Cap 23 Genética Do Câncer

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 23

base genética 23

do Câncer
pan orama
c Câncer | Uma doença genética
c Oncogenes
Genes supressores tumorais
Conexão molecular de uma família
c

c Vias genéticas da carcinogênese


Quando Allison Romano começou a procurar universidades, pre‑
tendia encontrar uma faculdade em que pudesse estudar gené‑
tica em profundidade, talvez até mesmo fazer alguma pesquisa
prática. Esses planos tinham, de certa forma, motivação genética. trabalhou durante dois semestres em um laboratório de genética
Aos 12 anos, ela recebeu um diagnóstico de tumor da glândula do câncer. O projeto que desenvolveu, sobre a identificação de
suprarrenal. O tumor foi retirado por cirurgia, e, depois de um genes relacionados com o câncer em camundongos, foi apresen‑
longo período de convalescença, Allison voltou à sétima série, tado em um pôster no simpósio anual de pesquisa de graduação
saudável, feliz e cheia de interesse em aprender sobre a doença da universidade, quando seu pai e sua irmã puderam ver como ela
que a acometera. No ensino médio, as matérias estudadas por encontrara um propósito na conexão molecular da família.
Allison reforçaram esse interesse. Ela lia muito e conheceu vários
estudantes apreciadores da biologia. Até que outro tumor da su‑
prarrenal surgiu na vida de Allison; dessa vez, no entanto, diag‑
nosticado em seu pai. O tumor de Louis Romano – do tamanho
de uma bola de golfe – foi retirado com sucesso e ele teve recupe‑
ração plena.
Depois desse incidente, o oncologista suspeitou de que tanto
Louis quanto Allison houvessem desenvolvido tumores da su‑
prarrenal – uma forma rara de câncer denominada feocromo‑
citoma – porque tinham uma mutação do gene VHL, localizado
no braço curto do cromossomo 3. Pesquisas publicadas haviam
mostrado que essas mutações às vezes estão associadas a esse
tipo de câncer. Portanto, o oncologista enviou amostras de DNA
de Louis e Allison a um laboratório de genética. Os testes de
DNA mostraram que ambos eram heterozigotos para um alelo
VHL mutante. No nucleotídio 490 do gene VHL, um par de ba‑
ses G:C fora subs tituído por um par de bases A:T, causando a
substituição da glicina por serina na posição 93 no polipeptídio
codificado pelo gene.
Depois de tomar conhecimento desse resultado, Allison resol‑
veu estudar genética. Sua irmã mais velha, que não apresentava
VEM/Photo Researchers.

sinais de feocromocitoma, quis fazer o teste para detecção do


alelo mutante; constatou‑se que tinha o alelo. O médico acon‑
selhou‑a a fazer exames periódicos para detecção precoce de
um eventual feocromocitoma. Os dois irmãos de Louis Romano
– ambos assintomáticos – também foram informados sobre a mu‑
tação de VHL, mas nenhum deles optou pelo teste. Mais tarde, Radiografia colorida de um feocromocitoma mostrando crescimento
Allison especializou‑se em biologia em uma grande universidade e excessivo de vasos sanguíneos em direção à área do tumor.
2 Fundamentos de Genética

Câncer | Uma doença genética


Mutações nos genes que controlam o crescimento e a agressivo, outros crescem mais devagar. Alguns tipos de
divisão celular são responsáveis pelo câncer. câncer podem ser interrompidos por tratamento clínico
apropriado; outros não. A Figura 23.1 mostra as frequências
Os tumores cancerosos matam centenas de milhares de de novos casos de diferentes tipos de câncer nos EUA,
norte‑americanos todos os anos. O que causa o surgimen‑ bem como o número de mortes atribuídas a cada tipo.
to dos tumores e o que causa a disseminação de alguns O câncer de pulmão é o tipo mais prevalente, em grande
deles? Por que alguns tipos de tumores tendem a ser en‑ parte em consequência do tabagismo. O câncer de mama
contrados em famílias? A tendência ao câncer é hereditá‑ e o câncer de próstata também são muito comuns.
ria? Fatores ambientais contribuem para o desenvolvimen‑ Os tipos mais prevalentes de câncer são derivados de
to de câncer? Essas e outras perguntas estimularam uma populações celulares que se dividem ativamente, por
enorme quantidade de pesquisas sobre a biologia básica exemplo, de células epiteliais do intestino, pulmão ou
do câncer. Embora muitos detalhes ainda sejam obscuros, próstata. Formas mais raras de câncer desenvolvem‑se a
a constatação fundamental é de que os cânceres são conse‑ partir de populações de células que geralmente não se
quência de disfunções genéticas. Em alguns casos, essas dividem, por exemplo, células musculares ou nervosas
disfunções podem ser desencadeadas ou exacerbadas por diferenciadas.
fatores ambientais como dieta, exposição excessiva à luz Embora a taxa de mortalidade por câncer ainda seja
solar ou poluentes químicos. Os cânceres surgem quando alta, houve enorme progresso na detecção e no tratamen‑
há mutação de genes cruciais. Essas mutações podem cau‑ to de diferentes tipos de câncer. As técnicas de genética
sar erros nos processos bioquímicos e levar à proliferação molecular possibilitaram que cientistas caracterizassem
desregulada de células. Sem regulação, as células cance‑ o câncer de maneiras antes impossíveis e que criassem
rosas dividem‑se incessantemente, acumulando‑se umas novas estratégias para a terapia do câncer. Restam poucas
sobre as outras para formar tumores. Quando as células se dúvidas de que o grande investimento em pesquisa básica
desprendem de um tumor e invadem os tecidos adjacen‑ do câncer está dando frutos.
tes, o tumor é maligno. Quando as células não invadem os É possível obter células cancerosas para estudos expe‑
tecidos adjacentes, o tumor é benigno. Tumores malignos rimentais por retirada de tecido de um tumor e separa‑
podem disseminar‑se para outros locais do corpo e formar ção em suas células constituintes. Com nutrientes apro‑
tumores secundários. Esse processo é conhecido como priados, essas células tumorais dissociadas podem ser
metástase, que significa, em grego, “mudança de estado”. cultivadas in vitro, às vezes indefinidamente. As células
Tanto nos tumores benignos quanto nos malignos, houve cancerosas também podem ser obtidas de culturas de cé‑
algum erro nos sistemas que controlam a divisão celular. lulas normais tratadas com agentes que induzem o estado
Agora os pesquisadores já comprovaram que essa perda de canceroso. Radiação, substâncias químicas mutagênicas
controle é causada por alterações genéticas. e alguns tipos de vírus podem causar a transformação ir‑
reversível de células normais em células cancerosas. Os
agentes causadores desse tipo de transformação são de‑
as muitas Formas d e CânCer nominados carcinógenos.
O câncer não é uma única doença, mas um grupo de A característica permanente de todas as células can‑
doenças. Os cânceres podem originar‑se em muitos teci‑ cerosas é que seu crescimento é desregulado. Quando
dos diferentes do corpo. Alguns apresentam crescimento células normais são cultivadas in vitro, formam uma

250
Mortes por câncer em 2008
Casos de câncer em 2008

200
nos EUA ( 1.000)
nos EUA ( 1.000)

150

100

50

0
ão

ta

ns

ia

o
a

al

e
m

ria
xig

om

tic
am

m
ta

id
Ri
t
lm

no
rre

et
ce

o
á
ós

Be

nf
M
Pu

re

re
la

m
lo

u
Li
Pr

Me

do

nc

Ti
Le
Co

En

Pa

Figura 23.1 Número estimado de novos casos e mortes por tipos específicos de câncer nos EUA em 2008.
Capítulo 23 Base Genética do Câncer 3

única camada celular (monocamada) na superfície do Ponto de verificação START


meio de cultura. Já as células cancerosas crescem umas Fase G1
sobre as outras, acumu­lando‑se na superfície do meio
de cultura e formando massas. Esse acúmu­lo descon‑
trolado ocorre porque as células cancerosas não res‑ CDK4
pondem aos sinais quí­micos que inibem a divisão ce‑ Ciclina D
lular e não formam associações estáveis com as células
adjacentes. Mitose
As anormalidades externas visíveis em uma cultura de
células cancerosas estão relacionadas com anormalida‑
des intracelulares profundas. Com fre­quência, as células
cancerosas têm um citoesqueleto desorganizado, podem
sintetizar proteí­nas incomuns e exibi‑las na superfície e Fase de
Fase G2 síntese
muitas vezes têm número anormal de cromossomos, ou
seja, são aneuploides. Figura 23.2 Esquema do ponto de verificação START no ciclo celular
de mamífero. A ultrapassagem do ponto de verificação depende da
atividade do complexo de proteí­nas ciclina D/CDK4.
Câncer e ciclo celular
O ciclo celular é constituí­do de perío­dos de crescimento,
síntese de DNA e divisão. A duração desse ciclo e a du‑ complexo ciclina D/CDK4, torna‑se comprometida com
ração de cada um de seus componentes são controladas outro ciclo de replicação de DNA. Proteí­nas inibidoras
por sinais quí­micos externos e internos. A transição de com a capacidade de detectar problemas no fim da fase
cada fase do ciclo requer a integração de sinais quí­micos G1, como baixos níveis de nutrientes ou lesão do DNA,
específicos e respostas precisas a esses sinais. Caso haja podem frear o complexo ciclina/CDK e impedir o início
percepção errada dos sinais ou caso a célula não esteja da fase S. Na ausência desses problemas, o complexo ci‑
apropriadamente preparada para responder, a célula clina D/CDK4 leva a célula a concluir a fase G1 e entrar
pode tornar‑se cancerosa. na fase S, assim iniciando a replicação de DNA que é um
A visão atual do controle do ciclo celular é que as prelúdio da divisão celular.
transições entre diferentes fases do ciclo (G1, S, G2 e Nas células tumorais, os pontos de verificação no ci‑
M; ver Capítulo 2) são reguladas em “pontos de verifi‑ clo celular geralmente estão desregulados. Essa desre‑
cação”. Um ponto de verificação é um mecanismo que im‑ gulação é causada por defeitos genéticos no mecanismo
pede o avanço ao longo do ciclo até que seja concluí­do de aumento e diminuição alternados da quantidade de
um processo crucial, como a síntese de DNA, ou até complexos ciclina/CDK. Por exemplo, pode haver mu‑
que haja reparo do DNA lesado. Quando o ponto de tação dos genes codificadores das ciclinas ou CDK ou
verificação é satisfeito, o ciclo celular pode prosseguir. dos genes codificadores das proteí­nas que respondem
Dois tipos de proteí­nas têm papéi­s importantes nes‑ a complexos ciclina/CDK específicos ou que regulam a
se avanço: as ciclinas e as quinases dependentes de ciclina, quantidade desses complexos. Muitos tipos diferentes de
geralmente abreviadas CDK. Os complexos formados defeitos genéticos podem desregular o ciclo celular, cuja
entre as ciclinas e as CDK causam o avanço do ciclo conse­quência final é a possibilidade de tornar as células
celular. cancerosas.
As CDK são os componentes com atividade catalítica As células com disfunção do ponto de verificação
do mecanismo do ciclo celular. Essas proteí­nas regu‑ START apresentam propensão especial a se tornarem
lam as atividades de outras proteí­nas por transferência cancerosas. O ponto de verificação START controla a en‑
de grupos fosfato para elas. Entretanto, a atividade de trada na fase S do ciclo celular. Se houve lesão do DNA
fosforilação das CDK depende da presença das ciclinas. celular, é importante que a entrada na fase S seja adia‑
As ciclinas possibilitam que as CDK desempenhem sua da até o reparo do DNA lesado. Caso contrário, o DNA
função pela formação de complexos ciclina/CDK. Na lesado é replicado e transmitido a todas as células des‑
ausência de ciclinas, esses complexos não se formam cendentes. As células normais são programadas a fazer
e as CDK são inativas. Portanto, o ciclo celular requer uma pausa no ponto de verificação START para garantir
a formação e a degradação alternadas de complexos a conclusão do reparo antes do início da replicação de
ciclina/CDK. DNA. Já as células com disfunção do ponto de verificação
Um dos pontos de verificação mais importantes do START prosseguem para a fase S sem que haja reparo
ciclo celular, denominado START, é o meio de G1 (Figu- do DNA lesado. Durante uma série de ciclos celulares, as
ra 23.2). A célula recebe sinais externos e internos nesse mutações resultantes da replicação de DNA não repara‑
ponto de verificação para determinar quando convém do podem acumu­lar‑se e provocar a desregulação adicio‑
passar à fase S. Esse ponto de verificação é regulado por nal do ciclo celular. Portanto, um clone de células com
ciclinas tipo D em conjunto com CDK4. Se uma célula é disfunção do ponto de verificação START pode tornar‑se
levada a ultrapassar o ponto de verificação START pelo agressivamente canceroso.
4 Fundamentos de Genética

Câncer e morte celular de que as causas subjacentes do câncer fossem genéticas.


programada Em primeiro lugar, sabia‑se que o estado canceroso tem
herança clonal. Quando as células cancerosas crescem
Todo câncer tem como conse­quência o acúmu­lo de célu‑ em cultura, todas as descendentes são cancerosas. Por‑
las indesejadas. Em muitos animais, as células supérfluas tanto, a condição cancerosa é transmitida por cada célula
podem ser eliminadas por mecanismos programados nas para as células‑filhas no momento da divisão, fenômeno
próprias células. A morte celular programada é um fenô‑ indicativo de que o câncer tem base genética (ou epige‑
meno fundamental e disseminado em animais. Sem ela, nética). Em segundo lugar, sabia‑se que alguns tipos de
a formação e a função dos órgãos seriam comprometidas vírus podem induzir a formação de tumores em animais
por células que são simplesmente um “obstáculo”. experimentais. A indução de câncer por vírus implica
A morte celular programada também é importante na que proteí­nas codificadas por genes virais participam da
prevenção de cânceres. Se uma célula com capacidade produção do estado canceroso. Terceiro, sabia‑se que o
anormal de replicação for destruí­da, não pode se multi‑ câncer pode ser induzido por agentes capazes de causar
plicar para dar origem a um tumor potencialmente peri‑ mutações. Substâncias quí­micas mutagênicas e radiação
goso. Assim, a morte celular programada é um controle ionizante induziram tumores em animais experimentais.
das células dissidentes que poderiam proliferar de ma‑ Além disso, muitos dados epidemiológicos apontaram es‑
neira descontrolada no organismo. ses agentes como causas de câncer em seres humanos.
A morte celular programada é denominada apoptose, Quarto, sabia‑se que alguns tipos de câncer tendem a
palavra derivada do grego que significa “queda”. Os even‑ acometer várias pessoas da mesma família. Em especial,
tos que desencadeiam a morte celular são compreendi‑ as suscetibilidades ao retinoblastoma, um câncer raro do
dos parcialmente; nós investigaremos alguns deles adian‑ olho, e a algumas formas de câncer de cólon pareciam
te neste capítulo. Entretanto, os eventos de destruição ser herdadas como distúrbios dominantes simples, embo‑
propriamente ditos são conhecidos com alguns detalhes. ra com penetração incompleta e expressividade va­riá­vel.
Uma família de enzimas proteolíticas denominadas cas‑ Como a suscetibilidade a esses tipos especiais de câncer
pases tem papel crucial no fenômeno de morte celular. As é hereditária, pareceria plausível que todos os cânceres
caspases removem pequenas partes de outras proteí­nas tivessem sua base em defeitos genéticos – sejam mutações
por clivagem de ligações peptídicas. Graças a esse corte hereditárias, sejam mutações somáticas adquiridas ao
enzimático, as proteí­nas‑alvo são inativadas. As caspases longo da vida. Por fim, sabia‑se que certos tipos de cânce‑
atacam muitos tipos diferentes de proteí­nas, entre elas as res de leucócitos (leucemias e linfomas) estão associados
laminas, que constituem o revestimento interno do en‑ a determinadas aberrações cromossômicas. O conjunto
voltório nu­clear, e vários componentes do citoesqueleto. dessas diversas observações constituí­a uma forte indica‑
O impacto coletivo dessa clivagem proteolítica é que as ção de que o câncer é causado por disfunções genéticas.
células nas quais ocorre perdem sua integridade; a cro‑ Na década de 1980, quando técnicas genéticas molecu‑
matina é fragmentada, surgem bolhas de citoplasma em lares foram usadas pela primeira vez para estudar as célu‑
sua superfície e elas começam a diminuir de volume. As las cancerosas, os pesquisadores descobriram que o estado
células que sofrem esse tipo de desintegração geralmen‑ canceroso, na verdade, pode ser relacionado com defeitos
te são englobadas por fagócitos, que são células do sis‑ genéticos específicos. Tipicamente, porém, é necessário
tema imune, e destruí­das. Caso haja comprometimento que haja não um, mas vários desses defeitos para converter
ou inativação do mecanismo apoptótico, uma célula que uma célula normal em célula cancerosa. Os pesquisado‑
deveria ser destruí­da pode sobreviver e proliferar. Essa res na ­área de oncologia identificaram duas classes amplas
célula tem o potencial de formar um clone que poderia de genes que, quando sofrem mutação, podem contribuir
se tornar canceroso se adquirisse a capacidade de divisão para o desenvolvimento de um estado canceroso. Em uma
descontrolada. dessas classes, os genes mutantes promovem ativamente a
divisão celular; na outra classe, os genes mutantes não re‑
primem a divisão celular. Os genes da primeira classe são
base genética do câncer os oncogenes, termo derivado do grego que significa “tu‑
Os grandes avanços recentes na compreensão do câncer mor”. Os genes da segunda classe são os genes supressores tu-
ocorreram graças à aplicação das técnicas de genética morais. Nas seções subsequentes, comentamos a descober‑
molecular. Entretanto, antes que essas técnicas estivessem ta, as características e o significado dessas classes de genes
disponíveis para os pesquisadores, havia fortes indícios relacionados com o câncer.

PONTOS ESSENCIAIS jj O câncer é um grupo de doen­ças em que há descontrole do ciclo celular de crescimento e
divisão
jj Os cânceres podem se desenvolver quando há comprometimento do mecanismo de morte
celular programada (apoptose)
jj Os cânceres são causados por mutações de genes cujos produtos proteicos participam do
controle do ciclo celular.
Capítulo 23 Base Genética do Câncer 5

Oncogenes
Muitos cânceres são decorrentes da superexpressão de A característica que distingue uma proteína quinase é a ca‑
alguns genes ou da atividade anormal de seus produtos pacidade de fosforilar outras proteínas. Desses quatro ge‑
nes, apenas o gene v‑src é responsável pela capacidade do ví‑
proteicos mutantes.
rus de formar tumores. Um vírus cujo gene v‑src foi deletado
Os oncogenes constituem um grupo diverso de genes é infeccioso, mas incapaz de induzir tumores. Genes como
cujos produtos têm papéis importantes na regulação de v‑src causadores de câncer são denominados oncogenes.
Estudos com outros retrovírus indutores de tumor
atividades bioquímicas nas células, inclusive as atividades
descobriram pelo menos 20 diferentes oncogenes virais,
relacionadas com a divisão celular. Esses genes foram des‑
geralmente designados v‑onc (tabela 23.1). Cada tipo de
cobertos pela primeira vez nos genomas de vírus de RNA
oncogene viral parece codificar uma proteína que, teori‑
capazes de induzir tumores em hospedeiros vertebrados.
camente, poderia ter um papel de regulação da expres‑
Mais tarde, os equivalentes celulares desses oncogenes vi‑
são de genes celulares, inclusive daqueles participantes
rais foram descobertos em muitos organismos diferentes,
de processos de crescimento e divisão. Algumas dessas
desde Drosophila até seres humanos.
proteínas podem agir como sinais e estimular deter‑
minados tipos de atividade celular; outras podem agir
retrovírus indutores d e t umor como receptores e captar esses sinais ou como agentes
intracelulares e transmiti‑los da membrana plasmática
e onCogenes virais para o núcleo; ainda outra categoria de proteínas de
O conhecimento essencial sobre a base genética do câncer oncogenes virais pode agir como fator de transcrição e
veio do estudo de vírus indutores de tumor. Muitos desses estimular a expressão gênica. Para conhecer as funções
vírus têm um genoma constituído de RNA em vez de DNA. de duas dessas proteínas, use suas habilidades de pesqui‑
Depois de entrar em uma célula, o RNA viral é usado como sa e responda às questões de Resolva | Oncogenes virais
molde para a síntese de DNA complementar, que então é v‑erbB e v‑fms.
inserido em uma ou mais posições nos cromossomos da cé‑
lula. A síntese de DNA a partir de RNA é catalisada pela en‑
zima viral transcriptase reversa. Essa inversão do fluxo nor‑
HomÓlogos Celulares
mal de informações genéticas do DNA para o RNA levou d e onCogenes virais |
os biólogos a denominarem esses patógenos de retrovírus os proto-onCogenes
(ver Capítulo 21, disponível on‑line).
As proteínas codificadas por oncogenes virais são seme‑
O primeiro vírus indutor de tumor foi descoberto em lhantes às proteínas celulares com funções reguladoras
1910 por Peyton Rous; esse vírus causava um tipo especial importantes. Muitas dessas proteínas celulares foram
de tumor, ou sarcoma, no tecido conjuntivo de galináceos identificadas por isolamento do homólogo celular do on‑
e desde então foi denominado vírus do sarcoma de Rous. cogene viral. Por exemplo, o homólogo celular do gene
As pesquisas modernas mostraram que o genoma de RNA v‑src foi obtido por busca em uma biblioteca de DNA
desse retrovírus contém quatro genes: gag, que codifica a genômico produzida a partir de células de galináceos
proteína do capsídio do vírion; pol, que codifica a trans‑ não infectadas. Para essa pesquisa, o gene v‑src foi usa‑
criptase reversa; env, que codifica uma proteína do envol‑ do como sonda de hibridização para detectar clones de
tório viral; e v‑src, que codifica uma proteína quinase que DNA recombinante que poderiam emparelhar suas bases
se insere nas membranas plasmáticas de células infectadas. com ele. A análise desses clones constatou que as célu‑
las de galináceos contêm um gene semelhante ao v‑src;
na verdade, está relacionado com ele em sentido evolu‑

resolva! tivo. Esse gene, porém, não está associado a um vírus do


sarcoma integrado e difere do gene v‑src em um aspecto
muito importante: contém íntrons. Há, na verdade, 11
Oncogenes virais v-erbB e v-fms íntrons no homólogo de galináceos de v‑src, mas nenhum
O gene v-erbB codifica uma versão truncada do receptor para o no gene v‑src propriamente dito. Essa descoberta surpre‑
fator de crescimento epidérmico (EGF), e o gene v-fms codifi- endente sugeriu que talvez v‑src tivesse evoluído a partir
ca um análogo do receptor para fator estimulador de colônias de um gene celular normal e que, concomitantemente,
(CSF-1). Esses dois receptores são proteínas transmembrana tivesse perdido seus íntrons.
com um domínio de ligação ao fator de crescimento no exte- Os homólogos celulares de oncogenes virais são de‑
rior da célula e um domínio de proteína quinase no interior. nominados proto-oncogenes, ou às vezes, oncogenes celula‑
Como essas proteínas poderiam transferir um sinal do exterior res normais, designados c‑onc. Portanto, o homólogo ce‑
para o interior da célula?
lular de v‑src é c‑src. As sequências codificadoras desses
A Leia a resposta do problema no material disponível on-line. dois genes são muito semelhantes, diferindo apenas
em 18 nucleotídios; v‑src codifica uma proteína de 526
6 Fundamentos de Genética

Tabela 23.1
Oncogenes retrovirais.
Oncogene Vírus Espécie de hospedeiro Função do produto gênico

abl Vírus da leucemia murina de Abelson Camundongo Proteí­na quinase tirosina‑específica

erbA Vírus da eritroblastose aviá­ria Galináceo Análogo do receptor do hormônio tireó­ideo

erbB Vírus da eritroblastose aviá­ria Galináceo Versão truncada do receptor do fator de


crescimento epidérmico (EGF)

fes Vírus do sarcoma felino ST Gato Proteí­na quinase tirosina‑específica

fgr Vírus do sarcoma felino de Gato Proteí­na quinase tirosina‑específica


Gardner‑Rasheed

fms Vírus do sarcoma felino de McDonough Gato Análogo do receptor do fator estimulador de
colônias (CSF‑1)

fos Vírus do osteo­ssarcoma FJB Camundongo Proteí­na ativadora da transcrição

fps Vírus do sarcoma de Fuginami Galináceo Proteí­na quinase tirosina‑específica

jun Vírus do sarcoma aviá­rio 17 Galináceo Proteí­na ativadora da transcrição

mil (mht) Vírus MH2 Galináceo Proteí­na quinase serina/treonina‑específica

mos Vírus do sarcoma de Moloney Camundongo Proteí­na quinase serina/treonina‑específica

myb Vírus da mieloblastose aviá­ria Galináceo Fator de transcrição

myc Vírus da mielocitomatose MC29 Galináceo Fator de transcrição

raf Vírus do sarcoma murino 3611 Camundongo Proteí­na quinase serina/treonina‑específica

H‑ras Vírus do sarcoma murino de Harvey Rato Proteí­na de ligação a GTP

K‑ras Vírus do sarcoma murino de Kirsten Rato Proteí­na de ligação a GTP

rel Vírus da re­ticuloendoteliose Peru Fator de transcrição

ros Vírus do sarcoma aviá­rio URII Galináceo Proteí­na quinase tirosina‑específica

sis Vírus do sarcoma símio Macaco Análogo do fator de crescimento derivado das
plaquetas (PDGF)

src Vírus do sarcoma de Roux Galináceo Proteí­na quinase tirosina‑específica

yes Vírus do sarcoma Y73 Galináceo Proteí­na quinase tirosina‑específica

aminoá­cidos e c‑src codifica uma proteí­na de 533 aminoá­ de transduzir o gene c‑onc sempre que infectasse outra célu‑
cidos. Usando os genes v‑onc como sondas, outros genes la. Durante a infecção, haveria transcrição reversa do RNA
c‑onc foram isolados de muitos organismos diferentes, recombinante em DNA seguida por integração aos cromos‑
entre eles os seres humanos. Em regra, esses oncogenes somos da célula. O que seria mais útil para um vírus que um
celulares apresentam considerável conservação da estru‑ novo gene que estimula o crescimento de seu hospedeiro
tura. Drosophila, por exemplo, tem homólogos muito se‑ enquanto seu genoma integrado aproveita a carona?
melhantes dos oncogenes celulares de vertebrados c‑abl, Em muitos casos, a aquisição de um oncogene por um
c‑erbB, c‑fps, c‑raf, c‑ras e c‑myb. A semelhança de oncoge‑ retrovírus foi acompanhada pela perda de algum material
nes de diferentes espécies é uma forte indicação de que genético viral. Como o material perdido é necessário para
as proteí­nas que eles codificam participam de importan‑ a replicação viral, esses vírus oncogênicos só são capazes
tes funções celulares. de se reproduzir na presença de um vírus auxiliar. Nes‑
Por que os c‑oncs têm íntrons, mas os v‑oncs não? A res‑ se aspecto, assemelham‑se aos bacterió­fagos transdutores
posta mais plausível é que v‑oncs derivaram de c‑oncs pela anômalos sobre os quais comentamos no Capítulo 8.
inserção de um mRNA de c‑onc totalmente processado no Por que os v‑oncs induzem tumores, mas os c‑oncs nor‑
genoma de um retrovírus. Então, um vírion que tem uma mais não? Em alguns casos, parece que o oncogene viral
molécula recombinante empacotada desse tipo seria capaz produz muito mais proteí­nas que seu correspondente
Capítulo 23 Base Genética do Câncer 7

celular, talvez em razão da ativação da transcrição por


acen­tuadores inseridos no genoma viral. Em células tu‑
morais de galináceos, por exemplo, o gene v‑src produz Células tumorais
100 vezes mais tirosina quinase que o gene c‑src. É claro
que esse grande suprimento de quinase perturba os deli‑
cados mecanismos sinalizadores que controlam a divisão
celular, o que causa crescimento desregulado. Outros ge‑ Células
nes v‑onc podem induzir tumores pela expressão de suas normais
proteí­nas em ocasiões impróprias ou pela expressão de TAP

A
E
formas alteradas – ou seja, mutantes – dessas proteí­nas. 1 Isolamento do DNA e acréscimo de
marcador (vermelho) a cada fragmento.

Oncogenes celulares
mutantes e câncer TAP

A
E
2 Transferência
Os produtos dos c‑oncs têm papéi­s essenciais na regulação de DNA para células
das atividades celulares. Consequentemente, a mutação de TAP normais.

A
E
3 Integração do
um desses genes pode perturbar o equilíbrio bioquí­mico de oncogene à celula
uma célula e colocá‑la no caminho de se tornar cancerosa. com transformação
Estudos de muitos tipos diferentes de cânceres humanos de seus
mostraram que os oncogenes celulares mutantes estão asso‑ descendentes em
células cancerosas.
ciados ao desenvolvimento de um estado canceroso.
A primeira evidência que relacionava o câncer a um TAP TAP

A
E Repetição do

A
E
6 4 As células
c‑onc mutante veio do estudo de um câncer de bexiga hu‑ procedimento para cancerosas
mano. A mutação responsável por esse câncer de bexiga verificar a capacidade formam uma
foi isolada por Robert Weinberg e seus colegas por meio de transformação. colônia em
de um teste de transfecção (Figura 23.3). O DNA foi extraí­ cultura.
do do tecido canceroso e fragmentado em pequenos tre‑
chos; depois, cada trecho foi ligado a um segmento de
TAP
DNA bacteriano, que serviu de marcador molecular. Os
A
E

5 Isolamento de DNA
fragmentos de DNA marcados foram introduzidos, ou específico adquirido por
transfectados, em células em cultura para verificar se al‑ células transformadas
(identificável porque
gum deles poderia transformar as células em um estado
tem um marcador).
canceroso. Esse estado poderia ser reconhecido pela ten‑
Figura 23.3 Teste de transfecção para identificar se­quências de DNA
dência das células cancerosas a formar pequenos aglo‑
capazes de transformar células normais em cancerosas.
merados, ou focos, quando cultivadas em placas de ágar
semissólido. O DNA dessas células foi extraí­do e exami‑
nado para verificar se continha o marcador molecular proteí­na mutante é mantida em modo ativo de sinalização,
relacionado com os fragmentos transfectantes originais. transmitindo informações que acabam por estimular a divi‑
Em caso afirmativo, testava‑se novamente a capacidade são descontrolada das células (Figura 23.4).
do DNA de induzir o estado canceroso. Depois de vários Versões mutantes dos oncogenes c‑ras foram encontra‑
testes, a equipe de pesquisa de Weinberg identificou um das em um grande número de diferentes tumores huma‑
fragmento de DNA do câncer de bexiga original respon‑ nos, entre eles tumores do pulmão, do cólon, da mama,
sável pela transformação reprodutível de células culti‑ da próstata e da bexiga, bem como em neuroblastomas
vadas em células cancerosas. Esse fragmento tinha um (cânceres das células nervosas), fibrossarcomas (cânce‑
alelo do oncogene c‑H‑ras, homólogo de um oncogene res do tecido conjuntivo) e teratocarcinomas (cânceres
da linhagem Harvey do vírus de sarcoma de rato. A aná‑ que contêm diferentes tipos celulares embrionários).
lise subsequente da se­quência de DNA mostrou que um Em todos os casos, as mutações causam substituições de
nucleo­tí­dio no códon 12 desse alelo havia sofrido muta‑ aminoá­cidos em uma destas três posições: 12, 59 ou 61.
ção, com a substituição da glicina normalmente encon‑ Cada uma dessas substituições de aminoá­cidos compro‑
trada nessa posição na proteí­na c‑H‑ras por uma valina. mete a capacidade da proteí­na Ras mutante de desativar
Agora os geneticistas têm alguma noção do mecanismo seu modo de sinalização ativa. Portanto, esses tipos de
de transformação cancerosa das células por essa mutação. mutações estimulam o crescimento e a divisão celular.
Ao contrário dos oncogenes virais, o gene c‑H‑ras mutante Nesses tipos de câncer, apenas uma das duas cópias do
não sintetiza quantidades anormalmente grandes de proteí­ gene c‑ras sofreu mutação. O alelo mutante isolado é do‑
nas. Em vez disso, a substituição da glicina por valina na minante em sua capacidade de produzir o estado cance‑
posição 12 compromete a capacidade da proteí­na c‑H‑ras roso. Mutações em c‑ras e outros oncogenes celulares que
mutante de hidrolisar um de seus substratos, o trifosfato levam ao câncer dessa maneira são, portanto, ativadoras
de guanosina (GTP). Em razão desse comprometimento, a dominantes do crescimento celular descontrolado.
8 Fundamentos de Genética

A proteína Ras normal é regulada


Membrana Membrana
plasmática nuclear
Citoplasma Núcleo

Proteína Proteína DNA


Ras Ras
Sinal inativa ativa
extracelular
GDP GTP RNA
GTP GDP
TAP TAP TAP TAP TAP
A

A
E

E
1 O sinal 2 A proteína Ras é 3 A proteína Ras 4 Esse sinal regula 5 A divisão celular
extracelular ativada por ativa transduz a transcrição ocorre de maneira
influencia o fosforilação do GDP o sinal para de genes participantes controlada.
estado da ligado e inativada o núcleo. da divisão celular.
proteína por desfosforilação
Ras. P do GTP ligado.

A.

A proteína Ras mutante não é regulada


Membrana Membrana
plasmática nuclear
Citoplasma Núcleo

DNA
Proteína
Ras
ativa
Sinal
extracelular RNA
GTP Câncer

TAP TAP TAP TAP TAP


A

A
E

1 O sinal 2 A proteína Ras 3 A proteína Ras 4 Esse sinal causa a 5 A divisão celular
extracelular não mutante mutante transduz transcrição imprópria ocorre de maneira
influencia o permanece no um sinal constitutivo de genes participantes controlada.
estado da proteína estado ativo. para o núcleo. da divisão celular.
Ras mutante.

B.
Figura 23.4 Sinalização pela proteí­na Ras e câncer. A. O produto proteico normal do gene ras alterna entre os estados inativo e ativo, depen‑
dendo se está ligado a GDP ou GTP. Sinais extracelulares como fatores de crescimento estimulam a conversão de Ras inativo em Ras ativo. Por
intermédio de Ras ativo, esses sinais são transmitidos a outras proteí­nas e, por fim, ao núcleo, onde induzem a expressão de genes participantes
da divisão celular. Como essa sinalização é intermitente e regulada, a divisão celular ocorre de maneira controlada. B. As proteí­nas Ras mutan‑
tes existem principalmente no estado ativo. Essas proteí­nas transmitem seus sinais de maneira mais ou menos constante, levando à divisão
celular descontrolada, característica marcante do câncer.

As mutações ativadoras dominantes em oncogenes ce‑ reguladores do crescimento, a célula não é capaz de
lulares raramente são herdadas na linhagem germinati‑ compensar seus efeitos separados, o crescimento torna‑se
va; a vasta maioria delas ocorre es­pon­ta­nea­men­te no cor‑ desregulado e surge o câncer. Em muitos tumores, pelo
po celular durante a divisão. Como o número de divisões menos uma dessas mutações prejudiciais está em um on‑
celulares ao longo da vida humana é muito grande – mais cogene celular. Assim, esse grupo de genes tem um papel
de 1016 – é inevitável que ocorram milhares de mutações importante na etiologia do câncer humano.
potencialmente oncogênicas, e se cada uma delas agis‑
se como um ativador dominante do crescimento celular
descontrolado, o desenvolvimento de um tumor seria Rearranjos cromossômicos
inevitável. Muitas pessoas, porém, vivem durante muito e câncer
tempo sem desenvolver tumores. A explicação para esse
paradoxo é que a mutação de cada oncogene, por si só, Alguns tipos de câncer humano estão associados a rear‑
raramente é capaz de induzir um estado canceroso. En‑ ranjos cromossômicos. Por exemplo, a leucemia mielo‑
tretanto, quando há mutação de vários diferentes genes gênica crônica (CML) está associada a uma aberração
Capítulo 23 Base Genética do Câncer 9

do cromossomo 22. Esse cromossomo anormal foi quinase da proteí­na c‑Abl foi ativada constitutivamente
originalmente descoberto na cidade de Philadelphia pela fusão do gene bcr/c‑abl. Portanto, essa fusão é um
e, portanto, é denominado cromossomo Philadelphia. A ativador dominante da tirosina quinase c‑Abl. A des‑
princípio, acreditava‑se que tivesse apenas uma dele‑ regulação da tirosina quinase c‑Abl causa fosforilação
ção no braço longo; entretanto, a análise subsequente anormal de outras proteí­nas, entre elas algumas que
com técnicas moleculares mostrou que o cromossomo participam do controle do ciclo celular. Em seu estado
Philadelphia é, na verdade, resultado da translocação fosforilado, essas proteí­nas causam o crescimento e a
recíproca entre os cromossomos 9 e 22. (Ver discussão divisão descontrolada das células.
sobre translocações no Capítulo 6.) Na translocação O linfoma de Burkitt é outro exemplo de câncer de
Philadelphia, a extremidade do braço longo do cromos‑ leucócitos associado a translocações recíprocas. Essas
somo 9 uniu‑se ao corpo do cromossomo 22, e a porção translocações sempre abrangem o cromossomo 8 e um
distal do braço longo do cromossomo 22 uniu‑se ao cor‑ dos três cromossomos (2, 14 e 22) que têm genes codi‑
po do cromossomo 9 (Figura 23.5 A). O ponto de quebra ficadores dos polipeptídios que formam imunoglobuli‑
da translocação no cromossomo 9 é o oncogene c‑abl, nas (também conhecidas como anticorpos; ver Capítu‑
que codifica uma tirosina quinase, e o ponto de que‑ lo 22). As translocações dos cromossomos 8 e 14 são as
bra no cromossomo 22 está em um gene denominado mais comuns (Figura 23.5 B). Nelas, o oncogene c‑myc no
bcr. Por translocação, os genes bcr e c‑abl foram unidos cromossomo 8 é justaposto aos genes para as cadeias
fisicamente, criando um gene de fusão cujo produto pesadas de imunoglobulina (IGH) no cromossomo 14.
polipeptídico tem a terminação amino da proteí­na Bcr Esse rearranjo resulta na superexpressão do oncogene
e a terminação carboxi da proteí­na c‑Abl. Embora não c‑myc em células que produzem cadeias pesadas de imu‑
se compreenda exatamente por que, esse polipeptídio noglobulina – ou seja, nas células B do sistema imune.
de fusão torna os leucócitos cancerosos. O mecanismo O gene c‑myc codifica um fator de transcrição que ativa
pode implicar a atividade da tirosina quinase da proteí­ genes que promovem a divisão celular. Assim, a supe‑
na c‑Abl, que é rigorosamente controlada em células rexpressão de c‑myc que ocorre em células com a fusão
normais, mas é desregulada em células que produzem o IGH/c‑myc criada pela translocação t8;14 torna essas cé‑
polipeptídio de fusão. Na verdade, a função da tirosina lulas cancerosas.

Cromossomos normais Cromossomos translocados


9 22 9q+ 22q- Cromossomos normais Cromossomo translocado
8 14 14q+
3
Cromossomo 2 1
Philadelphia p 2
1 3
1 p1 2
1
bcr 1
bcr 2 1 2
c-abl 3
1 1
1
q q 2
1 2 3
2 4
2 3
Genes da Genes da
c-abl Pontos de Ponto de 3 1 cadeia IGH
quebra 4 quebra 2 cadeia IGH
Ponto de c-myc
c-myc
quebra
A. B.
Figura 23.5 Translocações implicadas em cânceres humanos. A. A translocação recíproca implicada no cromossomo Philadelphia que está
associado à leucemia mielogênica crônica. B. Uma translocação recíproca implicada no linfoma de Burkitt. É mostrado apenas o cromossomo
translocado (14q+) que tem tanto o oncogene c‑myc quanto os genes de cadeia pesada de imunoglobulina (IGH).

PONTOS ESSENCIAIS jj Alguns vírus têm genes (oncogenes) capazes de induzir a formação de tumores em
animais
jj Os oncogenes virais são homólogos aos genes celulares (proto‑oncogenes), que podem induzir
tumores quando são superexpressos ou quando sofrem mutação para produzir proteí­nas com
atividade anormal
jj As mutações em proto‑oncogenes promovem ativamente a proliferação celular
jj Alguns cânceres estão associados a rearranjos cromossômicos que estimulam a expressão de
proto‑oncogenes ou que alteram a natureza de seus produtos proteicos.
10 Fundamentos de Genética

Genes supressores tumorais


Muitos cânceres envolvem a inativação de genes cujos pro‑ deve à heterozigosidade para uma mutação hereditária
dutos têm papéis importantes na regulação do ciclo celular. com perda de função no gene supressor tumoral. O cân‑
cer só se desenvolve se houver uma segunda mutação nas
Os alelos normais de genes como c‑ras e c‑myc produzem células somáticas e se essa mutação desativar a função
proteínas que regulam o ciclo celular. Quando esses ge‑ do alelo selvagem do gene supressor tumoral. Assim, o
nes são superexpressos ou quando produzem proteínas desenvolvimento do câncer requer duas mutações com
que atuam como ativadores dominantes, a célula tende a perda de função – ou seja, dois “eventos” inativadores,
se tornar cancerosa. Entretanto, o desenvolvimento com‑ um em cada cópia do gene supressor tumoral.
pleto de um estado canceroso costuma exigir outras mu‑ Em 1971, Alfred Knudson propôs essa explicação
tações e, em geral, essas mutações afetam os genes que para a ocorrência do retinoblastoma, um câncer do olho
normalmente limitam o crescimento celular. Por isso, es‑ raro que acomete crianças. Na maioria das populações
sas mutações definem uma segunda classe de genes rela‑ humanas, a incidência de retinoblastoma é de aproxima‑
cionados com o câncer – os antioncogenes ou, como são damente 5 em 100.000 crianças. A análise do heredogra‑
mais conhecidos, os genes supressores tumorais. ma indica que em aproximadamente 40% dos casos há
uma mutação hereditária que predispõe ao surgimento
do câncer. Os outros 60% não estão associados a uma
CânCeres Hereditários e a HipÓtese mutação hereditária específica. Esses casos não heredi‑
de dois eventos de Knudson tários são ditos esporádicos. De acordo com análises esta‑
tísticas, Knudson propôs que os casos de retinoblastoma,
Muitos genes supressores tumorais foram descobertos tanto hereditários quanto esporádicos, são provocados
inicialmente pela análise de cânceres raros nos quais a por inativação das duas cópias de um gene específico
predisposição ao desenvolvimento do câncer segue um (Figura 23.6). Nos casos hereditários, uma das mutações
padrão dominante de herança. Essa predisposição se inativadoras foi transmitida pela linhagem germinativa,

Retinoblastoma hereditário Retinoblastoma esporádico

X Pais X

RB – RB + RB + RB + RB + RB + RB + RB +

O filho herda um Filhos O filho herda


alelo RB – (primeiro dois alelos RB +
evento) RB – RB + RB + RB +

Mutação somática Mutação somática


cria outro alelo cria um alelo RB –
RB – (segundo (primeiro evento)
evento) RB – RB – RB – RB +

Tumor ocular Mutação somática


cria outro alelo
RB – (segundo
evento)
RB – RB –

Tumor ocular

Figura 23.6 Hipótese de dois eventos de Knudson para explicar a ocorrência de casos hereditários e esporádicos de retinoblastoma. São ne‑
cessárias duas mutações inativadoras para eliminar a função do gene RB.
Capítulo 23 Base Genética do Câncer 11

e a outra ocorre durante o desenvolvimento dos tecidos poderia reverter as propriedades cancerosas das células
somáticos do olho. Nos casos esporádicos, as duas mu‑ tumorais cultivadas. Esses experimentos de reversão do
tações inativadoras ocorrem durante o desenvolvimento câncer comprovaram, sem sombra de dúvida, que o gene
do olho. Assim, em qualquer tipo de retinoblastoma, são candidato era o verdadeiro gene supressor tumoral RB.
necessários dois “eventos” para desativar um gene que Em seguida, constatou‑se que o produto proteico desse
normalmente inibe a formação de tumor no olho. gene – denominado pRB – é uma proteí­na de expressão
Achados recentes de pesquisa comprovaram a hipó‑ generalizada que interage com uma família de fatores de
tese de dois eventos de Knudson. Primeiro, constatou‑se transcrição participantes da regulação do ciclo celular.
que vários casos de retinoblastoma estavam associados a Desde então, a hipótese de dois eventos de Knudson
uma pequena deleção no braço longo do cromossomo foi aplicada a outros cânceres hereditários, entre eles
13. Portanto, é necessário que o gene que normalmente tumor de Wilms, síndrome de Li‑Fraumeni, neurofibro‑
impede o retinoblastoma – simbolizado por RB – esteja matose, doen­ça de Hippel‑Lindau e alguns tipos de cân‑
localizado na região definida por essa deleção. Em segui‑ ceres de cólon e de mama (Tabela 23.2). Em cada caso,
da, o mapeamento citogenético mais preciso localizou o há participação de um gene supressor tumoral diferente.
gene RB no locus 13q14.2. Segundo, técnicas de clona‑ Por exemplo, no tumor de Wilms, um câncer do sistema
gem posicional foram usadas para isolar um candidato a urogenital, o gene supressor tumoral é o WT1 localizado
gene RB. Uma vez isolado, determinaram‑se a estrutura, a no braço curto do cromossomo 11; na neurofibromato‑
se­quência e os padrões de expressão do gene. Terceiro, a se, doen­ça caracterizada por tumores benignos e lesões
estrutura do gene candidato foi examinada em células re‑ cutâ­neas, é o gene NF1 localizado no braço longo do cro‑
tiradas do tecido tumoral ­ocular. Conforme a previsão da mossomo 17; e na polipose adenomatosa familiar, distúr‑
hipótese de dois eventos de Knudson, as duas cópias des‑ bio caracterizado pela ocorrência de numerosos tumores
se gene foram inativadas nas células de retinoblastoma. no cólon, é o gene APC localizado no braço longo do
Assim, o gene candidato parecia ser o verdadeiro gene cromossomo 5. Assim como o retinoblastoma, essas três
RB. Por fim, experimentos de cultura celular demonstra‑ doen­ças são raras, e apenas uma fração dos casos obser‑
ram que um cDNA do alelo selvagem do gene candidato vados está relacionada com mutação hereditária no gene

Tabela 23.2
Síndromes de câncer hereditário.
Localização no
Síndrome Tumor primário Gene cromossomo Função proposta da proteí­na

Retinoblastoma familiar Retinoblastoma RB 13q14.3 Regulação do ciclo celular e da transcrição

Síndrome de Li‑Fraumeni Sarcomas, câncer TP53 17p13.1 Fator de transcrição


de mama

Polipose adenomatosa familiar (PAF) Câncer colorretal APC 5q21 Regulação de b‑catenina

Câncer colorretal hereditário sem Câncer colorretal MSH2 2p16 Reparo de erro de pareamento do DNA
polipose (HNPCC) MLH1 3p21
PMS1 2q32
PMS2 7p22

Neurofibromatose tipo 1 Neurofibromas NF1 17q11.2 Regulação da sinalização mediada por Ras

Neurofibromatose tipo 2 Neuromas acústicos, NF2 22q12.2 Ligação de proteí­nas da membrana ao


meningiomas citoesqueleto

Tumor de Wilms Tumor de Wilms WT1 11p13 Repressor da transcrição

Câncer de mama familiar 1 Câncer de mama BRCA1 17q21 Reparo do DNA

Câncer de mama familiar 2 Câncer de mama BRCA2 13q12 Reparo do DNA

Doença de Hippel‑Lindau Câncer renal VHL 3p25 Regulação do alongamento transcricional

Melanoma familiar Melanoma p16 9p21 Inibidor de CDK

Ataxia‑telangiectasia Linfoma ATM 11q22 Reparo do DNA

Síndrome de Bloom Tumores sólidos BLM 15q26.1 DNA helicase


Fonte: Fearon, E. R. 1997. Human cancer syndromes: clues to the origin and nature of cancer. Science 278:1043‑1050.
12 Fundamentos de Genética

Problema Resolvido
Estimativa das taxas de mutação em retinoblastoma
Problema 3. Casos esporádicos de retinoblastoma ocorrem quando as duas
Alfred Knudson baseou sua hipótese de dois eventos do câncer em mutações inativadoras surgem durante o desenvolvimento
uma análise estatística do retinoblastoma. Os pacientes com reti‑ do olho.
noblastoma (RB) podem ter tumores em um olho (RB unilateral) 4. Quando dois eventos são independentes, multiplicam‑se as
ou nos dois olhos (RB bilateral), e, em cada olho, pode haver mais probabilidades de cada um para calcular a probabilidade de que
de um tumor. Em pacientes que haviam herdado uma mutação do ambos ocorram.
gene RB de um dos pais, Knudson constatou que o número total
Análise e solução
médio de tumores formados era três. Além disso, ele estimou que
o número total de retinoblastos – as células que formam a retina Para estimar a taxa de mutação somática, é preciso determinar o
embrionária – era de aproximadamente 2 milhões em cada olho. Se número de eventos de mutação em comparação com o número
cada tumor nesse grupo de pacientes for causado por outra muta‑ total de chances desses eventos. O número médio de tumores
ção do gene RB nos primeiros 2 anos de vida – o segundo evento (três) é uma estimativa do número médio de eventos mutacio‑
na hipótese de Knudson – qual será a taxa de mutação somática do nais. O número de chances desses eventos é uma função do nú‑
gene RB por ano? mero total de genes que podem sofrer mutação e produzir um
tumor: 1 gene RB+ por célula em um paciente que já herdou uma
Fatos e conceitos mutação RB– de um dos pais  2  106 células por olho  2 olhos
1. O retinoblastoma ocorre quando os dois genes RB são inativa‑ por paciente = 4  106 chances de um evento mutacional. Assim,
dos por mutações. a taxa de mutação é 3/(4  106) = 7,5  10–7 mutações ou, em
2. Uma dessas mutações inativadoras pode ser herdada de um uma base ­anual, 7,5  10–7 mutações/2 anos = 3,7  10–7 muta‑
dos pais. ções/ano.

supressor tumoral correspondente. Os demais casos são eles carcinoma pulmonar de pequenas células, osteo­s-
provocados por duas mutações somáticas independentes sarcoma e carcinoma da bexiga, cervical e da próstata.
nesse gene ou por mutações em outros genes supresso‑ Além disso, camundongos homozigotos para uma muta‑
res tumorais ainda não identificados. Para conhecer as ção knockout de RB morrem durante o desenvolvimento
dimensões genéticas da hipótese de dois eventos, leia embrionário. Assim, o produto gênico RB é essencial
Problema resolvido | Estimativa das taxas de mutação em para a vida.
retinoblastoma. O produto gênico RB, simbolizado por pRB, é uma
proteí­na nu­clear de 105 quilodáltons que participa da
regulação do ciclo celular. Dois genes homólogos a RB
Papéi­s celulares das proteí­n as foram encontrados em genomas de mamíferos, e seus
supressoras d e t umor produtos proteicos, p107 e p130 (nomeados segundo a
massa em quilodáltons), também podem ter papéi­s estra‑
Cerca de 1% dos cânceres é hereditário. Entretanto, fo‑ tégicos na regulação do ciclo celular. Não se conhecem
ram identificadas mais de 20 síndromes diferentes de tumores humanos que tenham mutações inativadoras em
câncer hereditário, e em quase todas elas o defeito está nenhum desses genes, e camundongos homozigotos para
em um gene supressor tumoral, não em um oncogene. uma mutação knockout em qualquer um deles não apre‑
As proteí­nas codificadas por esses genes supressores tu‑ sentam fenótipo anormal. Entretanto, camundongos
morais ­atuam em diversos processos celulares, entre eles homozigotos para mutações knockout nesses dois genes
divisão, diferenciação, morte celular programada e repa‑ morrem logo após o nascimento. Desse modo, juntos, os
ro do DNA. Nas seções a seguir, apresentaremos algumas membros p107 e p130 da família RB de proteí­nas partici‑
das proteí­nas supressoras de tumor que foram estudadas pam de importantes processos celulares.
intensivamente. Análises moleculares e bioquí­micas esclareceram o pa‑
pel de pRB na regulação do ciclo celular (Figura 23.7). No
início da fase G1 do ciclo celular, pRB liga‑se às proteí­nas
pRB
E2F, uma família de fatores de transcrição que contro‑
Pesquisas recentes mostraram que a proteí­na supresso‑ lam a expressão de vários genes cujos produtos condu‑
ra de tumor RB participa da regulação do ciclo celular. zem a célula ao longo de seu ciclo. Quando os fatores
Embora o gene RB tenha sido descoberto por sua asso‑ de transcrição E2F estão ligados a pRB, não podem se
ciação com o retinoblastoma, as mutações nesse gene ligar a se­quências acen­tuadoras específicas em seus ge‑
também estão associadas a outros tipos de câncer, entre nes‑alvo. Consequentemente, os fatores do ciclo celular
Capítulo 23 Base Genética do Câncer 13

Início de G1
TAP

A
E
1 No início de G1, pRB liga-se à
família E2F de fatores
pRB E2F de transcrição.

TAP

A
E
2 As proteínas E2F ligadas são
incapazes de estimular a
transcrição de seus genes-alvo.
Complexo ciclina
E/CDK2
TAP

A
E
3 Complexos ciclina/CDK
Complexo fosforilam pRB.
ciclina D/CDK4

TAP

A
E
4 pRB fosforilada libera as proteínas
E2F ativo E2F ligadas, que ativam seus
genes-alvo.
pRB fosforilada
DNA

RNA
TAP

A
E
5 As proteínas codificadas pelos alvos
Proteína dos fatores de transcrição E2F
Final de G1 do ciclo participam do progresso do
celular ciclo celular.

S
TAP
A
E

6 A célula ultrapassa o ponto de


verificação START e entra na fase S,
e inicia-se a replicação de DNA.

TAP
M
A
E

7 Divisão celular

Figura 23.7 Papel de pRB no progresso do ciclo celular. Por sua interação negativa com os fatores de transcrição E2F, pRB paralisa o ciclo ce‑
lular na fase G1. A fosforilação de pRB pelos complexos ciclina/CDK libera as proteí­nas E2F para ativar seus genes‑alvo, que codificam proteí­nas
úteis para que a célula ultrapasse o ponto de verificação START e entre na fase S.

codificados por esses genes não são produzidos, e o me‑ de câncer, não só no retinoblastoma, há inativação das
canismo de síntese de DNA e divisão celular se mantém duas cópias do gene RB, seja por deleções, seja por muta‑
quiescente. Mais adiante em G1, pRB é fosforilada pela ções que reduzem ou extinguem a capacidade da proteí­
ação de quinases dependentes de ciclina. Nesse estado na RB de se ligar a fatores de transcrição E2F. A incapa‑
modificado, pRB libera os fatores de transcrição E2F liga‑ cidade de pRB de se ligar a esses fatores de transcrição
dos a ela. Então, esses fatores de transcrição ficam livres deixa‑os livres para ativar os genes‑alvo e dar partida no
para ativar seus genes‑alvo, codificadores de proteí­nas mecanismo de síntese de DNA e divisão celular. Na verda‑
que induzem o avanço da célula para a fase S e a mitose. de, foi eliminado um dos freios naturais do processo de
Após a mitose, pRB é desfosforilada e cada célula‑filha divisão celular. Na ausência desse freio, as células tendem
entra na fase quiescente de um novo ciclo celular. a avançar rapidamente no ciclo. Se outros freios do ciclo
Esse avanço ordenado e rítmico ao longo do ciclo celu‑ celular falharem, as células dividem‑se incessantemente
lar é perturbado nas células cancerosas. Em muitos tipos e formam tumores.
14 Fundamentos de Genética

Mutações negativas
dominantes

TAD DBD OD
1 42 113 290 330 360 393

Mutações recessivas
A. com perda de função

A lesão do DNA induz aumento


da quantidade de p53.

p53

Via de interrupção do ciclo celular Via apoptótica

TAP
A
E

1 Atuando como fator de transcrição, TAP

A
E
p53 induz a síntese de p21. p21 BAX 1 Atuando como fator de
transcrição, p53 induz a
TAP síntese da proteína BAX.
A
E

2 A proteína p21 inibe as atividades


TAP
de fosforilação das CDK.

A
E
2 A proteína E2F antagoniza a
CDK proteína BCL-2, um repressor
BCL-2 da via apoptótica.
TAP
A

A proteína pRB permanece em


E

3
estado hipofosforilado. pRB pRB hiperfosforilada TAP

A
E
3 Na ausência de repressor, a via
TAP apoptótica é ativada e
Via
A

A pRB hipofosforilada inibe


E

4
apoptótica a célula é destruída.
fatores de transcrição E2F.
E2F
TAP
A
E

5 As proteínas E2F não estão


disponíveis para induzir a Genes-
Morte celular
transcrição de seus genes-alvo. alvo

TAP
A
E

6 As proteínas codificadas pelos alvos


dos fatores de transcrição E2F não Produtos
são produzidas, e o ciclo celular proteicos
é interrompido.

B. Interrupção do ciclo celular

Figura 23.8 A. Domínios principais em p53. TAD = domínio de ativação da transcrição; DBD = domínio de ligação ao DNA; OD = domínio de
oligomerização. Os números referem‑se às posições do aminoá­cido no polipeptídio. B. Papel de p53 na resposta celular à lesão do DNA. Foram
identificadas duas vias de resposta. Em cada via, uma seta com ponta indica in­fluên­cia positiva ou mudança de direção (p. ex., uma proteí­na é sin‑
tetizada ou fosforilada, uma proteí­na catalisa uma reação ou um gene é expresso) e uma seta sem ponta indica in­fluên­cia negativa (p. ex., repressão
da síntese ou atividade da proteí­na ou repressão de uma via). A barra que corta a seta indica que a in­fluên­cia – positiva ou negativa – é bloqueada.

p53 são encontradas na maioria dos tumores humanos. Por‑


tanto, a perda da função de p53 é uma etapa essencial na
A proteí­na supressora de tumor de 53 quilodáltons carcinogênese.
p53 foi descoberta por seu papel na indução de cânceres A proteí­na p53 é um fator de transcrição com 393
por determinados vírus de DNA. Essa proteí­na é codifi‑ aminoá­cidos constituí­do de três domínios distintos: um
cada por um gene supressor tumoral denominado TP53. domínio de ativação de transcrição N‑terminal (TAD),
Mutações hereditárias de TP53 estão associadas à síndro‑ um domínio central no cerne de ligação ao DNA (DBD)
me de Li‑Fraumeni, um distúrbio dominante raro no e um domínio de homo‑oligomerização C‑terminal (OD)
qual pode se desenvolver qualquer um dos vários tipos (Figura 23.8 A). A maioria das mutações inativadoras de
diferentes de câncer. Mutações somáticas que inativam p53 está localizada em DBD. Evidentemente, essas mu‑
as duas cópias do gene TP53 também estão associadas a tações comprometem ou extinguem a capacidade da
uma variedade de cânceres. Na verdade, essas mutações p53 de se ligar a se­quências de DNA específicas inseridas
Capítulo 23 Base Genética do Câncer 15

em seus genes‑alvo, assim impedindo a ativação trans‑ reparar os danos celulares, p53 pode desencadear uma
cricional desses genes. Portanto, mutações em DBD são resposta suicida na qual a célula danificada é programada
tipicamente recessivas com perda de função. Outros ti‑ para destruição. O modo de programação da morte ce‑
pos de mutações são encontrados na porção OD do po‑ lular por p53 não é bem-compreendido. Um mecanismo
lipeptídio. Moléculas de p53 com esses tipos de mutação parece implicar a proteí­na produzida a partir do gene
dimerizam‑se com polipeptídios p53 de tipo selvagem e BAX. A proteí­na BAX é antagonista de outra proteí­na
impedem que os polipeptídios de tipo selvagem atuem denominada BCL‑2, que normalmente suprime a via de
como ativadores de transcrição. Assim, mutações em OD apoptose (morte celular). Quando o gene BAX é ativado
têm efeito negativo dominante sobre a função da p53. por p53, seu produto proteico libera a proteí­na BCL‑2 de
A proteí­na p53 tem um papel essencial na resposta seu modo supressor. Essa liberação aciona a via de apop‑
celular ao estresse (Figura 23.8 B). Em células normais, o tose, e a célula prossegue para sua própria destruição.
nível da p53 é baixo, mas quando as células são tratadas Curiosamente, a proteí­na p53 não parece ter papel
com um agente que cause danos ao DNA, como radia‑ importante na morte celular programada que ocorre
ção, o nível de p53 aumenta radicalmente. Essa resposta durante a embriogênese. Camundongos homozigotos
à lesão do DNA é mediada por uma via que diminui a para mutações knockout em TP53 desenvolvem‑se normal‑
degradação de p53. Em resposta à lesão do DNA, p53 mente, embora sejam propensos a desenvolver tumores
à medida que envelhecem. Assim, apesar de seu papel
é fosforilada e convertida em uma forma estável e ativa.
essencial na regulação de respostas celulares ao estresse,
Uma vez ativada, p53 estimula a transcrição de genes
p53 não parece influenciar o curso do desenvolvimento
cujos produtos interrompem o ciclo celular, assim permi‑
embrionário.
tindo o reparo do DNA lesado, ou ativa outro conjunto
de genes cujos produtos acabam por causar a morte da
célula danificada. pAPC
Um fator proeminente em resposta à interrupção do A proteí­na pAPC, de 310 quilodáltons, foi descoberta
ciclo celular é p21, uma proteí­na codificada por gene ati‑ pelo estudo da polipose adenomatosa do cólon, distúrbio
vado pelo fator de transcrição p53. A proteí­na p21 é um hereditário que costuma levar ao câncer colorretal. Essa
inibidor dos complexos de proteí­na ciclina/CDK. Quan‑ grande proteí­na, com 2.843 aminoá­cidos (Figura 23.9 A),
do p21 é sintetizada em resposta ao estresse celular, os tem papel essencial no controle da renovação das células
complexos ciclina/CDK são inativados e o ciclo celular no revestimento (epitélio) do intestino grosso. Embora
é interrompido. Durante essa pausa, é possível reparar os mecanismos reguladores desse processo não sejam
o DNA celular lesado. Assim, p53 é responsável pela ati‑ totalmente compreendidos, as informações atuais suge‑
vação de um freio no ciclo celular, que possibilita que rem que pAPC controla a proliferação e a diferenciação
a célula mantenha sua integridade genética. As células de células no epitélio intestinal. Em caso de perda da
sem p53 ativa têm dificuldade de empregar esse freio. função de pAPC, as células geradoras das projeções di‑
Se essas células avançarem no ciclo celular e prossegui‑
gitiformes no epitélio intestinal permanecem em estado
rem para divisões subsequentes, pode haver acúmu­lo de
indiferenciado. À medida que essas células con­ti­nuam
outras mutações causadoras de descontrole. Portanto,
a se dividir, produzem mais células de seu próprio tipo,
muitas vezes a inativação mutacional de p53 é uma etapa
e o consequente aumento do número de células leva
estratégica na via cancerígena. O texto Resolva | Abaixo
ao surgimento de muitos tumores benignos pequenos
da p53 desafia o leitor a imaginar o que aconteceria se
no epitélio intestinal. Esses tumores são denominados
p21 fosse inativada por mutações.
pólipos, ou adenomas, e a predisposição à sua formação é
A proteí­na p53 também pode mediar outra resposta
ao estresse celular. Em vez de orquestrar esforços para herdada como um raro distúrbio autossômico dominan‑
te conhecido como polipose adenomatosa familiar (PAF).
Nos paí­ses ocidentais, a fre­quência na população é de

Resolva! aproximadamente 1 em 7.000.


Pacientes com PAF apresentam múltiplos adenomas
durante a adolescência e até pouco depois dos 20 anos.
Abaixo da p53 Embora os adenomas sejam inicialmente benignos, há
A proteí­na p53 controla duas vias que respondem à lesão do alta probabilidade de que pelo menos um deles se trans‑
DNA celular. Uma via interrompe o ciclo celular para permi- forme em um tumor maligno. Assim, os portadores de
tir o reparo do DNA lesado. Essa via é desen­ca­d ea­da quando uma mutação de PAF desenvolvem câncer colorretal em
p53 ativa o gene para p21, proteí­na que inibe as atividades uma idade relativamente jovem; nos EUA, a idade média
de fosforilação das quinases dependentes de ciclina (CDK). é de 42 anos.
Essa via seria operante em uma célula que tivesse mutações Múltiplos adenomas desenvolvem‑se no intestino de
com perda de função nos dois genes p21? Explique sua res- pessoas heterozigotas para uma mutação de PAF porque
posta. Você classificaria o gene p21 como um gene supressor
o alelo APC selvagem que elas têm sofre várias muta‑
tumoral?
ções durante a regeneração natural do epitélio intesti‑
A Leia a resposta do problema no material disponível on-line. nal. Quando essas mutações ocorrem, as células perdem
a capacidade de sintetizar proteí­ na pAPC funcional.
16 Fundamentos de Genética

A ausência dessa proteí­na libera um importante freio da A proteí­na pAPC parece controlar a divisão celular
proliferação celular, e a divisão celular prossegue sem por sua capacidade de ligação à b‑catenina, proteí­na
controle. Assim, a formação de vários tumores benignos presente no interior das células. A b‑catenina também
no intestino de heterozigotos para PAF resulta da ocor‑ se liga naturalmente a outras proteí­nas, inclusive de‑
rência independente de segundos “eventos” de mutação terminados fatores de transcrição que estimulam a ex‑
nas células do epitélio intestinal. Os in­di­ví­duos sem mu‑ pressão de genes cujos produtos proteicos promovem
tação para PAF raramente apresentam múltiplos adeno‑ a divisão celular. As interações com esses fatores de
mas. Entretanto, podem surgir um ou alguns adenomas transcrição são favorecidas quando sinais que chegam
se, por acaso, os dois genes APC forem inativados por mu‑ à superfície celular estimulam a divisão celular (Figu-
tações somáticas. ra 23.9 B). A proliferação celular induzida por sinal é

Domínios I e II de ligação
da β-catenina

1324 2075
I II
1 171 1020 1169 2200 2400 2843

Domínio de Domínio
oligomerização básico
A.
Célula jovem Célula madura
Sinal extracelular Ausência de sinal
extracelular

TAP Membrana
A
E

1
plasmática
Síntese de β-catenina em
resposta a uma via
sinalizadora.

pAPC
Proteínas
STE
LEF ou TCF
P

TAP 2b
A
E

2a
Formação de um complexo de
Formação de um complexo de -catenina β-catenina com pAPC
β-catenina com fatores de no citoplasma.
transcrição LEF ou TCF
no citoplasma.

STE
TAP
P

3b
A
E

3a

Migração do complexo O complexo β-catenina/pAPC


β-catenina/fator de transcrição Membrana medeia a degradação
até o núcleo a fim de ativar nuclear da β-catenina.
a expressão de genes cujos
produtos promovem
a divisão celular.

DNA

RNA
B.
Figura 21.9 A. Domínios principais em pAPC. Os números referem‑se às posições do aminoá­cido no polipeptídio. B. Papel de pAPC no con‑
trole do ciclo celular. A proteí­na pAPC influencia o avanço no ciclo celular por interação com b‑catenina, uma proteí­na que pode ativar os
fatores de transcrição LEF ou TCF. Em células jovens (etapas 2a, 3a), um sinal extracelular ativa esses fatores de transcrição e a divisão celular
é estimulada. Em células maduras (etapas 2b, 3b), interações de pAPC e b‑catenina impedem a ativação dos fatores de transcrição e a divisão
celular é inibida.
Capítulo 23 Base Genética do Câncer 17

um processo necessário no epitélio intestinal porque implicado no HNPCC por análise de ligação. A análise
esse tecido perde uma quantidade enorme de células de se­quência desse gene – designado hMSH2 – indicou
todos os dias – em seres humanos, cerca de 1011 – e que estava inativado em tumores removidos de alguns
as células perdidas têm de ser subs­ti­tuí­das por célu‑ pacientes com HNPCC. Assim, foi mostrada a relação
las novas geradas por divisão. Normalmente, as célu‑ causal entre a perda da função de hMSH2 e a instabi‑
las recém‑criadas perdem a capacidade de se dividir à lidade de todo o genoma observada em tumores do
medida que se afastam da parte generativa do epitélio HNPCC. A análise subsequente mostrou que mutações
e assumem seus papéi­s na parte madura do epitélio. da linhagem germinativa em hMS2, ou em três outros
Essa passagem do estado de divisão para o estado de homólogos humanos dos genes de reparo de erro de
não divisão ocorre porque as células epiteliais maduras pareamento bacteriano, são responsáveis pelos casos
não recebem os sinais extracelulares que estimulam a hereditários de HNPCC.
divisão celular. Na ausência desses sinais, pAPC forma
um complexo com a b‑catenina no citoplasma celular,
e a b‑catenina no complexo é destinada à degradação. pBRCA1 e pBRCA2
Como pAPC mantém baixos os níveis de b‑catenina Versões mutantes dos genes supressores tumorais BRCA1
nas células maduras do epitélio intestinal, é pequena a e BRCA2 foram implicadas nos cânceres de mama e ová‑
chance de que a b‑catenina se combine aos fatores de rio hereditários. BRCA1 foi mapeado no cromossomo
transcrição que estimulam a divisão celular e os ative. 17 em 1990 e isolado em 1994 (ver Marcos da genética |
As células com mutações em pAPC perdem a capaci‑ Identificação do gene BRCA 1, no material suplementar
dade de controlar os níveis de b‑catenina. Sem esse disponível on-line), e BRCA2 foi mapeado no cromosso‑
controle, elas preservam o vigor para divisão e não se mo 13 em 1994 e isolado em 1995. Os dois genes co‑
diferenciam corretamente em células epiteliais madu‑ dificam grandes proteí­nas; pBRCA1 é um polipeptídio
ras. O resultado é o surgimento de um tumor no re‑ de 220 quilodáltons, e pBRCA2 é um polipeptídio de
vestimento intestinal. Assim, as moléculas normais de 384 quilodáltons. Estudos celulares e bioquí­micos mos‑
pAPC têm papel importante na inibição da formação traram que cada proteí­na está localizada nos núcleos
de tumores no intestino. de células normais e que cada uma contém um domí‑
nio de ativação de transcrição. As proteí­nas pBRCA1 e
pBRCA2 também contêm um domínio que possibilita
phMSH2 a interação física com outras proteí­nas, em par­ticular
com pRAD51, um homólogo eucarió­tico da proteí­na de
A proteí­na phMSH2 é o homólogo humano de uma
reparo do DNA bacteriano conhecida como RecA. As‑
proteí­na de reparo do DNA denominada MutS encon‑
sim, é provável que pBRCA1 e pBRCA2 participem de
trada em bactérias e leveduras. Sua participação no
um dos muitos sistemas que reparam o DNA lesado em
câncer humano foi esclarecida pelo estudo do câncer co‑
células humanas.
lorretal hereditário sem polipose (HNPCC), distúrbio autos‑
Tanto pBRCA1 quanto pBRCA2 têm funções impor‑
sômico dominante com fre­quência populacional apro‑
tantes nas células. Camundongos homozigotos para uma
ximada de 1 em 500. Ao contrário da PAF, o HNPCC mutação knockout em um desses genes morrem precoce‑
é caracterizado por pequena quantidade de adenomas, mente durante a embriogênese. Na etiologia dos cânce‑
e um deles dá origem a um câncer. Nos EUA, a idade res humanos, as proteí­nas pBRCA1 e pBRCA2 mutantes
média de ocorrência do câncer é de 42 anos, a mesma parecem comprometer a capacidade de uma célula de
idade de surgimento de câncer maligno em pacientes detectar ou reparar o DNA lesado.
com PAF. Mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 são responsáveis
O gene hMSH2 foi relacionado com a herança do por cerca de 7% dos casos de câncer de mama e 10%
HNPCC depois que pesquisadores constataram que dos casos de câncer de ovário nos EUA. Para cada gene,
as células nos tumores de HNPCC apresentam insta‑ a predisposição ao desenvolvimento desses cânceres é
bilidade genética geral. Nessas células, as se­quências herdada como um alelo dominante com alta penetra‑
de repetições de di- e trinucleo­tí­dios microssatélites ção. O risco de câncer de mama e ovário é 10 a 25 vezes
(Capítulo 13) em todo o genoma apresentam varia‑ maior em portadores que em não portadores; em algu‑
ções frequentes de comprimento. Essa instabilidade é mas famílias também é maior o risco de câncer de cólon
remaniscente dos tipos de variações de se­quências de ou próstata. Por serem encontradas muitas diferentes
DNA observadas em bactérias com mutações dos ge‑ mutações inativadoras de BRCA1 e BRCA2 na população
nes que controlam o reparo de erros de pareamento humana, o aconselhamento genético das famílias que
do DNA (Capítulo 13). O homólogo humano de um segregam essas mutações pode ser difícil (ver Em foco |
desses genes bacterianos é mapeado no braço curto do Câncer e aconselhamento genético, no material suple‑
cromossomo 2, um cromossomo que antes havia sido mentar disponível on-line).
18 Fundamentos de Genética

pontos essenCiais jj Os genes supressores tumorais foram descobertos por sua associação com cânceres hereditários
raros, como retinoblastoma
jj A inativação mutacional de vários genes supressores tumorais é característica da maioria
das formas de câncer
jj São necessários dois eventos de mutação para eliminar as duas cópias funcionais de um
gene supressor tumoral em uma célula
jj As proteínas codificadas por genes supressores tumorais têm papéis estratégicos na regulação
do ciclo celular.

Vias genéticas da carcinogênese


Os cânceres são consequência do acúmulo de mutações As vias genéticas do câncer de próstata também foram
somáticas em proto‑oncogenes e genes supressores tu‑ esclarecidas (Figura 23.10 b). As mutações em HPC1, gene
morais. do câncer de próstata hereditário localizado no braço
longo do cromossomo 1, foram apontadas como origem
de tumores da próstata. As mutações em outros genes
Na maioria dos casos de câncer, a formação de um tu‑
supressores tumorais localizados nos cromossomos 13,
mor maligno não é atribuível à ativação descontrolada
16, 17 e 18 podem transformar tumores da próstata em
de um único proto‑oncogene ou à inativação de um úni‑
cânceres metastáticos, e a superexpressão do proto‑onco‑
co gene supressor tumoral. Em vez disso, a formação de
gene BCL‑2 pode tornar esses cânceres resistentes à tera‑
tumor, o crescimento e a metástase geralmente depen‑
pia de privação de androgênio, uma técnica clássica de
dem do acúmulo de mutações em vários genes diferen‑
tratamento do câncer de próstata. O hormônio esteroide
tes. Desse modo, as vias genéticas da carcinogênese são
androgênio é necessário para a proliferação de células
diversas e complexas.
no epitélio prostático. Na ausência de androgênio, essas
Podemos ver essa diversidade e complexidade na
células são programadas para morrer. As células do tu‑
formação e no desenvolvimento de diferentes tipos de
mor de próstata, porém, podem adquirir a capacidade
tumores. Por exemplo, tumores benignos do intestino
de sobreviver na ausência de androgênio, provavelmente
grosso desenvolvem‑se em indivíduos com mutações ina‑
porque um excesso do produto do gene BCL‑2 reprime a
tivadoras no gene APC. Entretanto, o avanço desses tu‑
via de morte celular programada. Os cânceres de prósta‑
mores para cânceres com potencial letal exige mutações
ta que avançam até o estágio de independência de andro‑
em vários outros genes. Essa via de mutação é resumida
gênio são quase sempre fatais.
na Figura 23.10 a. Mutações inativadoras do gene APC ini‑
Douglas Hanahan e Robert Weinberg propuseram seis
ciam o processo de tumorigênese pelo desenvolvimento
características das vias cancerígenas:
de tecidos anormais no epitélio intestinal. Esses tecidos
anormais contêm células displásicas – células com for‑ 1. As células cancerosas adquirem autossuficiência nos proces‑
matos incomuns e núcleos aumentados – que podem se sos sinalizadores que estimulam a divisão e o crescimento.
transformar em adenomas em estágio inicial. Se o pro‑ Essa autossuficiência pode ser causada por modifica‑
to‑oncogene K‑ras for ativado em um desses adenomas, ções de fatores extracelulares que estimulam a divisão
o adenoma pode crescer e apresentar desenvolvimento celular ou por modificações de qualquer parte do sis‑
mais completo. Mutações inativadoras em qualquer um tema que faz a transdução desses estímulos ou traduz
dos vários genes supressores tumorais localizados no bra‑ suas instruções em ação dentro da célula. No caso
ço longo do cromossomo 18 podem então induzir o pro‑ mais extremo, a autossuficiência ocorre quando as cé‑
gresso adicional do adenoma, e mutações inativadoras lulas respondem a fatores de crescimento produzidos
no gene supressor tumoral TP53 no cromossomo 17 po‑ por elas próprias, assim criando uma alça de feedback
dem transformá‑lo em um carcinoma com crescimento positiva que estimula a divisão celular incessante.
vigoroso. Outras mutações de gene supressor tumoral 2. As células cancerosas são anormalmente insensíveis a sinais
podem tornar possível que as células carcinomatosas es‑ inibidores do crescimento. A divisão celular é estimulada
capem e invadam outros tecidos. Assim, são necessárias por vários sinais bioquímicos; entretanto, outros sinais
no mínimo sete mutações independentes (dois eventos inibem a divisão celular. Em células normais, esses fato‑
inativadores do gene APC, uma mutação ativadora do res opostos equilibram‑se e a consequência é o cresci‑
gene K‑ras, dois eventos inativadores em um gene supres‑ mento controlado. Nas células cancerosas, o crescimen‑
sor tumoral no cromossomo 18, e dois eventos inativado‑ to é descontrolado porque há supremacia dos sinais
res no gene TP53) para o desenvolvimento de um carci‑ estimulantes. Durante o avanço para malignidade, as
noma intestinal, e provavelmente são necessárias ainda células cancerosas perdem a capacidade de responder
mais mutações para que haja metástase desse carcinoma corretamente aos sinais inibidores do crescimento.
para outras partes do corpo. Por exemplo, as células nos adenomas intestinais não
Capítulo 23 Base Genética do Câncer 19

Via do câncer colorretal metastático


• Inativação do gene • Ativação do • Inativação do • Inativação do • Inativação de outros
supressor oncogene gene supressor gene supressor genes supressores
tumoral APC K-ras tumoral em 18q tumoral TP53 tumorais

Epitélio Câncer
Epitélio Adenoma Adenoma Adenoma
intestinal Carcinoma colorretal
displásico inicial intermediário avançado

De Kinzler, K. W. e Vogelstein, B. 1996. Cell 87:159–170. Copyright Cell Press.


normal metastático

A.

Via do câncer de próstata independente de androgênio

• Inativação do gene • Inativação de vários • Inativação do gene • Superexpressão


supressor genes supressores supressor tumoral de oncogene BCL-2
tumoral HPC1 tumorais CDH1 • Alteração do
• Silenciamento do gene (p.ex., RB) • Inativação do gene receptor
supressor tumoral supressor tumoral androgênico
TP53por TP53
hipermetilação • Inativação do gene
supressor de
metástase KAI1

Epitélio Câncer Câncer de Câncer de Câncer de próstata


prostático identificado ao próstata próstata independente
normal exame histológico localizado metastático de androgênio

B.
Figura 23.10 Vias genéticas da carcinogênese.

respondem mais a TGFb, uma proteí­na que instrui pRB reposição do DNA perdido. Isso ocorre por aumento
a bloquear o avanço ao longo do ciclo celular. Quando da atividade da enzima telomerase, que acrescenta se­
esse bloqueio falha, as células avançam de G1 para S, re‑ quências de DNA às extremidades dos cromossomos.
plicam seu DNA e se dividem. Então, essas células estão Quando as células adquirem potencial ilimitado de re‑
a caminho de formar um tumor maligno. plicação por superarem a perda de DNA nas extremida‑
3. As células cancerosas podem escapar da morte celular progra‑ des dos cromossomos, diz‑se que estão imortalizadas.
mada. Como vimos, p53 tem papel essencial na proteção 5. As células cancerosas desenvolvem mecanismos de auto‑
de um organismo contra o acúmu­lo de células lesadas nutrição. Todo tecido de um organismo multicelular
que poderiam pôr em risco sua vida. Por meio de meca‑ complexo necessita de um sistema ­vascular que leve
nismos que ainda não são totalmente compreendidos, nutrientes até ele. Em seres humanos e outros animais
p53 envia as células lesadas para uma via de destruição vertebrados, o sistema circulatório é responsável por
que as elimina do organismo. Quando há disfunção de essa função. As células de tumores pré‑malignos não
p53, essa via de autodestruição é bloqueada, e as células apresentam crescimento agressivo porque não são
lesadas sobrevivem e se multiplicam. Essas células ten‑ alimentadas diretamente pelo sistema circulatório.
dem a produzir descendentes ainda mais anormais que Entretanto, quando os vasos sanguí­neos são induzi‑
elas próprias. Consequentemente, linhagens derivadas dos a crescer entre essas células, por um processo de‑
de células lesadas tendem a progredir para um estado nominado angiogênese – o tumor é nutrido e pode se
canceroso. Portanto, a capacidade de escapar da morte expandir. Assim, uma etapa essencial no avanço para
celular programada é uma característica essencial no o câncer é a indução do crescimento de vasos sanguí­
avanço para o câncer maligno. neos pelas células do tumor. Conhecem‑se muitos
4. As células cancerosas adquirem potencial ilimitado de replica‑ fatores indutores ou inibidores da angiogênese. Em
ção. As células normais são capazes de se dividir cerca tecidos normais, esses fatores são mantidos em equi‑
de 60 a 70 vezes. Essa limitação é causada pela perda líbrio de maneira que os vasos sanguí­neos cresçam
diminuta, mas inexorável, de DNA das extremidades apropriadamente no corpo; em tecidos cancerosos, o
de cromossomos a cada vez que o DNA é replicado equilíbrio é desviado em favor dos fatores indutores,
(Capítulo 10). O efeito acumu­lativo dessa perda impõe que estimulam o surgimento de vasos sanguí­neos.
um limite para a capacidade reprodutiva de todas as li‑ Depois do crescimento de capilares, o tumor dispõe
nhagens celulares. As células que ultrapassam o limite de um meio seguro de nutrição; assim, pode nutrir‑se
reprodutivo tornam‑se geneticamente instáveis e mor‑ e crescer até um tamanho em que se torna um perigo
rem. As células cancerosas transcendem esse limite pela para o organismo.
20 Fundamentos de Genética

6. As células cancerosas adquirem a capacidade de invadir e de cromossomos. Essa instabilidade genética aumenta a
colonizar outros tecidos. Mais de 90% das mortes por cân‑ probabilidade de desenvolvimento de cada uma das ca‑
cer são causadas por metástase de câncer para outras racterísticas supracitadas.
partes do corpo. Quando os tumores metastatizam, as Em vista da importância de mutações somáticas na
células cancerosas se desprendem do tumor primário etiologia do câncer, os fatores que aumentam a taxa de
e seguem na corrente sanguí­nea até outro local, onde mutação aumentam a incidência de câncer. Atualmente
estabelecem uma relação nova, duradoura e, por fim, muitos paí­ses mantêm programas de pesquisa para iden‑
letal com as células adjacentes. Para que esse processo tificar agentes mutagênicos e carcinogênicos (ver comen‑
ocorra, é preciso que haja modificações profundas na tários sobre o teste de Ames para identificar mutágenos
superfície das células cancerosas. Quando isso acon‑ quí­micos, no Capítulo 13). Quando esses agentes são
tece, podem surgir tumores secundários em tecidos identificados, as autoridades de saú­de pública elaboram
muito distantes do tumor primário. É dificílimo con‑ políticas para reduzir ao mínimo a exposição humana a
trolar e erradicar os cânceres que se disseminaram eles. Nenhum ambiente, porém, está totalmente livre de
desse modo. Portanto, a metástase é a ocorrência mais carcinógenos, e é difícil mudar comportamentos huma‑
grave no avanço de um câncer.
nos que contribuem para o risco de câncer, como tabagis‑
Muitos estudos determinaram que a mutação somá‑ mo, exposição excessiva ao sol e consumo de alimentos
tica é a base do desenvolvimento e do avanço de todos ricos em gordura e pobres em fibras. O conhecimento
os tipos de câncer. À medida que um câncer avança em sobre os processos causadores de câncer avançou bastan‑
direção à malignidade, suas células tornam‑se cada vez te. No futuro, podemos esperar que essa compreensão
mais descontroladas. Há acúmu­lo de mutações, e pode promova estratégias mais eficazes de prevenção e trata‑
haver perda de cromossomos inteiros ou de segmentos mento do câncer.

PONTOS ESSENCIAIS jj Diferentes tipos de câncer estão associados a mutações em diferentes genes
jj As células cancerosas podem estimular o próprio crescimento e a própria divisão
jj As células cancerosas não respondem a fatores que inibem o crescimento celular
jj As células cancerosas podem escapar dos mecanismos naturais que destroem células
anormais
jj As células cancerosas imortalizadas são capazes de se dividir incessantemente
jj Os tumores podem expandir‑se quando induzem o crescimento de vasos sanguí­neos em seu
interior para nutrição das suas células
jj As células cancerosas metastáticas podem invadir e colonizar outros tecidos.

Exercícios
Aplique a análise genética básica
1. Que ponto de verificação do ciclo celular impede a gênico pode causar a divisão e o crescimento celu‑
replicação do DNA lesado em uma célula? lar excessivos.
Resposta: O ponto de verificação START no meio da fase 4. O câncer intestinal ocorre em in­di­ví­duos com mu‑
G1 do ciclo celular. tações inativadoras do gene APC. Explique como
2. (a) Em que classe de genes as mutações dominan‑ também poderia ocorrer em in­di­ví­duos com muta‑
tes com ganho de função causam câncer? (b) Em ções do gene da b‑catenina.
que classe de genes as mutações recessivas com per‑ Resposta: Uma mutação que impedisse especificamente
da de função causam câncer? a ligação da b‑catenina a pAPC poderia causar cân‑
Resposta: (a) Oncogenes. (b) Genes supressores tumorais. cer. A b‑catenina que não se ligasse à pAPC estaria
disponível para se ligar aos fatores de transcrição
3. Por que alguns rearranjos cromossômicos causam que estimulam a expressão de genes cujos produtos
câncer? promovem a divisão e o crescimento celular.
Resposta: Os pontos de quebra desses rearranjos fre‑
5. Que gene supressor tumoral sofre mutação com
quentemente justapõem um oncogene celular
maior fre­quência em cânceres humanos?
a um promotor que estimula a expressão inten‑
siva do oncogene. A superexpressão do produto Resposta: TP53, o gene que codifica p53.
Capítulo 23 Base Genética do Câncer 21

Autoavaliação
Integre diferentes conceitos e técnicas
1. Um oncogene no genoma de um retrovírus tem acen­tuadores poderiam desencadear a expressão do
alta probabilidade de causar câncer, mas um onco‑ oncogene no momento errado ou sua superexpres‑
gene em sua posição cromossômica normal, não. são constitutiva. Nos dois casos, o polipeptídio seria
Se esses dois oncogenes codificam exatamente o produzido incorretamente e, portanto, poderia per‑
mesmo polipeptídio, como podemos explicar suas turbar os controles normais da divisão celular. Uma
diferentes propriedades? terceira possibilidade (C) é que a integração do
Resposta: Existem pelo menos três possibilidades. Uma vírus aos cromossomos da célula infectada poderia
(A) é que o vírus apenas acrescenta mais cópias do pôr o oncogene viral próximo de um acen­tuador no
oncogene à célula e que, juntas, essas produzem DNA cromossômico e que esse acen­tuador poderia
quantidade excessiva do polipeptídio. O excesso de acarretar a expressão incorreta. As três explicações
polipeptídio poderia causar divisão celular descon‑ enfatizam a ideia de que a expressão de um oncoge‑
trolada, ou seja, câncer. Outra possibilidade (B) é ne tem de ser regulada corretamente. A expressão
que o oncogene viral seja expresso incorretamente indevida ou excessiva poderia causar divisão celular
sob o controle de acen­tuadores no DNA viral. Esses descontrolada.

O vírus acrescenta mais cópias do oncogene à célula


Genes
c-onc
normais
Tradução Excesso do
produto
polipeptídico
Pool de do oncogene
Genes mRNA
v-onc
extras
Câncer
A.

O oncogene viral é expresso incorretamente sob o controle de um acentuador viral


Acentuador viral

Excesso do
Tradução produto
polipeptídico Câncer
do oncogene
mRNA
B.

O oncogene viral é expresso incorretamente sob o controle de um acentuador celular


Acentuador celular

Excesso do
Tradução produto
Câncer
polipeptídico
mRNA do oncogene
C.

Avaliação adicional
Entenda melhor e desenvolva a capacidade analítica

23.1 Muitos cânceres parecem estar relacionados com 23.2 Tanto as células embrionárias quanto as células
fatores ambientais. Por que, então, o câncer é de‑ cancerosas dividem‑se com rapidez. Como é possí‑
nominado doen­ça genética? vel distinguir esses dois tipos de células?
22 Fundamentos de Genética

23.3 A maioria das células cancerosas é aneuploide. Su‑ 23.14 O heredograma a seguir mostra a herança de cân‑
gira o mecanismo pelo qual a aneuploidia poderia cer ovariano familiar causado por mutação do
contribuir para o descontrole do ciclo celular. gene BRCA1. É recomendável que II‑1 faça o tes‑
te para detecção da mutação predisponente? Co‑
23.4 Você esperaria encontrar um retrovírus indutor de
mente as vantagens e as desvantagens do teste.
tumor que tivesse um gene supressor tumoral celu‑
lar processado em seu genoma?
I Câncer ovariano
23.5 Como sabemos que os oncogenes celulares nor‑ Normal
mais não são simples oncogenes retrovirais inte‑ II
grados que adquiriram capacidade de autorregu‑
III
lação?
23.6 Como a ausência de íntrons em um oncogene re‑ 23.15 Em que sentido pRB é um regulador negativo de
troviral poderia explicar a superexpressão desse fatores de transcrição E2F?
gene nos tecidos de um animal infectado?
23.16 Determinado fator de transcrição E2F reconhe‑
23.7 Quando oncogenes celulares são isolados de dife‑ ce a se­quência TTTCGCGC no promotor de seu
rentes animais e comparados, constata‑se que as gene‑alvo. Uma mutação sensível à temperatura
se­quências de aminoá­cidos dos polipeptídios codi‑ no gene codificador do fator de transcrição E2F
ficados por ele são muito semelhantes. O que isso altera a capacidade dessa proteí­ na de ativar a
sugere sobre as funções desses polipeptídios? transcrição; a 25°C, a proteí­na mutante ativa a
transcrição normalmente, mas, a 35°C, não há
23.8 A maioria dos oncogenes c‑ras obtidos de tecido
ativação da transcrição. No entanto, a capacida‑
canceroso tem mutações no códon 12, 59 ou 61 da
de da proteí­na de reconhecer sua se­quência‑alvo
se­quência codificadora. Proponha uma explicação.
de DNA não é comprometida em nenhuma tem‑
23.9 Quando um oncogene c‑H‑ras mutante com substi‑ peratura. Pode‑se esperar que células heterozi‑
tuição de glicina por valina no códon 12 é transfec‑ gotas para essa mutação sensível à temperatura
tado em células NIH 3T3 cultivadas, transforma‑as dividam‑se normalmente a 25°C? E a 35°C? As res‑
em células cancerosas. Isso não ocorre quando o postas seriam diferentes se a proteí­na E2F atuasse
mesmo oncogene mutante é transfectado em célu‑ como homodímero?
las embrionárias cultivadas. Por ­quê? 23.17 Durante o ciclo celular, a proteí­na p16 é um ini‑
23.10 Uma mutação no oncogene celular ras pode cau‑ bidor da atividade de ciclina/CDK. Preveja o fe‑
sar câncer em condição heterozigota, mas uma nótipo de células homozigotas para uma mutação
mutação no gene supressor tumoral RB só causa com perda de função no gene codificador de p16.
câncer em condição homozigota. O que essa di‑ Esse gene seria classificado como proto‑oncogene
ferença entre mutações dominantes e recessivas ou como gene supressor tumoral?
indica sobre os papéi­s dos produtos dos genes ras 23.18 O gene BCL‑2 codifica uma proteí­na que reprime
e RB em atividades celulares normais? a via de morte celular programada. Preveja o fe‑
23.11 Explique por que as pessoas com retinoblastoma nótipo de células heterozigotas para uma mutação
não hereditário geralmente têm tumor em um ativadora dominante nesse gene. O gene BCL‑2 se‑
só olho, enquanto as pessoas com retinoblastoma ria classificado como proto‑oncogene ou como
hereditário geralmente desenvolvem tumores nos gene supressor tumoral?
dois olhos.
23.19 O produto proteico do gene BAX regula nega‑
23.12 Aproximadamente 5% das pessoas que herdam tivamente o produto proteico do gene BCL‑2 –
um gene RB inativado não desenvolvem retino‑ ou seja, a proteí­na BAX interfere na função da
blastoma. Use esse dado estatístico para estimar o proteí­
na BCL‑2. Preveja o fenótipo de células
número de divisões celulares que formam o tecido homozigotas para uma mutação com perda de
retiniano do olho. Suponha que a fre­quência com função no gene BAX. Esse gene seria classificado
que mutações somáticas inativam o gene RB seja como proto‑oncogene ou como gene supressor
de uma mutação por 106 divisões celulares. tumoral?
23.13 Cânceres hereditários, como retinoblastoma, apre‑ 23.20 As células cancerosas frequentemente são homo‑
sentam um padrão de herança dominante. Entre‑ zigotas para mutações com perda de função no
tanto, o defeito genético de base é uma mutação gene TP53, e muitas dessas mutações são mape‑
recessiva com perda de função, frequentemente adas na porção de TP53 que codifica o domínio
conse­quência de uma deleção. Como seria possí‑ de ligação ao DNA de p53. Explique como essas
vel conciliar o padrão de herança dominante com mutações contribuem para o fenótipo canceroso
a natureza recessiva da mutação? das células.
Capítulo 23 Base Genética do Câncer 23

23.21 Suponha que uma célula seja heterozigota para uma embrionário. O que esses achados sugerem sobre
mutação que causou a união firme e constitutiva de os papéis dos genes RB, p139 e p107 em embriões
p53 ao DNA de seus genes‑alvo. Como essa mutação e adultos?
afetaria o ciclo celular? Essa célula seria mais ou me‑
nos sensível aos efeitos da radiação ionizante? 23.25 Demonstrou‑se que o risco de câncer colorretal é
maior em in­di­ví­duos com dieta pobre em fibras e
23.22 Camundongos homozigotos para uma mutação rica em alimentos gordurosos. A dieta pobre em
knockout do gene TP53 são viá­veis. Esses camun‑ fibras e rica em gordura pode irritar o epitélio de
dongos seriam mais ou menos sensíveis aos efeitos revestimento do intestino grosso. Como essa irrita‑
exterminadores da radiação ionizante? ção contribuiria para o risco aumentado de câncer
colorretal?
23.23 Mutações cancerígenas do gene APC deveriam
aumentar ou reduzir a capacidade de ligação de 23.26 O RNA mensageiro do gene KAI1 é fortemente
pAPC à b‑catenina? expresso em tecidos prostáticos normais, porém
fracamente expresso em linhagens celulares deri‑
23.24 Camundongos heterozigotos para uma mutação
vadas de cânceres de próstata metastáticos. O que
knockout do gene RB desenvolvem tumores hipo‑
esse achado sugere sobre o papel do produto gêni‑
fisários e tireóideos. Camundongos homozigotos
co KAI1 na etiologia do câncer de próstata?
para essa mutação morrem durante o desenvolvi‑
mento embrionário. Camundongos homozigo‑ 23.27 A proteí­na p21 é fortemente expressa em células
tos para uma mutação knockout do gene codifi‑ irradiadas. Pesquisadores concluí­ram que essa forte
cador do homólogo p130 de RB e heterozigotos expressão é estimulada por ativação transcricional
para uma mutação knockout do gene codificador do gene p21 pela proteí­na p53 que ­atua como fator
do homólogo p107 de RB não apresentam tendên‑ de transcrição. Essa hipótese condiz com a observa‑
cia a desenvolver tumores. Entretanto, camundon‑ ção de que a expressão de p21 é induzida por radio‑
gos homozigotos para mutações knockout nesses terapia em camundongos homozigotos para uma
dois genes morrem durante o desenvolvimento mutação knockout do gene TP53? Explique.

Genômica na Web em http://www.ncbi.nlm.nih.gov


A síndrome de Hippel‑Lindau é caracterizada por câncer 3. A proteí­na VHL participa das vias bioquí­micas den‑
renal. A mutação do gene supressor tumoral VHL é fre‑ tro das células. Procure a seção Pathways na página
quente nesse tipo de câncer. de VHL e clique em KEGG pathway: renal cell carci‑
noma para identificar o local de ação da proteí­na
1. Pesquise nos bancos de dados do NCBI informações
VHL. Qual é o seu papel nas células renais? Com que
sobre o gene VHL. Qual é sua localização no genoma?
proteí­nas ela interage?
Qual é o comprimento de seu produto polipeptídico?
4. Existem homólogos do gene VHL nos genomas do
As diferentes isoformas da proteí­na VHL são criadas
rato e do camundongo. Use a função Map Viewer
por recomposição alternativa?
na seção Homology da página de VHL para localizar
2. A proteí­ na VHL interage fisicamente com outras
esses homólogos. Em que cromossomos eles estão?
proteí­nas dentro das células. Um dos elementos de
A região em torno desses homólogos é semelhante
interação é a proteí­na de ligação de Hippel‑Lindau,
nos três organismos: rato, camundongo e ser hu‑
VBP1. Pesquise nos bancos de dados o gene que co‑
mano? O que a estrutura dessa região cromossômi‑
difica essa proteí­na. Onde está localizado esse gene?
ca nos três organismos sugere acerca do processo
Qual é o comprimento do polipeptídio VBP1? Como
evolutivo?
esse polipeptídio parece agir dentro das células?

Você também pode gostar