Dialnet ARazaoImpuraEOsEnunciadosTautologicos 8723580

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 14

WILKENING, E.A.

; JOÃO BOSCO PINTO e JOSÉ PASTORE


1968 "Role of the Extended Family in Migration and Adaptation in Brazil".
Journal of Marriage and the Family 30 (November): 689-695.
WILLEMS, EMILIO
1953 "The Structure of the Brazilian Family". Social Forces 31 (May):
339-345.
WINCH, ROBERT F.
1968 Some Observations on Extended Familism in the United States. Pp.
127-138 em Robert F. Winch e Louis W. Goodman (eds.) Selected
Studies in Marriage and the Family, 3rd ed. New York: Holt, Rinehart
and Winston. A RAZÃO IMPURA E OS ENUNCIADOS
WINCH, ROBERT F. e SCOTT A. GREER TAUTOLóGICOS(*)
1968 "Urbanism, Ethnicity, and Extended Familism". Journal Marriage
and the Family 30 (February): 40-45.
WINCH, ROBERT F.; SCOTT GREER e RAE LESSER BLUMBERG
1967 "Ethnicity and Extended Familism in an Upper-Middle-Class Suburb". DJACIR MENEZES
American Sociological Review 32 (April) : 265-272. Prof. Emérito e ex-Reitor da U.F.R.J.

A NEGATIVIDADE DAS "DETERMINAÇÕES"

O aparecer (Schein) da essência é a "reflexão", que se traduziu nas


clássicas leis fundamentais do pensamento (princípio de identidade, princípio
da contradição, princípio da exclusão do meio) as quais, no final de contas,
são apenas uma só: A = A. Ou, na formulação negativa: A não pode ser
ao mesmo tempo A e não-A.
"A essência aparece em si mesma" (1) e assim se determina; as determi-
nações são unidade com ela - determinações da reflexão. Ora, a primeira
determinação é a unidade essencial consigo mesma, isto é, a identidade, que
se exprime na proposição A =A, a saber, cada coisa é idêntiZa a si mesma
(ou, na forma negativa, conforme se enunciou acima). Pergunta Hegel: por
que só formulamos as determinações primárias da reflexão? Se enunciarmos
as demais categorias que expressam determinações na esfera do Ser, teremos

(*) O artigo que acima publicamos é um capítulo de trabalho mais extenso,


intitulado Teoria da Causalidade ou Crítica da Razão Impura, que resulta de
longos anos de estudo da filosofia hegeliana a que sempre se dedicou, nos
intervalos de outras preocupações, o professor Djacir Menezes. Disse-nos ele
que, na verdade, é o livro que mais o absorveu e que não teve pressa em
editá-lo. Principalmente porque considera Hegel um filósofo interminável:
relê-lo é sempre lê-lo pela primeira vez. Enfim, uma mania como várias
outras; rematou: "todo mundo tem seus cacoetes".
( 1 ) HEGEL, Philosophische Propaedeutik, Zweite Avteilung: "Das Wesen
scheint in-sich-selbst und bestimmt sich".

50 REv. C. SociAis, VoL. VI N°s 1 E 2 (1975) REv. C. SOCIAIS, VoL. VI Nos 1 E 2 <1975) 51
outras tantas proposições do mesmo tipo: tudo tem existência; tudo tem uma
l expressa apenas uma verdade formal, isto é, uma determinação universal,
qualidade, uma quantidade etc. Por que? porque o "Ser determinado" possui mutilada: porque há, pela reflexão, a determinação negadora, inabluível no
as determinações lógicas que o predicam como tal. Não significa o kathegorein íogo das determinações na esfera do ~br - a diferença, que, com ela, é a
aristotélico o que se afirma do existente? afirma-se algo de algo. unidade; então se atinge a consciência do movimento íntimo, a negatividade
"Todavia - adverte Hegel - qualquer determinação do Ser implica o interna, que nos dá a identidade da identidade e da diferença. O apreender
transitar para seu oposto; a negativa de toda determinação é tão necessária da identidade não se faria sem a diferença, mesmo não formulada pelo pen-
c.:>mo a própria determinação". Dada uma determinação, emerge simultânea samento, pois este cresce no mundo da praxis, onde a vitalidade dos contrários
e imediatamente a outra como negativa. Assim, formuladas em proposição, insinua profundamente suas raízes no paleopsiquismo.
ocorrerá o mesmo a qualquer delas, o que não ocorre com as determinações Se se traduz o A = A numa frase corrente, surpreende-se a trivialidade
reflexivas. Por que? porque estas não são qualitativas: são "relações". Es- da lei fundamental apresentada na lógica tradicional: um livro é um livro.
clarece-nos Hegel: têm já a forma de proposições. E explica: "a proposição Ao enunciar o sujeito, a mente espera que surja, como predicado, algo que
se distingue do juízo principalmente pelo fato de que nela o conteúdo cons· não seja idêntico, mas diferente. Q!Je seja movimento da negatividade inerente
titui por si mesmo a relação, vale dizer, é uma relação determinada. Ao con- ao processo de pensar. A determinação a ser enunciada deve, portanto, co-
trário, o juízo transfere o conteúdo ao predicado, como determinação universal, municar uma diferença: e o dizer a mesma coisa significa não dizer nada.
que existe por si, e é diferente de sua relação, isto é, da simples cópula." Logo, o enunciado nada enunciou; carente da contradição interna, aboliu-se
Essa sutil distinção, que escapou aos aristotélicos e tomistas, de modo por uma negação externa. "A identidade, em vez de ser em si mesma a ver-
geral, comporta graves conseqüências lógicas. Para que se transmude em dade, e a verdade absoluta, é, por conseqüência, o contrário dela; em vez de
juízo, a proposição deve discriminar a determinação e sua relação com um ser a simplicidade imóvel, é o sobrepassar-se para fora de si mesma, na sua
sujeito. Hic Rhodus, hic salta! Se se exprime por um verbo, há que se re- própria dissolução."(2)
correr a um particípio - observa Hegel. Mas na proposição já se definem Sob forma negativa do princípio da contradição - A não pode ser ao
as determinações reflexivas, com um sujeito, que é o Ser ou Algo, expresso mesmo tempo A e não-A - está a mesma tautologia da identidade abstrata,
no "todo": e o que dele se afirma como existente, como qualidade, se clau- porque o não-A já é, inicialmente, o outro de A, cuja diferença se afirma
sura na identidade - e não a ultrapassa ou transpõe dialeticamente. Parece como relação. Para Hegel, desapareceu não só a natureza analítica do prin-
que se cortou e pro~ a mobilidade que flui das vinculações negativas cípio, como também o princípio como lei do pensamento: há apenas o puro
das determinações entre si, que evidenciam a identidade, a diferença, a antí· movimento da reflexão, no pousar a diferença da essência. Porque não se
tese, porque se "determinam umas às outras", no processo do traspassar-se trata de diferença entre este Ser determinado e aquele Ser determinado, sepa-
e do contrariar-se intrínseco. "Se tudo é idêntico consigo mesmo - anota rados, cujas conotações os diferençam, cada qual ser-por-si, mas o "outro da
Hegel - então não é diferente, não está em oposição, não tem fundamento essência", o outro-em-si e por-si, a simples determinação em-si - a reflexão
- Grund. Ou bem se se admite que não há duas coisas iguais, a saber, todas simples. Todavia, a diferença considerada como simples é a identidade, mo-
são diferentes umas das outras, então A não é igual a A, e, por fim, A não mento da diferença, que a envolve e supera, mas da qual também pode ser
está tampouco em oposição etc.". Tudo ficará na mais e~téril imobilidade momento, na unidade dos contrários.
formal. Será a "razão", por conseguinte, o deus ex machina que tecerá o Do conceito de identidade, pois, Hegel alcança dialeticamente o conceito
conhecimento, a interpretação do mundo, compondo o quadro maravilhoso de diferença ( Unterschied). Mas se atente que ao referir-se ao "outro da
dus determinações. Tal dualismo foi atacado por Hegel na fonte Jlli.mipara essência", nesse movimento puro da reflexão, Hegel insiste na sua simpli-
da gp.osiologia, como estamos tentando explicar neste ensaio. cidade, como diferença essencial, o que não leva à conceituação de relação
explicitada. Assim, um todo ofereceu momentos próprios, que são distintos
na mesma identidade. A diferença seria o primeiro passo para positar a
A V ~CUIDADE DO PRINCíPIO DA IDENTIDADE diversidade: nesta, já a reflexão será movimento externo: as coisas diversas
têm propriedades (determinações) que são indiferentes entre si. Da mera
Por essa via hegeliana, evidencia-se o enunciado tautológico A = A, que "diversidade" ( Verschiedenheit) é que se transita para a oposição polar, que
se considerou longamente a lei fundamental do pensamento. Não sendo um define a contradição.
juízo, reduz-se a uma proposição sem conteúdo, identidade abstratu, que não A correlatividade dos conceitos - diferença e identidade - mostra que,
gera qualquer conseqüência. Mas desde que não permaneçamos nessa iden-
tidade abstrata, imovelmente castrada na sua pureza, percebemos que ela ( 2) HEGEL, Wissenschaft der Logik, li, "Die Identitaet".

52 REv. c. SociAis, VoL. VI N°s 1 E 2 (1975) REV. C. SOCIAIS, VOL. VI NOs 1 E 2 (1975) 53
outras tantas proposições do mesmo tipo: tudo tem existência; tudo tem uma
l expressa apenas uma verdade formal, isto é, uma determinação universal,
qualidade, uma quantidade etc. Por que? porque o "Ser determinado" possui mutilada: porque há, pela reflexão, a determinação negadora, inabluível no
as determinações lógicas que o predicam como tal. Não significa o kathegorein fogo das determinações na esfera do ~br - a diferença, que, com ela, é a
aristotélico o que se afirma do existente? afirma-se algo de algo. unidade; então se atinge a consciência do movimento íntimo, a negatividade
"Todavia - adverte Hegel - qualquer determinação do Ser implica o interna, que nos dá a identidade da identidade e da diferença. O apreender
transitar para seu oposto; a negativa de toda determinação é tão necessária da identidade não se faria sem a diferença, mesmo não formulada pelo pen-
cvmo a própria determinação". Dada uma determinação, emerge simultânea samento, pois este cresce no mundo da praxis, onde a vitalidade dos contrários
e imediatamente a outra como negativa. Assim, formuladas em proposição, insinua profundamente suas raízes no paleopsiquismo.
ocorrerá o mesmo a qualquer delas, o que não ocorre com as determinações Se se traduz o A = A numa frase corrente, surpreende-se a trivialidade
reflexivas. Por que? porque estas não são qualitativas: são "relações". Es- da lei fundamental apresentada na lógica tradicional: um livro é um livro.
clarece-nos Hegel: têm já a forma de proposições. E explica: "a proposição Ao enunciar o sujeito, a mente espera que surja, como predicado, algo que
se distingue do juízo principalmente pelo fato de que nela o conteúdo cons- não seja idêntico, mas diferente. Q!Je seja movimento da negatividade inerente
titui por si mesmo a relação, vale dizer, é uma relação determinada. Ao con- ao processo de pensar. A determinação a ser enunciada deve, portanto, co-
trário, o juízo transfere o conteúdo ao predicado, como determinação universal, municar uma diferença: e o dizer a mesma coisa significa não dizer nada.
que existe por si, e é diferente de sua relação, isto é, da simples cópula." Logo, o enunciado nada enunciou; carente da contradição interna, aboliu-se
Essa sutil distinção, que escapou aos aristotélicos e tomistas, de modo por uma negação externa. "A identidade, em vez de ser em si mesma a ver-
geral, comporta graves conseqüências lógicas. Para que se transmude em dade, e a verdade absoluta, é, por conseqüência, o contrário dela; em vez de
juízo, a proposição deve discriminar a determinação e sua relação com um ser a simplicidade imóvel, é o sobrepassar-se para fora de si mesma, na sua
sujeito. Hic Rhodus, hic salta! Se se exprime por um verbo, há que se re- própria dissolução."(2)
correr a um particípio - observa Hegel. Mas na proposição já se definem Sob forma negativa do princípio da contradição - A não pode ser ao
as determinações reflexivas, com um sujeito, que é o Ser ou Algo, expresso mesmo tempo A e não-A - está a mesma tautologia da identidade abstrata,
no "todo": e o que dele se afirma como existente, como qualidade, se clau- porque o não-A já é, inicialmente, o outro de A, cuja diferença se afirma
sura na identidade - e não a ultrapassa ou transpõe dialeticamente. Parece como relação. Para Hegel, desapareceu não só a natureza analítica do prin-
que se cortou e pro~ a mobilidade que flui das vinculações negativas cípio, como também o princípio como lei do pensamento: há apenas o puro
das determinações entre si, que evidenciam a identidade, a diferença, a antí- movimento da reflexão, no pousar a diferença da essência. Porque não se
tese, porque se "determinam umas às outras", no processo do traspassar-se trata de diferença entre este Ser determinado e aquele Ser determinado, sepa-
e do contrariar-se intrínseco. "Se tudo é idêntico consigo mesmo - anota rados, cujas conotações os diferençam, cada qual ser-por-si, mas o "outro da
Hegel - então não é diferente, não está em oposição, não tem fundamento essência", o outro-em-si e por-si, a simples determinação em-si - a reflexão
- Grund. Ou bem se se admite que não há duas coisas iguais, a saber, todas simples. Todavia, a diferença considerada como simples é a identidade, mo-
são diferentes umas das outras, então A não é igual a A, e, por fim, A não mento da diferença, que a envolve e supera, mas da qual também pode ser
está tampouco em oposição etc.". Tudo ficará na mais e~téril imobilidade momento, na unidade dos contrários.
formal. Será a "razão", por conseguinte, o deus ex machina que tecerá o Do conceito de identidade, pois, Hegel alcança dialeticamente o conceito
conhecimento, a interpretação do mundo, compondo o quadro maravilhoso de diferença ( U nterschied). Mas se atente que ao referir-se ao "outro da
dus determinações. Tal dualismo foi atacado por Hegel na fonte ru:imípara essência", nesse movimento puro da reflexão, Hegel insiste na sua simpli-
da ggosiologia, como estamos tentando explicar neste ensaio. cidade, como diferença essencial, o que não leva à conceituação de relação
explicitada. Assim, um todo ofereceu momentos próprios, que são distintos
na mesma identidade. A diferença seria o primeiro passo para positar a
A V ~CUIDADE DO PRINCíPIO DA IDENTIDADE diversidade: nesta, já a reflexão será movimento externo: as coisas diversas
têm propriedades (determinações) que são indiferentes entre si. Da mera
Por essa via hegeliana, evidencia-se o enunciado tautológico A = A, que "diversidade" (Verschiedenheit) é que se transita para a oposição polar, que
se considerou longamente a lei fundamental do pensamento. Não sendo um define a contradição.
juízo, reduz-se a uma proposição sem conteúdo, identidade abstratu, que não A correlatividade dos conceitos - diferença e identidade - mostra que,
gera qualquer conseqüência. Mas desde que não permaneçamos nessa iden-
tidade abstrata, imovelmente castrada na sua pureza, percebemos que ela (2) HEGEL, Wissenschaft der Logik, li, "Die Identitaet".

52 REv. c. SociAis, VoL. VI N°s 1 E 2 (1975) REv. C. SociAIS, VoL. VI N°s 1 E 2 (1975) 53
posto um deles, sua .Q_ositação (Setzung) (3) exige o outro para aclaração A SUBVERSÃO DO PENSAR DIALÉTICO
recíproca. Na jgualdade- temo~ a identidade extrínseca, na desigualdade, a
diferença extrínseca. Estamos no plano da diversidade. Por que se diz externa
a reflexão? Porque, sendo coisas diversas, as propriedades do Ser de cada A determinação, que faz do negativo, negativo e do positivo, positivo,
qual, como tais, são indiferentes entre si. Nessa esfera é que se definem a reside em cada um deles - e não emana, como ensina a lógica formal aris-
igualdade e a desigualdade. Mais sutil é, pois, o que tentamos interpretar totélica e tomista, da relação mesma, que lhes conferiria a positividade ou
como reflexão da essência. A determinação ou conotação da "diversidade" negatividade, como determinação exterior. Assim, na análise hegeliana, a
não está apenas na abstrata pluralidade numérica, onde a alteridade não se il!1erpenetração dos contrários se aprofunda, mediante a "reflexão", que não
distingue por determinação qualitativa. "Não há duas coisas iguais entre si": é laço p9sitado entre eles, compondo a unidade mecânica de opostos. A difi-
esta proposição se opõe à de identidade. "A é diferente: quer dizer, A é culdade de explicar a natureza íntima da oposição no seio da identidade seria
diferente de um outro; não é A em geral, mas um A determinado. Em vez intransponível sem a interpretação do que Hegel denominou reflexão, onde
de A, no princípio da identidade, pode positar-se qualquer outro substrato; reside o próprio núcleo do pensar dialético, capaz de absorver os processos
todavia, A, como diferente, não pode ser trocado por qualquer outro. Na reais na sua íntima natureza e exprimir a interação psicogenética entre mente
realidade, tem que ser algo diverso, não de si, mas somente de outro; porém e mundo. Não procederia daí a riqueza dialética que se oculta na linguagem
esta diversidade é sua própria determinação". Ora, a determinação de A ser A, e nos processos idiomáticos?
de A ser idêntico a si mesmo, é uma indeterminação, pois só na diversidade "O positivo tem em si mesmo a relação com o outro, no que consiste
se verificaria a proposição, com a negatividade de A ser A. a determinação do positivo; da mesma maneira o negativo não é negativo
Objeta-se: A é A, A tem o predicado A, o sujeito é predicado. Tal é o só pelo confronto a um outro, sim que possui em si mesmo a determinação,
sentido da proposição que enuncia o princípio da identidade. "Sujeito" e mercê da qual se converte em negativo." É exatamente por isso que cada
"predicado" são, por sua vez, determinações do juízo e só mediante o juízo qual é positivo ou negativo por si mesmo: referindo-se cada qual a seu con-
são determinações: não se poderá considerá-los insuladamente. Di-lo genial- trário, refere-se cada qual a si próprio. Daí a duplicidade: relação com seu
mente Hegel: "O sujeito sem predicado é o que, no fenômeno, é a coisa sem não-ser como momento de si mesmo; o "outro", que cada um implica na sua
propriedades, a coisa-em-si, isto é, um fundamento vazio e indeterminado; identidade, existe como seu oposto. Hegel exemplifica a oposição, com a
assim, se representa o conceito em si mesmo, que só no predicado alcança tomado positivamente (+a) e negativamente (-a), sendo o oposto tanto
uma determinação diferente e uma indeterminação."( 4) um como outro; é indiferente qual se designaria como negativo. Prossegue:
Na oposição, os contrários polarizam-se como extremo das diferenças na r a hora de itinerário para leste não é caminho positivo em-si, nem a hora
tdentidade: é o positivo e o negativo, que se positam independentes. Cuidado, para oeste o negativo em-si. "As duas direções são indiferentes quanto à
porém, no exame dessa "independência": é precisamente o ponto em que a determinação da oposição. Só uma terceira referência, que reside fora delas,
consciência vulgar mergulha em equívocos. A determinação do negativo como faz com que uma seja positiva e outra negativa."(6)
tal só pode ser conferida pelo positivo e vice-versa. Mas o negativo não deixa Era já o que dizia, espantosamente, o pensador que, dois milênios atrás,
de ter sua determinação positiva para que seja negativo e o positivo sua desvendara a unidade dos contrários. Heráclito ensinara que o caminho que
determinação negativa para ser positivo. "Cada qual é "si-mesmo" e seu outro; sobe e o que desce é o mesmo caminho.(7) Noutros termos, o positivo e o
portanto, cada qual tem sua determinação, não em um outro, mas em si negativo são (é) a mesma coisa (das Positive und Negative ist dasselbe), pro-
mesmo".(5) Cada um é o oposto do outro, ambos são, reciprocamente, ne- posição em que se comparam extrinsecamente as duas determinações (aussem
!!ativos - como argüi Hegel - "cada qual existe assim em geral, em pri- Reflexion). Hegel, porém, ~rquire-as em-si-mesmas, intrinsecamente (ih re
meiro lugar, na medida em que o outro existe; é o que é, por meio do outro; âgene Reflexion) e nesta, cada qual delas revela o "aparecer de si mesma
Vllle dizer, por meio de seu próprio não-ser; é só um ser-posto (positado); na outra e o positar-se a si como outro" (das Scheinen seiner im Andem und
em segundo lugar, existe na medida em que o outro não existe; vale dizer, é a st!lbst das Setzen seiner als desAndem ist). (8) Só a apreensão de algo como
reflexão em si." positivo converte-o em negativo, pois é nessa condição que é positivo e vice-
\lersa: e a argúcia do positar-se como positivo (ou como negativo), escapando
(3) Temos de recorrer ao neologismo para fixar-lhe o matiz semântico,
que escaparia se escrevêssemos meramente "posição", "postulação" ou
"postação". ( 6) Idem, ibidem, Anmerkung 1.
( 4) HEGEL, Wiss. d. Log., ibidem, "Der Urteil". ( 7) HERÁCLITO, hodàs áno kató mia kai hóté.
( 5) Ibidem, ibidem, "der Gegensaetz". ( 8) HEGEL, Anmerkung 1.

54 REv. C. SociAIS, VoL. VI N°s 1 E2 (1975) REV. C. SociAIS, VoL. VI NOs 1 E 2 (1975) 55
posto um deles, sua :QOsitação (Setzung)(3) exige o outro para aclaração A SUBVERSÃO DO PENSAR DIALÉTICO
recíproca. Na jgualdade- temo~ a identidade extrínseca,. na desigualdade, a
diferença extrínseca. Estamos no plano da diversidade. Por que se diz externa
a reflexão? Porque, sendo coisas diversas, as propriedades do Ser de cada A determinação, que faz do negativo, negativo e do positivo, positivo,
qual, como tais, são indiferentes entre si. Nessa esfera é que se definem a reside em cada um deles - e não emana, como ensina a lógica formal aris-
igualdade e a desigualdade. Mais sutil é, pois, o que tentamos interpretar totélica e tomista, da relação mesma, que lhes conferiria a positividade ou
como reflexão da essência. A determinação ou conotação da "diversidade" negatividade, como determinação exterior. Assim, na análise hegeliana, a
não está apenas na abstrata pluralidade numérica, onde a alteridade não se il2lerpepetração dos contrários se aprofunda, mediante a "reflexão", que não
distingue por determinação qualitativa. "Não há duas coisas iguais entre si": é laço p9sitado entre eles, compondo a unidade mecânica de opostos. A difi-
esta proposição se opõe à de identidade. "A é diferente: quer dizer, A é culdade de explicar a natureza íntima da oposição no seio da identidade seria
diferente de um outro; não é A em geral, mas um A determinado. Em vez intransponível sem a interpretação do que Hegel denominou reflexão, onde
de A, no princípio da identidade, pode positar-se qualquer outro substrato; reside o próprio núcleo do pensar dialético, capaz de absorver os processos
todavia, A, como diferente, não pode ser trocado por qualquer outro. Na reais na sua íntima natureza e exprimir a interação psicogenética entre mente
realidade, tem que ser algo diverso, não de si, mas somente de outro; porém e mundo. Não procederia daí a riqueza dialética que se oculta na linguagem
esta diversidade é sua própria determinação". Ora, a determinação de A ser A, e nos processos idiomáticos?
de A ser idêntico a si mesmo, é uma indeterminação, pois só na diversidade "O positivo tem em si mesmo a relação com o outro, no que consiste
se verificaria a proposição, com a negatividade de A ser A. a determinação do positivo; da mesma maneira o negativo não é negativo
Objeta-se: A é A, A tem o predicado A, o sujeito é predicado. Tal é o só pelo confronto a um outro, sim que possui em si mesmo a determinação,
sentido da proposição que enuncia o princípio da identidade. "Sujeito" e mercê da qual se converte em negativo." É exatamente por isso que cada
"predicado" são, por sua vez, determinações do juízo e só mediante o juízo qual é positivo ou negativo por si mesmo: referindo-se cada qual a seu con-
são determinações: não se poderá considerá-los insuladamente. Di-lo genial- trário, refere-se cada qual a si próprio. Daí a duplicidade: relação com seu
mente Hegel: "O sujeito sem predicado é o que, no fenômeno, é a coisa sem 11ão-ser como momento de si mesmo; o "outro", que cada um implica na sua
propriedades, a coisa-em-si, isto é, um fundamento vazio e indeterminado; identidade, existe como seu oposto. Hegel exemplifica a oposição, com a
assim, se representa o conceito em si mesmo, que só no predicado alcança tomado positivamente (+a) e negativamente (-a), sendo o oposto tanto
uma determinação diferente e uma indeterminação."( 4) 11m como outro; é indiferente qual se designaria como negativo. Prossegue:
Na oposição, os contrários polarizam-se como extremo das diferenças na a hora de itinerário para leste não é caminho positivo em-si, nem a hora
1dentidade: é o positivo e o negativo, que se positam independentes. Cuidado, para oeste o negativo em-si. "As duas direções são indiferentes quanto à
porém, no exame dessa "independência": é precisamente o ponto em que a determinação da oposição. Só uma terceira referência, que reside fora delas,
consciência vulgar mergulha em equívocos. A determinação do negativo como faz com que uma seja positiva e outra negativa."(6)
tal só pode ser conferida pelo positivo e vice-versa. Mas o negativo não deixa Era já o que dizia, espantosamente, o pensador que, dois milênios atrás,
de ter sua determinação positiva para que seja negativo e o positivo sua desvendara a unidade dos contrários. Heráclito ensinara que o caminho que
determinação negativa para ser positivo. "Cada qual é "si-mesmo" e seu outro; sobe e o que desce é o mesmo caminho.(?) Noutros termos, o positivo e o
portanto, cada qual tem sua determinação, não em um outro, mas em si negativo são (é) a mesma coisa (das Positive und Negative ist dasselbe), pro-
mesmo".(5) Cada um é o oposto do outro, ambos são, reciprocamente, ne- posição em que se comparam extrinsecamente as duas determinações (aussern
gativos - como argüi Hegel - "cada qual existe assim em geral, em pri- Reflexion). Hegel, porém, ~rquire-as em-si-mesmas, intrinsecamente (ih re
meiro lugar, na medida em que o outro existe; é o que é, por meio do outro; âgene Re/lexion) e nesta, cada qual delas revela o "aparecer de si mesma
Vllle dizer, por meio de seu próprio não-ser; é só um ser-posto (positado); na outra e o positar-se a si como outro" (das Scheinen seiner im Andem und
em segundo lugar, existe na medida em que o outro não existe; vale dizer, é a se/bst das Setzen seiner als desAndem ist). (8) Só a apreensão de algo como
reflexão em si." positivo converte-o em negativo, pois é nessa condição que é positivo e vice-
versa: e a argúcia do positar-se como positivo (ou como negativo), escapando
(3) Temos de recorrer ao neologismo para fixar-lhe o matiz semântico,
que escaparia se escrevêssemos meramente "posição", "postulação" ou
"postação". ( 6) Idem, ibidem, Anmerkung 1.
( 4) HEGEL, Wiss. d. Log., ibidem, "Der Urteil". ( 7) HERÁCLITO, hodàs áno kató mia kai hóté.
( 5) Ibidem, ibidem, "der Gegensaetz". ( 8) HEGEL, Anmerkung 1.

54 REv. C. SociAIS, VoL. VI N°s 1 E 2 (1975l REV. C. SociAIS, VoL. VI NOs 1 E 2 (1975) 55
a grande parte dos estudiosos, indu-los a considerar "erro subjetivo" (subjek- doxos que irrompem por toda parte. Zenon é o contrabandista armando as
riven Fehler) essa íntima natureza dialética da oposição. ~uas aporias. A flecha de Aquiles fica imóvel na cabeça teórica do filósofo.
Observe-se que a prefixação do ob-positio trai a cisão espacializante, a O maior corredor da Grécia, o homem de pés alígeros e alados de Homero,
separação insulante em que esbarram os dualismos, vícios perpetuados no 11ão alcançará a tartaruga - porque não se ouve a voz do efésio, herética
pensamento e na linguagem como irredutíveis resíduos da ontologia aristo- e solitária. Esse pensamento vegetaria à margem, abrindo-se em pequenas
télica consagradas na herança do Ocidente. Herança bem simpática à tra- veredas suspeitas, onde passam sombras (Beócio, Scoto, Guilherme de
dição religiosa que estabeleceu a hegemonia do Aquinatense. A operação Ockam ... ) ao lado das estradas reais do augustinianismo, do tomismo, do
consiste no seguinte: apreende-se o positivo como um idêntico a si mesmo, ~uarezismo. Há, entretanto, uma revivescência periódica, marginal, nos surtos
momento que se desvincula da unidade dos opostos; faz-se a mesma operação o:ndêmicos da especulação herética, bloqueados pelos cordões sanitários dos
ao negativo; depois, colocam-se em presença exterior, na relação bipolar, ortodoxos do aristotelismo vigilante e docente. Hegel é a grande erupção:
compondo-se a fictícia unidade de opostos: e todo o sentido passa a concen- rebenta implacavelmente.
trar-se inevitavelmente na relação. Tal a interpretação mecanicista da dialé-
tica, que muitos marxistas oferecem pensando ingenuamente captarem a essên-
cia materialista da relação. Abusam mesmo da exemplificação com apelo à QUANDO SE ESVAI A "REFLEXÃO"
"reflexão extrinseca" onde as determinações se confrontam na unidade morta.
Então, por resvaladia conseqüência, o negativo se torna exterior e subjetivo. E instala a vitalidade da contradição no centro do pensamento filosófico:
Baseado nesta frivolidade, Engels ofereceu exemplos do processo dialético "algo é vivo somente quando contém em si a contradição e é precisamente
no mundo natural, no Anti-Düring (obra revista por Marx, que lhe escreveu a força de conter em si a contradição (und zwar diese kraft ist, den Wie-
um capítulo). É ponto que não resiste à crítica hegeliana, tal a sua incon- derspruch in sich zu fassen und auszuhalten). (lO) Se, todavia, algo exis-
~istência. tente não pode englobar em sua determinação positiva também a sua deter-
Hegel ilustra sua argumentação. A obscuridade seria a privação pura minação negativa, mantendo firme uma e outra, isto é, se não pode conservar
ela luz, o negativo absoluto. O bem, cujo oposto absoluto seria o mal; a em si mesmo a contradição, então não é esta a própria unidade viva, não é
verdade, cujo contrário absoluto seria o erro. Entretanto, estes negativos fundamento, mas sucumbe na contradição". O que é fundamento da coisa
assim extrínsecos serão a negatividade positiva, olvidando-se que cada qual. não é aquela abstração formal do id quid est, determinação esclerosada do
em seu próprio conceito, contém o outro-de-si-mesmo; e é nisso que está a to.•rnismo aristotélico, mas o movimento íntimo, que se revela na contradição,
sua verdade. Então conclui Hegel: "sem esse conhecimento não é possível, como o concreto apreensível. É no movimento que desaparece a correlati-
na realidade, dar nenhum passo na Filosofia". vidade das determinações dos contrários, evidenciadas nos exemplos vulgares
Da "identidade", passa-se à "diversidade", ascendendo-se à "contradição". (positivo e negativo, verso e reverso, direita e esquerda, alto e baixo, norte
Nesta, Hegel encontra a determinação essencial das coisas - e nesta afir- e sul etc.). A oposição tende a cristalizar-se ou concentrar-se num dos termos.
mação situa-se o point tournant da sua especulação, como ninguém ignora. Quando dizemos direita, temos a determinação de que não é esquerda, em-
Poucos, entretanto, meditam no seu grande alcance. Enquanto a determi- bora saibamos que é direita porque há uma esquerda a que se refere (lem-
nação da "identidade", erigida em lei fundamental, nada exprime na sua va- bremo-nos da reflexão). Atrás comentamos: a determinação "positiva" con-
cuidade tautológica, palpita na "contradição" todo um processo autogenético tém em si o negativo como seu "outro" e vice-versa; cada qual subsiste só,
de vida: é o movimento, portanto, o desenvolvimento: "apenas algo, contendo indiferente à relação de oposição: e "direita" é apenas "posição", "alto" o
uma contradição em si mesmo, move-se, tem impulso e atividade".(9) Como lugar, "reverso" a face de algo, "norte" um ponto cardeal etc., esvaindo-se
faz o pensar tradicional? O contrário: a profilaxia da contradição, evitada a determinação opositora. Apagou-se a "reflexão", ficou algo-em-si. A uni-
como algo formalmente maléfico à legitimidade do pensamento. O dualismo dade dos contrários morreu no momento em que as determinações não de-
mata a contradição no berço, o lógico vai-lhe às raízes do pensar, que é ins- terminam: a "direita" - argumenta Hegel - já não é "direita", o "alto"
trumento operativo. É o inimigo diabólico que se caçaria por todos os arraiais, Já não é "alto" etc. A representação privou-se da consciência da reciproci-
decretando as leis eternas de sua imutabilidade. Pouco importam os para- dade refletiva, que é a contradição, embora fique com as duas determinações
que passam a exprimir uma reflexão externa; vale dizer, uma oposição meca-
nicista, se tanto. Só aprofundando racionalmente, o espírito pode apreender
( 9) HEGEL, Wiss. d. Logik, Das Wesen der Reflexion; AnmerKung: "nur
insofern etwas in sich selbst einen Widersprucht hat, bewegt es sich,
hat Trieb und Taetigkeit". (10) HEGEL, Wiss. d. Log., ibidem, "Der Widersprucht".

56 REV. C. SociAIS, VoL. VI N°s 1 E 2 (1975) REv. C. SociAis, VoL. VI Nos 1 E 2 (1975) 57
a grande parte dos estudiosos, indu-los a considerar "erro subjetivo" (subjek- doxos que irrornpem por toda parte. Zenon é o contrabandista armando as
tiven Fehler) essa íntima natureza dialética da oposição. ~uas aporias. A flecha de Aquiles fica imóvel na cabeça teórica do filósofo.
Observe-se que a prefixação do ob-positio trai a cisão espacializante, a O maior corredor da Grécia, o homem de pés alígeros e alados de Homero,
separação insulante em que esbarram os dualisrnos, vícios perpetuados no vão alcançará a tartaruga - porque não se ouve a voz do efésio, herética
pensamento e na linguagem corno irredutíveis resíduos da ontologia aristo- e solitária. Esse pensamento vegetaria à margem, abrindo-se em pequenas
télica consagradas na herança do Ocidente. Herança bem simpática à tra- veredas suspeitas, onde passam sombras (Beócio, Scoto, Guilherme de
dição religiosa que estabeleceu a hegemonia do Aquinatense. A operação Ockam ... ) ao lado das estradas reais do augustinianismo, do tornisrno, do
consiste no seguinte: apreende-se o positivo como um idêntico a si mesmo, suarezisrno. Há, entretanto, urna revivescência periódica, marginal, nos surtos
momento que se desvincula da unidade dos opostos; faz-se a mesma operação ~!ndêmicos da especulação herética, bloqueados pelos cordões sanitários dos
ao negativo; depois, colocam-se em presença exterior, na relação bipolar, ortodoxos do aristotelismo vigilante e docente. Hegel é a grande erupção:
compondo-se a fictícia unidade de opostos: e todo o sentido passa a concen- rebenta implacavelmente.
trar-se inevitavelmente na relação. Tal a interpretação mecanicista da dialé-
tica, que muitos marxistas oferecem pensando ingenuamente captarem a essên-
cia materialista da relação. Abusam mesmo da exemplificação com apelo à QUANDO SE ESVAI A "REFLEXÃO"
"reflexão extrínseca" onde as determinações se confrontam na unidade morta.
Então, por resvaladia conseqüência, o negativo se torna exterior e subjetivo. E instala a vitalidade da contradição no centro do pensamento filosófico:
Baseado nesta frivolidade, Engels ofereceu exemplos do processo dialético "algo é vivo somente quando contém em si a contradição e é precisamente
no mundo natural, no Anti-Düring (obra revista por Marx, que lhe escreveu a força de conter em si a contradição (und zwar diese kraft ist, den Wie-
um capítulo). É ponto que não resiste à crítica hegeliana, tal a sua incon- derspruch in sich zu fassen und auszuhalten). (10) Se, todavia, algo exis-
~istência. tente não pode englobar em sua determinação positiva também a sua deter-
Hegel ilustra sua argumentação. A obscuridade seria a privação pura minação negativa, mantendo firme urna e outra, isto é, se não pode conservar
ela luz, o negativo absoluto. O bem, cujo oposto absoluto seria o mal; a em si mesmo a contradição, então não é esta a própria unidade viva, não é
verdade, cujo contrário absoluto seria o erro. Entretanto, estes negativos fundamento, mas sucumbe na contradição". O que é fundamento da coisa
assim extrínsecos serão a negatividade positiva, olvidando-se que cada qual. não é aquela abstração formal do id quid est, determinação esclerosada do
em seu próprio conceito, contém o outro-de-si-mesmo; e é nisso que está a to_ornismo aristotélico, mas o movimento íntimo, que se revela na contradição,
sua verdade. Então conclui Hegel: "sem esse conhecimento não é possível, como o concreto apreensível. É no movimento que desaparece a correlati-
na realidade, dar nenhum passo na Filosofia". vidade das determinações dos contrários, evidenciadas nos exemplos vulgares
Da "identidade", passa-se à "diversidade", ascendendo-se à "contradição". {positivo e negativo, verso e reverso, direita e esquerda, alto e baixo, norte
Nesta, Hegel encontra a determinação essencial das coisas - e nesta afir- e sul etc.). A oposição tende a cristalizar-se ou concentrar-se num dos termos.
mação situa-se o point toumant da sua especulação, como ninguém ignora. Quando dizemos direita, temos a determinação de que não é esquerda, em-
Poucos, entretanto, meditam no seu grande alcance. Enquanto a determi- bora saibamos que é direita porque hâ uma esquerda a que se refere (lem-
nação da "identidade", erigida em lei fundamental, nada exprime na sua va- bremo-nos da reflexão). Atrás comentamos: a determinação "positiva" con-
cuidade tautológica, palpita na "contradição" todo um processo autogenético tém em si o negativo como seu "outro" e vice-versa; cada qual subsiste só,
de vida: é o movimento, portanto, o desenvolvimento: "apenas algo, contendo indiferente à relação de oposição: e "direita" é apenas "posição", "alto" o
uma contradição em si mesmo, move-se, tem impulso e atividade".(9) Como lugar, "reverso" a face de algo, "norte" um ponto cardeal etc., esvaindo-se
faz o pensar tradicional? O contrário: a profilaxia da contradição, evitada a determinação opositora. Apagou-se a "reflexão", ficou algo-em-si. A uni-
como algo formalmente maléfico à legitimidade do pensamento. O dualismo dade dos contrários morreu no momento em que as determinações não de-
mata a contradição no berço, o lógico vai-lhe às raízes do pensar, que é ins- terminam: a "direita" - argumenta Hegel - já não é "direita", o "alto"
trumento operativo. É o inimigo diabólico que se caçaria por todos os arraiais, Já não é "alto" etc. A representação privou-se da consciência da reciproci-
decretando as leis eternas de sua imutabilidade. Pouco importam os para- dade refletiva, que é a contradição, embora fique com as duas determinações
que passam a exprimir uma reflexão externa; vale dizer, urna oposição meca-
nicista, se tanto. Só aprofundando racionalmente, o espírito pode apreender
( 9) HEGEL, Wiss. d. Logik, Das Wesen der Reflexion; AnmerKung: "nur
insofern etwas in sich selbst einen Widersprucht hat, bewegt es sich,
hat Trieb und Taetigkeit". (10) HEGEL, Wiss. d. Log., ibidem, "Der Widersprucht".

56 REv. C. SociAis, VoL. VI N°s 1 E 2 (1975) REV. C. SociAIS, VoL. VI N°s 1 E 2 (1975) 57
:>s determinações na mobilidade dialética, isto é, saindo do campo do Enten- positado. Considerada como fundamento, a essência possui imediatidade, que
dimento para o da Razão. Porque só a Razão capta a reflexão intrínseca, é seu substrato e recebe as determinações da forma, que lhe são inerentes.
atinge a contraditio oppositorum na identidade, como "pulsação imanente da Ela é a base indeterminada daquelas indeterminações, cujos momentos são
autodinâmica e da vitalidade" (die inwohnende Pulsation der Selbstbewegung a identidade e a diferença, culminando na diversidade e oposição.
und Lebendigkeit). ( 11) É necessário não perder de vista que as coisas são diferentes ou idênticas
em suas conexões mútuas. Nesse caso, consideram-se as coisas como prima-
riamente relacionadas - e esse nexus rerum delas entre si é a parte funda-
O FUNDAMENTO
mental que lhes constitui a natureza. Porque Hegel jamais pensa a "identi-
dade" sem que ela seja a "unidade da identidade e da diferença", nem a "dife-
Mais ampla e abrangente que a categoria da causalidade, examinada mais rença" que não seja a "unidade da diferença e da identidade". Noutros ter-
adiante, é a categoria do Fundamento (das Grund), em que nos deteremos mos, a "identidade" e seus momentos: e os contrários se interpenetram.
agora para assentar premissas indispensáveis. Abrindo essa parte da Lógica, Se refiro que A é diferente de B, reconheço que B é não-A, negação de A;
diz Hegel: "A essência determina-se a si mesma como fundamento."(l2) mas, como não-A é também positivo, porque é refletido em si mesmo, como
Considerando-o como uma das determinações reflexivas da essência, esta, B, do qual não-B seria A, que é, por sua vez o seu negativo. Já se insistiu,
como reflexão pura, é pura negatividade. O "fundamento" como negação que páginas atrás, no sentido profundo que tem essa ação negativa da refletivi-
se supera - "essência que, mediante seu não-ser, volve a si e se posita" - dade e nunca é demais meditar, não na exterioridade da negação, mas na sua
<•dquire, nesse retorno, a seguinte determinação: a identidade da essência interioridade, que é a essência da própria dialética.
consigo mesma. Para esclarecer esse movimento sumamente abstrato, Hegel Começaremos então a compreender que a essência da "coisa" não é o
parte do princípio leibniziano: "tudo tem sua razão suficiente" ( 13), o qual tranqüilo id quod est, que nos impingiu a filosofia escolástica, e onde assen-
tambrm pode ser enunciado - "tudo que existe pode ser considerado, não taria a identidade, nem aquela diversidade entre positivo e negativo; mas é o
como imediato existente, mas como algo positado". (14) Ora, se tudo tem ser-em-seu-outro, como contrários que se identificam: e o princípio do fun-
sua razão de ser, o fato de ser já implica a razão suficiente - argüi Hegel. damento (Grund) exprime "que uma coisa é independente e essencial, mesmo
Desnecessário perquirir algo extrínseco, que positaria a coisa, como sua razão quando, em transição para algo diferente, isto é, o fundado ( Grunded) e que o
de ser. Enfocando assim o problema, Leibniz descortinava a via aberta pela o último tem sempre sua essência no primeiro e é inteiramente dependente
causalidade mecânica, definida numa relação externa e acidental. Tais causas, dele".(15) Daí, conforme infere Findley, "a categoria do fundamento não é
com a extraneação das determinações, que não compõem a unidade, pois a serena união da identidade e da diferença, mas uma unidade de ambos".
excluem os fins, que ficam alienados do processo autogenético. Quando, po- Para o estudo da causalidade, é importante a análise do princípio do
rém, a essência é configurada como fundamento, aparece, simultaneamente, fundamento e do fundado: porque se estende mais além do que classicamente
como fundamento em face do ser-positado, tornando-se, negativamente, como se compreende no princípio de causalidade. O conceito de Grund envolve e
essência o ser não-positado. ultrapassa o de causação. Pelo exposto, vimos que a riqueza de conotações
O ser-determinado é o ser-positado; pressupondo um "fundamento", que da "identidade" e da "contradição", que se desentranham das conjecturas do
r:ão foi positado, nega-se: daí dizer I. ~e! que a essência é a negatividade filósofo, dão inesperada perspectiva ao problema, cujas conseqüências ainda
idêntica. a si mesma. O ser como determinação imediata é o ser ainda indis- não foram exploradas nas suas várias direções especulativas. E está bem longe
tinto de sua indeterminação, quer dizer, como algo existente, algo-que-está- d!".quelas simplificações em que se comprimiu o formalismo tradicional, ma-
mando sempre nas tetas aristotélico-tomistas.
(11) HEGEL, Wiss. d. Log., Anmerkung 3.
( 12) A tradução francesa de J ankelevitch falseia o pensamento hegeliano:
"L'Essence peut être definie comme étant !e fond ou fondement des LEIS TAUTOLóGICAS
choses". Science de la Logique, vol. ii, p. 73, Aubier, Paris, 1949.
(13) " ... en vertu duque! nous considerons qu'aucun fait se sçauroit se
trouver vrai, ou exactement, aucune Énonciation véritable, sans qu'il A relação entre "fundamento" e "forma" reclamaria a atenção para a
y ait une raison suffisante pour quoi i! en soit aussi et non pas au- reciprocidade dialética. A essência é, sob esse ângulo, a unidade simples do
trement. Leibniz, M onado/ogie, § 32.
(14) LEIBNIZ, Príncipes de la Notion et de la Grace. Príncipes de la Phi-
losophie ou Monadologie, Presses Universitaires de France, Paris, 1954, (15) FINLEY, Hegel: A re-examination, George Allen & Unwin, London,
§§ 32, 33. 1958, p. 194.

58 REV. C. SOCIAIS, VOL. VI N°S 1 E 2 (1975} REV. C. SOCIAIS, VOL. VI N°s 1 E2 (1975) 59
:>s determinações na mobilidade dialética, isto é, saindo do campo do Enten- positado. Considerada como fundamento, a essência possui imediatidade, que
dimento para o da Razão. Porque só a Razão capta a reflexão intrínseca, é seu substrato e recebe as determinações da forma, que lhe são inerentes.
atinge a contraditio oppositorum na identidade, como "pulsação imanente da Ela é a base indeterminada daquelas indeterminações, cujos momentos são
autodinâmica e da vitalidade" (die inwohnende Pulsation der Selbstbewegung a identidade e a diferença, culminando na diversidade e oposição.
und Lebendigkeit). ( 11) É necessário não perder de vista que as coisas são diferentes ou idênticas
em suas conexões mútuas. Nesse caso, consideram-se as coisas como prima-
riamente relacionadas - e esse nexus rerum delas entre si é a parte funda-
O FUNDAMENTO
mental que lhes constitui a natureza. Porque Hegel jamais pensa a "identi-
dade" sem que ela seja a "unidade da identidade e da diferença", nem a "dife-
Mais ampla e abrangente que a categoria da causalidade, examinada mais rença" que não seja a "unidade da diferença e da identidade". Noutros ter-
adiante, é a categoria do Fundamento (das Grund), em que nos deteremos mos, a "identidade" e seus momentos: e os contrários se interpenetram.
agora para assentar premissas indispensáveis. Abrindo essa parte da Lógica, Se refiro que A é diferente de B, reconheço que B é não-A, negação de A;
diz Hegel: "A essência determina-se a si mesma como fundamento."(l2) !Tias, como não-A é também positivo, porque é refletido em si mesmo, como
Considerando-o como uma das determinações reflexivas da essência, esta, B, do qual não-B seria A, que é, por sua vez o seu negativo. Já se insistiu,
como reflexão pura, é pura negatividade. O "fundamento" como negação que páginas atrás, no sentido profundo que tem essa ação negativa da refletivi-
se supera - "essência que, mediante seu não-ser, volve a si e se posita" - dade e nunca é demais meditar, não na exterioridade da negação, mas na sua
<•dquire, nesse retorno, a seguinte determinação: a identidade da essência interioridade, que é a essência da própria dialética.
consigo mesma. Para esclarecer esse movimento sumamente abstrato, Hegel Começaremos então a compreender que a essência da "coisa" não é o
parte do princípio leibniziano: "tudo tem sua razão suficiente" ( 13), o qual tranqüilo id quod est, que nos impingiu a filosofia escolástica, e onde assen-
tambrm pode ser enunciado - "tudo que existe pode ser considerado, não taria a identidade, nem aquela diversidade entre positivo e negativo; mas é o
como imediato existente, mas como algo positado". ( 14) Ora, se tudo tem ser-em-seu-outro, como contrários que se identificam: e o princípio do fun-
sua razão de ser, o fato de ser já implica a razão suficiente - argüi Hegel. damento (Grund) exprime "que uma coisa é independente e essencial, mesmo
Desnecessário perquirir algo extrínseco, que positaria a coisa, como sua razão 1uando, em transição para algo diferente, isto é, o fundado (Grunded) e que o
dt> ser. Enfocando assim o problema, Leibniz descortinava a via aberta pela o último tem sempre sua essência no primeiro e é inteiramente dependente
causalidade mecânica, definida numa relação externa e acidental. Tais causas, dele".(l5) Daí, conforme infere Findley, "a categoria do fundamento não é
com a extraneação das determinações, que não compõem a unidade, pois a serena união da identidade e da diferença, mas uma unidade de ambos".
excluem os fins, que ficam alienados do processo autogenético. Quando, po- Para o estudo da causalidade, é importante a análise do princípio do
rém, a essência é configurada como fundamento, aparece, simultaneamente, ~undamento e do fundado: porque se estende mais além do que classicamente
como fundamento em face do ser-positado, tornando-se, negativamente, como se compreende no princípio de causalidade. O conceito de Grund envolve e
essência o ser não-positado. ultrapassa o de causação. Pelo exposto, vimos que a riqueza de conotações
O ser-determinado é o ser-positado; pressupondo um "fundamento", que da "identidade" e da "contradição", que se desentranham das conjecturas do
r:ão foi positado, nega-se: daí dizer I. ~e! que a essência é a negatividade filósofo, dão inesperada perspectiva ao problema, cujas conseqüências ainda
idêntica. a si mesma. O ser como determinação imediata é o ser ainda indis- não foram exploradas nas suas várias direções especulativas. E está bem longe
tinto de sua indeterminação, quer dizer, como algo existente, algo-que-está- dc.quelas simplificações em que se comprimiu o formalismo tradicional, ma-
mando sempre nas tetas aristotélico-tomistas.
(11) HEGEL, Wiss. d. Log., Anmerkung 3.
( 12) A tradução francesa de 1ankelevitch falseia o pensamento hegeliano:
"L'Essence peut être definie comme étant !e fond ou fondement des LEIS TAUTOLóGICAS
choses". Science de la Logique, vol. ii, p. 73, Aubier, Paris, 1949.
(13) " ... en vertu duque! nous considerons qu'aucun fait se sçauroit se
trouver vrai, ou exactement, aucune Énonciation véritable, sans qu'il A relação entre "fundamento" e "forma" reclamaria a atenção para a
y ait une raison suffisante pour quoi i! en soit aussi et non pas au- reciprocidade dialética. A essência é, sob esse ângulo, a unidade simples do
trement. Leibniz, M onadologie, § 32.
(14) LEIBNIZ, Príncipes de la Notion et de la Grace. Príncipes de la Phi-
losophie ou Monadologie, Presses Universitaires de France, Paris, 1954, (15) FINLEY, Hegel: A re-examination, George Allen & Unwin, London,
§§ 32, 33. 1958, p. 194.

58 REV. C. SOCIAIS, VOL. VI N°s 1 E 2 (1975) REV. C. SOCIAIS, VOL. VI N°s 1 E 2 (1975) 59
fundamento e do fundado: precisam-se as determinações da forma, da qual Essa contradição viva é que nos revela: a matéria não se opõe à forma
a essência aparece como negativo; e todos os momentos da reflexão inte- como seu outro, como exterioridade, porque a forma não é o oposto mecânico
gram-se na forma. Abstratamente, a essência opõe-se à forma como sua de- da inferioridade, mas insinua-se, torna-se íntima da matéria, que se desen-
terminação. Mas o vigor verdadeiro da negatividade posita a essência como tranha em formas sucessivas participantes da forma primitiva, onde se inte-
forma absoluta; e a essência se identifica a si mesmo. "A forma - diz Hegel
gravam. A outra distinção será relativamente ao "conteúdo", que é identidade
·- determina a essência: isto quer dizer que a forma, diferenciando-se dela, de forma e matéria: é determinado como matéria formada. Para melhor
suprime ela mesma a diferenciação e torna-se identidade de si; tal identi- compreensão, antecipemos um exemplo que permite precisar claramente os
dade sendo a essência como permanência da determinação, ela é a contra- conceitos de fundamento e fundado, de forma e conteúdo. Enuncia a lei de
dição para ser suprimida em seu ser-positado ( Gesetzsein) e possuir perma- Newton que os planetas descrevem órbitas em torno do sol por causa da
nência apesar de suprimidas: o fundamento é, destarte, a essência que, de- atração recíproca entre tais corpos. Qual o fundamento do fato a ser expli-
terminada ou negada, persiste idêntica a si mesma."( 16)
cado? O movimento em torno do sol: este é o conteúdo do fenômeno. Como
A essência se manifesta numa identidade sem forma: a matéria.
se manifesta? Nas relações recíprocas entre os corpos considerados. Que nos
"A matéria é a identidade simples, indiferenciada, que é a essência (einfa-
~ponta como causa? Uma "força de atração", isto é, uma determinação re-
che unterschiedlose ldentitat, welche das Wesen ist) mas com a determinação
fletida em si mesma. E que força é essa? A que se traduz nas relações
de ser o "outro" da forma (mit der Bestimmung, das Andere der Form zu
recíprocas entre os referidos corpos. O fundamento, a razão buscada como
sein). Ela é assim a base propriamente dita ou o substrato da forma (Grun-
explicação do fenômeno, é o fundado. No caso, o próprio fenômeno.
diage oder Substrat der Form)".(17)
Outro exemplo. A primeira lei de Kepler reza: "Os planetas descrevem
De fato, como se conceitua a matéria? Abstraindo-se de algo todas as
órbitas elípticas de que o sol ocupa um dos focos." Aí temos a descrição
suas determinações. A matéria é o abstrato por excelência (ein sch/echthin
de meras relações entre corpos celestes - e mais nada. Medem-se velocidades
Abstraktes). Por que? porque não se toca, não se cheira, não se ouve, não
- espaços percorridos e tempos decorridos. Idem, na lei da queda dos graves
~e vê, não se saboreia; eliminaram-se todas as notações sensoriais capazes de
(Galileu). Em todas elas, o fundamento e o fundado são uma mesma coisa.
"configurá-la". Essa amorfia nega, por sua vez, a própria matéria, que a
Leibniz recordava que Newton repusera, com sua "força de atração",
forma pressuporia, e é, concomitantemente, pressuposta. Do contrário, seria
no cenário científico, as qualidades ocultas da Escolástica: "Mais se haveria
essência, reflexão da negatividade, como previamente discutiu-se. Portanto,
de reprovar por ser o contrário - acrescentou - a saber, que se invocam
nessa reciprocidade de que matéria implica forma e vice-versa, a matéria não
qualidade muito conhecida; com efeito, não tem outro conteúdo que o pró-
se opõe como fundo ou fundamento da forma: torna-se apenas uma identi-
prio fenômeno. O motivo pelo qual se recomenda tal maneira de explicação
dade abstrata das determinações eliminadas, suprimidas da forma, embora
consiste em sua grande claridade e compreensibilidade (ihre grosse Deutlichkeit
cada qual se ponha por suas próprias determinações conceituais. Resume
und Begreiflichkeit), pois nada é mais claro e compreensível que dizer, por
Hegel a argüição: a matéria é algo formado, a forma é algo materializado,
exemplo, que a planta tem seu fundamento em uma "força vegetativa", isto é,
determinando-se mutuamente. Mas enquanto a matéria é idêntica a si, como
uma "força" que produz plantas".(19)
positividade, a forma é negação, contradição viva e suprime-se na matéria,
A tautologia facilmente surge à luz da razão dialética. De fato, a expli-
que se torna forma em si mesma, "manifestando susceptibilidade absoluta
cação de uma "coisa" começa no descobrir, dialeticamente, que aquilo que se
para a forma": e é a forma que determina a matéria, que, por sua vez, é
deseja explicar é algo que lhe é estranho, que é distinto, e constitui funda-
determinada pela forma. A unidade dialética de essência e fenômeno se trans-
mento". Esta lhe é diferente e não se inclui no seu enunciado. Do contrário,
figura agora na unidade dialética de matéria e forma. A supressão da forma,
tratar-se-á de pura tautologia, enunciado vazio e vicioso de etiologias ilusórias,
como negativo da matéria, acarreta, simultaneamente, a indeterminação de
que aliás são correntes no terreno científico.(20) O que se apresenta muitas
seu oposto, - a matéria se elimina como positivo. Evitemos, porém, a inter-
vezes, como fundamento, instituído a modo de ponto de partida do conheci-
pretação mecanicista, ouvindo a advPrtência hegeliana: a atividade da forma
mento, é, nalgumas ciências chamadas "dedutivas", o derivado; isso se des-
é, ao mesmo tempo, o movimento pr61 rio da matéria (Dies, was als Taetigkeit
cobre depois, não no conhecimento in fieri, mas no conhecimento feito. E
der Form erscheint, ist ferner ebensosehr die eigne Bewegung der Materie
aqui cumpre reconhecer que está no formalismo lógico um dos fatores desse
selbst) .( 18)
qui-pro-quo desvendado pela análise dialética.
(16) HEGEL, Wiss., 11, ibidem.
(17) Idem, ibidem. (19) Idem, ibidem.
(18) Idem, ibidem. (20) HEGEL, Wiss., 11, p. 79.

60 REV. C. SOCIAIS, VOL. VI N°s 1 E 2 (1975) REV. C. SOCIAIS, VOL. VI NOS 1c E 2 (1975) 61

' J.
fundamento e do fundado: precisam-se as determinações da forma, da qual Essa contradição viva é que nos revela: a matéria não se opõe à forma
a essência aparece como negativo; e todos os momentos da reflexão inte- como seu outro, como exterioridade, porque a forma não é o oposto mecânico
gram-se na forma. Abstratamente, a essência opõe-se à forma como sua de- da inferioridade, mas insinua-se, torna-se íntima da matéria, que se desen-
terminação. Mas o vigor verdadeiro da negatividade posita a essência como tranha em formas sucessivas participantes da forma primitiva, onde se inte-
iorma absoluta; e a essência se identifica a si mesmo. "A forma - diz Hegel
gravam. A outra distinção será relativamente ao "conteúdo", que é identidade
·- determina a essência: isto quer dizer que a forma, diferenciando-se dela, de forma e matéria: é determinado como matéria formada. Para melhor
suprime ela mesma a diferenciação e torna-se identidade de si; tal identi- compreensão, antecipemos um exemplo que permite precisar claramente os
dade sendo a essência como permanência da determinação, ela é a contra- conceitos de fundamento e fundado, de forma e conteúdo. Enuncia a lei de
dição para ser suprimida em seu ser-positado (Gesetzsein) e possuir perma- Newton que os planetas descrevem órbitas em torno do sol por causa da
néncia apesar de suprimidas: o fundamento é, destarte, a essência que, de- atração recíproca entre tais corpos. Qual o fundamento do fato a ser expli-
terminada ou negada, persiste idêntica a si mesma."( 16)
cado? O movimento em torno do sol: este é o conteúdo do fenômeno. Como
A essência se manifesta numa identidade sem forma: a matéria.
se manifesta? Nas relações recíprocas entre os corpos considerados. Que nos
"A matéria é a identidade simples, indiferenciada, que é a essência (einfa-
aponta como causa? Uma "força de atração", isto é, uma determinação re-
che unterschiedlose ldentitat, welche das Wesen ist) mas com a determinação
fletida em si mesma. E que força é essa? A que se traduz nas relações
de ser o "outro" da forma (mit der Bestimmung, das Andere der Form zu
recíprocas entre os referidos corpos. O fundamento, a razão buscada como
se in). Ela é assim a base propriamente dita ou o substrato da forma ( Grun-
explicação do fenômeno, é o fundado. No caso, o próprio fenômeno.
diage oder Substrat der Form)".(l7)
Outro exemplo. A primeira lei de Kepler reza: "Os planetas descrevem
De fato, como se conceitua a matéria? Abstraindo-se de algo todas as
órbitas elípticas de que o sol ocupa um dos focos." Aí temos a descrição
suas determinações. A matéria é o abstrato por excelência (ein schlechthin
de meras relações entre corpos celestes - e mais nada. Medem-se velocidades
Abstraktes). Por que? porque não se toca, não se cheira, não se ouve, não
- espaços percorridos e tempos decorridos. Idem, na lei da queda dos graves
~e vê, não se saboreia; eliminaram-se todas as notações sensoriais capazes de
(Galileu). Em todas elas, o fundamento e o fundado são uma mesma coisa.
"configurá-la". Essa amorfia nega, por sua vez, a própria matéria, que a
Leibniz recordava que Newton repusera, com sua "força de atração",
forma pressuporia, e é, concomitantemente, pressuposta. Do contrário, seria
no cenário científico, as qualidades ocultas da Escolástica: "Mais se haveria
essência, reflexão da negatividade, como previamente discutiu-se. Portanto,
de reprovar por ser o contrário - acrescentou - a saber, que se invocam
nessa reciprocidade de que matéria implica forma e vice-versa, a matéria não
qualidade muito conhecida; com efeito, não tem outro conteúdo que o pró-
se opõe como fundo ou fundamento da forma: torna-se apenas uma identi-
prio fenômeno. O motivo pelo qual se recomenda tal maneira de explicação
dade abstrata das determinações eliminadas, suprimidas da forma, embora
consiste em sua grande claridade e compreensibilidade (ihre grosse Deutliclzkeit
cada qual se ponha por suas próprias determinações conceituais. Resume
und Begreiflichkeit), pois nada é mais claro e compreensível que dizer, por
Hegel a argüição: a matéria é algo formado, a forma é algo materializado,
exemplo, que a planta tem seu fundamento em uma "força vegetativa", isto é,
determinando-se mutuamente. Mas enquanto a matéria é idêntica a si, como
uma "força" que produz plantas".(19)
positividade, a forma é negação, contradição viva e suprime-se na matéria,
A tautologia facilmente surge à luz da razão dialética. De fato, a expli-
que se torna forma em si mesma, "manifestando susceptibilidade absoluta
cação de uma "coisa" começa no descobrir, dialeticamente, que aquilo que se
para a forma": e é a forma que determina a matéria, que, por sua vez, é
deseja explicar é algo que lhe é estranho, que é distinto, e constitui funda-
determinada pela forma. A unidade dialética de essência e fenômeno se trans-
mento". Esta lhe é diferente e não se inclui no seu enunciado. Do contrário,
figura agora na unidade dialética de matéria e forma. A supressão da forma,
tratar-se-á de pura tautologia, enunciado vazio e vicioso de etiologias ilusórias,
como negativo da matéria, acarreta, simultaneamente, a indeterminação de
que aliás são correntes no terreno científico.(20) O que se apresenta muitas
seu oposto, - a matéria se elimina como positivo. Evitemos, porém, a inter-
vezes, como fundamento, instituído a modo de ponto de partida do conheci-
pretação mecanicista, ouvindo a adw·rtência hegeliana: a atividade da forma
mento, é, nalgumas ciências chamadas "dedutivas", o derivado; isso se des-
é, ao mesmo tempo, o movimento pr61 rio da matéria (Dies, was ais TaetiRkeit
cobre depois, não no conhecimento in fieri, mas no conhecimento feito. E
der Form erscheint, ist femer ebensosehr die eigne Bewegung der Materie
aqui cumpre reconhecer que está no formalismo lógico um dos fatores desse
selbst) .( 18)
qui-pro-quo desvendado pela análise dialética.
(16) HEGEL, Wiss., 11, ibidem.
(17) Idem, ibidem. (19) Idem, ibidem.
(18) Idem, ibidem. (20) HEGEL, Wiss., 11, p. 79.

60 REV. C. SOCIAIS, VOL. VI N°s 1 E 2 (1975) REV. C. SociAIS, VoL. VI Nos , 1 E 2 (1975) 61

.~
O "SER-MEDIATO" E AS DETERMINAÇõES REFLEXIVAS Todas as demais determinações citadas e outras que se colham, são determi-
nações extrínsecas, que poderão vir a modificar acidentalmente a trajetória.
O "imediato existente", na linguagem hegeliana, passa, inversamente, à Destarte, a diversidade das determinações, com fundamento na gravidade,
categoria de ser-mediato, de ser-refletido, deduzindo-se a existência de seu pode permitir a escolha de qualquer determinação essencial como fundamento.
"fundamento", que surge do positado ( Gesetze ) . O fundamento é ajustado Vamos a outro exemplo : a moeda. Determinações: meio de pagamento,
segundo o fenômeno, que fornece as determinações. Nada mais curial, então, meio de conservação do valor, meio de mensuração do valor, instrumento de
de que flua tautologicamente o fenômeno daquele fundamento(2l), sem que troca, poder aquisitivo, organização creditícia etc. Que fazem os economistas?
nada resulte de novo. O deduzido (fundado) é o fundamento sob outra forma, Buscam uma determinação essencial para dali retirar a explicação de sua
por simples jogo das determinações; o ulterius é o prius manipulado noutra "natureza" e constituírem nela seu "fundamento". E todo o cipoal onde se
combinação de determinações refletidas. Avisa-nos o filósofo de que a con- enredam resulta desse equívoco lógico, que consiste na confusão das deter-
fusão cresce quando se misturam essas determinações refletidas e as determi- minações.
nações imediatas do próprio fenômeno ( . .. reflektierte und bloss hypothe- "O que Sócrates e Platão chamam de sofisticaria - discorre Hegel -
tlsche Bestimmungen mit unmittelbaren Bestimmungen des Ph enomens selbst não é mais do que o raciocinar baseando-se sobre o fundamento". E como
vermischt werden). Destarte parecem derivar da experiência imediata, cap- ::s "coisas" podem oferecer determinações retiradas de aspectos, relações, con-
tadas na atividade perceptiva (elétrons, prótons, ondas magnéticas etc.) como teúdos, para servirem de "fundamento", obtêm-se explicações de toda sorte.
se fossem realidades diretamente acessíveis aos sentidos.(22) Deve-se, por- I) Só a "coisa" integra todas as determinações - e o seu "fundamento" é o
tanto, distinguir entre as "determinações de existência", compreendidos no conceito. Isso mostra a originalidade e a diferença do conceito hegeliano de
conhecimento perceptivo, e as "determinações reflexivas", compreendidas no "conceito".
conhecimento conceitual, sem, contudo, cindir dois planos cognoscitivos, mas Portanto, repassando o que foi dito, podemos concluir que o princípio
dentro da mobilidade dialética de sua interpenetração recíproca. Mesmo por- do fundamento se estuda nesses "momentos":
:tue as determinações reflexivas do fundamento e as de existência do fundado
levariam ao impasse formalista do mecanicismo simplista e vulgar, só apa- a) como fundamento e fundado (entre conteúdo e conseqüência, entre
rentemente dialético. Conteúdo absorve em si o fundamento no fundado, o explicandum e explicatum: o movimento dos planetas à volta do sol é dado
fundado no fundamento, na identidade de um só todo, embora tenham sen- como força atrativa que os faz "moverem-se à volta do sol"; o poder aquisi-
tido diferente no seio da relação fundamental ( Grundbeziehung ) . Essa dife- tivo da moeda é dado como fenômeno da quantidade dos símbolos emitidos;
rença mostra-nos que tal relação fundamental é real, não simplesmente formal. b ) como fundamento real, o "conteúdo" é diferente da "conseqüência",
Por conseqüência, não se trata de uma tautologia: "o retorno ao fundamento as determinações do "fundamento real" são distintas das determinações do
e sua emergência para o positado não é tautologia (der Rueckgang in den "fundado" ou do que é "positado" (Gesetze); devendo ser momento inessencial
Grund das Hervogehen aus ihm zum Gesetzten ist nicht mehr die Tautologie); no conseqüente, qualquer determinação pode ser tomada como fundamento,
o fundamento realizou-se". (23) mas sendo inessencial considerada essencial é inadequado;
De onde se conclui: para que o conhecimento progrida e não se encerre c) enfim, como fundamento completo, que integra o essencial e o ines-
no círculo de peru das mesmas determinações, devem se perquirir novas de- send al na unidade contraditória. Então o fundamento , enquanto essencial, é
terminações de conteúdo que não sejam as mesmas do fundamento. Foi isso formal (tautológico) e só é real quando inessencial e externo.
que a especulação kantiana jamais conseguiu descobrir.
Recorremos a exemplos, seguindo a pista hegeliana. A trajetória de um N esta altura da interpretação hegeliana se começa a discernir a fisionomia
projétil tem várias determinações: a curva parabólica descrita, o alcance, o do problema da causalidade dialética: o "fundamento completo" ( vollstaendige
projétil em si, seu peso, a força de propulsão, a força de gravidade etc. Tais Grund ). Essa dialética do fundamento é, na verdade, difícil de elucidar, sus-
determinações são distintas entre si. O projétil é um grave; isso, porém, nada citando exegeses cheias de incertezas. O pensamento de Hegel tateou e vacilou.
tem a ver com o fato de ser fabricada deste ou daquele metal, de ser pro- Na Enciclopédia, em vez das categorias de identidade, diversidade, diferença,
pulsionado a pólvora ou outro explosivo, situação do alvo etc. O "funda- que se aguçam na oposição e contradição, - a tese é a diversidade onde se
mento" da explicação da trajetória será a gravidade, que atua sobre o projétil. anunciam o positivo e o negativo, onde se revela a contradição; é um prelúdio
sintético. Hegel reelabora essas categorias na Wissenschaft der Logik; a última
(21) HEGEL, Wiss., 11, p. 80. revisão que nos deu foi em 1930, ano anterior à sua morte. Teve de forjar
(22) Idem, ibidem, p. 81. a linguagem para expressar seu pensamento in fieri, buscando a forma ade-
(23) HEGEL, Wiss., 11, p. 83.
REV. C. SociAIS, VoL. VI Nos 1 E 2 (1975) 63
62 REv. C. SoCIAIS, VoL. VI N°s 1 E 2 (1975)
O "SER-MEDIATO" E AS DETERMINAÇõES REFLEXIVAS Todas as demais determinações citadas e outras que se colham, são determi-
nações extrínsecas, que poderão vir a modificar acidentalmente a trajetória.
O "imediato existente", na linguagem hegeliana, passa, inversamente, à Destarte, a diversidade das determinações, com fundamento na gravidade,
categoria de ser-mediato, de ser-refletido, deduzindo-se a existência de seu pode permitir a escolha de qualquer determinação essencial como fundamento.
"fundamento", que surge do positado (Gesetze). O fundamento é ajustado Vamos a outro exemplo: a moeda. Determinações: meio de pagamento,
segundo o fenômeno, que fornece as determinações. Nada mais curial, então, meio de conservação do valor, meio de mensuração do valor, instrumento de
de que flua tautologicamente o fenômeno daquele fundamento(21), sem que troca, poder aquisitivo, organização creditícia etc. Que fazem os economistas?
nada resulte de novo. O deduzido (fundado) é o fundamento sob outra forma, Buscam uma determinação essencial para dali retirar a explicação de sua
por simples jogo das determinações; o ulterius é o prius manipulado noutra "natureza" e constituírem nela seu "fundamento". E todo o cipoal onde se
combinação de determinações refletidas. Avisa-nos o filósofo de que a con- enredam resulta desse equívoco lógico, que consiste na confusão das deter-
fusão cresce quando se misturam essas determinações refletidas e as determi- minações.
nações imediatas do próprio fenômeno ( . . . reflektierte und bloss hypothe- "O que Sócrates e Platão chamam de sofisticaria - discorre Hegel -
t:.sche Bestimmungen mit unmittelbaren Bestimmungen des Phenomens selbst não é mais do que o raciocinar baseando-se sobre o fundamento". E como
vermischt werden). Destarte parecem derivar da experiência imediata, cap- llS "coisas" podem oferecer determinações retiradas de aspectos, relações, con-

tadas na atividade perceptiva (elétrons, prótons, ondas magnéticas etc.) como teúdos, para servirem de "fundamento", obtêm-se explicações de toda sorte.
se fossem realidades diretamente acessíveis aos sentidos.(22) Deve-se, por- I) Só a "coisa" integra todas as determinações - e o seu "fundamento" é o
tanto, distinguir entre as "determinações de existência", compreendidos no conceito. Isso mostra a originalidade e a diferença do conceito hegeliano de
conhecimento perceptivo, e as "determinações reflexivas", compreendidas no "conceito".
conhecimento conceitual, sem, contudo, cindir dois planos cognoscitivos, mas Portanto, repassando o que foi dito, podemos concluir que o princípio
dentro da mobilidade dialética de sua interpenetração recíproca. Mesmo por- do fundamento se estuda nesses "momentos":
:tue as determinações reflexivas do fundamento e as de existência do fundado
levariam ao impasse formalista do mecanicismo simplista e vulgar, só apa- a) como fundamento e fundado (entre conteúdo e conseqüência, entre
rentemente dialético. Conteúdo absorve em si o fundamento no fundado, o explicandum e explica/um: o movimento dos planetas à volta do sol é dado
fundado no fundamento, na identidade de um só todo, embora tenham sen- como força atrativa que os faz "moverem-se à volta do sol"; o poder aquisi-
tido diferente no seio da relação fundamental ( Grundbeziehung). Essa dife- tivo da moeda é dado como fenômeno da quantidade dos símbolos emitidos;
rença mostra-nos que tal relação fundamental é real, não simplesmente formal. b) como fundamento real, o "conteúdo" é diferente da "conseqüência",
Por conseqüência, não se trata de uma tautologia: "o retorno ao fundamento as determinações do "fundamento real" são distintas das determinações do
e sua emergência para o positado não é tautologia (der Rueckgang in den "fundado" ou do que é "positado" (Gesetze); devendo ser momento inessencial
Grund das Hervogehen aus ihm zum Gesetzten ist nicht mehr die Tautologie); no conseqüente, qualquer determinação pode ser tomada como fundamento,
o fundamento realizou-se".(23) mas sendo inessencial considerada essencial é inadequado;
De onde se conclui: para que o conhecimento progrida e não se encerre c) enfim, como fundamento completo, que integra o essencial e o ines-
no círculo de peru das mesmas determinações, devem se perquirir novas de- sendal na unidade contraditória. Então o fundamento, enquanto essencial, é
terminações de conteúdo que não sejam as mesmas do fundamento. Foi isso formal (tautológico) e só é real quando inessencial e externo.
que a especulação kantiana jamais conseguiu descobrir.
Recorremos a exemplos, seguindo a pista hegeliana. A trajetória de um Nesta altura da interpretação hegeliana se começa a discernir a fisionomia
projétil tem várias determinações: a curva parabólica descrita, o alcance, o do problema da causalidade dialética: o "fundamento completo" ( vollstaendige
projétil em si, seu peso, a força de propulsão, a força de gravidade etc. Tais Grund). Essa dialética do fundamento é, na verdade, difícil de elucidar, sus-
determinações são distintas entre si. O projétil é um grave; isso, porém, nada citando exegeses cheias de incertezas. O pensamento de Hegel tateou e vacilou.
tem a ver com o fato de ser fabricada deste ou daquele metal, de ser pro- Na Enciclopédia, em vez das categorias de identidade, diversidade, diferença,
pulsionado a pólvora ou outro explosivo, situação do alvo etc. O "funda- que se aguçam na oposição e contradição, - a tese é a diversidade onde se
mento" da explicação da trajetória será a gravidade, que atua sobre o projétil. anunciam o positivo e o negativo, onde se revela a contradição; é um prelúdio
sintético. Hegel reelabora essas categorias na Wissenschaft der Logik; a última
(21) HEGEL, Wiss., 11, p. 80. revisão que nos deu foi em 1930, ano anterior à sua morte. Teve de forjar
(22) Idem, ibidem, p. 81. a linguagem para expressar seu pensamento in fieri, buscando a forma ade-
(23) HEGEL, Wiss., li, p. 83.
REV. C. SOCIAis, VoL. VI Nos 1 E 2 (1975) 63
62 REv. C. SocrAis, VoL. VI N°s 1 E 2 (1975)
quada, no esforço genésico de comunicar o que ainda não se havia dito com
plena consciência do conteúdo.
A luta para conceituar o Grund na sua plenitude é o ponto de partida
para análise do "princípio fundamental do Conhecimento" - o da Causa-
lidade dialética, de que as outras formas de causalidade são aproximações em-
pobrecidas e esquemáticas ou meros enunciados tautológicos. Por isso, con-
siderando tal princípio como a própria estrutura do que se convencionou cha-
mar "Razão", - sua longa e laboriosa autogênese histórica nos leva, neste
ensaio, a contrapor à "Razão pura", fantasma da especulação kantiana, a
"Razão impura", legado vital do hegelianismo.(24) Os detritos historicamente THE BIRTH OF THE DROUGHT INDUSTRY:
sobreviventes, depurados através da metafísica dualista, eram destroços da
"Razão" desligada do processo que a gerou, na evolução do Espírito humano.
IMPERIAL AND PROVINCIAL RESPONSE
A causalidade dialética é a Razão efetiva no seio da praxis histórica. TO THE GREAT DROUGHT IN NORTHEAST
Razão impura, humana na sua plenitude vital e vitalizante. Hegel reintegrou-a,
BRAZIL, 1877-1880
e, sob aparências teológicas com que se eximiu da gritaria dos beócios, des-
kantianizou-a, desaristotelizou-a, na maior operação filosófica realizada por
um só cabeça na história do Pensamento. ROGER L. CUNNIFF
California State University, San Diego

Over the Iast century, Brazil's Northeast interior has developed an image
of pervasive misery, social banditry and religious fanaticism, ali related in
some way to the periodic droughts which afflict the region. The building of
this image accompanied the work of three generations of Northeastern poli-
ticians to extract from the governments of the Empire and the Republic a
political definition of the drought region and a guarantee of federal funds to
combat the drought problem. Although multi-dimensional regional planning
has in recent decades eroded the emphasis on droughts, they remain in the
popular rnind the Northeast's most characteristic element, and they continue
to receive ritual attention in the literature on the region. ( 1) Paradoxically,
perhaps because this drought literature so frequently has served to obscure
the entrenched regional political interests and social systems, the droughts
themselves have not received the close scrutiny which in recent years has
beguin to illuminate many aspects of the Second Empire and Old Republic. (2)
This has left a serious gap in our understanding not only of the Northeast
but Brazil as a whole. This generation needs to be reminded that the great
droughts o f the past were not figments of the N ortheastern imagination, but
genuine and profound crises to which the region and the nation repeatedly
have been forced to respond. My paper deals with the worst of these, the
Great Drought of 1877-1880.
From February, 1877, to May, 1880, the social and economic dislocation
(24) DJACIR MENEZES, Teses quase hegelianas, Editorial Grijalbo, São generated by this drought devastated five Northeastern provinces and seriously
Paulo, 1972, p. 62.

REV. C. SociAIS, VoL. VI N°s 1 E 2 (1975) REV, C. SOCIAIS, VOL. VI NOs 1 E 2 (1975) 65
64

Você também pode gostar