Introdução A Semnatica e Pragmatica
Introdução A Semnatica e Pragmatica
Introdução A Semnatica e Pragmatica
Renato Miguel
Basso
Luisandro Mendes
de Souza Roberta
4º
Período
Pires de Oliveira
Ronald Taveira
Florianópolis - 2009
Governo Federal
Presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro de Educação: Fernando Haddad
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Coordenador Nacional da Universidade Aberta do Brasil:
Celso Costa
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Letras-Português na Modalidade a
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Ficha Catalográfca
ISBN 978-85-61482-17-6
CDU: 801
Catalogação na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitária da
Universidade Federal de Santa Catarina.
Sumário
Unidade A
.......................................................................................
...11 1 Semântica e pragmática: delimitando os
campos...........................13 1.1 O vasto domínio do signifcado
..................................................................13 1.2 O Signifcado
linguístico ...............................................................................15 1.3 A
noção de signifcado
..................................................................................20 1.4
Considerações
fnais........................................................................................24
2 Conhecimento semântico e os nexos semânticos:
acarretamento, contradição e sinonímia
............................................25 2.1 Conhecimento semântico
implícito...........................................................25 2.2.
Composicionalidade........................................................................
...............30 2.3 Trama semântica
..............................................................................................33 2.4
Condições de verdade
...................................................................................36 2.5
Considerações
fnais........................................................................................39
3 Metalinguagem
............................................................................................41
3.1 Teorema-T
.........................................................................................................
...41 3.2 Analisando uma língua
..................................................................................42 3.3
Considerações
fnais........................................................................................54
4
Pressuposição.........................................................................
.......................55 4.1 Caracterizando a
pressuposição..................................................................55 4.2 Os
gatilhos.............................................................................................
..............58 4.3 Acomodando
pressuposições......................................................................61 4.4
Considerações
fnais........................................................................................63
Unidade
B....................................................................................
.......65 5 As descrições
defnidas..............................................................................67 5.1
O papel semântico das DDs:o começo do
debate................................68
5.2 Como capturar a reação das DDs aos contextos A, B e C
semanticamente?.......................................................................
......................69
5.3 Falsas nos contextos A e
B.............................................................................69 5.4 Nem
falsas nem verdadeirasnos contextos A e
B..................................73 5.5 A função textual das
DDs...............................................................................76 5.6
Considerações
fnais........................................................................................79
6
Negação..................................................................................
.........................81 6.1 As várias maneiras de
negar.........................................................................81 6.2 O
‘não’..................................................................................................
..................83 6.3
Escopo.............................................................................................
......................86 6.4 Negações
escalares..........................................................................................
88 6.5 Os itens de polaridade
negativa..................................................................89 6.6 Negação
metalinguística
...............................................................................91 6.7
Considerações
fnais........................................................................................92
7 Quantifcação
................................................................................................
93 7.1
Introdução........................................................................................
...................93 7.2 A quantifcação nominal
................................................................................95 7.3
Interação de quantifcadores:as relações de
escopo...........................99 7.4 Considerações
fnais......................................................................................102
Unidade
C....................................................................................
.... 117 9 Progressão
temporal................................................................................119
9.1 Referência temporal e progressão temporal
........................................121 9.2 Mecanismos de progressão
temporal.....................................................123 9.3 Regras-padrão e
outras.................................................................................126 9.4
Considerações
fnais......................................................................................128 10
Modalidade – os auxiliares
modais..................................................129 10.1 Introdução
......................................................................................................129
10.2 Auxiliares
modais.........................................................................................131
10.3 A semântica dos
modais............................................................................133 10.4 O
tempo e a
modalidade...........................................................................137 10.5
Considerações
fnais....................................................................................139
Coda..............................................................................
.................... 141
Referências...................................................................
................... 145
Glossário.......................................................................
................... 147
perdendo muito se essa for a nossa única tarefa.
Apresentação Trata-se, na verdade, do mesmo problema que
atingiu o ensino da gramática normativa:
ensina-se não somente uma coisa, mas se
E
ensina a repeti-la – não há questionamentos, e
perde-se a dimensão de se aprender algo sobre
ste Livro-texto introduz uma série de
a língua, criando assim a imagem de que não há
nada para aprender sobre a língua. Ora, ensinar
tópicos em Semântica, uma
sobre a língua não é apenas ensinar regras do
disciplina que ainda não teve chance de entrar
bem escrever, e o interesse de estudo de uma
nos ensinos médio e fundamental e que só muito
língua não se encerra (e nem se inicia) no texto.
recentemente aparece em currículos de cursos
de Letras (mas não em todos!). O máximo que As línguas humanas são um objeto muito
Essa semântica não descende da linguística Porém, atenção, os físicos usam a linguagem
infelizmente, não é o pai de todos os linguistas –, natureza, mas isso não signif
mas da tradição da lógica e da flosofa da ca que eles acreditem que a
exclusivamente por flósofos que, de uma mais famoso é Galileu. O mesmo se dá com o
maneira ou de outra, estavam respondendo a semanticista: a lógica que ele usa é apenas
questões colocadas por Gottlob Frege veículo de expressão das regras formuladas, de
suas hipóteses – nenhum semanticista reduz a formais. Mas, não é a toa que a matemática é
língua natural a um sistema lógico. Se você uma linguagem, e talvez seja um equívo co
ouviu tal crítica, certamente foi de alguém que opô-las. Ao longo deste Livro-texto você vai se
não conhece o trabalho dos semanticistas. deparar várias vezes com conceitos da teoria de
conjuntos da Matemática. Esperamos que esteja
Alfred Tarski, um lógico e flósofo muito
aí um convite para que os professores de
importante em várias áreas - porque elaborou,
Português desenvolvam juntamente com
dentre outros, o conceito de metalinguagem -,
mostrou que as línguas naturais são
fundamentalmente inconsistentes, elas geram
parado xos. Com isso, ele concluiu que não era Você teve contato com a Sintaxe Gerativa na
disciplina do professor Carlos Mioto! Veja mais
possível dar a elas um tratamento for mal.
em: MIOTO, C. Sintaxe do Português.
Posteriormente, um outro flósofo, Richard Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2009.
Montague, demonstrou que podemos descrever
formalmente “fragmentos” das línguas naturais.
Essas são questões muito complexas e talvez
seja preciso investigar mais para podermos
saber se as línguas naturais são ou não, em
parte, um cálculo. Como você deve saber a
teoria da relatividade coloca a luz como algo
paradoxal, que é e não é matéria, e não há uma
teoria lógica óbvia que dê conta dessa situação.
Não há dúvida, contudo, de que, como
metalinguagem, a lógica é uma ferramenta muito
importante para o semanticista.
Os autores
Unidade
A Conceitos
Básicos
CAPÍTULO 01 Semântica e pragmática:
delimitando os campos
1 Semântica e
pragmática: delimitando
os campos
13
Semântica
Considere outro exemplo. É comum especularmos sobre o
signifca do de um ato. Suponha que o João é o chefe da Maria
e ele saiu apressado da sala dele em direção à sala do
presidente da empresa. A Maria pode se perguntar o que
signifca essa saída brusca de João, o que será que houve para
ele sair dessa maneira, algo tão incomum. Porém, mais uma
vez, essa especulação não é semântica, porque a pergunta
não é sobre o signifcado de uma fala ou de uma expressão
linguística, mas de um ato realizado por João. Contraste com a
seguinte situação: João está expondo as metas da empresa
para o próximo ano, e ele diz: O leiaute da nossa empresa
precisa ser reformulado. E a Maria se pergunta: O que será
que ‘leiaute’ signif
ca? Neste caso, sim, estamos diante de uma indagação
semântica, porque Maria se pergunta sobre o signifcado de
uma palavra, a palavra ‘leiaute’, e a resposta deve ser um
esclarecimento sobre o signifcado dessa palavra usando outras
palavras: leiaute é o projeto do desenho gráfco de uma
empresa. Maria aprendeu algo sobre a língua (e não sobre o
mundo).
14
1.2 O Signifcado
da semântica, ocupando também a pauta
das ciências cognitivas e, em particular, da
Pragmática. Para desde já entendermos um
pouco melhor as diferenças e relações entre
semântica e pragmática, consideraremos a
seguinte situação: a Ma
Uma primeira constatação é a de que não
basta separar o signifca do linguístico do
signifcado não-linguístico para delimitar o
campo da Semântica, porque o estudo do Qual é a relação entre signi fcados linguísticos e
signifcado linguístico transborda as mar gens o que acontece no nosso cérebro?
do que fazem os semanticistas, as margens
15
Semântica
(3) Tá chovendo.
(5) Tá chovendo.
16
17
Semântica
Semântica Pragmática
O que o faltante quer dizer com a
Signifcado da Sentença (SS). O
sentença que ele profere.
que a sentença diz.
Signifcado do falante (SF).
18
19
Semântica
naturais. Frege, no famoso artigo Sobre o
Sentido e a Referência (1892, Über
Sinn und Bedeutung), mostra
que é preciso distinguir facetas no conceito
de signifcado, pois se não separamos es ses
aspectos não entendemos as razões das
sentenças (7) e (8) serem semanticamente
distintas, tendo em vista que em ambas se
estabelece uma identidade entre dois nomes
próprios:
21
Semântica
22
23
Semântica
25
Semântica
26
nunca ouviu antes. Finalmente, ele sabe (8) Há um único quarto que é de Sara.
deduzir de uma sentença outras sentenças. (9) O evento (a nuvem alaranjada tomar
Antes de lidar especifcamente com cada um devagarzinho o quarto de Sara) ocorreu no
desses conheci mentos, vamos passado.
exemplifcá-los rapidamente.
Esse outro conhecimento é derivado do fato
Suponha que alguém peça para você dizer o de que você entendeu a sentença (7).
que a sentença ‘Tá cho vendo’ signifca. Você Assim, quando sabemos o signifcado de
certamente sabe a resposta e uma maneira uma sentença, sabemos, inevitavelmente, o
muito frequente de explicar é dizer quando a signifcado de muitas outras sentenças que
sentença ‘Tá chovendo’ é verda deira: a estão “enredadas” nela.
sentença ‘Tá chovendo’ signifca que está
chovendo quando o falante a profere. Esse Há outro conhecimento semântico que os
seu conhecimento não se restringe, falantes possuem: a paráfrase. Inicialmente,
obviamente, a essa sentença, ele se aplica é preciso diferenciar entre uma paráfrase
a qualquer outra; até mesmo a uma desen cadeada pelo léxico daquela que a
sentença que você nunca ouviu antes. Muito própria sentença opera. Um exemplo de
provavelmente, você nunca ouviu ou leu a paráfrase lexical é aquela que pode ser
sentença a seguir: desenvolvida por substantivo, adjetivo,
verbo ou preposição, como nos mostram as
(7) Uma nuvem alaranjada tomou expressões a se guir, respectivamente:
devagarzinho o quarto de Sara.
(10) João é vizinho de Pedro ≈ Pedro é
Você não tem qualquer problema em
imaginar como o mundo deve ser para que vizinho de João. (11) Maria é mais gorda que
ela seja verdadeira, certo? Como você sabe
Joana ≈ Joana é mais magra que Maria.
isso? Ora, você sabe o que as palavras em
(7) signifcam e sabe combiná-las, por isso
você pode interpretar um número infnito de
sentenças. Veja que se você sabe que a
sentença (7) é verdadeira, você sabe outras
alternativa de expressão que mantém o mesmo
sentido.
27
Semântica
28
29
Semântica
2.2. Composicionalidade
Uma propriedade que constitui o conhecimento semântico
de um falante e que, portanto, deve ser apreendida por uma
teoria do signifca do linguístico, é a
composicionalidade. Quando um falante sabe o
signi fcado de uma sentença, ele sabe não apenas suas
condições de verdade, ele sabe também “compô-la” e
“decompô-la”. Se o falante entende a sen tença ‘Tá chovendo’,
ele sabe o signifcado de ‘estar’ e ‘chovendo’ e, na verdade,
sabe que ‘chovendo’ se decompõe em ‘chov(e)-’ e ‘-ndo’. Sabe
ainda que essas “unidades” mantêm o mesmo signifcado em
infnitas sentenças nas quais elas podem ocorrer. Por exemplo,
veja que ‘chov(e)-’ dá a mesma contribuição nos diferentes
contextos em que aparece – de passagem, um falante também
sabe que o signifcado de chover está re lacionado com chuva,
chuvisco, água, entre outros:
b. Choveu ontem.
30
31
Semântica
conjunto de fatores, a dança, a batida das
asas, o zumbido etc., que devem ser
desempenhados de uma determinada e
única forma, senão as outras abelhas não
vão entendê-la. Ou seja, há um único
caminho para se chegar ao objetivo: em
outras pala vras, as abelhas não têm
capacidade de fazer paráfrases. Já na lin
guagem humana são possíveis infinitas
maneiras de se alcançar tal objetivo, ou, nos
termos de Frege, diferentes sentidos para se
chegar a uma referência.
32
se A é V, B é F (e vice-versa)
33
Semântica
34
Mundos em que
João fez algo.
35
Semântica
o de sinonímia.
36
37
Semântica
A palavra ‘aí’ é um dêitico, isto é, uma expressão
linguística cujo sig nificado só é plenamente determinado
(interpretado) se se levar em consideração a situação de
fala. Trata-se assim de um elemento variá vel cuja
interpretação depende do contexto: se o ouvinte está em
Sal vador, ‘aí’ significa Salvador; se ele está em Manaus,
significa Manaus,
e assim por diante. Os exemplos claros de dêiticos são os
pronomes pessoais, como ‘eu’ e ‘você’: quando eu falo
‘eu’ refiro-me a mim, que sou o falante, e o ‘você’
refere-se ao ouvinte, você; quando você fala, ‘você’
passa a ser eu e ‘eu’ passa a ser você. Confundiu? Então
leia aten tamente prestando atenção na presença e
ausência de aspas simples que indicam a língua-objeto,
isto é, a língua que estamos explicando.
38
Metalinguagem CAPÍTULO 03
descrever o fato de que o falante sabe
em que condições uma sentença é
3 Metalinguagem verdadeira é utilizar o famoso
Teorema-T:
Você terá conhecimento sobre a ideia de
condições de verdade e a ma neira como A sentença ‘Tá chovendo’ é verdadeira
funciona uma semântica verifuncional. em Português Brasileiro se e somente se
Apresentaremos também exemplos a você, (abreviado sse) está chovendo no
exemplos de derivação semântica, momento em que a sentença é proferida.
investigando o papel que argumentos e
predicados desempenham nessas
derivações.
Uma sentença-T pode parecer trivial, mas
ela não é, e é preciso entender o que
3.1 Teorema-T está por trás dela. Uma sentença-T
expressa um conhe cimento: o
A maneira mais usual na Semântica de conhecimento sobre o signifcado da
sentença. A impressão de trivialidade se metalinguagem. As sentenças-T podem
explica porque tanto a língua-objeto, ser facilmente generali zadas através do
aquela que que remos explicar (e que esquema-T, a seguir, em que ‘p’ está por
sempre aparece marcada formalmente, uma sentença qualquer da língua-objeto
através das aspas simples), quanto a e ‘q’ por uma sentença da
metalinguagem, a linguagem que metalinguagem:
utilizamos para explicar a língua-objeto,
isto é, para estabelecer as condições em
que o mundo deve estar para que a
sentença seja verdadeira, são o por
tuguês. Mas, compare:
42
Metalinguagem CAPÍTULO 03
refere a um indivíduo em particular, mas sim
a um conjunto de indivíduos: os indivíduos
apenas que o conceito de “objeto” foi mal
que são felizes.
compreendido, porque tem forte respaldo no
conceito de objeto de senso comum, ou seja,
de objeto con creto. Porém, não é esse o É bastante intuitivo entender que os nomes
caso. Os mundos do semanticista são próprios, como ‘João’, ‘Maria’, ‘Luís’ etc., se
modelos formais, constituídos por objetos referem a um indivíduo em particular. Menos
entendidos matematicamente: valores para intuiti vo é o fato de que, na Semântica, os
uma variável, como os números ou nomes próprios têm sentido, porque o
expressões que preenchem os ‘x’, ‘y’ e ‘z’ sentido é precisamente o que permite
das equações. É apenas por questões acessarmos um referente no mun do.
didáticas que, em geral, esses modelos são Quando alguém diz ‘Hitler’ imediatamente
apresentados através de exemplos acionamos uma referên cia, o indivíduo Hitler.
concretos. Essa ponte da palavra para o mundo é o
sentido. No caso das expressões saturadas,
Assim, no modelo semântico, os elementos
como os nomes próprios, essa ponte é entre
da língua se referem ou a indivíduos (e
uma expressão da linguagem e um único
conjuntos de indivíduos e conjuntos de
indivíduo no mundo.
conjuntos de in divíduos) ou a valores de
verdade. Nessa proposta, cuja base é Frege, Linguagem
há dois tipos de expressões na língua: Sentido Referência (Mundo)
expressões saturadas (ou completas) e
expressões insaturadas (ou incompletas).
Hitler
As expressões saturadas caracterizam-se por
se referirem a um único objeto no mundo,
um indivíduo ou um valor de verdade. Um
nome próprio, por exemplo, é uma
expressão saturada, porque se refere a um
único indivíduo. Já um predicado, como ‘ser
feliz’, é insaturado, dado que ele não se
Estamos aqui trabalhan do com um modelo bem
simples, em que só há um indivíduo chamado
‘João’. E, de fato, na nossa vida é só
aparentemente que há dois indivíduos chamados
‘João’, porque no fundo o nome próprio inclui o
sobrenome.
Nomes Próprios
43
Semântica
[[Lula]] = Lula
44
Metalinguagem CAPÍTULO 03
expressão saturada porque ela expressa um pensamento
completo e permite alcançarmos um objeto em particular:
ou a verdade ou o fal so (enquanto objetos matemáticos!).
Uma expressão como ‘O menino que está de azul’ não
expressa um pensamento completo, mas serve para apontar
um indivíduo em particular no mundo – trata-se, portanto, de
uma descrição defnida. Compare com ‘O menino que está de
azul caiu da escada’. Nesse caso, temos uma sentença,
porque há um pensamento completo e podemos, em confronto
com um estado no mundo, afrmar se ela é verdadeira ou falsa.
Como as descrições defnidas, as sentenças são estruturas
“complexas” e podem, portanto, ser decompostas em ele
mentos menores. Essa decomposição é também objeto de
estudo deste Livro-texto. Por enquanto, basta entender que
sentenças são estruturas complexas saturadas que têm como
referência um objeto em particular: ou a verdade ou a
falsidade.
representada por: S
S S
N V
N V
João estuda
45
Semântica
pode ser reduzida, é fundamental para a
sintaxe gerativa, conforme aquela iniciada
por Noam Chomsky (1928- ). A idéia,
contudo, de que há hie rarquia na sintaxe e
de usar representações arbóreas é mais
antiga.
João Maria
46
Metalinguagem CAPÍTULO 03
insaturada pode ser pensada como uma estrutura na qual há
um lugar vazio (uma valência):
_______ estuda
47
Semântica
N
No primeiro caso, temos o conjunto de
indivíduos que têm a pro priedade de ser
médico - em termos robustos, o conjunto de
todas as pessoas que são médicas; no
segundo conjunto, temos os indiví duos que
têm a propriedade de correr ou, simplesmente,
o conjunto daqueles que correm. Então, na
sentença ‘Pedro corre’, o que que remos dizer
é que Pedro pertence ao conjunto daqueles
que têm a propriedade de correr.
SN
‘João’ refere-se ao indivíduo
A sentença ‘João estuda’ tem então a forma
[[João]] = ao lado; essa forma tam SV
bém é conhecida como derivação de uma
sentença; no caso, da sentença ‘João estuda’.
Observe que ‘estuda’ refere-se a um conjunto
V
de indivíduos (os que aparecem entre Semanticamente, podemos parafrasear essa
chaves): sentença por ‘João per
João estuda
tence ao conjunto daqueles que estudam’.
Mas, para chegar a tal pará frase, precisamos
de uma regra semântica que permita compor o
SN (sintagma nominal) com o SV (sintagma
verbal), para que a sentença (S) seja
verdadeira sse o referente do SN pertencer ao
conjunto denota do pelo SV – para o nosso
caso, ‘João estuda’ (S) é verdadeira sse João
[[estudar]] = { }
48
Metalinguagem CAPÍTULO 03
se João estuda. Essa é uma instância da
sentença-T. Mas, note que ela é o resultado
(SN) pertence ao conjunto dos que estudam de um cálculo, da soma das extensões (um
(SV). Essa regra se chama Aplicação outro nome para referência) de ‘João’ e
Funcional e vamos apresentá-la ‘estuda’. Note ainda que chegamos às
informalmente, porque uma defnição formal condições de verdade da sentença e não a
requer conceitos que ainda não dominamos. um resultado, ao verdadeiro ou ao falso. O
No exem plo anterior (e este será sempre o resultado depende de como o mundo é: se
caso quando estivermos no nó S), a João tem mesmo a propriedade de es tudar, a
aplicação funcional aplica a função ‘estuda’ sentença é verdadeira; caso contrário, ela é
ao argumento ‘João’. falsa. Na situação (ou mundo) que
desenhamos acima, a sentença é verdadeira
Há duas maneiras de representarmos um
conjunto: porque João de fato tem a propriedade de
estudar.
a) Apresentamos os elementos que compõem
o conjunto, ou 3.2.2 Predicados de mais de um
b) Explicitamos a propriedade que os argumento
elementos têm. No exem plo anterior, Até agora olhamos para um tipo especial de
explicitamos os elementos do conjunto. Eis
predicado, aquele que é saturado por um
mais um exemplo: suponha que queremos
único argumento. Mas há predicados de mais
explicitar o conjunto dos números naturais
de um lugar. Há predicados de dois
maiores que 1 e menores que 4. Podemos
argumentos (ou dois lugares), como: ‘amar’,
enumerar os elementos desse conjunto: {2,
3}; mas, podemos também dar a defnição do
conjunto: {x / x é maior que 1 e me nor que
4}. No primeiro caso, damos a referência; no
segundo, damos o sentido. Podemos fazer o
mesmo com ‘estuda’:
[[estuda]] = {x / x estuda}
50
Metalinguagem CAPÍTULO 03
_____ama _____
52
Metalinguagem CAPÍTULO 03
João
ama
Maria
S
SV SN
SN x ama Maria
N
NV
{ x / x ama Maria}
53
Semântica
54
Pressuposição CAPÍTULO 04
Semântica e Pragmática são dois domínios
da linguagem extrema mente
4 Pressuposição inter-relacionados. Se o leitor procurar nos
livros de introdução a essas disciplinas,
Neste Tópico, iremos nos concentrar nos descobrirá que elas têm em comum como
aspectos semânticos da pressupo sição, objeto empírico o signifcado das expressões
apresentando uma defnição e testes para linguísticas nas línguas naturais. Entretanto,
identifcá-la com certa precisão. Também veremos cada área vê o signifcado de uma
dois aspectos desse fenômeno: a projeção e a forma diferente. O que no fnal das contas
acomodação. cria um objeto diferente.
determinação do valor de verdade de uma
Nos termos do flósofo Paul Grice, a
sentença a informações presentes no
Semântica se ocupa do signif cado literal (ou
contexto. A essas informações contextuais
gramatical), da sentença, enquanto a
chamaremos fundo conversacional.
Pragmática estuda o signifcado do falante.
Há vários aspectos do signifcado em que a
distin ção entre o que é trabalho da Fundo conversacional: conjunto de
Semântica e o que é trabalho da Pragmática informações, na forma de sentenças, que
não é simples de se delimitar, e a são tomadas como verdadeiras pelo
pressuposição é um desses aspectos. falante(s) e ouvinte(s) num dado contexto.
4.1 Caracterizando a
pressuposição
Você deve ter visto no primeiro Tópico que a
Semântica vê o signif cado das orações nas
línguas naturais como um cálculo: o
signifcado do todo é a soma do signifcado
das partes. Entretanto, há vários aspectos do
signifcado que estão diretamente atrelados ao
contexto e dependem dele para que Herbert Paul Grice (1913– 1988) flósofo da lingua
possamos avaliar se uma sentença é gem.
verdadeira ou falsa. Você viu no Capítulo 1
que, para determinar o conteúdo de diversas
sentenças, é necessário computar
Vimos essa distinção e de mos alguns exemplos
informações do contexto, e muitas in
de seu papel no Capítulo 1; contudo, a distinção
formações variam de um contexto a outro. A entre Semântica e Pragmática por vezes não é
pressuposição é um fenô meno similar, por fácil de ser feita. Para uma discussão do que são
os objetos teóricos da Semântica e da
ser também uma forma de ligar a Pragmática, ver Pires de Oliveira e Basso (2007).
55
Semântica
(1) a. Tá chovendo
56
Pressuposição CAPÍTULO 04
(3) a. Rachel não dorme mais com homens no primeiro encontro?
b. Duvido que Rachel não dorme mais com homens no
primei ro encontro.
57
Semântica
acarretam!
58
Pressuposição CAPÍTULO 04
sões são como gatilhos: sempre que usadas, elas disparam
uma pressu posição, à medida que acessam o fundo
conversacional para verifcar se o proferimento da sentença é
feliz no contexto em que é proferida a sentença que contém o
gatilho.
(8) Como eu posso ter parado de fazer algo que nunca fz?
59
Semântica
(10’) a. Não é o caso que João lamenta ter traído sua mulher.
Pressuposição CAPÍTULO 04
Aqui, (13) pressupõe que João tem uma esposa, mas (14)
não, já que a acusação de Pedro pode ser falsa, e (13)
também.
(15) Hoje vou sair mais cedo, tenho que levar meu flho ao dentista.
61
Semântica
procurando por ele, você pergunta “Cadê o
João?”, quem lhe respondesse usando (16)
estaria lhe dando uma informação relevante.
Sabendo que você não sabe que João tem
flhos, (16) é construída de forma a primeiro
adicionar ao fundo conversacional a
pressuposição ‘João tem flhos’, para depois
fazer um proferimento verdadeiro a respeito
dos flhos dele. (17) soa es tranha, porque
Daí o uso do símbolo # para representar
anomalia semântica. primeiro temos a sentença que precisa da
pressuposições podem ser canceladas, como pressuposição, e depois a segunda oração,
vimos anteriormente, novas podem ser que introduz a pressuposição. Ela soa redun
adicionadas rapidamente. Veja as duas dante porque ‘João colocou seus flhos pra
sentenças a seguir: dormir’, caso a pressuposição ‘João tem
flhos’ não faça parte do fundo conversacional,
(16) João tem flhos, e ele colocou seus flhos
é criada ou acomodada pela sentença ‘João
pra dormir. (17) # João colocou seus flhos pra colocou seus flhos pra dormir’; ora, por que
dizer novamente, dar mais uma vez a
dormir, e João tem flhos.
informação ‘João tem flhos’, se ela já foi
O que faz com que (16) seja um proferimento acomodada? Daí a estranheza de (17).
feliz, enquanto (17) não? (17) soa
Até aqui, consideramos que sentenças
redundante fora de contexto. Contudo, faz
podem ser verdadeiras ou falsas (excluindo
todo o sentido se você não sabe que João
os casos vagos e indeterminados). Vimos
tem flhos, e ele some da festa. Se,
neste Tópi co que certas sentenças, para
serem verdadeiras, precisam que certas questão extrema mente complexa, e nossas
informações sejam garantidas como intuições de falantes nem sempre são claras
verdadeiras no fundo conversacio nal – quando pensamos nas possíveis respostas.
trata-se das pressuposições que certas
Tomemos um exemplo: sabemos que João
sentenças carregam. O que acontece,
nunca reprovou em Ma temática, e alguém
contudo, nos casos em que as
diz:
pressuposições não são garanti das e nem
acomodadas? Em outras palavras, qual o (18) João reprovou em Matemática.
valor de verdade de sentenças cujas
(19) João reprovou em Matemática de novo.
pressuposições são falsas? Essa é uma
62
Pressuposição CAPÍTULO 04
A sentença (18) simplesmente nos dá uma informação: a de
que João, pela primeira vez, por tudo o que sabemos, reprovou
em Matemá tica, e pode ser verdadeira se ele de fato reprovou,
e falsa caso contrário. E quanto à sentença (19)? Ora, se João
nunca reprovou em Matemática, é verdadeiro ou é falso que
ele reprovou em Matemática de novo? Mes mo supondo que
ele de fato tenha reprovado pela primeira vez, estamos
inclinados a dizer que (19) é falsa: afnal, ele não reprovou de
novo.
63
Semântica
comparação entre a semântica formal e outros
tipos de semântica.
64
Unidade
B Operações
Semânticas
As descrições definidas CAPÍTULO 05
5 As descrições definidas
Neste Capítulo, você vai aprender alguns dos problemas envolvidos
na análise das descrições defnidas. Exploraremos suas condições
de uso do ponto de vista quantifcacional e pressuposicional, e
também algumas das suas pro priedades textuais.
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Semântica
69
Semântica
a DD. &
b) Não há mais de um referente que satisfaça o predicado
que compõe a DD.
a) há um menino
&
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a DD; &
&
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Semântica
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Semântica
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e diz:
Pressuposições Asserção
que compõe a DD. que compõe a DD. Valor de verdade de
Contexto a) Há um b) Não há mais do c) O predicado da (4)
referente que satisfaz que um referente que sentença se aplica ao
o predicado satisfaça o predicado referente da DD.
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Semântica
a DD; &
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(15) Coloquei meu flho numa escola que todos diziam ser
boa. Depois de dois meses, meu flho quis mudar. Aí eu fui ver,
e achei que a escola não era tão boa.
(16) ? Coloquei meu flho numa escola que todos diziam ser
boa. Depois de dois meses, meu flho quis mudar. Aí eu fui ver,
e achei que uma escola não era tão boa.
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Semântica
c) o compositor de Imagine;
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As descrições definidas CAPÍTULO 05
de Lula que ele é ‘o presidente que atingiu 80% de aprovação
popular’, e outra coisa é dizer de Lula que ele é ‘o presidente
que é um ex-sindica lista, sem curso superior’. Apesar de
ambas as descrições se referirem à mesma pessoa (Lula), a
segunda carrega certa dose de preconceito e será
preferencialmente usada pelos inimigos de Lula.