Modos de Ler
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FACULDADE DE EDUCAÇÃO
Porto Alegre.
2. Semestre
2013
Aline de Souza Menna Barreto Fialho
Orientadora:
Porto Alegre
2013
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Renan e Ângela, e a minha irmã, Fernanda, pela presença tão
doce nessa e em outras tantas caminhadas.
Ao meu noivo, Natanael, por ser, durante esses quatro anos, minha melhor
companhia.
À Profa.Dra. Maria Isabel H. Dalla Zen pela orientação dedicada e pelo grande
exemplo profissional.
À Profa. Dra. Rosa Maria Hessel Silveira que durante um ano e meio me
ensinou com simplicidade muito dos assuntos abordados nesse trabalho.
RESUMO
1O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) tem como objetivo prover as escolas de ensino público das redes
federal, estadual, municipal e do Distrito Federal com o fornecimento de obras e demais materiais de apoio à prática da
educação básica.
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Ao final do estágio, algumas perguntas sobrevieram à minha mente: A leitura
interativa influenciaria a compreensão leitora? Quais as implicações dessa estratégia
metodológica na abordagem do texto? Em que medida a exploração dos recursos
lingüísticos, do projeto gráfico-visual feita de forma compartilhada interfere no
processo de leitura? É nesse sentido que o presente estudo objetiva analisar as
possibilidades da leitura interativa na compreensão leitora de obras de literatura infantil
por alunos de anos iniciais.
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2. ABORDAGEM METODOLÓGICA
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2.1 Os experimentos e suas configurações
O primeiro livro citado fez parte da sessão de leitura silenciosa, que foi realizada
sem intervenções da pesquisadora. Para análise da interpretação e compreensão dessa
narrativa, por parte dos alunos, estruturou-se a atividade descrita em detalhes no
capítulo “Um experimento com a leitura silenciosa.”
Tal atividade foi planejada para ser realizada individualmente, com os alunos
tendo possibilidade de consulta a um exemplar da obra. Ao todo foram disponibilizados
12 livros. No final da sessão, o grupo recebeu a proposta de produção textual descrita
abaixo:
Se eu fosse escrever para um amigo sobre a leitura que fiz do livro Chapeuzinho
Vermelho – Uma Aventura Borbulhante, o que eu escolheria para contar?
Essa produção teve por objetivo avaliar a leitura significativa que as crianças
fizeram e identificar indícios de compreensão e remissão aos dados textuais, assim
como também possíveis inserções, novidades.
A segunda obra, Obax (NEVES,2010), foi escolhida para compor a sessão de
leitura interativa. Os alunos receberam os exemplares dos livros e acompanharam a
leitura dirigida pela pesquisadora que, no decorrer da narrativa, direcionava perguntas
ao grupo. Essa última sessão foi gravada e posteriormente transcrita. A mesma proposta
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de produção de texto, que previa o reconto selecionado da obra, foi apresentada aos
alunos.
Para realização deste estudo de campo, contatei a escola em que realizei meu
estágio docente. Apresentei à coordenadora pedagógica, à diretora e à professora titular,
os objetivos do estudo e o termo de consentimento informado, que foi devidamente
preenchido. Retornei, desta maneira, a encontrar-me com a mesma turma em que já
havia realizado minha prática docente durante três meses.
Como estratégia para análise dos dados áudio-visuais foram utilizadas técnicas
de transcrição. Segundo Garcez (2002, p.84), “a transcrição é um processo seletivo, que
busca salientar certos aspectos da interação de acordo com metas investigativas
específicas.” Os formatos dessas transcrições, assim como os códigos utilizados na
identificação de participantes, são tópicos controversos, dentro do corpus da pesquisa
acadêmica. Enquanto alguns autores defendem os códigos que utilizam as categorias de
identidade (aluno, homem, mulher, vítima etc.) para organizar as falas dos participantes,
outros defendem a atribuição de nomes próprios ou pseudônimos (GARCEZ, 2002).
Para esta pesquisa foram utilizados os códigos descritos abaixo:
P- Pesquisadora
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complexa e talvez impraticável. O que posso destacar como comum a maioria é o
entusiasmo, a curiosidade, a participação nos temas propostos. É uma turma unida, que
vem construindo uma trajetória juntos desde os primeiros anos do ensino pré-escolar.
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Os dados analisados nesse trabalho são suscitados e de interação, portanto, produzidos, de certa forma,
pela pesquisadora.
11
3. ANCORAGEM TEÓRICA
Nos anos de 1970, durante a ditadura militar, o País foi cenário de algumas
mudanças que acabariam contribuindo para o fim dessa estagnação: a primeira foi a
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reorganização do ensino, que estendia a faixa da escola obrigatória de cinco para oito
anos- o que aumentou significativamente o número de alunos - e a segunda, a
reorganização do ensino da língua portuguesa, que estimulava a presença de obras
literárias em sala de aula e liberava os professores do uso exclusivo do livro didático.
Esse foi o contexto propício para o surgimento de obras de autores como Ana Maria
Machado, Ruth Rocha, Lygia Bojunga, Ziraldo, Edy Lima entre muitos outros, que
propuseram uma literatura original, que rompia com os padrões tradicionais na medida
em que “dialogavam diretamente com o leitor criança, seu destinatário por excelência; e
proporcionavam a ele formas novas de narrar e de lidar com a tradição” (ZILBERMAN,
2005, p.52).
Tomar um texto como literário quer dizer tomá-lo como um texto no qual as
funções pragmáticas da linguagem, embora não sejam abolidas, ficam
subordinadas à função estética ou poética. (BASTOS, 2011. p.12)
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com ideias, diversas figuras de linguagem e também por meio de um vocabulário que
“não só respeite, mas amplie o repertório linguístico das crianças”. (MEC,2008,p.13).
Por fim, e após uma síntese elaborada a partir das leituras que fiz sobre o tema
(COLOMER, 2003; LAJOLO: ZILBERMAN, 1999) posso dizer que uma obra de
Literatura Infantil de qualidade não tem a intenção explícita de ensinar. Ao invés disso,
utiliza a linguagem escrita e imagética de forma original para apresentar uma história
que fomente a fantasia, a sensibilidade e o encantamento.
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“Histórias são narrativas, isto é, relato de eventos, sucessão de ações que se
encadeiam.” (LAJOLO, 2005, p.5). E apesar de possuírem, no corpus da literatura,
diversas classificações (prosa, verso, romance, longas ou curtas, fantásticas ou
realísticas) não estão submetidas a uma classificação definitiva ou estática.
A aceitar que o autor expressou [...] uma única interpretação do mundo e lhe
ofereceu um acesso direto a ela. A estrutura e as técnicas empregadas são
vistas apenas como o entrecho no qual a mensagem é negociada através de
um meio aparentemente neutro e transparente, que permite a identificação da
intenção do autor, se se lê com suficiente atenção. (COLOMER, 2003, p.108)
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repetir ou reforçar o texto escrito, oferecem perspectivas alternadas, complementares e
polissêmicas de leitura. (COLOMER, 2003)
De acordo com esse último ponto, pode-se dizer que Chapeuzinho Vermelho -
Uma Aventura Borbulhante apresenta ilustrações que fazem alusão a outras obras de
arte, a exemplo do quadro e do vaso representados no quarto da vovó:
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Rostos humanos, também observados pelas crianças, estão camuflados nas
madeiras e nas árvores da floresta, ressaltando as relações de diferença e semelhança
entre as imagens, rosto/árvore. 3
3
Todos os apontamentos, referentes às imagens da obra “ Chapeuzinho Vermelho- Uma Aventura
Borbulhante” , foram realizados tendo em vista a classificação proposta por Whalen-Levitt (1984) a respeito das
maneiras mais freqüentes com as quais os autores da atualidade jogam com as convenções.
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pássaros voavam e ao baterem suas asas, derrubavam no chão muitas flores, formando a
chuva, tal como contada por Obax no inicio da história.
A mescla dos três elementos (flores em tons claros) dá ao leitor as pistas que não
se encontram no texto escrito. É um exemplo claro do que Colomer (2003, p.104)
destaca a respeito das imagens das narrativas contemporâneas: “A imagem colabora
com o texto, oferecendo um tipo de andaime para os problemas de compreensão das
crianças”.
Por último, a viagem vivida pela protagonista que almeja, dessa forma,
conquistar credibilidade, representa um aspecto comum às narrativas infantis:
Partir em busca de algo que pode reparar a falta, ou viver uma aventura de ser
itinerante como algo decisivo na vida, eis uma matriz literária bem próxima
às ideias de transformação possível e de reinvenção do sujeito, que contam
com a cumplicidade de quem lê. (CADEMARTORI, 2009, p.45).
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3.4 Tecendo idéias sobre leitura
Cabe destacar aqui que é essa etapa da significação, que caracteriza a leitura
como processo, também assume um viés histórico- cultural, tal como mencionado
anteriormente: o leitor “compreende o que está escrito a partir das relações que
estabelece entre as informações do texto e seus conhecimentos de mundo.”(CAFIERO,
2010, p.86), e tais conhecimentos são construídos em diferentes tempos e contextos
sociais.Por essa razão,distintas pessoas, ao lerem o mesmo texto, irão apresentar formas
alternativas de interpretação.
Por fim, a leitura é um processo social: “Lemos para nos conectarmos ao outro
que escreveu o texto, para saber o que ele quis dizer, o que quis significar.” (CAFIERO,
2010, p.87).
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3.5 Práticas Escolares de Leitura
Decodificar sem compreender é
inútil; compreender sem decodificar,
impossível. (ROCHA, 2007, p.11)
Segundo a autora, as aulas de leitura, nesse sentido, precisam ter objetivos claros
e definidos. O professor, ao preparar essa aula, deve ter em mente as dificuldades que
seus alunos podem enfrentar na leitura de um texto e as estratégias que poderão ser
oferecidas para minimizar as dificuldades de compreensão.
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Se caracteriza como uma leitura conjunta de um mesmo livro,
dirigida pela professora, em que os alunos vão sendo solicitados a
expressar pontos de vista, trocar predições, manifestar
impressões, procurando-se, entretanto, manter o ritmo necessário
para que não se perca o interesse pela trama. (SILVEIRA e
DALLA ZEN, 2012).
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4. UM EXPERIMENTO COM A LEITURA SILENCIOSA
1. O que quer dizer a palavra “Borbulhante”? Por que a história do Chapeuzinho é uma
aventura Borbulhante?
Objetivo: Localizar informações implícitas no texto.
2. Tu conheces uma história parecida? Qual? Preenche, então, o quadro abaixo: O que é
igual? O que é diferente?
Objetivo: Reconhecer diferentes formas de tratar a informação na comparação de
textos que abordam o mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e
daquelas em que será recebido.
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c) dar o refrigerante ao lobo para vender o produto e ganhar dinheiro.
d) oferecer o refrigerante ao lobo para que ele não o devorasse.
Objetivo: Estabelecer relação entre uma parte do texto e o seu contexto global.
9. Será que essa história se passou há muito ou há pouco tempo? Como podemos
descobrir isso?
Objetivo: Associar o projeto gráfico-visual à compreensão do texto escrito.
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Começo a análise destes dados, pelas questões que, ilustradas no gráfico acima,
obtiveram a menor quantidade de acertos: as questões de número 1 e 6:
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Com relação à primeira questão, metade dos alunos apresentou respostas
parcialmente adequadas, na medida em que conseguiram responder à primeira parte da
pergunta, a respeito do sentido literal da palavra “borbulhante”. Alguns exemplos são:
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apenas três alunos apresentaram respostas que, aparentemente, não continham relações
de coerência:
“É um nome”
“Significa borbulhante”
“É a acolhedora”
“ É o nome do refrigerante da história.”
Está ultima não se sustenta, devido à imagem que fornece a informação do real nome do
refrigerante:
A outra parte da turma, que não atingiu a resposta totalmente adequada, utilizou
uma informação explícita para responder à pergunta, informação que estava contida na
ilustração abaixo:
As repostas das crianças, nesse grupo, apontaram para o lugar onde era vendido
o refrigerante: “o nome da loja de refrigerante”. Foi, em linhas gerais, a ideia de tal
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grupo. As respostas consideradas adequadas foram aquelas que apresentaram “o arroto”
como significado.
Na sequência, a terceira e a quarta questão, com menor quantidade de acertos,
foram as questões 3 e 4. Na questão 3, quatro alunos responderam adequadamente: “
aparece uma pensão” – escreveram . Estava informação estava explícita no texto
escrito da página de referência. A maioria, possivelmente, pela falta de conhecimento
do sentido da palavra “pensão” e, pela desatenção às pistas textuais com relação a esse
mesmo sentido, apoiou-se, estritamente, no suporte imagético para responder à
pergunta:
27
“ Ele ouve as histórias dos viajantes”
28
As questões 2, 5 e 8 obtiveram o maior número de acertos. Quase todas as
crianças relacionaram, na questão 2, a história popular “Chapeuzinho Vermelho” com
sua versão recontada. Apenas duas crianças fizeram menção a outra obra (“Chapeuzinho
amarela”). Com relação aos tópicos “diferenças e semelhanças” as incongruências
apresentadas foram:
“ Três porquinhos”
“O menino só gosta de vermelho”
“ O suco da vovó”
“ A história é igual”
Os elementos destacados que mais se repetiram, nas semelhanças, foram: o lobo
e a vovó, e nas diferenças, o protagonista masculino e o refrigerante. De fato, podemos
pensar que esses dois elementos de ruptura são os mais marcantes na narrativa.
Nesse ponto, ressalto que o tópico: “o que é diferente”, “ o que é igual” não
continha um enunciado claro. A informação de que as diferenças/ou as semelhanças
seriam em relação ao conto original, não foi explicitada. Por isso, cada aluno organizou
o seu quadro de uma forma diferente. Podemos refletir, nesse sentido, sobre a
necessidade de clareza e adequação lexical nos enunciados das questões em sala de aula,
pois as perguntas elaboradas deveriam tornar concreta a intenção do professor
(CAFIERO, 2010).
Na questão de número 2, aos alunos é proposta a tarefa de perceber a finalidade
do texto de uma maneira mais global. Sete alunos acharam o texto “engraçado e
assustador”, dez apenas “engraçado” e três “comovente”. Esta pergunta é importante na
medida em que propicia às crianças que reflitam sobre a função mais global da
comunicação que constitui, em ultima análise,nossos objetivos de leitura; lemos para
nos divertir, nos assustar, nos emocionar (CAFIERO, 2010).
Por último, a questão de número 8, que requeria dos alunos o sentido da
expressão “embaraçosos efeitos colaterais”, obteve grande número de acertos. As
crianças utilizaram a imagem abaixo, que se encontrava na mesma página, e o
conhecimento prévio sobre o significado das palavras, para estabelecer a inferência. Os
efeitos são os arrotos:
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Ilustração do lobo. (ROBERTS, 2000 p. 16)
Neste caso, a relação inferencial foi mais “fácil” do que a proposta na primeira
questão, devido ao suporte imagético e ao conhecimento do vocabulário pelos alunos.
As respostas consideradas inadequadas, nesta questão, foram: “borbulhante” e “ os
efeitos são bolhas”.
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5. UM EXPERIMENTO COM A LEITURA INTERATIVA
Nesta seção, analiso as falas das crianças que se relacionam aos objetivos de
leitura citados neste trabalho e também a outros objetivos, descritos posteriormente. Os
fragmentos discursivos que foram escolhidos para análise, a partir da transcrição
seletiva, estão agrupados de acordo com o objetivo(s) de leitura a que se referem. As
perguntas, pré-elaboradas, utilizadas durante a leitura interativa, seguem elencadas
abaixo:
O que será que é OBAX? E quem é esse ou essa aqui embaixo? Que lugar é esse? O que a gente
pode saber desse lugar? Vocês já ouviram falar dessa palavra “Savanas”? O que é lavrar a terra? “Ao
anoitecer, tudo volta a se encher de vazio, e o silêncio negro se transforma num ótimo companheiro para
compartilhar boas histórias.” - Por que “se encher de vazio”? Por que será que nesse lugar não tem
movimento, é silencio? O que é o “silencio negro”? ”Ali morava a pequena Obax”. Como é que eu sei, no
texto, que é uma menina? Por que será que podia ser perigoso viver em uma paisagem como aquela? Por
que será que a Obax achava que a melhor brincadeira dela era inventar histórias? Por que não acreditavam
nas histórias que ela contava? O que é “caçoar”? Aonde, no mundo, aconteceu essa história? “A história
como contam os contadores da África são sagradas.” Vocês sabem o que é sagrado? “Como poderiam
chover flores onde pouco chove água?” Por que será que chove pouca água? Como é o nome dessa
galinha? O que são birotes? Como a Obaxestá aqui? E como a gente pode saber que ela está triste pela
imagem? “Ninguém acreditava no que os olhos viam”. Já ouviram essa expressão? O que é uma chuva de
lembranças? O que vocês acham desses três: a pedrinha, o Baobá e o Elefante ? Alguém já ouviu alguma
história que alguém imaginou? Conhecem alguém que vive imaginando? Vocês acham que a Obax tinha
muita imaginação? É bom ter imaginação? O que vocês acharam desse livro? Ele é diferente de outras
histórias que vocês ouviram?
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“Obax e Nafisa viram chuva de água, chuva de pedras, chuva de estrelas, chuva
de folhas quando o vento estava agitado; e nos lugares mais frios, viram chuva de
flocos de algodão.”(p.22)
O segundo diálogo, que trago para ilustrar o uso das duas alternativas
mencionadas no título desta seção, ocorreu durante o momento em que as crianças eram
questionadas a respeito do lugar onde a história era ambientada (África). Nas primeiras
páginas do livro, os alunos têm, em suas mãos, apenas o texto visual para formularem
suas hipóteses:
Ilustração da Savana
(NEVES, 2010 p. 26)
32
Então, que lugar será esse aqui?
C1- África
P- Por que tu acha que é a África?
C1- Porque tá parecendo um lugar de pessoas pobres e negras
(...)
P- Alguém tem uma ideia diferente?
C1- Parece uma tribo de índios.
P- E por quê?
C1- Porque tem umas cabanas
C2-É uma aldeia
C3- É na África
P- E por que tu achaque é África, R.?
C1- Tá deserto
P- A África é deserta, será?
C1- A África porque parece um lugar seco
C2- A África é um lugar quente
“Quando o sol acorda no céu das savanas, uma luz fina se espalha sobre a
vegetação escura e rasteira.”(p.6)
P- O que é savana?
C1- É uma tribo
C2- A selva
C3- Um bando de pessoas
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P- Uma savana tem mais a ver com selva que o A. disse. Mas não é uma
selva que nem a gente conhece. Savana, assim, é um tipo particular...O que vocês
acham que tem nas savanas?
C1- Leão
C2- Animais selvagens
C2- Tem mais areia que terra preta
C3- Leopardos
C4- Canguru
P- Será que tem Canguru?
C1- Girafa
P- Ah, girafa tem em uma savana! Eu quero saber como é a vegetação da
savana!
C1- Árvores frutíferas
P- Será que tem?
C1- É um lugar selvagem
P- Tem um animal que aparece direto nas savanas, é quase símbolo das
savanas. Ninguém sabe?
C1- Elefante
p- Muito bem, T.! E por que será que o elefante vive lá?
C1- Porque ele tá procurando água
P- Mas assim, será que tem muita água lá? Se ele está procurando...
C1- O elefante tá procurando porque lá não tem muita água
C2- Os rios secam
C3- Secam não, “evaporam”...
C4- Lá tem outros elefantes
P- E como é que a gente chama outros elefantes juntos?
C1- Manada
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leitura dos dois diálogos selecionados, percebemos como os participantes expandem
suas ideias sobre o contexto espacial da narrativa, realizando inferências de relação
informativa (Warren, 1979). Podemos pensar, dessa forma, que “o sentido não está
somente no texto, mas se constrói a partir dele (Koch, 1997, p.30).
Na sequencia, ainda sobre o espaço físico da história, as crianças lançam mão de
suas hipóteses a respeito do fragmento de texto descrito abaixo:
“Ao anoitecer, tudo volta a se encher de vazio, e o silencio negro se transforma
num ótimo companheiro para compartilhar boas histórias.” ( p.6)
(...)
P- E por que esse lugar não tem movimento, fica assim como vocês falaram?
C1- Porque é tudo deserto
C2- Porque é no meio da mata
C3- Porque não tem energia
P- E se não tem energia o que as pessoas fazem?
C1- Vão dormir
C2- Não enxergam de noite
C3- Porque não é uma zona urbana
C4- Porque tem poucas pessoas lá
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CAMPS, 2002, p. 31). Apesar das situações selecionadas na seção anterior já
envolverem a ativação de conhecimentos prévios, descrevo abaixo mais alguns
exemplos:
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por essa característica eles, provavelmente, não são industrializados. O último
comentário demonstra a relação da experiência de uma das crianças com o que estava
em discussão. De fato, os materiais assemelhavam-se aos produzidos pelos índios na
Redenção.
Apresento, nessa parte, alguns diálogos por meio dos quais os alunos foram
questionados com relação ao sentido das palavras: lavrar, caçoar, sagrado, Baobá e
birotes. Justifica-se a importância desse tipo de exploração, na medida em que o
conhecimento do vocabulário apóia e auxilia o desenvolvimento da leitura, e a leitura,
por sua vez, aprimora o conhecimento do vocabulário ( MUNIZ, 2013).
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“O dia aquece enquanto os homens lavram a terra e as mulheres cuidam dos
afazeres domésticos e das crianças.” ( p.6)
P-Pessoal, o que é “lavrar”?
C1- Explorar a terra
C2- Cuidar da terra
C3- Arar a terra
P- E o que uma pessoa faz arando a terra?
C1- Cuida pra que o solo seja produtivo
P- Tá, e se eu fosse arar a terra aqui, tem um terreno, daí me pedem pra
arar. O que eu faria?
C1- Pode botar adubo
C2- Virar a terra
“Essa menina conta cada história! - brincou a mãe, ajeitando os birotes em sua
cabeça.”(p.24)
P- O que é birotes gente?
C1- É as coisas do cabelinho dela
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“ No lugar onde Obax havia enterrado a pedra, havia nascido um imenso
Baobá.” (p.28)
P- O que deve ser um Baobá?
C2- Eu tenho um livro do Pequeno Príncipe que tem um Baobá
P- Ah, muito bem, é verdade!
C2-É uma espécie de árvore
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“Ela cresceu forte como o Baobá, e na sua chuva de lembranças estava Nafisa,
seu grande amigo.” (p.32)
P- Pessoal o que é “chuva de lembranças”?
C1- Muitas lembranças vindo de uma só vez
C2- É tipo quando uma pessoa cresce, cresce... Daí ela se esquece de uma coisa,
daí do nada ela relembra, aí que vem a lembrança.
C1- O que que a pedra tem a ver com o nascimento de uma árvore?
P- Foi uma ótima pergunta! Quem é que responde?
C1- A pedra era em forma de elefante porque era uma semente.
C2- Era uma semente de Baobá que ela enterrou daí veio o sol e ela cresceu
C3- Era uma pedra mágica. A gente queria muito uma coisa, mostrar alguma
coisa pra alguém, daí ela podia realizar.
C4- O elefante pode ter virado essa árvore!
P- Ah, e por que tu acha isso?
C1-Ah! O tronco! Parece com o corpo do elefante!
P- Muito bem, parece mesmo!
C2-Podia ser o caroço de uma fruta que parecia um elefante
(...)
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P- È verdade, gente, o que que tem a ver mesmo essa história da pedra do
elefante e do Baobá?
C1 Todos são bem semelhantes. A árvore tem a mesma pintura do corpo do
elefante e a pedra tem o formato do elefante.
P- E que será que quer dizer isso?
C1- Eu acho que aquela pedra era uma semente e o elefante tem a ver com a
árvore que cresceu por causa da semente que parecia uma pedra.
C2- São as três coisas que uma leva a outra...
C3- Ela encontrou a pedra e depois encontrou o elefante que era amigo dela,
depois ela pegou a pedra e navegou, quer dizer, navegou não, andou o mundo inteiro em
cima do elefante. E enquanto ela andava ela segurava a pedra. E pra mim, o elefante
sentiu, o elefante era mágico, ele fez a pedra virar mágica que fez o Baobá. Porque ele
deve ter percebido que ela queria muito mostrar pra todo mundo.
C4- Sabe que eu acho que quando ela achou a pedra, que parecia o elefante, que
a pedra tinha a mesma pintura do elefante. Eu acho que quando ela enterrou a pedra
passou um tempo e a arvore cresceu.
C5- Era uma coisa que o elefante guardava com ele, daí ele deu pra ela.
P- E onde é que está o elefante agora?
C1- Dentro da pedra
C2- Aquela pedra virou a árvore que sempre será a lembrança daquele amigo
que ela teve pra contar a história
41
“Como pode chover flores onde tão pouco chove água”. (p.15)
P- Pessoal, por que lá chove pouco?
C1- Porque na África está tendo uma seca
C2- Porque lá não é muito de chover, é um lugar seco, não é muito úmido daí a
chuva...
C3-Lá pode chover flores porque pode cair das árvores
C4- É difícil chover flores se não chove nem chuva...
P- É, é o que está escrito ali
C1- E como vai ter árvore se não tem água?
P- Ah boa pergunta a do H.... Por isso que eu perguntei como era a
vegetação antes, ninguém se lembra? Tá escrito aí na história...
C1- Tem certeza?
P- Absoluta. Vamos ver quem acha
C1- Na primeira página, “a vegetação é escura e rasteira.”
P- E o que é uma coisa rasteira?
C1- Pequena
P- E que encosta no chão pessoal... Então, não tinham muitas árvores
grandes que nem na nossa floresta, que tem uma do lado da outra, né? Era uma
vegetação mais rasteira.
42
Ilustração de Obax (NEVES, 2010 p. 26)
“Obax ficou furiosa e com tanta raiva, que enterrou a pedra no chão para que
ninguém nunca mais zombasse de suas aventuras.” (p.27)
P- Como a Obax está se sentindo?
C1- Chateada
C2- Furiosa
C3- Triste
C4- Magoada
P- Mas como a gente sabe, pela imagem, que a Obax está triste?
C1- Porque ela tá ajoelhada no chão e tá quase chorando e abriu um buraco pra
enterrar a pedra.
C2-Porque ela está com a cabeça abaixada e olhos fechados
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“Nafisa se abaixou e Obax subiu em suas costas para uma longa aventura.”
(p.20)
P- Onde está Obax?
Turma – Nas costas do elefante
P- E o ilustrador, como ele desenhou?
C1- De cima
P- E onde ele estava para desenhar isso?
C1- Em cima do elefante e da guria
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A partir dessa situação, podemos pensar que não faz muito sentido ensinar
recursos linguísticos (artigos definidos e indefinidos, no caso) fora do seu contexto de
uso. É necessário destacar, para os alunos, a função de determinantes de certas palavras
que esses termos acessórios têm na comunicação. Sobre isso Travaglia (1996, p.17)
aponta:
O objetivo principal do ensino de língua materna deve ser desenvolver a
competência comunicativa dos alunos, capacitá-los a produzir e compreender
textos adequados à produção de determinados efeitos de sentido em
determinada situação concreta de interação comunicativa.
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6 LEITURAS SIGNIFICATIVAS: ALGUNS APONTAMENTOS
O refri
O refri era borbulhante
E a história contagiante
Era super legal
Era radical
Era tudo demais
E umas partes iguais
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A epígrafe desse subcapitulo é um poema escrito por uma das alunas que
escolheu, para destaque, o elemento “refrigerante” e as qualidades mais globais da
narrativa, de acordo com sua opinião (contagiante, legal, radical, demais...). O elemento
“refrigerante”, assim como a cena do lobo arrotando a vovó, apareceram em todos os
textos. Podemos pensar, dessa forma, que os alunos destacaram esses aspectos primeiro
pela centralidade que adquirem ao longo da obra (como elementos de desenlace) e o
segundo, possivelmente, pela comicidade que carregam.
Como recorrente nos textos dos alunos temos também a expressão citada na
folha de interpretação, “efeitos colaterais”:
1)“Então concluímos que refrigerante nos dá efeitos colaterais. Refrigerante faz mal
até para lobo mau.”
1)“Quando o menino chegou ele ficou desconfiado logo depois percebeu que não era
sua vovó”
2)“ Aí o menino deu uma latinha de refrigerante e foi aí que o menino descobriu que
era o lobo...”
3) “ de repente aparece o lobo e pergunta:
- O que tem na cesta?
Daí a chapeuzinho respondeu:
- Aqui tem o preferido refrigerante da vovó!
Daí o lobo disse:
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- Então me dá
- Não são pra vovó.
Daí o menino sai correndo daí o lobo pega um atalho e quando chega o lobo se
disfarça de um cachorro perdido.”
Nos dois excertos, que serão descritos abaixo, os alunos descrevem um encontro
com o lobo, mas não citam as consequências desse evento. Na verdade, ele é
apresentado apenas para dar a linha de continuidade na história que estão contando.
Afinal, o lobo precisaria chegar de algum modo, à casa da vovó.
1) “ Mas como ele era muito teimoso ele foi pela floresta, daí ele no meio o
lobo o encontrou dai o lobo foi para a casa da vovó..”
2) “ Ele foi levar mas foi por outro caminho e nesse caminho tinha um lobo.”
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Por último, destaco um fragmento onde se evidencia a incompreensão da palavra
“burp”, que requeria, como já discutido em outra seção, o estabelecimento de uma
relação inferencial mais profunda:
“ Ela enterrou a pedrinha de elefante que seria o elefante dela, ela enterrou e
ali cresceu uma arvore. E todos viveram felizes brincando na árvore”
“ Ela enterrou a pedra e a pedra era uma semente de baobá que cresceu com
chuva de flores e todos acreditaram na Obax. Agora todos que dormirem no baobá
sonharão com suas aventuras”
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discussão, ganha relevo nos fragmentos de número 2 e 3. Por último, é possível
identificar, nos fragmentos 4 e 5, repercussões do formato quase exato do texto literal:
“ Obax e Nafisa viram chuva de água, chuva de pedras, estrelas, chuva de flores
( ...) mas não encontraram sequer uma chuva de flores.” (p.23)
“ Uma vez, Obax contou ter visto cair do céu uma chuva de flores.” (p.13)
Como exemplo de informações acrescentadas, que não entraram em contradição
com o texto original, mas, ao contrário, complementaram o sentido da narrativa,
mantendo “o fio lógico-condutor”, podem ser conferidos os fragmentos abaixo:
“Para provar que tinha visto a tal chuva de flores ela resolveu pedir ajuda do
elefante Nafisa e os dois sem perceber deram a volta ao mundo.”
“ Ela contava história, pois tinha muita imaginação”
É importante ressaltar, por fim, que nos textos relativos à obra OBAX, não
foram encontrados incongruências de sentido.
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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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8 REFERENCIAS
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