Linguistica Aplicada e o Ensino Do Inglés

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LINGUÍSTICA

APLICADA E O
ENSINO DE INGLÊS
Linguística aplicada
e a formação dos
professores de línguas
Dayse Cristina Ferreira da Silva

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Identificar o papel da linguística aplicada nas práticas contemporâneas


de ensino.
> Descrever a importância da linguística aplicada nos estudos inter e trans-
disciplinar.
> Reconhecer a importância de desenvolver o ensino-aprendizagem com base
na competência linguística.

Introdução
A linguística é uma ciência cujo objeto de estudo é a língua. Em tempos muito
remotos, as línguas eram estudadas a partir de suas normas. Era importante falar
bem, escrever bem e se comunicar bem. Essa forma de usar a linguagem era uma
formalidade exigida desde a escola até muitos anos mais tarde. A linguística usou
essa informação, se ramificou e fez surgir a linguística aplicada. Com um papel
bem definido sobre seu objeto de estudo, muitas pesquisas começaram a teorizar
sobre o uso da linguagem. Esse estudo foi tão importante que se separou a língua
da fala, ou seja, existe a língua, o sistema linguístico, com suas regras, normas e
estruturas, e existe a fala. Neste capítulo, você vai ver que a linguística aplicada
se empenhou em teorizar e apresentar formas de trabalhar o ensino de línguas
tanto da língua e seus sistemas linguísticos quanto da língua falada.
2 Linguística aplicada e a formação dos professores de línguas

O papel da linguística aplicada


A linguística aplicada é uma área de investigação, e seu papel é construir
conhecimento teórico. Ao construir seu conhecimento teórico, ela inclui outras
áreas do conhecimento. A linguística aplicada atua junto com outras áreas
fundamentais para que a compreensão de seu objeto de estudo, a linguagem,
seja trabalhada a partir de suas perspectivas de uso real e social.
A linguística aplicada é uma área ativa há pelo menos meio século, o
que não é muito se consideramos que o estudo da linguística começou com
Saussure, o pai da linguística. O interesse pela linguística aplicada nasce
da importância de se criar materiais que ensinassem línguas na época da
Segunda Guerra Mundial (PEREIRA; ROCA, 2018). Essa vontade de ensinar
línguas pode parecer recente, datando da década de 1940, mas o campo de
ensino de línguas é uma preocupação desde os tempos gregos.
O ensino de línguas não é o objeto de estudo da linguística aplicada.
Segundo Pereira e Roca (2018), o enfoque da linguística aplicada é a área do
ensino-aprendizagem. Seu avanço acontece a partir dos estudos relacionados
ao ensino de línguas estrangeiras, com interesse em tradução:

Não é de estranhar, portanto, que a Linguística, um dos grandes campos das


Ciências Humanas, do início do século XX, no auge do Estruturalismo, cujos prin-
cípios e técnicas de análise influenciaram outros campos de investigação como
a Antropologia, a Semiótica, a Literatura etc. (DE GEORGE e DE GEORGE, 1972, pp.
18-20) fosse também interessar àqueles que se debruçavam sobre a questão do
ensino de línguas e da tradução (LOPES, 2009, p. 12).

O ensino de línguas ganhou a atenção de uma área que apontava para


o fenômeno da linguagem e se estendeu a outras áreas que tinham seu
interesse na linguagem, como a antropologia, a literatura, a semiótica, entre
outras (PEREIRA; ROCA, 2018), concebendo o que hoje conhecemos como
linguística aplicada.
Inicialmente, a aplicação da linguística era referente à descrição das línguas
e ganhou notoriedade com a elaboração de programas e de materiais para
o ensino de línguas. Essa era uma preocupação inicial, pois a elaboração de
programas de línguas, cursos e materiais para o ensino de línguas estrangeiras
tinha que ter uma “[...] compreensão atual da natureza da linguagem” (CORDER,
1973, p. 12, tradução nossa). Isso se refere ao que estudiosos da linguagem
e linguistas de áreas como a sociolinguística podem fazer para identificar
e apresentar soluções para problemas que surgem no ensino de línguas,
desde o planejamento até a organização e elaboração das aulas. Pereira e
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Roca (2018, p. 13), em relação à dependência linguística e a como a linguística


aplicada era entendida, apontam as seguintes abordagens.

„ Linguagem e ensino de línguas englobam:


■ visões da linguagem;
■ funções da linguagem;
■ variabilidade da linguagem;
■ linguagem como sistema simbólico.
„ Linguística e ensino de línguas a partir de:
■ linguística e ensino de línguas;
■ psicolinguística e ensino de línguas;
■ linguística aplicada e ensino de línguas;
■ descrição das línguas, uma aplicação primária da teoria linguística.
„ As técnicas da linguística aplicada:
■ na comparação de variedades;
■ nos estudos linguísticos contrastivos;
■ no estudo da língua do aprendiz: análise de erros;
■ na estrutura do programa;
■ na apresentação das gramáticas pedagógicas;
■ na avaliação, validação e testagem.

Essa visão versa sobre a linguística aplicada das décadas de 1970 e 1980,
teorizando a linguística, aplicando a linguística no ensino de línguas e usando
técnicas de como fazer o ensino de línguas acontecer com a aplicação da
linguística. No entanto, o modo de se produzir conhecimento se transforma,
e essa transformação pode até ter começado com Chomsky, como apontam
Pereira e Roca (2018), que disse não acreditar em tais compreensões quanto
ao modo de ensinar línguas da época, principalmente os demonstrados pela
linguística e pela psicologia.
Mesmo assim, os linguistas da época insistiram que cabia a eles, estu-
diosos da linguística aplicada, determinar tais contestações: a aplicação da
linguística à linguística aplicada. Essa distinção foi definida por Widdowson,
um grande nome da linguística aplicada, que acreditava que professores de
inglês, por exemplo, preferiam que linguistas estabelecessem a seguinte
área de atuação: ensino de inglês como língua estrangeira com modelos
de descrição linguística. No entanto, “[...] na perspectiva de Widdowson,
o modelo que deve interessar ao linguista aplicado é aquele que capta a
perspectiva do usuário” (PEREIRA; ROCA, 2018, p. 15), sendo necessária, ainda,
uma mediação entre a teoria linguística e o ensino de línguas. Então, a teoria
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linguística faz parte do ensino de línguas, seja a língua materna, seja a língua
estudada como língua estrangeira. Contudo, não é só isso, pois ensinar uma
língua ultrapassa os tipos de conhecimentos considerados fundamentais
para investigar os processos do próprio ensino de línguas. Outras áreas do
conhecimento devem apoiar a teoria linguística. A sociologia é um exemplo
de área que pode apoiar tal teoria, já que a língua, na linguística aplicada,
deve trabalhar a língua no seu contexto real e social.

A compreensão subjacente é que nenhuma área do conhecimento pode dar conta


da teorização necessária para compreender os processos envolvidos nas ações de
ensinar e aprender línguas em sala de aula devido a sua complexidade (PEREIRA;
ROCA, 2018, p. 16).

O papel da linguística aplicada também é responder a uma demanda social,


envolvendo o ensino de línguas, a produção de dicionários e a tradução (RO-
CHA; DAHER, 2015), e contribuir para a solução de problemas que surgem nesse
âmbito. Segundo os autores, o domínio da linguística aplicada se expande à
medida que surgem interesses por questões sociais ligadas à linguagem em
campos que abrangem a comunicação no direito, no jornalismo, etc. Essas
são áreas que precisam de interpretação e tradução, e a linguística aplicada
ajuda a compreender os problemas que possam surgir nessas áreas.
Contudo, muitos estudiosos apontam para o fato de não haver certa clareza
na responsabilidade que a linguística aplicada tem de responder a toda essa
demanda social em diversas áreas, diferentemente do que acontece em relação
ao ensino de línguas estrangeiras, seja para discutir as metodologias, seja para
teorizar sobre tal ensino (ROCHA; DAHER, 2015). Isso se deve às várias pesquisas
que apontam problemas sobre a metodologia e tentam apresentar algumas
soluções. De acordo com os autores, muitos dos problemas apresentados se
referem às condições que os professores de inglês, por exemplo, enfrentam
quando precisam ensinar em escolas públicas, considerando a frequência das
aulas, a quantidade de alunos e as condições oferecidas pelas escolas. Trata-se
de uma realidade completamente diferente do cenário de ensino-aprendizagem
da língua inglesa em cursos de inglês. Nesses cursos, as condições são mais
favoráveis, pois as instalações que esse tipo de escola pode oferecer aos
profissionais de línguas é melhor e a quantidade de alunos por aula é em um
número reduzido em comparação ao número das escolas públicas.
A linguística aplicada deve se posicionar em relação a essa questão. En-
tretanto, seu papel permanecerá o mesmo nas duas situações ou a realidade
social será abordada de maneira diferente? Rocha e Daher (2015) questio-
nam o papel da linguística, pois tais problemáticas que envolvem questões
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linguísticas não podem ser apenas teorizadas. Deve-se pesquisar, analisar,


questionar, apresentar soluções e aplicá-las: “Guardadas as devidas propor-
ções, o que se sustenta aqui é que o estudo do sistema linguístico parece
nunca ter estado completamente desvinculado dos problemas colocados em
uma determinada época” (ROCHA; DAHER, 2015, p. 116).
A linguística aplicada vai além e não se atém somente ao ensino de línguas
estrangeiras: “[...] o campo começa a pesquisar contextos de ensino e apren-
dizagem de língua materna, no campo do letramento, e de outras disciplinas
do currículo, e em outros contextos institucionais” (PEREIRA; ROCA, 2018, p. 17).

Para se aprofundar nesse assunto, leia as obras de Vygotsky e


Bakhtin, que contribuíram na “[...] relevância de entender a linguagem
como instrumento de construção do conhecimento e da vida social” (PEREIRA;
ROCA, 2018, p. 17).

Uma mudança perceptível acontece no Brasil quando, na década de 1990, o


ensino de inglês é tratado pela linguística como forma de resolver problemas
relacionados a essa aprendizagem, e o ensino da língua materna é estudado
a partir da compreensão dessa linguagem como constitutiva da vida institu-
cional (PEREIRA; ROCA, 2018). Esse é um olhar interdisciplinar da linguística
aplicada que, depois de se dedicar muito aos problemas referentes ao ensino
de uma língua estrangeira, avançou em outros contextos, ampliando também
sua área de investigação.

Linguística aplicada e estudos inter


e transdisciplinares
A interdisciplinaridade passa a fazer parte da linguística aplicada pelo seu próprio
contexto. Podemos entender contexto como a aplicação em diferentes domínios,
como em outras áreas do conhecimento. Como já comentado, o ensino de línguas
estrangeiras, principalmente o ensino de inglês, era o que interessava à linguística
aplicada, que focava seus esforços em entender como a aprendizagem do idioma
poderia ser contextualizada e significativa para os alunos. Pereira e Roca (2018)
reforçam que esse esforço ainda persiste. Em alguns países, a linguística aplicada
está restrita a questões de ensino e aprendizagem do inglês.
No Brasil, as pesquisas se expandiram e, apesar de ainda apontarem para
os estudos de inglês como língua estrangeira e sua aprendizagem por alunos
brasileiros, outros tópicos evidenciam um cenário mais interacionista, um
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entendimento absorvido pela linguística aplicada em razão de seu olhar interdis-


ciplinar. As mudanças tecnológicas, comportamentais, econômicas e até mesmo
históricas movimentam as ciências sociais e humanas e chegam à linguística
aplicada, como enfatizam Pereira e Roca (2018). Eles ainda afirmam que a lin-
guística aplicada faz parte do campo das ciências sociais porque faz indagações
sobre o indivíduo, falante e social, que ocupa uma posição na sociedade.
Embora a ideia de inter e transdisciplinar faça parte de como a linguística
aplicada atua, para alguns ela já é indisciplinar, pois muitos questionamentos já
feitos não podem ser mais compreendidos da mesma forma, já que as pessoas
vivem em um mundo onde os questionamentos não são mais os mesmos e o
que interessava antes não é mais relevante agora e tem outra complexidade.
Logo, outras formas de pensamento, de conhecimento e de pesquisa devem
ser adaptáveis às práticas sociais contemporâneas (PEREIRA; ROCA, 2018).
A linguística é teórica, e quando aplicada tem em sua essência o caráter
solucionista. Entendida como transdisciplinar, para muitos especialistas esse
teor de “solucionar problemas” se perde, pois ela precisa atuar junto com
outras áreas do conhecimento. Os cruzamentos disciplinares acontecem, uma
vez que a teorização da linguagem tem enfoque em outros campos linguísticos
também. Isso tem que acontecer para que a transdisciplinaridade ocorra.
Como mencionado, os tempos são outros, então o conhecimento evoluiu, e os
caminhos traçados por estudiosos e pelo objeto de estudo são reinventados.
Pereira e Roca (2018) apontam que os indivíduos são os discursos que acon-
tecem. Por isso, mudam o tempo todo, já que os indivíduos modificam seus
discursos constantemente. Esses discursos teorizados em face da linguística
aplicada mostram o contato dela com outras áreas, aumentando sua relação
com a inter e a transdisciplinaridade. Segundo Schmitz (2008, p. 239),

Existe uma gama de disciplinas aplicadas como “antropologia aplicada”, “filosofia


aplicada” e “sociologia aplicada” e “geografia aplicada” que, por um lado, se consi-
deram relevantes para uma prática ou vida social nesta primeira década do século
XXI e que, por outro, buscam atravessar outros campos de conhecimento como a LA.

Para o autor, é de interesse da linguística aplicada essa interação.


Os especialistas dizem que a interdisciplinaridade acontece quando uma
área perpassa várias áreas do conhecimento e então a interação é percebida.
Moita Lopes problematiza a noção de transdisciplinaridade, pois, para o autor,
ela só acontece quando há uma pesquisa que envolve uma equipe múltipla
de pesquisadores, já que é muito difícil que um único profissional tenha
conhecimentos profundos de mais de uma área (SCHMITZ, 2008). Há, ainda,
estudiosos que defendem a ampliação das possibilidades de pesquisas da
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linguística aplicada, com indagações relacionadas ao social, ao cultural, ao


econômico e ao político, pois não fazer isso é mais difícil no contexto atual. É
possível evidenciar a interdisciplinaridade na linguística aplicada? Há algumas
concepções sobre isso; veja a seguir (ROCHA; DAHER, 2015, p. 118).

„ A linguística aplicada é subordinada da linguística.


„ A linguística aplicada se torna autônoma.
„ A linguística aplicada começa a teorizar sobre o ensino e a aquisição
da segunda língua.

Assim, para Rocha e Daher (2015), a extensão interdisciplinar é necessária


para caracterizar as pesquisas da linguística aplicada, como mostram as
relações com outras ciências. Para os autores, essa conexão é fundamental,
reforçando a posição interdisciplinar em pesquisas que importam conceitos
e métodos de trabalho.
A transdisciplinaridade é uma prática cuja metodologia é transdisciplinar
e apresenta um conjunto de métodos adaptáveis a cada situação especí-
fica. Esses métodos devem ser definidos de acordo com o sujeito e o objeto
em questão, que vivem em uma realidade multidimensional. Há níveis de
realidade de pensamento, e esses níveis são contraditórios, por isso há a
unificação dos contraditórios para um nível diferente. Isso não significa que
a linguística aplicada é contraditória a outros campos do conhecimento,
mas sim que teoriza a partir do que é distinto, da capacidade de descrever
coerentemente a realidade de um processo interativo (NICOLESCU, 1999). Não
é coerente dizer que há apenas um único nível de realidade: “O conjunto dos
níveis de realidade e sua zona complementar de não-resistência constituem
o que chamamos de ‘objeto transdisciplinar’” (NICOLESCU, 1999, p. 132). Para o
autor, a mente humana consegue entender diferentes níveis de conhecimento
porque cada mente tem sua percepção e cada percepção é diferente. A visão
geral que cada mente tem dos níveis de percepção engloba sua realidade,
então tem-se o sujeito transdisciplinar. O sujeito e o objeto transdisciplinar
devem se comunicar, ou seja, o fluxo da informação deve compartilhar de
um conhecimento de dentro para fora e de fora para dentro.
O fazer da linguística aplicada apresenta formas mais contemporâneas.
Como já visto, o caminho da linguística aplicada começa com a construção
de teorias sobre o ensino de línguas estrangeiras, principalmente de inglês.
Entretanto, esse caminho avançou para a interdisciplinaridade, e suas teorias
começaram a incluir questionamentos sobre as ciências humanas. Logo, chega-
-se à clareza de que a linguagem tem função crucial no que diz respeito às
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práticas sociais. É por meio da linguagem, por exemplo, que se compreende a


história e se repensa as práticas sociais. A linguística aplicada é responsável
por responder essas indagações em suas pesquisas.

Ensino-aprendizagem e competências
linguísticas
Os professores formados em letras, curso que trabalha os aspectos da língua
e da linguagem tanto para o ensino de língua nativa quanto para o de língua
estrangeira, precisam desenvolver competências linguísticas em relação ao
ensino e aprendizagem de seus alunos (AZEREDO, 2018). Suas práticas são
embasadas em teorias até hoje estudadas e discutidas sobre a concepção da
linguagem, como as de Vygotsky (1996). Os parâmetros curriculares, modelo
de ensino empregado no Brasil, apresentam fortemente o ensino por áreas,
da primeira infância até o término do ensino médio. Entre essas áreas, está a
da linguagem, que tem uma visão da linguagem e da aprendizagem baseada
em uma teoria sociointeracional (SOUSA et al., 2017).

Para saber mais sobre os parâmetros curriculares, acesse o site da


Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Os cursos de licenciatura e os programas de formação de profissionais na


área das linguagens, mais especificamente para o ensino da língua materna
e/ou estrangeira, contribuem para a formação do profissional de línguas.
Para Vygotsky (1996), há dois níveis de desenvolvimento em que a apren-
dizagem acontece: o real e o potencial. No nível real, qualquer atividade
é executada de maneira independente, e isso é uma habilidade. No nível
potencial, as atividades são executadas com o auxílio de uma pessoa mais
experiente. A linguagem é um exemplo do nível potencial quando um professor
ajuda, por exemplo, um aluno a utilizar a linguagem na escola (SOUSA et al.,
2017). É um trabalho de colaboração, pois colaborar em pares proporciona o
pensamento crítico, ajudando na motivação da aprendizagem. Além disso,
o aprender juntos faz o aluno se sentir um protagonista no seu processo
de aprendizagem. Todas as pessoas precisam aprender; é uma condição
necessária para o desenvolvimento humano.
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Vygotsky (1996) também fala da zona proximal, que se refere a uma situação
de ensino e aprendizagem favorável para a interação, pois quando a interação
acontece, ela também proporciona o desenvolvimento do aluno. A experiência
do profissional de línguas conta muito nesse processo.

Dentro de uma concepção interacionista, aprender consiste em dar prioridade ao


funcionamento comunicativo dos alunos, preparando-os para dominarem a língua
em situações variadas e para desenvolverem um comportamento consciente sobre
o processo de aprendizagem. As situações de ensino são concebidas fundamental-
mente para permitirem que os alunos ultrapassem seus limites na direção definida
pelas finalidades. Elas supõem que se coloquem problemas aos aprendizes e às
exigências externas, fontes de todas as aprendizagens (SOUSA et al., 2017, p. 99).

No processo de ensino-aprendizagem do aluno, há alguns aspectos funda-


mentais. Um deles é a interação, como já visto. Contudo, o ambiente onde as
interações e influências acontecem deve ser favorável aos alunos. Eles devem
aprender a construir e a se tornar autônomos. Um exemplo de autonomia é
quando um aluno consegue perceber o funcionamento da linguagem em suas
comunicações (SOUSA et al., 2017).
Conversar com amigos e familiares, fazer uma lista de tarefas ou qualquer
que seja a interação nesse contexto faz parte do processo de construção e
produção do aluno. Esse exemplo de conversas são exemplos comunicativos,
mas textos que os alunos estão produzindo na prática podem ser classificados
como gêneros textuais diferentes pelo próprio aluno.
Para a escola, há interesses que sobrepujam as necessidades comunica-
tivas dos alunos, e o interessante é saber como os professores de línguas
lidam com essa forma de trabalhar a língua materna. Como seria se fosse
uma aula de língua estrangeira? Trabalhar a língua em sala de aula envolve
vários fatores:

Existem na língua padrões reais e padrões ideais de linguagem. Padrão ideal é o


que se espera que o falante diga numa situação de formalidade. Padrão real é o
que o falante diz em situações informais ou em situações em que o falante recu-
sa ou ignora a formalidade. O que se ensina na escola, nas aulas de português,
são padrões ideais, basicamente num estilo refletido, isto é, num certo grau de
formalismo em que o falante policia a linguagem, prestando atenção à própria
fala (CARVALHO, 2014, p. 282).

Provavelmente, você já leu ou ouviu a expressão “assassinar o português”.


Dizer que algum aluno não está preparado para usar sua língua materna não é
a abordagem que as pesquisas linguísticas mostram. Não respeitar os padrões
da língua portuguesa ou não seguir a formalidade exigida pela gramática não
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é o caminho que a linguística aplicada segue. Conforme Carvalho (2014), os


linguistas acham absurdamente errado dizer que alguém não sabe falar sua
própria língua materna. Diante disso, precisamos saber como os profissio-
nais da língua devem trabalhar as competências linguísticas, sejam essas
competências da língua materna ou da língua estrangeira. Carvalho (2014)
aponta que isso é feito treinando o ouvido, que aprende a distinguir o que é
possível de praticar em termos de linguagem e em que momento tal linguagem
deve ou não ser evitada ou aplicada, dependendo da ocasião. Trata-se de um
entrave para os professores de língua portuguesa e inglesa, por exemplo.
Até a década de 1990, os professores de português e inglês trabalhavam
basicamente a língua como norma, sendo a gramática normativa a base
para o ensino de uma língua adequada e correta para se aprender e falar.
Era o modelo da comunicação. Nessa época, as pesquisas em linguística já
estavam a todo o vapor, e a linguística aplicada, que antes só teorizava sobre
as dificuldades do ensino de língua estrangeira (principalmente da inglesa),
embarcou em pesquisas de ensino de língua materna (PEREIRA; ROCA, 2018).
Sabendo que um falante de português entra em uma sala de aula já falando
português, com certeza é um exagero afirmar que essa pessoa não sabe
seu próprio idioma. Para Carvalho (2014), a língua tem uma função social, e
seu sistema linguístico é uma rede constitutiva que se subdivide em outros
sistemas. A língua e seu sistema evoluem igualmente, mas a norma restringe
o sistema linguístico. Apropriar-se da língua é considerar os elementos que
a constituem como instrumentos úteis para o agir de cada indivíduo (SOUSA
et al., 2017). Para os autores, seguir uma sequência de prática didática é
considerar (SOUSA et al., 2017):

„ as especificidades da língua na prática;


„ a capacidade de aprendizagem da língua;
„ as estratégias de ensino da língua propostas.

Todos os falantes da língua portuguesa, com algumas exceções, acumulam


conhecimento suficiente para se comunicar nos seus grupos sociais.
No meio escolar, as intervenções acontecem em relação às estratégias de
ensino, para favorecer e promover uma situação comunicacional que corres-
ponda ao que os alunos realmente precisam para se corresponderem. Dessa
forma, eles conseguem progredir, avançar e desenvolver suas aptidões comuni-
Linguística aplicada e a formação dos professores de línguas 11

cacionais: “[...] as intervenções sociais, a ação recíproca dos membros do grupo


e as intervenções formalizadas nas instituições escolares são fundamentais
para a organização dos aprendizes em geral” (SOUSA et al., 2017, p. 101).
Trabalhar línguas e linguagens é uma responsabilidade que inclui contribuir
para a formação do aluno, que deve ser crítico e capaz de refletir sobre si
e sobre a sociedade em que está inserido. Cabe ao profissional de línguas
elaborar uma formação que consiga atender às demandas de conhecimento
de mundo do aluno em relação à língua e à linguagem que utiliza.

Referências
AZEREDO, J. C. A linguística, o texto e o ensino da língua. São Paulo: Parábola, 2018.
CARVALHO, J. A. Problemas e curiosidades da língua portuguesa. Brasília: Tagore Edi-
tora, 2014.
CORDER, S. P. Introducing applied linguistics. Middlesex: Penguin Education, 1973.
LOPES, M. Da aplicação de linguística à linguística aplicada indisciplinar. In: PEREIRA,
R. C. M.; ROCA, M. P. (org.). Linguística aplicada: um caminho com diferentes acessos.
São Paulo: Contexto, 2009. Disponível em: https://ufscdeutsch2010.files.wordpress.
com/2010/10/nps156.pdf. Acesso em: 31 jul. 2021.
NICOLESCU, B. A prática da transdisciplinaridade. In: CENTRO DE EDUCAÇÃO TRANS-
DISCIPLINAR (CETRANS). Educação e transdisciplinaridade. Itatiba, SP: Cetrans, 1999.
PEREIRA, R. C. M.; ROCA, M. P. (org.). Linguística aplicada: um caminho com diferentes
acessos. São Paulo: Contexto, 2018.
ROCHA, D.; DAHER, D. C. Afinal, como funciona a linguística aplicada e o que pode ela
se tornar? DELTA - Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, v. 31,
n. 1, p. 105-141, 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/j/delta/a/rtD6x7LKMZcQZ
RzJjJXNwdz/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 31 jul. 2021.
SCHMITZ, J. R. Moita Lopes, L. P. (org.). Por uma linguística aplicada indisciplinar. Revista
Brasileira de Lingüística Aplicada, v. 8, n. 1, p. 235-250, 2008. Disponível em: https://
www.scielo.br/j/rbla/a/sHWSDzrXP5ZFP6q5QBpZzMr/?format=pdf&lang=pt. Acesso
em: 31 jul. 2021.
SOUSA, A. M. et al. Questões de linguística aplicada ao ensino: da teoria à prática.
Curitiba: Appris, 2017.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

Leitura recomendada
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Disponível
em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 31 jul. 2021.
12 Linguística aplicada e a formação dos professores de línguas

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