E-Book 2023 - A Pesquisa Jurídica Na Fronteira Da Paz-Final
E-Book 2023 - A Pesquisa Jurídica Na Fronteira Da Paz-Final
E-Book 2023 - A Pesquisa Jurídica Na Fronteira Da Paz-Final
Alessandra Marconatto
Anna Júlia S. Sperb
(ORGANIZADORES)
Autores:1
Poliana François Vasques
Daiane Ferreira da Silva
Micaele Mann Saldanha
Sara Chaga Benites Coelho
Maurício Felipe de Castro Batista Fernandes
Felippe Velasques Giriboni
Maria Fernanda Corrêa Freitas
Vivian Daiane Liforma Pintos
Santana do Livramento
2023
1
Os textos dos trabalhos são de inteira responsabilidade dos autores(as) que o assinam. Ao enviar os
artigos para submissão os autores(as) concederam autorização para a publicação do trabalho e cessão de
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Reitor
Prof. Dr. Roberlaine Ribeiro Jorge
Vice-Reitor
Prof. Dr. Marcus Vinicius Morini Querol
Pró-Reitor de Extensão e Cultura
Prof. Dr. Paulo Rodinei Soares Lopes
Diretor do Campus Santana do Livramento
Prof. Dr. Alexandre Vicentine Xavier
Coordenador Acadêmico do Campus Santana do Livramento
Prof. Dr. Fernando Pedro Meinero
Coordenador Administrativo do Campus Santana do Livramento
Prof. Dr. João Timóteo de los Santos
Coordenadora da Comissão Local de Extensão
Profa. Dra. Patrícia Eveline Roncato
Coordenador do Curso de Direito
Profa. Dra. Alessandra Marconatto
RESUMO
O presente trabalho tem como tema a exploração lícita e econômica da Reserva Legal
com atividade pastoril mediante manejo sustentável. Sabendo-se que o uso econômico
da Reserva Legal pode variar muito de acordo com o bioma em que está inserida, a
vegetação predominante e o recurso natural a ser explorado, foi necessária uma maior
delimitação do objeto da pesquisa. Assim, o objetivo deste trabalho foi avaliar a
possibilidade do uso lícito e econômico da Reserva Legal com atividade pastoril
sustentável no Bioma Pampa e para alcançar os objetivos propostos neste trabalho, foi
adotado o método dedutivo, partindo da análise geral da Reserva Legal, até chegar ao
seu uso no Bioma Pampa. Embora pertença à vertente técnico – jurídica, para alcançar
os objetivos, buscou-se o sentido, a interpretação e a aplicação da norma jurídica por
meio da avaliação de elementos técnicos, da geografia, da biologia e de matérias
correlatas ao bioma Pampa, sobretudo no âmbito do nosso estado do Rio Grande do Sul,
uma vez que é a única unidade da federação com tal bioma. Este trabalho está divido em
três capítulos, onde foram abordados a evolução da proteção do meio ambiente natural,
a natureza dos campos nativos do bioma Pampa e por fim o uso lícito da reserva legal
no bioma pampa com atividade pastoril. De modo geral, esta investigação partiu da
hipótese de que a atividade pastoril em campo nativo, praticada há séculos nos
ecossistemas campestres do bioma Pampa, é uma alternativa de utilização da Reserva
Legal que pode garantir sua conservação, se respeitada a capacidade de reprodução
natural da vegetação nativa. A discussão apresentada no decorrer da pesquisa confirmou
a hipótese inicial desse trabalho, de que é possível o uso lícito, sustentável e econômico
da atividade pastoril em área de Reserva Legal no Bioma Pampa. Foi possível concluir
que a correta interpretação e aplicação das leis de proteção ambiental no bioma Pampa e
o manejo adequado das atividades pecuárias são ações que, se realmente postas em
prática, poderão contribuir para a manutenção das áreas de campo nativo
remanescentes.
Palavras-chave: vegetação nativa; boas práticas de manejo; Reserva Legal; Bioma
Pampa.
2
Este capítulo é referente ao Trabalho de Conclusão do curso de Direito da Unipampa, campus Santana
do Livramento.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 13
ABSTRACT
The theme of this work is the licit and economic exploitation of the Legal Reserve with
pastoral activities through sustainable management. Knowing that the economic use of
the Legal Reserve can vary greatly according to the biome in which it is located, the
predominant vegetation and the natural resource to be explored, a greater delineation of
the research object was necessary. Therefore, an epistemological cut was made to
investigate, economic use of the Legal Reserve thought substantinable management
based on f the Brazilian and Rio Grande do Sul legal system. Specifically, the pastoral
activity in the Pampa Biome was considered although it belongs to encompassed in the
technical - legal arena, in order to achieve the objectives, the meaning, interpretation
and application of the legal norm were sought through the evaluation of technical
elements, geography, biology and related matters to the Pampa biome, especially within
the scope of our state of Rio Grande do Sul, since it is the only unit of the federation
with such biome. Thus, this work is divided into three chapters, where the evolution of
the protection of the natural environment, the nature of the native grasslands of the
Pampa biome and finally the licit use of the legal reserve with pastoral activity were
discussed. In general, this investigation started from the hypothesis that the pastoral
activity in native grasslands, practiced for centuries in grassland ecosystems of the
Pampa biome, it is an alternative to use the Legal Reserve that can guarantee its
conservation, if the natural reproduction capacity of native vegetation is respected. The
discussion presented in the course of the research confirmed the initial hypothesis of
this work, that the legal, sustainable and economic use of pastoral activity in a Legal
Reserve area in the Pampa Biome is possible. It was possible to conclude that the
correct interpretation and application of environmental protection laws in the Pampa
biome and the proper management of livestock activities are actions that, could
contribute to the maintenance of remaining native grassland areas.
Keywords: native vegetation; good management practices; Legal Reserve; Pampa
Biome.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 14
1 INTRODUÇÃO
dependendo da região onde a propriedade ou posse rural esteja situada: 80% nas áreas
florestais da Amazônia Legal; 35% nas áreas de Cerrado localizadas na Amazônia
Legal; e 20% nos campos gerais localizados na Amazônia Legal, bem como nas demais
regiões do País (BRASIL, 2012). Sabendo-se que o uso econômico da Reserva Legal
pode variar muito de acordo com o bioma em que está inserida a vegetação
predominante e o recurso natural a ser explorado, para este trabalho se fez um recorte
epistemológico a fim de investigar, à luz do ordenamento jurídico brasileiro e sul-rio-
grandense, o uso econômico da Reserva Legal, especificamente com a atividade pastoril
no Bioma Pampa, mediante manejo sustentável.
Esta delimitação tem sentido, uma vez que a Universidade Federal do Pampa
está inserida no bioma Pampa, onde a pecuária é uma atividade econômica tradicional.
Ademais, este tema está regulamentado, tanto em legislação Federal, quanto em lei
Estadual. Dessa forma, apesar do Código Florestal brasileiro (Lei nº 12.651/12) tratar
sobre o uso da Reserva Legal, o Estado do Rio Grande do Sul, exercendo a competência
legislativa concorrente, também regulamentou esta matéria na Lei Estadual nº 15434, de
09 de janeiro de 2020, conhecida como o novo Código Estadual de Meio Ambiente.
Com isso, considerando que o Código Florestal brasileiro admite a exploração
econômica da Reserva Legal mediante manejo sustentável e que o Código de Meio
Ambiente gaúcho prevê a atividade pastoril em Reserva Legal, desde que seja adotada
boas práticas ambientais e tenha inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), o tema
desta pesquisa consubstancia-se no uso lícito, econômico e sustentável da Reserva
Legal no bioma Pampa com atividade pastoril.
O objetivo deste trabalho foi avaliar a possibilidade do uso lícito e econômico da
Reserva Legal com atividade pastoril sustentável no Bioma Pampa e para alcançar este
objetivo foi adotado o método dedutivo, partindo da análise geral da Reserva Legal, até
chegar ao seu uso no Bioma Pampa. A pesquisa é aplicada, qualitativa, exploratória,
bibliográfica e documental. Portanto, são investigadas fontes secundárias, como
materiais já publicados, constituído principalmente de livros, artigos de periódicos,
dissertações e teses, bem como fontes primárias, ou seja, dados e informações que ainda
não foram tratados científica ou analiticamente, como os instrumentos legais que
regulam a matéria, tais como o Código Florestal brasileiro (Lei nº 12.651/12), o Código
de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (Lei nº 15.434/20), o Decreto Estadual
Gaúcho nº 52.431/2015, documentos públicos e decisões judiciais.
Esse trabalho teve um caráter multidisciplinar, e, embora pertença à vertente
técnico – jurídica, buscou o sentido, a interpretação e a aplicação da norma jurídica por
meio da avaliação de elementos técnicos, da geografia, da biologia e de matérias
correlatas ao bioma Pampa, sobretudo no âmbito do nosso estado. Ele foi divido em três
capítulos, onde foram abordados a evolução da proteção do meio ambiente natural, a
natureza dos campos nativos do bioma Pampa e por fim o uso lícito da reserva legal
com atividade pecuária no bioma pampa com atividade pastoril.
que possuem normas bastante restritas e são mais voltadas para a pesquisa e
conservação da biodiversidade.
As unidades de proteção integral são compostas pelas categorias de unidade de
conservações elencadas no artigo 8° da SNUC, sendo elas:
- Estação ecológica: regulada no art. 9°, tem por objetivo a preservação da natureza e a
realização de pesquisas científicas;
- Reserva Biológica: regulada no art. 10, destina-se à proteção integral da biota e demais
atributos existentes em seus limites, sem qualquer interferência humana ou modificação
ambiental, salvo a execução de medidas de recuperação dos ecossistemas;
- Parque Nacional: regulada no art. 11, busca proteger a preservação de ecossistemas
naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando pesquisas
científicas e interação acadêmica;
- Monumento Natural: regulado no art. 12, foi criado para preservar sítios naturais raros,
singulares ou de grande beleza cênica;
- Refúgio de vida silvestre: regulada no art. 13, destina-se à proteção de ambientes
naturais onde se possam assegurar condições de existência e de reprodução de espécies
residentes ou migratórias;
As unidades de uso sustentável, por sua vez, seguem-se no artigo 14 da Lei,
sendo elas:
- Área de proteção ambiental: regulada no art. 15, é uma área extensa, com certo grau de
ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais,
especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações
humanas. O objetivo maior é proteger a diversidade biológica.
- Área de relevante interesse ecológico: regulada no art. 16, é uma área, em geral, de
pequena extensão, com pouca ou nenhuma ocupação humana, com características
naturais extraordinárias ou que abriga exemplares raros da biota regional. O objetivo da
área é manter os ecossistemas naturais de importância regional ou local.
- Floresta Nacional: regulada no art. 17, é uma área com cobertura florestal de espécies
predominantemente nativas. A proteção da área objetiva o uso sustentável de recursos
naturais e pesquisa científica.
- Reserva extrativista: regulada no art. 18, consiste em uma área utilizada por
populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e na
agropecuária de subsistência. Diferente das outras espécies, essa visa a proteger os
meios de vida e cultura das populações, assegurando o uso sustentável dos recursos.
- Reserva de fauna: regulada no art. 19, trata-se de área natural com populações animais
de espécies nativas, residentes ou migratórias, adequada para estudos científicos.
- Reserva de Desenvolvimento sustentável: regulada no art. 20, é uma área natural que
abriga populações tradicionais cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de
exploração de recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às
condições ecológicas locais.
- Reserva particular do patrimônio natural: regulada no art. 21, por fim, objetiva
preservar a natureza ao mesmo tempo em que assegura condições de reprodução e
melhoria da manutenção da vida por meio de exploração dos recursos naturais das
populações tradicionais.
A maior contribuição ao meio ambiente trazida pelo artigo 225, § 1º, inciso III,
da Constituição não está explícita no texto, e sim no respaldo que ele dá aos demais
textos legais, já que grande parte das restrições específicas dos espaços territoriais
especialmente protegidos ao uso dos recursos naturais está na legislação esparsa.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 19
Este entendimento não é novo no Código Florestal, pois já havia sido previsto
nos Código anteriores e, muito antes, o próprio Regimento do Pau-Brasil (primeira Lei
acerca da exploração florestal no país), de 1605, já previa algo neste sentido. Assim, os
primeiros dispositivos voltados à proteção de áreas ou recursos em terras brasileiras têm
seu registro ainda no período colonial. O principal objetivo era a garantia do controle
sobre o manejo de determinados recursos, como a madeira ou a água, tal e qual já se
praticava em algumas partes da Europa. Desde o século XV, vários Estados europeus
intervinham diretamente na proteção, no controle e no acesso de recursos naturais como,
por exemplo, a madeira, esta última representando um importante recurso militar
(construção de embarcações) e econômico (construção de residências e combustível
para aquecer os palácios e castelos da nobreza). É o caso das ordenações reais francesas
de Jean Colbert, durante o reinado de Luis XIV, e das ordenações portuguesas de D.
Manuel I, conhecidas como "manuelinas", que incluíam vários dispositivos de proteção
das florestas e dos recursos hídricos que, mais tarde, foram também aplicados no Brasil
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 22
O Rio Grande do Sul integra dois biomas, Mata Atlântica e Pampa, que
apresentam singularidades relacionadas ao clima, solo, relevo e ecossistemas distintos,
com uma elevada biodiversidade nativa, permitindo o refúgio de inúmeras espécies
endêmicas de fauna e flora, incluindo espécies ameaçadas de extinção. O bioma Pampa
é caracterizado por um campo temperado, com grande riqueza de espécies nativas e
endêmicas, e também apresenta importante papel como produtor de alimentos,
contempla a metade sul do Estado. Delimitado à nível nacional ao Rio Grande do Sul,
ocupa aproximadamente 63% do território estadual, o que representa 2,07% do território
brasileiro (RENNER et al. 2019; LIMA et al. 2020), e é considerado o bioma menos
protegido do Brasil (LIMA et al. 2020). Os campos do Bioma Pampa estendem-se ao
sul e a oeste pela República Oriental do Uruguai e províncias argentinas de Corrientes,
Entre Rios, Santa Fé, Córdoba, Buenos Aires e La Pampa.
Proteger os recursos da natureza no mundo contemporânea tornou-se uma
realidade necessária e fundamental para a manutenção da vida em todas as suas formas,
sobretudo para a vida da espécie humana. Um dos desafios a serem concretizados
consiste em ampliar obviamente a maior proteção dos biomas brasileiros e sobretudo o
uso lícito, econômico e sustentável do ambiente natural, pois desta forma irão garantir a
manutenção da riqueza biológica que abriga o país.
Diante disso, no próximo capítulo será abordado sobre o bioma Pampa, a
natureza dos campos nativos no bioma Pampa, a classificação das suas áreas e as
questões jurídicas que envolvem a proteção e exploração do bioma Pampa.
de mais de 20 mil anos em que dominava esse campo por uma área que se estendia mais
ao norte do que vemos hoje. Nós não temos apenas um tipo de campo nas áreas de
altitude como também não temos apenas um tipo de campo no pampa. Visitando os
locais, veremos ambientes diferentes. Embora os botânicos concordem com as
denominações das florestas que margeiam o pampa, os tipos de vegetação campestre
são motivo de debate e nem sempre foram unanimidade (HASENACK, 2021)”.
Essa discussão em relação a origem das características do Bioma Pampa no
Brasil saiu da esfera ecológica e ganhou importância no mundo jurídico. As questões
jurídicas que envolvem a proteção e exploração do bioma Pampa se intensificaram com
ataques recentes às salvaguardas ambientais jurídicas, como ao Código Florestal de
2012 (CF, Lei nº 12.651/2012). O Código Florestal regulamenta em seu art. 1º a
proteção e uso de todas as formas de vegetação nativa, porém é omisso em relação à
proteção e regulação do uso sustentável das vegetações não-florestais, como os campos
do Pampa. O Código é falho ao não caracterizar as formas de exploração econômica
autorizadas em RL não florestais (Art. 20 a 24 do CF) e ao não estabelecer a
necessidade de instrumentos regulatórios específicos, negligenciando, por exemplo, a
importância do manejo pastoril para a manutenção da biodiversidade e modos de vida
tradicionais do Pampa. Também, o Novo Código atrela as punições à supressão
irregular da vegetação nativa ao termo desmatamento, o que gera uma sensação de que
eliminar a vegetação nativa não florestal, como o bioma pampa, seria lícito. Essa
expressão “florestal” fortalece a percepção errônea de que o código de 2012
regulamenta apenas a proteção das vegetações florestais, quando na realidade pretende
abarcar todas as vegetações nativas.
O professor Dr. Heinrich Hasenack comenta ainda na entrevista concedida
durante a conferência do IHU ideias, que no Rio Grande do Sul existe uma transição de
ambientes tropicais para ambientes temperados e, de norte para sul, existem espécies
que estão mais adaptadas a uma condição tropical e que vão diminuindo sua presença na
mesma medida em que se dirige para a região sul do RS. Assim, os campos que temos
hoje, são o resultado do processo de evolução ao longo do tempo e mostram que a
história da ocupação da vegetação do pampa é mais antiga que a história da vegetação
florestal. Os campos estão aqui não porque a floresta foi derrubada e eles sobraram. Os
campos são áreas remanescentes de um período seco e frio anterior que não permitiu o
desenvolvimento de florestas, mas de vegetação campestre. Essa vegetação foi se
modificando ao longo do tempo e algumas espécies conseguiram se adaptar a um clima
mais úmido e mais quente, outras desapareceram porque não toleraram os ambientes,
houve espécies que conseguiram migrar. Os animais, especialmente os herbívoros,
desenvolvem um papel importante para manter a grama do campo baixa, que contribui
para a manutenção da vegetação do pampa. Dessa forma, essas afirmações podem
ajudar a fundamentar as discussões sobre a classificação dos campos nativos como áreas
remanescentes de vegetação nativa ou áreas com ocupação antrópica.
Em estudos sobre conversão e fragmentação dos campos sulinos, foram
apresentados dados de que na primeira década do século XXI restavam apenas 43% do
que havia originalmente (VÉLEZ-MARTIN et al., 2015). O que tem causado essa
dramática perda de área de campo nativo é a conversão para áreas de agricultura
(principalmente lavouras de soja, milho e arroz) ou de silvicultura (eucaliptos, pinus e
acácia), causando assim, a supressão dos campos existentes pelo uso de máquinas para
lavrar a terra e o uso de herbicidas aplicados para matar a vegetação campestre para
implantar as lavouras. A conversão acelerada das áreas de campo nativo para lavouras
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 28
florestas, reconhecendo textualmente que essas, assim como “as demais formas de
vegetação nativa, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse
comum a todos os habitantes do País” (BRASIL, 2012a), verificam-se lacunas
importantes quanto à proteção jurídica de campos nativos, que não receberam
tratamento compatível com suas peculiaridades biológicas. Assim, a deficiência do
Código Florestal em proteger os campos nativos do Pampa demonstra a necessidade de
normas protetivas complementares, a nível estadual.
O Código Florestal Federal previu a obrigatoriedade de todos os proprietários e
possuidores de imóveis rurais inscreverem suas respectivas áreas no Cadastro
Ambiental Rural (CAR), o qual consiste em um registro eletrônico de abrangência
nacional de todos os imóveis rurais, com natureza autodeclaratória, onde constem as
áreas rurais consolidadas, as áreas de remanescentes de vegetação nativa, as áreas de
reserva legal e as áreas de preservação permanente conforme disposto no art. 29, Lei
12.651/12 (BRASIL, 2012a). Em junho de 2015, devido à necessidade de adequação
das propriedades rurais ao novo código florestal, bem como de valorizar e preservar o
pampa gaúcho (RIO GRANDE DO SUL, 2015), foi publicado o decreto nº 52.431 (RIO
GRANDE DO SUL, 2015). Apesar desse decreto buscar elucidar algumas questões
específicas do Bioma Pampa, trouxe questionamentos quanto à consideração de
supressão de vegetação nativa, entre outros.
Com o objetivo de buscar a discussão interinstitucional das questões trazidas
pela necessidade do cadastramento para o Bioma Pampa, foi realizada, em 15 de
setembro de 2015, uma oficina intitulada “Estratégias de recomposição do Bioma
Pampa para atendimento ao CAR (Cadastro Ambiental Rural) ”. Essa oficina está
inserida em um projeto nacional da Embrapa, intitulado “Soluções tecnológicas para a
adequação da paisagem rural ao Código Florestal Brasileiro” e contou com a
participação de 37 pessoas de 13 instituições, sendo elas: Embrapa Clima Temperado,
UFPEL, Associação dos usuários da água do Rio Santa Maria (AUSM), Fundação
Zoobotânica/RS, Embrapa Meio Ambiente, IFSul campus Centro Acadêmico Visconde
da Graça (CAVG), UFRGS, Centro de apoio à promoção da agroecologia
(Capa)/Pelotas, IF Farroupilha, Fepam, ICMBio, Uergs e SEMA/RS. Essa articulação
interinstitucional se propôs a trazer diferentes visões sobre as dificuldades enfrentadas
para atendimento ao disposto no CAR e no Decreto, bem como a identificação de
inconsistências verificadas para atendimento aos objetivos dessa legislação quando da
sua transposição para um bioma diferenciado como o Bioma Pampa. As boas práticas
ambientais, colocadas como condicionante para uso de APP ou Reserva Legal, ou áreas
com remanescente de vegetação nativa, também não apresentam o conceito e limites de
práticas aceitáveis, nem indicativo de instituições habilitadas para essa definição ou
necessidade de normas de órgãos ambientais para tanto. Nesse contexto, o atendimento
dos preceitos de conservação e preservação do Bioma Pampa foi questionado pelos
pesquisadores. A possibilidade de melhorias na conservação e preservação do Pampa,
através dos instrumentos colocados pelo decreto necessitava de conferência, já que a
situação é autodeclaratória. Dito isso, se, porventura, o produtor rural entender que o
pastoreio implicou em supressão de vegetação nativa, poderá abster-se de requerer
autorização para conversão do uso do solo em lavoura de soja, por exemplo, o que se
consubstancia em um grande erro interpretativo, que representa grave risco para a
biodiversidade existente nesses campos nativos, uma vez que o pastoreio do campo
nativo não leva à supressão dessa vegetação nativa, pois o gado ao pastorear apenas
consome a parte aérea das plantas.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 30
Assim, o Código Meio Ambiente gaúcho define em seu art. 2º, III, a área rural
consolidada por supressão de vegetação nativa com atividades agrossilvipastoris como
sendo a “ [...] área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de
2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste
último caso, a adoção do regime de pousio; [...]” (RIO GRANDE DO SUL, 2020). Tal
dispositivo dá margem ao entendimento que a atividade pastoril em campo nativo causa,
necessariamente, a supressão da vegetação nativa, o que não é verdade. Isto porque os
bovinos comem apenas a parte aérea da gramínea, não suprimindo a vegetação nativa,
uma vez que estes não possuem dentes incisivos, nem caninos no maxilar superior. Por
isso os bovinos, principal espécie animal que pasteja os campos pampeanos, têm hábitos
seletivos de pastejo. O animal procura pelas folhas mais novas e macias, que estão no
extrato superior, então movimenta o focinho e busca as folhas com a língua, com a qual
arranca e leva o capim para a boca. Além disso se houver um manejo do gado e das
pastagens ou não ocorrer superlotação das pastagens com excesso de animais, o pasto
não é degradado. Pesquisas têm demonstrado que técnicas simples como a adaptação do
número de cabeça por hectare de acordo com a capacidade de suporte e o diferimento de
campo nativo podem dar ótimos resultados para a pecuária, além de manterem a
florística campestre (OVERBECK et al., 2009, CASTILHOS et al., 2011).
Apesar de ser notório na comunidade científica das ciências agrárias que o
pastejo não leva a supressão do campo nativo, mas a seu uso racional, o CEMA, em seu
art.2º, VII considera as áreas de remanescente de vegetação nativa como aquelas “[...]
áreas cobertas por vegetação nativa dos tipos florestal, campestre, ou qualquer outra
fisionomia vegetal, sem ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008;”. Desta
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 31
grãos, ou silvicultura para obtenção de celulose é hoje uma das principais causas de
mudança do ecossistema” (OLIVEIRA, 2021).
Nesse sentido, diversos estudos apontam que a atividade pastoril é compatível
com a preservação do Bioma Pampa. Pillar e Lange (2015, p. 9), por exemplo, relatam
que “A vegetação campestre, com alta biodiversidade, há séculos tem sido utilizada
como pastagem para a produção pecuária na região Sul do Brasil. O uso pastoril dos
campos preserva a vegetação nativa e é essencial para manter as paisagens com muitas
espécies nativas de plantas e animais”. Assim, levando em conta que os remanescentes
de vegetação nativa campestre sustentam a atividade pecuária, pode-se dizer que o
futuro do campo nativo gaúcho depende desta atividade e que a combinação entre a
conservação e a produção econômica é uma vantagem competitiva para o bioma Pampa
na perspectiva do desenvolvimento sustentável.
Assumindo essa perspectiva, é importante ressaltar que as palavras
conservação e preservação têm sentidos distintos quando comparamos as formações
florestais e campestres. Ao conservar e/ou preservar uma floresta, muitas vezes, evitam-
se os distúrbios, inclusive com cercamento para evitar a entrada do gado. Por outro
lado, para a conservação dos campos é necessário que exista distúrbio, mas com regime
adequado, como por exemplo, o pastejo (FERREIRA, 2020). O uso dos campos para a
criação de gado tem sido uma das principais atividades econômicas do RS desde o
século XVII, e que manteve o campo nativo. De maneira geral, a pecuária é uma
atividade compatível com a conservação dos ecossistemas campestres, desde que com
carga animal adequada (NABINGER, 2009).
Nos primeiros anos de 2000 a área com floresta plantada (monoculturas) no
Pampa permaneceu na casa dos 150 mil hectares, iniciando um salto entre 2005 e 2006,
quando passou para a casa dos 175 mil hectares, chegando em 2018 a 456 mil hectares
(MAPBIOMAS, 2021). A silvicultura instaurada nos campos reduz a biodiversidade,
descaracteriza habitats para fauna, assola o banco de sementes e altera as taxas de
carbono assimiladas no solo, isto é, reduz o serviço ecossistêmico de grande relevância
exercido pelos campos (VERRASTRO, 2015). Além disso, as espécies de Pinus e
Acacia apresentam caráter invasor e estão se dispersando rapidamente para
além das áreas plantadas (GUADAGNIN, 2009). Monoculturas, de maneira geral,
reduzem a quantidade de mão de obra humana, colaborando com o êxodo rural e assim
criando não somente “desertos verdes”, mas também vazios demográficos.
Os impactos que as diferentes atividades econômicas, como monocultura,
silvicultura e a pecuária causam sobre o campo já é bastante conhecido pelos
pesquisadores. A grande questão em discussão nesta pesquisa é se a área rural com
atividade de pastoreio for considerada “consolidada” e não como “remanescente de
vegetação nativa”, quando da inscrição no CAR, o proprietário ou possuidor rural que
não havia averbado sua Reserva Legal até o dia 22 de julho de 2008, e se dedicava à
pecuária, ficará desobrigado de atender ao percentual de 20%, estabelecido no art. 12 da
Lei 12.651/12.
Como já mencionado neste capítulo, a ocupação humana nos campos nativos
do Bioma Pampa ocorre entre 300 e 400 anos, quando os colonizadores chegaram ao
Rio Grande do Sul e iniciaram a criação de gado. Ainda, as características atuais dos
campos nativos datam de muitos anos. Dessa forma, exigir de que não haja ocupação
antrópica para a caracterização dos “remanescentes de vegetação nativa” faria presumir
que todo o Bioma Pampa é antropizado e, portanto, uma grande área consolidada por
atividades pastoris. É tão lógico que o princípio fundamental da legislação ambiental é a
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 34
preservação do meio ambiente que essa linha de entendimento não merece ser
sustentada. O pastoreio é por definição uma atividade humana e assim caracteriza
‘ocupação antrópica’, mas não causa supressão da vegetação nativa. Dessa forma, tem
se que o objetivo da inclusão do conceito de área rural consolidada na Lei 12.651,
quanto ao requisito ‘ocupação antrópica preexistente’, é contemplar situações em que a
vegetação nativa foi suprimida no passado para uso alternativo do solo e o imóvel rural,
atualmente, não dispõe de áreas de vegetação nativa para atender aos requisitos da Lei,
o que não seria o caso das propriedades em que há a vegetação nativa com uso
sustentável das atividades pastoris.
Em um discurso alusivo à comemoração do Dia Nacional do Bioma Pampa,
comemorado em 17 de dezembro, o secretário Artur Lemos Júnior, lembrou que com a
publicação da Lei 15.434 “pela primeira vez a legislação regional conceituou o bioma
Pampa e reconheceu a necessidade de definir diretrizes para sua conservação e
utilização sustentável, direcionando as ações da Sema para valorizar e preservar a
diversidade biológica nele existente” (SEMA, 2020). A legislação criou novos
dispositivos relacionados ao bioma, apresentando também uma definição legal,
conforme artigo 2º, inciso XLIV: “bioma, que no Brasil ocorre exclusivamente no
Estado do Rio Grande do Sul, composto por formações campestres, arbóreo-arbustiva e
florestal, com predominância de campos nativos;” (RIO GRANDE DO SUL, 2020).
A área do Pampa agora tem seu manejo regulamentado no código, algumas
atividades ficaram dispensadas de autorização de órgãos estaduais para serem
realizadas. Em seu artigo 203, o Código delega para “regulamento específico” a
definição das características e os aspectos da conservação (RIO GRANDE DO SUL,
2020). Porém, mesmo com a necessidade de complementação normativa, a lei também
previu aspectos importantes para a garantia da proteção da vegetação local. Segundo o
Código de meio ambiente gaúcho, em seu Art. 218, caput e § 1º, para realizar supressão
de vegetação para uso alternativo do solo, tanto nas áreas rurais consolidadas por
supressão de vegetação nativa com atividades pastoris, quanto nas áreas de
remanescente de vegetação nativa, o empreendedor deverá possuir Cadastro Ambiental
Rural – CAR e autorização ambiental prévia do órgão estadual ambiental competente
(RIO GRANDE DO SUL, 2020).
Essa supressão da vegetação campestre do Pampa ainda carece, sob o ponto de
vista legal, de medidas de proteção semelhantes às florestais, uma vez que áreas bem
conservadas ou degradadas são tratadas da mesma forma, tendo ambas a supressão
autorizada se não estiver a mesma em área de Reserva Legal. Atualmente, o técnico
ambiental apenas verifica se existem espécies ameaçadas no pedido de conversão da
vegetação campestre, e, muitas vezes, este não tem conhecimento suficiente sobre o
tema nem parâmetros legais como base. É dever, principalmente dos Estados, legislar
mais especificamente sobre as formações ecológicas únicas do seu território, com a
finalidade de proteger de maneira adequada suas peculiaridades, como consta na
Constituição Federal.
Por outro lado, no artigo 219 são apresentadas atividades que, por sua natureza,
dispensam autorização do órgão ambiental para sua instalação, operação ou realização,
entre estas, destacam-se: a atividade pastoril, em sistema extensivo, sobre área de
remanescente de vegetação nativa ou área rural consolidada por supressão de vegetação
nativa com atividades pastoris, fora de Área de Preservação Permanente e de Reserva
Legal, desde que não envolva supressão de vegetação nativa para uso alternativo do
solo; e a atividade pastoril sobre área de remanescente de vegetação nativa ou área rural
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 35
razão pela qual ambos os aspectos devem ser observados na aplicação da legislação
ambiental.
A Reserva Legal, como visto no capítulo 2, é um imperativo decorrente de lei,
concernente na obrigação do proprietário ou possuidor rural em manter área no interior
de um imóvel rural com a função assecuratória de flora e fauna nativa, em que se
permite a sua utilização sustentável, auxilia na conservação e a reabilitação da
biodiversidade local. Nesse sentido, a Reserva Legal, pode ter destinação econômica,
mas está condicionada ao atendimento e observância de vários mecanismos de
fiscalização e controle exercidos pelas autoridades competentes em matéria ambiental.
Destaca-se que no Bioma Pampa, a Reserva Legal a ser mantida é de 20% (vinte por
cento), que geralmente é delimitada sob áreas de campo nativo. Assim, por previsão
legal, não é permitido a retirada da vegetação nativa, mas é admitido o uso sustentável,
como por exemplo da pecuária extensiva do RS que se desenvolve há séculos
conservando a vegetação do pampa (WIZNIEWSKY, C.R.F; FOLETTO, E.M., 2017, p.
14).
Dessa forma, diante da obrigatoriedade de demarcação da Reserva Legal é
relevante propor alternativas desmistificando os impactos negativos e demonstrando os
aspectos positivos, por meio de alternativas viáveis economicamente à manutenção das
propriedades e demonstrar ao produtor que existem atividades que geram renda e, ao
mesmo tempo, estejam de acordo com as leis ambientais contribuindo para a
preservação do meio ambiente.
A pecuária em campo nativo tem se mostrado uma possibilidade de aliar a
produção agropecuária com a conservação da biodiversidade, mas também com a
manutenção de importantes serviços ecossistêmicos fornecidos pelos campos. A
vegetação campestre apresenta uma alta diversidade de espécies e de ecossistemas e está
em plena harmonia com o ambiente, ou seja, é adaptada aos diferentes locais. As plantas
que ali habitam apresentam na sua fisiologia e morfologia características peculiares
capazes de suportar os estresses do ambiente (BOLDRINI, I.I., 2009, p.76). A pesar de
ter uma vegetação muito mais baixa e de estrutura aparentemente mais simples quando
comparado com uma floresta, os ecossistemas campestres do sul do Brasil possuem
níveis de biodiversidade comparáveis aos de grandes florestas (MENEZES, L.
S.; SILVEIRA, F. F.; OVERBECK, G. E., 2021).
A maior parte dos remanescentes dos Campos Sulinos está sob manejo pastoril e
muitas pesquisas comprovam que o partejo com o gado, quando bem manejado,
contribui para a conservação dos campos nativos (NABINGER, 2009). Por isso, pode-
se considerar que o gado doméstico - bovinos e ovinos - exercem com o pastejo a
desfolha, que reduz a competição por espécies de crescimento mais alto e assim permite
a manutenção da grande diversidade de plantas bem como a heterogeneidade do habitat
para muitos grupos de animais. Além disso, transporta sementes, contribuindo, desta
maneira, para a regeneração de populações de plantas. Em suma, é o gado que mantém
as principais características dos ecossistemas campestres e a sua biodiversidade
(MENEZES, L. S.; SILVEIRA, F. F.; OVERBECK, G. E., 2021). Em muitos lugares,
tem sido observado que, na ausência de perturbação periódica, os campos sofrem a
invasão e o adensamento de plantas lenhosas e tendem a ser substituídos por outros
tipos de vegetação (BUGALHO e ABREU, 2008).
A ausência de manejo nos campos resulta no aumento da biomassa das plantas
dominantes, principalmente das gramíneas mais altas, que acabam competindo com
espécies de crescimento próximo ao solo. Essas espécies terão maior dificuldade de
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 41
obter recursos, como água e nutrientes, e perderão espaço no ambiente para as robustas
touceiras. Além disso, terá acúmulo de biomassa seca, o que também contribui para a
perda de diversidade de plantas (MENEZES, L. S.; SILVEIRA, F. F.; OVERBECK, G.
E., 2021). Nos ecossistemas campestres da zona subtropical/temperada da América do
Sul, a exclusão dos herbívoros freqüentemente leva ao “engrossamento” dos campos
(aumento na cobertura de gramíneas cespitosas altas) e à redução da diversidade
florística em razão da dominância de algumas poucas espécies competitivamente
superiores que normalmente são controladas pelo pastejo (NABINGER, 2006;
OVERBECK et al. 2007). Portanto, realizar manejo algum não contribui para a
conservação dos campos nativos, já que as espécies típicas dos mesmos, plantas e
animais, não encontrarão mais um habitat adequado. Nos Campos Sulinos, o gado é um
aliado da conservação, desde que em carga animal adequada (MENEZES, L.
S.; SILVEIRA, F. F.; OVERBECK, G. E., 2021).
A Resolução CONSEMA nº 360/2017 que estabelece diretrizes ambientais para
a prática da atividade pastoril sustentável sobre remanescentes de vegetação nativa
campestre em Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal no Bioma Pampa,
traz que:
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERENCIAS
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PILLAR, Valério De Patta; LANGE, Omara (Ed.). Os campos do sul. Porto Alegre,RS:
Rede Campos Sulinos; UFRGS, 2015.
RESUMO
O presente trabalho tem como temática o panorama dos crimes ambientais ocorridos na
comarca de Uruguaiana e processados na Justiça Federal (TRF4) na segunda década do
século XXI, entre os anos de 2010 à 2021. O objetivo geral é analisar os crimes
ambientais ocorridos na comarca de Uruguaiana, verificando onde e quais os delitos
cometidos, de modo a definir quais os crimes ambientais mais recorrentes durante o
período delimitado. Para tanto, o método utilizado nesta pesquisa é o dedutivo,
iniciando pelo conceito de meio ambiente e direito ambiental, passando pela criação da
legislação sobre crimes ambientais, até chegar às decisões que mais ocorreram na
comarca de Uruguaiana na segunda década do século XXI. Do ponto de vista dos
procedimentos técnicos, foram realizadas pesquisas bibliográficas e documentais
relacionadas ao tema em questão. Na abordagem bibliográfica foram utilizados livros,
artigos científicos, publicações, que sustentou o embasamento teórico-jurídico. Na
pesquisa documental foram utilizadas fontes primárias, como as decisões do TRF4 e
documentos públicos que regulam a matéria. Deste modo, foram encontradas 55
decisões no âmbito da Justiça Federal de Uruguaiana entre os anos de 2010 a 2021. De
acordo com a pesquisa realizada, os crimes ambientais ocorreram em cerca de 74,55%
dos casos no município de Uruguaiana. No que tange aos crimes, 45,45% dizem
respeito a importação, armazenagem e transporte ilegal de agrotóxicos e 16,36 a pesca
ilegal às margens do rio Uruguai. E no que diz respeito às sanções aplicadas, a maioria é
pena restritiva de direitos e multa, ambas sanções são aplicadas em cerca de 27,27% das
decisões. Por conseguinte, a presente pesquisa demonstra que nos anos de 2010 a 2021,
os crimes ambientais que mais ocorreram em Uruguaiana são os que envolvem tráfico
de agrotóxicos e pesca ilegal as margens do rio Uruguai, o que se justifica em razão da
localização territorial do município.
Palavras-chave: meio ambiente; Direito Ambiental; Uruguaiana; crime ambiental.
3
Este capítulo é referente ao Trabalho de Conclusão do curso de Direito da Unipampa, campus Santana
do Livramento.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 58
ABSTRACT
The present work has as its theme the panorama of environmental crimes that occurred
in the region of Uruguaiana and processed in the Federal Court (TRF4) in the second
decade of the 21st century, between the years 2010 to 2021. The general objective is to
analyze the environmental crimes that occurred in the region of Uruguaiana, verifying
where and which crimes were committed, in order to define the most recurrent
environmental crimes during the delimited period. Therefore, the method used in this
research is deductive, starting with the concept of environment and environmental law,
passing through the creation of legislation on environmental crimes, until reaching the
decisions that most occurred in the region of Uruguaiana in the second decade of the
21st century.From the point of view of technical procedures, bibliographic and
documental research related to the topic in question was carried out. In the bibliographic
approach, books, scientific articles and publications were used, which supported the
theoretical and legal basis. In the documentary research, primary sources were used,
such as TRF4 decisions and public documents that regulate the matter. Thus, 55
decisions were found within the Federal Court of Uruguaiana between the years 2010 to
2021. According to the research carried out, environmental crimes occurred in about
74.55% of cases in the municipality of Uruguaiana. With regard to crimes, 45.45%
concern the illegal import, storage and transport of pesticides and 16.36 illegal fishing
on the banks of the Uruguay River. And with regard to sanctions applied, most are
penalties restricting rights and fines, both sanctions are applied in about 27.27% of
decisions. Therefore, the present research demonstrates that in the years 2010 to 2021,
the most common environmental crimes in Uruguaiana are those involving pesticide
trafficking and illegal fishing on the banks of the Uruguay River, which is justified by
the territorial location of the municipality.
1 INTRODUÇÃO
O desmatamento ilegal, assim como os demais crimes ambientais, são praticados por
agentes que em alguns casos não são devidamente punidos. Isto porque não são
identificados ou, quando são, a punição não tem a efetividade necessária, em função de
diversos fatores, como a morosidade da justiça, as baixas penas, as dificuldades em
responsabilizar a pessoa jurídica, entre outros. No caso da dificuldade de identificação,
isto ocorre em razão do anonimato do ato ilícito, o que dificulta a aplicação das sanções
previstas em lei.
Diante disso tudo, a fim de examinar o panorama dos crimes ambientais no município
de Uruguaiana, esta pesquisa visa analisar os crimes ambientais ocorridos na Comarca
de Uruguaiana e processados na Justiça Federal, desde o ano de 2010 até o ano de 2021,
em razão da insuficiência de registros na Justiça Estadual. Para tanto, o método adotado
nesta investigação é o dedutivo, partindo da análise geral do meio ambiente e de sua
jusfundamentalidade, passando para a legislação ambiental e a Lei de Crimes
Ambientais (lei nº 9.605/98) até chegar à análise específica dos crimes ambientais
ocorridos na Comarca de Uruguaiana no Estado do Rio Grande do Sul.
Para atender este desiderato, a estrutura deste trabalho consiste em apresentar a pesquisa
na introdução, para depois tratar sobre o meio ambiente como direito fundamental, na
sequência abordar a legislação ambiental e os crimes ambientais, para, por fim, analisar
os dados obtidos.
Neste sentido, esta pesquisa é aplicada, objetivando gerar conhecimentos para aplicação
em políticas criminais, além disso sua abordagem é qualitativa e exploratória. Do ponto
de vista dos procedimentos técnicos, esta pesquisa é bibliográfica e documental. Na
pesquisa bibliográfica são utilizados materiais já elaborados, constituído por livros
técnicos, artigos científicos, publicações e outros materiais informativos relacionados à
pesquisa.
No que tange a pesquisa documental, são utilizadas fontes primárias, ou seja, dados e
informações que ainda não foram tratados cientificamente ou analiticamente, como os
instrumentos legais que regulam a matéria, relatórios, documentos públicos e processos
de crimes ambientais que constam na Justiça Federal da 4ª Região, que ocorreram na
comarca de Uruguaiana.
No caso específico, é feita a pesquisa documental às decisões da Justiça Federal da 4ª
Região (TRF 4) nos processos de crimes ambientais que ocorreram na comarca de
Uruguaiana entre os anos de 2010 a 2021. Para tanto, no site de pesquisa de
jurisprudências do TRF4 – https://jurisprudencia.trf4.jus.br /pesquisa/pesquisa - é
realizada a busca com os seguintes parâmetros palavras da busca: crimes e ambientais e
Uruguaiana; período da pesquisa: entre 01 de janeiro de 2010 e 31 de dezembro de
2021; e filtro da pesquisa: acórdãos
Nesta pesquisa são encontradas 55 decisões envolvendo crimes ambientais na comarca
de Uruguaiana no período analisado. A hipótese da pesquisa é que os principais crimes
ambientais ocorridos na Comarca de Uruguaiana dizem respeito a importação,
armazenagem e transporte ilegal de agrotóxicos e a pesca ilegal, devido a localização do
município às margens do rio Uruguai, que faz fronteira com a Argentina.
Hipótese esta confirmada pelos dados, que demonstraram que a prática desses delitos, se
deram em mais de 74% na cidade de Uruguaiana. Sendo que, desses crimes, 45,45% são
referentes a importação, armazenagem e transporte ilegal de agrotóxicos e 16,36%
dizem respeito a pesca ilegal no rio Uruguai
Com isso, é possível evidenciar que o município se tornou uma porta de entrada para
agrotóxicos e substâncias perigosas, assim como também é um local propicio para o
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 61
crime de pesca ilegal e para outros crimes envolvendo áreas de preservação permanente
ao longo de cursos d`água, como a construção de obra de caráter potencialmente
poluidor em área de preservação permanente, em razão da sua localização geográfica,
que tem o rio Uruguai como fronteira com a Argentina.
Ainda, o meio ambiente não tange só a natureza, mas também sobre a atividade
humana e suas modificações produzidas pelo ser humano, no ambiente natural e meio
físico do qual vive. Portanto, o meio ambiente abrange diversos conceitos,
compreendendo o humano como parte do conjunto de relações econômicas, sociais e
políticas. (ANTUNES, 2021).
Neste sentido, Prado complementa que:
Além disso, sob um aspecto jurídico no que tange ao conceito de meio ambiente e sobre
o próprio ambiente, o autor Mukai (2016, p. 02) expõe sobre três formas em que
possivelmente possa ser divida a expressão “ambiente”, que parte da ideia de Giannini:
[...] a)o ambiente como modo de ser global da realidade natural, baseada num dado
equilíbrio dos seus elementos – equilíbrio ecológico, que se retém necessário e
indispensável em relação à fruição da parte do homem, em particular à saúde e ao bem-
estar físico; o ambiente como ponto de referência objetivo dos interesses e do direito
respeitante à repressão e prevenção de atividades humanas dirigidas a perturbar o
equilíbrio ecológico, convertendo-se o dano ao ambiente em dano do próprio homem;
b)o ambiente como uma ou mais zonas circunscritas do território, consideradas pelo seu
peculiar modo de ser e beleza, dignas de conservação em função do seu gozo estético,
da sua importância para a investigação científica, ou ainda pela sua relevância histórica:
isto é, o ambiente como soma de bens culturais, como ponto de referência objeto dos
interesses e do direito à cultura;
c)o ambiente como objeto de um dado território em relação aos empreendimentos
industriais, agrícolas e dos serviços: isto é, o ambiente como ponto de referência objeto
dos interesses e do Direito Urbanístico respeitantes ao território como espaço, no qual
se desenvolve a existência e a atividade do homem na sua dimensão social (GIANNINI,
1973, p. 15 apud MUKAI, 2016, p. 02).
diversificado que abrange diversas formas e conceitos, desde o conceito natural no que
tange a natureza, ao conceito humano e do conjunto de relações que estes dispõem ao
se tornarem conectados um com o outro.
O Direito Ambiental nasce com a função principal de organizar e gerenciar os atos da
vida humana com a natureza, a forma como a sociedade utiliza os recursos naturais.
Deste modo, estabelece e determina criteriosamente o que pode ou não ser apropriado
economicamente e ambientalmente, ao regularizar as atividades econômicas
(ANTUNES, 2021).
Neste sentido Antunes esclarece que:
O fato que se encontra à base do Direito Ambiental é a própria vida humana, que
necessita de recursos ambientais para a sua reprodução, a excessiva utilização dos
recursos naturais, o agravamento da poluição de origem industrial e tantas outras
mazelas causadas pelo crescimento econômico desordenado, que fizeram com que tal
realidade ganhasse uma repercussão extraordinária no mundo normativo do dever ser,
refletindo-se na norma elaborada com a necessidade de estabelecer novos comandos e
regras aptos a dar, de forma sistemática e orgânica, um novo e adequado tratamento ao
fenômeno da deterioração do meio ambiente. O valor que sustenta a norma ambiental é
o reflexo no mundo ético das preocupações com a própria necessidade de sobrevivência
do Ser Humano e da manutenção das qualidades de salubridade do meio ambiente, com
a conservação das espécies, a proteção das águas, do solo, das florestas, do ar e, enfim,
de tudo aquilo que é essencial para a vida, isto para não se falar da crescente valorização
da vida de animais selvagens e domésticos (ANTUNES, 2021, p. 02).
(i) direito ao meio ambiente, (ii) direito sobre o meio ambiente e (iii) direito do meio
ambiente. Tais vertentes existem, na medida em que o direito ao meio ambiente é um
direito humano fundamental que cumpre a função de integrar os direitos à saudável
qualidade de vida, ao desenvolvimento econômico e à proteção dos recursos naturais.
Mais do que um ramo autônomo do Direito, o Direito Ambiental é uma concepção de
aplicação da ordem jurídica que penetra, transversalmente, em todos os ramos do
Direito. O Direito Ambiental tem uma dimensão humana, uma dimensão ecológica e
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 64
Neste sentido, embora o direito ao meio ambiente “[...] não esteja disposto no Título II
da Carta Magna, que trata dos direitos e garantias fundamentais, este também é
considerado um direito fundamental, através da via interpretativa, justamente por ser
essencial à sadia qualidade de vida, e, portanto, imprescindível à vida digna.”
(MIRANDA; XAVIER, 2013, p. 13). Assim, “não é possível haver vida digna, sem
saúde; nem, tão pouco, saúde, sem meio ambiente ecologicamente equilibrado. Assim, a
saúde liga o bem ambiental aos direitos fundamentais, como característica de sua
natureza jurídica binária.” (MIRANDA; XAVIER, 2013, p. 09).
A doutrina lusitana, também aborda a jusfundamentalidade do direito ambiental, como
se constata na argumentação de Vasco Pereira da Silva (2000, p. 17), ao comentar que o
texto constitucional ligou a proteção ecológica à dignidade humana e “ao radicar a
protecção da ecologia na dignidade da pessoa humana, mediante a consagração de
direitos fundamentais, é devidamente reconhecida a dimensão ético jurídica das
questões ambientais”.
Ademais, afirmou que a opção adotada pelo legislador constituinte implicou no “[...]
afastamento de visões ambientalistas `totalitárias´, viradas para a proteção maximalista
do ambiente mesmo à custa do sacrifício de outros direitos fundamentais” (SILVA,
2000, p. 17). Por fim Vasco Pereira da Silva também relaciona os direitos fundamentais
ao meio ambiente, ao afirmar que “[...] verdes são também os direitos do Homem, pois
eles constituem o fundamento de uma protecção adequada e completa do ambiente,
respondendo aos `novos desafios´ [...] em busca da realização da dignidade da pessoa
humana” (SILVA, 2000, p. 22).
Por sua vez, José Joaquim Gomes Canotilho, também na doutrina portuguesa, reconhece
o direito ao ambiente como um direito fundamental, ao afirmar que “[...] o direito ao
ambiente será um direito subjectivo nos ordenamentos constitucionais da Espanha e de
Portugal.(CANOTILHO; LEITE, 2008, p.184-185).
A doutrina alemã afirma que o “[...] direito fundamental ao meio ambiente corresponde
mais àquilo que acima se denominou de direito fundamental completo” (ALEXY, 2008,
p.443):
Portanto, pode se dizer que o Direito Ambiental é uma norma que surge com a
finalidade de regulamentar as atividades humanas com a natureza, enquanto um direito
fundamental completo, de modo que determina restrições e também punições para
aqueles que agirem de forma indisciplinar ao que as normas ambientais estabelecem.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 65
Ainda que a sua base seja a própria vida humana, esta não se exime de consequências
devido a utilização excessiva ou irregular de recursos naturais.
Na esfera infraconstitucional, o marco legal de proteção ambiental se deu com a Lei nº
6.938/1981, pela qual foi instituída a Política Nacional do Meio Ambiente, que tem
como finalidade regulamentar e fiscalizar as atividades que envolvam o meio ambiente,
como por exemplo as atividades econômicas que utilizam recursos naturais. Deste
modo, a lei foi instaurada com o objetivo de preservar, melhorar e recuperar a natureza,
prezando pela qualidade ambiental.
A proteção ambiental na esfera penal brasileira encontra-se regulamentada pela Lei nº
9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre sanções no âmbito penal e
administrativo, para condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
A lei supracitada, prevê o que é considerado irregular e quais atos são criminosos contra
a flora e a fauna, além de crimes de caráter poluitivo contra o meio ambiente, meio
urbano e também contra patrimônio público e contra a administração ambiental. Sendo
assim, trata-se de uma fonte de caráter ambiental formal, que é a principal fonte do
Direito Ambiental.
Das fontes formais do direito ambiental estão a Constituição Federal de 1988, as
Convenções Internacionais, as Leis, as Normas Administrativas e as Jurisprudências. O
Direito Ambiental tem seus princípios implícitos na Constituição, sendo eles
positivados no texto legal.
Portanto, o meio ambiente se tornou um direito fundamental no Brasil com a
constitucionalização do direito humano ao meio ambiente, que emergiu no cenário
internacional a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e
Meio Ambiente Humano de 1972, em Estocolmo. Assim, a inserção do meio ambiente
ecologicamente equilibrado no art. 225, caput, da Carta Magna de 1988 foi o marco
para o Direito Ambiental brasileiro. Deste modo, o meio ambiente e o Direito
Ambiental são um conjunto tutelado juridicamente.
Ainda, segundo Celso Fiorillo (2021, p. 28) “o bem ambiental, fundamental, como
declara a Carta Constitucional, e porquanto vinculado a aspectos de evidente
importância à vida, merece tutela tanto do Poder Público como de toda a coletividade,
tutela essa consistente num dever, e não somente em mera norma moral de conduta”, ou
seja, não tange somente aos poderes protegerem o bem ambiental, mas a sociedade em
um todo deve preservar o ambiente natural.
Neste mesmo sentido, o direito ambiental detém de uma visão antropocêntrica, onde a
racionalidade cabe ao homem e também lhe cabe a preservação do ambiente em que
vive, sobrevive, ao utilizar dos bens naturais para sua própria sobrevivência. Sendo este
direito uma nova ciência, classificada como autônoma, por possuir seus próprios
princípios norteadores. (FIORILLO, 2021).
Assim, “[...] não é possível uma visão totalmente afastada do antropocentrismo, uma
vez que a tutela jurídica do meio ambiente é uma ação humana” (MIRANDA, 2016, p.
149). No entanto, o texto constitucional brasileiro adotou o antropocentrismo mitigado
intergeracional, que é fruto de um processo de mitigação do antropocentrismo puro.
Este processo surge “[...] pela cruel necessidade de sobrevivência do planeta, que sofre
com o aquecimento global, com a elevação dos níveis dos oceanos, com o aquecimento
do Atlântico, com os tsunamis, furacões e demais catástrofes ambientais”. (MIRANDA,
2009, p. 25).
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 66
Por conseguinte, Uruguaiana é a terceira maior cidade da região oeste do Rio Grande
do Sul em população e em área territorial, em razão da sua vasta extensão de terras;
Ainda, abriga o maior porto seco da América Latina. Sua zona urbana é interligada à
cidade argentina de Paso de Los Libres, que tem sua divisão através da Ponte
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 68
A Constituição Federal de 1988 trouxe ao Brasil a questão ambiental, com um texto que
prevê responsabilização para infrações de normas ambientais, no âmbito civil,
administrativo e penal. As consequências previstas no âmbito penal são em razão do
Direito Penal ser um dos ramos do Direito. (BRASIL, 1988).
No art. 225 do texto constitucional, este prevê que:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e
futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico
das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as
entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes
a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente
através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos
que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização
pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em
risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais
a crueldade.
VIII - manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis destinados ao consumo
final, na forma de lei complementar, a fim de assegurar-lhes tributação inferior à
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 69
Segundo o texto legislativo, as penas ainda podem ser de interdição temporária, onde o
agente fica proibido de receber incentivos fiscais ou quaisquer outros benefícios de
cunho fiscal. Além disso, dentre as penas ainda existe a possibilidade da suspensão das
atividades, prestação pecuniária e recolhimento domiciliar.
De acordo com o art. 14 da lei 9.605/98, são circunstâncias que atenuam a pena; o baixo
grau de escolaridade ou instrução do agente, arrependimento, ou comunicação prévia
pelo agente, além da colaboração com os agentes encarregados da vigilância e do
controle ambiental (BRASIL, 1988). Ainda, a lei estabelece circunstâncias que agravam
a pena em casos em que o crime é qualificado, ou seja, o crime foi cometido em
circunstâncias que o tornam mais grave, neste sentido o art. 15 dispõe que:
:
Art. 15 São circunstâncias que agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o
crime:
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 71
Do mesmo modo, os crimes previstos nesta Lei, tem a previsão de penas privativas de
liberdade não superior a três anos, reparação ambiental, além de multa seguindo os
critérios do Código Penal. A condição de penas aplicáveis isoladamente,
cumulativamente ou alternativamente, sendo elas multa, restritivas de direitos e
prestação de serviços à comunidade, e as penas restritivas para pessoas jurídicas são a
suspensão parcial ou total das atividades, interdição temporária de estabelecimento,
atividade ou obra.
Além disso, a pessoa jurídica nos termos do art. 23 da referida lei, pode ser condenada a
prestação de serviços à comunidade, custeando programas ou projetos ambientais,
realizando a manutenção de espaços públicos, executando obras para a recuperação de
áreas degradadas, e realizando contribuições a entidades de cunho ambiental e cultural.
A lei ainda estabelece que a pessoa jurídica que facilitar ou ocultar a prática de crime
definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será
considerado instrumento do crime, nos termos do art. 24 da Lei de Crimes
Ambientais.(BRASIL,1988).
A legislação ambiental tem a previsão de apreensão do produto e do instrumento de
infração, de forma administrativa ou de crime. A lei dispõe que ao ser verificada a
infração, os produtos, instrumentos e automóveis serão apreendidos. No que diz respeito
aos animais e demais apreensões na infração:
A partir do art. 29 ao art. 37 a lei dispõe sobre os crimes contra a fauna, sendo estes
contra animais, os animais silvestres, nativos ou em rota migratória, a caça, a pesca,
maus-tratos, dentre outras ações tipificadas contra a fauna:
Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos
ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade
competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
I - quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a
obtida;
II - quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;
III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou
depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou
em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de
criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da
autoridade competente.
§ 2º No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de
extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.
§ 3° São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas,
migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu
ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas
jurisdicionais brasileiras.
§ 4º A pena é aumentada de metade, se o crime é praticado:
I - contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local
da infração;
II - em período proibido à caça;
III - durante a noite;
IV - com abuso de licença;
V - em unidade de conservação;
VI - com emprego de métodos ou instrumentos capazes de provocar destruição em
massa.
§ 5º A pena é aumentada até o triplo, se o crime decorre do exercício de caça
profissional.
§ 6º As disposições deste artigo não se aplicam aos atos de pesca. (BRASIL, 1998).
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 73
No que se refere a pesca ilegal, a lei dispõe em seu art. 34 pena de “detenção de um ano
a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente”, para quem pesca em pesca
em período em que é proibida a pesca ou em locais interditados, pesca de espécies que
devem ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos permitidos, pesca de
quantidades superiores as permitidas, ou utilizando aparelhos, tecnicas, metodos ou
petrechos que são proibidos.(BRASIL, 1988).
Os crimes contra a flora, são os que causam danos à vegetação, conservação ambiental,
como incêndios e desmatamento, dentre outros que estão tipificados entre os art. 38 e
art. 53 da lei ambiental. Já do art. 54 ao art. 61 estão os crimes de poluição e outros
crimes ambientais, como a extração de recursos minerais. A extração de recursos
minerais está tipificada especificamente no art. 55, que diz que “executar pesquisa, lavra
ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão
ou licença, ou em desacordo com a obtida” (BRASIL, 1988).
O art. 54 da referida lei é o que tem a maior previsão de punição para crimes
ambientais, isto porque prevê uma pena de 1 a 5 anos em seu parágrafo 2º, neste sentido
o artigo prevê que:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam
resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a
destruição significativa da flora:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
§ 2º Se o crime:
I - tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;
II - causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos
habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;
III - causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público
de água de uma comunidade;
IV - dificultar ou impedir o uso público das praias;
V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos
ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou
regulamentos:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar,
quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco
de dano ambiental grave ou irreversível. (BRASIL, 1998).
a partir do art. 70 e se estendem até o art. 76, onde tipifica ações e atos e omissões de
cunho administrativo ambiental que violem as regras jurídicas, de uso, gozo, promoção,
proteção e recuperação do meio ambiente (BRASIL,1988).. Diante da exposição o
referido artigo:
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole
as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
§ 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar
processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema
Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização,
bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.
§ 2º Qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá dirigir representação às
autoridades relacionadas no parágrafo anterior, para efeito do exercício do seu poder de
polícia.
§ 3º A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a
promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena
de co-responsabilidade.
§ 4º As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio,
assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições desta
Lei. (BRASIL, 1998).
Por conseguinte, as penas previstas na Lei dos Crimes Ambientais são determinadas
conforme o teor de gravidade do ato praticado, os antecedentes do agente infrator e
também de acordo com a situação econômica. Ainda, de acordo com o exposto, é
possível entender que, dentre os crimes previstos na lei referida, os crimes de poluição
são os que preveem uma sanção maior com relação aos demais crimes ambientais.
De acordo com os dados apresentados na tabela 1, é possível indicar que nos anos de
2016, 2017, 2019, 2020 e 2021, houve uma crescente na tomada de decisões do
respectivo tribunal acerca de Crimes Ambientais que ocorreram, ou em Uruguaiana ou
na Comarca que esta abrange.
Ainda, ao analisar os dados dos 55 processos, é possível identificar que, a maioria dos
delitos ambientais ocorreram na cidade de Uruguaiana, em mais de 74% dos casos
encontrados. Logo, seguido por Alegrete com 3,64% e São Borja e Quaraí, com cerca
de 3,64% cada uma. Ainda, foram identificadas duas decisões pelo TRF4 sobre crimes
que ocorreram no estado de Santa Catarina e Minas Gerais, conforme consta na tabela
2.
ITAQUI 1 1,82%
MINAS GERAIS 1 1,82%
PELOTAS 1 1,82%
QUARAÍ 2 3,64%
SANTIAGO 1 1,82%
SÃO BORJA 2 3,64%
URUGUAIANA 41 74,55%
SANTA CATARINA 3 5,45%
Fonte: A autora, 2022
AMBIENTAL
art. 32 2 3,64%
CONTRA A FAUNA
art. 15 da Lei nº
CONTRABANDO DE 1 1,82%
7.802/89
AGROTÓXICOS
DANO À
art.325, §2º CP 1 1,82%
ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
DANO MORAL E
CF/88 1 1,82%
INDENIZAÇÃO
INFRAÇÃO
art. 70 1 1,82%
ADMINISTRATIVA
EXTRAÇÃO DE
RECURSOS MINERAIS
art. 54 e 55 1 1,82%
SEM AUTORIZAÇÃO
OU PERMISSÃO
IMPORTAÇÃO,
ARMAZENAGEM E
art. 56 25 45,45%
TRANSPORTE ILEGAL
DE AGROTÓXICOS
CONSTRUÇÃO DE
OBRA DE CARÁTER
POTENCIALMENTE
art. 60 6 10,91%
POLUIDOR EM ÁREA
DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTE
Ao analisar a tabela 3, é possível constatar que crimes com potencial poluidor foram
encontrados em 10% das 55 decisões, práticas como a supressão de vegetação nativa e
construção de obra de caráter potencialmente poluidor em área de preservação permanente
e destruição e dano florestal de potencial poluidor.
Ainda, o crime de importar, armazenar e transportar substâncias perigosas é tipificado no
art, 56 da Lei nº 9.605/98, prevê pena de reclusão de um a quatro anos e multa e em se
tratando de crime culposo a pena é de detenção de seis meses a um ano e multa. E o crime
de pesca ilegal está previsto no art. 34 da referida lei, que prevê pena de detenção de um a
três anos ou multa, ou ambas cumultivamente.
Ainda, os crimes contra a flora e contra a fauna correspondem a 3,64% das decisões,
ambos com dois casos, previstos nos art. 32 e art. 35 da lei de crimes ambientais, que prevê
penas de detenção de três meses a um ano e multa, e pena de reclusão de um a cinco anos
respectivamente.
Do crime contra a fauna:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,
domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal
vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos
alternativos.
§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste
artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorrer morte do animal. (BRASIL,
1998).
Ao analisar a tabela 3, é possível verificar que, um dos delitos que menos ocorreram
durante os anos de 2010 a 2021 foram os crimes contra a flora, no caso o corte de
árvores em floresta de preservação permanente, neste foi constatada apenas uma
decisão, cerca de 1,82% das 55 decisões encontradas.
Ainda, do total de decisões encontradas, três foram apreensão de veículo utilizado para
a prática do ato ilegal conforme previsto no art. 25 da lei de crimes ambientais:
Art. 25. Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos,
lavrando-se os respectivos autos.
§ 1o Os animais serão prioritariamente libertados em seu habitat ou, sendo tal medida
inviável ou não recomendável por questões sanitárias, entregues a jardins zoológicos,
fundações ou entidades assemelhadas, para guarda e cuidados sob a responsabilidade de
técnicos habilitados.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 80
Por fim, foi constatado que o crime de tráfico de drogas também aparece nos resultados
da pesquisa, o delito tem sua previsão legal na Lei nº 11.343/06, que trata sobre a
política pública sobre drogas. O crime contra a administração pública é previsto no art.
325, §2º do Código Penal de 1940, e o dano moral e indenizatório é encontrado nos
termos do Código Civil de 2002, ou seja, não configura crime ambiental.
Parágrafo único. As penas restritivas de direitos a que se refere este artigo terão a
mesma duração da pena privativa de liberdade substituída.
Art. 8º As penas restritivas de direito são:
I - prestação de serviços à comunidade;
II - interdição temporária de direitos;
III - suspensão parcial ou total de atividades;
IV - prestação pecuniária;
V - recolhimento domiciliar.
Em razão do art. 7º da referida lei, quando se trata de crime culposo ou pena privativa
de liberdade inferior a quatro anos, esta pode ser substituída por privativa de liberdade.
Deste modo, na maior parte destes casos, a pena privativa de liberdade foi substituída
por uma restritiva de direitos, onde o agente ficou condicionado à prestação de serviços
à comunidade, conforme o art. 9º da Lei de Crimes Ambientais.
Ao analisar a figura 5, é possível identificar que 27,27% das sanções são as penas
restritivas de direitos, seguida de aplicação de multa, também em 27,27% das sanções
aplicadas. As penas de multas foram aplicadas em casos como o da pesca ilegal,
infração administrativa, dano a administração pública e transporte ilegal de agrotóxicos.
A pena de multa é prevista na Lei nº 9.605/98, sanção que pode ser aplicada de forma
isolada, cumulativa ou alternativamente a pessoa física ou pessoa jurídica, de acordo
com o art. 3º e art. 21 da referida lei. A aplicação da multa nos casos foi cumulativa
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 82
Conforme dados da figura 5, a pena de reclusão foi aplicada em 10,91% das decisões,
ou seja, em 6 dos 55 casos encontrados na Justiça Federal. A pena de reclusão foi
aplicada em casos do art. 56 da Lei de Crimes Ambientais, em que ocorreu a importação
e transporte de combustível e agrotóxicos de origem estrangeira.
O art. 56 da Lei nº 9.605/98 dispõe que:
Ainda, de acordo com a figura 5, a pena de detenção foi a menos aplicada aos casos,
apenas duas decisões apresentaram a sanção, ou seja, presente em cerca de 3,64% dos
casos. A pena de detenção foi aplicada nos termos do art. 34 da Lei nº 9.605/98, que
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 83
dispõe sobre a pesca ilegal, mais especificamente nos casos do parágrafo único, incisos
I e II, que se refere, respectivamente, a pesca de espécies que devem ser preservadas ou
de espécimes em tamanhos inferiores ao permitido e pesca em quantidades superiores às
permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não
permitidos:
Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por
órgão competente:
Pena - detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas
cumulativamente.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:
I - pesca espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos
permitidos;
II - pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos,
petrechos, técnicas e métodos não permitidos [..]. (BRASIL,1998).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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Afonso da Silva, São Paulo: Malheiros, 2008.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2021. E-
Book.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito
constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 21. ed.
São Paulo: Saraiva Jur, 2021. E-Book.
MIRANDA, João Paulo Rocha de. A ética ambiental dos direitos humanos. JURIS:
Revista da Faculdade de Direito, Rio Grande, RS, v. 25, p. 141-164, 2016. Disponível
em: http://repositorio.furg.br/bitstream/handle/1/6890/5996-18244-1-
PB.pdf?sequence=1. Acesso em: 16 jul. 2022.
MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado. 10. ed. São Paulo: Forense, 2016.
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PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente. Crimes Ambientais: Lei 9.605/1998.
7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. E-Book.
EXTINÇÃO
PERIGOSA
RESUMO
ABSTRACT
The present research deals with the crime of psychological violence against women,
typified by the new Law 14.188 of July 28, 2021, which amended the Penal Code by
including article 147-B. More specifically, the evidential value of the victim's word
regarding this new criminal conduct will be observed. The objective of the work is to
verify what place the woman's word has assumed, in the evidential context, with regard
to the crime of psychological violence. Through bibliographic research based on theses,
scientific articles and other information in official organs sites, as well as, giving due
emphasis to the feminist critical criminology. Moreover, it was also done through the
inductive method, using the documental research, which made possible the analysis of
judicial appeals of the Court of Justice of the State of Rio Grande do Sul. Preliminarily,
general aspects about the theoretical and historical construction of gender were
analyzed, aiming to understand the role played by women in society. Entering the issue
of gender violence and tracing a path until what has been reached today, referring to
public policies that defend women's rights. Subsequently, the development of Criminal
Law and Criminal Procedural Law was verified, in view of the feminist critical
criminology, pointing out an analysis of the influence of patriarchy in the criminal
institute. Furthermore, the means of evidence admitted in this sphere were approached,
more specifically focusing on the word of the victim as a means of proof in crimes that
take place in an intimate and private environment. Finally, it was observed through
appeals from the TJRS, specific cases that involve the crime of psychological violence,
in this situation, aiming at the result of a qualitative research, expressions associated
with psychological violence and the word of the victim as a means of proof were
observed, so that one could understand in the procedural practice what place the word of
the woman has assumed in the evidential context. After the analysis of the appeals from
the TJRS, we can conclude through the data collected that the word of the woman has
assumed a prominent place as a means of proof regarding the crime of psychological
violence. In view of the fact that the criminal conduct is mostly practiced in the intimate
and private sphere, it is difficult for a third party to have seen and witness the act
committed.
1 INTRODUÇÃO
5
A tese de legítima defesa da honra é um recurso argumentativo, comumente utilizado pelos advogados
dos réus, principalmente em julgamentos referentes ao crime de feminicídio. Nesse sentido, através dessa
abordagem, o advogado pretende provar a inocência do réu, demonstrando que a conduta só foi
promovida devido a uma atitude anterior da vítima. Logo, subentende-se que o sujeito ativo só teria
cometido a prática delituosa para proteger a sua honra que teria sido abalada por uma conduta promovida
pela da vítima. Contudo, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, a partir da ADPF 779 a
tese foi considerada inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa
humana (ADPF 779 MC-Ref, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Plenário, julgado em 15/03/2021, DJe de
20/05/2021).
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 95
2021, que a conduta passou a ser vista como crime em espécie e, portanto, passou a
receber uma penalidade específica.
O crime de violência psicológica contra a mulher, assegurado no artigo 147-B
do Código Penal, tem como característica marcante o fato de que em grande medida
ocorre no âmbito doméstico. Desse modo, trata-se de uma conduta com singularidades
que devem ser observadas.
Dessa forma, surge o seguinte problema de pesquisa: qual o lugar da palavra da
mulher no contexto probatório no que se refere ao crime de violência psicológica? O
objetivo desta pesquisa é, portanto, verificar qual o lugar a palavra da mulher tem
assumido no contexto probatório, no que tange ao crime de violência psicológica.
A luz dessa perspectiva, elaborou-se a seguinte hipótese: as características do
crime de violência psicológica, em grande medida acontecem no âmbito íntimo e
privado. Desse modo, trata-se de uma conduta típica de difícil comprovação, nesse
sentido, é necessário a adaptação do sistema processual penal às particularidades desse
tipo penal. Portanto, a palavra da mulher no contexto probatório deve assumir um lugar
de maior relevância, para que possa alcançar um desfecho coerente na esfera processual.
Além disso, tendo em vista a estrutura histórica do processo penal, a partir da visão da
criminologia feminista, sabe-se que, desde seu âmago a estruturalização da esfera
processual deu-se através de um sistema patriarcal, no qual as mulheres ocupavam e
ocupam um lugar ínfimo, quando comparado aos homens. Logo, é perceptível que em
tipificações tão específicas, que são criadas com o objetivo de garantir direitos e
proteção para as mulheres, existe uma necessidade de adaptação de um sistema
processual, de certa forma ultrapassado, para que durante o procedimento processual
sejam respeitadas as particularidades desses crimes, buscando garantir que o direito seja
aplicado de forma coerente, demonstrando que na prática as garantias são eficazes para
as mulheres.
Para que a hipótese ora apresentada pudesse ser testada, o trabalho teve como
base a pesquisa bibliográfica, a qual ocorreu através de análises em livros, teses, artigos
científicos e demais informações em sites de órgãos oficiais. Desse modo,
possibilitando um estudo voltado ao sistema processual penal e seu funcionamento, com
ênfase a criminologia feminista. Outrossim, também foi realizada uma pesquisa, através
de dados coletados a partir de apelações judiciais do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul, objetivando o resultado de uma pesquisa qualitativa, foram
observadas expressões associadas a violência psicológica e a palavra da vítima como
meio de prova, estruturando-se o trabalho em três capítulos.
No primeiro capítulo, inicialmente, foram estabelecidos aspectos gerais sobre a
construção teórica e histórica de gênero, tendo como objetivo primordial realizar uma
análise crítica sobre o papel exercido pela mulher na sociedade. Desde a compreensão
do cerne que envolve a questão de gênero até a violência e ao que se foi alcançado até o
presente momento, referente às políticas públicas que defendem os direitos das
mulheres.
Por outro lado, o segundo capítulo é dedicado, em um primeiro momento, a
analisar a influência do patriarcado no instituto penal, com a formação do mandato da
masculinidade. Ademais, ainda que brevemente, abordou-se os meios de provas
admitidos no processo penal, mais especificamente observando como ocorre a produção
de provas em crimes que ocorrem em um ambiente íntimo e privado, onde geralmente
se perpetuam sem a presença de testemunhas.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 96
Nos dias atuais sabe-se que a mulher tem ocupado um lugar secundário na
estrutura social, consequência das construções sociais inerentes ao gênero feminino,
advindas de uma cultura patriarcal na qual o gênero masculino ocupa lugares
dominantes e o gênero feminino torna-se oprimido.
Em vista disso, percebe-se que para uma análise aprofundada sobre o papel da
mulher perante a sociedade se faz necessário compreender a construção teórica de
gênero, bem como, o contexto histórico que permeia essa temática.
Logo, este primeiro capítulo tem como objetivo realizar uma análise crítica
sobre o papel da mulher perante a sociedade. Desde a compreensão do cerne que
envolve a questão de gênero até a violência e ao que se foi alcançado até o presente
momento, no que diz respeito a políticas públicas que defendem os direitos das
mulheres. De modo que, será utilizado como base a teoria crítica feminista, através de
conceituações basilares.
Assim, entende-se que o ponto de partida para a análise crítica da divisão social
entre homens e mulheres perante a sociedade, deve surgir a partir da ideia de construção
social de gênero, pois mesmo quando fala-se da diferença através da percepção
biológica e de cunho científico, ainda sim depende, essencialmente, das qualidades que
em uma determinada cultura e sociedade são atribuídas aos dois gêneros e não o
contrário (BARATTA, 1999, p.21).
Além disso, através do entendimento de gênero ser uma construção social, torna-
se evidente que a distinção entre homens e mulheres não ocorre devido a fatores
biológicos, como por exemplo a reprodução ser uma característica feminina ou a força
física uma qualidade remetente ao masculino, a partir do estudo do gênero resta claro
que a subjugação feminina ocorre devido aos aspectos sociais. De modo que, o gênero
pode ser observado como uma imposição a um corpo sexuado (CAMPOS, 2020, p.
126).
Nesse sentido, conforme ensina (BARATTA, 1999), é possível compreender que
as pessoas do sexo feminino tornaram-se membros de um gênero subordinado, na
medida em que, em uma sociedade e cultura determinadas, a posse de certas qualidades
e o acesso a certos papéis vêm percebidos como naturalmente ligados somente a um
sexo biológico, e não a outro. Desse modo, esta conexão que é de cunho ideológico e
não natural entre os dois sexos, traz como consequência a repartição dos recursos e a
posição vantajosa de um dos dois gêneros.
Logo, quando fala-se nas problemáticas inerentes aos gêneros perante a
sociedade, colhe-se que o ideal seria uma desconstrução da conexão ideológica, a partir
de uma construção social de gênero, deixando de lado preliminarmente a busca por uma
repartição igualitária entre os dois sexos, devido ao fato da subordinação do gênero
feminino estar arraigado na base da estrutura social, sendo necessário desconstruir para
na sequência reconstruir de uma forma coerente e correta.
Ademais,por outro lado, conforme foi ensinado por Joan Scott, entende-se que
como forma primária de relações de poder, por sua vez, o gênero é um campo primário
no qual, ou mediante o qual, se articula o poder. Ou seja, o gênero tem sido uma forma
habitual de facilitar a significação do poder. O gênero se dissolve na conceitualização e
constituição do próprio poder (MENDES, 2017, p.83).
Portanto, Joan Scott revolucionou o próprio conceito de gênero, ao apresentar
uma de suas mais conhecidas e utilizadas definições. Segundo a historiadora, o gênero
seria tanto o elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas distinções que
diferenciam os sexos, como também, uma forma primária de relações significantes de
poder.
Posterior a compreensão da construção teórica de gênero, é de suma importância
compreender de que modo as mulheres garantiram seu espaço na sociedade, a partir do
contexto histórico. Nesse sentido, Michelle Perrot argumenta que a história das
mulheres é uma conquista recente:
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 98
Desse modo, Sant’anna e Silva (2016), assegura que foi neste contexto
envolvendo os encontros entre política e academia que ocorreram as primeiras incursões
históricas da História das mulheres em meio a História social:
Neste momento, a perspectiva acadêmica foi a de suprir a
lacuna na “História Geral”, a História do homem e para o
homem, ao dar visibilidade para as mulheres “na
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 99
Logo, consoante ao que explica Michelle Perrot (2008), pode-se concluir que o fator
decisivo para que ocorresse a inclusão da história das mulheres na história social,
desenvolveu-se a partir dos movimentos das mulheres. Na França esse movimento se
desenvolveu através da fundação do Mouvement de Libération des Femmes (MLF).
Portanto, ao invés de “inscrever” as mulheres em uma história totalizante e pré-
construída do masculino, entende-se que melhor caminho foi a “desconstrução da
história geral” e “reconstrução de novas narrativas”, marcadas, sobretudo pela
emergência do pós-modernismo, pela “virada linguística” e pelos desafios do
feminismo, os quais remodelaram a forma de se pensar a construção de uma história
cujo sujeitos são mulheres e homens. Foi a partir desse movimento de desconstruir que
tornou-se possível preterir o mecanismo impositivo da linguagem patriarcal, de modo a
construir o lugar do feminino na experiência histórica (Sant’anna e Silva, 2016, p.15).
6
“A historia del estado es la historia del patriarcado y el ADN del estado es patriarcal”
7
“Porque la masculinidad, a diferencia de la feminidad, es un status, una jerarquia de prestigio, se
adquirie como un título y se debe renovar y comprobar su vigencia como tal”.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 100
Dessa maneira, consta como um marco importante no que tange os direitos das
mulheres, a Revolução Francesa, pois entende-se que foi a partir do ano de 1789 que os
primeiros fundamentos dos direitos das mulheres surgiram, devido ao fato da
insatisfação das mulheres em relação a falta de acesso aos direitos básicos (TEDESCHI,
2012, p.101).
[...] o feminismo reivindicou desde a Revolução Francesa
uma “igualdade de direitos”, tal como a prometia a forma
universal da economia monetária moderna. Desse ponto
de vista, a redução masculina do lema “liberdade,
igualdade, fraternidade” era um puro arbítrio da
dominação masculina herdada do passado, devendo ser
ampliada para abarcar não só uma fraternidade entre
“irmãos”, mas também entre “irmãs” (TEDESCHI, 2012,
p.101).
Nas últimas décadas, as mais diversas vertentes feministas passaram a
contemplar e problematizar o direito. Nesse sentido, observa-se que os primeiros relatos
sobre os estudos feministas no direito foram feitos nos Estados Unidos, lugar no qual a
academia jurídica norte-americana propiciava como objetivo subsidiar os debates sobre
reformas legais, se concentrando também em temáticas jurídicas específicas, como
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 103
8
La Mujer Ante El Derecho Penal
9
¿Deben exigirse los mismos derechos y ser tratadas iguales que los hombres (política de la igualdad) o
debe precisamente existir un reconocimiento de la diferencia (política de la diferencia)?”
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 104
o homicídio como crime passional também recebe ênfase, sendo criticado pelas autoras,
especialmente pelo uso da tese de legítima defesa da honra (SEVERI e CAMPOS, 2019,
p.9).
Foram a partir dos movimentos feministas, que se tornou possível a
disseminação desses novos ideais, os quais representavam lutas sociais que objetivavam
a redemocratização do país. Severi e Campos (2019), contextualizam que nesse cenário
de debate pelas liberdades democráticas, as feministas criaram jornais para divulgar
suas ideias, em São Paulo, constam dois importantes jornais Brasil Mulher e o Nós
mulheres, os quais divulgavam uma nova concepção política, voltada para temáticas
como amor, sexo, dor, frustrações, maternidade, reprodução, creches, saúde, buscando
tornar político o que anteriormente eram apenas relações pessoais.
Não obstante, Carol Smart, umas das autoras que estuda sobre a temática desde
os anos de 1970, esclarece que o ingresso das feministas no campo do direito tem
servido para desenvolver um conjunto muito amplo de teorias sociojurídicas e para
ampliar o número de advogadas e profissionais na área, convertendo o direito em “lugar
de luta, ao invés de um instrumento de luta” (SEVERI, 2017, p.51).
Logo, Severi (2017), observa a influência dos ensinamentos de Smart, inclusive
na América Latina, do seguinte modo:
Além disso, Severi e Campos (2019), asseguram que até meados dos anos 2000
a produção no meio jurídico acadêmico foi ínfima, no entanto, mais recentemente, essa
temática tem ganhado imensa visibilidade, impactando diretamente no meio jurídico.
Outrossim, ainda pode ser acrescentado que a produção teórica feminista, contribuiu
memoravelmente para o desenvolvimento de estratégias e criação de novos contornos
jurídicos, no que se refere a violência contra a mulher.
Portanto, compreende-se que foram a partir de conquistas como essas em
conjunto a grandes produções bibliográficas na área do direito relacionadas aos ideais
feministas, que atualmente as mulheres podem ocupar cargos superiores na esfera
jurídica. Entretanto, entende-se que ainda não pode-se falar em um ambiente de
igualdade, nesta área, visto os relatos que ainda existem de assédio, diferenças salariais,
é nítido que a discriminação continua existindo, resultando assim, em um longo
caminho que ainda necessita ser trilhado.
Contudo, sabe-se que esta conquista é recente, historicamente tem-se que foi a
partir da fundação da Organização das Nações Unidas, no ano de 1945, que de uma
forma inicial, os direitos das mulheres passaram a ser reconhecidos. Após a Segunda
Guerra Mundial, a ONU elaborou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com
base no princípio da igualdade, tinha como objetivo proteger a dignidade de todos
(MARTINS,2018, p.5).
A partir deste momento, as necessidades das categorias mais vulneráveis, como
as mulheres, passaram a ser mais expostas. No ano de 1975, a ONU organizou a 1ª
Conferência Mundial Sobre a Mulher, a partir da criação deste primeiro instrumento
ficou clara a necessidade da criação de projetos que assegurassem os direitos das
mulheres em nível internacional (BARROSO, 1989, p.185)
Mas foi só nos anos 70 que as mudanças nas condições
sociais em todo o mundo levaram os órgãos da ONU a
uma definição mais ampla dos direitos da mulher e a
tentativa de traduzir os princípios em políticas. Nas
décadas anteriores a “igualdade” significara
principalmente direitos políticos e civis; nos anos 70
reconheceu-se o papel econômico da mulher e
questionou-se a divisão sexual do trabalho; a preocupação
anterior com igualdade legal cedeu lugar a uma nova
senha: a integração da mulher ao processo de
desenvolvimento (BARROSO, 1989, p.185).
Em vista disso, Prá e Epping (2012), asseveram que no ano de 1979 foi criada a
Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Contras as
Mulheres (CEDAW). O documento tinha como objetivo geral o enfrentamento da
desigualdade de gênero e as práticas discriminatórias contra as mulheres, definindo que:
[...] “discriminação contra a mulher” signficará toda a
distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que
tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o
reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher,
independentemente de seu estado civil, sobre a base na
igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e
das liberdades fundamentais das esferas política,
econômica, social, cultural e civil ou em qualquer outra
esfera (CEDAW, 1999, Art.1°).
Além disso, ainda nesse sentido, a Lei Maria da Penha conceitua como violência
doméstica:
tanto que foi considerado pela Organização das Nações Unidas, o quinto maior do
mundo, referente às taxas de assassinatos (JUNG e CAMPOS, 2019, p.8).
Em vista disso, no ano de 2015 a partir da entrada em vigor da Lei 13.104, o
Código Penal foi alterado, passando a ser incluída mais uma qualificadora no crime de
homicídio (artigo 121). A nova qualificadora, intitulada como feminicídio, também
passou a fazer parte do rol dos crimes hediondos10. O intuito desta nova garantia, seria
coibir e diminuir os índices de feminicídio no país, garantindo que essa expressão da
violência de gênero fosse combatida.
10
Para Monteiro (2002), hediondo é aquele que manifesta extrema abjeção ou depravação nos seus atos;
que inspira pelos seus vícios ou crimes repulsa e horror.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 110
Em vista disso, Vieira (2021), explica que a conduta perseguir tem uma
conotação ampla, de modo que que pode ser entendida como importunar, transtornar,
provocar incômodo e tormento que atinja a vítima de três formas: a) ameaçando a
integridade física ou psicológica; b) restringindo a capacidade de locomoção; c)
invadindo ou perturbando a esfera de liberdade ou privacidade.
Por fim, desde os projetos primordiais, a violência psicológica contra a mulher
consta como um dos possíveis modos pelo qual a violência contra o gênero feminino
pode ocorrer. Severi (2017), explica que a violência psicológica representa qualquer
conduta que cause a mulher:
compreende-se que o sujeito ativo nesta conduta poderá ser qualquer pessoa, por outro
lado, o sujeito passivo deverá ser a mulher que teve a saúde afetada. A consumação do
fato delituoso ocorrerá com a provocação do dano emocional, desde que presentes os
demais requisitos do tipo penal, por tratar-se de crime material, deve haver efetiva
comprovação de dano emocional considerável no caso concreto. Necessária, por óbvio,
a existência de nexo causal entre a conduta e o resultado, sendo possível a tentativa, em
tese.
Portanto, entende-se que essas Convenções e Legislações, representam
simbolicamente as conquistas das mulheres na luta contra a discriminação e a violência
de gênero. Ademais, mais do que uma conquista, essas normativas garantem às
mulheres uma vida digna, tendo como objetivo principal, tornar o passado de
impunidade e opressão, uma realidade cada vez mais distante.
Conforme assegurado por Bueno (2011), o local assumido pela mulher na esfera
penal reflete a existência de diversas forças complexas e restritivas que buscam limitar
suas condutas às colocando em um espaço próprio diverso dos homens. A primeira
dessas forças consiste no controle doméstico, o qual se verifica desde cedo, seja na
diferença de educação concedida, ou até mesmo no controle mais rígido no tocante aos
horários, atividades, companhias e experiências sexuais. Posteriormente, já na fase
adulta, a mulher passa a experimentar o controle exercido pelo marido, onde é privada
da independência econômica e continua sendo privada de sua liberdade individual.
Além do controle doméstico, as mulheres são limitadas no ambiente laboral, visto que
enfrentam maior dificuldade para obter vagas e quando conseguem recebem salários
mais baixos que os dos homens, enfrentando de certa forma uma dupla jornada de
trabalho, também pelo trabalho doméstico.
Conseguinte, ainda é relevante analisar o discurso médico referente a imagem da
mulher, através dessa percepção a mulher foi limitada ao estudo da anatomia feminina,
a qual serviu somente para o desprezo, reafirmando a ideia expressa pelos teólogos, de
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 114
Dessa maneira, foi só a partir dos anos setenta que a posição desigual da mulher
no direito penal passou a ser uma questão relevante. Nesse sentido, a partir do foco
nesta temática, em poucos anos as criminologistas feministas produziram vastas obras
literárias, direcionando o estudo criminológico para a análise e desenvolvimento da
vitimologia. Através do foco nesta temática, a falta de proteção das mulheres dentro do
sistema de justiça penal frente à violência masculina, as baixas taxas de incriminação
feminina, bem como suas formas específicas de criminalidade, conseguiram destacar-se
da marginalidade acadêmica (CAMPOS, 2020, p.19).
O objetivo primordial da criminologia feminista estava pautada na necessidade
de uma constituição que consagrasse a igualdade formal entre homens e mulheres, de
modo que as mudanças ocorressem através do direito.
11
Contra-Pedagogías de la crueldad
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 115
De acordo com o exposto por Martins e Gauer (2020), a criminologia pode ser
compreendida como o conjunto de conhecimentos de diversas áreas do saber, aplicados
à análise e crítica do exercício do poder punitivo. Nesse contexto, a criminologia crítica
feminista surge com o objetivo de unir seus saberes como elemento central para
identificar as nuances do que pode ser reconhecido no Brasil como criminologia
feminista.
Nesse contexto, o poder punitivo passa a ser reconhecido sob uma percepção de
que não será simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas
aquilo pelo que se luta, poder do qual querem se apoderar. Logo, tem-se que é através
da cooptação das mulheres como duplamente criminosas, ou seja, sempre na dupla
exceção, que o direito penal sustenta sua ordem patriarcal, seja operando sobre o
feminino sua perpetuação como vítima, suplicante de amparo, ou ainda, como
transgressora, fora da lei masculina e das expectativas de gênero (MARTINS e
GAUER, 2020, p.6).
Nesse sentido, Nucci (2020), insere o termo corpo de delito em sua abordagem
teórica, fundamentando que o corpo de delito representa a existência da materialidade
do crime. A partir do exame de corpo de delito é possível realizar a verificação da prova
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 119
da existência do crime, que será feito por peritos, diretamente, ou por intermédio de
outras evidências caso os vestígios materiais possam desaparecer. Destarte,
compreende-se que o exame de corpo de delito é a mais importante das perícias,
consiste no ato de examinar tecnicamente a coisa ou pessoa que constitui a própria
materialidade do crime. No caso do homicídio o cadáver que comprova a materialidade;
no caso de lesão corporal as lesões deixadas no corpo da vítima e assim por diante
(LOPES, 2020, p.685).
Outro meio de prova assegurado no código processual penal é o interrogatório, o
qual somente será realizado após a apresentação escrita da defesa e na audiência una de
instrução, após todos os outros procedimentos probatórios serem realizados e
apresentados perante o juízo (PACELLI, 2020, 477). Outrossim, assevera Lopes (2020),
que o interrogatório é o momento em que será exercida a defesa pessoal, logo o
indivíduo poderá apresentar uma manifestação positiva, ou seja, falar perante ao juízo
ou negativa, mantendo-se em silêncio sem que isso possa prejudicá-lo posteriormente.
Ademais, a confissão também é considerada um meio de prova, importante
salientar que conforme o exposto por Lopes (2020), a própria confissão não constitui
prova plena de sua culpabilidade. Visto que todas as provas são relativas, por isso,
nenhuma delas terá um valor decisivo ou necessariamente maior prestígio que outra.
A confissão deve ser analisada no contexto probatório,
não de forma isolada, mas sim em conjunto com a prova
colhida, de modo que, sozinha, não justifica um juízo
condenatório 460 , mas, por outro lado, quando situada na
mesma linha da prova produzida, em conformidade e
harmonia, poderá ser valorada pelo juiz na sentença
(LOPES, 2020, p.724).
Por fim, a prova testemunhal é considerada como o meio de prova mais utilizado
no processo penal, nesse contexto, uma pessoa declara ter tomado conhecimento de
algo, podendo confirmar a veracidade do fato ocorrido, agindo sob o compromisso de
ser imparcial e dizer a verdade. Sob a percepção de Oliveira e Silva, não se pretende que
a testemunha reproduza os fatos mecanicamente, o que não se pode perdoar é exagerar
cientemente a situação, aumentando assim a responsabilidade para o autor (NUCCI,
2020, p.789).
psicológica, para que se possa compreender na prática processual qual o lugar que a
palavra da mulher tem assumido no contexto probatório, referente a essa conduta
delituosa.
4.1 Análise de apelações do TJRS: que lugar a palavra da vítima tem assumido no
contexto probatório?
Por conseguinte, ainda é válido salientar que dos quarenta acórdãos analisados, em
quatro deles foram relatados que os réus seriam usuários de drogas. De modo que,
nestes casos o momento em que se consumou o fato delituoso os sujeitos ativos
estariam sob efeito de substâncias ilícitas, ou em abstinência exigindo dinheiro das
vítimas para voltarem a consumir. Outrossim, em outros três casos foram assegurados
que os réus eram alcoólatras. Nos demais casos, não continha nenhuma afirmação
relativa a esse fator.
Posteriormente, sob a perspectiva da relação entre a vítima e o réu, dos casos em
espécies analisados colheu-se os seguintes produtos: trinta e um casos ocorreram a partir
da existência de uma relação afetiva amorosa, seja de uma findada ou uma que ainda
estivesse ocorrendo, desde cônjuges até namorados; oito casos refletem relações de
parentesco; e um caso aponta que a vítima e acusado eram vizinhos no momento da
incidência do fato delituoso. Nesse sentido, resta claro que existe um padrão dominante,
a maior parte dos casos de violência psicológica ocorreram entre companheiros ou ex-
companheiros em ambiente íntimo e privado, pelos mais diversos motivos, mas
envolvendo principalmente a violência contra o gênero feminino, demonstrada através
da necessidade da posse sob a mulher, tendo como principal resultado o fato de não
aceitar a rejeição e o desrespeito a vontade do outro, que se torna parte hipossuficiente
na relação.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 126
Por outro lado, no que diz respeito a utilização da palavra da vítima como meio
de prova na sentença, tem-se que dos quarenta acórdãos analisados, em todos, a palavra
da vítima foi utilizada como meio de prova e recebeu uma maior relevância, devido às
circunstâncias e especificidades que envolvem o crime de violência psicológica. No
entanto, do mesmo modo em todos os quarenta acórdãos a defesa utilizou a tese de
insuficiência probatória na apelação, com o intuito de absolver o réu, alegando em
suma, que a palavra da vítima como pessoa interessada e envolvida na ação não poderia
ostentar de determinada relevância a fim de condenar o réu. Contudo, nos acórdãos em
consonância ao exposto nas sentenças, a tese de insuficiência probatória em nenhum
momento foi provida, sendo sempre suscitada a importância da palavra da vítima como
meio de prova em crimes cometidos no ambiente doméstico.
Ademais, tem-se que apenas em um caso específico foi utilizado o artigo 147-B
do Código Penal, a fim de criminalizar a conduta de violência psicológica. Isso se deve
ao fato de que a incidência do crime ocorreu anteriormente à entrada em vigor da Lei
14.188 de 28 de julho de 2021, incidindo neste caso o princípio da irretroatividade da lei
penal12. Posto isso, em sua maioria foi utilizado o artigo 147 caput, do Código Penal,
em consonância com a Lei Maria da Penha 11.340/2006.
12
É natural que, havendo anterioridade obrigatória para a lei penal incriminadora, não se pode permitir a
retroatividade de leis, especificamente as prejudiciais ao acusado. Logo, quando novas leis entram em
vigor, devem envolver somente fatos concretizados sob a sua égide. Abre-se exceção à vedação à
irretroatividade quando se trata de lei penal benéfica. Esta pode voltar no tempo para favorecer o agente,
ainda que o fato tenha sido decidido por sentença condenatória com trânsito em julgado (art. 5.º, XL, CF;
art. 2.º, parágrafo único, CP). É o que estudaremos no capítulo referente à lei penal no tempo. Pode-se
denominá-lo, também, como princípio da irretroatividade da lei penal, adotando como regra que a lei
penal não poderá retroagir, mas, como exceção, a retroatividade da lei benéfica ao réu ou condenado
(NUCCI, 2014, p.63).
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 127
Desse modo, com base nos dados expostos compreende-se que a palavra da
vítima está recebendo um local de destaque como meio de prova, no que tange o crime
de violência psicológica, perante ao judiciário, demonstrando assim, um grande avanço
social, que não diz respeito apenas a essa conduta delituosa, mas a todo um contexto
histórico e social de opressão e sofrimento que deve ser cessado.
Logo, resta claro que o crime de violência psicológica contra a mulher envolve
principalmente uma questão atinente a discriminação e ao desrespeito perante ao gênero
feminino. Demonstrando nitidamente, que a mulher é diversas vezes vista como um ser
inferior, seja perante ao companheiro, filho ou a sociedade em geral, tendo suas
decisões desrespeitadas e anuladas por atitudes advindas do sentimento patriarcal da
necessidade de dominação do gênero masculino sob o feminino. Nesse sentido, através
da análise realizada é possível perceber que essa conduta tende a ocorrer
majoritariamente no ambiente íntimo, tendo como resultado um grande dano emocional
à vítima que é ameaçada e constrangida por uma pessoa que possuiu ou possui uma
relação direta de afeto. Sendo assim, nessa situação a vítima em busca de proteção
recorre às autoridades competentes a fim de ter seus direitos tutelados pelo Estado,
desse modo, demonstrando que mesmo como parte diretamente envolvida na situação a
vítima não tem nada a ganhar, só objetiva não perder mais nada e consequentemente
livrar-se do sofrimento que lhe é imposto.
Sabe-se que para alguns autores a vítima é vista como agente contaminado pelo
processo, de modo que a valoração de sua palavra como meio de prova é uma temática
complexa e que causa dúvidas. No entanto, os tribunais superiores do Brasil, têm
entendido pacificamente que em crimes praticados no âmbito íntimo e doméstico, a
palavra da vítima necessita receber maior relevância, em vista das circunstâncias
específicas que envolvem casos dessa natureza.
Nesse sentido, pode ser citado o Protocolo para Julgamento com perspectiva de
gênero, instituído pela Portaria CNJ n° 27, de 02/02/2021, o qual determina que, as
palavras da vítima se consubstanciam em meio de prova de inquestionável importância,
tendo em vista a hipossuficiência processual que ocupa a ofendida perante a conduta
delitiva, a qual se vê silenciada diante da dificuldade, ou até mesmo tem sua palavra
vista com pouca credibilidade, tendo dificuldade de expressar sua não compactuação
com a conduta (PORTARIA CNJ n° 27, 2021, p.85).
5. CONCLUSÃO
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A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 136
Júlia Bagatini
Orientadora
Docente do Curso de Direito da Unipampa
joaomiranda@unipampa.edu.br
RESUMO
13
Este capítulo é referente ao Trabalho de Conclusão do curso de Direito da Unipampa, campus Santana
do Livramento.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 137
RESUMEN
1 INTRODUÇÃO
Percebe-se que a educação sempre foi uma ferramenta manuseada a partir dos
interesses políticos e econômicos do Estado, refletindo fortemente o contexto histórico e
social da época em que as Constituições foram promulgadas ou outorgadas (CAMARA,
2013). Com a promulgação da Constituição de 1988 não foi diferente, os ideais
democráticos foram impressos no texto constitucional.
Em breve análise acerca do contexto histórico da época da promulgação da
CF/88, verifica-se que já em 1984 houve o movimento conhecido como “Diretas Já”, o
qual anunciava o fim do regime militar e o anseio pelo Estado Democrático de Direito
(VIEIRA, 2007).
O direito à educação garante o acesso ao conhecimento e instrução, mas muito
além disso, também consolida diversos aspectos da personalidade do educando, como a
socialização, cooperação e, sobretudo, a cidadania, tornando-se importante ferramenta
para a efetivação da democracia.
Nesse sentido, entende-se que o conceito de educação não se limita a mera
instrução, pois além de objetivar a qualificação do educando para o trabalho, visa
ensiná-lo acerca do exercício consciente da cidadania (STF, 2019).
Considerando que o presidente eleito à época, José Sarney, acabara de
revogar as leis autoritárias oriundas do antigo regime, e elegera uma Assembleia
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 146
Nacional Constituinte, entende-se por que, inicialmente, a educação não foi o centro de
debates (VIEIRA, 2007).
A chamada Constituição Cidadã abordou a temática da educação de forma
minuciosa, sendo o texto constitucional mais extenso acerca do tema. A educação é
abordada em dez artigo específicos, quais seja, arts. 205 a 214 e, de forma secundária
nos artigos 22, XXIV; 23, V; 30, VI e arts 60 e 61 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT) (BRASIL, 1988).
Dessa forma, a Constituição Federal de 1988, diferentemente das demais, após
seu Preâmbulo, prevê os direitos fundamentais e, posteriormente, a organização do
Estado. Tal configuração simboliza a ordem de prioridade do Constituinte Originário,
bem como justifica a famosa alcunha de Constituição Cidadã auferida à Constituição de
1988 (CURY, 2013), pois se optou por elencar os direitos fundamentais em detrimento
das disposições acerca do Estado.
Ademais, o direito à educação é o primeiro listado no rol de direitos
fundamentais do art. 6º da Constituição, indo ao encontro da consolidação do Estado
Democrático de Direito, pois, nas palavras de Bobbio (1986), “a educação para a
cidadania é o único modo de fazer com que um súdito se transforme em cidadão”.
Assim, conforme ensina Caggiano:
[...] é direito fundamental porque, de uma banda,
consubstancia-se em prerrogativa própria à qualidade
humana, em razão da exigência de dignidade, e de outra,
porque é reconhecido e consagrado por instrumentos
internacionais e pelas Constituições que o garantem
(2009, p. 22).
14
Art. 22, inciso XXIV: Compete privativamente à União legislar sobre: [...] diretrizes e bases da
educação nacional;”. Art. 214, CF: A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal,
com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 148
Outrossim, de extrema importância frisar que a família, sem o apoio estatal, não possui
a estrutura necessária para que a criança e o adolesce possa se beneficiar de todos os
aspectos proporcionados pela educação em seu sentido amplo e democrático (PAIXÃO,
2019).
Por sua vez, a corrente do ensino domiciliar puro entende que à família cabe o
encargo e a responsabilidade de educar a criança e o adolescente. Devem, porém, seguir
diretrizes de educação formal, de modo que se aceita a intervenção estatal apenas
subsidiariamente. Ao Estado, pois, é permitido oferecer a educação institucionalizada,
mas essa só será recorrida caso os pais não eduquem a criança e ao adolescente nos
termos propostos pelas diretrizes fixadas.
E, por fim, menciona-se o ensino domiciliar utilitarista, ou também
chamado de homeschooling, que recebe a nomenclatura de “utilitarista”, já que não se
opõe à educação institucionalizada, entendendo que esta contribui de forma eficiente
para o ensino da criança e do adolescente. Cabe ressaltar que para os defensores dessa
modalidade de ensino domiciliar, os genitores devem respeitar a grade programática da
educação pública e privada, além de se submeterem a avaliações periódicas elaboradas
pelo Estado.
Entende-se, portanto, que a diferença entre o ensino domiciliar utilitarista
e os demais encontra-se no nível de intervenção estatal permitido. Ou seja, o ensino
domiciliar utilitarista é a única modalidade que prevê a responsabilidade solidária com o
Estado para a educação da criança e do adolescente. Importante frisar que no
entendimento do STF, mesmo aqueles Ministros que acreditam ser possível a educação
domiciliar na legislação brasileira, ressaltam que somente seria viável o ensino
domiciliar na modalidade utilitarista, conforme a Constituição Federal (BRASIL, 2018)
15
.
15
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 888815 de 6 de setembro de 2018.
Não existe direito público subjetivo do aluno do aluno ou de sua família ao ensino domiciliar. Disponível
em:
http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.aspincidente=4774632&n
umeroProcesso=888815&classeProcesso=RE&numeroTema=822. Acesso em: 25 fev. 2022.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 151
Percebe-se, pois, que o Supremo Tribunal Federal optou por aguardar o trâmite
dos atuais projetos de lei, porque entendeu que a temática é de competência legislativa
privativa da União, ensejando, portanto, a criação de uma lei federal para regulamentar
a temática, posicionamento que vai ao encontro do art. 22, inciso. XXIV da
Constituição Federal.
Importante ressaltar que não se trata de inércia do Judiciário, uma vez que a
competência para legislar acerca do assunto, conforme a Constituição Federal, é da
União, ou seja, do Congresso Nacional. Frisa-se, ainda, que por tratar-se de
competência privativa, é permito à União, por meio de lei complementar, possibilitar
que outro ente administrativo legisle acerca do assunto. Compreende-se então que tal
faculdade não é estendida ao Poder Judiciário, justificando a abstenção deste em
posicionar-se acerca do tema (LENZA, 2018).
Nesta senda, analisando os votos dos Ministros no referido recurso
extraordinário, percebe-se que foram construídas três compreensões distintas sobre a
eficácia e aplicabilidade do texto constitucional acerca do ensino domiciliar, quais
sejam, a constitucionalidade do ensino domiciliar, a constitucionalidade
‘condicionada’16 e a inconstitucionalidade/incompatibilidade dessa modalidade com o
ordenamento jurídico brasileiro (SALES, 2021).
16
Termo utilizado pelo Ministro Alexandre de Moraes para referir-se ao instituto da constitucionalidade
limitada (SALES, 2021).
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 153
17
“Ementa: ‘Requer, nos termos do artigo 155 do Regimento Interno, tramitação sob o regime urgência
do Projeto de Lei nº. 2401/2019’”. Disponível em: Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br).
Acesso em 1 de jun de 2022.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 156
de Tramitação de Urgência, a teor do art. 155 da RICD18, sendo aprovado pela Câmara
dos Deputados, no dia 19 de maio de 2022, seguindo para o Senado e, se não forem
propostas alterações, com a respectiva aprovação do Poder Legislativo, seguirá para
análise do Presidente da República (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2021).
O PL 3179/12, proposto pelo deputado Lincoln Portela (PL-MG), propõe que
a educação básica seja ofertada em casa, sendo administrada pelos pais ou responsáveis,
visando, assim, minimizar a participação do Estado na oferta da educação, de maneira
que esse atue através de supervisões e avaliações periódicas de aprendizagem
(SENADO, 2012).
20
Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.
21
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 161
22
Também nomeado como constitucionalismo pós-moderno ou como pós-positivismo. (LENZA, 2018).
23
A doutrina estabelece diversas fases do constitucionalismo, sendo que inicialmente o movimento tem o
intuito de positivar direitos e limitar o poder estatal. (LENZA, 2018).
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 162
24
Graduada em ciências sociais pela USP, mestre em ciência política e doutora em psicologia pela PUC,
Maria Alice Setúbal, conhecida como Neca Setubal, é presidente do Conselho Consultivo da Fundação
Tide Setubal, uma ONG que oferece cursos e projetos culturais em São Miguel Paulista, na cidade de São
Paulo.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 163
acentuaria a desigualdade social. Além disso, mencionou que pesquisas realizadas pelo
Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo indicaram que as
crianças educadas em casa no período da pandemia do COVID-19 apresentam queda de
aprendizagem em língua portuguesa, matemática e habilidades socioemocionais.
Ademais, a socióloga enfatiza que as crianças afastadas da escola se tornam mais
vulneráveis aos maus-tratos e violência doméstica (CNN BRASIL, 2022).
Conforme dados divulgados pela CNN Brasil (2022), as crianças afastadas das
escolas sofrem maior incidência de maus-tratos e violência doméstica. Nesse sentido, as
escolas públicas brasileiras são parte da rede de proteção dos direitos e da integridade
física e emocional da criança e do adolescente. Trata-se, pois, de um dos principais
locais onde ocorre a identificação e comunicação às autoridades responsáveis sobre os
casos de maus-tratos que ocorrem nas famílias (PICOLI, 2020).
Menciona-se, ainda, um dos deveres designados às unidades de ensino pelo
ECA, que se encontra no artigo 56, o qual consiste na obrigação de comunicar ao
Conselho Tutelar os casos de maus-tratos envolvendo os alunos. Desse modo, a
regulamentação do ensino domiciliar pode acarretar danos ao bem-estar dos estudantes
diante da falta de supervisão diária da escola (MOREIRA; SALLES, 2015). Assim, com
a ausência da instituição escolar:
[...] os dispositivos de proteção da integridade física e
emocional de crianças e adolescentes ficam severamente
comprometidos, pois desobriga o poder público do zelo,
da segurança e da integridade de grupos vulneráveis por
sua condição de não adulto (WENDER; FLACH, 2020, p.
10).
22 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por isso, o Estado é responsável, juntamente com a família, por promover o acesso à
educação em seu sentido integral, ou seja, não só oferecer um ensino que consolide a
formação intelectual da criança e do adolescente, mas que permita seu desenvolvimento
como cidadão.
Entendeu-se que um dos desdobramentos do neoconsitucionalismo é a
interpretação do ordenamento jurídico através do princípio da dignidade da pessoa
humana, de maneira que no ECA esse traduz-se por meio do princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente. Outrossim, a efetivação do princípio da dignidade
da pessoa humana ocorre com a concretização dos direitos fundamentais, inclusive o
direito à educação. Considerando o narrado, tem-se que somente a educação
institucionalizada é capaz de proporcionar e efetivar o direito a educação à criança e ao
adolescente, pois é capaz de proporcionar uma formação integral.
Ademais, o ensino domiciliar representa um potencial risco ao aumento da
evasão escolar, que já possui indicativos alarmantes sobre o número de evasões no
contexto educacional do Brasil. Isso porque o ensino domiciliar poderia ocultar os casos
de evasão escolar, além de dificultar o mapeamento de alunos que evadem. Nesse
sentido, menciona-se o impacto do ensino domiciliar nas desigualdades sociais do
Brasil, pois essa modalidade educacional somente é viável para famílias que possam
arcar com as despesas oriundas da educação em casa, haja vista a necessidade de
materiais e atividades complementares.
Em um país com marcantes desigualdades sociais e uma grande variedade
cultural, não se mostra prudente permitir que os pais eduquem seus filhos em casa,
porque mesmo que no âmbito intelectual não apresente omissões, tornar-se-ia uma
educação elitista e excludente, fugindo dos pilares constitucionais da educação como
direito de todos.
Somado a isso, as crianças e os adolescentes matriculados na modalidade de
ensino domiciliar, enfrentariam maiores dificuldades em pedir ajuda caso fossem
vítimas de maus-tratos, pois seu vínculo social seria predominantemente ligado à
família. Indo ao encontro disso, o ECA coloca como responsabilidade do educador
comunicar aos órgãos competentes sinais de maus-tratos verificados nos alunos, de
modo que a escola, atualmente, posiciona-se como um fator importante de proteção da
criança e do adolescente.
Embora muitas famílias utilizem argumentos de que nas escolas há
disseminação de ideologias e crenças contrárias a seus valores, deve-se ponderar e
confrontar tais alegações considerando a existência de diversas escolas confessionais,
não-confessionais, que defendem ou não determinadas ideologias.
Existem ainda os que alegam que a educação nos moldes atuais é insuficiente
no quesito qualidade, mas, com certeza, buscar a regulamentação de uma modalidade
elitista não aponta para a solução do problema, uma vez que se faz necessária a união e
empenho da sociedade para que obstáculos possam ser solucionados no sistema
educacional. Desse modo, nenhum dos discursos predominantemente utilizados pelos
genitores possui o condão de justificar a regulamentação do ensino domiciliar no
ordenamento jurídico brasileiro.
Portanto, conclui-se que a regulamentação do ensino domiciliar no Brasil vai
de encontro à Constituição Federal, pois fere princípios norteadores do ordenamento
jurídico como, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana. Além disso,
fere o ECA, por conseguinte, a Doutrina da Proteção Integral e o princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente, haja vista o cerceamento do direito à educação
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 168
REFERÊNCIAS
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Constituição Federal do Brasil e sua (in)compatibilidade com a perspectiva freiriana.
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MORAES, Maria Celina Bodin de; SOUZA, Eduardo Nunes de. Educação e cultura
no Brasil: a questão do ensino domiciliar. Revista Eletrônica de Direito Civil, a. 6. n. 2.
2017. Disponível em: < https://civilistica.emnuvens.com.br/redc/article/view/297/245>.
RICARDO, Luis. SINPRO entra com ação no TJDFT contra ensino domiciliar. Distrito
Federal, 16 dez. 2020. Sindicato dos professores no Distrito Federal. Disponível em:
Sinpro entra com ação no TJDFT contra Ensino Domiciliar – SINPRO-DF
(sinprodf.org.br). Acesso em 1 jun. 2022.
TEIXEIRA, Anísio. Educação no Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1969.
RESUMO
O que são paraísos fiscais? De onde vieram? Como afetam o mundo? Estas são
apenas algumas perguntas que o presente trabalho enfrenta. O mesmo examina os
paraísos fiscais de forma neutra, imparcial, com intuito de compactar conhecimentos
comuns e utilizá-los para realização de estudos futuros. Alguns dos objetivos
manifestam-se por meio do desejo de desvendar e desmascarar equívocos comumente
associados aos paraísos fiscais, por meio de extensiva análise da historicidade,
concepção, desenvolvimento, aplicação, presença e impacto dos mesmos no mundo
contemporâneo. Portanto, o presente trabalho visa a síntese dos principais pontos
sobre a importante discussão acerca dos refúgios fiscais, mostrando explicitamente
como tais territórios não são uma inovação recente. A estrutura deste trabalho segue,
respectivamente: análise das origens e historicidade dos refúgios fiscais;
funcionamento dos refúgios fiscais e tributação; análise das vantagens dos refúgios
fiscais e empresas offshore; análise dos problemas criados pelos refúgios, e as
práticas imorais e criminosas que ocorrem neles; adentramento no cenário tributário
internacional e suas legislações; análise de propostas, materiais ou não, e como
afetariam os refúgios fiscais e a economia mundial; conclui-se com uma apresentação
das principais implicações e compilados deste trabalho. A metodologia do trabalho é
majoritariamente feita por meio de minuciosas pesquisas bibliográficas, visando
acumular dados para fundamentar o trabalho e formar espécie de acervo acadêmico
para futuras pesquisas. Há intuito de apresentar a temática proposta e os problemas
encontrados, afim de averiguar cabíveis soluções, tal como a permanência dos
refúgios fiscais no cenário econômico mundial e como acaba lhe afetando, por
exemplo. O método utilizado é principalmente dedutivo, uma vez que utiliza-se
premissas e estudos pré-existentes. No decorrer deste trabalho, descobre-se como os
paraísos fiscais vem se enraizando na economia internacional desde sua concepção,
como atuam no ambiente internacional, os benefícios que trazem (muitas vezes
omitidos dos olhos do mundo), os prejuízos que acarretam (tanto à pessoas quanto
países), e as tentativas de países e organizações internacionais (dando foco à OCDE e
25
Este capítulo é referente ao Trabalho de Conclusão do curso de Direito da Unipampa, campus Santana
do Livramento.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 176
ABSTRACT
What are tax havens? Where did they come from? How do they affect the world?
These are just some of the questions that this study tackles. Through examination of
tax havens in an impartial way, it seeks to compact common knowledge and offer it
for future studies. The objectives are clear: summarize the main elements of the
important discussion about tax havens and show how such territories are not a recent
innovation. The structure of this study is as follows, from beginning to end:
overview of the origins and history of tax havens; functioning of tax shelters and
taxation; analysis of the advantages of tax shelters and offshore companies; analysis of
the problems created by the refuges, and the immoral and criminal practices that
occur in them; entry into the international tax scenario and its legislation; analysis of
proposals, material or otherwise, and how they would affect tax havens and the world
economy; concluding with a presentation of the main implications and compilations
of this work. This study is mostly done through detailed bibliographic research,
reaffirming its goal to accumulate data and form a sort of useful collection. The study
also seeks to find out appropriate solutions to certain problems related to tax havens,
such as their presence and influence world, for example. The method used is mainly
deductive, utilizing pre-existing premises and studies; in the course of this study, it is
discovered how tax havens have been taking root in the international economy since
their conception, how they act in the international environment, the benefits they
bring, the financial losses they cause, and the attempts by countries and international
organizations to control these places through international tax measures and treaties,
eventually concluding that, for the time being, there is no definitive solution to these
privileged spaces, but that there must be a renewed interest in the subject so that this
may eventually cease to be true.
INTRODUÇÃO
A origem destes territórios serve como o primeiro sedimento para que haja
compreensão acerca dos refúgios fiscais no mundo atual. No presente cenário
global, suas existências e utilidades não só se tornaram comuns, mas integram
importantes práticas econômicas modernas. Essas mesmas práticas têm, nos
últimos anos, acumulado atenção considerável da mídia e público internacional,
porém, remanesce o fato incontestável de que existem líderes (corporativos e
governamentais) que demonstram indiferença e até mesmo orgulho da existência
desses espaços privilegiados. Esses mesmos líderes acreditam que, contanto que
tais territórios e suas práticas não sejam expressamente ilegais não é, de maneira
alguma, errôneo usufruir dos mesmos para obtenção de benefício e lucro
próprio; ainda, na visão de alguns, sobre a questão empresarial por exemplo, é
responsabilidade da corporação para com seus acionistas fazer uso dessas práticas
para promover seu sucesso e garantir sua longevidade no mercado econômico.
Fundamentalmente, há concordância que os refúgios fiscais se tornaram
uma questão relevante em diversos espaços, sejam eles: econômico, social,
político, etc.; também vale mencionar sua presença na questão de gerenciamento
financeiro público, uma vez que alguns governos se beneficiam tremendamente da
existência dos refúgios, enquanto outros experienciam perdas econômicas
26
REIS, Arthur Harder; LOEBENS, João Carlos. A omissão das nomenclaturas tributárias: um breve
estudosobre os “paraísos fiscais”. Brasil: Instituto de Justiça Fiscal, 2019.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 178
27
SILVA, Ricardo Jorge Rocha da. PARAÍSOS FISCAIS. Portugal: Instituto Superior de Contabilidade
e Administração de Lisboa, 2012.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 181
28
Exemplos proeminentes seriam Saint-Denis, Lyons, Brie-Comte-Robert, e outras regiões
europeias. Enfim,entre os séculos VII à XIV, estas noções perduram fortemente na sociedade
medieval da época.
29
PALAN, R.; CHAVAGNEUX, C. Les Paradis Fiscaux. France: La Découverte, 2007, p. 28-43.
30
LITWAK, Martin. Paraísos fiscales e infiernos tributarios: una mirada diferente sobre las
jurisdicciones offshore y la competencia fiscal. United States: Independently Published, 2020.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 182
31
ROSENZWEIG, Adam H. Why are there tax havens? United States: William & Mary
Law Review 923,2010, p. 929-930.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 183
32
OCDE. Towards Global Tax Cooperation: Progress in Identifying and Eliminating Harmful Tax
Practices. France: OECD Publishing, 2000, p. 17.
33
DHARMAPALA, Dhammika; HINES JR., James R. Which Countries Become Tax Havens? United
States: NBER Working Paper Series, 2006, p. 1-3.
34
SILVA, Ricardo Jorge Rocha da. PARAÍSOS FISCAIS. Portugal: Instituto Superior de
Contabilidade e Administração de Lisboa, 2012, p. 9.
35
Idem, 2012, p. 9.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 184
36
DHARMAPALA, Dhammika; HINES JR., James R. Which Countries Become Tax Havens?
United States: NBER Working Paper Series, 2006. p. 1-2.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 185
37
Idem, 2006, p. 2-3.
38
SLEMROD, J.; WILSON, J. D. Tax Competition with Parasitic Tax Havens. United States: NBER
Working Paper 1222, 2006, p. 4.
39
DHARMAPALA, Dhammika; HINES JR., James R. Which Countries Become Tax Havens?
United States: NBER Working Paper Series, 2006, p. 3-4.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 186
40
PALAN, R.; MURPHY, R.; CHAVAGNEUX, C. Tax Havens: How Globalization Really
Works. UnitedStates: Cornell University Press, 2010, p. 26-27.
41
SINGH, Tarlok. Does International Trade Cause Economic Growth? A Survey. United Kingdom:
TheWorld Economy, 2010, p. 1532-1536.
42
Dados disponíveis no site https://fortune.com/global500.
43
MASON, Frederick Mario. CONCORRÊNCIA FISCAL INTERNACIONAL E PARAÍSOS
FISCAIS. Brasil: Revista do Mestrado em Direito, 2008, p. 139.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 187
2017. As organizações que estão sediadas ou geram lucros nos EUA são obrigadas
a pagar o imposto 21% sobre seus lucros. No entanto, usando um paraíso fiscal, as
empresas podem transferir lucros para subsidiárias em países de refúgios fiscais
identificados e aproveitar essa brecha para reduzir ou até eliminar sua
responsabilidade fiscal e evitar ter que pagar a alíquota de imposto corporativo de
21% sobre alguns ou todos os seus lucros. Além disso, muitos territórios fiscais
não fornecem detalhes financeiros às autoridades fiscais fora de suas fronteiras44.
O CTHI (Índice de Paraísos Fiscais Corporativos) inclui um ranking dos
principais refúgios fiscais usados por corporações multinacionais na atualidade.
Esses países têm o tipo de jurisdições fiscais atraentes que limitam a
responsabilidade fiscal e permitem que as empresas paguem pouco ou nenhum
imposto sobre seus lucros offshore. De acordo com o IPFC, os principais refúgios
fiscais incluem: Ilhas Virgens Britânicas; Bermudas; Ilhas Cayman; Países
Baixos; Suíça; Luxemburgo; Jersey, uma dependência do Reino Unido nas Ilhas
do Canal; Singapura; Bahamas; Hong Kong; muitas destas, aliás, já foram
mencionadas anteriormente no presente trabalho.45
Com esta noção de funcionamento saciada, brevemente deve ser explanada
acerca de certas personalidades que usufruem dos refúgios fiscais, pois a noção
comum é que apenas grandes corporações fazem uso destes territórios, porém
existe abundante evidência do investimento de pessoas que são ricas, mas em
qualquer outra faceta são “normais”; isso inclui até mesmo dentistas e pelo
menos um verdureiro do Alabama. Estes utilizam empresas de fachada, por
motivos que podem incluir tornar mais difícil para potenciais credores – incluindo
ex-cônjuges, parceiros de negócios descontentes ou inspetores fiscais – identificar
e recuperar dinheiros supostamente devidos. Políticos, celebridades e CEOs
compõem parte da lista de nomes em negrito que o ICIJ vinculou a empresas de
fachada. Quando notificados, alguns destes dizem que nem sabem que investiram
no exterior46.
Agora, importante discorrer sobre os tipos de refúgios fiscais presentes;
podemos agrupar as várias formas de refúgios fiscais em quatro grupos principais:
possessões historicamente ocidentais, nações soberanas, países controlados por
cartéis e Estados emergentes. As principais razões pelas quais os países podem ser
rotulados de refúgios fiscais também podem variar. Como Smith argumenta, esses
países muitas vezes sofrem de um caso de “reminiscência mercantilista” – seus
governos acreditam que é melhor ter grandes quantias de dinheiro depósitos em
bancos locais; portanto, esses governos iniciam uma corrida fiscal competitiva que
podem gerar alíquotas 'negativas', que, na prática, se traduzem em uma propensão
de pagar para receber investimentos.47
44
GRAVELLE, Jane G. Tax Havens: International Tax Avoidance and Evasion. United States:
University ofChicago Press, 2010, p. 11.
45
Informação disponível no site https://cthi.taxjustice.net/pt/
46
Informação relatada nos “Paradise Papers”, conjunto de 13,4 milhões de documentos eletrônicos
confidenciais de natureza fiscal que foram enviados ao, e distribuídos pelo, jornal alemão Süddeutsche
Zeitung,que compartilharam com o ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos) para
publicação. Desde 2016 até o presente, detalhes e histórias tem sido divulgados ao mundo.
47
SMITH, J. Economic Democracy: The Political Struggle of the Twenty- First Century.
Slovenia: TheInstitute for Economic Democracy, 2005, p. 12-14.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 189
48
KILLEBREW, B.; BERNAL, J. Crime Wars - Gangs, Cartels and U.S. National Security.
United States:Center for a New American Security, 2010, p. 40-41; p. 44-45.
49
RIKOWSKI, G. Globalisation and Education. London: House of Lords Select
Committee on EconomicAffairs Inquiry into the Global Economy, 2002.
50
MAURER, B. Creolization Redux: The Plural Society Thesis and Offshore Financial
Services in theBritish Caribbean. Caribbean: New West Indian Guide, 1997, p. 249-264.
51
OCDE. Towards Global Tax Cooperation: Progress in Identifying and Eliminating
Harmful TaxPractices. France: OECD Publishing, 2000. Pág. 10.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 190
incentivos fiscais para atrair investimentos externos, mas não são classificados
como refúgios fiscais.52
Depois, temos a categoria de “falta de troca efetiva de informações”,
reforçando que os refúgios fiscais protegem zelosamente as informações
financeiras pessoais. A maioria dos refúgios fiscais tem leis formais ou práticas
administrativas que impedem o escrutínio das autoridades fiscais estrangeiras.
Não há, ou há um compartilhamento mínimo, de informações com autoridades
fiscais estrangeiras53. A terceira e última categoria seria a “falta de transparência”.
Em um paraíso fiscal, existe sempre mais do que se aparenta. A máquina
legislativa, jurídica e administrativa de um paraíso fiscal é opaca. Sempre há
chances de decisões secretas a portas fechadas ou alíquotas de impostos
negociadas que falham no testede transparência54.
Mas isso não é tudo, pois além dos três atributos mencionados, o United
StatesGovernment Accountability Office (GAO) listou dois atributos adicionais de
um refúgio fiscal55 da seguinte maneira: a “presença local não necessária” dita que
os refúgios fiscais normalmente não exigem que entidades externas tenham uma
presença local substancial 56. Tal concessão pode levar a situações interessantes;
por exemplo, um relatório do GAO, em 2008, descobriu que um prédio nas Ilhas
Cayman abrigava 18.857 empresas, a maioria internacionais. Isso sugere que você
pode reivindicar benefícios fiscais simplesmente pendurando sua placa de
identificação em um refúgio fiscal. Não há necessidade de realmente produzir bens
ou serviços ou realizar comércio ou comércio dentro dos limites do país. Para
todos os efeitos práticos, os sonegadores de impostos podem continuar seus
negócios na Flórida enquanto afirmam ser residentes das Bahamas quando se trata
de pagar impostos. Por último, temos os “refúgios fiscais de marketing”. No final
das contas, os refúgios fiscais têm tudo a ver com marketing, uma vez que eles se
promovem como centros financeiros offshore. Muitos também são considerados
importantes centros financeiros internacionais.
Agora, adentramos em fatores socioeconômicos que distinguem os
refúgios fiscais, alguns das quais já citamos e aprofundamos, mas serão inclusos
para fins de simples colocação. Além de impostos mais baixos e sigilo
operacional, vários outros fatores socioeconômicos fazem de um determinado país
ser um refúgio fiscal popular, tal como a estabilidade política e econômica, como
já visto, pois sem esta estabilidade, nenhuma quantidade de incentivo fiscal pode
52
FMI. Offshore Finance and Offshore Financial Centers: What It Is and Where It Is Done.
United States:International Monetary Fund, 2000.
53
OCDE. Harmful Tax Competition: An Emerging Global Issue. France: OECD Publishing,
1998, Pág. 29-30.
54
OCDE. Harmful Tax Competition: An Emerging Global Issue. France: OECD Publishing, 1998,
Pág. 28-33.
55
United States Accountability Office International Taxation: Large U.S. Corporations and
Federal Contractors with Subsidiaries in Jurisdictions Listed as Tax Havens or Financial
Privacy Jurisdictions. United States: U.S. Government Accountability Office, 2008, p. 9-10.
56
Idem, 2008, p. 10-11.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 191
trazer investidores externos. A Suíça, por exemplo, tornou-se famosa por sua
estabilidade política e econômica57.
Em outro ponto, existe a falta de controles de câmbio; simplesmente,
colocar ativos em um país sujeito a controles cambiais pode ser perigoso para
investidores externos, tornando a utilidade de territórios fiscais mais atraente58.
Já, em outro momento, quando falamos de tratados, muitos refúgios fiscais
como as Ilhas Maurício tornaram-se populares devido a brechas em vários
tratados de evasão fiscal assinados com diferentes jurisdições.59 Em contraste,
alguns estão se tornando menos populares devido a vários tratados de
compartilhamento de informações assinados com diferentes governos.60
Penultimamente, há de se falar sobre o serviço bancário, profissional e de
suporte; neste ponto, investidores bancários buscam territórios com serviços
confiáveis, seguros, para minimizar quaisquer problemas que podem surgir
durante a transferência dos valores. Destinos como Suíça e Áustria, embora não
sejam refúgios fiscais num sentido mais estrito, são populares para serviços
bancários offshore e um destino seguro para ativos.61 Por fim, outro ponto já
ditado: a localização, que é sempre um fator importante na popularidade de certos
destinos. Por exemplo, as Bahamas têm sido um destino offshore popular para
corporações dos EUA devido à sua proximidade com a Flórida.62
Conclusa a distinção do funcionamento e tipificação dos refúgios fiscais,
válido resumir que o funcionamento envolve logísticas econômicas, dados e
estatísticas das quais não são enfoque deste estudo, porém, possuem mérito
irrenunciável, já que o delineamento de uma simplificação do estudo dos refúgios
fiscais torna-se ainda mais válido e possível; já a tipificação permite o encaixe de
certos territórios fiscais em categorias distintas, facilitando um ambiente de
estudo mais isolado e minucioso de um tipo específico de refúgio, além de
consequentemente agrupar territórios em condições específicas similares,
permitindo verossimilhança entre pontos, fatos e tópicos empíricos, além da
realização de referências cruzadas entre estudos acadêmicos que abordem o
mesmo espécie de refúgio fiscal.
2.2 Um Breve Sumário sobre Tributação
Primeiramente, deve-se distinguir os dois tipos de impostos que existem,
sendo estes diretos ou indiretos; simplesmente, um imposto direto incide
diretamente sobre a renda de uma pessoa física ou jurídica, enquanto um
57
CIA. The World Factbook. Switzerland: Economy. United States, 2020.
58
OCDE. Glossary of Tax Terms. France: OECD Publishing
.(https://www.oecd.org/ctp/glossaryoftaxterms.htm#c).
59
FMI. IMF Country Report 17/363: Mauritius. United States: International Monetary Fund, 2017, p.
9.
60
OCDE, Tax Information Exchange Agreements. France: OECD Publishing. (https://www.oecd.org).
61
FMI. IMF Working Paper 99/5. Offshore Banking: An Analysis of Micro- and Macro-Prudential
Issues. United States: International Monetary Fund, 1999, p. 11.
62
SALANIÉ, Bernard. The Economics of Taxation. United States: Massachusetts Institute
of Technology,2003, p. 1-6.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 192
imposto indireto incide apenas sobre o consumo da mesma, não afetando sua
renda. Agora, pode-se discorrer sobre um pouco da historicidade.
63
TARASCIO, Vincent J. The problem of progress in economic science. United States:
Atlantic EconomicJournal, 1983, p. 29-34.
64
SMILEY, Gene. The Great Depression - Federal Reserve History. United States: Econlib,
2018. Disponívelem https://www.econlib.org/library/Enc/GreatDepression.html.
65
REYNOLDS, Alan. The Economic Impact of Tax Changes, 1920–1939. United States: Cato Journal,
2021, p. 162-168. (https://www.cato.org/cato-journal/winter-2021/economic-impact-tax-changes-1920-
1939#)
66
STEINMO, S. Taxation and Democracy. United States: Yale University Press, 1993, p. 1-13.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 194
67
SALANIÉ, Bernard. The Economics of Taxation. United States: Massachusetts Institute
of Technology,2003, p. 3-8.
68
STEINMO, S. Taxation and Democracy. United States: Yale University Press, 1993, p. 1-13.
69
Idem, 2003, p. 1-13.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 195
Segundo dados publicados pela União, estima-se que a soma dos tributos e
encargos cobrados das atividades econômicas represente aproximadamente 35%
do PIB no Brasil, ou seja, de cada R$ 1,00 produzidos, R$ 0,35 são destinados, na
forma de tributos, para o governo federal, os governos estaduais e os governos
municipais.70 A tributação no Brasil é classificada como progressiva, uma vez que
apesar de todos os indivíduos pagarem a mesma quantidade de tributos em cima
de um determinado produto ou serviço, essa porcentagempossui pesos
diferentes dependendo da renda de cada um, respeitando o princípio da
capacidade contributiva.
Importante ressaltar que cargas tributárias excessivamente onerosas para a
renda das pessoas físicas e jurídicas estimulam o planejamento tributário até o
limite de suas viabilidades econômicas, muitas vezes utilizando-se dos refúgios
fiscais que estendem a amplitude das suas atividades aos espaços estrangeiros.
Ocorre que, comumente, no espaço empresarial, por exemplo, este comportamento
encontra um ambiente convidativo para os contribuintes verterem ao ilícito por
meio das elisões fiscais como uma maneira de permanecerem competitivos no
mercado, aumentarem seus lucros, protegerem a estrutura patrimonial contra a
corrosão inflacionária, entre outros motivos.
Apresenta-se, celeremente, uma análise dos argumentos contra e a favor da
tributação brasileira, além dos principais posicionamentos governamentais sobre o
tema. Acerca do sistema tributário nacional em si, os raciocínios podem ser
resumidos de tal forma: aqueles que manifestam-se contrariamente tendem à citar
a onerosidade do sistema, que envolve tamanha burocracia muitas vezes
considerada excessiva, argumentando que estes fatores geram altos valores de
tributação e insegurança jurídica em geral, reduzindo a competitividade das
empresas e desestimulando investimentos no país, de forma que há prejuízo à
70
Informação extraída do site “Portal Tributário” (http://www.portaltributario.com.br).
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 196
71
PAES, Nelson Leitão. O custo da ineficiência da tributação indireta brasileira. Brasil: Revista
Brasileirade Economia de Empresas, 2012.
72
GASSEN, et al. Tributação sobre Consumo: o esforço em onerar mais quem ganha
menos. Brasil: Sequência (Florianópolis), 2013.
73
LEMGRUBER, Viol Andréa. A Finalidade da Tributação e sua Difusão na Sociedade.
Brasil: Semináriode Políticas Tributárias, v. 2, 2005, p. 16.
74
REDE DE JUSTIÇA FISCAL. O Estado Atual da Justiça Fiscal 2021: Novembro 2021.
United Kingdom:Tax Justice Network, 2021.
75
OCDE. Latin American Economic Outlook 2021. France: OCDE Publishing, 2022.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 197
Hoje, a moeda dos contribuintes ainda é usada para uma variedade de propósitos
semelhantes.
2.3 Efeitos Colaterais dos Refúgios Fiscais
Nesta seção, há de se falar, antes do devido esquadrinhamento de cada, “do
bom, do ruim e do feio”76 que acompanham a contínua existência dos refúgios
fiscais; importante denotar que serão abordados apenas alguns elementos
expressivos, afim de pincelar a trajetória do presente trabalho em direção ao
aprofundamento minucioso dos prós e contras dos refúgios fiscais.
Uma das vantagens destes territórios é a ausência da verificação comercial,
tanto para não residentes quanto para transações em moedas estrangeiras também.
Esses países veem na atividade financeira uma fonte de renda relativamente
estável e buscam para promovê-lo. Uma campanha promocional para o refúgio é
alcançada através da progressão linear, que significa a adaptação do quadro legal
para atrair recursos financeiros.77 Os refúgios fiscais operam sob a proteção de
jurisdições benéficas pertencentes a alguns Estados politicamente protegidos no
mundo todo. Para que estes países sejam capazes de funcionamento e
autossuficiência, foram criados especiais condições para atrair investidores.
Devido ao grande número de obrigações fiscais e impostos aos contribuintes, eles
estão tentando encontrar formas de evitar ou reduzir as obrigações fiscais; a
principal preocupação das empresas é mitigar impacto de altos impostos e
controles, e isso justifica o uso de refúgios fiscais como refúgio dos impostos cada
vez mais altos. o objetivo de utilização de refúgios fiscais é óbvio, a ganho
máximo com o estado mínimo pagamentos.78
Como relatado por BOTIS79:
Qualquer pessoa vai procurar países onde o imposto é
mínimo. O desenvolvimento de empresas offshore está
crescendo cada vez mais e isso se deve ao desenvolvimento
de paraísos fiscais. O fenômeno offshore se generaliza no
nível internacional, e o acesso a eles é mais facilmente
alcançado. O estabelecimento de empresas offshore está em
constante desenvolvimento. A importância do mundo
offshore se destaca pelo fato de que a maioria principais
bancos internacionais e agências bancárias foram criados e
estão presentes no offshore centros financeiros, o maior
investimento fundações do mundo e empresas de confiança
também operam através do offshore subsidiárias. A nível
76
Do inglês, “The Good, the Bad and the Ugly”, filme de 1966, e referência às várias possíveis
interpretações de um único tema, como o deste trabalho.
77
IRISH, Charles R. TAX HAVENS. United States: Vanderbilt Journal of Transnational
Law - Volume 15, Issue 3, 1982, p. 490-494.
78
SILVA, Antônio Fernando Correia. Paraísos Fiscais: Prejuízos e Benefícios. Portugal:
Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, 2014, p. 37-42.
79
BOTIS, Sorina. FEATURES AND ADVANTAGES OF USING TAX HAVENS. Romania:
Bulletin of theTransilvania University of Braşov Series V: Economic Sciences, Vol. 7, No. 2,
2014, p. 187.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 199
80
TORVIK, Ragnar. Why do some resource-abundant countries succeed while others
do not? UnitedKingdom: Oxford Review of Economic Policy - Volume 25, Issue 2, 2009,
p. 15-16.
81
Idem, 2009, p. 16-17.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 200
3. VANTAGENS E INTERESSES
Uma das maiores e mais problemáticas noções acerca dos refúgios fiscais
é a constante propaganda que, em sua grandíssima maioria, constroem uma
imagem extremamente negativa dos seletos países em questão, que acabam sendo
alvejados por um público menos versado e guiado por estes informes parciais. De
fato, existem complicações e obstáculos gerados pelos refúgios fiscais, porém
importante desconstruir o conceito já sabido pelo público geral pois se trata de
uma demonização incabível à circunstância factual da economia mundial; poucos
realmente compreendem que há sim vantagens e benefícios fornecidos pelos
refúgios fiscais. De maior proeminência, a multinacionalização do investimento
corporativo nos últimos anos deu origem a uma série de esquemas internacionais
de evasão fiscal que podem estar corroendo as receitas fiscais nos países
industrializados, mas que também podem reduzir a carga tributária sobre o capital
móvel e, assim, facilitar o investimento. Tanto os efeitos de bem-estar quanto a
resposta ótima ao planejamento tributário internacional são, portanto, ambíguos.
Avaliando esses fatores em um modelo simples de equilíbrio geral,
descobrimos que os cidadãos de países com impostos altos se beneficiam de
(algum) planejamento tributário. Paradoxalmente, se as alíquotas de impostos não
forem muito altas, um aumento na atividade de planejamento tributário causa um
aumento nas taxas ótimas de impostos corporativos e um declínio no investimento
multinacional. Assim, os temores de uma “corrida para o fundo” nas alíquotas de
impostos corporativos podem ser equivocados.82 Porém, considerando o desejo
do mantimento da natureza imparcial deste estudo, pode-se confirmar que há
verdades (mesmo se fragmentadas ou exageradas) nos estereótipos formados
acerca de refúgios fiscais.
A negatividade acerca dos refúgios surge por causa da apresentação de
muitos dos mesmos como plataformas privilegiadas entre o mundo de legítimas
82
DHARMAPALA, Dhammika. What problems and opportunities are created by tax
havens? UnitedStates: Oxford Review of Economic Policy, 2008, p. 6-10.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 201
83
HINES JR., James R. Do Tax Havens Flourish? United States: NBER Working Paper Series, 2004, p.
4.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 202
Isto, por sua vez, fez com que as empresas descobrissem que as transações
com filiais de refúgios fiscais podem ser usadas para realocar renda de locais de
alta tributação para as estas mesmas filiais ou então para outros locais estrangeiros
com impostos baixos. Isso, por sua vez, aumenta a apelo da localização de
investimentos em refúgios fiscais estrangeiros. Ainda, possível compactar à mais
simples declaração, porém sacrificando importantes detalhes e contextualização:
os refúgios fiscais existem porque há demanda, e tal demanda origina-se no desejo
de obtenção e preservação de lucros adquiridos por meio de atividades
econômicas. Com isso, não há “espírito desportivo” na competição econômica
internacional por muitos, mas existe a necessidade de analisar e reanalisar leis e
territórios com intuito de desvendar qualquer brecha que possibilite e facilite uma
fuga do sistema tributário que assolaa pessoa jurídica ou física em questão.84
3.1.1 O Fenômeno Offshore
Dentre todas as vantagens geradas pelos refúgios fiscais, aqueles que mais
demandam sua existência e prolongam suas vivências são as corporações e
empresas multinacionais, que distinguem-se de outros que usufruem dos refúgios
fiscais devido à imensidade de suas transações e natureza transnacional.
Considerando as características das matrizes multinacionais com operações, estas
se tornaram as mais propensas a operar em refúgios fiscais, sugerindo que há
economias de escala no uso de refúgios fiscais para evitar impostos. Além disso,
as matrizes multinacionais em indústrias nas quais as empresas normalmente
enfrentam baixas alíquotas de impostos estrangeiros, aquelas que são intensivas
em tecnologia e aquelas em indústrias caracterizadas por comércio intrafirma
extensivo, são mais propensas do que outros a operar em refúgios fiscais.
Enquanto isso, evidências são consistentes com a intuição de que as
multinacionais empregam afiliadas em refúgios para realocar rendimentos
tributáveis de jurisdições com impostos elevados para jurisdições com impostos
baixos através de comércio intrafirma e transferências de propriedade intangível, o
fato de que as multinacionais em indústrias com baixas alíquotas de imposto
estrangeiro são mais probabilidade de operar em refúgios fiscais indica que as
afiliadas de paraísos não servem apenas para realocar lucros longe de locais de
alta tributação. Em vez disso, essa evidência sugere que empresas com baixas
alíquotas de impostos estrangeiros se beneficiam do uso de refúgios fiscais para
adiar, ou evitar, tributação dos seus rendimentos estrangeiros.85 Com isso em
mente, cabe discutir sobre o elefante na sala, o fenômeno contínuo que são as
empresas offshore.
84
HONG, Qing; SMART, Michael. In praise of tax havens: International tax planning and foreign
directinvestment. Germany: CESifo Working Paper No. 1942, 2009, p. 82-95.
85
HAMPTON, Mark P. The Offshore Interface. Tax Havens in the Global Economy. United
States: Capital& Class, 1998, p. 1-11.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 203
86
MOTA, J.; ANTUNES, M.; LOPES, L. P. Paraísos Fiscais: Mercadorização Onshore e
Offshore. Portugal: Universidade de Coimbra, 2009, p. 9-16.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 204
O motivo da qual possui imensa importância é mais por ter gerado uma
subespécie de empresa como consequência direta de sua existência, isto é, as
“shell companies” ou, traduzido literalmente do inglês, “empresas de concha”,
por causa de sua característica como“conchas vazias”. Melhor conhecidas como
empresas de fachada, são pessoas jurídicas sem operações comerciais ativas ou
ativos significativos, que existem quase exclusivamente para usufruir de um
refúgio fiscal no exterior. São normalmente utilizadas por grandes corporações que
decidem transferir empregos e lucros para o exterior, afim de aproveitar de
códigos fiscais mais flexíveis. Este é o processo de "offshoring" ou "terceirização"
do trabalho que antes era realizado internamente.
87
MOTA, J.; ANTUNES, M.; LOPES, L. P. Paraísos Fiscais: Mercadorização Onshore e
Offshore. Portugal: Universidade de Coimbra, 2009, p. 9-16.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 205
88
Relatado em entrevista com a BBC (https://www.bbc.co.uk/news/business-33628020).
89
RADU, Daniela Iuliana. Tax havens impact on the world economy. Romania: Elsevier Ltd.
Selection, 2012,p. 399.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 206
90
DESAI, M. A. et al. Do tax havens divert economic activity? United States: Ross School of Business
Paper -No. 1024, 2005, p. 223-224.
91
RADU, Daniela Iuliana. Tax havens impact on the world economy. Romania: Elsevier Ltd.
Selection, 2012,p. 399-400.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 207
interessante feita por Juan Serrato na esfera estadunidense revela uma projeção
temerosa (traduzido do inglês)92:
A eliminação do acesso das empresas a
refúgios fiscais pode gerar consequências não
intencionais para o crescimento econômico.
Analisamos uma mudança de política que
limitou a transferência de lucros para as
multinacionais americanas e mostramos que a
reforma elevou o custo efetivo do investimento
nos EUA. As empresas expostas respondem
reduzindo o investimento global e transferindo
o investimento para o exterior – o que reduziu
seu investimento doméstico em 38% – e
reduzindo o emprego doméstico em 1,0 milhão
de empregos. Em seguida, mostramos que os
custos da eliminação dos paraísos fiscais são
persistentes e geograficamente concentrados,
pois os mercados de trabalho locais mais
expostos experimentam declínios no
crescimento do emprego e da renda por mais
de 15 anos.
Tal análise pode ser aplicada em um cenário mundial, haja vista que os
refúgios fiscais inadvertidamente geram empregos e sustentam empresas
multinacionais, assim como governos que dependem de seu status próprio como
refúgios para gerarem capital o suficiente para continuarem funcionando
efetivamente.
4. ILEGABILIDADE E OBSTÁCULOS
Como já visto, mesmo consideradas as vantagens econômicas e importância
existencial das atividades de refúgios fiscais, errôneo seria a ofuscação dos
elementos negativos afetam significativamente a grande maioria dos países do
mundo contemporâneo, sejam eles países industrializados, países em
desenvolvimento, os próprios refúgios fiscais, as pessoas físicas e jurídicas
envolvidas em negócios internacionais, e quaisquer atividades de investimento e
pessoas que usam refúgios para sonegar impostos e evadir outras leis. Nesta parte,
os prejuízos aos interesses de todos são discutidas.
Dos países existentes, há, por maioria, um consenso de hostilização da
perpetuação e expansão dos refúgios fiscais e suas atividades, pois estes sabem
que refúgios fiscais facilitam o fluxo de entrada de investimento estrangeiro, vide
acesso fácil ao mercado de Eurobonds para empresas residentes em alguns países
92
SERRATO, Juan Carlos Suaréz. Unintended Consequences of Eliminating Tax Havens.
United States: NBER Working Paper Series, 2018, p. 1.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 208
93
FISHER, Jasmine M. Fairer Shores: Tax Havens, Tax Avoidance, and Corporate Social
Responsibility.United States: Boston University Law Review 94, 2014, p. 483-485.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 209
94
INTUIT TURBO TAX. Tax Avoidance, Tax Evasion and Tax Sheltering: How They Differ.
United States:TurboTax, 2021. (https://turbotax.intuit.com/tax-tips/tax-payments/tax-avoidance-
tax-evasion-and-tax- sheltering-how-they-differ/L0C16irkA)
95
MURPHY, Kevin E.; HIGGINS, Mark. Concepts in Federal Taxation. Cengage Learning, 2017, p.
61.
96
HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e Elisão: rotas nacionais e internacionais do planejamento
tributário.São Paulo. Saraiva, 1997, p. 234-237.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 210
97
PLATT, S. Capitalismo Criminoso: como as instituições financeiras facilitam o crime. São
Paulo: EditoraCultrix, 2015, p. 241.
98
AVI-YONAH, Reuven; SARTORI, Nicola; MARIAN, Omri. Global Perspectives on
Income TaxationLaw. United Kingdom: Oxford Scholarship Online, 2011, p. 101.
99
GRAVELLE, Jane G. Tax Havens: International Tax Avoidance and Evasion. United
States: University of Chicago Press, 2010, p. 1.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 211
100
MASCARENHAS, Ronaldo Silva. PARAÍSOS FISCAIS, EVASÃO FISCAL E O SISTEMA DE
GOVERNANÇA GLOBAL: RESPOSTAS À CRISE FINANCEIRA. Brasil: Universidade Federal de
Bahia,2018, p. 44-51.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 212
perda de posição para alguns dos citados, bem como litígios contra a mídia e os
jornalistas que publicaram os jornais. Para concluir, importante condensar estes
informes para responder à pergunta: “quais as reais consequências negativas da
evasão fiscal em um nível do investimento público e privado, uma vez que ambos
estão diretamente entrelaçados ao crescimento econômico?”
Responde-se da seguinte forma: A evasão fiscal gera impactos negativos
na economia e no bem-estar da sociedade, pois causa a queda significante da
receita do governo que pode levar a alíquotas de impostos mais altas, e tal perda
de receita afeta a comunidade como um todo negativamente, pois poderia ser
usada para financiar melhorias na saúde, educação e outros programas
governamentais. A evasão fiscal também permite que algumas empresas
obtenham uma vantagem injusta em um mercado competitivo e que alguns
indivíduos não cumpram suas obrigações fiscais, efetivamente invalidando a lei e
incentivando a contínua prática de atividades tributárias ilícitas.
4.3 Lavagem de Dinheiro
A lavagem de dinheiro (ou branqueamento de capital) é o processo ilegal
de fazer comque grandes quantias de dinheiro geradas por atividades criminosas,
como tráfico de drogasou financiamento de terrorismo, pareçam ter vindo de uma
fonte legítima. O dinheiro da atividade criminosa é considerado sujo, e o processo
o “lava” para que pareça limpo. A lavagem de dinheiro é um crime financeiro
grave que é empregado por criminosos de colarinho branco e de rua. Atualmente,
a maioria das empresas financeiras possui políticas de combate à lavagem de
dinheiro (AML) para detectar e prevenir essa atividade.
Os criminosos usam uma ampla variedade de técnicas de lavagem de
dinheiro para fazer com que os fundos obtidos ilegalmente pareçam limpos. Os
bancos on-line e as criptomoedas tornaram mais fácil para os criminosos transferir
e sacar dinheiro sem detecção. A prevenção da lavagem de dinheiro tornou-se um
esforço internacional e agora inclui o financiamento do terrorismo entre seus
alvos. O setor financeiro também possui seu próprio conjunto de medidas rígidas
de combate à lavagem de dinheiro (AML).
Como funciona a lavagem de dinheiro? Simplesmente, este processo é
essencial para organizações criminosas que desejam usar dinheiro obtido
ilegalmente de forma eficaz. Lidar com grandes quantidades de dinheiro ilegal é
ineficiente e perigoso. Os criminosos precisam de uma maneira de depositar o
dinheiro em instituições financeiras legítimas, mas só podem fazê-lo se parecer vir
de fontes legítimas. O processo de lavagem de dinheiro normalmente envolve três
etapas: colocação, camadas e integração. A colocação injeta sub-repticiamente
o“dinheiro sujo” no sistema financeiro legítimo. As camadas ocultam a origem do
dinheiro por meio de uma série de transações e truques de contabilidade.101
Na etapa final conhecido como a integração, o dinheiro (agora lavado) é
retirado da conta legítima para ser usado para quaisquer fins que os criminosos
tenham em mente para isso. Observe que em situações da vida real, esse modelo
101
FINRA. Frequently Asked Questions (FAQ) Regarding Anti-Money Laundering
(AML). United States:Financial Industry Regulatory Authority, 2022.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 213
pode ser diferente. A lavagem de dinheiro pode não envolver todas as três etapas,
ou algumas etapas podem ser combinadas ou repetidas várias vezes.102 Há muitas
maneiras de lavar dinheiro, das mais simples às mais complexas. Uma das
técnicas mais comuns é usar um negócio legítimo, baseado em dinheiro, de
propriedade de uma organização criminosa. Por exemplo, se a organização possui
um restaurante, pode inflar os recebimentos diários de dinheiro para canalizar
dinheiro ilegal através do restaurante e para a conta bancária do restaurante.
Depois disso, os fundos podem ser retirados conforme necessário. Esses tipos de
negócios são frequentemente chamados de “frentes”.103
Existem outras maneiras, como a exploração astuta de uma teia complexa
e entrelaçada de jurisdições secretas e/ou refúgios fiscais, a manipulação do
conceito de pessoas jurídicas e arranjos jurídicos para inventar 'empresas de
fachada' que podem funcionar como coberturas para indivíduos corruptos, o abuso
de brechas na legislação existente contra o branqueamento de capitais, a fraca
implementação destas regras, a corrupção das autoridades; tudo combinado com a
cultura de lucro de várias instituições financeiras estabelecidas e especialistas de
mercado em economias desenvolvidas, como por exemplo na União Europeia.
Independentemente da origem do dinheiro, se foi adquirido por meio de uma
atividade criminosa ou de uma infração punível, as finalidades da lavagem de
dinheiro efetivamente são as mesmas.
Os países que são refúgios fiscais acabam sendo os mais vulneráveis às
atividades de lavagem de dinheiro. Os criminosos são atraídos por refúgios porque
esses países oferecem uma ampla variedade de facilidades para investidores que
não estão dispostos a divulgar a origem de seus ativos. Oferece aos criminosos a
oportunidade de ocultar suas fontes de fundos do controle de suas autoridades
reguladoras domésticas. Esses refúgios impõem sigilo financeiro muito rigoroso,
protegendo efetivamente os investidores de investigações e processos judiciais de
seus países de origem. Também os criminosos são atraídos para países e/ou
locais que oferecem altos níveis de sigilo, variedade de mecanismos financeiros e
fornecem anonimato para os beneficiários efetivos por uma ampla variedade de
razões, incluindo a cobertura e proteção potencial que oferecem para lavagem de
dinheiro e vários exercícios de fraude financeira. Simplesmente, jurisdições com
práticas de negócios menos transparentes atraem criminosos para investir seu
dinheiro sujo.104
Acerca da prevenção da lavagem de dinheiro, governos de todo o mundo
intensificaram seus esforços para combater este crime nas últimas décadas, com
regulamentações que exigem que as instituições financeiras implementem
sistemas para detectar e relatar atividades suspeitas. A quantidade de dinheiro
102
UNODC. Money Laundering. United States: United Nations – Office on Drugs and Crime, 2022.
103
DIREITO, Ana Sofia da Costa. Territórios Fiscais Privilegiados: os “Paraísos
Fiscais”. Portugal:Universidade do Minho, 2019, p. 21-26.
104
GIAMPIETRO, Adrienne Fiuza. A UTILIZAÇÃO DOS PARAÍSOS FISCAIS
ATRAVÉS DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL E A
CONEXÃO COM A LAVAGEM DE
DINHEIRO. Brasil: Faculdade Sete de Setembro, 2010, p. 34-37.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 214
105
UNODC. Money Laundering. United States: United Nations – Office on Drugs and Crime, 2022.
106
Retirado do site do GAFI. History of the FATF. 2021. (https://www.fatf-gafi.org/)
107
Retirado do site da FinCEN. (https://www.fincen.gov/)
108
100 STAT. 3207, Public Law 99-570, Congresso dos Estados
Unidos da América. (https://www.govinfo.gov/app/details/STATUTE
100/STATUTE-100-Pg3207)
109
Retirado do site da ACAMS. (https://www.acams.org/pt-br)
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 215
110
SUSS, Esther; MENDIS, Chandima; WILLIAMS, Oral. Caribbean Offshore Financial
Centers: Past,Present, and Possibilities for the Future. United States: IMF Working
Papers, 2002, p. 249-264.
111
FMI. Offshore Finance and Offshore Financial Centers: What It Is and Where It Is
Done. United States: International Monetary Fund, 2000, p. 1-4.
112
HINES JR., James R. Do Tax Havens Flourish? United States: NBER Working Paper Series, 2004,
p. 31.
113
DESAI, M. A.; FOLEY, C. F.; HINES JR., J. R.; Do tax havens divert economic
activity? United States:Ross School of Business Paper No. 1024, 2005, p. 5-13.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 217
114
ABREU, Paula Santos de. GATS – O ACORDO SOBRE SERVIÇOS DA OMC.
Brasil: Revista doPrograma de Mestrado em Direito do UniCEUB, 2005, p. 1-2; p. 508.
115
PALAN, R.; MURPHY, R.; CHAVAGNEUX, C. Tax Havens: How Globalization Really
Works. UnitedStates: Cornell University Press, 2010, p. 753-756.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 218
116
HENRY, James S. Taxing Tax Havens. United States: Foreign Affairs, 2016.
(https://www.foreignaffairs.com/articles/belize/2016-04-12/taxing-tax-havens)
117
Idem, 2016.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 219
118
NABAIS, Casalta. Direito Fiscal. Portugal: Almedina, 2007, p. 1-2.
119
AGHION et al. Carbon Taxes, Path Dependency and Directed Technical Change: Evidence from
the Auto Industry. United States: SSRN Electronic Journal. 2016, p. 1-3.
120
LITINA, Anastasia; PALIVOS, Theodore. Corruption, tax evasion and social values.
Netherlands: Journalof Economic Behavior & Organization, 2016, p. 2-3.
121
ROSE-ACKERMAN, Susan. Political Corruption and Democracy. United States:
Connecticut Journal of International Law, 1999, p.1.
122
CLEMENTE, F. Ensaios Sobre Sonegação Fiscal: Evidências Internacionais e Para
o Brasil. Brasil:Universidade Federal de Viçosa, 2016, p. 17.
123
DALMOLIN, Luís Carlos. A exploração tributária intermediada pelo Estado: dos
mecanismos tributários anestesiantes à fictio juris. Brasil: Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, 2016, p. 51.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 220
124
BARRETO, Paulo Ayres; TAKANO, Caio Augusto. Os desafios do planejamento
tributário internacional na era pós-BEPS. In XIII Congresso – 50 anos do código tributário
nacional. Brasil: Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET, 2016, p. 1026-1028.
125
YANG, James; METALLO, Victor. The Emerging International Taxation
Problems. Switzerland: International Journal of Financial Studies, 2018, p. 1-10.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 221
sem precedente.126 Isso porque a ideia (ênfase em ideia, pois nunca veio à fruição)
de tributação global ou internacional já existe e foi proposta no passado, nunca
materializando-se devido ao conflito de interesses e certa hesitação e medo de
alguns países; ora, se todos os países conseguem concordar em uma legislação
global, para que serve a soberania destes mesmos? De fato, a OMC surgiria como
foro multilateral responsabilizada pela regulamentação do comércio e certos
aspectos tributários (na forma de descumprimento de acordos internacionais,
por exemplo) em escala internacional, porém apenas décadas após a concepção
da ideia mencionada, firmando ainda mais a dificuldade de estabelecimento de
instrumento regulatório internacional na esfera econômica.
Desde o fim da Guerra Fria, as relações econômicas internacionais se
tornaram cada vez mais proeminentes, exacerbando-se com revolução
tecnológica e a Internet. A partir disso, a economia internacional conseguiu
desconsiderar os limites territoriais e geográficos nacionais em favor do acréscimo
do comércio e produção, que possibilitam o desenvolvimento dos países.
Atualmente, existe certa exigência acerca da possível reformulação de aspectos e
elementos fundamentais que compõem um Estado, visando integrá-los à economia
internacional de maneira mais fluída, além de possibilitar o melhor combate dos
abusos fiscais que ocorrem e regulamentação dos refúgios fiscais que os facilitam.
Tal reformulação atingiria o Direito também, de forma internacional, adaptando-o
para ser mais adequado nesta nova ordem mundial especulada.
Porém, no presente momento, não existem indicativos concretos que
sustentem a possibilidade da ocorrência deste cenário em um futuro previsível;
logo, a soberania estatal continua como certo impeditivo à instauração de
legislação tributária internacional. No Brasil, assim como em muitos outros países,
a soberania é inerente ao Direito Internacional, pois no mesmo momento em que
um Estado nasce, já é soberano, algo que é reafirmado como princípio
fundamental na Constituição, conferindo ao mesmo o poder de decisão,
acompanhado sempre por seu povo e território. Assim, compreende-se que um
obstáculo ao estabelecimento de política fiscal global seria o aspecto da soberania
das nações, que por si só representa um embate ideológico que persiste desde a
concepção da ideia de uma comunidade internacional que age sob as mesmas
jurisdições que qualquer outro país. Tal problemática merece análise especial, pois
aglomera quantidade significativa de conhecimento acadêmico que pode ser
devidamente estudado.
5.2 As Medidas e Tentativas de Policiamento
Consideradas as informações relatadas até o presente momento, pode-se
afirmar que há uma forte vontade de policiamento dos refúgios fiscais, um dos
motivos sendo as atividades ilegais que ocorrem em seus meios; nesta seção,
revela-se algumas das reações regulatórias arguidas contra os refúgios fiscais.
Estas reações manifestaram regulamentos afim de mitigar problemas existentes ou
potenciais dos refúgios, podendo ser distinguidos por suas naturezas, unilateral ou
multilateral.
126
Idem, 2018, p. 1-10.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 222
127
TOUMI, Marika. Anti-Avoidance and Harmful Tax Competition: From Unilateral to
Multilateral Strategies? New Zealand: Political Science, 2002, p. 88-93.
128
OCDE. United Nations Model Double Taxation Convention between Developed and
DevelopingCountries. France: OECD Publishing, 2014.
129
DUMLUDAG, D. An analysis of the determinants of foreign direct investment in
Turkey: The role ofthe institutional context. Lithuania: Journal of Business Economics and
Management, 2011.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 223
outro tipo, afim de deixar seu conceito menos vago, impedindo potencial
exploração de brecha. Esta medida unilateral confere à autoridade fiscal o poder
de rejeitar atos ou estruturas simuladas ou artificiais e que ocultam a substância de
suas atividades. vínculos com o único objetivo de obter vantagens fiscais. 130
Ainda, curiosamente, identifica-se o emprego da inversão do ônus da
prova, que nada mais é que uma norma legal que estabelece que o acusador não é
responsável para provar as ações do acusado, forçando o acusado a comprovar sua
inocência por meio de provas verídicas; neste cenário, aquele acusado deverá se
inocentar de estar promovendo ou agindo de alguma forma uma evasão fiscal.
Essa medida é controversa, uma vez que os dados colhidos pelos países que
utilizaram dela retornaram informações que constariam a margem de erro
significativa, o que simplesmente enquadrava pessoas físicas e jurídicas como
potenciais evasores quando não eram.131
Depois, existem os requisitos de declaração, que obrigam os contribuintes
a declarar periodicamente quaisquer valores pagos ou devidos a entidades
estrangeiras às autoridades fiscais; nota-se que uma medida como esta apenas
funciona se a medida anterior for acatada. E, finalmente, além das já mencionadas,
há de se mencionar a existência de certas medidas unilaterais adicionais: a recusa
de participação em convenções internacionais com refúgios fiscais (agindo como
forma de protesto e demonstrando irresignação do país); a recusa de acesso ao
sistema judiciário para certas entidades típicas dos refúgios fiscais; e a
criminalização de alguns tipos de fraude envolvendo a utilização de refúgios
fiscais.132
130
LODIN, S. International Tax Issues in a Rapidly Changing World. Netherlands: Bulletin for
InternationalFiscal Documentation - Vol. 55, 2001.
131
PLATEFORME PARADIS FISCAUX ET JUDICIAIRES. Paradis Fiscaux et Judiciaires
Cessons lescandale! France: Secours Catholique, 2007, p. 9-10.
132
Idem, 2007, p. 9-10.
133
GINEVICIUS, R.; TVARONAVIČIENE, M. Tax evasion through offshore companies:
How importantthe phenomenon is? Lithuania: Journal of Business Economics and
Management, 2010, p. 25-30.
134
LITWAK, Martin. Paraísos fiscales e infiernos tributarios: una mirada diferente sobre las
jurisdicciones
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 224
137
BENNEDSEN, Morten; ZEUME, Stefan. Corporate Tax Havens and Transparency.
United Kingdom:Review of Financial Studies, 2018, p. 1222-1227.
138
BENNEDSEN, Morten; ZEUME, Stefan. Corporate Tax Havens and Transparency.
United Kingdom:Review of Financial Studies. 2018, p. 1222-1227.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 226
139
ELLUL et al. Transparency, Tax Pressure, and Access to Finance. United Kingdom:
Review of Finance, 2015, p. 7-10.
140
FERREIRA, Ana Margarida Raposo. Paraísos Fiscais – Novos Desafios e Ameaças.
Portugal: Revista daAssociação Portuguesa de Sociologia, 2011, p. 308.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 227
141
DESAI, Mihir; DYCK, Alexander; ZINGALES, Luigi. Theft and Taxes. Netherlands:
SSRN ElectronicJournal, 2007, p. 32-33.
142
MIRONOV, M. Taxes, Theft, and Firm Performance. United States: The Journal of
Finance, 2013, p. 1470-1471.
143
AZEVEDO, P. A. O Princípio da Transparência: entraves e algumas manifestações e
soluções práticas. Portugal: Centro de Investigação Jurídico-Econômica, 2010, p. 146-157.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 228
144
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais (com comentários à
Convenção de Viena de1969). São Paulo: Saraiva, 2004, p. 114.
145
ARNOLD, Brian. An introduction to tax treaties. United States: United Nations Publications, 2013,
p. 1-16.
146
ARNOLD, Brian. An introduction to tax treaties. United States: United Nations Publications, 2013,
p. 1-16.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 229
147
HAMPTON, M. A Preliminary Analysis of the Offshore Interface Between Tax Havens,
Tax Evasion, Corruption and Economic Development. United Kingdom: University of
Portsmouth, 1995.
148
OGLEY, A. Principles of International Tax - A Multinational Perspective. United
Kingdom: Interfisc Publishing, 1993.
149
OWENS, J. Towards World Tax Co-operation. France: OECD Observer, 2000.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 230
150
Retirado do site da OCDE (https://www.oecd.org/about/).
151
NUNES et al. A redução da evasão fiscal com a adoção do BEPS – Base Erosion and
Profit Shifting. Venezuela: Revista Espacios, 2016, p. 1-12.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 231
152
NUNES et al. A redução da evasão fiscal com a adoção do BEPS – Base Erosion and
Profit Shifting. Venezuela: Revista Espacios, 2016, p. 1-12.
153
HETHERINGTON-GORE, J. The Future of Offshore as a Business Location
Following theEU/OECD/FATF/FSF Initiatives. France: OECD Publishing, 2001.
154
AVI-YONAH, R. Globalization, Tax Competition and the Fiscal Crisis of the
Welfare State. United States: Harvard Law Review - Vol. 113. 2000, p. 1632-1648.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 232
155
Idem, 2000, p. 1632-1648.
156
DEAN, Steven. Philosopher Kings and International Tax: A New Approach to Tax
Havens, Tax Flight,and International Tax Cooperation. United States: The Hastings Law
Journal, 2007, p. 962-965.
157
Retirado do site da ICRICT (https://www.icrict.com/about-icrict).
158
IJF. Declaração da ICRICT. Brasil: Instituto Justiça Fiscal, 2016.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 233
159
IJF. ICRICT demanda medidas tributárias internacionais para uma recuperação
econômicasustentável. Brasil: Instituto Justiça Fiscal, 2020.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 234
CONCLUSÃO
160
Também conhecidos como International Convergence of Capital Measurement and Capital
Standards, tratam-se de Acordos de Capital firmados em 1988 e 2004, respectivamente, surgindo
como forma de regulamentação bancária internacional. O Acordo de Basileia I criou exigências
mínimas de capital para bancos comerciais como precaução contra o risco de crédito, entre outras
regras e obrigações. Já o Acordo de Basileia IIincorpora os preceitos do primeiro acordo e lhe
substitui, fixando três pilares (Capital, Supervisão e Transparência e Disciplina de Mercado), além
de 29 princípios básicos sobre contabilidade e supervisão bancária. Para um breve sumário, vide
Anexo I, na pág. 83 deste trabalho.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 236
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DESAI, M. A.; FOLEY, C. F.; HINES JR., J. R.; Do tax havens divert economic
activity? United States: Ross School of Business Paper - No. 1024, 2005.
HENRY, James S. Taxing Tax Havens. United States: Foreign Affairs, 2016.
INTUIT TURBO TAX. Tax Avoidance, Tax Evasion and Tax Sheltering:
How They Differ. United States: TurboTax, 2021. Disponível em:
https://turbotax.intuit.com/tax- tips/tax-payments/tax-avoidance-tax-evasion-and-
tax-sheltering-how-they-differ/L0C16irkA. Acesso em: 24 jun. 2022.
RADU, Daniela Iuliana. Tax havens impact on the world economy. Romania:
Elsevier Ltd. Selection, 2012.
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RAPOSO, Ana Margarida; MOURÃO, Paulo Reis. Tax havens or tax hells? A
discussion of the historical roots and present consequences of tax havens.
European Union: Institute of Public Finance, 2013.
ROSENZWEIG, Adam H. Why are there tax havens? United States: William
& Mary LawReview 923, 2010.
STEINMO, S. Taxation and Democracy. United States: Yale University Press, 1993.
ANEXOS
ANEXO I – FLUXOGRAMA
DOS ACORDOS DE BASILEIA
Fonte:
Banco Central do Brasil
(https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/recomendacoesbasilei)
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 247
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
161
Este capítulo é referente ao Trabalho de Conclusão do curso de Direito da Unipampa, campus Santana
do Livramento.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 248
vínculos afetivos são criados. Caso ele seja devolvido à instituição acolhedora, danos
são provocados e ocorrerá uma dupla rejeição: primeiramente pela família biológica e,
em seguida, pela família adotiva.
A partir disso, a exploração do tema deste trabalho é extremamente pertinente, uma vez
que a problemática de devolver crianças e adolescentes, durante o estágio de
convivência, encontra-se presente na sociedade e está cada vez mais a desafiar os
Tribunais brasileiros. Como não existe uma vedação expressa no ordenamento jurídico
brasileiro acerca da prática da devolução durante o estágio de convivência, é necessário
encontrar uma possibilidade que desencoraje tal atitude e que, ao mesmo tempo, além
de compensar os infantes e adolescentes pelos danos neles provocados, estimule uma
adoção consciente, a fim de preservar os seus direitos.
Desse modo, o objetivo central do presente estudo é verificar a possibilidade de
responsabilização civil dos adotantes que devolvem as crianças e/ou os adolescentes
durante o estágio de convivência. Isso será desenvolvido a partir do emprego do método
dedutivo, com o emprego da pesquisa técnica documental bibliográfica. Assim, o
trabalho será dividido em três capítulos, mais a conclusão: 1) Noções básicas sobre o
instituto jurídico da adoção no Brasil; 2) A responsabilidade civil no ordenamento
jurídico brasileiro; 3) A possibilidade de responsabilização civil dos adotantes em caso
de devolução da criança ou do adolescente durante o estágio de convivência.
Portanto, ainda que não exista uma vedação expressa para aqueles que desejam
devolver o adotando durante o estágio de convivência, tal prática não pode se tornar de
praxe no processo de adoção. Ademais, tal conduta não pode se configurar como um
meio legítimo de provocar danos em crianças e adolescentes. Caso continuar inexistindo
consequências práticas para quem adota tal postura, a doutrina da proteção integral e o
princípio da dignidade humana serão inobservados e a população infantojuvenil estará
em uma posição vulnerável.
vínculos biológicos são rompidos e uma nova família será formada legalmente,
inclusive com a possibilidade de alteração do nome do adotado.
Apesar de haver inúmeros efeitos após o trânsito em julgado, sejam patrimoniais
ou pessoais, o principal deles é a irrevogabilidade da adoção. Tal ideia advém do fato de
tal modalidade de filiação imitar a vida (DIAS, 2016) e tem como finalidade estabilizar
os laços afetivos, fazendo com que a criança e/ou o adolescente se sinta realmente
inserido em um núcleo familiar. Desse modo, como na filiação biológica não há como
“devolver” o filho (GAGLIANO; BARRETO, 2020), a mesma lógica é aplicada à
adoção após o trânsito em julgado da sentença concessiva.
A partir do exposto, percebe-se que o ordenamento jurídico brasileiro passou a
valorizar a afetividade no âmbito do direito de Família e aproximou os efeitos jurídicos
decorrentes da filiação biológica e da filiação civil. Portanto, é notório que a valorização
dos vínculos afetivos e a equiparação do filho adotivo ao biológico é um reflexo do
prestígio ao princípio da dignidade da pessoa humana.
quando há uma cadeia de causas e efeitos, surgindo a dificuldade de escolher qual delas
será escolhida como a responsável pelos danos (GONÇALVES, 2021).
No que tange a essas concausas sucessivas, a doutrina, no intuito de facilitar a
identificação da causa geradora do dano, elaborou algumas teorias, ainda que nenhuma
delas ofereça soluções concretas. Dentre elas estão: a teoria da equivalência dos
antecedentes, a teoria da causalidade adequada e a teoria dos danos diretos e imediatos.
Embora não haja consenso e o mais adequado, frente a um caso concreto, é verificar
qual delas é a mais justa para o entendimento da situação, na presente pesquisa, para
fins metodológicos, adotar-se-á a teoria dos danos diretos e imediatos. Esta requer que,
entre a conduta humana e o prejuízo, exista uma relação de causa e efeito de forma
direta e imediata. Assim, caso várias pessoas estejam envolvidas no ilícito, cada uma
delas responsabiliza-se, unicamente, pelos danos que proximamente resultem da
conduta lesiva.
Ademais, há casos em que, embora exista o liame entre a conduta de um agente
e o dano provocado, o seu comportamento não será passível de responsabilização civil.
Isso porque existem as chamadas excludentes do nexo causal que rompem o elo entre a
conduta e o dano. Nesse sentido, Cavalieri Filho (2012) enumera quatro casos de
exclusão do nexo causal: caso fortuito, força maior, fato exclusivo da vítima ou de
terceiros.
O terceiro pressuposto necessário ao dever de indenizar é o dano, uma vez que
não há responsabilidade civil se não houver prejuízo a ser reparado ou compensado.
Caso ele não exista, estar-se-á frente a um caso de enriquecimento sem causa por parte
da vítima. Outrossim, ressalta-se a necessidade do elemento dano à configuração da
responsabilidade civil com as palavras de Cavalieri Filho (2012, p. 77):
Ainda, consequências desses abandonos poderão ser sentidos na forma como esses
futuros adultos criarão seus próprios filhos, já que não tiveram modelos de identificação
com seus genitores (SOUZA, 2012).
Após serem devolvidos, esses infantes e/ou adolescentes passam a duvidar de si
próprios, imaginando que não são capazes ou, até mesmo, que não são merecedores de
uma família, tendo em vista que novamente foram abandonados. Não raras as vezes, o
trauma é tanto que eles passam a demonstrar total desinteresse de serem inseridos em
um novo ambiente familiar.
Ainda, faz-se imperioso vislumbrar que os danos provocados nos adotandos
devolvidos não se restringem aos danos psicológicos e emocionais. Embora seja mais
recorrente o surgimento de comportamentos antissociais e de isolamento, bem como
sentimentos de tristeza e ansiedade, danos físicos também podem ocorrer. Nesse
sentido, segundo Vargas (2020), é comum que em crianças e adolescentes
traumatizados por algum acontecimento ocorrido em suas vidas, tal como uma
devolução, surjam problemas relacionados ao seu corpo. Normalmente, esses
indivíduos, em relação a outros que se desenvolveram em um ambiente familiar
saudável, apresentam desenvolvimento lento, disfunções digestivas, alterações no sono
e até mesmo falta de equilíbrio e coordenação.
Por conta disso, como já mencionado, mesmo que a conduta de devolver o
adotando durante o estágio de convivência não seja vedada pelo ordenamento jurídico e
até possível em hipóteses excepcionais, é inegável que inúmeros danos, tanto
emocionais como físicos, são provocados nas crianças e nos adolescentes. É de se
observar que a prerrogativa dos indivíduos em constituírem uma família por meio da
adoção, partindo da habilitação voluntária, livre e expressa, deve ser sempre exercida
dentro dos limites legais, balizados, especialmente, pela boa-fé e pelo fim social. Não
obstante a conduta de devolver a criança e/ou o adolescente durante o estágio de
convivência não ser vedada legalmente, ela extrapola os balizadores mencionados,
configurando um ato ilícito por abuso de direito. Ademais, a partir do comportamento
devolutivo, inúmeros danos são provocados nos infantes e juvenis, tal como já
explicitado, corroborando a hipótese de responsabilização civil por abuso de direito.
Acerca disso, Bordallo (2019, p. 405-406) entende que:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RESUMO
Palavras-chave: Direito das Sucessões. Direito Digital. Bens Digitais. Herança Digital.
ABSTRACT
The advancement of technology has evidently brought the migration of data recording
from analog to digital form, which has brought remarkable developments to the social
sphere and, consequently, to Law, in particular the Law of Succession. This course
conclusion work aims to verify the legal possibility of the succession of digital assets in
Brazilian law. It is argued that the relevance of the theme is directly linked to the social
aspect of the subject, which depends on legal regulation. In order to do so, we sought to
162
Este capítulo é referente ao Trabalho de Conclusão do curso de Direito da Unipampa, campus Santana
do Livramento.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 267
Key words: Succession Law. Digital Law. Digital Goods. Digital Heritage.
INTRODUÇÃO
A existência do ser humano para fins jurídicos no Brasil é tratada pelo Código
Civil, que estabelece o início e fim da sua personalidade, vale dizer, da sua qualidade de
pessoa, que se inicia com o nascimento com vida (CC, art. 2º) e termina com a morte
(CC, art. 6º) (TEIXEIRA e LEAL, 2021, p. 18).
O brasileiro, em geral, não costuma falar da morte. Muitos dizem que isso traz
mau agouro ou pode, até mesmo, propiciar a sua chegada mais precoce, o que ninguém
quer. Mas o fato é que a morte faz parte da vida, sendo a única certeza de toda a nossa
trajetória, independentemente de credo ou filosofia. (GAGLIANO, 2021, p. 609).
Com a causa mortis, sobrevém o fenômeno sucessório, o qual não é
característico somente dos casos de falecimento, conceituando Farias (2019, p. 1.967)
que:
criando novos que sejam capazes de garantir a segurança jurídica necessária às relações
sociais. (PECK, 2016, p.76).
2.2 Bens Digitais
De acordo com o que foi explanado, o direito precisou (e ainda precisa)
acompanhar a evolução constante da sociedade informatizada, a qual cresce cada vez
mais. Nesse sentido, preceitua Bruno Torquato Zampier Lacerda (2021, p. 110):
163
Ativos digitais.
164
Propriedade digital.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 286
Como não poderia ser diferente, o Direito das Sucessões não escapa dessa influência,
surgindo intensos debates sobre a transmissão da chamada herança digital.”
Arrematando a questão, no que tange a necessidade de uma tutela jurídica
específica para o patrimônio digital, traz-se as palavras da advogada e professora
Patrícia Corrêa Sanches, presidente da Comissão de Família e Tecnologia do Instituto
Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM:
Existem alguns projetos de lei em tramitação no Congresso que
tratam da herança digital. Por enquanto, nenhum desses projetos
garante a segurança jurídica necessária para se legislar sobre uma
temática de tamanha importância e solenidade, no Direito das
Sucessões e da privacidade.
Ela opina especificamente sobre o PL 1689/2021, que trata dos dados pessoais
como passíveis de serem herdados. “Direitos da personalidade como o nome e a
privacidade, por exemplo, são intransmissíveis. É preciso ressaltar que o direito à
privacidade abrange a proteção aos dados pessoais. Gerar uma exceção quanto à
transmissibilidade desses direitos cria uma insegurança jurídica e social ab initio.”
(IBDFAM, 2021).
regra geral do direito sucessório. É o que traz TERRA, OLIVA e MEDON, 2021, p.
140:
Em apertada síntese, os defensores da intransmissibilidade
sustentam que nem todos os bens digitais são passíveis de
transmissão, havendo, portanto, dois regimes jurídicos distintos
aplicáveis a referidos bens. Gabriel Honorato e Livia Teixeira
Leal, nessa linha, aduzem que “ao menos a priori, somente
deveria seguir a regra geral do direito sucessório os bens com
característica patrimonial, ao passo que os demais não estariam
sujeitos à transmissão para seus herdeiros em virtude da
preservação da privacidade”, tanto do de cujus como de todos os
terceiros que se relacionem com o conteúdo deixado na rede.
Aludidos autores sustentam que nem mesmo o titular do acervo
digital poderia, em vida, optar por futura destinação de seu
patrimônio para eventuais herdeiros quando o seu conteúdo
pudesse “comprometer a personalidade de outrem, o que ocorre
com conversas de WhatsApp, e-mail e também em redes sociais
que dotam de espaços reservados para conversas particulares,
como as direct messages do Facebook e do Instagram”.
Verifica-se que, dentre as possibilidades de transmissão dos bens digitais, que
aquela decorrente dos bens de conteúdo unicamente patrimonial é pacífica entre os
doutrinadores. Segundo Rosa e Burille (2021, p. 575):
Assim, pode-se afirmar que o ponto pacífico nas correntes
doutrinárias se dá em relação aos bens cujo conteúdo é
meramente patrimonial, no sentido de que "devem seguir as
regras gerais do direito sucessório, projetando-se do morto para
os herdeiros através dos trâmites de inventário". De outro modo,
verifica-se que o ponto de divergência na doutrina brasileira em
relação a transmissibilidade dos bens digitais permeia,
precipuamente, acerca da possibilidade ou não de transmissão
dos chamados bens digitais com conteúdo existencial (aqui
também compreendidos como dados pessoais), assim
considerados os bens de caráter exclusivamente existenciais e
aqueles de caráter híbrido.
Havendo tal interesse por parte dos herdeiros, registra-se que o procedimento
deverá se dar do mesmo modo do inventário de bens analógicos ou físicos, a saber:
Em sendo necessária a judicialização das questões referentes à
transmissão dos bens digitais mortis causa, destaca-se desde
logo o entendimento pela indispensabilidade de que tal demanda
seja submetida aos procedimentos previstos pelo Direito
Sucessório. Em outras palavras, entende-se pela necessidade de
que a transmissão dos bens digitais por ocasião do falecimento
de seu titular seja apreciada no âmbito do processo judicial de
inventário, pelo juízo competente para tanto - ou seja, por Vara
Especializada em Direito das Sucessões, quando houver tal
divisão no Judiciário local.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 291
sobre o destino de seus bens digitais, através de formulários que podem ser
considerados testamentos digitais, uma vez que dispõem sobre a destinação dos bens e
quem herdará o patrimônio.
A Apple, em recente lançamento, apresentou a ferramenta chamada Legado
Digital, na qual os usuários dos dispositivos da marca podem indicar alguém para ter
acesso aos seus dados após o falecimento. Segundo explicação disponível no site da
empresa:
A partir do iOS 15.2, iPadOS 15.2 e macOS 12.1, você pode
adicionar um Contato de Legado ao ID Apple. Adicionar um
Contato de Legado é a maneira mais fácil e segura de dar a
alguém confiável acesso aos dados armazenados na sua conta da
Apple após o seu falecimento. Os dados podem incluir fotos,
mensagens, notas, arquivos, apps que você baixou, backups de
dispositivos e muito mais. Determinadas informações, como
filmes, músicas, livros ou assinaturas que você tiver comprado
com o ID Apple, bem como dados armazenados nas Chaves,
como informações de pagamento e senhas, não poderão ser
acessados pelo Contato de Legado.
Fonte própria
No Facebook, o usuário pode dispor acerca do futuro de sua conta após seu
falecimento. Para tanto, deve escolher entre as opções de transformar a conta em
memorial, nomeando um contato herdeiro, ou optar pela exclusão da conta
permanentemente, aparecendo as opções aos usuários da seguinte maneira:
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 294
Fonte própria
Já no Instagram, o usuário não possui, até o momento, a liberdade de escolher a
destinação de sua conta. Em caso de falecimento, a conta pode ser transformada em
memorial, através de solicitação à empresa165, ou excluída, por meio de requerimento
dos familiares166. O Google também permite ao usuário dispor sobre a sucessão de sua
conta, através do gerenciador de contas inativas, que traz a opção de legado digital. Ao
utilizar a ferramenta, o usuário deve primeiramente informar a partir de qual período de
inatividade o Google deve iniciar o processo de transmissão da conta. A empresa
notificará o usuário através do telefone cadastrado, bem como da conta de e-mail que
será atingida e e-mail de recuperação, um mês antes do período de inatividade
escolhido. Transcorrido o prazo sem qualquer acesso, a empresa considerará a conta
inativa e procederá ao que foi escolhido pelo usuário, podendo ser a exclusão
permanente da conta ou permitirá o acesso, dos dados selecionados pelo usuário, às
pessoas previamente indicadas167.
Acerca da possibilidade de tais disposições, pontua Flávio Tartuce (2018) que,
“essas opções, como se nota, variam entre a valorização da autonomia privada e a
atribuição dos bens digitais aos herdeiros.” Ainda, declara que o melhor caminho para
tratar sobre tais assuntos seria construir uma proposta de alteração do Código Civil, que
deveria integrar o capítulo do Direito das Sucessões.
165
INSTAGRAM. Após um falecimento, a conta da pessoa poderá ser transformada em memorial se um
membro da família ou amigo enviar uma solicitação. Se desejar que a conta de um ente querido seja
transformada em memorial, use este formulário para nos informar. Disponível em:
https://help.instagram.com/contact/452224988254813. Acesso em 14 de jul. 2022.
166
INSTAGRAM. Use este formulário para solicitar a remoção da conta de uma pessoa falecida.
Gostaríamos de manifestar nossas condolências e agradecer desde já pela sua paciência e compreensão ao
longo desse processo. Disponível em:
https://help.instagram.com/contact/1474899482730688. Acesso em: 14 de jul. 2022.
167
GOOGLE - Disponível em: https://support.google.com/accounts/answer/3036546?hl=pt-BR. Acesso
em: 14 de jul. 2022.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 295
disponha sobre tal ato em manifestação de última vontade, indicando alguém para o
gerenciamento de suas contas.
Já o PL 1144/2021, da deputada Renata Abreu, propõe a alteração do Código
Civil e Marco Civil da Internet. Dentre as mudanças, sugere a inclusão do art. 1.791-A
no Código Civil, com a seguinte redação:
Art. 1857-A. Toda pessoa capaz pode dispor, por qualquer outro
meio no qual fique expressa a manifestação de vontade, sobre o
tratamento de dados pessoais após a sua morte.
§ 1° os herdeiros têm o direito de:
I – acessar os dados do falecido;
II - identificando informações válidas, relevantes e úteis para o
inventário e a partilha do patrimônio;
III – obtenção de todos os dados íntimos relativos a família;
IV – eliminação e retificação de dados equivocados, falsos ou
impróprios.
§ 2°As disposições do presente artigo aplicam-se, no que
couber, aos declarados incapazes.
Com efeito, a maioria dos projetos em tramitação buscam trazer um maior
esclarecimento sobre a tutela do acervo digital após a morte de seu titular, uma vez que,
como posto anteriormente, a legislação atual é precária no que tange o assunto, trazendo
uma instabilidade jurídica.
No entanto, como assevera Patrícia Corrêa Sanches, presidente da Comissão de
Família e Tecnologia do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM:
Ellsworth case: After Yahoo! refused family members access to an e-mail account belonging to late U.S.
marine Justin Ellsworth, his father sued Yahoo!. The reason for Yahoo!’s refusal was that their ToS
prohibit third parties from accessing someone’s account, even if that someone is dead, and it is his/her
family members demanding access. In the end, the judge ordered Yahoo! to enable access to the
deceased’s account without ordering the transfer of log-in and password information. Th at way, Yahoo!
could still abide by its privacy policy, but family members could and did gain access to deceased e-mails.
It was done because the judge ordered Yahoo! to provide a family with a CD containing copies of the e-
mails in the account (Edwards/Harbinja, 2016; Truong, 2009). However, they did not gain access to
deceased’s e-mail account or log-in information. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/329124760_Digital_inheritance. Acesso em: 14 de jul. 2022.
169
Tribunal de Recurso - https://www.berlin.de/gerichte/kammergericht/
170
Tribunal da Justiça Federal da Alemanha -
https://www.bundesgerichtshof.de/DE/Home/home_node.html
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 301
171
Before his sudden death, Ric Swezey was the family photographer, capturing memorable moments
with his iPhone and digital camera. When Swezey died in an accident two years ago, he left behind his
husband, their two kids — and access to precious photos stored in the 45-year-old’s password-protected
Apple AAPL, -2.06% account. Now a Manhattan judge is ordering Apple to give Swezey’s surviving
husband, Nicholas Scandalios, the needed access to any photos behind the Apple ID. Disponível em:
https://www.marketwatch.com/story/apple-must-give-grieving-husband-access-to-cloud-stored-family-
photos-judge-rules-2019-01-25. Acesso em: 14 de jul. 2022.
172
But Apple refused to provide Scandalios with access to Swezey’s account, so he turned to Manhattan
Surrogate’s Court. Nine months later the court has given him access, noting that only communications
such as texts or emails, and not digital property such as photographs, are protected under privacy laws.
Disponível em:
https://nypost.com/2019/01/18/broadway-exec-goes-to-court-over-dead-spouses-icloud-password/.
Acesso em 14 de jul. 2022.
173
Ley Orgánica 3/2018, de 5 de diciembre, de Protección de Datos Personales y garantía de los derechos
digitales. Disponível em: https://www.boe.es/buscar/doc.php?id=BOE-A-2018-16673. Acesso em: 14 de
jul. 2022.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 302
174
LOI n° 2016-1321 du 7 octobre 2016 pour une République numérique. Disponível em:
https://www.legifrance.gouv.fr/jorf/id/JORFTEXT000033202746. Acesso em 14 de jul. 2022.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 303
1978, estabelece, em seu inciso II, que qualquer pessoa pode definir as diretrizes
relativas ao armazenamento, exclusão e comunicação de seus dados pessoais após a
morte. No caso do falecido não dispor acerca de seus dados digitais, poderão os
herdeiros exercer o controle sobre os dados, nos termos definidos em lei 175.
Nos Estados Unidos, cada estado possui sua própria legislação acerca do tema,
entretanto, a maioria delas é orientada pela Comissão de Uniformização de Leis, que
editou um documento com intuito de padronizar o tratamento jurídico dos arquivos
digitais em caso de morte ou incapacidade do titular, resultando no Uniform Fiduciary
Access to Digital Assets Act (UFADAA). Tal regulamentação dispõe que, com o
falecimento do titular, seus ativos digitais podem ser administrados pelos herdeiros,
como domínios de internet, moedas digitais, dentre outros. Porém, a norma traz
ressalvas quanto às redes sociais e e-mails, sendo, neste caso, necessário o
consentimento prévio do titular, por meio de testamento, procuração, ou documento
legalmente válido (LACERDA, 2021).
175
Article 63 - L'article 40 est ainsi modifié : a) Au début du premier alinéa, est ajoutée la mention : « I.-
» ; (...) II.-Toute personne peut définir des directives relatives à la conservation, à l'effacement et à la
communication de ses données à caractère personnel après son décès. Ces directives sont générales ou
particulières. (...) III.-En l'absence de directives ou de mention contraire dans lesdites directives, les
héritiers de la personne concernée peuvent exercer après son décès les droits mentionnés à la présente
section dans la mesure nécessaire (...).
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 304
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Acesso em: 15 jul. 2022.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 410/2021. Acrescenta artigo à Lei
do Marco Civil da Internet – Lei no 12.965, de 23 de abril de 2014, a fim de dispor
sobre a destinação das contas de internet após a morte de seu titular. Brasília: Câmara
dos Deputados, 2021. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2270016.
Acesso em: 15 jul. 2022.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.144/2021. Dispõe sobre os dados
pessoais inseridos na internet após a morte do usuário. Brasília: Câmara dos Deputados,
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https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2275941.
Acesso em: 15 jul. 2022.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.689/2021. Altera a Lei 10.406,
de 10 de janeiro de 2002, para dispor sobre perfis, páginas contas, publicações e os
dados pessoais de pessoa falecida, incluindo seu tratamento por testamentos e codicilos.
Brasília: Câmara dos Deputados, 2021. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2280308.
Acesso em: 15 jul. 2022.
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1857-A à Lei n° 10406, de 2002, Código Civil, de modo a dispor sobre a herança
digital. Brasília: Câmara dos Deputados, 2021. Disponível em:
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Indaiatuba: Editora Foco, 2021. p. 134-177; ePUB.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 307
RESUMO
O termo gênero como é utilizado hoje passou por inúmeras modificações no seu
conceito, desde a ideia inicial de dissociação da visão biológica binária, até uma
construção histórica e cultural de papéis sociais de cada indivíduo na sociedade. Hoje é
visto como categoria de análise, juntamente com outras variáveis, como classe social e
raça. A estrutura social foi moldada pelo gênero, especialmente pelo machismo e pelo
patriarcado que sustentam a dominação e a ordem masculina, através do simbolismo
pelo qual são perpetuados. Com o objetivo de dar visibilidade às mulheres, de uma
forma positiva, e buscando conquistar seus direitos, iniciou a luta feminista. No mesmo
sentido, unindo a teoria crítica e a criminologia feminista as estudiosas trabalharam para
a inserção dos estudos feministas dentro da história, da sociologia, da própria
criminologia e demais áreas do conhecimento. Além de conquistar direitos para as
mulheres, reféns da divisão sexual, o escopo das batalhas foi introduzir a questão
feminina como integrante da sociedade, bem como na questão criminal, tanto como
agente, quanto como vítima. Em ambas situações, a mulher é duplamente penalizada
diante do sistema de justiça criminal, que também é desigual. Uma das principais
consequências da hierarquia de gênero é a violência, um mal que afeta grande parte das
mulheres no sistema de dominação-exploração ao qual são submetidas. A violência é
representada das mais variadas formas, mas tem uma maneira silenciosa e com
consequências gritantes e eternas, a psicológica, que começa sutil e silenciosamente e,
em grande parte dos casos, abre portas para as demais. Entretanto, mesmo com um
número absurdo de ocorrências, as que realmente chegam ao poder judiciário são
poucas; as que recebem a atenção e a tutela que necessitam, são ainda menos. Dessa
forma que se apresenta a verdade jurídica, conceito de Mills que retrata um vocabulário
de motivos que é construído pelos agentes da justiça criminal sobre qual verdade é
interessante e segura, atendendo às expectativas sociais. Destarte, para a construção do
presente trabalho e a fim de entender a verdade jurídica produzida sobre a violência
psicológica contra a mulher, foi feita análise de 100 (cem) processos em trâmite na Vara
Criminal de Santana do Livramento entre o período de 2020 a 2022. Os resultados da
176
Este capítulo é referente ao Trabalho de Conclusão do curso de Direito da Unipampa, campus Santana
do Livramento.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 309
análise levaram à descoberta de que a forma de produção da verdade jurídica nos casos
analisados deu-se de maneira a excluir os casos de violência psicológica ou diminuir sua
importância, deixando de tutelá-los quando não acompanhados das provas consideradas
suficientes. Assim, em que pese tipificado o crime de violência psicológica contra a
mulher, sua aplicação não é efetuada, deixando de concretizar a proteção garantida à
mulher, em especial, na Lei Maria da Penha.
RESUMEN
El término género tal como se utiliza hoy en día ha sufrido numerosos cambios en su
concepto, desde la idea inicial de disociación de la visión biológica binaria, hasta una
construcción histórica y cultural de los roles sociales de cada individuo en la sociedad.
Hoy se ve como una categoría de análisis, junto con otras variables como la clase social
y la raza. La estructura social ha sido moldeada por el género, especialmente el
machismo y el patriarcado que sustentan la dominación y el orden masculino, a través
del simbolismo mediante el cual se perpetúan. Con el objetivo de dar visibilidad a las
mujeres, de manera positiva, y buscando la conquista de sus derechos, se inició la lucha
feminista. En el mismo sentido, al unir la teoría crítica y la criminología feminista, las
académicas trabajaron por la inserción de los estudios feministas dentro de la historia, la
sociología, la propia criminología y otras áreas del conocimiento. Además de conquistar
derechos para las mujeres, rehenes de la división sexual, el alcance de las batallas fue
introducir la cuestión femenina como parte integral de la sociedad, así como en la
cuestión criminal, como agente y como víctima. En ambas situaciones, las mujeres son
doblemente penalizadas en el sistema de justicia penal, que también es desigual. Una de
las principales consecuencias de la jerarquía de género es la violencia, un mal que afecta
a la mayoría de las mujeres en el sistema de dominación-explotación al que son
sometidas. La violencia se representa de las más variadas formas, pero tiene una forma
silenciosa y de consecuencias flagrantes y eternas, la psicológica, que comienza sutil y
silenciosamente y, en la mayoría de los casos, abre puertas a otras. Sin embargo, aun
con un número absurdo de ocurrencias, las que realmente llegan al poder judicial son
pocas; aquellas que reciben la atención y el cuidado que necesitan son aún menos. De
esta forma, se presenta la verdad jurídica, concepto de Mills que retrata un vocabulario
de motivos que construyen los agentes de justicia penal sobre los cuales la verdad es
interesante y segura, atendiendo a las expectativas sociales. Así, para la construcción del
presente trabajo y con el fin de comprender la verdad jurídica producida sobre la
violencia psicológica contra la mujer, se hizo un análisis de 100 (cien) casos pendientes
en el Juzgado Penal de Santana do Livramento entre el período de 2020 al 2022. Los
resultados del análisis permitieron constatar que la forma de producción de la verdad
jurídica en los casos analizados se dio de tal manera que se excluyeron los casos de
violencia psicológica o se les restó importancia, desamparándolos cuando no se
acompañan de la prueba considerada suficiente. Así, a pesar de estar tipificado el delito
de violencia psicológica contra la mujer, su aplicación no se lleva a cabo, no
materializándose la protección garantizada a la mujer, especialmente en la Ley Maria da
Penha.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 310
INTRODUÇÃO
177
PAULO, Paula Paiva. Uma em cada quatro mulheres foi vítima de algum tipo de violência na
pandemia no Brasil, aponta pesquisa. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-
paulo/noticia/2021/06/07/1-em-cada-4-mulheres-foi-vitima-de-algum-tipo-de-violencia-na-pandemia-no-
brasil-diz-datafolha.ghtml. Acesso em 11 jan 2022.
178
VIOLÊNCIA contra a mulher em dados. Dossiês Agência Patrícia Galvão, 2020. Disponível em:
https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia-em-dados/. Acesso em 11 jan. 2022.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 312
motivo pelo qual a ideia de violência contra a mulher ainda está presa basicamente
naforma física, especialmente dentro dos discursos dos agentes do sistema, que insistem
em diminuir as outras formas, com ênfase para a psicológica, limitando-se a mencioná-
la como fatores que compõem a violência doméstica.
Para isso, foi realizada pesquisa documental, em decisões de processos
envolvendo violência contra a mulher. A metodologia de abordagem utilizada é a
qualitativa multimétodos, conciliando a pesquisa bibliográfica com a pesquisa de
campo.
Os tópicos estão desenvolvidos em cima da ideia de violência psicológica
contra a mulher, com base na análise da criminologia feminista e utilizando a ideia de
verdade jurídica como mola propulsora da investigação.
O estudo também passará pela historicidade da violência contra a mulher, nas
formas descritas na Lei Maria da Penha, com destaque para a psicológica, encerrando-se
na análise concreta dos casos judicializados.
O Capítulo 1 abordará a questão do gênero, seus conceitos e discussões; o
Capítulo 2 entrará nos pensamentos da teoria crítica feminista, tendo entre seus
subtítulos a violência contra a mulher como um dos problemas a serem enfrentados e a
própria violência psicológica; no 3º Capítulo, far-se-á a análise da definição de verdade
jurídica, utilizando o conceito do vocabulário de motivos, de MILLS (2016) e, na
sequência, serão contrapostos os conteúdos explorados com os casos concretos de
violência psicológica contra a mulher judicializados na Comarca de Santana do
Livramento de 2020 a 2022.
Na sua definição de gênero, Scott faz uma divisão de análise afirmando que:
gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças
percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de
poder. (SCOTT, 1989, n.p)
Em relação à primeira afirmação, ainda menciona quatro elementos fundantes
das diferenças sociais imputadas: símbolos culturalmente disponíveis que evocam
representações múltiplas, e através de figuras ou comportamentos e sensações
personificam os ideais sobre a mulher e o homem; conceitos normativos que colocam
em evidência interpretações do sentido dos símbolos que tentam limitar e conter as suas
possibilidades metafóricas, que estão presentes em todas doutrinas, escrevem a história
posterior e são vistas como produtos de consenso social; a representação binária dos
gêneros nas instituições e organizações sociais, que ligam cada indivíduo ao seu papel
tradicional; e por fim a identidade subjetiva, que traz a ideia da construção e
distribuição do poder. (SCOTT, 1989, n.p)
É abordada, ainda, a relação entre o gênero e a política, reciprocamente
considerados, aduzindo que aquele é construtor e legitimador das relações sociais,
auxiliando na descoberta do sentido e da compreensão das suas complexidades.
(SCOTT, 1989)
Na política, o gênero encontra uma possibilidade de meio para análise
histórica, uma vez que nos mais variados contextos históricos esteve presente desde a
justificativa ou crítica à monarquia, até como forma de expressão das relações entre
governantes e governados. Registra inclusive, que as necessidades de cada estado pode
ser uma das causas da mudança das relações de gênero. (SCOTT, 1989)
Já em relação à significação e à formação das relações de poder, destaca-se o
uso do controle e da força, com o emprego da diferenciação sexual como forma de
dominação e controle das mulheres. Às mulheres foram impostas inúmeras restrições,
sendo reservado a elas o papel secundário nas mais variadas situações. Foi-lhes proibida
a participação na política; imposta a maternidade como obrigação, sem chance de
escolha; vedado o trabalho assalariado; limitado o uso de determinadas vestes. (SCOTT,
1989)
Mas ao longo dos anos, também surgiram os movimentos e regimes, ou pelo
menos ideais sobre eles, que defendiam o fim da hierarquia pelas diferenças sexuais,
com a união de todos, com críticas às organizações estabelecidas e à dominação;
visavam que a harmonia entre os indivíduos se sobrepusesse às desigualdades. (SCOTT,
1989)
Scott também afirma que, em que pese a utilização do gênero nessas
organizações não seja explícita, é decisiva, pois, baseia-se nas estruturas hierárquicas e,
genericamente, nas concepções de masculino e feminino. Isto pode ser observado
através do fato que, comumente, aplicavam-se características consideradas femininas
para descrever fraqueza, exploração, vulnerabilidade, subordinação; já sobre os homens,
falava-se em força, proteção, domínio. (SCOTT, 1989)
Basicamente, o poder foi concebido e legitimado pelo gênero, mas também,
criticado. E como remédio, as medidas que se impõem são mudanças na ordem
estabelecida, revisão e ressignificação dos termos utilizados e a busca por novas formas
de legitimação, o que pode ser efetivado através de um processo político. Mas, para
isso, afirma Scott:
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 317
Nas relações de gênero, como um dos problemas que mais merecem, mas
ainda não ganham o suficiente, destaque e atenção é a violência. A distribuição desigual
de poder entre os gêneros fortalece a conjuntura formada de uma sociedade patriarcal e
machista.
Essa distribuição desequilibrada do poder, juntamente com a discrepância
criada naturalmente nos diversos âmbitos da sociedade, arraigou-se na cultura e
espalhou-se para o cotidiano de todas as mulheres, de quaisquer classes sociais,
ocupações ou lugares do mundo. Recorrentemente, as mulheres, discriminadas pelo
gênero, são obrigadas a enfrentarem as mais variadas exposições, humilhações e
violências; em casa, na escola, no trabalho, na rua, na vida da mulher a inferioridade e
submissão insistem em ser imprimidas nas suas imagens.
A hierarquia de gênero ressalta a hegemonia masculina, estabelecendo padrões
a serem culturalmente seguidos. A mulher é vista como objeto, coisa, servindo ao
homem para lhe gerar e satisfazer suas necessidades e, quando contrárias a este
protótipo, desviante da conduta esperada, sofre as consequências da dominação.
A dominação pode ser entendida como uma imposição de vontade a terceiros,
influenciando suas ações ou, melhor, nas palavras de Max Weber:
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 320
Tal ato pode ser concretizado de inúmeras formas, mas no caso dos homens e
das mulheres, a dominação masculina é legitimada pela própria sociedade através da
crença de superioridade e inferioridade, bem como da naturalização das desigualdades.
Simbolicamente, a estrutura patriarcal e machista da sociedade é perpetuada e difundida
e, através da hierarquização das classes e gêneros, a organização assimétrica e
classificatória é fortalecida.
As opções se tornam escassas para as mulheres, que não encontram outra
alternativa, ou não têm consciência da existência de uma saída, a não ser seguir o que já
está consolidado na sociedade e nas relações de poder e de gênero. Nesse sentido,
Bourdieu traz a ideia do habitus, referindo que este interioriza as estruturas sociais,
naturalizando o processo da divisão nas relações de gênero:
macho deve dominar a qualquer custo; e a mulher deve suportar agressões de toda
ordem, porque seu “destino” assim o determina. (SAFFIOTI, 2015, p. 90)
O controle e o medo são integrantes assíduos da organização social de gênero,
marcada pelo patriarcado, pela dominação-exploração, pelo poder e pela subordinação.
As discriminações originadas pela hierarquização são legitimadas pelos preconceitos,
marginalizando os dominados e atendendo aos interesses dos dominantes.
Assim, a estrutura social permite o exercício da dominação masculina, pois
baseia-se na divisão sexual do trabalho de produção e na reprodução biológica e social,
exaltando os homens e moldando as ações, os pensamentos e as percepções de todos.
Até mesmo as mulheres incorporam tais influências e contribuem para a perpetuação da
ordem simbólica. (BOURDIEU, 2012)
Bourdieu ainda refere como se dão na prática os efeitos e a imposição da
dominação simbólica:
noções sociológicas para a criminologia e ampliando as causas dos delitos, mas ainda
assim, é mantida a essência da periculosidade social.
Lombroso também estudou as mulheres, contudo, atribuiu a elas diferentes
características como a inércia e a passividade, o que as torna obedientes às leis, mas
aponta as criminosas como calculistas, más, perversas. Entretanto, as vítimas dos delitos
continuavam a ser ignoradas, ganhando espaço somente com o surgimento do ramo da
vitimologia, que iniciou seus estudos com teses ofensivas e injustas, como as que
defendiam que a vítima colocava-se nesta condição por conta própria ou fornecia as
oportunidades ao criminoso, o que perdurou até pouco tempo atrás, principalmente
quando quem sofria os crimes eram mulheres.
Dinamizando a criminologia, as análises foram voltadas para o controle social,
trazendo o que ficou conhecido como labeling approach ou teoria do etiquetamento
social, que modificou a visão criminológica. Segundo Mendes:
Dessa forma, um dos principais anseios da teoria crítica feminista é fazer com
que as mulheres tornem-se preocupação do direito penal, a fim de, pelo menos, diminuir
a violência, punindo de forma mais acentuada os agressores, expandindo as condutas
positivadas como crime, protegendo e oferecendo segurança às vítimas.
Com a intervenção do direito até mesmo no domicílio das mulheres, surgem
novas salvaguardas às vulnerabilidades que encaram. Assim, as violações aos direitos
seriam punidas também na esfera privada, tutelando e garantindo uma vida
minimamente digna.
Mas, a prática se mostra muito diferente das formalidades; as promessas de
proteção não são efetivamente cumpridas e, muito menos, suficientes para amparar as
mulheres e modificar a situação de violência. Incontáveis vezes, acontece até mesmo o
contrário do esperado, mormente em razão da seletividade do sistema.
Mesmo com a existência de legislações destinadas a defender a mulher e
responsabilizar os agressores, a eficácia está distante e os obstáculos sempre presentes.
Muitas mulheres ainda vivem à mercê da dependência a que são submetidas, sem acesso
à justiça, sem a garantia dos direitos que lhes são inerentes. Permanecem vítimas dos
sistemas e da realidade.
São esses os motivos pelos quais as teorias críticas feministas vêm, ao longo
dos anos, tomando novos rumos, em particular no que diz respeito à colonialidade,
categoria emprestada dos assuntos que envolvem a subalternidade e a (in) dependência
latino-americana. Dentre os círculos sociais marginalizados, a união dos grupos
vulneráveis permite um estudo epistemológico mais aguçado e concreto aos teóricos
feministas, propiciando uma abordagem mais abrangente e interpretativa sobre as
questões que envolvem a mulher, a subjugação à qual se sujeita, a discriminação, a
violência.
A exploração da categoria do patriarcado também serve como fonte para a
crítica feminista e, através das noções de Estado, liberalismo, capitalismo, sociologia e
poder, permite uma análise do sistema como um todo e suas implicações acerca da
dominação que recai sobre as mulheres, sobretudo objetivando aplicar a variante da
despatriarcalização no tema. Ademais, outra conceituação bastante presente é a da
interseccionalidade, com destaque para questões envolvendo os direitos humanos das
mulheres, formando um emaranhado de fatores que incentivam as opressões sofridas e
as desigualdades enfrentadas.
Enfim, em meio a tantos tópicos de análise e discussão, entre os alvos da teoria
crítica feminista está o poder judiciário e suas práticas, com a reprodução das
desigualdades e a produção de uma verdade jurídica distante da realidade, reforçando e
contribuindo para a manutenção das desigualdades, da violência e da discriminação,
tópicos aos quais foram destinados tantos anos de luta e pesquisa.
O Estado pode ser visto tanto como um meio de conquistas, quanto como uma
barreira para o feminismo. Ao longo dos tempos, foi ele que manteve as mulheres à
margem da sociedade, suprimindo direitos e contribuindo para a vulnerabilidade e o
medo que as aflige. Mas também, é através dele que a demanda feminista ganhou
espaço nas políticas públicas, foi chegando nele que a voz dos movimentos conseguiu
fazer ouvir suas preocupações.
Como principal meio de comunicação entre o feminismo e a criminologia
crítica, estão os esforços no combate da violência contra a mulher, na tentativa de
reconhecimento de tal assunto como problema social e de ordem pública (GAUER e
MARTINS, 2020).
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 330
[...] feridas do corpo podem ser tratadas com êxito num grande
número de casos. Feridas da alma podem, igualmente, ser
tratadas. Todavia, as probabilidades de sucesso, em termos de
cura, são muito reduzidas e, em grande parte dos casos, não se
obtém nenhum êxito. (SAFFIOTI, 2015, p. 19)
As mulheres são tratadas de uma forma que afete sua própria identidade e
autodeterminação; vivem como prisioneiras do medo e da dominação. São submetidas a
situações vexatórias, se tornam submissas da vontade dos seus agressores e dependentes
emocionalmente deles.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 333
O ciclo da violência se repete sem parar e segue gerando efeitos sobre a vida e
a saúde das vítimas, assim como afirma Gabriela Echeverria:
179
INSTITUTO MARIA DA PENHA. Violência psicológica. Disponível em:
https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/tipos-de-violencia.html. Acesso em 06 jun. 2022.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 334
Cunhado 1
Irmão 2
Pai 3
Ex-companheiro/ex-cônjuge/ex-namorado 38
Filho 3
Companheiro/cônjuge/namorado 52
Vizinho 1
Ex-genro 1
Fonte: processos da Vara Criminal da Comarca de Santana do Livramento
que realmente exigem, são disparadamente os casos mais graves e que ganham maior
repercussão dentro da violência física ou sexual.
Dos 100 (cem) processos analisados, em que pese a violência física estar
presente em grande parte, a maior expressividade fica a cargo da psíquica que, através
dos diferentes termos utilizados esteve presente em 9% (nove por cento), visto que
somente em 9 (nove) casos houve apenas violência/agressão física, de forma isolada,
conforme tabela abaixo que retrata, a quantidade de vezes que cada palavra ou frase foi
utilizada:
Discussões 8
Agressão/violência física 48
Xingamento 2
Ofensa/insulto 16
Agressão/violência verbal 6
Ameaça 37
Gritos 3
Sexual 2
Ameaça de morte 30
Perturbação 3
Injúria 10
Perseguição 3
Fonte: processos da Vara Criminal da Comarca de Santana do Livramento
ninguém, da prisão se sai, mas do caixão não, está colocando macho pra dentro de
casa também são descritas. Sem maiores detalhes, as ocorrências são remetidas ao
poder judiciário para a decisão sobre o (in) deferimento das medidas protetivas
pleiteadas pelas vítimas.
Outro importante ponto que merece destaque é o grande número de medidas
protetivas que são indeferidas em razão do que costumou chamar-se de ausência de
prova efetiva da violência alegada, senão a palavra da ofendida. Ademais, o descrédito
da palavra da vítima ganha ainda mais reforço com o entendimento de que não
sobreveio prova a emprestar verossimilhança a tal alegação, uma vez que não
procedida a oitiva do suposto agressor ou eventual testemunha.
A palavra da vítima, por si só, não ganha a confiança que deveria receber para
atestar a ocorrência da violência sofrida, o que se mostra no mínimo contraditório,
considerando que o objeto da proteção do direito, principalmente no que se refere à Lei
Maria da Penha, seria a própria mulher, que sofre a violência, calada, isolada, no seu
âmbito familiar ou domiciliar, sem telespectadores ou testemunhas.
Destaca-se outro trecho colacionado a partir das decisões de indeferimento da
concessão de medidas protetivas dos autos analisados, no qual a versão da ofendida
segue desacreditada e é considerada insuficiente:
evento. Outras vezes, sequer estas simples alterações são efetuadas, ficando o texto da
decisão desconexo com o contexto dos fatos.
Assim, até mesmo nos casos específicos de determinada forma de violência, os
bens jurídicos protegidos, conforme o parecer dos magistrados, permanecem genéricos,
repetindo-se, na maioria das vezes, as mesmas justificativas, bem como, as medidas
protetivas:
não agrediu a vítima fisicamente e não foi ouvido pela autoridade policial, conforme
art. 12, V, da Lei Maria da Penha.
Especificamente, o crime tipificado como violência psicológica (art. 147-B,
CP) não foi encontrado em nenhum dos processos analisados, o que se deve a alguns
possíveis fatores. O conceito do tipo penal é amplo, encaixando-se nele toda ação que
cause dano emocional prejudicial ou perturbador ao pleno desenvolvimento ou que vise
a degradação e o controle, mediante inúmeros atos que prejudiquem a saúde psicológica
e a autodeterminação da mulher. (BRASIL, 2021)
Nessas ações, podem ser incluídos inúmeros comportamentos, contudo esse
tipo de agressão, como tal, encontra dificuldade na sua percepção isolada, considerando
o fato de que os seus limites não são especificados e seu conceito engloba muitas
discussões. Nesse sentido:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Grande foi a luta das mulheres, na busca de seus direitos, aqueles que
inicialmente nem se cogitava ser-lhes garantidos pela sociedade que, marcada pela
dominação e exploração masculina e patriarcal, moldava a identidade feminina baseada
na fragilidade, na submissão, nas obrigações que lhes eram impostas.
As batalhas iniciaram pelo reconhecimento das mulheres como sujeitos de
direitos, com a possibilidade de fazer escolhas sobre suas vidas, seu presente e futuro.
Procurou-se acabar com a sujeição à vontade dos homens de suas vidas. Seguiram
tentando conquistar voz e lugar nos espaços públicos, no meio acadêmico, político e
social.
O conceito de gênero passou por várias modificações, mas, hoje com os
estudos feministas, o entendimento foi modificado até a contemporaneidade. Fala-se em
papéis sociais e construções culturais de gênero, formulados a partir de um processo
histórico.
Na seara do gênero, um dos principais impactos gerados por essa desigualdade
patriarcal e machista é a violência, esse mal que apaga ou suprime a existência de tantas
mulheres. A violência é perpetrada por ações diárias que reforçam a hierarquia entre
homens e mulheres, na tentativa de afirmar uma suposta superioridade daqueles sobre
estas, que foi construída culturalmente e domina o campo das relações de gênero.
O gênero é um termo variável, que merece ser analisado em conjunto com
outras questões, a fim de analisar suas repercussões na estrutura da sociedade. Está
presente nas mais variadas áreas, com destaque para as relações de poder, onde através
do uso da força e do controle ganha evidência a dominação masculina.
Essa dominação simbólica também toma conta do sistema penal, onde a
criminologia crítica e suas teóricas fazem a análise da questão feminina inserta na
questão criminal. A teoria crítica e a criminologia feministas vão na mesma direção
dosmovimentos feministas, com escopo de garantir os direitos e os espaços às mulheres,
mas, conforme seus próprios conteúdos, fazem uma análise do contexto social e
criminológico com a participação das mulheres. Essa análise é feita sob a égide do
gênero como influenciador da visão da sociedade sobre a mulher. O objeto central está
no tema da violência, naturalizada e arraigada no seio do corpo social.
A violência é um problema de saúde pública, estudado pela psicologia, pela
sociologia, criminologia e outros campos. Aquela que é praticada contra a mulher é
tutelada, normativamente, pela Lei Maria da Penha, mas na realidade, segue ocorrendo,
sem prevenção ou solução.
Assim, em que pese conquistados e garantidos inúmeros direitos às mulheres
ao longo dos tempos, o mal da violência e o desamparo ainda as acompanham. Os dados
seguem alarmantes e o número de casos que ainda não chegam à justiça e aos registros
são ainda maiores.
Dentre esses casos, têm ênfase os de violência psicológica que, silenciosamente
e, por vezes de modo imperceptível, eliminam com a autodeterminação das mulheres,
que passam por humilhações e ameaças diárias que afetam o âmago de suas almas,
gerando feridas invisíveis, mas desestruturantes e incuráveis que atormentam suas vidas
até a eternidade.
Isso posto, em razão da dificuldade de identificação dessa forma de violência,
do medo que impede as mulheres de pedir socorro, da naturalização da agressividade
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 347
dos homens, bem como da pouca importância que recebe no sistema de justiça criminal,
o abuso psíquico e emocional segue sendo rotina de muitas.
Nesta linha, constrói-se a verdade jurídica, que nada mais é do que a verdade
socialmente aceita, conforme a interpretação dos agentes do sistema de justiça.
A fim de descobrir a realidade sobre a violência psicológica contra a mulher na
realidade de Santana do Livramento, analisou-se a construção da verdade jurídica nesta
Comarca, através da observação e pesquisa em um número simbólico de processos que
tramitaram entre 2020 e 2022.
Dado o exposto, chegou-se à conclusão de que os juízes, que foram os agentes
do sistema de justiça criminal investigados, realmente extraem a violência psicológica
de suas decisões, discursos escritos averiguados. Tal dedução deu-se a partir do fatode
que, em meio a todos casos nos quais foram retratadas alguma manifestação da
violência psicológica, poucos tiveram suas medidas protetivas de urgência pleiteadas
deferidas, com justificativas acerca da falta de provas da alegada violência, da
temeridade das alegações da vítima, da insuficiência de indícios de violência concreta.
O que se pôde perceber é que inseridas em todas as fundamentações, rasas e
genéricas, estão as essências da construção social do gênero, da submissão feminina, do
patriarcado, do machismo, com a desqualificação da palavra das mulheres e do
impedimento da garantia concreta de seus direitos.
Portanto, mesmo com a tipificação da violência psicológica contra a mulher, a
categoria que recebe uma efetiva atenção, e também não em todos os casos, é a física,
que deixa marcas palpáveis e visíveis. A verdade jurídica retrata a edificação cultural e
histórica que tornou a violência psicológica como algo instintivo, automático e
inconsciente que é aceito até mesmo pelas mulheres, que foram educadas nestes moldes.
Logo, levando-se em conta tudo que foi referido, a positivação de direitos é
insuficiente, na medida em que a realidade é divergente e não aplica as garantias
necessárias para a proteção das mulheres e para a modificação do estado de violência ao
qual são submetidas.
Ainda, poucos são os estudos na área, considerando igualmente a recente
inclusão do crime. Por consequência, além da imprescindível transformação na
interpretação dos agentes da justiça criminal, urgentes são as investigações na área, bem
como a fiscalização na aplicação das normas positivadas, a fim de permitir ao menos a
mínima segurança e resguardo às mulheres.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 348
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RESUMO
RESUMEN
Es conocido el hecho de que los accidentes de trabajo afectan varios aspectos de la vida
del trabajador, causándole daños físicos, psicológicos y económicos, sin embargo, el
presente estudio se dedica a la análisis de las consecuencias económicas que tales
incidentes causan a los involucrados: empleado, empleador y Gobierno como sociedad.
180
Este capítulo é referente ao Trabalho de Conclusão do curso de Direito da Unipampa, campus Santana
do Livramento.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 355
Se busca reunir informaciones para crear una herramienta concreta con nociones
conceptuales e históricas, dados estadísticos y mensuraciones de costos que tales
incidentes causan al trabajador afectado, al mantenimiento familiar, incluyendo,
propiciar una visión de la perspectiva empresarial, consecuencias como la disminución
de la productividad debido a los días de trabajo perdidos que afectan a la economía local
y en mayor escala, nacional, y por fin, los costos estatales con gastos previdenciarios,
rehabilitación de los accidentados y gastos médicos. En 2020, inicio de la pandemia por
COVID-19, se constató un aumento importante de accidentes, cerca de 40% de
incidentes graves notificados al ministerio de salud, bien como el crecimiento
exponencial de la utilización de auxilio-enfermedad por causas como depresión,
ansiedad, estrés entre otros trastornos, creciendo, juntamente, la necesidad de estudios
relacionados con el tema. Entonces, parte del comprometimiento del presente estudio es
la concientización para evitar tales situaciones, resaltando la importancia de mantener
empresas y trabajadores bien informados y con los respectivos equipamientos de
protección individual, incentivando las inversiones direccionadas a la salud y seguridad
laboral.
INTRODUÇÃO
181
Ver em: Segurança e Saúde no Trabalho. Organização Internacional do Trabalho. Disponível em:
https://www.ilo.org/lisbon/publica%C3%A7%C3%B5es/WCMS_650864/lang--
pt/index.htm#:~:text=De%20acordo%20com%20as%20estat%C3%ADsticas,milh%C3%B5es%20de%2
0mortes%20por%20ano. Acesso em : 22 jul. 22.
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 357
empregado uma indenização por dano moral, estético ou material, mediante ação
judicial; ressaltando que, caso não ocorra a comunicação do CAT, o próprio colaborador
poderá solicitar junto ao INSS, mediante recurso, uma avaliação médica, conforme art.
170 do Decreto 3.048/99 (BRASIL, 1999).
Durante seu retorno a empresa, caso a vítima de acidente permanecer com
sequelas que o impeçam de voltar a sua função original, poderá usufruir de reabilitação
profissional, ministrada pelo INSS, enquanto recebe o auxílio doença, e, findando tal
período, caso não recupere sua plena capacidade de trabalhar, a empresa deverá realocá-
lo em função distinta, sem diminuição salarial (COMISSÃO DE ESTUDOS SOBRE
ACIDENTES DE TRABALHO DA OAB/SP, 2010, p. 11).
Ao acúmulo de prejuízos para o trabalhador acidentado, por vezes, soma-se o
que alguns autores chamam de "limbo trabalhista previdenciário", momento no qual
finaliza o auxílio-doença acidentário e as obrigações da relação empregatícia entre
empregado e empregador são restabelecidas, porém, após o cancelamento do benefício e
o encaminhamento do obreiro para suas antigas atividades laborais, o empregador
considera que o mesmo não está apto a realizá-las, dessa forma, o trabalhador tem seu
sustento e de seus familiares, inteiramente comprometido, já que não recebe pagamento
salarial do empregador, nem o benefício previdenciário, ficando sem fonte de renda. Tal
fato, eventualmente, o obriga a buscar o poder judiciário para postular a restauração do
benefício por incapacidade junto ao INSS, ou/e reclamação trabalhista contra a empresa
para receber indenização pelos danos causados, transcorrendo maior espaço de tempo
sem renda alguma, pondo em risco sua sobrevivência e de seus dependentes
(BEZERRA NETO, 2016).
O número de trabalhadores que tem de lidar com as consequências de acidentes
no ambiente laboral são alarmantes. Em matéria no site da Justiça do Trabalho 4ª região
(TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO, 2020), fala-se acerca do
problema da subnotificação, ou seja, mesmo entre os empregados formais, o CAT não é
emitido em, aproximadamente, 18% (dezoito por cento) dos casos, fazendo com que as
informações cheguem a Previdência Social por meio do SUS, o que prejudica
severamente a apuração de especificidades dos acidentes.
Mesmo com a defasagem de informações, os números nacionais são
expressivos: em 2018 foram contabilizados, do total de ocorrências, 62% de acidentes
típicos, 19% de acidentes de trajeto e 2% de doenças decorrentes de trabalho
(TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO, 2020).
Quanto ao fato da subnotificação, Oliveira (2016, p. 37), em sua obra chamada
“Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional”, frisa:
lugar com 197.330 (cento noventa e sete mil, trezentos e trinta) acidentados. Devendo
constar que o estado de Rio grande do Sul, compõe o grupo de Santa Catarina e
Rondônia, no qual registra-se 19 (dezenove) mil acidentes por milhão de empregados,
totalizando 4 (quatro) mil a mais que a média nacional (TRIBUNAL REGIONAL DO
TRABALHO DA 4ª REGIÃO, 2020).
Não obstante, dentre as consequências derivadas de um acidente de trabalho,
existem os danos ao patrimônio material e extrapatrimonial do acidentado, sendo o
primeiro dano, referente a prejuízos imediatos e lucros cessantes, amparado pelo inciso
II do art. 948 do Código Civil, o qual trata de danos futuros, ou seja, como o acidente
atingirá o patrimônio da vítima futuramente, com base no ganho certo, ou provável, que
foi prejudicado pelo próprio acidente, já o extrapatrimonial, refere-se ao dano não-
material, amparado pelos arts. 233-A a 233-G, Título II-A da CLT, sendo considerados
neste, lesão a honra, dano existencial, e sua apreciação está presente na Lei nº
13.467/2017, da Reforma Trabalhista (FROTA, 2018, p. 2).
Pode-se dizer então, que quando é impossível atingir uma reparação rigorosa
ao dano causado, pode-se pelo menos, oferecer uma compensação monetária para que o
obreiro acidentado tenha uma resignação frente ao acontecido, tendo ao menos, mais
conforto.
Um dos grandes impasses envolvendo o tema, é o indeferimento de tal
indenização devido à falta de provas da ocorrência de dano moral, segundo os próprios
juízes, o ressarcimento não é devido quando a vítima consegue sobrelevar os efeitos do
sinistro, ou se as sequelas deixadas não comprometem seu estado psicológico, mesmo
havendo sido deferido indenização por dano moral devido aos danos físicos causados ao
indivíduo (OLIVEIRA, 2016).
O referido autor explana sua discordância com relação a tal concepção
doutrinaria, pois segundo ele, torna-se desnecessário a vítima demonstrar, classificado
como dano in re ipsa, pois isso tornaria a sentença passível de relatividade, baseando-se
em aspectos pessoais, ou seja, a indenização por nado moral seria concedida aos
indivíduos mais sensíveis ou emotivos. Entretanto, para uma quantificação justa do
valor, o juiz deve investigar as circunstâncias do caso concreto, quando achar
necessário, mediante depoimento pessoal e de testemunhas em audiência, conforme art.
944 do enunciado nº 455 da V Jornada de Direito Civil (CONSELHO DA JUSTIÇA
FEDERAL, 2011).
Paulo Mon’t Alverne Frota, atualmente, juiz titular da 7ª Vara do Trabalho de
São Luís, faz uma relação com a Lei nº 13.467/2017 (BRASIL, 2017), também
chamada Reforma Trabalhista, a qual, segundo ele, alterou de forma drástica o
procedimento utilizado na majoração do dano moral causado ao trabalhador pelo
empregador, bem como às famílias do indivíduo que vem a óbito em decorrência de
acidentes, pois a lei fixou tabela de valores para indenização por dano moral em seu art.
223 - G, § 1º da CLT. Sendo assim, a CLT prevê, em casos de acidentes que decorram
em morte do trabalhador, um valor de indenização inferior a 50 (cinquenta) vezes o
último salário contratual do obreiro falecido, segundo o autor, sem considerar o capital
financeiro da empresa que causou o dano. Para o juiz, tal previsão legal não é viável,
pois trata-se de uma forma de limitar arbitrariamente o magistrado trabalhista, o que não
ocorre em outras áreas do direito, inclusive, cita que tal previsão viola a própria
Constituição Federal (FROTA, 2019).
Deve-se considerar ainda, que a constitucionalidade do referido artigo, foi
severamente discutida, inclusive, mediante julgamento iniciado pelo STF, em outubro
de 2021. Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes afirmou que tais critérios de
quantificação estabelecidos pela CLT são sim constitucionais, e que, seu objetivo seria
de orientar o magistrado durante suas decisões, porém, concordou que o tabelamento é
incompatível com a Constituição e considerou que os limites monetários serviriam
como parâmetro e não como teto de indenização, podendo fixar-se quantia superior. Tal
julgamento foi suspenso, devido solicitação do ministro Nunes Marques (GERÊNCIA
EXECUTIVA DE RELAÇÕES DO TRABALHO, 2021).
Com isso, chega-se a entender o alto grau de dificuldade em determinar o
montante devido para um dano tão significativo, que abala de forma severa e
permanente um indivíduo, ou um grupo de pessoas. Frota (2019), a fim de ilustrar o
problema, cita um exemplo com valores fictícios, seguindo os parâmetros da CLT:
trabalho, segundo a CLT atual, é correto dizer que, por toda a dor
causada a sua esposa, o valor máximo a ser a ela pago, a título de
indenização por dano moral, será R$ 100.000,00. O valor a ser pago a
cada um dos filhos também não ultrapassaria R$ 100.000,00. E isso
ainda que o empregador causador do dano seja uma empresa
acostumada a obter lucro líquido anual de bilhões de reais (FROTA,
2019, p. 4).
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (BRASIL,
2002).
Segundo o autor, com o passar do tempo foi realizada uma alteração de prisma
com relação a responsabilidade objetiva, pois com a teoria do risco, foi apreciada a
posição da vítima do infortúnio, assistindo seu interesse sobre a causalidade do evento
lesivo, ou seja, o empregador que aceite expor seus colaboradores a uma lesão física,
psíquica, ou a morte, deve arcar com o ônus indenizatório em casos de acidentes
(ZAINAGHI, 2015).
Segundo cartilha elaborada pela Comissão de Estudos sobre Acidentes do
Trabalho, 2016, OAB de São Paulo, é do empregador a responsabilidade de emitir o
CAT, o documento necessário para que o trabalhador inicie a tramitação do seguro de
acidentes, e possa, futuramente, usufruir dos benefícios da lei acidentaria. Tal
comprovativo é o meio pelo qual o empregador comunica o INSS a ocorrência do
acidente ou o surgimento de moléstia profissional, manifestada devido as condições de
trabalho (COMISSÃO DE ESTUDOS SOBRE ACIDENTES DE TRABALHO DA
OAB/SP, 2016).
Segundo as informações expostas na cartilha, a empresa é obrigada a informar
a Previdência Social de qualquer acidente ocorrido com seus colaboradores, até o
primeiro dia útil seguinte ao acontecimento, mesmo não havendo afastamento das
atividades, e, com comunicação imediata em caso de falecimento, estando sujeito o
empregador à multa determinada nos arts. 286 e 336 do Decreto 3.048/99 (COMISSÃO
DE ESTUDOS SOBRE ACIDENTES DE TRABALHO DA OAB/SP, 2016)
Em casos de não emissão do CAT pela empresa empregadora responsável pelo
empregado acidentado, a cartilha cita quem pode realizar o registro:
Por outro lado, o artigo 20 da Lei define o que se considera “entidade mórbida”
sendo estas:
A mesma determina em seu § 1º, também, o que não pode ser considerado como
doenças do trabalho: “a) degenerativa; b) inerente a grupo etário; c) que não produza
incapacidade laborativa; e d) endêmica adquirida por segurado habitante de região em
que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato
direto determinado pela natureza do trabalho” (BRASIL, 1991).
Ainda assim, o Manual de Acidente de Trabalho (INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL, 2016) constata que o § 2º do Art. 20 estabelece exceções, pois se
constatado que a doença que acomete o trabalhador, não incluída nas previsões
estabelecidas nos incisos I e II do referido artigo, resultar de circunstâncias nas quais o
trabalho era executado, comprovando relação causal direta, a Previdência Social
considerará como acidente de trabalho, passando a responsabilidade de conceder
benefícios para o Estado, e consequentemente, a sociedade.
Pode-se constatar no decorrer do presente estudo que os acidentes de trabalho
geram repercussões variadas e que vão além do âmbito jurídico, prejudicando diversos
aspectos da vida do trabalhador, bem como empresas e organizações, no entanto, tais
acidentes também geram custos estatais, pois é de responsabilidade da Previdência
Social, como sistema previdenciário nacional e do INSS, como seu administrador,
detectar a natureza acidentaria para futura prestação do benefício, sejam eles: auxílio-
doença acidentário, auxílio-acidente, habilitação/reabilitação profissional e pessoal,
aposentadoria por invalidez e pensão por morte.
Sebastião Geraldo de Oliveira (2016, p. 45), Desembargador do Tribunal
Regional do Trabalho da 3ª Região, em sua obra “Indenizações por Acidente do
Trabalho ou Doença Ocupacional”, ressalta que a Previdência Social e o Ministério do
Trabalho realizam a divulgação de estatísticas que sinalizam os quatro principais tipos
de acidentes de trabalhos que ocorrem no Brasil, sendo eles: acidente típico, doença
ocupacional, acidente de trajeto e o sem CAT. O autor destaca que o INSS garante aos
seus segurados cobertura durante afastamentos por todos os tipos de acidente, sem,
necessariamente, considerar o nexo de causalidade com o trabalho.
6 ANÁLLISE DE CASO
mediante CAT, bem como no laudo médico pericial. Foi configurado nexo causal pois a
atividade realizada pelo autor era considerada de alto risco, trabalhando como "agente
de atendimento de ocorrências" mediante uso de motocicleta ou veículo de propriedade
da reclamada, consequentemente, considerada responsável a demandada pois incumbe
ao empregador suportar o ônus advindo do empreendimento econômico. Assim como
foi citado o inc. XXVII do art. 7º da Carta Magna, como forma de estabelecer a regra
geral da responsabilidade subjetiva do empregador por danos decorrentes de acidente de
trabalho, bem como o parágrafo único do art. 927 do Código Civil, que fala sobre a
teoria do risco criado, responsabilidade objetiva do empregador, amplamente aludida na
presente pesquisa.
A ré como forma de defesa, citou culpa de terceiros no acidente, no entanto o
Juízo entendeu que tal alegação, mesmo que verdadeira, não afastaria a
responsabilidade do empregador em responder pelo dano causado, sendo reiterado na
decisão que o risco de acidente de trânsito era inerente e habitual nas atividades
exercidas pelo trabalhador. Sendo assim, foi comprovado o dano e o nexo de
causalidade, fatores essenciais para determinar o direito de indenização do autor. A
reclamada foi condenada ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$
3.000,00 e indenização por dano estético no valor de R$ 2.000,00. Em relação ao dano
material, a julgadora decidiu que não era devido, pois não houve redução de capacidade
laborativa permanente.
Durante recurso, o reclamante mostrou evidências de cicatriz na perna devido ao
acidente e juntou provas da realização de quinze pontos no local, evidenciando sequelas
permanentes, alegou dano estético, e afirmou que a cicatriz lhe trazia lembranças do
ocorrido, provocando comoção emocional, portanto, a indenização por tal dano deveria
ser majorada de R$ 2.000,00 para R$ 10.000,00, requerendo a consideração do grande
porte da empresa reclamada, com capital social de cerca de 50 (cinquenta) mil reais.
O magistrado considerou que para fins reparatórios, "o resultado não deve ser
insignificante, a estimular o descaso do empregador, nem exagerado, de modo a
proporcionar o enriquecimento indevido da vítima" (TRIBUNAL REGIONAL DO
TRABALHO, 2020). Desta forma, entendeu razoável a majoração para R$ 10.000,00 o
valor a título de indenização por danos morais. Quanto a indenização por dano estético
foi majorada para R$ 5.000,00, e entendeu-se como apropriada a cumulação da
indenização por danos morais com danos estéticos, encontrando respaldo na Súmula
387 do STJ, o que havia sido contestado anteriormente pela reclamada.
Quanto aos danos materiais, o magistrado explanou que a indenização busca
compensar, de forma proporcional a diminuição de perdas decorrentes de incapacidade
laboral, o que não cabia pois o laudo pericial constatou o autor como sendo apto para
trabalhar, sem redução de sua capacidade, não havendo que se falar em dano material.
Por fim, deu-se parcial provimento ao recurso do reclamante, majorando a indenização
por dano moral e por danos estéticos, negando provimento ao recurso da reclamada.
Percebe-se que durante todo o processo de decisão, existe a intenção de manter
presentes os princípios da razoabilidade e equilíbrio, amplamente abordados no decorrer
da presente pesquisa, de forma que não ocorram abusos ao empregador, nem seja
diminuído o sofrimento da vítima. De forma a elucidar tal premissa, analisa-se o voto da
Desembargadora Luciane Cardoso Barzotto que discordou da majoração dos valores
correspondentes a danos morais e estéticos, baseando-se em trechos da sentença que
constatavam a ausência de sequelas funcionais do autor para o trabalho, segundo perícia
médica, considerando também, ofensa leve decorrente de responsabilidade objetiva da
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 377
direita, situação que ensejou inúmeras lesões, tendo que ser afastada de suas atividades
laborais, atribuindo culpa à reclamada.
Conforme a sentença proferida, o juiz entendeu que a reclamada não teve
participação na consumação do acidente, como também que o conjunto probatório não
logrou êxito em comprovar o dano funcional oriundo das diversas sequelas provenientes
do acidente. Entretanto, o Tribunal indicou que, considerando a axiologia constitucional
pautada na dignidade do ser humano e na valorização do trabalho, bem como a função
social da empresa, é dever da reclamante assegurar que o meio ambiente de trabalho
seja seguro e hígido, a fim de proporcionar bem-estar aos trabalhadores e o
cumprimento das regras de segurança e medicina do trabalho.
Portanto, entende-se que a reclamada possui responsabilidade civil sobre o
ocorrido, evidenciando-se o dano, a conduta e o nexo de causalidade. Ainda nesse
sentido, a relatora mencionou que, embora a jurisprudência predominante defenda que
em situações de acidente de trabalho a responsabilidade civil do empregador seja
subjetiva, no presente caso restou comprovado o nexo causal entre o dano sofrido e o
acidente de trabalho. Outrossim, a culpa do empregador é presumida, diante da
imposição do trabalhador à situação de risco, colocando em perigo sua integridade em
virtude do trabalho prestado.
Por conseguinte, a relatora menciona a teoria do risco profissional, que defende
que havendo um fato prejudicial decorrente de uma atividade ou profissão do lesado,
surge o dever de indenização. Nesse sentido, o conceito de risco profissional encontra-
se expresso no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil (BRASIL, 2002), bem
como nos artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990).
Entende ainda a relatora, que tais dispositivos têm plena aplicação no direito do
trabalho, uma vez que vão ao encontro da situação fática, em que, numa relação de
emprego, o empregado sofreu dano devido ao trabalho prestado ao empregador, a teor
do artigo 8º da CLT (BRASIL, 1943) e art. 4º da LINDB (BRASIL, 1942).
No que tange ao pagamento de danos materiais na forma de pensionamento,
oriundo da impossibilidade do exercício de sua profissão ou da diminuição de sua
capacidade laboral, o acórdão defende que, conforme laudo pericial, a reclamante não
sofreu redução da capacidade de trabalho, tornando-se indevido o pensionamento de
forma vitalícia, conforme postulado na inicial.
Em relação à indenização por dano moral, entendeu-se que é necessário
considerar a extensão do dano, além do grau de culpa e as condições econômicas da
reclamada, visando reparar o dano sofrido, mas sem causar enriquecimento
injustificado. Dessa forma, evidenciando-se o nexo de causalidade entre o acidente de
trabalho e a reclamada, bem como o presumível abalo moral e psíquico da reclamante,
foi fixada indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais).
Quanto à alegação de dano estético, destacou-se que a jurisprudência admite a
acumulação do dano estético com o dano moral, frisando-se, contudo, a diferença entre
tais danos, pois o dano estético consiste em uma alteração morfológica advinda de
formação corpórea que gera desagrado e repulsa. Diante das cicatrizes visíveis na coxa
da reclamante, as quais configuram dano estético, fixou-se o valor de R$ 7.000,00 (sete
mil reais) a título de indenização.
V – A quinta analise foi realizada sobre acórdão da 5ª Turma do TRT 4ª Região,
Relatora Angela Rosi Almeida Chepper, processo nº 0020896-53.2019.5.04.0231, em
31/03/2022. Trata-se de recurso ordinário interposto por reclamante acerca de danos
estéticos e morais, com objetivo de majoração da indenização em vista de acidente
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 381
típico que lhe causou lesão em pálpebra esquerda, necessitando de cirurgia e deixando
cicatriz aparente.
O autor da demanda exercia as funções de chapeador para a empresa, com
relação de emprego constante desde 11/01/2012 até 06/06/2018, e entendeu como
irrisório o valor de indenização proferia em sentença, R$ 5.000,00, pois o acidente lhe
causou transtornos como cirurgia e pálpebra caída, sendo que, o perito mencionou a
possibilidade de cirurgia plástica para melhor resultado da cicatriz, tendo esta um
tamanho de 4 centímetros, o mesmo afirma que sua aparência estética lhe causa
sentimento de desgosto, humilhação e constrangimento.
Para tanto, o magistrado considerou o fato de que o acidente não afetou as
condições do autor para trabalhar, considerando devida a indenização de R$ 5.000,00
por danos morais e estáticos, e considera correta a sentença que indeferiu danos
materiais, devido sua plena capacidade para o trabalho.
Quanto ao dano moral e estético, entendeu-se como responsável a reclamada, e,
referente a cicatriz, esta foi considerada pequena pelo magistrado, porém perceptível, e
considerou-se que se trata do rosto do indivíduo, sendo assim, constata-se dano estético
existente e, em razão do mesmo, dano moral decorrente, ambos leves.
O magistrado atenta para o fato de que a reparação por dano moral busca
indenizar o reclamante por seu abalo psicológico, enquanto que a indenização por dano
estético, procura compensar o dano visível causado a imagem da vítima de acidente de
trabalho. Dessa forma, deu-se parcial provimento ao recurso ordinário apresentado pelo
reclamante, majorando em 15% o valor dos honorários devidos a seu advogado bem
como a indenização por dano moral e estético para R$ 10.000,00.
VI - A sexta analise de caso foi realizada sobre acórdão da 1ª Turma do TRT 4ª
Região, Relator Roger Ballejo Villarinho, processo nº 0020767-39.2019.5.04.0331, em
06/04/2022. Trata-se de recurso ordinário interposto pelas partes, reclamante e primeira
reclamada, acerca da responsabilidade civil do empregador, pois a existência de dano,
bem como o nexo causal, são fatores essenciais para imputar responsabilidade civil
(dono/culpa) ao empregador.
A primeira reclamada buscou reforma da sentença com relação a competência da
justiça do trabalho, responsabilidade civil decorrente de acidente de trabalho, dano
material, dano moral e dano estético; enquanto que o reclamante pretendia a
modificação quanto aos itens, dano moral, dano estético e dano material.
Inicialmente, a empresa pretendia o afastamento da responsabilidade civil quanto ao
acidente típico sofrido pelo autor, consequente absolvição das indenizações, bem como
fosse declarada culpa concorrente do reclamante, reduzindo o montante arbitrado às
indenizações, e o abatimento dos valores gastos com médico para a vítima, com risco de
violação do artigo 884 do Código Civil.
A empresa alegou, em suma, que o incidente ocorreu devido ao procedimento
errôneo do empregado, que o mesmo não seguiu as orientações da reclamada com
relação a máquina rebobinadeira, que colocou as mãos de forma imprudente na bobina
durante funcionamento do equipamento, que ficou provado que sua ação não era
necessária, bem como houve prova testemunhal que corroborou a versão da empresa.
Por outro lado, o reclamante pugna pela majoração das indenizações a título de
danos morais e estéticos, requerendo ainda que o valor decorrente de dano material seja
pago em parcela única, segundo artigo 950, parágrafo único da CLT, considerando sua
incapacidade total para o trabalho. Bem como acusa a primeira reclamada de risco
presumido, e que a mesma não tomou os devidos cuidados a fim de evitar acidentes, que
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 382
sente dores e que a volta ao estado anterior ao dano é impossível, sendo que a perícia
constatou incapacidade total para o trabalho, estando em gozo de benefício
previdenciário (auxílio-doença acidentário).
O magistrado por sua vez, afirma que o empregador responde civilmente pelo
acidente de trabalho quando existe dolo ou culpa, aplicando-se a responsabilidade civil
subjetiva, prevista no art. 186 do CC (BRASIL, 2002) e no inciso XXVIII do art. 7º da
CF (BRASIL, 1988), em casos excepcionais, considera-se responsabilidade objetiva do
empregador, ou seja, independente de culpa, em casos de atividades empresarias que
acarretem grandes riscos aos empregados, hipótese do artigo 927 do Código Civil
(BRASIL, 2002).
Também foi considerada a afirmação do perito técnico acerca do treinamento
recebido pelo autor, estando apto para operar a máquina, sendo esta de baixa
complexidade, porém, sem mecanismos de segurança.
Igualmente considerou-se pelo magistrado o depoimento no qual uma
testemunha explica que, independentemente do treinamento realizado pelo reclamante,
os empregados recebiam orientações para manusear a máquina durante seu
funcionamento, apenas freando-a, sem desliga-la, o que vai contra as orientações
fornecidas pelo perito. Frente a isso, negou-se provimento ao recurso da primeira
reclamada, sendo mantida sua responsabilidade civil.
Quanto ao dano material, lucros cessantes, considerou-se o caso como
incapacidade temporária total para exercício das atividades desempenhadas, sendo
assim, os danos causados ao trabalhador são equivalentes ao 100% da média do salário
percebido por este, incluindo um terço das férias e décimo terceiro, pois estes compõe o
rendimento no decorrer da relação empregatícia, porém, os lucros cessantes devem
sanar apenas o prejuízo econômico sofrido pelo empregado, correspondo a diferença
entre o valor do benefício recebido e a remuneração que este perceberia se estivesse
exercendo suas atividades laborais, e esclarece:
Tal alteração da redação foi proposta pelo ministro João Oreste Dalazen, então
presidente da Comissão de Jurisprudência e Precedentes Normativos, dessa forma, o
texto buscou a adequação ao entendimento já pacificado do TST, bem como do STF,
acerca da competência da Justiça do Trabalho para julgar ações motivadas por acidentes
em local de trabalho que acarretem em danos morais e materiais, garantindo inclusive, o
julgamento de ações propostas por herdeiros ou dependentes de trabalhador vítima fatal
de acidente ou que haja sido acometido por doença relacionada a função desempenhada
na empresa (BALBINO, 2015).
A Súmula vinculante nº 22 do STF segue a mesma orientação, e reitera a
competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações de indenização por
danos morais e patrimoniais, decorrentes de tais acidentes, propostas pelo empregado
A PESQUISA JURÍDICA NA FRONTEIRA DA PAZ ____________________________ | 384
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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