1 Vinculo Sombrio - Emy V

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Copywriting © - 2024 EMY

Todos os direitos reservados.

Vínculo Sombrio
Projeto Atos Profanos
Livro 1

1ª Edição

Os personagens e acontecimentos retratados


neste livro são fictícios.
Qualquer semelhança com pessoas reais,
vivas ou mortas,
é mera coincidência e não foi pretendida pelo autor.
Nenhuma parte deste livro
pode ser reproduzida ou armazenada em
um sistema de recuperação ou transmitida
de qualquer forma ou por qualquer meio,
eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou outro,
sem a permissão expressa por escrito do autor.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da
Língua Portuguesa. A cópia total ou parcial desta obra
sem autorização expressa, por
escrito, do autor é proibida.
Plágio é crime. A violação autoral é crime,
previsto na lei nº 9.610/98, com aplicação
legal pelo artigo 184 do Código Penal.
Criado no Brasil.

Obra Registrada.

Revisora: @AnaReis
Ilustrador: @Iranilustra_
Diagramação e
Capa: @VitoriaEditorial
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA
PLAYLIST
EPÍGRAFE I
EPÍGRAFE II
NOTA DA AUTORA
AVISO DE GATILHOS
AVISO II
ILUSTRAÇÃO
ATO I
PROLÓGO
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
ATO II
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
ATO III
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
ATO IV
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
EPÍLOGO
Dedico esse livro a todas as pessoas que acham que
o maior pecado que cometem é amar demais.
Que você possa encontrar a forma certa de
se aceitar e demonstrar esse sentimento.

Esse livro foi escrito para as maníacas


por DARK ROMANCE, SANGRENTO.
Sejam-bem-vinds, Bunnys
OUÇA AS MÚSICAS QUE INSPIRARAM
A AUTORA NO PROCESSO DE
ESCRITA DE VÍNCULO SOMBRIO.

Ou Clique Aqui
Todas as coisas verdadeiramente
perversas começam na inocência.
— Ernest Hemingway
Para mim, por todas as vezes que me decepcionei
com as pessoas à minha volta.
Por ter vencido o desânimo, e muitas vezes
ter sido forte em situações que ninguém me ajudou.

Obrigada T por sempre ter estado


comigo, e por tudo que faz por nós.
Estava em 50% da história quando decidi escrever essa nota. Havia
conversado com uma autora na qual ela me contou sua história na
AMAZON, como autora.
E pude ter um aprendizado através do que ela me passou.
Muitas vezes me cobro muito, por as vezes não alcançar o que tanto
desejo como autora, mas como um sonho de viver disso não desistirei,
mesmo com toda correria do dia a dia para conseguir sobreviver. Ficarei de
pé, e influencio você autora iniciante, ou que tem receio de tentar a fazer o
mesmo.
NUNCA DESISTA DO SEU SONHO, por mais difícil que seja às
vezes, pois sim, as vezes realmente é, e queremos apenas jogar tudo pro
alto.
Mas, mesmo não tendo às vezes o reconhecimento que tanto almeja,
não deixe de querer contar suas histórias para pessoas que irão ficar
fascinadas.
Só tenho a agradecer as pessoas que me apoiam, nessa caminhada. E
espero e aguardo ansiosamente as avaliações de cada uma, que terá um
grande significado para mim.
Beijos da Emy. Espero que ame o universo de Innsbruck.
Pois eu estou apaixonada por cada detalhe.
Não esquece de me seguir no Instagram, @autoraemys para
acompanhar meus próximos lançamentos.
Agradecimentos especiais a:
@AmyDusk, @AnaReis, @Mariasilvaliterando, e as minhas betas:
@Brends @Luciane, @Gabriela, @Loh e @Maria.
Vocês foram essenciais para que essa história ficasse tão foda!
E, um agradecimento de todo coração a Ana, por ter cuidado de
cada detalhe com muito amor e carinho na revisão de Vínculo Sombrio.
NÃO PULE O AVISO!!

VÍNCULO SOMBRIO; Contém cenas que podem ser consideradas


SENSÍVEIS para algumas pessoas. Esse é um Dark Romance Tabu (+18).
Este livro contém temáticas pesadas, consideradas doentias e
problemáticas.
Que podem ser consideradas gatilhos, lembrando que a autora NÃO
apoia as atitudes dos personagens.
Seja totalmente responsabilizado caso decida ler, já que a autora
deixa claro os gatilhos.
A romantização dessa história é doentia.
(Não deve em hipótese alguma
ser aceita na vida real.)

● Autoflagelação (Machucar a si mesmo)


● Algumas cenas que lembram BDSM. (Contudo não são
praticantes.)
● Sequestro
● Incesto (Entre Irmãos)
● Mortes descritivas. (Tortura, sangue e uso de objetos cortantes.)
● Violência verbal e psicológica
● Algolagnia (Prazer sexual em infligir dor a si próprio ou a outro)
● Profanação religiosa
● Tráfico de pessoas
● Hibristofilia (Atração sexual por criminosos)
● Piquerismo (Prazer em cortar um corpo)
● Obsessão
● Consumo de álcool e drogas
● Palavras de baixo calão
● Assasinato
● CNC (Consensual não consentido.)
● Noncon (Não consensual)
● Dubcon (Consenso duvidoso)
● Sexo Explícito
● Relacionamentos Doentios
● Transtorno de Bipolaridade Tipo I
(Onde agirá de forma IMPULSIVA E MANÍACA.)
● Diversas formas de relações sexuais não saudáveis.
● Familiares PROBLEMÁTICOS
● Sadomasoquismo
Vínculo sombrio.
Mia e Misha são personagens fodidos, problemáticos talvez ao
extremo para algumas pessoas. Assim como todos os outros ao qual eles
terão relacionamentos em comum.
Foi um grande desafio, com vários questionamentos, entre certo e
errado, os escrever e dar vida a sua história. Principalmente por toda
problematização em sua família.
Esse foi o meu primeiro DARK TABU, onde pude mostrar o lado
feio, corrosivo do ser humano.
O quanto palavras e atitudes podem machucar, de uma forma intensa
e talvez duradoura.
Não só existe beleza e pureza na humanidade, e podemos acabar
encontrando um lado obscuro naqueles que estão ao nosso redor.
É isso que peço que pense, ao ler “VS”, nos dois lados da
humanidade.
Assim como existem pessoas boas, existem as cruéis.
Mesmo existindo esse lado, há também o da redenção, de encontrar
um propósito, um motivo para querer ser alguém melhor. Por algo, ou por
alguém.
Não quero romantizar em nenhum momento um relacionamento
tóxico e doentio.
Mas o deles é sim, TÓXICO e DOENTIO.
Isso não é aceitável na vida real em que vivemos e caso precise de
ajuda, não deixe de recorrer às pessoas ao seu redor.
Essa história é uma ficção, criada por mim.
Se você não for uma apaixonada por DARK ROMANCE TABU,
indico que pare aqui e não leia.
Mesmo eles tendo esse lado obscuro, cada um tem suas dores,
traumas, erram, tentam, são insanos, sádicos e assassinos.
NÃO ESQUEÇA DE LER OS GATILHOS!!!
LEMBRE-SE PLÁGIO É CRIME.

NÃO ESQUEÇA DE AVALIAR NO FINAL, ANSIOSA PELOS


FEEDBACKS DE VOCÊS! TANTO POR AQUI, QUANTO NO MEU
DIRECT.
No WATTPAD, a História estava sendo reescrita. Já na AMAZON,
foi feita uma nova leitura e adicionando novas informações , com toda a
atenção devida uma revisão, leitura crítica e betas para trazer o melhor para
vocês!!
Desde já, agradeço muito por dar uma chance.
Não sabem o quanto significa para mim!
Bjs da Emy.
“A perversidade é um dos impulsos
primitivos do coração humano.”
- Edgar Allan Poe
Puxe-me
Afogue meu medo
Você poderia esperar outro dia,
Sabendo que o mal volta
Voltarei sem medo
Porque era
Tudo que você queria.
All You Wanted,
Sounds Under Radio

MIA DEMORY

Innsbruck, Austrália

Alguns dias atrás…

— Perdoe-me padre, pois eu pequei… Fui ensinada desde criança


que meu irmão, ao contrário de mim, vive na escuridão. Que sou diferente
dele, pois sou luz, mas, mesmo assim, há algo nele que me consome e essa
incerteza atormenta meus dias como uma sombra que nunca se dissipa —
declaro, o mais baixo possível, seria desastroso alguém ouvir a filha de
Holly Demory se confessando. Principalmente sobre seu irmão,
considerado um demônio entre a sociedade, e por Holly.
O peso emocional da minha confissão é intenso. Tento buscar, por
meio das palavras de um homem santo, clareza ou ao menos conforto, antes
que eu enlouqueça. Meus pensamentos estão confusos, desde que soube de
seu retorno para a cidade.
— Filha, entendo a angústia que carrega em seu coração, imagino
como deve ter sido difícil crescer dessa forma. Mas nossa jornada espiritual
muitas vezes nos coloca diante de desafios complexos. E é importante
relembrar que mesmo nos dias mais sombrios, o amor e a compaixão
podem iluminar todos os lugares. Talvez, seja isso que a faz sentir-se
consumida, os sentimentos bons que tem. Mas que tal buscarmos orientação
divina para encontrar paz e clareza em seu caminho?
— Você tem grande discernimento em suas palavras. Mas o que
devo fazer se tenho sentimentos confusos por ele? Além do fraternal, todos
da nossa família e pessoas que sabem, me dizem que isso é uma maldição,
ser atraída pelo meu próprio irmão. Nos separaram desde os meus quatorze
anos… Ou melhor Holly nos separou. — Ele fica em silêncio, com certeza
refletindo sobre essa questão moral. — A presença dele nem deveria mais
ser algo que me incomodasse tanto, depois de todos esses anos buscando
minha libertação.
— E por qual motivo isso está te afligindo? Já que faz… Quantos
anos exatamente não se veem?
Me deixa surpresa que essa seja a única coisa que ele tenha
perguntado e não uma repreensão. Isso seria mais justo.
— Cinco anos… Éramos apenas crianças, acredito que se o
encontrasse, nem o reconheceria — afirmo com toda certeza. Ele deve está
um homem agora, com seus vinte e um anos, ele era lindo quando
adolescente, tanto que quando passávamos por algum lugar todas as garotas
ficavam em silêncio, sem palavras, apenas o observando.
Tão lindo quanto cruel…
— Querida, não entendo o motivo de está se torturando dessa
forma… Faz tantos anos…
— Ele está vindo, e em breve terei que conviver com sua presença.
Só penso o quanto mereço ser punida por sentir meu coração acelerando de
ansiedade para vê-lo e aflito com o que acontecerá quando nos
encontrarmos e… ficarmos sozinhos — exponho meus sentimentos, não
importando se me dará algum tipo de castigo, pois eu sei que mereço.
— Talvez mereça ser punida, isso é impuro. Em Levítico 18:6-18,
no versículo 6 diz: "Nenhum de vós se chegará a qualquer parenta
próxima, para descobrir a sua nudez. Eu sou o Senhor." Essa passagem
estabelece as proibições de relações sexuais com parentes próximos,
incluindo pais, filhos, irmãos, irmãs entre outros. Essas restrições são
fundamentais na ética sexual apresentada no Antigo Testamento. A
desobediência por esse ato profano, a tratará o pior dos castigos, Mia,
ouso dizer até o próprio inferno para sua vida. Deve sentir a dor desse
pecado quando o desejar cometer, indico que busque algum tipo de
autoflagelação. Essa será sua penitência, para tentar alcançar a
purificação espiritual que precisa. Três vezes, vinte vezes sem parar, com
um cilício. Até não mais almejar isso.
Engulo em seco, eu sabia que receberia uma penitência, e queria
isso, a dor é a única que me faz trazer à tona a razão e com isso tomar
escolhas racionais.
— Farei como me foi designado.
— Espero que consiga a paz que tanto busca, senhorita Demory.
Não o respondi, apenas saio de dentro do confessionário, seguindo
entre os bancos da catedral antiga, onde passei muitos anos de minha vida.
Holly exigiu tudo de mim depois que meu irmão foi mandado para longe.
Ela queria me purificar, me tornar uma pessoa merecedora da vida que iria
ter.
Garota tola, quando se tornou tão feia e impura de alma? Sua
beleza não é nada, acha que eles esqueceram do seu pecado?
A voz de Holly invade minha mente, gritando sem parar.
Um para ser a escuridão, outro para a luz.
Tive anos de estudo do que é certo e errado de acordo com a bíblia.
Os rumores de que na família Demory poderia haver um incesto, destruiu
qualquer tipo de sanidade da nossa mãe. Ela já não andava bem,
principalmente após a traição do nosso pai, Ayzak Crown.
Ele a trocou por uma mulher mais jovem. Um escândalo para os
Demory, porque, além de mais nova, é de família tão difamada, como a
prostituição, e causou grande queda de ações na empresa mais famosa de
vinhos da Austrália, e depois de anos recuperada, ela não permitiria que
outro escândalo a quebrasse.
Assim que atravesso os portões, Axel surge em minha frente.
— Demory, o que faz aqui tão tarde? — questiona, olhando de um
lado para o outro como se procurasse por alguém.
A lua já se encontra no céu e o vento gélido toca minha face, me
causando frio, cruzo os braços para me aquecer. Fico calada. Sei que não
gostará da minha resposta, deixou isso claro da última vez…
— Seu silêncio é perturbador, acredito que o motivo dele seja por
nossa última conversa. — Ele, como sempre, me conhece tão bem.
Axel era um pecador, assim como eu, mas depois entendeu que o
melhor era seguir os caminhos de Cristo. Nunca o vi perder o controle,
muito menos cometer profanações durante esses cinco anos em que
vivemos juntos, o vejo como meu professor podemos dizer.
Mas… Há algo que sempre me questiono: por que ele vive se
autoflagelando, se aparenta ser tão santo? Ele é lindo, isso é fato. Todos os
dias me questiono o que o fez querer se tornar um padre.
Nunca o vi sem camiseta, contudo tenho certeza que sua pele deve
ser repleta de tatuagens. Afinal, há muitas subindo de sua batina pelo
pescoço, cabeça e mãos. Quando tento levar a conversa para o que
aconteceu com ele, sempre sou interrompida.
Dominic Axel é um grande mistério para mim. Nos dirigimos pelo
sobrenome, Axel disse que entenderiam errado caso nos pegassem
chamando pelo primeiro, que é algo muito íntimo. O que ele fez de tão
errado para nem sequer querer falar sobre?
— Perdoe-me, padre Axel. Não queria te aborrecer — declaro,
dando um sorriso de lado.
— Não comece suas provocações agora, Demory! — me repreende,
ele não aprova qualquer tipo de provocação. Ao menos, não minha. — Isso
é muito sério, já conversamos sobre expôr seus sentimentos para outro
padre, se sua mãe a visse…
Mesmo ele tentando não demonstrar, sei que se importa comigo.
— Sim! Eu entendo que não quer decepcioná-lá.
— Não se trata disso, sabe muito bem.
Claro! Ela me castigaria, como fez quando soube do meu desejo por
ele…
Droga, Mia!
Tem que parar de pensar nisso.
— Eu sei. Agradeço sua preocupação, Axel, mas deu tudo certo.
— O que houve? — questiona.
O motivo pelo qual não quis me confessar com Axel, é porque não
queria que ele visse que o trabalho de todos esses anos foi jogado fora.
— Mia? — Pela primeira vez ele me chama dessa forma. Fixo
minha atenção em seus olhos. — Sabe que pode confiar em mim, por que
não quis se confessar comigo?
— Porque… — Minha visão começa a embaçar pelas lágrimas, meu
coração começa a acelerar. Olho de um lado para o outro, receosa de falar.
— Vamos para um local mais reservado — sugere ele e me
direciona até seu carro. Entro e Axel começa a dirigir, deixando para trás a
catedral.
— Nunca me chamou de Mia. O que mudou?
— Tudo mudou…— Me direciona seu olhar, que está diferente de
alguns dias atrás, como se algo tivesse acontecido com ele. — E você, o que
aconteceu?
— Misha. Ele está voltando, Axel — afirmo, ele para o carro.
— Como assim? Pensei que sua mãe tivesse cuidado pra que ele
nunca mais voltasse.
— Também pensei, porém a ouvi falando no celular hoje mais cedo
com Zacharias, e afirmou que o aguardavam para um jantar em família,
como se desejasse isso. Ela sempre odiou o Misha, não sei qual a intenção
desse reencontro, mas não espero ser coisa boa, Axel. Eu estou com medo,
muito medo. — As lágrimas já desciam do meu rosto, Axel continua
olhando para frente.
— Demory, faz quase cinco anos que nos conhecemos. Sua mãe
nunca me deu a entender que o traria de volta a sua vida… — Ele aperta o
volante com as mãos em suas últimas palavras.
— Sim, eu acredito em você! Não estou dizendo isso para insinuar
nada parecido. — Deixo claro.
— Só estou dizendo minha posição nessa situação atual. Holly não é
uma mãe e nem uma boa pessoa. É problemática, muito perturbada da
mente. Se fosse para eu fazer tudo que me pediu com você, estaria destruída
— revela e fico sem acreditar no que acabou de confessar. Nunca havíamos
chegado tão longe em uma conversa desse tipo, ele sempre se afasta.
— E por qual motivo está me contando isso? — pergunto.
— Se Holly o receberá em casa, depois de tudo que fez para o
afastar, há algo por trás. Nada que ela faz é sem motivos. Não sei ao certo o
que, se quiser estarei lá para te auxiliar.
Ele avança o carro e a poucos metros paramos em frente a uma casa
branca, onde o próprio mora. Saímos e Axel segue até a porta, o
acompanho.
— Ainda não me disse o real motivo do porque estar tão gentil hoje
e confessando coisas que em quatro anos nunca o fez. E o que pode ser pior
que fazer eu mesma me odiar? — Ao ouvir minhas últimas palavras ele
cessa os passos.
O que está acontecendo com ele hoje? Semicerro os olhos em sua
direção.
— Eu não sou gentil, Demory. Esqueceu de tudo que a fiz passar?
— afirma. Axel me punia, quando eu o contrariava sobre Misha.
Quando eu dizia que o amava…
Ou que nunca o esqueceria.
Sempre deixando claro o quanto isso era inaceitável, que somos
irmãos e me fazendo pagar com meu sangue sendo derramado e carne
rasgada.
Autoflagelação é a palavra, punições físicas em si próprio.
Uma forma que achei para lidar com tudo isso, sentindo dor.
Ele foi ordenado a fazer isso. Modificar minha mente, consertar o
que estava quebrado. Uma das marionetes da família Demory, a filha que
deveria ser um orgulho para a mãe, perfeita e sem nenhum erro.
Mas cada dia que passava eu sentia quebrando mais e mais.
— Acho que as marcas em suas costas não desapareceram por
completo, então será tolice continuar me questionando — ameaça, pegando
a chave em seu bolso.
— Você não é… Me diga o que ela pediu para fazer comigo que me
destruiria?
Dominic Axel fica em silêncio.
— Não sei se está pronta para saber a verdade — sussurra baixinho,
enquanto abre a porta e segue adiante. Fecho a porta e corro, parando em
sua frente.
— Me conte! Preciso saber.
— Por que é tão teimosa? Precisa ser punida para aprender a me
respeitar? — Ele tenta me assustar e passar por mim, mas fico em sua
frente.
— Axel, acabou de deixar claro que Holly não faz nada sem sentido.
Me diga a verdade, estou cansada de viver em uma bolha de mentiras.
— Te abusar sexualmente repetidas vezes… — Meu coração erra as
batidas, e fico calada, apenas olhando para seu rosto que não demonstra
nenhuma afeição. Sem querer acreditar que a mulher que me deu a vida,
pediu algo que seria capaz de me destruir. — Era por esse motivo que a
punia. Sua mãe é uma sádica e agora que estamos perto de acabar nossos
estudos, ela está buscando uma forma de fazê-la sofrer. Acredito que seja
uma de suas motivações ao trazer Misha de volta.
— Mas… isso não é possível. Isso é mentira Axel! — grito e bato
em seu rosto. — Por que está fazendo isso? É mais um dos joguinhos de
vocês? Para ver de qual lado irei ficar? — Ia bater em seu rosto e ele
segura com força minha mão, a machucando.
— Claro que não! Se me tocar mais uma vez, eu não responderei
por mim, Demory.
Axel nunca gostou de ser contrariado, muito menos tocado. Ele
gosta de estar no controle. Sempre está no controle e toma o que quiser, diz
o que quer e faz como achar melhor. Nunca entendi o porquê desse gatilho,
mas algo bem ruim deve ter acontecido.
— Por mim sua mãe queimaria no inferno, mas infelizmente ela e eu
temos um trato.
Me sento na escada de sua casa, tentando controlar a respiração
descompassada. Sinto como se meus pulmões estivessem querendo parar de
funcionar, tudo ao redor está meio turvo.
— Respira — pede, me olhando de cima. Vejo em seus olhos o
desejo de me ajudar. — Apenas respire… Está tudo bem, estou aqui —
afirma.
Faço o que me pediu inalando e exalando o ar. Ele vai até um outro
cômodo, trazendo um copo de água, me entrega e bebo metade.
— Vá para casa, finja que não sabe das intenções dela. Faça o que
aprendeu nesses cinco anos e tudo ficará bem.
— Não tenho tanta certeza disso. Eu sabia que Holly era
manipuladora e controladora, mas sádica? Isso é algo diferente, Axel! Ela
nunca demonstrou nada disso pra mim.
— Não sei o que posso fazer para te ajudar.
— Já fez muito… desde que nós conhecemos, Axel. — Fico em pé
em sua frente segurando o copo. — Não me abusou, nunca me encostou.
Sempre me tratou com respeito e....
— Deveria parar de sempre buscar o lado bom em tudo. A vida não
é um conto de fadas, Demory. — Sua voz sai rude. Tento entender esse ódio
que sente por ele mesmo há anos. Sempre querendo ser o vilão. — Não
deve me agradecer por nada. Nunca a fiz bem. Não sou uma pessoa boa,
nem melhor que Holly. Se acha isso, vejo que não aprendeu nada. — Axel
desvia o olhar.
— Não me trate como se eu fosse uma criança! Olha para mim,
Axel! — Levanto a mão para tocá-lo e ele fecha os olhos. — O que
aconteceu com você?
— Nada que poderia mudar. Vai pra casa, Demory, nem sei porque a
trouxe até aqui. — Concordo com a cabeça, me afastando dele com um
sentimento de rejeição preso em meu peito.
— O que quis dizer com… “por esse motivo a punia?”
— Por que acha que ela pedia pra que você usasse vestidos quando
ia vê-la? — questiona e nem precisei responder para que eu entendesse.
Para ver os hematomas. — Ver seus machucados a trazia prazer. E sabendo
que eram feitos, não importava como, ela te deixava continuar aqui, desde
que a ensinasse o que me foi passado.
Amarras nos pulsos, autoflagelação, tortura psicológica.
Era isso que ela queria… O que ele deveria fazer em mim. Agora,
por qual motivo não realizou o abuso?
— Não me veja como um amigo, não somos e nunca seremos. É
bom você começar a entender quem são seus aliados e inimigos nessa
história. Um inimigo pode te manipular demonstrando algo que nunca será
verdade. Gentileza, compaixão… ou qualquer tipo de sentimento que
saberia que a permitiria ficar vulnerável. Você deveria saber disso já que
cursa psicologia.
Minha visão começa a ficar turva, mas não como antes de uma
forma mais intensa, Dominic me segura no braço e pega o copo de minha
mão. E minha pálpebras pesam, a última coisa que vejo é seus olhos claros
me admirando de forma incompreensível por mim, e senti como se alisasse
minha bochecha o que seria quase impossível.

Presente
Percebemos o quanto nossa vida é frágil em momentos de
vulnerabilidade, nos quais vivemos algo que não esperávamos passar. Só
então entendemos, que não temos nada, além do presente. Do agora. Talvez
nunca mais o depois.
Ser cruel nem sempre é uma escolha. Às vezes é necessário para
sobreviver à toca do coelho e às suas armadilhas mais profundas, que
marcam não só a pele, mas também a alma. Eu não entendia isso meses
atrás, e quando Dominic Axel me drogou, percebi o quanto estava frágil,
quebrada demais.
Aparecer na minha cama foi um alívio, mesmo assim e se ele fosse
o inimigo? Poderia não estar mais viva.
Os monstros existem e não ficam embaixo da cama. Podem ser as
pessoas que vivem ao nosso redor, o vizinho que aparenta ser gentil, uma
irmã que finge amar a outra, e que no fundo só quer vê-la cair. Nunca
sabemos de fato as intenções.
E foi essa a lição que Axel quis deixar claro. Nunca aceitei a forma
que seus ensinamentos são feitos, mas dessa vez Dominic passou dos
limites.
Há uma lenda na cidade de Innsbruck, onde um Serial Killer foi
amaldiçoado desde seu nascimento, fadado a uma vida eterna em solidão
pelos anjos do inferno e que ele deveria seduzir garotas para assassiná-las, e
as que declarassem seu amor por ele, só assim aliviaria aos poucos a dor de
ter sua alma atormentada. Esse mesmo assassino foi o responsável pela
morte de oito mulheres. Estas foram dadas como mortas por nunca terem
sido encontradas antes ou por estarem desaparecidas e o culparam por ser o
suspeito mais convincente para que as famílias pudessem seguir em frente.
Havia rumores sobre a parte que precisavam declarar seu amor por
ele foi romantizada por boatos, para ocultar o lado cruel dessa lenda, e
trazer algum tipo de esperança que um dia, uma de suas vítimas, tocaria em
seu possível lado humano que ainda restava. E viveria. Contudo, o
desconhecido como assim o chamavam, nunca foi pego.
Mesmo depois de toda dor que causou nas famílias das vítimas.
Mas ao contrário do que o documentário do psiquiátrica Brayson
Rydell está dizendo:
Psicopatas simulam sentimentos para atrair as vítimas. Quando
encontram seus alvos, eles as hipnotizam com o que acreditam que elas
querem viver. Assim, compartilhando uma fantasia, onde a vítima vai se
sentir recompensada pelo envolvimento. Pessoas nascem com essa
estrutura mental, recusam tratamento para amenizar os sintomas, assim
dificultando a correção e prevenção de muitos crimes.
Então, a probabilidade de isso ser mentira, de acordo com o
psiquiatra, é cem por cento e sim, para romantizar algo que deve ser
considerado tóxico e inaceitável.
Ao contrário de alguém frio e calculista, psicopatas são
considerados pessoas que não podem amar.
Dou uma pausa no documentário e clico na página que falava sobre
comportamentos que podem indicar um Serial Killer, e suas atitudes
questionáveis, quando a garçonete morena de avental azul bebê com
branco, coloca em cima da minha mesa um copo de chocolate quente com
bastante chantilly e um prato de cookies com pingos de chocolate. Se
tornou meu prato preferido para não deixar meu estômago vazio, além de
waffles crocante de chocolate com pingos de chocolate e banana. Agradeço
e ela se retira.
— Bom dia, Mia — Liberty fala, sentando-se ao meu lado e
observa meu notebook sobre a mesa. — Vejo que não desistiu de sua
obsessão por dúvidas mórbidas.
Desde que comecei a frequentar o Brew, Liberty e eu estamos cada
vez mais próximas. Algo que é difícil de acontecer, já que não criei laços
com ninguém há um bom tempo. Ela é a única que me permiti. Além de
Dominic… Não sei ao certo como podemos nos chamar, já que ele deixou
claro não sermos amigos.
Observo a loira de olhos claros à minha frente, com sua blusa social
por baixo de um casaco careca azul liso com a logo da nossa universidade
no lado direito e calça wide leg branca. O motivo pelo qual estamos nos
encontrando aqui pela segunda vez na semana é o trabalho de psicanálise,
sobre Hibristofilia.
Estamos iniciando a nova fase de calouras de Psicologia. Tudo é tão
interessante e fascinante, querer compreender melhor a mente humana, e
todas as dúvidas a serem esclarecidas. Os trabalhos serão feitos, para que
possamos nos aprofundar melhor nos assuntos, de acordo com nosso
professor Brandon.
— Bom dia, Liberty. Obsessões não devem ser saudáveis, não acha?
Por isso se chama dessa forma — declaro salvando o vídeo para continuar
em outro momento e voltando para minha pesquisa.
— Sim, mas meu pai não é um bom exemplo para se acompanhar,
deveria procurar outro, qualquer um será melhor — informa, quando viu
que salvei o vídeo. Por algum motivo Liberty e o pai não se dão bem, ainda
não chegamos no nível dela me contar o porquê. Quem sabe algum dia. —
E eu sei o que significa, só que às vezes é apavorante o quanto se dedica a
conhecer mais sobre Serial Killers. Pessoas frias e calculistas, esse é o
público que trabalhará? Não tem medo de acabar se atraindo por um? Como
se chama mesmo…
— Hibristofilia é a palavra. É assim que se chama uma pessoa que
se atrai fisicamente e sexualmente por alguém considerado um malfeitor.
— E que se sente atraída pela maldade. Li um pouco sobre o tema,
só não sabia pronunciar essa palavra já que será o primeiro trabalho do
semestre, acredito que não tenha precisado pesquisar muito, já que ama
documentários relacionados a isso — completa, e a forma como fala é
nítido o julgamento. — Enfim, quem sou eu para dizer algo, afinal amo
filmes perturbadores. Talvez seja por isso que escolhemos psicologia, para
compreender melhor o motivo desses gostos peculiares. Aqui estão todas as
informações que consegui resumir de acordo com o que li. Bom, irei
embora, depois você me passa seu rascunho — afirma deixando a pasta que
estava segurando na mesa e começa a se levantar.
Ela sempre tenta me deixar confortável sem ultrapassar os limites,
meu trauma de me envolver com pessoas às vezes me trava e tenho certeza
que esse é o motivo dela querer ir embora nesse exato momento.
— O trabalho é individual, porém, a ideia de fazer em dupla é
debater sobre as possíveis situações que podem estar em aberto — falo,
segurando sua mão.
— Como estávamos fazendo a segundos atrás — completa com um
sorriso no rosto e sentou no mesmo lugar de antes.
De repente o ambiente muda assim que o sino da porta de entrada
toca, indicando que alguém está passando sobre ela. O homem que entra no
lugar, tem sua face familiar de uma maneira estranha, usando uma jaqueta
de couro preta, calça jeans clara e tênis branco, seus olhos claros,
aparentemente azuis, passeiam por todos os lados do café e por um
momento nos encaramos, e constato algumas tatuagens em seu pescoço e
rosto. Ele segue até o balcão.
— Um café sem açúcar — pede. Olho para Liberty que o seca sem
ao menos disfarçar. A garçonete começa a preparar o pedido e a todo
momento ele fala gentilmente com ela.
Pega o café e se senta a poucos centímetros de onde estamos,
próximo a janela de vidro.
— Você viu como aquela jaqueta de couro ficou ótima nele? —
sussurra.
— Vemos isso todos os dias aqui, estamos em uma cidade com
época de neve e frio, a maioria das pessoas se vestem dessa forma
aquecidas e temos muitos motoqueiros por aqui que usam as mesmas
roupas.
— Nunca vi ninguém com tamanha gentileza e elegância — expôs
sua opinião.
— Pra mim, ele é apenas um homem normal como todos os outros.
— Deixo claro.
O celular dela toca, roubando a atenção da conversa.
— Droga, meu pai está ligando. Esqueci que havíamos combinado
de passar a manhã juntos hoje. Se importa de continuarmos em outra hora?
Mesmo não se dando tão bem, Liberty demonstra ser a típica filha
perfeita para Brayson.
— Não… tudo bem. — Ela se levanta.
— Deveria dar uma chance de conhecer novas pessoas, talvez esteja
vivendo muito em um mundo de ficção — sugere olhando para ele. —
Faltarei hoje na faculdade, mas nos veremos amanhã — avisa e logo em
seguida vai embora.
Assim que olho para o lado, vejo o homem me observando de forma
intensa, ao lado de sua mesa está um livro.
Alice no país das maravilhas?
Quais as chances dessa coincidência? Pois é a mesma história que
foi passada para lermos em literatura.
Por algum motivo, a forma como pega e volta a ler me causa uma
certa curiosidade. O que uma pessoa lê diz muito sobre ela. Li esse livro de
trás pra frente muitas vezes, é o meu clássico preferido. Não enxergo
alguém como ele lendo este ou qualquer outro livro.
— Deseja mais alguma coisa? — a garçonete interroga para ele.
— Não. Mas obrigado. — Desvio minha atenção quando a tela do
meu celular acende, mostrando ser quase cinco horas. Merda! Holly irá me
matar caso não esteja antes das cinco e meia em casa.
Junto às minhas coisas, deixo o dinheiro sobre a mesa, guardo meu
celular e sigo até a saída.
— Obrigada! Volte sempre! — fala a garçonete. Olho para trás lhe
dando um sorriso e logo sinto algo se colidir comigo. Ao olhar para cima
me deparo com olhos claros e frios, minha bolsa de lado caiu e o livro que
ele estava na mão também.
— Me perdoe, não havia te visto. — Pego o livro dele, e antes que
eu mesma pegasse a minha bolsa, ele me entrega.
— Sem problemas. — São suas únicas palavras.
Ele desce o olhar sobre minhas vestes. Uso uma blusa de gola alta
preta, calça jeans com lavagem escura e um coturno preto.
A voz de Liberty dizendo que eu deveria sair mais do mundo de
ficção atormenta minha mente.
— Alice no País das Maravilhas é um ótimo livro. Não pensei que
existiam homens como você que o liam. — Solto antes mesmo de pensar,
mas em seguida me arrependo amargamente. Ele parece surpreso com meu
comentário, contudo segura o livro que o direcionei, que aliás é um de
colecionador, igual ao que eu tinha quando criança.
— Devo dizer que não me conhece, como poderia saber o que
homens como eu gostam? — Seu tom é rude e de uma forma de duplo
sentido, um sorriso sarcástico surgiu em seus lábios.
— Bom… está certo, não teria como afirmar isso. Tive um quando
criança, é raro encontrar, talvez tenha despertado em mim lembranças que
causam essa impressão de que o conhecia.
— Então, essa colisão foi proposital? Para roubar meu livro de
colecionador? — sussurra como se me contasse um segredo.
— Não! Nem se preocupe respeito às pessoas que colecionam
livros, são poucas que fazem isso.
— Sim, de fato, senhorita…
— Demory. Mia Demory. — Específico.
— Bom, Mia. Poderia me dizer o que mais te interessa na leitura de
Alice? Estou fazendo um trabalho e adoraria a opinião de alguém que ama
livros.
— Acho que há muitos pontos a serem discutidos. Tanto a
metamorfose constante da ambientação, dos personagens, como o
chapeleiro, a rainha de copas com seu comportamento volátil e, claro, a
Alice. Depende muito de qual lado esteja querendo trabalhar.
— É claro, faz todo sentido, mesmo em ficção o mal existe. Sempre
tem o outro lado, é algo inevitável. — Sua maneira mórbida de falar faz
com que eu lembre dele e meu humor mude.
— Tenho que ir agora, foi um prazer… — Percebo que não
perguntei o nome dele ao estender a mão, ele segura em minha mão, uma
energia intensa e diferente nos cerca.
— Pode me chamar de M.
— M? — retruco, rindo.
— Sim — responde, rindo de volta.
— Você não vai me dizer o seu nome? — interrogo.
— Não, quando nos virmos a próxima vez saberá, não só o meu
nome, como todo o resto, e assim teremos um motivo para nos
reencontrarmos.
— Não sei se me sinto lisonjeada ou assustada — afirmo, ele alisa
minha mão. Seu toque é lento e seus olhos misteriosos, frios, se fixam nos
meus.
— Demory. — Dominic aparece e o rapaz solta minha mão. —
Desculpe, não quis atrapalhar, podemos conversar? — M, olha de mim para
ele aguardando minha resposta.
— Não, Axel, talvez em outro momento. — Passo entre eles.
Ele me magoou, muito.
Apesar de nossas desavenças, eu queria acreditar que havia alguma
parte dele que se sentia mal por tudo.
Mas, todas as pessoas da minha vida estão propícias a me usar,
manipular.
E Dominic Axel, não aparenta ser melhor que Holly.
Talvez poderia ser até pior, por ter me drogado e sempre ter tido
entendimento sobre as intenções dela.
Suas mãos estão no meu quadril
Seu nome está nos meus lábios
De novo e de novo como se
fosse minha única oração
(Vamos me diga garoto)
Tenho um desejo ardente por você, baby
(Tenho um desejo ardente)
(Vamos, me diga, garoto)
Burning Desire, Lana Del Rey

MISHA CROWN

5 anos atrás

O líquido vermelho escorre entre sua carótida. Há resquícios de


sangue sobre meu rosto e a certeza de saber que mais um “não” a
machucará me causa alívio. A camisa branca que uso está melada do
sangue da minha vítima.
Eu prometi a ele que arrancaria o sorriso sujo de sua face e o faria
pedir perdão por todas coisas que havia dito sobre ela. Ninguém fala mal
do que é meu, ou toca no que me pertence sem sofrer as consequências
disso. Matarei todos se for preciso até que só reste apenas nós dois. Eu e
minha Bunny.
Seu rosto está deformado, mas seu cabelo preto e a tatuagem com
uma cruz de sangue no pescoço no lado direito e uniforme do time de
lacrosse com seu sobrenome são os únicos motivos de qualquer um poder
decifrar que quem está à minha frente é Aiden Scott.
O sangue já começa a manchar o carpete bege da sala de jantar
onde realizamos nosso momento de família, se é posso chamar isso que
temos de família. Nosso pai é tão fodido quanto Holly, não enxerga que seu
casamento está desmoronando aos poucos.
Holly desperdiça grande parte do seu tempo tentando o controlar. E
Ayzak, um pervertido de merda, nossa mãe nunca quis aceitar os desejos
impuros dele por garotas mais jovens, seria motivo de rejeição pela
sociedade e com isso os investimentos seriam cessados, seria péssimo para
o começo dessa nova remessa que foi criada para a Vinícola Wine Demory
que, inclusive, já foram vendidas.
— Misha! — A voz doce e trêmula invade meus ouvidos. A ruiva à
minha frente, olha assustada de mim para Aiden, que já se encontra sem
vida.
— O que… Por que fez isso? — interroga.
— Fiz apenas o que foi preciso, por nós — respondo, aproximando-
me dela, que se afasta. Ela observa o corpo no chão. — Não venha me
dizer que sentia algo por esse filho da puta, Bunny! — falo com a voz
alterada.
— O que eu sinto nunca foi da sua conta! Somos irmãos, Misha.
Mas isso é demais até para você! Ele está morto e você entende que agora
sua alma estará para sempre manchada. E por que? O que quer provar
com isso?
Ela, como sempre, tentando reprimir o que sente. Querendo ser a
filha perfeita.
Pouco importa minha alma, se eu não tiver ela enquanto viver,
nenhum outro terá o que é meu por direito.
— Irmãos? É assim que você nos vê? Se resolver aceitar os fatos,
tudo ficará bem. Cuidarei dele, fiz isso para te mostrar que qualquer um
que ousar te tocar, sem ser eu, irá ter uma morte dolorosa. — Ando até ela,
chegando cada vez mais perto e a fazendo se encostar na parede. Minhas
mãos, cobertas de sangue, a encurralam, prensando-a de cada lado do seu
corpo.
— Isso é loucura, não vê? Estamos condenados desde o início e se
insistimos nisso tudo piorará — fala em um sussurro baixo, como se
implorasse para que me afastasse.
— Pode tentar insinuar o que quiser. Não acredito ser o único que
sente esse descontrole quando estamos próximos, Bunny. — Seguro seu
rosto e no processo o sangue que estava entre meus dedos se espalha em
sua face; ela fecha os olhos com meu toque e sua respiração fica ofegante.
— Como pode dizer que não sente nada quando seu corpo reage
demonstrando o contrário?
— Você matou ele, Misha! — Algumas lágrimas descem em seu
rosto. — E percebe o quanto é doentio estarmos assim? A ponto de nos
beijarmos.
— Foda-se a sanidade e essa merda de realidade que vivemos. Eu
só quero você. Nada mais importa, ninguém mais. Apenas eu e você! —
Nossas bocas estão cada vez mais próximas; minha outra mão segura em
seu pescoço a manchando com o vermelho e sinto seu coração pulsar
rapidamente; ela me encara com seus olhos verdes intensos e morde seu
lábio inferior avermelhado.
Bunny é para mim o significado de descontrole das minhas
emoções.
— Ele é um ser humano, não é um objeto descartável.
— Não faz ideia do que eu o ouvir dizer que faria com você, sendo
assim, nem estaria o defendendo dessa forma. Mas não foi isso que me fez
matá-lo.
— Claro, foi seu lado controlador de merda que fez, certo? Ou o
dominador? Aquele que sempre consegue o que quer, mesmo que seja a
força — expõe, é nítida a mistura de sentimentos e emoções pela forma
como tenta me contradizer. Mia busca o melhor nas pessoas, a aprovação
de Holly e de nosso pai.
— Por que apenas não se permite? Sabe o lado bom de ser
dominador? — interrogo, alisando seu rosto, e olhando para sua boca, mal
sabe o que já imaginei fazendo com ela. Minha doce Bunny.
— Sempre estar no controle? — questiona.
— Não ter medo de me comunicar e dizer o que realmente quero. E
nesse exato momento, Bunny, eu quero você.
Ela fica calada. Puxo seu rosto em minha direção e reivindico seus
lábios nos meus que se envolvem em uma dança sombria pelo nosso vínculo
de sangue ter nos condenado desde nosso nascimento. A sincronia é
perfeita e tenho certeza que esse gosto que envolve nossas bocas é o sabor
do proibido, um desejo mórbido, um vício que nos perseguirá. A pressiono
ainda mais na parede, a fazendo sentir minha ereção que já está presente.
— Misha… — geme quando paramos de nos beijar por já estarmos
ficando sem ar. — Isso é errado, não pode dizer essas coisas para mim,
muito menos virar um assassino por algo tão vil.
— Claro que posso. Porque você sempre foi minha, Bunny. Talvez
não entenda isso agora, no momento certo enxergará o mesmo que eu. E
destruirei essa droga de cidade se for preciso para te manter salva de olhos
indesejáveis. Você causa um colapso na minha mente. Não sei explicar,
apenas sinto e não me vejo sem. — Ela coloca sua mão por cima do meu
coração me impedindo de prosseguir com nosso beijo.
— Talvez isso não seja uma coisa boa.
— O que?
— Esse colapso e descontrole tenho medo do que é capaz. — Meu
coração gelou ao ouvi-la dizer que sente medo de mim. Não de Holly, ou do
nosso pai. Mas de mim. — Isso tem que acabar…
— Não, isso… — Nego com a cabeça, meus olhos se enchem de
lágrimas.
— O que acha que aconteceria se Holly descobrisse? — As
lágrimas escorrem pelo meu rosto e agora no dela também.
— É com isso que está preocupada? — questiono quando noto o
desvio de olhar que ela deu. Eu prometi desde aquele dia… em que tive ela
em meus braços quase sem vida, que nunca mais a soltaria, a menos que
pedisse para me afastar. Isso não significa que permitiria que outro a
tivesse.
Eu sou a única opção dela!
— O que é tudo isso? Somos irmãos, isso deveria ser abominável
para nós, Misha, e não…
— Não, não ouse continuar com essa conversa. — Peço sentindo
meu coração se partindo.

Éramos adolescentes impulsivos e incontroláveis, com os nervos à


flor da pele. Querendo descobrir o que eram aqueles sentimentos
inexplicáveis que sentíamos quando estávamos juntos. Eu matei Aiden
Scott por ela, o ouvir dizendo as coisas que faria com Mia, despertou uma
fúria que não sabia que era capaz de sentir naquela época.
Um sentimento que me consumiu.
Minha inocente e frágil Bunny, aquele dia partiu meu coração e fez
com que o meu lado cruel fosse despertado.
O nosso beijo foi inesquecível, e no mesmo segundo quebrou meu
coração.
Ela passou a ver meu lado feio. Dizem que o amor faz com que as
imperfeições sumam, porém daquele dia em diante tudo desmoronou entre
nós.
Na minha mente fértil, o que tínhamos era uma paixão
incondicional.
Eu sentia que, talvez, no fundo ela estivesse certa, fosse uma
loucura lidar com toda a sociedade para que depois de anos tudo acabasse.
Por mim a teria devorado naquele momento, é tão vivido as
sensações que senti.
Tanto as ruins como as boas.
Zack tentou me fazer entender que tudo isso era apenas um
momento, que por termos sofrido juntos a rejeição de Holly, buscamos um
no outro algum tipo de amor problemático, doentio. Depois de anos… a ver
naquele café mexeu com o lado congelado que tentei ocultar por anos e
despertou assim que nossos olhares se cruzaram. A reconheceria mesmo
que passasse anos, e anos, jamais esqueceria aqueles olhos e jeito de garota
doce.
O garoto apaixonado pela irmã era visto como uma abominação
conforme ela havia me dito. Mia sempre foi uma jovem atraente, mas
caralho ela está mais linda, e a ver mais cedo me fez querer arrancar todas
as suas roupas e mostrá-la que não deveria flertar com um homem que não
conhece, a menos que fosse eu e não sabia quem eu era. Se não, nunca teria
agido daquela forma.
Estar nessa sala de jantar me faz reviver lembranças, nem todas
memórias são boas. Se eu pudesse excluiria a parte ruim desse dia e
manteria o nosso beijo.
Nunca reagi bem à rejeição e ela sabia disso.
Todos que morreram em seu nome, foram a minha prova de amor.
Insano eu sei, doentio.
Esses somos nós, os Demory ou Crown, nos chame do sobrenome
que preferir, já que somos do mesmo sangue.
Cada um tem o seu modo de demonstrar amor, e o meu foi executar
todos que queriam se aproveitar dela ou que ao menos a desejaram.
— Estão sendo dias difíceis, eu presumo. — Zack surge, com seu
terno preto e sapatos sociais.
— Os piores de todos, nunca pensei que ia me fazer voltar aqui
Zack. Afinal qual o propósito disso tudo? — sussurro.
— Está na hora de tomar as rédeas dessa família como o homem que
agora vejo que é, filho.
Holly surge. Ela se aproxima com seu salto alto preto e vestido
vermelho, ela alisa meu rosto, seu toque me dá nojo.
— Está lindo, tenho certeza que sua irmã adorará muito reencontrá-
lo. — Solta seu veneno no ar.
— Sinto dizer que não tenho nem um pouco interesse nisso.
— Achei que falaria isso, mas não é o que seu pai quer de você, não
vai querer decepcioná-lo certo?
— Nunca me importei com o que ele quer.
— Talvez mude de ideia quando souber que ele colocou seu nome
como meu braço direito, deixou claro que não quer se envolver com os
negócios. E, insistiu para que eu apresente Casey Greyson, o responsável
por cinquenta por cento da Wine Demory, a Mia. — Tento ignorar sua voz
irritante, contudo ao ouvir o nome dela tudo mudou.
— Deixa eu adivinhar, para Mia se casar com ele e se tornar dona da
outra metade que seu querido ex-marido perdeu em apostas e putas para
recuperá-las para você ou seria para ele? — Semicerro meus olhos. —
Tenho certeza que, por ser apenas o braço direito, não precise de mim.
— Ao contrário, sua presença é essencial. Seu pai, como sempre,
com suas qualidades desprezíveis, deixou claro que qualquer contrato que
eu vá assinar, terá que ter sua aprovação, essa é uma das cláusulas
obrigatórias deixada clara no nosso divórcio e quando fez vinte e um
tornou-se obrigatório por também ser um dos donos agora. Vamos lá! Não
seja ingênuo, essa é uma oportunidade de tomar seu lugar nessa empresa.
— Ingênua é você, se pensa que cairei nessa conversa.
Holly é movida a manipulação e sadismo. Tenho certeza que por
dentro deve estar feliz pela situação com Mia. Casar? É isso que irão fazer
com ela? Quando Holly ia continuar a falar o silêncio toma o lugar e ela
olha para frente.
Se a matar, juro por Deus que matarei todos que você mais ama.
Inclusive sua querida irmã.
A voz ecoa em minha mente. Matar Holly sempre foi uma opção
para mim, tive apenas uma única oportunidade, pois ela quase nunca estava
em casa, sempre viajando. Talvez tenha sido um dos motivos que fizeram
eu e Mia se aproximar.
Mas naquele, fatídico dia, Mia me implorou.
Não, Misha! Ela é nossa mãe.
Eu não queria destruir o muro de bondade que ela havia cercado em
volta de Mia. Talvez foi um grande erro e agora é tarde demais.
Ao direcionar meu olhar para onde todos estavam fixados, encontro
Mia. Desço o olhar pelo seu corpo, notando a bota de cano baixo preto que
se destaca pela meia calça transparente preta, a saia branca e o casaco preto.
Seus lábios exibem um batom vermelho sangue, enquanto sua reação é
como se tivesse acabado de vislumbrar um fantasma, uma sensação de
êxtase se misturando com um toque de satisfação por ter causado esse
choque nela.
— Mia! Não vai dar as boas-vindas a seu irmão? — Holly questiona
olhando séria para Mia, que fica tensa e morde o lábio inferior.
Ela sempre fez isso, desde criança, é uma forma dela tentar não
surtar.
— É-É… Uhum. Seja bem-vindo — Mia declara com certa
dificuldade.
— Seja bem-vindo, irmão. É tão difícil falar as coisas direito? Acho
que Dominic não lhe ensinou tudo como eu esperava. — O clima ficou
tenso com a repreensão de Holly. Me coloco em pé e sigo até ela, todos
observam meus passos.
Fico de frente a sua presença, dou um sorriso malicioso, Mia morde
novamente o lábio.
— Olá, Bunny. — Solto as palavras percebendo que sua respiração
saiu trêmula e descompassada. Aproximo-me mais e ela se afasta, seus
olhos se encontram cheios de lágrimas, como se não acreditasse que, horas
atrás, nós nos vimos e ela não foi capaz de reconhecer seu próprio
irmãozinho, ou devo dizer pecado mais infernal?
— Misha? — ela indaga, limpa os olhos e dá um sorriso forçado. —
Seja bem-vindo, irmão. — O sorriso que se encontrava em minha face
some.
Irmão?
Ela sabe o quanto odeio quando me chama assim.
Em um ato inesperado, sinto seus braços em volta de meus ombros e
coloco os meus ao redor de sua cintura.
Caralho, Bunny, assim você acaba com todas as minhas forças para
manter o controle, como posso me controlar? Quando estamos tão perto e
sinto o seu cheiro doce.
Nos afastamos e sentamos à mesa de jantar.
— Fico feliz que aprenderam a deixar as indiferenças de lado e
estão se tratando de forma adequada no nosso jantar de família — Holly
fala com um sorriso.
Ela nos castigava quando agíamos com indiferença ou fazíamos
birra no jantar. Talvez seja por esse motivo que Mia decidiu fazer esse
teatrinho.
O jantar é um momento sagrado, Holly dizia.
Às vezes era privando-nos de algo que gostávamos ou nos
repreendendo até implorarmos por sua piedade, que quase nunca chegava
tão cedo. Acredito que essa atitude da Bunny demonstra que Holly não
mudou.
— Acho que já podemos começar a nos alimentar antes que a
comida esfrie — sugere Holly quando duas empregadas começam a colocar
o rigatoni de forno com molho de manteiga, tomate e mozzarella. A comida
preferida dela sobre a mesa, e duas garrafas de vinho branco. Elas enchem
nossas taças.
— Está certa Holly. Mia, você está se tornando uma bela mulher —
Zack expôs. — Lembro quando era apenas uma criança e corria pelo jardim
com Misha brincando — afirma.
— Obrigada. Faz um bom tempo já — fala Mia e coloca o garfo na
boca com um pouco do rigatoni e logo em seguida toma um gole do vinho.
— Soube que está fazendo faculdade, qual especialidade escolheu?
— Psicologia.
— É uma ótima área para se trabalhar. — Ela concorda.
— Acho que deve estar curiosa para saber o motivo desse jantar Mia
— Holly começa a falar.
— Estou. Foi tão…inesperado.
— Seu irmão e eu, somos responsáveis por cinquenta por cento da
Wine Demory, ele ficará hospedado nesta casa, que assim como nossa é
dele. — Ela para de comer para prestar atenção nela, e direciona o olhar
para mim que me sentei à sua frente.
— Aqui? — interroga ainda com suas íris fixadas em mim.
— Sim, filha. Tem alguma objeção? — Holly anseia pela sua
oposição.
— De modo algum — responde.
— E como sabe o filho dos Greyson ficará responsável pela outra
metade e contamos com você para recuperarmos.
— Recuperar? O que quer dizer com isso? — Mia interroga Holly.
— Não se faça de inocente. — Solto. — Está explícito.
— Misha! — Zack fala, me repreendendo e ela continua olhando
entre nós.
— Preciso que se case com Casey, querida. Só assim teremos a
certeza que esse garoto não arruinará nosso nome, assim como o pai de
vocês foi capaz de fazer.
Mia olha para mim, como se não acreditasse que isso estava
acontecendo, como se… esperasse que eu rebatesse contra a ideia absurda
de Holly.
— Esse silêncio é um pouco preocupante na minha opinião —
rebateu Zack.
— Eu não posso fazer isso. — Mia se coloca de pé.
— Como? — Holly a questiona.
— Isso é loucura, como eu me casaria com alguém que nunca me
viu? Por qual motivo acha que Casey iria me querer? — retruca.
— Pelo simples fato dele sempre ter tido uma atração por você —
Holly expressa. — Podemos juntar o útil ao agradável. Ele é um bom rapaz
que a fará feliz.
— Se acha isso, por qual motivo duvida da sua integridade com a
empresa? — ela questiona.
— Homens são tolos, Mia. São capazes de cometer loucura em
nome do que acham ser o certo. Nós mulheres somos a bússola, e Casey
tem sérios problemas em tomar atitudes às vezes desagradáveis de acordo
com seu próprio pai, sempre se envolveu com problemas, e por isso você
estará com ele, para ajudá-lo a superar seus demônios.
— Como você ajudou o nosso pai? — ela provoca a ira de Holly
que se coloca de pé.
— Qual o seu problema, Mia? Não vê que estou buscando o melhor
para você?
— Você nunca buscou o melhor para ninguém além de si mesma! —
exclama, um pouco alterada de uma forma que nunca vi antes.
Ela sempre manteve a cabeça baixa.
Nunca respondeu nossos pais.
E ver que ela mudou isso me causa grande curiosidade para saber
como agirá com minha presença.
Antes eu não faria questão de ficar aqui, mas agora com essa nova
Mia, estou ansioso.
— Como ousa? Tudo que você tem ou é, é graças a mim! — Holly
começa a se aproximar dela, observo a cena. — Vai casar com Casey e este
assunto está acabado. Fará o que for preciso para conseguir o título de sua
esposa ou eu juro que a deserdarei e não sobrará nada, além de uma vida
miserável e sofrida pelo resto de sua existência no lugar que eu decidir a
colocar.
Como sempre, manipulações, ameaças.
— Eu te odeio! — grita Mia, já com os olhos cheios de lágrimas que
escorrem no seu rosto.
— Garota! Você! — Ela vai em direção a Mia e Zack a impede de
bater em seu rosto, segurando sua mão no ar.
— Já chega, Holly! Mia entendeu.
Bunny sai da sala correndo. Respiro fundo tentando não fazer algo
que me arrependerei mais tarde, me coloco em pé.
— Acho que minha presença não faz mais sentido aqui. Boa noite,
Holly. Zack. — Saio, e eles dois ficam conversando sobre como tudo
acabou mal.
Subo as escadas e sigo até o andar dos quartos, ouço-a chorando.
Não devo sentir pena, nem nada do tipo já que ela nunca teve por
mim. Principalmente quando deixou claro que nunca mais se permitiria
sentir amor por mim ou qualquer sentimento que faria sua moral ser
questionada por outros.
Mas mesmo que não queira, que insista em lutar contra, nem
fodendo que deixarei Casey Greyson a ter. Eu prometi que seu coração
nunca seria de ninguém, além de meu. Surtar na sala de jantar não ajudaria
em nada, sei bem como funciona a mente perversa de Holly e Mia deu
apenas o que ela queria esta noite, um show.
Tudo isso não passa de um jogo psicológico para ver quem era fraco
o suficiente. Ela queria me ver perdendo o controle demonstrando que ainda
me importo com Mia, para saber o quão perigoso eu poderia ser para si
própria.
Entro no quarto, onde encontro uma cama box, paredes com um tom
gelo. Cortinas que cobrem a porta da sacada, um guarda-roupa antigo de
madeira e um espelho gigante no lado esquerdo. Não me contenho e soco o
espelho com toda força, sentindo o ardor dos cortes superficiais.
Odeio não poder matar essa filha da puta e dar um fim nisso tudo.
Soco novamente o espelho aprofundando mais os cortes. Odeio não poder
ter o que quero nesse exato momento.
Bunny.
O mundo é uma maldição,
ele vai te matar se você permitir
Sei que existem pílulas que
podem te ajudar a esquecer
Eles as engarrafam e chamam isso de remédio
Mas eu não preciso de drogas
Porque eu já estou chapada o suficiente
Você me pegou, me pegou de jeito
Eu já estou chapada o suficiente
Eu só, eu só, eu só tenho olhos para você.
High Enough, K.Flay

MIA DEMORY

Aqueles olhos, como pude esquecê-los tão facilmente? Sempre


achei que quando o visse não o reconheceria, mas não imaginei que ele
havia mudado tanto. E que fui uma tola em flertar com ele, mesmo não o
tendo reconhecido. Foi uma atitude sem sentido dar em cima de um homem
que não conhecia. Entre todos os homens no mundo, Misha foi a minha pior
decisão.
Sinto um peso amargo em meu peito sempre que lembro daquele
momento.
A culpa me consome a cada maldito dia.
Eu certamente fui a faísca que deu início a toda essa loucura que
chamamos de vida agora. Apesar dos meus sentimentos genuínos, tudo
começou comigo. Toda a insanidade dele e o fardo que veio junto com a
minha vontade de tê-lo, formaram um abismo sombrio que me engoliu por
completo.
Os sons do cilindro ecoam como um grito estridente na minha
mente. Uma assombração constante, que dilacera minha pele a cada
chicotada ardente e cruel que defere contra minhas costas, fazendo com que
meu sangue respingue contra o chão frio e sem vida do meu quarto, a
evidência viva da minha profunda agonia. A dor persiste, mas é nela que
busco refúgio. Não posso escapar dela... muito menos quero. É meu fardo.
Minha penitência.
Não posso permitir que o nome da família seja manchado, nem
comprometer tudo por algo que nem vislumbra um futuro promissor.
Seremos crucificados pela sociedade se permitir isso. Eu serei, como Misha
foi há cinco anos atrás.
A sombra de Misha paira sobre mim, com todas as suas tentações e
promessas, as quais estou determinada a repelir.
— Senhorita Demory? — Anna, minha professora de piano, chama
minha atenção com uma suavidade que só ela tem. Seus olhos claros
brilham com uma centelha de preocupação. — Aconteceu alguma coisa?
Estou lhe achando tão distante hoje — diz com sua face onde os sinais da
vida se entrelaçam com a beleza da experiência.
Anna é uma senhora de cinquenta e cinco anos, com algumas
mechas brancas em seu cabelo preto, e em seu rosto encontramos alguns
sinais de sua idade. Ela ama tudo isso e por esse motivo se dedica tanto a
ensinar jovens, como eu. Cada ruga conta uma história que ela compartilha
através da música e cada fio prateado em seu cabelo é um lembrete do
tempo que dedicou à arte do piano.
— Não, eu só estou cansada. — Deixo claro, já repetimos tantas
vezes. Anna olha para mim com compaixão, sabendo que as exigências do
piano podem ser esmagadoras.
— Querida, sinto muito por forçá-la tanto, mas sabe que deve
aprender essa música.
Concordo com a cabeça. Holly deixou claro antes de ir embora ao
me deixar aqui que queria que eu tocasse SYML, Where's My Love, para
Casey e sua família. Daqui a dois dias teremos nosso primeiro encontro,
onde, definitivamente, selará minha prisão.
Essa música me traz a tona tantas coisas. Será que essa é a intenção
dela? Me torturar com lembranças do passado?
— Tudo bem, Senhora Flowrs — respondo iniciando a música. A
cada nota tocada sinto sensações diferentes: tristeza, felicidade, angústia e
um caos de sentimentos.
— Se importa se eu for mais cedo, Mia?— pergunta, olhando o
relógio que faltava apenas vinte minutos para encerrarmos.
— Ah…eu, não! Tudo bem, deixarei tudo organizado antes de sair e
ativo o alarme. — A tranquilizo. Ela agradece, informando que seu pai está
se recuperando de uma fratura em seu braço e está dando auxílio a ele, mas
hoje a enfermeira que está cuidando dele teve que ir embora mais cedo.
— Muito obrigada! De verdade mesmo, Mia. Tenho certeza que
todos ficarão fascinados com sua capacidade e talento no piano — declara.
Como eu não compreenderia essa situação familiar? Faria o mesmo
se fosse alguém que amo. Dou um sorriso em resposta a ela que segue porta
afora às pressas.
A sala da aula é bem simples e moderna, contendo o piano branco
com seu banco vermelho, alguns quadros com artistas importantes que
seguiram carreira nessa arte sobre as paredes cor nude. Uma escrivaninha
com duas cadeiras e alguns ganchos de ferro próximo a porta, onde se
penduram os casacos.
Continuo de onde parei. Alguns segundos depois ouço alguém
abrindo, com a chave, a porta do corredor que leva até a sala onde me
encontro. Escuto os passos rápidos e sorrio, pois deve ser Anna, ela sempre
esquece alguma coisa quando vai às pressas para casa e por isso continuo
tocando.
A porta se abre… Dou outro sorriso.
— O que esqueceu dessa vez? — O silêncio que paira sobre o
ambiente permanece cortante como uma lâmina por um tempo. Meu
coração dispara, ecoando em meus ouvidos. — O que…
Quando olho para a porta, encontro Misha. Sua figura imponente
preenche o espaço, vestido com uma jaqueta de couro negro, calça jeans
escura e tênis branco, diferente de sua habitual elegância de algumas horas
atrás com aquelas roupas sociais. Seus olhos percorrem a sala, enquanto
meu corpo se ergue instintivamente. Minha respiração se acelera,
descompassada e a urgência de fugir dele cresce, dentro de mim.
— O que faz aqui Misha? — indago, sentindo um calafrio percorrer
minha espinha diante da sua presença indesejada.
Holly surtaria se soubesse que estamos no mesmo lugar, sozinhos. A
tensão no ar era palpável, como se estivéssemos à beira de um precipício
emocional prestes a desabar a qualquer momento.
Ele apenas sorri com meu desconforto, mesmo não falando. Misha
me conhece bem e sabe que meu maior desejo nesse momento era de
estarmos um bem longe do outro! Somos um completo desastre juntos.
— Por que a surpresa? Acha que Holly não começaria os joguinhos
psicológicos? Ela me mandou vir te buscar.
— E por que aceitou? — Ele anda até ficar mais perto e para.
— Você, como a filha preferida, deveria saber que ela não aceitaria
um “não” facilmente.
Seu perfume amadeirado, com um toque forte invade minhas
narinas, engulo em seco. O aroma envolvente deixa minha mente turva e
corpo paralisado, não pensei que esse momento chegaria tão cedo. Em que
ficaríamos a sós.
— E você sabe o quanto gosto de jogar com as peças do tabuleiro
dela — expôs se aproximando cada vez mais, até que cessou os passos a
poucos centímetros do meu rosto. Ele analisa minha face. — Fico sem
palavras com sua beleza, Bunny — afirma e toca em meu rosto.
Misha segue até meus lábios e passa seu dedo indicador entre eles
com um olhar de desejo proibido, o toque de sua mão faz com que eu feche
os olhos. Deus… Por que é tão difícil?
— Pena que não passa de uma pequena coelhinha rebelde que
precisa ser punida pelo seu dominador. — Solta as palavras sussurrando e
me puxa para si pelo pescoço com firmeza, me fazendo abrir os olhos.
— Por que Misha? — questiono, a forma como segura meu pescoço
é como se emanasse chamas ardentes que incendeiam cada centímetro do
meu corpo junto com suas palavras sussurradas com sua voz rouca e cheia
de luxúria.
— Ou talvez não seja. Era isso que você queria, Bunny? Que eu te
punisse? — pergunta olhando fixamente para dentro de meus olhos,
esperando minha resposta.
Eu deveria negar, o afastar. Mas minha mente traiçoeira só imagina
as possíveis formas de como iria me punir. É uma dança entre navalhas
afiadas em que se está ciente do perigo, mas é incapaz de ignorar a atração
que consome o seu ser.
— Você lembra o que te falei quando disse que não me desejava
mais, Bunny? Uma punição, por cada vez que pensar em me trair. — Sua
voz ecoa como se estivéssemos revivendo aquele momento. Estou tentada
pela escuridão que envolve meu coração. — E flertar comigo achando que
era outro homem, não foi uma das melhores formas de desejar as boas-
vindas, e me provocar na frente de Holly? Isso foi demais até pra você.
— Nossa mãe não gostaria de saber que estamos assim… — Em um
ato impulsivo o provoco, ele dá um sorriso como se tivesse gostado da
minha atitude.
— Por mim, ela já estaria se revirando no túmulo, Bunny — declara,
e em nenhum momento duvido, pois sei que fala a verdade. — Estique as
mãos para mim, Bunny — ordena, tirando seu cinto. — Ou prefere que eu a
pressione a fazer? Não será um problema para mim.
Nunca chegamos tão longe, para realmente consumar o ato.
Holly e Ayzak nunca me perdoariam.
Seria uma vergonha para todos.
— Bunny? — chama novamente levantando o meu rosto para si. —
Sabe que a sua única escolha aqui é apenas aceitar.
— Misha… eu…
No momento em que ia dizer o quanto isso é errado, mesmo
querendo tanto, ele juntou nossos lábios em um beijo melancólico e intenso.
Sempre foi assim com ele, fico presa em um turbilhão de emoções. Passo a
mão entre seus cabelos, e sinto o sabor de menta com cigarro em sua boca,
a única coisa que quero nesse momento é me entregar.
Ser toda dele.
Submissa ou o que desejar.
Ele segura meus pulsos em meio ao beijo e os prende amarrando
com força com seu cinto causando um ardor excitante, solto um suspiro
com um gemido
— Tenho certeza que ela ficaria muito decepcionada em saber que
sua garotinha perfeita e pura, está se oferecendo tão facilmente para
alguém tão impuro como eu. — Sua voz sai com um tom de rancor, ele
desce o olhar para a saia jeans clara que estou usando e a blusa de manga
longa preta que decidi usar nesse dia não tão frio de Innsbruck, pois
estamos na época em que não está nevando e o tempo é imprevisível.
Quando ele encosta uma de suas mão na minha costas, gemo pelo
ardor que queima das feridas ainda presentes. Um claro alerta divino para
que isso pare.
— Não. — Solto, e ele me observa. Nota que meu gemido não foi
de prazer. Misha sobe minha blusa e se depara com minhas costas
completamente machucada.
— Que merda é essa? — questiona. Tento me soltar de seu agarre,
mas é tarde, pois Misha me tem completamente imóvel na parte de cima.
Ele me vira com uma de suas mãos me segurando e com a outra
sobe novamente minha blusa.
— Quem fez isso? — interroga. — Quem fez isso com você,
Bunny? — Insiste na pergunta.
— Eu mesma — respondi.
— Não sabia que se autoflagelava. — Ele percebe rapidamente. Pois
Holly fez com que nós mesmos fizessemos isso mesmo no dia que nos
pegou.
— Como saberia? Você estava bem longe.
— Estava, mas tudo mudou. Nunca mais irei embora, esse é o fardo
que terá que carregar — sussurra em meu ouvido. Sua respiração me causa
arrepios.
— Não durará muito tempo, já que Casey se casará comigo. —
Solto esperando sua reação.
Não tenho escolha contra essa decisão de Holly, minha reação foi a
mais pura impulsividade. Um defeito meu. Nunca fui de revidar, mas ao
descobrir o que ordenou Dominic fazer comigo, tudo mudou.
Sei que Holly cumprirá o que me prometeu caso não ande na linha
que ela traça.
— Acho que devo te lembrar quem eu sou. — Ele desce sua mão
esquerda entre minhas pernas, mas as fecho.
Misha me joga contra a parede e me imobiliza segurando minhas
mão para cima e ficando entre minhas pernas. Seus olhos são frios e,
assustadoramente, nenhum tipo de sentimento dança entre eles. Como se
não houvesse nada, além do mais profundo vazio.
— Você vai ser minha, Bunny. Para usar, para foder ou fazer o que
eu desejar. Quando eu quiser, e, se for preciso, matarei todos que ousarem
ficar no meu caminho. — Fico tensa, eu tinha esperança que esse lado dele
tivesse sido uma terrível fase. Mas é quem ele é.
E por mais que me sinta um pouco assustada, tem um lado meu que
fica feliz por ele está aqui, isso significa que não casarei com Casey? Não
desejo sua morte, mas não quero me casar com ele. Nem o conheço, muito
menos o amo.
— Não! — declaro quando Misha sobe sua mão entre minhas pernas
e toca em minha intimidade. Ele alisa lentamente meu sexo e me contorço
pela onda de prazer que é levada para todos os meus membros. — Por
favor… Misha. — Não sabia ao certo se implorava para que parasse ou que
continuasse, estou em guerra comigo mesma.
— Sabe qual é a pior das punições? — interroga enquanto me
masturba me deixando totalmente vulnerável a seus dedos. Entregue e cada
vez mais molhada.
— Misha…
Ele prende meus braços, que estão amarrados pelo cinto, pela fivela
em um dos ganchos que se encontra na entrada da sala onde deixamos
nossos casacos. Fico de ponta de pé, pois é mais alto que meu tamanho.
Tento sair e não consigo.
Misha tira minha saia e calcinha. Ao se ajoelhar em minha frente,
seu olhar ergue-se para mim, carregado de malícia e lambe ao lado da
minha perna, me fazendo desejar essa sensação na minha boceta.
Em seguida, passa sua língua molhada e quente em cima de onde
tanto almejei, Misha chupa meu clitóris, me fazendo apertar minhas pernas
e me contorcer. Ele se coloca entre elas e envolvo em sua cabeça, não
demorando para me devorar com sua língua, me fazendo soltar um gemido.
Misha me fode sem parar e seus dedos esfregam meu clítoris causando uma
tortura profundamente prazerosa, entrando e saindo lentamente com sua
língua no mesmo ritmo, fazendo com que eu imagine outras partes do seu
corpo dentro de mim, o sinto cada vez mais fundo.
Uma sensação de descontrole contra meu ventre me toma. Solto um
gemido alto quando sinto o clímax se aproximando, o mesmo que cessa
antes de chegar, pois Misha se afasta de mim respirando ofegante. Sinto um
queimor em meus pulsos pelo impacto inesperado do seu afastamento, pois
o cinto os esmagou com sua ausência, fez com que eu ficasse pendurada.
Tento apoiar minhas pernas que estão bambas para ficar novamente na
ponta do pé, mas falho.
De uma sensação incrível, Misha o fez se tornar mais impuro,
pecador e dominador. Continuo com a cabeça baixa, e ao olhar para ele noto
sua ereção presente.
Ele se aproxima de mim.
— Percebe o quanto está frágil e totalmente vulnerável? Eu poderia
facilmente tomar o que desejo agora, Bunny, e mesmo que relutasse no
início acabaria gostando e se sentiria horrível por isso — ameaça, falando
próximo do meu ouvido e meu coração acelera.
A forma como fui invadida, e tocada pela primeira vez, por um
homem,não por um qualquer por ele… já faz me sentir horrível, mas saber
que se aproveitou e usou isso para me punir é a pior parte.
— Essa é a sua punição, e a pior delas. Porque agora você
perceberá que é tão impura e cheia de demônios internos quanto eu. Não é
uma garota inocente, ou perfeita que anda na linha, pois nenhuma das
opções anteriores desejaria tanto gozar na boca do irmão. Saber que não se
tem o controle de algo que é tão profano quanto o incesto foi a sua punição,
Bunny. — Lágrimas escorrem sobre meu rosto. Tenho medo que cumpra o
que disse que poderia facilmente fazer. — Apesar do meu grande desejo por
você, só te invadirei com meu pau quando me pedir e pode ter certeza que
desejará isso com todas as suas forças.
Sádico. Vazio. Frio.
É tudo que ele é.
Não sei o que falar, a decepção que sinto por mim mesma, por ter
permitido que isso fosse longe.
E por um vasto segundo penso, Casey Greyson realmente seria uma
pessoa ruim? Ou pode ser uma porta de passagem para uma nova vida.
Longe de toda a problematização dessa família.
Misha abre o cinto e o pega de volta, caio no chão me sentando
sobre minhas pernas.
— Nos vemos em casa, Bunny.
Deu as costas me deixando sozinha e com toda sua punição.
Eu sabia que ele jogaria comigo, que me odiava pelo que o fiz
passar, foi tolice da minha parte me permitir ter esse momento com Misha.
Ele só fez comigo o que eu permiti.
Nunca teria encostado em mim se fosse o contrário, ou teria?

Desço as escadas silenciosamente. Não ouço nada além do vento


gélido balançando as árvores na parte de fora, à medida que avanço até a
cozinha para tomar um copo de leite, pois não estou conseguindo dormir.
Observo que todos os cômodos da casa estão mergulhados na escuridão.
O relógio na parede marca quase duas da manhã, e ainda estou
tentando me recuperar de tudo que aconteceu entre mim e Misha mais cedo,
pois mesmo depois de ter tomado uma ducha fria quando cheguei, ainda
sinto o calor dos lábios dele em mim. Seu cheiro se entranha em meu nariz
e pele, como se quisesse reivindicar um espaço permanente em minha
essência.
Ao adentrar a sala de jantar uma presença me assusta e me faz
paralisar, meus olhos se fixam em uma figura solitária, iluminada apenas
pela luz pálida da lua que atravessa as cortinas entreabertas. Zack, o
reconheço pela barba, está sentado na cadeira que se encontra na ponta da
mesa, sua postura está rígida e a escuridão oculta seu rosto.
— Boa noite, querida — Zack me cumprimenta com uma voz suave.
— Boa noite, Zack — respondo com cautela.
— Tio Zack — corrije-me rapidamente.
— Gostaria de me acompanhar? — Ele estende o vinho que está
tomando em minha direção. Sempre tive um pressentimento ruim sobre ele.
— Claro, tio Zack — respondo com um sorriso forçado, tentando
ocultar a inquietação que cresce dentro de mim. Me sento no lado direito da
mesa, ele enche a segunda taça que está presente, como se já esperasse por
alguma companhia.
Assim que coloco minha mão direita em cima da mesa e seguro a
taça com a outra Zack fixa o olhar sobre meus pulsos que estão vermelhos
pelo ato violento de Misha, tento disfarçar meu incômodo.
— Você está bem? Perdeu o sono? Pensei que Misha voltaria com
você depois que fosse te buscar na aula de piano — interroga tomando um
gole do vinho.
— Sim, apenas estou com dificuldade para dormir. Talvez tenha sido
uma péssima ideia ter mandado ele me buscar — exponho minha opinião.
— Espero que a volta dele não tenha te afetado tanto, sei como
Misha pode ser complicado de lidar quando quer. — A forma como fala
dele, me causa curiosidade pois é o único agora que reconhece o Misha que
me apresentou hoje.
O silêncio paira sobre nós, enquanto eu luto para decifrar os motivos
por trás desse convite e o significado do olhar insistente de Zack e dessas
perguntas.
— Sabe? Não sei mais o que esperar dele, já que não o conheço
mais. O que fez com ele? — Tiro de dentro de mim uma coragem que antes
não existia.
— Apenas o que foi necessário para ele se libertar.
— Não entendo seus enigmas — afirmo e aguardo sua resposta.
— A única coisa que precisa compreender é que deve ficar no seu
lugar e obedecer sua mãe, só assim para as coisas não piorarem. — Seu tom
é rígido. — A tentativa claramente falha de tentar dar uma de boa moça
para mim será sempre sem sucesso — afirma, quando eu ia descer a minha
mão direita para meu colo ele a segura, e alisa meu pulso. — Não faça sua
mãe perder a postura, e muito menos eu. — O aperta. — Misha é seu irmão,
e nada que faça pode mudar esse fato. Além de que qualquer tipo de
envolvimento que tiveram ou que possa ainda existir, causará muitas
tragédias, pense em você! No seu futuro, Casey Greyson vai ser um bom
marido, basta apenas domá-lo com o que há.
— Holly quem mandou você falar comigo? — questiono, pois não
entendo o motivo dele estar falando comigo. Zack é irmão do nosso pai,
mas ficou ao lado de Holly todo momento. Algo estranho, pois na minha
concepção irmãos deveriam apoiar um ao outro certo?
Ele dá uma risada.
— Ora Mia, sabe que sua mãe gosta de dar os seus recados de outra
forma. E respondendo, foi iniciativa minha.
— Claro, pelo visto é bem íntimo dela — sussurro as palavras,
enquanto olho para sua mão que cada vez mais aperta meu pulso.
— Não ouse desrespeitar sua mãe, garota! — Ele altera a voz, e
aponta para mim soltando meu braço. — Misha pode ser imprevisível, mas
você! Tem que ser perfeitamente composta.
— E por qual motivo ele pode ser um descontrolado de merda, e eu
tenho que ser perfeita?
Não entendo esse raciocínio.
Nada disso faz sentido.
— Pelo fato de sua mãe ter planos para você e a desobedecer a fará
te colocar em um lugar que não gostará, Mia. — Deixa claro.
Como sempre, planos, pelos planos dela.
Tudo para ela, nunca para nós.
— Casar com Casey faz parte dos planos? — Ele fica calado.
— Deveria ir dormir, em breve amanhecerá terá aula e um longo dia
— ordena.
— Zack. — A voz rouca de Misha invade o ambiente, meu corpo
todo fica tenso. — Bunny, não sabia que iria nos acompanhar. — Direciona
a fala a mim, ele age como se nada tivesse acontecido entre nós.
— Não, Mia está indo para a cama — responde Zack se levantando
e seguindo até a porta da frente. — Não demore Misha, temos muito o que
fazer.
O que eles teriam para fazer? Em plena madrugada?
Zack abre a porta, sai e fecha. Logo em seguida, me levanto e dou as
costas para Misha.
— Aquele cara chamado Dominic veio atrás de você mais cedo,
disse que te espera na catedral depois da universidade — avisa, e espera
uma resposta. Ignoro e continuo andando. — Não me ignore, muito menos
dê as costas para mim Bunny. — Sua voz é firme.
— E por qual motivo não? Foi exatamente a mesma coisa que fez
comigo.
— Não me provoque, o que ele quer com você? — Vai direto ao que
realmente importa para ele.
— Não sei — hesito. Pois não sabia por qual dos motivos ele veio
atrás de mim.
— Sua hesitação não diz o mesmo.
— Não deveria se importar com nada disso.
— Ainda não entendeu? Você é minha, e qualquer homem que ousar
te tocar estará morto — afirma e começa a se aproximar, me afasto. —
Quanto antes entender isso melhor será para aqueles que permite que se
aproxime de você.
Um medo percorre meu corpo.
Não sei o quanto perigoso Misha pode ser.
Mas seria tolo em executar alguém tão importante como o padre,
não acredito que diante das circunstâncias seja realmente capaz de cometer
um dos erros que o fez ir para tão longe e que claramente sofreu as
consequências.
Nunca mais deixarei que me toque como mais cedo. A forma como
me humilhou, tudo não passa de um jogo doentio.
Tenho que lutar, não posso ser frágil.
Devo me posicionar, mas como?
— Você é um monstro Misha — declaro com o coração acelerado
pelo medo de suas atitudes violentas e imprevisíveis.
Sinto o peso da morte de Aiden mesmo depois de tantos anos, não
quero ser a responsável por mais mortes, nem ter sangue de mais inocentes
manchando minha alma.
Não quero libertar aquele lado meu.
— Tudo por você, Bunny. — As palavras escapam de seus lábios
carregadas de um significado tão mórbido e ameaçador quanto seu
semblante ao me olhar. As mesmas palavras que falou naquela noite.
Misha se aproxima de mim, e permanece com suas íris claras
fixadas nas minhas. Seu rosto está a poucos centímetros do meu.
— Seu gosto é viciante, Bunny. Nunca havia provado algo que, para
mim, foi tão insano quanto meu desejo por você. — Sinto meus pulmões
falhando.
— Misha. — Zack chama a atenção dele que não olha para trás,
continua me encarando. — Devemos ir antes do amanhecer.
— Vai pro inferno, Misha — sussurro de volta em seu ouvido, ele
sorriu.
— Por mais que tente, sabe que somos iguais, por que não deixa seu
lado obscuro entrar na nossa brincadeira? Adoraria saber até onde iremos
sendo quem realmente somos, sem máscaras de perfeição. Distorcer os
fatos não muda a verdade.
Ao expôr sua opinião, Misha evaporou na escuridão, como uma
sombra engolida pelo vazio.
A ideia de nos permitirmos ser quem realmente somos, sem as
máscaras que usamos para esconder nossas imperfeições e explorar as
profundezas mais sombrias de nossa essência, invadiu o meu lado
inconsciente aquele em que o ajudei a dar um jeito no corpo de Aiden.
Mesmo depois de o ter rejeitado, eu seria capaz de tudo por ele, para
o agradar.
Para o manter perto, protegido.
Passei uma boa parte da minha vida tentando ser alguém que nunca
fui.
Perfeita, uma marionete na família Demory.
Por que nós mulheres devemos ser perfeitas? Enquanto os homens
podem ser tudo que eles desejarem?
Desde criança, sabia que Misha e eu éramos diferentes de todas as
outras.
Éramos solitários.
A rejeição de nossa mãe foi como se fossemos marcados como
pestes indesejados.
Quem realmente é Mia Demory?
A realidade distorcida entre o certo e o errado foi o responsável pelo
nosso descontrole.
Ou talvez tenha sido a falta do afeto e de um ambiente saudável
entre nossos pais?
Não sei ao certo.
Fui egoísta, pensei apenas em mim e com isso alimentei uma
mentira.
A realidade de uma vida ilusória onde podíamos ser uma família
normal.
Tudo é uma mentira e, por um lado, Misha está certo. Tentar
distorcer essa verdade, me faz melhor que ele?
Cave um buraco
Fogos de artifício explodindo
em minhas mãos
Se eu pudesse pintar o céu
Todas as estrelas brilhariam
em vermelho-sangue?
Fique
Oh, ei, ei, ei (estou ouvindo vozes o
tempo todo e elas não são minhas)
Oh, ei, ei, ei (estou ouvindo vozes
e elas estão assombrando minha mente).
Black Out Days, Phantogram

MISHA CROWN

Estou perdendo o controle. Esse era o efeito corrosivo que Bunny


tinha sobre mim, como um veneno se infiltrando em minhas veias.
Consumindo-me lentamente.
Dominando meus pensamentos e destruindo minha alma.
Ao arrancar brutalmente os dedos da mão esquerda do homem à
minha frente com um canivete, seus gritos desesperados ecoaram pelas
paredes úmidas da câmara subterrânea.
Cinco homens assistiam impassíveis, aprendendo como se deve
tratar uma vítima, não qualquer uma, mas um traidor.
A tensão acumulada e os sentimentos ruins, que renasceram ao
retornar para esta cidade, afloraram em mim violentamente, o que me fez
extravasar em minha ação.
O sangue jorra, espirrando no chão de pedra antiga, enquanto ele me
olha com seus olhos cheios de pavor, implorando por misericórdia.
— Por favor! Isso tudo é um grande engano! — clama ele, a voz
trêmula, tentando inutilmente se libertar da cadeira em que estava
amarrado.
Uma poça de sangue já se formava ao redor de seus pés,
misturando-se ao cheiro metálico que impregnava o ar.
Seus gritos de medo eram uma sinfonia macabra que despertava em
mim um prazer inexplicável.
Fazer parte da seita “O Vazio” tem suas vantagens. A primeira, é
que as mortes nunca cessam, alimentando um ciclo interminável de
violência. A segunda, é a obrigação de cometer pecados tão obscuros no
subsolo de uma antiga catedral, ironicamente chamada “Kingdom Of
Peace”; eram manchados pelo mal. O nome que proclama, um reino de
paz? Uma piada cruel, pois este era um verdadeiro reino de inferno.
Enrolo um pedaço de arame farpado em minha mão, sentindo as
farpas perfurarem minha carne e misturarem meu sangue ao metal frio.
A dor aguda corre por meus nervos, mas não hesito.
Com um movimento brutal, soco o rosto de Hanko, criando um
pacto silencioso misturando nossos sangues e causando terror com a
deliciosa sensação de dor.
O arame farpado perfura sua face, rasgando carne e músculo com
facilidade. Seu grito ecoa pela sala, um banquete para meus sentidos, um
som que parece alimentar a própria escuridão ao nosso redor.
Gotas de sangue voam, libertando-se de sua pele dilacerada,
pintando o chão, com um padrão caótico, de vermelho.
Nutre-me do seu desespero e da dor.
Coloco o arame sobre o carrinho metálico, onde se encontra outros
objetos de tortura.
E ali, naquele inferno subterrâneo, a verdadeira natureza do “Vazio”
se revela: um abismo insaciável que devorava almas e transformava homens
em monstros.
Permiti que o soco não acertasse seus globos oculares, pois queria
que ele presenciasse cada momento de sua mutilação.
Quero que veja, no vasto espelho à sua frente, cada membro de seu
corpo sendo cortado, cada centímetro de pele sendo rasgado. Que olhe para
seu próprio reflexo enquanto sua vida se esvai e não possa fazer nada para
impedir.
Minha investida fez com que rastros de sangue e carne fiquem
expostos em sua face, mas seus olhos permanecem intactos, arregalados de
puro pavor.
O reflexo no espelho devolve sua expressão de pânico. Uma visão
que alimenta minha satisfação perversa, em presenciar sua agonia. Dou uma
volta ao redor da cadeira onde ele estava preso, notando os tremores de seu
corpo. Ao passar novamente diante do espelho, dou um sorriso ao notar
meu rosto salpicado com respingos de seu sangue impuro que escorre
lentamente, tingindo minha pele com um vermelho escuro.
— Você é doente, Misha! — exclama ele como se isso fosse uma
ofensa para mim com sua voz carregada de fraqueza, e com o sangue
escorrendo entre seus lábios.
Não entendo como um homem tão desprezível pôde ser responsável
pelos corpos das pessoas desaparecidas em Innsbruck ou por matá-las. Para
mim, ele é um tolo. Dou uma risada baixa, que se espalha pelo eco do
silêncio opressor da sala.
— Doente? — murmuro, aproximando-me mais uma vez. — É uma
palavra gentil para alguém que era tão temido como você, Hanko. — Minha
voz é fria e provocativa.
— Não passa de um garoto tolo, se arrependerá de estar
machucando o subchefe dessa seita! Eu ordenarei sua morte quando tudo
for esclarecido — ameaça ele, a voz vacilante mas cheia de arrogância.
Aperto minha mão, e a dor pulsante é um alerta do que devo fazer.
— Está mais que enganado. Essa ordem veio de alguém muito mais
importante que você — respondo, vendo seus olhos se encherem de dúvidas
que não permito que sejam questionadas. — Alguém que compreende o
verdadeiro poder. Quem sabe que para manter a ordem, é preciso, às vezes,
sacrificar os fracos e traiçoeiros. E quando falo de traidor, estou me
referindo a alguém que não conclui uma missão com sucesso e deixa um
cadáver tão exposto a ponto de criancinhas o encontrarem.
A compreensão penetra na consciência de Hanko, tornando sua face
pálida.
— A falha é imperdoável. E as consequências serão terríveis.
— Por favor, Misha... tenha piedade... — suplica e tenta se soltar
novamente, mas as cordas que o prendem estão firmes, tanto quanto minha
determinação quando desejo algo.
Dou as costas para ele e levanto minha mão, ordenando aos homens,
que assistiam ansiosos pela sua vez, façam o que deve ser feito. Deixo-o
contemplar seu próprio destino no espelho, a sombra da morte pairando
sobre ele como uma névoa negra.
Enquanto ele se debate em agonia, me retiro, fazendo-o enfrentar o
vazio absoluto que aguarda aqueles que falham em servir. Eu tinha a opção
de dar uma segunda chance, mas isso, ao meu ver, não seria nem um pouco
interessante.
Há anos, eu e Zack éramos figuras proeminentes na seita, liderando
sua operação na Noruega com eficiência e brutalidade. No entanto, com
nossa volta, Mikaihas, ou simplesmente Mikai, o novo líder do “Vazio”, fez
questão de nos convidar pessoalmente a nos reintegrarmos à organização
em Innsbruck. Ele assumiu o comando há exatos três anos, e desde então
temos sido testemunhas de seu sucesso e poder.
Mikai sempre nutriu uma admiração especial por Zack, e isso
certamente jogou a meu favor e, principalmente, depois que o responsável
pela sua Seita, o Subchefe Hanko Kaizn, foi responsável pela descoberta de
uma vítima exposta que colocou em risco não apenas a reputação da
organização, mas todo o seu império. A mídia e a polícia da Austrália estão
em frenesi, e a pressão sobre “ O Vazio” é intensa.
O que me tornou o novo subchefe, encarregado de torturar, matar e
desaparecer com as vítimas da longa lista. Uma organização criminosa, que
envolve o tráfico de órgãos.
Uma seita, tão aclamada pelos habitantes de Innsbruck. Seitas são
criadas para pessoas que buscam um sentido de comunidade, propósito
espiritual, orientação moral e uma estrutura para a prática religiosa.
O nome batizado como “O Vazio”, foi ideia do antigo Padre Slovak
e que anos atrás estava na posição de Mikai.
Deixando claro que "O Vazio" pode ser associado ao conceito de um
estado transcendente de consciência ou à ausência de ego, representando
um espaço de potencial ilimitado ou a fonte primordial de todas as coisas.
Em outras abordagens espirituais, é como um estado de desapego ou
liberação das ilusões do mundo material, buscando a iluminação ou a união
com o divino.
O grupo se encontra uma vez na semana para debater sobre coisas
tão insignificantes quanto. A esperança de um amanhã melhor, o título que
foi impresso hoje para entregar aos seguidores dessa fé, em panfletos.
Ando pelo corredor, e entro no escritório de Mikai.
— Está feito — afirmo, minha voz firme e fria, enquanto observo
Mikai atrás de sua mesa de mármore escuro. Ele examina minha mão e
rosto cobertos de sangue, o brilho de aprovação evidente em seus olhos.
— Fico cada vez mais admirado por você, Misha — Mikai declara,
tomando um gole de seu whisky e dando uma longa tragada em seu charuto.
Seu terno é impecável. — Por sua dedicação e métodos.
Ele avalia cada detalhe da minha aparência e do meu
comportamento.
— A lealdade é uma virtude rara, e você a possui em abundância —
continua ele, exalando a fumaça lentamente. — Não é à toa que alcançou a
posição de subchefe. A falha de Hanko Kaizn é uma lição para todos nós, e
você mostrou o que significa manter a ordem e a disciplina no “Vazio”.
Me aproximo um pouco mais, permitindo que o cheiro metálico do
sangue se misture com o aroma do charuto e whisky.
— Farei o que for preciso, Mikai. Para manter a ordem, torturar
nunca foi um problema para mim — digo com a voz calma, e dou um
sorriso de lado.
Ele assente, um sorriso ligeiro se formando em seus lábios.
— E é exatamente por isso que é perfeito para a posição. — Seus
olhos negros cintilam com uma mistura de respeito e algo mais sombrio. —
Está dispensado, não vejo a hora de presenciar suas próximas obras de artes
sangrentas.
Suas palavras fazem com que meu ego se eleve, e assim como ele
estou ansioso para que essas obras sejam feitas.
Aqui nesse subsolo imundo, posso ser quem realmente sou.
Aceno e me retiro. Tenho que ir para a universidade e em breve o
sol estará presente, e quero evitar olhares curiosos.
Mesmo depois de ter extravasado em Hanko, ainda sinto meus
nervos agitados, a sensação de desejo de puni-la ainda continua, mesmo
depois de ter a feito pagar pela sua traição.
Nada me dá mais excitação do que ver o seu rostinho perfeito,
hesitando por mim, entre o certo e o errado.
Dominic Axel, será um problema? Ou Casey Greyson? As intenções
deles pouco me importam, independente do que façam nunca terão o lado
feio dela. O imperfeito que nos conecta, nos torna um, cobertos de
insanidade, desejo e amor.
Será possível existir amor em meio a loucura? Ou apenas um
ardente desejo?
Essa dúvida ainda persiste, mas a certeza de que a resposta em breve
virá é o que me dá impulso a continuar.
Assim que coloco meus pés para dentro da sala da aula de literatura,
avisto Mia conversando com uma garota loira e rindo. Estou cursando
Medicina e fiquei surpreso ao saber que teria a mesma aula com Bunny,
isso seria perfeito. Usarei cada segundo a meu favor e o melhor que nem
precisaria fazer muito esforço.
— Aquele não é… — a loira sussurra ao me ver, a ruiva muda seu
semblante para tenso.
— Shh! — Bunny a repreende, ela a olha sem entender, mas
continuamos nos encarando.
Há muitas vagas disponíveis, mas claro que não perderia a
oportunidade de torturá-la, constatando que há uma ao seu lado.
Sento-me, e sinto seu corpo ficando rígido com minha proximidade.
Mia desvia o olhar e volta a tentar conversar com sua amiga, que fala sobre
o trabalho que estão fazendo, mas é nítido a sua desconcentração.
Um homem jovem anda lentamente para dentro da sala, usando um
conjunto social de terno, com sua barba aparada que emoldura o rosto e
seus cabelos castanhos-claros, que assim como seus óculos pretos,
combinam com sua presença determinada e confiante.
Todos ficam em silêncio, aguardando suas palavras.
Bunny desvia sua atenção e fixa seus olhos nele. Ele deixa a bolsa
de couro marrom sobre a curta mesa de madeira.
— Bom dia, me chamo Malakai Mori, sou o professor substituto da
antiga professora. Serei o responsável por vocês a partir de hoje, me
perdoem o atraso.
Sua voz é firme, enquanto observa a sala cheia de alunos curiosos.
Bunny observa atentamente cada detalhe de sua aparência e logo em
seguida dá um sorriso caloroso em sua direção.
— Passem adiante os panfletos, por favor — ele pede, distribuindo
alguns papéis à primeira fileira. Ao pegar dou a Mia, que entrega a amiga e
assim por diante. Assim que ele confirma que todos já estão com um,
prossegue: — Como sabem, a professora se mudou, e qual era a leitura da
vez?
Mia levanta a mão com confiança.
Malakai aponta para ela.
— Sim… senhorita…
— Demory, Mia Demory. E era, Alice no País das Maravilhas.
— Obrigado, senhorita Demory, pelo seu tom percebo que é uma fã.
— Ele a observa de cima a baixo. O que me provoca um pensamento de
como seria divertido arrancar cada membro de seu corpo aqui na frente de
todos, transformando a aula em um espetáculo de horror.
— É o meu livro preferido, desde criança.
— Era uma criança que tinha olhos bons para uma história de muitas
facetas? Ou era apenas pelos desenhos?
Ela se ajeita na cadeira, e sorri pelo questionamento dele.
— Os desenhos realmente são belos, mas o enredo e os personagens
que me cativou profundamente.
Malakai sorri, parecendo impressionado.
— Muito bem, senhorita Demory. A profundidade de sua apreciação
é admirável, talvez eu possa mostrá-la a minha edição de herança em
alguma ocasião.
Edição? Nem fodendo! Meu sangue ferve com esse flerte nem um
pouco discreto. Como ele ousa? Talvez eu deva deixar claro a quem ela
pertence.
— Com certeza, talvez eu possa lhe mostrar a que tenho também —
responde espontânea, como se não fosse tão fodida da mente ao ponto de
quase transar com o próprio irmão.
E agora o professor?
— Tenho certeza que a edição que tinha, perdeu. Lembro bem como
ficou triste, principalmente, por ter sido um presente meu — exponho, e
Malakai direciona o olhar para mim, assim como Bunny.
Ela me olha com reprovação, não entendo o seu olhar já que sabia
que eu interviria.
— E você é?
— Misha Crown. — O sinal toca, indicando o intervalo. O filho da
puta se atrasou vinte minutos e nos últimos vinte que tinha ficou flertando
com Bunny.
— Por causa do meu atraso, nossa aula passou rapidamente. —
Malakai levanta a voz um pouco para se fazer ouvir acima do burburinho
que começou na sala. — Nesse panfleto estão perguntas sobre os temas
principais da obra. E a pergunta mais importante: a sua interpretação. Na
próxima aula, gostaria de tê-los em minha mesa.
Todos começam a sair, e permaneço sentado.
Mia ia passando por mim e seguro seu pulso com força, fazendo-a
parar. Ela me olha com hesitação, claramente com a incerteza sobre se eu
realmente faria uma loucura ali, na frente do professor e de sua amiga.
— Se arrependerá por zombar do meu aviso, Bunny — digo com
um sorriso sinistro, meus olhos perfurando os dela.
Ela o puxa, mas mantenho o aperto firme sentindo a tensão
aumentar ao nosso redor. Malakai, que havia sido o centro das atenções há
poucos minutos, agora observa o desenrolar da situação com uma expressão
de preocupação e curiosidade.
— Solte-a, senhor Crown. — Sua voz sai carregada de firmeza, o
que me faz não ignorá-lo, eu o encaro. Ele se aproxima de nós. — Ou serei
obrigado a chamar os superiores caso não a solte, isso é totalmente fora de
ética de sua parte.
— Quem caralho é você, para falar sobre ética, quando claramente
estava flertando com algo que me pertence? — Solto seu pulso
abruptamente, deixando uma marca vermelha onde meus dedos estavam, e
me levanto ficando de frente a Malakai que não hesita ao me encarar. —
Deveria em suas orações pedir para que te livrem do mal, pois acabou de
encontrar a própria encarnação dele, Senhor Mori. — O vejo engolir em
seco, mas ele mantém a postura firme. — Nada pior do que saber que cavou
sua própria cova, não acha? — declaro com a voz baixa e ameaçadora.
— Me ameaçar não ajudará na sua situação atual — afirmou
confiante.
— Acha que me importo? — questiono e desvio minha atenção para
Mia que nos observa calmamente, como se fosse exatamente essa reação
minha que desejava, e sua amiga me olha pálida, e com o semblante
assustado. — Talvez deva dizer adeus a ele, Bunny. — Deixo claro.
Ela negou com a cabeça, esperando minha próxima atitude, que não
chega, pois apenas me afasto dele.
A universidade está totalmente vazia nos corredores indicando que
as únicas testemunhas da minha clara ameaça são Bunny e sua amiga.
Assim que chego no estacionamento e destravo o meu carro, uma
SW4 preta, sinto uma presença atrás de mim.
— Não tinha o direito de agir daquela forma na frente deles! Pensei
que seria mais inteligente, do que se arriscando dessa forma ameaçando o
Malakai — Bunny me repreende com sua voz baixa.
Ao olhar para ela, observo de cima a baixo seu corpo que está
vestido com o uniforme da universidade, uma saia preta, blusa social branca
e uma gravata vermelha, meias brancas até a metade da perna e tênis preto.
Linda pra caralho.
— Eu tinha, e tenho total direito de agir contra pedófilos de merda.
— Não seria pedofilia se eu quisesse. — A olho sem acreditar que
acabou de falar isso.
Ela sempre foi ótima em me tirar do sério e me provocar, mas talvez
esteja passando dos limites.
— Quer ter o meu descontrole é isso, Bunny? Não me fode, sabe do
que eu sou capaz. Te excita saber que o matarei por você? — questiono
ficando em sua frente e seguro seu rosto pequeno em minha mão.
— Talvez. E se sim o que fará, Misha? — me provoca, estranho sua
reação, pois a horas atrás estava me mandando para o inferno e agora
causando o maior caos dentro de mim.
— Está tomando seus remédios? — interrogo.
Essas atitudes só provam que não.
Bunny tem transtorno bipolar tipo I, todos somos fodidos de alguma
forma.
O tipo I é o mais grave. “Neste tipo, ocorre o quadro completo, com
a presença de fases claramente depressivas e maníacas, debilitando e
provocando importantes prejuízos na vida dos pacientes”
Mas, apesar do seu transtorno, ela nunca ficou depressiva, muito
menos alucinando.
Só impulsiva e maníaca, causando discórdia a todos ao seu redor.
E foi prescrito para tomar o carbonato de lítio.
— Isso não importa — responde e se afasta. — Se a ideia de você
ser um irmão possessivo vazar para a imprensa, estamos acabados —
afirma mudando de assunto, e só então entendo.
Tudo pelas aparências e não por nós.
— Não me faça dar realmente motivos para falarem, e se comporte.
Tome seu remédio ou eu a faço tomá-lo. Para o bem maior de todos, quero
que esteja completamente lúcida em cada atitude sua, Bunny.
Claro que anseio ver esse lado dela, mas é muito melhor quando está
com seu humor controlado, como quando me encontrou com Aiden e agiu
com total clareza.
— Esses joguinhos devem acabar, é tudo muito arriscado. Temos
uma vida real agora, Misha.
— Sempre tivemos e isso nunca nos impediu. Fique longe dele. —
Entro no carro e o ligo, ela se afasta me observando ir embora.
Talvez tenha sido uma péssima ideia aceitar voltar para casa.
Estou me descontrolando de uma forma como nunca antes.
E tudo por ela.
Ela será a minha destruição ou salvação?
Ei, garota (ei, garota)
Ei, garota
Abra suas paredes
Brinque com suas bonecas
Seremos uma família perfeita
Lugares, lugares, vão para os seus lugares
Vista seu vestido e coloquem
seus rostos de bonecas
Todos acham que somos perfeitos
Por favor, não deixe eles
olharem através das cortinas
Foto, foto, sorria para a foto
Pose com o seu irmão, você
não será uma boa irmã?
Dollhouse, Melanie Martinez
MIA DEMORY

O que é mais questionável do que a razão?


Os sentimentos, são eles que nos fazem cometer ações das quais
talvez nos arrependamos.
Talvez essa seja a grande falha de nós, seres humanos, sermos tão
frágeis e vulneráveis quando se trata de emoções. Por que apenas não agir
com a razão?
“Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal”,
disse Friedrich Nietzsche.
Mas me questiono se ele falava de insanidade ou como uma pessoa
normal, que sabe lidar com o bem e o mal de forma compreensiva, busca
sempre fazer o certo. Sem cair nas tentações do mal temido por todos.
Atravesso os imponentes portões de madeira, que rangeram
pesadamente ao fechá-los, adentrando na vasta e antiga catedral. Olho para
frente, onde encontro um grande crucifixo com o senhor Jesus, que domina
todo o ambiente, ao lado do enorme púlpito, o confessionário e no lado
esquerdo a porta que leva ao andar de cima onde provavelmente Axel se
encontra.
Queria evitá-lo, mas seria impossível e sua insistência chamaria
atenção para Misha.
E por mais que eu seja uma louca bipolar, não desejo a morte dele.
Talvez eu tenha exagerado ao provocá-lo, e odeio o fato de não
controlar as sensações que a adrenalina e sua presença me causa, sabia que
ele surtaria. Desejei isso, mesmo lutando contra as vozes da minha mente
doentia.
“Para o bem maior de todos, quero que esteja completamente
lúcida em cada atitude sua, Bunny.”, sua voz é como um pesadelo que volta
a cada segundo mais forte.
Sei exatamente ao que se referia, ele quer que eu demonstre o quão
imperfeita posso ser, sem as máscaras que eu uso.
Lembro do dia em que falou que me amava, quando descobriu meu
transtorno.
Éramos tão jovens, mas saber que alguém não buscava minha
perfeição e sim quem eu realmente era, destruía toda barreira de
fraternidade. Transformando em um misto de sentimentos que, naquela
época, não os reconhecia.
Crescemos em baixo de regras, e no mais sombrio lar. Onde uma
foto deveria sair perfeita, assim como nossos sorrisos.
Sofremos e fomos quebrados por aqueles que deveriam nos amar,
proteger.
Como é possível amar e odiar? Se descontrolar na presença dele?
Trazer um lado meu que tanto tentei oprimir.
Somos imprevisíveis com o nosso vínculo sombrio.
Rejeição.
Abandono.
Falta de afeto… o que isso é capaz de fazer com duas pessoas?
As transformar em monstros? Abominações da natureza, fadados a
um único fim, a destruição?
O desejo se mistura com a necessidade de dominá-lo, de ser
submissa a ele. A adrenalina corre em minhas veias como um veneno doce.
E é impossível resistir à tentação de testar seus limites, os nossos limites,
mesmo sabendo que essa brincadeira, pode acabar em graves tragédias.
Cada tentativa de ternura, se torna em brutalidade, crueldade e
violência. Em todos esses anos, nunca encontrei alguém como ele, que não
julgasse quem sou.
E não falo da máscara que uso de perfeição e sim, a verdadeira Mia
Demory. Ou como ele me chama, Bunny.
— Axel? — chamo, subindo as escadas que levam ao andar de
cima. — Axel? — insisto, sem obter resposta alguma.
Começo a abrir, uma por uma, as sete portas que se alinham no
corredor estreito e mal iluminado por uma luz amarelada.
A terceira e a quinta portas estão trancadas, mas a quarta cede
facilmente sob minha mão. Ao abri-la, o som de água corrente atinge meus
ouvidos, um murmúrio constante que me chama para dentro.
Axel está embaixo do chuveiro de costas para mim. A água escorre
quase que lentamente aos meus olhos por seu corpo nu, musculoso e repleto
de tatuagens. Admiro cada centímetro de sua pele, nunca imaginei que o
veria sem aquela batina que o trás um ar tão sério e pecaminosamente
sensual.
Devo queimar no inferno, por estar gostando de vê-lo como estou
presenciando. Mas não é apenas sua nudez que chama minha atenção, mas
sim a forma como sua mão está deslizando com tanto desespero e
brutalidade sobre seu membro que ao virar de lado, posso apreciá-lo
perfeitamente; seu pau ereto, grosso e com cada veia delineada pela
intensidade de seu toque.
Em sua outra mão, segura uma lâmina afiada, que a passa por seus
ombros e costas, destacando ainda mais sua anatomia com o sangue que
escorre.
Seus dedos apertam com força seu pau, fazendo os gemidos
escaparem de seus lábios entrecortados pelo prazer e a dor.
Meu coração bate acelerado, e não consigo parar de olhá-lo; minha
boca seca, pele arrepia e boceta queima em chamas. Cada movimento de
sua mão sobre seu membro, seu gemido é rouco, sinto uma umidade
crescente entre minhas pernas, meu corpo respondendo ao apelo primitivo
que ecoa no ar. A necessidade de tocá-lo, de aliviar sua dor e sua angústia,
se torna quase insuportável, uma ânsia que consome minha mente e meu
corpo.
Seu desespero carnal é nítido, assim como sua necessidade de alívio.
Quem será que está em sua mente? Para o deixar tão excitado ao ponto de
quebrar todas as suas morais, deixando sua glande avermelhada a cada
movimento, seu corpo tremendo com a intensidade e respiração
descontrolada, com seu sangue escorrendo juntamente com a água do
chuveiro pelo ralo.
Solto um ofego, desejando sentir o mesmo que ele.
Axel abre seus olhos, encontrando os meus, assustados com sua
possível reação de punição e repreensão. Seus olhos estão entregues ao
momento de êxtase e incerteza como se não acreditasse que realmente estou
aqui.
Mas, mesmo assim, mantém seu olhar fixo no meu. Logo um jato de
porra é liberado, sua respiração pesada ecoa no ar carregado de tensão. Meu
corpo trava no lugar, incapaz de resistir à intensidade da cena diante de
mim. Assim que ele puxa a toalha para se cobrir, olho para a porta que
ainda está entreaberta, assim que ia correr entre ela, ele se coloca na minha
frente e fecha a porta com força.
— O que eu faço com você…Demory? — interroga em um sussurro
rouco, ameaçador. Seu olhar é intenso.
— Axel, não queria invadir sua privacidade — alego, virando o
rosto de lado em uma falha tentativa de respeito.
— Padre Axel — me repreende, com sua presença tão próxima de
mim, com apenas uma toalha em volta de sua cintura e as gotas de água
escorrendo entre seu abdômen definido. — Cadê suas provocações agora?
— Me desculpa.
— Qual é a punição para quem deseja o próximo, Demory? —
questiona, como se não tivesse cometido um pecado tão terrível em um
local sagrado.
— E qual a punição para um padre que se masturba na própria
catedral?
— Não estamos falando de mim, mas sim da sua lição de hoje. —
Sua voz é calma e controlada, um contraste marcante com a tensão que
paira entre nós. — Portanto, os que estão na carne não podem agradar a
Deus. Romanos 8:6-9. Buscar o próximo com olhos impuros, te condenará,
senhorita Demory. — Engulo em seco diante da seriedade de suas palavras.
Como é possível que até falando versículos ele me deixa excitada?
— Então, me responda… — Ele se afasta, fica de costas e começa a
se vestir, cueca box branca, calça social preta, batina. E por fim pega o
terço, que também estava pendurado no cabide do banheiro, e o coloca
sobre o pescoço. — Estava sendo dominada por sua carne?
— Eu… não sei — respondo, ele segura no meu braço e me puxa
para fora do banheiro.
— Deveria saber, já que sempre tem respostas para tudo. Por que
estava me ignorando?
— Sabe, acho que não tem tanta autoridade como tenta aparentar,
padre Axel — afirmo, ao tomar coragem e lembrar do motivo pelo qual
decidi vir aqui. — Suas lições não são de modo moral, drogar alguém é
totalmente fora dos limites! — o repreendo.
— A forma como as realizo não devem ser questionadas, foi o que
combinamos desde o início.
— Sim, mas isso foi antes de Misha voltar e de você confessar sobre
Holly. Realmente vai agir como se não tivesse se masturbando?
— O que eu faço, nunca foi e nem será da sua conta, querida
Demory — responde rudemente. — Não deveria ter visto isso, foi um erro.
— Quem realmente é você, Dominic?
— Axel. Me chame assim, Demory.
E por um vasto momento questiono se Dominic Axel é tão pecador
quanto eu. Tão falho, imperfeito. É claro seus problemas de controle e raiva
a cada dia que passamos juntos, e mesmo assim me vejo cada vez mais
envolvida.
— Homens tem suas fraquezas. Sou padre, não santo.
— É realmente padre? Ou só está aqui para cumprir um trabalho
designado a você? Por Holly.
— Duvide de mim novamente e te mostrarei quem realmente sou,
Demory.
Nunca o questionar, sempre o obedecer. Foi uma de suas regras, que
tive que aceitar arduamente.
Por isso a lâmina? Uma forma de autoflagelação?
Dominic sempre foi um mistério, mas essa cena de hoje nunca sairá
da minha mente.
— Então, por que permitiu que eu visse?
— O que quer dizer? — Fico em silêncio. — Não a obriguei a ficar
me olhando.
Por algum motivo, uma ideia surgiu em minha mente.
Dominic sentiu prazer em me ver olhando?
Continuo olhando para ele.
— Talvez você quisesse muito isso, por isso não fez nada — digo.
Ele me encara sério, queria que me dissesse algo sobre si mesmo, talvez o
conhecer.
— Cala a boca, Demory — ordena.
— Qual o problema? É difícil aceitar que é sujo, Axel? — Ele se
aproxima de mim, e para em minha frente apertando a mão, como se
tentasse se controlar.
— Esqueça o que viu. Isso não muda o fato que sou o seu
responsável nessa catedral, e foi exatamente por isso avisei que estaria te
esperando aqui. — Sua voz é autoritária, mas ele muda de assunto. — Pela
sua calmaria, percebo que o jantar saiu exatamente como queria.
— Não. Eu irei me casar com Casey Greyson, de acordo com Holly.
Tinha razão, ela planejava algo. — Ele fica surpreso e um sentimento
diferente surge em sua afeição, um que não consigo descrever, Axel tenta
disfarçar em seguida.
— Deveria me agradecer por alertá-la. Estava pronta — retruca.
— Um inimigo pode facilmente te manipular, demonstrando algo
que nunca será verdade. Gentileza, compaixão… ou qualquer tipo de
sentimento que saberia que a permitiria ficar vulnerável — repito suas
palavras. — Nunca confiarei em você, nem te agradecerei por nada.
— Era apenas um exemplo, sabe que pode confiar em mim —
explica.
— Passou totalmente dos limites comigo, e na noite que eu estava
mais vulnerável. Sabe o quanto Misha mexe comigo! Não passa de um
soldadinho da Holly. — Algumas lágrimas descem do meu rosto e as limpo,
porque eu quis confiar.
E ele nem tentou negar minha afirmação de que estava me
manipulando, como ela, mesmo que tenha dito umas frações de meias
verdades.
Fui traída várias vezes por aqueles que confiei.
E nem fodendo que cairei na conversa dele novamente, pois pode,
facilmente, ser apenas um dos muitos usados por Holly para me manipular.
— Passe logo seu sermão, quero ir para casa.
Sempre senti algo por ele, mas nunca descobri o que era.
Talvez tenha sido apenas uma atração, ou pelo simples fato de
sempre ter estado sozinha.

Subo as escadas da mansão Demory, cada passo ecoando pelo


corredor silencioso. Ao chegar à porta do meu quarto, empurro-a
suavemente e entro, sentindo imediatamente a familiaridade do espaço.
Retiro o casaco, ficando apenas com a roupa da universidade. Não vim para
casa desde cedo, estou cansada, meus pés doem e barriga alerta a fome que
se faz presente.
— Como foi lá? — questiona uma voz rouca que me assusta. Ao
olhar encontro Misha sentado na poltrona.
Desço meu olhar sobre seu corpo, ele está apenas de calça jeans, que
se ajusta perfeitamente aos contornos de seus quadris. Seus músculos
abdominais são definidos, cada gomo desenhado perfeitamente, e a pele
está coberta por uma série de tatuagens, desde peitoral, braços e pescoço,
que contam histórias misteriosas e sombrias.
As tatuagens parecem ainda mais intensas na escuridão do quarto,
tornando sua presença ainda mais intimidadora e atraente. O que me faz
sentir um desejo de tocá-lo.
A linha de seu abdômen leva diretamente ao volume em sua calça,
impossível não avistá-lo.Isso só pode ser uma grande tentação feita pelo
demônio, dois homens… um pelado e outro quase em meu quarto?
— Não ouviu minha pergunta, Bunny? — interroga novamente, sua
voz é nitidamente possessiva. — Qual foi o sermão que o padre Axel te
deu? — insiste, aguardando minha resposta.
A cena de Axel se tocando invade minha mente, mordo o lábio.
Merda, Misha o matará.
Duvide de mim novamente e te mostrarei quem realmente sou,
Demory.
Por que homens possessivos me perseguem? E, por que me excito?
Se ele tivesse dado um passo a mais, eu não resistiria, mesmo que tentasse.
Tenho essa convicção.
— Não estou gostando da sua reação, Bunny — afirma ficando em
pé e anda lentamente até mim, com um copo de whisky, que invade o
ambiente com um cheiro forte. A luz que entra pela janela do quarto é a
única que ilumina o seu rosto.
— Portanto, os que estão na carne não podem agradar a Deus.
Romanos 8:6-9 — repito suas palavras. Lembrando o quanto estávamos
próximos.
— Realmente espero que ele tenha dito isso de forma bíblica e não
física. Torturar um padre, não estava nos meus planos — ameaça
sussurrando.
— Não ouse tocar nele, Misha — defendo, e ele segura meu rosto,
olhando fixamente para meus lábios. — Se o machucar, nunca te perdoarei.
— Ele me solta e se afasta. Seu olhar é frio.
— Por que se importa com ele?
— Axel ficou ao meu lado quando você não estava aqui, e…
— E o que? — insiste, com sua face irritada, ansioso pelas minhas
próximas palavras.
— Me protegeu das investidas de Holly. Nunca me desrespeitou —
afirmo firme, com meu coração acelerando.
— Isso significa que deixou ele te tocar? — questiona. — Está
apaixonada, é isso que quer me dizer?
Sinto o peso das palavras dele.
Misha sempre pensa, meticulosamente em cada pergunta que faz,
sempre tem um propósito. Ele está buscando algum resquício de fraqueza
em minhas palavras. Mas não posso deixar que encontre, mesmo que eu não
ame Dominic, temos uma conexão diferente de Misha.
O provocar agora seria tolice, só causaria mais problemas.
E um deles seria a cabeça de Dominic em cima do púlpito.
Em apenas um dia sem tomar o remédio criei o mais intenso caos, o
levando a se impor na frente de Malakai.
Foi um erro, que não repetirei quero estar consciente como Misha
falou.
— Não — respondo.
— Não, exatamente, para qual das perguntas?
— As duas.
— Ele já tentou algo? — Ele parece tão interessado em tudo que
envolve Axel.
Ou será apenas que estou enganada e é apenas a forma como é
dominador.
— Por que essas perguntas? — interrogo.
— Independente da minha palavra, eu a quebraria se fosse preciso
por você. Ele não tem nenhuma permissão de te tocar — expõe, fico sem
acreditar no que quis insinuar.
Não tem permissão? Ele quis falar literalmente ou teoricamente?
Não sei ao certo.
Misha anda até a porta, deixando o suspense de suas palavras.
— Nem você tem — afirmo e ele para.
— Não tenho? — interroga, esperando minha confirmação ainda de
costa.
— Acha que tem algum controle sobre minhas emoções? —
respondo, sentindo raiva de mim e, principalmente, dele.
De mim, por sempre acabar deslizando nesse lamaçal de sujeira, que
não sabemos ao certo o que seja. Como uma iniciante de Psicologia, eu
deveria saber controlar meu impulso, desejos.
— A resposta é não. Nunca poderá controlar o que sinto.
— Talvez esteja certa, mas isso não muda o fato de que é tão
obcecada por mim, como sou por você. Porque acredite quando digo, no dia
em que eu realmente te possuir, desejará, e nunca esquecerá quem é a porra
do seu dono, Bunny. Eu tento ser paciente, desde que cheguei, mas cada vez
mais você apenas me impulsiona a te mostrar o quanto posso ser cruel.
— Pode tomar a força, mas nunca terá meus verdadeiros
sentimentos. Complexo de atração pelo agressor, onde a pessoa é atraída
por aqueles que exercem poder ou dominação sobre ela, muitas vezes sem
uma conexão emocional genuína. Essa relação pode ser profundamente
complexa e problemática, especialmente se baseada em manipulação,
coerção ou abuso. Não envolve amor verdadeiro, mas sim um desejo
intenso pelo controle, pela força e pela imposição do outro — informo,
esperando uma reação dele.
Eu pesquisei, tentei achar uma resposta lógica para minhas reações.
Sem ser o que as vozes da minha cabeça gritam.
Para tentar agir com a razão depois do que aconteceu com Dominic
mais cedo na catedral, por isso demorei a chegar em casa. Mas está na
frente dele quebra todas as minhas promessas.
— Você realmente acha que é isso? Devo provar que não? — ele
pergunta, sua voz carregada de uma mistura de desafio e frustração. — Sua
rejeição não é nada para mim, Bunny. Eu sei que posso parecer cruel, talvez
até o agressor nessa história. Mas a verdade é que suas tentativas de
entender o que estamos vivendo só vão te machucar ainda mais. Você está
se afundando em dúvidas e medos, e isso vai te corroer por dentro. Te foder
só mostrará o quanto almeja estar comigo, e só acontecerá quando pedir,
uma das cláusulas que tanto respeito. Em hipótese alguma, o dominador
penetrará a submissa sem seu consentimento.
Não sabia que os dominadores tinham cláusulas.
Me mantenho calada, meu coração acelera.
O medo dele estar certo começa a me consumir. O que isso me
tornaria? Ele sempre deixa claro sua posição, tão ameaçadora e obsessiva
ao extremo.
— Estou te esperando para jantarmos. Use o presente que deixei na
terceira gaveta do seu guarda-roupa, não me faça rasgar sua roupa —
ordena e fecha a porta.
Observo ao redor, e olho para o guarda-roupa, para a poltrona que se
encontra, no canto do quarto próximo a janela da varanda, a cama box king-
size com lençóis modernos brancos com detalhes pretos, uma escrivaninha
no lado esquerdo.
Ao abrir as portas de madeira do guarda-roupa, que contém dois
espelhos grandes, na terceira gaveta, conforme instruído, encontro uma
caixa de presente preta, adornada com um laço vermelho chamativo.
Seguro e puxo o laço, sentindo a expectativa crescer.
Abro a caixa e encontro um vestido preto, de couro, que só ao tocar
percebo sua textura suave e a qualidade do material de couro. O design é
ousado, com uma abertura que vai da coxa até antes dos seios de cada lado
da minha cintura, entrelaçada por uma fita igualmente preta, que cria um
efeito intrigante e sensual. Ele é de alça, lindo, sexy, feito sob medida para
chamar a atenção.

Depois de tomar um banho gelado, para tentar acalmar meus nervos,


penso se devo usar o vestido. O que seria interessante: causar a fúria dele,
ou apenas o obedecer?
Eu sou a porra de uma louca. Uma pessoa normal, evitaria a todo
custo provocar a ira dele.
Mas, eu não sou normal, depois de ter acobertado um assassinato.
Ou de ficar excitada por alguém que mata, para deixar claro o quanto eu sou
dele, e como tem controle sobre mim.
Talvez minha bipolaridade não seja o problema e sim, eu, mesmo
depois da resposta lógica que encontrei.
Essa guerra entre razão e emoção, certo e errado, tem me
assombrado por anos.
Pego o vestido e o visto, passo um hidratante de morango em meu
corpo, penteei os meus cabelos ruivos, passo um gloss nos lábios, calço um
salto alto vermelho. Me olho no espelho e gosto do que vejo.
Senti saudades dele, muita, tanta que chegava a doer quando eu
lembrava. E isso é um fato que mesmo se tentasse, não conseguiria
esconder de mim mesma.
Saio de dentro do quarto, passo no corredor com várias portas e
desço as escadas, pela sala de estar, chego na de jantar e Misha está usando
uma blusa social branca aberta, está sentado na mesa. Ele me acompanha
com o olhar, até que eu me sente, há alguns homens vestidos com ternos
pretos, e duas empregadas, e uma mulher seminua, sentada sobre os joelhos
no chão de costas para mim ao lado dele, uma loira, com uma lingerie toda
rendada mostrando todas as partes do seu corpo.
— Misha, o que é tudo isso?
— Pensei no que disse mais cedo, talvez esteja certa — afirma, mas
estranho sua resposta. — E minha Abby, tornará nosso jantar mais
interessante, os seguranças são cortesia de Holly.
Ela se levanta, todos ao redor olham.
Minha. Ele a chamou de “minha”, quem é essa mulher?
Ele indica com a mão para que servissem o jantar, seus olhos estão
frios, tristes, ouso dizer. Elas colocam a comida na mesa, o molho de
camarão, com macarrão que sempre pedíamos quando crianças para a
cozinheira fazer quando Holly não estava.
— Sou cruel, agressor, como me acusou. Um monstro, não? —
Engulo em seco, ele toma um gole do vinho que está em sua taça. — Nem
todos aceitam meu jeito, você é um deles não é? Sempre deixando claro o
quanto é forçada, uma inocente no meio da minha vida de escuridão.
Doía em mim suas palavras, como se uma faca perfurasse o meu
peito e dilacerasse minha carne.
Ele sempre pensou dessa forma?
É isso que eu tenho transmitido?
— Devo te deixar livre? É isso que quer, Mia? — Pela primeira vez,
em muitos anos, ele me chamou pelo meu nome.
Não consigo falar, é como se eu tivesse perdido as palavras. A
mulher alisa o peitoral dele por trás da cadeira, e descendo cada vez mais a
mão. Eu sentia fome, porém ela se foi e agora sinto um nó na minha
garganta, meus olhos ardem.
— Só assim você provaria o que tanto quer? Um simples “sim”
responde à minha pergunta. — A mulher começa a abrir a calça dele e
desvio o olhar. — Olhe — ordena ele. — Quero que observe, cada segundo,
ou matarei Dominic Axel. — ameaça e, com certo repúdio, olho para ele.
Ela ajoelha-se obediente às ordens dele, que se coloca em pé
afastando a cadeira, deixando exposto seu pau já ereto, por ela… que
mantinha os olhos fixos em Misha, cujo olhar transmitia um misto de poder
e crueldade. Ele enfia dois dedos na boca dela que o chupa, em seguida
segura a cabeça da mulher com violência mergulhando em um ato de
dominação sem limites sobre seu pau, e a fode sem nenhuma cerimônia.
Olho ao redor onde os homens continuam olhando para frente, sem ver a
cena.
Misha fecha os olhos, com suas mãos firmes que controlam cada
movimento da loira sobre seu membro, enquanto ela se entrega ao ato com
uma submissão assustadora. Os sons abafados dos gemidos dele e dos
movimentos bruscos preenchiam o ar, ecoando no meu íntimo como um
lembrete constante da minha própria fraqueza.
O rosto de Misha contorcido em uma expressão de prazer, era uma
visão perturbadora, os movimentos frenéticos feitos pela cabeça da mulher,
era um lembrete brutal do poder que exercia sobre ela. Um poder que eu
temia e ao mesmo tempo desejava, com todas as minhas forças ,resistir.
Ele me olha, continuando o ato, era como se pelos seus olhos
pudesse ver além do prazer, uma satisfação por ter controle sobre mim.Me
sentia invadida por uma mistura avassaladora de repulsa, excitação e raiva.
Era uma afronta à minha própria resistência, uma lembrança dolorosa do
controle que ele exercia sobre mim, mesmo sem tocar-me.
— Bunny… — Solta um gemido, meu corpo todo se arrepia. — O
que mais deseja que eu a faça sentir? Imagine o que posso fazer se se
permitir — fala, ofegante enquanto o chupava com voracidade. Misha olha
para mim com um sorriso sádico, como se estivesse desfrutando do meu
desconforto
Manipulação. Dominação.
Tento desviar minha atenção, deveria apenas sentir nojo da cena que
presencio, mas ao contrário, eu sinto tudo. Minha boceta está encharcada.
— Mesmo tentando, você ainda está ligada a mim, não está, Bunny?
Imaginando como seria estar no lugar dela? É excitante, não acha? — Ele
geme, e para os movimentos indicando que seu jato de gozo invadiu a boca
dela, sua respiração fica entrecortada.
Só dando apoio para o conflito que me assombra nesse segundo.
Minha respiração fica pesada com a sensação de excitação.
Sim, excitante pra caralho.
Ela engole toda sua porra, levanta e se aproxima do rosto dele para
beijá-lo. Ele olha para os lábios dela, ela alisa o rosto dele e quando
aproximam suas bocas meu coração acelera. Misha a para, se afasta e Abby,
como a chamou, vai embora.
Desvio meu olhar. Ele veste sua calça.
— Isso foi uma punição? — questiono, me colocando de pé.
— Não permite que se levantasse — declara, meu coração se aperta,
as lágrimas enchem meus olhos. Ele fica surpreso com minha reação, pois
fica calado.
Nego com a cabeça. Me pergunto até onde ele iria para me provar
sua teoria, para conseguir o que quer de mim. Seja o que seja.
Não há nada que me machuque mais, do que ele tentar me
manipular usando meus sentimentos por ele.
— Bunny? — chama, não o olho e ele não insiste.
Meu coração dói, por ele achar que me manipular faria com que eu
me entregasse a ele por completo .

Ao sair de perto de Misha, subi no quarto para pegar meu casaco,


ele não me impediria de sair e soube disso por isso não me parou. Pedi para
um dos motoristas me levar até a casa de Dominic e em poucos minutos
cheguei em frente a ela.
— Dominic? — chamo, ao me aproximar da porta.
É tarde da noite, o vento gélido queima minha pele que está coberta
por um casaco longo e coturnos nos pés.
Axel abre, e me olha de cima a baixo.
— Demory, o que faz aqui uma hora dessa?— questionou, e meus
olhos se enchem de lágrimas.
— E-Eu… — Engulo em seco, olhando ao redor procurando as
palavras. — Não sabia para onde ir, não queria continuar no mesmo lugar
que ele. Foi uma ideia ruim, desculpa. — Quando ia dar a volta ele segura
na minha mão.
— Tudo bem.
Eu o abraço em um ato automático. Axel fica sem reação, mas logo
em seguida me abraça de volta, ignorando seu trauma de toques, sem ser
sobre seu controle ou ordem. Sua presença me causa alívio e um sentimento
de segurança.
— Vamos entrar. — Indica a porta.
Concordo com a cabeça com uma pequena sensação de conforto. Ao
entrarmos e ele fecha a porta cortando o vento gélido que é substituído pelo
calor do aquecedor ligado.
— O que aconteceu? — pergunta andando em minha frente, ele usa
uma calça moletom e uma camiseta básica preta.
Retiro o casaco, mas interrompi o ato quando me olha e fica calado.
Esqueci que estou usando ainda o vestido que Misha me pediu,para me
manipular em seguida usando meus próprios sentimentos contra mim.
— Desculpa, se preferir coloco de volta.
— Não… e-eu vou pegar um casaco mais confortável para você —
afirma, e sobe as escadas.
Não demora muito para que volte. Ele me entrega um casaco de
moletom vermelho, coloco e fica cobrindo meu vestido, ando até a sala e
me sento no sofá.
— O que aconteceu?
— Misha… ele...
— O que ele fez com você? — questiona, olhando-me de baixo até
em cima, como se soubesse exatamente como Misha pode ser. Mas como
saberia?
— Eu tenho um trauma. Manipulação. E ele usou exatamente meus
sentimentos contra mim, sabendo disso. Isso fez com que rompesse o lado
intenso que senti no momento e despertasse apenas a decepção.
Mesmo tentando, você ainda está ligada a mim, não está, Bunny?
Imaginando como seria estar no lugar dela?
— Por isso agiu daquela forma comigo? — interroga.
— Sim. Ele tentou me provar que…
— O que? — interroga curioso.
— Que minha teoria estava errada, mas… a forma como me
mostrou.
— Te magoou profundamente. — Termina a frase, mesmo não
falando sei que sente muito. Afinal, criamos uma conexão nesses cinco
anos.
Nunca encostou em mim. Eu mesma me autoflagelava.
— Misha, é um grande filho da puta. Eu preciso te contar algo, não
quero mais esconder de você. — Me surpreendo com a forma como ele fala.
Isso não é blasfêmia? Fico sem entender. — Não sou melhor que ele Mia —
afirma.
No fundo da minha mente
Você morreu
E eu nem chorei
Não, nem uma lágrima
E estou cansado de esperar pacientemente
Por alguém que nem vai chegar.
Romantic Homicide, D4vd

MISHA CROWN

Dor, é o que refletiu nos olhos dela antes de sair da sala de jantar.
Queria mostrá-la como era sentir. Me causou um ódio infame, saber
que ela pensava dessa forma de nós dois.
Depois de tudo que passamos, isso não é aceitável.
Dominic, é um grande empecilho, ela sente algo por ele mesmo que
negasse, é evidente a forma como o defendeu.
Rejeição e mais rejeição.
Queria apenas que ela visse como eu vejo tudo isso.
A seguir, partiu meu coração após saber que ela correu até ele.
O que eu preciso fazer para ganhar ela por inteiro? A crueldade a
atrai, mas por que não aceita? É tão difícil deixar a porra do egoísmo e o
desejo de ser perfeita de lado?
Um verdadeiro caos de sentimentos, minha vontade é executar ele.
Mas isso não ajudaria em nada. Ele pode a machucar… ninguém
pode fazer isso, apenas eu para o meu prazer.
A manipulei usando a atração, o desejo. Sabia que a manipulação
era um gatilho para ela, que tinha uma chance de dar certo ou muito errado.
Holly está chegando de viagem, e amanhã teremos o jantar na mansão
Greyson.
Eu usei Abby, mas, enquanto ela me chupava violentamente,
imaginei Bunny. Queria que pensasse que fosse pela mulher ajoelhada em
minha frente, mas era tudo por ela.
Foi torturante e excitante ao mesmo tempo, não poder dar e fazê-la
sentir o que claramente queria.
Minha reação foi totalmente inaceitável, entendo perfeitamente
isso.
O amor é algo que torna o lado vulnerável exposto, às fraquezas. O
verdadeiro amor é muito além de palavras doces e carícias suaves. E sim, o
controle. Domínio. Manter o outro sob o controle para protegê-lo de seus
próprios demônios.

8 Anos de idade.

O quarto é branco tanto que poderia ser confundido com as nuvens


do céu, contudo acredito que lá, não se tem dor ou o sofrimento que sinto
nesse momento.
Abro os olhos lentamente com dificuldade, desmaiei e acabei de
acordar novamente depois de sentir a dor de cada corte, da cruz em forma
de estaca que Holly usa para me dilacerar, pelo peitoral local onde,
segundo ela, quase ninguém vê.
Uma única lâmpada amarela está pendurada no teto, me causando
uma irritação nos olhos e uma forte dor de cabeça.
As sombras oscilantes criavam um ambiente de pesadelo, o cheiro
acre de ferrugem misturado ao odor de sangue fresco.
Sinto todo meu corpo tomado por uma dor intensa, tanto que foi
capaz de me apagar. Os cortes queimam, assim como meus pulsos e braços
amarrados sobre a maca velha, enferrujada, com arames farpados que ao
me movimentar aprofundava cada vez mais em minha carne.
Meus olhos se ajustaram depois de um tempo, fixando-se em Holly.
— Misha, querido, você acordou. — Ela sorri, e alisa meu rosto.
— Mãe… por favor — imploro, sem forças, sentindo meu coração
batendo fraco, minha voz sai em um sussurro sufocado pela dor e pelo
medo.
— Sinto muito, Misha. Mas… devo te ensinar que desrespeitar sua
mãe é uma forma de negar seu amor por mim. O amor verdadeiro é muito
mais do que palavras doces e carícias suaves. O amor verdadeiro é
controle. Domínio — afirma com total convicção. — E quando se ama
alguém, com todos os seus sentidos, deve protegê-lo de seus próprios
demônios, o mantendo sob seu controle. Fazendo o que for necessário e
isso é preciso.
Holly começa a passar a ponta afiada de madeira com precisão
sobre minha pele, me causando agonia e gritos desesperadores, traçando
linhas vermelhas não tão profundas, mas o suficiente para rasgar a
primeira camada ardente sobre minha carne.
— A dor é necessária, ela nos faz ter o controle de nossos
sentimentos, para que aja com total razão. Sem ela, só resta sentimentos
confusos e o caos, por isso o controle se faz necessário. Impor limites,
regras.
As lágrimas escorriam de meus olhos, as íris claras de Holly são
uma mistura de amor distorcido e crueldade fria.
— Ao sentir esse objeto te rasgando, lembre-se de cada vez que
pensar em me afastar, desrespeitar ou rejeitar. Não hesitarei em machucar
aqueles que você mais ama. — A voz dela treme com uma intensidade
quase beira a obsessão. — É para seu próprio bem. O mundo lá fora é
cruel, impiedoso, as pessoas, Misha, são traiçoeiras. Elas te rejeitaram,
querendo ser superiores, demonstrando ser perfeitas, contudo são tão
podres e feias por dentro.
Ela enfia novamente a ponta da cruz no meu peitoral passando por
cima do meu coração, me torturando lentamente.
— Por favor! Mãe, não… Não! — grito desesperado, com a pouca
esperança de que ela pararia e me deixaria ir brincar com Mia, a única
que realmente me ama.
— Lições devem ser reforçadas, usando as fraquezas para te manter
forte. — Ela se aproxima, segurando uma seringa de maneira ameaçadora
e murmura enquanto a desliza levemente pela pele do meu braço, apenas o
suficiente para abrir pequenos cortes. O sangue começa a escorrer,
misturando-se com o suor e as lágrimas que já marcavam meu corpo.
Ela insere a agulha na minha veia, injetando o líquido lentamente.
Tento resistir, mas estava fraco demais. Sinto uma calma forçada
invadindo meu corpo e os músculos relaxando contra a minha vontade.
— Este é um soro especial — explica ela, sua voz calma e quase
carinhosa. — Vai intensificar suas sensações, cada toque, corte será
sentido com uma profundidade que você nunca imaginou.
Ela pega mais um pedaço de arame farpado, com um brilho
maníaco nos olhos, e enrola em volta do meu pescoço, prendendo a outra
extremidade à parte inferior da maca. Tento impedi-la, me mexendo,
contudo ela segura com força minha cabeça e com sua outra mão puxa o
arame com precisão meticulosa. O fazendo pressionar contra a minha pele,
suas pontas afiadas ameaçando perfurar minha carne de uma forma mortal
a qualquer movimento brusco.
— No final, entenderá que amar requer sacrifício, mesmo que isso
cause tanta dor, quanto a física que está sentindo nesse momento. — Ela
coloca a cruz de volta na bandeja do carrinho de metal e pega uma garrafa
de álcool, derrama o líquido sobre os cortes abertos. A dor me faz gritar
mais alto do que nunca, doendo intensificadamente mais, assim como disse.
Fecho meus olhos, tentando bloquear a dor, tentando não me mover.
Meu corpo inteiro treme com a tensão, cada músculo contraído em
um esforço desesperado para não reagir. A dor é insuportável, mas o medo
de desencadear algo ainda pior, é maior. Ela mantém a pressão do arame,
os momentos se arrastando como uma eternidade de tormento.

As torturas de infância gritam em vozes altas, ecoando em minha


mente, implorando por vingança. Cada memória é um fantasma que me
persegue, cada cicatriz coberta por tatuagens é uma lembrança dolorosa da
brutalidade que suportei.
Lembro-me claramente das noites intermináveis naquele quarto
branco, da ala hospitalar do manicômio onde Holly trabalhava de
enfermeira. Do cheiro metálico de sangue misturado com o ferrugem.
Ela me amarrava naquela maca de ferro enferrujado, os arames
farpados mordendo minha pele, deixando marcas profundas e duradouras.
Sua voz, fria e implacável, ressoava em meus ouvidos enquanto ela me
cortava com precisão calculada.
Quero que entenda, a profundidade do meu amor. Não há espaço
para fraqueza, só para a mais pura obediência e devoção.
Cada noite naquele lugar sentia uma parte da minha alma, dignidade
ou qualquer tipo de sentimentos bons que existia em mim, sendo destruído.
Eu sentia minha sanidade se esvaindo junto com o sangue que
gotejava no chão.
Estou na frente da casa de Dominic, são exatamente duas da
madrugada, não consegui dormir e as lembranças estão cada vez mais
intensas. A porta do carro ao lado é aberta, e uma figura se senta no banco
do passageiro, fechando a porta com um clique audível.
— Onde ela está? — pergunto, meu olhar fixo na escuridão à minha
frente, tentando manter a calma.
— Na minha cama — Dominic afirma, sua voz carregada de uma
calma provocadora. Viro-me para ele, tentando decifrar suas intenções. —
Não transamos, se é isso que está pensando. Temos um acordo, você
lembra? — responde, e um sorriso sombrio surge em seus lábios.
— Se ao menos pensar nisso, a droga do acordo está encerrado. E
farei questão de destruir qualquer pista que te leve ao que tanto deseja —
ameaço.
Dominic soca o painel do carro com força, o som reverberando no
silêncio da noite. Ele olha para mim, seus olhos queimando de raiva, e
então, de repente, aponta uma arma para minha cabeça.
— Por que essa reação? Sabe que faz parte do acordo — insisto em
provocar e sorrio.
— Acha que pode me ameaçar e me intimidar facilmente? Esqueceu
o motivo pelo qual estou aqui? — Me relembra, sinto o frio do metal contra
minha pele, mas mantenho meu olhar fixo no dele, me recuso a me
intimidar por alguém como ele.
— Se a tocar, considere-se morto — respondo, a raiva fervendo sob
a superfície da minha voz. — E realmente acha que estou sozinho,
desprotegido? — Ele aperta a arma um pouco mais, um sorriso cruel se
espalha pelo seu rosto, ele abaixa a arma lentamente.
— Boa sorte, Misha — fala ironicamente, e sei que indica sobre o
fato de o ameaçar de morte.
— O que falou para ela? — interrogo o ignorando.
— Apenas sobre Holly, não quero que ela saiba que te conheço, ao
menos não ainda. Nem se preocupe, Mia está segura.
— Segura? O que significa para você estar segura?
— Significa que ninguém a machucará — ele diz suavemente. —
Nem mesmo eu.
— Pena que não confio em você.
— Mas ela sim, e isso é o que importa — ele retruca, seus olhos
fixos nos meus. — Tanto que está dormindo com aquele minúsculo vestido,
que fica tão marcado em suas curvas. Você que a mandou vesti-lo? Devo
confessar que tem um ótimo gosto, Misha.
— Não me teste, Dominic — retruco, apertando o volante.
— Não tenho culpa se suas tentativas estão falhando e ela veio até
mim — ele responde, sua voz carregada de triunfo.
— Falta pouco para as aulas acabarem, e você ficará longe dela.
— Não até Holly me entregar o que quero. — Deixa claro, ele abre
a porta, ajeita o casaco longo e direciona seus passos para sua casa onde na
varanda há uma luz branca clareando a rua escura que contém algumas
partes de neve e nebuloso.
Conheci Dominic há alguns anos, concordamos com alguns termos.
E um deles era ele manter as mãos longe da minha Bunny.

Não consegui dormir, tive uma péssima noite e madrugada. As


lembranças voltaram com toda força, me causando pesadelos tão reais que
acordei várias vezes suado, com o coração acelerado e procurando por
Holly.
Com o receio de reviver aquela tortura que naqueles dias pareciam
nunca ter fim e por isso, vim no “Six the Night”.
Uma garota ruiva dança sensual em minha frente enquanto estou
sentado no sofá vermelho. Ela está usando uma lingerie toda transparente
que mostra todo seu corpo, desde seus bicos dos peitos eriçados, pele
arrepiada, boceta lisa, e um olhar malicioso em minha direção enquanto
desce pela barra de ferro no meio de um palco circular com luzes azuis que
reflete nela a cada movimento. O ambiente é tão profano quanto as pessoas,
há luzes vermelhas e algumas cruzes ao redor, como se tudo isso fosse um
grande ritual de pecado para mulheres e homens degustarem do prazer e
pecado da luxúria.
Dou mais uma tragada no cigarro que enche meus pulmões e solto a
fumaça ainda com os olhos fixos nos dela que abre as pernas se segurando
com os braços atrás na barra de ferro, me dando o prazer de ver sua
intimidade, um claro convite para ser fodida.
Ao mesmo tempo que me excita, me causa ódio, uma sensação de
violência de querer sangue em minhas mãos ou ao menos prazer.
Ela parece muito com a Bunny. Cabelos ruivos, olhos claros, pele
branca, lábios cheios e vermelhos, ouso dizer que tem quase a mesma idade.
Será que ela estaria assim para Dominic nesse exato momento? Se
oferecendo? O desejando? Possivelmente molhada?
A ruiva se aproxima de mim, jogo o cigarro no cinzeiro na mesa a
minha frente e ela se senta no meu colo.
— Olá, senhor misterioso. Nunca te vi antes aqui — declara
mordendo os lábios, e sorrio de volta.
— Não costumo vir com frequência apenas quando a minha vida
fica um inferno, e hoje com certeza está — afirmo, ela passa a mão no meu
pescoço.
— Sinto muito, senhor…
— Misha. — Completo, ela se vira sob meu colo, de frente.
— Senhor Misha, tem algo que eu possa fazer para ajudá-lo? — Ela
toca em meu rosto fixando nossos olhos, constato algumas sardas clarinhas
em seu nariz, assim como as de Bunny.
— Talvez, seria capaz de me fazer esquecer o quanto desejo matar
alguém? — Ela fica séria como se tivesse se assustado.
— Suas palavras são mórbidas e carregadas de uma grande tristeza.
O que quer que eu faça? Quero que fique feliz, ao menos por alguns
minutos — fala, e se esfrega em meu pau.
— Você foderia com um padre? — questiono, ela me olha sem
entender a pergunta sem nexo.
— Por que eu faria isso?
— Por querer ser imperfeita com alguém que não fosse seu irmão,
para provar que não o deseja.
— É isso que quer? Que eu seja sua irmã? — questiona, e concordo
com a cabeça. Ela abre meu zíper ainda sentada no meu colo, coloca meu
pau já ereto para fora e começa a masturba-lo.
— Apenas isso não será o suficiente — informo.
Ela dá um sorriso, fechando meu zíper e me leva até um corredor
vermelho. Quase ao final dele, a ruiva para, abre uma das inúmeras portas e
entramos.
Ao adentrarmos encontramos um quarto todo coberto de um veludo
vermelho nas paredes, com leds também vermelha destacando-se. Uma
cama box com lençóis brancos, uma adega ao lado da cama, uma mesa de
cabeceira com outros lençóis e alguns objetos sexuais em cima de uma
mesinha no meio do quarto próximo da cama e um banheiro completamente
exposto, obviamente para que o casal fizesse o ato sexual no banho.
Ordeno que fique de joelhos em cima da cama.
Ela obedece.
Tiro minha jaqueta de couro preta e a camiseta básica branca,
deixando meu torso nu. Pego uma coleira de couro e a coloco ao redor de
seu pescoço, apertando-a com força. Ela solta um gemido, e seguro a fivela
ordenando que fique de quatro. Com um movimento brusco, rasgo a parte
de baixo de sua lingerie preta. Ela se move mais para trás, esperando minha
próxima ação.
Abaixo minha calça e cueca, olhando para sua boceta encharcada,
pronta para mim. Coloco uma camisinha no meu pau, sentindo a urgência
do momento.
Te foder só mostrará o quanto almeja estar comigo, e só acontecerá
quando pedir, uma das cláusulas que tanto respeito. Em hipótese alguma, o
dominador penetrará a submissa sem seu consentimento.
— Foda-se a merda do consentimento — declaro, e penetro com
força, puxando a fivela da coleira, enforcando-a enquanto meto
incessantemente. Ela fica mais molhada com meu ato de atrocidade,
tentando gemer e manter-se de quatro.
Entro e saio com violência, sentindo o prazer, o ódio e a excitação
tomar conta de mim.
O amor verdadeiro é controle. Domínio.
Continuo mais forte, mais rápido, fechando os olhos enquanto meu
pau quente mergulha dentro de sua boceta molhada. Ela tenta levantar, mas
a seguro pela cintura, descontando toda minha violência neste ato, cada vez
mais excitado ao imaginar Bunny.
Nunca esquecerá quem é a porra do seu dono, Bunny. Eu tento ser
paciente, desde que cheguei, mas cada vez mais você apenas me impulsiona
a te mostrar o quanto posso ser cruel.
Puxo com mais força a fivela.
Solto o jato da minha porra dentro dela soltando um gemido alto.
Largo a fivela, ainda excitado e querendo mais.
Abro os olhos e vejo a mulher jogada na cama, ela me olha
assustada, segurando em seu pescoço.
Dou um sorriso malicioso, fecho minha calça.
— Quem é você? Como pode me tratar assim? Isso é… Complexo
de atração pelo agressor, nunca aceitei isso — ela afirma com a voz falha,
puxando a respiração pelo nariz. Todo o clima some assim que ela declara
as mesmas palavras de Bunny.
Uma raiva me consome.
A puxo pela raiz dos cabelos ruivos e a encaro.
Sei exatamente o que fazer com ela.
— Antes eu queria só sexo, agora eu quero sangue.
As lágrimas descem no rosto dela, como se soubesse o que o destino
a reservou.
Ou o que eu decidir.
Amarrei suas pernas e braços com uma corda vermelha que havia
entre os vários brinquedos sexuais, deixando-a totalmente vulnerável. Seus
olhos assustados me causam um êxtase diferente, aquele que sempre sinto
quando faço trabalhos para a seita. Em seus olhos claros, agora sem vida,
vejo a dúvida e a incerteza.
Ela está à mercê do meu desejo e esse poder absoluto, essa
capacidade de decidir entre a vida e a morte, alimenta algo sombrio dentro
de mim. Cada lágrima que desce pelo rosto dela é um lembrete do controle
que exerço. Amarro-a com precisão, verificando cada nó, cada laçada,
deixando-a completamente imóvel. Ela treme, sua respiração entrecortada
pela ansiedade e medo.
A excitação do momento começa a se misturar com uma frieza
calculada. Pego um canivete afiado que estava entre os brinquedos sexuais,
seu brilho metálico refletindo a pouca luz do quarto. Ela vê a lâmina e sua
respiração se torna ainda mais desesperada.
— Por favor… — ela sussurra, a voz trêmula e carregada de pânico.
— Por favor, não faça isso…
Ignoro seus apelos, deixando que a ponta da lâmina fria toque
suavemente sua pele do rosto, apenas para provocar uma nova onda de
terror em seus olhos. Ela começa a se debater, o som abafado de seus gritos
preenchendo o quarto, mas as cordas a mantêm firmemente no lugar. A
sensação de seu corpo lutando inutilmente contra as amarras apenas
intensifica meu prazer sádico.
Me questiono sobre quem usaria um canivete como esse no ato
sexual, mas quem sou eu para falar, quando sinto tudo de mim pedindo para
rasgá-la com ele. A lâmina desliza pela sua pele, traçando linhas finas e
vermelhas.
O sangue começa a brotar lentamente, misturando-se com suas
lágrimas de desespero.
— Pare… por favor… eu imploro… — Chora, a voz quebrada pela
dor e pelo medo.
Seu pedido apenas aumenta minha determinação. Cada gemido de
dor, cada lágrima que escorre pelo seu rosto, é uma prova do meu domínio
absoluto.
A lâmina continua sua jornada, criando um padrão de agonia na pele
dela. Minha mente está focada, enquanto sinto o poder absoluto pulsando
em minhas veias.
— Shhh, querida… — murmuro suavemente, quase carinhoso. —
Tudo vai acabar logo.
Pego um dos lençóis que se encontra em cima da mesa de cabeceira
e amarro na sua boca para impedi-la de gritar. Seria muito tedioso alguém
tentar impedir minha obra de arte.
— Devo ensiná-la que me insultar e desobedecer é uma das piores
escolhas que fez querida.
Passo a faca entre sua barriga fazendo um corte não tão profundo,
mas o suficiente para o sangue começar a escorrer, quente e vermelho,
contrastando com a palidez de sua pele. Ela tenta se contorcer, mas as
cordas a seguram firme, deixando-a completamente à mercê do meu
capricho.
Solta um grito abafado, pedindo e implorando por misericórdia.
Dou uma…
— Isso é por todas as malditas rejeições, Bunny!
Duas, três, quatro, cinco facadas em seu coração, penetrando
profundamente em seu peito.
Continuo o ato, em seu rosto, seios, pescoço, o som da lâmina
perfurando a carne é abafado, mas cada estocada reverbera pelo quarto,
misturando-se ao som da minha respiração pesada.
Seus olhos estão fixos em mim, implorando por uma misericórdia
que nunca virá.
Sua respiração se tornou mais fraca no processo, e o que antes era
uma tentativa de gritos se transformaram em gemidos sufocados.
Ela está lentamente sucumbindo, e a visão disso me alimenta.
O sangue jorra de cada ferida, manchando o lençol branco abaixo
dela.
Cada facada foi um ato de purgação para exorcizar o ódio e a raiva
que sinto. Vejo a vida se esvair de seus olhos, agora vidrados e sem brilho.
— Nunca soube o valor do meu amor, da minha devoção a você.
Obsessão. E dói pra caralho não ter o mesmo — sussurro. Paro os
movimentos, o cabo encharcado de sangue escapa dos meus dedos, caindo
no chão com um som abafado, passo a mão no rosto, sentindo o sangue
quente manchar minha pele.
Puxo os dedos pelo cabelo, deixando marcas vermelhas entre os
fios, cada gesto impregnado de um desespero silencioso.
Olho para o corpo diante de mim, agora marcado com golpes
mortais.
O sangue se espalha pelo lençol e pelo chão, formando poças que
refletem a pouca luz do quarto.
Observo todo o quarto, minha mente girando enquanto busco por
qualquer evidência que possa me comprometer, meu olhar se fixa em um
espelho que só agora percebo que há na parede oposta, onde vejo meu
próprio reflexo.
Meu rosto está coberto de sangue, assim como meu peitoral.
A visão é grotesca e fascinante ao mesmo tempo.
A garota à minha frente na cama, agora sem vida, é uma lembrança
silenciosa do que acabei de fazer.
Afundo na cama ao lado do corpo, sentindo a maciez do colchão
contra meu corpo ainda tenso.
Meu coração bate com força, reverberando no silêncio pesado do
quarto. Fecho os olhos, tentando processar a onda de emoções conflitantes
que me invade.
O controle absoluto é uma sensação inebriante, mas também traz
um peso inesperado, uma sombra que se arrasta por uma tentativa de uma
consciência que já não existe faz muito tempo.
Depois de um tempo, levanto-me lentamente, sentindo o peso do
momento cair sobre os meus ombros.
O quarto está impregnado com o cheiro de sangue e sexo, um
lembrete pungente do que acabei de fazer. A mistura de odores é enjoativa,
mas também intensamente real, um testemunho das minhas ações.
Olho para o corpo mais uma vez, a imagem está gravada na minha
mente. Seu corpo mutilado, o sangue que continua a escorrer por cada corte,
o olhar vidrado e sem vida. Cada detalhe é uma marca indelével da minha
crueldade.
Com um suspiro profundo, pego a faca caída e começo a limpá-la.
Cada movimento é meticuloso, a lâmina reluzindo à medida que o
sangue é removido pela minha blusa branca que peguei, a sensação do pano
contra o metal frio é quase terapêutica, um ritual necessário para restaurar
um semblante de ordem.
Minha mente já começa a planejar os próximos passos. Fogo.
Corpo. Bunny.
Essas palavras giram na minha cabeça, um mantra que resolve todos
os meus problemas no momento.
O fogo é purificador, capaz de destruir qualquer evidência física. O
corpo, uma vez reduzido a cinzas, não deixará rastros.
E Bunny… Bunny é a chave para tudo.
Amanhã, além de ser o jantar em que conhecerá Casey Greyson,
Bunny faz vinte anos.
E toda aniversariante ama presentes e a darei os melhores, dou um
sorriso doentio olhando para a garota à minha frente.
E estou morrendo de ansiedade pra ser o próximo
Me matou uma vez
E eu voltei ainda mais obcecado por você
Não tem nada que eu precise dizer
Que já não tenha sido dito
Não preciso de um pedido de desculpas
Em vez disso, demonstre.
Se você me acha bonito, coloque as mãos em mim
Sei que você não consegue parar de pensar nisso
Sei que você é complicada e ruim pra mim
Mas não consigo parar de pensar nisso.
If u think i'm pretty, Artemas

MIA DEMORY

— Imagine uma criança que cresce em um ambiente cheio de


violência, talvez vendo um dos pais sendo agredido ou até mesmo sendo
vítima de abuso físico ou emocional — o professor Brandon explica.
Estamos a meia hora discutindo sobre o impacto do trauma infantil
no comportamento adulto, especificamente a ligação entre trauma e
violência. Transtornos ou quaisquer resquícios que eles possam trazer à
tona.
— Esses eventos deixam cicatrizes profundas, não só no corpo, mas
na mente. — O professor olha para a sala, certificando-se que estamos
atentos. — A mente de uma criança é extremamente maleável e vulnerável.
O que ela vivencia nessa fase, molda, significativamente, quem ela se
tornará no futuro — ele continua, apontando para o quadro.
A sala de aula está levemente iluminada, com uma luz suave
entrando pelas grandes janelas que ocupam uma parede inteira. As
persianas estão parcialmente fechadas, permitindo que feixes de luz
desenhem padrões nas mesas e no chão. As paredes são cobertas por
estantes cheias de livros acadêmicos e artigos científicos, organizados
meticulosamente.
Um quadro branco, parcialmente preenchido com anotações do
professor, ocupa a parede oposta à janela. A sala é grande, mas acolhedora,
com carteiras dispostas em semicírculo ao redor da mesa do professor,
criando uma atmosfera de diálogo aberto e interação.
— Muitos adultos que foram expostos a traumas na infância sofrem
de Transtorno de Estresse Pós-Traumático, ou TEPT, que pode se
manifestar de várias maneiras. Eles podem ter flashbacks, pesadelos, e
podem reagir de forma defensiva ou agressiva em situações que outros
consideraram comuns. Estão sempre com essa hipervigilância, a todo
momento na espera que algo ruim aconteça. E a reatividade pode levar a
comportamentos violentos, especialmente se não forem tratados — explicou
ele.
Os alunos ouviam atentamente, absorvendo cada palavra. As
discussões sobre psicologia muitas vezes tocavam em aspectos profundos
da natureza humana e, naquela sala, o ar estava carregado de seriedade e
reflexão.
— Então, significa que seria aceitável ter alguém em nossa vida que
nos trata com violência? Justificando que é pelos seus traumas de infância,
mesmo ele compreendendo sua dificuldade? — pergunto, minha voz cheia
de curiosidade e uma ponta de ansiedade.
O professor Brandon olha diretamente para mim, seus olhos
refletindo uma mistura de empatia e seriedade.
— Essa é uma pergunta muito importante — começa ele,
escolhendo suas palavras com cuidado. — A compreensão do trauma de
alguém não justifica, de forma alguma, a aceitação de comportamentos
violentos ou abusivos. Entender as raízes de um comportamento pode nos
ajudar a ter empatia e a apoiar essa pessoa em sua jornada de cura, mas isso
não significa que devemos permitir que nos machuquem.
Ele dá uma pequena pausa para garantir que todos estejam
acompanhando seu raciocínio.
— É crucial estabelecer limites saudáveis em qualquer
relacionamento — continua.
De certa forma, esse tema causa nervosismo e agitação em minha
mente.
— Em última análise — disse ele —, ninguém deve ser forçado a
suportar uma situação abusiva ou destrutiva. Se a convivência é inevitável,
faça o que for necessário para se proteger e buscar apoio. Lembrem-se, não
é egoísmo priorizar sua saúde mental e segurança. É uma necessidade.
Ofereça ajuda, mas não se sacrifique no processo.
Enquanto o professor fala, minha mente começa a se agitar. As mãos
começam a tremer e sinto uma onda de calor subir pelo corpo. Tento
respirar fundo, mas parece que o ar não entra em meus pulmões. Meu
coração bate descompassado, e uma sensação de opressão toma conta do
meu peito.
As palavras do professor ecoam na minha mente, e de repente, a sala
começa a girar. Sinto como se estivesse sendo engolida por uma onda de
pânico. A visão começa a ficar turva, as vozes ao redor se tornam distantes
e abafadas.
— Ninguém deve tolerar abuso em nome da empatia. O respeito
mútuo e a segurança são fundamentais.
Tento concentrar em respirar, mas é inútil. Meus pulmões parecem
estar se fechando e o som do meu próprio coração batendo alto em meus
ouvidos, só aumenta minha sensação de desespero. Agarro a borda da mesa
com força, tentando encontrar alguma âncora na realidade, mas a sensação
de sufocamento apenas aumenta.
— Está tudo bem? — pergunta Liberty segurando em meu ombro,
percebendo minha angústia. Sua voz, agora mais suave e preocupada,
parece vir de muito longe. — Mia? O que foi?
Me levanto com muita dificuldade, pegando minha bolsa e correndo
até o banheiro. Ao chegar lá, me jogo no chão, sentando com as costas
contra a parede fria. As lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto e sei
que estou tendo uma crise de pânico. Minha respiração está rápida e
superficial, e com a sensação de estar presa em um ciclo interminável de
medo é esmagadora.
— Respire fundo — diz uma voz masculina. — Concentre-se em
minha voz. Inspire lentamente pelo nariz e expire pela boca. Isso, muito
bem. Continue assim.
Ao olhar para cima, encontro um rosto desconhecido ele está
ajoelhado ao meu lado, um que nunca tinha visto antes, porém apenas faço
o que me pediu.
— Você está segura aqui, foque apenas na respiração.
Faço o que ele diz, tentando seguir o ritmo de sua voz.
Minha respiração começa a desacelerar gradualmente, cada
inspiração menos apressada, cada expiração um pouco mais controlada.
Fecho os olhos, focando apenas na sensação do ar entrando e saindo dos
meus pulmões, a presença tranquilizadora de Misha ao meu lado, me
ajudando a encontrar algum grau de estabilidade. Aos poucos, a sensação de
sufocamento começa a diminuir, e minha mente, antes caótica, começa a se
acalmar.
Abro os olhos e encontro os do desconhecido, que sorri gentilmente.
Sua presença foi um farol de segurança em meio à tempestade. Nunca tive
uma crise de pânico, não reconheceria se não estudasse tanto sobre
sintomas como esses.
Ele segura minha mão e eu olho dentro dos olhos negros dele, que
parecem poços de profundidade, insondável. Sua pele é pálida, contrastando
com seus cabelos pretos e bagunçados.
Está vestido com o uniforme da universidade: calça social preta,
uma blusa social branca que marca bem seus músculos e uma gravata
vermelha que adiciona um toque de cor ao seu conjunto.
— Estamos no banheiro feminino — afirmo, minha voz ainda
trêmula, ao olhar as paredes vermelhas com flores pretas desenhadas.
O banheiro tem quatro cabines, cada uma com portas de madeira
escuras, e um enorme espelho que ocupa quase toda a parede em frente às
pias de mármore branco. O som da água pingando de uma das torneiras
ecoa pelo espaço vazio, amplificando a sensação surreal do momento.
— Nunca é um mal momento para salvar uma vida, não acha? E
seria horrível morrer dessa forma — declara ele, com um sorriso mórbido.
— Me chamo Casey Greyson e você é?
Meu sorriso some. Casey Greyson. O nome ressoa na minha mente
como um eco sombrio, trazendo memórias que preferia esquecer.
Preciso que se case com Casey, querida, só assim teremos a certeza
que esse garoto não arruinará nosso nome, assim como o pai de vocês foi
capaz de fazer.
— Você está se sentindo melhor? — Sua voz ecoa novamente,
trazendo-me de volta ao presente.
Homens são tolos, são capazes de cometer loucuras em nome do
que acham ser o certo. Nós, mulheres, somos a bússola. Casey tem sérios
problemas em tomar atitudes às vezes desagradáveis, de acordo com seu
próprio pai. Sempre se envolveu em problemas, e por isso você estará com
ele, para ajudá-lo a superar seus demônios.
Olho para ele, meu coração ainda batendo descompassado pela
recente crise, uma mistura de medo e determinação começa a surgir dentro
de mim. Ele não faz ideia do peso de seu nome, ou talvez faça, e isso só
torna tudo mais complexo.
— Sim, estou melhor. Obrigada — respondo, tentando esconder o
tumulto interno que suas palavras desencadearam.
Casey observa meu rosto por um momento, como se estivesse
tentando decifrar algo em minha expressão. Seu olhar é intenso,
perscrutador, e por um instante, sinto como se ele pudesse ver todas as
minhas inseguranças e medos.
Tento afastar os pensamentos sobre as expectativas de Holly e as
sombras que carrega consigo.
Há algo quase magnético em sua presença, algo que me atrai e
repele ao mesmo tempo. Sinto uma estranha mistura de fascinação e
repulsa, uma dualidade que me deixa inquieta.
As palavras de minha mãe ecoam na minha mente, um lembrete
constante da responsabilidade que foi imposta. Homens são tolos, e nós,
mulheres, somos a bússola.
Mas às vezes, até as bússolas se perdem no meio da tempestade.
Casey, percebendo a tensão no ar, dá um passo para trás, rompendo
o contato visual.
— Bom, então como fiz meu trabalho, vou sair daqui antes que seja
expulso no meu primeiro dia — diz ele, com um sorriso irônico.
Claro, por esse motivo nunca o tinha visto antes. Fico em pé e
estendo minha mão.
— Mia. — Ele me olha sem entender. — Me chamo Mia.
Não digo meu sobrenome, quero evitar a cara de surpresa dele.
Reconheceria facilmente já que é o dono de metade da empresa Wine
Demory.
Casey hesita por um momento antes de apertar minha mão. Seus
dedos são firmes, mas há uma suavidade inesperada no toque.
— Prazer em conhecê-la, Mia. — Seu sorriso se suaviza, e por um
instante, vejo uma centelha de vulnerabilidade em seus olhos escuros. —
Espero que possamos nos encontrar em circunstâncias menos… intensas.
Observo-o enquanto ele se vira e começa a se afastar. A maneira
como ele caminha, com uma confiança despreocupada, me faz pensar em
todas as coisas que minha mãe disse sobre ele. Mas há algo mais, algo que
ela não mencionou, e que sinto estar escondido bem debaixo da superfície.
Nada que Holly fala é confiável.
Ela fez um contrato com Axel. Ele me ensinaria por cinco anos e,
em troca, ela lhe daria informações importantes. É claro que ele não diria
sobre o que se trata facilmente, mas agradeci por me contar a verdade; isso
esclareceu várias dúvidas.
Dormir na sua cama, sentindo o seu cheiro. Sentir quando ele se
deitou ao meu lado.
— Não queria te colocar nessa posição, mas é necessário.
O enigma de suas palavras me incomoda.
O que ele quer dizer com “necessário”? E por que ele escolheu a
mim para isso? Há algo mais acontecendo, algo que está além da minha
compreensão.
Me olho no espelho, minha maquiagem está toda borrada, os olhos
inchados e vermelhos. Cada linha de expressão no meu rosto parece refletir
a turbulência interna que estou enfrentando.
Alguém abre a porta e Liberty entra. Seu rosto mostra preocupação
genuína, suas sobrancelhas franzidas e os olhos fixos em mim.
— Pode me contar o que está acontecendo? Primeiro o cara
misterioso te trata daquela forma e te maltrata, agora essa crise de pânico?
O que está acontecendo com você, Mia? — ela questiona, sua voz
carregada de preocupação.
Tento encontrar as palavras certas para explicar, mas a pressão de
tudo o que está acontecendo parece sufocar minhas cordas vocais. Com um
soluço, os olhos se enchem de lágrimas, e me sinto incapaz de articular uma
resposta coerente.
Sem dizer uma palavra, Liberty se aproxima e me puxa para um
abraço reconfortante. Seus braços envolvem meu corpo, oferecendo
conforto e segurança em meio ao caos que se instalou em minha mente.
— Sinto muito, não queria te pressionar. Estou aqui para você.
Sua voz é suave e reconfortante. or um momento, me permito
afundar na sensação de calor e acolhimento que seu abraço proporciona.
Depois de um bom tempo abraçadas, contei a Liberty. Sobre Misha.
Ela ficou sem acreditar que ele é meu irmão.
— Seu irmão é um psicopata de merda.
— Não o julgo, também sou uma porra de uma sádica e pior…
— Pior? Pior quanto?
— Mesmo não querendo aceitar, eu sei que sinto algo por ele. Soube
desde aquele dia… que não teria mais controle.
— Que dia?

5 anos atrás

Um baile de formatura, o que poderia ser pior?


Todos dançavam enquanto eu estou sentada, usando um vestido
azul. Pareço mais a droga da Cinderela, mas claro sem os sapatinhos de
cristal.
Misha dança com a garota nova e mais popular da escola. Todos os
observam; ele sempre foi considerado o mais bonito, o mais sexy. O bad
boy perfeito com sua beleza, exalando sexo, drogas e o que existe de mais
proibido.
Enquanto eu observo Misha dançar com a loira, uma sensação
estranha começou a se formar dentro de mim. Eu sabia que ele era o tipo
de pessoa de quem eu deveria ficar longe, mas havia algo nele que me
atraía de uma maneira inexplicável.
Seu sorriso charmoso, seus movimentos confiantes, sua aura de
mistério… Tudo isso contribui para uma atração que não conseguia
ignorar, mesmo sabendo que era perigosa.
Enquanto ele rodopia pelo salão com a outra garota, eu imaginava
como seria estar em seus braços, dançando ao som da música lenta que
preenchia o ambiente. Uma parte de mim sabia que era loucura pensar
assim, mas outra parte simplesmente não conseguia evitar.
Então, quando nossos olhares se encontraram por um breve
momento, senti um arrepio percorrer minha espinha. Era como se ele
pudesse ler meus pensamentos, como se soubesse o efeito que estava tendo
sobre mim.
Desvio minha atenção pegando outra taça de champanhe e vou
para o banheiro. Ficar longe. Afastada de toda essa merda de baile
arrecadador de dinheiro para uma bolsa para uma das melhores
universidade que darão ao melhor aluno no final do semestre. Tudo isso
não passa de uma forma de conseguir mais atenção. E claro que Holly
daria um bom valor para estar no meio disso.
Ao adentrar o banheiro, uma sensação de alívio misturada com
frustração me envolve. O ambiente silencioso e isolado oferece um refúgio
temporário do tumulto do baile, mas ao mesmo tempo, a solidão só ressalta
o quão desconfortável me sinto naquele lugar.
A luz suave das luminárias reflete nas paredes brancas, criando
uma atmosfera serena e contemplativa. O som abafado da música lá fora
ecoa através das frestas da porta, lembrando-me da festa que estou
evitando.
Enquanto me aproximo da pia, os olhos se fixam no objeto que
encontro sobre ela: uma caixa de cigarro, esquecido por alguém que
buscava uma pausa da agitação do baile. Ao lado dela, um isqueiro,
esperando ser usado para acender a chama proibida.
Sem hesitação, alcanço o cigarro e o isqueiro. Com um movimento
rápido, acendo-o observando a chama dançar na ponta do isqueiro antes
de se extinguir. Um suspiro de alívio escapou de meus lábios enquanto levo
o cigarro à boca, deixando-me levar pelo ritual familiar.
Enquanto a fumaça se espalha pelo ar, uma sensação de calma
começa a se instalar em meu peito tenso. Cada tragada é um pequeno ato
de rebelião contra a pressão e as expectativas que pairam sobre mim. Por
um momento, eu me permito esquecer de tudo, entregando-me ao alívio
momentâneo que o cigarro proporciona.
A porta do banheiro bate, jogo o cigarro dentro da pia ligando a
torneira e pego a carteira, escondendo-me dentro de uma das cabines.
Meus olhos se estreitam, preparando-se para enfrentar qualquer um que
venha me incomodar, mas a visão de Misha e a novata juntos me deixa
atordoada.
Eles entram, enlaçados em um beijo ardente, como se o mundo ao
redor tivesse desaparecido. A novata, cujo nome ainda não sei, parece
sedenta por ele, implorando por mais com cada toque e cada gemido
abafado.
O choque inicial cede lugar a uma mistura de raiva e desespero
enquanto assisto à cena diante de mim. O coração aperta dolorosamente
em meu peito, inveja e revolta crescendo dentro de mim.
Então, ela diz as palavras que me deixam sem fôlego:
— Me come, Misha.
Meus punhos se fecham involuntariamente ao meu lado amassando
a caixa com os cigarros que estão em minha mão, a raiva borbulhando
dentro de mim.
Como ele pode ser tão cruel, tão insensível na minha presença? E
por que diabos eu me importo tanto?
A sensação de traição se mistura com uma onda avassaladora de
desejo, uma fome que não sabia que existia até esse momento. Mesmo
enquanto me debato com a traição e a confusão, uma parte de mim anseia
ser ela, estar nos braços de Misha, por experimentar o calor e a paixão que
eles compartilham.
Mas, mesmo enquanto o desejo queima dentro de mim, uma vozinha
sussurra no fundo da minha mente, lembrando-me do que sei sobre Misha.
Ele é perigoso, imprevisível, capaz de destruir tudo ao seu redor com um
simples olhar.
E, no entanto, aqui estou eu, desejando-o mais do que jamais
desejei qualquer outra coisa.
Enquanto luto para controlar minhas emoções tumultuadas, uma
coisa fica clara: Misha pode ser muitas coisas, mas nunca será meu. E
talvez, só talvez, seja isso que o torna tão irresistível.
Somos irmãos. Irmãos. Afirmo para mim mesma observando pela
brecha.
Ele a segura e a coloca sentada em cima da pia. Ela se
desequilibra, mas Misha a segura com uma mão firme e enquanto com a
outra desliza em direção ao espelho para puxá-la para si, e logo tira a mão
do vidro.
Mas o vidro, como se estivesse ciente da intensidade do momento,
cede ao impacto de sua mão estilhaçando-se em uma miríade de
fragmentos cintilantes. O som agudo da quebra ecoa no pequeno espaço do
banheiro, mas isso não os impede. É como se estivessem imunes ao caos
que os rodeia. Ela abre a calça dele com urgência como se não aguentasse
mais esperar, precisando dele.
Vejo a expressão dele pelo espelho de desejo, ela tira a blusa dele
preta alisando seus músculos.
Fecho os olhos. Eu o odeio.
— Filho da puta — solto e ele cessou os movimentos, jurei que ele
havia me ouvido, meu coração acelera.
Porém ele apenas pega uma camisinha da calça que logo em
seguida cai em seus pés e coloca na sua extensão. A qual não sou capaz de
ver.
A garota usando um vestido vermelho rodado, abre as pernas mais,
ele a puxa para frente e ela geme.
— Misha, caralho, como você é grande…
— Diga o quanto me deseja, implore pelo meu pau dentro de você
— ordena.
— Eu te desejo… — afirma a loira de olhos verdes se contorcendo,
tão vulnerável. Ele geme e a fode com força. — Quero que me foda, que
goze dentro de mim, por favor, Misha… — implora.
Tento fechar os olhos, mas uma inquietação agoniante me toma,
nunca o vi assim antes tão entregue a algo. Ele sempre me afasta, trocamos
poucas palavras, diferente de quando éramos crianças em que corríamos
pelo jardim.
— Você é a minha Bunny? — questiona. Meu coração erra as
batidas, ele a segura pelo pescoço a sufocando e ela parece não se
importar por estar completamente entregue ao prazer que seu pau a faz
sentir. — Bunny, como eu desejei te foder assim — sussurra.
Não sabia ao certo o que era que estava sentindo, minha calcinha
começou a molhar.
Bunny… esse é…
— Mesmo sabendo o quanto ela nos puniria… — solta, e me sento
no chão em choque ainda conseguindo acompanhar os movimentos.
Ela… Holly.
Não é possível que ele esteja.
A respiração acelerada ecoa pelo banheiro, misturada com gemidos
de prazer e o som úmido de corpos se chocando. A cena diante de mim é
como uma visão distorcida de um pesadelo, onde os limites entre o desejo e
o horror se confundem.
Misha, com sua presença imponente, parece dominar
completamente o espaço, enquanto a garota vulnerável se entrega aos seus
caprichos. O vestido vermelho rodado torna-se uma cortina para a
obscenidade que se desenrola, enquanto ela se entrega ao toque do garoto
que uma vez conheci.
O pedido de Misha, sua ordem autoritária, ecoa em meus ouvidos,
enquanto a garota se contorce sob seu domínio.
— Mais forte… — geme a garota.
A pergunta que ele fez, usando aquele apelido que costumava ser
meu, ressoa no ar, deixando-me atordoada e confusa. Bunny... Aquele é o
meu…
Enquanto ele a domina com as mãos cruéis, a garota parece
entregar-se ao prazer que ele proporciona.
— Misha… Misha… para! Por favor, está me machucando! — A voz
da garota ecoa no banheiro, misturada aos gemidos abafados pela mão que
ele mantém em seu pescoço. Seus olhos, antes cheios de luxúria e desejo,
agora transbordam de dor e desespero.
Por um momento, parece que ele vai ceder ao pedido dela, mas
então um sorriso cruel se forma em seus lábios. Ele aumenta a pressão em
seu pescoço, ignorando seus apelos, e continua a possuí-la com uma
intensidade quase selvagem.
Eu assisto à cena paralisada, sem saber o que fazer. Uma parte de
mim deseja intervir, para puxá-lo para longe dela e protegê-la da dor que
ele está infligindo. Mas outra parte, mais sombria e perturbadora, sente
uma estranha excitação diante da brutalidade de sua ação.
Minhas mãos tremem e meu coração bate descompassado no peito
enquanto sou consumida por uma mistura de emoções contraditórias. A
garota, vulnerável e indefesa, parece estar à mercê de seus caprichos,
enquanto ele a domina com mãos cruéis, como se fosse uma marionete em
suas mãos.
E então, num momento de clareza fugaz, percebo o quão perigoso e
perturbador ele pode ser. Aquele sorriso sádico em seu rosto, o brilho
maníaco nos olhos, são um lembrete sombrio de que, por trás de sua
fachada sedutora, há um lado obscuro e sinistro que ele esconde do mundo.
Mas mesmo assim, mesmo sabendo disso, algo dentro de mim se
recusa a afastar os olhos da cena diante de mim. Uma parte de mim deseja
compreender, desvendar os segredos ocultos por trás da máscara que ele
usa tão habilmente. E é essa curiosidade perigosa que me mantém ali,
observando em silêncio enquanto ele continua sua dança mortal com a
garota que ousou chamar pelo meu apelido.
Como se me sentisse sendo vingada, ao saber que ele está causando
dor nela. Meus seios ficam eriçados, sinto meu sexo pulsar, o que isso
significa?
Seus movimentos são brutais, imagino como deve ser o sentir, seus
gemidos mesclados com os dela, criando uma sinfonia de luxúria e dor.
Quando ela percebe que não irá parar até gozar se debate aos braços dele,
ele os segura para trás e com a outra mão tampa sua boca.
Finalmente, quando parece que não consigo mais suportar a visão
diante de mim, ele ergue os olhos para encontrar os meus. Seu olhar, antes
ardente de desejo, agora está frio e vazio, como se ele estivesse me
desafiando a julgá-lo.
— Gostaria de se juntar a nós, Bunny? — Sua voz é baixa e
sibilante, enviando arrepios pela minha espinha. A maneira como ele
pronuncia meu apelido, com uma mistura de provocação e desprezo, me faz
estremecer.
Enquanto continua a se mover dentro da garota com uma
brutalidade implacável, seus gemidos se tornam mais altos, mais frenéticos,
até que finalmente ele alcança o clímax. Um rosnado gutural escapa de
seus lábios enquanto se derrama dentro dela, marcando-a como sua em um
ato de possessão brutal.
Ofegante e exausto, se afasta da garota, que está cheia de lágrimas
no rosto.
— Misha? Eu pedi para que parasse! Por que não parou?
A garota, agora coberta de lágrimas, exclama com uma mistura de
dor e indignação em sua voz. Ele a ignora completamente, focando sua
atenção exclusivamente em mim, veste sua cueca e calça ainda de costas
para mim.
— Conversamos em outra hora, Ocean — fala calmamente.
— Mas… Misha…
Misha olha para Ocean com desdém, sua expressão fria e
indiferente.
— Você sabe como é, querida. Às vezes, é preciso um pouco de dor
para despertar o verdadeiro prazer — ele responde com uma calma
perturbadora, como se justificasse seus atos com uma lógica distorcida.
Ocean parece atordoada pela resposta dele, incapaz de formular
uma resposta coerente diante da brutalidade de suas palavras.
— Apenas vá embora, Ocean. Não há mais nada para você aqui —
ordena ele, com um gesto brusco da mão, indicando que ela deve sair
imediatamente.
Com lágrimas nos olhos e incrédula, ela sai do banheiro, deixando-
nos sozinhos naquele espaço carregado de tensão e segredos.
— Você gostou do espetáculo, Bunny? — ele questiona, ficando de
frente para a porta encostado no mármore da pia, sua voz está carregada
de malícia e desafio. — Abre essa droga de porta — ordena, abro sabendo
que se não abrisse ele daria um jeito de o fazer, jogo a caixa de cigarros no
lixo e saio de dentro. — A machuquei para que você pudesse ver quem eu
realmente sou, Bunny. Queria que visse a minha verdadeira natureza.
Queria que sentisse o medo e a excitação que só eu posso proporcionar.
Seus olhos brilham com uma intensidade predatória, enquanto ele
me observa, avaliando minha reação à revelação chocante. E apesar da
repulsa que sinto diante de sua crueldade, uma parte dentro de mim se
sente estranhamente excitada pela sua confissão.
Só ele? Como assim?
— Sentiu sua calcinha molhando? Sua pele se arrepiando? Está
excitada agora, Bunny? Isso é o desejo de ser fodida. Sadomasoquista é a
palavra, e eu sabia que também ficaria excitada, porque eu estou pra
caralho, irmãzinha. — Ele toca no meu rosto. — Porque não fiz com quem
eu queria, passei anos tentando ficar longe de você, te rejeitando quando
queria se aproximar. Mas to cansado de não pegar o que quero — afirma
olhando para meus lábios.
— Você… estava… — Engulo em seco.
Somos irmãos, isso é errado.
Minha consciência grita.
— Isso foi estupro, Misha… — Minha voz sai em um sussurro
trêmulo, as mãos tremendo ao lado do meu corpo.
A palavra parece pesar no ar, carregada de toda a gravidade do que
acabou de acontecer. A garota, Ocean, foi vítima da brutalidade e da
crueldade dele, e eu fui uma testemunha impotente disso tudo.
Ele se vira para me encarar, um sorriso cínico brincando em seus
lábios.
— Estupro? Bunny, você realmente acredita nisso? — diz com
desprezo, como se a ideia fosse absurda. — Ela quis, Bunny, implorou por
isso. Você viu com seus próprios olhos e ouviu cada palavra. Ocean estava
tão excitada quanto eu.
— Não importa o que ela disse, Misha. Ela estava vulnerável e
assustada, e você a machucou. Isso não é algo que possa ser justificado —
respondo, lutando para manter a firmeza em minha voz.
Ele solta uma risada baixa, um som áspero e desagradável que
parece ecoar pelas paredes do banheiro.
— Você é tão ingênua, Bunny. Mas talvez eu goste disso em você.
Talvez seja isso que me excita tanto. — Se aproxima de mim, seu olhar
ardente fixo no meu. — Afinal, somos irmãos, não é? Não há nada de
errado em explorarmos nossos desejos mais obscuros juntos. Mas, me
responda irmãzinha, se você tem tanta convicção, por que não me impediu?
Por que Bunny não a ajudou? Você poderia, mas não fez, por quê?
Sinto-me desconcertada por suas palavras, encurralada sob seu
olhar penetrante. A pergunta dele ressoa em meus ouvidos, e me vejo
incapaz de articular uma resposta satisfatória.
— Eu… Eu não sei. — Minha voz sai em um sussurro trêmulo,
enquanto tento entender minhas próprias motivações. — Eu estava com
medo, confusa… Não sabia o que fazer.
Misha sorri de forma predatória, como se minha confissão apenas
aumentasse sua satisfação com a situação.
— Medo? Confusa? Interessante — murmura, seu tom carregado de
malícia. — Apenas isso a levou a não me impedir?
Fico calada.
Ele se aproxima ainda mais, seus lábios perigosamente próximos
dos meus, e meu coração dispara com a proximidade dele. Uma parte de
mim anseia pelo toque dele, pelo calor de seu corpo contra o meu,
enquanto a outra grita para que eu me afaste, para que não me deixe
seduzir por suas palavras e seus gestos manipuladores.
— Bunny… — ele sussurra meu nome, sua voz suave como uma
seda. — Você sabe que quer isso tanto quanto eu. Você sentiu a tensão entre
nós, o desejo queimando em nossas veias. Deixe-me mostrar como é se
entregar completamente ao prazer, como é ser consumida pelo fogo que
arde entre nós.
Seus lábios se aproximam dos meus, e eu fecho os olhos, esperando
pelo toque dele, pelo beijo que sei que vai me enlouquecer de desejo.
Mas então, de repente, se afasta, deixando-me com o coração
pulsando freneticamente no peito e o gosto amargo da decepção na boca.
Abro os olhos, confusa e atordoada, enquanto ele vai até a porta.
— Acho que você não está pronta para isso ainda, Bunny. Talvez
haja mais aí dentro do que eu pensava. Você tem desejos obscuros também,
esperando para serem libertados.
Ele lança um último olhar ardente na minha direção antes de sair,
me deixando com mais perguntas do que respostas e um desejo queimando
dentro de mim.
— Soube naquele segundo, que não era mais a garotinha perfeita.
Inocente. Fiquei excitada por vê-lo machucá-la, por não ser eu — digo para
Axel, no confessionário.
Ele fica em silêncio, processando cada palavra.
Sei o quanto isso é doentio.
Nem fodendo contaria para Liberty, não a respondi. Apenas deixei
claro que não me sentia bem, que estava confusa e que Misha não era um
perigo. Algo que ela não concordou.
Perdi o resto da aula, e quando menos pensei, estava aqui,
implorando por uma confissão, para ver se esses demônios internos iam me
libertar.
Mas, apenas me sinto pior. Culpada. Por Ocean, por Aiden. E por
todos os outros, por serem apenas como um objeto da minha excitação e de
Misha.
— Somos monstros — sussurro.
— Não — Dominic afirma.
Nunca houve uma alma aqui
Eu só cresci com as lágrimas. (...)
Eu sou o homem morto nessa guerra
Mas querida eu já estive aqui antes
(eu já estive aqui antes)
Há beleza escondida no horror (sim)
Dead Man, David Kushner

DOMINIC AXEL

Innsbruck, Austrália

Presente

Bondade, gentileza.
Essas atitudes e sentimentos que, em teoria, deveriam levar à
salvação, apenas trouxeram a ruína. Não existem pessoas boas,
verdadeiramente compassivas ou puras; todos nós estamos fadados ao
pecado.
A realidade é que a humanidade está imersa em uma teia de desejos
obscuros e impulsos proibidos.
Ouvindo Mia Demory declarar que não foi uma vítima, mas sim
uma pecadora, senti uma excitação crescer dentro de mim. O pulsar do meu
pau é uma resposta involuntária e intensa.
Tudo com ela tem sido assim ultimamente: intenso e avassalador.
Desde que percebi o quanto ela é suja e proibida, uma atração tomou conta
de mim.
A maioria dos culpados se declara vítima, alegando manipulação ou
usados por outros.
Mas confessar seu lado obscuro é para poucos. Já ouvi muitas
confissões ao longo dos anos, mas nenhuma foi como a de Mia. Ela é um
grande labirinto de surpresas, e cada conversa nossa revela mais sobre o
quão doentio Misha é e, pior ainda, o quanto ela gosta disso.
Esse lado sádico está no DNA dela; é impossível escapar. É quem
ela é, mas aceitar essa realidade é uma luta constante.
Penso que alguém como ela poderia me aceitar sem julgamentos.
Faz um bom tempo, talvez anos, que eu não considerava essa possibilidade.
A mulher que amei teve um fim trágico graças a Will. Ele era insano, a
ponto de matar qualquer uma que demonstrasse interesse em mim, ou que
eu insistisse em ter um relacionamento.
Esses anos em que estivemos próximos, Mia nunca se abriu tanto
quanto agora, quando Misha está tão próximo dela. Nunca pensei que
Misha voltaria. Sua presença trouxe à tona uma série de emoções
conflitantes e um desejo incontrolável nela.
O “não” saiu tão involuntário, pois em minha visão, só não sei ao
certo qual, seja espiritual ou carnal.
Mia não passa de uma vítima nessa família em que nasceu.
— Axel… — sussurra ela do outro lado do confessionário. — Seu
silêncio está me torturando, fale algo por favor. — Pede com sua voz
ansiosa. — Eu sei que talvez tenha sido demais para você o que falei.
— Na verdade, acho sua confissão revigorante. Nada do que me
confessou foi demais para mim. Você acreditando ou não já ouvi coisas
muito mais terríveis do que ficar excitada pela tortura e crueldade.
Houve um suspiro de alívio do outro lado, mas também um tremor,
como se ela estivesse se segurando em um fio tênue de esperança e
desespero.
Ela não faz ideia das coisas que fiz e passei.
— Acha que somos iguais? Eu e o Misha…
Misha é um completo psicopata, penso. Mas Mia… Ela sempre
buscou o melhor nas pessoas, até em mim. Mesmo quando eu sabia que o
bem em mim havia se dissipado há muito tempo. É difícil reconciliar a
imagem da doce Mia com a mulher que agora confessa esses desejos
sombrios.
— Me diga, Mia… O que realmente deseja? O que seu coração
anseia? — questiono, ansioso pela sua resposta.
— Quero explorar esse lado obscuro… esse lado que pede por…
— Dor, medo? Por prazer misturado com o queimor da dor e todas
as possíveis sensações que o momento lhe causará? — Pressiono para
confirmar, isso está indo longe demais. Essa conversa está me deixando
louco.
Mia é a porra de uma masoquista e não consegue aceitar esse fato,
por querer ser a garotinha perfeita.
Nunca imaginei que desejaria conhecer esse lado dela.
— Sim, padre Axel… — ela solta, baixo quase como um gemido.
Me deixando mais duro. A respiração está entrecortada, tento controlá-la ao
máximo para que ela não perceba.
Essa confissão enviou uma onda de excitação através de mim, um
desejo primitivo que eu tinha tentado reprimir por tanto tempo. A ideia de
explorar Mia, de guiá-la através de seu próprio labirinto de escuridão, era
aterrorizante e irresistível.
— Mia… — solto, segurando meu pau latejando, por cima da
batina. — Você sabe o que está pedindo? — pergunto, minha voz grave. —
Está pronta para aceitar as consequências por explorar esse lado de si
mesma?
— Estou — ela responde sem hesitar, sua voz firme pela primeira
vez. — Estou pronta.
Houve uma pausa, e então eu perguntei:
— Coisas normais te excitam, Mia? — minha voz é um sussurro
sedutor. — Ou é só a dor e o medo? Presenciar a dor dos outros que te faz
sentir viva?
Ela fica em silêncio por um momento, e posso quase ver sua mente
trabalhar, tentando articular uma resposta honesta.
E a única coisa que vinha em minha mente era o porão, sujo, onde
muitos morreram e morrerão.
Puni-la lá agora, é o meu maior desejo.
Morder os bicos dos seios dela, colocar pregadores para causar dor e
excitação neles. Marcar seu pescoço, lábios derramando seu sangue.
— Não deveríamos estar nos aprofundando nesse assunto. É tão
obsceno.
— Sabe um segredo meu e agora sei um seu. Meu dever é te dar a
devida punição que merece.
— Quero que me puna — pede, fico sem entender.
— O que quer dizer?
— De que forma acha que devo ser punida? Quero que me deixe no
limite. Talvez só assim, entenderia que isso é apenas um mal querendo me
destruir. Não aceito que essa sou eu, você me entende? Não posso, nem
quero ser cruel. Virar um monstro como ele…
Misha.
Se a tocar, considere-se morto.
Minha mente fodida grita ao contrário.
Quero que me deixe no limite.
Ela não faz a menor ideia de como essas palavras mexeram comigo.
Existem várias formas de amar, insanas, saudáveis.
E todos da minha vida, me mostraram o lado insano.
Poderá existir saudável?
— Não posso — declaro, a dor de minha própria luta interna
transparecendo. — Talvez eu não conseguisse me controlar.
— Não entendo, Axel.
— Se eu começar, terá que aguentar até o fim. Não aceito o “não”,
ou muito menos que tentem me controlar. Tenho regras, e elas precisam ser
cumpridas sem questionamentos.
Ela não fala nada.
Mas seu silêncio é perturbador para mim.
— Que regras? — questiona, claramente curiosa.
— A primeira, Obediência Absoluta: você deve obedecer sem
questionar. Segunda, Silêncio Durante a Dor: quando infligir dor, não pode
gritar ou pedir para parar. Deve suportar em silêncio. Terceira, Não
teremos relações sexuais, tudo o que farei será para causar dor, não para
que goze. Quarta: usarei formas diversas para infligir a dor, minha boca,
mãos e objetos cortantes, correntes. Quinta: Marcas Visíveis: Causarei
cortes, mordidas…
— Dominic pensei que mordidas levaria para o lado sexual, assim
como sua boca, mãos… — Sinto a hesitação em sua voz.
— Primeira regra, deve obedecer sem questionar. Só assim
entenderá se isso é algo que faz parte de você. E me chame de Axel. Dirija-
se a mim como senhor quando estivermos a sós. Não levarei para o lado
sexual, mesmo que eu deseje naquele momento. Nunca, então não se
assuste se ver minha ereção presente. Sexta e última regra: O que fazemos
aqui fica aqui, não pode afetar nosso relacionamento fora desse ambiente.
— Eu compreendi, senhor — afirma. Por um momento penso ser
apenas mais um de seus joguinhos e brincadeiras. — Quando podemos
começar? Faço o que for preciso, tudo para não me entregar a essa
escuridão e se eu tiver que sentir dor, que seja. Não quero me tornar um
monstro, lutei por anos tentando ser alguém melhor e Misha, em poucos
dias, trouxe à tona tudo que tentei deixar no passado. Meus erros,
sentimentos e desejos.
Fico surpreendido, não fazia ideia de que ela era capaz de ir tão
longe para provar a si mesma que não é como ele.
Talvez isso seja uma péssima ideia.
Minha atração por ela está cada dia mais clara. Me masturbar
pensando nela foi a resposta para essa dúvida.
A dor e o prazer, são coisas que me excitam.
Não tenho certeza se serei forte o suficiente para resistir a isso…
— Me ajude… por favor, Axel. Você me deve e foi por isso que
Holly o contratou, não foi? Para que eu fosse alguém melhor que ele. Uma
luz. Faça o seu trabalho. Tudo o que acha que deve fazer não será
questionado por mim.
Meu coração acelera, não de uma forma boa, mas sim como um
alerta de que eu deveria parar por aqui. Mas mesmo com a razão gritando
alto, as palavras saem como um sussurro em meus lábios:
— Amanhã, esteja aqui depois das aulas. Não permita que ninguém
a siga.
Mia não responde, apenas abre a porta do confessionário e vai
embora, deixando-me com uma mistura de ansiedade e excitação.
Eu fico ali, parado, tentando processar o que acabou de acontecer.
O silêncio que se segue é quase ensurdecedor, amplificando cada
batida do meu coração. Tento ouvir qualquer sinal de movimento do outro
lado, mas tudo o que recebo em troca é o som abafado dos meus próprios
pensamentos.
Minutos se passam, ou talvez apenas segundos. É difícil dizer com
precisão quando estou tão imerso na expectativa.
A porta do confessionário se abre, e uma silhueta se desenha contra
a luz fraca do corredor. Minha respiração se torna mais rápida, e meu
coração parece querer pular do peito. Não reconheço a figura que entra, mas
a postura dela exala uma presença que exige minha atenção. Ela fecha a
porta atrás de si, mergulhando-nos novamente na penumbra quase total.
— Mi perdoni, padre — declara em italiano, me pegando totalmente
de surpresa. Como ela poderia saber que sou italiano? — Não esperava
encontrar alguém aqui… — diz ela, com um tom que carrega uma
intrigante mistura de surpresa e curiosidade. — Queria apenas um lugar em
silêncio, para que eu pudesse tentar compreender meus próprios
pensamentos.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, a voz desconhecida
preencheu o ar, quebrando o silêncio com uma suavidade que contrasta com
a tensão do momento. A familiaridade da situação se dissolve
instantaneamente, substituída por uma nova camada de mistério. Sua voz
me puxa de volta à realidade, trazendo consigo uma onda de novas
emoções.
— Sei que deveria ter marcado horário com o senhor, mas não
queria… não quero que reconheça meu rosto depois da minha confissão.
Seria terrível ser reconhecida entre as mulheres por ser alguém tão suja pelo
pecado.
Ela não hesita em cada palavra que sai de seus lábios, claramente
bem estudada nessa língua. Sua voz tremeu de leve percebo que ela a está
forçando para ficar irreconhecível caso a veja por ai falando em italiano,
carregada de vergonha e medo. Tento manter a calma, apesar do turbilhão
de emoções dentro de mim.
— Como posso chamá-la? Pela sua voz, está claro que é jovem. Não
seria interessante alguém como eu chamá-la de filha, já que, claramente,
não é uma das mulheres casadas e de idade que costumo aconselhar. —
Tento suavizar o clima mórbido que ela transmitiu.
— Claro, e você… não aparenta ser nada velho, padre — afirma,
com a voz carregada de curiosidade. — Pode me chamar de… Lilith.
O nome ecoa no confessionário, deixando-me sem compreender seu
raciocínio.
— Pensei que… não queria que eu descobrisse quem era — declaro,
confuso.
— Esse não é meu nome verdadeiro — responde rapidamente, a voz
firme.
— Então, por que Lilith? — pergunto, curioso.
Há uma pausa, e posso quase sentir a tensão no ar.
— Lilith foi a primeira mulher, antes de Eva, segundo algumas
lendas. Ela escolheu ser livre, mesmo que isso significasse ser expulsa do
Paraíso.
Em todos esses anos, me fechei para as pessoas, e decidi ouvi-las.
Ser padre tem seus fardos, ouvir confissões as quais nenhum outro ouvira,
dar conselhos. Ouvir Lilith me fez lembrar de um tempo em que me sentia
exatamente do mesmo jeito.
Mia é uma responsabilidade alguém capaz de foder com todos os
meus planos com Misha. Para conseguir o que tanto desejo, valeria a pena?
Me arriscar por alguém tão instável?
— Eu claramente, estou condenada a ele.
— E por qual motivo pensa dessa forma?
— Amo um homem que é um assassino — exclama, como uma
súplica de dor. — Eu o amo, e mesmo sabendo disso, meu amor não
diminuiu. Irei para o inferno, por ele, sabendo quem é, e o que faz.
— Se aceita isso, por que se confessar?
— O fardo de amá-lo… de não poder falar com alguém sobre isso
me deixa muito mal, como se… tivesse causando minha própria ruína. E
você… o senhor… padre é o único que poderia me confessar e saber que
não contará a ninguém o que ouviu de mim.
Mesmo não falando, sei exatamente como é.
Amar alguém dessa forma, tão cegamente, achando que merece e
deve passar por isso sozinho, por ele.
Foi o que fiz, pela minha família. Por anos busquei entender o
porquê de todas as torturas. Apenas por ser um pecador? Eu seria o único na
família merecedor de punições incessantes?
— Se tem tanta convicção disso, por que não me deixa saber quem
é?
— Odiaria ter que matá-lo, padre, caso não soubesse guardar meu
segredo. Ele me mataria, se descobrisse que estou aqui. Tudo é intenso,
entre nós dois, o amor, a crueldade, o sexo e as drogas. E eu amo. Amo
como tudo isso me faz sentir viva.
Por muitos anos, fui controlado por Will, sentindo a dor de cada
morte, de todas que já me conectei. Achando que eu merecia, que precisava,
pela minha falta de obediência por estar sendo punido por Deus através
dele. Irmãos, melhores amigos.
Me libertar nunca foi uma opção.
— Está claramente dependente dele…— Solto. E a respiração da
garota do outro lado do confessionário fica entrecortada.
— Sabe o que é amar alguém? Tanto, ao ponto de aceitar suas
loucuras? Por saber que mesmo as vezes não parecendo ele quer o seu
melhor? — Ela faz o questionamento um atrás do outro. — E…
— Ele te machuca? — Ela para o que ia dizer.
— Sim. Porquê eu permito — confessa com hesitação.
O silêncio que se segue é carregado de tensão, um peso quase
tangível entre nós.
— Permite? — repito, a incredulidade em minha voz.
— Eu sei que parece insano, padre — ela responde, a voz cheia de
emoção. — Mas é complicado. Ele… me entende de uma forma que
ninguém mais entende. E essa dor… me faz sentir viva, de um jeito que
nada mais faz. Ele só faz até ser o suficiente.
— E quando exatamente é o suficiente?
— Quando eu chego ao ápice, isso é melhor que qualquer droga que
já provei. Me faz esquecer tudo e todos — revela, sua voz carregada de um
misto de êxtase e desespero. — Perder o controle.
Fico apavorado, e ao mesmo tempo sem saber o que dizer.
Ela goza sentindo dor?
Mas que Cazzo é essa? Não pode ser isso.
Não é possível.
Quem é ela?
Quem?
— Devo ir embora, talvez precise refletir sobre minhas confissões
— afirma. — E está ficando tarde, estarei aqui, neste mesmo horário em
breve não me desaponte, por favor… eu preciso de você mesmo que seja
apenas para me ouvir.
Em nenhum momento a aconselhei, só vinha questionamentos em
minha mente, já confusa pelo pedido de Mia… e agora ela…
— Boa noite… padre.
— Boa noite… Lilith. — Solto.

Horas e horas, passei pensando em Mia… em Lilith. Naquela


mesma noite, ouvi muitas confissões. As pessoas acreditam que, ao
confessar, Deus perdoa seus pecados. Como se fosse simples assim, mas
meu trabalho é apenas aceitar e pedir que não os cometam mais.
Ainda estou deitado na cama, alguns raios de luz adentram pelas
brechas da cortina da varanda do quarto de pedras antigas da catedral. O
quarto é antigo, com uma mesa de cabeceira de madeira, guarda-roupa e
uma escrivaninha com alguns livros em cima. O silêncio é profundo, apenas
quebrado pelo leve sussurro do vento do lado de fora.
Meu celular acende, alertando que chegou uma mensagem. A tela
ilumina o quarto com uma luz fria e artificial. Estico a mão
preguiçosamente e pego o aparelho:
M: Precisamos conversar, padre.
A mensagem chegou carregada de ironia, como sempre. Misha
nunca perde a oportunidade de deixar claro seu desdém.
M: Talvez eu deva o colocar em seu devido lugar antes de cometer
algo que se arrependerá.
Misha, como sempre, quer estar no controle de tudo, mas o que ele
não sabe é que não se pode controlar o que não está sob seu domínio. Ele
não entende que meu dever vai além das suas ameaças e manipulações.
E se eu a quiser, a terei.
Sempre fui bom em pegar e controlar o que desejo quando tenho as
motivações certas.

Alguns anos atrás...

A porta do quarto se abre rapidamente, me pegando totalmente


desprevenido. Eu estou completamente nu, de joelhos na cama box, pronto
para chupar a boceta da garota ruiva à minha frente, que está com as
pernas abertas, antes de penetrá-la mais uma vez. Seria minha forma de
acordá-la, dar “bom dia” e deixar claro que nossa diversão apenas
começava.
Mas meu irmão, como sempre, atrapalha minha diversão. Ele olha
para o meio das pernas da garota e para mim com frustração e decepção.
— Quando irá parar de ser rebelde e obedecer nosso pai, Dom?
Quantos castigos ainda espera receber? — questiona Will, olhando entre
mim e a garota deitada na cama do hotel coberta apenas por um lençol
branco. Ela dorme tranquila, certamente de ressaca pelas drogas que
usamos a noite toda. — Isso é uma vergonha para o nome da nossa família!
Somos cristãos, devotos. Não vivemos em fornicação, adentrando cada vez
mais nesse lamaçal de impureza. Iria se aproveitar de uma garota enquanto
ela estava inconsciente?
Dou uma risada curta e amarga. Levanto e puxo do corpo dela o
lençol branco, colocando-o em minha cintura.
— O que faço nunca foi da sua conta, Will. Você e o nosso pai não
passam de escória, hipócritas de merda!
O quarto está escuro, as cortinas pesadas bloqueando a luz do sol
da manhã. O cheiro de álcool e cigarro ainda paira no ar, misturado ao
perfume barato da garota e ao cheiro de sexo.
Tudo que eles odeiam.
— Se divertir nunca foi o lado positivo de vocês — digo, a voz
carregada de sarcasmo.
Will dá um passo à frente, seus olhos brilhando de raiva e
determinação.
— Tudo que acontecer com ela será sua responsabilidade! —
exclama, deixando claro que ela será a próxima em sua longa lista de
tortura.
Eu rio, um som seco e cruel, e olho para a garota por um momento
antes de voltar para Will.
— A morte dela será a redenção do meu pecado? Vocês são
melhores que eu? Matando as mulheres a quem dou prazer? Não as
machuco, mas vocês sim! Então, me diga, Will, isso não te faz pecador?
Will estremece, seus punhos cerrados ao lado do corpo. Ele está
lutando para manter a calma, mas vejo a fúria nos seus olhos.
— Ao menos faço isso pela nossa família, se essas garotas falarem
do quanto Dominic Axel é sujo, arruinaria nossa honra. E você. O que tem
feito? Além de usar o corpo dessas mulheres?
— Tenho sido eu mesmo, admitindo quem sou, depois de tantos anos
buscando a sua aprovação e do nosso pai. Enquanto se escondem atrás de
uma máscara de moralidade.
A garota suspira e abre os olhos lentamente, tentando entender o
desenrolar da situação. Seus olhos turvos se fixam em Will, depois em mim,
a confusão e o medo a se formar em suas feições. Ela tenta se mover para
pegar o lençol e cobrir seu corpo exposto, mas seu corpo está pesado e
fraco devido às drogas.
Will a observa com uma mistura de pena e desapontamento. Ele se
inclina ligeiramente, tentando parecer menos ameaçador.
— Você está bem? — pergunta ele, a voz mais suave, mas ainda
carregada de tensão.
Ela murmura algo ininteligível, seu olhar ainda perdido. Eu me
aproximo dela, passando a mão pelo seu rosto com suavidade para acalmá-
la, e a cubro com outro lençol que estava sobre a cama.
— Não se preocupe — sussurro, olhando para Will com um sorriso
desafiador. — Você está segura comigo, ele apenas entrou no quarto
errado.
— Você não tem o direito de agir dessa forma. Isso deve acabar
aqui.
— Não. Você que não tem depois do que fizeram com ela.
“Dominic, me ajuda!”
A voz doce dela ecoa em minha mente, me condenando por ter sido
fraco.
— Ela seria sua completa perdição.
— Ela era a porra dell'amore della mia vita — afirmo em italiano
do amor da minha vida, para que a garota que já se encontrava assustada
não surtasse.
Não há surpresa em sua face, deixando nítido que ele sempre soube
e mesmo assim a sacrificou.
— Isso nunca será perdoado. — Deixo claro, sentindo meus nervos
e sangue circular com mais intensidade.
A dor do passado nunca se apagará. Assim como meu desejo de
sempre estar no controle.
De não ser tocado sem antes permitir.
Will tirou de mim, tudo.
E sua morte não foi o suficiente para me libertar, ao contrário da
morte dele e de nosso pai, ao qual fui responsável.
Selou em mim, o mais sombrio desejo de vingança por aqueles que
também fizeram parte da minha dor, da morte daquelas que mais amei.
E é por isso que estou aqui nessa cidade.
Eu pude perceber que
você era uma má notícia
Mas eu continuo brincando
com você, brincando com você
E agora você está brincando
comigo, brincando comigo
Hotel, Montell Fish

MISHA CROWN

Padre: No subsolo da catedral, no mesmo horário de sempre.


Nenhum retrucamento de sua parte, ou ao menos questionamento
sobre o que se tratava.
O passado de Dominic é um grande mistério para mim, sei que ele é
capaz de tantas crueldades quanto eu, nunca abaixou a cabeça, sempre se
defendendo e mostrando seu lado forte.
Mia passa pela porta do meu quarto, usando o vestido que Holly
pediu para a estilista da família fazer. É um branco estilo vintage com
comprimento abaixo dos joelhos. O vestido tem um corpete ajustado com
alças finas que são amarradas nos ombros formando laços. A saia é
volumosa, feita de várias camadas de tule.
Com certeza para que Casey já a imaginasse usando o vestido do
casamento, no jantar que será em poucas horas.
A seguir pelo corredor, ela para no quarto de Holly.
— Está perfeita! — afirma Holly, pedindo para que ela dê uma volta
para conferir cada detalhe. Me encosto na porta e a observo. — Não acha,
Misha?
Mia olha para mim surpresa, como se não esperasse pela minha
presença naquele momento. Me questiono sobre o que se passa em sua
cabeça ao me olhar com seus olhos inocentes.
— Acho que… está digna para seu noivo, querida irmã — afirmo,
entrando no jogo de Holly, que sorri para mim e Mia me encarou incrédula.
— Terei que sair, por favor, Mia, cuidado para não manchar o
vestido. É impossível ele não gostar — declara Holly, pegando sua bolsa e
tocando no ombro de Mia. — Está fazendo o certo, por todos nós filha. —
Sua voz sai em tom de controle.
Ela sai me olhando com repreensão e, com isso, sei que está pedindo
para que eu me comporte essa noite.
Mia passa por mim batendo em meu ombro, e segue até seu quarto.
A sigo e ao chegar em frente ao espelho, tenta abrir o zíper na parte de trás
do vestido. Porém, para ao encontrar meus olhos no espelho.
— O que foi, Misha? Não está se divertindo o suficiente para soltar
suas ironias? — Dou um sorriso. — Esses joguinhos estão acabando
comigo.
Ela abaixa o rosto, e eu lembro da ligação do diretor da
universidade.
“Estou ligando para saber se Mia está melhor, já que passou mal e
pediu permissão para sair. Ficamos muito preocupados com ela.”
— Soube que passou mal na universidade.
— E como poderia saber disso? — Ela se vira lentamente, a
expressão de cansaço e desconfiança evidente.
Tão perfeita vestida com esse vestido, que me causa ódio em saber
que tudo isso é para Casey.
— Sempre sei das coisas que me interessam, Bunny. Gostou de
conhecer seu amado Casey? O que achou dele? Já que foi seu salvador. —
Me aproximo dela.
A forma como sou possessivo com ela me torna tóxico, sei disso.
Mas eu sinto a necessidade de deixar claro.
Ela passa um tempo pensando e morde o lábio como se tentasse
pensar em quais palavras escolher.
— Quando se está tendo um ataque de pânico, não se observa com
tanta atenção nos traços da pessoa que está ajudando. Além de apenas focar
em como seus pulmões parecem estar fechando.
— Ataque de pânico? Não sabia que você passava por isso. — Tento
encostar nela.
— Você apenas se interessa por sexo, Misha. Como saberia? —
Solta, se afastando de mim. — É isso que quer de mim, certo? Provar que
sou tão pecadora e errada quanto você.
Tento entender porquê ela está agindo assim, mas não consigo
compreender.
Ignoro seus questionamentos e pego uma caixa preta do meu bolso,
estendendo para ela.
— O que é isso?
— Feliz aniversário, Bunny. — Ela parece, mais uma vez, surpresa.
— Pensei que não lembrava mais.
— Nunca esqueceria. — Ela pega a caixa e, ao abrir, se depara com
uma pulseira com um coelhinho delicado de pingente prata. — Me causaria
muita alegria se usasse esta noite com esse vestido.
Ela olha admirada para a perfeição da jóia tão delicada.
— Sei que meus métodos de deixar claro o quanto te desejo são
além dos limites humanamente aceitáveis, mas eu te prometo… — Me
aproximo e toco seu rosto. Ela olha para meus lábios. — Esse filho da puta
nunca vai te encostar, muito menos consumar essa farsa de casamento.
Porque, no final, seremos apenas eu e você. E não se engane pela gentileza
de Casey ao te ajudar, ele pode ser pior que eu, Bunny.
Dou um selinho em seus lábios rosados.
— Aproveite seu dia, Bunny… — Sinto meu coração queimar ao
olhar para seus olhos convidativos, como se clamassem por mais.
A respiração dela fica descontrolada.
— Por que simplesmente não me deixa viver? — questiona quando
tento me afastar, segurando em minha mão.
— Tudo que mais quero é que se permita. Aceite quem é.
— Suas atitudes são claramente manipuladoras.
— Você age como se fosse inocente. Por que não confessa que me
deseja? — Seguro seus cabelos, trazendo-a para mim. — Diga que seu
corpo não está em chamas agora, Bunny.
— Misha… — solta entre seus lábios.
— Me diga o que você quer? Sabe quantas vezes te imaginei com
um vestido desse? — Mordo seu pescoço e o chupo, fazendo-a soltar um
gemido. — Te foder não é nada comparado com o que desejo todos os dias
ao seu lado — sussurro em seu ouvido.
— Crown — a voz de um dos seguranças interrompe nosso
momento, e me afasto. Continuo olhando para ela que está ofegante, suas
bochechas ruborizadas.
— O que seria tão urgente para me atrapalhar?
— Mikai quer te ver, ele disse que tem informações para você —
declara, e ignoro.
— Tudo bem. — Olho uma última vez para Mia. — Nos vemos à
noite, Bunny.

Ao entrar na catedral, encontrei Dominic com uma jovem, a amiga


de Mia, que me olhava assustada. Aposto que Bunny contou sua versão
diabólica do irmão-psicopata. Dominic a abençoa e me encara. Continuo
andando até o subsolo onde Mikai me esperava.
Ao passar pelo corredor de pedras, entro no escritório dele. O
ambiente é sombrio, com paredes iluminadas apenas por algumas velas e o
brilho suave de uma luminária antiga sobre a mesa de madeira escura.
— Misha… — Mikai diz, levantando-se de sua cadeira de couro e
me oferecendo um cigarro que nego. — Soube que passou dos limites com
uma garota — declara, tomando um gole de seu whisky.
— Não costumo reagir bem quando não consigo o que quero. — Ele
dá um sorriso com minha resposta, os olhos brilhando com um
entendimento sombrio.
— Cada vez mais, sei que fiz a escolha certa — diz, assentindo.
— Meu segurança disse que tinha informações que me
interessavam.
— Claro, Casey Greyson, futuro noivo de sua irmã. — Ele me
entrega uma pasta de couro marrom, já envelhecida, mas cuidada. — Tenho
informações sobre Greyson e uma que chamará muito sua atenção, já que
vocês têm um interesse comum.
Abro a pasta e começo a folhear os documentos e fotos que ela
contém. Há registros financeiros, e-mails impressos e algumas fotos
comprometedoras.
Drogas, sexos, apostas…
Em uma das fotos, Casey está em uma festa exclusiva, cercado de
figuras notórias do submundo. E há um arquivo confidencial.
— Agradeço pela sua ajuda, mas não era necessário — murmuro,
ainda absorvendo as informações. — Tenho tudo sob controle.
— Misha, estamos do mesmo lado e Greyson não é apenas um
CEO. Há muito mais. Casey é um de nós…
Levanto os olhos para Mikai, surpreso.
— Como assim?
— Foi um Subchefe como você, considerado como um filho pelo
antigo líder da Seita, o Padre Slovak. Antes é claro de ter se afundado nas
drogas, mas ao ter matado sua própria noiva e ser punido…
— Noiva? E por que ele ainda está vivo, se sabe tanto sobre a Seita?
— o interrompo.
— Casey, é o responsável pelas vítimas que escolhemos, ele é o
nosso médico. Slovak o pediu para sacrificar sua noiva e ele o fez como
prova de sua lealdade a Seita, essa foi sua punição, Greyson é calculista e
não hesitou para conseguir a posição que tem, e como sei que se conhecerão
em breve, pois há boatos de que sua mãe, está querendo unir sua irmã com
ele.
— Boatos? Ou Zack o contou?
— Não importa, Misha. Casey, é intocável para você, consegue me
entender? Ele está acima de sua posição, uma rivalidade entre vocês seria
péssima para os negócios. E teria sérias punições.
Primeira regra: Nunca ferir um membro, sem permissão do Líder da
Seita.
Seria considerado uma traição.
Tinha muitos planos para Casey, e eles acabaram de ser destruídos.
Sinto a raiva queimando minhas veias, aperto meus punhos tentando
controlar a fúria.
— Por que eu nunca o conheci antes? — Minha voz sai rude,
carregada de frustração e raiva.
— Pelo fato de que acabou de chegar e o nosso médico é
desconhecido por nossos soldados para a segurança dele — Mikai responde
com calma, como se explicasse algo óbvio. — Mas você agora é meu
Subchefe, e Zack me contou como sua relação com Mia é intensa. Deve
renúncia-la, Misha.
— Renúncia-la? — repito a palavra, como se não acreditasse que ele
realmente disse isso.
Como se renuncia, algo ao qual é obcecado há anos?
Dou um sorriso. Nem fodendo.
— Espero que esse sorriso não seja de um tolo apaixonado, Misha
— me repreende.
— Não se trata de paixão, Mikai. E não terá problemas comigo e
Casey. — Ele me estuda, como se buscasse algum sinal de hesitação ou de
mentira.
— Teremos uma reunião com todos os membros importantes para
nossa Seita. Você, agora, é tão importante quanto qualquer outro e será
devidamente apresentado. Conto com sua presença, passarei as informações
em breve de data e local.
Saio do escritório, sentindo a tensão e o peso das palavras de Mikai.
O corredor de pedras parece mais sombrio e opressivo enquanto caminho de
volta, minha mente fervilhando com raiva e frustração.
Sei que Mikai tem razão, agir com impulsividade seria burrice
contra ele. E, de certo modo, foi bom saber que Casey é um membro, pois
tinha planos bem macabros para essa noite.
Talvez… executá-lo em frente a Bunny.
Ou, fodê-la na frente dele para que entenda que ela é minha e depois
matá-lo.
Um sorriso malicioso surgiu em meu rosto, posso imaginar o terror
nos olhos de Mia, em ver a cabeça de Casey no chão ou na mesa de jantar.
Dominic, me aguardava, usando sua ridícula batina, como se
honrasse o que usa. Meu sorriso some, automaticamente.
Problemas… E mais problemas que não podem ser solucionados tão
facilmente.
— Hora ruim? — questiona com um sorriso grotesco no rosto.
— Péssima na verdade, Dominic — afirmo, ainda sentindo o
queimor da raiva.
— Não fazia ideia que viria tão cedo.
— Não estava em meus planos.
— Quer conversar aqui? Ou prefere no subsolo?
Dominic sabe sobre a seita, poucos detalhes pelo que sei, porém não
sentiu interesse em participar.
— Não tenho muito o que falar, apenas que nosso acordo estará de
pé enquanto manter sua promessa.
— Mia? — questiona, com um tom insinuante.
A cada menção do nome dela, sinto a tensão aumentar.
— Exatamente — respondo, a voz controlada, mas fria. — Fique
longe dela.
Dominic balança a cabeça, um sorriso enigmático nos lábios.
— Sua obsessão por ela, vai além de controle não é mesmo, Misha?
— pergunta, seus olhos brilhando com curiosidade.
— E você, o que realmente sente por ela? — altero minha voz, por
sorte não há ninguém na catedral.
O sorriso de Dominic se alarga, como se saboreasse o momento. Ele
se inclina ligeiramente para frente, os olhos fixos nos meus, explorando
cada nuance de minha expressão.
— Me fascino por ela, e ao mesmo tempo me surpreendo como se
esforça em não ser como você. — Suas palavras me irritam, o empurro de
perto de mim, me controlando ao máximo para não socar a cara dele.
— O que caralho isso quer dizer?
— Ela pediu para puni-la.
— Puni-la? E o que exatamente você disse?
— Que a puniria se esse fosse seu desejo, mas que não haveria
nenhum tipo de relação entre nós.
Sinto um calor de raiva subindo pelo corpo, os punhos cerrados
tremem de fúria contida.
— E posso saber por que está me contando isso? — Minha voz sai
baixa e ameaçadora.
Eu sei que se matasse Dominic, Holly colocaria outro para cuidar
dela. E Dominic, por mais filho da puta que fosse, criou um vínculo com
Mia, e não a machucaria friamente, sem nenhum remorso.
Dominic permanece calmo, o que apenas intensifica minha raiva.
Ele ajusta sua batina com um gesto casual, como se não estivesse prestes a
provocar minha ira.
— Porque, Misha, acho que merece saber até onde vai a influência
que você exerce sobre ela — ele responde, com a voz tranquila, mas com
um subtexto perigoso. — E também porque quero que entenda que, por
mais que tente, nunca terá controle total sobre Mia.
— Por mais que eu queira te matar, e pode ter certeza que quero
muito nesse momento, sei que Bunny está segura com você. Ao contrário
do Casey.
— Muito gentil da sua parte — provoca.
— Axel? — Ouvimos a voz doce de Mia, vindo em direção ao
confessionário que é onde estamos próximos.
— Se tocar nela…
— Não farei nada a ela, nem a tocarei sem que me peça — Dominic
responde com sua calma irritante.
Sem pensar, lanço um soco em seu rosto, e ele retribui minha atitude
com um golpe igualmente forte. Sinto a dor irradiar pelo meu maxilar, mas
não recuo.
— Misha? Axel? O que está acontecendo? — Bunny questiona,
ofegante por ter vindo correndo quando nos ouviu, a voz carregada de
preocupação e medo.
Ela se aproxima rapidamente, com um semblante de choque ao ver o
sangue escorrendo do canto da boca e da bochecha de Dominic e minha
expressão de pura fúria.
Sem hesitar, ela se coloca entre nós, os braços estendidos como uma
barreira frágil, mas determinada em direção a ele. Dominic se afasta
ligeiramente, limpando o sangue do rosto com a manga da batina, seus
olhos ainda fixos em mim, mas agora com um olhar mais avaliativo.
Pouco me importo com o queimor que sinto nos meus lábios ou o
gosto e cheiro forte metálico do sangue. Mas sim com o semblante de
preocupação que Bunny direciona a Dominic.
Viro de costa e vou embora batendo a porta de madeira da catedral.
Hoje foi um péssimo dia para me provocar.
Não posso perder a razão.
Uma rivalidade entre vocês seria péssima para os negócios.
E isso não inclui apenas Casey e sim qualquer um que poderia
chamar atenção demais para a catedral.
Casey, não fazia ideia de seu envolvimento com a morte da sua
noiva. Dizer para Mia, sobre não se enganar com a gentileza dele foi apenas
uma especulação.
Dê um passo no caos
Olhe ao redor, isso não é nem a metade
Estou caminhando na linha entre o
pânico e o enlouquecimento
Abraçando a loucura
Meus demônios sussurram em meu ouvido
Me ensurdecendo com todos
os meus medos
Estou vivendo em um pesadelo
Darkside,Neoni

MIA DEMORY

Misha se foi. E só restou o silêncio entre mim e Dominic.


Estamos no banheiro, o mesmo onde o flagrei dias atrás. A tensão
no ar é palpável, quase sufocante. Dominic tira a parte de cima da batina,
deixando à mostra seu peitoral definido e com suas tatuagens agora, tão
próximas de mim, posso observá-las melhor.
Molho um pano com água gelada e entrego a ele que segura a toalha
molhada contra a bochecha, já começando a inchar e se encosta na pia.
Pego um pedaço de papel higiênico e me aproximo lentamente.
Pergunto se posso ajudá-lo e ele me permite. Limpo o sangue que se
encontra no canto de seus lábios, tentando ser cuidadosa, mas meus dedos
tremem.
— Não vai perguntar o que aconteceu? — ele questiona.
Desvio o olhar, indo até o kit que deixei ao seu lado na pia. Abro-a
novamente e procuro um remédio para colocar em sua bochecha. Na
necessaire bem organizada — com curativos, pomadas e medicamentos —,
pego uma pomada anti-inflamatória e volto para ele.
Ele abaixa a toalha, esperando minha resposta.
— Não preciso perguntar. Sei que foi por minha causa — respondo
ainda nervosa.
Dominic observa meus movimentos enquanto aplico a pomada em
sua bochecha machucada. Seus olhos seguem cada gesto meu, a dor
evidente, mas misturada com algo mais profundo. Uma compreensão
silenciosa.
— Misha, com certeza, se controlou ao máximo — comenta. —
Você é um grande ponto fraco para ele, Demory.
— Pensei que havíamos deixado de formalidades depois de tudo que
foi dito — digo, tentando quebrar a tensão no ar. — E Misha é um louco
obsessivo.
Espalho a pomada com delicadeza.
Dominic estremece ao toque frio, mas seus olhos permanecem fixos
nos meus.
O silêncio entre nós é pesado.
— Está certa, mas… entendo a obsessão dele por você — sussurrou
Dominic, a voz grave e cheia de algo que não conseguia identificar
completamente.
Fecho a pomada, e antes que possa responder, ele se aproxima mais,
nossos rostos a apenas centímetros de distância. As palavras dele ecoam na
minha mente, misturadas com meus próprios sentimentos confusos.
— Entende? — Minha voz saiu mais fraca do que eu pretendia.
Ele concorda com a cabeça.
— Sinto muito por isso, sei que devo ter dado a entender errado a
ele, quando pedi para não te machucar. — Ele me olha surpreso. — Talvez
tenha sido por isso que apareceu aqui.
— Não se desculpe, eu que tive culpa… — confessa. — Ele me
pediu para ficar longe de você, e respondi que não faria nada, até você me
pedir. A verdade é que me descontrolei.
Não sei ao certo o que dizer, apenas sinto o cheiro forte do perfume
dele invadindo todo meu ser. Há uma mistura de emoções dentro de mim
que é difícil de decifrar.
— Ele te ama, de um jeito mórbido, mas ama. — Dominic continua,
a voz baixa, quase um sussurro.
— Isso não é amor — retruco, sentindo um nó na garganta.
— Todos temos formas diferentes de demonstrar — expõe, como se
soubesse exatamente como é esse tipo de sentimento. — Ele te quer para
ele…
— Ninguém nunca perguntou o que eu realmente quero, Dominic…
— Minha voz falha ao dizer isso. O peso da verdade em minhas palavras
parece aumentar a pressão no ar ao nosso redor.
Ele se aproxima mais, sua presença física é quase esmagadora.
Segura meu rosto com ambas as mãos, forçando-me a olhar diretamente em
seus olhos. Há uma intensidade ali que me faz tremer.
— O que você quer, Mia? — ele pergunta, a voz carregada de
preocupação genuína. Diferente de Misha mais cedo, Dominic parece
realmente interessado no que desejo. — Diga-me. O que você realmente
deseja?
— Quero decidir meu próprio destino, sem manipulações ou ser
controlada, e quero… — Olho para ele, me sentindo envergonhada por
sentir uma forte atração. Ele é um padre, mas o que mais desejo agora é um
beijo.
Não de Misha, mas dele. Nunca fui tocada por outro, seria a mesma
sensação?
A proximidade entre nós é eletrizante. Sinto o calor irradiar do
corpo dele, a respiração dele se mistura com a minha, tornando o ar denso e
carregado de tensão. Meus olhos se fixam nos lábios dele, e é como se todo
o resto desaparecesse.
— O que? Continue… — ele sussurra, como se soubesse
exatamente o que estou pensando, apenas esperando que eu confirme.
Meu coração bate descontroladamente no peito, e meus lábios se
entreabrem, e finalmente, encontro a coragem para falar.
Mas antes que eu responda, me inclino para frente e pressiono meus
lábios nos dele. O beijo é suave, hesitante no começo, mas rapidamente se
aprofunda à medida que ele corresponde.
É diferente de qualquer coisa que já senti antes. Como o início de
tudo, é terno e cheio de emoção, sem a sensação de possessividade sombria.
Dominic me puxa mais para si e sinto sua ereção, seus lábios são quentes e
firmes contra os meus. Minhas mãos, antes tremendo de nervosismo, agora
exploram os contornos de seu peito, sentindo a firmeza dos músculos sob a
pele e, além de suas tatuagens, sinto cicatrizes.
— Acho melhor pararmos… — Dominic murmura contra meus
lábios, a voz rouca e cheia de desejo.
Suas mãos deslizam pelo meu corpo, parando na curva da minha
cintura. O calor do seu toque é quase insuportável, uma necessidade
crescente de sentir mais.
— Não…Dominic… — murmurro.
Meus lábios pressionam os de Dominic novamente, e sinto o calor
irradiar pelo meu corpo. Ele coloca a mão por dentro do meu casaco curto
de botões, tocando minha pele e me queimando por dentro, ofegante.
— Como está se sentindo? — ele pergunta, a voz rouca e cheia de
desejo.
— Estou excitada — respondo, minha voz um sussurro carregado de
necessidade.
— Isso é o que realmente quer? — ele murmura contra minha boca,
a respiração quente e entrecortada.
Ele me levanta e me coloca sentada na pia, nossos corpos se
encaixando perfeitamente. A fricção entre nós é eletrizante, cada
movimento faz meu corpo arder ainda mais de desejo. Suas mãos exploram
minhas coxas, subindo lentamente entre minha saia rodada preta, enquanto
seus lábios encontram os meus.
— Sim, mas tenho algo a dizer… — começo. — Eu sou virgem,
Dominic
— O que? Eu pensei que… você e…
— Não… nós nunca…
Dominic se afasta um pouco, seus olhos buscando os meus. O calor
entre nós permanece, mas agora há um espaço mais ponderado.
Ele parece lutar com seus próprios sentimentos e limitações. Seus
olhos estão cheios de uma vulnerabilidade que eu não esperava ver, a
sinceridade em sua voz ecoa um profundo conflito interno.
— Não sei se posso fazer isso, talvez eu não me controle. Não quero
te machucar — ele diz, seus olhos fixos nos meus, com uma intensidade
carregada de preocupação.
Afasto um pouco, tentando entender a profundidade de sua angústia.
Quando me levanto para ir até ele, sinto o impulso de confortá-lo. Vou
alisar seu rosto, mas ele segura minha mão com força, impedindo o toque.
— Sabe que tenho problemas com toques… e falta de controle. Não
sou melhor que ele. Você merece alguém que possa te dar o que precisa —
ele diz, sua voz embargada pela luta interna.
— Não me importo — respondo com firmeza, mostrando que estou
disposta a enfrentar este momento com ele, independentemente dos
desafios.
Volto a sentar na pia, a firmeza em minha voz parece aliviar um
pouco a tensão entre nós. Dominic parece reassumir o controle, e com um
gesto cuidadoso, desabotoa sua calça social preta, revelando parte de sua
nudez. O ambiente entre nós se carrega de uma energia palpável, marcada
pela antecipação e o desejo.
— Lembra das regras? — ele pergunta, sua voz mais baixa e
concentrada enquanto se prepara.
— Marcas visíveis, silêncio durante a dor… — relembro, a tensão
em meu corpo aumentando à medida que as palavras saem dos meus lábios.
— Obediência absoluta — Dominic completa, seu tom grave
enfatizando a seriedade do momento.
Sinto o calor do desejo e da excitação se intensificarem dentro de
mim. Sua ereção robusta, destaca-se como um símbolo claro do desejo
reprimido. É de tamanho notável, com uma espessura que promete
intensidade, com veias salientes que pulsam em resposta à excitação, um
impulso de provocação surge.
— Essa será minha punição, padre Axel? — pergunto com um tom
provocador, mordendo o lábio inferior enquanto observo sua nudez.
— Era esse tipo de punição que imaginou no dia que me pegou
aqui? — questiona Dominic, se aproximando.
Ele abre os botões do meu casaco, inclina a cabeça e, com um gesto
decidido, seus lábios tocam a pele entre meus seios subindo até o meu
pescoço. Sinto um leve aperto e depois um mordisco firme, mas não cruel.
A dor é aguda e penetrante, misturada com um prazer inesperado. O contato
faz meu corpo estremecer, e um pequeno fio de sangue se forma,
escorrendo lentamente pela pele.
Sua atitude faz com que eu fique ofegante. Ele para por um
momento, a respiração pesada, e olha para mim com uma intensidade feroz,
desliza o dedo sobre a marca que, claramente, se tornou visível como
tentasse se controlar para não ir rápido demais. A sensação de sua mordida
ainda arde na pele.
— Talvez no fim não sejamos diferentes — declaro, vendo o quanto
ele se excitou com a minha dor.
Ele pega na parte de dentro do suporte da pia uma camisinha, e a
rasga no dente, coloca sob seu membro e me ajuda a tirar o casaco, saia e
calcinha.
— Você é perfeita… — sussurra. Ele toca em minha entrada e sente
o quanto estou molhada. Ofego com apenas seu toque.
— Dominic…
— Prometo tentar ao máximo me controlar… — afirma, e morde o
outro lado do meu pescoço me causando um queimor no local e deixando a
mesma marca visível.
— Quero que faça o mesmo que fez com você, quando o vi aqui…
— peço, imaginando como deve ser sentir minha pele se cortando pela
lâmina, enquanto sinto o prazer se alastrando pelo meu corpo.
Ele me compreende, e se posiciona na minha entrada, penetrando
aos poucos e, de repente, mete com toda força, me rasgando por dentro.
Inclino meu corpo para frente pela sua invasão da dor de ter rompido minha
virgindade, e abro mais as pernas.
Dominic para e entra novamente, mais lento Me acostumando com
seu tamanho e quando ele percebe que meus gemidos não são mais de dor
ou desconforto, pega a lâmina. Viro o rosto, e nos olhamos no espelho.
Ele continua segurando minha cintura, metendo todo seu pau dentro
de mim, rasgando lentamente minha pele do lado direito das minhas costas
com a lâmina, que me faz gemer alto, o suficiente para que qualquer um nos
flagrasse. Mas ao contrário do que pensei não foi de dor, e sim de um prazer
intenso e insano.
O sangue escorre entre minhas costas, e Dominic beija minha boca
novamente, se aprofundando mais e mais. As sensações ficam cada vez
mais profundas com a mistura da dor e prazer. Ele faz o mesmo do lado
esquerdo das minhas costas, deixando escorrer o sangue na pia de mármore
branca.
— Você é deliciosa, mais do que imaginei… — solta, me fodendo.
Ele joga a lâmina de lado. — Você é obediente? — questiona, confirmo. —
Vire-se para mim.
Dominic sai de dentro de mim. Viro de costas, e me apoio na pia, ele
bate na minha bunda. O queimor é terrível pela força que colocou, solto um
arfar, mas mantenho-me em silêncio.
— Quer que eu te foda mais? — interroga. Seus olhos antes
brilhavam, mas agora parecem sem vida, como se estivesse possuído pelo
prazer. Ele bate novamente quando fico em silêncio no outro lado. —
Responda. — Insiste.
— Sim, eu quero… — declaro ofegante, entregando-me
completamente ao momento.
Dominic não hesita. Ele se posiciona atrás de mim, segurando
firmemente minha cintura, e entra brutalmente em mim. O som de seu pau
entrando na minha boceta é alto e claro, preenchendo o espaço ao nosso
redor. O cheiro de sexo se espalha pelo ar, denso e intoxicante. Solto um
gemido involuntário, e ele responde intensificando seus movimentos,
entrando em mim com mais força e rapidez.
— A cada gemido seu, irei mais rápido e com força. É isso que você
quer? Que eu te machuque? — A voz dele é baixa e rouca, um desafio e
uma promessa misturados.
— Aceitarei o que quiser, senhor… — afirmo, totalmente entregue
ao prazer que só aumenta.
Ele não para, segura em cada lado da minha cintura e me fode,
incessantemente. Sinto meu corpo inteiro sendo tomado por uma sensação
de prazer, logo chego ao clímax e Dominic também, pois para e fica
ofegante, em seguida sai de dentro de mim.
Ele me vira com delicadeza e observa as marcas e o sangue seco nas
minhas costas, pega o casaco e me entrega. Visto e ele coloca a cueca e
calça, depois visto minha saia e calcinha ainda sentindo minha intimidade
latejando.
— Está ficando tarde, devo ir para casa… — corto o silêncio, minha
voz mais estável agora, mas ainda carregando a lembrança do que
acabamos de compartilhar.
— Claro… se quiser, posso te levar até em casa… — Dominic se
aproxima novamente, sua mão alisando meu rosto com ternura.
— Misha estará me esperando — respondo, fechando os botões do
casaco. — Não quero que ele te machuque novamente.
— Você foi… maravilhosa — elogia, um sorriso sincero surge em
seus lábios. Ele se inclina e beija minha boca, eu retribuo o gesto, sentindo
a intensidade.
— Não haverá mais punição? — pergunto me referindo a meu
pedido de ontem, e com uma leve provocação em minha voz.
— Isso valeria se eu não tivesse te fodido, mas agora é tarde… —
ele responde, com ironia em sua voz.
— Padre Axel… — digo, minha voz carregada de sarcasmo. Ele
percebe e ri levemente.
— Faz pouco tempo que virei padre, e sempre senti atração por
você. Como poderia te negar?
— Isso não te faz um pecador? — questiono, tentando entender sua
lógica.
— Todos nós somos, de um jeito ou de outro — responde Dominic,
tentando justificar a nossa fornicação.
— Isso significa que não acontecerá mais? — A incerteza na minha
voz é clara.
— Significa que, eu não sei… sou padre, devo honrar meus deveres,
não acha? — declara Dominic, se afastando um pouco. Concordo com ele,
pois também vejo a complexidade da situação. — Misha vai me matar, você
sabe.
— Não, ele não irá. Eu deixei claro que nunca o perdoaria se ele te
machucasse. — Tento tranquilizá-lo, mas sei que a situação é delicada.
— Isso vai além de você, Mia. Eu e Misha tínhamos um acordo.
— Acordo? — pergunto, confusa.
— Sei que isso será a primeira coisa que ele jogará na sua cara
quando descobrir. Eu o conheci anos atrás, antes de partir. Ele veio me
procurar e deixou claro o quanto poderia ser ameaçador. Eu prometi que
não te tocaria, nunca. Em troca, ele não machucaria alguém que preciso
para descobrir informações importantes. O que aconteceu aqui, acabou com
nosso acordo…
— Você… tinha muito a perder e mesmo assim…
Sei que independente do que seja que o trouxe aqui, deve ser um
bom motivo. Mas se arriscar por mim?
— Não escolhemos por quem sentimos atração, e não me arrependo.
— A sinceridade em suas palavras me toca.
— Um dia me contará o que veio fazer aqui?
— Um dia, talvez… Não está brava?
— Por que ficaria? Você me contou e isso é o que importa —
respondo, sentindo um alívio parcial por finalmente termos falado sobre o
que aconteceu.
Me torturaria a noite toda, se não tivesse.
Dou as costas e sigo até a porta do banheiro.
— Mia? — Dominic me chama e olho para ele.
— Sim?
— Feliz aniversário! E independente do que ele te diga, sempre
estarei aqui para você — afirma e concordo com a cabeça dando um
sorriso.
Fico sem entender seu comentário, apenas o acordo não era esse o
seu segredo com Misha?

Faz algumas horas que cheguei e entrei dentro da banheira quente.


Está próximo do horário daquele tão aguardado jantar, onde o conhecerei.
Casey Greyson.
Seu rosto perfeitamente delineado e olhos estão fixados na memória.
Sei que meus métodos de deixar claro o quanto te desejo são além
dos limites humanamente aceitáveis, mas eu te prometo…
Esse filho da puta nunca vai te encostar, muito menos consumar
essa farsa de casamento. Porque, no final, seremos apenas eu e você. E não
se engane pela gentileza de Casey ao te ajudar, ele pode ser pior que eu,
Bunny.
A voz de Misha invade minha mente, junto ao temor pelo que
tentará contra Dominic se descobrir sobre nós.
Ultimamente, com Dominic é sempre tão fácil.
Já Misha tudo é sempre intenso e obsessivo.
Não deveria estar os comparando, isso é péssimo. Mas foi incrível o
nosso momento, senti que tinha escolha.
Minha primeira vez, com um padre e no banheiro de uma catedral.
Sempre imaginei que seria com Misha… nunca com Dominic.
Não lhe perguntei sobre as cicatrizes do seu peitoral. Apesar de ter
achado muito estranho, a das costas eu já sabia o motivo.
Acredito que tenha um passado tão sombrio quanto o meu.
Saio da banheira e coloco a toalha sobre meu corpo, indo até o
espelho do quarto. Ao chegar lá, me olho.
Vejo os dois cortes que Dominic fez em minhas costas com a lâmina
e a marca das mordidas nos dois lados do meu pescoço. Sorrio ao lembrar.
Abro a toalha e observo meu corpo. Há marcas em cada lado da minha
cintura e também na minha bunda. Marcas visíveis. Agora o entendo.
Pego o vestido que Holly escolheu, admito que ele é perfeito.
Escolho um conjunto de lingerie, também branca, e um salto alto preto para
destacar. Solto a toalha do corpo e por um momento observo melhor as
marcas.
A porta se abre rapidamente e Misha surge.
Seu olhar estuda meu corpo e fico sem reação.
— Misha? — chamo, já que está totalmente imóvel. Ele usa um
conjunto perfeito social, terno, calça e sapato pretos.
— Bunny… — sussurra, ele se aproxima de mim e observa as
marcas tanto da parte da frente como de trás.
Espero ele surtar ou agir de forma tóxica como sempre, mas não.
Pelo contrário, Misha olha fixamente para meus olhos, com um semblante
de decepção.
Por algum motivo, meus olhos se enchem de lágrimas.
Talvez seja pela forma que ele me olha.
— Ele… Dominic fez isso a você? — interroga.
— Isso não importa…
— Claro que importa. Eu te avisei, desde o início. Ele está morto!
Dois homens, que reconheço ser uns dos seguranças, aparecem na
porta e jogam o corpo de Dominic repleto de sangue para dentro do quarto.
Me jogo no chão e o seguro, sem sentir seu pulso.
O desespero toma conta de mim, um sentimento de culpa, meus
olhos enchem de lágrimas e escorrem pelo meu rosto.
— Dominic! Dominic?! — Ouço a risada de Misha ao fundo.
Abro os olhos e ao olhar ao redor não encontro ninguém, além do
alarme indicando que está na hora de me arrumar para o jantar. Meu
coração acelera rapidamente.
Como um lapso, lembro que havia tomado banho ao chegar,
observado as marcas em meu corpo e em seguida dormi. Mas esse sonho
pareceu tão real…
Levanto, pego o vestido, já separado pendurado no guarda-roupa. O
visto e passo base nas marcas do meu pescoço, lápis de olho e rímel nos
meus olhos. Os das costas deixo, pois tenho o perfeito motivo.
Autoflagelação.
Alguém bate na porta, e peço para que entre.
A presença de Misha surge, usando exatamente as mesmas vestes do
pesadelo de segundos atrás.
— Bunny… — sussurra. — Está perfeita.
Mantenho-me em silêncio, passo um batom vermelho nos lábios.
Ele pega a pulseira, que estava em cima da cama, e estendo o pulso.
— Holly já foi com Zack. Ela pediu para que eu a leve — diz ele,
enquanto coloca a pulseira em mim.
— Claro, mais um dos testes dela, certo? — respondo, tentando
manter a voz firme.
Ele sorri levemente, mas há uma sombra em seus olhos.
— Talvez, mas pouco importa. Como está seu amigo Dominic?
Ao observar melhor seu rosto, noto um hematoma acima de seu
lábio superior, provavelmente da briga de mais cedo. Ele pega um copo de
água na minha mesa de cabeceira e meu remédio. Tomo um e bebo a água
— Bem.
— Aposto que cuidou bem dele. — Solta, esperando minha reação.
— Dominic tem… — começo. Flashes de nós dois gemendo juntos
surgem em minha mente. — Problemas com toques.
— Ah, claro, por tudo o que passou quando mais novo, faz sentido.
— Ele planta a semente da curiosidade em mim, e o olho sem entender. —
Pensei que, como eram grandes amigos, ele te contasse sobre o passado
dele. Talvez não queira que conheça o lado obscuro dele, afinal todos
temos, não é mesmo?
— Sei exatamente o que está fazendo, e não vai funcionar —
declaro. Manipulações e mais manipulações.
— Não… — responde, aproximando-se mais um pouco, ficando a
centímetros do meu rosto. — Não é mentira. Por que não pergunta a ele?
— Por que se importa?
— Ele pode te machucar.
— Mais do que você já o fez?
— Isso é jogo sujo, Bunny. — Seus olhos queimam com uma
intensidade que me faz arrepiar.
— Devemos ir, meu futuro marido me espera — declaro com ênfase
e passo por ele saindo do quarto, Misha vem logo atrás.
Sinto uma sensação estranha no coração como se… estivesse o
traindo por não contar. Ao chegarmos na garagem, ele destrava a SW4 preta
e entro. Os vidros se abaixam e olho pela janela.
— Coloque o cinto — ordena e o ignoro, ele solta um suspiro. —
Nunca vai me perdoar pelo que fiz naquela noite?
— Desde quando Misha Crown pede desculpas?
— Não estou pedindo. É uma pergunta, Bunny. — Fico calada. —
Sei que passei dos limites ao usar outra mulher para provocar sentimentos
em você.
Meu coração acelera, essa é uma forma de redenção? Por que tudo
dentro de mim está queimando?
— Fui muitas vezes cruel demais…
— Apenas vamos… por favor, Misha — imploro, não aguentando
mais essa tensão pairando no ar. O cheiro dele está me sufocando, sinto
meus nervos agitados.
Ele liga o carro e dá partida em direção a mansão dos Greyson.

A casa é toda de vidro, permitindo uma visão perfeita da sala de


jantar. Lá dentro, vejo Holly, Zack, alguns seguranças e Casey, impecável
em um terno branco.
Assim que o carro para, coloco a mão na maçaneta da porta, mas
Misha segura meu pulso.
Olho para seus olhos claros, que brilham com uma intensidade
perturbadora.
— Não vai se casar com ele — afirma com voz firme. — Nunca
deixarei isso acontecer, sabe disso, não sabe?
Confirmo com a cabeça, consciente de que Misha jamais permitiria
que Holly me casasse com Casey à força. Ele é orgulhoso demais para
renunciar a essa obsessão. Não sei ainda ao certo se devo agradecer ou me
assustar com isso.
— Então, prepare-se, Bunny. Vamos ter uma noite perfeita —
sussurra, aproximando seu rosto do meu, os olhos fixos em minha boca.
Alguém bate na janela. Olhamos e vemos Casey. Misha se afasta,
encosta no banco, e abre a porta para sair.
— Senhorita Demory… — cumprimenta-me Casey ao abrir a porta,
surpreso. — Não pensei vê-la tão rápido novamente.
— Está desapontado, senhor Greyson? — pergunto, observando seu
olhar me percorrer de cima a baixo.
Ele sorri, um sorriso perfeito e chamativo.
— Como poderia? Não fazia ideia que estaria presente, sua mãe fez
questão que eu viesse buscá-la.
Noto que Misha nos espera, impaciente.
— Obrigada novamente pelo apoio — digo, tentando manter a
compostura.
— Não faz ideia de como fez meu dia ser melhor ao salvar sua
vida…. Misha, é um prazer revê-lo — declara Casey, olhando para meu
irmão.
— Pena que não posso dizer o mesmo, Greyson — responde Misha
com um tom gélido, deixando claro que há uma história entre eles que
desconheço.
Entramos na casa, seguindo para a sala de jantar. Um enorme
banquete nos espera e fico impressionada com a beleza. Cada detalhe
parece cuidadosamente pensado, desde a iluminação suave até a disposição
elegante dos móveis.
Holly nos observa com um sorriso, sentada próxima a Zack que
serve vinho.
Casey, puxa uma cadeira e me sento, ele toma o lugar na ponta e
Misha ocupa o meu lado. Começamos a comer.
— A ideia desse jantar, é nos conhecermos melhor — Casey declara
dando uma garfada na carne de caranguejo.
— Somos como uma família agora, já que Casey está com metade
da Wine Demory e nada melhor que nos unirmos. E onde está seu pai,
Greyson? — Olhamos para Holly que se pronuncia e em seguida para
Casey.
— Está viajando… — sussurra.
— Ele não estaria resolvendo algum dos seus problemas? — Misha
se pronuncia. Casey o encara. — Como a morte da sua ex-noiva?
— Misha! — repreende Holly. Misha sorrir.
— Tem algum problema comigo Misha? — questiona. — Pensei
que havíamos resolvido nossas diferenças, mais cedo ao assinarmos os
papéis para tocarmos juntos a WD. — Solta, olhando entre mim e ele.
— Não, apenas busco conhecer as pessoas que se aproximam dos
negócios da família e não, não resolvemos… Porque sabemos a verdadeira
intenção aqui — Misha afirma. Observo Casey, ficando impaciente.
— Garanto que não há nada que precise se preocupar, a morte dela
foi trágica. Suicidou-se. — O olho e seguro em sua mão. — Minha ficha
está limpa se essa é sua preocupação.
— Sinto muito, Casey — declaro, minha voz carregada de
sinceridade e ele confirma com a cabeça. Solto sua mão.
— Isso foi insensível da sua parte, Misha. Minhas condolências,
Casey — Holly diz, tentando mostrar alguma empatia.
— Misha, talvez esteja na hora de irmos… — Zack, finalmente, se
pronuncia, interrompendo o diálogo. — Temos coisas a fazer.
— Não vão ficar para a sobremesa? — pergunta Casey, tentando
aliviar a tensão, mesmo claramente desejando ao contrário.
— Zack, como podemos negar isso? — Misha fala com ironia,
claramente ainda ressentido.
A campainha toca.
Uma empregada atende e logo se aproxima da sala, com uma caixa
preta com um perfeito laço vermelho cor sangue.
— Senhor Greyson, chegou essa caixa para… — Ela olha em cima
o nome. — Mia Demory. — Todos me olham. Casey pede para me
entregarem.
Me coloco de pé e ao remover a fita, abro a caixa nervosa. Fecho os
olhos e ao abrir, um calafrio percorre meu corpo, olho para Misha, que dá
um sorriso. Todos esperam que eu diga o que é.
Se prepare, Bunny. Vamos ter uma noite perfeita.
A voz dele surge.
Nunca vi de perto, um… coração…
— E o que é? — questiona Holly.
— Eu… — Casey percebe meu incômodo e fica em pé e se
aproxima ficando tão surpreso quanto eu.
— Então? O que é? — Zack questiona.
Casey coloca a mão e o segura.
— Mas, isso não é… — Holly começa.
— Sim, é… — Casey responde. — Um coração humano.
Noto ter um papel branco.
O pego, ele está repleto de sangue.
“Feliz aniversário.”
Zack não se assusta, mas Holly está completamente horrorizada,
como nunca antes a vi.
— Como? O que faremos?
— Não faremos nada — Casey responde e coloca o coração no
mesmo lugar. O sorriso no rosto de Misha surge novamente, eles se
encaram.
Tudo dentro de mim grita que Misha matou alguém apenas para me
dar de presente.
“Meu coração é sempre seu, Bunny.”
Lembro de suas palavras há anos atrás.
— Acho que está na hora de irmos. Deixe que nós resolvemos isso,
Holly…
— Foi você não foi, garoto? — Holly questiona Misha, mudando o
semblante para fúria. — Sempre com seus joguinhos doentios. De quem é
esse coração?
— Não sei do que está falando. — Solta, bebendo vinho sem
demonstrar nenhum ressentimento.
— Holly, vamos — Zack insiste. — Não vamos tornar esse jantar
mais desagradável do que já foi.
— Casey… eu… — Ia pedir desculpas, mesmo ele não tendo ficado
assustado.
— Queria pedir para Holly… se me permitirem, gostaria de
conversar melhor com Mia a sós — pede, como um perfeito cavaleiro, e
espero a resposta dela.
— Claro, Casey. Não vejo porque não — afirma sorrindo e se
levantando para ir embora juntamente com Zack. Misha me encara, como se
esperasse uma discordância da minha parte.
— Misha, vamos. Lembre-se do que foi conversado — alerta Zack.
Misha se levanta e vai juntamente com eles.
— Sinto muito, foi uma péssima noite — afirmo. Casey se
aproxima.
— Seu irmão… Ele é seu irmão, certo? — questiona.
— Sim, ele é.
— Qual o lance entre vocês?
— Não sei ao certo como definir.
— Talvez ele tenha muitos problemas comigo.
— Por quê? — questiono sem entender.
— Porque quero te ver novamente. Pensei que se assustaria com o
coração.
— Eu sabia que em algum momento, aconteceria algo. Talvez
devamos marcar outro jantar, sem o Misha, é claro… Eu, você e…
— Sua família não me importa. E sim você, Mia. — Ele me
interrompe. — Desculpa, eu te assustei com minha sinceridade? —
questiona com um sorriso, que para mim é, malicioso, ao perceber que
fiquei sem reação.
— Na verdade, ultimamente nada mais me assusta, Casey. — Sou
totalmente sincera.
— Nem um coração humano. — Ele sorriu.
— Isso. — Sorrio com o humor mórbido dele.
Casey dá um passo mais perto de mim, invadindo meu espaço
pessoal. Seu olhar intensifica-se enquanto me observa.
— Eu sei a verdadeira intenção desse jantar. Holly quer me unir a
você, certo? — questiona, seus olhos fixos nos meus. — Não precisa
mentir.
— Sim — respondo, sentindo a sinceridade dele como uma lâmina
afiada.
— Era bem óbvio que ela quer que alguém da família esteja ao meu
lado para que eu não tome escolhas erradas. Não me orgulho do meu
passado, já fiz muitas coisas terríveis e talvez… eu ainda faça.
Fico surpresa com o quão sincero ele está sendo. A frieza de suas
palavras me atinge, despertando algo em mim que eu não sabia que existia.
— E por que está me dizendo isso? Seria tolice contar ao inimigo
que sabe de seu plano, certo?
— Porque eu sei que você não é um inimigo para mim, reconheço
um. E esse vestido…
— Para que me imaginasse de noiva.
— Claro, ela realmente sabe como fazer isso.
— Se não fosse tão esperto, cairia. A maioria cai nas manipulações
dela.
— E por qual motivo acha que não caí? — questiona, me
observando. É como se seu olhar tivesse fogo, pois sinto-me queimando
diante de seus olhos. — Você se casaria comigo?
Sorrio com seu questionamento. Esta noite está ficando cada vez
mais louca.
— Casar comigo te vincularia a uma maldição. Você nem me
conhece, Casey…
— Talvez já o suficiente. De toda forma, foi muito bom ter essa
conversa tão prazerosa e sincera com você, Mia. — Sinto a dupla intenção
na sua palavra que envolve prazer. — Acredito que se casarmos algum dia
será por amor ou obsessão, não acha?
— Nunca conheci alguém como você, isso é um fato, mas tenho
muitas camadas feias. Então a possibilidade de um dia me casar por amor
são poucas…
— Ser sincero me faz não ter que agir irracionalmente. Gosto de
deixar claro como me sinto para evitar maus entendidos. E sobre as
camadas, acho que não há ninguém tão feio quanto eu nesse sentido.
Sorrio. Sinto um misto de admiração e desconforto pela
transparência brutal dele.
— Bom, tenho que ir. Foi prazerosa a nossa sincera conversa,
Greyson — afirmo, repetindo suas palavras, tentando manter minha
compostura.
Ele segura minha mão, um toque é firme e quente, enviando uma
corrente elétrica através do meu corpo. Seu olhar penetra o meu, e por um
momento, sinto que ele está vendo minha alma.
— Feliz aniversário, Demory — ele diz, sua voz um murmúrio
baixo e rouco que reverbera dentro de mim.
— Obrigada, Casey… — sussurro. Ele não desvia o olhar do meu e
me questiono sobre o que exatamente o que ele pensa ao me olhar.
— Até logo… — declara e solta minha mão me permitindo ir
embora.
Nunca pensei que Casey Greyson seria tão intenso. Brutal em suas
verdades e sincero com o que deseja.
Nunca tive alguém na minha vida que falasse exatamente o que
quer, sem meias verdades.
Misha sempre foi manipulador, obsessivo. E dizer o que deseja
sentimentalmente nunca foi o lado forte dele.
Ao sair de dentro da casa, vejo que o carro de Zack sumiu e Misha
me espera encostado no dele. Sua expressão é uma mistura de frustração e
raiva, claramente irritado com o desenrolar da noite.
— Obrigada por essa noite perfeita… — Solto para provocá-lo,
sabendo que ele odiou o final e que não saiu como o planejado.
Ele me segura pelo braço e me prensa no carro com força, seu rosto
a centímetros do meu.
— Você é minha, não me faça te foder aqui…
Ofego com a agressividade de seu toque me pegando desprevenida.
Ele enfia a mão ao lado do meu vestido, seus dedos pressionando minha
pele de uma forma que é ao mesmo tempo dolorosa e intensamente familiar.
— Vamos… embora, Misha — peço, olhando fixamente nos olhos
claros dele, tentando manter a calma.
— O que foi? Não quer que Casey te veja gozando pra mim? — ele
sussurra, sua voz carregada de uma crueldade possessiva.
— Eu tô pouco me fodendo para Casey — afirmo, tentando manter
minha voz firme, apesar do tumulto interior que ele causa.
— Ah, é mesmo? — Misha responde, sua mão subindo mais, seus
dedos explorando meu corpo com uma propriedade que é perturbadora. —
Então, prove.
Fecho os olhos por um momento, tentando controlar minha
respiração, mas é inútil. O toque de Misha é intoxicante, uma mistura de
dor e prazer que sempre soube como despertar algo profundo em mim.
— Prove que não liga pra ele, Bunny. — Ele insiste, sua voz baixa e
rouca, cada palavra carregada de um desejo possessivo.
Sinto a raiva e o desejo se misturam dentro de mim, criando uma
tempestade de emoções que quase me sufoca. Abro os olhos e encaro
Misha, minha voz um sussurro firme.
— Não preciso provar nada pra você, Misha. Eu não sou sua
propriedade.
Ele sorri. Um sorriso cruel que não alcança seus olhos.
— Veremos sobre isso — ele diz, finalmente soltando meu braço,
mas não antes de deixar uma marca vermelha onde seus dedos pressionaram
minha pele.
Com um último olhar de desafio, Misha abre a porta do carro para
mim. Entro, tentando manter minha compostura, enquanto ele entra do
outro lado e liga o motor. O silêncio entre nós é pesado, cheio de palavras
não ditas e emoções reprimidas.
Enquanto o carro se afasta da casa de Casey, sinto que estou à beira
de um precipício, onde uma queda significaria me perder completamente.
E talvez, só talvez, uma parte de mim esteja pronta para pular.
Você deixou seus pés correrem livremente
A hora de todos cairmos chegou
Oh, antes da minha queda
Você teria coragem de olhá-los bem nos olhos?
Porque eles vão te perseguir
Até a escuridão
Sim, e eles vão perseguir você
Até você cair
E eles vão te perseguir
Até o seu interior
Até que você não possa mais rastejar
Way Down We Go, Kaleo

MISHA CROWN

Nada saiu como o planejado, e odeio quando as coisas fogem do


meu controle.
A frustração cresce dentro de mim, mas não posso deixar que isso
transpareça. Tomei a decisão de levar Bunny para nossa casa do lago, a
mesma em que demos nosso primeiro beijo, aquela que Holly abandonou
depois que se separou.
Quero que ela relembre tudo que passamos, o que somos. Ela não
pode esquecer que, apesar das tentativas de Dominic, ou de qualquer
esforço de Casey, temos uma conexão única.
Enquanto dirijo, o silêncio entre nós é pesado. Sinto o olhar de Mia
em mim, questionador, mas ela não diz nada por um tempo.
— Para onde estamos indo? — Finalmente pergunta, percebendo
que não estamos seguindo o caminho habitual.
— Estou te levando para onde tudo começou… — sussurro.
— E por que? — Sua voz é uma mistura de curiosidade e
desconfiança.
Me mantenho em silêncio, minhas mãos apertando o volante.
Eu sinto que estou perdendo.
A realidade é como um soco no estômago. A ideia de que ela
poderia se afastar de mim, seguir um caminho diferente, me enche de raiva
e outros sentimentos desconhecidos por mim antes.
Estou te perdendo… e sabe o que devemos fazer quando sentimos
isso? Impedir que se perca em um caminho, talvez, mais obscuro.
A voz de Holly grita em minha cabeça, sua sabedoria fria e
calculista ressoando em meus pensamentos.
Ao chegarmos depois de quase uma hora. A escuridão da noite
envolta em um silêncio inquietante, as árvores balançam ao vento gélido do
lugar.
Saio do carro e abro a porta para Bunny, que sai hesitante.
— A casa do lago — afirma.
Caminhamos em direção à casa, o som dos nossos passos ecoando à
noite. Abro a porta e a conduzo para dentro. Acendo a luz, a sala está
exatamente como deixamos. Cada móvel, cada objeto carrega as memórias
dos momentos que passamos, tanto bons como ruins.
— O que pretende com isso? — questiona sem compreender.
— Preciso que me responda algo… — começo, pego uma corda e a
seguro em minha mão.
Ela me observa, aguardando minha pergunta.
— O que sente por Dominic? — Espero sua resposta, sentindo um
queimor dentro de mim.
— Misha, eu…
— Eu estou te perdendo, Bunny? — Sinto um vazio dentro de mim,
tão profundo.
Estou tentando. Realmente tenho tentado me controlar, fazer o certo,
mas ela não ajuda.
— Misha… eu… não...
Ela vira o rosto pro lado hesitante, sem saber o que dizer e noto uma
mancha em seu pescoço. Me aproximo e passo o dedo sobre o local que sai
a maquiagem, e nitidamente é uma mordida.
— Dominic — digo baixo, sentindo ela estremecer contra meu
toque. — O que aconteceu entre você e ele?— insisto novamente.
Espero sua resposta. Não pode ser verdade, tenho certeza que é
apenas meus demônios internos querendo estragar com o pouco do
progresso que tive, ao me controlar e não matar todos que estão no meu
caminho, no nosso caminho.
Ela negou com a cabeça como se não quisesse falar.
— Antes de tudo quero que saiba que sua mentira terá
consequências e a verdade terá a pior delas — alerto, sentindo a raiva
queimando em minhas veias.
— Transamos. — Finalmente admite, sua voz mal saindo em um
sussurro.
Seguro seu rosto com força, apenas com uma mão.
— Você vê o que me faz fazer? Por que…
— Estou confusa… — admite. — Você… me deixa confusa, não
entendo porque esse desejo de me tornar alguém como você.
— Lembra daquele dia? — questiono, ao lembrar como tudo mudou
entre nós, depois de uma atitude perversa da Bunny.
— Eu não sei o que deu em mim, Misha… apenas…
— Bunny, não me faça arrancar a verdade. Você cavou esse poço.
Anos atrás, e mesmo que tente se fazer de vítima, a verdade ainda se
encontra no mesmo lugar.
— Não queria que aquilo continuasse… — diz.
A puxo para o lado de fora da casa e a levo até a trilha de árvores
que acaba no labirinto de roseira, Holly amava. Sei exatamente do que, ou
melhor, sobre quem ela está falando. A primeira morte não se esquece tão
facilmente.
— E o que disse naquele momento?
As lágrimas corriam do rosto dela.
— Eu sinto muito, Misha… — A puxo para mim e olho em seus
olhos. — Me perdoa.
— Fale o que continuou dizendo…
As lágrimas continuam escorrendo pelo rosto dela. O medo nos
olhos dela é claro, mas ainda há uma sombra de desafio.
— Eu disse… que faria qualquer coisa para que você fosse só meu
— ela admite, a voz tremendo, mas com uma firmeza subjacente.
— E agora, você apenas decidiu esquecer tudo e ficar com ele?
— Seus joguinhos estão me deixando confusa…
— Somos iguais, desde o início. Holly nos quebrou e para sempre
seremos assim, Bunny. Pessoas comuns nunca entenderão isso.
— Sim! Você está certo! — afirma, puxando seu braço, dou um
sorriso. — Eu sou uma maníaca e impulsiva, mas…
— Não me culpe pelo seu transtorno. Quando fez aquilo estava se
medicando, lembra? — questiono, passando um dedo entre seus lábios
avermelhados. — É obcecada por mim, e sente prazer em me ver sair do
sério, não é, minha doce Bunny? — Pressiono-a confessar.
— Sim… — diz baixinho.
— Não sabe quanto tempo esperei para te ouvir dizer isso… —
declaro. — Não vou permitir te perder para nenhum outro homem. Você é
minha. — Deixo claro novamente e continuo a puxá-la até chegar em um
labirinto de roseiras.
— O que vai fazer comigo? — questiona. Levo-a firmemente pelo
braço até a parte mais densa da roseira. Os espinhos estão à vista,
ameaçadores e afiados. Ela não puxa o braço, tentando resistir, sei que no
fundo deseja isso.
O vento gélido sussurra através das folhas, ecoando na tensão entre
nós.
Ao chegarmos à área desejada, empurro-a contra os espinhos da
roseira. Suas costas arqueam de dor enquanto sua pele é machucada através
do vestido de noiva que Holly a fez usar nesse jantar ridículo. Amarro seu
corpo com a corda pela cintura, apertando contra a enorme parede de
espinhos.
— Misha… — implora, como se fosse um maldito gemido.
Pego um de seus pulsos, afrouxando o aperto da corda nele e o
amarro com um galho espinhoso que está ali aperto. Ela solta um gemido,
quando os espinhos adentram sua pele e o sangue escorre. Faço o mesmo
com o outro, a deixando totalmente imobilizada, e em vez de um grito de
dor, um gemido suave escapa entre seus lábios, seus olhos brilhando com
um prazer sádico.
Com um movimento decidido, rasgo um pouco do tecido do vestido,
deixando exposta suas pernas. Ela grita, mas consigo perceber a excitação
em sua voz.
— É assim que me sinto ao saber que foi traído… — sussurro em
seu ouvido, minha respiração quente contrastando com o frio ao nosso
redor. A vejo fechar os olhos com minha proximidade. — Nada melhor que
uma dolorosa punição. — Ela me olha, esperando meu próximo passo. —
Ele tirou o que era meu? — questiono, levantando suas pernas a fazendo
circular em minha cintura, para que sinta minha ereção. Ela morde o lábio.
— Me responda! — ordeno.
Aperto o lado direito do seu pulso, rasgando também a carne da
minha mão com os espinhos, mas fazendo com que o sangue escorresse
mais dela, sujando seu vestido com o líquido vermelho me deixando mais
excitado. Ela geme mais alto, o cheiro metálico do sangue invade meus
sentidos, aperto seu pulso com mais força, quando não me responde e sinto
o sangue quente escorrer entre meus dedos, unindo-nos em um pacto
sombrio e carnal.
— Sim… — confessa, sua voz trêmula, mas carregada de uma
estranha satisfação.
— Eu sabia que gostava disso… — murmuro com minha voz rouca.
Bunny morde o lábio, tentando conter os gemidos que escapam de
sua boca.
Minha mão coberta pelo seu sangue desliza para baixo, apertando
suas coxas, meus dedos traçam linhas de desejo e posse. Seu corpo
responde imediatamente. Seus gemidos tornam-se mais urgentes.
— Da dor, prazer e a adrenalina…
Removo minha mão, seus olhos descem para elas, ensanguentada, a
visão do sangue a enfeitiçando. Lentamente, ela se inclina para frente, sua
língua toca a ferida aberta, e ela lambe o sangue que escorre de minha
carne. O calor de sua língua contrasta com a dor lancinante, criando uma
sensação que é ao mesmo tempo insuportável e viciante.
— Bunny… — murmuro, sentindo um novo tipo de excitação
percorrer meu corpo, como um aviso que não pararei até terminar.
— Está chateado? — questiona, parando com um tom provocativo.
— Em saber que ele tirou o que você me prometeu que faria? Me foderia…
— Te foderia até desmaiar…
Com minha outra mão que a seguro debaixo do vestido e aperto a
coxa com força, sentindo seu músculo tremer sob meu toque.
— Eu sei do que é capaz… — sussurra ela continua com as pernas
em volta da minha cintura.
Me afasto, e ela continua no mesmo lugar, presa, agora de ponta de
pé e com o sangue escorrendo de seus pulsos, pelo impacto do meu
afastamento.
Abro minha calça, tiro a cueca e camiseta social botão por botão e
ela olha para baixo, com seus lábios entreabertos. Meu pau está duro, com o
líquido de pré-gozo sobre ele. Me aproximo e a puxo novamente pra cima,
ela geme ao sentir o quanto está duro.
— Misha…
— Diga porque transou com ele… — peço, afastando a calcinha
dela sentindo sua boceta completamente molhada. — Sabia que isso o
destruiria…
Ela geme como uma súplica para que a penetrasse, coloco apenas a
cabeça e saio Ela choraminga.
— Fale para mim, e te darei o que quer, e chega de preliminares —
prometo.
— Queria saber se era o mesmo sentimento que tinha por você. —
ela confessa. — Mas…
— E como foi? Gostou de me trair? Ele te fez gozar ao menos? —
pergunto, sabendo que ela não responderia.
Puxo a corda a fazendo ficar solta na cintura e penetro dentro dela
que arfa. As paredes de sua boceta me apertam, as costas dela se esfrega
contra a roseira a cada vez que meto com força sem nenhum carinho,
apenas com crueldade. Ela geme.
— Me diga que o ama…
— Eu não o amo…
— Diga que ele tem esse seu lado obscuro.
— Ah… Só você tem… — fala. Vejo-a querendo mexer os braços,
como se desejasse me tocar, a cada pressionada escorre mais sangue. —
Misha…eu…
— Diga, Bunny.
— Vou gozar… — Ela estremece, e solta um grito alto, o sangue
escorre cada vez mais de seus pulsos. — Misha…eu não quero morrer… —
implora, mesmo ainda no êxtase do clímax.
— A farei gozar novamente e minha porra estára dentro de você… a
tempo, antes de morrer, eu prometo — sussurro em seu ouvido, ela se
mantém calada.
No fundo era o que eu desejava e ao mesmo tempo queria que ela
sofresse as consequências de seus atos. A seguro na cintura e impulsiono o
quadril cada vez mais em direção a sua boceta que engole faminta meu pau.
A sensação de prazer, dor e sangue me deixa cada vez mais duro e disposto
a fodê-la de uma forma que nunca esquecerá. Bunny se encontra com os
olhos fechados como se tivesse ficando sem forças e, mesmo assim, os
gemidos baixos saem de sua boca.
Eu sabia o quanto aquilo era arriscado, a roseira tinha um veneno e
ela estava perdendo sangue, mas era excitante demais para parar.
— Mais forte… — pede e continuo. Insanamente de uma forma
dolorosa e deliciosa, sinto meu corpo todo explodindo de um prazer que não
sabia ser possível sentir antes, até agora.
— Bunny… — Solto, e a sinto escorrendo novamente sobre meu
pau.
Logo em seguida meus jatos de porra é liberto dentro dela. E um
sorriso delicioso aparece em seus lábios, e logo em seguida ela apaga.
Sorrio.
Tiro meu pau de dentro dela e visto minha cueca e calça, deixando
de lado minha blusa social. Removo-a das amarras e a coloco em meus
braços, sentindo meu coração acelerar ao perceber que os cortes foram
profundos em seus pulsos, o suficiente para cortar alguma veia importante
para manter seu corpo vivo.
Tão vulnerável e inocente, vestida com um vestido perfeito de
noiva, repleto de sangue agora. A levarei até a casa do lago, onde cuidarei
dela.
Eu queria o sangue dela, a dor.
Mas lutei contra todo o lado obscuro que ansiava pela sua morte.
“Não há saída para fora da mente?”
- Sylvia Plath
Não, nunca houve um antídoto
para alguém como eu, ha
Não consigo olhar como se estivesse
assistindo a um thriller
Não se apaixone pelo vilão porque
você só vai querer matá-la (...)
As pessoas me chamam de neurótico
Mas se estou sendo honesto,
sou apenas demoníaco
Coloque o calor no psicótico (Psicótico)
Psyc(hot)ic, Rachel Lorin

CASEY GREYSON

Eu os vi há dois dias, e ao contrário do que deveria, não parei Misha


Crown de torturá-la, muito menos de fodê-la tão brutalmente como o fez.
Senti uma onda eletrizante de prazer em ser apenas um voyeur. Os
observar de perto foi tão divertido quanto nosso jantar. Tinha convicção que
Misha a puniria, e ansiava por isso, pois queria conhecer os métodos que a
fez se sentir tão atraída por alguém de seu próprio sangue.
Mia Demory sempre foi um alvo.
Se parece tanto com ela…
Sempre sonhei com alguém como ela. Inocente e cruel. A deliciosa
combinação que minha vida vazia e faminta precisa.
Diferente da mulher por quem definhei anos atrás. Ela entende o
verdadeiro significado de estar viva.
Não a conheci na universidade, muito menos no jantar. Tenho fotos,
vídeos, um quarto repleto de informações sobre como foram seus 5 anos,
desde que sua mãe, uma puta psicopata afastou ela e Misha.
Eles cometeram atrocidades juntos, e eu invejo isso. Sempre ansiei
alguém tão insano quanto eu.
Sei de todos os segredos mais obscuros dela, nada que me assustou
apenas me atraiu cada vez mais.
Por isso fiz meu pai passar a metade da Wine Demory para mim. E
não precisou de muito esforço, principalmente quando deixei claro as
provas de que estava sacando dinheiro para mandar para sua amante. Ele
não aceitaria ser exposto e, muito menos, perder minha mãe, por quem diz
sentir tanto afeto.
Me questiono se ele realmente a ama, ou apenas está acostumado
com a rotina e sua presença.
Quando criança desejava morar em um lugar onde havia uma época
de neve. Sentir os flocos gelados encostando em minha pele, casacos e
botas, encontrar montanhas enormes, brancas, em cada lugar que andar pela
cidade.
Hoje é o primeiro dia em Innsbruck do mês da nevasca. Um imenso
frio capaz de matar qualquer um que não fique próximo de um aquecedor
ou esteja devidamente aquecido.
Há épocas de vento gélido, porém é suportável para os moradores e
o mês do “inverno cortante”, como muitos chamam. Por isso, fazem leilão,
mas não um qualquer, e sim para arrecadar fundos e pessoas voluntárias
ajudam as pessoas que precisam. Mas nesse ano, além do leilão, terá um
baile.
Há muitos acidentes nessa época, desaparecidos. O que ajuda na
seita “O Vazio”.
O mesmo baile em que levarei Mia Demory ou ao menos está em
meus planos. Onde teremos a reunião com membros importantes.
Ouvi os feitos de Misha, mas presenciar o ato, só me deu a certeza
que mataria qualquer um. Por ela.
Mikai me explicou a situação e sobre os planos de Holly. Devo ter
deixado algo passar por não ter percebido tão rapidamente que por trás
dessa ideia de jantar, ela jogaria Mia para mim.
Odeio pessoas que mentem, tentam me manipular ou traem minhas
regras e ordens.
Matar Beatrix não foi difícil.
Mas também não foi uma tarefa fácil.
Eu cometi muitos erros. Dependência química e me expondo ao
extremo em nome do amor. Uma maldita mulher que me trouxe a ruína, por
amá-la demais e não ser compreendido.
Entro no manicômio abandonado, na Ala 5, sentindo o ar pesado.
Uso o meu jaleco branco impecável, o tecido macio — contrasta com a
frieza do ambiente — e maleta.
A inicial do meu nome e sobrenome bordada no peito destaca-se
ligeiramente sob a luz amarelada e fraca que entra pelas frestas das janelas
quebradas. O chão do corredor está coberto por uma camada espessa de
sujeira e detritos. Marcas do abandono e da decadência, onde cada passo
ecoa no mórbido silêncio deste lugar.
A porta da sala de necropsia range ao empurrá-la, revelando um
espaço manchado pela negligência. As paredes, antes brancas, estão agora
sujas, exibindo marcas de mofo e descascamento.
No fundo, as gavetas do necrotério alinham-se e dois carrinhos de
ferro se encontram no centro da sala, brilhantes ao contrário do resto. Já à
minha esquerda, uma maca solitária repousa sob a luz fria de um refletor,
destacando o corpo inerte, delineando cada contorno. Aproximo da
extremidade da maca, onde uma prancheta repousa, presa na base dos pés
do próximo cadáver. As informações que encontro são breves e essenciais.
Nome: Nikolai Hubron
Idade: 39 anos
Órgãos solicitantes: Rins e coração
Tipo sanguíneo: O-
Família: Sem familiares em Innsbruck
Rins e coração. “O” negativo.
Essa combinação invade minha mente como um zumbido constante,
lembrando da raridade e valor que carrego em minhas mãos. Meus olhos se
fixam no rosto de Nikolai, o homem que agora jaz à minha frente. Sua pele,
enrugada e castigada, traz consigo as marcas de uma existência dura,
carregada de peso. Linhas profundas como cicatrizes de batalhas travadas
em silêncio, histórias que ele jamais contará. Quem foi Nikolai? Que
segredos guardava para si? E por que não tem ninguém aqui que reclame
por seu destino?
Perguntas que se perdem na escuridão, sem jamais encontrar
resposta. Nikolai está aqui por uma razão, e essa não requer explicações ou
justificativas. O final trágico que o aguarda não deixará espaço para
qualquer reflexão.
Ele foi capturado há poucas horas, ainda deve ter droga circulando
em suas veias e, provavelmente, já apagou toda consciência. Anestesiando a
dor, entorpecendo os sentidos.
Nikolai não sentirá sua morte.
Para mim, isso é quase lamentável.
Este manicômio foi escolhido não apenas por seu estado de
abandono, mas também pela sua localização isolada, longe de olhares
intrusos. Ninguém nos encontrará aqui.
O relógio marca exatamente duas horas da madrugada. A aurora
ainda não chegou, mas eu já recebi meu primeiro paciente.
Nikolai é o primeiro de cinco.
A fila que me espera é longa, e o tempo é meu inimigo.
Mikai me escolheu para este trabalho por uma razão. Ele sabe que
sou o melhor no que faço. Minhas mãos nunca falham, meus cortes são
precisos. Uma execução perfeita — arrisco dizer —, como a lâmina afiada
que desliza pelo tecido macio da carne.
Puxo um dos carrinhos para mais perto do corpo. Tiro da gaveta
uma caixa refrigerada para colocar os rins e outra o coração. Coloco-as
sobre o carrinho e aproximo o outro, deixando minha maleta sobre ele.
Pego as luvas e as coloco. A última coisa que preciso é de que minhas
digitais fiquem em seu copo ou que os órgãos peguem infecção por
descuido meu.
Ah, claro, a presença ameaçadora de Misha. Ele poderia usar
facilmente este erro para fazer o que tanto anseia: me eliminar.
Com um último olhar para o rosto apagado de Nikolai, dou início ao
procedimento.
O brilho da lâmina cintila, e o primeiro corte rasga o silêncio. Cada
movimento meu é meticuloso, como uma dança ensaiada, uma sinfonia
macabra que só eu posso ouvir.
Os primeiros órgãos: os rins. São retirados, colocados dentro da
caixa e a fecho.
Não há hesitação, muito menos erro.
A mente se esvazia de todas as perguntas, de todos os pensamentos.
Não há espaço para isso agora.
Apenas o som do bisturi cortando a carne e o ritmo constante da
respiração.
Cinco corpos. Cinco procedimentos. E tudo deve estar concluído
antes que o sol se levante.

Finalmente terminei. Três horas e meia de trabalho meticuloso,


removendo os órgãos dos corpos que os homens de Misha trouxeram. Eles
os levaram imediatamente para os destinatários — pessoas que pagam
fortunas por esses pedaços de carne, frios e inertes, mas carregados de
valor.
O brilho do metal, o cheiro de sangue fresco, tudo agora se mistura
em uma névoa de exaustão e um estranho senso de satisfação. Estou coberto
de suor e sangue, marcas de um trabalho bem-feito, mas sujo.
Caminho até o banheiro para limpar meu rosto e braços.
O jaleco, antes impecável, está manchado, pesando em meus
ombros, uma lembrança do que aconteceu. Um dos pacientes acordou no
meio do procedimento, o tranquilizante falhou ou talvez não tenha sido
suficiente. O caos que se seguiu foi rápido, brutal, uma explosão de sangue
e movimento. Não me incomodou; na verdade, trouxe uma adrenalina que
há tempos não sentia.
Essa tranquilidade forçada, essa falsa compaixão, sempre me
pareceu entediante. Mas Mikai insiste que é necessário, por precaução, no
caso de uma fuga. Ele tem razão, embora raramente algo dê errado.
No banheiro, retiro as luvas e o som da água da pia correndo circula
contra as paredes. O espelho reflete minha imagem, distorcida pelo cansaço.
As manchas vermelhas que tentam se misturar com a água. Esfrego o
sangue que se encontra em meus braços com uma bucha, tentando apagar as
marcas físicas, mas ciente de que as mentais permanecem. Estou imerso
nesse processo, quase esquecendo o mundo exterior, quando ouço a porta
abrir.
E claro que ele viria até aqui.
Não preciso olhá-lo para saber quem é.
— Veio marcar seu território, Misha? — Continuo me limpando
com a bucha, olhando-me no espelho e o observando sobre ele.
— Acho que devemos conversar melhor.
— Não sabia que tinha permissão de vir até aqui.
— E não tenho — afirma Misha, encostado na porta de entrada
usando nossas costumeiras roupas sociais. Calça preta e blusa de botões a
clássica branca.
É como se vestindo-as nos tornemos pessoas normais, o que não
somos.
— Está ultrapassando limites, Misha. Mikai não gostará disso —
declaro, e ele me olha com um sorriso no rosto.
— Pode até haver limites, Casey. Entre mim e você, mas saiba que
Mikai é o único que me impede de te matar, pois honro minhas palavras.
Mas Mia…
—Mia, minha futura noiva — confirmo para provocá-lo, e viro para
ficar de frente a ele.
—Só porque Holly quer isso, não significa que ela deseje. Muito
menos acontecer imprevistos que possam impedir essa união.
— Isso é uma ameaça? — questiono, fechando a torneira e soltando
a bucha. Enxugo meus braços na toalha branca e ando para mais perto dele,
mas mantenho uma distância segura entre nós.
— Não. Coisas ruins acontecem na vida como o suícidio da sua
noiva Beatrix. — Fecho o semblante no exato momento em que ele joga o
mais baixo possível, usando-a contra mim. — O que é uma pena, de
verdade mesmo, Casey. Nem todos aceitam os nossos defeitos, certo? E
Beatrix, era uma dessas pessoas, não é?
— Beatrix não te diz respeito, Misha. Talvez Mia perceba a tempo
que seus defeitos podem matá-la apenas para te satisfazer.
— Existe essa possibilidade, mas também imagino facilmente seu
rostinho, ao perceber o quanto gostou de tudo que fiz com ela. E pode
acreditar que foi assim. Eu sei que estava lá, Casey. Gostou de prestigiar o
nosso momento de prazer?
— A única coisa que realmente vou gostar é de tê-la todos os dias
ao lado da minha cama. Como minha esposa, algo que nunca terá.
Misha anda até mim, pronto para atacar, porém uma sombra surge
atrás dele me fazendo parar de falar, e quando olhamos encontramos Mikai.
A tensão no banheiro é palpável. Eu e Misha nos encaramos como
dois predadores.
Mikai avança lentamente e cada passo seu faz o chão parecer tremer.
Sua presença é uma mistura de autoridade, um poder incontestável.
— Misha. — A voz de Mikai corta o clima. — Você sabe que sua
presença aqui não é bem-vinda.
Ele o olha com cara de desdém, como se tivesse odiado sua presença
em um local, onde claramente apenas os que são permitidos podem
comparecer.
Misha se endireita, a expressão dele muda de raiva para uma
calmaria inquietante. Ele sorri, mas é um sorriso venenoso que não alcança
seus olhos.
— Mikai, só estava me certificando de que Casey entende sua
posição — ele diz e muda a postura, agora com a voz arrogante.
— Entendo que estão com problemas de masculinidade por uma
garota, mas espero que não precisem de uma lição. Não hesitarei, se for
preciso — Mikai rebate, sua voz baixa, mas carregada de ameaça, olhando
para nós. — Porém preciso dos dois. Então, comportem-se como foram
ordenados. A menos que ela seja mais importante do que o desejo de
sangue que ambos têm. Tenho certeza que aqui é uma forma boa de libertar
os demônios que os atormentam.
Misha mantém o olhar fixo em Mikai por alguns segundos e depois
nos encaramos. Sabemos que ele tem razão.
— Claro, Mikai. Como dito antes, não o encostei. — Misha chama a
atenção de Mikai, que me olha, esperando alguma resposta, mas não vem.
— A seita para mim, é como uma família. O que menos quero é perder isso,
mas machucar Mia não terá perdão para mim, consegue me entender?
Apesar de tudo ela ainda é minha… irmã.
Ele solta com dificuldade o “irmã”, como se odiasse proferir tais
palavras alto.
Dou um sorriso com seu desgosto.
Ele lança um último olhar para mim, que promete que isso está
longe de terminar.
— Casey não machucará Mia, ela é uma de nós, assim como Holly é
importante para Zack… — Misha o olha sem compreender, eu também o
encaro.
Zack e Holly? O que isso significa?
Misha não rebate, apenas sai do banheiro indo embora com a
confirmação que esperava.
Respiro fundo, tentando controlar a raiva que ainda tenta me
possuir. Olho para Mikai, que agora está totalmente focado em mim.
— Não deveria ter caído nas provocações dele, Casey — Mikai me
repreende, cruzando os braços.
— Misha cruzou a linha, Mikai. Ele falou sobre ela… — Minha voz
é um rosnado baixo, a dor e a raiva à flor da pele.
Mikai suspira, suavizando um pouco sua expressão.
— Independente de qual seja seu interesse por ela, realmente vale a
pena ter Misha como inimigo? As ordens que dei a ele servem para você
também, Greyson. Não machucamos nenhum membro da seita. — Mikai
coloca uma mão firme no meu ombro. — Não sou um homem paciente,
mas considero muito Misha e você por causa do antigo líder, a quem ainda
tenho total respeito e sei que não o escolheu à toa. Realmente é bom no que
faz, mas se for para escolher entre vocês, eu a escolherei — expõe e se
afasta.
— A mataria? Sabe o que Misha faria? — questiono usando Misha,
mas no fundo sei que ela também significa algo para mim. A vida dos meus
sonhos.
— Casey, eu não a mataria, apenas daria um jeito para que essa
garota não seja mais um problema entre vocês, para que não chamem
atenção desnecessária. E como Misha disse, coisas ruins acontecem na vida
— declara.
Mesmo que não tenha usado as palavras, sabia que ele a mataria se
fosse necessário. Caso as coisas saíssem do nosso controle, faria o mesmo
se fosse ele.
Resolver o problema com facilidade e rapidez.
E isso só me fez perceber que ele estava ali o tempo todo, nos
ouvindo esperando apenas o momento certo para aparecer.
— Certo — concordo, embora a chama da determinação ainda
queime em meus olhos. — Mas se ele tentar alguma coisa, não vou hesitar.
Mikai assente, e vejo um brilho de compreensão em seus olhos.
— Não esperaria nada menos de você, e muito menos de alguém
como o Crown. — Ele sorri, e a tensão entre nós começa a dissipar. —
Agora, vamos. Temos muitas coisas ainda para fazer, e a noite conto com
sua presença na nossa reunião que será no baile. Levará alguém?
Sigo Mikai para fora da sala, mas a tensão persiste, enquanto
caminhamos para fora.
Entendo os riscos entre mim e Misha, e que estamos em uma corda
bamba em que os dois podem cair.
Mas desde que eu tente, não sinto medo de perder. Mia fará sua
escolha, entenderá o que é melhor para ela. Tenho certeza que posso dar
tudo que precisa: dor, carinho, prazer, adrenalina e, claro, alguém para
chamar de amor.
Nosso sentimento será tão puro quanto o sangue que escorre dos
inocentes escolhidos para a morte. Para salvar as vidas de pessoas tão
imundas quanto nós.
— Tenho alguém em mente, só não sei se ela aceitará. — Solto e ele
apenas concorda, deixando claro que será de extrema importância essa
reunião.

Passo pelos corredores da universidade. E, ao contrário de horas


atrás, estou usando agora uma calça azul escura, blusa de botões branca,
gravata vermelha e sapatos pretos. Um conjunto completo social.
Ao chegar perto da sala de aula de literatura, avisto Mia e sua amiga
Liberty se aproximando e, para minha alegria — ou deveria ser tristeza? —,
Misha vem logo atrás. Forço um sorriso.
— Bom dia, senhorita Rydell — declaro, ela dá um sorriso e adentra
a sala. Mia para em minha frente.
— Bom dia, Casey.
— Bom dia, Mia. — Observo como ela está perfeita usando uma
saia rodada branca, camiseta social de botões manga longa preta e a gravata
vermelha. Quando Misha está se aproximando pergunto: — Aceitaria ir
comigo ao baile de “Inverno Cortante”?
Ela fica calada, nitidamente surpresa com meu convite repentino.
— Um baile? Isso é tão… inesperado, pensei que não existissem
mais, além, é claro, dos leilões para ajudar os necessitados. Isso é
maravilhoso, significa mais ajuda! — justifica-se. Ela pode sim ser sádica,
mas no fundo existe um lado que sente prazer em ajudar os outros.
— Bom, esse ano decidiram fazê-lo. Dizem que o frio será mais
cruel esse ano, e não é medieval, portanto não precisará se vestir tão
casualmente — afirmo, sorrindo. — Mas, então… Mia Demory, aceita? —
insisto na pergunta e noto que Misha nos observa parado.
— Não tenho roupa para um baile.
— Claro que tem! — afirmo ao lembrar o estado que Misha deixou
o vestido de noiva. — Use aquele que vestiu no nosso jantar, o de noiva, é
um baile à fantasia, pode até abusar na decoração.
Ela parece meio receosa e me olha novamente como se buscasse as
palavras corretas.
— Não sei se ele está em bons estados.
— Irei de noivo cadáver, para acompanhá-la — influencio. Ela sorri.
— Tudo bem, Casey.
— Te pego às cinco em casa?
— Na verdade estarei na catedral nesse horário, então, pode me
buscar lá que iremos. Estarei pronta.
— Vai realmente ir vestida de noiva cadáver pra catedral? O padre a
repreenderá.
— Nem se preocupe, cuidarei de Dominic. Me buscar em casa não é
uma boa opção, a menos que Misha não esteja.
— Misha, o que? — A voz dele invade nossa conversa, ele
questiona, me olhando e em nenhum momento desviou sua atenção.
— Irá ao baile hoje, Misha? Soube que Holly e Zack viajaram a
trabalho. — Solto, esperando sua resposta.
— Tenho que ir, já que a Wine Demory será uma das doadoras de
fundos para o baile — responde secamente e volta a atenção a Mia.
Não falo mais nada, mas olho para Mia que me entende. Ele
respondeu a pergunta dela, e às cinco estarei lá na Catedral, mesmo que
desejasse buscá-la em casa.
Me afasto deles, como se nada tivesse acontecido.
Agora se passou tempo o
suficiente para falar sobre isso
Comecei a não duvidar
Apenas entendi. (...)
Eu já não dei o suficiente, dei o suficiente?
Eu já não dei o suficiente, dei o suficiente?
Sempre a tola com o coração mais lento
Mas sei que me levará com você
Viveremos nos espaços entre as paredes. (...)
Apagando enquanto a noite se transforma em dia.
Gilded Lily, Cults

MIA DEMORY

Alguns dias atrás

Ao abrir os olhos, meus sentidos foram lentamente voltando, como


se eu estivesse emergindo de um mar profundo. O primeiro som que ouvi
foi de uma respiração suave, que ao olhar em direção, constato ser de
Misha. Ele está sentado na poltrona ao lado da cama, seus olhos fixos em
mim, cheios de uma calma perturbadora.
— Bunny… — Sua voz corta o silêncio do quarto familiar e ao
mesmo tempo carregada de algo que não consigo identificar de imediato.
— Misha — respondo, a garganta seca e rouca, as palavras parecem
estranhas em minha boca. Ele estende um copo d'água na minha direção, e
eu o aceito, os dedos trêmulos roçando os dele. Bebo devagar, sentindo a
água fresca descendo pela minha garganta, tentando me agarrar à sensação
real de estar acordada. — O que houve? — pergunto.
— Você ficou em coma — diz, seus olhos nunca se afastando dos
meus.
Sinto uma onda de choque atravessar meu corpo. Músculos se
tensionando, mas permaneço imóvel, apenas encarando-o.
— Por vinte e quatro horas, recebendo uma transfusão de sangue.
Perdeu muito. O suficiente para ficar apagada e seu corpo pudesse se
recuperar.
— Apagada… recuperar? — São as únicas palavras que minha
cabeça consegue compreender.
Misha apenas assente, um brilho enigmático em seus olhos,
enquanto eu tento juntar as peças do que havia acontecido. E então, os
flashes começam a voltar momentos antes de eu desmaiar.
— A farei gozar novamente e minha porra estará dentro de você… a
tempo, antes de morrer, eu prometo.
A primeira imagem vem carregada do sentimento intenso que senti
naquele momento. Prazer e dor. A sensação de estar finalmente com ele, em
seus braços.
— Mais forte…
Eu pedi. Por isso.
E houve consequências para que eu pudesse estar viva agora.
Nossas palavras, seu toque me deixando totalmente imobilizada,
estão gravadas em mim, uma marca impossível de apagar. Igualmente as
que foram deixadas pelos espinhos por todo meu corpo.
Olho para meus pulsos enfaixados, ainda tomo um líquido na veia.
Entrego o copo e Misha o deixa no criado mudo que se encontra ao lado da
cama.
— Não o ama. — Ele havia declarado com um sorriso, e por algum
motivo, nesse momento, percebi um resquício de alívio em sua voz.
Como se finalmente tivesse compreendido que o amor não é uma
escolha, simplesmente acontece.
Misha, atento a cada mudança em minha expressão, nota meu
silêncio e se levanta da poltrona, aproximando-se da cama. Eu o observo, o
coração batendo descompassado, uma parte de mim querendo se afastar,
enquanto a outra anseia por sua proximidade.
— Não vai me culpar pelo que aconteceu entre nós, vai, Bunny? —
A pergunta paira no ar, carregada de expectativa.
Como o culparia? Se o provoquei.
Depois de Dominic, no mais obscuro lado da minha consciência,
desejava que Misha tomasse uma atitude. Provasse que nós éramos bons
juntos, mesmo que destruíssemos um ao outro ou a todos ao nosso redor.
Tenho evitado, mas tudo em mim faz com que o lado cruel dele
apareça. Depois desses dias, muitas coisas aconteceram e o que menos
quero agora é ser a garota perfeita, a filha dedicada.
Holly sempre foi cruel. Talvez eu não quisesse aceitar por ela ser
nossa mãe. Mas é a mais crua verdade.
— Não… eu sei que pedi por isso. E lembro o quanto gostei, até
mesmo da sensação da morte.
Misha sorri. Um sorriso que me fez arrepiar, deixando claro o quão
satisfeito está por eu finalmente não o ter culpado pelo que aconteceu entre
nós. Onde ele se permitiu ficar feliz por esse progresso. Se é que… como
posso declarar nossa relação? Não sei ao certo se isso é amor.
Mas isso é de fato um progresso?
— Isso é… — Misha inclina-se mais em minha direção, e fica sem
saber o que falar, apenas colocou a sua mão quente no meu rosto e o alisa
com total devoção. Seus olhos fixos nos meus a todo momento, com
intensidade, e com uma mistura de sentimentos dançando sobre eles.
O que está mudando?
— Você está de volta para mim, Bunny? Como minha coisinha
cruel? — questiona. A cada palavra que sai de sua boca, seus olhos caem
em meus lábios entreabertos com sua pergunta. — Está finalmente pronta
para mim?
Eu sei que aquelas perguntas, por mais que parecessem nocivas, tem
um grande significado. Principalmente para Misha.
— Antes de respondê-lo, me pergunto. O que mudou? Por que essa
ideia repentina de me trazer aqui? Por que me tomar como sua agora? Eu
sei que gosta de joguinhos, ou já estava em seus planos me consumar dessa
forma?
Misha não se afasta, pelo contrário continua traçando linhas
invisíveis contra minha pele. Agora mais sério, sem seu sorriso. Tenso,
como se o que estivesse perto de revelar fosse algo totalmente diferente do
que já disse.
— Sempre deixei claro o quanto te queria. Acha que esse
sentimento não me assustou? Eu sinto em cada centímetro do meu corpo
essa atração por você. Tentei me manter longe, sabia que podia ser um
descontrolado de merda com você e acabar te machucando. As torturas que
sofri não me tornaram alguém melhor. Até que… você, a última das pessoas
que imaginei ter um lado que poderia ser incompreendido... Matou Scarllet.
— Fecho os olhos com suas últimas palavras. — Sabia o que ela significava
para mim, Bunny. E isso foi depois que me declarei e me rejeitou, mesmo
com seu transtorno. Sua rejeição despertou mais ainda meu lado cruel,
principalmente depois de matá-la.
A lembrança de como tudo aconteceu volta como um turbilhão.
Primeiro, nos beijamos nesta mesma casa, um beijo carregado de desejo e
confusão. Depois, quando descobri meu transtorno, o rejeitei. Achei que
isso afastaria Misha, que ele se distanciaria, mas deixou claro que não se
importava e nada mudaria para ele.
Por um tempo, eu me convenci de que poderia deixá-lo ir, que
viveria com minha decisão. Mas, então, veio Scarllet. Ela apareceu na vida
dele, ocupando um espaço que eu não conseguia suportar. Misha a
conheceu, se envolveu e aquilo me consumiu de uma maneira que não
estava preparada para lidar. Sabia que estava começando a amá-la.
Fiquei surpresa quando o vi com ela. Me senti rejeitada. Era como
se tudo que havia me dito antes não tivesse significado nada. Eu não fosse
mais nada, além de palavras descartadas. A fúria, o ciúme, e a dor de ver
Misha com outra mulher, com Scarllet, despertaram algo sombrio dentro de
mim. Algo que nem sabia que existia.
Depois da morte dela, tudo mudou… Aiden, Ocean… e os
acontecimentos que nos fizeram tornar nossas almas obscuras.
Ele me ajudou com o corpo dela. Sim. Eu matei Scarllet Miller, por
não aceitar que Misha tinha outra em seu agarre.
Sabia que as palavras dele não eram mentira, não podiam ser. Senti
como um golpe a intensidade, e o quanto isso mexeu com ele.
Ele hesita por um momento, ficando em silêncio, aguardando
alguma resposta.
— Matá-la não foi meu desejo, apenas afastá-la, sabe disso. Você
me entende, não entende? — questiono em um murmuro, sentindo o
coração acelerar. Parece que preciso da aprovação dele ou ao menos uma
palavra.
— Bunny… esse é o exato motivo pelo qual estamos aqui. Porque
nenhum outro ser humano compreenderia o que somos capazes de fazer e o
porquê. O desejo de possuir e ser possuído. Não consigo me afastar de
você, porque mesmo se eu amasse Scarllet, ela nunca compreenderia minha
escuridão. É por isso que, por mais que eu tente, sempre volto para você. E
porque não quero te perder, mesmo com Axel e Greyson tentando. Precisa
me prometer que voltará para mim.
— Misha… eu não sei o que o futuro nos reserva. Não posso
prometer nada. Desculpa.
— A última vez que me entreguei para você, destruiu meu coração,
Bunny. Não acontecerá novamente, essa é a chance de tomar a decisão
certa. Deveria apenas aceitar que me ama, por que não aceita?
Engulo em seco, sentindo um nó na garganta.
Por que não aceito? Talvez por ser egoísta e querer o melhor para
mim? Por saber que Misha e eu poderíamos machucar a todos ao nosso
redor?
O certo seria escolher alguém mais sensato.
— Não terá muito tempo para escolher quem acha ser melhor para
você. É isso não é? — questiona. — Talvez eu não te permita ter essa opção
por muito tempo. — Ele sai do quarto.
O que ele disse sobre a escuridão que compartilhamos. Não pode ser
negado, mas a promessa que exige… aquilo é diferente. É algo que eu ainda
não estou pronta para dar.
Eu me levanto da cama, sentindo as pernas trêmulas, mas
determinada a não deixar aquela conversa terminar daquele jeito. Removi o
soro.
Saí do quarto, seguindo o rastro de Misha pela casa com cada passo
ecoando. Encontro-o na sala de estar, de costas para mim, olhando para a
lareira já acesa, parece estar tentando encontrar respostas nas chamas.
— Misha — o chamo, minha voz falhando por um instante, mas me
obriguei a continuar. — Você não pode me forçar a aceitar algo que ainda
não consigo entender completamente.
Ele se vira para mim, com seus olhos agora mais escuros. Eles estão
diferentes.
— E o que exatamente você precisa entender, Bunny? — ele
pergunta, a voz tensa, quase um sussurro perigoso. — Se serei um bom pai
para nossos filhos? Ter a certeza que… Caralho, Bunny! — sussurra. —
Não os torturarei, como Holly fez comigo? — Fico assustada com sua
confissão. Sabia que ele havia sido torturado, mas não por Holly. — É disso
que tem receio? Ou, por não ter certeza que eu realmente te amo? Decidi
expor meus sentimentos para que soubesse como me sinto. Porque… cada
vez que te vejo com outra pessoa, algo dentro de mim se despedaça e a
única coisa que tenho é vontade de ter sangue nas minhas mãos.
Me aproximo dele, e se afasta.
— E se fizesse isso, Misha? — pergunto, minha voz baixa, mas
firme. — Se destruir todos à minha volta, o que sobrará de nós? Seremos
apenas dois fantasmas, consumidos por nosso próprio mundo de destruição,
sem nada e nem ninguém, além um do outro. Isso é o que você realmente
quer?
Ele me olha, de uma forma que me sinto queimar com sua mistura
de desejo e angústia.
— Se isso significa te ter ao meu lado, então sim — responde, a
sinceridade brutal em sua voz. — Prefiro ser consumido por essa escuridão
ao seu lado, do que viver em um mundo onde você não é minha. Onde
alguém, como Dominic, te possui depois de deixar claro que a mataria
desde o início do nosso acordo. Ou Casey, o assassino da sua própria noiva,
acha que ele não a mataria também?
— O que? — Me afasto.
— Antes que diga que é mentira, por que não investiga? E verá que
nenhum deles é inocente, não são melhores que eu. Ao contrário, querida,
são cruéis.
Ele não fala mais nada, muito menos eu. Durante um bom tempo.
— Farei algo para jantarmos, antes de te levar para casa — afirma,
seguindo para a cozinha.
Me sento na poltrona sendo torturada pelas suas palavras.

5 anos atrás

O inverno cortante havia passado e a neve, que antes cobria o


terreno ao redor do lago, havia sumido por completo, dando lugar aos
raios quentes do sol que dançam sobre a água calma. Todos haviam saído
para fazer compras no centro, me deixando sozinha em casa Uma
oportunidade perfeita para relaxar e mergulhar em um dos meus livros
favoritos.
Vesti meu biquíni, um modelo simples, e pego minha bolsa onde
coloquei o livro “Alice no País das Maravilhas”, junto com uma toalha e
protetor solar. Decido passar algum tempo no lago, onde sempre encontro
paz, envolvida pelo som tranquilizante da água e a brisa suave que sopra
pelas árvores.
No entanto, ao me aproximar do lago, algo inesperado interrompe
minha serenidade. O som de risadas suaves e sussurros alcança meus
ouvidos, me fazendo parar.
Curiosa, começo a andar mais em silêncio, tentando identificar a
origem das vozes. Meu coração bate mais rápido quando, ao olhar para
frente, avisto Misha com Scarllet. Eles não deveriam estar aqui, iam com
Holly e Ayzak.
A cena à minha frente é como uma facada no peito. Scarllet está
sentada sobre ele, seus corpos entrelaçados de uma maneira que só poderia
significar uma coisa: prontos para transar a qualquer momento.
Misha deitado no chão, próximo ao lago, com uma expressão que
eu nunca tinha visto antes: um sorriso genuíno, repleto de felicidade. Ele a
segura pelos quadris, guiando seus movimentos enquanto ela rebola em
cima dele, ainda está usando a bermuda e com seu torso nu, arrancando
gemidos suaves de seus lábios.
Tão vivo, como se tivesse exatamente tudo que precisa nela. Parece
um homem transformado, tão distante daquele que havia se declarado para
mim há alguns meses.
— Eu te amo, Misha… — Ouvi Scarllet sussurrar, sua voz suave,
carregada de uma ternura que me fez tremer de raiva. Ela alisa o rosto dele
com uma intimidade que eu nunca havia compartilhado com ele.
— Também te amo, Scarllet Miller. Você é o meu lado bom,
obrigado por isso — Misha responde, sua voz um sussurro de uma emoção
que nunca havia mostrado a mim. O som de suas palavras, a convicção
delas me atinge como uma onda de gelo..
Ela então tira a parte de cima do biquíni, expondo seus seios e
Misha a observa com uma admiração nos olhos que me fez sentir doente.
Sorri, o tipo de sorriso que parecia dizer que finalmente havia encontrado
paz.
Em seguida, Scarllet se levanta, mantendo sua atenção nele
enquanto desliza a calcinha para baixo, ficando nua. Misha mantém o
sorriso, negando com a cabeça, mas o desejo em seus olhos é inegável.
Scarllet o chama para dentro do lago, sua voz doce, quase como
uma melodia. Ele se levanta devagar, estendendo a mão para ela, pronto
para segui-la na água, para selar aquele momento em algo ainda mais
íntimo.
E quando, ela pede para que ele a guiasse, pois estava com medo de
possíveis sanguessugas. Jogo minha bolsa no chão, consumida pela dor,
raiva e sentimento que me imploram para acabar com essa tortura que é
ver a felicidade deles.
Avisto uma pedra aos meus pés. Fria e pesada.
Minhas mãos trêmulas, mas firmes ao mesmo tempo, enquanto eu a
pego. Não penso duas vezes antes de avançar, meu coração batendo
furiosamente nos ouvidos, enquanto caminho até eles.
Ergo a pedra próxima dela, quando Misha vira de costas para olhar
ao redor se não havia mais ninguém. Ele grita ao me ver, mas não houve
tempo para reação. A pedra desce com força. Um estalo ressoa pelo ar, e
Scarllet cai no lago antes que pudesse entender o que estava acontecendo.
O sangue jorra de sua cabeça, tingindo o lago de vermelho. Misha
solta um grito de dor e desespero, caindo de joelhos ao lado do corpo dela.
Ele segura o rosto ensanguentado de Scarllet, suas mãos tremendo
enquanto tenta fazer algo, qualquer coisa para salvá-la. Mas é tarde
demais.
E eu apenas observo a cena se desenrolar.
— Por que fez isso?! — grita ele.
Misha olha para mim, seus olhos cheios de uma dor que eu nunca
tinha visto antes. Corta minha alma como uma lâmina. Mas há algo mais
ali, um entendimento sombrio, uma aceitação do que eu havia feito.
Eu largo a pedra, ainda ofegante, e dou um passo para trás. A
adrenalina começa a se dissipar, deixando-me com um vazio frio no peito.
Olho para o corpo de Scarllet em seus braços, sentindo um misto de triunfo
e horror pelo que tinha acabado de fazer.
— Faria qualquer coisa para que você fosse só meu.
Misha ainda está lá, ajoelhado ao lado dela, mas seu olhar agora
estava fora do lago, com seus pensamentos impenetráveis.
Ele sabe, assim como eu, que aquilo é inevitável. Que nossa
escuridão compartilhada sempre nos levaria a este ponto.
— Eu apenas queria assustá-la e não matá-la… Misha… — Ele
abaixa a cabeça sobre o pescoço dela.
— Eu sinto muito, Scar. Não deveria ter te colocado no meio disso
— Misha sussurra, sua voz rouca e quebrada, enquanto deposita um beijo
suave no rosto de Scarllet, como se tentasse dar-lhe alguma forma de paz
na morte.
Olho para Misha, meu coração palpitando com medo e uma
estranha necessidade de conforto. O sangue em minhas mãos parece pesar
e a cena diante de mim era uma imagem perturbadora. Um pesadelo que eu
havia criado. Misha levanta, sua postura agora parecia tanto derrotada
quanto determinada.
Ele se aproxima de mim, sua expressão fria e imperturbável.
Seus olhos, no entanto, carregam uma intensidade perturbadora.
Uma necessidade desesperada de conexão, uma âncora em meio ao caos.
Misha para diante de mim, e, sem dizer uma palavra, inclina-se e
me puxa para um beijo. O toque foi inesperadamente suave e possessivo,
um misto sombrio e uma tentativa de silenciar os gritos de minha
consciência. O gosto metálico do sangue de Scarllet ainda estava presente
em seus lábios, misturado ao calor de seu corpo.
Suas mãos seguram meu rosto com uma firmeza que parece tentar
me aterrar à realidade distorcida que estamos presenciando. Nos movemos
entrelaçados um no outro com uma urgência frenética, como se tentasse
absorver o último resto de humanidade que havia em mim.
— Não lamente o que fez — sussurra entre o beijo, com sua voz
rouca e possessiva. — Não há mais volta, minha coisinha cruel. Apenas nós
e a escuridão que formou um elo, ao matar a mulher que eu amava.
Estamos ligados por algo que vai além da vida e da morte. — Seus dedos
ainda tocam meu rosto, a suavidade de seu toque contrastando com a
dureza de suas palavras. — Você é minha agora, e eu sou seu. Meu coração
é sempre seu, Bunny.

Misha preparou um jantar para mim, e entregou-me um presente


embrulhado. Em seguida se retirou, me dando tempo e espaço.
Essas quarenta e oito horas com ele, foram as mais longas que
tivemos, desde que chegou.
Fico encantada ao desembrulhar o presente e encontrar um livro de
colecionador, mas não um qualquer. É o mesmo que estava lendo quando
nos vimos na cafeteria Brew. “Alice no País das Maravilhas”, ao abri-lo
encontro um bilhete.
Para a minha, Bunny. Feliz aniversário.
M.C
Misha sabe o quanto esse livro significa para mim. É o que Holly lia
para mim quando era criança. Quando éramos uma família normal, até ela
querer a atenção total de Misha, o levando para algum lugar quando não
conseguia, mas nunca imaginei que o torturava. Como alguém é capaz de
torturar uma criança?
Esse livro é, para mim, uma esperança de que algum dia todo esse
pesadelo acabará.
Estamos agindo como se nada do que passamos horas atrás tivesse
acontecido. Ele está calado, quieto. Algo que me causa grande curiosidade,
ainda espera uma resposta minha? Planeja sua vingança?
Contra Dominic? Casey? Ou seria contra os dois?
Não sei ao certo o que pensar sobre tudo isso.
Apenas o que vejo no momento presente. Holly saindo do quarto de
Zack, nós olhamos. Ela me observa entrando em meu quarto e fecha minha
porta
— Vai sair, querida?
— Não sabia que havia voltado de viagem, deu certo os negócios na
Roma?
Misha me informou no caminho para casa que o único motivo de
Holly não ter surtado com meu desaparecimento foi que Zack havia viajado
com ela. Pelo que entendi foi para fechar um acordo de uma nova remessa
com os russos. E Casey havia confirmado o mesmo mais cedo na
universidade.
— O tio Zack está bem? — questiono, achando estranho ela sair do
lugar onde ele está dormindo.
— Chegamos a poucas horas. E ele está sim, só estávamos
conversando sobre a empresa. Não me respondeu se iria sair. E se sim, com
quem? — interroga novamente, se aproximando dessa vez.
Fecho os olhos, sei que me arrependerei em respondê-la, mas talvez
ela repreenda Misha caso tente me impedir de conhecer Casey e tirar
minhas próprias conclusões. Não acredito que essa seja a história oficial,
mas e se ele matou a noiva?
Onde alguém, como Dominic, te possui depois de deixar claro que a
mataria desde o início do nosso acordo. Ou Casey, o assassino da sua
própria noiva, acha que ele não a mataria também?
Tantas dúvidas. E Dominic, faz dias que não o vejo, irei até ele,
antes de ir para o baile. Precisamos esclarecer as coisas.
— Com Casey. — Fixo minhas íris nas suas, ela dá um sorriso.
— Greyson, uma ótima escolha. Pela sua roupa noto que irá ao baile
de inverno cortante e que extravasou no vestido que escolhi para usar para
Casey — confirma e apenas concordo com a cabeça hesitante, deixando
claro que Casey me pediu para usá-lo dessa forma.
Não seria bom explicar que as manchas vermelhas são do meu
sangue já que estou usando o mesmo vestido de noiva que Misha quase
tirou minha vida. O deixando rasgado, curto de forma tão natural e com
rastros de sangue. Uso uma meia calça transparente preta por baixo e um
coturno preto.
— Nem se preocupe, querida… — Ela toca no meu queixo, ao
constatar meu incômodo. — Misha não irá saber por mim. Será uma ótima
surpresa para ele, quem sabe não cai na realidade de uma vez por todas.
Infelizmente, não presenciarei esse momento épico. — Deixa claro sua
opinião e encerra a conversa seguindo para o seu quarto.
Visto o casaco longo branco e o fecho. Ao descer as escadas envio
uma mensagem.
Estarei te esperando em frente a catedral no horário combinado.
Não demora para a resposta chegar.
C.Greyson: Ansioso, minha noiva.
Sorrio com suas últimas palavras.
Venha nadar no mar negro comigo
Ah ooh
Mergulhe comigo
Se entregue comigo
Vamos fazer valer à pena
Ah ooh. (...)
Você se levanta, eu caio
Eu me firmo, você rasteja
Você se contorce, eu me transformo
Quem será o primeiro a queimar?
Black Sea, Natasha Blume

DOMINIC AXEL

Termino de vestir minha batina. O tecido pesado envolvendo meu


corpo com uma familiaridade sombria. A cruz pendendo no meu pescoço,
parece mais um fardo do que uma bênção. Me olho no espelho suado do
banheiro, a luz fraca mal iluminando meu rosto cansado.
Sigo para a área do confessionário, os passos ressoam pelo corredor
de pedra fria. No caminho, o som de uma porta sendo aberta quebra o
silêncio da catedral, mas ignoro, assumindo que é apenas um dos homens
do Mikai, cuidando de seus negócios sujos.
— Dominic? — A voz que me chama é um sussurro rasgado pela
hesitação, mas o suficiente para me fazer parar.
Ao virar, encontro Mia. Ela está parada sob a luz fraca das velas, um
contraste perturbador entre o casaco longo branco que envolve seu corpo e
as meias pretas transparentes que sobem por suas pernas, finalizando com
coturnos que batem no chão com uma suavidade quase desafiadora.
— Hoje não teremos aula, não estou disponível. — Minhas palavras
saem afiadas antes que eu vire as costas para ela. Tento seguir para o
confessionário, mas sua voz me paralisa novamente:
— Não está disponível? — O tom de sua pergunta é mais firme,
insistente. Não respondo e continuo meu caminho, mas ela me segue com
passos decididos. — E por que não estaria se estou te vendo aqui?
— Eu fiquei preocupado. Quase setenta e duas horas sumida —
digo, minha voz carregada de uma frustração que mal consigo esconder ou
compreender, isso não deveria me incomodar.
O peso do silêncio dela é insuportável. Minha mente é tomada por
imagens perturbadoras e especulações venenosas, por um momento esperei
ela me responder, dar uma desculpa ou qualquer merda que achasse
conveniente. Mas a resposta não vem.
— E sabe quem me atendeu?
Ela continua em silêncio com seu olhar sob mim, esperando um
veredicto.
— Misha… — A confirmação na sua voz parece ter um grande
peso, pois reverberou na catedral vazia.
Minha mandíbula se aperta, o gosto amargo da raiva tomando conta
de mim. Sentimentos que há muitos anos não sinto. Tão ardentes,
principalmente por ela.
— Realmente espero que ele tenha cuidado bem de você, Mia.
A mentira, a indiferença nas minhas palavras quase me faz engasgar.
Por algum motivo, a ideia de que eles estavam juntos me corrói por dentro.
Ela sempre disse que queria ser alguém melhor, que faria de tudo para não
ser como ele. Mas na primeira oportunidade se entrega?
— Não entendo por que está se incomodando com isso, Dominic.
Sempre soube que meu relacionamento com Misha é complicado. — Sua
voz é firme, mas há algo mais ali, um leve tremor que denuncia sua
incerteza.
— Não entende? — Me aproximo dela, cada passo carregado de
uma fúria que mal consigo controlar, até que estou a poucos centímetros do
seu rosto. — Você transou comigo para saber se era diferente? Se eu era
bom pra você? Ou que merda estava pensando? — As palavras saem num
rosnado, cheias de irritação. A voz de Misha é vívida em minha mente,
provocando e zombando da minha ingenuidade.
“Acha que Mia transou com você porque sentia algo além de tesão?
Você é um grande tolo, Axel. Ela queria saber se o que sentia por mim era
mais forte do que qualquer outro sentimento. Até me disse que não te
amava. Ela é minha, e por isso me deixou fodê-la até quase morrer, para
me satisfazer.”
— Dominic… não importa o que ele disse. — Mia tenta, mas não
tem a convicção que gostaria, ou ao menos para mim.
— Não importa? — Meu tom é ácido, cruel. — Então, por que não
responde o que eu te perguntei? Disse a ele que… — As palavras me traem,
hesitam, mas eu preciso saber, preciso ouvir da boca dela.
— Sim. — A resposta perfura, não só meu coração, como minha
alma. — Eu queria saber se era o mesmo sentimento, se Misha apenas não
me manipulava. Mas eu estava errada. Tudo que sinto é real, essa sou eu, e
foi difícil entender até duas noites atrás.
Mia se aproxima e levanta as mãos para tocar em meu rosto, porém
antes que o faça, me afasto.
— Não me olha assim, por favor, Dominic… — A súplica em sua
voz tão frágil. Deveria me tocar, mas só alimenta o abismo dentro de mim.
— Estou confusa. Misha faz promessas das quais não sei se seria capaz de
realizá-las. E você…
— Eu não me importo de te dividir, Mia. — Deixo claro com uma
frieza calculada. — Apenas espero que não minta pra mim como tem feito
todos esses cinco anos. Se fosse alguns anos atrás, eu mataria Misha, mas
agora… há algo muito mais importante do que você aqui para mim.
— Mentir? E o que você tem a dizer sobre ter me ameaçado de
morte? — A pergunta dela cria um caos em mim, uma erva daninha, e eu
sei que foi Misha quem plantou essa semente. — Ou está esperando o
momento certo para isso? — Ela me desafia com seu olhar intenso.
— Misha te disse isso… — Minha voz é um murmúrio de desprezo.
— É claro que sim. Ele está querendo isso afastá-la de mim, um grande
filho da puta.
— Então, é verdade? — repete, a qual eu não sei como responder.
A verdade é que sempre soube que era um deles. E a dúvida
persistente de Mia apenas tomaria conta dela e cresceria como uma mancha
escura em sua alma.
— Sim. Mas a maior hipocrisia aqui, sabe o que é? Que ele quase te
matou, e você está aqui me acusando. Até onde consegue ir para satisfazer
alguém? — Me aproximo novamente dela, noto sua respiração
descontrolada.
— É isso que você quer, Dominic? — Sua voz finalmente rompe o
silêncio, um sussurro que carrega um peso imenso. — Me punir? — Seus
olhos se estreitam, um brilho desafiador neles.
A pergunta dela é direta, cortante, e por um momento, me pego sem
resposta.
O desejo de punir, de ver o reflexo da minha própria dor nos olhos
dela, surge como uma sombra. Mas ao mesmo tempo, uma parte mais
obscura de mim, uma que eu não consigo controlar, sente algo mais.
Algo que não deveria estar ali, mas que cresce com uma intensidade
impossível de controlar.
Eu respiro fundo, tentando afastar o turbilhão de emoções que me
consome, mas é inútil. A ideia de puni-la, vê-la sofrer por mim, provoca
algo primitivo dentro de mim, começa a se manifestar de maneira
inapropriada. Tento ignorar, mas a sensação se torna cada vez mais forte.
A imagem de Mia se submetendo a mim. Ajoelhando, pedindo
perdão é tão vívida que sinto meu corpo reagir de uma forma que não
deveria. Luto contra o pensamento, contra o desejo que começa a me
consumir. Mas ele já está ali, presente e pulsante, me deixando
completamente excitado.
Ela sendo cortada, gemendo com a ardência do corte, com desejo e
repulsa em seu olhar. Enquanto eu, me tocaria rapidamente, me
masturbando ao vê-la sentindo a dor. E gozaria. Caralho…
— Então, faça… Dominic… — Impulsiona.
— Não… Está fraca. Sei que perdeu muito sangue, e por mais que
eu queira, tenho certeza que não é a hora certa. Eu te ameacei, porque
Misha ameaçou eliminar as pessoas que preciso vivas até certo momento. E
sei que é um ponto fraco dele.
— Por que não me contou a verdade naquele dia que transamos?
Sabia que Misha jogaria isso em mim. E por que não me abusou, Dominic?
Sabia que Holly é pior que ele, sabia dos riscos… Misha ameaçou matá-la,
não foi? É esse o acordo? Holly tem algo que precisa, não estou certa? —
Ela finalmente junta todos os pontos.
Ouço duas pessoas conversando e se aproximando.
Seguro seu pulso com força e a levo até o confessionário, em um
movimento rápido a empurro contra a parede, prendendo-a com meu corpo.
Minha mente é um turbilhão de emoções conflitantes enquanto
prendia Mia contra a parede. Aquele espaço apertado e escuro, onde tantas
almas já haviam confessado seus pecados, agora testemunhava um tipo de
confissão completamente diferente. Uma que envolvia não só palavras, mas
também corpos entrelaçados em um jogo de poder e desejo.
A proximidade entre nós se torna inegável. O calor que emana de
Mia e cada batida do meu coração preenchem o silêncio sufocante do lugar.
As palavras dela ainda ressoam na minha cabeça, suas perguntas, suspeitas
que ela finalmente havia juntado como peças de um quebra-cabeça. Ela está
certa sobre quase tudo. E agora, não havia mais como voltar atrás.
Inclino-me ainda mais perto de seu ouvido, minha respiração quente
contra sua pele, e sussurro:
— Você quer a verdade, Mia? — Minha voz carrega uma
intensidade que não consigo mais conter. — A verdade é que eu nunca
deveria ter te deixado entrar tão fundo. Eu tentei te manter longe disso, de
mim… Mas agora é tarde demais. Não posso te salvar de mim. Na verdade,
não sei se quero. Mas quando fizer sua escolha, não terá volta.
Ela fecha os olhos por um momento, absorvendo minhas palavras, e
quando os abre novamente, há uma clareza assustadora em seu olhar.
— Holly e Misha não são os únicos que podem destruir tudo, Mia.
Você também é uma ameaça — continuo falando baixo, com uma raiva
impotente. — Há muito em jogo. Eu preciso de respostas. Preciso descobrir
os responsáveis pelas tragédias que destruíram meu passado. Te envolver
nisso só complicou tudo. Foder você… — Paro, sentindo a tensão aumentar
entre nós. — Isso só trouxe problemas com Misha. E se Holly descobrir…
talvez fique feliz em saber que finalmente te comi, mas não como desejava,
porque eu nunca conseguiria fazer isso, sem consentimento. Não é da minha
índole. Ou, talvez, ela decida apenas não me entregar o que me prometeu
cinco anos atrás, ao descobrir a verdade e tudo isso por…
— Minha culpa — responde Mia.
— Sim. E minha também, por não ter sido forte.
— Então, faça o que precisa ser feito — Mia sussurra, sua voz um
fio de seda carregado de um desejo cru. — Não se contenha. Se isso é o que
você precisa para lidar com tudo, então faça.
Não sabia ao certo, o que ela queria dizer com essas palavras.
— O que está pedindo para fazer?
— O que achar que deve…
— Isso inclui, matar Misha? — questiono, e percebo a hesitação nos
olhos dela.
É claro que não.
O silêncio está nítido, o que significa que não há risco de algum
devoto nos pegar em uma conversa intensa. Saio de dentro do
confessionário.
Ela me segue assim com desafio e angústia. A quietação que paira
entre nós é densa e cheia de expectativa. Sua pergunta anterior ainda tortura
na minha mente, transformando-se em uma inquietação crescente.
— O que não entendo é o que Holly ganharia com isso? — Mia
indaga, seus olhos semicerrados como se tentasse compreender a mente
perversa de Holly, mas talvez ninguém nunca consiga.
— Além de te deixar vulnerável ao ponto de ser facilmente
manipulada? — respondo, com um tom que emana o reflexo da frustração
acumulada. — Te destruir física e mentalmente, seria uma vitória para ela.
Acho que esse é um dos maiores motivos, e com isso, ter o controle sobre
sua vida.
Quando minha última observação foi liberada, a expressão de Mia
se tornou preocupante. Pois ela sabia que estava sendo empurrada para uma
verdade que não queria enfrentar, mas que de alguma forma parecia
inevitável. A batalha interna estava escrita em cada linha de seu rosto e seus
olhos, normalmente claros, estavam obscurecidos.
O som do celular dela interrompe o momento, um tom agudo que
parecia quase um insulto ao momento que havia se estabelecido. Mia olha
para o aparelho, e para mim, como se estivesse lutando contra o impulso de
ignorá-lo e o reconhecimento de sua necessidade de atender.
— Deveria atender — afirmo, minha voz mais calma.
— Eu tenho que ir, Dominic — Mia responde, deixando claro a
pressão que estava sentindo.
— Talvez devesse aceitar mais uma coisa, Mia… — continuo,
sabendo que as palavras que diria é a mais clara verdade. — Que você ama
Misha Crown e que, somente aceitando isso, talvez consiga se libertar e
entender o que sente pelas pessoas ao seu redor.
— Dominic… eu… — Novamente toca o celular. — Eu preciso ir.
— Apenas concordo, e a vejo saindo, escapando de minhas mãos. Mais uma
vez.
Minhas palavras são de um peso opressivo, a forçando a confrontar
seus verdadeiros sentimentos.
Já notei que ela resistia contra isso, e o choque em seu semblante ao
ouvir, foi como o esperado.
Eu não quero aceitar a verdade, mas tudo em volta dela emana isso.
Tentar fugir não resolverá nada.
Nunca. Por mais doloroso que seja, assustador.
Isso é tão irônico, mas a verdade liberta.
E uma das verdades que percebi nesse momento é que sim, eu estou
me apaixonando por ela. Por esse motivo não fui capaz de cometer o abuso,
por ter me fascinado desde o primeiro momento que nós vimos. Dividir
nunca foi um problema para mim.
Will sabia disso. Mas ele queria Alice só para ele.
E quando descobriu que não a teria, a entregou para os lobos
famintos por carne inocente.
Há cinco anos, eu fiz uma escolha. Algo que meu pai e irmão
achariam repulsivo, mas isso não me impediu de fazer.
Um contrato. Cinco anos punindo e torturando a mente de uma
garota que ama o irmão. A mãe tirou o rapaz da vida dela e procurou vários
padres que conseguissem fazer ela sofrer as consequências desse —
segundo ela — ato pecaminoso.
Absurdo, não? Pois bem...
Holly Demory me propôs esse acordo absurdo. Ela tinha
informações que eu buscava todos os dias desde a morte de Alice e minha
mãe. Holly disse que ao chegar no quinto ano de punição, me entregaria
uma pasta com todas as informações necessárias para minha investigação.
Mas, como nenhum acordo vem de bom grado, ela me deu uma
condição: ficar na catedral, local onde — afirma ela — o inimigo se
encontra próximo. Ou melhor, alguém importante para ele. Em troca, todos
os anos Holly me daria migalhas de informações.
Como garantia ela me entregou seu bem mais valioso naquele
momento: Mia, sua filha. Holly afirmou que manter sua filha viva a
transformaria em uma fênix e renasceria no momento certo. No entanto, sua
morte, seria sua ruína.
Eu precisava dessas informações. Tinha que achar algum jeito e
forma de vingar Alice e minha mãe. Elas eram as únicas que me traziam
algo bom. A esperança de um amanhã melhor, mesmo com todas as
torturas.
Ouvir meu irmão dizer que amava a mulher da minha vida e a
queria, me impressionou. Mesmo ele sendo uma marionete de meu pai para
minha punição, éramos unidos. Igual unha e carne. Por mais que o
machucasse, não aceitei essa realidade tão clara.
Com inveja, Will não pensou duas vezes em me punir e matá-la
cruelmente. Apenas por não tê-la apenas para si próprio. Depois disso...
tudo mudou.
Eu tinha esperança que o sentimento dele era genuíno e que Alice
trouxesse de volta a sanidade dele. Mas não foi o que aconteceu...
Eu o matei. Assim como meu próprio pai, Callum.
No momento em que vi Mia, sabia que ela seria um problema. Suas
vestes tão inapropriadas para um lugar tão santo, já comprovou o seu
relacionamento com o pecado, mesmo que não tenha sido feito. Sua voz
suave, como uma melodia angelical, se contrastava com suas perguntas
desafiadoras e se opondo a regras simples de vestimentas.
Nunca imaginei que a garota rebelde, a quem eu repreendia naquele
dia, fosse a mesma que me traria essa sensação estranha de descontrole e de
querer puni-la.
Jamais passou pela minha cabeça de fato consumar o ato, mas cada
dia que passava eu me atraia mais pela sua beleza.
Não só a crueldade, e sim por estar começando a se aceitar. A dor e
o prazer não são coisas que andam lado a lado para todos.
E por isso, ela é diferente de todas.
E me fez imaginar uma realidade paralela, onde exista apenas nós
dois.
Você tirou minha tristeza de contexto
No Complexo de Apartamentos Mariners
Eu não sou uma vela ao vento
Eu sou o raio, o relâmpago, o trovão
O tipo de garota que vai te fazer pensar (...)
Sobre quem você é e quem
Eles confundiram
Minha gentileza com fraqueza você foi.
Mariners Apartment Complex,
Lana Del Rey

MIA DEMORY

Fecho a porta pesada de madeira da catedral, sentindo o frio da noite


envolver meu corpo, mesmo com o casaco que estou vestindo. Casey
Greyson está encostado em sua Range Rover branca. Seus olhos negros
como abismos insondáveis, observando-me com uma intensidade que faz
meu coração acelerar. Há algo neles, uma escuridão latente que penetra meu
próprio ser, como se fosse capaz de enxergar até as partes mais obscuras da
minha alma.
Dou uma última olhada para a porta da catedral, ansiando que algo
ou alguém surgisse das sombras.
Tudo que foi revelado, me fez repensar em quem sou.
Desde a noite com Misha, tenho pensado muito sobre tudo. Holly.
Eu. Nós.
É mais do que claro. Está no meu DNA, não tem como correr de
algo que se encontra entrelaçado no sangue que corre em minhas veias.
— Veio confessar seus pecados? Está tão séria. — A voz de Casey
me arranca dos devaneios. Suave, mas com uma ponta de sarcasmo.
— Talvez. Mas se eu tivesse vindo para isso, não te contaria —
respondo, aproximando-me. Ele abre a porta do carro com um gesto fluído,
convidando-me a entrar.
— Por que não? Somos noivos, afinal, e ainda por cima do
submundo dos mortos. — Sua voz carrega um sorriso malicioso, e eu não
posso evitar sorrir de volta.
Os olhos dele passeiam pelo meu corpo, como se estivesse com
expectativa sobre o que encontraria por baixo do grosso tecido do casaco.
Observo seu visual: calça preta justa, camisa social branca que
destaca perfeitamente os músculos sob o tecido, mas o que mais chama
atenção são as manchas de sangue espalhadas pela camisa. Alguns fios de
cabelo caem sobre sua testa, completando o visual perturbador.
Casey é uma obra de arte macabra e tentadora.
Ele dá a volta no carro e entra no lado do motorista.
Abro meu casaco, deixando-o deslizar pelos meus ombros, para me
acomodar melhor no banco. O couro frio contra a minha pele quente emana
um choque, até Casey ligar o aquecedor.
— Aliás, você está perfeita, Mia — sussurra, enquanto se aproxima.
Seus dedos tocam meu rosto com uma delicadeza inesperada. O polegar
roça meu lábio inferior, desenhando um caminho lento e provocante. —
Não sabe o quanto desejei que essa noite chegasse.
— Não tente me iludir, senhor Greyson. Sabemos que muitas estão
ao seu alcance — retruco, mas há uma faísca de verdade no que ele diz,
algo que me dá uma certeza dentro de mim.
— Você é diferente, alguém já te falou isso? — Seus olhos se fixam
no meu rosto, analisando cada centímetro de mim.
— Sim, mas deveria aceitar isso como um insulto ou elogio?
— Ser diferente é o que te faz atrair olhares. A escuridão não é para
todos, e poucos sabem usá-la a seu favor. A maioria se perde no caminho.
Há uma seriedade na voz dele. Uma compreensão profunda do
significado de estar no fundo do poço, de flertar com a própria destruição.
Casey tem um brilho obscuro diferente, uma intensidade que me
fascina.
Ele não é como Dominic, a quem tive um relacionamento
complicado no início e esconde por trás do seu sorriso, um passado sombrio
e uma personalidade problemática. Ou Misha, que através da dor, carrega
suas cicatrizes e as tornam em consequências para as pessoas ao seu redor.
Casey é um livro em branco, que sei que tem muitas histórias para
desvendar. Mesmo com suas palavras tão cruas com resquícios de verdades
brutais.
— Tenho estudado psicologia, mas quando se trata de me julgar,
parece impossível, entende? — Minha voz sai mais fraca do que eu
gostaria.
— Isso é um problema para todos. É difícil aceitar ou enxergar
nossos próprios erros. As qualidades são sempre fáceis de reconhecer. Mas
isso pouco me importa. O incompreensível me excita, e com você não seria
diferente. São raras as pessoas assim, e encontrar uma em meio aos
habitantes de Innsbruck… Não pensei que isso aconteceria. — Ele desliza
sua mão pela minha coxa, seus dedos encontram a pele nua acima da meia-
calça. Um toque quente que envia um arrepio pelo meu corpo. — O que
você acha que te faz diferente dessas pessoas desprezíveis desta cidade? —
Sua voz sai quase em um rosnado, mas com uma curiosidade e algo mais,
que agora é desconhecido por mim.
— Acredito que… ser quem sou. — sussurro, é uma sobrecarga que
sentimos.
— O que isso significa? — ele pressiona, os olhos cravados nos
meus.
— Que todos vivem uma vida falsa, baseados no que os outros
pensam. Estou cansada disso. Tentei ser o que me disseram para ser, mas
não quero mais esconder o que sinto. Temo isso, mas não hesitarei em fazer
o que desejo.
Casey sorri, um sorriso mais fatídico do que qualquer palavra que
ele já pronunciou. Seus olhos brilham com algo perigoso e excitante.
— Por que esse sorriso? — pergunto, meu coração martelando
contra meu peito.
— Porque você não parece real. Caralho, nós pensamos tão
parecido. Imagino facilmente nós dois cometendo coisas insanas juntos. E
estamos prestes a cometer uma. — Ele olha para frente, seu sorriso se
alarga novamente.
— O que você quer dizer com isso? — As palavras parecem ser
engolidas pela tensão no ar.
— Misha estará lá, Mia. — Deixa claro e liga o carro seguindo para
o nosso destino.

As palavras de Casey ecoam na minha mente quando estamos


próximos ao lugar que será o baile do inverno cortante.
“Misha estará lá, Mia.”
Meu corpo inteiro reage. Um misto de ansiedade, desejo e um medo
que me excita mais do que deveria.
Casey mantém os olhos na estrada enquanto dirige, mas a falta de
nossas palavras é carregada de significados não ditos.
Tento pensar nas possibilidades dessa noite acabar mal, mas em
todas imagino os dois se matando por mim. Assim como Misha fez ao ir até
Dominic.
Essa noite será como a roleta russa. Qualquer tentativa, tudo pode
acabar mal, de formas que nem mesmo eu posso imaginar.
— Você está tão quieta. O que passa pela sua cabeça? — Casey
quebra o silêncio, sua voz suave, quase hipnótica. — Não tenha medo, Mia
— continua, quase lendo meus pensamentos. — Use-o para fazer dessa
noite uma que jamais esquecerá.
Apenas me mantenho calada, olhando como a estrada diante de nós
se estende igual uma faixa negra. Serpenteando entre as árvores, que se
erguiam ameaçadoras sob a luz pálida da lua. O ambiente lá fora parece tão
frio e sombrio quanto o meu interior, onde a ansiedade e o desejo se
misturam em algo tóxico.
Não consigo parar de pensar em Misha e no que pode acontecer
quando nos encontrarmos. Na minha mente, as cenas de um confronto entre
ele e Casey se desenrolam como um filme perturbador, onde cada
movimento é carregado de violência e sangue. Muito sangue.
Finalmente, chegamos ao local da festa. A mansão que se ergue
diante de nós é imponente. As janelas altas iluminadas por dentro, criando
uma silhueta fantasmagórica contra o céu noturno. Uma sensação de
irrealidade no ar, como se estivéssemos prestes a entrar em um pesadelo do
qual não há escapatória.
Casey para o carro na entrada e desliga o motor. Ele se vira para
mim, os olhos fixos nos meus, e há algo neles que me faz estremecer. É
como se já soubesse o que vai acontecer, e estivesse preparado para
qualquer coisa, menos para o que pode sentir por mim.
A porta da mansão se abre, e as luzes douradas do interior
derramam-se na escuridão, iluminando os degraus à nossa frente. Sem dizer
mais nada, Casey sai do carro e dá a volta, abrindo a porta para mim, deixo
meu casaco no carro. Sinto o frio da noite cortante como o tema do baile,
mas há algo dentro de mim que queima.
Adentramos e o aquecedor causa um conforto em minha pele
arrepia. A festa está mais lotada do que imaginei. O som alto de uma
música estridente toca para combinar com a vibe das pessoas ao redor que
estão vestidas para a ocasião, o que torna difícil ignorar o tom macabro de
suas fantasias, como se todos ali fossem fantasmas ou entidades de um
outro mundo.
— Vamos, quero te mostrar algo… — Casey afirma e segura minha
mão, onde passamos entre as pessoas e seguimos até um corredor.
E Greyson abre uma porta, onde avisto um piano branco perfeito.
— Como você…
— Bom, como não te dei nada de presente achei que poderia tocar
uma música para livrar as tensões. Holly havia me dito que tocaria algo
para ouvirmos.
— Acho que não deveríamos estar aqui. — Olho de um lado para o
outro.
Fico admirada com a beleza desse quarto, as paredes são em tom
neve, há um assento próximo das teclas do piano branco. Uma enorme
porta, que leva a sacada, onde as longas cortinas se movimentam por está
aberta.
Casey me puxa suavemente para dentro do quarto, ignorando
minhas preocupações.
O silêncio do ambiente contrasta com a festa barulhenta lá fora.
Ele se senta no banco em frente ao piano e faz um gesto para que eu
me sente ao seu lado. Relutante, mas curiosa, obedeço, sentindo uma onda
de expectativa no ar. Casey passa os dedos pelas teclas com uma delicadeza
que me surpreende, parecia acariciar algo precioso. O primeiro acorde ecoa
no quarto. Profundo e melancólico. Reverberando dentro de mim.
Ele toca “Paralyzed” de NF. Fico encantada pela forma como toca
com tamanha habilidade.
— Você tem certeza de que quer fazer isso? — pergunto em um
sussurro. — Nunca faço nada sem antes ter certeza — responde, sem tirar
os olhos do piano, e a sua convicção fez meu coração acelerar.
Ele segura minha mão e me incentiva a continuar. As notas
começam a fluir. A melodia parece contar uma história, não uma qualquer.
Mas uma na qual houve muito conflito, dor e um desejo que acabou
cruelmente.
Por um momento, esqueço de onde estamos, quem somos e o que
está para acontecer. É como se tudo ao redor tivesse desaparecido, deixando
apenas a música e o sentimento que ela desperta.
Quando a última nota finalmente morre, olho para Casey, que tira de
seu bolso uma caixinha vermelha, e ao abrir, avisto um perfeito anel.
— Casey… eu…
— Isso não é um pedido de casamento. — Deixa claro, sorrindo. —
Apenas um presente de aniversário.
A forma como me olha é diferente de todos.
Pelo visto ele é ótimo em causar esse efeito em mim, de total
diferença entre os demais ao meu redor.
Casey segura minha mão com delicadeza, seus olhos fixos nos meus
enquanto ele desliza o anel no meu dedo.
— Perfeito — digo, observando o nítido brilho da pedra de
diamante.
— Sabia que gostaria. Acho que devemos voltar. E, me concederia
uma dança? — pergunta e confirmo com a cabeça.
Ao chegarmos entre as pessoas, Casey segura a minha cintura, eu o
seu ombro e dançamos a música lenta. Todos dançam tranquilamente,
diferente de segundos atrás.
— Obrigada… Tudo nesta noite está incrível — afirmo, seguindo os
movimentos guia, segurando firme a minha cintura.
— Não poderia deixar que nosso primeiro encontro fosse o único
que ficasse gravado em sua memória com aquele coração em mãos. Nem
tudo precisa ser cruel, Mia — diz, olhando para meus lábios. — E eu posso
trazer isso para sua vida se permitir — sussurra, aproximando seu rosto do
meu, a voz é envolvente, como a própria melodia que nos envolve. —
Prometo que cuidarei de você como se fosse minha vida, Mia Demory.
Antes que eu pudesse responder, Casey se inclina, aproximando-se.
Posso sentir a respiração dele, o calor que emana de seu corpo. Meu
coração bate rápido, e por um instante, o mundo parece parar.
Tudo se dissolve ao meu redor como se nada existisse. Apenas nós
dois. Seus lábios encostam nos meus, fazendo com que a felicidade que
sinto nesse momento se misture com a excitação. Aprofundamos o beijo e
nossas línguas se encontram famintas por mais que apenas esse toque tão
inocente, mas ao contrário do que realmente meu corpo almeja. Minha pele
se arrepia e é como se, finalmente, tivesse encontrado uma forma de
expressar tudo que tenho guardado dentro de mim.
O êxtase do momento me envolve, e cada movimento parece
sincronizado. Parece que o beijo faz parte da dança que começamos. O
toque dele por baixo do vestido subindo pela minha coxa é capaz de me
fazer gemer entre nossas bocas ainda coladas.
— Casey… — murmuro, afastando nossas bocas já sem ar. Eu ia
falar, mas minhas palavras se dissiparam quando olhei para frente e vi
Misha, nos observando.
Casey olha para o mesmo local.
Ia me impulsionar para ir em direção a Misha, mas antes que eu
possa avançar Casey me segura com força em seus braços.
— Não. Não faça isso, amor. — Meu coração acelera com o
sentimento de confusão entre magoar Casey ou Misha. Greyson se
aproxima e segura meu rosto. — Seja minha nessa noite. E peço isso
gentilmente, mas se for preciso agirei de forma bruta. Você que escolhe,
amor. — Mordo o lábio nervosa. Suas palavras são carregadas de
promessas, e sei que não são vazias.
— Essa é a forma de tentar me controlar?
— Não. Essa é a forma que eu deixo claro que será minha hoje até
segunda ordem. Nem fodendo deixarei Misha te ter agora, apenas por ter
ficado excitada comigo. Serei o único a te dar prazer essa noite.
O olho surpresa com sua atitude e palavras.
Por mais que eu quisesse ir até Misha e o impedir que cometesse
uma loucura. Entendia pelo tom de voz de Casey que, talvez, realmente
fosse pior que Misha e eu… não me importo com isso, nesse momento.
Todos param de dançar e o apresentador da festa começa a dizer que
os lances irão começar.
— Acho que está na hora de irmos embora daqui — afirmo. E ele
sorri
Seguimos para a porta dos fundos, e ao chegarmos na área do
jardim. Encontramos, Dominic e Liberty?
Eles conversam sobre algo e param quando nos veem.
— Mia! — Liberty me abraça. Olho entre ela e Dominic, lado a
lado.
— Não sabia que viria a este tipo de festa — retruco antes de mais
nada para Dominic.
— A catedral é uma das fundadoras desses tipos de eventos.
— Olá, Casey Greyson. — Casey se apresenta e Dominic segura sua
mão.
— Dominic Axel, sou o padre da cidade. Vejo que estão com pressa
— afirma, ele olha para minha mão, a mesma onde está o anel.
— Acredito que esteja bem acompanhado essa noite, padre Axel —
murmura Casey, deixando no ar o duplo sentido. E eu fiquei sem entender o
que rolava entre ele e Liberty.
— Ah! Eu e o Dominic… padre Axel acabamos de nos conhecer —
informa Liberty. — Meu pai quer que eu aprenda mais da bíblia e como
Holly o indicou, começarei essa semana.
— Que ótimo — afirmo, enquanto Dominic me olha.
— Bom, foi ótimo conhecê-lo e revê-la, senhorita Rydell — Casey
encerra o assunto, e seguimos para seu carro.
Não deixo a cena dos dois juntos me abalar, muito menos perder o
momento entre nós dois.
— Para onde vamos agora? — pergunto, agora já dentro do carro.
— Vai conhecer o meu lugar preferido de diversão — afirma.
Uma notificação chega no meu celular.
Misha: Aproveite enquanto pode, Bunny. Essa noite teremos
grandes surpresas.
Ao olhar para fora, meus olhos automaticamente vão para dentro do
carro dele, onde o encontro.
Eu e o Demônio
Caminhando lado a lado(...)
Veja, veja
Você não vê o porquê
E por isso me persegue por toda parte(...)
Você pode enterrar meu corpo
Abaixo do lado da rodovia.
Me And The Devil, Soap&Skin

MISHA CROWN

A reunião foi adiada para outro dia, por imprevisto, de acordo com
Mikai.
Eu sabia exatamente para onde Casey Greyson a levaria:
Apartamento 026.
Dou um sorriso ao vê-la indo embora com ele, a silhueta do carro
desaparecendo na escuridão da noite. Ela realmente achou que a deixaria
livre? Que teria a chance de escolher entre nós? Mas nem sempre temos
essa opção.
Eu não tive.
Cinco anos atrás, o ato profano de Mia abriu um buraco dentro de
mim. Um vazio do qual nunca consegui escapar, que só ela é capaz de
preencher. E agora, preso nisso, a única saída que vejo é arrastá-la para
junto de mim.
Um beijo, um maldito beijo.
Ela o beijou e ainda usava a aliança.
Que merda Casey acha que está fazendo?
Minha mente me atormenta a cada segundo, enquanto aguardo antes
de ligar o carro. Sigo o mesmo destino que eles, cada quilômetro
aumentando a tensão que cresce dentro de mim. Apesar da raiva e da dor,
sabia a confusão que Mia sentia por todos, e por isso estava perdida do
caminho certo.
Não houve um único dia em que não me lembrei de Scarlett.
A memória dela me assombra e consome. De alguma forma, Mia se
tornou o símbolo de tudo o que perdi e não consegui proteger.
Desde que nascemos, Holly sempre teve uma fissura por mim. Um
desejo possessivo que se intensificou com o tempo. Ela mudou nossos
sobrenomes, como se isso pudesse romper a conexão entre mim e Mia.
Sempre quis minha total atenção para ela, desde a infância.
Quando percebeu que nunca teria, me afastou e agora tenta
manipular Bunny, usando-a como uma arma para me controlar.
O caminho até o Hotel Royal Lux se torna um borrão, já que minha
mente se enche de emoções conflitantes. A imagem de Casey tocando-a,
seus lábios nos dela, invade os pensamentos como alfinetes penetrando
minha cabeça.
Maldito filho da puta.
E aquele anel… O brilho do diamante em seu dedo anelar, é um
lembrete constante do quão longe ele está disposto a ir.
Estaciono o carro em frente ao hotel, minhas mãos apertam o
volante, e desço indo em direção às portas do Royal Lux. O lugar exala
luxo e exclusividade, mas para mim é apenas uma prisão disfarçada. Ao
entrar no saguão, uma mulher elegante está sentada na recepção, seu olhar
atento se fixa em mim.
— Boa noite, senhor Crown. — Sua voz é suave, mas há uma ponta
de formalidade em suas palavras. Fico surpreso que ela conheça meu nome.
— O senhor Greyson deixou claro que viria também e pediu para lhe
entregar o cartão de acesso. — Ela estende a mão, segurando um pequeno
cartão magnético. Seus olhos não revelam nada, mas eu posso sentir a
tensão subjacente.
Pego o cartão. A mistura de frustração e realização inunda meus
pensamentos.
É claro que Casey antecipou isso.
Ele sabia que eu viria.
Bunny pensa que tem o controle, mas essa noite não será como
imagina.
Entro no elevador e aperto no quinto andar. A caixa metálica sobe
rapidamente, como se ansiasse nossos reencontros tanto quanto a adrenalina
que ronda minhas veias.
Ao chegar no andar, sigo observando os números das portas até que
encontro o 026. A chave magnética pesa na minha mão. Deslizo o cartão na
fechadura e a porta se abre com um clique suave.
O apartamento é luxuoso, e decorado, mas todos esses detalhes
passam despercebidos por mim. Sigo até uma porta, onde escuto gritos ou
seriam gemidos de dor?
Ao abrir lentamente a porta. Meus olhos foram imediatamente
atraídos para Mia, sentada na cama forrada com um lençol vermelho. A
visão era perturbadora e excitante.
Ela está amarrada com cordas que passam pelo seu pescoço e mãos
presas atrás, e acorrentada ao teto. As correntes puxam-na para cima,
fixando-a na cabeceira da cama, completamente nua. Seus olhos estão
vendados por um pano preto e suas pernas presas em cada pilar da cama por
correntes, deixando-a completamente exposta e vulnerável.
— Que bom que chegou a tempo… — Casey sussurra, surgindo do
banheiro, usando apenas uma toalha enrolada na cintura, e com uma
expressão de satisfação cruel estampada no rosto
— Casey… quem chegou? — Mia questiona tentando enxergar pelo
pano preto.
Casey se virou para mim, seu olhar desafiador e um sorriso perverso
nos lábios.
— Observe, dominador — ordena com um tom de comando.
Ele indica uma cadeira de frente para a cama. Me aproximo,
sentindo o peso da situação, e falo em um tom baixo:
— Não combinamos isso, Casey.
— Não concordamos com muitas coisas. E já que não podemos nos
matar, por que não aproveitar o que temos em mãos? Por que não deixa ela
decidir?
Gesticula para Mia, cuja intimidade está visivelmente exposta.
A visão dela assim, tão vulnerável, me faz sentir excitação. Lembro
de algumas noites atrás, quando provei de sua deliciosa boceta apertada.
— Bunny… — afirmo me aproximando dela, e ela tenta se mexer,
porém não consegue.
— O que está fazendo aqui, Misha? — questiona. Seguro seu rosto e
abaixo a venda, seus olhos verdes encontram o meu.
— Eu preciso que diga que precisa disso, Bunny. E por esse motivo
aceitou isso. — Ela olha para Casey, como se não entendesse o que está
acontecendo.
Talvez Casey estivesse certo. Havia muito em jogo e perder a seita
não seria ideal para mim agora.
Ela já tinha sido corrompida por Dominic, o que mudaria se fosse
por Casey? Mesmo assim, eu ainda serei quem tem seus sentimentos
verdadeiros.
E se for preciso aceitar isso para tê-la só para mim, concordarei com
o risco.
— Diga — pedi, sentindo meu coração acelerar.
— Misha…
— Se esse for seu desejo, realizaremos juntos, Bunny — disse, meu
olhar fixo no dela.
— Sim. É o que quero. — ela confirma, em um sussurro de
desespero.
Concordo com a cabeça, embora estivesse esperando que ela
dissesse que não precisava disso. Mas eu sabia que, de alguma forma, ela
estava aceitando a situação.
Me sento na cadeira, observando o cenário que se desenrola diante
de mim. Casey, com um olhar triunfante, começa a se aproximar de Mia.
Quando ele abaixa-se sobre Mia, seus lábios encontram os seios dela
em um gesto possessivo, mordendo e lambendo a pele sensível. Cada toque
parecia incendiá-la, pois arfa e geme, enquanto seus olhos me observam
como se quisesse que eu ficasse excitado com a situação.
Eu estou ali, sentindo-me fraco. Forçado a assistir enquanto Casey
toca nela, se tornando uma mistura insuportável de dor e desejo.
Desce a língua lentamente pela barriga de Bunny, provando cada
centímetro de pele, o que a fez arfar mais alto.
Sua atenção momentânea desvia-se para ele, que sobe novamente e
toma seus lábios em um beijo profundo e faminto. Então, se posiciona sobre
ela, removendo a toalha que cobria seu corpo, ficando completamente nu.
— Casey… — geme, sua voz tremendo com prazer e confusão.
Casey, em resposta, desce a língua novamente, provocando-a com
movimentos lentos e torturantes, parando propositalmente antes de chegar
ao ponto que ela mais deseja.
Eu estou dividido entre a raiva ardente e a necessidade desesperada
de manter o controle. Minha mente gritava que isso é por ela, que essa é a
única maneira de evitar um mal maior. Mas o conflito dentro de mim é
insuportável; cada vez que minhas mãos tremiam, me seguro para não
arrancar Casey de perto dela. Para não ceder à violência que borbulha sob a
superfície da minha pele.
Quando finalmente chega ao clitóris dela, sugando-o com uma
intensidade calculada, Bunny se contorce. Os gemidos se tornam mais altos,
misturados com pequenos gritos de prazer.
Suas pernas se puxam contra as amarras, mas as correntes são
firmes, mantendo-a aberta e vulnerável. O som de seus gemidos ecoavam
no quarto. Uma melodia cruel que parecia zombar da minha fraqueza.
— Misha… — Bunny me chama em um sussurro.
Meu pau pulsa dolorosamente contra o tecido da calça, uma reação
que eu odeio e desejo em igual medida. Não consigo tirar os olhos dela,
observando as expressões que se formam em seu rosto: prazer, confusão,
um resquício de descontrole interno que apenas ela poderia entender.
Casey não para. Chupando e lambendo seu clitóris com uma
dedicação que me enche de uma raiva impotente. Cada vez que ela geme, e
seu corpo se contorce contra as correntes, eu me sinto como se estivesse
sendo torturado.
E gosto dessa sensação, mesmo que não quisesse aceitar.
A dor de vê-la.
O que me causa um mínimo conforto é que mesmo com ele, ainda
geme meu nome.
Minha mente pensa em mil formas de executar ele enquanto a fode
com a língua e seus dedos ágeis.
Casey se posiciona para penetrá-lá, mas antes sussurra:
— Diga o que quer, fale olhando para Misha… — Ele a estimula
pelo clitóris.
Seus olhos esverdeados e em um tom mais escuro, cheios de prazer.
Fixam em mim.
— Que me foda.
Imagino uma cena de violência com clareza: esmagar seu crânio
contra a parede. Esse pensamento é uma fuga temporária da realidade cruel
diante de mim. Uma maneira de lidar com o que está acontecendo sem
perder completamente o controle. E por imaginar a fodendo com o sangue
do amante que está a consumando nesse exato momento.
Casey, com um sorriso satisfeito, posiciona-se entre as pernas dela,
segurando suas coxas com firmeza, coloca uma camisinha e começa a
penetrá-la lentamente, provocando-a com a ponta do seu membro antes de
empurrar, centímetro por centímetro.
Posso ver cada detalhe da expressão dela. O prazer misturado com o
desespero, ainda me olha fixamente, como se estivesse buscando algo uma
confirmação, aceitação ou talvez até uma redenção.
Ele começa a se mover. Entrando e saindo dela com uma precisão.
Abri a calça, e abaixo a cueca, já não aguentando mais.
Toco no meu membro e começo a me masturbar. Solto um gemido
intensificando o movimento.
A sala está mergulhada em um calor sufocante. O ar carregado de
desejo e tensão. Os gemidos de Bunny, o som úmido e repetitivo de Casey
entrando e saindo dela, tudo parece amplificar a minha respiração pesada.
Estou consumido por um desejo ardente e implacável, incapaz de resistir ao
que está diante de mim.
Minha mão desliza ao longo do meu pau com uma intensidade
crescente, sincronizando-se com o ritmo dos movimentos de Casey. Uma
coreografia de luxúria que me prende a uma agonia prazerosa.
Bunny me observa, um sorriso fraco se formando em seus lábios
enquanto era penetrada por ele.
Havia algo em seu olhar. Uma mistura de desafio e submissão, como
se ela soubesse exatamente o que está fazendo comigo.
Era um jogo perverso, um teste para ver até onde eu estava disposto
a ir por ela, e está falhando miseravelmente.
Sinto-me uma marionete, controlado pelo desejo que ela e Casey
estão cultivando. Cada movimento deles me puxando mais fundo em um
abismo do qual eu sei que não tem saída.
Enquanto meus dedos se movem mais rápido em torno do meu pau,
agora completamente exposto, meu gemido sai em um rosnado baixo e
feroz. Eu posso sentir o prazer crescendo dentro de mim, uma pressão que
ameaça me consumir por completo.
Continuo me masturbando, até que noto que ela está perto de gozar.
Levanto da cadeira, tiro minha camiseta e todo o resto. Aproximo-
me deles, Casey estremece ao libertar sua porra.
— Minha vez — murmuro ao puxá-lo para longe dela, minha voz
rouca e cheia de desejo.
Casey, surpreendido e sem forças, cede sem resistência, deitando de
lado.
Enquanto, me posiciono entre as pernas de Bunny.
Ela mal teve tempo de reagir antes que a penetrasse com força.
Arrancando-lhe um grito que estremece pelas paredes. A sensação de estar
dentro dela, quente, úmida e apertada, é quase sufocante.
Eu a fodo com uma brutalidade que é ao mesmo tempo uma
expressão de minha raiva e um grito de posse. Cada estocada é uma
afirmação de que ela é minha e que ninguém mais teria o que eu tinha.
Bunny geme, a sua cabeça jogada para trás, as mãos ainda
amarradas, incapaz de se mover. Seus olhos encontram os meus, e no fundo
deles, vi algo que me inflama ainda mais: prazer absoluto.
Ela gosta disso, da minha brutalidade. Da maneira como eu a tomo
sem remorso, sem piedade.
E quando ela finalmente chega ao clímax, seu corpo arquea
violentamente.
— Diga que me ama… — ordeno.
Fodendo sua boceta molhada por nós dois.
— Eu te amo… — declara e impulsiona seu rosto para frente e nos
beijamos.
Sentindo o controle novamente em mãos, gozo dentro dela sem
camisinha. Sentindo seu líquido escorrer sobre meu pau, meu corpo treme
com a intensidade da foda e da minha porra enchendo-a.
Olho para Casey, que nos olha dando um sorriso perverso. Bunny
morde o lábio, com a respiração ainda ofegante e os olhos fechados.
Que caralho eu fiz?

Algumas horas atrás

Estou aqui em frente a mansão Demory, tomando forças para ir


para essa merda de baile, onde a verei com ele. A porta do lado direito do
passageiro se abre e uma sombra adentra e acomoda no banco…
Casey.
— O que está fazendo aqui?
— Eu não quero perder minha posição na seita, Misha — começa,
sua voz calma, mas firme. O tom mais sério do que eu estou acostumado a
ouvir dele. — Ela é crucial para a pouca sanidade que ainda resta em mim.
Você entende o que isso significa?
Por mais que eu não quisesse, compreendo perfeitamente.
— Se não podemos derramar sangue, então vamos encontrar outra
maneira de liberar essa tensão. Brincando com a sua Bunny. Ou,
entraremos em uma guerra e vamos acabar mortos, de um jeito ou de outro.
A ideia de compartilhar Bunny, mesmo que apenas por uma noite, é
repulsiva. Mas, ao mesmo tempo, a alternativa que ele propunha, uma
guerra aberta entre nós, era ainda mais insana. Casey está me forçando a
escolher entre duas opções que me destruiriam de formas diferentes.
— Que caralho de proposta é essa, Casey? — Minha voz estava
cheia de veneno, a frustração vazando por cada palavra.
Ele sorri, insuportavelmente calmo e irritante, como se tivesse
previsto cada uma das minhas reações.
— É simples, Misha. Mesmo que você não aceite… Eu vou tê-la
para mim esta noite.
As palavras foram um desafio direto. Uma ameaça.
Em um instante, a fúria que eu estava tentando conter, explode.
Antes que pudesse pensar, minha mão está em volta do pescoço de Casey,
meus dedos apertando com força. Seu sorriso finalmente desaparece, mas
em seu lugar surgiu um olhar de determinação doentia, misturado com o
brilho frio da vitória antecipada.
— Acho que… me matar… causaria sua morte… — Consegue
murmurar, a voz embargada enquanto luta para respirar.
Eu queria esmagá-lo ali. Ver o ar escapar de seus pulmões até que
não fosse nada além de um corpo inerte, sem vida.
Mas sei que está certo.
Casey, por mais desprezível que fosse, ainda tem valor para a seita.
E o que implica é claro: se eu o matasse, seria devastador para mim
também.
— Mikai… cuidaria de… nós dois, ou de Mia. — Solto seu pescoço,
meu corpo tremendo com a raiva reprimida. — Ele deixou claro isso. Não
perderia dois dos melhores dele, por causa de uma garota — expõe com
dificuldade, controlando sua respiração, e leva a mão ao pescoço,
massageando a área onde meus dedos haviam deixado marcas vermelhas.

Aceitar isso foi mais difícil para minha sede de sangue que meu
desejo por controle, é o que eu senti naquele momento.
Mas ao estar presente, os dois se colidiram repetidas vezes.
Pego minhas roupas e entro no banheiro. Ligo o chuveiro, a água
bate contra meu corpo, o vapor subindo ao redor em nuvens espessas, mas
nada disso consegue silenciar o turbilhão de pensamentos que atormentam
minha mente.
A ironia era sufocante; ali estou eu, o homem que sempre acreditou
estar no controle, à mercê de circunstâncias que odeia. A sensação de
impotência é uma tortura e a raiva que eu sinto está à beira de transbordar.
Perdido em meus próprios pensamentos, ouvi uma voz ecoando pelo
banheiro, cortando o som da água e a paz que eu tanto ansiava.
Mas para saber se era verdade, escuto uma segunda vez.
— Misha?
Mia.
A voz dela é suave, mas com uma firmeza hesitante que ela não
costuma demonstrar. Aproximo-me da parede de azulejos, deixando a água
escorrer pelo meu rosto, mas não respondi. Simplesmente não consigo.
— Deveria ter ido com Casey — declaro.
Casey havia deixado o quarto por pedido de Mia, se vestindo e com
um olhar que deixava claro que nos esperaria lá embaixo.
— Não queria te deixar sozinho.
Sorrio com sua fala. Pela primeira vez, ouvi a preocupação real em
sua voz. Há algo ali, um tipo de culpa que ela não consegue esconder, mas
eu não estou pronto para lidar com isso.
Sem esperar uma resposta, Mia se aproxima. Seus passos bradam no
chão do banheiro. O ar entre nós está carregado de uma tensão quase
tangível. Quando ela entra sob o chuveiro comigo, seu corpo nu próximo do
meu, o calor da água não era nada comparado à febre que começa a arder
entre nós.
Ela se coloca na minha frente. Seus olhos buscando os meus, mas o
que encontra é um abismo escuro, uma alma em guerra consigo mesma. Os
minutos passam em uma tranquilidade pesada, apenas o som da água caindo
ao nosso redor e respirações.
— Nunca pensei que isso aconteceria, você… me… — ela começa
cortando o breu.
— Dividindo? Infelizmente minha opção de matar Casey não deve
estar na minha lista de afazeres. — Deixo claro.
— Por quê? O que está acontecendo? O que vocês estão
escondendo? E Zack… — Mia pergunta, sua voz cheia de curiosidade e
uma crescente angústia. — Saindo de madrugada… o que vocês estão
fazendo?
Eu ri, mas o som que sai é amargo. Uma risada sem humor.
— Eu aceitei essa merda por você, Bunny — digo em voz baixa,
mas intensa. — Você é o meu demônio, Bunny — continuo, meu olhar fixo
no dela. — Mas isso não quer dizer que eu não possa te explicar porquê
Casey te quer tanto.
Ela pisca, surpresa, sem entender o que eu estou dizendo.
— Sabe por que ele quer você? — pergunto, esperando a resposta
que já sabia que não teria Esperando que negasse, o que, é claro, faria.
O silêncio é como um veredicto. Eu sei que a verdade a
despedaçaria, mas parte de mim queria que ela soubesse, que sentisse o
mesmo ódio que eu sentia.
— Por causa da porra do cadáver da ex-noiva dele. — Minhas
palavras foram cortantes, cada uma delas cheia de intenção cruel. — Você
significa alguém que ele próprio matou. Casey tem um quarto cheio de
fotos suas e dela. Sabe tudo o que fez nos últimos cinco anos. Se excitou ao
perceber que vocês não só se pareciam em algumas atitudes, mas o cabelo,
os olhos, a cor da pele…. É a sombra de um fantasma, Bunny. E está te
usando para reviver o que perdeu e que nunca teve com Beatrix.
Os olhos dela começam a se encher de lágrimas. Uma reação que eu
esperava. Ela balança a cabeça, negando com veemência.
— Não, isso não é verdade. Casey não é como nós, Misha. — Sua
voz está trêmula, quebrando no final, como se tentasse se convencer de que
no fundo é uma mentira.
— O que mais me irrita… — continuo, sem dar a ela tempo de
processar completamente o que havia dito — É saber que você buscou nele
algo que não encontrou em mim. E, mesmo que não queira admitir, não
existem mocinhos nessa história, Bunny. — Minha voz ficou mais baixa,
um sussurro mortal. — Quer a verdade? Por que não vai conferir? Te darei
o endereço. Cada maldito detalhe. E saberá o que faço nas madrugas e
Casey também. Mas agora sai de perto de mim, antes que eu mesmo cometa
algo do qual me arrependerei.
Ela fica parada por um momento, a respiração dela rápida, quase
ofegante. Os olhos dela estão uma confusão de medo e tristeza. Sem dizer
mais nada, Mia sai do banheiro, as lágrimas ainda escorrendo pelo rosto,
seu corpo tremendo enquanto pega as peças de roupa e se veste às pressas e
desaparece do meu campo de visão.
Eu sabia que, mais do que nunca, a porta para o inferno havia sido
aberta.
E desta vez, não havia como fechá-la.
Baby, eu poderia desacelerar
Se é isso que você precisa que eu faça
Podemos ir outra rodada
Talvez para uma nova altitude.
(...)
Perder outra verdade
Não aja como se eu não soubesse
Mm, eu sou tão profissional
Eu vou fazer você precisar e você quer.
Altitude, Montell Fish

MIA DEMORY

A dor da verdade ainda arde em meu peito enquanto caminho para


fora do hotel. Cada passo é uma batalha para manter minha compostura.
Aceitei o joguinho de Casey, mas não imaginei que acabaria assim.
Com Misha e ele.
Se eu dissesse que odiei seria mentira, mas neste momento nada
disso importa.
Quando chego ao saguão, Casey já estava lá, me esperando com
uma expressão que tentava esconder a ansiedade.
Assim que nota as lágrimas que escorrem pelo meu rosto, seu
semblante se enche de preocupação. Ele se aproxima, sua mão estende-se
para mim como se pudesse consertar o que está quebrado.
— Mia? — ele chama meu nome.
Pude notar uma preocupação e hesitação, mas eu não consigo
encará-lo. As palavras de Misha ainda ecoam em minha mente, rasgando
qualquer ilusão que eu ainda possa ter.
É a sombra de um fantasma, Bunny. E está te usando para reviver o
que perdeu e que nunca teve com Beatrix.
Nunca me senti tão usada como hoje.
A realidade está desmoronando ao meu redor, e tudo o que eu quero
é fugir. Me esconder de tudo e de todos, especialmente dele.
Casey, ainda insistindo, tenta me tocar, mas recuo, mantendo a
distância entre nós.
— O que ele fez? — Meu olhar finalmente encontra o dele, e a
raiva contida em mim explode.
— Me diga você, Casey — exijo, despejando a dor e o desprezo que
estou sentindo. — Beatrix era parecida comigo? Eu sou a droga de uma
sombra de um fantasma?
As palavras o atingiram, e por um momento, ele fica em silêncio.
Com o rosto se contorcendo.
— Você nunca seria isso, sabe disso… — tenta argumentar. Sua voz
desesperada, mas há uma hesitação ali, uma incerteza que não pude ignorar.
— Não, eu não sei mais de nada — rebato trêmula, mas firme. —
Preciso de um tempo sozinha. Vou agradecer se não tentar ser um doente de
merda e querer me forçar a ficar. — As palavras saem afiadas com uma
angústia impossível de esconder.
Casey parece prestes a argumentar, mas algo em minha expressão o
fez parar. Ele dá um passo para trás, cedendo, e eu não perco tempo. Pego a
chave do carro na recepção com as mãos trêmulas. O peso do olhar dele
ainda está sobre mim, mas eu não me viro, não posso.
Sigo rapidamente até o carro, o coração batendo freneticamente no
peito.
A cada passo que me afasta, sinto a pressão da situação se aliviar,
mas a dor permanece. Ao entrar no carro e fechar a porta, solto um suspiro
trêmulo. As lágrimas voltam a escorrer enquanto meus dedos apertam o
volante.
Eu preciso de respostas, de tempo e distância.
E, acima de tudo, preciso descobrir quem eu sou. Sem as sombras
do passado de Casey ou os demônios de Misha me perseguindo.
O motor do carro ruge ao ligar, e, sem olhar para trás, parto
deixando o hotel, e toda a confusão que representa, para trás.

A escuridão da madrugada envolve tudo ao meu redor, tornando o


ambiente ameaçador.
As árvores da floresta são intensas, silhuetas escuras contrastam
com o fraco brilho da lua. Estaciono o carro entre as árvores, escondendo-o
de qualquer olhar curioso, exatamente como Misha havia instruído. Meu
coração bate forte no peito, e cada som na floresta parece ter sido
amplificado, fazendo meu corpo inteiro permanecer tenso, alerta.
Faz algumas horas que eu estava ali, esperando. Seguindo à risca o
plano de Misha. O silêncio é quase absoluto, quebrado apenas pelo farfalhar
das folhas ao vento. Minhas mãos suam, apertando o volante com força
enquanto minha mente se enche de dúvidas e medos.
Por que Misha me mandou aqui? O que realmente me espera no
interior desse antigo manicômio?
Uma mensagem chega dizendo para eu esperar até às três da manhã.
Sinto uma mistura de ansiedade e curiosidade. O endereço me trouxe ao
antigo Manicômio Silence, mas também veio à tona uma onda de memórias
indesejadas, especialmente quando lembro que Holly trabalhou lá.
A falta de resposta de Casey já dizia, claramente, que eu sou, sim,
parecida com Beatrix.
Mas e o segredo que faz com que Misha não mate Casey?
Não deveria me sentir tão mal por tudo. Afinal, eu não sou uma das
melhores pessoas.
Mesmo assim, ele deveria ter me contado.
Decidi ir direto para casa, pois em breve amanheceria e teria a
faculdade.
Mas a mensagem de Misha mudou a minha rota.
Em alguns minutos um carro chegou. Consigo ouvir a voz de Casey
falando no celular com alguém. Receosa, desço e o observo atrás de uma
árvore, por alguns segundos.
Respiro fundo para manter o controle. Assim que ele desaparece
dentro do manicômio, espero mais um pouco, como Misha havia orientado.
O ar está pesado. Carregado de umidade e uma sensação de
abandono quase palpável. O manicômio, com suas paredes desgastadas pelo
tempo, se ergue à minha frente como um gigante adormecido, e seu interior
esconde segredos que eu ainda não compreendo.
Entro no prédio. O piso range sob meus pés, e sou imediatamente
engolida pela escuridão. O cheiro de mofo e podridão é forte, uma
lembrança dos anos de descuido. Com cada passo, sinto o peso do lugar,
como se os fantasmas do passado ainda rondassem os corredores,
observando e esperando.
Avanço cuidadosamente, evitando fazer barulho.
Meus olhos ajustam-se gradualmente à escuridão, permitindo-me
ver o contorno das paredes e o caminho à minha frente. Posso ouvir os
passos de Casey de algum lugar mais distante, mas ele ainda não havia
notado minha presença. A tensão aumenta a cada passo que eu dou A
sensação de estar prestes a descobrir algo terrível cresce a cada segundo.
Finalmente, viro uma quina e o vejo, parado diante de uma porta
enferrujada,e e a abre. Espio de longe, tentando entender o que ele está
fazendo. A porta range agudo, revelando um quarto escuro e úmido. Ele
entra, e antes que a porta se feche, consigo vislumbrar algo: dois carrinhos
de ferro e Casey usando o jaleco de médico.
Fico ali por alguns segundos, mas uma porta com uma luz vermelha
chama minha atenção. Sigo até ela e ao abri-la encontro fotografias, muitas
delas. Todas mostrando uma mesma mulher, penduradas em várias linhas.
Meu coração dispara. As fotos são de Beatrix… e de mim. Na
catedral, universidade, em casa e entre vários outros lugares.
Há uma TV de tubo e um leitor de fitas próximo a uma estante
repleta delas.
A visão das imagens misturadas, os rostos quase idênticos, provoca
um arrepio gelado que percorre minha espinha. Tudo o que Misha disse se
confirma naquele instante. Casey está obcecado, e eu era apenas uma
substituta para algo que ele perdeu.
Minha cabeça gira com a revelação, o estômago se revira em
náusea.
Fecho o quarto, ainda desnorteada. Mas volto para onde interessa,
deixo meu casaco pendurado em um cabide de frente para a porta, quando
sinto o calor do aquecedor.
Ao abrir com calma, fico sem reação ao ver Casey removendo um
coração humano, de um corpo sobre uma maca.
Ele é a porra de um serial killer?
Isso não deveria me causar curiosidade, muito menos adrenalina.
Ou… excitação.
Qual o meu problema?
Ao colocar o órgão na caixa refrigerada. Ele me olha.
— Filho da puta — murmuro e provavelmente sabia que Misha
havia me dado esse endereço. Dois homens aparecem e me seguram por
trás.
— Solte-a agora — ordena Casey, e os homens o olham sem
compreender, mas mesmo assim me soltam. — Levem a encomenda e deixe
que cuido dela. Se ousarem contar isso para Mikai eu mesmo os matarei,
nem que isso custe minha vida.
Engulo em seco.
— Ele te mandou aqui, não foi? — questiona, mesmo sabendo da
resposta.
Remove as luvas cheias de sangue e abre os botões do jaleco,
deixando exposto seu abdômen. Olho para o lado e encontro gavetas de
necrotério. Casey fecha a porta atrás de nós.
— Precisamos conversar. — Ele cobre o corpo do homem, deixando
de fora apenas os pés e uma etiqueta com um nome. — Chega de lágrimas
— pede, mesmo que com seu tom sério, sei que envolve um certo
sentimento. — Ele te contou sobre Beatrix e agora queria que visse o que
faço da vida. Me pergunto se ele te contou também que faz parte dessa
merda de seita?
— Ele sabia que o que visse aqui, entenderia que fazia parte —
explico. Observo seu abdômen agora melado de sangue, uma sensação
estranha de querer lambê-lo invade minha mente. — Então, vocês são o
que? Isso é um ritual para o diabo?
Ele sorri.
— Não. Somos uma seita, que se esconde através da catedral do
padre Mikai, onde Dominic Axel é o braço direito dele, ficando de frente
para os congregados — diz e fico sem acreditar.
Dominic faz parte disso?
— E não, Dominic não faz parte. Apenas é responsável pela
catedral, a primeira vez que o vi foi no baile. Só eu, Misha e Zack fazemos.
— Seu olhar é intenso, com expectativa e uma curiosidade mórbida. — E
agora, o que vai fazer Mia? Me odiar? Dizer que sou um monstro? A seita é
a única coisa que me faz não matar pessoas que realmente mereciam ao
meu ver. Faz com que meus demônios internos fiquem em seus devidos
lugares — expõe.
— Não sei. Eu…
Ele se aproxima mais, o rosto a poucos centímetros do meu. O
cheiro metálico do sangue misturado ao seu perfume torna-se ainda mais
intenso. O calor de seu corpo irradia em minha direção, a tensão entre nós é
palpável, carregada de algo muito mais denso que uma simples atração.
Há algo em sua presença, em sua franqueza brutal, isso me atrai,
mesmo sabendo que devo estar correndo para longe.
— Aposto que Misha não imaginaria que ficaria excitada com isso
— desdenha. — É o que está sentindo agora, não é? Sua respiração
descontrolada e a forma como aperta as pernas não nega. — Ele alisa meu
rosto. — Você não é uma sombra de um fantasma. Sim, é parecida com ela,
mas é muito melhor. É exatamente o que sempre sonhei e desejei. Fiquei
apavorado com tamanha semelhança entre vocês, e me tornei um obcecado.
Tenho meu lado cruel e romântico, qual deles você quer agora?
Fico sem reação com suas palavras.
Olho para ele, vagando pelo seu rosto, peitoral exposto, manchado
de sangue fresco.
Tem um contraste violento entre sua aparência limpa e o caos que
ele carrega por dentro. Uma dualidade fascinante.
— O cruel. — A palavra sai automaticamente.
Casey sorri e me beija. Um beijo quente, repleto de excitação,
confusão, desejo e todos os sentimentos possíveis.
— Já transou em cima de um cadáver, amor? — questiona. Sorrio
em resposta.
Casey me coloca sentada em cima do corpo do homem. Remove
meus coturnos, a meia calça, e prendo minhas pernas em volta de sua
cintura. Lambo o sangue de seu peitoral, ele geme. Abaixo as calças e abro
as pernas, implorando por mais dele.
Ele tira uma camisinha do seu bolso e coloca-a em sua extensão.
Desesperada por isso, não penso muito nas consequências, apenas no pau
dele dentro de mim. Casey rasga minha calcinha e mete dentro de mim,
— Ah… Casey… — gemo pelo ardor da penetração e com a
excitação da minha boceta. Sinto todo seu tamanho entrando e saindo, me
comendo. Causando a sensação de preenchimento. O som da maca
rangendo e da penetração invade o ambiente, misturando-se com os nossos
gemidos.
— Caralho… Mia… você é deliciosa — ele diz entre gemidos.
Coloco minhas pernas por dentro do jaleco, me impulsiono para
frente sarrando e esfregando meu clitóris em sua pelve, deixando-me
completamente fora de mim. Um sentimento de êxtase quer se apossar do
meu corpo inteiro, e esquecer de tudo e todos.
Apenas o pau dele me fodendo, como tanto quero.
Casey intensifica o ritmo, suas estocadas se tornam mais profundas
e urgentes. A sensação era avassaladora, cada movimento dele dentro de
mim leva meu corpo a um limite que eu nem sabia que existia.
A combinação do peso de seu corpo contra o meu, o frio da
superfície metálica da maca abaixo de mim e o calor abrasador do seu toque
era um contraste que nunca tinha experimentado antes.
Eu me agarro aos seus ombros, sentindo a tensão dos músculos sob
a pele manchada de sangue. A cada estocada, seu corpo empurra o meu
contra o cadáver sob nós, um lembrete visceral da escuridão do momento.
Mas ao invés de me afastar, essa morbidez só aumenta meu desejo,
como se a proximidade da morte mostrasse a vida de forma mais intensa.
— Gosta dessa sensação, não é? De estar perto da morte. — A voz
dele é rouca, cheia de um prazer animalesco. Ele puxa meu cabelo,
forçando-me a olhar em seus olhos. — De ser fodida assim, suja e cruel.
Não consigo responder. As palavras são substituídas pelos gemidos
que mal conseguia controlar. Tudo o que posso fazer é me entregar àquele
momento. Àquela fusão de desejo e violência que queima dentro de mim.
Ele abaixa a cabeça, seus dentes encontrando meu ombro exposto,
pelo mesmo vestido de noiva que Misha quase tirou minha vida, e mordeu
com força suficiente para me arrancar um grito de dor e prazer. A dor
irradia pelo meu corpo, mas é sobreposta pelo prazer que se construía em
um clímax avassalador.
O calor cresce e se acumula no fundo do meu ventre, prestes a
explodir. Casey percebe e seus movimentos se tornam ainda mais rápidos,
descontrolados. Sua mão livre encontra meu clitóris, esfregando-o com
firmeza, e a sensação me faz estremecer.
Cada toque, estocada é uma nova onda de prazer que me consome
Até que, finalmente, meu corpo arqueia e eu gozo. Um grito agudo escapa
de meus lábios enquanto me contraio contra o corpo dele.
Casey não para. Continua a me foder através do meu orgasmo,
prolongando a sensação até ficar doloroso. O som dos nossos corpos se
chocando, do metal rangendo sob nós. O cheiro do sangue machado na sua
pele e roupa, tudo se mistura em uma decadência e desejo.
Ele enterra-se profundamente dentro de mim, e seu corpo treme
quando goza.
Criando um perfeito som na sala do necrotério: o de nossas
respirações pesadas e ofegantes. O rescaldo do que acabara de acontecer
nos envolvia. Eu me sinto entorpecida, como se cada nervo em meu corpo
estivesse pulsando de forma sobrecarregada.
Seus olhos fixos nos meus, e posso ver o triunfo e algo mais
sombrio em seu olhar.
— Você é um demônio disfarçado de anjo — ele murmura, seus
dedos traçando minha mandíbula, ainda ofegante.
Parte de mim, por mais que ache isso macabro, gosta do tom
pronunciado. Já enquanto meu anjinho do bem, grita o nome de Misha.
E sua voz ecoa: você é o meu demônio, Bunny.
Ela disse: Esqueça toda a dança lenta (...)
Isso é viciante, por favor
Me desculpe, garota
Pela maneira como você me faz sentir
Você é minha garota
E você está movendo tudo.
Bathroom,Montell Fish

CASEY GREYSON

Estamos conectados como nunca antes estive com ninguém, nem


mesmo com Beatrix. Quando executei aqueles que a feriam, pensei que
estava protegendo-a, mas tudo que recebi em troca foi rejeição.
Ela me chamou de monstro. Incapaz de amar ou sentir remorso.
Misha, com toda a sua história com Mia, poderia, sim, atrapalhar
nosso envolvimento. Mas o verdadeiro impedimento é Mikai. Andar na
linha com ele significa não derramar sangue, principalmente quando se trata
de pessoas ligadas à seita.
Isso inclui Dominic Axel, um nome que me causa náuseas só de
pensar. Sei que ele tem um passado com Mia, e o ódio que sinto ao saber
que foi o primeiro a ter o prazer que agora é meu… é insuportável.
As coisas saíram do controle, nessas últimas horas.
Apesar de tudo, me sinto em paz. Agora, ela sabe quem sou e, só
alguém que carrega a mesma escuridão na alma, é capaz de entender.
Eu quero me casar com Mia. Basta fazê-la entender o que sente por
cada um de nós.
Tivemos uma conexão desde o primeiro instante. Os nossos olhares
se encontram, isso é um puta clichê, mas é a verdade.
Misha pode ter um passado com ela, Dominic pode ter roubado anos
da sua vida, mas eu? Eu terei o resto dela.
— Greyson? — A voz de Mikai me puxa de volta para o presente.
Ele me chamou até seu escritório, e por algum motivo sinto que terei
que tirar sangue dos dois homens, aqueles que me pegaram com Mia mais
cedo.
A deixei em casa no caminho. Ainda é cedo e faltam algumas horas
para o sol chegar.
— Sim? — respondo, me sentando na cadeira à sua frente.
— Lembra o que eu falei sobre a garota? — Ele aguarda minha
resposta e apenas observo sua face, enquanto fuma um charuto.
— Perfeitamente — respondo.
— E por que caralho ela estava na sua sala? E não uma qualquer,
mas a que remove os órgãos para a nossa organização. Você e Misha estão
me deixando sem opções com essa obsessão ridícula — informa, e aperto
meu punho. Me aproximo dele. — Cancelou as cirurgias de hoje por causa
dela? — questiona, e não respondi, pois sei que apenas ele tem essa
informação.
— Se tocar nela, considere-se morto, Mikai. — A ameaça sai antes
que eu pensasse duas vezes. O silêncio no escritório é quase palpável.
Mikai apenas sorri frio e calculista, uma forma que me irrita. Ele
sabe o poder que tem sobre mim, e usa isso a seu favor.
— Muito corajoso da sua parte ameaçar seu líder. — A calma na
voz dele só aumenta a minha frustração. — Quero que se case com ela, ou a
mate — ordena, o que me faz lembrar de Beatrix.
— Não vou ter o sangue de outra mulher em minhas mãos por causa
da seita, Mikai. — Minha voz sai firme, mas estou sentindo a tensão
aumentar a cada segundo.
— Então, case-se com ela — ele diz, sem pestanejar. — Misha vai
ter que aceitar, ou Mia precisa decidir de uma vez por todas o que sente.
Essas investidas podem me causar problemas, e isso é a última coisa que
preciso agora. Foder com ela em cima de um cadáver? — Seu olhar é
incrédulo. — Que merda essa garota tem na cabeça? E você… arriscando
nossa organização dessa forma? Agora, ela conhece nossa localização e se
não se casar com um membro da seita, vai morrer. Estou pouco me fodendo
se você, ele ou qualquer um tentar me impedir. Essas são as regras.
Ninguém, além de nós, deve saber a localização. Se ela decidir ferrar com
tudo, todos nós iremos para a cadeia. E se me matarem, outro assumirá e
fará o que precisa ser feito.
Eu o entendo, mesmo odiando cada palavra que diz. E Misha foi um
tolo ao dá-la o endereço, deveria saber que haveria consequências.
— Preciso de uma resposta, Greyson. — Ele solta mais uma
baforada de fumaça, impaciente.
Suspiro, tentando acalmar a tempestade dentro de mim.
— Entendo a situação, e peço desculpas pela minha alteração. —
Minha voz é mais controlada agora. — Mia é vista como uma ameaça, mas
acredite em mim, quando digo que ela não fará nada. E até a próxima
semana, será minha esposa. Considere-se feito, Mikai.
Me observa, esperando algo mais, e eu decido ser claro, para que
não haja dúvidas.
— Mas quero que saiba de uma coisa: se algo acontecer a ela, seja
por suas mãos, pelas de Misha ou de qualquer outro, vou caçar cada um de
vocês. Até meu último momento de vida. — Uma promessa sombria, e sei
que Mikai entende que não estou blefando.
Ele sorri satisfeito, e é exatamente isso que quer: compromisso total,
lealdade absoluta. Está disposto a me testar até o fim.
— Boa sorte, Greyson. Você vai precisar — ele diz, apagando o
charuto com calma. — E não culpe os homens, tenho câmeras em todos os
lugares. — Alerta.
Saio do escritório, disposto a contar tudo a ela.
Nunca mais vou mentir.

Sete anos atrás

— Bem-vinda ao recomeço! — digo, com um sorriso, assim que a


vejo entrar no quarto dos pais. Ela para na entrada, os olhos fixos nos
corpos mutilados em cima da cama de casal.
O choque é instantâneo. Posso ver as lágrimas começando a se
formar em seus olhos. Elas escorrem pelo rosto enquanto o horror da cena
se instala em sua mente.
— O que foi, querida? — pergunto, com a voz suave, enquanto me
aproximo dela. Minhas mãos encontram o rosto dela, segurando-o
gentilmente, forçando-a a olhar para mim e não para o caos atrás de nós.
— O que você fez, Casey? O que aconteceu com os meus pais? — A
voz dela sai trêmula, quebrada pela confusão, posso sentir seu corpo
tremendo. Só não sei ao certo quais sentimentos a consumia.
— Eu te dei a liberdade que você sempre quis. — Meu tom se
mantém dócil, como se estivesse explicando algo óbvio. — Eles nunca mais
vão bater em você, nem machucá-la com palavras venenosas. Agora
seremos apenas nós dois, sem mais interferências ou dor.
Me ajoelho lentamente diante dela, sentindo o momento se
desenrolar como algo planejado. Perfeito. Seus olhos, ainda cheios de
lágrimas, me seguem, mas há uma parte dela que parece ainda não
acreditar no que está acontecendo. Eu retiro a pequena caixa de veludo do
bolso e a abro, revelando a aliança. O anel brilha à luz fraca do quarto, um
símbolo do futuro que planejei para nós.
— Casa comigo? — As palavras saem de forma quase cerimonial,
um pedido que, na minha mente, faz todo o sentido. Para mim, isso é o
começo de uma nova vida, onde ela será minha e cuidarei dela para
sempre, sem ninguém para interferir.
Mas ela está imóvel, paralisada.
Sua respiração é rápida e irregular, posso ver a batalha interna
que ela trava. Seu olhar vacila entre o anel, meu rosto e a visão aterradora
dos pais mortos na cama.
Uma parte de mim que sabe que precisaria de algumas horas
sozinha, para sua mente tentar processar tudo isso, mas também sei que o
relógio não para, e tempo é algo que não posso lhe dar.
Slovak foi claro. Eu sabia que a trazer para minha vida poderia ter
consequências. Quando os pais dela descobriram o que eu fazia,
ameaçaram nos entregar, e assim que soube, o líder me mandou tomar uma
decisão.
Casar com ela e matar os pais. Ou todos deveriam morrer.
— Eles te prenderam por tanto tempo — continuo, minha voz cheia
de convicção. — Agora, finalmente, você é livre. Nós podemos ser felizes.
— Casey… — sussurra com sua voz quase inaudível, e percebo que
algo dentro dela mudou. Não é aceitação, pelo menos não ainda, mas um
entendimento de que seu mundo, para sempre, foi alterado.
Seguro sua mão com a minha, apertando suavemente, e a guio até o
anel. A decisão agora está nas mãos dela, e, de alguma forma, sinto que
sabe que a única resposta aceitável é a que estou esperando.
Porque, para mim, não há outra opção.
— Eu não posso aceitar. — Solta e se afasta. — Você matou os meus
pais, Casey! Que tipo de amor monstruoso é esse? Não sente nem um
pouco de remorso? Uma pessoa que faz isso, não é capaz de amar outra
pessoa! Apenas os seus próprios interesses. Eu te amo, mas você me
perdeu. Acabou, Casey. Nunca mais quero te ver! — ela grita, enquanto as
lágrimas caem em sua face.
— Não fale isso — peço. Sabendo que ela não estava me dando
escolha. Escondi meu lado feio, entrei na seita para tentar controlá-lo e ter
uma vida melhor com ela. — Isso foi um sacrifício por um bem maior.
— Não! Eu nunca vou te perdoar — continua, e começa a se afastar
em direção a porta.
— Eu te amo, não me trate assim, Beatrix!
— Você é um doente de merda, Casey. — Quando se impulsiona
para correr, a seguro nos braços e ela grita.
— Eu sinto muito — sussurro em seu ouvido.

É como se a história estivesse se repetindo.


O peso da situação se espalha em meus pensamentos. Martelando
uma pergunta que não consigo ignorar: quem Mia escolherá? Ao contrário
de Beatrix, sinto no fundo que Mia não hesitará, e entenderá os riscos de
cabeça erguida. Mas isso não acalma minha ansiedade; pelo contrário, a
intensifica.
Caminho pelos corredores preso em um ciclo de tensão crescente,
um nervosismo que há muito tempo não me incomodava dessa forma. Ao
entrar na sala, vejo Mia com sua amiga de confiança, Liberty, são as únicas
presentes, pois falta mais de meia hora para começar a aula de Literatura.
O sorriso de Mia, mesmo que breve, tem o poder de acalmar parte
da inquietude que me consome, e isso faz com que eu me sinta um pouco
mais ancorado. Me aproximo e sento ao seu lado, com a tentativa de parecer
casual, mesmo que minha mente esteja a mil.
— Vou deixar vocês dois aqui, enquanto vou ao banheiro. —
Liberty se levanta com o olhar investigativo, como se soubesse que algo
importante estava prestes a ser discutido.
Assim que a porta se fecha, o silêncio momentâneo a faz hesitar por
um segundo e sei que preciso iniciar:
— Eu queria pedir desculpas, pela forma como descobriu tudo.
— Tudo bem, Casey, eu… — Ela faz uma pausa, parece estar
organizando os pensamentos, e então, continua. — Eu deveria saber que
ninguém nessa cidade é normal, por que você seria?
A forma como seu tom é liberado por entre seus lábios, me faz
pensar que há uma pontada de decepção. Seus olhos me analisam.
— Queria que eu fosse normal? Seja lá o que isso signifique para
você — interrogo firme, com a curiosidade clara em minha voz.
Desde quando o normal te interessou, Mia?
— Eu me sinto confusa, essa é a verdade. Você, Misha e Dominic
não facilitam para mim em nenhum segundo. E sim, queria, porque se fosse
saberia que seria o certo para mim.
Há uma sinceridade em sua fala, algo que me atinge diretamente.
Seus olhos se encontram com os meus, e posso ver a angústia por trás de
suas palavras.
— Então, está nos testando é isso? — Minhas palavras saem mais
duras do que eu pretendia.
— Eu temo ficar com alguém que goste das mesmas coisas, e acabe
machucando mais pessoas inocentes.
— Como fez com Scarlett? — digo grave.
Quando ela abaixa o rosto, sem pensar duas vezes, seguro seu
queixo com firmeza, mas com delicadeza, e a faço olhar para mim. Seus
olhos, agora, refletem vulnerabilidade e confusão.
— Não deve ter medo. Te aceito exatamente como é. — As palavras
se suavizam enquanto a encaro intensamente, tentando transmitir a
sinceridade delas. — E por isso preciso te contar… eu matei Beatrix. Sim,
matei a mulher que amava por causa da seita. — O ar na sala parece parar.
Mia pisca e se afasta do meu toque, processando o que acabei de revelar.
Posso ver a incredulidade surgindo em seus olhos.
— Por que aceitou isso? Se realmente a amasse, deveria ter feito de
tudo para mantê-la viva.
Por mais que tentasse, não consigo decifrar os sentimentos que ela
poderia estar sentindo, pois sua voz está neutra.
Talvez, a morte de Scarllet a tenha feito pensar que é um monstro.
Mas não para mim.
— Essa é de fato uma resposta óbvia, mas ela não me aceitava. O
líder me deu duas opções: matar os pais dela e casar com ela, ou matar
todos caso não aceitasse. Ela se tornou um risco quando descobriu, e agora
você também é um… — Ela não parece assustada com minha confissão, e
sim desafiada.
— Então, vai me matar também? — Sua voz é um sussurro afiado.
— Veio até aqui para isso, Casey?
— Não, eu vim pedi-la em casamento. Apesar de que você já está
usando o anel, então só preciso de um “sim” e seremos oficialmente noivos,
assim como Holly deseja.
A sala está em um silêncio absoluto. Posso ouvir o tique-taque do
relógio ao fundo, cada segundo aumentando a pressão.
Mia olha ao redor da sala, seus olhos varrendo o espaço vazio, como
se procurasse uma saída ou uma solução.
— E se não tiver o sim? — A incerteza em sua voz é palpável.
— Não vou te forçar a casar comigo. — Minha voz é firme, mas há
uma súplica implícita no que digo. — Apenas esperava que a conexão que
criamos nesses últimos dias, fosse o suficiente para entender que te
protegerei com minha vida. Já te disse, você não é como ela. E, ao se casar
comigo… sei que seremos felizes.
— Isso é loucura, nem nos conhecemos direito e você… Não sabe
se me ama. — A confusão em sua expressão reflete a luta que acontece em
seu coração.
— Deve-se casar com um membro da seita, amor. Ou será morta por
eles — digo baixo, mas em um tom grave. A realidade nua e crua do que
estamos enfrentando se reflete em cada palavra.
Ela me encara.
— Eles ou você? — Sua pergunta é direta, e eu nego com a cabeça
rapidamente.
— Nunca faria isso. — Sou sincero. Eu sustento o seu olhar,
esperando que ela acredite. — Você é muito importante para mim. Pense a
respeito. Aposto que Misha fará o mesmo pedido, apesar de que isso
causaria um escândalo para a empresa Demory, e Holly não ficará nada
feliz com isso.
Mia morde o lábio, pensativa, mas a tensão não diminui.
— Uma das coisas que vocês têm igual: manipulação. — Suas
palavras são duras.
Eu suspiro, sentindo a frustração crescer por ela achar que estou
usando a situação a meu favor.
— Não. Não me compare com Misha ou Holly. Tudo isso é culpa de
Misha. Ele quem te deu o endereço, e te colocou nessa situação, não eu. —
Altero o tom, quase defensivo. — Gosto de deixar claro o que quero. E se
casarmos, ainda será assim, mas teremos regras e não aceito que sejam
quebradas. — Ela se levanta.
— Não estou preparada para casar, Casey. Sei as responsabilidades
que isso trará. — Me coloco de pé.
— Você não entendeu a situação, Mia. Você deve se casar se quiser
ficar viva.
Ela me olha, como se não acreditasse no que estou falando.
— Foi incrível o que tivemos, mas teve consequência. Agradeça a
Misha por isso. Mikai quer sangue ou um casamento. Deve decidir, assim
estará dando seu voto de que é parte da seita e que não contará nada às
autoridades locais.
Mia, apenas sai de dentro da sala, e não a sigo, pois sei que precisa
de tempo para pensar.
Como posso dizer isso sem desmoronar?
Como posso dizer isso sem assumir as consequências?
Como posso transformar isso em palavras
Quando isto é quase demais para a minha alma sozinha?
Eu amei e te amei e te perdi (...)
E isso dói como o inferno
Sim, isso dói como o inferno
Eu não quero que eles saibam os segredos
Eu não quero que eles saibam
o jeito como eu amei você
Hurts Like Hell, Tomme Profitt, Fleurie

MISHA CROWN

Chego até a borda da piscina da quadra onde tenho aula de natação.


O local está vazio. O som da água calma, se mexendo reflete no
silêncio absoluto que paira sobre o ambiente. A ausência de qualquer
pessoa faz com que aquele lugar se torne um refúgio momentâneo, um
espaço para organizar o caos na minha mente. Preciso espairecer, mas a
cada braçada e respiração profunda, parece que tudo dentro de mim só
aumenta. Sinto prestes a explodir. O peito ardendo com o peso do erro que
cometi, um qual resultará em Mia se casando.
Enlouquecido pelo ciúmes e pela necessidade de manter tudo sob
meu domínio, eu a empurrei até o limite.
A mandei ir até aquele lugar, convencido de que, se ela soubesse a
verdade, tudo mudaria a meu favor.
Mas fui tolo.
O que ela descobriu mudou tudo, mas não da maneira que eu
esperava.
Bunny sabe que a seita existe e isso a faz correr risco de vida, a
menos que se case.
Minha respiração está desregulada, o coração batendo rápido e forte,
não apenas pela quantidade de voltas que dei na piscina, mas pela ansiedade
que corrói meu peito. A água que deveria me trazer calma parece pesada,
como se estivesse me afogando em pensamentos impossíveis de controlar.
O que eu fiz?
Mikai deu a notícia primeiro e me repreendeu por ter falhado com
ele. Aposto que Casey já a pediu em casamento a essa altura.
Se ela casar com Casey, os matarei, nem que isso seja a última
coisa que faça.
A voz atormenta a minha mente.
Não!
Ela merece morrer com ele, transaram na porra de um cadáver.
Bunny está indo longe demais.
Me afundo embaixo da água.
Segurando a respiração, me permito afundar um pouco mais,
tentando escapar de mim mesmo. O desconforto vai aumentando conforme
o oxigênio se esgota, mas ainda assim, não volto à superfície. Parte de mim
quer ver até onde consigo ir, suportar antes de sucumbir.
O peito começa a arder em busca de ar, meus músculos se contraem,
mas ainda assim, eu continuo. Não consigo mais pensar em nada além da
dor que preenche meus pulmões, o desespero crescente e, por um momento,
desejo que a água me engula por completo.
Apesar da sensação intrigante de afundar na água, algo me
impulsiona a voltar à superfície. Quando finalmente subo e respiro, o ar
invade meus pulmões como se fosse a primeira vez, e vejo, através da
névoa densa dos meus pensamentos. Bunny à beira da piscina, com os olhos
arregalados e o rosto pálido.
— Misha! — Sua voz é um sussurro desesperado, misturado com
alívio. — Eu pensei que… Deus, Misha, não faça mais isso.
Ela se aproxima lentamente, incerta se eu realmente havia voltado à
realidade ou ainda estava preso no turbilhão da minha própria escuridão.
— Pensou que eu estava tentando me matar? — pergunto com
frieza, me aproximando da borda da piscina, o olhar fixo no dela. — Isso só
aconteceria se você já não estivesse mais entre nós, Bunny.
Com minhas palavras enigmáticas, deixo claro que ela seria a única
que me encorajaria a cometer tal ato.
— Não brinca com isso, Misha — ela murmura, a voz entrecortada
pelo nervosismo, mas os olhos não deixam de me observar, de tentar
entender até onde estou disposto a ir.
Ignoro o desconforto em suas palavras e decido mudar de assunto,
com um tom mais leve, mas carregado de intenções veladas.
— Entra comigo? — a convido, nadando mais perto.
Seu olhar vacila por um instante, observando meu peitoral molhado,
mas logo volta ao meu rosto, e vejo o medo refletido em seus olhos.
— Você sabe que não consigo, mesmo se quisesse. — Ela desvia o
olhar, visivelmente perturbada. — Eu me afoguei quando era mais nova,
não lembra? Desde então, tenho trauma.
— Ah claro, como pude esquecer. O que acha de entrar e eu te conto
o que realmente aconteceu naquele dia?
Ela me encara confusa.
— Do que você está falando, Misha?
— Entre e eu te contarei — repito, estendendo a mão para ela. Um
convite que carrega muito mais do que aparenta. Mia olha para a água com
hesitação, o medo evidente, mas minha insistência, somada à curiosidade,
acaba vencendo.
— Não consigo… — Ela tenta recuar, mas minha mão ainda está
ali, firme, oferecendo confiança.
— Sim, Bunny. Você consegue. — Minha voz é um sussurro. —
Confie em mim, eu não deixarei que nada te aconteça. Assim como não
deixei naquele dia.
Após uma pausa longa e silenciosa, ela segura minha mão.
Lentamente, a ajudo a sentar na beira da piscina. Seus pés tocam a água, e o
corpo dela treme. Com cuidado, tiro seus sapatos e começo a desabotoar
sua blusa social, revelando seus seios envoltos em um sutiã vermelho.
O silêncio entre nós é denso. Cheio de palavras não ditas, de
intenções ocultas.
— Sobre o que você disse… quando estávamos… — fala hesitante,
procurando as palavras.
Eu te amo.
— Não precisa se explicar, Bunny. — Tento cortar o assunto. —
Quando estamos no ápice do prazer, dizemos muitas coisas.
Mas ela não recua. Sua expressão é séria, decidida.
— Mas… era verdade, Misha. — Suas palavras carregam um peso
que não está preparada para enfrentar.
— O quê? — Sinto a voz vacilar, não entendendo a profundidade do
que tenta me dizer, ou talvez não queira entender.
— Não sei se é porque temos um vínculo sombrio. Algo que nos
conecta de uma maneira doentia, mas é verdade. Só que também sinto algo
que aparenta ser igual, por ser tão forte com Dominic… e Casey. — Sua
honestidade é uma facada no peito. — Não quero mentir para você. Sei que
está se machucando com isso. Eu te prometi que seria sua no dia em que
matei Scarllet. Não tinha o direito de tirar a vida dela, mas foi inevitável. —
Ela pausa, talvez esperando alguma reação, mas fico imóvel. — É possível
se apaixonar por três pessoas ao mesmo tempo?
Engulo seco. Três pessoas.
Ela me ama, mas eles também?
Que caralho está acontecendo?
— Eu não sei, Bunny. — Sinto minha voz rouca, cansada. — Sendo
sincero, estou exausto disso tudo. Minha vontade é matar todos para que
não tenha mais opções além de mim. Mas me pergunto… — Faço uma
pausa, olhando nos olhos dela. — Se perder a seita por você valeria a pena.
Ela me encara, confusa.
— O que quer dizer?
— Se eu matar Casey e Dominic, serei considerado um traidor.
Caçado até ser executado. Então, só restaria você. — Sinto o gosto amargo
das palavras enquanto as deixo sair. — E se você descobrir, depois disso,
que ama mais o Casey ou o Dominic? Quando os matar, você me perdoaria?
— Minha voz quebra ao fazer a pergunta. — Você me perdoaria, Bunny?
Ela fica em silêncio por um momento, processando tudo.
— Eles não são como Scarllet. Casey não é inofensivo, e Dominic
também não — fala, tirando a saia, ficando apenas com uma lingerie
vermelha. Seguro sua cintura e a ajudo a descer na água. — Então, não. Eu
não sei se te perdoaria. Mas tenho certeza que não perdoaria qualquer um
deles se fizesse o mesmo com você.
Minha raiva cresce com sua resposta ambígua, mesmo sabendo que
ela não os perdoaria, isso impediria que ficassem juntos?
— Talvez você só não queira ficar sem opções — declaro,
segurando-a firme.
— Talvez… Eu ame os três e acabe morta no final por isso.
— Ou talvez, eu mate os dois e te mantenha presa comigo para
sempre. — Sorrio cruelmente. — Nunca fui do tipo que te dá escolhas,
Bunny. Mas com Casey e Dominic, tudo mudou e eu odeio isso.
— Não sei se deveria agradecê-lo por isso, já que me deixou sem
escolhas, terei que me casar por sua culpa.
— Que seja, Bunny. Transou com ele em cima de um cadáver?
— Sim…
— Por que não transar em cima do cadáver dele e de Dominic? —
Ela morde o lábio, talvez cogitando. — A ideia era odiá-lo e não transar
com ele. Caralho Bunny, você me surpreende a cada segundo.
— Sem mortes, Misha. Por favor. — A sinto tremer, ao notar que
está dentro da água, vulnerável e hesitante.
— Não vou te deixar afundar. — Ela concorda com a cabeça.
— Holly tentou te matar quando éramos crianças, Bunny. Você não
se afogou por acidente. — Minha voz agora é baixa, carregada de uma
verdade há muito guardada. — Eu a encontrei. Eu te salvei.
Ela me olha, completamente perdida.
— Por quê? — Sua voz é frágil. — Por que ela faria isso?
— Porque Holly é uma puta louca e obsessiva. Ela queria me
controlar, e sabia o quanto você era importante para mim. Tínhamos apenas
oito e dez anos, mas desde aquele dia, prometi que nunca mais te soltaria, a
menos que você me pedisse. — Minha voz se quebra levemente. — Mas
não imaginei que daquele dia em diante tudo mudaria entre nós e percebi o
quanto precisava de você. Quando completou quatorze anos e começou a
chamar olhares indesejados para si, compreendi minha atração por você.
Eles não eram os únicos que te queria.
— Misha… — sussurra.
— E por isso te peço, não case com nenhum deles. Não me faça
cometer uma loucura em nome do meu amor por você, Bunny.
— Talvez eu não tenha escolha, Holly nos mataria.
— Casey e Dominic não são boas escolhas.
— E você é?
— Caralho, Bunny! Você confia neles a ponto de quebrar um trauma
como esse?
— Confio. Sei que não me machucariam, não como você fez.
— Não os conhecem o suficiente.
— Você não escolherá por mim. — Concordo a soltando e peço para
que segure na escada de aço, e por um vasto segundo a vejo sorrindo por ter
conseguido superar isso.
— Tudo bem, Bunny. Prefiro minha carnificina e que o inferno
permaneça.
Ela sai de dentro da piscina.
Talvez sua morte seja necessária, Bunny.
A voz insana grita dentro de mim.

Alguns anos atrás

A tiro da água assim que a vi cair dentro do lago. Consegui ver


Holly saindo, mas ela não me viu já que estava escondido entre as árvores.
Ela tentou matar Mia, que se encontra imóvel e sem pulso.
Seu corpo gelado repousa na borda do lago, a pele fria e pálida
como mármore. A vida parece se esvair de seu peito, e o pânico começa a
tomar conta de mim. A cada segundo que passa, sinto o desespero apertar
minha garganta.
— Você não vai morrer hoje! Não você! — grito, o som da minha
própria voz ecoando pelo espaço vazio.
Caio de joelhos ao lado dela, o coração disparado no peito. As
palavras são uma promessa tanto para mim quanto para ela.
Pressiono minhas mãos firmemente contra o seu peito, iniciando as
compressões cardíacas. A cada pressão, minha mente grita para que o
sangue continue circulando, para que o coração dela volte a bater.
Uma, duas, três, quatro, cinco… Conto mentalmente as
compressões, tentando manter o foco, mesmo que o pânico esteja prestes a
me dominar.
Sem perder tempo, inclino sua cabeça para trás, fecho o nariz dela
com dois dedos e pressiono meus lábios contra os dela. Sopro o ar para
dentro de seus pulmões. A sensação de sua pele gelada contra a minha faz
meu estômago se revirar. Mas não posso parar, não posso deixar que seja o
fim.
Ela não responde. O corpo continua inerte, sem reação. Tento de
novo.
Outra respiração. Outra compressão. Meu corpo está em modo
automático, como se minha própria vida dependesse dela.
Mais uma vez. Duas. Três. Quatro…
Na quinta respiração, ouço o som que esperei com todas as minhas
forças. Um gemido baixo, seguido por um engasgo. Mia, finalmente, cospe
a água que havia invadido seus pulmões, como se estivesse renascendo.
Ela começa a tossir violentamente, o som da água sendo expelida
invade o espaço ao nosso redor. Sua respiração é irregular, mas está
respirando.
Ela está viva! Eu sinto desmoronar de alívio, o coração ainda
martelando no peito.
— O que aconteceu? — A voz dela é fraca, rouca, mal conseguindo
formar as palavras.
Abaixo-me ao lado dela, meus olhos fixos nos dela, ainda sem
acreditar que ela voltou. A água escorre pelo seu rosto, misturando-se às
lágrimas que eu mal percebi que havia derramado.
— Você quase se foi, Mia — digo, a voz trêmula. — Mas eu não
deixaria isso acontecer. Estou com você! Irei te proteger dela e nunca te
soltarei, a menos que me peça.
Ela me encara, ainda confusa, tentando processar o que aconteceu.
A fragilidade em sua expressão é um choque para mim já que sempre foi
forte, decidida. Mas agora parecia tão vulnerável, tão próxima da linha
entre a vida e a morte.
Como um elo sombrio

A deixei lá, e vim embora para casa. O que menos precisava era ver
Casey. Ao dirigir totalmente atordoado, finalmente adentro a casa, e subo as
escadas até o meu quarto, os degraus rangendo sob meus pés.
Minha mente está em um turbilhão, mas de repente, as vozes me
trazem de volta à realidade. Paro no meio do caminho e ouço com atenção.
A princípio, são apenas murmúrios abafados, mas conforme me
aproximo, as vozes ficam mais claras. Reconheço-as: Holly e Zack.
Algo no tom deles me faz parar, ficar completamente imóvel.
— Nosso tempo está acabando, Holly! — Zack diz, com a voz
alterada, quase desesperada. — Isso vai acabar te matando. Temos que agir.
Morrendo? Minha mente trava nessa palavra. Eu mal consigo
processá-la enquanto continuo ouvindo.
— Não, eu tenho alguns meses ainda — Holly responde, com um
tom de falsa tranquilidade. Mas há um tremor quase imperceptível em sua
voz, que revela que ela sabe que o tempo está realmente se esgotando.
— Você não sabe disso! Ninguém tem essa certeza. Foda-se tudo, o
que importa é a sua vida, caralho! — Zack, praticamente, grita. O desespero
na sua voz é palpável.
Minhas sobrancelhas se franzem, e o desconforto começa a crescer
no meu peito.
O que está acontecendo? Holly está morrendo? E Zack… Parece à
beira de um colapso.
Escuto tudo com atenção, me esforçando para não fazer barulho e
que não percebam minha presença.
— Zack, por favor, preciso que você fique do meu lado! — implora
Holly, a voz é baixa, quase quebrada.
— Como quer que eu fique ao seu lado quando estou vendo o amor
da minha vida morrer?! — Zack explode, sem conseguir mais segurar o
que sente.
O quê? Amor da sua vida? Aquelas palavras me deixam sem
reação.
Zack… e Holly? O choque faz minha respiração falhar. Eles
estavam juntos esse tempo todo? Desde quando? Zack, que sempre esteve
ao meu lado, que sempre parecia leal… Agora está com Holly?
— Eu te amo, você não vai me perder — Holly responde, e então
ouço o som de um beijo. Um beijo apaixonado, carregado de emoção. O
som deles ficando ofegantes me enoja.
Como não vi isso antes?
— E o que faremos com Misha? Mia precisa se casar o quanto
antes. — Holly muda o assunto, como se tivesse uma urgência por trás de
suas palavras. O nome de Mia me puxa de volta à realidade.
Me inclino mais perto, cada palavra deles agora eliminando
qualquer resquício de confiança que eu pudesse ter em Zack.
— A única opção de Mia é se casar, ou Mikai a mata. Seja com
Casey ou Dominic. — A voz de Zack soa tensa, como se ele também
estivesse dividido.
— Não! Dominic não é uma opção viável para os meus planos. Ela
deve casar com Casey — Holly insiste, com firmeza. — Ela está
apaixonada por ele. Sei que vai escolhê-lo.
— Como você tem tanta certeza? — Zack pergunta, sem esconder a
dúvida.
— Porque, pela primeira vez em muitos anos, ela ignorou os
sentimentos repulsivos que tem por Misha e foi com Casey ao baile. Isso
deve significar algo, Zack.
Filha da puta!
Me afasto, antes que me vejam.
O que eu faço?
O que?
Prefiro minha carnificina e que o inferno permaneça.
Então, que o inferno permaneça.
Os olhos não mentem
Diga que você é minha
Os olhos não mentem
Não posso mentir para você, querida
Quero sentir seu corpo perto
Você diz que me odeia
Mas me conta coisas que ninguém sabe
Sim, você é linda, não precisa tentar
Querida, você parece divina.
Eyes Don't Lie, Isabel LaRosa

DOMINIC AXEL

Nosso acordo finalmente acabou. H.D


Era o que tinha escrito em uma caixa que recebi hoje pela manhã.
A qual continha, todas as informações que preciso para destruir um
por um dos meus inimigos.
Assim que pego a caixa, sigo até meu escritório onde ministro as
aulas. Foi então que ouvi, abafado, um som que me fez parar no meio do
caminho.
Um choro, engasgado, e uma voz masculina, familiar e inquietante,
que parece tentar confortar alguém, mas com um tom ameaçador.
— Calma, não vai doer, eu prometo — disse a voz rouca,
entrecortada pela respiração irregular. Meu coração dispara.
Chego à porta entreaberta da sala e paro.
O cabelo ruivo, os ombros encolhidos… é Mia. Ela está chorando,
acuada, com as mãos cobrindo a boca enquanto suas lágrimas deslizam por
suas bochechas. O medo em seus olhos é algo que nunca havia visto antes.
E então, ao lado dela, está ele: o padre Graham. Um homem de rosto
severo, cujas rugas traíam anos de “serviço” à igreja. Sua batina estava
parcialmente desfeita, e o cinto pendia frouxo de sua cintura.
— O que está acontecendo aqui? — Minha voz sai ríspida. Uma
mistura de raiva e incredulidade.
Graham se vira parecendo surpreso por ter sido interrompido. Ele
nem sequer tentou disfarçar sua culpa. Seus olhos escuros brilham com algo
próximo de desespero quando percebe que não havia como escapar da
situação.
— Dom… — Mia murmura, sua voz trêmula e dolorida, os lábios
manchados de sangue.
O terror transborda em sua expressão.
— Você conhece essa mulher? — o padre pergunta, com um tom
frio e calculado, tentando inverter a situação.
— Sim. Afaste-se dela! — grito.
— Isso é um mal-entendido, Dominic. — Ele começa a se afastar,
erguendo as mãos em um gesto de rendição, mas eu não acredito em uma
palavra sequer que sai de sua boca.
— Mal-entendido? — Eu avanço em sua direção, a voz carregada de
nojo. — Você fez um juramento, padre Graham. Um que acabou de trair de
maneira repulsiva. Você não percebe o quão condenado está por suas ações?
Ele se aproxima, estendendo a mão tentando me convencer a ouvi-
lo.
— Por favor… me escute.
— Não. Não há nada que você possa dizer. Essa não é a primeira
vez, não é? Quantas outras vítimas você já fez? Quantas vezes usou esse
pretexto de “autoridade religiosa” para satisfazer seus desejos doentios? —
A raiva dentro de mim cresce a cada palavra. Eu não podia mais me conter.
Empurro-o contra a mesa com força. Seu corpo bate pesadamente
contra o móvel, e ele ofega de dor, surpreso com minha reação. Uma
expressão de puro pânico toma conta de seu rosto envelhecido, mas eu
estou além da compaixão.
Eu o seguro pelo pescoço, pressionando-o contra a madeira.
Foi então que noto o colar que pende em seu pescoço. Uma cruz
grande e pesada, feita de barras metálicas entrelaçadas, as pontas afiadas,
brilhando sob a luz fraca da sala.
Um símbolo de fé, devoção… nas mãos erradas.
Com um gesto rápido, arranco o colar de seu pescoço, sentindo o
peso metálico entre meus dedos.
— Isso aqui… — Levanto a cruz diante de seus olhos apavorados
— Não deveria ser seu, padre Graham. Não é digno de carregar este
símbolo. É um anjo caído, uma criatura podre que merece ser punida.
Ele começa a balbuciar, os olhos se enchendo de lágrimas enquanto
tenta desesperadamente se soltar.
— Deixe-me explicar, Dominic… por favor…
Mas não há nada a explicar.
Minhas mãos se apertam em volta da cruz enquanto observa a cena.
O medo em seus olhos, a maneira como tenta lutar contra o inevitável, tudo
isso só alimentava minha determinação. Eu estou decidido.
— Você não merece perdão. — Minha voz sai baixa, quase um
sussurro, carregada de uma certeza inabalável.
Em um movimento rápido, a ponta afiada da cruz rasga sua
garganta. O som é prazeroso, o sangue jorra imediatamente, espirrando em
todas as direções, principalmente em meu rosto. A sala, antes silenciosa, se
inunda por um grito abafado, seguido pelo gorgolejar da vida esvaindo-se.
Graham leva as mãos ao pescoço, tentando conter o sangue que fluía sem
controle, mas é inútil. Seus olhos se arregalaram em puro terror.
Ele cai de joelhos, as mãos tremendo, os dedos sujos de sangue
enquanto tenta se agarrar ao último fio de vida que lhe resta.
Mas a morte chega rápido.
Seus movimentos ficam cada vez mais lentos. Até que finalmente,
seu corpo tomba para o lado, inerte. O sangue ainda se espalha pelo chão
em uma poça vermelha e densa.
Fico parado por um momento, observando a cena diante de mim,
mantendo a cruz ensanguentada ainda em minha mão. O ar está pesado,
carregado com o cheiro metálico do sangue.
E então, viro-me para Mia, que ainda está encolhida no canto, os
olhos arregalados de choque, e com a blusa social da universidade rasgada.
— Está tudo bem agora — digo com mais suavidade do que eu
esperava. — Ele não vai mais machucar ninguém. Muito menos você,
Demory.
Me aproximo e ela me abraça. Circulo meus braços em volta de seu
corpo vulnerável e trêmulo.
— Se você não tivesse chegado, ele…
— Shh, está tudo bem. Estou com você.

Levo Mia para minha casa. Ela está frágil, e após tudo o que havia
passado, precisa de um ambiente seguro e estável. A casa dela é o último
lugar que poderia ser considerado.
Ela está sentada no sofá, enrolada em uma manta, segurando uma
caneca de chocolate quente entre as mãos. Veste uma blusa social preta
minha e uma calça de moletom cinza, grande demais para o corpo delicado
dela, mas que a mantém segura. Seus olhos ainda mostram resquícios de
medo, mas tem um esforço evidente para manter a calma.
— Está melhor? — pergunto, tentando suavizar a tensão no ar.
Ela ergue os olhos lentamente, piscando, saindo de um transe.
— Sim, obrigada, Dominic. Sem você, eu… — A voz dela fraqueja.
Aliso o rosto dela com delicadeza. Os dedos deslizando pela sua
pele fria, tentando oferecer algum conforto.
— Ele teve sorte que cheguei a tempo. — Minha voz sai carregada
de uma frieza mórbida e eu sei que Mia captaria. — Se não tivesse, a morte
dele teria sido muito mais dolorosa.
Ela treme, apertando as mãos.
— O que fez com o corpo? — A pergunta sai num sussurro.
— Um dos homens de Mikai está cuidando disso — explico, sem
rodeios. — Não se preocupe com isso.
— Mas isso quer dizer que você faz parte da seita agora? — Sua voz
sai calma, porém hesitante.
— Não. — Balanço a cabeça. — Ele apenas concorda que
abusadores devem morrer. Mia, você está bem mesmo? Suas mãos estão
tremendo. — Noto como seus dedos se entrelaçam em um esforço de se
acalmar, mas o tremor é incontrolável.
— Quando ele tentou… — Sua voz falha por um momento. — Ou
fez menção disso, nossa conversa sobre Holly… sobre o que ela pediu para
que fizesse, veio à tona. — Ela abaixa o olhar, com lágrimas se formando
nos olhos. — Eu me pergunto como ela foi capaz de pensar em algo tão
repulsivo.
Toco gentilmente seu ombro, tentando puxá-la de volta ao presente.
— Nada disso importa agora. Nosso acordo acabou.
Mia me olha fixamente.
— Acabou? — A incredulidade em sua voz. — Então… você vai
embora?
Nego com a cabeça.
— Ainda há muito o que resolver aqui. — Pauso, analisando o que
ela está prestes a me dizer, contudo nada sai. Então pergunto o que está me
corroendo por dentro: — Você vai casar?
Mia respira fundo, como se o peso de suas escolhas estivesse prestes
a esmagá-la.
— Sim… Ou, pelo menos, é o que esperam de mim. — Seu rosto se
contorce em agonia, e as lágrimas finalmente cessam. Ela limpa os dois
lados das bochechas. — Sinto muito por te colocar nessa situação, Dominic.
Isso tudo é uma grande merda. — Ela olha para minhas mãos, manchadas
com o sangue do homem. — Suas mãos… estão meladas de sangue. Assim
como seu rosto, deveria se limpar — sugere.
— Claro, irei fazer isso. Mas, entenda, ele era um abusador de
merda. Teve o que mereceu, e faria isso quantas vezes fosse necessário. —
Minha voz endurece. — E não é a primeira vez, Mia. Eu… matei meu
irmão Will e pai — confesso, a verdade, mesmo saindo mais amarga do que
eu esperei.
Ela continua me ouvindo, com uma atenção silenciosa.
— Eles mataram duas pessoas que foram importantes para mim. Eu
os tirei do meu caminho. — Meu tom está tenso. — Você talvez não
entenda o que é o sentimento de vingança…, mas é doce quando o sangue
dos responsáveis está em suas mãos.
Mia assente, seu olhar compreensivo, embora perturbado.
— Sim, Dominic… eu entendo. E não te julgo. — Ela limpa uma
lágrima solitária de sua bochecha. — Mas… casar com Casey ou Misha…
Não sei se isso é uma boa ideia, estou confusa sobre tudo. São tantas
revelações e sentimentos inesperados. — Sua voz sai fraca, quase inaudível.
— Eu não sei o que fazer.
— Casa comigo — verbalizo as palavras me veio à mente, antes que
eu pudesse racionalizá-la.
O olhar de surpresa em seus olhos foi imediato, mas não de rejeição.
— Mas… isso não te atrapalharia nos seus planos de vingança?
Senti um sorriso perigoso se formar no meu rosto.
— Não. Pelo contrário. Ser padre foi uma ótima fachada, mas… um
que abandona seu cargo por amor? — Me aproximo, tocando seu queixo. —
Isso é perfeito. A menos que você…
— Não. — Mia me interrompe, o brilho de uma decisão surgindo
em seus olhos. — Eu… concordo. Sim! É claro que sim, Dominic.
Percebi naquele instante o quanto aquilo é uma péssima ideia, e
ainda assim… irresistível. Nossos lábios se encontraram num beijo quente e
urgente, o gosto salgado de suas lágrimas se misturando aos meus lábios.
Quando nos separamos, Mia me olha com uma expressão que
transborda algo novo. Algo mais profundo.
— Dominic… obrigada por me proteger.
— Já falei que… — Começo a responder, mas ela me interrompe de
novo, segurando meu rosto.
— Não só por hoje. — Sua voz era suave, mas cheia de emoção. —
Por todos os outros dias. Axel… — Ela para, hesitando por um momento.
— Eu realmente acho que estou apaixonada por você, Axel.
Meu coração acelera, e por um breve segundo, todas as minhas
intenções de vingança e escuridão parecem se dissolver, apenas para serem
substituídas por um sentimento que eu havia enterrado há muito tempo.
Amor.
Eu estou disposto a deixar de lado o que sentia por ela. Mas, ao
presenciar tal ato mais cedo, percebi o quanto estava sendo tolo ao fugir.
— Então, isso significa que não está aceitando apenas por ser
beneficente para você?
— Estou aceitando porque, eu sei que me protegerá.
— O problema é que não sei se conseguirei te proteger de mim
mesmo, Demory.
— Daremos um jeito de nos entendermos, sei que sim. — Ela sorri,
um sorriso que me dá esperança como Alice fazia.
Com ela parecia que tudo era possível.
E com Mia Demory, sinto o mesmo.
Eu tentei gritar, mas os lírios
nublaram minha mente
As pétalas flutuando suavemente
perto dos meus olhos
Senti seus dedos rastejarem
lentamente pelas minhas voltas
Não tivemos que afundar para você ser meu.
Lilith, Saint Avangeline

MIA DEMORY

O jantar que iniciará o caos, nos aguarda. A pronúncia do meu


casamento e do renunciamento de Dominic Axel ao cargo de padre.
Faz dois dias desde o último acontecimento, e pedi um jantar com
todos: Holly, Zack, Misha e Casey.
Sei que não gostarão da minha decisão, mas a forma como Axel me
protegeu, foi a certeza que ele trará o meu lado bom. É isso que sempre
senti quando estive e estou perto dele.
A sensação inquietante de poder ter escolhas, proteção ao saber que
ele não acatou as ordem de Holly.
Sei que estou fazendo a escolha certa.
O problema é que não sei se conseguirei te proteger de mim mesmo,
Demory.
Independente do que cerca Dominic, passaremos por isso juntos.
— Mia? — Holly me chama.
— Sim? — respondo, automaticamente
— Estamos aqui, o que ia falar? — questiona Holly, e só então olho
para cada um.
Zack está próximo de Holly.
Casey acabou de chegar e Misha…
— Bunny, qual o motivo desse jantar? — pergunta, entrando na sala.
— Estamos todos aqui, por que não diz logo? — Zack interroga.
— Não, ainda falta uma pessoa. — Deixo claro, e logo a campainha
toca. Consigo ouvir quando a porta é aberta, em seguidas passos pelos
cômodos da casa e, Dominic surge. Usando, ao contrário de suas vestes
habituais, camiseta social preta, calça jeans escura e tênis branco.
— O que isso significa? — Holly interroga.
Dominic se aproxima de mim, e segura minha mão. Casey observa,
sem dizer nada. Misha, ao contrário, se coloca de pé.
— Misha! — repreende, Zack. — Sente-se, vamos escutar sua irmã.
Misha não obedece e se mantém em pé.
— Mia e eu, iremos nos casar — Dominic conta a novidade.
— Casar? Mais, que merda você está falando? É um padre. Padres
não podem casar — Casey retruca, sério.
— Ele renunciou — respondo e Greyson concorda com a cabeça,
deixando claro a decepção de minha escolha. — Como todos devem saber,
Mikai me condenou à morte, e minha única saída é casar.
— Com esse filho da puta? — Misha retruca, segurando uma faca
da mesa, e a rodando entre os dedos, sobre a mesa.
— Deve respeito a Dominic, Misha — Holly declara, e a olho sem
compreender. — Se esse é seu desejo, Mia. Por mim tudo bem.
Em nenhum segundo acredito na falsa confirmação dela, de
aprovação.
Às vezes aceitamos certas situações, para evitar mais conflitos
internos. E esse é o caso, então não retruco, apenas continuo meu discurso,
que mais parece fúnebre a cada segundo que olho para Casey ou Misha.
— Iremos nos casar, daqui a sete dias. — Os aviso.
— E quem disse que você tem a minha permissão? — Misha se
impõe, se aproxima de mim e segura meu rosto com força.
Dominic o empurra e Misha tira do bolso a faca — aquela que
girava segundos atrás — e direciona para Dominic. Zack se levanta para
impedir antes que isso fique feio.
— Se essa é a decisão dela, deve aceitar, Misha.
— Isso é uma péssima escolha,você não o ama, Bunny! — ele grita.
— Sabe disso.
— Você não sabe de nada, Misha — Dominic o responde.
— Eu vou te matar, Dominic! — ameaça.
— Não, você não vai, Misha. Tivemos essa conversa. — O
relembro.
Eu não sei se te perdoaria. Mas tenho certeza que não perdoaria
qualquer um deles se fizesse o mesmo com você.
Ele para no mesmo segundo. E nos olha.
— Espero que ele faça você se arrepender a cada segundo de sua
decisão estúpida de não querer enxergar a realidade, Bunny. — Misha se
retira, e escutamos a porta batendo. Zack se senta e me sento juntamente
com Dominic.
— Parabéns, Mia — Casey se pronuncia. — Eu te dei uma opção e
você fez sua escolha. Realmente espero que ele te faça feliz. — Se levanta,
e se retira.
O jantar após essa situação foi lento, e um pouco desconfortável.
Dominic e Zack eram os únicos a puxar assunto, enquanto Holly me
fuminava com o olhar.
— Pretendem morar aqui quando se casarem? Ou irá para sua
cidade natal, Dominic? — Holly declara.
— Não sabemos ainda, nada foi decidido, isso tudo foi… —
respondo.
— Repentino? Já passou pela sua cabeça que minha filha está sendo
egoísta? Pensando apenas no melhor para si mesmo? — Tenta envenenar a
mente de Dominic.
— Não esperava nada menos dela, Holly. Depois de tudo que
passou.
— Então, aceita isso? — ela retruca.
— Holly… — sussurro.
— Não, está tudo bem Mia — Dominic me informa. — Sei do
coração da sua filha, e a presença dela para mim é o bastante.
— Talvez a indecisão dela seja o que irá te condenar, Dominic. —
Soltou seu veneno e se coloca de pé, afastando a cadeira. — Queria desejar
felicidades, mas na verdade não desejo, mesmo que eu tente fingir.
E se retira. Eu sabia que aquela atitude de mais cedo foi apenas para
torturar Misha.
— Sinto muito por Holly, irei conversar com ela. — Zack deixa
claro, antes de segui-la como um cachorrinho.
Restando apenas, Dominic e eu.
— Sinto muito por essa noite constrangedora.
— Não esperava que acabasse tão bem na verdade, fiquei até
impressionado com a forma que Misha reagiu com poucas palavras suas —
ele diz, e sorri tomando mais um gole de seu vinho.
— Poucas palavras que carregam um grande peso.
— Sempre tudo com você é tão poético. Não esperava menos.
— Dominic… — Seguro em sua mão, e retiro ao perceber que o
toquei sem sua permissão.
— Tudo bem — afirma, e volto a segurá-la
— Se quiser desistir disso, irei compreender. Sei que é uma loucura,
mas meu tempo está meio esgotado.
— É uma honra que tenha aceitado, Mia. — Ele alisa meu rosto.

Dominic foi embora. Então decidi tomar um banho para tentar tirar
o peso que sinto sobre mim. Algo que se impregnava não apenas na pele,
mas na alma. A noite foi um desastre. O calor das tensões mal resolvidas
ainda queima dentro de mim.
Sei que haverá consequências, e elas já estão se desenrolando, uma
após a outra. Não conseguia afastar os rostos de Misha, de Casey, e a frieza
com que Holly me observaram. Cada olhar, gesto, parece ter selado um
destino que eu mal comecei a entender.
Entro no quarto e paro no mesmo instante. Casey está lá, sentado na
poltrona, o mesmo lugar que Misha ocupou antes.
Ele está relaxado, como se me esperasse há algum tempo. Um
cigarro descansa entre seus dedos e o cheiro do tabaco invade o ambiente.
Meu coração acelera no mesmo instante.
— Casey… O que faz aqui? — Minha voz sai baixa, hesitante, o
suficiente para atraí-lo com a quebra no timbre.
Ele não responde de imediato, apenas inala mais um trago do
cigarro. A fumaça subindo lentamente em espirais, se dissolve no ar. Seu
olhar, porém, não vacila, preso ao meu, esperando algo.
— Por que escolheu ele? — questiona, finalmente.
Meus lábios se entreabrem, mas as palavras não vêm de imediato.
— Foi o mais sensato a fazer — respondo, tentando manter a voz
firme.
— Sensato? — Ele ri, o som é áspero, amargo. — Para você, amor?
Meu estômago se revira ao ouvir a palavra “amor” escapar de seus
lábios com tanta facilidade. Sinto a tensão crescer no ambiente, como a
fumaça que agora flutua entre nós. Evito olhar diretamente em seus olhos,
mas era impossível não sentir a sua presença se aproximando cada vez
mais.
— Não me chame assim, Casey… — sussurro, a voz quase
sumindo.
Ele apaga o cigarro com um gesto calmo, sem pressa.
Levanta-se da poltrona e caminha em minha direção. Sua sombra se
alongando no chão conforme ele se aproxima, fazendo meu coração bater
ainda mais rápido. Eu consigo sentir o cheiro da nicotina em sua pele
misturado com o perfume amadeirado que sempre o acompanha.
— Sei que está confusa, Mia. — Sua voz é baixa, mas o seu olhar
contava outra história. — Mas escolher Dominic… isso eu não entendo.
Tento me afastar, instintivamente criando distância entre nós, mas
Casey segue em frente, e logo senti seu corpo muito próximo do meu. Sua
respiração quente roçava em minha pele, o cheiro dele invade todos os
meus sentidos.
— Não precisa entender, Casey — falo. — Acabou. Tudo acabou.
Ele negou com a cabeça, um sorriso irônico se formando em seus
lábios.
— Não, Mia. — Casey inclina a cabeça, seus olhos percorrendo
meu rosto como se pudesse ver além das palavras. — Você sabe que isso
acabou de começar.
O tom de sua voz é frio, mas carregado de uma verdade que eu não
quero admitir. Algo profundo dentro de mim se agita com suas palavras,
uma parte que eu estou tentando sufocar.
— Deveria ter escolhido a mim — ele murmura, uma certeza
inabalável.
Desvio o olhar, mas ele continua me encarando, desvendando os
meus segredos mais profundos. Me afasto mais um passo, sentindo a parede
atrás de mim. Estou presa. Sem opções.
— Você está livre, Casey. Assim como Misha. — Minha voz falha, e
ele se aproxima ainda mais.
— Nunca estaremos livres, Mia. — Ele toca minha pele com um
dedo, traçando uma linha invisível ao longo do meu braço, me arrepiando
inteira. — Pelo menos, não eu. Transamos e isso, para mim, significa um
acordo eterno. Submissão até nossos últimos suspiros.
Me afasto para o lado, indo em direção a porta, ao lembrar da cena.
Tão forte em minha mente, assim como suas penetradas.
— Dominic terá o coração partido por você desejar outro homem?
Ou ele sabe dividir, como fez com Alice?
A menção desse nome, Alice, me pega de surpresa. Eu nunca tinha
ouvido falar dela, e a curiosidade misturada com desconforto se acende em
mim.
— Ah, vejo que nem todos contam todos os detalhes do passado —
Casey continua. — Mas deixa eu te contar algo. Dominic dividia sua amada
Alice com o irmão, Will. No final, sabe o que aconteceu? Will matou Alice.
E Dominic não pôde fazer nada.
O choque percorre meu corpo, uma corrente elétrica.
— Isso não muda nada, Casey. Todos nós participamos ou fizemos
algo terrível.
Ao declarar essas palavras, senti duas mãos firmes segurando meus
ombros por trás. O cheiro familiar me invade, e eu soube imediatamente de
quem se tratava.
— Casey — Dominic disse, a voz baixa, mas carregada de ameaça.
— Poderia deixar minha noiva em paz?
Casey sorri, um sorriso cruel, provocador.
— Eu, ao contrário de você e Misha, não sou devoto a seita. Não me
importo em arrancar seu sangue se for preciso, Greyson.
Dominic avança, sua fúria contida, algo que eu nunca tinha visto tão
claramente antes. Ele sempre foi tão controlado, calmo, mas agora seus
olhos ardem com uma intensidade que me assusta.
— Adoraria ver você tentar — Casey provoca.
— Casey, por favor — intervim, minha voz trêmula. — Prometo
que antes do casamento, conversaremos melhor. Agora, vá embora.
Casey hesita por um momento. Seus olhos alternando entre mim e
Dominic, antes de dar um passo para trás e sair.
O silêncio que se seguiu é quase palpável.
— Pensei que tinha ido embora — comento, tentando parecer
casual.
— Eu ia. Mas vi quando Casey entrou novamente, por uma das
janelas — responde Dominic, seus olhos ainda fixos na porta por onde ele
acaba de sair.
Fico sem jeito. Será que ele ouviu tudo?
— Não precisa se envergonhar pelo que Casey falou. — Dominic
tenta me tranquilizar. — Sei da conexão que você tem com os dois.
— E a ameaça que fez? Não parecia concordar com isso.
— Ele precisava saber que, mesmo que eu tenha aceitado dividir
Alice, você é diferente, Mia. E não vai acontecer de novo. Eu sou capaz de
eliminar todos para que só tenha a mim. Quando nos casarmos, seremos
apenas nós dois. Sem Casey ou Misha.
— Mas antes, você disse que não se importava em dividir —
replico, lembrando-me das palavras de Dominic.
— Isso foi antes de estarmos noivos — ele responde firmemente,
segurando minha mão e retirando o anel que Casey havia me dado. — Não
vai precisar disso.
Ele guarda o anel no bolso e, em seguida, retirou uma caixinha
preta. Dentro dela, havia um novo anel, menor e mais delicado. Dominic
desliza-o no meu dedo com cuidado, onde antes estava o antigo.
— Depois do sim, todo esse pesadelo vai acabar, Mia. Eu te
prometo. — Ele alisa meu rosto, e sinto uma mistura de angústia e alívio.
Não sabia definir quais eram os verdadeiros motivos desses sentimentos.
Não esperava em nenhum momento ter os três. Sabia que minha
decisão de ficar com Dominic, seria definitiva.
Mas me pergunto: estou começando uma guerra?
Onde isso vai acabar?
Estou apaixonada por Dominic
Mas também por Casey e Misha.
E para mim, esse é o pior tipo de inferno, não saber onde tudo isso
vai acabar. E estar confusa em meio a esse enorme labirinto, onde ao
escolher o caminho errado, os demais pagarão com sangue.
“Aonde fica a saída?”,
Perguntou Alice ao gato que ria.
“Depende”, respondeu o gato.
“De quê?”, replicou Alice;
“Depende de para onde você quer ir...”
- Alice no país das maravilhas
Se dói para respirar, abra a janela
Oh, sua mente, quer sair, mas você não pode ir
Esta é uma casa feliz, estamos felizes aqui
Em uma casa feliz, isso é divertido.
House of Balloons / Glass Table Girls,
The Weeknd

MISHA CROWN

O horário da reunião se aproxima. Todos já estão dentro da sala, o ar


pesado com a tensão do momento. Zack e eu nos sentamos lado a lado, em
silêncio, aguardando a chegada de Mikai.
O espaço é vasto, dominado por uma longa mesa de madeira escura
que se estende pelo centro do cômodo. Ao nosso redor, alguns rostos
desconhecidos trocam olhares furtivos, enquanto um único rosto me é
familiar: Casey Greyson. Ele se mantém quieto, observando o ambiente,
seus olhos se movendo com cuidado.
O silêncio, antes entrecortado por murmúrios, cessa completamente
quando a porta se abre.
— Rapazes, me perdoem pelo atraso. — Mikai entra na sala com
passos firmes, sua presença imediatamente chamando atenção.
Seu olhar varre a sala antes de caminhar até a mesa. Com um
movimento meticuloso, deposita uma pasta de couro sobre a superfície
polida da mesa, o som reverberando no ambiente.
A atenção de todos se fixa nele.
Mikai respira fundo, escolhendo por onde começar, e finalmente
ergue a voz:
— Primeiramente, gostaria de apresentá-los aos nossos membros. —
Ele aponta para um homem de meia-idade, com cabelos grisalhos bem
penteados e uma expressão fria, quase impenetrável. — Este é o psicólogo,
Brayson Rydell. Temos o melhor entre nós. Ele, juntamente com seu genro,
Deimon Adams — Mikai faz um gesto na direção de um homem mais
jovem, de semblante taciturno que permanece em silêncio. — São os
responsáveis pelos corpos e membros sendo arrancados nessa pobre cidade
no lado sul. Eles são os líderes do sul de Innsbruck, onde apenas temos a
elite. — Sua voz se mantém calma, mas suas palavras carregam um peso
enorme. Não há necessidade de floreios; todos entendem a gravidade
daquilo que está sendo dito.
Moramos no Sul, mas Casey e eu não somos responsáveis de acordo
com Mikai. Ele prefere dividir em dois grupos para que não desconfiem dos
moradores. Somos responsáveis pelo lado norte, pelas pessoas de classe
média, enquanto, pelo que compreendo, Deimon e Brayson Rydell ficam
para o lado sul.,
Rydell. Onde mais já ouviu esse sobrenome? Uma garota loira surge
em minha cabeça, e Mia. Liberty? Caralho! O pai da Liberty é o Líder do
Vazio no lado Sul.
Não sabia que ela tinha um namorado.
Apesar que nunca me interessei por nada que dissesse a respeito
sobre ela.
Ela é uma delícia, mas não chega aos pés da Bunny.
— Esses são Misha Crown e Zack Crown, irmão de Ayzak Crown,
acredito que tenham ouvido falar dele. — Mikai nos apresenta, Brayson me
observa.
— Claro, conheci o parente de vocês. Ayzak foi um parceiro de
pôquer. — Brayson declara. Enquanto Deimon se mantém calado. —
Perdoem o meu genro, ele não gosta muito de interações — afirma com um
sorriso.
— Enquanto Zack e Misha ficam responsáveis por pegar as vítimas
e enterrar seus cadáveres após o procedimento ser feito. Casey Greyson é o
responsável pelos órgãos — Mikai continua, Casey se coloca em pé e estica
a mão para Brayson que a segura e o cumprimenta.
— Estamos aqui para garantir que ninguém cause problemas com as
famílias dos outros — Mikai diz, sua voz mais firme e sombria. Ele
caminha lentamente ao redor da mesa, seus passos ecoando pela sala. —
Manter a paz na seita é o mais importante para que os negócios possam ser
conduzidos como devem ser. Um passo em falso… e isso pode significar a
morte ou a prisão para muitos de nós. — Mikai, deixa claro a intenção da
reunião.
Ele inicia a conversa chata sobre segurança, a questão de deixar em
segredo apenas para os envolvidos com a seita. Exemplificando como um
passo em falso pode acabar com todos ali presentes, e se transforma em
uma conversa fria e pragmática sobre as realidades brutais do que fazemos.

A reunião foi tediosa para caralho. Mikai parecia determinado a


fazer cada segundo se arrastar, martelando detalhes com sua formalidade
exagerada. Seu olhar pairava sobre mim e Greyson, principalmente quando
mencionou os riscos de pessoas de fora descobrirem sobre a seita.
Ele falou de ética, como se fôssemos médicos discutindo um código
moral profissional. A ironia era insuportável, considerando o que fazíamos
nas sombras. Estávamos longe de ser pessoas comuns, mas ali está Mikai,
com sua fala rebuscada, fingindo que lidamos com algo além de carnificina.
Quando Brayson Rydell e Deimon Adams finalmente se retiraram,
deixando apenas Mikai, Greyson e eu na sala, o tom da conversa mudou e
ele falou:
"Soube que Mia irá casar com Dominic Axel, talvez tenha sido o
melhor para todos. Evitou uma carnificina entre vocês, impulsivos.”
O que ele não sabe é que nunca aceitarei essa porra, a menos que
esteja morto.
Assim que a reunião acabou, saí da sala sem olhar para trás, com o
peso das palavras de Mikai ainda rondando minha mente. Dirijo em
silêncio, os pensamentos acelerados, meu olhar fixo na estrada. Não tem
como evitar o que estava por vir. Mia se casando com Dominic? Isso não
deveria ter chegado a acontecer. Ou ser uma possibilidade.
Chego à mansão Demory, uma construção imponente que parece
esmagar quem a observa por muito tempo. Estaciono o carro na entrada e
saio, sentindo o ar frio da noite contra o rosto. Mas antes que pudesse me
afastar, um farol alto ilumina a lateral do meu carro. Uma Blaze branca se
aproxima lentamente e estaciona ao lado. Espero até que o veículo pare
completamente, sem pressa, e observo enquanto o vidro do motorista se
abaixa.
Para minha surpresa, Ayzak Crown está ao volante.
O mesmo que eu não via há anos, o homem ainda parece um
gigante, igual na minha infância. Dominando qualquer ambiente que
ocupasse com sua presença. Ele me encara por um momento, como se
estivesse tentando confirmar quem eu sou.
— Misha… — Sua voz é grave igual me recordo, com um toque de
hesitação. Ele desce do carro, fechando a porta com força, e se aproxima
com passos largos. — Puta merda, garoto — ele diz com um sorriso irônico.
— Você é um homem agora. O tio Zack cuidou bem de você? — diz com
uma leve provocação enquanto ele me puxa para um abraço pesado e
forçado. O tipo de abraço que nunca foi afetuoso, mas sempre uma
demonstração de poder.
Eu fico em silêncio, endurecendo no abraço, sem responder. Ele
percebe minha falta de entusiasmo e se afasta, os olhos estreitados em uma
pergunta silenciosa.
— Não vai dizer nada? — Ele pressiona, a irritação começa a surgir
em sua voz.
Ayzak, assim como Holly, sempre teve suas maneiras de punir. E
uma das primeiras lições com ele foi: não fale a menos que lhe seja
permitido. Com ele, tudo era um jogo de controle. Cada palavra, gesto era
uma peça que ele manipulava com maestria. Mas o tempo passou. Agora,
ele não tem mais esse poder sobre mim.
Finalmente, rompo o silêncio, minha voz fria:
— Ayzak, o que você queria que eu fizesse? Ficasse feliz em vê-lo?
Se me lembro bem, da última vez que nos vimos, eu tinha deixado claro
meu interesse por Mia, e você me rejeitou.
Aquele dia ainda queima na minha memória, mas agora, anos
depois, minha paciência está desgastada.
O sorriso de Ayzak vacila por um segundo, mas logo retorna, mais
afiado.
— Pelo visto, esse interesse ainda está vivo — comenta, com os
olhos sob a casa atrás de mim, onde Mia reside. — Ela vai se casar, é com
você?
Ele sabe a resposta. Eu sei que já tem essa informação. Deve ser por
isso que está aqui, mas pergunta para ver minha reação e medir o quanto
estou disposto a lutar por isso.
— Não — digo, com uma firmeza que esconde a raiva borbulhante
por baixo. — Dominic Axel é o noivo dela.
Ele solta um suspiro curto, mas não de surpresa. Já esperava. No
entanto, seu olhar se torna mais afiado, avaliando minhas palavras como
quem busca uma fraqueza. E então, ele retruca, cada palavra escolhida,
como se fosse uma faca:
— Então, você continua fraco como antes. Precisando de uma
aprovação de segundos, e o amor que sente por ela não é o suficiente.
Minhas mãos se apertam involuntariamente, os punhos cerrados ao
lado do corpo. O que ele quer dizer com isso?
— Devemos ter o controle, Misha. De toda essa situação. — Antes
que eu possa perguntar, se adianta, como se estivesse apenas esperando o
momento certo para despejar sua próxima provocação, seu tom paternalista
quase me faz rir de desgosto. — Fazer com que os inimigos acreditem que
têm tudo sob controle. Deixar que pensem que estão vencendo, até o último
segundo. E então, no momento final, mostrar que existe apenas um no
comando.
Suas palavras são calculadas, cheias de uma lógica fria e cruel. Ele é
do tipo de homem que controla as pessoas ao seu redor como se fossem
descartáveis. Por um breve momento, a ideia de seguir sua abordagem me
tenta.
Está certo? Essa é a maneira de vencer? Manipular, controlar,
esperar até que o inimigo esteja completamente vulnerável?
Talvez seja uma boa jogada.
— Está tentando me influenciar agora, Ayzak? — pergunto, meu
tom irônico, desafiando sua pretensa sabedoria.
Ele sorri.
— Não. Só estou dizendo o que eu sempre fiz, e nunca falhou. —
Sua mão pesada pousa em meu ombro, apertando firme, uma espécie de
demonstração de força velada. — Vamos lá — prossegue, sua voz
assumindo um tom mais suave. — Quero ver como Mia cresceu.
Querida, estou me apaixonando
Para caralho por você
Me morda, me machuque
Me deixe daquele jeito
Querida, estou chamando
Me deite no meu túmulo.
(No meu túmulo).
Babydoll, Ari Abdul

MIA DEMORY

Meu pai voltou, mas ao contrário de Holly, diz apoiar minha


decisão. Ele nunca foi a favor do meu relacionamento com Misha e sempre
disse que preferia que me casasse com qualquer um, menos com ele.
Alegava que ele era fraco, e por esse motivo nos levaria à ruína.
Estou na estilista, provando vestidos de noiva. Um mais perfeito que
o outro.
Nunca fui do tipo que gosta de coisas comuns ou básicas, como um
vestido que acabei de provar, todo liso sem detalhes e muito bem composto.
Sou mais esse… que estou usando nesse momento. A primeira coisa
que notei quando o vesti, foi como ele cai suavemente sobre meus ombros,
expondo a minha pele de maneira delicada. Com pequenas flores de renda
que parecem flutuar ao redor dos meus braços.
O corpete, justo ao meu corpo, molda minha silhueta de forma
perfeita. Um decote profundo em formato de coração que adiciona um
toque sutil de sensualidade, sem perder a elegância.
As rendas detalhadas que se espalham pelo busto são intrincadas e
dão ao vestido uma textura rica, enquanto a transparência imperceptível no
tecido mostra um pouco da pele de forma refinada. A saia ampla e
volumosa, com camadas e mais camadas de tule, dão uma sensação de
leveza e movimento a cada passo que dou.
Ao caminhar, a abertura na lateral da saia revela parte da minha
perna, um toque inesperado e ousado a este visual tão clássico.
Mas não tão clássico ao meu ver, mas, sim, diferente.
A vendedora me questiona se será esse, enquanto me olho no vasto
espelho.
— Sim, ele está perfeito. Irei levá-lo.
Ela sai, e a sombra de alguém surge assim que olho a cortina atrás
de mim.
É um homem.
Assim que abre, a figura de Misha aparece, ele olha cada centímetro
do meu corpo usando ainda o vestido.
— O que está fazendo aqui? — questiono.
— Ayzak disse que havia te deixado aqui, só queria te ver —
responde.
— Não acho isso uma boa ideia, Misha.
— Bunny…
— Não, você não vai conseguir me fazer desistir da minha decisão.
— Eu não vim para isso… — ele sussurra se aproximando e de
repente parece que o ar não existe mais entre nós. — Está perfeita,
exatamente como imaginei que seria.
Ele alisa meu rosto, e ofego.
— Misha… por favor — peço. — Tomei minha decisão e deve
respeitá-lá.
— Tomou? Então, pode me dizer a diferença do que sente? Não
consigo entender o que viu em Casey… ou em Dominic. Nada disso se
encaixa na minha cabeça, Bunny. — Sua voz está meio trêmula, ou seria
impressão minha?
— Uma pessoa normal acharia estranho, a forma como me entreguei
a cada um. Mas eu sei que fiz, o que quis… e, agora que minha vida está
em risco, tive que escolher. E eu escolhi, Dominic… vai ser ele. — São as
únicas palavras que expresso.
— Tudo bem, Bunny. Mas, você sabe que só está o escolhendo
porque tenta reprimir o que sente por mim, caralho. Eu sou a porra do seu
futuro. Se acredita que seu conto de fadas vai acontecer, está enganada.
Aguentei muito até aqui, por você. — Ele segura meu rosto com força. —
Porquê… achei que fosse escolher certo. Você conhece a lenda do
desconhecido, não conhece? — Fico calada. — Se for preciso, matarei cada
um de seus amantes e aqueles que tentarem me atrapalhar, para que no final,
seja apenas nós. Você pode ter achado que tinha controle sobre mim,
Bunny, mas não. Isso acabou, chega de ser bonzinho.
— Dominic… vai te matar. Não faça nenhuma tolice — digo,
segurando em seu rosto. — Misha…
— Foda-se, Bunny. Quantas vezes preciso dizer, você é minha. —
Ele persiste. — Se não desistir dessa decisão de merda, antes do dia do
casamento, eu mesmo resolverei isso.
Meu coração acelera, mas antes que consiga dizer mais alguma
coisa, ele me solta e dá um passo para trás, ajeitando a postura. A tensão no
ar é intensa, como se algo prestes a se romper estivesse à espreita, mas
Misha apenas me olha por mais alguns segundos antes de se virar para sair.
— Pense bem, Bunny. Ainda há tempo — ele diz, antes de ir
embora.
Fico ali, imóvel, por um longo momento. O vestido pesa sobre mim,
a respiração descompassada e o coração batendo forte. Tento processar o
que acabou de acontecer, mas minha mente está em um turbilhão.
O perigo é real. Misha está disposto a fazer qualquer coisa para
garantir que eu fique com ele e agora, mais do que nunca, eu sei que
preciso ser cautelosa. Não se trata apenas de mim, mas de todos ao meu
redor.

Depois de suas palavras, tomei uma decisão. Antes de seguir com


essa loucura, que pode causar mortes e muito derramamento de sangue,
falar com um padre desconhecido. Sei que, isso não mudará as coisas, e que
tudo que acontecer será consequência da minha decisão.
Dominic, será um bom marido.
Eu sei disso.
Sim…
Mesmo confirmando isso, sinto como se estivesse de alguma forma
errada. Talvez seja pelo sentimento de angústia que Misha deixou ao deixar
claro, que tomaria uma atitude sobre essa decisão.
O vestido foi reservado. Ayzak veio comigo até a igreja mais
afastada, vim me confessar.
Passamos pela entrada simples, sem adornos grandiosos. A porta de
madeira maciça range ao ser empurrada. Ao cruzarmos, o cheiro de incenso
e cera derretida me envolve, tudo parece estar envolto em uma penumbra
suave, com os bancos de madeira dispostos em fileiras que levam até o
altar. O ambiente é frio, apesar das velas acesas ao redor, com pequenas
chamas tremeluzentes que parecem insuficientes para aquecer o espaço.
O padre está lá. Uma figura silenciosa e quase imóvel, ajoelhado
diante do altar. Ele não parece notar nossa entrada, ou se nota, permanece
em sua prece por alguns segundos a mais antes de se levantar lentamente.
Vestido com uma batina preta simples, ele transmite uma presença calma e
firme. Seus olhos focados, como se já soubesse que estávamos vindo.
— Tem certeza que quer fazer isso, querida? — Ayzak questiona,
acariciando meu ombro. Seus olhos me analisam com cuidado, buscando
algum sinal de que talvez eu mude de ideia.
— Preciso colocar para fora, tudo que tenho guardado dentro de
mim. Talvez dessa forma possa sentir um pouco de alívio — exponho.
— Não precisa se confessar para um estranho. Papai está aqui, amor.
— Ele alisa meu rosto.
Faz mais de sete anos que não vejo o rosto dele. A forma como fala,
como se eu fosse uma criança, me deixa mais angustiada ainda. Ayzak
nunca foi um homem de fé, ele acha inútil tudo isso. Me surpreende que ele
ou Holly não façam parte da seita.
— Eu preciso disso. Assim que acontecer o casamento, irei embora
de vez de Innsbruck e preciso deixar tudo isso para trás.
Ele faz um aceno de cabeça, relutante, mas me solta, dando alguns
passos para trás. Apesar de sua presença ser reconfortante, sei que há coisas
dentro de mim que nem ele pode entender ou aliviar.
Entro no confessionário, sentindo o ar pesado e a escuridão me
envolver. As cortinas de veludo se fecham atrás de mim, isolando-me do
mundo lá fora. A madeira antiga range sob meu peso e o silêncio dentro da
pequena cabine é sufocante.
Um pequeno feixe de luz atravessa o véu do confessionário, criando
uma sensação de intimidade e proteção, embora a presença invisível do
padre me faça hesitar.
Sento-me, sentindo a superfície fria do banco de madeira contra o
meu corpo ainda envolto no calor da calça longa pantalona bege e a blusa
de mangas longas, preta, que tem uma gola até meu pescoço.
O simbolismo do momento não me escapa. Aqui estou eu, prestes a
me casar, mas carregando uma angústia tão profunda que nem mesmo o
brilho e a promessa de um futuro seguro ao lado de Dominic, conseguem
dissipar.
Do outro lado da divisória, ouço a respiração lenta e controlada do
padre. Ele não me vê, e eu não o vejo. De alguma forma, isso torna mais
fácil começar a falar.
— Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo — o padre do
outro lado fala com uma voz suave e acolhedora. — O que traz sua alma
aqui hoje, minha cara jovem?
Fecho os olhos, tentando encontrar as palavras certas. É como se
tudo estivesse preso dentro de mim, uma torrente de emoções conflitantes
que ameaçam transbordar, mas que eu nunca consegui articular
completamente.
— Diga filha, estou aqui para ouvi-la — a voz rouca ressoa, entre as
brechas do confessionário.
— Padre… eu não sei por onde começar. Esses dias tudo foi tão
inesperado.
— Por que não começa pelo que está sentindo?
— Claro… eu, estive confusa por esses dias, entre três homens. Um
do qual nem deveria ter me envolvido, porque, era o que minha mãe
queria… me usar para conseguir de volta o que nosso pai perdeu. Mas… foi
algo inevitável, impossível de apenas ignorar, a escuridão dele me atraiu e,
me senti diferente com ele. Era como se eu pudesse ser eu mesma. É difícil
explicar, mas me senti amável e única para ele.
Engulo em seco, entrelaçando meus dedos.
— Com o meu irmão… ele fez parte de traumas. Salvou minha vida
e a mim mesma do fundo do poço… e… somos incompreendidos por
muitas pessoas. Afinal, ter uma mãe como a nossa não ajudou nas escolhas
que tomamos.
Ergo o olhar para o teto de madeira daquele cubículo, impedindo
que as lágrimas caíssem naquele momento. Pisco com força e respiro fundo
para continuar.
— Já com meu noivo… tudo é mais fácil. Não consigo explicar.
Talvez seja pela intimidade que criamos no decorrer dos anos, por ele ter
estado comigo quando ninguém mais esteve. Sinto que com ele não
cometerei atrocidades. E que o mal se tornará em bem, porque, por mais
demônios que haja na vida dele, ele… é perfeito para mim.
— Entendo. Mas, por que está assim?
Suas palavras me fazem lembrar do inicio, onde nunca imaginei
estar prestes a se casar meses depois.
Sorrio, silenciosamente.
— Porque há riscos desse casamento acabar mal e pessoas serem
mortas.
— E vale a pena esse risco? — ele questiona, me mantenho em
silêncio por uns segundos. Pensando em sua pergunta. — E, realmente, é
um risco? Ou algo que de fato irá acontecer?
— Sim… vai acontecer. Não sei ao certo qual das pessoas que é
contra esse casamento tomará a atitude primeiro e por isso, eu vou embora,
assim que o “sim” for declarado… Dominic concordará Sei que sim.
— Compreendo. Então, meu conselho é que faça aquilo que nenhum
deles imagina que é capaz de fazer, já que essa é sua decisão final. Você me
entende?
Sim. Penso comigo mesma.
— Por que… não está me repreendendo, padre?— questiono.
— Porque, querida, você esteve perdida por muito tempo. E pelo
que aparenta, está se encontrando. Isso é o que importa e o que fará a partir
de agora.
Concordo com a cabeça como se ele estivesse vendo. Ele está certo,
preciso agir antes que Misha faça, ou outro alguém.
Em seu coração há um buraco
Há uma marca negra em sua alma. (...)
Ela ficou com o sangue frio como gelo
E um coração feito de pedra
Mas ela me mantém vivo.
Horns, Bryce Fox

Os eventos do passado voltam com a força de um furacão. Varrendo


o que resta de minha sanidade. A sede de vingança queima em cada célula
do meu corpo, alimentada pelo ódio de ter tido a vida perfeita arrancada de
mim.
Eu… o amava. Não. Amo tanto que a ideia de uma existência sem
sua presença é insuportável. Faria qualquer coisa por nós. Qualquer coisa.
Mesmo que isso significasse a morte.
Agora, a sensação da morte corria em minhas veias, um veneno.
Mesmo durante todos esses anos fui incapaz de esquecer.
Cada batida do meu coração é um lembrete do que havia perdido e
do que eu faria para recuperar. A dor é uma companheira silenciosa, sempre
ali, me observando, esperando a transformar em algo mais mortal.
Então, a vejo.
De longe, nas sombras, a vejo provando vestidos de noiva. Como
uma visão distante, intocável.
Passei anos longe, me recuperando de tudo. Do trauma.
Sigo Mia Demory, indo para a catedral mais afastada do centro,
entro logo após ela e Ayzak. Minha presença é ignorada, pelo que parece,
ouvi boatos de que haverá um casamento na família Demory, filha do casal
Holly e Ayzak.
A curiosidade de quem é seu parceiro aflora minha atenção.
Me aproximo depois de um bom tempo, vou em direção as velas,
que ficam próximas do confessionário. Não poderia simplesmente ir direto
para meu alvo.
— Porque há riscos desse casamento acabar mal, e pessoas serem
mortas. — Sua voz ecoa entre o confessionário, mesmo com dificuldades
consigo compreender.
— E vale a pena esse risco? — O padre a pergunta. Coloco a mão
sobre o lado onde ela se encontra. — E realmente é um risco? Ou algo que
de fato irá acontecer?
— Sim… vai acontecer. Não sei ao certo qual das pessoas que é
contra esse casamento tomará a atitude primeiro e por isso, eu vou embora,
assim que o “sim” for declarado…
Me afasto, assim que ouço suas últimas palavras, pois passos se
aproximam em minha direção. Fico de costas e saio pelos fundo.
Vai acontecer… ela vai se casar.
Não posso deixar isso acontecer.
Eu sei que você tem se machucado
Esperando em um trem que
simplesmente não virá
A chuva não é permanente
E logo estaremos dançando ao sol
Estaremos dançando ao sol
Better Days, Dermot Kennedy

MISHA CROWN

Mais uma morte em minha alma, aliviará esse peso no meu coração?
Essa sensação de que tudo está desmoronando e que minha única
opção é derramar sangue de mais inocentes. Matar é uma forma que
encontrei de me refugiar, para não cometer coisas piores.
Tinha tanta certeza que ela me escolheria, até pensei que escolheria
Casey.
Mas Dominic Axel?
A porra de um padre com um passado de merda, que veio para se
vingar?
Nunca imaginei. Mia acha que terá estabilidade com ele, mas está
mais que enganada. Ela não o conhece, só conhecemos alguém quando
vivemos com essa pessoa, na mesma casa e só então, que vemos o lado
ruim e o bom. Pode acreditar, Dominic tem métodos duvidosos, não que eu
seja melhor.
Porque todo mundo nessa porra é louco.
Mando uma mensagem para Bunny, poucas palavras que com
certeza a fará chegar em meu destino.
“A vida de Malakai vale algo para você? Ou ele era apenas um dos
seus joguinhos para tentar foder minha cabeça?”
Tiro uma foto da casa do lago e a envio.
“Tic tac o relógio está passando, Bunny Meio-dia ele morre se não
vir até aqui sozinha. Sem Dominic ou qualquer outra pessoa.”
— Misha… me solte, por favor — implora o professor Malakai,
preso em uma cadeira de ferro. Usa apenas a cueca e com arame farpados
ao redor de seu corpo, o deixando totalmente impossibilitado de qualquer
movimento inútil. Seu rosto está repleto de sangue e olhos inchados. Sorrio.
— Eu avisei a você e não esqueço fácil as promessas que faço —
afirmo.
— Fiquei longe dela, como me pediu depois que quase nos
beijamos. Casey Greyson foi quem se aproximou dela. É ele quem deveria
estar aqui, não eu! — grita, com sua voz trêmula.
— Não sabe o quanto desejo que fosse ele aqui em vez de você,
professor. Mas nem sempre temos tudo aquilo que queremos e tudo tem seu
devido tempo, não acha? Serei paciente, para que esse dia chegue e eu
execute o que tanto almejo. Enquanto esse dia não chega, pessoas, como
você, devem ser punidas.
— Do que está falando? — pergunta confuso. Enrolo um pedaço de
arame farpado na minha mão e um grande pedaço fica caído, o sangue
escorre de mim. — Que tipo de fetiche macabro é esse de arame farpado? O
que aconteceu com você, Misha?
— Perguntas e mais perguntas. Não entendeu ainda que não
responderei nenhuma delas? A única coisa que deveria estar preocupado é
se vai sair vivo, professor.
— Eu já sei a resposta e você também — ele retruca.
Meu sorriso cresce ainda mais ao ouvir a voz trêmula de Malakai.
Ele se acha tão sábio, superior em suas palavras. Mas, nesse momento, suas
certezas são como areia escorrendo por entre os dedos. O tempo é cruel e o
tique-taque do relógio ao fundo só intensifica o desespero crescente.
O amarrei no porão, onde há apenas uma cortina vermelha, aberta ao
meio, que divide os dois lados desse retângulo. Há uma cadeira perto da
sua, porém de lado para ele. Sento-me nela e o observo.
— Você não entende, professor — sussurro. — Tudo tem um preço.
E o seu já foi determinado há muito tempo.
Ele respira com dificuldade, tentando se mover, mas o arame
farpado fincado em sua pele faz com que sinta apenas uma dor lancinante.
Pequenas gotas de sangue escorrem lentamente por seus braços e
pernas, manchando o chão ao redor. O cheiro metálico que preenche o ar.
Eu me aproximo, observando cada detalhe de seu rosto ensanguentado, os
olhos inchados, a pele pálida. Um homem quebrado.
— Misha… — ele tenta novamente, a voz falhando. — Isso… isso
não vai trazer nada de volta. Você acha que matando inocentes ou me
torturando vai conseguir alguma paz? Está apenas cavando um buraco mais
fundo.
Eu paro por um momento. Reflito sobre suas palavras, mas logo
depois dou um riso curto, seco.
— Paz? — pergunto, quase incrédulo. — Você acha que estou em
busca disso, Malakai? Não. Isso nunca foi meu objetivo. O caos… é a única
constante na realidade que vivo. Pensar em paz, é tolice. Não sou eu quem
está cavando o buraco, professor. Já estava aqui, eu só decidi mergulhar
fundo.
Ele tenta manter contato visual, mas posso ver que está à beira do
colapso.
A dor, o medo… tudo se misturando.
— Diga-me, Malakai, o que você acha que Bunny faria se estivesse
aqui agora? — pergunto, observando as reações em seu rosto. — Será que
imploraria por sua vida? Que ainda te vê como algo mais do que uma peça
descartável? Ou já te esqueceu?
Não responde imediatamente, mas vejo sua mandíbula apertar.
Talvez saiba a resposta, mas não quer admiti-la.
— Não acredito que Mia seja assim… — ele começa.
— Bunny é exatamente assim… — o interrompo. — Todos nós
somos marionetes do mesmo jogo. A única diferença entre nós é quem está
segurando os fios no momento.
Me levanto, caminhando ao redor da cadeira. O som de meus passos
ecoa pela casa vazia. A cada movimento meu, Malakai tenta seguir com os
olhos, mas a dor o impede de qualquer gesto brusco. Eu paro atrás dele,
puxando o arame farpado com força mais uma vez, em torno de seus
ombros, e ele solta um gemido de dor.
— Sabe, Malakai… o tempo está passando. E eu não sou um
homem paciente, na verdade fui muito nesses últimos dias, mas tô cansado
dessa merda. Acredito que Bunny já recebeu minha mensagem. A questão é
se ela se importa o suficiente para chegar a tempo. — Dou uma olhada no
relógio. Onze e quarenta e cinco. — Faltam quinze minutos. Acha que ela
virá correndo para te salvar?
Puxo-o novamente para trás, sentindo o ardor do arame penetrar
fundo em minha carne. Um grito baixo escapa de seus lábios, mas ele tenta
disfarçar, parecer forte. É admirável, em certa medida. Tiro minha camiseta,
e fico apenas de calça e sapatos.
— Me liberte, prometo que não contarei a ninguém sobre isso. Vou
embora de vez de Innsbruck. — Fraco e inútil.
Escuto pneus de um carro, e logo em seguida alguém andando pela
casa. Sozinha, como havia pedido. Viro-me para Malakai, que parece ter
ouvido também. Um fio de esperança surge em seus olhos, e isso me
diverte, ele realmente acredita que essa história terá um final feliz.
— Parece que nossa convidada chegou… — digo, enquanto o brilho
do metal do arame, reflete a luz fraca da sala.
Volto para trás dele e circulo sua garganta com o pedaço de arame
que sobrou, o enrolando na minha outra mão.
O sorriso se abre em meu rosto, alimentado pela expectativa. Ele
abre a boca, tentando implorar, mas eu ignoro suas palavras fracas. Estou
pronto para encerrar o sofrimento inútil de Malakai, ou Mia o fará?
O metal frio crava na carne quente e ele ofega de dor. O sangue
escorre de onde o arame penetrou, pequenas gotas descem por seu pescoço
e suja mais ainda, seu peitoral exposto.
— Você realmente acha que ela veio para te salvar, não é? — digo
com um tom divertido, inclinando-me mais próximo de seu ouvido. —
Bunny está jogando o jogo dela, Malakai. Sempre te usou para me provocar.
Ele tenta falar, a respiração ficando cada vez mais difícil, mas só
ruídos indecifráveis escapam de sua garganta. O arame está apertado o
suficiente para impedir que ele faça qualquer som coerente.
Eu poderia acabar com isso agora, mas não… ainda não.
Escuto os passos de Bunny pararem na entrada do porão e começar
a ecoar das escadas. Sua presença enche o ambiente, uma mistura de tensão
e desafio, ao se aproximar. O olhar fixo em mim, analisando cada
movimento meu. Sem soltar o arame, ergo o olhar lentamente sobre ela,
notando que está usando o uniforme da faculdade. Encontro seus olhos em
seguida.
— Misha, solte-o! — me repreende, e puxo o arame e o sangue
começa a escorrer da boca do professor. Mia tenta se aproximar assustada, e
a ordeno que se afaste.
— Olhe para ele, Bunny. — Minhas palavras saem cortantes. — Ele
já está condenado. Nada do que você disser vai mudar isso. A questão agora
é o que está disposta a fazer para salvar o pouco de vida que o resta.
Ela dá mais um passo, sem ousar desviar o olhar, mas percebo que
está calculando. Considerando suas opções, tentando encontrar uma
fraqueza, uma maneira de inverter a situação
— O que você quer, Misha? — ela pergunta, agora mais controlada.
— Qual é o seu objetivo com tudo isso?
Eu rio. O som amargo ecoa pela sala.
— Parece até que não me conhece, Bunny. Me diga, qual você acha
que seja o meu objetivo, a ponto de me arriscar para matar um professor tão
insignificante e te trazer em um lugar isolado. Onde apenas um serial killer
e duas possíveis vítimas se encontram? — interrogo, brincando com sua
mente. Ela fica tensa ao perceber o quanto pode ser perigoso estarmos aqui
sozinhos.
— Não vai me matar — responde. Não contenho o sorriso. — Eu sei
que não. Não tenho medo de você, Misha. Você não é o monstro que está
tentando fingir ser.
— Você não sabe de nada! — a respondo, soltando o professor.
Desenrolo o arame da minha mão direita colocando-o na esquerda. — Eu
não quero te matar. Mesmo com as vozes da minha cabeça pedindo para
que o faça, que só assim ficaremos juntos, Bunny. No nosso inferno. E
mesmo que seja tentador, eu desejo outra coisa... — Me aproximo dela, a
guiando em direção a parede do lado esquerdo da cortina. — Me diga, o
que acha que quero, Bunny.
— Não sei. — Seus olhos buscam a resposta em alguma atitude
minha.
— Quero que vista uma roupa para mim — peço e indico uma caixa
preta, que se encontra com o laço vermelho no chão. — Se quer tanto que
ele viva, o que acha de me obedecer, Bunny? — questiono.
Ela olha entre mim e Malakai.
— Desde o momento em que se envolveu com Dominic, ou Casey.
Tenho sonhado com algo, bem excitante. — Aliso seu rosto e resquícios de
sangue fica nela. — Algo que sei que vai gostar... — Sinto meu pau pulsar.
— Caralho, você me faz ser um grande filho da puta. E mesmo que isso me
deixe fodido da mente, só me dá mais vontade de te mostrar quem está no
controle.
Seguro em seu pescoço com a mão que está o arame farpado, ela
ofega.
— Acha que a vida dele vale o risco de perder Dominic? —
pergunto.
— Não quero que mais ninguém morra, Misha — ela diz com
dificuldade.
— Então, vista o que está dentro daquela caixinha e volte para mim
— ordeno, e ela olha para a caixa.
— O que tem dentro? — Sorrio.
— Você vai ficar perfeita. — São minhas únicas palavras.
— Não vai me obrigar a transar com você — ela afirma, e segue
para onde está a caixa.
— Não vai ser preciso, Bunny — respondo. — Vai desejar isso... —
murmuro para mim mesmo. — Limpe-se no banheiro do porão e volte.
Bunny pega a caixa, e vai para atrás da cortina. Noto sua reação
surpresa ao ver o que encontrou dentro. Ela me olha, mas não diz nada e vai
para o banheiro, onde nem eu, ou o professor pudesse vê-la.
Depois de alguns minutos ela volta usando a lingerie preta rendada.
É tão transparente que parece quase inexistente, revelando a fragilidade de
sua pele nua por baixo, com alças finas. Seu busto é decorado com detalhes
de renda, formando um design delicado e floral, adicionando um toque
sensual e refinado à peça. A parte inferior é mais solta, com uma leve
transparência que continua o jogo de revelação e mistério.
— Solte-o, já fiz o que me pediu.
— Não, isso é só o começo. — Ela me olha sem compreender. —
Ajoelhe-se em frente a ele.
— Mia… não o escute, salve-se! Eu já estou morto — aconselha o
professor. Ela nega.
— Não, não serei eu a culpada pela sua morte, Malakai — justifica.
— Farei o que for preciso para mantê-lo vivo.
Ela obedece, e me aproximo dela. Ajoelho ao seu lado e cheiro seu
pescoço sentindo o óleo que usou para se limpar. Morango.
— Está pronta? — pergunto, ela confirma com a cabeça, totalmente
submissa.
Prendo o seu pescoço com o arame, que antes estava em Malakai, e
o ajusto de uma forma que não saia facilmente.
O arame apertado ao redor de seu pescoço não é apenas uma arma,
mas uma coleira, uma prova de que sua liberdade não existia. Cada
respiração sua é controlada pela minha vontade. O silêncio da sala chega a
ser ensurdecedor, cortado apenas pelo som do leve ranger do metal quando
ela se movia minimamente. Uma tensão aguda insuportável, parece que a
qualquer momento pode se romper.
Eu me levanto devagar, o que faz as pontas do arame farpado
deslizar pela palma da minha mão, deixando pequenos cortes. O sangue que
pinga da minha pele escorre lento, criando um rastro rubro vivo no chão,
marcando, talvez, o caminho que todos ali seguirão: o de uma ruína
inevitável. A dor física é mínima, comparada ao prazer de ver a submissão
estampada no rosto de Bunny. Minha mão encontra a dela, forçando-a a
tocar o arame em volta de seu próprio pescoço, fazendo-a sentir o quão
afiada é aquela prisão invisível.
— Sente isso? — pergunto, um tom quase gentil, mas com uma
malícia latente. — É o controle… onde a qualquer segundo, tudo pode
terminar. Ou talvez… pior ainda, não termine.
— Está a machucando! — Malakai grita, apenas sorrio.
Mia estremece quando coloco meu dedo indicador em seu lábio.
— Lembra o que te falei mais cedo, Malakai? — interrogo, mas ele
se mantém calado.
— Misha... — Bunny diz. — Deixe-o ir… por favor — pede, quase
gemendo.
— Diga o que está sentindo para que ele entenda. — Ela o olha. —
Bunny — chamo-a
— Não me faça falar — implora, e com essa resposta eu sabia que
para ela não era uma tortura.
Mia está hesitante, seu corpo tenso, como se as palavras fossem o
verdadeiro castigo e não o aperto do arame ao redor de seu pescoço. Sua
respiração acelera, seus lábios tremem e ela vira o rosto para Malakai.
Bunny estremece ao meu toque em seu rosto mas não recua. Em vez
disso, fecha os olhos, respirando fundo, se entregando completamente.
— Eu quero… — ela começa, com dificuldade, mas com uma
convicção crescente surgindo a cada palavra. — Quero isso, Misha. Perder
o controle e que você me diga o que fazer. Quero sentir… que não sou eu
quem decide.
A última palavra sai como um sussurro, carregada de uma dor
intensa misturada com desejo. Há uma confissão, uma libertação no que ela
diz. Parece que ela está se despindo de qualquer moralidade que lhe resta.
Malakai engole em seco. Seus olhos se arregalam, o choque e
incredulidade tingindo sua expressão. Ele tenta falar, mas as palavras não
saem.
Os olhos dela brilham, uma mistura de excitação e desafio, a tensão
entre nós é elétrica. Como se o mundo ao nosso redor tivesse desaparecido
e tudo o que resta é nós três. Presos em um ciclo de desejo e controle.
— Vamos fazer isso, então — murmuro, e com um movimento
brusco, puxo-a para perto de mim, mantendo a coleira ao redor de seu
pescoço como um lembrete constante do poder que eu tenho sobre ela.
Ela pensa que minha intenção é fodê-la, mas vai além. Até onde ela
iria?
— Você tem dois minutos para decidir se Malakai vale mais a pena
do que Dominic — sussurro. — Estamos sendo gravados e se não matar o
professor, Dominic receberá essa gravação. Acha que o que ele sente por
você é o suficiente para te perdoar por isso? — interrogo e mordo seu
pescoço, ela geme. — Está tão entregue a mim, Bunny. — Passo a mão em
seu busto, descendo a mão até chegar por baixo da lingerie.
— Misha…
— Me diga que esse perigo não te excita — sussurro em seu ouvido,
ela morde o lábio — Como quero te foder... na frente desse perdedor, para
que entenda e se arrependa por ter chamado minha atenção na frente de
todos.
Aliso por cima de sua boceta, livre de qualquer tecido. Bunny está
nua, e molhada, pronta para mim.
— Mas me pergunto, você quer isso? Dominic não ficará magoado?
— interrogo, olhando para a câmera sorrindo.
— Ah... — geme. — Não me torture dessa forma — sussurra.
— A vida dele ou magoar Dominic. O que você escolhe? — Ela
olha para mim, entendendo a gravidade da situação.
— Se o deixar vivo, Dominic receberá a gravação. Ou, ele pode
morrer e isso nunca aconteceu. — Me afasto dela um pouco. A puxo pelo
arame para perto de Malakai.
— Mia... não faça isso.
Ela está excitada e, ouso dizer, completamente sem seus sentidos
normais. Está confusa entre magoar Dominic ou matar Malakai.
Ela olha para o professor, cuja vida estava em suas mãos, e o
conflito interno a consumia. O desejo de proteger Dominic a faz hesitar,
mas a urgência de eliminar Malakai pulsa como um grito dentro dela.
— Eu não posso fazer isso. — Sua voz soa quase como um sussurro,
perdida entre o desespero e a determinação.
— Dominic não significa nada para você? — pergunto, tentando
atingir o coração dela, expor a fragilidade de suas escolhas.
— Sim, significa. — A confirmação dela soa como uma facada, e
um lampejo de resolução cruza seu olhar, mesmo que breve.
— Então, faça. Só precisa enrolar o arame no pescoço dele. — A
frieza nas minhas palavras parecia cortante, como o fio que ela segura.
Com as mãos trêmulas, ela se aproxima de Malakai. O desespero e a
dor misturam-se em seus olhos, mas a decisão toma conta dela,
empurrando-a para frente. O arame se fecha ao redor do pescoço dele, e
enquanto ela segura com força. Lágrimas escorrem por seu rosto,
misturando-se ao sangue que brota da boca de Malakai. Ele luta, os olhos
arregalados em choque, enquanto a vida se esvai.
Um silêncio ensurdecedor tomou conta do ambiente, como se o
tempo tivesse parado. O que deveria ser um ato de amor se tornara um ato
de brutalidade, e a transformação de uma mistura de culpa e alívio, é
palpável. Ela se afasta, o horror em seu rosto agora é inconfundível.
— Eu… — As palavras falham em sua garganta, enquanto o choque
a envolvia como uma névoa densa.
Aproximando-me, vejo a fragilidade dela. Tão bela e, ao mesmo
tempo, monstruosa. O peso da ação a esmaga, e eu sorrio, a excitação
dançando em meu interior.
— Somos monstros e isso é perfeito, caralho. — Acaricio seu rosto,
a pele dela ainda quente, mas manchada de sangue.
Então, o som da porta batendo ecoa, e a figura que surgiu no limiar
era uma visão inesperada. O olhar dela se fixa no intruso, choque e
incredulidade estampados em seu rosto. O brilho da revelação torna tudo
ainda mais envolvente.
Meu plano, ao forçá-la a tomar aquela decisão fatal, não foi apenas
uma demonstração do controle que eu tenho sobre sua vida. Era um teste,
uma maneira de expor seu egoísmo, a sombra de quem ela realmente é.
O fato de ela ter matado por alguém que significa tanto para ela,
agora parece apenas um jogo em que eu controlo as peças. A presença
daquele por quem ela tinha feito o impensável transforma a situação em um
espetáculo, uma peça de teatro onde os monstros dançam no palco, e ela
não é melhor do que eu.
Querido
Me abrace enquanto você
enxuga as minhas lágrimas
Me apaixonando
Você diz que sou sábia
demais para a minha idade
Sim, homens da minha idade
não são a mesma coisa
Eu sou jovem e está tudo bem
Older, Isabel LaRosa

DOMINIC AXEL

O silêncio no porão era sufocante.


O corpo sem vida de Malakai amarrado na cadeira, e Misha, com
aquele sorriso maldito, acariciando o rosto de Mia. Eu observei a cena, com
a raiva fervendo dentro de mim, enquanto as palavras de Mia, promessas
invadiam minha mente.
A cena dela tão entregue a ele me destrói por dentro, de novo e de
novo. Como um ciclo interminável que me atormenta, uma lembrança
constante do que ele é capaz de fazer. Mia matou Malakai. E fez isso
acreditando nas palavras venenosas de Misha. Por que ela confiou nele? Por
que não viu o que ele queria com tudo isso?
— Dominic… — ela sussurra, me chamando, como se o som do
meu nome pudesse dissipar o horror da situação.
Suas palavras reverberam na minha cabeça repetidas vezes.
Dominic.
Sua voz me puxa de volta dos devaneios que me consomem.
Estamos no carro agora. Eu estou dirigindo rápido, o caminho até a
minha casa passa como um borrão ao meu redor. O silêncio entre nós é
pesado, cortante.
— Por favor, fale algo… — Mia implora, a voz dela mais frágil do
que já ouvi antes.
Eu não respondo de imediato, meus dedos apertam o volante com
tanta força que os nós dos meus dedos estão brancos.
— O que quer que eu diga? — disparo, sem tirar os olhos da
estrada.
— Eu não sei… qualquer coisa. Suas únicas palavras foram “vamos
embora” — ela responde, agora envolta em um casaco longo que cobre a
lingerie quase transparente que ainda usa. É um lembrete doloroso da noite
que quase me destruiu.
— Você queria que eu surtasse e matasse Misha? — A frustração
escapa junto com as palavras. — Eu sei o que ele quer. Me matar, me forçar
a perder o controle. Se eu tivesse encostado nele, estaria me entregando de
bandeja para Mikai. E eu sei que você não me deixaria matá-lo.
O carro acelera. Eu dirijo o mais rápido que posso, tentando escapar
da tempestade de pensamentos que me assombra.
— O que vai fazer? — A pergunta dela soa hesitante, como se ela já
soubesse a resposta, mas temesse ouvi-la.
— Do que exatamente você está falando? — pergunto, irritado.
— Comigo. Com… nós.
As palavras dela me atingem como um golpe. Nós? Eu rio
amargamente, incapaz de controlar o sarcasmo.
— O que você acha que eu deveria fazer? — Minha voz é um misto
de fúria e dor. — Eu me arrisquei por você, Mia. Fiz tudo para estar ao seu
lado, e na primeira oportunidade, você se entrega a ele?
— Não! Eu não queria que ele matasse Malakai! — A voz dela é
desesperada, mas não consigo sentir compaixão agora.
— E no final, foi você quem o matou! — grito, o sangue fervendo.
— E fez isso para impedir que ele me mostrasse o que eu já estava vendo
com meus próprios olhos? Porra, Mia!
Estaciono o carro abruptamente e desço, batendo a porta com força.
Abro a porta do lado dela, incapaz de a deixar no confinamento sufocante
do carro.
Ela sai devagar, a cabeça baixa.
— Dominic, eu entendo… de verdade.
— Não, você não entende! — explodo, mais alto do que pretendia.
— Você não entende o quanto eu quero matá-lo. Quero fazer ele pagar por
tudo isso.
— Me desculpa… eu sei que tenho culpa. — As lágrimas nos olhos
dela só me deixam mais confuso. Sinto minha fúria misturada com um
desejo impossível de controlar. — Não deveria ter acreditado nas palavras
dele.
Me aproximo dela. Meu corpo está em chamas. Raiva e o desejo se
misturando de maneira insuportável. A beijo, tentando encontrar alguma
forma de liberar o turbilhão que sinto.
Mordo o lábio inferior dela com força, e ela agarra meu rosto, como
se precisasse de mim para não desmoronar. Entramos em minha casa, a
tensão entre nós queimando como uma fogueira que não dá para apagar.
— Eu vou puni-la, Mia — digo, com a voz rouca, enquanto olho nos
olhos dela. — Para você nunca mais pensar em me trair e mentir para mim.
A levo para o quarto, empurrando-a na cama. Cada movimento meu
é duro, cheio de frustração, e ela não oferece resistência. A viro de costas,
amarro seus braços nas extremidades da cama com algemas de metal. O
som delas estalando contra o pulso dela ecoa no quarto silencioso.
Pego uma tesoura, rasgando o casaco que ainda cobre seu corpo, até
que sobra apenas a lingerie que usa. A visão dela assim me consome, mas
não consigo pensar direito. O ódio e o desejo se entrelaçam, me cegando.
Pego o chicote que estava jogado no canto do quarto.
— A cada chicotada, você deve contar — ordeno, a voz fria e firme.
— Sim… — ela sussurra, quase sem fôlego.
Eu tiro minha camisa social com um movimento rápido e seguro o
chicote com força. A primeira chicotada corta o ar, o estalo faz o corpo dela
arquear, e um gemido escapa de seus lábios.
— Um… — ela diz com a voz trêmula, tentando segurar a dor.
A expressão em seu rosto era de dor que se mistura com a
expectativa. O que eu estou fazendo? É uma punição ou uma forma de
querer mostrar que tenho o controle? O desejo por controle e a necessidade
de possuí-la conflituam dentro de mim.
Abri o zíper da calça, a adrenalina correndo, coloco meu pau para
fora, já ereto pela situação que Mia se encontra, e começo a tocá-lo, O
sangue que começava a aparecer nela é um sinal claro de que eu estou
ultrapassando limites, e gosto dessa sensação.
— Dois… — disse, a voz mal conseguindo sair. — Três… —
contou, mas eu sabia que a próxima chicotada não poderia ser só mais um
número.
É a divisão entre a punição e o que eu realmente quero dela. O que
eu quero é que entendesse a profundidade da dor que causou, não apenas a
minha, mas a dela também. A traição, o engano, tudo isso se entrelaçam
como se não houvesse fim.
Continuo os movimentos no meu pau, sentindo meu corpo ser
possuído pelo prazer.
— Diga o que eu preciso ouvir, Demory…
— Me desculpe, senhor — pede e a vejo mordendo os lábios, como
se estivesse tão excitada quanto eu. — Estou aqui para que possa me punir.
Fui uma garota má.
Seguro-a pela bunda e a coloco de quatro. Ao passar a mão vejo que
está molhada, coloco a cabeça do meu pau no início de sua abertura, ela
geme. Parte dela resiste, mas a outra está tão envolvida quanto eu.
A penetro novamente, dessa vez por completo e com firmeza,
sentindo sua pele reagir ao meu toque. Seu corpo, a respiração ofegante,
tudo isso alimenta meu desejo. Não apenas carnal, mas o de controlá-la, de
fazer com que ela me pertencesse em todos os sentidos.
— Camisinha… — Lembra.
— Você é minha mulher, vou te comer como eu desejar — sussurro
em seu ouvido, e penetro toda minha extensão nela, uma, duas, três…
Eu deveria parar no três, para que só eu gozasse, mas continuo a
fodendo. É como um imã, a trazendo de encontro a mim. Os sons de como a
fodo são altos, deixando tudo mais excitante.
— Diga de novo… — minha voz sai grave, e não pude evitar o
sorriso que se formou em meus lábios.
— Me desculpe, senhor… — ela diz, a voz trêmula, mas com algo
mais profundo, algo que ia além do simples arrependimento.
Ela sabia o que havia feito, e o quanto isso me feriu. Mas agora,
naquele momento, estávamos ambos presos nesse controle e rendição. E por
mais que quisesse puni-la por tudo, eu também sei que parte de mim se
alimenta desse poder que eu tenho sobre ela.
Meto nela sem parar. Sentindo o ambiente ficar quente, e a forma
como ela me aperta, está me deixando louco, querendo estraçalha-la mais e
mais.
Eu a fodo de uma forma que vai além do físico, e cada movimento é
como se estivesse marcando território. Reivindicando algo que não era meu,
mas que agora irei dominar. O calor no quarto é quase sufocante, misturado
com o som de nossas respirações aceleradas e o peso de tudo o que não
dizíamos.
Ela não resiste, não implora. Seu corpo apenas treme sob o meu, sua
boceta estava encharcada. E eu sei, naquele tremor, que tem mais do que
apenas dor. Tem entrega. Uma que me deixa incapaz de parar, me fazendo
perder a noção de onde começa minha raiva e termina meu desejo por ela.
— Me desculpe… — sussurra de novo, como se aquelas palavras
pudessem apagar tudo o que havia acontecido. Fosse desfazer as traições e
os erros que nos trouxeram até aqui.
Mas não tem desculpas suficientes para manter o desejo por ela
distante do ódio. A forma como se encontra com meu pau e seu corpo
responde, me deixa à beira do abismo, preso entre o querer e o desprezo.
— Não é tão simples assim, Mia — minha voz sai rouca, enquanto
meus movimentos se intensificaram. — Você nunca vai entender… —
sussurro, quase para mim mesmo, enquanto continuo. O ritmo entre nós é
caótico, incontrolável.
Ela solta um gemido, abafado. E, por um breve momento, tudo
parece parar. O mundo ao nosso redor se torna distante, irrelevante. É
apenas nós dois, presos nesse momento destrutivo que parecia impossível
de romper.
E é isso que me mantém consumido, a certeza de que estávamos
quebrados e conectados.
Aos poucos, começo a diminuir, sentindo o êxtase do momento
querendo se possuir do meu corpo, e sei que não era apenas o fim de um
ato físico. Minha porra é liberada dentro dela, e saio após isso Pego o
chicote e bato nas costas de Mia, que solta um gemido alto, e geme por
mais.
Em seguida, vejo um líquido escorrer entre suas pernas. Cazzo. Ela
goza sentindo a dor.
E só então percebo o quanto é tóxico e doentia a relação que temos.
Me afasto e abro um lado da algema. Ela se senta de frente ainda
com o braço direito preso.
— Percebe o quanto isso é tóxico? — pergunto.
— Sim, Dominic — responde. — Sexo não resolve os nossos
problemas, é só uma forma de extravasarmos e alimentar o desejo carnal.
— Isso está em nós — afirmo.
— E por isso, preciso ir embora daqui — Mia declara. — Innsbruck
não é mais o meu lar há um bom tempo. Quero recomeçar uma nova vida.
Me aproximo dela e seguro seu rosto.
— Me perdoe… — declaro. — Por ter te machucado. — A
adrenalina a fez esquecer da dor que deve está sentindo em suas costas.
— Misha queria isso — diz.
— Não importa mais o que Misha quer. Vamos nos casar e ir
embora daqui, como deseja. Gozou sentindo a dor? — pergunto.
— Sim… — ela confessa. — Sei que você fica excitado com isso,
mas não imaginei que fosse chegar tão longe…
— Temos que parar — informo. — Chega de mentiras, ou traições.
Eu poderia ter te matado e não apenas te fodido. Você entende isso?
— Sim, eu entendo. — Aliso seu rosto e passo meu polegar sobre
seus lábios.
— Eu te amo. — Sai antes mesmo que eu raciocinar.
— Eu também te amo, Dominic. E tenho que confessar algo… — A
intensidade que declara as últimas palavras me pega desprevenido. — Parei
de tomar os remédios, faz alguns dias.
Tudo está explicado. Mia não teria feito nada disso se estivesse os
tomando. A pergunta que fica é:
— Por que?
— Eu não queria mais depender deles, mas essa decisão só trouxe
mais problemas. — As lágrimas dela caem. — Sou uma maníaca impulsiva,
egoísta.
— Não… — Nego com a cabeça e aliso seu rosto. — Você é
perfeita para mim, mesmo com seu transtorno. Mas tem que entender, se
Misha souber disso, usará contra você. Tudo para ter o controle. Precisa
tomar o remédio. Quando sairmos daqui iremos buscar métodos para te
livrar dele.
Ela confirma e limpo suas lágrimas.
— Me perdoa, Dominic… — sussurra.
— Vamos nos casar daqui a três noites. E tudo isso vai acabar. Eu
prometo — falo, soltando a outra algema e ela me abraça.
Com ela, os toques se tornam tão automáticos e normais. Que
esqueço de tudo do passado.
— Não foi minha intenção te magoar, Dominic. E naquele
momento, percebi o quanto foi uma péssima ideia não ter tomado os
remédios. Eu teria agido de forma mais sensata. Mas minha mente disse que
você não me perdoaria. Que me deixaria, e eu preciso muito de você e por
isso matei Malakai. Para não te perder. Faria o que fosse preciso naquele
momento. — Meu coração se encontra aquecido e mórbido ao mesmo
tempo por sua declaração.
Ela vai me perdoar?
Não sei… só o tempo dirá. E mesmo que não perdoe, só resta eu.
Você pode ser o meu amor
em tempo integral
Quente ou frio
Não me destrua
(não me destrua)
Eu tenho viajado por muito tempo
(eu tenho viajado por muito tempo)
Eu tenho tentado demais
(eu tenho tentado demais)
Com uma bela canção
(com uma bela canção)
Ride, Lana Del Rey

MIA DEMORY

Tomei meu remédio.


Faz vinte e quatro horas desde que agi de uma forma que quase me
fez perder tudo que eu quero.
Dominic, de fato é um anjo na minha vida. Não importa se seja o
caído como Lúcifer, mas é o perfeito para mim. Ele cuida de mim.
É paciente e me ama. Não somos pessoas normais, mas isso não
importa quando estou com ele.
Ter parado o remédio foi tolice. Deveria saber que isso causaria
problemas.
Estou ficando na casa dele, achamos melhor. Faltam dois dias para
nosso casamento.
Eu sei que não deveria, mas precisava ver Casey e pedi para que não
cometa nenhuma loucura. E por isso, estou entrando às cinco da manhã no
lugar onde tudo mudou entre nós.
Ele parece saber, pois abriu a porta no exato momento que fiquei de
frente a ela.
— Oi, amor — diz, com sua voz rouca. — Estava te esperando —
confessa.
Adentro à sala fria e com o cheiro metálico forte. Casey continua o
procedimento, retirando um coração do corpo aberto em sua frente e o
coloca dentro de um plástico.
— Está vendo isso? — questiona, e eu noto uma mancha preta no
coração. Uma infecção visível que sugere dor e morte. — É uma infecção
que não tem cura, que o mataria aos poucos. Quer segurar?
Ele se aproxima e o coloca na minha mão. Sinto o pulsar fraco e
agonizante, uma onda de tristeza me invade.
— É exatamente assim que eu sentia o pulsar vivo no meu peito
quando tive a certeza de que se casaria comigo. Mas você o infeccionou e o
destruiu, amor — ele sussurra em meu ouvido, e a culpa se instala em mim
como uma sombra.
— Casey… — tento falar, mas as palavras ficam presas na minha
garganta.
— Não, você deve me ouvir. Não entendo porque o escolheu. Eu
abandonaria a porra da seita por você — confessa, a intensidade da sua voz
faz meu coração acelerar. — Mas isso não seria o suficiente, não é?
— Não se trata de ser suficiente. Eu preciso que diga que não fará
nada para atrapalhar meu casamento. — A firmeza na minha voz é uma
tentativa de resgatar o que resta do meu controle. Ele pega o plástico e o
jogo em um lixo descartável.
— Deveria se preocupar com seu noivo. Acha que ele não fará
nada? — interroga, a tensão aumenta entre nós. — Misha está totalmente
fora de si, me procurou para pensarmos em um plano juntos.
— E o que disse a ele? — pergunto, tentando entender a gravidade
da situação.
— Que se fosse para eu fazer algo, seria para que fosse só minha. —
Ele dá um passo à frente, e instintivamente me afasto. Uma onda de medo
me consumindo. — Está com medo de cair na tentação, amor?
— Não — respondo, engolindo em seco. O peso das minhas
palavras ecoando na sala. — Eu não vim aqui para transar com você, apenas
para pedir que me deixe ser feliz com Dominic. E que sinto muito por te
decepcionar.
Ele segura meu pescoço com força. Sinto a pressão aumentar, como
se estivesse tentando se apoderar de mim mais uma vez.
— Por que apenas não me ama? — Sua voz é um misto de dor e
raiva, suas palavras me cortam como facas. — O que tivemos não
significou nada para você?
— Cada segundo significou. Você sabe disso — falo com
sinceridade, lembrando dos momentos que compartilhamos, mas também
da escuridão que nos cercava. — Mas isso precisava acabar. Eu não disse
que não te amo, Casey. Mas eu me amo e cansei de não escolher. Por isso
fiz minha escolha.
— Não disse que não ama, mas o que sente não é o suficiente. —
Sua frustração é palpável, a atmosfera fica elétrica entre nós.
— Não — afirmo, tendo convicção de que o que sinto por Casey é o
tipo de amor que não seria eterno. Uma paixão intensa, mas passageira, que
me consome, mas também me aprisiona.
— E o que eu devo fazer com essa informação? Te foder? Te matar?
O que, caralho? — pergunta, sua voz se elevando. Meu coração acelera com
o medo do que ele pode fazer.
— Me deixar... — afirmo. A palavra “deixar” é um grito
desesperado por liberdade. — Se me ama, deve me deixar.
Finalmente, Casey me solta, e a pressão ao redor se dissolve. A
tensão entre nós permanece, mas eu sinto que, de alguma forma, um ciclo
se fechou.
Por mais que a dor de magoá-lo persista, eu sei que fiz a escolha
certa.
Parte de mim sempre vai amar o que tivemos, mas não posso viver
no passado, e por isso não o espero retrucar. Saio da sala sem olhar para
trás.

Fui para a aula de piano e na universidade. Decidi vir em casa


buscar roupas para não precisar encontrar Misha ou qualquer outro membro
dessa família, até o casamento ficarei na casa de Dominic.
Quando entro, a casa está estranhamente silenciosa. É uma tarde
ensolarada, mas a luz que entra pelas janelas não consegue dissipar a tensão
que sinto. Enquanto subo as escadas, organizo mentalmente as roupas que
preciso levar. Cada passo se arrasta, a ansiedade cresce a cada segundo. No
entanto, ao abrir a porta do meu quarto, ouço algo que faz meu coração
parar por um instante.
A voz de Holly, minha mãe, ressoa pelo corredor, baixa, mas com
uma intimidade que não deveria presenciar. Os gemidos dela são carregados
de uma sensualidade que me causa um nojo instantâneo.
— Holly… — sussurro para mim mesma, perplexa. Ela está com
Zack? O som de sua voz quase me faz querer voltar atrás.
— Diga o quanto me ama. — A ordem é clara e poderosa, mas não
parece ser de Zack.
— Eu te amo, Ayzak. — A resposta é urgente e desesperada, como
se cada palavra fosse uma confissão de peso.
Mas como isso pode estar acontecendo? Ele acabou de voltar.
Me aproximo da porta hesitante. A mente debatendo se deveria abrir
ou não, mas antes que eu possa decidir, mãos grossas circulam minha boca,
me prendendo na parede. A pressão é firme, e quando meus olhos se
encontram com olhos azuis, sinto um frio na barriga. Misha.
— Shh — ele diz, seu olhar intenso e penetrante.
A forma como me segura é protetora, mas também me causa uma
sensação estranha de vulnerabilidade.
— Isso foi do caralho, Holly. — A voz de nosso pai me impede de
reagir. Não consigo entender como eles podem estar juntos.
— Como está se sentindo? — Holly pergunta, a infelicidade em sua
voz é notável. É um som que se fixa no fundo do meu cérebro.
— Vivo. Mas… — Ele hesita.
— Eu sei. Falei para Zack o quanto preciso desse coração, só não
faz ideia que seja para você — Holly continua, a revelação me faz
estremecer. Um coração? O que isso significa? — Mas ninguém é
compatível, ele acha que eu estou doente — ela diz. — Tenho feito de tudo
para que consiga. E ele tentou, mas não conseguiu. Pedi para que visse dos
nossos filhos e… Mia é a única que tem o que precisa, Ayzak.
Um frio percorre minha espinha. O que isso quer dizer? A ligação
entre eles parece mais profunda do que eu imaginava, estão falando de algo
que não sei se consigo compreender.
— Meu tempo está acabando. — A voz dele é agora uma súplica, e
meu coração se aperta.
— Não. Eu darei um jeito para que seja feito, não posso viver sem
você — Holly responde, e o desespero em sua voz faz meu estômago se
contorcer.
Como ela pode estar tão cega para a realidade? Ayzak nunca foi um
bom marido, e está usando-a.
— Esqueça a metade do Wine Demory — Ayzak fala, com sua voz
cortante. — Peça para que Zack faça tudo e depois daremos um jeito nele.
O silêncio que se segue é pesado e estranho. A tensão entre eles é
densa e eu me sinto como uma intrusa em um mundo que não entendo.
Espiando por trás de uma cortina de dor e desejo.
— Não me diga que o ama. — A voz de Ayzak é um misto de
desafio e insegurança, isso me faz querer sair correndo daquela casa.
— Eu não o amo. Sabe que eu estava com ele por você — ela
responde, sua voz falhando em sustentar a convicção.
Não quero saber que ela se envolvia com Zack, que existia uma
trama obscura entre eles. Muito menos pensar que eu era apenas uma peça
nesse quebra-cabeça.
E agora tudo faz sentido, o porquê dela querer tanto me casar com
Casey.
Para recuperar o que Ayzak perdeu.
Misha ainda me segura firmemente, seu corpo vibra com a tensão.
Ele é uma constante lembrança de que nada é simples em nossa vida.
— O que você está fazendo aqui? — sussurro para ele, tentando
entender o que está acontecendo.
Ele me lança um olhar como se soubesse exatamente o que estou
sentindo.
— Eu sabia que Holly não estava com Zack por amor — Misha diz,
sua voz baixa, quase um sussurro. — E agora sei a verdade, ela está o
usando para fazer o trabalho sujo. Precisamos sair daqui, agora. Sua vida
está em risco, Bunny.
Meu coração acelera.
— Precisamos ir, Bunny — Misha repete, olhando diretamente em
meus olhos. A intensidade em seu olhar faz meu peito apertar.
— Mas e se eles perceberem? — pergunto, a adrenalina começa a
correr em minhas veias. O medo é quase palpável, e a ideia de ser
descoberta me deixa paralisada.
— Não importa — ele diz, sua expressão decidida. — Precisamos ir,
agora.
Com um último olhar para a porta, sinto a realidade, do que Holly e
Ayzak estão fazendo, começa a se dissolver. Me sinto presa em um pesadelo
sem fim. Cada palavra que ouvi continua na minha mente, mas antes que eu
possa processar tudo, Misha me puxa em direção à sala. Descemos as
escadas rapidamente, a tensão aumenta a cada passo.
Quando chegamos ao carro, ele destrava a porta e a abre, esperando
que eu entre. Mas permaneço parada por um instante, observando-o com
cuidado. O ar à nossa volta parece denso, com algo que ainda não sei
definir completamente.
— Não vai entrar? — pergunta. — Entende que agora não só a seita
te quer morta, como Holly e Ayzak também? Eles vão fazer o que for
preciso, Mia.
— Sabemos que nunca fui a preferida dela, Misha — respondo,
cruzando os braços. — Entrarei se me levar até Dominic. Caso contrário,
vou chamar um táxi e resolver isso sozinha.
Ele passa a mão pelo rosto e cabelo, impaciente. É como se quisesse
controlar a situação, mas soubesse que agora estou decidida.
— Tudo bem — murmura com um tom de resignação. — Eu te levo
até ele.
Sem mais delongas, entro no carro. Ele trava as portas, liga o motor
e acelera. O silêncio entre nós é pesado, mas não dura muito.
— Você não sabia que ela estava com Ayzak? — pergunto, minha
voz está mais baixa do que o habitual.
— Não — responde secamente. — E aposto que Zack não vai
acreditar se eu contar. Pelo visto, ele é cego de amor por ela.
A maneira casual como fala sobre isso me faz sentir ainda mais
desconfortável. É como se todo esse caos fosse um parque de diversão para
ele. Então, para desviar de seus próprios pensamentos, ele pergunta, com
tom provocativo:
— E Dominic, como está? — Um sorriso malicioso surge em seu
rosto.
— Estamos bem, Misha — respondo com firmeza. — Sua tentativa
de nos afastar só nos uniu mais. Sinto muito desapontá-lo.
Me olha de canto de olho, o sorriso ainda presente.
— Pelo contrário, Bunny, você está dentro do meu carro. O que te
faz pensar que não vou te sequestrar agora mesmo? — Sinto um frio na
barriga enquanto diz isso. — Você está em perigo.
Engulo em seco, tentando manter a calma. Minha voz sai num
sussurro.
— Dominic me protegerá — respondo, mais para mim mesma do
que para ele. — E você não vai fazer isso, Misha. Sei que não.
Ele não responde, mas a tensão entre nós é palpável. Seguimos em
silêncio pelo caminho até a casa de Dominic. A cada quilômetro que
passamos, sinto meu coração bater mais rápido, ansiosa para finalmente
estar em um lugar seguro.
Quando chegamos à frente da casa, Misha estaciona o carro
bruscamente. Antes mesmo de desligar o motor, vejo Dominic sair
apressado da casa, como se já estivesse esperando por nós.
Misha e eu descemos do carro ao mesmo tempo. Dominic vem na
minha direção, e sem hesitar, me aproximo dele. Envolvo meus braços ao
redor de seu pescoço. Nossos lábios se encontram em um beijo que é tanto
um gesto de alívio quanto de proteção. A presença dele me acalma, mesmo
que apenas momentaneamente.
— O que ele está fazendo aqui, Mia? — Dominic pergunta, com um
olhar de desconfiança voltado para Misha.
— Está tudo bem — sussurro, tentando apaziguar a tensão entre
eles.
No entanto, quando olho para Misha, noto que desviou o olhar.
Talvez tenha sido pelo beijo ou algo mais. De qualquer forma, o ar entre nós
é mais pesado agora.
Misha volta sua atenção para Dominic, a expressão séria.
— Holly a quer morta. Você sabe o que isso significa? — ele
dispara, e Dominic balança a cabeça em concordância, a mandíbula travada.
— Sim, mas não vamos fugir — Dominic declara, com um tom
firme. — A seita precisa estar presente no casamento, você sabe disso.
Fugir agora não é uma escolha sensata. Mia precisa estar livre deles, se não
nos caçarão.
Eu os observo, vendo a tensão se desenvolver entre eles. Misha se
inclina para a frente, os olhos brilhando com raiva contida.
— Então, você prefere que Holly a mate? — provoca, a voz cheia de
desprezo. — Vai agir como um covarde, como fez com Alice?
As palavras de Misha são como um soco, e vejo o corpo de Dominic
se enrijecer. Ele começa a caminhar em direção a Misha, a raiva
transparecendo em cada passo.
— Agradeça a Mia por você ainda estar vivo. Se fosse por mim,
você já estaria morto. — Dominic rosna, e o sorriso irônico de Misha só
parece intensificar a raiva.
— Sabe que Holly não vai desistir, Dominic — Misha continua, sem
se abalar. — Até que a peguem, eles não vão parar. Ayzak está morrendo, e
Mia é a única esperança dele.
As palavras de Misha pairam no ar, o peso delas parece afundar meu
coração. A ideia de ser apenas uma peça no plano de Holly para salvar
Ayzak me enoja, mas também me assusta.
— Na minha casa, ela estará protegida — Dominic responde, sem
hesitar.
Misha balança a cabeça, seus olhos azuis penetrantes olhando
diretamente para Dominic.
— E você realmente acha que vai conseguir manter isso assim? —
Misha provoca, mas dessa vez Dominic não responde.
— Eu confio nele, Misha — digo com a voz firme, apesar do medo
que ainda cresce dentro de mim. — E sei que ele não vai deixar nada
acontecer comigo.
— É, vamos ver — Misha murmura, virando as costas e
caminhando de volta para o carro. Antes de entrar, ele lança um último
olhar para Dominic, os dois trocam uma última faísca de desafio.
O carro de Misha desaparece no horizonte, mas o silêncio que ele
deixou para trás permanece, denso e carregado de incertezas.
— Vamos entrar — Dominic diz, me puxando para mais perto. —
Lá dentro, você estará segura.
Olho uma última vez para a estrada vazia, tentando absorver o que
acabou de acontecer. A sensação de perigo ainda paira no ar, como uma
sombra que se recusa a se dissipar. No céu, a lua começa a surgir. A esfera
prateada que ilumina o caminho à nossa frente, mas de alguma forma, em
vez de trazer conforto, ela amplifica meu medo. O que o amanhã vai trazer?
Será que esse caos algum dia vai acabar?
Sinto um frio percorrer minha espinha. O silêncio do início da noite
é inquietante, e a escuridão lentamente envolve a paisagem parece sussurrar
promessas de algo terrível à espreita.
— Mia? — A voz de Dominic me chama de volta à realidade,
cortando meus pensamentos. Seus olhos estão fixos em mim, e há uma
preocupação ali que me faz querer abraçá-lo mais forte.
Respiro fundo e dou o primeiro passo, seguindo-o para dentro da
casa.
E não há remédio para as lembranças
Seu rosto é como uma melodia
Que não sai da minha cabeça
Sua alma está me assombrando e me dizendo
Que está tudo bem
Mas eu queria estar morta (morta, como você.
Dark Paradise, Lana Del Rey

MIA DEMORY

As lembranças da morte de Malakai me assombram, assim como


temo que a qualquer momento Holly e Ayzak possam entrar na casa de
Dominic, me sequestrar e tudo acabar com um fim trágico.
Mais uma noite se passou e a tarde quase chega ao fim, restando
apenas amanhã: o último dia que estarei solteira e acabará essa loucura. Os
sussurros do dia em que Malakai e eu nos vimos pela última vez, ainda me
atormenta, uma memória que estará para sempre marcada, assim como sua
morte. Sei que fui a culpada, isso poderia ter sido evitado, mas meu desejo
de sempre provocar Misha foi mais forte.

Algumas semanas atrás

Entro na sala de aula. O ar carregado com um leve aroma de papel


e giz, meus olhos se fixam imediatamente em Malakai. Ele está sentado à
sua mesa, os ombros largos levemente curvados enquanto corrige alguns
trabalhos, a caneta deslizando sobre as folhas. A luz suave que entra pela
janela ilumina seu rosto, destacando a linha forte de sua mandíbula e o
contorno de seus lábios.
Com uma expressão de profunda concentração, ele ajeita os óculos
com um movimento quase inconsciente, como se o peso das lentes pudesse
interferir em sua visão cuidadosa. Há algo fascinante na forma como ele se
dedica ao trabalho, a intensidade silenciosa de seu foco o torna ainda mais
irresistível.
Por um breve instante, ele pausa, leva a mão ao copo de água sobre
a mesa, seus dedos envolvem o vidro com firmeza e toma um gole. Ao fazer
isso, seus olhos me encontram.
— Demory… há tempo que está aí? — Malakai questiona com um
sorriso no rosto, os olhos azuis brilham com uma curiosidade brincalhona.
Ele me observa com intensidade enquanto me aproximo de sua
mesa, percorrendo cada detalhe de mim com um olhar lento e sedutor. Sua
barba perfeitamente alinhada, emoldura seu rosto de uma forma que o faz
parecer mais jovem, mas ainda carrega aquele ar de autoridade irresistível.
Tento manter a compostura, mas o calor de seu olhar me faz hesitar
por um momento antes de responder.
— Acabei de chegar — digo, com um sorriso tímido. — Só não
queria atrapalhar você… digo, o senhor.
Malakai ri baixinho, o som é grave e encantador, fazendo com que
meu estômago dê um pequeno nó de nervosismo. Ele se levanta ajeitando a
camisa enquanto se aproxima, até ficar de frente para a mesa, apenas
alguns passos de distância de mim. A proximidade faz o ar na sala parecer
mais denso, carregado de uma tensão que é difícil de ignorar.
— Vamos deixar de lado as formalidades — ele fala com um tom
suave, mas firme. — E como você está? O senhor Crown tem a deixado em
paz? — Seu tom muda para algo mais sério e preocupado, as palavras
carregadas de um cuidado genuíno.
Por um momento, me mantenho em silêncio, tentando encontrar as
palavras certas, mas é difícil pensar com ele tão perto. O cheiro leve de sua
colônia mistura-se ao ambiente, e a preocupação em seus olhos faz meu
coração bater mais rápido. Não sei o que responder.
A pergunta sobre Misha desperta lembranças incômodas, mas a
presença de Malakai, tão protetora e ao mesmo tempo tentadora, me faz
querer confiar nele, mesmo sem saber até onde isso me levaria.
— Não, ele nunca deixará, afinal somos irmãos — respondo com
um suspiro, o peso de minha relação com Crown sempre pairando sobre
mim.
Malakai franze ligeiramente a testa, o brilho preocupado em seus
olhos intensificando-se.
— Sim, tem razão. Não deve ser fácil viver no mesmo lugar que ele.
— Ele tem seus momentos bons e ruins. Mas estou tentando resolver
isso — confesso, minhas palavras soam mais frágeis do que gostaria.
Antes que eu possa processar o que acabei de dizer, sinto o toque
quente de Malakai em minha mão. Seu gesto é firme, mas reconfortante, um
apoio silencioso.
Eu sabia que Misha estava chegando, e que o melhor seria me
afastar, mas mesmo assim não o faço. Quero que ele saiba que se eu quiser,
ficarei com Malakai.
— Se precisar de ajuda, estou aqui, Mia — ele murmura. O contato
de sua pele contra a minha é elétrico, um choque suave.
— Obrigada, Malakai — sussurro, incapaz de desviar o olhar dos
seus olhos azuis. Há uma tensão entre nós, crescendo a cada segundo.
Ele abaixa os olhos para meus lábios, e meu corpo inteiro parece
entrar em alerta. Talvez estivesse aguardando o que viria a seguir. Malakai
se inclina levemente, seus movimentos lentos e cuidadosos. O espaço entre
nós diminui, e posso sentir sua respiração quente contra meu rosto. Meu
coração bate descompassado, cada segundo parecendo uma eternidade.
Estamos tão próximos, perigosamente próximos, que o mundo ao
nosso redor parece desaparecer. O tempo parece suspenso, e por um
momento, acho que ele vai me beijar. Nossos rostos estão a centímetros de
distância, e o calor que irradia dele é quase sufocante de tão bom.
De repente, o som brusco da porta se abrindo invade o silêncio. Nos
afastamos no mesmo instante, como se um balde de água fria tivesse sido
jogado sobre nós. Malakai dá um passo para trás, sua mão soltando a
minha, e viramos para ver quem interrompeu o momento.
Misha. Ele está parado à porta, seus olhos nos observando com
uma intensidade desconfortável. Seus lábios se curvam em um sorriso que
não alcança seus olhos, e o ar entre nós muda drasticamente.
— Espero não estar interrompendo nada… — Misha fala, sua voz
carregada de uma ironia gélida. Seus olhos percorrem a sala, e depois se
fixam em Malakai, deixando o ambiente ainda mais tenso.
Eu sabia que aquele sorriso era um aviso e que na primeira
oportunidade, ele estraçalharia Malakai.

Eu me afastei dele depois daquele dia. Conheci Casey e tudo


começou a virar um furacão de sentimentos confusos e incompreensíveis
para mim. E não queria que Malakai pagasse por mais um erro meu. Pensei
que Misha tinha esquecido, mas é claro que não.
Aquele vingador de merda não deixaria passar a oportunidade de
tirar mais sangue.
Enquanto mergulho nesses pensamentos, um som agudo me tira da
minha imersão. A campainha toca, acabando com o silêncio da casa. Meu
corpo reage, um arrepio sobe pela espinha. Levanto do sofá, o coração
acelerando. Cada passo em direção à porta parece mais pesado do que o
anterior, minha mente rodando com mil possibilidades.
Ao me aproximar, paro por um instante, tentando escutar algo do
outro lado, mas não há som algum. A tensão aumenta, e minha mão hesita
na maçaneta. Com a voz levemente trêmula, pergunto:
— Quem está aí?
Nenhuma resposta.
O silêncio agora parece ameaçador. Sinto um frio no estômago.
Respiro fundo e repito a pergunta, mas ainda sem resposta. O medo cresce
dentro de mim, um irracional de abrir a porta e algo terrível acontecer. A
adrenalina toma conta do meu corpo, mas depois de alguns segundos sem
qualquer ruído ou movimento, decido que preciso agir.
Com a mão suada, seguro a maçaneta da porta. Meu coração bate
tão forte que posso ouvir o sangue pulsar em meus ouvidos. Fecho os olhos
por um breve segundo e, com um movimento rápido, abro a porta,
esperando o pior. Um ataque, uma emboscada…, mas nada acontece.
Permaneço imóvel por um instante. Os olhos ainda fechados,
aguardando qualquer sinal de perigo. O silêncio do lado de fora é quase
ensurdecedor. Finalmente, abro os olhos devagar e encontro a rua deserta,
sem sinal de movimento. O vento frio balança suavemente as folhas nas
árvores, mas não há ninguém ali.
Então, meus olhos se fixam no chão. Bem à minha frente, repousa
um envelope preto, pequeno e cuidadosamente colocado à entrada. O
contraste do papel escuro contra o piso claro parece ainda mais sinistro com
a luz fraca do fim de tarde sobre ela. Me agacho, estendendo a mão para
pegar o envelope, o papel áspero ao toque. Não há remetente, apenas o
silêncio intrigante de algo que eu não esperava.
Fecho a porta e ando até o sofá.
Decido abrir o envelope, enquanto meus olhos percorrem as
palavras escritas com uma caligrafia firme e ameaçadora. Não há
assinatura, apenas uma promessa. Respiro fundo, tentando controlar o
pânico que começa a se formar no fundo da minha mente.
“Aqueles cujo pecado foi cometido, irá pagar por cada gota de
sangue derramada.”
Eu releio cada frase, tentando encontrar algum detalhe. Algo que
possa me dizer quem é o autor dessa mensagem. Mas nada se destaca.
Apenas o terror de saber que há mais alguém à espreita, desejando minha
morte. Além de Holly, da seita e de todos os outros que já me querem fora
do caminho.
“Deixe-o em paz, e talvez viverá.”
Meus pensamentos se voltam para Dominic. A ideia de que ele
poderia estar em perigo por minha causa é um peso insuportável. Não sei se
conseguiria aguentar mais perdas, especialmente dele, que me tem sido tão
importante.
“Ele merece ser feliz, sem você, é o que a alma dele pede.”
“Case-se com Dominic Axel, essa é uma escolha sensata e vá
embora e só assim te darei misericórdia.”
Paraliso ao compreender que não se trata de Dominic. De quem será
que essa pessoa fala? Casey? Misha?
“Sangue de mais inocentes será derramado, caso desobedeça. Pode
ser o seu.”
A última frase me deixa paralisada.
O medo de que essa ameaça seja real cresce dentro de mim. Será
que eles realmente fariam isso? São capazes de machucar pessoas ao meu
redor? E quem são os inocentes que podem pagar o preço pelo simples fato
de estarem próximos a mim?
Levanto do sofá, com os pensamentos girando em minha cabeça
enquanto seguro o bilhete com força. Meu primeiro instinto é correr até
Dominic e contar tudo a ele, mas algo me detém. Se essa pessoa quer nos
assustar, mostrar fraqueza agora pode ser exatamente o que espera.
Ainda assim, ficar calada também parece uma decisão perigosa.
Tento pensar em quem pode ser o responsável por isso. Holly
sempre foi manipuladora, mas isso não parece seu estilo. A seita tem seus
próprios métodos, e são sempre mais diretos. Essa ameaça é pessoal, escrita
com o veneno de alguém que me conhece, que sabe como atingir meus
pontos fracos.
— Quem é você? — murmuro para o vazio, com a sensação de ser
observada crescendo em mim.
Mas você combina mais comigo
do que meu suéter favorito
E eu sei que o amor é cruel (oh, oh)
E o amor machuca (oh, oh)
(...) Eu te amarei até o fim dos tempos
Eu esperaria um milhão de anos
Prometa que se lembrará de que você é meu
Querido, você consegue ver através das lágrimas?
Eu te amo mais do que aquelas vadias anteriores
Blue Jeans, Lana Del Rey

MISHA CROWN

Levanto-me com calma e caminho até o espelho da suíte. Deixo


meus olhos percorrerem o reflexo à minha frente. O terno branco que
escolhi para hoje está perfeito, feito sob medida.
O branco imaculado contra a gravata preta me faz parecer quase
irônico, como se fosse o único elemento puro em meio a toda essa
escuridão que estou prestes a enfrentar. Sinto o tecido macio entre os dedos
enquanto ajusto os punhos da camisa.
Escolhi o terno branco para combinar com o vestido dela. Tenho
tudo planejado, cada segundo e desenrolar dessa farsa de casamento.
Se Bunny achava que eu ia permitir isso acontecer, sem tentar
intervir de alguma maneira, estava muito enganada.
O casamento foi marcado para às cinco da tarde, quando o pôr do
sol estará quase indo embora. Holly, com toda sua falsa felicidade, disse
que faria questão de que fosse na casa do lago, em frente a porra do lago
onde Scarllet morreu. Mais uma forma dela querer me torturar, e em dose
dupla. Ela sabia o que tinha acontecido, pois também me ajudou com o
depoimento aos policiais, alegando que alguém invadiu a casa para nos
roubar e acabou brigando com Scarllet.
O silêncio na casa parece pesado, parece que até as paredes sabem o
que está por vir. Todos já se foram. Sou o único que resta aqui, como o
último espectador de uma decisão que está prestes a desmoronar.
Bunny ainda não entende, mas sua única chance de escapar desse
inferno é comigo. Só eu posso salvá-la, e perceberá isso, mesmo que da pior
maneira.
Saio de dentro da suíte e sento na cama, o colchão afunda sob o meu
peso enquanto pego os sapatos sociais pretos ao lado. Com movimentos
precisos, calço-os, sentindo o couro se ajustar aos meus pés. O som baixo
do atrito dos cadarços contra o tecido do sapato preenche o quarto vazio.
Cada segundo que passa, imagino o desenrolar dessa noite.
A batida na porta do quarto interrompe meus pensamentos. Estou
pronto para ignorar, mas a persistência do som me fez levantar os olhos.
Respiro fundo, tentando manter a compostura, e digo com um tom seco:
— Entre.
Se abre devagar, revelando a figura que eu menos esperava ver
naquela hora. Zack entra no quarto, a luz fraca do corredor delineando sua
silhueta. Seus olhos me encaram com uma mistura de curiosidade e
preocupação, como se estivesse tentando decifrar o que está prestes a
acontecer.
— Misha… — Sua voz sai rouca, um tom cansado que ele nunca
havia usado antes comigo.
Eu estreito os olhos, surpreso com sua presença. Não deveria estar
ali, e sim ter ido com Holly para a casa do lago.
— O que está fazendo aqui? — pergunto, sendo direto.
Zack dá um passo hesitante, como se medisse suas palavras antes de
falar.
— Está com raiva de mim? — pergunta com um tom de incerteza,
ao notar a forma como estou o tratando, como se já soubesse a resposta,
mas precisasse ouvi-la de mim.
Um riso seco escapa de meus lábios, a amargura evidente. Eu podia
sentir a fúria queimando em meu peito, uma raiva que eu havia segurado
por tempo demais.
— Deveria? — retruco, o sarcasmo escorrendo em cada sílaba. A
expressão dele vacila por um momento, e isso é o suficiente para me fazer
entender que ele sabe de tudo. Ele sempre soube da doença falsa que Holly
tinha. E na verdade Ayzak que era o doente. — Vamos, Zack, me diga você.
Desde quando sabia que Mia era compatível?
Ele hesita. Seus olhos caindo por um momento, buscando uma
justificativa, algo que pudesse amenizar sua traição.
— Você descobriu… como? — Sua voz é baixa, quase um sussurro.
Eu me aproximo dele, a calma que eu tento manter está começando
a se desfazer, e ele pode sentir isso.
— Isso importa agora? — pergunto, minhas palavras afiadas. — O
que importa é que você sabia que Mia era compatível e não me disse nada!
— A frustração e a fúria que eu tento controlar transbordam. — Me traiu
como um grande filho da puta.
Ele respira fundo, seu rosto tomado por um misto de culpa.
— Há um mês. — Sua voz falha levemente, e abaixa a cabeça por
um breve segundo antes de me encarar novamente. — Eu tentei outras
opções, juro. Sei o quanto ela significa para você, mas eu amo Holly. Não
posso permitir que ela morra por causa dos seus… desejos por sua irmã.
Minha raiva, até então contida, explode. Como ele ousa colocar sua
obsessão por Holly acima da vida de Mia? Eu avanço, parando a poucos
centímetros de Zack, meu olhar cravado no dele.
— Se eu te dissesse que Holly está te usando para salvar a vida de
Ayzak, você acreditaria? — Minhas palavras são cortantes, cada uma
carregada com a intenção de perfurá-lo.
Zack pisca, como se minhas palavras tivessem sido um choque. Ele
balança a cabeça, sem acreditar no que eu estou dizendo. Seu semblante
endurece, tentando manter a fachada.
— Não. Nem fodendo. Holly nunca faria isso. Ela me ama, Misha.
Quer um recomeço comigo.
Eu dou uma risada amarga, tão cheia de desdém que até o ar parece
mais pesado ao meu redor.
— Isso é o que ela quer que você pense, idiota! — grito, a raiva
pulsando em minhas veias. — Holly vai te descartar assim que conseguir o
que quer! Ela só precisa de Mia. E quando tiver isso, você vai ser
descartado. Morto. Mas isso não vai acontecer, porque eu não vou deixar.
Nós vamos embora.
Zack começa a rir. Um riso nervoso, forçado, cheio de
incredulidade. Ele me olha com uma expressão de quem não sabia se
deveria ter pena ou desprezar.
— E ela sabe disso? — pergunta, com um sorriso nos lábios. — Ou
isso é só mais uma ilusão na sua mente doentia?
Eu dou um passo para trás, o ódio fervendo por dentro, mas ainda é
controlado. Minhas mãos tremem e cada músculo no meu corpo grita por
ação. Ele não entende. Não consigo entender.
— Não me importo com o que ela queira. Mia acha que Dominic é
uma estabilidade, mas eu sou o único que pode mantê-la viva. Ela me ama,
e sabe disso, mas não quer aceitar a verdade.
Zack cruza os braços, observando-me com uma expressão cética e
desafiadora. Ele parece estar tentando decidir se eu estou falando sério ou
se tudo aquilo é apenas uma de minhas fantasias. Aquele sorriso sarcástico,
meio incrédulo, irritado, me deixa à beira do limite.
— Você está maluco, Misha — ele diz, a voz cheia de desprezo. —
Mia não te ama. Ela pode até se importar com você, mas não do jeito que
imagina. E se acha que pode simplesmente levá-la embora, está delirando.
A risada dele ecoa pelo quarto, mas mantenho meu olhar fixo, cheio
de raiva. Me aproximo ainda mais, meus passos firmes no chão de madeira.
Zack tenta manter a pose de confiança, mas posso ver o leve tremor em seus
olhos. Ele sabe que estou falando sério,e estou disposto a tudo para proteger
Mia.
— Você não entende, Zack — começo, a voz baixa, mas afiada e sei
que as próximas palavras o pertubarão. — Holly está te usando, como
sempre fez a todos. Enquanto você estiver cego por essa falsa ideia de amor,
ela vai te manipular até que não tenha mais utilidade.
Zack balança a cabeça, descrente. Não quer aceitar a verdade, ainda
está preso na ilusão de que Holly o ama de verdade, de querer começar uma
vida nova com ele. Patético.
— Está enganado — insiste, mais agressivo desta vez. — Eu sei o
que Holly sente. E quer estar comigo, vou lutar por isso. Se você se colocar
no caminho, vai se arrepender.
Dou um sorriso amargo, me aproximando até nossos rostos quase se
tocarem.
— Se continuar desse jeito, vai ser você quem vai se arrepender —
sussurro. — Porque quando perceber que tudo o que eu disse é verdade,
será tarde demais. E vai perder tudo.
Ele hesita por um segundo, mas logo sua expressão se endurece de
novo, tentando manter o controle. Posso ver que minhas palavras o
atingiram. Não é só sobre Holly, ele sabe disso. É sobre a confiança que
acabou de jogar fora ao me trair, não uma, mas duas vezes ao estar com
Holly e querer ajudá-la a arrancar o coração de Mia.
— Você não vai conseguir levá-la embora — fala, tentando soar
confiante. — Ela vai escolher Dominic, não você. Não vai querer fugir.
— Vamos ver — respondo, o tom frio, implacável.
Zack me encara por mais um instante, sua respiração pesada.
— Nos vemos no casamento, Misha. — Então, sem dizer mais
nada, vira as costas e sai do quarto, batendo a porta com força ao passar.
Fico ali, parado, ouvindo os seus passos no silêncio da casa.
Depois de alguns minutos refletindo sobre tudo e confirmando a
mim mesmo que sairá exatamente como o planejado, me olhando no
espelho da suíte. Minha respiração é lenta e controlada, mas a mente está
em ebulição, revendo cada etapa.
A porta se abre novamente, reviro os olhos automaticamente, certo
de que Zack havia voltado para insistir para que eu desistisse de tudo. Seu
desespero já não me incomoda; é previsível. Ele não pode ver o que eu via,
não entende a verdade.
— Não vou desistir, Zack — digo. ando devagar para fora do
cômodo indo de encontro a ele. Minha voz baixa e firme, já preparado para
mais uma discussão.
— Mas isso é exatamente o que quero, Misha.
A voz que ouço não é a de Zack. É algo muito mais perturbador. A
voz suave, familiar, mas impossível de acreditar está sendo ouvida. Invade
o espaço com uma serenidade que me congela no lugar.
Aquelas palavras me pararam antes de sair do lugar, fazendo com
que meus pés ficassem presos no chão imediatamente. Meu corpo se
tensiona, o sangue corre mais rápido em minhas veias. Aquela voz…
Aquela voz que não deveria estar ali.
Mas então a pessoa ao notar que eu não sairia foi ao meu encontro, a
imagem à minha frente é como um fantasma. Revivido. Aqui e agora.
— Isso é impossível, como pode ser? — digo sem acreditar que isso
não é fruto da minha mente. A pessoa sorri. — Você morreu, eu mesmo
conferi…
Se aproxima um pouco mais, seus passos suaves como se flutuasse.
Tudo parecia mais frio, o ar mais denso, enquanto a distância entre nós
diminuía. Quando estava perto o suficiente para sentir sua presença quase
como um peso invisível sobre mim, levanta um dedo e o coloca sobre os
próprios lábios, num gesto silencioso de cumplicidade.
— Shh… — sussurra, como se estivesse tentando acalmar uma
criança assustada. — Não vamos estragar as surpresas. Feliz aniversário,
Misha. — Soltou como se sua presença de volta dos túmulos fosse um
presente.
Muitos morreram em minhas mãos, mas nunca falhei ao ter a
certeza que estavam mortos.
Como pode estar aqui?
Você caminha à sombra dos homens
Que venderam suas vidas por um sonho?
Você reflete sobre o jeito das coisas
No escuro
No escuro, escuro, escuro.
Glitter & Gold, Barns Courtney

CASEY GREYSON

Observo da varanda, em silêncio, enquanto o caos da minha mente


contrasta com a aparente calma ao meu redor. Lá embaixo, os convidados
começam a se acomodar perto do lago, aquele mesmo lugar que carrega
tanto peso, tanto sangue.
A tensão em meus músculos aumenta conforme lembro dela com
seu vestido branco de noiva, a observo em cada passo seu por essa casa. O
mesmo que deveria vestir para mim. Para nós dois, em outra vida e
realidade.
Ela quer se casar com ele. Dominic. Aquele verme que roubou o que
era meu por direito. Minha súplica por ela — por nós — havia sido
rejeitada, e isso só fez o ódio dentro de mim crescer ainda mais. Mia, tão
parecida com Beatrix, uma lembrança viva de tudo o que eu perdi.
Tinha certeza de que, no final, ela entenderia. Que a morte de
Dominic e Misha não seria um ato de crueldade, mas de sobrevivência. De
amor.
Trago o cigarro até os lábios, deixando a fumaça invadir meus
pulmões enquanto o sol começa a se esconder no horizonte. O cenário está
perfeito, como se o próprio universo estivesse preparando o palco para o
que eu tinha planejado. O pôr do sol, os convidados desprevenidos, e eu…
invisível, esperando. Ninguém suspeita que eu estava ali, pronto para
sequestrar a noiva e dar um fim àquela farsa de casamento.
Dou mais um gole no whisky que tenho no copo. O calor da bebida
descendo pela garganta, aquecendo o ódio que ferve dentro de mim. Mia é
minha. E hoje à noite, todos irão entender isso.
Mas antes que eu possa me mover para colocar em prática meu
plano, sinto algo estranho. Um arrepio na nuca, um sinal de alerta que
acende na minha mente. Algo não está certo. Meu instinto me força a virar
a cabeça para trás, mas antes que possa reagir, mãos fortes se fecham sobre
meus braços, me segurando com força.
— O que…
Tento me soltar, mas mais mãos me seguram. Dois homens surgem
das sombras. Não os ouvi se aproximar, não percebi o perigo até que fosse
tarde demais. Meu corpo é arrastado para trás, meus pés mal tocando o chão
enquanto eles me dominam com facilidade.
— Soltem-me, porra! — grito, meu corpo se contorce na tentativa
de escapar, mas é inútil.
Os dois homens são treinados, precisos, e em poucos segundos, sou
empurrado contra a parede com força. O impacto atordoa os meus sentidos.
Um dos homens se inclina para perto, seu rosto iluminado pela luz
fraca do quarto. Ele tem um sorriso frio, sádico, enquanto segura meu
queixo com brutalidade.
— Bem-vindo ao inferno — diz com um tom quase casual, como se
fosse uma piada, antes de dar um sinal para o outro.
Antes que eu possa falar, sinto o golpe. Algo pesado atinge a lateral
da cabeça, e tudo começa a girar.
O som dos convidados, a visão do pôr do sol, o cheiro de cigarro e
whisky… tudo se torna distante. Borrado, uma memória desvanecendo-se
rápido demais. Minha visão escurece, o controle do meu corpo escapa de
mim, até que, finalmente, sou engolido pela escuridão completa.
Minha cabeça lateja, e a dor pulsa em ondas, fazendo a visão
permanecer embaçada. O frio é cortante, como agulhas invisíveis que
atravessam a pele e congelam até meus ossos. As correntes de metal
apertavam meus pulsos e tornozelos, cravando-se na carne, me mantendo
preso no chão, de uma forma que me faz sentir vulnerável.
Quando consigo focar, vi dois homens à minha frente, ambos
mascarados. Eles estão imóveis, observando com uma calma perturbadora,
no aguardo de algo. O ar gelado, do que parece ser um galpão, condensa ao
redor deles, a respiração visível por entre as máscaras, eles estão bem
cobertos sem sentir a metade do frio que pode nos matar.
Ao meu lado, outro homem desmaiado. Ele está amarrado da mesma
maneira que eu, nu, o corpo coberto de tatuagens que se destacam
violentamente contra a pele pálida e exposta ao frio. Seu rosto, no entanto,
estava coberto, envolto em algum tipo de pano, dificultando a identificação.
Misha? Dominic?
A dor na minha cabeça dificulta até os pensamentos mais simples.
— O que… o que está acontecendo? — Minha voz sai mais fraca do
que eu espero. O frio e o pânico começam a tomar conta. Eu tento me
mover, mas é impossível, cada tentativa envia uma pontada de dor pelos
meus braços.
Um dos homens mascarados deu um passo à frente, aproximando-se
devagar, como um predador que estuda sua presa. Ele se abaixa, trazendo
seu rosto mais perto do meu, mas eu ainda não consigo enxergar seus olhos
através da máscara. A sensação de sufocamento e impotência aumenta.
— Você não entende ainda, não é? — A voz dele é grave, mas
serena, como se o caos ao redor não o afetasse de nada. — Isso faz parte do
plano, e você e seu amiguinho irão morrer hoje.
Ao dizer isso, solta uma risada curta e mórbida, mas sem emoção. É
como se estivesse saboreando nossa impotência, se deliciando com o fato
de que estamos à mercê dele e dos outros.
No entanto, ao invés de medo, suas palavras me despertam algo
mais. Um ódio feroz que me incendeia por dentro. Eu deveria ter previsto
isso. Cada parte do meu ser grita que eu deveria ter agido mais cedo,
previsto que algo assim poderia acontecer.
O sangue ferve nas minhas veias, mas sem pensar, agi no impulso.
Com todas as forças que me restam, projeto meu corpo para frente e acerto
uma cabeçada no homem que fala.
O som do impacto ecoa pelo local, e ele cambaleia para trás, quase
perdendo o equilíbrio. Antes que pudesse reagir, o segundo homem, que
está atrás dele, avança, puxando-o pela roupa para que não caísse
completamente.
E então, antes que eu possa me defender, sinto um golpe. Um soco
brutal atinge meu rosto, a dor explode na minha mandíbula enquanto o
sabor metálico do sangue invade minha boca. O impacto foi tão forte que
minha cabeça tomba para o lado, e por um momento, minha visão fica
turva, manchas escuras dançando diante dos meus olhos.
Cuspo sangue no chão frio, ofegante. Minha respiração é pesada,
irregular. A dor pulsa pelo meu crânio, mas eu ainda estou consciente. Eu
não vou desmaiar, ou ceder àquela dor. Quando levanto a cabeça, tentando
me recompor, meus olhos se deparam com uma arma.
O brilho prateado reluz silenciosamente sob a luz fraca do
ambiente. O cano da arma está agora a poucos centímetros do meu rosto,
apontado diretamente para a minha boca. O homem mascarado, que eu
atingi, está com o dedo no gatilho, sua respiração pesada debaixo da
máscara. Ele está furioso, o ar de tranquilidade desaparece enquanto ele luta
para controlar a própria raiva.
— Você quer morrer mais rápido, é isso? — ele diz, sua voz agora
com uma ponta de irritação. — Não se preocupe, eu posso fazer isso ser
rápido ou… — Pausa. — Posso fazer desejar que fosse mais rápido.
A pressão da arma contra meus lábios aumenta. O frio do metal
queima minha pele, e por um segundo, sinto o desespero se infiltrar. Olho
rapidamente para o lado, para o homem amarrado ao meu lado. Ele ainda
está imóvel, com o rosto coberto. Meu coração martela no peito, mas eu não
posso demonstrar medo. Não para eles. Então, mesmo com o gosto do
sangue ainda fresco na boca, dou uma risada curta e seca, desafiando o
homem que segura a arma.
— Se você acha que vou implorar pela minha vida — cuspo, com a
voz carregada de raiva —, está mais enganado do que imagina.
A tensão no local parece aumentar a cada segundo. O homem
mascarado fica em silêncio por um instante, a arma ainda pressionada
contra minha boca. Eu consigo ouvir minha respiração acelerada, o som dos
meus próprios batimentos cardíacos em meus ouvidos. Cada segundo
parece se arrastar, o frio do metal contrasta com o calor do sangue que
escorre pelo meu rosto.
Então, o homem se inclina um pouco mais perto, seu rosto quase
colado ao meu, o cano da arma ainda firme contra os meus lábios.
— Se eu fizer isso, seria fácil demais para você — sussurra,
palavras cheias de veneno e promessas de morte.
Minha cabeça gira com tantas perguntas, mas não terei tempo de
encontrar respostas. Ele tira a arma de perto de mim, e eu sei que o próximo
segundo pode ser o meu último.
— Vamos ver se Mia Demory é tão apaixonada por vocês quanto diz
e virá salvá-los de uma morte terrível — expôs o outro. Eles se afastam,
indo para fora.
Quando se perder, apenas pegue minha mão
Você está perdido no mar
Então, vou conduzir seu barco de volta para mim
Não me procure longe demais
Aí onde você está é onde eu estou.
Mariners Apartment Complex, Lana Del Rey

MIA DEMORY

Olho para o espelho e quase não acredito no que vejo. Estou


exatamente como imaginei: o vestido é perfeito. Rendas delicadas e
bordados que parecem cintilar à luz suave do quarto. Ele molda meu corpo
de forma impecável, e o véu cai delicadamente sobre meus ombros, dando a
sensação de que estou envolta em uma névoa suave.
Respiro fundo, tentando absorver a calma que sinto. Um alívio
inesperado em meio a tudo isso. Com todo o caos que esse lugar carrega, é
estranho sentir que finalmente estou tomando a decisão certa. É como se,
por um breve momento, o peso dos meus ombros tivesse sido retirado.
De repente, ouço passos e me viro.
Ayzak aparece na porta, observando-me com um sorriso que causa
arrepios. É estranho… Ele parece feliz, mas sei que, no fundo, quer a minha
morte.
Essa felicidade falsa me enoja. Ele é tão manipulador quanto Holly,
e fico me perguntando o que exatamente eles são… Talvez amantes? Ex-
marido e mulher? Não importa. O que sei é que os dois têm o mesmo gosto
pela manipulação.
— Filha, todos estão te esperando. — A voz dele interrompe meus
pensamentos. Forço um sorriso antes de concordar. — Está linda, Mia —
diz, mas suas palavras soam vazias, sem peso.
— Obrigada, pai — respondo, ainda mantendo o sorriso.
Estende o braço para mim e, sem muita escolha, caminho até ele,
aceitando. Minhas mãos estão um pouco trêmulas, mas tento não
demonstrar.
Respiro fundo novamente. Só mais alguns minutos… assim que eu
disser o “sim” e assinar os papéis da seita prometendo minha lealdade, tudo
isso vai acabar.
Estarei livre.
Para sempre.
O braço de Ayzak está quente e firme ao meu lado, enquanto
seguimos pelo corredor à minha frente que parece se estender infinitamente.
O caminho até o lado de fora parece muito mais longo do que eu lembro. A
voz dele corta meus pensamentos, de forma quase casual, mas carregada de
uma intenção que me faz arrepiar.
— Nervosa? — ele pergunta, mas soa mais como uma afirmação.
Sinto um nó se formar no meu estômago, e não quero que perceba.
Respiro fundo, tentando me recompor.
— Sim… Dominic já está lá? — Tento desviar o assunto, esperando
que falar sobre outra coisa possa amenizar o nervosismo crescente dentro de
mim.
Ele faz uma pausa curta, ponderando algo, antes de responder.
— Não que eu tenha visto, mas deve estar agora. — A indiferença
na sua voz é algo que me deixa inquieta.
A música clássica de casamento começa a tocar, suave no fundo,
mas imediatamente sinto uma sensação estranha tomar conta de mim. Meu
coração acelera, assim que saímos para fora e seguimos pelo tapete
vermelho que nos leva até o lago, onde várias pessoas olham para mim em
pé. Um frio percorre minha espinha. Será que é só nervosismo? Tento me
convencer que sim, mas uma parte de mim sabe que não é só isso.
Meu corpo está aqui, preparado, para o que deveria ser um momento
de felicidade. Enquanto minha mente está longe, pensando em todas as
coisas que não consigo controlar.
Sorrio para as pessoas presentes e reconheço o rosto de Mikai, que
me olha profundamente. Nunca o vi pessoalmente, apenas por algumas
fotos que Dominic fez questão de me mostrar.
Ayzak para os passos na metade do altar, e quando olho para frente
para entender o motivo. Não encontro Dominic.
Em seguida,uma figura masculina se põe no altar ajeitando o terno
branco.
Misha.
Todos começam a sussurrar e me olhar feio. Procuro por Holly que
também não está presente. O que está acontecendo?
Mikai surge ao meu lado.
— Onde está Dominic? — me questiona.
— Não sei, eu… — respondo.
— Ele deu a palavra. Vocês disseram que haveria um casamento
hoje! É por isso que ainda está viva — expôs irritado em tom de ameaça. —
Sem casamento, você…
— O que está fazendo? — Minha voz sai mais fraca do que eu
esperava. Quero parecer firme, mas não consigo.
— Te mantendo viva — ele responde, sem hesitar, seus olhos fixos à
frente.
O padre nos encara com uma expressão tensa. Vejo o suor escorrer
pela testa dele enquanto nega com a cabeça, os lábios finos trêmulos.
— Não farei o casamento de dois irmãos — ele declara, a voz
carregada de uma firmeza forçada.
Misha inclina, aproximando-se o suficiente para que só o padre ouça
o que irá sussurrar:
— Irá mandar todos se sentarem, padre, e continuará. A menos que
queira que sua família pague pela sua desobediência.
O padre engole em seco, o pavor em seu rosto deixando claro que
sabe exatamente do que Misha é capaz. Por fim, com um suspiro resignado,
ele volta sua atenção para a plateia, sua voz autoritária, mas trêmula:
— Sentem-se, iremos dar continuidade.
Meu coração dispara, abafando os sons ao meu redor. Olho para
Misha, que segura minha mão, lembrando do que está em jogo. Eu não
posso parar isso. Não agora. Minha vida depende disso. O que quer que
Misha tenha planejado, sei que minha única chance é seguir o jogo.
— Estamos aqui reunidos… — a voz do padre é agora um ruído
distante, um pano de fundo para a sensação crescente de que tudo está
desmoronando ao meu redor.
Misha aperta minha mão, seus olhos brilhando de satisfação quando
se inclina um pouco para mim.
— Você fez isso, não fez? — murmuro, minha voz trêmula.
— Não sei do que está falando — responde no mesmo tom, com um
sorriso, sua expressão de triunfo impossível de esconder. — Mas eu sabia
que no final ficaríamos juntos, Bunny.
Meu estômago se revira ao ouvir meu apelido, mas não tenho força
para reagir. O padre segue com o ritual, sua voz distante.
— Mia Demory, aceita Misha Crown como seu esposo, para amá-lo
e respeitá-lo até o último segundo da sua vida?
Minhas mãos estão frias e o corpo travado. Mikai está ao fundo,
seus olhos me perfurando. Não há como fugir. Volto meu olhar para Misha.
Ele sorri, confiante, como se tudo já estivesse decidido.
— Sim… — A palavra sai da minha boca como uma sentença. Um
sorriso de vitória se espalha pelos lábios de Misha.
O padre se vira para ele, repetindo a pergunta. A resposta de Misha
vem rápida, firme:
— Sim.
— Portanto, com essas palavras, e pelo poder dado a mim, eu os
declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva.
Misha se aproxima, seus lábios tomam os meus com força, uma
fome desesperada. O gosto amargo de álcool e cigarro preenche minha
boca. Fecho os olhos, tentando afastar a realidade, me deixando levar por
esse beijo. Quente, molhado e excitante que ao mesmo tempo, é uma
afronta contra os presentes
Nos afastamos e ouço o som disperso de aplausos. Alguns
convidados se levantam, indignados, mas não me importo.
Nada mais importa agora.
— Eu te amo, Bunny — sussurra em meu ouvido e um arrepio
percorre minha espinha. Suas palavras, que deveriam ser reconfortantes,
soam como uma corrente invisível apertando ao meu redor.
Meus lábios tremem, e as palavras que saem são carregadas de
desespero.
— Onde está Dominic? — pergunto, tentando não soar tão
desesperada quanto estou.
Ele me puxa, começando a caminhar em direção à casa, sem
responder imediatamente.
— O que fez com ele? — insisto, minha voz mais urgente agora.
— Você sabia que haveria consequências. Eu não ia deixar que se
casasse com ele — sua resposta é fria, objetiva, como se isso justificasse
tudo.
O som de passos atrás de nós faz com que eu me vire. Vejo Mikai se
aproximando.
— Um belo show — comenta com sarcasmo. — Aposto que Wine
Demory perdeu muitos clientes com essa decisão de ambos.
— Ao menos a terei viva, Mikai. Vamos assinar os papéis e quero
que me tire como membro. Eu e Mia iremos embora daqui — Misha
responde sem hesitar.
— Deveria se sentir honrada, senhorita Demory, em todos esses
anos, nunca pensei que Misha fosse nos abandonar — ele afirma me
olhando.
Minhas mãos tremem enquanto ouço Mikai insinuar que Misha
sacrificou tudo por minha causa.
— Isso é o que quer Misha?
— Era tudo o que eu mais desejava. Casey continuará com você e,
talvez, Dominic também.
— Tudo bem, agora onde estão?
— O que? — pergunta Misha a Mikai.
— Cadê Casey ou Dominic? Acha que sou idiota?
— Eu não sei. Me surpreendi, assim como você, ao não encontrar
Dominic no altar.
— Está mentindo para mim, Misha?
— Só saberá se mandar seus homens se afastarem de mim e Mia.
Assinaremos o contrato de liberdade para ambos casados. — Mikai faz um
sinal e eles param.
— Sacrificou sua sede de sangue por causa dela?
— Ela é o motivo que faz a minha pouca humanidade estar aqui
ainda — confessa e fico sem palavras. Misha.
— Sabia que eu poderia anular o contrato e te matar por isso? —
declara com um sorriso cruel nos lábios.
— Eu sabia dos riscos ao casar com ela, Mikai. Resta saber se Casey
é valioso para você, ou a morte dele não fará diferença, assim como
Dominic. — Mikai, tira o sorriso
— Você sequestrou eles — afirma Mikai.
— Assina a porra do contrato, e talvez eles vivam — Misha rosna,
deixando claro que tudo isso é uma negociação.
Eu tremo. As mãos de Misha, que deveriam ser protetoras, agora
parecem correntes me segurando.
— Misha… — murmuro, implorando para que isso acabe logo.
— Tudo bem Misha. — Mikai tira de uma maleta, dois papéis
iguais. Folheia até a última página, assina seu nome em ambas e dá a caneta
para mim, assino e Misha faz o mesmo. — Livres.
— Onde eles estão?
— Passarei as informações quando eu estiver longe daqui com Mia.
— Ele concorda e saímos da casa. Entramos no carro dele.
Minha respiração está ofegante.
Meu coração ainda martela no peito, o gosto amargo do beijo de
Misha ainda paira em meus lábios. O que eu tinha acabado de fazer? O que
aceitei? A sensação de desespero me engole aos poucos, enquanto ele dirige
pela estrada sinuosa. O silêncio entre nós é mais denso do que o ar abafado
da noite.
— O que está sentindo? — Misha pergunta, sem tirar os olhos da
estrada.
Minha garganta seca. As palavras presas, sufocadas. Não quero
dizer o que realmente passa pela minha mente. Dominic… Casey…
estariam mortos? Eu mal consigo encarar o que tinha se tornado a minha
mais nova realidade.
— Você matou eles? — A pergunta sai antes que eu pudesse
segurar.
Ele vira a cabeça na minha direção, surpreso. Os olhos penetrantes
tentando medir o que eu estou sentindo.
— O quê? — Sua voz fria e defensiva, não acreditando que eu
duvido dele, como se fosse absurdo eu pensar nisso.
— Dominic e Casey… o que fez com eles? — Minha voz falha,
trêmula, e eu quase engasgo com minhas próprias palavras.
Ele suspira, irritado com a minha desconfiança. Uma de suas mãos
solta o volante, pegando a minha com firmeza. Seu toque transmite um
choque de realidade, mas eu não tenho forças para puxar de volta. Não
agora.
— Eles eram nossa única chance de sair desse inferno, Bunny —
diz. A voz dura, mas com uma ponta de emoção.
— Não! Você não os matou… — murmuro, tentando acreditar
naquilo, como uma criança se convencendo de que o monstro sob a cama
não existe. — Me leve até eles — insisto.
— O que mais precisa acontecer para que você entenda que me ama,
Bunny? — Sua voz, antes cheia de controle, agora carrega frustração. — Eu
me sacrifiquei por você, entende isso? Eu destruí tudo por você!
— Sim, e agradeço por isso, mas… — Tento responder, com a voz
engasgada.
— Não! Você não entende, caralho! — interrompe bruscamente
batendo com força no volante. — Mikai ia matar você, quando estivesse em
algum lugar sozinha com Dominic.
Meu estômago vira. Uma onda de náusea me atinge com força. Eu
olho para Misha, mas sua fúria é como uma barreira intransponível.
— O quê? — sussurro com fraqueza.
— Isso mesmo. Casey estava obcecado, já tinha até uma maneira de
te sequestrar. Enquanto Dominic… — Ele ri com desprezo. — Dominic
planejava te proteger. Agora como ia fazer isso, eu não faço ideia. Afinal,
foi ridiculamente fácil sequestrá-lo, entrando no carro para vir até aqui.
Fecho os olhos, sentindo o mundo girar. Dominic e Casey estão em
perigo por minha causa, ou pior, por causa de Misha. É difícil processar
tudo.
— Eu sou o responsável por você estar viva — continua Misha, sua
voz firme. — Usei o que Mikai mais valoriza, contra ele: Casey e Dominic.
— Mas por que Dominic seria importante para Mikai? — pergunto.
Meu cérebro está trabalhando para juntar as peças desse quebra-cabeça
insano. Dominic… protegido por Mikai? Isso não faz sentido.
— No momento certo, você vai entender — ele responde, evasivo.
Mudando de assunto rápido demais.
Eu não sei se posso acreditar em uma única palavra que sai da boca
de Misha. Mas cada vez que falava, a sensação de perigo só crescia.
— Me leve até eles, Misha, por favor — peço, com a voz carregada
de súplica.
Ele olha para mim com olhos cheios de algo que eu não consigo
decifrar.
Frustração? Amor? Loucura? É impossível dizer. O carro
desacelera, e eu percebo que ele está parando no meio da estrada. A
escuridão lá fora parece sufocante, impenetrável contra os vidros.
— Vamos pegar nossas malas e sair daqui. Talvez passemos por eles
no caminho — diz, como se o destino de Dominic e Casey fosse um detalhe
insignificante em nossa fuga.
— Misha, por favor… — imploro, mas ele já não está ouvindo.
Ele desliga o carro. Após uma longa pausa, vira para mim e segura
meu rosto com firmeza. Os olhos mergulhando nos meus com uma
intensidade quase assustadora.
— Primeiro, preciso que confie em mim — ele fala em tom baixo,
mas impositivo. — Tem algo que você precisa saber…
Fico nervosa com suas próximas palavras, pois sinto que serão como
uma sentença. Estou tensa, com toda essa mudança de cenário. E só espero
que Misha saiba o que está fazendo ou acabaremos mortos.
“O inferno está vazio e todos
os demônios estão aqui.”
- William Shakespeare
E se a vida é dor, então eu enterrei
a minha há muito tempo atrás
Mas eu continuo vivo
E isso está me controlando - onde eu estou?
Eu quero sentir alguma coisa
, estou dormente por dentro
Mas não sinto nada, me pergunto por que
E na corrida da vida o tempo passa por mim
Paralyzed, NF

MISHA CROWN

Estou no meu quarto dentro da mansão Demory. Viemos colocar


vestes aquecidas e pegar nossas roupas. Os sons abafados delas sendo
jogadas nas malas preenche o silêncio pesado. A tensão no ar é sufocante.
Enquanto empurro mais algumas peças na mala, minha mente está em outro
lugar, tentando processar tudo o que aconteceu.
A movimentação rápida das minhas mãos é automática, até que um
“click” metálico ecoa pelo quarto. Um som que reconheço,
instantaneamente: o destravamento de uma arma. Meu corpo congela, e
sinto o frio do pânico percorrer pela espinha.
— Vire-se para mim — a voz ordena, dura, inconfundível. Conheço
esse tom.
Viro-me lentamente e deparo com os olhos dela, cheios de lágrimas
e raiva. Scarllet. Ela deveria estar morta. Mas ali está ela, viva. Com seu
olhar transbordando ressentimento, a arma firmemente apontada para mim.
— Por que casou com ela? — sua voz vacila. Os olhos marejados,
enquanto uma lágrima escapa e desliza por sua bochecha. — Eu te disse
que a mataria se fizesse isso, Misha.
— Scarllet, eu…
Minhas palavras são inúteis. Sei disso antes mesmo de pronunciá-
las. Seus olhos cheios de dor, traídos.
— Não! — ela grita, sua voz tingida de frustração e desespero. —
Você não vai me manipular de novo! Pensou que eu iria acreditar nas suas
mentiras?! Nas suas promessas vazias de que me encontraria? Estou
cansada, Misha!
Seu olhar vacila, mas a mão que segura a arma não treme. As
palavras saem da sua boca como veneno, cada uma delas de uma mágoa
acumulada.
— Me jogaram no rio… quase morta… — sua voz falha um pouco
ao lembrar, mas logo se endurece novamente. — Mas alguém me salvou.
Você achou que eu simplesmente iria desaparecer, não é? Que eu ia aceitar
ser descartada?
— Scar… — Tento falar, minha voz baixa e suplicante, mas sei que
ela não quer ouvir.
— Cala a boca, Misha! — grita, a arma agora apontada diretamente
para minha cabeça. — Anda, para fora. Ou eu te mato aqui mesmo.
A obedeço. Sei que qualquer movimento brusco pode acabar
comigo. Quando saímos do quarto, o som do zíper da mala ecoando pelo
corredor. Mia aparece na entrada. Assim que vê Scarllet, seus olhos se
arregalam de surpresa, e deixa a mala cair com um baque surdo no chão.
— Como isso é possível? — Mia balbucia, incrédula. Ela dá um
passo para trás, seu olhar saltando entre mim e Scarllet.
Scarllet apenas sorri. Um sorriso cruel e cheio de satisfação,
enquanto ajusta a arma na minha têmpora.
— Surpresa? — ela ironiza, seus lábios se curvando com amargura.
— Scarllet, por favor — Mia suplica com a voz trêmula, tentando
soar calma. — Não o machuque. Solte ele.
— Para que você me mate e fique com ele? — ela rosna, o ódio
fervendo em sua voz. — Eu te avisei para casar com Dominic e ir embora,
Mia. Mas você, como sempre, egoísta. Agora, eu vou matar Casey e
Dominic, e te deixar sozinha. Sozinha para sofrer. E talvez… — Scarllet
inclina a cabeça, seus olhos brilhando com malícia. — Eu mate você
também.
Sinto o olhar de Mia fixo em mim, seus olhos assustados, buscando
uma solução que parece cada vez mais distante. Ela dá um passo à frente,
hesitante,.
— Scarllet, por favor… — Mia implora novamente, a voz
quebrando. O desespero é palpável.
Scarllet levanta o queixo. Os olhos se estreitam, enquanto move a
arma de minha cabeça em direção a Mia.
— Se der mais um passo, eu juro por Deus, que mato ele, Mia! —
Scarllet grita, seu dedo firme no gatilho, os olhos selvagens. — Vamos ver
se você realmente se importa com ele, ou se é tudo uma mentira.
Mia para de se mover. Consigo ver seu corpo enrijecer, mas seu
olhar ainda fixo no meu. Sei que ela está tentando encontrar uma forma de
nos salvar, mas as opções estão se esgotando. O ar parece pesar a cada
segundo, como se o tempo estivesse nos esmagando, empurrando-nos para
uma conclusão trágica.
— Desce as escadas — Scarllet ordena, a voz fria e calculista. —
Vamos dar uma voltinha para encontrar seus amantes.
Mia hesita por um segundo. Os olhos cheios de confusão e medo,
mas faz o que ela ordena. Tento pensar em uma forma de desarmá-la, mas
qualquer movimento agora pode acabar com a minha vida.
Enquanto descemos as escadas, a tensão no ar é quase insuportável.
Scarllet nos empurra com a arma, o som dos nossos passos ecoa pelo
corredor vazio, e a escuridão lá fora parece nos engolir.
Ela manda irmos até o carro e manda Mia dirigir, enquanto ficará
comigo na parte de trás.
— Vamos. Dirija até o galpão abandonado próximo da casa do lago.
— Scarllet orienta.
— Como você…
— Eu sei de tudo, meu amor. Te segui desde mais cedo — explica, e
Mia acelera o carro.
Scarllet me seguiu, e sabe exatamente onde Casey, Dominic e Holly
estão. É claro que Holly solta não é uma opção, então a coloquei em um
lugar separado deles.
Ao chegarmos no nosso destino, Mia desce e nós dois em seguida.
— Triste saber que você me esqueceu tão fácil, Misha — Scarllet
declara. — Que não sofreu pela minha morte.
— Do que está falando? — Me viro para ela. — Eu te amava. Todos
esses anos, me torturei por não ter te protegido. Então sim, eu fiquei com o
coração partido. Quando não senti seu pulso e achei que estava morta.
— Isso não muda a sua obsessão pela sua irmã… e que agora estão
mais conectados do que antes!
— Eu…
— Vamos acabar com isso, para recomeçarmos. — Ela me vira de
costas.
Com um gesto da arma, Scarllet indica para que Mia amarre a corda
do chão nos meus braços. Hesitante, ela obedece. Entrelaça a corda em
meus pulsos e aperta com força, dando três nós.
Seguimos caminhando até nos aproximarmos da entrada do galpão.
Encontramos os dois homens, que estavam de guarda, mortos com tiros na
cabeça.
— Passei anos treinando, para me vingar — confessa Scarllet. —
Fiquei um ano em coma e nos outros três tentando recuperar a memória.
Até que, quando vi no jornal o rosto dos filhos de Holly Demory. Foi como
se um filme passasse na minha cabeça.
Ao entrarmos, ficamos de frente a Casey que me encara. Mia que se
aproxima dele e Dominic.
Mia dá passos lentos até Dominic, que mal consegue ficar parado no
chão, tremendo de frio. O rosto dele e de Casey estão pálidos, os lábios
azulados pelo frio cruel. Dominic a encara, sem acreditar no que vê.
— Mia… — Sua voz é um sussurro rouco, quase inaudível. —
Pensei que estivesse morta. — A mão de Mia treme quando toca o rosto
dele, os dedos finos tentando encontrar calor naquele corpo gelado.
— Casou com ele? — Dominic pergunta com incredulidade ao ver o
brilho da aliança no dedo de Mia.
— Não estará viva por muito tempo. — As palavras de Scarllet
escorrem venenosas O olhar dela fixo e selvagem, ainda com a arma
pressionada contra minha cabeça.
Casey, sujo de sangue e machucado, ruge de raiva, tentando se
libertar das amarras.
— Quem é você? — ele pergunta, os olhos brilhando de ódio.
Scarllet sorri, triunfante.
— Scarllet. A garota que Mia Demory achou ter matado por amor a
Misha. — Ela me lança um olhar provocador. — Ou seria por ciúmes?
Mia dá um passo se afastando deles, para os observar melhor. Sua
atenção está dividida entre Dominic e Casey. Sua voz é hesitante, suave,
mas cheia de uma preocupação genuína.
— Por que estão sem roupa? — ela questiona. — Vão morrer de
frio…
Dominic ri, uma risada amarga e gélida que ecoa pela sala sombria.
— Essa foi a ideia, não é, Misha? — Ele me lança um olhar de
desprezo, seu corpo tremendo incontrolavelmente.
Antes que eu possa responder, o som de batidas na porta interrompe
o momento. Todos os olhares se voltam para a entrada. Um homem
mascarado surge, arrastando uma figura encapuzada. Ele a joga no chão
como se fosse um saco de lixo.
— Onde estou?! — A voz de Holly, cheia de pânico, rompe o
silêncio. Ela se debate, tentando se libertar das cordas que a prende.
O homem retira a máscara e, por um momento, tudo parece parar.
Ayzak.
— Vejo que começaram a festa sem mim, Scarllet. — A voz de
Ayzak é calma, quase indiferente, como se estivesse lidando com algo
trivial. Eles estão juntos neste plano.
É claro. A ex-maníaca e o pai doente. Faz todo sentido. Mia dá um
passo para trás, os olhos arregalados de choque.
— Pai?
— Esse homem não merece ser chamado de pai, Bunny. — Minha
voz é firme, enquanto observo a surpresa e a confusão se desenrolarem no
rosto de Mia.
Ayzak ignora minha fala, e vira-se diretamente a mim.
— Ora, Misha. Vai me dizer que meu conselho não te incentivou a
sequestrar Casey e Dominic? Achei que fosse mais cuidadoso, e pensasse
nos problemas que poderia ter. — Ele olha de relance para Holly, que está
caída no chão, e sorri com desprezo. — Esperava que tivesse pego Holly
também.
Holly, ainda tentando se recompor, murmura seu nome, incrédula.
— Ayzak? Por quê? — Se aproxima dela, a expressão
condescendente e fria, como um predador que já cansou da presa. Ele tira o
capuz do rosto dela.
— Meu amor, sabemos que não há recomeço para nós. — Ele se
agacha ao lado dela e acaricia seu rosto com uma falsa ternura, um gesto tão
desconcertante quanto cruel.
— Mas eu… — Holly tenta falar.
— Não, querida. A única pessoa que importa para mim agora é Mia.
Ele se levanta, tirando uma arma de sua cintura com um movimento
casual. Sem hesitar, ele atira. O som do disparo reverbera pela sala. A bala
atinge a perna de Holly, que solta um grito estridente de dor. O sangue
começa a escorrer, tingindo o chão com uma poça vermelha e espessa.
— Shhh, querida — murmura, encostando o cano da arma no
pescoço dela. — Sabemos que esse era seu fim. Mas prometo que será
doloroso e lento.
Scarllet mantém a arma apontada para minha cabeça. Mia, no centro
de tudo, parece petrificada. Os olhos dela se movendo freneticamente entre
Ayzak, Holly e eu. Ela está presa, incapaz de decidir, agir. O caos a envolve
aos poucos.
O cenário ao meu redor é um pesadelo vivo.
Casey e Dominic estão ali, nus. Acorrentados, tremendo de frio.
Enquanto Ayzak e Scarllet controlam tudo com armas e sorrisos cruéis.
Dominic parece à beira de desmaiar, mas luta para manter a
consciência. Seus olhos cravados em Mia, implorando em silêncio.
Na minha mente, não há saída.
Não consigo ver um final que não seja sangrento.
Estou nas trincheiras e meus
recursos estão acabando
É hora de partir, as nuvens
estão carregadas
A verdade começa a se mostrar. (...)
Amante, caçador, amigo e inimigo
Você sempre será cada um destes
Amante, caçador, amigo e inimigo
Você sempre será cada um destes
Nada é justo no amor e na guerra.
Love And War, Fleurie

MIA DEMORY

Não sei o que fazer. Ou se sequer devo agir.


Holly está no chão. O sangue de sua perna manchando tudo ao
redor, cada gemido dela um lembrete da violência que nos cerca. Casey e
Dominic mal conseguem manter os olhos abertos, tremendo de frio, seus
corpos despidos à beira de desistir.
Olho para a porta, meu último fio de esperança, aguardando que
qualquer um chegasse.
— Ninguém virá — Scarllet diz, saboreando cada sílaba. —
Lidamos com Mikai e seus homens. A bomba no carro deles cuidou disso.
— Ela sorri com uma satisfação perversa. — Só te resta um fim trágico,
Mia. E sem o seu verdadeiro amor.
Meus olhos se voltam para Dominic, tentando ignorar o que está
insinuando.
— Você sabe que não é ele, Mia — ela sussurra. — Resposta
errada.
Mas então olho para Misha. O olhar dele é intenso, cheio de uma
devoção que sempre esteve lá, mas que eu nunca quis enxergar.
— Sim, Misha. Te amou mais do que qualquer outro imbecil. E tudo
o que ele fez foi sacrificar tudo por você! — ela exclama, completamente
anestesiada pela sensação do controle. — Enquanto você apenas o
magoava. A cada momento.
Minhas mãos tremem, os olhos se enchem de lágrimas, e eu tento
lutar contra a avalanche de emoções que me atinge.
— Para! — imploro, minha voz saindo como um sussurro
desesperado.
— Não, você vai ouvir! — Scarllet avança, a arma ainda
pressionada contra a cabeça de Misha. — Vai morrer sabendo o quanto o
magoou. Por que não diz a ele o que realmente sente, Mia? Antes que seja
tarde.
Olho para Casey e Dominic, ambos sofrendo. A dor nos olhos deles
espelha a minha própria confusão. Antes que eu possa reagir, sinto um
puxão forte nas costas. Ayzak me agarra e começa a me arrastar para fora.
Luto contra ele, mas seu aperto é firme.
— Me solte! — grito, desesperada. — Pai, por favor! — A palavra
“pai” sai sem que eu perceba, um reflexo de minha antiga vida, de quem eu
achava que ele era.
— Solte ela — Zack ordena, com uma arma mirada na cabeça de
Ayzak, sua voz de raiva que mal consegue conter. — Jogue a arma para
mim.
Ayzak, calmo, solta seu aperto em mim, como se tudo estivesse
dentro de seus planos.
— Zack, irmão. Finalmente, nossa reunião de família está completa
— fala de forma macabra, enquanto segue as ordens, jogando a arma.
Corro até Casey e Dominic, ia tirar o moletom para vestir Casey e
depois procurar uma forma de aquecer Dominic, mas ele me impede
chamando meu nome.
— Não — fala com dificuldade. — Prefiro morrer que te ver morrer,
apenas para tentar me salvar, amor.
Minha mão treme enquanto acaricio seu rosto gélido. Cada toque é
uma promessa não dita, uma despedida que não deveria acontecer.
Zack encara Ayzak, seus olhos cheios de fúria.
— Eu esqueci que você existia, irmão — Ayzak diz, com um sorriso
frio.
— Seu filho da puta! — Zack grita, avançando e batendo com a
arma no rosto de Ayzak. O impacto ressoa pela sala, mas Ayzak apenas ri, o
sangue escorrendo do canto de sua boca.
— O que fez com Holly? — Zack pergunta, a voz trêmula de raiva.
Ayzak o encara, o sorriso cruel nunca desaparece.
— Apenas o que ela merecia. — Ele respira fundo, como se
quisesse aproveitar cada momento. — O coração dela… era para mim.
Estou morrendo. Insuficiência cardíaca. O coração dela é o que me manterá
vivo.
Zack fica paralisado por um segundo, o rosto contorcido de
incredulidade.
— Holly estava transando com você, pensando em mim — Ayzak
continua, seu sorriso se alargando. — Ah, não me diga que achou mesmo
que ela te amava? Que não faria qualquer coisa para me salvar? — A risada
de escárnio dele preenche o galpão fúnebre. — Você sempre foi um tolo.
Zack, descontrolado, pega as duas armas e aponta uma para Holly e
outra para Ayzak. Scarllet apenas observa tudo com um sorriso e com a
arma em direção a Misha.
— Zack… — Holly murmura, estendendo a mão para segurar sua
perna, os olhos cheios de lágrimas. — Eu sinto muito.
— Sente? — Zack pergunta, a dor evidente em sua voz.
— Eu o amo, Zack — Holly implora, as lágrimas escorrendo pelo
rosto. — Ele me prometeu um recomeço.
— Caralho, Holly! — Zack grita, frustrado, a voz dele se
quebrando. — Misha estava certo. — Ele baixa a arma por um segundo em
direção a Holly, mas a tensão permanece, como uma corda prestes a
arrebentar.
O ambiente é sufocante, cada respiração pesada. Eu não sei o que
vai acontecer a seguir. Tudo o que sei é que o sangue está se derramando e
que as verdades estão sendo ditadas agora, rasgando o silêncio, e destruindo
tudo ao nosso redor.
Os erros que cometi me
ensinaram a ser mais forte
Algemado em correntes, pelos monstros
que criei. Tentando andar na linha,
mas não vale a pena. (...)
Sentindo o peso no meu coração, mas eu sei
Mas eu sei que posso ser salvo
Não me pendure (...)
E não me pendure na forca.
Gallows (feat. Jamie N
Commons), The Score

MISHA CROWN

O desenrolar da situação que acontece na minha frente foi quase


inacreditável, quando Zack se distrai com Holly.
O som do disparo ainda ecoa em meus ouvidos. Zack cai no chão,
sem vida.
Tudo aconteceu rápido demais. O sangue começa a se espalhar pelo
piso. Holly, com lágrimas nos olhos, encara o corpo, mas sei que ela não
está de luto, nunca foi do tipo que se apega.
Ayzak pegou a arma em um momento de fraqueza de Zack, apontou
para ele e disparou na cabeça. Uma forma rápida de se morrer.
— Ayzak! Não precisava ter feito isso com ele — Holly fala, e
Ayzak nem pisca.
— Claro que precisava. — A frieza na voz dele é como um tapa.
Eu desvio o olhar de Zack e me viro para Scarllet. Chega de ficar
parado. Sinto o calor subir pelo meu corpo e meu coração martelar no
peito. Me aproximo dela, decidido.
— O que você está fazendo? — pergunta, desconfiada, mas eu
apenas sorrio.
— Quero um beijo. — As palavras saem da minha boca antes que
eu possa controlar.
Scarllet fica surpresa, os olhos dela vacilam por um segundo. Desvia
o olhar para Mia, que agora está parada, sem dar mais atenção a Dominic.
Sinto que Mia me observa, mas não posso me deixar distrair.
Scarllet sorri de canto.
— Quer se vingar dela? — pergunta, sabendo o que estou fazendo.
— Você já está fazendo isso por nós dois — respondo, e minha mão
encontra o rosto dela, sentindo a pele quente. Ela morde o lábio, hesitante.
— Mas sim, me mostre o quanto está disposta a ficar comigo.
— Não sabe quantas noites sonhei com isso — confessa, enquanto
me aproximo mais.
Mas, de repente, ela aponta a arma para mim, me parando no lugar.
— Se afaste. — Sua voz é firme, mas seus olhos dizem outra coisa.
Eu deveria recuar, mas não posso.
— Scar, eu preciso que me beije — sussurro, avançando devagar.
Ela me encara por um segundo, parece uma eternidade, mas cede,
encostando seus lábios nos meus. O beijo é feroz, e eu seguro seu cabelo
com força, da mesma forma que fazia antes. É quase como voltar no tempo.
— Misha… — ela sussurra meu nome entre os lábios.
Em momento de vulnerabilidade.
Eu sabia que Mia estaria morta se não tentasse nada. Por isso, num
movimento rápido, agarro a arma de Scarllet e a empurro para longe,
apontando a arma para ela agora.
Ela ri, uma risada fria que reverbera pelo meu corpo.
— Você acha que eu só traria uma arma? — provoca, tirando outra
arma de sua cintura e apontando diretamente para Mia.
O disparo dela parece lento, em câmera lenta, mas meu corpo reage
antes de eu pensar. Disparo dois tiros em Scarllet e me lanço na frente de
Mia. Sinto o impacto de três balas: uma de Scarllet e duas de Ayzak, que
tentou me impedir de acertar.
O mundo ao meu redor desacelera. Scarllet larga a arma, segurando
o pescoço enquanto o sangue escorre por entre seus dedos. Seus olhos me
encaram cheios de ódio, mas sei que ela não vai durar muito. A dor dos
tiros me atinge com força agora.
Meu corpo parece queimar por dentro, e minhas pernas cedem.
Antes de cair, sinto os braços de Mia me segurando.
Olho para ela, seu rosto desesperado. A arma escorrega da minha
mão, caindo ao nosso lado.
O sangue começa a se espalhar pela minha barriga, meu ombro arde
onde a bala passou de raspão. Mas a pior é no peito, onde o sangue mancha
a camiseta branca e a jaqueta preta de couro. E sei, naquele exato momento,
que o tempo está se esgotando.
— Misha, não! — Mia grita, pressionando minha barriga e peito,
tentando conter o sangue.
Eu a encaro, e a culpa me corrói por dentro. Dominic e Casey estão
desmaiados, incapazes de defendê-la. Eu falhei. A culpa, de que não fiz o
suficiente por ela, me condena. É assim que a morte me chama, pelo sangue
que escorre de mim.
— Me perdoa, eu te amo… — Mia sussurra, chorando.
Ouço as risadas de Ayzak, e meus olhos involuntariamente se
fecham antes que pudesse respondê-la.
Metade amor, metade remorso.(...)
Passageiros à prova de balas
No caminho para sexo, drogas, etc
Saia da escuridão e adentre a luz.
Sex, Drugs, Etc., Beach Weather

MIA DEMORY

As lágrimas descem, me queimando como nunca antes. Ayzak ri da


situação mórbida que nos encontramos, enquanto Holly morre aos poucos.
A morte me rodeia. Scarllet está morta e, dessa vez, para sempre.
Serei a próxima.
— O que foi, querida? Perdedores sempre têm o mesmo destino. E
no final, restará apenas a certeza de que não poderia ter feito nada para
impedir esse destino — declara Ayzak. — Eu cuidei de Scarllet para que
no momento certo pudesse agir como eu almejava que fosse feito.
Olho para a arma enquanto ele se aproxima de Holly, ficando de
costas para mim. Fico sem acreditar que ele, não qualquer um, mas o
homem que nos abandonou por todos esses anos, cuidou dela e assim como
Holly estava a usando para seus interesses.
— E você Holly, Deus, como é burra ao pensar que eu voltaria com
você. Sabia que se te contasse sobre minha doença veria uma oportunidade
de voltarmos. Depois de toda crítica negativa que a empresa teve com nossa
separação, era logicamente impossível disso acontecer. E agora, vai morrer.
Assim como todos desse lugar, restando apenas eu, o empresário viúvo, que
ficou com toda a Wine Demory, depois do massacre que teve no galpão
abandonado. — Ele tenta tocar no rosto dela, que desvia, e Ayzak a segura
com força pelo rosto, a forçando focar apenas nele. — Sua obsessão doentia
por Misha quando mais novo, me enojava. Sempre o puniu por ele se
parecer comigo e por eu ter te deixado, mas agora acabou! Adeus, Holly
— murmura, alisando os lábios dela.
Assim que ele se prepara para disparar o tiro final nela, seguro a
arma com as forças que me resta, sabendo que apenas agora poderia escapar
do destino que me restou.
Aponto a arma para ele. Destravo e atiro em sua perna. Ayzak me
olha sem acreditar no que fui capaz de fazer. Cega pelo ódio, apenas aperto
várias e várias vezes o gatilho com os olhos fechados e gritando.
Quando não sai mais nada, além dos “clicks” da arma, olho para ele
que cai ao lado de Holly. Não fui rápida o suficiente. Ele a matou.
Me levanto, deixando Misha onde está e olho ao redor. Os rostos de
vários conhecidos, vazios. Com o peso de tudo que acabou de acontecer, me
sufoca Tiro o celular do bolso de Ayzak.
O sangue dele já tinha manchado o aparelho, mas eu não posso parar
agora. Cada segundo parece uma eternidade enquanto luto para desbloquear
a tela. Minhas mãos estão sujas de sangue e tremem tanto que mal consigo
digitar o número da emergência.
Eu sei que as chances de estar sozinha no mundo eram grandes, e
isso me apavora. Mas, principalmente, por ter notado o quanto fui egoísta
com Misha.
A linha chama.
O som do toque é surreal, como em um pesadelo. A respiração de
Misha está fraca ao meu lado, e cada vez que olho para ele, sinto o peso da
minha culpa aumentar. Eu devia ter sido mais rápida.
Podia ter feito mais, por todos eles.
— Emergência, qual a sua localização?
Finalmente ouço a voz do atendente na outra linha. Ela soa distante,
quase como se fosse de outro mundo, mas é uma âncora à realidade.
— Estão mortos, todos eles… — Minha voz sai rouca, quebrada.
Preciso me concentrar, ser clara, mas a dor e o desespero ameaçam me
dominar. — Precisamos de ajuda, eu não sei explicar — sussurro e é como
se o mundo ao redor começasse a parar.
— Fique calma, estamos te localizando. Uma equipe está a
caminho.
Eu me ajoelho ao lado de Misha e deixo o celular no chão.
Pressiono minhas mãos contra sua ferida na barriga e na do peito, tentando
conter o fluxo de sangue, mas sei que estou perdendo essa luta.
O corpo dele está gelado.
A culpa me sufoca mais a cada segundo, e tudo o que eu posso fazer
é esperar, torcendo para que a ajuda chegue a tempo.
— Por favor, venham rápido… — murmuro, sem forças.
As lágrimas descem de novo, queimando meu rosto e o vazio da
realidade me atinge.

Abro os olhos devagar, sentindo o peso das pálpebras como se fosse


a primeira vez que as movo em dias. Tudo ao meu redor é branco, quase
ofuscante. O cheiro estéril de antisséptico invade minhas narinas, e percebo
que estou em um quarto de hospital. O som baixo e contínuo do monitor
cardíaco é o único ruído, além da leve movimentação ao meu lado.
Quando meu olhar finalmente se ajusta, vejo uma enfermeira
próxima a mim, concentrada em uma prancheta. Ela anota algo de forma
metódica, sem perceber que estou acordada.
O soro pinga lentamente no tubo conectado ao meu braço, e o frio
do líquido que entra na minha veia, contrasta com a sensação de dormência
no resto do corpo.
Minha mente ainda está confusa, tentando se lembrar de tudo o que
aconteceu.
Fragmentos de memória voltam aos poucos: o galpão, Ayzak,
Misha…
A culpa ainda pesa sobre mim como uma sombra. Tento mexer o
braço, mas sinto uma rigidez que me impede de fazer muito além de um
pequeno movimento.
— Por que eu…
— Você não lembra? — ela pergunta, tentando ser cuidadosa.
Olho para ela, confusa e balanço a cabeça, negando. Não sei do que
ela está falando.
— Quando chegamos ao local, você estava desmaiada. Seu corpo
sofreu um choque muito forte com todas as mortes e perdas que você
testemunhou. Isso é compreensível. — Ela faz uma pausa, observando
minha reação antes de continuar. — Mas fizemos alguns exames. Ficamos
preocupados com a saúde de vocês.
O frio que já se instalou no meu corpo parece crescer, como uma
maré gelada subindo lentamente.
— Exames? Do que você está falando? — pergunto, sem entender.
Minha mente corre em várias direções, tentando encontrar sentido.
— Do seu bebê. — As palavras saem de sua boca com cuidado, mas
o impacto delas me atinge como uma avalanche.
O monitor cardíaco ao meu lado começa a apitar de forma irregular,
o som frenético refletindo meu estado interno. Meu coração está disparado,
e pensamentos estão uma confusão de incredulidade e choque.
— Não sabia?
— Não… — murmuro, minha voz tremendo. — Eu… Eu não fazia
ideia.
A enfermeira se aproxima um pouco mais, sua expressão
suavizando com empatia.
— Está com algumas semanas… Cinco, para ser mais exata. — A
forma como diz isso é calma, mas dentro de mim há uma tempestade.
Cinco semanas. Dois meses.
Meu corpo parece congelar à medida que percebo o que isso
significa. Foi há dois meses. A primeira vez com Misha e não usamos
proteção. Meus olhos se arregalam, e meu peito parece apertar com a súbita
revelação.
Um bebê.
Meu bebê.
Nosso bebê.
Mas o pensamento de Misha retorna com força total, e a realidade se
abate sobre mim.
— Misha… Como ele está? Dominic? E Casey? — digo trêmula,
cheia de medo.
A enfermeira hesita, e o silêncio que se segue me diz mais do que
qualquer resposta. Meu coração aperta, e o medo se transforma em algo
mais denso, quase palpável.
— Me conte… — imploro, minha garganta apertada com o medo do
que está por vir.
— Casey e Dominic estão se recuperando — começa com uma
cautela evidente. — Estavam muito fracos e desidratados, mas estão
estáveis. Até agora reagiram bem ao tratamento e devem receber em dois
dias.
Ela faz uma pausa, e posso sentir a sombra da notícia que hesita em
dar. O frio na minha barriga só aumenta. Então, ela respira fundo, com o
rosto grave.
— E… Misha… — Sua voz fica mais baixa, quase como se fosse
difícil para ela continuar. — Ele está em coma induzido. As feridas que
sofreu foram complicadas, e perdeu muito sangue.
O ar ao redor parece pesar de repente, como se o mundo estivesse
prestes a desabar sobre mim. Tento processar a ideia de Misha em coma.
Imóvel, perdido em algum lugar entre a vida e a morte.
— Misha tem sorte que seu coração ainda esteja batendo —
acrescenta, mas suas palavras não trazem conforto, apenas mais ansiedade.
— E… Quando ele pode acordar? — pergunto, com a voz fraca.
Minha boca seca, o frio na barriga só piora. Preciso de uma resposta, de
alguma certeza. Algo que me diga que ele vai ficar bem.
Mas a resposta que recebo não é o que eu esperava.
— Não sabemos. — A enfermeira desvia os olhos, como se fosse
difícil me dizer isso. — Pode ser três semanas… um mês… Ou talvez, um
ano. Não podemos prever. — Ela me observa de perto, antes de acrescentar:
— Devo ser sincera, talvez ele nunca acorde.
As palavras finais caem sobre mim como um peso insuportável.
Cada parte de mim parece congelar, presa na incerteza do futuro.
Meu bebê. Misha.
Tudo se mistura, e sinto o mundo girar ao meu redor. O medo de
perder tudo cresce a cada segundo.
Fecho os olhos por um instante, tentando segurar as lágrimas e o
desespero que ameaça me consumir por completo.
— Sentimos muito pela sua perda. Seus pais, tio e amiga não
resistiram. Tentamos de tudo.
Agradeço e ela sai, me dando tempo para processar tudo.
Me beije intensamente antes de ir
Tristeza de verão
Eu só queria que você soubesse
Que, amor, você é o melhor. (...)
Meu bem, estou em chamas,
sinto isso em toda parte
Nada mais me assusta
Summertime Sadness, Lana Del Rey

MIA DEMORY

3 meses depois…

Aprendi muito depois do acidente, especialmente quando minha


barriga começou a parecer. Saber que uma vida cresce dentro de mim, me
deu motivos para querer continuar e prosseguir.
Dominic e Casey insistiram para que eu ficasse com um dos dois,
mas eu quero apenas ter minha vida. Ser independente.
Sem homens, complicados ou insanos.
A morte de Holly e Ayzak trouxe, para mim, paz. A empresa
prossegue, coloquei pessoas para trabalhar para mim.
Misha… continua em coma.
Sem previsão de quando… Ou se irá acordar.
Todos os dias me arrependo de não ter o aceitado. Fugido com ele
para longe.
Sempre o visito no hospital. E por esse motivo, ainda não fui
embora de Innsbruck, como planejado.
Mikai e seus homens foram mortos e, pelo que parece, alguém
tomará o lugar dele. A seita tomou conta do corpo de Malakai, e viu Casey
como uma vítima de tudo que aconteceu, o permitindo continuar na seita. Já
Dominic, voltou a ser padre.
Eles entenderam minha situação, mesmo com toda forma possessiva
deles.
O que aconteceu naquele dia, mudou todas as nossas vidas. Hoje faz
três meses que Misha não acordou. E que não comemorou seu aniversário,
como deveria.
Após tudo — e me recuperar — fui chamada ao tribunal para depor
sobre tudo que aconteceu. Por sorte, fui dada como inocente já que não
haviam provas que me culpavam ou geram meu envolvimento; além que,
Casey e Dominic foram minhas testemunhas.
Me deixa triste, saber que precisei perdê-lo para compreender o
quanto me amava. E, também, que eu sou incondicionalmente apaixonada
por ele.
De uma forma me queima por dentro, todos os dias a sua ausência.
Todos que morreram em nome do nosso sentimento
incompreensível. E, não aceitável.
Foi pelo nosso vínculo sombrio, que nos unimos. Os traumas que
nos deixaram fodidos da cabeça.
O receio do que as pessoas podiam dizer, e que Holly nos puniria
era um empecilho.
Mas no final, entendi que, se eu tivesse me entregado a ele, Misha
teria queimado tudo por mim. Por nós.
No fim, o que importa é como demonstrará seu amor.
A campainha toca, e vou até a porta. Coloco a mão na maçaneta e
respiro fundo antes de abrir. Assim que o faço, fico completamente sem
reação.
Ali, parado na minha frente, está Misha.
Ele está em pé. Vivo. Olhando para mim com aquele sorriso suave,
que eu pensei que nunca mais veria. O mundo ao redor para. As palavras
ficam presas na minha garganta, e tudo que consigo fazer é encará-lo, sem
acreditar no que vejo. Ele está aqui. Está realmente aqui.
— Olá, Bunny.
Sua voz é suave, mas tem o poder de quebrar o feitiço que me
prende.
— Misha… — sussurro com a voz trêmula, enquanto meu corpo
reage antes da minha mente.
Eu me jogo nos braços dele, sem pensar, e nossos lábios se
encontram em um beijo desesperado. Seus braços me envolvem com força,
como se também estivesse lutando para acreditar que esse momento é real.
O calor do seu corpo contra o meu me traz uma sensação de
segurança que há tanto tempo não sentia. Seus lábios nos meus são suaves,
mas carregam uma intensidade que me faz flutuar.
Quando finalmente nos afastamos, ainda colada a ele, mal consigo
respirar de tanta emoção.
— Vivi para que esse dia acontecesse, Bunny — diz. Seus olhos, tão
cheios de vida, me encaram com ternura. Vejo ali todas as coisas que pensei
ter perdido: amor, esperança, futuro.
— Eu… Deus, Misha… pensei que nunca mais te veria… — Minha
voz se quebra, o alívio e a felicidade se misturando em cada palavra.
As lágrimas que segurei por tanto tempo finalmente caem,
escorrendo pelo meu rosto. Ele sorri, aquele sorriso, que sempre me chama
atenção, e leva uma mão ao meu rosto, limpando as lágrimas com o polegar.
— Eu te amo — sussurro, sem conseguir segurar mais.
É uma confissão crua, vinda do fundo do meu ser. Tudo o que senti
por ele durante esse tempo, o medo de perdê-lo, a dor, a saudade se
transformam em uma única verdade que sempre esteve comigo: eu o amo,
mais do que jamais amei alguém.
Misha sorri mais uma vez, enquanto seus olhos brilham com a
mesma intensidade.
— Eu te amo, Bunny — responde ele, com a mesma profundidade.
As palavras simples, mas com um intenso significado, me atingem
com uma força devastadora, preenchendo o vazio que cresceu em mim,
desde que ele se foi.
Seus olhos descem, e vê a curva evidente da minha barriga. O
choque em seu rosto é inegável. Ele se afasta um pouco, ainda com as mãos
sobre meus braços, mas agora seus olhos estão fixos na minha barriga. O ar
ao nosso redor parece quase congelar com a revelação que paira entre nós.
— Você está… — Sua voz sai quase como um sussurro, cheio de
incredulidade.
Os olhos voltando para os meus, agora cheios de perguntas e
emoções conflitantes. Ele parece estar tentando processar o que está vendo,
como se estivesse tentando se convencer de que aquilo não é real.
Dou um pequeno sorriso, sentindo meu coração disparar de
nervosismo, mas também de amor. Aquele momento, por mais assustador
que fosse, era inevitável. Ele precisa saber. Finalmente, dou um passo em
sua direção, pegando suas mãos e colocando-as, suavemente, sobre a minha
barriga.
— Sim — digo com a voz baixa, tentando conter a emoção que
transborda. — E você é o pai dele.
Suas mãos permanecem ali, sobre a minha pele, sentindo a leveza do
nosso bebê, do filho que ele ainda não sabia que tínhamos. Suas mãos estão
firmes sobre minha barriga, como se estivesse segurando o futuro em suas
palmas.
— Eu já amo esse bebê mais do que qualquer coisa no mundo.
Assim como você, Bunny. Iremos recomeçar e viveremos os melhores dias
de nossas vidas.
Concordo com a cabeça e nos beijamos.
O universo deve ter nos abençoado
O que eu vou fazer?
Não te puxar pela mão? (...)
Primeiro as damas, amor, eu insisto. (...)
Nunca teria te deixado sozinha
Para outra pessoa te levar para casa
Boyfriend, Dove Cameron

MISHA CROWN

5 Anos depois…

Olho pela fresta do quarto e vejo Bunny sentada ao lado da cama de


Brian, nosso filho. Ela está contando uma história, sua voz suave e
reconfortante, e ele, agora com cinco anos, luta para manter os olhos
abertos.
Sorrio ao observar os dois, sabendo que, apesar de tudo que
enfrentamos, ainda temos esse laço inquebrável. Parece que foi ontem que
quase perdi tudo. E agora estamos aqui, em Londres, vivendo uma nova
fase da nossa vida, um conto de fadas distorcido, mas nosso.
Quando Brian finalmente adormece, Bunny sai do quarto e fecha a
porta com cuidado. Aproveito o momento e a puxo suavemente pelo braço,
encostando-a contra a parede, apenas para senti-la perto de mim. O vestido
preto que ela usa desliza levemente enquanto minha mão a segura, e vejo o
sorriso em seu rosto.
— Misha… — ela murmura, um misto de surpresa e carinho em sua
voz. — Você me assustou, não faça mais isso. — Ela ri levemente. — O
que foi?
— Nada — digo, enquanto minha mão acaricia seu rosto. — Apenas
estou feliz.. Você e eu fizemos terapia para melhorar nossas sedes de sangue
por nosso filho, e cada dia mais, as coisas melhoram. Parece a porra de um
conto de fadas que teve um final trágico, sim, para alguns. Mas para mim é
perfeito.
— Sim — responde ela alisando meu rosto. Seguro em sua perna
direita e a coloco ao lado da minha cintura. — Um conto onde os vilões
sobrevivem e encontram uma espécie de final feliz.
Seus olhos encontram os meus, e há um entendimento silencioso
entre nós. Fizemos terapia, trabalhamos para controlar nossos impulsos e
focamos em Brian, nossa esperança. Nosso elo mais forte.
Meu pau começa a ficar duro.
— Você me excita demais, minha coisinha cruel. — Ela beija meu
pescoço, e morde minha boca.
— Um novo apelido?
— Prefere o antigo? Bunny? — pergunto, e coloco a mão entre nós,
tocando em sua boceta encharcada. Ela geme.
— Qualquer um. Desde que seja você falando, é como um êxtase
para mim.
— Misha… — geme assim que faço movimentos circulares em seu
clitóris e beijo seus lábios vermelhos com calma, degustando do sabor que
só ela tem.
— Diga o que precisa de mim, Bunny — sussurro em seu ouvido.
— De você, dentro de mim. — Sua voz sai manhosa. — Brian. —
Ela alerta.
— Brian não acordará tão cedo, Bunny. Você confia em mim? —
Fecho o quarto dele com a chave que está fora, apenas por garantia.
— Com toda minha vida — responde. Abaixo minha calça e ela
abre minha camiseta social branca, alisando meu peitoral. Mia olha para
meu pau que já está ereto, com pré-gozo sobre ele, e morde o lábio inferior.
Afasto para o lado sua calcinha, e meto dentro dela.
— Ah, Misha…
— Shh — alerto, cobrindo a sua boca. Entro com toda minha
extensão dentro dela, que ofega e geme baixinho contra a minha mão. —
Vou te foder, como mais gosta. — Aprofundo cada segundo mais, sentindo
sua boceta faminta me receber, completamente molhada e implorando por
mais. Seus movimentos vindo a meu encontro, ela segura com força em
meu cabelo me puxando para si.
— Caralho, como eu te amo — sussurra. Sinto seu corpo tremer, e
seguro em sua cintura aumentando o ritmo das penetradas incessantes.
Sinto um líquido escorrer em volta do meu pau, e Mia geme
novamente. Estamos ofegantes, suados e cheios de excitação. Ela está
gozando.
Depois de mais duas penetradas, liberto minha porra dentro dela,
que sorri.
— Eu te amo, Bunny — respondo de volta.

FIM.

Dominic Axel

Ela era o motivo da minha esperança.


Mia Demory, me fez querer ser alguém melhor, mesmo com a
escuridão me cercando.
Quando decidiu ficar sozinha, se dedicando completamente a Misha,
que ainda estava em coma e seu bebê, eu sabia que não havia mais lugar
para mim ao seu lado.
Aceitei isso, embora a dor fosse esmagadora. Depois de ter quase
morrido pela obsessão que sentia por ela, e o desejo de tê-la, o que acabou
quase em minha ruína, decidi deixá-lá.
Restando apenas uma caixa e dentro dela, informações cruciais
sobre os meus inimigos. Aqueles que me traíram, matando Alice e minha
mãe, Elise. Os que me derrubaram quando eu estava mais vulnerável.
Eu me vingarei de cada um deles, saboreando cada golpe. Um por
um.
Começando por me aproximar de uma jovem loira, atraente e
inocente. Ou não tão inocente? Já que seu pai é agora o líder da seita, “O
Vazio” e seu namorado, o braço direito dele.
Aproximo-me da janela e observo a cidade lá fora, as luzes
brilhando na noite.
Uma nova fase está começando. E o primeiro passo será dado em
breve.

CONTINUA...

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