Deus Uno e Trino

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DEUS UNO E TRINO

Frei Antonio Mota

Introdução

Falar sobre a Santíssima Trindade é falar de Deus a partir da perspectiva Cristã,


justamente porque a confissão da Trindade – sabemos – não é a única confissão de fé
que existe. Aliás, se voltamos nosso olhar para a história das religiões, constamos que a
confissão trinitária é uma maneira de falar de Deus que apareceu em um tempo bastante
tardio, em referência às religiões mais antigas do que o Cristianismo.
Na Verdade, quando falamos da Santíssima Trindade, estamos nos referindo à
experiência cristã de Deus, à maneira como os cristãos se relacionam com Deus, como
O entendem. Uma maneira que tem de igual com as outras religiões o fato de crer em
Deus, mas que também se diferencia por causa da singularidade de sua experiência do
divino:

«Toda religião tem em seu centro a fé, a crença em Deus. Com a nossa fé cristã não
é diferente. Somos cristãos, e no centro dessa identidade está a nossa crença em
Deus. Os contornos do perfil desse Deus em quem cremos são fundamentais para
entendermos em que consiste a proposta de nossa fé e situar o que ela tem de
diferente em relação a outras religiões».1

Todavia, como cristãos – cujas raízes religiosas estão enficadas em solo judaico –,
fazemos uma experiência de fé segundo a qual só conhecemos Deus porque ele se
revela na história. Assim, a nossa reflexão sobre as experiências de Deus feitas pela
humanidade tem por horizonte, justamente, o processo histórico da “aventura” humana,
pois, como diz a Carta Hebreus:

«Muitas vezes e de modos diversos falou Deus, outrora, aos Pais pelos Profetas;
agora, nesses dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho» (Hb 1, 1-2).

O que acabamos de colocar nos põe em condições de encontrar um método para


falar de Deus, os Santos Padres chamam esse métodos de economia do discurso de
Deus, ou seja: Deus dá-se a conhecer ao ser humano de uma maneira processual,
gradativa, poderíamos também chamar pedagógica. Concretamente, isto implica dizer:
Deus vai fazendo-se conhecer de acordo com a capacidade humana de conhecê-Lo.2
Seguindo essa perspectiva, uma olhada panorâmica, por isso geral, sobre as
experiências de Deus feitas pela humanidade ao longo de seu percurso histórico,
permitiu que os historiadores das religiões elaborassem diversas classificações de
categorias religiosas, como, por exemplo: religiões primitivas – religiões éticas –

1
M. C. L. BINGEMER – V. G. FELLER. Deus Trindade: a vida no coração do mundo. São Paulo-Valencia:
Paulinas-Siquem, 2009, p. 11.
2
Para um ulterior aprofundamento sobre a revelação de Deus na história, cf. R. HEIGHT. Dinâmica da
teologia. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 71-85. Como essa dinâmica se dá na história da Igreja, cf. J.
RATZINGER. San Bonaventura. La teologia della storia. Assisi: Porziuncola, 2008.
religiões de redenção; religiões das tribos primitivas – religiões nacionais – religiões da
humanidade, dentre as quais se encontra o Judaísmo de onde nasce o Cristianismo3.
Muitos, dentre os quais o filosofo alemão Hegel, pensaram esse desenvolvimento
das religiões como um processo linear, que ia das primeiras intuições que a humanidade
teve do Ente supremo até o Cristianismo que, para Hegel, era a religião moderna.
Segundo essa visão, tal processo ia se dando de forma que cada nova etapa superava
aquela precedente. Nessa direção:

«na nossa cultura (de cunho eurocêntrico, iluminista e evolucionista) estávamos


habituados a ver as religiões mais arcaicas como uma etapa superada no processo
da evolução religiosa da humanidade, para chegar depois no Judaísmo e, enfim, no
Cristianismo [...]. Hoje, ao invés, percebemos que essas religiões coexistem uma ao
lado da outra».4

Dessa maneira, vivemos hoje um pluralismo religioso e é justamente essa situação


que exige que colhamos a unidade e diferença entre experiência cristã de Deus e aquelas
das outras religiões. Porém – até mesmo porque este não é o lugar adequado –, não
precisamos refazer a história das religiões para colher essa unidade e diferença. Isto
porque nos movemos dentro da teologia cristã, ou seja, nossa tarefa não é outra que
conhecer mais profundamente o Deus do qual fazemos experiência, no qual já cremos.
O PRIMEIRO PASSO, portanto, a ser dado na nossa aventura de compreender
melhor o mistério de nossa fé é exatamente partir de Jesus Cristo. A confissão da
Trindade é uma realidade que parte da experiência do próprio Jesus Cristo, pois é
exatamente Ele quem nos apresenta Deus como Trindade.
Partir de Jesus Cristo, como esclarece P. Coda, é já encontrar o método segundo o
qual podemos compreender essa experiência – que é a nossa – de experimentar Deus
como Trindade. O método consiste em ter o Novo Testamento como o centro da nossa
reflexão, justamente porque é aí que encontramos delineado o rosto de Deus que Jesus
nos apresenta. Todavia, essa centralidade da revelação neotestamentária deve levar em
consideração três realidade, escreve o Teólogo italiano:5

1) «A nossa experiência de seres humanos diante do mistério da existência e do


Absoluto. Porque se Deus se revela a Israel e se comunica plenamente em
Jesus Cristo, isto acontece porque o ser humano o espera, temos, assim, que
levar em conta a experiência da humanidade “fora” ou “antes” [...] de Israel e
da revelação cristã».6

2) «Tudo aquilo que prepara diretamente a vinda de Jesus Cristo: de fato, o Deus
de Jesus Cristo já tinha sido revelado aos Patriarcas, por isso a promessa e
experiência de revelação feita a Israel não é uma coisa estranha à revelação de
Cristo, mas é-lhe interna como um pressuposto constitutivo e permanente».7
3
Cf. L. VEUTHEY. Introduzione Allá storia delle religioni. Roma: Editrice Miscellanea Francescana,
2008.
4
P. CODA. Dio Uno e Trino. Rivelazione, esperienza e teología del Dio dei cristiani. Milano: San Paolo,
2003, p. 10 (Tradução efetuada pelo autor do presente texto, assim como todas as citações posteriores).
5
Cf. Ibidem, p. 11.
6
Ibidem, p. 11-12.

7
Ibidem, p. 12.
3) «Enfim, a compreensão que a Igreja teve e tem de Jesus Cristo. A revelação de
Deus exige um alguém que a acolha, faça-a sua e a compreenda:
diferentemente, não seria revelação de Alguém a alguém. Tudo isso já se
verifica em Israel onde a revelação de Deus é mediada por aqueles grandes
interlocutores do diálogo da salvação (Abraão, Moisés, os profetas...) e de
toda a experiência de um povo. O mesmo acontece em referência à Igreja,
começando pelos Apóstolos que nos transmitiram a experiência que fizeram
de Jesus e, depois, através do longo caminho da história da experiência e da
reflexão da Igreja».8

1. Raízes Antropológicas da Experiência de Deus

A presença da dimensão religiosa na vida humana é um fato incontestável. É


comum encontrarmos em todos os povos e culturas formas de relação entre o ser
humano e o divino. Aliás, a própria palavra cultura deriva do termo culto, o que
pressupõe que as culturas da humanidade tenham se desenvolvido a partir de
experiências religiosas. Isto porque temos uma estrutura antropológica que permite que,
para usar uma categoria de Micea Eliade, em meio ao profano de nossas vidas, o
sagrado irrompa9 na sua magnificência, se dispondo à nossa adoração. Foi justamente a
partir dessa experiência da qual o homem é capaz, tem necessidade, que foram se
erguendo as religiões enquanto tais.
Essa fenomenologia da relação entre o humano e o divino que parece nascer
espontaneamente e que vivemos através da religião, ou então, de práticas religiosas,
confirma que o ser humano enquanto tal é predisposto a Deus. Traz consigo a pergunta
por aquilo que está além de si e do mundo que o circunda. Procura o princípio de todas
as coisas. Uma pergunta que, daquilo que podemos colher da experiência humana, pode
ser cultivada através da explicação científica, mas indo além dessa, é respondida em
termos de significado através da fé.
A nossa literatura cristã é plena de autores que falam dessa predisposição que
temos para nos encontrarmos com o divino. Uma predisposição que se traduz em nossa
experiência através da nossa busca pela verdade, pela felicidade, pela plenitude, etc.
Nessa direção, é eloqüente a confissão de Santo Agostinho, o qual quando encontra
Deus reconhece exatamente que n’Ele está tudo o que ele buscava ao longo de
caminhada existência:

«Tarde te amei, beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! E eis que estavas dentro
de mim e eu fora, e aí te procurava, e eu, sem beleza, precipitava-me nessas coisas
belas que tu fizeste. Tu estavas comigo e eu não estava contigo. Retinham-me
longe de ti aquelas coisas que não seriam, se em ti não fossem. Chamaste, e
clamaste, e rompeste a minha surdez; brilhaste, cintilaste, e afastaste a minha
cegueira; exalaste o teu perfume, e eu respirei e suspiro por ti; saboreei-te, e tenho
fome e sede; tocaste-me, e inflamei-me no desejo da tua paz». 10

É essa predisposição, presente na constituição do nosso ser, aquilo que nos


permite fazer uma experiência de Deus. Tal predisposição age em nós como uma
espécie de orfandade originaria que nos coloca em busca de nossa origem, em busca de
uma paternidade que está para além de nossa paternidade humana.
8
Ibidem.
9
Cf. M. ELIADE. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 13-14.
10
SANTO AGOSTINHO, Confissões, X, 30.
Por causa dessa orfandade originária, quando somos lançados em meio ao mundo
que nos cerca, jamais aí nos colocamos de modo neutro; pelo contrario, na nossa
experiência de estarmos no mundo, somos como que lançados em direção as coisas
através da sedução de um mistério que envolve tudo, inclusive a nós mesmos.
A experiência bíblica está permeada por essa busca – que é, em verdade, a busca
pelo sentido da existência – que encontra em Deus sua resposta fundamental, como
mostra um dos textos escolhidos para liturgia da Santíssima Trindade:

«Contemplando estes céus que e formastes com dedos de artista;


perguntamos: “Senhor quem é o homem, para dele assim vos lembrardes e o
tratardes com tanto carinho?» (Sl 8, 4-5).

2. A experiência de Deus veterotestamentária

2.1. O Deus de Abraão, de Isaque e Jacó11

2.2. Monoteísmo ou monolatria?

O primeiro problema que se nos deriva do exame do Antigo Testamento é


certamente o problema do monoteísmo; isto porque a sua origem tem sido objeto de um
vivo debate entre os estudiosos. Sobretudo entre duas correntes: a primeira o vê como
fruto de uma evolução linear e progressiva do animismo originário através do
politeísmo (linha evolucionista de E. B. Tylor) e, a segunda, que o vê como estado
originário da experiência religiosa (cf. W. Schmidt). Mesmo deixando de lado esta
problemática mais geral, aproximando-nos da experiência bíblica, vamos constatar que,
em sentido estreito, não podemos falar, desde o início [dessa experiência], de
monoteísmo, mas sim de monolatria (um só Deus para o clã, primeiro, e, depois, para o
povo de Israel) que, progressivamente, é amadurecida – passando por várias fases – em
monoteísmo verdadeiro e próprio.
Ao analisar o Antigo Testamento na ótica da revelação de Deus, podemos
constatar, de modo real e imediato, uma distinção fundamental que o perpassa.
Na designação de Deus conferimos, de fato, duas evidentes fases históricas. A
primeira fase se refere ao período dos Patriarcas, que vai até Moisés: neste período
Deus é chamado com o termo comum El, o seu plural Elohìm, algumas composições de
El com adjetivos que o qualificam, ou então é chamado de Deus de Abraão, de Isaque e
de Jacó. A segunda fase pressupõe uma mudança, e nela encontramos um novo nome de
Deus, tipicamente bíblico: Jhwh, revelado a Moisés no Sinal.
Um testemunho histórico dessa passagem, da fase mais arcaica à fase mais
recente, encontramos no capítulo 32 do livro do Deuteronômio, onde se pode notar
como Israel tenha a consciência que o seu Deus é Jhweh, porque El, e Elohìm, é o nome
comum para designar as divindades de todos os outros povos vizinhos:
«Quando o Altíssimo repartiu as nações, quando espalhava os filhos de Adão, ele
fixou fronteiras para os povos, conforme o nome dos filhos de Deus [El], mas a parte de
Jhweh foi o seu povo, o lote de sua herança foi Jacó» (Dt 32, 8-9).

11
Quanto será dito nesse ponto é extraído de CODA, Dio Uno e Trino, p. 25-30 (Tradução nossa para uso
exclusivo em sala de aula).
2.3. A experiência de Abraão e dos Patriarcas

Iniciando o nosso caminho, devemos, então, nos determos no primeiro estagio


dessa história de revelação [a de Deus, na Bíblia], ou seja: determo-nos no Deus de
Abraão, de Isaque e de Jacó (a chegada de Abraão em Canaã é colocada em torno de
1850 a. C.). De início, já é muito importante sublinhar que Deus, em seu manifestar-se,
se liga a pessoas que ele escolhe e lhe acolhem. Deus se faz conhecer através da
experiência que d’Ele fizera Abraão, Isaque e Jacó.
A sua denominação originária é justamente aquela de El. Este nome deriva da raiz
semítiva ‘l, que indica o rei ou o pai dos deuses (trata-se de populações politeístas). Para
designar o seu Deus, Abraão e os Patriarcas usam o termo dos outros povos, mas
lançando sobre esse nome a nova experiência que fizeram exatamente a partir de seu
intervento [de Deus] na historia deles. Para expressar essa novidade, usa-se dois modos:

a) Coloca-se ao lado do El um adjetivo que o especifica: ‘El Elyôn = Deus


Altíssimo (cf. Gn 14, 19-22); ‘El Sadday = Deus onipotente ou da montanha
(cf. Gn 17,1); ‘El Olam = Deus eterno (cf. Gn 21,23), etc;
b) Transforma-se El, que é singular, no plural Elohìm. Usar este plural significa
exprimir a potência e a grandeza do El de Israel como Deus por excelência.

Todavia, além disso, qual foi a experiência feita por Abraão? Obviamente, os
textos base sobre os quais fixamos a nossa atenção são a história dos Patriarcas, narrada
do capítulo 12 ao capítulo 36 do Gênesis. É muito difícil examinar esta matéria literária
para compreender qual seja núcleo da experiência que aí está subentendida. Porém,
podemos dizer com segurança que o Deus de Abraão é um Deus encontrado nas vias no
nomadismo e do deserto, que mostra como ser nômade, e mesmo forasteiro, não seja um
fatalismo, mas uma vocação, como mostra o caso de Abraão, cuja vocação nos é
reportada pelo Gênesis. Trata-se de uma experiência de Deus que se encruza com a
experiência de vida de um clã que caminha e desvela esta experiência como vocação.
Por isso, o Deus de Abraão é, em primeiro lugar, um Deus que chama a sair, a
caminhar seja no espaço, seja no tempo: um Deus da história que rompe com a
ciclicidade presa no tempo e das estações, dos costumes e das culturas. É um Deus que
dialoga: a sua experiência pressupõe, portanto, dois companheiros que entram em
relação. É um Deus que, chamando e dialogando, se mostra como um amigo seguro do
homem, que o guia, o sustenta, e, por isso, pode ser definido com os símbolos da rocha
e do escudo. Enfim, é um Deus que promete, que se interessa pelo futuro desse homem
que escolheu. Desde o início da história de Israel se compreende que se trata de um
Deus da promessa e da aliança. Assim, o livro do Gênesis narra o evento dessa aliança
[...]:

«Quando Abrão completou noventa e nove anos, Jahweh lhe apareceu e lhe disse:
“Eu sou o El Shaddai, anda na minha presença e sê perfeito. Eu instituo minha
aliança entre mim e ti, e te multiplicarei extremamente”. E Abrão caiu com a face
por terra. Deus lhe falou assim: “Quanto a mim, eis a minha aliança contigo: serás
pai de uma multidão de nações. E não mais te chamarás Abrão, mas o teu nome
será Abraão, pois eu te faça pai de uma multidão de nações. Eu te tornarei
extremamente fecundo, de te farei nações, e reis sairão de ti. Estabelecerei minha
aliança entre mim e ti, e tua raça depois de ti, de geração em geração, uma aliança
perpétua, e serei o vosso Deus» (Gn 17,1-8).12
12
Para esta e as demais citações bíblicas utilizamos a edição brasileira da Bíblia de Jerusalém.
Todavia, ao mesmo tempo, o Deus de Abraão é um Deus que permanece
misterioso e transcendente. Ao contrário, não seria mais Deus, mas um ídolo, uma
projeção das expectativas e dos desejos do homem. Podemos ver isso através do
episódio da luta entre Deus e Jacó, que ilustra plasticamente a dinâmica de
aproximação-distanciamento de Deus e o velamento do seu nome, que – para os povos
semitas – contêm em si o seu próprio ser, a possibilidade, portanto, conhecê-Lo e tê-Lo
para si:

«Jacó ficou só. E alguém lutou com ele até surgir a aurora. Vendo que não o
dominava, tocou-lhe na articulação da coxa, e a coxa de Jacó se deslocou enquanto
lutava com ele. Ele disse: deixa-me ir, pois já rompeu o dia. Mas Jacó respondeu:
“Eu não te deixarei se não me abençoares. Ele lhe perguntou: “Qual é o teu nome?”
– Jacó, respondeu ele. Ele retomou: Não te chamará mais Jacó, mas Israel, porque
foste forte contra Deus e contra os homens, e tu prevaleceste. Jacó fez uma
pergunta: “Revela-me teu nome, por favor”. Mas ele respondeu: “Por que
perguntas pelo meu nome?” E ali mesmo o abençoou» (Gn 32,25-31).

Na fase mais arcaica da história de Israel [...], em um contexto politeísta, como


aquele das culturas e dos povos em meio aos quais os Patriarcas viviam, assistimos,
portanto, o abrir-se progressivo de uma relação viva e especial entre Deus e Abraão,
Isaque e Jacó... Talvez a coisa mais importante e nova, que aí se dá, seja o fato que se
trata de um Deus «pessoal». Pessoal em dois sentidos: é um ser vivente amigo do
homem e que é, ao mesmo tempo, o Deus desse homem, Abraão, e não de um outro. A
experiência que d’Ele faz Abraão entra na sua própria «definição». Portanto, não se
pode falar, como notamos, de monoteísmo – como afirmação consciente da unidade
desse Deus –, mas de monolatria, ou seja: veneração e culto privilegiados, senão
exclusivo, de Deus como Deus do pai (Abraão) e do seu clã, e isto porque d’Ele e da sua
aproximação se fez uma experiência direta.

3. O Deus de Moisés e do êxodo e a revelação do seu nome

Também a experiência de Israel no Egito e de Moisés (por volta de 1250 a. C),


para além de tudo o mais, é apresentada, da parte de Deus, como uma vocação.
Compreende três elementos fundamentais: [1] a libertação do Egito; [2] a aliança; [3] a
revelação do nome de Jhwh, que encontramos em duas passagens centrais do livro do
Êxodo (3,13-15; 6,2-3).
O Deus que opera no êxodo se apresenta como o Deus dos pais que está ao lado
do seu povo, desce ao seu encontro, escutando o seu grito e o liberta (cf. Ex 2, 23-25).
Mas se revela e age também, diversamente dos Deus dos pais, através de grandes
gestos, mostrando uma potência mais universal e historicamente decisiva para o futuro
do seu povo. O Deus de Abraão é um Deus da quotidianidade da vida de um clã
nômade; a Moisés, invés, se revela como um «Eu» transcendente e absoluto, que, ao
mesmo tempo, se põe decididamente ao lado de Israel e guia a sua história em direção a
uma pátria de liberdade e de justiça.

3.1.1. Origem e originalidade do monoteísmo mosaico


Com a experiência de Moisés e da libertação de Israel do Egito, encontramo-nos
diante de dois fatos de excepcional importância para a compreensão da origem e
originalidade do monoteísmo hebraico. Por um lado, temos o encontro pessoal de
Moisés com Deus (a teofania do Sinai), uma experiência poderosa que Moisés
comunica aos outros israelitas, colocando em movimento um processo do qual Israel
nasce como povo exatamente em torno desse Deus que o liberta e – através de Moisés –
o liga a si por uma aliança. Por outro lado, esse Deus que revela o seu nome se
apresenta exatamente como o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó. Esse Deus está,
portanto, não somente na origem da identidade de Israel como povo – através de Moisés
–, mas também da história de Israel a partir da experiência de Abraão e da chegada de
seu clã na terra de Canaã. A esse respeito escrever E. Zenger:

«Jhwh, que (...) existe desde a primeira fase como Deus agente, se torna o “Deus
principal” de Israel somente porque ele cria um povo para si, um povo que lhe
deve a terra e a liberdade que possui, e, por isso, o venera como Deus. A
“ascensão” de Jhwh a Deus principal de Israel é um acontecimento pré-histórico,
que não está ligado à monarquia, ao sacerdócio e ao templo, mas à origem de um
povo que se liberta da escravidão do Faraó. Do ponto de vista histórico-religioso,
Jhwh obtêm o seu perfil, ao interno do mundo dos deuses do Oriente antigo, não
com a sua delimitação diante dos outros deuses, mas como “motor” do complicado
processo através do qual Israel se torna um povo».

A partir do êxodo e do Sinai, Jhwh se torna, portanto, em sentido forte, o Deus


de Israel: trata-se não somente de um aprofundamento da revelação de quem Ele é, mas
também de uma relação com Ele, que se torna para Israel cada vez mais, e
decisivamente, exclusivo. Mas para penetrar em tudo isto, é necessário nos determos na
análise do significado deste misterioso nome, conhecido como o sagrado tetragrama, ou
seja: as quatro letras: JHWH.

3.1.2. O nome de Deus

3.1.2.1. A origem

Provavelmente, esse nome já era presente em uma forma arcaica no ambiente do


Sinai, junto aos povos madianitas, e, em modo particular, entre os kenitas, dos quais,
segundo a tradição do Êxodo, provem também o sogro de Moisés, Jetro. Parece derivar
de uma forma arcaica do verbo «ser», que para os hebreus quer dizer, concretamente,
existir, vivente (hajah).
O essencial é que conquista um significado novo e específico na experiência do
êxodo e da revelação feita a Moisés.

3.1.2.2. A pronúncia

Sobretudo a partir do período sucessivo ao exílio da Babilônia, a transcendência


de Deus recebe uma evidenciação muito grande. A um certo ponto, provavelmente no
período dos Macabeus (II século a.C.), para não profanar a divindade, começa-se a não
mais pronunciar o nome de JHWH. O nome começa a ser pronunciado somente uma vez
a cada ano, em dia solene na liturgia do templo. Quando, na leitura da Sagrada
Escritura, se encontra o tetragrama, para não pronunciá-lo, substituíam-no com Adonai
(meu Senhor) ou então com ha Hashem (o Nome). Adonai é traduzido (pelos Setenta
tradutores da Bíblia, no século III a. C.) com Kýrios.
Uma vez que esse nome não é mais pronunciado, esqueceu-se sua pronúncia,
porque não se sabia mais quais eram as vogais, que em hebraico não são escritas. Os
masoréticos (séculos VI-X d. C.) acrescentaram ao texto consonântico as vogais da
palavra Adonai e, por isso, liam Jeová. Mas a verdadeira pronuncia é seguramente
«Jahwè», como foi conservada pelos samaritanos e já era conhecida pelos Padres da
Igreja.

3.1.2.3. O Significado

Para penetrar no significado originalmente mosaico (e, conseqüentemente,


bíblico) do nome de Deus, devemos ler o Êxodo, no texto base onde se narra o famoso
episódio da sarça ardente:

«Moisés estava pastoreando o rebanho do seu sogro Jetro, sacerdote


de Madiã. Levou as ovelhas além do deserto e chegou ao Horeb, a montanha
de Deus. 2 O anjo de Jhwh apareceu a Moisés numa chama de fogo do meio
de uma sarça. Moisés prestou atenção: a sarça ardia no fogo, mas não se
consumia. 3 Então Moisés pensou: "Vou chegar mais perto e ver essa coisa
estranha: por que será que a sarça não se consome?" 4 Jhwh viu Moisés que
se aproximava para olhar. E do meio da sarça Deus o chamou: "Moisés,
Moisés!" Ele respondeu: "Aqui estou". 5 Deus disse: "Não se aproxime. Tire
as sandálias dos pés, porque o lugar onde você está pisando é um lugar
sagrado". 6 E continuou: "Eu sou o Deus de seus antepassados, o Deus de
Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó". Então Moisés cobriu o rosto, pois
tinha medo de olhar para Deus. 7 Jhwh disse: "Eu vi muito bem a miséria do
meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e
conheço os seus sofrimentos. 8 Por isso, desci para libertá-lo do poder dos
egípcios e para fazê-lo subir dessa terra para uma terra fértil e espaçosa, terra
onde corre leite e mel, o território dos cananeus, heteus, amorreus, ferezeus,
heveus e jebuseus. 9 O clamor dos filhos de Israel chegou até mim, e eu
estou vendo a opressão com que os egípcios os atormentam. 10 Por isso, vá.
Eu envio você ao Faraó, para tirar do Egito o meu povo, os filhos de Israel".
11
Então Moisés disse a Deus: "Quem sou eu para ir até o Faraó e tirar os
filhos de Israel lá do Egito?" 12 Deus respondeu: "Eu estou com você, e este é
o sinal de que eu o envio: quando você tirar o povo do Egito, vocês vão
servir a Deus nesta montanha".13 Moisés replicou a Deus: "Quando eu me
dirigir aos filhos de Israel, eu direi: 'O Deus dos antepassados de vocês me
enviou até vocês'; e se eles me perguntarem: 'Qual é o nome dele?' O que é
que eu vou responder?" 14 Deus disse a Moisés: "Eu sou aquele que sou". E
continuou: "Você falará assim aos filhos de Israel: 'Eu Sou me enviou até
vocês' ". 15 Deus disse ainda a Moisés: "Você falará assim aos filhos de
Israel: 'Jhwh, o Deus dos antepassados de vocês, o Deus de Abraão, o Deus
de Isaac, o Deus de Jacó, foi quem me enviou até vocês'. Esse é o meu nome
para sempre, e assim eu serei lembrado de geração em geração"» (Ex 3,1-
15).

Na compreensão desse texto central do Êxodo (e de toda a experiência


veterotestamentária), devemos ter presente quatro elementos que, de modo mais ou
menos explícito, aí aparecem.
a) Em primeiro lugar, encontramos o nome Jhwh que, como sabemos, a partir de
um determinado momento histórico, é reconhecido como o nome próprio do
Deus de Israel.
b) Esse nome é claramente ligado à revelação que Deus fez de si a Moisés. Por
um lado, é-nos descrita a teofania da «sarça ardente»: a presença de Deus
como «fogo» (uma imagem típica da revelação hebraico-cristã). O fogo
representa a divindade de Deus que é uma realidade outra em relação à
experiência humana que, em contato com Ele, não pode não ficar como que
«queimada» pelo ser de Deus, sem, todavia, ser, por Ele, destruída [...]. Por
outro, Deus se manifesta através da palavra e, assim, mostra a sua
«personalidade», isto quer dizer que Ele quer entrar em diálogo e relação com
o ser humano.
c) Além do mais, no texto se tenta dar uma explicação etimológica do nome
Jhwh, associando-o à raiz do verbo hajah, que significa – como dissemos –
ser, viver: por isso, Jhwh é interpretado através da expressão «’ehjeh asher
‘ehjeh» = Eu sou aquele que sou e estarei contigo (é necessário colocar esse
referimento ao futuro seja porque se trata de uma promessa, seja porque o
verbo hajah tem uma conotação dinâmica).
d) Todavia, o significado pleno e autêntico desse nome – como já acontecia em
relação ao precedente El, Elohìm – só pode ser extraído do seu inteiro
contexto, ou seja: da intervenção libertadora e instauradora da aliança de
Deus em meio ao seu povo: Jhwh é o Deus do êxodo e da aliança, que
manifesta o seu ser justamente através desse grande agir em favor de Israel.

É a partir do conjunto desses elementos que podemos, portanto, evidenciar o


significado global do nome Jhwh.
A tradução grega dos Setenta, «egó eimín o ón», enquanto pressupõe o conceito
grego de ser – um conceito mais naturalista e cosmológico que histórico-salvífico e
personalista – não consegue exprimir o pleno conteúdo do termo hebraico.
Uma tradução mais exata poderia ser: «Eu sou aquele que é e que estará contigo
para te libertar, porque plena e estavelmente Eu sou aquele que é». Em outros
termos, a estabilidade e fidelidade de Deus na aliança com o seu povo e a sua
onipotência na libertação são sinal da sua estabilidade soberana e absoluta de vida e de
ser, das quais Deus goza, justamente porque é Deus.
Além disso, através da revelação do seu nome (da qual a experiência do êxodo e
da aliança são confirmação e explicação), são também reveladas a Moisés e a Israel a
unicidade de Deus, a sua eficácia e potência única (superior aos deuses do Egito), e,
também, a sua transcendência: seja no sentido que Jhwh é absolutamente Outro em
relação à história; seja no sentido que é independente dos lugares e dos tempos ( não é o
deus desse ou daquele lugar, mas o Deus que está com o seu povo onde quer que esse
povo vá, porque a sua onipotência se estende em toda a terra, inclusive na terra
estrangeira do Egito).
Outro elemento fundamental, que já está contido na revelação do nome de Deus
como Jhwh, é que Israel reconhece que o Deus dos pais não é um Deus do passado, mas
do presente e do futuro: um Deus que continuamente intervêm em favor do seu povo, e
no qual se pode confiar inteiramente no presente (a libertação do Egito) e no futuro (a
conquista da terra de Canaã).
Em tudo isso, como já acontecia aos pais, permanece um soberano mistério. A
expressão «Eu sou aquele que sou» indica também um certo subtrair-se de Jhwh em
relação ao «domínio» da compreensão humana. Deus se revela, diz o seu nome (que,
como recordamos, não quis dizer a Jacó), mas, ao mesmo tempo, se subtrai, permanece
soberanamente livre e transcendente.
Essa dimensão de mistério e transcendência de Jhwh é sublinhada, de maneira
incisiva, no famoso episódio narrado no livro do Êxodo:

Então disse o SENHOR a Moisés: Farei também isto, que tens dito;
porquanto achaste graça aos meus olhos, e te conheço por nome. Então ele
disse: Rogo-te que me mostres a tua glória. Porém ele disse: Eu farei passar
toda a minha bondade por diante de ti, e proclamarei o nome do SENHOR
diante de ti; e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia, e me
compadecerei de quem eu me compadecer. E disse mais: Não poderás ver a
minha face, porquanto homem nenhum verá a minha face, e viverá. Disse
mais o SENHOR: Eis aqui um lugar junto a mim; aqui te porás sobre a
penha. E acontecerá que, quando a minha glória passar, colocar-te-ei numa
fenda da penha, e te cobrirei com a minha mão, até que eu haja passado. E,
havendo eu tirado a minha mão, me verás pelas costas; mas a minha face não
se verá (Ex 33, 17-23).

Moisés – come é sublinhado muitas vezes na tradição do Êxodo – é aquele que


pôde falar com Deus «face a face»; mas, ao mesmo tempo, é aquele que mais do que
ninguém fez a experiência de não poder conhecer o rosto de Deus, porque, de modo
contrário, «teria morrido».

3.2. O “mono-javismo

A conseqüência fundamental da revelação do nome de Jhwh a Moisés, e através


dele a Israel, é – como já acenamos – a exclusividade da relação que aí se estabelece
entre Jhwh e o seu povo. Para entender o seu exato conteúdo, é necessário ater-se ao
progresso que se verifica na compreensão da unicidade de Deus, o que é verificável no
próprio desenvolvimento da experiência de Israel. Podemos, nesse sentido, distinguir,
de modo esquemático, pelo menos, três etapas principais desse processo.

a) A primeira – como já sabemos – é caracterizada por aquela experiência de


Deus que se pode definir como monolatria dos Patriarcas: estes têm o seu
Deus, assim como os outros povos também têm seus próprios deuses; mas se
trata de um Deus que exclui o politeísmo ( pelos menos naquilo que concerne
à experiência religiosa de Israel), e isto, no que diz respeito às outras tradições
da época, já é um elemento novo e importante.
b) A segunda pode ser definida como mono-javista: no sentido que Jhwh é o
único Deus para Israel, que se revela com uma potência e um ser que, pelo
menos na prática e no que se refere a Israel, reduz ao nada os outros deuses.
Para evidenciar a origem e o significado dessa experiência, podemos defini-la
(para usar uma expressão de A. Manaranche) como um monoteísmo
monogâmico, ou seja: nascido da escolha exclusiva (a eleição, como a definirá
o livro do Deuteronômio) que Jhwh fez de Israel como seu companheiro.
c) A terceira, que é uma conseqüência direta do mono-javismo, e que
provavelmente já está completamente presente na experiência de Moisés, mas
que só posteriormente vai ser assumida por Israel, é aquela do monoteísmo
verdadeiro e próprio. Este se apresenta primeiro como um monoteísmo
prático, ou seja: no sentido que se tem a consciência que existe um só Deus e,
assim, os outros deuses são tão somente «ídolos ineficazes». Depois se
apresenta também como um monoteísmo explicitamente teórico (isto já no
Deuteronômio e, sobretudo, a partir dos profetas do período pós-exílico), isto
é: no sentido que se afirma claramente que existe somente um Deus
verdadeiro.

Todavia, de qualquer modo, a revelação do nome de Jhwh a Moisés e a


experiência do êxodo marcaram um etapa decisiva e essencial nesse processo de
desenvolvimento da experiência de Deus.

O mono-javismo é expresso em modo claro, e com todas as suas implicações, já


no texto do Decálogo, tal como nos traz o livro do Êxodo:

Deus pronunciou todas estas palavras, dizendo: “Eu sou Jhwh teu Deus, que
te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão. Não terás outros deuses diante
de mim. Não farás para ti imagem esculpida de nada que se assemelhe ao que
existe lá em cima, nos céus, ou embaixo na terra, ou nas águas que estão debaixo
da terra. Não te prostrarás diante desses deuses e não os servirás, porque eu, Jhwh
teu Deus, sou um Deus ciumento, que puno a iniqüidade dos pais sobre os filhos
até a terceira e quarta geração dos que me odeiam, mas que também ajo com amor
para com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos.
Não pronunciarás em vão o nome de Jhwh teu Deus, porque Jhwh não
deixará impune aquele que pronunciar em vão seu nome. Lembra-te do dia do
sábado para santificá-lo. Trabalharás durante seis dias, e farás toda a tua obra. O
sétimo dia, porém, é o sábado de Jhwh teu Deus. Não farás nenhum trabalho, nem
tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu escravo, nem tua escrava, nem teu animal,
nem o estrangeiro que está em tuas portas. Porque em seis dias Jhwh fez o céu, a
terra, o mar e tudo o que eles contêm, mas repousou no sétimo dia; por isso Jhwh
abençoou o dia do sábado e o santificou (Ex 20, 1-11).

Encontramos expresso nesta passagem algumas características típicas da fé


Jahwista, que, com decorrer do tempo, serão sempre mais precisadas.

Basta ressaltar o mandamento de não fazer imagens de Deus, para exprimir, por
um lado, a sua transcendência absoluta e, por outro, para evitar a confusão entre Deus e
os ídolos.

É também importante, e típica, a afirmação do «ciúme» de Jhwh que, por uma


parte, é expressão da singular relação de aliança que Ele estabeleceu com Israel e, por
outra, da sua unicidade: «Não adorarás outro Deus, pois Jhwh tem por nome Zeloso: é
um Deus zeloso» (Ex 34,14; cf. Dt 4,24; Js 24,16).

Enfim, Ex 20, 1-11 expressa também a característica fundamental de Jhwh, que é


a sua misericórdia, a qual está sempre relacionada com a fidelidade. Por isso Jhwh é
sempre recordado como Deus da misericórdia e da fidelidade (cf. Ex 34,6; 2Sam 2,6;
15,20; Sl 25,10; 40,11...).

Na experiência do êxodo e da aliança e na revelação do nome de Jhwh estão,


portanto, já presentes aquelas duas características que podemos considerar
fundamentais, no que se refere ao Deus de Israel: a santidade e a misericórdia, ainda que
a formulação destes dois termos seja – talvez – sucessiva ao período de Moisés.
Trata-se de duas características que revelam uma polaridade ao interno da
experiência que Israel faz de Deus, uma polaridade que deriva do próprio ser de Jhwh
que se revela como Deus vivente e pessoal.

Dizer que Jhwh é santo (qadósh), significa fundamentalmente afirmar duas


coisas: por um lado, a sua alteridade em relação ao ser humano e, em geral, a todas as
criaturas e, conseqüentemente, sua transcendência e mistério, diante da qual o ser
humano se sente «pó e cinza» (Gn 18,27), e, por isso, é tomado pelo temor; por outro, a
sua perfeição moral absoluta, a sua bondade e verdade, que se tornam também
imperativo de santidade moral para Israel, de acordo com o conhecido preceito do livro
do Levítico: «Sede santos, porque eu, Jhwh, vosso Deus, sou santo» (11,44).

Dizer que Jhwh é misericordioso significa ressaltar que Ele é «Deus de ternura e
de graça, lento para a ira e rico de misericórdia» (Ex 34,6). Misericórdia que, mediante
a experiência do êxodo, se revelou em plenitude a Israel e que constituirá, ao longo da
história de Israel, a característica constante do agir de Deus em relação ao seu povo.

Santidade e misericórdia são – ambas – constitutivas do ser e do agir de Jhwh, o


que significa dizer que Ele é inapreensível e, ao mesmo tempo, muito próximo;
soberanamente transcendente e, ao mesmo tempo, protagonista na história do ser
humano. Uma característica nunca se dá sem a outra. No fundo, o nome Jhwh sintetiza
essas duas dimensões do ser de Deus. Nesta direção, pode-se dizer que a experiência de
Deus, feita por Israel a partir do êxodo, não é outra coisa senão uma contínua descoberta
da santidade e da misericórdia de Jhwh.

3.3. Conseqüências antropológico-sociais

Estreitamente ligada a esta revelação do nome de Deus está não somente a


estipulação da aliança, pela qual Israel se torna o povo do Senhor, mas também o
preceito do amor ao próximo que representa o ponto de referência e a norma inspiradora
para de toda a legislação social do Antigo Testamento (cf. Ex 23, 4-5; Dt 22, 1-4; Lv 19,
11-15). Jhwh, de fato – como irão confirmar claramente os profetas – é o Deus dos
pobres.

O significado do evento do êxodo é, por isso, ao mesmo tempo teológico e


antropológico-social. Enquanto teológico, revela o rosto de Jhwh como Deus
onipotente e libertador do seu povo; enquanto antropológico-social, mostra e protege a
dignidade de cada ser humano, sobretudo do pobre, propondo, para isso, o estatuto ideal
para um povo livre e solidário. A esse respeito, escreve J. Alfaro: «A terra, dom de Deus
para todo o povo, devia ser o “sacramento” que dava um sentido de realidade para a
liberdade, dignidade e segurança, conseguidas com o êxodo [...]. O objetivo do êxodo
era a perfeita fraternidade e liberdade entre os israelitas e, graças ao dom da terra,
deveria ter como resultado final a eliminação de toda forma de opressão, de injustiça e
pobreza»13.

Até mesmo normas como aquela do ano sabático e jubilar (cf. Dt 15; Lv 25; Ex
23), têm o claro objetivo de estabelecer o principio segundo o qual a cada determinado
13
ALFANO, J. Dio protegge e libera i poveri, in Concilium, 22 (1986), n.5, p. 54.
espaço de tempo a história e a vida de Israel devam ser reiniciadas do êxodo, para
eliminar as discriminações que foram se introduzindo nesse espaço de tempo; tudo isto
para que a história fosse, desde o interno da vida social do povo eleito, continuamente
transformada, conforme o designo de Jhwh.

O evento do êxodo e da aliança, renovado pela celebração da Páscoa, direciona os


momentos decisivos da história bíblica: desde o aniversário da saída do Egito no deserto
do Sinai (cf. Nm 9, 1-5) até a passagem do Jordão com o ingresso na terra prometida
(cf. Js 5,1-12); da Páscoa ligada à reforma de Josias (2Re 23,21) – quando esta se torna
uma das três grandes festas-pelegrinação ao tempo de Jerusalém) – até a Páscoa do
retorno à terra prometida e da reconstrução do templo (cf. Esd 6, 19-20).

Também a perspectiva da nova aliança que irá, progressivamente, sendo afirmada


pelos profetas ( desde Oséias [cf. 2,1-30,] que preanuncia uma nova conquista da terra
prometida, até Isaias [cf. 1,26-27; 11,1], que fala de um novo Davi e de uma nova Sião;
estendendo-se até Jeremias [cf. 31, 25-34] e Ezequiel [cf. 40-43], os quais anunciam,
explicitamente, uma nova aliança) se liga estreitamente à memória da primeira Páscoa e
é representada pelo Deutoro-Isaías (cf. Is 43,16ss) como um novo êxodo, com uma nova
vinda de Jhwh em meio aos seus, com o objetivo de reconduzi-lo definitivamente à
Pátria.

4. O Deus santo e misericordioso dos Reis e dos Profetas

O período da monarquia (estabilizada em torno do ano 1000 a. C.), que coincide


também com o afirmar-se sempre mais acentuado do fenômeno do profetismo, tão
típico e tão decisivo para a história de Israel, é caracterizado – de acordo com o perfil da
revelação e da experiência de Deus – por, pelo menos, dois acontecimentos principais.
Por um lado, o constituir-se da unidade política de Israel permite a afirmação do
jahwismo com a única fé de todo o povo. Um exemplo típico desta tendência de
unificação e de concentração é justamente a construção, por obra de Salomão, do
templo de Jerusalém como lugar da presença de Jhwh em meio ao seu povo. Por outro
lado, porém, o contato com as culturas vizinhas e o perigo da própria monarquia se
modelar a partir das formas monárquicas presente nos outros povos trazem consigo
alguns traços de sincretismo religioso e também de retorno a formas de politeísmo,
senão teórico, pelo menos prático.

É sobretudo diante desses perigos que a reação dos profetas (desde Elias até
Amós e Isaias e assim por diante) dão origem a um verdadeiro e próprio «movimento» a
favor do retorno ao jahwismo puro. Ou melhor: a experiência e a pregação dos
profetas representam, sem sombra de dúvida, um aprofundamento da revelação e da
fé jahwista. Também eles se colocam em continuidade e coerência com a precedente
tradição abraâmica e mosaica, ou seja: fazem a experiência de Deus através da vocação
e do envio deles ao povo. Todavia, mesmo mantendo e, de alguma forma, acentuando
sua eficácia histórica, a revelação de Jhwh, nos profetas, se interioriza, perde sua
conotação cósmica como acontecia antes; mostrando-se, assim, como um dinamismo de
penetração e de transformação da existência humana, pessoal e social. Para confirmar
isto, basta confrontar a teofania de Jhwh ao profeta Elias, no monte Horeb, com a de
Moisés [...]:
Levantou-se, comeu e bebeu e, depois, sustentado por aquela comida,
caminhou quarenta dias e quarenta noites até à montanha de Deus, o Horeb. Lá ele
entrou numa gruta, onde passou a noite. E foi-lhe dirigida a palavra de Jhwh nestes
termos: “Que fazes aqui Elias?” Ele respondeu: “Eu me consumo de ardente zelo
por Jhwh dos Exércitos, porque os filhos de Israel abandonaram tua aliança,
derrubaram teus altares, e mataram teus profetas. Fiquei somente eu e procuraram
tirar-me a vida”. E Deus lhe disse: “Sai e fica na montanha diante de Jhwh”. E eis
que Jhwh passou. Um grande e impetuoso furacão fendia as montanhas e quebrava
os rochedos diante de Jhwh, mas Jhwh não estava no furacão; e depois do furacão
houve um terremoto; e depois do terremoto um fogo, mas Jhwh não estava no fogo;
e depois do fogo um murmúrio de uma brisa suave. Quando Elias o ouviu, cobriu o
rosto com um manto, saiu e pôs-se à entrada da gruta. Então, veio-lhe uma voz, que
disse: “Que fazes aqui, Elias?” Ele respondeu: “Eu me consumo de ardente zelo
por Jhwh dos Exércitos, porque os filhos de Israel abandonaram tua aliança,
derrubaram teus altares e mataram teus profetas à espada. Fiquei somente eu e
procuram tirar-me a vida” (1Re 19,8-14).

André Manaranche ilustra bem o significado dessa teofania e da imagem de Jhwh


que dela resulta: Trata-se « de libertar Deus dos fenômenos cósmicos com os quais se
corre o risco de confundi-lo. Por isso, afirma-se que o único Deus que existe é Jhwh (ou
Adonai). Aí não se lhe dá nenhuma forma ou rosto: Jhwh se contenta em agir, em
‘passar’. Ele é bem distinto das três grandes forças destruidoras: o furacão, o terremoto,
o fogo. No mais, é “voz de uma brisa suave”: uma voz, claro; mas uma voz doce,
apenas um murmúrio. É necessário afirmar a presença, o contato; mas, ao mesmo
tempo, conservar, com a mesma linguagem concreta, o caráter imaterial [de Deus]. É “a
suavidade mais delicada e refinada que existe na palavra, que pressupõe, da parte do
fiel, uma escuta de “alta fidelidade”. Por isso, é necessário que Elias se separe de tudo,
que “saia”, que “cubra o rosto”. Semelhantemente, Ele está sozinho, Jhwh se comunica
sem testemunho de terceiros. Neste tipo de monoteísmo, o ser humano está
verdadeiramente no limite de suas possibilidades. Está “nas pontas dos pés” – poder-se-
ia dizer – ou “no ápice da alma».14

Por último, sobretudo no período pós-exílico, depois da trágica experiência da


deportação da Babilônia (598), o monoteísmo jahwista chega à sua mais clara e
completa afirmação teórica: não se trata tão somente da nulidade dos ídolos, mas da
onipotência soberana de Jhwh como o Único, Senhor do céu e da terra, que escolheu
para si um povo afim de, através desse povo, manifestar-Se a todos os povos.

Mas é necessário ver mais detalhadamente alguns temas que caracterizam este
importante período da história de Israel.

4.1. A «glória» de Jhwh em meio ao seu povo: o templo de Jerusalém

Um primeiro elemento importante, já presente na experiência do êxodo, é o tema


da glória de Deus (em hebraico kabód). É o modo com o qual Deus manifesta a sua
santidade e, ao mesmo tempo, sua presença em meio a Israel. Estes dois aspectos, que
estão sempre em tensão na experiência de Israel, são, ambos, constitutivos de Deus.
Deus santo e presente no meio do povo.

Esta manifestação de Deus como glória, nós a encontramos já no Êxodo:


14
MANARANCHE, A. Il monoteísmo Cristiano. Brescia: Queriniana, 1988, p. 94.
E Jhwh ia diante deles, de dia numa coluna de nuvem, para lhes mostrar o
caminho, e de noite numa coluna de fogo, para os iluminar, afim de que
caminhassem de dia e de noite. Nunca se retirou diante do povo a coluna de
nuvem, durante o dia, nem a coluna de fogo, durante a noite» (Ex 13,21-22).

«Depois, Moisés subiu à montanha. A nevem cobriu a montanha. A glória de


Jhwh pousou sobre o monte Sinai, e a nuvem o cobriu durante seis dias. No sétimo
dia, Jhwh chamou Moisés do meio da nuvem. O aspecto da glória de Jhwh era, aos
olhos dos filhos de Israel, como um fogo consumidor no cimo da montanha (Ex
24,15-17).

Trata-se certamente de uma linguagem figurada, mas que ilustra muito bem a
presença real de Deus que se manifesta e guia o seu povo.

No período dos Reis, como já acenado, é construído, por obra de Salomão (970-
931 a.C. cerca), o templo de Jerusalém, para dar uma morada a Jhwh e, de modo
particular, para oferecer um lugar digno para a arca da aliança, a qual, durante a
peregrinação no deserto, guardava as tábuas da lei dada por Deus a Moisés no monte
Sinai.

A consagração do templo é descrita no 1 livro dos Reis:

Ora, quando os sacerdotes saíram do santuário, a nuvem encheu o templo de Jhwh


e os sacerdotes não puderam continuar o seu serviço, por causa da Nuvem: a glória de
Jhwh enchia o templo de Jhwh. Então Salomão disse: “Jhwh decidiu habitar a Nuvem
escura. Sim, eu construí para ti uma morada, uma residência em que habitas para
sempre”. [...] Em seguida Salomão prostrou-se diante do altar de Jhwh, na presença de
toda a assembléia de Israel, estendeu as mãos para os céus e disse:” Jhwh, Deus de
Israel! Não existe nenhum Deus semelhante a ti lá em cima nos céus, nem cá embaixo
sobre a terra; a ti, que és fiel à Aliança e conservas a benevolência para com os teus
servos, quando caminham de todo o coração diante de ti. [...] Mas será verdade que
Deus habita com os homens nesta terra? Se os céus e o céus dos céus não te podem
conter, muito menos esta casa que construí! Sê atento à prece e à súplica do teu servo,
Jhwh, meu Deus, escuta o clamor e a prece que teu servo faz hoje diante de ti! Que teus
olhos estejam abertos dia e noite sobre esta casa, sobre este lugar do qual disseste: ‘Meu
nome estará lá’.Ouve a prece que teu servo fará neste lugar.

O templo se torna, portanto, o lugar da presença de Jhwh manifestada pela descida


de sua glória [de Jhwh] sobre ele [o templo]. Glória esta que – como canta o salmo – é
«narrada pelos céus» (Sl 19,2). Jhwh não é, como os deuses dos outros povos, um ídolo
que habita somente no templo: Ele permanece sempre transcendente ( tanto é verdade
que, para falar da presença de Jhwh no templo, chegou a se falar de «vazio»), ainda que,
de modo misterioso, habita realmente em meio ao seu povo.

A partir do tema da nuvem, da glória e da presença de Jhwh no templo, se


desenvolve o tema da shekhináh, o qual se encontra, sobretudo, nos textos rabínicos. É
um substantivo [...], derivado do verbo shakan, que quer dizer: fazer morada,
permanecer, repousar, esperar (...). Esse substantivo, na literatura rabínica, querem
expressar todos os modos da presença de Deus no passado, no presente, e no futuro
escatológico; significa tanto a presença de Jhwh no templo quanto em meio ao povo
fora do templo. Este é um tema que vai estar presente no Novo Testamento, seja para
exprimir a vinda de Deus em meio a nós, através da encarnação do Filho («e o Verbo se
fez carne e habitou em meio a nós», Jo 1,14), seja para exprimir a presença do Cristo
Ressuscitado na comunidade dos discípulos (cf. Mt 18,20).

A experiência da glória de Deus é retomada pelos profetas exatamente na relação


com o templo, como mostra a narração da grandiosa visão da glória de Jhwh, feita por
Isaias, por ocasião da sua vocação (em torno do ano 740):

No ano em que faleceu o rei Ozias, vi o Senhor sentado sobre um trono alto e
elevado. A cauda da sua veste enchia o santuário. Acima dele, em pé, estavam serafins,
cada um com seis asas: com duas cobriam a face, com duas cobriam os pés e com duas
voavam. Eles cantavam uns para os outros e diziam: “Santo, santo, santo é Jhwh dos
Exércitos, a sua glória enche toda a terra. À voz dos seus clamores os gonzos das portas
oscilavam o Templo se enchia de fumaça. Então disse eu: “Ai de mim, estou perdido!
Com efeito, sou um homem de lábios impuros e vivo em meio a um povo de lábios
impuros, e os meus olhos viram o Rei, Jhwh dos Exércitos” (Is 6,1-5).

Um outro profeta do tempo do exílio, Ezequiel, também retoma este tema:

Eu olhei: havia um vento impetuoso que vinha do norte, uma grande nuvem
envolta em claridades e relâmpagos, no meio da qual brilhava algo como se fosse ouro
brilhante. No centro aparecia a forma de quatro seres vivos. Este era seu aspecto: tinha
forma humana [...] Acima do firmamento que estava sobre as cabeças havia algo
parecido com safiras, em forma de trono, e sobre esta forma de trono, bem no alto, uma
figura com aparência humana. E eu vi como que um brilho de ouro brilhante,
evolvendo-a como se fosse fogo, do lado de cima do que parecia ser a cintura. Do lado
de baixo do que parecia ser a cintura vi algo como fogo. Estava toda envolta de
resplendor. O resplendor que a envolvia tinha o mesmo aspecto do arco-íris que se
forma nas nuvens em dia de chuva. Tal era a aparência visível da glória do Senhor. Ao
ver isto, caí prostrado e ouvi a voz de alguém que falava (Ez 1,4-5.26-28).

Em ezequiel a glória do Senhor é manifestada inclusive através da uma aparência


humana. Toda a descrição acima – o símbolo do trono, a evidenciação do «esplendor» –
nos diz claramente que se está na esfera do divino, de Jhwh. Mas depois, de maneira
inesperada, se fala de uma figura de com formas humanas. Certamente a visão
permanece misteriosa, quase, em si mesma, indecifrável, e expressada através de uma
linguagem de estilo apocalíptico. Porém, trata-se, sem dúvida, do máximo esforço para
exprimir, por um lado, que Deus é santidade transcendente e, por outro, que Deus se faz
próximo ao ser humano. Também se trata de uma misteriosa visão de uma inesperada
futura manifestação de Jhwh.

Vale a pena observar que a glória de Deus se manifesta na aparência humana. A


esse propósito, pode-se recordar a visão de Daniel do Filho do Homem (cf. Dn 7,13-14)
e, sobretudo, o que Paulo e João dirão acerca de Jesus.

Além de tudo isso, no livro do Eclesiático se diz: «Enche Sião do teu esplendor e
o teu povo da tua glória» (Eclo 36,16), enquanto o salmo canta a certeza de que a glória
do Senhor «habitará em nossa terra» (Sl 85,10), de tal modo que todas as nações a
poderão contemplar (cf. Sl 97,6; Is 62,2; 66,18).
Nessa direção, em modo particular, será justamente o sobre o seu Servo que Jhwh
«manifestará a sua glória» (cf. Is 49,3). Nessa mesma direção, o evangelho de João, no
Prólogo, dirá que o Filho de Deus armou sua tenda no meio de nós e que « nós
contemplamos a sua glória» (Jo 1,14). Jesus é, portanto, visto como a glória de Deus
que fez morada em meio aos seres humanos.

Em uma palavra, a glória é a manifestação da santidade de Deus que se torna


presente como Salvador em meio a Israel: uma glória que enche a natureza e o
cosmo, a história e, em particular, Israel, e que quer encher e transfigurar de si a
cidade santa e o eleito do Senhor.

4.2. Monoteísmo e criação

Um segundo tema típico do período monárquico é o afirmar-se decisivo – por


obra dos profetas – do mono-jahwismo. A esse propósito, a seguir indicaremos algumas
passagens mais importantes.

a) A primeira é testemunhada pelo profeta Elias. O contexto é aquele


do século IX a. C.: o rei Acab se casou com Jesebel, filha do rei de Tiro e
Sidônia e, por isso, o perigo do sincretismo com os deuses da Fenícia é muito
forte. Nesse contexto, afirmação do mono-jahwismo se faz muito eloqüente
através do famoso duelo entre Elias e os sacerdotes de Baao, no Monte Carmelo
(cf. 1Rs 18, 17-40).
A pregação dos profetas, a partir de Elias, vai ser justamente centrada sobre
a necessidade de restabelecer a pureza da fé em Jhwh, a fé no único Deus, contra
a infidelidade de Israel e contra a contaminação de suas ineficazes práticas.

b) Um segundo momento importante dessa fase é aquele que nos é transmitido pela
tradição deuteronomista, a qual, partindo de uma origem arcaica e fiel ao
jahwismo, se intensifica, sobretudo, a partir do período das reformas religiosas
de Josias (621 a.C.) [...]. O livro do Deuteronomio é o testemunho literário deste
momento de afirmação do mono-jahwismo [...]. Como demonstrou G. Braulik:
«os textos do Deuteronômio, se ordenados cronologicamente, mostram um
desenvolvimento da doutrina sobre Deus, a qual se estende da afirmação: «Jhwh
é único» (Dt 6,4), dentro de um sistema ainda politeísta, até a formulação
monoteísta do exílio da Babilônia: “Jhwh é Deus, e não nenhum outro Deus
além d’Ele” (Dt 4,35) [...].
c) O terceiro momento significativo para a específica afirmação do mono-jahwismo
como monoteísmo explícito e teórico em Israel é o período do exílio e do pos-
exílio. Justo no momento em que Jhwh parece sucumbir diante dos deuses dos
outros povos, Israel, mediante os profetas, redescobre a sua onipotência e
fidelidade. Nesse contexto nascem os famosos textos, sobretudo no pós-exílio,
da «nulidade dos ídolos», textos polêmicos que mostram que somente Jhwh é o
Deus vivo e verdadeiro, e que as sua onipotência se estende a todos os povos. O
profeta mais eloqüente, nesse aspecto, é justamente o Deutero-Isaías, cuja
pregação se dá na Babilônia, antes do edito de libertação, promulgado por Ciro
(538 a.C.). O Deutero-Isaías compreende os capítulos 40-45 do atual livro de
Isaías:
A quem, pois, fareis semelhante a Deus, ou com que o comparareis? O
artífice funde a imagem, e o ourives a cobre de ouro, e forja para ela cadeias de
prata. O empobrecido, que não pode oferecer tanto, escolhe madeira que não se
apodrece; artífice sábio busca, para gravar uma imagem que não se pode mover.
Porventura não sabeis? Porventura não ouvis, ou desde o princípio não se vos
notificou, ou não atentastes para os damentos da terra? Ele é o que está assentado
sobre o círculo da terra, cujos moradores são para ele como gafanhotos; é ele o que
estende os céus como cortina, e os desenrola como tenda, para neles habitar; O que
reduz a nada os príncipes, e torna em coisa vã os juízes
da terra (Is 40, 18-23)

Apresentai a vossa demanda, diz o Senhor; trazei as vossas firmes razões,


diz o Rei de Jacó. Tragam e anunciem-nos as coisas que hão de acontecer;
anunciai-nos as coisas passadas, para que atentemos para elas, e saibamos o fim
delas; ou fazei-nos ouvir as coisas futuras. Anunciai-nos as coisas que ainda hão de
vir, para que saibamos que sois deuses; ou fazei bem, ou fazei mal, para que nos
assombremos, e juntamente o vejamos. Eis que sois menos do que nada e a vossa
obra é menos do que nada; abominação é
quem vos escolhe (Is 21-24).

Assim diz o Senhor, Rei de Israel, e seu Redentor, o Senhor dos Exércitos:
Eu sou o primeiro, e eu sou o último, e fora de mim não há Deus. E quem
proclamará como eu, e anunciará isto, e o porá em ordem perante mim, desde que
ordenei um povo eterno? E anuncie-lhes as coisas vindouras, e as que ainda hão de
vir. Não vos assombreis, nem temais; porventura desde então não vo-lo fiz ouvir, e
não vo-lo anunciei? Porque vós sois as minhas testemunhas. Porventura há outro
Deus fora de mim? Não, não há outra Rocha que eu conheça. Todos os artífices de
imagens de escultura são vaidade, e as suas coisas mais desejáveis são de nenhum
préstimo; e suas próprias testemunhas, nada vêem nem entendem para que sejam
envergonhados. Quem forma um deus, e funde uma imagem de escultura, que é de
nenhum préstimo? Eis que todos os seus companheiros ficarão confundidos, pois
os mesmos artífices não passam de homens; ajuntem-se todos, e levantem-se;
assombrar-se-ão, e serão juntamente confundidos. (Is 44,6-11).

A conseqüência fundamental desta afirmação também teórica do mono-jahwismo


é justamente a doutrina segundo a qual Jhwh é o criador de todas as coisas:

Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o Senhor, o Criador dos fins da
terra, nem se cansa nem se fatiga? É inescrutável o seu entendimento (Is 40, 28).

Em sentido tecnico, o conceito tipicamente e originalmente bíblico da criação do


nada (ou seja: não de uma matéria pré-existente) é expresso, numa época bastante tardia
(no II século a.C.), em 2 Mac 7,28. Todavia, essa doutrina já pode ser vista claramente
em Gn 1,1 ss.; Is 44,24; Sb 11,27.

A douttrina da Criação é uma doutrina conhecida somente por Israel. Os gregos,


mesmo com a sua refinada especulação filosófica, não conseguiram formulá-la. E isto
Israel foi capaz de fazer justamente como conseqüência direta da experiência de
santidade e de misericórdia que teve em sua relação com Jhwh: é ele o Principio, livre e
soberano, de todas as coisas. É Ele que está no início de tudo e não tem necessidade de
nada para trazer surgir a vida, os seres humanos e as coisas.
4.3. Jwhw si comumica pelo seu Espírito e promete o Messias

Um terceiro elemento que vem à luz com os profetas é que Deus se manifesta e
comunica através do seu Espírito. Um primeiro grande testemunho disto já o temos com
Elias, em sua descrição da teofania do Horeb, à qual já nos referimos. Aí, a brisa na qual
Jhwh se manifesta é dita em hebraico com o o termo ruàh (vento, sopro), que indica um
modo de Deus se manifestar fora de si. De fato, o Espírito é como o “sair fora de si”
(estase) de Deus na criação e na história.

O encontro com Jhwh, na antiga aliança, é sempre mediado pelo «sopro» (ou
«vento», ou «respiro», e termos semelhantes) e pela «palavra». Já no Gênesis é descrito
um encontro entre Jhwh e o homem «à brisa do dia» (Gn 3,8), e isto, depois que foi
dirigida a Adão a palavra: «não comerás do fruto da árvore» (cf. Gn 2, 16-17).

Quando Jhwh se exprime e se comunica «fora de si», a alguém que não é Ele
mesmo, o faz sempre através da Palavra ou do Espírito. A criação é obra da sua palavra
(«E Ele disse...») e do seu Espírito («O Espírito pairava sobre as águas...», Gn 1,2). E se
a palavra de Jhwh exprime aquilo que Ele quer comunicar, o Espírito, por sua vez, dá
vida; tanto é verdade que, sem o Espírito, o ser humano é tão somente pó e «carne», e
do mesmo modo acontece com toda a realidade criada:

Se escondes o teu sopro, eles perecem; se lhes tira o respiro, morem e retornam ao
pó. Mandas o teu Espírito, são criados, e renovas a face da terra (Sl 104).

Em moda particular, o ser humano, que em certo sentido, é ele mesmo uma
palavra pronunciada por Deus, uma sua «imagem» (cf. Gn 1,26), e que está vivo porque
o Senhor lhe «inspirou nas narinas um hálito de vida» (Gn 3,7), é tudo aquilo que é
quando está de frente ao seu Criador, na capacidade que tem de encontrar-se com Ele.

É o espírito vital, o espírito do ser humano, que Jhwh lhe participou criando-
lhe. É tal espírito que permite ao ser humano ser um «tu» para Jhwh, o seu
interlocutor, o seu companheiro de aliança. Quando o ser humano não mais aceitará
viver uma vida de total comunicação (no mistério e na abertura a um futuro maior)
com Jhwh, este último terá que dizer: «o meu Espírito não estará mais para
sempre com o ser humano» (Gn 6,4).

O «Espírito», portanto, é “lugar” da comunicação de Deus com o ser humano. E


porque é também o Espírito a fazer a comunicação do ser humano com Jhwh, pode-se,
então, dizer que o povo da aliança é o espaço que Deus cria, para si, na história da
humanidade para que o seu Espírito posso agir; agir justamente nesse povo, guiando-o
em direção à terra prometida, onde se dará a plena comunicação entre o ser humano e
Deus.

Jhwh doa uma particular efusão do seu Espírito a homens tais como Moisés (cf.
Nm 16,17), os Juízes (cf. Jz), os Reis (cf. Sl 8,7; 9,16, etc.), os Profetas (cf. Ez
3,12.14.24; Is 59,21, etc.), afim que estes, de algum modo, participantes dos desígnios
de Deus e de sua força, guiem o povo unido pelas travessias da história, mantendo o
olhar fixo em direção à meta. Os desígnios de Deus são suas Palavras, o força para
realizá-las é a força do Espírito.
Todavia, será, sobretudo, o Messias prometido (o Ungido como o óleo da
consagração, símbolo do Espírito) aquele que vai receber sobre si uma excepcional
efusão do Espírito de Jhwh (cf. Is 61,1ss.). Melhor ainda: o Espírito repousará sobre ele,
e lhe trará a plenitude dos dons divinos:

Um ramo sairá do tronco de Jessé, um rebento brotará das suas raízes, sobre
ele repousará o espírito do Senhor, espírito de sabedoria e inteligência, espírito de
conselho e fortaleza, espírito de conhecimento e de temor do Senhor (Is 1,1-2).

A partir da experiência da «promessa» de Jhwh ao seu povo, o messianismo se


tornará sempre mais claramente a «espinha dorsal» da história de Israel. E ao interno
dessa única esperança messiânica vão sendo definidos, com o passar dos séculos, quatro
correntes messiânicas: uma régia, uma profética, uma sacerdotal e, por fim, uma
apocalíptica. Todavia, essas correntes – também por influência da memória histórica da
figura de Moisés – tenderão a concentrar-se em uma única figura e em uma única
intervenção de Jhwh na história.

Mas o fato é que sobre o Messias se dará uma efusão superabundante do Espírito
de Jhwh, e, assim, Ele poderá levar o povo eleito – justamente por em virtude desse
Espírito e dos seus dons – à comunhão plena com Jhwh. E não somente isto, mas
também tornar participantes dessa comunhão todos os outros povos:

Eis o meu servo que eu sustenho, o meu eleito, em quem tenho prazer. Pus
sobre ele o meu espírito, ele trará o julgamento das nações (Is 42,1).

Ao lado promessa da presença do Espírito de Jhwh sobre o Messias, no Antigo


Testamento, se ergue uma promessa de efusão particular do Espírito sobre todo o povo,
melhor ainda: sobre toda a criação. Tal promessa aparece, sobretudo, em Ezequiel, Joel
e Zacarias:

Depois disso, derramarei o meu espírito sobre toda a carne. Vossos filhos e
vossas filhas profetizarão, vossos anciãos terão sonhos, vossos jovens terão visões
(Jl 3,1).

A característica desse extraordinário e comunitário dom do Espírito é o fato de


que este – o Espírito – será colocado dentro do coração dos seres humanos, e, assim, a
partir de dentro do coração surgirá a comunicação com Jhwh. Trata-se de uma aliança
nova, e mais plena, que não será mais quebrada.

Escreve o profeta Ezequiel:

Vou pegar vocês do meio das nações, vou reuni-los de todos os países e levá-los
para a sua própria terra. Derramarei sobre vocês uma água pura, e vocês ficarão
purificados. Vou purificar vocês de todas as suas imundícies e de todos os seus ídolos.
Darei para vocês um coração novo, e colocarei um espírito novo dentro de vocês.
Tirarei de vocês o coração de pedra, e lhes darei um coração de carne. Colocarei dentro
de vocês o meu espírito, para fazer com que vivam de acordo com os meus estatutos e
observem e coloquem em prática as minhas normas. Então vocês habitarão na terra que
dei os seus antepassados: vocês serão o meu povo, e eu serei o Deus de vocês (Ez 36,42-
28; cf. Jr 31,31ss.).
E justamente porque será princípio de uma nova e definitiva aliança, este Espírito
«novo», dado nos “últimos tempos” será capaz de purificar os seres humanos de todos
os pecados (cf. Sl 51), dar-lhes-á de novo a vida, mesmo depois da morte (cf. Ez 37,1-
14) e dará o dom da profecia a todo o povo eleito, sem mais distinção de classe (cf. Jl
3,1-2). O Espírito, em modo particular, interiorizará a “lei-palavra” de Jhwh no coração
do ser humano e tornará o ser humano capaz de observá-la. Graças ainda ao mesmo
Espírito «infuso do alto» «o deserto se tornará um jardim» (Is 32,15): toda a criação
será renovada.

Em síntese: O Espírito de Jhwh, enquanto lugar de comunicação entre Deus e os


seres humanos, nos últimos tempos será doado em plenitude, a todos e a cada um. E o
Messias (o Servo de Jhwh) terá um papel essencial nessa propagação dos frutos dessa
comunicação com Deus a todos os povos.

Será exatamente este Espírito, interiorizado no ser humano, quem vai suscitar uma
nova e definitiva aliança e uma renovação da criação inteira. Ele será não mais somente
um lugar de lugar de comunicação, mas, o princípio interior de uma comunicação com
Deus cada vez mais plena, ainda que continue sendo um dom livre e gratuito do próprio
Deus [...]

4.4. A intuição de Jhwh como Pai

Um quarto elemento que vem à luz na experiência de Deus dos profetas é o


manifestar-se da misericórdia de Deus; misericórdia esta manifestada através de dois
símbolos densos de significado, ou seja: o símbolo de Deus como Pai e como Esposo
(aqui nos deteremos somente no símbolo da Paternidade).

Para Israel, a primeira coisa que aparece da manifestação de Deus é a sua


transcendência. Deus é Deus. Mas a partir de tal transcendência, o povo faz uma
experiência também da paternidade de Deus. Por isso, para Israel, depois da descoberta
de que Deus é criado, faz a descoberta de que ele é também Pai. É Pai não somente
porque gera filhos, mas porque, livremente, escolhe Israel como filho. É, a de Deus,
uma paternidade não natural, mas de aliança [Deus assume Israel]:

Quando Israel era um menino, eu o amei e do Egito chamei meu filho (Os 11,1).

Em lágrimas eles voltam, em súplica eu os trago de volta. Vou conduzi-los


às torrentes de água, por um caminho reto, em que não tropeçarão. Porque eu sou
um pai para Israel e Efraim é o meu primogênito (Jr 31,9; cf. Sl 103,13; Is 63,15;
64,7ss.).

Para manifestar seu relacionamento de paternidade, Deus primeiro manifesta a sua


distância. Até mesmo porque um verdadeiro relacionamento de amor – mesmo a nível
humano – se baseia em um pressuposto muito preciso que é o da distinção, do respeito
da alteridade, [ou seja: para que haja um verdadeiro relacionamento de amor é
necessário que o outro continue sendo outro, distinto de quem ama], caso contrário não
se pode realizar uma autêntica comunhão. Se não se respeitasse essa distinção, essa
alteridade [um “eu” e um “tu”], não existiria comunhão, mas uma fusão, onde as duas
pessoas do relacionamento perderiam a própria identidade.
O amor de Deus é expresso nos profetas não somente através da figura paterna,
mas também da figura materna. Na realidade, para exprimir o amor de misericórdia de
Deus pelo seu povo, Israel usa dos termos: um mais de cunho masculina: Hesed
(misericórdia como fidelidade entre dois homens que fazem entre si uma aliança); um
outro de cunho mais feminino rahamím, derivado de réhem (que significa: entranhas
maternas, o amor entre uma mãe e o fruto do seu ventre):

Como poderia eu abandonar-te, ó Efraim, entregar-te, ó Israel? (...) Meu corações


se contorce dentro de mim, minhas entranhas comovem-se (Os 11,8).

Por acaso uma mulher se esquecerá da sua criancinha de peito? Não se


compadecerá ela do filho do seu ventre? Ainda que as mulheres se esquecessem eu não
me esqueceria de ti (...) como a uma pessoa que a sua mãe consola, assim eu vos
consolarei; sim, em Jerusalém sereis consolados (Is 49,15; 66,13).

[Assim, para Israel, Deus se apresenta, através da sua hesed e rahamim, como um
Pai-maternal].

Todavia, também em relação a esta maternidade de Jhwh, encontramo-nos


novamente diante de uma experiência toda original – de Israel. Para os outros povos,
falar de uma deusa, além de um deus, era uma coisa muito natural, todavia, se falava
sempre como uma projeção, a nível divino, da experiência humana. Em Israel é
diferente, não se pode dizer que Jhwh, em sua transcendência absoluta, seja homem ou
mulher; pode-se dizer, isto sim, que Ele revela, em seu relacionamento com Israel,
alguns traços correspondentes as particularidades e às riquezas tanto do masculino
quanto do feminino, assim como as experimentamos na experiência humana. Além do
mais, na revelação bíblica, o homem e a mulher não foram criados «à imagem e
semelhança do [próprio] Deus»? [...].

4.5. O Servo sofredor e o «pathos» de Jhwh

Não é possível falar do profetismo e do messianismo desses séculos (desde o


estabelecimento da monarquia ao exílio), sem mencionar um tema [...] que é ilustrado
através da figura emblemática do «Servo sofredor», cuja missão nos é descrita nos
quatro famosos cantos do Servo, que aparece no livro de Isaías (cf. Is 42,1-4; 49,1-6;
50, 4-11; 53,12). Eis como essa figura e sua missão aparecem no último desses contos:

Desprezado e rejeitado pelos homens, homem das dores que conhece bem o
sofrimento, como alguém que diante do qual escondemos o rosto, era desprezado e por
ele não tínhamos nenhuma estima. Mesmo assim ele carregou sobre si os nossos
sofrimentos, tomou sobre si as nossas dores e nós o julgávamos castigado, ferido por
Deus e humilhado. Ele foi transpassado por nossas faltas, oprimido pelas nossas
iniqüidades. O castigo que nós trouxe a salvação estava sobre ele. Por sua chagas nós
fomos curadosxxxxxxx
Quem é esse «servo»? Entre tantas respostas que procurou-se dar a esse respeito, a
mais plausível é aquele segundo a qual se trata de uma pessoa futura a quem é confiada
uma missão profética universal, ainda que seja evidente a referência que aí se faz a todo
o povo de Israel, e, de modo mais preciso, ao «resto de Israel», entendido como núcleo
ideal na Nova Aliança. Um «mediador profético» como o foi Moisés, como – em forma
diversa – o foram alguns dos mais grandes profetas, mas, sem dúvida superior a todos
esses. Justamente como o novo êxodo e a nova aliança serão superiores ao primeiro
êxodo e à primeira aliança.

Aquilo que caracteriza essa figura [do servo] – além da ressonância claramente
universal da sua missão – é que ela, livremente, uma missão «vicária», ou seja: toma
sobre si, com «dedicação e docilidade, com pleno conhecimento de causa, esse
ministério de mediação até à morte, obedecendo, em tal modo, a um plano de Jhwh».
Ele passa por uma espécie de sofrimento total e experimenta até mesmo a morte, mas,
exatamente assim estabelece uma relação plena e duradoura de todos com Jhewh.

É assim

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