Alienação e Ideologia M.iasi
Alienação e Ideologia M.iasi
Alienação e Ideologia M.iasi
deparei com esta sabia profecia em meu horóscopo: “daí do lado de dentro, onde está seu
verdadeiro ser, a percepção da realidade não condiz com o que você descreve e expõe; essa
incongruência precisa ser aceita, pois por enquanto não há como superá-la”3
Devemos perdão aos leitores pelo uso de uma fonte como esta, no entanto, é no senso
comum que encontramos elementos valiosos de análise de nosso tema. Vamos, então, à
reflexãosobre este pedaço de sabedoria impressa no jornal diário. Nosso “verdadeiro ser” está
dentro denós, e ele produz uma percepção da realidade que, supomos, está do lado de fora de
nosso ser, e,pior, esta percepção não corresponde. A profundidade exotérica e mística do
horóscopo nosconfunde um pouco, não entendemos se o que não corresponde é minha
percepção da realidadeem relação à realidade mesma lá fora de mim, ou a minha descrição
desta realidade em relação aautêntica verdade interior que constitui meu ser. De qualquer
forma, não há o que fazer porenquanto e devemos aceitar resignados tal situação.As mais
diversas religiões (Weber, 1979 a.) já aconselharam os seres humanos que
dentro de si mesmos na busca da verdade pela ascese, sem estas coisas externas que
atrapalhamnossa percepção. Elias (1994) formula uma parábola para ilustrar esta tensão
constituinte denosso ser moderno, ou seja, uma certa dicotomia entre o interno e o externo e
os problemas quedaí resultam para o entendimento.Segundo o sociólogo dos processos,
temos que imaginar um conjunto de estátuasalinhadas de um lado de um grande vale, ou na
beira de uma montanha enfrente ao mar, que nãopodem se mover, mas podem ver, ouvir e
pensar. Gosto de imaginar aquela fila de moais na Ilhade Páscoa, com seus olhares enigmáticos
em direção ao oceano infinito. O fundamento dametáfora é o seguinte: como podem ver, ouvir
e formar representações do mundo externo, cadaestátua se atormenta em duvidas se aquilo
que ele vê e sente, assim como pressente na existênciade outros fora dela, corresponde ao
que de fato é o mundo externo. O entendimento de cadaestátua isolada é uma certeza para
ela, mas corresponderá ao que de fato existe fora dela, além do vale ou do mar que se estende
além? O isolamento de cada uma impede que chequem suasrepresentações e na solidão se
atormentam, ou se comprazem com suas próprias representações(Elias, 1994: 96-97)4
.O mundo exterior, na parábola o vale ou o oceano, não pode ser mudado, segue em sua
objetividade inabalável, mas nossas representações são distintas. Uma estátua olha e se
compraz com a poética composição de nuvens e tons diversos que contrastam com as ondas
inquietas,
outro prevê tempestades e riscos iminentes de catástrofe, uma terceira apenas pousa seus
olhos
2 Mauro Luis Iasi, professor Adjunto da ESS da UFRJ, pesquisados do NEPEM e educador do
NEP 13 de Maio.
3 Oscar Quiroga. Horóscopo. O Estado de São Paulo, Caderno 2, C4, terça feira, 7 de janeiro de
2014.
4 Na parábola de Elias as estátuas não podem se mover – “suas pernas não podem andar nem
suas mãos segurar” –,
não podem falar umas com as outras (talvez pela distancia) para checar com suas semelhantes
se suas percepções
3
de pedra sobre a paisagem enquanto seu pensamento a leva para reminiscências oníricas ou
Norbert Elias está convencido, e nisso concordamos, que esta autoimagem que se
sustenta na dicotomia entre um indivíduo como substância singular e os outros, ou entre estes
ea
sociedade, não é de forma alguma “um sentimento humano universal que amiúde parece
particular das pessoas de determinada sociedade” que, por algum motivo, supõe um muro que
1994: 100).
no Prólogo de sua obra conjunta com Engels sobre o tema – A Ideologia Alemã, escrita em
daquilo que eles são ou devem ser. (...) Os produtos de sua cabeça tornaram-se
Libertemo-los de suas quimeras, das idéias, dos dogmas, dos seres imaginários,
sob o julgo dos quais eles definham. Rebelemo-nos contra este império dos
Portanto, para este autor, não se trata apenas de checar a veracidade ou correspondência
das representações em relação à realidade, mas ao que parece elas desenvolveram uma
espécie
de poder que passou a controlar aqueles que a produziram, e é isso que nos interessa. Nossa
hipótese é que Marx e Engels chegam à questão particular da ideologia no seio de uma rica e
profunda discussão mais geral sobre a alienação que se mantêm, no essencial, ao longo de
toda a
obra dos autores, ainda que assumindo formas e dimensões muito variadas.
Para que cheguemos à questão da ideologia, temos, portanto, que voltar à polêmica com
Hegel sobre a natureza da alienação. Nos parece que para este filósofo alemão a história,
assim
como todo movimento das formas no tempo, são expressão da objetivação do Espírito, a
subjetivo para o objetivo” (Hegel, 1983: 39). Temos já aqui duas dimensões associadas, mas
humana de pré ideação, formar na mente aquilo que consistirá depois em um objeto externo,
a
(Gegenstand). O processo que leva do subjetivo (interno) para o objetivo (externo - ässern) é a
Ocorre que, como sabemos, para Hegel esta externação e objetivação se manifestam
também seu objeto; e em um outro reino, o da pura consciência (...) (Hegel, 1993:
37).
algo real (uma efetividade inabalável) que ganha uma independência em relação à consciência
personalidade e assim produz seu mundo; frente a ele se comporta como se fosse
estranhamento, a saída para Hegel só pode ser o trabalho do Espírito de reencontrar aquilo
que
dele se alienou, e isso só pode ocorrer pelo pensamento que não se prendendo às formas
particulares de objetivação do Espírito, capta o Todo. Para Hegel o Todo é a “essência que se
e não o todo, as árvores e não o bosque. Esta seria a raiz do dogmatismo, isto é: “esse modo
de
pensar no saber e no estudo da filosofia – não é outra coisa senão a opinião de que o
verdadeiro
Podemos afirmar, portanto, que para Hegel o problema do estranhamento se liga à relação
conhecimento, compreender o movimento do todo em que estão inseridos. Ora, esta é uma
movimento da totalidade que, espacial ou temporalmente, vai muito além de nós mesmos e
questão da alienação só pode ser enfrentada pelo conhecimento, pela filosofia. É um problema
históricos muito específicos, mas precisamente, é fruto da ordem da mercadoria levado ao seu
não começam diretamente por esta certeza acabada, mas ela se desenvolve por aproximações
(gegenständliche Wahrheit) não é uma questão teórica, mas uma questão prática.
É na prática que o homem tem que provar a verdade, isto é, a realidade e o poder,
A consciência humana não pode ser a solução do problema, porque não foi ela que o
criou. As representações que constituem nossa consciência são a expressão, no âmbito das
idéias,
das relações que estabelecemos entre nós para produzir socialmente nossa existência5
. “A
5 Lukács (1981) diferenciará duas posições teleológicas, uma primária que se refere à relação
entre os seres humanos
homens, com a linguagem da vida real”. O que alguns não percebem é que este argumento das
pensador alemão, à época com vinte e cinco anos, se confronta com os argumentos hegelianos
Para Hegel o fim do Estado seria o “interesse universal”, mas que como tal só poderia ser “a
conservação dos interesses particulares como substância destes últimos” (Hegel, apud Marx,
2005: 36). Esta “substancialidade” derivaria do fato já citado por nós que o Espírito “passou
pela
são no tempo histórico, mas na particularização dos interesses dos indivíduos que compõe a
sociedade civil-burguesa e que buscam sua universalidade no ser do Estado. Notem que o
filósofo alemão opera as mediações do silogismo, inicia com o juízo singular e se eleva ao
universal por meio das particularidades. O diagnóstico de Marx diante disso é duro:
(...) o conteúdo concreto, a determinação real, aparece como formal; a
39).
vida política; mas, Marx, contra seu mestre, subverte este limite, o faz, no entanto, com os
consciência primeira e indireta que o homem tem de si mesmo” e que projeta para fora de si
antes de encontrá-la em si (Feuerbach, 1997: 56). Para ele “o ser absoluto, o Deus do homem
é
sua própria essência” (idem: 47). Em outra passagem descreve desta maneira este movimento:
ele quer que eu seja feliz, mas eu também quero; o meu próprio interesse é
Jesus Ranieri (2004:11) alerta para o fato que “Marx nunca foi feuerbachiano”, uma vez que o
tratamento deste
severa critica por parte de Marx. Concordando com Ranieri neste aspecto, queremos destacar
aqui algo distinto, o
fato que Marx, como era seu método de estudo, reproduzia o argumento de seus oponentes e
utilizava seus conceitos
e categorias principais em seus debates teóricos. Desta forma, em grande medida, a colocação
do problema da
alienação e os conceitos através dos quais Feuerbach realiza sua critica à Hegel são
incorporados e superados por
Marx, deixando marcas nítidas em seu pensamento, nas palavras de Engels, “como um elo
intermediário entre a
filosofia de Hegel e nossa concepção”(Engels, [1888], s/d: 169). O próprio Engels reconheceria
que Feuerbach
exerceu uma “influência, mais que nenhum outro filósofo post-hegeliano” sobre ele e Marx
(idem: 169-170).
próprio objetivo o objetivo de Deus, o amor de Deus por mim nada mais é
voltando contra eles como uma força estranha que os controla. Marx identifica este mesmo
humanos projetam sua sociabilidade. Marx indica este caminho no texto em que diferencia a
emancipação política e emancipação humana (Marx [1844], 1993) afirmando que “a religião é
o Estado seria o intermediário entre o homem e a liberdade humana, concluindo que: “assim
como Cristo é o mediador a quem o homem atribui toda sua divindade e todo seu
sua não divindade, toda sua liberdade humana” (Marx, 1993: 43).
Em A Ideologia Alemã, Marx e Engels (2007: 93-94) colocam a questão nestes termos:
A extensão das idéias de Feuerbach aos domínios da vida política e de outras esferas,
arma Marx e Engels para enfrentar a teoria do Direito de Hegel, ir além da abstração dos
certa divisão social do trabalho, inseridos em determinadas relações sociais de produção; seres
humanos que produzem suas representações como “homens reais , ativos, tal como são
A consciência (Bewusstsein) não pode jamais ser outra coisa do que o ser
cabeça para baixo como numa câmara escura, este fenômeno resulta do
(idem,ibidem).
não se trata de descer do céu até a terra, mas de elevar-se da terra ao céu: a critica da religião
se
transforma em critica do Estado. Não se pode partir daquilo que os homens pensam, dizem,
dos seres humanos de “carne e osso”, da vida real para compreender, inclusive, “o
desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos deste processo de vida” (idem, ibidem).
Se
há uma inversão que se expressa na representação, sua determinação deve ser encontrada no
terreno próprio das relações que estão em sua base, como disse Marx, “este Estado e esta
sociedade produzem a religião, uma consciência invertida do mundo, porque eles são um
mundo
Fica evidente que os autores não tratam a ideologia como mero conjunto de
representações ideais, ou uma visão de mundo, mas como uma inversão. A consciência só
pode
ser a expressão ideal dos seres humanos e suas relações, mas na ideologia eles aparecem
invertidos e esta inversão, dado o pressuposto acima anunciado, só pode expressar uma
inversão
no campo da vida real e das relações que a constituem e não um desvio cognitivo, uma
“oclusão
relações em que se inserem na produção material de suas existências, pode nos levar, no
entanto,
à um beco sem saída no que diz respeito ao estranhamento. Enquanto representações da vida
material de seres ativos, envolvidos na produção da vida dentre de certas condições materiais
de
existência, nada explicaria seu caráter místico e muito menos seu poder sobre os seres que são
dinâmica das necessidades e, neste intercâmbio com a natureza e entre os seres humanos,
produzem juízos e valores ideais, normas de conduta, preceitos religiosos ou outra forma
qualquer de objetivação ideal, que orienta sua ação, produz uma visão de mundo que lhe
conforma e lhe garante pertencimento e identidade. Nesta dimensão, diríamos ontológica, tais
. Todavia, estes
dimensão descrita a capacidade de inverter o poder e dominar seus produtores, mesmo que
aqui
poder combinado de seus membros, mas o chefe ainda é a tribo, a tribo é o patriarca e fora
dela
seu poder não existe. Trata-se de duas dimensões interligadas, mas distintas, do mesmo
processo,
a formação de valores ideais que representam a vida e suas relações, por um lado, e, por
outro, a
volta destas objetivações ideais como uma força hostil e estranha. Nesta diferença reside a
a) a produção dos meios necessários à produção social da existência, a relação com a natureza
7 “L’ideologia è anzitutto quella forma di elaborazione ideale della realtà che serve a rendere
consapevole e capace
di agire la prassi sociale degli uomini” (Lukács, 1981: 446, tradução de Ester Vaisman, : 418).
8 Lukács, assim como Gramsci, procura um sentido mais amplo de ideologia numa passagem
de Marx em
seu Prefácio de 1859 à Critica da Economia Política (Marx, 2008). No entanto ao ler
atentamente o trecho
ao qual faz referencia vemos que Marx claramente está contrapondo ideologia a uma forma de
consciência capaz de compreender as determinações do real. Em seu texto diz Marx: “Quando
se
econômicas de produção – que podem ser verificadas fielmente com a ajuda das ciências
físicas e naturais
sob as quais os homens adquirem consciência desse conflito e o levam até o fim” (Marx, 2008:
46). Ao
conjunto das formas identificadas como ideológicas, Marx claramente opõe a ciência (com
uma
convicção um pouco exagerada). No que nos interessa, não nos parece aqui que a afirmação
de Marx seja
que todas as formas de consciência sejam ideologias, pelo contrário, neste passagem reforça o
pressuposto por nós descrito que esta particular forma de consciência, a ideologia, implica em
ocultamento e velamento do real, como fica claro na passagem que vem logo após a que foi
transcrita:
“Do mesmo modo que não se julga uma pessoa pela idéia que de si mesmo faz, tampouco se
pode julgar
uma tal época de transformação pela consciência que tem de si mesma. É preciso, ao
contrário, explicar
essa consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito existente entre as forças
produtivas e
consciência, como forma de intercâmbio dos seres inseridos numa divisão do trabalho e forma
de
representação ideal destas relações materiais que constituem o ser associado na produção
social
fundamento do ser social de seu caráter histórico, estas dimensões ontológicas do ser social,
que
quadro de uma distinção entre as dimensões materiais e espirituais do trabalho poderia levar
ao
fato da consciência “representar algo realmente, sem representar algo real” (idem: 35),
apresentam “puros” mantêm seus vínculos com a produção material da vida de onde partem e
se
da singularidade humana, ao produzir a vida os seres humanos, por um lado, produzem novas
necessidades (a ação de plantar usando um instrumento é para satisfazer a necessidade
original
de alimentar-se, mas seu ato agora exige a nova necessidade de produzir instrumentos
agrícolas),
mas, também, ao se associarem em uma determinada forma de produção da vida, numa certa
divisão do trabalho, os seres humanos produzem representações sobre si mesmo, dos outros e
do
mundo, certas formas de consciência social, assim como formas de linguagem como mediação
entre os seres humanos e que objetivam esta consciência. Ora esta mediação, ainda que ideal
no
caso dos valores e idéias que constituem uma consciência social, ou na objetivação da
linguagem, torna-se, também, uma necessidade sem a qual a produção social da existência no
novo patamar alcançado se torna inviável. As objetivações ideais, como os valores morais, por
exemplo, incidem sobre a vida dos seres humanos e, em grande medida, orientam sua ação no
mundo em uma ou outra direção, como enfatizava Weber (1979 b.) e concorda Lukács9
A hipótese que nos parece é aqui apresentada por Marx e Engels é que as representações
que partem da vida real, se exteriorizam e se objetivam (não apenas na linguagem, mas em
sistemas de valores e regras morais, religiões, filosofias, normas jurídicas etc.), sofrem um
processo de distanciamento (Diztanzierung) que faz com que se apresentem como formas
colaborador íntimo, seja no pressuposto que os valores orientam a ação social numa direção
como na autonomia das
esferas de valor. Ocorre aqui, no entanto, um procedimento teórico similar ao descrito sobre
Marx e sua relação co m
Feuerbach (e mesmo Hegel). Lukács parece se apoderar dos conceitos de Weber para voltá -los
contra o criador da
“nebulosas na cabeça dos homens”, não são aleatórias, mas expressam uma necessidade,
mesmo
inversão.
Aqui fica, mais uma vez, evidente a distinção apontada entre as formas de consciência,
como forma geral, e a ideologia, como forma particular daquela. De um lado estas formas de
representação como a moral, a religião, a metafísica, os sistemas de regras jurídicas etc., que
são
identificados pelos autores como “ideologias” e, de outro lado, “as formas de consciência a
elas
correspondentes”. Tal diferenciação, ao nosso ver, parece indicar que para os autores toda
e esta distinção parece ter papel decisivo na polêmica com Hegel sobre a questão da
alienação.
utilizadas por seres humanos de uma geração, mas sua origem remete a gerações passadas,
esta
dimensão não explica em si mesmo o estranhamento. Posso utilizar de um instrumento que
não
foi feito por mim – uma enxada ou uma cadeira – mas, nem por isso tal instrumento ou objeto
são para mim forças que se impõe de maneira hostil à minha vontade e personalidade. Da
mesma
forma, ainda que em sua forma nebulosa, determinados valores ou normas de conduta moral,
são
por mim aceitos, orientam minha ação no mundo, suas motivações parecem distantes, mas
não
são, necessariamente estranhadas, como a língua que me sirvo para comunicar-me sem a
menor
Quando Marx e Engels nos chamam a atenção que a questão de saber se uma
cognitivo, estão alertando para este aspecto. A questão da ideologia não é um mero desvio
sua função, isto é, que papel representa nas relações reais assumidas pelos seres humanos na
produção social de suas vidas e, principalmente, nas relações entre os seres humanos. Estamos
essencialmente da consciência social por uma particularidade bem definida em sua função e
esta
só pode ser compreendida pela natureza particular das relações sociais que constituem a
ordem
qual é possível se elevar à genericidade do Estado. Este, por sua vez, só pode ter por
substância
estas vontades particulares. Para Marx e Engels o caminho para compreender esta questão se
inicia pela divisão social do trabalho, pelo fato que a cooperação entre os seres humanos para
produzir sua vida acaba por constituir uma cooperação que se expressa numa força que não é
a
mera soma dos indivíduos que a compõe. Mesmo no quadro de uma divisão “natural” do
trabalho, no qual cada pessoa tem uma atividade exclusiva e determinada que lhe é imposta
(não
é escolhida pela pessoa, é natural), aparece uma distinção entre o interesse particular e o
interesse comum. Nesta situação, dizem os autores: “(...) a própria ação do homem torna-se
um
poder que lhe é estranho e que a ele é contraposto, um poder que subjuga o homem em vez
de
10 Lukács (1981) chega a esta diferença por motivos distintos do que aqueles que aqui
buscamos apresentar. Para o
marxista húngaro nem toda forma de consciência é ideologia pelo fato que só se torna
ideológica quando interfere
diretamente na direção da ação dos seres sociais e as conduz num determinado sentido.
Voltaremos à esta questão
mais adiante.
10
mas natural [naturwüchsig], não como seu próprio poder unificado, mas
sim como potencia estranha, situada fora deles, sobre a qual não sabem de
onde veio nem para onde vai, uma potencia, portanto, que não podem mais
dos homens e que até mesmo dirige esse querer e esse agir (idem: 38).
forma de divisão do trabalho que substitui a tribo ou a gen na direção de uma divisão do
trabalho
fundada no valor de troca, seguirá nos estudos posteriores dos autores. Marx nos Grundrisse,
por
como algo estranho, como coisa; não como sua conduta recíproca, mas
indivíduo singular, sua condição recíproca, aparece para eles como algo
interesse geral e particular está associada a uma determinada forma da divisão social do
trabalho.
real, isto é, como problema cognitivo, as categorias hegelianas oferecem um caminho seguro,
mas este é, diz Marx, apenas a maneira da consciência se apoderar do real, não é de forma
alguma o processo de gênese do real (Marx, 2008: 257). Caso concordemos que a raiz do
estranhamento se encontra numa forma da divisão social do trabalho, resulta daí duas
conclusões
de extrema importância para nosso tema: a) não se trata de uma questão incontornável, é
possível
mudá-la; b) não se trata de uma mera questão cognitiva, mas de uma ação prática – mudar as
Ocorre que até 1843 a critica à Hegel é, ainda, uma critica meramente lógica. Marx volta
contra Hegel sua própria forma teórica e cria uma armadilha magistral, mas suas conclusões
lhe
impulsiona para além, não é possível resolver a questão na mera continuidade da batalha
lógica.
Não basta comprovar que em Hegel “o momento filosófico não é a lógica da coisa, mas a coisa
da lógica”; ou, que na sua Filosofia do Direito “a lógica não serve à demonstração do Estado,
mas o Estado serve à demonstração da lógica”. Este limite fica evidente numa das conclusões
Como Hegel está convencido que a finalidade do Estado é a vontade geral e sua
se dividir, como na clássica tese da divisão dos poderes. O problema lógico de Hegel é que os
Estado, prejudicando sua genericidade possível. A solução hegeliana é que não basta a divisão
entre executivo e legislativo, é necessário o “Um” que seja “O”, um indivíduo que seja em si
11
mesmo o Estado: um monarca. Para Hegel o momento absolutamente decisivo não pode ser a
porque sua vontade é a vontade do Estado e a substância desta só pode ser a síntese das
vontades
Vejam como Marx contrapõe ainda logicamente este argumento. Para ele a questão nos
concluindo que:
(...) pode-se falar, também, de uma soberania do povo em oposição à
do Direito de Hegel estava condenada a permanecer inacabada, não por um déficit cognitivo
do
autor, não por falta de habilidade no debate lógico das categorias de seus adversários, mas
pela
grandiosidade da questão e a coerência com os pressupostos. O máximo que Marx com vinte e
e utilizar a sua própria lógica contra ele, mas pode chegar por este caminho, no máximo a
noção
de uma democracia popular na qual a vontade geral do povo prescinde do poder do monarca
A questão que levará Marx à frente se fundamenta em duas lacunas, em certo sentido
impossíveis de ser enfrentadas naquele momento e com os estudos até então realizados.
Primeiro
que se as expressões ideais se fundamentam nas relações reais que os seres humanos de carne
e
osso estabelecem, seria essencial compreender a fundo a natureza e o caráter destas relações
para
que fosse possível estabelecer o nexo destas com suas expressões na consciência dos seres
humanos; segundo que só por este caminho seria possível responder a questão essencial ao
tema
tratado (o Direito e o Estado): qual interesse particular se apresenta como universal através do
Estado e, principalmente, por que precisa apresentar-se como universal ainda que seja uma
particularidade?
Ora, para responder estas questões não basta o aprofundar-se no sistema hegeliano,
pondo-o de ponta cabeça ou na posição que desejar, falta a critica da Economia Política, o
dentro das quais os seres humanos produzem sua particular forma de existência. Depois de ler
o
próprio processo de trabalho. Notem como, nesta passagem que segue, ao tratar do trabalho
articuladas:
A exteriorização (Entausserung) do trabalhador em seu produto tem o
11 Trata-se do Esboço de uma critica da Economia política de Engels escrito entre o final de
1843 e janeiro de 1844 e
12
(äussern), mas, bem além disso, [que se torna uma existência] que existe
uma potência (Macht) autônoma diante dele, que a vida que ele concedeu
Várias coisas nos chamam a atenção nesta passagem. De pronto a diversidade dos
sentidos envolvidos naquilo que se traduziu genericamente como “alienação” que aqui se
que Marx agora busca as determinações na própria forma do trabalho e não mais
genericamente
numa certa divisão do trabalho, mas, principalmente, pelo fato que Marx parece diferenciar
demonstrar que sob certas condições trata-se de ir “bem além disso”, isto é, que aquilo que se
objetivou volta como um poder “hostil e estranho” contra aquele que o criou. É impossível o
entanto, esta forma estranhada não tem esta dimensão ontológica, ela é forma particular de
Como afirmamos o nexo estabelecido por Marx e Engels é que aquilo que consiste nas
representações que formam nossa consciência social é a expressão das relações que os seres
humanos estabelecem para produzir sua vida. Vimos em seguida que mesmo as inversões, a
forma nebulosa e estranha que por vezes assumem estas representações são “sublimações
afirmar:
tempo, sua força espiritual dominante (...) As idéias dominantes não são
apreendidas como idéias; portanto, são a expressão das relações que fazem
introduzem a concepção que desnaturaliza a força imanente dos valores e idéias que
da classe dominante em cada período, mas seu poder (inclusive no campo das
dominante porque universalizou suas idéias, mas universalizou suas idéias porque é
a classe dominante;
b) As idéias dominantes são a expressão ideal das relações sociais dominantes: Isso
significa que o poder destas idéias deriva das relações de onde provem, são estas
13
classe, que a faz dominante, e não suas idéias, estas apenas expressam idealmente
grande importância; não basta que as idéias dominantes sejam expressão das
relações dominantes, estamos falando destas relações tal como são apreendidas
d) A expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante: mais uma vez
aqui, esta afirmação remete para a dimensão prática, não são alteradas pela crítica,
pelo trabalho da consciência, mas pela ação capaz de alterar as relações que fazem
reforçar as relações de dominação das quais são expressão, neste sentido, não são
ainda que siga em suas dimensões essenciais (as relações sociais para produzir a existência), a
forma desta sociabilidade cruzada pelo antagonismo de classes produzirá uma alteração
fundamental no momento ideal, na forma como os seres humanos expressam estas relações
na
forma de valores, juízos, concepções de mundo, em síntese, em uma consciência social. Uma
consciência social em uma sociedade dividida em classes antagônicas não pode ser a mera
expressão das relações que conformam uma sociedade, mas a esta função se agrega outras
apresentação do particular como se fosse universal. Sem estas dimensões o conceito marxiano
de
ideologia se esvazia.
Uma consciência social que opera desta forma com a função de manter e reproduzir uma
dominação de classe é, para Marx e Engels, uma ideologia12. Assim como nem toda
objetivação,
ideal das relações que constituem a sociedade humana é uma ideologia. Parece-nos que Marx
e
12 Lukács (1981) considerará esta definição como um conceito “restrito” (ou, e suas próprias
palavras, “mais
rigoroso”) e vai propor uma aproximação mais “ampla”. Para o autor húngaro, como vimos,
trata -se da diferença
entre posições teleológica primárias (aquelas que se referem a relação do seres humanos com
a natureza, o trabalho,
por exemplo) e posições teleológicas secundárias ( as que se referem a relação entre os seres
humanos). Neste
produzindo objetivações ideais (idéias,valores, juízos, normas morais, etc.) que os ajudam a
enfrentar e resolver
estes conflitos em uma determinada direção. Ora, não há forma social (independente de seu
grau de
desenvolvimento ou da forma de suas relações sociais) na qual não haja contradições a serem
compreendidas e
enfrentadas e, neste processo, a intervenção de produtos da ideação e da consciência como
mediações desta resposta.
portanto, sempre existiria. Lukács não desconsidera a forma da ideologia em uma sociedade
classes, assim como sua
particular função, neste campo utiliza diretamente o sentido rigoroso de Marx, no entanto, a
ampliação proposta
corre o risco, ao nosso ver, de esvaziar este conteúdo rigoroso da concepção marxiana
invertendo -a, compreendendo
14
em uma sociedade na qual as relações estão estranhadas por uma cisão produzida na própria
produção social da vida. Mais do que isso, no desenvolvimento de seus estudos estabelecem a
conexão precisa entre a forma particular do trabalho produtor de mercadorias sob a sociedade
do
capital e a ideologia que lhe é associada e sua função no campo da dominação de classe.
a idéia não é, entretanto, nada mais que a expressão teórica destas relações
de vista ideológico o erro era tanto mais fácil cometer porque esse
(grifos nossos)13
Colocado nestes termos, nos parece problemático a compreensão que ideologia como
conceito diga respeito a forma geral, isto é, ao momento ideal no conjunto das determinações
ontológicas do ser social. Se analisarmos os elementos colocados por Marx na frase citada
temos
que as abstrações que passam a dominar os indivíduos que antes dependiam uns dos outros,
apenas expressam relações materiais nas quais esta dominação se dá. A isso se associam
dimensões funcionais precisas. A crença na imutabilidade de certas idéias acaba por justificar a
imutabilidade das relações das quais derivam, e mesmo na suposta crítica a estas idéias,
reforça-
julgado incompleto, possa levar a mudança das relações, ou ainda o que é pior, prescinda
desta
classes dominantes”.
Tratemos desta questão de forma mais detida. Dois valores essenciais que compõe a visão
de mundo liberal são a liberdade e a igualdade. Podemos abrir nossas baterias criticas contra a
ordem do capital na defesa da liberdade e da igualdade, seja porque nesta ordem estas não
podem
da burguesa se constituiria, então, numa mera falsidade, em uma promessa não cumprida.
Nos parece que Marx vê esta questão de forma significativamente diversa. Em seus
esboços de 1858, daquilo que seria sua Contribuição à Critica da Economia Política,
base real das mesmas. Como idéias puras, são expressões idealizadas dos
Notem, para Marx estes valores não apenas estão realizados, mas são as pré condições
para que as relações capitalistas se efetivem. Seria extremamente funcional à ordem do capital
que é uma precondição como se fosse uma meta ideal a ser atingida. Reforça-se aqui a
concepção antes apresentada que os valores são expressão das relações, aqui mais
precisamente
determinado, expressões ideais dos “diversos momentos” que constituem estas relações. Este
vendida por seu próprio possuidor, pela pessoa da qual ela é a força de
2013: 242).
válidas”, segundo Marx, porque correspondem “as relações desse modo de produção
igualdade – são apenas as relações que constituem este particular modo de produção na
forma de
valores ideais, reproduzindo-o e elevando-o a outras potências. Ora, não se trata apenas de
uma
ideação que eleva um momento do real à consciência, ele opera com função definida, de
forma
particular, que o faz parte não penas de uma consciência social, mas de uma consciência social
força de trabalho e seu comprador, afirma que se enfrentam como sujeitos da troca, e “neste
ato
se acreditam a si mesmos”, isto é, a troca enquanto tal, “não é mais que esse acreditar-se”,
uma
vez que no processo de troca se apresentam como intercambiantes e “portanto, como iguais, e
de troca, assim como seus produtos são valores de uso distintos que somente na troca se
igualam
A relação coisificada entre as mercadorias oculta uma relação social. Inverte, uma
propriedade das coisas, se projeta como uma propriedade das pessoas, que são distintas entre
si
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O nexo entre a expressão ideal – no caso da critica de Marx à Hegel, sua concepção de
Direito e Estado – e as relações de onde partem ganha forma mais acabada em O Capital
quando
o autor desenvolve seu conceito de fetiche. Ainda que os termos como alienação (em todas as
ideologia passam a ser utilizadas com menor freqüência e força, o conteúdo desta discussão
está
reflexão que guarda uma clara linha de continuidade com tudo que foi até aqui descrito. Após
discorrer sobre todas as partes que compõe o ser da mercadoria (o valor de uso, o valor de
troca e
sua substância, o valor e o trabalho diferenciado que constitui cada um destes momentos) em
busca de seu caráter misterioso, o autor surpreende o leitor afirmando que em nenhum destes
“de onde surge, portanto, o caráter enigmático do produto do trabalho humano, assim que ele
Depois de reafirmar o que já anunciávamos, ou seja, que na relação de troca a igualdade dos
trabalhos humanos “assume a forma material da igual objetividade de valor dos produtos do
fato que ela reflete aos homens os caracteres sociais dos seu próprio trabalho
sociais que são naturais a essas coisas e, por isso, reflete também a relação social
dos produtores com o trabalho total como uma relação social entre objetos,
existentes à margem dos produtores (...) É apenas uma relação social determinada
entre os próprios homens que aqui assume , para eles, a forma fantasmagórica de
Dissemos que em seus estudos, Marx deriva da teoria de alienação religiosa de Feuerbach
o arcabouço conceitual que lhe permite refletir sobre a alienação política e que, mais tarde, vai
bases destes fenômenos. Agora ele indica o caminho de volta na forma de uma analogia
humano parecem dotados de vida própria, como figuras independentes que travam relações
umas
com as outras e com os homens” (idem: 147-148). O mesmo ocorreria com os produtos do
ao processo capitalista de produzir mercadorias, eles são iguais quanto aos elementos que os
O fetichismo da mercadoria não é uma “forma de ver” o produto do trabalho que possa
ser corrigida pela correta aproximação teórica e princípios filosóficos esclarecedores, pois esta
forma deriva “do caráter social peculiar do trabalho que produz mercadorias”(idem: 148).
Lembremos que o autor havia nos chamado a atenção que no processo de estranhamento a
força
14 Ver a respeito desta afirmação de Marx que o segredo se localiza na própria forma
mercadoria e sua relação com o
tema da ideologia, o interessante artigo de Zizek (1996) Como Marx inventou o sintoma?
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combinada dos seres associados lhes parecia como uma potencia hostil que se impunha contra
eles e determinava seus destinos. Agora trata-se de ir muito além de uma mera constatação
fundada na divisão social do trabalho, mas de uma determinada divisão social do trabalho
da troca dos produtos de seus trabalhos privados. O primeiro efeito direto deste pressuposto é
que o ser social precisa apresentar-se como indivíduo. Ele precisa partir de sua condição de
quem “produziu mercadorias como indivíduo privado independente, por sua própria
iniciativa”,
não como integrante de uma comunidade natural (como na gen, no clã ou na tribo), nem como
indivíduo que participa , como ser social, e para qual seu produto segue sendo uma fonte de
satisfação de necessidades imediatas, isto é, um valor de uso. Ele já produziu para a troca,
dentro
desenvolvimento histórico, mas, o que é essencial ao nosso argumento, “mas que se lhe
Estamos portanto diante de valores, de idéias e juízos que expressam as relações sociais
fundamentais em um determinada sociedade e tem a particular função de, ocultar o caráter
social
se fossem das coisas e características das coisas como se fossem humanas, levando à uma
relação social entre seres humanos apresentar-se como uma relação fantasmagórica entre
coisas,
Resta-nos três elementos importantes. O primeiro é que este ocultamento, esta inversão, esta
ideologia é expressão de um mundo invertido. Não se trata de uma idéia que apresenta os
seres
humanos como coisas, mas de relações reificadoras. Nesta direção Marx assevera em uma
privados aparecem como aquilo que elas são, isto é, não como relações
2013: 148)
Desta maneira, não caberia contrapor a uma visão de mundo tida como ideológica (no
sentido de sua falsidade), uma concepção de mundo “verdadeira”. A ideologia é a expressão
das
Nossa hipótese é que Marx não interrompe a linha de reflexão que percorria ao tratar da
questão da alienação e do estranhamento agora que expõe o ser do capital com fundamento
da
em suas palavras, “assumem uma autonomia cada vez mais colossal (como expressão de
trabalho objetivado), que se apresenta por sua própria extensão , em relação ao trabalho vivo,
mas de tal maneira que a riqueza social se defronta com o trabalho como poder estranho e
dominador em proporções cada vez mais poderosas” (Marx, 2011: 705). Assim, o fetichismo e
a
uma divisão do trabalho que, por sua vez, se funda numa série de condições econômicas, por
obra das quais o
indivíduo está condicionado, desde todos os pontos de vista, na sua vinculação com os outros
e seu próprio modo de
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forma de apresentá-lo não altera, no essencial, aquilo que havia sido afirmado até 1846, pelo
O segundo elemento é que, exatamente por este vinculo com as relações reais que
expressa idealmente, a ideologia ao naturalizar, inverter, ocultar, opera como poderoso meio
de
legitimação e justificativa das atuais relações existentes. Sua função, portanto, se inscreve na
visão de Marx e de Engels como instrumento de dominação de classe, no quadro de uma cisão
na
juízos morais e preceitos éticos, ainda que, em si mesmas não sejam esferas, necessariamente,
particular como se fosse geral. Não se trata de uma determinada sociedade (a burguesa), mas
“a”
sociedade, de uma forma particular de produzir bens ( a forma mercantil capitalista), mas a
economia, assim como uma forma particular de família ( a família mononuclear burguesa), mas
“a” família, do Estado Burguês, mas da esfera ético-política como momento possível da
genericidade humana. No quadro de uma ideologia os valores são sempre apresentados como
universais, precisam ser assim apresentados, mas o que determina sua universalidade não é a
validade ou coerência em si mesmo deste ou daquele valor, mas da relação concreta da qual
ele
se origina. Não é possível o fenômeno ideológico sem a cisão entre o interesse particular e o
genérico, mas esta cisão é, como vimos, historicamente determinada e se funda num
particular
geral, nem universal em relação a existência, isto é, já houve vida sem trabalho, mas não há
humanidade sem o trabalho como intercâmbio com a natureza e as dimensões que daí se
desdobram. Não pode haver capital sem trabalho, mas o elemento universal é o trabalho, não
o
que não há trabalho se não houver capital, que a saúde da acumulação de capitais é
precondição
para que se possa ter trabalho, neste sentido o universal é o capital e o trabalho uma das
formas
isto é, as relações sociais e o tipo de sociabilidade que dela deriva? Se for assim, a luta entre
Ora, o problema desta aproximação é que ela esvazia o rigor da proposta apresentada por
Marx e Engels, significa um recuo em direção à Hegel e mesma aquém deste, à Kant.
Recordemos que para os filósofos da práxis, trata-se de uma questão prática, mudar a base da
trocar uma fraseologia por outra. Isto não significa que não haja uma luta de idéias que
contrapõe
a visão de mundo burguesa a uma critica severa que aponte para outra sociabilidade, mas esta
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luta de idéias é expressão da contradição deste mundo, as novas idéias não podem evocar
para si
a base material do futuro, as novas relações a serem constituídas quando tudo isso ruir. Não se
trata de antecipar nas formas ideais um novo mundo ainda a ser criado, mas para Marx e
Engels,
compreender nas contradições do mundo presente seu devir, o que é muito diferente.
A consciência nunca pode estar além do ser que é consciente, e isso serve também para a
classe que quer assumir o papel de sujeito revolucionário. As idéias revolucionárias são
também
a expressão das relações da vida real, das contradições deste mundo, são estas condições,
dizem
Marx e Engels (2007: 43), que podem determinar se “as agitações revolucionárias que
periodicamente se repetem na história” serão capazes de subverter tudo o que hoje existe,
produzir uma mudança histórica que “revolucione não apenas as condições particulares da
sociedade até então existente, como, também, a própria ‘produção da vida’”. E concluem com
certa amargura, “se tais elementos não existem, então é bastante indiferente, para o
desenvolvimento prático, se a idéia dessa subversão já foi proclamada uma centena de vezes”
(idem, ibidem). No fundo, ainda vale o conselho dos mesmos autores, se são as circunstâncias
Indicações bibliográficas
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QUIROGA, O. Horóscopo. O Estado de São Paulo, Caderno 2, C4, terça feira, 7 de janeiro de
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I, 17a
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444, 1989.
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ZIZEK, S. Como Marx inventou o sintoma? . In_ O mapa da ideologia (S. Zizek, org.). Rio de
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