Sociologia Brasileira - Paes de Carvalho-2024

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TEXTO SOCIOLOGIA SÉRIE

V Prof. Fabiano Sarges 3º ANO

Precursores da Sociologia Brasileira: elite, pertencente a uma família tradicional, Nabuco


foi capaz de se colocar acima de tudo isso, e
O entendimento da sociedade brasileira perpassa desenvolver um pensamento social sensível à causa
necessariamente pelo estudo de intelectuais dos oprimidos, especialmente dos escravos,
preocupados em identificar às características que criticando a conduta política errada e perversa dos
contribuíram para a sua construção e formação nossos governantes, a qual, não somente nos
social. Nesse sentido o presente texto busca mantinha presos ao atraso, como também
demonstrar de maneira sucinta a contribuição dos comprometia o futuro de nosso país.
primeiros intelectuais que tiveram as suas vidas e
obras marcadas pela análise dos elementos A partir de 1853, com a extinção do tráfico de
constitutivos do povo brasileiro, visa também escravos da África para o Brasil, a escravatura
resgatar o debate sobre problemas sociais começa a se enfraquecer e a desmoronar devido à
relevantes, que até hoje ainda não foram falta de novos escravos para repor os que morriam.
efetivamente resolvidos. Desta maneira, iniciaremos Como esse desmoronamento, porém, estava se
pela análise das questões levantadas por Joaquim mostrando muito lento, diante da insistência dos
Nabuco, em seguida, trataremos das definições proprietários de escravos em continuar com essa
expostas na avaliação de Gilberto Freyre e Sérgio prática, ou importando escravos de outras regiões do
Buarque de Holanda. Brasil onde essa mão-de-obra estava quase sem uso,
por causa da redução de sua atividade produtiva, ou
Joaquim Nabuco (1849-1910) trazendo-os da África de maneira clandestina, vários
intelectuais da época, principalmente jovens
“(...) o povo brasileiro universitários, além de alguns representantes da
não pratica a escravidão classe política, começaram a pressionar o Governo
pelo fim da escravidão, e, para isso, decidiram criar
e é vítima dela”.
um movimento político conhecido como
“(...) a escravidão é a abolicionismo. Entre os objetivos do movimento
causa principal de todos estava o desejo de conscientizar as pessoas instruídas
os nossos vícios, sobre os problemas políticos, econômicos e sociais
defeitos, perigos e que a escravidão provocava em nosso país, provando
fraquezas nacionais”. ser necessária a abolição pelo bem do nosso
progresso. Os abolicionistas também usavam
“A luta entre o
argumentos humanitários, procurando mostrar que a
abolicionismo e a escravidão é de ontem, mas escravidão em si era uma imoralidade vergonhosa, já
há de prolongar-se muito...” que submetia os escravos a condições desumanas, e
ainda mais porque já havia desaparecido na maior
Joaquim Nabuco, nascido no Recife em 1849, parte do “mundo civilizado” da época. É nesse
pode ser considerado o grande antecessor da contexto que surge o livro de Nabuco intitulado “O
sociologia brasileira. Sua obra nos ajuda a entender Abolicionismo” , aproximadamente cinco anos antes
as razões do atraso e do subdesenvolvimento da do fim definitivo da escravidão através da Lei Áurea
sociedade brasileira, mesmo não sendo ele um (1888). Esta obra, como nenhuma outra, discutiu o
sociólogo de formação e nem reclamando para si problema da escravidão de forma profunda e
este rótulo. Nabuco era formado em Direito, foi esclarecedora, tentando demonstrar que esse
parlamentar durante o Segundo Reinado e também problema era a causa primeira de nosso atraso
diplomata. Filho de Senador, portanto, membro da econômico, político, social e até mesmo moral.
Quanto maior a demora em abolir a escravidão, e, escravos, acabava servindo de modelo e guia
além disso, mesmo depois da abolição, se alguma para a relação deste com seus familiares,
coisa não fosse feita para modificar a nossa estrutura subordinados e colonos livres que moravam nos
agrária, repartindo-se a terra entre pequenos
limites de sua propriedade ou sob sua esfera de
proprietários, educando a nova classe trabalhadora
do campo e da cidade, e incluindo os negros, ex- influência. O senhor de escravos era uma espécie
escravos, em nossa sociedade por meio do trabalho de rei tirano dentro dos limites de sua
digno e da educação, as conseqüências seriam propriedade e arredores, aplicando a justiça e
desastrosas para o futuro do Brasil. Como se vê, o mantendo a ordem ao seu modo, mais ou menos
tempo mostrou que Nabuco estava certíssimo. Basta como os senhores feudais faziam na Europa
lembrar que a pobreza, a miséria e a falta de durante a Idade Média. Com isso, não havia
instrução que assolam o nosso país, atingem de
estímulo para o aperfeiçoamento e expansão das
forma mais severa a população negra. Basta lembrar
que a maior parte das terras continua nas mãos de instituições da justiça. Ao mesmo tempo,
uma minoria de grandes proprietários, e finalmente, considerando que os escravos representavam
que o trabalhador brasileiro continua tendo um dos uma parte significativa da população do país sem
mais baixos níveis de escolaridade entre os países direito algum, enquanto durasse o escravismo
industrializados. jamais poderíamos ter uma sociedade
Vejamos, então, de forma mais organizada, democrática, pelo simples fato de que grande
algumas das idéias desenvolvidas por Joaquim
parcela de nossa população, no caso, os escravos,
Nabuco em seu esforço por entender a sociedade
brasileira de sua época. O argumento central de já estariam excluídos de qualquer participação
Nabuco afirma que a escravidão era a maior política;
responsável pelo nosso atraso econômico, social em
moral, pois: 4- A escravidão baseava-se na grande
propriedade rural (latifúndio) e na monocultura
1- A escravidão transformava o trabalho manual (cultivo de uma só espécie), além do uso
numa atividade que diminuía quem o praticava, irracional do solo, em que se procurava explorar
gerando, assim, um forte preconceito contra ao máximo a terra e o homem, para extrair o
esse tipo de trabalho, de modo que o homem máximo de lucro, no mínimo de tempo. A terra,
livre passava a evitá-lo. Como resultado disso, então, dentro de algum tempo se desgastava,
ricos e pobres sentiam-se atraídos pela deixando atrás de si a decadência. Desse modo, a
indolência e pela ociosidade. Até hoje ainda é agricultura, a exemplo da Indústria e do Comércio
assim. Normalmente enxergamos o trabalho também estava condenada ao atraso.
manual como algo menor, indigno de ser feito e
5- A escravidão, na medida em que não
até certo ponto vergonhoso;
remunerava a sua mão-de-obra, nem permitia o
2- A escravidão não estimulava a criatividade, crescimento dos empregos remunerados, acabava
isto é, a inovação nas atividades produtivas, e, por concentrar toda a riqueza nas mãos dos
portanto, impedia o desenvolvimento da técnica, grandes proprietários rurais. Formava-se, desse
do espírito empresarial, além de dispensar a modo, uma minoria de riquíssimos fazendeiros
instrução da mão-de-obra, tornando a educação contra uma massa pobre e miserável, sem trabalho
escolar um luxo exclusivo para os filhos de ou sem renda, o que não permitia o
famílias com recursos; desenvolvimento do mercado consumidor (restrito,
portanto, a uma parcela muito pequena da
3- A escravidão estimulava o autoritarismo em
população), e, por conseguinte, da própria indústria
todos os aspectos da vida social, pois a relação de
e do comércio, os quais dependem da expansão do
submissão total do escravo para com o seu
mercado consumidor para crescer e se fortalecer.
senhor, o uso da violência na lida diária com os
A escravidão era, afinal de contas, uma espécie elites intelectuais. Lembremos que, de acordo com
de ciclo vicioso que impedia o desenvolvimento essas teorias, acreditava-se ser inferior a composição
econômico e comercial do nosso país, pelas razões racial de nosso povo (essencialmente mestiço de
expostas acima, e nos condenava ao atraso, brancos, negros e índios), sendo este um sério
corrompendo a economia, os costumes e a política. obstáculo ao progresso do país. Nesse sentido, a obra
Havia solução? Sim. Segundo Nabuco o primeiro do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre
passo, claro, seria 1) abolir a escravatura. Mas só isso representa a primeira tentativa sociologicamente
não bastava. Era preciso 2)distribuir terras, dividir as bem elaborada de mudar essa visão acerca da
grandes propriedades rurais, ou seja, fazer uma “questão racial” brasileira, contestando as doutrinas
imensa reforma agrária, que desse prioridade aos raciológicas. Em 1933, Freyre publica seu mais
pequenos e médios proprietários. Fundamental importante trabalho intitulado Casa-Grande &
também seria 3) reformar e ampliar nosso sistema de Senzala, onde procura defender a tese segundo a
ensino, proporcionando instrução para a mão-de- qual a mestiçagem ou miscigenação (mistura de
obra livre, assim como aos ex-escravos, combater o raças) ocorrida de forma intensa no Brasil desde o
analfabetismo, ou seja, investir maciçamente na começo de nossa história, ao invés de ser um fator de
educação pública. atraso, poderia ser um fator de esperança para o
desenvolvimento da nação, na medida em que seria
Nabuco morreu em 1910, em Washington,
capaz de proporcionar uma convivência mais pacífica
capital dos E.U.A., onde servia como diplomata, sem
e tolerante, diminuindo também as distâncias
ter conseguido convencer as nossas elites e nossos
sociais, pois, graças à miscigenação, a sociedade
governantes a destruir a herança maldita da
brasileira não havia se partido em grupos étnicos1
escravidão, mas tão somente a abolição da
opostos entre si, como, por exemplo, negros versus
escravatura. Os escravos, uma vez libertos, sem
brancos nos Estados Unidos, o que, a longo prazo,
emprego, sem ocupação, sem renda, sem terra, sem
poderia nos levar a uma superação das próprias
instrução alguma, faltando-lhes todos os meios de
desigualdades sociais. Freyre, portanto, ao defender
sobrevivência, já que nas fazendas foram substituídos
a miscigenação como algo positivo estava indo contra
por imigrantes europeus pobres, tornaram-se eles e
toda uma corrente de pensadores brasileiros, entre
seus filhos as principais vítimas da exclusão e da
eles Silvio Romero, surgida desde o final do século
perversidade social brasileira. Mais de cem anos
XIX, adeptos ou simpáticos às doutrinas raciológicas.
depois das reflexões sociológicas de Nabuco, ainda
Em “Casa-Grande & Senzala” Gilberto Freyre
estamos pagando a dívida social que a escravidão
tenta reconstituir o processo de miscigenação racial e
deixou. Nabuco continua atual.
cultural resultante do encontro entre os três grandes
grupos étnicos que contribuíram para nossa
A SOCIOLOGIA BRASILEIRA A PARTIR DOS ANOS formação, são eles: os portugueses, os negros
1930 trazidos da África para trabalhar como escravos e os
Gilberto Freyre (1900-1987) índios nativos. A primeira forma de organização
econômica e social de nossa história se deu nos
engenhos (fazendas onde se plantava cana e se
“Todo brasileiro traz na alma produzia o açúcar), principalmente no Nordeste,
e no corpo a sombra do durante o chamado Ciclo do Açúcar (séculos XVI a
indígena ou do negro!” XVII). Os engenhos e as fazendas em geral,
dominados pelo proprietário que se impunha de
Com a chegada de Getúlio
Vargas ao poder através da
revolução de 1930, fato que
encerra a República Velha e dá início à chamada Era
Vargas (1930-45), passou-se a viver um novo 1
É importante destacar que atualmente o conceito de raça caiu
momento de otimismo em relação à modernização e em desuso nas Ciências Humanas. No lugar de raça utiliza-se o
conceito de etnia que significa um grupo de indivíduos com
ao desenvolvimento do Brasil. No entanto, as características culturais em comum, tais como língua, religião e
doutrinas raciológicas continuavam exercendo muita culinária e que normalmente, mas não necessariamente, também
influência no meio universitário, assim como entre as compartilham traços físicos tais como cor da pele, textura dos
cabelos, formato dos olhos, dos lábios, do nariz, etc.
forma autoritária sobre sua família e seus escravos2, Embora a relação de dominação dos
possuíam dois importantes ambientes de convivência portugueses sobre os índios e os negros escravizados
íntima, quais sejam, a casa-grande, moradia do fosse bastante evidente, foi inevitável a influência
Senhor-de-Engenho e de sua família, e a senzala, cultural destes últimos, devido ao relacionamento
local de confinamento dos escravos. Segundo Freyre, mais próximo, sexual, inclusive, que os portugueses
embora esses ambientes estivessem separados entre estabeleceram com os dominados. O resultado disso
si por profundas desigualdades de riqueza e conforto, foi um intenso processo de mistura não apenas racial
eles se comunicavam de diversas formas, como cultural, dando origem ao que hoje podemos
especialmente através dos escravos domésticos chamar de cultura brasileira. A feijoada, o samba, a
trazidos da senzala para dentro do convívio familiar farinha de mandioca, o sincretismo religioso
do senhor de engenho. Freyre considerava a própria (candomblé), elementos de origem africana e/ou
sexualidade uma das mais importantes formas de indígena, transformados em símbolos do modo de
relacionamento entre as “três raças”, com o ser brasileiro, deixam bem claro, de um lado, o fato
português e seus descendentes brasileiros de que o português não conseguiu impor totalmente
estuprando ou seduzindo índias e negras a torto e a a sua cultura e os seus valores à nação brasileira, e,
direito, as escravas domésticas normalmente fazendo por outro lado, o fato de que índios e negros
papel de amante do Senhor de Engenho e/ou de seus conseguiram imprimir fortemente a sua marca em
filhos, cuidando também das crianças brancas. Essa nossa cultura mesmo estando numa situação de
sexualidade liberada do português contribuía escravização, opressão e subordinação.
decisivamente para o povoamento do território
colonial, dada a escassez de portugueses (tanto Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982)
homens quanto mulheres) dispostos a emigrar para o Em 1936, depois de uma
Brasil, séria ameaça, aliás, para o sucesso da estada na Alemanha, o
colonização portuguesa em nosso território. Segundo historiador e sociólogo
Freyre, os portugueses se diferenciavam dos outros paulista Sérgio Buarque de
colonizadores europeus porque teriam menos Holanda (pai do compositor
aversão ao contato íntimo (sexual) com mulheres de Chico Buarque), publica a obra
raças e culturas estranhas, até mesmo por serem eles “Raízes do Brasil”, livro que
próprios uma nação mestiça de árabes, judeus, tem uma perspectiva
mouros3 e povos bárbaros, estando também sociológica e, ao mesmo
bastante acostumados ao contato com povos de tempo, psicológica, onde o autor tenta, através da
culturas diferentes, um século antes de terem análise de nosso passado, enxergar o nosso futuro e
descoberto o Brasil, graças ao seu pioneirismo nas compreender o contexto de sua época. É um livro
Grandes Navegações e à proximidade com o inovador no que diz respeito à busca da identidade
continente africano. Para Freyre, o português tinha a nacional. Sérgio Buarque vai atrás do que
capacidade de se misturar facilmente com outras poderíamos chamar de essência do homem
raças. Os homens vinham sem família, sozinhos. brasileiro. Num jogo de idas e vindas na nossa
Chegavam carentes de contato humano e história, ele vai construindo um panorama histórico
começavam a se reproduzir primeiro com as índias e no qual ele inserirá o “homem cordial”, fruto de
depois com as negras escravas. Era preciso povoar o nossa história, proveniente da colonização
território. No momento em que embarcou na portuguesa, de uma estrutura política, econômica e
aventura ultramarina, Portugal tinha três milhões de social completamente instável e de famílias
habitantes. O Brasil era imenso; então, como povoar patriarcais e escravagistas. Seguem abaixo as
esse território gigantesco senão emprenhando as principais idéias desenvolvidas no livro conforme os
índias nativas e as negras? capítulos:
Fronteiras da Europa: No primeiro capítulo de Raízes
do Brasil, Sérgio Buarque mostra que os países
2
Esse modelo de organização familiar marcado pela dominação Ibéricos (Espanha e Portugal) eram os que faziam a
absoluta do proprietário rural, Gilberto Freyre chamou de fronteira entre a Europa e resto do mundo através do
patriarcalismo. mar, e por isso eles são menos “europeizados” do
3
Como eram chamados na Idade Média os povos do norte da
que os demais países. Eles ficam um pouco à margem
África que praticavam a religião islâmica.
do resto da Europa mesmo nas navegações em que trabalho, além disso, eles preferiam à vida aventureira
foram pioneiros. Nos países Ibéricos cada homem ao trabalho agrícola. Nesse contexto a mão-de-obra
tinha que depender de si próprio. Eles não possuíam escrava aparece como elemento fundamental na nossa
uma hierarquia feudal tão enraizada, por isso a economia, pois, entre outras razões, dispensa o
mentalidade da nascente burguesia mercantil se colonizador português do trabalho manual e pesado.
desenvolveu lá primeiro. Somando a isso, havia toda Como o fator terra era abundante na colônia, não
uma frouxidão organizacional que estará muito havia preocupação em cuidar do solo, o que provocou
a sua deterioração. Para Sérgio Buarque, assim como
presente na história de Portugal e
para Gilberto Freyre, os portugueses já eram mestiços
conseqüentemente do Brasil. Para Sérgio Buarque, a
antes dos Descobrimentos. Além disso, já conheciam
aparente anarquia Ibérica era muito mais correta, a escravidão africana no seu país. O Brasil-colônia
muito mais justa que a hierarquia feudal, pois, não praticamente não conheceu outro tipo de trabalho que
continha muitos privilégios. A nobreza portuguesa não fosse o escravo. O trabalho mecânico era
era muito flexível, o que o autor chamará de desprezado no Brasil, e por isso não houve a
mentalidade moderna. Havia uma igualdade entre os construção de um verdadeiro artesanato, só se fazia o
homens. O pioneirismo de Portugal nas navegações que valia a pena, o que era lucrativo a curto prazo. Os
se deve a um incentivo próprio, já que esse país tinha brasileiros não eram solidários entre si. A moral da
uma mentalidade mais aberta. Autor chega a senzala era a preguiça. A violência que ela gerava
defender a mentalidade burguesa e os países impedia a solidariedade e o florescimento de virtudes
Ibéricos. Os Ibéricos não gostavam do trabalho sociais, o trabalho físico imposto pelo português aos
manual, disciplinado, paciente, visando benefício a escravos de forma violenta e autoritária era um
longo prazo, queriam ser senhores, obter ganhos verdadeiro castigo, o que contribui mais ainda para o
imediatos, mas sem ter que fazer o trabalho manual. desprezo nacional por esse tipo de trabalho.
Por fim o autor nos fala que o Brasil tem muitas
características ibéricas e sua formação cultural vem Herança Cultural: A estrutura da sociedade colonial
daí. é rural. Isso pode ser visto quando analisamos quem
detinha o poder naquela época: os proprietários rurais.
Trabalho e aventura: Para o autor, os portugueses Dentro desse contexto, a abolição da escravatura
que foram os primeiros europeus na Idade Moderna a aparece como um grande marco na nossa história.
se bancarem nas aventuras marítimas de longa Para o autor, durante o reinado de D. Pedro II, havia
distância (Grandes Navegações), estavam mais aptos uma contradição entre as visões do mundo tradicional
para a missão de colonizar o Novo Mundo (América). e moderna, o que resultou em muitos conflitos.
Sérgio Buarque fala, então, da existência de dois tipos Exemplo disso foi o malogro comercial sofrido pelo
de homens com espíritos (traços psicológicos) Barão de Mauá, primeiro grande empresário
diferentes: um com olhar mais amplo, disciplinado, brasileiro. O Brasil não tinha a menor estrutura tanto
paciente, dedicado, dado ao esforço físico contínuo econômica, quanto política e cultural para
em direção a um objetivo, que ele chama de desenvolver a indústria e o comércio, a economia de
trabalhador. Outro, com olhar mais restrito, um modo geral.
imediatista, indisciplinado, dado ao gosto pelo risco e Os senhores de engenho eram sinônimos de solidez
pelas coisas novas, inconstante, que ele chama de dentro da sociedade colonial. O engenho era um
aventureiro. No entanto, esses dois tipos podem se organismo completo, uma micro-sociedade. O
confundir na mesma pessoa. No português, prevalece patriarca era quem dominava o resto da sociedade.
o espírito aventureiro, o que o tornou mais apto à Como a sociedade rural colonial era um grupo
colonização da América, mas que, por outro lado, nos fechado, onde um homem dominava, as leis não
deixou certos traços culturais duvidosos como o entravam; os senhores tinham domínios irrestritos
desgosto pelo trabalho manual, disciplinado e o sobre seus “súditos”(esposa, filhos, agregados,
planejamento de longo prazo. colonos livres e escravos).

A economia escravista colonial era a forma pela qual Semeador e o Ladrilhador: Num primeiro momento,
a Europa conseguiu suprir o que faltava na sua os homens que vinham para a cidade eram os que
economia. O indígena não conseguiu se “adaptar” à tinham certa importância no campo. Houve uma
escravidão, tornando o escravo africano substituição das honras rurais pelas honras da cidade.
imprescindível para o sistema colonial. O português Os colonos brancos continuavam achando que o
vinha para a colônia buscar riqueza sem muito trabalho físico não dignificava o homem, mas sim o
trabalho intelectual. Para Sérgio Buarque, a vida das apenas na aparência, sendo avesso a tudo aquilo que
cidades fundadas pelos portugueses no Brasil se é impessoal, buscando sempre a proximidade e a
desenvolveu de forma anormal, prematura, sem familiaridade com pessoas que estão em condições de
planejamento, ao deus-dará, concentrando-se no lhe proporcionar favores e privilégios, muitas vezes
litoral, onde era mais fácil o contato com o mar e o ao arrepio da lei. Até hoje observamos no Brasil uma
escoamento da produção. As cidades eram dificuldade entre os homens detentores de cargos
instrumentos de dominação. A Coroa espanhola, públicos de conseguirem distinguir entre o público e
diferentemente da portuguesa, criou cidades mais o privado4.
planejadas nas suas colônias, especialmente no A contribuição brasileira para a civilização será
interior. Sérgio Buarque mostra como eram então, o “homem cordial”. Cordialidade esta que não
construídas tais cidades. Para Portugal, suas colônias é sinônimo de civilidade, de educação, mas que vem
eram grandes feitorais. Enquanto a colonização de cordes, coração.
portuguesa se concentrou predominantemente na A dificuldade que o brasileiro tem de se desprender
costa litorânea, a colonização espanhola preferiu dos laços familiares, mesmo quando se torna um
adentrar para as terras do interior e para os planaltos. cidadão, deve-se ao “homem cordial”. Esse homem
O interior do Brasil não interessava para a metrópole cordial também é generoso, de bom trato, simpático,
(Portugal). As bandeiras normalmente acabavam se que para confiar em alguém precisa primeiro conhecê-
transformando em roças, exceto de vez em quando lo bastante. A intimidade que tal homem tem com os
como foi o caso da descoberta de ouro. Com tal demais chega a ser desrespeitosa, o que possibilita
descoberta, a metrópole tentou evitar a migração para chamar qualquer um pelo primeiro nome, apelidá-lo.
o interior da colônia. O advento das minas foi o que O rigor praticamente não existe; onde não há distinção
fez com que Portugal colocasse um pouco mais de entre o público e o privado todos são amigos em todos
ordem na colônia. Sérgio Buarque continua falando os lugares, ainda que na aparência. O Brasil é uma
sobre a colonização portuguesa sempre a comparando sociedade onde o Estado é apropriado pela família, os
com a espanhola. Mesmo sendo mais liberais que os homens públicos são formados no círculo doméstico,
espanhóis, os portugueses mantinham firme o pacto onde laços sentimentais e familiares são transportados
colonial, proibindo a produção de muitas manufaturas para o ambiente do Estado, dos cargos públicos.
na colônia. Também deixa claro o desleixo português Graças ao homem cordial, nossa leis, por mais
na construção das cidades, de onde resulta boa parte perfeitas que sejam, nunca são cumpridas como
de nossos problemas urbanos. deveriam, pois a lei é sempre impessoal, e o homem
cordial sempre dá um jeito de driblá-la quando
Os Portugueses eram corajosos, graças ao seu espírito necessita, aliás, de driblar tudo aquilo que é
aventureiro. Portugal tinha uma maior flexibilidade impessoal.
social, e havia um desejo da sua burguesia (classe dos Novos Tempos: Há na sociedade brasileira, um apego
comerciantes) em pertencer à nobreza. Não havia muito forte ao recinto doméstico, uma relutância em
tradição em Portugal nem orgulho de classe, todos aceitar a individualidade. Poucos profissionais se
queriam ser nobres. Nasce a “Nova Nobreza”, que era limitam a ser apenas homens de sua profissão. Existe
muito mais preocupada com as aparências do que com um grande desejo em alcançar prestígio e dinheiro
as tradições. Sérgio fala um pouco da história política sem esforço
de Portugal vinculada à vontade que a maior parte da
população tinha em se tornar nobre, e tal desejo pode 4
Os conceitos de público e privado são da maior importância na
ser facilmente constatado no Brasil, travestido na sociologia. Público é tudo aquilo que pertence a todos, mas a
forma de cultura do bacharel (exibição de diploma ninguém individualmente. É regulado fortemente pela lei e pelo
universitário, especialmente do curso de Direito), Estado. Privado, é tudo aquilo que pertence a uma só pessoa,
onde fica evidente o desprezo pelo trabalho manual, e grupo ou família, é o espaço íntimo, sobre o qual Estado ou
se tenta demonstrar a todo instante um intelectualismo qualquer outro estranho não podem dispor como bem entender,
devendo respeitar a privacidade. Vários sociólogos chamaram a
que, na maior parte dos casos, é pura aparência, fala atenção para o fato de que no Brasil o público não é respeitado,
retórica e vazia, exibicionismo e conhecimento pois freqüentemente ele é usado de forma inadequada, como se
superficial. No Brasil, e principalmente entre os privado fosse. Exemplo claro disso, são as pessoas que exibem
nossos “doutores”, a aparência torna-se mais em alto volume suas aparelhagens de som automotivo na rua
importante do que a essência (ser de fato). (espaço público), como se estivessem na sua própria casa,
desrespeitando a lei e o sossego de moradores e pedestres. Na
política essa confusão entre o público e o privado seria uma das
O Homem Cordial: Para Sérgio Buarque, o homem maiores causas da corrupção, na medida em que os governantes
cordial é o típico brasileiro bajulador, afetuoso usam o dinheiro público e os recursos do estado como se
pertencessem a eles, a seus amigos e familiares.

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