Atividade Complementar 9º Ano
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Estranhas gentilezas
Estão acontecendo coisas estranhas. Sabe-se que as pessoas nas grandes cidades não têm o hábito da
gentileza. Não é por ruindade, é falta de tempo. Gastam a paciência nos ônibus, no trânsito, nas filas, nos
mercados, nas salas de espera, nos embates familiares, e depois economizam com a gente.
Comigo dá-se o contrário, é o que estou notando de uns dias para cá. Tratam-me com inquietante
delicadeza. Já captava aqui e ali sinais suspeitos, imprecisos, ventinho de asas de borboleta, quase nada. A
impressão de que há algo estranho tomou corpo mesmo foi na semana passada. Um vizinho que já fora meu
amigo telefonou-me desfazendo o engano que nos afastava, intriga de pessoa que nem conheço e que afinal
resolvera esclarecer tudo. Difícil reconstruir a amizade, mas a inimizade morria ali.
Como disse, eu vinha desconfiando tenuemente de algumas amabilidades. O episódio do vizinho fez
surgir em meu espírito a hipótese de uma trama, que já mobilizava até pessoas distantes. E as próximas?
Tenho reparado. As próximas telefonam amáveis, sem motivo. Durante o telefonema fico aguardando o
assunto que estaria embrulhado nos enfeites da conversa, e ele não sai. Um número inesperado de pessoas me
cumprimenta na rua, com acenos de cabeça. Mulheres, antes esquivas, sorriem transitáveis nas ruas dos Jardins.
Num restaurante caro da Rua Amauri, o maître, com uma piscadela, fura a demorada fila de executivos à espera
e me arruma rapidinho uma mesa para dois. Um homem de pasta que parecia impaciente à minha frente me
cede o último lugar no elevador. O jornaleiro larga sua banca na Avenida Sumaré e vem ao prédio avisar-me
que o jornal chegou. Os vizinhos de cima silenciam após as 10 da noite.
Caminhões baixam a luz dos faróis quando cruzam comigo na Via Anhanguera. Motoristas, mesmo
mulheres, cedem-me a preferência nas esquinas.
Vendedores de bugigangas nos faróis de trânsito passam direto pelo meu carro, sem me olhar. Até
crianças me cumprimentam cúmplices: oi, tio.
Que está acontecendo? Quem e por que está querendo me convencer de que as pessoas são um doce?
Penso: não são gentilezas, são homenagens aos meus cabelos brancos, por eu ter aguentado tanto, como se fosse
um atleta de maratona, daqueles retardatários que são mais aplaudidos na chegada que os vencedores.
A última manobra: botaram um pintassilgo a cantar para mim na árvore em frente à janela do meu
apartamento de 2o andar.
Que significa isso? Que querem comigo? Que complô é esse? Que vão pedir em troca de tanta
gentileza?
Aguardo, meio apreensivo, meio feliz.
Interrompo a crônica nesse ponto, saio para ir ao banco, desço pelas escadas porque alguém segura o
elevador lá em cima, o segurança do banco faz-me esvaziar os bolsos antes de entrar pela porta giratória,
enfrento a fila do caixa, não aceitam cheques de outra pessoa para pagar contas, saio xingando do banco,
atravesso a avenida arriscando a vida entre bólidos, um caminhão respinga-me a água suja de uma poça, entro
no apartamento, sento-me ao computador e ponho-me de novo a sonhar.
ÂNGELO, Ivan. O comprador de aventuras e outras crônicas. São Paulo: Ática, 2000.
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Novas ideias para um Novo Futuro!
01. Sabemos que a crônica trata de assuntos cotidianos. Que acontecimentos foram determinantes para que o
autor pudesse escrever o texto?
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02. Retire, do primeiro parágrafo, uma frase em que o autor deixa evidente estar partindo de uma observação
pessoal para escrever sua crônica.
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03. A crônica é quase sempre um texto curto, com poucos personagens, e apresenta tempo e espaço bastante
limitados. No texto “Estranhas gentilezas”, quem é o personagem principal?
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04. Podemos afirmar que o enredo se desenvolve em um cenário específico? Justifique sua resposta.
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05. Na crônica, os acontecimentos podem ser contados por um narrador-personagem ou por um narrador-
observador. Qual é o tipo de narrador na crônica em questão? Justifique sua resposta.
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06. Cite três das estranhas gentilezas que motivaram a reflexão do autor.
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07. De que modo o narrador deixa claro que as pessoas o reconhecem como uma pessoa idosa?
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Novas ideias para um Novo Futuro!
TEXTO II:
O exercício da crônica
Escrever crônica é uma arte ingrata. Eu digo prosa fiada, como faz um cronista; não a prosa de um ficcionista,
na qual este é levado meio a tapas pelas personagens e situações que, azar dele, criou porque quis. Com um
prosador do cotidiano, a coisa fia mais fino. Senta-se ele diante de uma máquina, olha através da janela e busca
fundo em sua imaginação um assunto qualquer, de preferência colhido no noticiário matutino, ou da véspera,
em que, com suas artimanhas peculiares, possa injetar um sangue novo. Se nada houver, resta-lhe o recurso de
olhar em torno e esperar que, através de um processo associativo, surja-lhe de repente a crônica, provinda dos
fatos e feitos de sua vida emocionalmente despertados pela concentração. Ou então, em última instância,
recorrer ao assunto da falta de assunto, já bastante gasto, mas do qual, no ato de escrever, pode surgir o
inesperado.
MORAES, Vinicius de. Para viver um grande amor: crônicas e poemas. São Paulo: Companhia das Letras,
1991.
01. Entre as características que definem uma crônica, estão presentes no texto de Vinicius de Moraes:
a) a narração em terceira pessoa e o uso expressivo da pontuação.
b) o uso de expressões hiperbólicas, exageradas, e o predomínio do discurso direto.
c) o emprego de linguagem acessível ao leitor e a abordagem de fatos do cotidiano.
d) a existência de trechos cômicos e a narrativa restrita ao passado do autor.
e) a ausência de reflexões de cunho pessoal e o emprego de linguagem em prosa poética.
02. Predomina nesse texto a função metalinguística da linguagem. Isso significa que esse texto se caracteriza
por expor:
a) as diferenças entre o cronista e o ficcionista.
b) os elementos que servem de inspiração ao cronista.
c) os assuntos que podem ser tratados em uma crônica.
d) o papel da vida do cronista no processo de escrita da crônica.
e) o uso da crônica para tratar sobre as dificuldades de escrevê-las.
03. Nessa crônica é possível perceber o uso da linguagem informal em:
a) “Escrever crônica é uma arte ingrata”.
b) “Com um prosador do cotidiano”.
c) “este é levado meio a tapas pelas personagens”.
d) “através de um processo associativo, surja-lhe de repente a crônica”.
e) “no ato de escrever, pode surgir o inesperado”.