Meu Pe de Laranja
Meu Pe de Laranja
Meu Pe de Laranja
ALESSANDRA BARBOSA
CURITIBA
2018
ALESSANDRA BARBOSA
CURITIBA
2018
AGRADECIMENTOS
Key words: Youth literature. O meu pé de laranja lima. Reading teaching. Literary
education. Reading mediation
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – BIBLIOTECA..........................................................................................19
FIGURA 2 – AMBIENTE DE LEITURA .......................................................................25
FIGURA 3 – CARTA DE E.B.K....................................................................................37
FIGURA 4 – EL CÍRCULO DE LECTURA...................................................................70
FIGURA 5 – ILUSTRAÇÃO DE G. D...........................................................................79
FIGURA 6 – CAPA DA EDIÇÃO COMEMORATIVA...................................................84
FIGURA 7 – POLAS DESENHADO 1.......................................................................104
FIGURA 8 – POLAS DESENHADO 2.......................................................................105
FIGURA 9 – CARTAS DO JOGO POLAS ................................................................108
FIGURA 10 – CONEXÃO T-L 1.................................................................................111
FIGURA 11 – CONEXÃO T-L 2.................................................................................112
FIGURA 12 – CONEXÃO T-L 3.................................................................................113
FIGURA 13 – CONEXÃO T-L 4.................................................................................114
FIGURA 14 – CARTAZ CONEXÕES T-T..................................................................117
FIGURA 15 – ENVELOPES COM PALAVRAS SECRETAS.....................................124
FIGURA 16 – VISUALIZAÇÃO 1...............................................................................126
FIGURA 17 – VISUALIZAÇÃO 2...............................................................................127
FIGURA 18 – VISUALIZAÇÃO 3...............................................................................128
FIGURA 19 – VISUALIZAÇÃO 4...............................................................................129
FIGURA 20 – VISUALIZAÇÃO 5...............................................................................130
FIGURA 21 – VISUALIZAÇÃO 6...............................................................................131
FIGURA 22 – TEXTO DE N. O..................................................................................132
FIGURA 23 – TEXTO DE A. L...................................................................................133
FIGURA 24 – TEXTO DE V.C...................................................................................133
FIGURA 25 – TEXTO DE G.H...................................................................................134
FIGURA 26 – TEXTO DE E.M...................................................................................135
FIGURA 27 – TEXTO VAZADO................................................................................137
FIGURA 28 – EQUIPAMENTO.................................................................................140
FIGURA 29 – EDITOR DE PERGUNTAS DO JOGO QUIZ RF.................................141
FIGURA 30 – TELA DO JOGO QUIZ RF..................................................................142
FIGURA 31 – RESULTADO PARCIAL DE PARTIDA...............................................142
FIGURA 32 – RELATÓRIO QUIZ RF........................................................................144
LISTA DE QUADROS
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................11
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................147
REFERÊNCIAS ............................................................................................151
APÊNDICES .................................................................................................159
1 INTRODUÇÃO
Outras leituras permearam minha vida escolar, mas as que aqui trouxe são
exemplos ligados à afetividade, incentivo e mediação que facilitaram a compreensão
do texto literário. Tais ações não apenas marcaram minha experiência leitora mas
também incorporaram minha prática educativa quando da decisão de me tornar
professora.
Optei pelo curso de Letras da Universidade Federal do Paraná, que oferecia
habilitação simples em Português para os estudantes do período noturno. Durante o
curso, trabalhava durante o dia em outra área – era secretária – e tive poucas
oportunidades de imersão no contexto escolar, o que se restringiu ao estágio
obrigatório realizados nos 6º e 7º períodos compreendidos nos anos de 2005 e 2006.
Somente em 2007, por meio de Processo Seletivo Simplificado (PSS)1, realizado pela
Secretaria de Educação do Estado do Paraná, que, de fato, tive a primeira
oportunidade de assumir uma turma de 9º e duas de 7º ano como professora de
Língua Portuguesa em uma escola pública da rede estadual de ensino.
Concomitantemente, passei a atuar em uma escola particular de Curitiba como
professora corregente de turmas de 4º e 5º ano, ministrando aulas de apoio escolar a
estudantes com dificuldades de aprendizagem. Assim como acontece com grande
parte dos profissionais que se veem pela primeira vez diante de uma sala de aula, as
teorias com as quais tive contato na minha formação acadêmica me pareciam tão
distantes daquela realidade que se punha diante de meus olhos, que mesmo com o
grande esforço na elaboração de um planejamento de trabalho não encontrava a
forma adequada para sua condução. Os exemplos das experiências positivas
relatadas que tive de leitura, auxiliaram-me, em certa medida, na minha caminhada
docente. Porém, os desafios ainda eram muitos e constantes e havia a necessidade,
a meu ver, de uma formação continuada.
Cursei, então, uma especialização em Leituras de Múltiplas Linguagens da
Comunicação e da Arte, oferecida pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Esse curso promoveu uma ampliação de minha visão acerca de leitura, possibilitando
o contato com diversas áreas do conhecimento que se correlacionam e oferecem
diferentes suportes viáveis ao meu trabalho como professora de Língua Portuguesa,
1O PSS é um processo seletivo simplificado, realizado pela SEED (Secretaria Estadual de Educação),
para contratação temporária de professores, pedagogos, intérprete de libras, auxiliares de serviços
gerais e técnicos administrativos.
Disponível em: <http://www.educacao.pr.gov.br/arquivos/File/pss/guia%20de%20inscricao/02.pdf>
Acesso em: 31 de julho de 2018.
13
tais como Música, Cinema, Teatro, Filosofia e Artes Visuais. Também foi nessa
ocasião que pude melhor conhecer teorias voltadas ao estudo de Literatura, tal como
a Estética da Recepção, que me mostrou um novo olhar para o trabalho como o texto
literário.
Houve, consequentemente, uma ressignificação de minha prática educativa
no período subsequente à conclusão desta especialização no ano de 2008 que, aliada
à experiência de atuação adquirida nas escolas particulares e públicas por que passei,
colaborou para a superação daqueles obstáculos iniciais de minha atuação docente.
A minha dedicação à escola básica, ininterruptamente nos anos seguintes, me levou
novamente a buscar atualização e aperfeiçoamento profissional e o Programa de Pós-
graduação em Educação: Teoria e Prática de Ensino (Mestrado Profissional), ofertado
pela Universidade Federal do Paraná, oportunizava formação profissional voltada à
atuação docente na educação básica.
O interesse pela investigação realizada nesta pesquisa nasceu das
possibilidades que passei a enxergar no texto literário para a formação de leitores na
escola, considerando que o homem é, além de animal social, um animal estético e
como tal necessita também da arte para viver. Sob esse aspecto, a literatura, por ter
como matéria-prima a palavra, é, dentre as artes, uma das mais capazes de
aprofundar nossa reflexão sobre a condição humana. A partir disso também vi a
necessidade da busca por um método de trabalho pedagógico que permitisse
considerar o leitor como sujeito ativo no processo de criação de literatura e as
possíveis relações com o mundo, que permitisse ao sujeito constituir-se socialmente.
Para adequar a escolarização da leitura literária, evitando-se aulas voltadas
para o ensino moralizante e utilitarista, apoiei-me no uso de mediações de leitura,
visando a condução dos estudantes para práticas de leitura literária e dando subsídios
para que encontrem o sentido nos textos lidos, provocando interesse pela literatura,
como arte e experiência estética, e com isso de levá-los a uma reflexão de mundo.
Consequentemente, esta pesquisa tem como objetivo principal refletir sobre
as contribuições de um trabalho sistematizado de leitura literária com utilização de
diferentes formas de mediação na leitura de um mesmo livro, com vistas ao avanço
na compreensão do texto literário por jovens leitores. Tal trabalho se pauta a partir de
hipóteses, como:
● A leitura de livros literários realizada em casa pelos estudantes, sem
compartilhamento e sem mediação, é suficiente para a compreensão leitora
14
de Souza Cruz (2007), em que se verifica o efeito receptivo do livro por um grupo
específico composto por doze leitores; o TCC “O meu pé de laranja lima: uma história
que resiste ao tempo”, de Lílian Lima Carvalho Lima (2008), em que, além de fazer
um levantamento de artigos que tratam da obra, verifica as razões de o livro se
perpetuar, fazendo considerações a partir de pesquisa realizada em um grupo de treze
leitores; o artigo “Uma leitura do social da obra ‘O meu pé de laranja lima’ de José
Mauro de Vasconcelos”, de Edinéia Duarte da Silva Freitas (2012), que, por meio de
estudo bibliográfico, aborda os aspectos sociais da obra, enfatizando a pobreza e a
violência; a dissertação de Mestrado de Anadir Aparecida Selória (2015) que, além de
apresentar as relações intertextuais entre romance e filme, propõe uma sequência de
atividades proposta para o 9º ano do ensino fundamental; e a proposição de uma
sequência didática expandida a partir da leitura de O meu pé de laranja lima para
educandos privados de liberdade, na dissertação de Mestrado de Débora Maria
Proença (2015). Há, ainda, pela Universidade de Lisboa, a dissertação de Mestrado
em Ensino do Português como Língua Segunda e Estrangeira, “Recordar, escrever e
ler a infância”, de Helena Maria Assude Paio (2011), na qual se faz uma análise
comparativa entre O meu pé de laranja lima, de Vasconcelos e Bom dia camaradas,
de Ondjaki, e, ao caracterizá-las como narrativas de infância, enfatiza a memória
afetiva presente em ambas; e o relatório de pesquisa “Os livros infantis brasileiros que
aqui circulam, não circulam como lá”, apresentado por Norma Sandra de Almeida
Ferreira (2009), em que se analisa os fatores que favorecem a receptividade de O
meu pé de laranja lima em Portugal, onde a obra, dentre as de literatura brasileira que
lá circulam, é uma das mais lidas e com maior número de exemplares distribuídos. O
estudo agora apresentado traz a particularidade da investigação realizada em uma
comunidade específica de leitores composta exclusivamente por estudantes do 6º ano
do ensino fundamental. Para apresentá-lo, organizei o texto nos seguintes capítulos:
Capítulo 2 – Metodologia da pesquisa: escola pública um terreno fértil para a
etnografia
Nesse capítulo, trago considerações de André (1995) e Lüdke e André (2015)
que fundamentam a escolha pela pesquisa de natureza etnográfica, além de
apresentar o contexto em que se insere a escola participante da pesquisa e situar os
sujeitos envolvidos no processo. Relato também a abordagem realizada e o modo de
condução da pesquisa, que se complementa no relato das atividades desenvolvidas
no capítulo 5.
16
2É o conjunto constituído por 51 ou mais unidades habitacionais caracterizadas por ausência de título
de propriedade e pelo menos uma das características a seguir: irregularidade das vias de circulação e
18
abastecimento adequado de água; 100% têm coleta adequada de lixo e 96,80% dos
domicílios está ligada à rede geral de esgoto ou à fossa séptica, de acordo com dados
organizados no site do IPPUC (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de
Curitiba)3 a partir de levantamento censitário do IBGE em 2010. Embora os dados
também apontem para uma situação financeira um pouco abaixo da média da
população curitibana, as famílias deste bairro possuem rendimento médio acima do
salário mínimo (cotado em R$ 510,00 no período de realização do referido censo).
Em relação ao público específico desta escola, porém, algumas situações
vivenciadas ao longo de minha atuação nesta instituição apontam para condições
precárias de instalação, revelando que vários estudantes residem em casas
construídas com materiais frágeis em áreas irregulares, os denominados aglomerados
subnormais. Conforme relato da presidente da associação de moradores do local,
mãe de um dos participantes desta pesquisa, a defesa civil já alertou para os riscos
de desabamento de algumas construções, mas as famílias permanecem por não
terem condições financeiras para saírem do lugar. Em situações de fortes chuvas,
como as ocorridas em junho de 2017, a região sofreu com alagamentos e muitas
famílias de estudantes da escola perderam móveis e roupas, principalmente. Diante
desse infortúnio, comprometi-me ainda mais com os envolvidos na pesquisa, uma vez
que, ao tomar conhecimento de que alguns deles estavam faltando às aulas devido
às más condições em que se encontravam suas famílias, participei de um movimento
para arrecadação de donativos para prestar assistência, envolvendo, inclusive, a
minha própria família que colaborou com a doação de alguns móveis e
eletrodomésticos, além de muitos cobertores, já que fazia muito frio nessa época do
ano. Para a entrega, juntamente com a equipe diretiva da escola, fui pessoalmente às
casas e, além de muito bem recebida pelas famílias, tive o acolhimento dos
estudantes, que demonstraram satisfação em ter a professora em seus lares. Tal fato
garantiu aproximação dos sujeitos dessa pesquisa, que passaram a se sentir mais
confortáveis em procurar-me para conversas, não apenas sobre as atividades de
leitura realizadas, mas também para soluções de conflitos interpessoais e até mesmo
para confidências.
do tamanho e forma dos lotes e/ou; carência de serviços públicos essenciais (como coleta de lixo, rede
de esgoto, rede de água, energia elétrica e iluminação pública). Disponível em:
<https://ww2.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/0000001516481120201348010574
8802.pdf>. Acesso em: 08 ago 2018.
3 Disponível em: < http://www.ippuc.org.br/nosso%20bairro/anexos/21-cajuru.pdf>.
19
FIGURA 1 – BIBLIOTECA
Há, ainda, outras razões, expostas por André (1995), para optar pela pesquisa
do tipo etnográfico, como o fato de esta ser caracterizada pelo contato direto do
pesquisador com os participantes, bem como da situação em estudo. Tal
aproximação, de acordo com a autora, também permite compreender o protagonismo,
ações e relações dos estudantes envolvidos.
Outro fator determinante para classificar a pesquisa como do tipo etnográfico,
é princípio de “que o pesquisador é o instrumento principal na coleta e na análise de
dados. Os dados são mediados pelo instrumento humano, o pesquisador.” (ANDRÉ,
1995, p. 28).
Dentre alguns pressupostos para uma abordagem etnográfica de pesquisa
educacional, destaca-se a discussão de Wilson (1977 apud LÜDKE; ANDRÉ, 2015, p.
17), que traz a hipótese qualitativo-fenomenológica. De acordo com essa perspectiva,
o pesquisador deve assumir tanto o papel de participante, quanto de observador,
buscando equilíbrio entre a subjetividade daquele e a objetividade deste para melhor
explicar a situação vivenciada. Também é fator determinante para a compreensão do
comportamento humano, de acordo com Wilson, o entendimento das relações
estabelecidas pelos sujeitos, influenciando o contexto que os circunda, tanto quanto
são por ele influenciados.
Sobre isso, Silva, E. T. (1981, p. 60) diz que “o investigador, ao longo de seu
trajeto de reflexão, está interessado numa psicologia essencialmente humana, isto é,
fundamentada e encarnada numa filosofia que fale da existência do Homem na sua
manifestação como leitor.”.
Segundo Lüdke e André (2015) o produto final não é o foco da pesquisa
qualitativa, pois, os dados obtidos por meio do contato direto, as circunstâncias
particulares, as perspectivas dos participantes, são compreendidos ao longo do
processo, sendo este de maior relevância para o pesquisador.
Por se tratar de pesquisa qualitativa em educação, atentei-me aos cinco
22
4 Conexão texto-leitor é uma das estratégias de leitura utilizadas na condução deste trabalho e está
Ressalto que a ênfase se deu, tal como prevê uma pesquisa de cunho
etnográfico, no processo e não no resultado final. Assim, meu compromisso estava
em compreender os fatos além de conhecer o cotidiano. A possibilidade de
ressignificação da prática educativa a partir das observações realizadas constitui outro
fator de peso na escolha deste tipo de pesquisa.
atrasados e fossem impedidos de ingressar na primeira aula. Diante disso, até mesmo
a escala organizada pela agente de leitura era comprometida, uma vez que as
primeiras aulas eram destinadas a esse fim, não sendo possível a realização de
leituras por outros estudantes.
Na tentativa de amenizar essa caracterização de ambiente punitivo colocado
na biblioteca, em parceria com a agente de leitura, disponibilizei-me a estar na
biblioteca nos horários em que esta era ocupada por aqueles que chegavam
atrasados, durante o período destinado para a pesquisa, e procurei envolver os
estudantes em atividades de leitura direcionada, como uma contação de contos ou
pela disponibilidade de auxiliar na seleção de alguma obra que pudesse ser lida
naquele momento, até que fosse permitido o acesso desses às salas de aula assim
que soasse o sinal para a aula seguinte. Também durante o recreio, busquei,
juntamente com a agente de leitura, garantir ao menos a possibilidade de empréstimo
de alguns livros para que fossem lidos no espaço existente defronte à biblioteca (já
representado na FIGURA 2). Grande parte dos envolvidos aceitou a intervenção e
passou a abrir espaço para leitura tanto na hora do recreio quanto nos minutos de
ociosidade em que esperavam para ter acesso à sala de aula quando de seus
eventuais atrasos.
No que se relaciona à mediação, Arena (2009) afirma que uma biblioteca se
faz além de livros, considera, sobretudo, as relações entre estudantes, livros,
profissionais que atuam na biblioteca e professores de sala de aula.
dos Grimm, de Adam Gidwitz, que teve de ser sorteado dentre os pretendentes
leitores. Os demais livros, principalmente os de contos, compostos por mais de uma
história também tiveram boa aceitação e foram muito procurados pelos estudantes,
considerando-se, especialmente, o fato de possibilitar a finalização da leitura de um
texto integralmente no período da aula. A fim de ampliar as opções dos estudantes,
alguns livros de meu acervo pessoal também integraram a caixa que passou a ser
utilizada também por professores de outras disciplinas quando das situações de
substituição a algum docente que porventura faltasse.
Os próprios estudantes, diante da falta de material deixado pelo professor
faltante ou quantidade excessiva de aulas de uma mesma disciplina em decorrência
dessas faltas, solicitavam que me pedissem emprestada “a caixa de livros” para que
eles pudessem continuar suas leituras.
Prosseguindo com essa investigação sobre as preferências destes leitores,
passei a questioná-los diretamente quanto aos motivos de suas escolhas na biblioteca
e as respostas ficaram, majoritariamente, em torno do humor presente nas obras e da
linguagem que se aproxima da usada pelos estudantes em seu cotidiano. É o que se
pode observar na seguinte situação observada por mim durante uma das aulas de
leitura na biblioteca:
x trabalhar com grupos entre dez a vinte pessoas. Poucas pessoas podem,
às vezes, limitar a discussão. Porém, um número excessivo pode excluir
uma fala importante;
x a disposição das pessoas em círculo contribui para que todos se vejam,
facilitando assim a comunicação;
x o mediador deve estar atento em conduzir o debate de forma que todos
deem sua contribuição, sem privilegiar determinado colaborador;
x ter o texto na mão ajuda na formação das ideias, permite ao participante
fazer a releitura, repassar o texto nas riquezas e nos detalhes do
vocabulário;
x negociar com os participantes a hora de início e término da atividade para
que se evite o entrar e sair de pessoas ou interrupções desnecessárias;
x o local fechado é o ideal e contribui para a concentração. Pode ser feito
ao ar livre, mas corre-se o risco da dispersão; [...]. (PIMENTEL;
BERNARDES; SANTANA, 2009, p. 103).
certas ocasiões, a partir de relatos dos próprios estudantes, notei que os livros sequer
eram tirados da mochila.
Também averiguei que grande parte dos questionados alegaram perder o
interesse pela leitura por falta de compreensão do texto. Em seus relatos, a princípio,
diziam que os livros eram chatos ou, simplesmente, que não gostaram da história.
Pode-se perceber, portanto, a falta da leitura ou o abandono do texto de forma
bastante precoce. Como a leitura dos livros escolhidos era iniciada na própria
biblioteca, espaço que propiciava trocas entre os colegas devido à disposição das
mesas, redondas, facilitando a visualização dos exemplares de livros escolhidos, uns
dos outros, gerando curiosidade e interesse, a leitura se tornava mais eficiente, uma
vez que, diante de dúvidas, os estudantes trocavam opiniões com os colegas.
Contudo, os depoimentos acerca de incompreensão da história escolhida mostraram
que, quando levado o livro para casa, a leitura, sem compartilhamento e sem
mediação, se mostrou insuficiente para a compreensão leitora dos sujeitos envolvidos.
Assim, considerei que o desafio estava, então, em propiciar leituras mais
proficientes, levando-os à melhor compreensão dos textos literários. Para isso,
considerei necessária alguma estratégia que não se limitasse a um aconselhamento
quanto à escolha de obras para serem lidas individualmente, mas que compreendesse
um trabalho efetivo de mediação de leitura para viabilizar uma aprendizagem social e
afetiva. Nas palavras de Colomer:
[...] alguém atento em equilibrar seu interesse impaciente pela história, com
sua leitura lenta (alternando a leitura adulta e a da criança, por exemplo) [...];
atividades organizadas em longos projetos de trabalho que dêem sentido às
leituras escolares, enquanto criam expectativas sobre o modo de ler ou o grau
de profundidade requerido; assim como apresentações dos livros que
afastem o medo e a dúvida que o texto desconhecido sempre provoca em
qualquer leitor, de tal modo que os comentários do docente ou a leitura de
fragmentos pretendam, na realidade, o mesmo que as primeiras linhas de
qualquer narrativa: seduzir o leitor para que enfrente o esforço. (COLOMER,
2007, p. 110).
possível, Rafael criou melodias, além de ter composto três temas de violão solo para
as aberturas dos capítulos. Evanildo, que reúne em seu acervo inúmeras cartas de
fãs enviadas, dentre outros materiais inéditos do autor, revelou que tais materiais
pertenceram à Mercedes Cruañes Rinaldi, uma das pessoas a quem O meu pé de
laranja lima é dedicado. Quando do envio de fotos de algumas cartas, o biógrafo
solicitou-me a devida menção à Mercedes: “Ela que merece ser citada e dar crédito
para ela pela dedicação e amor à obra de José Mauro de Vasconcelos”. Essa foi
enviada a José Mauro em 1969.
TRANSCRIÇÃO:
Cêrro Largo, 29 de maio de 1969.
Senhor,
38
Li Meu Pé de Laranja Lima com os olhos todo o tempo molhados. Obrigada por escrever livros
tão lindos.
O senhor consegue despertar em que lê ternura e sentimentos bons, e se as lágrimas
provocadas são, conforme algumas críticas, causadas por um “enredo sentimentalóide”, são também
a revelação de que ainda sabemos chorar e nos comover com a vida de outros.
Continue assim, escrevendo maravilhas e gerando nos seus leitores de todo o Brasil, esta
volta necessária e tão bonita aos sentimentos simples e à natureza.
Sua leitora,
E.B.K.
O que atrai meu público deve ser a minha simplicidade, o que eu acho que
seja simplicidade. Os meus personagens falam linguagem regional. O povo é
simples como eu. Como já disse, não tenho nada de aparência de escritor. É
a minha personalidade que está se expressando na literatura, o meu próprio
eu. (VASCONCELOS, 2017, p. 230).
O pequeno príncipe (4º lugar); O Sítio do Picapau Amarelo (9º lugar); O meu
pé de laranja lima (13º lugar); Capitães d’Areia (15º lugar); Romeu e Julieta
(18º lugar). (CECCANTINI, 2016, p. 93-94).
Só vendo como ele ficou inchado de orgulho quando contei que, na aula de
leitura, D. Cecília Paim disse que eu era quem melhor lia, o melhor “leitureiro”.
[...] leitores são simplesmente pessoas que sabem usufruir os diferentes tipos
de livros, as diferentes “literaturas” – científicas, artísticas, didático-
informativas, religiosas, técnicas, entre outras – existentes por aí. [...] Leitores
podem ser descritos como pessoas aptas a utilizar textos em benefício
próprio, seja por motivação estética, seja para receber informações, seja
como instrumento para ampliar sua visão de mundo, seja por motivos
religiosos, seja por puro e simples entretenimento. (AZEVEDO, 2001, p. 38).
6 O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), desenvolvido desde 1997, tinha o objetivo de
promover o acesso à cultura e o incentivo à leitura nos alunos e professores por meio da distribuição
de acervos de obras de literatura, de pesquisa e de referência. O atendimento era feito de forma
alternada: ou eram contempladas as escolas de educação infantil, de ensino fundamental (anos
iniciais) e de educação de jovens e adultos, ou eram atendidas as escolas de ensino fundamental
(anos finais) e de ensino médio. O programa, porém, foi interrompido. De acordo com entrevista, em
setembro de 2017, do presidente da CBL, Luís Antonio Torelli concedida ao portal G1, a última
remessa de obras foi realizada em 2014.
Fontes: http://portal.mec.gov.br/programa-nacional-biblioteca-da-escola. Acesso em 25 jan. 2018;
<http://cbl.org.br/imprensa/noticias/governo-federal-esta-desde-2014-sem-comprar-livros-de-
literatura-para-escolas-publicas>. Acesso em 15 jul. 2018.
43
capacidade de análise do texto deve considerar fatores externos a ele sem, contudo,
extrapolar os limites da interpretação dados pelo texto.
Portanto, é necessário, ler além das palavras. O contexto é fundamental para
a compreensão de mensagens. A situação de produção, intencionalidade, contexto
histórico, entre tantos outros fatores, contribuem para a apreensão de mensagens. O
leitor competente e crítico não pode deixar de lado qualquer desses elementos que
compõem o texto.
Dessa forma, teremos efetivamente a tarefa de ler, o que implica respeito ao
texto e a todas as suas especificidades, além da tomada de uma atitude ativa diante
dele.
Na presente pesquisa, entende-se leitura como ato mais abrangente do que
conhecer uma história, ou aprender palavras novas, convenções ortográficas ou
gramaticais. Para se entender a formação de leitor literário, a concepção de leitura
utilizada compreende a peculiaridade da literatura em debater com ideologias. Girotto
e Souza (2010) trazem importante contribuição para o ensino da leitura na escola, de
modo a coadjuvar os estudantes a compreenderem o que leem com o uso das
estratégias de leitura7 (cuja contribuição para a presente pesquisa está descrita no
item 3.3). As autoras trazem a relevante abordagem acerca de uma leitura que não se
restringe à decodificação:
7 Termo utilizado pelas autoras após o desenvolvimento de um projeto de pesquisa que investigou o
ensino de estratégias de compreensão leitora em textos de literatura infantil, com duração de três
anos.
45
desta buscar encaminhamentos para que essa formação se dê e, para isso, destaca-
se a função do professor mediador de leitura literária em sua especificidade.
Ao considerar a origem da palavra literatura, apresentada por Jouve, tem-se
que
Etimologicamente, havemos de lembrar que a palavra “literatura” vem do
latim litteratura (“escrita”, “gramática”, “ciência”), forjado a partir de littera
(“letra”). No século XVI, a “literatura” designa, então, a “cultura” e, mais
exatamente, a cultura do letrado, ou seja, a erudição. “Ter literatura” é possuir
um saber, consequência natural de uma soma de leituras. (JOUVE, 2012, p.
29).
literatura, por ter como matéria-prima a palavra, é uma das artes capazes de
aprofundar nossa reflexão sobre a condição humana. Como aponta Jouve (2012), as
artes como escultura, música e pintura exigem reflexão de modo mais mediato,
enquanto que o texto literário é sempre um fato de sentido, carregado de
intencionalidades.
A interpretação, conforme aponta Umberto Eco (2015), nasce de três
intenções: intenção do autor; intenção da obra e intenção do leitor. Apesar de distintas,
são complementares e devem ser consideradas quando da interpretação de um texto
literário. O autor escreve criando um sentido pretendido. A intenção do autor resulta
no texto, constituindo uma nova unidade de sentido.
Eco (2015) evidencia a importância em se considerar, além dos estudos sobre
o sentido do texto, seu enfoque gerativo e interpretativo. O texto pode, sob a
perspectiva gerativa, ser descrito objetivamente, dentro de sua estrutura
organizacional, anulando-se as intenções autorais, opostamente ao que ocorre sob o
enfoque interpretativo.
Sob esse ponto de vista, texto e intenção do autor são indissociáveis. A obra,
então, apresenta de modo singular uma leitura de mundo de seu criador. Conhecer o
autor, suas crenças e contexto de criação, contribui para a compreensão do texto.
Na busca desse sentido pretendido pelo autor, Jouve (2012) menciona que
em estudos acadêmicos, frequentemente, usa-se comentar um determinado texto
usando também outros escritos do mesmo autor. Para o linguista francês, essa
estratégia é eficaz por pressupor a intenção do autor em contraponto à intenção da
obra. Tal procedimento “É o famoso ‘círculo hermenêutico’ (a fórmula é de Dilthey)
que encontramos em Schleiermacher: o texto só pode ser entendido no horizonte da
obra, que, ela própria, só pode ser apreendida através dos textos que a compõem.”.
(JOUVE, 2012, p. 57).
Em relação às intenções do leitor, é importante entender que elas não
necessariamente comportam possibilidades infinitas de interpretação. Conforme
aborda Eco (2012, p. 8), “Se privilegiarmos a intenção do leitor, será mister também
48
prevermos um leitor que decida ler um texto de modo absolutamente unívoco e opte
pela busca, quiçá infinita, dessa univocidade.”.
Sendo assim, considero necessária a opção de uma determinada corrente
para orientar a interpretação dos textos literários. Avaliando traços entre texto e leitor,
convém trazer para contribuir com a discussão acerca de leitura e compreensão de
textos literários o pensamento referente à Estética da Recepção. Essa teoria inaugura
uma nova fase sobre os estudos literários, atribuindo ao leitor o papel de eixo a partir
do qual se examinam os textos e a história literária. O leitor, então, passa a ser
considerado elemento fundamental para a interpretação e validação da obra literária.
[...] o texto é composto por um mundo que ainda há de ser identificado e que
é esboçado de modo a incitar o leitor a imaginá-lo e, por fim, a interpretá-lo.
Essa dupla operação de imaginar o leitor e interpretar faz com que o leitor se
empenhe na tarefa de visualizar as muitas formas possíveis do mundo
identificável, de modo que, inevitavelmente, o mundo repetido no texto
começa a sofrer modificações. (ISER, 2002, p. 107).
Como o espaço entre autor e leitor, o texto literário pode ser descrito em três
níveis diversos: o estrutural, o funcional e o interpretativo. Uma descrição
estrutural visará mapear o espaço; a funcional procurará explicar sua meta e
a interpretativa perguntar-se-á por que jogamos e por que precisamos jogar
(ISER, 2002, p. 109).
O leitor na fase escolar realizaria de modo mais fecundo esta tríade relacional
entre autor, leitor e texto, pois a escola seria a que melhor poderia extrair resultados
positivos da experiência estética de jogar com estes três níveis, além do que o aluno
possui um campo de preenchimento intelectual até então pouco explorado do ponto
de vista imagético, ele ainda comporta menos preconceitos e hábitos ou
padronizações de interpretação e de leitura. Portanto, realizaria de maneira mais
significativa a relação de “contrato” entre autor e leitor, como pronuncia Iser, avançaria
de modo mais aprofundado no mundo textual.
Conjecturando acerca da leitura literária, destaca-se a importância da
utilização de estratégias que valorizem o estudante em sua singularidade pois, ao
pensar o leitor como sujeito ativo no processo de criação do texto literário e as
possíveis relações com o mundo, permite ao sujeito constituir-se socialmente.
O domínio da língua é, portanto, fundamental para que o sujeito exerça com
plenitude seu papel como cidadão. As habilidades da leitura podem promover um ser
capaz de decifrar o código da língua, mas, é dever da escola ir além, desenvolvendo
simultaneamente o processo de letramento, considerado, nesta pesquisa, como
desenvolvimento do uso competente da leitura e escrita nas práticas sociais.
Atualmente a definição mais difundida de letramento é a apresentada por
Magda Soares (2003): "Letramento é o resultado da ação de ensinar ou de aprender
a ler e escrever, o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo
como consequência de ter-se apropriado da escrita." Desse modo, letramento seria
resultado ou consequência do processo de alfabetização.
Aliando-se essa definição à prática de leitura literária na escola, há a
importante contribuição de Cosson (2006) na definição de letramento literário como o
processo de apropriação da literatura enquanto linguagem.
Para o estudioso, o letramento literário começa com as cantigas de ninar e
continua por toda nossa vida a cada romance lido, a cada novela ou filme assistido.
Depois, que é um processo de apropriação, ou seja, refere-se ao ato de tomar algo
para si, de fazer alguma coisa se tornar própria, de fazê-la pertencer à pessoa, de
54
internalizar ao ponto daquela coisa ser sua. É isso que sentimos quando lemos um
poema e ele nos dá palavras para dizer o que não conseguíamos expressar antes.
Assim, o letramento literário não é apenas algo diferenciado pelas atividades
desenvolvidas com textos literários, mas, através do trabalho estético e único da
palavra, permite a construção de habilidades, comportamentos e conhecimentos,
desenvolvidos principalmente com a literatura.
Dessa forma, é preciso adequar a escolarização da leitura literária, evitando-
se aulas voltadas para o ensino moralizante e utilitarista. O professor deve conduzir
seus alunos para o uso das práticas de leitura literária vividas no contexto social,
dando subsídios para que encontre o sentido nos textos lidos, provocando interesse
pela literatura que, enquanto arte e experiência estética, tem a capacidade de nos
levar a uma reflexão de mundo. A formação de leitores na escola passa, então, pelo
uso de “[...] metodologias ativas que dão voz ao aluno e o entendem como
coconstrutor das suas aprendizagens e suscetível de mobilizar uma palavra
autónoma.”. (AZEVEDO; BALÇA, 2016, p. 6).
Contudo, por muitas vezes, a escola, na tentativa de inovar e cativar os
estudantes comete equívocos no âmbito do incentivo da leitura: disponibiliza poucas
possibilidades de exercer autonomia intelectual ou criativa. Como destaca Britto:
A utilização de outros objetos de cultura, tanto quanto dos livros, quando não
intenta em transformar um ponto de vista, conduz a uma falsa realização educacional.
Tais práticas, com o intuito de promover reflexão e ampliação da visão de mundo,
devem estar vinculadas a objetivos de aprendizagem, com o propósito da realização
de tarefas que estimulem a leitura de tais objetos culturais em suas manifestações
sociais.
A respeito da formação de leitores no espaço escolar, Costa (2007) considera
que um passo inicial pode estar na literatura por permitir ao estudante a oportunidade
55
[...] o leitor irá buscar, no âmbito das convenções sociais, nas relações de
poder, na cultura e em todas as suas linguagens (música, cinema, teatro,
artes plásticas e outros), além de sua experiência de vida, a compreensão
das ideias expressas pelos textos literários. (COSTA, 2007, p. 63).
Para que o ser humano possa desenvolver a sua criticidade e formar opiniões
sobre determinados assuntos deverá continuar a ler por iniciativa própria. “Para
chegar ao máximo do prazer da leitura, não devemos ler de modo errático e
desavisado. Portanto enquanto não amadurecermos como leitores, algum
aconselhamento sobre leitura pode ser-nos útil, talvez, até mesmo essencial”.
(BLOOM, 2001, p. 16).
Também, de acordo com Eco (2015), ao tratar do leitor-modelo suposto pelo
texto, há dois tipos previstos: o leitor-modelo ingênuo e o leitor-modelo crítico. Para o
autor,
[...] a interpretação semântica ou semiósica é o resultado do processo pelo
qual o destinatário, diante da manifestação linear do texto, preenche-o de
significado. A interpretação crítica ou semiótica é, ao contrário, aquela por
meio da qual procuramos explicar por quais razões estruturais pode o texto
produzir aquelas (ou outras, alternativas) interpretações semânticas. (ECO,
2015, p. 12).
para a construção de um repertório próprio. Para Zilberman (2005, p. 9), “livros lidos
na infância permanecem na memória do adolescente e do adulto, responsáveis que
foram por bons momentos aos quais as pessoas não cansam de regressar”.
Com um repertório de leituras literárias, o jovem leitor poderá começar a
trilhar seu próprio caminho, fazendo suas escolhas particulares que serão guiadas por
um certo nível de leituras. Isso caracteriza ampliação do cabedal intelectual, que é
essencial para a formação do leitor. Para Eco (2006, p. 14) “os leitores se dispõem a
fazer suas escolhas no bosque da narrativa acreditando que algumas delas serão
mais razoáveis que outras.”.
Por isso, a mediação do professor faz-se necessária, considerando
especialmente os seguintes aspectos:
De acordo com o autor, disso resulta o caráter exclusivo ainda presente nas
escolas brasileiras, já que o acesso a bens culturais como livros, computadores e
museus, ainda é restrito a poucos. No contexto da escola pública participante desta
pesquisa, os estudantes envolvidos relataram, durante as observações descritas no
58
item 2.1 – Conhecendo a terra: investigação das preferências leitoras – ter pouco
contato com obras de literatura e poucos deles possuíam livros em casa. Por isso,
fomentar o contato com esses bens culturais na escola contribui para que o estudante
do 6º ano do ensino fundamental, devidamente estimulado, passe a desenvolver sua
capacidade crítica e argumentativa. A leitura nessa fase estimula o pensamento e
ajuda a criança a entender melhor as transformações que estão ocorrendo consigo
mesmo, o que promove o autoconhecimento.
Considerando o leitor estudante de ensino fundamental, é importante que
suas escolhas sejam novamente mediadas, já que é muito comum que nessa idade
busquem apenas leituras de best-sellers, como já apresentado no capítulo referente
à metodologia, quando se tratou da investigação inicial das preferências leitoras dos
estudantes envolvidos. Tal fato é também apresentado por Britto quando diz que
O que mais comumente ocorre é a pessoa esperar do texto que ele se ajuste
às suas formas de compreender e viver o mundo, as quais, por sua vez, são
produtos históricos e não valores originais desta ou daquela pessoa; apenas
na medida em que toma consciência desta condição e trabalha para sua
superação é que a pessoa passa a criar intelectual e socialmente. (BRITTO,
2009, p. 199).
59
8 Ramo da linguística que visa ao estudo das relações entre língua e sociedade, mostrando que o
9 O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), realizado pelo Inep/MEC, abrange
estudantes das redes públicas e privadas do país, localizados em área rural e urbana, matriculados no
5º e 9º anos do ensino fundamental e também no 3º ano do ensino médio. São aplicadas provas de
Língua Portuguesa e Matemática. A avaliação é feita por amostragem. Nesses estratos, os resultados
são apresentados para cada unidade da Federação e para o Brasil como um todo. Disponível em:
<http://www.educacao.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=61>. Acesso em: 06 ago
2018.
63
Dessa forma, a observação das pausas realizadas pelos leitores para pensar
sobre o texto lido, levantando os olhos do texto para sobre ele refletir ou devido ao
impasse diante de um termo desconhecido que impede a continuidade da leitura,
constituem momentos oportunos para mediação pedagógica, ouvindo os
questionamentos ou comentários tecidos pelos estudantes. Faz-se, portanto,
essencial a interação entre leitor e mediador para que este saiba em que aspecto deve
intervir para contribuir na condução da linha de raciocínio a ser seguida por aquele a
fim de atingir as habilidades necessárias na compreensão de um texto. Essas
64
Para isso, as autoras recorrem à Kleiman (2007) e Solé (1998) para tratar das
estratégias de leitura, ressaltando o protagonismo suscitado no desenvolvimento de
tais atividades, capazes de desenvolver o trabalho cognitivo na escola.
Tem-se, então, que com o uso da modalidade de leitura em voz alta e do
trabalho de mediação, as dificuldades dos estudantes em relação à leitura, letramento
e em relação ao tempo foram amenizadas. Da mesma forma, por se tratar de leitores
pouco experientes, o processo de compreensão do texto foi facilitado inicialmente.
Moura e Martins (2012) tratam, também, da ação colaborativa do leitor e
cooperação do mediador para a ampliação da compreensão leitora. O trabalho por
elas desenvolvido consistiu na mediação necessária para que o estudante
estabelecesse conexão entre o texto e seu conhecimento de mundo, desenvolvendo
“a metacognição, ou seja, o controle sobre as informações já obtidas com a leitura do
texto, sinalizando, quando, quando necessário, pontos de inferências.”. (MOURA;
MARTINS, 2012, p. 91). De acordo com as autoras, esse trabalho de mediação foi
possível a partir do uso de uma série de estratégias organizadas por elas em duas
categorias: cognitivas e metacognitivas. No primeiro grupo, encontram-se ações
voltadas ao acionamento de conhecimentos prévios, colaborando para que o
estudante se atente aos aspectos necessários para o estabelecimento de relações
entre esses e novos conhecimentos adquiridos; ajudar o estudante a expor o que já
sabe sobre o tema, possibilitando relações com seu universo comunicacional;
colaborar para a distinção entre real e ficcional e a desenvolver relação de analogia.
Já as estratégias metacognitivas englobam atividades de mediação voltadas à
reflexão, solicitando aos estudantes que busquem identificar as novas informações
aprendidas com a leitura do texto, elaborando perguntas para que eles as
reconheçam; perceber o objetivo da leitura e procurar alcançá-lo durante ela; solicitar
a sintetização do conteúdo do texto para que percorram as informações contidas e
retomem as aprendizagens construídas, ampliando sua visão de mundo.
Em suas considerações finais, as autoras apontam que
66
Comunicar (não importa o quê: com mais forte razão um texto literário) não
consiste somente em fazer passar uma informação; é tentar mudar aquele a
quem se dirige; receber uma comunicação é necessariamente sofrer uma
transformação. Ora, quando se toca no essencial (como para aí tende o
discurso poético... porque o essencial é estancar a hemorragia de energia
vital que é o tempo para nós), nenhuma mudança pode deixar de ser
concernente ao conjunto da sensorialidade do homem.
o que foi lido para, em seguida, destinar um tempo para a realização de conversas
informais entre as leituras para, desse modo, manter o interesse do leitor.
É também do escritor inglês a proposta de um círculo de leitura representada
pelo seguinte diagrama:
dele –, que ler em voz alta é necessário durante todos os anos de escola.”.
(CHAMBERS, 2007a, p. 77, tradução minha).
O autor acrescenta ainda que o ideal seria ler em voz alta todos os dias ou
assegurar ao menos alguns momentos para isso.
Considero, portanto, essencial compreender de que forma se dá essa leitura
vocalizada em sala de aula e sua importância para a formação de leitores literários.
Contrariamente ao que se pode supor, essa modalidade de leitura visa promover
autonomia dos leitores, uma vez que, ao ouvir/ler um texto, o estudante se depara
com uma nova construção, modos de narrar, efeitos de sentido produzidos, entre
outras diversas características da literatura, preparam-se para um futuro encontro com
novos textos sem que haja a figura de um mediador.
Com o intuito de promover a aproximação dos estudantes à literatura, a prática
da leitura em voz alta ainda traz a vantagem de, ao ter em mãos uma cópia do texto
e poder percorrê-lo com olhos conjuntamente, aprender entonação, pontuação,
organização das palavras no texto e a produção de efeitos causadas pelo ritmo
empregado no uso da voz.
Durante a leitura do livro escolhido para este projeto, a cada capítulo, solicitei
aos estudantes que procurassem fazer previsões do que aconteceria no capítulo
seguinte, tendo por base elementos lidos e colocando suas hipóteses nas rodas de
conversa para, em conjunto, debatermos a possibilidade e relevância de tais
conjecturas. Como elemento de apoio, algumas atividades, como o uso do POLAS10,
contribuíram para a organização da estrutura básica do enredo, elegendo-se os
elementos essenciais de cada capítulo, que serviram para consulta posterior para
sanar dúvidas ou encontrar pistas e levantar hipóteses. Essa prática, para tornar-se
10A explicitação desta e das demais atividades desenvolvidas na realização da pesquisa encontra-se
no percurso da pesquisa, capítulo 5.
76
pensamentos preenchem nossa mente. Nós podemos fazer uma pergunta ou uma
inferência.”. (HARVEY; GOUDIVS apud GIROTTO; SOUZA, 2010, p. 45). Logo, ler é
atribuir sentido e, para isso, o leitor precisa pensar sobre o texto.
Desde o primeiro momento de leitura de O meu pé de laranja lima, uma
estudante manifestou interesse pela história que estava sendo narrada, dizendo que
“Essa história é legal, né? A gente viaja e fica imaginando...”. Já na aula seguinte, ela
trouxe um desenho (FIGURA 5) com a representação do que havia imaginado acerca
da leitura realizada durante a aula. Essa foi a forma que a estudante encontrou para
mostrar o sentido que havia atribuído ao fragmento lido, em que se apresentava o
personagem principal: Zezé. Por antecipação, devido à leitura do título do capítulo
seguinte, “Um certo pé de laranja lima”, a estudante fez a aproximação entre o
protagonista e a referida árvore.
É importante ressaltar que todas estas conexões são bem recebidas pelos
alunos e eles gostam muito de participar das atividades a elas relacionadas.
No entanto, não basta apenas o professor provocar este diálogo, é preciso
que ele esquematize estas informações para que se transformem em
conhecimentos.
ser poeta e para isso precisaria usar gravata de laço, ganha seu terninho (e a tão
sonhada gravata) e é levado por seu tio Edmundo para registrar o momento: “Foi
assim que eu ganhei a minha roupa de poeta. Fiquei tão lindo que Tio Edmundo me
levou para tirar um retrato.”. (VASCONCELOS, 2017, p. 83). A apresentação de cada
parte do livro (divido em duas) aparece em uma página inteira com fundo verde.
Também é dado destaque para o título de cada capítulo inserido no alto da página
seguido de uma ilustração, privilegiando a visualização.
A edição comemorativa ganhou também um suplemento de leitura e notas de
rodapé, ambas de Luiz Antonio Aguiar. Ao contextualizar a obra situando em seu
tempo e espaço, o suplemento ajuda o leitor a melhor vivenciar a composição da obra,
bem como as relações entre personagens e situações vividas. Esse elemento também
é um importante aliado do professor enquanto mediador da leitura, uma vez que
permite explorar o contexto da época em contraponto com a atualidade, constituindo
importante ferramenta para que o estudante faça conexões e estabeleça referências.
Sobre essa possibilidade de aproximação de diferentes épocas, Aguiar comenta:
Tal colocação corrobora para o uso de uma das estratégias propostas por
Girotto e Souza (2010), a de conexão texto-mundo, já explicitada na fundamentação
teórica.
Embora constitua um importante paratexto, o suplemento de leitura possui
algumas fragilidades, por exemplo, quando é mencionada a segunda adaptação da
obra para o cinema. Aguiar equivoca-se ao atribuir a direção do filme também a José
de Abreu, que teve sua importante participação no papel de Portuga. A direção,
contudo, é, apenas, de Marcos Bernstein.
Ao tratar de “Curiosidades da obra”, há exploração de elementos pouco
significativos para o contexto da história, como a menção à ilha de Paquetá, apenas
citada em O meu pé de laranja lima, sem muita relevância para o enredo. Em conversa
com Zezé, Portuga o convida para pescar no fim de semana, dizendo: “Sábado, não
irei ver minha filha no Encantado. Ela foi passar uns dias em Paquetá com o marido.
86
Eu tinha pensado, como o tempo está firme, em pescar lá no Guandu. Como estou
sem um grande amigo para me acompanhar, pensei em ti.” (VASCONCELOS, 2017,
p. 167). Sendo essa a única vez em que a ilha é citada, não há contribuição para a
compreensão do enredo a referência a um lugar secundário na narrativa.
No item referente a “Continuações”, Luiz Antonio Aguiar menciona Doidão
(1963) e Vamos aquecer o sol (1974). O autor as referencia adequadamente,
mostrando os momentos da vida de Zezé com que cada uma delas se ocupa. Porém,
ele deixa de mencionar As confissões de frei abóbora (1966), talvez o mais
autobiográfico de todos, onde está o “broto” de O meu pé de laranja lima. Esta obra
trata da vida adulta de José Mauro, todavia, diferentemente das demais obras
autobiográficas, é narrada em terceira pessoa. Ao rememorar o passado, José Mauro,
o “frei abóbora”, traz diversos episódios de sua infância, que serão novamente
descritos, dessa vez de forma mais detalhada, em sua obra de maior destaque. Essas
continuações serão melhor abordadas na parte destina à biografia do autor.
Mas o equívoco está em algumas das notas de rodapé que, em certos casos
chega a constituir significativo erro de interpretação. O primeiro e mais expressivo
deles aparece já na nota de número 8, inserida na página 19. No trecho, Totoca está
curioso para saber como Zezé havia aprendido a ler, mas sequer o garoto tinha uma
explicação para tal feito.
- Bem, viu como eu sou seu amigo, Zezé. Agora não custava me contar como
foi que você conseguiu “aquilo”...
- Juro, Totoca, que não sei. Não sei mesmo.
- Você está mentindo. Você estudou com alguém.
- Não estudei nada. Ninguém me ensinou. Só se foi o diabo que Jandira diz
que é meu padrinho, que me ensinou dormindo.
Totoca estava perplexo. No começo até me dera cocorotes para eu contar.
Mas nem eu sabia contar. (VASCONCELOS, 2017, p. 18, grifos meus).
[...] Nosso filho está um menino e todo menino gosta de árvores. Todo menino
conta histórias para as árvores.
Mas não pode acabar de argumentar porque o Príncipe interrompeu.
- Não insista, meu bem. Um apartamento é mais prático. E eu já fui menino
também e não tive nada disso que você fala. Isso é literatura.
(VASCONCELOS, 1981, p. 76).
Abriu a porta do quarto e decidiu sair, antes mesmo de fechar a porta teve o
cuidado de espiar se “eles” o seguiam. Os seus fantasmas da infância.
89
- Querido, quando você atingir a beleza das estrelas, quando você tocar no
brilho de todas elas, não se esqueça... Mande uma gota de ternura, um clarão
de amor, para que meus braços não afaguem o abandono e o meu coração
deixe de caminhar para sempre na desesperança!... (VASCONCELOS, 2006,
p. 101).
Agora sabia mesmo o que era a dor. Dor não era apanhar de desmaiar. Não
era cortar o pé com caco de vidro e levar pontos na farmácia. Dor era aquilo,
que doía o coração todinho, que a gente tinha que morrer com ela, sem poder
contar para ninguém o segredo. Dor que dava desânimo nos braços, na
cabeça, até na vontade de virar a cabeça no travesseiro. (VASCONCELOS,
2017, p. 192-193).
Para
Mercedes Cruañes Rinaldi
Erich Gemeinder
Francisco Marins
e ainda mais
Helene Rudge Miller (Piu-Piu!)
Sem poder esquecer também
O meu “filho”
Fernando Seplinsky
***
Para os que
nunca morreram
Ciccillo Matarazzo
Arnaldo Magalhães de Giacomo
***
Meu preito de saudade para o meu irmão Luís,
O Rei Luís, e minha irmã Glória;
Luís desistiu de viver aos vinte anos, e Glória,
aos vinte e quatro anos, também achou que
viver não valia mesmo.
velho mente pra burro...”. Além do humor, é possível perceber a inocência das
relações estabelecidas na mente de uma criança.
O uso de linguagem coloquial (por vezes, chula), ao mesmo tempo em que
aproxima os horizontes entre leitor e obra, rompe-o devido ao inusitado recurso
linguístico. A coloquialidade propicia a identificação entre leitor e obra, sobretudo se
considerarmos o leitor em idade escolar (estudantes do 6º ano do ensino fundamental)
que nem sempre têm a oportunidade de conhecer uma obra de literatura que se
aproxime de sua realidade.
A narrativa, conduzida pelo próprio Zezé remonta a infância do garoto e
apresenta a realidade socioeconômica da periferia do Rio de Janeiro da década de
20. No entanto, o leitor não contemporâneo, facilmente encontra identificação com a
realidade que o cerca na atualidade. A maneira com que os fatos vão sendo narrados
garante a verossimilhança e justifica o envolvimento do leitor.
Há também no texto, algumas denúncias sociais, ainda que suavizadas pela
voz de uma criancinha. O regime duro de trabalho nas fábricas é um exemplo disso.
A reflexão de Zezé, que acontece em meio ao relato de uma de suas travessuras,
demonstra o precoce desenvolvimento intelectual do garoto. “Pensei na Fábrica um
momento. Não gostava dela. O seu apito triste de manhã tornava-se mais feio às cinco
horas. A Fábrica era um dragão que todo dia comia gente e de noite vomitava o
pessoal muito cansado.”. (VASCONCELOS, 2017, p. 70).
Ocorrem no texto vários outros exemplos de uso de linguagem metafórica,
como no momento em que Zezé, sabendo não poder escapar de mais uma surra,
confessa: “Virei as costas e ofereci o material” (VASCONCELOS, 2017, p. 34).
O texto traz ainda alguns destaques, tais como expressões em itálico que
conduzem o leitor a retomadas de cenas ou situações anteriores. Um exemplo disso
está na passagem em que o narrador fala de sua coleção de figurinhas oriundas da
amizade entre ele e o português Manuel Valadares. Por se tratar de um segredo entre
os amigos (a amizade entre eles também era secreta), ninguém imagina como o
garoto angariou tantas unidades: “(...) minha coleção de figurinhas de artistas de
cinema que ninguém compreendia como crescia tanto.” (VASCONCELOS, 2017, p.
147). Nesse trecho, o texto exige do leitor que busque as referências necessárias para
a compreensão, retomando os momentos anteriores da narrativa em que o
protagonista conta que ganhava as referidas figurinhas se seu amigo.
94
- Zezé...
- Hum.
- Cadê a pantera negra?
97
Era difícil recomeçar tudo sem acreditar nas coisas. A vontade era contar o
que de fato existia. “Bobinho, nunca existiu pantera negra. Era apenas uma
galinha preta e velha, que eu comi numa canja.”
-Só ficaram as duas leoas, Luís. A pantera negra foi passar as férias na selva
do Amazonas.
Era melhor conservar a sua ilusão o mais possível. Quando eu era criancinha,
também acreditava naquelas coisas.
(VASCONCELOS, 2017, p. 202-203).
Como jogar:
1. jogue o dado;
2. ande o número de casas indicadas no dado;
3. retire uma carta POLAS;
4. faça a mímica da palavra da carta indicada pela letra no tabuleiro;
5. o seu colega de jogo deverá adivinhar a palavra;
6. só marcará ponto a dupla que acertar a palavra pela mímica;
7. a partida seguinte será da dupla adversária. (BRASIL, 2008. p. 121).
texto. O que estava ocorrendo era que os estudantes em questão liam o livro, ouviam
a história, participavam do momento literário e até o apreciavam, mas seu nível de
compreensão da leitura era demasiado superficial, apresentando certa fragilidade na
retomada de elementos da narrativa e da própria condução da história trazida pelo
texto literário.
A organização do POLAS contribuiu significativamente para a melhoria na
qualidade da leitura dos estudantes. Ao final de cada aula destinada à leitura literária,
fazíamos o POLAS coletivamente. Nas primeiras vezes em que tal atividade foi
adotada, houve muita necessidade de mediação para que eles não se perdessem nos
pormenores do texto, tampouco deixassem de registrar momentos essenciais da
narrativa. Com a constância da prática nas aulas de literatura, os estudantes
necessitavam cada vez menos mediação, contudo ainda o faziam de forma coletiva,
com contribuição da quase totalidade dos estudantes envolvidos.
O amadurecimento na didática aplicada nessa atividade levou à adoção de
uma certa sequência na organização do POLAS, de modo a traçar um fio condutor
que permitisse uma melhor visão dos acontecimentos ali transpostos. A diferença deu-
se apenas na forma de organizar as informações obtidas, permitindo uma certa
remontagem das cenas. O quadro base permanecia intacto, mas os estudantes não
deveriam preenchê-lo de forma sequencial (primeiro P, depois O, etc.) como uma lista,
mas de acordo com o envolvimento entre os elementos, interligando-os.
O procedimento deu-se, então, da seguinte maneira: relembra-se
determinado personagem e lista-o ao lado da letra (P). Em seguida, já se remete ao
objeto a ele relacionado (O), qual ação se desenvolveu (A), em que lugar (L) ocorreu
e que sentimento ou sensação (S) ocupou essa cena. Dessa forma tornou-se mais
simples relembrar os acontecimentos, e a probabilidade de se deixar de lado alguma
essencialidade do texto ficou diminuta.
Ao final da leitura do primeiro capítulo, obteve-se, coletivamente, o seguinte
registro:
QUADRO 1 – POLAS COLETIVO
Primeira parte – No natal, às vezes nasce o menino diabo
Capítulo Primeiro – O descobridor das coisas
amigo, Ariovaldo, que é a de vender letras de músicas pelas ruas ao mesmo tempo
em que atua como ajudante de cantor. Houve maior variação quanto ao lugar indicado
pelos estudantes de onde ocorre o fato, ficando a maior parte dividida entre rua e
estrada. Quanto a ação selecionada como a mais significativa, houve empate entre
três principais: cantar, vender e gazear aula. Um dos estudantes optou por colocar a
ação de maneira mais subjetiva – fazer traquinagem – para referir-se à ação de
esfregar os toquinhos de vela na calçada. De acordo com ele, “ficaria mais difícil de
adivinhar”, caso sua carta fosse sorteada para a mímica. O sentimento que mais
apareceu foi a alegria, já que neste capítulo Zezé ganha um novo amigo, além de
realizar seu desejo de atuar como ajudante de cantor. Chamou a atenção, também,
uma incidência de assustado/malandrinho para representar o momento em que Zezé
é repreendido por sua molecagem.
Assim que recolhi as cartinhas, dividi a turma em duas equipes. Um
representante da equipe A foi à frente enquanto a equipe B sorteava uma das letras
da palavra POLAS. O estudante da equipe fazia uma mímica representando o que
estava escrito na letra sorteada com a intenção de que seu grupo conseguisse decifrá-
lo, porém as duas equipes poderiam responder, tendo esse direito quem levantasse a
mão primeiro. Caso esse participante acertasse, pontuaria para sua equipe, se não,
passaria para a adversária e assim sucessivamente.
Os estudantes tiveram bastante facilidade tanto em fazer a mímica quanto
para identificarem o que estava sendo representado, atribuindo essa capacidade ao
fato de conhecerem bem os fatos que acabaram de ser lidos e poderem relacionar às
representações gestuais realizadas.
Nesse primeiro momento, a ordem de palavras sorteadas para representação
foi a seguinte:
O – panfleto
A – vender panfletos
S – alegria
L – escola
P – Zezé
110
Transcrição:
Transcrição:
Transcrição:
Lembrei-me de que eu... Já brinquei de princesa e fada com a minha prima de 4 anos e a enteada da
minha mae.
próxima de sua realidade, já que é uma menina e as brincadeiras de Zezé são mais
de menino, de acordo com ela.
Transcrição:
Transcrição:
Lemos em A conquista, de Associamos a Também nos lembramos
O meu pé de laranja lima de
“O mundo da Escola
Pública era também muito
bom. Eu sabia todos os
hinos nacionais de cor. O
grandão que era o
verdadeiro, os outros
hinos nacionais da
Bandeira e o hino nacional
da Liberdade, liberdade...”
118
Novela: Cheias de
Charme.
pobreza dos garotos, olheiro e Zezé, que engendram por diferentes caminhos: aquele
deseja libertar-se da vida que levava ainda que fosse de maneira trágica enquanto
que este passa a descobrir novos valores na vida pela descoberta da amizade. A
grande maioria conclui, então, que a conquista, anunciada pelo título deste capítulo,
foi a amizade!
De acordo com Chambers (2007 b), para iniciarmos conversas sobre o texto
literário podemos partir de algumas perguntas básicas, como solicitar aos leitores que
digam o que gostaram ou não, se algo os desconsertou e que padrões encontraram
na escrita e no enredo, por exemplo. Tal procedimento se assemelha muito às
atividades sugeridas por Girotto e Souza (2010) para as estratégias de
estabelecimento de conexões, o que fica ainda mais evidente na proposta de
Chambers para as chamadas perguntas gerais que, de acordo com o autor, “se podem
aplicar a qualquer texto, ampliar o escopo da linguagem e referências, fornecer
comparações e ajudar a trazer à conversa ideias, informações e opiniões que apoiam
a compreensão”. (CHAMBERS, 2007 b, p. 111).
Finda essa conversa, seguimos com as conexões propostas nas estratégias
de leitura de Girotto e Souza (2010), utilizando dessa vez, a conexão texto-mundo (T-
M), acrescida das perguntas gerais propostas em Chambers (2007 b), sugerindo
questionamentos como “já leu alguma outra história como essa?” para averiguar as
leituras prévias dos estudantes. Ao comparar a leitura realizada com outras similares
ou contrastantes, segundo Chambers, ajuda na compreensão de ideias novas.
Como o título do capítulo era “Conversas para lá e para cá”, as hipóteses
criadas pelos estudantes giraram em torno de: Conversas com o pezinho de laranja
lima./Conversas como o novo amigo: o português./ Pode ser as duas coisas...
Prosseguimos com a leitura para ver se as suposições se confirmavam e, ao
final dela, organizei um quadro comparativo entre o que acontecia na época em que
os fatos eram narrados no texto e nos nossos dias, obtendo o seguinte resultado sobre
as particularidades daquela época:
MOMENTO DE SILÊNCIO
PROFESSORA – E então?
A1 – Ele apanhou demais, até desmaiar...
A2 – É, e ele só tava cantando pra alegrar o pai dele...
A3 – É que o pai dele achou que ele tava zoando com a cara dele porque ele
ficava repetindo...
A1 – Mas ele tava obedecendo, né?
A3 – É. Tanto que ele fala uma hora que já não sabia mais se era pra
obedecer porque ele só apanhava.
A4 – Mas também, olha a música que ele tava cantando.
A1 – Ai, ele é só uma criancinha, nem tem maldade.
A4 – É...
PROFESSORA – E na surra anterior, dos irmãos?
A5 – Ele xingou ela de p..., né?
VÁRIOS – É mesmo! Mas ele tava com raiva!
PROFESSORA – Como foi que se deu essa situação?
A2 – Ele tava quietinho lá. Até a Godóia falou que ele tava lá de boas...
A5 – A outra irmã, como que é mesmo o nome?
VÁRIOS – Jandira.
A5 – A Jandira rasgou o balão que ele tava fazendo com tanto capricho. Era
o sonho dele!
A1 – Daí ela batia e ele xingava.
A2 – É batia mais, ele xingava mais também...
PROFESSORA – E o Totoca?
A3 – Esse chegou batendo por cima e...
A1 – Ele se doeu por causa da Jandira.
A3 – (...) e nem tinha motivo. É que, que nem o Zezé mesmo falou, que já
tavam acostumado a bater nele sem motivo nenhum.
A1 – É. Descontavam tudo nele. Professora, que nem a gente leu na aula
passada do estatuto lá da criança, né? Que naquela época ainda não tinha...
A6 – Isso que eu ia falar, do conselho tutelar que investiga quando tem
exagero nas surras assim, vão na casa até pra ver...
A7 – É, eu soube já de casos que os pais até passam maquiagem na criança
pra disfarçar, credo!
PROFESSORA – O que podemos, então, concluir sobre o que acontecia
naquela época e na atualidade?
TURMA – É que mesmo com a lei, isso ainda acontece, né?
DOR
RAIVA 1. “Ela apanhou a mão de couro sobre a
1. “O diabo se soltou de dentro de mim. A cômoda e começou a me bater sem
revolta estourou como um furacão.” piedade.”
2. “Meu balão inacabado se transformara 2. “Então ele começou a me bater na cara,
em tiras se rasgando.” nos olhos, no nariz e na boca. Sobretudo
3. “Assassino!... Mate de uma vez. A na boca...”
cadeia está aí para me vingar.” 3. “Eu jazia no chão sem quase poder abrir
os olhos e respirando com dificuldade.”
COMPAIXÃO DÓ/COMPAIXÃO
1. “Papai. Papai. Por amor de Deus, me 1.“Papai. Papai. Por amor de Deus, me bata,
bata, mas não bata mais nessa criança.” mas não bata mais nessa criança.”
2. “Glória não era de brincadeira e, quando 2.“Glória não era de brincadeira e, quando
viu que o sangue lavava minha cara, viu que o sangue lavava minha cara,
empurrou Totoca para o lado e nem se empurrou Totoca para o lado e nem se
124
importou que Jandira fosse mais velha, importou que Jandira fosse mais velha,
afastando-a com um safanão.” afastando-a com um safanão.”
3. “Um dia vocês matam essa criança e eu 3.“Um dia vocês matam essa criança e eu
quero ver! Vocês são uns monstros sem quero ver! Vocês são uns monstros sem
coração.” coração.”
ARREPENDIMENTO TRISTEZA
1. “Passava os dias sentado com o meu
1. “Ele jogou o cinto sobre a mesa e passou irmãozinho junto de Minguinho, sem
as mãos sobre o rosto. Chorava por ele vontade de conversar.”
e por mim.” 2. “E, completamente desamparados,
2. “Eu perdi a cabeça. Pensei que ele começamos a chorar juntos e baixinho.”
estava caçoando de mim. Fazendo 3. “Pobre Papai, devia ser triste saber que
pouco caso.” Mamãe trabalhava para ajudar a
sustentar a casa.”
AGRESSÃO CARINHO
1. “Ela apanhou a mão de couro sobre a 1. “Eu faço bem de leve, meu diabinho
cômoda e começou a me bater sem querido.”
piedade.” 2. “Depois que as coisas melhoraram, ela
2. “Então ele começou a me bater na cara, deitou-se ao meu lado e ficou alisando a
nos olhos, no nariz e na boca. Sobretudo minha cabeça.”
na boca...” 3. “Mamãe e Glória estavam à minha
3. “Eu jazia no chão sem quase poder abrir cabeceira e me diziam coisas
os olhos e respirando com dificuldade.” carinhosas.”
FIGURA 16 – VISUALIZAÇÃO 1
Transcrição:
Eu vejo:
o lugar a onde eles estão pescando
Eu escuto:
o mar o vento
Eu posso sentir:
o carinho na cabessa do Zéze
Eu cheiro:
o cheiro a onde eles estão
Eu posso saborear:
o salame o pão
FIGURA 17 – VISUALIZAÇÃO 2
Transcrição:
Eu vejo:
A GRANTE ARVORE RAINHA CARLOTA
Eu escuto:
O SOM DO RIO DOS PASSAROS
Eu posso sentir:
TRISTEZA AMOR E CARINHO
Eu cheiro:
O CHEIRO DOS LANBARIS
Eu posso saborear:
OS LANBARIS
Comentário final do leitor: EU GOSTE QUANDO O ZÉZE PEDIO PRO PORTUGA ADOTA-LÓ PARA
ELE NÃO APANHAR MAIS
FIGURA 18 – VISUALIZAÇÃO 3
Transcrição:
Eu vejo:
O Mangaratiba
Eu posso sentir:
A tristeza do Zezé ao dizer que queria morrer
Eu cheiro:
Peixe que eles pescaram
Eu posso saborear:
Peixe que eles pescaram
Comentário final do leitor: Capítulo muito emotivo, com um momento feliz para acompanhar o
sofrimento do Zezé
FIGURA 19 – VISUALIZAÇÃO 4
Transcrição:
Eu vejo: plantas, borboletas, céu azul, a grama verde, um lago com peixes, uma árvore bem grande.
Eu escuto: O barulho das folhas das árvores, o som dos pássaros cantando, e o som das águas do
lago
Eu cheiro:
O cheiro das folhas das árvores.
Eu posso saborear:
Amor, carinho
Comentário final do leitor: Zezé é uma pessoa meio carente meio “diabo”
L.V. mantém as relações com a natureza, tal como a maioria de seus colegas.
O que destaca em sua visualização é a significação que ela dá a saborear, não se
limitando ao sentido de “sentir o sabor de”, mas expandindo-o para seu sentido
figurado de “entregar-se com prazer a”. Tal fato demonstra o envolvimento da leitora
com as sensações despertadas pela narrativa.
130
FIGURA 20 – VISUALIZAÇÃO 5
Transcrição:
Eu vejo:
Um capinzal lindo
Eu escuto:
a correntesa suave
Eu posso sentir:
a brisa suave do ar de tristeza
Eu cheiro:
cheiro de mato
Eu posso saborear:
Sardinha e de salame
Comentário final do leitor: gosto muito do livro pois conta uma história que aconteceu e faz a gente
lembrar de quanto eramos pequenos
FIGURA 21 – VISUALIZAÇÃO 6
Transcrição:
FIGURA 22 – TEXTO DE N. O.
11
Transcrição:
Eu acho que o final no corta a “O meu Pé de Laranja Lima” e o Portuga e o pai do Zeze os dois fica
amigo e o Portuga ajuda o Pai do Zeze.
FIGURA 23 – TEXTO DE A. L.
Transcrição:
Eu acho que ele vai poder ficar com o Portuga em Bangu. E a história do meu pé de laranja lima, que
ele vai ter que sair de lá porque a prefeitura vai cortar a árvore dele eu acho que é mintira. E ele e o
Portuga vão viver juntos e talvez o dois vão para o Portugal.
FIGURA 24 – TEXTO DE V. C.
Transcrição:
Eles conseguirão impedir que cortem o Xururuca e o Zeze consegue ficar mais com o “Portuga”, mas
o ‘portuga’ vai para Portugal e Zeze fica triste e não fala mais com o Xururuca.
134
FIGURA 25 – TEXTO DE G. H.
Transcrição:
FIGURA 26 – TEXTO DE E. M.
Transcrição:
Eu como chateado estava, queria porque queria salvar o Xururuca, então no outro dia perguntei para o
portuga:
- Portuga como eu fasso para colocar uma planta em outro lugar?
- horas você coloca num vaso.
- Mais se a planta for grande?
- Bom dependendo do tamanho cabe num vaso.
Pensei e fui corendo para a casa do tio Edmundo, para ver-se ele tinha vaso e pá.
acontecimentos que causam comoção nos leitores e exigem um tempo maior para
vivenciar a experiência narrativa. No encerramento da leitura do “Último capítulo”,
houve silêncio total, olhares tristes, estudantes cabisbaixos e uma longa pausa. Olhei,
então, súplice aos estudantes esperando qualquer comentário. Até que um deles diz:
“Facada!”. Ao que muitos concordaram prontamente, acrescentando comentários
como: que triste! Chorei! Esperava um final feliz! Já um estudante, que já havia lido o
livro em outra ocasião, revelou seu contentamento: L. F. – Esse livro a gente não enjoa
de ler, né? É muito legal! Em contrapartida, C.B. demonstrou-se chateada ao dizer:
Final triste! Eu achei que terminaria numa ceia de Natal bem feliz, com todo mundo
junto! Ao que se seguiram outros comentários: C. V. – É... a gente se acostuma com
contos de fadas e espera um final feliz. Aí se depara com a realidade e é isso aqui...;
G. C. – Queria voltar no tempo para começar a ler esse livro de novo; R. F. – O Zezé
que escreveu a história é o José, né? K. K. – Tem continuação da história? Eu queria
ler mais... Você traz pra gente?
Percebi que houve um amadurecimento de postura de leitor desses
estudantes. O silêncio ao final, com as crianças procurando assimilar os fatos
narrados, demonstrou muita reflexão.
Uma das estudantes envolvidas comentou ao final da aula que gostaria que a
leitura estivesse sendo iniciada naquele momento, pois assim ainda teriam que
descobrir todas as aventuras e emoções suscitadas pela obra, que infelizmente já
tinha acabado.
Realizamos, ainda, algumas atividades pós-leitura, iniciando por uma
sugestão de Costa (2007, p. 136), o texto vazado. Para a sua realização, utilizei a letra
do samba enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel, RJ, do ano de 1970
que contemplava a história de O meu pé de laranja lima. A escolha deste tema para o
enredo de uma escola de samba reforça a popularidade da obra na época de sua
produção, bem como se relaciona com a audiência de sua adaptação para novela.
Elaborei, então, um cartaz (FIGURA 27) com a letra, tomando o cuidado de cobrir
algumas palavras, que foram confeccionadas também em pequenos papéis e
distribuídas aos estudantes organizados em duplas. Durante a leitura, a dupla que
tinha a palavra que julgava preencher o espaço deveria se manifestar e explicar a
relação feita para que aquela palavra seja adequada naquele contexto. No início,
houve muitas tentativas com poucos critérios, mas aos poucos, os próprios estudantes
foram percebendo o que seria mais adequado a uma situação ou outra, levantando,
137
inclusive, algumas hipóteses mesmo que não tivessem determinada palavra em mãos.
Ao final do preenchimento do texto, ouvimos o samba enredo e, em conversa,
procuramos relacionar a que momento da narrativa, cada verso poderia se relacionar.
Transcrição:
Meu Pé de Laranja Lima
Samba Enredo 1970 - G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel (RJ)
ATIVIDADE DE FECHAMENTO
do texto. O autor sugere cinco tipos de jogos: o jogo da oração; o jogo do não-leitor; o
jogo da responsabilidade; o jogo da associação de palavras e o jogo das perguntas.
No jogo da oração, propõe-se a divisão em equipes de três a cinco participantes e
cada grupo de estudantes lê um título diferente. Em seguida, a professora deve mediar
as conversas que devem ser conduzidas pelos próprios leitores por meio da
elaboração de perguntas gerais sobre o texto e, à medida que a discussão se
aprofunda, deve-se anotar as frases (orações) que resumem as principais ideias
discutidas. Na sequência, tais pensamentos devem ser compartilhados com as
demais equipes. Além do estímulo a uma leitura atenta da obra, essa prática contribui
para a formulação de orações capazes de sintetizar o conteúdo lido e provocar no
leitor a elaboração de argumentos para defender suas opiniões. Já no caso do jogo
do não-leitor, este, por não conhecer o livro em debate, tem maior liberdade na
formulação de questões e deve fazê-las de modo a descobrir detalhes sobre o enredo.
O jogo da responsabilidade oferece muitas possibilidades de realização, dentre elas,
Chambers apresenta uma alternativa que envolve preparação prévia dos leitores, que
podem selecionar um livro já lido por eles como indicação para estudantes de séries
inferiores, elaborando questões para conduzir a conversa pós-leitura. A proposição
acerca do jogo de associação de palavras está intimamente ligada à leitura de
poemas, sobretudo pelo uso de metáforas, ambiguidade e demais relações
semânticas decorrentes de escolha vocabular. Para o autor, “Ler é sempre uma
questão de encontrar padrões, encontrar conexões, manter a mente aberta a
diferentes possibilidades.”. (CHAMBERS, 2007b, p. 162, tradução minha.). Por fim, a
proposta do jogo das perguntas sugere a participação dos próprios leitores na
elaboração das questões para que os colegas respondam. Dessa forma, a atividade
se mostra indicada por garantir o envolvimento do estudante desde a leitura inicial,
passando pela criação de uma questão desafiadora, até o compartilhamento das
experiências leitoras.
A partir dessas contribuições, procurei diversificar o modelo das atividades
propostas para, além de diversificar as linguagens utilizadas, propiciar também o uso
de tecnologias. Ao transpor as atividades convencionais para formatos novos, como
jogos, os estudantes interessaram-se mais em deter atenção aos textos lidos para não
deixarem passar despercebidos certos detalhes das narrativas. A prática se efetivou
quando descobri um jogo em forma de quiz composto por três partes: um receptor de
rádio frequência, componente que recebe os sinais enviados pelos controles sem fio
140
e conecta-se com a aplicativo através da porta USB do computador; controles sem fio,
utilizados pelos participantes para escolher a resposta desejada de acordo com as
opções mostradas no aplicativo, ambos representados na FIGURA 28.
FIGURA 28 - EQUIPAMENTO
por meio de uma planilha do Excel que pode ser importada para a plataforma do
programa Quiz RF, sendo as questões compostas por quatro opções de respostas:
uma resposta correta e três falsas.
meu pé de laranja lima, fiz uso de pseudônimos escolhidos pelos próprios estudantes
a partir da seguinte comanda: “o que a leitura deste livro representou para você?”.
Como adquiri dez controles, somente dez alunos podem participar de cada vez,
fazendo-se o revezamento de grupos, sendo que aqueles que aguardavam sua
participação, ficavam em sala com a professora regente com outras atividades de
leitura sob orientação dela. O jogo permite limitar a quantidade de questões a serem
lançadas em cada partida e é viável que se nomeie cada uma delas para posterior
consulta, sendo possível emitir relatórios (FIGURA 31) ao final de cada partida para
averiguação de acertos de cada participante, o que fica em minha confidencialidade,
que confrontava as informações com meus registros pessoais para verificar o
progresso de cada estudante. Assim, é possível avaliar a participação dos estudantes,
o que souberam ou não responder e o que é necessário rever no processo de ensino-
aprendizagem e qual o nível de compreensão dos estudantes acerca dos textos
estudados.
A respeito da ação docente nesse tipo de atividades, Teruya afirma que
É claro que durante a realização das atividades foi possível averiguar maior
ou menor familiaridade dos estudantes com o recurso utilizado, valendo-se de
agilidade na resposta frente à pressão de um tempo pré-determinado. Houve
alterações durante o processo. O tempo de resposta, por exemplo, a princípio era
bastante curto (30 segundos), exigindo raciocínio rápido dos estudantes. À medida
que as perguntas foram adquirindo maior grau de complexidade, o tempo foi estendido
e a atividade adaptada para a realização em duplas ou trios, havendo tempo
necessário para que promovessem discussões e trocas de ideias antes de optarem
por uma das respostas. Alguns dos participantes relataram ainda que o jogo estimulou
maior atenção durante a leitura de textos por terem percebido que erraram as
respostas durante o jogo por não terem prestado muita atenção na leitura de
determinados trechos.
144
intenção dos estudantes era tão somente obter êxito no jogo (acertar as respostas),
os níveis de compreensão dos textos foram se intensificando e os alunos passaram a
dedicar mais atenção às leituras. Isso pôde ser comprovado pelo depoimento de
outros professores da escola, que comentaram que os alunos comentavam sobre o
jogo, pediam a eles que também adotassem essa prática e solicitavam momentos de
leitura nas outras disciplinas. Portanto, de início, houve mais envolvimento dos
estudantes nos momentos dedicados à leitura de textos literários e, paulatinamente,
os alunos passaram a compreender melhor, tanto o enredo e características mais
simples das obras, até o preenchimento de lacunas dos textos. Contudo, alguns
alunos visavam apenas obter bons resultados no jogo, sem relacioná-los ao
aprendizado obtido. Esse trabalho teve que ser desenvolvido continuamente, de forma
sistemática para que os estudantes não vinculassem o esforço em interpretar e
compreender bem os textos exclusivamente para que pudessem se sair bem no jogo.
Ainda assim, de modo geral, mesmo que inicialmente o maior interesse dos
estudantes fosse em acertar as respostas do game, a estratégia serviu para aproximar
o aluno-leitor dos textos literários, buscando entendê-los em todas as suas nuances.
Para avaliar a aprendizagem dos estudantes nos jogos, foram emitidos
relatórios de cada partida. Nesses relatórios, é possível verificar os acertos e erros de
cada estudante, observando o desempenho relativo a cada pergunta realizada, a
pontuação de cada jogador e a classificação final de acordo com a pontuação obtida.
As regras para pontuação podem ser modificadas pelo professor de acordo com sua
necessidade, dessa forma, optei pela seguinte configuração: 1 ponto para cada acerto
e 0 pontos para cada erro. A configuração de fábrica atribui 3 pontos para acerto e -1
para erro. Contudo, acredito que tal formatação dificulte a percepção dos estudantes
quanto a seu próprio desempenho.
Enfrentamos algumas dificuldades em relação à familiarização com a
tecnologia utilizada, tais como o manuseio dos controles e o tempo limitado para a
resposta de cada questão. Durante o processo, em conjunto, decidimos aumentar o
tempo para cada resposta para que os estudantes pudessem pensar um pouco mais
antes de responder, evitando assim, os “chutes” sem critérios.
Em busca de maiores possibilidades de acerto, os estudantes foram
desenvolvendo estratégias de eliminação de respostas, excluindo as menos
prováveis. Também começaram a prestar mais atenção às perguntas para procurar
respondê-las adequadamente. Com isso, os estudantes, aos poucos, passaram a
147
utilizar tal prática também nas demais atividades realizadas, inclusive nas avaliações
formais, o que contribuiu para melhor êxito em todas as áreas do conhecimento.
Outra dificuldade pela qual passamos, foi a adequação à programação para
utilização da sala de multimídia. Para que a atividade fosse melhor aproveitada, o jogo
deveria ser projetado no telão para que os alunos pudessem melhor visualizar as
perguntas e, também, para que mais participantes (ao limite de 10, pela quantidade
de controles remotos que foram adquiridos) pudessem fazer parte de cada partida.
Por esse motivo, em algumas situações, tivemos que utilizar o meu notebook
particular na própria sala de aula. Nesse caso, foi necessário limitar o número de
participantes para três, pois não seria possível que mais estudantes lessem as
perguntas na pequena tela. Além disso, somente os estudantes que estavam
participando da partida, com o controle em mãos, é que puderam visualizar a tela, não
sendo possível que os outros estudantes pudessem também ler as perguntas (como
plateia) e pensar sobre elas.
As vantagens de utilização desse jogo vão além dos relatórios emitidos com
mais facilidade, sendo um grande aliado do professor como ferramenta de avaliação.
É, também, uma forma de trazer um meio de aliar o uso da tecnologia à sala de aula,
mostrando aos estudantes que as práticas sociais estão presentes em todas as
esferas do conhecimento. Quando trouxe esse tipo de tecnologia para as aulas de
Literatura, percebi que o aluno pôde se sentir mais inserido no contexto de
aprendizagem.
148
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Vera Teixeira de. Leitura literária e escola. In: EVANGELISTA, Aracy;
ANDRÉ, Marli. Etnografia da prática escolar. Campinas, São Paulo: Papirus, 1995.
ARENA, Dagoberto Buim. Leitura no espaço da biblioteca escolar. In: SOUZA, Renata
Junqueira (Org.). Biblioteca escolar e práticas educativas: O mediador em
formação. Campinas: Mercado das Letras, 2009. P. 157-186.
BLOOM, Harold. Como e por que ler. São Paulo: Objetiva, 2001.
153
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
CECCANTINI, João Luís. Mentira que parece verdade: os jovens não leem e não
gostam de ler. In: FAILLA, Zoara (Org.). Retratos da leitura no Brasil 4. Rio de
Janeiro: Sextante, 2016. Disponível em:
http://prolivro.org.br/home/images/2016/RetratosDaLeitura2016_LIVRO_EM_PDF_FI
154
COLOMER, Teresa. Andar entre livros: a leitura literária na escola. São Paulo:
Global, 2007.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.
ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006.
FARIA, Maria Alice. Narrativas juvenis, modos de ler. São Paulo: Arte & Ciência/
Núcleo Editorial Proleitura, 1997.
GREGORIN Filho, José Nicolau. Literatura infantil e juvenil, cultura e ensino. In:
DEBUS, Eliane; JULIANO, Dilma Beatriz; BORTOLOTTO, Nelita (Orgs.). Literatura e
juvenil: do literário a outras manifestações estéticas. Tubarão: Copiart: Unisul, 2016.
p. 59-72.
JOUVE, Vincent. Por que estudar literatura? Tradução de Marcos Bagno e Marcos
Marcio-lino. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.
LIMA, Lílian Carvalho. O meu pé de laranja lima: uma história que resiste ao tempo.
86 f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação) – Universidade Estadual de
Campinas, Faculdade de Educação, 2008. Disponível em:
<https://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?down=000436418>. Acesso
em: 21 mar. 2018.
LORENZI, Gislaine Cristina Correr; PÁDUA, Tainá-Reká Wanderley de. Blog nos anos
iniciais do fundamental I: a reconstrução de sentido em um clássico infantil. In: ROJO,
Roxane Helena Rodrigues; MOURA, Eduardo (Orgs.). Multiletramentos na escola.
São Paulo: Parábola Editorial, 2012. p. 35-54.
SILVA, Ezequiel Theodoro da. O ato de ler – fundamentos psicológicos para uma
nova pedagogia da leitura. São Paulo: Cortez, 1981.
SILVA, Lílian Lopes Martins da; FERREIRA, Norma Sandra de Almeida; SCORSI,
Rosalia de Ângelo. Formar leitores: desafios da sala de aula e da biblioteca escolar.
In: SOUZA, Renata Junqueira (Org.). Biblioteca escolar e práticas educativas: O
mediador em formação. Campinas: Mercado das Letras, 2009.
ZILBERMAN, Regina. Como e por que ler a literatura infantil brasileira. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2005.
APÊNDICES
Título Autor
Da Editora Peirópolis:
Da Panda Books: