Como Ser Adulto Nos Relacionamentos - David Richo

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DADOS DE ODINRIGHT

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Copyright © 2002, 2021 by David Richo

Este livro foi publicado mediante acordo com Shambhala Publications Inc.

título original

How to be an adult in relationships

preparação

João Guilherme Rodrigues

revisão

Midori Faria

Ana Grillo

design de capa original

Amanda Weiss

projeto gráfico original

Kate Huber-Parker

produção de e-book

Pablo Silva

e-isbn

978-85-510-0901-7

Edição digital: 2024

Todos os direitos desta edição reservados à

editora intrínseca ltda.

Av. das Américas, 500, bloco 12, sala 303

22640-904 – Barra da Tijuca

Rio de Janeiro – RJ

Tel./Fax: (21) 3206-7400

www.intrinseca.com.br
intrinseca.com.br

@intrinseca

editoraintrinseca

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@editoraintrinseca

intrinsecaeditora
Para toda a minha família e todos os meus amigos:

Obrigado por me mostrarem

as variedades e as vicissitudes do amor

em nossa vida juntos.

Iluminamos nas lembranças

os poucos encontros que tivemos

com almas que tornaram nossa alma mais sábia,

que falaram o que pensávamos,

que disseram o que sabíamos,

que permitiram que fôssemos o que intimamente somos.

— Ralph Waldo Emerson, 1838,

“The Divinity School Address”


SUMÁRIO

[Avançar para o início do texto]

Capa

Folha de rosto

Créditos

Mídias sociais

Epígrafe

Apresentação

Prefácio à edição comemorativa de vinte anos

Introdução

1| como tudo começou

O poder do mindfulness

Uma nota positiva sobre o que foi e o que é

Os Cinco As: as chaves que abrem nosso verdadeiro eu

Presença incondicional versus os cinco mindsets do ego

Prática

2| amor e menos

A negação da privação
O que nos machuca nos consola

Minha família foi boa para mim?

Um pouco de luz sobre o sofrimento

Uma jornada heroica

Prática

3| encontrando um par

Será que fui feito para ter um relacionamento íntimo e pessoal?

Candidatos qualificados para relacionamentos

O que desejamos?

Revelação completa

Sexualizando nossas necessidades

Nossos desejos

O destino tem seu papel

Prática

4| alto romance

Amor crescente

Quando o romance vicia

Como é amar?

Prática

5| quando surgem os conflitos

Resolvendo as coisas
O passado no presente

Introvertido ou extrovertido?

Raiva saudável

Prática

6| o medo aparece, assim como os perigos

Sufocamento e abandono

Aprendendo com os medos

Ciúmes

Infidelidade

Lidando com decepções

Prática

7| deixando o ego de lado

A anatomia do ego arrogante

A anatomia do ego enfraquecido

Aceitar as coisas que não podemos mudar

Prática

8| nosso comprometimento e como aprofundá-lo

O que diz o amor

Um vínculo duradouro

Prática

9| quando o relacionamento chega ao fim


Superar com elegância

Quando alguém deixa você

Epílogo

Apêndice: os passos e as mudanças de um luto com mindfulness

Sobre o autor
APRESENTAÇÃO

Este livro traz o místico para a terra firme, para o mundo das relações

pelas quais navegamos desde o nascimento até a morte. Em Como ser

adulto nos relacionamentos, David Richo fornece um guia operacional

para relacionamentos eficazes tão gentil e preciso quanto sua presença

diante de alunos e amigos. Por meio de práticas espirituais confiáveis de

mindfulness — ou atenção plena — e benevolência, os leitores

embarcam em uma jornada que conduz à conscientização, à alegria e a

uma profunda conexão.

Mindfulness é uma antiga técnica de meditação pela qual

abandonamos medos, fixações, ânsias, expectativas, direitos que

pensamos ter e julgamentos que fazemos dos outros. Em vez dessas

estratégias habituais, aprendemos a estar presentes e abertos ao

momento, sem nada no caminho, para vivenciar a vida conforme ela

acontece. Quando aplicamos o mindfulness aos nossos relacionamentos,

podemos enfim enxergar quem somos e quem são os outros, em todas as

vulnerabilidades comoventes e com todo o intenso potencial de amar.

Na prática espiritual da benevolência, expandimos nossa consciência

em relação às pessoas de forma infinitamente terna e carinhosa. Essa

jornada vai além dos relacionamentos pessoais, e nós acolhemos o

mundo em toda a sua amplitude. Aprendemos a conceder amor a todos à

nossa volta, mesmo àqueles que nos são indiferentes e aos que

consideramos difíceis de lidar. Com a benevolência, a união romântica

entre duas pessoas acaba envolvendo o mundo inteiro. Em determinado

ponto do livro, David afirma: “Podemos expandir nossa consciência para

[…] dar e receber amor.” Na minha experiência atendendo casais e

treinando profissionais, a pergunta que sempre surge é: como podemos

expandir nossa capacidade de lidar com amor e energia positiva, para


que não acabemos sabotando qualquer avanço que conquistamos? Nós

— meu marido, Gay, e eu — chamamos isso de “problema dos limites

superiores”, e também o mais difícil desafio humano.

Este livro mostra como o círculo do amor pode se expandir e fluir

com mais liberdade dentro de nós e entre todos nós. David Richo

estabelece a pedra fundamental da passagem do amor pessoal para o

amor universal. As práticas espirituais apresentadas aqui não são apenas

suplementos para um trabalho psicológico: elas o realizam.

David Richo propõe uma nova e importante síntese no movimento da

autoajuda, uma espiritualidade prática concentrada no que o poeta Ted

Loder chama de “tesouros/ da alegria, da amizade, da paz/ ocultos nos

campos do dia a dia”. Os exemplos de David e, em especial, as muitas

oportunidades que ele oferece para a prática dessas mudanças de

perspectiva e de ação apoiam profundamente a evolução do leitor.

Encontramos um novo lugar para nos unirmos na igualdade. Marcadores

claros nos guiam em direção a uma vida compassiva na qual seres

humanos enfim crescem para ajudar uns aos outros e ao nosso lar mais

amplo. Não só os nossos relacionamentos podem trabalhar para o nosso

crescimento, mas também para a evolução do mundo. Convido você a se

emocionar por essas ondas de possibilidades.

Kathlyn Hendricks, ph.D.


PREFÁCIO À EDIÇÃO COMEMORATIVA DE VINTE ANOS

É com emoção e felicidade que dou as boas-vindas à edição

comemorativa de vinte anos do meu livro, agora com mais de 250

milhões de exemplares vendidos em doze idiomas. Durante todo esse

tempo, senti profunda gratidão por todas as mensagens que recebi de

pessoas do mundo inteiro a respeito de como o meu livro as ajudou. Isso

significa muito para mim, pois o escrevi como uma prática espiritual,

com a intenção de compartilhar tudo que aprendi para, assim, beneficiar

os outros. Sou muito grato por minhas palavras terem se conectado com

tantas pessoas. Minha ligação com os leitores é uma bênção ainda mais

incrível; com certeza, meu maior motivo de comemoração.

Este livro nasceu da minha convicção de que relacionamentos, assim

como tudo de valor nesta vida, exigem cuidados. Sem isso, não é

possível que melhorem ou durem. Como não são autossustentáveis,

requerem manutenção, do mesmo modo como jardins, catedrais e o

nosso próprio corpo. O cuidado combina trabalho psicológico e prática

espiritual contínuos por parte de todos os envolvidos. Por isso, este livro

foi pensado como um manual de manutenção, mostrando como cuidar

com muito carinho dos nossos vínculos afetivos para que floresçam. Um

relacionamento prospera quando não desistimos do amor, não importa o

que aconteça, e quando continuamos a aprimorá-lo e a consertá-lo. Os

assuntos abordados aqui podem nos ajudar nessa linda jornada.

Em Como ser adulto nos relacionamentos, analisamos em que

consiste a confiança; como nossa infância se reflete em escolhas e ações

e nos medos que sentimos em relação à intimidade ou ao

comprometimento; como nossos relacionamentos passam por fases;

como o ego autocentrado pode ceder à reciprocidade; a importância de

demonstrar e reagir aos sentimentos e de respeitar limites; como resolver


conflitos; como se manter atento e sincero na comunicação; e como

nutrir nosso comprometimento ao dar e receber diariamente os cinco As

do amor: atenção, afeto, apreço, aceitação e admissão. Tais desafios não

precisam ser assustadores. Com algumas orientações e recomendações,

podemos lidar com eles, e espero que este livro o ajude nisso. Todo

mundo carrega dentro de si a capacidade de amar; qualquer pessoa pode

aprender a amar de forma generosa e eficaz. É por isso que não

precisamos ter medo de embarcar na jornada de um relacionamento.

Esta edição contém o material do texto original, mas com algumas

modificações. Todos os capítulos estão aqui, mas o livro não é mais

dividido em três partes. A discussão sobre a raiva foi incluída no

Capítulo 5, “Quando surgem os conflitos”, e o capítulo 9, “Quando o

relacionamento chega ao fim” agora é o último do livro. Além disso,

atualizei algumas partes e aprimorei alguns conceitos. Por exemplo, hoje

devemos usar a palavra “cuidadores”, que nem sempre são os pais.

Também vemos uma variedade de estilos de relacionamento, como o

poliamor, em vez de apenas um casal. Da mesma forma, os

relacionamentos virtuais estão cada vez mais comuns, em vez dos

encontros presenciais. Nós nos comunicamos por meio de mensagens de

texto e mídias sociais, e não mais apenas por e-mail ou telefone. Apesar

dessas mudanças no modo como os relacionamentos se formam e se

sustentam, a mensagem central do livro continua a mesma: todos somos

capazes de encontrar o amor e crescer na forma como o expressamos

para nós e para os outros. Não tratei aqui de todas as mudanças no

mundo dos relacionamentos, pois queria preservar o propósito do livro:

explorar o coração e a alma dos relacionamentos em vez de cobrir todas

as novas formas que estão surgindo. Muitos outros livros abordam os

estilos contemporâneos de encontros, a construção de uma conexão e

todas as possibilidades existentes no novo cenário dos relacionamentos e

como nós nos autoidentificamos. Espero que a mensagem do livro se

mantenha verdadeira e ofereça sabedoria para qualquer pessoa que

deseje cultivar relacionamentos amorosos.


Dez anos depois da publicação original, vivenciei uma expansão do

meu próprio senso de amor e conexão, em especial no campo espiritual.

E isso se transformou em How to Be an Adult in Love: Letting Love in

Safely and Showing It Recklessly (Shambhala) [Como ser um adulto

apaixonado: deixe o amor entrar com segurança e demonstre sem

medo], que se tornou um complemento ao presente livro e recomendo

carinhosamente como uma futura leitura.

Que este livro e todo o meu trabalho beneficiem você e todos os

seres.

O que temos

que seja mais ou melhor

do que a nossa vida juntos?

— David Richo, Santa Barbara


INTRODUÇÃO

Tão somente amar não será suficiente

A não ser que também sejamos sábios

E desfrutemos do nosso amor.

— Sir John Suckling

o amor é a possibilidade das possibilidades. Seu alcance está muito

além de nós, não importa por quanto tempo amamos nem o quanto. Ele

sempre será um mistério silencioso, que provoca êxtase e sofrimento,

mas ao qual só podemos nos render. Há algo de animado e impetuoso

que permite que nos arrisquemos no labirinto do amor, sem pensar no

perigo. No entanto, nem mesmo todo o amor do mundo é capaz de trazer

felicidade, muito menos fazer um relacionamento dar certo. Isso requer

habilidade, e essa habilidade pode ser adquirida. A prática pode nos

tornar graciosos o suficiente para uma dança a dois, independentemente

das dificuldades que demonstramos no início.

O amor é vivenciado por cada um de uma maneira diferente, mas, na

maioria dos casos, cinco aspectos se destacam. Nós nos sentimos

amados quando recebemos atenção, aceitação, apreço, afeto e quando há

admissão para que sejamos livres para viver de acordo com nossos

próprios desejos e necessidades mais profundos. Demonstramos amor

conforme esses cinco aspectos. Ao longo da vida, encontramos esses

“cinco As” de diferentes formas. Na infância, precisamos deles para

desenvolver autoestima e um ego saudável. São os blocos de montar da

nossa identidade, formando uma personalidade humana coerente. A

experiência humana tem uma harmonia confiável e surpreendente: o que

precisamos para a construção do “eu” é justamente o que precisamos

para a conquista da felicidade nos relacionamentos amorosos quando

adultos. A intimidade, em seu ponto mais positivo, significa dar e


receber os cinco As, que constituem a alegria e a saúde de um

relacionamento. Esses cinco elementos ou aspectos do amor também

descrevem nosso destino de serviços para o mundo como seres

espirituais maduros. Grandes exemplos da espiritualidade, como Jesus e

Buda, foram seres que nos ofereceram esses cinco aspectos do amor. Por

meio da prática espiritual, passamos a conhecer um poder maior do que

nosso ego, e esse poder nos nutre ao nos conceder as bênçãos da

atenção, da aceitação, da apreciação, do afeto e da admissão.

Há uma sincronia emocionante e encorajadora, uma coincidência

significativa, inerente ao nosso ser: os cinco As são, ao mesmo tempo, a

satisfação das nossas primeiras necessidades, os requisitos de intimidade

adulta e de compaixão universal, e as qualidades essenciais da prática do

mindfulness. Na esplêndida economia do desenvolvimento humano e

espiritual, as mesmas chaves abrem as portas para a evolução.

Desse modo, recebemos todos os cinco As como dádivas na infância.

Elas não são o resultado de um esforço, e sim o fluxo automático do

amor que recebemos. Não precisamos nem tentar; apenas notamos que

demonstramos atenção, apreço, afeto, aceitação e admissão a todos

aqueles que amamos. Demonstrar os cinco As é o “sentimento pleno” e

uma prática espiritual.

Existe alguma forma de aumentar nossa capacidade de dar e receber

esses elementos essenciais de amor? Sim, podemos fazer isso por meio

do mindfulness, um testemunho alerta e presente da realidade sem

julgamentos, fixações, medo, expectativa, sentimento de defesa,

preconceitos ou controle — o que por si só é uma descrição de

comunicação eficaz. Por meio de um mindfulness centrado no coração,

nós nos tornamos adeptos a conceder os componentes essenciais do

amor para todos, inclusive para nós mesmos. Nas páginas a seguir, vou

sempre retornar à atenção e ao sentimento plenos como uma via rápida

para o amor eficaz e significativo.

Este livro discute cada um dos As e como se aplicam à infância, aos

relacionamentos e à maturidade espiritual. Também há sugestões de

práticas que podem ajudá-lo a resolver questões advindas da infância, ter


relacionamentos mais felizes e se tornar mais consciente e compassivo

espiritualmente. Essas práticas apresentam, de fato, uma ambição

espiritual com apostas mais altas: você como um ser mais amoroso e o

mundo como seu beneficiário.

Tudo isso significa embarcar em uma jornada em conjunto; uma

jornada do herói, pois envolve sofrimento e nos obriga a mudar o foco

do ego para o foco no enfrentamento dos riscos da vida juntos. Este livro

acompanha você ao longo do caminho, fornecendo o material de que vai

precisar nesta viagem, além de segurança e alegria. Para tanto, usamos

ferramentas da psicologia ocidental e práticas espirituais ocidentais e

orientais, sem promover uma em detrimento da outra, mas aplicando-as

de forma simultânea. As principais ferramentas da psicologia ajudam a

trabalhar questões pessoais e da infância com o compromisso de

identificá-las, processá-las e resolvê-las para que você possa mudar e

crescer. As ferramentas espirituais têm por objetivo se livrar do ego,

aumentando o mindfulness e cultivando uma ética de benevolência. Só

atingimos o mindfulness quando a realidade tem precedência sobre o

ego. É por isso que o mindfulness nos leva à intimidade, a uma dádiva

mútua e sem ego. Pessoas em relacionamentos, formando ou não um

casal, encontram mais serenidade quando se entregam a uma prática

espiritual juntas. E ainda aumentam suas chances de felicidade e

longevidade nos relacionamentos.

Um relacionamento pode nos obrigar a revisitar todos os sentimentos

e lembranças no mito de nós mesmos. Nosso trabalho psicológico inclui

abordar, processar e resolver problemas e bloqueios emocionais.

Abordar significa olhar diretamente para uma questão. Ao processar,

prestamos atenção nos sentimentos, exploramos suas implicações e nos

apegamos a eles até que mudem ou revelem um caminho que nos leve a

um lugar ainda mais profundo dentro de nós — e resolver tem a ver com

isso. Já na nossa prática espiritual de mindfulness, o que acontece é bem

diferente. Deixamos os sentimentos e pensamentos surgirem e depois os

libertamos. Não os processamos nem nos apegamos a eles. Cada uma

dessas abordagens tem seu momento adequado, e precisamos de ambas.


Prestar atenção e libertar são ferramentas gêmeas que serão

apresentadas ao longo destas páginas. A terapia sem mindfulness nos

ajuda a resolver uma situação difícil; já a terapia com mindfulness nos

ajuda a dissolver o ego, que, para começo de conversa, nos levou à

terapia.

A jornada do herói é uma metáfora para o desejo, na alma humana,

por algo com a capacidade de reparar e restaurar o que foi partido ou

perdido em nosso mundo limitado. A jornada do herói envolve primeiro

deixar o que é familiar, enfrentar dificuldades até chegar a um novo lugar

para então retornar ao lar, por fim, com uma dádiva ou uma consciência

superior disponível a todos que a desejarem. As pessoas se encontram no

romance e formam um relacionamento, então se opõem uma à outra em

um conflito, só para enfim assumirem um compromisso de vida juntas.

Parece que não conseguimos amar de forma madura, a não ser que

percorramos o itinerário completo dessa expedição tão arriscada. Mas

essa metáfora ocidental se torna incompleta sem o mindfulness e o

sentimento pleno.

Em suma, precisamos nos levantar e partir, assim como nos sentar e

ficar. Ao partir em uma jornada sem meditação e silêncio, talvez

acabemos nos tornando vítimas de uma atividade limitadora e

extrovertida. Ao praticar a meditação sem a consciência de que estamos

em uma jornada, é possível que acabemos vítimas de uma imobilidade

introvertida. A voz oriental diz que já estamos aqui. A voz ocidental diz

que devemos partir e retornar de forma completa. Sem essa combinação,

não chegamos a lugar algum nem permanecemos em lugar algum. Buda

não ficou sentado eternamente, saiu pelo mundo para espalhar sua

mensagem. E Jesus não pregou e curou todos os dias, às vezes apenas se

sentava sozinho no deserto.

O coração humano carrega muito mais amor do que é capaz de

distribuir por toda uma vida. Sendo assim, este livro sugere um

programa para ativar esse potencial abundante. Afinal, o amor íntimo é

enigmático e exigente; e muitos de nós o temem, mesmo ansiando por

ele. Desse modo, esse sentimento com certeza precisa de um manual


extenso. Este livro explora territórios delicados e assustadores da nossa

psique e acende um caminho por eles. Não é tarde demais para nenhum

de nós.

Escrevo aqui como um psicoterapeuta seguindo um caminho budista

e como um homem com certa bagagem em termos de relacionamentos.

Eu me deparei com muitos problemas, mas encontrei maneiras de lidar

com eles. Descobri que não são poços sem fundo, mas portais para uma

vida mais rica. Minha abordagem aqui é justamente sobre como

empacamos e as coisas dão errado. Mas acredite quando digo que vou

mostrar formas de fazer as coisas funcionarem melhor e como toda a

experiência pode nos tornar pessoas melhores e, assim, nos ajudar a

criar um mundo melhor.

A iluminação só pode ser incorporada ao mundo por pessoas que se

amam. Então, relacionamentos não têm relação com duas ou mais

pessoas que podem sobreviver juntas, e sim com a maneira como, com

toda essa angústia sombria e enlevo brilhante, todo mundo se torna mais

capaz de amar. O trabalho e a prática que recomendo aqui não se

destinam a facilitar sua vida em um relacionamento, mas a ajudar você a

se relacionar com senso de humor, tranquilidade e generosidade, com a

aspereza inevitável desse relacionamento. Um ego indomado não é capaz

disso. Só um coração desperto é. Então, a melhor forma de abordar a

intimidade é por meio de um caminho espiritual. Como bônus, nosso

limitado trabalho pessoal pode curar o mundo mais amplo.

Espero que este livro proponha questões pungentes como as que listo

a seguir e que ajude você a respondê-las:

Do que preciso para encontrar a felicidade que sempre desejei?

Eu vou sentir que sou amado, como sempre desejei?

O que é necessário para me libertar do passado?

Vou aprender a proteger os meus próprios limites e insistir que os

outros os respeitem? Vou respeitar os limites dos outros?

Vou me libertar da necessidade de controle?

Vou me atrever a amar com todo o meu coração?


Como ser adulto nos relacionamentos é uma carta que escrevi para

você. Estou ansioso para compartilhar tudo que aprendi com clientes,

amigos e minha própria vida. Ao mesmo tempo, o livro vai trazer à tona

informações suas, não apenas as informações que eu lhe dou. As

verdades sobre o amor e como este sentimento funciona estão

permanente e profundamente arraigadas em você e nos outros. Meu

papel aqui foi digitar a sabedoria que chegou a mim do Éden e de seus

eLivross — ou seja, de todos nós.


1 | COMO TUDO COMEÇOU
Existem muitos caminhos nesta vida, mas poucos conseguem

atravessar o mais importante: o caminho de um verdadeiro

ser humano. Acho que você está nesse caminho. É uma coisa

boa de ver. Faz bem para o meu coração.

— Michael Blake, Dança com lobos

todos nós nascemos com a capacidade de dançar acompanhados,

mas não com treinamento para isso. Precisamos aprender a coreografia e

ensaiar até conseguirmos nos mover sem esforço e com graciosidade. A

alegria disso exige esforço. Alguns de nós podem ter alguma deficiência

física ou problemas de autoconfiança, portanto precisarão ensaiar ainda

mais do que outros. Alguns têm tanta dificuldade que talvez nunca

consigam dançar bem. Já outros aprenderam que dançar era pecado.

Nos relacionamentos acontece exatamente a mesma coisa. As

primeiras experiências formam ou deformam nossos relacionamentos na

vida adulta. Quando crianças, alguns de nós foram tão machucados ou

incapacitados psicologicamente — seja por negligência, repressão ou

abuso — que podem até levar anos de trabalho e prática antes que

consigam dançar com a graciosidade de um comprometimento adulto.

Alguns de nós sofreram tanto abuso que, como forma de vingança,

sentem o impulso de abusar de outros. Ou então sofreram tanto no

passado que talvez nunca sejam capazes de se relacionar de forma

adulta.

A maioria de nós, porém, teve uma criação boa o suficiente, que

satisfez de forma razoável nossas necessidades emocionais por atenção,

aceitação, apreço, afeto e admissão, ou seja, os cinco As do amor. Então,

na vida adulta, temos certa facilidade de nos relacionarmos de forma


saudável. O que, por sua vez, significa se relacionar com mindfulness,

sem uma possessividade cega ou um medo paralisante da intimidade.

Ainda assim, ninguém se relaciona em perfeita tranquilidade sem antes

adquirir essa habilidade, assim como ninguém consegue dançar em

perfeita sincronia sem antes receber instruções. Algumas pessoas

dominam a arte da dança, enquanto outras nunca conseguem dançar

direito, embora talvez passem despercebidas. Da mesma forma, um

relacionamento pode parecer bem-sucedido, mas talvez não haja

intimidade ou comprometimento verdadeiros, o que se torna um

problema genuíno caso resulte em casamento e filhos. Como dançarinos,

podemos nos recusar a aprimorar nossas habilidades sem grandes

consequências para outras pessoas, mas, se agirmos da mesma forma

nos relacionamentos, alguém pode sair magoado. (Nesse contexto,

relacionamento significa envolvimento íntimo, seja vivendo junto ou

separado.)

Então, há aqueles de nós que na infância sofreram sérios abusos e

não tiveram suas necessidades satisfeitas e, dessa forma, ficaram tão

arruinados que, como resultado, têm muita dificuldade em desenvolver a

intimidade. Com o tempo, esses também podem aprender a se relacionar

de forma íntima, mas apenas se resolverem suas próprias questões. É

nossa responsabilidade dedicar a energia necessária para praticar e nos

tornarmos habilidosos em ter bons relacionamentos. Isso não acontece

de forma automática. Ainda temos que aprender, ser ensinados, sentir

tristeza por nosso passado, fazer terapia, conhecer o nosso verdadeiro

eu, desfazer anos de hábitos, treinar com nosso par, seguir uma prática

espiritual e ler e estudar livros como este. A boa notícia é que nós, assim

como todos os seres humanos, temos uma psique calibrada para realizar

esse trabalho. Com o tempo, toda a estranheza e os erros serão

substituídos por movimentos harmoniosos e cooperativos que refletem

bem a música romântica tocando ao fundo de tudo.

Já ouvimos falar do mal que nossas feridas da infância podem causar

aos relacionamentos da vida adulta, mas costumo ter uma visão positiva

daquela época em nossa história humana. O que de fato aconteceu é


menos importante do que a forma como carregamos isso agora:

positivamente, como algo que superamos, ou negativamente, como algo

que continua nos ferindo e atrapalhando nossos relacionamentos. Se

pudermos lamentar o passado e, dessa forma, diminuir seu impacto em

nossa vida atual, podemos, então, manter nossos limites e, ainda assim,

criar vínculos fortes com o nosso par. Contanto que tenhamos um

programa para lidar com a adversidade, nenhum problema será capaz de

nos levar ao desespero.

Já ouvimos pessoas sendo rotuladas de “codependentes” quando não

conseguem sair de um relacionamento doloroso e sem futuro. Ainda

assim, se um relacionamento reconfigura um vínculo original com

nossos pais ou nossos cuidadores, sair dele pode representar uma

ameaça aterrorizante para nossa segurança interna. Todas as

perspectivas de mudança, até mesmo para melhor, passam a representar

uma ameaça. Por isso, é importante ter compaixão em relação a nós

mesmos durante todo o tempo necessário. Demorar a fazer essa

mudança não significa que somos covardes ou codependentes, apenas

que somos sensíveis às pressões e aos significados de áreas da nossa

própria psique que ainda são dominadas por um antigo regime. Nossos

vínculos fracassados e os que estão fracassando sempre são causa de

preocupação. Repetir isso é humano; e reprogramar é saudável. À

medida que substituímos, por mais devagar que seja, reações defensivas

por diferentes formas de fazer as coisas, isso abre espaço para novas

capacidades e, como resultado, novas habilidades entram em cena. Não

é só questão de se libertar do arco sufocante da infância. Nós, seres

humanos, necessitamos do amparo encorajador da pessoa com quem nos

relacionamos. Precisamos saber que existe uma ressonância reverberante

e entusiasmada à nossa existência única em algum lugar neste mundo

desolado. Não temos como fazer isso acontecer, mas podemos estar

abertos e acolhedores quando acontecer.

Se passássemos uma infância plenamente satisfeita, não teríamos

motivação para sair mundo afora. O caminho para a vida adulta começa

quando deixamos para trás, como deve ser, o ninho de segurança


oferecido por nossos pais ou cuidadores e entramos no mundo dos

adultos. Sem essa necessidade, talvez fôssemos seduzidos pelo conforto

de casa, talvez nos isolássemos do resto do mundo, e, dessa forma, não

encontraríamos nosso lugar único nele ou nossa maneira única de

contribuir com ele. Isso também explica por que nada nem ninguém

jamais será suficiente para satisfazer a total extensão de nosso potencial

humano. A natureza não pode abrir mão de nenhum de seus

representantes, então calibrou o coração de tal forma que este nunca está

satisfeito. Mas ela nos proporciona momentos de satisfação com coisas e

pessoas, e é isso que pode nos sustentar. Essa mensagem foi transmitida

de forma emocionante pelo personagem do cavaleiro no filme O sétimo

selo, de Ingmar Bergman: “Vou sempre me lembrar desse momento de

paz… os morangos, a tigela de leite, o rosto de vocês no entardecer.

Sempre vou me lembrar das nossas palavras e vou carregar esta

lembrança nas mãos com tanto cuidado quanto carregaria uma tigela de

leite. E esse será um sinal de grande contentamento.” Sim, podemos

guardar a lembrança de momentos de verdadeira intimidade e, mais

tarde, pensar neles como forma de consolo. Podemos até recorrer a eles

para nos manter estáveis quando nos sentimos desolados e solitários.

Aqueles que nos amaram se tornam companheiros interiores e

permanecem ao nosso lado quando precisamos deles. “Não temerei mal

algum, porque tu estás comigo.”

O amor, ou qualquer conexão profunda com outra pessoa, por mais

breve que seja, faz muito mais do que nos satisfazer no presente. Ele se

ondula de volta no tempo, remendando, restaurando e renovando um

passado inadequado. O amor sincero também coloca em movimento

ondulações contínuas que seguem adiante e resultam em uma mudança

dentro de nós. Chegamos ao ponto em que conseguimos pensar: “Não

preciso mais de tanta coisa. Não preciso mais culpar meus pais por tanta

coisa. Já sou capaz de receber amor sem ansiar por mais e mais. Consigo

receber esse amor, e isso basta.” A pessoa que chegou a esse ponto na

jornada está pronta para amar intimamente.


Um ambiente protegido — o contexto sólido e seguro dos cinco As

— é necessário tanto para o crescimento emocional quanto para o

espiritual. Não somos como lesmas dentro da nossa própria concha.

Somos mais como cangurus, nos desenvolvendo em uma bolsa.

Vivenciamos o abrigo do útero, do seio da família, de um

relacionamento, de grupos de apoio e de comunidades cívicas e

espirituais. Em cada estágio de nossa vida, nosso eu interior precisa dos

cuidados de pessoas amorosas e sintonizadas com nossos sentimentos e

que sejam receptivas às nossas necessidades. O olhar de amor

incondicional aceita a aparência pessoal do verdadeiro eu. Aqueles que

nos amam cultivam nossos recursos interiores de poder pessoal,

amabilidade e serenidade. Aqueles que nos amam nos compreendem e

estão disponíveis para nos dar atenção, apreço, aceitação e afeto,

elementos estes que somos capazes de sentir. Além disso, eles nos dão

abertura para sermos quem somos. Na vida adulta, relacionamentos

seguros surgem dessa abertura. Nosso trabalho, então, é nos tornarmos a

versão mais saudável possível de quem somos. O ego saudável — que

Freud chamou de “organização coerente dos processos mentais” — é a

parte de nós que pode se observar, observar situações e pessoas, avaliá-

las e reagir de forma a se aproximar dos nossos objetivos. Nós não

abandonamos esse aspecto do ego; trabalhamos a partir dele. Isso nos

ajuda em relacionamentos ao nos tornarmos responsáveis e sensatos em

relação às nossas escolhas e aos nossos compromissos. O ego neurótico,

por outro lado, é a parte de nós impulsionada compulsivamente ou

bloqueada por medos ou desejos. Em seu estado inflado, o que

chamamos de “grande ego” parece arrogância, egoísmo, apego e

necessidade de controle. Às vezes, não reconhecemos isso e nos

sentimos vítimas dos outros. Nossa missão espiritual de vida é nos

despirmos desse ego neurótico. Sua tirania assusta e espanta a

intimidade, além de ameaçar nossa autoestima.

A psicologia ocidental dá muita importância à construção de um

senso de eu ou de ego. O budismo, por outro lado, dá mais importância à

libertação da ilusão de um eu sólido e autossuficiente. Até percebermos


que o budismo pressupõe um senso saudável do eu, esses pontos de vista

parecem contraditórios. O budismo não recomenda abdicar das

obrigações adultas de construir competências e confianças, de se

relacionar com os outros de forma eficaz, de descobrir um propósito de

vida e de cumprir as responsabilidades. Na verdade, antes precisamos

estabelecer um eu para enfim abrirmos mão de um. Esse eu é uma

designação temporária e conveniente, mas não é essencialmente real de

nenhuma forma duradoura e imutável. Dizer que não existe um eu fixo e

limitado é uma maneira de se referir ao potencial ilimitado que existe

dentro de cada um de nós — nossa mente búdica ou natureza búdica.

Podemos transcender o senso limitado que temos de nós mesmos.

Somos muito mais do que o nosso ego limitado.

Grandes místicos sentem a unicidade vivenciada na meditação como

algo de início tranquilizador, mas, depois, torna-se uma força que os

impele para o mundo com um senso de serviço. (É por isso que a nossa

jornada é heroica, além de paradoxal.) Isso não significa que temos que

viver uma vida de constante serviço à humanidade. Nós nos sentimos

realizados quando vivemos a nossa total capacidade pessoal de amar,

demonstrando o amor único e inigualável que existe dentro de nós.

O PODER DO MINDFULNESS

O mindfulness cria as condições para a revelação.

— Sylvia Boorstein

A autorrealização não é um acontecimento repentino nem o resultado

permanente de um esforço duradouro. O poeta e santo budista tibetano

do século XI, Milarepa, sugeriu: “Não espere a realização plena; apenas

a pratique todos os dias da sua vida.” Uma pessoa saudável não é

perfeita, mas aperfeiçoável; não é plena, mas um trabalho em

desenvolvimento. Manter-se saudável requer disciplina, trabalho e

paciência, e é por isso que a nossa vida é uma jornada forçosamente

heroica. O ego neurótico quer seguir o caminho de menor resistência. O


eu espiritual quer revelar novos caminhos. Não é que a prática leva à

perfeição, e sim que a prática é perfeita, pois combina esforço com

abertura, o que leva à bênção.

A prática autêntica é uma dádiva de desenvolvimento ou de despertar

que chega a nós de forma espontânea, sem ser chamada, vinda

diretamente da nossa natureza búdica, ou seja, iluminada. Fazer pão

exige o esforço de sovar a massa, mas também exige paciência enquanto

a massa cresce com um poder próprio. Não estamos sozinhos na nossa

evolução psicológica ou espiritual. Um poder superior ao ego, mais

sábio do que nosso intelecto e mais duradouro do que nossa vontade,

entra em ação para nos ajudar. Mesmo agora, ao ler este livro, muitos

bodisatvas e santos estão reunidos para se tornar seus companheiros

poderosos na jornada até seu coração.

O mindfulness é uma elegante prática budista que traz nossa atenção

limitada ao que está acontecendo no aqui e agora. E o faz ao nos libertar

do hábito mental de nos distrair com medos, desejos, expectativas,

avaliações, fixações, preconceitos, proteções, tudo baseado em nosso

próprio ego. A ponte que nos tira das distrações e nos traz para o aqui e

agora é a experiência física de prestar atenção na nossa respiração. A

postura sentada clássica representa um importante papel na meditação

do mindfulness, pois nos encoraja a permanecer imóveis e nos centrar

no mundo físico. Além disso, o ato de sentar nos liga à terra, e a terra,

por causa da concretude do aqui e agora, nos enraíza e nos centra diante

das atraentes seduções mentais. Sentamo-nos como prática de como

vamos agir no decorrer do dia. O mindfulness, porém, é mais do que o

ato de se sentar. Trata-se de cada momento em que você vai se

desgarrando do ego. É a simplicidade resultante quando vivenciamos a

realidade sem todas as interferências produzidas pelas artes decorativas

do ego.

O termo mindfulness é, na verdade, inadequado, pois o ato em si

envolve esvaziar a mente, e não o contrário. É o único estado mental não

alterado, a experiência pura da nossa própria realidade. A meditação é o

veículo para o mindfulness em todas as áreas. Além disso, a meditação


do mindfulness não é um evento religioso, muito menos uma forma de

oração. É uma exploração de como a mente funciona e como pode se

aquietar para revelar a vastidão interior da qual a sabedoria e a

compaixão facilmente surgem.

O mindfulness não existe para nos ajudar a fugir da realidade, mas

para vê-la com clareza, sem as camadas cegantes do ego. A meditação

não é uma forma de escapismo; as camadas do ego é que são. Manter

essa visão leva à liberdade, ao passo que, ironicamente, o escapismo nos

leva ao apego. No vale assombrado do paradoxo humano, nós ganhamos

e seguimos o caminho ao perder e nos libertar do que nos prende, e o

mindfulness é o bom pastor interior que nos guia.

No mindfulness, não reprimimos nem cedemos a pensamentos,

apenas os notamos e voltamos a atenção para a respiração, que nos

conduz gentilmente de volta ao lugar ao qual pertencemos, com o

carinho de uma mãe com um filho perdido. A meditação é bem-sucedida

quando conseguimos retornar à nossa respiração de forma paciente e

sem julgamentos. A consciência atenta e plena é a condição da

testemunha justa e alerta, em vez de juiz, júri, promotor, requerente, réu,

advogado de defesa. Apenas notamos o que acontece na nossa mente e

absorvemos a informação. Isso não significa ser estoico nem indiferente,

pois, nesse caso, perderíamos nossa vulnerabilidade, um componente

essencial da intimidade. Testemunhar não é ficar de lado, mas se manter

ao lado. Dessa forma, podemos agir sem compulsão e sem preocupação,

relacionando-nos com o que está acontecendo em vez de sermos

possuídos por isso.

Existem dois tipos de testemunho: o compassivo e o impassível. No

testemunho compassivo, observamos a partir de uma perspectiva

amorosa. É como passar pelas fotos de um álbum de família. Somos

tomados por um sentimento de carinho sem qualquer sintoma de

possessividade. Nós olhamos, nos desprendemos e seguimos para ver o

que está na página seguinte. No testemunho impassível, por outro lado,

olhamos tudo com indiferença passiva. Permanecemos frios e

indiferentes, sem expectativas em relação ao que vem em seguida e sem

É
apreço pelo que veio antes. É como olhar para a paisagem do lado de

fora da janela do trem. Apenas vemos tudo passar, sem qualquer reação

interna. O testemunho atento é um testemunho compassivo, uma

presença comprometida livre de medos ou apegos.

O mindfulness é mais uma vigília do que uma observação: vigiamos

a realidade como protetores de sua verdade. Uma professora de arte

chamada Irmã Wendy Beckett diz que grandes artistas pintam quadros

incríveis porque aprenderam “a olhar sem ideias fixas sobre o que é

adequado”. Isso é mindfulness. Pode ser tanto uma consciência sem

conteúdo (a consciência pura sem atenção a qualquer questão ou

sentimento em particular) quanto uma consciência com conteúdo

(atenção sem intromissões do ego, chamada de mindfulness da mente).

Em geral, quando falo em mindfulness neste livro, refiro-me a este

último estilo.

Desse modo, mindfulness é um empreendimento corajoso, pois é a

crença de que temos dentro de nós a capacidade de reter e tolerar nossos

sentimentos, garantir que vamos aceitá-los mesmo que pareçam

assustadores e conviver com eles em equilíbrio. Descobrimos, então,

uma força interna que equivale à autodescoberta. A partir daí, a

autoestima se torna eficaz ao nos relacionarmos com os outros. Como o

mindfulness nos leva à libertação do ego ao nos livrar do medo e do

apego, ele se torna uma ferramenta apropriada para um relacionamento

saudável. Faz com que estejamos presentes para os outros de forma pura,

sem a venda do ego neurótico. Simplesmente ficamos com a pessoa,

aceitando-a por ser quem é, notando suas características, mas não as


1
julgando. Consideramos o que a outra pessoa faz e usamos isso como

informação, sem a necessidade de censurar ou culpar. Ao fazer isso,

abrimos espaço em volta de um evento, em vez de preenchê-lo com

nossas crenças, julgamentos e medos. Essa presença atenta nos liberta

de uma identificação constritiva com as ações da outra pessoa. Um

relacionamento saudável se dá quando existem cada vez mais momentos

que abrem esse espaço.


O caminho do mindfulness serve para dar às outras pessoas os cinco

As, os componentes essenciais do amor, do respeito e do apoio. Também

é uma forma de estar presente de maneira atenta no aqui e agora. Desse

modo, prestamos atenção e ficamos com alguém considerando seus

sentimentos e sua situação no momento presente. Quando aceito alguém

dessa forma serena, ocorre uma mudança em mim, e nós dois

adquirimos as habilidades para um comprometimento e um afeto mais

compreensivos. Aceitar isso também é o primeiro passo para se libertar

do controle e para honrar a liberdade da outra pessoa. Essa aceitação

atenta é a base de trabalho para relacionamentos. Os cinco As são o

resultado e as condições para o mindfulness. Quanto a nós, como

indivíduos, o mindfulness nos permite deixar os pensamentos e os

eventos tomarem forma e se dissolverem sem que tenhamos que sofrer

com isso. É o A de admissão, uma forma de amor — dessa vez por nós

mesmos.

O mindfulness é inerente à natureza humana. Fomos feitos para

prestar atenção na realidade. Prestar atenção é uma técnica de

sobrevivência. Com o passar dos anos, porém, aprendemos a escapar e a

nos refugiar em santuários ilusórios construídos por um ego que teme a

realidade. Notamos que é mais fácil acreditar no que faz com que nos

sintamos melhores, e nos sentimos no direito de esperar que os outros

sejam o que precisamos que sejam. Essas são correntes humanas que

parecem elos para a felicidade. No entanto, quando nos comprometemos

a viver despidos do ego, dos desejos e das fixações, começamos a agir de

forma franca, tornando-nos verdadeiros uns com os outros. Relaxamos

em meio ao momento, e este se torna uma fonte de imensa curiosidade.

Não precisamos fazer nada. Não precisamos procurar na bagagem do

nosso ego algo que possamos usar para enfrentar o momento. Não

precisamos nos armar. Não precisamos virar peões das nossas próprias

fixações nem de nossas rígidas concepções da realidade. Não

precisamos ficar na defensiva nem pensar em uma resposta. Podemos só

deixar as coisas acontecerem, permanecendo presentes na realidade

como ela é e experimentando tudo do modo como somos. Isso é muito


mais relaxante do que nossas reações usuais, e nós usamos o

equipamento original da psique humana em vez de mecanismos

artificiais criados pelo ego no decorrer dos séculos. É por isso que

mindfulness também é chamado de despertar.

Um ambiente protegido é necessário para qualquer crescimento, seja

psicológico ou espiritual. Assim como a bolsa onde o filhote de canguru

termina de se desenvolver, nós vivemos a experiência de ser acolhidos

no seio da família, em um relacionamento ou em uma comunidade,

incluindo comunidades de reabilitação ou de praticantes. Em cada

estágio da vida, nosso eu interior requer os cuidados de pessoas

amorosas e sintonizadas com os nossos sentimentos, que reajam às

nossas necessidades e possam cuidar dos nossos recursos interiores de

poder pessoal, amabilidade e serenidade. Nós somos capazes de sentir

quem são as pessoas que nos amam e estão disponíveis para nós com

atenção, apreço, aceitação e afeto. Elas abrem espaço para sermos quem

realmente somos.

Embora pareça estranho dizer isso, o mindfulness é, em si, um

ambiente protegido. Quando nos sentamos, nunca o fazemos sozinhos,

pois todos os santos e bodisatvas (seres iluminados) do passado e do

presente estão conosco. O mindfulness significa manter contato e

continuidade com uma longa tradição. Sentar-se para meditar não é uma

experiência solitária. Nós recebemos assistência e somos acolhidos por

todos os outros praticantes de meditação que estão sentados em algum

lugar do mundo neste mesmo instante, por todos aqueles que já se

sentaram em estado de maravilhamento diante do poder do silêncio, para

que consigamos nos abrir. Quando Buda se sentava na terra, era como se

ele se acomodasse em um colo. Isso também acontece conosco.

O mindfulness ativa nossa coesão interior, nossa continuidade e

estabilidade pessoal. Ser uma testemunha justa exige um ego saudável,

pois o distanciamento e a objetividade não estão disponíveis para

alguém com limites fracos, sem tolerância para ambiguidades e sem

senso de um centro pessoal. A meditação pode ser ameaçadora para

pessoas instáveis com necessidade de espelhamento, que é o reflexo


reconfortante e validador dos sentimentos de uma pessoa por outra

(consulte o Capítulo 2). O comprometimento implacável de Buda em

reconhecer a impermanência será aterrorizante e destrutivo para quem

não tiver uma base firme como um eu separado, autônomo e protegido

de forma inteligente. Por fim, o chamado para viver no presente aparece

no momento errado para quem primeiro precisa explorar o passado e se

libertar das amarras insistentes. É por isso que tanto o trabalho

psicológico de individuação quanto a prática espiritual para ausência de

ego sempre serão requisitos para a iluminação de seres linda e

misteriosamente desenhados como nós.

Se não estivermos prontos psicologicamente, não devemos tentar

meditar de forma séria. Ao mesmo tempo, no entanto, podemos começar

com meditações simples diárias como auxílio ao trabalho

psicoterapêutico. Este livro defende que os trabalhos psicológico e

espiritual sejam feitos de forma simultânea e lenta, uma vez que algumas

atitudes espirituais contribuem para a saúde psicológica e vice-versa.

Por exemplo, a atitude espiritual de aceitação nos ajuda a carregar o

fardo necessário e apropriado do luto, enquanto a capacidade

psicológica de assertividade nos ajuda a defender a justiça por nós e

pelos outros, e isso aumenta nossa compaixão. Ken Jones, budista,

ativista social e autor, diz: “Sistemas de maturação como o budismo nos

ensinam que só quando enfrentamos com firmeza nossas aflições e nos

abrimos sem reservas para nossos sentimentos conseguimos vivenciar o

empoderamento independente desse eu [ego] trêmulo.”

Quando nos despimos do ego, encontramos oportunidades para nos

concentrarmos no coração. Desse modo, acessamos nossas bênçãos

interiores de amor incondicional, sabedoria perene e poder de cura (as

mesmas qualidades que cultivaram a evolução humana). Nosso coração

está sempre presente. Com ele conseguimos ouvir, ver, conversar e amar.

Encontrar-nos espiritualmente é usar nossas habilidades do ego saudável

para servir aos propósitos do coração; ou seja, bondade sem reservas em

todas as nossas conexões. O ego é direcionado para juntar; o coração é

direcionado para doar. Nós nos vemos desejando intimidade com todo o

É
universo, não apenas com uma única pessoa. É por isso que buscar o

nosso próprio caminho espiritual é tão importante para cuidar dos

relacionamentos e da terra.

Viver com o coração não significa nunca ter sentimentos negativos,

pelo contrário; só quer dizer que não somos dominados por eles. Afinal,

assim como nossos temores, eles já não nos impulsionam, envergonham

ou paralisam. Em vez disso, nós os abrigamos de forma atenta, sem as

elaborações ansiosas que nossa mente tem o hábito de acrescentar.

Passamos por eles com tranquilidade, exatamente como Ulisses, que

ouve o canto das sereias e mesmo assim continua navegando em

segurança.

UMA NOTA POSITIVA SOBRE O QUE FOI E O QUE


É

Deixar o lar é metade do darma.

— Milarepa

Ter necessidades pode até parecer um sinal de fraqueza. No entanto, são

as necessidades que nos direcionam para o crescimento. Os anseios da

infância por atenção, apreço, aceitação, afeto e admissão para sermos

nós mesmos não são algo patológico, mas evolucionário. Ao tentar

chamar a atenção de nossos pais, estamos buscando aquilo de que

precisamos para uma evolução saudável. Não estamos sendo egoístas, e

sim nos priorizando, portanto não há necessidade de sentir vergonha em

relação a isso agora.

A infância influencia escolhas presentes, pois o passado está em um

continuum com o presente. Questões precoces que ainda não foram

concluídas não precisam ser um sinal de imaturidade; na verdade,

podem ser um sinal de continuidade. A recorrência de temas da infância

nos relacionamentos adultos dá profundidade à nossa vida, no sentido de

que não estamos passando pelos eventos da vida de forma superficial,

mas vivendo-os plenamente enquanto evoluem. Nosso passado só se


torna um problema quando somos compelidos a repetir nossas perdas ou

a introduzir, de forma sorrateira, determinantes inconscientes nas nossas

decisões. Nosso trabalho, então, não é o de abolir essa conexão com o

passado, mas de levá-la em consideração sem ficarmos à mercê dela. A

questão é qual nível de interferência do passado devemos permitir em

nossas chances de nos relacionar de forma saudável e viver de acordo

com nossas necessidades, valores e desejos mais profundos.

Para o bem ou para o mal, nosso desenvolvimento psíquico resulta de

um continuum de toda uma vida de relacionamentos. O objetivo do

adulto é trabalhar cada uma delas. Combatemos nossos relacionamentos

do passado com respeito, assim como Jacó fez com o anjo, até que eles

nos concedam sua bênção. A bênção é a revelação do que não tivemos e

do que perdemos. Esse conhecimento nos dá o impulso para nos libertar

do passado e encontrar a realização das nossas necessidades em nosso

interior e em outras pessoas que possam nos amar com autoaceitação.

Um amor assim restaura ou conserta as estruturas psíquicas que

perdemos ou que foram danificadas no início da vida, e começamos a ter

um senso coerente de quem somos, o que, por sua vez, possibilita que

amemos os outros com a mesma potência. Recebemos dos outros e,

dessa forma, aprendemos a dar, pois o amor ensina a generosidade.

Amadurecer não consiste em deixar as necessidades para trás, mas em

recrutar pessoas que nos apoiem e que deem respostas generosas para as

nossas necessidades, que também são adequadas para a idade.

Entre os hábitos da infância, comportamentos defensivos têm sido

considerados sinais de inadequação e patologia. Entretanto, para a

sobrevivência psicológica, precisamos de muitas defesas. Nós nos

defendemos de coisas para as quais ainda não nos sentimos prontos; por

exemplo, intimidade ou compromisso de corpo e alma. Aprendemos

cedo a defender nossos desejos e necessidades únicos, quando mostrá-

los parecia arriscado. Aprendemos a defender da humilhação, da

vergonha e da desconfiança nosso âmago delicado e vulnerável. Essas

são habilidades, não defeitos.


Se quando crianças nos sentíamos inseguros, talvez ainda nos

sintamos assim, colocando em prática nossas antigas formas de defesa.

Podemos fugir ou nos defender da intimidade por medo de reviver as

traições que sofremos naquela época, que nos deixaram encolhidos atrás

de um muro feito de medo. No muro estão grafitadas frases que sitiam

nossa autoestima: “Não deixe ninguém chegar perto demais”; “Não

entre de cabeça”; “Nenhum relacionamento vai dar certo”; “Ninguém

vai conseguir amar você como realmente precisa ser amado(a)”; “As

pessoas não são confiáveis”. Nosso trabalho como adultos é substituir

esses princípios que regem nosso comportamento por outros mais

saudáveis e otimistas. Esses princípios que limitam nosso potencial

pleno para a energia vibrante — a manifestação da nossa própria força

vital única — são como o regulador do acelerador que impede que um

veículo atinja a velocidade máxima.

A maioria de nós anseia por aquilo que não teve na infância. Cada

vínculo íntimo reavivará tais anseios arcaicos, junto de terrores e

frustrações que acompanham necessidades cronicamente não atendidas.

No entanto, isso nos coloca em uma posição ideal para revisitar essas

necessidades frustradas, reviver nossa energia e reconstruir nosso mundo

interior de acordo com princípios afirmativos. Um vínculo sólido em um

relacionamento, assim como na fé religiosa, resiste apesar do impacto

dos eventos, de forma que a nossa resistência é o único obstáculo para

que o crescimento possa surgir a partir do sofrimento. Quando

remendamos nosso próprio tecido rasgado, o que estava preso no

passado se liberta. Conseguimos restabelecer o contato com quem

realmente somos e viver de acordo com a nossa essência redescoberta.

Durante a vida, todo mundo precisa se nutrir com alimentos. Da

mesma forma, uma pessoa psicologicamente saudável precisa, por toda a

vida, se alimentar com os cinco As, ou seja, atenção, apreço, aceitação,

afeto e admissão. É verdade que as necessidades frustradas dos cinco As

na infância não podem ser compensadas na vida adulta, no sentido de

que se torna impossível realizá-las de forma absoluta, imediata ou

infalível. A realização absoluta e imediata das necessidades de alguém é


adequada apenas para os bebês. Mas as necessidades podem ser

satisfeitas, em partes pequenas ou grandes, no decorrer da vida. O

problema não é buscarmos gratificação, mas buscarmos uma quantidade

muito grande disso de uma só vez. Aquilo que antes não recebemos o

suficiente agora também não conseguimos receber o suficiente; aquilo

que antes recebemos o suficiente agora também conseguimos receber o

suficiente.

Nós não superamos as nossas primeiras necessidades. Na verdade,

elas se tornam menos devastadoras, e encontramos formas menos

primitivas de satisfazê-las. Por exemplo, um bebê precisa ser carregado

no colo e acolhido, enquanto um adulto pode se satisfazer apenas com

um olhar de apoio ou gentil. Às vezes, uma necessidade constante pode

ser satisfeita com poucos momentos de amor atento. No entanto, outras

vezes ainda precisamos ser acolhidos.

Se as nossas necessidades emocionais tiverem sido satisfeitas por

nossos pais ou cuidadores, saímos da infância com a confiança de que os

outros podem nos oferecer aquilo de que precisamos. Podemos receber

amor sem sofrimento ou compulsão. Nossas necessidades são

moderadas. Conseguimos confiar em alguém para nos ajudar a satisfazer

nossas necessidades, enquanto ajudamos essa pessoa a satisfazer as dela

própria. Isso fornece uma base para uma vida de intimidade e igualdade.

Nossa vida começa no aconchego do útero e segue em um abraço. É

impossível que nossa identidade se desenvolva em isolamento, pois

somos dialógicos por natureza.

“Só quando alguém segura o bebê nos braços é que o momento ‘eu

sou’ pode ser enfrentado ou, na verdade, arriscado”, diz o psiquiatra

britânico D. W. Winnicott em Privação e delinquência.

As necessidades emocionais originais da vida foram satisfeitas nos

ambientes protegidos do útero, nos braços da mãe durante a

amamentação, no calor do lar e na proteção dos pais, e estes são sempre

os requisitos específicos para um desenvolvimento sereno. Em um

ambiente seguro e acolhedor, as crianças sentem que estão vivendo em

um envoltório de segurança, no qual também há espaço para que possam


expressar os sentimentos livremente. Assim, as crianças sentem que os

pais são capazes de lidar com os sentimentos delas e refleti-los com

aceitação amorosa; em suma, há espaço para serem elas mesmas.

Se, por outro lado, essas necessidades não forem satisfeitas, elas

podem ter dificuldades para confiar em um poder maior que o ego ou

para reconhecer a necessidade da espiritualidade na vida adulta. Os

compromissos de fé propõem que confiemos em uma fonte invisível de

provisão e, quando fontes visíveis nos decepcionam, somos menos

propensos a confiar nas invisíveis. Ainda assim, Carl Jung diz que o

anseio pelo espiritual é tão forte em nós quanto o desejo sexual. Dessa

forma, quando negamos totalmente a possibilidade de um poder maior

do que nós mesmos, acabamos ignorando um instinto interior. Outra

face desse mesmo problema é o fanatismo religioso ou uma

religiosidade negativa, abusiva, cheia de culpa e obrigações.

Quando não nos sentimos plenos em um ou mais dos cinco As, um

poço sem fundo se abre em nosso interior, um anseio impossível de ser

satisfeito pelas partes que faltam do quebra-cabeça do nosso passado

infeliz. A tristeza por uma infância infeliz é dolorosa. Nós a tememos

porque sabemos que não seremos capazes de controlar a intensidade, a

duração, o alcance; desse modo, sempre buscamos maneiras de

contorná-la. Mas nos conectar com nossa tristeza é uma forma de

autocuidado e libertação das carências. De forma paradoxal, permitir a

vivência das nossas mágoas nos coloca no caminho para a intimidade

saudável.

Esse problema é meu? Eu estive com medo de lidar com o que não

recebi dos meus pais, então exigi isso de estranhos, espectadores

inocentes e pessoas com quem me relacionei? Será que sou incapaz de

encontrar isso em mim mesmo porque dedico toda a energia procurando

em outra pessoa?

Reaver o passado e desfazê-lo são nossos objetivos paradoxais em

relacionamentos. Não é de se estranhar que relacionamentos sejam tão

complexos! A complexidade, no entanto, não está nas transações entre

dois adultos, mas no fato de que tais transações nunca começam — em


vez disso, duas crianças estão puxando a manga da blusa da outra

enquanto gritam: “Olhe o que aconteceu comigo quando eu era criança!

Faça isso parar e dê um jeito nas coisas para mim!” De fato, estamos

pedindo que uma pessoa inocente conserte um problema que ela não

conhece e que não tem as habilidades necessárias para consertar. Todo o

tempo e toda a energia são direcionados para essa transação, tirando

nossa atenção da primeira parte do nosso trabalho: consertar a nossa

própria vida, o que exige algum empenho na terapia.

Nossa psique é como um laboratório criogênico no qual nossas

necessidades não satisfeitas da infância ficam congeladas em seu estado

original, esperando pela cura e pela realização, em geral sem nos revelar

o verdadeiro grau de tristeza e privação. O caminho para o amor começa

em nosso próprio passado e em sua cura e depois avança externamente

em direção ao nosso relacionamento com os outros.

Mesmo quando nossas necessidades da infância foram satisfeitas, é

possível que precisemos trabalhar em nosso desenvolvimento como

adultos. Pais carinhosos se certificam de que o ambiente da nossa

infância seja seguro e tranquilo, e, como adultos, talvez continuemos

procurando por pessoas ou coisas que recriem esse milagre. A fantasia

recorrente de um “par perfeito”, ou a busca por isso, é um forte sinal de

que nossa psique está avisando que precisamos trabalhar em nós

mesmos. Para um adulto saudável, não existe par perfeito, a não ser de

forma temporária ou momentânea. Nenhuma fonte de felicidade existe, e

ninguém é capaz de tornar a vida de outra pessoa perfeita. (O fato de

que isso acontece em contos de fada já diz tudo.) Não podemos esperar

que um relacionamento satisfaça todas as nossas necessidades; ele só as

mostra para nós e faz uma pequena contribuição para que sejam

satisfeitas. Perguntamos: Será que, se eu tivesse conhecido o par

perfeito, teria aprendido o que precisava?

O par perfeito é a miragem vislumbrada depois de atravessar o

deserto de amor insuficiente. As miragens acontecem por falta de água,

ou seja, falta alguma coisa de que precisamos por um longo tempo. Elas

são normais e não devem ser motivo de vergonha. Nós as notamos,


pegamos a informação acerca de em que precisamos trabalhar e, então,

as libertamos. Se fizermos isso, vamos nos tornar um verdadeiro oásis, a

dádiva da natureza para aqueles que seguem em frente, que não param

por causa da miragem.

Ainda assim, se há algo certo na vida é que nada nos satisfaz de

forma permanente e definitiva. Apesar disso, muitos de nós acreditam

que, em algum lugar, existe alguém ou algo que vai ser satisfatório para

sempre. Tal crença quimérica, e a busca incansável e desesperada que

advém dela, pode se tornar profundamente desanimadora e

autodestrutiva. No mindfulness, podemos nos render à realidade com

toda a sua impermanência e frustração, e, a partir dessa rendição, algo

maravilhoso e encorajador pode acontecer. Descobrimos que queremos

encontrar um par que caminhe ao nosso lado no mundo, não alguém que

esperamos ser o agente para uma mudança ou uma válvula de escape.

Descobrimos um equilíbrio agradável entre render-se à insatisfação

fundamental da vida e maximizar nossa oportunidade para o

contentamento. Essa é a nossa descoberta da passagem oportuna entre

os picos nevados da desilusão e do sofrimento. A partir desse ponto de

vista, uma necessidade moderada de satisfação, sentida em dias ou até

mesmo momentos, se torna satisfatória. “Moderada” é a palavra-chave

para dar e receber os cinco As. Um fluxo contínuo deles seria bastante

irritante, até mesmo para um bebê. Nosso mindset fantasioso nos faz

desejar algo do qual logo iríamos fugir. Desse modo, o que parece um

compromisso insatisfatório, na verdade, é o melhor negócio da vida

adulta. O santuário hospitaleiro e as águas generosas de um oásis podem

ser aproveitados por um dia ou muitos, mas nunca para sempre. Mais

cedo ou mais tarde, vamos nos empanturrar, e nosso coração vai ansiar

pelo que vem em seguida. O deserto e o que está além dele, sejam lá

quais forem seus mistérios e dificuldades, acenam para nós e não podem

ser ignorados nem renunciados. A jornada está incorporada em nós, não

importa quão linda seja nossa casa. A ideia de algo mais ou diferente nos

excita, não importa se nossa situação atual é agradável. E pode ser isso

que o poeta George Herbert quis dizer com os versos em que Deus diz
para o recém-criado Adão: “Ainda assim, deixe-o ficar com o resto,/

Mas… com uma inquietação descontente,/ Deixe que seja rico e

enfadado.”

Desde que continue desejando alguma coisa externa, você

ficará insatisfeito porque existe uma parte sua que você ainda

não possui por inteiro… Como você pode ser completo e

satisfeito, se acredita que não consegue possuir essa parte [de

si mesmo] até que alguém faça alguma coisa?… Se isso é

condicional, então não é totalmente seu.

— A. H. Almaas

OS CINCO As: AS CHAVES QUE ABREM NOSSO


VERDADEIRO EU

No fundo, sempre soubemos que a satisfação das necessidades e a boa

criação dos filhos ocorrem com os cinco As: atenção, apreço, aceitação,

afeto e admissão. Na infância, notamos como nossos pais pagaram ou

não essa conta. Depois, passamos a procurar por alguém que pode pagar

essa conta melhor e de forma mais consistente. Esse processo é como

olhar para uma reprodução da Mona Lisa, mas com a imagem embaçada

e a cor errada. Sabemos como a pintura deve ser e buscamos uma

impressão melhor com a cor mais vibrante. Na vida adulta, buscamos

um par que será o certo. A princípio, isso significa uma réplica de

nossos pais, só que com algumas características melhores (ou ausentes).

Então, encontramos um par que controla, mas também é leal. E,

conforme amadurecemos, não buscamos mais os traços negativos,

apenas os positivos. Depois, não buscamos mais pares controladores, e

sim leais, que nos permitem ser nós mesmos. Quando amadurecemos,

não exigimos mais a perfeição, apenas notamos a realidade. Acessamos

nossos recursos internos. Um par que coopere com isso é uma dádiva,

mas já não é mais uma necessidade. Os cinco As começam com uma

necessidade a ser satisfeita por nossos pais, depois se tornam uma


necessidade a ser satisfeita pelo nosso par e, um dia, se tornarão uma

dádiva que damos para os outros e para o mundo.

Por sermos seres dialógicos, nossa autoestima surge do contato com

aqueles que nos oferecem os cinco As, os quais não são elementos

extras, mas os componentes do ego individual e saudável. A atenção dos

outros leva a pessoa ao respeito próprio. A aceitação provoca a sensação

de que a pessoa é inerentemente boa. O apreço gera um senso de valor

próprio. O afeto faz com que nos sintamos merecedores de amor. A

admissão nos dá a coragem de buscarmos nossas necessidades, valores e

desejos mais profundos. Quando os cinco As não surgem, podemos até

sentir que, de alguma forma, a culpa é nossa. Isso pode nos deixar a vida

toda com uma necessidade corrosiva de compensação. Tal compensação

é vã e equivocada, uma vez que a verdadeira missão é uma incursão no

mundo para encontrar o que está faltando e descobrir isso dentro de nós

também.

Sentimos que algo está faltando quando falamos e não recebemos

atenção, quando nos mostramos e não somos aceitos, quando pedimos

amor e não somos acolhidos ou quando fazemos uma escolha e não

admitem que sigamos adiante com ela. Em contraste, quando os outros

nos oferecem os cinco As, nós nos sentimos realizados e tranquilos em

relação a quem somos. Um adulto pode pedir, sem vergonha, o A de que

precisa caso este não lhe seja oferecido de livre e espontânea vontade. A

pessoa só está pedindo o necessário para alcançar o início de sua

humanidade completa. E essa proposta terna e sempre tão cautelosa de

ser amado é precisamente o que nos torna seres humanos tão dignos de

amor.

A natureza privilegia a formação de aldeias, e não é possível

encontrar tudo de que necessitamos em dois indivíduos, nossos pais

biológicos. Na verdade, às vezes ocorre que um deles, ou os dois, tenha

morrido ou nos abandonado, deixando-nos com um vazio interior. Esse

vazio pode muito bem ser substituído, seja por pais adotivos, uma tia ou

um tio, um irmão mais velho, um dos avós, um padre, um professor ou

qualquer pessoa que ofereceça os cinco As e, dessa forma, cuide de nós.


De qualquer modo, não existem pais ou cuidadores capazes de satisfazer

todas as nossas necessidades, não importa quanto sejam carinhosos. No

decorrer da vida, é necessário e saudável procurar e nos abrir para outras

fontes como forma de satisfazer nossos anseios. Um anseio interior nos

encoraja a ficar atentos a quem possa oferecer tais coisas. A

sensibilidade que adquirimos na vida adulta nos liberta da expectativa

de que qualquer um vá satisfazer totalmente as nossas necessidades.

Além disso, em um relacionamento na vida adulta, assim como na

infância, a expressão dos cinco As muda com o tempo. A atenção que

uma mãe dá a uma criança de doze anos é diferente da que dedica a um

bebê de um ano. Um parceiro pode demonstrar um nível diferente de

atenção na fase do conflito em comparação com a fase romântica de um

relacionamento (falaremos mais dessas fases posteriormente). Esperar

que tudo continue igual é não entender a analogia entre o

relacionamento adulto e o processo de amadurecimento. A qualidade e a

quantidade de todas as bênçãos do amor mudam no decorrer do tempo.

Isso não acontece porque as pessoas que nos amam ficam menos

generosas, mas porque estão mais conscientes quanto às necessidades e

aos recursos que estão sempre mudando.

Os cinco As são os ingredientes essenciais do amor, do respeito, da

segurança e do apoio. Além disso, formam a essência da prática

espiritual: o que cultivamos na meditação e no caminho para a

compaixão. As práticas presentes neste livro sugerem técnicas e insights

para despertar a consciência meditativa e a compaixão nos

relacionamentos. Essas sugestões não são estratégias para continuar

juntos, mas chaves para a prática do amor, o nosso propósito de vida e a

nossa realização humana. Na verdade, temos muito a ganhar quando

demonstramos os cinco As. Eles são dados aos outros, mas todos nos

tornamos mais amorosos à medida que os espalhamos. Desse modo,

esses são componentes da construção da virtude do amor dentro de nós.

Amar é se tornar amoroso.

Atenção
É
É uma alegria ficar oculto, mas um desastre não ser

encontrado.

— D. W. Winnicott

Todos os mamíferos sentem, por instinto, que precisam de uma

atenção parental completa e que são merecedores dela. Quando um dos

pais só é parcialmente atento, a criança nota e se sente insegura. A mãe

leopardo não se preocupa com a própria higiene enquanto está

amamentando os filhotes. Assim como não exige que os filhotes cuidem

dela nem esperem pelo jantar. Mais tarde na vida, sua atenção exclusiva

lhes dá prioridades saudáveis. A psique de uma criança fica confusa

quando ela precisa cuidar dos pais ou tentar entender um deles, porque,

por natureza, é o inverso do que se espera.

A atenção direcionada a você significa um foco comprometido. Ou

seja, sensibilidade em relação às suas necessidades e aos seus

sentimentos. Seus pais prestaram tanta atenção em você quanto prestam

na TV? Seu pai notou e cuidou dos seus sentimentos e temores com o

mesmo cuidado que tem com o carro? Ele se concentra em você por

tanto tempo quanto o faz em um jogo de futebol?

Observar cada movimento seu, mesmo que por um desejo de protegê-

lo, não é atenção, mas invasão ou vigilância. Na atenção

verdadeiramente amorosa, você é notado, mas não examinado de perto.

A superproteção é uma rejeição do seu poder (e, dessa forma, de você).

A atenção autêntica chega a qualquer momento, não apenas quando se

apresenta um problema. Afirmações do tipo “Crianças devem ser vistas

e não ouvidas” são odiosas para pais comprometidos em prestar atenção

nos filhos. “Meu pai sempre se virava para mim como se tivesse

esperado a vida toda para ouvir a minha pergunta”, conta o personagem

de um dos romances de J. D. Salinger. Será que eu já fui ouvido assim?

Já fui importante dessa forma?

Se não recebemos atenção na infância, é possível que tenhamos

aprendido a cuidar de nós mesmos, nos tornando cada vez mais criativos

e buscando a atenção de outros adultos que não sejam nossos pais.


Assim, uma deficiência se torna algo benéfico, o buraco que se torna o

portal. Da mesma forma, nossa capacidade de tentar nos comunicar

como adultos pode ser diretamente proporcional ao reconhecimento de

que o que precisávamos na infância não estava disponível. Enxergar essa

deficiência no passado pode nos ajudar a identificá-la em um

relacionamento atual, de forma a não continuar procurando, em uma

caixinha que está vazia, por algo de que precisamos.

Atenção significa notar e ouvir as palavras, os sentimentos e a

experiência do outro. Em um momento de atenção autêntica, sentimos

que somos profunda e verdadeiramente compreendidos quanto a

sentimentos, palavras ou atos e como realmente somos, sem nos

sentirmos abandonados. Alguém sintonizado em nós nos espelha.

Somos notados, reconhecidos e ouvidos. Alguém nos entende.

Da mesma forma, podemos nos sintonizar em sentimentos,

necessidades, reações corporais, níveis de conforto e intimidade e graus

de disposição — por exemplo, se alguém está agindo por coerção e

obediência em vez de concordância genuína. Se partirmos do princípio

de que determinados sentimentos são certos e outros são errados, não

conseguiremos nos sintonizar. Para que nos sintonizemos com alguém, é

necessária uma neutralidade em relação a todos os sentimentos, humores

e estados de espírito; justamente a abertura destemida do mindfulness e

do sentimento pleno. Só com essa atenção pura e profunda conseguimos

enxergar além da bravata, do medo, da impassividade em relação aos

conflitos de alguém. É assim que a atenção se transforma em compaixão.

Quando algo não encontra esse tipo de sintonia, acaba ficando

guardado dentro de nós ou se tornando uma fonte de vergonha. Uma

sintonia imperfeita no início da vida pode, mais tarde, provocar o medo

de nos defendermos ou diminuir nossa confiança em que as pessoas

ficarão ao nosso lado. Uma sintonia imperfeita também pode nos tornar

seres amedrontados e solitários. Tememos expor algumas áreas da nossa

topografia psíquica por causa de nosso desespero inato para encontrar o

espelhamento humano necessário.


A atenção sintonizada promove uma zona crescente de confiança e

segurança. Assim, em vez de aguardar, sentimo-nos encorajados a ir em

busca de que nossos anseios submersos emerjam e nossas pequenas

esperanças atinjam sua total dimensão. Acreditamos que elas vão ser

atendidas. Isso é amor na forma de mindfulness, e nós nos sentimos

seguros a partir disso. Implícita nessa atenção à nossa verdade está a

verdade da pessoa que nos dá tal atenção. Confiamos que ela vai dizer a

verdade dela e é aí que surge nosso senso de segurança.

O primeiro A é o âmago do mindfulness. Atenção significa fazer algo

ou alguém entrar em foco para que a imagem não continue borrada pelas

projeções do nosso próprio ego; ela requer interesse e curiosidade

genuínos em relação à verdade surpreendente e misteriosa que tornam a

pessoa quem ela é. Um dos genitores ou um parceiro que conheça você

de forma apenas superficial talvez só esteja vendo as próprias crenças

que tem em relação a você. Essas crenças ou preconceitos podem

perdurar por anos, evitando que tal pessoa obtenha o tipo de informação

que revelaria quem você realmente é. Seu verdadeiro eu é um potencial

abundante, não apenas uma lista de traços; e a intimidade só é possível

quando você está sempre se expandindo no coração das outras pessoas, e

não esquecido (a) em um escaninho na mente delas. Nossa identidade é

como um caleidoscópio. A cada virada, nós a redefinimos não em um

estado anterior ou final, mas em um novo estado que reflete o aqui e

agora das peças com as quais precisamos lidar. O desenho é sempre

novo, já que as mudanças são contínuas. É isso que torna um

caleidoscópio e os seres humanos atraentes e lindos. Os pais, os

cuidadores e os pares que nos dão atenção amam ver a mandala

evolutiva de cada um de nós.

O desejo por atenção não é um desejo por uma audiência, mas por

um ouvinte. Receber atenção significa se concentrarem em você com

respeito, não desdenhando nem ridicularizando. Ao receber atenção,

você sente que suas intuições importam. Você é levado a sério. E recebe

os créditos quando os merece. Quem ama você valoriza tanto seus

sentimentos que está sempre atento a eles. Essas pessoas até mesmo
procuram pelos sentimentos que você teme conhecer e, de forma

bondosa, perguntam-lhe se quer mostrá-los.

Quando os outros lhe dão atenção, também confrontam você

diretamente se estão insatisfeitos ou irritados, sem guardar rancor ou

raiva. Sempre fazem isso com respeito e um desejo sincero de manter as

linhas de comunicação abertas. A atenção, assim como os outros quatro

As, deve ser oferecida em uma atmosfera de confiança e acolhimento.

Aceitação

No budismo, a comovente expressão “o olhar da compaixão” se refere a

olhar para os seres humanos com aceitação e compreensão. Aceitação

significa que somos recebidos de forma respeitosa com nossos

sentimentos, escolhas e traços pessoais, e que recebemos apoio para

eles. Isso faz com que nos sintamos seguros em relação a nos conhecer e

a nos doar para os outros. A capacidade de sermos íntimos cresce de

acordo com a segurança que sentimos, e essa segurança se baseia,

sobretudo, em quão autenticamente somos aceitos no início da vida. No

entanto, mesmo depois de crescermos, momentos e meses de aceitação

por outros adultos podem preencher o que nos faltou na infância, de

forma que a intimidade ainda é uma opção para todos nós. Afinal, assim

como com todos os cinco As, nunca é tarde demais para encontrar a

aceitação e aprender a demonstrá-la.

Se não fomos aceitos na infância, é possível que nos sintamos

envergonhados ou inadequados. Mas, ao encontrar um centro de

avaliação dentro de nós, podemos compensar positivamente essa falta de

aceitação e, assim, nos tornarmos menos dependentes da aprovação dos

outros. Desse modo, na vida adulta, não somos tão afetados nem pelas

críticas nem pelos elogios, uma vez que aprendemos bem cedo a guardar

nosso valor próprio nas profundezas da nossa psique. Isso não só

constrói nossa autoestima, mas também facilita que aceitemos os outros.

Como não estamos tentando conseguir nada deles, podemos apreciá-los


do modo como são. Meus pais perderam muito quando não permitiram

que isso acontecesse entre nós.

Para aceitar os filhos, os pais devem esquecer todos os planos que

haviam feito para eles. Tais representações parentais podem começar

antes mesmo do nascimento e variar desde “Vai ser um menino” até

“Esse bebê vai ser a centelha de alegria do nosso casamento; ele vai

salvar nosso relacionamento” ou “Essa menina vai fazer tudo o que eu

não consegui”. Cada uma dessas declarações é uma rejeição sutil à nossa

individualidade, com suas limitações e potencial. Os pais só serão

capazes de nos aceitar depois de conseguirem desmantelar nossa

representação original em favor da pessoa que somos. Isso significa não

se decepcionar conosco por um contrato que nunca assinamos. A

aceitação é incondicional, uma vez que significa validar as escolhas e o

estilo de vida de outra pessoa, mesmo quando não concordamos com

eles. É o oposto da moralização. A aceitação é um estilo puro de

mindfulness. Nós vemos tudo que há para ver e sentimos tudo que há

para sentir, mas nosso foco está no que é e em como é.

Aceitação é aprovação, uma palavra considerada negativa em

algumas psicologias. Ainda assim, é perfeitamente normal buscar

aprovação tanto na infância quanto no decorrer da vida. Significa

receber apoio e validação daqueles a quem respeitamos. A aprovação é

um componente necessário da autoestima e só se torna um problema

quando abrimos mão do nosso verdadeiro eu para obtê-la. Nesse caso, a

busca por aprovação pode prejudicar nosso crescimento para uma vida

adulta saudável.

Na atenção, você é ouvido e notado. Na aceitação, você é acolhido

como merecedor, não em comparação com os irmãos, mas por ser

considerado confiável, capacitado e compreendido, totalmente aprovado

exatamente por ser quem é, em toda a sua singularidade. Você tem um

apoio bondoso à sua jornada, ainda que ela seja incomum; aos seus

sentimentos, ainda que sejam perturbadores; às suas deficiências, ainda

que sejam irritantes. Essas coisas não apenas são toleradas, como

também encorajadas e valorizadas. Você é perfeito do jeito que é, e isso


basta. Em vez de esperarem que você atenda a algum padrão, seus pais

querem descobrir quem você é, não importando que seja diferente do

que desejavam para você. Sim, existem pessoas que amam dessa forma.

Seus pais acreditam em você? Fizeram-se presentes? Foram pessoas em

quem você podia confiar? Eles cumpriram o dever que tinham para com

você? Recusaram-se a desistir de você, sem se importar com o que

acontecesse? O psicanalista Heinz Kohut escreveu: “Quanto mais segura

uma pessoa é em relação à própria aceitação, quanto maior é seu senso

de quem realmente é, quanto mais internalizado é seu sistema de

valores, maior e mais eficaz será sua capacidade de oferecer amor… sem

sentimentos indevidos de rejeição ou humilhação.”

Aos poucos, em qualquer relacionamento, vemos as limitações do

nosso par e ele vê a nossa. Amar significa acolher os defeitos do outro

com mindfulness, ou seja, sem julgamento nem crítica. Nós os

acolhemos com nosso coração, amando uns aos outros exatamente como

somos, com limites para reconhecer e dádivas para apreciar. Essa

combinação é a verdadeira aceitação. Como um benefício especial,

quando alinhamos as nossas expectativas com as limitações do outro,

nós nos preservamos de decepções contínuas.

Apreço

O apreço confere profundidade à aceitação: “Admiro você; me deleito

com você; valorizo você; respeito você; reconheço você e todo o seu

potencial; aprecio você em sua singularidade.” Para atingir todo o

potencial do valor pessoal e da autoconfiança, precisamos desse tipo de

encorajamento. A evolução humana advém das conquistas e das

consequentes validações. Mas também advém da fé de alguém no valor

do outro. A crença parental de que o filho tem grande potencial na

verdade estimula o potencial da criança. Uma crença contínua e de longo

prazo confere às pessoas a capacidade de torná-la realidade. Muitos

séculos de crença no poder de cura da fé, por exemplo, possibilitam que


mais curas pela fé aconteçam. No apreço e em todos os cinco As, a

satisfação da necessidade incute tal qualidade na personalidade.

O apreço também inclui gratidão por qualquer gesto de bondade ou

dádiva que possamos vir a receber. O apreço como forma de gratidão

reconhece a nós e como nós nos desdobramos. Como a intimidade tem a

ver com dar e receber, o apreço cultiva a proximidade. Quando damos

algo, é instintivo esperar por um agradecimento. Não se trata de uma

expectativa egoísta, mas de um desejo de que a transação seja concluída

normalmente. Sabemos que algo está faltando em um relacionamento

quando não há gratidão.

A seguinte descrição de apreço atento lhe é familiar? Alguém

reconheceu e valorizou seu valor incondicional sem inveja e sem

possessividade, expressando esses sentimentos de forma verbal e não

verbal. O apreço veio de uma compreensão do que você era capaz de

fazer ou do que sentiu, validando o mistério que é você. Também veio

na forma de uma palavra de elogio, uma piscadela quando você fez

alguma coisa certa, uma batida no ombro quando se sobressaiu, um

olhar amoroso quando você foi você mesmo, um agradecimento por algo

que fez ou deu ou simplesmente por ser quem é.

Às vezes, em um relacionamento, você não se sente apreciado e

reclama, talvez até acabe explodindo. Mas, por trás de cada reclamação

em relação ao seu par, há um anseio pelos cinco As. A resposta

adequada e compassiva de um par que interprete a reclamação como

uma oferta de amor pode ser: “Percebo que não está se sentindo

apreciado. Quero que saiba que você é de grande valor para mim.”

Sendo assim, a pessoa ouve os sentimentos verdadeiros por trás das

palavras duras. Ela se sintoniza com a mágoa e o anseio que você está

expressando, e não com o pterodátilo agressivo que a está atacando.

Depois, quando as coisas se acalmam, a pessoa lembra você de que, no

futuro, você pode pedir por apreço sem precisar de rodeios. (Tudo isso

pode funcionar inversamente também, quando é seu par que não está

sentindo o seu apreço.)


Afeto

Dar e receber amor é uma necessidade primária humana. Expressamos

amor de forma emocional, espiritual e física. Um toque ou um abraço

afetuosos de alguém que nos ama de verdade podem penetrar em nosso

corpo e restaurar nossa alma. Todos os nossos temores, não importa

quão profundos sejam, podem ser apagados com um único gesto de

amor.

O amor não pode ser definido de forma universal porque nossa

experiência com ele é única. E, assim como não existe uma única

assinatura universal, e sim várias assinaturas pessoais únicas, não existe

amor no geral, apenas o amor único e vivenciado de forma ímpar por

cada pessoa, em toda a sua singularidade. Aprendo o que é amor na

primeira vez que me sinto amado. Depois disso, o sentimento é

codificado em cada célula de meu corpo, e o amor que buscarei

posteriormente na vida talvez tenha que replicar a experiência original.

Se a primeira vez que me senti amado foi quando alguém me abraçou

em um momento de sofrimento, quando recebi um elogio ou atenção ou

quando ganhei presentes, meu corpo vai se lembrar disso pelo resto da

vida e, quando algo assim voltar a acontecer, vou me sentir tão amado

quanto naquela primeira experiência. Talvez eu possa perceber o amor

como ganhar coisas e, então, passar a vida tentando fazer com que os

outros me ajudem ou me deem coisas. Alguém pode aparecer e piscar

para mim, e posso interpretar isso como amor e me apegar a essa pessoa

mesmo que talvez ela só estivesse tirando um cisco do olho.

Na vida adulta, amar é vivenciar de novo o amor de que cada célula

sua se recorda. A forma como fomos amados no início da vida é como

queremos ser amados por toda a vida. A maioria de nós sabe o que é

necessário para se sentir amado. Apenas precisamos aprender como

pedir isso. Nosso par não sabe ler mentes, então cabe a cada um de nós

dizer que tipo de amor é o nosso. E, se temos que ensinar ao nosso par

como nos amar, também precisamos aprender como amá-lo. Saber disso

torna claro que o amor não é um sentimento puramente emocional, mas


uma escolha consciente de dar e receber de forma única e, em geral,

desafiadora. Amar é a coisa mais fácil e a mais difícil que vamos fazer

na vida.

No decorrer da vida, o afeto inclui ser amado por sermos do jeito que

somos: pela forma do nosso corpo, por como cuidamos de nós mesmos

e escolhemos nossas roupas, de acordo ou não com os padrões de

excelência. Nossa forma de estar presentes descreve melhor aquilo com

que nos importamos do que qualquer outra coisa que fazemos ou

fizemos. O contato íntimo se dá por meio da presença viva, não por um

encontro de genitálias ou juras de amor. Como adultos, podemos ver um

corpo bonito e pensar: “Ter isso para mim me faria feliz.” O que

aconteceu para nos tornarmos tão confusos a ponto de acharmos que

nossas necessidades serão satisfeitas por um rosto bonito? Boa parte da

atração é intuitiva e uma questão de história física e psíquica. Não deve

ser levada de forma pessoal demais. Libertar-se do ego é deixar de levar

as coisas de forma pessoal.

A palavra afeto vem de afetar. O afeto se refere a uma proximidade

tanto no nível físico quanto no emocional. Fisicamente, inclui o espectro

do toque, do abraço ao sexo. Emocionalmente, inclui a bondade, a

consideração, a preocupação, a jovialidade e os gestos românticos, como

dar flores ou se lembrar de uma data especial. O afeto flui quando

gostamos genuinamente de alguém.

Se o afeto é apenas uma estratégia para o sexo, não é íntimo, mas

manipulador. Em relacionamentos adultos, às vezes existe intimidade

sem sexo, mas o sexo sempre está acompanhado da intimidade. O afeto

na fase romântica de um relacionamento é diferente do afeto na fase do

conflito. Na primeira, pode haver uma dimensão sexual maior; na

segunda, pode significar um trabalho paciente que atravessa

preocupações mútuas. Por fim, o sexo deveria manifestar todos os cinco

As. Em relacionamentos saudáveis, o sexo é repleto de atenção,

aceitação, apreço, afeto e muita admissão.

Como adulto experiente, sei diferenciar quando alguém está fazendo

sexo como está acostumado e quando alguém faz sexo com uma conexão
específica. O amor de verdade não está disponível na prateleira do

supermercado; é feito sob medida pela pessoa que ama para o ser

amado. Parte do sofrimento de abrir mão de alguém que nos amou de

verdade é justamente abrir mão de ser amado daquela forma especial.

O afeto inclui uma proximidade ou presença amorosa. Recebemos

afeto verdadeiro quando alguém se compromete a estar sempre ao nosso

lado. Isso não significa morar sob o mesmo teto, mas ter uma

disponibilidade confiável. É o oposto do abandono e do distanciamento.

Uma criança é abandonada sempre que um dos pais nota um

distanciamento e deixa isso passar sem emitir comentários e sem

corrigir. Aquela criança, então, pode crescer e dizer: “Eu me senti

abandonada e magoada quando minha mãe viu o meu sofrimento e não

me reconfortou.” Outro adulto pode dizer: “Quando eu era criança,

sentia que algo estava sendo tirado de mim quando alguém me abraçava

ou me acolhia. Então, quando me tocam, tenho medo de me perder de

mim mesmo.” Contemplar esse sofrimento e o sofrimento que fez

nossos pais agirem da forma como agiram resulta em uma compaixão

por nós mesmos e pelos outros personagens imperfeitos da nossa

história tocante.

O mindfulness é o caminho para a presença amorosa. O contato

atento é incondicional ao conceder os cinco As, mas não é condicionado

por criações do ego, tais como medo, exigência, expectativas,

julgamentos ou controle. Reflita: a descrição de afeto atento lhe é

familiar? Confira a seguir:

Você é amado por ser quem é. A necessidade de afeto é satisfeita

quando você é amado incondicionalmente e quando sente que gostam de

você, na maior parte do tempo, de forma genuína. Esse amor e esse

gostar são demonstrados tanto verbal quanto fisicamente. Além disso,

esse tipo de amor ou de apreço provoca um senso de poder pessoal que

estimula o seu ser a sentir-se confortável na própria pele. Na infância, o

contato físico não tem o componente sexual. Isso possibilita que a

criança se sinta segura e valorizada por ser quem é, e não pelo que pode

dar para satisfazer as necessidades inadequadas de um dos pais. Cada


célula de seu corpinho sabia a diferença entre ser segurada de forma

encorajadora e ser pressionada para satisfazer as necessidades de um dos

cuidadores. Você sabia quando algo estava sendo dado e quando algo

estava sendo tomado.

Compaixão é uma forma de afeto. É a resposta do amor ao

sofrimento. É o reconhecimento afetuoso de alguém para o seu

sofrimento. Isso tem uma qualidade tranquilizadora. E ainda é um sinal

inequívoco de que somos amados. Na verdade, a compaixão que

recebemos no decorrer da vida é equivalente aos cuidados parentais.

Como a opinião dos pais é tão crucial no início da vida, a falta do

amor pode fazer com que a pessoa sinta que é impossível ser amada e se

culpar por isso. Mais tarde, a equação do amor pode ser igualada e

atingir os padrões da outra pessoa, gerando um senso de obrigação. Você

pode se sentir assim em relação aos diferentes pares que tiver na vida,

sem nunca conhecer a história antiga por trás disso.

Por fim, afeto não é amor, mas uma parte dele. Ser acolhido e

abraçado é bom, mas se for por quem não admite que você faça as

próprias escolhas de forma livre e sem culpa logo se revelará inadequado

e não confiável.

Admissão

Liberdade humana é o direito de tomar decisões e agir de acordo com

elas. A admissão, como um dos cinco As, não é a permissão de um dos

pais ou do par para ser livre. Trata-se, na verdade, do apoio à nossa

liberdade inerente, o encorajamento para agirmos de acordo com essa

liberdade de formas que beneficiem a nós e aos outros, e a colaboração

para nos lançarmos na liberdade de sermos quem realmente somos.

Admissão é quando alguém estende um tapete vermelho para cruzarmos

na direção da realização dos nossos desejos, valores e necessidades mais

profundos.

Em um ambiente acolhedor na infância, aprendo que é seguro ser eu

mesmo, conhecer e demonstrar meus desejos e necessidades mais


profundos. Tal abertura acontece em uma família acolhedora o suficiente

para me aceitar como sou. Ser bem-vindo ao mundo dessa forma me

traz um senso de estabilidade e coerência, e posso desenvolver uma

fonte confiável de autoapoio, o que nutre meu pai interior para que saiba

como expressar os sentimentos, mesmo contraditórios ou dolorosos.

Além disso, passo a buscar relacionamentos saudáveis, ou seja, que me

deem todos os cinco As.

No entanto, não é todo mundo que é beneficiado por uma infância

assim. Alguns pais definem restrições rígidas de alimentação, sono,

vestuário e cuidados pessoais, tudo para atender às próprias

necessidades ou padrões, racionalizando que tais restrições são cruciais

para a saúde da criança. Pode ser que, durante a infância, tenhamos nos

sentido inseguros quanto à nossa individualidade. Talvez tenhamos

percebido que, se fôssemos nós mesmos, perderíamos o amor de quem

mais precisávamos. Talvez tenhamos sido obrigados a nos tornar o que

os outros esperavam que fôssemos, pagando o preço para sermos

amados. Mas, para que a intimidade funcione, o eu falso resultante, em

algum momento, precisa perder espaço para a versão mais verdadeira.

Se nunca foi seguro ser quem somos, ou seja, se sempre tivemos que

esconder nosso verdadeiro eu, talvez agora não acreditemos em nossos

talentos e virtudes, sentindo-nos como impostores ou fraudes. Tentar

viver de acordo com as necessidades e os desejos dos outros é como um

jovem cisne tentar se passar por pato só porque vive em um lago de

patos. O falso eu é um conformista que, na verdade, é um príncipe

herdeiro se escondendo.

Adultos emocionalmente saudáveis vêm de lares flexíveis, e não de

lares severos. As primeiras necessidades (como todas as outras) são

melhor satisfeitas em uma atmosfera alegre e clemente. Em um jardim

assim, o açafrão sempre brota, produzindo flores de estabilidade pessoal

e poderes de autocuidado, exatamente as qualidades que na vida adulta

tornam a intimidade possível. Sem uma admissão saudável na infância,

talvez acabemos escolhendo um par controlador, dizendo para nós

mesmos: “Eu preciso obedecer, senão…” Nós não notamos a tentativa


dos outros de nos manipular. Podemos ser enganados por um

relacionamento que parece bom, mas é cheio de exigências e

expectativas.

Mesmo em meio às cinzas da submissão contínua, um dia talvez

encontremos uma liberdade interna pessoal, insistindo em acordos feitos

de forma bilateral, em vez de unilateral; em cooperação, em vez de

domínio. A submissão é a obediência às necessidades, aos valores e aos

desejos mais profundos de outras pessoas, e não aos seus. Mas a

obediência pode se transformar em desafio.

Não permitimos que os outros nos controlem, mas entendemos e

sentimos o sofrimento deles quando percebemos que sua atitude

controladora se trata de uma compulsão. A maioria das pessoas

controladoras não consegue evitar; elas não estão no controle do

comportamento controlador. Não estão nos insultando quando tentam

nos controlar; na verdade, assumem o controle de modo automático e

dominam pessoas e situações. E o fazem por medo de não serem

capazes de lidar com o que não conseguem controlar. É necessária uma

programação espiritual para se libertar da compulsão por controle e se

tornar compassivo em relação a pessoas controladoras. Um poder

superior ao ego precisa entrar em ação, pois o ego não vai desistir tão

facilmente nem ser gentil o bastante para se tornar tolerante.

W. B. Yeats escreveu a respeito da pessoa especial que “ama a alma

peregrina que existe em você”. Espelhar a liberdade significa encorajar o

ânimo e a paixão dos outros em vez de esmagá-los para seu próprio

benefício e segurança. A “alma peregrina” também implica ir. A

verdadeira admissão, da mesma forma, significa deixar alguém ir.

Admitir é dar abertura quando alguém precisa de espaço ou até mesmo

nos deixar. Esse é um A que exige coragem. Podemos ter o ímpeto de

resistir ao controle ou podemos aprender ao longo da vida, tornando

impossível para os outros evitar que o nosso eu verdadeiro surja. A

declaração “Ela não me deixa ser eu mesmo” acaba se transformando

em “Ela não pode me impedir”. A alternativa não saudável seria: “Ela

quis que eu mudasse e eu fiz isso por ela. Mas agora já não me
reconheço mais.” Essa é a situação difícil quando tentamos nos encaixar

nas expectativas do outro.

A descrição de admissão a seguir lhe é familiar de alguma forma?

No decorrer de seu desenvolvimento pessoal, você busca

instintivamente toda a amplitude de movimento e emoção. Você

consegue sentir no ambiente psicológico de sua casa a permissão sincera

para ser quem realmente é, para ter suas próprias opiniões e expressá-las

sem punição, para fazer as próprias escolhas e até mesmo para sair da

linha. A admissão, tanto na infância quanto em parcerias adultas,

significa segurança para mostrar o espectro completo das emoções

humanas do seu próprio jeito singular. O relacionamento não fica em

risco, não importando quais sentimentos expresse: “Eu sempre soube

que poderia dizer ou sentir qualquer coisa aqui.” Você não costuma

ouvir “Não precisa ter medo”, “É melhor não se zangar nem ficar triste

(ou mesmo feliz)” ou “Como se atreve a dizer não?”. Quando o amor é a

força vital de um relacionamento ou de uma família, cada um dos

envolvidos se torna completo como indivíduo. Essa é a alternativa para o

controle que gera o falso eu. Seus pais admitem que você veja, fale,

converse, toque e seja uma pessoa separada; e que se proteja e corra

atrás dos próprios talentos, relacionamentos e interesses. Tudo que você

é está incluso, sendo parecido ou não com seus pais, introvertido ou

extrovertido, popular ou não, religioso ou não, se vai para a faculdade ou

não, se é atleta ou não, gay ou hétero ou qualquer outra orientação

sexual ou de gênero. Você é aceito exatamente por ser quem é.

Se você não recebeu a dádiva da liberdade, talvez tenha ouvido:

“Você não se sai tão bem na escola quanto seu irmão.” Na infância,

chegou a pensar “Não tenho como dizer isso”? Você se perguntava: “O

que é necessário para a minha opinião importar aqui?” Ou, no fundo,

sabia que só precisava ser você mesmo? Seus pais apresentavam o

mundo como um lugar assustador: “Você precisa ter muito cuidado” em

vez de “Você é capaz de tomar conta de si mesmo”? Você por acaso

ficou surpreso quando foi para a escola pela primeira vez e se sentiu

assustado e controlado porque aprendeu que o mundo era assim?


Qual é a diferença entre controle e definição de limites? O controle

tornou você o que os outros precisam ou esperam que você seja. A

definição de limites faz com que seja seguro para você ser quem

realmente é. Paradoxalmente, não temos como conseguir a liberdade

sem limites. Afinal, os limites preservam o ambiente acolhedor no qual

florescemos. Eles são os primeiros braços à nossa volta e, em seguida, a

palavra não. Até mesmo um santuário tem portas à sua volta. De que

outra forma podemos fornecer segurança?

Há uma conexão entre liberdade e autoconfiança: quando se é

impedido de expressar seus desejos e suas necessidades mais profundas,

perde-se a confiança na validade deles e em seu próprio julgamento.

Você sobrevive encontrando as regras e seguindo-as, enquanto esconde o

que realmente deseja. Você torna seu propósito de vida agradar aos

outros em vez de se afirmar.

Se você se sentia livre no seio da família, é mais fácil confiar em uma

autoridade de apoio, tal como um professor ou um terapeuta. Essa

autoridade é atenta, sem culpa e sem julgamento unilateral, ou seja, sem

os elementos do ego que geram oposição à autoridade. Quando os pais

ou os cuidadores começam a compartilhar gradualmente o poder

conosco, da infância à vida adulta, estão nos ajudando a construir um

senso estável de eu, um senso de ação e poder pessoal. Nós descobrimos

o que Shakespeare quis dizer em Medida por medida: nossa própria

“soberania desconhecida”. A autoridade e as hierarquias humanas são

ferramentas úteis e legítimas quando nos empoderam para tomar a

iniciativa, mas não quando nos subjugam e nos diminuem. Quando a

autoridade, civil ou religiosa, espelha uma criação saudável, ela nos

honra e conquista nosso respeito.

Como comentário final, gostaria de fazer a distinção entre admissão e

aceitação. Olhar para os antônimos pode nos ajudar a entender as

diferenças. O oposto de aceitação é rejeição. O oposto de admissão é

controle. A admissão é direcionada para nossas escolhas e ações. A

aceitação é direcionada para os nossos traços de personalidade, nossa

orientação sexual ou de gênero, nossa forma de existir no mundo como


verdadeiramente somos. A admissão na infância e no início da vida

adulta é direcionada para as ações de acordo com nossas escolhas, a

busca dos nossos interesses, a decisão de nos casar ou não, de nos vestir

como queremos, de sair da casa dos pais ou não. Na verdade, a admissão

na infância nos leva à adolescência e, depois, à vida adulta. O fim da

nossa dependência dos pais acontece cada vez que exploramos o mundo

externo. A bênção da admissão nos equipou para lidar com os desafios

que já enfrentamos e aqueles que ainda estão por vir.

Você se lembra de quem era antes de o mundo lhe dizer quem

você deveria ser?

— Charles Bukowski, Cartas na rua

PRESENÇA INCONDICIONAL VERSUS OS CINCO


MINDSETS DO EGO

Juntos, os cinco As constituem os componentes da presença

incondicional. No entanto, também existem cinco importantes hábitos

mentais que interferem na presença autêntica e incondicional e podem

fazer os outros não se sentirem amados. São reações mentais

praticamente involuntárias, comuns em pessoas de todo o mundo. Esses

mindsets são como valentões que entram sem ser convidados e invadem

a nossa experiência pura do presente e a de pessoas que lá encontramos.

A prática espiritual do mindfulness é um resgate do cerco desses

invasores.

Aqui estão os cinco mindsets do ego que interrompem nossa

capacidade de estar presentes no aqui e agora e distorcem a realidade:

Medo, ou preocupação, em relação a uma situação ou pessoa:

“Percebo uma ameaça em você ou temo que talvez não goste de

mim, portanto acabo assumindo uma postura defensiva.”

Desejo de que este momento ou esta pessoa atendam às nossas

demandas ou expectativas e nos abasteçam com todo o estoque


emocional necessário ou realizem nossos desejos: “Estou

tentando conseguir algo disso ou de você.”

Julgamento pode tomar a forma de admiração, crítica, humor,

moralismo, viés positivo ou negativo, censura, rotulação, elogio

ou acusação: “Estou preso na minha própria opinião em relação a

isso ou a você.”

Controle acontece quando impomos nosso ponto de vista ou

plano a alguém: “Estou preso a esse desfecho em particular e à

necessidade de consertar, convencer, aconselhar ou mudar você.”

Ilusão se sobrepõe à realidade e pode ocorrer como negação,

projeção, fantasia, esperança, idealização, depreciação ou

vontade: “Tenho uma imagem mental ou crença em relação a

você ou esta situação, e isso obscurece como você realmente é.”

(A ilusão central da vida é a de separação.)

Qualquer uma dessas cinco interpretações feitas pela diretoria

editorial do ego pode ser precisa, mas ainda assim interfere na nossa

experiência do presente. Cada uma delas constitui uma minimização que

impõe nossos dramas pessoais sobre a realidade e impossibilita um

testemunho justo. Nesse sentido, elas resultam em carma. A porta para a

iluminação se abre quando o mindfulness encerra o espetáculo, ainda

que por um momento. A porta para a empatia e a compaixão se abre

quando enxergamos a experiência humana, não importando quão

desagradável ou desfigurada seja, sem a mentalidade do julgamento e do

medo. Em ambas as portas, ordenamos “Abre-te, Sésamo”, o sim

incondicional para a realidade.

Os cinco mindsets não devem ser interpretados como ruins. Cada um

desses piratas é repleto de energia que pode ser recrutada para a escuna

chamada Amor atento, que nunca afunda. A tarefa não é renegar esses

mindsets, mas redirecionar a energia deles para que possam servir tanto

a nós quanto aos outros. Desse modo, o medo pode ser usado como uma

precaução sábia. O desejo possibilita buscar o outro. O julgamento inclui

uma avaliação inteligente. O controle é necessário na maioria das


atividades diárias. A fantasia é o trampolim da imaginação e da

criatividade. Quando encontramos o centro útil de cada um desses

mindsets, os transgressores podem se tornar nossos amigos do peito.

Enquanto esses mindsets estiverem em uso, não temos como oferecer

os cinco As, porque esses mindsets nos distanciam do contato autêntico

e suspendem ou desabilitam a nossa percepção direta da realidade. (No

decorrer do livro, essas cinco defesas mentais são chamadas de camadas

ou revestimentos do ego.) Não podemos impedir que nossa mente seja

envolvida por essas distrações, mas o mindfulness reduz o impacto delas

e ajuda a nos envolver na ação. O mindfulness é um cão de guarda, ou

melhor, um cão-guia da psique, vigiando para detectar os invasores da

realidade e nos guiando em segurança para longe deles.

Quando vamos ao encontro dos outros com os cinco As, estamos

profundamente presentes e a intimidade acontece. Quando vamos de

encontro aos outros com os cinco mindsets, estamos presos em

interesses pessoais e o resultado é o distanciamento. O compromisso

com a intimidade é uma transição dos recursos favoritos do ego para o

paraíso do amor atento. Então, podemos dizer um para o outro: “Quando

você está comigo, consigo ser eu mesmo.” E esse “eu mesmo” é como a

liberação do amor que existe dentro de nós.

A presença incondicional de alguém que nos ama também evoca o

passado e conserta nosso sentimento infantil de sermos indesejados. Ao

mesmo tempo, é impossível que um ser humano esteja total e

incondicionalmente presente o tempo todo. Um indivíduo só consegue

oferecer momentos e horas de presença sem esses mindsets. Apenas

partes de presença podem vir de seres como nós, “reis de retalhos e

remendos”. Se fôssemos inteiros e totalmente satisfatórios, não teríamos

motivação para explorar a jornada que torna a vida tão maravilhosa. A

religião responde com uma promessa reconfortante de que existe uma

presença amorosa eterna e incondicional, não em partes, mas completa.

A visão religiosa madura encontra essa realidade bem no fundo da nossa

própria alma. Desse modo, ainda que no mundo espiritual, somos


lançados de volta a nós mesmos, e os outros são parceiros, não

provedores.

Por fim, tenha em mente que é aceitável não saber o que algo

significa. A capacidade de admitir o mistério é o que John Keats chamou

de “capacidade negativa”, ou “estar mergulhado em incertezas, mistérios

e dúvidas sem buscar, com irritação, o fato e a razão”. É no mindfulness

que agimos exatamente desta forma: enfrentando o desconhecido, mas

mantendo a serenidade. É dessa posição que, ao longo do tempo,

conseguimos colher na hora certa um tipo de significado único. Essa é

uma alternativa ao frenesi do ego de impor significados improvisados a

partir do léxico de mindsets-padrão.

Uma vez que cada realidade e cada pessoa são, na verdade, um

campo infinito de potencial, um amplo espaço aberto sem limites, os

mindsets são minimizações. Sem os limites impostos pela mente, tudo é

perfeito e provocativo, de uma forma exuberante, exatamente como é. A

alegria é uma energia que ocorre quando nos libertamos dos mindsets.

Não nos sentimos mais obrigados a descobrir o que as pessoas querem.

Sem a necessidade de resolver, explicar, julgar e controlar, ficamos

enfim livres para o mindfulness.

Prática

A prática não significa uma obrigação de melhorar, mas a confiança em

seu potencial de se abrir. Todas as sugestões de prática descritas a seguir

têm um único objetivo: oferecer um programa de meios hábeis para que

você possa se tornar um adulto psicologicamente saudável e

espiritualmente consciente, quer seja sozinho, em relacionamentos com

outras pessoas, no mundo e para o mundo. Nessas práticas, o trabalho

psicológico e espiritual não deve ser feito de forma sequencial, e sim

simultânea. À medida que fazemos o trabalho psicológico, nos tornamos

mais revigorados espiritualmente. À medida que nos dedicamos às

práticas espirituais, nos tornamos mais adeptos psicologicamente. Um

casal que resolve os problemas em conjunto, com a ajuda de ferramentas


terapêuticas, pode melhorar muito a saúde emocional do próprio

relacionamento. Mas, quando acompanhada pela prática espiritual, a

conexão se aprofunda ao nível da alma. Afinal, almas gêmeas são almas

que se encontraram no caminho espiritual. Meditar juntos é uma

maravilhosa contribuição para a conexão, pois o comprometimento

mútuo com o mindfulness é uma ferramenta poderosa para cuidar de um

relacionamento. Então, meditar juntos não se trata apenas de uma

prática espiritual, mas também de uma prática de relacionamento.

As seções de prática neste livro consistem principalmente de

perguntas guiadas, cujo objetivo é desafiar você a admitir sua própria

verdade. Elas devem ser respondidas em um diário ou caderno e, quando

apropriado, em voz alta para o seu par. Se surgirem acordos de mudança

específicos dessas respostas, é até melhor. No entanto, faça apenas o seu

trabalho. Não tente definir o programa de mudanças do seu par, nem

mesmo julgar o que ele ou ela deve fazer ou dizer.

Talvez, em busca de novas maneiras de aplicar às suas amizades o

que está aprendendo e na forma como lida com todos, você queira

discutir suas práticas com alguém em quem confia, além do seu par. Este

programa não serve apenas para tornar seus relacionamentos íntimos

mais eficazes, mas também para iluminar o caminho até um amor eficaz

direcionado a todos.

O trabalho psicológico e as práticas espirituais não são

empreendimentos fortemente individuais. O esforço é importante, mas a

bênção, ou seja, a ajuda de forças além de você, também. Quando

começar cada prática, reconheça e peça ajuda a esses poderes

superiores. Quando confia que seus esforços estão ligados a propósitos

maiores, você se sente apoiado, sustentado e acolhido.

As práticas mostram nosso vasto potencial para sermos adultos

saudáveis que sabem amar. Também mostram de onde espreitam as

obstruções e a resistência ao amor. As práticas aumentam nossa

autoestima conforme observamos a ativação de todo o nosso potencial

para amar, libertando-nos das barreiras que nos impedem disso. Não

importa quanto nos imaginamos indignos e inadequados, temos tudo de


que precisamos para descobrir a plenitude. As palavras e práticas deste

livro oferecem momentos de reparação e novos ajustes que têm o

potencial de diminuir ou tornar o sofrimento menos intimidador. Alguns

de nós resiste à reparação, então precisamos ficar atentos para perceber

se estamos fazendo isso.

As seções de prática ampliam as ideias e os temas explorados em

cada capítulo e devem ser lidas mesmo que você decida não fazer os

exercícios. Essas seções complementam e reforçam o texto. Mas observe

que você não precisa praticar tudo. Algumas atividades foram

desenvolvidas para introvertidos; outras, para extrovertidos. Algumas

foram projetadas para problemas específicos, por isso não se aplicam a

todo mundo. No entanto, acredito que você vai achar toda a experiência

deste livro ainda mais animadora se de fato tentar realizar algumas das

práticas de cada capítulo. Escolha as que achar atraentes ou desafiadoras

ou talvez aquelas que se encaixam em suas circunstâncias e

personalidade, assim vai notar que seu relacionamento e você mesmo se

beneficiarão de formas potentes e emocionantes.

Sabemos que a repetição de vereditos internos abre sulcos na nossa

mente. Continuamos a voltar a antigas crenças a respeito de nós

mesmos, a hábitos antigos e inúteis que dirigem nosso comportamento.

Podemos criar vias neurais por meio da repetição — ou seja, pela

prática — de novas atitudes e novos comportamentos. Quanto mais

repetirmos nossas afirmações e ações úteis, mais profundamente

fixaremos os novos recursos. Da mesma forma, despertamos a melhor

avaliação que nosso córtex pré-frontal faz de nós quando deixamos de

pensar em nós mesmos como bobos e nos afirmamos como pessoas

ousadas. Quando nosso cérebro nos conta a mesma historinha de

vitimização, acabamos acreditando que somos fracos. No entanto,

podemos reprogramar nosso cérebro com uma nova história que nos

coloca como heróis, e logo ativamos e acreditamos em nosso próprio

poder.

Por fim, preste atenção nas sensações do seu corpo enquanto lê e

trabalha nas práticas. Essas sensações mostram onde você deve


trabalhar, o que o impede de avançar e o que o acolhe.

meditação diária | A primeira prática é meditar diariamente. Comece

com alguns minutos por dia e vá aumentando até chegar a vinte minutos,

no mínimo. É melhor fazer isso junto com seu par, mas também é

adequado e proveitoso como experiência individual. Sente-se em um

espaço tranquilo, com os olhos abertos ou fechados, as costas retas e as

mãos descansadas nos joelhos ou nas coxas. Preste atenção em sua

respiração. Quando devaneios ou ansiedades surgirem em sua mente,

classifique-os como pensamentos e volte a consciência para a sua

respiração. Não tente parar de pensar. A prática só requer que, ao notar

um pensamento, você volte imediatamente a atenção para a respiração.

Ao fim da meditação, tente se levantar devagar e veja se consegue

manter o mesmo senso de consciência no decorrer do dia. Por fim, a

respiração se torna mais real e mais interessante do que nossas histórias.

benevolência | A segunda prática para realização do casal é a

construção do sentimento pleno: a benevolência é uma prática budista

(também conhecida como metta) cuja premissa defende que todos nós

queremos a mesma coisa (a felicidade) e que nossa ligação amorosa com

todos os seres nos faz desejar a felicidade deles também. Eis um formato

simples para essa prática: sente-se de forma tranquila e imagine-se

repleto de alegria, amor, compaixão e serenidade, todas as qualidades da

nossa natureza búdica. Afirme cada uma delas dentro de si e depois as

envie para um círculo cada vez mais amplo de pessoas, até que tenha

incluído o mundo inteiro nos desejos de seu coração: “Que a alegria me

preencha, e a todos que amo”, e assim por diante. Comece com aqueles

que amam você, depois acrescente pessoas que você ama, então

conhecidos, ou seja, as pessoas que não são suas amigas mas com as

quais você se encontra no dia a dia, como caixas de banco e vizinhos.

Depois, acrescente a categoria das pessoas que não gostam de você ou

de quem você não gosta, indivíduos difíceis, hostis, inimigos (pessoais e

políticos). Em seguida, inclua aquelas que são diferentes de você, em


relação a quem você pode ter algum tipo de preconceito. Por fim,

resplandeça a alegria para o mundo, para todos os seres, sejam eles

pequenos ou grandes. Dessa forma, nosso coração se expande para sua

dimensão completa.

Preste atenção em qualquer resistência à medida que percorre a lista

de pessoas. Não tente controlar sua resistência. Comprometa-se com

uma forte intenção de amor, e a resistência vai diminuir. Algo vai mudar

em seu interior quando desejar amor e alegria para desconhecidos e

inimigos. Essa prática demonstra que nosso objetivo de vida vai além do

bem-estar. Reconhecemos que nossas necessidades nem sempre são tudo

que importa. Que o bem-estar de nossos irmãos humanos também

importa, e estamos irradiando isso para eles a partir de nosso coração

desperto. Agora não existem limites para o nosso amor, a possibilidade

das possibilidades.

Essa prática diária também pode ser realizada durante um encontro

com alguém que desperta em você um gatilho negativo. E, então, você

pode se ouvir dizendo: “Que ele se abra para a luz.” Desejos como esse

não significam que estamos aprovando um comportamento negativo,

apenas que respeitamos as limitações individuais e vemos o potencial

para crescimento. Essa é outra forma de nunca desistir de ninguém, o

que é a joia da coroa no coração de amor.

abrir mão do controle | O controle saudável significa ordenar a

própria vida de forma responsável; por exemplo, manter o controle de

um carro ou da saúde. O controle neurótico significa agir pela

necessidade compulsiva de fazer com que tudo e todos estejam de

acordo com nossos desejos. Controle é o que buscamos quando notamos

a realidade de nossa existência e nos sentimos impotentes para enfrentá-

la. Ainda não somos capazes de dizer: “Vou ficar com este revés e ver o

que ele tem a me oferecer. Noto que me sinto mais forte assim.” Dizer

sim para a nossa experiência dessa forma atenta nos leva ao

empoderamento do nosso coração para amar mais e temer menos. Você


consegue tomar essa decisão, se comprometer a ser menos controlador e

se dedicar a isso como um projeto contínuo?

estar aberto ao feedback | Quando se compromete a trabalhar para

se tornar uma pessoa mais amorosa, você não depende mais apenas de

seu cérebro para obter todas as informações. Fica satisfeito por aprender

sobre si mesmo com seu par ou com alguém em quem confia. Você se

abre para descobrir como é visto por aqueles que conhecem seu lado

sombrio. Quer se ex-por para deixar de lado todas as máscaras e

permitir que seu eu autêntico apareça. Você aceita o feedback em

relação a como afeta os outros. Comprometer-se a trabalhar em si

mesmo, que é justamente o objetivo dessas práticas, inclui essa abertura

ao feedback. O mestre zen Wuzu relata: “Os antigos sempre ficavam

muito felizes em ouvir a respeito dos próprios erros.” Se você descobrir

que seu ego não consegue tolerar críticas ou demonstrações de que está

errado ou agiu de forma inadequada, então seu trabalho começa aqui. A

condição obrigatória para essa prática é a disposição para se libertar do

ego. Eu me comprometo a descobrir alguma verdade em qualquer

feedback que receber.

Como um primeiro passo para chegar a essa disposição, peça ao seu

par para descrever algo que o tenha chateado e preste atenção caso venha

a julgar o que ele está dizendo, se está tentando controlar as reações do

outro, sentindo medo e querendo corrigir as impressões dele etc.

Reconheça cada uma dessas reações como distrações do ego e

corresponda ouvindo de forma ativa e aberta. Quando seu par terminar,

conte quais distrações interromperam sua escuta atenta da história.

Tenha o compromisso de observá-las em conversas futuras. Você pode

se comprometer a ouvir com o coração, onde estão os cinco As. Como é

possível? Por meio do hábito do mindfulness, que você está construindo

na meditação, e ao voltar à sua respiração sem se deixar levar pelos

mindsets.

Aqui está uma prática que usa o mindfulness e o sentimento pleno

para reagir de forma positiva, mas protetora, quando alguém lhe dá


algum feedback negativo:

Aborde alguém que tenha uma questão com você na intenção

consciente de usar os cinco As. Diga as frases a seguir em voz

alta para a outra pessoa e mantenha seu coração aberto enquanto

ela fala. Essa é uma forma profundamente amorosa de ouvir, além

de útil em qualquer momento da vida em todas as comunicações:

Estou prestando muita atenção em você agora.

Aceito você do jeito que é no presente momento.

Admito que você seja você mesmo.

Aprecio você pelo que foi e pelo que é.

Nutro afeto verdadeiro por você, não importa o que aconteça.

Estabeleça contato visual enquanto escuta com mindfulness, sem

assumir uma postura defensiva, sem raiva, sem planos de

retaliação e sem tentar provar que o outro está errado.

Reconheça o impacto que causou na outra pessoa e os

sentimentos que despertou nela. Não minimize nem dê um

desconto no impacto ao compará-los com suas boas intenções. O

impacto importa mais do que a intenção.

Comprometa-se a tomar como informação o que a outra pessoa

diz, não como censura.

No entanto, é necessário que você fale no caso de o feedback

incluir acusações, insultos, ridicularizações ou comentários

mordazes. Você não pode permitir isso quando está cuidando de

si mesmo.

Faça as pazes quando for adequado, crie um plano para mudar e

peça apoio.

Essa prática desperta a virtude da humildade e faz com que você seja

mais aberto e afetuoso.


comunicação sincera | Estamos nos sintonizando com as

necessidades e os sentimentos da outra pessoa, os quais muitas vezes

não são verbalizados. Ouvir com sinceridade significa comprometer-se

com a compaixão, o carinho e a conexão:

Compaixão: somos tocados pelas necessidades e vulnerabilidades

de alguém. Sentimos empatia genuína caso a outra pessoa esteja

sofrendo. Guardamos a história da outra pessoa com mindfulness,

ou seja, sem julgamentos.

Preocupação: a outra pessoa conta e é relevante para nós. Nós nos

importamos que ela encontre o caminho para a cura e para a

plenitude. Estamos prontos para trabalhar com ela na abordagem,

no processo e na solução de quaisquer conflitos que possam

surgir entre nós. Desejamos sinceramente que o melhor aconteça.

Estamos abertos à vulnerabilidade que isso pode exigir de nós.

Conexão: somos parceiros, não solucionadores. Olhamos junto

com a outra pessoa para a situação difícil que ela está vivendo.

Estamos juntos, um ao lado do outro, nem acima nem além.

Sabemos que podemos sentir a mesma ansiedade que ela.

Sabemos que passamos por um sofrimento parecido. Sabemos

que podemos cometer os mesmos erros, ou até já cometemos.

Nós conversamos com o outro: “Aprendo a amar de forma eficaz

ao ouvir você descrever como a minha forma de amar o atinge.

Então, fale com sinceridade comigo.” Essa abertura e essa escuta

profundas são um encontro de dois corações, a única forma na

qual uma conexão verdadeira pode acontecer: “Estou ouvindo” é

o meu nome agora. A presença do coração é a melhor atmosfera

para o amor aflorar e florescer. A escuta com o coração também é

um componente essencial na jornada do herói. Não trilhamos o

caminho, a não ser quando ouvimos nosso coração. Todas as

referências neste livro ao “caminho” incluem o ouvido e o

coração, não apenas os pés.


Escuta com o corpo: notamos as sensações em nosso corpo

enquanto estamos sentados com outra pessoa. Estamos cientes de

como acolhemos a verdade dela, as necessidades e os

sentimentos, onde sentimos o impacto em nosso próprio corpo.

Notamos se estamos confortáveis ou ansiosos no decorrer de

nosso tempo juntos. De qualquer modo, mostramos receptividade

por meio da nossa linguagem corporal: “Estou me inclinando para

você, não me afastando. Não estou assustado com a sua desgraça.

Você pode confiar em mim para estar presente.” Essa é a essência

da intimidade.

Quando combinamos as três formas de escuta, apenas a nossa presença

é suficiente para gerar confiança e abrir uma trilha para o

contentamento. Por fim, no mindfulness conseguimos ouvir os outros

sem julgamentos, só com apreço pela diversidade. Então nosso amor

acrescenta uma dimensão ao coração.

atenção às necessidades | Ao usar os cinco As como sinalizações,

pergunte-se do que mais precisa no seu par ou em um amigo. Pergunte

ao seu par ou amigo o que eles precisam de você. Tenha cuidado para

não confundir necessidades com pedidos, planos ou soluções. Por

exemplo, dizer “Preciso que você me escute” descreve não uma

necessidade, mas um pedido. Dizer “Preciso de mais espaço neste

relacionamento” descreve não uma necessidade, mas um plano. Dizer

“Preciso de uma bebida” descreve não uma necessidade, mas (a sua

ideia de) uma solução. Relate ao seu par seus desejos, planos e ideias

para soluções. Então, identifique a necessidade subjacente a cada um

deles e peça que ele escute. Por exemplo, subjacente ao desejo de ser

escutado pode estar a necessidade de uma atenção autêntica, um foco

sem distrações nas suas palavras e sentimentos, com respeito e apreço

sinceros.
sentir-se amado | Comece este exercício despertando lembranças de

se sentir amado na infância e note quaisquer conexões com os tipos de

amor que você busca na vida adulta. Então, pergunte para seu par o que

é amor para ele e compartilhe o que é amor para você. Talvez você não

se sinta amado por alguém que ama você de verdade, pois essa pessoa

demonstra o sentimento de forma que você não o percebe como amor. É

como se o outro estivesse falando uma língua estrangeira. Chame um

tradutor: o desafio da intimidade é expandir nosso conceito original de

amor para acomodar a forma única que o nosso par tem de amar.

Podemos também pedir o que queremos enquanto tentamos aceitar uma

aproximação e nos abrir para uma nova versão de amor.

Considere as seguintes perguntas no seu diário ou caderno: Como é o

amor para mim? Quem faz com que eu me sinta assim? Eu me sinto

amado de forma vibrante pelo meu par? Quem foi a primeira pessoa da

minha vida que fez com que eu me sentisse amado? Eu já lhe agradeci

por isso? Consigo dizer para o meu par o que é o amor para mim? Posso

perguntar a mesma coisa para ele? O que vou fazer com essa

informação? O amor que ofereço é infantil, parental ou adulto? O amor

que busco é infantil, parental ou adulto? Quando sentimos pouco ou

nenhum amor em relação a nós, podemos buscar uma prova de amor.

Quanto mais provas procurarmos, mais nosso par vai se sentir

ameaçado, testado e constrangido. Será que estou em alguma dessas

posições?

toque | Tornar-se adulto não apaga nem cancela nossas necessidades

fundamentais. Todos sentimos a necessidade de um abraço, não

importando a idade. Isso vem de um instinto por validação pessoal.

Estamos sempre em busca de um espelhamento e de um abraço que

podem ter sido inadequados ou inexistentes no início de nossa vida.

Quando alguém nos ama, se importa conosco e nos respeita, o corpo

dessa pessoa se transforma em uma fonte de reparação da negligência ou

do abuso que sofremos no passado.


Alguns de nós temem, de forma bastante compreensível, o sofrimento

de encontrar a intimidade e depois voltar a perdê-la. Queremos ter

certeza de que um par potencial merece a nossa confiança, e isso é

sempre uma loteria. Se conseguirmos superar esse medo, podemos nos

abrir para o toque dos outros, mesmo que com limitações, e descobrir

que ele tem um poder de cura. Ser abraçado com atenção terna — por

exemplo, no colo de alguém ou um ao lado do outro, com os braços

entrelaçados na cintura — nos fornece um amor espelhado que talvez

não tenhamos vivenciado na infância. Parece constrangedor, mas só no

início; quando se quebra o gelo, parece natural. Tente esse tipo de abraço

em algum momento com seu par ou um amigo próximo. Você pode se

oferecer para aconchegar essa pessoa em seu colo ou se aconchegar a ela

e, então, ler uma parte deste livro em voz alta. Nós nunca superamos a

necessidade das formas de conforto da proximidade infantil, e não há

nenhuma vergonha nisso.

ofereça apoio | Dar apoio emocional significa oferecer os cinco As de

forma generosa. Ainda assim, como sabemos exatamente de que tipo de

apoio o nosso par precisa em determinado momento ou situação? Por

exemplo, nosso par está chorando. Vai ser de alguma ajuda abraçá-lo ou

lhe dar espaço?

O Pequeno Príncipe reconheceu: “É tão misterioso o país das

lágrimas.” Às vezes existe um sentimento recôndito, inalcançável e

inominável na experiência de alguém. Nem mesmo essa pessoa sabe o

que está sentindo ou do que precisa naquele momento. O apoio consiste

em simplesmente honrar esse mistério interior. Talvez não saibamos

como ajudar. Então, assim como Hamlet, só podemos dizer: “Minha

alma, sê paciente.”

Em outros momentos, a sensibilidade pode tomar a forma de

indagação. Quando seu par parece estar sofrendo e disposto a se

comunicar, tenha por hábito a prática de perguntar de que tipo de ajuda

ele precisa. Essa é uma forma respeitosa de encorajá-lo a pedir apoio,

uma outra contribuição da intimidade. Aqui estão alguns exemplos de


como fazer isso: “Vejo que está sofrendo. Por favor, me diga como posso

apoiar você neste momento”; “Quero lhe dar todo o meu apoio neste

momento.”; “Estou disponível para o que der e vier. Como posso

ajudar?”; “Se você não sabe do que precisa, posso simplesmente fazer

companhia”.

note os mindsets | A presença amorosa toma cinco formas: atenção,

apreço, aceitação, afeto e admissão. Mindfulness é o caminho para tal

presença amorosa. O contato atento é incondicional ao conceder os

cinco As, e não condicionado pelos tipos de mindsets do ego, tais como

medo, exigência, expectativa, julgamento ou controle. Dê uma olhada na

tabela a seguir e registre exemplos diários de como você se encontra dos

dois lados do caminho de se relacionar com um par. Mostre seus

resultados para o seu par, peça feedback para fazer alterações e também

uma resposta compassiva.

Os cinco As Seus opostos

(baseados no (baseados nos mindsets)

mindfulness)

Ser atento. Ignorar, recusar-se a ouvir, estar indisponível, temer a verdade.

Aceitar. Tentar transformar alguém para se encaixar nas nossas especificações,

desejos ou fantasias.

Expressar apreço. Criticar.

Ser afetivo. Agir de forma egoísta ou abusiva.

Admitir. Ser controlador, exigente ou manipulador.

compromisso espiritual com os cinco as | Os cinco As

constituem objetivos ou fins em si mesmos. Dar e recebê-los não apenas

são uma forma de realização pessoal, mas também práticas espirituais

por meio das quais realizamos nosso destino heroico de trazer ao mundo

os benefícios e tesouros que encontramos no caminho. Em termos

espirituais, podem ser explicados da seguinte forma:

Atenção significa consciência da interconexão de todas as coisas.


Aceitação significa afirmar um sim incondicional para as sérias

realidades da existência, os fatos da vida.

Apreço significa a atitude de gratidão.

Afeição significa o amor que sentimos pelos outros e pelo

universo.

Admissão significa que concedemos aos outros e protegemos em

nós o direito de viver livremente e sem controle externo.

Transforme essas cinco necessidades/propósitos em afirmações e

compromissos, que você pode repetir diariamente ou com mais

frequência, se possível. Use os seguintes exemplos:

Sinto-me em unidade com todos os seres humanos e com a

natureza. Noto o sofrimento e a alegria deles. Tomo decisões que

fazem com que me sinta mais conectado e mais próximo deles.

Aceito os fatos da existência, tanto os que parecem positivos

quanto os que parecem negativos. Eu me rendo ao que não pode

ser mudado e confio que isso será útil no percurso da minha vida.

Sou grato por tudo que já foi e continua sendo e estou aberto para

o que está por vir. Demonstro meu apreço por tudo que recebo.

Demonstro meu amor em todos os meus pensamentos, palavras e

ações.

Valorizo meu direito de viver de acordo com meus próprios

valores, necessidades e desejos mais profundos. Respeito esse

direito nos outros.

1 Sempre que possível, uso o termo “pessoas” para evitar a exclusão de formas de

autoidentificação. Quando isso não for viável, usarei combinações de “ele(s)”, “ela(s)”, mas não

há nenhuma tentativa de excluir pessoas que se identificam com pronomes neutros. Também uso

a palavra “par” como forma de me referir às pessoas que formam o casal e de evitar a definição

de gênero. Ao fazer isso, não tenho a intenção de desrespeitar a opção de relacionamentos com

mais de duas pessoas.


2 | AMOR E MENOS
Uma pessoa deseja ver sua existência confirmada por outra

pessoa… De forma secreta e tímida, ela espera por um “sim”

que lhe permita ser quem realmente é, e isso só pode vir de

um ser humano para outro. É de um ser humano para outro

que o pão celestial do eu é passado.

— Martin Buber

nascemos com a capacidade de sentir todo o arsenal das emoções

humanas, mas, antes que possamos utilizá-la plenamente, essa

capacidade requer uma ativação. Todos nós temos tudo que é necessário

para sentir; no entanto, para vivenciar nossos sentimentos de forma

plena e segura, estes precisam ser “validados” por outra pessoa que os

espelhe. O espelhamento acontece quando alguém reflete de volta os

nossos sentimentos, mas de forma calorosa. Desse modo, sabemos que

somos compreendidos e que é seguro sentir e demonstrar sentimentos. O

espelhamento motivado pelo afeto inclui o respeito positivo e

incondicional por nossos valores, necessidades e desejos únicos

demonstrados por alguém que concede os cinco As de forma consciente.

O elemento do mindfulness significa que nos sentimos amados sem os

artefatos do ego: medo, fixação, controle, expectativa, apego,

preconceito, defesa ou julgamento. Por exemplo, se sentimos medo e

este é considerado com atenção, apreço, aceitação, afeto e admissão,

então esse medo é, na verdade, totalmente acolhido; ou seja, somos

capazes de reconhecê-lo e senti-lo de forma segura a partir de então.

O contrário do espelhamento é a vergonha. Se não recebermos

espelhamento suficiente, nos sentimos envergonhados em relação a

quem somos. A seguir há um exemplo de espelhamento e sua


alternativa: uma criança está com medo de ir para a escola pela primeira

vez. A mãe diz: “Sei que é assustador, e tudo bem sentir medo. Eu vou

com você hoje e vou ficar lá por um tempo. Quando eu voltar para casa,

vou pensar em você. E vou chegar para pegar você na hora certinha e

nós vamos sair para tomar sorvete. Você pode sentir medo, mas não

pode permitir que esse medo o impeça de se divertir durante a aula, nem

depois!” Essa criança, e posteriormente o adulto que vai se tornar,

provavelmente não vai abandonar os próprios sentimentos, e sim confiar

na própria capacidade de sobreviver ao medo. Medo não significa

“pare”, apenas “siga com cuidado e apoio dos outros”. O sentimento de

medo foi legitimado e instalado com segurança e de forma permanente,

porque foi espelhado com o uso dos cinco As.

Agora, compare a resposta da mãe que espelha o medo do filho com a

mãe que diz “Deixe de ser um bebê chorão. Você vai para a escola,

querendo ou não! As outras crianças não têm medo. O que há de errado

com você?” A primeira mãe espelhou o medo da criança e a guiou pelo

sentimento de forma colaborativa, e essa abordagem resultou em uma

confiança em si mesma. A segunda mãe ridicularizou o medo e o

associou a uma inadequação, o que, por sua vez, resultou em vergonha.

Sem um apoio para o sentimento, essa criança/adulto terá que encontrar

o espelhamento e, portanto, a segurança em outro lugar.

O espelhamento também pode ser uma resposta para a alegria. Por

exemplo, você volta correndo para casa e conta a seus pais ou

cuidadores sobre um sucesso que teve na aula de educação física. Eles

reagem com atenção, animação, abraços, elogios e planejam vê-lo

jogando. A resposta contrária é: “Ah, não fique todo animadinho. Não

exagere. Espere para ver como vai se sair no mês que vem.” O

entusiasmo da pessoa é suprimido. A primeira abordagem leva a um

futuro de autoconfiança e exuberância, ao passo que a segunda leva a um

futuro de insegurança e vergonha.

Fazer alguém sentir vergonha é uma forma de abandono, e nos

apegarmos a essa vergonha é um autoabandono. É por isso que tememos

tanto o abandono: é a ausência de espelhamento e, para a nossa


sobrevivência emocional, nós precisamos de espelhamento. Também é

por isso que tememos tanto a perda do nosso par. O luto gera um

sentimento de isolamento total e de privação de espelhamento. No

entanto, o luto com o apoio de outras pessoas constitui um espelhamento

mútuo. É por isso que funerais são eventos públicos: os amigos

enlutados espelham o nosso luto e nós espelhamos o deles. O luto é

curado por libertação e por contato.

Admitir que o par espelhado tenha a própria história constitui um

grande desafio para quem deseja oferecer espelhamento. Quando somos

atentos, não estamos nos fixando, e sim dando apoio ao outro em seu

sofrimento ou suas escolhas. Respeitamos sua liberdade e, ao mesmo

tempo, estamos por perto para o caso de a pessoa precisar de ajuda. Esse

é o mesmo protocolo que seguimos na criação de filhos no fim da

adolescência. Não ficamos parados e deixamos que se machuquem; nós

lhes informamos as possíveis consequências. E, mesmo quando eles

detêm tal informação, não os impedimos de fazer escolhas que talvez os

machuquem. Uma mãe não pode impedir que a filha cometa erros, mas

pode ajudá-la a lidar com as consequências.

O espelhamento nos ajuda a sobreviver emocionalmente; ou seja,

vivenciar os eventos da vida com o poder de lidar com eles sem que

acabemos devastados ou amargurados. Se recebemos pouco ou nenhum

espelhamento, talvez passemos a acreditar que precisamos nos sintonizar

com o outro ou então vamos perder nosso laço com ele, laço esse que

parece tão necessário para nossa existência. Desse modo, nosso

inconsciente não é, como Freud sugere, apenas um mar de lembranças

reprimidas ou impulsos inaceitáveis, mas também contém um conjunto

de sentimentos que não atraíram uma sintonia validadora e, assim,

acabaram submersos. Por outro lado, se recebemos o espelhamento no

início da vida e agora nos permitimos sentir de forma total e adequada,

então temos uma rede de segurança, um lugar para cairmos quando

precisamos enfrentar uma crise. Algumas vezes na vida podemos fazer

escolhas que não encontram o espelho da aceitação de ninguém. Então,

pelo bem de nossa saúde mental e espiritual, precisamos buscar um


sistema de apoio para recebermos o espelhamento ou, quando não há

nenhum apoio à vista, suportamos sozinhos, confiando em nós mesmos.

Será que consigo ficar sozinho ao luar e sentir seu reflexo como o

espelhamento da natureza em mim e permitir que isso seja suficiente por

enquanto?

Adultos saudáveis apreciam aqueles que espelham o que não lhes foi

espelhado na infância. Adultos não saudáveis tentam drenar do outro

tudo de que precisam. Em relacionamentos maduros, encontramos

pessoas que nos espelham; descobrimos os mesmos poderes de

espelhamento dentro de nós e, depois, também mostramos para os

outros. Quando alguém me espelha, eu aprendo a assumir sua função. É

como copiar uma gravação e ainda ter a mídia original.

Alguns pais e cuidadores temem os sentimentos dos filhos. Quando

um filho diz para o pai “Você não me entende!”, pode estar querendo

dizer “Não posso demonstrar meus sentimentos porque você não sabe

lidar com eles”. Ele está protegendo o pai de ter que enfrentar

sentimentos assustadores. Com isso, podemos permanecer nesse papel

durante toda a vida, acreditando implicitamente que algumas pessoas

são frágeis demais para receberem nossos sentimentos. Quando nos

desesperamos com o espelhamento e a possibilidade de confiar nos

outros, nos desesperamos com as coisas que tornam a intimidade

possível. A intimidade é o espelhamento mútuo.

Agora, está claro que os cinco As lidam com uma necessidade

essencial de alguém, e essa necessidade é o espelhamento. Isso é

sintonia, o tom perfeito de aceitação e apoio emocional. Quando nossos

sentimentos na infância são minimizados, condenados ou

desconsiderados, não conseguimos ouvir todos os tons dos sentimentos,

e uma parte de nós se torna inerte ou dormente. Imagine a alegria que

sentimos quando alguém aparece, nos acolhe e nos ama com todos os

nossos sentimentos. Um relacionamento com alguém assim nos abre e

nos liberta; em outras palavras, funciona. Isso dá suporte e intensidade

aos insights da psicologia do eu, a qual enfoca o poder de cura da

sintonia empática e do mindfulness nos relacionamentos.


Por outro lado, nós nos sentimos arrasados e decepcionados quando

nos apegamos a alguém cujo amor, na verdade, é uma farsa, alguém que

não demonstra aceitação verdadeira em relação ao que sentimos nem a

quem somos. Quem pode nos culpar por voltarmos a ficar dormentes?

Na verdade, nosso medo de intimidade talvez seja o medo de que nossas

tentativas de comunicação sejam recebidas com a mesma rejeição com a

qual nos deparamos na infância. Quem não teria medo disso?

Não parece adequado seduzir ou atrair o outro para que nos espelhe.

Uma alternativa saudável apresenta duas formas. Na primeira, nós

podemos pedir diretamente pelo espelhamento daqueles em quem

confiamos: “Você pode ouvir a minha história? Pode segurar a minha

mão enquanto a conto? Você pode valorizar o que eu fiz?” Na segunda,

podemos nos abrir para o espelhamento que recebemos como uma

bênção, um presente espontâneo dos outros e do universo. Sim, a

natureza também nos espelha. Ela está nos acolhendo neste exato

momento. Como habitamos um universo generoso, realmente recebemos

um espelhamento, e o nosso desafio é notá-lo. A bondade do universo se

reflete nos ensinamentos de Buda acerca da compaixão universal.

Quando percebemos que o espelhamento costuma ser uma forma de

bênção, nos libertamos do desespero de não o encontrar.

Ao contemplar uma imagem com a expressão compassiva de Buda,

vemos todas as nossas tristezas e alegrias espelhadas ali. Esse tipo de

espelhamento também assume duas formas: uma desativação do nosso

ego apegado e temeroso e uma compaixão para com a nossa situação

como seres humanos. Esse é o equivalente a uma força provincial ao

enfrentarmos nossas condições da vida. Tal presença revela que, ainda

que estejamos separados, não estamos sozinhos.

O espelhamento gera em nós um senso de identidade. Quando

internalizamos os poderes dos outros, há uma transformação, e esses

poderes deixam de ser deles para ser nossos. A criança compete com os

pais pelo poder e se frustra na tentativa. Ela, então, internaliza o poder

dos pais, em vez de competir com eles; como resultado, desenvolve um

senso de maestria e autoestima. Na vida adulta, ela sabe como


internalizar o apoio dos outros e, dessa forma, ganha o poder de dar

apoio a si mesma. Ou seja, um pai ou um cuidador interior protege a

criança interior.

Na prática de devoção a Avalokiteshvara, o bodisatva da compaixão,

o praticante começa honrando esse ser iluminado e termina

reconhecendo que não existe uma distinção entre eles. De fato, o

santuário de um bodisatva ou de um santo pode ser visto como o espelho

do que somos em nossa natureza essencial; ou seja, nossa natureza

búdica, nossa consciência cristã, o sopro de Deus ou o que Carl Jung

chamou de Eu superior. Também podemos chamar isso de centro divino

do nosso coração. Somos espelhados pelo divino porque nossa

humanidade inclui uma divindade que não pode ser avariada nem

diminuída. Essa é uma implicação espiritual do mindfulness que pode

nos libertar de uma identificação limitadora com nosso ego e despertar

em nós um senso maior de nossa unidade com a natureza e com o

divino.

A NEGAÇÃO DA PRIVAÇÃO

Durante minha infância em New Haven, eu passava várias semanas do

verão na fazenda da minha tia Margaret, no interior. Aos 42 anos,

durante uma sessão de terapia corporal da linha de William Reich, de

repente tive uma visão do interior da geladeira da tia Margaret, a qual

sempre estava cheia, ao passo que a de minha família quase sempre

estava vazia. Naquele momento, percebi que muitas vezes senti fome na

infância. Minha lembrança mental não tinha nenhum registro disso, mas

o meu corpo se lembrou da abundância da fazenda e da escassez que

havia em minha casa. Na infância, talvez tenhamos negado para nós

mesmos que as nossas necessidades não estavam sendo atendidas, e esse

tipo de negação pode persistir durante toda a vida. Será que a comida é a

minha metáfora para nutrição emocional, que também era escassa em

casa? É por isso que sempre tenho mais comida do que o necessário na

despensa hoje em dia? Meu corpo ainda está preso ao passado e agindo

É
de acordo com o medo da escassez no presente? É esse medo que gera a

mesquinhez? Hoje podemos até negar que sofremos privações na

infância, mas nosso corpo não se deixa enganar. Sabemos de forma

visceral e instintiva quando aquilo de que precisávamos nos era negado.

Em relacionamentos adultos, podemos continuar negando que sentimos

algum tipo de privação e, dessa forma, nunca abordar, processar ou

resolver essa questão. Não seria surpresa, considerando como essas

tarefas são difíceis. No meio da privação ocorrida no meu passado,

posso ter decidido que eu simplesmente não precisava do que não havia

lá. Quando somos treinados para enfrentar a privação na juventude, não

vemos problema em suportá-la em relacionamentos na vida adulta.

Quando somos treinados para suprimir nossas necessidades e calar

nosso grito de dor, talvez também estejamos fazendo isso com o nosso

par. Não é surpresa alguma que às vezes fiquemos deprimidos sem saber

por quê. Nossa depressão é o resultado da supressão de uma tristeza que

ainda perdura.

Subjacente à privação negada, porém, existe um grito silencioso, um

pedido abafado. Nossa mente racional minimiza o impacto do que

aconteceu conosco física, emocional ou sexualmente, mas cada célula de

nosso corpo sabe o que aconteceu e sente o verdadeiro impacto. Nosso

corpo é a única parte que não se deixa enganar nem aceita nossas

mentiras. Frases como “Eles tiveram boas intenções” ou “Não foi por

querer” não significam nada para o corpo, que só entende declarações

como “Isso dói” ou “Estou com medo”, ou sentimentos como raiva,

tristeza ou impotência.

Se a nossa avaliação mental de um abandono ou de uma traição inclui

desculpas para quem fez isso, estamos arranjando outra forma sutil de

evitar a tristeza, que lida não com a intenção do outro, mas com o

impacto que as ações deste tiveram em nós. No entanto, obrigar a se

lembrar ou a sentir tristeza pode gerar um novo trauma. Parte da nossa

resposta ao abuso é aprender a dissociar, e talvez ainda precisemos fazer

isso. No luto, quando nos sentimos prontos, nós nos conectamos


novamente com a visão oclusa da nossa dor. Estar preparado é a chave, e

só nós podemos saber quando estamos prontos.

Nosso lado infantil pode ter um desejo fendido se tivermos sofrido

algum tipo de abuso ou negligência na infância. A metade saudável de

nós quer se recuperar do passado, e a outra quer reproduzi-lo, revivendo-

o de forma compulsiva e, assim, continuar repetindo as necessidades não

atendidas. Quando ocorre uma crise ou um acidente, somos compelidos

a contar para as pessoas a respeito disso, não apenas uma, mas muitas

vezes. Tal repetição é uma maneira de absorver o choque. Ainda assim,

apenas o luto pelo passado nos liberta dele. O trabalho é complexo

porque as duas metades precisam trabalhar juntas até que se chegue à

elevação. Sim, existe algo dentro de mim que quer sabotar a minha

felicidade. Como posso dar espaço para isso, confortá-lo e, dessa forma,

deixá-lo descansar?

Por fim, ninguém consegue ser a melhor versão de si mesmo o tempo

todo. Nossos pais ou cuidadores podem ter dado o melhor deles em

algum momento ou até mesmo na maior parte do tempo. Afinal, é muita

coisa esperar total consistência de qualquer pessoa. Minha nova versão

de “Eles deram o melhor de si” em relação a uma criação inadequada

dos pais é “Eles fizeram o melhor que estavam dispostos a fazer”.

O QUE NOS MACHUCA NOS CONSOLA

Se as nossas necessidades primitivas não forem atendidas, talvez

acabemos tolerando o abuso em relacionamentos adultos. Passamos a

voltar sempre em busca de mais, quando, na verdade, só há menos.

Continuamos voltando para onde fracassamos no passado. (“Você

continua me magoando, mas eu não consigo deixar você.”) Se, na

infância, acordamos todos os dias pensando: “Alguém aqui vai me

magoar hoje, mas eu tenho que ficar. Alguém não me quer aqui, mas eu

não tenho para onde ir”, como poderíamos partir agora? Infelizmente, a

lição de que somos impotentes é reconfirmada a cada dia e

permanecemos em uma situação de sofrimento.


Quando nossos pais nos tratam de forma maldosa ou fazem com que

sintamos vergonha, somos levados a acreditar que nós temos algum

defeito, e não que eles estão agindo de forma abusiva. “Eles fizeram isso

para o meu próprio bem” é uma colaboração com o abuso. Essa

conformidade e rendição para uma autoridade injusta resulta em uma

aversão por si mesmo, expressa com violência clara ou velada. As

origens da retaliação estão aqui. Conseguimos diminuir essa aversão ao

nos sintonizarmos a ela de forma atenta, sem vergonha, medo, censura

etc., e ao lidar com ela com compaixão, seja esta direcionada para nós

ou para os outros.

Na infância, aprendemos estratégias de autoproteção. Descobrimos

formas mentais e físicas de nos acostumarmos com o sofrimento. Nós

nos condicionamos a escapar, mesmo enquanto permanecemos. Agora,

essas mesmas estratégias nos mantêm presos em situações

insustentáveis. Percebam a ironia disso: estamos nos protegendo por

negação e dissociação e, dessa forma, só conseguimos permanecer à

mercê do abuso.

Enquanto o espelhamento (a aceitação do outro em relação a nós) nos

confere poder, o abuso tira o acesso que temos ao nosso próprio poder.

Em um relacionamento abusivo, talvez acreditemos que não podemos

partir porque as coisas podem melhorar. Nosso poder, dessa forma,

diminui de duas maneiras: pela crença de que não temos como nos

retirar da situação de abuso e pelo apego a uma esperança infundada de

que o abusador mudará seu comportamento. Essas são mentiras que

aprendemos quando nos acostumamos à infelicidade e ao sofrimento.

Como Shakespeare disse: “Lamento ter o que temo perder.”

Em alguns relacionamentos abusivos, sentimos que não conseguimos

viver sem o outro. Quando só conhecemos o drama, imaginamos que um

relacionamento precisa disso. Podemos treinar nosso par para participar

desse jogo único de drama e brigas, o que pode tomar a forma de

abandonos contínuos e reconciliações, comportamentos sedutores e

contidos, discussões, triangulações, vício na infidelidade etc. Quando as

coisas estão tranquilas e avançando bem, é possível que nos sintamos


entediados ou até mesmo inseguros. Se o lar da nossa infância era

tempestuoso, podemos enxergar o estresse como algo normal. É quase

como se tivéssemos o impulso de recriar a paisagem árida do nosso

passado desértico. Algo dentro de nós quer se livrar disso, mas tudo o

que conseguimos fazer é restaurar o comportamento.

Às vezes, o abuso é tão sutil que nem o notamos. Sarcasmo,

ridicularização, provocação, “brincadeiras” ou crítica contínua, por

exemplo, começam a parecer cada vez menos abuso e mais um ruído de

fundo. Às vezes, um não atende às necessidades do outro, mas, como

não está fazendo nada sério para abalar o relacionamento, o casal

continua junto sem pensar em opções de mudança ou até separação: A

pessoa nunca vai ser tão ruim a ponto de fazer com que você a deixe,

mas nunca tão boa a ponto de satisfazer você. De qualquer modo,

podemos nos enganar e esperar que o outro mude, em vez de nos

esforçar para conquistá-lo. Se a esperança não incluir um plano de

mudança, na verdade o que há é, ao contrário, desesperança e rejeição à

mudança. Não mudar é uma escolha. É esta a mensagem que recebemos

de nosso par diante do sofrimento que sentimos: “Fique comigo e eu não

vou dar o que você quer” ou “Volte e mesmo assim não vou dar o que

você quer”? Não podemos nos deixar enganar para sempre. Um dia

vamos admitir a verdade e entrar em ação. Emily Dickinson, em seu

poema “Não é que a morte nos doa tanto”, compara dois tipos de

pássaro em Massachusetts: os que ficam por lá no inverno e os que

migram para lugares com clima mais quente. Então ela diz: “Nós somos

os pássaros que ficam.”

Estar entre “os pássaros que ficam” no inverno da Nova Inglaterra

quando a sabedoria nos mandaria para o México é um destino cruel que

impomos a nós mesmos. Podemos usar isso como metáfora para um

relacionamento com alguém que não nos nutre: precisamos de pão e

imploramos por migalhas de alguém que tem medo de dar o pão e

tampouco está disposto a dar uma migalha.

Exige muita coragem viver em Massachusetts por tantos invernos, até

que um dia você dará um basta e, em seguida, se mudará para a


Califórnia. Mas é só então que sentimos o calor pelo qual esperávamos.

No entanto, talvez estejamos condicionados a aceitar que nossa vida não

deve ser confortável. Da mesma forma, talvez acreditemos que nossos

relacionamentos nunca darão certo, que fomos feitos para ser infelizes e

não realizados. Com essa visão, talvez não consigamos o ímpeto de dar

um basta quando nos deparamos com o sofrimento. Em vez disso, nos

perguntamos: “Por que se dar ao trabalho?”

Viver situações de abuso é perigoso porque pode fazer com que nosso

desejo de sofrer seja equivalente à nossa força de vontade para estar em

segurança. É comum pensarmos “Nada que eu faça vai impedir essa

pessoa de me machucar” ou “Nada que eu faça vai fazer com que essa

pessoa me ame”. O resultado pode ser uma conclusão assustadora:

“Nada mais importa, eu não me importo com mais nada.” Um

sofrimento assim, tão profundo, pode assumir a forma de baixa

autoestima, doenças, compulsão alimentar, autoflagelação, vício,

trabalhos ou hobbies perigosos, propensão a acidentes, anorexia, a

crença de que não temos como melhorar de vida etc. Isso tudo resulta

em um desejo de morrer.

Talvez até busquemos relacionamentos que sirvam como proteção

contra ter que confrontar nossas questões e processá-las. Podemos nos

sentir atraídos por uma pessoa justamente porque ela promete,

implicitamente, que nunca precisaremos confrontar, processar nem

resolver nenhuma questão de forma muito profunda; que nunca

precisaremos mudar nosso estilo que evita a intimidade. Pensamos:

“Essa pessoa é superespecial e só tem medo de confrontar as coisas,

assim como eu, então estou seguro aqui.” Nesse tipo de relacionamento,

forjamos um acordo tácito de ser o que Emily Dickinson descreveu no

seu poema como “trêmulos na porta das fazendas” esperando por uma

“migalha relutante”.

Em relação a construir um ninho no inverno, acrescento ainda uma

percepção minha. No ano passado, comemorei cinquenta anos como

psicanalista e me perguntei qual era o problema que eu mais via nos


meus pacientes. A resposta: permanecer tempo demais em situações que

não funcionam. Isso também se aplica a mim. E a você?

MINHA FAMÍLIA FOI BOA PARA MIM?

O mito norte-americano do individualismo extremo ignora quanto da

nossa identidade se baseia ou deriva da nossa família. Se identidade

significa o que é identificável em nós, somos definitivamente galhos de

uma árvore genealógica. Qualquer um de nós poderia dizer: “Eu me

olho no espelho e vejo os olhos do meu pai; converso com rispidez com

meu par e ouço as palavras da minha mãe; acaricio meu filho e sinto o

abraço da minha avó; brigo, manipulo, controlo ou faço exigências aos

meus filhos, e me lembro de como eu era tratado na infância; lido com

um vizinho irritante e, vejam só, deparo com aquele ego familiar que

vejo em tantos homens da minha família. Meu nome é o nome da minha

família; meu túmulo já espera por mim ao lado do túmulo dos meus

familiares. Já cheguei aqui com traços ancestrais e vou deixar esses

mesmos traços aqui. Minha vida é um capítulo, não um livro.”

No entanto, há diferenças entre mim e meus pais: eu peço desculpas

quando magoo alguém; tenho mais recursos para lidar com problemas

interpessoais; tornei-me mais consciente e mais suave graças a todos os

livros de autoajuda que li e todos os curandeiros que conheci. Meus

ancestrais imigrantes nunca tiveram acesso a essas coisas.

Nenhuma família é perfeita. O melhor que podemos esperar é uma

família funcional na maior parte do tempo, que leve em conta um pouco

de disfunção e que, quando as coisas dão errado, consiga encontrar uma

forma de consertá-las. No meu ponto de vista, a família funcional é

aquela que concede os cinco As na maior parte do tempo e na qual

nenhum membro é abusivo ou sofre abuso.

Além disso, os sentimentos e as privações são expressos toda vez que

são notados e reconhecidos, tanto no relacionamento do casal quanto na

relação dos pais com os filhos. Pais nesse tipo de família não sentem

medo nem orgulho ao se desculparem com os filhos (e vice-versa)


quando necessário. Os eventos da vida são processados com paciência e

carinho, considerando as reações, as intuições e os sentimentos de cada

um. Os membros da família têm tempo e permissão para sentir

plenamente e resolver as coisas à própria maneira. As crises não se

tornam um segredo. Não há limites para a liberdade de expressão.

Alguém já me perguntou como eu me sentia durante uma crise familiar?

Quão mais fortes nos sentiríamos se nossos pais ou cuidadores

tivessem compartilhado, de modo sincero, os sentimentos e medos deles

conosco? “Jane, esta é a carta que seu pai mandou do Iraque. Muitas

vezes ele sente medo e desespero, mas, quando pensa em mim e em

você, sente esperança. Fico muito triste em ler isso. Como você se

sente?” Esse tipo de convite ao diálogo é um bom exemplo de

espelhamento e mindfulness que torna a sensação menos isoladora e

incapacitante e, desse modo, menos assustadora.

A frustração não faz bem à criança, mas esforço é diferente de

frustração. Uma criança se esforça para vestir o casaco. O pai ou a mãe

estão por perto, mas não ajudam. Dessa forma, a criança aprende a

concluir o processo com sucesso: vestir o casaco. Mas, quando a criança

fica frustrada porque a tarefa é difícil demais para realizar sozinha, ela

tende a desistir por perder a esperança de conseguir, e o bom pai aparece

para ajudar. Nas famílias saudáveis, há esforço e ajuda quando

necessário, e não frustração e vergonha com o fracasso. É assim que o

antídoto contra a falta de esperança entra em nossa psique como recurso

interno.

Por fim, em uma família funcional, os pais se separam se um deles

for viciado ou abusador e recusa ajuda. A pessoa que fica não permite

que o abuso passe despercebido, e as crianças nunca se tornam objetos

de uma necessidade inadequada de realização dos pais. Se a pessoa

deseja permanecer no relacionamento, não é por causa dos filhos, mas

por alegria ou desejo ou, um caso menos desejável, para honrar as

consequências da escolha de tê-los tido.

Na vida adulta, aprendemos a desempenhar os papéis de como uma

família funcional deveria ser. Tornar-se mais adulto significa ter um pai
protetor interior que supervisiona e protege nossa criança rebelde

interior e a conforta quando esta fica assustada. Issa foi uma poetisa

japonesa que nasceu em 1763 e que sofreu abuso na infância. Ela

escreveu: “Não tema,/ sapinha querida!/ Ajudarei com qualquer

problema.” A sensação de solidão costuma resultar não de uma ausência

de pessoas para nos distrair, mas da ausência de um eu adulto para

cuidar da nossa criança interior que se sente abandonada. (A solidão

também é um sentimento adequado quando fazemos transições,

tomamos uma decisão, nos tornamos mais despertos espiritualmente ou

nos encontramos.) Podemos considerar nossa solidão de forma literal e

procurar companhia nos lugares errados. Quando a criança interior não

pode depender de um pai ou mãe interior, ela se liga a alguma coisa ou

alguém, não importando o que ou quem, como substituto. Um pai ou

mãe preocupado fica ao lado da criança de forma carinhosa e poderosa,

ajudando-a a não criar vínculos inadequados. Embora isso não elimine a

solidão, suaviza seu impacto. Estas palavras da escritora e professora

Natalie Goldberg são úteis: “Use a solidão. A dor que ela causa provoca

uma urgência para se reconectar com o mundo. Pegue essa dor e use-a

como forma de mergulhar ainda mais fundo na sua necessidade de se

expressar, de falar e dizer quem você é.”

Os gregos e romanos antigos sabiam como a vida em família podia

ser difícil. Percebiam que a interferência humana por si só não era capaz

de manter famílias em segurança e que era preciso mover céus e terras

para transformar um grupo de seres humanos em pessoas realmente

funcionais. Eles, então, reconheceram e invocaram os deuses adequados

para cada área de dificuldade. (Deuses que ajudam os seres humanos são

personificações de bênçãos, dádivas especiais de ajuda que nos são

concedidas de forma espontânea e que nos ajudam a transcender os

limites dos poderes de nosso ego.) Os santos padroeiros são forças

invocadas para ajudar de forma mais específica e servem como

equivalentes modernos. Imagens religiosas de santos também são feitas

para trazer a cura. Assim como todos os símbolos religiosos, elas

refletem os recursos interiores para nos curarmos. Uma imagem da Mãe


celestial concede bênçãos e é um espelho dos poderes maternais na

nossa própria alma.

UM POUCO DE LUZ SOBRE O SOFRIMENTO

Agora que o meu celeiro foi destruído pelas chamas, consigo

ver a Lua.

— Mashide, poeta zen japonês

Como os cinco As são os componentes de suporte emocional, quando

não os recebemos, nos sentimos desconectados e isolados tanto física

quanto emocional e espiritualmente. A ausência de qualquer um dos

cinco As parece formar uma lacuna em nossa psique, um buraco, uma

deficiência. No entanto, um A não atendido é mais do que um buraco.

Se nos mantivermos na dor do vazio, esta abre um cômodo amplo em

nossa psique. Afinal, as deficiências e as faltas definem o ser humano,

mas, mesmo assim, têm um lado positivo. Veja a seguir como as nossas

deficiências podem ser equilibradas com recursos:

Ausência Pode ser uma porta para

disso nos

outros

Atenção Olhar para dentro de mim.

Aceitação Explorar tanto os aspectos positivos quanto os aspectos negativos do meu

lado sombrio.

Admissão Encontrar minhas necessidades, meus valores e meus desejos mais

profundos e assumir a responsabilidade por viver de acordo com eles.

Apreço Estimar quem eu sou e o mundo que me foi confiado

Afeto Amor incondicional por mim mesmo e pelos outros; a generosidade de amar

antes de ser amado.

Sob essa perspectiva, nossas necessidades não atendidas se transformam

em forças gravitacionais, atraindo-nos para as profundezas do nosso eu

adulto. Quando aplicamos os cinco As às nossas próprias deficiências,

eles nos levam para aquele lugar em nossa alma onde a realização é

É
garantida. É quando mergulhamos no buraco que encontramos nossa

profundidade, exatamente como Alice. O País das Maravilhas, na

verdade, representa as profundezas da alma humana, com seus desafios

à lógica e todas as suas possibilidades radiantes.

O mindfulness fornece ferramentas para transformar nossas lacunas

em potencial de comoção. Quando estamos atentos, entramos na

consciência pura da nossa aflição e a embalamos sem julgamento, medo,

culpa, vergonha ou expectativa. Essa lealdade ao que se é nos permite

transformar as necessidades não atendidas em autoconhecimento. O

mindfulness mostra que um buraco é um túnel, não uma caverna. Nosso

vazio se torna um espaço transicional como a passagem sombria em um

concerto, um movimento entre os outros, em vez de envolver toda a

composição musical. O vazio significa que não temos nenhum senso de

sermos abraçados, nenhuma rede de segurança para nos proteger da

queda. Nossa prática é uma rede, um paraquedas, um “apanhador no

campo de centeio”. São assim os nossos relacionamentos saudáveis. De

que tipo de suporte eu preciso enquanto olho nos buracos que existem

dentro de mim?

Curar o passado não é rememorar feridas antigas e tentar consertá-

las, mas ficar com elas, mergulhar nelas, até que comecem a mudar e se

abrir sozinhas. Ficar significa encontrar o Amado interior, nossa

realidade pessoal mais profunda. Ficar em uma situação dolorosa e ser

violado é aceitar nossa vitimização; ficar com o nosso eu sofrido é uma

vitória espiritual. O sofrimento se torna uma passagem para a nossa

vulnerabilidade e, ao chegar a esse lugar sensível, encontramos o nosso

eu mais terno. Quando nos comprometemos a ficar, respeitamos nossas

feridas como santuários que nos curam apenas por fazer uma visita

demorada. Somos peregrinos ao realizar esse trabalho, e não

carpinteiros. Se sofremos porque não encontramos o amor,

paradoxalmente conseguimos encontrá-lo ao nos sentarmos com

mindfulness na sensação de anseio por algo que um dia sentimos.

Resolvemos nossa perda original não ao satisfazê-la com a resposta de

alguém em relação a nós, mas também ao realocá-la em nosso interior.


Nosso ego busca o amor, mas devemos encontrá-lo primeiro dentro de

nós. Só assim poderemos buscá-lo nos outros, não mais como pobres

pedintes, mas como ricos em busca de alguém com quem compartilhar

nossa riqueza.

O herói dos mitos e lendas é destemido; porém, toda história heroica

apresenta um interlúdio no qual o herói é impotente. Podemos citar

como exemplos Robin Hood no calabouço, João no armário da esposa

do gigante, Jonas dentro da baleia, Dorothy adormecida no campo de

papoulas. Todos esses incidentes funcionam como metáforas para os

períodos de calmaria em um momento de mindfulness. Eles reconhecem

a legitimidade da impotência e da inação como estágios úteis de

qualquer jornada humana. Em cada um desses exemplos, o estado de

repouso nos prepara para novas visões e aventuras.

Nas décadas mais recentes, o movimento de autoajuda enfatizou que

nunca devemos nos vitimizar. Talvez tenhamos nos tornado unilaterais,

esquecendo-nos da interação dinâmica entre opostos complementares,

tais como desamparo e desenvoltura. Ser apenas uma vítima certamente

é perigoso. Jamais devemos aceitar ser vítimas de abuso violento. Mas

ser vítima da depressão quando os outros nos traem é adequado. Lapsos

ocasionais de impotência nos ajudam a nos libertar do ego e do controle,

e todo herói de verdade aceita, de bom grado, tais lapsos.

Aliás, as perdas, as dificuldades, as decepções, as mágoas e as

traições parecem necessárias para encorajar nosso crescimento da

infância para a vida adulta e ao longo da maturidade. A cadela rosna

para os filhotes que querem mamar depois do desmame. É dessa forma

que eles aprendem a cuidar de si. Em toda a natureza, os poderes de

autocuidado se desenvolvem a partir da angústia e da separação. Quando

os pais dizem “não”, nós sofremos por não termos nossos desejos

realizados, mas outra coisa entra em ação em termos de

desenvolvimento: as proibições nos dão o poder da negociação. A mãe

que sempre faz tudo que queremos não ajuda a construir nosso caráter.

Como diz o herói de guerra Tom Daly: “Muitas vezes os eventos que

acreditamos ter causado nossas feridas mais profundas são, na verdade,


aqueles que iniciam nossa libertação dos encantos doentios da

inocência, da grandiosidade, da passividade, da violência ou do vício.”

E nós precisamos dessas iniciações, pois, sem elas, podemos resistir ao

crescimento, à mudança, além de negar a nossa responsabilidade em

relação aos outros e ao nosso destino de transcender nosso ego pessoal.

Até mesmo o abuso e a traição ainda cedo na vida, por mais

repreensíveis que sejam, podem causar um impacto positivo em seres

como nós, que nos beneficiamos de experiências difíceis. Toda ruptura,

interrupção e fracasso de sintonia empática dos nossos pais ajudam a

nos fortalecer para enfrentar o futuro, com todas as suas separações,

decepções e derrotas. Tudo de que precisamos para acessar esse poder é

a disposição de visitar o passado e sentir a dor por tempo suficiente para

recebermos sua dádiva.

Os opostos sempre se encontram com os desdobramentos do mundo

humano. Por exemplo, a alegria exige que o coração esteja aberto para as

experiências, o que permite que a tristeza entre também. Quando uma

criança se torna capaz de aceitar os opostos aparentes do pai ou da mãe,

ela está amadurecendo: “A mesma mãe que às vezes reage às minhas

necessidades, outras vezes está indisponível, e eu sou capaz de amá-la

nos dois momentos, assim como confiar que ela também me ama.”

Todos nós tivemos experiências positivas e negativas com os nossos

pais. Quando, já adultos, olhamos para nossa infância e vemos apenas os

momentos ruins ou apenas os momentos bons, sabemos que temos o

desafio de nos tornar adultos que conseguem aceitar os opostos com

tranquilidade.

Sem traição, não teríamos tido nenhum estímulo ou incentivo para

deixar o lar da infância e explorar o mundo sozinhos e,

consequentemente, encontrar a autossuficiência. Sem isso, José não teria

sido vendido como escravo e, dessa forma, percorrido o caminho até seu

destino especial ao lado do faraó. Nós deparamos com esse tipo de

paradoxo em cada curva da história da humanidade. Dante precisou ser

expulso de Florença, a cidade que tanto amava, para enfim escrever A

divina comédia. Homero e Milton perderam a visão antes de escrever


suas epopeias gloriosas. Beethoven ficou surdo antes de compor os

grandes quartetos. Em cada um dos casos, o artista criou a incrível obra

a que estava destinado depois de grande sofrimento e perda. Martin

Luther King Jr. sofreu muitas perdas, ameaças e até chegou a ser preso.

Tudo isso serviu como prefácio para mudar o senso norte-americano de

igualdade perante a lei. Nós somos artistas também, e o nosso destino

— e desafio — é mais ou menos o mesmo. Não podemos desviver nossa

história de sofrimento, mas não precisamos revivê-la. Não temos como

nos livrar dela, mas também não precisamos nos prender a ela.

No mito egípcio, Osíris é cortado em pedacinhos pelo irmão mau

chamado Seth. Depois disso, Osíris se torna imortal quando sua

irmã/esposa, Ísis, se dá ao trabalho de procurar os pedacinhos e

remembrá-lo. Repetidos ataques ao nosso senso de eu nos cortam em

pedacinhos. Vivemos cortados em partes por um tempo e, então, por

meio de nossos poderes femininos de busca e costura, cada parte é

encontrada e unida, e assim voltamos a ser inteiros. Os antigos xamãs

iniciavam os homens por meio do ritual de desmembramento. Assim

como aconteceu com Cristo, Dionísio e Osíris (e todos nós), a

fragmentação costuma ser uma fase necessária na transição da

humilhação e do abuso para a crença em si mesmo e o amor

compassivo. Os heróis feridos redimem os outros porque eles mesmos

vivenciaram tanto a fragmentação quanto a restauração. Existe um

caminho para o amor no meio das ruínas.

Nós acreditamos que somos a soma de tudo de ruim que já nos

aconteceu, mas isso só se torna verdadeiro se não tivermos nos dedicado

a nós mesmos. Na realidade, tudo que aconteceu conosco somado à

nossa dedicação em relação a isso são os ingredientes necessários para

sermos exatamente como fomos feitos para ser. Em um relacionamento

saudável, podemos dizer com segurança: “Junte-se a mim no meu caos,

não para me ajudar a eliminá-lo, mas para me ajudar a tolerá-lo.” Ficar

com o eu de forma empática e sustentada, o que conseguimos quando

nos autoconcedemos os cinco As, mobiliza forças que antes estavam

soterradas em sofrimento. Isso faz mais por nós do que qualquer uma de

É
nossas tentativas de arrancar o mal pela raiz. É a diferença entre um

ataque agressivo e o amor não violento diante de um ataque.

Por trás de todas as nossas feridas, imperfeições, erros e

arrependimentos, existe um lugar confiável que alimenta o crescimento e

permanece vivo, não importa o que aconteça. Nós nunca perdemos

nosso amor incondicional pela luz. É a partir dele que crescemos.

Desafios e traições são forças angustiantes que nos recebem nos portões

do crescimento, enquanto esperam pelos heróis míticos em suas

jornadas. Se existe uma força angustiante em todo portão, deve existir

um portão para cada força angustiante. Não há iniciação sem cicatriz.

Entre os povos primitivos, são os pais e os anciãos que deixam tais

cicatrizes. Os jovens de hoje talvez façam isso com tatuagens e

piercings.

Para que nosso coração floresça sem revolta seguindo a dura

lei da criação, será que não há uma necessidade psicológica

de encontrar algum valor positivo que possa transformar tais

resíduos dolorosos no processo que nos dá forma e, no fim das

contas, faz com que valha a pena aceitá-los? […] Por mais

sombrio e repulsivo que seja, o sofrimento nos foi revelado

como um princípio supremo e ativo para a humanização e a

divinização do universo.

— Teilhard de Chardin

UMA JORNADA HEROICA

A jornada heroica da vida não é apenas um percurso do ponto A para o

ponto B, como no futebol americano, no qual o objetivo é sair da linha

de scrimmage até chegar ao gol. Na verdade, é um movimento do ponto

A ao ponto A à milésima potência, como no beisebol, cujo objetivo é

sair do ponto inicial e voltar a ele com um ponto feito, ou seja, um

resultado da jornada.
As fases da jornada heroica se encaixam perfeitamente às dos

relacionamentos íntimos. O herói deixa o ambiente que lhe é familiar,

passa por uma série de provações e volta para casa com uma esposa, um

tesouro, um amuleto ou um poder de cura. Da mesma forma, os

relacionamentos também começam quando se deixa a família, o

familiar, passando por uma série de conflitos em um território

desconhecido e retornando para o seu eu integral, mas, dessa vez, dentro

do comprometimento com uma parceria. Como as necessidades da

infância são as mesmas que temos na intimidade da vida adulta, a

jornada nos leva de volta ao ponto de partida, mas sem o medo da

solidão que nos motivou a sair de casa. Os obstáculos presentes nessa

jornada para a intimidade, que tomam a forma de conflitos surgidos no

decorrer de um relacionamento, se tornam um ponto para a verdadeira

comunhão e o comprometimento quando a negociação é bem-sucedida.

O que parece estar no caminho é o caminho. O amor adulto é o objetivo

da jornada humana. O herói está destinado a amar um par e então entrar

em uma parceria com o mundo. Não existe nenhum trabalho

exclusivamente pessoal. Toda prática, tanto psicológica quanto

espiritual, nos prepara para a iluminação e o serviço para o mundo. O

amor nada mais é do que uma jornada do isolamento através da

proximidade e da oposição na comunhão.

O estágio final da jornada, como o clímax de um relacionamento

saudável, é voltar para o ponto de partida e abençoar o lugar com amor,

sabedoria e cura; dádivas que recebemos durante o caminho para que

pudéssemos distribuí-las em casa. O caminho da jornada pessoal e

íntima vai além do ego inflado para o ego inteiro e generoso, que nos

prepara para a missão mais difícil de sermos emissários de amor para

com todos os nossos irmãos e irmãs humanos. As dádivas que trazemos

de volta são os talentos que nos foram concedidos ao nascermos, agora

ativados de forma pessoal e em relacionamentos. Além disso, fazer o

bem e espalhar compaixão torna o mundo um lugar melhor e cumpre

nosso destino evolutivo.


Prática

verificação de segurança | Escolha a pergunta a seguir que toca

mais fundo em você e escreva sua resposta no caderno. Consigo me

arriscar a ser eu mesmo e permitir que o amor aconteça com você? Esse

relacionamento é capaz de me proporcionar a zona de segurança na qual

as partes submersas de mim possam emergir? Eu ainda seria abraçado e

estimado se mostrasse minhas piores características e meus sentimentos

mais repulsivos?

espelhamento | Em cada fase da vida, vemos a influência de nossos

desejos mais antigos. Nosso trabalho não é renunciar às necessidades da

nossa infância, mas levá-las em consideração, trabalhá-las e convocar

nosso par para nos ajudar, caso esteja disposto a isso. Nosso objetivo não

é apenas cortar os elos com nossos pais, mas nos unirmos a um par que

possa se unir a nós em nosso trabalho. Como Shakespeare disse em Rei

Lear: “Quem sofre só, padece em pensamento.”

Faça estas perguntas ao seu par: eu me perdi durante parte do meu

desenvolvimento, será que você pode me ajudar a voltar ao meu

caminho? Você é alguém com quem posso dar as boas-vindas às minhas

necessidades antigas e não atendidas, revivê-las com segurança e

redirecionar meus esforços frustrados? Será que posso trabalhar com

você no espelhamento mútuo, que nada mais é do que a compreensão e a

aceitação dos sentimentos? Será que às vezes induzo você a sentir algo

que eu mesmo não suportaria sentir, para que você possa me ajudar a

identificar o sentimento e então o manter comigo? Você me faz sentir

coisas que você mesmo não suportaria? Como podemos nos desafiar em

relação a isso e superar tudo? Quais dos meus sentimentos você

espelha? Quais dos seus eu espelho? Que sentimentos tememos um no

outro?
busca adulta | Adultos maduros têm uma expectativa modesta de

terem suas necessidades atendidas pelo par. Eles buscam cerca de

apenas 25% de suas necessidades (dose adulta) atendidas por outra

pessoa (a dose infantil é de 100%), e os outros 75% vêm do eu, da

família, dos amigos, da carreira, dos hobbies, da religião/espiritualidade

e até mesmo dos animais de estimação (cachorros são peritos em dar os

cinco As!).

De acordo com Chögyam Trungpa Rinpoche, na meditação, 25% da

nossa atenção se destina à técnica; 25%, ao relaxamento; 25%, à

autoajuda; e 25%, a uma expectativa vigorosa. Ele usa a analogia da

nossa experiência em um cinema: 75% da nossa atenção está no filme, o

resto está na pipoca e na pessoa que nos acompanha. A atenção dividida

torna a experiência prazerosa, o que não seria possível se estivéssemos

totalmente concentrados no filme. Dizem que meio pão é melhor do que

nenhum pão. Aceitar um quarto de um pão pode ser um dos segredos

dos relacionamentos bem-sucedidos.

Responda a estas perguntas no seu caderno ou junto de seu par: quem

satisfaz as minhas necessidades e que porcentagem delas são atendidas

por cada fonte? Quem satisfaz as suas necessidades e qual é

porcentagem de cada fonte? Qual é a minha relação com esta citação de

Anton Chekhov: “Se você teme a solidão, é melhor não se casar”?

Apresento uma necessidade em dose adulta pelos cinco As? Ela se

atenuou desde a infância (como a minha necessidade por leite)? Consigo

receber uma quantidade moderada de atenção adulta e me dar por

satisfeito? Ou tenho uma sensação corrosiva de que não recebi o que me

era destinado? Estou insistindo nisso agora? Eu estava exultante no dia

do nosso casamento quando cada célula do meu corpo estava pronta para

chorar por tudo que aconteceu no início da minha vida? Posso me juntar

a Henry David Thoreau no ditado: “Vou procurá-lo, meu amigo, quando

eu não precisar mais de você. Então, você vai encontrar um palácio, e

não um abrigo de pobres.”


enfrentando nossas opções | De que forma a tabela a seguir se

encaixa nas suas experiências? Quais frases descrevem você?

A criança interior não espelhada pode Ou isto

fazer isto

Procurar relacionamentos que espelhem ou Buscar relacionamentos que não espelhem e

construam confiança. que quebrem a confiança.

Compreender o trauma como uma ponte. Vivenciar o trauma apenas como um

obstáculo.

Recuperar-se do passado e ir além do Repetir o passado e se agarrar a ele.

sofrimento causado por ele.

Desejar transcender uma experiência. Sentir o impulso de reviver uma experiência.

Esperar que o relacionamento seja bem- Esperar sempre pelo fracasso.

sucedido.

autocuidado | O abuso na infância afeta, na vida adulta, a nossa

capacidade de cuidar de nós mesmos, principalmente em relação à nossa

saúde. Como você lida com os avisos em relação a um comportamento

que representa um risco de vida? Ler uma advertência no maço de

cigarros talvez nos leve a parar de fumar. Nesse caso, o aviso é recebido

de forma adulta. Mas também pode não afetar você em nada: “Não estou

nem aí”, diz a criança interior e sofrida que acabou de encontrar outra

forma de morrer. Responda a esta pergunta no seu diário: onde eu estou

no espectro?

rejeição do abuso | A intimidade implica uma abertura em relação

aos sentimentos da outra pessoa. No entanto, isso não significa permitir

que passemos por um abuso. Nós nos defendemos e dizemos “Alto lá!”

diretamente para alguém que magoa. Se alguém tenta um abuso físico,

nós buscamos ajuda imediatamente. No caso de um desconforto a longo

prazo em um relacionamento, esta é uma prática que pode ajudar:

comprometer-se a não sofrer por mais de trinta dias de infelicidade e

sofrimento emocional com o par antes de conversar sobre o assunto de

forma direta ou levar o problema para a terapia. Eu estou no plano de

trinta dias ou no plano de quinze anos?


Ao mesmo tempo, há algumas ocasiões em que não temos como

confrontar os outros, mas também não somos obrigados a tolerar

comportamentos abusivos ou falta de educação. Por exemplo, se

estivermos em um jantar de família e um parente bêbado começar a

extrapolar. Não é nosso dever fazê-lo parar, mas também não precisamos

continuar lá. Essa regra também funciona em uma festa onde o consumo

de álcool atingiu o ponto em que não é mais possível ter uma conversa

inteligente. Nos dois casos, devemos ir embora. E não para julgar ou

castigar ninguém, mas para cuidarmos de nós mesmos.

Conte para seu terapeuta e/ou amigo próximo qualquer tipo de abuso

que você esteja sofrendo no relacionamento e peça um conselho sobre

como agir. Chame a polícia se o abuso for físico. Peça ajuda se não

conseguir perceber a seriedade do abuso.

mensagens contraditórias | Lembre-se da mensagem que você

mais ouviu dos seus pais na infância. Quando ela surge agora? Por

exemplo: “Se uma boa oportunidade aparecer, você vai perdê-la.”

Agora, quando alguém lhe promete um emprego, você se preocupa:

“Eles vão mudar de ideia e não vão me dar o emprego.” Você sente que

acontecimentos assim são um antigo padrão da sua vida, mas o passado

não confirma tais sentimentos. Você apenas está agindo por medo ou

crença, os quais lhe foram passados no início da vida. A criança

desmerecida que vive dentro de você surge sempre que algo bom

aparece na sua vida.

O medo que você sente agora pode ser reconfigurado como uma

forma de essa criança chamar a sua atenção. Receba-a de braços abertos

e a acolha, assegurando que ela não é mais impotente; que você vai lidar

com as perdas que ela sofreu e comemorar as vitórias. Você pode dizer

para ela: “O adulto que eu me tornei está disponível para a criança que

vive dentro de mim. Eu sei que você ainda sente esses medos. Estou

com você agora. Tenho muitos recursos, e você pode contar com a

minha proteção. Vou só me sentar aqui para conseguir sentir tudo de

forma atenta.” Essa técnica ativa de imaginação metafórica acaba com a


sensação de desmerecimento da criança e aumenta a confiança que ela

tem em si mesma, ou seja, em você.

A maioria de nós internalizou muitas mensagens com as quais nos

julgamos e nos insultamos. No entanto, quando notamos uma voz

interna autodepreciativa e censuradora, não precisamos nos submeter a

ela. Podemos considerá-la o ataque de um inimigo interior que está

preso em um hábito de derrota. Podemos direcionar pacientemente a voz

julgadora, convertendo-a em uma nova voz carinhosa, como a de uma tia

ou tio, uma voz cheia de compaixão pela nossa criança interior

assustada; uma voz que fala com bondade, que nos responde com

atenção, apreço, aceitação, afeto e que admite erros. É assim que

conseguimos nos acalmar e evitamos desistir de nós mesmos.

A voz amorosa do aliado interior nos aceita como somos, e isso faz

com que nos sintamos mais fortes e mais merecedores de amor. Uma

nova força motriz adulta está em ação quando fazemos esse tipo de

trabalho interno. Nossa nova voz interior não deve ser construída como

um monólogo. Ela está sendo ouvida pelos companheiros iluminados

que nos auxiliam no caminho. Não estamos sozinhos em nossas práticas.

Estamos totalmente cercados por amor.

Somos todos seres merecedores de amor, pois existe uma completude

perene dentro de cada um de nós, a nossa natureza búdica, que nada

mais é do que uma capacidade para amar que nunca se perde, não

importa o que aconteça em nossa vida. Essa bondade básica é a essência

do nosso ser. Não precisa ser invocada com esforço, pois se trata de uma

dádiva que foi concedida a todos e habita intrinsecamente a natureza

humana. Acessamos a dimensão da dádiva, ou a graça, quando olhamos

com delicadeza para nós mesmos.

As defesas do nosso ego surgem como uma reação à indelicadeza dos

outros em relação a nós. Desse modo, originam-se em um anseio

frustrado por amor. É por isso que nosso ego inchado merece

compaixão, não insulto. Podemos escolher compaixão por nós mesmos,

podemos ser um Buda para nós. Sua primeira palavra de iluminação

enquanto olhava para o mundo e para o coração humano foi:


“Esplêndido!” Ou podemos fazer uma campanha contra nós mesmos:

ser o crítico que prega em nosso coração um cartaz de “Procura-se” em

relação aos nossos erros. Quando ouvir uma voz crítica dentro de si,

imagine-se como um missionário. Trabalhe de forma gentil e incansável

para converter a crítica interior à maneira compassiva de Buda. Então,

quando ela falar novamente, o crítico interior será um praticante do

mindfulness e da benevolência.

Por fim, quando os facínoras do ego neurótico, ou seja, o medo, a

fixação, a expectativa, o julgamento, o controle etc., ameaçarem nosso

domínio psíquico, é o momento certo para o mindfulness. Sente-se com

tranquilidade ou caminhe devagar enquanto contempla cada ataque

estressante e se liberte dele rotulando-o: “É apenas um pensamento.” Ou

então afirme: “Eu abdico do controle dessa situação e deixo as fichas

caírem livremente.” Então, expanda sua preocupação pessoal para a

benevolência universal, ou seja, o amor maduro: “Que todos os seres se

libertem do que quer que esteja no caminho da felicidade deles.” É assim

que saímos do amor pelo ego e passamos para o amor pelo eco!

admitir os dois lados | Leia estas perguntas e afirmativas para o seu

par ou para si mesmo e pergunte como você pode agir em relação a elas.

Haverá perdas na minha vida? Já estive lá e voltei. Haverá

ganhos maravilhosos? Eu os encontrei antes e confio que o

universo os concederá uma vez mais. Não haverá só prazer ou

só dor, só esperança ou só desespero. Haverá um pouco de

cada, e tenho dentro de mim a capacidade de lidar com o

sofrimento e aproveitar o prazer.

Minha mãe foi gentil comigo? Meu pai sempre foi carinhoso

comigo? Não, descobri que consistência é raro nas relações

humanas. Pela minha história, eu nunca espero que nada nem

ninguém sejam perfeitamente consistentes, perfeitamente

agradáveis ou perfeitos. Minha aceitação com as situações da

minha existência me torna um adulto sadio. Será que eu teria


chegado a essa aceitação se tivesse passado a vida toda no lado

claro do rio?

consciência da realização | Em seu caderno, faça uma lista de

formas específicas como as cinco necessidades básicas (atenção, apreço,

aceitação, afeto e admissão) foram atendidas e/ou negligenciadas no seu

passado. Uma vez que essas cinco necessidades também são as cinco

qualidades centrais do amor e do apoio, liste o que você tem procurado

nos seus relacionamentos adultos e ligue as palavras semelhantes nas

duas listas. Suas necessidades mais desesperadas correspondem àquelas

que não foram satisfeitas na infância? Pergunte ao seu par e/ou a seus

filhos se você é bom em receber e responder às necessidades deles. Se

você se sentir corajoso em relação a si mesmo, faça uma lista cuidadosa

de todas as suas necessidades não atendidas, mostre a lista para o seu

par e, com um sorriso, diga: “Aqui está o que não quero que você me dê,

porque essa é a minha responsabilidade.”

encontrando buracos | É doloroso se encontrar totalmente. Nós

evitamos ao máximo os buracos deixados dentro de nós por conta de

decepções no início da nossa vida e em relacionamentos adultos. Mas

nós nos lançamos dentro deles e através deles. Aqui está uma prática

empoderadora que deve ser feita de forma tranquila e meditativa:

1. Encontre os buracos dentro de si, os lugares em que os cinco As

não foram atendidos.

2. Pense em todas as vezes que você tentou preencher esses

buracos com algo ou alguém.

3. Comprometa-se a descer por essas crateras assustadoras e se

sente lá dentro de forma solitária, sem tentar fechá-las. As

únicas ferramentas que deve levar consigo são os cinco As.

Então, basta permanecer em cada uma de suas deficiências com

atenção, apreço, aceitação e afeto, admitindo que elas estejam lá

sem protestos, vergonha ou culpa. Os cinco As são a única


forma verdadeira de satisfazer as necessidades. Quando você dá

os cinco As para si mesmo, está curando as feridas que sofreu

porque não os recebeu dos outros no passado.

Quando dedica tempo a seus lugares vazios, você começa a vê-los se

abrirem em espaços vívidos. Nossas lacunas não são cobertas nem

canceladas, e sim expostas pelos cinco As.

Alice seguiu sozinha o Coelho Branco pelo buraco que a levou a

partes de si mesma que eram confusas e assustadoras. Pergunte a si

mesmo se os relacionamentos que estabeleceu na sua vida eram para ser

apenas como o Coelho, que bondosamente tentou lhe mostrar o caminho

para o seu eu mais profundo, ou seja, abrir o seu coração. Agora, você

está finalmente disposto a entrar.

testemunhando o sofrimento | No início da vida ou no decorrer

dela, seu par ou você podem ter sofrido abuso e/ou traições e mágoas.

Ofereça ao seu par a experiência de testemunhar com atenção o

sofrimento que ainda existe. O testemunho atento significa ouvir com

atenção, apreço, aceitação, afeto e apreciação do que a outra pessoa

revela e dos sentimentos por trás da história do outro. Como testemunha

atenta, você não dá conselhos nem tenta resolver nada, apenas absorve o

que está sendo dito e sentido de forma respeitosa e encorajadora.

Mantenha em segredo tudo o que foi dito e tente não tocar no assunto, a

não ser que a pessoa solicite. Um cuidado: não tente essa prática se

algum de vocês não se sentir pronto para enfrentar o sofrimento, pois

pode despertar um trauma que foi reprimido e controlado por anos.

localizando a pérola | Considere este comentário sobre a pérola

uma metáfora para o sofrimento e seu potencial de ser transformado em

algo bonito. Depois, escreva um poema como resposta (explore suas

lembranças relacionadas a pérolas ou qual o papel que elas têm na sua

vida) ou responda às perguntas a seguir.


Em reação a uma irritação provocada por um parasita ou um

grão de areia, o poder de autocura da ostra cobre o invasor

com camadas de aragonita. Depois de vários anos, forma-se

uma pérola, composta do mesmo material da parte mais

interna da concha de proteção da ostra. Desse modo, a pérola

atinge sua beleza e seu valor a partir da própria concha

protetora. O resplendor único das pérolas depende da refração

da luz das suas camadas translúcidas. A iridescência que

algumas pérolas emitem é provocada pela superposição de

muitas camadas sucessivas que dispersam a luz conforme as

atinge. Diferentemente de outras pedras preciosas, as pérolas

não são lapidadas nem polidas. Elas podem se deteriorar com

facilidade, e sua maciez as torna vulneráveis aos ácidos e ao

calor. As pérolas gostam de ser usadas contra a pele humana,

que é a melhor forma de manter seu resplendor.

Há muitas camadas metafóricas nessa descrição. Escreva em seu

caderno as respostas para estas perguntas: qual é o grão dentro de você

que aguarda atenção ou que já foi coberto? Você confia nos seus

recursos internos para fornecer as camadas que vão transformar o grão

em pérola? Note as expressões “poder de autocura”, “parte mais interior

da própria concha de proteção”, “sua maciez as torna vulneráveis”,

“contra a pele humana… para manter seu resplendor.” Como elas

funcionam para você?

luto pelo passado | Consulte o apêndice e leia a seção introdutória.

Quando se sentir pronto, comece os passos do luto pelas perdas e os

abusos que sofreu na infância. Continue com esses passos em seu

próprio tempo enquanto lê este livro, talvez trabalhando um passo por

vez a cada um dos capítulos a seguir. Ou talvez você prefira começar os

passos depois de ler o livro inteiro. Respeitar o seu próprio tempo é um

elemento essencial em qualquer prática, assim como em qualquer

relacionamento.
3 | ENCONTRANDO UM PAR

não há como convencer ninguém a nos amar. Tudo o que podemos

fazer é nos abrir para o amor quando o sentimento surge. Nosso melhor

caminho para tal abertura é ser o mais amoroso possível e parar de nos

preocupar com o fato de os outros responderem da mesma forma.

Amamos porque amamos, e não para convencer alguém a corresponder

ao nosso amor. Paradoxalmente, é mais provável que, quando não

esperamos que nosso amor seja correspondido, o amor do outro por nós

seja despertado. De qualquer forma, quando a intimidade é verdadeira,

nosso par não precisa ser convencido a retribuir. Ele não vai se

sacrificar, submetendo-se ao relacionamento, e sim demonstrar o estilo

de intimidade que se encaixa para que o relacionamento seja bem-

sucedido. Os dois fazem isso. E que estilo é esse? É uma interação

contínua dos cinco As.

Talvez as parcerias mais promissoras surjam quando nenhum dos

dois está procurando ou quando até estão evitando a possibilidade de

encontrar alguém. Só vivemos de acordo com nossas necessidades e

desejos mais profundos e prestamos atenção nas pessoas que

conhecemos. Confiamos no universo e em seu poder milagroso de

sincronicidade para trazer a pessoa que é melhor para nós. No entanto,

ainda mais importante do que encontrar um par é cuidar do nosso

coração durante o jogo do namoro, que pode ser um empreendimento

devastador de promessas quebradas e expectativas frustradas. Cuidar de

nós mesmos durante um namoro significa não trair nossa própria

natureza em uma tentativa desesperada de fazer com que alguém nos

queira. Temos que manter nossos limites para que o processo não acabe

em autoabandono nem em autodepreciação. Não podemos admitir que


ninguém tire vantagem de nós ou que nos rebaixe por estarmos tentando.

Ao olharmos para nós mesmos a partir dessa perspectiva, pensamos:

“Quero um par e, para isso, estou cuidando de mim. Sou a sentinela do

meu próprio eu interior vulnerável durante esse processo, que pode ser

bem perigoso para a minha autoestima.”

Ainda assim, não podemos ser zelosos demais, pois nosso senso de

vivacidade é diretamente proporcional a quanto admitimos que nossos

anseios corram livremente em nosso coração. O anseio é uma fonte de

motivação e, desse modo, de realização. O anseio é a nossa capacidade

de amar. Como pessoas saudáveis, nosso objetivo não é não ansiar por

um relacionamento, mas permitir que este seja realizado moderadamente

por outros, enquanto seguimos um modelo de reciprocidade, em vez de

um modelo de necessidade. Afinal, relacionamentos não foram feitos

para nos realizar de forma completa, mas para nos fornecer recursos em

mutação e evolução contínuas à medida que vivemos a vida. Isso

acontece quando nossos sentimentos são recebidos e apoiados pelos

cinco As, e quando o nosso lado sombrio é cada vez mais percebido pelo

outro, que também o recebe com os cinco As.

No início da vida, para manter o vínculo com nossos pais, talvez

tenha sido necessário esconder nosso eu mais profundo. Talvez

tenhamos nos acostumado a pagar esse preço e continuamos a também

pagá-lo nos relacionamentos posteriores. Permanecemos em um lugar

onde precisávamos nos esconder. No entanto, quando nos tornamos

adultos saudáveis, isso muda. Ainda temos necessidades, mas elas não

mais nos dominam. Quando toleramos não ter nossas necessidades

totalmente satisfeitas, nosso medo se transforma em uma

vulnerabilidade saudável, despertando um amor mais generoso dentro de

nós. Uma pessoa saudável procura e anseia por um par aberto, carinhoso

e desafiador, capaz de se sintonizar aos seus sentimentos e mantê-los.

Isso garante que a criança interior assustada tenha uma permissão sem

precedentes para, assim, se libertar de mágoas antigas e confiar em

novos vínculos.
SERÁ QUE FUI FEITO PARA TER UM
RELACIONAMENTO ÍNTIMO E PESSOAL?

Um compromisso adulto é um empreendimento verdadeiro de amor

contínuo, pois envolve uma disposição perseverante de respeitar acordos

e lidar com obstáculos ao abordar, processar e resolver os conflitos. Isso

resulta em felicidade e respeito mútuo. O amor verdadeiro não pode ser

enganado, assim como não tenta enganar os outros. Como adultos

maduros, não é mais possível sermos convencidos pela aparência ou por

palavras doces. Tudo o que importa é o comprometimento resistente e

mútuo.

Algumas pessoas confundem apego com amor. É possível nos

sentirmos apegados a alguém e imaginar que isso é amor. Alguém pode

ser apegado a nós, e imaginamos que essa pessoa nos ama. Mas o amor

atento é um vínculo constituído por comprometimento, não por apego ou

fixação. O apego nos imobiliza; o amor, por outro lado, nos ajuda a

alcançar uma evolução feliz, progressiva e eficaz. Também podemos

confundir dependência com conexão. Pessoas inseguras podem tentar

gerar uma conexão conosco ao cultivar a dependência, oferecendo

riquezas, humor, elogios, gratidão, entre outras coisas. Os cinco As,

principalmente a admissão, oferecem um caminho alternativo e

confiável.

Nem todo mundo, é claro, foi feito para um relacionamento de

comprometimento pleno. Uma pessoa pode se empenhar de forma

diligente em todas as práticas sugeridas neste livro e, ainda assim, não

ser capaz de satisfazer as necessidades de outro adulto em um vínculo

íntimo. Ela talvez não seja orientada a relacionamentos ou não tenha

interesse em desempenhar o trabalho que um relacionamento exige.

Algumas pessoas se sentem mais confortáveis com relacionamentos e

amizades mais leves, pois só são calibradas psicologicamente para isso.

Elas não são guiadas pelo medo da intimidade, mas por um

reconhecimento genuíno de que a intimidade não é para elas. Não existe

vergonha em não desejar ter um relacionamento. Uma pessoa saudável


não é aquela que está em um relacionamento, mas aquela que se sente

bem na própria pele.

Muitas pessoas se casam por convenções sociais em vez de motivadas

por uma escolha que reflita as mais profundas inclinações,

personalidades e disposições. As pessoas que desejam manter apenas

amizades, nunca cônjuges, querem os ritmos de distância e proximidade

que a amizade oferece. Elas preferem alternar ausência e presença a ter

uma presença contínua. Essa é uma opção legítima. No entanto, as

pressões sociais, uma vez internalizadas, podem forçar um casamento,

resultando em uma união infeliz, e talvez até mesmo em filhos infelizes.

Do ponto de vista convencional, morar junto é considerado o objetivo

lógico de se relacionar e um indicador de sucesso. Mas a realidade é que

alguns casais não conseguem compartilhar o mesmo espaço e funcionam

melhor em casas separadas, mesmo quando o relacionamento fica mais

íntimo. Vizinhos podem ter maiores chances de manter um

relacionamento sem estresse do que pessoas que moram juntas. No

entanto, são as pessoas que formam o casal que devem elaborar um

plano adequado que melhor se encaixe à sua situação única. Um dos

principais objetivos em um relacionamento é garantir a sobrevivência, e

isso talvez não seja possível sob o mesmo teto.

Casamento e família constituem uma vocação especial que não é para

todo mundo. Trata-se de uma escolha individual, não coletiva. É para

aqueles de nós que vão desfrutar de ter um comprometimento para a

vida toda, dedicando-se, trabalhando e investindo em um contexto

familiar. A questão para um adulto saudável não é a escolha feita, mas se

essa escolha reflete seus desejos verdadeiros e foi realizada com

integridade. Este livro, inclusive suas práticas, foi escrito para leitores de

todos os espectros de sexualidade e gênero, casados ou não, amigos e

companheiros, qualquer um que esteja tentando amar alguém e ser feliz,

elementos esses que constituem direitos de todo ser humano.

Como posso saber se fui feito para ter um relacionamento? Considere

as seguintes categorias e veja qual delas descreve melhor você.


Essencialmente não: Algum traço rígido de personalidade

me impede de ter relacionamentos bem-sucedidos. Por

exemplo: uma introversão tão extrema que não consigo tolerar

proximidade constante, transtorno mental, vício ativo,

misoginia ou misantropia, maldade criminosa ou perigosa.

Existencialmente não: Alguns dos meus traços me impedem

de ter relacionamentos bem-sucedidos, mas são passíveis de

mudança — vão exigir comprometimento, tempo e esforço.

Veja alguns exemplos extremos e moderados: Não tive

relacionamentos bem-sucedidos, e cada um é pior do que o

anterior. Eu preciso que as coisas sejam feitas do meu modo.

Estou em um ciclo desafiador da intimidade e pareço não ser

capaz de quebrá-lo; por exemplo, quando alguém chega perto

demais, eu fujo. Meu ego poderoso e brigão reina em

supremacia. Não suporto estar errado ou ser corrigido, não

permito que ninguém venha em primeiro lugar e não permito

que ninguém me magoe sem sofrer uma reprimenda severa.

Não consigo, ou prefiro não ser, fiel a alguém. Fico empacado;

minha infelicidade em um relacionamento não me deixa

mudar nem partir. Prefiro o sofrimento de continuar junto e

infeliz à dor causada pelo fim de um relacionamento. Tenho

um baixo nível de desejo sexual. Pareço ter nenhuma ou uma

baixa capacidade de perdoar. Um relacionamento não satisfaz

de forma verdadeira, consistente e duradoura minhas

necessidades, meus valores e meus desejos mais profundos,

mas é uma escolha que faço em reação às pressões da família

ou da sociedade. Para mim, tanto faz se meu par fica ou se vai.

Neste momento, preciso passar sozinho 75% do tempo em que

estou acordado.

Algumas pessoas enxergam a questão em termos extremos: somos

feitos ou não para um relacionamento. Na verdade, é possível combinar


opostos aparentes. Podemos conhecer o nosso próprio nível de conforto

e alinhá-lo ao nosso nível de comprometimento. Não precisamos temer

que alguém tome nossa vida e nossa mente por completo. Podemos

decidir o tamanho do espaço que alguém pode ocupar na nossa psique.

Isso se dá de duas formas: podemos conhecer e respeitar nossas

necessidades, nossos valores e nossos desejos mais profundos e, mesmo

assim, encontrar alguém que concorde com isso e esteja disposto a se

juntar a nós. A expressão “adultos em consenso” diz tudo: pessoas que

são adultas e concordam em trabalhar em um plano que agrade às duas.

CANDIDATOS QUALIFICADOS PARA


RELACIONAMENTOS

Uma vez que escolhemos nos relacionar de forma adulta, um possível

par que pareça indisponível, não demonstre reciprocidade nem abertura

para lidar com sentimentos e questões acaba, devido a tudo isso, não nos

atraindo. Quando nos amamos, as pessoas não parecem ser boas para

nós a menos que, de fato, sejam boas conosco.

Uma pessoa se torna candidata para um relacionamento quando é

capaz de dar e receber amor de livre e espontânea vontade, lidar com

sentimentos, assumir um compromisso e respeitar os acordos. Ela pode

demonstrar os cinco As de formas agradáveis, satisfatórias e não

invasivas. É capaz de perdoar e se libertar do próprio ego por tempo

suficiente para lidar com problemas de forma amigável e justa na maior

parte do tempo. Segue um modelo de reconciliação nas interações, e não

de retaliação. Ela ama você por ser quem é e não por ser, na vida dela, a

pessoa mais recente a ocupar o espaço de “par”. (Relacionamentos-

rebote são especialmente perigosos em relação a isso.)

É provável que uma pessoa seja uma candidata adequada se atender a

estes critérios:

mora relativamente perto;


consegue demonstrar todo o espectro de sentimentos humanos e

aceita os seus;

ama dar e receber os cinco As;

é amiga, e não apenas parceira sexual;

ama sua companhia e é compatível com você;

está disposta a conversar sobre questões do relacionamento;

não tem vínculos que a distraiam e impossibilitem um

comprometimento verdadeiro, tais como outro relacionamento em

andamento, um relacionamento antigo não resolvido, um divórcio

não finalizado, entraves familiares (filhos não representam

obstáculo, a não ser que exijam ou recebam tanta atenção que o

pai/mãe/cuidador tenha vínculos de codependência com as

necessidades deles e não consiga viver a própria vida);

não tem vícios ativos;

não tem um ego tão grande que você terá de agradá-lo ou ser

castigada por isso;

não se sente ameaçada pela igualdade de gênero;

não é dominada por obsessões políticas ou religiosas;

quer filhos se você os quiser ou não quer se você não os quiser;

tem interesse, acessibilidade e capacidade sexual para lhe

satisfazer ou consegue trabalhar nisso dentro do relacionamento;

não tem nenhuma questão financeira (por exemplo, não conseguir

ganhar, gastar, compartilhar, guardar, emprestar, contribuir ou

receber);

consegue passar tempo de qualidade suficiente para aprofundar os

vínculos de forma contínua;

está em pé de igualdade intelectual para que vocês possam

compartilhar ideias;

tem valores muito parecidos com os seus;

não está buscando a pessoa ideal (precisar de uma pessoa ideal

não é desejar uma pessoa de verdade, que é o único tipo que

existe!);
não parece ser ideal para você, então você não fica tão

apaixonado que não consegue enxergar o lado sombrio dela;

já fez pelo menos metade do trabalho necessário para ser saudável

na vida e em relacionamentos (vamos falar mais sobre esse

“trabalho” na primeira prática deste capítulo);

satisfaz o critério implacável que se aplica a todas as escolhas

significativas, ou seja, que um relacionamento com ela reflita e

satisfaça suas necessidades, seus valores e seus anseios mais

profundos;

consegue se concentrar em você e ama fazer isso de forma

comprometida e duradoura (Como sei que isso está acontecendo

com frequência suficiente? Eu consigo me lembrar da última vez

que aconteceu.);

recebe com aprovação acolhedora o seu trio pessoal: sua mente,

seu coração e sua intuição.

Esses critérios se encaixam no seu par potencial ou atual?

O QUE DESEJAMOS?

Todos os dias, a carícia real substitui o amante espectral.

— Anaïs Nin

Já ficou evidente para nós que as transações concluídas na infância

entram em um estado de repouso na nossa psique. Em comparação, as

necessidades não satisfeitas e as transações incompletas, como sonhos e

desejos não realizados, clamam por conclusão durante toda a nossa vida,

pairando sobre a maioria de nossos relacionamentos. Assim, temos que

aprender sozinhos a finalizar as antigas questões emocionais quando um

par não fizer isso por nós ou junto de nós.

O que desejamos quando procuramos um relacionamento? Nosso

objetivo aparente pode ser oposto ao nosso objetivo real. Nosso objetivo

é consciente quando o que dizemos querer corresponde ao que estamos


dispostos a fazer. Por exemplo, se estamos sendo sinceros quando

dizemos desejar um relacionamento, estamos dispostos a nos

comprometer. Por outro lado, temos um objetivo secreto quando, na

verdade, queremos o oposto do que dizemos. Por exemplo, se uma

mulher diz que está em busca de um parceiro e começa a se interessar

por um homem que parece indisponível. Porém, assim que ele fica

disponível, ela logo perde o interesse. A pista para o verdadeiro objetivo

de alguém sempre está na forma como a transação termina. Nesse

exemplo, o verdadeiro objetivo da mulher, que, na verdade, ela

desconhece, não é encontrar um par, mas conquistar um e, então, não ter

mais que o desejar.

Eis outro exemplo: Piers se apresenta como um homem em busca de

um relacionamento íntimo. Seu objetivo secreto, porém, não é encontrar

uma intimidade adulta, pois isso o assusta profundamente. Sua fantasia

de intimidade é ser abraçado e cuidado em termos físicos, mas ele não

está tão preocupado em relação ao que seu par recebe. O interessante é

que, quando Piers encontra alguém, ou é a pessoa certa e não está

disponível ou está disponível mas não é a pessoa certa. Isso o faz

continuar a busca. Ele fica decepcionado, mas está totalmente

convencido de que está em busca de intimidade, só não consegue

encontrá-la. Na verdade, porém, ele está correndo atrás do próprio rabo.

O objetivo de Piers é um segredo até mesmo para ele. Talvez ele sinta

muito medo da proximidade. Talvez se sinta compelido a repetir uma

decepção original, e agora recorrente, com as mulheres. Suas ações e

frustrações lhe mostram onde precisa trabalhar, mas será que um dia

estará disposto a isso? Quantas mulheres levarão a culpa, quantos

relacionamentos se deteriorarão antes que ele perceba? Se não

reconhecer o padrão que está seguindo, Piers nunca vai conhecer o

próprio objetivo nem como isso o torna incapaz de intimidade, não

saberá como isso se relaciona com questões do início da vida dele nem

como fazer o trabalho que vai libertá-lo desse fracasso.

Peter, ao contrário de Piers, demonstra um objetivo sincero e aberto.

A fantasia dele é abraçar e ser abraçado por alguém que não precisa ser
perfeito. Quando encontra um possível par, ele se pergunta: “Essa pessoa

está emocionalmente disponível, descompromissada, perto do que eu

quero e estamos interessados um no outro?” Se a pessoa estiver

indisponível, não importa quanto seja bonita, pois Peter não vai gastar

energia, e sim exercer o desapego. Peter baseia seu nível de reação nos

próprios poderes intuitivos de avaliação. Em uma parceria, quando está

diante de obstáculos e conflitos, ele trabalha para resolvê-los com seu

par, como faz um adulto comprometido em um relacionamento.

Piers e Peter ilustram a distinção entre estar disposto e desejar. Estar

disposto é querer verdadeiramente algo, escolher tanto o objetivo quanto

os meios para atingi-lo. Isso significa aceitar o trabalho e os riscos

envolvidos para concluir tudo. Desejar, por outro lado, é só se encantar

pelo objetivo. Piers deseja intimidade; Peter a quer de verdade.

Tanto Piers quanto Peter podem se casar um dia. Peter vai escolher

seu par com sabedoria; o casamento combina com ele. Já Piers vai

acabar se casando com alguém com quem possa continuar brincando de

esconde-esconde. Ele se casa porque é isso que todo mundo faz, e vai

tomar essa importante decisão antes mesmo de se conhecer de verdade.

Encontrar um par costuma ser fácil para pessoas como Piers porque,

infelizmente, mais pessoas se sentem atraídas pela abertura aparente do

que pela abertura autêntica. Piers, então, terá muito mais candidatos

entre os quais escolher do que Peter. Isso não ocorre porque os

candidatos são tolos, mas porque estão com medo. Afinal, um

relacionamento de verdade pode fazer exigências e causar sofrimento, e

certamente é algo pouco familiar.

Há uma última qualidade a ser avaliada quando se quer determinar a

disponibilidade. Um escritor precisa saber se seu computador tem

memória RAM suficiente para aguentar o volume de material com o

qual precisa trabalhar. De maneira semelhante, é preciso que você saiba

se tem energia emocional suficiente para trabalhar todos os tipos de

conflito que podem surgir em decorrência de um relacionamento e se o

seu par também a tem. Por exemplo, se o seu par em potencial tiver

questões profundas de confusão sexual e inibição por causa de um


incesto no passado, isso exigirá um trabalho sério e a longo prazo para

as duas pessoas a fim de que possam ter uma vida sexual feliz. Você está

disposto a fazer esse trabalho? E o seu par? Se não estiver, então entrará

em um projeto que não terá como concluir. Fazer terapia ou entrar em

um grupo de apoio pode ajudar, mas, a não ser que os envolvidos

estejam dispostos a carregar o fardo das próprias questões pessoais,

nenhuma quantidade de amor será capaz de criar fôlego suficiente para a

viagem. Comprometimento para trabalhar os problemas à medida que

surgem é o único sinal de que queremos intimidade completa. É só isso

que faz diferença, não a aparência, nem as palavras vazias, nem o que

procuramos, nem mesmo o que encontramos. Adultos conhecem seus

limites, lidam com eles e os expandem sempre que possível. Isso é o

equivalente de se candidatar para um relacionamento intenso e real.

Mesmo se não recebermos os cinco As na infância, podemos

encontrá-los, e dá-los, em um relacionamento adulto íntimo que admite

a troca de sentimentos sem restrições. Nem todo relacionamento

saudável oferece isso, é claro. Alguns pares só desejam uma companhia

leve e sem cobranças, ao passo que outros querem compartilhar seus

sentimentos e experiências mais profundos, tanto do passado quanto do

presente. Ambos os estilos são aceitáveis, mas é importante saber se um

par em potencial está buscando o mesmo estilo de relacionamento que a

gente. Conflitos acontecem nos dois tipos de relacionamento, mas, no

primeiro, tudo é tratado com leveza e deixado de lado na forma de

dramas terríveis do passado. No último, porém, o conflito é abordado de

forma direta e implacável e processado com sentimentos que podem ser

desagradáveis e confusos.

Uma forma de saber se alguém está aberto para trabalhar em um

relacionamento com você é presenteá-lo com este livro. Observe se a

pessoa vai ler, se a reação vai ser negativa ou positiva e, acima de tudo,

se ela quer discutir e até mesmo realizar com você as práticas sugeridas.

Ler e trabalhar juntos com este livro também é uma forma muito útil de

crescimento conjunto no caminho para o amor íntimo.


REVELAÇÃO COMPLETA

Eu ronco alto, bebo demais, trabalho em excesso e meu futuro

está chegando ao fim. Mas sou alto e judeu, e amo você.

— David O. Selznick, ao pedir Irene Mayer em casamento

O primeiro requisito para a confiança e o comprometimento é dizer a

verdade. Às vezes, não compartilhamos nossos sentimentos e reações

com a pessoa com quem nos relacionamos porque sentimos que ela não

consegue ouvir a verdade. Só quando o relacionamento termina nos

libertamos de tudo que guardamos e sempre quisemos dizer ou mostrar.

E é então que nos damos conta de como o relacionamento era para nós e

como sentíamos medo de dizer a verdade, tanto a nossa quanto a do

outro. Temíamos dizer o que o outro temia ouvir. Não tínhamos os cinco

As e lidávamos com esse déficit para manter o vínculo e evitar a solidão.

No entanto, quando confiamos na intenção amorosa e na lealdade do

outro, podemos dizer e ouvir qualquer coisa. No ambiente seguro da

intimidade, podemos admitir que a verdade surja sem medo, vergonha

ou constrangimento. Tal confiança floresce quando as pessoas que

formam o casal se comprometem a trabalhar no próprio relacionamento.

A informação pessoal trocada, nesse caso, não é assustadora: são os

grãos do moinho. Desse modo, o comprometimento para um trabalho

pessoal é equivalente ao comprometimento com a intimidade. E, já que a

autorrevelação implica se libertar do ego, uma prática espiritual também

entra em ação.

Nesse meio-tempo, talvez seja bom fazer algum tipo de revelação

para que nosso novo par saiba no que está se metendo.Isso se estivermos

abertos a um feedback, porque com certeza é no que vai resultar. O

paradoxo é que a autorrevelação traz mais autoconhecimento. Veja a

seguir um exemplo anedótico de como a verdade soa ao ser contada:

Nosso relacionamento parece estar ficando sério agora, e isso

me deixa feliz. Para que tudo fique bem claro entre nós,
gostaria de compartilhar algumas coisas sobre mim. Vou

começar com as qualidades que são menos atraentes e, depois,

vou chegar àquelas que parecem mais promissoras.

Quero muito amar e ser amado, mas tenho que admitir que

meus medos me deixam na defensiva quando isso está para

acontecer. Só consigo ser amado por alguém que seja flexível o

suficiente para admitir tal inadequação. Na verdade, ninguém

pode depender de mim para ser perfeito em qualquer área que

seja.

Se você só é capaz de amar alguém que atenda às suas

especificações como par perfeito, esse alguém não serei eu. Se

você tem uma definição rígida do que é o amor, não vou

conseguir concretizá-la. Não tenho o histórico de fazer as

coisas direito.

É mais provável que eu não esteja presente tanto quanto

você gostaria. Costumo ser combativo, em especial quando

percebo que a intimidade está começando a surgir. Talvez eu

nem sempre esteja ao seu lado quando você precisar. Talvez eu

não te aceite como você é. Talvez eu a seduza com a minha

aparência, meu charme, minhas palavras ou com sexo, e

depois talvez eu não seja capaz de atender às suas

expectativas!

Pareço ser autossuficiente, mas isso não passa de fachada.

Na verdade, sou carente, medroso, desolado e solitário. Eu

talvez minta ou esconda os meus verdadeiros sentimentos;

talvez eu fuja dos seus.

Talvez eu tente fazer com que você faça as coisas para mim

ou me dê presentes. Essas são minhas formas de obrigá-la a

provar que me ama.

Talvez eu queira um relacionamento por motivos

narcisistas: tê-la ao meu lado quando e como quero. Talvez eu

não esteja disponível para uma troca verdadeira. Talvez não


receba bem alguém que tenha requisitos pessoais. Terei que

aprender a honrá-los, e isso leva tempo. Você tem esse tempo?

Notei que, com a bagagem que carrego de uma infância

sofrida, a ladeira de relacionamentos é bem íngreme para

mim. Talvez eu esteja vendo meu pai ou minha mãe, ou os

dois, em você, e talvez eu tente fazer com que você me dê o

que eles me deram ou o que não conseguiram me dar.

Talvez eu tente te controlar. Você terá que prestar atenção

para detectar as várias formas que usarei para tentar manipulá-

la. E se perceber e me confrontar, é possível que eu fique tão

assustado que acabe me descontrolando porque você me

decepcionou. Talvez eu não consiga lidar com a sua liberdade

nem com as suas escolhas. Tenho ciúme, e às vezes ele chega à

beira da paranoia. Talvez seja intolerável para mim que você

tenha amigos próximos.

Se você precisa de alguém que nunca a fará chorar, não sou

a pessoa certa. Eu posso te magoar.

Você só pode me amar como sou, não como precisa que eu

seja. Vou decepcioná-la muitas e muitas vezes enquanto você

esperar que eu atenda a algum critério. Você só pode me amar

incondicionalmente, e não há garantias de que isso valerá a

pena.

Por outro lado, também posso oferecer coisas valiosas,

mais valiosas do que qualquer coisa que o dinheiro (que nem

sempre tenho) possa comprar. Em cada uma, reconheço

minhas limitações e meu comprometimento para trabalhar

nelas.

Sei quem sou e não tenho vergonha de admitir isso. Ao

mesmo tempo, sei que tenho a necessidade de mentir ou me

esconder para me proteger.

Estou trabalhando em mim. Estou buscando formas mais

autênticas de amar. Faço isso por tentativa e erro, perguntando


e fazendo, fracassando e me levantando, domando e me

permitindo ser domado, sendo e me tornando.

Quero amá-la do jeito que você quer ser amada e gostaria

que me dissesse como.

Estou sempre observando meu comportamento para saber

exatamente como sou controlador e exigente. E, embora eu

nem sempre perceba, o seu “Alto lá!” será muito bem-vindo.

Quando vejo como a ofendi, peço desculpas. Talvez eu a

magoe, mas nunca será com malícia, apenas por algum

equívoco ou porque meu ego assustado está sufocando o meu

desejo de ser bom.

Estou tentando me sentir mais seguro na vulnerabilidade,

deixar a verdade aparecer, não importando quanto me sinta

ameaçado por ela. Este é um trabalho em progresso, bem

longe da conclusão. Talvez você até consiga me ouvir

enquanto me abro neste momento, com esta apresentação tão

honesta e constrangedora. Não estou tentando pintar uma

imagem bonita. Quero ser bom o suficiente para amá-la de

forma honesta. Quero ser transparente para que você possa me

ajudar a descobrir onde tenho que trabalhar mais.

Leve em consideração o meu desempenho, não as minhas

promessas; revise minha história ao ligar para ex-mulheres, ex-

parceiras, ex-amantes, amigos. Então procure sinais de

mudança. Decida com os olhos bem abertos; dê seu

consentimento baseado em informações.

Se você souber que sou um ser humano passível de falhas,

mas cheio de amor para dar e sem muita prática em dá-lo de

forma consistente, não vou decepcioná-la. Só posso ser amado

com todos os meus defeitos, meus esforços para tentar corrigi-

los e meus fracassos nessas tentativas. Aceite-me como sou, e

o amor pode acontecer entre nós.

Só posso ser amado por alguém que me ame com minhas

fragilidades e meus defeitos, cuja extensão não cessará de


surpreender a nós dois. Só posso ser amado por alguém que

me ame com meu ego arrogante, minhas sombras e minhas

cicatrizes da infância. Só posso ser amado por alguém que,

como eu, precisa se libertar da crença de que alguém pode ser

perfeito para outra pessoa. Vou precisar ser perdoado muitas e

muitas vezes.

Para continuar ao meu lado, você vai precisar de coragem e

perseverança. Vai precisar de braços que consigam abraçar a

criança assustada que vive dentro de mim, sem perder o

respeito pelo adulto que sou. Você vai precisar de olhos que

consigam enxergar o terror que às vezes se esconde atrás de

uma máscara de raiva. Vai precisar de um coração que consiga

aguentar a dor e a perda sem perder a confiança no amor que

está tentando encontrá-la.

Já vivi tempo demais no passado do “não suficiente” e no

futuro do “ainda não”. Sinto-me mais pronto do que nunca

para amar no aqui e agora. Já me apaixonei, em geral pela

imagem de um ideal ou de uma projeção fantasiosa de um par.

Mas, dessa vez, gostaria de me superar e continuar apaixonado

por quem você realmente é. Dessa vez, vou trabalhar para

conseguir os cinco As. Talvez seja assim que você e eu

consigamos viver o esplendor do amor.

Para encerrar, deixo a minha citação favorita de Noite de Reis:

“Escancarei para ti até mesmo o livro mais secreto de minha

alma.”

P.S.: Não se deixe enganar pela eloquência. Às vezes eu sou

bem grosseiro.

Aprendi a reconhecer que ser confiável não exige que eu

seja rigidamente consistente, mas que eu seja fiel e real… Será

que posso ser expressivo o suficiente como pessoa para

comunicar de forma inequívoca o que sou?

— Carl Rogers
SEXUALIZANDO NOSSAS NECESSIDADES

Sexo não é um jogo. Dá origem a uma emoção duradoura real

e a consequências práticas. Ignorar isso é rebaixar a si

mesmo e desconsiderar o significado das relações humanas…

Uma vida sexual ativa dentro de uma estrutura de

comprometimento pessoal aumenta a integridade das pessoas

envolvidas e faz parte de uma jovialidade próspera.

— Epicteto (tradução livre)

Certa vez, perguntaram a São Tomás de Aquino se Adão e Eva tinham

feito sexo antes de serem expulsos do Jardim do Éden, ou seja, antes de

o ego se tornar a força motriz do livre-arbítrio humano. Ele respondeu:

“Sim! A intensidade do prazer não se exclui do estado de inocência; isso

só acontece com a febre da luxúria e da impaciência.” Talvez, a partir

dessa ideia, comecemos a enxergar o que seria o sexo envolvendo os

cinco As: a principal motivação para cada um de nós é dar prazer ao

outro; não há objetivos. Admitimos a mudança de níveis de excitação

durante o ato sexual. E verificamos continuamente as reações do outro

por meio de contato visual, sorrisos e linguagem corporal.

Na verdade, há uma base física para a conexão entre nutrição e

satisfação sexual. Nos momentos de relaxamento depois do sexo, a

hipófise secreta o hormônio chamado ocitocina. Tal hormônio age sobre

as glândulas mamárias para estimular a produção de leite em mães que

estão amamentando. Parece que a natureza tinha a intenção de ligar o

sexo ao amor capaz de nutrir, como se, quando apaixonados,

amamentássemos o coração um do outro.

O sexo por carência carrega aquela carga deliciosa, a emoção da

sensação involuntária e da força irresistível, a antecipação do êxtase, la

forza del destino. A luxúria explora nossos hábitos e desejos

inconscientes. É uma sensação (uma reação física independente), não

um sentimento (uma resposta física, emocional e inteligente). Desse

modo, o sexo baseado nessa carga é estimulante e sensacional, mas não


inclui a profundidade autêntica do requisito de sentimento de

intimidade.

Às vezes, buscamos um relacionamento sexual não para compartilhar

uma paixão, mas porque acreditamos que uma resposta sexual de outra

pessoa satisfaz nossas necessidades emocionais não realizadas ou até

mesmo nos dá um senso de segurança. Talvez sintamos que apenas

procuramos por sexo, quando, na verdade, estamos buscando os cinco

As. Quando sexualizamos nossas necessidades dessa forma, estamos

recrutando nossos órgãos genitais para tarefas que estes não foram

criados para cumprir.

Talvez a forma específica de sexo que procuramos represente uma

busca por um ou mais dos cinco As. Nós queremos ser abraçados ou

tocados de maneira a parecer que estamos recebendo muita atenção,

apreço, aceitação ou admissão. Quando alguém nos oferece intimidade,

pode até parecer que existe afeição autêntica envolvida, embora talvez

seja só uma representação disso. Os braços que buscamos são aqueles

que transcendem o momento presente ou o parceiro sexual. Eles

remontam a muito tempo atrás. Essa confusão sexual ocorre, sobretudo,

em casos de compulsão, a qual, embora fútil, também constitui uma

busca por transcendência.

O sexo é trapaceiro. Pode parecer bom, por mais que o

relacionamento seja vazio ou confuso. O sexo pode sobreviver sem

problemas no meio de situações de abuso ou raiva. E isso não se trata de

uma habilidade, embora possa ser um sinal de incapacidade grave e

confusão em relação à autonutrição. Como Eurípides escreve

cinicamente em Medeia: “Se o que acontece à noite está funcionando,

você acredita ter tudo.”

E, porque o sexo leva a um vínculo, problemas com sexo em um

relacionamento podem aumentar por causa do medo de intimidade.

Qualquer um que tema um comprometimento vai fugir ao sentir o

vínculo crescente formado à medida que o sexo amadurece. A fuga pode

tomar a forma de um término ou uma revolta (briga, infidelidade,

comportamento compulsivo, vícios etc.)


Um relacionamento baseado exclusivamente em sexo, em vez de na

satisfação de uma amizade que inclui sexo, pode virar cinzas com o

tempo. Tais relacionamentos podem render trinta anos de casamento,

mas serão bolorentos, não nutritivos e amargos. Pessoas maduras fazem

a transição da atração como um fardo para a atração como escolha; elas

gostam disso. Mas não podem ficar presas ao melodrama por causa

desse fator. Quanto mais maçante a vida interior de pessoas em um

relacionamento, mais sofisticada fica a busca por emoções, por

sensações sem sentimentos. Para algumas pessoas, a única fonte de

sensação é o sexo. Talvez essa seja a definição de superficial.

À medida que ficamos mais saudáveis e nos tornamos mais maduros,

não buscamos mais o sexo apenas pela alegria, mas o compartilhamos

por conta da alegria. Quando existe felicidade em nosso mundo interior,

renunciamos à busca frenética da felicidade no sexo. Na verdade,

renunciamos ao desejo por qualquer coisa externa a nós porque não

existe mais nada fora de nós, apenas a unicidade em expansão contínua.

Permitimos que o sexo seja algo normal, que não toma mais espaço na

nossa vida do que o órgão genital em nosso corpo.

NOSSOS DESEJOS

Se não estamos apaixonados ou se não temos um relacionamento sexual,

talvez sintamos que nossa vida não tem significado. Quando isso

acontece, é como se não acreditássemos em nós mesmos e perdêssemos

de vista o sentido da vida. Quando sentimos a necessidade absoluta de

ter um relacionamento de amor com alguém, na verdade nos deparamos

com uma forte necessidade de trabalho pessoal em nós mesmos. Nossos

desejos para encontrar aquele alguém especial, aquela pessoa que será

tudo na nossa vida, também nos distraem de apreciar a nossa própria

companhia. Também é possível que estejamos dando pouca atenção à

nossa prática espiritual de benevolência, o amor mais amplo que é nosso

verdadeiro foco e destino como seres iluminados.


Não é que o amor erótico e íntimo não seja digno de uma busca

humana, é só que ele parece funcionar melhor se o abordarmos com

mindfulness. Nós nos relacionamos com nosso desejo por amor atento

ao senti-lo em sua totalidade, testemunhando como ele muda, como nos

muda e para onde nos conduz, e aceitando que ele pode ou não ser

satisfeito em pouco tempo. A alternativa dolorosa é tornar-se possuído

por esse desejo, tão obcecado por ele que nossa perspectiva mais ampla

nos abandona e tudo que conseguimos enxergar é o que está na nossa

própria mente. Desse modo, somos como prisioneiros que só enxergam

as paredes da própria cela e as imaginam como os quatro cantos do

mundo. Não temos consciência de como o desejo funciona ou como

pode servir como um meio para atingirmos a maturidade psicológica e

espiritual.

Revelar nossos desejos ao nosso par equivale a confiar que ele vai

compreendê-los, abraçá-los e espelhá-los como perfeitamente legítimos.

Tal validação é algo que desejamos ainda mais do que sua realização. Às

vezes, nosso desejo é tão forte, e o par dos nossos sonhos demora tanto a

aparecer, que nos satisfazemos com o sexo como se fosse amor.

Felizmente, o toque abundante com pouco amor logo enjoa. E esse enjoo

pode ser uma dádiva que guia nossa psique de volta ao caminho da

busca pela completude.

Quanto mais saudáveis nos tornamos, mais queremos apenas a

combinação de amor e abraços, não as simplificações momentâneas

oferecidas por estranhos em encontros casuais de uma noite ou de sexo

pago. Quanto mais respeitamos nossa própria sexualidade, menores são

as chances de atrofiá-la ou embotá-la. Quando consideramos o sexo um

ato de amor, por mais que o amor demore a chegar, ele funciona, tanto

para nós quanto para os outros, como um meio de se obter mais amor.

O DESTINO TEM SEU PAPEL

Vou me preparar e, algum dia, minha chance vai chegar.

— Abraham Lincoln
A sincronicidade é uma coincidência significativa que nos guia em

direção ao nosso destino. Algo, que não sabemos bem o que é, está

sempre em pleno funcionamento. Não sabemos como, mas sabemos por

quê: para nos ajudar a nos libertar do medo e nos abrir para o amor.

Desse modo, encontrar um par não depende inteiramente dos nossos

esforços. Pois também entram em ação outras forças sobre as quais não

temos controle.

James, por exemplo, é um jovem que deseja ardentemente conhecer a

mulher de seus sonhos. Ele acredita que está fazendo tudo certo:

frequenta bares de solteiros, interage nas redes, inscreveu-se em sites de

relacionamentos e aborda madrinhas em casamentos de amigos quando

está entre os padrinhos. Mas nada funciona. Frustrado e sem esperanças,

ele decide desistir por um tempo e deixa a natureza seguir o próprio

curso.

Em outra parte da cidade, Jamie deseja conhecer o homem de seus

sonhos: um cara sensível, que tenha interesses parecidos com os seus,

senso de humor, boa aparência e sanidade mental, o que hoje em dia

parece tratar-se apenas de alguém que não é o assassino da serra elétrica.

Às vezes, ela frequenta bares de solteiros com amigas e chegou até a se

inscrever em um site de relacionamentos (sem sorte), além disso,

costuma ser madrinha do casamento das amigas, mas se afasta dos

convidados que chegam nela estimulados pela coragem da bebida.

Assim como James, Jamie desistiu de procurar alguém e está deixando o

universo assumir a busca, embora esteja irritada com a demora.

James é um ciclista que todos os dias segue o mesmo caminho pela

praia. Um dia, sem motivo aparente, ele decide seguir por um caminho

diferente, que passa pelo Jardim Botânico. Embora, de forma geral, não

costume parar, nesse dia ele faz uma parada para sentir o cheiro das

flores.

Empurrando a bicicleta pelo jardim, James começa a admirar a beleza

de uma fileira de cactos entre duas trilhas, notando, de repente, que um

dos cactos floresceu com uma linda flor branca e dourada. Ele sabe que

aquela espécie só floresce uma vez por ano durante um dia, então sente-
se atraído pela flor e, com foco intenso e instantâneo, curva-se para vê-la

melhor.

Enquanto isso, na trilha paralela, sem ser notada por James, uma

jovem que trabalha no Jardim Botânico também se inclina para sentir o

cheiro doce da flor. Eles batem a cabeça com força suficiente para fazer

barulho, mas não para machucar. De repente, se veem olhando um nos

olhos do outro, tendo apenas a fragrância da flor do cacto entre eles.

James então diz: “Nós realmente quebramos a cabeça para ver essa

flor, não é?” Com um sorriso, Jamie responde: “Pois é. Podemos dizer

que foi um grande encontro de mentes.” Eles logo descobrem que têm

mais do que apenas o senso de humor em comum. Os dois amam cactos

e têm alguns em casa, conhecem o nome em latim de diversas espécies e

são desajeitados o suficiente para sempre acabarem com o dedo espetado

por espinhos; sinais claros de que estavam prontos para um

relacionamento.

Um ano depois, James e Jamie finalmente participam de um

casamento do qual não são convidados nem padrinhos. Naquele dia

feliz, sem saber como os dois tinham se conhecido ou sobre o interesse

botânico mútuo, o celebrante, que também é amante de poesia, cita estes

versos da “Elegia”, de Gray: “Muitas flores nascem sem ser notadas/ E

desperdiçam toda a sua doçura no ar do deserto.” Aquela doçura não foi

desperdiçada em James nem em Jamie. Ela durou além do romance

extraordinário, durante os conflitos normais e na vida de almas gêmeas.

Eles descobriram que o amor é capaz de sobreviver às profundezas de

qualquer cataclisma durante o tempo que for.

Essa história se desenvolveu a partir de coincidências, que também

são exemplos da sincronicidade; ou seja, uma coincidência ou

oportunidade significativa, já que promove e concretiza o destino de

duas pessoas. Trata-se de coincidência que tanto James quanto Jamie

tenham tido má sorte semelhante no campo do namoro? Ou será que

isso aconteceu para que ficassem reservados um para o outro? Trata-se

de uma coincidência que James, “sem nenhum motivo aparente”, ou

seja, não por causa de uma lógica racional, mas por alguma fonte
intuitiva mais profunda, tenha pegado um caminho diferente, decidindo

passar pelo lugar onde Jamie trabalhava? Ou será que se trata da

afirmativa “Algo está sempre em ação, embora não saibamos o quê”?

Será que Jamie aceitou aquele emprego porque seria por intermédio dele

que conheceria James? Quando James começou a se interessar por

ciclismo, será que estava se preparando para conhecer a futura esposa?

Será que se trata de uma coincidência que, desde a infância, os dois

amem cactos? Ou será que o relacionamento invisível deles começou

muitos anos antes de se conhecerem, com os eventos se repetindo e se

alinhando para tornar o encontro possível? Será que havia algo

desconhecido em ação, incubando de forma cuidadosa e misteriosa uma

união que só poderia ser boa para duas pessoas boas? Será que o

universo está do nosso lado e tão bem calibrado a ponto de fazer um

cacto florescer precisamente no dia em que duas pessoas possam vê-lo e,

assim, se conhecerem? E como o celebrante do casamento, que conhecia

tantos poemas, escolheu exatamente aquele para a cerimônia dos dois?

Um ótimo poema beneficia uma longa lista de pessoas de gerações

futuras. Será que o poeta o escreveu para eles?

Tanto a razão quanto a lógica dizem que tudo isso não passa de mera

coincidência. No entanto, algo destemido e infinito profundamente

arraigado na psique honra tudo o que aconteceu como parte de um plano

maior do universo, articulado para a realização de vidas individuais.

Agora, perceba como, na história, uma realização pessoal exigiu a

participação da natureza. Os métodos humanos, ou seja, sites de

encontros, festas etc., falharam em suas funções para que, assim,

entrasse em ação algo maior do que qualquer coisa que o ego pudesse

construir. É fácil ver por que pessoas de todas as idades acreditam que o

amor rege o universo.

A sincronicidade significa que nada nem ninguém existe em

isolamento. O passado de James e de Jamie se encontrou no presente,

dando início ao futuro deles. A série de coincidências que levou ao

encontro deles uniu as camadas do tempo; e, de fato, a sincronicidade

significa que o tempo se aglutina. Note também como a sincronicidade é


visível apenas quando pensamos em retrospecto. Não temos como

antecipá-la ou planejá-la, e é possível desconsiderá-la.

O nome do jovem casal também é muito parecido, mas isso não se

trata de sincronicidade. Não passa de uma simples coincidência, uma

vez que não foi isso que os levou ao próprio destino. A sincronicidade

acontece quando eventos, natureza e pessoas se unem com o intuito de

tornar aparente o que está oculto, de trazer para o consciente o que

estava antes no inconsciente, de fazer com que o que havia em nós

apareça através de nós, de tornar total e facilmente acessível o que estava

além do escopo e do toque do ego; podendo constituir o vento isolado

que fará toda a diferença. E isso, inclusive, faz flores se abrirem no

deserto.

Prática

faça o trabalho | Na seção “Candidatos qualificados para

relacionamentos”, apresentada anteriormente neste capítulo, um critério

para se tornar um candidato é fazer metade do “trabalho” necessário

para se tornar uma pessoa psicologicamente saudável. O casal pode

olhar a lista a seguir e registrar, cada um em um caderno ou diário, o

progresso em cada item. Conversem sobre tudo posteriormente, como

testemunhas, não como juízes. Vocês não estão tentando mudar nem

convencer um ao outro, mas descobrir em que nível cada um de vocês

está pronto para um relacionamento saudável por meio de uma entrevista

mútua. O potencial de sucesso de um relacionamento é diretamente

proporcional a estas dez áreas de trabalho que fazemos ao nos tornarmos

adultos maduros.

1. Lidar com questões da infância. Lembrar-se da infância e

pensar como esse período afeta a vida agora, em especial seu

impacto em nossos relacionamentos: como agora estamos

transferindo nossas questões com nossos pais para os outros,

como nossas necessidades originais foram ou não satisfeitas,


quais medos ou atitudes negativas absorvemos, se fomos criados

em uma atmosfera de segurança, confiança e amor ou se

sofremos abusos ou fomos negligenciados. James Hollis, no

livro Finding Meaning in the Second Half of Life (Encontrando

sentido na segunda metade da vida, em tradução livre),

escreveu: “Não é um defeito ter uma região infantil na nossa

psique, pois todos somos crianças em recuperação, mas é

censurável impor sua história de impotência e narcisismo ao

atual ser amado.”

2. Ter autoestima. Continuar nosso desenvolvimento com um

senso de valor, autoconfiança, autoconhecimento, foco

responsável nos objetivos, assertividade saudável, respeito aos

limites.

3. Libertar-se do ego inflado. Foco em libertar-se do egoísmo, ou

seja, deixar de ser autocentrado, não ter o mindset de que deve

sempre ser o primeiro, deixar de agir de forma controladora, ser

capaz de aceitar um feedback sem entrar na defensiva, ser capaz

de perdoar e não adotar um estilo vingativo.

4. Dar e receber os cinco As. Atenção, apreço, aceitação, afeto e

admissão, ou seja, todas as formas de demonstrar amor sem

inibição para recebê-lo e com generosidade para dá-lo.

5. Libertar-se do medo. Não se deixar prender pelo medo de

relacionamentos; por exemplo: medo da proximidade, medo do

compromisso, medo de mostrar seu verdadeiro eu, medo da

vulnerabilidade, medo do abandono, pois tudo isso resulta em

carência e fixação.

6. Agir com integridade ética. Viver de acordo com padrões de

honestidade, comprometimento à fidelidade e ao amor em ação

(consulte “Formas de mostrar integridade e amor”, na seção de

prática ao final do Capítulo 8).

7. Sentir-se à vontade com sentimentos. Ser capaz de mostrar

todo o espectro dos nossos sentimentos de forma livre e não


agressiva, incluindo alegria, raiva, medo e tristeza, e ser capaz

de se abrir para o sentimento dos outros.

8. Lidar com conflitos. Ao abordar, processar e resolver conflitos,

em vez de projetar nossas atitudes negativas um no outro, temos

que ter a consciência de que temos um lado sombrio, ou seja,

aquelas partes de nós que são socialmente inaceitáveis e, dessa

forma, não reconhecidas.

9. Ter uma atitude saudável em relação ao sexo. Ter a

capacidade total na área sexual para que o sexo seja desinibido e

que reflita alegria, intimidade e carinho, nunca sendo usado

como uma arma ou uma forma de manipulação.

10. Dizer sim para a realidade. Viver as coisas com calma, sem

tanta precipitação a ponto de acarretar uma desestabilização;

aceitar os acontecimentos da vida com serenidade e sanidade,

por mais estressantes que sejam; ter tranquilidade para encontrar

coragem e enfrentar o que precisa ser mudado e sabedoria para

saber a diferença.

Não estamos em busca de perfeição em nenhuma dessas áreas. Só

desejamos progredir de alguma forma em cada uma delas. Isso significa

já ter se esforçado um pouco, continuar se esforçando e continuar com

esse comprometimento no futuro. Tudo isso significa fazer pelo menos

“metade do trabalho”. Integrar os dez componentes de forma contínua,

mesmo que lenta, é o que define que alguém está pronto para um

relacionamento.

Se um par potencial nem sequer olha para essas questões,

debochando delas como se fossem “psicobobagens da nova era”, e então

afirma que não existe um “trabalho em si mesmo”, desvaloriza qualquer

um dos dez itens ou diz que não se aplicam a ele, nossa conclusão é

clara: essa pessoa não é candidata a um relacionamento saudável. Nós

mesmos talvez estejamos tão apaixonados que criamos desculpas para

uma rejeição da lista: “Sim, meu par está acima de tudo isso e não

precisa levar nada disso a sério.” Com essa atitude, continuamos no


relacionamento por nossa conta e risco. O melhor prognóstico para que

um relacionamento funcione é que cada pessoa que compõe o casal

responda aos dez itens com qualquer uma das três primeiras opções a

seguir e nunca com a última:

“Já trabalhei um pouco nisso, e foi assim que…”;

“Sei que preciso fazer mais e vou fazer, mas foi isso que…”;

“Não cheguei a me dedicar a isso ainda, mas reconheço o valor

dessa dedicação, por isso planejo fazer o seguinte…”;

“Nunca trabalhei nisso e não vejo por que fazê-lo.”

Os casais também encontrarão nesse exercício utilidade para verificar

o nível de comprometimento de cada um em relação à integridade

psicológica. Nós avisaríamos se nosso par não tivesse hábitos saudáveis.

Será que não podemos fazer o mesmo em relação aos hábitos ligados à

saúde psicológica?

Aqui está mais uma prática: com os olhos fechados, imagine que

você está sozinho fazendo o que lhe traz felicidade e paz de espírito.

Observe onde está, a sua postura, o que está sentindo, seu senso de

segurança e amparo. Quando tiver apreciado a cena, imagine-se

pensando no seu par. Como a sua postura, seu nível de segurança e de

amparo, seu sentimento de felicidade, criatividade e seu entusiasmo pela

vida mudam?

compare desejos | Você tem ou deseja um estilo de vida cara a cara

ou um estilo de vida lado a lado? Se você levantar as mãos de modo que

uma palma fique voltada para a outra e depois virar as mãos para fora,

de modo que fiquem lado a lado com os polegares quase se tocando, terá

uma ideia de cada um dos estilos. Se as duas pessoas do casal

concordarem no estilo de vida, a vida pode seguir de forma tranquila.

Mas, se cada um quiser um tipo de configuração, surge o conflito.

Mantenha uma das mãos virada para a outra e vire a segunda para a

frente e, assim, você verá o problema de forma bem clara. Agora una as
costas das mãos, uma contra a outra, com as palmas viradas para fora e

você verá um exemplo de distanciamento. Que posição descreve a sua

situação?

Se o seu relacionamento é do tipo “palmas voltadas para fora”, os

polegares ainda estão se tocando ou já se separaram e agora você e seu

par estão cada vez menos juntos? Isso costuma acontecer em

relacionamentos nos quais a ênfase está na liberdade individual. O

compromisso durante o relacionamento é saudável. Quando o

compromisso favorece a autonomia, a distância pode crescer. Quando o

compromisso favorece a ligação, a intimidade cresce. Onde vocês se

encontram nesse relacionamento? Medite a respeito dessas questões e

mostre sua resposta para o seu par, sem que isso implique qualquer tipo

de censura. Trace um plano para que vocês se alinhem de forma mais

satisfatória. Se não conseguirem isso, considerem procurar a ajuda de

um terapeuta.

Ao manter as porcentagens de suas necessidades em relação ao tempo

que precisam passar sozinhos e o tempo que precisam passar juntos, os

adultos criam um estilo de vida. Por exemplo, se cada um quiser passar

50% do tempo juntos, isso logicamente implica a existência de

interesses externos. Responda a estas perguntas no seu caderno: você

tem interesses e hobbies? Você se ressente do seu par por ter foco fora

do relacionamento? Vocês pensaram nessas questões ao resolver a

equação do relacionamento?

você consegue responder “sim” a estas perguntas? | Seu par

consegue se concentrar em você e responde às suas necessidades? Está

trabalhando em si mesmo? Ama você de forma saudável, em oposição a

uma necessidade desesperada? Cumpre os acordos? Colabora para que

possam superar os obstáculos juntos? Vocês se sentem felizes juntos em

mais da metade do tempo? Seu par consegue lidar com seus pontos

fortes, seus sentimentos e sua liberdade? Você se sente amado daquela

forma especial que é única para você e sente isso no seu corpo? Você
pode compartilhar com essa pessoa tudo que incomoda, excita ou alegra

você?

Se você consegue enxergar a diferença entre um bom par e um não

tão bom, mas não consegue abrir mão de alguém que é errado para você,

e se você comete os mesmos erros com um par atrás do outro ou se você

é a vítima de um predador depois do outro (de forma voluntária ou não),

peça a alguém de confiança que seja o seu padrinho/madrinha de

relacionamentos. (Todos nós precisamos de consultores, defensores e

padrinhos no decorrer da vida.) Essa pessoa vai monitorar seus

relacionamentos, avaliando todos os possíveis pares, já que você admitiu

que seus poderes de avaliação são fracos. Essa sugestão incomum faz

mais sentido do que parece.

use a técnica do “mesmo que” | Responda sim ou não em voz alta

para as perguntas a seguir. Você comeria morangos deliciosamente

doces se fosse alérgico à fruta? Comeria cogumelos que parecem

deliciosos se soubesse que são venenosos? Você tentaria ler um livro que

parece interessante se tivesse sido escrito em um idioma que não

entende? Ficaria em um relacionamento com alguém que você ama se

estivesse infeliz?

Você culparia os morangos pela sua reação alérgica, os cogumelos

por envenenarem você ou o livro por causar confusão? Você culpa o seu

par pela sua infelicidade?

Vamos dar uma olhada nas perguntas. Cada uma oferece vantagens,

mas todas apresentam um sério problema, que constitui um

impedimento. Adultos conseguem abrir mão de coisas boas se algo ruim

tiver um peso maior sobre as demais: “Mesmo que eu seja louco por

você e você seja um ótimo provedor, não posso ficar com você enquanto

continuar mentindo para mim e recusando ajuda.” Você se sente

seduzido pelas vantagens de um par enquanto desconsidera, nega ou

mente para si mesmo sobre as desvantagens de ter esse par na sua vida?

Ou você age de acordo com a verdade, mesmo que preferisse não ter que
fazer isso? Quanta tolerância e autocuidado com sua tristeza são

necessários para que desconsidere este “mesmo que”?

Aqui estão palavras de uma pessoa adulta: “Mesmo que você me

satisfaça sexualmente, mesmo que já estejamos juntos há tanto tempo,

mesmo sem saber se vou encontrar outra pessoa, sou obrigado a abrir

mão de você porque você não me conhece no nível da alma ou em um

nível adulto. Falta algo essencial e eu não consigo continuar.” Essas

palavras seriam ditas com pesar, não com acusação.

Aqui estão palavras de uma pessoa codependente: “Como você me

satisfaz sexualmente, como já estamos juntos há tanto tempo, como não

sei se vou encontrar outra pessoa, eu não consigo abrir mão de você,

mesmo que não me conheça no nível da alma ou em um nível adulto.”

Crie a sua declaração “mesmo que” usando uma formulação adulta:

“Mesmo que… já que… desse modo, eu…” Aplique essa técnica sem

ter nada em comum, por exemplo. Somos capazes de amar alguém e

saber que essa pessoa corresponde ao nosso amor, mas, se ela não é

companheira nem tem interesse nas coisas pelas quais somos

apaixonados, uma solidão persistente vai tomar conta do

relacionamento. Você se atreveria a dizer: “Nem em uma amizade

sincera nem na intimidade autêntica você oferece aquilo de que preciso.

Então, mesmo que satisfaça muitas das minhas necessidades, eu vou

desistir de você porque você não satisfaz as mais essenciais.”

promessas/rejeições | Pergunte-se: Minha promessa de

comprometimento para com meu par exige que eu rejeite alguma parte

de mim? Façam as perguntas a seguir um para o outro. Será que

conseguiremos encontrar formas de trabalhar separadamente nas nossas

descobertas interiores, as quais nós dois precisamos fazer antes de

conseguirmos satisfazer adequadamente a necessidade um do outro?

Será que você consegue me dar esse espaço? Será que consigo admitir

que você tenha esse espaço? Será que posso confiar que você ainda

estará ao meu lado quando eu voltar intacto e pronto para o contato?

Será que eu também estarei ao seu lado? Ou será que nossas


necessidades urgentes da infância ou nosso desejo por drama serão tão

intensos que vão corromper ou anular todo esse empreendimento

comovente? Será que estamos genuinamente comprometidos a realizar o

trabalho necessário para proteger nosso relacionamento?

faça um inventário sexual | Em seu caderno ou diário, faça um

inventário dos seus próprios comportamentos sexuais no decorrer de

toda a sua vida e se pergunte se ainda está satisfeito com eles. Como

você oferecia/encontrava e oferece/encontra o espelhamento no sexo? No

seu relacionamento atual, você procura e oferece fusão sem intrusão, ou

seja, intimidade sem possessividade? Fez isso no passado? Você

sexualiza sua necessidade por amor? Está em busca da pessoa que pode

levar você aos limites mais extremos do prazer ou a pessoa que toca

você no âmago mais íntimo?

abra janelas | Desenhe um aposento quadrado, visto de cima, com

uma janela em cada uma das paredes. Marque as janelas com a ajuda de

uma bússola. Sob a palavra Leste, onde o sol nasce, escreva três coisas

na sua vida que estão surgindo agora. Sob a palavra Oeste, onde o sol se

põe, escreva três coisas da sua vida que estão chegando ao fim. Sob a

palavra Norte, escreva três coisas da sua vida que estabilizam e orientam

você, como a Estrela Polar. Sob a palavra Sul, escreva três coisas da sua

vida que estimulam sua espontaneidade e criatividade, o tipo de abertura

que acontece quando se está no calor ameno do Sul. Você fez um

desenho de uma mente humana saudável, um espaço claro que se abre

em todas as direções possíveis sem obstruções, distrações ou medo.

Imagine-se sentado, com mindfulness, no meio do aposento, virando-

se alternadamente para cada uma das quatro janelas. O desafio é olhar

para o Leste com a disposição de aceitar o que está por vir; olhar para o

Oeste com a disposição de se libertar; olhar para o Norte mantendo sua

prática espiritual; e olhar para o Sul com a criatividade sempre

animadora da reinvenção da sua vida.


Agora, pergunte-se se a sua psique é um aposento com aberturas

como as que você desenhou. Como você encontra cada uma dessas

janelas? Quem ajuda você a abri-las e quem tenta fechá-las? Quando

você diz “E lá vou eu!”, quem diz “Calma aí” e quem diz “Manda ver!”?

Anote suas respostas no caderno e compartilhe-as com seu par, e com

seja lá quem for seu anjo da guarda, ou bodisatva, que fica de prontidão

do lado de fora de cada uma das janelas.


4 | ALTO ROMANCE

uma vez einstein disse que, se olhássemos profundamente para a

natureza, compreenderíamos nossa história humana. A natureza é

constituída por ciclos, e nossa vida faz parte da natureza. Ainda assim,

nos esforçamos para manter o amor como algo imutável, para fazê-lo

continuar do jeito que é ou da forma que queremos que seja. Isso

equivale a esperar que uma rosa esteja sempre em plena floração, ou

seja, sem antes ser um botão e sem murchar mais tarde. O estilo da

natureza, por outro lado, é apenas dar continuidade às transformações e

confiar no renascimento. O objetivo dos seres humanos é bem parecido:

manter-se no amor com todas as suas vicissitudes, do brotar ao florescer,

depois à esterilidade e, então, de volta ao brotar. “Que o hálito do estio

amadureça este botão de amor, para que ele possa numa flor transformar-

se delicada, quando outra vez nos virmos”, diz Julieta, personagem de

Shakespeare. A rosa de um relacionamento tem pétalas no romance,

espinhos no conflito e raízes no comprometimento. E nós podemos

aceitar tal rosa, com suas pétalas dobradas e se abrindo, seus espinhos

que nos arranham, mas também nos abrem.

Todas as nossas experiências e níveis de interesse seguem uma curva

em forma de sino: ascendente, culminante/florescente e descendente.

Essa figura geométrica expressa o que é certo da vida humana: tudo é

mutável e nada é permanente. Desse modo, o crescente interesse por

alguém culmina no romance, desce para o conflito e, por fim, repousa no

compromisso. O amor é autêntico quando permanece intacto no decorrer

de todas as fases de mudança. Relacionamentos baseados apenas ou

principalmente na atração física ou sexual não são capazes de passar por

tais curvas de negociação.


A fase ascendente, por definição, leva a um cume, ou seja, à fase

florescente, a qual nos seduz com a ilusão de imutabilidade. O

mindfulness é suspenso em favor de uma fixação. E isso nos leva à etapa

de conflito. Já o diálogo e o processamento que acontecem na resolução

saudável da etapa do conflito pavimentam o caminho para o

comprometimento. Uma fase evolui naturalmente para outra. A curva

recomeça e volta a ascender de uma nova forma.

É reconfortante saber que relacionamentos passam por etapas. Afinal,

se permanecessem sempre imutáveis, será que não ficaríamos entediados

e seríamos entediantes? As fases do relacionamento humano envolvem

passagens de origem, mudança, perda, pesar e renovação. Elas não são

lineares; entramos e saímos delas, e sua ordem varia. O objetivo dos

relacionamentos não é aguentar (o que em latim significa “endurecer”).

Quando tentamos ficar firmes e aguentar, o relacionamento muda e nos

deixa para trás. Quando aceitamos e trabalhamos no decorrer das

mudanças, evoluímos em sincronia com o relacionamento. Nosso

objetivo é, então, aproveitar as mudanças e crescer por causa delas, usá-

las para moldar nossa transformação pessoal. O ato de não trabalhar

juntos nas mudanças torna o relacionamento um caldeirão em vez de

uma moldura.

Essas etapas caracterizam todas as experiências humanas, não apenas

os relacionamentos íntimos, mas também o vínculo entre pais e filhos,

as amizades e as relações religiosas. O modelo da jornada heroica se

baseia nas mesmas fases: partida, luta e retorno. O herói parte — ou se

liberta — das restrições. Ele se separa e, depois de uma luta, busca

voltar com um nível superior de amadurecimento. A não ser que

interrompamos o processo, instintivamente passamos pelas mesmas

etapas. Elas são a planta baixa da nossa psique. Quando uma etapa é

omitida, deixa uma lacuna dentro da gente. Posteriormente na vida, essa

lacuna se torna um vácuo que exige ser preenchido. Por exemplo, todo

mundo parece precisar de um período de obediência durante a infância.

É uma característica do apego saudável. Crianças criadas com liberdade

total e sem limites chegam à vida adulta com uma “lacuna de limites”.
Mais tarde, elas podem entrar para cultos ou movimentos com regras

rígidas porque esse vácuo que se formou dentro delas precisa, de alguma

forma, ser preenchido. Esse vácuo afeta nosso julgamento de maneira

que essas pessoas talvez não enxerguem que o extremismo é tão

perigoso quanto qualquer coisa que desencoraja nosso crescimento.

E por que a minha jornada de amor deve passar por três fases para ser

completa? Porque elas são necessárias para dar e receber os cinco As.

Os cinco precisam florescer com uma fragrância intoxicante, que assim

será lançada pelos ventos e se arraigará com firmeza, portanto

ressemeando para um futuro contínuo. Desse modo, no romance

tradicional, dois egos conhecem dois ideais de ego em um amor ideal.

No conflito, dois egos se encontram em um amor conflituoso. No

comprometimento, duas pessoas se encontram em um amor sem ego.

As três etapas — romance, conflito, comprometimento — se referem

a um relacionamento em desenvolvimento. No entanto, antes de

embarcar em qualquer relacionamento, deve haver um período de

investigação. Até porque, antes de entregar nosso coração, queremos

descobrir se a outra pessoa é compatível. Afinal, sem dúvida não

compraríamos um eletrodoméstico sem verificar suas qualidades e

funcionalidades. Será que conseguimos ter o mesmo cuidado em relação

à pessoa com quem nos relacionamos?

Um adulto saudável começa um relacionamento de forma inquisidora

e observadora. Não perdemos a cabeça, e sim a mantemos no lugar.

Vemos, sentimos e confiamos que as seguintes qualidades estão no lugar

certo: fidelidade, sinceridade inabalável, capacidade de nos ouvir,

carinho genuíno, um comprometimento para conosco, respeito por

nossos limites, disposição para dar e receber os cinco As de forma boa o

suficiente na maior parte do tempo? Se sentimos qualquer mal-estar em

relação a alguma dessas áreas, seria bom comunicar tal preocupação

diretamente para o nosso par. Assim, podemos analisar a resposta.

Somos recebidos com abertura ou com defesa?

A forma como cada um de nós lida com os sentimentos do outro

constitui uma informação crucial para determinar se um relacionamento


tem futuro. A investigação é um ato de sabedoria, pois insiste em reunir

informações antes de assumir um compromisso que, posteriormente,

pode provar ter sido um erro. Se você tiver a mínima dúvida, é

importante esperar até que seja esclarecida antes de prosseguir. Nós,

adultos sábios, honramos fielmente o teste do tempo porque sabemos a

diferença entre amor e fascínio, mas, quando os hormônios estão em

ebulição, talvez não sejamos capazes de diferenciar:

Entre o amor de verdade e a atração do fascínio,

Existe, é claro, um vazio

Mas em um beijo assim sob o luar

Existe espaço para o erro frio.

Então, não tenho como saber

Se o que sinto por você

É verdadeiro ou coisa da imaginação.

AMOR CRESCENTE

O romance é um dos pontos altos da vida humana. Uma experiência

profunda e emocionante de alegria, que deve ser celebrada e apreciada

com grande satisfação. O motivo da alegria é bem simples: os cinco As

fluem nas duas direções. Estamos em um relacionamento com alguém,

dando e recebendo os As de forma simultânea. É isso que torna o

romance algo tão delicado, doce e desejável, independentemente da

nossa idade ou história. O truque é apreciar, assim como Ulisses

apreciou o canto das sereias: com grande prazer, mas em segurança.

Queremos ser encantados, sem sermos destruídos, enquanto

mergulhamos de cabeça. Isso significa apreciar o romance como um

participante presente e sem inibições, mas também como uma

testemunha sóbria e satisfeita. Nós nos apaixonamos, notamos que

estamos perdendo a cabeça por alguém, mas, ao mesmo tempo, a

mantemos no lugar.
O romance é algo real, mas temporário. Nós nos apaixonamos, mas

apenas por uma projeção de quem somos, e não pelo verdadeiro eu do

outro. Ainda não é um relacionamento entre mim e você, apenas entre

mim e meu eu interior. O lado sombrio do outro ainda não apareceu

nesse ponto. Só vemos o lado brilhante do espelho; o ego encontrou seu

ego ideal. Como diz o psiquiatra Irvin Yalom: “Em um romance, você vê

o reflexo do seu próprio olhar suplicante.” Afinal de contas, um espelho

só é capaz de nos mostrar uma imagem, não uma realidade. Essa é a

origem da expressão “O amor é cego”. Só que o amor não é cego; ele

enxerga e bate de frente com tudo. É o romance que pode ser cego

quando enxerga apenas o que precisa. Desse modo, podemos estar

apaixonados, mas ainda sem amar de verdade, ou seja, sem nos

comprometer a dar os cinco As, algo que só é possível quando uma

pessoa real nos conhece de verdade.

Mas nada disso representa um problema. Na verdade, é assim que os

seres humanos amam. Projeções são estabelecidas precisamente para

serem transformadas. Imagens são as placas de trânsito para a realidade.

E a sombra não precisa vir antes da luz. O mais importante, no romance,

por mais cego que seja, é que estamos sendo vistos em nosso potencial

pleno para sermos amados. O romance nos dá a chance de sermos

apreciados em toda a nossa grandiosidade. Isso é tão normal e legítimo

quanto foi na nossa infância, quando todo mundo nos paparicava. Uma

visão ideal que um amante pode ter de nós não é falsa: ela reflete quem

realmente somos no âmago do nosso ser. Se o amor romântico for

saudável, somos espelhados de forma que possamos melhorar nossa

autoestima.

Por outro lado, nosso primeiro romance pode nos prometer algo

sedutor: nossas necessidades originais até então não satisfeitas, os cinco

As, poderão finalmente ser realizadas! Essa talvez seja a ilusão mais

cruel do romance: “Posso sair ileso. Não preciso lamentar o que perdi no

passado; posso passar por essa etapa e encontrar, aqui nos seus braços,

tudo que perdi!”


Há duas formas de abordar o romance. Podemos nos apaixonar

enquanto todos os envolvidos mantêm a cabeça no lugar ou então eu

posso perder a cabeça por você. Perder a cabeça é se magoar ou correr

riscos. Também dizemos que perdemos tempo, perdemos o controle ou

perdemos o emprego. Apaixonar-se perdidamente implica impotência,

permissão para perder o controle, agir como um idiota, tornar-se cativo

das emoções, deixar-se levar como se tivesse perdido a capacidade de

raciocínio. O amor é um vínculo consciente, não um transe fascinante.

Ainda assim, o amor verdadeiro não acontece por acaso. Tampouco

somos suas vítimas passivas. Como resposta a uma atração, é necessário

fazer uma escolha. É certo que não temos nenhum controle sobre a

atração nem sobre a nossa reação inicial a ela. No entanto, depois disso,

escolhemos uma resposta atrás da outra e somos responsáveis por elas.

Temos sempre o poder de fazer essas escolhas de forma responsável e

consciente. Até porque, se puderem ser vivenciadas com mindfulness,

emoções fortes provocam fortes transformações. Isso significa

relacionar-se com um sentimento em vez de ser possuído por ele. A

atração simplesmente acontece, mas o amor é um processo que exige

nossa participação, uma forma única de nos realizar por meio de dar e

receber ao mesmo tempo. É uma forma de renascimento.

O romance floresce no desejo, enquanto o amor floresce na vontade.

No romance, pensamos: “Estou consumido por você; e você, por mim.

Estamos descobrindo, ou redescobrindo, os cinco As que tanto

buscamos em nosso relacionamento primordial. Sempre quis ser amado

assim. Agora que encontrei isso, nunca mais vou abrir mão, e acredito

que nunca vou precisar fazer isso porque sinto a potência do crescimento

do sentimento entre nós. E parece tão forte que só pode ser real e nunca

vai mudar.” No entanto, o cerne da ilusão está justamente nessa última

declaração: forte não é o mesmo que imutável, significa apenas

“enfático”.

O romance é uma experiência exuberante e valiosa a ponto de

podermos apreciá-lo sem que nos viciemos nele. O romance é a melhor

forma de começar um relacionamento e é uma ponte para um


comprometimento mais maduro. Mas não é surpresa nenhuma se não

durar. Trata-se de uma fase que constrói um vínculo, que não é maduro

por si só. A natureza criou o romance para unir duas pessoas para

acasalar, propagar a espécie e apoiar um ao outro. Nessa fase, a energia

sexual é alta, assim como a adrenalina. No entanto, níveis

continuamente altos de adrenalina baixam nossa resposta imunológica e

acabam prejudicando nossa saúde. Assim, pensando no melhor para nós,

o romance só dura o tempo necessário para o sexo e a procriação

acontecerem.

“Sei que ele pode ser carinhoso e próximo porque costumava ser

assim no início” é uma declaração que não leva em conta o poder que o

romance tem de suspender nossos medos de intimidade e de ocluir o

nosso lado sombrio para que nada atrapalhe a união sexual. Durante a

fase do romance, podemos ser enganados pela forma como as coisas se

parecem, e nos sentimos traídos quando o brilho desbota e o nosso par

volta a sentir os medos, as prioridades, os vícios e os instintos básicos

originais. Nosso par não estava mentindo, apenas se apaixonando e

perdendo a cabeça e a personalidade usual. Ele vai recuperá-la assim

que o baile terminar. Acontece também que, mesmo durante a fase do

romance, o medo da intimidade é mais forte do que o instinto. E é aqui

que precisamos ter ainda mais cuidado.

Quando somos adolescentes, aprendemos que a forma de dizer que

estamos apaixonados é por meio da nossa perda de controle e de vontade

e por meio de um senso irrefutável de que não tínhamos como fazer

diferente. Esse apaixonar-se perdidamente contrasta com a realidade do

amor crescente como uma escolha consciente, do afeto saudável, dos

limites intactos e da clareza brutal. Aprendemos que, em alguma noite

encantada, sentiríamos um fascínio e nos apaixonaríamos perdidamente

por alguém especial. Mas esse tipo de reação, na verdade, é um sinal da

criança carente que vive dentro de nós, dizendo no que precisamos

trabalhar, sem nos direcionar para o nosso salva-vidas.

Talvez acreditemos piamente que o nosso relacionamento excitante é

especial. Dizemos: “Nunca foi tão emocionante assim”, “O sexo nunca


foi assim”, “Temos um vínculo eterno”, “Você é como se fosse da minha

família e nunca vamos nos separar” ou, o agora popular, “Estivemos

juntos em uma vida pregressa”. Estes são todos os sinais e alarmes que

achávamos que queria dizer: “É amor de verdade, então vamos

mergulhar de cabeça!” Esses sentimentos, na verdade, são o alarme que

nos avisa para sermos cuidadosos e que apontam onde deveríamos

trabalhar em vez de tomar um atalho. E como podemos nos deixar

enganar quando estamos animados diante da chance de ter os cinco As

satisfeitos, não é mesmo?

Mas também conseguimos sentir a animação do romance sem nos

deixar enganar ou preparar o terreno para a decepção. Como podemos

fazer essa distinção? Relacionamentos saudáveis levam a uma

interdependência; os não saudáveis levam à dependência e ao domínio.

A eletricidade de uma premissa falsa toma a forma de um choque. Já a

eletricidade de uma premissa verdadeira toma a forma de uma corrente

elétrica constante. O choque nos deixa esgotados, mas a corrente elétrica

se mantém em movimento através de nós.

Nada disso nega o esplendor do romance e da paixão. A paixão é um

estado espiritual de alta voltagem. Ela nos obriga a abrir mão do

controle, nos ajuda a amar de forma incondicional e facilita o perdão.

Esse tipo de atmosfera cria o paraíso aqui na Terra, algo como um

ambiente acolhedor que conhecemos na infância ou não chegamos a

conhecer. A sensação de outro mundo, de uma força irresistível, do

tempo parar, de existir algo em andamento que não está no controle do

ego, tudo isso são sinais divinos. As palavras que usamos para descrever

o romance muitas vezes são religiosas e vêm de um vocabulário do

sobrenatural. Frases do tipo “Os olhos dele brilharam” ou “Nunca a vi

tão linda” falam de uma realidade espiritual que transcende e ao mesmo

tempo envolve as nossas sensibilidades. Até mesmo a expressão banal

“juntos em outra vida” dá uma pista para a nossa intuição de que algo

poderoso e abençoado está acontecendo. O romance nos transporta para

o mundo da alma, por isso nosso par é chamado de alma gêmea.


Sentir tristeza no fim dessa fase é apropriado, mas, em geral, não

aborda, processa nem resolve a questão. É bem comum que, quando “a

emoção acaba”, ela se transforme em culpa e decepção ou até mesmo

em raiva. De forma paradoxal, quando as pessoas que compõem o casal

sentem essa tristeza juntas, elas fortalecem o vínculo, e essa primeira

tristeza que confrontam juntos pode muito bem ser o fim do romance.

A gratidão mútua pelo apoio no tratamento e a negociação nas etapas

levam a um comprometimento crescente e respeito mútuo. Pular uma

das etapas estabelece uma conexão madura com uma condição básica da

nossa existência humana, que é a natureza sempre em mutação e

renovação da realidade. “O maior risco é confiar que essas condições

são tudo de que preciso para ser eu mesmo”, disse o sábio taoista Han

Hung.

Na verdade, existe uma etapa que antecede o romance. É a

investigação, abordada no capítulo anterior. Esse é o momento de pedir

informações de todos os tipos, perguntar sobre relacionamentos

passados, o que funcionou e o que não funcionou neles. Afinal, um

sábio minerador de ouro quer chegar a uma conclusão antes de gritar

“Eureca!”. Ninguém pensa em contratar um candidato para um trabalho

sem antes verificar as referências e sem conduzir uma entrevista de

emprego cuidadosa. Ainda assim, nós “contratamos” um par sem fazer

muitas perguntas e ouvimos apenas algumas partes do nosso corpo, as

quais nem sempre fazem a avaliação mais inteligente, ou nossos

sentimentos, que dizem mais sobre nossa carência do que sobre as

qualidades da outra pessoa. Aqui está uma paráfrase de uma cena de As

aventuras de Robin Hood, filme de 1938:

srta. marian: Como você sabe que está apaixonada?

bess (sua criada): As pernas ficam bambas, e você perde o

apetite.

srta. marian (mais tarde, falando para Robin Hood): Eu

amo você, mas, por ora, permanecerei aqui, a serviço da


Inglaterra, em vez de partir com você.

Bess descreve o romance que desconsidera tudo, a não ser as

sensações. A srta. Marian, por sua vez, descreve o amor que respeita

tanto o sentimento passional quanto as prioridades sensatas. Ela se

apaixonou e não se tornou menos consciente de seu propósito de vida. O

amor crescente dela a tornou ainda mais consciente dos próprios

valores, desejos e necessidades. O amor é a nossa identidade, e o amor

saudável é como o colocamos em prática.

QUANDO O ROMANCE VICIA

Posso não esperar formas externas para vencer

a paixão e a vida, cujas fontes estão dentro de mim.

— Samuel Taylor Coleridge, “Melancolia: uma ode”.

À primeira vista, o vício em relacionamento parece exatamente a fase

romântica de qualquer relacionamento. A diferença é que o romance é

uma fase apropriada, ao passo que o vício desafia o fluxo e se fixa no

cume da empolgação e do drama. O romance segue seu curso; o vício

nos faz parar e nos paralisa. O vício é insaciável porque, no fim das

contas, a satisfação flui do movimento de se passar da curva da euforia

para o repouso, ao passo que o vício se prende ao cume da empolgação.

O vício também desperta sensação igual à do amor incondicional:

“Não importa quanto ela me traia, eu ainda a amo, mesmo depois de

todos esses anos.” (“Todos esses anos” é uma pista de que houve uma

interrupção do ciclo natural.) No entanto, no vício, em vez de

estabelecer um vínculo, estamos nos prendendo. Lembram-se do livro O

morro dos ventos uivantes, que é considerado uma grande história de

amor? Bem, na verdade trata-se de uma grande história de vício no

relacionamento. Cathy não consegue abrir mão de Heathcliff, embora ele

lhe cause tanto sofrimento; e Heathcliff, por sua vez, não consegue abrir

mão de Cathy, mas também não consegue ficar com ela.


Em relacionamentos adultos, estabelecemos vínculos do mesmo jeito

que fazemos na infância. Se houve algum vínculo disfuncional nessa

fase, talvez ainda sejamos alvos fáceis para formar vínculos viciantes na

vida adulta. Uma memória celular da infância desperta um reflexo

celular em nosso eu adulto. Da paisagem marinha vazia do nosso

passado, espiamos em busca de uma ilha paradisíaca. Então

encontramos tal ilha e a supervalorizamos, desvalorizando, dessa forma,

as necessidades autênticas do nosso eu que lá está perdido. Essas

necessidades são os cinco As, que devem ser satisfeitos no amor atento.

No vício, estamos buscando uma versão rudimentar de um dos As; por

exemplo, uma necessidade de afeição ou toque que parece uma

necessidade por sexo.

Há ainda outro problema com o vício: tanto a rejeição quanto a

aceitação acionam a produção do mesmo hormônio: a adrenalina. Desse

modo, a adrenalina nos vicia tanto indo quanto vindo; e assim

continuamos viciados mesmo durante o término do relacionamento.

Podemos conseguir uma dose do nosso par, mesmo enquanto o estamos

deixando. Esse tipo de vício costuma seguir o padrão de “sedução e

retenção”. Primeiro, atraio a pessoa para mim e, depois, eu me afasto.

Em seguida, a pessoa faz o mesmo comigo. Em qualquer tipo de vício,

sentimos ao mesmo tempo medo e desejo. Libertar-se disso constitui

uma iluminação espiritual; então podemos concluir que o vício é uma

doença espiritual, principalmente porque envolve a busca daquilo que

está além da mudança. Este verso de um poema de Rumi expressa isso

de forma perfeita: “Meus prazeres eróticos com minha pessoa especial

tecem cada um dos véus da minha vida.”

Isso significa que vemos as pessoas não como elas realmente são,

mas como imaginamos, desejamos ou acreditamos que sejam. Não nos

apaixonamos pela pessoa real, mas pela imagem que criamos dela em

nossa mente. Quando a pessoa real surge, e a nossa própria versão

daquela pessoa se desbota, imaginamos que o amor acabou. Para

começo de conversa, no entanto, o sentimento não era amor, porque

começou em nossa própria mente, e não na realidade. O objeto do nosso


amor não era uma pessoa, mas uma miragem. Quando vemos a pessoa

real e a aceitamos, com seu lado sombrio e tudo mais, sentimos e

encontramos o objeto do amor verdadeiro.

Um vício em sexo ou em relacionamento nunca é unilateral. Uma das

partes pode sentir uma atração mais forte do que a outra, mas, quanto

mais uma delas é desejada, mais amada a outra se sente e mais controle

tem sobre quanto vai ou não corresponder. Com um vínculo (ou até uma

amarra) tão doloroso, uma pessoa assume uma abordagem direta, e a

outra recorre a um padrão indireto de sedução e afastamento. Nunca

estamos sozinhos no palco. O outro membro do elenco está sempre

representando seu papel.

Desse modo, o objeto do nosso vício passa a ter um poder superior

sobre nós, ou seja, entregamos para nosso par a nossa vontade e a nossa

vida. Esse foco de reverência em uma pessoa e na história dela e/ou em

como consertá-la pode ocupar a nossa mente por anos a fio. Todo o

tempo que poderia ter sido dedicado a uma prática espiritual, a buscas

criativas ou à dança solta é absorvido pela grande fixação. É assim que o

“credor voraz” do vício esvai todo o nosso potencial, podendo nos

arrastar para “uma desmoralização incompreensível”, como diz o

programa dos Alcoólicos Anônimos.

Em um relacionamento saudável, nós nos conectamos, mas não nos

fixamos. Só podemos ter, de fato, aquilo que não nos tem. Isso nos leva à

grande ironia do relacionamento viciante: nós nos fixamos e, dessa

forma, não temos. A segunda ironia é que, quanto mais dependemos de

alguém para nos sentirmos seguros, menos segurança sentimos. Às

vezes, chega a ser assustador perceber o impacto que um par passou a ter

em nossa vida e pensamentos. Podemos reagir com atitudes

contrafóbicas, como nos aproximarmos ainda mais! Homens viciados

em mulheres podem se perguntar: “Será que eu uso mulheres para

segurar aquela parte de mim que duvido que consiga ficar de pé

sozinha?”

Na trajetória misteriosa da nossa vida, podemos sair de um foco,

crise ou fascínio para outro. Dezoito anos de foco nos filhos, vinte anos
em uma carreira, catorze em um vício físico, sete em uma obsessão por

um par; é possível que cada um desses períodos, alguns dos quais são

sobrepostos, sirva para nos manter bem longe da nossa vida interior

própria. Tememos não ter nada entre nós e o nosso eu. Nossa vida

interior parece um vazio aterrorizante quando, na verdade, é constituída

por um espaço tremendo. A meditação com mindfulness abre esse

espaço para nós, mostrando que ele não é nem um pouco assustador. O

mindfulness nos liberta do medo que nos leva ao vício.

Desejos viciantes não precisam sinalizar fraqueza, doença ou

inadequação. Todos nós podemos cair neles. O fato de que o amor

indesejado aumenta nosso desejo é uma constante do relacionamento.

Na verdade, o tema de fixação viciante é recorrente no decorrer da

história. Não estamos sozinhos no mistério da alegria no sofrimento.

Sentir compaixão por nós mesmos e enxergar nossas dificuldades com

deleite e sem vergonha, remorso ou malícia dará ao nosso drama

humano um final feliz.

O vício parece ter muito pouco a recomendar, e ainda assim

apresenta muitas dimensões positivas. No decorrer dos nossos vícios,

descobrimos onde estão nossas perdas da infância, nossas necessidades

não satisfeitas, nosso sofrimento não curado. Descobrimos quanto

somos carentes, destituídos e desprezados. Descobrimos nossa

verdadeira condição, e isso resulta em certa humildade. Essa é outra

forma como o vício pode se tornar um caminho para um despertar

espiritual: ele nos ajuda a nos libertar do ego, aquele hábito de acreditar

que controlamos nossos desejos, emoções e necessidades. Desse modo,

o sofrimento do vício não é ruim nem inútil. Ele nos inicia na grande

profundidade da autocompreensão. Um universo síncrono recruta

exatamente a pessoa que vai nos fisgar, puxar e afundar, se essa for a

única forma de seguirmos nossa jornada. Foi esse mesmo universo que

formou o tornado para que Dorothy pudesse encontrar seus poderes. A

sublevação é um arremessador habilidoso que nos lança a bola da nossa

própria verdade.
Por fim, o vício revela a nossa perseverança, o nosso vigor para ir

atrás daquilo que queremos. Embora seu objeto seja inadequado, nosso

foco obcecado nele mostra que temos as ferramentas para prestar

atenção e ir atrás. Isso constitui habilidades maravilhosas para a

intimidade, as quais simplesmente aguardam para serem realocadas.

Eis o paradoxo dos seres humanos: buscamos o que não podemos

receber daqueles que são incapazes de nos dar. Nós nos fixamos de

forma desesperada e ineficaz àquilo que não é capaz de nos dar o que

achamos precisar.

COMO É AMAR?

Será um coquetel, toda essa alegria que sinto

Ou será um sentimento genuíno?

— Cole Porter, “At Long Last Love”

O amor pode ser confundido com o apego que é bem recebido pelo par,

com o desejo sexual que é satisfeito pelo par ou com a carência que é

resolvida pelo par. O amor pode ser confundido com dependência,

rendição, conquista, submissão, dominação, gratificação, fascinação,

sofrimento ou vício. Talvez eu ache que amo você porque você me ama

ou porque não vai me deixar ou não vai permitir que eu me sinta

sozinho ou até porque não vai me fazer sentir nada. Talvez eu ache que

amo você e diga isso com paixão quando, na verdade, estou apenas

reagindo à forma como minhas próprias necessidades são atendidas por

você. Talvez eu diga “Amo você” quando simplesmente quero dizer

“Estou fixado em você e me sinto muito bem com isso”.

Podemos confundir o amor por causa dos bons sentimentos que

surgem em nós quando estamos apaixonados ou porque acreditamos que

possuímos um ao outro. Os cinco As são antídotos para tais motivações.

São dádivas autênticas, às vezes difíceis de dar, as quais exigem e criam

um coração carinhoso, um amor direcionado ao outro e livre de

narcisismo. No amor verdadeiro, sinto e demonstro uma consideração


incondicional por você, e continuo amando mesmo nos períodos em que

você não me satisfaz. Meu amor consegue sobreviver às épocas em que

você não tem nada para dar. Esse amor não reflete as minhas próprias

carências ou necessidades, mas sim um comprometimento com um

caminho de dar e receber.

No decorrer da vida, podemos exigir ou esperar que as pessoas

demonstrem amor por nós exatamente do modo como nos sentimos

amados pela primeira vez: nos paparicando, nos defendendo, com

demonstrações físicas de afeição etc. Uma das minhas primeiras

lembranças da vida é da minha avó italiana e de como eu me sentia

amado por ela simplesmente pela forma como ela ficava comigo

enquanto minha mãe saía para trabalhar. Ela se sentava ao meu lado

enquanto eu montava meu quebra-cabeça do Dick Tracy; ela ouvia

comédias no rádio comigo, embora não conseguisse entender inglês.

Durante toda a minha vida, nas reuniões de família, sempre me vi

sentado no meio das minhas tias mais idosas, buscando aquele conforto

familiar e único que só consigo sentir na presença de mulheres mais

velhas. Minha mente racional me diz que elas são velhas e não têm tanta

energia, e é por isso que ficam sentadas por tanto tempo, mas nenhum

pensamento é capaz de dissuadir as células do meu corpo do que elas

sentem. Na viagem que fiz para a Inglaterra, eu adorava a hora do chá,

quando ninguém se levanta nem vai embora. Até mesmo aquilo parecia

amor para mim. Sei que às vezes insisto com amigos para passarmos

uma noite em casa em vez de sair. Estou sempre tentando organizar as

coisas para o amor do qual me lembro e o qual desejo. Ainda estou

comparando paparicos com mais amor?

Quando nossas exigências de amor se tornam compulsivas ou

insaciáveis, temos uma pista de que duvidamos da nossa capacidade de

despertar o amor. E essa dúvida costuma fazer com que necessitemos de

provas e mais provas de amor. Isso parece narcisista da nossa parte, mas,

a partir de um ponto de vista mais compassivo, isso pode sugerir que

não nos temos em alta conta. Na verdade, a necessidade de sermos


vistos como especiais pode ser uma compensação por não nos sentirmos

amados.

Como podemos superar as dúvidas que sentimos em relação a nós

mesmos? Por meio da simples prática de agir com amor. Ser digno de

amor, na verdade, é o outro lado da moeda do amor. As pessoas que

acreditam que são dignas de amor são aquelas que amam. E as pessoas

que amam têm uma probabilidade maior de serem amadas. Isso envolve

se libertar do ego, mas também exige um mindset único: quando um

conflito ou questão surge entre nós e outra pessoa, nós não nos

perguntamos como saímos vencedores, e sim como convocamos toda a

intenção amorosa e como agimos sobre ela. Nossa primeira pergunta é:

“Como posso ser o mais amoroso possível nesta circunstância?” Quando

demonstramos os cinco As para os outros, eles se sentem amados e, ao

mesmo tempo, nos veem como pessoas dignas de amor. Mudar o foco de

uma preocupação com uma vitória pessoal ou uma vingança para tentar

ser mais amoroso nos traz felicidade, e essa felicidade é o melhor

contexto para se libertar do ego e demonstrar os cinco As.

Quando a empolgação vem de aprender a inventar o amor em cada

pensamento, palavra e ação, logo percebemos que somos dignos de

amor. Por causa desse novo hábito, passamos a nos amar mais, e isso faz

com que os outros nos amem mais. Em seguida, paramos de insistir que

os outros demonstrem quanto nos amam. O poço sem fundo finalmente

foi preenchido ou pelo menos se tornou menos irritante. Assim, a nossa

carência é substituída por exuberância. Quando damos aquilo de que

sentimos falta, não sentimos mais tanta falta. Permitir que o amor flua

através de nós nos transforma no caminho do amor. É então que

podemos pedir que nosso amor seja correspondido em vez de exigir isso

de forma compulsória. Podemos receber aquilo de que precisamos

quando não mais precisamos ter aquilo.

Quando nos libertamos da nossa carência, o amor que sentimos se

expande de tal forma que toca todo mundo. Amamos os outros porque

nós e eles temos uma conexão íntima. Não existe um eu separado em

nenhum lugar à vista. O amor compassivo é a resposta natural para os


reveses humanos de sofrimento e a verdade humana de

interdependência, além disso ele torna mais leve o fardo de encontrar

alguém especial. Ficamos menos carentes à medida que ficamos mais

responsivos às necessidades dos outros.

Se não é possível um afeto com igualdade,

Que seja eu o que ama com mais intensidade.

— W. H. Auden, “The More Loving One”

Prática

simplesmente notar onde estou | Na fase de comprometimento,

egos saudáveis se relacionam. Existem três etapas que caracterizam a

maioria dos relacionamentos humanos, incluindo os íntimos ou

familiares, as afiliações educacionais e religiosas e qualquer interesse a

longo prazo. Veja se consegue se localizar em alguma das três fases de

relacionamento, as quais correspondem à jornada heroica.

Apego Desapego Integração

Romance: ideais Conflito: as sombras dos Comprometimento: egos saudáveis se

de ego se egos colidem. relacionam.

abraçam.

Dependência A luta para afirmar as Interdependência, com tranquilidade e

mútua. necessidades e os desejos compatibilidade na satisfação das

pessoais. necessidades.

Armadilha, não Estabelecimento de limites Respeito mútuo dos limites.

há limites. e independência.

O herói parte. O herói luta. O herói volta para casa.

Ficar preso na fase do apego causa retrocesso, fixação ou vício. É

aqui que estou? Estar preso na fase do desapego provoca problemas com

autoridade e causa distanciamento. É aqui que estou? Passar de uma fase

para a outra desperta uma serenidade e nos abre para preocupações com

o mundo mais amplo. É assim que relacionamentos saudáveis curam o

mundo. É aqui que escolho estar.


Como você sente os cinco As na sua fase atual?

COMPARANDO ROMANCE E VÍCIO

Romance Vício

Uma fase. Contínuo.

Necessidade de satisfação com um senso de Carência sentida como um poço sem

contentamento. fundo.

Desejo por contato. Desespero por contato.

Proporcional. Dá-se mais e recebe-se menos.

Em geral, igualitário. Com frequência, hierárquico.

Recíproco. Unilateral.

Tem futuro. Não tem futuro.

Sentimentos de satisfação e alegria. Sentimentos de não conseguir o

suficiente.

Segurança. Dúvida constante.

Animação para o próximo encontro. Sofrimento e intolerância em relação a

ausências.

Aumenta a autoestima. Diminui a autoestima.

Limites soltos. Sem limites.

Ambas as pessoas se relacionam entre si. Uma das pessoas está sendo possuída

pela outra.

Início da jornada desafiadora para o amor. Formação de um ciclo vicioso de

sofrimento.

Use essa tabela para descobrir como você está se relacionando agora.

Se parecer viciado, escreva em seu caderno ou diário respostas para as

afirmações a seguir: você está sempre atrás de uma pessoa que não quer

nem respeita você; fica com alguém cujos problemas são insolúveis ou

com uma pessoa que é abusiva; está com alguém que suga você; vive

voltando para conseguir mais quando só há menos; nunca recebe o

suficiente daquilo de que não precisa; esquece que, se não consegue

receber o suficiente, então não precisa daquilo; está tentando refazer e

desfazer simultaneamente um vínculo parental; tem um vínculo viciante

com alguém que também tem um vício em você; é o objeto do vício de

alguém.
O texto a seguir é algo que você diria? “Quando não consigo me

libertar, nem sei ao certo se realmente quero ficar. Enquanto me sentir

assim, abro mão dos meus limites e às vezes até do meu respeito

próprio. Eu aguento qualquer coisa do meu par só para me satisfazer.

Perco muita coisa por causa das minhas fixações viciantes.”

libertar-se da negação | No romance, queremos o que o outro pode

dar. No vício, desejamos desesperadamente o que o outro, ou qualquer

pessoa, não pode nos dar. A recuperação de um vício unilateral pode

começar quando nos libertamos da negação: “Eu não quero saber o que

você é incapaz de dizer. Não consigo ver que o que eu quero não é o que

você oferece. Eu não estou olhando para você, mas para a minha própria

carência.” A libertação de um vício significa o fim da nossa confusão.

Escreva primeiro no seu caderno; depois, quando estiver pronto, conte a

um amigo; e, por fim, converse com o objeto do seu vício.

lidar com a obsessão | Um vício é uma obsessão em nossa mente e

uma compulsão em nosso comportamento. Estamos alimentando o vício

quando permitimos que pensamentos obsessivos se transformem em

ações compulsivas. Admitir os pensamentos e não agir em relação a eles

é parte crucial de se libertar. Desse modo, até posso pensar em você o

tempo todo enquanto estou dirigindo pela autoestrada, mas não preciso

parar no primeiro acostamento e ligar para você só para ouvir sua voz.

Libertar-nos do vício é deixar passar a vontade de “só uma dose”.

É necessário se esforçar para ver o que está acontecendo. Repita essa

declaração em voz alta caso se aplique a você: “Na verdade, todos esses

pensamentos sobre a pessoa que me amou ou me abandonou são um

pedido de atenção da parte ferida e infantil de mim que está mais uma

vez vivenciando o sofrimento original por meio dessa nova versão de pai

ou mãe que me abandonaram, seja física ou emocionalmente.

Pensamentos obsessivos sobre essa nova pessoa são, na verdade, pedidos

urgentes do meu passado. Um grande sofrimento no relacionamento

atual talvez me dê uma pista indesejada de vínculos familiares rompidos


há muito tempo. Essa pessoa apenas desperta esse dilema do passado

que continua presente.”

responder àqueles que seduzem e depois se retraem | Quando

alguém assume o estilo de sedução e retração, essa pessoa seduz

motivada pelo medo de ficar sozinha e abandonada e se retrai por causa

do temor de se aproximar e ser totalmente envolvida. Ela está totalmente

à mercê de um pânico que cria uma resposta de reflexo. Em um contexto

de tanto temor, a sedução não é uma mentira nem a retração é uma

punição. A uma pessoa que age dessa forma, podemos responder com

compaixão em vez de com retaliação. Pergunte a si mesmo: Consigo

ficar de lado como uma testemunha não julgadora para ajudar o meu par

a superar o medo? Se for você o que seduz e se retrai, que tal buscar

ajuda no programa dos doze passos ou até mesmo na terapia?

encontrar o programa | Na minha prática como terapeuta, costumo

deparar com o fato de que os vícios quase sempre precisam seguir seu

curso. Marcel Proust parece apoiar isso quando diz que o amor obsessivo

é “como um feitiço maléfico em um conto de fadas contra o qual a

pessoa não tem como se defender até que ele tenha deixado de ter

efeito”. A terapia e a prática espiritual ajudam, mas não têm como

competir com um fluxo ativo de adrenalina. Um relacionamento viciante

promete e entrega toda a empolgação que a maioria das pessoas

interpreta como sentir-se vivo de verdade. É difícil desistir disso, em

especial quando há tão pouco para substituir esse sentimento. Em última

análise, o vício é uma forma de sofrimento, como ouvimos nas antigas

canções: “Quem pode me dar o que você me dá?”; “Quem pode me

fazer sentir assim?”; “Quem pode fazer o sofrimento ser tão bom?”;

“Nunca vai existir alguém como você!”; “Por que o seu beijo me tortura

dessa forma?”.

Ao mesmo tempo, há algum tipo de ferramenta que funciona? Um

programa de doze passos constitui uma ferramenta espiritual poderosa

para pessoas viciadas em relacionamentos, em romance ou em uma


pessoa específica. Ao trabalhar cada um dos passos adaptados do

programa dos Alcoólicos Anônimos e ter um padrinho/madrinha, a

pessoa consegue se libertar do vício. Perceba que todos os seus esforços

não são o suficiente para livrar você desse tipo de sofrimento. Será

necessário se entregar a um poder superior. Quem ou o que é esse poder

para você? Esse poder superior pode ser Deus, a Mãe Natureza, o

coração sagrado do universo ou seja lá o que você considerar

transcendente. São todas formas da força divina, uma ajuda que chega

além do nosso esforço ou controle. Um programa de doze passos nos

ajuda a formar um vínculo com esse poder que é superior ao ego e

constitui um refúgio da armadilha do vício.

A prática espiritual pode frustrar as tentativas frágeis, mas teimosas,

do ego de controlar os outros e fazer o mundo obedecer aos nossos

desejos. Sendo assim, precisamos de meditação nas três marcas da nossa

existência: a impermanência, o sofrimento e o fato de que um eu sólido

não passa de ilusão. Não conseguimos ver nada disso sem a ajuda de

alguém, principalmente enquanto estivermos viciados, e é por isso que

precisamos de um programa com padrinho/madrinha, uma prática

espiritual com orientação e sessões de terapia.

Aborde os vícios não com vergonha, mas com espírito inquisidor, que

deseja saber como sua mente ficou presa no desejo. Isso significa

encontrar uma forma de se aceitar sem uma mentalidade de julgamento,

medo, culpa, fixações, preconceitos ou defesas — ou seja, com

mindfulness. Enxergue o outro como Buda, alguém que está aqui para

mostrar onde você precisa trabalhar, quanto se desviou do caminho e

como pode voltar para ele.

lidar com o interesse não correspondido | Alguém se torna

muito atraente para nós, e talvez essa pessoa não se sinta da mesma

forma nem note nossa existência. No início, o interesse parece gostoso e

encorajador. Então, as fantasias agradáveis se tornam dolorosamente

obsessivas e os desejos tímidos se tornam necessidades fervorosas. A

alegria do desejo se transforma na angústia do anseio. Um impulso se


transforma em sofrimento. Desse modo, quando nos damos conta,

estamos tão perdidamente viciados que nossa vida vira um verdadeiro

inferno, sem contato com o paraíso. Começamos a manipular o outro ou

as circunstâncias para satisfazer nossa ânsia por contato. Perdemos o

respeito próprio. Essa progressão do vício é descrita na literatura dos

Alcoólicos Anônimos como “perspicaz, desconcertante e poderosa”.

Ficamos confusos com a velocidade e a intensidade com que somos

tomados. Nossa felicidade agora está completamente nas mãos da pessoa

que queremos possuir. Estamos presos ao desejo de que as coisas sejam

de um jeito diferente do que são e somos impotentes para torná-las

como queremos que sejam. O vício é um enganador que dá ao ego uma

retribuição. Desse modo, torna-se uma questão espiritual porque

transcende ao poder do ego, mas também uma questão psicológica, já

que suspende os poderes do ego saudável. Assim, é necessário realizar

tanto um trabalho espiritual quanto psicológico. Em seu caderno, avalie

as questões propostas a seguir. Qual dos cinco As você procura? De que

forma, nesse drama, você fracassou no autocuidado? O que você sente?

Esses sentimentos são os mesmos que você tem evitado por muito

tempo? Você consegue senti-los de forma segura e catártica? Acha que

chegou a hora de buscar terapia?

Se você se encontra em um relacionamento viciante (ou no espectro

do interesse, paixão e possessão), considere as declarações a seguir e

avalie as que se aplicam à sua situação: “Admito que não consigo mais

controlar meus pensamentos, sentimentos ou comportamento em nada

relacionado à pessoa”; “Continuo agindo como se conseguisse ser eu

mesmo perto da pessoa, mas noto que não consigo.”; “Sinto medo o

tempo todo”; “Tento agir de forma normal quando não me sinto

normal”; “Eu atuo”; “Tanto a presença da pessoa quanto sua ausência

estão me colocando em contato direto e inevitável com toda a

necessidade que tenho pelos cinco As”; “A pessoa não permite mais que

eu fuja com meus subterfúgios”; “Não se trata de quanto preciso de

alguém, mas de quanto me deixei de lado”; “Uso a imagem de precisar

de alguém para me salvar, para que eu não tenha que enfrentar o desafio
de autocuidado, meu único objetivo legítimo”; “Tudo a meu respeito e

tudo que já fiz serve apenas para que eu ache que perdi ou decepcionei a

pessoa; é por isso que não acredito que sou digno de ser amado”;

“Durante o tempo que estamos juntos, não ouso mostrar para a pessoa o

que há de mais digno de amor em mim, minha vulnerabilidade sincera,

pois acredito que ela não vai conseguir lidar com isso”; “Se revelar meus

sentimentos, é possível que eu assuste a pessoa”; “Temo que a pessoa

sinta medo porque isso pode fazer com que eu a perca, então me

reprimo”.

Veja a seguir dicas práticas para pessoas que têm algum interesse não

correspondido. Não sugira planos elaborados para o tempo que vão

passar juntos quando a pessoa só quer bater papo sem maiores intenções.

Não proponha planos nem convites elaborados que parecem inocentes

ou educados, mas que foram feitos apenas para que vocês tenham mais

contato. Mais contato é mais distração do único foco saudável para um

viciado: o trabalho que você precisa fazer em si mesmo. Use afirmações

como: “Desisto do meu anseio por mais contato com o Jim” e “Estou

abrindo mão da minha fixação pelo Jim”. Um programa de doze passos

pode ajudar muito.

descobrir o que busco | Responda às perguntas a seguir à medida

que for lendo. Eu tenho o desejo maduro e empoderador de encontrar

alguém que me proporcione os cinco As? Ou tenho um desejo

desempoderador, no qual procuro alguém para cuidar de mim ou ser

cuidado por mim, para fazer coisas para mim ou para quem eu possa

fazer coisas, para me presentear ou ser presenteado, para me controlar

ou ser controlado, para me elogiar ou mesmo para me machucar? Quais

desses modelos ou partes deles descrevem sua forma atual de estar em

um relacionamento? Conte para o seu par o que descobriu.

estar amorosamente presente | O amor não é só um sentimento,

mas também uma forma de estar presente. Demonstramos o amor por

meio da presença sustentada e ativa junto com uma expressão


incondicional dos cinco As e sem as camadas ou mindsets condicionais

do ego, tais como julgamento, medo, controle etc. Nós recebemos amor

do mesmo jeito: com os cinco As e sem as interferências do ego. Em

outras palavras, o amor acontece melhor no contexto do mindfulness.

Podemos expandir nossa consciência de que dar e receber amor é o

nosso objetivo de vida e a satisfação verdadeira dos nossos desejos

humanos. Podemos nos comprometer a uma vida de amor universal.

Uma forma de fazer isso é adotar o estilo “com/sem” descrito no

parágrafo anterior. Também pode ajudar fazer as seguintes afirmações

todo dia de manhã, e no decorrer do dia, concentrando-se em cada

palavra, enquanto se imagina agindo exatamente dessa forma. Pode ser

uma prática bem poderosa, como um mantra silencioso, um prelúdio

para interagir com alguém ou ao enfrentar uma situação assustadora.

“Estou totalmente presente aqui e agora com atenção, apreço, aceitação,

afeto e admissão incondicionais. Estou feliz de me livrar de todos os

julgamentos, medos, controles e todas as exigências. Que essa seja a

forma como demonstro meu amor para todos. Que eu sempre esteja mais

aberto ao amor que dedicam a mim. Que eu sinta compaixão por aqueles

que temem amar. Que todos os seres encontrem este caminho de amor.”

expressar intimidade | Aqui estão algumas qualidades de um

momento íntimo: calor humano, intimidade, toque respeitoso, contato

visual, presença incondicional sem hesitação, abertura, candura,

relaxamento, humor, alegria esfuziante, liberdade das tensões ou

demandas, total disponibilidade, sair ou ficar juntos de forma espontânea

em vez de uma forma planejada, sem preocupação com a hora ou a

agenda, a sensação de que alguém quer estar aqui e em mais nenhum

outro lugar e, por fim, sem o envolvimento de nenhum dos mindsets do

ego. Tudo que ocorre em tal momento é “extraoficial” e, dessa forma,

imensamente permissivo.

No seu caderno ou diário, responda às perguntas a seguir: Quais são

as qualidades da intimidade que você vivencia em seu relacionamento?

O que falta? Algumas pessoas só agem dessa forma íntima quando o


relacionamento está ameaçado. Pergunte-se quando os momentos

íntimos acontecem para o seu par e quando acontecem com você.

Compartilhe suas descobertas com o seu par sem fazer com que ele sinta

que errou de alguma forma.


5 | QUANDO SURGEM OS CONFLITOS
Oh, tempo! Oh, morte! Oh, violência!

Fazei o que quiserdes de extremos neste corpo,

Mas a base resistente e a estrutura inabalável do meu amor

São como o próprio centro da terra,

Que para ele chama tudo

— Shakespeare, Troilo e Cressida

em narrativas heroicas, a iluminação costuma ser seguida por uma

incursão no submundo. Nossa jornada em um relacionamento tem uma

queda do cume, em vez de uma subida até ele. A segunda fase dos

relacionamentos, geralmente a mais longa, é a do conflito, que ocorre à

medida que a luz do romance é substituída pela sombra da tensão. Nessa

fase, a imagem romântica existente é substituída pela realidade. Não

conhecemos a nós mesmos nem conseguimos integrar nossas

experiências até nos depararmos com a nossa própria sombra e até

criarmos laços com ela ao passarmos por poucas e boas em sua

companhia. Como podemos conhecer o nosso par até fazermos o mesmo

com ele? Como podemos amar o que não conhecemos? Se nos

conhecemos, nada que alguém faça é totalmente estranho ou

imperdoável.

O romance mostra o lado brilhante do objeto do nosso amor, a

sombra positiva — o potencial inexplorado para o bem que projetamos

naqueles que idealizamos. O conflito expõe o lado sombrio da pessoa, a

sombra negativa, ou seja, uma tendência a mesquinhez, abuso ou

egoísmo, que é, então, projetada como uma forte antipatia em relação

àqueles que demonstram o mesmo comportamento. Aquilo que foi


ocultado pelo romance está agora livre para ser visto por todos os lados

da parceria. Confrontamos a mesquinhez, a falta de consideração, as

escolhas egoístas e o ego arrogante com a própria necessidade de

estarmos certos, de nos livrarmos das coisas e para nos vingarmos.

Notamos em nosso par todas as coisas que não conseguimos tolerar nem

esconder. O que era fofo no romance pode se tornar insuportável no

conflito.

Essa fase é totalmente normal, necessária e uma parte útil do

processo de construir um vínculo duradouro. Sem o embate que isso

envolve, talvez nos perdêssemos um no outro e, dessa forma,

acabássemos nos perdendo de nós mesmos. Para evoluir da projeção

romântica para a autoafirmação madura, precisamos de conflito. É a fase

do amor que corresponde à fase de desapego da jornada heroica.

A experiência humana só ocorre em um contexto relacional, e

conflitos específicos do nosso passado são desenterrados nos

relacionamentos. Como resultado de se relacionar com um par adulto,

conseguimos nos lembrar da nossa vida com nossos pais de forma mais

vívida do que achávamos possível. Na fase do conflito, na verdade, não

conseguimos deixar de encontrar os espectros da nossa infância. Essa é a

fase na qual dizemos para nosso par ou para nossos filhos exatamente as

palavras que nossos pais nos disseram tanto tempo antes. É então que

treinamos cuidadosamente o nosso par para nos ajudar a reencenar

nossas mais amargas e antigas decepções, mágoas e perdas. Nessa fase,

instintivamente abordamos questões que agora estão prontas para o pesar

e, assim, reencenamos o passado para ver com nossos próprios olhos o

que aconteceu conosco e para controlar isso com a ajuda do

espelhamento de algumas ilusões, enquanto a psique continua se

ajustando às verdades recém-reveladas.

O caminho para o centro é por meio dos extremos. Saímos do

extremo do romance e vamos para o extremo do combate para, então,

chegarmos ao centro do comprometimento, de acordo com o ciclo da

tese, da antítese e da síntese. A natureza também passa da exuberância

do verão para a escassez do inverno, para que possamos exultar na


vivacidade da primavera. Conseguimos enxergar agora que se relacionar

com algo ou alguém, em vez de ser possuído por esse algo ou alguém, é

o equivalente a reconhecer que é inevitável que o relacionamento passe

por fases.

Por fim, é importante perceber que, na jornada do romance para o

conflito, passamos por três modos:

Ideal Normal Maré baixa

Melhor de todas as A rotina de se viver Alto nível de estresse, rompimentos,

situações possíveis; sem grande estresse depressão profunda.

apaixonado. ou animação.

No meu melhor. Funcionamento No meu pior.

adulto.

Neste modo, você vai me Neste modo, tenho Neste modo, você vai ver meu lado

ver sendo amoroso, uma visão clara, mesquinho, minha autopiedade e

heroico, compassivo. confiante e minha paranoia. Não é possível

Não existe muita comprometida do nenhum trabalho no relacionamento

necessidade de trabalhar trabalho de abordar, aqui. Primeiro é necessário um

em mim mesmo! processar e resolver as trabalho pessoal.

coisas.

Pessoas maduras vão do melhor ao pior e voltam ao centro muitas

vezes. Aceitar isso como um fato nos liberta de levar o comportamento

do nosso par de forma pessoal demais, de culpá-lo e até mesmo temê-lo,

ou seja, todas as formas de se libertar do ego. Quando estamos presos no

modo de maré baixa, como no tema mítico do navio encalhado no porto,

precisamos tomar atitudes especialmente fortes, porque ficar parado

pode ter se tornado mais confortável do que o esforço que é necessário

para se mexer. É por isso que o risco se torna o padrão do herói.

Ou, para usar outra metáfora, a natureza precisa da ruína das

estruturas estabelecidas para acomodar novas condições do ambiente.

Isso significa que a vida inclui, necessariamente, turbulências e até

mesmo dissoluções, os prenúncios da transformação. Na verdade,

sistemas naturais participam zelosamente da própria autotranscedência.

São João da Cruz fala da seguinte forma sobre o próprio ego:

“Rapidamente, sem poupar nada, estou sendo totalmente desmantelado.”


Ele não apenas diz isso, mas reza por isso. O distúrbio do status quo e o

desmantelamento de antigas formas são sinais de uma evolução salutar.

A natureza se regozija nos botões da primavera, mas fica igualmente em

polvorosa com o outono, o qual assegura uma outra primavera ainda

mais abundante. Será que conseguimos enxergar os conflitos dessa

mesma forma otimista?

O processo da evolução é, em si, altamente transcendente.

— Ken Wilber

RESOLVENDO AS COISAS

As demandas trabalhosas do amor acabam sendo os únicos ingredientes

para a completude na vida adulta. Isso ocorre porque podemos trabalhar

de forma cooperativa com nosso par para tornar as coisas melhores e/ou

podemos reconstruir nossos próprios poderes de autocuidado se um par

não conseguir fazer isso por nós.

Defender nossa posição é o oposto de abordá-la. E o

comprometimento com um relacionamento envolve abordar, processar e

resolver nossas questões pessoais e mútuas. Em relação aos conflitos,

abordar significa admitir enxergar o que está acontecendo dentro de nós

e no relacionamento, quais são os nossos gatilhos, o que precisamos

procurar e explorar em vez de acobertar. Já processar se refere a mostrar

nossos sentimentos em relação ao conflito, notando as raízes do nosso

passado e nos abrindo genuinamente para os sentimentos e as questões

da infância da outra pessoa. Os conflitos contêm uma questão subjacente

e geralmente muito antiga que não foi abordada, processada nem

resolvida. Os atos de abordar e processar revelam qual é a questão.

Adultos saudáveis amam descobrir quais são essas questões e onde elas

se encontram; querem trazê-las à luz e se responsabilizar por cada uma

delas, sem buscar culpados. Por fim, passamos para a terceira parte do

nosso programa para lidar com conflitos: resolver. Sentimos um senso

de encerramento, de libertação e de sermos mutuamente ouvidos.


Deixamos a questão de lado, em vez de guardá-la para uma futura

retribuição ou como ressentimento contínuo. Fazemos acordos que

curam o conflito e previnem sua repetição. Desse modo, começamos

olhando e enxergando, e terminamos melhores.

Se tememos a intimidade real, vamos fugir da possibilidade de um

programa como esse. É preciso que nos sintamos seguros o suficiente

para olhar para aquilo que mantivemos escondido de nós mesmos ou

evitamos reconhecer em nosso par. É claro que a maioria de nós tem o

dom de não dar atenção ao que sabemos que exigirá uma resposta difícil

ou dolorosa. No entanto, tal negação pode custar nossa própria

sensibilidade e vulnerabilidade. E, como ocorre com qualquer virtude, a

coragem necessária para abordar questões dolorosas é facilmente

acessada pela prática. Veja a seguir o que pode acontecer.

O vazamento de uma torneira não é uma tragédia para alguém que

tem ferramentas e habilidades. Nossos conflitos podem ter resultados

maravilhosos para nós se, em vez de estratégias para provar que estamos

certos, demonstrarmos respeito mútuo e usarmos ferramentas que nos

ajudam a cooperar. Resolver os problemas de forma cooperativa é

apenas transformar o conflito em comprometimento. Na verdade, o

comprometimento é articulado na nossa disposição de lidar com

obstáculos em vez de evitá-los, ser paralisados por eles ou guardar

ressentimentos por causa deles. Resolver as questões é atravessar o

portal da jornada heroica para a intimidade: um desafio doloroso leva a

uma mudança. Quando conseguimos cruzar essa passagem,

transformamos o obstáculo em ponte. A energia antes presa em uma

competição de egos agora é combustível para um comportamento adulto

responsável. Dizemos: “Posso negociar com você e podemos crescer

juntos na dificuldade. Nosso amor não envolve apenas um

comportamento afetuoso; mas sim um comprometimento adulto para

lidar diretamente com nossos sentimentos e nossas preocupações.”

A maioria de nós tem dificuldade em estar com o outro; ainda assim,

o amor envolve escolha de continuar resolvendo as coisas. Quando nos

recusamos a fazer isso ou quando o fazemos de forma relutante, não


amamos mais, não de verdade. Podemos ainda estar ligados por um

vínculo de sentimento, história ou obrigação, mas não é mais amor, nem

será o suficiente para um relacionamento feliz e eficaz.

O que torna os relacionamentos tão complicados é que eles não se

baseiam no pensamento lógico e discursivo, mas em sentimentos e

necessidades ambíguos e confusos que iludem a mente e abalam o

coração. Às vezes, o amor funciona de forma automática, mas, na maior

parte do tempo, funciona porque nos esforçamos para isso. Podemos

facilmente localizar onde precisamos nos esforçar: tudo que não

funciona exige esforço. Já que todos os adultos têm questões que

precisam ser trabalhadas, a recusa de se trabalhar é equivalente à

relutância para se relacionar como um adulto. E, se nos esforçarmos

razoavelmente sem obter nenhum resultado, o relacionamento está

pronto para acabar, para que ambas as partes possam seguir em frente.

Alguns relacionamentos jamais vão funcionar e, quando desperdiçamos

energia tentando rejuvenescê-los, acabamos nos sentindo esgotados.

Desse modo, desistir de um relacionamento que não nos faz feliz não

se trata de egoísmo. O objetivo de se relacionar com alguém não é

suportar o sofrimento. Embora o sofrimento faça parte da vida dos seres

humanos, o desafio da vida adulta é viver com ele e superá-lo. Isso, no

entanto, não quer dizer que devemos desistir de um relacionamento ao

primeiro sinal de sofrimento. Qualquer um consegue sentir a diferença

entre um sofrimento infinito e episódios ocasionais disso. O primeiro é

inaceitável, a não ser para uma vítima. E o último constitui um desafio

digno de um herói, que vai enfrentar o sofrimento e ser transformado

por ele. Um lema do mercado de ações também se aplica a

relacionamentos saudáveis: volatilidade no curto prazo, mas crescimento

no longo prazo.

Nós crescemos nos relacionamentos quando temos um programa de

prática espiritual que nos ensina a abandonar tudo o que o ego acha

merecer: as expectativas e noções preconcebidas acerca de como os

relacionamentos devem ser, o que nosso par deve nos dar ou como deve

ser a aparência ou o comportamento dele. Na prática espiritual, também


queremos abandonar velhos hábitos de tentar manipular os outros ou nos

esconder e começar a permitir que nos vejam (expostos) como somos.

Como resultado, podemos cooperar com a energia do outro em vez de

precisar conquistá-la. Podemos fazer acordos para mudar, e manter esses

acordos é o melhor sinal de que um relacionamento vai funcionar.

A cooperação, ou seja, a parceria, é o cerne da resolução de conflitos.

Não estamos mais trabalhando individualmente para a ascensão da

nossa própria posição, mas trabalhando juntos para a saúde e a

felicidade do relacionamento. Nas artes marciais orientais, movimentos

harmoniosos substituem a luta com o adversário. Esse amor não

resistente, não dominador, não passivo e não violento surge do

desarmamento incondicional, ou seja, não existe lugar para “Eu sou

bom, você é mau” ou “Eu estou certo, e você, errado”. Se ficarmos

presos em meio a tais dualidades, projetamos o rosto de um oponente no

nosso par, e assim nós dois saímos perdendo. Por outro lado, quando nos

libertamos dessa dualidade, nos alternamos em relações como

professor/aluno e amigo/amigo. Mas a única forma de chegar lá é sendo

mais amoroso e humilde do que antes. Se as duas pessoas forem apenas

justas uma com a outra, o amor nunca vai surgir, que dirá durar. Alguém

precisa ser generoso primeiro.

Isso pode parecer uma rendição. Mas força nem sempre significa

assertividade. É com os outros que um adulto encontra o equilíbrio entre

afirmar a própria autonomia e reconhecer sua interdependência.

Vejamos o exemplo de Margo, que é a esposa de Evan, um marido

amoroso, mas que interpreta qualquer “não” como rejeição. Isso a

intimidava no início do casamento, quando era sempre conciliadora e

parecia pisar em ovos. Mas, à medida que Margo foi se tornando adulta,

também se tornou mais forte. Sentia compaixão por Evan, com todo

aquele medo e sistema automático de defesa. As antenas de Evan eram

muito sensíveis à rejeição por causa da força de seu passado, e ele não

conseguia deixar de acreditar que sempre seria rejeitado. Então Margo

percebeu que o ajudaria muito se ela fosse cuidadosa ao formular suas

declarações. Antes, era crítica em relação à falta de cuidado de Evan


com as coisas, usando afirmações acusadoras com o pronome “você”

(“Você sempre faz bagunça e nunca arruma”), e ele, por sua vez, sempre

reagia e explodia. Agora ela usa afirmações com o pronome “eu” para

descrever as reações dela aos hábitos dele (“Eu fico magoada quando

você faz bagunça em casa porque isso faz com que pareça que você não

se importa comigo”). Desse modo, Evan entende o recado sem sentir

que levou uma bronca. Nesse contexto, ou seja, em um ambiente

acolhedor, é mais fácil que as mudanças no comportamento aconteçam.

Quando Margo processou o próprio medo à luz do dele, parou de pisar

em ovos perto do marido. Entrou em sintonia com ele. Agora ela é capaz

de conviver com os medos de Evan sem fazer acusações e sem se sentir

diminuída por eles. Isso só aconteceu porque Margo está se libertando

do próprio ego e permitindo que o amor flua para dentro de si, pois

notou que tinha o par certo, no momento certo para que pudesse

trabalhar nessas coisas, ou seja, se tornar uma adulta mais

compreensiva.

Margo e Evan conseguiram mudar bem rápido. Em um

relacionamento, uma pessoa pode estar pronta para lidar com uma

questão assim que esta surge, ao passo que a outra espera um tempo até

incubar uma resposta. Nós precisamos respeitar o tempo de cada um e

não levar para o lado pessoal se o nosso par não responder com tanta

rapidez quanto gostaríamos. É como o tempo que alguém leva para

responder a uma mensagem deixada na secretária eletrônica: isso não

reflete quanto o destinatário da mensagem nos respeita. A questão tem a

ver com o tempo da pessoa. Alguém pode retornar a ligação no instante

em que ouvir a mensagem, outra pessoa pode esperar um dia ou mais. É

uma questão de estilo pessoal, não uma questão de insulto ou de respeito

em relação a nós.

Na verdade, uma resposta sem pressa pode ser um bom sinal, que

indica um processamento lento e deliberado. Em uma peça de teatro,

cada evento é processado, ao passo que, em uma novela, nada é. Os

solilóquios de Shakespeare processam a ação que acabou de ocorrer. Já


nos melodramas, os eventos vão se empilhando, um sobre o outro, sem

fechamento, solução ou transformação.

Vivenciar o processamento significa fazer isso de forma consciente.

Sem isso, a vida se torna uma série de episódios, um seguido do outro,

sem nenhum movimento através deles em direção a uma nova

compreensão ou ao crescimento. Viver de forma episódica é o oposto de

viver de forma coesa. Se a filha adulta de um alcoólico se casa com três

alcoólicos em sequência e sua visão de mundo for episódica, ela vai

enxergar os casamentos fracassados como uma coincidência e lamentar

sua falta de sorte. Se ela enxergar a própria vida de forma contextual e

coesa, reconhecerá a existência de um padrão e a conexão deste com sua

infância. É mais provável, portanto, que ela explore os princípios

organizadores de sua vida e busque formas de os reconfigurar para que

possa ter relacionamentos mais saudáveis.

Para redimir o passado, precisamos enxergar a nós e à nossa história

em um contexto e com continuidade. Para isso, é necessário identificar

onde precisamos trabalhar. Tentar criar intimidade enquanto questões

pessoais ainda precisam ser resolvidas é como tentar construir uma

embarcação marítima estando dentro do oceano. Primeiro, precisamos

ter um compromisso individual para abordar, processar e lidar com

nossos próprios bloqueios e demônios. Alguns de nós têm questões

pessoais tão profundas que talvez sejam necessários anos de trabalho

antes de conseguirmos nos relacionar intimamente com alguém.

Um compromisso com o processamento também significa um

compromisso para parar de tomar decisões unilaterais e decisivas. Em

vez disso, cada pessoa compartilha seus sentimentos sobre o andamento

do relacionamento, cada uma declara o que é bom e o que não é tão

bom, o que funciona e o que talvez precise de mudança, como se sente

em determinada situação e como as coisas poderiam ser feitas de forma

diferente para que ambas as partes fiquem mais felizes. Quando algo

parece totalmente bom, ou seja, no pensamento, no sentimento e na

intuição, isso costuma significar que uma necessidade está, de fato,

sendo satisfeita.
Resolver as coisas envolve dois passos: articular a verdade à medida

que cada pessoa a vivencia e agir de acordo com ela. (A frustração surge

quando articulamos sem agir.) A sua verdade inclui seus sentimentos

sobre a questão assim como seu tipo de personalidade, seu lado

sombrio, suas necessidades e desejos, seus padrões morais, seus

objetivos de vida, suas aptidões e dádivas, suas limitações, sua herança

familiar, sua história pessoal e o impacto de suas experiências passadas

na sua vida presente. Agir de acordo com verdades pessoais significa

admitir as próprias limitações; ativar seu potencial para usar seus dons e

talentos; e fazer escolhas que reflitam seus padrões, seus valores e sua

integridade.

Quando cada pessoa se sente ouvida no nível das emoções, recebe

algo que queria e faz um acordo que leva à mudança, processar os

problemas se conclui na resolução deles. Se você e seu par não

conseguem fazer isso juntos, procurem ajuda na terapia ou na mediação

de algum amigo objetivo. (Cuidado: pensar “Eu sou capaz de lidar com

tudo isso” pode esconder o medo de pedir ajuda.) Relacionamentos

saudáveis usam a terapia para resolver conflitos que desafiam o casal.

Além disso, terapia também significa fazer check-ups regulares. Jamais

pensaríamos em deixar de fazer isso em relação à nossa saúde física,

mas conseguimos fazê-lo em relação à nossa própria felicidade.

Um aviso: alguns conflitos não se resolvem quando os abordamos ou

processamos. Só o tempo e a graça são capazes de resolvê-los. De forma

semelhante, as jornadas do herói costumam começar com uma situação

que não tem solução. Esse tipo de situação complicada existe para

diminuir a crença do ego de que ele é capaz de resolver todos os

problemas da vida com a própria força de vontade e sem contar com a

graça. Em todos nós existe algo que faz e algo que permite. Para nos

tornarmos totalmente humanos, precisamos honrar esses dois poderes

que carregamos em nosso interior.

É um prazer inenarrável que, depois de… arruinar tanto e

reconstruir tão pouco, nós resistimos.


— Lillian Hellman

O PASSADO NO PRESENTE

Lembranças de buquês há muito mortos… deixaram na minha

memória o encanto passado com o qual… sobrecarreguei este

novo buquê.

— Henri Matisse

Nós, seres humanos, memorizamos nosso passado. No entanto, nossas

necessidades arcaicas acabam se intrometendo no presente, trazendo nas

mãos a cobrança de uma conta vencida. Lidamos com nossas questões

do passado para que não fiquem se repetindo nos relacionamentos do

presente; caso isso aconteça, notamos o que ocorre e assumimos a

responsabilidade. Sem consciência do passado, podemos parecer

envolvidos em um relacionamento maduro quando, na verdade, estamos

encenando uma peça de muito tempo atrás. Lembranças do passado

surgirão em proporção direta ao crescimento da intimidade. Isso

acontece porque tanto o passado quanto o presente detiveram ou detêm

nossa chance de receber o que sempre desejamos, que é: atenção,

apreço, aceitação, afeto e a admissão e o encorajamento de sermos quem

realmente somos.

Como podemos saber se a questão que está nos incomodando em um

relacionamento maduro surgiu no presente ou veio do passado? Bem,

por meio de uma autoavaliação atenta. Se minha mãe absorveu e

contaminou toda a minha experiência com mulheres, que chance eu

tenho de ver a minha esposa como ela realmente é? Quando sinto um

pânico familiar, sou tomado por uma raiva que me surpreende ou então

reajo com mais intensidade do que a circunstância pede e não sei

explicar por quê; posso muito bem concluir que, na verdade, não é o

rosto do meu par que estou vendo, mas o da minha mãe. Isso se torna

ainda mais claro quando me sinto mais constrangido e controlo o

sofrimento por mais tempo do que a situação exige. Apenas aquelas


questões que carregam o peso de um passado não resolvido, de abuso ou

de sofrimento não perdoado podem explicar tal reação excessiva. (E, na

verdade, não é realmente uma reação excessiva, já que a criança interior

está reagindo a um trauma do passado que ainda machuca.)

Todos vivenciamos momentos nos quais nos sentimos impotentes,

amedrontados, presos, provocados e fora de controle. Estamos ouvindo a

voz da nossa criança interior pedindo nossa atenção e nossa

intermediação como adultos. A criança interior não sabe como

apresentar a situação de forma direta, então gagueja a mensagem por

meio de atos tímidos e sentimentos estranhos e lamentáveis. Quando

entendemos isso de forma consciente, nos tornamos automaticamente

mais adultos e mais compassivos em relação a nós mesmos. Quando a

consciência conecta as experiências presentes com os determinantes da

infância, nossa experiência de vida ganha um significado mais amplo.

Isso faz parte da nossa capacidade de nos acalmar.

Um comportamento adulto e equilibrado no trabalho e um

comportamento infantil e fora de controle dentro de casa com o par

apontam para a diferença entre os poderes que o presente e o passado

despertam em nós. Quando o fogo do passado se acende novamente,

tratamos as questões e os conflitos de forma compulsiva, e eles parecem

ter uma qualidade de “isso ou aquilo”, obstruindo a oportunidade de

comprometimento ou negociação. Uma transação comum pode replicar

um cenário da infância que ainda provoca sofrimento. E nós

costumamos ser cegos quanto a essas conexões com o passado. Nossa

mente racional nos engana e nos faz acreditar que a transação não passa

de um fato do aqui e agora, quando, na verdade, também é um artefato

do passado que provoca sofrimento e que precisa ser concluído.

Processar o sofrimento que nos faz sentir isolados é a tarefa mais

difícil da nossa vida, então tentamos evitá-la ao configurarmos as perdas

do passado como inconveniências do presente. Enquanto acreditarmos

que nosso desconforto tem a ver com o nosso par aqui e agora, não

precisaremos enfrentar um sofrimento antigo. Lembranças traumáticas,

sempre presentes, mas nunca conhecidas, podem residir em nosso corpo


e não em nossa mente consciente. Por exemplo, podemos ter sido

programados para sentir a obrigação de sofrer abuso e acreditar em

mensagens autodepreciativas, as quais, por estarem armazenadas em

nossas células, agora surgem como reações automáticas que pilotam

nosso comportamento. E, por exemplo, no passado podemos ter sido

abraçados de forma abusiva, sexualmente ou sufocante, e, agora, ficamos

tensos quando alguém nos abraça ou nos toca. Quando precisamos

esperar por uma pessoa que deveria nos buscar no aeroporto, podemos

sentir, como adultos, a dor do abandono. Uma crença infantil de que não

conseguimos fazer nada direito pode surgir e nos assombrar no

momento de um divórcio. Não conseguimos evitar essa crença, pois

trata-se de um reflexo celular que surge do mesmo modo que pensamos

em “49”, quando vemos “7×7”.

É claro que não podemos evitar nem nos esconder permanentemente

de antigas crenças e reações. Mas podemos chamá-las pelo nome e,

como um fantasma, elas podem retroceder quando enfim lançarmos luz

sobre elas. E como fazemos isso? Quando questões do passado vêm à

tona, elas chegam com o senso de serem reais no presente. Ajuda

quando as arquivamos corretamente na gaveta mental do passado: “Eu

me sinto assim porque existe uma coisa no passado com a qual não lidei

completamente.” Assim, da próxima vez, será mais fácil enfrentar essas

questões e, com o tempo, antigos pensamentos e reflexos cederão ao

brilho libertador da consciência.

Nós vivemos no presente do aqui e agora, e não no passado do nunca

mais, muito menos no futuro do ainda não. Lembranças emocionantes,

assustadoras ou humilhantes duram para sempre em nossa memória.

Nunca conseguimos nos livrar do passado. Da monotonia do ontem, sim,

mas não daquela manhã de tantos anos atrás, quando alguém nos

abandonou de forma tão repentina; não daquela tarde quando alguém

ficou ao nosso lado de forma tão leal; não daquela noite quando alguém

nos tocou de forma errada; não daquela noite em que alguém chorou

conosco de forma tão comovente. O passado nunca nos deixa. Não, as

lembranças nunca se vão e nunca desaparecem por completo.


Esse assunto tornou-se outro livro que escrevi. O título diz tudo:

When the Past Is Present: Healing the Emotional Wounds That

Sabotage Our Relationships (Quando o passado se torna o presente: a

cura de feridas emocionais que sabotam nossos relacionamentos).

INTROVERTIDO OU EXTROVERTIDO?

Embora, sem dúvida, as diferenças de gênero existam, também é

verdade que as características que atribuímos ao gênero do nosso par ou

aos medos em relação a isso refletem, na verdade, a introversão ou a

extroversão natural da pessoa com quem estamos. Compreender um par

atual ou em potencial pode significar avaliar as diferenças entre

introversão e extroversão, as quais constituem duas tipologias

psicológicas igualmente saudáveis. Uma não é superior à outra, assim

como o cabelo castanho não é superior ao preto. O mundo precisa dessas

duas tipologias para funcionar de forma criativa. Mas os cinco As são

dados e recebidos de forma diferente por introvertidos e extrovertidos,

como nas descrições a seguir.

Uma pessoa extrovertida se anima na companhia dos outros; uma

introvertida, por sua vez, sente-se esgotada. Alguém extrovertido

procura pessoas com quem possa socializar, ao passo que o introvertido

prefere se isolar. Um extrovertido corre o risco de se magoar, e o

introvertido, o de se isolar. Um extrovertido prioriza a experiência

imediata, ao passo que a prioridade do introvertido está na compreensão

em relação à experiência. Para um introvertido, o alarme interior de

sensações físicas soa urgentemente: “Preciso sair daqui.” Já o alarme do

extrovertido avisa: “Eu preciso estar com alguém.” Ambas as reações

podem parecer compulsivas para quem as sente.

Em um relacionamento, esses estilos opostos podem levar ao conflito.

Eu sou extrovertido, você é introvertido. Eu salto sem olhar, e você

enxerga isso como estupidez. Você olha primeiro e para, e interpreto

isso como timidez ou falta de espontaneidade. Quando me sinto mal,

busco a companhia de pessoas; quando você se sente mal, prefere ficar


sozinho. Acredito que você esteja me rejeitando; e você acha que estou

invadindo sua privacidade. Quero ir; você quer ficar. Chego em casa para

conversar; você chega em casa para ficar sozinho. Eu aceito bem as

perguntas e as considero um sinal de interesse em mim; você se ressente

de perguntas e as considera invasivas. Eu revelo meus sentimentos e

meus desejos com facilidade; você considera isso superficial ou

perigoso. Você guarda as coisas para si; eu vejo isso como um

comportamento secreto e um sinal de que você não confia em mim. Eu

preciso falar para esclarecer meus pensamentos; você não pensa bem

com os outros falando e precisa de uma reflexão longa e silenciosa. Em

uma cidade desconhecida, eu peço informações a alguém; você procura

o caminho no mapa.

Se sou introvertido, pode ser que você se zangue comigo por não

querer socializar tanto com os amigos. Mas, se você aceitar minha

introversão como parte da minha personalidade, vai compreender a

minha necessidade de ficar sozinho e não vai levar minha ausência para

o lado pessoal. Em suma, uma tipologia é um fato, não um defeito.

Os introvertidos podem ter aprendido que a raiva, às vezes, é a única

forma de manter as pessoas afastadas. Isso pode fazer com que pareçam

rabugentos. Um extrovertido pode interpretar como rejeição a

necessidade de um introvertido de ficar longe. Um introvertido pode

buscar projetos que é capaz de fazer sozinho ou pode descobrir que

consegue ter um tempo sozinho ao assistir à TV, sair para fumar ou

beber, ao sentar-se diante do computador etc. Quando o alarme interior

do introvertido soa, significando que precisa ficar “longe das pessoas”,

ele se afasta ou se dissocia. Novamente, isso pode parecer rejeição ou

abandono para um par. Mesmo as horas de leitura, sem erguer os olhos,

podem parecer uma forma de distanciamento.

Algumas pessoas são tão profunda e extremamente introvertidas que

se sentem melhor quando não estão em um relacionamento. Um

extrovertido que se casa com um introvertido pode perceber que a

necessidade do par de ficar sozinho pode ser maior do que a necessidade

dele de estar em sua companhia. Um introvertido é mais bem treinado


para a autossuficiência do que para a cooperação, e ele talvez se sinta

culpado em relação a isso e ao tempo que passa sozinho. Um

introvertido às vezes se sente como um canhoto em um mundo de

destros, então é possível que sempre sinta certo nível de inadequação.

Como todas as minorias, ele tem um conjunto único de fatos e escolhas

que precisa enfrentar se quiser se relacionar com os diferentes.

Um introvertido pode ser facilmente incompreendido, então às vezes

ele acha necessário se explicar ou explicar o próprio comportamento,

pois se sente como um intruso. Quando ele sente a necessidade de se

afastar, vai precisar pedir um tempo, em vez de se retrair de forma

unilateral, o que pode parecer outra rejeição. É bem provável que um

introvertido precise brigar pelo direito de ser quem é. Quando seu par

precisar que ele seja quem não é, o introvertido vai se sentir pressionado

a ser falso para que possa ser amado. Um introvertido pode até mesmo

se sentir tão solitário ou com tanto medo de ficar só que, para ter

aprovação, aprende a agir como um extrovertido: o seu eu verdadeiro é

introvertido, mas ele finge ser extrovertido, como um eu falso.

Parte do trabalho de se tornar saudável é conhecer a sua tipologia

psicológica autêntica e então fazer escolhas que combinem com ela. Se

somos introvertidos, precisamos de um trabalho que não exija contato

direto com o público o dia todo. Se não conseguimos pensar

rapidamente, precisamos pedir tempo para tomar uma decisão ou emitir

uma opinião. De qualquer forma, reconhecemos que, como

introvertidos, nós automaticamente precisamos ser mais assertivos do

que a maioria das pessoas, mesmo que a assertividade não nos seja

natural. O truque é encontrar um equilíbrio entre sermos assertivos e

continuarmos fiéis a quem realmente somos.

Então surge a questão: se os introvertidos e os extrovertidos exigem

respostas tão individuais no dia a dia, eles também são amados de

maneira diferente? A tabela a seguir pode ajudar a responder:

Os cinco Como amar um introvertido Como amar um extrovertido

As

Atenção Mostrar consciência e lealdade que a Observar frequentemente e ter um


pessoa não interprete como interesse ativo no que a pessoa está

escrutínio ou invasão. fazendo.

Aceitação Validar a necessidade da pessoa para Mostrar que você está com a pessoa e

se distanciar sem considerar isso sempre vai estar ao lado dela.

uma rejeição.

Afeição Deixar que a pessoa sinalize que Demonstrar o seu amor de forma

deseja qualquer tipo de proximidade. frequente, tanto com ções quanto com

palavras.

Apreço Expressar gratidão e reconhecimento Mencionar com frequência e, em

da bondade e disposição da pessoa ocasiões especiais, fazer uma menção

para conviver com você. especial do seu reconhecimento.

Admissão Respeitar a necessidade da pessoa de Juntar-se à pessoa e compartilhar os

ficar sozinha até que ela peça para interesses dela de alguma forma e com

passar um tempo com você. a maior frequência possível.

Atenção Eu noto muita coisa, mas não sou Eu noto as coisas e digo o que estou

muito de falar. vendo.

Aceitação Não fico julgando. Quero ativamente que você seja você

mesmo.

Afeição Vou ficar próximo só quando me Adoro ter contato físico o tempo todo.

sentir pronto.

Apreço Sinto apreço por você, mas Demonstro meu apreço com palavras e

demonstro apenas quando não é ações que devem despertar uma

constrangedor nem exigido. resposta sua.

Admissão Dou total liberdade para você e para Quero incluir você em tudo que é

o seu estilo de vida. importante para mim.

Como prática, talvez ajude responder às perguntas a seguir em seu

caderno ou diário. Eu me aceito como sou? Aceito meu par como ele é?

Posso responder que sim se não estou tentando mudar a mim nem ao

outro. Eu aceito que tanto a introversão quanto a extroversão são

tipologias legítimas? Posso responder que sim se não reclamo do estilo

do meu par nem sinto vergonha do meu. Também posso reconhecer que

eu talvez esteja em um dos extremos do espectro da introversão ou da

extroversão e que tenho uma capacidade limitada para lidar com alguém

do lado oposto?

RAIVA SAUDÁVEL
Conflitos despertam a raiva, que é uma emoção saudável. A proximidade

desperta tanto a afeição quanto a agressão. E essa ambivalência, apesar

de normal, pode nos despedaçar como cavalos puxando em direções

opostas. A alternativa é aceitar os diversos sentimentos como um fato

dos relacionamentos humanos. Em uma intimidade comprometida,

posso sentir raiva de você e ainda assim amar você. Posso deixar você

com raiva de mim sem precisar revidar. O verdadeiro relacionamento,

dessa forma, inclui estar com a pessoa e ficar contra ela: “Você pode

sentir raiva de mim e ter uma posição contrária à minha, mesmo assim

sei que você ainda me ama. Eu posso fazer a mesma coisa com você. A

raiva não nos possui; nós a sentimos. Ocorrências discretas de raiva não

são capazes de confundir nem de obstruir o fluxo do nosso amor

contínuo.” Sendo assim, demonstramos raiva, mas com uma intenção

amorosa.

Uma pessoa totalmente realizada é capaz de reconhecer e vivenciar

todo o espectro dos sentimentos humanos. Dizer que somos incapazes

de sentir raiva, por exemplo, é negar a inclinação à agressão que nos

ajuda a lutar contra a injustiça no mundo. Quando tememos ou inibimos

nossos poderes humanos, diminuímos a nós e aos outros. Se não somos

capazes de sentir todas as polarizações das emoções humanas em sua

totalidade e com segurança, como podemos vivenciar a serenidade que é

tão necessária para a autorrealização? A serenidade é a capacidade de

lidar com as emoções e as crises com integridade, tranquilidade e

sanidade.

De forma consciente ou inconsciente, alguns de nós juramos lealdade

ao deus da vingança. O ódio é a raiva presa no desejo de retaliação. As

pessoas que odeiam e retaliam têm um senso de eu amedrontado e

desgastado. O desejo de retaliação quando os outros nos ofendem está

arraigado em nós desde a era das cavernas. Isso não é sinal de

degeneração moral, mas uma reação natural e automática de

sobrevivência a ameaças e abuso. Nosso trabalho é escapar dessa

inclinação primitiva e avançar na nossa evolução natural. Aceitamos os

fatos da natureza humana enquanto escolhemos não agir de acordo com


eles. Nós nos tornamos seres humanos mais generosos quando

encontramos formas de expressar a raiva sem machucar os outros. Essa

resistência não violenta flui de uma consciência superior, e não do

instinto, e torna o mundo um lugar mais atento, seguro e amoroso.

Quando somos adultos, podemos sentir e vivenciar sentimentos ou

condições aparentemente contraditórios. Por exemplo, podemos ter um

compromisso com alguém e manter limites pessoais; podemos ter um

conflito com alguém e estar trabalhando nisso; podemos sentir raiva e

ser amorosos. Independentemente das condições, somos capazes de nos

sentir abandonados enquanto estamos comprometidos e demonstrando

amor. Na verdade, podemos continuar amando durante qualquer

adversidade, e isso constitui um exemplo tocante de como nosso

psicológico trabalha para seguir um padrão espiritual. Ver os outros

como bons ou maus é dividir o mundo entre os que despertam amor e os

que despertam ódio. Internamente, nosso amor vai parecer desejo e

nosso ódio vai esconder o medo que sentimos. Quando estamos

confortáveis com a raiva, formamos um arco de conexão que nos faz

sentir mais inteiros e perceber que os outros também o são. O que nos

impulsiona e nos sustenta na intimidade é o amor que fica confortável

com os outros sentimentos. A raiva é normal, e uma reação ocasional

nunca cancela o amor. Nada cancela.

A raiva é desprazer e aflição em relação ao que consideramos injusto.

Abuso é violência e violação. É possível distinguir a raiva do abuso. Eles

até podem ser parecidos, pois são viscerais e envolvem vozes alteradas,

gesticulação veemente, rostos vermelhos e contato visual intenso. Ainda

assim, como mostra a tabela a seguir, existe uma diferença. Use-a como

uma lista de verificação para examinar a forma como demonstra sua

raiva. Você se relaciona com sua raiva de forma atenta, ou seja, dentro

dos limites e sem um comportamento invasivo, ou é totalmente possuído

por ela e perde o controle? Avalie a tabela sozinho e, depois, com seu

par. Troquem informações sobre onde cada um de vocês se encaixa.

Assuma o compromisso de conhecer essa tabela tão bem que vai se

lembrar dela quando sentir raiva, fazendo uma pausa longa o suficiente
para se lembrar de praticar uma raiva atenta, e não um abuso. Como

regra geral, é recomendável praticar uma pausa como forma de se

preparar antes de qualquer atividade diária comum. Fazer uma pausa

entre um estímulo externo e sua própria reação faz com que suas

escolhas sejam mais saudáveis, livres e responsáveis. Reações imediatas

e inconscientes costumam surgir do medo e da ignorância e provocam

sofrimento tanto em nós quanto nos outros. A ironia da raiva é que ela

parece ser um fluxo de desabafo, mas, na verdade, é um bloqueio.

Raiva de verdade Abuso: o lado sombrio da raiva

Expressão pessoal autêntica: o modo Demonstração teatral: o modo do vilão.

do herói.

É sempre atenta. É estimulado pelo ego e preso nos mindsets.

Expressa um sentimento. Torna-se uma explosão de fúria.

Pode ser expressa com um rosto Pode ser expresso com um rosto vermelho,

vermelho, agressividade e voz alta. ameaças e gritos.

Tem como objetivo um vínculo mais Quer colocar a fúria para fora sem se importar

profundo e eficaz: uma pessoa com com quem possa ferir: um abusador age contra a

raiva se aproxima da outra. outra pessoa.

Diz “Ai!” e busca um diálogo aberto e Só quer uma discussão acirrada e precisa ganhar.

vigoroso.

Mantém a boa vontade o tempo todo. Deseja o mal do outro.

É uma forma de assertividade que É agressivo, constituindo um ataque.

demonstra respeito.

Demonstra um amor mais duro que Explode em maus-tratos brutos e danosos que

enriquece ou conserta o colocam o relacionamento em risco.

relacionamento.

Surge do descontentamento diante de Surge a partir de um senso de afronta a um ego

uma injustiça. ferido e indignado.

Foca na injustiça como intolerável, mas Foca na outra pessoa como sendo má.

reparável.

Informa o outro, cria uma atenção Tem a intenção de ameaçar o outro e o repele.

arrebatada, evoca uma resposta atenta.

Tem a intenção de comunicar, relatar o Tem a intenção de silenciar, intimidar, humilhar,

impacto do que o outro fez. atemorizar ou destruir o outro sem se preocupar

com seus sentimentos.

Deseja que o outro responda, mas não Insiste que o outro lhe dê razão e diga que suas

exige isso. reações são justificadas.

Pede uma mudança, mas admite que o Mascara ou expressa uma exigência controladora
outro possa mudar ou não. de que o outro mude.

Pede que o outro se responsabilize e 1


Culpa o outro e se vinga.

faz as pazes.

É baseada em uma avaliação É baseada em um julgamento, fazendo do outro o

inteligente. errado.

É baseada na questão presente e é Costuma acumular questões passadas não

expressa de forma nova a cada resolvidas e uma raiva deslocada, que aumenta de

incidente. intensidade a cada novo incidente.

Tem alguma perspectiva, sendo capaz Está preso ao calor do momento e explode de

de distinguir entre questões menores e forma exagerada, não importando o tamanho da

maiores. provocação.

Coexiste com outros sentimentos. Obstrui todos os outros sentimentos.

Assume a responsabilidade pela Culpa o outro pela própria angústia.

própria angústia.

É não violento, mantém o controle e É violento, fora de controle, sarcástico, punitivo,

permanece dentro de limites seguros hostil e vingativo (não controla o temperamento).

(controla o temperamento).

Libera energia e volta ao repouso. Desvia a energia e cria um estado contínuo de

estresse.

É breve e termina com um senso de É contínuo e se transforma em ressentimento,

conclusão (uma chama). ódio, rancor ou amargura permanente (um

incêndio).

Inclui pesar e reconhece isso. Inclui pesar, mas mascara isso com

invulnerabilidade fingida ou negação.

Acredita que o outro é o catalisador da Acredita que o outro é o causador da raiva.

raiva.

Trata o outro como par. Trata o outro como alvo.

Origina-se no ego saudável e o Origina-se no ego arrogante e nele se perpetua.

estimula.

Coexiste com o amor e o empodera: Cancela o amor em favor do medo: base no temor.

destemido.

Todas essas são formas de abordar, Todas essas são formas de evitar o próprio pesar

processar e resolver. e a própria angústia.

O amor pode coexistir com a raiva quando incluímos os cinco As na

forma de demonstrá-la. Por exemplo, demonstrar raiva de forma atenta

em relação à reação de alguém significa modulá-la para que o outro

possa recebê-la de forma segura. Ao fazer isso, também estamos levando

em conta e aceitando os limites do outro. É uma forma de afeição que


permite ao outro se abrir para o que estamos sentindo. Na verdade, todos

os sentimentos se tornam mais seguros quando expressos no contexto

dos cinco As, que são formas de apoio emocional. Faça as perguntas a

seguir ao seu par e sugira a ele que as faça para você também.

Eu tenho o direito de sentir raiva. Você me aceita como

alguém que pode sentir raiva?

Tenho o direito de expressar abertamente a minha raiva.

Você é capaz de admitir isso?

Quando estou com raiva, tento transmitir para você que

existe algo me incomodando. Você consegue prestar atenção

no que me deixou com raiva?

Vou continuar amando você mesmo quando eu estiver com

raiva. Você consegue continuar me amando enquanto estou

com raiva de você?

Meus sentimentos despertam compaixão e atenção em você

ou eles ativam o seu ego para que me ridicularize, demonstre

desdém ou fuja de mim?

Se este for o caso, como posso estar presente nesses

momentos de forma que eu me sinta seguro para ficar e

resolver as coisas de forma respeitosa?

A agressão passiva (ou seja, expressar a raiva de forma indireta) não

tem lugar em relacionamentos adultos. Analise seu estilo de

relacionamento na tabela a seguir e se pergunte se você se envolve em

comportamentos indiretos. Caso faça isso, admita esse fato para si

mesmo e para alguém em quem você confia e que possa lhe ajudar a

fazer um plano para corrigir o comportamento.

Expressar a raiva de forma direta Expressar a raiva de forma

indireta

Discordar abertamente ou dizer o que incomoda você, Não cumprir os acordos ou

expressando seu desagrado em relação ao que está para mensagens.

acontecer ou ao que já aconteceu.


Abordar, processar e resolver seus sentimentos. Provocações/atrasos.

Ficar de mau humor, fazer

tratamento de silêncio, fazer

birra ou desaparecer.

Tecer críticas/desenterrar

coisas do passado.

Não transar ou usar a

infidelidade como arma.

Antagonizar.

Fazer piadas ou pegadinhas.

Ridicularizar ou fazer

comentários sarcásticos.

Enganar e prejudicar o outro

pelas costas.

Parar de proporcionar os cinco

As.

Prática

navegar por ressentimentos e avaliações sem mágoas |

Expressar ressentimento e avaliações de forma diária e direta um para o

outro sem dar um feedback. Por trás da maioria dos ressentimentos

existe uma exigência implícita. Identifique a sua em voz alta. Por trás da

maioria dos sentimentos de apreciação existe um desejo implícito de

mais do mesmo. Admita isso em voz alta.

Pares que são amorosos de forma atenta nunca engajam, de modo

consciente, em comportamentos que magoam um ao outro. Eles se

policiam e prendem os ladrões que estão sempre tentando roubar o

vulnerável baú dos tesouros da intimidade: o ódio, o sentimento de

vingança, a violência, a ridicularização, os insultos, as mentiras, a

competição, a punição e o constrangimento. Nós perguntamos um ao

outro como estamos nos saindo em relação a isso.

defender-se do abuso | Nenhum relacionamento deve tirar sequer

um dos direitos humanos. Um relacionamento de verdade não vem com

custos. Um relacionamento no qual um dos pares está sempre buscando


a aprovação do outro é uma relação de pais e filhos, e não uma relação

entre dois adultos. Em um relacionamento adulto, porém, podemos

deixar de lado nossas poses, nossas tentativas de estar sempre bem para

merecer o amor. Somos amados exatamente do jeito que somos.

Além disso, quando vivemos como adultos, qualquer um pode nos

odiar, mas ninguém pode nos ferir. Recusamo-nos a nos tornar vítimas

de abuso; em vez disso, nós nos defendemos: “Você parece me odiar, e

sinto muito pelo sofrimento que isso causa a nós dois. No entanto,

quando você se aproxima de mim de forma violenta, é minha obrigação

impedir que isso aconteça. Não vou permitir que você me machuque

nem que seja abusivo; tudo o que lhe permito é que me diga como se

sente.” (A violência inclui injúrias e insultos, não apenas agressão

física.) Diante de uma situação abusiva, recomendo uma abordagem de

três passos: (1) defenda-se mostrando seu sofrimento e definindo seus

limites; (2) fique com o seu par se ele se demonstrar aberto e responsivo;

(3) saia de perto caso ele não se acalme.

Esses passos constroem intimidade porque contêm dois elementos

cruciais:

Demonstrar seu sofrimento enquanto você se defende mostra

vulnerabilidade, mas não aquela que vemos em vítimas, e sim a

que vemos em pessoas fortes.

Afirmar seus limites significa que você os está mantendo e que

está agindo com sinceridade.

Ficar com alguém não significa estar à mercê de abuso, mas se

envolver para abordar, processar e resolver as questões. Permanecer ao

lado de uma pessoa atormentada significa manter-se conectado com ela,

mas sem permitir que lhe cause tormentos. Ficar constitui uma prática

de mindfulness que envolve devoção à realidade do amor. Quando

alguém que o odeia vê que você está em sofrimento e ainda assim não o

abandona, ele pode confiar em você e acabar desistindo do próprio ódio.

No entanto, ficar não é uma estratégia para fazer os outros mudarem.


Ficamos por causa do nosso comprometimento de colocar o mindfulness

antes da censura, e a compaixão antes do ego. Pagamos o ódio com

amor, buscando a comunhão, não a retribuição. Se conseguimos uma

proximidade com o outro, ficamos felizes. Mesmo que demore,

continuamos presentes. Se fracassamos, então nós nos libertamos.

medir a felicidade | Se você está infeliz em um relacionamento,

talvez ache que é culpa do seu par. Na verdade, porém, isso pode ocorrer

porque você não acredita que tenha o direito de ser feliz. Considere os

sinais listados a seguir acerca de tal crença. Quais afirmações se aplicam

a você? Escreva por três minutos cada uma delas enquanto as vivencia.

Depois, formule o oposto de cada afirmação sobre como ela pode se

aplicar a você.

Acredito que meu objetivo de vida não é aproveitar, e sim

suportar.

Os outros sempre vêm primeiro.

A lealdade aos outros vêm antes da lealdade a mim mesmo: sou

motivado por dívidas, história, culpa e pena.

Sempre nego meu instinto de autoproteção.

Não consigo falar sobre relacionamento nem mudar ou sair dele

porque posso acabar magoando o outro. Digo para mim mesmo:

“Criei fama, agora me deito na cama.”

Antes de impor meu poder ou satisfazer minhas necessidades,

preciso fazer os outros felizes.

Desde que eu faça meu par feliz, meu relacionamento é um

sucesso.

Estou disposto a permitir que meu par me magoe.

Se meus pais ou crenças culturais ou religiosas modelaram o estilo

descrito nas afirmações acima, isso significa que elas ainda regem minha

psique? Quando vou assumir a minha própria psique?


abordar, processar, resolver | Assuma um compromisso consigo

mesmo e com seu par de que você vai falar sobre todas as suas

preocupações em vez de escondê-las ou desconsiderá-las. Abordar uma

questão é tornar o implícito explícito. Isso inclui aquilo que aperta você

por dentro ou aquele sentimento insistente do qual você nunca fala.

Todos os sentimentos humanos são legítimos. Aceitar a validade de um

ou outro sentimento é ouvi-lo com os cinco As, sem as defesas ou os

argumentos do ego. Abordar uma questão, desse modo, é escolher ser

mais amoroso, uma vez que é um comprometimento respeitoso para com

a verdade um do outro.

Se você tem dificuldade de saber todas as implicações e nuances dos

seus sentimentos, aqui está uma técnica fácil que pode ser útil. Escolha a

palavra que melhor descreva o que está sentindo e procure-a em um

dicionário de sinônimos. Leia para o seu par a lista de palavras

apresentadas, comentando, depois de cada uma delas, se e como a

palavra se encaixa. Por exemplo, você pode estar se sentindo frustrado,

mas percebe que isso inclui um elemento de decepção lastimosa ou

amarga e talvez reconheça que sua expectativa estava muito alta!

Processar uma questão significa explorar e trabalhar todas as

implicações de um evento e as intenções por trás do comportamento dos

envolvidos. Isso ocorre tanto com a atenção ao sentimento quanto com a

busca por mudança. Aqui está uma técnica simples de três passos para

processar os eventos: diga o que aconteceu de acordo com sua visão;

expresse o que você sentiu na hora e como se sente agora; explore o que

ainda precisa ser resolvido e acompanhe o desenrolar. Fazer isso

diariamente faz com que você tenha menos problemas e, portanto,

menor estresse.

A resolução começa quando você faz um trato para mudar um padrão

de comportamento com o intuito de quebrar um ciclo disfuncional. Ele

se completa quando um estilo novo e mais satisfatório de relacionamento

se torna uma segunda natureza. Uma resolução completa é, em última

análise, o resultado automático da abordagem e o processamento

completos. Uma relutância em abordar, processar e resolver questões


pode ser sinal de falta de esperança, ou seja, o sinal da morte de um

relacionamento.

relatar impacto | Qualquer atitude de nosso par que despertar algum

sentimento em nós merece ser relatada, assim como o impacto que teve

em nós. Dizemos: “Quando você fez/disse isso, eu senti isso.” E o

dizemos de forma atenta, ou seja, sem culpa nem expectativas; trata-se

simplesmente de uma informação. Ninguém provoca um sentimento,

mas as ações e as palavras são as catalisadoras dos sentimentos. O outro

par ouve, sem oferecer uma solução imediata ou sem assumir um

comportamento defensivo, e logo pergunta: “Do que você tem medo? O

que você acredita em relação a mim ou a isso? O que você quer de mim

agora?” Procure seu par e, por cinco minutos, faça essas perguntas um

para o outro. Quando estamos comprometidos a trabalhar em nós

mesmos, recebemos bem as perguntas levantadas neste livro e as

informações sobre nós mesmos que descobrimos ao respondê-las. Você

já está começando a recebê-las bem?

encontrar um centro | Acordos bem-sucedidos exigem

responsabilidade. Em um relacionamento no qual um par é

substancialmente mais responsável do que o outro, pode parecer que

esse precisa fazer a outra pessoa mudar. Por exemplo, um dos

integrantes do par pode sempre ser pontual em todos os compromissos e

planos feitos pelo casal, não importando as circunstâncias. O outro pode

ser indiferente ou irresponsável, não cumprir os compromissos e não ser

confiável. O par altamente responsável pode culpar o irresponsável ou

tentar consertá-lo, sem obter muito sucesso. Uma pessoa erra pelo

excesso; a outra, pelo defeito. A virtude está no meio, no centro atento; e

não em nenhum dos lados da linha de culpa. O objetivo de um dos pares

é ser menos compulsivo, o do outro é ser mais responsável. Se apenas

uma das pessoas fizer o trabalho e mudar, ela ainda pode aceitar a outra

e vê-la com diversão e compaixão, e não com reclamações. Estar no


centro faz com que nos sintamos bem, e temos menos necessidade de

fazer os outros mudarem. Considere a tabela a seguir:

Um extremo O centro atento Um extremo compulsivo

irresponsável

Não demonstra Tranquilidade. Energia demais.

energia suficiente.

Pode perguntar Vê tudo o que acontece Pode culpar o par e se sentir desrespeitado

qual é o motivo do com uma ligeira quando este não consegue corresponder à

seu diversão e compaixão sua definição de responsabilidade.

comportamento. sincera.

Você e o seu par são opostos em relação a isso? Se for o caso, como

lidam com isso? Você insiste que o outro mude ou consegue ver e

admitir quando algo é uma questão pessoal?

proteger nossa energia | Faça, mentalmente, as perguntas a seguir

a respeito de sua vida no momento. Estou em um relacionamento com

alguém que tenta sufocar minha energia viva? (Nossa energia viva é

aquela que quer nos iluminar de dentro para fora e iluminar o mundo por

nosso intermédio.) Por que permito que alguém limite a minha energia?

É um hábito da minha infância? Estou com alguém que esgota a minha

energia? Estou com alguém que adora a minha energia e me encoraja a

deixá-la fluir? Veja algumas sugestões que podem ajudar a acender sua

energia caso ela venha a falhar:

Desista de controlar os outros. Cada gota de energia que usamos

para mudar os outros é retirada em dobro da nossa energia viva.

Não somos controladores para evitar que coisas ruins aconteçam,

mas para evitar o sentimento de pesar, raiva ou decepção.

Pergunte o que você deseja 100% do tempo. Diga o dobro de

“sim” para si do que diria de “não”, mas esteja disposto a se

comprometer.

Escolha a reconciliação em vez de brigas constantes. Nunca

retalie nem lance mão de um comportamento violento, não

É
importa a provocação. É melhor corrigir as ações inadequadas

dos outros com instrução e compaixão, em vez de com punição e

retaliação.

Confronte ou dê as costas para quem tenha comportamentos que

visem deprimir, humilhar, controlar, abusar ou assustar você, não

importa que vocês sejam muito próximos.

Expresse sua criatividade; comece com um projeto que até então

você só havia imaginado.

Seja quem você é sexualmente. Com responsabilidade, é claro.

Isso pode incluir realizar uma fantasia ou assumir um estilo de

vida que você guardou dentro de si por muito tempo.

Cultive um senso de humor, aprenda a brincar e veja graça nos

eventos do dia a dia, no comportamento do outro e nas próprias

reações.

Tenha coragem na hora de se apresentar e mostrar suas decisões.

Faça amizade com a natureza.

Dance ou escreva poesia ou canções sobre sentimentos e os

eventos da sua vida.

Encontre uma alternativa quando deparar com um problema

aparentemente intransponível. (A energia viva é alegria, e a

alegria acontece quando encontramos alternativas para os

pensamentos de se/ou.)

Revele aquele segredo que só serviu para tornar sua vida mais

complicada.

Abandone todos os “sim, mas” que vierem à sua mente enquanto

leu esta lista!

combinar o que eu quero com o que você pode dar | Podemos

serem exigentes para que nosso par corresponda ao que acreditamos ser

expectativas razoáveis. Por exemplo, Jennifer vai se arrumar de última

hora para um compromisso, em vez de ficar pronta com antecedência,

como sempre é o caso de Roger. No entanto, Jennifer já mostrou no

decorrer dos anos que ela não é como Roger. Na verdade, o estilo dela é
sempre deixar tudo para a última hora. Roger, porém, está convencido de

que sua parceira precisa fazer as coisas “da maneira correta”. E,

realmente, o senso dele do que é certo exige que os outros reduzam o

nível de estresse dele ao mudarem qualquer estilo que o incomode.

Tudo isso o faz censurar e criticar Jennifer. A reação dele se tornou

uma forma de se distanciar dela, como ocorre com qualquer expectativa

que não é baseada em um acordo. Ele se irrita e pode até acreditar que

Jennifer, às vezes, faça isso de propósito só para desrespeitá-lo. Roger

toca no assunto de forma cada vez mais frequente e raivosa. Jennifer, de

modo compreensível, considera isso irritante.

A alternativa saudável talvez seja Roger aceitar o fato de que o tempo

de Jennifer para fazer as coisas é único e, desse modo, fazer uma

afirmação de intimidade: “Jennifer é assim mesmo, e eu a amo.” Quando

aceitamos quem a pessoa realmente é, agimos em favor da intimidade

em vez de contra ela. Quando nos reconciliamos com o que vemos como

limitação do nosso par, estamos praticando a aceitação, um dos As do

amor. Aceitar menos do que esperamos, mas de forma mais realista,

reduz o estresse à nossa volta.

Os pares resolvem melhor as coisas quando se alinham à oração

dividida em três partes: ter serenidade para aceitar o que não podemos

mudar, coragem para mudar o que podemos e sabedoria para saber a

diferença. Aplique isso com a personalidade das pessoas. Existem

alguns traços em nós mesmos e nos outros que não vão mudar; a

maioria, para dizer a verdade. Algumas até podem ser mudadas. Cabe a

nós saber identificá-las no momento do conflito. Dessa forma,

encontraremos a serenidade, pois vamos aceitar o que não podemos

mudar. Nosso diálogo em relacionamentos se concentrará no que pode

ser mudado. E é assim que conquistamos a sabedoria de saber a

diferença.

Ao mesmo tempo, a pessoa que frustra o par por causa do horário

também pode levar em consideração buscar, ao menos, fazer algumas

tentativas de ser mais pontual. Isso constitui um ato de amor pelo par,

uma vez que a forma como age é um gatilho de nervosismo para ele: “Já
que um planejamento com antecedência e fazer as coisas com menos

correria são coisas tão importantes para Roger, posso controlar meu

estilo natural e, assim, deixá-lo feliz.” Nesse caso, Jennifer tomou uma

decisão pela proximidade sem grandes custos para si mesma e como um

presente para a pessoa que ela ama.

não precisar saber | A história de São Jorge lutando contra o dragão

não é sempre a melhor metáfora para uma luta. A maioria dos dragões

de hoje é sutil e psíquica. Alguns apresentam configurações confusas

que precisam ser contempladas antes de serem compreendidas e depois

confrontadas. Desse modo, nem sempre podemos confrontar nossas

questões assim que surgem. A confusão é uma fase totalmente legítima

da resolução. Talvez precisemos de um período de ambiguidade,

incerteza e falta de clareza antes de vermos o que está acontecendo.

Quando uma das pessoas do casal ou as duas estão confusas, é o

momento certo para uma conversa atenta sobre a confusão. Isso não

significa fixações ou tentativas de controle nem insistência de acabar

com ela. A confusão tem vida própria. É como a massa do pão que

precisa de escuridão para crescer e não pode ser apressada. A paciência

é um ingrediente do pão e do amor. Se respeitamos nosso tempo e

estado de espírito, crescemos na autoconfiança. O reverendo Sydney

Smith deu essa maravilhosa sugestão no século XVIII: “Em momentos

de depressão, faça pequenas incursões na vida humana, nada muito além

do jantar ou do chá.”

Façam as seguintes perguntas um para o outro. Vocês podem ficar

juntos de forma flexível, controlando a própria tensão sem gestos

prematuros para acabar com ela? Você consegue se relacionar com a sua

tensão ou confusão, em vez de se sentir pressionado ou intimidado?

Faça um comprometimento verbal para abordar e processar a questão só

quando os dois estiverem igualmente prontos. Se vocês nunca estiverem

prontos ao mesmo tempo, essa é outra questão que precisa ser abordada

antes de se sentirem prontos.

À
Agora, considere as afirmações a seguir. Às vezes, é necessário

permitir que eu sinta as coisas acontecerem sem fazer nada. Às vezes,

guardar alguma coisa é mais importante para o meu crescimento do que

colocar para fora. Isso, portanto, significa renunciar ao controle quanto

aos meus sentimentos e conduzi-los para onde desejam ir ou ficar. Dessa

forma, respeito meu próprio tempo e confio em mim mesmo. No seu

caderno, cite alguns exemplos de quando renunciou ou não aos próprios

sentimentos e respeitou seu próprio tempo.

fazer uma auditoria | Um dos motivos por que nossa democracia

funciona são os nossos sistemas de controle e avaliação. Da mesma

forma, os relacionamentos também exigem esse tipo de auditoria e

controle de qualidade para funcionarem bem. A busca por terapia para

ajustar e resolver questões também ajuda. Assim como feedbacks acerca

do seu relacionamento vindos daqueles em quem se confia. Você

também pode fazer um check-up pessoal, uma verificação do “estado da

união”. Cada uma das pessoas do casal prepara uma apresentação que

vai levar a uma conversa. Isso pode acontecer a cada três meses ou no

início de cada estação do ano ou no aniversário do relacionamento, caso

prefiram fazer isso apenas uma vez por ano.

Cada uma das pessoas do casal apresenta, sem discussão, sua visão

de como as coisas estão. Isso pode ser feito usando um modelo de

passado, presente e futuro. Primeiro, apresentamos o que vimos no

relacionamento no passado, como nos sentimos em relação a isso agora

e, finalmente, o que esperamos para o futuro. Em cada categoria,

mencionamos nossas necessidades, nossos medos e nosso nível de

confiança: como estavam, como estão e como esperamos que fiquem.

Depois, podemos afirmar a experiência de cada um dos cinco As, como

sentimos que estão acontecendo entre um e outro.

Durante todo o tempo, cada pessoa apresenta a própria visão sem ser

interrompida. A conversa começa depois que cada uma acabar de

apresentar, o que deve ser feito sem acusações nem críticas. Estamos

ouvindo as palavras e os sentimentos sem interromper, compreendendo


a necessidade e sem brigar. Estamos entusiasmados e abertos a qualquer

mudança para melhor em todas as áreas.

Essa técnica só funciona quando as pessoas forem íntegras, altamente

respeitosas, totalmente abertas e completamente dispostas a

transformações radicais em si e no relacionamento. Se o ego estiver

presente, tudo pode, sem dúvida, ir por água abaixo.

distinguir conflito de drama | O conflito pode ser tratado com as

ferramentas que estamos aprendendo a usar: abordar, processar e

resolver. O drama não responde a essas ferramentas. Na verdade, são

necessárias para ele uma programação espiritual e uma grande dose de

trabalho pessoal. Use a tabela a seguir para ver onde você se encontra

com qualquer questão que esteja enfrentando no momento. Liste os

estilos à esquerda que mais lhe agradam, anote-os em forma de

afirmações e prenda o papel em um lugar visível aos dois.

Conflito saudável Drama estressante

O problema é colocado na mesa e o O problema se torna maior do que nós dois; ficamos

vemos em perspectiva. possuídos por ele e perdemos a perspectiva.

Exploramos a situação. Nos aproveitamos da situação.

Abordamos a questão de forma Nos desviamos da questão ou a acobertamos.

direta.

Expressamos nossos sentimentos Lançamos mão de injúrias para jogar nossos

com calma, assumindo a sentimentos um em cima do outro e nos envolvemos

responsabilidade por eles, sem jogar em demonstrações teatrais e dramáticas com a

a culpa no outro ou fazer com que intenção de manipular, intimidar ou nos distanciar

sinta vergonha. do outro.

Estamos em busca de uma forma de Explodimos, agimos de forma violenta ou nos

manter o relacionamento estável e afastamos de mau humor.

não temos comportamentos

violentos.

Mantemos o foco na questão do Usamos a questão do presente para desenterrar

presente. ressentimentos do passado que contaminam o

processo do presente.

Estamos comprometidos com um Um de nós toma uma decisão secreta ou unilateral.

estilo bilateral ao processar questões

e tomar decisões.
A questão é resolvida com um A questão permanece uma ferida aberta, causando

acordo ou a mudança para algo muito ressentimento e estresse.

melhor.

Nós dois estamos procurando uma Um de nós precisa ganhar e ver o outro perder.

forma de tornar nosso

relacionamento melhor.

Discutimos de forma justa. Usamos táticas desleais.

Admitimos a responsabilidade Estamos convencidos de que o problema é culpa do

mútua pelo problema. outro.

Estamos comprometidos em resolver Insistimos que o problema seja resolvido de acordo

as coisas, mas respeitamos o tempo com nosso tempo, sem tolerância para dar um

do outro. intervalo se o outro precisar de mim.

Tentamos lidar juntos com uma Trazemos mais alguém ou mais alguma coisa como

questão, só nós dois. forma de distração (por exemplo, um caso

extraconjugal, bebida).

Se necessário, buscamos ajuda na Recusamos ajuda ou a usamos como tentativa para

terapia ou em um grupo de apoio. justificar nossa posição pessoal.

Queremos que nós dois saiamos Queremos que o outro seja punido.

melhores desse conflito.

Deixamos de lado nossas fixações Insistimos em resolver as coisas do nosso jeito.

em relação ao resultado que

queríamos em favor de uma

resolução que seja boa para os dois.

Estamos cientes de todas as Só vemos o preto no branco.

complexidades.

É aceitável concordar em discordar. A ambiguidade é intolerável.

Notamos, espelhamos e sentimos Estamos tão presos em nosso próprio sofrimento que

uma compaixão profunda pela dor não vemos o sofrimento do outro ou pensamos

do outro. “Bem feito, mereceu”.

Admitimos se o nosso Batemos o pé afirmando que a questão a ser

comportamento tiver alguma ligação resolvida gira em torno inteiramente do aqui e agora.

com a nossa infância.

Cada um de nós reconhece de que Enxergamos o lado sombrio do outro, mas não o

modo nossa sombra pode estar nosso próprio.

envolvida.

Nosso conflito se baseia no amor e Nosso drama se baseia no medo e temos que nos

queremos demonstrar os cinco As. preservar e proteger o ego.

Estamos centrados no mindfulness. Estamos distraídos pelos mindsets do ego.


criar um espaço para o problema | Desenhe um círculo para fazer

um gráfico de pizza. Escreva o problema que está enfrentando no meio

do círculo, usando os termos mais simples possíveis, sem editar; por

exemplo, “Meu par me deixou”. Esse fato por si só já provoca uma

tristeza profunda. Agora, considere como o ego interfere ao acrescentar

o medo, a fixação em um resultado, a necessidade de controle, a culpa, a

sensação de abandono etc. Todas essas são fontes adicionais de

sofrimento desnecessário. Divida o círculo para demonstrar o tamanho

variado de cada uma dessas fontes de sofrimento, dando uma indicação

visível de como você está sendo distraído de vivenciar experiência pura,

que se trata simplesmente do fato de que seu par foi embora. Agora

desenhe o gráfico novamente apenas com a frase simples no meio e note

o senso de espaço resultante. É assim que o mindfulness abre espaço em

torno das nossas experiências para que possamos estar presentes naquilo

e em nada mais. Isso, por sua vez, permite que soframos por causa de

uma situação, uma perda, por exemplo, sem o sofrimento adicional de

todas as forças centrífugas geradas por nossa mente.

distinguir necessidade de carência | O que busco nos

relacionamentos quando tenho carência de satisfação de necessidades na

infância? O que busco quando tenho necessidades adultas? Responda às

perguntas a seguir para se localizar em relação à tabela.

Uma criança carente diz Um adulto saudável diz

Acabe com a minha solidão. Seja meu par enquanto nós dois respeitamos

a necessidade que cada um tem de às vezes

ficar sozinho.

Faça com que eu me sinta bem. Sou responsável pelos meus próprios

sentimentos e não espero nem preciso me

sentir bem o tempo todo.

Dê-o para mim. Negocie comigo.

Nunca me traia, nem minta, nem me Aceito que você é passível de erros e procuro

decepcione. abordar, processar e resolver as questões com

você.

Ajude-me a não sentir medo. Eu dependo Ajude-me a aprender a amar. Dependemos


de você. um do outro.

Satisfaça totalmente as minhas Satisfaça moderadamente as minhas

necessidades. necessidades.

Ajude-me a repetir cenários antigos e Eu lamentei o passado, aprendi com ele e

repetitivos de minha infância e de agora quero algo melhor.

relacionamentos do passado.

Faça a vontade do meu ego. Confronte e liberte o meu ego.

Exijo que você satisfaça 100% das minhas Espero que você satisfaça uns 25% das

necessidades. minhas necessidades.

Estou em busca de estabilidade fora de mim Estou em busca de um lugar que honre e

mesmo. aprimore a estabilidade que tenho dentro de

mim.

Faça as perguntas a seguir a si mesmo e anote as respostas em seu

caderno ou diário. Quais foram os pares na minha vida que atraíram o

meu eu adulto? Em quem penso quando estou me sentindo bem? Quais

foram os meus pares que atraíram o meu eu criança? Em quem penso

quando estou na pior? Você também pode se perguntar: quais dos meus

hobbies agradam o meu eu adulto e quais alimentam a carência da

criança que vive dentro de mim?

Se você está com dificuldade de encontrar sua voz adulta, o

espelhamento da voz do pai/mãe/cuidador, conte sua história aos seus

amigos. Você vai ouvir sua voz adulta na resposta deles. Isso acontece

porque eles são mais adultos que você? Não, eles simplesmente não

estão ensurdecidos pelos decibéis que distraem o seu eu adulto do seu

drama.

enxergar claramente | É provável que as únicas questões que

tratamos de forma direta, sem melodrama ou fortes reações, sejam

aquelas que não têm nenhuma ligação com nosso passado. Admita para

si mesmo que existe um elemento das suas questões mais pesadas que

remonta ao seu passado. Em seu caderno, faça uma lista de algumas

formas com as quais você talvez esteja mantendo seu passado vivo e

como isso acaba sabotando seu presente. Emily Dickinson escreveu: “As

formas que enterramos habitam,/ nossos quartos familiares”.


Quando reagimos com intensidade ao comportamento ou às palavras

de alguém, pode ser que estejamos agindo de forma adequada, ou talvez

estejamos reagindo de forma exagerada. Quando isso acontece, é bom

fazer uma análise com três elementos a partir das perguntas: “É o meu

lado sombrio? É o meu ego? Tem a ver com questões da minha

infância?”

Lado sombrio: nosso lado sombrio é aquele que renegamos,

reprimimos e negamos enquanto o projetamos nos outros. Quando

notamos outra pessoa fazendo algo que nós faríamos, mas não

conseguimos admitir, pode ser nosso lado sombrio falando.

Desprezamos ver no outro o que existe em nosso inconsciente. Nosso

trabalho é ser amigável com esse lado sombrio ao reconhecer as nossas

próprias projeções e reivindicá-las como nossas.

Ego: Como já vimos, o ego é neurótico e inadequado quando

motivado pelo medo de não ser aceito ou pela retaliação arrogante ou

por acreditar no próprio merecimento. Um ego ferido se demonstra nas

seguintes falas: “Como se atreve a fazer isso comigo?”, “Você vai se ver

comigo!” ou “Você sabe quem eu sou?”.

Questões da infância: Talvez estejamos reagindo a alguma questão

pendente quando pensamos: Você está replicando o que foi feito comigo

quando eu era criança. Vejo que está recriando um cenário do passado

que é muito controverso para mim. Estou reagindo diante de um

estímulo do passado. “Parece uma recordação”, comentou Keats,

falando da facilidade de escrever alguns versos de poemas. Quanto do

que sentimos é exatamente assim? Transações que parecem estar

acontecendo aqui e agora, mas que são lembranças do passado com

esses três elementos. Use uma experiência recente que estressou você,

despertando uma reação intensa de sua parte. Analise-a levando em

conta o lado sombrio, o ego e as questões de infância, como

descrevemos nesta prática. Em seguida, admita para a pessoa que

incomodou você o que descobriu sobre a sua verdadeira motivação. Faça

para si mesmo estas perguntas: estou chateado porque estou projetando

meu lado sombrio na pessoa e vendo o pior de mim nela? Estou


reagindo dessa forma porque meu ego arrogante está ofendido? Estou

sentindo tudo isso porque alguma coisa da minha infância está

ressurgindo? Essa mesma técnica é útil para explorar qualquer outra

atitude, crença, reação, preconceito e motivos de sofrimento. Assuma

um compromisso recorrente consigo mesmo para fazer uma análise

procurando esses três elementos (lado sombrio, ego e questões de

infância) dentro de você e para trazê-los para a luz.

Às vezes, agimos como se estivéssemos chateados, e não é nem o

nosso lado sombrio, nem nosso ego, nem algo da infância. Às vezes,

chateado significa algum pesar. Estamos tristes porque alguma coisa não

saiu do jeito que queríamos, ou alguma coisa ou alguém nos magoou ou

nos decepcionou. O pesar é uma reação que geralmente não

reconhecemos, admitimos ou sentimos. Afinal, preferimos usar a raiva

para encobri-lo. Por exemplo, podemos estar chateados porque nosso par

não fala a respeito dos próprios sentimentos, então sempre precisamos

adivinhar o que ele está sentindo. Podemos até reagir com raiva quando

nossa verdadeira reação talvez seja de pesar por ele não conseguir se

abrir nem ser sincero conosco. O sentimento que costuma ser mais

disfarçado em um relacionamento é o pesar, então é útil procurar nele

primeiro para encontrar nossa reação interior autêntica a estímulos

dolorosos. Compartilhe seu pesar com seu par. Vocês podem se alternar

para completar esta frase: “Eu me sinto triste quando você_____.” Ao

que você pode acrescentar: “E escondo minha tristeza com _____.”

É o grande mistério da vida humana quando um pesar antigo

se transforma em uma alegria terna e tranquila.

— Fiódor Dostoievski, Os irmãos Karamázov

1 A culpa é diferente de uma avaliação de responsabilidade. Na culpa, existe uma censura com

a intenção de constranger e humilhar. A intenção é mostrar que alguém está errado. Na avaliação

de responsabilidade, a intenção é corrigir um erro e restaurar o equilíbrio. Em uma vida adulta

atenta, não se deve culpar ninguém, e sim considerar todos responsáveis.


6 | O MEDO APARECE, ASSIM COMO
OS PERIGOS
Temi, porque estava nu, e escondi-me.

— Adão no Jardim do Éden, Gênesis 3:10.

A pior coisa do medo é o que ele faz com você quando tenta

escondê-lo.

— Nicholas Christopher

relacionamentos íntimos naturalmente despertam o medo. Nós

tememos a intimidade porque tememos o que pode acontecer se

demonstrarmos os cinco As e nos aproximarmos de verdade de alguém.

O medo de intimidade é normal em um mundo incerto como o nosso. E,

desde que não sejamos movidos nem paralisados por eles, os medos têm

sua utilidade. Mesmo que o medo me siga, nunca vai me guiar.

Tememos os perigos que acompanham um relacionamento: traição,

mágoa, amor, confrontos de egos, confissões pessoais, abandono e

sufocamento. Esses dois últimos são medos centrais em

relacionamentos. Se você os sente, saiba que não está sozinho.

SUFOCAMENTO E ABANDONO

O medo de sufocamento ocorre quando, se alguém se aproximar demais,

tanto física quanto emocionalmente, nos sentirmos sufocados ou

perdermos nossa liberdade. Isso é o equivalente à atenção ou afeição em

excesso e à não aceitação e admissão insuficientes. Se nos sentimos

sufocados, dizemos: “Deixe-me em paz.” O medo do abandono ocorre


quando, se alguém nos deixa, ficamos tão desolados que tememos não

sobreviver emocionalmente. E isso é o equivalente a uma perda de

atenção, apreço ou afeto. Se tememos o abandono, dizemos: “Fique

comigo.” Em qualquer um dos casos, sentimos medo quando o poder

parece “externo”, em vez de estar dentro de nós. É quando nos sentimos

presos em uma armadilha na qual somos controlados e estamos

completamente nas mãos do outro.

Uma pessoa saudável pode sentir tanto o medo do abandono quanto o

do sufocamento, embora um tenda a predominar sobre o outro em

qualquer pessoa ou em qualquer relacionamento. É possível sentir esses

medos sem nunca os chamar pelo nome nem conhecer sua origem. Além

disso, como são lembrados e mantidos no nível físico, e não no

intelectual, eles costumam ser imunes à força de vontade comum;

parecem reações automáticas a estímulos autênticos. Por exemplo, um

abraço pode parecer ameaçador para alguém que tem muito medo de se

sentir sufocado. Será que sou o guardião de um corpo em que cada

célula mantém um prisioneiro andando de um lado para outro, preso

por crimes que não cometeu?

Nós alternamos continuamente entre a necessidade por proximidade

e o medo disso. Na infância, talvez tenhamos sentido que nossa

identidade corria risco se os nossos pais ou cuidadores nos sufocassem

com atenção, apreço e afeto demais. Como resultado, sentimos medo de

perder a nossa identidade e estabelecemos limites rígidos. Assim,

rejeitamos abraços, dizemos não a exigências e nos escondemos de

qualquer atenção. Desse modo, construímos um muro que nos mantêm

bem longe do amor perigoso, mas, infelizmente, isso também acontece

com qualquer outro tipo de amor. Quanto mais grave a rejeição, mais

rigorosa é a retração. Compreender isso torna essa retração, tanto em nós

quanto em outras pessoas, um gatilho para a compaixão.

O medo de sufocamento pode resultar da tentativa de um dos pais de

nos usar de forma inadequada para satisfazer uma necessidade. Isso

pode ter assumido uma forma de abuso, seja ele físico, sexual ou

emocional. Posteriormente, já na vida adulta, a vítima de abuso na


infância pode temer que alguém sinta qualquer tipo de necessidade em

relação a ela, mesmo que seja uma necessidade adequada e vinda de

outro adulto. O medo de abandono, por outro lado, pode ser rastreado

até algo completamente inocente. Por exemplo, uma criança pode ter se

sentido abandonada quando a mãe precisou ser hospitalizada por um

tempo. As explicações para uma criança em geral não chegam ao fórum

no qual os temores estão armazenados: o sentimento primitivo e celular

de eventos que configuram a ausência como rejeição.

Realmente, algumas pessoas podem considerar qualquer ausência do

passado como abandono. Elas não conseguem visualizar gradações no

distanciamento humano, nenhum espectro entre um tempo sozinho e ir

embora. Uma simples olhada em uma mensagem de texto no celular

pode parecer, para elas, uma dispensa. Em uma situação parecida, Erik

Erikson fez uma pergunta retórica: “Por que achamos que a pessoa se

afastou, quando só olhou para outro lugar?” As pessoas que têm medo

extremo de abandono ficam com raiva ao menor sinal de distanciamento.

Elas podem reagir tornando-se controladoras, exigentes, zangadas ou

críticas. Algo funciona como gatilho, e a pessoa reage com indignação.

Adultos saudáveis, é claro, não vão permanecer muito tempo em

relações assim sem buscar ajuda profissional para questões

individualizadas, e só conseguem ficar quando estão recebendo ajuda e

mudando as coisas. Às vezes, um relacionamento só dá certo à base de

muito trabalho. Mais um comentário sobre o que discutimos neste

parágrafo: quando reagimos à forma como nossos amigos ou pares se

aproximam de nós, mostramos que somos vulneráveis aos sentimentos e

às ações deles. Esse é um sinal de intimidade, e não de fraqueza.

Quando fugimos, a intimidade também vai embora. Quando tentamos

resolver as coisas, a intimidade pode crescer. Mas, quando ficamos

apesar de as coisas não estarem funcionando, a codependência se

estabelece.

Se, no passado, a proximidade foi associada ao perigo, ela pode

continuar sendo uma reação de estresse pós-traumático. O medo de

proximidade e sufocamento é sutil e vem de longa data. Só nos


libertamos a partir de muito trabalho e quando praticamos várias e

várias vezes para acabar com nosso medo. Fazemos isso ao permitir que

a outra pessoa direcione o nosso amor, e não controlando quanto e como

o demonstramos. Abrir mão do controle, dessa forma, é aterrorizante

para alguém que teme a proximidade.

O que mais nos assusta pode não ser a proximidade em si, mas os

sentimentos que esta evoca. Para alguém com medo de sufocamento, a

proximidade coloca em movimento um ciclo antigo e familiar no qual a

proximidade levou ao abandono ou ao abuso. E agora isso nos levou a

acreditar, mesmo que em um nível celular e não necessariamente

intelectual, que, se alguém se aproximar demais, essa pessoa vai nos

abandonar ou ser abusiva.

Nós, seres humanos, aprendemos a nos concentrar em ser corajosos

e fortes. Mas o medo que impede que sejamos fortes não importa tanto

quanto o medo que nos impede de amar, já que o amor é a força mais

preciosa dos seres humanos. Que possamos nos preocupar em ser mais

amorosos do que qualquer outra coisa na vida.

APRENDENDO COM OS MEDOS

O medo não desejava se esquivar tanto quanto o amor

desejava perseverar.

— Francis Thompson, “The Hound of Heaven”

Os vermes só gostam da maçã quando está madura. Da mesma forma, o

medo costuma se mostrar exatamente quando amadurecemos. O fato de

que o medo surge quando estamos prontos para abordá-lo, processá-lo e

resolvê-lo o torna um passageiro clandestino e amigável. Se o programa

descrito nesta seção funcionar para nós, então estamos prontos para

transcender nosso medo. Se não funcionar, é um sinal para dar um passo

atrás e trabalhar em nós mesmos de outras formas, a fim de primeiro

ganharmos mais recursos internos para só lidarmos com o nosso medo

depois, quando estivermos prontos. Se o programa não funcionar para


você, não é motivo para sentir vergonha nem para se achar um fracasso;

você só precisa reconsiderar o seu tempo. Trabalhar o medo pode nos

beneficiar tanto espiritual quanto psicologicamente, pois sentimos

compaixão em relação a nós mesmos quando percebemos que a nossa

“profunda incapacidade de amar” não constitui um obstáculo

intransponível, muito menos um egoísmo ou uma maldade, mas sim um

hábito que aprendemos e podemos superar. Podemos adotar uma

abordagem semelhante ao medo, acreditando que o que temos pode ser

tirado de nós, e isso pode ser um princípio que rege toda a nossa vida,

levando-nos a nos agarrar a tudo que temos com muita força. Talvez

achemos que a mesquinharia pode ser causada pelo grande terror da

perda. A compaixão pelas mãos que seguram a bolsa com força e um

toque leve para que relaxem um pouco é mais adequado do que a

censura e um tapa.

O medo nos acompanha durante toda a vida; essa é a nossa

condição humana.

O medo às vezes nos alcança; essa é uma aflição ocasional.

O medo nunca nos paralisa; esse é o objetivo do nosso trabalho.

Após muito trabalho, descobrimos que um número menor de forças

da infância está em funcionamento dentro da gente e que mais escolhas

adultas estão disponíveis. Também notamos mais flexibilidade na forma

como lidamos com mudanças e transições. E não insistimos mais na

perfeição em nosso mundo, em nosso par, nem em nós mesmos. As

aproximações se tornam aceitáveis, e as preferências substituem as

exigências. Questionamentos e discussões com a realidade se tornam

reconhecimento e consentimento. Passamos a considerar as coisas que

acontecem conosco ou a reação das pessoas em relação a nós

informações valiosas, e não vereditos inalteráveis. Somos capazes de

reformular nossas experiências dramáticas: “Ele me abandonou” se

transforma em “Ele foi embora”; “Ela me sufoca” se torna “Ela me


sobrecarrega”; “Fui traído” se torna “Fui enganado”; “Sinto-me vazio

por dentro” se torna “Estou encontrando mais espaço dentro de mim”.

É apenas no estado de completo abandono e solidão que

vivenciamos os poderes úteis da nossa própria natureza…

Criança significa o desenvolvimento em direção à

independência. Isso requer um desapego das origens. Então, o

abandono é uma condição necessária.

— Carl Jung, O indivíduo moderno em busca de uma alma

CIÚME

John Milton se refere ao ciúme como “o inferno do amante magoado”.

Mas podemos transformar isso em algo um pouco melhor, um

purgatório, talvez, quando trabalhamos nele como se fosse um pesar. O

ciúme é uma combinação de três sentimentos: mágoa, raiva e medo.

Estamos magoados e com raiva porque acreditamos ter sido traídos. A

possibilidade de perder uma fonte de cuidado e não ser capaz de

encontrar outra é algo que nos amedronta e constitui a crença paranoica

que torna o ciúme tão potente. O ciúme também está no limiar do pesar,

o qual o nosso ego não nos permite cruzar. Assim, em vez de chorar de

tristeza e medo, nosso ego arrogante, afrontado e possessivo entra na

briga, e começamos a atacar e a jogar a culpa no outro. Enquanto

declaramos nossa indignação em relação à traição, apresentamos um

comportamento abusivo em vez de uma raiva saudável.

O ciúme movido pelo ego expõe nossa possessividade, nossa

dependência, nosso ressentimento da liberdade do outro e nossa recusa

de sermos vulneráveis. No fundo, sabemos que não somos realmente

democráticos, não estamos de fato livres do velho estilo de propriedade

hierárquica nos relacionamentos, não estamos realmente prontos para

admitir o medo de enfrentar condições difíceis do relacionamento:

abandono, sufocamento, traição etc. Nosso ego exige que nosso par nos

salve: “Pare de fazer o que pode me causar pesar.” Trata-se de uma


reação perfeitamente normal no início. Mas, à medida que abordamos,

processamos e resolvemos nossos verdadeiros sentimentos, vemos onde

precisamos trabalhar. Reconhecemos nosso sofrimento, encontramos

alguém para espelhá-lo e ficamos com ele até que seja resolvido. Nosso

par talvez não seja capaz de nos ajudar. Mas terapia, amigos e sistemas

de apoio podem nos ajudar a superar nosso ego para enfrentar nossa

vulnerabilidade, a preciosa dádiva do amor humano.

O ciúme desafia nosso poder de nos manter abertos e centrados, sem

culpa ou retração, em meio a uma rejeição. Passar por isso, em vez de

simplesmente reforçar nosso ego, mostra o caminho para a maturidade e

a libertação. Afinal, experiências como ciúme são as que nos fazem

aprender a nos libertar para que possamos crescer. No começo, talvez

odiemos as pessoas que nos obrigam a nos libertar. À medida que

nossos sentimentos são resolvidos, porém, ficamos gratos por termos

descoberto tanto sobre o nosso par e sobre nós mesmos. O ciúme mostra

que não importa se acreditamos que somos invencíveis, pois, por dentro,

na verdade, somos frágeis e infantis. O ciúme pode, desse modo, reduzir

um ego, o que constitui um passo espiritual gigantesco.

Uma observação final sobre o ciúme, usando homens heterossexuais

como exemplo. Eles podem admirar outras mulheres na presença das

respectivas esposas ou companheiras, e isso pode causar sofrimento e

ciúme desnecessários na parceira. Quando viram a cabeça para olhar a

outra, isso pode parecer desconsideração e abandono. Um homem é

capaz de controlar o olhar enquanto estiver na presença da esposa ou da

companheira. A desculpa de “É mais forte do que eu” não é aceitável

para um adulto. Temos o direito de olhar para o que existe dentro de

nosso coração e poder olhar para quem achamos atraente, mas, na

presença da nossa parceira, a melhor parte do amor e do carinho é

manter o olhar à frente. Isso também se aplica a todas as pessoas e tipos

de relacionamento, independentemente da orientação sexual.

INFIDELIDADE
O paradigma convencional é: “Se você joga de acordo com as regras,

então merece um cônjuge fiel e um relacionamento estável.” Esse tipo de

promessa implica um senso de direito adquirido. Alguém que sempre foi

fiel terá muitíssima dificuldade em lidar com abandono e infidelidade. O

ego da pessoa se sente afrontado, podendo resultar em uma amargura

frustrante e duradoura em relação ao par infiel: “Achei que ia receber um

cuidado para sempre, e não que acabaria sendo deixada de lado por

causa de outra pessoa.” O sofrimento mais profundo provocado pela

infidelidade pode nos atingir quando reconhecemos: “Ele tem os cinco

As para dar, mas está dando para outra pessoa. Eu os recebi primeiro e

vi enquanto iam desaparecendo. Esperei que aqueles As reaparecessem

nele e, quando isso aconteceu, ele estava nos braços de outra pessoa.”

A infidelidade é um pronunciamento público que nos obriga a

enxergar a verdade do nosso relacionamento. Os triângulos se formam

em nossa psique quando a díade está com problemas, quando não

queremos desistir do par original, mas isso só torna o insuportável

suportável. O terceiro vértice pode tomar a forma de um amante adulto,

uma crise, um vício etc. Somos capazes de confrontar a questão diádica

sem criar um terceiro vértice?

A infidelidade nunca é uma questão individual, e sim mútua. Não há

uma vítima nem um bandido. O caso não é o distúrbio, mas sim um

sintoma disso. Não é o amante que provoca o distanciamento, pois este

só está sendo usado para conseguir tal distanciamento. A infidelidade

parece apontar para o que a pessoa que trai não tem, mas, na verdade,

pode revelar aquilo que tememos mostrar; por exemplo, vulnerabilidade,

ternura, jovialidade, generosidade, impulsividade total no sexo. Um par

frustrado encontra outra pessoa para colonizar o espaço vazio em vez de

abordá-lo ou lamentar o vazio.

Para alguém que sente que não tem força para fazer isso sozinho,

conseguir um amante pode ser a única forma de deixar o

relacionamento, ou pode ser também uma forma de buscar satisfação

para necessidades que parecem impossíveis de serem satisfeitas no

relacionamento principal. É possível que eu busque a gratificação da


minha necessidade por um ambiente acolhedor em minha esposa e

minhas necessidades por excitação em um caso. Também é possível que

satisfaça minhas necessidades de dependência no casamento, e minhas

necessidades de dominação em um amante. Pode ser que eu encontre

espelhamento de um sentimento ou potencial em um novo par, já que

meu par atual não me oferece tais coisas. O novo par também pode

evocar a parte positiva do meu lado sombrio: um potencial positivo

oculto que talvez tenha permanecido inativo e não reconhecido.

Embora a infidelidade possa ser uma medida extrema e ousada para

tornar um relacionamento tolerável, quando este parece ter se tornado

insuportável e a intimidade parece impossível, é provável que as pessoas

que evitam a intimidade com o par original continuem fazendo isso com

o novo par. Além disso, a discrição e as restrições de tempo de um caso

também tornam a intimidade impossível naquele relacionamento. Então,

em última análise, dois amantes são menos que um. Afinal, em um

triângulo, ninguém está oferecendo seu eu completo.

A infidelidade também traz os terrores do abandono na pessoa traída.

Isso explica o sentimento de impotência e o sofrimento que podem ser

tão excruciantes em quem foi deixado para trás. A impotência nesse caso

significa a incapacidade de fazer alguém lhe dar os cinco As, e essa é a

nossa pista para questões não resolvidas na infância. Em uma situação

assim, ajuda muito trabalhar na terapia as questões e o pesar que nos

perseguiram durante toda a vida e que agora estão apresentando a conta.

Nós sentimos a infidelidade como uma metáfora para o que aconteceu

muito tempo atrás ou que continua acontecendo: perda ou ausência dos

cinco As. Assim que percebemos que nossa angústia não tem a ver com

esse par e a escolha deste de nos abandonar, estamos no caminho para o

nosso antigo material psicológico que aguardou nossa atenção e nos

chama para trabalhar em nós mesmos. Desse modo, a traição por parte

de um par pode se tornar o trampolim para o nosso crescimento pessoal

real.

Em um rompimento ou uma crise de infidelidade, quando um par faz

algo grande, como ir embora com outra pessoa, quem fica pode reagir
fazendo algo igualmente grande, como começar um novo

relacionamento. Para nós, é mais saudável quando uma coisa importante

nos leva a dar uma boa olhada em nós mesmos, e não a uma grande

reação ou represália. A retaliação é ótima para o nosso ego, mas o

reflexo de retaliação é um sinal de que o verdadeiro pesar está sendo

jogado para baixo do tapete. Além disso, um novo relacionamento não

tem como começar de forma saudável quando está sendo usado para nos

distrair da necessidade do pesar. Uma pessoa realmente saudável não vai

entrar em um relacionamento conosco se perceber o que significa ser

usado dessa forma.

No estilo da carência, saio de um par para outro, mantendo o

primeiro como um “estepe”, depois passo para um terceiro, tendo como

“estepe” o primeiro e o segundo. No estilo adulto saudável, saio de um

para nenhum e, enquanto estou só, trabalho na terapia, abordando,

processando e resolvendo questões em mim com um plano de fazer

mudanças. É um período incrivelmente profundo para autoconhecimento

e cura. Términos que levam a uma exploração pessoal são dolorosos,

mas produtivos para quem está comprometido com a própria evolução. E

o mais maravilhoso de tudo é que um coração partido se torna um

coração aberto. Será que consigo mantê-lo assim depois que ele

cicatrizar?

Quando nosso par é infiel, é comum nos perguntarmos: “Como ele

consegue partir para outra pessoa tão rápido? Ele esteve comigo por

anos e agora, em um intervalo de apenas dois meses, eu não sou nada e

a outra pessoa virou tudo!” Mas não é tão difícil entender: os

sentimentos românticos dele por você podem ter sido apenas uma

projeção do desejo dele por um par ideal. E agora ele fez essa projeção

em outra pessoa. A nova ligação não tem a ver com você nem com a

nova pessoa. Ele apenas está movendo algo dele mesmo, ou seja, a

projeção, da mesma forma que uma lâmpada pode ser passada do lustre

da cozinha para o do quarto. E o que esse novo par pode oferecer talvez

nem corresponda à promessa inflada da projeção. Infelizmente, isso

talvez seja uma coisa que ele não vai conseguir descobrir até ter
desistido de várias outras coisas valiosas, como você, a vida que tinham

juntos e seus filhos.

Também é bem comum que pessoas traídas ouçam: “Eu me apaixonei

por outra pessoa e não sou mais apaixonado por você.” Será que se

apaixonar, nesse contexto, não significa apenas um apego que parece

bom, que tem uma ressonância física de excitação e desejo sexual que

fornece um senso de certeza o qual finalmente encontrou o

complemento perfeito para si? “Não sou mais apaixonado por você”

talvez signifique “Ainda sou apegado a você, mas a sensação deixou de

ser boa”.

Já o par que ficou para trás pode dizer: “Eu devia ser capaz de fazer o

mesmo que ele e conseguir outra pessoa”; mesmo que o corpo diga:

“Não consigo suportar uma coisa dessas.” Esse é um treinamento dos

anos 1960, a década do “amor livre”, quando não era do nosso interesse

o autocuidado adulto. Siga as informações do seu corpo, lembre-se de

que um relacionamento tem a ver com honestidade e felicidade, e não

com suportar o sofrimento.

Já a terceira pessoa do triângulo, referida como a amante ou a outra,

pode provocar muito sofrimento no par traído. Uma prática espiritual

profunda é decidir e resolver (agora?) nunca aceitar esse papel no futuro.

Permita que alguém que já está em um relacionamento coloque um

ponto-final nele, de fato, antes de se relacionar intimamente com essa

pessoa; não acredite em meras promessas de rompimento. Esse é um

comprometimento para agir de forma respeitosa e amorosa com outros

seres humanos vulneráveis: não vou causar sofrimento a mais ninguém.

Isso é a espiritualidade na prática.

Por fim, é importante dizer que a fidelidade é mais do que apenas

monogamia. Ser fiel também significa resolver os problemas. Isso inclui

não reagir à infidelidade com uma decisão final e uma separação, mas

com uma exploração das implicações de tudo que aconteceu com o

intuito de resolver as coisas, dando e recebendo uma reparação. Quando

o caso termina, a fidelidade pode recomeçar, e os pares podem continuar

juntos com perdão e uma nova energia para uma vida nova e melhor
juntos. Para isso, é necessária uma ausência do ego, que pode ser mais

fácil para os leitores deste livro após as práticas que levam a isso.

LIDANDO COM DECEPÇÕES

As expectativas podem acrescentar uma energia viva aos nossos

empreendimentos e relacionamentos, nos ajudando a encontrar nossos

pontos fortes em vez de permitir que nos satisfaçamos com o medíocre.

Saúde psicológica não significa não ter expectativas, e sim não ser

possuído por elas. Isso abre espaço para uma expectativa viva, ou seja,

uma expectativa seguida por acordos que as satisfaçam ou uma aceitação

das decepções como condição legítima da existência a ser recebida sem

protesto ou culpa. A alternativa é o sentimento de merecimento do ego

com seu mindset insolente de desejos e exigências.

A nossa vida interior é complexa e multifacetada, como uma

paisagem vasta e variada que exige uma diversidade de experiências para

cultivá-la. Às vezes, somos desafiados a caminhar e correr; outras, a

ficar e nos sentar. A decepção é tão crucial para nossa vida interior

quanto a confiança, do mesmo modo que o frio é tão necessário para a

vida de um arbusto de lilases quanto é o sol. Quando Buda ensinou que

a primeira nobre verdade é a insatisfação da vida, ele não estava sendo

pessimista, apenas mostrando um ingrediente necessário em nossa

humanidade em comum. Seres como nós jamais conseguiriam se manter

floridos em um mundo tropical de satisfações ininterruptas. Precisamos

de todas as estações do ano para concretizar a experiência humana

completa. Só em um mundo com sombras é possível que nossa vida

interior floresça. O desafio é a fidelidade implacável às estações da vida

e à mudança. Isso inclui perdas, abandonos e términos, sejam estes

escolhidos ou impostos. E, embora receber os cinco As seja gratificante,

a decepção também pode ser “o caminho mais rápido para a

iluminação”, de acordo com um ditado tibetano.

Na complexa tapeçaria de uma vida inteira, muitos fios desgastados

de decepção saem do nosso coração; alguns são quase imperceptíveis.


Podemos vivenciar uma decepção grande e esmagadora em relação ao

nosso par ou ao nosso relacionamento em alguns momentos, ou muitas

pequenas decepções ao longo do caminho. A decepção é um tipo de

perda, a perda do que esperávamos que fosse algo ou poderia ser. No fim

das contas, é a perda de uma ilusão à qual estavamos apegados ou da

qual dependíamos. A única coisa que pode se perder, no final, é a

própria ilusão.

A decepção pode levar ao desespero, à ilusão de que não existe

alternativa. Mas vivenciar a decepção de forma consciente é abraçá-la,

aprender com ela e continuar amando; é aceitar que todos os seres

humanos são uma combinação de contradições. Qualquer um pode

agradar ou desagradar, conseguir ou fracassar, satisfazer ou decepcionar.

Ninguém agrada o tempo todo, mas ainda assim não desistimos de

acreditar na capacidade que todos têm de amar.

Projeções a respeito da perfeição e da confiabilidade de alguém caem

por terra à medida que crescemos e chegamos ao mundo real. Quando

Dorothy viu que o Mágico de Oz era um velhote charlatão, mesmo que

tivesse boas intenções, ela sentiu uma profunda decepção, mas aquele

foi um momento de virada de chave em sua jornada para aprender a

confiar em si mesma. O cachorrinho que puxou a cortina mostrou a ela

que a única magia confiável era a dela mesma, não a de outra pessoa.

(Em geral, é a nossa parte instintiva e animal que faz essa descoberta.)

E, como Dorothy aprendeu, não havia abas nas quais se agarrar nem

atalhos para o cume nem padrinhos para fazer as coisas em seu lugar. A

decepção foi um passo necessário no caminho para a vida adulta — ou

seja, tomar conta de si mesma enquanto dá e recebe apoio de outras

pessoas.

Todos nós podemos aprender com Dorothy que ver os “pés de barro”

de alguém pode nos ensinar muito mais do que “se sentar aos pés da

pessoa”. A decepção é uma “desilusão”, ou a libertação de uma ilusão,

projeção ou expectativa. Tudo que resta é o mindfulness. Para alguém

que me decepcionou, posso dizer: “Agradeço por me libertar de mais

uma das minhas ilusões.”


Quando Dorothy percebe que não há nenhum mágico, ela aprende

que existem coisas que não podem ser obtidas: o que eu tinha certeza de

que estava aqui não está. Vou ter que fazer por conta própria. É

exatamente isso o que aprendemos no fim de um relacionamento. A

decepção foi tudo de que Dorothy precisou para encarar um fato da

existência: eu, sozinha, assumo toda a responsabilidade por mim mesma.

Os outros, ou seja, os três amigos e a bruxa boa (companhias terrenas e

espirituais), até poderiam ajudá-la, mas apenas Dorothy poderia bater os

calcanhares com o sapatinho para ter acesso a seu poder.

A decepção nos fortalece, pois nos ajuda a aprender a localizar e

confiar em nós mesmos enquanto ainda nos relacionamos com um par.

No entanto, quando só nos leva ao arrependimento por nos sentirmos

idiotas por amar nosso par ou quando nos leva a culpá-lo por ter

fracassado, ela também pode tirar nosso poder. Esse senso de traição nos

coloca em um papel de vítima. O arrependimento como reação à

decepção tira ainda mais o nosso poder: “Se ao menos eu não tivesse

entrado nessa” ou “Se ao menos eu tivesse feito tudo diferente, talvez ele

não acabasse me traindo”. O arrependimento se torna vergonha e a

vergonha impede que vivenciemos totalmente a nossa decepção:

percebê-la, lamentá-la, crescer por causa dela. Como este livro já disse

várias vezes, o crescimento é necessário para que qualquer experiência

humana seja de fato completa.

Desse modo, quando nos decepcionamos, precisamos trabalhar em

nosso pesar. No entanto, outras pessoas também podem nos ajudar. Se

alguém compreende a decepção ou qualquer outro sofrimento nosso e

demonstra empatia, isso nos reanima e nos reconforta. Receber atenção

e aceitação dessa pessoa é mais poderoso do que uma gratificação. Veja

a seguir um exemplo de como a empatia pode ajudar a processar uma

decepção interpessoal.

ele: Sei que decepcionei você quando não a defendi na festa

ontem à noite. Isso está me incomodando o dia todo. Não paro

de ver a mágoa no seu rosto e sinto muito por não ter te


apoiado. Eu me sinto assim a vida toda em relação aos outros,

e sei como pode ser solitário. Estou aqui para você agora e

quero compensá-la.

ela: Obrigada. Sinto-me segura com você porque este é um

relacionamento no qual posso demonstrar minhas

necessidades e meus sentimentos. Percebo como eles são

satisfeitos com atenção, apreço, aceitação, afeto e admissão

para que eu seja quem realmente sou no momento. Confio que

posso reviver ao seu lado minhas necessidades e meus desejos

antigos sem exigir que você os satisfaça perfeitamente. Você

me mostrou que é possível tentar de novo e moderar minhas

necessidades de acordo com o que adultos podem dar para

outros adultos. Sinto tanta admiração e esperança, porque você

tornou isso possível para mim com você, e também quero lhe

oferecer isso.

Sim, é assim que nos expressamos após muito esforço em um

trabalho que só é concluído quando há uma dimensão espiritual da

compaixão.

A história de Katrina exemplifica não só a decepção, mas também

como sair dela. Katrina nasceu na Europa Oriental e mora nos Estados

Unidos há sessenta anos. Foi casada com Robert por 45 anos e

recentemente cuidou dele durante a longa luta contra o Alzheimer.

Agora, aos 65 anos, Katrina se sente traída e zangada. Nunca se sentiu

amada por Robert, que teve diversos casos extraconjugais e decidiu

unilateralmente parar de transar com ela quando Katrina fez quarenta

anos por “não a achar mais atraente”. Ela percebe agora que ele só a

queria para ser mãe dos filhos dele e cuidar da casa. Suas crenças

culturais a prepararam para esse tipo de vida, na qual as mulheres são

proibidas de ser algo além de donas de casa e mães exemplares ou de

esperar amor e respeito, que dirá igualdade de direitos. Desse modo,

Katrina é uma viúva enlutada, mas não pelo falecido marido, e sim por
tudo que perdeu durante todos aqueles anos. Ela, na verdade, está

passando pela síndrome do estresse pós-traumático, no sentido de que

finalmente está sentindo o que se impediu de sentir tantos anos atrás.

Agora que Robert faleceu e ela não tem mais obrigações específicas, não

tem mais nada para distraí-la da realidade de sua vida vazia e roubada.

O acordo que Katrina fez no casamento não incluía ser amada,

apenas ser cuidada por um provedor. A religião dela, que apoiou o

casamento, lhe conferiu conforto, mas também a manteve presa naquele

modelo de servidão. Agora Katrina não tem nada além de lembranças e

sentimentos, e eles a amedrontam. Mas, se ela for capaz de aceitar esses

sentimentos, amar a si mesma e perdoar o próprio passado, será capaz

de viver o resto de sua vida sem amargura. O trabalho de lamentar o

passado torna isso possível, uma vez que envolve sentir de forma plena e

se libertar, também de forma plena. Talvez Katrina consiga buscar novos

objetivos que finalmente reflitam suas necessidades e desejos mais

profundos. Ela pode se reinventar em vez de simplesmente gerenciar a

velhice até o dia de sua morte, como muitos amigos dela estão fazendo.

Katrina realmente foi enganada, mas, se conseguir investir, finalmente,

em si mesma, ainda pode tirar algum proveito da vida.

Os relacionamentos mais poderosos são aqueles nos quais

cada um ergue o outro ao patamar mais elevado do próprio

ser.

— Teilhard de Chardin

Prática

lidar com o abandono e o sufocamento | Localize onde você se

encontra na tabela a seguir.

Medo do abandono (“O perseguidor”) Medo do sufocamento (“O distanciador”)

Não consegue se afastar facilmente Não consegue assumir facilmente um

quando o par precisa de espaço. compromisso quando o par precisa de segurança.


Fica fixado ou parece não conseguir Distancia-se ou parece não conseguir espaço

contato nem validação suficiente: um suficiente: um estilo ansioso e esquivo.

estilo ansioso e ambivalente.

Dá atenção, aceitação e admissão em Faz pouco caso das atenções do par ou se sente

excesso. sufocado por elas.

Compartilha de boa vontade os Guarda segredos ou tem uma vida secreta e pode

sentimentos e as informações. ficar zangado ao ser questionado a respeito.

Cuida melhor do par do que de si Sente-se merecedor dos cuidados que recebe, sem

mesmo. reciprocidade.

Sente que nunca consegue dar o Considera dar e receber algo sufocante ou

suficiente. obrigatório.

Acompanha a programação do par. Insiste em estar no controle e tomar as decisões.

Não tem limites claros e tolera abuso, Mantém limites rígidos e não tem nenhuma

infelicidade ou infidelidade. tolerância para abuso, deslealdade ou deficiências.

É viciado no par e dá cada vez mais. Seduz o outro e depois se retrai.

Deseja ardentemente uma afeição Fica constrangido ou zangado com demonstrações

contínua e demonstrações de afeto. de afeto.

Sente-se encorajado pela exuberância Sente-se desencorajado pela exuberância de um

de um par. par.

Pode se dar por satisfeito com sexo Pode usar o sexo frequente como forma de

como prova de amor ou usá-lo para substituir a proximidade ou recusar o sexo para

obter um senso de segurança. manipular.

Pode desistir de limites sexuais Pode usar o distanciamento sexual ou falta de

adequados para agradar ao outro e interesse como forma de manter a independência,

ficar vulnerável contra a predação. uma defesa contra a vulnerabilidade.

Precisa que o par seja um Precisa que o par permaneça no lugar enquanto

companheiro constante (“Fique ele/ela vem e vai (“Deixe-me em paz”).

comigo”).

Busca conexão e proximidade. Busca conexão, mas não proximidade.

Sente-se perdido sem a presença de Fica ansioso com a presença prolongada do par.

um par.

Racionaliza, ou seja, cria desculpas. Intelectualiza, ou seja, substitui sentimentos pela

lógica.

Demonstra medo, esconde a raiva. Demonstra raiva, esconde o medo.

Pisa em ovos, sempre se Age de forma hostil, cria confusão ou brigas para

comprometendo. estabelecer distância.

Sente angústia em relação às idas e Sente angústia em relação a dar e receber.

vindas.

Permite que as necessidades se Transforma necessidades em expectativas.

transformem em carências.

Parece estar sempre procurando o Parece ser frio, o que pode parecer falta de amor,
outro, o que pode parecer amor, mas, mas, na verdade, pode ser medo.

na verdade, pode ser medo.

Talvez seja o que mais provavelmente Talvez seja o que note os temores de abandono

vai embora! 1
surgindo quando for deixado!

A coluna da esquerda pode indicar estilos codependentes e limítrofes;

a coluna da direita, o estilo narcisista.

usando a “abordagem dos três passos” ao medo | 1. Admita

que você teme o abandono ou o sufocamento, ou ambos, quando

apropriado. Admitir os medos é uma declaração e uma revelação para si

e para os outros. Isso significa nomear seus medos sem culpar ninguém.

Lembre-se de que, se você se sente amado quando ou porque alguém

fica com você, então o abandono o afetará de forma mais séria porque

terá o peso extra de tirar um amor necessário que lhe é significativo.

Admita isso para si mesmo e para o seu par se isso for verdade.

2. Permita que os medos surjam, sinta-os totalmente, sem

julgamentos e sem considerá-los ruins. Crie intimidade com seus

sentimentos, permitindo-se senti-los por completo. Isso não significa se

identificar com qualquer sentimento específico nem negar qualquer um

deles, mas permitir que um deles emerja para só liberá-lo depois de ter

se apresentado completamente. Essa intimidade com os próprios

sentimentos legitima-os e nos liberta.

Permitir o medo é senti-lo por completo, é tremer, suar e estremecer

se for necessário. Também é convocar a parte adulta do seu eu para

abraçar e acolher sua criança interior. Você pode desmoronar e, ao

mesmo tempo, se consolar. Isso significa permitir o medo sem descontá-

lo em outra pessoa ou deixá-lo acabar com sua autoestima ou levar você

a um vício. O medo faz parte de você e, como tal, pode receber os cinco

As. Sendo assim, ele revela que tem sabedoria e propósito. É desse

modo que o paradoxo da prática se resolve e a libertação se torna

possível. Tolerar o desconforto do medo é a única forma de dominá-lo.


Quando começamos a sentir medo ou melancolia, podemos nos

perguntar o motivo e tentar fugir disso. Mas talvez seja um exemplo da

sincronicidade, uma coincidência significativa de um estado de

sentimento e uma nova transição sendo trazida para a nossa consciência.

Portanto, o sentimento incômodo pode ser como uma coruja que, de

repente, pousou em nosso carvalho, parecendo ter a intenção de ficar ali

por um tempo. Ela veio porque notou muitos insetos em nosso jardim e

os considera presas. A coruja, que pode nos parecer uma presença

sombria, está ali, na verdade, como uma aliada. Um sentimento

arrebatador e não solicitado pode ser exatamente isso. O estilo atento é

deixá-lo pousado para fazer o que ele faz. Gradualmente, começamos a

notar as dádivas resultantes.

De acordo com os ensinamentos budistas, nós alcançamos a

satisfação não por indulgência de desejos, mas pela renúncia do apego.

Desse modo, a disciplina espiritual mira diretamente em nossos medos

de abandono. Pratique isso em uma meditação atenta ao embalar a

criança apegada que existe dentro de você sem qualquer tentativa de

julgá-la, consertá-la ou mudá-la, enquanto a mantém nos braços. Isso

significa não desistir de si mesmo.

Da mesma forma, planeje ser mais sensível em relação às muitas

formas como você abandona os outros em termos emocionais. Encontre

formas de permanecer ao lado das pessoas mesmo nas mágoas delas,

mantendo-as em um abraço, principalmente se as suas próprias mágoas

tenham sido o motivo da mágoa delas. Embalar a si ou aos outros

significa criar um ambiente acolhedor, o cenário perfeito para que o

crescimento ocorra. Na verdade, encontrar um ambiente acolhedor que

honre e nutra nossas necessidades é o objetivo da evolução pessoal. Da

mesma forma, o objetivo da evolução universal é que o mundo inteiro,

em cada canto e em cada momento, se torne um ambiente acolhedor.

Veja, a seguir, algumas afirmações que podem ajudar: Permito-me

sentir medo. No momento, lido com ele ao abraçá-lo para, depois,

deixá-lo passar. Envolvo em um abraço tanto o meu medo quanto o meu

poder. Quando abraço dessa forma, sinto mais compaixão pelos outros.
Que as minhas forças auxiliares (anjos, bodisatva etc.) estejam comigo

enquanto enfrento meu medo, vivo através dele e o liberto. Que todas as

pessoas que amo e aquelas que acho difíceis enfrentem o próprio medo

e se libertem dele. Eu me uno à intenção amorosa do universo. O

universo que embala a todos nós, sempre e para sempre.

3. Aja como se você não tivesse medo, ou seja, como se o medo não

fosse mais capaz de paralisar nem motivar você. Dessa forma, se teme o

abandono, arrisque-se a admitir que o outro se afaste por um minuto a

mais do que você pode suportar. Apegue-se um minuto a menos do que

sente necessidade. Se teme o sufocamento, admita que o outro se

aproxime um pouco mais de você do que lhe é suportável. Fique um

minuto a mais do que você sente necessidade. Ao agir assim, você está

brincando com o seu sofrimento, um dispositivo de cura que costuma ser

negligenciado por aqueles de nós que levam as coisas a sério demais.

Cada um dos três passos nesta prática encoraja a mudança individual.

Mas, à medida que você olhar mais profundamente, vai descobrir que

cada um deles também propicia uma intimidade entre você e seu par.

Peça ao seu par para considerar as seguintes sugestões: quando você

admite que está com medo, o seu par pode permitir isso, recebendo a

informação de forma aberta e respeitosa, ou seja, sem culpa, protestos

ou tentativas de consertar ou fazer você parar. Isso significa escutar de

forma ativa, ou seja, ouvir o sentimento intuitivo e não responder

imediatamente com palavras de conforto. Ninguém consegue convencer

a intuição a sair da própria realidade; a única coisa que podemos fazer é

honrar a realidade dela. Então, quando você começar a agir para mudar

as coisas, o seu par poderá respeitar o seu tempo, sem tentar apressar

nem atrasar o processo. Um par que consegue se juntar a você dessa

forma está genuinamente pronto para a intimidade. Pois, de fato, quando

você expressa o medo, seu par pode abrir o espaço para que isso possa

acontecer de forma segura. “Abrir o espaço” significa que o seu par

permanece com você no seu sentimento, enquanto demonstra os cinco

As de forma generosa e paciente.


recebendo bem a proximidade | Nós não tememos a proximidade

física porque tememos a proximidade em si. A maioria de nós deseja

profundamente o contato físico com aqueles que nos amam. Na verdade,

tememos o que vamos sentir quando chegarmos perto demais. Desse

modo, o verdadeiro medo está dentro de nós. Esse medo não é algo

reprovável, pois demonstra nossa vulnerabilidade mais profunda, a

qualidade que nos torna dignos de amor. É irônico que escondamos o

que nos torna mais atraentes — ou será que isso é um trabalho do nosso

ego interior e enganador que inventou outra artimanha para se proteger

da proximidade com outro ser humano?

Responda às perguntas a seguir em seu caderno ou diário. Como eu

evito a proximidade com aqueles que amo? (Peça ajuda a eles para

responder a essa pergunta.) Como o meu estilo se parece com o dos

meus pais e com as formas como eles se relacionaram comigo ou um

com outro durante minha infância? Consigo dizer isto para o meu par:

“Se você me der espaço, vai ver o meu amor porque eu reduzo a tensão e

o dou para você no meu próprio tempo e do meu jeito. Caso contrário, o

melhor que você vai ter sou eu agindo por obrigação, e não pelo

coração”?

estar sozinho | Talvez deixemos o nosso lar de infância e entremos

em outro lar, com outras pessoas, assim que embarcamos em um

relacionamento com comprometimento ou quando passamos a morar

com amigos. Isso pode privar a psique da solidão necessária para o

desenvolvimento completo. Seres tão complexos como nós se afastam

dos outros para explorar as profundezas de nosso caráter e destino.

Precisamos de períodos regulares de solidão para nos reabastecer,

localizar novas fontes de criatividade e autoconhecimento e descobrir

possibilidades em nossa alma que permanecem invisíveis quando

estamos acompanhados. É assim que descobrimos a nossa oportunidade

evolutiva central, sejamos nós introvertidos ou extrovertidos. Responda a

esta pergunta em seu caderno e, em seguida, converse com seu par a


respeito dela: o nosso relacionamento inclui, permite e encoraja um

tempo sozinho?

A terapia está completa quando uma criança consegue

brincar sozinha.

— D. W. Winnicott

dinheiro é importante nos relacionamentos | Depois de

repetidas experiências de abandono, uma criança aprende a abrir mão de

bens emocionais e os substitui por apego a coisas materiais. Afinal de

contas, brinquedos não são fontes de decepção. Mas será que

continuamos fazendo isso na vida adulta? Usamos coisas para nos

distrair e nos consolar quando nos decepcionamos com os cuidados que

recebemos dos outros?

Em uma infância saudável, um bebê é embalado e reconfortado por

um adulto de confiança para que possa vivenciar plenamente os

sentimentos. Em uma fase posterior da infância, essa criança não vai

buscar distrações e consolo em coisas materiais nem em vícios, mas na

atenção e no conforto resultantes dos cinco As. Nós nunca perdemos o

desejo/necessidade de um abraço quando choramos. Nunca superamos

nossa necessidade por contato humano. Apenas aprendemos a esconder

essas necessidades que desejamos ardentemente que sejam satisfeitas.

Imagine a angústia fútil e o desespero escondidos dentro de nós.

Os pais ou cuidadores podem ter tentado demonstrar seu amor ao nos

dar coisas ou fazer coisas, em vez de nos reconfortar e nos ninar.

Posteriormente, em um relacionamento adulto, talvez acreditemos que o

amor é somente isso, e podemos manipular as pessoas para que façam

coisas para nós para provar o amor que sentem. Nada disso, porém, faz

com que nos sintamos amados, porque nossa necessidade é insaciável e

impossível de ser atendida, exatamente como qualquer necessidade da

infância que tenha sido erroneamente trazida para ser satisfeita em um

relacionamento adulto.
O dinheiro é usado como moeda de troca, uma forma de dar e

receber, precisamente o que constitui a intimidade. Desse modo, é fácil

que o dinheiro possa simbolizar o amor. À medida que nos tornamos

saudáveis, o dinheiro se torna nada além de uma ferramenta para se

viver e se proporcionar, deixando de ser um símbolo dos bens

emocionais que não recebemos. Assim como uma vara de pescar, é algo

que usamos para conseguir algo que desejamos. Depois,

compartilhamos, com alegria e generosidade, o que fisgamos.

Em seu caderno, responda se você tem dificuldades de vender ou

comprar, doar ou gastar, pegar emprestado ou emprestar, dever ou ficar

devendo, ganhar ou economizar, pagar ou deixar pagarem, perder ou

desperdiçar, contratar ou alugar, compartilhar ou receber algo

compartilhado, receber um agrado ou dar um agrado. Você espera que

seu par faça as coisas para você como um sinal de amor? Você funciona

a partir de uma crença de escassez ou abundância? Verifique com seu

par todas as respostas. Analisar como você lida com dinheiro pode

fornecer informações a respeito de como você lida com a intimidade.

Por exemplo, tentar conseguir alguma coisa grátis pode significar, em

um relacionamento, que você provavelmente espera o comprometimento

de um par sem que você mesmo o faça.

O ego narcisista floresce com o status externo. Desse modo, podemos

usar nossas posses em uma tentativa vã de armazenar o que deveríamos

ter recebido de nossos pais ou cuidadores, de nossos pares e de nós

mesmos, ou seja, os cinco As. Carros são um meio de transporte, mas

modelos lindos e de luxo trazem a promessa de que seus donos vão se

sobressair como pessoas estilosas e atraentes. Roupas servem para

aquecer e nos proteger, mas têm sido usadas até hoje para chamar

atenção e passar a impressão de riqueza e classe.

Esses itens funcionais assumem significados inflados, mas um

significado pleno e autêntico vem da alma, o poder do coração que

transcende o ego. Viver de forma atenta não significa repudiar lindas

coisas materiais, mas sim que não somos vítimas do jogo subjacente a

elas. E, através dos enfeites, nós conseguimos enxergar quais são os


verdadeiros e reais sinais de status na vida: virtude, integridade,

generosidade e amor incondicional. Essas são as qualidades que tornam

tudo que possuímos uma alegria brilhante e um meio de generosidade.

Considere suas posses e pergunte-se para que elas servem. Lembre-se

de como tomou a decisão de comprar tudo o que tem — o carro, a casa,

as roupas etc. Compare o cuidado que tem ao comprar com o cuidado

que tem ao escolher as instituições de caridade para as quais doar.

Discuta com o seu par. Qual é a virtude que está aguardando para ser

praticada?

Por fim, é normal nunca conseguir integrar completamente as três

áreas: sexo, dinheiro e comida. Será que consigo encontrar compaixão

dentro de mim pela minha história desordenada nessas três áreas?

Dou-lhe meu amor de forma muito mais precisa do que o

dinheiro.

— Walt Whitman

responder a ameaças e ciúmes do seu par | Seu par pode se

sentir ameaçado pela amizade que você tem com outra pessoa. Dentro

do contexto de um vínculo íntimo com alguém, a afirmação “Sou livre

para procurar relacionamentos” se torna “Sou livre para procurar

relacionamentos, mas preciso planejá-los de forma cuidadosa e

adequada em relação às reações do meu par”.

Peça ao seu par para classificar o medo que sente em uma escala de

um a dez, sendo o dez o maior medo. Se ele classificar o medo com uma

nota igual ou maior que cinco, pelo bem do relacionamento, é uma boa

ideia que você pare de fazer o que causa tanto temor a ele. E deve fazê-

lo por livre e espontânea vontade. Por outro lado, se ele der uma nota

menor ou igual a cinco, então continue a fazer o que tem feito e siga

acompanhando. Ao mesmo tempo, seu par pode abordar a questão na

terapia ou em conversas com você ou com amigos.


tornar-se promotor da proximidade | Ninguém está se

certificando de que o seu relacionamento vai sobreviver ou que sua

proximidade vai aumentar. Você consegue concordar em formar um time

com esse objetivo?

Na infância, os adultos tomam conta de nós. Na vida adulta, somos

responsáveis por nossas próprias atividades. Cabe a nós pilotar nosso

relacionamento para que ele continue em curso. Por exemplo, um par

pode voltar a estudar e o outro pode passar muito tempo no trabalho.

Nesse caso, os pares podem se afastar, colocando a intimidade em risco.

Existe uma técnica simples que pode ajudá-los a ser padrinhos e

supervisores que tomam conta para que a proximidade seja mantida. A

técnica é se fazer esta pergunta a qualquer momento que entramos em

um projeto: como podemos fazer isso de forma a nos tornarmos mais

próximos? Em geral, a resposta inclui dois elementos: demonstrar os

cinco As e compartilhar mutuamente o projeto de alguma forma.

Por exemplo, um dos pares quer voltar a estudar e o outro está

disposto a trabalhar mais para ajudar a possibilitar isso. Os dois estão

envolvidos no projeto e os sacrifícios de ambos podem ser reconhecidos.

Afinal, o reconhecimento é uma forma de apreço. Além disso, a atenção

acontece quando o par que está trabalhando faz perguntas acerca das

atividades de estudo e o estudante demonstra um interesse genuíno no

que está acontecendo no trabalho de seu par. O afeto acontece com o

tapinha nas costas ou no abraço quando o par sai para a faculdade ou

para o trabalho. A aceitação e a admissão acontecem quando um diz sim

ao plano, sem ressentimentos, e o outro diz sim à necessidade do par de

às vezes ficar sozinho, em especial no tempo que têm juntos. Por fim,

costumamos ouvir bastante a respeito do medo de comprometer-se a

outras pessoas, mas não notamos que talvez nós mesmos estejamos

negligenciando o nosso compromisso. Assim, estressamos nosso corpo

com uma agenda cheia de obrigações em casa e no trabalho. E, desse

modo, uma extensão útil da prática apresentada é se perguntar: como

posso assumir esta tarefa de tal forma que eu ainda cuide de mim? Isso

não é egoísmo, e sim autocuidado.


1 Subjacente ao medo do sufocamento existe o medo da rejeição.
7 | DEIXANDO O EGO DE LADO
Você está disposto a ser extinto, apagado, excluído,

feito nada?… Se não está, você nunca mudará de verdade.

— D. H. Lawrence, “Fênix”

se em um relacionamento a preocupação dos pares é provar que

estão certos, então é o ego que rege esse relacionamento. Se a

preocupação é como fazer o relacionamento dar certo, então o amor

cooperativo é seu regente. O ego, que significa “eu”, é o principal

obstáculo para a intimidade, que implica “nós”. Na verdade, não existe

um eu sólido separado. Somos todos interconectados e contingentes em

relação uns aos outros.

Ego é a palavra convencional para o centro da nossa vida racional

consciente. O ego é funcional quando nos ajuda a realizar nossos

objetivos na vida. É esse ego saudável que permite que sejamos justos e

testemunhas alertas sem a interferência dos mindsets intrometidos. É o

nosso ego saudável que avalia a oportunidade ou o perigo e age de

acordo com isso. É o nosso ego saudável que faz as escolhas necessárias

para se viver de acordo com os nossos mais profundos valores, desejos e

necessidades. Mais admirável ainda, o ego saudável aceita os paradoxos

humanos: a mesma pessoa pode ser boa ou ruim, próxima ou distante,

leal ou traidora, justa ou injusta, gentil ou grosseira, generosa ou

carente. O ego saudável é a parte de nós que fez as pazes com todos os

fatos do comportamento humano, por mais desagradáveis que sejam, e

ainda mantém a capacidade de amar.

Felizmente, um ego saudável evoca os cinco As dos outros. Quando

temos a coragem de compartilhar quem somos de forma única e livre, é


provável que recebamos atenção. Quando nos aceitamos, sentimos

orgulho de quem somos e, ao mesmo tempo, admitimos nossos erros, é

provável que sejamos aceitos. Quando mostramos generosidade,

compaixão e integridade, é provável que recebamos apreço. Quando

oferecemos consideração e toque afetivo, é provável que recebamos

afeto. E quando agimos de forma assertiva, com respeito e limites claros,

é provável que os outros nos permitam a liberdade de sermos quem

realmente somos.

Nosso ego (o centro da nossa vida racional consciente) é funcional

quando nos ajuda a atingir nossos objetivos, e é disfuncional ou

neurótico quando nos distrai dos nossos objetivos ou sabota nossas

tentativas de atingi-los. Atrás de cada neurose existe um medo que

nunca foi totalmente abordado nem resolvido. De fato, neurótico

significa uma repetição inútil de uma forma arcaica e desnecessária de

se proteger de tal temor. Alguns de nós exibem um ego adulto saudável

no trabalho e, em casa, o ego neurótico de uma criança carente.

Considere, por exemplo, o estilo de vida duplo de Edna Sue.

Edna Sue é recebida com respeito e amor por sua equipe no banco

esta manhã, quando chega pontualmente e cumpre as obrigações diárias

como gerente de empréstimos. Hoje, como sempre, ela vai conceder e

negar empréstimos com base em dados inteligentes e não emocionais;

vai executar hipotecas enquanto ainda sente compaixão; e vai

supervisionar a equipe com limites claros e aceitação razoável a erros.

Mas, na hora do almoço, Edna Sue vai voltar correndo para casa, sem

ninguém no banco tomar conhecimento, motivada pelo próprio medo

descontrolado de abandono e seu apego viciante para implorar a Earl

Joe, seu namorado, que não a deixe, como ameaçou fazer. No decorrer

do último mês, Earl Joe, usuário de cocaína, roubou o dinheiro de Edna

para as compras do mês, quebrou o pulso dela e insistiu que ela

obrigasse o filho adolescente a ir morar com o ex-marido dela. Mas nada

disso importa porque existe uma separação entre a Edna Sue funcional

no trabalho e a disfuncional em casa. No trabalho, ela insiste em realizar

sempre o melhor. É isso ou nada. Nos relacionamentos, ela acredita que


é melhor ter pouco do que não ter nada. No primeiro caso, ela age no

espectro do ego funcional; no segundo, no espectro do ego neurótico e

não impõe limites, mesmo que eles sejam protetores do nosso

comprometimento e de nós mesmos. Uma pessoa sem limites pessoais

se compromete com a manutenção do relacionamento, esteja ele

funcionando ou não. Com limites claros, por outro lado, enxergamos

quando o relacionamento não está funcionando e convidamos nosso par

a trabalhar nisso conosco. Se ele concordar e se juntar a nós, estamos

dentro do relacionamento com os dois pés no chão. Se ele se recusar,

seguimos adiante, com pesar, mas sem culpa.

Como diz Carl Jung, nosso destino é “acender uma luz na escuridão

da mera existência”. E fazemos isso ao nos comprometermos de forma

fiel com nosso trabalho psicológico, que é colocar nosso ego a serviço

do coração, ou seja, planejar cada pensamento, palavra ou obrigação de

forma a manifestar o amor, a sabedoria e a cura que existe

incondicionalmente dentro de nós. Nosso trabalho espiritual é

simplesmente permitir que esse processo aconteça e ser receptivo e grato

pelas dádivas sempre disponíveis para que possamos realizá-lo. Tais

dádivas, portanto, tomam forma de bênçãos e desafios que chegam para

nós, para nos ajudar a ativar nosso potencial de amor e também para

aceitar nosso lado sombrio. Com certeza, um relacionamento saudável

constitui uma dádiva espiritual. Ele vai mostrar como o nosso coração

pode se abrir e como pode se fechar.

A cada dia que passa, um relacionamento apaga brutalmente o nosso

egoísmo e desmantela a nossa arrogância. Em um relacionamento, nunca

deixamos de descobrir o preço do amor autêntico e que este pode, caso

nos livremos do ego, se transformar em felicidade. Isso acontece porque,

quando o ego sai do caminho e leva o medo junto, nós enfim notamos

que damos os cinco As com mais facilidade. O ego tímido teme,

desnecessariamente, o que o ego vigoroso sempre desejou. Esse ego

forte é feliz e livre quando não precisa mais promover nem usar seu

poder, mas pode se libertar, confiando que a vida está se desdobrando

como deve ser. Desse modo, o paradoxo é menos ego e mais capacidade
de lidar com o que acontece, mais acesso aos recursos internos e mais

sentimentos na forma como nos relacionamos.

A ANATOMIA DO EGO ARROGANTE

Um ego grande aparece em afirmações do tipo “Estou certo”, “Minha

forma de fazer as coisas é a correta, nunca estou errado”, “Não preciso

mudar”, “Tenho direito a um tratamento especial”. Nós tememos mudar

porque isso pode significar que estávamos errados ou que estávamos

lamentando uma perda (de algo que valorizávamos em nós ou de um

senso de segurança). Isso se resume ao medo da proximidade: “Se eu

amoleço e me abro para os outros, eles vão se aproximar demais.”;

“Você não pode me contar tudo” é o mesmo que “Você não pode se

aproximar o suficiente para me afetar”. Nós podemos demonstrar o

nosso medo de proximidade com teimosia, uma recusa por cooperar,

uma necessidade inflexível de vencer ou de estar certo, uma

incapacidade de admitir que estamos errados ou uma incapacidade de

pedir desculpas.

O ego arrogante luta contra o amor íntimo porque estamos sempre

tentando não ser humilhados, e isso vem dos maiores inimigos da

intimidade, os quais moram no ego inflado: medo, fixação, controle e

crença de merecimento. O egoísmo e a crença de merecimento nos

impedem de dar ao outro a nossa atenção e demonstrar nosso apreço.

Não podemos dar nossa aceitação e admissão quando o controle tem

precedência sobre a igualdade ou quando estamos fixados demais em

nossa própria versão da realidade. Não temos como demonstrar

facilmente o afeto autêntico quando somos motivados pelo medo.

Nós tememos (em geral de forma inconsciente) não encontrar

aprovação ou não conseguir que as coisas saiam do nosso jeito. Estamos

presos à nossa versão de como a vida e os outros deveriam ser e

podemos ser teimosos por conta disso. Exigimos controlar os outros e o

resultado das coisas. Acreditamos que merecemos receber amor e


reconhecimento de todos, além de cobrar represálias se formos

ofendidos.

O ego não é uma identidade estável. É uma identidade assumida com

base no insulto ou no amor a que respondemos com medo, fixação,

controle ou crença de merecimento. Como nenhuma dessas reações

acontecem com tanta frequência, imaginamos que o ego seja quem

somos. Confundimos contestação com interferência. Em vez disso,

nosso comportamento pode ser observado no espaço do mindfulness.

Esse espaço é quem somos, e não as estratégias que tentam preenchê-lo.

Desse modo, no mindfulness, podemos usar a dor ou o amor de uma

nova forma: colocando nosso ego em foco. Essa mudança na atenção

para o homem atrás da cortina é como finalmente acordamos do olhar

hipnotizado pelo feiticeiro do ego.

Precisamos levantar essa cortina do medo, da fixação, do controle e

da crença de merecimento para que o medo possa se transformar em

empolgação. Então, podemos agir com medo, mas não por causa do

medo, e deixaremos de ter medo de demonstrar medo ou

vulnerabilidade — a vulnerabilidade que é uma circunstância da vida, e

não a de uma vítima. É mais provável que essa vulnerabilidade saudável

surja quando o senso de inadequação e vergonha em relação a isso

desaparece, quando confiamos que demonstrá-la não representa risco de

humilhação.

É compreensível, no entanto, que seja assustadora. Afinal, a

vulnerabilidade envolve não apenas a demonstração dos nossos

sofrimentos, mas também da nossa necessidade pelos outros, nossas

limitações. Ela também exige que confiemos tudo isso às mãos de outra

pessoa. Vamos usar a analogia de um corte sério no nosso braço que nos

obriga a ir ao pronto-socorro. Lá, somos atendidos por um médico que

não conhecemos. Nós mostramos o corte para o médico e nos

colocamos nas mãos dele, esperando um resultado positivo. Precisamos

fazer essas duas coisas quando nos sentimos vulneráveis: se deixar

mostrar e se render mesmo sem confiar totalmente.


Da mesma forma, nossa vulnerabilidade pode ter a ver com um

histórico de traição. Éramos vulneráveis a alguém em quem confiávamos

e essa pessoa nos machucou. Agora aquele evento traumático faz com

que a vulnerabilidade e a confiança sempre pareçam coisas perigosas.

Tudo isso também nos ajuda a entender por que pode ser assustador

receber os cinco As. Isso significa ser investigado por alguém — talvez

por mais tempo do que suportamos, talvez por alguém que vai nos

decepcionar mais tarde. Como um aparte, todos temos diferentes níveis

de disposição para sermos investigados. Alguns de nós acreditamos que

ser visto é algo invasivo em qualquer nível; outros aceitam passar por

uma investigação profunda. É importante que o par conheça o nível de

tolerância do outro. Afinal, a questão são os limites que colocamos em

volta do nosso eu central e a rigidez ou a transparência que queremos

que tenha. Não se trata simplesmente de uma questão de confiança.

Alguns de nós não queremos que ninguém nos conheça por completo,

não importa quão confiável seja.

O amor incondicional é um amor sem as condições do ego inflado

(medo, fixação, controle e crença de merecimento). Esse amor é livre de

medo, incluindo o da vulnerabilidade. Quando amamos de forma

incondicional, as fixações se transformam em vínculos inteligentes,

saudáveis e comprometidos. Estabelecemos e mantemos as camadas,

mas não nos tornamos possessivos, nem permitimos que o outro nos

possua. Em vez de tentar controlar o par, nós respeitamos os limites dele

e, dessa forma, conquistamos seu respeito. A crença de merecimento dá

lugar a uma assertividade que se autoalimenta e que se curva

generosamente ao fato de que nem sempre vamos conseguir o que

queremos. Essa qualidade admirável não apenas conquista o respeito dos

outros, mas também o nosso respeito próprio.

O estudioso do budismo tibetano Robert Thurman diz que o melhor

momento de observar o ego é durante os episódios de “inocência

ferida”. (Outro momento é durante a estrada da raiva.) A energia do ego

se manifesta sempre que expressamos nossos sentimentos de crença no

merecimento em relação à justiça ou regalia de qualquer condição da


existência. Sabemos, no entanto, que esse tipo de energia não é saudável

porque nos deixa estressados, magoados, compulsivos, frustrados e

intimidados.

Qual é a diferença entre a crença de merecimento do ego e um senso

legítimo de direito? A crença de merecimento é uma expectativa, uma

fixação, uma exigência, ou seja, manifestações e mindsets familiares do

ego que causam sofrimento e são o oposto do estado de mindfulness. Se

tal expectativa não é atendida, sentimos que uma retaliação é justificada.

Mas retaliação não é justiça, é um conforto mesquinho para um ego

indignado e mostra um desespero em relação à mudança humana e ao

poder da dádiva. Em comparação, um pedido legítimo pelo que nos é de

direito se dá em situação justa, é feito de forma direta, pacífica e não

inflige reprimendas se negado. Em vez disso, buscamos uma autoridade

superior como mediadora e corremos atrás dos nossos direitos nos

canais adequados. Se a lei em si é injusta, entramos em uma resistência

não violenta, mas sempre com amor para com todos os envolvidos,

combinando, dessa forma, o mindfulness com integridade moral.

Um aviso: o ego nunca deve ser aniquilado, só desmantelado e

recomposto para que possa se manifestar de forma mais construtiva. Só

então a intimidade se torna possível. A seguir estão algumas respostas

construtivas que podemos usar quando sentirmos que nosso ego está

despertando.

Quando sinto Escolho, em vez disso

Medo. Amar.

Fixação. Libertar.

Controle. Dar liberdade.

Crença de merecimento. Ver-me como igual.

Cada um desses ingredientes do ego neurótico é uma fonte de

sofrimento: é doloroso sentir tanto medo a ponto de estarmos sempre

alertas e, ainda assim, sempre feridos. É doloroso ter que segurar as

rédeas com tanta força. É estressante tentar controlar os outros o tempo

todo. Sofremos quando enfrentamos condições da existência sem a


promessa de uma isenção delas. Seria trágico morrer tendo conseguido

evitar sofrer humilhações em todos os nossos relacionamentos. Ainda

assim, não importa se uma coisa é ruim demais, pois isso com certeza

tem uma dimensão positiva. Existe um núcleo de bondade, um potencial

inexplorado em cada elemento do ego neurótico:

Medo Cautela prudente e avaliação inteligente do medo.

Fixação Perseverança e comprometimento de permanecer durante tempos difíceis.

Controle Capacidade de fazer as coisas e ser eficiente na abordagem, no

processamento e na solução.

Crença de Autoestima saudável e defesa dos próprios direitos com disposição de aceitar

merecimento as circunstâncias da vida que às vezes parecem injustas.

Confiar em nós mesmos não significa ter certeza de que passaremos

pela vida sem medo, fixação, controle e crença de merecimento, e sim

que nos rendemos a ser exatamente quem somos em cada momento e

que essa consciência atenta vai entrar em ação para nos mostrar uma

alternativa aos hábitos do ego. Esse é o paradoxo espiritual de nos

aceitar como somos e, ao mesmo tempo, nos tornar mais do que já

fomos um dia. É abandonar qualquer tendência à polarização e

encontrar refúgio apenas no centro, onde a síntese nos aguarda.

A ANATOMIA DO EGO ENFRAQUECIDO

Em contraste com o ego inflado, o arrogante é o segundo estilo de ego

neurótico disfuncional. O ego esvaziado e enfraquecido baseia-se no

medo, com um estilo submisso ou vitimista que impede uma intimidade

não hierárquica. As atitudes a seguir caracterizam o ego enfraquecido:

Vítima. “Não controlo minha vida. Sou uma vítima das pessoas e

das circunstâncias. Tudo que acontece comigo é por causa (ou

culpa) de outra pessoa. Sou impotente para mudar qualquer

coisa.” Subjacente a essa atitude existe o medo de ser

responsabilizado por qualquer coisa como um adulto. A

autopiedade e a crença de que se é uma vítima também podem


constituir formas de desespero, caindo na armadilha da ilusão de

que não existe alternativa para a situação difícil ou dolorosa.

Seguidor. “Todo mundo sabe o que fazer, menos eu. E eu tenho

que seguir os outros. Diga-me o que fazer e no que acreditar, e é

exatamente o que vou fazer e no que vou acreditar.” Subjacente a

essa atitude está o medo de tomar conta da própria vida ou de

cometer um erro.

Autocensurador. “Sempre estou errado e sou mau. Culpo a mim

mesmo por tudo de ruim que acontece. Tenho vergonha de mim

mesmo e me sinto sempre culpado.” Subjacente a essa postura

existe o medo da responsabilidade.

Indigno. “Não mereço nada; nem abundância nem amor nem

respeito.” Subjacente a essa atitude existe o medo de receber.

Irrelevante. “Ninguém se importa comigo. Eu sou irrelevante.

Não faço diferença.” Subjacente a essa atitude está o medo de ser

amado, o medo dos cinco As (que podem ser vistos por trás de

cada autodiminuição).

Felizmente, cada um dos elementos do ego enfraquecido contém um

núcleo alquímico de valor, como mostrado na coluna da direita da tabela

a seguir.

Vítima Capacidade para encontrar recursos e evocar o amor compassivo.

Seguidor Capacidade de cooperar e reconhecer as próprias limitações.

Autocensurador Capacidade de avaliar as próprias deficiências.

Indigno Capacidade de se relacionar com humildade.

Irrelevante Capacidade de diferenciar e dar preferência de forma adequada .

Transformar um ego enfraquecido requer a construção de autoestima,

assertividade e habilidades cooperativas. O desafio é sempre se colocar

de forma objetiva, sem romper suas conexões. É um trabalho

psicológico de tornar-se adulto e um passo necessário para a construção

da intimidade.
O ego arrogante e o enfraquecido são, na verdade, dois lados da

mesma moeda. Realmente, o ego neurótico costuma ser chamado de

“Rei Bebê”. Assim como um rei, ele acredita que tem um direito divino

(crença de merecimento) de ter todo o controle, ser amado e respeitado

por todos e ter o primeiro ou o principal lugar em tudo. Como um bebê,

o ego enfraquecido parece impotente, mas ainda assim consegue o poder

de mobilizar as pessoas em torno de suas necessidades. Afinal de contas,

um bebê é o centro das atenções, controla o comportamento dos demais

e recebe tratamento especial. A maturidade moral (e psicológica) de um

adulto exige destituir o ego de rei, dando espaço para que o ego bebê

amadureça. Inflar ou enfraquecer o próprio ego constitui os dois

extremos neuróticos. O ego saudável, como uma virtude, está no meio

dos extremos.

É menos provável que o ego inflado, com seu status e sucesso no

controle, seja capaz de despertar os cinco As dos outros. O ego

enfraquecido é ferido e inseguro demais para pedi-los. Os dois têm

dificuldade em demonstrá-los ou recebê-los. Como dar e receber os

cinco As é a base da intimidade, que chance o ego não transformado tem

de encontrar o amor?

Como podemos transformar e fortalecer um ego enfraquecido? A

vítima muda ao reconhecer seu próprio poder. O seguidor muda ao

tomar decisões independentes. O autocensurador muda ao assumir

responsabilidades. Já o indigno e o irrelevante, ao aprenderem a gostar

de si e a aceitar o apreço dos outros.

Mudar envolve agir como se o oposto dos nossos pensamentos e

posturas fosse verdade. Com prática, nossas atitudes começam a mudar

paulatinamente para se encaixarem em nosso comportamento. Planeje

formas de fazer esse trabalho se você se identificar como vítima,

seguidor ou autocensurador, ou se se sentir indigno ou irrelevante. Para

reverter a posição de vítima, assuma a responsabilidade por suas

escolhas e busque formas de tirar proveito daquilo que não escolheu,

mas não pode mudar. Para sair do papel de seguidor, assuma a iniciativa

de protestar sempre que surgir um incômodo relacionado a uma


circunstância ou a um relacionamento. Para parar de se culpar, assuma a

responsabilidade por seu comportamento e, ao mesmo tempo, faça uma

avaliação de seus atos, levando em conta as informações que você tinha

no momento.

ACEITAR AS COISAS QUE NÃO PODEMOS MUDAR

Para nos libertar de nosso ego neurótico, temos que aceitar as condições

da existência e nos enxergar não como vítimas ou oponentes dos fatos da

realidade, mas como adultos que enfrentam tudo com honestidade. Esses

fatos incluem o seguinte: as coisas mudam e chegam ao fim; a vida nem

sempre é justa; pagamos o crescimento com sofrimento; nem sempre as

coisas saem como planejado; as pessoas nem sempre são leais e

amorosas. Aceitar as condições da existência significa, em primeiro

lugar, admitir nossa própria vulnerabilidade em relação a elas. Libertar-

se da crença de merecimento de regalias é, desse modo, estar pronto

para o amor.

Quando percebemos que os fatos da vida, por piores que sejam, não

constituem um castigo, e sim os ingredientes de profundidade,

amabilidade e caráter, podemos nos livrar da crença de que somos (ou

precisamos ser) imunes. Declarações como “Isso não pode acontecer

comigo” ou “Como se atrevem a fazer isso comigo?” mudam para

“Qualquer coisa humana pode acontecer comigo, e vou me esforçar para

lidar com isso”. A força de lidar com os desafios, na verdade, é

diretamente proporcional à nossa capacidade de nos livrar da crença de

merecimento.

Quando paramos de lutar com as circunstância e simplesmente as

encaramos e lidamos com elas, experimentamos a serenidade e

passamos a mudar o que é passível de mudança e a aceitar o que não é.

Ao fazer isso, construímos uma sólida fundação de respeito próprio,

uma alternativa saudável para a crença de merecimento universal. Isso

significa, entre outras coisas, estabelecer e manter limites pessoais para

que os outros não tirem vantagem de nós. Desse modo, o respeito


próprio torna-se uma força motriz, algo que nos impulsiona a realizar

alguma coisa, e não algo que se impõe sobre todas as coisas. Ele supera

nosso medo de escassez e privação. Sentimos amor e liberdade surgindo

abundantemente em nosso ser.

Quando saudamos e nos rendemos à realidade, não perguntamos

mais “Por que isso aconteceu comigo?”, mas “Sim, e agora?”. O sim

abre portas para o próximo passo da jornada em busca da completude

psicológica e do despertar espiritual. Nós podemos saudar energias

arquetípicas na psique e no mundo à nossa volta que aparece em

histórias e mitos em todo mundo, principalmente as que envolvem a

jornada do herói:

Tudo muda e termina, mas pode ser renovado. Esse

conhecimento é a porta de entrada para o arquétipo da

ressurreição, como a vida continua se renovando.

O sofrimento é parte do crescimento, mas continuamos achando

formas de encontrar o bem no mal. Isso nos leva ao arquétipo da

redenção. Também começamos a perceber que a felicidade não é

uma recompensa e que o sofrimento não é uma punição.

As coisas nem sempre saem como planejado, ainda assim

conseguimos encontrar tranquilidade para dizer sim para o que

não pode ser mudado e agradecer o que já foi. Isso nos abre para

o arquétipo da sincronicidade e de um plano divino que torna

nosso destino maior do que imaginamos.

Nem sempre a vida é justa, ainda assim podemos ser justos e até

mesmo generosos. Isso nos dá um senso de justiça e fortalece

nosso comprometimento para lutar por isso, ao acompanharmos

os arquétipos de carma, reparação e perdão.

As pessoas não são amorosas e leais o tempo todo, mas podemos

agir com amor e lealdade sem nunca desistir dos outros e sem

revidar. Isso nos abre para o arquétipo do amor incondicional


Desse modo, os fatos da vida, ou seja, o lugar onde nossos medos

mais profundos se encontram, acabam sendo o requisito para a evolução

pessoal e a compaixão. Os fatos da vida, assim como a lei, são rígidos

mas não cruéis. O sim incondicional é simplesmente o mindfulness, a

fidelidade à realidade sem sucumbir aos mindsets sedutores e tentadores.

Aceitar cada um deles é um estágio em nosso desdobramento. Lidar com

cada um deles, em vez de lutar contra eles, nos equipa para a jornada

heroica que nos chama. À medida que crescemos, nos libertamos da

reivindicação do nosso ego de isenção da nossa herança universal. O

sofrimento é o resultado de assumir uma posição enérgica de combate

contra as condições da existência. Ego é sofrimento. Um revés é um

caminho para a libertação.

A dinâmica da tese, antítese e síntese nos ajuda a compreender o

processo. A tese constitui as condições em si e nossa antipatia por elas.

A antítese é o sim incondicional. Já a síntese é a nossa transformação,

usando os fatos da vida como ingredientes para o crescimento.

Às vezes, pensamos que estamos sozinhos, e isso faz com que os

fatos da vida sejam aterrorizantes e nos enfraqueçam. Quando nos

vemos diante de questionamentos como: as coisas precisam mudar, por

que os inocentes sofrem, por que as pessoas nos machucam, sentimos

desespero e amargura. Mas, quando dizemos sim aos fatos da vida,

notamos que eles não têm a ver com fracassos e reveses, mas sim que

fazem parte de todo o potencial abundante da vida. São fatos que nos

conectam com o resto da humanidade. Que nos trazem para o que é, no

mindfulness, e nos deslocam dos desejos e expectativas do ego. O

chamado para o sim incondicional mostra que a espiritualidade não tem

a ver com a transcendência do mundo, mas com um envolvimento ainda

mais profundo neste.

O equilíbrio da aceitação das condições da vida nos ajuda a enfrentar

qualquer crise com tranquilidade. Esse equilíbrio é o estado de

mindfulness. Dizer sim para as condições mortais é automaticamente

dizer sim para cada uma de suas possibilidades imortais; isso significa

se identificar com a mente do Buda no meio das nossas dificuldades e


confusão. Nesse sentido, saudar a vida com um sim incondicional é uma

forma de encontrar a eternidade no tempo.

Como dizemos “sim”? Bem, demonstrando os cinco As com

mindfulness. Como testemunhas do mundo, damos atenção às

mudanças e aos términos, aos planos fracassados, à injustiça, ao

sofrimento, à deslealdade ocasional na história de nossa vida. Nós

aceitamos tudo que é parte da mistura de uma vida humana. Temos

apreço por tudo como algo valioso para o nosso próprio

desenvolvimento. Olhamos com afeto para tudo que é e já foi. E

admitimos que os eventos e as pessoas sejam como são.

Combinar os cinco As com o mindfulness nos mostra que podemos

lidar com a realidade sem suas distrações e sem as complicações que a

circulam, construindo nossa autoconfiança. Isso também contribui para

o nosso poder de intimidade porque é um modo de estar presente de

forma verdadeiramente atenta, com aceitação, apreço e admissão. Ao

reconhecemos um mundo que existe além dos nossos desejos e

manipulações, nos tornamos mais realistas e aprendemos a amar o

presente, que é tudo o que temos, e a amar no presente com tudo o que

somos.

Desse modo, um sim para as condições de existência conserta nossa

alienação existencial e nos fornece uma excelente plataforma de

lançamento para a intimidade. O ego não esperneia nem berra enquanto

é arrastado para o coração atento; na verdade, salta, satisfeito, para os

braços dele. O ego se sente aliviado ao perceber que existe uma

alternativa para o sofrimento que vivenciou no medo, na fixação, no

controle e na crença de merecimento. Como Rilke escreveu para o

próprio ego: “Como eu adoraria vê-lo sendo sitiado… por quantos anos

forem necessários.”

Por fim, Carl Jung propõe que o sofrimento e um lado sombrio são

fatos inescapáveis da vida. Eles não vão embora, mas podemos nos

encontrar com eles com coragem e agir com integridade, não importa o

que os outros façam. Podemos dizer alegremente: “Nunca existirá no


mundo apenas o amor ou apenas a paz, mas pode existir mais amor do

que antes de eu chegar aqui, e mais paz porque aqui permaneci.”

Prática

ir além de “ou um ou outro” | Nosso ego se sente tão

desconfortável com a incerteza que insiste em ver tudo em preto e

branco, em termos de ganhar ou perder. Quando simplesmente

mantemos no coração e na mente os opostos que nos encaram, quando

permitimos que coexistam dentro de nós sem escolher um ou outro,

abraçamos a ambiguidade de nossa situação. Essa é uma forma de

confiança atenta. Ficar preso na polaridade definida pelo ego arrogante é

o mesmo que viver com medo. Sem o ego, por outro lado, conseguimos

permitir o surgimento de um amor totalmente inclusivo.

Por exemplo, quando nos libertamos do controle, o “ou um ou outro”

que vemos em “Eu tenho que estar no comando ou tudo vai

desmoronar” muda para “Eu permito que as coisas aconteçam como têm

que acontecer”. Isso nos libera ao mudar nosso medo da espontaneidade

para saudar o medo e o que mais possa acontecer além de nosso

controle. Faça uma tabela com itens do tipo “ou um ou outro” da sua

vida na esquerda e formas como estes podem se tornar “ambos e” na

direita. Mostre-a para o seu par ou melhor amigo e discuta formas de

colocar os itens de “ambos e” em prática. Peça apoio a essa pessoa, já

que você provavelmente vai sentir medo.

Talvez cada um de nossos arrependimentos em relação ao passado

seja diretamente rastreado a pensamentos e escolhas do tipo “ou um ou

outro”. Como parte do arrependimento, é possível que sintamos

arrependimento. O trabalho é reconhecer essa vergonha e esse

arrependimento e ainda assim nos perdoar. Imagine quanto da sua

energia viva é soterrada por antigos arrependimentos. Você vai se dar

uma chance para transformar sua felicidade ao fazer o trabalho

necessário para superar tudo isso? Escreva exemplos de


arrependimentos em seu caderno e discuta como vai superá-los. Peça

ajuda de outras pessoas, se necessário.

comprometer-se com amor não violento | De acordo com um

ditado zen, a assertividade “não deixa rastros”, assim como qualquer ato

perfeito. O ego, por sua vez, deixa para trás o rancor e cria

ressentimento. No Sermão da Montanha, a receita cristã para dissolução

do ego, Jesus aborda essa questão de forma direta ao dizer: “Se alguém o

forçar a caminhar com ele uma milha, vá com ele duas.” Uma pessoa

saudável simplesmente aprende a protestar quando ocorre uma injustiça,

tentando retificá-la e concentrando-se no fato objetivo (a injustiça), não

na interpretação pessoal do ocorrido (a afronta). A sensação de afronta

denuncia a presença do envolvimento de um ego neurótico. Na verdade,

a palavra afronta não tem significado para qualquer pessoa que tenha um

ego adulto funcional. Uma pessoa assim lida com os insultos de forma

não violenta, considerando-os apenas informações sobre a raiva

agressiva do outro, cuja frustração pode até mesmo envolver a

compaixão. Comprometa-se a renunciar ao estilo de retaliação e a

procurar formas de criar a reconciliação. Primeiro, assuma esse

compromisso em silêncio, dentro de si, e, depois, em voz alta, para o seu

par.

O ego indignado é dissimulado e pode desejar retaliação ao ser

magoado ou decepcionado. Você pode se ver esperando que o seu par

passe por algum infortúnio. Se vier a identificar um desejo de retribuição

indireta como esse, admita e peça perdão. Uma consciência de

humildade sincera pode impedir que você busque esse tipo sutil de

retaliação. Embora essa admissão possa ser constrangedora, o amor sem

ego floresce exatamente desse tipo de autorrevelação.

Amem os seus inimigos, façam o bem aos que os odeiam,

abençoem os que os amaldiçoam, orem por aqueles que os

maltratam.

— Lucas 6:27-28
abrir mão da necessidade de estar certo | A necessidade de

estar certo vem do medo que sentimos de não sermos aprovados. “Se

estou errado”, pensamos, “perco minha identidade e, dessa forma, meu

nível de aprovação.” Nossa necessidade de estar certo pode assumir a

forma de uma incapacidade de aceitar críticas, o que geralmente

equiparamos a um insulto. Também pode se manifestar na tentativa de

justificar nossas decisões ou ações sempre que somos questionados. Isso

pode incluir uma insistência exagerada para que os outros se desculpem.

Para a maioria de nós essas reações são automáticas; ou seja, não é algo

consciente. Ser adulto significa se esforçar para se tornar consciente do

ego subjacente ao nosso comportamento, aos nossos pensamentos e à

nossa motivação. “Meu jeito é sempre o certo” pode se transformar em

“Negocio para que todos saiam ganhando. Procuro a verdade para

construir qualquer coisa somente a partir daí”. Quando nos abrimos para

aceitar a vitória do outro, a mesma intimidade que temíamos acaba

gerando e permitindo uma sensação de segurança.

libertar-nos da crença de merecimento do ego | Responda

mentalmente às perguntas desta seção.

Você acredita nas frases a seguir: “Creio que mereço que as coisas

sejam sempre do meu jeito; que sempre me digam a verdade; que

mereço ser amado, cuidado e apreciado por todos; que me façam

promessas e as cumpram; e que mereço receber um tratamento ou

consideração especial em tudo que eu faço”? O racional por trás dessas

crenças é: “Promessas devem ser cumpridas”, “Sou especial”, “Isso não

pode acontecer comigo” e “Como se atrevem!”. Essas crenças podem

mascarar o medo de privação: “Não vou receber o suficiente”, “Não vou

receber o que é meu por direito”, “Não vou sobreviver como indivíduo

se eu tiver que ser como todos os outros”. Pensar dessa forma é ignorar

uma condição da existência: as coisas nem sempre são justas nem

equilibradas.

A crença de merecimento pode assumir a forma de expectativas, de

reações exageradas quando alguém tira vantagem de você, de um


sentimento de que lhe devem algo ou de que está sendo traído. O melhor

exemplo dessa característica do ego é a reação que podemos ter quando

levamos uma fechada no trânsito. A sensação de “Como ele se atreve?”

se torna uma perseguição vingativa e frenética? Você fica de mau humor

pelo resto do dia? O desejo de vingança e a indignação são pistas que

indicam a presença de um ego arrogante e narcisista e, acima de tudo,

muito amedrontado. No entanto, por baixo da raiva e da humilhação,

existe uma tristeza por não termos sido tratados com amor e respeito,

justamente aquilo que acreditamos merecer receber de todos. O que

estamos realmente dizendo quando alguém nos ultrapassa no trânsito é

“Como você se atreve a não me respeitar! Como se atreve a não me

amar!”. Em segredo, o ego acredita que sempre teve direito a isso.

Assuma um compromisso consigo mesmo para pedir amor de forma

direta sempre que notar que está caindo em uma das reações do ego

descritas neste capítulo.

parar de fingir | O egocentrismo pode ser transformado em apreço e

amor-próprio, incluindo também o desejo saudável de revelar quem

realmente somos em tudo que fazemos e dizemos. Pode ser que

pensemos assim: “Se as pessoas me conhecerem de verdade, não vão

gostar de mim.” Mas, na verdade, essa sensação não está baseada no que

elas descobrem a nosso respeito, mas sim em como elas descobrem. As

pessoas não desgostam de nós por aquilo que mostramos a elas, mas por

aquilo que escondemos. Muito pelo contrário, quando admitimos nossos

limites e inadequações, somos apreciados e respeitados. Saber disso nos

dá mais uma chance de articular a verdade e parar de fingir. Nós, então,

queremos ser expostos para que possamos agir com liberdade, sem a

necessidade de inventar ou proteger uma imagem fabulada. O que

devemos realmente pensar é: “Se as pessoas me conhecerem de verdade,

vão me amar por ser humano como outro qualquer, com seus defeitos e

qualidades, igual a todos.”

O motivo do nosso medo de autorrevelação está diretamente

relacionado a um dos cinco As: tememos não ser aceitos se mostrarmos


alguma coisa em nós que os outros podem considerar ruim ou

inadequado. Podemos ter decidido bem cedo que, para continuarmos

recebendo os As, precisamos esconder o que provoca reprovação e

mostrar o que desperta um sorriso de aprovação.

O parágrafo anterior descreve você? Em seu caderno, escreva algum

exemplo da sua infância e do passado recente. Assuma um compromisso

consigo mesmo de parar de fingir para quem você ama, perguntando-se,

em uma escala de um a dez, qual nota daria para o nível de conforto que

vai sentir ao fazer isso. Isso vai dar a informação sobre o seu nível de

confiança no relacionamento. Compartilhe a informação com a outra

pessoa.

parar com a birra | Se você notar que está fazendo birra como uma

criança quando não consegue o que quer, tente seguir este programa de

três passos para se livrar da crença de merecimento:

Reconheça que está fazendo birra para a pessoa que está em sua

companhia.

Peça o que deseja de forma direta e não exigente.

Aceite o “sim” com gratidão e o “não” com alegria.

pedir feedback quanto ao ego | No decorrer deste livro, tenho

recomendado que solicitemos o feedback dos outros em relação ao

nosso comportamento e às nossas atitudes. Como adultos

espiritualmente conscientes, consideramos que todos são nossos

professores e que ninguém é nosso concorrente. Desse modo, ficar na

defensiva na hora do feedback significa perder informações úteis.

Defender como somos é permanecer onde estamos, e isso acaba com as

nossas chances de desenvolvimento pessoal e também de intimidade.

Em vez disso, busque uma verdade útil em cada feedback. Nada é mais

irresistível do que a receptividade. Escutar com o coração aberto é uma

forma de receber mais amor. Assuma o compromisso de pedir feedback


e se abrir para este, considerando as reações de seu ego. Faça isso

mentalmente e, depois, em voz alta, com o seu par.

livrar-se da culpa | Podemos usar a culpa e a crítica para encobrir as

necessidades que não expressamos ou aquelas que não foram satisfeitas.

Nossas necessidades essenciais esperam ser satisfeitas atrás de todas as

camadas do ego: medo, fixação, controle, reclamação e atitude

defensiva. Expor nossas necessidades em vez de culpar os outros por não

as satisfazer proporciona a abertura e a vulnerabilidade necessárias para

uma intimidade autêntica. Coloque isso em prática, tendo em mente que

o impulso de culpar é sinal de alguma necessidade não satisfeita e

escolhendo expor essa necessidade em vez de culpar o outro. Mude o

“Você errou ao fazer isso” para o “Eu preciso de atenção, apreço,

aceitação, afeto e aprovação”.

Quando se vir pensando de forma crítica em seu par ou em um amigo

(“Você deveria parar de fumar”), tente substituir a crítica por uma

afirmação, até mesmo uma oração ou desejo sincero (“Espero que você

encontre forças para parar de fumar”). Use essa mesma técnica quando

estiver fazendo uma autocrítica: “Que eu possa acessar a força que sei

que existe em mim para largar este hábito.” Ao ouvir o noticiário e ver

um criminoso ou alguém que lhe causa repulsa, pratique repetir para si

mesmo: “Que essa pessoa encontre o caminho de Buda. Que ela se torne

um grande santo.” É isso que significa não desistir de ninguém, essa é a

estrada real para se libertar do instinto de retaliação do ego. Nós

permitimos que as consequências das ações do outro o alcance ou não.

Não impomos julgamentos silenciosos ou manifestos. Não somos

executores nem jurados, apenas testemunhas justas e alertas. Não

ficamos felizes quando alguém “recebeu o que merecia”; em vez disso,

alimentamos a esperança de que consigam despertar. Também

mantemos em mente que, como o testemunho só ocorre com um olhar

espelhado, essa é uma forma de conseguir amar o outro ainda mais

profundamente.
ir além dos nossos vícios | Em algumas tradições budistas, os “seis

venenos” (orgulho, inveja, desejo, ganância, ignorância e agressão) são

os vícios do ego que nos mantêm acorrentados. Podemos nos libertar

deles ao fazer escolhas que emanam da ausência do ego. Desse modo, o

orgulho se rende à humildade. A inveja se rende à alegria diante da boa

sorte dos outros. O desejo por mais se rende à satisfação com o que já se

tem. A ganância se rende à generosidade. A ignorância se rende a um

comprometimento pessoal com o aprendizado. A agressão se rende à

compaixão não violenta. É assim que o reino do ego envenenado se

torna um espaço no qual podemos despertar. Faça uma tabela. Na coluna

da esquerda, liste os seis venenos e os sintomas que você exibe nos

momentos de envenenamento. Na coluna da direita, liste

comportamentos que pode ter e sinta quando precisa se libertar deles.

confessar | A justiça atenta e amorosa em um relacionamento não tem

caráter de retribuição, mas de restauração. Ela nos tira da alienação e

nos traz para a união em uma atmosfera de fracassos resolvidos. Ela

cultiva a vulnerabilidade saudável e diminui o ego, que, no futuro, reduz

o comportamento inadequado. À medida que nossa autoestima cresce,

queremos ser vistos como realmente somos. Em vez de escondermos

nossos erros sem limites, passamos a admiti-los. E, então, os outros

podem ajustar as expectativas em relação a nós e sentimos menos

pressão de “fazer tudo certo”.

Um adulto espiritualizado faz exames de consciência frequentes e

sente necessidade de fazer as pazes sempre que isso for adequado. A

alternativa, ou seja, a crença de que o mal é uma coisa externa dos

outros, nos dá uma permissão sinistra de retaliação e punição.

Construímos a confiança quando admitimos que não somos perfeitos.

Todo casal pode praticar uma confissão ocasional, seguindo estes

passos:

1. Reconheça que talvez você tenha fracassado no espelhamento do

seu par ao demonstrar uma falta deliberada de atenção, apreço,


aceitação, afeto e admissão de uma individualidade livre. Você

se recusou a abordar, processar e resolver as questões? Priorizou

suas preocupações egoístas em relação às do relacionamento?

Foi desrespeitoso, mentiu, traiu ou desconsiderou bons

sentimentos, foi crítico, não demonstrou apreço, permitiu que

sua raiva explodisse a ponto de ser abusivo, descumpriu um

acordo, negou a responsabilidade pelas suas ações ou escolhas,

fez fofoca, não respeitou a privacidade, tirou vantagem,

manipulou ou controlou, foi ganancioso, repreendeu etc.? Fazer

uma lista exige uma avaliação criteriosa da consciência, uma

disposição para ver as próprias inadequações e um desejo de

trabalhar nelas. Faça isso junto com seu par.

2. Admita suas faltas em voz alta. Admitir um erro combina

orgulho e humildade de forma emocionante. A dimensão tóxica

de algo de que tem vergonha não reside no horror em relação ao

que você fez, e sim na forma isolada como você guarda isso.

Manter um erro em segredo faz mais mal do que o erro em si.

Quanto mais você esconde sua dor, menos chances tem de

encontrar conforto e alívio. Como diz Shakespeare em Macbeth:

“Dai palavras à dor. Quando a tristeza perde a fala, sibila ao

coração, provocando de pronto uma explosão.”

3. Exponha sentimentos de tristeza e arrependimento.

4. Faça as pazes. (A penitência autodestrutiva — por exemplo,

Édipo se cegando — constitui uma retaliação contra si mesmo,

outro truque do ego.)

5. Comprometa-se a não repetir tal comportamento. Isso pode

incluir fazer um plano para se policiar ou pedir feedbacks.

6. Sejam gratos pela oportunidade e manifestem essa gratidão ao

outro.

Esses seis passos desarmam a parte ofendida e induzem o perdão, a

resposta humana natural e automática à penitência. Como Shakespeare

diz, em A tempestade: “Estando todos arrependidos, não se estende o


impulso do meu intento nem sequer a um simples franzir do

sobrecenho.”

Eis uma versão mais curta dos seis passos: admita, peça perdão, faça

as pazes. Precisamos de um modelo simples assim quando, no jantar de

Ação de Graças, por exemplo, nossos filhos pontuarem algum dos

nossos equívocos como pais, nos deixando constrangidos. O impulso do

ego é se defender ou esquecer, mas nosso amor por eles permite que nos

libertemos do orgulho. Quando amamos, o erro nos entristece e nos faz

pedir perdão, mesmo que ao cometê-lo nossa intenção tenha sido boa. O

impacto das nossas ações nos outros é tudo o que importa quando

amamos. O objetivo luminoso disso e de todo o nosso trabalho é

permitir que nossa primeira resposta seja amorosa em vez de uma

reação do ego.

Pessoas com educação católica conhecem a prática da confissão, uma

forma de redenção pelos pecados cometidos. Nessa abordagem,

assumimos a responsabilidade por fazer as pazes com aqueles que talvez

tenhamos magoado. Essa penitência não é uma retaliação contra nós

mesmos, mas uma forma adulta de nos redimir e de nos livrar da culpa.

Os programas de doze passos usam uma abordagem parecida para a

recuperação. A humildade nos coloca no acampamento-base para toda

transformação. E os relacionamentos são a central elétrica espiritual

porque nos tornam cada vez mais humildes e, no fim, escolhemos

continuar humildes, e é só então que a virtude surge dentro de nós.

Por fim, quando alguém nos magoa, podemos nos sentir vitimizados.

“Você fez isso comigo” é uma experiência de isolamento, que enfatiza

nossas polaridades. No entanto, quando descobrimos ter a mesma

tendência ou que às vezes agimos da mesma forma, podemos

transformar a experiência em uma conexão. “Eu também sou assim” não

desculpa o abuso, mas ajuda a encontrar um caminho para uma

comunicação compassiva e para a reconciliação.

aumentar a compaixão | A grandiosidade e a crença de merecimento

(“o grande ego”) podem ser tentativas de ancorar um ego esfacelado e


protelar a ameaça. (De acordo com Freud, “o ego é o verdadeiro assento

da ansiedade”.) Da próxima vez que vir alguém se comportando com

arrogância, reconheça o tipo de sofrimento e medo que essa pessoa

carrega sob a máscara de onipotência e sinta compaixão por ela. A

compaixão cresce dentro de nós quando também percebemos que o ego

inflado costuma ter suas raízes em uma infância traumática ou de

abandono. Em um momento posterior da vida, uma pessoa que foi

humilhada, insultada, diminuída, criticada sarcasticamente, e assim por

diante, talvez faça essas mesmas coisas com outros, uma forma extrema

e patética de mostrar para o mundo o tamanho e a profundidade de seu

sofrimento. Cultive uma resposta compassiva para as pessoas da sua

vida que parecem motivadas pelo ego porque talvez sejam elas as mais

necessitadas de amor. (Os cinco As são, em si, uma prática para se

libertar do ego, dar apoio aos outros e ter compaixão.) A vitória do amor

torna o esporte do ego menos atraente. Comprometa-se a tornar-se

consciente dos momentos nos quais o ego de outra pessoa está

inflamado. Em vez de permitir que seu ego siga o exemplo, responda

com amor carinhoso e desarmante. É assim que trocamos o reflexo de

competir e criar distância em uma escolha de cuidado e proximidade.

quebrar os hábitos do ego | Os hábitos do ego — medo, avidez,

censura, controle, fixação no resultado, preferência, reclamação,

preconceito e atitudes defensivas — são interferências em nosso ser, ou

seja, atrapalham o espelhamento para proteger e reforçar o ego.

Responda às perguntas listadas a seguir no seu caderno ou diário depois

de fazer uma sessão de meditação. Minha prática de meditação está me

ajudando a superar as interferências do meu ego? Ela me ensina que

tenho em mim o poder de testemunhar meus próprios sentimentos e

comportamento e os dos outros sem as camadas dramáticas do meu ego

neurótico no caminho?

Siga o exercício fazendo as afirmações a seguir. Noto como e quando

eu ajo com o meu ego e, por isso, peço desculpas. Escolho agir de

formas que sejam livres do ego. Eu me liberto da inclinação ao medo, à


fixação, à reclamação, ao controle, à censura etc. Eu peço às pessoas à

minha volta para mostrarem palavras ou coisas que faço as quais

podem indicar que o ego está surgindo dentro de mim. Esse é o caminho

da lealdade brutal para a verdade. Também é uma forma de nos livrar do

sofrimento e parar de causar sofrimento nos outros.

construir a autoestima | Nossa autoestima saudável pode crescer

quando olhamos para nós de forma atenta, dando para nós mesmos os

cinco As. Fazemos isso ao nos reafirmar exatamente do jeito como

somos:

Olho para mim e para minha vida sem medo do que posso

enxergar ou das minhas faltas. Olho para mim sem censura,

culpa ou vergonha, mas com um senso de responsabilidade

por qualquer gesto meu que possa ter magoado os outros, e

busco fazer as pazes. Aceito-me como sou, sem me apegar a

fixações, mudanças ou controle das minhas inclinações e

atributos naturais. Eu me liberto de qualquer apego a um

desfecho imaginado em relação ao que está acontecendo ou

virá a acontecer. Permito-me viver de acordo com minhas

necessidades e desejos mais profundos. Eu me amo

exatamente como sou e cuido de mim. Presto atenção no meu

corpo e no que ele me diz a meu respeito e a respeito das

alegrias e estresses das minhas circunstâncias. Eu estou livre

do medo e da ansiedade. Compartilho as dádivas que recebo.

Desejo que meu trabalho e meus dons façam os outros felizes.

estar totalmente presente | Mindfulness significa presença sem os

hábitos listados na coluna da esquerda da tabela a seguir. Esses artefatos

dramáticos criados pelo ego nos defendem contra a intimidade autêntica,

o impacto total da nossa situação no aqui e agora, e impedem uma

compreensão completa de nós e do nosso par. Também nos impedem de

estar realmente presentes para nós mesmos e para os outros e são, em


última análise, uma forma de violência. Os hábitos listados na coluna da

direta, assim como o próprio mindfulness, são formas de não violência.

O terror que nos atinge durante uma crise surge da impotência que

sentimos diante dela. (Joseph Campbell define o inferno como estar

“preso no ego”.) Só é possível escapar de sermos devastados por crises

se nos livrarmos das causas do colapso, ou seja, os hábitos listados na

coluna da esquerda da tabela. E isso nós fazemos ao formar os hábitos

alternativos listados na direita, que são a chave para a tranquilidade e

para levar uma vida feliz mesmo diante das adversidades. O mindfulness

é, dessa forma, uma resposta sã para os estresses da vida e as crises de

relacionamento. Observe como os hábitos listados na coluna da

esquerda, as texturas do ego neurótico, tanto esvaziam nosso poder de

encarar a realidade quanto inflam o poder da realidade sobre nós.

Interferências do ego neurótico Possibilidades saudáveis no mindfulness

Medo e postura defensiva. Cautela.

Ganância. Desejar só o necessário e compartilhar com os

outros.

Interpretação subjetiva. Mente aberta.

Julgamento, preconceito, culpa. Avaliação justa.

Censura. Abertura.

Fixação em um desfecho. Perseverança aos objetivos.

Controle. Cooperação.

Retaliação/represália. Busca fazer as pazes e perdoar.

Exigência. Pedido.

Expectativa (unilateral). Acordo (mútuo).

Análise. Contemplação.

Comparação ou avaliação baseada em Aceitação do que é da forma que é.

um modelo de perfeição.

Essas são as elaborações do ego Essas são as colaborações do ego saudável em um

disfuncional sozinho. relacionamento interpessoal.

Use a tabela para fazer um inventário sobre como você enxerga seu

par ou a questão que está enfrentando no momento. Note que a maioria

dos problemas ou sofrimento em um relacionamento é causada por uma

atitude ou crença que se origina a partir de um hábito no lado esquerdo


da tabela. Os itens listados no ego neurótico são aprendidos por meio de

condicionamento. O amor incondicional não sofre esse tipo de

interferência e por isso está diretamente relacionado ao mindfulness. É

uma liberdade das condições do ego.

prática do lojong (treinamento da mente) | Nosso ego diminui,

e todos se tornam nossos amigos valiosos quando seguimos os

ensinamentos lojong do budismo tibetano, desenvolvido no século XII

por Geshe Langri Tangpa para resumir os conceitos budistas. O ponto

central está contido nesta afirmação: “Sempre que os outros me

vilipendiam e me tratam de alguma forma injusta, que eu aceite esse

fracasso e ofereça a vitória para os outros.” Ao cultivar a compaixão e

superar a ilusão de um eu independente, podemos amar com humildade.

As implicações desse ensinamento nobre para se relacionar de forma

íntima ficam muito claras quando percebemos que o amor se preocupa

com o outro, que não existe hierarquia e que ele não insiste em

autonomia individual nem comemora a autodefesa.

Veja a seguir um resumo dos ensinamentos do lojong. Leia-o todos

os dias, em voz alta, com pausas meditativas:

Que eu considere todos os seres preciosos.

Que eu sempre respeite os outros como superiores enquanto

mantenho minha autoestima.

Que eu encare minha escuridão interior e a transforme em

algo bom.

Que eu me emocione com compaixão pelo sofrimento

subjacente à raiva que os outros podem demonstrar em relação

a mim.

Que eu considere aqueles que me traem como professores

sagrados.

Que eu ofereça alegria a todos os seres e que em silêncio

absorva a razão de seus sofrimentos.


Que todos os seres e eu possamos ser livres das preocupações

do ego em relação a ganhos e perdas.

o sim incondicional | Considere cada uma das cinco condições da

existência listadas na seção “Aceitar as coisas que não podemos mudar”,

anteriormente neste capítulo, e as acrescente às suas, escrevendo

exemplos próprios para cada uma delas. Em seguida, reconheça cada

uma desta forma: “Sim, isso aconteceu, e a isso ofereço minha atenção,

meu apreço, minha aceitação, meu afeto e permito que isso seja o que é.

Sou grato pelo crescimento obtido com essa experiência. Tenho

compaixão por aqueles que hoje estão enfrentando a mesma coisa. Que

todos os seres encontrem a felicidade na vida como ela é.”

Em seguida, escreva ou diga em voz alta: “Leva muito tempo para

entender; todas essas condições se aplicam a mim. Sem exceção, sem

tratamento especial. Seja lá o que possa acontecer com alguém, essa

coisa também pode acontecer comigo. Sou totalmente vulnerável a todas

as condições da existência o tempo todo, não importa a minha bondade

nem para onde eu vá. Entender isso me liberta da ilusão e da crença de

merecimento. Dizer sim às condições da existência me liberta. Eu as

encaro sem as condições do ego inflado!” As condições do ego inflado

se referem ao ego baseado no medo, fixado arrogantemente à

necessidade de estar sempre certo e de controlar os outros, acreditando

que merece ter um tratamento especial do ser amado e de todas as

pessoas e, até mesmo, do destino.

Quando vejo que não sou nada, isso é sabedoria. Quando

vejo que sou tudo, isso é amor. Minha vida é um movimento

entre essas duas coisas.

— Nisargadatta Maharaj
8 | NOSSO COMPROMETIMENTO E
COMO APROFUNDÁ-LO
“Como posso amá-la mais?”

— A última pergunta do marido de Laura Huxley para ela,

enquanto morria, citação do livro This Timeless Moment

ao voltar para casa depois da jornada heroica, a pessoa demonstra

que atingiu uma consciência superior à que tinha antes de começar, em

relação tanto a si mesma quanto ao mundo. Voltar para casa, nesse caso,

é uma metáfora para a percepção de que tudo de que precisamos existe

dentro de nós e no coração daqueles à nossa volta. Sentir a necessidade

de ter um relacionamento é, portanto, um instinto de volta para casa,

algo consistente com a intenção do universo.

Na fase culminante de um relacionamento, nosso amor não se limita

a uma pessoa, mas atinge o mundo todo. Podemos atingir a compaixão

universal por meio da experiência de amar alguém. Como? Com

comprometimento: dando e recebendo os cinco As, trabalhando nos

problemas e cumprindo os acordos. Fazer tudo isso dentro do nosso

relacionamento imediato nos amolece a ponto de conseguirmos fazer o

mesmo com os outros. O sucesso nesse relacionamento nos faz acreditar

que ele é possível em todos os lugares. Os obstáculos na nossa vida se

tornam pontes.

Mas o que exatamente acontece dentro de nós para que consigamos

nos abrir para o mundo? Em um relacionamento comprometido, enfim

nos livramos da insistência formidável do ego de estar sempre certo, de

conseguir as coisas do nosso jeito e de competir e ganhar. As discussões

podem continuar acontecendo, mas não se estendem muito, terminam


com uma resolução e envolvem menos reminiscências do passado.

Interpretamos o conteúdo discutido como informações em vez de grãos

para alimentar o moinho do ressentimento. Em vez de exigir que nossas

expectativas sejam satisfeitas, buscamos acordos. Podemos até brigar,

mas não deixamos de amar. Sendo assim, conseguimos lidar com o ego

do outro de forma mais leve. Deixamos de usar o poder um sobre o

outro e, em vez disso, buscamos formas de usar o poder para objetivos

comuns do relacionamento.

Nós começamos a notar uma falta de substância pitoresca, como o

“não eu” do budismo, nas atitudes que tomamos diante de conflitos. Não

conseguimos substanciar a afirmação de que nossa posição é tão

inegociável quando a compaixão e a sabedoria as recobrem por inteiro.

Nós olhamos com um pouco de diversão para o que antes parecia um

desafio tão grande e abrimos mão da nossa seriedade, enfim

reconhecendo isso como uma forma de sofrimento. Abriu-se um novo

caminho que leva à compaixão e à mudança, e não mais à culpa e à

vergonha.

Quando percebemos que somos capazes de fazer qualquer coisa, não

nos sentimos mais tão ameaçados pelo comportamento ofensivo dos

outros, assim a compaixão floresce. O comprometimento íntimo de um

adulto baseia-se no consentimento informado: “Conheço a arquitetura

do seu ego e os cantos não iluminados da sua sombra e me comprometo

com você com meus olhos bem abertos. A territorialidade e a

competitividade do ego estão se desprendendo dentro de mim. Antes, eu

queria te possuir para gratificar o meu ego. Agora abro mão do meu ego

para fortalecer nosso relacionamento.” A força irresistível do romance

dá lugar à escolha motivadora do verdadeiro comprometimento. É este o

momento para o casamento.

As duas pessoas que compõem o casal agora se aceitam como

perfeitos, mas da maneira como uma camiseta velha é perfeita. O amor

verdadeiro é diferente em cada fase de um relacionamento. Embora o

tronco de uma árvore fique diferente na primavera, no verão, no outono

e no inverno, ele nunca deixa de ser um tronco. Nós ofertamos os cinco


As de forma romântica na fase do romance; dramática, na fase de

conflitos; e serena e confiável, na fase do comprometimento (quando

também os oferecemos para o mundo). As práticas sugeridas neste livro

não se destinam apenas a tornar seu relacionamento melhor, mas

também a tornar todos os relacionamentos melhores.

Nossa jornada de relacionamento espelha nossa jornada criativa de

autorrealização. Nossos objetivos intrapessoais se tornam interpessoais e

depois transpessoais. As fases dos relacionamentos nos tiram de um

ideal de ego, passando por um ego e sua sombra, para um eu que, então,

transcende o ego e abraça o universo. Essa é a mesma sequência que

pode acontecer dentro de nós (não apenas entre nós). Pois, no reino dos

relacionamentos, somos capazes de descobrir o círculo da psicologia e

da espiritualidade que a tudo engloba.

Podemos ficar tão presos em nossa própria história, com todos os

seus conflitos do presente e do passado, que acabamos perdendo a

perspectiva. Dessa forma, não conseguimos entender o que Shakespeare

diz em Coriolano: “Existe um mundo em outro lugar.” Quando algo

além do nosso passado e nosso relacionamento nos absorve e nos anima,

nós nos abrimos para novos potenciais no mundo e em nosso interior.

Nós nos livramos do passado para criar o futuro. Juntos, nos engajamos

em coisas como: causas sociais, preocupações familiares, serviços

sociais, carreira, religião, entre outros empreendimentos que mudam o

mundo. Nenhuma transformação é totalmente pessoal porque a bondade

é algo que sempre se difunde. Nossa parceria se expande para abranger o

mundo inteiro e contribuímos para a evolução planetária. O objetivo

inicial — sair de um lar para criar um lar — torna-se um objetivo mais

geral: tornar o mundo o lar de todos. Quando assumimos o compromisso

de oferecer os cinco As ao nosso par, também nos tornamos portadores

e provedores dessas cinco dádivas de amor para o mundo inteiro.

O QUE DIZ O AMOR

“Confio em uma energia viva dentro de nós e entre nós.”


Existe uma sabedoria inata e orgânica em nosso corpo. Essa sabedoria

conhece e acessa nosso potencial. Ela é homeostática, ou seja, qualquer

desequilíbrio que surja em nosso corpo e psique imediatamente lança

mão de um recurso interno para se corrigir. David Palmer, o fundador da

quiropraxia, chamou essa sabedoria de “inteligência inata” do corpo.

Com isso, ele se refere a um instinto em cada célula que promove o

equilíbrio, a cura e a regeneração. Mais tarde, ele se referiu a uma

“inteligência universal” no cosmos. Por fim, ele percebeu que essa

inteligência e nossa sabedoria corpórea são a mesma coisa. Isso é o

equivalente a dizer que nossa sabedoria corpórea é infinita e

infinitamente acessível, que o nosso âmago e o âmago do mundo são a

mesma coisa, assim como o âmago do divino.

Se mantivermos isso em mente, satisfaremos nossas necessidades,

porque os cinco As não são inadequações, e sim nossa força vital.

Confiar em nós mesmos é confiar que nossas necessidades e sentimentos

são precisamente o poder invencível que nos faz suportar a força total da

realidade, lidar com as condições da existência e responder de acordo.

Se fugimos da realidade ou tentamos disfarçá-la e deformá-la, nossa

energia vital se perde. Em essência, esse é o significado de baixa

autoestima, vitimização e carência infantil.

A energia vital tem, em cada um de nós, uma forma única. Por

exemplo, se eu nunca passei um tempo sozinho (sem meus pais ou

cuidador ou sem um par na minha vida), talvez nunca tenha encontrado

a minha vivacidade pessoal. (Vivacidade significa admitir os

sentimentos, e a confiança cresce quando demonstro e recebo

sentimentos.) Eu talvez nunca tenha me permitido experimentar meus

sentimentos mais profundos nem me sentir confortável com eles. Talvez

eu acredite que só é possível encontrar (ou manter) a minha própria

energia vital no contexto de um relacionamento. Esse sentimento de

necessidade pode ser um sinal de como perdi o contato comigo mesmo.

Outra forma de dizer isso poderia ser: “Evitei o surgimento do meu

verdadeiro eu ao sempre buscar ter alguém em minha vida. Uso os


relacionamentos para descobrir quem sou, o que significa que nunca vou

ter sucesso nisso.”

A energia vital faz com que confiemos cada vez mais em nós

mesmos. Uma pessoa com autoconfiança sabe que um relacionamento

saudável não tem a ver com confiar absolutamente no outro, porque

ninguém é confiável o tempo todo. Relacionamentos adultos se baseiam

na aceitação do fato de que todos os seres humanos são passíveis de

erro, e não em uma ideia rígida de confiança. O amor flexível e

incondicional é o que baliza a relação. Ele admite que fiquemos com

raiva diante de uma traição, mas nos deixa com amor suficiente para

que, diante de um pedido de desculpas genuíno, possamos perdoá-lo e

vê-lo realmente mudar.

Quando descobrimos os cinco As em alguém, confiamos nessa

pessoa e sentimos que ela nos apoia. E, quando somos capazes de

oferecer os cinco As, confiamos em nós mesmos. Confiar em alguém é

permitir que essa pessoa nos ame, lidar com as falhas dela e fazer as

duas coisas sem medo. Fazer isso é uma árdua tarefa adulta: confio em

mim para receber seu amor e sua lealdade quando você é amoroso e leal.

Confio em mim para confrontar e lidar com suas traições, sem permitir

que você se safe, mas sem me afastar de você por causa delas, a não ser

que você se recuse a mudar. Confiar em nossa energia vital é não mais

precisar dos outros para nos proteger dos nossos sentimentos e do

impacto da nossa experiência: “Seja bom para mim e nunca faça nada

para me magoar ou me decepcionar para que eu nunca precise me sentir

mal.” Será que quero um relacionamento de adulto para adulto ou quero

um porto seguro para me proteger das diversas marés da intimidade?

“Dou e recebo os cinco As.”

Dar e receber na intimidade reflete um processo dual observado em

grande parte das áreas da vida. Por exemplo, nosso corpo sobrevive

tanto por inspirar oxigênio quanto por expirar gás carbônico. As células

são porosas para permitir a entrada dos nutrientes e excretar os dejetos.


Nós nos comunicamos através da fala e da audição. Espiritualmente,

recebemos dons e damos amor. Até mesmo ler este livro significa

absorver as palavras e ideias e colocá-las em prática no mundo!

O que damos e recebemos em um relacionamento íntimo corresponde

exatamente às nossas primeiras necessidades e práticas espirituais

adultas, ou seja, aos cinco As. Damos e recebemos o mesmo tipo de

amor que instintivamente pedíamos na infância. A diferença é que agora

enxergamos isso como um dom enriquecido, desejado em vez de pedido.

Hoje, isso nos ajuda a aumentar a autoestima, assim como foi necessário

para estabelecer o conceito de “eu” no início da vida.

Mas como exatamente damos e recebemos? A primeira forma é uma

técnica bem simples/difícil: peça o que você quer e ouça o que o seu par

vai responder. Pedir o que se quer combina os elementos mais cruciais

da intimidade, pois dá ao outro a dádiva de conhecer você e, assim,

conhecer suas necessidades e vulnerabilidades. Também significa

receber uma resposta livre do outro. As duas coisas são arriscadas e,

dessa forma, torna ambos mais maduros. Você aprende a abrir mão da

insistência diante do sim, a ser vulnerável diante do não e a aceitá-lo

sem sentir a necessidade de retaliar.

Ouvir intimamente um par pedindo o que deseja é entender o

sentimento e a necessidade subjacentes ao pedido. É entender de onde o

pedido vem. É sentir compaixão por qualquer sofrimento que possa

pairar sobre o pedido. É dar ao outro o crédito por arriscar uma rejeição

ou um desentendimento. Nós ouvimos com os ouvidos; ouvimos com

nossa intuição e com nosso coração. Dar e receber implica a capacidade

de acomodar o espectro total dos medos e das fraquezas de um par e

distinguir entre as necessidades que podemos ou não esperar que sejam

satisfeitas.

A segunda forma como adultos íntimos dão e recebem é através do

sexo consensual e sedutor: acontece quando os dois querem, não por

insistência de um ou outro. O par é capaz de ser íntimo sem

necessariamente envolver algo sexual. Vocês sabem como se divertir


juntos e sabem fazer isso sem se magoar, sem usar o sarcasmo ou o

deboche, sem rir dos problemas do outro.

Nós damos e recebemos ao garantir igualdade, liberdade da

hierarquia para o nosso par e para nós. Só o ego saudável, e não outra

pessoa, deve reger sua vida. Na verdadeira intimidade, os pares têm uma

voz igual na tomada de decisão. Um par não insiste em dominar o outro.

Com certeza, alguns casais escolhem experimentar a

submissão/dominância no sexo. Isso pode ser uma forma de representar

(já que envolve papéis) e, quando mútua, pode ser uma escolha saudável.

Mas, se isso assume uma dimensão compulsiva ou violenta, pode ser

uma reencenação de um abuso ocorrido na infância. Qual é a diferença

entre um estilo erótico submisso e uma baixa autoestima ou um

relacionamento sem limites? A submissão/dominância é um jogo erótico

intencional e consensualmente escolhido. Não se trata de uma rotina que

o casal estabelece de forma automática ou quando um dos pares exige

precedência sobre as necessidades do outro. É algo voluntário, e não

involuntário. É divertido, e não assustador. Transforma, e não deforma, o

amor e o respeito, expandindo os limites da autodescoberta, em vez de

diminuí-los. Um jogo saudável de submissão/dominância não é uma

forma de se ter poder sobre o outro, mas uma forma de representar as

inclinações que existem dentro de todos nós, mas que talvez nunca

tenhamos considerado expressão legítima. Desde que não seja algo

abusivo, essa dinâmica pode aprimorar o relacionamento e ensinar ao

casal sobre autoconhecimento, os próprios egos, limites e partes não

descobertas da identidade de cada um.

Por fim, adultos lidam com o fato de que as realizações são

temporárias e até mesmo momentâneas. À medida que amadurecemos,

aceitamos o fato de que só temos momentos nos quais os cinco As nos

são dados de forma perfeita. Tudo que importa é que eles venham para

nós de forma boa o suficiente e com mais frequência. São poucos os

momentos nos quais a felicidade é perfeitamente nossa. Do mesmo

modo, temos apenas momentos nos quais o amor incondicional é

perfeitamente dado ou recebido. Ainda assim, recebemos esses


momentos como sustentáveis e suficientes. Quando enfim nos curvamos

para a impermanência que caracteriza a existência humana, paramos de

procurar, pedir e manipular para conseguir estabilidade e perfeição. Em

vez disso, somos imensamente gratos por nossos pequenos momentos de

felicidade e eles bastam. Entretanto, ninguém pode nos culpar por nos

perguntarmos o porquê e por desejarmos mais. Nossa psique foi

construída com uma alegria complexa que desafia a lógica. É necessário

humor e uma profundidade corajosa para entender tudo isso e seguir a

longa e misteriosa estrada rumo à completude. Como seres intrépidos

que somos, não hesitamos nem por um momento.

“Valorizo mais você do que os cinco As.”

Manter um relacionamento quando as necessidades não estão sendo

satisfeitas significa valorizar o par por ser quem é, estejamos recebendo

ou não os cinco As de forma contínua. Significa que tudo bem para

você, e vice-versa, que um de vocês se sinta fraco ou carente ou não

esteja disponível às vezes. Ainda assim, se isso acontecer com muita

frequência, ou seja, se seu par é dependente químico, por exemplo, você

tem um problema para resolver: será que sou um par ou um cuidador?

Cada parte de um casal amoroso tem a responsabilidade de buscar a

ajuda necessária para que possa fornecer os cinco As.

Embora seja útil falar de forma honesta quando uma das pessoas do

casal é dependente químico, não adianta ficar insistindo para que ela

pare. A melhor abordagem parece ser lidar com a verdade e oferecer

apoio para que a pessoa busque um programa de recuperação. Se ela se

recusar, a regra é mostrar, e não falar. Um usuário que recusa ajuda está

basicamente se matando, e a resposta adequada para isso é o luto. Dizer

“Estou começando o meu processo de luto por você” é mostrar a sua

verdade, e não dizer a ela a verdade dela. É uma resposta brutalmente

adulta para os fatos em questão. “Se eu sou alcoólico, não consigo

cumprir a minha parte em nosso contrato; não consigo oferecer nem

mesmo um cuidado moderado a você, muito menos me concentrar em


você. Se eu recuso ajuda, mesmo depois que você me confronta, estou

escolhendo me afastar cada vez mais. Isso sugere que você talvez dê o

próximo passo possível, como participar de reuniões do Al-Anon

(formado por companheiros e companheiras de alcoólicos e dependentes

químicos).

Há uma linha tênue entre a escolha imatura de ficar com alguém que

não satisfaz nossas necessidades e a escolha madura de tolerar a situação

apenas por um tempo. Uma pessoa saudável reconhece a diferença entre

ocasional/circunstancial e constante/certo. Quando toleramos um padrão

geral de negatividade ou uma relação com praticamente nenhuma

satisfação nem felicidade, estamos nos desrespeitando. No entanto,

quando toleramos períodos ocasionais de deficiência, estamos

respeitando nosso comprometimento. Na verdade, como o crescimento

adulto inclui o luto por perdas e mudanças, sempre haverá períodos em

que um ou ambos os pares estarão tristes, com raiva, deprimidos ou com

medo e, dessa forma, serão incapazes de se concentrarem totalmente no

outro. Reconhecer que às vezes alguém cumpre com as obrigações e às

vezes não e respeitar os sofrimentos e os desafios da psique do outro é

uma forma de tolerância que nos prepara para a compaixão espiritual:

“Abro uma exceção para isso porque sei ou imagino como você deve

estar se sentindo.”

UM VÍNCULO DURADOURO

Essencial significa necessário, como no sintagma “um ingrediente

essencial”. Nesta seção, vamos usar a palavra em seu sentido filosófico,

o qual é intrínseco e permanente, o que permanece igual. Existencial,

para os objetivos desta discussão, significa aqui e agora, experimental, o

que está sempre mudando. O essencial é uma constante; o existencial é

uma variável. O essencial não responde ao tempo, ao comportamento

nem à atitude. É incondicional. O existencial é o que se altera de acordo

com escolhas e comportamentos. É condicional. Veja a seguir um

exemplo da diferença. Eu tenho um vínculo essencial com a minha mãe,


do tipo criança-cuidador. Não importa o que aconteça com ela ou

comigo, não importa se nosso relacionamento é próximo ou distante,

pois nosso vínculo como duas pessoas com grau de parentesco do tipo

mãe-filho perdura. Mesmo quando ela morrer, continuo sendo filho dela.

A forma que o vínculo assume, a forma como o vínculo se manifesta em

nosso relacionamento diário, descreve nosso existencial, ou seja, nosso

comprometimento diário um com o outro. Nosso vínculo essencial é

nossa consanguinidade; demonstramos nosso vínculo existencial por

meio de nossos sentimentos e ações.

As pessoas que se amam têm um vínculo essencial. O

comprometimento é demonstrado pela forma como agem um com o

outro no dia a dia. Um vínculo essencial em um relacionamento pode,

dessa forma, continuar depois de um divórcio ou da morte. É um amor

incondicional que pode ser desmantelado, mas nunca demolido.

Manifestamos nosso vínculo essencial ao assumir um comprometimento

existencial, uma escolha continuamente renovada de demonstrar amor,

de estar disposto a abordar, processar e resolver conflitos, e ser fiel.

Desse modo, quando uma pessoa nova e mais atraente aparecer, vamos

considerar isso uma informação, e não uma permissão para ir embora.

A nova pessoa não pode interromper o vínculo nem o

comprometimento.

Um adulto saudável ama sem restrições, estabelece um vínculo

essencial, mas não assume um comprometimento sem reservas. Pode

decidir a extensão e a duração do comprometimento. Se não fosse assim,

o comprometimento significaria submissão, ausência de limites e de

jornada. Uma determinação obstinada não é um comprometimento,

assim como não são o casamento e a coabitação.

Um adulto assume um comprometimento com outra pessoa com

quem as coisas estão indo bem e podem melhorar. Ele retira esse

comprometimento quando as coisas deixam de ter como melhorar.

Diferentemente de um compromisso, um juramento é uma promessa

para continuar apegado à relação, esteja ela funcionando ou não, seja ela

passível de melhorar ou não. Em outras palavras, o vínculo essencial se


torna tudo que importa, e não o comprometimento diário existencial que

deveria lhe dar suporte. Como o objetivo de um relacionamento é a

felicidade humana, não a conservação de uma instituição como o

casamento, o comprometimento é razoável e os juramentos são

perigosos. Numa relação, deve haver comprometimento com o

aperfeiçoamento. Diferentemente das promessas, que estão

comprometidas com o tempo (“Até que a morte nos separe”) e que

podem ser tentativas sutis de nos isentar de fatos dolorosos dos

relacionamentos humanos: “Meu par pode me trair, me machucar ou me

deixar, mas suas promessas me protegem de tudo isso.”

Muitas vezes permanecemos em um relacionamento que não está

funcionado porque queremos cumprir a promessa e ser “uma pessoa de

palavra”. Então, quando ele para de funcionar para um ou outro,

ninguém pode deixá-lo porque a culpa os mantém presos.

Nosso erro está na formulação da promessa. Prometemos de forma

incondicional, quando deveria ser condicional à possibilidade existente

no relacionamento. Como adultos, percebemos que promessas e planos

nada mais são que desejos, e eles nem sempre se tornam realidade.

Promessas certamente não constituem as leis que regem o

funcionamento dos relacionamentos.

A intimidade se torna completa quando um vínculo essencial é

energizado por um comprometimento existencial. Isso implica uma série

de acordos cumpridos e obstáculos superados, os dois principais

componentes de um comprometimento adulto. Os adultos podem

continuar amando o par de forma incondicional, mas precisam se retirar

do relacionamento caso ele não seja mais passível de ser trabalhado. É

preciso pensar: “Eu amo você incondicionalmente, mas não posso mais

viver ao seu lado.” Aqui, a distinção entre vínculo essencial e

comprometimento existencial fica bem clara: o vínculo de amor continua

independentemente dos acontecimentos, ao passo que o compromisso do

dia a dia é totalmente condicionado por eles. Um adulto combina o amor

incondicional com o comprometimento condicional. Fazer isso é

transformar em vínculo saudável o que pode estar sendo uma algema


tóxica. Os pais sentem um amor incondicional e assumem um

comprometimento incondicional com um filho. Um adulto tem um amor

incondicional e assume um comprometimento condicional com seu par.

O amor incondicional é uma vitória espiritual, uma vez que, na

verdade, significa que não é condicionado por medo, fixação, controle

ou crença de merecimento do ego. Nós demonstramos amor

incondicional para aquilo que não tem condições, para a bondade básica

dos outros, para a alma do eu. Demonstramos amor condicional pelo

que tem condições, a personalidade multiforme do ego.

Dizer “Posso amá-lo e deixá-lo” é tão saudável quanto dizer “Posso

temer algo e mesmo assim fazer isso”. Na codependência, quanto menos

recebemos dos cinco As, mais ofertamos dos cinco As, esperando que

isso faça o outro nos amar mais. Como não nos sentimos amados o

suficiente, acreditamos que talvez não estejamos dando o suficiente.

Estamos tentando suprir a relação por meio da entrega apenas, em vez

de uma troca igualitária. O único resultado é a culpa.

Uma observação engraçada, mas preocupante: na teoria da relação

dos objetos, os elementos virtuosos da intimidade descritos nas seções

anteriores supostamente estão em pleno funcionamento antes de

completarmos três anos de idade!

Prática

manter contato de forma intacta | Em seu caderno ou

diretamente, faça as perguntas a seguir ao seu par. Será que me sinto

desafiado em vez de ameaçado pelas suas reações a mim? Será que

consigo enxergar sua raiva e não sentir o mesmo por causa dela? Será

que consigo ver você deprimido e não ficar rabugento? Será que consigo

ver você sentir qualquer coisa e não ser tomado pelo medo dos seus

sentimentos a ponto de não conseguir responder com os cinco As? Leia

o parágrafo a seguir sozinho e depois para o seu par:


Peço a você que honre meu âmago sensível, que não exponho

por aí como um estandarte. Para encontrá-lo, você terá que

empreender uma busca cuidadosa, sabendo que se revela

apenas para aqueles dispostos a fazê-lo com gentileza. É

preciso fazer uso dos cinco As: atenção, apreço, aceitação,

afeto e admissão para que eu seja eu mesmo e para que você

tenha o direito de acessar minhas necessidades, meus valores e

meus desejos mais profundos. Posso ser como uma margarida,

que revela tudo indiscriminadamente correndo o risco de ser

despedaçada, ou como a peônia, que esconde seu âmago de

todos, mas o compartilha generosamente com a abelha

corajosa que se atreve a mergulhar em suas profundezas para

tocar o néctar.

processar o medo de oferecer e receber | Veja os dois

parágrafos a seguir; um descrevendo o medo de dar, e o outro, o medo

de receber. Qual dos dois se aplica a você? Caso se identifique com um

deles, leia-o em voz alta para o seu par. Comprometa-se a agir como se

estivesse cada vez com menos medo. Peça ao seu par que o ajude nesse

processo.

Meu medo de oferecer: Quando ofereço, posso sair perdendo.

Quando ofereço, você pode querer mais e mais até me deixar

sem nada. Posso contar algumas coisas a meu respeito, mas

não vou mostrar os meus sentimentos; sempre escondo

alguma coisa. Eu fecho os olhos quando fazemos amor para

que você não veja minha alma assustada. Escuto seus

conselhos sem muita atenção, para nunca ter a chance de me

encontrar com aqueles estranhos perigosos: seus sentimentos,

suas mágoas, suas necessidades, seus olhos. Quero viver no

topo do nosso amor, dividindo aquilo do que posso abrir mão

com segurança: meu coração muito assustado, frugal e

protegido.
Meu medo de receber: Evito contato visual, pois você pode

enxergar meu âmago. Não gosto de ser surpreendido nem de

receber presentes. Isso significa aceitar algo que você escolheu

me dar, o que me assusta porque significa que eu não estou no

controle. E, se ganho um presente, preciso me certificar de lhe

dar algo de igual valor. Por isso, continuo sendo exigente e

difícil de agradar. Fico tenso quando você me abraça; é mais

seguro sexualizar o toque. Não consigo ser parceiro sexual e

amigo ao mesmo tempo. Nunca serei capaz de revelar minhas

necessidades para você, só minhas motivações. Eu me sinto

sufocado pelo seu abraço de apoio. Mantenho-me

autossuficiente. Nunca admito que preciso da sua ajuda; sou

sempre eu quem cuida de você, nunca me coloco à mercê do

seu amor. Minha autossuficiência é, dessa forma, um

mecanismo de proteção. Eu temo depender de você, já que a

dependência envolve proximidade. Rígido, tenso, fechado e

armado com meu ego, não permito o apreço nem a crítica

construtiva. Insisto na perfeição antes de me comprometer

com você, e continuo me sentindo atraído por pessoas mais

jovens e “perfeitas”. Você talvez tenha notado que, depois

daquele jantar, eu logo me levantei para limpar tudo. Ou para

assistir a um jogo, usar o computador, fumar um cigarro. Sem

a ocupação da comida, talvez eu tivesse que ficar ali sentado,

sendo alvo do seu olhar. Talvez nós tivéssemos ficado ali,

olhando um para o outro por muito tempo e com atenção

demais. Mas, apesar de tudo isso, faço questão de receber seu

amor e atenção irrestritos.

Prestar atenção nesses aspectos do comportamento significa

considerá-los como informações, sem culpar os outros nem sentir

vergonha de si mesmo. O mindfulness é dar os cinco As dentro da

realidade e das limitações de sua vida e personalidade: esteja atento a

essas coisas, aprecie-as, admita-as, sinta afeto por elas e aceite-as como
são. Sente-se em um lugar tranquilo e preste atenção à sua respiração.

Um por um, use os cinco As para abordar o medo de oferecer e receber.

compartilhar no trabalho | Os cinco As podem levar à cooperação

e ao sentimento positivo entre pessoas que trabalham juntas. Eles são

especialmente potentes quando é a gerência quem dá para a equipe,

desde que eles sejam expressos de forma sincera e não como estratégias

para aumentar a produtividade — mesmo que esse seja o resultado

obtido. Dê atenção aos sentimentos e preocupações de seus colegas de

trabalho, aceite as dádivas e limitações deles, aprecie suas realizações e

dificuldades, demonstre afeto pessoal e permita a eles um alcance total

de responsabilidade enquanto expressa confiança e encorajamento.

Encontre formas de colocar essas sugestões em prática no trabalho, na

igreja ou em qualquer outro lugar fora de casa.

cuidar ou tomar conta? | Ser compassivo não significa tomar

conta. A compaixão respeita o potencial para o poder de ativação do eu

dos outros. Pergunte a si mesmo, em sua mente ou em seu

caderno/diário, em que situação você se encontra na tabela a seguir.

Considere a coluna da esquerda o seu programa de compaixão.

Cuidar Tomar conta

Apoia a outra pessoa para que esta faça Faz tudo para a outra pessoa: cultiva a

as coisas para si: cultiva a construção dependência.

de habilidades.

Vem da motivação de empoderar a Vem da crença de que a outra pessoa é impotente.

outra pessoa.

Tem a intenção de fazer uma Tem a intenção de manter o próprio envolvimento

contribuição. ou participação na vida da outra pessoa e depois

desiste.

Facilita que a outra pessoa se torne um Assume responsabilidades adultas e pode

adulto mais eficaz. infantilizar a outra pessoa.

Ensina uma habilidade para uso futuro. Executa uma habilidade e continua fazendo isso

no futuro.

Adapta-se à disposição da outra pessoa Impõe ajuda, tenha ela sido pedida ou não.

de receber ajuda.
Respeita os limites pessoais em relação Tem disposição para ultrapassar os limites

a como e quando ajudar: sabiamente pessoais para satisfazer as necessidades do outro:

condicional. altamente incondicional.

Responde de forma sincera às Pode ter como principal intenção a satisfação das

necessidades da outra pessoa. próprias necessidades.

É uma forma de respeito. Pode ser uma forma de controle.

avançar | Existe um ditado zen que diz: “Sendo esse o caso, como devo

proceder?” Essa pergunta extremamente adulta implica uma aceitação

da realidade como é e de um par como ele é, ou seja, de forma atenta.

Alternativas seriam “Sendo esse o caso, como você deve proceder?” ou

“De quem é a culpa?” ou “Espero que você mude” ou “Vou revidar”.

Dessa forma, é um ponto de virada em relação ao comprometimento

quando um par aceita o outro como ele é — por exemplo, como um

procrastinador — e, em vez de reclamar, procura dentro de si a resposta

para as perguntas: “Como devo proceder? Espero até que a pessoa vá se

arrumar ou busco uma forma de cuidar de mim e resolver minhas

preocupações usando meus próprios recursos?” Essa não é uma forma

de nos distanciar de um par, mas de assumir a responsabilidade por

nosso próprio comportamento ou situação. Isso nos dá poder porque nos

coloca em contato com nossa autoridade interior. Tente aplicar esse

ditado zen em seu relacionamento.

Como um extra, aprendi algo sobre isso com a voz do meu gps.

Quando não sigo as direções indicadas e erro o caminho, não importa se

o erro foi grave ou idiota, ela simplesmente diz “Recalculando a rota”,

em vez de “Como é que você conseguiu errar isso?”.

autoafirmar-se | Volte para qualquer frase neste livro que tenha

sublinhado ou copiado em seu caderno. Elas podem tê-lo impressionado

porque são as suas próprias verdades. Transforme cada uma delas em

uma afirmação ao dizê-las em primeira pessoa, no presente, de forma

positiva, e como algo que já é verdade para você. Por exemplo, a frase

“Um comprometimento adulto é um empreendimento totalmente

verdadeiro de amor contínuo” pode se tornar “Eu me comprometo


comigo mesmo a ser verdadeiro no amor que dou”. A frase “O medo

deve receber os cinco As porque é parte de você; ele contém sabedoria e

um objetivo” pode se tornar “Encontro sabedoria e objetivos nos meus

medos quando presto atenção neles, aceito-os, tenho apreço por eles,

admito que existem e trato meu eu amedrontado com afeto”.

distinguir o presente do passado | Responda em seu caderno às

perguntas a seguir e depois transforme o que escreveu em uma carta

para o seu par: Você sente um vínculo essencial entre você e o seu par e

o acompanha com um comprometimento diário existencial? Que formas

esse comprometimento assume? Faça as mesmas perguntas em relação

aos seus pais ou cuidadores e como estes trataram você em sua infância.

Seu comportamento presente em seu relacionamento adulto é uma

resposta à sua experiência original com seus pais ou cuidadores? Você

está tentando refazer ou desfazer o passado? O que impede você de

abordar, processar e resolver tudo isso na terapia em vez de representar

isso em seu relacionamento?

A única coisa que evita que continuemos fazendo essa representação

é um plano para mudar. Fazer e executar esse plano pode parecer quase

impossível, mas é para isso que serve a prática. Tanto a saúde espiritual

quanto a psicológica exigem apenas a prática, não a perfeição. Poucos de

nós se sentem inteiros, exceto em alguns momentos. Da mesma forma,

poucos alpinistas chegam ao topo do Everest, mas isso não significa que

ninguém pode chegar lá. O Everest na psique é o amor, e o ego é

perfeitamente capaz de chegar lá. Só precisa morrer e ressuscitar.

formas de mostrar integridade e amor | Meu par, ou par em

potencial, e eu podemos contemplar a lista a seguir de

comprometimentos para a integridade e o amor. Podemos usá-la como

prática, um item de cada vez, cada qual pelo tempo necessário para

torná-lo parte de nossa vida. Eles se aplicam em três direções: na nossa,

na dos outros e na do mundo. E podem constituir nossos padrões éticos

para vivê-los pessoalmente, nossas regras de relacionamento com nosso


par, família, amigos, colegas de trabalho, e o cuidado que temos com o

mundo mais amplo. Nós não esperamos para ver se os outros estão

fazendo igual. Os itens estão escritos em primeira pessoa, de modo que

podemos tratá-los como afirmativas de nossos ideais, não importando

como os outros agem.

Tenho trabalhado nessas práticas ao longo dos anos e sempre as

atualizo à medida que encontro pessoas admiráveis que as exibiram e

enquanto eu mesmo as pratico. Eu as dividi em três seções: padrões

pessoais, diretrizes de relacionamento e alcance universal.

Um bom sinal de que alguém está pronto para um relacionamento

íntimo saudável é seu comprometimento com esses padrões,

principalmente se eles já estavam em prática mesmo antes de vocês se

conhecerem.

Eu, no meu melhor: padrões pessoais

Aqui estão algumas práticas de integridade com base em valores

humanísticos e espirituais. Elas nos ajudam a nos tornarmos amorosos

em relação a nós mesmos, uma característica essencial da benevolência.

Também são virtudes, os blocos de construção do valor e do respeito

próprio, da completude e da boa saúde:

Estou cuidando do meu corpo ao levar um estilo de vida

saudável. Estou cuidando da minha mente e do meu espírito

com trabalho psicológico em mim quando preciso e também

com fé nas práticas espirituais.

Eu me esforço para cumprir minha palavra, honrar meus

compromissos e faço as tarefas que concordei em fazer.

Eu me esforço ao máximo para agir de acordo com meus

padrões de honestidade, justiça e respeito pela diversidade em

todas as minhas relações, não importando como os outros

ajam em relação a mim.


Não me aproveito da fraqueza, da carência, da falta de

sorte, das fixações, nem mesmo quando a pessoa parece me

idealizar.

Se estou em uma posição de poder ou de autoridade, não

abuso disso nem me deixo corromper. Minha pergunta não é

“Do que posso me safar?”, mas “O que é o certo a fazer para

todos os envolvidos?”.

Sempre examino minha consciência de forma sincera e

verdadeira. Faço inventário das minhas ações, buscando não

apenas as formas como posso ter ferido os outros, mas

também como posso ter deixado passar formas de ativar meus

potenciais ou compartilhar meus dons; como ainda posso estar

apegado a preconceitos ou à necessidade de revidar; como

talvez eu ainda não seja tão amoroso, inclusivo e aberto quanto

eu poderia ser.

Agora meço meu sucesso pela quantidade de amor que dou

e não por quanto tenho na minha conta bancária, pelo quanto

recebi por um negócio, por qual status conquistei ou quanto

poder tenho em relação aos outros. O foco central e mais

estimulante da minha vida é demonstrar meu amor no meu

estilo único, de todas as formas que posso, aqui e agora,

sempre e em todos os lugares, sem excluir ninguém.

Estou abandonando a necessidade de manter as aparências

ou de projetar uma autoimagem falsa ou ostensivamente

impressionante. Agora quero parecer como sou, sem

fingimento, não importando que a imagem seja ruim. A alegria

da transparência se tornou mais valiosa para mim do que

causar a impressão “certa”.

Aprecio um feedback positivo. Também recebo bem

qualquer crítica construtiva que me mostra onde talvez esteja

sendo menos carinhoso, tolerante e aberto do que posso ser.

Quando mostram que estou sendo hipócrita, mesquinho ou


não autêntico, não assumo uma postura defensiva, mas recebo

bem a informação a respeito de onde preciso trabalhar.

Não estou tentando me relacionar com pessoas para cair

nas boas graças delas. Ser amado por quem sou se tornou mais

importante e mais interessante do que manter ou avançar no

status sempre inseguro do meu ego.

Comecei a aceitar que o medo é um fato da vida, pelo

menos para mim. Mas tem uma coisa com a qual posso me

comprometer: não vou permitir que o medo me impeça de

fazer o que preciso fazer nem que me motive a fazer o que não

quero.

Posso conhecer ou ficar sabendo de alguém que sabe mais

do que eu, tem mais talento ou mais sucesso. Estou

abandonando a inveja e a rivalidade. Agora, me vejo

admirando a pessoa e tentando aprender com ela. Aceito o fato

de que as pessoas têm dons diferentes e em quantidades

diferentes. À medida que deixo a inveja que divide e abro

espaço para a admiração que conecta, sinto uma ligação com

todos os meus companheiros humanos, uma verdadeira

alegria.

Quando digo sim para a realidade de quem sou, com

orgulho dos meus dons e consciência real dos meus limites,

noto que posso me amar e que também me tornei mais digno

de amor.

Compreendo que todo amor e toda sabedoria que tenho não

vêm de mim, mas através de mim. Agradeço por todas as

dádivas encorajadoras e digo sim ao chamado emocionante de

realizar o potencial pleno de cada uma delas.

Esses ideais estão se tornando meus padrões pessoais.

Confio neles como vias para a maturidade psicológica e

espiritual. Já noto como estão aumentando minha autoestima.

Gosto mais de mim quando sigo ideais assim e sei que estou

no caminho para me tornar um ser humano melhor.


Noto que cada comprometimento nessa lista resulta em um

empoderamento. Sinto-me mais forte, mais seguro de mim,

mais à vontade no mundo, mais capaz de lidar com qualquer

coisa que apareça no meu caminho. Tudo parece mais leve

também. Virginia Woolf descreveu isso no romance As ondas:

“A cada mês que passa, as coisas estão perdendo solidez; até

mesmo meu corpo deixa a luz atravessá-lo.”

Não sou duro comigo mesmo quando não consigo alcançar

esses ideais, apenas continuo praticando com dedicação. A

sinceridade da minha intenção e da minha dedicação ao

esforço contínuo parece ser o equivalente ao sucesso. Consigo

sentir que estou abandonando o perfeccionismo e a culpa por

não ser perfeito.

Eu com os outros: as diretrizes que honro.

O segundo conjunto de práticas nos leva a aprimorar a forma como nos

relacionamos. Estamos vivendo nossa prática de benevolência. Estamos

nos abrindo para a forma como os outros nos veem, dando a eles uma

experiência de calor humano e respeito. Nossos relacionamentos íntimos

mostram um carinho incondicional comprometido com a conexão,

mesmo enquanto mantemos limites saudáveis e respeitamos os dos

outros:

Aprecio a forma como os outros me amam, não

importando que esta seja limitada. Estou abandonando as

expectativas ou exigências de que me amem como desejo ser

amado. Ao mesmo tempo, posso sempre pedir o tipo de amor

que desejo.

Estou aprendendo a amar os outros quando eles mostram

que são confiáveis e, ao mesmo tempo, também me

comprometo a ser confiável independentemente do que os

outros façam.
Depois de um conflito, permaneço aberto a uma

reconciliação. Ao mesmo tempo, estou aprendendo a abrir

mão, com carinho e sem culpa, daqueles que demonstram que

não estão dispostos a se relacionar comigo de forma

respeitosa.

Aceito, sem julgamento, o fato de que ocasionalmente

alguém vai desaparecer, não responder ou me dar o tratamento

de silêncio. Posso, então, fazer uma tentativa de comunicação.

Se ainda assim não houver resposta, vou respeitar os limites

do outro e desistir sem culpa. Independentemente do que

acontecer, não vou usar estilos assim na minha vida.

Não admito que os julgamentos e as impressões dos outros

contaminem meus relacionamentos pessoais. Como uma

prática de mindfulness, eu me relaciono com as pessoas na

minha vida com base na minha própria experiência, não a

partir de fofocas. Peço a mesma coisa dos que são próximos:

“Você é o que é para mim por causa da experiência que

vivencio com você e peço que eu seja quem sou para você por

causa da experiência que vivencia comigo.”

Quando alguém da família de repente corta as relações

comigo, peço a chance de uma conversa para que eu possa

resolver o rompimento. Se a pessoa se recusar, respeito a

decisão e me mantenho à disposição para retomar a

comunicação. Quanto a mim, escolho não abandonar os

familiares que me ofenderam, assim como não me junto a

familiares que querem boicotar alguém. Diante de uma

rejeição familiar, lamento a situação e me mantenho aberto

para a reconciliação.

Estou aprendendo a ser assertivo ao perguntar do que

necessito ou o que quero. Peço sem fazer exigências, sem

expectativas, manipulação ou crença de merecimento.

Demonstro respeito ao tempo e às escolhas dos outros ao não

me ofender diante de uma negativa.


Respeito a liberdade dos outros, principalmente daqueles

que amo. Não vou me valer de aparência, discurso ou

inteligência para enganar ninguém. Quero que os outros

tenham o que desejam. Não estou tentando manipular nem

intimidar os outros para fazerem o que quero que façam.

Não magoo nem ofendo as pessoas de forma intencional.

Ajo com bondade para com todos, não para impressioná-los,

ganhar aprovação ou obrigá-los de alguma forma, mas porque

eu realmente sou uma pessoa bondosa ou estou trabalhando

para isso. Se os outros não agradecerem nem retribuírem

minha bondade, isso não me impede de continuar agindo de

forma amorosa. Quando não consigo fazer isso (ou cumprir

com nenhum dos meus compromissos), sou capaz de admitir,

fazer as pazes e decidir agir de forma diferente da próxima

vez. Agora, ficou mais fácil me desculpar e, quando

necessário, faço isso com mais boa vontade. Tenho o cuidado

de não acrescentar uma explicação ao meu pedido de

desculpas que tente justificar meu comportamento. Estou

ciente de que isso significa que estou dando permissão para

mim mesmo para repetir a ofensa.

Quando sou ferido, posso guardar isso para mim ou

reclamar bem alto! Posso pedir uma conversa. Posso pedir à

pessoa que peça desculpas, mas também consigo deixar o

assunto de lado quando as pessoas não estão tão abertas. Não

importa o que aconteça, jamais escolho me vingar, guardar

rancor, manter uma lista de erros ou odiar a pessoa. “Aqui se

faz, aqui se paga” se transformou em “Que o que aconteceu

possa ser uma lição de crescimento para todos os envolvidos”.

Desse modo, estou desejando a transformação dos outros em

vez de uma retaliação contra eles. Estou em busca de

reparação, não de vingança.

Noto que minha capacidade de perdoar os outros e a mim

mesmo está se expandindo cada vez mais. Quando perdoo os


outros, abandono as acusações, a má vontade e a necessidade

de vingança. Essa transformação pela dádiva parece uma

verdadeira libertação do ego.

Não permito que os outros abusem de mim. Quando são

duros comigo, prefiro acreditar que isso é fruto do próprio

sofrimento deles, uma forma confusa e triste de pedir por

conexão. Reconheço com preocupação, mas sem censura ou

escárnio.

Não me regozijo com o sofrimento e os fracassos dos que

me magoaram. “Bem feito para eles!” mudou para “Que isso

possa ajudá-los a evoluir”.

Percebo que eu, assim como todos os seres humanos, tenho

reprimido e desconsiderado algumas partes negativas e

positivas de mim. Estou encontrando formas de detectar esse

meu lado sombrio. Meu desprezo em relação a certos traços

negativos nos outros me faz perguntar se eu mesmo não os

tenho. Minha forte admiração pelas qualidades positivas nos

outros faz com que eu me lembre de procurá-las em mim.

Tenho senso de humor, mas não às custas dos outros.

Quero usar o humor para fazer graça das fraquezas humanas,

em especial das minhas. Não conto piadas racistas nem

preconceituosas, nem as ouço. Não faço comentários nem dou

respostas com ridicularização, deboche, depreciação,

zombaria, humilhação e sarcasmo. Quando os outros lançam

mão do humor ácido direcionado a mim, quero sentir o

sofrimento de nós dois e buscar formas de trazer mais respeito

mútuo em nossa comunicação.

Não faço pouco de ninguém. Não rio dos erros dos outros

nem de suas desgraças, mas procuro um meio de ser

compreensivo e dar apoio.

Não tento constranger ninguém fazendo com que essa

pessoa passe vergonha ou fique mal em público.


Não importa que eu esteja ocupado ou com pressa, escolho

sempre agir com paciência e atenção em relação aos outros,

em vez de ser grosseiro ou indiferente.

Estou praticando formas de expressar minha raiva contra a

injustiça de forma direta e não violenta, em vez de agir de

forma abusiva, intimidadora, ameaçadora, acusadora, fora de

controle, vingativa ou passiva.

Estar certo é algo com que me preocupo cada vez menos,

assim como insistir no meu ponto de vista em uma conversa

ou projeto em grupo. Sou mais apto agora a ouvir e apreciar a

contribuição dos outros, embora continue compartilhando

meus próprios pontos de vista em uma conversa colaborativa.

Quero que “estar certo” se transforme em “ouvir certo”, “falar

certo” e “fazer o certo”.

Noto como existem pessoas que são excluídas do grupo.

Em vez de me sentir reconfortado por ainda fazer parte do

grupo, principalmente ao me juntar a fofocas a respeito de

quem já saiu, quero sentir o sofrimento em ser um estranho.

Então, poderei estender a mão e incluir todo mundo no meu

círculo de amor, compaixão e respeito.

Numa situação em grupo, quando alguém é humilhado,

constrangido ou criticado, não quero me sentir feliz porque o

dedo acusador não está sendo apontado para mim. Quero

apoiar a vítima da agressão ao pedir que a conversa tenha um

tom respeitoso. Sei que defender a vítima pode fazer com que

o intimidador se volte contra mim, então estou sempre

trabalhando para fortalecer a minha coragem.

Quero ser leal a qualquer associação à qual eu pertença. Ao

mesmo tempo, sei que minha afiliação não impossibilita que

eu faça denúncias, se necessárias. Permaneço fiel à

organização, mas não para encobrir coisas erradas. Também

sei que tenho que me retirar se não me identificar mais com

sua missão.
Olho para outras pessoas e suas escolhas com

discernimento inteligente, mas sem julgamento ou censura.

Ainda sou capaz de notar as falhas dos outros e as minhas

próprias, mas agora estou começando a vê-las como fatos com

os quais preciso lidar, em vez de defeitos a serem criticados e

coisas pelas quais sinto vergonha. Aceitar os outros como são

se tornou mais importante para mim do que eles serem como

eu gostaria que fossem.

Evito criticar, interferir ou dar conselhos que não foram

solicitados de forma específica. Cuido de mim e me mantenho

afastado das pessoas que usam uma abordagem invasiva em

relação a mim, mas, ao mesmo tempo, eu as mantenho no meu

círculo espiritual de benevolência.

Estou disposto a participar de convenções e rituais sociais

inofensivos que nos deixam felizes; por exemplo, jantares de

família e aniversários. Se uma situação familiar ou social

começar a ficar tóxica, eu me afasto com educação.

Sou cada vez menos competitivo nos relacionamentos em

casa e no trabalho e encontro felicidade na cooperação e na

comunidade. Evito situações nas quais a minha vitória

significa que outros perderam de forma humilhante.

Nunca desisto de acreditar que todo mundo tem uma

bondade inata e que ser amado por mim pode contribuir para

trazer essa bondade para o mundo.

Comprometo-me com a transparência, a honra, a igualdade,

o cumprimento de acordos e o trabalho para resolver os

problemas, e ajo de forma amorosa e confiável.

Meu objetivo não é usar um relacionamento para gratificar

meu ego, mas expropriar o meu ego para gratificar o

relacionamento.

Quero que meu estilo sexual siga os mesmos padrões de

integridade e benevolência que se aplicam a todas as áreas de

minha vida. Cada vez mais, minha sexualidade expressa amor,


paixão e leveza. Também continuo comprometido com um

estilo adulto e responsável de me relacionar e aproveitar as

relações.

Eu no mundo: o alcance do meu abraço.

Nosso comprometimento com uma vida de integridade e amor agora se

abre para o mundo à nossa volta. Nós estamos nos tornando mais

conscientes acerca das necessidades das pessoas cada vez mais distantes,

pessoas que nunca vamos encontrar pessoalmente. Estamos nos

tornando cada vez mais conscientes das necessidades do nosso planeta.

Estamos nos tornando mais ativos na contribuição para o bem-estar dos

outros e do mundo. E mostramos tudo isso de acordo com nossos dons e

limites. Esse comprometimento com a universalização é a cereja do bolo

de uma vida de amor. Nós passamos do autocuidado para o cuidado com

o próximo e o cuidado além de todos os limites da família ou da Nação.

Sinto uma preocupação carinhosa pelo mundo à minha volta.

Procuro formas de trabalhar para a Justiça e me comprometo

com a não violência. Apoio a justiça restaurativa em vez da

retributiva. Sinto que sou chamado para agir em relação a

violações dos direitos humanos, preconceito, crimes de ódio,

violência com armas de fogo, genocídios, armamento nuclear,

injustiça econômica, mudança climática e exploração

ecológica. Respeito a diversidade e me dedico à equidade.

Continuo estudando e me informando acerca de todos esses

assuntos.

Confrontado com o sofrimento no mundo, não desvio o

olhar nem culpo Deus ou a humanidade, apenas pergunto: “O

que eu devo fazer? Qual é a oportunidade disso para a minha

prática de benevolência?”. Sempre encontro formas de

responder mesmo que minimamente: “É melhor acender uma

vela do que ficar praguejando contra a escuridão.”


Com a consciência planetária, caminho com cuidado na

Terra com a intenção que São Boaventura descreveu como

“uma cortesia em relação às coisas naturais”.

Continuo colocando a intenção, ou a oração, de que um dia

esses comprometimentos possam se tornar o estilo não apenas

de indivíduos, mas de grupos na comunidade mundial: no

mundo corporativo, político e religioso. Agora vejo a minha

própria participação funcionando, com a política ou a religião

como parte do meu comprometimento espiritual para cocriar

um mundo de justiça, paz e amor.

Que eu consiga mostrar todo o amor que tenho

de qualquer forma que eu consiga,

hoje e sempre,

para todos, inclusive eu mesmo,

já que amor é o que somos de verdade

e é isso que estamos aqui para compartilhar.

Agora nada importa mais para mim

nem me dá mais alegria.

Que todo o mundo possa se tornar

1
um coração sagrado de amor.

1 Como uma observação pessoal, compartilho com você as dez linhas de inspiração com as

quais dou início a cada dia. Elas me lembram do meu chamado humano: amar sem reservas, não

importa o que aconteça. Espero que você se junte a mim nessa prática. Sinta-se à vontade para

copiar a inspiração/oração e compartilhá-la com outras pessoas. Quem sabe, se todos os leitores

deste livro adotarem essa mensagem, haverá pelo menos algumas âncoras de luz e amor nesse

nosso mundo à deriva. Digo isso porque não vou deixar de acreditar que o amor pode tornar a

Terra o paraíso que ela foi destinada a ser.


9 | QUANDO O RELACIONAMENTO
CHEGA AO FIM
Nós nos conhecemos por meio de nossos

relacionamentos e como os terminamos.

— Sigmund Freud

não parece haver melhor forma de descobrir sobre o que de fato

era o relacionamento do que ao ver como ele termina e como nos

sentimos em relação a tal término. Todos os relacionamentos terminam,

alguns com uma separação, outros com divórcio, outros com a morte.

Isso significa que, ao entrar em um relacionamento, nós implicitamente

aceitamos que o outro vai nos deixar ou que nós vamos deixá-lo. O luto,

dessa forma, está incluído no que aceitamos. No entanto, o luto está

embutido em toda a nossa vida por causa dos términos, das mudanças,

das transições e das perdas.

O luto no fim de um relacionamento vem de não mais atender às

necessidades de alguém, especialmente os cinco As. Costumamos

pensar que só sentimos isso bem no fim, mas provavelmente também o

sentimos durante o relacionamento. No fim e depois do fim, lembramo-

nos do luto que sentimos durante o relacionamento, não apenas do que

sentimos no término. Talvez não tenhamos notado antes porque

estávamos criando filhos, planejando coisas juntos, transando, indo ao

cinema, tomando um drinque, pendurando cortinas. Ironicamente,

quanto pior o relacionamento era, pior será nosso luto. Isso acontece

porque, quando terminamos um relacionamento muito difícil, não

estamos só abrindo mão do nosso par, mas também de toda esperança

que tínhamos de que aquele relacionamento ia funcionar. Também temos


que admitir o fracasso de tentar manter vivo algo que já expirou. Nós

acreditamos, errônea e infelizmente, que aqueles cinco As existiam em

algum lugar em nosso par, e tudo que tínhamos que fazer era tentar

evocá-los e um dia os veríamos emergir. Agora finalmente temos que

admitir que esse dia nunca vai chegar.

No entanto, sentimos o sofrimento de forma ainda mais grave quando

tentamos resistir inutilmente a um término necessário. Esperar é a parte

dolorosa do processo de desistir. Do que desistimos? Bem, do que

achamos que o relacionamento era e descobrimos que não era, do que

tentamos torná-lo e não conseguimos, do que esperamos que se tornasse

e vimos que não se tornou, daquilo em que acreditávamos que estava lá,

mas cuja evidente existência nunca esteve lá. O elemento mais doloroso

do luto pode ser essa última compreensão de que o que queríamos ter

nem existia ali para termos. Como isso deve ser familiar, e

principalmente angustiante, se tivermos passado por algo semelhante na

infância. E podemos ver isso descrito na primeira linha de um poema de

Emily Dickinson: “Uma perda de algo que sempre senti.” Cresço quando

admito que o luto, a carência, a solidão e a ânsia do início da vida são

sentimentos que persistem na minha vida adulta. Aquela criança que

quer mais continua existindo em mim. É ela que me faz comprar

bolachas de chocolate quando passo no mercado com a intenção de só

comprar repolho.

É por isso que os passos do trabalho acerca do luto relacionado a

perdas da infância (consulte o apêndice) se aplicam também ao fim de

relacionamentos. Se temos sentimentos mais fortes depois de um

relacionamento do que vivenciamos enquanto estávamos nele, isso é um

sinal de que nosso luto está revivendo perdas passadas. Estamos de luto

por mais do que apenas esse término. Muitos términos ficam empilhados

dentro de nós, esperando pela chance de receber a atenção das nossas

lágrimas.

Durante um término sofrido e no meio de uma crise de infidelidade

ou traição, nossa prática espiritual e todo o nosso trabalho psicológico

podem não ser suficientes para restaurar a serenidade. Nossos


pensamentos obsessivos impedem que meditemos por muito tempo,

enquanto os insights psicológicos provam ser apenas paliativos. Isso não

reflete uma deficiência em nosso programa nem em nossa prática. É só

que nenhum desses dois trabalhos funcionam bem quando a adrenalina

está fluindo rápido demais. Se não apreciamos Mozart nem a Mona Lisa

neste momento, por exemplo, isso não significa que a arte é inútil. Todas

as apostas estão suspensas quando alguém em quem confiamos nos

machuca. Na desolação que se segue, o ego confronta seu verdadeiro

estado: frustrado, com medo, preso a uma fixação dolorosa, e impotente

para alterar o que os outros podem estar fazendo conosco. O herói

chegando a esse portal só pode dizer: “Este deve ser o lugar!” O ego está

pronto para se livrar de suas ilusões. Só existe uma opção razoável para

nós: desistir completamente. Isso exige uma disciplina imensa porque o

ego quer se afirmar e retomar o poder.

Ainda assim, nosso trabalho durante um término também é

imensamente simples: temos que testemunhar os eventos e os jogadores

em vez de ser os jogadores. Ou seja, nós deixamos os eventos se

desenrolarem e usamos o que nos resta para nos preparar para o que vem

em seguida. Haverá um próximo capítulo, por mais difícil que seja.

Quando a hora chega, a porta se abre sozinha. Acreditar nisso exige fé

na evolução.

Por fim, partir pode não ter a ver com querer sair do relacionamento.

Pode ter a ver com conseguir mais espaço ou sair do marasmo, em vez

de com um comentário sobre a adequação do par. Muitos

relacionamentos terminam quando os casais precisavam apenas de um

tempo.

SUPERAR COM ELEGÂNCIA

No primeiro dia, chorei e solucei de forma incontrolável, não

consegui sair para trabalhar. No segundo dia, senti-me tão

deprimido e chorei tanto que não consegui sair para trabalhar.


No terceiro dia, chorei e consegui trabalhar pela metade do

dia. Agora estou fazendo hora extra.

No início chorei: “Ela me abandonou!” Depois, lamentei: “Ela

me deixou!” Hoje eu disse: “Ela não mora mais aqui.”

Se você está se perguntando se deve ou não deixar um relacionamento, é

crucial que discuta suas preocupações com o seu par. Depois, é

aconselhável que procurem um bom terapeuta para que abordem,

processem e resolvam suas preocupações juntos. Para começar, pode ser

útil fazer a si mesmo as perguntas a seguir e notar se a maioria das

respostas foi sim ou não. Responda a essas perguntas individualmente.

Depois, você e seu par podem comparar as respostas.

Vocês demonstram amor e respeito um pelo outro e se apoiam ao

dar e receber os cinco As?

Vocês gostam de estar um na companhia do outro e se sentem

seguros quando estão juntos?

Vocês costumam separar tempo para passar juntos?

Esse relacionamento satisfaz as necessidades, os valores e os

desejos de vocês?

A vida sexual de vocês é satisfatória? Inclui beijos longos e

apaixonados?

Vocês continuam fiéis um ao outro?

Você confia no seu par?

Você e seu par estão dispostos a trabalhar juntos nos conflitos?

Vocês mantêm acordos um com o outro?

Em relação a mágoas do passado, vocês vivem em uma atmosfera

de perdoar os fracassos do passado em vez de apegarem-se

teimosamente aos ressentimentos?

Seu par combina com o que você sempre quis para si em um

relacionamento íntimo?

Vocês estão juntos por escolha ou por causa da história, da

família, das convenções sociais, da segurança financeira, da


influência religiosa, da ausência de uma alternativa imediata, da

inconveniência ou do medo de se separarem?

Quando descreve como vocês se conheceram ou quando

descobriram que estavam apaixonados, a história é contada com

detalhes, entusiasmo e um sentimento de que foi um achado?

Seu trio interior completo (coração, mente e intuição) concorda

em manter o relacionamento?

Quando um relacionamento termina por separação ou divórcio,

existem algumas sugestões práticas que podem ajudar. Primeiro,

precisamos de um espaço para lamentar sozinhos e nos desapegar. Evitar

isso ao se jogar em um novo relacionamento contradiz o curso da

natureza. O trabalho no luto nos dá um ímpeto de crescimento ao nos

ajudar a avançar para um nível superior de consciência. A pessoa que

conheço logo depois de terminar um relacionamento provavelmente tem

o mesmo nível de maturidade que meu ex-par. É mais provável que a

pessoa que eu vier a conhecer, depois de ficar sozinho por um tempo e

ter a chance de refletir, processar e crescer a partir da minha experiência,

tenha um nível superior de maturidade. Eu me comprometo a lamentar e

a aprender, levando todo o tempo necessário e não permitindo que um

novo relacionamento me distraia do meu trabalho.

Enquanto você vivencia o luto, não está disponível para outras

pessoas. Seus filhos sentem falta do pai ou do cuidador ausente e, dessa

forma, eles também estão de luto. Na verdade, espere que o luto deles

faça parte do seu também, porque você os está espelhando. Trata-se de

um elemento normal desse processo, ainda mais quando a unidade

familiar se rompe.

O fim de um relacionamento não precisa ser pautado pelo ódio nem

ser competitivo em termos de ego. O espírito da compaixão pode pairar

sobre nós. Pares (ou pelo menos um deles) podem deixar um

relacionamento com benevolência, uma prática espiritual. Que eu

possa/nós possamos acolher o fim do nosso relacionamento.


Transtornos do sono são normais nesse período. Também é possível

cair em padrões usuais de autodestruição; por exemplo, anorexia,

dependência química, pensamentos suicidas. O luto envolve um fim,

algo que nosso corpo pode associar com um desejo de morte que estava

enterrado dentro de nós desde a infância.

A terapia é essencial durante esse período, pois pode nos ajudar a

abordar, processar e resolver as questões e a planejar a mudança. Como

nunca estamos de luto apenas pela questão atual, a terapia também vai

nos ajudar a trabalhar questões do passado até então enterradas.

Pergunte-se: “É por isso que as perdas acontecem? O universo está me

dando uma chance de me levantar do buraco em que caí?”

O luto é uma espécie de abstinência, que buscamos muitas vezes

superar com álcool e drogas. “Estava me sentindo tão mal que tomei um

calmante.” A primeira oração fala de luto; a segunda, da fuga do luto.

Alguém que está trabalhando o luto falaria algo do tipo: “Eu me

comprometo a passar por esse período triste sem usar substâncias

prejudiciais ou que me distraiam. Meu único plano é superar o que já

acabou. Sei que consigo fazer isso melhor com meus próprios recursos

internos e com os do meu sistema saudável de apoio.”

No fim de um relacionamento, nos questionamos quanto ao nosso

merecimento de amor. “Ele/ela não me amava de verdade (É o que

percebo agora)”, dessa forma, “Não sou merecedor de amor (Eu me

culpo)” ou “Ele/ela é incapaz de amar (Eu culpo o outro)”. Mas que tal

“Mereço amor; ele/ela é capaz de amar e ele/ela não me ama”? Adultos

abraçam essa última alternativa realista: Qualquer pessoa é capaz de

amar. Não existe alguém que não seja merecedor de amor. Nem todo

mundo vai me amar.

É comum se sentir compelido a contar sua história para qualquer um

disposto a ouvi-la. Essa é uma fase normal do trabalho do luto. Repetir

os detalhes traumáticos ajudam a absorver o choque e o estresse do que

aconteceu. Um dia, porém, quando estiver contando a história de como

você estava certo e o outro errado, você vai se sentir entediado. Esse é o

sinal instintivo de que contar essa história não tem mais nenhum
propósito útil. E, então, você vai parar. Com sorte, você tem amigos o

suficiente para que não fiquem todos fartos de ouvir a história de novo e

de novo até você chegar ao momento da libertação!

Um dia, a outra pessoa, o relacionamento e tudo o que aconteceu

passarão a ser apenas informação. Esse é o sinal de que o luto seguiu seu

curso e que você avançou de fase. É preciso paciência para chegar lá,

mas você pode construir sua paciência com prática. Então, alguém vai

dizer: “Vocês dois estavam infelizes juntos e o relacionamento deixou de

funcionar e, agora que estão separados, vocês têm uma chance de serem

felizes”, e a honestidade simples dessa declaração vai ressoar em você

com o baque da verdade.

O estresse obstrui o pensamento claro. É sábio evitar por um tempo

tomar decisões tanto financeiras quanto legais, além de decisões sobre

mudança, guarda dos filhos etc. É bem comum durante términos

fantasiar sobre se mudar, como forma de fugir da dor. Ah, se as coisas

fossem tão fáceis assim! É perigoso embarcar em qualquer nova

aventura sem terapia ou feedback dos amigos nesse período. Uma boa

regra pode ser querer uma coisa por trinta dias consecutivos antes de

decidir seguir adiante. Isso se aplica principalmente a uma possível

reconciliação.

O desejo por vingança contra um par que magoou você

provavelmente vai surgir. Essa é a forma do ego de evitar a tristeza ao

substituir interação por ação interior, ou seja, trabalho pessoal. Admita

qualquer sentimento ou pensamento, mas evite agir quanto a eles. Como

diz um velho ditado: você não pode evitar que os pensamentos surjam

em sua mente, mas a decisão de se eles vão criar raízes é totalmente sua.

O trecho a seguir foi tirado de uma carta que um amigo querido me

mandou quando estava passando por um divórcio difícil: “Sinto que me

tornei mais gentil por não querer magoar as pessoas. De fato tenho

pensamentos cruéis em relação a ela, mas não faço nada com eles. Ela

não tem paz dentro de si, e um dia ela talvez acorde e mude, mas isso

não tem nada a ver comigo.” Esse é o som de um coração se abrindo e

um ego se desintegrando.
Talvez você tema nunca mais encontrar alguém, acreditando que

nunca mais ninguém vai querer você. Esse tipo de ilusão é paranoica,

mas também tem um propósito no trabalho do luto: evita que você

comece a procurar outra pessoa antes de estar pronto para ver quem você

é.

Você talvez não consiga tirar a outra pessoa ou a traição da cabeça. O

ego prefere escolher um lado de uma polaridade e ignorar a outra, o que

ajuda a explicar a origem e a longevidade de pensamentos obsessivos

nos quais só conseguimos nos concentrar em uma opção. Você não está

na torre de controle. Na verdade, recebe o desafio de se tornar a pista de

pouso. Admita qualquer pensamento e sentimento que possa pousar em

segurança ou cair em cima de você. Isso é normal e geralmente vai

diminuindo com o tempo.

É um erro se reconectar com um par antigo rápido demais. Nesse

caso, ajuda ter um ego que é orgulhoso demais para implorar por

contato! Qual é o momento de se reconectar de forma amigável?

Provavelmente quando a obsessão acabou e você não quer nem precisa

mudar a pessoa nem acertar as contas com ela. O momento de voltar a

entrar em contato é quando você não precisa mais desse contato, mas

está pronto para normalizar as relações. Isso acontece quando o gatilho

não acontece mais e toda a carga já se foi. (Normalizar relações é

especialmente importante quando se precisa resolver questões que

envolvem os filhos.)

O luto não pode ser mandado embora com a força do pensamento. É

melhor não tentar abandoná-lo, mas deixá-lo acontecer. Permita que o

luto leve o tempo necessário, não importa o que seus amigos digam a

respeito de quanto tempo você deve levar para “superar”.

Tenha cuidado com falsas esperanças que surgem quando um par que

vai embora parece estar em cima do muro em relação a retomar o

relacionamento. Isso pode não ser um sinal de que a pessoa realmente

quer voltar. A ambivalência é normal em qualquer rompimento. Em

geral, existem muitas idas e vindas entre a declaração de término e a


separação real. Permita que o tempo lhe diga se existe uma esperança

razoável.

Uma pessoa que foi deixada pode se sentir como uma criancinha com

o boné na mão, esperando que o colega seja legal ou que o aceite de

volta. Esse é um sentimento normal que pode levar a uma

vulnerabilidade saudável no futuro. A psique tem muitas formas de

aprender a abandonar as dificuldades para deixar a luz entrar. Ao mesmo

tempo, a criancinha suplicante o ajuda a aprender que você esperava

demais dos outros. Aqui está um poema escrito pelo sexto Dalai-Lama:

“Ah, eu exigi tanto de você/ nesta vida tão curta./ Talvez voltemos a nos

encontrar/ no início do que vem a seguir.”

“Seu ferimento é grave, sua ferida, incurável”, disse o profeta

Jeremias (30:12). Todo luto tem um elemento inconsolável. Sempre

haverá algo não resolvido quanto à perda ou ao déficit. Esse elemento

inconsolável é familiar da infância. É o que alimenta os anseios pelo par

perfeito que acreditamos que vai evitar que sintamos qualquer tipo de

luto.

As cicatrizes deixadas pelo luto podem, durante anos, ser feias ou

podem se fechar bastante bem. O resultado depende da habilidade do

nosso trabalho de luto, assim como as cicatrizes em nosso corpo

indicam os diferentes níveis da habilidade dos médicos que cuidaram de

nós no decorrer dos anos.

Se o seu relacionamento terminou quando seu par encontrou uma

nova pessoa, como você se sentiria em relação a escrever uma carta com

o objetivo de declarar o que está sentindo e pelo que está passando como

resultado da traição: parou de comer, não consegue dormir, chora o

tempo todo etc. O objetivo dessa carta não é mudar nada. Serve

simplesmente para que a nova pessoa saiba o que aconteceu com você

como resultado da disposição dela de começar um relacionamento com

alguém mesmo ainda estando envolvida com você. Só tente isso se não

esperar nenhuma resposta e não tiver o desejo de ferir ninguém. Uma

alternativa é escrever e não mandar.


Resista ao desejo de dizer uma última coisinha para o seu par ou dar

a ele mais informações que, na verdade, não passam de argumentos com

a intenção de manipulá-lo a dar a resposta que você quer. Diga o que

tem a dizer para a Lua, por exemplo, e a deusa que lá habita levará a

mensagem até ele:

A lua cheia a postos sobre o mar

Mostra a face radiante do céu

Trazendo para os corações separados

A pungência da noite.

Sopro minha vela, mas continua claro aqui;

Visto um casaco, mas continuo sentindo frio.

Então, só posso ler minha mensagem para a lua

Enquanto me deito desejando sonhar com você.

— Chang Chui-Ling, poeta chinês do século VIII

Leia os parágrafos a seguir bem devagar e depois sente-se em

meditação. Eles resumem o processo espiritual que estamos aprendendo

e se aplicam aos términos e a outros tipos de crise.

Os passatempos neuróticos do ego, ou seja, o medo, a fixação,

a culpa, a reclamação, a expectativa, o julgamento, a

preferência, a fixação aos desfechos, a necessidade de

consertar as coisas, o controle, a atração e a aversão, criam

uma invasão. A prática do mindfulness pode me libertar de

tais abrigos limitantes e me ajudar a encarar a minha

experiência de forma destemida exatamente como ela é. Se o

meu mundo ruir, então a falta de uma base sólida é um convite

libertador para reinventar minha vida. Na verdade, sem a base

sólida conhecida usada para fugir, posso aceitar meu

sofrimento de forma incondicional. O estado de mindfulness é

como ver alguma coisa pela primeira vez, sem as distrações do

ego. Dessa forma, outro nome para ela é mente de iniciante. A


prática me oferece uma forma de trabalhar a favor da

realidade, não contra ela.

O objetivo dessa prática não é acalmar a tempestade

interior nem gerenciá-la, mas se sentar em silêncio no olho do

furacão e, dessa maneira, espelhar e receber sua energia.

Minhas tentativas frenéticas de consertar um colapso doloroso

são um jeito de fugir de tal possibilidade. Minha aflição está

em mim, não importa quão negativa e assustadora ela seja.

Tudo que faço para evitá-la são fugas do impacto da minha

vida como é agora e os ensinamentos que ela deveria ter

deixado em mim. A sabedoria está em não fugir. E o

mindfulness não tem a ver com ser uma pessoa composta, e

sim com se compor de forma completa no aqui e agora,

espelhando de verdade a nossa realidade imediata.

A falta de sentido às vezes me saúda no decorrer da vida.

Quando permito isso e vou ao encontro dela e me permito

ficar e seguir com ela, me sinto mais leve e iluminado.

Permitir não é a mesma coisa que me afundar. Afundo quando

me torno uma vítima dos meus pensamentos e permito que

uma sensação de sua escuridão surja em meu corpo, livre de

pensamentos, cheio de espaço. Esse corpo é o mindfulness.

Agora eu pratico uma atenção não verbal às partes do meu

corpo de forma gradual, da sola dos pés à raiz dos cabelos,

enquanto vou soltando os pontos de tensão em cada parte.

Seja lá qual for meu pensamento ou sentimento negativo

atual, consigo suportá-lo quando ele recebe hospitalidade da

minha consciência atenta. Então, posso vivenciar experiências

puras, de forma imediata e zen; por exemplo, vejo uma flor

lilás sem desejar mais ou provo uma maçã sem o medo de não

ser o suficiente:

Sou grato por não conseguir ser mais esperto do que os

caminhos do Universo.
Que eu honre minhas confusões como meu caminho.

Que tudo que venha a acontecer exponha o meu autoengano e

minhas tentativas de me esconder.

Que meu corpo seja minha testemunha e meu professor.

Que minha aflição e toda a minha prática tragam felicidade

para todos os seres da Terra.

Que meu ex possa ser um Buda iluminado.

QUANDO ALGUÉM DEIXA VOCÊ

Selene é uma psiquiatra na casa dos 45 anos que tem o que chamamos

de medo quase insuperável de sufocamento. Há anos ela começa e para a

terapia e lê diversos livros como este. Ainda assim, o medo dela cresce

quando há a chance de construir um relacionamento. A forma como se

distanciou de seu companheiro, Jesse, tornou a vida um sofrimento para

os dois. Jesse é um engenheiro de trinta e poucos anos e seu medo de

abandono é quase tão grande quanto o medo de sufocamento de Selene,

só que ele jamais leria um livro como este. No decorrer do

relacionamento, quanto mais Selene exigia espaço, mais Jesse se

agarrava a ela. E, quanto mais ele se agarrava, mais e mais espaço ela

exigia.

Depois de cinco anos juntos, Jesse contou para Selene que tinha se

envolvido com outra pessoa havia um tempo e que ia deixá-la. O

relacionamento deles não funcionava mais para os dois havia já um bom

tempo. Nenhum dos dois foi a fonte de cuidado do outro, e nenhum dos

dois conseguiu compartilhar os sentimentos com o outro. Selene, na

verdade, pensara em romper, mas agora, de repente, aquele

relacionamento era o que ela mais queria na vida. O nome de Jesse se

tornou mil vezes mais querido quando ele passou a ser associado ao

abandono. O medo dela de sufocamento se tornou uma intolerância ao

abandono.

Agora, Selene está em terapia há cinco meses e aqui está uma parte

do diário que ela está escrevendo. Alguns registros se referem a Jesse e


alguns são dirigidos a ele, mas ela não mandou nada disso para o ex

porque sabe que esses escritos têm mais a ver com ela:

Jesse não é mais só o Jesse, mas também é o astro do filme do

meu drama interior. Ele foi o último homem que procurei,

faminta e desesperada, em busca de cuidados que ele provou

várias e várias vezes que não poderia me dar. Meus

sentimentos poderosos de lealdade por esse vínculo e minhas

reações em relação à perda não podem ser considerados pelo

Jesse literal. Meu relacionamento com Jesse foi marcado por

muito sofrimento, na verdade, e sei que foi melhor termos

terminado. Só posso fazer meu trabalho se considerá-lo de

forma literal, e não como uma metáfora. Será que, quando

qualquer um dos pares decide ir embora, essa pessoa

simplesmente se torna uma metáfora e deixa de ser um alguém

literal?

Jesse é o ator que pode representar Hamlet, ao passo que

outros apenas conseguiram representar o Jack para minha Jill.

Minha história tem um tema de “abandono pelo pai”. De um

jeito estranho, Jesse me deixou por outra pessoa. Minha

sabedoria interior e intuitiva devia saber que essa

possibilidade existia desde o primeiro beijo e me trouxe um

parceiro com o mesmo sabor do meu pai perdido. Quando o

Jesse literal me deixa, sua versão simbólica adentra em meus

sonhos e meu coração. Não consigo perceber a diferença!

Imagino que só exista um Jesse para mim. Mas, dentro de

mim, existe um Jesse arcaicamente elaborado, assim como

existe o Jesse comum do lado de fora. O Jesse externo não

pode ser responsabilizado por todo esse sofrimento. Essa

perda é a perda da ilusão dele como o homem que seria o

amor da minha vida. Na verdade, porém, só estou perdendo a

chance de continuar usando-o como o manequim que pode


usar as roupas dos meus desejos não satisfeitos, essa é a

essência da minha solidão permanente.

Você e esse luto permitiram que eu me abrisse, mas você

não pode satisfazer a necessidade que me ajudou a identificar.

Você pode me abrir, mas não pode me preencher. A culpa não

é sua. Essa é uma questão minha.

A sensação de que alguma coisa está faltando e o anseio de

encontrá-la sempre fizeram parte da minha vida. Achei que

esse par pudesse preencher isso. Meu trabalho é me curar e

depois conhecer alguém para se juntar a mim nessa

empreitada. Agora que o meu par se foi, crio a ilusão de que

tudo estaria bem se ele estivesse aqui. Isso provavelmente

acontece porque ele deu de cara com a porta lacrada da minha

psique e agora eu o associo à satisfação, uma vez que o

relacionamento com ele era significativo. Na verdade, ele não é

a pessoa importante, e sim o gatilho importante. Agora ele é a

imagem importante do gatilho.

Como consigo esquecer tão facilmente que eu não estava

segura contra a solidão, mesmo enquanto estávamos juntos?

Eu o convoquei para me defender contra meus próprios

sentimentos e me resgatar de cair no buraco antigo da minha

infância. Agora, é claro, ele aparece automaticamente na

minha mente sempre que me sinto desolada e sozinha. Quando

me sinto amedrontada, dou a ele poderes heroicos em vez de

me convocar para ser a heroína da minha própria história.

Preciso dispensá-lo e enfrentar a batalha sozinha, como uma

adulta.

O Jesse que perdi representa todo mundo que já amei e

perdi. Nunca o amei de verdade e de forma individual. Minha

rede foi jogada muito mais longe. Eu queria todo o amor que

não recebi. Ele me ofereceu uma chance disso. Ele finalmente

fez todas as minhas esperanças e necessidades de ser amada

parecerem, enfim, possíveis. Quando ficou claro que ele não


tinha como satisfazer essas necessidades, projetei o resto nele,

prendendo-o com ainda mais firmeza na minha vida. “As

esperanças e os medos de todos os anos se encontram em você

nesta noite!” (Acabei de me lembrar desse verso de uma

canção de Natal. Agora percebo que conheço esse conceito

desde que eu era uma criança.)

Recebi uma carta do Jesse literal que despertou

sentimentos poderosos de esperança e pânico. Sei que preciso

de um tempo longe para me curar da ferida causada pelo

abandono dele. Ainda assim, sinto saudade e quero contato.

Imagino que só esteja sentindo falta do Jesse físico, mesmo

que eu fique muito melhor sem ele. Na verdade, estou sentindo

falta do meu pai e de todos os homens que me deixaram, e

quem enviou a carta é só o emissário e a personificação deles.

Se eu responder, estou aceitando os sentimentos dele de forma

literal, como se meus sentimentos fossem em relação ao Jesse

físico. Se eu escrever para ele no meu diário e não enviar a

carta, estou trabalhando de forma produtiva com o Jesse

interior, meu assistente social no esforço para encontrar o meu

lugar. Eu era uma pessoa desaparecida até Jesse me trazer de

volta para casa. E voltei para casa quando ele saiu daqui.

Sei que eu também não era adequada para ele. Assim que

se foi, prometi-lhe mundos e fundos para trazê-lo de volta. Eu

não teria sido uma companheira melhor quando o fogo

baixasse e nossa antiga rotina se restabelecesse.

Como nego todos os fatos antes inaceitáveis a respeito dele!

Vivo me enganando ao pensar que ele era perfeito e que acabei

estragando a melhor coisa que já tinha acontecido comigo. Eu

exagero e inflo as virtudes dele (talvez da mesma forma que

ele infla meus defeitos). Meu luto começa com uma negação

que me protege do ataque total da perda poderosa. Minha

negação suspende minha capacidade de fazer uma avaliação

precisa. Então, aumento, distorço e embelezo o valor do que

É
perdi. É isso que faz com que eu o queira de volta com tanto

desespero.

Desejo ardentemente aquilo que menos me satisfaz.

Consigo aceitar essa contradição, essa carência irracional,

como uma parte aceitável de mim? Vou ficar bem desde que

eu não aja sobre a minha carência e ligue para ele para

conseguir uma recaída. O que me faz pensar nisso? Estou

desesperada por proximidade. Sou viciada em buscar o que

preciso em alguém que não tem como me dar. Não é que

ninguém possa, é só que ele não tem como. Preciso ficar

comigo mesma agora, nesse estado totalmente lamentável.

Testemunhar a criança abandonada e frágil dentro de mim

talvez me ajude a sentir compaixão por um eu que abandonei

tantas e tantas vezes. Será que tal compaixão pode constituir

uma forma empoderadora de passar por isso?

Lembro-me das vezes em que abracei você com amor, te

ouvi e acariciei seus pequenos pontos fracos. O que fiz por

você era algo que eu mesma precisava e desejava. Mostrei a

você como eu queria ser amada ao amar você do mesmo jeito.

Não notei que você não retribuía. A parte de mim que quer

você de volta é a criança assustada e carente que realmente

precisa ouvir minha voz e sentir meu abraço. A parte de mim

que sabe que chegou a hora de desistir é a adulta. A parte

amorosa e poderosa de mim permite que você me deixe e que

eu continue meu caminho.

Baixei minhas defesas, e os outros me dizem que estou

mais atraente. Uma época fértil para mim: sou capaz de

quebrar hábitos de autoderrota e de sabotagem da intimidade.

Quanto tempo até eu voltar para os antigos padrões de medo?

Minhas conversas internas sobre as coisas de alguma forma

se resolverem entre nós no futuro são parte da fase de

negociação com o luto. Também parecem me ajudar a

recuperar parte do que se parece com o meu poder.


Jesse, como você consegue me ver sofrendo assim sem

fazer nada para impedir? Tudo o que você precisa fazer é

voltar. Eu sei que quero o relacionamento de volta apenas para

colocar um ponto-final no meu sofrimento, e não para

recuperar algo de valor de verdade. Sinto a tristeza desse

relacionamento e imagino que estou sentindo apenas a tristeza

do término.

Sinto-me abandonada agora que você se foi. Mas você me

abandonou emocionalmente durante todo o nosso

relacionamento sem nunca nem perceber. Mesmo agora, em

vez de admitir isso, estou aqui idealizando o passado que

tivemos juntos. Não que a culpa seja sua; isso tudo tem a ver

comigo e a força com a qual me agarro às ilusões. Você é

perfeito do jeito que é, Jesse.

Enxergo através da minha crença mágica nas palavras:

cartas ou palavras para você manipular uma resposta que não

será respondida nem vai funcionar agora. É como se eu

estivesse ligando para alguém e a linha estivesse ocupada

enquanto a pessoa conversa com outro interlocutor. Não posso

mais me enganar. Sei que minha necessidade de entrar em

contato com você não é puramente para vê-lo nem ouvir sua

voz, mas para convencê-lo e manipulá-lo. Meu ego quer

vencer, e é por isso que preciso me manter afastada. Se eu

voltar para vencer, isso só empoderaria o meu ego fracassado.

Eu jamais teria saído desse relacionamento terrível. Você e

seu novo par intervieram quando eu não consegui. Você

terminou o que eu estava postergando. Lamento que você

tenha ido e, ao mesmo tempo, que tenhamos deixado as coisas

se arrastarem tanto.

Será que anseio o antigo relacionamento sem futuro que

tinha que terminar ou será que anseio o possível novo

relacionamento com futuro, o qual não posso começar até me


livrar do antigo? Selene, não estrague suas chances de ser

livre!

Sinto-me como uma criança lamentando que meu

amiguinho está brincando com um colega novo, e não comigo.

Essa perda me atinge bem naquele nível de criança rejeitada na

minha psique. Minha antiga necessidade não satisfeita por

cuidados é responsável pela força com a qual estou me

segurando no fim.

O sexo foi o melhor catalisador para minha autoilusão. E

sexo não serve como um indicador confiável de um bom

relacionamento porque pode ser ótimo mesmo quando ocorre

entre pessoas que não têm absolutamente nada a ver, como foi

o nosso caso. Nada disso é sua culpa, Jesse.

Jesse não estava me dando o que eu precisava em um

parceiro. Mas, se eu tivesse aberto mão da minha esperança,

teria sofrido, portanto me segurei. Mesmo agora, ele tem toda

a divindade e a aura de anseio por amor e se posta como um

ídolo, não importa que a convicção da minha mente diga que

ele não passa de um santo do pau oco. Quando essas duas

imagens finalmente se separam, meu pedido para ser amada

voltará à sua fonte dentro de mim, e ele será reduzido ao

tamanho de “alguém que conheci um dia”. Fazer o trabalho e

não manter contato é o melhor caminho para libertar a

iconoclastia.

Em vez de estender a mão para ter minhas necessidades

satisfeitas, será que vou optar pela repetição de um ciclo

antigo? Pode ser que eu cometa o mesmo erro. Um novo rosto

faz com que alguém pareça ser uma nova pessoa, mas talvez

seja apenas a mesma projeção; é como se eu estivesse

escolhendo um novo ator para representar um papel antigo.

Talvez o que eu realmente anseie no fim das contas seja o

potencial ainda não aberto do autocuidado. Meu anseio não é

encontrar a sorte ao lado de alguém, mas, na verdade,


encontrar as pistas de onde eu mesma vou encontrar o meu

tesouro enterrado.

Preciso ver o fim desse relacionamento, do mesmo modo

que vejo as rosas murcharem: sem culpa nem interferência.

Darei um presente para o mundo em agradecimento pelas

dádivas que me ajudaram a crescer.

Por que escolhi o nome “Selene” nesse exemplo? Porque, na

mitologia grega, Selena é uma deusa da Lua, nossa Mulher de Fases.

Neste livro fizemos uma jornada juntos por todas as fases do

relacionamento, da lua nova do início da vida até a lua cheia do

comprometimento na vida adulta. Espero que vocês, queridos leitores,

saúdem cada fase dos seus respectivos relacionamentos com amor e

entusiasmo amoroso. Que vocês vivam por tempo suficiente para que

vejam muitos ciclos e que nunca precisem encarar um eclipse por muito

tempo.
EPÍLOGO
É só em um relacionamento que se enxerga a face do que

realmente é.

— Jiddu Krishnamurti, Journal, 1982

Vamos olhar uma vez mais para os temas da nossa jornada: as ideias e

as ferramentas para as quais espero que você volte quando a dança do

relacionamento se tornar estranha ou sobressaltada. Os cinco As são

atenção, apreço, aceitação, afeto e admissão. Nós estamos em uma

jornada heroica que começou com a necessidade de receber esses cinco

As dos nossos pais ou cuidadores e depois com a busca contínua deles

em nossos pares da vida adulta, terminando com o ato de dá-los para o

mundo como um empreendimento espiritual.

Quando os pais dão uma boa criação na infância, isso afeta

favoravelmente nossos relacionamentos adultos. A infância pode afetar

negativamente nossos relacionamentos adultos se nos deixar com um

sentimento de perda ou negligência, mas você pode lamentá-los e abrir

mão deles. Os buracos da nossa infância podem até mesmo se tornar

portais de caráter e compaixão.

Ao abordar, processar e resolver nossas questões, conseguimos

encontrar nossos desafios da vida adulta. E através da prática de

mindfulness e benevolência, podemos encontrar nossos desafios

espirituais.

Podemos fazer avanços psicológicos e espirituais quando estamos

dispostos a abrir mão das características do ego inflado: medo, fixação,

controle e crença de merecimento. Isso acontece por meio de uma

combinação de nossos esforços e por meio de uma dádiva. Quando


abrimos mão dessas características, aprendemos a amar o nosso par e o

mundo. Estas são afirmações de pares amorosos que se dedicam não só

um ao outro, mas a todos nós:

Acreditamos na possibilidade abundante dentro de cada um de

nós de trazer amor para o mundo. Queremos nos reconciliar com

aqueles que nos feriram e ajudar nossos amigos a se reconciliarem

uns com os outros. Sofremos quando estão brigando. Sempre

buscamos formas de consertar as rachaduras dos

relacionamentos.

Um bom desfecho e os créditos dele não são preocupações

nossas. O que nos importa é a eficácia da nossa cooperação, não

os elogios que podemos receber individualmente. Nosso poder

não é individual, e sim relativo. Preferimos a liderança à

dominação. Se os outros compartilham dessa preferência, então o

nosso status depende da nossa capacidade de resolver conflitos,

ter uma nova visão e servir aos outros de maneira criativa.

Não abandonamos as pessoas. Se alguém parece inadequado,

pouco inteligente ou insensível, isso só significa que temos mais

espaço em nosso coração para ele. Notamos mais tolerância

dentro de nós e mais incentivo para oferecer nosso tempo e

serviço para proteger em vez de difamar. Nós nos relacionamos

com o sofrimento, sem julgamentos. Mantemos os outros em

nosso círculo de amor, mesmo quando eles nos assustam, não

gostam de nós ou falham conosco.

Não humilhamos quem age de forma irresponsável ou tóxica.

Pelo contrário, sentimos compaixão por aqueles que estão tão

presos ao ego ou ao vício que perdem a razão e colocam em risco

a própria felicidade. São nossos irmãos e irmãs, são nossos

iguais. Buscamos formas de apoiar a recuperação deles e

compartilhamos informações com eles.

Não desistimos dos outros nem de nós. Pensar que eles, ou nós,

“nunca vão mudar” é uma forma de desespero, uma escolha que


cancela as possibilidades e nos fecha para os milagres

inesperados. Nós nos atrevemos a perseverar com uma fé

subversiva na vida e nas pessoas.

Nossa prática do coração não surge do moralismo e das regras,

mas de uma benevolência inalienável. Nascemos com ela e

aprendemos como ela funciona por meio da prática. A

benevolência é o coração em ação, uma inclinação generosa, um

cuidado genuíno, uma capacidade de ser tocado pelas

necessidades e pelos sofrimentos dos outros.

Temos o compromisso constante de servir aos outros e não

reivindicar que temos respostas para os dilemas e as contradições

da vida. A melhor resposta vem da ação, não do intelecto. Por

exemplo, podemos ouvir esta pergunta: “Se o amor rege o mundo,

por que existem crianças passando fome?” E nossa resposta é

simples: “Nós alimentamos crianças famintas.” “Por que tanta

gente boa tem uma morte dolorosa?” se torna “Trabalhamos com

pessoas no leito de morte”. Em outras palavras, é vivendo que

encontramos o significado da vida. Quando se percebe a

interconexão intensa e contínua com tudo e com todos, o amor é a

única resposta possível. Nossos pensamentos, palavras e feitos

levam à compaixão que transborda por nós, não importa o que

aconteça. Shakespeare descreve esse processo em Rei Lear:

“Indivíduo mui pobre, que os reveses da fortuna amansaram e que

pela arte das desgraças alheias e das próprias à compaixão se

revelou sensível.”

Não vamos nos desesperar de amor, mas trabalhar por ele. Nossa

jornada humana parece ser totalmente voltada para o amor,

descobrir o que é o amor e depois aprender a dá-lo e a recebê-lo.

No decorrer da leitura e do trabalho neste livro, ganhamos um

senso mais completo do que é o amor e nos tornamos mais

habilidosos para compartilhar esse sentimento em um

relacionamento que agora é totalmente adulto.


Resta ainda uma pergunta para quem chegou até aqui: Estou

melhorando na arte de amar?

Digo sim para tudo o que, hoje, acontece comigo como uma

oportunidade de amar e sentir menos medo.

Que eu possa demonstrar amor onde quer que eu esteja hoje.

Que eu possa demonstrar compaixão por todos aqueles que

sofrem, inclusive por mim.

Que eu possa sentir alegria por todas as coisas boas que

acontecem com qualquer um de nós.

Que eu possa reagir com tranquilidade, serenidade e coragem

a todos os desafios do dia a dia.

Tenho um destino singular: demonstrar aqui e agora o desígnio

eterno do amor que mora dentro de mim. Sei que minha

existência se deve a isso.

Confio que o que quer que aconteça comigo é parte de como

este destino se desenrola.

Confio que nada que acontece comigo é capaz de cancelar a

minha capacidade de continuar amando.


APÊNDICE: OS PASSOS E AS MUDANÇAS
DE UM LUTO COM MINDFULNESS
Devemos, em lágrimas,

Desfiar as tramas de um amor tecido durante anos.

— Herny King

um luto atento significa passar pela tristeza e se libertar do passado

sem expectativas, medo, censura, culpa, vergonha, controle etc. Sem

esse luto atento, nem o passado nem a pessoa podem descansar em paz.

Quando vivemos o luto de forma atenta, lamentamos decepções, insultos

e traições que agora estão irrevogavelmente perdidos no passado.

Lamentamos qualquer abuso, tenha sido ele físico, sexual ou emocional.

Sofremos pela forma como nossos pais ou cuidadores não nos

desejaram, não nos amaram ou não conseguiram ultrapassar as próprias

necessidades por tempo suficiente para nos enxergarem como os seres

merecedores de amor que éramos e permitirem que surgíssemos como

um ser único. Sofremos por todas as vezes que eles recusaram a dádiva

que queríamos lhes dar: a visibilidade total do nosso verdadeiro eu, não

o eu que tivemos que fabricar para agradar ou proteger. Sofremos por

todas as vezes que eles viram como estávamos amedrontados,

melancólicos e tristes e, ainda assim, não reagiram, não demonstraram

piedade nem se desculparam. Sofremos porque, mesmo agora, depois de

todos esses anos, eles ainda não admitiram o abuso e a falta de

compaixão.

Por que sofremos pelo que nunca tivemos? Porque tivemos um

sentido instintivo dos cinco As da boa criação e, quando não recebemos

isso dos nossos pais, sentimos essa ausência. Sofremos porque nossos
pais ou cuidadores sentiram a mesma coisa e, de alguma forma,

ignoraram. Sofremos porque fomos magoados por aqueles que nos

amaram: “São feridas com que fui ferido em casa dos meus amigos”

(Zacarias 13:6).

O luto é um processo. Ele continua durante toda a nossa vida à

medida que descobrimos novos níveis no sofrimento e nas perdas que

sentimos no passado. Uma vida não será suficiente para nos libertar de

tudo. Basta dar o nosso melhor para liberar nosso sofrimento, para que a

energia fixada no passado possa ser reinvestida no presente.

A posição favorita do luto é montado nas nossas costas. Se sou

abandonado no presente e me permito o luto por tal abandono, todos os

antigos abandonos do passado que estavam esperando sua vez pulam nas

minhas costas para também serem lamentados. Nessa carga também está

incluso o luto de toda a humanidade, de forma coletiva, o que Virgílio

chama de “as lágrimas das coisas”. Estes são os fatos de um

relacionamento: o sentimento de que algo está faltando, intimidades

fugidias, rompimentos inevitáveis. Carregamos a sensibilidade em

relação a tudo isso em nosso coração, e nosso luto pessoal as convoca.

Que forma de se descobrir que não estamos sozinhos! Carregamos a

herança de um passado arcaico e continuamos a alimentando com nossa

experiência pessoal.

Carl Jung sugere que trabalhar nas questões da infância é um

primeiro passo necessário em direção à consciência espiritual. Nas

palavras dele: “Deve-se primeiro lidar com o inconsciente pessoal…

Caso contrário, o portal para o inconsciente cósmico não poderá ser

aberto.” Os passos descritos neste apêndice foram desenvolvidos e

revistos de acordo com meu trabalho com muitos pacientes e em muitas

aulas sobre luto, perda e abuso na infância. Eles também podem ser

adaptados para o luto motivado por uma morte, o fim de um

relacionamento ou qualquer outra perda pela qual passamos durante a

vida. Não temos como compensar tais perdas, mas podemos aprender a

tolerá-las ou as conter. É disso que se trata a jornada comovente pelo


luto. “Nossas almas são amor e uma despedida eterna”, escreveu W. B.

Yeats.

O luto é uma ação, não uma transação. É nossa responsabilidade

pessoal, de modo que não passamos por ele junto das pessoas que

causaram tal perda, incluindo nossos pais ou cuidadores. Nós

interrompemos a nossa própria cura enquanto ainda precisamos dizer

aos nossos pais como achamos que eles foram ruins. No entanto, é

adequado pedir informações aos nossos pais a respeito do que aconteceu

conosco. Se você contar para eles que está trabalhando o seu luto,

certifique-se de fazer isso como um compartilhamento de informação, e

não para os convencer de que estavam errados, magoá-los ou se vingar

deles.

Alguns de nós ainda não estamos prontos para encarar o que

realmente aconteceu; desconfiamos ou talvez até saibamos que não

temos a força necessária para seguir todo o processo até a conclusão

dolorosa. É importante respeitar essa hesitação e honrar o tempo de cada

um. Algumas lágrimas podem ser derramadas hoje; algumas, no ano que

vem; e outras, daqui a trinta anos. A criança interior do passado conta a

história dela aos poucos para evitar que tenhamos que lidar com tudo de

uma vez. “Apressar ou atrasar é uma interferência”, diz D. W. Winnicott.

O fato de que o luto leva tanto tempo para ser resolvido não é um sinal

da nossa inadequação, e sim sinais da profundidade da nossa alma.

PASSO UM: PERMITIR-NOS SABER OU LEMBRAR

Para mostrar o bem que adveio da minha experiência, preciso

contar coisas que não foram tão boas.

— Dante, Inferno

Embora eventos passados assombrem para sempre nossa psique, nem

sempre é fácil recuperar essas lembranças. Uma sensação ou intuição em

relação a algo que aconteceu (traços da memória) é o suficiente para

começar o processo do trabalho de luto. Basta se lembrar de qualquer


forma na qual nossas necessidades não foram satisfeitas ou atendidas. Se

nenhuma lembrança específica surgir, então uma sensação de tristeza é o

suficiente.

A partir da lembrança do motivo do luto, podemos conversar com

alguém em quem confiamos. “Pondes trancas em vossa liberdade,

negando-vos a revelar a um amigo o motivo de vossa tristeza”, diz

Rosencrantz a Hamlet. Recitar abusos do passado valida nossa

experiência, e, como acontece com todos os depoimentos, isso requer

uma testemunha — não do abusador, mas de uma pessoa justa, alerta e

confiável, como um terapeuta ou um amigo — que será capaz de ouvir a

história com mindfulness (ou seja, sem ter que julgar, consertar,

maximizar ou minimizar). Conversar sobre nossas lembranças com essa

pessoa pode levar ao espelhamento: a reação amorosa de quem entende,

aceita e permite nossos sentimentos. Esse espelhamento permite que

saibamos que nossos sentimentos são legítimos e os liberta da vergonha

e do segredo. Quando nossos pais não espelham nosso sofrimento, os

sofrimentos futuros vão nos desestabilizar, nos devastar e nos

descentralizar. Agora, retomamos os sentimentos não espelhados ao tê-

los, finalmente, espelhados de volta para nós. É uma outra jornada, dessa

vez do abandono para a comunhão.

Vale lembrar também: um relato cognitivo do passado pode ser

apenas uma lembrança de uma lembrança, a não ser que esteja

fortemente conectado com um sentimento físico, porque cada célula do

nosso corpo se recorda de cada evento que nos foi impingido na

infância. O corpo, mais do que a mente, é o verdadeiro inconsciente

humano, armazenando tanto a lembrança do sofrimento quanto das

nossas tentativas de evitá-lo. O trabalho, então, é encontrar um sentido

aguçado do que sentimos, e não necessariamente uma narrativa exata de

tudo o que aconteceu. Na verdade, o conteúdo das lembranças é menos

crucial do que os conflitos que representam e as encenações às quais

ainda estamos presos. Essas são as verdadeiras vítimas do luto, e não a

recordação do que aconteceu.


Na verdade, talvez nunca realmente saibamos o que aconteceu em

nosso passado, não porque a recordação se perdeu, mas porque está em

constante mudança em nossa memória. Em cada fase da vida, ela se

reorganiza para se encaixar em nosso novo senso de eu e do mundo. As

lembranças são seleções do passado. Desse modo, nosso objetivo não é

tanto o de reconstruir a lembrança, mas de reestruturar nosso sentimento

geral em relação ao passado para que se encaixe em nossas necessidades

que estão em constante mutação. Mark Twain gracejou: “Quanto mais

velho fico, mais claramente me lembro daquilo que não aconteceu.”

Prática

recordar

Conte sua história. Essa é a forma adequada de absorver um

choque. Se não for fácil contar sua experiência em palavras,

desenhe ou desenvolva qualquer tipo de expressão para manifestar

o que não consegue com palavras. Também considere uma pista

qualquer resistência que sinta. Talvez seja a forma que sua psique

tem de dizer que ainda não chegou a hora de fazer esse tipo de

trabalho. Honrar a mensagem também é uma forma de cura.

Seu sofrimento presente é o cavalo no qual você pode cavalgar de

volta ao passado. Cavalgue cada sofrimento do presente para um

sofrimento do passado.

Trate qualquer reminiscência como a revelação de algum aspecto

sobre si, algo cuja extensão ou seriedade você um dia teve medo

de admitir para si ou para outra pessoa. A reminiscência significa

revelar o abuso, e não o carregar como um fardo. É uma admissão

para você mesmo do que aconteceu e como se sentiu em relação

àquilo. Não importa se a lembrança é precisa ou não. Você está

trabalhando no impacto subjetivo, não na precisão histórica.

Evite se preocupar com o motivo que ocasionou o abuso.

Indagações como essa acabam nos levando de volta à nossa mente


racional, o ego enganador que vai executar a tática usual de

distração e consolo. Em vez disso, transforme cada “Por quê?”

em um “Sim”. Meister Eckhart uma vez disse: “A única forma de

viver é como a rosa: sem um porquê.”

Faça a distinção entre um pai ou cuidador ansioso e neurótico que

descontou o próprio sofrimento em você e um pai ou cuidador

malicioso, mesquinho ou cruel que sentia prazer em ferir você.

Este último inflige uma ferida mais profunda e deixa uma cicatriz

mais séria em nossa capacidade de confiar em relacionamentos

futuros.

Nesses primeiros estágios da lembrança e do sentimento, não defenda

seus pais (“Eles não sabiam nada disso na época”, “É diferente agora”).

Em geral, a compaixão e o perdão não vêm antes da raiva, mas depois.

A recordação levanta uma questão perturbadora e desconcertante:

“Pelo que eu estava pagando?” Qual sofrimento do(s) meu(s) pai(s) eu

tive que compensar? Estou enfrentando uma tortura para pagar pelos

defeitos dos meus ancestrais? Toda a minha vida adulta é uma síndrome

de estresse pós-traumático como uma reação de tudo que passei na

infância?

Na terapia, é melhor trabalhar o reforço de uma segurança interior

antes de partir diretamente para o trabalho em lembranças do

passado. Além disso, o trabalho de luto que se segue aqui foi

desenvolvido para aqueles que não passaram por situações graves

de abuso ou trauma. Experiências assim exigem um trabalho

preparatório maior para estabelecer uma segurança interior antes

que você possa começar a processar e curar as lembranças.

Uma ferida não nos destrói. Ela ativa nossos poderes de cura. A

questão não é “deixar tudo para trás”, mas continuar nos

beneficiando do poder que foi despertado.

Contemple fotos dos seus pais antes de eles se conhecerem.

Coloque as fotos uma ao lado da outra. Fale em voz alta ou


escreva para cada um deles o que os espera e que eles nem

poderiam imaginar; por exemplo, divórcio, abuso, você e sua

história com eles. Depois conte a eles tudo de positivo que

aconteceu. Note como pode surgir uma compaixão pela história

deles.

O primeiro passo é o único que realmente precisamos dar. Os outros

seguem seu curso. Sentimentos complexos vão surgir e, com estes,

repetições instintivas de eventos, perdão compassivo, libertação e rituais

para comemorar o processo. Por fim, quando notarmos que estamos

relembrando e sentindo saudade das coisas boas que nos aconteceram,

estamos sentindo nostalgia, ou seja, o luto leve que sinaliza o pôr do sol

do trabalho do luto.

PASSO DOIS: PERMITIR-NOS SENTIR

Os sentimentos específicos do luto são tristeza, raiva, mágoa e medo (até

mesmo terror). No luto atento, nos tornamos a pista de pouso que

permite que os sentimentos cheguem. Alguns caem, alguns pousam com

suavidade. Alguns nos machucam, mas nenhum deles o faz de forma

duradoura. Permanecemos ali enquanto eles taxiam para longe ou

enquanto retiram os destroços. Podemos confiar que vamos sobreviver;

fomos construídos para isso.

Surpreendentemente, a negação representa um papel no luto saudável.

Para quem convive com um vício, a negação é uma forma de não encarar

a realidade. Mas, para pessoas que estão trabalhando no luto da infância,

a negação é uma forma saudável de permitir que a dor entre aos poucos,

para que consigamos lidar com ela de forma segura. É normal evitar o

ataque total de uma perda e todas as suas implicações. O luto

aterrorizador é aquele que não nos permite desacelerar a entrada de

informações — por exemplo, a notícia repentina da morte de um ente

querido —, mas que nos deixa impotentes e sem defesa e proteção

diante da informação inalterável e irreversível da perda.


Prática

Isso não tem a ver com quem eu sou, mas com o que

aconteceu comigo.

permitir o surgimento dos sentimentos | Trabalhar o nosso luto

tem a ver principalmente com liberar a tristeza, que costumamos

expressar por meio das lágrimas. Não importa a idade, chorar é

adequado quando o amor que desejamos instintivamente não chega. Não

se trata de um sinal de infantilidade, mas de permitir que nossa criança

interior sinta com autenticidade. A melhor forma de luto é nos permitir

o sentimento de tristeza não apenas pelas perdas do passado, mas

também pelas do presente. Nosso luto ocorre porque não recebemos os

cinco As dos nossos pais ou cuidadores e porque também não os

estamos recebendo do nosso par.

Lembre-se também de que, além da tristeza, o luto pode envolver o

processamento de diversos outros sentimentos. A não ser que seja

expresso e processado, o sofrimento se torna autopiedade. A raiva não

expressa se torna amargura. A tristeza não expressa se torna depressão.

O medo não expresso se torna um pânico paralisante. E tudo isso resulta

em abuso, só que agora somos nós que o estamos infligindo a nós

mesmos.

De acordo com a mitologia grega, o vinho se originou das lágrimas

de Dionísio, que chorava pela morte de seu amante, Ampelos. A

mensagem no mito é a de que, no final, o luto se transforma em alegria.

Abandonar o medo e a raiva no luto é um caminho poderoso para

descobrir a serenidade e uma nova perspectiva de liberdade. Realmente,

o Bhagavad Gita diz: “O que no início era uma taça de tristeza, logo se

torna o vinho imortal.”

conectar sentimentos a lembranças | Quando uma lembrança

dolorosa da infância ou de qualquer experiência do passado surge de


repente, no decorrer do dia, você pode tratá-la como um portal para

algum trabalho do luto. Responda as perguntas a seguir, permitindo que

o seu sentimento surja com elas:

Como foi minha tristeza no passado? Como é a minha tristeza

agora? Onde no meu corpo eu me permito sentir essa tristeza?

Como foi minha raiva no passado? Como é a minha raiva

agora? Onde no meu corpo eu me permito sentir essa raiva?

Como foi meu medo no passado? Como é o meu medo agora?

Onde no meu corpo eu me permito sentir esse medo?

Se algum sentimento surgir, agarre-o até que diminua de intensidade,

então imagine-o passando por você como um raio atravessa um para-

raios e, em seguida, entra no chão, ou seja, na terra. Sempre podemos

confiar na Mãe Natureza para receber de forma acolhedora nosso luto,

exatamente como um dia ela há de nos receber.

PASSO TRÊS: UMA CHANCE DE REENCENAR

O terceiro passo para a cura das lembranças é reencenar na memória a

ação ou o discurso original, mas, dessa vez, falando e interrompendo o

abusador. Nesse psicodrama, você se coloca mentalmente no cenário

original e ouve ou vê tudo que lhe foi dito ou feito. Então, você proclama

seu poder e diz não para o abuso. Faça isso de forma vocal ou como uma

ação dramática, com alguém vendo e ouvindo. Você também pode fazer

isso escrevendo, desenhando, dançando, atuando, esculpindo ou

qualquer outro meio de expressão. Não tente mudar o abusador no

drama da sua lembrança, apenas você mesmo. Ao dizer não ao abuso,

você deixa de ser a vítima na cena para, então, se transformar no herói.

Você criou outro final para a lembrança original e, independentemente

do que venha a surgir no futuro, você vai se lembrar de tudo com esse

novo final.
Tudo isso pode parecer inútil por não podermos mudar o passado. No

entanto, o passado que não podemos mudar é o histórico.

Diferentemente deste, nós podemos mudar o passado que carregamos

em nosso interior: carregamos um fato (imutável), mas também

carregamos o impacto que ele teve em nós (muito mutável). Quando

permitimos que a lembrança original se torne um mero fato, toda a carga

se esvai e deixa de nos ferir. Quando nos lembramos do passado,

também nos lembramos da cura de um antigo sofrimento. Essa memória

reconstruída nos leva à serenidade e à resolução, à medida que a

lembrança da mágoa se torna mais suportável, até mesmo

enriquecedora, quando a pessoa que nos feriu pede desculpas.

PASSO QUATRO: ABANDONAR AS EXPECTATIVAS

O quarto passo na cura de lembranças é abandonar qualquer expectativa

de que outra pessoa lhe dará tudo que lhe faltou na infância. Avalie seu

estilo de vida e suas escolhas do presente em busca de qualquer

expectativa desse tipo. Você está exigindo que o seu par lhe dê o que

seus pais não deram? Você está treinando seu par para tratá-lo como

seus pais o faziam? Você tem apego a um guru? Está preso a qualquer

tipo de movimento fanático? É dependente químico ou de uma pessoa, é

dependente de sexo ou de um relacionamento? Você tem compulsão ou

obsessão em relação a alguma coisa que não consegue largar? Você, na

verdade, está tentando conseguir alguma coisa ou fazer com que alguém

lhe dê agora o que um dia você esperava receber da sua família?

Às vezes, imaginamos que podemos encontrar conforto, segurança e

paz de espírito caso nossa mãe possa nos satisfazer agora e se concentre

em nós de todas as formas que ela fracassou antes. Imaginamos que,

assim, podemos abandonar aquele desejo de satisfazer uma necessidade

que só ela poderia suprir. Por pensarmos assim, a chave da nossa

felicidade continua guardada com força nas mãos dela. Como é que

colocamos a chave na nossa própria mão? Fazendo o nosso trabalho.

Afinal, quando usamos as ferramentas de saúde psicológica e prática


espiritual para nos concentrarmos em nós, acabamos nos tornando pais

de nós mesmos e não temos mais a necessidade daquilo que nossos pais

ou cuidadores podem nos dar. Ainda precisamos de outras pessoas, mas

não somos carentes por elas. Uma necessidade começa com a sensação

de que algo está faltando, seguido por uma mobilização de energia em

direção à sua satisfação, e ela se resolve quando é satisfeita ou quando há

o reconhecimento de uma aceitação de que tal satisfação não é possível

naquele momento ou a partir daquela fonte. A carência é um estado

estressante contínuo de não satisfação, impossibilidade de satisfação e

sem resolução.

Meu pai foi embora quando eu tinha dois anos e nunca mais voltou

nem manteve contato comigo. Quando o procurei, já adulto, notei como

eu continuava tentando fazer com que ele fosse, mesmo naquela época,

um pai para mim. No entanto, ele não agia como eu queria. Ele não

tinha essa capacidade dentro de si. E isso me fez sofrer e provocou uma

grande frustração em mim. Cheguei até mesmo a ficar obcecado.

Trabalhei essa questão na terapia e por meio de afirmações. Um dia de

que nunca vou me esquecer: eu estava atravessando a rua Califórnia, em

São Francisco, quando, de repente, ouvi uma nova voz na minha cabeça.

Em vez do usual “Por que ele não consegue _____?”, ela dizia “Ele foi

feito para ser seu pai apenas de uma maneira, ou seja, com a

contribuição para o seu nascimento, e ele foi perfeito nisso.” Parei de

andar no meio da rua, chocado ao perceber aquela verdade repentina e

libertadora. A partir daquele momento, comecei a me sentir melhor em

relação a ele; meu desejo por qualquer coisa que viesse dele acabou

totalmente.

De onde veio aquela voz? Era uma dádiva que eu não tinha planejado

nem inventado, a dádiva do trabalho com o qual me comprometi. Meu

trabalho todo valeu a pena naquele instante. Fazemos todo esse trabalho

para nos libertar de uma ilusão e, às vezes, o esforço compensa. Naquele

dia em São Francisco, quando finalmente parei de fazer cobranças ao

meu pai e permiti que ele entrasse no meu coração, senti meu próprio

crescimento pessoal. Naquele momento, eu soube que todo mundo em


nossa vida precisa encontrar um lugar em nosso coração antes de sermos

completos.

PASSO CINCO: AGRADECER COMO UMA PRÁTICA

Se eu adiar a dor, diminuirei a dádiva.

— Eavan Boland

O quinto passo na cura das lembranças é a gratidão por você ter

sobrevivido ao sofrimento, ao abuso ou à não satisfação de uma

necessidade durante a infância e que tornou você uma pessoa mais forte.

Ao fazer isso, está ecoando um tema presente neste livro: de que existe

uma dimensão positiva para tudo o que acontece conosco. Identifique de

que forma o abuso original levou a uma compensação. Por exemplo,

você pode ter aprendido a lidar com o sofrimento; às vezes pela fuga, às

vezes pela luta direta — ambas ações sábias e legítimas dependendo da

força disponível na hora. Localize os poderes em você diante de dores e

perdas do passado. É a isso que estamos nos referindo quando dizemos

que o herói é a pessoa que passou pelo sofrimento e foi transformada por

ele.

Escreva uma afirmativa para agradecer o que aconteceu,

reconhecendo que aquilo foi necessário para tornar você a pessoa forte

que é agora. Você não está agradecendo o sofrimento por que passou no

passado, mas o poder de lidar com o sofrimento agora. “Foi necessário

que esse mal e essas coisas dolorosas acontecessem para que a grande

emancipação ocorresse”, disse Nietzsche. Também foi ele que disse que

o que não nos mata nos deixa mais fortes.

Você é forte agora? No mínimo, está disposto a encarar o sofrimento

de um luto honesto em relação aos abusos do passado. Veja quantas

formas existem para que o passado revele o presente! Ele nos diz o que

precisamos e por que precisamos, o que revela as origens de todas as

nossas qualidades e defeitos. Isso atualiza o potencial. É o mapa interior

da nossa vida adulta. Se soubermos segui-lo, vamos encontrar a história


mais emocionante acerca da nossa vulnerabilidade sensível e um relato

mais preciso de cada anseio e cada medo. E, então, você pode dizer:

Minha maior alegria está na compreensão de que ainda sou capaz de

amar. Essa capacidade continuou intacta apesar de todos os golpes que

sofri. O fato de o amor ter sobrevivido significa que eu sobrevivi.

PASSO SEIS: A DÁDIVA DO PERDÃO

Minha fé na bondade do coração humano é inabalável.

Todos os dias da minha vida, tive o apoio de tal bondade.

— Helen Keller

O perdão é um acontecimento, e não um passo, de fato. Não temos como

planejá-lo nem como obrigá-lo a acontecer. É uma compaixão

automática e uma absolvição daqueles que nos magoaram. É por isso

que ele só é possível depois da raiva. O perdão significa abandonar a

culpa, a má vontade, o ressentimento e a necessidade de revidar. Isso

acontece em nós enquanto ainda estamos reconhecendo a

responsabilidade de alguém.

A compaixão em relação aos abusadores significa abandonar a

indignação do ego por tempo suficiente para ver o sofrimento deles.

Significa notar que os próprios abusadores sofreram abuso e que nunca

viveram o luto do próprio sofrimento inconsciente, apenas o

perpetraram contra nós. Nós vemos como isso é errado, mas agora

notamos o sofrimento deles de forma consciente, talvez pela primeira

vez, e sofremos com eles. O perdão finalmente tira o fardo de sofrimento

das nossas costas. É o verdadeiro amor incondicional e promove a nossa

saúde pessoal, psicológica e até mesmo física.

O perdão é um poder, uma dádiva que permite que excedamos os

nossos limites normais do ego. O ego neurótico costuma se preparar para

punição e vingança. E, de fato, a busca por vingança é uma forma de

resistir ao luto. Ela substitui a vingança sobre os injustos pela

vulnerabilidade de sentir-se triste com a injustiça. O luto saudável, por


outro lado, leva ao comprometimento de lidar com as ofensas de forma

não violenta, para buscar a reconciliação e a transformação, em vez da

vingança e da retribuição. Essa é uma forma de dominar o poder em vez

de ser pisoteado por ele ou usá-lo para pisotear os outros.

O perdão é mindfulness e benevolência aplicadas ao nosso coração

ferido. Sentir perdão e compaixão é um sinal de que transcendemos o

ego. Se você sente o perdão, as forças de ajuda abençoaram o seu

trabalho. É um momento que integra o trabalho psicológico pela vontade

e as dádivas espirituais recebidas como graças que aprimoram e

completam nossos esforços. Como os heróis míticos, nós lutamos e

sentimos com toda a nossa força e, então, um poder maior do que nós

mesmos aparece em forma de dádivas.

O ego imagina que o perdão exige punição como um pré-requisito.

Mas o perdão autêntico esquece aquele modelo “olho por olho”, dando

lugar à generosidade mais pura. O perdão é a forma superior de se

libertar, porque ao perdoar estamos abandonando não apenas o

ressentimento em relação aos outros, mas também o nosso próprio ego.

É um evento olímpico espiritual.

Diga isso de vez em quando até que lhe pareça ser verdade: “Quando

me lembro das mágoas causadas por familiares, sinto compaixão pelas

inadequações, ignorância e medo que estavam por trás delas. Não tenho

desejo algum de revidar nem de fazer mal a ninguém, nem a necessidade

de que me compreendam. Lanço uma chuva de amor piedoso sobre a

minha família. Fico alegre com o fato de que agora estou livre de ter que

os mudar ou os culpar. Não falo mais sobre a minha história com

familiares que me magoaram, reservo isso para a terapia.”

O perdão é a forma mais digna de esquecer, porque trata-se

de esquecer apesar de ainda se lembrar.

— Paul Tillich

PASSO SETE: RITUAIS DE CURA


Um ritual encena uma consciência recém-descoberta, tornando próxima

e palpável sua realidade mais profunda. Ele santifica o lugar onde

estamos e as coisas que sentimos ao consagrá-las a algo mais superior

do que o transitório. Crie um ritual que leve em conta os rituais da

infância, mas então expanda-os. Encontre um gesto que represente sua

tensão e suas realizações durante o trabalho de luto que você concluiu.

Encontre formas de demonstrar a gratidão pelas dádivas espirituais

recebidas. Rituais recrutam nosso corpo. A mão e os olhos têm uma

sabedoria ancestral que funciona melhor do que a mente no processo de

integração.

O luto do passado não tem a ver apenas com ressentimentos de

família, mas também com concluir o trabalho da família. Aqueles que já

se foram ou faleceram continuam fazendo parte do sistema familiar.

Ninguém é totalmente excluído, não importa que tenha sido

completamente rejeitado ou que tenha rejeitado completamente a

família. Quando honramos e reincluímos os excluídos, eles não mais

dominam a nossa psique como se fossem assombrações incansáveis. E

relacionar-nos com nosso próprio passado obscuro pode não apenas

trazer a nossa cura, mas também chegar ao passado de nossa família e,

assim, curar nossos ancestrais também. Talvez estejamos aqui para

trabalhar o carma dos nossos antepassados. O que nosso pai, mãe ou

cuidador vivenciaram que nunca foi resolvido nem curado? O que eles

sofreram e depois passaram para a frente, em vez de resolver? Será que

fui, de alguma forma, envolvido pelo destino deles? Um ritual funciona

de forma poderosa quando envolve nossa conexão com o passado e nos

torna os curandeiros feridos dele.

PASSO OITO: AUTOCUIDADO PARENTAL E


RECONEXÃO

Para dizer que realmente concluímos nosso trabalho de luto, precisamos

atingir não apenas a catarse de sentimentos, mas o autocuidado e a

intimidade destemida em relação aos outros. O sofrimento e o luto são


as dores de parto do nascimento de um adulto. Ficar de luto significa

prestar atenção na parte assustada e chorosa dentro de nós e lhe oferecer

consolo. Ao fazer isso, dedicamos um autocuidado parental e criamos a

vulnerabilidade que leva a um relacionamento saudável. Como São

Gregório de Nissa escreveu no século IV: “Somos, de determinada

forma, nossos próprios pais, e damos à luz nós mesmos por livre e

espontânea vontade do que é bom.”

O autocuidado parental significa nos dar os cinco As: nós prestamos

atenção no nosso sofrimento e nos recursos interiores para nossa cura.

Prestamos atenção nas formas como nosso passado interferiu nos nossos

relacionamentos e como nos ajudou a nos encontrar. Praticamos a

autoaceitação, abraçamos todos os nossos talentos, virtudes, fracassos e

inadequações. Sentimos o apreço pela nossa jornada e pelos passos

certos e errados que demos durante o caminho. Nós valorizamos nossos

pais e pares pelas contribuições que deram para a formação do nosso

caráter, para melhor ou para pior. Amamos a nós mesmos como

realmente somos e, desse modo, sentimos respeito e compaixão pelo

nosso eu do passado e nos abrimos para aceitar nosso eu do futuro. Nós

nos permitimos viver de acordo com nossas necessidades, valores e

desejos mais profundos. Ninguém pode nos deter; nunca pôde.

O autocuidado parental também significa estarmos abertos para

nossos recursos interiores e a um sistema de apoio de pessoas amorosas,

sábias e compassivas. O sofrimento e a perda nos afastam dos outros; o

trabalho do luto nos reconecta com as pessoas em quem confiamos. Isso

talvez inclua pessoas que nos magoaram, mas elas geralmente vêm do

mundo mais amplo, no qual muitos braços nos esperam. O sobrevivente

do Holocausto Elie Wiesel diz: “Não existe um messias, e sim

momentos messiânicos.” É possível que nem sempre tenhamos nossos

pais presentes, mas existem em nossa vida momentos de cuidados

parentais, sejam eles oferecidos por nossos pais biológicos ou por um

adulto que nos apoia. O autocuidado parental inclui aceitar e celebrar

esses momentos e as pessoas que os trazem. Talvez nunca nos tenha sido

prometido amor parental completo, apenas momentos de amor parental,


antes e agora, de pais de verdade e outros adultos. O que temos

esperado chegou à nossa vida em muitos momentos. Será que chegou

aqui e agora?

O último passo do luto é o primeiro passo para a intimidade. Um

pai/mãe/cuidador interior e cuidadoso nos dá forças para nos abrirmos

para ela. À medida que ficamos mais saudáveis, procuramos, de forma

mais consciente, um contexto no qual sejamos capazes de ressuscitar

com segurança nossas tentativas frustradas originais de encontrar o

espelhamento. Ao mesmo tempo, podemos temer que nossas feridas

originais voltem a se abrir. Entramos em um relacionamento sentindo

desejo e medo, esperança e terror, otimismo e pessimismo. Subjacente a

cada desejo ou reclamação em relação a um par, existe um anseio não

satisfeito. Durante toda a vida, seguimos exigindo e/ou buscando uma

sintonia com nossos sentimentos na forma dos cinco As. O medo pode

ser a chama que nos mostra onde o anseio pelos cinco As se encontra

dentro de nós.

Talvez escutemos nossa própria voz dizendo: “Quando eu finalmente

permitir, testemunhar, compreender e abraçar amorosamente a agonia

que existe no jardim secreto da minha alma, minha própria capacidade

de tolerar sentimentos, não importa quão dolorosos estes sejam, se

expande. Isso permite que eu me sintonize comigo mesmo. A intimidade

saudável me ajuda a prover o autocuidado parental com os cinco As.

Quando espelho a mim mesmo no contexto no qual você me espelha,

minhas demandas para você se tornam mais moderadas, e atinjo um

equilíbrio feliz entre a necessidade pelos seus cuidados e a capacidade

de autocuidado.” Por fim, olhando para o quadro mais amplo, o trabalho

de luto se conclui com consciência e compaixão por angústias similares.

Por exemplo, o luto dos judeus pelo Holocausto pode levá-los a se

sentirem ultrajados e a resistirem a qualquer forma de opressão e

genocídios no mundo atual. Dessa forma, o luto é um caminho para a

virtude da compaixão e para o progresso do mundo, algo de que a

retaliação nunca será capaz.


Prática

registrar sua linha de salvação | Contemple atentamente tudo o

que aconteceu com você nos diversos capítulos da sua vida. Trace sua

linha de salvação, década a década, registrando os pontos altos. Quando

a concluir, pendure-a em um lugar em que possa vê-la. Um dia, quando

estiver pronto, abençoe e abandone cada um dos capítulos, dizendo:

“Tudo isso aconteceu comigo. Aceito tudo como cartas que recebi do

jogo da vida. Poderia ter sido melhor ou poderia ter sido pior. Neste

momento de compaixão serena, enterro qualquer reclamação, culpa ou

arrependimento. Digo sim incondicional a todas as condições sob as

quais vivi. Entendo que foram lições que eu precisava aprender. Sinto

afeto por mim mesmo e por todos que caminharam ao meu lado.

Permito-me continuar, a partir de agora, sem medo ou fixação ao

passado ou a qualquer uma de suas seduções ou distrações. Alinho tudo

o que aconteceu e simplesmente digo: ‘Sim, tudo isso aconteceu. E

agora?’” A tragédia na vida não tem a ver com nenhum evento

específico, mas com o fracasso de amar. “Minha vida é uma história,

não uma tragédia. Que eu e todos os que conheço se tornem iluminados

por tudo o que passamos juntos.” Ao dizer isso, faço com que a primeira

frase deste livro se torne realidade: “Amor é a possibilidade das

possibilidades.”

Todas as tuas velhas aflições agora sorrirão para ti,

E tuas dores brilharão sobre ti;

Todas as tuas tristezas cintilarão aqui,

E teus sofrimentos serão divinos;

Lágrimas de conforto se transformam em gemas,

E os arrependimentos em diademas.

Até que tuas mortes vivam, e novos sofrimentos

Vistam a alma que no passado eles mataram.

— Richard Crashaw, “Hino a Santa Teresa”


SOBRE O AUTOR

David Richo, Ph.D. é psicoterapeuta, professor, escritor e palestrante.

Seu trabalho enfatiza os benefícios do mindfulness e da bondade

amorosa no crescimento pessoal e no bem-estar emocional. É autor de

vários livros, incluindo Triggers e As cinco coisas que não podemos

mudar.

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