Meu Pe de Laranja

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

ALESSANDRA BARBOSA

O MEU PÉ DE LARANJA LIMA: LETRAMENTO LITERÁRIO NO 6º ANO DO


ENSINO FUNDAMENTAL

CURITIBA
2018
ALESSANDRA BARBOSA

O MEU PÉ DE LARANJA LIMA: LETRAMENTO LITERÁRIO NO 6º ANO DO


ENSINO FUNDAMENTAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação: Teoria e Prática de
Ensino, Setor de Educação, Universidade Federal
do Paraná, como requisito parcial à obtenção de
título de Mestre em Educação.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Elisa Maria Dalla-Bona

CURITIBA
2018
AGRADECIMENTOS

À Professora Doutora Elisa Maria Dalla-Bona pela orientação em todos os momentos


desta pesquisa.
Aos Professores Doutores: Vanderléia da Silva Oliveira, Rosa Maria Hessel Silveira e
Jean Carlos Gonçalves, que se disponibilizaram prontamente a participar da banca de
avaliação desta dissertação e pelas valiosas contribuições dadas na qualificação que
permitiram o prosseguimento do trabalho.
Ao Evanildo Fernando, biógrafo de José Mauro de Vasconcelos, pelas conversas e
textos compartilhados.
À amiga Yara Reis pelo apoio incessante em todas as adversidades que tornaram o
caminho mais tortuoso.
Ao meu namorado Tiago Rodrigues Weller, por ser exemplo, companheiro, dar-me
inspiração e motivação em todos os momentos.
A Deus, pela vida e por ter colocado em meu caminho as amigas Daiana Lima
Tarachuk e Camila Augusta Valcanover, parceiras da linha de pesquisa deste
programa de mestrado, anjos em minha vida acadêmica, profissional e pessoal,
interlocutoras de dúvidas, aflições e questionamentos decorrentes deste trabalho de
pesquisa. Suas contribuições permearam todo o processo de realização desta
dissertação.
E fomos nós embora para a descoberta “maravilhosa”
que eu ia fazer.
As descobertas de um mundo onde tudo era novo.

José Mauro de Vasconcelos


RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo geral investigar a contribuição do uso de


mediação de leitura como procedimento pedagógico com vistas à formação do leitor
literário. Para isso, utiliza uma sequência didática composta por atividades sobre a
obra O meu pé de laranja lima, aplicada em uma turma de 6º ano do ensino
fundamental de uma escola pública municipal de Curitiba. Os objetivos específicos da
pesquisa são: verificar os elementos que favorecem aos alunos o desenvolvimento da
leitura literária; evidenciar a contribuição do uso da mediação de leitura como recurso
didático para o desenvolvimento de habilidades leitoras e compreensão do texto
literário. O procedimento metodológico adotado de pesquisa etnográfica exigiu da
pesquisadora inserção no cotidiano escolar para investigação de sua prática docente
como professora nas aulas de Língua Portuguesa destinadas à leitura do texto literário
e na biblioteca. Constituem objetos de análise o encaminhamento e elaboração da
sequência didática, atividades realizadas pelos estudantes e entrevistas concedidas
por eles, além de depoimentos espontâneos diversos recolhidos no decorrer das
observações. A fundamentação teórica que embasa este trabalho está centrada
basicamente na proposta de mediação de leitura para a elaboração das atividades
utilizadas, de leitura em voz alta e relações entre texto e leitor. Os resultados da
pesquisa revelaram que o repertório de leituras dos estudantes compõe-se,
majoritariamente, de indicações das professoras, o que revela a relevância de
atividades de leitura realizadas no ambiente escolar para a formação do leitor literário.
Mostraram também que houve maior envolvimento dos sujeitos envolvidos na
realização da leitura compartilhada, valorizando os momentos de conversa sobre o
texto. Além disso, apontaram para a ampliação dos conhecimentos do leitor quando
da utilização de mediação de leitura para facilitar a compreensão do texto literário.
Com isso, conclui-se que a prática de leitura compartilhada e mediada pela professora
constituem significativa ferramenta no processo de formação do leitor literário.

Palavras-chave: Literatura infanto-juvenil. O meu pé de laranja lima. Ensino de leitura.


Educação literária. Mediação de leitura.
ABSTRACT

This research aims at investigating the contribution of the use of reading


mediation as a pedagogic procedure aiming at the literary reader formation. In this
regard, it uses a didactic sequence composed by activities related to the work “O meu
pé de laranja lima”, applied in a sixth year group of elementary school from a public
municipal school in Curitiba. The specific goals of this research are: to verify the
elements that favor students in the literary reading development; to highlight the
contribution of the use of reading mediation as a didactic resource for developing
reading skills and the comprehension of the literary text. The adopted methodological
procedure of ethnographic research has demanded the researcher’s insertion into the
school’s routine in order to investigate her teaching practice as a teacher in Portuguese
classes- intended for reading the literary text- and in the library. The objects of analysis
are composed by the didactic sequence’s referral and elaboration, activities carried out
by the students and interviews given by them, in addition to several spontaneous
statements collected during observations. The theoretical foundation that supports this
work is basically centered on reading mediation proposal for elaborating the activities
used, directing reading aloud activities and relations between the text and the reader.
The research results show that the students’ reading repertoire consists, mostly, on
teachers’ indications, which reveals the importance of reading activities carried out in
the school environment in order to form the literary reader. They also show that there
has been a greater involvement of the subjects involved in the realization of shared
readings, which values conversation moments about the text. In addition, they point
out to the reader’s knowledge expansion when using reading mediation to facilitate the
comprehension of the literary text. Therefore, it is conclusive that the shared reading
practice, mediated by the teacher constitutes a significant tool in the literary reader
formation process.

Key words: Youth literature. O meu pé de laranja lima. Reading teaching. Literary
education. Reading mediation
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – BIBLIOTECA..........................................................................................19
FIGURA 2 – AMBIENTE DE LEITURA .......................................................................25
FIGURA 3 – CARTA DE E.B.K....................................................................................37
FIGURA 4 – EL CÍRCULO DE LECTURA...................................................................70
FIGURA 5 – ILUSTRAÇÃO DE G. D...........................................................................79
FIGURA 6 – CAPA DA EDIÇÃO COMEMORATIVA...................................................84
FIGURA 7 – POLAS DESENHADO 1.......................................................................104
FIGURA 8 – POLAS DESENHADO 2.......................................................................105
FIGURA 9 – CARTAS DO JOGO POLAS ................................................................108
FIGURA 10 – CONEXÃO T-L 1.................................................................................111
FIGURA 11 – CONEXÃO T-L 2.................................................................................112
FIGURA 12 – CONEXÃO T-L 3.................................................................................113
FIGURA 13 – CONEXÃO T-L 4.................................................................................114
FIGURA 14 – CARTAZ CONEXÕES T-T..................................................................117
FIGURA 15 – ENVELOPES COM PALAVRAS SECRETAS.....................................124
FIGURA 16 – VISUALIZAÇÃO 1...............................................................................126
FIGURA 17 – VISUALIZAÇÃO 2...............................................................................127
FIGURA 18 – VISUALIZAÇÃO 3...............................................................................128
FIGURA 19 – VISUALIZAÇÃO 4...............................................................................129
FIGURA 20 – VISUALIZAÇÃO 5...............................................................................130
FIGURA 21 – VISUALIZAÇÃO 6...............................................................................131
FIGURA 22 – TEXTO DE N. O..................................................................................132
FIGURA 23 – TEXTO DE A. L...................................................................................133
FIGURA 24 – TEXTO DE V.C...................................................................................133
FIGURA 25 – TEXTO DE G.H...................................................................................134
FIGURA 26 – TEXTO DE E.M...................................................................................135
FIGURA 27 – TEXTO VAZADO................................................................................137
FIGURA 28 – EQUIPAMENTO.................................................................................140
FIGURA 29 – EDITOR DE PERGUNTAS DO JOGO QUIZ RF.................................141
FIGURA 30 – TELA DO JOGO QUIZ RF..................................................................142
FIGURA 31 – RESULTADO PARCIAL DE PARTIDA...............................................142
FIGURA 32 – RELATÓRIO QUIZ RF........................................................................144
LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – POLAS COLETIVO.............................................................................101


QUADRO 2 –CONEXÕES T-M.................................................................................120
QUADRO 3 –SENTIMENTOS – TEMAS..................................................................123
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................11

2 METODOLOGIA DA PESQUISA – ESCOLA PÚBLICA UM TERRENO


FÉRTIL PARA A ETNOGRAFIA.....................................................................17

2.1 CONHECENDO A TERRA: INVESTIGAÇÃO DAS PREFERÊNCIAS


LEITORAS ......................................................................................................25

2.2 PARA “PLANTAR” O ENVOLVIMENTO DO LEITOR: A ESCOLHA DA


SEMENTE .......................................................................................................36

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA – PARA ADUBAR A TERRA: ESTRATÉGIA


DE CULTIVO DOS GRÃOS .......................................................................... 41

3.1 LEITURA EM VOZ ALTA E MEDIAÇÃO.........................................................60

3.2 LEITURA E MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA.........................................................73

4 ANÁLISE DA OBRA – O MEU PÉ DE LARANJA LIMA .............................. 84

5 PERCURSO DA PESQUISA – O SABOR DA FRUTA...................................98

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................147

REFERÊNCIAS ............................................................................................151

APÊNDICES .................................................................................................159

APÊNDICE 1 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E


ESCLARECIDO.............................................................................................159

APÊNDICE 2 – LISTA DE LIVROS – CAIXA DE LEITURA..........................161


11

1 INTRODUÇÃO

Ouvir histórias sempre me encantou. Venho de uma família com poucos


recursos e os livros eram escassos em minha casa. Apesar disso, a minha experiência
leitora teve forte estímulo no âmbito familiar, sendo sempre muito incentivada por
meus irmãos mais velhos, uma vez que meus pais tiveram pouco acesso à escola.
Quando criança, em período anterior à minha escolarização, ganhei de presente do
meu irmão mais velho vários discos que continham a narração de contos clássicos
como o da Branca de neve e os sete anões, na versão do filme da Walt Disney, cujas
falas eu já conhecia de cor. Dessa forma, pude experimentar a leitura antes mesmo
da minha alfabetização.
Já na escola, lembro-me da obra O menino do dedo verde, de Maurice Druon,
cuja leitura, realizada coletivamente com mediação da professora da então 2ª série do
ensino fundamental, deixou-me marcas significativas da afetividade vivenciada por
meio da experiência leitora compartilhada com os colegas de turma. Recordo-me
ainda das imagens mentais que criava durante a leitura e do desejo constante que
sentia de contar para meus amigos fora da escola o que eu havia lido. Vários outros
títulos foram sugeridos e até mesmo lidos pelas professoras em séries seguintes, mas
somente na 7ª série experimentei novamente aquela sensação despertada pela
condução do trabalho realizado na 2ª série. Nessa nova oportunidade, porém, a leitura
era realizada individualmente apenas. No entanto, era presente a mediação realizada
pela docente desde o momento de seleção da obra a ser lida até um acompanhamento
da leitura feita por meio de conversas regulares e uma apresentação ao final. Nesse
ano escolar, por indicação da professora de Português, descobri alguns clássicos da
literatura brasileira, como Cinco minutos, de José de Alencar, Clarissa e Olhai os lírios
do campo, de Érico Veríssimo, e, do português Eça de Queiroz, O primo Basílio. E foi
durante esse ano escolar que, para a realização de um trabalho de Literatura, não
havendo muitos exemplares de A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo,
disponíveis para empréstimo na biblioteca da minha escola deparei-me com um
impasse na execução da tarefa pois não havia concluído a leitura no tempo a ela
destinado nas aulas. Nesse momento, recebi a ajuda de meu outro irmão, que me
presenteou com um exemplar “novinho” adquirido em uma livraria da cidade
especialmente para mim. Esse novo laço afetivo criado lançou-me profundamente
nesta leitura que, até então, não se demonstrava muito atrativa.
12

Outras leituras permearam minha vida escolar, mas as que aqui trouxe são
exemplos ligados à afetividade, incentivo e mediação que facilitaram a compreensão
do texto literário. Tais ações não apenas marcaram minha experiência leitora mas
também incorporaram minha prática educativa quando da decisão de me tornar
professora.
Optei pelo curso de Letras da Universidade Federal do Paraná, que oferecia
habilitação simples em Português para os estudantes do período noturno. Durante o
curso, trabalhava durante o dia em outra área – era secretária – e tive poucas
oportunidades de imersão no contexto escolar, o que se restringiu ao estágio
obrigatório realizados nos 6º e 7º períodos compreendidos nos anos de 2005 e 2006.
Somente em 2007, por meio de Processo Seletivo Simplificado (PSS)1, realizado pela
Secretaria de Educação do Estado do Paraná, que, de fato, tive a primeira
oportunidade de assumir uma turma de 9º e duas de 7º ano como professora de
Língua Portuguesa em uma escola pública da rede estadual de ensino.
Concomitantemente, passei a atuar em uma escola particular de Curitiba como
professora corregente de turmas de 4º e 5º ano, ministrando aulas de apoio escolar a
estudantes com dificuldades de aprendizagem. Assim como acontece com grande
parte dos profissionais que se veem pela primeira vez diante de uma sala de aula, as
teorias com as quais tive contato na minha formação acadêmica me pareciam tão
distantes daquela realidade que se punha diante de meus olhos, que mesmo com o
grande esforço na elaboração de um planejamento de trabalho não encontrava a
forma adequada para sua condução. Os exemplos das experiências positivas
relatadas que tive de leitura, auxiliaram-me, em certa medida, na minha caminhada
docente. Porém, os desafios ainda eram muitos e constantes e havia a necessidade,
a meu ver, de uma formação continuada.
Cursei, então, uma especialização em Leituras de Múltiplas Linguagens da
Comunicação e da Arte, oferecida pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Esse curso promoveu uma ampliação de minha visão acerca de leitura, possibilitando
o contato com diversas áreas do conhecimento que se correlacionam e oferecem
diferentes suportes viáveis ao meu trabalho como professora de Língua Portuguesa,

1O PSS é um processo seletivo simplificado, realizado pela SEED (Secretaria Estadual de Educação),
para contratação temporária de professores, pedagogos, intérprete de libras, auxiliares de serviços
gerais e técnicos administrativos.
Disponível em: <http://www.educacao.pr.gov.br/arquivos/File/pss/guia%20de%20inscricao/02.pdf>
Acesso em: 31 de julho de 2018.
13

tais como Música, Cinema, Teatro, Filosofia e Artes Visuais. Também foi nessa
ocasião que pude melhor conhecer teorias voltadas ao estudo de Literatura, tal como
a Estética da Recepção, que me mostrou um novo olhar para o trabalho como o texto
literário.
Houve, consequentemente, uma ressignificação de minha prática educativa
no período subsequente à conclusão desta especialização no ano de 2008 que, aliada
à experiência de atuação adquirida nas escolas particulares e públicas por que passei,
colaborou para a superação daqueles obstáculos iniciais de minha atuação docente.
A minha dedicação à escola básica, ininterruptamente nos anos seguintes, me levou
novamente a buscar atualização e aperfeiçoamento profissional e o Programa de Pós-
graduação em Educação: Teoria e Prática de Ensino (Mestrado Profissional), ofertado
pela Universidade Federal do Paraná, oportunizava formação profissional voltada à
atuação docente na educação básica.
O interesse pela investigação realizada nesta pesquisa nasceu das
possibilidades que passei a enxergar no texto literário para a formação de leitores na
escola, considerando que o homem é, além de animal social, um animal estético e
como tal necessita também da arte para viver. Sob esse aspecto, a literatura, por ter
como matéria-prima a palavra, é, dentre as artes, uma das mais capazes de
aprofundar nossa reflexão sobre a condição humana. A partir disso também vi a
necessidade da busca por um método de trabalho pedagógico que permitisse
considerar o leitor como sujeito ativo no processo de criação de literatura e as
possíveis relações com o mundo, que permitisse ao sujeito constituir-se socialmente.
Para adequar a escolarização da leitura literária, evitando-se aulas voltadas
para o ensino moralizante e utilitarista, apoiei-me no uso de mediações de leitura,
visando a condução dos estudantes para práticas de leitura literária e dando subsídios
para que encontrem o sentido nos textos lidos, provocando interesse pela literatura,
como arte e experiência estética, e com isso de levá-los a uma reflexão de mundo.
Consequentemente, esta pesquisa tem como objetivo principal refletir sobre
as contribuições de um trabalho sistematizado de leitura literária com utilização de
diferentes formas de mediação na leitura de um mesmo livro, com vistas ao avanço
na compreensão do texto literário por jovens leitores. Tal trabalho se pauta a partir de
hipóteses, como:
● A leitura de livros literários realizada em casa pelos estudantes, sem
compartilhamento e sem mediação, é suficiente para a compreensão leitora
14

dos sujeitos envolvidos?


● Que espaço tem a escola para a formação de leitores?
● De que forma a escola pode formar leitores de literatura?
● A utilização de mediação de leitura como alternativa metodológica para
o ensino de literatura, pode contribuir para a formação de habilidades e
competências de leitura?
As reflexões propiciadas pelas aulas do mestrado, especialmente as
contribuições que recebi de minha orientadora, bem como as trocas de experiências,
proposições, angústias e frustrações compartilhadas com minhas colegas de
mestrado, foram significativas para a condução do trabalho ora realizado. A opção
pela pesquisa do tipo etnográfico emergiu da possibilidade de observação participante
em sala de aula permitindo contato direto com os estudantes do 6º ano do ensino
fundamental. Na investigação, considerei o desenvolvimento de atividades que
promovessem reflexão sobre a leitura realizada para aprimoramento de habilidades
na formação de leitores literários dentro desta comunidade específica, a partir dos
objetivos específicos:
x Investigar o processo de construção do conhecimento literário, a partir
da leitura de O meu pé de laranja lima e aplicação de sequência didática
estruturada a partir de propostas de mediação de leitura.
x Verificar os elementos que favorecem aos estudantes o
desenvolvimento de habilidades leitoras para compreensão do texto literário.
A obra O meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos, já vendeu
mais de dois milhões de exemplares em seus quase cinquenta anos de existência. O
grande sucesso do livro perante seus leitores é visível nas mais de 150 edições no
Brasil, além das traduções para 15 idiomas com publicação em 23 países, agregando
fãs de diferentes faixas etárias.
Ainda que haja grande aceitação por parte de seu público, a obra de José
Mauro não tem muito espaço para os estudos acadêmicos. São poucos os trabalhos
destinados à análise e recepção desta obra, mesmo da ocasião de seu
cinquentenário. Cronologicamente, aparecem o artigo “O meu pé de laranja lima ou ‘a
ternura da vida’”, de Maria Alice Faria (1997), presente no livro Narrativas juvenis:
modos de ler no qual a escritora faz uma análise da obra destacando sua relevância
perante o público que se mantém nas, até então, 65 edições, ainda que a crítica da
época tenha menosprezado o autor; a dissertação de Mestrado de Juliana Leopoldino
15

de Souza Cruz (2007), em que se verifica o efeito receptivo do livro por um grupo
específico composto por doze leitores; o TCC “O meu pé de laranja lima: uma história
que resiste ao tempo”, de Lílian Lima Carvalho Lima (2008), em que, além de fazer
um levantamento de artigos que tratam da obra, verifica as razões de o livro se
perpetuar, fazendo considerações a partir de pesquisa realizada em um grupo de treze
leitores; o artigo “Uma leitura do social da obra ‘O meu pé de laranja lima’ de José
Mauro de Vasconcelos”, de Edinéia Duarte da Silva Freitas (2012), que, por meio de
estudo bibliográfico, aborda os aspectos sociais da obra, enfatizando a pobreza e a
violência; a dissertação de Mestrado de Anadir Aparecida Selória (2015) que, além de
apresentar as relações intertextuais entre romance e filme, propõe uma sequência de
atividades proposta para o 9º ano do ensino fundamental; e a proposição de uma
sequência didática expandida a partir da leitura de O meu pé de laranja lima para
educandos privados de liberdade, na dissertação de Mestrado de Débora Maria
Proença (2015). Há, ainda, pela Universidade de Lisboa, a dissertação de Mestrado
em Ensino do Português como Língua Segunda e Estrangeira, “Recordar, escrever e
ler a infância”, de Helena Maria Assude Paio (2011), na qual se faz uma análise
comparativa entre O meu pé de laranja lima, de Vasconcelos e Bom dia camaradas,
de Ondjaki, e, ao caracterizá-las como narrativas de infância, enfatiza a memória
afetiva presente em ambas; e o relatório de pesquisa “Os livros infantis brasileiros que
aqui circulam, não circulam como lá”, apresentado por Norma Sandra de Almeida
Ferreira (2009), em que se analisa os fatores que favorecem a receptividade de O
meu pé de laranja lima em Portugal, onde a obra, dentre as de literatura brasileira que
lá circulam, é uma das mais lidas e com maior número de exemplares distribuídos. O
estudo agora apresentado traz a particularidade da investigação realizada em uma
comunidade específica de leitores composta exclusivamente por estudantes do 6º ano
do ensino fundamental. Para apresentá-lo, organizei o texto nos seguintes capítulos:
Capítulo 2 – Metodologia da pesquisa: escola pública um terreno fértil para a
etnografia
Nesse capítulo, trago considerações de André (1995) e Lüdke e André (2015)
que fundamentam a escolha pela pesquisa de natureza etnográfica, além de
apresentar o contexto em que se insere a escola participante da pesquisa e situar os
sujeitos envolvidos no processo. Relato também a abordagem realizada e o modo de
condução da pesquisa, que se complementa no relato das atividades desenvolvidas
no capítulo 5.
16

Capítulo 3 – Fundamentação teórica – para adubar a terra: estratégia de cultivo


dos grãos
Apresento, neste capítulo, discussões que pautam a ação pedagógica e a
mediação literária em ambiente escolar, considerando o uso de mediação de leitura e
de leitura em voz alta. Trago também reflexões acerca da recepção do texto literário
e suas relações com o leitor, a partir de Eco (2015) e Iser (2002).
Capítulo 4 – Análise da obra – O meu pé de laranja lima
Aqui, exponho algumas razões por que a obra escolhida para o
desenvolvimento do trabalho se destaca entre seus leitores e seus potenciais para
aceitação do público selecionada para esta pesquisa. Analiso, também, o enredo,
linguagem e aspectos discursivos, além do suplemento de leitura e algumas notas de
rodapé inseridas na edição comemorativa do 50º aniversário.
Capítulo 5 – Percurso da pesquisa – o sabor da fruta
Por fim, apresento as atividades e descrevo o percurso metodológico adotado
no desenvolvimento da leitura da obra selecionada O meu pé de laranja lima e seus
desdobramentos como contribuição na formação do leitor literário.
17

2 METODOLOGIA DA PESQUISA: ESCOLA PÚBLICA UM TERRENO FÉRTIL


PARA A ETNOGRAFIA

Desde que comecei a atuar como professora de Língua Portuguesa, em 2007,


em diferentes escolas tanto da rede pública quanto particular de ensino, instigou-me,
particularmente, o modo como eram realizadas as leituras literárias na escola.
Percebi, de início, que tal prática era pouco utilizada por alguns docentes da disciplina,
devido, principalmente, à precariedade do acervo (de acordo com julgamento de
alguns professores) e à esporádica exploração da biblioteca pelos professores e
alunos.
Ao iniciar algumas propostas de leitura em minhas aulas, nos diversos
contextos por que passava, evidenciou-se um novo problema: a falta de interesse dos
estudantes pelo texto literário. Isso me impulsionou a procurar estratégias de
condução da leitura de literatura na escola.
Essa adversidade esteve presente em grande parte de minha experiência
docente, seja no ensino público ou privado. Contudo, é na escola pública que, por ter
maior liberdade de condução de projetos de leitura, tive melhor oportunidade para
iniciar esta pesquisa. Além disso, ao consultar especificamente o acervo da biblioteca
da escola em questão, pude refutar o discurso comum que circulava nos corredores
da escola de que o acervo era precário.
Ingressei como professora do ensino público no ano de 2012 e em 2015,
passei a atuar na escola em que leciono atualmente, que pertence à Rede Municipal
de Ensino de Curitiba (RMEC) e possui 13 salas de aula, distribuídas em 2 blocos.
São 13 turmas do 1º ao 5º ano, atendidas no turno da manhã e 13 turmas do 6º ao 9º
ano, no turno da tarde, além da educação em tempo integral, oferecida a 50
estudantes, com várias atividades que incluem cultivo da horta, leitura na biblioteca,
fanfarra, guarda-mirim e tempo para realização de tarefa de casa e projetos com
temas específicos elaborados pelas professoras responsáveis em contraturno. A
escola está situada em um bairro da zona Leste do município, e tem uma população
aproximada de 96.200 habitantes, segundo o censo demográfico feito pelo IBGE em
2010. Em seu entorno vivem 9.551 pessoas e aproximadamente 9,66% dos domicílios
do entorno estão localizados em aglomerados subnormais2; 99,53% possuem

2É o conjunto constituído por 51 ou mais unidades habitacionais caracterizadas por ausência de título
de propriedade e pelo menos uma das características a seguir: irregularidade das vias de circulação e
18

abastecimento adequado de água; 100% têm coleta adequada de lixo e 96,80% dos
domicílios está ligada à rede geral de esgoto ou à fossa séptica, de acordo com dados
organizados no site do IPPUC (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de
Curitiba)3 a partir de levantamento censitário do IBGE em 2010. Embora os dados
também apontem para uma situação financeira um pouco abaixo da média da
população curitibana, as famílias deste bairro possuem rendimento médio acima do
salário mínimo (cotado em R$ 510,00 no período de realização do referido censo).
Em relação ao público específico desta escola, porém, algumas situações
vivenciadas ao longo de minha atuação nesta instituição apontam para condições
precárias de instalação, revelando que vários estudantes residem em casas
construídas com materiais frágeis em áreas irregulares, os denominados aglomerados
subnormais. Conforme relato da presidente da associação de moradores do local,
mãe de um dos participantes desta pesquisa, a defesa civil já alertou para os riscos
de desabamento de algumas construções, mas as famílias permanecem por não
terem condições financeiras para saírem do lugar. Em situações de fortes chuvas,
como as ocorridas em junho de 2017, a região sofreu com alagamentos e muitas
famílias de estudantes da escola perderam móveis e roupas, principalmente. Diante
desse infortúnio, comprometi-me ainda mais com os envolvidos na pesquisa, uma vez
que, ao tomar conhecimento de que alguns deles estavam faltando às aulas devido
às más condições em que se encontravam suas famílias, participei de um movimento
para arrecadação de donativos para prestar assistência, envolvendo, inclusive, a
minha própria família que colaborou com a doação de alguns móveis e
eletrodomésticos, além de muitos cobertores, já que fazia muito frio nessa época do
ano. Para a entrega, juntamente com a equipe diretiva da escola, fui pessoalmente às
casas e, além de muito bem recebida pelas famílias, tive o acolhimento dos
estudantes, que demonstraram satisfação em ter a professora em seus lares. Tal fato
garantiu aproximação dos sujeitos dessa pesquisa, que passaram a se sentir mais
confortáveis em procurar-me para conversas, não apenas sobre as atividades de
leitura realizadas, mas também para soluções de conflitos interpessoais e até mesmo
para confidências.

do tamanho e forma dos lotes e/ou; carência de serviços públicos essenciais (como coleta de lixo, rede
de esgoto, rede de água, energia elétrica e iluminação pública). Disponível em:
<https://ww2.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/0000001516481120201348010574
8802.pdf>. Acesso em: 08 ago 2018.
3 Disponível em: < http://www.ippuc.org.br/nosso%20bairro/anexos/21-cajuru.pdf>.
19

Com referência à alfabetização desta comunidade, o censo de 2010 revela


que 95,36% da população acima de 5 anos está alfabetizada e 96,75% acima de 10
anos, índices um pouco abaixo da média para a cidade que são de, respectivamente,
96,87% e 97,97%. Apesar de escolarizados, em sua maioria, poucos são os
responsáveis pelos estudantes do 6º ano desta escola que cursaram o ensino
superior. Muitos deles, de acordo com relatos obtidos, tiveram que abandonar a escola
para dedicar-se a um trabalho em tempo integral para ajudar suas famílias. Por isso,
também, em suas casas não há estímulos à leitura e até mesmo às demais práticas
educativas. Para a maioria deles, a escola constitui o único ambiente disponível para
a leitura, por vezes, restrito à biblioteca.
Nessa escola, o espaço destinado à biblioteca é privilegiado por ser amplo e
proporcionar a visitação de, ao menos, metade da turma acompanhada por uma
professora, enquanto o restante permanece em sala de aula com atividade de leitura
direcionada por outra professora, possibilitando práticas de leitura, como se pode ver
na FIGURA 1:

FIGURA 1 – BIBLIOTECA

FONTE: Arquivo de fotografias digitais da pesquisadora (2017)

Apesar das fragilidades como cadeiras desconfortáveis e a distribuição de um


número elevado de assentos por mesa, o espaço propicia a troca entre os estudantes
e aproximação, fazendo com que um possa observar a leitura do outro, gerando
20

interação. É relevante salientar que a biblioteca disponibiliza para a comunidade


escolar um acervo com inúmeras obras de qualidade, cerca de 3.000 livros destinados
ao público infantojuvenil, contemplando obras de grandes autores como Monteiro
Lobato, Lygia Bojunga, João Carlos Marinho, Marcos Rey e os mais procurados pelos
estudantes como J. K. Rowling, Rick Riordan e Jeff Kinney, por exemplo. Desta forma,
a estrutura da instituição mostrou-se adequada para o desenvolvimento do estudo.
Desde que ingressei nessa escola, em 2015, trabalhei como professora dos 6os
anos e, em 2017, devido ao meu ingresso no mestrado e a fim de viabilizar as
observações necessárias a esta pesquisa, assumi a função de professora corregente
desde o início deste ano letivo, em atuação conjunta com a professora regente,
visando melhor apoio aos estudantes, garantindo atendimento individualizado. Esse
contato mais direto com o grupo pesquisado, ampliou a vivência com os participantes,
o que me permitiu estar mais tempo com eles e conhecê-los de maneira mais
aprofundada.
Uma das estratégias traçadas para o ensino fundamental pela lei municipal
14.681, de 24 de junho de 2015, é a que consta em seu anexo e visa “Garantir e
fortalecer a corregência e o/a professor(a) que atenda ao plano de apoio
individualizado - do 1º (primeiro) ao 9º (nono) ano. Criar, ampliar e fortalecer centros
de atendimentos especializados.”. A corregência na rede municipal de Curitiba,
portanto, é estendida ao ensino fundamental II em algumas escolas, contemplando as
disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, o que propiciou, neste caso,
ampliação das possibilidades de investigação das preferências leitoras dos sujeitos
envolvidos, já que tive a oportunidade de atender aos estudantes em pequenos grupos
e, muitas vezes, individualmente, observando-os e questionando-os sobre suas
escolhas.
Contudo, não bastava um planejamento para melhor aproveitamento desse
acervo oferecido pela biblioteca, bem como de seu espaço físico. Assim, comecei a
construção deste projeto objetivando refletir sobre o papel da escola na formação de
leitores, pensando na prática de textos literários para formar estudantes capazes de
construir sentidos sobre os mesmos. Então, dei início a uma pesquisa etnográfica, ou
seja, baseada na observação e levantamento de hipóteses, procurando descrever o
que está ocorrendo no contexto pesquisado.
Para Lüdke e André (2015), a abordagem etnográfica permite a combinação
de técnicas como, por exemplo: a história de vida, a análise de documentos, vídeos,
21

fotos, testes psicológicos. Sendo assim, tal abordagem é adequada à pesquisa


escolar.

A questão de escolher, por exemplo, uma escola comum da rede pública ou


uma escola que esteja desenvolvendo um trabalho especial dependerá do
tema de interesse, o que vai determinar se é num tipo de escola ou em outro
que a sua manifestação se dará de forma mais completa, mais rica e mais
natural. (LÜDKE; ANDRÉ, 2015, p. 23).

Há, ainda, outras razões, expostas por André (1995), para optar pela pesquisa
do tipo etnográfico, como o fato de esta ser caracterizada pelo contato direto do
pesquisador com os participantes, bem como da situação em estudo. Tal
aproximação, de acordo com a autora, também permite compreender o protagonismo,
ações e relações dos estudantes envolvidos.
Outro fator determinante para classificar a pesquisa como do tipo etnográfico,
é princípio de “que o pesquisador é o instrumento principal na coleta e na análise de
dados. Os dados são mediados pelo instrumento humano, o pesquisador.” (ANDRÉ,
1995, p. 28).
Dentre alguns pressupostos para uma abordagem etnográfica de pesquisa
educacional, destaca-se a discussão de Wilson (1977 apud LÜDKE; ANDRÉ, 2015, p.
17), que traz a hipótese qualitativo-fenomenológica. De acordo com essa perspectiva,
o pesquisador deve assumir tanto o papel de participante, quanto de observador,
buscando equilíbrio entre a subjetividade daquele e a objetividade deste para melhor
explicar a situação vivenciada. Também é fator determinante para a compreensão do
comportamento humano, de acordo com Wilson, o entendimento das relações
estabelecidas pelos sujeitos, influenciando o contexto que os circunda, tanto quanto
são por ele influenciados.
Sobre isso, Silva, E. T. (1981, p. 60) diz que “o investigador, ao longo de seu
trajeto de reflexão, está interessado numa psicologia essencialmente humana, isto é,
fundamentada e encarnada numa filosofia que fale da existência do Homem na sua
manifestação como leitor.”.
Segundo Lüdke e André (2015) o produto final não é o foco da pesquisa
qualitativa, pois, os dados obtidos por meio do contato direto, as circunstâncias
particulares, as perspectivas dos participantes, são compreendidos ao longo do
processo, sendo este de maior relevância para o pesquisador.
Por se tratar de pesquisa qualitativa em educação, atentei-me aos cinco
22

princípios inerentes ao seu desenvolvimento, tal como aponta André (1995).


Primeiramente, dediquei-me à observação participante em que procurei imersão na
situação estudada. Para isso, desenvolvi instrumentos para coletar dados da forma
mais detalhada possível, tais como anotações, gravações de áudio e filmagens,
obtidas após liberação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do
Paraná e respectivo aceite dos estudantes e autorização de seus responsáveis legais
(Termo de Consentimento – APÊNDICE 1).
A posição aqui tomada por mim compõe uma questão bastante delicada, uma
vez que passei a ocupar papéis bem distintos, embora complementares: o de
professora e o de pesquisadora. Foi necessário, portanto, agir com muita cautela a
fim de não confundir as atribuições e comprometer o resultado da pesquisa.
Para isso, foi necessário que delimitasse os horizontes do trabalho,
procurando dar-lhe maior rigor. De acordo com Silva, E.T. (1981), o pesquisador deve
buscar um trajeto de investigação atentando-se às especificidades inerentes aos
seres humanos, no caso, relacionados à leitura.

Em termos de categorização científica, trata-se de uma pesquisa de cunho


teórico, na qual o investigador, para chegar a seus objetivos, utiliza-se da
abordagem fenomenológica – parece que esta abordagem (ou “estilo”), por
contrapor-se à análise atomista, torna-se a via de acesso mais coerente para
se penetrar na complexidade estrutural do fenômeno sob investigação
(leitura). (SILVA, E. T., 1981, p. 56-57)

Nesta pesquisa, o fenômeno, que é logos, tem seu significado concretizado a


partir de características essencialmente humanas: linguagem ou discurso e, por isso,
pode ser descrito e comunicado. (SILVA, E. T., 1981)
A abordagem fenomenológica tem por base de conhecimento a intuição, o
que exige um olhar direto do pesquisador para o contexto, inserindo-se na situação
em estudo, de modo a vivenciá-la. Conforme E.T. Silva (1981) “Resulta daí que, na
busca de dados para as intuições (isto é, no próprio delineamento do seu projeto), o
pesquisador deve abrir-se para tudo que é pertinente, significativo e relevante sobre
um determinado fenômeno”.
Assim, foi necessário que eu adotasse uma postura flexível e estar sempre
aberta às novas questões que surgiram no campo de pesquisa. Como poderá ser
constatado no capítulo 5, que descreve o processo (Percurso da pesquisa – o sabor
da fruta), por vezes, a atividade pensada inicialmente precisou ser modificada ou até
mesmo substituída por outra para melhor atender às expectativas dos estudantes.
23

Nesta perspectiva, foi recorrente o redirecionamento do trabalho,


replanejando e reorganizando temas a partir das respostas obtidas junto aos
estudantes. Houve, por exemplo, um momento de leitura em que eu esperava deles
uma reação de compaixão, já que o protagonista da obra lida, O meu pé de laranja
lima, leva uma surra de seu pai até desmaiar. Contudo, para grande parte dos leitores
envolvidos, o aspecto cômico relacionado à situação se sobrepôs, gerando risos.
Nesse caso, foi necessário que eu repetisse uma estratégia de leitura já realizada em
momento anterior, a conexão texto-leitor4. A partir das conexões feitas, os leitores
puderam refletir sobre o caso narrado, colocando-se no lugar do outro, adquirindo
assim uma postura de alteridade a partir do texto literário.
Para Silva, E.T. (1981, p. 43), “A leitura possibilitando a aquisição de
diferentes pontos de vista e alargamento de experiências, parece ser o único meio de
desenvolver a originalidade e autenticidade dos seres que aprendem”. Por isso,
esperava-se assegurar boa compreensão do texto literário pelos participantes da
pesquisa, efetuando leituras compreensivas e críticas relacionando-as à realidade que
os circunda, além de contribuir para a emancipação do leitor literário.
Sendo assim, foram propostas novas atividades de compreensão do texto
literário para averiguar o entendimento dos estudantes acerca do livro lido. As aulas e
as entrevistas realizadas com os participantes foram gravadas em áudio ou filmadas
para posterior análise, o que permitiu melhor descrição dos momentos de leitura e
reações dos estudantes.
Para a realização desse projeto, segui orientação do Comitê de Ética e
Pesquisa da Universidade Federal do Paraná, submetendo projeto para aprovação,
acompanhado das autorizações requeridas junto às instituições envolvidas a fim de
regularizar a situação de estudo. Após obtenção da devida autorização emitida pelo
Conselho de Ética, foram elaborados Termos de Consentimento Livre e Esclarecido
para obter concordância em participação pelos sujeitos envolvidos e seus
responsáveis. Os documentos foram enviados aos responsáveis via agenda escolar,
explicitando os objetivos da pesquisa e a importância da participação dos estudantes
para a análise de dados. Prestei, também, os devidos esclarecimentos que se fizeram
necessários, reforçando o contato inicial que havia se dado em reunião pedagógica
realizada pela equipe pedagógico-administrativa no início do ano letivo. Também

4 Conexão texto-leitor é uma das estratégias de leitura utilizadas na condução deste trabalho e está

descrita no item 3.2 Leitura e mediação pedagógica, deste mesmo capítulo.


24

explicitei que as atividades propostas não se afastariam dos conteúdos ministrados


na disciplina de Língua Portuguesa e seriam realizadas na escola durante os horários
de aula, de forma a não sobrecarregar os participantes com atividades extras. A
análise e coleta de dados foi, então, realizada somente com os estudantes cujas
famílias concordaram. Do total de 93 convidados, 55 aceitaram participar. Decidi, em
conjunto com a equipe pedagógica-administrativa envolvida, em realizar a pesquisa
somente com uma das três turmas de 6º ano para melhor envolvimento dos
pesquisados e evitar desajustes com o calendário escolar. Sendo assim, a turma
selecionada foi aquela em que houve maior número de aceitação por parte dos
estudantes e seus familiares, totalizando 20 participantes dos 29 matriculados na
referida turma. O grupo, composto por crianças de 10 e 11 anos de idade, não foi
retirado da sala para os encontros previstos por esta pesquisa. Todos os estudantes
da turma participaram dos momentos de leitura e reflexão do texto e realizaram as
atividades propostas. Contudo, usei para a pesquisa somente os dados daqueles,
cujas famílias haviam autorizado.
A construção dos dados, considerando a abordagem etnográfica de pesquisa,
se deu de forma empírica por meio de: a) elaboração de sequência didática, elegendo
métodos de mediação de leitura para cada etapa; b) implementação da sequência
didática; c) observação dos estudantes ao longo dessas aulas; d) registros das aulas
em áudio e vídeo; e) coleta de materiais produzidos pelos estudantes: produções de
texto, depoimentos espontâneos, questionamentos realizados e entrevistas.
Em relação aos materiais utilizados para pesquisa, os mais relevantes foram
os construídos ao longo da aplicação da sequência didática, como registros de diário
de bordo, questionários e gravações de áudio realizados durante as aulas destinadas
à leitura literária. Ao término da leitura de cada capítulo, eram propostas atividades
(que serão descritas detalhadamente no capítulo referente ao percurso da pesquisa)
e realizadas as rodas de conversa, registradas por mim no diário e, sempre que
possível, com auxílio do gravador.
Quanto às entrevistas, procurei realizá-las individualmente, convidando o
estudante a um local da escola que lhe oferecesse maior comodidade. A escolha
deles, em sua maioria, foi o pequeno jardim com uma grande árvore ao centro, que
fica em frente à biblioteca. Esse local (FIGURA 2) foi utilizado em vários momentos
de leitura realizados com os participantes da pesquisa e, por ser mais afastado das
salas de aula, oferece a privacidade necessária para que o entrevistado se sentisse
25

seguro para responder às questões e falar sobre suas experiências leitoras. A


entrevista é um dos instrumentos de coleta de dados utilizado em pesquisas do tipo
etnográfico, a qual constituiu documento para aprofundar as informações obtidas.
O acesso a todos os materiais utilizados para análise nessa pesquisa ficou
restrito a mim e as observações realizadas estão descritas no capítulo 5.

FIGURA 2 – AMBIENTE DE LEITURA

FONTE: Arquivo de fotografias digitais da pesquisadora (2017)

Ressalto que a ênfase se deu, tal como prevê uma pesquisa de cunho
etnográfico, no processo e não no resultado final. Assim, meu compromisso estava
em compreender os fatos além de conhecer o cotidiano. A possibilidade de
ressignificação da prática educativa a partir das observações realizadas constitui outro
fator de peso na escolha deste tipo de pesquisa.

2.1 CONHECENDO A TERRA: INVESTIGAÇÃO DAS PREFERÊNCIAS LEITORAS

Para averiguar o desempenho da escola participante a partir de dados oficiais,


considerei o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), criado em 2007
pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),
26

formulado para medir a qualidade do aprendizado nacional e estabelecer metas para


a melhoria do ensino.
Nesse caso, por se tratar de uma escola municipal, o instrumento utilizado
para medir o desempenho é a Prova Brasil, realizada a cada dois anos para
estudantes de 5º e 9º ano. As metas estabelecidas pelo Ideb são diferenciadas para
cada escola e rede de ensino, com o objetivo único de alcançar 6 pontos até 2022,
média correspondente ao sistema educacional dos países desenvolvidos 5. Para o
município de Curitiba, a meta projetada para o ano de 2015 era de 6,0 pontos para o
5º ano e de 5,4 para o 9º, ao que o 5º ano superou, obtendo 6,3, mas o 9º não atingiu,
obtendo 5,3. Já na escola pesquisada, o 5º ano, com média de 5,6, ficou abaixo da
nota do município e da projeção de 6,2 para a instituição, ao passo que o 9º ano, com
nota 6,0, ultrapassou tanto a média de Curitiba quanto a projetada para a própria
instituição, de 5,4.
As análises internas apresentadas pela equipe pedagógico-administrativa, no
início do ano letivo de 2017, portanto anterior ao início de minha pesquisa, aos
professores da escola, apontam para o investimento em atividades que desenvolvam
habilidade leitora dos estudantes que, apesar das médias obtidas, demonstram
domínio insatisfatório, o que parece indicar que as metas são pouco exigentes.
Pensando nisso, a equipe propôs aos professores de Língua Portuguesa que
elaborassem, atividades, sequências didáticas, projetos que possibilitassem o
desenvolvimento da competência leitora, considerando o público específico de nossa
escola. Assim, a presente pesquisa converge também com os objetivos traçados pela
instituição para o ensino da leitura na escola, o que contribuiu para a aceitação do
projeto proposto a parti de meu ingresso no mestrado profissional.
Para começar a pesquisa, com o intuito de conhecer a realidade desta
comunidade específica de leitores, iniciei minhas observações nas aulas em que
ocorriam as visitas à biblioteca da escola. Passei, então, a acompanhar os grupos
atentando-me para o comportamento dos estudantes no momento de seleção dos
livros e para as conversas realizadas entre eles e com a agente de leitura responsável
pelos empréstimos. Após, aproximadamente, 10 horas de observações (12 aulas de
50 minutos), durante os momentos destinados a empréstimos de livros que eram
realizados uma vez por semana para cada grupo composto por cerca de 15

5 Informações disponíveis em: < http://portal.mec.gov.br/conheca-o-ideb>.


27

integrantes (metade da turma), confirmei a falta de critérios dos estudantes do 6º ano


para a seleção de obras para a leitura, que já havia percebido antes das observações
sistematizadas. Eles não sabiam como procurar, qual era a organização dos livros nas
estantes e se mostravam desestimulados depois de passarem os dedos por alguns
exemplares.
Costumeiramente, de acordo com relato de alguns participantes da pesquisa
e dos próprios responsáveis pela biblioteca, os professores enviavam os estudantes
à biblioteca desacompanhados, em grupos de cinco, para realizarem a troca de livros.
Esses trâmites, apesar de necessários, não podem, de acordo do Almeida Júnior;
Bortolin (2009):
[...] ser utilizados para controlar excessivamente as ações, tolhendo a
criatividade dos profissionais da educação. Nossa defesa não é a eliminação
dos atos rotineiros, fundamentais para o andamento da biblioteca escolar,
antes a melhoria na relação entre professor e bibliotecário, para que, juntos,
elaborem e executem um planejamento capaz de beneficiar o ensino-
aprendizagem. (ALMEIDA JÚNIOR; BORTOLIN, 2009, p. 209).

Na condução deste trabalho, houve melhor aproveitamento do espaço da


biblioteca para realização de leitura no local, bem como exploração orientada do
acervo disponível. Sob esse aspecto, ponderei a discussão presente em Almeida
Júnior; Bortolin (2009) que destacam a relevância de as funções do bibliotecário não
se restringirem ao empréstimo de livros e organização do acervo. A receptividade ao
diálogo e trocas de impressões acerca das leituras realizadas constituem alguns dos
fatores de aproximação leitor-texto, tanto na referência à leitura literária quanto à
informacional que, de acordo com os autores, também é objeto de ensino da escola.
O que ocorre no contexto de uso da biblioteca da escola pesquisada é que,
por vezes, seu espaço é destinado a práticas punitivas como a realização de tarefas
direcionadas àqueles que, por indisciplina ou descumprimento de regras
(especialmente não uso de uniforme), lá permaneciam durante o período do recreio
para conversas com o mediador disciplinar, leitura dos deveres dos estudantes
constantes em suas agendas e execução de cópias desses. Com isso, o acesso aos
demais estudantes era restrito, não sendo permitido que lá permanecessem para
realizar suas leituras, como era desejo de alguns, já que nesse horário quem fica na
biblioteca são os estudantes que “perderam o recreio”. Outra situação, que aponta
para o uso do espaço físico da biblioteca, sob alegação de não haver disponibilidade
de outra sala no horário, é o momento de espera para aqueles que chegassem
28

atrasados e fossem impedidos de ingressar na primeira aula. Diante disso, até mesmo
a escala organizada pela agente de leitura era comprometida, uma vez que as
primeiras aulas eram destinadas a esse fim, não sendo possível a realização de
leituras por outros estudantes.
Na tentativa de amenizar essa caracterização de ambiente punitivo colocado
na biblioteca, em parceria com a agente de leitura, disponibilizei-me a estar na
biblioteca nos horários em que esta era ocupada por aqueles que chegavam
atrasados, durante o período destinado para a pesquisa, e procurei envolver os
estudantes em atividades de leitura direcionada, como uma contação de contos ou
pela disponibilidade de auxiliar na seleção de alguma obra que pudesse ser lida
naquele momento, até que fosse permitido o acesso desses às salas de aula assim
que soasse o sinal para a aula seguinte. Também durante o recreio, busquei,
juntamente com a agente de leitura, garantir ao menos a possibilidade de empréstimo
de alguns livros para que fossem lidos no espaço existente defronte à biblioteca (já
representado na FIGURA 2). Grande parte dos envolvidos aceitou a intervenção e
passou a abrir espaço para leitura tanto na hora do recreio quanto nos minutos de
ociosidade em que esperavam para ter acesso à sala de aula quando de seus
eventuais atrasos.
No que se relaciona à mediação, Arena (2009) afirma que uma biblioteca se
faz além de livros, considera, sobretudo, as relações entre estudantes, livros,
profissionais que atuam na biblioteca e professores de sala de aula.

A relação entre biblioteca e lugar de livros é complexa. Há espaços para os


livros, mas sem o estatuto que permitiria o mergulho nas entranhas da cultura
literária para o nascimento e crescimento do pequeno leitor. Entre reunir e
dispersar (Chartier, 1999), as políticas insistem no reunir, por meio de ações
ousadas como o Plano Nacional de Bibliotecas Escolares, mas não avançam
para o dispersar. (ARENA, 2009, p. 163-4. Grifos no original.)

O autor acrescenta a fragilidade na construção e condução desses espaços


sem a presença de um profissional preparado para a função: o bibliotecário. Além
disso, o ambiente pouco aberto a conversas, em que se predomina o silêncio pouco
convidativo a ações leitoras. No entanto, Arena (2009, p. 164) destaca que “A leitura
do livro de literatura não preexiste ao leitor: é criada por ele.”, o que aponta para a
indispensabilidade de práticas mediadoras no processo de formação do leitor literário.
29

Silva; Ferreira e Scorsi (2009) tratam da necessidade de formação continuada


de professores e demais agentes envolvidos no processo de mediação de leitura. Em
sua discussão, as autoras concebem

[...] a formação do leitor como um processo possível de ser desenvolvido em


sala de aula ou no espaço da biblioteca, com um acervo diversificado, em um
ambiente organizado e dotado de uma programação de leitura animada,
especialmente, com as imagens. (SILVA; FERREIRA; SCORSI, 2009, p. 51)

Com isso, elas ponderam que, para a democratização dos livros, é


necessário, além dos programas de distribuição de obras, garantir tempos e espaços
para a mediação de leitura na escola. As autoras acrescentam, ainda, que os espaços
destinados às atividades de linguagem merecem atenção não apenas como cenário,
mas como aliados nos processos de ensino-aprendizagem que podem favorecer o
desenvolvimento de atividades diversificadas. Considera-se, desse modo, que tanto a
sala de aula quanto “a biblioteca escolar, com a composição de seus espaços físicos,
podem ajudar a refletir acerca desse leitor que a escola recebe e quer formar, sem
desejar desliga-lo da sociedade em que vive.” (SILVA; FERREIRA; SCORSI, 2009, p.
58).
A partir das tentativas de intervenção da agente de leitura durante o período
de observação, notei que o interesse deles se restringia a best sellers, como o Diário
de um banana e Harry Potter. Em depoimentos feitos a mim, muitos estudantes
relataram que a busca por esses títulos se dava, especialmente, por conhecerem os
filmes homônimos.
Na condução deste trabalho, procurei protagonizar o papel dos leitores
verificando suas preferências, propiciando momentos de leitura em voz alta (tratada
no item 3.1 – LEITURA EM VOZ ALTA E MEDIAÇÃO) e conversa para trocas de
impressões acerca do que foi lido. Para os momentos de leitura individual em que a
turma se dividia em dois grupos, a fim de assegurar que todos tivessem oportunidade
de escolher obras de interesse desse público, adquiri com recursos próprios cerca de
30 exemplares de títulos diversos (conforme APÊNDICE 2), pertencentes
majoritariamente aos gêneros suspense e terror, apontados como preferenciais por
muitos estudantes. Para essa seleção, trouxe alguns catálogos de editoras e pedi a
eles que apontassem os que instigassem à leitura, o que resultou na composição de
uma caixa que passou a ser utilizada pelo grupo que ficava em sala enquanto o outro
se dirigia à biblioteca. O título mais emprestado pelos estudantes foi Um conto sombrio
30

dos Grimm, de Adam Gidwitz, que teve de ser sorteado dentre os pretendentes
leitores. Os demais livros, principalmente os de contos, compostos por mais de uma
história também tiveram boa aceitação e foram muito procurados pelos estudantes,
considerando-se, especialmente, o fato de possibilitar a finalização da leitura de um
texto integralmente no período da aula. A fim de ampliar as opções dos estudantes,
alguns livros de meu acervo pessoal também integraram a caixa que passou a ser
utilizada também por professores de outras disciplinas quando das situações de
substituição a algum docente que porventura faltasse.
Os próprios estudantes, diante da falta de material deixado pelo professor
faltante ou quantidade excessiva de aulas de uma mesma disciplina em decorrência
dessas faltas, solicitavam que me pedissem emprestada “a caixa de livros” para que
eles pudessem continuar suas leituras.
Prosseguindo com essa investigação sobre as preferências destes leitores,
passei a questioná-los diretamente quanto aos motivos de suas escolhas na biblioteca
e as respostas ficaram, majoritariamente, em torno do humor presente nas obras e da
linguagem que se aproxima da usada pelos estudantes em seu cotidiano. É o que se
pode observar na seguinte situação observada por mim durante uma das aulas de
leitura na biblioteca:

N – Professora, posso pegar um livro infantil?


PROFESSORA – Por quê?
N – É mais engraçado. Esses (apontando para uma adaptação do livro
Pollyana) não têm graça...
PROFESSORA – E você não acha que tem algum juvenil que possa ser
engraçado?
N – Não! Só os infantis.
[...]
PROFESSORA – E tem que ser engraçado para ler?
N – Tem. É assim que a gente aprende. É engraçado daí a gente gosta e
aprende...

A partir de tal situação, conversei com os estudantes presentes sobre a


compreensão das histórias. Os colegas da estudante “N” a confrontaram dizendo que
há livros juvenis muito bons, mas ela persistiu na leitura de contos como A princesa e
a ervilha (pegou um exemplar com texto em caixa alta). Leu vários durante a aula.
As outras obras apreciadas pelos estudantes eram indicações feitas pelos
colegas, pela agente de leitura ou pela professora. Um bom exemplo disso, foi durante
as leituras, realizadas em voz alta pelos estudantes, divididos em dois grupos (um
deles se reunia na biblioteca e o outro em algum espaço escolar disponível – sala de
31

aula, pátio, mesinhas, gramado), de A casa da madrinha, de Lygia Bojunga Nunes.


Essas leituras eram realizadas semanalmente nos momentos em que a turma se
dividia em dois grupos e cada um deles recebia orientação da professora, regente ou
corregente e agente de leitura, que os acompanhava. Havia alternância entre os
personagens escolhidos pelos estudantes para representação por meio da leitura, de
modo que todos pudessem participar lendo, ao menos, algum trecho. Após algumas
aulas dedicadas à leitura dessa obra, que durou um trimestre, a agente de leitura
relatou-me que a procura por livros dessa autora cresceu significativamente. Ela
perguntou-me, com intuito de justificar o interesse dos estudantes, se estávamos
desenvolvendo algum trabalho específico sobre Lygia Bojunga Nunes. A partir disso,
ela propôs que a leitura fosse realizada também na biblioteca, podendo, assim,
aproveitar o espaço, dispondo as cadeiras em círculo para facilitar as conversas pós-
leitura.
Sob esse aspecto, Pimentel; Bernardes e Santana (2009), dizem que a leitura
realizada em grupo favorece a troca de impressões entre leitores e ganha fruição na
interação entre os participantes. Na condução desse tipo de atividade, os autores
sugerem alguns pontos a serem privilegiados em sua organização, dentre os quais:

x trabalhar com grupos entre dez a vinte pessoas. Poucas pessoas podem,
às vezes, limitar a discussão. Porém, um número excessivo pode excluir
uma fala importante;
x a disposição das pessoas em círculo contribui para que todos se vejam,
facilitando assim a comunicação;
x o mediador deve estar atento em conduzir o debate de forma que todos
deem sua contribuição, sem privilegiar determinado colaborador;
x ter o texto na mão ajuda na formação das ideias, permite ao participante
fazer a releitura, repassar o texto nas riquezas e nos detalhes do
vocabulário;
x negociar com os participantes a hora de início e término da atividade para
que se evite o entrar e sair de pessoas ou interrupções desnecessárias;
x o local fechado é o ideal e contribui para a concentração. Pode ser feito
ao ar livre, mas corre-se o risco da dispersão; [...]. (PIMENTEL;
BERNARDES; SANTANA, 2009, p. 103).

A organização do espaço, portanto, extrapola a necessidade de criar um


ambiente acolhedor, mas propicia contatos visuais que favorecem o diálogo tão
importante às relações humanas. Dessa forma, tanto a sala onde fica a biblioteca
quanto o espaço aberto existente logo à frente, constituíram cenários complementares
às atividades que estavam sendo realizadas na sala de aula. A distribuição das
cadeiras em círculo facilita também o olhar do mediador para os participantes de modo
32

a estimular o envolvimento de todos. O aproveitamento do tempo a partir de


combinados previamente estabelecidos também constitui outro quesito essencial à
condução de atividades em torno da leitura. Para Chambers (2008), a leitura toma
tempo e, quanto mais envolvidos estivermos com ela, mais concentração esta requer.
Nesse sentido, para o autor, a maioria dos estudantes tem esse tempo garantido
somente na escola, por isso a valorização desse momento é também
responsabilidade dela. Chambers (2008, p. 27) diz que “Psicologicamente, é
impossível ler algo sem experimentar uma resposta.”, ainda que seja uma sensação
de tédio. Porém, nas melhores hipóteses, o autor considera duas grandes
possibilidades. Uma delas é a de que conversar sobre um livro lido e compartilhar
impressões de leitura com amigos, é o primeiro impulso da maioria das pessoas.
Assegurar, portanto, um tempo pós-leitura para que se possa expor, debater, ilustrar
ou atuar o que sentiram, contribui para o envolvimento e consequente formação do
leitor de literatura. Outra possibilidade de resposta a uma leitura, de acordo com
Chambers é a probabilidade de se manter um círculo de leitura de forma
independente, em que o leitor, tendo experimentado uma leitura prazerosa, regresse
aos livros buscando revisitá-los e, posteriormente, buscar outros títulos que possam
igualmente satisfazê-los.
A partir dessa ideia, considerei que, muitas vezes, os estudantes do 6º ano
reliam obras estudadas pela professora regente em anos anteriores, alegando terem
gostado e manifestando interesse em repetir as sensações despertadas pela leitura
anterior, ou procuravam obra que estava sendo lida em sala pela professora no
momento, muitas vezes, de acordo com declarações dos envolvidos, era o único título
que lhes vinha à mente. Ainda a partir de relatos dos estudantes, nos anos anteriores
de escolarização, as práticas de leitura compartilhada eram escassas e não havia
tempo destinado a conversas sobre a leitura ou atividades a ela relacionadas.
Endossando esse discurso, o depoimento da agente de leitura revela não haver uma
preocupação com a leitura literária realizada coletivamente no ciclo II do ensino
fundamental I (4º e 5º ano), limitando-se a destinar uma aula semanal para realização
de empréstimos de livros.
Uma de minhas maiores inquietações foi a falta de interesse de alguns deles
pela leitura, o que me remeteu à necessidade da realização de estudos que tratassem
sobre a importância de mediação adequada no processo de leitura literária e utilização
de estratégias para a compreensão do texto.
33

Procurei, então, analisar a complexidade dos textos mais escolhidos,


questionando aos estudantes o motivo de suas escolhas ao mesmo tempo em que
busquei averiguar, nas observações das aulas na biblioteca, durante um trimestre (10
horas distribuídas em 12 semanas), compreendidos entre os meses de maio e agosto
de 2017, se elementos implícitos nos textos haviam sido compreendidos por eles. Em
vários momentos durante a leitura, alguns vinham me perguntar o significado de algum
vocábulo ou, até mesmo, mostrar algum trecho lido questionando-me o sentido, já que
não haviam entendido.
Em outro momento em que eu observava os estudantes durante a aula na
biblioteca, deu-se a seguinte situação: B – (devolvendo O meu pé de laranja lima, que
havia emprestado da biblioteca 15 dias atrás) “O livro é muito bom, pena que o autor
morreu”. Ao que a professora S, presente nesta aula ocorrida no mês de agosto de
2017, disse-me: “Muitos comentam isso. Eles se interessam e procuram demais por
esse livro. Mas isso é pelo modo com que você apresenta, porque eles vêm bem
doidos atrás. E são os que já foram ou são seus alunos. Quando você disponibilizou
para empréstimo, eles me deixaram bem louca aqui.”. Somente após a leitura dos dois
primeiros capítulos é que deixei os exemplares na biblioteca, numa estante que fica
bem na entrada da sala. Mas, ainda que haja esse interesse e efetivamente o
empréstimo das obras, observei que a leitura era pouco proficiente.
Cheguei, então, à percepção, por meio dos questionamentos que me eram
feitos sobre o enredo e de que as leituras realizadas pelos estudantes daqueles 6os
anos era muito superficial, em sua maioria. Alguns trechos não são entendidos pelos
estudantes, que acabam desprezando o contexto na leitura de determinados
fragmentos. Um exemplo foi durante a leitura do trecho em que Zezé conversa com
uma colega na escola:

- Menina, aonde é que você vai com essa flor?


[...]
- Levo para minha professora.
- Por quê?
- Porque ela gosta. E toda aluna aplicada leva uma flor para a professora.
- Menino também pode levar?
- Gostando da professora, pode. (VASCONCELOS, 2017, p. 79)

Uma estudante, ao ler, imaginou que se tratasse de uma insinuação: o menino


estaria apaixonado pela professora – vê se pode? Além disso, muitas vezes, eles
faziam a devolução dos livros sem terem realizado a leitura do texto na íntegra. Em
34

certas ocasiões, a partir de relatos dos próprios estudantes, notei que os livros sequer
eram tirados da mochila.
Também averiguei que grande parte dos questionados alegaram perder o
interesse pela leitura por falta de compreensão do texto. Em seus relatos, a princípio,
diziam que os livros eram chatos ou, simplesmente, que não gostaram da história.
Pode-se perceber, portanto, a falta da leitura ou o abandono do texto de forma
bastante precoce. Como a leitura dos livros escolhidos era iniciada na própria
biblioteca, espaço que propiciava trocas entre os colegas devido à disposição das
mesas, redondas, facilitando a visualização dos exemplares de livros escolhidos, uns
dos outros, gerando curiosidade e interesse, a leitura se tornava mais eficiente, uma
vez que, diante de dúvidas, os estudantes trocavam opiniões com os colegas.
Contudo, os depoimentos acerca de incompreensão da história escolhida mostraram
que, quando levado o livro para casa, a leitura, sem compartilhamento e sem
mediação, se mostrou insuficiente para a compreensão leitora dos sujeitos envolvidos.
Assim, considerei que o desafio estava, então, em propiciar leituras mais
proficientes, levando-os à melhor compreensão dos textos literários. Para isso,
considerei necessária alguma estratégia que não se limitasse a um aconselhamento
quanto à escolha de obras para serem lidas individualmente, mas que compreendesse
um trabalho efetivo de mediação de leitura para viabilizar uma aprendizagem social e
afetiva. Nas palavras de Colomer:

Aqui está, realmente, o ponto nevrálgico em torno do qual se situa a


intervenção. Pode-se afirmar, cada vez com maior segurança e de maneira
cada vez mais pormenorizada, que a leitura compartilhada é a base da
formação de leitores. (COLOMER, 2007, p. 106).

Além disso, a prática adotada na escola para viabilizar a formação de leitores,


limitava-se, muitas vezes, a oportunizar empréstimos de livros na biblioteca e o
controle feito pelo sistema de bibliotecas da RMBE de Curitiba emitia a quantidade de
empréstimos realizados, não sendo possível identificar os títulos dos livros
emprestados. Os dados que obtive me foram repassados oralmente pela
coordenadora de bibliotecas da regional a que pertence a escola pesquisada, que
consultou o sistema e fez o repasse das informações por telefone.
Diante deste contexto, passei a planejar uma orientação adequada para ajudar
o estudante a compreender melhor o texto, uma vez que na fase escolar o leitor pode
melhor desenvolver a sua capacidade crítica e sua visão de mundo. A essas reflexões
35

acerca da leitura literária na escola, somaram-se, sobretudo, os questionamentos


trazidos por Aguiar (2011, p. 235): “Como se dá a formação desse leitor? Que
indicativos podemos adotar para formar o leitor no âmbito da escola?”.
Portanto, embora existam diversos programas de incentivo à leitura, é na
escola que a educação literária pode se concretizar. De acordo com o que propõe o
texto da Base Nacional Comum Curricular,

[...] no eixo Educação literária predomina a formação para conhecer e


apreciar textos literários orais e escritos, de autores de língua portuguesa e
de traduções de autores de clássicos da literatura internacional. Não se trata,
pois, no eixo Educação literária, de ensinar literatura, mas de promover o
contato com a literatura para a formação do leitor literário, capaz de
apreender e apreciar o que há de singular em um texto cuja intencionalidade
não é imediatamente prática, mas artística. O leitor descobre, assim, a
literatura como possibilidade de fruição estética, alternativa de leitura
prazerosa. Além disso, se a leitura literária possibilita a vivência de mundos
ficcionais, possibilita também ampliação da visão de mundo, pela experiência
vicária com outras épocas, outros espaços, outras culturas, outros modos de
vida, outros seres humanos. (BRASIL, BNCC, 2018, p. 65).

Além da possibilidade de fruição estética, o texto literário propicia ao leitor,


compreensão e reflexão acerca da própria realidade, cultura, espaço, tempo e
contrapô-las a outras, o que pode promover conhecimento sobre o mundo.
Por isso, no planejamento das aulas de leitura literária, preocupei-me com a
elaboração de atividades voltadas à formação de leitores, compostas por minha
mediação, com leituras compartilhadas e tempo na aula para realização da leitura.
Conforme ilustra Colomer, os estudantes necessitam de:

[...] alguém atento em equilibrar seu interesse impaciente pela história, com
sua leitura lenta (alternando a leitura adulta e a da criança, por exemplo) [...];
atividades organizadas em longos projetos de trabalho que dêem sentido às
leituras escolares, enquanto criam expectativas sobre o modo de ler ou o grau
de profundidade requerido; assim como apresentações dos livros que
afastem o medo e a dúvida que o texto desconhecido sempre provoca em
qualquer leitor, de tal modo que os comentários do docente ou a leitura de
fragmentos pretendam, na realidade, o mesmo que as primeiras linhas de
qualquer narrativa: seduzir o leitor para que enfrente o esforço. (COLOMER,
2007, p. 110).

Assim, procurei algumas estratégias de sedução, que serão explicitadas na


fundamentação teórica, do leitor para motivar as leituras literárias, provocando o
levantamento de hipóteses e estimulando questionamentos dos próprios alunos, que,
desse modo, passaram a se sentir agentes na construção de sentido do texto.
36

2.2 PARA “PLANTAR” O ENVOLVIMENTO DO LEITOR: A ESCOLHA DA


SEMENTE

A escolha de O meu pé de laranja lima se deu, principalmente, porque


considerei o seu grande potencial para desafiar os leitores em formação e com uma
mediação adequada possibilitar melhor compreensão da leitura literária, além do fato
de a escola na qual a pesquisa foi desenvolvida contar com 30 exemplares do livro
em seu acervo, o que facilitou a leitura já que cada estudante pôde ter em todos os
momentos um exemplar em mãos. Além dessa facilidade, a obra, que será analisada
com mais profundidade no capítulo 4, tem grande aceitação pelos leitores desde sua
publicação até os dias de hoje.
Sucesso no Brasil e no mundo, o livro ganhou três versões para novelas, duas
para o cinema, além de peças teatrais e até mesmo uma versão em mangá na Coréia
do Sul. A primeira adaptação para a televisão, produzida e exibida pela TV Tupi entre
30 de novembro de 1970 e 30 de agosto de 1971 foi escrita por Ivani Ribeiro e dirigida
por Carlos Zara. Em 1980, a Rede Bandeirantes aproveitou o mesmo texto de Ivani e
produziu uma segunda versão exibida pela Rede Bandeirantes entre 29 de setembro
de 1980 e 25 de abril de 1981, dirigida por Edson Braga. Também pela Bandeirantes,
exibida entre 7 de dezembro de 1998 a 2 de abril de 1999, em 101 capítulos, a terceira
e última versão da obra foi escrita por Ana Maria Moretzsohn e dirigida por Del Rangel
e Giuseppe Oristânio. No cinema, a primeira adaptação ocorreu em 1970, dirigido por
Aurélio Teixeira para a Herbert Richers, enquanto que em 2012, a segunda adaptação
cinematográfica da obra foi dirigida por Marcos Bernstein e conta com atuação de
José de Abreu no papel de Portuga.
Tais fatos demonstram a boa aceitação do público de José Mauro de
Vasconcelos, embora a crítica erudita tenha desprezado o autor. É o que se constata
na carta de E.B.K, cedida, gentilmente, por Evanildo Fernando, biógrafo de José
Mauro de Vasconcelos, com quem me correspondi por telefone durante a realização
desta pesquisa. Estabeleci contato ao tomar conhecimento de seu interesse pela vida
e obra do autor por meio de nota constante na edição do audiolivro lançado em 2012
pela editora Livro Falante. Nesta versão, o livro é lido integralmente por Rafael Cortez,
que relata ter uma relação íntima com a obra e apreciá-la muito. Além da narração, o
ator e compositor interpreta os trechos das canções constantes nos livros, que foram
localizadas com auxílio de Evanildo Fernando. Para aquelas cuja localização não foi
37

possível, Rafael criou melodias, além de ter composto três temas de violão solo para
as aberturas dos capítulos. Evanildo, que reúne em seu acervo inúmeras cartas de
fãs enviadas, dentre outros materiais inéditos do autor, revelou que tais materiais
pertenceram à Mercedes Cruañes Rinaldi, uma das pessoas a quem O meu pé de
laranja lima é dedicado. Quando do envio de fotos de algumas cartas, o biógrafo
solicitou-me a devida menção à Mercedes: “Ela que merece ser citada e dar crédito
para ela pela dedicação e amor à obra de José Mauro de Vasconcelos”. Essa foi
enviada a José Mauro em 1969.

FIGURA 3 – CARTA DE E.B.K.

Fonte: Arquivo de fotografias digitais da autora (2017).

TRANSCRIÇÃO:
Cêrro Largo, 29 de maio de 1969.
Senhor,
38

Li Meu Pé de Laranja Lima com os olhos todo o tempo molhados. Obrigada por escrever livros
tão lindos.
O senhor consegue despertar em que lê ternura e sentimentos bons, e se as lágrimas
provocadas são, conforme algumas críticas, causadas por um “enredo sentimentalóide”, são também
a revelação de que ainda sabemos chorar e nos comover com a vida de outros.
Continue assim, escrevendo maravilhas e gerando nos seus leitores de todo o Brasil, esta
volta necessária e tão bonita aos sentimentos simples e à natureza.
Sua leitora,
E.B.K.

Restavam-me, ainda, importantes questionamentos “O que faz de O meu pé


de laranja lima um livro de alcance internacional?”; “Por que ele está há 50 anos entre
os mais procurados pelos leitores?”; “Que travessia literária o autor percorreu para
produzir uma obra de tamanha aceitação?”
Conforme Chambers (2008), precisamos de um método crítico para tratar
tanto do leitor quanto do livro a ser selecionado para a leitura. Dessa forma,
considera-se que, na seleção, deve-se privilegiar livros escritos para, no caso do 6º
ano, adolescentes ou os que têm qualidades que os tornam atrativos para esse
público. O autor evoca Iser para tratar da ideia de leitor implícito, dizendo que são
necessários dois para se dizer algo, o que significa que um autor projeta uma relação
com seu possível leitor na construção de sentido do texto. Assim, o estilo, de acordo
com Chambers (2008, p. 68), “ é um termo que usamos para nomear a maneira como
o autor usa a linguagem para construir seu leitor implícito e para comunicar o que ele
quer dizer.”. A partir disso, foi relevante na escolha da obra O meu pé de laranja lima,
a linguagem de um narrador criança, sem a necessidade de detalhamentos ou
maiores esclarecimentos, o que resulta numa relação mais íntima com o leitor. Isso
se verifica na figura de Zezé, protagonista da obra, que é um personagem cativante e
de forte identificação com o leitor. Sua travessia na história é norteada por um caminho
de mudança e transformação.
Além disso, O meu pé de laranja lima traz uma história que seduz e desperta
o interesse pela leitura, levando o leitor à identificação com Zezé e compartilhando
suas emoções e travessuras. Tal recurso garante o estabelecimento de conexões
pessoais a partir de pontos de vista compartilhados. Sobre esse ponto, Chambers
(2008, p. 75) diz que “Para que a literatura para crianças tenha algum sentido, deve
em primeiro lugar ocupar-se da natureza da infância; não só da natureza comumente
compartilhada pela maioria das crianças, mas também de suas diversidades.”. Dessa
forma, é possível ao leitor vivenciar situações que permitam vivenciar as experiências
humanas.
39

Ao pensar a obra de José Mauro pode-se considerar a estratégia de escrita


por ele utilizada. Em suas próprias palavras:

O que atrai meu público deve ser a minha simplicidade, o que eu acho que
seja simplicidade. Os meus personagens falam linguagem regional. O povo é
simples como eu. Como já disse, não tenho nada de aparência de escritor. É
a minha personalidade que está se expressando na literatura, o meu próprio
eu. (VASCONCELOS, 2017, p. 230).

Na obra, apesar de não se dirigir explicitamente ao leitor, José Mauro dialoga


com ele, consequentemente conduzindo a narrativa de forma a tocá-lo, sensibilizá-lo
e fazer com que viva as mesmas emoções e sensações de seu personagem.
A aproximação do autor com seu público extrapolava os limites da relação
estabelecida por meio da leitura de suas obras. Atencioso com seus fãs, José Mauro
procurava responder as cartas que recebia, travando diálogo direto com o leitor.
Outro fator considerado na escolha da obra foi a minha experiência enquanto
professora do ensino fundamental II. Ao longo de meu percurso docente, procurando,
além de conhecer as preferências leitoras dos estudantes, aproximação destes com
suas famílias nos momentos de leitura e destas com a escola, dando sugestões de
leituras. Com isso, coincidentemente, alguns procuraram por O meu pé de laranja lima
por indicação, principalmente, de suas mães. Ao questioná-los, soube que as mães
se lembravam dessa obra por terem se emocionado ao lê-la e acreditavam que seus
filhos compartilhariam do mesmo sentimento.
Por alguns anos consecutivos, a obra continuava aparecendo nas indicações
solicitadas por mim às famílias dos leitores, sempre com comentários positivos e
incentivadores.
Além disso, a escolha de O meu pé de laranja lima para leitura coletiva em
turmas de 6os anos se justifica pelo fato de, na última edição da revista Retratos da
Leitura no Brasil (FAILLA, 2016/2017) a obra aparecer como o livro mais marcante,
citado pelos entrevistados, ao lado de Harry Potter:

Uma outra pergunta sobre leituras significativas para os entrevistados, agora


não mais preocupada em especular sobre leituras recentes, mas sobre
aquelas que deixaram marcas mais profundas na memória dos leitores –
“Qual é o livro que mais marcou o(a) sr(a)., ou que o(a) Sr(a). mais gostou de
ler?” –, propiciou a referência a algumas obras anteriormente citadas. É o
caso de A culpa é das estrelas (2º lugar), Diário de um banana (6º lugar),
Crepúsculo (10º lugar), Harry Potter (13º lugar) e A menina que roubava livros
(17º lugar). Outras obras que não haviam sido citadas entre as leituras
recentes e que estão inseridas nesse universo típico das leituras juvenis são:
40

O pequeno príncipe (4º lugar); O Sítio do Picapau Amarelo (9º lugar); O meu
pé de laranja lima (13º lugar); Capitães d’Areia (15º lugar); Romeu e Julieta
(18º lugar). (CECCANTINI, 2016, p. 93-94).

Assim, o livro selecionado para o estudo é interessante especialmente na


exploração das capacidades de leitura do sujeito. Pela leitura literária dessa obra, é
possível ao leitor ir estabelecendo pontos de referência para que ele possa ampliar
seu conhecimento de mundo e de si mesmo. E a literatura nos ajuda a aprender a
olhar de modo diferente, em especial, a obra referenciada que, por meio da
experiência, permite ao leitor buscar um novo referencial para estabelecer sentido.
41

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA – PARA ADUBAR A TERRA: ESTRATÉGIA


DE CULTIVO DOS GRÃOS

Só vendo como ele ficou inchado de orgulho quando contei que, na aula de
leitura, D. Cecília Paim disse que eu era quem melhor lia, o melhor “leitureiro”.

José Mauro de Vasconcelos

Neste capítulo, discuto a ação pedagógica e a mediação literária em ambiente


escolar, abordando temas como a leitura e a constituição do sujeito, a recepção do
texto literário, leitura e formação do leitor. A partir das considerações de Street (2014),
sobre práticas de letramento em contextos sociais reais, e de Azevedo e Balça (2016),
acerca de educação literária, trato das concepções de leitura e de literatura. No que
tange às especificidades do texto literário e suas possibilidades de interpretação, trago
Jouve (2012) e Eco (2012), além das contribuições de Iser (2002) e Jauss (2002) para
falar das relações entre texto e leitor. A partir desses fundamentos, apresento, em dois
subitens as abordagens teóricas que embasaram a condução do trabalho: em 3.1 está
o aporte para a realização de leitura em voz alta e as formas de mediação necessárias
para o trabalho com o texto literário. Já em 3.2 refiro-me especificamente a propostas
metodológicas voltadas à mediação de leitura.
Um discurso comum é de que ler é fundamental para o desenvolvimento
intelectual e cultural e com frequência aparecem projetos para se formar novos e mais
leitores. De acordo com João Luís Ceccantini, no artigo Mentira que parece verdade:
os jovens não leem e não gostam de ler, publicado na última edição da Revista
Retratos da Leitura no Brasil:

Deve-se destacar que o crescimento desse segmento (literatura infanto-


juvenil), tanto no que se refere ao número de títulos de literatura juvenil
disponibilizados quanto ao número de exemplares produzidos, deveu-se às
vendas para o mercado, mas também ao incentivo advindo de grandes
vendas ao governo (em nível municipal, estadual e, sobretudo, federal) por
meio de programas como o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola).
O PNBE adquiriu, em anos intercalados, milhões de livros juvenis,
distribuindo-os a escolas públicas de ensino fundamental II e de ensino médio
de todo o território nacional ao longo de uma década aproximadamente, numa
iniciativa que, certamente, começa a mostrar, de forma gradual, alguns
resultados positivos quanto à formação de leitores, embora haja muito ainda
por fazer. (CECCANTINI, 2016, p. 88).

De fato, nos últimos anos, as bibliotecas escolares da rede pública de ensino


receberam considerável acervo e de boa qualidade, graças a políticas públicas bem-
42

sucedidas como o Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE6. Desse modo, a


alegação da falta de acervo apropriado já não se conserva, tão pouco gera
impedimento do trabalho com o livro literário. O que resta, então, é o impasse ainda
existente no que se refere à importância da leitura mediatizada do texto literário no
espaço escolar, já que se dispõe de relevante acervo na biblioteca da escola.
Ressalta-se a importância em anuir que no espaço escolar a leitura literária,
quando realizada, não deve ser concebida de modo mecânico, irrefletido. Deve-se
considerar que a leitura possui um caráter transformador, podendo inserir o indivíduo
numa outra perspectiva. Conforme aponta Bakhtin:

As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem


de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É portanto claro
que a palavra será o indicador mais sensível de todas as transformações
sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram
forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos
estruturados e bem formados. (BAKHTIN, 2006, p. 42).

A linguagem, enquanto fenômeno ideológico, permite interação entre os


sujeitos. No contexto escolar, as práticas de linguagem por meio da leitura e da escrita
estão inseridas em significados culturais que devem ser considerados nos processos
de construção do conhecimento.
Ponderando sobre leitura, a concepção de Azevedo (2001) demonstra uma
abertura para entendermos que leitor é aquele que sabe o que fazer com o que lê, ou
seja, ler implica também fazer com que o leitor encontre ressonância de sua leitura no
universo do real:

[...] leitores são simplesmente pessoas que sabem usufruir os diferentes tipos
de livros, as diferentes “literaturas” – científicas, artísticas, didático-
informativas, religiosas, técnicas, entre outras – existentes por aí. [...] Leitores
podem ser descritos como pessoas aptas a utilizar textos em benefício
próprio, seja por motivação estética, seja para receber informações, seja
como instrumento para ampliar sua visão de mundo, seja por motivos
religiosos, seja por puro e simples entretenimento. (AZEVEDO, 2001, p. 38).

6 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), desenvolvido desde 1997, tinha o objetivo de
promover o acesso à cultura e o incentivo à leitura nos alunos e professores por meio da distribuição
de acervos de obras de literatura, de pesquisa e de referência. O atendimento era feito de forma
alternada: ou eram contempladas as escolas de educação infantil, de ensino fundamental (anos
iniciais) e de educação de jovens e adultos, ou eram atendidas as escolas de ensino fundamental
(anos finais) e de ensino médio. O programa, porém, foi interrompido. De acordo com entrevista, em
setembro de 2017, do presidente da CBL, Luís Antonio Torelli concedida ao portal G1, a última
remessa de obras foi realizada em 2014.
Fontes: http://portal.mec.gov.br/programa-nacional-biblioteca-da-escola. Acesso em 25 jan. 2018;
<http://cbl.org.br/imprensa/noticias/governo-federal-esta-desde-2014-sem-comprar-livros-de-
literatura-para-escolas-publicas>. Acesso em 15 jul. 2018.
43

Torna-se, portanto, essencial que se considere o leitor e suas possibilidades


diante da escolha de leituras, sobretudo em pesquisas e projetos de intervenção
leitora a serem realizados na escola.
É a linguagem que organiza nossa realidade. Passamos a vida repetindo,
resistindo ou rompendo nossa existência por meio da linguagem. Assim, todo leitor
tem sua história (de leituras). Desde muito cedo, ouvimos histórias e com elas
aprendemos e interagimos, o que promove enriquecimento da vida interior e contribui
para nos formarmos enquanto sujeitos.
Um sujeito, na história, se constitui na coletividade, já que a interpretação da
realidade se dá a partir de memórias pessoais e coletivas. O sentido é a função da
linguagem, que é a parte ativa do processo comunicativo. É, portanto, nela que existe
a significação, que é constituída com auxílio do contexto. Entendê-la como fenômeno
social e dar aos estudantes a oportunidade de compreendê-la enquanto tal é tarefa
fundamental de todo professor, oportunizando ao estudante pensar sobre a língua em
suas diversas manifestações, como o texto.
É vital ainda considerarmos que o texto, todo e qualquer texto, é constituído
de significados, sejam eles claramente expostos ou engendrados nas entrelinhas,
ideologias e intenções que não devem ser desvinculadas de seu contexto de produção
no momento de leitura e interpretação.
A leitura é uma tarefa que exige muita complexidade. Tal ato pode se
consolidar desde uma simples tarefa de decodificação até a compreensão da
mensagem textual em todas as suas nuances. É por meio da linguagem que ocorrem
as aproximações entre os seres humanos, bem como suas relações comunicacionais.
A leitura é, portanto, muito mais ampla do que parece. Fazemos leituras de
mundo o tempo todo das mais variadas formas possíveis. Ao analisarmos as atitudes
das pessoas que nos cercam, por exemplo, estamos fazendo uma leitura da situação.
Lemos as expressões faciais das pessoas, lemos rótulos dos produtos para os
avaliarmos e verificarmos sua utilidade, por exemplo. Logo, concluímos que a leitura
(de mundo) se faz presente em todos os momentos de nossa vida.
A partir disso, considero leitor competente aquele que extrapola os limites do
que está dito, ou seja, aquele capaz de compreender as entrelinhas, seguindo as
pistas dadas pelo texto. E vai além disso, é necessário desenvolver criticidade diante
do que foi lido, assumindo papel ativo de construtor de sentido através da leitura. A
44

capacidade de análise do texto deve considerar fatores externos a ele sem, contudo,
extrapolar os limites da interpretação dados pelo texto.
Portanto, é necessário, ler além das palavras. O contexto é fundamental para
a compreensão de mensagens. A situação de produção, intencionalidade, contexto
histórico, entre tantos outros fatores, contribuem para a apreensão de mensagens. O
leitor competente e crítico não pode deixar de lado qualquer desses elementos que
compõem o texto.
Dessa forma, teremos efetivamente a tarefa de ler, o que implica respeito ao
texto e a todas as suas especificidades, além da tomada de uma atitude ativa diante
dele.
Na presente pesquisa, entende-se leitura como ato mais abrangente do que
conhecer uma história, ou aprender palavras novas, convenções ortográficas ou
gramaticais. Para se entender a formação de leitor literário, a concepção de leitura
utilizada compreende a peculiaridade da literatura em debater com ideologias. Girotto
e Souza (2010) trazem importante contribuição para o ensino da leitura na escola, de
modo a coadjuvar os estudantes a compreenderem o que leem com o uso das
estratégias de leitura7 (cuja contribuição para a presente pesquisa está descrita no
item 3.3). As autoras trazem a relevante abordagem acerca de uma leitura que não se
restringe à decodificação:

Segundo Pressley (2002), a leitura de palavras por crianças e adolescentes


deve ser fluente, sendo que a maioria das palavras é reconhecida
rapidamente e não meramente decodificada. Isto é importante porque
reconhecer e compreender uma palavra depende da memória do leitor, a qual
armazena seu conhecimento prévio. (GIROTTO; SOUZA, 2010, p. 49).

É crucial considerar a particularidade do texto literário na abordagem sobre


leitura. As experiências armazenadas, também, por meio de leituras, que constituem
o conhecimento prévio, influenciam diretamente na compreensão leitora de literatura.
Além disso, as dificuldades de leitura e de escrita dos estudantes foram consideradas
nesta pesquisa levando-se em conta as condições sociais e materiais que afetam a
significação. Consequentemente, o contexto dos pesquisados é relevante para o

7 Termo utilizado pelas autoras após o desenvolvimento de um projeto de pesquisa que investigou o
ensino de estratégias de compreensão leitora em textos de literatura infantil, com duração de três
anos.
45

estudo e a análise e descrição das etapas do processo consideram as especificidades


desse grupo.
Considero, para isso, os apontamentos de Street (2014) acerca de práticas do
letramento em contextos sociais reais. Para ele, “O conceito de ‘práticas de
letramento’ se coloca num nível mais alto de abstração e se refere igualmente ao
comportamento e às conceitualizações sociais e culturais que conferem sentido aos
usos da leitura e/ou da escrita.”. (STREET, 2014, p. 18). Essa abordagem considera
os eventos de leitura e escrita em suas práticas aplicadas em situações específicas,
tal como prevê o presente estudo. Dessa maneira, os possíveis resultados obtidos
nesse grupo de participantes refletem um modelo ideológico, não permitindo
generalizações sobre aquisição do letramento literário.
Street ainda trata a respeito da escolarização do letramento no contexto da
educação a partir de estudos de caso realizados em sociedades industrializadas,
utilizando abordagens etnográficas, o que é bastante relevante para as reflexões
desta pesquisa. A partir das implicações do modelo ideológico de letramento, Street
(2014, p. 119) conclui que “isso exige que professores e planejadores educacionais
auxiliem os aprendizes a entender os princípios críticos que subjazem tanto a suas
práticas letradas quanto às práticas pedagógicas através das quais eles as
aprenderam.”. O autor destaca uma prática social centrada no uso da leitura e da
escrita num processo ideológico consolidado no letramento. Assim, o contexto social
é decisivo nos processos de letramento dos sujeitos.
Desse modo, considero, a partir dos autores portugueses Azevedo e Balça
(2016), a escola como agente de formação do leitor literário em uma perspectiva mais
ampla, a de uma Educação Literária. Pensando na prática, eles acrescentam que:

O conceito de educação literária ultrapassa, assim, o nível do ensino-


aprendizagem da literatura – aprender a ler os textos como literários,
obedecendo à convenção estética ou ao protocolo de ficcionalidade, ou
aprender a apreciar a literatura -, referindo-se ao desenvolvimento de
competências que permitem ler o mundo de uma forma sofisticada e
abrangente e contribuem para a formação de sujeitos críticos, capazes de ler
e interrogar a práxis. (AZEVEDO; BALÇA, 2016, p. 3).

Assim, a educação literária objetiva a formação de leitores competentes,


capazes de atribuir sentido ao que leem, interagindo criticamente diante do texto e de
suas possíveis relações. Embora extrapole os limites da escola, é ainda um desafio
46

desta buscar encaminhamentos para que essa formação se dê e, para isso, destaca-
se a função do professor mediador de leitura literária em sua especificidade.
Ao considerar a origem da palavra literatura, apresentada por Jouve, tem-se
que
Etimologicamente, havemos de lembrar que a palavra “literatura” vem do
latim litteratura (“escrita”, “gramática”, “ciência”), forjado a partir de littera
(“letra”). No século XVI, a “literatura” designa, então, a “cultura” e, mais
exatamente, a cultura do letrado, ou seja, a erudição. “Ter literatura” é possuir
um saber, consequência natural de uma soma de leituras. (JOUVE, 2012, p.
29).

Para o estudo acerca da escolarização da literatura, é elementar considerá-la


enquanto arte da linguagem, propiciando reflexões sobre as condições em que um
texto pode ser tido como estético. Segundo Jouve (2012), a literatura deixou a
representação de elite, passando, a partir do século XIX, a caracterizar-se como arte
da linguagem, na manifestação estética da escrita.
Textos com finalidade estética, como é o literário, capaz de despertar
emoções, exigem maior esforço por parte do leitor para sua compreensão. Para tratar
de interpretação desse tipo de texto, é preciso conceituar “função estética” que, de
acordo com Passarelli (2012), refere-se ao que se escreve mais por prazer e aos
textos criativos, que visam entreter, sensibilizar o leitor do que aqueles pragmáticos,
escritos por casualidade.
Logo, percebemos que sempre há uma intencionalidade na escrita, ainda que
essa não seja de ordem prática, objetiva.
Assim como nenhum leitor vai despretensiosamente a um texto, nenhum texto
é totalmente despretensioso. Tal fator deve, sem sombra de dúvidas, ser considerado
no momento de sua leitura e análise.
Jouve (2012) apresenta, ainda, algumas condições para que um texto possa
ser tido como estético. Partindo das reflexões de Genette, o autor considera que
“Convém, portanto, distinguir dois regimes de literariedade: o constitutivo (um texto é
literário por respeitar as regras de determinado gênero); o condicional (um texto é
literário por apreciação estética subjetiva).”. (JOUVE, 2012, p. 31-2). Portanto, são
vários elementos que conferem literariedade a um texto, que vão desde a formalidade
até uma apreciação subjetiva da linguagem.
É importante considerar que o homem é, além de animal social, um animal
estético e como tal necessita, também, da arte para viver. Sob esse aspecto, a
47

literatura, por ter como matéria-prima a palavra, é uma das artes capazes de
aprofundar nossa reflexão sobre a condição humana. Como aponta Jouve (2012), as
artes como escultura, música e pintura exigem reflexão de modo mais mediato,
enquanto que o texto literário é sempre um fato de sentido, carregado de
intencionalidades.
A interpretação, conforme aponta Umberto Eco (2015), nasce de três
intenções: intenção do autor; intenção da obra e intenção do leitor. Apesar de distintas,
são complementares e devem ser consideradas quando da interpretação de um texto
literário. O autor escreve criando um sentido pretendido. A intenção do autor resulta
no texto, constituindo uma nova unidade de sentido.
Eco (2015) evidencia a importância em se considerar, além dos estudos sobre
o sentido do texto, seu enfoque gerativo e interpretativo. O texto pode, sob a
perspectiva gerativa, ser descrito objetivamente, dentro de sua estrutura
organizacional, anulando-se as intenções autorais, opostamente ao que ocorre sob o
enfoque interpretativo.

Podemos, igualmente, assumir um ponto de vista hermenêutico, admitindo,


no entanto, que a interpretação tem por finalidade buscar o que o autor queria
realmente dizer, ou então o que o Ser diz através da linguagem, sem,
contudo, admitir que a palavra do Ser possa ser definida com base nas
pulsões do destinatário. (ECO, 2012, p. 7).

Sob esse ponto de vista, texto e intenção do autor são indissociáveis. A obra,
então, apresenta de modo singular uma leitura de mundo de seu criador. Conhecer o
autor, suas crenças e contexto de criação, contribui para a compreensão do texto.
Na busca desse sentido pretendido pelo autor, Jouve (2012) menciona que
em estudos acadêmicos, frequentemente, usa-se comentar um determinado texto
usando também outros escritos do mesmo autor. Para o linguista francês, essa
estratégia é eficaz por pressupor a intenção do autor em contraponto à intenção da
obra. Tal procedimento “É o famoso ‘círculo hermenêutico’ (a fórmula é de Dilthey)
que encontramos em Schleiermacher: o texto só pode ser entendido no horizonte da
obra, que, ela própria, só pode ser apreendida através dos textos que a compõem.”.
(JOUVE, 2012, p. 57).
Em relação às intenções do leitor, é importante entender que elas não
necessariamente comportam possibilidades infinitas de interpretação. Conforme
aborda Eco (2012, p. 8), “Se privilegiarmos a intenção do leitor, será mister também
48

prevermos um leitor que decida ler um texto de modo absolutamente unívoco e opte
pela busca, quiçá infinita, dessa univocidade.”.
Sendo assim, considero necessária a opção de uma determinada corrente
para orientar a interpretação dos textos literários. Avaliando traços entre texto e leitor,
convém trazer para contribuir com a discussão acerca de leitura e compreensão de
textos literários o pensamento referente à Estética da Recepção. Essa teoria inaugura
uma nova fase sobre os estudos literários, atribuindo ao leitor o papel de eixo a partir
do qual se examinam os textos e a história literária. O leitor, então, passa a ser
considerado elemento fundamental para a interpretação e validação da obra literária.

[...] a estética da recepção faz seu o princípio hermenêutico segundo o qual


a obra se enriquece ao longo dos séculos com as interpretações que dela são
dadas; tem presente a relação entre efeito social da obra e horizonte de
expectativa dos destinatários historicamente situados; mas não nega que as
interpretações dadas do texto devam ser comensuradas com uma hipótese
sobre a natureza da intentio profunda do texto. (ECO, 2015, p. 9).

Assim, no processo de compreensão da obra, as intenções apresentadas por


Eco não devem se sobrepor, nem, contudo, excluírem-se. O fato de se levar em conta
cada uma delas, contribui significativamente para o entendimento do texto literário,
sobretudo nos casos em que há necessidade de mediação da leitura, como ocorre
nesta pesquisa.
Entre os estudiosos dessa teoria estão Wolfgang Iser e Hans Robert Jauss.
Esses dois ramos oriundos da Escola de Constância, apesar de distintos, são
complementares. Jauss, por meio da estética da recepção, constata que a obra de
arte só se impõe e sobrevive por meio de um público; enquanto que a teoria de leitor
implícito, de Iser, se volta para o efeito do texto sobre o leitor.
Abordagem semelhante à de Iser, está exposta em Eco (2012). O autor traz o
conceito de leitor modelo e examina o texto considerando que o autor faz escolhas
pensando no leitor, criando estratégias para que o leitor acompanhe o que ele escreve,
ou seja, o texto programa sua recepção. De acordo com Eco, o autor produz a sua
obra utilizando-se de uma estratégia, prevendo ações e reações de seu leitor. (ECO,
2012, p. 39).
O autor de O meu pé de laranja lima escreveu para os seus leitores e, como
em qualquer outra estratégia, prevendo os seus movimentos e se antecipando a eles
de modo a construir uma narrativa instigante e, ainda que muito carregada de
49

sentimentalismo, sem se deixar cair nas tramas da obviedade. Assim, a estratégia


utilizada por ele converge com o pensamento trazido por Eco de que “Gerar um texto
significa executar uma estratégia de que fazem parte as previsões dos movimentos
de outros.”. (ECO, 2012, p. 39).
Para esta pesquisa, contribuiu especialmente a análise do “jogo do texto”, jogo
na concepção de Iser é a interação que se forma entre autor, texto e leitor no ato da
leitura. Iser (2002, p. 107), afirma que “o jogo não tem de retratar nada fora de si
próprio. Ele permite que a inter-relação autor-texto-leitor seja concebida como uma
dinâmica que conduz a um resultado final”.
Toda a orientação de leitura estabelece uma relação de jogo, assim, “Os
autores jogam com os leitores e o texto é o campo do jogo.”. (ISER, 2002, p. 107). No
caso, o professor exerce um jogo duplo, com o autor e o texto, além da criação da
interpretação do texto. Já o leitor, de forma indireta exerce seu jogo com o texto e a
orientação do professor, o que pode causar uma nova concepção de jogo,
principalmente se o leitor vier a se relacionar, posteriormente, com outras leituras, sem
as intervenções do professor.
Iser, ao tomar a questão do jogo, comenta que “O próprio texto é resultado de
um ato intencional pelo qual um autor se refere e intervém em um mundo existente,
mas, conquanto, o ato seja intencional, visa a algo que ainda não é acessível à
consciência.”. (ISER, 2002, p. 107). O ato intencional de intervenção no texto é uma
reformulação do real, o papel do mediador é sobrepor camadas para propiciar o efeito
que deseja de reinventar a realidade, para que atinja a consciência do leitor em
formação.
O estreitamento entre leitor e obra, a relação que remete ao jogo do texto
fundamentado por Iser, pode ser somada à satisfação estética discutida por Jauss,
para compreendermos, de que maneira a leitura orientada poderia representar uma
leitura prazerosa para o estudante:

Na reação de prazer ante o objeto estético, realiza-se, ao invés, uma


reciprocidade entre sujeito e objeto, em que “ganhamos interesse em nossa
ausência de interesse”. Este interesse estético se explica de forma mais
simples pelo fato de que o sujeito, enquanto utiliza sua liberdade de tomada
de posição perante o objeto estético irreal, é capaz de gozar tanto o objeto,
cada vez mais explorado por seu próprio prazer, quanto seu próprio eu, que,
nesta atividade, se sente liberado de sua existência cotidiana. (JAUSS, 2002,
p. 97-98).
50

No momento em que este prazer liberta o sujeito de sua existência cotidiana,


ou seja, faz com que ela se esqueça de si e, por exemplo, se espelhe no personagem
de uma aventura, abre-se espaço para o pensamento de que bons livros poderiam
impulsionar o estudante a buscar outras leituras posteriormente, na expectativa de ter
novamente aquela sensação de prazer e contemplação de outras realidades, mesmo
que de maneira fictícia, entendendo que “o prazer estético realiza-se sempre na
relação dialética do prazer de si no prazer no outro (Selbstgenuss im Fremdgenuss).”
(JAUSS, 2002, p. 98).
As discussões acerca de leitura de textos clássicos e da importância destes
na formação do estudante compreendem que esse tipo de leitura é uma atividade que
realiza uma forma de prazer estético sendo, ao mesmo tempo, desafiadora e não uma
simples decodificação. Então, uma obra que consiga cumprir os requisitos de uma
leitura desafiadora e esteticamente prazerosa, estaria cumprindo seu papel, ou seja,
fazendo com que a percepção do leitor em idade escolar participe e tenha uma
identificação com outra realidade, já que “o prazer estético da identificação possibilita
participarmos de experiências alheias, coisa de que, em nossa realidade cotidiana,
não nos julgaríamos capazes.”. (JAUSS, 2002, p. 99).
Orientar leituras é um meio de intervir no mundo cognitivo do estudante, para
revelar algo que poderia não ficar claro na sua consciência se fosse apresentado sem
intervenções. Nesse ínterim encontra-se a finalidade específica da leitura coletiva sob
orientação do professor: chegar ao resultado de uma interpretação proveitosa do
texto, isto porque, “Os jogos visam a resultados e, se as diferenças não são
transpostas ou mesmo removidas, o jogo chega ao fim.”. (ISER, 2002, p. 108).
Assim, o professor como mediador da leitura, assume também o papel de
colaborador no processo de composição da obra, sobretudo em seu aspecto
semântico, contribuindo para a construção do sentido em todos os seus estados,
como proposto por Jouve (2012). Ele passa a ser colaborador daquele texto, não no
momento em que “interfere” na obra já pronta, mas no momento em que a reinterpreta
e a reconta. Nesse interim, é possível falar em intenção do mediador na medida em
que intervém em caráter colaborativo instigando os leitores em formação a arquitetar
as relações semânticas essenciais para a compreensão dos textos literários.
Azevedo e Balça, ao tratar de educação literária esclarecem que:

Educar literariamente as gerações mais jovens implica uma atividade


51

planificada e formadores conscientes do seu papel e do que lhe é exigido,


uma vez que, como atividade cultural, que exige esforço e tempo, a educação
literária não se desenvolve espontaneamente. (...) as atividades devem ser
orientadas para a aquisição de estratégias de compreensão, sendo que o
aluno deve aprender a monitorizar todo o processo. É igualmente importante
que o aluno seja incentivado ao exercício de uma palavra autónoma e
ajudado na construção da recepção do texto literário. (AZEVEDO; BALÇA,
2016, p. 3-4).

Tal proposta prevê mediação na condução de atividades de leitura realizada


em conjunto, que permeiam discussões coletivas, o que pode ser relacionada ao
contexto do jogo pronunciado por Iser:

[...] o texto é composto por um mundo que ainda há de ser identificado e que
é esboçado de modo a incitar o leitor a imaginá-lo e, por fim, a interpretá-lo.
Essa dupla operação de imaginar o leitor e interpretar faz com que o leitor se
empenhe na tarefa de visualizar as muitas formas possíveis do mundo
identificável, de modo que, inevitavelmente, o mundo repetido no texto
começa a sofrer modificações. (ISER, 2002, p. 107).

A elaboração de uma atividade de interpretação de texto, que é característica


do professor, também sofre todos os processos citados por Iser. Há um texto que é
composto para posteriormente ser identificado pelo leitor, que tem o mesmo percurso
intersubjetivo de trabalhar a imaginação e conceber a realidade proposta pelo texto.
Ou seja, as questões elaboradas para guiar a leitura também carecem de um esforço
imagético e interpretativo por parte do aluno, o que deve ser previsto pelo mediador
tanto na elaboração quanto na condução das tarefas para não se correr o risco de
facilitar ou dificultar demasiadamente o trabalho. Somente desta forma ele pode
relacionar o que é proposto pelo professor a um mundo onde aquilo que é esboçado
faz sentido:

Ora, como o texto é ficcional, automaticamente invoca a convenção de um


contrato entre autor e leitor, indicador de que o mundo textual há de ser
concebido, não como realidade, mas como se fosse realidade. Assim o que
quer que seja repetido no texto não visa a denotar o mundo, mas apenas um
mundo encenado. (ISER, 2002, p. 107).

É o que se dá na obra eleita para esta pesquisa (como se poderá verificar na


análise constante no capítulo 4 dessa dissertação), em que o leitor é convidado a
aceitar elementos imaginários “como se fosse realidade” para maior aproximação com
o mundo ficcional com o qual passa a se relacionar por meio da leitura.
52

Nesse ponto se conectam as teorias já brevemente expostas de Jauss e Iser,


ambos falam de três momentos na relação do leitor com o texto. Em um caso, Jauss
(2002, p. 102) apresenta os conceitos de poiesis, aisthesis e katharsis:

[...] a conduta do prazer estético, que é o mesmo que liberação de e liberação


para realiza-se por meio de três funções: para a consciência produtora, pela
criação do mundo como sua própria obra (poiesis); para consciência
receptora, pela possibilidade de renovar sua recepção, tanto na realidade
externa quanto interna (aisthesis); e, por fim, para que a experiência subjetiva
se transforme em inter-subjetiva, pela anuência ao juízo exigido pela obra, ou
pela identificação com normas de ação predeterminadas a serem
explicitadas.

Nas três funções explicitadas por Jauss, observam-se, na verdade, três


momentos em que o jogo referido por Iser se realiza. O primeiro deles a poiesis, que
se refere ao papel do autor/produtor do texto, que para esta pesquisa, seria o
mediador, aquele que (re)programa o mundo realidade idealizando-o em um outro
mundo. No segundo ponto, a aisthesis, fala do leitor, nesta pesquisa o adolescente,
que, através de sua consciência, renova no ato da leitura, amplia sua recepção
externa e interna da realidade. Ao final temos a katharsis, não esmiuçada por Jauss
na citação, mas que pode ser compreendida como o texto em si, a síntese de uma
dialética que faz a junção e a hermeticidade entre o autor e o leitor, entre poiesis e
aisthesis.
Na relação com o jogo abordado por Iser (2002, p. 108), o movimento é o do
jogo composto por três diferentes aspectos, como veremos a seguir:

1. Em cada nível, posições diferenciáveis são confrontadas entre si. 2. A


confrontação provoca um movimento de ida e vinda que é básico para o jogo
e a diferença resultante precisa ser erradicada para que alcance um
resultado. 3. O movimento contínuo entre as posições revela seus aspectos
muito diferentes e como cada um traspassa o outro, de tal modo que as
próprias várias posições são por fim transformadas.

Trata-se de um esquema que se aproxima com o apresentado por Jauss,


principalmente no momento em que revela uma relação de confronto entre as três
partes para que surja a experiência estética. A confrontação entre as partes revela a
movimentação do jogo e o seu comportamento de ir descobrindo e anulando as
diferenças que possam existir entre texto e leitor, para, por fim, transformar-se na
passagem do mundo externo do leitor para o mundo interno do texto ficcional:
53

Como o espaço entre autor e leitor, o texto literário pode ser descrito em três
níveis diversos: o estrutural, o funcional e o interpretativo. Uma descrição
estrutural visará mapear o espaço; a funcional procurará explicar sua meta e
a interpretativa perguntar-se-á por que jogamos e por que precisamos jogar
(ISER, 2002, p. 109).

O leitor na fase escolar realizaria de modo mais fecundo esta tríade relacional
entre autor, leitor e texto, pois a escola seria a que melhor poderia extrair resultados
positivos da experiência estética de jogar com estes três níveis, além do que o aluno
possui um campo de preenchimento intelectual até então pouco explorado do ponto
de vista imagético, ele ainda comporta menos preconceitos e hábitos ou
padronizações de interpretação e de leitura. Portanto, realizaria de maneira mais
significativa a relação de “contrato” entre autor e leitor, como pronuncia Iser, avançaria
de modo mais aprofundado no mundo textual.
Conjecturando acerca da leitura literária, destaca-se a importância da
utilização de estratégias que valorizem o estudante em sua singularidade pois, ao
pensar o leitor como sujeito ativo no processo de criação do texto literário e as
possíveis relações com o mundo, permite ao sujeito constituir-se socialmente.
O domínio da língua é, portanto, fundamental para que o sujeito exerça com
plenitude seu papel como cidadão. As habilidades da leitura podem promover um ser
capaz de decifrar o código da língua, mas, é dever da escola ir além, desenvolvendo
simultaneamente o processo de letramento, considerado, nesta pesquisa, como
desenvolvimento do uso competente da leitura e escrita nas práticas sociais.
Atualmente a definição mais difundida de letramento é a apresentada por
Magda Soares (2003): "Letramento é o resultado da ação de ensinar ou de aprender
a ler e escrever, o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo
como consequência de ter-se apropriado da escrita." Desse modo, letramento seria
resultado ou consequência do processo de alfabetização.
Aliando-se essa definição à prática de leitura literária na escola, há a
importante contribuição de Cosson (2006) na definição de letramento literário como o
processo de apropriação da literatura enquanto linguagem.
Para o estudioso, o letramento literário começa com as cantigas de ninar e
continua por toda nossa vida a cada romance lido, a cada novela ou filme assistido.
Depois, que é um processo de apropriação, ou seja, refere-se ao ato de tomar algo
para si, de fazer alguma coisa se tornar própria, de fazê-la pertencer à pessoa, de
54

internalizar ao ponto daquela coisa ser sua. É isso que sentimos quando lemos um
poema e ele nos dá palavras para dizer o que não conseguíamos expressar antes.
Assim, o letramento literário não é apenas algo diferenciado pelas atividades
desenvolvidas com textos literários, mas, através do trabalho estético e único da
palavra, permite a construção de habilidades, comportamentos e conhecimentos,
desenvolvidos principalmente com a literatura.
Dessa forma, é preciso adequar a escolarização da leitura literária, evitando-
se aulas voltadas para o ensino moralizante e utilitarista. O professor deve conduzir
seus alunos para o uso das práticas de leitura literária vividas no contexto social,
dando subsídios para que encontre o sentido nos textos lidos, provocando interesse
pela literatura que, enquanto arte e experiência estética, tem a capacidade de nos
levar a uma reflexão de mundo. A formação de leitores na escola passa, então, pelo
uso de “[...] metodologias ativas que dão voz ao aluno e o entendem como
coconstrutor das suas aprendizagens e suscetível de mobilizar uma palavra
autónoma.”. (AZEVEDO; BALÇA, 2016, p. 6).
Contudo, por muitas vezes, a escola, na tentativa de inovar e cativar os
estudantes comete equívocos no âmbito do incentivo da leitura: disponibiliza poucas
possibilidades de exercer autonomia intelectual ou criativa. Como destaca Britto:

Um grave equívoco consequente da pedagogia da motivação reside na


crença de que a escola, para ser interessante e motivar os alunos, deve
incorporar formas da educação não-formal, principalmente, os objetos de
cultura que circulam nos espaços sociais cotidianos (imprensa, internet,
música, catálogos, rótulos etc.). Ao contrário, se se busca formar pessoas
capazes de operar com esses objetos de forma autônoma e criativa, é
necessário oferecer coisas que se encontram além desse espaço, ou seja,
objetos elaborados da cultura. Contudo, estes só podem ser compreendidos,
por meio do estudo regular e sistemático, já que não dependem das
circunstâncias, nem da lógica informativa da imprensa nem dos interesses de
seus produtores. (BRITTO, 2009, p. 198).

A utilização de outros objetos de cultura, tanto quanto dos livros, quando não
intenta em transformar um ponto de vista, conduz a uma falsa realização educacional.
Tais práticas, com o intuito de promover reflexão e ampliação da visão de mundo,
devem estar vinculadas a objetivos de aprendizagem, com o propósito da realização
de tarefas que estimulem a leitura de tais objetos culturais em suas manifestações
sociais.
A respeito da formação de leitores no espaço escolar, Costa (2007) considera
que um passo inicial pode estar na literatura por permitir ao estudante a oportunidade
55

de se colocar no lugar do outro e ter contato com leitores com percepções e


interpretações diversas às suas, promovidas pelas leituras compartilhadas.
A percepção dessa questão pode ser ampliada quando se estende a formação
pela literatura para as relações em sociedade. Ainda de acordo com a autora,

[...] o leitor irá buscar, no âmbito das convenções sociais, nas relações de
poder, na cultura e em todas as suas linguagens (música, cinema, teatro,
artes plásticas e outros), além de sua experiência de vida, a compreensão
das ideias expressas pelos textos literários. (COSTA, 2007, p. 63).

Para que o ser humano possa desenvolver a sua criticidade e formar opiniões
sobre determinados assuntos deverá continuar a ler por iniciativa própria. “Para
chegar ao máximo do prazer da leitura, não devemos ler de modo errático e
desavisado. Portanto enquanto não amadurecermos como leitores, algum
aconselhamento sobre leitura pode ser-nos útil, talvez, até mesmo essencial”.
(BLOOM, 2001, p. 16).
Também, de acordo com Eco (2015), ao tratar do leitor-modelo suposto pelo
texto, há dois tipos previstos: o leitor-modelo ingênuo e o leitor-modelo crítico. Para o
autor,
[...] a interpretação semântica ou semiósica é o resultado do processo pelo
qual o destinatário, diante da manifestação linear do texto, preenche-o de
significado. A interpretação crítica ou semiótica é, ao contrário, aquela por
meio da qual procuramos explicar por quais razões estruturais pode o texto
produzir aquelas (ou outras, alternativas) interpretações semânticas. (ECO,
2015, p. 12).

Sob esse aspecto, então, é fundamental considerar-se a função da mediação


no processo de leitura a ser realizada na escola, sobretudo no enfoque da condução
necessária para que o leitor tenha condições de chegar à criticidade, não se limitando
à ingenuidade.
A busca de um estreitamento entre leitor e obra, aliado ao prazer intelectual
da satisfação de ler, poderá impulsionar o estudante a buscar constantemente leituras
que sejam prazerosas e também fonte primordial de conhecimento. Para tanto, é
necessário que ele veja na leitura uma atividade desafiadora e não uma simples
decodificação. O texto deve surpreender e até mesmo romper com as expectativas do
leitor para que ele perceba o caráter desafiador da leitura.
Por isso é tão importante a leitura de literatura numa fase em que a
criatividade e imaginação estejam mais afloradas, constituindo um ponto de partida
56

para a construção de um repertório próprio. Para Zilberman (2005, p. 9), “livros lidos
na infância permanecem na memória do adolescente e do adulto, responsáveis que
foram por bons momentos aos quais as pessoas não cansam de regressar”.
Com um repertório de leituras literárias, o jovem leitor poderá começar a
trilhar seu próprio caminho, fazendo suas escolhas particulares que serão guiadas por
um certo nível de leituras. Isso caracteriza ampliação do cabedal intelectual, que é
essencial para a formação do leitor. Para Eco (2006, p. 14) “os leitores se dispõem a
fazer suas escolhas no bosque da narrativa acreditando que algumas delas serão
mais razoáveis que outras.”.
Por isso, a mediação do professor faz-se necessária, considerando
especialmente os seguintes aspectos:

a) entender que a criança, indivíduo pertencente a um grupo social, é um


aprendiz da cultura desse grupo e que a educação formal, ministrada nas
escolas, deve ser construída como um prosseguimento desse aprendizado;
[...] c) valorizar as relações existentes entre literatura, história e cultura, pois
cada momento histórico e cada cultura criam uma estética própria para o
fazer literário; [...] f) entender o espaço escolar como aquele em que podem
ser desenvolvidas as primeiras relações do indivíduo com a sociedade,
espaço responsável pelas primeiras lutas e pelas primeiras conquistas.
(GREGORIN FILHO, 2009, p. 73-74).

Torna-se essencial, sob essa perspectiva, analisar a escolha e a mediação


do professor desses textos objetivando o acesso aos estudantes. Na perspectiva de
Iser, alguns aspectos devem ser considerados:

É sensato pressupor que o autor, o texto e o leitor são intimamente


interconectados em uma relação a ser concebida como um processo em
andamento que produz algo que antes inexistia. Esta concepção do texto está
em conflito direto com a noção tradicional de representação, à medida que a
mímesis envolve a referência a uma “realidade” pré-dada, que se pretende
estar representada. (ISER, 2002, p. 105).

Portanto, cabe uma cuidadosa análise visando a percepção dos diferentes


métodos utilizados pelos autores de livros destinados ao público em idade escolar,
bem como aqueles desenvolvidos pelo professor e os efeitos produzidos neste leitor.
Para a formação de leitores e envolvimento com os produtos da cultura é
importante que na infância e adolescência o sujeito tenha escutado habitualmente
histórias relacionadas a livros e que tenha nestes uma referência agradável. Para
isso, compartilho a visão de Britto de que:
57

Na dimensão do envolvimento com os produtos da cultura, ensinar leitura só


faz sentido se essa proposição promover a formação das pessoas, por meio
da experiência e da vivência intensa, metódica e consistente com o
conhecimento em suas diversas formas de expressão. (BRITTO, 2009, p.
195).

Sob esse aspecto, a escola, na figura do professor, deve promover a formação


de pessoas no contato com a cultura letrada. Para isso, o professor deverá passar ele
próprio por um processo de formação cultural que corresponde, no entendimento de
Theodor Adorno (1995, p. 64), “à disposição aberta, à capacidade de se abrir a
elementos do espírito, apropriando-os de modo produtivo na consciência.”.
Ainda a respeito da formação cultural no campo da educação, lê-se em Kant:

Na educação, o homem deve, portanto: [...] 2) Tornar-se culto. A cultura


abrange a instrução e vários conhecimentos. A cultura é a criação da
habilidade e essa é a posse de uma capacidade condizente com todos os fins
que almejamos [...]. 3) A educação deve também cuidar que o homem se
torne prudente, que ele permaneça em seu lugar na sociedade e que seja
querido e que tenha influência. (KANT, 1996, p. 26-27).

O incentivo realizado pelo professor, porém, não deve encerrar-se na fase


inicial do leitor. Pelo contrário, deverá permanecer nas fases seguintes para que o
leitor não se sinta perdido diante da imensurável quantidade de títulos dentre os quais
ele poderá optar. Nesse aspecto, a escola oferece ambiente propício para que o
estudante continue seu trajeto de leituras, contribuindo para o contato com diversos
gêneros literários e contato com a cultura letrada que, devido as suas condições
socioeconômicas, como é o caso dos participantes desta pesquisa, dificilmente teriam
contato se não fosse pela escola. Ao tratar de cultura, nesse caso, considerarei a partir
da visão de Silva, R. M.:

No Brasil, a ideia de cultura (pelo menos a denominada “cultura de verdade”


ou a “alta cultura”) remete para um conjunto de bens materiais ou imateriais
possível de ser apropriado e elaborado por uma minoria, uma elite
endinheirada. Acessíveis a poucos, a perspectiva de universalizar esses bens
somente os desvaloriza e apequena. (SILVA, R. M. 2008, p. 7).

De acordo com o autor, disso resulta o caráter exclusivo ainda presente nas
escolas brasileiras, já que o acesso a bens culturais como livros, computadores e
museus, ainda é restrito a poucos. No contexto da escola pública participante desta
pesquisa, os estudantes envolvidos relataram, durante as observações descritas no
58

item 2.1 – Conhecendo a terra: investigação das preferências leitoras – ter pouco
contato com obras de literatura e poucos deles possuíam livros em casa. Por isso,
fomentar o contato com esses bens culturais na escola contribui para que o estudante
do 6º ano do ensino fundamental, devidamente estimulado, passe a desenvolver sua
capacidade crítica e argumentativa. A leitura nessa fase estimula o pensamento e
ajuda a criança a entender melhor as transformações que estão ocorrendo consigo
mesmo, o que promove o autoconhecimento.
Considerando o leitor estudante de ensino fundamental, é importante que
suas escolhas sejam novamente mediadas, já que é muito comum que nessa idade
busquem apenas leituras de best-sellers, como já apresentado no capítulo referente
à metodologia, quando se tratou da investigação inicial das preferências leitoras dos
estudantes envolvidos. Tal fato é também apresentado por Britto quando diz que

[...] a leitura de entretenimento é a mais fácil, porque, espelhando um universo


conceitual e valorativo de senso comum, supõe apenas conhecimentos e
valores da vida cotidiana. Essa leitura não difere de outras formas de
consumo de cultura de massa (programas de televisão; cinema de
entretenimento) e, justamente por isso, deixa de contribuir para a experiência
formativa. (BRITTO, 2009, p. 196).

A inabilidade do leitor em formação não se restringe à escolha, mas,


sobretudo, à ingenuidade interpretativa. Como diz Calvino (2005, p. 10) “as leituras da
juventude podem ser pouco profícuas pela impaciência, distração, inexperiência das
instruções para o uso, inexperiência da vida.”.
A orientação do professor pode ajudar o estudante a compreender melhor os
textos e é nessa fase que o leitor já desenvolve mais amplamente a sua capacidade
crítica e visão de mundo.
Contudo, de acordo com Britto (2009), deve-se tomar cuidado para não
acreditar que a aproximação afetiva e despertar pelo gosto são suficientes para a
formação do leitor literário.

O que mais comumente ocorre é a pessoa esperar do texto que ele se ajuste
às suas formas de compreender e viver o mundo, as quais, por sua vez, são
produtos históricos e não valores originais desta ou daquela pessoa; apenas
na medida em que toma consciência desta condição e trabalha para sua
superação é que a pessoa passa a criar intelectual e socialmente. (BRITTO,
2009, p. 199).
59

Enfim, para se ensinar a leitura literária é necessário incentivo de maneira


adequada e, especialmente, dando o exemplo e acesso. E o melhor ambiente em que
essas duas coisas podem estar presentes é na escola.
A leitura literária tem uma especificidade, reconhecendo-se em três funções
essenciais de acordo com a visão de Michel Picard, lida por Jouve:

A primeira é “a subversão na conformidade”. O texto literário ao mesmo


tempo contesta e supõe uma cultura. (...) A leitura literária tem, portanto, um
duplo interesse em nos mergulhar numa cultura e fazer explodir-lhe os limites.
A segunda função é “a eleição do sentido na polissemia”. (...) A última função
apreendida por Picard é a “modelização por uma experiência de realidade
fictícia”. Trata-se aqui do papel pedagógico da leitura. [...] (JOUVE, 2002, p.
137).

Faz-se, então, necessária uma reflexão sobre o ensino da literatura na escola,


especificamente considerando o papel desenvolvido pelo professor no ensinamento
dessa arte, destacando sua mediação para a formação do leitor.
Dados da pesquisa Retratos de Leitura no Brasil (que visa conhecer o
comportamento do leitor medindo a intensidade, forma, limitações, motivação,
representações, e as condições de leitura) demonstram que os índices de leitura de
crianças e adolescentes em idade escolar ainda são insatisfatórios.
A 4ª edição desta pesquisa, divulgada em 2017, traz uma informação que, em
uma primeira análise, parece contradizer a importância da mediação devido à elevada
proporção de leitores que não reconheceram quem influenciou seu gosto ou interesse
pela leitura. Apesar de o percentual daqueles que disseram que ninguém os
influenciou ser menor entre leitores (55%) do que em relação aos não leitores (83%),
e de esclarecer que o resultado apresentado incluía a população adulta, o número
causou estranheza pois não reflete o que dizem vários estudos sobre a importância
da mediação na formação de novos leitores.
A importância da mediação é confirmada quando se comparam respostas de
leitores e não leitores: 83% dos não leitores não receberam a influência de ninguém,
enquanto 55% dos leitores tiveram experiências com a leitura na infância pela
mediação de outras pessoas – especialmente mãe e professor.
Ainda é importante ressaltar que 60% dos entrevistados na referida edição da
pesquisa indicam dificuldade de compreensão ou habilidade leitora como fator que
impede a leitura.
60

A formação de um leitor proficiente é um dos principais objetivos do


ensino de língua portuguesa e uma proposta de alfabetização com
vistas aos multiletramentos precisa levar em conta o caráter multimodal
dos textos e a multiplicidade de sua significação. (LORENZI; PÁDUA,
2012, p. 39).

Então, para que alcancemos a plenitude do ato de leitura na escola é


fundamental que pensemos em estratégias de interação entre leitor e mediador,
propiciando diálogo construtivo com o texto.

3.1 LEITURA EM VOZ ALTA E MEDIAÇÃO

Na perspectiva das práticas pedagógicas envolvidas nas atividades de


condução da leitura, procurei melhor compreender o trabalho de mediação exercido
por mim a fim de aprimorá-lo. Foi essencial, nesse momento, considerar a dinâmica
de interação envolvida no processo de leitura, no qual o professor/mediador auxilia o
leitor estimulando-o a correlacionar os conhecimentos para compreensão dos textos
lidos. De acordo com Freitas (2012) “Mediar o desenvolvimento da leitura é exercitar
a compreensão do aluno, transformando-o de leitor principiante em leitor ativo.”. A
autora, em sua pesquisa com uma estudante de 5º ano do ensino fundamental cujo
objetivo era mostrar as contribuições da mediação no processo de leitura, mostra os
percalços encontrados durante procedimentos de leitura, desde a decodificação,
habilidade de localização e vocabulário, até a obtenção de um progresso a partir da
mediação que propiciou desenvolvimentos de habilidades de fazer inferência e
compreender ideias implícitas a partir do contexto. Freitas conclui que as intervenções
mediadoras realizadas naquela experiência contribuíram especialmente na condução
do raciocínio da criança para o entendimento do texto.
Conforme Pimentel; Bernardes e Santana (2009), a função do mediador de
leitura na biblioteca escolar vai além de aproximação e apresentação do livro ao leitor,
ela engloba atividades de dinamização da leitura, sem a cobrança de conteúdos
pedagógicos. Os autores acrescentam, em seu Curso Técnico de Formação para os
Funcionários da Educação/Técnico em Multimeios didáticos: Biblioteca escolar, que:

O mediador de leitura deve estabelecer um canal de comunicação eficaz, com


uma linguagem de fácil compreensão, atraindo o leitor para o contato com o
livro e com a leitura, sentando junto, acompanhando as reações,
estabelecendo laços de intimidade com a palavra escrita e com o objeto livro.
(PIMENTEL; BERNARDES; SANTANA, 2009, p. 83).
61

Para tanto, o mediador deve, de acordo com os autores, observar


cuidadosamente os usuários para conhecê-los e perceber a manifestação da cultura
local, além de depreender de que forma eles se relacionam com a leitura e os livros,
qual o nível de maturidade de leitura e as preferências que manifestam em suas
escolhas. Assim, torna-se possível ao mediador, após respeitar a individualidade e
anseios dos estudantes, a elaboração de um planejamento de atividades a serem
realizadas na biblioteca.
Considerando-se que os sujeitos desta pesquisa são estudantes de escola
pública e falantes de variedades de pouco prestígio social, ofereceu valioso suporte o
Projeto de Leitura e Mediação Pedagógica sob coordenação de Stella Maris Bortoni-
Ricardo que, com um grupo de pesquisadoras da UnB, desenvolveu projetos com
base na sociolinguística8 educacional.

As pesquisas fundamentadas na sociolinguística educacional mostram que é


possível desenvolver práticas de linguagem significativas, no sentido de
incluir alunos oriundos das classes sociais menos favorecidas, fazendo com
esses alunos deixem de se sentir estrangeiros em relação à língua utilizada
pela escola, e com isso consigam participar de forma satisfatória das práticas
sociais que demandam conhecimentos linguísticos diversos. (BORTONI-
RICARDO, [2004?], não p.).

A sociolinguística no espaço escolar, para a autora, favorece a compreensão


não apenas dos fenômenos da linguagem, mas também dos fenômenos sociais a eles
atrelados. Dessa forma, a contribuição da sociolinguística educacional está em
favorecer métodos de ensino que aprimorem o trato com a língua na sala de aula e,
para isso, é interessante que o estudante tenha acesso a uma variedade linguística
mais prestigiada, sem desvalorizar aquela que ele domina desde sempre. Por isso, a
escolha do livro O meu pé de laranja lima contribuiu com essa aproximação pelo uso
de linguagem coloquial, ao mesmo tempo em que se apresentava o interesse do
personagem pelos estudos e sobretudo referente à leitura na escola: “(...) na aula de
leitura, D. Cecília Paim disse que eu era quem melhor lia, o melhor ‘leitureiro’”.
(VASCONCELOS, 2017, p. 80).

8 Ramo da linguística que visa ao estudo das relações entre língua e sociedade, mostrando que o

comportamento linguístico é determinado por fatores socioculturais. Disponível em: <


https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-
brasileiro/sociolingu%C3%ADstica/>. Acesso em: 06 ago 2018.
62

Bortoni-Ricardo; Lopes; Cobucci e Machado (2012) tratam das tradicionais


tarefas de leitura realizadas pela escola, como a produção de paráfrases orais de
textos lidos, que permitiam ao professor identificar o que foi ou não assimilado e
promover as explicações necessárias, além de, por meio da oralização, permitir o
compartilhamento do processo interpretativo com os colegas de turma. As autoras
prosseguem com a contextualização do ensino de leitura nas escolas brasileiras,
comentando as alterações por que esse tipo de trabalho passou a partir da segunda
metade do século XX, com a ampliação e obrigatoriedade de vagas no ensino
fundamental, que, na opinião delas “(...) não se sabe bem por que, decrescem a
preocupação com a compreensão leitora e, consequentemente, a ênfase no trabalho
pedagógico que avalia e auxilia essa compreensão.”. (BORTONI-RICARDO;
COBUCCI; MACHADO, 2012, p. 8).
As investigações realizadas pelas pesquisadoras revelam ainda que após
esse período, somente depois dos primeiros exames nacionais de avaliação e dos
desconfortantes resultados em relação à leitura com compreensão, é que o tema
reaparece, na virada do milênio com os primeiros resultados do SAEB9. Os dados
obtidos revelam, prosseguem as autoras, que os desempenhos de compreensão
leitora equivalem a dois anos anteriores de escolarização, o que indica que estudantes
de 6º ano apresentam resultados esperados para o 4º ou até mesmo 3º ano. E, foi
justamente o desconsolo diante disso que motivou investigações das pesquisadoras
da UnB, cujas reflexões estão organizadas por Bortoni-Ricardo (2012), com projetos
baseados na sociolinguística educacional.

Em pesquisas sociolinguísticas anteriores conduzidas na Universidade de


Brasília, ficou claro que o evento da leitura individual ou coletiva pelos alunos
é um momento em que a mediação do professor tem importância crucial.
Nossa ênfase bifurcou-se então: nas estratégias de mediação dos
professores durante eventos de leitura que alunos realizavam e no papel do
conhecimento enciclopédico, ou conhecimento de mundo, que eles tinham de
mobilizar para processar a compreensão do texto que estavam lendo.
(BORTONI-RICARDO; COBUCCI; MACHADO, 2012, p. 9).

9 O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), realizado pelo Inep/MEC, abrange
estudantes das redes públicas e privadas do país, localizados em área rural e urbana, matriculados no
5º e 9º anos do ensino fundamental e também no 3º ano do ensino médio. São aplicadas provas de
Língua Portuguesa e Matemática. A avaliação é feita por amostragem. Nesses estratos, os resultados
são apresentados para cada unidade da Federação e para o Brasil como um todo. Disponível em:
<http://www.educacao.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=61>. Acesso em: 06 ago
2018.
63

Considerando-se leitores com pouca experiência na cultura letrada, como é


caso dos estudantes de 6º ano da escola pública pesquisada, o conhecimento
enciclopédico, “Conhecimentos alusivos a vivências pessoais e eventos
espaçotemporalmente situados, permitindo a produção de sentidos” (KOCH, ELIAS
apud MAGALHÃES; MACHADO, 2012, p. 52), por vezes, não é suficiente para a
compreensão de textos literários e é justamente nesse aspecto, salientam as autoras,
que a postura mediadora do professor se faz efetiva. Na compreensão de textos,
portanto, a mediação se constrói a partir do preenchimento das lacunas do texto que
podem se dar com base na elaboração, pelo mediador, de paráfrases e da
antecipação de possíveis problemas de interpretação decorrentes de estruturas
lexicais mais complexas ou mesmo de situações de pouca familiaridade dos leitores
envolvidos.
Como resultado do referido Projeto Leitura e Mediação Pedagógica,
coordenado por Stella Maris Bortoni-Ricardo, as autoras Magalhães e Machado
(2012) apresentam uma pesquisa sobre estratégias de leitura, com intenção de
averiguar a compreensão de textos e a interação entre leitor e mediador enquanto
facilitador nesse processo. As autoras apresentam uma proposta de uso de protocolos
verbais como metodologia que estimula o pensar alto para verificar de que estratégias
o leitor se vale para a resolução de problemas e dificuldades de leitura:

Cavalcanti (1989) utilizou os protocolos verbais na elaboração de tarefas,


investigação ou práticas de pontos problemáticos em leitura. Com a
metodologia dos protocolos verbais, ela coletou dados de pesquisa
realizando pilotos que consistiam em os pesquisadores lerem e pensarem
alto, de modo a revelar suas estratégias de leitura no nível do discurso
suprassentencial; combinarem leitura com verbalização, demonstrando
dificuldades encontradas no texto; apontarem problemas de leitura no campo
lexical e dificuldades na construção de interpretação pragmática.
(MAGALHÃES; MACHADO, 2012, p. 47).

Dessa forma, a observação das pausas realizadas pelos leitores para pensar
sobre o texto lido, levantando os olhos do texto para sobre ele refletir ou devido ao
impasse diante de um termo desconhecido que impede a continuidade da leitura,
constituem momentos oportunos para mediação pedagógica, ouvindo os
questionamentos ou comentários tecidos pelos estudantes. Faz-se, portanto,
essencial a interação entre leitor e mediador para que este saiba em que aspecto deve
intervir para contribuir na condução da linha de raciocínio a ser seguida por aquele a
fim de atingir as habilidades necessárias na compreensão de um texto. Essas
64

verbalizações, ao serem transcritas em formas de protocolos, ajudam na organização


do pensamento do estudante quando da retomada do texto lido, por exemplo. Nesse
caso, é possível ao leitor reconstruir, por meio da escrita o que foi de fato assimilado
da leitura realizada e assim perceber se o texto deixou lacunas a serem preenchidas
e verificar a necessidade de retomada ou não da leitura para seja eficiente. Esse
método foi utilizado na minha pesquisa por meio da realização de uma atividade
denominada POLAS (descrita no capítulo 5 dessa dissertação), que constitui na
retrospectiva do que foi lido de forma colaborativa entre os estudantes permitindo
intervenções quando da ocorrência de ideias equivocadas acerca do texto.
No processo de mediação, Magalhães e Machado (2012) destacam a
essencialidade de contextualização, sendo necessária a preparação prévia da leitura,
instigando os estudantes a externarem o que já sabem sobre o tema tratado, quais
são seus conhecimentos prévios sobre o assunto. As autoras também discorrem
sobre a relevância em se considerar as previsões que os estudantes fazem ainda que
pareçam, a princípio, inadequadas. A condução do trabalho deve consistir no
apontamento de direções para que eles sejam capazes de encontrar caminhos
convergentes entre suas conexões pessoais e textos lidos. Sob esse aspecto,
Magalhães e Machado (2012, p. 63) consideram que “[...] a leitura é uma atividade
muito dinâmica que requer procedimentos sistematizados para que sua abordagem
tenha êxito em contexto de pesquisa e, principalmente, na sala de aula, onde se tem
a interação de muitos alunos”. (Referente à valorização dos conhecimentos prévios,
conexões e outras estratégias de leitura, tratarei mais adiante, no item 3.2 Leitura e
mediação pedagógica).
Contribuiu também para a reflexão sobre a postura de professora mediadora
a ser adotada por mim na condução desta pesquisa, as considerações de Moura e
Martins (2012) acerca da aproximação entre teoria e prática necessárias a um melhor
entendimento do processo de leitura. Nesse estudo, elas fazem uma revisitação de
alguns autores como aporte teórico para a condução do já referenciado Projeto Leitura
e Mediação realizado com estudantes de 6º ano do ensino fundamental da rede
pública. Seus apontamentos residem, principalmente, na importância de a escola
assumir o ato da leitura com protagonismo tanto de professores quanto dos
estudantes. Para elas,
65

Isso implica, principalmente, entender o caráter multifacético da leitura.


Somente assim podemos reformular procedimentos e comportamentos
realizados pela escola e por seus sujeitos, ao assumir seu papel social no
contexto real, conforme as circunstâncias exigem. Não podemos nos ater
unicamente à macroestrutura do texto (Van Dijk, 2011) ou de sentidos e
inferências geradas a partir da interação do leitor com os demais leitores,
além do professor mediador. (MOURA; MARTINS, 2012, p. 89).

Para isso, as autoras recorrem à Kleiman (2007) e Solé (1998) para tratar das
estratégias de leitura, ressaltando o protagonismo suscitado no desenvolvimento de
tais atividades, capazes de desenvolver o trabalho cognitivo na escola.
Tem-se, então, que com o uso da modalidade de leitura em voz alta e do
trabalho de mediação, as dificuldades dos estudantes em relação à leitura, letramento
e em relação ao tempo foram amenizadas. Da mesma forma, por se tratar de leitores
pouco experientes, o processo de compreensão do texto foi facilitado inicialmente.
Moura e Martins (2012) tratam, também, da ação colaborativa do leitor e
cooperação do mediador para a ampliação da compreensão leitora. O trabalho por
elas desenvolvido consistiu na mediação necessária para que o estudante
estabelecesse conexão entre o texto e seu conhecimento de mundo, desenvolvendo
“a metacognição, ou seja, o controle sobre as informações já obtidas com a leitura do
texto, sinalizando, quando, quando necessário, pontos de inferências.”. (MOURA;
MARTINS, 2012, p. 91). De acordo com as autoras, esse trabalho de mediação foi
possível a partir do uso de uma série de estratégias organizadas por elas em duas
categorias: cognitivas e metacognitivas. No primeiro grupo, encontram-se ações
voltadas ao acionamento de conhecimentos prévios, colaborando para que o
estudante se atente aos aspectos necessários para o estabelecimento de relações
entre esses e novos conhecimentos adquiridos; ajudar o estudante a expor o que já
sabe sobre o tema, possibilitando relações com seu universo comunicacional;
colaborar para a distinção entre real e ficcional e a desenvolver relação de analogia.
Já as estratégias metacognitivas englobam atividades de mediação voltadas à
reflexão, solicitando aos estudantes que busquem identificar as novas informações
aprendidas com a leitura do texto, elaborando perguntas para que eles as
reconheçam; perceber o objetivo da leitura e procurar alcançá-lo durante ela; solicitar
a sintetização do conteúdo do texto para que percorram as informações contidas e
retomem as aprendizagens construídas, ampliando sua visão de mundo.
Em suas considerações finais, as autoras apontam que
66

A mediação pedagógica é uma atividade docente que merece destaque em


toda a educação básica, considerando a realidade apresentada nas
avaliações nacionais e, acreditamos, sobretudo, na capacidade e boa
vontade do professor em promover a aprendizagem escolar pela via da
leitura. (MOURA; MARTINS, 2012, p. 112).

As pesquisadoras ainda ressaltam que as interações em sala de aula são


possíveis por meio de mediação centrada na aprendizagem, em que o professor deve
assumir o papel de mediador primando pela qualidade de ensino. Para o
desenvolvimento da compreensão leitora, consequentemente, o uso de estratégias se
mostra eficaz e deve ser incentivado nas práticas escolares.
Dessa forma, opostamente ao que comumente ocorre com uso de fichas
tradicionais de leitura, que visam uma leitura superficial do texto, as atividades
baseadas nas estratégias que promovem a reflexão do estudante acerca do que foi
lido permite a ele vivenciar efetivamente a leitura da obra. Sob esse aspecto, Gregorin
Filho (2016) afirma que a literatura na escola deve possibilitar ao estudante o
conhecimento e interação com o mundo por meio de conhecimento próprio, de sua
condição humana e das relações em sociedade. Gregorin Filho ressalta a função do
professor de conduzir o estudante a essas reflexões possíveis por meio da leitura
literária tendo que, para isso, aquele seja não só leitor de literatura, mas de estéticas
de mundo e, somo a isso, das necessidades dos leitores em formação.
No desenvolvimento deste trabalho, como recurso complementar de
mediação, optei pela leitura realizada em voz alta por mim, ao mesmo tempo em que
os estudantes tinham em mãos um exemplar da obra O meu pé de laranja lima em
todas as aulas, que ocorreram no período de agosto a dezembro de 2017. No decorrer
deste processo, a leitura da obra, realizada em capítulos e seguida de conversas e
trocas de impressões ao final de cada momento, foi acrescida de leituras
complementares. Destaca-se nesse âmbito a leitura do conto Olheiro, de Júlio Emílio
Braz, realizada no período de 11 a 15 de setembro de 2017, texto que despertou um
conjunto de percepções sensoriais gerando longa e proveitosa roda de conversa. Tal
leitura foi devidamente preparada por mim para este momento, procurando adequar
os sons, falas de personagens, garantindo também dramaticidade na descrição do
cenário e composição das cenas, além de gesticular nos momentos propícios para
ajudar na compreensão de termos desconhecidos, por exemplo.
Essa leitura, prevista inicialmente para ser realizada em um único momento,
ganhou mais espaço para aprofundamento e discussões, uma vez que os
67

leitores/ouvintes manifestaram interesse em compartilhar suas impressões e opiniões,


além de relatarem experiências pessoais que se conectaram com o conto lido. Como
diz Zumthor (2014, p. 53):

Comunicar (não importa o quê: com mais forte razão um texto literário) não
consiste somente em fazer passar uma informação; é tentar mudar aquele a
quem se dirige; receber uma comunicação é necessariamente sofrer uma
transformação. Ora, quando se toca no essencial (como para aí tende o
discurso poético... porque o essencial é estancar a hemorragia de energia
vital que é o tempo para nós), nenhuma mudança pode deixar de ser
concernente ao conjunto da sensorialidade do homem.

Portanto, a escolha de Olheiro se deu, além do possível diálogo com a outra


obra, O meu pé de laranja lima, em processo de leitura, por conter características em
seu enredo que propiciavam aproximação com a realidade da comunidade à qual
pertence a maioria dos estudantes envolvidos no processo. Além disso, considerou-
se que o texto, por suas particularidades literárias, oportunizaria, por meio de
vocalização expressiva, o despertar de emoções.
Para Zumthor (2014, p. 73), a performance na leitura “exige interpretação:
elementos marginais, que se relacionam à linguagem e raramente codificados (o
gesto, a entonação), ou situacionais, que se referem à enunciação (tempo, lugar,
cenário).”. É o que se pôde perceber durante a leitura do trecho em que o personagem
Zezé está preparando uma brincadeira utilizando uma meia velha para fazer uma
cobra e assustar as pessoas que passassem na rua. A movimentação do menino se
escondendo atrás da cerca, se escondendo e testando a sua “invenção” foram
reproduzidos por mim com detalhes. Assim, os leitores/ouvintes/espectadores,
vivenciaram com maior profundidade a tensão e expectativa geradas pela cena.

Corri a me esconder no portão e experimentei o puxador da cobra. Ela


obedeceu. Estava perfeita. Então eu me escondi bem escondidinho atrás da
sombra da cerca e fiquei com o puxador entre os dedos. O tamanco vinha
perto, vinha perto, mais perto ainda e zúquete! Comecei a puxa a linha da
cobra. Ela deslizou devagar no meio da rua.
Só que eu não esperava aquilo. [...] (VASCONCELOS, 2017, p. 71).

Essas características aproximam a leitura do campo teatral quando se trata


da vocalização do texto literário. Vidor (2016), ao tratar dessa aproximação, considera
o texto como mediador do encontro leitor-ator e ouvinte-espectador. A autora discorre
sobre a voz no ato da leitura do texto literário, que implica a ação de escuta do texto.
68

Assim, na realização da leitura durante esta pesquisa, ainda que os


estudantes desviassem os olhos do livro por alguns instantes, não havia interrupção
do texto, que era então recebido por vias auditivas. A oralidade tem essa peculiaridade
de, conforme Zumthor (2014), permitir a recepção coletiva. Em depoimento ao final de
um dos momentos de leitura, um estudante disse que “É legal o jeito que a professora
lê... parece tipo um teatro, tem interpretação dos personagens e tal...”.
Neste caso, é essencial abordar a forma de transmissão do texto literário que
se dá tanto pela palavra escrita quanto pela voz. Assim, a percepção do leitor é ativada
por mais de um campo sensorial como audição e visão, tal como aponta Zumthor:

Todas as funções desta (ouvido, vista, tato...), a intelecção, a emoção se


acham misturadas simultaneamente em jogo, de maneira dramática, que vem
da presença comum do emissor da voz e do receptor auditivo, no seio de um
complexo sociológico e circunstancial único. A situação de pura escritura-
leitura (situação extrema, e que parece hoje cada vez menos compreensível
para os mais jovens) elimina, em princípio totalmente, esses fatores. Daí as
resistências, talvez, sobretudo por parte do receptor.”. (ZUMTHOR, 2014, p.
66).

Devido à pouca familiaridade de grande parte dos estudantes com textos


literários, especialmente aqueles que exigem uma leitura de fôlego, a modalidade de
leitura em voz alta vem em prol do processo de compreensão do texto a que o
professor se propõe quando da leitura realizada coletivamente.
Zumthor trata também da relação entre performance e recepção,
considerando esta no sentido a ela dado por críticos alemães:

Recepção é um termo de compreensão histórica, que designa um processo,


implicando, pois, a consideração de uma duração. Essa duração, de extensão
imprevisível, pode ser bastante longa. Em todo caso, ela se identifica com a
existência real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes.
(ZUMTHOR, 2014, p. 51).

A partir dessa concepção de que a performance permite a recepção coletiva


de um texto, nesta pesquisa o processo é observado diante de uma comunidade
específica de leitores – estudantes de 6º ano, com idade entre 10 e 11 anos, de uma
escola pública do município de Curitiba. A recepção da leitura compartilhada se
constitui, no decorrer dos momentos a ela destinados nessa pesquisa, por meio das
atividades e mediação realizadas para que o texto de fato se concretizasse para esses
leitores.
69

Tratando ainda de performance de leitura, Zumthor (2014) traz também o


pensamento de Iser, considerando que a maneira de ler o texto é que lhe confere
estatuto estético. Assim, a leitura exige consciência do leitor e se concretiza a partir
das relações que com ele estabelece. Ao propor a leitura em voz alta para um grupo
de estudantes, pude compartilhar com os demais leitores o meu encontro particular
com a obra, ao mesmo tempo em que pude vivenciar os novos encontros que estavam
ali acontecendo.
A leitura de literatura envolve ainda um conjunto de percepções sensoriais
capazes de gerar produtividade. Para produzir efeitos sobre o leitor/ouvinte, o texto
literário deve ser lido de maneira a possibilitar ao outro uma transformação, a permitir
uma experiência catártica.
Zumthor trazendo o pensamento de Gadamer fala também de “compreensão”
e “a entende como uma interioridade: compreender-se naquilo que se compreende”.
(ZUMTHOR, 2014, p. 55). Assim, o sujeito passa a se conhecer melhor na medida em
que possibilite relações de si mesmo, sua visão de mundo e suas leituras. É possível,
então, atrelar esse conceito de compreensão e autoconhecimento com as conexões
– especialmente a conexão texto-leitor – propostas por Girotto e Souza em Ler e
compreender: estratégias de leitura (abordado posteriormente nesta dissertação).
Outra vantagem da leitura em voz alta, de acordo com Chambers (2007a), é
em relação ao tempo destinado a essa prática. Na escola, sobretudo nas turmas do
ensino fundamental II em que a duração de cada aula é de apenas 50 minutos, é
vantajosa a leitura realizada ao mesmo tempo para todos, já que não é possível dar
aos estudantes que demandam mais tempo para a realização da leitura todo o tempo
que requerem durante a aula.
Nesse aspecto, também se encaixa outro empecilho: o fato de as aulas
destinadas à leitura literária ocorrerem apenas uma vez na semana. Em razão deste
projeto, excepcionalmente, abriu-se espaço para que mais uma aula pudesse ser
destinada a esse fim. Contudo, ainda se fazia necessária uma retomada afim de
resgatar o conteúdo lido na aula anterior para que pudessem rememorar a narrativa e
perceber a sequência de fatos, além das ocasionais pistas deixadas pelo autor para
elucidar alguns fatos ocorridos e, assim, facilitar a compreensão.
Ao final de cada leitura, destinava ainda um pequeno intervalo entre a leitura
e a conversa a ser realizada sobre ela. É o que Chambers (2007a) chama de ruminar
70

o que foi lido para, em seguida, destinar um tempo para a realização de conversas
informais entre as leituras para, desse modo, manter o interesse do leitor.
É também do escritor inglês a proposta de um círculo de leitura representada
pelo seguinte diagrama:

FIGURA 4 – EL CÍRCULO DE LECTURA

FONTE: CHAMBERS (2007a).


O diagrama proposto por Chambers (2007a) relaciona os diferentes
momentos que compõem o ato da leitura. Há o destaque para a figura de um adulto
facilitador que, incialmente deve fazer a seleção de livros. Para esta pesquisa, contei
com a disponibilidade de trinta exemplares de O meu pé de laranja lima no acervo da
biblioteca da escola.
A presença do adulto facilitador proposto no diagrama cercado de setas com
duas direções, mostra que ele tanto ensina quanto aprende com quem ajuda. Da
mesma forma, estudantes aprendem com seus colegas, trocando impressões e
experiências. Contudo, para a compreensão leitora, eles ainda dependem do
professor para entendimento de particularidades da arte literária que exigem uma
análise mais experiente. (CHAMBERS, 2007a).
A leitura do texto, quando devidamente preparada, deve contar com tempo
destinado especificamente a essa prática. Além disso, o adulto facilitador, o professor,
deve, de acordo com Chambers, saber adequar os sons, falas de personagens, bem
como converter a palavra escrita em ação, dando ritmo adequado para garantir
71

dramaticidade. É necessário, porém, considerar que a leitura em voz alta, deve


privilegiar, além da veia emocionalmente dramática, seu caráter reflexivo, sobretudo,
tratando-se de mediação realizada pelo professor. Essa prática de avivar o texto
literário por meio da voz propicia também uma espécie de conversação com os demais
leitores, também no papel de ouvintes. Aprendemos sobre interpretação, prossegue o
autor, ao ouvir a leitura de outros.
Isso reforça os apontamentos de Moura e Martins (2012) ao tratar da interação
entre professor e estudantes para o desenvolvimento de habilidades para a
competência leitora.

Assim sendo, no contexto da leitura, a mediação exige do professor grande


interação com o aluno e com o texto, a compreensão do seu papel social
docente e, ao mesmo tempo, conhecimentos sobre processos interativos, o
que implica uma formação continuada e a percepção da necessidade de
realizar a mediação. (MOURA; MARTINS, 2012, p. 91).

Assim, durante todo o processo, busquei relacionar a leitura realizada à


proposição de atividades significativas que estimulassem os estudantes a ativar os
conhecimentos que já possuíam, bem como agregar novas aprendizagens
correlacionando-as e refletindo sobre elas para ampliação de visão de mundo.
Em outra obra, intitulada Dime, Chambers (2007b) apresenta uma proposta
de perguntas básicas para iniciar a conversa literária a partir da expressão “diga-me”.
O autor opta pelo uso desse termo como forma de evitar a pergunta “por quê?”, bem
como o uso de outras expressões interrogativas recorrentemente inseridas nas
indagações de professores aos estudantes afim de os incitarem a falar sobre os livros
lidos. De acordo com Chambers, alguns termos utilizados em perguntas realizadas
por professores compõem um estilo interrogativo que acaba inibindo o início de uma
conversação a respeito de leituras literárias realizadas, ao que ele considera “uma
oclusão glótica de conversação”. Alguns exemplos utilizados pelo autor são: “que
creem que significa isso?”, “de que trata realmente?”, “que creem que o autor quis
dizer?”.
Assim, o uso da expressão “diga-me” dá maior abertura ao estudante e
liberdade para que ele fale sobre suas impressões, compartilhando sua compreensão
do que melhor depreendeu da leitura. Relevantemente, Chambers destaca a
fundamental tarefa do professor em formular questionamentos que instiguem os
leitores a conversar sobre as leituras realizadas. Enquanto moderador da conversa, o
72

adulto facilitador tem ainda a função de sintetizar as contribuições de todo o grupo,


além de inserir novos elementos para fomentar as discussões, de acordo com o que
estudantes desejem.
Para um começo de conversa, Chambers sugere quatro perguntas básicas
iniciando com o uso da expressão “diga-me” como forma de convite à verbalização:
“algo que você gostou neste livro?”; “se houve algo que não gostou.”; “houve algo que
te desconsertou?”; “se notou que houve algum padrão, alguma conexão?”.
Nos primeiros momentos em que a conversa for instituída, diz o autor, poderá
ocorrer inibições e ninguém manifestar sua opinião, seu comentário. Outro ponto a ser
levantado é confusão que pode ocorrer com interposições entre as falas, mudança de
tópicos discutidos e até mesmo desviando-se completamente do tema.
Evocando Iser, Aidan Chambers lembra que o ato de recreação (jogo da
leitura) não é um processo linear, tampouco simples. Fazemos antecipações,
levantamos hipóteses, nos posicionamos e, por vezes, mudamos nossas decisões,
aceitamos ou rejeitamos e, assim, vamos compondo o processo de interpretação e
compreensão dos textos.
Partindo dessas reflexões, privilegiei os momentos de conversa e trocas de
impressões da leitura realizada. O texto ora escolhido possui o potencial almejado
para instigar os leitores, promovendo conversas e debates e mantendo o interesse
ativo. A leitura realizada com a devida preparação prévia, atendo-se para entonação
a fim de criar expectativas nos momentos oportunos, colaborou para que os
leitores/ouvintes pudessem vivenciar a experiência estética do texto de modo mais
aprofundado, sobretudo pelo uso do corpo, por meio de gestos com os braços e
pernas de acordo com os movimentos narrados, na performance de leitura. Sob esse
aspecto, se torna mais evidente o essencial papel de mediação da leitura, sendo de
fundamental importância ao responsável por ela, privilegiar, além da veia
emocionalmente dramática, seu caráter reflexivo. Resgato ainda a importância de
essa modalidade de leitura permanecer nos anos finais do ensino fundamental, uma
vez que tal prática ocorre de maneira muito ocasional nesse segmento de ensino, não
sendo lhe dada a devida atenção. Para Chambers:

Ler em voz alta às crianças é essencial para ajudá-los a converter-se em


leitores. E é um erro supor que este tipo de leitura só é necessário nas
primeiras etapas (no período que as pessoas tendem a chamar de “aprender
a ler”). De fato, tem tal valor – aprender a ler é um processo de tão longo
prazo que o pedaço que chamamos “aprender” é uma parte muito pequena
73

dele –, que ler em voz alta é necessário durante todos os anos de escola.”.
(CHAMBERS, 2007a, p. 77, tradução minha).

O autor acrescenta ainda que o ideal seria ler em voz alta todos os dias ou
assegurar ao menos alguns momentos para isso.
Considero, portanto, essencial compreender de que forma se dá essa leitura
vocalizada em sala de aula e sua importância para a formação de leitores literários.
Contrariamente ao que se pode supor, essa modalidade de leitura visa promover
autonomia dos leitores, uma vez que, ao ouvir/ler um texto, o estudante se depara
com uma nova construção, modos de narrar, efeitos de sentido produzidos, entre
outras diversas características da literatura, preparam-se para um futuro encontro com
novos textos sem que haja a figura de um mediador.
Com o intuito de promover a aproximação dos estudantes à literatura, a prática
da leitura em voz alta ainda traz a vantagem de, ao ter em mãos uma cópia do texto
e poder percorrê-lo com olhos conjuntamente, aprender entonação, pontuação,
organização das palavras no texto e a produção de efeitos causadas pelo ritmo
empregado no uso da voz.

3.2 LEITURA E MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA

Na condução da mediação da leitura, percebi que, para garantir compreensão


do texto, seria necessário propor atividades de intervenção para facilitar e/ou ampliar
a interpretação dos estudantes. Assim, conforme Steinle (2017), “Reconhecendo que
a leitura não é uma atividade cognitiva inata para o aluno, mas, sim, uma atividade
intelectual adquirida nas suas interações sociais, cabe à escola cumprir o seu papel
de ensinar, na medida em que é um dos veículos deste conhecimento.”. Para isso, a
autora considera importante contribuição no processo de ensino-aprendizagem o uso
de estratégias de leitura com propostas de atividades possíveis de aplicação em sala
de aula. Recorri, então a uma teoria com a qual havia tido contato pela primeira vez
no 7º Seminário de Literatura Infantil e Juvenil e Práticas de Mediação Literária,
realizado em Florianópolis no ano de 2016. Nessa ocasião, conheci o trabalho
realizado pela Dra. Joice Ribeiro Machado da Silva, por meio da tese apresentada por
ela no evento.
Em sua pesquisa, Joice Silva (2014) utiliza as estratégias de leitura para a
execução de seu trabalho com livros de literatura infantil. Ao conhecer as atividades
74

realizadas como estratégia de intervenção leitora para auxiliar na compreensão de


textos, apresentadas pela pesquisadora, reconheci nelas uma alternativa para o
desenvolvimento do trabalho com texto literário.
Na realização da presente pesquisa, durante o encaminhamento dos
trabalhos, decidi conhecer um pouco mais sobre a teoria para que pudesse pautar a
elaboração de atividades para melhor fazer a mediação da leitura. Para isso, busquei
algumas publicações acerca de metodologias que contribuíssem para a mediação de
leitura. A seguir, contando também com as contribuições da tese de doutorado de
Gislene Aparecida as Silva Barbosa (2017), na qual ela analisa a contribuição do uso
das estratégias de leitura enquanto procedimento pedagógico para aprendizagem de
estudantes de 6º ano do ensino fundamental II, apresento alguns conceitos e reflexões
para a condução do trabalho de mediação pedagógica.
Solé (1998) considera a leitura um processo de interação em que o leitor faz
uso de seus conhecimentos de mundo entre outros procedimentos para compreensão
do texto. Para pensar nos objetivos de leitura, trago as contribuições da autora que
trata de como o leitor age diante de um texto a fim de obter melhor compreensão, bem
como da competência leitora, considerando esta como a capacidade de bons leitores
lerem de diferentes maneiras um mesmo texto, utilizando, para isso, diferentes
estratégias de leitura. Nas aulas de leitura literária, contemplei também a distinção
proposta por Solé entre ler só para ler ou propor que todos os estudantes leiam o
mesmo fragmento para que, com abordagem adequada, possam ser ajudados a
elaborar critérios para aprofundar a compreensão de textos. As atividades devem,
portanto, levar o estudante a perceber as relações que estabelece durante a leitura, a
fim de desenvolverem estratégias para a construção de uma leitura crítica.
A autora prevê três momentos de utilização das estratégias durante o ato de
leitura: antes – quando se definem os objetivos, faz-se levantamento de
conhecimentos prévios e previsões sobre o texto; durante – em que se intensificam
as questões feitas ao texto, confirmação ou refutação das hipóteses levantadas, bem
como organização das ideias em forma de resumos à medida em que se lê; e depois
da leitura – destinado ao levantamento da ideia central, elaboração de resumo como
um todo e respostas sobre o texto. Sobre a utilização do conhecimento prévio para o
desenvolvimento da competência leitora, Solé diz:
75

Durante toda a nossa vida, as pessoas, graças à interação com os demais e


particularmente com aqueles que podem desempenhar conosco um papel de
educadores, vamos construindo representações da realidade, dos elementos
constitutivos da nossa cultura, entendida em sentido amplo: valores, sistemas
conceituais, ideologia, sistemas de comunicação, procedimentos, etc. (SOLÉ,
1998, p. 40).

Instintivamente, a partir da visão de mundo que tem, o leitor toma


determinadas atitudes diante do texto, fazendo as escolhas que lhes parecem mais
razoáveis para melhor compreendê-lo. No caso dos leitores em formação, como os
estudantes de 6º ano, por exemplo, muitas vezes esses processos não estão tão
evidentes. Assim, é conveniente a intervenção do professor mediador para ajudá-los
a compreender os procedimentos utilizados, perceber as nuances da interpretação,
estabelecer relações e perceber que pistas são relevantes para o levantamento de
hipóteses ou qual a validade de determinados argumentos na constituição de
discursos. Durante esse tipo de exercício, Solé considera relevante o professor
colocar-se como modelo, explicitando suas próprias estratégias e a construção de seu
raciocínio, solicitando, posteriormente, que os estudantes também o façam. Para a
autora:

O processo de leitura deve garantir que o leitor compreenda os diversos


textos que se propõe a ler. É um processo interno, porém deve ser ensinado.
Uma primeira condição para aprender é que os alunos possam ver e entender
como faz o professor para elaborar uma interpretação do texto: quais as suas
expectativas, que perguntas formula, que dúvidas surgem, como chega à
conclusão do que é fundamental para os objetivos que o guiam, que
elementos toma ou não do texto, o que aprendeu e o que ainda tem que
aprender... em suma, os alunos têm de assistir a um processo/modelo de
leitura, que lhes permita ver as “estratégias em ação” em uma situação
significativa e funcional. (SOLÉ, 1998, p. 116).

Durante a leitura do livro escolhido para este projeto, a cada capítulo, solicitei
aos estudantes que procurassem fazer previsões do que aconteceria no capítulo
seguinte, tendo por base elementos lidos e colocando suas hipóteses nas rodas de
conversa para, em conjunto, debatermos a possibilidade e relevância de tais
conjecturas. Como elemento de apoio, algumas atividades, como o uso do POLAS10,
contribuíram para a organização da estrutura básica do enredo, elegendo-se os
elementos essenciais de cada capítulo, que serviram para consulta posterior para
sanar dúvidas ou encontrar pistas e levantar hipóteses. Essa prática, para tornar-se

10A explicitação desta e das demais atividades desenvolvidas na realização da pesquisa encontra-se
no percurso da pesquisa, capítulo 5.
76

mais significativa e propiciar reflexão, foi ampliada em atividades posteriores à leitura


que, tal como proposto por Solé, devem envolver a compreensão geral do texto.

Formar leitores autônomos também significa formar leitores capazes de


aprender a partir dos textos. Para isso, quem lê deve ser capaz de interrogar-
se sobre sua própria compreensão, estabelecer relações entre o que lê e o
que faz parte do acervo pessoal, questionar seu conhecimento e modificá-lo,
estabelecer generalizações que permitam transferir o que foi aprendido para
outros contextos diferentes [...]. (SOLÉ, 1998, p. 72).

A autora, porém, não propõe atividades ou uma sequência a ser seguida, já


que cada leitura tem seu objetivo e não reduz o uso das estratégias de leitura a uma
simples técnica. De acordo com Solé, a leitura compartilhada deve possibilitar a
transferência do protagonismo da leitura para os estudantes, facilitando-a por meio de
questões como “Do que vocês acham que este texto vai tratar?” ou “Não
compreenderam alguma coisa?”, para que estes assumam papel ativo diante do que
leem.
Complementarmente a essas ideias, especificamente em relação ao ensino
de leitura na escola, Kleiman (2007) trata da necessidade do desenvolvimento de
estratégias de leitura e habilidades linguísticas, considerando, todavia, que, por si só,
não são suficientes para a realização do ato da leitura. A autora considera que:

Quando falamos de ESTRATÉGIAS DE LEITURA, estamos falando de


operações regulares para abordar o texto. Essas estratégias podem ser
inferidas a partir da compreensão do texto, que por sua vez é inferida a partir
do comportamento verbal e não verbal do leitor, isto é, do tipo de respostas
que ele dá a perguntas sobre o texto, dos resumos que ele faz, de suas
paráfrases, como também da maneira com que ele manipula o objeto: se
sublinha, se apenas folheia sem se deter em parte alguma, se passa os olhos
rapidamente e espera a próxima atividade começar, se relê. (KLEIMAN, 2007,
p. 49).

Para se adquirir a proficiência na leitura, de acordo com Kleiman, o leitor deve


tomar consciência de suas atitudes perante o texto recorrendo a diferentes
procedimentos para atingir o objetivo. Para isso, ela propõe a elaboração de
atividades baseadas em objetivos prévios à leitura e de predições sobre o texto, com
vistas à constituição de uma identidade leitora, em que o estudante possa assumir
sua singularidade.
Em consonância a esse movimento de instituição do estudante enquanto
sujeito leitor, Rouxel (2013) aponta para a renúncia da transmissão de conhecimentos
77

convencionados e imutáveis para ações mais estimulantes: “Trata-se de, ao mesmo


tempo, partir da recepção do aluno, de convidá-lo à aventura interpretativa com seus
riscos, reforçando suas competências pela aquisição de saberes e de técnicas.”.
(ROUXEL, 2013, p. 20). A autora prossegue tratando de aspectos metodológicos para
o ensino de literatura, organizando-os em: saberes sobre os textos, que passa pelas
experiências de leitura que os estudantes já possuem e familiaridade com a forma e
apresentação do texto; os saberes sobre si, o que direciona para experiências
pessoais passando pelo compartilhamento de pensamentos e emoções; os saberes
sobre o ato léxico ou saberes metaléxicos, que consiste em ponderar acerca das
liberdades que o leitor pode tomar diante do texto, considerando-se a subjetividade e
os limites da interpretação que, de acordo com Rouxel, deve ser abordado em sala.
Em relação ao ensino da Língua Portuguesa na escola básica, é justamente
este o caminho indicado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998),
almejando a construção da competência leitora. De acordo com os Parâmetros,

A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de


compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu
conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a
linguagem etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por
letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias
de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível
proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai
sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de
compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto
suposições feitas. (BRASIL, 1998, p. 69-70).

Portanto, a postura que o leitor toma diante do texto com a utilização de


procedimentos ou estratégias é o que propicia a construção de sentidos, pensando
sobre o texto, tomando decisões que podem ou não permanecer no decorrer da
leitura, tornando a leitura efetiva.
Do mesmo modo, considerando o caráter reflexivo a ser adotado diante do
texto lido, Girotto e Souza (2010) tratam do uso de estratégias de leitura como meios
para se atingir a compreensão leitora. As autoras, além de descrever estratégias,
sugerem atividades que estimulam os estudantes a pensarem sobre o ato da leitura.
Já na abertura do artigo Estratégias de leitura: para ensinar alunos a
compreender o que leem, Girotto e Souza (2010) tratam da relevância da realização
de leitura em voz alta: “Ler em voz alta e mostrar como leitores pensam enquanto
leem é ponto central para a instrução que partilhamos [...] Quando nós lemos,
78

pensamentos preenchem nossa mente. Nós podemos fazer uma pergunta ou uma
inferência.”. (HARVEY; GOUDIVS apud GIROTTO; SOUZA, 2010, p. 45). Logo, ler é
atribuir sentido e, para isso, o leitor precisa pensar sobre o texto.
Desde o primeiro momento de leitura de O meu pé de laranja lima, uma
estudante manifestou interesse pela história que estava sendo narrada, dizendo que
“Essa história é legal, né? A gente viaja e fica imaginando...”. Já na aula seguinte, ela
trouxe um desenho (FIGURA 5) com a representação do que havia imaginado acerca
da leitura realizada durante a aula. Essa foi a forma que a estudante encontrou para
mostrar o sentido que havia atribuído ao fragmento lido, em que se apresentava o
personagem principal: Zezé. Por antecipação, devido à leitura do título do capítulo
seguinte, “Um certo pé de laranja lima”, a estudante fez a aproximação entre o
protagonista e a referida árvore.

Portanto, quando é assegurado ao aluno o direito de participar ativamente o


processo de aprendizagem, manifestando seus conhecimentos prévios
acerca do assunto posto na leitura por meio das suas conexões, é mais
provável que ele se aproprie do significado do texto e construa sentidos.
(STEINLE, 2017, p. 83).

A oportunidade dada à estudante para que, além de mostrar a ilustração que


havia feito, pudesse comentar comigo como ela imaginou a cena e compartilhar os
sentimentos que motivaram a confecção do desenho foram também importantes para
condução das atividades posteriores de leitura em que, também atendendo aos
pressupostos da metodologia de pesquisa aqui adotada, procurei dar ênfase ao
processo, não somente aos resultados, procurando compreender o raciocínio utilizado
pelos leitores. Outros exemplos, obtidos a partir de atividades orientadas após a
explicação da estratégia a ser utilizada durante a leitura e posterior registro, serão
mostrados no capítulo 5 Percurso da pesquisa – o sabor da fruta. A relevância da
exposição deste desenho, antecipadamente, se dá pelo fato de representar uma
atividade espontânea, não solicitada por mim e ser representativa do uso de uma
estratégia usada pela leitora G. D. antes mesmo de conhecer o procedimento
metodológico – estratégias de leitura – apresentado posteriormente a ela e demais
estudantes da turma.

FIGURA 5 – ILUSTRAÇÃO DE G.D.


79

FONTE: fotocópia do caderno de G. D.

Souza (2016), ao tratar da criação de imagens mentais, diz que

[...] Harvey e Goudvis (2008) definem a estratégia da visualização como


aquela que traz alegria ao ato de ler. Visualizar é formar imagens mentais que
pertencem somente àquele leitor e a mais ninguém. Muitas vezes, em uma
leitura, os alunos constroem uma imagem para idealizar o conteúdo do texto,
representando essa figura a interpretação feita por eles. (SOUZA, 2016, p.
98-9).

Além dessa, as autoras Girotto e Souza (2010) abordam as estratégias de:


conexão, inferência, questionamento, síntese e sumarização. Tais nomenclaturas
respeitam a teoria metacognitiva, desenvolvida pelos norte-americanos, dentre eles,
Harvey, Goudvis e Pressley, que baseou o estudo das estratégias ora apresentadas.
Essa teoria tem base na metacognição e considera que a compreensão do
texto passa por duas maneiras de entender o que se lê. Enquanto a primeira delas
trata da decodificação do texto, a segunda aborda a utilização de estratégias para
propiciar entendimento.
Assim, o uso de algumas das estratégias de leitura propostas por Girotto e
Souza (2010), como ativação de conhecimentos prévios, estabelecimento de
80

conexões, criar imagens mentais e inferência, foram essenciais para a compreensão


de textos literários. Tendo por base as sugestões das autoras, selecionei, para uso
nesta pesquisa, conhecimento prévio, visualização, conexão e inferência, por
atenderem à necessidade de estímulo à reflexão leitora.
A primeira delas, e muito utilizada durante a pesquisa, é a ativação de
conhecimentos prévios, assim apresentada por Girotto e Souza:

Entre o repertório de estratégias de compreensão – fazer conexões,


inferências, visualizações, questionamentos, sumarizações e sínteses –, há
uma estratégia essencial, a de ativar o conhecimento prévio, em que ficam
evidentes todas as demais estratégias, tais como: a previsão, a interlocução,
o questionamento, a indagação. Os norte-americanos chamam-na de
estratégia-mãe ou estratégia guarda-chuva, pois agrega todas as demais.
(GIROTTO; SOUZA, 2010, p. 65-6).

Nas aulas de Língua Portuguesa, para as variadas leituras realizadas,


iniciava-se a conversa com uma série de questionamentos lançados à turma, tais
como: o que já conhecem sobre o gênero do texto em estudo? Já viram ou leram algo
sobre o tema? O que sabem sobre o autor? A partir disso, era possível instigar os
estudantes a pensarem em como descobrir algumas informações que possam ajudar
a ler o texto. Da mesma forma se procedia com a leitura do texto literário, procurando-
se valorizar os conhecimentos prévios dos estudantes sobre o tema a ser abordado.
Para o ensino das conexões, Girotto e Souza (2010) sugerem a valorização
de fatos corriqueiros experienciados pelos leitores e promover a ampliação de sua
visão chegando a assuntos mais globais, possibilitando a construção de significados.
A partir dos estudos de Harvey e Goudvis (2008), as autoras apresentam algumas
propostas como a elaboração de um cartaz coletivo com as conexões do leitor com o
texto. Da mesma forma, se propõe a sistematização de possíveis conexões entre
textos comparando personagens, situações, temas etc. E, para as relações entre texto
e mundo, elas evidenciam que é importante a valorização de depoimentos dos
estudantes que vão desde narrativas pessoais até ilustrações ou textos escritos. Para
as autoras, “As conexões texto-texto e texto-mundo a serem elaboradas funcionam
como evidência de que os alunos fundiram seus pensamentos com uma nova
informação.”. (GIROTTO; SOUZA, 2010, p. 74).
O estabelecimento de conexões foi, então, uma ferramenta muito interessante
para que os leitores passassem a perceber o ato de leitura como atividade mais ampla,
em suas diversas nuances. Estudos anteriores verificando o uso de conexões e outras
81

estratégias de leitura já comprovam a eficácia na realização das atividades, como


afirma Steinle (2017, p. 84):

É importante ressaltar que todas estas conexões são bem recebidas pelos
alunos e eles gostam muito de participar das atividades a elas relacionadas.
No entanto, não basta apenas o professor provocar este diálogo, é preciso
que ele esquematize estas informações para que se transformem em
conhecimentos.

A autora propõe, como possibilidade metodológica, a organização de quadros


e cartazes, por exemplo, para esquematização dos saberes adquiridos. A partir disso,
o estabelecimento de objetivos para cada uma das atividades realizadas nesta
pesquisa decorria dos conhecimentos prévios apresentados pelos estudantes, sem,
sob qualquer aspecto, descartar o que fosse trazido por eles. A valorização dos
conhecimentos de mundo por eles trazidos, por vezes, suscitava a curiosidade e
vontade de conhecer mais sobre o assunto. São possíveis conexões com outros
textos, de diferentes gêneros, suportes e linguagens; com experiências dos leitores,
vivências, conhecimentos enciclopédicos e com as relações com o mundo em que
vivemos. Para Souza (2016, p. 97), no uso das conexões como estratégia “O professor
pode intermediar o aprendizado dessa estratégia lendo em voz alta para seus alunos
e interrompendo a leitura em momentos específicos para mostrar suas próprias
conexões.”. Além disso, como motivação à participação dos estudantes, o mediador
também pode compartilhar as conexões que faz com outros textos, trazendo-os para
o conhecimento de todos e mostrando as aproximações possíveis entre eles.
Outra estratégia muito explorada foi a de criar imagens mentais. Apesar de
nos parecer bastante óbvia, à criança nem sempre está tão evidente a ideia de que é
fundamental imaginarmos o que estamos lendo. “Quando os leitores visualizam, estão
elaborando significados ao criar imagens mentais, isso porque criam cenários e
figuras em suas mentes enquanto leem, fazendo com que eleve o nível de interesse
e, assim, a atenção seja mantida.”. (GIROTTO; SOUZA, 2010, p. 85). De acordo com
as autoras, antes mesmo de iniciar uma leitura, o professor poderá solicitar aos
leitores que façam o levantamento de hipóteses, já construindo mentalmente as cenas
que poderão ocorrer, visualizando imagens que poderão ou não se confirmar durante
a leitura. Uma sugestão seria pedir aos estudantes que, após uma leitura breve (de
um conto, de um poema), fizessem a representação por meio de desenhos. A
utilização de uma outra linguagem pode abrir espaço para melhor compreensão do
82

texto. O procedimento inverso também deve ser valorizado, ou seja, a leitura de


imagens para a construção do enredo e, consequentemente de significados.
Uma das propostas para sistematização de atividades de visualização
presentes em Girotto e Souza (2010), é a elaboração de um quadro síntese que
solicita aos estudantes que registrem as sensações despertadas pela leitura com uso
dos sentidos (olfato, audição, paladar e tato), utilizando as proposições: eu vejo..., eu
escuto..., eu posso sentir..., eu cheiro..., eu posso saborear..., seguidos de um
comentário final do leitor.
Importante estratégia para que os estudantes busquem entendimento, é inferir
o significado de palavras desconhecidas através do contexto. Na apresentação da
inferência aos estudantes, dizem Girotto e Souza (2010, p. 76) “[...] os professores
ensinam-lhe como agir durante a leitura, mostrando as dicas que cada texto possui e
ensinando como combiná-las com seu conhecimento prévio para fazer inferências
adequadas.”. Para isso é vital a interação professor-estudante. O professor não deve
de imediato responder às perguntas dos estudantes, mas sim, lançar novos
questionamentos como mecanismos para que eles próprios infiram o significado de
termos, expressões, passagens do texto etc. Dessa forma, o estudante poderá ser
levado a construir conhecimentos, estabelecer as significações a partir de pistas
deixadas pelo texto. De acordo com Souza (2016, p. 98), “Fountas e Pinnell (2001)
afirmam que inferir significa tomar uma decisão ou formular uma opinião por meio do
raciocínio sobre os fatos dispostos em um texto.”. É essencial, portanto, a
compreensão das entrelinhas do texto, a busca de uma significação que ultrapasse o
sentido literal e, para isso, deve-se retornar ao texto sempre que necessário para
confirmar, justificar as inferências e não se basear em simples “achismos”.
Souza (2016) diz que para a construção do significado durante a leitura, o
professor deve ensinar as estratégias de leitura mostrando como se compõe o
raciocínio, mostrando exemplos de como ele próprio pensa enquanto lê além de seguir
alguns passos na condução da mediação de leitura, tais como: esclarecer os objetivos
das atividades com uso das estratégias para melhorar a compreensão; articular as
estratégias utilizadas à atribuição de significados do texto. É, dessa forma, o
professor, responsável pela motivação da leitura e estímulo à compreensão leitora por
meio do ensino das estratégias.
Considerando também a indicação de uso das estratégias de leitura, Steinle
constata que
83

[...] um novo paradigma surge para as práticas literárias em mero verbalizador


de signos sem significados e passa a pensar sobre o que leu, buscando para
isso: conhecer como um texto funciona; mais eficiência na leitura e
compreensão da mensagem, uma vez que estes conhecimentos são
necessários para que o aluno possa se constituir como sujeitos de sua leitura.
(STEINLE, 2017, p. 87).

Para a autora, as contribuições dessa abordagem metodológica e da


institucionalização da educação literária abrangem também a formação do professor
enquanto sujeito leitor com objetivo de formar leitores na escola.
Sobre essa formação, Rouxel (2013) apresenta os procedimentos que o
professor de ensino fundamental I busca para compilar a leitura dos estudantes e
ajudá-los a buscar a compreensão do texto. O processo no ensino fundamental II,
para a autora, é semelhante: “O professor coleta hipóteses de leitura, elaborações
semânticas lacunares, insuficientes, às vezes errôneas, a partir das quais suscita a
reflexão dos alunos e sua reflexibilidade.”. (ROUXEL, 2013, p. 29). A isso, ela
acrescenta a valorização da participação e intervenções discentes a fim de se abrir
espaço para reflexão e, consequentemente, a construção de competências de leitor,
o que aproxima e reforça a relevância do uso das estratégias de leitura como suporte
para o ensino de literatura na escola e formação do leitor literário.
Embora Girotto e Souza (2010) tenham sugerido outras interessantes
estratégias de leitura, para esta pesquisa foram suficientes as já apresentadas em
combinação com atividades elaboradas por mim (e melhor descritas no capítulo 5,
Percurso da pesquisa – O sabor da fruta) que, em muitos casos, aproximam-se dessas
técnicas utilizadas no auxílio para o desenvolvimento da competência leitora.
84

4 ANÁLISE DA OBRA – O MEU PÉ DE LARANJA LIMA

Publicado em 1968, O meu pé de laranja lima ganhou, em maio de 2017, uma


edição comemorativa de seus 50 anos, com nova encadernação e design gráfico
(FIGURA 6). A capa dura conta com ilustração de Laurent Cardon e mostra um menino
debruçado docilmente em um galho de árvore onde está pendurada uma laranja lima.
Sobre sua cabeça repousa um passarinho que se harmoniza com expressão tranquila
e reflexiva representada por seu longínquo olhar voltado para cima. O tom verde claro
de fundo corresponde com as sensações transmitidas e a lombada de cor laranja dá
um bom contraste, destacando o título e nome do autor ali impressos em letras
brancas.
FIGURA 6 – CAPA DA EDIÇÃO COMEMORATIVA

Fonte: Acervo de fotografias digitais da autora

As ilustrações de Jayme Cortez que compunham o miolo da obra de edições


anteriores foram mantidas, bem como foi reproduzida (na página 6) a imagem do
mesmo ilustrador feita para a primeira capa da edição de 1968. Aparece também, na
última página do livro, após a biografia de José Mauro, uma foto do autor tirada aos
cinco anos de idade, que aparecia na quarta da capa da primeira edição. Essa
fotografia remete diretamente a um trecho da história em que Zezé, que dizia querer
85

ser poeta e para isso precisaria usar gravata de laço, ganha seu terninho (e a tão
sonhada gravata) e é levado por seu tio Edmundo para registrar o momento: “Foi
assim que eu ganhei a minha roupa de poeta. Fiquei tão lindo que Tio Edmundo me
levou para tirar um retrato.”. (VASCONCELOS, 2017, p. 83). A apresentação de cada
parte do livro (divido em duas) aparece em uma página inteira com fundo verde.
Também é dado destaque para o título de cada capítulo inserido no alto da página
seguido de uma ilustração, privilegiando a visualização.
A edição comemorativa ganhou também um suplemento de leitura e notas de
rodapé, ambas de Luiz Antonio Aguiar. Ao contextualizar a obra situando em seu
tempo e espaço, o suplemento ajuda o leitor a melhor vivenciar a composição da obra,
bem como as relações entre personagens e situações vividas. Esse elemento também
é um importante aliado do professor enquanto mediador da leitura, uma vez que
permite explorar o contexto da época em contraponto com a atualidade, constituindo
importante ferramenta para que o estudante faça conexões e estabeleça referências.
Sobre essa possibilidade de aproximação de diferentes épocas, Aguiar comenta:

A maneira brutal, insana e covarde como o menino é castigado pode parecer


a muitos um traço da época – mais ou menos fim da década de 1920. Não é
bem assim. Tristemente, vemos ainda hoje, apesar da proteção legal aos
menores de idade, que os maus-tratos continuam a atormentar crianças e
jovens, e frequentemente ainda justificados como prática disciplinadora – e
esse é sempre um tema a ser discutido em nossa sociedade. (AGUIAR, 2017,
p. 215).

Tal colocação corrobora para o uso de uma das estratégias propostas por
Girotto e Souza (2010), a de conexão texto-mundo, já explicitada na fundamentação
teórica.
Embora constitua um importante paratexto, o suplemento de leitura possui
algumas fragilidades, por exemplo, quando é mencionada a segunda adaptação da
obra para o cinema. Aguiar equivoca-se ao atribuir a direção do filme também a José
de Abreu, que teve sua importante participação no papel de Portuga. A direção,
contudo, é, apenas, de Marcos Bernstein.
Ao tratar de “Curiosidades da obra”, há exploração de elementos pouco
significativos para o contexto da história, como a menção à ilha de Paquetá, apenas
citada em O meu pé de laranja lima, sem muita relevância para o enredo. Em conversa
com Zezé, Portuga o convida para pescar no fim de semana, dizendo: “Sábado, não
irei ver minha filha no Encantado. Ela foi passar uns dias em Paquetá com o marido.
86

Eu tinha pensado, como o tempo está firme, em pescar lá no Guandu. Como estou
sem um grande amigo para me acompanhar, pensei em ti.” (VASCONCELOS, 2017,
p. 167). Sendo essa a única vez em que a ilha é citada, não há contribuição para a
compreensão do enredo a referência a um lugar secundário na narrativa.
No item referente a “Continuações”, Luiz Antonio Aguiar menciona Doidão
(1963) e Vamos aquecer o sol (1974). O autor as referencia adequadamente,
mostrando os momentos da vida de Zezé com que cada uma delas se ocupa. Porém,
ele deixa de mencionar As confissões de frei abóbora (1966), talvez o mais
autobiográfico de todos, onde está o “broto” de O meu pé de laranja lima. Esta obra
trata da vida adulta de José Mauro, todavia, diferentemente das demais obras
autobiográficas, é narrada em terceira pessoa. Ao rememorar o passado, José Mauro,
o “frei abóbora”, traz diversos episódios de sua infância, que serão novamente
descritos, dessa vez de forma mais detalhada, em sua obra de maior destaque. Essas
continuações serão melhor abordadas na parte destina à biografia do autor.
Mas o equívoco está em algumas das notas de rodapé que, em certos casos
chega a constituir significativo erro de interpretação. O primeiro e mais expressivo
deles aparece já na nota de número 8, inserida na página 19. No trecho, Totoca está
curioso para saber como Zezé havia aprendido a ler, mas sequer o garoto tinha uma
explicação para tal feito.

- Bem, viu como eu sou seu amigo, Zezé. Agora não custava me contar como
foi que você conseguiu “aquilo”...
- Juro, Totoca, que não sei. Não sei mesmo.
- Você está mentindo. Você estudou com alguém.
- Não estudei nada. Ninguém me ensinou. Só se foi o diabo que Jandira diz
que é meu padrinho, que me ensinou dormindo.
Totoca estava perplexo. No começo até me dera cocorotes para eu contar.
Mas nem eu sabia contar. (VASCONCELOS, 2017, p. 18, grifos meus).

Em nota referente à palavra “cocorotes” diz-se: “Pancada com nó dos dedos


na cabeça de alguém. Querem que Zezé aprenda a fazer contas contando quantas
pancadas leva.”. Ora, é evidente aqui a confusão entre os significados do verbo
“contar”, enquanto que o contexto aponta para o sentido de “narrar”, a referência
entende-o no sentido de “calcular”. Além disso, tal afirmação traz à tona a leitura de
uma situação não narrada na história, extrapolando os limites do texto.
Mais adiante, na página 93, o novo amigo de Zezé, o baiano Ariovaldo, o
chama de “pinéu”, cuja nota, de número 49, diz:
87

Maneira debochada, algo cruel de se referir a uma pessoa que sofre de


problemas mentais. A palavra alude ao Instituto Pinel, clínica de internação
de pacientes com doenças mentais, no Rio de Janeiro, e que recebeu esse
nome em homenagem ao médico francês Phillipe Pinel (1745-1826).
(VASCONCELOS, 2017, p. 93).

Apesar de a designação estar correta, nesse contexto não é o significado


adequado. É o que se pode confirmar ao prosseguir com a leitura do texto, algumas
páginas adiante quando, questionado por Zezé, o próprio Ariovaldo, esclarece:
“- Seu Ariovaldo, que é que é pinéu como o senhor me chamava antigamente?
- Na minha terra, a santa Bahia, quer dizer menininho buchudo, pequeno,
miudinho...” (VASCONCELOS, 2017, p. 99).
De menor comprometimento para o entendimento do texto, é a nota que
esclarece o vocábulo “Andaraí”: “54. Bairro da zona norte do Rio de Janeiro.”.
Novamente a asserção está correta, contudo seria adequado esclarecer, para o
contexto, que se trata de um time de futebol. Somente assim, a expressão, destacada
por mim no trecho a seguir, fará sentido: “Uma vez até inventaram uma coisa horrível:
quando o Bangu levou uma surra do Andaraí, comentaram gozando: ‘O Bangu
apanhou mais do que ‘aquele’ menino de seu Paulo...’”. (VASCONCELOS, 2017, p.
118, grifo meu).
Quanto às demais notas, caberia um estudo mais aprofundado, em outra
oportunidade (considerei aqui as que constituíam equívocos interpretativos que
podem prejudicar a compreensão leitora daqueles que recorrerem a elas), para
analisar a relevância de cada uma e o comprometimento para a compreensão do
texto, uma vez que, em alguns casos como o do vocábulo “pinéu”, o próprio texto
esclarece ou dá elementos suficientes para entendê-lo.
Passo agora para um breve estudo do texto literário, trazendo à tona outras
obras do mesmo autor, na medida em que contribuem para a construção de sentido
de O meu pé de laranja lima.
De caráter altamente autobiográfico, O meu pé de laranja lima conta a história
de um menininho, filho de família bastante pobre, que conhece muito cedo os
percalços da vida. Zezé, o protagonista, vive uma dura realidade que, por vezes, é
atenuada pela sua imaginação. Encostado ao tronco de um certo pezinho de laranja
lima, apelidado de Minguinho e Xururuca, o menino confidencia ao amigo seus
dissabores, aliviando um pouco a opressão por que passa. No “mundo adulto”, que
88

pouco o compreende, Zezé encontra Manuel Valadares, o português que o ajuda a


conhecer a ternura. A primorosa mescla entre realidade e fantasia faz dessa obra um
grande sucesso entre o público. É o que aponta Nelly Novaes Coelho (1984, p. 419)
em seu Dicionário Crítico da Literatura Infantil/Juvenil: “(...) O MEU PÉ DE LARANJA
LIMA é leitura que ‘agarra’ o leitor da primeira à última linha e atinge fundo sua
emotividade.”. A autora coloca O meu pé de laranja lima em lugar de destaque na obra
de José Mauro em contraponto com outros títulos do autor igualmente tramados na
esfera do real-fantástico-sentimentalista. De acordo com COELHO (1984, p. 419)
“nenhum deles chega a alcançar o mesmo nível de organicidade e equilíbrio literário,
apresentado por aquele.”.
As obras dedicadas ao público infanto-juvenil, também tratam de temas
humanísticos, como é o caso de Coração de Vidro (1964), obra enriquecida com
desenhos do autor, que alerta para a falta de respeito à natureza, em detrimento,
sobretudo, da vaidade humana. Em uma das quatro histórias que compõem esse livro,
há a amizade de um menino com uma mangueira, o que já é uma pista desse olhar
do autor para a relação do fantástico com o real tendo uma árvore como confidente
de uma criança. Mais tarde, porém, quando adulto, esse menino (chamado Príncipe)
já não reconhece ou valoriza a poeticidade de tal encontro. É o que se pode ver na
conversa que tem com sua esposa:

[...] Nosso filho está um menino e todo menino gosta de árvores. Todo menino
conta histórias para as árvores.
Mas não pode acabar de argumentar porque o Príncipe interrompeu.
- Não insista, meu bem. Um apartamento é mais prático. E eu já fui menino
também e não tive nada disso que você fala. Isso é literatura.
(VASCONCELOS, 1981, p. 76).

Em O palácio japonês (1969) também há a presença de um mundo fantasioso


como escape da realidade difícil por que passa um jovem pintor sem sucesso. Pedro
passava por dificuldades, morava num quarto simples de pensão cujo aluguel mal
podia pagar, mas trazia consigo o mundo das ilusões, que o permitiria, por sua
sensibilidade conhecer e concretizar a morte, de maneira muito bela. O sentimento de
ternura é também representado aqui, fortemente ligado, mais uma vez, à inocência da
infância:

Abriu a porta do quarto e decidiu sair, antes mesmo de fechar a porta teve o
cuidado de espiar se “eles” o seguiam. Os seus fantasmas da infância.
89

Quando deixava passar o trenzinho e a canoinha, aí sim. Caminhava pela


rua, atravessava os sinais com cautela para que nada acontecesse aos seus
fantasminhas imaginários que o seguiam abrigando-se na sombra da sua
ternura. (VASCONCELOS, 1981, p. 14)

Fantasia e imaginação conduzem a narrativa de O veleiro de cristal (1973). A


aventura inventada por um menino rejeitado pela família, exceto tia Anna, por ser
aleijado e de cabeça grande, o ajuda, assim como nas demais obras citadas
anteriormente, a superar as dificuldades. O lirismo que compõe a obra, atenua,
significativamente, a morte do garoto que é assim recepcionada por sua amada tia:

- Querido, quando você atingir a beleza das estrelas, quando você tocar no
brilho de todas elas, não se esqueça... Mande uma gota de ternura, um clarão
de amor, para que meus braços não afaguem o abandono e o meu coração
deixe de caminhar para sempre na desesperança!... (VASCONCELOS, 2006,
p. 101).

Portanto, como bem observa Coelho, já citada, é em O meu pé de laranja lima


que o escritor alcança o equilíbrio entre realidade e fantasia de modo a conquistar
reconhecimento de seu público desde o lançamento até hoje. Sua vasta aceitação é
perceptível pelas mais de dois milhões de exemplares vendidos dentre cerca de 150
edições no Brasil. Além disso, a história foi publicada em 23 países e traduzida para
15 idiomas. Também recebeu adaptações para televisão e cinema.
O subtítulo da obra, “História de um meninozinho que um dia descobriu a
dor...”, antecipa, em parte, os percalços por que passará o protagonista. Contudo,
somente a leitura integral do texto permitirá ao leitor conhecer a amplitude da dor
imposta ao menino em tão tenra idade.

Agora sabia mesmo o que era a dor. Dor não era apanhar de desmaiar. Não
era cortar o pé com caco de vidro e levar pontos na farmácia. Dor era aquilo,
que doía o coração todinho, que a gente tinha que morrer com ela, sem poder
contar para ninguém o segredo. Dor que dava desânimo nos braços, na
cabeça, até na vontade de virar a cabeça no travesseiro. (VASCONCELOS,
2017, p. 192-193).

Nesse momento da narrativa, é possível vivenciar a dimensão do sofrimento


por que passa aquela criança de apenas cinco anos de idade sem, ao menos, poder
dividir sua dor, a não ser, com o leitor no momento em que a leitura se concretiza.
Quanto às ilustrações que aparecem ao início de cada capítulo, embora em
pequeno número, dialogam eficazmente com o texto, ora instigando o levantamento
90

de hipóteses por parte do leitor, ora trazendo o sentido figurado de expressões


utilizadas, exigindo que leitor faça algumas analogias. Compostas por traços cinza no
branco, as imagens se harmonizam com os sentimentos vivenciados pelo narrador-
personagem.
Há poucos paratextos que compõem a obra, resumindo-se à dedicatória e
biografia do autor, além da sinopse que aparece na quarta capa e do suplemento e
notas já analisados no início deste capítulo.
A dedicatória constitui elemento essencial para instigar o leitor devido à forma
com que os homenageados são apresentados, o que desperta a curiosidade do leitor
para saber mais sobre a vida do autor. Como se pode ver na sua transcrição:

Para
Mercedes Cruañes Rinaldi
Erich Gemeinder
Francisco Marins
e ainda mais
Helene Rudge Miller (Piu-Piu!)
Sem poder esquecer também
O meu “filho”
Fernando Seplinsky
***
Para os que
nunca morreram
Ciccillo Matarazzo
Arnaldo Magalhães de Giacomo
***
Meu preito de saudade para o meu irmão Luís,
O Rei Luís, e minha irmã Glória;
Luís desistiu de viver aos vinte anos, e Glória,
aos vinte e quatro anos, também achou que
viver não valia mesmo.

Saudade igual ainda para Manuel Valadares,


que mostrou aos meus seis anos o significado
da ternura... (VASCONCELOS, 2017, p. 5).

O primeiro nome mencionado na dedicatória é o de Mercedes Cruañes


Rinaldi, figura importantíssima na vida de José Mauro, como já mencionado no
capítulo referente à metodologia. Também merece destaque, o nome de Dorival
Lourenço da Silva e de Ciccillo Matarazzo. Este, teve grande importância para o autor
em sua carreira, doando-lhe as máquinas de escrever que utilizou e aquele, que foi
seu agente literário, cuja morte, de acordo com Evanildo Fernando, biógrafo, José
Mauro teria sentido ainda mais que a do Portuga.
91

A biografia do autor, embora bastante sucinta, informa o leitor acerca de suas


inspirações literárias, seu estilo de vida e sua forma de escrever. Também realça seu
reconhecimento internacional e a grande quantidade de traduções de muitas de suas
obras.
A distribuição do enredo se dá em duas partes intituladas, respectivamente,
“No Natal, às vezes nasce o Menino Diabo” e “Foi quando apareceu o Menino Deus
em sua tristeza”. Essa titulação já traz uma subversão a valores cristalizados na
sociedade e é passível de conversas com os leitores para debater o tema e trocar
experiências.
A primeira parte é dividida em cinco capítulos: 1. O descobridor das coisas; 2.
Um certo pé de Laranja Lima; 3. Os dedos magros da pobreza; 4. O passarinho, a
escola e a flor; 5.“Numa cadeia eu hei de ver-te morrer”. E a segunda parte, em nove
capítulos: 1. O morcego; 2. A conquista; 3. Conversas para lá e para cá; 4. Duas suras
memoráveis; 5. Suave e estranho pedido. Na segunda parte estão mais quatro
capítulos: 6. De pedaço em pedaço é que se faz ternura; 7. O Mangaratiba; 8. Tantas
são as velhas árvores; 9. A confissão final.
Quanto à apresentação e caracterização dos personagens, é realizada pelo
próprio narrador-protagonista, à medida em que se faz necessário para o
entendimento da narrativa. É preciso, portanto, um cuidado especial do leitor para
analisar as especificidades de uma narração em primeira pessoa, sobretudo quanto
ao ponto de vista e juízos de valor emitidos pelo narrador. Ainda assim, de acordo
com Nikolajeva (2014), os personagens literários são mais fáceis de serem
compreendidos, pois são mais transparentes que as pessoas reais jamais poderão
ser. A autora coloca com pergunta central da discussão sobre personagens literários
a forma com que devemos analisá-los: como pessoa viva (real) ou como construções
textuais. No caso de Zezé, é necessário que levemos em consideração o caráter
autobiográfico da narrativa remetendo-o diretamente para o universo do real. Contudo,
a presença do fantástico na obra permite um olhar sob o viés da construção
unicamente textual, uma vez que não é possível na esfera do real.
Sob esse aspecto, há duas relações construídas ao longo da obra, de vital
importância para o processo de transformação por que passa o protagonista: o pé de
laranja lima e o português. Para analisarmos a importância dessas amizades,
consideremos que: “A intersubjetividade na literatura infantil representa um desafio
especial quando é construído um personagem como parte da interação entre criança
92

e adulto”. (NIKOLAJEVA, 2014, p. 170, tradução minha.). Assim, devemos considerar


a criação do elemento fantasioso, temporário, como ponte para a futura relação com
o adulto, já no plano da realidade. É essencial que o personagem vivencie situações
que lhe permitam certo amadurecimento, como forma de preparo para o encontro que
se dará com outro personagem real. O vínculo afetivo entre protagonista e
personagem fantástico, como é o caso do pezinho de laranja lima, é justificado, de
acordo com Nikolajeva, pelo fato de que “Um companheiro não humano não tem
obrigações sociais (para começar, não tem pais) e pode ser leal ao protagonista sem
reserva alguma”. (NIKOLAJEVA, 2014, p. 221, tradução minha.).
Na composição do personagem, também merece destaque a formação
psicológica do protagonista, apresentando características moralmente mais ou menos
aceitáveis, que se somam e se complementam. De acordo com Nikolajeva (2014), o
leitor já não espera mais, nas novelas psicológicas, personagens somente bons e/ou
somente maus. As características devem ir se apresentando aos poucos por meio de
ações, como ocorre com Zezé, a quem ora podemos amar pela singeleza de seus
gestos, ora podemos sentir raiva pelas maldades de suas travessuras.
A linguagem é bastante informal: “A gente vinha de mãos dadas”
(VASCONCELOS, 2017, p.12) e condizente com a idade do personagem que, apesar
de bastante precoce, tem apenas cinco anos de idade. Seus questionamentos,
bastante filosóficos, ora remontam sua curiosidade a respeito do mundo, ora buscam
entendimento para sua visão tão ingênua de uma realidade, por vezes, muito
opressora. É o que se pode perceber na página 15: “Idade da razão pesa?”; e na
página 15: “Totoca, criança é aposentado?”. Essas dúvidas vividas pelo protagonista,
principalmente devido ao tom humorístico com que são apresentadas, aproximam o
leitor do narrador estabelecendo certo vínculo afetivo.
No início da narrativa, ainda nas páginas 15 e 16, quando Totoca (irmão de
Zezé) diz que Tio Edmundo é mentiroso, Zezé questiona “Então ele é filho da puta?”.
Tal pergunta, além de romper com moralismos, trazendo inesperadamente palavras
de baixo calão, aproxima o leitor, que se vê diante da ousadia do autor em inserir esse
palavreado, instigando-o a prosseguir com a leitura para saber o que motivou essa
fala e quais as possíveis consequências decorrentes dela.
Algumas linhas depois, o equívoco é desfeito quando Zezé explica ter
relacionado a fala de Totoca à de seu pai em uma conversa informal num jogo de
manilha. Referindo-se a um conhecido, o pai dos meninos disse: “O filho da puta do
93

velho mente pra burro...”. Além do humor, é possível perceber a inocência das
relações estabelecidas na mente de uma criança.
O uso de linguagem coloquial (por vezes, chula), ao mesmo tempo em que
aproxima os horizontes entre leitor e obra, rompe-o devido ao inusitado recurso
linguístico. A coloquialidade propicia a identificação entre leitor e obra, sobretudo se
considerarmos o leitor em idade escolar (estudantes do 6º ano do ensino fundamental)
que nem sempre têm a oportunidade de conhecer uma obra de literatura que se
aproxime de sua realidade.
A narrativa, conduzida pelo próprio Zezé remonta a infância do garoto e
apresenta a realidade socioeconômica da periferia do Rio de Janeiro da década de
20. No entanto, o leitor não contemporâneo, facilmente encontra identificação com a
realidade que o cerca na atualidade. A maneira com que os fatos vão sendo narrados
garante a verossimilhança e justifica o envolvimento do leitor.
Há também no texto, algumas denúncias sociais, ainda que suavizadas pela
voz de uma criancinha. O regime duro de trabalho nas fábricas é um exemplo disso.
A reflexão de Zezé, que acontece em meio ao relato de uma de suas travessuras,
demonstra o precoce desenvolvimento intelectual do garoto. “Pensei na Fábrica um
momento. Não gostava dela. O seu apito triste de manhã tornava-se mais feio às cinco
horas. A Fábrica era um dragão que todo dia comia gente e de noite vomitava o
pessoal muito cansado.”. (VASCONCELOS, 2017, p. 70).
Ocorrem no texto vários outros exemplos de uso de linguagem metafórica,
como no momento em que Zezé, sabendo não poder escapar de mais uma surra,
confessa: “Virei as costas e ofereci o material” (VASCONCELOS, 2017, p. 34).
O texto traz ainda alguns destaques, tais como expressões em itálico que
conduzem o leitor a retomadas de cenas ou situações anteriores. Um exemplo disso
está na passagem em que o narrador fala de sua coleção de figurinhas oriundas da
amizade entre ele e o português Manuel Valadares. Por se tratar de um segredo entre
os amigos (a amizade entre eles também era secreta), ninguém imagina como o
garoto angariou tantas unidades: “(...) minha coleção de figurinhas de artistas de
cinema que ninguém compreendia como crescia tanto.” (VASCONCELOS, 2017, p.
147). Nesse trecho, o texto exige do leitor que busque as referências necessárias para
a compreensão, retomando os momentos anteriores da narrativa em que o
protagonista conta que ganhava as referidas figurinhas se seu amigo.
94

Outro exemplo aparece na página 148: “Ninguém se lembrava mais daquela


cena.”, referindo-se à surra que Manuel Valadares havia dado no menino devido a
mais uma de suas traquinagens.
Uma possível dificuldade para os leitores ainda inexperientes é que a ordem
dos acontecimentos nem sempre é linear. Constitui-se um jogo de retomadas dos
acontecimentos exigindo certo esforço do leitor para situar-se. Na página 18, Totoca
quer saber como Zezé conseguiu “aquilo”... , o que Zezé não consegue esclarecer,
uma vez que ele mesmo não o sabe. Nesse momento, o leitor une-se a Totoca na sua
curiosidade de saber como (Zezé conseguiu aquilo), tendo ainda, a curiosidade de
saber “o quê”, afinal o narrador ainda não havia contado o fato. A elucidação se dá
um pouco adiante quando Zezé revela que aprendeu a ler sozinho e retoma a
conversa com o irmão: “Era isso que Totoca estava querendo saber.”.
O mesmo processo acontece, por exemplo, no capítulo sexto da segunda
parte. O capítulo inicia-se com um episódio composto por um diálogo entre Zezé e
Portuga, narrado no presente como se estivesse acontecendo naquele momento. E
assim prossegue por algumas páginas, até que se tem uma ruptura no tempo
cronológico quando o narrador profere: “Era isso que eu estava contando para
Minguinho.”.
Para fugir de sua tristeza, a realidade, Zezé criou seu próprio mundo de faz
de contas, no qual ele pode ser criança juntamente com seu irmãozinho Luís. “O
quintal se dividia em três brinquedos. O Jardim Zoológico. A Europa (...). Por que
Europa? Nem meu passarinho sabia.” (VASCONCELOS, 2017, p. 27). Até esse
momento da narrativa o leitor já sabe que Zezé tem um “passarinho” que “canta pra
dentro” e o ajuda a criar seu mundo paralelo. “O outro brinquedo era Luciano”. (p. 28).
Luciano era um morcego do qual Zezé não tinha medo, alegando ser seu amigo. Já o
“Jardim Zoológico” é, na verdade, um galinheiro onde vivem apenas duas galinhas.
Apesar da aparente simplicidade, o leitor é envolvido pela construção
narrativa desse mundo imaginário, chegando a visualizá-lo tal como o que se propõe:
um jardim zoológico, por exemplo.
Indubitavelmente, o elemento mais importante do mundo fantasioso de Zezé
é o pé de laranja lima. Esse incomum personagem aparece como mediador da
existência do menino. É por meio dele que se representa o processo de
amadurecimento, de encontro consigo mesmo. O pé de laranja lima, personificado
95

como Minguinho, acompanha o protagonista e medeia a ressignificação do seu lugar


no mundo.
O primeiro encontro entre é envolto por magia e a empatia se dá entre ambos.
Apesar de se saber fantástico, o narrador busca uma compreensão para o fato que se
dava: a arvorezinha falava. “Eu levantei assustado e olhei a arvorezinha. Era estranho
porque sempre eu conversava com tudo, mas pensava que era o meu passarinho de
dentro que se encarregava de arranjar fala.” (VASCONCELOS, 2017, p. 37). Assim
fica posto que a árvore-personagem é “alguém” externo ao menino e por isso a relação
afetiva entre eles se torna possível.
No mundo real, há outro personagem que ajuda Zezé no processo de
descoberta de si mesmo. Tio Edmundo, que admira a precocidade do garoto, ouve
suas inquietações, e o assessora em suas descobertas. “Olhe, Titio, quando eu era
pequenininho, achava que tinha um passarinho aqui dentro e que cantava. Era ele
que cantava. (...) É que agora eu ando meio desconfiado com o passarinho. E quando
eu falo e vejo por dentro?” (VASCONCELOS, 2017, p. 74). De modo singelo e
bastante poético, Tio Edmundo explica que Zezé está crescendo e entrando na “idade
da razão” (expressão mencionada já no primeiro capítulo do livro). Ele ajuda o
sobrinho a compreender que ele está tendo “pensamentos”. Tio Edmundo diz que
“Então acontece uma maravilha. O pensamento cresce, cresce e toma conta de toda
a nossa cabeça e nosso coração. Vive em nossos olhos e em tudo que é pedaço da
vida da gente.” (p. 74). Na mesma página, em seguida a essa belíssima explicação,
Tio Edmundo ainda utiliza linguagem simbólica para interpretar a metáfora criada pelo
próprio menino sobre o passarinho: “O passarinho foi feito por Deus para ajudar as
criancinhas a descobrirem as coisas. Depois então quando o menino não precisa
mais, ele devolve o passarinho a Deus. E Deus coloca ele em outro menininho
inteligente como você. Não é bonito?”.
É na presença de Xururuca, apelido carinhoso de Minguinho, que Zezé solta
o seu “passarinho”, ao sentir que não precisava mais dele. “Levantei emocionado e
abri a camisa. Senti que ele ia saindo do meu peito magro.” (p. 76). Essa cena termina
também com expressiva linguagem metafórica: “Parece que aqui dentro a minha
gaiola ficou vazia demais...”.
Os momentos de conversa ou confissões a Minguinho perduram mesmo
depois que Zezé encontra afeto em uma nova amizade: a do português Manuel
Valadares. Contudo, à proporção que o garoto encontra correspondência na figura do
96

Portuga, há certo distanciamento na relação com Minguinho. O pé de laranja lima


demonstra ciúme da relação do Zezé com Valadares.

Mesmo assim Minguinho continuava emburrado.


- Olha, Minguinho, não precisa ficar desse jeito. Ele (o Portuga) é meu maior
amigo. Mas você é o rei absoluto das árvores, como Luís é o rei absoluto dos
meus irmãos. Você precisa saber que o coração da gente tem que ser muito
grande e caber tudo que a gente gosta.
Silêncio.
- Sabe de uma coisa, Minguinho? Vou jogar bola de gude. Você anda muito
enjoado. (VASCONCELOS, 2017, p. 136).

A relação afetiva entre Zezé e o português se afirma, sobretudo, quando o


garoto reconhece e confidencia ao amigo que o considera “a melhor pessoa do
mundo. Ninguém judia de mim quando estou perto de você e sinto um sol de felicidade
dentro do meu coração.” (p. 143).
Essa é uma cena que toca o leitor, convidando-o a compartilhar dos
sentimentos do personagem. O lirismo da linguagem é bastante equilibrado,
mantendo a qualidade literária sem se deixar transformar em mero sentimentalismo.
Aos poucos, ao ir se deparando com situações reais bastante desconfortáveis,
Zezé vai perdendo sua ingenuidade e deixando de lado o seu mundo de fantasias. Ele
comenta com Minguinho que achava histórias de fadas e magias eram sem graça,
preferindo as aventuras de Tom Mix, Buck Jones, Fred Thompson e Richard
Talmadge. Tais citações instigam o leitor não contemporâneo da obra a saber mais
sobre esses cowboys. O olhar do menino passa a ser mais pragmático, chegando a
dizer que “Esse pessoal vai contando as coisas e pensa que criança acredita em tudo.”
(VASCONCELOS, 2017, p. 112). Contudo, há instantes de inocência na vida do
menino, sobretudo quando na presença de seu irmão Luís. “Mas logo, logo a fada da
inocência passou voando numa nuvem branca que agitou as folhas das árvores, os
capinzais do valão e as folhas de Xururuca. Um sorriso iluminou meu rosto
maltratado.” (p. 113).
As expressões presentes na fala de Zezé também vão demonstrando seu
distanciamento da infância, apesar de ainda nem ter completado seis anos de idade.
É o que aparece no trecho em que Luís pergunta a Zezé sobre suas brincadeiras:

- Zezé...
- Hum.
- Cadê a pantera negra?
97

Era difícil recomeçar tudo sem acreditar nas coisas. A vontade era contar o
que de fato existia. “Bobinho, nunca existiu pantera negra. Era apenas uma
galinha preta e velha, que eu comi numa canja.”
-Só ficaram as duas leoas, Luís. A pantera negra foi passar as férias na selva
do Amazonas.
Era melhor conservar a sua ilusão o mais possível. Quando eu era criancinha,
também acreditava naquelas coisas.
(VASCONCELOS, 2017, p. 202-203).

A visão do personagem, assim posta, aproxima o leitor da sensação


vivenciada. Além disso, exige criticidade deste em relação à posição adotada por
aquele de não mais se considerar uma criancinha, apesar da tenra idade.
O rito de passagem de Zezé se dá quando seus mediadores (Pé de Laranja
Lima e Manuel Valadares) o deixam sozinho, obrigando-o a conhecer e carregar a
dor. É possível ao leitor compartilhar o momento em que a ruptura entre mundo real e
imaginário se dá. Mesmo sabendo que as condições financeiras da família estavam
prestes a melhorar, Zezé compreende que aquele que realmente o compreende e o
aceita não fará mais parte de sua vida. Trata-se da morte de Manuel Valadares,
retratada por Zezé da seguinte maneira: “Já cortaram, Papai, faz mais de uma semana
que cortaram o meu pé de laranja lima.” (VASCONCELOS, 2017, p. 207).
O final trágico para a bela amizade construída no decorrer da narrativa, quebra
com as expectativas para esse tipo de texto, já que, de acordo com Nikolajeva (2014,
p. 289, tradução minha), “O final feliz é um dos critérios preponderantes nas definições
tradicionais da literatura para crianças, assim como um de seus principais
preconceitos. No entanto, a ideia de um final feliz é cultural e historicamente
dependente.”
Após essa confissão, há apenas um curto capítulo, “Último Capítulo”. É uma
carta dirigida a Manuel Valadares, redigida pelo Zezé já adulto. Aos quarenta e oito
anos de idade, ele revela ter saudade e admite que “a vida sem ternura não é lá grande
coisa.” (p. 211).
O desfecho se dá com um questionamento do narrador fazendo uma
referência à “um Príncipe Idiota ajoelhado diante de um altar (que) perguntava aos
ícones, com os olhos cheios d’água” (ideia compartilhada pelo narrador):
“POR QUE CONTAM COISAS ÀS CRIANCINHAS?”
É possível ao leitor, concordar com a conclusão do narrador de que a ele
(Zezé), contaram as coisas muito cedo.
98

5 PERCURSO DA PESQUISA – O SABOR DA FRUTA

Este capítulo visa apresentar o percurso da pesquisa desenvolvida durante o


ano de 2017, numa turma do 6º ano do ensino fundamental de uma escola pública
municipal da cidade de Curitiba-PR, em que foi adotada uma proposta metodológica,
por meio de propostas metodológicas, com leitura em voz alta e mediada, que valoriza
o diálogo sobre o texto conduzida pelo professor, como uma possibilidade de
mediação de leitura do livro literário O meu pé de laranja lima, de José Mauro de
Vasconcelos.
O propósito deste trabalho, sobretudo, é o de analisar as práticas de leitura
realizadas neste contexto particular, sem, contudo, intentar na construção de uma
pedagogia da leitura ou desenvolvimento de um método específico a ser seguido ou
proposto a professores. Também não é foco deste trabalho a análise das
competências linguísticas, ainda que se constitua um rico material, com
potencialidades à futuras análises. Ao experimentar algumas estratégias no trabalho
com o texto literário e propiciar momentos de conversa com os estudantes, assumi
também tarefa essencial para promover momentos de reflexão sobre a prática
pedagógica podendo articular as teorias estudadas à experiência provinda de minha
já relatada caminhada docente.
Ao apresentar os dados a seguir, procurei, além de descrever os eventos, dar
foco ao processo que me permitiu a análise do encaminhamento docente constituído
de procedimentos, vivências, conversas e práticas de leitura neste contexto escolar
específico já caracterizado. Apesar do uso de dispositivos mediadores para propiciar
a formação do leitor literário, ressalto que tal aprendizagem não está vinculada a
técnicas os métodos específicos, mas, no contexto estudado, pretendo avaliar como
as intervenções realizadas podem ter contribuído para a proficiência leitora daquele
grupo.
Já na apresentação da obra a ser lida, iniciei a exploração dos paratextos,
com a leitura da dedicatória, que contém elementos que despertam a curiosidade do
leitor, especialmente no que se refere à morte dos irmãos de José Mauro de
Vasconcelos. O uso dos termos “deixou de viver” e “achou que viver não valia mesmo”
levou alguns estudantes a levantarem a hipótese de eles terem morrido por causa de
alguma doença.
99

Inicialmente, para a seleção de uma abordagem pedagógica que envolvesse


o leitor, e contribuísse para a compreensão do texto literário, inspirei-me numa
proposta do Ministério da Educação, constante no Programa Gestão da
Aprendizagem Escolar – Gestar II, livros que foram elaborados em 2008 e enviados
às escolas públicas, destinados a professores de Língua Portuguesa e Matemática.
Trata-se de um programa de formação continuada, à distância, de professores dos
anos finais do ensino fundamental.
O conjunto é composto por seis cadernos de teoria e prática, que contemplam
os mais importantes eixos para o ensino da língua portuguesa e literatura, e mais doze
cadernos de atividades, divididos igualmente entre versões do professor e do aluno.
Há uma diversidade de atividades propostas relacionadas à teoria apresentadas nos
respectivos cadernos. No material do professor, além de atividades aparecem
sugestões para a realização das aulas e possibilidades de ampliação.
A estratégia selecionada, consta no caderno Atividades de Apoio à
Aprendizagem 6, nomeado AAA 6: Leitura e Processos de Escrita II, escrito por Cátia
Regina Braga Martins. A atividade proposta no referido caderno, propõe a leitura de
crônicas com o objetivo de “Despertar o interesse pela leitura literária com jogos e
brincadeiras que facilitem a percepção da história”. (BRASIL, 2008. p. 115). De acordo
com as orientações contidas no material do professor, a atividade pode ser aplicada
em qualquer texto literário lido em sala de aula. A brincadeira ali proposta permitiria,
conforme o referido material, envolvimento emocional dos estudantes, facilitando a
relação das informações da história, os elementos narrativos que a compõem.
A ênfase da atividade é dada na elaboração das cartas que comporão o jogo,
uma vez que é nesse momento que os estudantes farão a síntese da leitura,
retomando os acontecimentos lidos. As cartas devem conter as informações:
Personagens (P), Objetos (O), Lugares (L), Ações dos personagens (A) e
Sentimentos/Sensações (S), de acordo com a seleção de cada estudante. A mediação
do professor se faz necessária nesse momento para averiguação da pertinência das
informações registradas, bem como o grau de complexidade (não sendo algo óbvio
demais, tampouco impossível de ser representado). É válido lembrar que as
informações contidas na carta serão, posteriormente, representadas por mímica para
os colegas.
100

Elaboradas as cartas, os estudantes deverão agrupar-se para jogar com o


auxílio de um dado e um tabuleiro, também elaborado por eles, composto por uma
trilha utilizando a sigla POLAS repetidamente, organizando uma letra em cada casa.
Consta ainda, tanto no caderno do professor, quanto no do aluno, as regras
do jogo, abaixo reproduzidas.

Como jogar:
1. jogue o dado;
2. ande o número de casas indicadas no dado;
3. retire uma carta POLAS;
4. faça a mímica da palavra da carta indicada pela letra no tabuleiro;
5. o seu colega de jogo deverá adivinhar a palavra;
6. só marcará ponto a dupla que acertar a palavra pela mímica;
7. a partida seguinte será da dupla adversária. (BRASIL, 2008. p. 121).

Assim que percebi o envolvimento estudantes na atividade, decidi levar a


proposta para a leitura de textos mais longos, de fôlego. Sobretudo nos casos em que
o texto literário exigia mais esforço do leitor para sua compreensão e a complexidade
na narrativa escondia profundas reflexões. É o caso da obra selecionada: O meu pé
de laranja lima.
Diante da diversidade de elementos a serem explorados na leitura dessa obra,
optei pelo uso do jogo POLAS como recurso para auxiliar os leitores no processo de
compreensão do texto literário. Devido à organização do livro em capítulos, a proposta
foi realizada ao final da leitura de um capítulo, com o objetivo de levar o estudante a
perceber elementos constantes no texto literário.
Para que os estudantes registrassem a atividade desenvolvida para posterior
consulta e retomadas as cenas e elementos anteriores, muitas vezes exigidos pelo
texto, solicitei aos estudantes que organizassem o POLAS de forma mais elaborada.
Com isso, obteve-se uma espécie simplificada de fichamento, organizada em
conjunto, ao final de cada leitura realizada, como forma de possibilitar a compreensão
do conteúdo lido.
Como as aulas destinadas à leitura literária ocorriam uma vez por semana,
havia necessidade de retomar com os estudantes o que foi lido na aula anterior,
fazendo-se referências a passagens do livro, o que oportunizava o entendimento do
texto, ainda não atingido por alguns estudantes.
Nesse momento percebi o alheamento de alguns à história sendo resgatada,
ainda que estivessem presentes na aula anterior e tivessem participado da leitura do
101

texto. O que estava ocorrendo era que os estudantes em questão liam o livro, ouviam
a história, participavam do momento literário e até o apreciavam, mas seu nível de
compreensão da leitura era demasiado superficial, apresentando certa fragilidade na
retomada de elementos da narrativa e da própria condução da história trazida pelo
texto literário.
A organização do POLAS contribuiu significativamente para a melhoria na
qualidade da leitura dos estudantes. Ao final de cada aula destinada à leitura literária,
fazíamos o POLAS coletivamente. Nas primeiras vezes em que tal atividade foi
adotada, houve muita necessidade de mediação para que eles não se perdessem nos
pormenores do texto, tampouco deixassem de registrar momentos essenciais da
narrativa. Com a constância da prática nas aulas de literatura, os estudantes
necessitavam cada vez menos mediação, contudo ainda o faziam de forma coletiva,
com contribuição da quase totalidade dos estudantes envolvidos.
O amadurecimento na didática aplicada nessa atividade levou à adoção de
uma certa sequência na organização do POLAS, de modo a traçar um fio condutor
que permitisse uma melhor visão dos acontecimentos ali transpostos. A diferença deu-
se apenas na forma de organizar as informações obtidas, permitindo uma certa
remontagem das cenas. O quadro base permanecia intacto, mas os estudantes não
deveriam preenchê-lo de forma sequencial (primeiro P, depois O, etc.) como uma lista,
mas de acordo com o envolvimento entre os elementos, interligando-os.
O procedimento deu-se, então, da seguinte maneira: relembra-se
determinado personagem e lista-o ao lado da letra (P). Em seguida, já se remete ao
objeto a ele relacionado (O), qual ação se desenvolveu (A), em que lugar (L) ocorreu
e que sentimento ou sensação (S) ocupou essa cena. Dessa forma tornou-se mais
simples relembrar os acontecimentos, e a probabilidade de se deixar de lado alguma
essencialidade do texto ficou diminuta.
Ao final da leitura do primeiro capítulo, obteve-se, coletivamente, o seguinte
registro:
QUADRO 1 – POLAS COLETIVO
Primeira parte – No natal, às vezes nasce o menino diabo
Capítulo Primeiro – O descobridor das coisas

P – Zezé, Totoca, Tio Edmundo, Jandira, Dindinha.


O – cavalinho, jornal, óculos.
102

L – casa nova, Estrada, “cidade”, casa do Tio Edmundo.


A – Totoca ensina Zezé a atravessar a rua; Zezé leu sem ninguém ter ensinado; Zezé ganhou o cavalo
Raio de Luar.
S – raiva, surpresa, desconfiança, emoção.

FONTE: Construção dos estudantes em conjunto com a pesquisadora

Afim de aferir as relações estabelecidas pelos estudantes, ao realizar cada


registro, procurei questioná-los em que momento da narrativa tal informação aparecia
e de que forma contribuiu para a organização do enredo. De modo especial, solicitei
a eles que relacionassem os sentimentos ou sensações elencadas aos personagens
e situações, contribuindo para a percepção de que alguns nomes mencionados
constituem personagens secundários na narrativa. Para Harvey e Goudvis (2008,
apud Girotto e Souza, 2010), “quando leitores resumem a informação durante a leitura,
conseguem selecionar o que é mais importante e ressignificam esta passagem com
suas próprias palavras. Isso os ajuda a memorizar e atribuir significados aos fatos.”.
Assim esse tipo de atividade, realizada ao final de cada um dos cinco capítulos
que compõem a primeira parte do livro O meu pé de laranja lima contribuiu para a
compreensão de fatos e situações que se apresentam de forma não linear nesse
momento da narrativa, o que exige maior protagonismo do leitor. Nesse sentido, o
POLAS aguça a construção de conhecimentos proporcionando a autoria de quem lê,
solicitando que o leitor teça comentários, faça críticas, retome partes importantes do
enredo relacionando-os, comparando-os para melhor compreendê-los. Portanto, tal
prática aproxima-se muito dos modelos e exemplos de atividades sugeridas para o
ensino de síntese, sumarização, inferência e visualização, por exemplo, nas
estratégias de leitura propostas por Girotto e Souza (2010).
Após a leitura dos dois primeiros capítulos, alguns estudantes manifestaram
satisfação com o livro. “Tá legal a leitura, prof.” / “É..., é legal esse livro...” / “Prof., a
gente vai continuar lendo esse livro? Porque eu tô achando legal. Eu fiquei imaginando
em casa como seria a história e fiz este desenho”. (FIGURA 5 – ILUSTRAÇÃO DE
G.D., localizada na página 79).
Na leitura do capítulo terceiro, Os dedos magros da pobreza, procurei instigar
os estudantes fazendo um levantamento de hipóteses a partir do título: “o que poderia
tratar esse capítulo?”, “o que essa imagem representa para vocês?”. Diante desses
103

questionamentos, a maioria deles palpitou que o tema principal seria a pobreza:


“magros de tão pobres...”.
O capítulo foi lido por mim integralmente. Aproveitei algumas oportunidades
para chamar a atenção dos estudantes, como na ocorrência de expressão que
aparecia grafada em itálico, questionando-os: P – “Por que está em itálico o trecho “O
pessoal disseram” (VASCONCELOS, 2017, p. 43)?” / I – Porque está errado. É “o
pessoal disse”. Juntos concluímos que, nesse caso, havia um efeito de sentido a ser
produzido no uso desse recurso e que um leitor atento deve percebê-lo e fazer as
relações necessárias para compreensão dos significados.
No prosseguimento da leitura, houve uma pausa no momento em que Zezé
ganha o seu terninho e é levado pelo Tio Edmundo para tirar foto. Essa fotografia
aparece na contracapa da 1ª edição do livro e ao final da edição comemorativa dos
50 anos. Curiosamente, nessa aula uma estudante levou consigo uma dessas
edições. Antes mesmo de iniciar a leitura, G. H. veio mostrar o livro que havia
encontrado no porão de sua casa. Empolgadíssima, ela relatou que o encontrou por
acaso e nem sabia a quem pertenceu o livro. Disse que provavelmente era de seu
avô, já falecido. A menina demonstrou grande satisfação ao perceber que aquela
história que ela estava lendo com seus colegas em sala de aula já havia sido lida por
um de seus familiares. Todos os colegas puderam ver a foto, já que é nesse capítulo
que se descreve o momento em que a fotografia foi tirada. “E foi assim que eu ganhei
minha roupa de poeta, e fiquei lindo...” (VASCONCELOS, 2017, p. 231). Tal episódio,
além de propiciar um momento interessante de conversa e trocas entre os estudantes,
comprova a influência das famílias no comportamento leitor desse público.
A atividade solicitada após a leitura do capítulo quarto, O passarinho, a escola
e a flor, foi o POLAS desenhado, uma variação da proposta praticada até o momento.
Para executá-la, solicitei aos estudantes que representassem por meio de desenho o
que acharam mais significativo nesse capítulo. Eles foram instruídos a ilustrar, da
forma que lhes fossem mais significativa, um personagem, objeto, lugar, ação e
sentimentos a ele relacionados. Dessa forma, a linguagem passa a ser tratada de
forma verbo-visual, conceito explorado por Brait (2010), considerando-a como
“enunciação, um enunciado concreto articulado por um projeto discursivo do qual
participam, com a mesma força e importância, a linguagem verbal e a linguagem
visual.” (BRAIT, 2010, p. 194). Sob esse aspecto, o POLAS desenhado por ser uma
atividade de ilustração para o texto literário, constitui uma produção de caráter verbo-
104

visual e, portanto, para analisá-los, trarei as contribuições dos estudos dessa


categoria textual apresentadas pela linguista citada.

FIGURA 7 – POLAS DESENHADO 1

FONTE: fotocópia do caderno de I. B.

Neste exemplo, a estudante I. B. subdividiu o espaço da folha de papel de modo


a ilustrar cada uma das partes que compõem a sigla POLAS. Apesar dessa tentativa,
nota-se que não houve representação específica para o SENTIMENTO. A
personagem representada é a professora D. Cecília Paim, que aqui aparece com o
livro O meu pé de laranja lima em mãos. Apesar de não haver qualquer momento da
história em que a professora esteja lendo algum livro para sua turma, I. B. optou por
fazê-lo dessa forma, de acordo com seu depoimento, para relacionar com o que
estávamos vivenciando naquele momento: a leitura do livro literário. Fato semelhante
acontece na representação o lugar em que ocorre a cena – a escola. I. B. desenhou
uma fachada que, apesar de não se assemelhar a da escola em que estuda, traz as
iniciais dela. Já na ilustração para a ação, a estudante procurou registrar o momento
em que o personagem Zezé entra no quintal de um vizinho para furtar uma flor e levar
para presentear sua professora. De acordo com I. B., a cena ocorreu na escola,
contudo, o roubo da flor se deu em outro lugar, constituindo então, na representação
feita por ela, uma espécie de flashback.
Nesta representação, é possível identificar os traços de autoria do leitor, que
toma seu posicionamento diante do texto lido, transpondo sua interpretação para outra
105

linguagem, mais simbólica. O texto agora elaborado constitui não só uma


complementação ao escrito, mas também uma resposta ao texto literário em estudo.
Considero a concepção de texto trazida por Brait, que

(...) pode ser designada semiótico-ideológica, ultrapassa a dimensão


exclusivamente verbal (oral e escrita) e reconhece visual, verbo-visual,
projeto gráfico e/ou projeto cênico como participantes da constituição de um
enunciado concreto, de sua arquitetura, de sua inerente propriedade
discursiva de oferecer-se como resposta que engendra sempre novas
perguntas. (BRAIT, 2010, p. 195).

A partir dessa concepção, pode-se considerar que a atividade requer dos


estudantes as habilidades de analisar e interpretar a leitura realizada, acrescentando-
se a isso, expressões particulares (históricas, sociais e culturais), tal como no caso da
estudante I. B. que fez uso de elementos próximos de seu cotidiano, ainda que se
afastassem do contexto histórico, social ou cultural da obra-base.

FIGURA 8 – POLAS DESENHADO 2

FONTE: fotocópia do caderno de V. C.


106

Já o estudante V. C., optou pela representação em uma só cena que, de acordo


com ele, é a mais emocionante desse capítulo. Em seu desenho, V. C. retratou o
momento em que Zezé, simbolicamente liberta o passarinho que habita seu peito e é
responsável pela ocupação do lugar onde agora passaria a ser preenchido pela
consciência. O sentimento vivenciado pelo protagonista está descrito no livro como
um vazio no peito, – “Parece que aqui dentro a minha gaiola ficou vazia demais...”.
(VASCONCELOS, 2017, p. 76) – momento em que chora e confidencia seu
sentimento ao pezinho de laranja lima. A opção de V. C. foi a de representar as
lágrimas do garoto no momento de libertação do simbólico passarinho que, na
ilustração, está cantando, como se pode perceber pelas notas musicais inseridas.
Essa representação remete a um momento anterior da narrativa, em que Zezé canta
“para dentro” e atribui essa habilidade ao passarinho. A ilustração conta com um
retrato quase fiel da caracterização do menino constante no livro: roupas simples,
puídas, pés descalços, bem como do lugar em que ocorre a cena: fundo do quintal,
próximo à cerquinha e diante do pé de laranja lima. Há, contudo um certo afastamento
da figura de Zezé apresentada no livro e presente em ilustrações, inclusive na capa
do livro, como menino loiro. Ao contrário, no desenho de V. C. foi retratado com
cabelos bem pretos, assemelhando-se, nesse e em outros aspectos, ao próprio
estudante, que relatou vivenciar o sentimento junto com o personagem.
Assim, a atividade, vista anteriormente pela maioria dos participantes como
simplesmente “fazer um desenho”, passou a assumir maior significação, pois
passaram a perceber os elementos que compõem tal processo, o caráter
interpretativo, como imprimir a identidade em representações simbólicas e, ao mesmo
tempo, fazer conexões pessoais, como nos casos acima descritos.
Ao iniciar a leitura do último capítulo da primeira parte, intitulado “Numa cadeia
eu hei de ver-te morrer”, usei a estratégia de antecipação, solicitando aos estudantes
que levantassem hipóteses sobre o que aquele capítulo poderia discorrer, ao que,
prontamente, muitos deles disseram: “Ele vai ver alguém morrer na cadeia”. No
prosseguimento da leitura deste capítulo, explorei alguns elementos, questionando os
leitores sobre os seguintes trechos:

PROFESSORA – Por que aparece “ele” entre aspas?


TURMA – Porque se trata de alguém específico, ou de uma coisa...
PROFESSORA – Por que ele devorava os toquinhos de vela com os olhos?
TURMA – Porque ele tinha alguma intenção de fazer algo.
PROFESSORA – “aquilo”, o quê?
107

TURMA – Alguma arte. Ah, para alguém escorregar.

No momento em que apareceu um palavrão “filho da puta”, houve espanto e


muitos comentários. “Ele só tem cinco anos, né?!”
Quando chegamos na parte da letra da música, alguns alunos se manifestaram:
“Ah! Não acredito que era isso! O autor nos “trolou” legal! Os estudantes referiam-se
ao fato de o título do capítulo, que aparecia entre aspas, ser um dos versos de uma
música.
Ao final da leitura dessa primeira parte do livro, partimos para a realização do
Jogo POLAS, com a elaboração das cartinhas pelos estudantes.
Instrui-os para que escolhessem um personagem e colocassem o objeto
relacionado a ele, o lugar e o que aconteceu, e o sentimento relacionado à situação,
como se pode ver na figura a seguir.
108

FIGURA 9 – CARTAS DO JOGO POLAS

Fonte: Acervo de fotografias digitais da autora

Dentre as doze cartinhas, que representam a produção da turma, a maior


incidência de personagens foi Zezé e Ariovaldo, empatados em cinco ocorrências.
Outro personagem que apareceu foi Zacarias, também lembrado por dois estudantes.
Ao relacionar os objetos mais significativos, os toquinhos de vela apareceram na maior
parte – seis cartinhas – seguidos pelas letras de música, também nomeadas por
panfletos, folhetos ou cordel. Esses objetos remontam momentos diferentes da
narrativa: o primeiro está relacionado à traquinagem do garoto ao esfregar restos de
vela na calçada para que alguém escorregasse ao passar por ali, enquanto que o
segundo retoma a atividade que passa a ser exercida por Zezé, junto ao seu novo
109

amigo, Ariovaldo, que é a de vender letras de músicas pelas ruas ao mesmo tempo
em que atua como ajudante de cantor. Houve maior variação quanto ao lugar indicado
pelos estudantes de onde ocorre o fato, ficando a maior parte dividida entre rua e
estrada. Quanto a ação selecionada como a mais significativa, houve empate entre
três principais: cantar, vender e gazear aula. Um dos estudantes optou por colocar a
ação de maneira mais subjetiva – fazer traquinagem – para referir-se à ação de
esfregar os toquinhos de vela na calçada. De acordo com ele, “ficaria mais difícil de
adivinhar”, caso sua carta fosse sorteada para a mímica. O sentimento que mais
apareceu foi a alegria, já que neste capítulo Zezé ganha um novo amigo, além de
realizar seu desejo de atuar como ajudante de cantor. Chamou a atenção, também,
uma incidência de assustado/malandrinho para representar o momento em que Zezé
é repreendido por sua molecagem.
Assim que recolhi as cartinhas, dividi a turma em duas equipes. Um
representante da equipe A foi à frente enquanto a equipe B sorteava uma das letras
da palavra POLAS. O estudante da equipe fazia uma mímica representando o que
estava escrito na letra sorteada com a intenção de que seu grupo conseguisse decifrá-
lo, porém as duas equipes poderiam responder, tendo esse direito quem levantasse a
mão primeiro. Caso esse participante acertasse, pontuaria para sua equipe, se não,
passaria para a adversária e assim sucessivamente.
Os estudantes tiveram bastante facilidade tanto em fazer a mímica quanto
para identificarem o que estava sendo representado, atribuindo essa capacidade ao
fato de conhecerem bem os fatos que acabaram de ser lidos e poderem relacionar às
representações gestuais realizadas.
Nesse primeiro momento, a ordem de palavras sorteadas para representação
foi a seguinte:

O – panfleto
A – vender panfletos
S – alegria
L – escola
P – Zezé
110

Com essa atividade foi possível identificar o que os estudantes lembravam da


leitura realizada e qual foi o fato mais marcante para eles. Também pude perceber
que a facilidade deles na identificação se deve à memória da leitura realizada.
A segunda parte do livro, “Foi aí que nasceu o menino Deus em toda a sua
tristeza”, apresenta uma sequência linear de narrativa e, a partir deste capítulo,
baseei-me em algumas das estratégias de leitura propostas por Girotto e Souza
(2010), mencionadas no capítulo 3, Fundamentação Teórica. Sobre o título, alguns
levantaram hipóteses: “Acho que vai acontecer alguma coisa boa no meio das
decepções”. Quanto isso, H. disse que, por base do capítulo anterior, nem sempre
isso dá muito certo. “Se bem que no anterior estava entre aspas, né? Faltou a gente
perceber isso, né?”.
Para iniciar a leitura, primeiramente expliquei aos estudantes o tipo de
conexão que faríamos ao ler o texto: Conexão texto-leitor (T – L). Expliquei que para
essa atividade, deveríamos ler pensando nas possibilidades de conexões com nossas
experiências pessoais.
O Capítulo Primeiro, O morcego, foi lido após um breve exercício de
antecipação do tema que poderia ser tratado. As hipóteses levantadas pelos
estudantes sobre o que é “morcego” giraram em torno de comentários como: “é
daquele negócio de ‘pegar rabeira’”.
Essa leitura contou com alguns momentos programados de pausa para que
os leitores pudessem compartilhar ordenadamente seus comentários. Ao preparar
previamente esse momento, procurei antecipar que passagens do texto poderiam
suscitar interesse dos participantes em expor seus pensamentos. Limitei-me, nesses
pontos, a dar uma pausa mais longa na leitura e lançar um olhar receptivo a eles para
que percebessem que, caso o quisessem, poderiam falar. Foi o que ocorreu durante
a leitura do trecho: “Ninguém se atrevia a pegar uma carona no seu pneu traseiro. [...]
Nenhum menino da Escola se atrevia ou se atrevera até agora”, quando alguns
estudantes já anteciparam o que estaria por vir, dizendo: “o Zezé vai se atrever...”
Após a leitura do capítulo, eles receberam uma folha com dois espaços para
escrever. No primeiro deveriam colocar um trecho da história (desse capítulo) que os
remeteram a alguma experiência pessoal a qual deveria ser inserida no segundo
espaço. Todos os estudantes presentes concluíram a atividade e a fizeram com
entusiasmo.
111

FIGURA 10 – CONEXÃO T-L 1

FONTE: fotocópia do caderno de G. V.

Transcrição:

Quando li este trecho:


- Que foi? Algum búfalo veio para o seu lado?
- Não. Vamos brincar de outra coisa. Tem muito índio e eu estou com medo.
- Mas esses índios são os Apaches. Todos são amigos.
- Mas eu estou com medo. Tem muito índio.

Lembrei-me de que eu...


Lembrei de que eu também era assim eu imaginava muitas coisas e depois eu ficava com medo do que
imaginava e parava de brincar.

No momento de conversa subsequente à realização dessa tarefa, vários


pesquisados comentaram o fato de, na infância, terem tido amigos imaginários com
os quais viviam muitas situações empolgantes. Alguns deles alegaram ter gostado da
leitura deste livro por ter permitido a eles reviver esses momentos. G. V. demonstra a
intensidade de sua imaginação a ponto de fazê-lo sentir medo de sua própria criação
fantasiosa, ainda que consciente desse processo. De acordo com ele, apesar de saber
que era fruto de sua imaginação acreditava na possibilidade de se tornar real, o que
o deixava apreensivo.
112

FIGURA 11 – CONEXÃO T-L 2

FONTE: fotocópia do caderno de L. L.

Transcrição:

Quando li este trecho: pág. 97


Verdade nesse dia apanhei tanto

Lembrei-me de que eu...


Quando fis bagunça e apanhei do meu pai

Ao relatar o episódio selecionado, L. L. diz que não apanhou tanto quanto o


personagem, mas a situação narrada a fez lembrar da surra que levou. Ela também
disse que, como tinha feito bagunça, merecia ter apanhado, ao passo que Zezé
“estava inocente na história”, de acordo com ela. Outros colegas engrossaram o
discurso relatando diversas situações em que apanharam, contando as mais variadas
traquinagens e desobediências.
113

FIGURA 12 – CONEXÃO T-L 3

FONTE: fotocópia do caderno de L. C.

Transcrição:

Quando li este trecho:


É a história de um príncipe que ganhou de uma fada uma rosa vermelha e rosa.
Pg 99

Lembrei-me de que eu... Já brinquei de princesa e fada com a minha prima de 4 anos e a enteada da
minha mae.

Neste caso, a estudante L. C. escolheu um trecho em que há metalinguagem,


quando menciona-se a história de um livro literário lido por Zezé. A relação
estabelecida por ela, porém, não se assemelha ao enredo citado, apenas à
caracterização das personagens. Ao compartilhar com os demais estudantes, ela se
justificou reafirmando que brincou com a prima de quatro anos de idade, por isso era
uma brincadeira mais infantil e essa era a única passagem que ela encontrou mais
114

próxima de sua realidade, já que é uma menina e as brincadeiras de Zezé são mais
de menino, de acordo com ela.

FIGURA 13 – CONEXÃO T-L 4

FONTE: fotocópia do caderno de V. C.

Transcrição:

Quando li este trecho:


Papagaios lindos de todos os feitios. Era a guerra no ar. As cabeçadas, as lutas, as lançadas e os
cortes pág 100
As giletes cortavam as linhas e lá vinha um papagaio rodopiando a linha do cabresto com a cauda sem
equilíbrio pág 101

Lembrei-me de que eu...


Eu estava soltando pipa nova e ela estava lá no alto e com um vento forte. Tinham outras pessoas
soltando a pipa e zas, aminha pipa quase ultrapassara a camada de ozonio

No depoimento de V. C. foi perceptível o envolvimento dele com a cena


transcrita desde o primeiro momento de sua leitura. O estudante fez vários gestos
concordando com o que estava sendo narrado, o que sinalizava seu conhecimento de
tais feitios. Ao compartilhar com o grupo, V. C. comentou que “é bem assim mesmo
que a gente faz lá na rua”.
115

Ao final da aula, alguns já foram ler o título do próximo capítulo – A conquista,


ao que arriscaram certos palpites, como: conquistar o morcego no carro do português,
ou conquistar uma pipa – considerando a ilustração e o conteúdo do capítulo anterior.
As conexões texto-leitor renderam ainda algumas conversas ao término da
leitura. Alguns estudantes fizeram questão de verbalizar as situações que
vivenciaram, como a estudante M. R., que disse: “Eu me identifiquei muito com o Zezé
que apanha muito. Eu apanho sempre...”
A professora que atuava como regente da turma, em conjunto comigo, se
aproximou da menina para perguntar o motivo de tantas surras e M. R. respondeu que
sempre que não limpa sua casa direito, apanha de sua mãe. Ao término da aula, a
professora me relatou o fato e propôs que fizéssemos, juntas, um trabalho de
intervenção para ajudar no problema. Já estava prevista uma discussão sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente nas aulas de Língua Portuguesa, que
aconteceram sob o comando da professora regente.
Findo esse momento de leitura, G. D., uma estudante que gosta de escrever
histórias em seu tempo livre, me procurou para dizer que a leitura de O meu pé de
laranja lima tem inspirado suas escritas com intenção literária. Relatou que em seu
texto um menino sai em busca de sua irmã que foi sequestrada e o faz escondido.
Com isso, acaba se metendo em confusões como enfiar um caco de vidro no pé e ter
que esconder o ferimento de seus pais para que não seja duplamente punido..., tal
como aconteceu no livro que estávamos lendo.
Outro depoimento espontâneo que reafirmou a condução da modalidade de
leitura utilizada, aconteceu na primeira vez em que uma nova professora regente
esteve presente na turma durante uma mediação de leitura. J. G., que não conhecia
o livro, comentou “Legal esse livro, né? E sua condução da leitura também, a forma
com que lê, os questionamentos que faz ao final, tudo é legal!”.
A próxima estratégia utilizada, na leitura do Capítulo Segundo, A conquista,
foi a conexão texto-texto (T-T). Os estudantes já a conheciam apresentada a eles por
mim em leituras anteriores, que não faziam parte desta pesquisa. A fim de inovar a
técnica, selecionei textos, imagens que se relacionam de alguma forma com o capítulo
do livro, como fotos de cenas do filme de 1970, bem como de momentos marcantes
da novela; hino da proclamação da independência; gibi do Chico Bento; imagens de
crianças jogando bola de gude, soltando pipa, de um pé em direção a um caco de
vidro; um trecho do livro O pequeno príncipe. Tal iniciativa também se fez necessária
116

já que se constatou a escassez de repertório de leituras anteriores. De acordo com


relatos durante as entrevistas, a maioria dos participantes da pesquisa comentaram
que essa estava sendo a primeira leitura integral de uma obra que estava sendo
realizada em sala; poucos deles haviam lido um livro na íntegra e quando o fizeram,
esta foi realizada sem intervenção.
Para a elaboração do quadro de conexão T-T, os estudantes, em duplas,
receberam uma das imagens e tiveram um tempo para analisá-las. No quadro acima,
as imagens numeradas por 1 e 8 são cenas do filme baseado em O meu pé de laranja
lima, na versão de 1970. A identificação deveria se dar, então, que trecho
especificamente do texto a imagem remonta, o que também ocorre com a imagem de
número 11, que retrata uma cena da novela homônima, 1ª versão (1971). As imagens
3 e 6, do personagem Chico Bento, foram facilmente relacionadas pelos estudantes
ao episódio em que Zezé sobe no muro do vizinho com intenção de “pegar” goiabas.
Já os cartazes constantes nas imagens 7 e 10 representam um dos atores preferidos
do protagonista de O meu pé de laranja lima, enquanto que as de números 2, 4 e 9
remetem a brincadeiras preferidas do garoto, descritas na obra e detalhadas neste
capítulo. Por fim, há a letra do hino da república, o preferido do protagonista da obra
em estudo e a imagem de número 12, que traz uma mensagem de amizade, trecho
do livro O pequeno príncipe, obra cuja leitura estava sendo iniciada pela turma com a
professora regente em outras aulas.
Após esse tempo de análise, identificaram a que trecho do livro ela poderia
estar relacionada, estabelecendo assim as possíveis conexões entre os textos. Por
sua vez, cada dupla explicou a relação estabelecida com texto que a ela coube. Além
dessas conexões, eles elencaram outros textos que se relacionam com a leitura
realizada, tais como programas de TV e seriados, novelas, filmes e um conto de Júlio
Emílio Braz, Olheiro.
Foi organizado um cartaz, fotografado e representado a seguir.
117

FIGURA 14 – CARTAZ CONEXÕES T-T

Arquivo de fotografias digitais da pesquisadora (2017)

Transcrição:
Lemos em A conquista, de Associamos a Também nos lembramos
O meu pé de laranja lima de
“O mundo da Escola
Pública era também muito
bom. Eu sabia todos os
hinos nacionais de cor. O
grandão que era o
verdadeiro, os outros
hinos nacionais da
Bandeira e o hino nacional
da Liberdade, liberdade...”
118

“-Vem que eu te levo. O sítio do Pica-pau


- Não senhor, obrigado. Amarelo.
- Mas por quê?
- Todo mundo na Escola
sabe...”

“-Você viu, Minguinho, as


goiabeiras da casa da
Nega Eugênia começam a
amarelecer.”

“O Português me Filme: “Mãos talentosas”.


agarrava com força como
se quisesse que a dor
passasse um pouco para
ele.”

“Viera o tempo do “O olheiro” de Júlio Emílio


papagaio e ‘rua para Braz
quem te quer’.” “Pandorga” – programa da
TV Cultura.

“... apanharia duas vezes:


primeiro porque fugira do
castigo; segundo, porque
estava roubando goiaba
no vizinho e acabara de
enfiar um caco de vidro no
pé...”
“Aquilo era mais macio e
gostoso do que o cavalo
Raio de Luar de Fred
Thompson.”

“O Português tinha se Seriados: Doctor Who,


tornado agora a pessoa Undertale.
que eu queria mais bem Filme: Pokemon.
no mundo.”
119

Novela: Cheias de
Charme.

“Então abriu a porta e


desceu. Seu vulto grande
estava me acuando.
- Está doendo muito,
Pirralho?

“Nos recreios, quando Histórias em quadrinhos


dava tempo, a gente diversas, especialmente
kogava até bola de gude. da Turma da Mônica.
Eu era o que se chamava
de rato.”

As conexões feitas pelos estudantes para compor a terceira coluna do cartaz


compõem-se, basicamente, de programas de televisão como novelas, filmes e
seriados. Ao citar o Sítio do pica-pau amarelo, alguns estudantes disseram que Zezé
lembra o personagem Pedrinho, por sua esperteza e valentia, como na situação em
que aquele alega não precisar da ajuda do português. O filme Mãos talentosas foi
lembrado por G. H. por tratar da história de um habilidoso médico, dialogando com os
cuidados médicos recebidos por Zezé, por intervenção do português que o levou ao
Dr. Adaucto Luz. Olheiro, o conto de Júlio Emílio Braz, foi um texto lido e analisado
em conjunto, numa das aulas conduzidas por mim, em momento anterior ao início
desta pesquisa. Este foi lembrado por vários estudantes por tratar da história de um
menino cuja triste realidade de pobreza, abandono e abusos o leva a trabalhar para o
tráfico na favela onde mora. Sua função é a de olheiro, que deveria avisar aos chefes
quando da chegada da polícia ao local, porém ele se distrai ao observar uma bonita
pipa e não só se dispersa de sua dura realidade, como também deixa de exercer sua
função, colocando-o em situação de vulnerabilidade em meio ao inevitável confronto
que passa a ocorrer entre policiais (que chegaram ao local e não foram vistos pelo
menino) e os traficantes, o que o leva à morte, imagem que converge com a sensação
de liberdade tida por esse protagonista com a visão da pipa subindo livre em direção
à imensidão azul do céu. As aproximações vistas pelos participantes da pesquisa
extrapolaram à presença do objeto pipa, chegando ao confronto entre a realidade de
120

pobreza dos garotos, olheiro e Zezé, que engendram por diferentes caminhos: aquele
deseja libertar-se da vida que levava ainda que fosse de maneira trágica enquanto
que este passa a descobrir novos valores na vida pela descoberta da amizade. A
grande maioria conclui, então, que a conquista, anunciada pelo título deste capítulo,
foi a amizade!
De acordo com Chambers (2007 b), para iniciarmos conversas sobre o texto
literário podemos partir de algumas perguntas básicas, como solicitar aos leitores que
digam o que gostaram ou não, se algo os desconsertou e que padrões encontraram
na escrita e no enredo, por exemplo. Tal procedimento se assemelha muito às
atividades sugeridas por Girotto e Souza (2010) para as estratégias de
estabelecimento de conexões, o que fica ainda mais evidente na proposta de
Chambers para as chamadas perguntas gerais que, de acordo com o autor, “se podem
aplicar a qualquer texto, ampliar o escopo da linguagem e referências, fornecer
comparações e ajudar a trazer à conversa ideias, informações e opiniões que apoiam
a compreensão”. (CHAMBERS, 2007 b, p. 111).
Finda essa conversa, seguimos com as conexões propostas nas estratégias
de leitura de Girotto e Souza (2010), utilizando dessa vez, a conexão texto-mundo (T-
M), acrescida das perguntas gerais propostas em Chambers (2007 b), sugerindo
questionamentos como “já leu alguma outra história como essa?” para averiguar as
leituras prévias dos estudantes. Ao comparar a leitura realizada com outras similares
ou contrastantes, segundo Chambers, ajuda na compreensão de ideias novas.
Como o título do capítulo era “Conversas para lá e para cá”, as hipóteses
criadas pelos estudantes giraram em torno de: Conversas com o pezinho de laranja
lima./Conversas como o novo amigo: o português./ Pode ser as duas coisas...
Prosseguimos com a leitura para ver se as suposições se confirmavam e, ao
final dela, organizei um quadro comparativo entre o que acontecia na época em que
os fatos eram narrados no texto e nos nossos dias, obtendo o seguinte resultado sobre
as particularidades daquela época:

QUADRO 2 – CONEXÕES T-M

No tempo de O meu pé de laranja lima:


x As crianças saíam mais na rua e brincavam mais na rua.
x As ruas eram mais seguras.
x Usava-se o trem como transporte.
121

x Os carros eram diferentes e poucas pessoas os tinham.


x As crianças trabalhavam mais.
x Havia mais engraxates.
x As casas eram com cercas e tinham grandes quintais.
x Atendimento médico na farmácia.

FONTE: Construção da pesquisadora com os estudantes.

As leituras estabelecidas pelos envolvidos na atividade contaram com breves


depoimentos de cada um que decidiu compartilhar uma experiência pessoal como as
histórias contadas pelos pais, relatando que na infância deles era possível brincar
mais na rua, o que hoje, devido aos perigos eminentes é evitado por todos. A conversa
se estendeu devido ao fato de as contribuições dos participantes irem se somando
aos depoimentos já realizados, seja pela aproximação, uma vez que as histórias
contadas pelos pais se assemelhavam muito, ou por acréscimos de informações.
Novamente, corroboro com o pensamento de Chambers (2007 b) de que não
há um modelo único a ser seguido, mas que o mediador da leitura deve dar as
ferramentas ao leitor, proporcionando bons livros, tempo para ler, tempo para
conversar junto com eles e, além de conduzir a conversa, saber redimensioná-la
escolhendo os questionamentos a serem feitos e a melhor maneira de fazê-lo.
Para o capítulo “Duas surras memoráveis”, a estratégia utilizada foi a
Inferência. Já na leitura do título, um dos estudantes antecipou: Se foi inesquecível,
deve ter sido “a surra”.
Durante a leitura toda, evidenciou-se o interesse dos estudantes percorrendo
o texto com os olhos. Ao analisar as expressões nos rostos deles, percebi a
manifestação das emoções: espanto e riso em reação aos palavrões que Zezé diz;
tristeza e indignação perante a brutalidade com que Zezé é punido por Jandira e
Totoca e, posteriormente, por seu pai. Via-se olhos arregalados e lágrimas
escorrendo, além de comentários como: Nossa! Coitado! Que dor! E testas franzidas
e olhos fechados expressando propriamente a dor que o personagem deveria estar
sentindo. Ao final da leitura os comentários foram surgindo timidamente. Enquanto a
maioria saiu em defesa de Zezé, alguns se contrapuseram condenando os
xingamentos que o menino fez à irmã. A discussão tomou corpo com as opiniões que
por vezes se complementavam e outra se divergiam, sendo guiadas por alguns
122

questionamentos feitos por mim. Seguiu-se, então, um profundo momento de silêncio,


quebrado somente após a minha intervenção:

MOMENTO DE SILÊNCIO
PROFESSORA – E então?
A1 – Ele apanhou demais, até desmaiar...
A2 – É, e ele só tava cantando pra alegrar o pai dele...
A3 – É que o pai dele achou que ele tava zoando com a cara dele porque ele
ficava repetindo...
A1 – Mas ele tava obedecendo, né?
A3 – É. Tanto que ele fala uma hora que já não sabia mais se era pra
obedecer porque ele só apanhava.
A4 – Mas também, olha a música que ele tava cantando.
A1 – Ai, ele é só uma criancinha, nem tem maldade.
A4 – É...
PROFESSORA – E na surra anterior, dos irmãos?
A5 – Ele xingou ela de p..., né?
VÁRIOS – É mesmo! Mas ele tava com raiva!
PROFESSORA – Como foi que se deu essa situação?
A2 – Ele tava quietinho lá. Até a Godóia falou que ele tava lá de boas...
A5 – A outra irmã, como que é mesmo o nome?
VÁRIOS – Jandira.
A5 – A Jandira rasgou o balão que ele tava fazendo com tanto capricho. Era
o sonho dele!
A1 – Daí ela batia e ele xingava.
A2 – É batia mais, ele xingava mais também...
PROFESSORA – E o Totoca?
A3 – Esse chegou batendo por cima e...
A1 – Ele se doeu por causa da Jandira.
A3 – (...) e nem tinha motivo. É que, que nem o Zezé mesmo falou, que já
tavam acostumado a bater nele sem motivo nenhum.
A1 – É. Descontavam tudo nele. Professora, que nem a gente leu na aula
passada do estatuto lá da criança, né? Que naquela época ainda não tinha...
A6 – Isso que eu ia falar, do conselho tutelar que investiga quando tem
exagero nas surras assim, vão na casa até pra ver...
A7 – É, eu soube já de casos que os pais até passam maquiagem na criança
pra disfarçar, credo!
PROFESSORA – O que podemos, então, concluir sobre o que acontecia
naquela época e na atualidade?
TURMA – É que mesmo com a lei, isso ainda acontece, né?

Apesar dos risos suscitados durante a leitura desse capítulo, especialmente


pelos xingamentos que Zezé proferiu à irmã e quando, inocentemente, ele repete um
trecho de música (“Eu quero uma mulher bem nua...”) sob o olhar de reprovação de
seu pai, há uma mudança significativa na postura do leitor ao, como se pode ver nas
falas dos estudantes, estabelecerem as conexões com experiências pessoais ou
conhecidas. Há também a tomada de uma posição crítica diante da situação levantada
por meio da leitura por parte de muitos leitores, que reagiram se posicionando em prol
daquela criança que estava sofrendo maus-tratos e, para isso, utilizando o Estatuto
da Criança e do Adolescente como base para sustentar seus argumentos.
123

Ao conversar com os estudantes, trazendo as ideias expostas por Chambers


(2007 b), procurei conduzi-la de forma a evidenciar as características principais dos
livros que apareciam intrinsicamente nos depoimentos dos estudantes. As relações
entre realidade e fantasia, o viés cômico na narrativa e até mesmo algumas denúncias
sociais foram percebidas pelos leitores, como se pode verificar na escrita das
atividades relatadas a seguir.
Quanto ao registro da estratégia de inferência, foi organizada uma ficha do
pensar, seguindo o modelo proposto por Girotto e Souza (2010), contendo apenas
dois itens: 1. Enredo e 2. Temas inferidos. Dentre as inferências dos estudantes, as
maiores ocorrências giraram em torno de sentimentos e sensações despertadas pela
leitura deste capítulo, aproximando-se muito da estratégia utilizada inicialmente, o
POLAS, mais precisamente no referente ao correspondente à sigla S:
sentimentos/sensações. A lista, predominantemente composta por substantivos, teve
maior ocorrência das palavras: DOR, RAIVA, DÓ/COMPAIXÃO, ARREPENDIMENTO
e TRISTEZA.
A partir desses dados obtidos, selecionei os temas que mais aparecem para
a realização da atividade com fichas com sentimentos/temas, a que chamei de
“Palavra secreta”. As palavras foram colocadas em envelopes de cores diferentes e,
juntamente com cada uma delas, algumas pistas para que os estudantes, organizados
em pequenos grupos, descobrissem as respostas. Com a ajuda dos próprios
participantes, selecionei trechos do referido capítulo em que ficavam evidentes os
temas inferidos por eles, organizando o quadro a seguir.

QUADRO 3 – SENTIMENTOS – TEMAS

DOR
RAIVA 1. “Ela apanhou a mão de couro sobre a
1. “O diabo se soltou de dentro de mim. A cômoda e começou a me bater sem
revolta estourou como um furacão.” piedade.”
2. “Meu balão inacabado se transformara 2. “Então ele começou a me bater na cara,
em tiras se rasgando.” nos olhos, no nariz e na boca. Sobretudo
3. “Assassino!... Mate de uma vez. A na boca...”
cadeia está aí para me vingar.” 3. “Eu jazia no chão sem quase poder abrir
os olhos e respirando com dificuldade.”
COMPAIXÃO DÓ/COMPAIXÃO
1. “Papai. Papai. Por amor de Deus, me 1.“Papai. Papai. Por amor de Deus, me bata,
bata, mas não bata mais nessa criança.” mas não bata mais nessa criança.”
2. “Glória não era de brincadeira e, quando 2.“Glória não era de brincadeira e, quando
viu que o sangue lavava minha cara, viu que o sangue lavava minha cara,
empurrou Totoca para o lado e nem se empurrou Totoca para o lado e nem se
124

importou que Jandira fosse mais velha, importou que Jandira fosse mais velha,
afastando-a com um safanão.” afastando-a com um safanão.”
3. “Um dia vocês matam essa criança e eu 3.“Um dia vocês matam essa criança e eu
quero ver! Vocês são uns monstros sem quero ver! Vocês são uns monstros sem
coração.” coração.”
ARREPENDIMENTO TRISTEZA
1. “Passava os dias sentado com o meu
1. “Ele jogou o cinto sobre a mesa e passou irmãozinho junto de Minguinho, sem
as mãos sobre o rosto. Chorava por ele vontade de conversar.”
e por mim.” 2. “E, completamente desamparados,
2. “Eu perdi a cabeça. Pensei que ele começamos a chorar juntos e baixinho.”
estava caçoando de mim. Fazendo 3. “Pobre Papai, devia ser triste saber que
pouco caso.” Mamãe trabalhava para ajudar a
sustentar a casa.”
AGRESSÃO CARINHO
1. “Ela apanhou a mão de couro sobre a 1. “Eu faço bem de leve, meu diabinho
cômoda e começou a me bater sem querido.”
piedade.” 2. “Depois que as coisas melhoraram, ela
2. “Então ele começou a me bater na cara, deitou-se ao meu lado e ficou alisando a
nos olhos, no nariz e na boca. Sobretudo minha cabeça.”
na boca...” 3. “Mamãe e Glória estavam à minha
3. “Eu jazia no chão sem quase poder abrir cabeceira e me diziam coisas
os olhos e respirando com dificuldade.” carinhosas.”

FONTE: Construção da pesquisadora com os estudantes.

A organização das fichinhas se deu por cores, como se pode verificar na


FIGURA 11 – ENVELOPES COM PALAVRAS SECRETAS. Cada grupo, em sua vez,
escolheu uma cor de envelope e, a cada rodada, eu lia uma das pistas organizadas
em grau decrescente de dificuldade. Se, após três rodadas, o grupo não descobrisse,
os demais tinham chance de palpitar, sendo permitido apenas um palpite de cada vez.

FIGURA 15 – ENVELOPES COM PALAVRAS SECRETAS

FONTE: Arquivo de fotografias digitais da pesquisadora (2017)


125

Alternadamente as equipes escolheram os envelopes e tinham direito à


escolha de um dos trechos que evidenciavam o sentimento/sensação correspondente,
numerados de 1 a 3. A atividade foi bem aceita pelos estudantes, que não tiveram
dificuldade em fazer as relações, em inferir os sentimentos/temas. Isso foi possível
devido, principalmente, às conexões feitas por eles e as trocas de impressões e
opiniões realizadas em conversa após a leitura, como na transcrição da página 100
desta dissertação.
Ao abrir a conversa para que os estudantes pudessem expor suas impressões
da leitura, G. D., comentou: “Prof., não sei se acontece com você, mas quando eu
estou lendo, principalmente esse livro, fico imaginando a cena, assim..., tipo tentando
ver o lugar, como se fosse um filme...”. Expliquei, então, a ela que essa é uma
estratégia de que os leitores podem se utilizar para ajudar na compreensão de textos
e que seria justamente a que seria a base de nossa atividade na próxima aula, de
modo a contribuir para os leitores que ainda não a aplicam, possam refletir sobre ela
e suas contribuições para o entendimento do texto literário. A estudante comentou,
também, que a isso se deve o motivo de, por vezes, levantar os olhos do texto e
aproveitar a leitura somente pela minha voz, para que, de acordo com ela, de olhos
fechados possa melhor exercitar a imaginação tal como ela relatou.
Na leitura do Capítulo Quinto “Suave e estranho pedido” alguns trechos
chamaram muito a atenção dos leitores, como nos seguintes casos: “A realidade era
que não conseguia deixar de esticar a minha dor de dentro. De bichinho batido
maldosamente, sem saber por quê...”; “Já que eu só servia para apanhar, poderia pelo
menos ver os outros se gostarem.”. Nesse momento as expressões dos estudantes
tomaram-se de compaixão e surgiram comentários sobre as dificuldades por que o
protagonista da história passava. Contudo, vários foram os momentos de risos
coletivos, especialmente na leitura de passagens como “Nádegas da bunda dele”. Os
estudantes olhavam-se e trocavam comentários sobre os trechos.
Assim que expliquei aos estudantes como seria realizada a atividade, utilizando
a estratégia de visualização, um dos estudantes disse: R – “Mas eu não posso
visualizar... porque é muito triste e eu choro...”. Procurei, dessa forma, mostrar a eles
que esse tipo de atividade nos permite imersão na história, por isso vivemos de forma
ainda mais intensa as experiências literárias.
A seguir, apresento alguns exemplos de atividades resultantes da leitura deste
capítulo.
126

FIGURA 16 – VISUALIZAÇÃO 1

Fonte: Fotocópia do caderno de K. P.

Transcrição:

Eu vejo:
o lugar a onde eles estão pescando

Eu escuto:
o mar o vento

Eu posso sentir:
o carinho na cabessa do Zéze

Eu cheiro:
o cheiro a onde eles estão

Eu posso saborear:
o salame o pão

Comentário final do leitor: O livro é lecal divertido engraçado

A cena registrada por K. P. retrata um dos momentos de maior aproximação


entre Zezé e o Portuga, sendo, segundo o estudante, o mais significativo do capítulo.
As imagens despertadas pela visão e audição, neste caso, estão intimamente ligadas
à natureza, enquanto que a sensação despertada evidencia a aproximação do leitor
com o protagonista ao sentir o carinho em sua própria cabeça.
127

FIGURA 17 – VISUALIZAÇÃO 2

Fonte: Fotocópia do caderno de S. S.

Transcrição:

Eu vejo:
A GRANTE ARVORE RAINHA CARLOTA

Eu escuto:
O SOM DO RIO DOS PASSAROS

Eu posso sentir:
TRISTEZA AMOR E CARINHO

Eu cheiro:
O CHEIRO DOS LANBARIS

Eu posso saborear:
OS LANBARIS

Comentário final do leitor: EU GOSTE QUANDO O ZÉZE PEDIO PRO PORTUGA ADOTA-LÓ PARA
ELE NÃO APANHAR MAIS

No caso de S. S., a natureza novamente ganha amplo espaço nas sensações


despertadas. O destaque maior está para os sentimentos de tristeza, amor e carinho
e no breve relato de compaixão por Zezé, que queria ser adotado para não apanhar
mais. O estudante consegue, pelo que se pode ver na atividade, construir o exercício
da alteridade, se colocando no lugar do personagem, vivendo sua experiência.
128

FIGURA 18 – VISUALIZAÇÃO 3

Fonte: Fotocópia do caderno de I. S.

Transcrição:

Eu vejo:
O Mangaratiba

Eu escuto: A fala do Zezé de querer ser filho do português

Eu posso sentir:
A tristeza do Zezé ao dizer que queria morrer

Eu cheiro:
Peixe que eles pescaram

Eu posso saborear:
Peixe que eles pescaram

Comentário final do leitor: Capítulo muito emotivo, com um momento feliz para acompanhar o
sofrimento do Zezé

Já I. S., estabelece uma comparação entre a trajetória de episódios tristes


vividos pelo protagonista e um momento de felicidade, encontro, amizade. A
estudante, compartilha a tristeza vivida pelo personagem, relatando a emoção
despertada pela leitura. A voz de Zezé, ganha destaque para I. S., que chega a ouvir
o pedido dele, enquanto a maioria dos leitores relaciona a audição majoritariamente a
elementos da natureza.
129

FIGURA 19 – VISUALIZAÇÃO 4

Fonte: Fotocópia do caderno de L. V.

Transcrição:

Eu vejo: plantas, borboletas, céu azul, a grama verde, um lago com peixes, uma árvore bem grande.

Eu escuto: O barulho das folhas das árvores, o som dos pássaros cantando, e o som das águas do
lago

Eu posso sentir: Paz, “carência”, amor, carinho

Eu cheiro:
O cheiro das folhas das árvores.

Eu posso saborear:
Amor, carinho

Comentário final do leitor: Zezé é uma pessoa meio carente meio “diabo”

L.V. mantém as relações com a natureza, tal como a maioria de seus colegas.
O que destaca em sua visualização é a significação que ela dá a saborear, não se
limitando ao sentido de “sentir o sabor de”, mas expandindo-o para seu sentido
figurado de “entregar-se com prazer a”. Tal fato demonstra o envolvimento da leitora
com as sensações despertadas pela narrativa.
130

FIGURA 20 – VISUALIZAÇÃO 5

Fonte: Fotocópia do caderno de L. L.

Transcrição:

Eu vejo:
Um capinzal lindo

Eu escuto:
a correntesa suave

Eu posso sentir:
a brisa suave do ar de tristeza

Eu cheiro:
cheiro de mato

Eu posso saborear:
Sardinha e de salame

Comentário final do leitor: gosto muito do livro pois conta uma história que aconteceu e faz a gente
lembrar de quanto eramos pequenos

No caso de L. L., o que chama atenção é a experiência pessoal relatada por


ele em seu comentário final. O estudante relembra sua infância aproximando-a da de
Zezé. Nessa atividade, ele fez, também, o uso de outra estratégia já utilizada em aulas
anteriores, estabelecendo uma conexão texto-leitor.
131

FIGURA 21 – VISUALIZAÇÃO 6

Fonte: Fotocópia do caderno de A. F.

Transcrição:

Eu vejo: Que o Portuga e o Zezé deveriam ser mais que amigos.


Eu escuto: O silencio do lugar: eles estavam perto de um rio.
Eu posso sentir: O amor do Zezé pelo Portuga.
Eu cheiro: Das flores do lugar
Eu posso saborear: O gosto bom das bananas
Comentário final do leitor: Gostei muito que o Zezé e o Portuga saíram como pai e filho.

Para A. F., o sentido da visão não se limitou à descrição da cena, mas


ampliou-o para a compreensão da situação narrada, inferindo as relações possíveis
entre Zezé e o Portuga. Ela também compartilha o sentimento do protagonista em
relação ao português e conclui sua atividade comentando sobre os laços firmados
entre ambos, tal como anunciado por ela no início da atividade.
O capítulo sexto, “De pedaço em pedaço é que se faz a ternura”, conta com a
revelação a Zezé de que seu pé de laranja lima será cortado pela prefeitura para que
haja um alargamento das ruas. O anúncio é dado por Totoca, seu irmão, em meio a
um momento da narrativa em que tudo estava ocorrendo tranquilamente para o
protagonista. Há, portanto, uma quebra desse ritmo e a criação de expectativa por
parte do leitor para saber o que ocorreria na sequência. A partir disso, propus uma
132

atividade de escrita em que os estudantes deveriam imaginar como seria o desfecho


da história.
Grande parte dos estudantes limitou-se a responder ao questionamento
lançado: “Como será o desfecho da narrativa”, colocando de modo direto seus palpites
em relação ao que poderia acontecer com Zezé, o Portuga e o pé de laranja lima. As
expectativas, de modo geral, eram positivas considerando a possibilidade de Zezé e
Portuga terem um final feliz, assim como uma solução para o corte do pé de laranja
lima. É o que se pode ver nos textos de N. O. e A. L., reproduzidos a seguir. Já o texto
de V. C., difere-se dos anteriores ao considerar uma separação entre os personagens
e o afastamento do menino e seu pé de laranja lima, contudo, não parece haver
qualquer indício de tragédia anunciada.

FIGURA 22 – TEXTO DE N. O.

11

Transcrição:

Eu acho que o final no corta a “O meu Pé de Laranja Lima” e o Portuga e o pai do Zeze os dois fica
amigo e o Portuga ajuda o Pai do Zeze.

11 Folha produzida pela pesquisadora para esta atividade de produção de texto.


133

FIGURA 23 – TEXTO DE A. L.

Transcrição:

Eu acho que ele vai poder ficar com o Portuga em Bangu. E a história do meu pé de laranja lima, que
ele vai ter que sair de lá porque a prefeitura vai cortar a árvore dele eu acho que é mintira. E ele e o
Portuga vão viver juntos e talvez o dois vão para o Portugal.

FIGURA 24 – TEXTO DE V. C.

Transcrição:

Eles conseguirão impedir que cortem o Xururuca e o Zeze consegue ficar mais com o “Portuga”, mas
o ‘portuga’ vai para Portugal e Zeze fica triste e não fala mais com o Xururuca.
134

Os textos abaixo reproduzidos, de G. H. e E. M. constituem uma tentativa


interessante de produção com intenção literária, mantendo a narração em primeira
pessoa e alguns elementos da obra em estudo até então levantados. Há harmonia na
composição, especialmente na utilização de termos constantes no livro como o termo
“pirralho” usado pelo Portuga, além do fato de serem resgatados os atores preferidos
de Zezé. Ressalto que os aspectos gramaticais dos textos não estão sendo analisados
nesta pesquisa, ainda que na devolutiva feita aos participantes da pesquisa, esses
elementos tenham sido resgatados e atividades de reescrita tenham sido sugeridas
pela professora regente da turma.

FIGURA 25 – TEXTO DE G. H.

Transcrição:

Fui ao cinema de Bangu e voltei com só elogios do filme e disse a portuga:


- Se fred thompson e Back Jones vieram comigo também iam elogiar.
- está bem pirralho, você precisa descansar vá pra casa e amanhã ajente se vê.
Despedi-me dele com um doce abraço.
O Português me adotou e eu fui para a cidade dele. E levei uma muda do meu pé de laranja lima!
135

FIGURA 26 – TEXTO DE E. M.

Transcrição:

Eu como chateado estava, queria porque queria salvar o Xururuca, então no outro dia perguntei para o
portuga:
- Portuga como eu fasso para colocar uma planta em outro lugar?
- horas você coloca num vaso.
- Mais se a planta for grande?
- Bom dependendo do tamanho cabe num vaso.
Pensei e fui corendo para a casa do tio Edmundo, para ver-se ele tinha vaso e pá.

Outro importante aspecto percebido no texto de E. M. é a solução dada ao


problema do pezinho de laranja inspirado em situação vivida recentemente na escola
em que a pesquisa foi desenvolvida. Em uma atividade extra, comprei uma muda de
laranja lima e, com ajuda dos estudantes envolvidos, a plantei na horta da escola.
Porém, algum tempo depois, soubemos que o espaço de terreno em que era cultivada
a horta pertencia à empresa ao lado e seria restituído em breve. Como sugestão da
diretora da escola, procuramos outro local onde a planta poderia ser inserida e
fizemos, cuidadosamente, a transferência. Para isso, retiramos a arvorezinha
delicadamente e a colocamos em um balde para levá-la até seu novo habitat. Nos
primeiros dias subsequentes a essa mudança, alguns estudantes, que permanecem
em tempo integral na escola, passaram a cuidar da planta assegurando sua
adaptação.
Os capítulos sétimo e oitavo foram lidos na sequência, uma vez que se tratava
do trágico episódio em que há o falecimento do português e adoecimento de Zezé,
136

acontecimentos que causam comoção nos leitores e exigem um tempo maior para
vivenciar a experiência narrativa. No encerramento da leitura do “Último capítulo”,
houve silêncio total, olhares tristes, estudantes cabisbaixos e uma longa pausa. Olhei,
então, súplice aos estudantes esperando qualquer comentário. Até que um deles diz:
“Facada!”. Ao que muitos concordaram prontamente, acrescentando comentários
como: que triste! Chorei! Esperava um final feliz! Já um estudante, que já havia lido o
livro em outra ocasião, revelou seu contentamento: L. F. – Esse livro a gente não enjoa
de ler, né? É muito legal! Em contrapartida, C.B. demonstrou-se chateada ao dizer:
Final triste! Eu achei que terminaria numa ceia de Natal bem feliz, com todo mundo
junto! Ao que se seguiram outros comentários: C. V. – É... a gente se acostuma com
contos de fadas e espera um final feliz. Aí se depara com a realidade e é isso aqui...;
G. C. – Queria voltar no tempo para começar a ler esse livro de novo; R. F. – O Zezé
que escreveu a história é o José, né? K. K. – Tem continuação da história? Eu queria
ler mais... Você traz pra gente?
Percebi que houve um amadurecimento de postura de leitor desses
estudantes. O silêncio ao final, com as crianças procurando assimilar os fatos
narrados, demonstrou muita reflexão.
Uma das estudantes envolvidas comentou ao final da aula que gostaria que a
leitura estivesse sendo iniciada naquele momento, pois assim ainda teriam que
descobrir todas as aventuras e emoções suscitadas pela obra, que infelizmente já
tinha acabado.
Realizamos, ainda, algumas atividades pós-leitura, iniciando por uma
sugestão de Costa (2007, p. 136), o texto vazado. Para a sua realização, utilizei a letra
do samba enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel, RJ, do ano de 1970
que contemplava a história de O meu pé de laranja lima. A escolha deste tema para o
enredo de uma escola de samba reforça a popularidade da obra na época de sua
produção, bem como se relaciona com a audiência de sua adaptação para novela.
Elaborei, então, um cartaz (FIGURA 27) com a letra, tomando o cuidado de cobrir
algumas palavras, que foram confeccionadas também em pequenos papéis e
distribuídas aos estudantes organizados em duplas. Durante a leitura, a dupla que
tinha a palavra que julgava preencher o espaço deveria se manifestar e explicar a
relação feita para que aquela palavra seja adequada naquele contexto. No início,
houve muitas tentativas com poucos critérios, mas aos poucos, os próprios estudantes
foram percebendo o que seria mais adequado a uma situação ou outra, levantando,
137

inclusive, algumas hipóteses mesmo que não tivessem determinada palavra em mãos.
Ao final do preenchimento do texto, ouvimos o samba enredo e, em conversa,
procuramos relacionar a que momento da narrativa, cada verso poderia se relacionar.

FIGURA 27 – TEXTO VAZADO

Acervo de fotografias digitais da autora (2017).

Transcrição:
Meu Pé de Laranja Lima
Samba Enredo 1970 - G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel (RJ)

Era uma vez


Frase que traz felicidade
Às pequeninas majestades
No seu reino de ilusões
Reis, fadas e rainhas
As estórias contadas pelas dindinhas
Entre outras seduções
Dominam suas imaginações
Nas inocentes travessuras
Merecem ternura e muita compreensão
No seu reino de alegria
Do seu mundo de fantasia
Não as devemos despertar
Para as tristezas enegrecidas
Dos infortúnios da vida
Oh como é triste fazer a criança chorar!
Oh crianças queridas
Alegrias coloridas
138

Esperança de toda a geração


Eis a mensagem
Continuem o espetáculo
Ao sabor dos seus corações
Para finalizar esse momento, solicitei que os estudantes representassem em
uma palavra, o que a leitura de O meu pé de laranja lima representou para eles,
obtendo as seguintes ocorrências: ALEGRIA, MELHOR COISA, PAZ E CONFORTO,
AMAR, SOFRIMENTO, MUITO LEGAL, AMIZADE, ESPERANÇA, APRENDIZADO,
LIÇÃO DE VIDA, MUDANÇA, COMPREENSÃO, INTERAÇÃO, INTERESSE,
FAMÍLIA, ALEGRIA E TRISTEZA, ENTRETENIMENTO, AÇÃO E ALEGRIA,
PENSATIVA, LEMBRANÇAS E AMIZADE, CHOREI COM A MORTE DO PORTUGA,
SEM PALAVRAS. Os termos escolhidos por eles, resumem, de forma significativa, os
sentimentos despertados pela leitura, as relações estabelecidas pelas atividades
desenvolvidas, bem como o amadurecimento do perfil de leitor, passando a
compreender o texto literário de forma mais ampla.

ATIVIDADE DE FECHAMENTO

No decorrer da leitura, em todos os momentos que os estudantes eram


convidados a fazer suposições, percebi as comemorações deles ao verem suas
hipóteses confirmadas ou a indignação pelo contrário, o que explicitou, no uso desse
recurso, a relação de jogo presente na leitura do texto literário, explorada no capítulo
3 – Fundamentação teórica – para adubar a terra: estratégia de cultivo dos grãos,
dessa dissertação. Estimulada por essa relação, com o objetivo de promover maior
interesse e participação dos envolvidos, elaborei uma atividade em forma de jogo, um
quiz, para facilitar a compreensão da obra, partindo da identificação de elementos
explícitos de O meu pé de laranja lima, para finalização do projeto de forma lúdica e
envolvente.
A atividade girou em torno da identificação dos personagens, enredo, tempo,
lugar, enfim, dos elementos essenciais do texto, considerando, sobretudo, a
proposição de perguntas gerais sobre o enredo presente em Dime, de Aidan
Chambers, já tratado no item 3.1 Leitura em voz alta e mediação. Chambers (2007b)
trata da relação de atividades com o enfoque “Diga-me” e demais conversas sobre as
leituras realizadas, propõe em algumas estratégias que funcionam como jogos de
leitura que permitem a utilização de perguntas que possam enfatizar alguns aspectos
139

do texto. O autor sugere cinco tipos de jogos: o jogo da oração; o jogo do não-leitor; o
jogo da responsabilidade; o jogo da associação de palavras e o jogo das perguntas.
No jogo da oração, propõe-se a divisão em equipes de três a cinco participantes e
cada grupo de estudantes lê um título diferente. Em seguida, a professora deve mediar
as conversas que devem ser conduzidas pelos próprios leitores por meio da
elaboração de perguntas gerais sobre o texto e, à medida que a discussão se
aprofunda, deve-se anotar as frases (orações) que resumem as principais ideias
discutidas. Na sequência, tais pensamentos devem ser compartilhados com as
demais equipes. Além do estímulo a uma leitura atenta da obra, essa prática contribui
para a formulação de orações capazes de sintetizar o conteúdo lido e provocar no
leitor a elaboração de argumentos para defender suas opiniões. Já no caso do jogo
do não-leitor, este, por não conhecer o livro em debate, tem maior liberdade na
formulação de questões e deve fazê-las de modo a descobrir detalhes sobre o enredo.
O jogo da responsabilidade oferece muitas possibilidades de realização, dentre elas,
Chambers apresenta uma alternativa que envolve preparação prévia dos leitores, que
podem selecionar um livro já lido por eles como indicação para estudantes de séries
inferiores, elaborando questões para conduzir a conversa pós-leitura. A proposição
acerca do jogo de associação de palavras está intimamente ligada à leitura de
poemas, sobretudo pelo uso de metáforas, ambiguidade e demais relações
semânticas decorrentes de escolha vocabular. Para o autor, “Ler é sempre uma
questão de encontrar padrões, encontrar conexões, manter a mente aberta a
diferentes possibilidades.”. (CHAMBERS, 2007b, p. 162, tradução minha.). Por fim, a
proposta do jogo das perguntas sugere a participação dos próprios leitores na
elaboração das questões para que os colegas respondam. Dessa forma, a atividade
se mostra indicada por garantir o envolvimento do estudante desde a leitura inicial,
passando pela criação de uma questão desafiadora, até o compartilhamento das
experiências leitoras.
A partir dessas contribuições, procurei diversificar o modelo das atividades
propostas para, além de diversificar as linguagens utilizadas, propiciar também o uso
de tecnologias. Ao transpor as atividades convencionais para formatos novos, como
jogos, os estudantes interessaram-se mais em deter atenção aos textos lidos para não
deixarem passar despercebidos certos detalhes das narrativas. A prática se efetivou
quando descobri um jogo em forma de quiz composto por três partes: um receptor de
rádio frequência, componente que recebe os sinais enviados pelos controles sem fio
140

e conecta-se com a aplicativo através da porta USB do computador; controles sem fio,
utilizados pelos participantes para escolher a resposta desejada de acordo com as
opções mostradas no aplicativo, ambos representados na FIGURA 28.

FIGURA 28 - EQUIPAMENTO

Fonte: Quiz RF. Disponível em <http://www.inumero.com.br>. Acesso em: 21 de ago. 2017.

Sobre o uso de tecnologias da mídia como recurso auxiliar à ampliação da


educação escolar, Teruya (2006) observa que o desenvolvimento da informática
reformula a concepção de alfabetização, considerando a necessidade de, para a
convivência em sociedade e exercício da cidadania, o sujeito conhecer e interagir com
sons, imagens e linguagem da informática, por exemplo. Para isso, a autora afirma
que “O professor deve encontrar o sentido educativo na utilização dos recursos
audiovisuais para que os alunos aprendam a selecionar e ler criticamente a linguagem
das diversas mídias.”. (TERUYA, 2016, p. 13).
Em sua reflexão, Teruya trata dos desafios da ação docente, cujas tarefas se
ampliam diante da necessidade de inserção de novos recursos para estimular a
aprendizagem. O mercado oferece opções de softwares modernos, atraentes e fáceis
de usar, que seduzem, sobretudo, o público adolescente. “Mas os softwares prontos
são criticados pelos educadores porque trata-se de exercícios que privilegiam a
memorização e não induz o aprendiz a refletir e buscar o caminho do aprender no
processo de construção do conhecimento.”. (TERUYA, 2006, p. 75). A mediação do
professor é, por consequência, ação fundamental para estimular a aprendizagem dos
estudantes a partir do uso de recursos tecnológicos, como o jogo aqui selecionado.
Assim, adquiri o kit do jogo, mais sete controles, totalizando dez, para que
pudéssemos jogá-los em pequenos grupos. O jogo permite inserir perguntas novas,
141

por meio de uma planilha do Excel que pode ser importada para a plataforma do
programa Quiz RF, sendo as questões compostas por quatro opções de respostas:
uma resposta correta e três falsas.

FIGURA 29– EDITOR DE PERGUNTAS DO JOGO QUIZ RF

Fonte: Acervo de fotografias digitais da autora (2017).

Para assegurar familiarização dos estudantes quanto aos procedimentos do


jogo, em alguns momentos das aulas, levei-os para praticarem e manusearem o
equipamento. Cada controle remoto é composto por quatro botões com as cores
verde, vermelho, azul e amarelo e uma pequena lâmpada de luz vermelha para
indicação de acionamento de um dos botões. Cada pergunta aparece na tela,
projetada com uso de data show com as quatro opções de resposta dispostas em
quadros com as mesmas cores e disposição do controle remoto para facilitar a
identificação. A seguir, está inserida uma tela do jogo para melhor visualização:
142

FIGURA 30 – TELA DO JOGO QUIZ RF

Fonte: Acervo de fotografias digitais da autora (2017).

Ao término do tempo programado para a resposta, a tela do jogo exibe a


resposta correta (FIGURA 30), assim os participantes podem conferir seus acertos.
Um verdadeiro game literário.

FIGURA 31 – RESULTADO PARCIAL DE PARTIDA

Fonte: Acervo de fotografias digitais da autora (2017).

Os controles foram por mim identificados com uso de números de 0 a 9. Cada


estudante recebe um controle e somente ele (e eu, claro) sabe qual o seu número de
identificação. Na tela do jogo, é possível verificar sua resposta de acordo com seu
número de identificação do controle conferindo se houve ou não acerto. É possível
identificar cada participante do jogo com seu próprio nome, mas, para evitar
constrangimentos, optei pela utilização de números durante as atividades
intermediárias, de treino, e no jogo envolvendo perguntas exclusivamente sobre O
143

meu pé de laranja lima, fiz uso de pseudônimos escolhidos pelos próprios estudantes
a partir da seguinte comanda: “o que a leitura deste livro representou para você?”.
Como adquiri dez controles, somente dez alunos podem participar de cada vez,
fazendo-se o revezamento de grupos, sendo que aqueles que aguardavam sua
participação, ficavam em sala com a professora regente com outras atividades de
leitura sob orientação dela. O jogo permite limitar a quantidade de questões a serem
lançadas em cada partida e é viável que se nomeie cada uma delas para posterior
consulta, sendo possível emitir relatórios (FIGURA 31) ao final de cada partida para
averiguação de acertos de cada participante, o que fica em minha confidencialidade,
que confrontava as informações com meus registros pessoais para verificar o
progresso de cada estudante. Assim, é possível avaliar a participação dos estudantes,
o que souberam ou não responder e o que é necessário rever no processo de ensino-
aprendizagem e qual o nível de compreensão dos estudantes acerca dos textos
estudados.
A respeito da ação docente nesse tipo de atividades, Teruya afirma que

[...] o professor deve se apropriar das diferentes linguagens existentes no


mundo da mídia, não apenas decifrar os códigos, mas também estar munido
de uma interpretação crítica dos conteúdos que circulam nos diversos meios
de comunicação. Isto significa reconhecer nas mensagens midiáticas as
possibilidades de enriquecer as metodológicas didáticas no sentido de
ampliar os horizontes cognitivos, explorando os mediadores tecnológicos do
som e das imagens no processo de apropriação, reprodução e produção do
conhecimento. (TERUYA, 2006, p. 81-2)

É claro que durante a realização das atividades foi possível averiguar maior
ou menor familiaridade dos estudantes com o recurso utilizado, valendo-se de
agilidade na resposta frente à pressão de um tempo pré-determinado. Houve
alterações durante o processo. O tempo de resposta, por exemplo, a princípio era
bastante curto (30 segundos), exigindo raciocínio rápido dos estudantes. À medida
que as perguntas foram adquirindo maior grau de complexidade, o tempo foi estendido
e a atividade adaptada para a realização em duplas ou trios, havendo tempo
necessário para que promovessem discussões e trocas de ideias antes de optarem
por uma das respostas. Alguns dos participantes relataram ainda que o jogo estimulou
maior atenção durante a leitura de textos por terem percebido que erraram as
respostas durante o jogo por não terem prestado muita atenção na leitura de
determinados trechos.
144

FIGURA 32 – RELATÓRIO QUIZ RF


145

Fonte: Acervo de fotografias digitais da autora (2017).

A partir de atividades mais atrativas, objetivou-se encontrar métodos mais


eficazes para sedução e envolvimento do leitor de literatura. Sob esse aspecto,
observei que os estudantes procuraram compreender o que liam, observando
características importantes dos textos literários lidos. Ainda que, inicialmente, a
146

intenção dos estudantes era tão somente obter êxito no jogo (acertar as respostas),
os níveis de compreensão dos textos foram se intensificando e os alunos passaram a
dedicar mais atenção às leituras. Isso pôde ser comprovado pelo depoimento de
outros professores da escola, que comentaram que os alunos comentavam sobre o
jogo, pediam a eles que também adotassem essa prática e solicitavam momentos de
leitura nas outras disciplinas. Portanto, de início, houve mais envolvimento dos
estudantes nos momentos dedicados à leitura de textos literários e, paulatinamente,
os alunos passaram a compreender melhor, tanto o enredo e características mais
simples das obras, até o preenchimento de lacunas dos textos. Contudo, alguns
alunos visavam apenas obter bons resultados no jogo, sem relacioná-los ao
aprendizado obtido. Esse trabalho teve que ser desenvolvido continuamente, de forma
sistemática para que os estudantes não vinculassem o esforço em interpretar e
compreender bem os textos exclusivamente para que pudessem se sair bem no jogo.
Ainda assim, de modo geral, mesmo que inicialmente o maior interesse dos
estudantes fosse em acertar as respostas do game, a estratégia serviu para aproximar
o aluno-leitor dos textos literários, buscando entendê-los em todas as suas nuances.
Para avaliar a aprendizagem dos estudantes nos jogos, foram emitidos
relatórios de cada partida. Nesses relatórios, é possível verificar os acertos e erros de
cada estudante, observando o desempenho relativo a cada pergunta realizada, a
pontuação de cada jogador e a classificação final de acordo com a pontuação obtida.
As regras para pontuação podem ser modificadas pelo professor de acordo com sua
necessidade, dessa forma, optei pela seguinte configuração: 1 ponto para cada acerto
e 0 pontos para cada erro. A configuração de fábrica atribui 3 pontos para acerto e -1
para erro. Contudo, acredito que tal formatação dificulte a percepção dos estudantes
quanto a seu próprio desempenho.
Enfrentamos algumas dificuldades em relação à familiarização com a
tecnologia utilizada, tais como o manuseio dos controles e o tempo limitado para a
resposta de cada questão. Durante o processo, em conjunto, decidimos aumentar o
tempo para cada resposta para que os estudantes pudessem pensar um pouco mais
antes de responder, evitando assim, os “chutes” sem critérios.
Em busca de maiores possibilidades de acerto, os estudantes foram
desenvolvendo estratégias de eliminação de respostas, excluindo as menos
prováveis. Também começaram a prestar mais atenção às perguntas para procurar
respondê-las adequadamente. Com isso, os estudantes, aos poucos, passaram a
147

utilizar tal prática também nas demais atividades realizadas, inclusive nas avaliações
formais, o que contribuiu para melhor êxito em todas as áreas do conhecimento.
Outra dificuldade pela qual passamos, foi a adequação à programação para
utilização da sala de multimídia. Para que a atividade fosse melhor aproveitada, o jogo
deveria ser projetado no telão para que os alunos pudessem melhor visualizar as
perguntas e, também, para que mais participantes (ao limite de 10, pela quantidade
de controles remotos que foram adquiridos) pudessem fazer parte de cada partida.
Por esse motivo, em algumas situações, tivemos que utilizar o meu notebook
particular na própria sala de aula. Nesse caso, foi necessário limitar o número de
participantes para três, pois não seria possível que mais estudantes lessem as
perguntas na pequena tela. Além disso, somente os estudantes que estavam
participando da partida, com o controle em mãos, é que puderam visualizar a tela, não
sendo possível que os outros estudantes pudessem também ler as perguntas (como
plateia) e pensar sobre elas.
As vantagens de utilização desse jogo vão além dos relatórios emitidos com
mais facilidade, sendo um grande aliado do professor como ferramenta de avaliação.
É, também, uma forma de trazer um meio de aliar o uso da tecnologia à sala de aula,
mostrando aos estudantes que as práticas sociais estão presentes em todas as
esferas do conhecimento. Quando trouxe esse tipo de tecnologia para as aulas de
Literatura, percebi que o aluno pôde se sentir mais inserido no contexto de
aprendizagem.
148

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a realização deste trabalho destacaram-se, sobretudo, as


significativas mudanças por que passou a minha prática e formação enquanto
professora, especialmente devido ao fato de esta pesquisa ter sido desenvolvida no
âmbito do mestrado profissional. Isso se deu ao longo do processo que me permitiu
perceber de que forma a mediação de leitura utilizadas pelos estudantes contribuíam
para a compreensão da obra literária O meu pé de laranja lima. Todo o planejamento
elaborado para as atividades que foram desenvolvidas nesta pesquisa, bem como a
busca por teorias que sustentassem tal prática, direcionou-me a pensar mais
aprofundadamente acerca das formas de se ensinar leitura, especialmente a literária.
Ao observar as dúvidas expostas pelos leitores participantes da pesquisa e
analisar a forma com que pensaram para obter as respostas a questionamentos feitos
por mim sobre o texto literário, pude melhor refletir sobre a necessidade de se
sistematizar o ensino da leitura. Destacou-se, então, no âmbito deste trabalho, o uso
das estratégias de leitura propostas que permitiu aos estudantes relacionarem a
leitura às suas experiências pessoais, especialmente com o uso das conexões texto-
leitor, fazendo com que eles se sentissem coautores da obra. Os estudantes do 6º
ano participante desta pesquisa aprenderam a utilizar as estratégias a eles
apresentadas para a leitura de uma obra em particular: O meu pé de laranja lima.
Considero, portanto, que tal trabalho pode guiar a prática educativa nas aulas de
língua portuguesa, especialmente no que se refere ao ensino da leitura literária.
Na busca para melhor compreensão do fenômeno da leitura na escola, foi de
vital importância repensar questões referentes à minha prática, ações pedagógicas e
momentos de mediação primordiais nas atividades que visavam a compreensão
leitora, o que contribuiu significativamente com minha formação. A experiência de
encontro e vivência direta com os estudantes, promovidos especialmente pelo papel
de pesquisadora ora assumido em consonância com a função de professora, permitiu-
me perceber as fragilidades e falhas, instigando mudanças em minha condução
docente.
Esta pesquisa oportunizou ouvir os estudantes e identificar suas
necessidades mais imediatas para as atividades de leitura propostas a fim de atingir
os objetivos deste estudo. A busca de compreensão da realidade pesquisada foi
possível devido a escolha de metodologia centrada na pesquisa do tipo etnográfica,
149

que contribuiu para a visão de determinados costumes e comportamentos daquele


grupo específico. Com isso, foi possível (e necessária) a recondução do trabalho
pedagógico de acordo com a reação dos estudantes. Essas mudanças ocorreram
porque, ao assumir concomitantemente o papel de professora e pesquisadora pude
perceber, durante o processo, se os estudantes estavam atingindo os objetivos
traçados para este estudo, redirecionando o trabalho sempre que necessário.
Para a elaboração das atividades de forma mais sistematizada e
considerando os conhecimentos prévios dos estudantes, o uso da mediação de leitura
e valorização das conversas pós-leitura, conforme abordado ao longo desta
dissertação, mostrou-se adequada à realidade deste grupo, já que as propostas foram
facilitadas pela minha mediação e, por isso, muitos dos envolvidos não apresentaram
dificuldades em sua execução. Logo, tem-se que a mediação se mostrou uma
importante ferramenta para o aprendizado de leitura e constitui um campo que ainda
pode ser explorado em pesquisas futuras voltadas ao ensino de habilidades para
compreensão leitora, aplicando-a a leitura de outras obras literárias, ou ainda a novas
realidades ou sujeitos.
As atividades apresentadas no capítulo 5 constituem um exemplo de trabalho
possível com o texto literário, realizado em uma turma de 6º ano do ensino
fundamental de uma escola pública de Curitiba, incluindo momentos de produção
individual e coletiva, de oralidade e ludicidade, pondo em prática as teorias discutidas
acerca de mediação leitora. Para essa comunidade de leitores, no desenvolvimento
da leitura da obra O meu pé de laranja lima, a opção metodológica adotada ao serem
transpostas para a prática, revelam uma alternativa viável para o desenvolvimento da
competência leitora, como mostrado do progresso das atividades aqui descritas.
Todas as atividades de leitura propostas, bem como os momentos de
conversa mais abertos, foram apresentadas e ensinadas aos estudantes à medida em
que iam sendo aplicadas para melhor compreensão e envolvimento com o processo
de leitura.
O uso dessa alternativa metodológica permitiu-me variação e ampliação das
atividades já utilizadas em minha prática, tais como o POLAS e a leitura em voz alta,
que ganhou novas dimensões e perspectivas em sala de aula. Foram suportes
essenciais para avaliação do trabalho, os registros que realizei logo após a execução
de cada atividades e entrevistas realizadas ao final do trabalho (cuja abordagem está
descrita no capítulo 2 Metodologia da pesquisa – escola pública um terreno fértil para
150

a etnografia), oportunidade em que pude ouvir e perceber apreciação ou rejeição de


determinadas práticas e remodelá-las a fim de garantir o envolvimento dos
estudantes.
A escolha da obra O meu pé de laranja lima revelou-se satisfatória uma vez
que sua leitura envolveu os estudantes e propiciou o desenvolvimento das propostas
pela aproximação, identificação e empatia reveladas entre leitor e obra, como
demonstrado nas descrições constantes no capítulo 5, especialmente aquelas
relacionadas à facilidade de se ter o livro em mãos para leitura em todas as aulas
destinadas a isso e as pausas para a realização de atividades ou diálogos reflexivos
também contribuíram para o processo de formação de leitores literários que passaram
a pensar sobre o que liam, estabelecendo conexões para ampliação de sua visão de
mundo.
A partir dos depoimentos dos estudantes e pelas respostas dadas por eles às
atividades, verifiquei a indispensabilidade de se promover aproximação entre eles e
os livros constantes na biblioteca escolar, com a exploração do acervo local, num
primeiro momento, complementando-se com uso de mecanismos para o processo de
ensino-aprendizagem de leitura na escola para promover compreensão do texto
literário.
Constitui um aspecto positivo o fato de a escola possuir quantidade suficiente
da obra selecionada para que cada estudante tivesse um exemplar em mãos,
permitindo a experimentação de leitura tanto em grupo quanto individualizada.
Todavia, o mesmo não ocorre com muitos outros títulos do acervo, o que constitui um
empecilho para a execução de trabalhos futuros semelhantes a este, já que, por se
tratar de uma comunidade carente, seria inviável a aquisição de livros pelas famílias.
Sendo a biblioteca escolar o principal acesso a obras literárias desses estudantes, por
vezes o único, aponto a positividade de, nesse caso, contarmos com acervo
diversificado.
Ainda assim, o desinteresse e dificuldades apresentadas por alguns
estudantes não estiveram alheios nesse processo, o que fez com que aumentasse a
necessidade de intervenção constante. Por isso, considero significativas, sobretudo,
as modificações por que minha atuação como professora passou durante o
desenvolvimento desta pesquisa, tornando-me mais apta a resolver os desafios
relacionados, especialmente, à mediação de leitura.
151

Outra contribuição importante desta pesquisa foi a possibilidade de


aproximação entre os trabalhos desenvolvidos pela academia e as práticas realizadas
na escola, buscando intercepção entre ambas como ação necessária para a
realização do trabalho.
A partir disso, concluo que as práticas leitoras realizadas na escola com o
texto literário merecem investimento pedagógico do professor que com elas atua,
considerando as especificidades desse tipo de texto e as necessidades dos
estudantes. Constato também que o uso de mediação de leitura constitui eficaz
ferramenta nesse processo e ações como essa devem ganhar mais espaço nas aulas
de Língua Portuguesa, também nos anos seguintes de escolarização para que os
resultados ora alcançados não se percam e sejam melhor explorados.
152

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160

APÊNDICES

APÊNDICE 1 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


161
162

APÊNDICE 2 - LISTA DE LIVROS - CAIXA DE LEITURA

Título Autor
Da Editora Peirópolis:

DEMÔNIOS EM QUADRINHOS Azevedo, Aluísio


FRANKENSTEIN EM QUADRINHOS Mary Shelley, Taisa Borges
O LOBISOMEM DA PAULISTA E Jose Arrabal
OUTRAS AVENTURAS PARA O ANO
INTEIRO
MEU TIO LOBISOMEM: UMA Manu Maltez, Fabio Barros
HISTÓRIA VERÍDICA
Do Grupo Editorial Record:

A PRISÃO MAL ASSOMBRADA Joseph Delaney, Ana Resende


A GAROTA GOTIC E O FANTASMA Chris Riddell, Janaina Senna
DE UM RATO
UM CONTO SOMBRIO DOS GRIMM Adam Gidwitz
O LIVRO DAS COISAS PERDIDAS John Connolly
Do Grupo Autêntica:

FANTASMAGORIANA Johann August Apel, Friedrich Laun,


Johann Karl August Musäus, Heinrich
Clauren
AVANTESMAS - 13 HISTÓRIAS Claudio Blanc, Kako
CLÁSSICAS DE FANTASMAS
Da Companhia das Letrinhas:

CHARLIE BROWN E A GRANDE Charles M. Schulz, Andre Conti


ABÓBORA DE HALLOWEEN
MEDO - HISTÓRIAS DE TERROR Hélène Montardre (Org.) Tradução:
Julia da Rosa Simões
O CAIXÃO RASTEJANTE E OUTRAS Ângela Lago
ASSOMBRAÇÕES DE FAMÍLIA
MUITO CAPETA Ângela Lago
SETE HISTÓRIAS PARA SACUDIR O Ângela Lago
ESQUELETO
A DAMA NEGRA Michael Morpurgo
Da Globo Livros:

O SACI Monteiro Lobato


365 DIAS NA MATA DO FUNDÃO Ziraldo Alves Pinto
ESTRANHAS HISTÓRIAS Lia Neiva
163

Da Panda Books:

CONDE DRÁCULA E OUTROS Denio Maués, Ivan Jaf, Manuel Filho e


VAMPIROS Shirley Souza
LOBISOMEM E OUTROS SERES DA Manuel Filho, Flávia Muniz, Shirley
ESCURIDÃO Souza, Regina Drummond
FRANKENSTEIN E OUTROS MORTOS Ivan Jaf, Shirley Souza, Manuel Filho,
VIVOS Rosana Rios
O LADRÃO DE ÓRGÃOS E OUTRAS Flávia Muniz, Shirley Souza, Manuel
LENDAS URBANAS Filho, Carmen Lucia Campos
Do Grupo Editorial Nova Alexandria:

HELENA E OS RATOS DA NOITE Christoph Marzi, Monika Parciak,


Lisandro Jose Braga
JANELAS ASSOMBRADAS Christoph Marzi
SACICI SIRIRI SICI Luiz Galdino
O LIVRO DAS CRIATURAS MALIGNAS Robert Louis Stevenson
A LENDA DO CAVALEIRO SEM Washington Irving
CABEÇA
Do Grupo Companhia das Letras:

A CAUSA SECRETA E OUTROS Edgar Allan Poe, Bram Stoker e


CONTOS DE HORROR Stevenson
1001 FANTASMAS Heloísa Prieto
Da Global Editora:

A DÉCIMA TERCEIRA MORDIDA Sílvia Orthof


DE MEDOS E ASSOMBRAÇÕES Cora Coralina
ENIGMAS DE HUASAO - UMA Cárcamo, Luciana Savaget
HISTÓRIA PERUANA
SETE OSSOS E UMA MALDIÇÃO Rosa Amanda Strausz
12 HORAS DE TERROR Marcos Rey

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