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O Evangelho 2
Textos básicos: 1 Timóteo 3:14,15; Gálatas 2:14
1. Algo novo Ao contrário do que muitos podem pensar, o evangelho não é uma teoria que deva pairar por aí, no espaço, como se fosse “uma alma penada”. Ele é materializado(encarnado) nas crenças, corpos e relacionamentos de um novo tipo de comunidade. Em sua doutrina e cultura, palavras e ações, essa igreja torna visível a humanidade restaurada que somente Cristo pode prover. Esse ponto é muito importante, pois é para a beleza das relações humanas, que devem estar presentes nesta nova comunidade, que os incrédulos olharão. O evangelho dá a forma como devemos nos comportar na igreja de Deus. 1.1 Combatendo uma cultura com outra Seres humanos são produtores de cultura. Em teologia, chamamos de mandato cultural à ordenança divina dada ao homem para que este domine a natureza. Conforme essa doutrina, a humanidade – por ser imagem e semelhança de um Deus Criador – foi dotada de um intelecto criador que, como Deus, também possui a capacidade de criar. Porém, diferente da divindade (que faz todas as coisas a partir do nada), o homem cria cultura a partir do que já existe. Portanto, a humanidade foi criada com uma estrutura interna (a capacidade de fazer cultura) e uma direção, a glória de Deus. Dessa forma, tudo que Adão e Eva criavam – antes do pecado – estava em perfeita harmonia com a natureza e os mandamentos santos de Deus. No entanto, após a queda do homem no pecado, a direção do coração humano deixou de ter Deus como ponto de referência, passando a ter o “eu” pecaminoso como referência. Como consequência, o homem criou uma série de narrativas sobre si mesmo e sobre o mundo que ora excluem, ora confrontam a existência de Deus. Tais narrativas guiam a forma como vivemos, tanto de forma particular quanto coletivamente. E, como na maioria das vezes, essa cultura procede de corações não regenerados, ela termina por criando estruturas e modos de viver que afrontam a revelação que Deus faz de si mesmo nas Escrituras. Essa situação só muda quando somo alcançados e feitos novas criaturas pelo poder do evangelho. Através do novo nascimento o coração (que é o centro da vida interna do ser humano, de acordo com as Escrituras) é reorientado do “eu” pecaminoso para Deus. Essa mudança de direção dará origem a uma nova cultura que tem Deus como centro. Assim, o cristão é alguém que não vive mais com base na sabedoria dos poderosos deste mundo, mas que vive de acordo com a sabedoria de Deus, revelada em Cristo e no evangelho. Devido a este fato, a igreja deve oferecer ao mundo uma contracultura, uma encarnação viva do evangelho. Ou seja, o evangelho oferece à igreja uma nova visão de mundo, por meio da qual ela interpreta o mundo e as relações humanas. Essa cultura alternativa produzida pelo evangelho é rival, em muitos aspectos, à cultura pecaminosa que domina este mundo. Tomemos como exemplo as relações humanas. Segundo o evangelho, elas devem ser pautadas não em aspectos econômicos, sociais, ou mesmo pessoais, mas na ética do Reino de Deus, que segue os mandamentos de Jesus, os quais dizem que todos os cristãos são um em Cristo. Desse modo, ao encarnar o evangelho, todas as barreiras de separação nos relacionamentos entre os irmãos devem cair por terra. Pois, a beleza nas relações humanas é, em si mesma, um argumento a favor do evangelho e contra um mundo dividido. 1.2. A casa de Deus É notável que Jesus comece o seu primeiro sermão mais longo priorizando a cultura do evangelho. As bem-aventuranças têm como alvo nos ensinar a nos comportar na família de Deus. Eles dão o tom do novo reino de Jesus. A família de Deus é onde as pessoas se comportam de um novo modo. É o lugar onde as pessoas devem encontrar doses maciças do evangelho, de segurança e de tempo. Em outras palavras, as pessoas em nossas igrejas precisam: • Evangelho – constantes exposições das boas novas; • Segurança – ambiente sem acusação, onde possam admitir seus problemas; • Tempo – para repensar a vida. Pessoas são complexas. Mudar não é fácil. Entretanto, é importante observar a importância que a disciplina eclesiástica desempenha na igreja. Pois, embora a igreja deva ter um ambiente de amor ela não deve se tornar confortável para quem quer viver no pecado, mas um ambiente seguro para confissão e arrependimento. Se o pecador se arrepende, os presbíteros devem protegê-lo da igreja. Porém, quando alguém vive na prática do pecado os presbíteros devem proteger a igreja do pecador. 1.3. A igreja do Deus vivo Já sabemos que a igreja não é o local onde nos reunimos (o local recebe o nome de “prédio”). Também sabemos que isoladamente nenhum de nós é a igreja. Antes, todo cristão verdadeiro é membro da igreja. A palavra “igreja” significa “aqueles que são chamados para fora”. Fora de que? E para Onde? Fora de suas casas para o santo ajuntamento. Esse ajuntamento, ou reunião, do povo de Deus é a igreja, que é o corpo e a noiva de Cristo, o templo de Deus, a coluna e o baluarte da verdade. Participar dos cultos públicos semanais da igreja significa mais do que cumprir uma obrigação religiosa. Quer dizer deixar de ser o que éramos para crescer sempre que nos reunimos em nome do Senhor. Isso é o mesmo que participar do projeto divino de uma nova comunidade, que tem como centro os valores do Reino de Deus. A bíblia chama essa caminhada conjunta de discipulado. O discipulado é um modo de viver, baseado nas Escrituras, que tem como eixo principal os cultos públicos, onde a igreja está reunida para a adoração comunitária. Por sua vez, o culto público tem, pelo menos dois papéis: informar por meio da doutrina e formar por meio das práticas presentes em sua liturgia. Se a cada reunião da igreja houver pregação fiel das Escrituras, o coração da congregação será impactado, e a mente dos membros, transformada. Se a cada semana as mesmas práticas são repetidas, aprenderemos a nos comportar de uma nova maneira. Se o ambiente da igreja for seguro, haverá mais sinceridade nos relacionamentos. Se tivermos paciência para enxergar mudanças, elas ocorrerão. 1.4. Coluna e alicerce da verdade Na passagem de 1 Timóteo 3:15 o Espírito Santo usa Paulo para afirmar que a igreja é a “coluna e baluarte da verdade”. Isso quer dizer que, enquanto coluna, a igreja sustenta algo; já enquanto alicerce, dá firmeza a algo. Uma igreja fiel, em outras palavras, dá sustentação ao evangelho, para que todos o vejam, e lhe dá firmeza, de modo que seja crível e sólido. O poder do evangelho cria algo totalmente diferente no mundo hoje. Cria igrejas que, nas palavras de John Piper, exaltam a Deus, adoram a Cristo, são cheias do Espírito, desfrutam da bíblia, pregam a graça, desafiam o comodismo, abraçam a cruz, correm riscos, crucificam o ego, abandonam a fofoca, transbordam em oração, pensam no futuro, buscam os que estão fora e são belas em seu ajuntamento humano,onde aquele que não merece pode prosperar. Só Deus pode construir esse tipo de comunidade. Quando, porém, ele o faz, não podemos desconsiderá-la. Você vê a grandezade sua igreja, que é a casa de Deus, a igreja do Deus vivo, coluna e alicerce da verdade do evangelho? Trata-se de um novo tipo de comunidade para a manifestação da glória de Cristo. “Deus resplandece desde Sião, a perfeição da formosura” (Salmo 50:2). 2. Não é fácil, mas possível Não é fácil crer no evangelho.Ele diz que um Deus Todo-Santo ama pecadores como nós. O evangelho diz que Deus enviou seu único Filho para morrer por nós. Diz que Ele derrama o Seu Espírito Santo para nos dar vida e nos sustentar. Diz que nada, jamais, vai nos separar do amor de Deus em Cristo Jesus, nosso Senhor. Diz ainda que esse Salvador é a estratégia de Deus para transformar o universo. Essas boas-novas não parecem improváveis? Ou cremos de forma orgulhosa que somos bons demais para sermos julgados, ou cremos orgulhosamente que somos ruins demais para ser salvos. Portanto, o evangelho é uma supreza contínua, e precisamos ouví-lo reiteradas vezes. Deus nos fez para sermos dependentes dEle, para receber vida “de fora”. Quando criou o homem, o Senhor lhe soprou nas narinas o fôlego de vida. Ao colocá-lo no Éden, Deus lhe disse que se fosse obediente a Sua Palavra Adão receberia a vida eterna em troca. Note que, em todos os casos citados, a vida vem de fora. Dessa forma, o homem era totalmente dependente de Deus para continuar vivo e feliz. No entanto, por meio da entrada do pecado no mundo, o homem colocou-se como centro de todas as coisas. Em troca de sua dependência, a humanidade declarou a sua autossuficiência. Ou seja, ele disse não precisar mais de Deus. A justificação pela fé em Cristo corrige esse problema, na medida em que retira o homem do centro para colocar Deus no centro, restaurando aquela condição que tínhamos antes da queda, ainda que, no momento, tal condição não seja perfeitamente restaurada. 2.1. A dificuldade de cultivar uma cultura do evangelho É mais difícil apropriar-se da cultura do evangelho do que da doutrina do evangelho. É preciso mais sabedoria relacional e mais refinamento. Exige que se entre em um tipo de comunidade diferente de qualquer coisa que já experimentamos, onde juntos vivenciamos, felizes, um amor que não podemos criar. Uma cultura do evangelho exige de nós que não confiemos em nossa própria importância ou virtudes, mas que abandonemos toda autoconfiança e exultemos juntos unicamente em Cristo. A principal barreira à manifestção da beleza de Jesus em nossas igrejas tem origem nos pensamentos e comportamentos que temos dentro desse ambiente santo que pertence exclusivamente a Ele. Quando crescemos, Cristo diminui em nosso meio. É por isso que cultivar uma cultura do evangelho exige de nós um desapego constante e profundo de nosso ego. O custo pessoal é alto, é até doloroso. O que estou propondo neste livro não é algo superficial ou raso. Há muitas forças contra nós, dentro e fora. Entretanto, o triunfo de nossas igrejas ainda é possível, contanto que olhemos exclusivamente para Cristo. Ele nós ajudará. 2.2. Avaliando a cultura de nossas igrejas Para discernir mais claramente a cultura de sua igreja, faça a si mesmo várias perguntas. Qual a coisa mais importante na sua igreja e que até hoje aguarda uma decisão formal? Existe algum ideal bem- intencionado, mas inútil? Existe alguma área na vida de sua igreja em que a obediência a Cristo esteja sendo protelada, mas mesmo assim espera-se por sua bênção? Sua igreja é contolada por alguma coisa muito forte? É fácil a igreja transformar coisas em bezerros de ouro, seja o coral, programas de juventude ou estratégias missionárias. Todas essas coisas podem ser boas, mas todas devem ser entregues a Cristo. Ao responder a tais perguntas, você talvez descubra duas coisas: em primeiro lugar, a existência de um ídolo, algo que sua igreja reinvindica demais para si e que, portanto, tolhe sua liberdade em Cristo; em segundo lugar, que há precisamente uma área em que sua igreja pode aprender mais da suficiência plena de Jesus. Haverá ocasiões na vida da igreja em que tudo parece estar vindo a baixo. Esses momentos, porém, podem quebrantar o coração da igreja para que dependa como nunca antes do Cristo vivo. Eles nos ensinam que a melhor maneira de “fazer igreja” consiste em sempre colocar nossa necessidade infinita diante de sua providência infinita. 2.3 O poder do medo na cultura de uma igreja Na epístola aos gálatas, Paulo retrata uma situação desconfortável entre ele e o apóstolo Pedro (Gl. 2:11-13). O texto nos diz que, durante a visita de Pedro à igreja de Antioquia, este teria comido com os não judeus (gentios) – coisa proibida pelo judaismo. Porém, no momento em que outros judeus, da parte de Tiago, também chegaram à Antioquia, Pedro os abndonou, retornando ao velho costume judaico de não comer com gentios. O problema dessa história era de que ela punha em risco a pureza do evangelho. Se Paulo deixasse que essa história passasse batida poderia induzir todos os presentes a acreditar que apenas os judeus estão aptos para a salvação em Cristo Jesus. Para Paulo (o apóstolo dos gentios), não era um caso de rivalidade pessoal, mas o choque entre o evangelho e a tradição. O que estava em jogo era nada mais, nada menos, que o evangelho. Ele se recusou a observar em silêncio o que se passava enquanto outros líderes destruíam a cultura do evangelho por causa de uma tradição obsoleta que deixava o eu intacto. Em outras palavras, o problema surgiu não no nível da doutrina, mas no nível da cultura. Começou com o temor pessoal, e não com a leitura de um livro de má teologia. Portanto, Paulo por duas vezes classificou de hipócrita essa atitude: “e os outros judeus agiram com hipocrisia juntamente com ele, a ponto de Barnabé se deixar levar pela hipocrisia deles.” O exemplo de Pedro pressionava os crentes gentios a se conformar externamente com os costumes judaicos, a fim de serem plenamente aceitos como membros da igreja. O receio da desaprovação humana alimenta a postura política. Faz com que queiramos ser percebidos de certa forma e identificados com certas pessoas. O medo destrói a honestidade, a espontaneidade e a alegria. Constrói muros que Jesus morreu para derrubar. Corrompe a sã doutrina, conforme veremos mais adiante. O que é esse medo senão nosso eu vazio e incompleto movido por algo que não é Jesus? Infelizmente, o temor pode ser uma força poderosa entre os cristãos. O temor de Pedro exercia tanta influência que até mesmo Barnabé, o “filho do encorajamento” (At. 4:36), se deixou arrebatar. Só Paulo teve a clareza e a coragem que os apóstolos colocassem o evangelho, e não a cultura judaica, como prioridade. 2.4. Doutrina correta + cultura errada = negação doutrinária Não é fácil construir uma cultura centrada no evangelho, mas é possível. O passo mais difícil a ser dado por uma igreja consiste em confrontar a si mesma, tal como Paulo confrontou Pedro (G. 2:14). Não basta que perguntemos se a nossa igreja ensina a doutrina do evangelho. Temos que perguntar se a cultura do evangelho em nossa igreja está claramente alinhada com a doutrina do evangelho. A cultura do evangelho é tão sagrada quanto a doutrina do evangelho e deve ser cuidadosamente cultivada e preservada em nossas igrejas. Paulo lutou por ela, porque a doutrina da salvação pela graça não pode ser preservada integralmente se estiver cercada por uma cultura de autossalvação. Jesus é o Salvador que as pessoas precisam, e mais ninguém. Ele é nossa Árvore da Vida. Ele é suficiente para nos mantemos vivos para sempre. 2.5. A maravilhosa libertação de uma cultura do evangelho Na vida cotidiana, somos continuamente inundados por uma atmosfera nociva de críticas recíprocas, de tal modo que nem sempre temos consciência dela, o que nos leva inadvertidamente a um círculo vicioso implacável: toda censura evoca um sentimento de culpa tanto no crítico quanto na pessoa criticada, e cada um procura alívio de sua culpa do modo que pode, seja criticando outras pessoas, seja pela autojustificação. E então, no domingo, entramos em um novo tipo de comunidade onde descobrimos um ambiente de graça unicamente em Cristo. Isso é muito revigorante. Pecadores como nós podem respirar novamente! É como se Deus smplesmente mudasse o tema da discussão daquilo que está errado em nós, o que não é pouca coisa, para aquilo que é infinito. Ele substitui nossa negatividade, as acusações e o ódio a nós mesmos pelas boas-novas de sua graça por aqueles que não a merecem. Quem não voltaria à vida em uma comunidade que inala constantemente essa atmosfera celestial? Eis aqui um lugar onde podemos agora tomar posição alegremente: “a vida que vivo agora no corpo, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entegou por mim” (Gl. 2:20). A preocupação com nós mesmos foi crucificada com Cristo. A necessidade de ocultar o fracasso e de manifestar a falsa superioridade não existe mais. Cristo é suficiente para completar cada um de nós sem acrescentar nada de nós mesmos. 2.6. Olhando somente para Ele Criar uma cultura do evangelho não é fácil. Mas é possível. Não há nada mecânico ou esquemático numa vida de fé em Jesus Cristo. É desviar o olhar de nós mesmos e olhar para Ele. É uma entrega pessoal e profunda a cada momento. É se corrigir várias vezes ao longo do caminho conforme nosso coração e nossas igrejas se realinham novamente com o Filho de Deus, que nos amou e se entregou por nós.