Linguistica Aplicada Da Antiga As Novas
Linguistica Aplicada Da Antiga As Novas
Linguistica Aplicada Da Antiga As Novas
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Universidade Federal da Bahia. savio_siqueira@hotmail.com
2 Universidade do Estado da Bahia - Caetité. polyannarocha@hotmail.com
INTRODUÇÃO
A trajetória dos indivíduos na contemporaneidade vem sendo descrita por um mo-
mento histórico notadamente marcado por mudanças nos âmbitos econômico, social,
político e cultural em virtude da intensificação do atual processo de globalização e dos
avanços tecnológicos cada vez mais acentuados. Ante as metamorfoses testemunha-
das cotidianamente em contextos variados, que atingem o ensino/aprendizagem de
línguas, é que a produção de conhecimento na área da Linguística Aplicada (LA) vem
sendo posta em discussão.
Dado que a linguagem é construída pelas relações sociais e desempenha um papel
instrumental nas experiências vividas em sociedade, fica clara a relevância da LA
no equacionamento de problemas nos diversos setores que circundam a vida do ser
humano. Para cooperar com essa afirmação, Fabrício (2006, p. 48) argumenta que “se
a linguagem é uma prática social, ao estudarmos a linguagem estamos estudando a
sociedade e a cultura das quais ela é parte constitutiva e constituinte”. Dessa forma,
torna-se possível interpretar o que, de fato, acontece com o homem e a língua neste
universo de constantes transformações.
Antes de ser delineada com tais contornos, a LA era concebida como aplicação de
Linguística. Por conseguinte, a visão historicamente sustentada por diversos autores
consistia em dizer que fazer LA era levar a teoria para a vida empírica. A partir dessa
acepção, Corder (1973 apud KUMARAVADIVELU, 2006, p. 136) afirma que “o linguista
aplicado é um consumidor ou usuário, não produtor de teorias”. Mesmo que muitos
teóricos ainda insistam nas vantagens dessa vertente, pode-se dizer que tal visão já
se encontra superada, pois, correntemente, fazer LA pressupõe usar a prática como
condição capital para a criação de reflexões teóricas. Expondo de outra maneira, no
domínio da LA, teoria desvinculada da realidade não tem o menor sentido.
À vista disso, o presente artigo propõe-se a apresentar de forma breve, porém
elucidativa, os caminhos trilhados pela LA em direção à sua consolidação como ciên-
cia independente da Linguística. Assim, será possível compreender com maior clare-
za as tendências que estão em cena nesse campo de estudos e como o conhecimento
desenvolvido nessa área pode auxiliar nas investigações voltadas para o contexto de
ensino/aprendizagem de línguas que busquem contemplar de forma crítica os des-
dobramentos políticos e ideológicos decorrentes da atual organização mundial. No
segmento final deste trabalho, será dada particular atenção aos múltiplos desafios
e mudanças de paradigmas que incidem, especificamente, sobre o ensino de inglês
como língua franca (ILF)3 e suas implicações no que se refere, em especial, à perspec-
tiva intercultural de ensino.
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Pautamo-nos com Jenkins (2007) e Seidlhofer (2011) na definição do ILF: o uso do inglês entre falantes
de línguas nativas distintas para os quais o inglês é o idioma de comunicação escolhido e, geralmente, a
única opção. Esta concepção não exclui as interações entre falante nativo e não-nativo.
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O método audiolingual, segundo Oliveira (2014), tem como objetivo principal capacitar o aluno a se
comunicar oralmente na língua estrangeira com um nível semelhante ao de um falante nativo.
outras áreas do conhecimento para estabelecer liames entre saberes diferentes com o
objetivo de proporcionar uma visão mais clara e abrangente das questões investigadas.
Sob este prisma, Moita Lopes (2006a) argumenta que a interdisciplinaridade permite
à LA escapar de visões predeterminadas e gerar configurações teórico-metodológicas
próprias, à luz da lógica de outras disciplinas, com o fito de vislumbrar alternativas
para as questões com as quais se defronta.
A preocupação com problemas de uso da linguagem para além da sala de aula de
línguas só se torna claramente perceptível no Brasil a partir dos anos 1990, momento
em que a linguagem começa a ser vista como instrumento de construção do conheci-
mento e da vida social. Ao ser propagada para outros contextos, a LA amplia os seus
temas e tópicos de investigação e, por consequência, aumenta o apelo de natureza
interdisciplinar para teorizá-los (MOITA LOPES, 2009).
No final do século XX e início do século XXI, a LA passa por um processo de refor-
mulação com o intento de atender às exigências impostas pela modernidade. Nessa
direção, o linguista aplicado começa a questionar a forma descontextualizada em que
são tratadas as práticas investigadas e passa a enxergar os sujeitos em sua heteroge-
neidade. Seguindo essa linha, Fabrício (2006, p. 52) ressalta que a LA, “em lugar de in-
vestir na delimitação de um perfil disciplinar claramente contornado, passa a apostar
no diálogo transfronteiras”.
É assim que se chega à versão indisciplinar e transdisciplinar da LA, ou seja, a pro-
dução de conhecimento nessa área constitui-se na ideia de que os limites disciplinares
não dão conta da complexidade do que se estuda. Dessa maneira, os paradigmas consa-
grados são extrapolados e as fronteiras disciplinares são transpostas para se chegar a
uma melhor compreensão do mundo atual (MOITA LOPES, 2009).
A postura transdisciplinar em LA, vale lembrar, diferentemente da interdiscipli-
nar, requer não somente a integração, mas uma interação dinâmica entre os ramos do
saber. Segundo Celani (1998), o desenvolvimento de uma atitude transdisciplinar en-
volve mudança e por isso mesmo exige que o linguista aplicado seja corajoso, intrépido,
para alterar os esquemas preestabelecidos e esteja disposto a conviver com incertezas
e riscos que, sem dúvidas, terá que enfrentar.
No entanto, Moita Lopes (2006a, p. 26) afirma que “não surpreende que essa visão
da LA como Indisciplina, além de causar desconforto, represente muitas vezes uma
ameaça para aqueles que vivem dentro dos limites disciplinares, com verdades únicas,
transparentes e imutáveis”. Moita Lopes (1998) confessa, então, que é natural que essa
prática seja repelida, visto que tais pesquisadores estão diante do que se chama “prin-
cípio da territorialidade em desagregação, que desarticula os velhos caciques e seus
poderes” (MOITA LOPES, 1998, p. 116).
Como visto, uma LA inter/transdisciplinar é encarada com temor porque a própria
sociedade nos ensinou a olhar com desconfiança para as misturas, os cruzamentos,
as metamorfoses e a diversidade. Mas o que já é manifesto, diz-nos Fabrício (2006), é
que os linguistas aplicados não podem continuar a ancorar suas teorizações e ideias
em essencialismos, homogeneidades ou cristalizações, sob a pena de não atender às
realidades globais emergentes neste período que nos acostumamos a chamar de pós-
modernidade. Todavia, não há como negar que fazer LA fundada nessas novas configu-
rações ainda continua sendo um grande desafio.
o outro são evidenciados. Também não se pode perder de vista que o conhecimento
produzido deve tentar responder às urgências de nossos tempos e objetivar uma con-
vivência mais harmoniosa.
Para dar suporte a essa discussão, chega-se aqui às reflexões em torno da pedago-
gia crítica, que consoante Rajagopalan (2003, p. 105),
[...] nasceu das inquietações vividas ou reproduzidas na sala de aula, não enquanto um
espaço acadêmico no seu sentido tradicional, isto é, um lugar onde se confere saber
àqueles que dele carecem, mas enquanto um autêntico espelho das contradições e
tensões que marcam a realidade que se verifica fora da escola.
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“[...] in appropriating the language, non-native users do not simply adopt it, but adapt it to suit their
communicative purposes: their English is not the same as that of native speakers.”
e estudada em diversas situações, não é mais suficiente estar bem informado sobre
as suas peculiaridades gramaticais, mas também ter consciência das variedades desta
língua e de suas especificidades culturais e contextuais.
Isso posto, é imperativo que o professor se pergunte qual inglês ele irá ensinar e
por quê, para que as suas escolhas pedagógicas sejam justificadas (EL KADRI, 2010).
Para tanto, discussões dessa natureza devem ser incluídas em cursos de formação a
fim de que futuros professores possam dispor de subsídios para determinar qual a
informação linguística, o conteúdo cultural e a metodologia de ensino que são mais
apropriadas ao contexto local.
Para Jenkins (2007), o ILF seria uma vantagem para os professores, pois serviria
para convencê-los de que eles são falantes multicompetentes bem sucedidos e não fa-
lantes nativos fracassados. Isso significa que eles devem firmar-se como profissionais
competentes e falantes autoritários do ILF, com identidade própria de usuários inter-
nacionais de uma língua franca. Nessa perspectiva, o professor, por ser responsável por
orientar as experiências de uso da língua e conduzir todo o processo de aprendizagem,
deve, em especial, redimensionar
[...] seu papel profissional, distanciando-se de uma postura de alienação e
aproximando-se de um comprometimento com a transformação social, tornando-se
um agente de mudança, engajado na desconstrução de estereótipos e na promoção
da tolerância das diferenças, da convivibilidade internacional (MOTA, 2010, p. 49).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existe uma profusão de vozes que clama por mudanças, e que luta pela adoção, por
parte de pesquisadores e professores, de novas perspectivas que orientem as ações
voltadas para o ensino/aprendizagem de LI. Por considerar que os modos de ensinar
e aprender línguas já não podem mais ser vistos como empreendimentos isentos de
conotações ideológicas e políticas é que os currículos de formação devem ser alvos de
alteração.
Para a promoção de alternativas teórico-metodológicas adequadas, é preciso que o
professor tenha autonomia, discernimento e capacidade de refletir a respeito dos pro-
blemas com os quais ele se depara em sua prática. Assim, torna-se urgente o declínio da
proposta de aplicação de técnicas pré-estabelecidas que insiste em ensinar normativa-
mente os fenômenos da linguagem e em abordar a cultura como um conjunto de traços
característicos de determinado país ou grupo de falantes. Cabe destacar que o que se
propõe “[...] não é uma rejeição de todas as normas e padrões, mas uma reavaliação de
sua justificativa, e da suposição que um único padrão atende a todos os propósitos”6
(SEIDLHOFER, 2011, p. 60).
Faz-se necessário, então, superar as severas limitações sofridas por grande parte
do trabalho desenvolvido em LA até o momento, para que seja possível a abertura de um
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“[...] is not a rejection of all norms and standards, but a reappraisal of their justification, and of the
assumption that one standard suits all purposes.”
REFERÊNCIAS