O Preço Do Dinheiro - Ken Follett
O Preço Do Dinheiro - Ken Follett
O Preço Do Dinheiro - Ken Follett
KEN FOLLETT
O PREÇO DO DINHEIRO
Tradução de
MARiA LuíSA SANTOS
CíRCULO DE LEITORES
Título original.-
PAPER MONEY
Capa:
ALIX
CARLOS ALVES
2
F‚lix Laski não dispunha de muito dinheiro, apesar
do facto de ser bastante rico. A sua fortuna cifrava-se
em acções, terras, pr‚dios e, ocasionalmente, em bens
18
nos claro, como metade de um guião
de carácter me
terço de um invento para fazer bata-
de cinema ou um
s fritas instantâneas. Os jornais gostavam de dizer
ta
que, se todas as suas riqu ezas fossem reduzidas a di-
nheiro, ele ficaria com muitos milhões de libras; e
vã igualmente salientar que transformar
Laski aprecia
as suas riquezas em dinheiro seria quase impossível.
Foi a p‚ desde a estação de Waterloo at‚ … City,
porqI@e acreditava que a preguiça provoca ataques de
coração aos homens da sua idade. Esta preocupação
com a saúde era uma tolice, pois tratava-se do cin-
quentão com melhores condições físicas que se podia
encontrar na Square Mile. Com cerca de um metro e
oitenta e dois de altura e um tórax que fazia lembrar a
popa de um couraçado de batalha, era tão vulnerável
a um ataque cardíaco como um boi jovem.
Ao caminhar pela ponte Blackfriars ao sol t‚nue
daquele início de manhã, chamava a atenção. Usava
roupas claras, desde a camisa de seda azul aos sapatos
manufacturados; segundo os padrões da City, era um
dandy.
Tal devia-se ao facto de todos os homens da aldeia
em que Laski nascera usarem sempre calças de algo-
dão e bon‚s de pano; agora, as roupas de qualidade
serviam para que tivesse sempre presente o que deixa-
ra para trás.
As roupas faziam parte da sua imagem, que era a
de um bucaneiro. Os seus negocios acarretavam, qua-
se sempre, risco ou oportunismo, ou ambas as coisas;
mas ele tomava providências para que, no exterior,
parecessem mais honestos do que eram. Uma fama e
mago dos negócios valia mais do que um banco co-
mercial.
Fora a imagem que seduzira Peters. Laski pensou
neste enquanto passava agilmente em frente da Cate-
dral de São Paulo, rumo ao ponto de encontro. Ho-
menzinho de vistas curtas, a sua especialidade era a
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SETE DA MANHA
4
Já alguma vez te viste
a fazer isso ao espelho? -
perguntara-lhe ela; e
quando Tim admitira que não,
ela insistira em que
experimentassem. Encontravam-
-se em frente do espelho de
corpo inteiro da casa de
banho quando o telefone
tocara. O ruído fizera Tim
dar um pulo, e ela
exclamara:
Ai! Tem cuidado.
Ele tentou ignorar a
intrusão do mundo exterior,
por‚m esta fizera
desaparecer o seu desejo. Deixou-a
e foi at‚ ao quarto. O
telefone estava em cima de uma
cadeira, debaixo de um
monte de roupas dela. Encon-
trou-o e levantou o
auscultador.
- Está?
-
Mr. Fitzpeterson?
Era a voz de um homem
de meia-idade, com sota-
que londrino. Parecia
ligeiramente asmático.
-Sim. Quem
fala?
- Evening Post,
senhor. Desculpe telefonar-lhe tão
cedo. Devo perguntar-lhe se
‚ verdade que tenciona
divorciar-se.
Tim sentou-se
pesadamente. Por um momento, sen-
tiu-se incapaz de falar.
- Está aí,
senhor?
- Quem diabo
lhe disse semelhante coisa?
- O informante
mencionou uma mulher chamada
Dizi Disney. Conhece-a?
4
33
- Porquê?
- Eu mostro-lhe. Vá.
Tim estava demasiado devastado para levantar ob-
jecções. Despiu o roupão e passou-o a Cox. Ficou …
espera, apenas com as cuecas vestidas.
Cox atirou a peça de roupa para o lado.
Quero que fique a lembrar-se do nome que me
chamou: ®Chulo¯ - disse.
A seguir, desferiu um murro no est“mago de Tim.
Tim recuou e dobrou-se sobre si, em agonia. Cox
agarrou-lhe nos órgãos genitais com uma das mãos
enormes e apertou. Tim tentou gritar mas não tinha
f“lego. Ao tentar inspirar o ar, a boca abriu-se-lhe
num esgar silencioso.
Cox largou-o e deu-lhe um pontap‚. Tim estatelou-
-se no meio do chão. E ali ficou, encolhido, com os
olhos cheios de lágrimas. Deixara de ter orgulho, dig-
nidade. Implorou:
Por favor, não me magoe mais.
Tony Cox sorriu e vestiu o sobretudo.
Por enquanto, não - disse.
Depois saiu.
5
O ilustre Derek Hamilton acordou com uma dor.
Deixou-se ficar deitado na cama, de olhos fechados,
enquanto, algures no abd“men, localizava o incóríio-
do, o analisava e concluía que era grave mas não inca-
pacitante. Depois, recordou o jantar da noite ante-
rior. O creme de espargos era inofensivo; recusara os
crepes de marisco; comera o bife bem passado; prefe-
rira o queijo … tarte de maçã. Um vinho branco leve,
caf‚ com natas, brandy...
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Brandy. Raios, devia ter preferido Porto.
Sabia como o dia iria decorrer. Passaria sem peque-
no-alnloço e, pelo meio da manhã, a fome seria tão
dolorosa quanto a úlcera, levando-o a comer alguma
coisa. Por volta da hora do almoço, a fome voltaria e
a úlcera pioraria. Durante a tarde, ficaria excessiva-
inente irritado com qualquer assunto, gritaria com o
seu pessoal e o seu est“mago enrodilhar-se-ia de dor,
diria de raciocinar minimamente. Iria pa-
o que o inipe ia dois comprimidos analg‚sicos. Dor-
ra casa e tomar
Miri.a, acordaria com uma dor de cabeça, jantaria, to-
niaria soporíferos e iria para a cama.
A cama ainda era a única coisa que o aliviava.
Rolou para o lado, abriu a gaveta da mesinha de ca-
beceira, agarrou numa pastilha e levou-a … boca. De-
pois sentou-se e pegou na sua chávena de chá. Sorveu
um gole, engoliu, e cumprimentou:
-Bom dia, querida.
Bom dia - respondeu Ellen Hamilton, sentada
na beira da cama gêmea, em robe de seda, com a chá-
vena apoiada no joelho esguio. Escovara já o cabelo.
A sua roupa de noite era tão elegante como o resto
do vasto guarda-roupa, apesar de ele ser o único a vê-
-Ia e de não estar interessado. O facto não tinha im-
portância, supunha ele: não que ela quisesse que os
homens a desejassem, apenas gostava de se achar ape-
tecível.
Terminou o seu chá e p“s as pernas fora da cama.
A sua úlcera protestou com o movimento súbito, fa-
zendo-o estremecer de dor.
Ellen perguntou:
- Outra vez?
Ele anuiu.
- Foi o brandy de ontem … noite. Já tinha obriga-
ۋo de saber no que ia dar.
O rosto da mulher manteve-se inexpressivo.
- Imagino que nada tenha a ver com os resultados
do semestre de que tomaste conhecimento ontem.
41
Ellen perguntou:
Que tencionas fazer?
A pergunta apanhou-o desprevenido. A princípio,
pensou que ela tivesse adivinhado os seus pensamen-
tos e a eles se referisse; depois, compreendeu que se
tratava de uma continuação da conversa acerca dos
negócios. Prendeu os suspensórios, reflectindo sobre o
que deveria responder-lhe.
Não estou bem certo - acabou por dizer.
Ellen olhou-se atentamente ao espelho, fazendo
movimentar as suas pestanas.
As vezes pergunto a mim mesma o que quererás
tu da vida.
Fitou-a. A educação da mulher ensinaras a ser in-
directa e a nunca fazer perguntas pessoais, pois a se-
riedade e a emoção prejudicavam festas e levavam as
senhoras a desmaiar. Inquirir sobre o objectivo da
existência de algu‚m devia ter-lhe custado um grande
esforço.
Hamilton sentou-se na beira da cama e falou-lhe
para as costas.
- Tenho de cortar o brandy, nada mais.
- Tenho a certeza de que sabes que nada tem a ver
com o que comes e bebes - insistiu Ellen, aplicando
bâton nos lábios, primeiro, contornando-os e, depois,
preenchendo suavemente a parte interior. - Come-
çou há nove anos atrás, e o teu pai morreu há dez.
Corre-me tinta de imprimir nas veias.
A resposta veio formalmente, como um catecismo.
A conversa teria parecido deslocado a quem a escutas-
se de parte, por‚m eles conheciam-lhe a lógica. Havia
um código: a morte do pai dele significava a tomada
do controlo do negócio; a sua úlcera era sinónimo dos
1.
seus problemas no negocio.
Ellen observou:
Tu não tens tinta nas veias. O teu pai tinha, frias
tu não suportas o cheiro dos materiais.
44
Herdei um negócio forte e quero deixá-lo aos
meus filhos ainda mais consolidado. Não será o que as
pessoas da ri ossa classe costumam fazer na vida?
- Os nossos filhos não estão interessados no que
possamos deixar-lhes. Michael está a montar o seu
pr@prio negócio a partir da base e Andrew tem por
único desejo vacinar o continente africano inteiro con-
tra a varicela.
Hamilton deixou de poder ver at‚ que ponto a mu-
lher falava a s‚rio. O que ela estava a fazer ao rosto
tornava-lhe a expressão indecifrável. Não havia dúvi-
da de que era propositado. Quase tudo o que Ellen
fazia era calculado.
Disse-lhe:
- Tenho um dever. Dou trabalho a mais de duas mil
pessoas e há muitos mais postos de trabalho depen-
dentes do bom funcionamento das minhas empresas.
- Eu acho que já cumpriste o teu dever. Mantives-
te a empresa a funcionar em tempo de crise, o que
nem todos conseguiram. Sacrificaste a tua saúde por
ela- deste-lhe dez anos da tua vida, e... Deus sabe que
mais.
A voz de Ellen esmoreceu na última frase, como se
se tivesse arrependido, tarde de mais, de a proferir.
- Achas que tamb‚m devia desistir do meu orgu-
lho? - perguntou ele. Continuou a vestir-se, fazendo
m
u nó apertado na gravata. - Transformei uma sim-
ples tipografia numa das mil maiores empresas do
país. O meu negócio vale cinco vezes mais do que
aquele que meu pai me deixou. Fui eu que o montei,
portanto, tenho de o manter a funcionar.
-Tens de te sair melhor que o teu pai.
- Será assim uma ambição tão mesquinha?
�, sim! - A súbita veemência de Ellen foi um
oq e. - Devias preocupar-te em gozar de boa saú-
c' u
de em
ter uma vida longa, e... com a minha felici-
dade.
45
Se a empresa estivesse próspera, talvez pudesse
vendê-la. Como a situação se apresenta neste morne11-
to, não conseguiria o seu valor real. - Consultou o
relógio. - Tenho de ir para baixo.
Desceu a escadaria larga. O vestíbulo era dominado
por um retrato de seu pai. Muita gente pensava tratar-
-se de Derek aos cinquenta anos. Na realidade, era
Jasper, aos sessenta e cinco. Quando ia a passar, o te-
lefone, que se encontrava em cima da cómoda, tocou
estridentemente. Ignorou-o: não recebia chamadas de
manhã.
Entrou na pequena sala de jantar - a.grande era
reservada a festas, raras nos tempos que iam corren-
do. A mesa redonda estava posta com talheres de pra-
ta. Uma empregada idosa, fardada, trouxe meia to-
ranja num prato de porcelana fina.
- Hoje não, Mrs. Treinlett - disse-lhe Hamilton.
- Quero apenas uma chavena de chá, se faz favor.
Pegou no Financial Times.
A mulher hesitou e depois colocou o prato no lugar
de Ellen. Hamilton desviou rapidamente o olhar do
jornal.
- Leve isso daqui, está bem? - disse com irrita-
ção. - Faça o favor de servir o pequeno-almoço a
Mrs. Hamilton quando ela descer, e não antes.
Com certeza - murmurou Mrs. Treinlett. Reti-
rou a toranj a.
Quando Ellen desceu, retomou a conversa no ponto
em que ficara.
Não creio que o importante aqui seja arranjares
cinco milhões ou quinhentos mil dólares para a erfi-
presa. Seja de que maneira for, ficaríamos melhor do
que agora. Já que não vivemos … vontade, não vejo
porque não havemos de o fazer mas sem problemas,
Hamilton pousou o jornal e fitou a mulher. Esta en-
vergava um dos seus fatos de saia e casaco, feitos Por
medida, em tecido cor de creme, com um camiseiro
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de seda estampado a condizer e sapatos feitos … mão.
Disse:
Tens um lar acolhedor e criadagem suficiente.
possuis arnigos aqui e uma vida social na cidade quan-
do te apetece tirar proveito dela. Esta manhã estás
vestida com roupas no valor de várias centenas de dó-
lares e provavelmente nem sequer irás al‚m da vila.
As vezes, tenho curiosidade em perceber o que tu
queres da vida.
Ellen corou - ocorrência rara.
- Eu digo-te - principiou.
Nesse momento bateram … porta e entrou um ho-
mem bem-parecido, de sobretudo vestido e bon‚ na
rifão.
- Bom dia, senhor, minha senhora - cumprimen-
tou. - Senhor, se queremos apanhar o comboio das
sete e quarenta e cinco...
Hamilton disse:
- Está bem, Pritchard. Espera um pouco no vestí-
bulo.
- Com certeza, senhor. A senhora precisa do carro
esta manhã?
Hamilton'olhou para Ellen. Esta não desviou os
olhos do prato ao responder:
- Sim, penso que sim.
Pritchard anuiu e retirou-se.
Hamilton disse:
- Ias a falar-me do que pretendes da vida.
- Não me parece que seja tema para discutir … me-
sã do pequeno-almoço, especialmente quando estás
cheio de pressa para apanhar o comboio.
- Muito bem. - Levantou-se. - Boa saída de car-
ro. Não vás demasiado depressa.
- Como?
- Guia com cuidado.
- Oli, oli, o Pritchard ‚ que me leva.
Hamilton inclinou-se para beijar a mulher na face,
47
49
AM .
J
enquanto fazia frio. Vestiu uma calças e uma camisola
por cima da roupa interior com que dormira, e enfiou
uns chinelos de quarto.
O seu lar era constituído por uma única sala gran-
de, numa casa vitoriana na zona Norte de Londres
elhores. A mobília, o aquece-
que já conhecera dias in senho-
dor Ascot e o velho fogão a gás pertenciam ao
rio. O rádio era de Herbert. A sua renda incluía a uti-
lização de uma casa de banho comunal e - o que era
mais importante - o uso exclusivo do sótão.
O rádio dominava o quarto. Era um potente apare-
lho receptor VFIF, construido com peças cuidadosa-
mente escolhidas por ele em meia dúzia de lojas da
Tottenham Court Road. A antena encontrava-se no
sótão do telhado. O gravador tamb‚m fora obra dele.
Deitou chá numa chávena, acrescentou leite con-
densado de uma lata e sentou-se … sua mesa de traba-
lho. Al‚m do equipamento electrónico, a mesa tinha
só mais um telefone, um caderno de escola e uma es-
ferográfica. Abriu o caderno numa página nova e es-
creveu a data no topo com letra grande e ligada. De-
pois, reduziu o volume do rádio e cõrr@e€ou a ouvir a
gravação da noite em alta velocidade. Sempre que um
ruído agudo indicava que havia uma fala na gravação,
ele abrandava a velocidade do carreto com a ajuda do
dedo, at‚ poder distinguir as palavras.
®... o carro seguiu para o fundo da Holloway Road,
para prestar assistência … AP ... ¯
'Ludlow Street, Oeste Cinco, uma tal Mrs. Shai-
tesbury - parece-me que ‚ dom‚stica, vinte e um ... ¯
®... o in@pector diz que se o Chinês ainda estiver
aberto, vai at‚ lá comer arroz chau-chau. corri ... ¯
®... Holloway Road apresse-se, o AP está com difi-
culdades ... ¯
Herbert suspendeu a passagem da fita e tornou
apontamento.
®... comunicação de assalto a uma casa, fica perto
de Wimbledon Cominori, Jack ... ¯
so
está … escuta ... ¯
... Dezoito, a área Lee livres para ajuda-
Lillian disse:
- Ali, mas que rico filho em afiar as facas para a
sua mãe. Mas diz-me, onde foste hoje tão cedo?
Levei a cadela at‚ ao parque. E tentei telefonar
para uma pessoa.
A mãe emitiu um ruído de desd‚m.
-Ora, não sei que mal tem o telefone da sala,
Tony inclinou-se sobre o fogão para sentir o cheiro
do bacon que frigia.
Sabe como ‚, mãe. O Velho Bill' está de escuta
a esse.
Lillian entregou-lhe o bule.
- Então vai lá dentro e serve o chá.
Tony levou o bule para a sala de estar e pousou-o
em cima de um isolador. A mesa quadrada estava pos-
ta com uma toalha bordada, talheres para dois, sal e
pimenta e frascos de temperos.
Tony sentou-se ao p‚ da lareira, no mesmo sítio que
o pai costumava ocupar. Daí, estendeu a mão para o
guarda-louça e tirou duas chávenas e dois pires. Voltou
a visualizar a imagem do velho supervisando as refei-
ções, com as costas das mãos sempre prontas a inter-
virem e uma profusão de calão a acompanhar. ®Ti-
rem-me esses ossos da mesa¯, gritava quando os via
apoiarem-se nos cotovelos. A única revolta que Tony
conservara em relação a ele fora a maneira como tra-
tara a mãe. O seu aspecto agradável fazia com que ti-
vesse sempre algumas mulheres por fora, e em vez de
trazer o dinheiro para casa, gastava-o a pagar-lhes
gim. Nessas alturas, Tony e o irmão iam at‚ ao merca-
do de Smithfield apanhar bocados de papel debaixo
das bancas, para os venderem na fábrica de papel por
alguns cobres. E nunca fora … tropa - mas enfim,
muita rapaziada indómita fugira no tempo da guerra.
Que vais fazer - ficas a dormir ou serves esse
77
Ifl
Este ofereceu:
- Queres uma chávena de chá, Tony?
- Não, obrigado, Walter, acabei de tomar o pe@
queno-almoço. - Olhou em volta, mirando o pri-
meiro piso com ar de posse. As mesas estavam tapa-
das, o chão forrado a linóleo fora varrido, os tacos
impecavelmente arrumados. - Tens a casa muito bem
tratada.
- Não faço mais que o meu dever, Tony. Deste-me
a mão.
- Certo.
Cox foi at‚ … janela e olhou para a rua, que se es-
tendia em baixo. No passeio oposto, a alguns metros
de distância, estacionava um Morris 1100 azul. Dentro
dele viam-se duas pessoas. Tony sentiu-se curiosamen-
te satisfeito; tivera razão em munir-se de precaução.
- Onde está o telefone, Walter? - perguntou.
- No escritório - retorquiu Walter, abrindo a por-
ta da divisão para deixar entrar Tony, fechando-a a se-
guir e ficando do lado de fora.
O escritório estava arrumado e limpo. Tony sentou-
-se … secretária e discou um número.
Ouviu-se uma voz no outro lado.
- Está?
- Venham buscar-me - ordenou Tony.
- Cinco minutos.
Tony desligou. O seu charuto apagara-se. Quando
algo o enervava, deixava extinguir o que estava a fu-
mar. Reacendeu-o com um Dunhill de ouro, depois
saiu.
Voltou a mostrar-se … janela.
- Muito bem, amigo, vou-me embora - disse a
Walter. - Se algum daqueles detectives da polícia
que estão dentro do carro azul se lembrar de vir bater
… porta, não atendas. Precisarei de meia hora.
- Não te preocupes. Sabes bem que podes confiar
em mim.
64
Walter sacudiu a cabeça como um pássaro.
- Sim, eu sei.
Tony tocou no ombro do velho por breves instantes,
depois dírigiu-se para o fundo do vestíbulo. Abriu a
porta e desceu rapidamente a escada das traseiras.
Abriu caminho por entre um carrinho de beb‚
cheio de ferrugem, um colchão encharcado e três
quintos de um carro antigo. As ervas daninhas teima-
vam em brotar pelas rachas que atravessavam o pavi-
niento do pátio. Um gato escanzelado fugiu-lhe do cá-
minho com um salto. Ficou com os sapatos italianos
sujos.
o pátio tinha um portão que deitava para uma rue-
la estreita. Tony caminhou at‚ ao fundo desta. Quan-
do ia a chegar, um pequeno Fiat vermelho parou na
esquina com três homens no seu interior. Tony entrou
e instalou-se no assento de trás. O automóvel arran-
cou imediatamente.
O motorista era Jacko, o ajudante número um de
Tony. Ao lado de Jacko, estava Willie o Mouco, que
percebia agora mais de explosivos do que trinta anos
antes, quando perdera o tímpano esquerdo. No banco
de trás, ao lado de Tony, ia Peter ®Jesse¯ James, que
tinha duas obsessões: as armas de fogo e as raparigas
de traseiros volumosos. Eram todos bons homens; to-
dos membros permanentes da firma de Tony.
Tony perguntou:
- Como vai o rapaz, Willie?
Willie o Mouco voltou o ouvido são para Tony.
- O quê?
-Perguntei como vai o jovem Billy.
Faz hoje dezoito - respondeu Willie. - Tá na
mesma, Tony. Nunca mais será capaz de olhar por si.
A assistente social disse-nos para o metermos num lar.
Tony deixou escapar uma interjeição de comisera-
ção. Dava-se ao trabalho de ser simpático para com o
filho atrasado mental de Willie; as doenças mentais
atemorizavam-no.
65
74
NOVE DA MANHŽ
9
noTim Fitzpeterson já não tinha lágrimas para chorar,
entanto, o pranto não ajudara. Deitado na cama,
enterrara o rosto na almofada encharcada. Mover-se
era uma agonia. Tentava não pensar em nada, a sua
mente a rejeitar pensamentos qual estalajadeira com a
casa … cunha. A certa altura, o seu c‚rebro desligou
por completo, permitindo-lhe dormitar por alguns mo-
mentos, por‚m, a fuga … dor e ao desespero foi breve
e voltou a acordar.
Não se levantou da cama, porque não havia nada
que quisesse encarar. A única coisa em que podia
pensar era na promessa de felicidade que tão falsa se
mostrara. Cox tivera razão ao dizer tão grosseiramen-
te: ®Melhor pedaço de mulher nunca poderá encon-
trar.¯ Tim não conseguia banir por completo as recor-
dações repentinas do corpo esguio e ágil da jovem;
elas tinham agora, por‚m, um gosto pavorosamente
amargo. Ela mostrara-lhe o Paraíso e a seguir fechara-
-lhe a porta na cara. Como não podia deixar de ser,
todo o êxtase dela não passara de simulação; mas na-
da de fingido houvera no prazer de Tim. Há poucas
ho as atrás pensara em encetar vida nova, realçada
pelo tipo de amor sexual de cuja existência já se es-
quecera. Naquele momento tinha dificuldade em ver
qualquer sent-ido no futuro.
77
M 77
10
Lençol.
Isso. Se a ganhares, a s tuas acções ficarão mais
fortes.
Não deixaremos de continuar a ter poucas pers-
pectivas de lucros.
Mas seria o material ideal para uma valorização
dos bens.
Interessante - reflectiu Hamilton. - Um joga-
dor faria a oferta hoje, antes de o ministro anunciar o
res ultado. Um oportunista fá-lo-ia amanhã, se ganhar-
mos a licença. Um investidor genuíno esperaria pela
próxima semana.
E um homem sensato diria não a todos eles.
Hamilton sorriu.
- O dinheiro não ‚ tudo, Nathaniel.
- Santo Deus!
� assim tão her‚tico9
De forma alguma. - Fett estava divertido e os
olhos brilhavam-lhe por detrás dos óculos. - Há anos
que o sei. O que me surpreende ‚ que tu o digas.
Tamb‚m fico admirado comigo mesmo. - Ha-
milton fez uma pausa. - Por uma questão de curiosi-
dade: achas que ganharemos a licença?
Não te sei dizer. - O rosto do corretor adoptou
de novo uma expressão indecifrável. - Depende de o
J ministro achar que deva ir para uma empresa já
lucra-
tiva, como um bónus, ou para uma deficitária, como
um cinto de salvação.
Hum. Desconfio que não será para nenhuma das
duas. Lembra-te, nós só encabeçamos o grupo econo-
mico; o que conta ‚ o conjunto. A secção Hamilton,
em controlo, proporciona contactos na City e perícia
empresarial. Nós ‚ que arranjaremos o dinheiro para
o desenvolvimento, em vez de o fornecermos do nosso
próprio bolso. No grupo, há outros que oferecem CO
nhecímentos de engenharia, experiência nas questões
ligadas ao petróleo, facilidades de mercado, e daí por
diante.
88
Portanto tens boas hipóteses.
-laniilton voltou a sorrir.
- Sócrates.
- Porquê?
- Ele fez sempre com que as pessoas respondes-
sern …s suas próprias perguntas. - Hamilton levantou
o físico corpulento da cadeira. - Tenho de ir.
Fett acompanhou o amigo at‚ … porta.
- Derek, quanto a Ellen... espero que não te im-
portes que te tenha dito...
Não. - Apertaram as mãos. - Considero a tua
opinião muito importante.
Fett anuiu e abriu a porta.
Faças o que fizeres, não entres em panico.
Certíssimo, meu.
Quando o amigo saiu, Nathaniel apercebeu-se de
que não utilizava aquela expressão há trinta anos.
12
sOuO escritório de Felix Laski em Poultry não exibia o
nome em parte alguma. Era um edifício bizarro,
que se erguia ombro a ombro com dois outros de con-
cep€ão arquitectónica diferente. Se tivesse conseguido
a
licença para o deitar abaixo e, no seu lugar, cons-
truir uni arranha-c‚us, poderia ter feito milhões. Em
93
4W
sobre a possibilidade de a nossa relação ser ou não
ef‚niera.
- Pára de falar como o Relatório Anual da Presi-
dência.
- Se tu parares de te exprimir como a heroína de
urna novela romântica. Por falar em Relatórios Anuais
da Presidência, imagino que seja por causa disso que
Derek anda deprimido.
- �. Ele pensa que ‚ a úlcera que o faz sentir pior,
mas eu conheço a verdadeira razão.
- Achas que ele vendera a empresa?
- Quem me dera. - Fitou Laski com dureza. -
Tu compravas?
- Talvez.
Ellen fitou-o durante um momento prolongado. Ele
sabia que ela estava a analisar o que ele dissera, sope-
sando possibilidades, considerando os seus motivos.
Era uma mulher inteligente.
Elen decidiu não aprofundar o assunto.
Tenho de ir - disse. - Quero estar em casa …
hora do almoço.
Levantaram-se. Laski beijou-a na boca e passou-lhe
as mãos por todo o corpo, com familiaridade sensual.
Ellen meteu-lhe um dedo na boca, que ele sugou.
Adeus - disse ela.
Mais logo, telefono-te - disse Laski.
Depois, Ellen partiu. Laski acercou-se da estante e
ficou a olhar, sem a ver, para a lombada de O Direc-
torro dos Directores. Ela dissera ®só espero que dure¯
e ele precisava de reflectir sobre a questão. Ellen ti-
nha um certo jeito de dizer coisas que o faziam pen-
sar. Era uma mulher subtil. Então que quereria ela -
casamento? Dissera que não sabia o que queria, e
apesar de dificilmente poder ter dado outra resposta
que não essa, ele tinha o pressentimento de que ela
estava a ser sincera. ®Portanto, que quero eu?¯, pen-
sou. ®Casar com ela?¯
101
14
Ron Biggins pensava na filha. Naquele aspecto, es-
tava em falta: devia ir com a atenção concentrada uni-
camente na carrinha que conduzia, e na carga de, pa-
107
De repente, compreendeu.
- Dêem o alarme! - gritou.
Max fitou-o, surpreendido.
ù quê?
Algo atingiu o telhado da carrinha com um baque.
O motorista do transportador saltou da sua cabina,
caindo sobre o motociclista. Vários homens, com meias
enfiadas na cabeça, saltaram o muro do ferro-velho.
Ron olhou rapidamente pelo espelho retrovisor e viu
os dois motociclistas de trás a serem violentamente
atirados ao chão.
A carrinha balançou, e de repente, incompreensi-
velmente, pareceu erguer-se no ar. Ron olhou para a
direita e viu o braço de um guindaste estender-se por
cima do muro, desaparecendo por cima do tecto da
carrinha. Arrancou o microfone das mãos de um Max
estupidificado no preciso momento em que um indiví-
duo mascarado corria em direcção ao veículo. O ho-
mem atirou algo pequeno e negro, que fazia lembrar
uma bola de críquete, contra o pára-brisas.
O segundo seguinte passou lentamente, numa s‚rie
de imagens, como um filme visto ao retardador: uni
capacete … prova de choque a ir pelos ares; uma inoca
de madeira a atingir algu‚m na cabeça; Max a agarrar
na alavanca das velocidades ao mesmo tempo que a
carrinha se inclinava; o próprio polegar de Ron a car-
o articulava ®So-
regar no botão do microfone enquant
corro Obadiali ... ¯; a pequena bomba que parecia uma
lodir,
bola de críquete a embater no pára-brisas e a exp
fazendo voar uma chuveira de fragmentos de vidro; e
depois o embate físico quando a onda de choque che-
gou e, com ela, o negrume tranquilo da inconsciência.
O sargento Wilkinson ouviu o sinal de chamada
®Obadiah¯ do veículo que levara o papel-moeda, mas
igriorou-o. Fora uma manhã atarefada, com três ini-
112
Cortantes engarrafamentos de tráfego, uma persegui-
ção atrav‚s de Londres no encalço de um motorista
envolvido num caso de atropelamento e 1fuga, dois aci-
dentes graves, um incêndio num armazem, e uma ma-
nifestação improvisada levada a cabo por um grupo de
anarquistas na Downing Street. Quando a chamada
chegou, recebia ele uma chávena de caf‚ instantâneo
e uni rolo de fiambre que lhe eram oferecidos por
unia jovem indiana, … qual dizia:
- Que ‚ que o seu marido pensa de você vir traba-
lhar sem soutien?
A rapariga, que era dona de um peito generoso,
respondeu:
- Ele não repara.
E soltou uma risada.
O Guarda Jones, no outro lado da consola, obser-
vou:
- Aí tens, Dave, aproveita a insinuação.
Wilkinson perguntou:
- Que faz esta noite? a s‚rio.
A jovem riu, sabendo que ele não falava
Trabalho - retorquiu.
ù rádio disse:
®Móvel a Controlo Obadiali. Escuto, por favor.¯
Wilkinson inquiriu:
- Outro emprego? Qual?
- Sou dançarina go-go num bar.
Topless?
Terá de ir at‚ lá para ver, não ‚? - disse a rapa-
riga, continuando em frente com o carrinho.
O rádio deixou escapar: ®Soco ... ¯, logo seguido de
unI estampido abafado que tanto poderia ser uma
erupção estática como uma explosão.
O sorriso desapareceu rapidamente do jovem rosto
de Wilkinson. Ligou um botão e falou pelo micro-
fone.
Controlo Obadiali em escuta, Móvel.
113
ONZE DA MANHŽ
16
Kevin Hart encontrou a morada que a mesa da re-
dacção lhe fornecera e estacionou numa linha amare-
la. O seu carro era um Rover com dois anos e um mo-
tor V8, pois era solteiro e o Evening Post pagava
salários ao estilo da Fleet Street, de modo que tinha
uma vida bem mais desafogada do que a maioria dos
homens de vinte e dois anos. Tinha consciência do
facto, que lhe dava grande prazer; e não era suficien-
temente velho para ocultar esse prazer, razão pela
qual indivíduos como Arthur Cole lhe manifestavam
uma certa antipatia.
Arthur fora muito impertinente quando saíra da
reunião com o editor. Sentara-se … mesa da redacção,
distribuíra a fornada de tarefas da maneira habitual, e
a seguir chamara Kevin e dissera-lhe que desse a volta
… secretária e se sentasse: indício seguro de que estava
prestes a receber o que os repórteres designavam de
um puxão de orelhas.
Arthur surpreenderão por falar, não acerca da ma-
neira como interrompera a reunião, mas sim da histó-
ria. Perguntara-lhe:
Como era a voz?
Kevin respondera:
De homem de meia-idade, sotaque da província.
Escolhia as palavras. Talvez com demasiado cuidado
podia estar embriagado ou muito perturbado.
129
17
®Que obtenho eu do meu trabalho?¯, fora a pergunta
que Derek Hamilton dirigira a si mesmo durante toda
a manhã, enquanto os medicamentos iam deixando de
fazer efeito e a dor, que a sua úlcera provocava, se ia
tornando cada vez mais aguda e frequente. Tal corno
a dor, a pergunta vinha … tona em momentos de
stress. Hamilton começara mal, numa reunião com uni
director financeiro que propusera um programa de di-
minuição de despesas que ia at‚ ao encerramento de
cinquenta por cento de toda a operação. O plano não
era viável - teria beneficiado o fluxo de fundos mas
destruiria a rendibilidade -, por‚m, Hamilton não
conseguiu ver alternativas e o dilema deixara-o irado.
138
Gritara para o contabilista: ®Peço-lhe soluções e o se-
nhor manda-me fechar o raio da loja!¯ Sabia que seme-
lhante comportamento para com a gerência competente
era perfeitamente inadmissível. O mais certo era o ho-
niem apresentar a sua demissão, e possivelmente não
conseguirem dissuadi-lo de tal. Depois a sua secretá-
ria, uma imperturbável senhora casada que falava três
línguas, incomodarão com uma lista de trivialidades,
e ele tamb‚m gritara com ela. Sendo como era, prova-
velmente pensaria que suportar tais atitudes fazia par-
te das suas funções, mas isso não servia de desculpa,
pensou.
E de cada vez que praguejava consigo próprio, com
o seu pessoal e com a sua úlcera, perguntava-se: ®Que
estou eu a fazer aqui?¯
Enquanto o automóvel percorria a pequena distân-
cia entre o seu escritório e o de Nathaniel Fett, pas-
sou mentalmente em revista algumas respostas possí-
veis. O dinheiro como incentivo não podia ser posto
de parte com aquela facilidade como …s vezes gosta-
ria. Era certo que ele e Ellen podiam viver com todo
o conforto com o seu capital, ou mesmo com os juros
deste. Mas os seus sonhos iam al‚m de uma vida desa-
fogada. Um verdadeiro sucesso nos ne ócios traduzir-
9
-se-ia num iate de um milhão de libras, numa villa em
Cannes, num ancoradouro particular, e na possibilida-
de de comprar os Picassos que desejasse sem ter de se
contentar em admirar reproduções em livros lustrosos.
Assim eram os seus sonhos - ou tinham sido -,
mas, provavelmente, já era demasiado tarde para os
concretizar. A Hamilton Holdings não daria lucros fa-
bulosos no tempo que lhe restava de vida.
Durante a juventude, desejara possuir poder e pres-
tígio, supunha. Falhara esse objectivo. A presidência
de uma empresa deficitária não lhe trouxera prestígio,
independentemente da dimensão que ela pudesse ter;
e o seu poder tornara-se ineficaz contra as limitações
impostas pelos contabilistas.
139
18
A beleza de se ser escuta, conforme Bertie Chiese-
man descobrira, estava em poder fazer-se praticamente
tudo o que se desejasse enquanto se escutava a troca
de mensagens, via rádio, entre apolícia. E a trag‚dia
ponto de vista, estava em ele não ter
do facto, do seu
quase nada para fazer. Naquela manhã, já varrera a
carpeta - um processo que fazia levantar a poeira pa-
ra a seguir esta voltar a assentar - enquanto as ondas
a‚reas eram preenchidas com mensagens desinteres-
santes acerca do trânsito na Old Kent Road. Tamb‚m
se barbeara na pia do canto, utilizando uma navalha e
água quente de Ascot; e para o pequeno-almoço frita-
ra uma só fatia de toucinho fumado no fogão que ti-
nha na mesma divisão. Comia muito pouco.
Telefonara para o Evening Post só uma vez desde a
sua primeira comunicação das oito da manhã: para
ra chamada uma ambulân-
lhes passar a dica de que fo
cia a um quarteirão de apartamentos em Westminster.
O nome do paciente não fora divulgado atrav‚s do rã-
dio, mas Bertie deduzira, pela morada, tratar-se pos-
sivelmente de algu‚m importante. Agora, competia …
redacção ligar para a sede das ambulâncias e pedir
e lá soubessem de quem se tratava, dariam
o nome; e s
a informação. Era frequente os homens do serviço de
ambulâncias só fazerem o seu relatório depois de o pa-
ciente dar entrada no hospital. De vez em quando, Ber-
tie falava com os repórteres e perguntava-lhes sempre
como tinham utilizado a informação que lhes dera,
transformando-a em artigos. Estava muito bem infor-
mado sobre os mecanismos do jornalismo.
Al‚m do facto comunicado e do trânsito, houvera
apenas roubos em lojas, actos de vandalismo insignifi-
cantes, um par de acidentes, uma pequena manifesta-
ção em Downing Street, e um mist‚rio.
142
O mist‚rio passava-se na zona leste de Londres,
mas o conhecimento de Bertie ficava-se por aí. Escu-
tar a um alerta a todas as unidades móveis, mas a men-
sagem subsequente não fornecera qualquer informa-
ção: os carros deviam procurar uma carrinha azul com
determinado número de matrícula. Poderia simples-
mente ter sido sequestrada com uma carga de cigar-
ros, ou ser conduzido por algu‚m que a polícia queria
interrogar, ou poderia ainda estar integrada num as-
salto. Fora utilizada a palavra ®Obadiah¯; Bertie não
sabia porquê. Logo após o alerta, tinham sido desta-
cadas três viaturas para procurarem a carrinha. O fac-
to não tinha grande relevância.
A agitação poderia não se basear em nada de espe-
cial - quem sabe se fora a esposa de algum inspector
da Esquadra de Flyinf que fugira; já não era a primei-
ra vez que a Bertie se deparava uma situação seme-
lhante. Por outro lado, poderia ser algo de importan-
te. Aguardava mais informações.
A senhoria chegou enquanto lavava a frigideira com
água quente e um trapo. Secou as mãos na camisola e
agarrou no livro das rendas. Mrs. Keeney, de avental
e rolos na cabeça, olhava, espantada, para o equipa-
mento de rádio, apesar de o ver todas as semanas.
Bertie entregou-lhe o dinheiro e a mulher assinou o
livro. Depois, passou-lhe uma carta.
- Não percebo porque não põe alguma música bo-
nita a tocar - disse.
Bertie sorriu. Não lhe dissera qual a utilidade que
dava ao rádio, pois escutar as transmissões da polícia
era contra a lei.
- Não sou grande apreciador de música - decla-
rou.
A senhoria sacudiu a cabeça resignadamente e saiu
porta fora. Bertie abriu a carta. Era o seu cheque
mensal do Evening Post. Fora um bom período de tra-
balho: o cheque era de quinhentas libras. Bertie não
pagava impostos. Tinha dificuldade em gastar todo o
143
to. Mas. o que não iria fazer sabia ele: permitir que
aquele negócio lhe escapasse por entre os dedos.
Muito satisfeito - repetiu.
Fett disse:
Derek, talvez seja a altura de nós dois termos
uma pequena conversa a sós...
- Não me parece - interrompeu Hamilton. -
A não ser que tenciones dizer-me que este negócio es-
tá cheio de ciladas...
- De forma alguma.
- Nesse caso.. Hamilton virou-se para Laski -
aceito.
Laski p“s-se de p‚ e apertou a mão a Hamilton.
O homem corpulento ficou vagamente embaraçado
com o gesto, mas Laski fez questão no mesmo. Os ho-
Hamilton podiam sem re encontrar um
mens como P
meio de escaparem a cláusulas de um contrato, mas
não conseguiriam atrever-se a recusar um aperto de
mão.
Laski disse:
Os fundos encontram-se no Cotton Bank da Ja-
maica... Sucursal de Londres, evidentemente. Presu-
mo que o facto não constitua problerna.
Tirou um livro de cheques do bolso.
Fett franziu o cenho. Tratava-se de um banco muito
pequeno, embora perfeitamente respeitável. Teria
preferido um cheque passado a um banco mais acessí-
vel, por‚m, naquele estádio do negócio não Dodia ob-
jectar sem parecer obstrutivo: Laski sabia que ele che-
garia a essa conclusão.
Laski preencheu o cheque e entregou-o a Hamilton.
Não ‚ todos os dias que um homem embolsa um
milhão de libras - observou.
Hamilton pareceu ficar jovial. Sorriu e retorquiu:
E não ‚ todos os dias que um homem o desem-
bolsa.
Laski disse:
148
Tinha eu os meus dez anos quando o nosso velho
galo morreu e eu fui com o meu pai comprar outro ao
mercado. Custou o equivalente a... oli, três libras.
Mas a minha família andara a economizar esse dinhei-
ro durante um ano. Custou mais comprar aquele galo
do que qualquer outro negócio que eu alguma vez te-
nha feito, incluindo este. - Sorriu, ciente de que es-
cutavam a sua história com constrangimento e total
ausência de interesse. - Um milhão de libras não ‚
nada, mas um galo pode salvar uma família inteira da
fome.
Hamilton tartamudeou:
- � verdade.
Laski reassumiu a sua imagem habitual.
- Permitam-me que ligue @ara o banco a fim de os
avisar de que este cheque vai a caminho.
- Com certeza - disse Fett, acompanhando-o at‚
… porta e apontando. - Aquela sala está vazia. Vale-
rie passar-lhe-á uma linha.
Obrigado. Quando voltar, poderemos assinar o
documentos. s
Laski foi at‚ … pequena sala e pegou no ausculta-
dor. Ao ouvir o sinal de linha, olhou para fora da sala
a fim de ver se Valerie não estaria … escuta. Esta en-
contrava-se junto do arquivo. Laski discou.
- Cotton Bank da Jamaica.
- Fala Laski. Passa-me Jones.
Houve uma pausa.
- Bom dia, mister Laski.
- Jones, acabei de assinar um cheque no valor de
um milhão de libras.
A Princípio não houve resposta. Depois Jones ex-
clamou:
- Jesus! Não tem cobertura.
- O que não te impedirá de o deixares passar.
- Mã e quanto a ThreadneedIe Street? - A voz
do banqueiro começara a esganiçar-se. - Não temos
dinheiro suficiente em depósito no banco!
149
20
Peter ®Jesse¯ James trans irava. O sol do meio-dia
fazia-se sentir inusitadamente forte, e o vidro do pára-
-brisas da carrinha aumentava o calor ao ponto de os
raios lhe queimarem os braços roliços despidos e
aquecerem desagradavelmente as pernas das calças.
Fazia um calor tremendo.
Al‚m disso, sentia-se aterrorizado.
Jacko dissera-lhe para guiar devagar. O conselho fo-
ra sup‚rfluo. Cerca de quilómetro e meio a seguir ao
ferrc-velho, haviam-se-lhe deparado bichas no trânsi-
to; e desde então fora atravessar o Sul de meia Lon-
dres a passo de caracol. Dificilmente se poderia ter
apressado, mesmo que o pretendesse.
Levava ambas as portas corrediças da carrinha aber-
tas, mas nem tal ajudava. Não corria uma aragem
quando o veículo estava parado e tudo quanto obtinha
ao avançar era uma brisa ligeira formada pelo fumo
quente dos escapes.
Jess achava que conduzir devia ser uma aventura.
Apaixonara-se pelos automóveis desde que roubara o
seu primeiro carro - um Zephyr-Zodiac com lamina-
dos feitos sob encomenda -, aos doze anos. Adorava
passar, c‚lere, as luzes reguladoras do trânsito, dar as
curvas em derrapagem e pregar sustos de morte aos
condutores de domingo. Quando algum motorista se
atrevia a apitar-lhe, Jesse gritava-lhe imprecações e
151
agitava o punho no ar, imaginando que disparava um
tiro na cabeça do estupor. Andava sempre com uma
pistola no porta-luvas do seu próprio carro. Nunca fo-
ra usada.
Mas guiar não tinha piada quando se levava uma for-
tuna roubada no porta-bagagens. Havia que acelerar
lentamente e travar suavemente, fazer o velho sinal com
a mão quando se queria parar, evitar as ultrapassagens e
dar prioridade aos peões nos cruzamentos. Ocorreu-lhe
que poderiam desconfiar de tão bom comportamento:
era bem possível que um polícia inteligente, ao ver um
jovem conduzir uma carrinha como se fosse um velhote
num exame de condução, se sentisse desconfiado.
Chegou a mais um cruzamento na interminável
4 South Circular Road. As luzes passaram do verde
pa-
ra o amarelo. O instinto de Jess foi carregar no acele-
rador e passar velozmente o sinal... mas soltou um
suspiro de enfado, p“s o braço de fora da janela como
um idiota, e parou cuidadosamente.
Tinha de fazer um esforço para não se preocupar -
as pessoas nervosas cometiam asneiras. Devia esque-
cer-se do dinheiro, pensar noutra coisa qualquer. Per-
correra milhares de quilómetros atrav‚s do exasperan-
te trânsito londrino sem nunca ser detido pela lei: por
que haveria aquele dia de ser diferente? Nem mesmo
Velho Bill era capaz de cheirar dinheiro ilegítimo.
O sinal verde apareceu e ele avançou. A rua a funi-
lava junto de um centro comercial, em frente do qual
gas, e uma s‚
estavam parados camiões de entre rie de
passadeiras para peões abrandava o fluxo dos carros.
Os passeios estavam pejados de pessoas que andavam
…s compras e obstruidos por vários vendedores ambu-
lantes agitando no ar bijuteria fora de moda e cober-
tas de protecção para tábuas de engomar.
As mulheres envergavam roupas de Verão - o ca-
lor era de se lhe tirar o chap‚u. Jesse começou a ob-
servar as T-shirts, os vestidos deliciosamente folgados
152
e os Joelhos … mostra, enquanto ia avançando lentamen-
te na bicha. Gostava de raparigas de trasei iros gr
andes,
de modo que perscrutou a multidão … procura de um ‚s-
p‚cline adequado que pudesse despir com o olhar.
Localizou-a a uns bons cinquenta metros de distân-
1
cia. Trazia uma carnisola de nylon azul e umas calças
1
brancas justas. Provavelmente, 'maginava-se com ex-
cesso de peso, por‚m, Jess ter-lhe-'a dito o contrário.
Usava um estupendo soutien … moda antíga, que fazia
com que os seios fizessem lembrar torpedos; e o cós
alto das calças realçava-lhe as ancas generosas. Jesse
fixou o olhar nela, … espera de lhe ver os seios balan-
çar. Assim aconteceu.
O que ele gostaria de fazer era colocar-se atrás dela,
puxar-lhe as calças lentamente para baixo, depois...
O carro … sua frente avançou cerca de uma vintena
de metros e Jesse seguiu-o. Era um Marina novinho
em folha, com capota de vinil. Talvez comprasse um
para si com a parte que lhe cabia do saque. A fila de
automóveis parou novamente. Jesse accionou o travão
de mão e procurou a rapariga roliça.
Só voltou a vê-Ia quando o trânsito recomeçou a an-
dar. Ao enfiar a mudança reparou que estava a olhar
para a montra de uma sapataria, de costas para ele.
Tinha as calças tão justas que ele podia ver-lhe o con-
torno das cuecas, duas linhas em diagonal a aponta-
rem para a junção das coxas. Ele adorava poder ver-
lhes as cuecas atrav‚s do tecido das calças: excitava-o
quase tanto quanto um traseiro ao l‚u. Depois baixa-
va-lhe as cuecas, pensou, e...
Ouviu-se um estrondo de aço contra aço. A carrinha
parou com um solavanco, atirando Jesse contra o vo-
lante. As portas fecharam-se com um violento baque
duplo. Ainda mesmo antes de olhar, sabia o que tinha
feito; e o sabor do medo fê-lo sentir-se agoniado.
O Marina … sua frente parou antes do tempo e Jes-
se, entretido com a rapariga roliça das calças justas,
foi estatelar-se contra a parte traseira do automóvel.
153
22
mulher de Willie o Mouco, ia rigidamente
Doreen, segu-
sentada no banco da frente do carro de Jacko,
rando a mala de mão que levava no regaço. Tinha o
rosto empalidecido e os lábios crispados numa estra-
mistura de fúria e temor. Era uma mu-
nha expressão,
tante alta e de ancas grandes,
lher de ossos largos, bas
com tendência para a obesidade devido ao gosto que
Willie tinha pelas batatas fritas. Tam ‚m se apresen
tava pobremente vestida, isto por Willie gostar de cer
veja preta. Olhava fixamente em frente, falando a
Jacko pelo canto da boca.
- Então quem foi que o levou para o hospita19
ntiu Jacko- - Talvez te-
- Não sei, Doreen - me
nha sido um trabalho e eles não quisessem que se sou
ei e que recebi um
besse a quem, compreendes. Só s
168
telefonema a dizer que Willie o Mouco estava no hos-
pital, que contasse … patroa dele, e pumba. - Esbo-
çou o gesto de quem desliga um telefone.
- Mentiroso - disse Doreen calmamente.
Jacko não respondeu.
Nas traseiras do carro, Billy, filho de Willie, olhava
pela janela com ar ausente. O seu corpo comprido e
desajeitado obrigava-o a ir todo enrodilhado no espa-
ço exíguo. Normalmente, gostava de andar de carro,
mas naquele dia sua mãe estava muito tensa e ele sa-
bia que algo de mau acontecera. Não tinha era a cer-
teza do que fora: as coisas mostravam-se confusas.
A mãe parecia zangada com Jacko, mas este era um
amigo. Jacko dissera que o pai estava no hospital, mas
não que adoecera; e de facto, como poderia ser? Ain-
da naquela manhã, quando saíra de casa, muito cedo,
estava bem.
O hospital era um enorme edifício forrado a tijolei-
ra, vagamente gótico, que outrora servira de residên-
cia ao presidente da Câmara de Southwark. Tinham
sido construídas várias extensões de telhados planos
nos terrenos circunstantes, e parques alcatroados para
automóveis tinham obliterado o resto dos campos.
Jacko parou perto da entrada das Urgências. Nin-
1
guem proferiu palavra enquanto saíam do carro e se
dirigiam para a porta. Passaram por um empregado
de ambulância que, de cachimbo na boca, se apoiava
a um postar antitabagístico num dos lados do seu veí-
culo.
Saíram do calor do parque de estacionamento para
a frescura que reinava no interior do hospital. O co-
nhecido odor anti-s‚ptico provocou um nauseante
acesso de medo no est“mago de Doreen. Encostadas
…s paredes viam-se cadeiras de plástico verdes e em
frente da entrada, no meio da passagem, havia uma
secretária. Doreen reparou num rapazinho agarrado a
um dedo onde se cortara com um vidro, num jovem
169
23
Kevin Hart subiu as escadas a correr e entrou na re-
dacção do Evening Post. Um paquete envergando uma
camisa Brutus e sapatos com tacão alto passou por
ele, carregando uma resma de jornais: a edição da
uma da tarde. Kevin surripiou-lhe o exemplar do topo
e sentou-se a uma secretária.
A sua história vinha na primeira página.
O cabeçalho dizia: PATRŽO DE PETRõLEO DESMAIA.
Kevin deteve-se por instantes diante das palavras deli-
ciosas ®por Kevin Hart¯. Depois, prosseguiu a leitura.
®O ministro Tim Fitzpeterson foi hoje encontrado
inconsciente no seu apartamento em Westminster.
A seu lado havia um frasco de soporíferos vazio.
Mr. Fitzpeterson, ministro do Departamento de
Energia e responsável pela política ligada …s questões
petrolíferas, foi rapidamente transportado para o hos-
pital.
Desloquei-me ao seu apartamento para o entrevis-
tar, ali encontrando o agente da polícia Ron BowIer,
que fora investigar as causas que levaram o ministro a
faltar … reunião de uma comissão.
Encontrámos Mr. Fitzpeterson deitado de bruços
sobre a sua secretária. Chamámos imediatamente uma
ambulância.
177
@1I1 lí1
li falirei]
7@@7 7@
25
Felix Laski, sentado … sua secretária no escritório,
olhava para um ecrã de televisão e rasgava um envelo-
pe amarelo em tiras estreitas. A televisão de circuito
fechado era o equivalente moderno da fita de papel
de teleimpressora; e Laski sentia-se como o corretor
preocupado num velho filme sobre a queda da bolsa
de 1929- O aparelho passava notícias contínuas sobre
0~inercado e as oscilações de preços em acções, obriga-
ções e moeda corrente. Não houvera menção … licença
de exploração petrolífera. As acções da Hamilton ti-
nham descido cinco pontos na v‚spera, e as transacções
apresentavam-se moderadas.
Deu por finda a destruição do envelope e atirou os
bocados de papel para um cesto metálico. A licença
de exploração petrolífera devia ter sido anunciada há
uma hora atrás.
Pegou no telefone azul e ligou o 123: ®Ao terceiro
sinal serão treze horas, quarenta e sete minutos e cin-
quenta segundos.¯ A comunicação estava com mais
de uma hora de atraso. Ligou para o Departamento
de Energia e pediu para falar com o Gabinete de Im-
prensa. Uma mulher informou-o:
- O secretário de Estado chegará mais tarde.
A conferência de imprensa começará mal esteja pre-
sente, e a comunicação será logo no início.
®Para o diabo com os vossos atrasos¯, pensou Las-
ki. ®Tenho uma fortuna em jogo.¯
Carregou no botão do intercomunicador.
Carol? - Não houve resposta.
Berrou:
Carol!
A rapariga enfiou a cabeça pela abertura da porta.
Desculpe, estava na sala de arquivo.
Traga-me caf‚.
Com certeza.
Tirou do seu tabuleiro de ®entradas¯ uma pasta de
arquivo cujo cabeçalho dizia: ®Tuba em de Precisão
9
Relatório de Vendas, 1.0 Trimestre¯. Tratava-se de
um trabalho de espionagem industrial sobre uma em-
presa que era sua intenção passar a controlar. Defen-
dia a teoria de que a injecção de capitais tendia a ser
bem empregue quando se adivinhava uma queda brus-
ca. Mas teria o material de precisão capacidade de ex-
pansão? Tinha dúvidas.
Olhou para a primeira página do relatório, pestane-
jou perante a prosa indigesta do director de vendas e
atirou o dossier para o lado. Quando se metia num jo-
go e perdia, era capaz de aceitar o facto com sereni-
dade. O que o punha fora de si era algo correr mal
por razoes desconhecidas. Sabia que não conseguiria
concentrar-se em mais nada at‚ a questão de Shield
estar resolvida.
Tacteou a prega bem delineado das calças e pensou
em Tony Cox. Afeiçoara-se ao jovem malfeitor apesar
da homossexualidade manifesta do outro, porque sen-
tia nele o que os Ingleses chamam de alma gêmea. Tal
como Laski, Cox subira de uma situação de pobreza
para uma de riqueza graças … sua determinação, ao
seu oportunismo e ao seu modo de agir implacável.
Tamb‚m … semelhança de Laski, esforçara-se por li-
mar as arestas das suas maneiras próprias da classe
baixa. Laski saía-se melhor nesse aspecto, mas apenas
porque praticava há mais tempo. Cox queria ser como
Laski e chegaria lá - quando alcançasse a casa dos
cinquenta, seria um distinto cavalheiro de cabelos gri-
salhos da City.
Laski compreendeu que não dispunha de uma única
razão sólida para confiar em Cox. Havia o seu instin-
to, evidentemente, o qual lhe dizia que o jovem era 1
honesto para com as pessoas que conhecia: mas os To-
ny Cox deste mundo eram dissimuladores experientes.
194
I,'
Teria ele inventado, muito simplesmente, toda a histó-
ria acerca de Tim Fitzpeterson?
O televisor voltou a mostrar o preço das acções da
Hamilton: tinham descido mais um ponto. Laski teria
desejado que não utilizassem aquele maldito tipo de
letra de computador, tudo em linhas horizontais e ver-
ticais: fatigava-lhe os olhos. Começou a calcular quan-
to perderia se a Hamilton não obtivesse a licença.
Se conseguisse vender as 510 000 acções imediata-
mente, não perderia mais do que alguns milhares de
libras. Mas não seria possível desfazer-se desse total
ao valor do mercado. E o preço continuava a baixar.
Cifrar-se-ia, digamos, numa perda de vinte mil, por
alto. E num rev‚s psicológico, um prejuízo para a sua
fama de homem bem sucedido.
Estaria algo mais em risco? O que Cox tencionava
fazer com a informação que Laski lhe fornecera era,
sem dúvida, criminoso. Contudo, como Laski não ti-
nha verdadeiro conhecimento do facto, não podia ser
condenado por conluio.
Havia ainda o decreto sobre os Segredos Oficiais
Britânicos - brando pelos padrões do Leste europeu,
mas, ainda assim, uma lei que impunha respeito.
Qualquer abordagem a um funcionário público, com a
finalidade de obter dele informações confidenciais,
era ilegal. Seria difícil imputar semelhante acção a
Laski, mas não era de todo impossível. Ele pergunta-
ra a Peters se contava com um dia atarefado pela fren-
te, e o homem respondera: ®Vai ser um dos tais.¯ De-
pois Laski dissera a Cox: ®� hoje.¯ Bem, se Cox e
Peters fossem persuadidos a testemunhar, nesse caso
Laski seria condenado. Mas Peters nem sequer sabia
que dera a conhecer um segredo, e ningu‚m se lem-
braria de lho perguntar. Mas e se Cox fosse preso?
A polícia britânica dispunha de meios para obter in-
formações das pessoas sem que para tal precisasse de
recorrer a matracas. Cox poderia dizer que obtivera a
195
26
O jovem Billy Johnson andava … procura de Tony
Cox, mas esquecia-se constantemente do facto.
Depois de todos terem regressado do hospital, saíra
de casa o mais depressa que lhe fora possível. Sua
mãe barafustara muito, vira uns polícias por perto e
Jacko fora levado numa carrinha para a esquadra, a
fim de responder a umas perguntas. Os parentes e vi-
zinhos, que não paravam de chegar, aumentavam ain-
da mais a confusão. Billy apreciava o sossego.
Ningu‚m parecia disposto a arranjar-lhe o almoço
ou a prestar-lhe o mínimo de atenção, pelo que co-
meu um pacote de bolachas de gengibre e saiu pelas
traseiras, dizendo a Mrs. Glebe, que morava três por-
tas a seguir … sua, que ia at‚ casa da tia ver televisão a
cores.
Enquanto caminhava, foi-se apercebendo de certas
coisas. Andar ajudava-o a pensar. Quando se sentia
confuso, sempre podia olhar para os carros, as lojas
e as pessoas durante um bocado, para descansar a
cabeça.
A princípio seguiu em direcção … casa da tia, at‚
que se lembrou de que, de facto, não era para lá que
desejava ir; só o dissera para impedir que Mrs. Glebe
arranjasse complicações. Portanto, tinha de pensar
para onde queria ir. Parou, ficando a olhar para a
199
Itália
e dias a fio, não pensara em mais nada a não ser nos
pequenos altos arredondados que lhe apalpara por
obre a blusa, e na maneira como se sentira ao tocar-
-lhes. Acabou por se compenetrar de que a experiên-
cia era das tais coisas agradáveis que nunca se repe-
tiam.
Entrou na loja. A mãe de Sharon encontrava-se atrás
do balcão, de bata …s riscas. Não reconheceu Billy.
Este sorriu e cumprimentou:
olá.
-Que desejas? - perguntou a mulher, pouco …
vontade.
Billy perguntou:
- Como vai Sharon?
- Optima, obrigada. Neste momento não está. Co-
nhece-la?
sim. - Billy olhou em volta, mirando a varieda-
de de produtos alimentares, ferramentas, livros, arti-
gos de fantasia, tabaco e guloseimas. Apeteceu-lhe di-
er: ®Uma vez ela deixou-me apalpar-lhe as mamas¯,
as sabia que não estaria certo. - Costumava brincar
com ela.
Devia ser a resposta que a mulher queria ouvir: pa-
receu ficar aliviada. Sorriu e Billy reparou que tinha
os dentes manchados de castanho, tal como os do paí
Ela perguntou:
Queres alguma coisa daqui?
Ouviram-se passadas ruidosas nas escadas e Sharon
entrou na loja pela porta que ficava atrás do balcão.
Billy ficou admirado: ela parecia muito mais velha.
Usava o cabelo curto e tinha as mamas muito grandes,
a balançarem sob um T-shirt. Tinha as pernas compri-
das e usava jeans apertados. Estava cheia de pressa.
Adeus, mãe.
Billy disse.
Olá, Sharon.
204
IN
A jovem parou e fitou-o. A expressão do seu rosto
niostrou que o reconhecera.
Oh, olá, Billy. Não me posso demorar.
E desapareceu num ápice.
A mãe mostrou-se embaraçado.
Desculpa, esqueci-me de que ela ainda lá estava
em cima...
Não faz mal. Eu tamb‚m me esqueço de muitas
coisas.
Bom, desejas alguma coisa daqui? repetiu a
mulher.
Quero uma faca.
A ideia surgira na cabeça de Billy sem que este per-
cebesse como, mas compreendeu imediatamente que
estava certa. Não fazia sentido bater na cabeça de um
homem forte como Tony Cox com uma pedra - ele
retribuiria na mesma moeda. Portanto, havia que es-
petar-lhe uma faca pelas costas. Como um índio.
- Para ti ou para a tua mãe?
- Para mim.
- Para que a queres?
Billy soube que não devia dar-lhe as suas razões.
Franziu o cenho e respondeu:
- Para cortar coisas. Fios e assim.
- Oh.
A mulher enfiou a mão na montra e pegou numa
faca embainhada, parecida com a que os escoteiros
costumavam usar.
Billy tirou o dinheiro do bolso das calças. De di-
nheiro não percebia grande coisa - deixava sempre
os lojistas tirarem o que fosse preciso.
A mãe de Sharon olhou e exclamou:
- Mas tu só tens oito pence.
- Chega?
A mulher suspirou.
Não, lamento.
- Bem, então posso levar pastilhas elásticas?
205
A mulher voltou a colocar a faca na montra e tirou
um pacote de pastilhas elásticas de uma prateleira.
Seis pence.
Billy apresentou a mão cheia de moedas, de onde a
lojista tirou algumas.
- Obrigado - agradeceu Billy.
Saiu para a rua e abriu o pacote. Gostava de meter
tudo na boca ao mesmo tempo. Caminhou, mastigan-
do com prazer. De momento, esquecera o objectivo
que levava.
Parou para ver uns homens a cavarem um buraco
no pavimento. O topo das cabeças ficava ao nível dos
p‚s de Billy. Este viu, com interesse, que a parede da
trincheira mudava de cor … medida que descia. Pri-
meiro, havia o pavimento, depois, um material preto
qualquer parecido com alcatrão, depois, terra casta-
nha solta, a seguir, argila húmida. No fundo estendia-
-se um cano feito de cimento novo e limpo. Porque
colocariam eles canos debaixo do chão? Billy não fa-
zia ideia. Inclinou-se e perguntou:
- Porque estão a meter um cano debaixo do chão?
Um operário olhou para cima e respondeu:
- Estamos a escondê-lo dos Russos.
- Oli. - Billy anuiu, como que compreendendo.
Passados instantes, continuou em frente.
Sentia fome, no entanto, tinha de fazer uma coisa
antes de voltar para casa para almoçar. Almoço? Co-
mera um pacote de bolachas porque o pai estava n
hospital. Isso tinha alguma coisa a ver com a razão
que o levara a Bethrial Green, por‚m, não conseguia
estabelecer a ligação.
Dobrou uma esquina, olhou para o nome da rua
que estava na tabuleta presa bem no alto de uma pa-
rede, e viu que se encontrava na Quill Street. Já se
lembrava. Era ali que Tony Cox vivia - no número
dezanove. Bater-lhe-ia … porta...
Não. Não sabia porquê, mas o certo ‚ que tinha a
206
certeza de que devia entrar …s escondidas pela porta
das traseiras. Havia um re a o por tr s o terraço.
Billy atravessou-o at‚ chegar junto das traseiras da ca-
sa de Tony.
A pastilha elástica perdera já todo o sabor, pelo
que tirou-a da boca e atirou-a para longe, antes de
abrir com cuidado o fecho do portão e entrar furtiva-
mente.
27
Tony Cox conduziu lentamente ao longo do carreiro
enlameado e coberto de sulcos, tendo mais em aten-
ção o seu próprio conforto do que os interesses do do-
no do carro ®emprestado¯. A ruela, que não tinha no-
me, estabelecia ligação entre uma estrada e uma casa
de quinta com celeiro. Este, a casa vazia e em mau es-
tado, assim como o acre de terra f‚rtil que os rodea-
va, eram propriedade de uma empresa com a designa-
ção Empreendimentos de Terras, Lda.: pertencia, na
realidade, a um jogador viciado que devia muito di-
nheiro a Tony Cox. O celeiro era ocasionalmente uti-
lizado para armazenar lotes de mercadorias danifica-
dos por incêndio e comprados a preços mínimos, de
modo que já era habitual ver uma carrinha ou um au-
tomóvel entrarem pelo pátio da quinta.
O portão de cinco traves, que ficava … entrada do
terreno, encontrava-se aberto, e Tony entrou por ele
com o carro. Não se via sinal da carrinha azul, no en-
tanto, Jesse estava encostado … parede da casa da
quinta, a fumar um cigarro. Aproximou-se para abrir
a porta do carro a Tony.
- Não correu bem comunicou imediatamente.
Tony apeou-se.
27
-,M-- IR _M
- Chama-se a isso morrer de fartura.
- Calculo que não possas meter tanto dinheiro no
Abbey National. Qualquer pessoa pode ter uma noite
proveitosa nas corridas de cães, mas se a massa for
demasiada, faz desconfiar, estás a ver? - explicou
Jesse por sua vez a Tony, como que a demonstrar que
comp@eendia. - E assim, não ‚?
E.
Tony desinteressara-se da lição. Tentava pensar nu-
ma tramóia que lhe permitisse arrecadar uma vasta
quantidade de dinheiro roubado.
-E tu não podes entrar no Barclays Bank com
mais de um milhão de libras e pedir para abrir uma
conta, pois não?
- Estás a perceber tudo - observou Tony sarcasti-
camente. De repente, olhou insistentemente para Jes-
se. - Ali, mas quem pode entrar no banco com uma
pilha de dinheiro sem despertar suspeitas?
Jesse ficou sem perceber.
- Bem, ningu‚m pode.
- Estás a ver aquilo? - perguntou Tony, apontan-
do para as caixas de roupas excedentes das Forças Ar-
madas. - Abre um par dessas caixas. Quero-te vesti-
do … marinheiro da Marinha Real. Acabei de ter uma
ideia danadamente esperta.
28
Era raro o editor fazer uma reunião … tarde. Era
costume ouvir-lhe dizer: ®As manhãs são de alegria,
as tardes de trabalho.¯ At‚ … hora de almoço, os seus
esforços eram despendidos na produção de um jornal.
Quando as duas da tarde chegavam, era demasiado
tarde para fazer algo de significativo: o conteúdo do
213
TRES DA TARDE
29
Tenho Smith and
Bernstein ao telefone para fa-
larem consigo, Mr. Laski.
- Obrigado, €arol.
Passa. Viva, George!
- Felix, copia estás?
Laski colocou um sorriso na
voz. Não foi fácil.
Com a melhor das
disposições. O teu desempe-
nho melhorou alguma coisa?
George Berristein jogava
t‚nis.
Absolutamente nada. Sabes
que andei a ensinar
George Júnior a jogar?
Não me digas.
Pois, agora ‚ ele a
vencer-me.
Laski riu.
- E como vai Rachel?
- Nem um quilo a menos.
Ainda ontem … noite fa-
lámos sobre ti. Ela disse-me que tu devias
casar-te.
1X
Eu respondi-lhe: ®Não
sabias que Felix ‚ gay'?¯ Ela
respondeu: Gay? Então
porque não hão-de as pessoas
alegres casar?¯ Eu
retorqui: ®Não, quero dizer que ele
‚ homossexual, Rachel.¯ Ela
deixou cair o tricot. Ela
acreditou em mim, Felix! Já
viste semelhante coisa?
219
77@7 777 77
1@@
nar as situações daquele gênero: gostava de ser o úni-
co a saber dos factos, o manipulador que fazia todos
os que o cercavam correrem de um lado para o outro
a tentarem adivinhar o que se passava. Pedinchar em-
r‚stimos não se adequava ao seu estilo.
p
O telefone voltou a tocar. Carol anunciou:
Está em linha um senhor chamado Hart.
� algu‚m meu conhecido?
Não, mas ele diz que o assunto tem a ver com o
dinheiro de que o Cotton Bank necessita.
- Passa. Está, fala Laski.
- Boa tarde, Mr. Laski. - Era a voz de um jo-
em. - Fala Kevin Hart, do Evening Post.
v
Laski sobressaltou-se.
Creio que a minha secretária falou do... não
in-
teressa.
Do dinheiro de que o Cotton Bank necessita.
Sim, bem, um banco em dificuldades precisa de di-
nheiro, não ‚ verdade?
Laski retorquiu:
Não me parece que queira falar consigo, meu jo-
vem.
Ia a desligar quando Hart disse:
Tim Fitzpeterson.
Laski empalideceu.
- O quê?
- Os problemas do Cotton Bank têm alguma rela-
cídio de Tim Fitzpeterson?
ão com a tentativa de sui
ç
®Como diabo ‚ que eles sabiam?¯ Laski raciocinou
celeremente. Talvez não soubesse. Poderiam estar a
222
deitar-se a adivinhar - a lançarem uma bisca, como
lhe chamavam; a pretenderem saber algo de maneira
a ver se a pessoa negava. Laski respondeu:
O seu editor tem conhecimento deste seu telefo-
nema?
Hum... claro que não.
Algo na voz do repórter deu a entender a Laski que
lhe tocara num ponto fraco. Aproveitou a circunstân-
cia.
Não sei que jogada ‚ a sua, jovem, mas se volto
a ouvir mais algum disparate como este, saberei onde
os boatos começaram.
Hart perguntou:
- Qual ‚ a relação que tem com Tony Cox?
- Quem? Adeus, jovem.
Laski desligou.
Consultou o relógio de pulso: passava um quarto de
hora das três da tarde. Nunca conseguiria levantar um
milhão de libras em quinze minutos. Tudo indicava
que não havia nada a fazer.
O banco iria … falência; a reputação de Laski ficaria
pelas ruas da amargura; e, provavelmente, ver-se-ia
envolvido num processo criminal. Pensou em abando-
nar o país naquela tarde. Não poderia levar nada con-
sigo. Começar de novo, em Nova lorque ou Beirute?
Estava demasiado velho. Se ficasse, conseguiria salvar
o suficiente do seu imp‚rio para viver o resto dos seus
dias. Mas que raio de vida infernal seria?
Fez a cadeira girar e espraiou o olhar pela janela.
O dia arrefecia; afinal de contas, não se estava no Ve-
rão. Os edifícios altos da City lançavam sombras com-
pridas, e ambos os lados da rua, que se estendia em
baixo, estavam mergulhados na semiobscuridade. Las-
ki observou o trânsito e pensou em Ellen Hamilton.
Precisamente naquele dia, decidira casar com ela.
Era uma ironia dolorosa. Passara vinte anos a esco-
lher as mulheres que lhe interessavam: modelos, actri-
223
zes, debutantes, at‚ princesas. E quando, finalmente,
optava por uma, falia. Um homem supersticioso to-
maria tal como um augúrio para que não se casasse.
A capacidade de escolha poderia passar a ficar-lhe
vedada. Felix Laski, playboy, milionário, era uma coi-
sã; Felix Laski, falido, ex-condenado, era outra com-
pletamente diferente. Tinha a certeza de que o tipo de
relação que mantinha com Ellen não era daqueles que
conseguiriam sobreviver a uma catástrofe de tal di-
mensão. O amor que nutriam um pelo outro era sen-
sual, comodista, baseado no prazer, completamente
diferente da devoção eterna referida no Livro da Ora-
ção Comum.
Pelo menos assim se tinham passado as coisas. Lãs-
ki sempre defendera a teoria de que a afeição perma-
nente poderia vir, mais tarde, do simples facto de vi-
verem juntos e partilharem tudo; no final de contas, a
luxúria quase insana que os juntara acabaria, certa-
mente, por se desvanecer com o tempo.
Não devia estar com conjecturas, pensow ®Na-@-
ri lia idade, já tinha obrigação de ter a certeza.¯
Naquela manhã, a decisão de se casar com Ellen
parecera-lhe uma opção que ele podia tomar fria, in-
diferente, at‚ mesmo cinicamente, calculando o que
poderia lucrar com o facto, como se se tratasse de
mais,uma jogada no mercado de acções. Mas agora
que a situação deixara de estar sob o seu comando,
compreen eu - e a ideia atingiu-o como um golpe fí-
sico - que precisava desesperadamente de Ellen. Ele
queria uma devoção eterna: queria algu‚m que se
preocupasse com a sua pessoa, que apreciasse a sua
companhia, e que lhe tocasse no ombro com afecto ao
passar; algu‚m que estaria sempre ali, algu‚m que lhe
diria ®amo-te¯, algu‚m que partilharia a velhice com
ele. Vivera sempre sozinho: já bastava de solidão.
Depois de admitir todos esses factos a si próprio,
foi mais longe. Se pudesse tê-la, não se importaria de
224
ver o seu imp‚rio ruir, o negócio com a Hamilton
Holdings ir por água abaixo, a sua reputação destruí-
da. Estaria mesmo disposto a ir para a cadeia junta-
mente com Tony Cox, se a soubesse … sua espera
quando saísse.
Desejou nunca ter conhecido Tony Cox.
Laski imaginara ser fácil controlar um bandido de
meia-tigela como Cox. O homem poderia ser imensa-
mente poderoso dentro do seu pequeno mundo, mas
com certeza não podia tocar num homem de negocios
respeitável. Talvez não: mas quando esse mesmo ho-
mem de negócios fazia uma sociedade - ainda que
informal - com esse bandido, deixava de ser respei-
tável. Quem ficava comprometido com a associação
era Laski, não Cox.
Laski ouviu a porta do gabinete abrir-se e deu meia
volta na cadeira giratória, deparando-se-lhe Tony Cox,
que acabava de entrar.
Laski ficou de boca aberta. Era como ver um fan-
tasina.
Carol aproximou-se apressadamente atrás dele,
acossando-o como um terrier. Disse a Laski:
Pedi-lhe que esperasse, mas não quis... Entrou
sem mais nem menos!
- Deixe estar, Carol, eu trato do assunto - disse
Laski.
A rapariga saiu e fechou a porta.
Laski explodiu:
Que raio está você a fazer aqui? Nada poderia
ser mais perigoso! Já tenho os jornais … perna a per-
guntare in-ine que relação tenho consigo e com Tim
FitzPeterson... Sabia que ele tentou suicidar-se?
Tenha calma. Não se amofine - disse-lhe Cox.
Acalmar-me? Toda a situação ‚ um perfeito de-
sastre! Perdi tudo, e se me vêem consigo, acabo na
prisão...
Cox deu uma passada enorme em frente e agarrou
Laski pela garganta, sacudindo-o.
225
30
Ellen Hamilton estivera o dia inteiro em casa. A ida
…s compras de que falara a Felix fora inventada: preci-
sara apenas de uma desculpa para ir vê-lo - era uma
mulher muito entediada. A deslocarão a Londres não
lhe tomara muito tempo; ao chegar, mudara de roupa,
reajeitara o cabelo e demorara mais tempo que o ne-
cessário a preparar um almoço de requeijão, salada,
fruta e caf‚ simples, sem açúcar. Lavara a loiça utili-
zada, dispensando a máquina automática para tão
poucas peças, e mandara Mrs. Tremiett para o piso de
cima aspirar. Assistiu ao noticiário e a uma telenovela
228
na televisão; começou a ler um romance histórico,
mas p“-lo de parte passadas cinco páginas; andou pela
casa, de divisão em divisão, arrumando coisas que não
precisavam de ser arrumadas; e desceu … piscina para
um mergulho, acabando por mudar de ideias no últi-
mo minuto.
Naquele momento, de p‚, nua, no chão de tijoleira
do recinto fresco da piscina, com o fato de banho nu-
ma mão e o vestido na outra, reflectia: ®Se não sou
capaz de me decidir se quero ou não nadar, como
conseguir ei alguma vez arranjar força de vontade sufi-
ciente para abandonar o meu marido?¯
Deixou cair as roupas e os ombros baixaram-lhe de
desalento. Havia um espelho de corpo inteiro na pare-
de, mas não olhou para ele. Cuidava da sua aparência
por escrúpulo, não por vaidade: achava os espelhos
bastante dispensáveis.
®Qual será a sensação de nadar nua¯, pensou. Era
das tais questões que nem sequer se punham nos seus
tempos de juventude: al‚m disso, fora sempre inibida.
Ciente do facto, não o combatia, pois, na verdade,
gostava das suas inibições - proporcionavam ao seu
estilo de vida a aparência e a uniformidade de que ne-
cessitava.
O chão estava deliciosamente fresco. Sentiu-se ten-
tada a deitar-se e a rolar sobre ele, sentindo o contac-
to dos ladrilhos frios na pele quente. Calculou o risco
de Pritchard ou Mrs. Treirilett entrarem e apanharem-
-na em tais propósitos, e achou que era demasiado
grande. Voltou a vestir-se.
A piscina coberta ficava numa elevação de terreno
considerável. Da sua porta, era possível ver a maior
parte do terreno circunstante - nove acres dele. Era
um jardim delicioso, criado no início do s‚culo ante-
rior; fora desenhado com imaginação e plantado com
várias esp‚cies de árvores diferentes. Proporcionara-
-lhe grande prazer, mas ultimamente, … semelhança de
tudo o mais, pouca graça lhe achava.
229
31
Kevin Hart devia sentir-se preocupado, por‚m, não
estava capaz de reunir forças suficientes para tal.
O editor fora bastante claro ao ordenar-lhes que não
investigassem o Cotton Bank. Kevin desobedecera, e
Laski perguntara: ®O seu editor tem conhecimento des-
te telefonemas A pergunta era frequentemente feita
por entrevistados ofendidos e a resposta era invaria-
velmente ®Não¯, a não ser, claro, que o editor tivesse
proibido a chamada. De modo que, se Laski decidisse
ligar ao editor - ou mesmo ao Presidente -, Kevin
estava em maus lençóis.
Portanto, por que razão não se sentiria preocupado?
Concluiu que já não atribuía tanta importância
…quele emprego como acontecera de manhã. O editor
tinha bons motivos para abafar a história, como era
evidente; havia sempre boas razões para a cobardia.
Todos pareciam aceitar que ®‚ ilegal¯ era um argu-
ento definitivo; mas os grandes jornais do passado
sempre tinham infrigido as leis: leis sem dúvida aplica-
das com mais dureza e rigidez do que as de hoje. Ke-
232
vin achava que os jornais deviam ser publicados e pro~
cessados ou at‚ mesmo suspensos. Para ele era fácil
ter semelhante opinião, pois não estava na pele de ne-
nhum editor.
De modo que, sentado na sala de redacção, perto
da mesa, ia beberricando chá de máquina e lia a sua
rópria coluna de mexericos do jornal, compondo o
p
discurso heróico que gostaria de ter feito ao editor.
No que dizia respeito ao jornal, era a ponta final do
J
Arthur chamou-o.
- Senta-te aqui enquanto vou aos lavabos, está
bem?
Kevin deu a volta … mesa da redacção e sentou-se
diante dos vários telefones e pain‚is de controlo do
editor da redacção. Não se sentiu particularmente en-
tusiasmado: ficara naquele posto porque, …quela hora
do dia, pouca importância tinha. Ele era apenas o ho-
mem desocupado mais … mão.
A falta de ocupação era inevitável nos jornais, re-
flectiu Kevin. Num dia de grandes notícias, o pessoal
tinha de ser em quantidade suficiente para fazer face
…s necessidades, daí que fossem em excesso num dia
normal. Em alguns jornais, davam tarefas idiotas aos
jornalistas, só para mantê-los ocupados: punham-nos
a escrever histórias a partir de notas publicitárias dis-
tribuídas … imprensa e comunicados … imprensa das
autarquias locais, material que núnca sairia nos jor-
nais. Era desmoralizante, uma perda de tempo, e so-
mente os executivos mais inseguros dos jornais o exi-
giam.
Da sala do telex chegou um paquete com uma his-
tória da Press Association numa longa folha de papel.
Kevin tirou-lha e lançou-lhe uma vista de olhos.
Leu-a com uma sensação crescente de choque e jú-
bilo.
®Grupo económico liderado pela Hamilton Hol-
ngs ganhou hoje a licença de perfuração no último
campo petrolífero existente no mar do Norte, Shield.
Mr. Carl Wrightment, secretário de Estado para a
Energia, anunciou o nome do vencedor numa confe-
rência de imprensa ensombrada pelo adoecimento sú-
bito do seu ministro júnior, Mr. Tim Fitzpeterson.
� de esperar que a comunica … çao proporcione um
benefício …s acções em baixa do grupo impressor Ha-
milton, cujos resultados semestrais, ontem publicados,
foram muito inferiores ao esperado.
235
QUATRO DA TARDE
32
Sentaram-se … pequena
mesa redonda que ocupava
a sala de jantar diminuta,
em frente um do outro, e
ele disse:
Vendi a
empresa.
Ellen sorriu e observou
calmamente:
Derek, fico tão
contente.
Depois, contra a sua
vontade, sentiu lágrimas su-
birem-lhe aos olhos e, pela
primeira vez desde o nas-
cimento de Andrew, o seu
autocontrolo inabalável
fraquejou e cedeu. Reparou,
atrav‚s das lágrimas, no
choque visível na expressão
do marido ao aperceber-
-se do quanto a sua acção
significara para ela. Ellen
levantou-se e abriu um
armário, dizendo:
Acho que o acontecimento merece uma
celebra-
ção.
33
Tony Cox era um homem feliz. Ligou o rádio, en-
quanto seguia lentamente para casa no seu Rolls, atra-
v‚s das ruas da zona leste de Londres. Pensava na facili-
dade com que tudo decorrera e esquecera e pusera já
para trás das costas o que acontecera a Willie o Mou-
244
�s tu?
co. Tamborilou com os dedos no volante, ao ritmo de
uma música pop de toada forte e ruidosa. Já estava
mais fresco. O sol ia baixo e viam-se fiadas de nuvens
brancas altas no c‚u azul. A medida que a hora de
ponta se aproximava, o trânsito tornava-se mais difí-
cil, mas Tony dispunha, naquele fim de tarde, de toda
a paciência do mundo.
Afinal de contas, tudo correra bem. Os rapazes ti-
nham recebido os seus quinhões, e Tony explicara como
o resto do dinheiro fora escondido num banco, e por-
quê. Prometera-lhes novo pagamento para daí a um
par de meses, o que os deixara satisfeitos.
Laski aceitara o dinheiro roubado com maior pron-
tidão do que Tony esperara. Talvez o gajo, esperta-
lhão, contasse arrebanhar algum dele: ele que experi-
mentasse. Os dois teriam de cozinhar um esquema
qualquer para ocultar a verdadeira natureza de quais-
quer levantamentos que Tony fizesse sobre os fundos.
Não devia ser difícil.
Nessa noite, nada poderia ser difícil. Perguntou a si
mesmo o que iria fazer nas próximas horas. Talvez
fosse at‚ um bar gay engatar um amigo para a noite.
Vestir-se-ia a rigor, poria algumas jóias elegantes e
enfiaria um maço de notas de dez no bolso. Encontra-
ria um jovem alguns anos mais novo do que ele e iria
cumulá-lo de benesses: uma refeição maravilhosa, um
espectáculo, champanhe - depois iriam para o apar-
tamento da Barbican. Daria umas palmadas ao rapaz
ó para o abrandar, e depois...
Seria uma noite esplêndida. Pela manhã, o rapaz ir-
-se-ia embora com os bolsos cheios de dinheiro, ma-
goado mas feliz. Tony adorava tornar as pessoas feli-
zes.
Obedecendo a um impulso, parou o carro em frente
de uma loja de esquina e entrou. Era uma agência de
notícias, decorada em estilo bem moderno e com as
paredes cobertas de prateleiras contendo revistas e li-
245
vros. Tony pediu que lhe dessem a maior caixa de
chocolates que houvesse no estabelecimento.
A jovem que estava ao balcão era gorda e tinha
manchas no rosto bochechudo. P“s-se na ponta dos
p‚s para chegar aos chocolates, fazendo com que a
bata de nylon lhe subisse quase at‚ ao traseiro. Tony
desviou o olhar.
Mas então quem ‚ a felizarda? - perguntou-lhe
a rapariga.
ia
A minha mãe.
Vá contar essa a outro.
Tony pagou e saiu rapidamente. Não havia nada
mais repulsivo do que uma mulher repulsiva.
Enquanto se afastava, pensou: ®Na verdade o meu
milhão de dólares devia permitir-me algo mais do que
passar simplesmente uma noite na cidade.¯ Mas não
havia mais nada que desejasse. Podia comprar uma
casa em Espanha, mas naquele país fazia demasiado
calor. Possuía carros suficientes; os cruzeiros mundiais
aborreciam-no; não queria nenhuma mansão no cam-
po; não coleccionava nada. Encarava a questão da se-
guinte maneira: tornara-se milionário de um dia para
o outro e a única veleidade que lhe viera … cabeça fo-
ra a compra de uma caixa de chocolates de três libras.
Dinheiro era segurança, pensou. Se assasse
um
p
mau bocado - mesmo que, Deus o livrasse, fosse
dentro por algum tempo -, podia olhar pela rapazia-
da mais ou menos em termos permanentes. Dirigir a
firma podia, por vezes, revelar-se dispendioso. Ao to-
do, eram uns vinte gajos, todos eles a pedirem-lhe
umas librazitas todas as sextas-feiras, quer fizessem ai-
gum serviço ou não. Suspirou. Sim, a partir daquela
altura as suas responsabilidades pesariam menos. Só
isso fazia com que valesse a pena.
Estacionou em frente da casa da mãe O relógio do
painel mostrava que eram quatro e t nta e cinco da
tarde. A mãe devia estar quase a preparar o chá: tal-
246
ve z umas torradas com queijo, ou um prato de feijões
cozidos; depois um bocado de bolo de frutas ou Bat-
tenberg; e para terminar, peras enlatadas com leite
condensado. Ou quem sabe a mãe lhe preparara o seu
pit‚u preferido: bolos aquecidos com compota. De-
pois, mais para o fim da noite, comeria mais qualquer
coisa. Sempre tivera bom apetite.
Entrou em casa e fechou a porta da frente. O vestí-
bulo estava desarrumado. O aspirador ficara abando-
nado a meio das escadas, no meio do chão de ladri-
lhos via-se uma gabardina que se desprendera do
cabide, e pela porta da cozinha notava-se que reinava
grande desordem dentro desta. Era como se a mãe ti-
vesse sido chamada a outro lugar de repente: esperava
que não fossem más notícias.
Pegou na gabardina e pendurou-a no cabide. A ca-
dela tamb‚m não estava em casa; nao se ouvira ne-
nhum latido de boas-vindas.
Foi … cozinha e estacou imediatamente … entrada.
A confusão era tremenda. A princípio não foi capaz
de perceber do que se tratava. Depois, chegou-lhe o
cheiro de sangue.
Estava por toda a parte; paredes, chão, tecto; no
frigorífico, no fogão e no lava-loiças. O odor a mata-
douro encheu-lhe as narinas, provocando-lhe vómitos.
Mas de onde viria ele'? O que lhe dera origem? Olhou
ansiosamente em volta, procurando alguma pista, mas
não viu nada; apenas o sangue.
Atravessou a cozinha com duas passadas enormes e
peganhentas, e escancarou a porta das traseiras.
Foi então que compreendeu.
A sua cadela jazia, de barriga para o ar, no meio do
pequeno pátio de cimento. Ainda tinha a faca espeta-
da - a mesma faca que ele afiara demasiado naquela
nhã. Tony ajoelhou- e ao lado do corpo mutilado.
ma s
Este parecia ter encolhido, como um balão com uma
fuga.
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O clube de t‚nis da City era um estabelecimento
que nada tinha a ver com o t‚nis e tudo a ver com as
bebidas da tarde. Kevin Hart sentia-se muitas vezes
confundido com a inverosimilhança do nome daquela
casa. Situado numa área com início na Fleet Street,
comprimido entre uma igreja e um bloco de escritó-
rios, mal dispunha de espaço para que se jogasse pin-
gue-pongue, quanto mais t‚nis a s‚rio. Se o pretendi-
do era uma desculpa para servir bebidas depois de os
bares fecharem, pensou Kevin, certamente poderiam
ter encontrado algo mais credível como, por exemplo,
filatelia ou modelos de comboios. Naquele caso, o as-
pecto mais próximo que conseguiam exibir relativa-
mente ao t‚nis era uma máquina de moedas que apre-
sentava um campo de t‚nis miniatura num ecrã de
televisão: os jogadores eram movimentados por meio
de um botão.
Em contrapartida, possuía três bares e um restau-
rante, e era um lugar óptimo para conhecer gente do
Daily Mail ou do Mirror, que um dia, nunca se sabia,
poderia arranjar um lugar lá no jornal.
Kevin chegou ao local pouco faltava para as cinco
da tarde. Foi ao balcão buscar uma caneca de cerveja
e sentou-se a uma mesa a cavaquear ociosamente com
um repórter do Evening News que conhecia superfi-
cialmente. A sua mente, por‚m, encontrava-se algu-
res, que não ali: por dentro, ainda fervia. Pouco de-
pois, o repórter retirou-se e Kevin viu Arthur Cole
entrar e dirigir-se para o bar.
Para surpresa de Kevin, o subchefe da redacção le-
vou a bebida at‚ … sua mesa, … qual se sentou.
A laia de saudação, comentou:
Que dia.
Kevin aceno u afirmativamente com a cabeça. Na
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realidade, não desejava a companhia do outro: queria
estar só, a fim de destrinçar o que lhe ia no íntimo.
Arthur emborcou metade da sua cerveja e a seguir
pousou os óculos com um suspiro de satisfação.
Hoje ao almoço não bebi nenhuma - explicou.
Kevin, só para ser delicado, observou:
Tem estado a aguentar o forte sozinho.
� verdade. - Cole puxou de um maço de cigarros
Re-
e de.um isqueiro, que pousou em cima da mesa.
cusei-me a ceder a esta tentação durante todo o dia.
Não sei por quanto tempo mais conseguirei aguentar.
Kevin olhou sub-repticiamente para o seu relógio
sem saber se havia de se mudar para El Vino.
Arthur observou:
Provavelmente, está a pensar que cometeu um
erro em se m eter nesta profissão.
Kevin sobressaltou-se. Não julgara Cole capaz de
anta perspicácia.
- Estou.
- Talvez tenha razão.
� muito encorajador.
Cole suspirou.
Esse ‚ o seu problema, sabe. Está sempre a sair-
-se com essas observações irónicas.
- Se sou obrigado a lamber botas, então estou
mesmo na profissão errada.
Arthur pegou nos cigarros, depois mudou de ideias.
Hoje, aprendeu alguma coisa, não foi? Começou a
compreender como ‚ a realidade, e se algum proveito
lhe fez foi ajudá-lo a adquirir um pouco de humildade.
Kevin ficou furioso com o tom paternalista.
Espanta-me que depois do que hoje aconteceu não
haja ningu‚m que tenha uma sensação de fracasso!
Cole riu amargamente e Kevin apercebeu-se de que
tocara num ponto sensível; a sensação de fracasso de
Cole devia ser mais ou menos permanente.
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