Modos de Ler

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

CURSO DE PEDAGOGIA- LICENCIATURA

Aline de Souza Menna Barreto Fialho

Modos de ler, modos de compreender narrativas: A leitura interativa em


discussão

Porto Alegre.

2. Semestre

2013
Aline de Souza Menna Barreto Fialho

Modos de ler, modos de compreender narrativas: A leitura interativa em


discussão

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Comissão de Graduação do Curso de
Pedagogia – Licenciatura da Faculdade de
Educação, da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, como requisito parcial e obrigatório para
obtenção do título Licenciatura em Pedagogia.

Orientadora:

Profa. Dra. Maria Isabel Habckost Dalla Zen

Porto Alegre

2013
AGRADECIMENTOS

Agradeço, em primeiro lugar, ao autor de todo o conhecimento, a Deus, por


encher os meus dias com sua bondade.

Aos meus pais, Renan e Ângela, e a minha irmã, Fernanda, pela presença tão
doce nessa e em outras tantas caminhadas.

Ao meu noivo, Natanael, por ser, durante esses quatro anos, minha melhor
companhia.

À Profa.Dra. Maria Isabel H. Dalla Zen pela orientação dedicada e pelo grande
exemplo profissional.

À Profa. Dra. Rosa Maria Hessel Silveira que durante um ano e meio me
ensinou com simplicidade muito dos assuntos abordados nesse trabalho.
RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar as possibilidades da leitura interativa na


compreensão leitora de obras de Literatura Infantil por alunos dos anos iniciais do
Ensino Fundamental. Para tanto, foram realizadas sessões de leitura em duas
modalidades, em uma turma de 4º ano de uma escola estadual de Porto Alegre/RS. No
primeiro encontro, os alunos fizeram a leitura do livro “Chapeuzinho Vermelho – Uma
Aventura Borbulhante” (2009) de Lynn Roberts, de modo silencioso e individual; no
segundo, realizaram a leitura interativa com o livro “Obax”(2010), escrito por André
Neves. As citadas obras fazem parte do acervo Plano Nacional da Biblioteca Escolar
(PNBE) distribuído às escolas públicas de todo o país em 2012. Adquirem relevância,
neste estudo, noções teóricas advindas do campo da Literatura Infantil (COLOMER,
CADEMARTORI, ZILBERMAN e LAJOLO), dos estudos sobre processos de
compreensão de texto (GOODMAN e CAFIERO), estes últimos focalizando a leitura
interativa (DALLA ZEN e SILVEIRA). As análises se debruçam sobre as interações
ocorridas nas sessões citadas, tendo como referência os trabalhos escritos propostos aos
participantes e as transcrições de vídeos então gravados. Os resultados indicam que a
leitura interativa possibilita aos alunos a discussão e o intercâmbio coletivo de
experiências culturais anteriores e de experiências de leitura diversas que irão contribuir
para uma compreensão mais polissêmica do texto.

Palavras- chave: Leitura interativa. Compreensão leitora. Literatura Infantil.


SÚMARIO

1.MOTIVAÇÕES E INTENÇÕES DE PESQUISA .................................................................. 6


2.ABORDAGEM METODOLÓGICA ....................................................................................... 8
2.1 Os experimentos e suas configurações .................................................................................... 9
2.2 Os sujeitos participantes ........................................................................................................ 10
2.3 A organização e a sistematização dos dados produzidos ...................................................... 11
3. ANCORAGEM TEÓRICA ................................................................................................... 12
3.1 Breve panorama histórico da Literatura Infantil ................................................................... 12
3.2 Afinal, o que é um “bom” livro de Literatura Infantil? ......................................................... 13
3.3 Narrativas Contemporâneas .................................................................................................. 14
3.3.1 Chapeuzinho Vermelho, Uma Aventura Borbulhante – Breve análise da obra ................. 15
3.3.2 Obax - breve análise da obra .............................................................................................. 17
3.4 Tecendo idéias sobre leitura .................................................................................................. 19
3.5 Práticas Escolares de Leitura ................................................................................................. 20
3.6 A Leitura Interativa ............................................................................................................... 20
4 UM EXPERIMENTO COM A LEITURA SILENCIOSA ................................................... 22
5 UM EXPERIMENTO COM A LEITURA INTERATIVA .................................................. 31
5.1 Inferências e hipóteses: alternativas para a descoberta de informação ................................ 31
5.2 Conhecimentos prévios: ampliando a compreensão ............................................................ 35
5.3 Os conhecimentos lexicais .................................................................................................... 37
5.4 Múltiplas interpretações ........................................................................................................ 40
5.5 Os sentidos das imagens ........................................................................................................ 42
5.6 Gramática aplicada à comunicação em contexto: breve comentário ..................................... 44
6 LEITURAS SIGNIFICATIVAS: ALGUNS APONTAMENTOS ....................................... 46
6.1 Chapeuzinho Vermelho – Uma Aventura Borbulhante: repercussões na escrita ................. 46
6.1.1 Inconsistências associadas ao sentido original ................................................................... 47
6.2 Obax: repercussões na escrita após a Leitura Interativa ........................................................ 49
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 51
8. REFERENCIAS ..................................................................................................................... 52
1. MOTIVAÇÕES E INTENÇÕES DE PESQUISA

Ao longo da minha trajetória de vida, nutri grande apreço pelo campo da


literatura. Ocupar as minhas horas com bons livros, então, nunca foi um desprazer.
Atribuo, em grande medida, meu encanto pela literatura às ações pedagógicas
desenvolvidas na escola da rede particular de ensino em que cursei os primeiros anos do
Ensino Fundamental. Provavelmente em decorrência de tais preferências, minhas
principais identificações no curso de Pedagogia ocorreram em disciplinas relacionadas à
linguagem com o foco na formação de leitores, sobretudo, a disciplina de Literatura e
Educação e Linguagem e Educação III.

As inclinações pessoais justificam, em parte, a escolha do campo de estudo do


presente trabalho: Leitura e Literatura Infantil. No decorrer do curso de Pedagogia, tais
inclinações estabeleceram-se de forma mais concreta com meu ingresso no Núcleo de
Estudos sobre Currículo Cultura e Sociedade (NECCSO), como bolsista de iniciação
cientifica. O projeto no qual me inseri chama-se “Literatura infantil – um estudo sobre
leituras de obras selecionadas com leitores de anos iniciais” e objetiva analisar a
recepção de obras do Plano Nacional da Biblioteca na Escola 1 (PNBE-2010) - por
grupos de alunos de anos iniciais de escolas públicas do Rio Grande do Sul. O trabalho
de campo desse projeto conta com sessões de leitura, dirigidas por um pesquisador, que
realiza perguntas pré-elaboradas ao grande grupo, simultâneas ao andamento da
narrativa, a fim de oportunizar a interação coletiva com o texto e a socialização das
experiências culturais dos alunos. Essa prática tem sido denominada “Leitura
Interativa”, conceito esse que será desdobrado mais adiante.

Durante o estágio curricular do curso em 2013/1, tive a oportunidade de


desenvolver tal prática, de maneira mais sistemática, junto a uma turma de 4º ano do
Ensino Fundamental de uma escola publica, durante três meses. Observei um
significativo envolvimento das crianças durante as contações de algumas histórias, as
quais contribuíam com respostas criativas às intervenções realizadas por mim, e
compartilhavam seus conhecimentos de mundo, observações referentes às suas
experiências de vida, relacionadas às narrativas.

1O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) tem como objetivo prover as escolas de ensino público das redes
federal, estadual, municipal e do Distrito Federal com o fornecimento de obras e demais materiais de apoio à prática da
educação básica.

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Ao final do estágio, algumas perguntas sobrevieram à minha mente: A leitura
interativa influenciaria a compreensão leitora? Quais as implicações dessa estratégia
metodológica na abordagem do texto? Em que medida a exploração dos recursos
lingüísticos, do projeto gráfico-visual feita de forma compartilhada interfere no
processo de leitura? É nesse sentido que o presente estudo objetiva analisar as
possibilidades da leitura interativa na compreensão leitora de obras de literatura infantil
por alunos de anos iniciais.

7
2. ABORDAGEM METODOLÓGICA

Com a finalidade de comparar duas modalidades de leitura:


silenciosa/individual, sem intervenções, e interativa/dialogada, no que se relaciona à
compreensão leitora, a presente pesquisa caracteriza-se como um estudo de cunho
qualitativo. Segundo Minayo (2002) esse modo de pesquisa “trabalha com o universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um
espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis” (p. 21)

Os dados deste trabalho, posteriormente discutidos, foram retirados do ambiente


de uma sala de aula, através de gravações, vídeos, transcrições selecionadas e extratos
de atividades pré-elaboradas. Por meio desses dados, buscou-se verificar como se
manifesta o processo de leitura em práticas individuais e compartilhadas e retratar as
características peculiares das citadas modalidades: a postura dos alunos, gestos leitores,
a troca de conhecimentos prévios - relacionados à narrativa -, as intervenções da
pesquisadora, as interpretações dos alunos durante essas intervenções coletivas, também
a competência interpretativa em situação de leitura individual e a adequação dos
enunciados das questões de compreensão do texto direcionadas ao grupo.

Esta pesquisa enquadra-se na categoria “estudo de caso”, em decorrência das


discussões aqui conduzidas, que podem ser associadas a experiências pedagógicas de
outras professoras, permitindo, dessa forma, possíveis generalizações. Outra faceta que
a caracteriza como sendo um estudo de caso é o fato do trabalho de campo ter sido
realizado em uma Escola Estadual de Ensino Fundamental de Porto Alegre, mais
especificamente em uma turma de 4º ano, a qual reúne 23 crianças de 8 a 10 anos.
Segundo Yin (1989), o estudo de caso “é uma forma de se fazer pesquisa empírica que
investiga fenômenos contemporâneos dentro de seu contexto de vida real, em situações
em que as fronteiras entre o fenômeno e o contexto não estão claramente estabelecidas
onde se utiliza múltiplas fontes de evidência.” (p.23)

Portanto, o estudo se refere a um contexto peculiar, mas que pode ser


reconhecido, por suas características, em outros espaços pedagógicos.

8
2.1 Os experimentos e suas configurações

Relato, nesse momento, os passos para construção dos dados analisados, o


primeiro contato e os encontros que realizei na escola anteriormente citada. Selecionei,
juntamente com minha orientadora, duas obras do acervo do PNBE 2011, testadas em
outras turmas durante as atividades da pesquisa já mencionada: Chapeuzinho Vermelho-
Uma Aventura Borbulhante (ROBERTS, 2000) e Obax ( NEVES, 2010). Os critérios
utilizados para a escolha se relacionam com as características das narrativas: a
literariedade, o imbricamento do texto visual e verbal e a riqueza dos recursos
linguísticos e intertextuais.

O primeiro livro citado fez parte da sessão de leitura silenciosa, que foi realizada
sem intervenções da pesquisadora. Para análise da interpretação e compreensão dessa
narrativa, por parte dos alunos, estruturou-se a atividade descrita em detalhes no
capítulo “Um experimento com a leitura silenciosa.”
Tal atividade foi planejada para ser realizada individualmente, com os alunos
tendo possibilidade de consulta a um exemplar da obra. Ao todo foram disponibilizados
12 livros. No final da sessão, o grupo recebeu a proposta de produção textual descrita
abaixo:

Se eu fosse escrever para um amigo sobre a leitura que fiz do livro Chapeuzinho
Vermelho – Uma Aventura Borbulhante, o que eu escolheria para contar?

Essa produção teve por objetivo avaliar a leitura significativa que as crianças
fizeram e identificar indícios de compreensão e remissão aos dados textuais, assim
como também possíveis inserções, novidades.
A segunda obra, Obax (NEVES,2010), foi escolhida para compor a sessão de
leitura interativa. Os alunos receberam os exemplares dos livros e acompanharam a
leitura dirigida pela pesquisadora que, no decorrer da narrativa, direcionava perguntas
ao grupo. Essa última sessão foi gravada e posteriormente transcrita. A mesma proposta

9
de produção de texto, que previa o reconto selecionado da obra, foi apresentada aos
alunos.
Para realização deste estudo de campo, contatei a escola em que realizei meu
estágio docente. Apresentei à coordenadora pedagógica, à diretora e à professora titular,
os objetivos do estudo e o termo de consentimento informado, que foi devidamente
preenchido. Retornei, desta maneira, a encontrar-me com a mesma turma em que já
havia realizado minha prática docente durante três meses.

Como estratégia para análise dos dados áudio-visuais foram utilizadas técnicas
de transcrição. Segundo Garcez (2002, p.84), “a transcrição é um processo seletivo, que
busca salientar certos aspectos da interação de acordo com metas investigativas
específicas.” Os formatos dessas transcrições, assim como os códigos utilizados na
identificação de participantes, são tópicos controversos, dentro do corpus da pesquisa
acadêmica. Enquanto alguns autores defendem os códigos que utilizam as categorias de
identidade (aluno, homem, mulher, vítima etc.) para organizar as falas dos participantes,
outros defendem a atribuição de nomes próprios ou pseudônimos (GARCEZ, 2002).
Para esta pesquisa foram utilizados os códigos descritos abaixo:

C – Criança; Números diferentes após a letra “C” indicam crianças diferentes.

P- Pesquisadora

A transcrição foi realizada seguindo um padrão ortográfico com manutenção


estrita de todas as formas de expressão das crianças. A seleção do material áudio-visual
foi realizada tendo em vista os aspectos da interação que possibilitaram aprendizagens
sob o ponto de vista da compreensão leitora.

2.2 Os sujeitos participantes

A turma 40B é um 4º ano do Ensino Fundamental, composta por 23 crianças


moradoras, em sua maioria, do bairro Floresta. Os pais dessas crianças mantêm uma
relação articulada com a escola e com a professora titular.

Tendo em vista que a turma é composta por 23 alunos diferentes em seus


pensamentos, comportamentos e contextos, a tarefa de traçar um perfil coletivo é

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complexa e talvez impraticável. O que posso destacar como comum a maioria é o
entusiasmo, a curiosidade, a participação nos temas propostos. É uma turma unida, que
vem construindo uma trajetória juntos desde os primeiros anos do ensino pré-escolar.

2.3 A organização e a sistematização dos dados produzidos

Para análise dos dados produzidos 2 foram elaborados quadros-sínteses que


organizam as respostas dos alunos em consonância com os objetivos de leitura que
foram estabelecidos para avaliar os indícios de interpretação e compreensão dos textos.
Tais objetivos foram arrolados a partir da leitura de Cafiero (2006) e dos descritores da
Provinha Brasil (2009). A seleção desses objetivos ficou estabelecida da seguinte
maneira:

Localizar informações explícitas no texto.


a) Inferir o sentido de uma palavra ou expressão.
b) Estabelecer relação entre uma parte do texto e o seu contexto global.
c) Remeter-se aos dados textuais.
d) Reconhecer diferentes formas de tratar a informação na comparação de textos
que tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e
daquelas em que será recebido ( intertextualidade).
e) Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou
substituições que contribuam para sua continuidade ( ex:pronomes)
f) Relacionar o contexto da narrativa com conhecimentos adquiridos previamente.
g) Associar o projeto gráfico-visual à compreensão do texto escrito.
h) Identificar os efeitos da linguagem e das representações imagéticas e sua relação
com a finalidade do texto (divertir/assustar/comover..)

A primeira atividade escrita, proposta para leitura silenciosa com o livro


Chapeuzinho Vermelho- Uma Aventura Borbulhante (ROBERTS,2000) segue
detalhada na seção “ Um Experimento com a Leitura Silenciosa.” As habilidades
mobilizadas pelas crianças, durante a leitura interativa, que se relacionam a esses
objetivos de leitura também encontram-se descritos na seção analítica.

2
Os dados analisados nesse trabalho são suscitados e de interação, portanto, produzidos, de certa forma,
pela pesquisadora.

11
3. ANCORAGEM TEÓRICA

Para inicio deste capítulo descrevo, em breves palavras, o percurso histórico da


Literatura Infantil nacional, dos dias de sua “origem” até os dias atuais, percorrendo
seus principais marcos históricos. No final desta seção, também componho um
comentário a respeito do que pode ser considerado um livro infantil de qualidade
literária.

3.1 Breve panorama histórico da Literatura Infantil

Os primeiros livros, direcionados às crianças no Brasil, surgiram no desabrochar


da república, ao final do século XIX. Na ausência de uma tradição literária, escritores
nacionais, tais como Figueiredo Pimentel e Carl Jansen, traduziram as obras “Robson
Cruzoé” e “As Viagens de Gulliver”, e também reuniram em coletâneas contos da
tradição popular européia. Os livros didáticos, intitulados “livros de leitura”, entraram
em cena nesse mesmo período. Continham poemas (a exemplo de poemas de Olavo
Bilac) e textos, carregados de civismo, e exaltações à grandeza nacional (ZILBERMAN,
2005; LAJOLO, 1999).

Na primeira metade do século XX, durante o governo de Getulio Vargas, sob o


movimento modernista- no âmbito da cultura- e modernizador- no âmbito das políticas
publicas- surgiu Monteiro Lobato, que através de livros centrados no pensamento da
criança, marcou a Literatura Infantil nacional, com histórias que até hoje circulam no
imaginário brasileiro. Nesse mesmo contexto, em função de algumas mudanças sociais
tais como a revolução modernista, a ascensão da classe média e o aumento da
escolarização nas populações urbanas, as editoras passaram a publicar e a divulgar um
número maior de obras artísticas (ZILBERMAN; CADEMARTORI, 1987).

Apesar desse avanço, nos anos que se seguiram (1940-1960), a Literatura


Infantil Brasileira passou por um período de relativa estagnação, com relação à
qualidade das obras produzidas anteriormente. Nas escolas, havia um predomínio de
livros de caráter moralista e doutrinário, que serviam a objetivos puramente
pedagógicos: histórias, em sua maioria, ambientadas em paisagens rurais.

Nos anos de 1970, durante a ditadura militar, o País foi cenário de algumas
mudanças que acabariam contribuindo para o fim dessa estagnação: a primeira foi a

12
reorganização do ensino, que estendia a faixa da escola obrigatória de cinco para oito
anos- o que aumentou significativamente o número de alunos - e a segunda, a
reorganização do ensino da língua portuguesa, que estimulava a presença de obras
literárias em sala de aula e liberava os professores do uso exclusivo do livro didático.
Esse foi o contexto propício para o surgimento de obras de autores como Ana Maria
Machado, Ruth Rocha, Lygia Bojunga, Ziraldo, Edy Lima entre muitos outros, que
propuseram uma literatura original, que rompia com os padrões tradicionais na medida
em que “dialogavam diretamente com o leitor criança, seu destinatário por excelência; e
proporcionavam a ele formas novas de narrar e de lidar com a tradição” (ZILBERMAN,
2005, p.52).

A Literatura Infantil, a partir disso, conquista legitimação enquanto gênero


literário. As obras produzidas na contemporaneidade, mais especificamente as
narrativas, serão retomadas e detalhadas quanto às suas características na seção
“Narrativas Contemporâneas.”

3.2 Afinal, o que é um “bom” livro de Literatura Infantil?

A Literatura Infantil é produzida por adultos e direcionada às crianças. Esse fato,


por si só, determina certa complexidade, tanto pelo modo como são produzidos os livros
- um adulto deve escrever algo compreensível à criança, sem infantilizá-la na oferta de
textos simplórios - como na maneira pela qual esses livros são avaliados. Afinal, quem
seleciona e adquire livros para as crianças? Um bom livro é aquele da preferência
infantil ou adulta?

Na avaliação dos livros de literatura, é preciso, obviamente, levar em conta o


gosto pessoal das crianças. Ninguém se torna leitor através de obras desinteressantes.
Mas, para além das preferências infantis, há determinados critérios que também definem
a qualidade e a literariedade que um livro pode ter:

Tomar um texto como literário quer dizer tomá-lo como um texto no qual as
funções pragmáticas da linguagem, embora não sejam abolidas, ficam
subordinadas à função estética ou poética. (BASTOS, 2011. p.12)

Nesse sentido, um texto de Literatura Infantil comove, surpreende, motiva e


emociona através das construções linguísticas, que são usadas de maneira inovadora,
por meio de neologismos, jogos de palavras, reflexões metalinguísticas, brincadeiras

13
com ideias, diversas figuras de linguagem e também por meio de um vocabulário que
“não só respeite, mas amplie o repertório linguístico das crianças”. (MEC,2008,p.13).

O projeto gráfico-visual é outro aspecto que ganha relevância na avaliação de


livros de boa qualidade. É preciso atentar tanto para os elementos relativos à impressão
– tamanho da fonte, espaçamento, tipo de papel- como para a presença de paratextos,
que são os elementos paralelos ao texto central (contracapa, dedicatória, dados de
edição, folha de rosto etc.). Mesmos vistos como sendo de menor importância, os
paratextos, em alguma medida, guiam nossa leitura do livro (GENETTE, 2009).As
ilustrações também fazem parte do projeto gráfico-visual, e encontram seu valor na
medida em que se articulam ao texto escrito, não na mera repetição da história, mas na
expansão dos significados possíveis.

Por fim, e após uma síntese elaborada a partir das leituras que fiz sobre o tema
(COLOMER, 2003; LAJOLO: ZILBERMAN, 1999) posso dizer que uma obra de
Literatura Infantil de qualidade não tem a intenção explícita de ensinar. Ao invés disso,
utiliza a linguagem escrita e imagética de forma original para apresentar uma história
que fomente a fantasia, a sensibilidade e o encantamento.

3.3 Narrativas Contemporâneas

A pesquisa de campo, realizada neste estudo, configurou-se a partir de duas


obras de literatura infantil do gênero narrativo, já citadas anteriormente: Chapeuzinho
Vermelho - Uma Aventura Borbulhante (ROBERTS, 2000) e Obax (NEVES, 2010).
Assim sendo, passo a discutir, nesta seção do trabalho, aspectos que as caracterizam
como narrativas contemporâneas, assim como o próprio conceito de narrativa.

Na perspectiva psicológica Vygotskiana, a forma narrativa opera na construção


de modelos simbólicos pelos sujeitos, que se utilizam desses modelos na compreensão
do mundo. Nesse sentido, a narrativa é “um sistema cultural extraordinariamente
potente para dar forma à experiência” (COLOMER, 2003, p.83).

Na perspectiva dos estudos culturais, as narrativas estão também vinculadas aos


processos identitários. Segundo Dalla Zen (2006, p. 42) “Somos formados por muitas
histórias: pelas que contamos, pelas que escutamos sobre o mundo, sobre os outros e
sobre nós mesmos em diferentes instâncias sociais.”

14
“Histórias são narrativas, isto é, relato de eventos, sucessão de ações que se
encadeiam.” (LAJOLO, 2005, p.5). E apesar de possuírem, no corpus da literatura,
diversas classificações (prosa, verso, romance, longas ou curtas, fantásticas ou
realísticas) não estão submetidas a uma classificação definitiva ou estática.

3.3.1 Chapeuzinho Vermelho, Uma Aventura Borbulhante – Breve


análise da obra

A história é um reconto da narrativa popularmente conhecida, “Chapeuzinho


Vermelho”. Desta vez, a personagem principal é um menino que viaja até a casa de sua
avó para entregar um delicioso refrigerante borbulhante, produzido por seus pais. Ao
chegar à casa, encontra o lobo disfarçado de avó (a esta altura, ele já havia devorado a
vovó). O desenlace da história acontece em uma cena hilariante: Chapeuzinho oferece
ao lobo um pouco de refrigerante, para “salvar sua pele”. O animal aceita a oferta e
acaba arrotando a vovó e prometendo nunca mais devorar ninguém em troca dos
refrigerantes.

Essa história caracteriza-se como uma narrativa contemporânea por apresentar


elementos que se assemelham às características de ruptura com os padrões tradicionais
dentro do corpus da Literatura Infantil. Os padrões tradicionais têm como um de seus
pressupostos básicos a simplicidade: “um ponto de vista onisciente, uma voz narrativa
ulterior e um desenvolvimento cronológico linear” (COLOMER, 2003, p.176). Tais
padrões se estabelecem no período em que os livros de Literatura Infantil, através de
personagens e situações estereotipados e não-problemáticos, serviam como
instrumentos comprometidos com a transmissão de valores e normas sociais. (LAJOLO;
ZILBERMAN, 1985). Os textos do gênero narrativo, nesse contexto, convidavam o
leitor

A aceitar que o autor expressou [...] uma única interpretação do mundo e lhe
ofereceu um acesso direto a ela. A estrutura e as técnicas empregadas são
vistas apenas como o entrecho no qual a mensagem é negociada através de
um meio aparentemente neutro e transparente, que permite a identificação da
intenção do autor, se se lê com suficiente atenção. (COLOMER, 2003, p.108)

As narrativas contemporâneas, em contrapartida, são plurais, dão ao leitor outras


possibilidades interpretativas, utilizam técnicas e recursos não-verbais para incrementar
o sentido da história, contrapondo elementos intertextuais em imagens, que ao invés de

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repetir ou reforçar o texto escrito, oferecem perspectivas alternadas, complementares e
polissêmicas de leitura. (COLOMER, 2003)

De acordo com esse último ponto, pode-se dizer que Chapeuzinho Vermelho -
Uma Aventura Borbulhante apresenta ilustrações que fazem alusão a outras obras de
arte, a exemplo do quadro e do vaso representados no quarto da vovó:

Ilustração do quadro “O menino de


azul” de Thomas Gainsborough,1770.
(ROBERTS, 2000, p. 30)
Ilustração do quadro “Adão e Eva” de Jan
Mabuse, 1502.(ROBERTS, 2000, p. 20)

De igual modo, os personagens e o estilo gráfico do autor remetem aos filmes do


cineasta norte-americano Tim Burton, o que dá à obra um caráter “assustador”, do ponto
de vista das crianças pesquisadas neste estudo.

Ilustração da pensão dos pais de Figura do filme “Frankenweenie” de Tim


Chapeuzinho. (ROBERTS, 2000 p. 4) Burton, 2012. Ilustração disponível em:
http://blog.animamundi.com.br

16
Rostos humanos, também observados pelas crianças, estão camuflados nas
madeiras e nas árvores da floresta, ressaltando as relações de diferença e semelhança
entre as imagens, rosto/árvore. 3

Ilustração da floresta (ROBERTS, 2000 p. 4) Ilustração da pensão dos pais de


Chapeuzinho. (ROBERTS, 2000 p. 4)

Por fim, o “lobo mau”, antagonista da história, é mais um elemento de ruptura


com padrões tradicionais, na medida em que “se desmistifica a serviço do humor”
(COLOMER, 2003, p. 297), na situação final da narrativa, arrotando e comprando
refrigerantes.

3.3.2 Obax - breve análise da obra

A segunda narrativa, Obax (NEVES, 2000), é relativa à história de uma menina


africana, de nome Obax, que usava a sua imaginação para viver muitas aventuras. Um
dia, a menina contou ter visto uma chuva de flores. Mas em um lugar onde a chuva era
rara, dificilmente alguém acreditaria em sua história. Para provar que não estava
mentindo, Obax deu uma volta ao mundo com o seu amigo Nafisa, um pequeno
elefante. Ao retornar da sua viagem, quis mostrar a seus familiares e amigos a
veracidade de suas aventuras. Agora seu amigo elefante estaria lá para provar. Mas,
quando a menina saiu à procura do animal, só encontrou uma pedra, em forma de
elefante. Muito triste, Obax enterrou-a. Após algum tempo, neste mesmo lugar, nasceu
um Baobá e em um dos seus ramos, muitas flores coloridas. Durante o dia, vários

3
Todos os apontamentos, referentes às imagens da obra “ Chapeuzinho Vermelho- Uma Aventura
Borbulhante” , foram realizados tendo em vista a classificação proposta por Whalen-Levitt (1984) a respeito das
maneiras mais freqüentes com as quais os autores da atualidade jogam com as convenções.

17
pássaros voavam e ao baterem suas asas, derrubavam no chão muitas flores, formando a
chuva, tal como contada por Obax no inicio da história.

Essa narrativa manipula o ponto de vista do leitor ao propor perspectivas


alternadas (COLOMER,2003) e ambíguas a respeito do sentido da história:

Ilustração de Nafisa, o elefante Ilustração de Obax Ilustração do Baobá

( NEVES, 2010 p. 19) (NEVES, 2010 p. 26) (NEVES, 2010 p. 29)

As aventuras eram reais ou apenas imaginação? Qual seria a relação entre


Baobá, a pedra e o elefante?

A mescla dos três elementos (flores em tons claros) dá ao leitor as pistas que não
se encontram no texto escrito. É um exemplo claro do que Colomer (2003, p.104)
destaca a respeito das imagens das narrativas contemporâneas: “A imagem colabora
com o texto, oferecendo um tipo de andaime para os problemas de compreensão das
crianças”.

A problemática central, desenvolvida durante a história, é de ordem psicológica:


Obax, uma menina solitária, luta contra o descrédito de sua família e amigos. Tal
aspecto relaciona-se a elementos das narrativas contemporâneas. De acordo com
Colomer (2003) a abordagem de conflitos psicológicos é também característica das
inovações temáticas da modernidade.

Por último, a viagem vivida pela protagonista que almeja, dessa forma,
conquistar credibilidade, representa um aspecto comum às narrativas infantis:

Partir em busca de algo que pode reparar a falta, ou viver uma aventura de ser
itinerante como algo decisivo na vida, eis uma matriz literária bem próxima
às ideias de transformação possível e de reinvenção do sujeito, que contam
com a cumplicidade de quem lê. (CADEMARTORI, 2009, p.45).

18
3.4 Tecendo idéias sobre leitura

Nesta seção, apresento o conceito de leitura em sua abrangência, bem como


discorro sobre práticas desenvolvidas no contexto escolar.

Em uma ampla perspectiva, a leitura é um “processo cognitivo, histórico,


cultural e social de produção de sentidos.” (CAFIERO, 2010, p.85). Em um nível
cognitivo, ela envolve:

- A atividade óptica: nosso cérebro controla o olho e o direciona as informações


que buscamos. Através da visão periférica também podemos fazer uso daquilo que foi
visto superficialmente. (GOODMAN, 1990)

- A atividade perceptiva: através da percepção realizamos uma leitura seletiva do


texto, ativando nossa capacidade de predição. “O que acreditamos ver é, em sua maior
parte, o que esperamos ver.”(GOODMAN, 1990, p.18)

- A ativação de conhecimentos sintáticos: utilizamos o conhecimento sobre os


elementos gramaticais que regem a organização das frases e co-relacionamos os
períodos de um texto, sejam estes independentes, coordenados ou subordinados.
(GOODMAN, 1990)

A última etapa da leitura é a significação, que é construída enquanto lemos, e


também reconstruída “uma vez que devemos acomodar continuamente nova informação
e adaptar nosso sentido de significado em formação.” (GOODMAN, 1990, p.19)

Cabe destacar aqui que é essa etapa da significação, que caracteriza a leitura
como processo, também assume um viés histórico- cultural, tal como mencionado
anteriormente: o leitor “compreende o que está escrito a partir das relações que
estabelece entre as informações do texto e seus conhecimentos de mundo.”(CAFIERO,
2010, p.86), e tais conhecimentos são construídos em diferentes tempos e contextos
sociais.Por essa razão,distintas pessoas, ao lerem o mesmo texto, irão apresentar formas
alternativas de interpretação.

Por fim, a leitura é um processo social: “Lemos para nos conectarmos ao outro
que escreveu o texto, para saber o que ele quis dizer, o que quis significar.” (CAFIERO,
2010, p.87).

19
3.5 Práticas Escolares de Leitura
Decodificar sem compreender é
inútil; compreender sem decodificar,
impossível. (ROCHA, 2007, p.11)

Trago uma citação, para início desta seção, a respeito da discussão


“compreender versus decodificar”. Tais ações, apesar de complementares, se
compreendidas isoladamente, como único componente da leitura, resultam em trabalhos
pedagógicos opostos. A concepção de que a leitura é apenas decodificação muitas vezes
esteve/está presente nas práticas escolares brasileiras. Em direção à ruptura, ou melhor,
alargamento dessa concepção é que estão os discursos de pesquisadores e professores da
língua materna, e não é de hoje. Vale observar a obra “O texto na Sala de Aula”, de
João Wanderley Geraldi, publicada em 1984 pela editora Assoeste, na qual o autor
organizador e os demais autores da coletânea discutem e propõe a centralidade da
leitura e da produção textual na escola.

Cópias de textos de livros didáticos, perguntas superficiais e exercícios


tradicionais que solicitam ao aluno o recorte de informações explícitas são exemplos de
práticas que não favorecem o entendimento e o trabalho com os recursos linguísticos
dos textos, apenas sua decodificação. As práticas aliadas à formação do leitor
competente são aquelas que contribuem no sentido de oferecer a ele estratégias e
ferramentas para o estabelecimento de relações necessárias à compreensão. Segundo
Cafiero ( 2010) “bons leitores utilizam estratégias que lhes permitem ler tirando o
máximo de proveito e economizando recursos cognitivos.”( p.97)

Segundo a autora, as aulas de leitura, nesse sentido, precisam ter objetivos claros
e definidos. O professor, ao preparar essa aula, deve ter em mente as dificuldades que
seus alunos podem enfrentar na leitura de um texto e as estratégias que poderão ser
oferecidas para minimizar as dificuldades de compreensão.

3.6 A Leitura Interativa

A leitura interativa é uma estratégia metodológica e pedagógica que auxilia nos


objetivos de uma aula de leitura elencados na seção anterior, objetivos esses que estão
calcados na concepção de que a leitura em sala de aula deve mobilizar mais do que
processos de decodificação. Em palavras mais detalhadas essa estratégia

20
Se caracteriza como uma leitura conjunta de um mesmo livro,
dirigida pela professora, em que os alunos vão sendo solicitados a
expressar pontos de vista, trocar predições, manifestar
impressões, procurando-se, entretanto, manter o ritmo necessário
para que não se perca o interesse pela trama. (SILVEIRA e
DALLA ZEN, 2012).

Podemos pensar que a leitura interativa envolve um processo de mediação


professor/texto/aluno.Essa mediação, contudo, deve afastar-se de um modelo impositivo
- onde o professor faz predominar a sua visão a respeito da narrativa e “poda” as
interpretações e comentários dos alunos – para aproximar-se do modelo cooperativo
previsto por Vygotsky (1994) que “ destaca o papel do outro como guia e auxiliar da
construção do conhecimento.” (RANGEL, 2005,p.27).

A leitura interativa, então, “propicia às crianças um papel ativo na leitura, ou


seja, elas manifestam suas experiências culturais, seus conhecimentos de mundo; as
informações textuais mobilizam a manifestação destas experiências.” ( DALLA ZEN e
KAERCHER 2011, p.3 ).
Na primeira parte deste capítulo, serão retomados e descritos, com mais
detalhes, os trabalhos propostos e as leituras dirigidas, citados na seção da metodologia.
Tais atividades serão também analisadas, tendo em vista a articulação dos conceitos
discutidos na seção anterior comas respostas das crianças. Essas respostas, escritas, no
contexto da leitura silenciosa, e orais, no contexto da leitura interativa, serão analisadas
separadamente e contrapostas na seção das considerações finais.

21
4. UM EXPERIMENTO COM A LEITURA SILENCIOSA

Na primeira parte do trabalho de campo desta pesquisa, as crianças realizaram a


leitura silenciosa e individual do livro “Chapeuzinho Vermelho- Uma Aventura
Borbulhante” de Lyns Robert. Após essa leitura, responderam a uma atividade
previamente estruturada, que contava com perguntas elaboradas a partir dos objetivos de
leitura detalhados na seção “A organização e a sistematização dos dados produzidos”.
Abaixo, seguem as questões arroladas, juntamente com o objetivo a que se referem.

1. O que quer dizer a palavra “Borbulhante”? Por que a história do Chapeuzinho é uma
aventura Borbulhante?
Objetivo: Localizar informações implícitas no texto.

2. Tu conheces uma história parecida? Qual? Preenche, então, o quadro abaixo: O que é
igual? O que é diferente?
Objetivo: Reconhecer diferentes formas de tratar a informação na comparação de
textos que abordam o mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e
daquelas em que será recebido.

3. Que lugar aparece na 4º página do livro?


4. O que acontece nesse lugar?
Objetivo: Inferir o sentido de uma palavra ou expressão através da imagem

5. Em sua opinião, essa história é:


( ) comovente
( ) engraçada
( ) assustadora
Objetivo: Identificar os efeitos da linguagem e das representações imagéticas e sua
relação com a finalidade do texto.

6. O que significa a palavra “Burp” na 5º página do livro?


Objetivo: Inferir o sentido de uma palavra ou expressão.

7. A brilhante ideia que chapeuzinho teve foi:


a) dar o refrigerante ao lobo para fazê-lo arrotar a vovó.
b) chamar um caçador.

22
c) dar o refrigerante ao lobo para vender o produto e ganhar dinheiro.
d) oferecer o refrigerante ao lobo para que ele não o devorasse.
Objetivo: Estabelecer relação entre uma parte do texto e o seu contexto global.

8. O que são os “embaraçosos efeitos colaterais” da última página?


Objetivo: Inferir o sentido de uma palavra ou expressão.

9. Será que essa história se passou há muito ou há pouco tempo? Como podemos
descobrir isso?
Objetivo: Associar o projeto gráfico-visual à compreensão do texto escrito.

As crianças, após realizarem a leitura do livro, receberam a atividade acima. Os


vídeos, então gravados, mostraram que a maioria delas não utilizava a obra como
auxilio para resolução das questões, apesar da orientação clara que os permitia realizar o
trabalho com consulta. Salvo nas perguntas a respeito de ilustrações em páginas
referenciadas.

As respostas dos 20 alunos estão organizadas na tabela abaixo:


Questão Resposta Resposta Resposta Resposta
adequada parcialmente inadequada em branco
adequada
1 2 10 4 4
2 15 2 3 -
3 5 2 13 -
4 10 2 8 -
5 17 - 3 -
6 3 15 2 -
7 11 9
8 16 1 2 1
9 11 2 6 1

No gráfico abaixo, para melhor visualização, está organizada a comparação entre


as respostas adequadas e as demais das três categorias agrupadas sob o título “não
adequada”.

23
Começo a análise destes dados, pelas questões que, ilustradas no gráfico acima,
obtiveram a menor quantidade de acertos: as questões de número 1 e 6:

1. O que quer dizer a palavra “Borbulhante”? Por que a história do Chapeuzinho


é uma aventura Borbulhante?
6. O que significa a palavra “Burp” na 5º página do livro?

As duas questões exigiam habilidades semelhantes sob o ponto de vista da


compreensão. Era necessário que os alunos realizassem inferências com relação a
informações que não estavam explícitas no texto. Na primeira questão, os alunos teriam
que conectar o significado da palavra borbulhante (que faz bolhas, algo agitado,
divertido) ao contexto global da narrativa. A palavra borbulhante se relaciona tanto a
um dos elementos centrais da história o “refrigerante”, quanto à própria característica da
“aventura”, vivida pela personagem principal. Na segunda questão, as crianças teriam
que relacionar o nome da loja que vendia refrigerante (“O bom Burp”) à imagem do
lobo arrotando, para construir o sentido da palavra que, em português, significa “
arroto”.

24
Com relação à primeira questão, metade dos alunos apresentou respostas
parcialmente adequadas, na medida em que conseguiram responder à primeira parte da
pergunta, a respeito do sentido literal da palavra “borbulhante”. Alguns exemplos são:

“Borbulhante significa que solta bolhas.”


“Borbulhante para mim é uma bebida que tem muitas bolhas”
“Borbulhante quer dizer cheio de gás.”

Dentre as respostas parcialmente adequadas, também estavam aquelas que


apenas contemplavam o elemento “refrigerante”:

“Porque tem refrigerante”


“Para mim borbulhante é por causa do refrigerante da vovó”,
“Que era uma aventura com refri”.

Como adequadas, foram consideradas apenas as respostas:

“Borbulhante é o refri que eles vendiam. A História borbulhante é quando a história é


de ação.”
“Borbulhante na história se significa uma coisa legal. Porque é uma aventura grande e
assustadora.”

Estes alunos conseguiram obter, através do sentido global da narrativa, o


significado figurativo, implícito da palavra “Borbulhante.” Dessa forma, podemos
pensar que para a grande maioria (90% dos alunos) essa questão foi um desafio,
sobretudo pela informação implícita que deveria ser encontrada. Neste sentido
Para uma leitura mais eficiente, o educando precisa ser levado à apreensão da
significação profunda dos textos com que ele se deparar, isto é, perceber que,
por trás da organização de letras, palavras e frases, existe uma gama de
significações, tanto explícitas quanto implícitas. Estas últimas exigem uma
maior atenção, pois são mais discretas e sempre atreladas à intencionalidade
de quem escreveu o texto. ( GONÇALO, 2013,p.50).

Na questão de número 6, a palavra “burp” era desconhecida por todos. Seria


possível compreendê-la apenas inferindo o sentido global da narrativa. Ressalto que

25
apenas três alunos apresentaram respostas que, aparentemente, não continham relações
de coerência:

“É um nome”
“Significa borbulhante”
“É a acolhedora”
“ É o nome do refrigerante da história.”

Está ultima não se sustenta, devido à imagem que fornece a informação do real nome do
refrigerante:

Ilustração do refrigerante (ROBERTS, 2000 p. 4)

A outra parte da turma, que não atingiu a resposta totalmente adequada, utilizou
uma informação explícita para responder à pergunta, informação que estava contida na
ilustração abaixo:

Ilustração da loja dos pais de


Chapeuzinho (ROBERTS, 2000 p. 7)

As repostas das crianças, nesse grupo, apontaram para o lugar onde era vendido
o refrigerante: “o nome da loja de refrigerante”. Foi, em linhas gerais, a ideia de tal

26
grupo. As respostas consideradas adequadas foram aquelas que apresentaram “o arroto”
como significado.
Na sequência, a terceira e a quarta questão, com menor quantidade de acertos,
foram as questões 3 e 4. Na questão 3, quatro alunos responderam adequadamente: “
aparece uma pensão” – escreveram . Estava informação estava explícita no texto
escrito da página de referência. A maioria, possivelmente, pela falta de conhecimento
do sentido da palavra “pensão” e, pela desatenção às pistas textuais com relação a esse
mesmo sentido, apoiou-se, estritamente, no suporte imagético para responder à
pergunta:

“Uma mesa com vários parentes da Chapeuzinho.”


“Aparece um restaurante”
“ A Fábrica de refrigerante”
“ Um bar”
“ Uma loja”
Ilustração da pensão dos pais de
Chapeuzinho.
(ROBERTS, 2000, p. 4)

Nesse sentido, se os alunos “não usam as pistas contextuais mesmo quando é


possível, cabe aos professores ensinar estes estudantes a desenvolver estratégias de
adivinhação para as palavras desconhecidas no texto.” (DELL’ISOLA, 2005, p.42)
As respostas à questão de número 4, “o que acontece nesse lugar”, podem ser
interpretadas quanto ao tipo de estratégia utilizada pelos leitores. Seguem alguns
exemplos que ilustram tais estratégias:

1) Adequadas: buscam a informação a partir da leitura de imagem.


Varias pessoas conversando
Estão jantando ou almoçando

2) Adequadas: Utilizam a informação explicitada no texto escrito.


“As pessoas experimentam o famoso refrigerante favorito da vovó”
“Contam história de lobos”

27
“ Ele ouve as histórias dos viajantes”

3) Adequada: Utilizam o conhecimento prévio do vocabulário para exporo


significa da palavra “pensão”.
“É um lugar onde as pessoas se hospedam.”

4) Inadequadas: Não utilizam indícios imagéticos e linguísticos para sustentar


suas afirmações.
“O lobo pegou o casaco da chapeuzinho vermelho”
“Acontece uma festa”
“Aparecia um Burp”

Depois das questões 3 e 4, as respostas 7 e 9 obtiveram, ambas, 11 acertos. A


pergunta 7 estruturava-se de maneira objetiva. As respostas de todas as crianças
centraram-se apenas em duas alternativas: “oferecer o refrigerante ao lobo para que ele
não o devorasse” (correta) e “dar o refrigerante ao lobo para fazê-lo arrotar a vovó”
(incorreta). Os alunos que escolheram esta última não perceberam o equívoco da
incoerência de ordem cronológica: Chapeuzinho Vermelho não estava na cena quando o
lobo engoliu a vovó, logo não poderia saber, com certeza, as causas da ausência da
mesma.
A pergunta de número 9, a respeito do contexto temporal, obteve no grupo de
respostas adequadas o mesmo argumento: “Há muito tempo por causa das roupas.”
Algumas complementaram a ideia acrescentando: “por causa do cabelo e dos objetos.”,
“por causa dos brinquedos”, “pelas casas”. Os alunos que apresentaram respostas
inadequadas compreenderam, equivocadamente, que a pergunta sobre o tempo em que
se passava a história relacionava-se às condições de produção da mesma ou o momento
em que foi contada:
“Se passa há pouco tempo porque quando eu tava no “présinho” essa história
ainda existia.”
“Faz muito tempo e sei porque está na contra- capa.” (ano da edição)
“ 2000 dizia na contracapa”.

28
As questões 2, 5 e 8 obtiveram o maior número de acertos. Quase todas as
crianças relacionaram, na questão 2, a história popular “Chapeuzinho Vermelho” com
sua versão recontada. Apenas duas crianças fizeram menção a outra obra (“Chapeuzinho
amarela”). Com relação aos tópicos “diferenças e semelhanças” as incongruências
apresentadas foram:
“ Três porquinhos”
“O menino só gosta de vermelho”
“ O suco da vovó”
“ A história é igual”
Os elementos destacados que mais se repetiram, nas semelhanças, foram: o lobo
e a vovó, e nas diferenças, o protagonista masculino e o refrigerante. De fato, podemos
pensar que esses dois elementos de ruptura são os mais marcantes na narrativa.
Nesse ponto, ressalto que o tópico: “o que é diferente”, “ o que é igual” não
continha um enunciado claro. A informação de que as diferenças/ou as semelhanças
seriam em relação ao conto original, não foi explicitada. Por isso, cada aluno organizou
o seu quadro de uma forma diferente. Podemos refletir, nesse sentido, sobre a
necessidade de clareza e adequação lexical nos enunciados das questões em sala de aula,
pois as perguntas elaboradas deveriam tornar concreta a intenção do professor
(CAFIERO, 2010).
Na questão de número 2, aos alunos é proposta a tarefa de perceber a finalidade
do texto de uma maneira mais global. Sete alunos acharam o texto “engraçado e
assustador”, dez apenas “engraçado” e três “comovente”. Esta pergunta é importante na
medida em que propicia às crianças que reflitam sobre a função mais global da
comunicação que constitui, em ultima análise,nossos objetivos de leitura; lemos para
nos divertir, nos assustar, nos emocionar (CAFIERO, 2010).
Por último, a questão de número 8, que requeria dos alunos o sentido da
expressão “embaraçosos efeitos colaterais”, obteve grande número de acertos. As
crianças utilizaram a imagem abaixo, que se encontrava na mesma página, e o
conhecimento prévio sobre o significado das palavras, para estabelecer a inferência. Os
efeitos são os arrotos:

29
Ilustração do lobo. (ROBERTS, 2000 p. 16)

Neste caso, a relação inferencial foi mais “fácil” do que a proposta na primeira
questão, devido ao suporte imagético e ao conhecimento do vocabulário pelos alunos.
As respostas consideradas inadequadas, nesta questão, foram: “borbulhante” e “ os
efeitos são bolhas”.

30
5. UM EXPERIMENTO COM A LEITURA INTERATIVA

Nesta seção, analiso as falas das crianças que se relacionam aos objetivos de
leitura citados neste trabalho e também a outros objetivos, descritos posteriormente. Os
fragmentos discursivos que foram escolhidos para análise, a partir da transcrição
seletiva, estão agrupados de acordo com o objetivo(s) de leitura a que se referem. As
perguntas, pré-elaboradas, utilizadas durante a leitura interativa, seguem elencadas
abaixo:

O que será que é OBAX? E quem é esse ou essa aqui embaixo? Que lugar é esse? O que a gente
pode saber desse lugar? Vocês já ouviram falar dessa palavra “Savanas”? O que é lavrar a terra? “Ao
anoitecer, tudo volta a se encher de vazio, e o silêncio negro se transforma num ótimo companheiro para
compartilhar boas histórias.” - Por que “se encher de vazio”? Por que será que nesse lugar não tem
movimento, é silencio? O que é o “silencio negro”? ”Ali morava a pequena Obax”. Como é que eu sei, no
texto, que é uma menina? Por que será que podia ser perigoso viver em uma paisagem como aquela? Por
que será que a Obax achava que a melhor brincadeira dela era inventar histórias? Por que não acreditavam
nas histórias que ela contava? O que é “caçoar”? Aonde, no mundo, aconteceu essa história? “A história
como contam os contadores da África são sagradas.” Vocês sabem o que é sagrado? “Como poderiam
chover flores onde pouco chove água?” Por que será que chove pouca água? Como é o nome dessa
galinha? O que são birotes? Como a Obaxestá aqui? E como a gente pode saber que ela está triste pela
imagem? “Ninguém acreditava no que os olhos viam”. Já ouviram essa expressão? O que é uma chuva de
lembranças? O que vocês acham desses três: a pedrinha, o Baobá e o Elefante ? Alguém já ouviu alguma
história que alguém imaginou? Conhecem alguém que vive imaginando? Vocês acham que a Obax tinha
muita imaginação? É bom ter imaginação? O que vocês acharam desse livro? Ele é diferente de outras
histórias que vocês ouviram?

5.1 Inferências e hipóteses: alternativas para a descoberta de informação

De acordo com Goodman (1985, p.180), inferência é uma “estratégia geral de


adivinhação, com base no que é conhecido.” As hipóteses, nesse sentido, fazem parte da
estratégia. Para ilustrar, com mais clareza, tanto o significado quanto a ocorrência das
inferências e hipóteses na leitura interativa aqui pesquisada, descrevo abaixo um dos
trechos transcritos, designando a letra “P” para pesquisadora e “C” para criança.

31
“Obax e Nafisa viram chuva de água, chuva de pedras, chuva de estrelas, chuva
de folhas quando o vento estava agitado; e nos lugares mais frios, viram chuva de
flocos de algodão.”(p.22)

C1- Algodão? É algodão de unha?


C2- Pode ser neve, parece...
P- Ah pode ser...e tem uma coisa no texto que faz a gente deduzir isso!
C1- Aqui tá dizendo “nos lugares mais frios”
P- Muito bem, era isso mesmo.

Neste fragmento, um dos alunos estranha e destaca o elemento


“algodão”; Outro levanta uma hipótese que torna o elemento mais razoável (possível),
“pode ser neve, parece...”. Na última parte, a hipótese do segundo aluno é confirmada
por um terceiro, que encontra, no texto, a pista necessária para o estabelecimento de um
sentido lógico: “nos lugares mais frios.” Todas essas hipóteses fazem parte de um
processo inferencial que, de maneira resumida, “não é mais do que fazer emergir
informação adicional a partir daquela que é disponibilizada ao leitor através do texto
base” (SANTOS, 2008, p. 65). Neste caso, podemos pensar que a informação adicional
construída pelos alunos foi: nos lugares mais frios, Obax poderia ter visto neve.

O segundo diálogo, que trago para ilustrar o uso das duas alternativas
mencionadas no título desta seção, ocorreu durante o momento em que as crianças eram
questionadas a respeito do lugar onde a história era ambientada (África). Nas primeiras
páginas do livro, os alunos têm, em suas mãos, apenas o texto visual para formularem
suas hipóteses:

Ilustração da Savana
(NEVES, 2010 p. 26)

32
Então, que lugar será esse aqui?
C1- África
P- Por que tu acha que é a África?
C1- Porque tá parecendo um lugar de pessoas pobres e negras
(...)
P- Alguém tem uma ideia diferente?
C1- Parece uma tribo de índios.
P- E por quê?
C1- Porque tem umas cabanas
C2-É uma aldeia
C3- É na África
P- E por que tu achaque é África, R.?
C1- Tá deserto
P- A África é deserta, será?
C1- A África porque parece um lugar seco
C2- A África é um lugar quente

Elas utilizam, então, os seus conhecimentos prévios de mundo e as “pistas


imagéticas” como as cabanas e, possivelmente, a imagem do sol, para afirmar que se
trata de um “lugar quente”, de uma “aldeia”, da “África”. O comentário da criança que
afirma que a África é um lugar “de pessoas negras e pobres” nos leva a pensar sobre os
estereótipos que se vinculam a questões étnico-raciais e econômicas do continente
africano e que são difundidos pelas mídias. Posteriormente, com o inicio da leitura, as
crianças formulam hipóteses; desta vez, com relação ao sentido da palavra “Savana”,
que especifica ainda mais o ambiente da história:

“Quando o sol acorda no céu das savanas, uma luz fina se espalha sobre a
vegetação escura e rasteira.”(p.6)
P- O que é savana?
C1- É uma tribo
C2- A selva
C3- Um bando de pessoas

33
P- Uma savana tem mais a ver com selva que o A. disse. Mas não é uma
selva que nem a gente conhece. Savana, assim, é um tipo particular...O que vocês
acham que tem nas savanas?
C1- Leão
C2- Animais selvagens
C2- Tem mais areia que terra preta
C3- Leopardos
C4- Canguru
P- Será que tem Canguru?
C1- Girafa
P- Ah, girafa tem em uma savana! Eu quero saber como é a vegetação da
savana!
C1- Árvores frutíferas
P- Será que tem?
C1- É um lugar selvagem
P- Tem um animal que aparece direto nas savanas, é quase símbolo das
savanas. Ninguém sabe?
C1- Elefante
p- Muito bem, T.! E por que será que o elefante vive lá?
C1- Porque ele tá procurando água
P- Mas assim, será que tem muita água lá? Se ele está procurando...
C1- O elefante tá procurando porque lá não tem muita água
C2- Os rios secam
C3- Secam não, “evaporam”...
C4- Lá tem outros elefantes
P- E como é que a gente chama outros elefantes juntos?
C1- Manada

Neste fragmento, os alunos complementam as hipóteses de seus pares, na


medida em que respondem à questão sobre a ausência de água. De fato, as savanas na
África são caracterizadas por secas prolongadas, que podem durar até dez meses, os rios
em decorrência disso “secam”, ou “evaporam” como prefere uma das crianças. Na

34
leitura dos dois diálogos selecionados, percebemos como os participantes expandem
suas ideias sobre o contexto espacial da narrativa, realizando inferências de relação
informativa (Warren, 1979). Podemos pensar, dessa forma, que “o sentido não está
somente no texto, mas se constrói a partir dele (Koch, 1997, p.30).
Na sequencia, ainda sobre o espaço físico da história, as crianças lançam mão de
suas hipóteses a respeito do fragmento de texto descrito abaixo:
“Ao anoitecer, tudo volta a se encher de vazio, e o silencio negro se transforma
num ótimo companheiro para compartilhar boas histórias.” ( p.6)
(...)
P- E por que esse lugar não tem movimento, fica assim como vocês falaram?
C1- Porque é tudo deserto
C2- Porque é no meio da mata
C3- Porque não tem energia
P- E se não tem energia o que as pessoas fazem?
C1- Vão dormir
C2- Não enxergam de noite
C3- Porque não é uma zona urbana
C4- Porque tem poucas pessoas lá

Neste diálogo, temos um exemplo de inferências de relações lógicas (Warren,


1979), na medida em que as crianças levantam hipóteses sobre a causa de o lugar ser
vazio e silencioso à noite. É importante observar, neste ponto, a relação entre os
conhecimentos prévios e as inferências tendo em vista que “a ativação do conhecimento
prévio leva o leitor a fazer inferências que permitem que ele recupere as informações do
texto de maneira coerente.” (Tomitch, 2008, p.140)

5.2 Conhecimentos prévios: ampliando a compreensão

A mobilização de conhecimentos prévios, pelas crianças, ocorre em


quase todos os trechos escolhidos para análise. Isso acontece porque o leitor é um
sujeito ativo que “utiliza conhecimentos de tipo muito variado para obter informação do
escrito e que reconstrói o significado do texto ao interpretá-lo de acordo com seus
próprios esquemas conceituais e a partir de seu conhecimento do mundo”. (COLOMER;

35
CAMPS, 2002, p. 31). Apesar das situações selecionadas na seção anterior já
envolverem a ativação de conhecimentos prévios, descrevo abaixo mais alguns
exemplos:

Ilustração da aldeia de Obax ( NEVES, 2010, p.25)

C1- Aqui tem uma galinha?


P- Ah sim, olha o que a G. observou. Quem é que sabe o nome dessa
galinha, ela tem um nome?
C1- Galinha de bolinhas
C2- Galinha de Petit-poa
C3- Galinha dos ovos de barro
C4- Galinha pretinha
C5- Galinha da África
P- Não pessoal..o G. foi o que quase acertou, porque o nome é de um País da
África. O nome dessa galinha é “Galinha de Angola”
Turma- Ah...
C1- Como que tu disse um “país da África”?
C2- Por que a África é um continente!
P- Isso, a África não é um país é um continente...
Nesta última parte, um dos alunos mobiliza o conhecimento prévio geográfico
ao ajudar a responder à pergunta de seu colega: a África é um continente, por isso
podem existir países dentro dela. Na primeira parte do diálogo, os alunos tentam
adivinhar o nome da galinha, através do estabelecimento de relações gráficas (de
bolinhas, de Petit-poa, pretinha) e uma relação com o contexto global da história
(galinha da África). Por fim, recebem a nova informação pela pesquisadora, trata-se da
galinha de Angola.
Por último, a partir da imagem abaixo, os alunos, através de seus conhecimentos
prévios, percebem a característica artesanal dos materiais da aldeia, compreendendo que

36
por essa característica eles, provavelmente, não são industrializados. O último
comentário demonstra a relação da experiência de uma das crianças com o que estava
em discussão. De fato, os materiais assemelhavam-se aos produzidos pelos índios na
Redenção.

Ilustração dos materiais da aldeia ( NEVES, 2010 p. 27)

P- Como vocês acham que as coisas eram feitas nessa casa?


C1- De madeira e de palha
P- E compravam essas coisas no shopping?
C1- Não! Eles faziam!
C2- Tem uns índios na redenção que fazem umas cestas parecidas com essas!
Aponto, dessa maneira, que os dois exemplos trazidos nesta seção ilustram com
clareza a ideia de que o conhecimento prévio “não consiste apenas em uma coleção
estática de conteúdos, de experiências, mas também em habilidades para operar sobre
tais conteúdos e utilizá-los na interação social” (KOCH, 2006, p.37).

5.3 Os Conhecimentos Lexicais

Apresento, nessa parte, alguns diálogos por meio dos quais os alunos foram
questionados com relação ao sentido das palavras: lavrar, caçoar, sagrado, Baobá e
birotes. Justifica-se a importância desse tipo de exploração, na medida em que o
conhecimento do vocabulário apóia e auxilia o desenvolvimento da leitura, e a leitura,
por sua vez, aprimora o conhecimento do vocabulário ( MUNIZ, 2013).

37
“O dia aquece enquanto os homens lavram a terra e as mulheres cuidam dos
afazeres domésticos e das crianças.” ( p.6)
P-Pessoal, o que é “lavrar”?
C1- Explorar a terra
C2- Cuidar da terra
C3- Arar a terra
P- E o que uma pessoa faz arando a terra?
C1- Cuida pra que o solo seja produtivo
P- Tá, e se eu fosse arar a terra aqui, tem um terreno, daí me pedem pra
arar. O que eu faria?
C1- Pode botar adubo
C2- Virar a terra

“Nossa, e você se molhou- caçoaram as crianças.” ( p.13)


P- E o que que é “caçoaram”?
C1- É rir
C2- Zombar
C3- Debochar

“ As histórias, como contam os contadores da África, são sagradas.” ( p.13)


P- E vocês sabem o que é uma coisa “sagrada”, o que é essa palavra “
sagrado”?
C1- Que é passado de geração e geração e as pessoas valorizam
P- Muito bem
C2- Uma coisa muito importante que aconteceu
C3- É precioso
C4- Que é especial e é como se fosse uma lembrança daquilo que aconteceu

“Essa menina conta cada história! - brincou a mãe, ajeitando os birotes em sua
cabeça.”(p.24)
P- O que é birotes gente?
C1- É as coisas do cabelinho dela

38
“ No lugar onde Obax havia enterrado a pedra, havia nascido um imenso
Baobá.” (p.28)
P- O que deve ser um Baobá?
C2- Eu tenho um livro do Pequeno Príncipe que tem um Baobá
P- Ah, muito bem, é verdade!
C2-É uma espécie de árvore

Em todas essas situações, os alunos são desafiados a encontrarem o


significado das palavras através do contexto, das pistas textuais e imagéticas e do seu
próprio conhecimento. No primeiro trecho, eles poderiam utilizar a palavra “terra”
como indicio textual; No segundo, a fala irônica das crianças; e no terceiro, a
informação imagética e textual, de localização dos birotes (“em sua cabeça”). Os demais
exemplos ilustram a mobilização de um conhecimento prévio. Pesquisas apontam que o
convite a “adivinhar”o sentido de uma expressão ou palavra através do contexto é uma
alternativa pedagógica sedutora em relação àquelas onde o professor fornece
diretamente o significado.( pesquisar fonte)
Por último, nesta seção, apresento também as respostas a duas perguntas,
que foram feitas tendo em vista a discussão de expressões mais complexas, que
envolviam a linguagem metafórica:
P- Agora eu quero perguntar para vocês “ ao anoitecer tudo volta a se
encher de vazio” o que é “se encher de vazio”?
C1- Fica tudo deserto
P- E como assim? Tudo fica deserto ao anoitecer?
C1- Todo mundo vai para as suas casas, as árvores nem aparecem direito, ficam
escuras...
C2- Não dá pra ver nada
C3- Fica tudo uma escuridão
P- E o “silencio negro” o que ele quis dizer?
C1- Silencio das pessoas negras
C2- Silencio total no escuro
P- Ah, isso Eduardo “silencio total no escuro.” Pode ser...

39
“Ela cresceu forte como o Baobá, e na sua chuva de lembranças estava Nafisa,
seu grande amigo.” (p.32)
P- Pessoal o que é “chuva de lembranças”?
C1- Muitas lembranças vindo de uma só vez
C2- É tipo quando uma pessoa cresce, cresce... Daí ela se esquece de uma coisa,
daí do nada ela relembra, aí que vem a lembrança.

Esses exemplos reiteram os aspectos analisados anteriormente. Ou seja, o


eco dos conhecimentos prévios e o compartilhamento deles como potencializadores do
processo interpretativo durante a leitura interativa.

5.4 Múltiplas Interpretações

A narrativa “Obax”, como já citado anteriormente, possibilita múltiplas


possibilidades de leitura. O sentido dos elementos “pedra, elefante e Baobá” não é
explicitamente traduzido. Assim, as crianças, como demonstrado nos diálogos descritos
abaixo, ficam curiosas a respeito da ligação entre estes e, a partir dessa curiosidade,
manifestam variadas interpretações:

C1- O que que a pedra tem a ver com o nascimento de uma árvore?
P- Foi uma ótima pergunta! Quem é que responde?
C1- A pedra era em forma de elefante porque era uma semente.
C2- Era uma semente de Baobá que ela enterrou daí veio o sol e ela cresceu
C3- Era uma pedra mágica. A gente queria muito uma coisa, mostrar alguma
coisa pra alguém, daí ela podia realizar.
C4- O elefante pode ter virado essa árvore!
P- Ah, e por que tu acha isso?
C1-Ah! O tronco! Parece com o corpo do elefante!
P- Muito bem, parece mesmo!
C2-Podia ser o caroço de uma fruta que parecia um elefante
(...)

40
P- È verdade, gente, o que que tem a ver mesmo essa história da pedra do
elefante e do Baobá?
C1 Todos são bem semelhantes. A árvore tem a mesma pintura do corpo do
elefante e a pedra tem o formato do elefante.
P- E que será que quer dizer isso?
C1- Eu acho que aquela pedra era uma semente e o elefante tem a ver com a
árvore que cresceu por causa da semente que parecia uma pedra.
C2- São as três coisas que uma leva a outra...
C3- Ela encontrou a pedra e depois encontrou o elefante que era amigo dela,
depois ela pegou a pedra e navegou, quer dizer, navegou não, andou o mundo inteiro em
cima do elefante. E enquanto ela andava ela segurava a pedra. E pra mim, o elefante
sentiu, o elefante era mágico, ele fez a pedra virar mágica que fez o Baobá. Porque ele
deve ter percebido que ela queria muito mostrar pra todo mundo.
C4- Sabe que eu acho que quando ela achou a pedra, que parecia o elefante, que
a pedra tinha a mesma pintura do elefante. Eu acho que quando ela enterrou a pedra
passou um tempo e a arvore cresceu.
C5- Era uma coisa que o elefante guardava com ele, daí ele deu pra ela.
P- E onde é que está o elefante agora?
C1- Dentro da pedra
C2- Aquela pedra virou a árvore que sempre será a lembrança daquele amigo
que ela teve pra contar a história

Desde hipóteses mais realistas (a pedra semente) às mais fantásticas (o elefante


mágico), as crianças fazem uso de pistas textuais para construírem relações de lógica
para suas “teorias”, que transitam entre imaginação (ficção) e mundo real. A transcrição
escrita não consegue “captar” a riqueza de uma interação ao vivo. Os olhares, os sons e
os gestos do grupo escapam. Apesar disso, podemos perceber, na situação acima, que os
alunos sentiram-se tocados a participar, pela quantidade de hipóteses levantadas. Nesse
sentido, podemos pensar que se o aluno percebe que “pode recriar o texto, participando
do que lê, ele terá mais chances de se sentir motivado e de despertar o gosto pela leitura
mais facilmente, tornando-se um leitor maduro.” (KOCH, 2011, p.157)
Por último, descrevo um trecho onde os participantes relacionam uma parte da
história com seu sentido global:

41
“Como pode chover flores onde tão pouco chove água”. (p.15)
P- Pessoal, por que lá chove pouco?
C1- Porque na África está tendo uma seca
C2- Porque lá não é muito de chover, é um lugar seco, não é muito úmido daí a
chuva...
C3-Lá pode chover flores porque pode cair das árvores
C4- É difícil chover flores se não chove nem chuva...
P- É, é o que está escrito ali
C1- E como vai ter árvore se não tem água?
P- Ah boa pergunta a do H.... Por isso que eu perguntei como era a
vegetação antes, ninguém se lembra? Tá escrito aí na história...
C1- Tem certeza?
P- Absoluta. Vamos ver quem acha
C1- Na primeira página, “a vegetação é escura e rasteira.”
P- E o que é uma coisa rasteira?
C1- Pequena
P- E que encosta no chão pessoal... Então, não tinham muitas árvores
grandes que nem na nossa floresta, que tem uma do lado da outra, né? Era uma
vegetação mais rasteira.

Ao questionar a afirmação da colega, H. lança a pergunta “E como vai ter


árvore se não tem água?”. Os alunos, nesse momento, com o auxilio da intervenção da
pesquisadora, procuram por uma informação explícita, para que seja esclarecida a
questão levantada. Nesse sentido, havia um objetivo e uma finalidade clara para leitura,
afinal, lemos para responder nossas perguntas (CAFIERO 2010).

5.5 Os Sentidos das Imagens

Nesta seção, dois eventos de leitura de imagem serão descritos. Neles, as


crianças associam o projeto gráfico-visual à compreensão do texto escrito:

42
Ilustração de Obax (NEVES, 2010 p. 26)

“Obax ficou furiosa e com tanta raiva, que enterrou a pedra no chão para que
ninguém nunca mais zombasse de suas aventuras.” (p.27)
P- Como a Obax está se sentindo?
C1- Chateada
C2- Furiosa
C3- Triste
C4- Magoada
P- Mas como a gente sabe, pela imagem, que a Obax está triste?
C1- Porque ela tá ajoelhada no chão e tá quase chorando e abriu um buraco pra
enterrar a pedra.
C2-Porque ela está com a cabeça abaixada e olhos fechados

A imagem que a turma comenta é um claro exemplo de como a ilustração, em


um texto narrativo, pode expandir o significado do texto escrito. Apesar de não
mencionada, explicitamente, “a tristeza”, “a magoa” de Obax é revelada por meio da
imagem, através da postura, dos joelhos dobrados, dos olhos fechados e da cabeça baixa
da menina, como bem apontam as crianças.
Neste último exemplo, a pergunta central “Onde está Obax” mobiliza uma
discussão sobre as condições de criação da obra, na medida em que as crianças são
questionadas a respeito do trabalho do ilustrador:

Ilustração de Nafisa, o elefante ( NEVES, 2010 p. 19)

43
“Nafisa se abaixou e Obax subiu em suas costas para uma longa aventura.”
(p.20)
P- Onde está Obax?
Turma – Nas costas do elefante
P- E o ilustrador, como ele desenhou?
C1- De cima
P- E onde ele estava para desenhar isso?
C1- Em cima do elefante e da guria

Dessa forma, os alunos percebem o jogo de perspectiva, a visão


topográfica que foi estabelecida nessa imagem. Percebem que, no espaço, as imagens
podem ser representadas de diferentes maneiras, dependendo do efeito que se queira
provocar. Nesse sentido, Camargo (2006, p. 13), aponta:

Tal como a leitura da palavra depende do conhecimento de mundo e do


conhecimento linguístico, a leitura da imagem também depende do
conhecimento de mundo e do conhecimento da linguagem visual. Isso
significa que não basta somente ver, é preciso aprender a ver.

5.6 Gramática aplicada à comunicação em contexto: breve comentário

Termino a seção de análise da leitura interativa tecendo um breve comentário a


respeito do ensino da gramática. O trecho abaixo ilustra as relações que podem ser feitas
pelo educador, por exemplo, com relação ao uso do artigo definido “a”.

“ Ali morava a pequena Obax”.( p.8)


P- Como a gente sabe, no texto, que é uma menina?
C1- É a palavra que termina com “a”
P- E que palavras que começam com “a”?
C1-“a” “pequena”

44
A partir dessa situação, podemos pensar que não faz muito sentido ensinar
recursos linguísticos (artigos definidos e indefinidos, no caso) fora do seu contexto de
uso. É necessário destacar, para os alunos, a função de determinantes de certas palavras
que esses termos acessórios têm na comunicação. Sobre isso Travaglia (1996, p.17)
aponta:
O objetivo principal do ensino de língua materna deve ser desenvolver a
competência comunicativa dos alunos, capacitá-los a produzir e compreender
textos adequados à produção de determinados efeitos de sentido em
determinada situação concreta de interação comunicativa.

45
6 LEITURAS SIGNIFICATIVAS: ALGUNS APONTAMENTOS

Tendo em vista à compreensão das narrativas, nesta seção analiso alguns


aspectos das produções textuais que foram propostas aos alunos após a leitura dos dois
livros. O enunciado recebido pelas crianças segue descrito abaixo:

Se eu fosse escrever para um amigo sobre a leitura que fiz do livro X (


Chapeuzinho Vermelho – Uma Aventura Borbulhante ou Obax, no caso da segunda
produção), o que eu escolheria para contar?

Destaco a importância desse bloco de análises para os objetivos desta pesquisa,


tendo em vista que:
Uma leitura significativa gera escrita significativa e somente sabemos que um
aluno realmente entendeu o que leu quando é capaz de expressar as ideias
com suas próprias palavras, seja oral, seja por escrito. (MUSTIFAGA e
GOETTMS, 2009, p.200)

Nesse sentido, busca-se verificar indícios de compreensão ou incompreensão


das obras então selecionadas.

6.1 Chapeuzinho Vermelho – Uma Aventura Borbulhante: repercussões na


escrita

O refri
O refri era borbulhante
E a história contagiante
Era super legal
Era radical
Era tudo demais
E umas partes iguais

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A epígrafe desse subcapitulo é um poema escrito por uma das alunas que
escolheu, para destaque, o elemento “refrigerante” e as qualidades mais globais da
narrativa, de acordo com sua opinião (contagiante, legal, radical, demais...). O elemento
“refrigerante”, assim como a cena do lobo arrotando a vovó, apareceram em todos os
textos. Podemos pensar, dessa forma, que os alunos destacaram esses aspectos primeiro
pela centralidade que adquirem ao longo da obra (como elementos de desenlace) e o
segundo, possivelmente, pela comicidade que carregam.

Como recorrente nos textos dos alunos temos também a expressão citada na
folha de interpretação, “efeitos colaterais”:

1)“Então concluímos que refrigerante nos dá efeitos colaterais. Refrigerante faz mal
até para lobo mau.”

2)“O menino pensou que tinha esquecido os efeitos colaterais do refrigerante.”

No primeiro trecho, podemos identificar a influência do discurso médico sob o


enunciado “refrigerante faz mal”, a “moral da história”, acrescentada pelo aluno e o
jogo com as palavras “mal/mau.” No segundo trecho, também temos um fragmento que
ilustra a complementação da criança à narrativa. Apesar de não constarem na história, as
informações acrescentadas por esses alunos não representam incongruências. Passo a
descrever, a seguir, alguns fragmentos que se colocam em contradição à história
original.

6.1.1 Inconsistências associadas ao sentido original

1)“Quando o menino chegou ele ficou desconfiado logo depois percebeu que não era
sua vovó”
2)“ Aí o menino deu uma latinha de refrigerante e foi aí que o menino descobriu que
era o lobo...”
3) “ de repente aparece o lobo e pergunta:
- O que tem na cesta?
Daí a chapeuzinho respondeu:
- Aqui tem o preferido refrigerante da vovó!
Daí o lobo disse:

47
- Então me dá
- Não são pra vovó.
Daí o menino sai correndo daí o lobo pega um atalho e quando chega o lobo se
disfarça de um cachorro perdido.”

Tanto no primeiro, como no segundo excerto exemplo, as crianças apresentam


inconsistências com relação ao sentido original da narrativa. O tradicional diálogo “que
olhos grandes, que orelhas grandes você tem”, descrito na mesma, evidencia que
Chapeuzinho não reconhece o lobo de imediato. O refrigerante, nesse evento, só é
oferecido depois da descoberta, como alternativa de fuga.
O terceiro exemplo indica uma má compreensão do sentido da história. As
incongruências apresentadas podem ser organizadas da seguinte forma:
- O diálogo entre o lobo e o menino no meio do caminho não existe, e se existisse,
comprometeria o desenlace (o menino oferece o refrigerante para se salvar).
- O disfarce criado para o lobo compromete o enredo no final da narrativa.
Nesse sentido, podemos pensar que:
O leitor tem liberdade para construir sentidos, mas ele também é limitado
pelos significados trazidos pelo texto e pelas suas condições de uso. O texto é
gerado a partir dos significados atribuídos pelo autor quando em interação
com seu mundo de significação, e é recontextualizado pelo leitor, que busca
atribuir-lhe significado a partir da relação que mantém com o seu próprio
mundo e com o autor, o qual delimita (sem oprimir) as possibilidades de
construção de novos significados. ( FERREIRA e DIAS, 2004, p.440)

Nos dois excertos, que serão descritos abaixo, os alunos descrevem um encontro
com o lobo, mas não citam as consequências desse evento. Na verdade, ele é
apresentado apenas para dar a linha de continuidade na história que estão contando.
Afinal, o lobo precisaria chegar de algum modo, à casa da vovó.
1) “ Mas como ele era muito teimoso ele foi pela floresta, daí ele no meio o
lobo o encontrou dai o lobo foi para a casa da vovó..”

2) “ Ele foi levar mas foi por outro caminho e nesse caminho tinha um lobo.”

Na informação fornecida pela narrativa original lemos que: “Chapeuzinho


Vermelho saltitava pelo caminho, sem saber que o lobo, escondido, o observava”:

48
Por último, destaco um fragmento onde se evidencia a incompreensão da palavra
“burp”, que requeria, como já discutido em outra seção, o estabelecimento de uma
relação inferencial mais profunda:

“tinha um abrigo a vovó e doces a que delicia tinha muitos burpis”

6.2 Obax: repercussões na escrita após a Leitura Interativa

Descrevo abaixo dois fragmentos onde as crianças manifestam visões diferentes


sobre o final da história, visões essas que estão dentro dos “limites” interpretativos da
narrativa:

“ Ela enterrou a pedrinha de elefante que seria o elefante dela, ela enterrou e
ali cresceu uma arvore. E todos viveram felizes brincando na árvore”
“ Ela enterrou a pedra e a pedra era uma semente de baobá que cresceu com
chuva de flores e todos acreditaram na Obax. Agora todos que dormirem no baobá
sonharão com suas aventuras”

Podemos também identificar, analisando os textos produzidos, alguns ecos da


exploração oral do vocabulário e do texto literal da história:

1)“Ela encontrou chuva de neve, de água, mas nada da chuva de flores.”


2)“ Eu contaria que uma menina africana chamada Obax vivia em uma aldeia no meio
de uma savana”
3) “ Uma menina que mora na África ela era muito aventureira”
4)“ Viram chuva de pedra, chuva de flocos de algodão e até chuva de água mais não a
chuva de flores.”
5) “ Um dia ela contou ter visto uma chuva de flores”

No exemplo 1 o aluno faz referência à discussão sobre “a chuva de flocos de


algodão” que poderia ser neve. A localização espacial, que também foi aspecto de

49
discussão, ganha relevo nos fragmentos de número 2 e 3. Por último, é possível
identificar, nos fragmentos 4 e 5, repercussões do formato quase exato do texto literal:

“ Obax e Nafisa viram chuva de água, chuva de pedras, estrelas, chuva de flores
( ...) mas não encontraram sequer uma chuva de flores.” (p.23)
“ Uma vez, Obax contou ter visto cair do céu uma chuva de flores.” (p.13)
Como exemplo de informações acrescentadas, que não entraram em contradição
com o texto original, mas, ao contrário, complementaram o sentido da narrativa,
mantendo “o fio lógico-condutor”, podem ser conferidos os fragmentos abaixo:

“Para provar que tinha visto a tal chuva de flores ela resolveu pedir ajuda do
elefante Nafisa e os dois sem perceber deram a volta ao mundo.”
“ Ela contava história, pois tinha muita imaginação”

É importante ressaltar, por fim, que nos textos relativos à obra OBAX, não
foram encontrados incongruências de sentido.

50
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho objetivou discutir as possibilidades de uma leitura interativa, a


partir da contraposição com outra modalidade de leitura. Concluímos, em revisão à
seção analítica, que os alunos apresentaram alguns “deslizes” de compreensão no caso
da leitura silenciosa, principalmente nas questões associadas às relações inferenciais
mais complexas e às relações de parte do texto com o seu sentido global. Nas produções
textuais, ainda foram observadas outras incompreensões associadas ao enredo do texto
original. Como alternativa de auxilio pedagógico às dificuldades apresentadas pelas
crianças, é que se defende a necessidade de práticas sistemáticas de leitura interativa,
que, como demonstrado no bloco analítico, possibilitam aos alunos a manifestação de
estratégias de leitura, como predições e inferências, a ativação e o compartilhamento de
conhecimentos prévios e o enriquecimento mútuo de suas interpretações. A partir do
lugar docente, realizar uma leitura interativa é:
[...] criar uma atitude de experiência prévia com relação ao conteúdo
referencial do texto, [...] é ensinar a criança a se auto avaliar constantemente
durante o processo para detectar quando perdeu o fio; é ensinar a múltipla
fonte de conhecimentos – linguísticas, discursivas, enciclopédicas – para
resolver falhas momentâneas no processo; é ensinar, antes de tudo, que o
texto é significativo, e que as sequências discretas nele contidas só têm valor
na medida em que elas dão suporte ao significado global. (KLEIMAN, 2008,
p. 151)

Essas considerações, contudo, não respaldam a ideia de que se deva adotar a


leitura interativa em detrimento da leitura silenciosa. Considera-se igualmente
importantes os momentos individuais de leitura fruição. O que se defende é antes um
trabalho paralelo, para que, ao realizar sua leitura individual, o aluno passe a utilizar as
estratégias leitoras que circularam nos momentos de interação coletiva.

51
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