teóricas partem de uma pesquisa qualitativa bibliográfica que buscou analisar historicamente a dimensão
socioeducativa do trabalho do assistente social, refletir sobre a técnica de trabalho em grupos realizada ao
longo da profissão e compreender a perspectiva educativa pautada na Cultura de Paz. O trabalho apresenta um
relato de experiencia que resulta de uma reflexão crítica sobre a prática profissional de assistentes sociais em
uma escola de educação básica na periferia. alocada no interior do estado de São Paulo, que desenvolve ações
em grupos a partir da perspectiva da Cultura de Paz. Os resultados apresentam que a atuação do assistente
social, quando realizada de forma emancipatória, baseada na dimensão socioeducativa e pedagógica que utiliza
do trabalho em grupos, é uma estratégia eficaz para a formação coletiva, cidadã e crítica dos sujeitos.
Palavras-chave: Trabalho Socioeducativo. Grupos. Educação. Cultura de Paz.
ABSTRACT: From the Freireana conception of education, the objective of this article is to present the socio-
educational dimension of the work of the social worker, from the technique of work in groups that uses the
principles of the Culture of Peace for the development of activities with children at school. The theoretical
reflections are based on a qualitative bibliographic research that sought to analyze historically the socio-
educational dimension of the work of the social worker, reflect on the technique of work in groups carried out
throughout the profession and understand the educational perspective based on the Culture of Peace. The
work presents an experience report that results from a critical reflection on the professional practice of social
workers in a school of basic education in the periphery, located in the interior of the state of São Paulo, which
develops actions in groups from the perspective of the Culture of Peace. The results show that the performance
of the social worker, when carried out in an emancipatory way, based on the socio-educational and pedagogical
dimension that uses the work in groups, is an effective strategy for the collective, citizen and critical formation
of the subjects.
Keywords: Socio-educational Work. Groups. Education. Culture of Peace.
INTRODUÇÃO
210
um assunto comum entre o grupo, exigindo que o profissional seja sensível à realidade a qual atua,
expectativas e necessidades do contexto de vida dos participantes.
No Serviço Social, o trabalho em grupos surgiu no advento da profissão, sendo utilizado na
perspectiva acrítica que visava a regulação de modos de vida e comportamentos individuais, passou
por diversas influencias e foi se transformando ao longo do tempo.
A educação tem papel de formação para a cidadania e a escola é locus privilegiado para o
desenvolvimento de ações pedagógicas que visam a formação para a vida. O trabalho do assistente
social na escola possui diversas dimensões, dentre elas, lhe são requisitadas práticas voltadas a
socioeducação e à formação coletiva, portanto as práticas de grupo podem favorecer e contribuir para
o trabalho profissional.
Um grupo de assistentes sociais de uma escola da periferia do interior paulista, desenvolve grupos
socioeducativos a partir da perspectiva da Cultura de Paz, que visa a formação para ações pautadas
no respeito à vida, na promoção e prática da não-violência, por meio da educação, do diálogo e da
cooperação, a fim de contribuir para uma sociedade equânime, justa e humana. Os princípios da Cultura
de Paz dialogam com os valores profissionais e com o projeto ético-político do assistente social, assim,
o trabalho em grupos a partir da Cultura de Paz pode ser estratégia efetiva para a atuação profissional,
DESENVOLVIMENTO
211
os componentes éticos e políticos da instrumentalidade e das tendencias teórico-metodológicas da
profissão (Torres, 2009, p. 14).
No campo da prática da ação social, a dimensão interventiva aponta para a garantia de direitos,
proteção social e consolidação de políticas públicas e sociais voltadas às populações, principalmente
aquelas em situação de exclusão e vulnerabilidade social. Para tal é necessário que o assistente social
reúna instrumentos e estratégias que alcancem os sujeitos e suas reais necessidades.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Uma das estratégias da dimensão interventiva do assistente social construída pela matriz crítica
é o trabalho socioeducativo, que tem sido requisitado aos profissionais que atuam em diversas áreas
e políticas públicas, pois diz respeito ao desvelar da realidade social, à compreensão teórica e critica
para a leitura dos fenômenos, conjunturas e condições sociais que se manifestam, a fim de propor
alternativas e mediações possíveis para as problemáticas sociais.
Segundo Vale e Nascimento (2018), trata-se de uma alternativa de intervenção que visa a
transformação social, e que tem como horizonte a emancipação política, moral, econômica e cultural
dos sujeitos, através da mobilização democrática.
As ações socioeducativas se estruturam na ordem do processo reflexivo, não há atuação
preestabelecida, pois, a ação profissional é construída e reconstruída cotidianamente, assim torna-
se uma prática histórica e teórica, que requer do profissional a busca pelo desvelar da realidade
fundamentado no projeto ético-político (Torres, 2009; Mioto, 2009).
Segundo Torres (2009), o trabalho constrói-se na relação entre assistente social e usuários,
deve ultrapassar a visão culpabilizadora centrada nos problemas individuais, e ampliar a visão,
onde as problemáticas apresentadas pelos usuários sejam articuladas com a realidade do contexto
macroestrutural e com as condições e realidades de vida de outros sujeitos.
A dimensão socioeducativa se atrela à visão da educação popular que se projetou no contexto sócio-
histórico da década de 1960, período da democratização em curso na sociedade brasileira, intensificação
das lutas populares e fortalecimento dos movimentos sociais (Netto, 2018). O acirramento das lutas
de classes fortaleceu a caminhada em prol de um projeto de sociedade onde as questões sociais foram
postas em evidência e passaram a ser discutidas em supremacia às econômicas. Dentre os movimentos
que se fortaleceram neste período, citamos os movimentos sindicais e operários, os movimentos rurais,
o movimento estudantil e as mobilizações no campo da educação.
Dos movimentos no campo da educação, emerge a educação popular, que oriundou e se fortaleceu
diante da latente realidade de desigualdades de acesso educacional, analfabetismo e exclusão de
milhares de brasileiros, marcando um compromisso em favor das classes populares, que tinham como
premissa a ação educativa em prol da ação política. Sua concretização ocorreu com a sistematização
do método pedagógico freiriano, que compreende as práticas educativas como vetor para a
transformação e emancipação dos sujeitos, rompendo com a perspectiva bancaria e verticalizada
de educação, instrumentos de opressão e alienação (Freire, 2017). As ideias de Paulo Freire se
destacaram pelo caráter transformador e questionador e influenciaram movimentos brasileiros e
latino americanos em prol da democracia.
Em seu livro Pedagogia do Oprimido (Freire, 2019), o processo dialógico-reflexivo-crítico são
fundamentados pelo lugar de sujeito e protagonista em que os educandos são colocados, defendendo
a ideia do diálogo como premissa para a transformação e valorizando saberes individuais e coletivos
como parte do constructo do aprendizado, caminho pelo qual a educação popular ocorre.
A relação do serviço social com a educação popular se construiu a partir da década de 60 no período
de reconceituação profissional, através da influência de tais movimentos sociais que contribuíram para
o rompimento da perspectiva tradicional da profissão. Segundo Monteiro (2018), neste trajeto há uma
busca contundente de conexão entre a dimensão educativa e política da profissão.
A formulação da perspectiva crítica da educação, e da pedagogia da conscientização elaborada
por Paulo Freire influenciaram a ruptura do serviço social acrítico, onde novos conceitos como
212
conscientização, emancipação e libertação foram motes para repensar as intervenções sociais e a
prática profissional, e tornaram-se uma referência teórico-metodológica para o trabalho social. Assim:
[...] podemos afirmar que a dimensão educativa é intrínseca ao exercício profissional, mas que, no entanto,
historicamente se vinculou a uma perspectiva subalternizante, distante e na contramão de uma perspectiva
emancipadora. É legado do Movimento de Reconceituação a sua guinada para o campo crítico, que procura se
construir a partir e para o fortalecimento de projetos populares (Monteiro, 2018, p. 12).
Segundo Fávero e Motta (2015), os movimentos de cultura e educação popular, dos anos de 1960,
operaram um salto qualitativo em relação às campanhas e mobilizações governamentais. A educação
popular ultrapassou os movimentos ocorridos no campo da educação e passou a ser reconhecida como
uma prática cujo objetivo principal era a transformação da correlação de forças, assumindo um sentido
político e de luta em favor das classes populares (Vale e Nascimento, 2018).
Há uma convergência entre o compromisso com a classe trabalhadora e a ética profissional, entre
a proposta educacional e a profissão (Ferraz, 2014). A busca por uma nova ordem societária que atue
sobre as expressões da Questão Social e em contraposição às forças de poder e ao sistema dominante
que reproduz as desigualdades e mazelas vividas pelas classes subalternas, deve ser premissa para o
trabalho socioeducativo do assistente social, e ações de educação e mobilização popular que visam a
213
se aqui a urgência de pensar e traçar novas estratégias que fortaleçam a perspectiva da dimensão
socioeducativa do assistente social e definir uma atuação pautada no projeto ético-político que
apresente premissas condizentes com a perspectiva freiriana do ato de educar.
grupos. Os grupos surgem na profissão em meados de 1920, influenciados pelos estudos e publicações
de Mary Richmond a partir da implementação do método do Serviço Social de Caso, na primeira escola
de Serviço Social em Nova Iorque.
Inicialmente os grupos estavam relacionados à busca pela realização do indivíduo e por uma sociedade
melhor, voltava-se para a educação informal e para o entretenimento, fato este, que segundo Wiggers
(2006), contribuiu para que essas atividades fossem consideradas equivocadamente como sinônimos do
Serviço Social de Grupo durante muito tempo. Para os assistentes sociais este trabalho era visto como
um objetivo, e não como um método de trabalho, restringindo-se a ações pontuais e não sistematizadas.
Importante destacar que neste período a formação do serviço social possuía caráter assistencialista
e conservador, voltado aos interesses do Estado e da burguesia que desejava uma sociedade organizada
e capaz de resolver suas próprias problemáticas, sem considerar o contexto macroestrutural da época,
consequentemente, o trabalho em grupos voltava-se aos comportamentos, a adoção de posturas e
estilos de vida que estivessem alinhados aos objetivos da burguesia.
No ano de 1889, a estudiosa e assistente social Jane Addams fundou a primeira Hull House,
instituição que desenvolvia ações sociais que se pautavam na luta pelos direitos cívicos dos grupos
de trabalhadores, imigrantes, mulheres, crianças, idosos e doentes. Addams buscava pela reforma
da ação social e criticava a abordagem de organizações que realizavam ações de cunho filantrópico e
eram repletas de ideologia religiosa.
As experiencias e contributos teóricos de Addams propiciaram o início de uma nova intervenção
para o serviço social, consubstanciado por uma perspectiva de contrariar os efeitos perversos da
industrialização, compreendendo que a ação profissional poderia contribuir para o empoderamento
dos sujeitos e das comunidades. A ação era orientada para um trabalho comunitário centrado em
dinâmicas de grupos, por vezes, em regime de acolhimento social dos imigrantes. Suas abordagens
eram pautadas nas perspectivas teóricas da etnologia e do interacionismo, associando a ação social
à ação política, porém não politizada, implicando os assistentes sociais e os usuários em uma ação
coletiva. Ela defendia o trabalho social com grupos, assim como o trabalho de comunidade, havendo
um contato permanente com a realidade do campo de atuação, incluindo os usuários diretamente
nessas ações e fundamentava a justiça social e a equidade, superando a perspectiva focada na ajuda
social (Carvalho, 2012, p. 162).
Foi somente a partir de 1930 que a profissão reconheceu o trabalho em grupos como método,
tendo como marco a primeira publicação do livro sobre Serviço Social de Grupos, produzido pela
assistente social Grace Longwell Coyle, que institui uma nova perspectiva da prática do trabalho em
grupos, buscando discutir processos como: a organização estrutural do grupo, a formação grupal,
a organização a seleção dos membros, o desenvolvimento de metas, criação de vínculos cultura do
grupo e pensamento coletivo. No ano de 1955, a Associação Nacional de Assistentes Sociais se vincula
à Associação Americana de Serviço de Grupo, deixando de lado o caráter recreativo e assistencialista
dos grupos, e incorporando-o à corrente cientifica como um método de educação social.
Consolidado como profissão no Brasil após a chegada das primeiras escolas na década de 1930,
o Serviço Social se desenvolveu através de influências franco-belga e posteriormente norte-
americana. A atuação se efetivava através de atendimentos individualizados objetivando a adaptação
do indivíduo ao contexto da industrialização e do novo sistema capitalista, buscando atender às
condições impostas por tal.
214
Com a agudização das expressões questão social, consequência do cenário de exploração e de
dominação de uma classe sobre a outra, as demandas para o serviço social aumentaram, assim em busca
de atender paliativamente tais demandas, a profissão adotou o trabalho com grupos com a finalidade
de buscar soluções imediatas ocasionadas pela II Guerra Mundial.
Mais tarde o serviço social passou a desenvolver ações através de três técnicas: a de caso, de
grupos e de comunidade, a partir da influência norte-americana. As bases do Serviço Social de Grupos
estavam intimamente ligadas a ações de autoajuda com uma perspectiva terapêutica e repressora do
indivíduo, pois definia que os problemas individuais deveriam ser resolvidos, justificando-os de acordo
com valores e normas vigentes do contexto social.
Como confirma Silveira (2016), os grupos no Serviço Social foram utilizados com fins terapêuticos,
no sentido de melhor adaptação do homem ao seu meio. As metodologias desagregavam a profissão,
a fragmentando em especializações como o assistente social de grupos, ou assistente social de caso
ou assistente social de comunidade, fragilizando as técnicas e instrumentos, limitando a atuação
profissional ao viés conservador e punitivo, alimentando uma sociedade capitalista e um Estado omisso.
O Movimento de Reconceituação da profissão ocorreu entre os anos de 1965 e 1985, em meio ao
contexto de Ditadura Militar, a partir da aproximação da profissão ao campo da sociologia e psicologia
215
Como já refletido anteriormente, o trabalho em grupos no serviço social possui caráter
socioeducativo de resgate a força e o potencial das classes dominadas, norteando o caminho para a
emancipação dos sujeitos. Portanto, exige um profissional qualificado, de competência crítica, que
pensa, analisa, pesquisa e decifra a realidade (Jacinto, 2017).
Para Vasconcelos (2015, p. 388), o papel educativo deve ser desenvolvido em todas as instâncias da
atuação profissional, pois ele prevê o fomento da participação ativa dos sujeitos no controle social e
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
acesso a direitos sociais, rompendo, para além do simples acesso e uso de um serviço.
Segundo Iamamoto (2015), é imprescindível direcionar estratégias em função das particularidades
do objeto de estudo e prática do assistente social, é fundamental o engajamento entre a perspectiva
teórico-metodológica e a realidade dos usuários, bem como um comprometimento político vinculado
a base técnico-operativa para que seja possível novas conquistas à profissão.
Assim, a perspectiva crítico-dialética do trabalho em grupos visa correlacionar a realidade de
vida dos sujeitos com a totalidade dos processos sociais, ou seja, considera os determinantes sociais,
problemáticas e questões que se colocam no bojo da vida social e evidenciam aspectos que podem ser
instrumentos a ser trabalhados nos grupos (Eiras, 2018; Bonfim et al, 2018).
Quanto a sua metodologia, o trabalho em grupos deve prever o estabelecimento de vínculos de
segurança e confiança entre os participantes, onde os interesses individuais vão caminhando em prol
dos interesses coletivos construídos e repensados pelo próprio grupo. A escolha pelo tema ou questão
a ser discutida deve se basear na convergência de representações em comum de todos os membros,
para tanto é necessário que o profissional tenha sensibilidade de perceber a representação interna e
história de vida de cada participante, pois tais tem impacto no processo grupal.
Eiras (2018) defende a ideia da verticalidade do grupo, que considera as subjetividade e singularidades
de cada sujeito, ao mesmo tempo em que defende a ideia da horizontalidade, que prevê a identificação
entre os membros do grupo, a troca de experiencias e pontos em comum. O processo reflexivo proposto
ao grupo é uma das principais ações metodológicas, onde a problematização pressupõe o diálogo que
deve ser disparado, oportunizando a participação e escuta a ativa a todos os participantes. Torna-se
imprescindível a elaboração de perguntas que levem os sujeitos a refletir sobre sua realidade, de modo
que os temas emerjam do próprio interesse e dos assuntos evidenciados no coletivo.
Portanto, o assistente social que conduz o grupo deve estar atento aos macros determinantes e
questões da realidade vivida pelos sujeitos, estabelecendo vínculos com os usuários e mantendo uma
relação democrática com os mesmos, a fim de que as ações socioeducativas alcancem seus objetivos.
Antes de iniciar o grupo, é necessário que o profissional defina os objetivos do encontro, proponha
temas e perguntas norteadoras que disparem o diálogo, planeje o número de participantes, a duração da
atividade e a quantidade de encontros a serem realizados conforme a análise da demanda e organize os
recursos físicos e materiais para o desenvolvimento da atividade (Bonfim et al, 2018). Planejar espaço
físico e estrutura disponível para os grupos também é fundamental, a fim de propiciar um espaço de
segurança, acolhida e conforto para a realização da ação.
Após o termino dos grupos, é fundamental realizar a análise e avaliação das ações, além dos registros
quantitativos e qualitativos que podem utilizar de técnicas como diário de campo, anotação no prontuário
e ficha dos sujeitos, vídeos, fotografias, depoimentos e entrevistas aos próprios participantes, além
das impressões do profissional. Tais instrumentos poderão auxiliar na escolha dos próximos temas,
identificação do perfil e necessidades dos participantes, além de evidenciar os avanços e impactos que
a ação grupal pode trazer para os sujeitos e para o ambiente em que se desenvolvem os grupos.
Assim, o assistente social deve se capacitar para o trabalho em grupos, realizar uma preparação
cuidadosa e a partir de um olhar crítico e sensível às realidades e demandas do coletivo, mas tomando
o devido cuidado com a escolha dos temas, pois segundo Rocha (2016), o assistente social precisa ter
como premissa que a realização de grupos terapêuticos não é competência do serviço social, mas sim
a intervenção grupal de caráter educativo e reflexivo.
216
O trabalho com grupos na profissão é considerado polêmico, visto que na contemporaneidade ainda
há uma significativa resistência das/dos assistentes sociais quanto ao uso desta técnica. No decorrer
da pesquisa bibliográfica foram notados inúmeros desafios no cotidiano profissional e também alguns
impasses ligados ao viés conservador do contexto sócio histórico da própria profissão e ao fato de
não haver um consenso de metodologias definidas ao instrumento (Ferraz, 2014; Vale e Nascimento,
2018; Silva, 2019).
Em seu estudo, Eiras (2018) cita dificuldades como a falta de espaço físico ou estruturas não
adaptadas para essas ações coletivas, a não adesão dos sujeitos aos grupos, quadro reduzido de
profissionais em relação ao tamanho da demanda territorial, sobrecarga dos serviços e profissionais,
e a própria regulação e limitação das possibilidades de trabalho impostas pelo empregador, que
impedem oportunidades de intervenção, principalmente o trabalho com grupos que demanda tempo
para pesquisa e planejamento, além de tempo para registro e avaliação.
Por isso, se faz necessária a busca constante do conhecimento profissional, a fim de se pensar
alternativas de trabalhar em prol da reivindicação dos direitos da classe trabalhadora, da qual os
próprios assistentes sociais fazem parte. Segundo Torres (2009), atuar nessa perspectiva requer um
profissional que possua consistência teórica, metodológica, ética e argumentativa.
217
contribuam para a humanização das relações sociais, promoção de equidade social e construção de
uma sociedade mais humana e melhor para todos (Pranis, 2018).
A perspectiva da Cultura de Paz no contexto escolar foi implantada primeiramente nos Estados
Unidos e chegou ao Brasil em meados da década de 90, através de forte influência do poder judiciário.
As autoras americanas Boyes-Watson e Kay Pranis (2011) se tornaram referência no assunto, após a
publicação do livro “Círculos em Movimento: construindo uma comunidade escolar restaurativa”, em
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
A verticalidade da relação de poder deve ser quebrada para dar espaço à uma relação horizontal,
onde todos sejam incluídos e respeitados por suas diferenças sociais, culturais, sexuais, religiosas,
jeito de ser, dentre outros aspectos, para que a educação seja de fato emancipadora. Tais práticas
permitirão um espaço democrático na escola, através de experiências propícias a um ambiente de paz,
e consequentemente de formação humana e integral, os círculos podem ser uma infraestrutura chave
para uma comunidade escolar saudável (Boyes-Watson & Pranis, 2011).
Este artigo busca apresentar a experiencia do trabalho socioeducativo em grupos, baseado na
Cultura de Paz, realizado pela equipe de Serviço Social de uma escola de educação básica alocada na
periferia de uma cidade do interior paulista. Trata-se de uma escola filantrópica mantida por uma Rede
internacional de Colégios, Escolas Sociais e Universidade, que visa uma educação de qualidade através
de projetos educacionais e pedagógicos que sejam transformadores e incentivem a formação integral,
o protagonismo e a propagação de valores.
A unidade escolar deste relato de experiencia é denominada como Escola Social, pois oferece
educação em território em situação de vulnerabilidade social e busca atender crianças e adolescentes
cujas famílias se encontram em situação de pobreza. Atualmente a escola realiza atendimento
diário a 780 educandos do primeiro ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio, a
escola funciona nos três turnos (matutino, vespertino e noturno) e além das aulas regulares, oferece
atendimento em Jornada Ampliada através de projetos socioeducativos.
A escola possui uma equipe gestora composta por direção pedagógica, direção administrativa,
coordenação e assistentes pedagógicos, equipe psicossocial, bibliotecário e pastoralistas. A equipe
psicossocial é comporta por três assistentes sociais e um psicólogo.
A perspectiva da Cultura de Paz foi implementada na escola a partir do ano de 2018, quando uma
das assistentes sociais e um grupo de educadores participaram de um Curso de Extensão oferecido
pela instituição em parceria com uma Universidade do Estado do Paraná.
A partir de então, a escola começou a aprofundar o campo da pesquisa e estudos sobre práticas
restaurativas e Cultura de Paz implantadas no ambiente escolar, a fim de que as diretrizes da educação
para a paz fossem implementadas de maneira efetiva no espaço escolar e dentro das salas de aulas.
Estas diretrizes estão alinhadas à Base Nacional Curricular Comum, aos Objetivos de Desenvolvimento
218
Sustentável da ONU e ao Pacto Global Educativo, e constam no Projeto Político Pedagógico e no Plano
de Formação Contínua da escola.
Para além dos conteúdos dos componentes curriculares, a escola tem gerido a cultura de paz em
diversos processos, promovendo espaços de diálogos, debates e discussões sobre saúde socioemocional,
relações coletivas, respeito nos processos cotidianos da vida. Para que a escola seja um local que
respeita as diferenças, trona-se imprescindível a formação contínua em práticas restaurativas dos
gestores, docentes e demais colaboradores, a fim de alcançar um olhar diferenciado, que quebre as
barreiras de todas as questões excludentes.
O Serviço Social tem contribuído para a conscientização da comunidade educativa, seja no processo
de formação e acompanhamento dos educadores, seja no diálogo e trabalho cotidiano com educandos,
famílias e comunidade. A dimensão socioeducativa do trabalho do assistente social é reconhecida
pela instituição, e tem sido valorizada como importante no bojo do contexto escolar, propiciando
espaço e possibilidades para que o profissional do serviço social realize os grupos na direção teórico
metodológica da sua intervenção profissional e conforme os princípios do projeto ético-político
profissional, que estão atrelados à educação crítica e libertadora e aos valores da Cultura de Paz.
A realização dos grupos socioeducativos com os educandos não é uma atribuição somente dos
219
educadores e famílias. Os assistentes sociais tem utilizado de metodologias ativas para a realização
dos grupos, como dinâmicas individuais e de grupo, quebra-gelos, contação de histórias, utilização
de literaturas infantis, vídeos, curtas-metragens e músicas, recursos efetivos que contribuem para a
interação, aproximação e identificação entre os sujeitos dos grupos.
Importante destacar que a equipe social e a escola como um todo, tem desenvolvido o cuidado
para que esta prática não seja fragmentada e descontextualizada do cotidiano e utilizada somente em
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
momentos de grandes conflitos ou problemáticas a se resolver na escola, mas que seja uma estratégia
continua, intrínseca no dia a dia da escola e parte da cultura escolar.
Como forma de monitoramento e avaliação, a equipe realiza o registro das atividades, a fim de
construir um relatório que abarque dados quantitativos e qualitativos, além de utilizar de registro
fotográfico, filmagens, depoimentos e fichas de avaliação que subsidiam a preparação dos próximos
encontros e impactos apreendidos nos grupos socioeducativos.
Os assistentes sociais da escola têm buscado difundir tal experiencia junto a rede de serviços
do território e com demais escolas e serviços da política de assistência social no território, além de
levar esta prática para eventos científicos e espaços de troca de experiencias, a fim de difundir esta
possibilidade de prática do trabalho do assistente social na escola.
CONSIDERAÇÃO FINAL
O avanço de medidas neoliberais e mazelas do atual sistema vigente impactam os direitos sociais
conquistados pela classe trabalhadora, sendo imprescindível a postura investigativa no exercício
profissional e a capacidade critica de leitura da realidade, que seja capaz de desenvolver ações com
vistas ao fortalecimento da cidadania, emancipação, ética e respeito.
O movimento de reconceituação da profissão foi um marco no processo de ruptura com as bases
conservadoras e fragmentadas as quais a profissão surgiu, buscou romper com práticas assistencialistas,
individuais e de caráter punitivo em prol do ajustamento e padronização de comportamentos sociais
que atendessem os interesses da burguesia e do mercado. A construção de uma nova postura do
assistente social propiciou a formação de um perfil pedagógico, que onde o assistente social passa a
ser um profissional que pode contribuir para a educação crítica, formação e emancipação dos sujeitos.
A dimensão socioeducativa do trabalho do assistente social avança na perspectiva pedagógica,
pois sua ação educativa pode ser um instrumento que possibilite a tomada de consciência, para a
construção de movimentos de resistência e avanços na perspectiva da conquista de direitos. Para sua
implementação o profissional pode-se utilizar de instrumentos, como o trabalho em grupos.
No Serviço Social o trabalho em grupos possui caráter socioeducativo e para sua viabilização é
esperado do/a assistente social uma competência crítica, propositiva e interventiva, capaz de analisar
a realidade social e incidir sobre ela juntamente com os sujeitos.
Questões éticas e morais como respeito, a colaboração, o diálogo, empatia podem ser premissas
para o trabalho em grupos e estão vinculadas aos princípios da Cultura de Paz e do projeto ético-político
da profissão. Implementá-las no ambiente escolar torna-se uma possível ferramenta de emancipação,
libertação e efetivação de uma educação horizontalizada que visa além dos saberes pedagógicos, a
formação cidadã e mudança de sociedade.
A prática do trabalho socioeducativo com grupos baseada na perspectiva da Cultura de Paz realizada
por assistentes sociais em uma escola de educação básica da periferia, tem apresentado resultados
significativos no processo de aprendizagem e na formação cidadã de crianças e adolescentes, além de
ser uma ferramenta de visibilidade e reconhecimento do trabalho do assistente social na escola, junto
a educandos, equipe escolar, famílias e comunidade.
220
Todavia, há inúmeros desafios que precisam ser superados para que o trabalho socioeducativo crítico
e o trabalho em grupos de fato sejam uma ferramenta que alcance seus objetivos. Ainda se encontram
ações de caráter repressor e regulador, que visam somente o repasse de informações e centram na
busca individual de solução dos problemas. Assim, torna-se necessário e urgente o aprofundamento do
conhecimento acerca do trabalho socioeducativo pautado na perspectiva crítica e emancipatória, a fim
de superar os entraves e desafios postos à sua efetivação, e desenvolver um trabalho socioeducativo
rumo à direção social hegemônica da profissão, que defende um novo projeto coletivo.
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222
DIMENSÃO EDUCATIVA DO SERVIÇO SOCIAL NA
POLÍTICA DE PROTEÇÃO DE BASE EM ANGOLA:
o Caso do Lar de Infância Kuzola em Luanda
RESUMO: Refletir sobre a Dimensão Educativa do Serviço Social na Política de Proteção Social é uma missão,
embora não impossível, bastante exigente devido às suas múltiplas determinações, especialmente no contexto
angolano. O mesmo visa, por um lado, instigar e, por outro, fortalecer o debate sobre o tema em questão na
realidade angolana. E esta reflexão surge do nosso interesse em compreender melhor como ela se efetiva nesta
realidade, partindo da lógica de compreender a universalidade para alcançar (compreender) a singularidade,
que é o território angolano o nosso atual espaço de intervenção como Assistente Social. Mesmo cientes de
nossas limitações, essa reflexão baseou-se na teoria do materialismo histórico-dialético crítico de Marx e é
resultado de uma pesquisa bibliográfica e documental. E, através do qual percebemos que o assistente social
na política de proteção social, através da dimensão educacional-pedagógica, especialmente a emancipatória, ao
mesmo tempo em que produz e reproduz a ideologia vigente, pode proporcionar um espaço para conscientizar a
classe trabalhadora, de um lado, da necessidade da luta contínua por seus direitos e, de outro, da necessidade de
ABSTRACT: Reflecting on the Educational Dimension of Social Work in Social Protection Policy is a mission,
although not impossible, quite demanding due to its multiple determinations, especially in the Angolan context.
It aims, on the one hand, to instigate and, on the other, to strengthen the debate on the subject in question in
the Angolan reality. And this reflection arises from our interest in better understanding how it is effective in this
reality, starting from the logic of understanding the universality to achieve (understand) the singularity, which
is the Angolan territory our current space of intervention as a Social Worker. Even aware of our limitations,
this reflection was based on Marx’s theory of critical historical-dialectical materialism and is the result of
bibliographical and documentary research. And, through which we realize that the social worker in the social
protection policy, through the educational-pedagogical dimension, especially the emancipatory one, at the same
time as it produces and reproduces the current ideology, can provide a space to make the working class aware,
on the one hand, of the need for the continuous struggle for their rights and, on the other, of the need to break
with this system that is exhausting, A revolutionary break towards human emancipation. The final, although a
professional of the bourgeoisie is a worker.
Keywords: Social work, Educational dimension, social protection policy.
INTRODUÇÃO
Refletir sobre a Dimensão Educativa do Serviço Social na política de Proteção Social é uma missão
embora não impossível, bastante exigente. É exigente por se tratar primeiro de uma profissão que
emerge no “seio” da burguesia para dar respostas (minimizar) as refrações da questão social, e em
segundo lugar por se tratar de política social, no caso, da proteção social, que é um instrumento
ideológico e político da burguesia, através do qual se desencadeia o processo de produção e
reprodução da sua classe. Esta é uma realidade que do mesmo modo que se dá na realidade de muitos
países, se não de todos, também se dá de igual modo na realidade angolana, aonde o Lar de Infância
Kuzola é um exemplo.
A reflexão da Dimensão Educativa do Serviço Social na realidade angola, surge do nosso interesse
em compreender melhor como se efetiva nesta realidade, partindo da lógica da compreensão da
1 Graduado em Serviço Social, Pela Universidade Católica de Angola. isaias.issenguele@unesp.br. Discente do Mestrado
em Serviço Social no Programa da Pós-Graduação em Serviço Social da Unesp Campus de Franca.
2 Professora Doutora, rchedian@gmail.com. Professora voluntária do programa da Pós-Graduação na Unesp Campus
de Franca.
223
universalidade para alcançar (compreender) a singularidade, que é o território angolano nosso atual
espaço de intervenção como Assistente Social.
O serviço social em Angola é uma profissão “muito jovem” que embora a sua origem datar os anos
1962, “período colonial”, é em 2005 que se começa de fato com a formação de profissionais, Monteiro
(2016), num país independente e em paz. E, esta “juvenialidade”, faz com que a profissão seja marcada
por várias incompreensões teórico-prática, por parte de muitos profissionais. De facto, este pode
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
O Serviço Social como forma de trabalho especializado é também uma profissão inserida na “divisão
social e técnica do trabalho”, como podemos aferir em (Iamamoto; Carvalho, 1982) quando dizem que,
“O Serviço Social é uma especialização do trabalho da sociedade, inscrita na divisão social e técnica do
trabalho social, o que supõe afirmar o primado do trabalho na constituição dos indivíduos sociais”.
Em relação as dimensões do Serviço social, é uma condição, se possível natural ou ontológica
da profissão. Espera-se que não haja equívocos na tentativa de se formular uma resposta através
da afirmativa segundo a qual, se o “homem através do trabalho transforma a natureza e na medida em
transformar a natureza através do trabalho ele também se transforma a si”.
O Serviço Social, como profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho, através da sua
“praxis” no âmbito das políticas sociais (instrumento e ou espeço privilegiado de sua intervenção),
enquanto vai intervindo na questão social (seu objeto de intervenção), e dada a complexidade da mesma
(questão social), a profissão desenvolve várias dimensões, com o propósito de melhor enfrentamento
da “questão social”.
Assim sendo, em nosso intender, dimensão do Serviço Social são princípios que dão materialidade à
profissão. E como tal, Santos (2013a, p. 25), aponta que:
o termo “dimensão” refere-se “às propriedades de alguma coisa, no sentido de seus pressupostos, de suas
direções, de seus princípios fundamentais”. No Serviço Social, diz respeito “aos princípios que contribuem para a
concretização da profissão de Serviço Social e que formam a sua base”.
224
O Serviço Social é uma das profissões mediadora das relações humanas. Por isso, é que, diante da
totalidade das múltiplas dimensões, destaca-se a educativa-pedagógica não como a melhor ou a pior
entre as dimensões, mas, como aquela que perpassa e ilumina todas as outras, tornando-se numa
marca diferenciadora da “práxis” profissional do Serviço Social em relação as outras profissões.
Nesse sentido, o assistente social na medida que, através das políticas sociais vai materializando
os ideais da burguesia, não só desencadeia um conjunto de ações devidamente programadas para a
elevação da consciência de classes aos trabalhadores, como também, desperta a necessidade de uma
classe organizada para as lutas (revolucionárias), contra o capitalismo.
O Serviço Social embora surja no seio da ordem burguesa, as suas ações ao logo da história, foram
marcadas essencialmente pela dimensão educativa, através dos perfis pedagógicos da “Ajuda”, a de
“Participação” e a “Emancipatória”5. Assim, o Serviço Social é chamado na atual conjuntura social a orientar
as suas ações para o perfil pedagógico emancipatória, embora segundo Monteiro (2016), ainda existir
com maior predominância os dois primeiros perfis nas práticas do Serviço Social no contexto angolano.
O perfil da participação, há certa ampliação da visão, no sentido de tentar compreender a participação popular
como elemento central do processo de intervenção, mas, ainda prevalece a visão de que os indivíduos é que
são/estão desajustados. O Perfil da emancipação, que deveria ser o perfil de todos os assistentes sociais, tido
De acordo com a autora, a política de proteção social, de modo particular, na proteção de base, é um
espaço de luta dos “contrários”. No caso de Angola, o Lar de Infância Kuzola, embora seja um espaço
que resulta da tentativa da burguesia (através do Estado) dar respostas às expressões da questão social
decorrentes das suas próprias ações, é o único espaço público de proteção social para dar respostas
às demandas sociais que necessitem da proteção social de base, dentro das suas especificidades. E,
é também neste mesmo espaço onde o Assistente Social é chamado a intervir. E no nosso entender,
este espaço de lutas de classes, exige do Assistente Social um posicionamento rigoroso. Este não é um
posicionamento qualquer, pelo que, dependerá da linha ideológica que defende, (dependerá da “lupa”
que utiliza para compreender a questão social), porque ao mesmo tempo que é trabalhador assalariado
e executor da ideologia burguesa (através das políticas sociais), também é parte da classe trabalhadora,
da classe subalternizada de que demandam o objeto de intervenção desta instituição, como podemos
acompanhar nas páginas a seguir.
Proteção social surge como política no seio do Estado burguês com objetivos antagônicos. O
Estado num lado transparece como promotor de direito e garantidor da dignidade humana, (o que é o
mais publicitado) através de políticas sociais, do outro, através das mesmas políticas, proporciona as
condições de garantia da manutenção e ampliação da força de trabalho.
Enquanto mostra-se uma forma de garantia dos direitos, é ao mesmo tempo forma de produção e
preparação e ou lapidação de indivíduos para o processo de manutenção da mão de obra capitalista.
Pode- se afirmar que a proteção social é uma política social que garante a dignidade humana? A
resposta é não, porque é uma política econômica como diz Pereira (2013, p. 2), pois enquanto trata
de dar respostas às “múltiplas manifestações da questão social”, ao mesmo tempo trabalha a questão da
manutenção da força de trabalho, como sendo a principal, se não a única preocupação da burguesia,
5 Tonet. defende a ideia de que a cidadania e a democracia não dão conta da emancipação humana, que é no máxima uma
emancipação Política, oriunda da sociedade capitalista. O seu estudo sobre emancipação humana, parte da perspetiva
da ontologia do ser social de Marx, que se preocupa com a autoconstrução humana, através do trabalho associado, que
consiste na livre associação dos homens para produzirem os bens a serem consumidos em comum.
225
sempre com um olhar na prevenção da crise e no aumento, cada vez mais, acelerado da “mais-valia”,
consequentemente a manutenção da ordem.
Na prossecução das ideias acima apresentas, continua Pereira (2013, p. 2), afirmando que,
proteção social capitalista não é tarefa simples, a começar pelo fato de ela não ser apenas social, mas também
política e econômica; isto é, a proteção social gerida pelo Estado burguês e regida por leis e pactos interclassistas,
que procuram conciliar interesses antagônicos, sempre se defrontou com o seguinte impasse: atender
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
necessidades sociais como questão de direito ou de justiça, contando com recursos econômicos escassos porque,
de acordo com a lógica capitalista, a riqueza deve gerar mais riqueza e, portanto, ser investida em atividades
economicamente rentáveis.
A proteção social é uma prática da natureza do ser humano, que toma maior enfase desde as mais
antigas formas de organização sociocomunitárias, que foram destruídas pelo sistema capitalista e
por estes recuperado posteriormente, mas, já sobre influência dos seus interesses, como poderemos
acompanhar no ponto a seguir.
A razão de ser deste cenário, consiste no fato de que, o Estado tem sua origem como propriedade da
burguesia. O Estado, segundo Hegel (1788–1790), surge como um instrumento da burguesia, para poder
intervir por meio de medidas legislativa, e políticas sociais nas lutas entre a burguesia e o proletário
como mediador, mas sempre sobre defesa da burguesia.
Em Angola a situação não é diferente, embora se manifeste de forma pouco distinta (por ser
mais ditador e menos dialogante), mesmo possuindo um aparato legislativo ligeiramente “bom” em
termos teóricos.
Falar da proteção social em Angola exige fazer retrospetiva histórico-analítica desde as comunidades
pré-coloniais, isto é, antes de 1482; a da fase colonial (1482-1974); assim como, a da pós-independência
e da guerra civil 1975-2022) e do alcance da paz até hoje (2002 – 2023).
226
Angola é um país constituído por um povo “multi-pluri-cultural”. Como dizem alguns historiadores
e antropólogos, esta “multi-pluri-culturalidade” é fundamentada no fato de, não obstante possuir
maioritariamente uma procedência histórica única, isto é, aquilo que lhes carateriza como “BANTU”6,
ainda assim, possui culturas diferentes, embora com alguns traços semelhantes (que caraterizam o
tronco comum) de sua origem comum.
De acordo com Victor Kajibanga (2003b, p.130) citado no Relatório da VIII Congresso Estadual de
História no Brasil, em 2016, antes o território que é hoje Angola era habitada só e unicamente pelos
povos “Nyaneka, Nkumbi; Khoisam, Vatwas7” um povo que pela transumância8 sua condição cultura, e (de
sobrevivência), que com a chegado dos povos “BANTU”, foram ou sentiram-se obrigados a deixarem a
maior parte do espaço territorial, refugiando-se em locais inóspitos como vales, desertos, montanhas,
serras e zonas ribeirinhas.
O povo Bantu é caraterizado pela diversidade linguística, pela forma de organização social e
econômica, assim como a educativa e cultural, pelo que, antes da colonização encontravam- se
organizados em reinos (Reino do Kongo, Reino da Matamba; Reindo do Ndongo; Reino do Bailundu e
outro), até alguns anos depois da chegadas dos portugueses no Reino do Congo em 1482, havia, como a
segura Vieira (2007, p.31) que, “ [...] a existência de uma estrutura organizacional a nível da capital e um certo
No período de transição da fase colonial para o da independência, especialmente, entre os finais dos
anos 1961 a 1974, fruto das lutas incessantes impostas pela classe subalternizada (trabalhadora), no
caso, dos autóctones, o colono não querendo deixar o país foi obrigado a fazer algumas mudanças na
6 Bantu significa «povo» o «humano». O termo Bantu não se refere especificamente a um grupo étnico ou a uma língua
específica, mas a um conjunto de pessoas Em que o MUNTU é o seu singular, significando, pessoa.
7 São os povos que habitaram o atual território de Angola antes do povo Bantu. Hoje se encontram em extinção.
8 Transumância: é um tipo de migração em que as pessoas que o praticam passam parte do ano em uma área e parte em
outra. Para o povo nesta condição dá-se principalmente, por conta da procura de alimento.
227
forma como geria o país, dando surgimento ao ensino superior, embora com um interesse de fundo, o da
qualificação da mão-de-obra para o mercado de trabalho, espaço este que somente era frequentado pela
pequena burguesia colonial e um reduzidíssimo números de alguns nacionais considerados assimilados9.
Esta expansão do ensino também corresponde aos interesses económicos do colonialismo, no sentido de criar
uma mão-de-obra qualificada para o mercado de trabalho. visava também formar quadros superiores ao nível da
burguesia colonial, na medida em a educação tinha uma função especial: expandir a ideologia colonial por forma
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Neste cenário, percebe-se os primeiros sinais embora ligeiros que demostram a preocupação com
a proteção social como tal. Embora este dado merecer uma confirmação, pelo menos em nível de uma
hipótese, a proteção social não era para os autóctones, mas sim, para um grupo de trabalhadores
portugueses, seus descendentes que habitavam em Angola, (na altura “província Ultramarina de
Portugal”), constituído por (brancos, mestiços). E, como se não bastasse, foi neste período, no caso em
1962 que, através de interesses combinados entre o clero católico e a burguesia colonial portuguesa
que se cria o Instituto de Educação e Serviço Social Pio XII, oferecendo o curso de Serviço Social em
Angola, com o objetivo de formar profissionais para trabalhar no atendimento das demandas que
afetavam a classe trabalhadora europeias, resultantes das lutas entre os movimentos de libertação
nacional e os portugueses. E tinha como foco a moralização principalmente das famílias da classe
trabalhadora portuguesa, invocando a necessidade da fé em Deus que os dias melhor vão chegar. Com
uma função principal a de ajuda, da filantropia e da caridade.
O Serviço Social como profissão, está atrelada ao surgimento da “questão social” orientado com condutas
assistencialistas e filantrópicas, com um “alicerce” da doutrina social da igreja católica, ou seja, surge como
respostas ao acirramento das contradições da sociedade capitalistas em sua faze monopolista, para o “controle”
da classe trabalhadora e a legitimação dos setores dominantes e do Estado. O Serviço Social surge e se consolida
com a ordem do monopólica, estando relacionado também com as mazelas próprias à ordem burguesa. Sendo
assim, esta profissão só se torna compreensível e histórica no âmbito da sociedade burguesa, no tempo do
capitalismo monopolista (Netto, 2011, p.73). apud (Monteiro, 2016, p. 76).
Neste sentido constata-se um serviço social embaçada pela perspetiva endogenista, com resquícios
da fenomenologia e positivismos, assim como do estruturalismo funcional misturada com a doutrina
social da Igreja Católica.
Em Angola, a proteção social propriamente dita e que beneficia os angolanos marca os seus primeiros
“passos”, após a independência, tendo como fundamentos as leis produzidas neste período (nos primeiros
anos pós-independência). Isidro (2019) afirma que, neste período nota-se o avanço que se dá na proteção
social através de leis, principalmente das Lei Constitucional que marca a primeira república.
Com base nas razões socio-históricas que fundamentaram as lutas dos angolanos, esperava-se
que com a independência ocorresse uma organização que privilegiasse a paz, a construção de uma
nação una e indivisível de fato, e um melhor país para se viver. Não sendo assim, e tendo se instalado
o “sistema de Partido Único”, assiste-se sobre a proteção social, o emergir de iniciativas embora no
interior de um partido, no caso MPLA, que assumira a direção do país não abrangente.
Com a independência, foram produzidas, embora de autoria do MPLA, então no poder, iniciativas legislativas
que orientaram os primeiros passos do país. Na Constituição de 1975, estão evidentes ideais de democracia
e de combate à dominação e agressão do imperialismo, para a construção de um país próspero, que visasse a
materialização das aspirações das massas populares (Isidro, 2019. Pg. 44).
9 O que é assimilado: Transformar algo que se possa aproveitar Segundo Dicionário Informal disponível em:https://www.
dicionarioinformal.com.br/assimilados/, acessado aos 25/08/2023.
Para o colono o assimilado, era o indígena que deixou os seus hábitos culturais apropriando-se dos hábitos e cultura do
colonizador, tais como: formas de vestir, falar, comer e outros.
228
O mesmo autor também a segurar que, neste período já é percebível na lei a preocupação do Estado
com questões ligadas a agricultura como base do desenvolvimento no artigo nº 8, a indústria como
fator de desenvolvimento no artigo nº 9 e a planificação da economia pelo Estado para o bem-estar
do povo, “a promoção de relações sociais justas, e a resolução do problema das terras para as massas
camponesas”. Isidro, 2019).
O sistema do partido único teve seu lugar de 1975 a 1991. Com a mudança do sistema político,
do Partido Único para o Sistema Democrático, fruto de pressões internas e externas (de instituições
financeiras internacionais principalmente), o cenário toma outro rumo. As mudanças marcadas pela
criação de uma outra lei que marca a segunda república “a Lei Constitucional”, que vai substituir a
anterior, como aponta Isidro (2019, p. 44) que:
Com a abolição do sistema de partido único, os acordos de 1991 trouxeram para a discussão questões legais que
configurassem e assegurassem o funcionamento de um Estado democrático multipartidário. O texto de 1975 foi,
assim, substituído por uma Lei Constitucional que vigoraria até em 2010.
A presente lei, não obstante o seu estimosa contribuição, fruto da realidade, foi substituída a seguir
pela Constituição de 2010. Que novidades a nova lei de 2010 traz em relação a de 1992? Entre várias
é que, a primeira apresenta ideia de proteção social muito restrita, desresponsabilizando até certo
229
tutelada pelo Ministério da Ação Social Família e Promoção de Mulher, que conta para sua execução
com instituições publicas e privadas, a nível provinciais e municipais.
E, de acordo com os artigos 5º e 6º, este nível de proteção social abrange indivíduos, famílias, grupos
e comunidades em situação de desproteção social como, (mulheres em situação desfavorecida; crianças e
adolescentes com necessidades especiais ou em situação de risco; idosos em situação de dependência física ou
económica e de isolamento; pessoas com deficiência, em situação de risco ou de exclusão social e desempregados
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Em Angola, a proteção social, em especial a de base (seguridade social), conta a sua materialidade
através da Política Nacional da Ação Social, no Sistema Nacional da Ação Social, que é uma totalidade
de vários programas, projetos, equipamentos sociais e os jurídicos.
Entretanto, no contexto angolano, destaca-se o Lar de Infância Kuzola, como uma das únicas, se não
mesmo a única instituição pública de proteção social de base a nível da proteção a infância e adolescência
230
em Angola. O Estado Angola no que diz respeito a proteção de menores declara na Constituição10 de
Angola de 2010 do nº 1 ao 5 do Artigo 80.º, ter responsabilidades acrescidas com a infância, pelo que,
garante à sua proteção em tudo que possa vir a por em causa o seu pleno desenvolvimento físico,
psicológico e social, o que se traduz na proteção contra as múltiplas manifestações da questão social.
Como confirma (Angola 2022, p. 49), que:
1. A criança tem direito à atenção especial da família, da sociedade e do Estado, os quais, em estreita colaboração,
devem assegurar a sua ampla protecção contra todas as formas de abandono, discriminação, opressão, exploração
e exercício abusivo de autoridade, na família e nas demais instituições.
2. As políticas públicas no domínio da família, da educação e da saúde devem salvaguardar o princípio do superior
interesse da criança, como forma de garantir o seu pleno desenvolvimento físico, psíquico e cultural.
3. O Estado assegura especial protecção à criança órfã, com deficiência, abandonada ou, por qualquer forma,
privada de um ambiente familiar normal.
4. O Estado regula a adopção de crianças, promovendo a sua integração em ambiente familiar sadio e velando
pelo seu desenvolvimento integral.
5. É proibido, nos termos da lei, o trabalho de menores em idade escolar.
Quanto ao que se apresenta acima, percebe-se sobre o elevado compromisso que o Estado tem
com as crianças, mas quais crianças? Como é obvio embora em “minúsculo e precária” é da classe
Lar de Infância Kuzola é uma Instituição Pública de caráter social, e como tal, dotada de personalidade
jurídica, com administração financeira e patrimonial autônoma. Segundo o artigo nº 1 do primeiro
capítulo do regulamento interno, o Lar foi criado por decreto Nº189/12 de 25 de julho de 2012, é
tutelado pelo Governo Provincial de Luanda (GPL). A gestão é dirigida pela Fundação Lwini através
de um acordo de cooperação estabelecido entre o Governo Provincial de Luanda (GPL) e o Grupo de
Empreiteiros do Bolco 1711.
De acordo como mesmo regulamento, Lar de Infância Kuzola tem como objeto social, o acolhimento,
proteção, educação e ensino de crianças em situação de vulnerabilidade, permitindo a promoção e
desenvolvimento de valores, atitudes e práticas que levem a uma harmoniosa descoberta e afirmação das
particularidades da sua personalidade. Quanto a sua localização segundo (KUZOLA 2012, p. 2) “O Lar,
tem a sua sede na Rua João Paulo II no Bairro da Madeira Município de Luanda, telefone nº 912240308
e e-mail: larkuzola@hotmail.com”.
Como instituição vocacionada aos cuidados protetivos de crianças e adolescentes em situação de
desproteção social, segundo o artigo 4º do regulamento interno, o Lar presta a estas crianças vários
serviços (Kuzola 2012, p. 2), entre as quais:
10 A Constituição e a carta magna do país de que todas leis procedentes devem ter respaldo para não ser inconstitucionais.
11 Trata-se da TOTAL uma empresa de exploração petrolífero em Angola. Parceira direita do Lar desde 2011.
231
1. Recepção e Acolhimento: A recepção e o acolhimento das crianças deverão ser realizados de forma
personalizada e com respeito e dignidade, para transmitir segurança afectiva e auto-confiança.
2. Satisfação das Necessidades Básicas:
a) Alimentação e Nutrição: as refeições serão confeccionadas com base numa ementa semanal que corresponda ás
necessidades específicas dos utentes.
b) Cuidados de Higiene e de Saúde: o processo de manutenção da higiene na instituição em geral é da responsabilidade
de todos os envolvidos, isto é, dos funcionários e dos utentes.
c) Vestuário e calçado, para a conservação ou melhoria da qualidade de vida e da auto-estima das crianças.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
3. Localização/Reunificação Familiar e Colocação em Famílias Substitutas, considerando que o melhor lugar para uma
criança crescer e se desenvolver é na família.
Embora se reconheça nessa iniciativa o esforço empreendido pelo Estado, em especial pela direção
do Lar, ainda assim, são ações “embalsamadoras”, de mitigação e não promotora de mudanças radicais
na situação de desproteção social. Embora estas atividades fiquem explicitadas no regulamento, só
pelo fato de a maioria das atividades ocorrerem no espaço fechado, embora parecer a única solução,
não é facilitador do desenvolvimento integral, pois oprime, frustra, incita a agressividade. Mesmo
sendo reforçadas por momentos de lazer tais com: eventos comemorativos e algumas escassas12
atividades fora do Lar.
Será que não existem outros mecanismos de proteção para essa classe? Será que a situação de
crianças e adolescentes num quadro de desproteção social está controlada? Ou esta situação não diz
respeito as prioridades do Estado?
Quanto a sua capacidade, talvez possa reforçar essas afirmações através do artigo 6º do regulamento
interno do Lar:
1. O Lar de Infância Kuzola tem capacidade para acolher 250 crianças de ambos os sexos na faixa etária desde o
nascimento aos 14 anos de idade distribuídos como se indica: a) Creche do nascimento aos 36 meses de idade.
Jardim de Infância 3 aos 5 anos de idade; b) Idade Escolar dos 6 aos 14 anos de idade.
2. A admissão das crianças no Lar Kuzola deverá ser encarada como medida de último recurso.
3. Constituem requisitos de admissão no Lar Kuzola: a) Ter idade compreendida entre o nascimento aos 14 anos
de idade. B) Ser uma criança em situação de vulnerabilidade (órfã, abandonada, perdida, sob protecção judicial,
rejeitada). C) Ter sido promovida a inscrição dentro das formalidades previstos no presente regulamento.
E) Poderão ser admitidas crianças com deficiência desde que, em função da natureza e grau de deficiência, a
Instituição reúna condições para lhe prestar o devido apoio. F) As crianças que tenham completado 14 anos e
que seus familiares não tenham sido encontrados para a reunificação familiar, estas serão encaminhadas para as
instituições parceiras vocacionadas para o efeito (formação profissional e formação técnico profissional).
4. Sempre que a capacidade do Lar não permita a admissão do total de crianças, as admissões serão feitas de
acordo com os seguintes critérios: Crianças em situação de risco/vulneráveis do ponto de vista familiar e/ou social.
O Assistente Social inserido naquele espaço sócio-ocupacional, “mergulha” num ambiente, à primeira
vista muito precário, o que pressupõe elevada dose de criatividade, e adensamento teórico-prático,
com maior destaque à dimensão educativa. Nesse ambiente se o profissional se não tomar conta da
situação a situação lhe tomará conta. Porque é sabido que as condições de trabalho condicionam a
qualidade do trabalho prestado, e consequentemente nos resultados dessas ações.
Especificamente, no caso dos Assistentes Sociais, a insegurança gerada por contratos precários, associada ao
acúmulo de trabalho cada vez mais burocrático inibe a organização dos profissionais, levando-os a sofrimentos
tanto físicos como emocionais e a enfrentamentos de caráter individual de questões afetas ao coletivo.
12 Muitos dos casos o reduzido apoio da parte do Estado reduz a qualidade e quantidades de ou das atividades no e do Lar.
(nossa constatação resultada dos 6 meses de colaboração realizada neste lar).
232
De outro lado, as condições precárias de trabalho afetam a qualidade do trabalho desenvolvido junto à população
usuária dos serviços socio-assistenciais, comprometendo o projeto profissional do Serviço Social (Brizola, P. 19)
Como veremos a seguir, quem é o Assistente Social e quais são as suas atribuições nestes espaço
sócio-ocupacional? Assim talvez saberemos que tipo de serviço social se pretende e para que fim.
Segundo regulamento interno no seu artigo 20º são competências ou atribuições do Assistente
Social nesse espaço socio-ocupacional:
1) Realizar diagnóstico, estudos de casos, avaliação, elaboração de relatórios e projectos de vida da criança;
2) Atender, orientar e acompanhar as famílias, bem como manter contacto com parceiros e entidades afins;
3) Acompanhar a criança em todo o processo de inserção escolar e na família;
4) Colaborar com os serviços de saúde, de modo a garantir o bem-estar físico e psíquico da criança;
5) Zelar pelo conforto da criança, perservando a qualidade do espaço e o atendimento, com particular atenção
aos aspectos de higiene, alimentação e desenvolvimento;
6) Organizar programas de ocupação dos tempos livres;
A visão desta instituição e de muitas outras em Angola, demostra compreende o Assistente Social
como profissional que tem como fim último a promomoção da ajuda, da caridade, da filantropia,
da promoção do amor ao próximo, o promotor de ações de inclusão e inserção social de pessoas,
famílias grupos.
O profissional nesse cenário, deverá no mínimo procurar se posicionar no sentido de garantir, (na
necessidade de mudar o quadro) a mudança da compreensão sobre o Assistente Social. E, através da
sua criatividade deverá ir além do proposto no Estaturo e Regulamento interno, sempre com respeito
as mesmas desde que não atentem ao “bem estar das pessoas” ou aos direitos das crianças e dos/as
trabalhadores/as no geral. Deverá primar pela promoção da cidadania e dos direitos humanos, visando no
mínimo a garantia da emancipação política, através de lutas pela garantia e ampliação dos direitos sociais
de um lado, e do outro, articular ações que permitam ou e possibilitam o desenvolvimento da consciência
coletiva ou se não mesmo da consciencia de classe numa perspectiva da revolução societária. Para tal,
o Assistente Social precisa estar apto e preparado para realizar estudo, ou diagnóstico social, planejar e
garantir a execução efetiva de ações estratégicas, que através do domínio e uso de instrumentos e técnicas
por meio de procedimentos metodológicos adequados, que produzam uma prática transformadora e
emancipatória no seio dos usuários e trabalhadores/as da instituição em referência.
NOTAS FINAIS
O Estado é um “meio” através do qual a burguesia legitima o seu modus operandi, através da
formulação de leis, programas e políticas sociais, utilizadas como instrumentos de manutenção,
disseminação ou reprodução da ideologia da classe dominante em detrimento da classe trabalhadora,
necessitando de um aparato organizado de trabalhadores, com elevado nível de profissionalismo
para gestão e ou materialização destes instrumentos ideio-políticos. Desse cenário faz necessario o
surgimento em as várias profissões o Serviço Social, que, “inserido na divisão social e técnica do trabalho”,
intervém na questão social através das suas múltiplas manifestações. E, o Serviço Social enquanto
uma profissão que emerge no seio da burguesia, é uma profissão eminentemente reprodutora da
ideologia vigente. Isto é, na medida em que, por meio das políticas, programas (que por sinal são de
origem burguesa/capitalista), medeia e articula as ações de carater reprodutora da ideologia vigente,
233
por este meio também este profissional pode engendrar ações revolucionadoras das consciências
da classe subalternizada, criado condições de no mínimo para o alcance da emancipatória política e
perspetivando a emancipação humana.
A possibilidade desse cenário se efetivar estará na base a apropriação, domínio e articulação,
da parte do profissional de conhecimentos sobre as dimensões, e de modo especial da dimensão
educativa através do perfil pedagógico emancipatório, iluminada pela perspetiva teórica histórico-
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crítica Marxiana.
O profissional, com um elevado domínio das dimensões, em especial da educativa-pedagógica
emancipatória, torna-se promotor de mudanças, um revolucionário e emancipador, na medida em que,
apropriando-se das políticas sociais, no caso da política de proteção social, transforma as consciências,
muda a forma de pensar e de leitura do mundo da classe subalternizada e, consequentemente da forma
de se posicionar diante da realidade posta pelo capitalismo, elevando a sua consciência de classe e da
luta pela ampliação dos direitos.
É o que o profissional inserido no espaço socio-ocupacional Lar de Infância Kuzola em Angola, está
chamado a fazer, porque do contrário, estará a exercer a profissão somente como um eterno reprodutor
da ideologia da classe burguesa, e tornando o Lar Kuzola num espaço produção e reprodução da ideologia
burguesa, assim como de preparação da futura mão de obra alienada a sociabilidade capitalista.
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teoria-e-pratica/texto-3-santos-claudia-monica-a-dimensao-tecnico-operativa-e-os-instrumentos-e-tecnicas-
no-servico-social-revista-conexao-geraes-no3-2o-sem-2013-p-25-30 Acessado aos, 14 de Julho de 2023.
235
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E RELAÇÕES ÉTNICO RACIAIS NA CIDADE DE GOIÁS:
Consolidação do Projeto Ético Político do Serviço Social na Luta Antirracista.
RESUMO: Este artigo parte das reflexões das relações étnico raciais e da necessidade da construção de uma luta
antirracista na Cidade de Goiás, Estado de Goiás. Trata-se de um relato de experiência de uma ação de extensão
desenvolvida pela Universidade Federal de Goiás, no curso de Serviço Social. A base teórico-metodológica e
ético-política utilizada na extensão partiu do acúmulo das categorias reunidas e apresentadas por Moreira
(2019) sobre as entidades representativas do Serviço Social, tais como o Conselho Federal de Serviço Social
(CFESS), Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS), bem como a Associação brasileira de Ensino e Pesquisa
em Serviço Social (ABEPSS) e a Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENESSO). As representações
são centrais para consolidação do projeto ético político e para a formação permanente e continuada, estruturada
sobre o tripé de ensino-pesquisa e extensão. Esta atividade de extensão universitária foi desenvolvida pelo
curso de Serviço Social da Universidade Federal de Goiás/Regional Goiás (UFG/RG). Sendo assim, buscou-se
refletir acerca do debate étnico racial e como o mesmo é central para a consolidação do projeto ético-político
do Serviço Social e debater a formação para enfrentar a questão social em uma frente antirracista às opressões
que surgem na sociabilidade capitalista.
Palavras-chave: Extensão Universitária, Relações Étnico Raciais e Serviço Social.
ABSTRACT: This article starts from reflections on ethnic-racial relations and the need to build an anti-racist
struggle in the City of Goiás, State of Goiás. It is an experience report of an extension action developed by the
Federal University of Goiás, in the course of Social Service. The theoretical-methodological and ethical-political
basis used in the extension came from the accumulation of the categories gathered and descriptions by Moreira
(2019) about the representative entities of Social Service, such as the Federal Council of Social Service (CFESS),
Regional Councils of Social Service (CRESS), as well as the Brazilian Association of Teaching and Research in Social
Work (ABEPSS) and the National Executive of Social Service Students (ENESSO). Representations are central
to the consolidation of the political ethical project and to permanent and continuing training, structured on the
teaching-research and extension tripod. This university extension activity was developed by the Social Service
course at the Federal University of Goiás/Regional Goiás (UFG/RG). Therefore, we sought to reflect on the ethnic-
racial debate and how it is central to the declarations of the ethical-political project of Social Service and to debate
training to face the social issue on an anti-racist front to the oppressions that arise in capitalist sociability.
Keywords: University Extension, Ethnic Racial Relations and Social Work.
INTRODUÇÃO
236
seguimentos étnicos, como os quilombolas e indígenas, as periferias e o povo preto que tiveram a suas
vidas ceifadas pelo avanço de toda a forma de preconceito, já existente, porém, legitimado pelo governo.
Nesse contexto, consideramos fundamental refletir com os estudantes de graduação a formação
social e histórica brasileira, bem como os impactos que produzem, sobretudo no surgimento do que
Almeida (2019) considera ser uma sociedade que produz racismo estrutural e istitucional.
Na atividade extencionista em questão, desenvolvemos com os estudantes do campus Goiás, mais
especificamente do Serviço Social, reflexão sobre a luta antirracista, lutas essas permeadas pela população
da cidade de Goiás, patrimônio histórico da humanidade que tem traços de um passado colonial.
Nesse sentido, buscamos por meio das ações da extensão contribuir com a consolidação da luta
antirracista na cidade de Goiás, desenvolvendo uma parceria com a Prefeitura e com movimentos
sociais e culturais da cidade. As percepções empreendidas na extensão universitária intitulada - Serviço
Social e Relações Étnico raciais da Universidade Federal de Goiás/Campus Goiás - reverberaram na
aprendizagem e na consolidação de um projeto de resistência e luta antirracistas.
Neste texto relatamos, especificamente, uma das ações de extensão. Trata-se da primeira atividade
de um projeto que teve duração de um ano que se somaram a outras atividades. A opção pelo relato
de experiência da primeira atividade se dá pelo fato de que o momento foi de intregração de povos
Isto posto, ao desenvolvermos uma reflexão no âmbito educacional é necessário pensar como a
prática profissional se regulamenta para garantir políticas socais e públicas e poder, efetivamente,
intervir ou mediar as categorias sociais contidas no direcionamento política para quem dela necessita.
Neste contexto, este trabalho foi permeado pelas seguintes questões: como a atividade do trabalho
profissional e as questões de raça, etnia e suas interseccionalidades carecem de atenção para as políticas
afirmativas entre outras políticas sociais e públicas? Como nas questões referentes ao preconceito
racial, racismo institucional, racismo estrutural e racismo recreativo surgem como expressão da
questão social uma vez que produz inúmeras violências de raça gênero, sexualidade e etnia?
Tendo em vista que o Serviço Social é uma profissão inscrita na divisão social e técnica do trabalho,
como evidencia Iamamoto e Carvalho (2014), consideramos importante entender a dinâmica social e os
processos de mediação do trabalho frente às particularidades da sociabilidade que estão engendradas
por fortes preconceitos do passado se faz importante nos dias de hoje.
Neste relato partimos de constatações que são as relações sociais materialmente determinadas
pelo contexto sócio - histórico de formação social brasileira que foi ocupada no passado pelos povos
europeus que usaram a mão de obra escrava de imigrantes africanos e indígenas para construir as
forças produtivas e o acumulo capitalista.
Marx (2007) mostra como é importante, do ponto de vista teórico-metodológico, partir de bases
concretas que permeiam o cerne de nossa sociabilidade e olhar tanto para as contradições tanto mais
dialéticas do fenômeno, quanto da história que da formação social, que se soma à consolidação do modo
de produção capitalista e consolidação de seu monopólio. E, como consequência desse processo de
237
formação social histórica e consolidação dos monopólios, evidencia-se o racismo estrutural, em que
pessoas retintas e racializadas são paulatinamente acometidas pelos preconceitos estruturados no
passado, e a expressão se dá na forma de inúmeras violências objetivas, físicas, psicológicas e simbólicas:
Os pressupostos de que partimos não são pressupostos arbitrários, dogmas; mas pressupostos reais, de que só se
pode abstrair na imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aquelas
por eles encontradas como as produzidas por sua própria ação. Esses pressupostos são, portanto, constatáveis
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Partimos de premissas que são reais, e estão determinadas nas relações sociais que incidem na
mediação do trabalho do Assistente Social; isto é, das relações que os marcadores sociais sobre raça,
etnia, gênero e classe, revelam; de inúmeros processos de violência social materializadas na forma
de racismo. Portanto, estudar relações étnico raciais na sociabilidade capitalista é buscar garantias
para a regulamentação de políticas, leis, nos seus diversos marcos legais, unindo as atribuições e
competências profissionais para ético-políticas nas garantias de direito.
Ao promovermos o debate étnico racial utilizando o código de ética, oferecemos subsídios para
enfrentar as formas de opressão e dominação na sociabilidade capitalista, e compreender como a
expressão da questão social é centrada nas diferentes formas de racismo estrutural, que produz e
reproduz relações de opressão, próprias das determinações históricas que advém do processo de
ocupação europeia.
Entendemos que o racismo estrutural, conforme Almeida (2019), se trata de uma expressão
demasiada do racismo e que atinge várias dimensões da vida, podendo recair em pessoas que não
necessariamente são retintas, mas racializadas pelo imaginário rascista europeu como a religião, ou
por algum fenótipo, até contidos nos elementos da cultura africana, como acontecem com as pessoas
praticantes de capoeira, por exemplo.
Tais aproximações com a cultura africana em interação na sociedade revelam, em maior ou menor
grau, um racismo estrutural próprio da reprodução social e cultural da qual o capitalismo se consolidou
utilizando como seu alicerce o proconceito étnico, racial para sedimentar o seu estado capitalista burguês.
Portanto, é a partir destas constatações históricas, sociais e culturais, que manifestam o racismo
estrutural e que a colonização do Brasil pelos portugueses e espanhóis, trouxeram que percebemos
a necessidade de se trabalhar com as demandas específicas que se colocam frente à intervenção
profissional, como no caso de uma formação antirracista.
Foi desta forma que consideramos necessário criar um projeto de extensão universitária para
trabalharmos: a formação social e cultural do país no que tange ao racismo estrutural; refletir sobre os
desafios de enfrentar a estrutura do racismo que perdura desde os tampos de colonização da formação
social brasileira; pensar como o modo de produção impactam estas relações.
No âmbito da universidade buscamos ouvir as demandas de raça e etnia sob a perspectiva da
realidade social local da cidade de Goiás, cidade esta que é Patrimônio Cultural Da Humanidade –
(UNESCO), que tem engendrado na sua cultura inúmeras tradições, do processo sociocultural, como a
cultura indígena, europeia, africana.
É necessário ressaltar que, conforme Nascimento (1989), hoje a cidade de Goiás encontra-se com
um grande número de imigrantes indígenas, que foram para a cidade para estudar, e que o quilombo do
Auto Santana foi reconhecido recentemente passando por um processo de aquilombamento4 .
Entre as ruas de pedras desta cidade histórica e patrimonialista, que foram construídas por muitas
mãos, dentre elas, do trabalho das mãos pretas, mais que produzir materialmente a cidade, produziram
e reproduziram a cultura e espiritualidade, a arte manifestadas nas congadas, grupos de jongos,
capoeira e candomblé, entre outros aspectos, perduram e resistem na cidade enfrentando o racismo.
Uma cidade que contrasta sua cultura com os monumentos arquitetônicos da colonialidade europeia.
238
A igreja católica, de Nossa Senhora do Rosário, onde foi realizada nossa primeira atividade de
extensão, hoje traz na sua arquitetura símbolo da cultura europeia nos seus traços neogóticos. A
conhecida Igreja de Nossa Senhora do Rosário, no passado, foi uma Igreja barroca de Nossa Senhora
do Rosário dos Pretos, dedicada e celebrada pelas pessoas escravizadas antes da libertação.
Na cidade de Goiás, patrimônio histórico, o chão é um traço marcante. Lá encontram-se, enfileiradas,
as pedras postas por mãos trabalhadoras de pessoas que foram escravizadas, revelando a contradição
histórica do passado. Seus casarios levam fama de serem edificados por portugueses colonizadores,
mas foi o trabalho escravo que levantou esse patrimônio histórico cultural da humanidade. O passado
em Goiás tem a tônica de uma violência colonial, de um apagamento da história da cultura africana
que por muitos anos perdurou. Hoje, a cidade de Goiás, é conhecida mundialmente como Goiás velho
(colônia portuguesa), mas a história dessa colônia que não contaram é que ela respira resistência até
os dias de hoje, frente à tentativa de etnocídio e apagamento da história da cultura africana, indígena,
contidas como expressão cultural.
Nos dias de hoje o quilombo de Goiás vive, pois foi reconhecido por historiadores e pelo poder
público de uma cidade que se aquilombou por aqueles que guardaram a tradição africana. Assim,
a cultura africana ainda pulsa nas “veias” desta cidade com seus descendentes e sua relação com a
239
Evidenciamos que o objetivo transcendeu à expectativa da formação acadêmica de profissionais
do Serviço Social, pois sentimos a força dos atabaques, em um momento de celebração e festa com
dança e músicas do Grupo de Jongo Malungos de Angola, aconpanhado da roda de capoeira do grupo
Meninos de Angola, e da participação do Movimento Negro Unificado, dos quilombolas locais, e vários
indígenas que compareceram e coloriram nosso evento, dando uma energia renovadora.
Na busca da consolidação da formação e das competências e atribuições profissionais, o debate e
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
as reflexões que trouxemos foram amplas e representativas, na medida que tinha um pesquisador e
palestrante do Serviço Social, que pesquisa relações étnico raciais, Tales Fornazier (PUC-SP, UFVJ), e,
que compôs a mesa com outros dois pesquisadores: a doutoranda e antropóloga Yordanna Lara (UFG),
e o pesquisador mestre em ciência da Matemática Zambi Lumumba (UFG).
Essa extensão universitária teve como objetivo o diálogo ampliado com a comunidade local,
alunos e instituição, e nossa atividade se consolidou nesses termos. A prefeitura municipal de Goiás
(Gestão/2020-2024), que na figura da então Secretária Iolanda Aquino (Secretaria da Mulher,
Juventude, Igualdade Racial e direitos humanos) mobilizou os profissionais e a logística necessária
para que o evento fosse realizado na Igreja Católica de Nossa Senhora do Rosário, bem como, com
os movimentos culturais da cidade de Goiás, como o Grupo de Jongo Malungo de Angola o coletivo
percussionista Comuna que Pariu alem do ja referido grupo de capoeira Meninos de Angola.
Portanto, ao desenvolvermos a mediação do trabalho do Assistente Social e a sua característica
propositiva investigativa e interventiva, foi possível trabalhar e refletir com todo um espectro de
pessoas preocupadas a atuar no enfrentamento das expressões da questão social referentes à raça e
etnia e do racismo estrutural e institucional que paulatinamente acomete nossa sociabilidade.
Nossa contribuição, aqui expressa e descrita, se dá a partir do relato de uma ação do projeto de
extensão que buscou o protagonismo de discentes e docentes, comunidade e instituições, movimentos
sociais e culturais, para debater sobre um problema do cotidiano, materialmente determinado que é
o racismo estrutural, e do qual foi possível permear reflexões ampliadas e aglutinar o diálogo com as
várias dimensões da sociabilidade vilaboense.
Refletimos sobre a importância de partir da mediação do trabalho, via políticas sociais e públicas,
marcos regulatórios e leis, subsídios, do poder público municipal, para enfrentar as formas de opressão
como o racismo estrutural e intervir na realidade étnica, racial e cultural da cidade de Goiás.
Imagem 01 – Grupo Malungos de Angola e Coletivo Comuna Que Pariu. No pátio da Igreja do Nossa Senhora do Rosário
– 1º atividade do projeto de extensão.
240
O objetivo geral desta ação de extensão universitária foi de: empreender estudos, reflexões e
análises das categorias – raça/etnia para o Serviço Social – a fim de apropriar dos princípios éticos,
teóricos e políticos requeridos na consolidação do Projeto Ético-Político Profissional do Serviço Social
e buscar uma formação antiracscista. Os objetivos específicos foram: apropriar do debate e reflexão do
Serviço Social e da relação étnico-racial para a categoria de profissionais em formação permanente e
continuada; compreender sobre as políticas afirmativas e os desafios para a emancipação da categoria
de trabalhadores permeados pela relação étnico-racial; identificar a perspectiva teórico-metodológica
para o desenvolvimento do debate racial no Serviço Social, sobretudo, para o curso de Serviço Social
da UFG; refletir sobre o projeto ético-político profissional no que se referem às políticas afirmativas e
os impactos para a divisão racial do trabalho.
Nesta extensão foi desenvolvidas outras atividades da qual fogem do objetivo desse trabalho
mas que cabe sinalizar: o curso de formação para gestores da Prefeitura Municipal de Goiás com a
finalidade de subsidiar e instrumentalizar os gestores conforme a legislação racial no pais no combate
ao racismo institucional.
A atividade consiste na primeira ação do projeto de extensão universitária, que foram organizadas
para se ampliar o debate étnico racial na cidade de Goiás, em formato dialógico, com mesas redondas
de reflexão, e por meio das quais realizamos formação de profissionais e estudantes do Serviço Social,
comunidade acadêmica, principalmente para estudantes do curso de Bacharelado em Serviço Social
da UFG. A ação nos permtiu ampliar a formação para o protagonismo de parte da sociedade civil,
engajada com o Movimento Cultural Afro-brasileiro, juntamente com a participação do poder público
municipal, mediante a parceria da Prefeitura Municipal de Goiás por meio da então Secretaria da
Mulheres, Juventude, Igualdade Racial e Direitos Humanos.
A primeira ação desta extensão foi a Mesa de Abertura realizada no dia 29/07/2022 sob a direção
da UFG/Regional Goiás, Coordenação do Curso de Serviço Social UFG/Regional Goiás e as seguintes
entidades representativas – Centro Acadêmico Carlos Marighella, e CRESS 19ª Região -, Prefeitura
Municipal de Goiás, Grupo de Jongo Malungos de angola, Grupo de capoeira Meninos de Angola, coletivo
percussionista Comuna que Pariu. O tema da abertura foi - Serviço Social e Relação Étnico Racial.
A execução da primeira mesa redonda de debates foi muito profícua, uma vez que os participantes
colaboraram para subsidiar e referendar questões relativas aos princípios - ético, teóricos e políticos
- que orientam o protejo ético político da profissão de Serviço Social, bem como, referente às políticas
afirmativas. Contamos com a abertura cultural do Grupo de Jongo, Malungos de Angola, bem como, do
Coletivo Comuna que Pariu, que abriu com os sons dos atabaques, fazendo da apresentação referência
lúdica à cultura africana, e do qual possibilitou iniciar a partir da referência do pertencimento de
ancestralidade da África como construtora de uma cultura que tem suas especificidades.
Durante as apresentações culturais, reflexões e debates empreendidos acerca das políticas sociais
e públicas no enfrentamento do racismo estrutural, percebemos a atmosfera da cultura ancestral,
que vibrava ao som dos atabaques e dos cânticos de Jongo. Consideramos essa primeira atividade
importante e simbólica, pois numa perspectiva material da vida, foi possível ver a cultura, sobretudo,
daqueles que mantiveram as tradições africanas, ocupar novamente aquele lugar (Igreja do Nossa
Senhora do Rosário, antigo santuário para os descendentes africanos), na semana que se comemorou
o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.
Há um simbolismo na atividade e na escolha do local: essa igreja foi construída pela Irmandade Negra
de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e, depois em um processo de genocídio cultural, silenciamento
e apagamento da história ancestral africana, foi demolida para dar lugar a uma construção de uma igreja
241
com traços neogóticos. Falar sobre essa temática naquele espaço, foi para a cultura do quilombo que ali
estava, uma forma de reverenciar quem veio antes, e quem resistiu de todas as maneiras construindo
a história de Goiás a poesia da cultura ancestral.
A exposição do conteúdo no formato de mesa redonda foi iniciada a partir do afrocentrismo,
perspectiva proferia pelo pesquisador da UFG Zambi Lumumba, que compreende o conhecimento
científico como tendo origem no continente Africano, sendo a filosofia a medicina derivadas do
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Egito. Foram abordadas também, pela pesquisadora e antropóloga da UFG - Yordanna Lara, questões
referentes ao colonialismo europeu que no Brasil implicam diretamente sobre as relações étnico
raciais, da qual é sentido nos corpos retintos as implicações desse processo.
Para o encerramento da mesa de abertura, o pesquisador do Serviço Social da PUC/SP, Tales Fornazier,
apresentou marcos legais, contidos na legislação para o enfrentamento do racismo estrutural. Nesse
sentido, encerramos a abertura da extensão com o olhar voltado para a formação em Serviço Social, na
dimensão ético-política e uma fala direcionada para a categoria do Serviço Social.
Além dessa primeira atividade relacionada à extensão universitária, realizamos outras ações as
quais não conseguiremos narrar no espaço deste trabalho; mas que também foram muito importantes
no sentido de promover debates fundamentais à formação social. Assim, outros momentos, nos
quais percebemos a efetividade de se trabalhar com a questão étnico racial, e como a sociedade, os
movimentos sociais e populares, principalmente envolvidos com a cultura se engajam no enfrentamento
do racismo estrutural.
Para delinear esta extensão, fundamentamos nossas reflexões em autores que são bases para
o Serviço Social. Desse modo, apresentamos o debate étnico-racial, tanto para formação e para o
trabalho profissional, quanto para colaborar com a sociabilidade da cidade de Goiás. Refletimos sobre
as potencialidades e desafios emergentes para as orientações das entidades representativas. Para isso,
nosso referencial teórico partiu da reflexão da tradição marxista, que tem no próprio Marx a heurística
para a compreensão das contradições no interior da vida social.
Dentre os autores consultados, ressaltamos a importância das considerações de Clovis Moura
(1923-2003), que inaugura a luta antirracista trazendo para a academia sua importante contribuição.
Sobre o modo de produção e reprodução da questão social destaca-se Netto (2001). Antunes
(2006) apresenta considerações sobre como podemos construir tais mediações, considerando
a transversalidade, isso é, acerca do debate das questões de gênero, raça, etnia e identidades,
possibilitando compreender como a tradição marxista pode contribuir na medida que circunscreve-
se como instrumento de análise da realidade social, e oportuniza compreender; bem como, buscar
formas de enfrentamento da questão social.
O conceito de interseccionalidade, contidos na obra de Karla Akotirene (2019) e de Djamila Ribeiro
(2017), também permearam as reflexões, entendendo como as formas de opressão perpassam a
sexualidade, a etnia a raça e as questões de gênero e classe. Tais questões foram objeto de estudo
e análise desta extensão universitária e são importantes para refletir e denunciar as implicações do
colonialismo que se deu tanto na perspectiva africana quanto na afro/étnica-brasileira.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Por meio desse projeto de extensão buscamos fortalecer os estudos, as reflexões e as análises
da compreensão das relações de raça e etnia para o Serviço Social. Isso foi desenvolvido a partir do
242
aprimoramento ético, teórico e político requeridos e orientados pelo conjunto CEFESS - CRESS para a
formação consolidação do Projeto Ético-Político Profissional do Serviço Social frente a luta antirracista
como nos ensina Moreira (2019).
Não obstante, consideramos a importância de se trabalhar as questões que no passado chamávamos
de transversalidades da questão social, como expressão da questão social contidas nas relações
étnico-raciais, criando processos de mediações e enfrentamento na perspectiva ético-política ao
racismo estrutural.
[...] é preciso evidenciar que a questão étnico-racial é tão histórica quanto atual, o que demonstra a necessidade
de ser investigada e analisada na formação em Serviço Social. Para além do racismo sofrido pela população
racializada, é fundamental evidenciar a ideologia e ações da branquitude e as manifestações da brancura, bem
como seus desdobramentos nas relações sociais brasileiras. Ou seja: como a questão étnico-racial em suas
diversas manifestações, e não restrita a questão do/da sujeito negro, perpassa e impacta a profissão, a vida dos
sujeitos racializados no país e continuam sendo mantidas e reatualizadas pela branquitude (Vieira, 2021, p. 17).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ABEPSS. Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Diretrizes gerais para o curso de Serviço
Social: com base no currículo mínimo aprovado em assembleia geral extraordinária de 8 de novembro de 1996.
Rio de Janeiro: ABEPSS, 1996.
AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Polém, 2019.
ALMEIDA, Silvio Luís de. Racismo Estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro. Polém, 2019.
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 8ª. ed. São
Paulo, 2006.
243
IAMAMOTO, Marilda Villela; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma
interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 2014.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.
MOREIRA, Tales Willyan Fornazier. Serviço social e luta antirracista: contribuição das entidades da categoria
no combate ao racismo. 2019. 182 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Programa de Estudos Pós-
Graduados em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2019.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
NASCIMENTO, Beatriz. O conceito de quilombo e a resistência cultural negra. In: RATTS, Alex. Eu sou atlântica:
sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. SP: Instituto Kuanza, 2006, p. 117-125;
NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e serviço social. São Paulo: Cortez, 2001.
RIBEIRO, Djamila. O Que é Lugar de Fala? Belo Horizonte: Letramento; Justificando, 2017.
VIEIRA, Mariana Monteiro. “Minha voz, uso pra dizer o que se cala”? Formação profissional em Serviço Social
na UFOP e a questão étnico-racial. (Monografia). Universidade Federal de Ouro Preto, Instituto de Ciências
Sociais Aplicadas, Departamento de Serviço Social. Mariana, MG, 2021.
244
A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19:
Desafios e Perspectivas Enfrentados pelo Grupo de Alfabetização Paulo Freire
(GAPAF) em Ações Junto às Pessoas em Situação de Rua
RESUMO: Este texto apresenta o relato de experiência das ações extensionistas desenvolvidas pelo Grupo
de Educação Popular em Paulo Freire (GAPAF), da UNESP-Franca, SP, nos anos de 2020 e 2021, período da
emergência da pandemia da COVID-19. A partir da proposição de reduzir o distanciamento entre universidade
e comunidade e também de desenvolver apoio social, o GAPAF manteve a realização das suas atividades
durante este período tão conturbado da nossa história, a pandemia da COVID-19, as quais foram realizadas
à distância. Dessa forma, o presente relato de experiência resgata a memória das atividades e organização do
grupo e também dos desafios enfrentados a partir do período pandêmico.
Palavras Chave: Educação Popular. Pessoas em Situação de Rua. Extensão universitária. Pandemia da COVID-19
INTRODUÇÃO
Paulo Freire, patrono da educação brasileira, importante filósofo, educador e escritor, reconhecido
mundialmente, criou um método inovador de ensino baseado na educação popular, que promoveu
verdadeira inversão no modo de ensino tradicional, pois considera a consciência crítica e política.
De acordo com Ozanira Silva e Silva, em entrevista para José Fernando Siqueira da Silva, no livro
“Serviço Social: resistência e emancipação?” (Silva, 2016), as teses de Gramsci contribuem para
a compreensão e transformação da realidade social, sendo exposto que Antonio Gramsci entende
que a transformação da sociedade ocorre a partir da guerra de posição e da guerra de movimento.
A segunda é considerada a “guerra” que forma consciência política e contribui para a mudança de
mentalidade das pessoas individualmente e em coletividade, e por isso, Ozanira chama a atenção
1 Assistente Social. Profa. Associada ao Departamento de Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais
(FCHS), UNESP-Franca. Profa. Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Políticas Sociais - PPGSSPS
- Mestrado Acadêmico da UNIFESP-Baixada Santista. Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da
UNESP-Franca. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas: Mundo do Trabalho, Saúde do Trabalhador e da
Trabalhadora e Serviço Social (GEMTSSS) e Coordenadora do Grupo de extensão universitária, Grupo de Alfabetização em
Paulo Freire. E-mail: edvania.ângela@unesp.br.
2 Discente do 8º período do curso de graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS),
UNESP-Franca, SP e membra do Grupos de Alfabetização em Paulo Freire (GAPAF). E-mail: i.galvao@unesp.br.
3 Assistente Social e Discente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS), da FCHS, UNESP-Franca, SP,
como Mestrando. Bolsista CAPES/DS sob a orientação do Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa. Membro do Grupo de
Alfabetização Paulo Freire (GAPAF). E-mail: matheus.hakime@unesp.br.
4 Discente do 8º período do curso de graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS),
UNESP-Franca, SP e membra do Grupos de Alfabetização em Paulo Freire (GAPAF). E-mail: rafaela.cavalli@unesp.br.
5 Discente do 6° período do curso de graduação em Relações Internacionais (RI) da Faculdade de Ciências Humanas
e Sociais (FCHS), UNESP-Franca, SP e membra do Grupos de Alfabetização em Paulo Freire (GAPAF). E-mail:
mj.scandiuzzi@unesp.br.
245
desse processo para a compreensão do trabalho profissional de assistentes sociais, cuja ação/práxis
deve pensar e objetivar alternativas que possam contribuir para a emancipação humana. Afinal, “o
projeto ético-político profissional do Serviço Social afirma seu compromisso com a autonomia, com a
emancipação e com o pleno desenvolvimento dos indivíduos sociais” (Netto, 2010, p. 15). Silva (2016)
também pauta que a formação dessa consciência crítica advém de um trabalho educativo, que precisa
compor a dimensão socioeducativa do exercício profissional de assistentes sociais a ser cultivada
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
246
BREVE CARACTERIZAÇÃO DO GAPAF E DO ABRIGO PROVISÓRIO GIUSEPPE MOSCATTI
NOSSA METODOLOGIA
O GAPAF utiliza a metodologia do patrono da educação brasileira, Paulo Freire, que propõe diálogos
horizontais, ou seja, a valorização da troca como forma de construção do conhecimento e pensamento
social a partir do popular, das histórias de vida e das realidades dos respectivos usuários e usuárias,
respeitando os diferentes saberes e vivências do indivíduo e as diversas metodologias artísticas, que
247
além do exposto na introdução deste artigo, são um importante instrumento na prática profissional
do assistente social, pois na arte, segundo Ana Mae Barbosa (2005), não existe certo ou errado, algo
importante na educação de crianças e adolescentes rejeitadas na escola. Levando em consideração
os processos de rejeição, estigmatizarão e marginalização que vivenciam as pessoas em situação
de rua usuárias dos serviços do Abrigo Provisório Giuseppe Moscatti, a proposta do trabalho com a
arte é capaz de revelar potencialidades e capacidades dos usuários muitas vezes desconhecidas ou
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
RELATO DE EXPERIÊNCIA
O grupo GAPAF iniciou as atividades no Abrigo Provisório no ano de 2020, quando emergiu a crise
sanitária da COVID-19, que, como exposto por Souza (2021), inicialmente, esta cruel e devastadora
pandemia afetou os países da Europa, logo em seguida atingiu os países da periferia do capital, conforme
o trânsito da elite burguesa, assim, “[...] já no mês de maio de 2020, a região das Américas assumiu o
epicentro da doença, especialmente os Estados Unidos da América (EUA) (primeiro lugar), seguido
pelo Brasil (segundo lugar) com a maioria dos casos” (Brasil, 2020, apud Souza, 2021). Dessa maneira,
durante todo o ano de 2020 e até agosto de 2021, o GAPAF desenvolveu as suas ações extensão na
modalidade remota.
O ano de 2021 trazia grandes expectativas quanto ao fim da emergência sanitária, todavia, o
primeiro semestre foi marcado pelas altas taxas de contaminações e mortes por COVID-19, sendo
digno de nota que só no dia 08 de abril de 2021 morreram mais de quatro mil pessoas em decorrência
da COVID-19, como registrado por Souza, Celis e Inácio (2021). O fato é que a grande maioria das
pessoas não pode realizar o isolamento social, dada a sua inserção precária no mercado de trabalho.
O trabalho remoto também não foi estendido a todas as pessoas, Souza (2022) evidencia que menos
de 10% da força de trabalho no Brasil pode adotar o trabalho remoto; considera-se também o fato que
muitas ocupações foram classificadas como essenciais e não puderam interromper as suas atividades
apesar da pandemia, como foi o caso das empregas domésticas.
No país tropical e bonito por natureza, o trabalho das empregadas domésticas também foi inserido nos serviços
essenciais. Os estados do Pará e de Pernambuco saíram à frente para garantir uma gentileza à cara gente branca.
Apressaram-se em formalizar a inserção do emprego doméstico ou, melhor, a própria empregada doméstica
como um serviço essencial. Diante das críticas que se seguiram, os demais estados nem precisaram se expor. O
emprego doméstico seguiu seu curso sem que se questionasse a exposição das trabalhadoras, tanto no contato
com as famílias empregadoras como no trajeto em transportes superlotados até seus locais de trabalho. Não por
acaso, a primeira vítima da COVID-19 no Brasil, no estado do Rio de Janeiro, foi a dona Cleonice Gonçalves6
uma empregada doméstica negra, contagiada pela patroa branca que havia voltado da Itália (à época epicentro
da pandemia) e não se preocupou em se isolar nem em manter a trabalhadora fora de riscos. Também não é obra
do acaso a morte da criança negra, Miguel, de cinco anos, que acompanhava sua mãe ao emprego porque sua
escola estava fechada. A mãe, a senhora Mirtes Renata Santana, “trabalhadora doméstica, assim como milhares
de outras trabalhadoras, que não foram dispensadas de seus serviços em meio à pandemia do coronavírus para
não perderem o emprego ou terem seus salários diminuídos, teve de trabalhar e se expor ao vírus” (Parks; Cacau,
2021, p. 167); e não teve o direito ao isolamento para se dedicar ao filho. Era obrigada a cuidar dos cachorros,
enquanto a impaciente madame deixava o garoto sozinho em elevador que o conduziria ao acidente fatal.
(Gonçalves; Souza, 2022).
6 Como Lélia Gonzalez (2020), acreditamos que trabalhadores/as negros/as têm nome e sobrenome, não deixando margem
aos apelidos pejorativos que alicerçam o racismo.
248
a população negra, que embora predominante na composição do país, imersa nas relações de vida e
trabalho duplamente espoliada (social e racialmente) (Silva, 2017).
Este contexto foi profundamente impactado pela pandemia da COVID-19 e recrudescimento da
crise do capital. Somam-se a este contexto, os posicionamentos e devidos encaminhamentos feitos
pelo governo federal de Jair Bolsonaro (PL), que, entre outras atrocidades e adoção da agenda
ultraneoliberal, debochou das pessoas com falta de ar, devido às complicações da COVID-19, agiu
contra as medidas de isolamento social e contra a imunização, repercutindo no aprofundamento da
pandemia e dos sérios impactos na sociedade, em todas as dimensões, desde o trabalho até as relações
afetivas (Souza, 2021). Na área da educação não foi diferente, pois a manutenção do Ensino Remoto,
ao mesmo tempo em que permitiu a continuidade do processo de ensino-aprendizagem representou
também níveis exacerbados de cansaço, estresse e dificuldades para a continuidade da formação e da
vida (Gonçalves; Souza, 2022).
Um estudo comparativo sobre o ensino virtual em instituições de ensino superior de três países (Espanha, Itália
e Equador) impactados pela COVID-19 demonstrou que a maioria dos/as professores/as avaliou negativamente
o ensino remoto (Tejedor et al., 2021), sobretudo por causa da intensificação do trabalho. No ensino superior
brasileiro, a situação se agrava diante do avanço da extrema-direita “fundamentalista, miliciana e militarizada
que incide de forma voraz na educação superior pública” (Farage, 2021, p. 49). No governo ultraneoliberal de Jair
Em relação à extensão, essa também foi seriamente afetada, tendo em vista que até então, as
atividades eram realizadas na modalidade presencial, mas a continuidade das medidas de isolamento
social, inclusive com vários momentos com o estabelecimento de lockdown, as atividades remotas se
tornaram uma alternativa à manutenção de determinadas atividades e dos vínculos.
Diante dos novos desafios apresentados pelo contexto da pandemia da COVID-19 e necessário
isolamento social, o GAPAF elaborou um planejamento para a realização de um conjunto de atividades
de forma remota, especialmente, atividades formativas e de estudos. Em consonância com as atividades
desenvolvidas em 2020 e pautadas na metodologia freireana, essencialmente, da horizontalidade, o
GAPAF visou oficinas que fossem organizadas a partir das demandas dos atendidos e das atendidas e
que, necessariamente, contassem com a participação e retorno destes.
Aqui, é muito importante o registro da realização das atividades com as pessoas atendidas pelo
Abrigo Provisório durante o período mais crítico da pandemia da COVID-19, considerando todo o
ano de 2020 até agosto de 2021, quando o grupo preparava “oficinas” e encaminhava na forma de
propostas para a diretora da referida instituição desenvolver com as(os) moradores(as). Assim, em
geral, foram gravados pequenos vídeos a respeito de temas variados e que continham indicativos
de ações a serem praticadas, portanto, a cada oficina encaminhada, recebia-se, de volta, conteúdos
diversos, seja na forma de áudios e\ou vídeos gravados ou de pinturas, frases e pequenos textos feitos
pelas pessoas moradoras do Abrigo.
Destaca-se que as inovações tecnológicas digitais vêm recebendo amplos investimentos a partir
do contexto de transformações econômicas, sociais e políticas da indústria 4.0, mas a sua visibilidade
ganhou maior repercussão também devido às medidas de isolamento social em razão da pandemia
da COVID-19 (Souza, 2022). Essa complicada situação global e de saúde pública forçou a adaptação
das atividades funcionais, econômicas, sociais e universitárias para o funcionamento à distância,
via plataformas digitais. Portanto, o GAPAF promoveu adaptações das propostas de atividades, até
então pensadas para ocorrer de forma presencial, para a sua realização remota. Todo o processo de
construção ocorreu a partir de discussões e planejamentos horizontais, com reuniões semanais que
aconteceram através da sala virtual do Google Meet.
249
A partir do apoio da diretora do Abrigo, o GAPAF formulou algumas oficinas, sendo que a primeira,
apresentou e recebeu, através da coordenação, os interesses dos usuários e usuárias a respeito de
temas a serem desenvolvidos com o grupo. A questão do trabalho foi colocada de forma enfática como
um dos principais interesses das(os) moradores(as). O grupo então decidiu que a temática do trabalho
deveria ser desenvolvida nos conteúdos que seriam enviados por meio de vídeos, imagens e cartazes.
Foram feitas rodas de conversa e foram compartilhadas bibliografias para que se pudesse manter
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
coesão lógica nas oficinas realizadas. Como não seria possível estar presente no Abrigo desenvolvendo
os temas, estabeleceu-se uma dinâmica de vídeos. Uma parte do grupo escreveu os roteiros e a outra
se ocupou da edição. As falas foram ditas e gravadas individualmente por toda(o) participante do
GAPAF. Ao fim do vídeo, era pedido para que as pessoas participantes da oficina mandassem de volta
alguma forma de interação específica, de preferência também gravada. A coordenação do Abrigo
fez o trabalho de transmitir a oficina audiovisual, gravar as respostas e enviar os resultados. O grupo
conseguiu desenvolver as questões da memória pessoal relacionadas ao trabalho e uma visão mais
crítica sobre o trabalho. Dentro do objetivo de auxiliar no desenvolvimento do pensamento crítico,
foram utilizados clips musicais. Esta atividade possibilitou coletar um rico arquivo de memórias e de
reflexões com as usuárias(os) do Abrigo. Em sequência, foram construídas outras oficinas, sempre
considerando os temas destacados pelas pessoas participantes.
Ao final de 2020, o GAPAF também conseguiu realizar um evento de extensão universitária com a
participação de vários grupos de extensão de distintas regiões do Brasil, que tinham como metodologia
de trabalho a educação popular de Paulo Freire e também que tivessem se mantido em atividades ao
longo de um dos anos mais difíceis da história recente.
Dessa maneira, o GAPAF realizou o 3º Simpósio de Educação Popular. O evento, na impossibilidade de
ser realizado presencialmente na universidade, ocorreu na plataforma StreamYard e foi transmitido para
o recém-criado canal do grupo GAPAF na plataforma do YouTube. O simpósio contou com um programa
intenso de minicursos, oficinas, palestras e trocas de experiências e foi realizado durante três dias, com a
participação e audiência de pessoas de diversas regiões do Brasil. A partir do programa do 3º Simpósio do
GAPAF, destacam-se a realização do minicurso: “A metodologia de educação popular em Paulo Freire”;
da oficina “Educação Popular: Luta Antirracista e Feminismos”; da conferência “A arte como experiência
sensível: cultura, educação e juventudes periféricas” e das Mesas Redondas: “O direito à terra e o direito
à vida”, “A educação como prática libertadora”, “Educação comunicativa: Arte e Sociedade”.
Observa-se que o 3º Simpósio do GAPAF reuniu experiências de grupos de extensão das regiões:
Norte, Sul, Sudeste e Nordeste e ainda contou com a saudação de um importante estudioso da educação
popular na América Latina, Oscar Jara, e de uma professora da Argentina. Todas essas atividades estão
disponíveis para o acesso público no canal do YouTube (https://www.youtube.com/@gapaf5716/
featured). Registra-se o compromisso ético e responsável dos(as) participantes do GAPAF que mesmo
diante de tantas dificuldades manteve a realização das atividades tanto no Abrigo Provisório quanto
de formação, realizando o 3º Simpósio GAPAF.
As atividades do GAPAF, no primeiro semestre de 2021, em decorrência da instabilidade quanto ao
retorno às atividades presenciais, tiveram um direcionamento para a realização de encontros abertos
à participação externa ao grupo, ainda por meio remotos, denominados de Ciclos de Formação, com
o objetivo de realizar estudos da obra de Paulo Freire, assim, as reuniões do primeiro semestre,
tiveram o objetivo de estudar, discutir e socializar saberes referentes a alguns livros de Paulo Freire,
em específico: “Pedagogia do Oprimido” e “Educação como Prática libertadora”, separando para cada
encontro capítulos a serem discutidos. Nos referidos ciclos de formação, contou-se com a participação
do corpo discente a fim de fomentar o debate. Como resultado, pode-se dizer que houve uma grande
socialização de diferentes pontos de vista e um maior entendimento das obras, somando enquanto
carga educativa. Em um segundo momento, o grupo desenvolveu as oficinas remotas no Abrigo
Provisório, utilizando o recurso de vídeos e fotos. De início, o GAPAF se apresentou novamente
250
(entendendo a rotatividade presente no Abrigo, com um público diferente do ano anterior) e recebeu,
através da diretora da instituição, o retorno das atividades desenvolvidas.
No Segundo semestre, de 2021, quando da ampla imunização contra COVID-19 (Souza; Celis,
Inácio, 2021), contemplando tanto estudantes participantes do GAPAF quanto das pessoas moradoras
do Abrigo e também a equipe de funcionários(as) daquele espaço, o grupo, gradualmente, iniciou as
atividades presenciais no Abrigo.
Realizou ainda, um importante evento em homenagem ao centenário de Paulo Freire. Este evento
foi um espaço rico de aprendizado a respeito da história da metodologia de educação popular
desenvolvida por Paulo Freire, dos fundamentos da teoria freireana, e para além disso, fortaleceu os
laços entre as pessoas participantes.
O evento em homenagem ao centenário de Paulo Freire, foi realizado de forma remota e
disponibilizado no canal do YouTube, para acesso amplo e irrestrito, que pode ser acessado em: https://
www.youtube.com/channel/Ucz-M4VZ0l_C21XBNxy. Este evento reuniu diferentes estudiosos, de
localidades diversas e que lutam pela implementação da metodologia da educação popular.
O GAPAF retornou às atividades presenciais, no segundo semestre de 2021, a partir deste período,
foram planejadas visitas ao Abrigo Provisório, que até o momento era um espaço conhecido pelo grupo
CONSIDERAÇÕES FINAIS
251
O que nos leva a pensar na desigualdade social entre pessoas brancas e negras, visto que o número de
pessoas negras nas ruas é mais que o dobro de pessoas brancas.
Logo, o GAPAF trabalha com um público de diversas histórias e trajetórias de vidas, diferentes
talentos e trabalhadores de múltiplas áreas. No decorrer de nossas atividades conhecemos músicos,
pessoas que já foram concursadas, professor/historiador, artesãos e pintores. Trabalhamos com
pessoas de todas as idades e majoritariamente negras.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
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252
O SERVIÇO SOCIAL E A ATUAÇÃO DE ASSISTENTES
SOCIAIS NA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO.
Rejany Andria Albuquerque Volsi7
Teone Maria Rios de S. R. Assunção8
RESUMO: O presente trabalho objetiva contribuir com as reflexões sobre a importância do serviço social na
política de educação, conforme previsto na legislação aprovada em 2019 - Lei 13.935, a qual dispõe sobre a
prestação de serviços de psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica. Considerando a
demanda crescente e os desafios que se apresentam a categoria de assistentes sociais bem como a importância
desse espaço ocupacional para o avanço da política de educação, vislumbra-se realizar a partir da pesquisa
bibliográfica, uma breve abordagem sobre os direitos constitucionais previstos na Constituição Federal de
1988 e Lei de Diretrizes e Base – LDB, que respaldou a Lei 13.935 com ênfase na importância do trabalho de
assistentes sociais na política de educação brasileira.
Palavras-chave: atuação profissional; política de educação; serviço social.
ABSTRACT: The present work aims to contribute to reflections on the importance of social workers in education
politics, as provided for in the legislation approved in 2019 (Law 13.935), which provides for the provision of
INTRODUÇÃO
A educação como direito, tem seu marco legal na Constituição Federal de 1988. No artigo 205,
consta que a educação é um direito universal e dever do Estado e da família, a fim de ser promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Consta no Art. 6º da Constituição
Federal que se caracteriza como direitos sociais: “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância, a assistência
aos desamparados” (Brasil, 2012, p.10).
O Plano Nacional de Educação - PNE de 2001 faz parte de um compilado de normas da política
educacional. No entanto, estas normas, desamparadas de outras normas/leis, não asseguram que as
mudanças aconteçam e sejam integradas ao sistema brasileiro de educação. Para este propósito se
torna imprescindível que o Estado, com a observação da sociedade, possibilite a aplicação de recursos
na área educacional.
A Política Educacional no Brasil pertence ao grupo de Políticas Sociais Públicas, de responsabilidade
do Estado, com fundamento em organismos políticos e entidades da sociedade civil, se estabelece um
processo de tomada de decisões que derivam nas normatizações do país.
No atual contexto do desenvolvimento capitalista, as políticas sociais são decisivas para a redução
das desigualdades sociais e garantia de direitos humanos, na mesma proporção são fundamentais para
o enfrentamento das manifestações da questão social. É através do exercício profissional de assistentes
sociais nas políticas sociais que se torna possível viabilizar os direitos de cidadania; todavia, essa é uma
253
dinâmica que se apresenta contraditória uma vez que a intervenção do Estado na área social tem por
objetivo regular as relações entre as classes.
Nessa perspectiva, a atuação do Serviço Social na política de educação, atribui responsabilidades aos
assistentes sociais que ultrapassam o espaço escolar, uma vez que a política de educação está relaciona
às expressões da questão social, as quais colocam desafios desde o planejamento, implementação,
execução na medida em que aponta demandas para o Serviço Social.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Neste sentido, o Serviço Social atuando na política de educação tem como objetivo garantir os
direitos sociais, em cumprimento com as leis que surgem da Constituição Federal e demais legislações
que da mesma forma visam atender necessidades sociais como: saúde, habitação, alimentação e
educação de maneira a propiciar na comunidade maior inclusão social.
Compreende-se dessa forma, que a atuação do profissional de Serviço Social na educação, é
relevante e significativa para a melhoria ao acesso dos direitos garantidos de forma efetiva, visto que
as demandas associadas às expressões da questão social no âmbito da educação são pertinentes.
Portanto, intenta-se refletir sobre a importância do serviço social na política de educação levando
em consideração o previsto na Lei 13.935 de 2019 que prevê a inserção de assistentes sociais nas
redes de educação básica.
254
por meio da União Nacional dos Estudantes - UNE. Porém, não se calaram e saíram às ruas para
reivindicar o fim da ditadura e o exercício de seus direitos.
Conforme Faria Filho (2000), um dos meios de se constituir a nação brasileira, em um ideal liberal
e iluminista, priorizando a ordem e a civilidade, era por meio da educação do povo. Também segundo
o autor, o modelo de educação individual, que acontecia no ambiente familiar, no qual a educação da
criança esteve sob a responsabilidade exclusiva da família, e ela aprendia as normas e regras da sua
cultura, era ineficiente para os ideais desse período.
De acordo com, Paschoal e J.D e Machado (2009), no final da década de 1970, era grande o descaso
pela educação brasileira, em termos de Legislação, para que se garantissem a oferta desse nível de
ensino. Contudo, na década de 1980, diferentes segmentos da sociedade como: população civil,
organizações não governamentais, pesquisadores na área da infância, entre outros se uniram com
o intuito de impressionar a sociedade sobre o direito da criança à educação de qualidade desde o
nascimento. Porém, esses direitos só foram concretizados quase um século após essas mobilizações.
Nesse contexto, inicia-se uma nova fase consolidada como marco: a Constituição de 1988 e a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996.
Diante desse cenário, a educação mereceu destaque na Constituição Federal de 1988, pois
Para a educação infantil, a decisão da LDB 9394/96, significou um momento importante, pois situou
a mesma na educação básica, dando uma posição histórica e um espaço na sociedade, expressando
uma nova concepção ressaltando-a na formação essencial para que o indivíduo exerça sua cidadania e
determine sua autonomia. Assim ressalta Brezinski:
255
A mudança conceitual da educação infantil acha-se claramente expressa na atual LDB, constituindo-se na
primeira etapa da educação básica e tendo por objetivos o desenvolvimento integral da criança até seis anos, em
seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social (art. 29). Esse dispositivo torna evidente o reconhecimento
da educação infantil como etapa específica da formação humana, com base na ideia da educação como processo
contínuo, que se inicia a partir do nascimento da criança. (BRZEZINSKI, 2000, p.91).
Na educação contemporânea brasileira, as crianças têm que frequentar a escola, no mínimo, nove
anos, com matrícula obrigatória a partir dos 6 anos de idade no ensino fundamental, conforme a lei nº
11.274, sancionada pelo Presidente da República em 2006, alterando os artigos 29, 30, 32, e 87 da lei
nº 9.394 de dezembro de 1996, com o intuito de proporcionar maior convívio escolar, dispondo um
aprendizado de qualidade para as crianças.
A Constituição Federal de 1988, também determina que o Plano Nacional de Educação (PNE), tem
por objetivo: “articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes,
objetivos, metas e estratégias de implementação [...]” (Brasil, 2012, p.57).
Assim estas devem prover, por meio da parceria dos poderes públicos garantir a sustentação e
evolução do ensino, em seus vários níveis e etapas de desenvolvimento
Desse modo, Martins (2007), salienta que o Plano Nacional de Educação de 2001, faz parte de um
conjunto de legislações da nova política educacional brasileira capaz de modificar os rumos da educação
nacional. Contudo, estas legislações demonstram conflitos de interesses na sociedade, o que isoladas,
não garantem que as modificações serão incorporadas ao sistema educacional brasileiro, é necessário
investimento em educação por parte do Estado, sob a vigilância da sociedade.
Neste sentido o direito ao acesso e permanência de crianças e adolescentes na escola, tem sido
garantido reiteradamente através de seu arcabouço normativo que se firma na Constituição Federal
de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) e o Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069/90), além do Plano Nacional de Educação.
O campo da educação é o espaço onde esta política se materializa não é um simples passa tempo,
ou onde se aprende apenas português e matemática, mas a escola é um ambiente que se constrói e
se compartilha, para o fortalecimento de indivíduos e para o acesso a diretos, é um espaço amplo que
pode ir muito além das barreiras colocadas pelo atual sistema.
Desse modo, se faz necessário compreender o contexto histórico do Serviço Social, enquanto
profissão, a atuação e a relevância desses profissionais na política da educação no Brasil. Isso é o que
será abordado adiante.
256
REFLEXÕES / CONTEXTUALIZAÇÃO A RESPEITO DA ATUAÇÃO
PROFISSIONAL DE ASSISTENTES SOCIAIS NA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO
A atuação do Serviço Social na política de educação teve sua gênese com a profissionalização da
profissão no Brasil na década de 1930, sendo as escolas espaços de atuação desde os primórdios
da profissão. Nessa ocasião, de acordo com Yazbek (2009), a filantropia e a caridade eram as ações
utilizadas para dar respostas às expressões da questão social e estavam ligadas à Igreja católica, com
um movimento de jovens e senhoras católicas beneméritas, voltado para a organização sistemática
de cursos de pequena duração, que culminou com a fundação das primeiras escolas: a de São Paulo,
em 1936, e a do Rio de Janeiro, em 1937. Esse período compreendido entre a década de 1930 e 1960,
como salienta a autora:
É, pois, na relação com a Igreja Católica que o Serviço Social brasileiro vai fundamentar a formulação de seus
primeiros objetivos político/sociais orientando‐se por posicionamentos de cunho humanista conservador
contrários aos ideários liberal e marxista na busca de recuperação da hegemonia do pensamento social da
Igreja face à “questão social”. Entre os postulados filosóficos tomistas que marcaram o emergente Serviço
Social temos a noção de dignidade da pessoa humana; sua perfectibilidade, sua capacidade de desenvolver
potencialidades; a natural sociabilidade do homem, ser social e político; a compreensão da sociedade como
Dessa forma, a igreja católica teve grande influência com seu caráter conservador, desde a gênese do
Serviço Social no Brasil. De acordo com o pensamento da autora, teve também uma grande influência
franco-belga, e nesse sentido, a profissão era caracterizada por ter um caráter moralista, manipulador
e confessional, com práticas conservadoras, a partir de um fazer profissional, propiciava uma educação
moral voltada para a modificação de valores e comportamentos das classes subordinadas.
De acordo com Yazbek (2009), na década de 1940, o Serviço Social como profissão se viu obrigado
a modernizar-se, e adequar-se às exigências desse novo contexto, por isso buscou incorporar um
estatuto científico. Assim, o Serviço Social brasileiro se aproxima do Serviço Social norte-americano,
incorporando a matriz filosófica de característica positivista, pautada em critérios técnicos e científicos.
É importante enfatizar que a conjuntura geopolítica foi um fator predominante para aproximação do
Brasil com os Estados Unidos.
Afirma Aguiar (2011, p. 80), que “na segunda metade da década de 1940 e no início da década 1950,
constatamos a presença da filosofia tomista aliada às técnicas norte-americanas”.
Nesse cenário, a profissão incorporou o Desenvolvimento de Comunidade às metodologias utilizadas
pelo Serviço Social. As práticas de Desenvolvimento Comunidade, segundo Ammann (2003), registram
grandes incongruências: de um lado a continuidade de trabalhos de caráter acrítico, (e aparentemente),
apolítico e a classista, de outro emergem e se difundem em movimentos que concebem a participação
numa perspectiva crítica. Desta forma, o Desenvolvimento de comunidade possuía um destaque para a
prática profissional do Serviço Social, e que passou a crescer na década de 1950, no corpo profissional,
e na sequência, sensibilizou os/as assistentes sociais para problemáticas macrossociais.
Da década de 1950 a 1960, Netto (2005, p. 119), ressalta que o Brasil vivenciou um grande
crescimento industrial e um processo de modernização conservadora, o qual foi chamado de
desenvolvimentista e agregou uma política de crescimento econômico, industrial e de infraestrutura,
trazendo uma “aparência de modernidade” para a sociedade. Porém, esse desenvolvimento não
demonstra, nem reproduz melhoria das condições de vida da classe trabalhadora, pois trata-se de
questões estruturais ao capitalismo que não poderá ser interpretada como melhorias, contudo ocorre
um fenômeno chamado pelo autor de “hipertrofia das expressões da questão social”.
Nos anos de 1965 a 1979, destaca Netto (2005) que o Movimento de Reconceituação ocorreu
no Brasil no contexto da autocracia burguesa. Esse movimento visou repensar o Serviço Social,
adequando o teórico, metodológico e o operativo, à realidade latino-americana, devido a influência
257
norte-americana no Serviço Social, e isso foi um problema, pois a realidade norte-americana era bem
diferente da latino-americana.
Neste sentido, o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), Netto (2009), faz
considerações sobre este congresso, na qual uma delas diz respeito ao reconhecimento consensual,
no interior do Serviço Social brasileiro, do Congresso da Virada como um marco no desenvolvimento
da profissão no país, em especial, da sua contribuição para politização da categoria profissional. Esse
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Por isso, o Serviço Social precisa ser entendido historicamente, a partir da compreensão, que a
profissão é ligada estreitamente às relações sociais, que surgiu enquanto necessidade no contexto de
aprofundamento do capitalismo e de suas contradições. Dessa forma, o Serviço Social é uma profissão
que tem 87 anos, e passou por processo dialético de constituição de suas bases ético-político, técnico-
operativo e teórico-metodológico.
E a partir da década de 1990, em consonância com o Projeto Ético-Político Profissional, que vai
se apresentar grandes demandas para o Serviço Social, desde execução de projeto, perpassando ao
trabalho interdisciplinar educacional, e a intervenção na comunidade escolar.
Isto posto compreendemos que o campo da educação é o espaço em que esta política se materializa
não é um simples passa tempo, ou onde se aprende apenas português e matemática, mas a escola é
um ambiente que se constrói e se compartilha, para o fortalecimento de indivíduos e para o acesso a
diretos, é um espaço amplo que pode ir muito além das barreiras colocadas pelo atual sistema. Nesse
sentido, Freire (2001), compreende que:
[...] Não podemos aceitar o todo poderosíssimo ingênuo da educação que faz tudo, nem aceitar a negação da
educação como algo que nada faz, mas assumir a educação nas suas limitações e, portanto, fazer o que é possível,
historicamente ser feito, com e através da educação (Freire, 2001, p. 102).
Nessa direção, o Serviço Social na educação situa-se na área socioeducacional, e neste campo são
imensuráveis as expressões da questão social no âmbito de intervenção profissional, o que torna um
espaço de importante atuação do/a Assistente Social.
O Serviço Social vem conquistando espaço no segmento da educação e seu compromisso está
fundamentado na defesa como direito que todo cidadão possui, em consonância com os princípios
fundamentais da Constituição Federal, bem como na valorização do trabalho socioeducativo, nas
atividades cotidianas do profissional. O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), explica que:
258
[...] a contribuição do Serviço Social consiste em identificar os fatores sociais, culturais e econômicos que mais
afligem o campo educacional no atual contexto, tais como: evasão escolar, o baixo rendimento escolar, atitudes
e comportamentos agressivos de risco etc. Estas constituem-se em questões de grande complexidade e que
precisam necessariamente de intervenção conjunta, seja por diferentes profissionais (educadores, assistentes
sociais, psicólogos, dentre outros) pela família consequentemente uma ação mais efetiva (CFESS, 2001, p. 12).
O profissional de Serviço Social, é um ator de mudança social na sociedade, em especial no seu campo
de atuação irá viabilizar do direito à saúde, moradia, lazer, alimentação e a educação, entre outros. Por
isso, sua ação interventiva deve assegurar a população usuária esses serviços, não como mero favor ou
ajuda, mas como um direito que todo cidadão precisa e deve dispor. Nesta perspectiva, Soares pondera:
O Serviço Social é uma profissão que atua na realidade social através do atendimento de inúmeras demandas,
elaboração de pesquisa e construção de propostas que visam o atendimento às necessidades sociais da população,
nas áreas de Assistência Social, saúde, educação, habitação etc., como um direito do cidadão e não como um favor
ou simples ajuda (Soares, 2003, p. 52).
Nesse ponto de vista, a educação, não é somente uma exigência que nossa sociedade impõe para que o
indivíduo saiba se comunicar além da fala, mas apresenta-se como uma possibilidade de se desenvolver
além do que ela mesma pretende, por meio do conhecimento científico, alcançando oportunidades que
Os Estados pioneiros no Brasil de acordo com dados oficiais e regulamentados por Lei, foram
Pernambuco, em 1949, e Rio de Janeiro em 1956. Conforme Souza: “O caráter pioneiro do Serviço
Social Escolar teve origem no Brasil a partir da sua incorporação ao Regulamento do Ensino Primário
da SE/PEC (Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco) em 1949.” (Souza, 2002, p. 53).
De acordo com Amaro (2011), há um movimento da categoria coordenado pelo Conselho Federal
de Serviço Social (CFESS), desde 2000 e pelos Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS), voltado
a implantar o Serviço Social Educacional na Rede pública de ensino. Nesse período várias ações, foram
realizadas pelo CFESS e pelo CRESS, como debates sobre a inserção do Serviço Social e a criação de
vários documentos referentes ao Serviço Social no âmbito da educação.
Nessa perspectiva, a Lei nº 13.935, de 11 de dezembro de 2019, prevê que as redes públicas de
Educação Básica contarão com serviços da Psicologia e do Serviço Social para atender às necessidades
e prioridades definidas pelas políticas de educação, o objetivo é agregar qualidade ao processo de
aprendizado e formação social de estudantes, bem como à convivência escolar e à relação família-
escola, integrando as equipes multiprofissionais na condição de profissionais da Educação, conforme
previsto no Artigo 1º da citada lei: “ § 1º As equipes multiprofissionais deverão desenvolver ações para
a melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem, com a participação da comunidade
escolar, atuando na mediação das relações sociais e institucionais.”
Nessa perspectiva, o Serviço Social tem uma característica relevante, que é o trabalho multidisciplinar,
pois articula com os profissionais da área da psicologia e da pedagogia, entre outras que se encontram
presentes no campo da educação.
O Serviço Social trouxe sua contribuição, a partir do momento que surgiu o interesse em compreender
as dificuldades do aluno no seu contexto social, e não apenas a dificuldade observada na escola pela
professora, averiguando dessa maneira sua origem, que por vezes, estava relacionado à família.
Desta forma, será possível auxiliar na identificação dos problemas de comportamento que se
apresentam, por exemplo, sob as formas da evasão, repetência, dificuldade no relacionamento
259
interpessoal e desmotivação para as atividades escolares, cujas causas são distribuídas à precariedade
da relação familiar, ao local de moradia e à falta de educação dos pais.
Campos (2012) discorre sobre atuação dos assistentes sociais, os quais devem com o processo
contínuo de formação ético-político se adaptarem as novas realidades sociais que surgem no cotidiano
da profissão, eis sua argumentação:
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
No enfrentamento das questões sociais emergem do cotidiano de trabalho dos assistentes sociais, avaliações
sistemáticas sobre o perfil do profissional fundado em processo de formação teórico-metodológica e ético-
política que possibilite redescobrir possibilidades para o trabalho profissional no cenário atual. Para enfrentar
esse cenário, faz-se necessário construir estratégias que deem conta da dinâmica da realidade (Campos, 2012,
p. 15).
Dessa maneira, o código de ética que regulamenta que a profissão deve ser a base do trabalho
do profissional de Serviço Social, independentemente do local em que este irá atuar, deve ter como
princípio a defesa dos direitos humanos no contexto educacional. E nesse trabalho o assistente social
tem a capacidade por meio de sua ação profissional, fortalecer as mediações entre escola e a família,
inserindo também a comunidade local.
No momento em que o assistente social conhece o perfil dos estudantes de determinada escola, sua
função será descrever a realidade e os serviços do território, disponibilizados pela comunidade local,
propondo a articulação entre alunos e a escola, realizados em forma de encaminhamentos e projetos.
Nesse sentido, Faleiros descreve:
O Serviço Social Escolar é um método pelo qual o Assistente Social, através do uso de princípios e técnicas promove
um melhor relacionamento entre a escola, família e o melhor, visando o seu desenvolvimento e capacidade de
vida em comum e a procura coletiva de fins sociais elevados e desejáveis (Faleiros,1986, p. 47).
Desta forma, entende-se que a atuação do/da profissional de Serviço Social no âmbito escolar tem
por objetivo a possibilidade de contribuir para a resolução das problemáticas sociais percorrida em
âmbito educacional, as quais possam se desdobrar em atendimentos sociais aos alunos, suas famílias
ou comunidade geral, na realização de encaminhamentos, informações, orientações, elaboração e
implantação de projetos de cunho educativo, dentre outros. Conforme o exposto, Martins aborda a
dimensão educativa:
Portanto, o papel educativo do assistente social é no sentido de elucidar, desvelar a realidade social em todos os
seus meandros, socializando informações que possibilitem a população ter uma visão crítica que contribua com a
sua mobilização social visando à conquista dos seus direitos (2007, p.135).
Dessa forma, para (Schneider; Hernandorena, 2012), é possível associar a contribuição do/a
Assistente Social para o desenvolvimento da gestão, na medida em que o/a profissional trabalha de
forma a favorecer a socialização das informações, no viés de direitos sociais.
Piana (2009), pondera o campo da educação como um espaço de trabalho substancial para
os profissionais do Serviço Social, com a finalidade de manifestar que pode contribuir com seus
conhecimentos, competências, compromissos, com habilidades e atitudes para que a educação de fato
se concretize em um direito social tão almejado pela sociedade.
Martins (2012), enfatiza sobre as experiencias concretas da atuação e contribuição de profissionais
do Serviço Social em escolas, na qual a autora realiza uma análise a respeito da realidade desses
profissionais, identifica e apresenta importantes reflexões sobre possibilidades da atuação da/o
assistente social no contexto escolar, sinalizando para três eixos centrais de atuação: processo de
democratização da escola, prestação de serviços socioassistenciais e socioeducativos, e articulação da
política de educação com as demais políticas sociais. Evidencia o autor que:
A contribuição do serviço social, portanto, poderá ser uma alternativa construtiva, visando unir esforços com os
educadores e usuários da escola pública para lutar por reformas significativas na rota histórica de transformação
da escola, para que seja capaz de efetivar uma educação mais democrática, unitária, como tem sido divulgado
pelos movimentos e organizações de educadores (Martins, 2012, p. 221).
260
Nesse sentido, compreende-se que a atuação do Serviço Social na educação colabora na maioria das
vezes, reunindo esforços com educadores e outros profissionais que atuam nessa área para formação
dos cidadãos, em aspectos positivos.
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262
CONTRIBUIÇÕES DAS PEDAGOGIAS PROGRESSISTAS AO ETHOS
PROFISSONAL DE ASSISTENTES SOCIAIS
Leonildo Aparecido Reis Machado9
ABSTRACT. The socio-educational dimension plays a role in the gears of daily work, constituting this
professional ethos of social workers. The demand for immediate answers, on the part of this/the professional,
INTRODUÇÃO
9 Doutor em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista – UNESP. E-mail: leonildomachado@outlook.com
263
A materialização do PEPP constitui, pelo ethos profissional, uma tarefa exorbitantemente necessária
para o aprofundamento crítico que exige uma formação contínua e ininterrupta para acompanhar o
movimento da realidade social que circunda suas intervenções profissionais.
A proposta do referido artigo é refletir as contribuições das “Pedagogias Progressistas” à construção
histórica e permanente ao ethos profissional de assistentes sociais. Para tanto, faz-se necessário
definirmos as concepções de entendimento das “Pedagogias Progressistas” e, posteriormente, as
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
relações dos “estudos ativos” até o encaminhamento coletivo de assistentes sociais quanto à dimensão
socioeducativa da categoria profissional.
PEDAGOGIAS PROGRESSISTAS
264
circunda. Portanto, precisamos partir da sociabilidade burguesa que o capital engendra em modos de
ser que influencia, por demais, as relações sociais no espaço de trabalho.
O processo de desenvolvimento interventivo da/o assistente social se dará a partir da realidade
concreta vivenciada pelas/os usuárias/os dos serviços. Essa visão é o pano de fundo do espaço de
trabalho. Pois todas as expressões da questão social envoltas no ambiente de trabalho são apenas
sintomas, mas suas causas não se apresentam facilmente, por isso é notável o julgamento das
expressões da questão social pelo sintoma, ou seja, o que vem à tona é mais rápido e imediato de ser
realizado, inclusive culpabilizado quem vive o sintoma (a/o usuária/o) por ser a própria causa.
Em Freire (1988), vemos que o pensamento crítico necessita partir dialeticamente das contradições
presentes na realidade concreta, porque ali estão as próprias respostas às indagações humanas. Às
vezes, as respostas só não são vindas à tona, mas estão lá para serem apreendidas e trabalhadas em
prol da coletividade
A/o assistente social necessita aproximar-se, pelo ethos profissional, da dimensão socioeducativa
para apreender os diversos sujeitos atuantes frente à aprendizagem. Desse modo, podemos inferir que
diferente de perceber a/o usuária/o como uma “tábula rasa”, onde será, pela linguagem e comunicação,
preenchida o que antes era branco, a proposta sócio-histórica de perceber a aprendizagem, parte
265
A unidade dos opostos. Todos os objetos e fenômenos apresentam aspectos contraditórios, que são organicamente
unidos e constituem a indissolúvel unidade dos opostos. b) Quantidade e Qualidade são características imanentes
a todos os objetos e fenômenos e estão inter-relacionados. c) Negação da Negação. A mudança nega o que é
mudado e o resultado, por sua vez, é negado, mas esta segunda negação conduz a um desenvolvimento e não a
um retorno ao que era antes.
O trabalho a ser executado, por esse artigo, tem, como aporte metodológico, a mutabilidade frente
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
à realidade social das/os usuárias/os, ou seja, a realidade não é determinada, sempre volátil e mutável.
Daí a necessidade de apreensão constante e ininterrupta da realidade socioeducativa, pelo ethos
profissional, para melhores intervenções profissionais.
A própria dialética possibilita interpretações dinâmicas e totalizantes das demandas apresentadas
pelas/os usuárias/os, proporcionando apreensão da realidade social presente no tecido social e
expresso nos discursos da população atendida. Estas interpretações são facilitadas pela afirmação,
negação da afirmação e negação da negação sucessivamente.
O método dialético é útil por permitir a apreensão das demandas de análise. Para Marx (1982,
p. 18) “[...] as categorias exprimem, portanto, formas de modos de ser, determinações da existência,
frequentemente aspectos isolados dessa sociedade determinada [...]”. Ora, na medida em que o método
permite o aprofundamento das demandas de análise, a dimensão socioeducativa alcança consistência
em sua efetivação, constituindo um ethos profissional crítico e propositivo.
A dimensão socioeducativa de maneira geral vivencia, no ethos de assistentes sociais, diversos
desafios, dentre eles destaca-se a metodologia, como momento crucial para avaliação e execução
da aprendizagem. A realidade pedagógica apresenta diversas diferenças de trajetórias educacionais
e formativas, a cada geração. Tais transformações ocorrem de maneira geral em ritmo acelerado
permeado por novas tecnologias e modificações profundas na base técnica de produção, fundamentada
no neoliberalismo. A sociabilidade burguesa se reproduz constantemente no tecido social, assim,
modos de ser são construídos, reconstruídos e determinados ideologicamente, dificultando o processo
socioeducativo no espaço profissional.
De modo que essa realidade acadêmica produz novas demandas inseridas na realidade contraditória,
exigindo disputa dialética por outras possibilidades de ser e vivenciar o próprio conhecimento
ou mesmo novas formas de aprender, ensinar, reaprender e, portanto, construir o novo, de forma
ininterrupta, porque a dimensão socioeducativa exige constante estudo e dedicação permanente
para que metodologias de aprendizagem alcance seus objetivos na construção do conhecimento,
estruturando, assim, o ethos profissional da/o assistente social.
Partindo desse pressuposto, o referido artigo tem como intenção buscar respostas por meio de
novas problematizações a partir da realidade e a pedagogia histórico-crítica refletida por Dermerval
Saviani (2011) contribui, pois, não só parte do mundo concreto, como permanece na realidade concreta,
exigindo abstrações, para novas formulações no processo de aprendizagem.
Do método dialético às metodologias da aprendizagem, evidencia-se que o cerne da proposta
deste subitem é apresentar caminhos para a construção de conhecimento junto às/aos usuárias/os.
A proposta metodológica apresentada ao partir da realidade da/o usuária/o, trabalhará o conteúdo
não pela via verticalizada da pedagogia tradicional e conservadora, senão, pela horizontalidade da
proposta sócio-histórica, que tem como objetivo a construção do conhecimento crítico e propositivo,
de modo coletivo.
A didática em trabalhar os conteúdos de cada intervenção ou em orientação profissional estará
respaldada em Libânio (2006, p. 104) no “estudo ativo” que consiste em
[...]nas tarefas de observação e compreensão de fatos da vida diária ligados à matéria, no comportamento de
ação à explicação do professor, na conversação entre professor e alunos da classe, nos exercícios, no trabalho de
discussão em grupo, no estudo dirigido individual [...] tais atividades possibilitam a assimilação de conhecimentos
e habilidades e, por meio destes, o desenvolvimento das capacidades cognoscitivas como a percepção das coisas,
o pensamento, a expressão do pensamento por palavras, o reconhecimento das propriedades e relações entre
fatos e fenômenos da realidade.
266
O objetivo da formação permanente pela dimensão socioeducativa e presente no ethos profissional
é a construção de conhecimento, habilidades e capacidades de forma crítica e propositiva a partir
da realidade. Portanto, o “estudo ativo” perfaz objetivo do ethos profissional de assistentes sociais
no processo de contínua formação. Libânio (2006, p. 106-107) escreve acerca de cinco propostas
no processo de ensino-aprendizagem: Atualização e domínio do conteúdo a ser trabalhado; Cada
atividade desenvolvida deve ser um trabalho de pensamento para a/o usuária/o; Preocupação primária
é garantir a profundidade e solidez do que é trabalhado; O ensino-aprendizagem deve ser dinâmico
e variado com ferramentas diferentes ao longo do período de trabalho; O conteúdo trabalhado e o
desenvolvimento das capacidades devem proporcionar “[...] atitude crítica e criadora frente à realidade
e ao cotidiano da vida social”.
Pelo estudo ativo das matérias, através da observação e da compreensão dos objetos de estudo, das habilidades de
análise, síntese, comparação, generalização, aplicação, e das explicações do professor, os alunos vão aprendendo
cientificamente a realidade da sociedade, vão desenvolvendo modos próprios de estudo e formando atitudes e
convicções para se posicionarem na vida [...].
A dimensão socioeducativa enquanto constitutiva do ethos profissional tem nos “estudos ativos”
de Libânio (2006) o seu fundamento pedagógico, onde podemos desdobrar, nessa exposição, acerca
das “metodologias ativas” no processo de ensino-aprendizagem. Pois, entendemos que essas referidas
metodologias vão além do ensino tradicional, onde o ensino se dá pela centralidade da/o técnica/o,
com abordagem verticalizada em relação à/ao usuária/o, distanciando da formação em Serviço Social
que defende a horizontalidade na aprendizagem.
Portanto, são ações pedagógicas alternativas às ações pedagógicas tradicionais, proporcionando
que a/o usuária/o seja ativa/o no processo de aprendizagem e não meramente passivo e receptor/a do
conteúdo, como definição de “educação bancária”. Em Freire (1997, p. 59), essa educação “[...] é o ato
de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimento”, mas, ao contrário, construtor/a da
aprendizagem em um espaço coletivo.
As “metodologias ativas” podem iniciar pela problematização e, a partir da transdisciplinaridade,
a/o usuária/o se aproxima dos conteúdos para apreender e construir respostas ao tema-problema, que
muitas vezes gerou a busca pelo atendimento da/o profissional, proporcionando a aprendizagem. A figura
da/o técnica/o é acompanhar, atentamente, seja pelo atendimento ou orientação acerca da demanda.
Portanto, a/o assistente social age como construtor-facilitador junto às/aos usuárias/os e não como
apenas detentor do conhecimento. Tais “metodologias ativas” tiveram seus primeiros passos na área
da saúde na década de 1960, visando a superação da fragmentação do saber vivenciado pela didática
tradicional, possibilitando à/ao discente a visão de totalidade.
Neste sentido, as “metodologias ativas” podem ser apropriadas ao Serviço Social, na medida em que
tenham respaldo em propostas pedagógicas progressistas como a pedagogia Libertadora (Freire, 1997),
histórico-crítica (Saviani, 2011), pedagogia crítico social de conteúdos (Libâneo, 2006), pedagogia da
avaliação e aprendizagem (Luckesi, 2011) e pedagogia da práxis (Gadotti, 1988).
267
O método histórico e dialético que fundamenta a intervenção profissional também está presente
no modo de ser, porque não há dicotomia na compreensão e assimilação do modo de ser. Tal método
está exposto nas “pedagogias progressistas” acima elencadas, que respaldam, por sua vez, a atuação
profissional junto às/aos usuárias/os.
As “metodologias ativas” são formas didáticas e, neste trabalho, a materialização das “pedagogias
progressistas” junto às/aos usuárias/os. Pois, entendemos que a categoria de Serviço Social, ao procurar
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
novas alternativas, como são as “metodologias ativas” não incorrem em retrocessos conservadores em
suas intervenções, desde que não substituem o pensamento crítico, histórico e dialético presente no
nosso Projeto Ético Político Profissional, fundamentado pela vertente de “intenção de ruptura” (Paulo
Netto, 2005) ao pensamento conservador.
Assim como Marx (2004) aproveita do pensamento de Hegel (1997), filósofo idealista e inverte sua
dialética, pois, segundo Marx (1983, p. 20), no Prefácio de o Capital (Volume I - Tomo I) “A mistificação
que a dialética sofre nas mãos de Hegel não impede, de modo algum, que ele tenha sido o primeiro
a expor as suas formas gerais de movimento, de maneira ampla e consciente. É necessário invertê-
la, para descobrir o cerne racional do invólucro místico”. Analogicamente, avaliamos que trabalhar as
“metodologias ativas” junto à às/aos usuárias/os permite avançar na aprendizagem, na formação e na
construção do pensamento crítico e, portanto, propositivo, mesmo que tenha vindo de outros saberes
como na área da saúde. Tal reflexão, está fundamentada em nosso VII princípio expresso no Código
de Ética do/a Assistente Social (CFESS, 2011, p. 24) “Garantia do pluralismo, através do respeito às
correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromisso com o
constante aprimoramento intelectual”. Portanto, não estamos expondo um ecletismo, senão, trazendo,
à baila, saberes didáticos que perpassam outras áreas para o aprofundamento de nossas formações,
em respeito ao pluralismo presente nas teorias, em formas didáticas de vivenciar a formação.
Se as “metodologias ativas” são direcionadas às problematizações ou problema gerador de reflexões,
podemos afirmar que o precursor das referidas “metodologias ativas”, se encontra, no mundo ocidental,
em Sócrates (PLATÃO, 1972), principalmente sua maneira de problematizar, por meio de seu método.
Temos fragmentos das histórias de Sócrates, principalmente, de Platão (1972) e Xenofontes (1972),
haja vista, não ter deixado escrito.
O método socrático, caracterizado por diálogos, perpassa a ironia, enquanto refutação das respostas
recebidas, onde levava o interlocutor à dúvida acerca de suas “primeiras verdades” e a maiêutica,
momento chave de suas problematizações, onde direcionava outras perguntas, levando o interlocutor
a caminhos aproximados da verdade. Sua mãe era parteira, sendo que maiêutica tem o significado de
arte de realizar parto, em Sócrates, parto de ideias. Portanto, seu método maiêutico contribui com a
dimensão socioeducativa do ethos profissional, porque possui a proposta de problematizar o conteúdo
e avançar no processo (construção por idas e vindas à realidade) da aprendizagem crítica.
Considerando as “pedagogias progressistas” que embasam o referido artigo com proposituras
críticas e dentre as diversas “metodologias ativas”, podemos elencar algumas a serem trabalhadas
com as famílias: aprendizagem entre pares, estudo de caso, aprendizagem baseada em problemas,
aprendizagem baseada em projeto, reflexões grupais com plenárias, seminários e oficinas. Outro fator
relevante é trabalhar a tecnologia como ferramenta que possibilite a aprendizagem.
A avaliação terá como norteamento à horizontalidade da relação pedagógica junto à/ao usuária/o
no processo avaliativo, que se mostra no tempo e no espaço e nas vivências do trabalho cotidiano nos
diversos espaços diferentes em que se realiza.
Se a relação usuária/o e assistente social está no cerne da aprendizagem, essa mesma relação possui
o foco também na relação do processo avaliativo. Para tanto, se faz necessário ter uma abordagem
qualitativa e horizontal a partir dessa relação. Portanto, a focalização, a fragmentação e dicotomia da
avaliação conservadora que acentuam a quantificação em detrimento da qualidade não acompanham
o ethos profissional, aqui apresentada em sua dimensão socioeducativa.
268
O processo avaliativo será ampliado, não só pela avaliação da/o assistente social e usuária/o,
mas também perpassará a autoavaliação e avaliação de todo coletivo de trabalho, perpassando a/o
assistente social.
O direcionamento do processo avaliativo presente em nossas pretensões visa o aprimoramento do
conhecimento e da reflexão crítica acerca da realidade e, portanto, do cotidiano profissional. Luckesi
(2011, p. 216) informa que avaliação deve estar relacionada ao conteúdo e, por falar do conteúdo,
devemos ter em mente qual usuária/o estamos atendendo como assistente social, ou seja, imprescindível
o acompanhamento via núcleo familiar. Para Luckesi: “[...] a avaliação exercerá adequadamente o seu
papel na medida em que ela esteja articulada com o conteúdo proposto para a educação”.
O processo avaliativo não se resume a verificar se o conteúdo foi aprendido, fator extremamente
importante na pedagogia, mas também como “fator de decisão”, ou seja, se a/o usuário construiu o ato
de autonomia frente à demanda em acompanhamento. Assim, a avaliação conduz a decidirmos o que
reconstruir no processo do trabalho socioeducativo junto à família atendia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
269
instrumentalidade profissional pelas “metodologias ativas” e “estudo ativo” contribuem nessa
construção de autonomia e proteção.
De maneira que o ethos de assistentes sociais tem, pela dimensão socioeducativa, o objetivo de
transformação social, pois, conforme Mészáros (2005, p. 76) “A nossa época de crise estrutural global
do capital é também uma época histórica, de transição de uma ordem social existente para outra,
qualitativamente diferente”.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
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SERVIÇO SOCIAL, EDUCAÇÃO E AS QUESTÕES DE GÊNERO
E SEXUALIDADE NA PERSPECTIVA DO SABER HUMANIZADO
Social Work, Education and Issues of Gender and
Sexuality from the Perspective of Humanized Knowledge
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Aldryn Cardoso1
RESUMO: Este artigo refere-se às possibilidades do Serviço Social ampliar a (re)formulação educativa,
abarcando as questões de gênero e sexualidade, sobre uma perspectiva de priorização das pluralidades humanas.
Apresenta como pergunta de partida: a laboração do assistente social nos processos educativos está preparada
para trabalhar, de modo assertivo, as questões de gênero e sexualidade, priorizando a diversidade e a dimensão
política da profissão, com empenho na mudança e justiça social? O objetivo geral está em tornar transversal
a concepção de educação freiriana, o Serviço Social, o gênero e a sexualidade como recursos na educação
transformativa. Aborda a obrigatoriedade do assistente social não se restringir a uma atuação ideologicamente
engessada, mas pautada no progresso dos Direitos Humanos. A metodologia adotada está sustentada na revisão
teórica da literatura. O delineamento conceitual perpassa pela certeza de que o Serviço Social é uma profissão
que deve priorizar a defesa da pluralidade humana ao interseccionalizar as questões de gênero e sexualidade, e,
ainda, se distanciar de tudo que implique o conservadorismo histórico limitante. Compreende-se que este seja
um trabalho cientificamente relevante, pois aborda um tema de extrema importância na atualidade.
Palavras-chave: Humanização da Educação; Gênero e Sexualidade; Serviço Social; Pedagogia do Oprimido;
Educação Transformativa.
ABSTRACT: This article refers to the possibilities for Social Work to expand educational (re) formulation,
encompassing gender and sexuality issues, from a perspective of prioritizing human pluralities. It presents as a
starting question: is the work of the social worker in the educational processes prepared to work, in an assertive
way, the issues of gender and sexuality, prioritizing diversity and the political dimension of the profession, with
commitment to change and social justice? The general objective is to make the concept of freirian education,
Social Work, gender and sexuality transversal as a resource in transformative education. It addresses the
obligation of the social worker not to be restricted to an ideologically immobilized performance, but based on
the progress of Human Rights. The methodology adopted is based on the theoretical review of the literature. The
conceptual outline permeates the certainty that Social Work is a profession that must prioritize the defense of
human plurality by intersectionalizing gender and sexuality issues, and also distance itself from everything that
implies limiting historical conservatism. It is understood that this is a scientifically relevant work, as it addresses
a topic of extreme importance today.
Keywords: Humanization of Education; Gender and Sexuality; Social Service; Pedagogy of the Oppressed;
Transformative Education.
INTRODUÇÃO
Este artigo discorre sobre as possibilidades da prática educacional em interface com o Serviço Social
e as questões de gênero e sexualidade sob uma perspectiva plural e diversa das condições humanas
instauradas. Denota constrangimentos no acesso e na permanência de pessoas que divergem das
imposições cisgênera e heteronormativas em instituições de ensino, reforçando o dever do assistente
social em atuar de maneira progressista para promover uma educação inclusiva e humanizada.
Revela que a formação e a profissão do Serviço Social não estão atentas à fatualidade e à amplitude
da questão, pois limita-se a uma compreensão binária dos gêneros e estereotipada da sexualidade ao
operar formulários e projetos que deduzem uma normatividade hegemônica de homens e mulheres
consoante as perspectivas de um padrão conservador.
Os objetivos específicos deste artigo pretendem reforçar a concepção de que o paradigma
transformativo é preferível para desempenhar o progresso nas questões do gênero e da sexualidade
1 Doutorando em Serviço Social no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE). Mestre em Serviço Social pelo Instituto
Superior Miguel Torga e Bacharel em Serviço Social pela Universidade Norte do Paraná. ORCID: https://orcid.org/0000-
0003-0772-7520. E-mail: aldryn.cardoso@gmail.com.
272
(Anjos; Amaro, 2023). Ainda, indicar que o pensamento em Paulo Freire é de ampla valia para uma
educação integrada e livre de julgamentos excludentes e adestradores.
O envolvimento com este tema surgiu durante a prática profissional do autor e no decorrer da sua
vida acadêmica, que necessariamente perpassa por estudos das questões de gênero e sexualidade.
A metodologia da revisão teórica da literatura reflete o que traz o pensamento de Severino (2016),
que refere que a pesquisa bibliográfica é oriunda do registro disponível, fruto de pesquisas precedentes.
“O pesquisador trabalha a partir das contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes nos
textos” (Severino, 2016, p. 131).
No que diz respeito ao desenvolvimento do artigo, algumas categorias teóricas serão aprofundadas
dentro de uma concepção que direcione o assistente social a desenvolver competências específicas
para atuar numa educação social que compreenda a humanidade da sexualidade e a pluralidade
das identidades de gênero, até porque estas questões são interseccionais no sujeito e sociedade,
repercutindo na dignidade da pessoa humana e na cidadania dos sujeitos.
Nas considerações finais, este artigo culminará na responsabilidade dos profissionais que
instrumentalizam a educação atuarem de forma integrada e a favor das necessidades políticas e sociais
de seus educandos, concedendo uma educação recíproca e alicerçada pela liberdade humana de
DESENVOLVIMENTO
O Serviço Social possui intrínsecas relações com as questões educacionais, sejam elas no âmbito
da saúde, qualidade de vida, educação, justiça social ou equidade sociopolítica. O prejuízo ocorre
quando na base da formação acadêmica a ciência padece no âmbito das ciências sociais aplicadas e tão
somente incube-se da execução e mediação de políticas públicas de vieses neoliberais, deixando de
lado o potencial evolutivo da práxis crítica e investigativa do profissional do Serviço Social.
Importa suscitar que a formação empírica da profissão possui contextos históricos que datam desde
1869, em Londres, Inglaterra, e que antagonizam o fazer profissional do assistente social hodierno. Na
época, a desigualdade social condicionada pela burguesia com a exploração da classe operária, na labuta
para a produção do capital, torna desumana as prerrogativas à vida entre as classes sociais existentes.
Surge como resposta, em conjunto, das classes dominantes, burguesia, Igreja e Estado, uma
instituição denominada Sociedade de Organização da Caridade, a fim de abrandar as revoltas e
minimizar as mazelas de uma sociedade em crise humanitária. A instituição recrutava mulheres
ligadas às classes dominantes para atuarem em nome da bondade e caridade cristã sobre as condições
da inópia social.
Estrategicamente, como o pretendido, isso não causou o colapso das elites oportunistas e atualizou o
conservadorismo, mas, também progrediu percepções hegemônicas de convenções entre a burguesia
e as massas populares. “É pensando criticamente a prática de hoje e de ontem que se pode melhorar a
próxima prática” (Freire, 1996, p. 39).
Sob o percurso histórico à data deste artigo, o Serviço Social cresce como ciência e profissão,
arquitetando e arquitetado no progresso dos Direitos Humanos, fomentando maiores acordos e
condições de políticas para a justiça social. Embora tendo rompido com o conservadorismo (década
de 1970), o Serviço Social parece se manter coordenado pelas dimensões políticas neoconservadoras,
principalmente no que tange às questões plurais do gênero e da sexualidade.
Embora haja compromissos formalizados, em organizações nacionais e internacionais do Serviço Social, para
progredir melhores intervenções na questão, a negligência se mantém vinculada a padrões normativos e
religiosos, anexos ao conservadorismo, que, por historicidade, está presente na formação da profissão (Cardoso,
2023, p. 03)
273
Com tal característica, o Serviço Social segue analisando as questões de gênero de modo prático, ou
seja, apenas sob uma ótica de peculiaridades (sexista, econômica, fraternal, submissiva) e disparidades
resultantes dos papéis do Ser Homem versus do Ser Mulher. E se a questão for sexualidade, poucos
assistentes sociais apresentam saber científico referente, o que é lamentável, uma vez que a
interseccionalidade destes temas interagem sob todos os contextos sociais.
É preciso uma disposição formativa mais ampliada da natureza do gênero no Ser Humano por parte
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
de uma ciência social aplicada, que compreenda os arranjos e disposições do gênero e da sexualidade na
realidade social e contemporânea, necessariamente desprovida de visões normativas e conservadoras.
A maior parte da educação formal adquirida não está isenta das limitações práticas e sociais,
“produzindo e perpetuando relações não examinadas de dependência” (Mezirow, 1991, p. 87). O
processo de educação transformativa assume a responsabilidade de romper com as distorções
limitantes de um passado desapropriado da realidade, como, por exemplo, impor gênero ao sexo ou
sexo ao gênero como natureza estruturante de uma humanidade exclusiva, cisheterossexual.
É imprescindível que o Serviço Social desenvolva competências específicas para atuar numa educação
social que compreenda a humanidade da sexualidade e a pluralidade das identidades de gênero, pois
estas questões são inseparáveis do ser humano e se refletem na dignidade do sujeito em sociedade.
Embora haja uma estrutura social e uma disposição do Estado em normatizar as condições cisgênera
e heterossexual hegemonicamente, isto torna-se inviável, uma vez que as personalidades são plurais e
a humanidade, diversa. Cabe ao Serviço Social se apropriar desta questão, suscitar a dimensão política
e aplicar o seu fazer.
Paulo Freire expõe em suas obras a importância da educação no processo de transformação da
sociedade. Considerando o pensamento freiriano, a educação deve assumir um papel mútuo entre
educador e educando, que ascenda por intermédio da compreensão do educador, afinal, “não existe
ensinar sem aprender” (Freire, 2001, p. 259).
A opressão na educação – ou a “educação bancária” – apresenta um educador instituído pelo
conservadorismo, que se porta como detentor do saber, contemplando o educando como uma “caixa
de depósitos” aberta para acolher os conhecimentos por ele já processados, desconsiderando o
desenvolvimento empírico do saber, que envolve a interação do aprender, compreender e ensinar. A
escusa deste processo fomenta o status quo de uma sociedade que se estagna no conservadorismo.
É sabido que o ambiente escolar proporciona a integração e a relação de múltiplos sujeitos, o que
torna transversal as temáticas étnicas, religiosas, econômicas, políticas, filosóficas, sexuais, sociais,
identitárias, igualmente como as contradições humanas emergidas destas. Discriminação, racismo,
marginalização, homofobia são questões que contradizem o dever humanizador e integrador de uma
instituição de ensino.
Daniela Auad (2004) revela que a escola é um espaço pautado pelas relações de gênero, o que na
pluralidade e liberdade humana causa diferenças, distinções e hierarquização no ambiente social e
institucional, fazendo progredir as discriminações:
Esse debate chegou ao Brasil em meados da década de 80, quando se tornou crescente a necessidade de saber
como a escola está implicada nesses processos de diferenciação e de desigualdade. Há muito se acena com a
necessidade de conhecer como se expressam as relações de gênero nas atividades habituais e rotineiras da
escola. Torna-se recorrente a importância de saber qual uso é feito das relações de gênero para organizar o
trabalho na escola (Auad, 2005, p. 40).
Vale mencionar que a escola não é uma instituição separada da sociedade, mas (re)formulada por esta
em congruência com as políticas da educação. Desta maneira, o que os sujeitos desenvolvem na escola
se estende para a sua cidadania cívica. A escola é, definitivamente, uma instituição que possui o dever de
fomentar o progresso e os saberes humano, social e cívico e que por isso deve estar comprometida com
o fazer social integrado e humanizado. “A prática docente crítica implicante do pensar certo envolve o
movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer” (Freire, 1996, p. 38).
274
Seja o educador, assistente social ou professor, deve compreender o que aqui está a ser exposto.
A atividade laboral na educação necessita estar norteada para o acolhimento das pluralidades
humanas de forma que também integre as diversidades de gênero e sexualidade, pois estas são
indissociáveis dos sujeitos.
Por questões de uma estrutura social cisheteronormativa, as instituições educacionais segregam,
e por vezes excluem sujeitos que divergem das imposições de gênero e sexualidade. Seja mediante
a evasão escolar ou de violências (bullying, discriminação, agressão), a ausência é refletida nas
estatísticas de escolaridade de uma população, que acaba por ser marginalizada e condicionada a uma
escolarização limitada.
É muito limitado, ou até ausente, dados de órgãos oficiais do Brasil que trabalhem de modo
significativo as questões do gênero e da sexualidade. Assim, em 2019, a startup Todxs conduziu uma
pesquisa por amostra em todo o território brasileiro, aplicada on-line, disponibilizando quinze mil
respostas de pessoas que divergem das imposições hegemônicas de gênero e sexualidade, assinalando
um dos maiores censos focais da população que diverge da cisnormatividade e/ou heteronormatividade.
Dentre outros resultados, cabe apontar neste artigo que a cada dez alunos do ensino médio,
divergente das convicções hegemônicas de gênero e/ou sexualidade, sete destes não se expressam/
A ideia conceitual da aprendizagem transformativa emerge nos anos 90 por influência dos estudos de
Jack Mezirow (1978), com forte relevância na literatura norte-americana. O título publicado em 1991,
“Transformative Dimensions of Adult Learning”, discorre sobre um processo de educação, amparado
na realidade vivida, capaz de ressignificar o saber “como o processo de utilizar as interpretações
anteriores, com vista a construir uma interpretação nova, ou uma interpretação ascendida acerca da
experiência já vivida” (Mezirow, 1996, p. 162).
O projeto internacional (Portugal, Espanha, Croácia) de educação, Kinder, idealizado pelo CES –
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, articula uma formação educativa capaz de
combater os pré-conceitos estereotipados das questões de gênero na educação formal, o que vai de
encontro com um fazer pedagógico humanizado (Kinder, 2023).
Profissionais e acadêmicos da área de educação são capacitados para trabalharem a partir da
pré-escola (03-06 anos) com atitudes e práticas que possibilitam a igualdade de gênero e tornam
defasadas as abordagens estereotipadas das imposições cisgêneras, valorizando determinados tipos
de comportamentos e articulando a educação com a realidade humana. Esta interdisciplinaridade
conduz a práticas civilizadas que influenciam crianças a progredirem os próximos anos de escolaridade
libertas de condutas sexistas e opiniões limitadas dos papeis de gênero.
A nossa estratégia pretende proporcionar aos profissionais de educação conhecimentos, aptidões e atitudes para
uma pedagogia sensível ao gênero (promovendo ao mesmo tempo uma mudança comportamental da transmissão
por vezes inconsciente de estereótipos de gênero por parte destes profissionais). KINDER apoiará assim a gestão
escolar e as autoridades públicas nacionais na integração das questões de gênero na infância (Kinder, 2023, s. p.).
Considerando os pontos de vista de Freire, é preciso levar em conta diversos saberes necessários
à prática educativa, que possibilitam o acolhimento humanizado dos sujeitos na escola. A concepção
275
crítica do saber hegemônico desdobra-se em perspectivas de maior sentido, que segundo Mezirow
(1991), abordam três tipos de ordens distorcivas: 1 – Epistêmicas: responsáveis por sugestionar a
forma de assimilação e repercussão do conhecimento; 2 – Sociolinguística: atribuída pela repercussão
limitada da linguagem na sociedade; 3 – Psicológicas: “produzindo formas de sentir e agir que nos
causam sofrimento porque são inconsistentes com o nosso autoconceito e a nossa percepção de como
queremos ser como adultos” (Mezirow, 1991, p. 138). A aprendizagem transformativa ocorre quando
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Nesta realidade, tais questões se apresentam como colonizadoras do ser, e não apenas do saber,
mas também dos corpos e seu intrínseco viés de gênero e sexualidade. Dentro de uma perspectiva
que vai além da crítica, a decolonização necessita ser compreendida pelo Serviço Social para imbuir
de respeito a liberdade de ser dos sujeitos. Isso implica em dar voz ao oprimido para que se revele as
limitações por meio da concepção do próprio e não por deduções de outrem.
Em vista disso, a reflexão crítica direciona os sujeitos a aprofundarem-se na realidade sociocultural
que coordena as próprias vidas, bem como a capacidade de transformar essa mesma realidade
reagindo a ela (Freire, 2002). Freire pondera que o processo de conscientização tramita por quatro
etapas: 1 – Consciência Intransitiva: relacionada às próprias satisfações biológicas; 2 – Consciência
Semi-intransitiva: relacionada à interiorização velada dos fatos sociais que oprimem. 3 – Consciência
Semi-transitiva: relacionada à percepção da formulação social, cultural e política. 4 – Conscientização:
o sujeito ascende à capacidade dialógica de crítica dos signos estruturais, culturais e ideológicos.
Contudo, para Freire, este processo deve comtemplar uma tomada de ação coletiva, capaz de combater
as injustiças sociais.
A autorreflexão condescendida na crítica das concepções pessoais possibilita a emancipação das
perspectivas deturpadas fazendo emergir a autodeterminação na pessoa e possibilitando maior
satisfação com a própria vida.
É o interesse do conhecimento resultante da autorreflexão, incluindo o interesse no modo como a nossa história
e biografia se expressam e influenciam a forma como nos vemos a nós mesmos, os nossos pressupostos sobre
a aprendizagem, sobre a natureza e utilização do conhecimento, e nos nossos papéis e expectativas sociais
(Mezirow, 1991, p. 87).
Voltando a Bressan (2018), se a educação deve priorizar a formação integral do aprendiz, há de ser
construída dentro de uma perspectiva de cidadania e o assistente social deve possuir “uma articulação
que vá além dos muros escolares” (Bressan, 2018, p. 136).
Compactuando com esta perspectiva, Carvalho (2018) lembra que a conexão entre o Serviço Social
e os Direitos Humanos é inseparável à categoria profissional, pois faz parte da própria identidade da
profissão. Neste contexto contemporâneo, a identidade do profissional de Serviço Social requer um
276
profissional que combata à normatização, colonização, padronização da cisheteronormatividade, e
tome uma postura humanizada e diversa das sexualidades e das identidades de gênero do ser humano.
Convém ressaltar que, conforme o pensamento de Cisne e Santos (2018), “contradições e lutas
marcam o início da relação entre o Serviço Social e a questão da diversidade sexual” (Cisne; Santos,
2018, p. 162). Por isso as autoras conclamam que o caráter mecânico e conservador do fazer social seja
abolido, pois eles não condizem com o progresso do Serviço Social.
Principalmente porque os aportes teóricos e políticos do Serviço Social perpassam por duas
categorias centrais: mudança e justiça social. E o assistente social que intervém junto aos processos de
educação precisa diariamente assumir postura progressista e desenvolvê-la na práxis.
Convém destacar que Gal e Weiss-Gal (2014) lembram que os valores-chave da mudança social estão
fortemente embutidos no fazer profissional do Serviço Social, formando uma base de envolvimento e
compromisso, promovendo justiça social à guisa da mudança social. Tal fato é constante nesta profissão
que mudou muito ao longo do último século.
Compactuando com este pensamento, Dominelli (2004) registra que o exercício de uma cidadania
ativa entre os seres humanos socialmente excluídos é essencial em uma sociedade que endossa os
Direitos Humanos dentro de um quadro de justiça social. Para a autora, os assistentes sociais, como
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O espaço escolar consiste em um lugar para a humanização, assim, a educação deve libertar o
oprimido do opressor, e o empoderar em sua humanidade, sobre os sustentáculos histórico, político e
social. Na práxis esta libertação emergirá da postura do educador, em não mais dominar e oprimir, mas
em recíproca cocriação do saber.
A opressão cisheteronormativa no ambiente escolar condena ao insucesso educacional e ao
retrocesso da dignidade humana sujeitos que divergem das práticas ideológicas normatizadoras da
hegemônica. Ao não sentirem suas diversidades acolhidas, respeitadas, e positivamente trabalhadas
na produção do saber, excluem-se, por serem excluídos.
277
Expressa-se que o Serviço Social em sua práxis há sempre de se utilizar dos processos da educação
como instrumentos direcionadores e transformadores da sociedade, pois compreende que na
impossibilidade de conscientizar indivíduos, sob o axioma de que ninguém conscientiza ninguém, deve
trabalhar para que os mesmos iniciem tal processo em suas próprias mentes.
A educação sensibilizadora tendencia o processo da conscientização, mas não é capaz de atender
à responsabilidade intrínseca de conscientizar. É de exclusiva autonomia do sujeito ascender em si a
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
capacidade de conscientização.
Em virtude da impossibilidade de conscientização alheia, o assistente social deve assumir a
responsabilidade de fazer valer o Direito Humano. Por isso, é fundamental ao profissional compreender
as questões do gênero e da sexualidade, para quando não serem exequíveis os processos de consciência
humanizada do outrem, advogar meios que garantam a proteção, o desenvolvimento e o bem-estar da
pessoa em suas especificidades de gênero e sexualidade.
As concepções freirianas possuem fortes afinidades para serem empregadas em projetos amparados
pelo paradigma transformativo, potencializando a sensibilização participativa ecobiopsicossocial, ou
seja, cocriando uma realidade humanizada e integrada, que desempenha condições favoráveis para se
alcançar a conscientização.
Promover a liberdade de fato, de sujeitos plurais que divergem abertamente das normatizações
cisgênera e heterossexuais, a ponto de possibilitá-los a integração e a participação, com a liberdade
de serem quem são, dentro das instituições de ensino, abrirá portas para uma nova sociedade, mais
harmônica e com menores índices de violências transhomofóbicas.
Empoderados de uma educação compromissada com tudo o que foi aqui exposto, a população
LGBTQIA+, e não apenas, mas toda a sociedade, poderá alcançar maiores níveis de justiça social e
integração humana, obrigando aos aparelhos ideológicos do Estado defasarem o conservadorismo em
prol da concessão de um paradigma transformativo, que insere uma visão de mundo amparada nas
humanidades do conhecimento e da ética.
Este artigo indica que os assistentes sociais possuem o dever permanente de se apropriarem, em
constância, da dimensão política e contemporânea da profissão em sua práxis, não se restringindo
a resolver apenas os problemas pautados pelo Estado, muitas vezes fadados ao assistencialismo
improdutivo, que negligencia as necessidades intrínsecas dos sujeitos.
Embora para alguns progressistas a tarefa possa ser apresentada de modo simples, nas hegemonias
conservadoras não é tarefa fácil. O Serviço Social pode ser um forte aliado na contribuição para o
desenvolvimento da educação transformativa desde que se aproprie do paradigma transformativo
e adote visão crítica da práxis. Neste ponto, torna-se claro que o Serviço Social pleiteia as práticas
normativistas e discriminativas que antagonizam a diversidade humana e que não fomentam a
educação. Por isso há grande necessidade do Serviço Social apresentar as devidas aptidões no exercício
profissional e no uso da educação como instrumento de empoderamento e liberdade da população que
sofre opressão em gênero e sexualidade.
REFERÊNCIAS
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CISNE, M.; SANTOS, S. M. M. Feminismo, Diversidade Sexual e Serviço Social. São Paulo: Cortez Editora, 2018.
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FREIRE, P. Política e Educação. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
279
CUIDADOS COM A MEMÓRIA:
Videos Educativos Fundamentados no Letramento em Saúde para Idosos do
Núcleo de Assistência Social da Marinha Do Brasil
RESUMO. Letramento em Saúde é a capacidade de compreender, interpretar, avaliar e aplicar informações sobre
saúde para então tomar as decisões sobre sua própria saúde. É um tema relativamente novo, mas que preocupa
pesquisadores e profissionais principalmente nas áreas de educação e saúde, por sua influência nos custos
em saúde, habilidades de auto cuidado e, consequentemente, na qualidade de vida. O objetivo deste estudo
é desenvolver a Oficina da Memória, uma ação educativa fundamentada no letramento em saúde, realizada a
partir da construção de vídeos temáticos sobre estimulação da memória. O público alvo são idosos dependentes
de militares atendidos no Núcleo de Assistência Social da Marinha do Brasil. A amostra será correspondente ao
total de idosos atendidos. Na primeira etapa do estudo, será realizada uma revisão integrativa sobre o tema, com
o propósito de subsidiar a construção dos vídeos, definindo-se uma pergunta norteadora: quais as estratégias
de estimulação da memória que podem ser adotadas por idosos em seu cotidiano? A segunda etapa é referente
à construção evalidação de vídeos educativos. Os tópicos contemplados serão: envelhecimento, memória e
dicas de estimulação à memória. Polit (2006) recomenda que o Índice de Validade de Conteúdo seja igual ou
superior a 0,80 na avaliação global.
Palavras-chaves: Envelhecimento saudável. Memória. Letramento em saúde. Vídeos educativos. Forças Armadas.
ABSTRACT. Health literacy is the ability to understand, interpret, evaluate and apply health information in
order to make decisions about your own health. It is a relatively new topic, but one that worries researchers
and professionals mainly in the areas of education and health, due to its influence on health costs, self-care
skills and, consequently, on quality of life. The objective of this study is to develop the Memory Workshop, an
educational action based on health literacy, carried out from the construction of thematic videos on memory
stimulation. The target audience are elderly dependents of military serviced at the Social Assistance Center
of the Brazilian Navy. The sample will correspond to the total elderly assisted. In the first stage of the study, an
integrative review will be carried out on the subject, with the purpose of subsidizing the construction of the
videos, defining a guiding question: what memory stimulation strategies can be adopted by the elderly in their
daily lives? The second stage refers to the construction and validation of educational videos. The topics covered
will be: aging, memory and memory stimulation tips. Polit (2006) recommends that the Content Validity Index
be equal to or greater than 0.80 in the global assessment.
Keywords: Healthy aging. Health literacy. Educational videos. Armed forces.
INTRODUÇÃO
Este estudo se propõe a desenvolver relato de experiência acerca de uma ação educativa, a Oficina
da Memória, para estimulação da memória, através da criação e validação de vídeos fundamentados
no letramento em saúde (LS). O público-alvo é constituído por idosos com vínculo na Marinha do Brasil,
situada na Escola de Aprendizes-Marinheiros do Ceará (EAMCE).
A fim de entender esta proposta, vale apresentar como eu, autora do projeto, cheguei a ela. Trata-
se de um projeto de dissertação de Mestrado, que foi submetido ao Programa de Pós-Graduação em
Saúde Pública (PPSAC), da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Desde 2018 sou participante voluntária do Grupo de Pesquisa Nutrição e Doenças Crônico-
Degenerativas (GRUPESQNUT-DC), do Laboratório NUTRINDO – Nutrição em Doenças Crônicas, da
Universidade Estadual do Ceará. Desde essa época me interessei pelo tema, tendo inclusive cursado a
disciplina Letramento em Saúde no PPSAC, como aluna especial. Como participante do grupo citado,
contribuí para o desenvolvimento de storyboards e vídeos educativos fundamentados no LS, tema de
1 assistente social da Marinha do Brasil, situada na Escola de Aprendizes-Marinheiros do Ceará, mestranda em Saúde
Coletiva, pós graduada em Seguridade Social e Políticas Públicas, pós graduada em Perícia Social e em Gestão em
Serviço Social.
280
uma mestranda do grupo e, ainda, participei da elaboração de um artigo sobre a temática, publicado
em periódico científico.
Quando ingressei como aluna do PPSAC, em 2020 (probatória), optei em continuar trabalhando com
o tema LS e com a estratégia de vídeos educativos, sob orientação da Coordenadora do grupo, ainda
sem ideia da temática específica e respetivo público-alvo.A ideia se consolidou ao assumir a função
de Assistente Social da Marinha do Brasil, em 16 de novembro de 2020. Atuando junto a diferentes
grupos de indivíduos vinculados à Marinha do Brasil constatei grande dificuldade em propiciar o
entendimento adequado das orientações realizadas junto a este público.
Perante esta inquietação, fiz uma pequena sondagem junto a 25 idosos participantes do “Programa
de Atendimento ao Idoso”, do Núcleo de Assistência Social (NAS) da Escola de Aprendizes-Marinheiros
do Ceará (EAMCE). Perguntei a eles quais os temas que gostariam de discutir enquanto participantes
do projeto. A preocupação com a perda da memória foi a maior demanda, relatada por dez idosas
do programa. Dentre as respostas para discussão, encontramos também pressão alta, culinária,
menopausa, diabetes, nutrição, depressão, atividade física e artesanato.
Desta forma, o presente artigo se constitui na Oficina da Memória, já citada. O mesmo se insere
dentro das atividades do grupo, em particular na marca LISA (Letramento Inovação em Saúde), criada
281
Diferente da senescência, o termo senilidade é o conjunto de alterações decorrentes de situações de
doença, abrangendo processos patológicos “típicos da velhice” que podem acometer alguns indivíduos,
como doença do coração, câncer, depressão e demências.
Dentre as inúmeras alterações fisiológicas oriundas do processo natural de envelhecimento,
destaca-se a memória, elemento que está intimamente envolvido na funcionalidade e na participação
do idoso na sociedade (Jonaitis et al., 2013).
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
A memória pessoal é também uma memória social, familiar e grupal. Trabalhar com o construto
“memória”, ligando-o à qualidade de vida, favorece vários outros aspectos ligados direta e indiretamente
à saúde, tais como: motivação, contato social e auto-estima (Alburquerque, 2015).
De acordo com Júnior et al. (2015), memória pode ser conceituada como a capacidade que os seres
vivos têm de adquirir, armazenar e evocar informações ao longo da vida. (Junior, 2015). É um dos
mais importantes processos psicológicos, pois ainda que sem perceber, estamos fazendo uso desse
importante recurso cognitivo a todo momento. Além de ser a responsável pela nossa identidade
pessoal e por guiar em maior ou menor grau nosso dia a dia, está relacionada a outras funções corticais
igualmente importantes, tais como a função executiva e o aprendizado. (Júnior el al., 2015)
O armazenamento de informações é possível graças à neuroplasticidade, que pode ser definida
como a capacidade que o cérebro tem de se transformar diante de pressões (estímulos) do ambiente
(Júnior et al., 2015)
Na imensa maioria dos casos, o envelhecimento não se acompanha de alterações cognitivas além de
uma leve diminuição da capacidade de evocação, conhecida como “amnésia benigna do idoso”. Contudo,
numa parcela, que chega a atingir 30-40% do total da população de 85 ou mais anos, manifestam-se
doenças degenerativas do sistema nervoso, chamadas de demências (Prado et al., 2012)
De acordo com Yassuda (2002), muitos estudos indicam que intervenções complexas envolvendo
técnicas de memorização, relaxamento e atenção, podem gerar efeitos positivos e duradouros em
idosos, especialmente quando empregadas em grupo. Segundo Guerreiro e Caldas (2001), diversos
pesquisadores apontam para uma relação positiva entre o desempenho cognitivo do idoso e sua
estimulação continuada. O exercício diário da mente promoveria a vivacidade mental e atividades
promotoras de estimulação mental poderiam contribuir, ainda, na prevenção do declínio cognitivo.
De acordo com Reis et al. (2016) existem cinco fatores que contribuem para um encéfalo saudável,
consequentemente, para um bom armazenamento da memória: a prática regular de exercícios físicos
considerados prazerosos para quem os realiza; sono regular e tranquilo; alimentação balanceada,
incluindo proteínas, carboidratos, gorduras, sais minerais e vitaminas; bom humor e otimismo ao se
viver; e por último, manter a mente em funcionamento, aprendendo algo novo constantemente.
Neste contexto, nos últimos anos despertou-se para a importância dos fundamentos do letramento
em saúde (LS) no processo educativo, como condição necessária para o devido empoderamento das
ações, sobretudo na população idosa. LS é a capacidade das pessoas para acessar, compreender, avaliar
e aplicar informação em saúde, além de utilizar os serviços de saúde, fazendo julgamentos e tomando
decisões relativas à promoção da saúde e prevenção e cuidado de doenças (Sorensen et al., 2012).
Nesta perspectiva, é papel dos profissionais de saúde planejar, executar e avaliar planos educativos
que levem em consideração o LS da população, adaptando conteúdos e estratégias metodológicas para
esta condição.
No que se refere à importância de considerar o letramento em saúde, em revisão de Rowland et
al. (2018) apontou-se prevalência de letramento em saúde inadequado ou problemático superior a
40%. Sampaio et al. (2017), citando achados junto a adultos residentes na capital cearense, referem
percentual ainda mais elevado, de 66,7%. Os dados confirmam a importância de se adicionar este
aspecto no processo educativo.
As tecnologias digitais de informação e comunicação – TDICs, vêm impactando significativamente
nas maneiras como o ser humano concebe o mundo, a sociedade e as culturas. Grande parte dessas
282
mudanças deflagradas pelo advento das tecnologias digitais dá-se por meio da disponibilidade de
novos recursos tecnológicos, sugerindo transformações nas atividades pessoais, sociais e cognitivas
dos indivíduos, consequentemente na sociedade contemporânea. (Silva et al., 2017)
Atualmente, vive-se a era da tecnologia, em que todas as áreas da sociedade se beneficiam dos
aparatos tecnológicos existentes, que surgem para melhorar as atividades e necessidades de cada uma
dessas áreas. Com a educação não poderia ser diferente. As tecnologias contribuem para um melhor
processo de ensino-aprendizagem, proporcionando novas formas de ensinar e aprender (Garcia, 2013).
As TDICs, além de auxiliadoras no processo de ensino e aprendizagem, também podem contribuir
com a comunicação e interação social, não apenas com os métodos tradicionais de comunicação,
mas também, com inovações que possam promover uma interação eficiente e satisfatória. O uso de
aplicativos em aparelhos móveis, por exemplo, pode ser uma saída inovadora, dado o crescente número
de proprietários de um aparelho celular (Silva et al., 2017).
Assim, a presente proposta visa desenvolver a Oficina da Memória, aliando a necessidade de se
estimular a memória do idoso, a utilização de uma abordagem fundamentada no letramento em saúde
e adotando o video como estratégia educativa. Os vídeos facilitam a transferência de informações e
podem ser mais facilmente compreendidos (NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES, ENGINEERING
O referencial teórico da presente pesquisa foi estruturado em três tópicos, a saber: fatores
associados à esquecimento em idosos; letramento em saúde; vídeos educativos fundamentados no
letramento em saúde.
283
com o seu desempenho no cotidiano e que podem acarretar dificuldades na manutenção de sua
independência (Gomes et al., 2020).
Os prejuízos funcionais decorrentes das queixas de memória podem acarretar nos idosos a perda
da autoestima, sentimento de inutilidade, isolamento social, familiar e desencadear o aparecimento de
outras doenças, a exemplo dos transtornos de ansiedade e depressão (Gomes et al, 2020).
O idoso frágil é aquele com declínio funcional estabelecido e algum grau de dependência para
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gerenciar sua vida, em virtude de incapacidades únicas ou múltiplas, como incapacidade cognitiva,
como doença mental, instabilidade postural, imobilidade, incontinência fecal, condições estas que são
capazes de restringir a participação social do indivíduo (Brasil, 2019).
Múltiplos são fatores podem influenciar o grau de alteração cognitiva que as pessoas manifestam
com a idade, como fatores genéticos (cerca de 50% da variabilidade cognitiva na senescência, pode ser
devida a fatores genéticos), saúde (idosos que manifestam melhor saúde obtêm testes cognitivos com
melhores resultados que os que apresentam problemas médicos), atividades mentais estimulantes e
físicas, com o melhor desempenho cognitivo e menor declínio longitudinal, instrução/escolaridade (até
30% da variabilidade cognitiva na velhice), atividade física e mental, personalidade e humor, contexto
sociocultural e treino cognitivo (Fino, 2016).
Destarte, ações preventivas são propostas para tratar adequadamente os principais fatores de
risco para as doenças crônicas degenerativas e as condições relacionadas ao declínio funcional da
cognição, do humor/comportamento, da mobilidade e da comunicação do idoso: Estimular ao máximo
a reserva cognitiva, por meio de escolarização, leitura, jogos cognitivos ou qualquer atividade que
exija aprendizado e resolução de problemas (desafios cognitivos); controlar os fatores de risco e
doenças cardiovasculares, como diabetes mellitus, hipertensão arterial, obesidade, inatividade física
e tabagismo; prevenir e tratar adequadamente a depressão; evitar o uso abusivo de álcool e outras
drogas, como benzodiazepínicos e drogas com ação anticolinérgica; prevenir e tratar os distúrbios do
sono; prevenir e tratar doenças com alto potencial de dano cerebral, como sifilis, infecção pelo HIV,
hipotireoidismo, deficiência der vitamina B12 e doença renal crônica (Brasil, 2019).
Letramento em saúde
Como já citado, o LS é a capacidade das pessoas para acessar, compreender, avaliar e aplicar
informação em saúde, além de utilizar os serviços de saúde, fazendo julgamentos e tomando decisões
relativas à promoção da saúde e prevenção e cuidado de doenças (Sorensen et al., 2012).
Segundo Nutbeam (2000), o letramento em saúde abrange um conjunto de habilidades necessárias
para que o indivíduo atue de forma adequada em diversos contextos, sendo classificado em três
tipos: Letramento Funcional ou básico, em que o indivíduo tem competência para ler e escrever e
resolver as atividades do cotidiano; Letramento interativo ou comunicacional onde o indivíduo
possui aptidões cognitivas mais avançadas em parceria com as aptidões sociais com a extração de
informações e significados por meio de diversas formas de comunicação e a aplicação dessa nova
informação em contextos diferentes; Letramento crítico, onde o indivíduo possui competências
cognitivas e aptidões sociais que podem ser aplicadas às informações adquiridas de forma crítica
exercendo o controle e decisão comportamental sobre os acontecimentos e situações da vida
(Nutbeam, 2000; Santos, 2010).
Neste sentido, observa-se que diferentes níveis de letramento permitem que os indivíduos
gradativamente alcancem independência. Portanto, a educação em saúde deve ser capaz de
transformar o indivíduo e consequentemente o coletivo por meio de suas ações, conforme descrito:
“Para a educação ser significativa, a dimensão social do indivíduo deve exercer forte impacto sobre a
saúde individual e coletiva, pois o que realmente pode provocar transformações sociais é a contestação,
a crítica” (Silva et al., 2011).
284
A tipologia de Letramento Funcional inclui a presença de numeramento em saúde também satisfatório.
A definição corrente de numeramento em saúde (NS) foi a proposta por Golbeck et al. (2005) em que
NS é a habilidade dos indivíduos em acessar, processar, interpretar, comunicar e agir sobre informações
numéricas, quantitativas, gráficas, bioestatísticas e probabilísticas em saúde, necessárias para tomar
decisões efetivas. Tal habilidade pode ir de um grau mais básico a um mais sofisticado.
A habilidade em NS é importante, pois muitas prescrições discriminam dosagens, quantidades,
diluições, horários, tempo de uso etc. Neste contexto o baixo letramento poderá refletir negativamente
no tratamento. Utilizando o campo da nutrição como exemplo, os pacientes em atendimento nutricional,
precisariam entender sobre as sugestões em seu plano alimentar, porções alimentares, horários de
refeições, leitura de rótulos de produtos nutricionais, etc. (PASSAMAI; SAMPAIO; HENRIQUES, 2019).
Alguns estudos mostram que o limitado LS está diretamente associado a uma menor participação
do indivíduo em atividades de promoção da saúde e prevenção de doenças, piores comportamentos
de saúde, pior capacidade para o autocuidado, mais erros na operacionalização de prescrições, mais
hospitalizações e maior morbidade e mortalidade (Machado et al., 2018; Martins et al., 2019).
Dessa forma, o letramento muitas vezes é referido como educação para a saúde e distingue-se por
um processo dinâmico que não se restringe apenas à alfabetização, mas permite que os indivíduos
Vídeos educativos
Para iniciarmos a parte teórica sobre Vídeos Educativos (VE), apresentamos o conceito proposto por
Derckert (2010), que define vídeo como um veículo que utiliza a linguagem audiovisual, tendo como
resultado a interação de imagens, música, texto falado e escrito, efeitos sonoros, com uma proposta
editorial e duração previamente estabelecidas.
De acordo com Júnior et al. (2017), o advento de novas tecnologias emancipatórias, como o vídeo
educativo, tem possibilitado ao profissional de saúde formas inovadoras de trocar conhecimento com o
público, pois aproxima os conteúdos abordados da realidade, além de despertar interesse e promover
melhor aprendizado.
Quando bem elaborado por meio da ideia e construção dramática, torna-se atrativo e eficaz ao
objetivo que lhe é proposto. Sabe-se que em uma apresentação audiovisual destaca-se o tempo de
atenção. Segundo Júnior et al. (2017),
tempo de atenção é o período que o recurso audiovisual dispõe para captar a atenção do público, necessitando
assim que o vídeo seja atrativo para conseguir seduzir o telespectador. Ao se trabalhar com cenas mais longas, o
dinamismo e a atratividade da ação devem ser ampliados, caso contrário, a ação não é sustentada e o telespectador
perde o interesse.
Dessa forma, faz-se necessário discutir aspectos relacionados à elaboração de vídeos e sua
aplicabilidade fundamentada no letramento em saúde. Através do avanço tecnológico nos últimos
anos, muito se ascendeu à utilização de mídias audiovisuais como ferramentas adotadas nas estratégias
no processo educacional. O VE é um dos recursos para efetivação da educação em saúde, sendo um
instrumento didático, educacional e tecnológico, ajudando no desenvolvimento da consciência crítica
e promoção da saúde (Razera et al., 2014
285
A internet tornou-se uma ferramenta de repasse rápido e prático de diversas formas de mídias
de áudio, vídeo, gráficos e com custo baixo e fácil acesso através do computador (Musburguer;
Kindem, 2013).
Tecnicamente o processo de produção de vídeo é caracterizado por três etapas: pré-produção,
produção e pós-produção (Musburguer; Kindem, 2013).
A pré-produção corresponde ao planejamento, à fase inicial do desenvolvimento da ideia do autor do
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vídeo. Inclui-se nesta etapa: projetos, instalações, sinopses, argumento, scripts, roteiro, cronograma e
storyboards. Seguindo a progressão das etapas, vem a etapa da produção, no qual acontece a instalação do
vídeo. O responsável pela multimídia traça a ação, ensaia cenas para gravação. A etapa final, que se chama
pós-produção é destinada à organização e edição das cenas gravadas (Musburguer; Kindem, 2013).
Com a diversidade das tecnologias existentes, aponta-se a proposta da autora na elaboração de um
vídeo educativo fundamentado no letramento em saúde, como forma de possibilitar o fortalecimento
dos idosos da Família Naval a respeito das tomadas de decisões.
A utilização do vídeo como um recurso tecnológico, contribui na prática de profissionais na área da
saúde e educação (Galdino Neto et al., 2019), além do que, dentre outros tipos de mídia, o vídeo não
depende de tanto aparato tecnológico para sua criação. Comparando o vídeo às hipermídias e softwares,
o mesmo apresenta menor dependência tecnológica para sua visualização, pode ser transportado de
forma prática em pendrive ou DVD, podendo ainda ser armazenado em complexidades tecnológicas
distintas através de recursos hipermídia ou software ou em formato MP4 (Galdino Neto, 2018).
O uso de mídias sociais eletrônicas pode contribuir para preparar idosos para a complexidade de
informações, demandas, peculiaridades de cenários, atores e inovações constantes da aprendizagem
médica, favorecendo a resposta para demandas de saúde. (Cesar et al., 2020)
De acordo com o desenvolvimento de materiais desenvolvidos por Tecnologias da Informação
(TI) fundamentados no letramento em saúde, diversas instruções são relatadas em dois guias para
elaboração de material educativo em saúde através de material digital (Eichner; Dullabh, 2007;
Shoemaker; Wolf; Brach, 2013). Dentre as principais aspectos neles contidas, observou-se os seguintes
orientações: as palavras devem ser claras, curtas, simples e familiares ao público, as sentenças devem
ser curtas, com no máximo 40 a 50 caracteres; evitar termos técnicos e, na impossibilidade de evitá-los,
explicar o termo, utilizar voz ativa, dirigir-se ao usuário quando descrever ações, identificar claramente
ao menos uma ação que o usuário possa executar, dividindo-a em passos explícitos e fáceis de seguir,
utilizar recursos visuais para facilitar a compreensão e velocidade adequada de fala, nem muito rápido,
nem lento demais;
METODOLOGIA
Tipo de Estudo
Trata-se de uma pesquisa metodológica, de construção e validação de vídeos educativos sobre
estimulação da memória, destinados a integrar a Oficina da Memória para idosos atendidos pelo
Projeto Vida Ativa da Escola de Aprendizes-Marinheiros do Ceará (EAMCE), desenvolvido pelo Núcleo
de Assistência Social (NAS).
Local do Estudo
O NAS destina-se à prestação, de forma interdisciplinar e em nível primário, de assistência nas áreas
de Serviço Social e Psicologia ao pessoal militar e civil, ativo e veterano, aos seus dependentes e às
pensionistas da Marinha do Brasil. Atua com os mais variados públicos. Dentre os seus projetos, está
incluído o Programa de Atendimento ao Idoso, que tem a finalidade de contribuir para a promoção do
bem-estar e da qualidade de vida dos idosos vinculados à Marinha do Brasil, promovendo oportunidades
286
de integração e convívio social entre pessoas com mais de 60 anos de idade, promovendo hábitos de
vida saudáveis e estimulando o aprendizado de novas habilidades e educação para um envelhecimento
com mais qualidade de vida. Atualmente atende cerca de 70 idosos.
Etapas do Estudo
O estudo terá duas etapas. Na primeira etapa foi realizada uma revisão integrativa sobre o tema,
com o propósito de subsidiar a construção dos vídeos. A segunda etapa é referente à construção e
validação dos vídeos educativos.
Revisão integrativa
Para a realização desta etapa definiu-se a seguinte pergunta norteadora: quais as estratégias de
estimulação da memória que podem ser adotadas por idosos em seu cotidiano?
A pesquisa foi realizada em cinco bases de dados eletrônicos, com acesso on-line: PubMed/
Medline (National Library of Medicine and National Institutes of Health/Medical Literature Analysis
and RetrievalSystem Online); Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL);
Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS).
Para as estratégias de busca dos artigos, foram utilizadas combinações de cinco descritores (idoso,
287
Shoemaker; Wolf; Brach, 2013). Dentre as principais aspectos neles contidas, observou-se os seguintes
orientações:
1. As palavras devem ser claras, curtas, simples e familiares ao público;
2. As sentenças devem ser curtas, com no máximo 40 a 50 caracteres;
3. Evitar termos técnicos e, na impossibilidade de evitá-los, explicar o termo;
4. Utilizar voz ativa;
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
288
O Centers for Medicare & Medicaid Services (2010) prevê que a avaliação de materiais educativos pelo
público alvo pode ser feita através de entrevistas individuais, em número de 5 a 15 entrevistas.
A amostragem do público alvo aconteceu por conveniência, tendo em vista a disponibilidade dos
idosos em fazer parte da amostra. A busca foi através de grupo do aplicativo WhatsApp onde todos os
idosos do projeto encontram-se inseridos.
Foi realizado o convite para participação, explanando qual seria esta participação, e obtida a
anuência através da leitura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido.
Inicialmente será realizada a caracterização dos entrevistados, quanto a procedência, sexo, faixa
etária, estado civil, anos de estudo e relação com o paciente. Para a avaliação dos vídeos, estes serão
enviados conjuntamente para os idosos, através do telefone celular, também via aplicativo WhatsApp.
Logo após, será preenchido o instrumento de avaliação (Guimarães; Carvalho; Pagliuca, 2015). Este
instrumento foi selecionado porque o uso de vídeo educativo fundamentado em letramento em saúde
pode se caracterizar como uma tecnologia assistiva (Sterns; Riley, 2017).
O instrumento a ser utilizado possui 14 questões, distribuídas em 4 tópicos: interatividade; objetivos;
relevância e eficácia; e clareza. Cada tópico pode receber valor 0 (inadequado), 1 (parcialmente
adequado) ou 2 (adequado). Considerou-se o vídeo aprovado caso houvesse pelo menos 80% dos
CONSIDERAÇÃO FINAL
289
temas mencionados, como pressão alta, culinária, menopausa, diabetes, nutrição, depressão,
atividade física e artes.
Em resumo, a Oficina da Memória é uma resposta importante às necessidades dos idosos da
Marinha do Brasil, promovendo a estimulação da memória, o letramento em saúde e o uso inovador
de tecnologias educativas. A avaliação positiva inicial é um indicativo de que estamos no caminho
certo, e esperamos continuar aperfeiçoando essa abordagem para proporcionar um envelhecimento
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
mais saudável e pleno para essa população. Este trabalho contribui não apenas para a academia, mas
também para a sociedade como um todo, ao promover o bem-estar e a qualidade de vida dos idosos.
REFERÊNCIAS
290
A TRAJETÓRIA DO NÚCLEO DE MAPEAMENTO E ARTICULAÇÃO EM RUPTURA -
O SERVIÇO SOCIAL NA ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL:
Um Relato de Experiência
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo apresentar a trajetória de construção do Núcleo de Mapeamento e
Articulação em Ruptura (Numar) - o Serviço Social na Assistência Estudantil, por meio de suas frentes de atuação
que podem ser expressas na realização de atividades como: pesquisa, observatório virtual, rodas de conversa
e grupos de estudos, dentre outras. Todas as ações são desenvolvidas com a finalidade de mapear a produção
de conhecimento sobre o exercício profissional, a regulamentação da política e, principalmente, promover a
articulação das assistentes sociais lotadas na assistência estudantil das Instituições Federais de Ensino (IFEs)
do estado do Rio de Janeiro.
Palavras-chave: assistência estudantil; trabalho profissional; Serviço Social.
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo apresentar a trajetória de construção do Núcleo de Mapeamento
e Articulação em Ruptura (Numar) - o Serviço Social na Assistência Estudantil, por meio de suas
frentes de atuação que podem ser expressas na realização de atividades como: pesquisa, observatório
virtual, rodas de conversa e grupos de estudos, dentre outras. Todas as ações são desenvolvidas com
a finalidade de mapear a produção de conhecimento sobre o exercício profissional, a regulamentação
da política e, principalmente, promover a articulação das assistentes sociais lotadas na assistência
estudantil das Instituições Federais de Ensino (IFEs) do estado do Rio de Janeiro.
No percurso de desenvolvimento das ações do Numar ocorreu a aproximação com o Núcleo
de Estudos da Educação e Assistência Estudantil (Neeae), pois ambos os núcleos tinham propostas
parecidas sobre conhecer e mapear os dados sobre a realidade de trabalho das assistentes sociais
nos programas de assistência estudantil. Desta forma, foram conjugados dois projetos: “Mapeamento
interinstitucional sobre o exercício profissional de assistentes sociais na política de assistência estudantil nas
Instituições Federais de Ensino do estado do Rio de Janeiro”, aprovado pelo edital PIBICT/PROCIÊNCIA
2017-2018, no âmbito do IFRJ5, e “Assistência Estudantil: sentidos, potencialidades e limites”, aprovado
1 Assistente social do Instituto Federal do Rio de Janeiro, Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro. aline.cardoso@ifrj.edu.br.
2 Assistente social do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, Doutoranda em Serviço Social
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. arlenetrindade@yahoo.com.br.
3 Assistente social do Instituto Federal Fluminense, Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
jessicaoliveiramont@gmail.com.
4 Assistente social da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Doutoranda em Serviço Social pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. patilimaseso@gmail.com.
5 Considerando que todos os assistentes sociais integrantes do Numar são técnicos administrativos da educação que
atuam na política de assistência estudantil de suas respectivas instituições e que, portanto, a realização de pesquisas
científicas não figura como atribuição principal, estrategicamente foram formalizados projetos de pesquisa de extensão
291
como projeto de pesquisa em 2016, junto a então Sub-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Uerj,
no caso do Neeae.
Como será observado no decorrer deste trabalho, as ações do Numar em parceria com o Neeae,
subsidiam além de reflexões, movimentos de articulação e fortalecimento que ora, se encontram em
andamento por parte dos assistentes sociais que participaram da pesquisa sobre o perfil profissional
e as particularidades do trabalho das assistentes sociais na política de assistência estudantil da rede
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
DESENVOLVIMENTO
292
política, que no caso é o Programa Nacional de Assistência Estudantil- Pnaes, regulamentado pelo
Decreto 7.234 /2010 (Decreto Pnaes).
Pode-se afirmar que a experiência do Numar, em certa medida, é fruto da expansão/reestruturação
da rede federal de ensino iniciada a partir da segunda metade dos anos 2000, da implementação do
sistema de reserva de vagas (Lei das Cotas) e do Pnaes. Todos esses processos tiveram como uma de
suas inúmeras consequências uma significativa ampliação do quadro de assistentes sociais. Desse
modo, tais profissionais passam a ser convocadas para atuar nas condições de acesso e permanência,
o que implica num conjunto de requisições institucionais que, em geral, estão muito atreladas à
operacionalização dos programas de bolsas/auxílios.
Em um primeiro momento, foi estabelecido um planejamento das distintas frentes de atuação do
Numar, sendo estas subdivididas em dois níveis gerais: mapeamento e articulação. Neste primeiro
nível, podemos situar a realização da pesquisa propriamente dita e a criação de um observatório
virtual. Já o segundo, foi composto pelas rodas de conversa, grupo de estudos, estudo de casos e curso
de extensão, sendo que as ações destas duas últimas frentes ainda não foram iniciadas. Tais frentes,
que compõem os níveis de mapeamento e articulação, se desenvolveram em estreita relação, em
recíproca interface: para a pesquisa e levantamento de dados contamos com frentes fundamentais
293
tarde, era realizada a roda de conversa, sobre um tema que versava sobre o exercício profissional e a
política de assistência estudantil que, na medida do possível, tinha relação com as dificuldades e/ou
desafios enfrentados pela equipe anfitriã.
Quadro 1: Rodas de conversas realizadas em IFEs do estado do RJ entre os anos de 2017 - 2019
Ano IFES Tema da roda de conversa
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
A trajetória de ações do Numar, emplacou a construção de uma página eletrônica que chamamos de
Observatório Virtual, visando reunir produções teóricas sobre o exercício profissional dos assistentes
sociais e assistência estudantil, além de levantamento dos dispositivos legais que regulamentam esta
política nas IFEs dispostas em todo o Brasil. Nesse sentido, num formato de biblioteca virtual, estão
reunidas teses, dissertações, artigos, livros, legislações, normativas e regulamentações da política
de assistência estudantil. É preciso demarcar que sua natureza não se foca necessariamente sobre
o exercício profissional e a assistência estudantil, mas sim às produções teóricas que tenham algum
desses dois elementos como objeto de reflexão. Além da busca realizada nos sítios eletrônicos de cada
IFE, também foi feito contato direto por e-mail para busca de materiais normativos.
Todo esse percurso proporcionou diálogos bastantes frutíferos e uma construção progressiva de
um retrato desta política que possui uma regulamentação muito recente na história do país. Ademais,
favoreceu uma apreensão crítica das condições do exercício profissional das assistentes sociais, no
sentido de problematizar e pensar alternativas e respostas de forma coletiva na construção de uma
política de permanência pautada na concepção mais ampliada, ou seja, não restrita à execução de
editais de programas de bolsas/auxílios.
O movimento também engendrou uma frente de grupo de estudos, em 2019, com objetivo de
dialogar à luz de literaturas que abordassem e/ou oferecessem subsídios à reflexão do exercício
profissional do Serviço Social. O foco maior era direcionado para a dimensão pedagógica da profissão,
suas implicações políticas e ideológicas, assim como seus desdobramentos no campo da política de
educação, mais especificamente na assistência estudantil. Durante o ano de 2020, os encontros foram
realizados de forma remota, sendo gravadas e disponibilizadas as gravações ao grupo participante.
No ano de 2019, foi iniciada pelo Numar e Neeae a sistematização dos dados, mas esta foi subitamente
interrompida no ano de 2020, quando se instalou no mundo a pandemia da Covid-19, que exigiu
medidas severas de suspensão de encontros presenciais e a instalação de isolamento social. Apenas
em 2021, que os encontros interinstitucionais foram retomados de forma remota, com a finalidade
de concluir esse processo de sistematização. Em determinado momento, as reuniões ocorreram
294
com frequência quinzenal, o que permitiu finalizar essa etapa no segundo semestre de 2022, com a
conclusão do relatório final da pesquisa que ainda está aguardando publicação.
Logo em seguida, foi iniciado o planejamento do evento devolutivo para todas as profissionais
que participaram da pesquisa, evento realizado em março deste ano de 2023. O evento contou com
a participação de assistentes sociais que atuam na rede federal de educação, tendo como objetivo
socializar os resultados do trabalho feito junto a essas sujeitos, de modo a contribuir para reflexões,
debates, práticas, mas também pensando provocar desdobramentos mais duradouros, como espaços
de articulação da categoria, cursos de formação, por exemplo.
Na ocasião, foram compartilhados os principais “pontos de chegada” da pesquisa, o que favoreceu
um diálogo profícuo com todas as participantes. Ademais, dois dos desdobramentos dessa atividade
foi o início de uma articulação de âmbito estadual das diferentes instituições de ensino, expresso no
desejo de construir um Fórum para interlocução e organização da categoria profissional, assim como a
convocação para construção de um Seminário Estadual sobre Serviço Social e Assistência Estudantil.
Nessa trajetória, que ainda segue em curso, ainda temos duas frentes que estão por serem
desenvolvidas: estudos de caso e o curso de extensão, as quais pretendemos desenvolver nos
próximos caminhos.
295
Somado a isso, temos uma inserção profissional no âmbito do serviço público federal dentro de
um plano de cargos e salários que permite um vínculo estável e com ascensão salarial que estimula a
formação e a capacitação das profissionais. Um número significativo de assistentes sociais das IFEs do
Rio de Janeiro possui cursos de pós-graduação9 e se formou num período recente, em sua maioria nas
universidades públicas.
Devemos concordar que esse universo se diferencia da média de assistentes sociais que atuam nas
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
instituições brasileiras. No entanto, esse dado não exclui esse grupo de trabalhadoras das mudanças
mais complexas do mundo do trabalho. Em relação ao trabalho na política de educação, as assistentes
sociais são chamadas a participar de processos de trabalho coletivo, assumindo, nessa relação
características do assalariamento do mercado de trabalho capitalista. (RAICHELIS, 2018). Ou seja,
as assistentes sociais da rede federal de educação que atuam na assistência estudantil se inserem na
divisão social, sexual, racial e técnica do trabalho, incorporando as tendências observadas no interior
da produção e reprodução capitalista.
Diante disso, compõem nossas reflexões aspectos estruturais da política de assistência estudantil
da rede federal de educação do Rio de Janeiro que incidem também nas requisições postas ao Serviço
Social. Partindo dos dados levantados sobre a estrutura da assistência estudantil, observamos quatro
aspectos que se expressam nas formulações desse universo assistencial e que abordaremos aqui como
linhas aglutinadoras das tendências da política da assistência estudantil:
Primeiro, as estruturas das universidades e das instituições que fazem parte da Rede Federal de
Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT)10 - em nossa pesquisa trata-se dos Institutos
federais, Cefet e Pedro II - possuem características específicas relacionadas às suas constituições
históricas e ao campo de intervenção. Logo, vemos que a assistência estudantil nas universidades está
vinculada às Pró-reitorias e, na RFEPCT, às Diretorias, com exceção do CPII, que está ligado também a
uma Pró-reitoria. Em linhas gerais, as características que distinguem as estruturas de Diretoria e Pró-
Reitorias dizem respeito aos aspectos constitutivos das universidades e da RFEPCT, pois as primeiras
possuem mais lastro na construção de suas políticas. As universidades já possuíam uma organização
da assistência estudantil mais consolidada e anterior ao Decreto Pnaes (Decreto n. 7234/10). Por
exemplo, as moradias estudantis e os restaurantes universitários são equipamentos existentes que
eram mantidos por meio de recursos próprios destas instituições. No entanto, o Pnaes é um divisor
de águas no que se refere à assistência estudantil na RFEPCT, pois o decreto foi o propulsor de
uma estruturação das ações. Já, nas universidades, vislumbrou-se a possibilidade de ampliação e
consolidação desta política, a partir do referido decreto.
Segundo, as ações desenvolvidas vêm sendo norteadas pelos eixos do Pnaes11. No entanto, de
modo geral os dez eixos não são integralmente atendidos e, pelo que observamos, dentro dos eixos
atendidos há uma aparente insuficiência no atendimento das necessidades dos estudantes, dado o
caráter focalizado da maioria das ações. As universidades parecem ter uma distribuição das ações mais
robusta nos diferentes eixos previstos, até porque, conforme já mencionamos, algumas destas já eram
realizadas anteriormente ao Decreto com recursos próprios. No que diz respeito às universidades
podemos inferir que as ações mais estruturadas se concentram nos eixos que podemos considerar
mais tradicionais na política de permanência estudantil, como: moradia, transporte, alimentação, mas
nota-se uma diversificação em relação às IFEs que também atendem o ensino básico, pois ofertam
ações também nas áreas de saúde, cultura, esporte, creche, dentre outros.
296
Terceiro, de modo geral, as IFEs vêm implementando suas ações, sobretudo, por meio da oferta de
bolsas e auxílios, chegando em alguns casos a usar quase a totalidade dos recursos Pnaes para este
fim. Embora não haja nenhuma menção explícita no Decreto 7.234/2010, na oferta de bolsas e auxílios
as IFEs se alinham à tendência mais geral de financeirização, o que nos termos de Brettas (2020) é
característica que particulariza a operacionalização das políticas sociais no presente tempo histórico.
Lima (2017) e Granemann (2007) são autoras, que aprofundam esta reflexão sobre a dinâmica atual
do capital, identificando como um dos elementos a monetarização das políticas sociais que torna a
intermediação bancária parte do processo de gestão pública. Do mesmo modo, a partir das reflexões
de Silva (2012) e Brettas (2020) é possível reconhecer que essa priorização dos distintos programas
de transferência de renda pelo Estado Brasileiro, que ocorre em detrimento da constituição de
serviços de caráter mais permanente, atua no sentido de compensar as dificuldades de valorização do
capital. Assim, não é casual a predominância de auxílios financeiros também na política de assistência
estudantil, o que reforça uma cidadania pelo consumo (Behring, 2021). Lima (2017) chama ainda a
atenção para a questão do recurso estar sempre aquém das necessidades estudantis, tornando a
autonomia institucional prevista no decreto uma grande ilusão. Além disso, o que foi possível observar,
é que é menos recorrente a estruturação de serviços que deem conta das demandas estudantis, sem o
297
(Guerra, 1997). No entanto, existe um processo de burocratização desses estudos socioeconômicos
realizados para a inserção dos estudantes nos programas de assistência estudantil que podem se
manifestar tanto no distanciamento dos profissionais e os usuários, provado quando as análises passam
a ser mediatizadas pelos sistemas de informação, quanto pela manipulação das variáveis empíricas
produzidas previamente que definem as manifestações da “questão social” a serem priorizadas pelas
assistentes sociais executores. Expressões da gestão das políticas públicas, observadas nas últimas três
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
décadas, direcionada ao aumento da eficácia e a redução dos custos da ação pública. Esse movimento
de tecnificação da atuação da assistente social, muito característico desse período, consideramos que
pode ser associado à outra tendência, já indicada por Mota & Rodrigues (2020), que é a de subtrair as
dimensões pedagógica e formativa da profissão, seja no âmbito da defesa e exercício de direitos, seja
no acesso universal a bens, serviços e políticas, ou na incorporação de novas necessidades das classes
trabalhadoras e subalternas à proteção pública do Estado.
De outro modo, é possível observar nas equipes profissionais um esforço, individual e/ou coletivo, de
transcender as requisições institucionais, o que está expresso nas frentes de trabalho como pesquisa e
extensão, mas, também na identificação de atividades que gostariam de realizar. A aproximação com os
estudantes e demais trabalhadores que atuam na assistência estudantil, bem como, o fortalecimento
a dimensão pedagógica da profissão, por meio de ações coletivas e práticas, contribuem não só na
elaboração da crítica aos modelos de gestão da pobreza, mas também, contribuem para uma vinculação
mais orgânica e substantiva com os sujeitos sociais para quem as políticas sociais são pensadas. O que
nos possibilita considerar, assim, como uma estratégia, ainda que não organizada claramente com esse
objetivo, de repor o protagonismo desses sujeitos.
Um último elemento que gostaríamos de destacar é o que trata do orçamento. O tema ainda é
pouco abordado entre as assistentes sociais da IFEs pesquisadas, pois segundo os dados coletadas
na pesquisa realizada pelo Numar e Neeae há pouca participação de assistentes sociais na gestão
dos recursos orçamentários, e consequentemente nas decisões sobre quais ações de assistência ao
estudante merecem destaque, que comumente acaba por ficar sob a responsabilidade dos gestores da
assistência estudantil nas IFEs.
Ainda é necessário avançar neste tema articulando-o ao debate político da assistência estudantil
com o conjunto de atores políticos presentes nas instituições de ensino (trabalhadores, estudantes,
docentes, movimento estudantil), bem como na avaliação das ações dessa política pelo seu público
alvo, conforme parágrafo único, artigo 5º, do Decreto 7.234/2010, que prevê que as IFEs deverão
fixar: I - requisitos para a percepção de assistência estudantil e II - mecanismos de acompanhamento
e avaliação do PNAES, ações que podem contribuir na melhor distribuição dos recursos do orçamento
em consonância com as necessidades dos estudantes que demandam assistência para permanecerem
nas IFEs.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de 2010, a assistência estudantil no Brasil atinge um patamar de política pública, com a
regulamentação do Decreto 7.234/10. Nesse curto período, essa política tem sofrido todos os revezes
da conjuntura política e econômica instaurada no país nos últimos anos. Isso implica na formatação
que as ações assumem num cenário de fortes restrições orçamentárias, agravadas com a aprovação
do Teto dos Gastos, por meio da Emenda Constitucional n. 95. Soma-se a isso, os novos desafios postos
para as instituições educacionais a partir da eleição de Jair Bolsonaro no ano de 2018. Instaurou-se
um cenário de aprofundamento da escassez de recursos orçamentários, o que colocou em risco o
funcionamento das distintas IFEs em função das dificuldades para custear suas despesas mais básicas.
298
Por outro lado, no mesmo período, ocorreu um avanço de pautas conservadoras neste campo, o que
pode ser exemplificado por meio do projeto Escola Sem Partido.
A pandemia de Covid-19 que assolou o mundo a partir do no ano de 2020 trouxe novos
elementos para esta política, pois contribuiu fortemente para aprofundar as desigualdades sociais e
educacionais, expondo um conjunto de questões que não são passíveis de uma resposta simplificada
no formato de auxílios financeiros. Em parte, isso é algo que pode ser explorado potencialmente pelas
assistentes sociais, no sentido de alargar o entendimento dos fatores que interferem nas condições
de permanência, o que inclui aspectos da saúde mental, processos discriminatórios e de opressão,
para além dos aspectos de ordem mais material stricto sensu. Tudo isso, tem contribuído em igual
medida para expulsar ou dificultar o acesso e a permanência da parcela dos segmentos historicamente
renegados no espaço de privilégio do conhecimento, ou seja, aquela parcela mais pauperizada da
classe trabalhadora, compreendendo as particularidades de toda a sua diversidade (negros, indígenas
e população LGBTQIA+).
Diante desse complexo e contraditório movimento histórico que vem determinado a as ações de
assistência estudantil, o Numar busca consolidar, em seu processo de reflexão e de articulação, o
seu significado sócio-político e contribuir para o fortalecimento da atuação de assistentes sociais na
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Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
300
EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA E SERVIÇO SOCIAL
Paula Cunha Guimarães Batatel Belmonte Santana1
RESUMO: O presente trabalho tem como tema a inserção do Serviço Social na educação, reconhecendo
a dualidade entre educação mercadológica e emancipatória. Trata-se de um fragmento da dissertação de
mestrado da autora. O objetivo é refletir sobre a ação educativa e emancipatória do Serviço Social, considerando
para isso, aproximações de Gramsci em relação a educação, por meio da categoria hegemonia e o processo
histórico de surgimento da profissão. Os caminhos desta pesquisa foram trilhados com o aporte de pesquisas
bibliográficas por meio de referenciais teóricos de estudiosos da área. Se faz necessário considerar a lógica da
dimensão educativa emancipatória, sobre um viés de um projeto de formação que objetive o desenvolvimento
do ser humano numa perspectiva crítica.
Palavras-chave: educação emancipatória; dimensão educativa e Serviço Social
Abstract: The present work has as its theme the insertion of Social Work in education, recognizing the duality
between marketing and emancipatory education. This is a fragment of the author’s master’s thesis. The objective
is to reflect on the educational and emancipatory action of Social Work, considering Gramsci’s approaches to
education, through the category of hegemony and the historical process of the profession’s emergence. The paths
INTRODUÇÃO
301
história do surgimento do Serviço Social, resgatando a dimensão educacional constitutiva da profissão.
Deve-se resgatar o vínculo forte e influência da Igreja, sobre uma lógica de ajustamento de indivíduos
na sociedade, nas protoformas da profissão. Incialmente a atividade profissional tinha um caráter
missionário e vocacional, reforçando os interesses da classe dominante, mas com o tempo novas
influencias foram surgindo. O Serviço Social se aproximou da matriz positivista e de sua apreensão
instrumental e imediata do ser social, de forma objetiva. Outra influência foi a fenomenologia,
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
associando a transformação social às atitudes pessoais que se configuram na relação entre assistentes
sociais e seus chamados “clientes”. Mas a partir da década de 1960, sobre as transformações do sistema
capitalista, o Serviço Social passa a rever sua fundamentação conservadora, em um movimento que
pretendia reconfigurar as bases teóricas, técnicas e políticas da profissão.
A ação educativa passa a ser requisitada à assistentes sociais, principalmente se pensada a
necessidade de união entre educação e proteção social. Além disso, no sentido de explorar às formas
de aprendizagens, através de reflexões, análises teóricas e práticas, produzindo conhecimentos e se
materializando através de um processo de comunicação. A dimensão educacional do Serviço Social
tem um papel fundamental nos processos de conscientização, politização, organização e mobilização e
por isso foi entendido ser fundamental a abordagem da temática neste estudo. Trata-se de um esforço
para reflexões e possibilidades de intervenção da categoria neste cenário, ressaltando a necessidade
de se debruçar sobre a temática, por sua potencialidade.
DESENVOLVIMENTO
Gramsci e a Educação
A perspectiva humanista da educação se manifesta em dois momentos distintos, mas dialeticamente
interligados: na crítica da alienação produzida pelo processo educativo, engendrado no contexto
de uma sociedade fundada no primado da propriedade privada dos meios de produção; e, quando
propugna a possibilidade da omnilateralidade humana na direção ideal de uma sociedade emancipada.
A educação tem um processo de produção e reprodução de conhecimento inerente às mediações
necessárias a práxis, que resulta na humanização dos homens.
Antônio Gramsci construiu um conjunto articulado de categorias que lhe permitiu apreender com
clareza o movimento orgânico do bloco histórico capitalista- burguês. O autor não apreendeu o domínio
da burguesia somente como imposição de sua vontade e ideologia, mas também a sua perspicácia e
capacidade de estabelecimento e manutenção de sua liderança intelectual e moral. Tal perspicácia
e competência foi denominada pelo intelectual como hegemonia, que é uma forma de relação social
(Hobsbawm et al., 1981).
A hegemonia é, para Gramsci, a ‘capacidade de direção, de conquistar alianças, capacidade de fornecer uma base
social ao Estado proletário’ (Gruppi, 1978. p. 5). Em sentido amplo, a hegemonia se refere ao processo em que
uma classe ao tornar-se dirigente, torna-se, pois, dominante (devendo também continuar dirigente) em relação às
classes subalternas (Gramsci, 2002 apud Duriguetto, 2007). Sendo assim, a hegemonia não opera apenas no plano
estrutural, mas também no plano superestrutural de um determinado bloco histórico, pois para ser construída
estabelece mediações com a forma de ser, pensar e agir dos homens. Destarte, a disputa pela hegemonia envolve
uma reforma intelectual e moral, a partir da necessidade de conquistar o consenso e de formar uma base social.
(Simionatto, 2011 apud Daros, 2019, p. 62)
A categoria é muito mais do que a dominação de uma classe social sobre a outra, é o resultado
articulado entre força e consenso. A capacidade de construção de uma hegemonia decorre da
possibilidade de que uma classe fundamental, dominante ou subalterna, elabore sua visão de mundo.
Esta classe precisa ser capaz de estruturar o campo de lutas de modo a determinar frentes de intervenção
e articular alianças. Gramsci entendia a construção de uma nova hegemonia como uma unidade entre
teoria e ação. Uma teoria capaz de traduzir, em realidade, a ação do proletariado para a edificação de
302
novas relações sociais de produção. Assim como uma nova superestrutura, com novos aparelhos de
hegemonia que difundissem uma concepção de mundo unitária, uma sociedade civil2 restaurada que,
em conexão orgânica com a estrutura, se tornasse capaz de destruir o Estado em sentido restrito. Seria
um processo de reabsorção da sociedade política pela sociedade civil (Dias, 1991). A hegemonia não é
imutável e necessita de estratégias não apenas para sua conquista, mas para sua manutenção também.
Sem o consentimento de grupos sociais subordinados, o equilíbrio entre força e consenso desaparece e
a hegemonia se esvai. Toda a crise de hegemonia pressupõe a abertura de um novo espaço hegemônico.
Gramsci demonstra como a hegemonia é uma categoria ampla. Para o autor, ela é obtida e
consolidada em embates que comportam não apenas questões vinculadas à estrutura econômica e à
organização política, mas envolvem também, no plano ético-cultural, a expressão de saberes, práticas,
modos de representação e modelos de autoridade que querem legitimar-se e universalizar-se. A classe
dominante não só controla o poder político e econômico, mas é capaz de estabelecer uma dominação
cultural. Essa dominação é obtida através da criação de uma ideologia dominante que se torna senso
comum, naturalizando as relações de poder existentes. Diante disso, a hegemonia não deve ser
entendida nos limites de uma coerção pura e simples, pois inclui a direção cultural e o consentimento
social a um universo de convicções, normas morais e regras de conduta, assim como a destruição e a
303
Em relação a transmissão tradicional do conhecimento, Gramsci compreende não como um tipo
ideal, mas como parte de um processo político de construção de uma outra hegemonia ou de uma
contra hegemonia. Toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica: a ideologia
da classe dominante se realiza e se transforma em senso comum3, mas como pedagogia política pode
permitir a transmissão de um saber prático. A preocupação de Gramsci com a questão educacional
dialoga com seu projeto de elevação cultural e moral da classe trabalhadora. Para o autor é necessário
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
superar o senso comum e construir uma concepção de mundo homogênea e coerente, uma consciência
filosófica, de superação da divisão social do trabalho. Essa superação, não se trata de dizer que, no
campo da cultura, signifique uma completa renúncia ao passado, trata-se de um momento dialético
(Martins, 2012). O autor defende uma educação humanística que visa à formação da consciência
crítica e autônoma das massas, fundamental à formação de uma nova hegemonia. Seria a possibilidade
de o sujeito sair do seu estado de consciência individual para um estado de autoconsciência em sentido
coletivo, em direção à superação da opressão.
Para o filósofo, a estratégia de criação de escolas profissionalizantes por parte da burguesia, era
uma manobra para perpetuar a dualidade classista na educação. Jimenez (2001, p. 75) lembra que
“as classes dominantes, através da história, tem lançado mão dos maiores malabarismos para tentar
instruir os trabalhadores sem educá-los para governar”. Enquanto a educação humanista era reservada
aos filhos da classe dominante, restavam para o proletariado as escolas profissionais, moralizantes,
fazendo com que Gramsci negasse esse modelo privilegiado para uma minoria.
O proletariado precisa de uma escola desinteressada. Uma escola na qual seja dada à criança a possibilidade de ter
uma formação, de tornar-se um homem, de adquirir aqueles critérios gerais que servem para o desenvolvimento
do caráter [...] Uma escola que não hipoteque o futuro da criança e não constrinja sua vontade, sua inteligência,
sua consciência em formação a mover-se por um caminho cuja meta seja prefixada [...] a escola profissional não
deve se tornar numa incubadora de pequenos monstros aridamente instruídos para um ofício, sem ideias gerais,
sem cultura geral, sem alma, mas só com o olho certeiro e a mão firme. (Gramsci, 1976 apud Monasta, 2010, p. 64)
Para Gramsci era fundamental abolir qualquer forma de conservação de certo tipo formação classista.
O Serviço Social surge no Brasil4 em meio a um processo político, social e econômico, na instalação
do capitalismo monopolista. Nos anos 30, a economia – até então concentrada no café e agropecuária
– passa a ser redirecionada através de investimentos industriais, refletindo na exploração da força
de trabalho. Com a acumulação do capital, a desigualdade social entre as classes se torna cada vez
mais latente, aumentando a riqueza da burguesia e a miséria da classe operária. A sobrevivência
3 “Todo estrato social tem seu ‘senso comum’ e seu ‘bom senso’, que são, no fundo, a concepção da vida e do homem mais
difundida. Toda corrente filosófica deixa uma sedimentação de ‘senso comum’: é este documento de sua efetividade
histórica. O senso comum não é algo rígido e imóvel, mas se transforma continuamente, enriquecendo-se com noções
científicas e com opiniões filosóficas que penetram no costume.” (Gramsci, 2001, p. 209).
4 No âmbito internacional a profissão surge no século XIX, no contexto de Revolução Industrial.
304
do trabalhador dependia da venda da força do seu trabalho e de toda sua família; mesmo assim, o
dinheiro que recebia não era suficiente para seu sustento, nem para manter condições básicas, como:
alimentação, habitação e lazer (Iamamoto; Carvalho, 2011).
Iamamoto (2014) afirma que a particularidade da formação social brasileira é fruto da herança
conservadora. Trata-se de um modelo de “revolução pelo alto” que, “as classes dominantes se antecipam
às pressões populares, realizando mudanças para preservar a ordem, evitando qualquer ruptura com
o passado, conservando traços essenciais das relações sociais e a dependência ampliada do capital
internacional” (Iamamoto, 2014. 132), através de uma forma elitista e antipopular. Neste sentido, a
questão social está intrinsicamente relacionada à contradição capital X trabalho. Para a autora,
[...] a questão social expressa as desigualdades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas
por disparidades nas relações de gênero, características étnicos-raciais e formações regionais, colocando em
amplos segmentos da sociedade civil no acesso aos bens da civilização. É em meio a essas contradições que
trabalha os assistentes sociais, com as múltiplas dimensões da questão social tal como se expressam na vida dos
indivíduos sociais, a partir das políticas sociais e das formas de organização da sociedade civil na luta por direitos.
(Iamamoto, 2014, p. 158)
A questão social era tida como uma ameaça que a classe operária e sua presença no cenário político
305
Sul em 46, com as profissionais chamadas para “intervir em situações escolares consideradas desvio,
defeito ou anormalidade social”. Ou seja, a ação profissional estava voltada para “resolver problemas
como evasão, repetência, desmotivação, dificuldades nos relacionamentos, absenteísmo às aulas
e demais desconfortos escolares” (Souza, 2005, p. 34). Neste sentido, foram fundadas instituições
assistenciais no Rio de Janeiro e em São Paulo – obras caridosas, constituídas por mulheres de famílias
burguesas e pela Igreja, que diziam buscar a diminuição dos efeitos do desenvolvimento capitalista
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
na sociedade. Em São Paulo, o Centro de Estudos e Ação Social – CEAS, incentivava o reajustamento
social e moral para o bem-estar coletivo, atribuindo ao indivíduo a responsabilidade sobre sua
condição de vida.
Nos anos iniciais de atuação da categoria, o assistencialismo era dominante e por meio dele a profissão
desenvolvia a sua dimensão educativa. As assistentes sociais interferiam nos comportamentos e nas
representações das pessoas em relação ao Estado e à sociedade. Sob esse viés, ao decorrer do tempo, a
dimensão educativa assumiu diferentes direções: inicialmente, a abordagem profissional fundamentou-
se na pedagogia de ajuda; depois, na pedagogia de participação e, posteriormente, na construção da
pedagogia emancipatória (Abreu, 2011). Por muito tempo, as ações das assistentes sociais foram
pautadas em medidas educativas com viés disciplinador, de higienização e de psicologização das
relações sociais.
Pela perspectiva da pedagogia de ajuda, acreditava-se que os problemas sociais eram causados
pelos problemas morais individuais. Sobre essa visão, desconsideravam a estrutura econômica e
suas consequências para os indivíduos. Utilizavam diagnósticos sociais, prezando pela eficiência das
assistentes sociais na administração da ajuda e na forma pedagógica. Os sujeitos eram enquadrados
em determinadas condições de vida e condicionados a essa realidade, tendo por exemplo, como
critério para a concessão de serviços assistenciais a necessidade de ser pobre e se manter na pobreza
(Abreu, 2011). Já na década de 50, assistentes sociais precisavam ser especializadas não só para
exercer funções pedagógicas e intelectuais, mas também para estimular a participação popular, com
vistas ao progresso e à modernização da sociedade, por meio da via do crescimento econômico, pois
a lógica imposta era de aceleração da industrialização para eliminação da pobreza. Neste sentido, o
perfil pedagógico das assistentes sociais era direcionado a educar, adequar e reformar um trabalhador
produtivo ao capitalismo.
Na década de 60, diante do período da ditadura empresarial militar no Brasil, a maioria das assistentes
sociais seguia tendências tecnicistas e conservadoras, o que começa a ser modificado na mesma
década. A atuação profissional ficou submetida à autoridade do estado ditatorial e à racionalidade
burocrática. Se intensificou a fiscalização, o controle, na lógica de se evitar organizações e movimentos
de trabalhadores para reivindicações. No entanto, o sistema capitalista sofria transformações no que
tange ao seu desenvolvimento, passando por crises e um novo período de recessão. Nesse quadro,
o Serviço Social passa a rever sua fundamentação conservadora, em um movimento que pretendia
reconfigurar as bases teóricas, técnicas e políticas da profissão.
Cabe mencionar a fundamental influência de Gramsci para a profissão. Neste período, o Serviço
Social passa a se aproximar da perspectiva gramsciana, se intensificando em 70, por meio da
incorporação do conceito de hegemonia, tendo em vista a necessidade de compreender as formas de
dominação e as lutas por mudanças sociais. Na década de 80, passa a considerar a educação como um
espaço privilegiado para a construção da hegemonia popular e para a formação de sujeitos críticos
e emancipados. Ou seja, a perspectiva gramsciana contribuiu para o Serviço Social compreender a
educação como um campo de disputas, onde as classes sociais se confrontam e buscam impor suas
concepções de mundo e de sociedade.
A profissão passa a assumir um papel mais crítico em relação a educação, reconhecendo a área
como um espaço de luta política, onde as relações de poder estavam presentes. Isso ocorre também
pela inserção nas universidades, criação de departamentos e disciplinas voltadas para a formação
306
de assistentes sociais na área educacional. Uma parcela da profissão passa a atuar como agente de
transformação social, buscando a promoção da emancipação dos sujeitos e a construção de uma
sociedade mais justa e igualitária, se inserindo, por exemplo, na articulação entre escola e comunidade.
Estes fatos foram impulsionados pela mobilização política e social da época, em que uma parcela da
sociedade defendia uma educação crítica e transformadora.
O fortalecimento dos movimentos sociais foi de suma importância para engrenar o processo de
Renovação do Serviço Social, que ansiava por mudanças no interior da categoria. É importante demarcar
uma significativa importância e mudança na atuação de assistentes sociais, com novas perspectivas
profissionais, a partir de dois processos que são distintos, mas tem relação intrínseca: a Reconceituação
e a Renovação do Serviço Social. A Reconceituação ocorreu na América Latina, tendo reflexos no
Brasil, propondo a ruptura com o tradicionalismo profissional e se baseava na luta por transformações
na estrutura capitalista. Segundo Netto (2006), ocorre uma aproximação de qualidade discutível com a
tradição marxista, mas que fez com que não fosse mais algo desconhecido para a profissão. Além disso,
a principal conquista foi a recusa de assistentes sociais em se situarem meramente como agentes
executivos de Políticas Sociais, passando a requisitar atividades de planejamento, valorizando seu
estatuto de intelectual. Já a Renovação, foi um processo interno brasileiro, que externou tendências
307
desenvolvendo atividades como o planejamento e a gestão de programas e projetos educacionais, a
orientação e o atendimento de estudantes e suas famílias, e a articulação com outras políticas sociais.
Na década de 905, enfatizando a importância da consolidação do Projeto Ético Político - PEP,
é possível encontrar um considerável aumento de assistentes sociais na educação. No entanto, a
expansão do campo ocorre no momento em que a reestruturação produtiva6, passa a demandar um
novo tipo de trabalhador, sobre as demandas de um mercado por profissionais tecnificados, fazendo
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
com que a educação se torne uma ferramenta necessária para a formação desse novo perfil (CFESS,
2011). A partir da perspectiva crítico-dialética e do PEP, o trabalho realizado por assistentes sociais
ganha um novo direcionamento, pela consolidação das Políticas Sociais, voltadas para a perspectiva da
garantia de direitos e de proteção social.
Esse novo princípio educativo propiciou a postulação da finalidade das ações socioeducativas, bem como de todo
processo interventivo do Assistente Social. Assim, inscreveu a centralidade do porquê na realização das ações
profissionais e do para quem elas estão direcionadas. (Lima; Mioto, 2011, p. 215)
Dialogar sobre educação no Brasil significa pensar em um cenário marcado por uma formação sócio-
histórica pautada na dinâmica da modernização conservadora e por arranjos de cúpula, de cima para
baixo (IANNI, 2004). A correlação de forças travada na educação, define a permanência ou a superação
da dualidade educacional, ultrapassando regimes, evidenciando interesses em disputa.
A dualidade educacional presente neste trabalho, se refere a um posicionamento de educação com
um viés emancipatório e um mercantilizado, considerando suas relações dialéticas. A educação cumpre
essencialmente duas funções: formação para o trabalho, ou seja, construção da força produtiva para o
5 Período de implantação e êxito ideológico do projeto neoliberal no país, do qual o governo de Fernando Collor de Mello
foi o primeiro a tentar implementá-lo. No Brasil existem duas inflexões fundamentais: o plano real e a contra-reforma do
Estado defendida pelo governo FHC e seus intelectuais. MATOS, M. C. O Debate do Serviço Social na Saúde na Década de
90. Revista Serviço Social e Sociedade, n. 74. São Paulo: Cortez, 2003.
6 Flexibilização, intensa precarização, cultura do não-emprego. Para mais detalhes, cf.: DEGENSZAJN, R. R. O Assistente
Social como Trabalhador Assalariado: desafios frente às violações de seus direitos. Serviço Social & Sociedade, v. 107, p.
420-437, 2011.
308
capital, auxiliando na “estruturação de uma concepção de mundo, de ideias, de valores adequados para
reprodução desta ordem social”; e educação para a cidadania e democracia (Tonet, 2016, p. 54). Trata-
se da exposição de lógicas antagônicas para pensar e conduzir as práticas pedagógicas. Para além disso,
representam divergências em relação ao reconhecimento de sujeitos sociais, do lugar e do sentido da
educação na produção da humanização e sociabilidade. Junto a este fato, se faz necessário considerar
o papel de destaque, estratégico, que a educação vem ganhando ao longo do tempo, principalmente
por sua potencialidade.
No que se refere a expansão do capitalismo, a educação se destaca especialmente considerando
as transformações de cunho tecnológicas ocorridas nas últimas décadas, direcionadas ao mercado de
trabalho. A educação para o mercado é vista como um elemento acessório das exigências do processo
produtivo que, historicamente vem sofrendo alterações próprias da dinâmica de acumulação, fruto da
contradição da sociedade capitalista, expressa na relação capital e trabalho, cooperando para a expansão
do capital. O sistema educacional brasileiro cada vez mais se redefine para formar um novo trabalhador
e um novo homem que contribua para a superação das crises do capital. Neste viés, a educação “é uma
das formas de se assegurar a sociabilidade necessária à reprodução do próprio capital. Uma relação que
conforma sentidos, valores e comportamentos em uma dimensão também desumanizadora” (Almeida;
A educação conduzida pelo capital e por meio das instituições de ensino pode ser responsável, em
parte, por processos de alienação dos sujeitos. Essa função não é exclusiva dessa área, mas tem sido
relevante na manutenção e disseminação da ideologia dominante (CFESS, 2011). O incentivo para esta
lógica de educação pode ser observado tanto pelo setor público, a exemplo da expansão da rede federal
de educação profissional; como para o setor privado e pelas organizações não governamentais. Uma
educação mercantilizada e gerenciada pelo Estado, incorporando institucionalmente, a filantropia e o
assistencialismo para a população de baixa renda, não equacionando a exclusão educacional e social
(Almeida, 2007).
Se tratando de uma educação emancipatória, considera-se sua contribuição para uma formação
crítica do indivíduo, possibilitando-lhe posicionar-se frente as mais diversas questões: sociais;
econômicas; políticas; culturais; e ideológicas que perpassam a ordem societária de forma reflexiva.
Não se deve pensar a educação e todos os outros direitos sociais e humanos de modo desvinculado das
condições reais de produção da existência humana. A educação não se limita a si mesma, ao contrário,
abrange um complexo de aspectos que constituem do amplo e diversificado campo educacional.
309
A construção de uma educação que fortaleça os significados da cidadania, de liberdade, de democracia e de
emancipação não pode estar desarticulada das lutas pelo acesso à saúde, ao trabalho digno, à moradia, ao lazer,
à cultura e a tudo aquilo que hoje está ausente das condições de vida da maior parte da população deste país e
que, por essa razão, expressa o amplo processo de desumanização que se encontra em curso em nosso planeta
[...]. (Almeida; Rodrigues, 2013, p. 95)
Assistentes sociais se deparam com este cenário e espera-se que possam reconhecer e defender
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
a educação como um direito social, universal, impulsionando e propondo práticas sobre esse
direcionamento. Ou seja, trata-se da objetivação de um projeto profissional crítico que questione
e conteste os valores liberal-burgueses, reproduzindo interesses hegemônicos, característicos da
sociabilidade capitalista, questionando a mercantilização da vida social e contribuindo assim para
a viabilização dos interesses da classe trabalhadora em suas necessidades, bem como combatendo
ações imediatistas e burocráticas e sem embasamento teórico.
A construção de uma nova hegemonia, nos termos gramscianos, deve ser entrelaçada coletivamente
no terreno econômico, cultural e de valores. Por esse motivo, mesmo sabendo que algumas experiências
em espaços educacionais emancipatórios sejam fundamentais, há que se reconhecer limites. O estímulo
ao pensamento crítico é fundamental, mas não se pode desconsiderar o movimento atual da sociedade
brasileira, com projetos de lei rasos, visando um ambiente sem “doutrinação ideológica”.
Ainda que educação e desenvolvimento estejam sempre correlacionados, os países e as populações pobres não
têm na educação básica e profissional a determinação de sua pobreza. Pelo contrário, sua pobreza está vinculada
aos processos históricos de colonização e de reiterada subordinação aos centros hegemônicos do capitalismo
que até hoje impedem que se desenvolvam autonomamente. (Frigotto; Ciavatta; Ramos, 2003, p. 2)
O desafio imposto é pensar a educação com ação na política, como um campo de luta constante.
Uma educação não restrita a escolarização formal como forma de aprendizagem, já que na atual
sociabilidade, os espaços formais de educação voltam-se para a construção de conteúdos homogêneos
e direcionadas às classes dominantes, não associando a uma proposta de ruptura, mas que supere essa
lógica de ensino voltado para a dominação e a manutenção dos interesses burgueses. Neste sentido,
compreender a lógica do capital, a construção histórica do mundo e do Brasil, e a atual crise do capital,
numa perspectiva de totalidade, são requisitos necessários para a elaboração de práticas educativas
que contribuam para a formação de uma nova sociabilidade.
CONSIDERAÇÃO FINAL
Refletir sobre a inserção e atuação do assistente social na educação, não apenas para orientações e
procedimentos técnicos e institucionais, se faz essencial. É necessária a afirmação do compromisso pela
defesa de uma educação em suas mais diferentes modalidades, como fundamental para a emancipação
humana, pública, laica, universal7 e socialmente referenciada, contribuindo para a superação das
desigualdades. Para o alcance de uma sociedade efetivamente livre, o caminho necessário é o da
emancipação humana, como um determinado patamar e forma de sociabilidade, associada ao trabalho
enquanto princípio ontológico do ser social, livre de qualquer gênero de exploração. Implica-se assim
que a construção da emancipação humana inclua a superação do atual modelo vigente de exploração
e todas suas categorias materiais e espirituais. É necessário considerar que para a construção de uma
educação voltada para a emancipação humana, não se deva associá-la apenas a subjetividade e a
interioridade humana, mas relacionada a realidade objetiva e consequentemente a superação radical
do capital. Ou seja:
7 É preciso considerar que nos países periféricos, não existe essa universalização. A educação é marcada por acessos
precarizados e desiguais.
310
Em consequência disso, uma educação que pretenda contribuir para a formação de indivíduos efetivamente
livres deve, necessariamente, significar a formação de pessoas comprometidas com a transformação radical da
sociedade, ou seja, com a revolução. (Tonet, 2016, p. 58)
Por fim, considerando o materialismo histórico dialético, não se trata de algo mecânico ou eterno,
mas de ações dos homens que estão consequentemente sujeitas à contradição e à mudança. Em
razão da contradição, ação recíproca e a dialética entre a superestrutura, e estrutura, que é possível
localizar, em Gramsci, a educação como espaço de luta hegemônica, potencialmente capaz de agir na
transformação da consciência. Sendo assim, a educação pode e deve ser localizada como espaço que
constitui como campo de luta de posições, sendo local estratégico para os intelectuais comprometidos
com a classe subalterna (Silveira, 2013). Como afirma o autor,
Portanto, na perspectiva gramsciana [...] a escola, mesmo sendo planejada para atender às necessidades do
capitalismo, pode também, contraditoriamente, dentro de certos limites, atuar como instrumento (função de
mediação) para a formação de um novo tipo de cidadão, capaz de empreender a crítica a esse modo de produção
e de agir conscientemente em favor de sua transformação. Para tanto, porém, é preciso que os intelectuais
professores comprometidos com esse objetivo encontrem formas de luta no campo especificamente pedagógico
e sejam capazes de fazer frente à tendência da escola de oferecer dominantemente uma formação precária e
aligeirada aos alunos das camadas populares, muito distante daquela que seria necessária para convertê-los em
É interessante considerar que o processo de expansão do acesso à educação não significa uma
afirmação da educação pública como direito social. O que se observa vinculado a esse processo de
expansão é o compartilhamento de responsabilidade com determinados setores da sociedade civil e
empresariado. Isso se torna claro quando se considera a expansão do ensino profissionalizante. Neste
sentido, a educação é um campo estratégico para a atuação do Serviço Social, pois é nesse espaço que
se materializam as desigualdades sociais e as contradições do sistema capitalista. Por isso, se torna
fundamental promover a autonomia e a consciência crítica e de coletividade dos sujeitos sociais na
superação de estigmas e preconceitos, buscando romper com as estruturas opressivas, utilizando da
dimensão pedagógica da profissão.
A ação educativa do Serviço Social deve estar pautada na defesa dos direitos sociais e na luta por
uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos. Além disso, é necessário que o Serviço Social
atue na construção de projetos político-pedagógicos que busquem a formação de sujeitos críticos e
transformadores, capazes de compreender as contradições sociais e de lutar por uma sociedade mais
justa e igualitária.
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312
SERVIÇO SOCIAL:
uma Profissão Necessária para a Educação que Queremos.
RESUMO: Este ensaio teórico visa trazer compreensão da dimensão operativa do Serviço Social nos espaços
educacionais, analisando a sua importância para a efetivação dos direitos da classe trabalhadora, à medida que
traz nesta dimensão as dimensões teórico-metodológica e ético-política. Utilizou-se da pesquisa bibliográfica,
pautada na análise qualitativa. A perspectiva da educação abordada neste artigo, parte de uma construção
histórica da educação no Brasil, trazendo a crítica à perspectiva hegemônica conservadora predominante na área
da educação e, questionando a ausência institucional do Serviço Social neste processo histórico. Vale ressaltar
que o campo de atuação profissional é o espaço da práxis, ou seja, da transformação por meio do trabalho, o
qual viabiliza a efetivação, pouco a pouco, do projeto ético-político do Serviço Social. A dimensão operativa,
socioeducativa, vislumbra meios de alcance da população atendida na área da educação, possibilitando que esta
possa se reconhecer enquanto sujeito de sua história.
Palavras-Chave: Educação. Dimensão Socioeducativa. Serviço Social.
INTRODUÇÃO
[ …] pensar a educação como dimensão da vida social significa compreendê-la em sua relação com o trabalho,
seguindo uma tradição de análise inaugurada por Marx, que toma o trabalho como fundamento ontológico do
ser social (CFESS)
O Serviço Social está inserido nas mais diversas políticas sociais brasileiras, tais como, a Política
Nacional de Assistência Social, compreendendo dentro dela os CREAS (Centro de Referência
Especializado de Assistência Social) e CRAS (Centro de Referência da Assistência Social); a Política
Nacional de Saúde, ocupando espaços nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) nos CAPS (Centro
de Atenção Psicossocial) e hospitais; Política da Previdência Social, como em INSS (Instituto Nacional do
Seguro Social); setores privado e do terceiro setor, como empresas, organizações não governamentais;
entre outras. A inserção do Serviço Social se materializa com a presença das/os Assistentes Sociais,
tendo como objeto de intervenção as expressões da questão social.
Apesar de existir inúmeros espaços sócio-ocupacionais se deve levar em consideração que a
sociedade está em constante transformação e evidencia que esses espaços também estão, não se
limitando apenas à esses que acima mencionamos, é importante apontar que:
313
A reconfiguração dos espaços ocupacionais é resultante das profundas transformações sócio-históricas,
com mudanças regressivas nas relações entre o Estado e sociedade em um quadro de recessão na economia
internacional, submetida à ordem financeira do grande capital (CFESS, 2012, p. 33)
Assim sendo, essas transformações geradas pelo capital e trabalho, resulta na necessidade da atuação
da/o estar sempre direcionada na compreensão crítica por meio do arcabouço teórico-metodológico,
adquirido pelo Serviço Social desde a sua gênese na realidade brasileira, estando, portanto, nesses
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Por meio das modificações conforme mencionado acima, o cenário educacional não está em uma
realidade diversa das influências do capital, assim é fundamental que o Serviço Social se faça presente
para contribuir por meio da sua capacidade dimensional: teórico-metodológico; ético-político e
técnico-operativo.
A proposta aqui é refletir sobre a atuação da/o Assistente Social no espaço educacional, o qual se
faz necessário considerar as particularidades existentes em cada vivência dos sujeitos sociais que se
apresentam como usuários, aqui sendo eles os educandos.
Dessa forma percebe-se que o espaço escolar também é um espaço em que as forças do capital
estão entranhadas, mantendo e lutando pela sua hegemonia.
Ainda, encontraremos essa análise em Mészáros,
A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu - no seu todo - ao propósito de não
só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital,
como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitimam os interesses dominantes. (Mészaros,
2008, p. 35).
Se faz necessário reiterar que o Brasil é um país capitalista, assim sendo, essa realidade descrita por
Mészáros (2008) constitui um princípio da classe hegemônica do capital. Considerando tudo isso, falar
sobre a educação no Brasil, requer pensar a partir da história a consolidação da educação no Brasil, o
início da sua implementação como direito social. Retorna-se ao período datado de 1930, com a criação
do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública5. Esse processo se dá em meio às mudanças
ocorridas no país, trazendo a necessidade de uma reestruturação escolar,
4 Sobre esse aspecto cabe a referência de Michel Foucault (1987), que aborda uma crítica contundente à sociedade
disciplinar e de controle, a partir do final do século XVIII.
5 Criado o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública com a função de “despacho dos assuntos relativos ao
ensino, à saúde pública e à assistência hospitalar” (Decreto nº 19.402, de 14 de novembro de 1930). Além da educação, o
314
[...] de outro, setores liberais, progressistas e até mesmo de esquerda, aderindo ao ideário da Escola Nova,
propunham uma escola pública para todas as crianças e adolescentes dos sete aos 15 anos de idade. (Bittar;
Bittar, 2012, p. 2)
Defendida por uma parte da sociedade, uma educação que garantisse acesso a crianças e
adolescentes, observa-se então que inicia a defesa por uma educação pública, apesar de ser uma
fase embrionária, deve-se colocar esse momento como promissor. Pode-se destacar que durante um
período, o Estado brasileiro não estava pautando iniciativas de proporcionar uma política pública
nacional de educação, assim mostrando uma questão da ausência do Estado em um período de
mudanças da realidade brasileira.
De fato, durante o período de 1930 a 1964, ocorreram várias reformas educacionais no Brasil sem que fosse
resolvido o secular problema do analfabetismo e da garantia de pelo menos quatro anos de escolaridade para
todas as crianças, fato que evidencia a forma como o Estado Nacional conduziu a política educacional da época.
(Bittar; Bittar, 2012, p. 2)
O fato acima elencado faz entender que apesar do esforço institucional, movido pelas disputas e
interesses de classes, presentes neste contexto, estas não foram capazes de proporcionar ganhos
societários para as classes menos favorecidas. Ainda assim, é preciso considerar que por meio da
Esse período foi importante, pois institucionalizou vários aspectos de uma educação mais ampla e
inclusiva no Brasil. Vale ressaltar neste contexto, os movimentos sociais pela educação nesse período,
que mesmo antes da Constituição de 1934, constataram nas reivindicações da Carta de 19327, como:
a) gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário; b) planejamento educacional (Estados, territórios e Distrito
Federal deveriam organizar seus sistemas de ensino); c) recursos para o ensino primário (Fundo Nacional do
Ensino Primário) estipulando a contribuição dos Estados, Distrito Federal e dos municípios; d) referências à
carreira, remuneração, formação e normas para preenchimento de cargos do magistério e na administração.
(Bittar; Bittar, 2012, p. 3)
Logo que alguns retrocessos são marcados, verifica-se que apesar disso havia naquele momento
um movimento de defesa de algumas garantias populacionais como elencado acima, desse modo
expondo a importância de reivindicações e da construção de diretrizes para o cenário educacional e,
evidenciando, ao contrário do que se costuma constatar no senso comum, a força dos movimentos
sociais no Brasil.
Entretanto, entre estabelecer a educação como direito e reformas educacionais que ocorreram
no período das décadas de 1930 e 1940, as medidas impostas pelas Constituições de 1934 e 1946
não eram capazes de trazer a mudança social, pois os níveis de analfabetismo estavam altos: os
números expressam que pouco havia mudado: em 1940, a taxa de analfabetismo no Brasil era de
56,0%; em 1950, era de 50,5% e, em 1960, 39,35% (ribeiro, 1986 apud. Bittar; Bittar, 2012, p. 3).
Dessa forma destaca-se
ministério desenvolvia atividades pertinentes à saúde, ao esporte e ao meio ambiente. O primeiro ministro da Educação foi
o mineiro Francisco Campos.
6 Período compreendido entre os anos de 1937-1945.
7 Manifesto lançado em 1932 por um grupo de 26 educadores e intelectuais propondo princípios e bases para uma reforma
do sistema educacional brasileiro. Redigido por Fernando de Azevedo, foi assinado entre outros por Anísio Teixeira, M. B.
Lourenço Filho, Heitor Lira, Carneiro Leão, Cecília Meireles e A. F. de Almeida Júnior.
315
Esses princípios progressistas, no entanto, não garantiram a universalização sequer da escola primária para
todas as crianças brasileiras, ou seja, a sequência de reformas que vimos, especialmente nos seus aspectos mais
democráticos, pouco saía do papel (Bittar; Bittar, 2012, p.4)
Essas medidas não conseguiam de modo eficaz trazer resultados esperados para a população, de
modo que pudesse mudar a realidade educacional da época, mas conforme evidenciado anteriormente,
os números mostram a realidade, ainda:
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
O Brasil chegou à década de 60 do século XX com quase 40% de analfabetismo, o que evidencia a ineficiência das
reformas, o seu caráter retórico e a omissão do Estado no cumprimento efetivo das leis que ele próprio edita.
(Bittar; Bittar, 2012, p.5)
Apesar do país não ter concretizado realmente o direito à educação de forma ampla, pública
e universal, conforme citado anteriormente, as discussões e os manifestos que ocorreram,
proporcionaram ao longo do tempo alguns ganhos:
A Constituição de 1946, por outro lado, previu, pela primeira vez, a elaboração de uma lei específica para a
educação brasileira: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que viria a ser aprovada apenas em 1961.
(Bittar; Bittar, 2012, p.4)
Mesmo que esta lei viesse a ser aprovada apenas 15 anos depois da sua elaboração, esta representou
um ganho concreto, pois foi fundamental para a direção educacional nacionalmente, trazendo as
seguintes regulamentações
Art. 2º A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Parágrafo único. À família cabe escolher o
gênero de educação que deve dar a seus filhos. Art. 3º O direito à educação é assegurado: I - pela obrigação do
poder público e pela liberdade de iniciativa particular de ministrarem o ensino em todos os graus, na forma de lei
em vigor; II - pela obrigação do Estado de fornecer recursos indispensáveis para que a família e, na falta desta,
os demais membros da sociedade se desobriguem dos encargos da educação, quando provada a insuficiência de
meios, de modo que sejam asseguradas iguais oportunidades a todos. (Brasil, 1961)
Caminhando para melhores condições à toda população teve-se a promulgação desta lei em 1961,
que trouxe possibilidades de ganhos para todos, entretanto logo após esse período entra em cena
novamente uma ditadura militar - como realizado pelo segundo governo de Getúlio Vargas - que trouxe
reformas no sistema educacional, modificando a educação conforme necessidades do regime.
[...] durante o regime militar transformou a escola pública brasileira porque na lógica que presidia o regime
era necessário um mínimo de escolaridade para que o País ingressasse na fase do “Brasil potência”, conforme
veiculavam slogans da ditadura. (Bittar; Bittar, 2012, p.6)
Esse período da ditadura, foi um cenário de grandes avanços quantitativos com a criação de muitas
escolas, mas para um único fim, mostrar que o país estava se desenvolvendo, sendo que na realidade
qualitativa estava estagnado ou sofrendo muitos retrocessos.
É preciso considerar que o processo da educação pública no contexto brasileiro, em meio a tantas
questões para que fosse pensado a garantia do direito à educação por meio das diretrizes, diante disso
deve-se fazer a aproximação dos ganhos societários relacionados à educação após o contexto acima
compreendido, que foi com a Constituição Federal de 1988.
A política educacional hoje, como afirmamos anteriormente, tem voltado para si muitos holofotes. A esta
é conferido um papel salvacionista, de destaque nos palanques dos políticos, como se todas as respostas aos
problemas nacionais fossem decorrentes da ampliação do acesso à escola. Neste sentido, a ideia de que a simples
elevação dos patamares educacionais — independentemente da infraestrutura para tanto e das condições de
vida da população — será responsável por uma revolução em todos os campos tem grande apelo e visibilidade.
(Lessa, 2013, p. 12)
Pensar a educação não é limitar a ampliação material de ferramentas educacionais, tais como
escolas e equipamentos, mas sim pensar todos os fatores que envolvem a efetivação da qualidade,
a saber, professores capacitados e bem remunerados, uma política pedagógica voltada para uma
educação libertadora, inclusiva, material didático adequado, enfim, a inserção nas escolas, de equipe
316
profissional, a qual inclua o Serviço Social. Ademais, tendo em conta todo esse período histórico, o
estabelecimento dos profissionais do Serviço Social na Política de Educação, não tão somente, mas,
também de profissionais da área da Psicologia, por meio da Lei 13.935/2019, pontuando que,
Art. 1º As redes públicas de educação básica contarão com serviços de psicologia e de serviço social para atender
às necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação, por meio de equipes multiprofissionais.
(Brasil, 2019)
Estabelecido por uma legislação, há portanto o reconhecimento concreto que esses profissionais
devem ocupar o espaço educacional, uma conquista para ambas as categorias e principalmente para
toda a sociedade.
Uma educação libertadora possibilita ver que a educação é construída por todos os envolvidos, é livre
do medo, da opressão e da alienação. Dessa forma se cria pensamento criativos, autônomos, propositivos
e transformadores da realidade, que busca lutar por uma sociedade justa social e economicamente.
Partindo dessa forma de pensar e fazer a educação, a dimensão socioeducativa do Serviço Social,
parte desta base concreta da realidade social para desenvolver seu trabalho tem em vista seus
princípios éticos:
I. Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes – autonomia,
emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais;
II. Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo;
III. Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia
dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras;
IV. Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza
socialmente produzida;
V. Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e
serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática;
VI. Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à
participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças;
317
VII. Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas
expressões teóricas, e compromisso com o constante aprimoramento intelectual;
VIII. Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem
dominação, exploração de classe, etnia e gênero;
IX. Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios deste Código
e com a luta geral dos/as trabalhadores/as;
X. Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na
perspectiva da competência profissional;
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
XI. Exercício do Serviço Social sem ser discriminado/a, nem discriminar, por questões de inserção de classe
social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, idade e condição física.
(CFESS, 2012)
Chama-se projeto ético-político do Serviço Social, porque a profissão tem uma construção coletiva,
um direcionamento, um rumo, a partir dos princípios acima, que é o rompimento com essa sociedade
de exploração, injusta, ultraconservadora, alienadora e mantenedora do poder de pouco (dominante).
A população atendida pelo Serviço Social não são meros receptores das ações e sim, protagonistas
das intervenções realizadas neste trabalho socioeducativo, na qual o profissional atua como facilitador.
Importante para o Assistente Social instrumentalizar as ações dos usuários, democratizando
informações para prepará-los para tomada de decisões conscientes em todos os momentos e espaços
enquanto cidadão, negando as práticas que visavam manter a subalternização da classe trabalhadora
nos moldes do autoritarismo.
Nesse sentido, com relação às ações socioeducativas, a mobilização e participação social o CFESS
afirma que estas ações socioeducativas
[...] não devem pautar-se pelo fornecimento de informações e/ou esclarecimentos que levem a simples adesão do
usuário, reforçando a perspectiva de subalternização e controle dos mesmos. Devem ter como intencionalidade
a dimensão da libertação na construção de uma nova cultura e enfatizar a participação dos usuários no
conhecimento crítico da sua realidade e potencializar os sujeitos para a construção de estratégias coletivas
(CFESS, 2009, p. 30).
Portanto, com a dimensão educativa, o Serviço Social se volta para a defesa e a orientação das classes
subalternas. A ação educativa do Serviço Social, quando pensada na perspectiva de desmistificar/
desvelar a ideologia dominante, resgata e sistematiza o potencial existente no cotidiano das classes
trabalhadoras, trazendo possibilidade de crítica ao senso comum, identificando nas expressões e lutas
do cotidiano das classes trabalhadoras, seu protagonismo e o seu reconhecimento enquanto classe
trabalhadora, caindo a falsa ideologia de classe, que nega a sua origem.
A dimensão socioeducativa do Serviço Social busca criar espaços de desenvolvimento social e
educativo, possibilitando espaços de consciência das pessoas sobre sua própria realidade, evidenciando
as consequências econômicas, sociais e políticas referentes à relação capital/trabalho, na vida de cada
um e de todos. É uma área de atuação do assistente social que visa criar condições para transformação
social por meio da educação, do diálogo e da participação social das pessoas. Vale ressaltar que as
pessoas só conseguem mudar o que identifica e indigna.
Para que o trabalho socioeducativo tenha êxito, o assistente social tem como premissa inicial
capacitar seus usuários, famílias e comunidade, para que possam compreender e lutar pela superação
de suas vulnerabilidades, sabendo os caminhos a percorrer e os desafios a enfrentar.
Vale ressaltar que:
As abordagens individuais e a atuação junto às famílias são bastante necessárias e estratégicas ao trabalho
profissional, visto que delas dependem muito a capacidade de enfrentamento das situações de ameaça, violação
e não acesso aos direitos sociais, humanos e à própria educação, como também de sua maior visibilidade no
âmbito da política educacional, mas não devem constituir na única modalidade de intervenção profissional.
(CFESS, 2013, p. 51)
Para o alcance dos seus objetivos, os assistentes sociais junto aos seus espaços de trabalho, incluindo
as escolas, desenvolvem atividades como, palestras, cursos, oficinas, rodas de conversa, teatro, artes,
fotografias, grupos de discussão, atividades culturais, entre outros. E, neste trabalho, o maior objetivo
318
é incentivar as pessoas a exercerem o seu poder como sujeitos de mudança da sua própria história,
para a participação ativa na construção de uma sociedade mais justa, equâneme e igualitária.
Dar voz às pessoas envolvidas na educação é a melhor forma de compreender a realidade que
professores, alunos, direção vivenciam. Programas e projetos executados de cima para baixo nunca
atenderão efetivamente as necessidades locais.
Destaca-se que o trabalho do Serviço Social na educação prevê também um trabalho interdisciplinar,
interinstitucionais, intersetoriais e apoiado pela instituição e gestões locais e nacionais.
A qualidade da educação a ser assegurada, em consonância com o projeto ético-político profissional do serviço
social, não se alcança como resultado da ação de um/a único/a profissional. Ela tampouco pode ser alcançada
a partir de ações intestinas aos estabelecimentos educacionais, muito embora elas tenham uma importante
mediação para a sua efetiva vinculação aos processos concretos de vida e de formação humana dos sujeitos
singulares. (CFESS, 2013, p. 46)
A qualidade da educação perpassa, além de uma formação sólida, pela permanência do estudante
na escola. A evasão é um termômetro de que algo acontece com o estudante, sua família e seu universo
de vida. A escuta qualificada, abordagens sistemáticas e intervenções de qualidade na realidade deste
estudante, sua família, comunidade e escola, são essenciais para que o estudante consiga terminar os
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Diante de tudo isso, pode-se evidenciar que o papel da/o Assistente Social será capaz de inserir-se
na realidade dos estudantes, pois ter acesso a educação é considerar todos os fatores que estão na
realidade de cada estudante e que, o acesso a qualidade da educação está diretamente ligado ao fator
de condição da vida sócioeconômica, e pensar a atual conjuntura da realidade social, requer o destaque
que, aqueles que estão em acesso com essa educação muitas das vezes estarão afastados desse
conhecimento proporcionado por uma educação de qualidade, ainda que, a realidade sócioeconômica
de grande parte da população estudante e suas condições se caracterizam por baixa renda. Assim é
imprescindível um olhar para além das condições objetivas que levam a ausência dos estudantes nos
espaços educacionais, é aqui que se fará ímpar o papel da/o Assistente Social inserido na realidade
desses estudantes. Portanto, sendo a/o Assistente Social, aquele profissional que está diretamente
envolvido com as condições da vida do estudante, compreendendo todas as relações sociais da sua
vida, ele poderá por meio da dimensão técnica-operativa sendo aqui materializada pelo estudo social,
identificar as fragilidades e potencialidades de cada estudante, que é um sujeito social e assim contribuir
progressivamente para uma efetivação do acesso à qualidade da educação. É pois, considerando todas
essas questões e pensando em ações que sejam capazes de dialogar entre as questões escolares e a
319
vida particular, indo além das paredes educacionais, para assim intervir na realidade particular de cada
estudante/família, visando sempre fortalecer a garantia do acesso e permanência nesses espaços,
com um olhar de que essas ações devem ser contínuas com um bom objetivo e planejamento, para
assim proporcionar reais efetivações das mesmas. Enfim, a inserção dos profissionais na realidade
educacional é a concretude de uma compreensão de que, essa profissão é capaz de proporcionar
algumas mudanças sociais na vida dos sujeitos que estão dentro desse espaço ou ligados a ele, observa-
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
se que é um campo em que a classe de assistentes sociais e até mesmo a sociedade vem lutando e ainda
demanda uma constante reivindicação e luta para que seja real e efetivo o trabalho dos Assistentes
Sociais no mundo escolar.
REFERÊNCIAS
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educacional brasileiro. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Serviço Social) -- Universidade
Estadual da Paraíba, Campina Grande, PB, 2016
BITTAR, Marisa ; BITTAR, Mariluce. História da Educação no Brasil: a escola pública no processo de
democratização da sociedade. Acta Scientiarum. Education , v. 34, n. 2, p. 157-168, Dez. 2012. Disponível em
https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/actascieduc/article/view/17497 Acesso: em 24/07/2023.
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camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4024-20-dezembro-1961-353722-publicacaooriginal-1-pl.html
Acesso: em 24/07/2023.
BRASIL. Lei n° 13.935, de 11 de dezembro de 2019. Dispõe sobre a prestação de serviços de psicologia e de
serviço social nas redes públicas de educação básica. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2019-2022/2019/lei/l13935.htm . Acesso em 10 ago. 2023.
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Atribuições privativas do/a Assistente Social em questão. 2012
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Código de ética profissional do Assistente Social.
Brasília, 2012. Disponível em https://www.cfess.org.br/arquivos/CEP_CFESS-SITE.pdf, Acesso em 14 ago. 2023
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS).2013. Subsídios para atuação de assistentes sociais na
política de educação. Série 3 - Trabalho e projeto profissional nas políticas sociais. Disponível em http://www.
cfess.org.br/arquivos/BROCHURACFESS_SUBSIDIOS-AS-EDUCACAO.pdf. Acesso em 24 ago. 2023
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1987
LESSA, S. E. A educação contemporânea, o combate à pobreza e as demandas para o trabalho do assistente
social: contribuições para este debate. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 113, p. 106-130, jan./mar. 2013
MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. 2. ed. São Paulo. Boitempo. ago. 2008. p. 35.
320
“ELE NÃO VIU QUE EU ESTAVA COM A ROUPA DA ESCOLA?”:
Serviço Social, educação e luta antirracista
RESUMO: O acesso da população negra à educação foi historicamente negado e hoje, embora não haja leis que
proíbam pessoas negras de estudar, o racismo estrutural e institucional impedem que crianças, adolescentes
e jovens negros tenham condições de acessar e permanecer na escola. Os dados acerca da evasão escolar, de
desempenho no ensino, analfabetismo, trabalho infantil e o genocídio da juventude negra evidenciam isto.
Neste sentido, este trabalho tem como objetivo analisar como o trabalho da/o Assistente Social na educação
básica pode contribuir para a construção da luta antirracista. Para isso, realizamos uma pesquisa bibliográfica
acerca da relação entre o Serviço Social, a educação e a luta antirracista. Com a pesquisa foi possível identificar
que não há atuação crítica nas escolas de educação básica que seja possível sem a adoção de uma perspectiva
antirracista e de combate a todas as formas de opressão. Ou, o que teremos será a reprodução de uma educação
que remonta aos primórdios da profissão que visa obedecer e não emancipar.
Palavras-chave: Serviço Social. Educação. Racismo. Luta Antirracista.
INTRODUÇÃO
Segunda-feira, Rio de Janeiro, 7 de agosto de 2023, Thiago Menezes Flausino, 13 anos, negro,
morador da comunidade, assassinado pela Polícia Militar. Essa reportagem poderia provocar indignação
e revolta, mas não causa porque é um adolescente negro e toda violência dirigida a essa população
foi naturalizada. Gonzalez (2020) afirma que as pessoas naturalizaram o racismo “Daí é natural que
seja perseguido pela polícia, pois não gosta de trabalho, sabe? Logo tem que ser preso, naturalmente.
Menor negro só pode ser pivete ou trombadinha, pois filho de peixe, peixinho é” (2020, p. 78).
A análise de Gonzalez (2020) possibilita a compreensão de como as crianças e adolescentes negros
não são tratados como preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. Serão assegurados
por lei à criança e ao adolescente “[...] todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”
(Brasil, 1990).
Para quais crianças e adolescentes esses direitos são garantidos? O ECA representa um avanço
significativo na luta em defesa das crianças e adolescentes. No entanto, o conceito de criança que
a polícia tem como referência é que se é negro criança não é. A questão que colocamos aqui, é que
1 Doutoranda em Serviço Social no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. carvalho.danielaphn@gmail.com.
2 Doutoranda em Serviço Social no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. isa92alves@gmail.com.
321
essa concepção não está presente só na polícia, o racismo está presente nas diferentes esferas dessa
sociedade, inclusive e, sobretudo, na educação.
Vivemos hoje a conquista da Lei 13.935/2019, que prevê a inserção de assistentes sociais e
psicólogos nas escolas da educação básica, que foi fruto de muita luta das categorias e entidades das
respectivas profissões. Ainda no rol de vitórias, temos a lei 11.645/2008 do ensino obrigatório da
história e cultura afro-brasileira e indígena, e a lei 12.711/2012 que prevê o acesso ao ensino superior
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Nas produções acerca da formação social brasileira há um número expressivo de abordagens, ainda
que com particularidades, que relatam o Brasil como um povo pacífico, onde vivem todos - brancos,
negros, indígenas - harmoniosamente, se deliciando das belezas naturais que esse país “abençoado por
Deus e bonito por natureza” tem a oferecer (Chauí, 2000). Um povo acolhedor, que não faz distinção de
cor/raça e nem religião. Terra do festejo, da alegria, do carnaval e do futebol.
Essa imagem que se cria acerca do Brasil e do povo brasileiro tenta ocultar aquilo que o movimento
da própria realidade expõe. Muito se diz sobre igualdade e liberdade, mas esses são valores que nunca
foram concretos para a população negra. Como apontado por Eurico (2023), ao povo negro a liberdade
nunca foi uma realidade porque, com base na perspectiva eurocêntrica, nem humanos eram.
Esse processo de desumanização do negro, a zona do não-ser como sinalizado por Fanon (2008)
é algo que se mantém na realidade, ainda que de diferentes formas. E isto pode ser evidenciado por
alguns números e estatísticas que conformam a sociedade brasileira.
Desde o processo de nascimento, já é possível identificar como a violência atinge o corpo de
mulheres negras. Seja por não terem acesso ao pré-natal e ao acompanhamento necessário como por
procedimentos invasivos e desnecessários. São as mulheres negras as maiores vítimas de mortalidade
materna no Brasil, sendo 77% superior à de mulheres brancas (Rede Brasil Atual, 2021). Como
apontado por Eurico (2023, p. 14) “O que se observa, na verdade, é o silenciamento acerca do racismo,
que incide desde a gestação, cresce no período da infância, ganha letalidade à medida que os anos
passam e desemboca em novas violências, racialmente fundadas”.
Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2020), houve um aumento
do trabalho infantil durante a pandemia que se mantém dadas as condições - ou a ausência delas -
materiais de existência. Só no primeiro semestre de 2023, O Ministério do Trabalho e Emprego realizou
inspeções e foram encontradas 702 crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil em todo o
país (MTE, 2023). E cabe ressaltar que estes números apesar de altos, ainda não retratam com precisão
322
a realidade. Essas crianças e adolescentes são filhos da classe trabalhadora que é majoritariamente
negra, pobre e que historicamente teve o acesso a direitos básicos negados.
De acordo com o levantamento apresentado pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação
do Trabalho Infantil - FNPETI, o trabalho infantil doméstico no Brasil é exercido em sua maioria por
meninas negras. De 94% de crianças e adolescentes que desempenham esse trabalho, 73% são negras
(Época, 2016). Isto nos remete ao que Lélia Gonzalez (2020) aponta acerca das representações da
mulher negra na sociedade brasileira. Aqui, não se trata de referir-se às meninas negras como mulheres,
mas sim, de identificar como essas representações já aparecem na infância de meninas negras, seja na
hiperssexualização de seus corpos ou na sua “destinação” ao trabalho doméstico.
Em relação aos meninos em situação de trabalho infantil temos o dado de que totalizam em
66,4% e desses, 66,1% são negros (IBGE, 2020). Entre os adolescentes em cumprimento de medidas
socioeducativas os negros também são a maioria. Conforme apontado por Eurico (2022), as crianças e
adolescentes em situação de acolhimento institucional são majoritariamente negros.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Fundo das Nações Unidas para a infância -
UNICEF, das mortes violentas pelo Estado Brasileiro, as crianças e adolescentes negros totalizam 80%
(UOL, 2021). De acordo com os dados do Instituto de Segurança Pública, no período de janeiro de
323
aponta Gonzalez (2020, p. 79) “a consciência faz tudo pra nossa história ser esquecida, tirada de cena.
E apela pra tudo nesse sentido. Só que isso tá ai… e fala”.
E fala de diferentes formas, grita e ecoa, mas novas máscaras de silenciamento são impostas
(Kilomba, 2019), por exemplo, a invalidação de nossos conhecimentos e saberes, tratados como não
científico, porque, na verdade o “medo branco da onda negra” ainda paira e por isso a branquitude se
mobiliza para manter seu pacto e privilégios (Bento, 2022).
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
No entanto, como já nos ensinou Clóvis Moura (1981), o povo negro construiu, ao longo da história,
inúmeras estratégias e formas de luta e resistência. E é nesta direção que nos propomos discutir
neste artigo como a inserção de Assistentes Sociais na educação básica pode se constituir como uma
estratégia fundamental para construção e fortalecimento da luta por uma educação antirracista.
O Serviço Social é uma profissão inscrita na divisão social e técnica do trabalho que tem como objeto
de intervenção as diversas expressões da questão social. Sua origem no Brasil se dá em um contexto
histórico marcado pela luta de classes decorrente da contradição capital x trabalho.
Diferente de outros modos de produção, na sociedade capitalista, a miséria é fruto da apropriação
privada da riqueza que é socialmente produzida e não da escassez de recursos e bens (Iamamoto,
2015). Em sua gênese, preservadas as particularidades de cada momento da construção da profissão
e de modo geral, as requisições para a profissão estavam relacionadas a adaptação e conformação da
classe trabalhadora aos interesses do capital. O objetivo era domesticar a classe trabalhadora para a
pobreza, contando para isso, com todo um arcabouço ideológico cristão, dentre outros instrumentos.
No entanto, com o processo de desenvolvimento da profissão e aproximação com a perspectiva crítica
se instaura o questionamento e problematização do que fomos convocados a fazer, e do que, de fato
faremos, enquanto profissão. Todo percurso trilhado pelo Serviço Social brasileiro vai se manifestar
nos marcos regulatórios da profissão que passa a compreender que o projeto profissional está
intrinsecamente relacionado a um projeto de sociedade.
Neste sentido, o projeto ético político do Serviço Social se constitui com base em uma ampla
construção de enfrentamento ao conservadorismo profissional (Netto, 1999), e posiciona o Serviço
Social na luta pela construção de uma sociedade livre de todas as formas de opressão e exploração.
Compromisso ético já exposto em documentos anteriores, como as diretrizes curriculares de 1996
e o código de ética de 1993, que sinaliza a “opção por um projeto profissional vinculado ao processo
de construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero”
(Barroco; Terra, 2012, p. 60).
A construção desse posicionamento que se compromete com o presente e com o devir é uma grande
conquista na direção do exercício profissional. Isto não significa que as contradições se encerram, pelo
contrário, expressa que em meio às contradições há possibilidades de intervenção que “constrói no
hoje o amanhã desejado”.
Conforme apontado por Yazbek (2009) o exercício profissional do assistente social é polarizado
pelos interesses de classes distintas e precisa ser compreendido a partir dessa relação. Ou seja, “não
se trata de uma dicotomia, mas do fato de que ele não pode eliminar essa polarização de seu trabalho,
uma vez que as classes sociais e seus interesses só existem em relação” (Yazbek, 2009, p. 130).
Frente ao exposto, podemos perceber que o exercício profissional pode servir tanto para reforçar
o caráter conservador, arbitrário, disciplinador como para construir processos de reflexão crítica que
conduzam ao enfrentamento e fortalecimento da construção de lutas pela classe trabalhadora. Nesta
direção, Iamamoto (2006, p. 79) “aponta o assistente social como um agente que exerce a função de
324
um educador político; um educador comprometido com uma política democrática ou um educador
envolvido em uma política dos donos do poder”.
Isto porque, sendo uma profissão interventiva, o trabalho do assistente social impacta diretamente
o cotidiano dos sujeitos. E, nesta intervenção há inúmeras possibilidades de problematizar o que é
naturalizado, de coletivizar o que é individualizado, de mobilizar aquilo que é fragmentação. Ao
tratarmos do compromisso da profissão com a construção de uma sociedade livre de todas as formas de
exploração e opressão já está exposto, de certa forma, o combate ao racismo, no entanto, gostaríamos
de dar ênfase a esse aspecto considerando que não é possível pensar uma sociedade anticapitalista
que não seja antirracista, principalmente pensando o processo de formação social brasileiro.
O debate das relações étnico-raciais no Serviço Social não é algo recente. Desde os anos 80 temos
mulheres negras construindo a luta antirracista na profissão e também fora dela, no movimento negro
e nas entidades da categoria (Abepss, 2018).
No entanto, apesar de não ser recente, as entidades da categoria, nos últimos anos, tem se
comprometido com o debate de forma mais incisiva. São exemplos de algumas ações: a Campanha
de Assistentes Sociais no Combate ao Racismo, a construção do documento Subsídios para o debate
étnico-racial na formação em Serviço Social pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço
Nesta direção, Almeida (2023) analisa a produção do conhecimento no Serviço Social e apresenta
os dados acerca da quantidade de teses e dissertações que tratam das relações étnico-raciais no
325
período de 2012 a 2022. Com a pesquisa é possível afirmar que há um crescimento exponencial de
2019 a 2022, mas dada a centralidade da temática para compreender a formação social brasileira e
seus rebatimentos na contemporaneidade é um número ínfimo de produções considerando a década
de análise. Além da produção, Almeida (2023) analisa também os currículos de 36 Programas de
Pós-Graduação em Serviço Social, dos 36 programas apenas 1 tem a disciplina de relações étnico-
raciais como obrigatória, 19 programas oferecem disciplinas como optativas ou eletivas, o que
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
vai na contramão dos documentos e orientações produzidas pela ABEPSS acerca da necessidade e
importância de adesão de disciplinas obrigatórias e também de uma abordagem que trate as relações
étnico-raciais como forma de análise e não como recorte.
Sobre a abordagem das relações étnico-raciais na graduação e na pós, Madeira (2022, p. 84) acrescenta:
Ao observar alguns cursos de graduação e pós-graduação, é possível identificar ainda silenciamentos dos
assuntos concernentes às relações étnico-raciais e Serviço Social no currículo do curso de Serviço Social, sendo a
questão racial menosprezada, silenciada, ou mesmo lida de forma equivocada num viés de um raso culturalismo.
É preciso asseverar que, mesmo sem ter espaço legitimado, um certo número de professores/as e estudantes
tematizou a questão racial da forma como foi possível fazer. Mas nada melhor do que garantir institucionalidade,
ocupar espaços na estrutura do currículo, fazer parte do projeto pedagógico, reafirmar a presença no projeto
ético-político dessa categoria profissional.
Nos últimos anos temos tido avanços significativos no debate, isto se dá, dentre várias questões, à
aprovação da lei de cotas e à presença de estudantes negras no ensino superior, “de objetos a sujeitos
de pesquisa”, como aponta Giovana Xavier (2019). Na análise de Gomes, Silva e Brito (2021) acerca da
aprovação da lei de cotas, os autores mencionam diversas mudanças e conquistas advindas do acesso da
população negra e periférica ao ensino superior. Dentre elas sinalizam a questão da produção teórica:
a adoção da Lei 12.711/12 visibilizou ainda mais nas instituições públicas de ensino superior uma produção
epistemológica que deu nova vida e ânimo à extensão, ao ensino, à pesquisa e à internacionalização. Vários
conceitos e categorias analíticas com os quais estamos comodamente acostumados a trabalhar têm sido
indagados pela juventude negra, periférica, quilombola, do campo, indígena, trans que chegou por direito
ao ensino superior, trazendo a sua corporeidade, sua experiência estética, outros conceitos, outros autores e
autoras, outras indagações advindas das suas experiências sociais. Isso tem feito a universidade repensar a sua
relação com o conhecimento (Gomes; Silva; Brito, 2021, p. 10).
Além disso, é necessário ressaltar a importância dos coletivos, frentes e outros movimentos que
fizeram e fazem o tensionamento e o enfrentamento necessário para a construção da luta antirracista
em diferentes espaços. Resgatar a trajetória e o caminho construído pela população negra na diáspora é
fundamental para conseguirmos enfrentar os desafios do presente como tão bem nos ensina Sankofa3.
Assim, é com a esperança das conquistas e a certeza dos desafios que afirmamos que a aprovação
da lei de assistentes sociais nas escolas de educação básica se apresenta ora como possibilidade de
fortalecimento da luta antirracista, ora como manutenção do pacto narcísico da branquitude, a depender
da perspetiva teórica, metodológia e política que orienta o exercício de cada profissional (Bento, 2022)
No entanto, apesar dos desafios, este campo está em aberto, o que significa que podemos disputá-lo.
Após praticamente 20 anos de luta, foi aprovada a lei 13.935/2019 que prevê a inserção de
psicólogas/os e assistentes sociais na rede de educação básica. Esta é uma grande conquista do Serviço
Social e da Psicologia brasileira, mas é também uma conquista da educação, que há tantos anos vem
sofrendo sucessivos ataques.
Cada conquista traz em si novos desafios, sabemos que só a aprovação da lei não garante o direito,
mas ela é um passo importante nesta luta que se mantém para garantir o financiamento, as formas e
condições de ingresso, a inserção nas equipes multiprofissionais e construção deste trabalho.
3 É um adinkra que significa voltar e pegar o que perdeu. Envolve voltar, olhar o passado para construir o futuro.
326
Neste momento, nos ateremos a pensar e traçar aqui algumas estratégias, possibilidades e
intervenções do exercício profissional das/os assistentes sociais. Para isso, é preciso sinalizar qual a
perspectiva de educação que nos orienta e a quem ela serve. Desde os primórdios da profissão, há
uma preocupação com a formação da classe trabalhadora, no sentido de adaptá-la às necessidades
de reprodução do capital. Aqui, a relação com a educação se dá a partir de uma perspectiva colonial
de controle e imposição. Segundo Mészáros (2002, p. 45) “Uma das funções principais da educação
formal nas nossas sociedades é produzir tanta conformidade ou ‘consenso’ quanto for capaz, a partir
de dentro e por meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados”.
Como apontado por Mészáros, a educação numa sociedade capitalista desempenha uma função
importante na manutenção e reprodução desse sistema e o faz, dentre outras formas, por meio do
ensino formal em que o que é ensinado é uma história única, como nos diz Adichie (2019), que domina,
controla e subalterniza. Assim, “a educação hoje se inscreve em um amplo processo de desumanização,
a serviço da barbárie, assumindo uma feição moderna. A política educacional não se estrutura como
forma de assegurar modos autônomos de pensar e agir” (CFESS, 2013, p. 20).
Neste sentido, vemos, por exemplo, como a educação formal nunca foi um espaço pensado para
a população negra. Pelo contrário, houve sempre muito investimento para que os negros ficassem
Esta é uma realidade na maioria das escolas públicas brasileiras. De acordo com a pesquisa de
Cavalleiro (2012), ao observar o cotidiano da sala de aula da educação infantil, foi possível constatar
inúmeros episódios de racismo na relação entre professor e aluno e entre as próprias crianças. Os
professores, ao presenciar estas situações foram omissos e coniventes.
O impacto da discriminação racial na vida e crianças e adolescentes negros se evidencia na evasão escolar,
sempre maior para esse grupo, e também no desempenho educacional prejudicado por diferentes fatores,
dentre eles a qualidade das escolas frequentada por esse grupo, a qualidade dos materiais e equipamentos
327
disponíveis, o acesso a internet, enfim, uma situação de desigualdade que ficou escancarada na pandemia da
covid-19 (Bento, 2022, p. 105).
mais uma vez, sua história negada, seus ancestrais apagados, a luta dos seus povos diminuída e até
esquecida. É na escola que crianças negras já veem os seus em posições de trabalho socialmente lidas
como inferiores. É na escola que a violência acontece e os professores se silenciam. Acerca desse
processo de racismo na escola Reichmann, (1995, p. 503) acrescenta:
A baixa performance dos alunos é reforçada e perpetuada por esses estereótipos negativos, em muitos casos
levando as crianças à internalização de auto-imagens negativas. Trindade examinou, em pesquisa sobre o
comportamento dos professores primários do Rio de Janeiro, como as escolas discriminam. Ela encontrou
professores que descreveram as crianças negras como sofrendo ‘privação cultural’, ‘falta de alimentação’,
‘deficiência de linguagem’, e ‘necessidades emocionais’.(...) Em um outro estudo, sobre professores, alunos e livros
escolares, Vera Figueira também apontou que estereótipos negativos estão consistentemente ligados a negros
– pelos professores, pelos livros pedagógicos, e por outros estudantes. Trindade sumariza: (...) ‘As crianças são
simbolicamente massacradas, porque os estudantes, especialmente nossos negros, estudam em escolas públicas
que produzem neles a sensação de inferioridade e ausência de pertencimento em relação à nossa sociedade,
dificultando-lhe a mobilidade social e cristalizando, naturalizando as desigualdades.
Muitas são as expressões que o racismo assume no espaço escolar e vários são os rebatimentos na
vida de crianças, adolescentes e jovens negros. É a evasão que acontece porque precisa trabalhar, é
por não ser reconhecido como sujeito, por ser vítima de inúmeras violências e obter dos professores
o silêncio como resposta e poderíamos enumerar aqui uma série de fatores que estão totalmente
relacionados com o racismo e sua contínua reprodução. Esse silêncio, que mencionamos diversas vezes,
é a expressão do pacto da branquitude, pois como nos diz Passos (2023, p. 6) “Não existe neutralidade
e, por isso, se não ocupa o lugar de alvo, certamente se beneficia da destruição do outro”. E por isso nos
cabe questionar: Que Serviço Social para qual educação?
Até aqui assinalamos como tem sido a realidade da educação brasileira de um modo geral. No
entanto, como nos ensina Gomes (2017) o histórico do Movimento Negro tem muito a nos dizer ao
pensarmos o processo de construção de estratégias e possilidades da luta antirracista. São conquistas
do Movimento Negro, de sua luta histórica em defesa da educação, a aprovação da Lei 10.369/2003
substituída posteriormente pela 11.645/2008, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional incluindo de forma obrigatoria o ensino de história e cultura afrobrasileira e indígena. A
aprovação da lei 12.288/2010 que institui o Estatuto da Igualdade Racial. A Política Nacional de Saúde
Integral da População Negra de 2009. A lei 12.711/2012 que prevê o acesso ao ensino superior por
meio da implementação das cotas.
A aprovação dessas legislações representam um marco no histórico de lutas do Movimento Negro. E,
a partir do que já foi construído até aqui, continuar em luta para que, de fato, as leis se cumpram. E é nesta
dimensão que o trabalho do assistente social se insere. Ao fazer parte das equipes multiprofissionais
da educação básica, a/o assistente social pode construir o seu exercício profissional pautado em todos
esses documentos, trazendo propostas e pensando alternativas para a efetivação do ensino da história
e da cultura afro-brasileira e indígena.
A presença dessas(es) profissionais no ambiente escolar contribui para o aprimoramento de processos
fundamentais: ajuda a desenvolver, implementar e reformular currículos, projetos pedagógicos, políticas
e procedimentos educacionais; aperfeiçoa métodos, técnicas e instrumentos adequados para subsidiar a
formulação e o replanejamento de planos escolares; apoia a qualidade de vida da comunidade escolar, atuando
nas ações e projetos de enfrentamento aos preconceitos e à violência na escola (CFP/CFESS, 2019, p. 6).
Neste sentido, para que essa construção seja possível, é necessário que tenhamos como parâmetro,
outra perspectiva de educação, pois não é simplesmente incluir a temática nos currículos, mas pensar
328
de que forma isso será feito. É repensar o papel da escola, do conhecimento, dos saberes. É preciso
romper com a história única (Adichie, 2019).
Acerca das contribuições que o Serviço Social e a Psicologia podem trazer para o ambiente escolar
os conselhos afirmam: “contribuem para a elaboração de estratégias que garantam aprendizagem de
qualidade para todas(os) as(os) estudantes, sob uma perspectiva plural e inclusiva, considerando suas
diferenças, desigualdades e dificuldades” (CFP/CFESS, 2019, p. 9).
Para elaborar essas estratégias é preciso ter um olhar de totalidade, uma análise que considere o
contexto e a realidade em que essa criança ou adolescente está inserido, mas que, ao mesmo tempo,
não individualize o que é coletivo e que não coloque como problema as diferentes formas de ser, existir,
pensar e se relacionar, mas que traga como o racismo, a violência, a LGBTQIAPN+fobia, a intolerância,
o capacitismo, a gordofobia, o machismo e todas as formas opressão e exploração são o problema.
Um aspecto importante é a atuação no “processo de inclusão e permanência dos alunos com
necessidades educativas especiais na perspectiva da inclusão escolar”(CFP/CFESS, 2020, p. 31). Neste
ponto, há um debate urgente e necessário da luta anticapacitista. Que haja o olhar atento para que todes
possam existir em liberdade, sem serem discriminados e ou diminuídos por seus corpos, deficiências,
entre outros. E que também haja comprometimento para exigir e lutar por mudanças necessárias na
Nesta dimensão é necessário pensar que as estratégias não devem se pautar na culpabilização da
família e na sua responsabilização por processos que são responsabilidade do Estado. Mais uma vez,
uma perspectiva antirracista é fundamental para que a escola não reproduza o discurso de guerra às
drogas, quando na verdade sabemos que é guerra ao povo negro (Paula, 2022).
Outro ponto que cabe destaque é o compromisso da/o assistente social com “estimular a organização
estudantil em estabelecimentos de ensino e na comunidade por meio de grêmios, conselhos, comissões,
fóruns, grupos de trabalhos, associações, federações, formas de participação social” (CFP/CFESS,
2020, p. 40). Contribuir com a construção e fortalecimento desses espaços permite que todes tenham
a possibilidade de construir a educação desejada. É uma oportunidade também para que a comunidade
participe, que a escola conheça os movimentos e organizações presentes no território, sua forma de
luta, suas pautas, construindo os diálogos necessários com o que já foi construído e fortalecendo sua
continuidade. Conhecer a história, os sujeitos e o processo de construção, identificar os movimentos
sociais que já existiram e os que ainda existem, se tem Congada, como que Movimento Negro se deu
nessa localidade ou se não teve essas expressões quais os motivos, este também é um caminho possível
para construção da luta antirracista.
O intuito de trazer as contribuições que o Serviço Social e a psicologia têm para atuar nas escolas
da educação básica relacionado com a construção da luta antirracista é exatamente evidenciar que
não é possível pensar em uma educação “para além do capital” que não seja, de fato, antirracista. No
percurso deste trabalho, questionamos sobre qual a perspectiva de educação que nos orienta e aqui
329
não nos interessa a definição de qual seria essa educação, mas como ela se faz. E as possibilidades e
contribuições apontadas evidenciam que a educação libertadora não se faz só. É construída por muitos,
por diversos, pela escuta e pela coletividade.
A academia não é o paraíso. Mas o aprendizado é um lugar onde o paraíso pode ser criado. A sala de aula, com
todas as suas limitações, continua sendo um ambiente de possibilidades. Nesse campo de possibilidades temos
a oportunidade de trabalhar pela liberdade, de exigir de nós e dos nossos camaradas uma abertura de mente e
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
de coração que nos permita encarar a realidade ao mesmo tempo em que, coletivamente, imaginamos esquemas
para cruzar fronteiras, para transgredir. Isso é uma educação como prática da liberdade (hooks, 2017, p. 273).
Que possamos construir uma escola que seja espaço de construção, de luta, de resgate de saberes
ancestrais, de valorização da vida, da natureza. Um espaço em que todos possam existir sendo quem
são, sem medo e sabendo de toda a potência que existe no diverso. Que a educação possa fortalecer
as sementes, para que elas cresçam e floresçam. E isto, só é possível se fizermos da escola um espaço
seguro para transgredir e não obedecer.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao fim desse trabalho, é possível afirmar com base nos dados apresentados que a inclusão de
assistentes sociais na educação básica requer necessariamente um investimento coletivo no processo
de formação continuada antirracista desses profissionais.
Como exposto, as entidades da categoria têm se mobilizado e pautado um direcionamento
antirracista, mas este debate não está consolidado no processo de formação profissional, temos
avançado, mas como apresentado nas pesquisas, a matriz curricular, a estruturação das disciplinas e o
processo de formação profissional não se constitui estruturalmente antirracista.
Este é um desafio. Como ter profissionais antirracistas construindo a luta nas escolas se esses
profissionais não tiveram uma formação que possibilitasse isso? Como pensar a reestruturação dos
currículos, sugerir propostas no projeto pedagógico, disponibilizar formação para a comunidade
escolar numa perspectiva antirracista se não conhece autores negros, se não teve esses referenciais e
arcabouço teórico durante a graduação?
Neste sentido, a inserção da/o assistente social nas escolas abre caminhos para continuar uma luta
anterior do Movimento Negro e abre também a possibilidade do Serviço Social construir, por meio
da educação, uma outra perspectiva de profissão junto à comunidade. Mas, para que isto aconteça
é necessário formação de qualidade para os que virão e formação continuada e de qualidade para
reparar os danos de uma formação que não foi antirracista.
Por fim, no percurso de um estudo, sempre somos confrontados com novas questões que nos conduzem
a reformular as nossas perguntas e nisto alimentamos o movimento da pesquisa. A realização deste estudo
possibilitou visualizar alguns caminhos abertos por nossos ancestrais e desafios que se colocam à sua
realização. Isto não nos faz desacreditar da potencialidade desse exercício profissional. Pelo contrário,
nos conduz à luta em defesa de uma profissão que ou será antirracista ou será responsável também
pelo derramar do sangue de crianças e adolescentes negros. Lutamos por uma educação antirracista ou
estaremos contribuindo com a evasão de crianças negras da escola. O caminho está aberto e em disputa,
cabe-nos escolher para quem servirá o nosso trabalho e que tipo de educação vamos defender e construir.
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333
“A GENTE MORRE, MAS A ESPERANÇA FICA”:
Prontuário Vivo e as Memórias de uma Assistente Social no Serviço de
Acolhimento em República Jovem
RESUMO: Este artigo foi construído a partir das reflexões de uma assistente social inserida no Serviço de
Acolhimento Institucional na modalidade República Jovem. As narrativas da juventude em atendimento na
República e no Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes (SAICA) são centrais neste trabalho,
histórias atravessadas por intervenções e decisões de diversas esferas do poder público. Procuramos
compreender qual o papel dos/as jovens nas decisões que foram tomadas sobre suas vidas até o momento,
bem como dos registros produzidos sobre eles/as. Além das dimensões que integram a práxis profissional do
Serviço Social – teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-política, nos aproximamos das categorias
“Identidade, oralidade, memória e ancestralidade”, que aparecem como um farol, sempre iluminando a direção.
Por fim, compartilhamos um pouco da prática político-pedagógica do “Prontuário Vivo”, que reflete sobretudo
a busca por uma postura profissional dialógica. Mais do que encontrar uma maneira correta de se fazer e de se
pensar uma “política da mudança”, procuramos experimentar olhares que nos permitam questionar os caminhos
trilhados até aqui. E alertamos, esse trabalho é uma denúncia, mas quer ser celebração.
Palavras-chave: Serviço Social; República Jovem; Referencial Teórico; Prontuário Vivo.
ABSTRACT: This article is based on the reflections of a social worker working in the Institutional Shelter Service
in the “República Jovem” (House of Youth) modality. The narratives of young people in care at the Social Services
Agency and the Institutional Shelter for Children and Adolescents (SAICA) are the focus of this work, stories
crossed by interventions and decisions from various spheres of public administration. We aim to understand
the role of young people in the decisions that have been made about their lives so far, as well as the records
produced about them. In addition to the dimensions that make up the professional praxis of Social Work -
theoretical-methodological, technical-operative, and ethical-political, we approach the categories “Identity,
orality, memory, and ancestry”, which appear like a light, always enlightening the direction. Finally, we share a
little of the political-pedagogical practice of the “Prontuário Vivo” (Living Records), which especially reflects the
search for a dialogical professional stance. Instead of finding the right way of doing things and thinking about
the “politics of change”, we seek to experiment with perspectives that allow us to question the paths we have
taken so far. And we warn you, this work is a complaint, but it aims to be a celebration.
Keywords: Social Work; House of Youth; Theoretical Framework; Living Records.
INTRODUÇÃO
Esse trabalho busca caminhos a partir da participação da autora na disciplina “Identidade, oralidade,
memória e ancestralidade: teoria, metodologia e conceitos em Ciências Humanas – conhecimentos e
saberes culturais”, ministrada pelo Prof. Dr. Dagoberto José Fonseca, no ano de 2021, no Programa de
Pós- Graduação em Serviço Social da UNESP campus de Franca/SP. O que seria um simples trabalho
de conclusão do curso, virou semente germinada e não para de crescer, contudo, a colheita só é boa
quando é compartilhada, por isso estamos aqui.
O/a “usuário/a”3 encaminhado/a via Política de Assistência Social chega bem antes de realmente
chegar, principalmente quando se trata do acolhimento institucional. Chega pelo relatório, em uma
1 assistente social formada pela Unesp Franca, foi aluna especial na disciplina “Relações Étnico-Raciais na Sociedade
Capitalista - no Brasil”, no Programa de Pós- Graduação em Serviço Social da UNESP campus de Franca/SP ” no ano de
2023, E-mail: camilatome1@hotmail.com.
2 Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP, São Paulo, SP, Brasil), pós-doutor
em Educação pela Universidade de Campinas (Unicamp, Campinas, SP, Brasil), Professor (orientador) do Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista (UNESP, São Paulo, SP, Brasil), E-mail:
dagobertojose@gmail.com
3 Termo de origem e significado duvidosos, mas corriqueiramente utilizado na práxis profissional.
334
reunião de discussão de casos, ou via contato telefônico. O modo não importa, é parte bem estabelecida
do processo, o nome chega antes de quem o porta, a história chega antes de quem a vivenciou.
No atendimento no Serviço de Acolhimento em República Jovem4 não é diferente, porém o que
levou a assistente social ouvinte a redigir esse texto foram outras narrativas. Nelas, os/as “usuários”
(jovens) traziam a ânsia de falar – e às vezes gritar - sobre os percursos do atendimento institucional
anterior, sobre os atravessamentos aos quais foram submetidos/as ao longo dos anos, bem como sobre
o movimento de afastamento e aproximação com suas famílias de origem. Procuramos compreender
qual o papel dos/as jovens nas decisões que foram tomadas sobre suas vidas até o momento e os
registros produzidos sobre eles/as.
Na primeira parte deste trabalho buscamos tecer reflexões, questionamentos e possíveis
enfrentamentos. Partimos do lugar da/o assistente social que atua dentro das instituições de “controle
estatal” na Política de Assistência Social e, pretendemos articular as dimensões que compõem o fazer
profissional do Serviço Social (teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-política).
Na segunda parte, pensaremos possibilidades para o trabalho no Serviço de Acolhimento em
República Jovem, a partir das percepções e falas dos/as jovens que estão em atendimento e carregam as
memórias do acompanhamento Institucional. Compartilharemos também, a construção do Prontuário
335
a construção de conhecimento sem a exclusividade do paradigma eurocentrado, e a “descolonização
das mentes”. Talvez assim, possamos nomear uma percepção inicial, enquanto possibilidade alcançável,
necessária e a caminho.
Partimos do pressuposto de não termos as respostas, pois como declarou Paulo Freire “o caminho
se faz caminhando” (Freire, 1992). Contudo, nos reservamos o direito de escolher os caminhos por
onde fluem os pensamentos, visto que, um barco sem direção é apenas levado pelo vento. Mais do
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
que encontrar uma maneira correta de se fazer e de se pensar uma “política da mudança”, procuramos
experimentar olhares que nos permitam questionar os caminhos trilhados até aqui.
A Educação Popular deu o alicerce para a realização dessa pesquisa de maneira participativa,
orientou toda a trajetória profissional desta escritora e grande parte das ações na República. Resta
dizer que, as “categorias” identidade, oralidade, memória e ancestralidade são como farol iluminando
a direção.
Historicamente, o Serviço Social enquanto profissão surge ante a necessidade de dar resposta às
expressões de questão social. No entanto, alinhadas às instituições detentoras do poder político, religioso,
econômico e cultural-valorativo, as práticas profissionais tinham como foco o ajustamento e o controle
dos indivíduos (Netto, 2017). No Brasil, em paralelo ao cenário de ditadura militar, a profissão passou por
um movimento de reconceituação, introduzindo a teoria social crítica, de perspectiva marxista7.
O Serviço Social traz um legado de contradições, por um lado, as finalidades institucionais,
muitas vezes coincidem com a preservação da ordem, com o controle social e com a reprodução da
desigualdade, por outro lado, há um projeto ético-político profissional pautado em valores como
emancipação, liberdade e autonomia. Esta equação produz respostas profissionais automatizadas,
burocráticas e deixa de captar as expressões singulares e humanas, encobertas pela massificação das
necessidades. Soma-se a isso o sucateamento dos serviços públicos - campo de disputa pela efetivação
dos direitos sociais – e a intensificação e complexificação das expressões da questão social.
José Martí, figura icônica da independência cubana, afirmou: “O governo não é mais que o equilíbrio
dos elementos naturais do país” (Martí, 1981). Neste sentido, surgem alguns questionamentos: se
o Estado precisa atuar para que não seja reflexo da desigualdade do seu povo e ao mesmo tempo
represente esse povo em sua composição, o que garante que nós, enquanto operacionalizadores da
máquina estatal, não reproduzimos valores que não passam de instrumentos de controle? Quem está
no comando? Quem está tomando as decisões? Quem está ouvindo e quem está falando?
Corre-se o risco, diante as tensões geradas pela insuficiência do poder público e a precarização do
trabalho, que o profissional deixe de voltar seu olhar para os sujeitos que dão sentido ao existir da
profissão. Por vezes, identifica-se o processo de vulnerabilização - sustentado socialmente - contudo,
6 Um dos decanos da literatura afro-brasileira, hoje com seus 96 anos continua a visitar escolas com o “Sarau protesto”,
levando rodas de poesia com objetivo de combater os racismos, apoiar a implementação da lei 10.639 e estimular crianças
e jovens a ler e escrever.
7 Ainda hoje a teoria social crítica de perspectiva marxista é predominante nos cursos de Serviço Social, bem como nas falas
e ações das organizações coletivas que representam as categorias: estudantil e profissional. Não nos cabe aqui aprofundar
ou questionar a “validade científica” ou “metodológica” dessa escolha, mas começamos com a ousadia de pincelar
alguns acordos construídos socialmente que remontam a mentalidade colonial, e podem limitar a forma de se produzir
conhecimento, viver em comunidade e a própria prática profissional, que transita entre o automatismo, o adoecimento e a
indiferença. Não cremos que um regime único e universal de referenciamento possa dar conta da complexidade cultural e
da desigualdade estrutural forjada por tanto tempo em nosso país. Infelizmente temos poucas linhas para desenvolver uma
questão tão complexa, mas deixaremos a indicações de dois textos que podem auxiliar quanto a ampliação de referencial
teórico, são os livros “As Mentiras do Ocidente” (Fonseca, 2022) e “O Perigo de uma História Única” (Adichie, 2019).
336
não se (re)conhece suas trajetórias de vida, seus caminhos de (re)existência, suas potências. Somos
responsáveis pelo impacto de nossa intervenção profissional na construção de uma identidade
atribuída aos/as jovens.
Natalia Homanoff (13 anos no SAICA8, ainda está por lá): é engraçado porque eu sempre escuto várias pessoas
do Acolhimento falar assim “você tá aqui há mais tempo que eu, você sabe mais”, mas quando é questão de falar
das minhas experiências elas não estão dispostas a ouvir (...) a gente se abre e depois usam isso contra nós...
Sol Silva (13 anos no SAICA, atualmente está na República): elas falam isso como se fosse bonito falar. É bonito
falar isso?
Sol Silva: e eles falavam o que de mim? O Sol é um menino rebelde, mas ninguém explica porque eu era rebelde,
então um profissional pega uma visão totalmente errada de mim, a visão de outro profissional. Eu estava ali
explicando a minha história de vida pra ela, ela nem levou em consideração, “mas não interessa o que você tá
falando, eu já li no seu prontuário”, eu sei quem é você antes mesmo de conversar comigo (...)
Arcana Jessy (7 anos no SAICA, ainda está por lá): se o muleque fala algo que surta porque eles não falaram
porque ele surta sabe? Porque ele tá revoltado comigo? É a visão que tachou isso na mente, que a pessoa é isso, na
verdade ela não é isso, ela é isso que você tachou. Ele não é aquele muleque que tá surtando, ele é um brincalhão
sabe, só que ele não tá brincando, porque ele não tá brincando?
Naruto Eduardo (10 anos no SAICA, atualmente está na República): eles mandam que todo mundo é difícil, será
que o juiz vai acreditar que todo mundo é difícil?
Quantos de nós podemos viver livres para escolher e confiar “no melhor” quando se tem uma lupa
Essas são histórias que ouvimos todos os dias e podem nos fazer refletir sobre o impacto das nossas
ações (e decisões) na vida das pessoas que atendemos. Aqui trazemos indagações que dialogam
diretamente com as dimensões teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-política da nossa
profissão: quais os conhecimentos que a/o profissional utiliza para a construção de sua análise e de seu
“saber” sobre o sujeito atendido?
Os registros profissionais subsidiarão o acesso (ou a negação) a direitos humano-sociais. Qual a
responsabilidade assumida pela/o profissional por esses registros em seu sentido ético, especialmente
no que diz respeito ao “protagonismo”9 destes sujeitos? Nossos registros imprimem um olhar
hierarquizado, julgador e inacessível? Que linguagem utilizamos? Conseguimos ouvir a voz dos
8 Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes. Refere-se ao acolhimento provisório e excepcional
para crianças e adolescentes sob medida de proteção prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente. Pode ser
desenvolvido em unidades residenciais ou institucionais, cujas normativas de funcionamento estão previstas na Tipificação
Nacional dos Serviços Socioassistenciais (Brasil, 2013) e nas Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para
crianças e adolescentes (Brasil, 2009).
9 Palavra gasta, mas necessária.
337
sujeitos que atendemos e expressar sua própria manifestação, para além do nosso parecer técnico?
Questionamos sobre como se sentem ao serem olhados pelas equipes e serviços e obtivemos as
seguintes respostas:
Cintia: Como um saco de batatas, é a melhor descrição.
Natalia: como um cavalo que eles querem domar, eu acho que é isso.
Sol. Hoje em dia? hoje em dia é foda hein. Eu acho que eles falariam coisas básicas, eu acho não falariam nem mal
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
nem bem.
Ao conversarmos sobre como se veem hoje, na vida, tivemos a surpresa da similaridade com
as respostas anteriores. Isso nos mostra que, as questões não estão separadas e, a visão das/os
profissionais colabora para a construção de suas identidades.
Cintia: como uns bonequinhos.
Natalia: eu me vejo muito injustiçada. Eu me vejo sem voz em relação ao que eles me fazem sentir.
Sol: é, a Natalia tem potência, mas é sem voz.
Natalia: eu sou uma pessoa que tem muita voz e eles me deixam totalmente sem voz, me deixa sem ânimo, sem
força, é isso que eu me sinto em relação a isso.
É bem provável que finalizada a atuação profissional, no âmbito da demanda institucional, “o caso”, “o
processo”, “o requerimento” se encerre. Todavia, os impactos daquela interferência estatal na vida dos
sujeitos continuarão a afetá-los. Mencionaremos duas experiências específicas em que os/as jovens da
República Jovem identificaram que: suas vidas foram atravessadas sem que tivessem possibilidade de
ação, voz e reação, isso quando estavam no SAICA. O primeiro caso nos chama atenção, é a mudança
repentina de casas. Em outra situação um dos jovens foi para a Fundação Casa, e reconhece que tal
vivência é reflexo da ação do Serviço de Acolhimento10:
Cintia: tinha uma vez que eu tava dormindo fora daí quando eu cheguei na casa minhas coisas já estavam em
outra casa, foi quando eu mudei da oito pra seis. A educadora não deixou eu entrar, já chamou o taxi pra eu ir pra
outra casa (...) Quando eu fui pra casa nove, eu tive que tomar remédio, tive que tentar me matar pra eles me tirar
daquela casa11 (...) foi quando eu tentei me matar da primeira vez.
Sol: eu vou dar o exemplo desse negócio de atravessar a vida da gente. Ir pra Fundação foi uma coisa que atravessou
e eu não tive direito de me defender (...) o coordenador do Acolhimento entrou pra falar com o promotor e ele
ficou um bom tempo lá falando com o promotor (...) eu na sala de fora do promotor esperando. Eles conversaram
por muito tempo e quando eu vi eles foram conversar com o policial e eu vi que o policial tava vindo na minha
direção, e ele “mão pra trás”. Eu pus a mão e ele começou a me algemar, e eu meio que perdido assim. “Você não
entendeu o que tá acontecendo?”, eu falei “não”, “você tá sendo preso” (...) O Promotor nem me conhecia, mas ele
criou uma visão de mim seguindo os profissionais né, psicóloga e assistente social da época, acho isso muito sério,
de o promotor não ter dado ouvido pra mim, só para os profissionais.
A depender da esfera estatal em que se atua e do público atendido, os sujeitos – e outras gerações
das quais ele ascenda ou descenda, podem retornar à instituição. Nossos registros serão memórias que
podem reproduzir e perpetuar uma cristalização sobre a história, bem como determinar possibilidades
concretas para a vida desta pessoa ou de sua família.
10 Isso precisa ser encaminhado junto aos responsáveis pelo ocorrido, o mínimo que deve existir é uma conversa sensata
sobre tudo isso que é tão sério, Sol deseja dialogar sobre o ocorrido para que esta situação não se repita com outros/as
adolescentes do Acolhimento.
11 Na leitura coletiva do texto final deste trabalho, os/as jovens ficaram com muito receio desta fala ser interpretada como
uma chantagem de Cintia para conseguir o que quer. Cintia chegou ao ponto de tentar se matar pra aliviar uma dor que está
muito além, a mudança de casa só fez piorar toda a situação.
338
Quais memórias estamos produzindo? Elas expressam a complexidade da realidade social, da
ancestralidade e da identidade das pessoas em atendimento e de suas famílias? Acreditamos que as
citações falam por si.
Cintia: Eu não tive nenhum tipo de acompanhamento, eu só tive uma reunião com a minha avó depois que eu fui
pro Serviço de Acolhimento pra ver se eu ia voltar ou não, eu não voltei. Eu mandei um monte de carta pra minha
avó e minha vó não recebeu uma carta, isso eu achei muito errado. Ninguém nunca perguntou se eu queria ter
visita, eu que ia na casa da minha avó.
Sol: Olha o jeito que eu sou, sou todo misturado, eu não conheço minhas tias porque eu não vivi com elas, eu não
tenho uma história, em questão de família, de identidade, de origem, eu não tenho, eu não sei de onde eu vim (...)
era uma coisa que eu questionava bem na época que eu pedia pra eles pra ver minha mãe, eu queria entender de
onde eu vim. Eu nunca provei a comida da minha mãe, eu não sei o sabor da comida dela, eu não sabia do que ela
gostava, do que ela não gostava, eu não sabia sobre a minha vó, o que eu sabia era tudo por papel, por exemplo
isso que o povo falava que sua vó é perigosa, eu nunca vi ela ser perigosa. Sabe qual é a lembrança que eu tenho
da minha avó? De eu sentado no colo dela e que ela tinha um pote de bala enorme em cima do armário e toda vez
que eu chegava lá e falava “bença vó, bença vó”, e ela me entupia de bala, entendeu?
Arcana: (...) Mas eu acho muito errado mano, as mãe fica assim daí as vezes aconteceu os B.O. dela dos antepassados,
daí ela acabou reproduzindo isso, eu acho que não soube separar e daí acabou agindo daquela forma com o filho
porque daí não sabia como se controlar. Tipo assim é um ciclo né, eu vivi isso, eu vou continuar vivendo isso mano,
a minha vida é assim, daí acostumou, daí fala assim “Eu vou continuar nessa linha reta”, daí teve a ideia de que a
linha reta é o lugar melhor e ela não soube ir pro lado sabe, colocou na mente que a linha reta é o único caminho,
Importante resgatar que o Código de Ética da/o Assistente Social pressupõe que nas suas relações
com a população participante dos serviços a/o profissional deve fornecer, quando solicitado,
informações sobre o trabalho desenvolvido e suas conclusões (Barroco; terra, 2012). Consta nas
“Orientações técnicas para elaboração do Plano Individual de Atendimento (PIA) de crianças e
adolescentes em acolhimento”:
“A equipe do serviço de acolhimento é a principal responsável pela coordenação, elaboração e atualização do PIA.
Contudo, o mesmo deve contar com a participação ativa da criança/adolescente acolhido (conforme o seu grau
de desenvolvimento), de suas famílias, do(s) cuidador(res)/educador(res) responsável(is) pelos cuidados diretos
no serviço de acolhimento, da família acolhedora e, quando for o caso, de pessoas da comunidade com vínculo
significativo com a criança/adolescente” (Brasil, 2018).
Destaca-se aqui a entrevista e o estudo social, enquanto instrumentais que possuem não apenas
a finalidade de coleta de dados objetivos (como composição familiar, informações que demonstrem
12 Segundo consta nas “ORIENTAÇÕES TÉCNICAS PARA ELABORAÇÃO DO PLANO INDIVIDUAL DE ATENDIMENTO
(PIA) DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SERVIÇOS DE ACOLHIMENTO”, o PIA “é um instrumento que norteia as
ações a serem realizadas para viabilizar a proteção integral, a reinserção familiar e comunitária e a autonomia de crianças e
adolescentes afastados dos cuidados parentais e sob proteção de serviços de acolhimento. A obrigatoriedade da elaboração
do PIA está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, atualizado pela
Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009, e, ainda, na Resolução Conjunta CNAS/CONANDA nº 01, de 18 de junho de 2009 –
Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes” (Brasil, 2018).
13 Adolescente que está no SAICA (Serviço de Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes).
339
acesso à renda e ao mundo do trabalho, etc.), mas também de escuta das narrativas de cada sujeito acerca
de sua trajetória, história de vida e percurso sociofamiliar. É necessário, portanto, que o profissional
reúna aprofundamento teórico e metodológico para articular essas narrativas e os atravessamentos
subjetivos e objetivos que elas expressam.
Nos processos que envolvem a medida de acolhimento institucional, o assistente social precisa
emitir parecer acerca da “capacidade” das famílias e suas condições para a reintegração da criança
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
ou adolescente acolhido. Compreendemos que a provisão de cuidados infantis é uma prática social,
histórica e cultural, que adquire diferentes concepções e modos de se materializar de acordo com o
contexto temporal e local em que os sujeitos se encontram inseridos.
Contudo, é um grande desafio conseguir transpor a idealização higienista e eurocentrada que
ainda perpassa a noção de “cuidados adequados”. E aqui, inserimos o conceito de “descolonização das
mentes”14 a partir de Romão e Gadotti (2012), que fazem um paralelo entre racionalidade e revolução,
na vida e obra do educador pernambucano Paulo Freire e do revolucionário Amílcar Cabral, símbolo da
independência em Cabo Verde e Guiné-Bissau.
Romão (2012, p.15) demonstra que tanto Freire, quanto Amílcar convergiam na ideia de que
“nenhum povo, mesmo no período pós-colonial, consegue se livrar de seu colonizador, enquanto não
se liberta também de seus referenciais teóricos, de suas premissas, de seus fundamentos, de seus
paradigmas, enfim, de sua ‘Razão’. Para Paulo Freire esse processo se dá com a “Conscientização” e
para Amílcar Cabral aparece como “Africanização dos Espíritos”.
Considerando a história do Brasil, abrir mão da mentalidade colonial é um processo decisivo, é uma
escolha, é também uma dívida. As populações negras e indígenas passaram por violentos processos de
dizimação, exploração, saque e opressão, por “apagamentos” concretos e simbólicos e, construíram o que
hoje chamamos “Brasil”, em toda sua grandeza. Contudo, ainda ocupam lugares “duvidosos” nas relações
sociais e de poder, nos espaços de decisão, na construção do que “é público”, no acesso a bens e serviços.
Ousamos dizer que esse “padrão de dominação” entre povos, pessoas e culturas ainda tem fome
de crescer e, se auto convida para sentar à mesa, todos os dias. São estas populações que herdaram
a herança da desigualdade social e econômica, seus descendentes hoje compõem as filas de espera
dos serviços, programas e projetos na Política de Assistência Social. Em que medida nós estamos
contribuindo realmente para mudar essa balança da injustiça?
Essa história não se inicia no colonialismo, mas há nele, pistas importantes para pensarmos a
construção do Brasil no imaginário coletivo e global, nas relações sociais, étnico-raciais, políticas,
econômicas, de trabalho, e tantos outros aspectos complementares da vida comum15. Tavares (2017)
afirma que dois pilares dirigiram a ação dos chamados conquistadores no Brasil: “a ânsia por novos
espaços de exploração de riquezas e a negação do outro, não igual”. A autora aponta que no início da
chamada era moderna europeia aqueles que não fossem iguais aos europeus não eram considerados
seres, por isso, eram submetidos a diversas ações de extermínio.
14 Optamos por manter neste trabalho a utilização do conceito “descolonização das mentes”, bem como o de colonialismo,
tendo em vista ter sido a referência acessada e dialogada com os jovens. Ressaltamos, contudo, que ao longo da
construção deste artigo, identificou-se a importância de transformar, ampliar e aprofundar este referencial – para um
próximo trabalho. A este respeito, trazemos as reflexões propostas pelo Prof. Dr. Dagoberto José Fonseca durante a
Mesa Redonda “Estratégias Decoloniais nas políticas públicas”, ocorrida em 18 de fevereiro de 2022 na VIII Semana da
Educação: Estratégias Decoloniais organizado pelo Centro Acadêmico Mauricio Tragtenberg. Em sua exposição, ele nos
provoca a questionar o conceito de colônia, pois a história nos mostra que o que tivemos foi um processo violento de
conquista territorial, expropriação e genocídio das populações nativas e africanas. O conceito “colonizador” é apropriado
pelos próprios europeus para dizerem o que são e ao mesmo tempo definir “os outros”, aqueles que foram os verdadeiros
civilizadores do nosso país. (Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=d-UCYNGF6lU&list=LL0HQyMWfsF74
k7C2HFkVbTg&ab_channel=Maur%C3%ADcioTragtenberg> Acesso em 23 Fev. 2022)
15 “A ideia de que os brancos europeus podiam sair colonizando o resto do mundo estava sustentada na premissa de que
havia uma humanidade esclarecida que precisava ir ao encontro da humanidade obscurecida, trazendo-a para essa luz
incrível. Esse chamado para o seio da civilização sempre foi justificado pela noção de que existe um jeito de estar aqui na
Terra, uma certa verdade, ou uma concepção de verdade. (KRENAK, 2019)
340
Identificamos que a construção deste “Ser Ocidental” – nós - veio a partir de um longo processo
histórico de guerras e disputas entre povos, envolveu e envolve diversos territórios do mundo, de
negação do outro para afirmação de um “ser universal”. Neste trabalho, tentaremos demonstrar que
tal “escolha” interfere nas relações sociais, bem como na atuação profissional do/a assistente social.
Existem grandes lacunas na informatização de dados que de fato reflitam a realidade étnico-racial
no Brasil. Em estatísticas sobre o acolhimento de crianças e adolescentes disponíveis no Sistema
Nacional de Adoção e Acolhimento16, não havia informação sobre a cor/etnia de 53,1% do total de
crianças e adolescentes acolhidas. De acordo com estes dados, 7,2% eram identificadas como pretas,
23,9% pardas, 0,4% indígenas, 0,1% amarelas e 15,2% brancas. Por outro lado, em pesquisa realizada
pelo Conselho Nacional de Justiça (2021) sobre negros e negras no Poder Judiciário17, foi significativa
a ausência de informações sobre a raça/cor. Dentre o número de dados informados, 85,9% dos
magistrados são pessoas brancas, assim como 68,3% dos servidores e 65,0% dos estagiários.
Podemos mencionar também o levantamento de dados com trabalhadoras/es da Secretaria de Ação
Social do município onde a referida República Jovem está localizada.18. Os formulários elaborados
foram respondidos por 83 pessoas que ocupam diversas funções dentro da Política de Assistência
Social (o total de funcionários/as é 607, em todo o município), e 78% delas se identificaram como
16 Disponível em:https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=ccd72056-8999-4434-b913-f74b5b5b31a2&sheet=e7
8bd80b-d486-4c4e-ad8a-736269930c6b&lang=pt-BR&opt=ctxmenu,currsel&select=clearall. Acesso em: 29 Nov. 2021.
17 Instância de grande importância quando se trata da garantia de direitos individuais, coletivos e sociais, para a “resolução”
de conflitos entre cidadãos, entidades e Estado.
18 A pesquisa foi realizada por um grupo de estudos e trabalho que foi criado em meados de 2017 no município e atualmente
envolve profissionais da rede socioassistencial, tem por objetivo estudar e propor ações de combate ao racismo, com o
aprofundamento sobre o tema das relações étnico-raciais.
341
Habitação e Segurança Alimentar, nos Conselhos de Direitos, na preservação do Patrimônio Material
e Imaterial, na Reforma Tributária, Agrária, Ações Afirmativas e Cotas, Justiça Restaurativa... E tantas
outras lutas pelo acesso ao que já deveria ser comum.
Quando falamos em medida protetiva de acolhimento institucional para crianças e adolescentes,
a vulnerabilização é grande e as expressões da questão social são urgentes e estruturantes. Por esse
motivo não sobra tempo para deixar que cada vida tenha suas fases e sua forma de acontecer. Algumas
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
vezes, caímos no modo automático, relatórios precisam ser enviados, casos precisam ser finalizados,
papéis precisam ser assinados, pessoas precisam ser ouvidas.
Nesse processo, entendemos que a padronização das ações no contexto institucional, contribui
para o apagamento da diversidade de identidades e naturalização das violências institucionais.
Elas são permeadas por racismo, machismo, homofobia, capacitismo, entre outros, que por meio da
massificação e superficialidade de respostas engessadas e pontuais, racistas e violentas, almejam
controlar as “expressões da questão social”, tão estrutural e programada. O que são essas vidas além
da marca da institucionalização? Tem-se a exemplo quando um aluno na escola deixa de ser chamado
pelo próprio nome, para ser reconhecido pelo nome da instituição que o acolhe.
Aproveitando o exemplo acima, o próprio modo como as instituições se articulam para proceder a
chamada “busca e apreensão” de crianças e adolescentes, retirando-as da sua comunidade e colocando-
as no acolhimento é, por si só, um ato de violência. Somos nós que permitimos a continuidade dessas
ações, nos omitimos e naturalizamos:
Arcana Jessy: Me pegaram na escola, foi um bagulho também errado sabe, mas eu não sei, eu acho que tipo eles
deve que ficou com medo da minha mãe pegar a gente e se esconder sabe. Porque quando pegaram eu e minha
irmã na escola eles falou assim “ó, a não conta pra sua mãe porque no dia seguinte a gente vai buscar vocês”. Eles
falou desse jeito, aí no dia seguinte a gente foi pra escola e no dia seguinte eles pegou a gente.
Sol Silva: quando chegaram na casa da minha avó falaram que eu ia passear, que eu ia pra piscina, um parque
de diversão e tudo mais, gente isso pra uma criança pobre é um paraíso entendeu? Eu nem olhei pra cara da
minha vó quando eu fui embora, depois eu vi minha vó chorando, não entendi porque mas eu queria ir pro parque
de diversão, não interessa. Continuaram na mentira, falaram que nós ia onde meus irmãos tavam, e eu sabia o
caminho direitinho da escola e fui falando, e eles pegaram meus irmãos lá. Chamou polícia na porta da escola e
todo mundo vendo, foi um bololô danado. Meus irmãos depois de um tempo brigaram comigo né, me julgaram
muito, nóis criança lógico.
Cintia: sabe como eu fui acolhida? Dentro da Escola. A diretora me tirou de dentro da sala e tava lá a mulher do
Conselho Tutelar.
342
direito garantido por lei19. Esta foi a primeira ação “socioeducativa” pensada pela equipe da República
para dar início aos atendimentos e ao que denominamos carinhosamente como “Prontuário Vivo”.
Porém, diante da negativa do poder público, ficamos apenas com os relatórios de encaminhamento
feitos pelas equipes do SAICA.
Foi revelador ler os relatórios com os/as jovens da República. Como eles/as não foram consultados
sobre o texto, chegamos juntos/as a uma conclusão: tinham o direito de fazer parte da escrita de suas
histórias. Eles/as pegaram a caneta e fizeram várias anotações sobre como tinham sentido e percebido
os fatos relatados. Essa experiência nos mostra que existe um grande abismo entre as percepções das
equipes e dos/as jovens – com exceção de apenas um relatório. O que demonstra, no mínimo, que os
relatórios não eram escritos para ser compartilhados com as pessoas em atendimento e, como já foi
dito aqui por Sol - além da percepção mais óbvia: a comunicação está falha.
Entretanto, nossos prontuários continuaram vivos, sendo escritos dia a dia, sem a necessidade de
cindir passado, presente e futuro, nem separar vidas com um muro institucional de papel. Por meio dos
“prontuários vivos” podemos refrescar a memória com várias vozes. Registrar histórias, falar daqueles
e daquelas que vieram antes de nós, com respeito e sabedoria, com troca, fotografias, poesias, desenhos
e músicas, depoimentos, textos, referências, pessoas e caminhos, sonhos e frustrações. Um espaço onde
Os registros de atendimento em “prontuários vivos” nasceram para fazer frente – mesmo que
ainda insuficiente - aos processos violentos de criminalização da pobreza, abuso de poder, violência
institucional, ações persecutórias, racismos, e tantos outros refletidos no Sistema Único de Assistência
Social. Para nós, reflexos da nossa forma de viver em sociedade. Identidade é construção de memórias
e a identidade de uma criança ou adolescente no acolhimento institucional é roubada desde cedo. Esta
é uma suspeita.
Em contraponto, nossos/as jovens também partilharam conosco as vivências na República:
Cintia: minha áurea voltou (...) eu agradeci de ter vindo pra República porque eu consigo ser eu. Sem ter medo de
eu falar de um vício meu e o povo querer me internar, porque esse sempre vai ser meu receio.
Sol: Eu quero que seja diferente do Acolhimento, que eles sejam pessoas de palavra (...) Acho que é um pessoal
que é muito acolhedor sabe. Realmente acolhedor, muito transparente nas decisões, quando é uma coisa que
não dá, que fez errado, sempre é transparente, sempre é uma troca saudável, nunca é um julgamento, nunca é
19 Segundo consta nas Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes: “Caso
desejem, os(as) jovens devem ter acesso a todas as informações que lhes digam respeito que estiverem ao alcance das
instituições que lhes prestaram atendimento durante a infância e adolescência (Ex.: prontuários e documentos contendo
informações sobre sua história de vida, possíveis familiares, situação familiar e motivos do abrigamento). O acesso a
essas informações deverá respeitar o processo individual de apropriação da história de vida - devendo ser conduzido por
profissionais orientados e preparados.” (Brasil, 2009 p.95).
20 Sol Silva: “A gente tinha autonomia de escolher tomar remédio ou fazer terapia. Era comum tomar remédio, todo mundo
tomava remédio, era um bando de dopado”.
343
um apontar o dedo na cara, então é um local assim que eu me sinto bem sabe. E também eu poder cumprir com
as minhas metas sabe, as pessoas poderem me ajudar, porque igual, tem muita coisa que estão além de mim, eu
falei pra assistente social, pode parecer uma besteira mas eu sempre falei que eu queria fazer uma faculdade, eu
sempre quis fazer mas eu realmente nunca me imaginei em uma faculdade, de verdade, sabe quando você fala
assim no automático? Todo mundo da sua sala quer fazer uma faculdade, aí eu falo tá, eu também quero mas eu
não consigo me imaginar, e agora que eu tô tão perto assim é muita felicidade sabe, é muita surpresa. Eu mesmo
as vezes não estaria indo atrás por não acreditar em mim mesmos sabe, por não ter gente me apoiando. Meus
objetivos é “tirar minha carta, entrar na faculdade e ter um emprego bom”, depois disso eu posso ir embora.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Arcana Jessy: sem maldade? Eu não espero nada, eu nunca espero nada de ninguém, nem do acolhimento, nem
de ninguém, nem de assistente social. Mas eu cobro as coisas sim, eu não cobro só pensando em mim, nos outros
que vão ficar depois de mim, igual eu brigo lá eu quero o melhor pra todo mundo, eu não quero que eles tenham
a mesma coisa que eu, o mesmo sentimento de que lá é uma merda entendeu? Você é louco? Mas eu não espero
nada. Mas a pergunta é né: No que vai me ajudar? É a mordomia? O que vai favorecer pra mim? É uma casa normal?
O que é normal? A Arcana Jessy adora perguntas assim! Por isso, vamos falar um pouco do processo
da construção de uma “República Mista”, que até onde sabemos, é a única do Brasil. Esta ideia foi
vislumbrada antes de tudo por dois jovens que caminharam pelo SAICA. Ela ainda está por lá. Ele
saiu depois de muito chão: 13 anos de muita mudança, muitas histórias e vivências no Acolhimento
Institucional. Ambos têm uma voz contundente quando expressam as “próprias ideias”, muitas delas
construídas a partir das vivências no Acolhimento.
É simples, mas não parece. De acordo com a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais
(Brasil, 2013), os Acolhimentos em República são divididos por gênero: masculino e feminino. O que
fizemos, foi tirar a divisão binária das casas. Assim, fomos amadurecendo a ideia junto às técnicas
de referência do CREAS, a equipe da República e os/as jovens. A casa mista se tornou uma proposta
metodológica baseada nas ideias anteriormente apresentadas e sugeridas pelo CREAS, pela equipe
técnica e pelos/as jovens das Repúblicas.
A responsabilidade quanto à escolha da República para qual cada jovem irá morar é compartilhada
e construída com a equipe. Os/as jovens se organizam nas casas de maneira orgânica e fazem suas
escolhas, baseados em vários elementos relacionados a convivência, território e identificação. A
prática nos ensina que a formação mista de gêneros, possibilita o amadurecimento acerca de limites,
aprendizados, respeito à diversidade de corpos, histórias e identidades: “essa questão de gênero
antepassada gera um total desconforto criando uma casa com gênero, a casa possui ‘tijolos, parede,
telhado e etc’” (Sol Silva).
Por fim, é benéfico dizer que a massificação de respostas, não é um caminho aceitável para nós.
Assim, na busca por aprendizado, chegamos a bell hooks, autora, professora, teórica feminista,
artista e ativista antirracista estadunidense que nos provocou a questionar “quais valores e hábitos
de ser refletem meu/nosso compromisso com a liberdade”? (2017, p. 41). A estudiosa que também
se identificava com a obra de Paulo Freire, em seu livro “Ensinando a transgredir: A educação como
prática da liberdade”, nos diz:
Conheci muita gente que se diz comprometida com a liberdade e a justiça para todos; mas seu modo de vida, os
valores e os hábitos de ser que essa gente institucionalizada no dia a dia, em rituais públicos e privados, ajudam a
manter a cultura de dominação, ajudam a criar um mundo sem liberdade. (hooks, 2017, p.42)
O caminho está aberto e esperamos ter sempre boas novas pra contar.
A partir dos estudos realizados neste trabalho identificamos que, as formas como o ser humano
percebe o mundo e valida os conhecimentos dados como universais, não estão apartadas da realidade
que vivemos cotidianamente em comunidade, nas nossas casas e também profissionalmente. Vivemos
um emaranhado de relações em uma totalidade de encontros que seguem violentamente distraídos.
344
Em que medida exercemos o controle das identidades, ocultamos/forjamos memórias e invalidamos a
força da história oral e da ancestralidade da população atendida?
O melhor caminho parece ser a manutenção do que é seguro: o que se conhece sobre gênero,
sexualidade, acolhimento institucional de crianças e adolescentes, padrões morais, situação de risco e
vulnerabilidade, formação familiar, saúde mental e, tantas outras âncoras de respostas. Mas, se tudo
parte de referências, de onde estamos partindo para criar nossas normas e orientações técnicas? 21
Onde foram criadas nossas certezas? Experimentar a mudança é um risco e o direito de mudar é justo,
principalmente em contextos que “por essência”, deveriam lutar pela mudança. Quantas tentativas de
suicídio, automutilação, crises de ansiedade, processos depressivos, evasões diversas. Quantas mais
no Acolhimento Institucional de Crianças e Adolescentes?
Como poderemos confiar em nós mesmos para condicionar a vida do outro ao nosso olhar, ainda o
vendo como outro? Arcana é – nossas avós falando conosco, nossas mães e tias em um mar cheio de
âncoras que nos distanciam, que nos prendem nos mesmos lugares onde já se desenrolaram relações
de afeto, transformação e violência. Será que podemos tirar a camisa de força dos nossos ouvidos?
Nossos processos de trabalho dizem muito sobre o caminho que escolhemos e sobre a nossa visão de
mundo. Acolher quem você quer salvar, te impede de aprender com seu “usuário”? Você se coloca em
21 “Permanece no imaginário social e nas produções acadêmicas, certo consenso surdo de que o conhecimento mantém
uma universalidade, que nos nossos tempos, ganha um ar constrangedor. (Oliveira, 2009, sem página).
22 Atualmente a equipe do serviço é: uma coordenação e um auxiliar administrativo compartilhados entre dois outros
serviços da Proteção Social Especial de Alta complexidade, e uma assistente social para atendimento em duas casas com
capacidade para acolher até 6 jovens em cada
345
e estruturante. Presente não apenas no âmbito da atuação profissional, mas sobretudo no nosso
processo de formação e na limitação quanto ao referencial teórico.
Por aqui, não aceitaremos os muros instransponíveis entre o acolhimento e as famílias de origem.
Os atendimentos não serão interrompidos pela vontade de salvar alguém sendo quem somos: o/a
outro/a. Que assim seja!
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
REFERÊNCIAS
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346
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A DIMENSÃO EDUCATIVA DO SERVIÇO SOCIAL EM UMA ABORDAGEM FREIRIANA:
Coletivo de Adolescentes na Unidade Escolar - Espaço de Acolhida e Autonomia.
RESUMO: O espaço escolar é um local privilegiado para estabelecer contato direto com adolescentes. Acontece
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
que por vezes, esse espaço é pouco valorizado tanto pela equipe escolar, quanto pelos alunos, no que se refere
a possibilidade da utilização do mesmo, para realizar atividades que convirjam para o campo socioeducativo. As
demandas que emergem no ambiente escolar estão cada vez mais complexas, exigindo um olhar interdisciplinar
sobre o problema. Dessa forma, ainda que a escola esteja organizada no método tradicional de ensino, se faz de
grande importância que haja espaços democráticos de escuta para os alunos. Nessa perspectiva o assistente
social se faz de relevante na unidade escolar. Pois a partir da dimensão socioeducativa de seu atuar profissional,
será possível que os alunos contemplem espaços para reflexão e desenvolvimento social focando em sua
autonomia e na proteção, minimizando situações de risco, de violação de direitos e de adoecimento mental.
Palavras chaves: Escuta, Autonomia, Prevenção
ABSTRACT:. The scholar space it’s a privileged place to establish direct contact with teenagers. Although often
this space is less valued by the scholar team as well as by the students regarding the possibility of using it to
carry out activities that will converge to the socio-educational field. The demands that are emerging from the
scholar environment are become more complex, requiring a more interdisciplinary approach. In this case, even
though the school is organized in a traditional educational method, it’s of great importance that a democratic
space of listening is available for the students. In this perspective the social assistant becomes extreme relevant
to the school, because from the socio-educational dimension of its professional approach it will be possible
for the students to have spaces for reflection and social development focusing in autonomy and protection,
minimizing the risk situation, right violation and mental sickness.
Keywords: Listening, Autonomy, Prevention
INTRODUÇÃO
DESENVOLVIMENTO
Levando em consideração o aspecto educativo da proposta, foi estabelecido uma forma democrática
para que os alunos acessassem o coletivo. A primeira fase foi a da divulgação e informação. De sala em
sala, pleiteamos um espaço da aula de cada professor para que pudéssemos explanar sobre a proposta
1 Secretaria Municipal de Educação do município de Botucatu SP, Assistente Social especialista no Programa de Atenção
Integral da Saúde da Criança e do Adolescente, e-mail: lumachado.sme@gmail.com
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do coletivo, e os alunos pudessem conhecer a ideia bem como esclarecer possíveis dúvidas. Após,
realizamos as orientações em todas as salas, expusemos no pátio da escola três cartazes com três
temáticas principais, “desenvolvimento social”, “educação emocional” e “educação para o trabalho”, e
os alunos interessados poderiam se inscrever para participar das temáticas de seu interesse.
A ideia desta estratégia, teve por objetivo, além de fomentar a autonomia dos adolescentes, também
evitar que se formasse na escola um coletivo estigmatizado, no qual a equipe escolar encaminhasse
apenas os alunos vistos por eles como “problemas”, através de uma prática excludente.
Com a criação dessa estratégia, pudemos observar que se inscreveram para as atividades, alunos
dos mais variados aspectos através da demanda espontânea.
As inscrições foram realizadas na primeira quinzena do mês de fevereiro de 2023 e os alunos
são acompanhados desde o mês de março deste ano, todas as quintas-feiras das 11h40 às 12h30.
Começamos com 15 participantes e estamos atualmente com 25 adolescentes em acompanhamento
grupal semanal.
É indiscutível o quanto a dimensão educativa do trabalho do assistente social pode colaborar
com o desenvolvimento social e emocional dos adolescentes. A dimensão educativa na prática do
Assistente Social caracteriza-se não apenas pela a sua base epistemológica, mas, principalmente,
349
aquele que procura por atendimento. A vivência e a realidade dos estudantes devem servir como ponto
de partida para o planejamento da ação educativa.
Dentro da perspectiva do trabalho coletivo, podemos destacar que muitos profissionais não se
sentem preparados para as demandas que emergem desta atividade. Pois o processo é dinâmico e
constante. O profissional que se propõe a trabalhar com coletivos, deve apresentar uma curiosidade
pela vida, pela multiplicidade de informações, pela pluralidade teórica e metodológica, deve ter ouvidos
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
e olhos sempre abertos ao processo de aprendizagem e ao comportamento humano além de ser capaz
de construir um ambiente acolhedor.
Infelizmente nossa categoria profissional ainda se encontra aquém no que se refere à realização
de trabalho com foco no desenvolvimento humano e suas relações. Durante muito tempo, o Serviço
Social esteve pautado acerca das questões da pobreza e, ainda que haja movimentos dos profissionais
objetivando a quebra desse paradigma, ainda há percalços pelo caminho.
Para tal, o conhecimento precisa ser compreendido como construção sócio-histórica e, nesse sentido, mutável,
não linear e, sobretudo, em disputa. Para Paulo Freire, antes do sujeito ser capaz de ler palavras, ele é capaz
de ler o mundo à sua maneira. Em seu método, considerar a bagagem cultural dos educandos é indispensável,
pois é através desse acúmulo que se revelam generalizações e particularidades de leitura de mundo. (Schffer;
Closs, 2021)
350
Realizamos então uma assembleia para decidirmos quais os temas poderiam ser trabalhados
durante o ano. A metodologia utilizada foi a metodologia ativa através da dinâmica “Chuva de ideias”.
Dentro dessa atividade foram levantadas várias temáticas as quais organizamos em um
cronograma, identificando as temáticas mês a mês, tudo decidido democraticamente. O cerne geral
das temáticas, foi acerca do autoconhecimento e educação emocional relacionado a todos aspectos
do cotidiano dos adolescentes.
Os coletivos compõem o espaço no qual os adolescentes são estimulados a falarem de si. As
abordagens são feitas a partir do método Paulo Freire.
O primeiro passo, foi a realização do círculo de cultura, método criado por Paulo Freire que parte do
pressuposto da construção do conhecimento por meio do diálogo - fator básico e necessário à prática
pedagógica democrática como espaço em que dialogicamente se ensina e aprende. Um espaço onde
não se transfere conhecimento, mas se produz conhecimento baseado nos saberes, nas experiências,
nas histórias de vida do (a) educando (a) e do (a) educador (a)
Antes de iniciar todo atendimento, é necessário que tenhamos conhecimento do contexto no qual
o indivíduo está inserido, portanto essa estratégia de abordagem nos traz excelentes resultados.
No Círculo de Cultura, é iniciado o processo de dialógico livre, no qual os participantes se sentem
Os círculos de cultura fizeram e continuam fazendo muito sucesso e são uma das bases da educação
popular não só pela experiência bem sucedida nos trabalhos de alfabetização de jovens e adultos
realizados por Freire, mas pelos princípios nos quais se ancoram: a dialogicidade, a valorização dos
diferentes saberes, o desenvolvimento da consciência crítica e da autonomia do(a) educando(a).
Justamente por isso, o círculo de cultura é uma metodologia que tem sido aplicada em diversos
contextos no âmbito da educação popular, que tem como premissa esses mesmos princípios.
De acordo com a pedagogia e filosofia freiriana, todo conhecimento precisa estar voltado para a
mudança, de si e da coletividade. Educar é impregnar de sentido a vida cotidiana. Nessa simples frase
há a essência do processo educacional freiriano bem como da dimensão educativa do assistente
social. Portanto, qualquer assistente social é potencialmente um educador em seu trabalho político
pedagógico e, nas atividades coletivas pode proporcionar a socialização do conhecimento o qual será
combustível para reflexão crítica propicia a contribuir com novos sentidos cotidianos.
A partir dessa linha de pensamento, a dimensão educativa do serviço social e os círculos de cultura
de Paulo Freire, se entrelaçam no cotidiano da prática profissional do assistente social que deseja
estabelecer a relação de aprendizagem real com seus educandos. Possibilitando uma imersão nos
saberes coletivos tomando sempre como estratégias para estabelecer essa construção compartilhada
democrática de saberes além da dialogicidade já posta, também a amorosidade e a problematização.
Uma das tarefas mais importantes da prática educativa-crítica é propiciar as condições em que os educandos
em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda
351
de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador,
realizador de sonhos. (Freire, 2013).
com o espaço e com a equipe escolar. Pois durante as narrativas dos adolescentes, há pouca expectativa
positiva e muita falta de confiança de que algo realmente possa mudar dentro do espaço escolar.
Percebemos claramente, que no início, os adolescentes não estavam familiarizados com uma
abordagem dialógica, democrática e participativa, o que levou um tempo para que todos os participantes
se sentissem de fato pertencentes àquele espaço e iniciassem suas narrativas com naturalidade.
Hoje, as discussões seguem sempre muito participativas, com colocações coerentes, olhares críticos
os quais demandam soluções das questões que debatemos.
Ainda que muito jovens, os adolescentes sempre têm muito a dizer, e são poucas as pessoas que
estão de fato dispostas e preparadas para ouví-los, sejam elas profissionais ou não.
A escola sempre foi pautada nas discussões e estudos de Freire. O caráter conservador do espaço
educacional, contrapõe-se à filosofia de Freire e configura-se como empecilho para mobilização para
construção de outras metodologias de aprendizagens, bem como para que os alunos enxerguem outras
possibilidades de aprendizagem. As aulas continuam sempre sendo de forma discursiva abrindo pouca
possibilidade para o diálogo. As carteiras continuam enfileiradas uma atrás da outra, não possibilitando
a troca de olhares entre as pessoas da sala.
Essa forma de conduzir o processo de aprendizagem, definido por Freire como educação bancária,
ainda é muito atual. O assistente social por sua vez, partindo do caráter ético político de sua profissão,
também deve pautar-se em ações democráticas e participativas de construção de saberes.
Enquanto na prática bancária da educação o educador deposita no educando o conteúdo programático da
educação, na prática caracterizada como problematizadora e dialógica, este conteúdo (jamais depositado)
organiza-se e constitui-se na visão de mundos dos educandos, em que se encontram seus temas geradores.
(Freire, 2019).
Paulo Freire criticou as práticas autoritárias e verticalizadas em sala de aula. Ele propôs que a
educação não deve se negar à cultura das pessoas e suas experiências de vida. Ele defendia que a
educação dialógica, permite tanto à educandos quanto à educadores; cresceram mutuamente, a partir
da troca de experiências,
Dessa forma, do profissional do Serviço Social, além proximidade com a questão educativa da
profissão, estar em consonância com projeto ético político.
A dimensão educativa do Serviço Social constitui um ato educativo cujo exercício de “desconstrução”
de paradigmas para construção coletiva de novos saberes se faz necessária.
Dessa forma, esperamos contribuir com a formação de uma consciência crítica entre sujeitos,
através da apreensão e vivência da realidade, para a construção de processos democráticos,
enquanto espaços de garantia de direitos, mediante a experiência de relações horizontais, entre
profissionais e educandos.
O seu perfil educativo revela-se quando, em sua prática, transforma a linguagem em seu estratagema para operar
nos modos particulares de vida dos sujeitos; e age a partir de princípios educativos que buscam “aprofundar e
ampliar a intelectualidade de cada indivíduo. (Gramsci, 2004)
Na certeza de que uma vez entendido o espaço de escuta que o coletivo proporciona, muitas
situações e demandas das mais variadas complexidades viriam à tona, materializando dessa forma o
trabalho do assistente social.
352
CONSIDERAÇÃO FINAL
353
Desta forma, o Assistente Social deve ter espaço privilegiado dentro da Política de Educação no que
tange às possibilidades de trabalho preventivo e de desenvolvimento social e emocional dos alunos.
Porém, sendo a escola um espaço historicamente autoritário e a dimensão Educativa, por sua vez
ser embasada na democracia e participação coletiva, para que o Serviço Social possa construir esses
espaços coletivos nas unidades escolares, estará cercado de muitas contradições e alienação acerca
de suas competências e atribuições técnicas. Cabe ao profissional, portanto, comprometer-se ainda
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
mais com seu projeto ético político e com seu Código de Ética Profissional, para que possa defender
seu espaço ocupacional, trabalhando também com toda comunidade escolar, partindo de narrativas
acerca de sua atuação, para que não seja visto como passivo no seu agir profissional.
Ensinar e aprender são atos dialógicos, relacionais, em que a validade do ensino está diretamente
relacionada com a qualidade da aprendizagem dos alunos.
Freire frisa que o fundamento do diálogo é o amor. A supressão da relação de opressão é necessária
para que o amor seja restaurado.
Acreditamos, portanto, por experiência prática e teórica, na junção do método Paulo Freire e das
estratégias da dimensão educativa do Serviço Social, como poderosas ferramentas no trabalho coletivo
com os adolescentes, no que tange o desenvolvimento social e a criação de espaços de escuta. Pois,
além de propiciar o pertencimento e autonomia, através dessas técnicas, o assistente social poderá
propiciar aos educandos a expansão dos saberes e melhoria de suas relações cotidianas de maneira
proativa e protegida.
REFERÊNCIAS
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Imprensa Oficial, 2002.
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BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.
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Social. Brasília, 1993.
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Loyola, 2006
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança - um reencontro com a pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra,
2011
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PACHECO, José. Reconfigurar a escola: Transformar a educação. São Paulo: CORTEZ 2022.
PACHECO, José. Escola da ponte: Formação e transformação da educação. São Paulo: VOZES, 2014
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QUANDO sinto que já sei. Sagrado, Antonio; Perez, Raul. Lima, Anderson. Despertar Filmes, 2014. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=HX6P6P3x1Qg
354
ROS, Maira; GOUVEIA, Valdiney. Psicologia social dos Valores Humanos: desenvolvimentos teóricos,
metodológicos e aplicados. São Paulo. SENAC, 2006
SCHEFFER, Graziela; ZACARIAS, Inez; CLOSS, Thaisa. Serviço Social e Paulo Freire: Diálogos sobre a educação
popular. Curitiba: CRV, 2021
Subsídios para a Atuação de Assistentes Sociais na Política de Educação. Brasília CFESS, 2014. SANTOS
VIGOTSKI, Lev. Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
355
O ENTRELACE ENTRE A DIMENSÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA
E O TRABALHO SOCIOEDUCATIVO NO SERVIÇO SOCIAL1
Williana Angelo2
Resumo: O presente trabalho aborda a relação indissociável entre a dimensão político-pedagógica e o trabalho
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Resumen: Este trabajo aborda la relación inseparable entre la dimensión político-pedagógica y el trabajo
socioeducativo de los trabajadores sociales, profundizando la comprensión de ambas categorías y demarcando
sus particularidades y similitudes. Este estudio en profundidad se basa en un recorrido bibliográfico que retoma
autores de las pedagogías críticas norteamericana y latinoamericana, incluyendo intelectuales brasileños de
los campos de la educación y del trabajo social. Parte de la comprensión de las categorías por separado, para
después analizarlas de forma articulada, reflexionando sobre las particularidades de la profesión.
Palabras claves: trabajo social; dimensión político-pedagógica; trabajo socioeducativo
INTRODUÇÃO
Se um/a estudante de serviço social ou um/a usuário/a da política com a qual você trabalha
te perguntasse:
“- O que é essa tal dimensão político-pedagógica?” “- É a mesma coisa que socioeducativo?” “- O que
significa trabalho socioeducativo?”.
Você se sentiria apto/a e seguro/a para responder a essas questões?
Quando pensamos rapidamente sobre essas categorias, tendemos a vê-las quase que como
obviedades, como algo tão cotidiano ao serviço social que nem carece de maiores explicações. Mas
se interpelados/as, se levados/as a deter nossa atenção, percebemos que tem traços tão complexos e
interconectados ao projeto profissional que nenhuma rápida explicação faria jus a elas.
Talvez até bata uma insegurança sobre suas aproximações e distinções. Como se nos perguntássemos:
O que vem antes, o ovo ou a galinha? Seria o político-pedagógico ou o socioeducativo? Não seria talvez
sociopedagógico e político-educativo? Parece cair por terra toda a obviedade que acreditávamos ter
essa questão e começa a brotar em seu lugar uma série de dúvidas e questionamentos. Que os deuses
lhe tenham dado uma condição um pouco melhor e você tenha mais clareza do que nós sobre isso!
Porque, ao menos conosco foi assim que aconteceu... Mais perguntas do que certezas sobre o político-
pedagógico e o socioeducativo. Uma insegurança constrangedora em ter que expor ao outro que o
óbvio não era, talvez, tão óbvio assim.
Sobre esse caminho de dúvidas e a busca por uma melhor compreensão que agora lançamos
nossos esforços em partilhar com você, leitor e leitora, os resultados desse trajeto de desconstrução
e reconstrução dessas categorias. Porque não é possível materializar um trabalho qualificado se não
estivermos dispostos/as a analisarmos criticamente nossa experiência profissional calcada em bases
teóricas sólidas, se não discutirmos e revisitarmos a compreensão teórico-prática que temos sobre a
materialidade do nosso trabalho.
356
CATEGORIA, QUE BICHO É ESSE?
Parece inevitável pensar na política de partido, da corrida eleitoral, naquele homenzinho no palanque
quando ouvimos a palavra político (confesse, sua primeira imagem não foi a da mulher empoderada,
uma Sâmia Bomfim, uma Sônia Guajajara ou uma Erika Hilton, entre tantas outras). Como obra do
patriarcado e do machismo nosso de cada dia, foi aquele homenzinho branco, grisalho e carrancudo
que deve ter brotado no seu pensamento e (spoiler) isso também guarda elementos da categoria
estudada, é questão para o político-pedagógico da nossa profissão. Mas não será sobre esse aspecto
particular da política que vamos focar. Nem iremos nos apegar a pequena política, a pequena política
das intrigas (Gramsci, 2011).
O sentido do político que abordamos aqui é muito maior, é “um elemento ineliminável de toda práxis
humana” (Coutinho, 1992, p. 55), um momento de profunda fusão entre subjetividade e objetividade,
em que liberdade e determinismo se combinam, é uma catarse. Destacando Díaz Gomes, “es una
cualidad que se construye, que emerge en toda interrelación humana. Por tanto, lo político es tan
antiguo como el género humano” (2003, p. 50)
O político consiste então na “la capacidad de decidir sobre los asuntos de la vida en sociedad, de
fundar y alterar la legalidad que rige la convivencia humana, de tener a la socialidad de la vida humana
como una sustancia a la que se le puede dar forma.” (Echeverría, 1997, p. 11).
Gramsci, por sua vez, enfatiza que o político envolve um elemento primordial que é a existência de
dirigentes e dirigidos, governantes e governados que em análise profunda da divisão de grupos sociais
vamos identificar como um aspecto gerado pela própria da divisão social do trabalho (Gramsci, 2011).
Um sentido próprio de direção da coletividade no processo de sociabilidade, que numa sociedade
capitalista, reflete particularidades próprias dos interesses da classe dominante, não sem contraposição
e resistência da classe que sofre e disputa a contra-hegemonia. O que temos então é que o político
está na base da representação de poder em disputa, que na leitura marxista envolve o conflito entre as
classes sociais antagônicas. Envolve também a política partidária, mas não se limita a ela.
Quanto à política, para Dussel (2006), essa se desenvolve num certo campo, o campo político, uma
vez que é não é toda atividade humana, mas uma atividade humana; assim como existem outros campos,
como o campo educativo, o campo econômico, o campo cultural, assim por diante. Ele lembra ainda que
357
(...) todo ejercicio del poder de toda institución (desde el presidente hasta el policía) o de toda función politica
(cuando, por ejemplo, el ciudadano se reune en cabildo abierto o elige un representante) tiene como referencia
primera y ultima al poder de la comunidad politica (o del pueblo, en sentido estricto) (Dussel, 2006, p. 14)
Dussel deixa claro que o político está relacionado à esfera do poder, mas não qualquer poder; o
poder legítimo que emana do povo, que reside no povo. Podem existir forças com poder dominante,
mas não com poder político (Torres, Torres, Martínez, 2016). Outras subversões do poder resultam em
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Para nós e que muito nos interessa na categoria político é que esta pressupõe ação para uma
finalidade, uma intencionalidade, se associa aos processos organizativos nas instituições e relações
sociais de mobilização e organização de cultura.
No entanto, uma diferenciação se faz necessária entre a política e o político.
La primera (a política) hace referencia a los mecanismos, a las formas mediante las cuales se establece un orden,
se organiza la existencia humana que siempre se presenta en condiciones conflictivas; la segunda (o político) se
refiere a una cualidad de las relaciones entre las existencias humanas y que se expresa en la diversidad de las
relaciones sociales. (Díaz-Gomez, 2003, p.49)
O político se constitui numa dimensão da vida humana, atravessa tanto a vida cotidiana quanto os
momentos de grande eclosão, como as revoluções e guerras, constituindo o plano imaginário, assim
como o plano concreto da vida (Echeverría, 1997). O político faz referência a uma dimensão conceitual
e intrínseca ao humano em sua genericidade.
A política, por sua vez, pode ser expressa como atividade. É possível dizer que a política é uma
representação particular da relação histórica entre o homem e o mundo, configura-se numa objetivação.
Para Echeverría, a política se vincula com as “instituciones concretizadoras de la socialidad” (1997, p.
14), seja no campo laboral, religioso, educacional ou políticas em si, etc.
Em síntese, ao analisar a categoria ‘político-pedagógico’ entendemos o político como 1) dimensão
da vida humana, que perpassa as relações sociais em sua multiplicidade; 2) como uma base constitutiva
de projetos de sociedade, em consenso ou em contradição e disputa.
Diferente da política que, por sua vez, é compreendida como 1) uma das particularidades da
categoria político; 2) representa um campo de objetivações, que se expressa em espaços de disputa
e conflitos, tensões e conquistas na materialização dos projetos societários; 3) pode se materializar
em estruturas institucionais, em sistemas partidários, em políticas públicas, que podem corresponder
a um maior ou menor atendimento aos interesses da própria comunidade política, neste último caso,
como apontava Echeverría (1997).
Não é suficiente compreender o sentido do político para apreender a categoria político-pedagógico,
mas sem essa compreensão, tampouco é possível gerar uma aproximação.
Desta maneira, entender o quão complexo e profundo é o sentido dessa dimensão da vida humana
que constitui os alicerces de projetos societários no cotidiano das relações, ou seja, o político,
contribui para entendemos que ele, no âmbito do serviço social também está relacionado a um projeto
particular, o projeto ético-político da profissão. O político está associado à direção social do projeto
hegemônico da categoria, que por sua vez, diz sobre o projeto de sociedade que vislumbramos no
horizonte da sociabilidade.
Você poderia perguntar: “Mas por que ele é político-pedagógico e não apenas político?” Ou: “Por
que ele não é político-educativo em substituição ao pedagógico?”
358
Primeiro devemos explicitar que educativo e pedagógico não são sinônimos, apesar guardarem
relação entre si, o que também podemos dizer do político em relação ao educativo, pois existe algo de
político na educação, assim como algo educativo no político. Sim, parece um emaranhado...
Vamos por parte, Saviani (1989) elabora algumas teses fazendo uma diferenciação entre ambas as
categorias. Reconhece que guardam uma relação intrínseca, pois “toda prática educativa, enquanto
tal, possui uma dimensão política assim como toda prática política possui, em si mesma, uma dimensão
educativa” (Saviani, 1989, p. 94). Porém, educação e política possuem especificidades e constituem
práticas distintas.
Brandão frisava que “Ninguém escapa da educação.” (1981, p.03). Ela nos constitui, constitui nossas
relações, seja no espaço privado dos nossos lares, nas escolas ou nas ruas numa interação amistosa
com desconhecidos. Em cada tempo e espaço históricos está lá a educação, ou seriam educações?
(Brandão, 1981). Educação é parte constituinte de nossa existência humana.
Segundo Torres Carrillo, educação “es entendida como una acción social intencionada a través de
la cual un sujeto (individual o colectivo, institucional o no) busca incidiren las maneras de saber, de
valorar o de actuar de otros sujetos (individuales o colectivos).”(2015, p. 100)
Na mesma linha, Vasco Uribe et al. (2008) aponta que a educação é “una práctica social compleja,
A educação é parte integrante desse conjunto da vida. Para nós, assistentes sociais, ela se articula
ao nosso projeto ético-político hegemônico, ao que a reconhecemos como:
359
um complexo constitutivo da vida social [...]. Integra, junto com outras dimensões da vida social, o conjunto de
práticas sociais necessárias à continuidade de um modo de ser, às formas de sociabilidade que particularizam
uma determinada sociedade. Sua função social, portanto, é marcada pelas contradições, pelos projetos e pelas
lutas societárias e não se esgota nas instituições educacionais, embora tenha nelas um espaço privilegiado de
objetivação (CFESS, 2012, p.16)
Reconhecemos então que a educação é um campo em disputa que de modo evidente se vincula ao
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
projeto da categoria por um novo horizonte societário, porém um campo absolutamente marcado por
contradições e conflitos de classes e disputas ideológicas.
Saviani é taxativo ao apontar que a educação tem uma especificidade e esta se refere
[…] aos conhecimentos, ideias, conceitos, valores, atitudes, hábitos, símbolos sob o aspecto de elementos
necessários à formação da humanidade em cada individuo singular, na forma de uma segunda natureza, que se
produz, deliberada e intencionalmente, através das relações pedagógicas historicamente determinadas que se
travam entre os homens”. (Saviani, 2015, p. 293)
A educação contribui para a constituição da nossa própria humanidade, na internalização dos valores,
aprendizados e culturas e isso se dá via relações pedagógicas. Este é um esclarecimento que Saviani nos
traz, pois entendemos que a partir das referidas “relações pedagógicas históricamente determinadas”
se abre a perspectiva “da especificidade dos estudos pedagógicos (ciência da educação)” (2015, p.
293), que se difere das ciências da natureza e das ciências humanas, uma vez que “preocupa-se com a
identificação dos elementos naturais e culturais necessários à constituição da humanidade em cada ser
humano e a descoberta das formas adequadas ao atingimento dos objetivos”. (Saviani, 2015, p. 293).
Aqui ele diferencia educação e pedagogia que permite entender que para o serviço social, numa reflexão
sobre nosso trabalho interventivo, podemos gerar um saber pedagógico, geramos conhecimento.
E quanto ao educativo e o pedagógico, vimos que Vasco Uribe (2008) reconhece a educação como
uma prática social empreendida nas culturas diversas para a formação das gerações, intrínseco a nossa
própria sobrevivência; bem como aponta que não é necessariamente disciplina ou ciência, nem se limita
ao ensino. Torres Carrillo (2015, p. 101) completa, “educación no implica necesariamente reflexión
pedagógica y que ser educador no significa ser pedagogo.”
Essa dimensão educativa que é essencialmente humana, contribui na formação da própria
humanidade em cada indivíduo singular (Freire, 2001; Saviani, 2015) é fundamental para o horizonte
da emancipação.
Por sua vez “La educación no está desligada de la pedagogía [...], porque aquella encuentra en las
prácticas pedagógicas formas de permanencia o de cambios.” (Zuluaga; Martínez, 1996, pp. 56-57;
apud Martinez, 2019, p.151).
O pedagógico guarda intrínseca relação com a categoria educativa, é dela proveniente. Por essa
relação, igualmente não é uma categoria neutra, estéril, ou centrada em si mesma.
(...) la pedagogía no es neutra, ni universal, ni objetiva, puesto que en ella se despliegan contradicciones, disputas
culturales, ideológicas, políticas, filosóficas. Lo anterior nos alerta contra aquellas corrientes que reducen la
pedagogía a aspectos técnicos, instrumentales, mecánicos. Dichas corrientes asociadas originariamente al
positivismo, han establecido una disociación entre filosofía y pedagogía, lo que permitió desarrollar procesos de
tecnificación del campo. (Cabaluz, 2015, p. 28)
Assim, analisar o campo pedagógico para os fins desse trabalho é considerar que a categoria
pedagógica não se refere a mera instrumentalidade ou tecnicismo dos processos educativos e sociais, ao
que Zuluaga nomeia como “instrumentación” (et al, 1988, p. 06) ou reducionismo passivo da pedagogia.
Torres Carrillo destaca que a pedagogia “es un saber referido a las prácticas educativas, que puede
asumir diferentes niveles de complejidad y que ha llevado a la generación de teorías, enfoques y
corrientes de pensamiento educativo.”(2015, p. 101)
Gramsci alerta que as relações pedagógicas se expressam em toda a sociedade “en su totalidade y en
cada individuo respecto a los demás, entre castas intelectuales y no intelectuales, entre governantes
360
y dirigidos, entre vanguardias y cuerpos de ejército.” (Gramsci, 2007, p. 56) e reforça “Toda relación de
‘hegemonía’ es necessariamente um rapport pedagógico.” (idem, 2007, p.56)
Por isso, não ocorre apenas na relação com a educação, trata-se de uma relação que permeia os
diversos campos da reprodução social. Por sua vez, as relações de hegemonia são inseparáveis das
relações pedagógicas. (Gramsci, 2007). Na inter-relação entre os homens se materializam relações
pedagógicas que essas são historicamente determinadas, expressas no cotidiano das experiências
individuais e coletivas. Para Gramsci a
relación pedagógica debe ser activa y recíproca, es decir retroalimentativa; los saberes no se transmiten
unidireccionalmente, sino que se construyen en la mediación, en la interrelación. La relación pedagógica activa,
recíproca y retroalimentativa debe darse y se da en toda la sociedad, entre intelectuales/pueblo, gobernantes/
gobernados, dirigentes/dirigidos, partido/masas, etc. (Manacorda,1995; apud Ojeda; Cabaluz, 2011, p 43)
Ao tratar do político-pedagógico, não especificamente para o serviço social, Cabaluz parece traduzir
bem nossa visão ao apontar que “implica [...] asumir una política prefigurativa, ensayando desde el
trabajo cotidiano nuevas formas de relacionarnos, sustentadas en la dialogicidad, la reciprocidad, el
reconocimiento, la concienciación, el apoyo mutuo, entre otras” (Cabaluz, 2015, p. 133)
Paulo Freire sobre a pedagogia constrõe uma excelente síntese, acreditamos que se alinhar ao
projeto político-pedagógico da profissão.
(...) la pedagogía que defendemos, concebida en un área significativa del tercer mundo, es en sí misma
pedagogía utópica. Por esta misma razón está llena de esperanza, pues ser utópico no es ser sólo idealista o
poco práctico, sino más bien acometer la denuncia y la anunciación. Nuestra pedagogia no puede prescindir
de una concepción del hombre y del mundo. Formula una concepción científica humanista que encuentra su
expresión en una práxis dialógica, en la que educadores y educandos en conjunto, a través del análisis de una
realidade deshumanizadora, la denuncian al tempo que anuncian su transformacion en nombre de la liberacion
del hombre. (Freire, 1990, p.77-78)
A constituição da dimensão pedagógica para o serviço social deve assumir uma outra direção social,
deve ultrapassar e superar a função reprodutora de ordens, pois “estando ela imersa na tensão dialética
entre reprodução e mudança, pode fazer uso do conhecimento (...) como ferramenta de análise para
compreender para além das aparências, dos interesses, objetivando suas atividades para outro fim.”
(Amicuci, 2017, p.54)
361
expande marcado pela contradição fundamental que organiza a sociedade do capital [...]” (Iamamoto,
2004, p. 122).
Essa contradição gera um entrelaçamento direto com o trabalho de assistentes sociais, uma vez que
nossa atuação se expressa
Visceralmente polarizada por interesses sociais de classes contraditórias, inscritos na própria organização da
sociedade e que se recriam na nossa prática profissional, os quais não podemos eliminar. Só nos resta estabelecer
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
estratégias profissionais e políticas que fortaleçam alguns dos atores presentes nesse cenário. Assim sendo, a
prática profissional tem um caráter essencialmente político: surge das próprias relações de poder presentes na
sociedade. Iamamoto, 2004, p.122)
Iamamoto lança o cerne da dimensão política da profissão na “relação da profissão com o poder de
classe” (2004, p. 122). No campo político se pode disputar e tensionar nas relações de poder, pode em
seu caráter político estabelecer uma defesa por assumir opções ou projetos emancipatórios.
Pensar o projeto profissional supõe articular uma dupla dimensão de um lado, as condições macrossocietárias
que estabelecem o terreno sócio-histórico em que se exerce a profissão, seus limites e possiblidades; e de outro,
as respostas sócio-históricas e técnicas de agentes profissionais a esse contexto, as quais traduzem como limites
e possibilidades são analisados, apropriado e projetados pelos assistentes sociais (Iamamoto, 2008, p.222).
O aspecto do interesse coletivo e do caráter político dos projetos merece atenção dado que, em nossa
sociedade, projetos societários são simultaneamente projetos de classe, são coletivos e necessariamente
contemplam uma dimensão política que envolve relações de poder (Netto; Braz, 2009).
A realidade contemporânea da sociedade brasileira é bem ilustrativa nesse sentido, pois apesar
de vivermos numa democracia, experenciamos nos últimos anos uma crescente da cultura e das
práticas sociais e econômicas típicas de projetos conservadores e ditatoriais, em disputa direta com a
defesa e manutenção da própria democracia. Ou seja, “mesmo num quadro de democracia política, os
projetos societários que respondem aos interesses das classes trabalhadoras e subalternas sempre dispõem de
condições menos favoráveis para enfrentar os projetos das classes proprietárias e politicamente dominantes.”
(Netto; Braz, 2009, p. 143, grifo do autor)
Para o serviço social, o político pode contribuir para termos definida as bases claras de que projeto
nós criamos e recriamos para uma sociedade que almejamos construir em uma caminhada coletiva
como classe oprimida.
Cabaluz e e Ojeda nos lembram que “todo proyecto de transformación social de carácter global,
requiere de la existencia de un proyecto político pedagógico contra-hegemónico, coherente por
supuesto, en contenido y forma, con la prefiguración del nuevo orden.” (2011, p. 43-44).
O projeto ético-político do serviço social guarda elementos de um projeto societário particular de
transformação, o qual está cotidianamente em rota de colisão com o projeto capitalista de sociedade.
Mas é também nosso maior motivador, pois confrontar as durezas do sistema e ousar vibrar em cada
célula dos corpos que operam esse projeto as possibilidades de uma nova sociabilidade é garantir
nossa própria humanização num sistema desumanizador e violento; é o nosso esperançar. Afinal
o mundo burguês e sua lógica constitutiva, sua estrutura e dinâmica, limita a construção da contra hegemonia
possível pelo projeto, mas não elimina a sua possibilidade. A análise marxista nos mostra exatamente o contrário:
é em razão da hegemonia do pensamento burguês, e em confronto com ela, que faz sentido construirmos a
contra-hegemonia do nosso projeto profissional. É por isso que nosso projeto tem uma efetividade concreta na
vida profissional da categoria como sujeito coletivo e no cotidiano dos profissionais. (Guerra, 2014, p.37)
362
Abreu (2004) a partir do pensamento gramsciano enfatiza que as relações pedagógicas compõem a
“racionalização da produção e do trabalho e a organização da cultura, mediante o qual são articulados
os interesses econômicos, políticos e ideológicos, plasmando subjetividades e normas de condutas
individual e coletivas” (2004, p.45) que são a marca da cultura e denotam a disputa de hegemonia.
A autora considera ainda que a função pedagógica dos assistentes sociais
(...) em suas diversidades é determinada pelos vínculos que a profissão estabelece com as classes sociais e se
materializa, fundamentalmente, por meio dos efeitos da ação profissional na maneira de pensar e agir dos sujeitos
envolvidos nos processos da prática. Tal função é mediatizada pelas relações entre o Estado e a sociedade civil
no enfrentamento da questão social, integrada a estratégias de racionalização da produção e reprodução das
relações sociais e do exercício do controle social. (Abreu, 2016, p. 21)
Ou seja, envolve a reprodução da vida material e da vida espiritual, são as formas de consciência social
“por meio das quais os homens tomam consciência das mudanças ocorridas nas condições materiais de
produção da vida material, pensam e se posicionam na sociedade. (Iamamoto, 2009, p. 23).
Nesse âmbito as mediações realizadas por assistentes sociais em seu trabalho são repletas de
limites e particularidades próprias das condições históricas concretas (Yazbek, 2009), cujo caráter
da ação profissional tende a ser mutável dada as próprias condições de objetivação num dado tempo
histórico-social.
As mediações no trabalho dos assistentes sociais se objetivam por meio da operacionalização de
políticas sociais, em alguma medida por políticas de formação e gestão de recursos humanos e ainda
em processos de luta e resistência das classes oprimidas. As relações pedagógicas resultantes dessas
mediações terminam por se concretizar “sob a forma de ação material e ideológica” (Abreu, 2016, p.21).
Quando a autora enfatiza as potencialidades do exercício de uma pedagogia emancipatória em sua
obra, ela destaca que:
Fundamentalmente, a intervenção do assistente social, numa perspectiva emancipatória, volta-se para o
rompimento de práticas identificadas com a cultura tuteladora/clientelista da relação entre Estado e sociedade,
contribuindo para o surgimento de uma nova e superior prática social.” (Abreu, 2016, p. 255)
Esse tipo de pedagogia emancipatória é o horizonte que buscamos ressaltar nesse trabalho, porém
compreendendo que a função pedagógica não é estanque, mas permeada pelos processos contraditórios
que afetam a função pedagógica expressas nas ações profissionais, que por sua vez podem imprimir
tanto um caráter de ‘ajuda’, de ‘participação’ ou próprio da emancipação. (Abreu, 2016)
Ai está o fundamento da dimensão pedagógica do trabalho do assistente social: a capacidade de
incidir sobre os processos de organização de cultura, repercutindo nos significados, valores e modos
de agir expressos na individualidade e coletividade próprios da existência humana.
Assim, o político-pedagógico, enquanto uma dimensão do trabalho de assistente sociais, vinculado
ao projeto ético-político da profissão revela a posição por um projeto de sociedade, por um lado nas
disputas de classes contraditórias, na qual nosso trabalho se centra na construção de estratégias
profissionais e políticas de fortalecimento da classe subalterna no ceio das disputas institucionais e
extra-institucionais, com vistas ao horizonte da emancipação humana.
Representa la necesidad que sienten los educadores [assim como assistentes sociais] de establecer un
apasionado compromiso por lograr que lo político se convierta en algo más pedagógico, es decir, para que la
363
reflexión y la acción críticas se conviertan en parte fundamental de un proyecto social que no sólo implica
formas de opresión sino que también desarrolla una profunda y obediente fe en la lucha por humanizar la vida
en sí. (Giroux, 1990, p. 15)
Gadotti, por sua vez, aponta que “Educar es siempre tomar partido, mostrar una dirección, asumir
valores, comprometerse, pero sin adoctrinar o manipular. Educar es conscientizar, desfetichizar,
desmitifica, tornar visible lo que fue ocultado para oprimir.” (2016, p. 9).
Evidente que Gadotti aqui trata do educar dotado de um sentido político próprio para a
transformação, para a libertação, para a emancipação. Está em diálogo direto com o pensamento
gramsciano e freiriano. Uma direção política e social do ato de educar que pressupõe uma educação
que contribua para romper com as amarras do sistema capitalista.
Gadotti afirmou que, como educador, necessita fundamentar sua práxis
en un pensamento político-pedadógico que contribuya a ofrecerme instrumentos para que yo pueda orientar
mejor mis acciones en la perpespectiva transformadora. (...) Los intelectuales orgánicos no están obsoletos. Están
364
delante de nuevas tareas, entre ellas la de aprender a tratar con la diversidade sin caer en el relativismo, respetar
las individualidades y construir la unidad sin transformarla en uniformidad, en conformidade. (2016, p. 10)
Cabe a nós, assistentes sociais, a mesma tarefa em relação ao nosso trabalho, pois somos educadores
por um caráter próprio da profissão e devemos nos debruçar sobre o sentido e a intencionalidade do nosso
trabalho (socio)educativo, pois nossas ações têm sim uma intencionalidade e uma direção própria, ainda
que não percebidas na imediaticidade. Por isso mesmo devemos refletir criticamente sobre o trabalho
e a direção político-pedagógica que imprimimos a ele, ou inadvertidamente seremos subsumidos, sem
resistências, a um trabalho de reprodução dos interesses hegemônicos num sistema opressor.
Retomando Gadotti, apesar de pactuar da compreensão sobre o sentido de educar, reconhecemos
que essa é uma compreensão singular de sua objetivação, dado que num sistema de contradições a
educação e os processos educativos facilmente assumem um caráter doutrinador, acrítico e de coesão.
O que se pode explicar numa análise do campo político-pedagógico e do alinhamento dos intelectuais
orgânicos às distintas classes sociais em luta.
Compreendemos que o trabalho socioeducativo envolve práticas sociais capazes de dar seguimento
a modos de ser no conjunto da sociedade, pois contribui na produção/internalização em cada indivíduo
singular a humanidade própria da coletividade historicamente produzida, objetiva a sociabilidade que
De Paula (2023) por sua vez, aponta que quanto mais nos aproximamos no nosso projeto ético-
político e adensamos nosso alinhamento com os princípios da profissão mais consistente será nossa
dimensão técnico-operativa. O que para nós guarda relações profundas com o trabalho socioeducativo,
pois sustenta sua operatividade qualificada, aporta nosso caráter interventivo.
Assim, sobre estas indagações, temos para nós que é no trabalho socioeducativo que se materializa,
de modo mais evidente, mas não exclusivo, a dimensão político-pedagógica do trabalho, pautada
numa concepção social e política de sociedade. Reforçando, a dimensão político-pedagógica não se
limita ou se extingue no trabalho socioeducativo. Ela está internalizada em todo o processamento do
365
trabalho de assistentes sociais no cotidiano da sua atuação, seja nos embates na correlação de forças
institucionais, no trabalho em equipe, no planejamento das ações, na articulação institucional e extra-
institucional, na gestão dos serviços, projetos e programas.
No âmbito do serviço social o caráter educativo pode ser pensado no campo das possibilidades de
ações fortalecedoras da transformação social. Ou seja, pensar o educativo do socioeducativo é ter
uma direção social e política e sobretudo é um ato objetivado, uma ação, um fazer por um educar, por
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
um horizonte emancipador.
Assim devemos considerar no cotidiano do nosso trabalho se o sentido do educador está em educar
o ser social, o que inclui a nós mesmo em sermos educados mutuamente, para perpetuar o estado atual
das coisas, na manutenção e reprodução do status quo ou educar para a transformação ou superação
das mais variadas formas de opressão. Que conhecimento pedagógico estamos produzindo sobre esse
trabalho no cotidiano destas relações?
Nessas indagações residem elementos da dimensão político-pedagógica do trabalho socioeducativo,
uma vez que esse trabalho é uma mediação profissional que dá materialidade ao nosso projeto ético-
político, que pode conferir um sentido emancipatório. Em contraposição e/ou em contradição, pode
adotar um sentido reprodutor. Essa etapa do processamento do trabalho requer um domínio teórico-
metodológico, ético-político e técnico-operativo, balizes do nosso projeto profissional, se almejamos
o horizonte da emancipação.
O pensamento político-pedagógico então fundamenta uma prática – em consonância com as demais
dimensões-, determina o caráter do trabalho socioeducativo. Em nossa análise, consideramos que
o socioeducativo é uma forma de processamento do trabalho do assistente social, o reconhecemos
como trabalho socioeducativo, uma ação socioeducativa.
Um trabalho que reconhece o tensionamento próprio dos interesses de classe, que como vimos,
permeia profundamente a realidade educativa, que coloca a educação no campo do consenso e da
internalização de valores, hegemonicamente dominada pelas classes detentoras dos meios de
produção, visando a reprodução de seus interesses. O que evidencia a limitação para uma educação
emancipadora enquanto um complexo dinâmico no âmbito da reprodução social.
Assim ao realizarmos nosso trabalho, devemos buscar sempre não cair numa leitura ingênua nem
sobre o trabalho, nem sobre a educação. Pois reconhecemos que
(...) a educação é uma mediação para a reprodução social. E que, numa sociedade de classes, ela, necessariamente,
contribuirá predominantemente para a reprodução dos interesses das classes dominantes. Daí a impossibilidade
de estruturar a educação, no seu conjunto, de modo a estar voltada para a emancipação humana. É por isso que
entendemos não ser possível “uma educação emancipadora”, mas apenas a realização de “atividades educativas
emancipadoras”. (Tonet, 2012, p.38; grifo nosso)
Tonet reafirma a compreensão que temos de que não é possível transformar ou revolucionar a
sociedade pela via de uma única dimensão da vida social, ainda que seja extremamente relevante e
indispensável para a sociabilidade. Não é possível atribuir essa tarefa árdua a um complexo dinâmico
específico, pois é preciso projetá-lo no conjunto desses complexos, ou seja, numa perspectiva totalizante
dos processos revolucionários necessários. Deste modo, a realização do trabalho socioeducativo não é
ação messiânica, mas certamente é indispensável para esse horizonte.
O socioeducativo estaria ligado à nossa capacidade de tornar concreto nosso projeto ético-político,
traz em si o potencial para um trabalho criador. Este que, juntamente com a arte, a ciência e a moral (Heller,
2001; Netto e Carvalho, 2012), tem a capacidade de proporcionar momentos de suspensão do cotidiano.
O simples fato de se materializar no cotidiano da realidade social, no ceio da sociedade capitalista é
suficiente para compreender que também é permeado pela própria alienação, não está livre dos processos
de reprodução, mas é deles oriundo, seja como recurso de reprodução, seja como força de resistência.
Paulo Freire na obra “Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa” (1996, com
reimpressão 2010) nos brinda com importantes reflexões sobre os princípios centrais para trilharmos
366
os caminhos de uma prática educativa emancipadora, mostrando que o ato de ensinar, em nosso caso
educar no melhor sentido da palavra, contém algumas exigências importantes como: reconhecer que
a educação é ideológica, respeito aos saberes do educando, capacidade crítica, reflexão crítica sobre a
prática, ética, respeito à autonomia do ser, humildade, apreensão da realidade, disponibilidade para o
diálogo, luta em defesa dos direitos do educando, comprometimento, competência profissional, saber
escutar, aceitação do novo e rejeição das formas de discriminação, entre outras exigências. Tarefa
desafiadora para nosso cotidiano e imprescindível para nossa identidade profissional.
Resgatar Freire e suas pedagogias parece ato indispensável, pois temos uma rica formação que nos
habilita às análises estruturais das mais elevadas, temos princípios nobres que miram o horizonte de
uma nova ordem societária, mas por vezes parece que nos faltam recursos ou segurança para promover
e adequar nossas reflexões, questionamentos e práticas ao diálogo direto e acessível para a população
com a qual trabalhamos. Esses princípios freirianos podem ser uma lanterna para guiar nosso caminho
no exercício do inédito viável que intensificaria nossa conexão com a classe trabalhadora, a qual
também somos parte.
Por isso, pensar as ações no cotidiano do trabalho, em especial, as construídas juntamente com o
público do nosso saber-fazer profissional é reconhecer que às ações socioeducativas podem
Vivero sobre esta questão dá ênfase especial a Paulo Freire, em relação a nossa função.
Para Paulo Freire, resulta tan importante ocuparse del campo educativo, de la práctica educativa emancipadora.
Si bien Freire no habla expresamente de intelectual, las/os educadores cumplen dicha función, y las/os
trabajadores sociales en su campo de intervención despliegan una función socioeducativa, especialmente con las
clases populares, es decir, un rol de intelectuales. Y aquí cabe insistir con la pregunta ¿intelectual al servicio de
qué intereses o de quiénes? Por cierto nos pone en la encrucijada si somos intelectuales al servicio de las clases
dominantes o nos comprometemos con um trabajo sociopolítico educativo al servicio de las clases subalternas.
(Vivero, 2023, p. 67-68)
A pergunta que podemos nos fazer é: que tipo de gente nós somos?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante esclarecer que quando falamos em trabalho socioeducativo é comum que as pessoas
pensem imediatamente em atividades grupais e reuniões. Sem dúvida são recursos preciosos da
instrumentalidade do Serviço Social, espaços privilegiados para o exercício do caráter socioeducativo
do trabalho, porém não são os únicos.
O socioeducativo envolve nossa forma de comunicação, nosso diálogo, nossa forma de realizar
atendimentos individuais, nossas orientações e acompanhamentos, nossa forma escrita, verbal e
corporal de comunicação, orientação e diálogo, enquanto ato educativo.
Ao tratar das particularidades do trabalho do assistente social, Yazbek (2009) recorda que a
atuação profissional se caracteriza pela busca em produzir resultados na vida do público demandante
367
via atendimento de suas necessidades, através do planejamento, gestão e execução de políticas sociais
e serviços. Aponta também que essa atuação profissional se caracteriza pela ação socioeducativa,
que corresponde às ações que interferem diretamente nos valores e comportamentos da população
atendida, podendo gerar mudanças em seu modo de viver, pensar e agir, ou seja, afetar a subjetividade.
Por isso, não podemos limitar nosso trabalho a um fazer mecânico, burocratizante, a uma prática
bancária e engessada, que nega o saber do educando e seu potencial educador, pois “Só educadoras e
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
educadores autoritários negam a solidariedade entre o ato de educar e o ato de serem educados pelos
educandos; só eles separam o ato de ensinar do de aprender, de tal modo que ensina quem se supõe
sabendo e aprende quem é tido como quem nada sabe”.(Freire, 2011, p.39).
REFERÊNCIAS
368
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VASCO Uribe, Carlos Eduardo; MARTÍNEZ Boom, Alberto; VASCO Montoya, Eloísa. Educación, pedagogía y
didáctica: una perspectiva epistemológica* In: educación, pedagogía y didáctica: una perspectiva epistemológica;
MONTOYA Edna; BENITEZ Jaramillo, Anderson Ricardo. Memorias V Coloquio Interuniversitario de Pedagogía,
369
AS BOLSAS UNIVERSITÁRIAS DE INCLUSÃO SOCIAL
NO DESEMPENHO ACADÊMICO DA UNITINS
Iarly Henrique Vieira Rodrigues1
Eliene Rodrigues Sousa2
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
RESUMO: A oferta de bolsas acadêmicas é fundamental para garantir a permanência dos discentes nas
instituições de ensino. Dessa forma, a Universidade Estadual do Tocantins- UNITINS proporciona bolsas de
assistência financeira com a finalidade de incluir os estudantes que se encontram em vulnerabilidade social.
Esse estudo visa compreender como as políticas públicas auxiliam no desenvolvimento dos acadêmicos do curso
de Letras, Campus Araguatins-TO. Além disso, verificar como está sendo a divulgação de bolsas estudantis e
quais são as medidas adotadas pela universidade para a inclusão dos estudantes de acordo com as necessidades
de cada um. Ademais, apresentar dados quantitativos de quantos bolsistas existe no campus. A princípio foi
realizado um estudo de caso e uma pesquisa básica aplicada, a fim de averiguar como as políticas públicas têm
contribuído para democratização do ensino. Espera-se com este estudo compreender como o programa de
auxílio financeiro tem contribuído para incentivar os alunos do curso de Letras, principalmente aqueles que
residem em outras cidades a permanecer e concluir a formação acadêmica. Infere-se, portanto, que o programa
de bolsas disponibilizado pela Unitins contribui para permanência de estudantes em situação de risco social até
a concretização do processo de formação superior.
Palavras-chave: Bolsas acadêmicas. Ensino superior. Estudantes. Unitins.
ABSTRACT: The offer of academic scholarships is essential to guarantee the retention of students in educational
institutions. In this way, the State University of Tocantins - UNITINS provides financial assistance grants with
the purpose of including students who are socially vulnerable. This study aims to understand how public policies
help in the development of students in the Literature course, Campus Araguatins-TO. Furthermore, check how
student scholarships are being publicized and what measures the university has adopted to include students
according to each person’s needs. Furthermore, present quantitative data on how many scholarship students
there are on campus. Initially, a case study and applied basic research will be carried out in order to find out how
public policies have contributed to the democratization of education. This study is expected to understand how
the financial aid program has contributed to encouraging students of the Literature course, especially those
who live in other cities, to stay and complete their academic training. It is therefore inferred that the scholarship
program provided by Unitins contributes to the permanence of students in situations of social risk until the
completion of the higher education process.
Keywords: Academic scholarships. University education. Students. Unitins.
INTRODUÇÃO
370
medidas adotadas pela universidade para a inclusão dos estudantes de acordo com as especificidades
de cada um. Ademais, apresentar dados quantitativos de quantos bolsistas estão sendo alcançados
pelo programa de bolsas estudantis.
Espera-se com este estudo compreender como o programa de auxílio financeiro tem contribuído
com a universalização do acesso à educação superior, além de amparar principalmente aqueles
estudantes em vulnerabilidade socioeconômica que residem em outras cidades a permanecer e
concluir a formação acadêmica.
Dessa forma, com o propósito de apresentar os dados relacionados às bolsas destinadas ao
Campus Araguatins, o estudo está estruturado da seguinte forma: Primeiramente subsequente a esta
introdução o estudo se dedicou a expor como as políticas públicas auxiliam no desenvolvimento dos
acadêmicos do curso de Letras do Campus Araguatins-TO. Em seguida, discute-se sobre a divulgação
de bolsas estudantis. Por fim, destacou-se quais são as medidas adotadas pela universidade para a
inclusão dos estudantes de acordo com as necessidades de cada um.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Diante do exposto, é válido destacar que as políticas públicas se tornam fundamentais para a
universalização e aumento do ingresso ao ensino superior aos indivíduos em risco social.
Dentro dessa perspectiva, Carvalho et al., (2021), destaca que a assistência estudantil é:
A assistência estudantil se configura como pilar fundamental para êxito e permanência de estudantes em
instituições de formação técnica, considerando suas particularidades: modalidades de ensino em tempo integral,
número de disciplinas por ano/semestre e volume de conteúdo ofertado (Carvalho et al., 2021).
371
II- Formular e executar programas de desenvolvimento do ensino, da pesquisa e da extensão nos níveis de
graduação e pós-graduação, nas modalidades presencial e a distância, decorrentes de demandas internas e da
sociedade (Unitins, 2017).
Diante desse cenário, o Campus Araguatins-TO, surgiu em face da necessidade de formar novos
professores para atender as urgências educacionais da região. O Curso de Licenciatura em Letras está
relacionado à formação de profissionais na prática pedagógica para o ensino de línguas e literatura.
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
Desse modo, nota-se que o curso de letras possui uma grande área de influência no cenário
socioeconômico, cultural e desenvolvimento educacional entre os discentes de letras. Em vista disso,
a maioria dos matriculados na Unitins-Campus Araguatins-TO são jovens que estão em busca de uma
capacitação profissional.
Refletindo sobre tais condições, o Projeto do Curso (PPC) da Licenciatura em Letras apresenta
dados sobre o perfil socioeconômico dos estudantes.
De acordo com o perfil socioeconômico do curso de Letras constata-se em sua maioria, que são acadêmicos com
uma renda mensal de até três salários mínimos e que eles são egressos de escolas públicas e ingressaram na
UNITINS, em sua maioria por meio do vestibular, e alguns por meio do SISU. O percurso feito da residência ou do
trabalho até o campus em sua maioria é de bicicleta, motocicleta ou a pé (Unitins, 2021).
Em relação às medidas tomadas pela Unitins para garantir que as bolsas universitárias sejam
instrumentos de inclusão social, pode-se citar a implementação do Programa Bolsa Permanência, que
contribuiu para ajudar financeiramente os alunos que estão em uma situação de fragilidade econômica
a permanecer na instituição de ensino.
Diante desse cenário delineado, faz-se evidente a necessidade das políticas públicas e investimentos
nas instituições de ensino para garantir que estudantes de baixa renda tenham acesso à educação.
METODOLOGIA
Essa pesquisa é um estudo de caso, que buscou compreender como o programa de auxílio financeiro
tem contribuído para a formação do ensino superior. Assim, este mecanismo é aplicado como um
parâmetro de investigação para diversas perspectivas a respeito do mesmo assunto. Segundo Yin
(2001), o estudo de caso como estratégia de pesquisa compreende um método que abrange tudo - com
a lógica de planejamento incorporando abordagens específicas à coleta de dados e à análise de dados.
Nesse contexto, Pereira et al., (2018), afirma que:
Observa-se então, que este tipo de estudo pode trazer uma riqueza de dados e informações de modo a contribuir
com o saber na área de conhecimentos na qual for utilizada. Atualmente, os EC podem variar no formato, na
forma de aplicação conforme a área do saber e há uma tendência a ampliar a gama e validade desses estudos.
Inicialmente os EC estavam mais restritos à área de saúde, ciências sociais e educação e atualmente, tendem a
migrar para todas as áreas do saber e fazerem emprego de várias técnicas de apoio (Pereira et al.,2018).
A princípio foi realizada uma pesquisa básica aplicada, essa abordagem possibilitou um maior
aprofundamento na análise de dados e teve como propósito averiguar como as políticas públicas têm
contribuído para a formação do ensino superior. De acordo com Fleury e Werlang (2016), a pesquisa
aplicada pode ser definida como atividades em que conhecimentos previamente adquiridos são
utilizados para coletar, selecionar e processar fatos e dados, a fim de se obter e confirmar resultados,
e gerar impacto.
372
Em primeira análise, deve-se pontuar que foi realizada uma pesquisa bibliográfica, visto que a
pesquisa científica começa por ela. Esse tipo de pesquisa consiste em uma:
habilidade fundamental nos cursos de graduação, uma vez que constitui o primeiro passo para todas as
atividades acadêmicas. Uma pesquisa de laboratório ou de campo implica, necessariamente, a pesquisa
bibliográfica preliminar. Seminários, painéis, debates, resumos críticos, monográficas não dispensam a pesquisa
bibliográfica. Ela é obrigatória nas pesquisas exploratórias, na delimitação do tema de um trabalho ou pesquisa, no
desenvolvimento do assunto, nas citações, na apresentação das conclusões. Portanto, se é verdade que nem todos
os alunos realizarão pesquisas de laboratório ou de campo, não é menos verdadeiro que todos, sem exceção, para
elaborar os diversos trabalhos solicitados, deverão empreender pesquisas bibliográficas (Andrade, 2010, p. 25).
Partindo desse pressuposto, esse estudo de caso buscou informações de um determinado grupo
de pessoas, no caso os acadêmicos de Letras, sobre a pauta principal deste artigo. Para obter os
resultados concretos e realistas, foi realizado um levantamento de dados a partir de informações
cedidas pela universidade.
A partir deste estudo, foi possível compreender como o programa de auxílio financeiro tem
contribuído para incentivar os alunos do curso de Letras, principalmente aqueles que residem em
outras cidades a permanecer e concluir o processo disciplinar acadêmico.
Durante a análise dos dados entre os anos de 2021 a 2023, foi verificado que é de suma importância
para os discentes as políticas de assistência e permanência estudantil, além de assegurar a permanência
do estudante até a conclusão do curso, colabora também para fomentar a participação dos discentes
em projetos e extensão de pesquisa.
De acordo com o edital multicampi unitins/proex nº 15/2021: o Programa de Inclusão Digital foi
destinado aos estudantes com vulnerabilidade socioeconômica comprovada, e regularmente vinculada
(as) e matriculada no curso de ingresso, que não disponham de equipamento (computador, notebook
ou tablet) para desenvolver as atividades acadêmicas em formato remoto.
Para o processo de seleção de estudantes para o programa de inclusão digital 2021, foram ofertadas
63 (sessenta e três) vagas destinadas a todos os estudantes devidamente matriculados em qualquer
um dos cursos de graduação disponibilizados pela Unitins. O processo de seleção foi caracterizado por
meio da verificação de análise socioeconômicas dos discentes. A partir do processo de seleção 05 (cinco)
estudantes do campus Araguatins foram beneficiados pelo programa. Assim, o edital obteve êxito.
No ano de 2022, o programa de inclusão digital, foram ofertadas 04 (quatro) smartphones destinados
ao campus Araguatins-TO. Desse modo, todas as vagas destinadas ao campus foram preenchidas.
Consoante ao objetivo do programa que é promover o desenvolvimento das atividades acadêmicas
em formato remoto, entende-se que o edital também alcançou o êxito.
Na sequência, o Programa Institucional de Bolsa de Extensão – PIBEX. É entendido como uma
ferramenta para estimular e incentivar as atividades de extensão. Em conformidade com o edital proex
nº 28/2021 – PIBIEX Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Extensão – PIBIEX. As Bolsas de
Iniciação à Extensão foram concedidas aos discentes como auxílio financeiro, a partir de propostas de
ações extensionistas, limitadas ao número de vagas ofertadas.
O quantitativo de bolsas ofertadas para o campus de Araguatins foi o total de 06 (seis) bolsas. Sendo
todas as vagas devidamente preenchidas. Nos períodos de 2022 a 2023, foram ofertas o total de 12 (doze)
bolsas com duração de 01 (um) ano. Nesse período observou-se que todas as vagas disponíveis para o
campus foram devidamente preenchidas por alunos de baixa renda. E que todos os acadêmicos bolsistas
participaram de eventos de pesquisa apresentado trabalhos elaborados através do incentivo financeiro.
Outra iniciativa de assistência estudantil é a seleção de estudantes bolsistas - estágio não obrigatório,
sendo seu principal objetivo selecionar alunos para a experiência no ambiente de trabalho. De acordo
373
com o edital unitins/prograd/propesp/proex nº 007/2022, foram disponibilizadas 02 (duas) vagas no
setor da biblioteca para acadêmicos cursando o 2º período de letras. Os alunos contemplados pela
bolsa obtiveram êxito em suas funções como estagiários.
Além disso, o Programa de auxílio permanência ofertado no ano de 2023, visa à integração e
permanência e a conclusão do ensino superior. Conforme o edital n° 04/2023 processo seletivo
simplificado programa auxílio permanência, foram 150 (cento e cinquenta) bolsas, divididas entre
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em face do exposto, conclui-se que a influência dos programas de apoio estudantil, tem proporcionado
o prosseguimento dos discentes no ambiente institucional. Atuando como um instrumento social
para promoção da educação de forma igualitária. Sendo assim, esses incentivos ajudam a reduzir
as barreiras socioeconômicas que muitos estudantes enfrentam, permitindo-lhes alcançar os seus
objetivos acadêmicos e profissionais.
A partir dos resultados obtidos entende-se que para os discentes as bolsas de assistência estudantil
têm sido primordiais para a continuidade do curso de Letras. Dessa forma, é evidenciado que a
ausência do benefício pode prejudicar a continuação do processo de graduação. Infere-se, portanto,
que o programa de bolsas disponibilizado pela Unitins contribui para permanência de estudantes em
situação de risco social até a concretização do processo de formação superior.
374
Dessa forma, este estudo buscou verificar como o amparo financeiro oferecido pela Unitins tem
contribuído para dar assistência aos estudantes em situação de fragilidade financeira. A Unitins,
ao fornecer suporte e motivação, está garantindo a democratização do acesso a uma educação de
qualidade e a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. Portanto, investir em programas de
apoio aos estudantes é um passo importante em direção à igualdade de oportunidades educacionais.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Maria Margarida de. Introdução à metodologia do trabalho científico: elaboração de trabalhos na
graduação. São Paulo: Atlas, 2010.
CARVALHO, Cristina Helena Almeida de. Política de ensino superior e renúncia fiscal: da reforma universitária
de 1968 ao ProUni. Trabalho apresentado na In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 28. Trabalho apresentado.
Política de Educação Superior. Caxambu, out. 2005. Disponível em: http://www.anped.org.br. Acesso em: 13
de outubro de 2023.
CARVALHO L. Emily; ANJOS B. Nívia. ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL: as múltiplas interfaces. 1. ed. - Curitiba
375
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO TOCANTINS. Projeto Pedagógico do Curso de Letras. Araguatins,
2021. Disponível em: https://docs.google.com/viewerng/viewer?url=https://www.unitins.br/cms/Midia/
Arquivos/637659995170406736.pdf. Acesso em: 07 de setembro de 2023.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO TOCANTINS. Estatuto da Unitins. Palmas, 2017. Disponível em: https://
docs.google.com/viewerng/viewer?url=https://www.unitins.br/cms/Midia/Arquivos/C8ZC1MQA
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“PORTAS ABERTAS”:
Parceria Família e Escola
RESUMO: O artigo apresenta um relato de experiências das pesquisadoras sobre Projeto “Portas Abertas”
uma parceria Família e Escola, realizada na Escola Municipal “Prof.ª Maria Alves Barcellos de Oliveira” do
município de Barretos, Estado de São Paulo, que atende o Ensino Fundamental do 1º aos 5º anos iniciais. O
trabalho foi desenvolvido pelas integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Famílias “Prof. Dr. Pe.
Mário José Filho”, atualmente vinculado à Faculdade Barretos. O grupo conta com profissionais de diversas
áreas do conhecimento: Serviço Social, Pedagogia, Direito, Psicologia e História. Os objetivos do trabalho são
possibilitar e desenvolver a integração família e escola para uma educação de qualidade, participativa e inserida
no contexto social dos alunos. O trabalho é realizado por meio de várias atividades lúdicas, esportivas, culturais,
pedagógicas, de proteção ambiental e outras. Para atingir seus objetivos, o projeto “Portas Abertas” utiliza de
várias estratégias, ou seja, encontros regulares, palestras com temas escolhidos pelas famílias, gincanas, oficinas
e outras atividades integradas. Os resultados obtidos indicam uma participação ativa e progressiva dos pais,
responsáveis e famílias no cotidiano escolar, um sentimento de pertencimento das famílias com a escola e a
ABSTRACT: The article presents an account of the researchers’ experiences regarding the “Open Doors”
Project, a partnership between Family and School, implemented at the Municipal School “Prof.ª Maria Alves
Barcellos de Oliveira” in the municipality of Barretos, State of São Paulo, which serves students from the 1st to
the 5th years of elementary school. This work was developed by members of the Research Group on Families
«Prof. Dr. Pe. Mário José Filho,» currently affiliated with Barretos College. The group comprises professionals
from various fields of knowledge, including Social Work, Pedagogy, Law, Psychology, and History. The primary
objective of this work is to facilitate the integration of family and school for a quality, participatory education
that is embedded in the social context of the students. The work is carried out through various activities,
including recreational, sports, cultural, pedagogical, environmental protection, and other initiatives. To achieve
its goals, the «Open Doors» project employs multiple strategies, such as regular meetings, lectures with topics
chosen by families, games, workshops, meetings, and other collaborative activities. The results obtained so far
indicate active and progressive involvement of parents, guardians, and families in the daily school life, fostering
a sense of belonging among families and a pursuit of education as a right for all.
Keywords: Educational Policy. Families. Participation. Partnership.
INTRODUÇÃO
377
A parceria entre família e a escola é uma relevante ferramenta que visa fortalecer a educação e
torná-la um compromisso partilhado entre todas as pessoas envolvidas. Pesquisas demonstram que
quando famílias, pais e responsáveis atuam ativamente na educação de seus filhos, os resultados
acadêmicos e o desenvolvimento socioemocional dos estudantes melhoram expressivamente. Além
disso, a participação da comunidade escolar contribui para a construção de uma identidade coletiva,
aumentando o sentimento de pertencimento e engajamento dos estudantes no ambiente escolar.
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Nesse contexto, o Projeto “Portas Abertas” foi desenvolvido em parceria do Grupo de Estudos e
Pesquisa sobre Famílias “Prof. Pe. Mário José Filho” e a Secretaria Municipal de Educação de Barretos,
do Estado de São Paulo, especialmente com a Escola Municipal “Profa Maria Alves Barcellos de
Oliveira”. O projeto teve início em 2019 e trabalha esse canal efetivo de comunicação e colaboração
entre famílias, escola e comunidade, criando um ambiente propício para a participação ativa e o
compartilhamento de responsabilidades no processo educativo dos seus filhos.
O Grupo de Estudos e Pesquisas foi criado em 2011, com a participação de discentes, docentes e
profissionais do Serviço Social, Psicologia, Pedagogia, Direito e outras áreas das ciências humanas e
sociais aplicadas. Foi idealizado pelo prof. Dr. Pe. Mário José Filho (in memoriam), que coordenava também
o Grupo de Pesquisas sobre Famílias (GEPEFA) no campus da Unesp de Franca. O Grupo é liderado
pela prof.ª Drª. Lúcia Aparecida Parreira e tem desenvolvido várias atividades acadêmicas, científicas e
de extensão. O grupo publicou dois livros e coordenou quatro Encontros de trabalhadores sociais com
famílias e nos finais de semana atua com as escolas municipais, buscando junto à comunidade local,
especialmente as famílias, a experiência de uma educação aculturada. Nesse sentido, a aculturação
diz respeito como duas realidades culturais (família e escola), com sua identidade, valores e vivências,
interagem no processo de ensino e aprendizagem participativo, crítico e transformador.
Compreender e valorizar a importância da parceria entre família, escola e comunidade é fundamental
para a construção de uma educação inclusiva, participativa e de qualidade. O Projeto “Portas Abertas”
surge como uma alternativa promissora, proporcionando um espaço de diálogo e cooperação, no qual
todos os envolvidos se tornam protagonistas ativos do processo educativo. Por meio dessa abordagem,
busca-se não apenas melhorar a aprendizagem dos alunos, mas também fortalecer os laços entre a escola
e a comunidade, promovendo uma educação transformadora, crítica e inclusiva para todos os envolvidos.
O trabalho relação entre família e escola, embora amplamente reconhecido e recentemente
ganhando visibilidade crescente na sociedade atual, nas políticas públicas4, nos projetos pedagógicos
das escolas, na pesquisa científica sobre educação, muitos têm enfrentado desafios que podem
obstaculizar o avanço e os resultados do trabalho.
A parceria entre as duas instâncias tem sido viabilizada por meio das políticas públicas, incentivadas
pelas legislações brasileiras, em âmbito nacional, estadual e municipal, são elas: “Dia Nacional da
Família na Escola” (24 de abril, instituído pelo Ministério da Educação em 2001), a “Pesquisa Nacional
Qualidade da Educação: a Escola Públicas na opinião dos pais” (realizada em 2005 pelo MEC, no âmbito
estadual e municipal, o “Programa Escola da Família” e outros.
No que diz respeito as legislações brasileiras, a parceria entre família e escola é considerada
fundamental para o sucesso da educação e o desenvolvimento dos alunos. Diversas legislações e
documentos normativos abordam a relevância dessa colaboração e estabelecem diretrizes para a sua
implementação. Algumas das principais legislações e documentos que tratam da parceria entre família
e escola no contexto educacional brasileiro são: A Constituição Federal de 1988 que estabelece o
direito à educação como um dever do Estado e da família. Ela enfatiza a colaboração entre esses dois
agentes na promoção do pleno desenvolvimento da criança e do adolescente (Brasil, 1988).
Outra Lei é a Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) - Lei nº 9.394/96, a principal legislação
educacional do país. Ela destaca a importância da participação da comunidade escolar, incluindo os
4 Políticas Públicas “são medidas e forma de ação formuladas e executadas com vista ao atendimento de legítimas demandas
necessidades sociais (e não individuais). É ainda, estratégia de ação pensada, planejada e avaliada e tanto o Estado, como a
sociedade, desempenham papeis ativos” (Pereira,2008, p. 96).
378
pais, famílias, na gestão democrática das escolas e na definição das políticas educacionais. Também o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - Lei nº 8.069/90 reforça a parceria entre família e escola
como um dos princípios norteadores da educação e da proteção integral da criança e do adolescente.
O Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pela Lei nº 13.005/14, estabelece metas e estratégias
para o desenvolvimento da educação no país. Ele inclui a promoção da participação da comunidade
escolar, incluindo os pais, como um dos seus objetivos. Os Documentos do Conselho Nacional de
Educação (CNE) emitem diretrizes e pareceres que orientam as políticas educacionais. Alguns
desses documentos abordam especificamente a participação da família na educação, incentivando a
colaboração entre os pais e a escola. E ainda, o Projeto Político-Pedagógico (PPP), que embora não seja
uma legislação, o PPP é um documento elaborado pelas escolas que define suas diretrizes educacionais
e metas. Muitos PPPs enfatizam a importância da parceria com as famílias e descrevem as formas como
essa colaboração será promovida.
É importante destacar que, além das legislações, a parceria entre família e escola depende da
conscientização e do engajamento de todos os envolvidos, incluindo pais, educadores, famílias e
gestores escolares. Os resultados dessa colaboração são fundamentais para garantir uma educação de
qualidade e o pleno desenvolvimento dos estudantes.
A parceria entre família e escola é essencial para o sucesso educacional dos alunos, pois ambos os
contextos desempenham um papel complementar na formação das crianças e jovens. A colaboração
entre pais e educadores fortalece o envolvimento dos estudantes com a escola, melhora o desempenho
acadêmico e promove um ambiente propício ao desenvolvimento social e emocional. Diversos estudos
destacam a importância da participação efetiva da família na vida escolar dos filhos, ressaltando os
benefícios dessa cooperação para a promoção de uma educação de qualidade.
A teoria do envolvimento parental sustenta que a participação ativa da família na educação dos
filhos é um fator-chave para o seu sucesso acadêmico. A colaboração entre família e escola pode
ocorrer em diversas formas, como apoio ao desenvolvimento das tarefas escolares, participação
379
em reuniões e eventos escolares, envolvimento em atividades extracurriculares e engajamento nas
decisões relacionadas à escola. Essa parceria cria uma sinergia entre os contextos familiar e escolar,
proporcionando um suporte consistente e abrangente para o crescimento dos estudantes (Cia;
Pamplin; Willians, 2008).
Além disso, a teoria do capital social também destaca a importância das conexões sociais e dos
relacionamentos construídos entre os diferentes atores envolvidos na educação. A parceria entre
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família e escola fortalece o capital social, criando laços de confiança e colaboração entre pais, famílias,
educadores e comunidade. Essa rede de relacionamentos positivos facilita a troca de informações,
recursos e apoio mútuo, contribuindo para o desenvolvimento integral dos estudantes. Um dos autores
que desenvolveu esse conceito (capital social) é o sociólogo Pierre Bourdieu, com a noção de “capital
social” como parte de sua teoria mais ampla do capital cultural e capital simbólico. Para Bourdieu, o
capital social refere-se aos recursos que as pessoas adquirem por meio de suas redes sociais e relações
sociais. Ele enfatizou como as conexões sociais podem influenciar o acesso a oportunidades e recursos
em diferentes esferas da vida, incluindo a educação, o emprego e a mobilidade social (Bourdieu, 2003).
A literatura acadêmica também destaca que a participação efetiva da família na escola está associada
a uma série de resultados positivos para os alunos. Estudantes com famílias engajadas tendem a
apresentar melhor desempenho acadêmico, maior motivação para aprender, maior autoestima, melhor
comportamento escolar e maior probabilidade de concluir os estudos. Além disso, a participação
das famílias na vida escolar dos filhos está relacionada a uma redução nas taxas de evasão escolar e
comportamentos de risco.
No contexto do Projeto “Portas Abertas”, para o reconhecimento da importância da parceria
entre família e escola, foram adotados princípios teóricos que embasam a sua implementação. A
fundamentação teórica considera as perspectivas do envolvimento parental e do capital social, com
foco na construção de uma relação de confiança, diálogo e colaboração entre a família e a escola.
Esses princípios são fundamentais para criar um ambiente educacional acolhedor e participativo, que
promova o desenvolvimento integral dos estudantes.
O Projeto “Portas Abertas” foi implementado na Escola Municipal “Profa. Maria Alves Barcellos,”
localizada no município de Estância Turística de Barretos, no Estado de São Paulo. A cidade é reconhecida
principalmente por ser a sede de um dos maiores rodeios do mundo, a “Festa do Peão de Barretos,” que
atrai visitantes de todo o país e de várias partes do mundo. Além disso, Barretos possui uma economia
diversificada, com destaque para os setores agropecuário, industrial e comercial. A cidade tem uma
variedade de Instituições de Ensino, incluindo escolas de educação infantil, fundamental e médio,
bem como várias Instituições de Ensino Superior nas áreas de humanas, sociais, biológicas e exatas,
fortalecidas pela Fundação Pio XII – Hospital de Câncer com amplo atendimento nacional.
A E.M. “Profa. Maria Alves Barcellos de Oliveira” e unidades anexas têm como missão proporcionar
uma educação pública, gratuita e democrática, voltada à formação integral do ser humano para que
possa atuar como agente de construção científica, cultural e política da sociedade, assegurando a
universalização do acesso à escola e da permanência com êxito no decorrer do percurso de todos os
estudantes. Educar e formar pessoas éticas e competentes, buscando a sua integralidade, mediada pela
gestão democrática, num processo de inclusão educacional que objetiva a permanência com sucesso
escolar dos estudantes.
Uma parte significativa da comunidade escolar é constituída de famílias em condições
socioeconômicas média baixa, sendo que a maioria trabalha fora e alguns alunos não residem com os
pais, sendo criados por avós, tios ou outros membros da família. Algumas famílias são assistidas por
programas sociais governamentais como o Bolsa Família. O corpo discente é composto, em grande
parte, por alunos que moram próximos à Escola e a outra parte, em número considerável, por alunos
moradores de zona rural. E para manter a qualidade do ensino, busca-se estratégias de trabalho que
possibilitem o alcance dos objetivos propostos. A orientação de tarefas e o incentivo aos estudos
380
são constantemente estimulados pela escola em seu cotidiano, buscando junto à família, a dedicação
e persistência nos estudos, assim como a superação das dificuldades encontradas no processo
ensino- aprendizagem. Existe, ainda, uma grande preocupação com o comportamento disciplinar dos
educandos, trabalhando por meio de projetos valores essenciais para a boa convivência entre todos.
Outro diagnóstico é quanto as faltas constantes dos alunos, onde a escola toma providências conforme
o Regimento Escolar estabelece e tenta ainda conscientizar as famílias. Em se tratando da interação
família e escola, percebe-se que a participação dos pais na escola é mediana, por esse motivo alguns
projetos e ações são realizadas a fim de que essa participação seja efetiva visando o bom desempenho
dos educandos no processo de ensino aprendizagem. Para os alunos com dificuldades no processo de
ensino aprendizagem são oferecidas aulas de apoio escolar no contraturno.
A metodologia adotada consistiu em promover encontros quizenais nos finais de semana, nos
quais as famílias eram convidadas a participar de atividades de integração e de oficinas de acordo
com seus interesses.
Os encontros do projeto foram planejados de forma a promover a interação entre famílias, escola e
comunidade. Esses momentos proporcionaram oportunidades para que os pais e familiares pudessem
conhecer melhor o ambiente escolar, estabelecer vínculos com os educadores e participar ativamente
381
Uma colaboração eficaz entre a escola e as famílias também requer transparência e comunicação
aberta. Isso envolve fornecer informações claras sobre as políticas escolares, planos de ensino,
atividades extracurriculares e outras iniciativas educacionais. Quando as famílias estão bem-
informadas, elas podem se sentir mais confiantes em apoiar seus filhos de maneira eficaz.
A cultura de participação da família não é apenas benéfica para os alunos, mas também para
os educadores e a escola como um todo. Ao criar uma rede de apoio que inclui pais, responsáveis e
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
educadores, a escola amplia seu alcance e recursos. Essa colaboração pode resultar em iniciativas
conjuntas, como workshops, eventos culturais, palestras e projetos que enriquecem a experiência
educacional de todos os envolvidos.
No entanto, estabelecer uma cultura de participação da família não é tarefa simples. Requer
um compromisso constante por parte da escola em criar um ambiente acolhedor e inclusivo, bem
como o engajamento proativo das famílias. É importante reconhecer que diferentes famílias têm
diferentes níveis de disponibilidade e capacidade para se envolver, e as escolas devem ser flexíveis
em suas abordagens.
Enfim, a cultura de participação da família é um componente vital de uma educação verdadeiramente
abrangente e eficaz. Quando escolas e famílias trabalham juntas de maneira colaborativa, podem criar
um ambiente que atenda às necessidades dos alunos de maneira mais completa, promovendo não
apenas o sucesso acadêmico, mas também o desenvolvimento socioemocional e pessoal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Projeto “Portas Abertas: Família e Escola” avalia os resultados do trabalho como muito positivos,
pois conseguiram com êxito promover uma parceria eficaz entre famílias e escolas, contribuindo
para uma gestão participativa e democrática. A abertura das escolas nos fins de semana e as
atividades planejadas proporcionaram um espaço para o diálogo, integração e aprendizado conjunto,
demonstrando o interesse e a valorização dessa parceria.
O Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Famílias “Prof. Pe. Mário José Filho” desempenhou um papel
relevante na elaboração e implementação do projeto, contribuindo com o trabalho interdisciplinar.
Durante a implementação, o grupo trabalhou ativamente na definição da metodologia, desenvolvendo
estratégias para promover a participação das famílias e utilizando diferentes abordagens pedagógicas,
culturais, dialógicas e outras.
Com base nos resultados obtidos, recomenda-se a continuidade e a expansão do projeto, bem como
a realização de novos estudos para aprofundar os conhecimentos e avaliar os impactos dessa parceria
na aprendizagem de todos os envolvidos. O Grupo de Estudos e Pesquisas já elaborou um projeto
de pesquisa (será submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa – CEP) com o objetivo de analisar os
impactos do trabalho com os profissionais da educação e seus parceiros, famílias e comunidade local e
socializar os resultados.
Essas iniciativas fortalecem a parceria entre família e escola, promovendo um ambiente educacional
colaborativo, participativo e propício ao desenvolvimento integral dos alunos. Isso, por sua vez,
contribui para a qualidade da educação e para uma sociedade inclusiva e participativa.
O Projeto “Portas Abertas: Família e Escola” representa mais do que uma simples iniciativa
educacional; é uma experiência que transcende os limites tradicionais da educação. Em sua essência,
esse projeto revela o poder intrínseco nas pessoas e na capacidade de ação coletiva como um meio
transformador. Isso ocorre em um contexto desafiador, marcado por uma sociabilidade capitalista que
tende a ser excludente, racialmente discriminatória e opressora.
Nesse cenário, o projeto destaca-se como uma resposta proativa e inspiradora. Ele se fundamenta
na premissa de que a colaboração entre famílias e escolas pode ser uma força verdadeiramente
382
transformadora. Essa colaboração não apenas desafia, mas também busca reformular os modelos
educacionais tradicionais que muitas vezes isolam as instituições escolares da comunidade e das famílias.
Ao abrir as portas das escolas nos fins de semana e ao criar oportunidades para o diálogo, a integração
e o aprendizado conjunto, o projeto demonstra um profundo interesse em estreitar os laços entre as
partes envolvidas. Isso reflete um compromisso genuíno com a valorização das famílias como parceiras
essenciais no processo educacional.
Além disso, o Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Famílias “Prof. Pe. Mário José Filho” desempenha
um papel de destaque, contribuindo com uma abordagem interdisciplinar e estratégica na concepção
e implementação do projeto. Sua atuação ativa na definição de metodologias, no desenvolvimento de
estratégias de participação familiar e na aplicação de diversas abordagens pedagógicas e culturais
fortalece ainda mais a base do projeto.
A interdisciplinaridade é uma abordagem colaborativa e integrada que une conhecimentos e
métodos de diferentes disciplinas ou áreas de estudo para abordar questões complexas e compreender
fenômenos de forma mais ampla. Essa abordagem transcende as fronteiras tradicionais das disciplinas
acadêmicas, promovendo a colaboração entre especialistas de diversas áreas.
O trabalho interdisciplinar permite que os profissionais tenham uma visão de totalidade e
383
ser um agente transformador diante dos desafios inerentes a uma sociabilidade capitalista excludente,
racista e opressora. Esta experiência destaca a importância de reconhecer e agir sobre as barreiras
existentes, promovendo uma sociedade justa e igualitária
O Grupo de Pesquisa permanece realizando todas as suas atividades, atuando junto à comunidade
por meio dos projetos, participando e organizando eventos acadêmicos, publicando e socializando
suas produções científicas e colaborando com instituições parceiras. Além disso, o grupo reforça um
Anais do III Seminário Internacional e VII Fórum de Serviço Social na Educação do GEPESSE: Serviço Social e Educação: desafios do verbo esperançar!
forte compromisso com a disseminação do conhecimento junto a comunidade local e global. Dessa
forma, o Grupo de Pesquisa se mantém ativo e dedicado ao seu objetivo de fomentar a pesquisa e o
desenvolvimento científico, sempre buscando contribuir para a melhoria da qualidade de vida e de
uma sociabilidade transformadora.
REFERÊNCIAS
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