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CONSTITUIÇÃO

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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 69

09/03/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.581 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


REDATOR DO : MIN. ALEXANDRE DE MORAES
ACÓRDÃO
REQTE.(S) : DIRETÓRIO NACIONAL DO PARTIDO
TRABALHISTA BRASILEIRO - PTB
ADV.(A/S) : LUIZ GUSTAVO PEREIRA DA CUNHA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS DEFENSORAS E
DEFENSORES PÚBLICOS - ANADEP
ADV.(A/S) : ILTON NORBERTO ROBL FILHO
ADV.(A/S) : ISABELA MARRAFON
ADV.(A/S) : TATIANA ZENNI DE CARVALHO GUIMARÃES
FRANCISCO

CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL. ART. 316,


PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, COM A
REDAÇÃO DADA PELA LEI 13.964/2019. DEVER DO MAGISTRADO
DE REVISAR A NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DA PRISÃO
PREVENTIVA A CADA NOVENTA DIAS. INOBSERVÂNCIA QUE NÃO
ACARRETA A REVOGAÇÃO AUTOMÁTICA DA PRISÃO.
PROVOCAÇÃO DO JUÍZO COMPETENTE PARA REAVALIAR A
LEGALIDADE E A ATUALIDADE DE SEUS FUNDAMENTOS.
OBRIGATORIEDADE DA REAVALIAÇÃO PERIÓDICA QUE SE
APLICA ATÉ O ENCERRAMENTO DA COGNIÇÃO PLENA PELO
TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. APLICABILIDADE
NAS HIPÓTESES DE PRERROGATIVA DE FORO. INTERPRETAÇÃO
CONFORME À CONSTITUIÇÃO. PROCEDÊNCIA PARCIAL.
1. A interpretação da norma penal e processual penal exige que se
leve em consideração um dos maiores desafios institucionais do Brasil na
atualidade, qual seja, o de evoluir nas formas de combate à criminalidade
organizada, na repressão da impunidade, na punição do crime violento e

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Ementa e Acórdão

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ADI 6581 / DF

no enfrentamento da corrupção. Para tanto, é preciso estabelecer não só


uma legislação eficiente, mas também uma interpretação eficiente dessa
mesma legislação, de modo que se garanta a preservação da ordem e da
segurança pública, como objetivos constitucionais que não colidem com a
defesa dos direitos fundamentais.
2. A introdução do parágrafo único ao art. 316 do Código de
Processo Penal, com a redação dada pela Lei 13.964/2019, teve como causa
a superlotação em nosso sistema penitenciário, especialmente decorrente
do excesso de decretos preventivos decretados. Com a exigência imposta
na norma, passa a ser obrigatória uma análise frequente da necessidade
de manutenção de tantas prisões provisórias.
3. A inobservância da reavaliação prevista no dispositivo
impugnado, após decorrido o prazo legal de 90 (noventa) dias, não
implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo
competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus
fundamentos. Precedente.
4. O art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal aplica-se
até o final dos processos de conhecimento, onde há o encerramento da
cognição plena pelo Tribunal de segundo grau, não se aplicando às
prisões cautelares decorrentes de sentença condenatória de segunda
instância ainda não transitada em julgado.
5. o artigo 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal aplica-
se, igualmente, nos processos em que houver previsão de prerrogativa de
foro.
6. Parcial procedência dos pedidos deduzidos nas Ações Diretas.

AC ÓRDÃ O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros do Supremo


Tribunal Federal, em Sessão Virtual do Plenário, sob a Presidência do
Senhor Ministro LUIZ FUX, em conformidade com a certidão de
julgamento, por maioria, julgaram parcialmente procedente a ação direta,
concedendo ao artigo 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal

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ADI 6581 / DF

interpretação conforme a Constituição, no seguinte sentido: i) a


inobservância da reavaliação prevista no parágrafo único do artigo 316 do
Código de Processo Penal (CPP), com a redação dada pela Lei
13.964/2019, após o prazo legal de 90 (noventa) dias, não implica a
revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente
ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos;
(ii) o art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal aplica-se até
o final dos processos de conhecimento, onde há o encerramento da
cognição plena pelo Tribunal de segundo grau, não se aplicando às
prisões cautelares decorrentes de sentença condenatória de segunda
instância ainda não transitada em julgado; (iii) o artigo 316, parágrafo
único, do Código de Processo Penal aplica-se, igualmente, nos processos
onde houver previsão de prerrogativa de foro. Tudo nos termos do voto
do Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão, vencidos
parcialmente os Ministros Edson Fachin (Relator), Roberto Barroso,
Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
Brasília, 10 de março de 2022.

Ministro ALEXANDRE DE MORAES


Relator
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Relatório

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28/06/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.581 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


REDATOR DO : MIN. ALEXANDRE DE MORAES
ACÓRDÃO
REQTE.(S) : DIRETÓRIO NACIONAL DO PARTIDO
TRABALHISTA BRASILEIRO - PTB
ADV.(A/S) : LUIZ GUSTAVO PEREIRA DA CUNHA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS DEFENSORAS E
DEFENSORES PÚBLICOS - ANADEP
ADV.(A/S) : ILTON NORBERTO ROBL FILHO
ADV.(A/S) : ISABELA MARRAFON
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FRANCISCO

RE LAT Ó RI O

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): Trata-se do


julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade de
número 6.581 e 6.582, que visam à declaração de inconstitucionalidade do
parágrafo único do art. 316 do Código de Processo Penal (CPP).
O dispositivo vergastado possui a seguinte redação, dada pela Lei nº
13.964, de 2019:

“Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido


das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr
da investigação ou do processo, verificar a falta de
motivo para que ela subsista, bem como novamente
decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Parágrafo único. Decretada a prisão
preventiva, deverá o órgão emissor da decisão
revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90

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Relatório

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ADI 6581 / DF

(noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de


ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.

A ADI nº 6.581 foi proposta pelo Partido Trabalhista Brasileiro, que


argumenta que a norma em questão gera lesões irreparáveis ao direito
fundamental à segurança e à paz social. Isto se daria porque a
possibilidade de que prisões preventivas se tornem ilegais, uma vez
inobservado o prazo legal de noventa dias, seria incompatível com a
capacidade institucional da magistratura. Como consequência, esvaziar-
se-iam os instrumentos disponíveis ao Estado para o cumprimento de seu
dever constitucional de zelar pela segurança pública (arts. 6º e 144 da
CRFB/1988), e “[seriam colocados] nas ruas dezenas de milhares de
acusados ou condenados, sem que tenha sido considerada a ameaça que
oferecem à estabilidade da ordem pública e, consequentemente, à
coletividade em geral” (eDOC. 1).
Aduz que, entendido a partir da sistemática processual penal, o
parágrafo único do art. 316 do CPP seria despiciendo, porquanto o art.
285, §5º do mesmo Código de Processo Penal já disciplina a possibilidade
de o magistrado revogar ou substituir a medida cautelar quando verificar
não mais estarem presentes os motivos que a justificavam.
Requer, em sede de medida cautelar, que seja suspensa a eficácia do
art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal.
No mérito, requer:

“que seja julgado procedente o pedido desta


ADI, para declarar, em definitivo, a
inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo
316 do Código de Processo Penal, nos termos do
pedido cautelar” (eDOC. 1, p. 9).

A ADI nº 6.582 foi proposta pela Associação dos Magistrados


Brasileiros – AMB em face do mesmo art. 316, parágrafo único, do CPP,
por existirem interpretações do dispositivo que violam o devido processo
legal, o princípio da separação de poderes e os princípios da

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Relatório

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ADI 6581 / DF

razoabilidade e da proporcionalidade.
Elenca precedentes do Supremo Tribunal Federal, do Superior
Tribunal de Justiça, de variados Tribunais de Justiça dos Estados e do
Distrito Federal, bem como o entendimento firmado pelo Conselho da
Justiça Federal, para demonstrar que as interpretações do art. 316,
parágrafo único, do CPP divergem quanto a três variáveis: o juiz
competente, o momento processual correto para a revisão e a
peremptoriedade do prazo nonagesimal. Afirma a requerente:

“A polissemia de interpretação sobre a norma é


manifesta.
De fato, há decisões que observam a
literalidade do texto da lei, e, por isso, impõem a
revisão da prisão preventiva ao Juiz de 1º grau, e
apenas a ele, afastando tal obrigação na fase recursal
ordinária, especial e extraordinária.
Há decisões que vão além do texto da lei e
impõem ao juiz de 1º grau a obrigação de realizar o
reexame da prisão preventiva, ainda que a ação
penal não esteja mais sob sua jurisdição, após ter
proferido sentença e exaurido sua competência.
Há decisões, igualmente, que fixam a
competência para o Tribunal de segundo grau,
quando a ação penal já está em grau de apelação.
Há o entendimento do CJF, contido no
enunciado n. 19 da I jornada de direito processual
penal, atribuindo a competência para o Tribunal no
qual estiver a ação penal em curso, vale dizer, em
algum TJ, TRF ou mesmo no STJ ou nesse STF para
promover a revisão da prisão preventiva a cada 90
dias, quando o feito estiver submetido a competência
desses tribunais.
E na parte que toca ao direito decorrente do
exaurimento do prazo de 90 dias da prisão
preventiva, sem que tenha sido feita a revisão, é
possível identificar dois entendimentos: (a) o de que

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Relatório

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dar-se-ia automaticamente o direito à revogação da


preventiva e (b) o de que dar-se-ia apenas o direito à
revisão da prisão preventiva” (eDOC 1, p. 17).

Aduz que apenas uma interpretação do dispositivo seria compatível


com o ordenamento constitucional, a saber, aquela segundo a qual a
norma obriga apenas o juiz que, atuando na fase de instrução e
processamento da ação penal, decreta a prisão preventiva. Outra leitura
acarretaria o contrassenso de se exigir atuação de magistrado cuja
competência já terá se exaurido.
A requerente argumenta, ainda, que o prazo legal de noventa dias
não se refere a direito do preso a se ver colocado em liberdade de forma
automática, mas sim a direito de ter sua prisão revisada de acordo com os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Em sede de cautelar, requer:

“que essa Corte confira interpretação conforme


à Constituição Federal ao parágrafo único do art. 316
do CPP, suspendendo toda e qualquer interpretação
diversa da sufragada pelo STJ e pelo TJSP nos
precedentes indicados (HC n. 569.701/SP, Min.
Ribeiro Dantas, HC n. 588.134/SP, Min. Joel Ilan
Paciornik, HC n. 589.544/SC, Min. Laurita Vaz e HC
n. 2192176-74.2020.8.26.0000, Desemb. Grassi Neto),
restringindo, portanto, sua aplicação ao juiz que tiver
decretado a prisão preventiva na fase de investigação
e de processamento da ação penal (fase de
conhecimento) até o exaurimento da sua jurisdição,
vale dizer, até a prolação da sentença, e sem
possibilidade de se conceder, automaticamente, a
revogação da prisão preventiva, pelo simples
vencimento do prazo de 90 dias, até o julgamento
final da ação” (eDOC. 1, p. 27).

No mérito, requer a confirmação definitiva da medida cautelar.

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Relatório

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ADI 6581 / DF

Após despacho determinando o apensamento das ações para


instrução conjunta e requerendo informações na forma do art. 12 da Lei
nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, manifestou-se, nos autos, o Senado
Federal pelo não conhecimento da ADI 6.851 e, no mérito, pela
improcedência da ação. A argumentação se centra na impossibilidade de
derivar do direito à segurança pública a inconstitucionalidade de uma
norma que protege o direito à presunção de inocência. Ademais,
prossegue a manifestação do Senado Federal, não teria a Requerente sido
capaz de provar nem a impossibilidade institucional do cumprimento do
prazo nonagesimal, nem tampouco o excesso do custo da medida em
relação à proteção de direitos fundamentais.
O Presidência da República aportou manifestação pelo não
conhecimento do ADI nº 6.852, em virtude da inexistência de pertinência
temática da Associação-Requerente. No mérito, pugnou também pela
improcedência do pedido e sustentou a constitucionalidade da norma
vergastada. Alega que a interpretação correta do dispositivo já foi
sufragada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da SL nº
1395, onde se assentou que a não reavaliação da prisão cautelar não
implica a soltura imediata do réu, mas apenas a reanálise dos requisitos
que motivaram a preventiva.
A douta Advocacia-Geral da União manifestou-se nos autos pela
procedência parcial de ambas as ações, com a finalidade de que se
aplique a técnica da interpretação conforme à Constituição para fixar a
tese vencedora da SL nº 1395 . O parecer colacionado à ADI nº 6.582 ficou
assim ementado:

“Processo Penal. Artigo 316, parágrafo único,


do Código de Processo Penal. Pedido de
interpretação conforme à Constituição, para
restringir a aplicação do dispositivo ao juízo que
decretar a prisão preventiva na fase de investigação e
de processamento de ação penal, até a prolação da
sentença, bem como para fixar a impossibilidade de
revogação automática da prisão preventiva em

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ADI 6581 / DF

decorrência do decurso do prazo nonagesimal. No


primeiro aspecto, a norma questionada é unívoca,
dirigindo-se ao órgão emissor da decisão que
decretou a prisão preventiva. Inadequação da técnica
de interpretação conforme à Constituição. Além
disso, eventual controvérsia na sua aplicação
restringe-se ao plano infraconstitucional. No
segundo ponto, esse Supremo Tribunal Federal fixou
a tese segundo a qual “a inobservância do prazo
nonagesimal do artigo 316 do Código de Processo
Penal não implica automática revogação da prisão
preventiva, devendo o juízo competente ser instado a
reavaliar a legalidade e a atualidade de seus
fundamentos”. A disposição atacada se harmoniza
com o dever de fundamentação das decisões judiciais
e com providências normativas adotadas no âmbito
do CNJ e do CNMP. A determinação de reanálise
periódica dos requisitos da prisão preventiva é
compatível com o direito fundamental à liberdade,
cuja privação a Constituição Federal condiciona ao
devido processo legal e à razoável duração do
processo. Manifestação pela procedência parcial do
pedido, com adoção da técnica de interpretação
conforme a Constituição, para reafirmar a tese fixada
pelo Plenário na SL nº 1395” (eDOC 28).

O Procurador-Geral da República retomou raciocínio bastante


similar, e também conclui pela procedência parcial da ação. Eis a
manifestação colacionada aos autos da ADI nº 6.582:

“CONSTITUCIONAL E PROCESSO PENAL.


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
ART. 316, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL. MANUTENÇÃO DE PRISÃO
PREVENTIVA. REVISÃO MEDIANTE DECISÃO
FUNDAMENTADA A CADA NOVENTA DIAS.

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ADI 6581 / DF

VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DO


PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.
USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
DA UNIÃO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA
RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE.
INTERPRETAÇÃO CONFORME A
CONSTITUIÇÃO. CONHECIMENTO PARCIAL DA
AÇÃO PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO.
1. As teses arguidas pelo requerente não
prescindem do prévio exame de norma
infraconstitucional aplicável, motivo pelo qual
eventual incompatibilidade entre as normas
impugnadas e a Constituição Federal é meramente
reflexa, denotando crise de legalidade. Precedentes.
2. É cabível a utilização da técnica da
interpretação conforme a Constituição para,
preservando a validade de lei e afastando potenciais
riscos de sua aplicação em prejuízo a valores
constitucionalmente protegidos, fixar tese que
melhor realiza sua teleologia.
3. O art. 316, parágrafo único, do CPP não é
incompatível com a Constituição Federal, uma vez
que confere efetividade a garantias instrumentais ao
direito constitucional à liberdade, tais como o devido
processo legal e a duração razoável do processo, é
corolário do dever de motivação das decisões
judiciais, previsto no art. 93, X, da Constituição
Federal e concorre para assegurar aspectos de
legalidade e atualidade aos provimentos
jurisdicionais sobre prisão preventiva.
4. O art. 316, parágrafo único, do CPP há de
submeter-se à interpretação constitucionalmente
adequada, no sentido de que a ausência de revisão
periódica na prisão preventiva, a cada 90 dias, não
implica relaxamento automático da custódia, mas
determinação de realização da aludida revisão.

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ADI 6581 / DF

— Parecer pelo conhecimento parcial da ação e,


no mérito, pela procedência parcial do pedido para
conferir interpretação conforme a Constituição
Federal ao parágrafo único do art. 316 do CPP e fixar
a tese de que “a inobservância do prazo nonagesimal
do artigo 316 do Código de Processo Penal não
implica automática revogação da prisão preventiva,
devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a
legalidade e a atualidade de seus fundamentos”
(eDOC 39, p. 1).

Admiti, nos autos, na condição de amicus curiae o Instituto de


Garantias Penais - IGP; o GAETS - Grupo de Atuação Estratégica das
Defensorias Públicas Estaduais e Distrital nos Tribunais Superiores; a
Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas - ABRACRIM; o
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais; e a Associação Nacional das
Defensoras d Defensores Públicos – ANADEP.
É, em síntese, o relatório.

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28/06/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.581 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR):

A questão constitucional trazida à colação pelas ADIs nº 6.581 e nº


6.582 cinge-se à compatibilidade do parágrafo único do art. 316 do
Código de Processo Penal (CPP) com o ordenamento constitucional.

1. DA COGNOSCIBILIDADE DA AÇÃO DIRETA

Principio por assentar a plena cognoscibilidade de ambas ações


diretas, porquanto identifico nos autos a existência dos elementos
subjetivos e objetivos que autorizam a fiscalização abstrata.
Não merece prosperar a alegação, trazida pelo Senado Federal, de
ilegitimidade ativa decorrente de ausência de interesse de agir por parte
do Partido Trabalhista Brasileiro. Nada obstante as análises sobre
pretéritas orientações de votação manejadas pelo Partido-Requerente no
interior do Congresso Nacional, não me parece que o assentimento
pregresso a norma retire o direito de incoar o controle concentrado,
notadamente diante das possibilidades de interpretação que a prática
jurídica pode revelar. Ademais, tanto a jurisprudência da Corte quanto a
doutrina têm reconhecido os partidos políticos como legitimados
universais (cf., por todos, ADPF 572, Relator: Edson Fachin, Tribunal
Pleno, julgado em 18/06/2020, DJe-087 DIVULG 06-05-2021 PUBLIC 07-
05-2021).
Igualmente, não merece acolhida a preliminar de ilegitimidade ativa
da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB. Identifico, forte nos
precedentes deste Supremo Tribunal Federal, a existência de vínculo
entre o objeto da demanda, que tangencia suficientemente o ofício da
magistratura nacional, e os fins sociais da Requerente. Cito:

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. EDSON FACHIN

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ADI 6581 / DF

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 5.913/1997,
DO ESTADO DE ALAGOAS. CRIAÇÃO DA
CENTRAL DE PAGAMENTOS DE SALÁRIOS DO
ESTADO. ÓRGÃO EXTERNO. PRINCÍPIO DA
SEPARAÇÃO DE PODERES. AUTONOMIA
FINANCEIRA E ADMINISTRATIVA DO PODER
JUDICIÁRIO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. A
Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB tem
legitimidade para o ajuizamento de ação direta de
inconstitucionalidade em que se discute afronta ao
princípio constitucional da autonomia do Poder
Judiciário. 2. A ingerência de órgão externo nos
processos decisórios relativos à organização e ao
funcionamento do Poder Judiciário afronta sua
autonomia financeira e administrativa. 3. A presença
de representante do Poder Judiciário na Central de
Pagamentos de Salários do Estado de Alagoas -
CPSAL não afasta a inconstitucionalidade da norma,
apenas permite que o Poder Judiciário interfira,
também indevidamente, nos demais Poderes. 4. Ação
direta de inconstitucionalidade julgada procedente”
(ADI 1578, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal
Pleno, julgado em 04/03/2009, DJe-064 DIVULG 02-
04-2009 PUBLIC 03-04-2009 EMENT VOL-02355-01
PP-00025 RTJ VOL-00209-02 PP-00529).
Passo à análise do mérito.

2. DOS PARÂMETROS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

A despeito da unidade no plano objetal das ADIs nº 6.581 e 6.582,


ambas dirigidas à impugnação do parágrafo único do art. 316 da
Constituição da República, identifico orientações distintas nos
argumentos dos Requerentes.
Na ADI nº 6.581, o Partido Trabalhista Brasileiro argumenta que o

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ADI 6581 / DF

prazo nonagesimal para revisão dos fundamentos jurídicos da prisão


preventiva, cominado com a consequência jurídica da ilegalidade da
medida, ofenderia o direito à segurança inscrito no caput do art. 6º e no
art. 144 da CRFB/88, bem como a garantia genérica da proteção à ordem
pública. Isto ocorreria porque, ante o que chamou de inexistência de
“capacidade institucional” (eDOC 1, p. 6) para execução, por parte dos
magistrados, do comando normativo, haveria uma deterioração da
capacidade do Estado de empregar meios legítimos para garantia da
segurança pública. O dispositivo vergastado seria portanto, de plano,
inconstitucional.
As razões trazidas na ADI nº 6.582 refletem raciocínio diverso. Em
lugar da incompatibilidade in totum do parágrafo único do art. 316, do
CPP, com a Constituição da República, afirma-se que haveria uma
interpretação que o harmoniza com o texto constitucional, a saber: aquela
que restringe sua aplicação “ao juiz que tiver decretado a prisão
preventiva na fase de investigação e de processamento da ação penal (fase
de conhecimento) até o exaurimento da sua jurisdição, vale dizer, até a
prolação da sentença, e sem possibilidade de se conceder,
automaticamente, a revogação da prisão preventiva, pelo simples
vencimento do prazo de 90 dias” (eDOC 1, p. 28). O argumento trazido
decorre de uma ponderação entre os direitos do acusado e as exigências
principiológicas do devido processo legal (garantia da competência
funcional/legal do magistrado), da razoabilidade e da proporcionalidade.
Feitas estas observações, anoto que este Supremo Tribunal Federal
tem há muito se pautado pela exigência constitucional, cerne do projeto
inaugurado na Constituição da República de 1988, de assegurar o respeito
à regra geral da liberdade de locomoção, nomeadamente em face da
garantia de que “ninguém será levado à prisão, ou nela mantido, se a lei
admitir a liberdade provisória com ou sem fiança” (CF, art. 5º, LXVI):

“EMENTA: HABEAS CORPUS. PRISÃO EM


FLAGRANTE. REGIME CONSTITUCIONAL DESSE
TIPO DE APRISIONAMENTO. CONTINUIDADE
DA PRISÃO NECESSARIAMENTE

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CONDICIONADA A FUNDAMENTAÇÃO
JUDICIAL. EXTENSÃO DA ORDEM CONCEDIDA
A CO-RÉU. REQUISITOS DO ART. 580 DO CPP. 1. O
instituto do flagrante delito há de incidir por modo
coerente com o seu próprio nome: situação de
ardência ou calor da ação penalmente vedada.
Ardência ou calor que se dissipa com a prisão de
quem lhe deu causa. Não é algo destinado a vigorar
para além do aprisionamento físico do agente, mas,
ao contrário, algo que instantaneamente se esvai
como específico efeito desse trancafiamento; ou seja,
a prisão em flagrante é ao mesmo tempo a causa e o
dobre de sinos da própria ardência (flagrância) da
ação descrita como crime. Por isso que a
continuidade desse tipo de custódia passa a exigir
fundamentação judicial, atento o juiz aos vetores do
art. 312 do Código de Processo Penal. 2. O instituto
da prisão opera como excepcional afastamento da
regra da liberdade de locomoção do indivíduo. Daí
a necessidade do seu permanente controle por
órgão do Poder Judiciário, quer para determiná-la,
quer para autorizar a sua continuidade (quando
resultante do flagrante delito). 3. A regra geral que
a nossa Lei Maior consigna é a da liberdade de
locomoção. Regra geral que se desprende do
altissonante princípio da dignidade da pessoa
humana (inciso III do art. 1º) e assim duplamente
vocalizado pelo art. 5º dela própria, Constituição: a)
“é livre a locomoção no território nacional em
tempo de paz” (inciso XV); b) “ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal” (inciso LIV). Daí o instituto da
prisão comparecer no corpo normativo da
Constituição como explícita medida de exceção, a
saber: “ninguém será preso senão em flagrante
delito ou por ordem escrita e fundamentada de

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autoridade judiciária competente, salvo nos casos


de transgressão militar ou crime propriamente
militar, definidos em lei” (inciso LXI do art. 5º da
CF/88). Mais ainda, desse último dispositivo ressai
o duplo caráter excepcional da prisão em flagrante:
primeiro, por se contrapor à regra geral da
liberdade física ou espacial (liberdade de
locomoção, na linguagem da Magna Carta);
segundo, por também se contrapor àquela
decretada por ordem escrita e fundamentada da
autoridade judicial competente. Donde a
imprescindibilidade de sua interpretação restrita,
até porque a flagrância é acontecimento fugaz do
mundo do ser. Existe para se esfumar com o
máximo de rapidez, de modo a legitimar o vetor
interpretativo da distinção entre ela, prisão em
flagrante, e a necessidade de sua continuação.
Necessidade que vai depender da concreta aferição
judicial da periculosidade do agente, atento o juiz
aos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
4. O art. 580 do CPP se destina à concreção do
princípio da igualdade e admite a aplicação do efeito
extensivo mesmo às hipóteses de decisão favorável
em sede não-recursal (como, por hipótese, em
revisão criminal, ou em habeas corpus). 5. Verificada
a identidade objetiva e subjetiva de situações
jurídico-factuais entre o paciente (beneficiado com a
decisão benfazeja desta Segunda Turma) e o co-réu, o
caso é de extensão dos efeitos da ordem concedida
no HC 103.673, também da minha relatoria. 6. Ordem
concedida” (HC 106449, Relator(a): AYRES BRITTO,
Segunda Turma, julgado em 17/05/2011, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-030 DIVULG 10-02-2012 PUBLIC
13-02-2012).

Como bem aponta o voto condutor do e. Ministro Ayres Britto, no

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HC nº 106.449, a análise constitucional do alcance de regras como a do


parágrafo único do art. 316 do Código de Processo Penal parte, em
princípio, de uma cadeia de garantias materiais e processuais da
liberdade dos cidadãos em face de atos de persecução penal, sem a
formação definitiva da culpa. Torna-se irredutível, assim, a irradiação de
obrigações decorrentes da dignidade da pessoa humana do art. 1º, III da
CRFB/88.
Esta não é uma referência abstrata ou protocolar. A dignidade da
pessoa humana está no âmago de importante linha de precedentes que
vem se construindo neste Supremo Tribunal Federal, ao menos desde a
ADPF nº 347, e que constata na realidade fática do sistema penitenciário
brasileiro um “estado de coisas inconstitucional”. A existência de quadro
de violação massiva e persistente de direitos fundamentais, além de
falhas estruturais e falência de políticas públicas, deve necessariamente
influenciar a análise de dispositivo legal que trata da prisão preventiva.
Reproduzo, aqui, o teor do decidido no julgamento da medida cautelar
na referida ADPF nº 347:

“CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E


MORAL – SISTEMA PENITENCIÁRIO –
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE
PRECEITO FUNDAMENTAL – ADEQUAÇÃO.
Cabível é a arguição de descumprimento de preceito
fundamental considerada a situação degradante das
penitenciárias no Brasil. SISTEMA PENITENCIÁRIO
NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA –
CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA –
VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS – FALHAS ESTRUTURAIS –
ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL –
CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de violação
massiva e persistente de direitos fundamentais,
decorrente de falhas estruturais e falência de
políticas públicas e cuja modificação depende de
medidas abrangentes de natureza normativa,

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administrativa e orçamentária, deve o sistema


penitenciário nacional ser caraterizado como “estado
de coisas inconstitucional”. FUNDO
PENITENCIÁRIO NACIONAL – VERBAS –
CONTINGENCIAMENTO. Ante a situação precária
das penitenciárias, o interesse público direciona à
liberação das verbas do Fundo Penitenciário
Nacional. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA –
OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão obrigados
juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto
dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção
Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem,
em até noventa dias, audiências de custódia,
viabilizando o comparecimento do preso perante a
autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas,
contado do momento da prisão”(ADPF 347 MC,
Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno,
julgado em 09/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-031 DIVULG 18-02-2016 PUBLIC 19-02-2016).

Parece-me importante observar que as prisões preventivas


representam causa significativa do agravamento desta crise.
Cumprimento, neste particular, a zelosa manifestação nos autos do
Senado Federal, que reconstruiu o histórico das discussões parlamentares
relativas à matéria. Tomo a liberdade de citá-la longamente:

“17. Contudo, há um elemento que confere


ainda maior razão à rápida tramitação da proposta,
em caráter terminativo, pelo Senado Federal – em
particular quanto à disposição legal ora em exame
(art. 316, parágrafo único, do CPP).
18. É que o Anteprojeto de Lei do Novo Código
de Processo Penal, oriundo de Comissão de Juristas
instituída pelo Senado Federal em 2009 e coordenada
pelo Min. Hamilton Carvalhido, já previa o reexame
obrigatório da prisão preventiva no prazo de 90 dias.

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19. É ler:
ANTEPROJETO DE LEI DO NOVO
CPP (JÁ APROVADO NO SENADO
FEDERAL, AUTUADO COMO PL N.
8.045/2010, EM TRÂMITE NA CÂMARA
DOS DEPUTADOS):
Art. 550. Qualquer que seja o seu
fundamento legal, a prisão preventiva que
exceder a 90 (noventa) dias será
obrigatoriamente reexaminada pelo juiz
ou tribunal competente, para avaliar se
persistem, ou não, os motivos
determinantes da sua aplicação, podendo
substituí-la, se for o caso, por outra
medida cautelar.
§1º O prazo previsto no caput deste
artigo é contado do início da execução da
prisão ou da data do último reexame.
§2º Se, por qualquer motivo, o
reexame não for realizado no prazo
devido, a prisão será considerada ilegal.
(redação originária, convertida em art. 562
no Senado Federal).
20. Pode-se dizer, portanto, que essa matéria já
havia sido aprovada materialmente pelo Senado
Federal, quando da análise do projeto de lei que
estabelece o novo CPP (atualmente em tramitação na
Câmara dos Deputados) e, portanto, não constitui,
sob o prisma do Poder Legislativo, nenhuma
novidade, já que há mais de uma década que o
Congresso Nacional, por suas Casas, buscava
aprová-la e transformá-la em lei.
21. Vale mencionar, inclusive, que o projeto de
Novo CPP, atualmente na Câmara dos Deputados,
mantém esse reexame obrigatório. A medida foi alvo
de emenda supressiva, rejeitada nos termos do

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Relatório Parcial do Deputado Paulo Teixeira, verbis:


RELATÓRIO PARCIAL NA
CÂMARA DOS DEPUTADOS (RELATOR
DEP. PAULO TEIXEIRA): O PL nº 8.045,
de 2010, em perfeita sintonia com a ordem
constitucional inaugurada em 1988, trouxe
uma moldura de respeito à dignidade da
pessoa humana. Desta maneira, nada há
de errado com a sanção decorrente do
apontado lapso de deixar de se reavaliar
as prisões. Trata-se de um novo
paradigma, em que se deixa para trás os
ranços fascistas da vetusta legislação
processual penal, para se colocar no
devido lugar a liberdade daqueles que não
tem contra si a culpa formada. Já passou
da hora, com todo respeito daqueles que
pensam de modo diverso, de superar a
dimensão substancialista de Justiça
Criminal, ao melhor sabor de faxina social,
ao custo das liberdades públicas, só assim
justificar-se-ia a inserção no Brasil no rol
das nações civilizadas. Portanto, a emenda
em foco é injurídica, inconstitucional, e no
mérito, deve ser rejeitada.
22. Dessa forma, demonstra-se que a disposição
legal que institui a revisão ou reexame obrigatório da
prisão preventiva foi alvo de cuidadosa consideração
dos senhores parlamentares, tanto neste quanto em
outros projetos de lei que tramitam no Congresso
Nacional, não se tratando de capricho ou decisão
açodada do legislador” (eDOC 17, p. 5-6).

Os esforços de organização dos mutirões carcerários do CNJ,


inaugurados no ano de 2008 como forma de garantir e promover os
direitos fundamentais na área prisional, foram responsáveis por

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identificar números alarmantes no que respeita ao cumprimento regular


da Lei de Execuções Penais. Segundo dados do próprio CNJ, publicados
ainda no ano de 2021, foram analisados cerca de 400 mil processos,
resultando em mais de 80 mil benefícios concedidos, como progressão de
pena, liberdade provisória, direito a trabalho externo, entre outros.
Dentre os casos submetidos ao escrutínio dos mutirões, 45 mil presos
foram libertados por já terem cumprido suas penas (CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA. Mutirão carcerário: raio-x do sistema
penitenciários brasileiro, 2012. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/2011/10/mutirao_carcerario.pdf. Acesso: 28/05/2021).
Dados como estes motivaram o Conselho Nacional de Justiça a
empreender medidas para fiscalização da execução de prisões cautelares
e definitivas. A Resolução Conjunta nº 1, de 29 de setembro de 2009 –
CNJ-CNMP, determinou a revisão anual acerca da legalidade da
manutenção das prisões provisórias e definitivas, das medidas de
segurança e das internações de adolescentes em conflito com a lei.
Como bem enfatizou a Presidência da República, em sua
manifestação nos autos, já a Resolução nº 66/2009 do CNJ determinava
que estando o réu preso provisoriamente há mais de três meses, com o
processo ou inquérito parado, deveria o juiz investigar as razões da
demora, indicando providências a serem adotadas e, posteriormente,
comunicá-las à Corregedoria Geral de Justiça ou à Presidência do
Tribunal. E arremata a Presidência da República:

“Destarte, a necessidade de análise da


manutenção da prisão preventiva a cada 90 (noventa)
dias, mediante decisão fundamentada, tem por
escopo fazer valer as garantias constitucionais de que
a liberdade somente pode ser restringida como
medida de exceção, não violando o direito à ordem
pública e à segurança da sociedade” (eDOC 19, p. 4).

Cito, a este propósito, o art. 5º da suprarreferida Resolução do


Conselho Nacional de Justiça:

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“Art. 5º. Após o exame dos inquéritos e


processos, com indiciado ou réu preso, paralisados
por mais de três meses o juiz informará à
Corregedoria Geral de Justiça e o Relator à
Presidência do Tribunal, as providências que foram
adotadas, por meio do relatório a que se refere o art.
2º, justificando a demora na movimentação
processual”.

Este Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se


manifestar sobre o parágrafo único do art. 316 do CPP, incluído pela Lei
nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019 (cf., a título exemplificativo: HC-
MC 182.490, rel: Min. Marco Aurélio; HC ED 191.187, rel: Min. Gilmar
Mendes; HC-MC 194.847, rel: Min. Nunes Marques; HC 195.272, rel: Min.
Rosa Weber; HC 187.187, rel: Min. Gilmar Mendes; HC 189.948, rel: Min.
Gilmar Mendes).
A posição dominante, no Tribunal, cristalizou-se no precedente da
SL nº 1.395, ocasião em que se formulou a seguinte tese de julgamento: “A
inobservância da reavaliação prevista no parágrafo único do artigo 316 do
Código de Processo Penal (CPP), com a redação dada pela Lei
13.964/2019, após o prazo legal de 90 (dias), não implica a revogação
automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado
a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos”.
Cito a integralidade da ementa daquele acórdão:

“Ementa: PEDIDO DE SUSPENSÃO DE


MEDIDA LIMINAR. PROCURADORIA-GERAL DA
REPÚBLICA. ART. 316, PARÁGRAFO ÚNICO, DO
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PACOTE
ANTICRIME (LEI 13.964/2019). COMPETÊNCIA DO
PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
PARA CONHECER DE PEDIDO DE SUSPENSÃO
DE SEGURANÇA. CONTRACAUTELA. PRESENÇA
DOS REQUISITOS PARA DEFERIMENTO.

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RESGUARDO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF.


INEXISTÊNCIA DE REVOGAÇÃO AUTOMÁTICA
DE PRISÃO PREVENTIVA. NECESSÁRIO EXAME
DE LEGALIDADE E DE ATUALIDADE DOS SEUS
FUNDAMENTOS. RESGUARDO DA ORDEM
PÚBLICA E DA SEGURANÇA JURÍDICA.
SUSPENSÃO REFERENDADA. 1. O incidente de
suspensão de liminar é meio autônomo de
impugnação de decisões judiciais, de competência do
Presidente do Tribunal ao qual couber o
conhecimento do respectivo recurso. O deferimento
da medida demanda demonstração de que o ato
impugnado pode vir a causar grave lesão à ordem, à
saúde, à segurança e à economia pública (art. 4º,
caput, da Lei 8.437/1992 c/c art. 15 da Lei 12.016/2009
e art. 297 do RISTF). 2. In casu, tem-se pedido de
suspensão ajuizado pela Procuradoria-Geral da
República contra medida liminar concedida nos
autos do Habeas Corpus 191.836/SP, no qual se
determinou a soltura de André Oliveira Macedo
(“André do Rap”), líder da organização criminosa
Primeira Comando da Capital (PCC). 3. O risco de
grave lesão à segurança e à ordem públicas revela-se
patente, uma vez que (i) subsistem os motivos
concretos que levaram à decretação e à manutenção
da prisão preventiva do paciente; (ii) trata-se de
agente de altíssima periculosidade comprovada nos
autos; (iii) há dupla condenação em segundo grau
por tráfico transnacional de drogas; (iv) o
investigado compõe o alto nível hierárquico na
organização criminosa denominada Primeiro
Comando da Capital – PCC; (v) o investigado ostenta
histórico de foragido por mais de 5 anos, além de
outros atos atentatórios à dignidade da jurisdição. 4.
Ex positis, suspendem-se os efeitos da medida
liminar proferida nos autos do HC 191.836, até o

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julgamento do respectivo writ pelo órgão colegiado


competente, consectariamente determinando-se a
imediata PRISÃO de ANDRÉ OLIVEIRA MACEDO
(“André do Rap”). 5. Tese fixada no julgamento: “A
inobservância da reavaliação prevista no parágrafo
único do artigo 316 do Código de Processo Penal
(CPP), com a redação dada pela Lei 13.964/2019, após
o prazo legal de 90 (dias), não implica a revogação
automática da prisão preventiva, devendo o juízo
competente ser instado a reavaliar a legalidade e a
atualidade de seus fundamentos”(SL 1395 MC-Ref,
Relator(a): LUIZ FUX (Presidente), Tribunal Pleno,
julgado em 15/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-021 DIVULG 03-02-2021 PUBLIC 04-02-2021).

3. DA APLICAÇÃO DO DIREITO AO CASO

Passo a analisar o que considero serem as três questões jurídicas em


debate nesta ação direta: i) a inconstitucionalidade genérica do parágrafo
único do art. 316 do CPP; ii) a inconstitucionalidade da revogação
automática da prisão preventiva; iii) a competência, constitucionalmente
adequada, para a revisão da prisão no prazo nonagesimal.

3.1 Da Inconstitucionalidade genérica do parágrafo único do art.


316 do CPP

Para efeitos argumentativos reproduzo, uma vez mais, o inteiro teor


do dispositivo vergastado:

“Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido


das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr
da investigação ou do processo, verificar a falta de
motivo para que ela subsista, bem como novamente
decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
(Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

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Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva,


deverá o órgão emissor da decisão revisar a
necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa)
dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob
pena de tornar a prisão ilegal. (Incluído pela Lei nº
13.964, de 2019)”.

O pedido, formulado na ADI nº 6.581, de que seja o parágrafo único


do art. 316 do CPP declarado inconstitucional não merece prosperar.
O Partido-Requerente entende ter sido violado o direito
fundamental à segurança e à ordem pública, uma vez que a ausência de
capacidade institucional do Poder Judiciário para implementar o
comando da norma ocasionaria a inefetividade do direito penal como
meio legítimo de controle da criminalidade.
Do ponto de vista estritamente empírico, não assomaram aos autos
razões para sustentar o alegado déficit de capacidade institucional do
Poder Judiciário para implementar o sistema de revisão nonagesimal.
Não se tratando de medida a priori impossível ou flagrantemente
desarrazoada, o Estado não pode invocar a máxima ultra posse nemo
obligatur para se desincumbir do dever de proteção ao núcleo essencial de
direitos fundamentais.
Da reconstrução que fiz dos precedentes deste Supremo Tribunal
Federal, não deduzo o reconhecimento de um conflito principiológico
capaz de infirmar a compatibilidade do art. 316, p.u., do CPP com a
Constituição da República. Como pude demonstrar, a jurisprudência se
constituiu no sentido de afirmar o caráter excepcional da prisão em face
da regra geral da liberdade de locomoção, entendida esta última a partir
de dois vetores normativos: a) “é livre a locomoção no território nacional
em tempo de paz” (art. 5º, inciso XV da CRFB/88); e b) “ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art.
5º, inciso LIV da CRFB/88).
Como bem asseveram o Min. Gilmar Mendes e o prof. Paulo Gonet
Branco em exame que fazem da matéria:

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“As alterações trazidas pela Lei n. 12.403/2011


deram especial ênfase ao caráter excepcional da
prisão preventiva. Com a nova sistemática, essa
modalidade de prisão agora somente pode ser
decretada quando todas as demais medidas
cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do
CPP, se mostrarem inadequadas ou insuficientes no
caso concreto (CPP, art. 282, § 6º)” (BRANCO, Paulo
Gonet; MENDES, Gilmar. Curso de direito
constitucional. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. E-
book).

Entre os parâmetros de controle de constitucionalidade que evoquei


na seção anterior deste voto, evidenciei que a revisão nonagesimal do
parágrafo único do art. 316 do CPP vem sendo sufragada pelo Supremo
Tribunal Federal, e conforma medida importante ante o quadro de
sistemáticas violações dos direitos fundamentais no sistema prisional.
Diante do caráter excepcional da prisão sem formação de culpa, não
há razões para se supor, uma vez reconhecido o estado de coisas
inconstitucional do sistema penitenciário, que o direito abstrato à
segurança deveria se sobrepor à regra geral da locomoção para, nos
termos propostos na inicial, invalidar a exigência de revisão nonagesimal
da prisão preventiva.

3.2 Da inconstitucionalidade da revogação automática da prisão


preventiva

Entendo que, na ADI nº 6.852, a Requerente logrou demonstrar que,


não somente em razão da extensão semântica dos termos empregados no
texto-de-norma, mas sobretudo em virtude da relação do parágrafo único
do art. 316 do CPP com a sistemática constitucional e legal, existem
suficientes interpretações divergentes de seu conteúdo a desafiar o
controle de constitucionalidade. Isto restou evidenciado nas várias
decisões judiciais colacionadas à peça exordial.

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ADI 6581 / DF

Feita esta observação, entendo que inexiste razão para superar o


precedente firmado na SL nº 1.395. Na forma do que estabeleceu, ali, a
maioria do Plenário deste Supremo Tribunal Federal, a regra nonagesimal
deve ser interpretada de forma sistemática, compatibilizando seu nobre
propósito com o conjunto de normas que regulam o devido processo
legal.
Naquela assentada, empregou-se um raciocínio por paralelismo para
encontrar uma fórmula de consistência entre o caput do art. 316 e seu
parágrafo único. A exegese dominante foi a de que, porquanto o caput do
artigo concretiza a regra geral constitucional de fundamentação das
decisões, e determina que, para a revogação da prisão preventiva, o juiz
deve fundamentar a decisão na insubsistência dos motivos que
orientaram a decretação original, deve-se concluir que o comando de
revisão nonagesimal exige manifestação análoga. Com efeito, o Tribunal
afastou a possibilidade de transformação automática do excesso de prazo
em ilegalidade da prisão.
O conteúdo normativo do parágrafo único do art. 316 do CPP não
informa, portanto, algo que se assemelhe a um prazo máximo da prisão
preventiva, senão antes um dever geral de fundamentação periódico, por
parte do magistrado, das razões de sua decretação. O e. Ministro Gilmar
Mendes bem avançou as razões que conduzem a esta posição:

“Para o impetrante, a ausência da revisão


conduz, automaticamente, à revogação da prisão do
paciente, o que não me parece ter sido a ratio legis da
novel previsão.
O preso tem direito à revisão da necessidade
da prisão preventiva a cada noventa dias e, na sua
ausência, cabe ao Poder Judiciário determinar sua
pronta satisfação.
Penso que pretendeu o Legislativo garantir
ao preso o direito de ter sua prisão regularmente
analisada, a fim de se evitarem prisões processuais
alongadas sem qualquer necessidade, impostas a

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todos os acusados/suspeitos/indiciados, mas em


especial aos tecnicamente desassistidos, porquanto
os afortunados requerem, com certa frequência, a
revogação da prisão preventiva ou a concessão da
liberdade provisória.
A mim me parece que a melhor solução para a
falta de revisão da necessidade da prisão
preventiva (ex officio) seja mesmo a determinação
para a sua realização pelo Tribunal” (HC
189948/MG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES,
Julgamento: 19/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-209 DIVULG 21/08/2020 PUBLIC 24/08/2020).

À luz do princípio da razoável duração do processo e do dever de


motivação das decisões judiciais (art. 93, IX da CRFB/88), elaborou-se,
quando do julgamento da SL nº 1.395, tese cujo inteiro teor permito-me,
uma vez mais, reproduzir: “A inobservância da reavaliação prevista no
parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP), com a
redação dada pela Lei 13.964/2019, após o prazo legal de 90 (dias), não
implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo
competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus
fundamentos”.
Quanto a este ponto, entendo merecer aplicação ao caso concreto a
técnica da interpretação conforme à Constituição para fixar, em sede de
controle abstrato de constitucionalidade, a tese adotada por este Supremo
Tribunal Federal na SL nº 1.395.

3.3 Da competência constitucionalmente adequada para a revisão


da prisão preventiva no prazo nonagesimal

A Requerente, na ADI nº 6.582, levantou dúvidas legítimas quanto


ao destinatário da obrigação contida no parágrafo único do art. 316 do
CPP, bem como quanto ao momento processual em que a mesma deve se
realizar.
Anoto, preliminarmente, que as dificuldades de conformação do

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dispositivo vergastado com o sistema processual penal não escaparam à


literatura jurídica especializada. Cito, a título exemplificativo:

“Há duas situações que merecem reflexão a


partir de um questionamento: quem é o responsável
pela reavaliação das medidas? A questão aparenta
simplicidade, mas o problema está no fato de o
legislador ter utilizado a expressão “o órgão emissor
da decisão”. Vamos imaginar duas situações
concretas a partir das quais haverá discussões sobre
a competência para a reavaliação da medida:
a) imagine que o juiz negue a prisão preventiva
e o MP recorra. Imagine que o Tribunal de Justiça
decrete a prisão preventiva. Nesse caso, ele é o
emissor da decisão. Ora, quem vai fazer a reavaliação
da decisão? O Juiz da causa ou o Relator que
decretou a prisão preventiva?
b) agora imaginemos o inverso: o juiz decretou
a prisão preventiva e condena o réu. Enquanto não
for julgada a apelação a quem cabe a reavaliação da
medida? Ao juiz que proferiu a decisão ou ao relator
do acórdão no Tribunal?” (ANDERSON DE SOUZA,
Luciano; DEZEM, Guilherme Madeira. Comentários
ao Pacote Anticrime. São Paulo: RT, 2020, e-Book).

A peça exordial colacionou exemplos da prática judiciária brasileira


e isolou três posições ideais-típicas quanto à extensão da regra ora sob
comento.
I) A primeira interpretação seria aquela realizada pelo Superior
Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (HC
589.544/SC, Rel. Ministra Laurita Vaz, 6ª Ta., DJe 22/09/2020; AgRg no HC
569.701/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª Ta., DJe 17/06/2020; AgRg no
HC 588.134/SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado
em 15/09/2020, DJe 23/09/2020; HC 2192176-74.2020.8.26.0000, TJSP,
Relator: Grassi Neto, Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Criminal,

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Foro de Cubatão, 4ª Vara, Data do Julgamento: 19/09/2020, Data de


Registro: 19/09/2020). Segundo esta posição, a aplicação da regra de
revisão nonagesimal restringe-se à fase de conhecimento da ação penal,
isto é, realiza-se de ofício desde a fase investigatória até o fim da
instrução criminal, quando ainda não se formou juízo de certeza sobre a
culpa do réu.
II) A segunda posição estaria cristalizada em enunciado do Conselho
da Justiça Federal adotado quando da Primeira Jornada de Direito e
Processo Penal. Ali, determinou-se que o Tribunal no qual se encontra
tramitando o feito em grau de recurso deveria realizar a revisão
nonagesimal. Esta posição também teria sido adotada em julgados do STJ
(AgRg no HC 558.553/PB, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca,
Quinta Turma, julgado em 28/04/2020, DJe 04/05/2020) e deste Supremo
Tribunal Federal (HC nº 184.769, rel. Min. Gilmar Mendes, Julgamento:
05/05/2020 Publicação Processo Eletrônico Dje-113 Divulg 07/05/2020
Public 08/05/2020). Cito o enunciado do Conselho da Justiça Federal, que
muito claramente delineia os contornos desta posição:

“Enunciado 21. Cabe ao Tribunal no qual se


encontra tramitando o feito em grau de recurso a
reavaliação periódica da situação prisional do
acusado, em atenção ao parágrafo único do art. 316
do CPP, mesmo que a ordem de prisão tenha sido
decretada pelo Magistrado de primeiro grau”
(Conselho da Justiça Federal. I Jornada de Direito e
Processo Penal: enunciados aprovados. Disponível
em: https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-
federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-
1/copy_of_Jornada%20de%20Direit20Administrativo
%20-%20Enu20aprovados/direitoadministrativo-en).

III) Por fim, a Requerente identifica uma terceira posição, cujo


paradigma seria decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal no
HC nº 182.422, de relatoria do e. Ministro Marco Aurélio. Neste julgado, a
posição adotada consistiria em determinar ao juiz de 1º grau o reexame

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da prisão preventiva, mesmo o processo se encontrando em etapa


recursal. Cito trecho do voto do e. Decano, Min. Marco Aurélio:

“O paciente está preso, sem culpa formada,


desde 12 de fevereiro de 2018, sendo a custódia
mantida, na sentença, em 13 de dezembro posterior.
Uma vez não constatada a existência de ato posterior
sobre a necessidade da medida, tem-se desrespeitado
o artigo 316, parágrafo único, surgindo configurado
o excesso de prazo.
A superveniência da sentença condenatória não
afasta a natureza preventiva da prisão. Não
decorrendo a custódia de título condenatório
alcançado pela preclusão maior, a prisão reveste-se
de natureza cautelar, conforme versado no artigo
283, cabeça, do Código de Processo Penal, com
redação conferida pela Lei nº 13.964/2019. O artigo
387, § 1º, denomina, expressamente, preventiva a
custódia oriunda da condenação não transitada em
julgado.
3. Defiro a liminar. Expeçam alvará de soltura a
ser cumprido com as cautelas próprias: caso o
paciente não esteja custodiado por motivo diverso da
prisão preventiva formalizada no processo nº
0471.18.002259-5, da Vara Criminalda Comarca de
Pará de Minas/MG. Advirtam-no da necessidade de
permanecer com a residência indicada ao Juízo,
atendendo aos chamamentos judiciais, de informar
possível transferência e de adotar a postura que se
aguarda do cidadão integrado à sociedade. (HC
182422 MC / MG, Relator(a): MARCO AURÉLIO,
Primeira Turma, julgado em 18/03/2020, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-071 DIVULG 24/03/2020 PUBLIC
25/03/2020)”.

Em estudo doxográfico que pude empreender, constatei que também

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a doutrina tem tido dificuldade de deduzir leitura sistemática do instituto


da revisão nonagesimal, sem que se aniquile a finalidade inscrita na
norma. O propósito de se revisar os fundamentos da prisão preventiva a
cada noventa dias é condicionado, afinal, por dois elementos: i) a
competência do magistrado para funcionar em determinado processo; ii)
a limitação, inscrita no parágrafo único do art. 316 do CPP, de que a
revisão será feita pelo órgão emissor da decisão.
O prof. Aury Lopes Júnior privilegia concepção próxima às posições
II e III apresentadas acima. O vetor de sua análise aponta para a
imperatividade do comando de revisão sempre que a prisão se dissociar
de condenação penal transitada em julgado. Eis o argumento
apresentado:

“A quem compete a revisão periódica quando o


processo estiver no tribunal? Pensamos que segue
sendo de competência do juiz de primeiro grau,
pois ele é o “órgão emissor da decisão” a que se
refere o art. 316, parágrafo único. Contudo, é
verdade que ele já esgotou sua jurisdição, de modo
que o feito está afeto ao respectivo tribunal. Então,
como sugere Paulo Queiroz, podemos tratar o tema
na seguinte perspectiva: “em conclusão, temos que:
a) a revisão dos fundamentos da prisão preventiva é
imperiosa enquanto não passar em julgado a
condenação; b) enquanto não for proferida a
sentença, caberá ao juiz (ou relator nas ações penais
originárias) fazer o reexame obrigatório; c) interposta
apelação, competirá ao tribunal reapreciar a prisão;
d) o tribunal poderá delegar essa função ao juiz que
proferiu a sentença condenatória”. Estamos de
acordo com a proposta de Queiroz, destacando que o
mais importante é: em grau recursal, ou o tribunal
faz a revisão (relator) ou delega para que o juiz de
primeiro grau o faça. O que não se deve admitir é a
violação do imperativo legal, deixando de fazer o

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controle periódico da existência ou não da


necessidade cautelar, da situacionalidade que a
legitima, o que nos remete sempre para a base
principiológica analisada anteriormente” (LOPES
JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 18. ed. São
Paulo: Saraiva Jur, 2021, p. 258).

Esta não me parece ser, contudo, a posição que torna mais


harmônico o sistema de normas processuais penais.
Há, a meu sentir, um óbice inscrito no enunciado da norma, a saber,
a determinação de que somente o “órgão emissor da decisão [deverá]
revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias”.
Sobressai desta formulação que este órgão poderá ser um juiz de direito,
ou mesmo um corpo colegiado, no caso dos processos de competência
originária dos Tribunais. Entretanto, o órgão sempre estará limitado pela
extensão de sua competência jurisdicional. Não se me afigura possível
exigir do juiz que decretou a prisão, ainda no primeiro grau, que revise a
medida nos autos remetidos às esferas recursais. A rigor, uma vez
encerrada sua prestação jurisdicional, o magistrado já não se encontra
habilitado a decidir.
As posições II e III incorrem em um outro dos seguintes
contrassensos: ou determinam que magistrado atue em processo no qual
se encerrou sua prestação jurisdicional (III), ou exigem a revisão de órgão
jurisdicional diverso daquele individuado pela norma (II).
Colho, quanto ao tópico, o magistério dos professores Eugênio
Pacelli e Douglas Fischer:

“Diante dessa premissa, enfatizamos que, uma


vez exaurida a prestação jurisdicional pelo juiz de
primeiro grau, descabe falar em “novas revisões”
subsequentes. Aliás, é intuitivo que assim seja, pois
não teria sentido algum exigir do juiz que exauriu
sua jurisdição continuar “revendo” a necessidade da
prisão (a seguir melhor explicaremos).
(...)

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Feita essa contextualização fundamental,


podemos ver que, malgrado inexistentes maiores
explicações do legislador, a finalidade do dispositivo
inserido no parágrafo único do art. 316 do CPP foi
exigir do julgador que novamente fundamentasse
(igualmente de forma mais sintética) a necessidade
de manutenção da prisão cautelar se, no interregno
existente entre sua decretação e a sentença, tiverem
decorrido mais de 90 dias. Fácil ver que a ordem tem
a finalidade única de evitar, em primeiro grau (ou no
juízo de competência penal originária), a
manutenção de uma prisão cautelar que extrapole o
prazo indicado para a prolação da sentença
(pressupondo que seja condenatória, pois, como dito,
em caso de absolutória deverá imediatamente o
preso ser posto em liberdade)” (FISCHER, Douglas;
PACELLI, Eugênio. Comentários ao Código de
Processo Penal e sua jurisprudência. 12. ed. Rio de
Janeiro: Atlas, 2020).

A racionalidade deste conjunto de normas consiste, portanto, em


combater o estado de coisas inconstitucional do sistema prisional,
canalizando o poder judiciário a atuar, independentemente de
provocação, no controle da atuação estatal entre a decretação de prisões
preventivas e o sentenciamento. Ao sistema das regras de garantia
processual, como, por exemplo, aquela que obriga o juiz a fundamentar a
manutenção da prisão cautelar no momento da prolação da sentença
condenatória (art. 387, § 1º, CPP), soma-se agora exigência de reavaliação
fundamentada dos pressupostos da prisão preventiva pelo órgão que a
emitiu, enquanto se prolongar material e temporalmente sua
competência.
Entendo, portanto, que o parágrafo único do art. 316 do CPP
conforma-se à Constituição da República se interpretado no sentido de
restringir seu escopo ao órgão emissor da decisão pela prisão preventiva,
no limite de sua atuação jurisdicional.

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ADI 6581 / DF

4. DO DISPOSITIVO

Ante o exposto, conheço das ações diretas para julgar a ADI nº 6.581
parcialmente procedente, e a ADI nº 6.582 procedente, aplicando ao art.
316, p.u., do CPP a técnica da interpretação conforme à Constituição,
segundo as seguintes teses: i) a inobservância da reavaliação prevista no
parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP), com a
redação dada pela Lei 13.964/2019, após o prazo legal de 90 (noventa)
dias, não implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o
juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de
seus fundamentos; ii) o comando do parágrafo único do art. 316 do CPP
se restringe ao órgão que tiver decretado a prisão preventiva na fase de
investigação e de processamento da ação penal, e limita-se ao
exaurimento da competência jurisdicional.
É como voto.

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Extrato de Ata - 28/06/2021

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PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.581


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REQTE.(S) : DIRETÓRIO NACIONAL DO PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO -
PTB
ADV.(A/S) : LUIZ GUSTAVO PEREIRA DA CUNHA (137677/RJ)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS DEFENSORAS E DEFENSORES
PÚBLICOS - ANADEP
ADV.(A/S) : ILTON NORBERTO ROBL FILHO (43824/PR)
ADV.(A/S) : ISABELA MARRAFON (37798/DF)
ADV.(A/S) : TATIANA ZENNI DE CARVALHO GUIMARÃES FRANCISCO
(24751/DF)

Decisão: Após o voto do Ministro Edson Fachin (Relator), que


conhecia da ação direta e julgava parcialmente procedente o pedido
formulado, aplicando ao art. 316, p.u., do CPP a técnica da
interpretação conforme à Constituição, segundo as seguintes teses:
i) a inobservância da reavaliação prevista no parágrafo único do
artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP), com a redação dada
pela Lei 13.964/2019, após o prazo legal de 90 (noventa) dias, não
implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o
juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a
atualidade de seus fundamentos; ii) o comando do parágrafo único
do art. 316 do CPP se restringe ao órgão que tiver decretado a
prisão preventiva na fase de investigação e de processamento da
ação penal, e limita-se ao exaurimento da competência
jurisdicional, pediu vista dos autos o Ministro Gilmar Mendes.
Falaram: pelo requerente, o Dr. Luiz Gustavo Pereira da Cunha; e,
pelo amicus curiae, o Dr. Luis Gustavo Grandinetti Castanho de
Carvalho. Plenário, Sessão Virtual de 18.6.2021 a 25.6.2021.

Composição: Ministros Luiz Fux (Presidente), Marco Aurélio,


Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli,
Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e
Nunes Marques.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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Voto Vista

Inteiro Teor do Acórdão - Página 37 de 69

09/03/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.581 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Trata-se do julgamento


conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6.581 e 6.582, que
visam à declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do art.
316 do Código de Processo Penal (CPP):

“Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes,


revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do
processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem
como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a
justifiquem.
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o
órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua
manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão
fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.

Conforme relatado, na ADI 6.581, proposta pelo Partido Trabalhista


Brasileiro – PTB, alega-se que a norma em questão gera lesões
irreparáveis ao direito fundamental à segurança e à paz social. Isso,
porque a possibilidade de prisões preventivas se tornarem ilegais, uma
vez inobservado o prazo legal de noventa dias, seria incompatível com a
capacidade institucional da magistratura. No mérito, requer-se: “seja
julgado procedente o pedido desta ADI, para declarar, em definitivo, a
inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo
Penal, nos termos do pedido cautelar” (eDOC 1, p. 9).
Na ADI 6.582, proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros
– AMB, em face do mesmo art. 316, parágrafo único, do CPP, sustenta-se
existirem interpretações do dispositivo que violam o devido processo
legal, o princípio da separação de poderes e os princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade. Aduz-se que apenas uma
interpretação seria compatível com o ordenamento constitucional, a

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saber, aquela segundo a qual a norma obriga apenas o juiz que, atuando
na fase de instrução e processamento da ação penal, decreta a prisão
preventiva. Outra leitura acarretaria o contrassenso de se exigir atuação
de magistrado cuja competência já se teria exaurido.

A Advocacia-Geral da União manifesta-se pela procedência parcial


de ambas as ações, com a finalidade de que se aplique a técnica da
interpretação conforme à Constituição para fixar a tese vencedora da SL
1.395 .
O Procurador-Geral da República, a partir de fundamentos
similares, também se posiciona pela procedência parcial da ação.

Iniciado o julgamento virtual, o eminente relator votou por conhecer


das ADIs, julgando parcialmente procedente a ADI 6.581 e procedente a
ADI 6.582, “aplicando ao art. 316, p.u., do CPP a técnica da interpretação
conforme à Constituição”, segundo as seguintes teses:

“i) a inobservância da reavaliação prevista no parágrafo


único do artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP), com a
redação dada pela Lei 13.964/2019, após o prazo legal de 90
(noventa) dias, não implica a revogação automática da prisão
preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar
a legalidade e a atualidade de seus fundamentos;
ii) o comando do parágrafo único do art. 316 do CPP se
restringe ao órgão que tiver decretado a prisão preventiva na
fase de investigação e de processamento da ação penal, e limita-
se ao exaurimento da competência jurisdicional.”

A presunção de inocência destaca-se entre os direitos fundamentais


elencados no rol do art. 5º da Constituição Federal. O inciso LVII
determina que: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado
de sentença penal condenatória”.
Em suma, a presunção de inocência é um direito fundamental, que
impõe o ônus da prova à acusação e impede o tratamento do réu como

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culpado até o trânsito em julgado da sentença. Essas são duas das três
consequências determinadas pela presunção de inocência: regra de
tratamento, regra probatória e regra de juízo (MORAES, Maurício
Zanoide de. Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro: análise
de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão
judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010).
Afirma-se que “como regra de tratamento, a presunção de inocência se
refere à condição do imputado durante o processo”, de modo que “é vedada
qualquer forma de equiparação do imputado ao culpado em qualquer aspecto” e,
igualmente, veda-se a “execução provisória da sentença condenatória e
qualquer antecipação da pena” (ILLUMINATI, Giulio. La presunzione
d’innocenza dell’imputato. Bologna: Zanichelli, 1979, p. 29-30).
Seguindo exatamente essa linha, decidiu o Plenário desta Suprema
Corte, no julgamento conjunto das ADCs 43, 44 e 54, que a prisão como
pena somente se justifica diante do trânsito em julgado da sentença
condenatória:

“O Tribunal, por maioria, nos termos e limites dos votos


proferidos, julgou procedente a ação para assentar a
constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal, na
redação dada pela Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011, vencidos
o Ministro Edson Fachin, que julgava improcedente a ação, e os
Ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e
Cármen Lúcia, que a julgavam parcialmente procedente para
dar interpretação conforme. Presidência do Ministro Dias
Toffoli. Plenário, 07.11.2019”.

Por decorrência de opção democrática e, inclusive, corolário de


interpretação lógica e epistemológica, ao Estado apenas é permitido
aplicar uma pena a quem praticou um crime, ou seja, só se pode
sancionar penalmente quem for culpado por um fato tipificado por lei
criminal. Assim, a prisão-pena, imposta como retribuição ao crime
praticado e com finalidades preventivas a novos delitos, só pode ser
aplicada a quem for culpado.

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Entretanto, a ideia de que “direitos fundamentais não são absolutos”


autoriza a existência de prisões cautelares, ao se ponderar a presunção de
inocência aqui analisada e se examinar a proporcionalidade e a
necessidade da medida. As hipóteses de prisão antes da formação da
culpa seriam aquelas elencadas como prisões cautelares (preventiva e
temporária).
Portanto, a necessidade de aguardar-se o trânsito em julgado da
condenação para se considerar o réu culpado e, assim, iniciar-se a
execução de uma pena não impede, de modo algum, o encarceramento
em momento anterior.

De modo geral, presentes o fumus comissi delicti e o periculum


libertatis, a prisão preventiva deve indicar, de forma expressa, os seguintes
fundamentos para sua decretação, nos termos do artigo 312 do CPP: I)
garantia da ordem pública; II) garantia da ordem econômica; III) garantia
da aplicação da lei penal; e IV) conveniência da instrução criminal.
Portanto, não basta a mera explicitação textual dos requisitos
previstos, sendo necessário que a alegação abstrata ceda à
demonstração concreta e firme de que tais condições realizam-se na
espécie. Destarte, a tarefa de interpretação constitucional para análise de
excepcional situação jurídica de constrição da liberdade exige que a
alusão a esses aspectos esteja lastreada em elementos concretos,
devidamente explicitados.
É preciso reafirmar o entendimento de que prisão cautelar e mérito
da ação penal demandam fundamentos fáticos e espaços axiológicos de
apreciação distintos. Tanto o substrato empírico (plano descritivo)
quanto a valoração desse substrato (plano normativo) não devem se
embaralhar no âmbito desses diferentes momentos processuais. A carga
de desvalor que o ilícito-típico representa para o mérito não deve
contaminar o juízo cautelar.

Recentemente, a reforma legislativa operada pelo chamado Pacote


Anticrime (Lei 13.964/2019) introduziu a revisão periódica dos

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fundamentos da prisão preventiva, por meio da alteração do art. 316 do


CPP. A redação atual prevê que o órgão emissor da decisão deverá revisar
a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante
decisão fundamentada:

“Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes,


revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do
processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem
como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a
justifiquem. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019 – Pacote
Anticrime)
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o
órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua
manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão
fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.
(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019 – Pacote Anticrime)”

Isso significa que a manutenção da prisão preventiva exige a


demonstração de fatos concretos e atuais que justifiquem a medida
extrema e que a existência desse substrato empírico mínimo apto a
lastrear a prisão preventiva deverá ser regularmente apreciado por meio
de decisão fundamentada, nos termos do art. 93, IX, da Constituição
Federal.
Importante destacar aqui que a referida reforma legislativa
representa uma resposta do Poder Legislativo a uma situação concreta
que fora identificada de maneira bastante clara e objetiva desde a época
em que realizados, mediante o CNJ, os chamados multirões carcerários. Por
meio dessa iniciativa, foram examinados mais de 114 mil processos, e
concedidos em torno de 35 mil benefícios, entre os quais
aproximadamente 21 mil alvarás de soltura de presos indevidamente
encarcerados. Trata-se do fenômeno disfuncional do excesso de prazo nas
prisões preventivas, casos em que, por uma patologia do próprio sistema
penal, indivíduos permanecem por longo período de tempo em prisão
preventiva de forma injusta, desproporcional e injustificada.

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Nessa mesma linha, copilo a Resolução 89 do CNJ, de 16.9.2009, que


trata da questão da revisão periódica das prisões provisórias:

“Art. 1º As varas de inquéritos, as varas com competência


criminal e de execução penal desenvolverão trabalho de revisão
das prisões provisórias e definitivas, das medidas de segurança
e das internações de adolescentes em conflito com a lei, pelo
menos uma vez por ano.”

“Art. 2º A revisão consistirá, quanto à prisão provisória, na


reavaliação de sua duração e dos requisitos que a ensejaram; e,
quanto à prisão definitiva, do cabimento de benefícios da Lei de
Execução Penal, colhendo a manifestação da defesa e do
Ministério Público, nas hipóteses legais.”

Portanto, a reforma legislativa que se densifica na nova redação do


art. 316 do CPP mostra-se nada mais do que uma resposta lógica e
adequada do sistema penal diante de uma disfunção que vem, há anos,
ferindo liberdades individuais constitucionalmente consagradas, a
exemplo da própria presunção de inocência.
Não se trata de um problema da legislação em si, mas sim de sua
correta hermenêutica constitucional no sentido de proteger garantias
individuais conquistadas historicamente sem ignorar os interesses da
sociedade que se cristalizam em valores como a segurança pública e o
bem-estar coletivo – essa equação não é simples, já que temos, de um
lado, valores que impulsionam o clamor social e alimentam o populismo
penal, e, de outro, temos interesses cuja proteção demanda decisões
impopulares e contramajoritárias.

Ora, não se pode ignorar que, de acordo com dados atualizados do


Departamento Penitenciário Nacional (Depen), temos uma população
carcerária de 773.151 indivíduos, dentre os quais aproximadamente 33%
estão em prisão provisória. Somado a isso o estado inconstitucional dessa
realidade de encarceramento em massa de presos provisórios no Brasil,

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reconhecido na liminar da ADPF 347, em 2015, não resta qualquer dúvida


que a nova redação do art. 316 do CPP é plenamente justificada e bem-
vinda na tentativa de solucionar um problema estrutural de todo nosso
sistema punitivo.
É justamente o déficit de cuidado e atenção por parte das instâncias
inferiores para com as prisões preventivas que causa o fenômeno do
excesso de prazo, e que acabou por animar o Congresso Nacional a
aprimorar o sistema punitivo em harmonia com as garantias individuais.

Diante disso, vale dizer que a resposta legislativa que a Lei


13.964/2019 trouxe no artigo 316 do CPP deve ser compreendida sempre,
em termos de corrigir abusos e ilegalidades, mediante leitura conjunta
com o art. 312 do CPP, especialmente no que toca à contemporaneidade
dos fatos a justificarem a segregação cautelar.
Nesse sentido, o requisito da contemporaneidade foi destacado pelas
recentes alterações do Código de Processo Penal:

“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como


garantia da ordem pública, da ordem econômica, por
conveniência da instrução criminal ou para assegurar a
aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do
crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo
estado de liberdade do imputado.
§ 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em
caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas
por força de outras medidas cautelares 282, § 4.
§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser
motivada e fundamentada em receio de perigo e existência
concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a
aplicação da medida adotada”.

É assente que fatos antigos não autorizam a prisão preventiva, sob


pena de esvaziamento da presunção de não culpabilidade (art. 5º, LVII, da
CF). Nesse sentido, na doutrina, afirma-se:

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“A proximidade temporal entre o conhecimento do fato


criminoso e sua autoria e a decretação da prisão provisória
encontra paralelo com a prisão em flagrante, que sugere
atualidade (o que está a acontecer) e evidência (o que é claro,
manifesto). Se a prisão por ordem pública é ditada por razões
materiais, quanto mais tempo se passar entre a data do fato (ou
a data do conhecimento da autoria, se distinta) e a decretação
da prisão, mais desnecessária ela se mostrará. Em consequência,
não se pode admitir que a prisão preventiva para garantia da
ordem pública seja decretada muito tempo após o fato ou o
conhecimento da autoria, salvo a superveniência de fatos novos
a ele relacionados”. (CAPEZ, Rodrigo. Prisão e medidas cautelares
diversas. Quartier Latin, 2017. p. 459)

Mesmo antes da Lei 13.964/2019, com a entrada em vigor da Lei


12.403/2011, nos termos da nova redação do art. 319 do CPP, o juiz passou
a dispor de medidas cautelares de natureza pessoal, diversas da prisão,
admitindo, diante das circunstâncias do caso concreto, que seja escolhida
aquela mais ajustada às peculiaridades da espécie, permitindo, assim, a
tutela do meio social, mas também servindo, mesmo que cautelarmente,
de resposta justa e proporcional ao mal supostamente causado pelo
acusado – essa redação do art. 319 já representa, em boa medida, uma
tentativa de solucionar o fenômeno do excesso de prazo disfuncional das
prisões preventivas.
Ou seja, a prisão provisória somente poderá ser decretada se as
cautelares diversas se mostrarem insuficientes, nos termos do § 6º do art.
282 do CPP, na redação dada pela Lei 13.964/2019: “A prisão preventiva
somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra
medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da
substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma
fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma
individualizada”.

Quanto à necessidade de reavaliação da prisão preventiva, com


fundamento no artigo 316, parágrafo único, do CPP, o Plenário desta

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ADI 6581 / DF

Corte, nos autos do Suspensão de Liminar 1.395, firmou entendimento


no sentido de que a falta da referida reavaliação, a cada 90 dias, nos
termos do artigo 316, parágrafo único, do CPP, não gera direito à
revogação automática da prisão preventiva.

“PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR.


PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA. ART. 316,
PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
PACOTE ANTICRIME (LEI 13.964/2019). COMPETÊNCIA DO
PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA
CONHECER DE PEDIDO DE SUSPENSÃO DE SEGURANÇA.
CONTRACAUTELA. PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA
DEFERIMENTO. RESGUARDO DA JURISPRUDÊNCIA DO
STF. INEXISTÊNCIA DE REVOGAÇÃO AUTOMÁTICA DE
PRISÃO PREVENTIVA. NECESSÁRIO EXAME DE
LEGALIDADE E DE ATUALIDADE DOS SEUS
FUNDAMENTOS. RESGUARDO DA ORDEM PÚBLICA E DA
SEGURANÇA JURÍDICA. SUSPENSÃO REFERENDADA. (...)
5. Tese fixada no julgamento: ‘A inobservância da reavaliação
prevista no parágrafo único do artigo 316 do Código de
Processo Penal (CPP), com a redação dada pela Lei 13.964/2019,
após o prazo legal de 90 (dias), não implica a revogação
automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente
ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus
fundamentos.’” (SL 1.395 MC-Ref, Relator Min. LUIZ FUX
(Presidente), Tribunal Pleno, DJe 4.2.2021)

No ponto, em decisões monocráticas anteriores, já havia


manifestado posição no sentido de que o preso tem direito ao reexame
da necessidade da segregação cautelar a cada noventa dias e, na sua
ausência, cabe ao Poder Judiciário determinar a sua pronta satisfação.
Assim, a falta de revisão da necessidade da prisão preventiva (ex officio)
pode acarretar a determinação para a sua realização pelo Magistrado ou
Tribunal da origem (HCs 184.769, 187.293 e 189.948; HC 191.187 ED, todos
de minha relatoria). Nesse sentido, na Segunda Turma:

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“Agravo regimental no recurso ordinário em habeas


corpus. 2. Agravo que impugna apenas um dos fundamentos da
decisão agravada. Não conhecimento. 3. Omissão do Juiz
quanto à necessidade de reavaliação da prisão preventiva a
cada noventa dias, à luz do artigo 316, parágrafo único, do CPP.
Recurso não conhecido. O Plenário desta Corte, nos autos do
Suspensão de Liminar 1.395, firmou entendimento no sentido
de que a falta da referida reavaliação, a cada 90 dias, nos termos
do artigo 316, parágrafo único, do CPP, não gera direito à
revogação automática da prisão preventiva. 4. Agravo não
conhecido, mas determinada a reavaliação, nos termos da lei.”
(RHC 199.660 AgR, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe
17.5.2021)

Desse modo, à guisa de conclusão e de forma coerente com meus


posicionamentos anteriores sobre o tema, concluo que a hermenêutica
constitucional do referido dispositivo nos leva:

(1) a ratificar a importância da revisão periódica da prisão


preventiva, a cada 90 dias, pela autoridade judiciária que a
determinou;
(2) a esclarecer que a ausência da revisão representa um
indício de excesso de prazo que deve ser analisado
conjuntamente com outros pressupostos do art. 312 (fumus
comissi delicti, periculum libertatis, periculosidade do agente,
necessidade, etc.) no controle de legalidade da prisão
preventiva;
(3) a apontar que não existe revogação imediata ou
automática da prisão preventiva ante o simples transcurso do
lapso temporal de 90 dias: o controle da prisão preventiva pelos
tribunais superiores, nesse caso, deve-se dar por meio da
determinação à origem para que proceda a devida revisão de
imediato.

Portanto, acompanho o voto do eminente relator, Min. Edson

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Fachin, em relação à primeira tese:

“i) a inobservância da reavaliação prevista no parágrafo


único do artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP), com a
redação dada pela Lei 13.964/2019, após o prazo legal de 90
(noventa) dias, não implica a revogação automática da prisão
preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar
a legalidade e a atualidade de seus fundamentos;”

Contudo, respeitosamente, penso que a limitação do dever de


revisão somente ao órgão emissor do decreto prisional esvazia
excessivamente o conteúdo do disposto no art. 316, parágrafo único, do
CPP. Assim, divirjo da segunda tese apresentada pelo eminente relator.

Na teoria geral das medidas cautelares, um dos princípios


fundamentais para a sua aplicação é a provisoriedade. Ou seja, a restrição
cautelar deve ser imposta enquanto houver motivo concreto que a
justifique. Cessando o motivo, deve ser revogada a medida. Portanto, em
essência, as medidas cautelares são provisórias.
Diante disso, e considerando que não há um prazo máximo para a
prisão preventiva em nosso sistema, o legislador, por meio da Lei
13.964/2019, determinou o dever de revisão periódica da prisão
preventiva. Trata-se de uma imposição decorrente da presunção de
inocência, que orienta a estruturação do sistema de medidas cautelares no
processo penal. Assim, se a prisão imposta possui natureza cautelar,
deve ocorrer a revisão periódica, nos termos do art. 316, parágrafo
único, CPP.
E, como decidido por este Tribunal, vedada a possibilidade de
execução provisória da pena, somente é possível a imposição de prisão-
pena após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Antes disso,
trata-se de prisão cautelar, de caráter provisório, que, portanto, deve
submeter-se ao dever de revisão periódica.

Considerando que a revisão periódica da prisão deve ocorrer

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ADI 6581 / DF

enquanto permanecer o seu caráter cautelar (até o trânsito em julgado),


passa-se ao segundo problema: qual órgão deve ser responsável pela sua
realização?
A primeira opção seria o juízo que decretou a medida, em geral o
magistrado de primeiro grau, mesmo quando o processo estiver em
âmbito recursal. Tal posição não pode ser admitida porque, finalizada a
cognição do juízo que decretou a preventiva, não há jurisdição dele sobre
o feito. Além disso, estando o processo em grau recursal, será o Tribunal
quem possuirá melhores condições de decidir, visto que próximo ao caso
e de suas informações mais atualizadas.
Portanto, penso que a reavaliação deverá ser responsabilidade do
órgão em que tramita o processo em sua fase atual, ainda que se trate de
Tribunal de segundo grau ou superior (quando a revisão deverá ser
realizada pela/o relator/a). Ressalto que o fato de que o decreto prisional
foi emitido por outro juízo não impede que o controle revisional seja
realizado no Tribunal, ao passo que o próprio feito estará sob sua
cognição.

Nesse sentido, destaco que foi essa a interpretação assentada pelo


Conselho da Justiça Federal nas Jornadas de Direito e Processo Penal,
nos termos do Enunciado 3.476:

“Cabe ao Tribunal no qual se encontra tramitando o feito


em grau de recurso a reavaliação periódica da situação
prisional do acusado, em atenção ao parágrafo único do art. 316
do CPP, mesmo que a ordem de prisão tenha sido decretada
pelo Magistrado de primeiro grau.”

Inclusive, adotei tal orientação no HC 184.769, decisão monocrática,


DJe 8.5.2020.

Penso tratar-se, portanto, de posição mais adequada com os


pressupostos do regime cautelar no processo penal brasileiro e com a
presunção de inocência, nos termos constitucionalmente regulados.

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ADI 6581 / DF

Diante do exposto, divirjo parcialmente do relator: julgo a ADI


6.581 parcialmente procedente e a ADI 6.582 procedente, dando
interpretação conforme à Constituição ao art. 316, parágrafo único, do
CPP segundo as seguintes teses:

i) a inobservância da reavaliação prevista no parágrafo


único do artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP), com a
redação dada pela Lei 13.964/2019, após o prazo legal de 90
(noventa) dias, não implica a revogação automática da prisão
preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar
a legalidade e a atualidade de seus fundamentos;
ii) o comando do parágrafo único do art. 316 do CPP se
aplica até o início da execução da pena com o trânsito em
julgado da condenação, sendo por ele responsável o juiz ou o
relator no Tribunal em que tramita o feito ou recurso no
momento da reavaliação da medida cautelar, ainda que
imposta por outro magistrado.

É como voto.

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Voto Vogal

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09/03/2022 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.581 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


REDATOR DO : MIN. ALEXANDRE DE MORAES
ACÓRDÃO
REQTE.(S) : DIRETÓRIO NACIONAL DO PARTIDO
TRABALHISTA BRASILEIRO - PTB
ADV.(A/S) : LUIZ GUSTAVO PEREIRA DA CUNHA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO -GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS DEFENSORAS E
DEFENSORES PÚBLICOS - ANADEP
ADV.(A/S) : ILTON NORBERTO ROBL FILHO
ADV.(A/S) : ISABELA MARRAFON
ADV.(A/S) : TATIANA ZENNI DE CARVALHO GUIMARÃES
FRANCISCO

VOTO

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES: Cuida-se do


julgamento conjunto de ações diretas de inconstitucionalidade que têm
por objeto o mesmo dispositivo legal, o parágrafo único do art. 316 do
Código de Processo Penal, com a redação que lhe deu a Lei 13.964/2019
(“Pacote anticrime”):

“Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes,


revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do
processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem
como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a
justifiquem. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o
órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua
manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão

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ADI 6581 / DF

fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.


(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)” (grifos aditados)

A ADI 6581 foi ajuizada pelo DIRETÓRIO NACIONAL DO


PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO – PTB, em que pede A
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE da norma, sob o
argumento de que colocaria em grave risco a ordem pública e a segurança
da coletividade (arts. 6º e 144 da CF), pois esvaziaria os instrumentos
colocados à disposição do Estado para concretizar esses objetivos
constitucionais, entre eles o instituto da prisão preventiva. Alerta, ainda,
que inexistiria capacidade institucional para permitir aos magistrados se
manifestarem, de 90 em 90 dias, sobre a cautelaridade dos decretos
prisionais, o que, além de tornar a previsão sem eficácia, permitiria a
revogação de inúmeras prisões por mera irregularidade formal.
Instada a se manifestar, a Advocacia-Geral da União pronuncia-se
pela procedência parcial do pedido, para que seja reafirmada a tese fixada
pela CORTE no julgamento da SL 1395, segundo a qual “a inobservância do
prazo nonagesimal do artigo 316 do Código de Processo Penal não implica
automática revogação da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser
instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos”.
No mesmo sentido o parecer da Procuradoria-Geral da República,
que está assim ementado:

CONSTITUCIONAL E PROCESSO PENAL. AÇÃO


DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 316,
PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
MANUTENÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA. REVISÃO
MEDIANTE DECISÃO FUNDAMENTADA A CADA
NOVENTA DIAS. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 6º, CAPUT, E 144
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MANUTENÇÃO DA ORDEM
E DA SEGURANÇA PÚBLICA. INTERPRETAÇÃO
CONFORME A CONSTITUIÇÃO. PROCEDÊNCIA PARCIAL.
1. É cabível a utilização da técnica da interpretação conforme a
Constituição para, preservando a validade de lei e afastando

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ADI 6581 / DF

potenciais riscos de sua aplicação em relação a valores


constitucionalmente protegidos, fixar tese que melhor realiza
sua teleologia. 2. O art. 316, parágrafo único, do CPP confere
efetividade a garantias instrumentais ao direito constitucional à
liberdade, tais como o devido processo legal e a duração
razoável do processo; é corolário do dever de motivação das
decisões judiciais, previsto no art. 93, X, da CF; e concorre para
assegurar legalidade e atualidade aos decretos de prisão
preventiva. 3. O art. 316, parágrafo único, do CPP há de
submeter-se à interpretação constitucionalmente adequada, no
sentido de que, ultrapassado o prazo de 90 dias para a revisão
periódica da prisão preventiva, não se tem relaxamento
automático da custódia, mas determinação de realização da
aludida revisão. — Parecer pela procedência parcial do pedido
para conferir interpretação conforme ao parágrafo único do art.
316 do CPP e fixar a tese de que “a inobservância do prazo
nonagesimal do artigo 316 do Código de Processo Penal não
implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o
juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a
atualidade de seus fundamentos”.

A ADI 6582, por sua vez, foi proposta pela ASSOCIAÇÃO DOS
MAGISTRADOS BRASILEIROS – AMB, na qual requer seja CONFERIDA
INTERPRETAÇÃO CONFORME a Constituição Federal ao parágrafo
único do art. 316 do CPP, a fim de restringir a sua aplicação apenas “ao
juiz que tiver decretado a prisão preventiva na fase de investigação e de
processamento da ação penal (fase de conhecimento) até o exaurimento da sua
jurisdição, vale dizer, até a prolação da sentença, e sem possibilidade de se
conceder, automaticamente, a revogação da prisão preventiva, pelo simples
vencimento do prazo de 90 dias”.
Alega que a norma estaria contaminada pelo vício da polissemia,
permitindo mais de uma interpretação pelos Tribunais brasileiros.
Acrescenta que determinadas interpretações estariam indo além do
próprio texto legal, caracterizando uma atuação do Poder Judiciário como

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ADI 6581 / DF

Legislador positivo, com violação ao devido processo legal e à separação


de poderes, além de ofensa aos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade.
Defende que as únicas interpretações razoáveis que poderiam
decorrer do dispositivo legal são no sentido de que (a) a norma teria
alcance restrito ao juiz de 1º grau e, mesmo assim, apenas enquanto o
processo estivesse em 1º grau, pois, se a revisão está destinada ao Juiz que
“decretou a prisão preventiva”, esse magistrado somente poderia fazê-lo
até o momento da prolação da sentença, restando esgotada sua jurisdição
e competência após julgar a ação penal; (b) o prazo de 90 dias para
realizar-se a revisão da prisão preventiva não configuraria um prazo
peremptório, de modo que sua inobservância gera o direito de exigir o
reexame da prisão preventiva e não de o réu ser posto automaticamente
em liberdade.
Não obstante, destaca a existência de decisões que impõem ao juiz
de 1º grau a obrigação de realizar o reexame da prisão preventiva
mesmo quando a ação penal não esteja mais sob sua jurisdição, após ter
proferido sentença. Nesses casos, entende que faltaria ao magistrado a
competência legal/funcional para poder reexaminar a decisão que
decretou a prisão preventiva. Os autos sequer estariam tramitando na
Vara para que pudesse proferir alguma decisão. Também cita decisões
que fixam a competência para o Tribunal no qual a ação penal em curso,
vale dizer, em algum TJ, TRF ou mesmo no STJ ou STF, para promover a
revisão da prisão preventiva a cada 90 dias, quando o feito está
submetido a competência desses tribunais (entendimento também do CJF,
contido no enunciado n. 19 da I jornada de direito processual penal). Ao
entender da requerente, tal previsão violaria o duplo grau de jurisdição e,
com isso, o devido processo legal.
No tocante ao direito decorrente do exaurimento do prazo de 90 dias
da prisão preventiva, sem que tenha sido feita a revisão, identifica dois
entendimentos: (a) o de que dar-se-ia automaticamente o direito à
revogação da preventiva e (b) o de que dar-se-ia apenas o direito à
revisão da prisão preventiva. Para a requerente, o primeiro seria

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ADI 6581 / DF

desarrazoado e iria além do que permite a lei.


A Advocacia-Geral da União pede que o pedido seja parcialmente
acolhido para reafirmar o entendimento da CORTE na SL 1395. Quanto
ao argumento remanescente, acrescenta que o pedido de adoção da
técnica de interpretação conforme a Constituição é inadequado, porque o
comando legal é claro ao direcionar-se ao “órgão emissor da decisão”, não
admitindo interpretações no sentido de que outro órgão jurisdicional
tenha o dever de revisar as prisões preventivas eventualmente decretadas
a cada 90 dias. Afirma ainda que, mesmo entendendo o preceito como
equívoco, tratar-se-ia de um conflito de legalidade, resolvendo-se no
plano infraconstitucional. A manifestação é acompanhada pela seguinte
ementa:

Processo Penal. Artigo 316, parágrafo único, do Código de


Processo Penal. Pedido de interpretação conforme à
Constituição, para restringir a aplicação do dispositivo ao juízo
que decretar a prisão preventiva na fase de investigação e de
processamento de ação penal, até a prolação da sentença, bem
como para fixar a impossibilidade de revogação automática da
prisão preventiva em decorrência do decurso do prazo
nonagesimal. No primeiro aspecto, a norma questionada é
unívoca, dirigindo-se ao órgão emissor da decisão que decretou
a prisão preventiva. Inadequação da técnica de interpretação
conforme à Constituição. Além disso, eventual controvérsia na
sua aplicação restringe-se ao plano infraconstitucional. No
segundo ponto, esse Supremo Tribunal Federal fixou a tese
segundo a qual “a inobservância do prazo nonagesimal do
artigo 316 do Código de Processo Penal não implica automática
revogação da prisão preventiva, devendo o juízo competente
ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus
fundamentos”. A disposição atacada se harmoniza com o dever
de fundamentação das decisões judiciais e com providências
normativas adotadas no âmbito do CNJ e do CNMP. A
determinação de reanálise periódica dos requisitos da prisão

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ADI 6581 / DF

preventiva é compatível com o direito fundamental à liberdade,


cuja privação a Constituição Federal condiciona ao devido
processo legal e à razoável duração do processo. Manifestação
pela procedência parcial do pedido, com adoção da técnica de
interpretação conforme a Constituição, para reafirmar a tese
fixada pelo Plenário na SL nº 1395

A Procuradoria-Geral da República também opina pela procedência


parcial do pedido, fazendo-o em parecer assim ementado:

CONSTITUCIONAL E PROCESSO PENAL. AÇÃO


DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 316,
PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
MANUTENÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA. REVISÃO
MEDIANTE DECISÃO FUNDAMENTADA A CADA
NOVENTA DIAS. VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO
LEGAL, DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.
USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA UNIÃO.
OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA
PROPORCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME A
CONSTITUIÇÃO. CONHECIMENTO PARCIAL DA AÇÃO
PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO.
1. As teses arguidas pelo requerente não prescindem do
prévio exame de norma infraconstitucional aplicável, motivo
pelo qual eventual incompatibilidade entre as normas
impugnadas e a Constituição Federal é meramente reflexa,
denotando crise de legalidade. Precedentes.
2. É cabível a utilização da técnica da interpretação
conforme a Constituição para, preservando a validade de lei e
afastando potenciais riscos de sua aplicação em prejuízo a
valores constitucionalmente protegidos, fixar tese que melhor
realiza sua teleologia.
3. O art. 316, parágrafo único, do CPP não é incompatível
com a Constituição Federal, uma vez que confere efetividade a
garantias instrumentais ao direito constitucional à liberdade,
tais como o devido processo legal e a duração razoável do

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ADI 6581 / DF

processo, é corolário do dever de motivação das decisões


judiciais, previsto no art. 93, X, da Constituição Federal e
concorre para assegurar aspectos de legalidade e atualidade aos
provimentos jurisdicionais sobre prisão preventiva.
4. O art. 316, parágrafo único, do CPP há de submeter-se à
interpretação constitucionalmente adequada, no sentido de que
a ausência de revisão periódica na prisão preventiva, a cada 90
dias, não implica relaxamento automático da custódia, mas
determinação de realização da aludida revisão.
— Parecer pelo conhecimento parcial da ação e, no mérito,
pela procedência parcial do pedido para conferir interpretação
conforme a Constituição Federal ao parágrafo único do art. 316
do CPP e fixar a tese de que “a inobservância do prazo
nonagesimal do artigo 316 do Código de Processo Penal não
implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o
juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a
atualidade de seus fundamentos”

Houve o apensamento dos autos da ADI 6581 à ADI 6582.


Iniciado o julgamento da controvérsia na Sessão Virtual de 18 a
25/6/2021 (lista 355-2021), o eminente Relator, Min. EDSON FACHIN,
juntou voto pela procedência da ADI 6582 e pela parcial procedência da
ADI 6581.
Sua Excelência defende a constitucionalidade do dispositivo
impugnado, que visa a amenizar o gravíssimo estado de coisas
inconstitucional das penitenciárias brasileiras. Entende, contudo, pela
existência de uma interpretação controversa do dispositivo, cabendo a
técnica da interpretação conforme para assentar a orientação da CORTE
no seguinte sentido:

“i) a inobservância da reavaliação prevista no parágrafo


único do artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP), com a
redação dada pela Lei 13.964/2019, após o prazo legal de 90
(noventa) dias, não implica a revogação automática da prisão
preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar

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ADI 6581 / DF

a legalidade e a atualidade de seus fundamentos;


ii) o comando do parágrafo único do art. 316 do CPP se
restringe ao órgão que tiver decretado a prisão preventiva na
fase de investigação e de processamento da ação penal, e
limita-se ao exaurimento da competência jurisdicional”.

Eis a ementa proposta pelo eminente Ministro EDSON FACHIN:

EMENTA: CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE.


JULGAMENTO CONJUNTO DAS AÇÕES DIRETAS DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nº 6.581 E Nº 6.582. DIREITO
PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. PARÁGRAFO
ÚNICO DO ART. 316 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
PRAZO NONAGESIMAL DE REVISÃO. DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA E GARANTIAS DO ACUSADO EM FACE
DE ATOS DE PERSECUÇÃO PENAL SEM FORMAÇÃO DE
CULPA. DIREITO À SEGURANÇA. INTERPRETAÇÃO
CONFORME À CONSTITUIÇÃO. REVOGAÇÃO
AUTOMÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. ÓRGÃO EMISSOR.
REVISÃO LIMITADA AO EXAURIMENTO DE
COMPETÊNCIA JURISDICIONAL. 1. A exigência de revisão
nonagesimal da necessidade da prisão preventiva, determinada
pelo parágrafo único do art. 316 do Código de Processo Penal
(CPP), responde ao estado de coisas inconstitucional do sistema
prisional brasileiro. A referência ao direito à segurança não é
capaz de infirmar a constitucionalidade, in totum, da norma,
porquanto se protege o núcleo essencial da dignidade humana
e das garantias dos cidadãos em face de atos de persecução
penal, enquanto inexistir formação de culpa. 2. Na forma do
precedente firmado na SL nº 1.395, a inobservância da revisão
nonagesimal não implica a revogação automática da prisão
preventiva, devendo o juízo competente, em caso de
descumprimento, ser instado a reavaliar a legalidade e a
atualidade dos fundamentos da medida. 3. Diante da profusão
de interpretações díspares do instituto, aplica-se a técnica da
interpretação conforme à Constituição para delimitar o espaço

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ADI 6581 / DF

de incidência material da revisão nonagesimal. A exegese que


preserva a compatibilidade da norma com a ordem
constitucional é aquela que restringe a obrigação do parágrafo
único do art. 316 do CPP ao órgão responsável pela decretação
da prisão preventiva, e limita a revisão à extensão de sua
competência jurisdicional. 4. Ações diretas conhecidas para
julgar parcialmente procedente a ADI nº 6.581, e procedente a
ADI nº 6.582.

Após pedido de vista dos autos, o eminente Ministro GILMAR


MENDES devolve o processo para julgamento na Sessão Virtual em curso
(25/02/2022 a 08/03/2022), DIVERGINDO PARCIALMENTE do Relator,
para julgar a ADI 6.581 parcialmente procedente e a ADI 6.582
procedente, dando interpretação conforme à Constituição ao art. 316,
parágrafo único, do CPP, segundo as seguintes teses:

“i) a inobservância da reavaliação prevista no parágrafo


único do artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP), com a
redação dada pela Lei 13.964/2019, após o prazo legal de 90
(noventa) dias, não implica a revogação automática da prisão
preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar
a legalidade e a atualidade de seus fundamentos;
ii) o comando do parágrafo único do art. 316 do CPP se
aplica até o início da execução da pena com o trânsito em
julgado da condenação, sendo por ele responsável o juiz ou o
relator no Tribunal em que tramita o feito ou recurso no
momento da reavaliação da medida cautelar, ainda que
imposta por outro magistrado”.

É o relato do essencial.

Inicialmente, quanto ao cabimento das ADIs, não identifico nenhum


óbice ao conhecimento dos pedidos.
As ações têm por objeto norma de conteúdo geral e abstrato, tendo
sido ajuizadas por entidades legitimadas para a instauração do controle

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de constitucionalidade perante o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.


Em relação à ADI 6581, foi proposta por partido político com
representação no Congresso Nacional, atuando como legitimado
universal para tanto (art. 103, inciso VIII, da CF), enquanto a ADI 6582 foi
apresentada por entidade de classe de âmbito nacional (art. 103, inciso IX,
da CF), cujos representados (magistrados) têm o exercício de suas
atribuições diretamente afetado pelo disposto no ato normativo
questionado, notadamente o correto exame e decisão acerca das prisões
preventivas sob sua jurisdição, a evidenciar a existência de vínculo entre
o objeto da demanda e a finalidade institucional da AMB.
No tocante ao pedido de interpretação conforme a Constituição à
norma impugnada, verifico que, de fato, remanesce dúvida na doutrina e
na jurisprudência dos Tribunais nacionais acerca dos pontos suscitados
na presente demanda, especialmente quanto ao juízo competente para
revisar a prisão preventiva de 90 em 90 dias. A manifestação definitiva da
CORTE em sede concentrada é oportuna e relevante.

No mérito, a questão constitucional ora em debate consiste em


definir a correta interpretação a ser dada ao parágrafo único do artigo 316
do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 13.964/2019,
cumprindo ao Tribunal a decisão acerca de dois principais aspectos:

(i) se o não cumprimento da revisão nonagesimal


determinada pela norma dá direito à revogação automática da
prisão preventiva, conforme defendido por alguns magistrados
na aplicação do dispositivo legal; e
(ii) sobre qual juízo recai a obrigatoriedade imposta pela
norma para a revisão da prisão preventiva, se apenas o juiz que
detém a competência originária para conhecimento da causa
ou, também, as demais instâncias recursais.

Em relação à consequência legal da inobservância do prazo


nonagesimal de revisão da prisão preventiva, adianto, desde já, que
acompanharei o Ministro EDSON FACHIN, Relator, quanto à primeira

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tese acolhida por Suas Excelências, qual seja:

“i) a inobservância da reavaliação prevista no parágrafo único


do artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP), com a redação dada
pela Lei 13.964/2019, após o prazo legal de 90 (noventa) dias, não
implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo
competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus
fundamentos”.

Esse foi meu posicionamento no julgamento da SL 1395-MC-Ref, e


mantenho essa orientação em sede de fiscalização abstrata.
A interpretação da norma penal e processual penal exige que se leve
em consideração um dos maiores desafios institucionais do Brasil na
atualidade, qual seja, o de evoluir nas formas de combate à criminalidade
organizada, na repressão da impunidade, na punição do crime violento e
no enfrentamento da corrupção. Para tanto, é preciso estabelecer não só
uma legislação eficiente, mas também uma interpretação eficiente dessa
mesma legislação, de modo que se garanta a preservação da ordem e da
segurança pública, como objetivos constitucionais que não colidem com a
defesa dos direitos fundamentais.
Na hipótese, o Poder Público – particularmente o Poder Judiciário –,
no exercício de suas atribuições constitucionais, precisa ser eficiente e
deve produzir o efeito desejado pela legislação, a partir de uma
interpretação racional e conjunta do ordenamento jurídico-penal que leve
em conta não só o parágrafo único do art. 316, ora questionado, mas
também o art. 312, em concomitância ao art. 315, e o art. 387, que, mesmo
fora do Capítulo III (em que localizado topograficamente o parágrafo
único do art. 316), prevê a manutenção da prisão, no caso de acórdão
condenatório. Sem limitações, aqui, de prazo.
Há a necessidade de que se realize essa interpretação teleológica das
normas, buscando a efetividade, a eficiência e a eficácia da legislação
penal, garantidos todos os direitos fundamentais do paciente, é claro, mas
também a correta aplicação da lei penal.
Para definir a correta e mais eficiente interpretação do parágrafo

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único do art. 316, é preciso, antes, verificar quais foram a causa e a


finalidade pretendidas com a alteração legislativa.
O Pacote Anticrime é resultante de vários projetos, entre os quais eu
mesmo cheguei a encaminhar como Presidente da Comissão de Juristas
criada pela Presidência da Câmara dos Deputados, por isso digo com
absoluta tranquilidade que essa previsão ora questionada, constante do
parágrafo único do art. 316, não constava nas propostas iniciais, tendo
sido incluída, numa legítima opção, pelo Congresso Nacional.
A introdução desse dispositivo pelo Legislador teve como causa a
existência de mais de 31% de presos provisórios em nosso sistema
penitenciário, um número excessivo comparado com os demais países.
Com a exigência imposta na norma, passa a ser obrigatória uma análise
frequente da necessidade de manutenção de tantas prisões provisórias.
Trata-se, portanto, da mesma causa que gerou a criação da audiência
de custódia. Assim como esse outro instituto legal, a introdução do
dispositivo ora impugnado não pretendeu conferir aos presos o direito de
soltura automática.
Ambas as iniciativas legislativas não se voltaram a – em uma
expressão popular já conhecida – "liberar geral". Não!
O que o Legislador passou a exigir foi a verificação de quem
realmente precisa continuar encarcerado preventivamente.
No caso da audiência de custódia, requer-se uma análise em relação,
principalmente, às prisões em flagrante, enquanto o parágrafo único do
art. 316 exige a apreciação da necessidade da prisão preventiva. Ambos
têm como causa a situação carcerária do país, e como finalidade intrínseca a
de se atestar periodicamente a necessidade manutenção do decreto
preventivo, de modo que não fossem renovadas automaticamente,
mantendo pessoas encarceradas preventivamente sem que fosse
verificada a permanência realmente dos requisitos e pressupostos iniciais
dessa constrição cautelar de liberdade.
É preciso ter presente, contudo, que a alteração legislativa
promovida com a inclusão do parágrafo único do art. 316 não pretendeu
transformar a prisão preventiva em uma nova espécie de prisão

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temporária, ou seja, prisão com prazo determinado e fatal.


Apesar de ambas constituírem modalidades de prisão cautelar,
definitivamente não se confundem.
No tocante à prisão temporária, para além das diferenças de
requisito para a sua decretação, há uma previsão expressa, uma opção
legislativa inequívoca, de um prazo fatal de duração da constrição
cautelar de liberdade, qual seja, de cinco dias como regra geral e de trinta
dias para os crimes hediondos. Até há a possibilidade de prorrogação do
decreto temporário por igual período mediante nova decisão, mas consta
expressamente no comando legal a obrigatoriedade de imediata soltura,
ao fim de mencionado prazo, quando não houver a comunicação dessa
prorrogação.
Em outras palavras, o Legislador previu, na prisão temporária, um
termo final expressamente determinado para o decreto, e após o
exaurimento desse prazo legal de duração, e na ausência de comunicação
de decisão judicial que prorrogue a prisão temporária ou que decrete
nova modalidade prisional de natureza cautelar, faz-se obrigatória a
soltura imediata do acusado. É o que diz claramente o § 7º do art. 2º da Lei
nº 7.960:

"§ 7º Decorrido o prazo contido no mandado de prisão, a


autoridade responsável pela custódia deverá,
independentemente de nova ordem da autoridade judicial, pôr
imediatamente o preso em liberdade, salvo se já tiver sido
comunicada da prorrogação da prisão temporária ou da
decretação da prisão preventiva." (grifos aditados)

Conclui-se, diante disso, que o Legislador, quando assim pretendeu,


estabeleceu de maneira expressa na lei o prazo fatal para a prisão cautelar.
Não foi o que ocorreu, de forma alguma, com a introdução do
parágrafo único do art. 316 no Código de Processo Penal.
A norma ora impugnada não instituiu um termo peremptório para a
duração da prisão preventiva, e muito menos definiu, como ocorreu em
relação à prisão temporária, uma obrigação de soltura. Ao contrário, a

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nova legislação manteve a existência de prazo indeterminado para o


decreto preventivo, desde que, obviamente, continuem presentes os seus
requisitos.
Com isso, o que a previsão legal estabeleceu foi uma obrigatoriedade
de revisão da presença desses requisitos, exatamente para se evitar, como
nós sabemos de alguns casos, os excessos, sempre tendo por causa e
finalidade – daí a importância da análise de cada situação concreta – a
necessidade de se atestar a adequação da medida de acordo com as
peculiaridades do caso.
Aqui importa averiguar qual o caso, o crime e as suas
peculiaridades. Justamente por isso é que se exige uma reanálise, e não
uma soltura automática do preso preventivo, fundada nas
particularidades do caso concreto, razão pela qual, em sucessivos habeas
corpus impetrados no SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a Primeira e a
Segunda Turma vêm determinando – mesmo quando esgotado o prazo
de 90 dias – o retorno imediato ao juiz competente para que promova essa
pronta reavaliação da subsistência, ou não, dos requisitos que
fundamentaram o decreto prisional.
Não houve, por parte da lei, a previsão de automaticidade. O
parágrafo único do art. 316 não prevê que a prisão preventiva passa a ter
90 dias de duração e, havendo a necessidade de se prorrogar esse prazo,
deva ser proferido outro decreto de novo. Estabelece, tão somente, a
necessidade de uma reanálise, que pressupõe o exame e a consideração
das especificidades de cada um dos casos.
O descumprimento dessa necessidade de reanálise dos requisitos
que ensejaram a prisão após 90 dias não tem, a meu ver, como
consequência legal, a concessão automática de uma liberdade provisória.
Dessa inobservância por parte do juiz decorre, na verdade, a partir da sua
constatação, a obrigatoriedade de se determinar que o Poder Judiciário
promova imediatamente essa reanálise.
Obviamente, essa diferença de consequências legais entre o término
do prazo peremptório da prisão temporária, de um lado, e o decurso do
prazo de 90 dias estabelecido para a necessidade de uma nova revisão da

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prisão preventiva, de outro, levou em conta exatamente os requisitos


exigidos para a decretação dessas modalidades de prisão cautelar.
Por que se previu prazo fatal para a prisão temporária? Exatamente
porque são requisitos menos consistentes que permitem a sua decretação.
No caso da preventiva, são requisitos mais consistentes que tendem, nós
sabemos, a se manter durante o processo, principalmente onde já existe
condenação em segundo grau.
Dessa maneira, ACOMPANHO a primeira tese defendida pelo
eminente Ministro Relator, EDSON FACHIN, no sentido de que o
transcurso do prazo previsto no parágrafo único do art. 316 do Código
de Processo Penal não acarreta, automaticamente, a revogação da prisão
preventiva e, consequentemente, a concessão de liberdade provisória.

Em relação ao segundo aspecto suscitado pelos requerentes – o juízo


competente para a revisão do decreto prisional – , verifico que a questão
constitucional guarda maiores controvérsias, não tendo sido decidida
definitivamente no julgamento da SL 1395-MC-Ref.
O Ministro EDSON FACHIN, como relatado, defende que a
obrigatoriedade de reanalisar a prisão preventiva, após decorrido os 90
dias, incide tão somente sobre o juiz que a decretou e enquanto o
processo tramitar em seu juízo.
No caso de Tribunais de segunda instância, ou mesmo do STJ e do
STF, essa previsão recai sobre o Relator tão somente quando a Corte for
competente originária para julgar a ação.
Transcrevo a fundamentação de Sua Excelência:

“Há, a meu sentir, um óbice inscrito no enunciado da


norma, a saber, a determinação de que somente o “órgão
emissor da decisão [deverá] revisar a necessidade de sua
manutenção a cada 90 (noventa) dias”. Sobressai desta
formulação que este órgão poderá ser um juiz de direito, ou
mesmo um corpo colegiado, no caso dos processos de
competência originária dos Tribunais. Entretanto, o órgão
sempre estará limitado pela extensão de sua competência

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jurisdicional. Não se me afigura possível exigir do juiz que


decretou a prisão, ainda no primeiro grau, que revise a medida
nos autos remetidos às esferas recursais. A rigor, uma vez
encerrada sua prestação jurisdicional, o magistrado já não se
encontra habilitado a decidir.
As posições II e III incorrem em um outro dos seguintes
contrassensos: ou determinam que magistrado atue em
processo no qual se encerrou sua prestação jurisdicional (III), ou
exigem a revisão de órgão jurisdicional diverso daquele
individuado pela norma (II)”.

Divirjo, parcialmente, desse posicionamento, pois entendo ser


aplicável o artigo 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal
também em relação à prisão cautelar decorrente de sentença
condenatória de primeira grau recorrível.
A revisão periódica da necessidade e adequação da prisão cautelar,
em segundo grau de jurisdição, deve ficar sob a responsabilidade do
relator do caso, que possui a atribuição e competência para o controle
revisional tanto de suas próprias decisões (quando o decreto for proferido
inicialmente por ele próprio – inclusive, nas hipóteses de prerrogativa de
foro) quanto pelos atos decisórios tomados em primeira instância,
permitida a cognição plena e a revisão dos fundamentos que dão ensejo à
necessidade da constrição cautelar da pessoa já condenada.
Encerrado o julgamento de segunda instância, não se aplica o artigo
316, parágrafo único, do Código de Processo Penal.
Observe-se, que, no julgamento das ADCs 43 e 44, por maioria, o
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL entendeu não ser mais possível a
execução provisória da pena.
Houve, contudo, posição unânime de que, após decisão
condenatória em segundo grau, o Tribunal poderia, ao condenar ou
manter a condenação proferida em primeira instância, também manter ou
determinar a partir daí, de forma cautelar, a prisão do condenado até o
trânsito em julgado da sentença penal.
Ressalto que temos aqui uma prisão cautelar fundamentada em

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decisão condenatória de segundo grau, que não transitou em julgado em


razão de recurso da defesa.
Ao considerar-se que o segundo grau já decidiu definitivamente a
questão das provas (cognição plena), não há razoabilidade de exigirmos,
nesses casos em que já há decisão condenatória de segundo grau – a qual
manteve, de forma fundamentada, a prisão cautelar – a obrigatoriedade
de continuar promovendo reavaliações periódicas do decreto a cada 90
dias.
Ora, se o Tribunal já condenou na última instância em que é
permitida a cognição plena, é óbvio que se entende que, até o trânsito em
julgado, permanecerão os requisitos para a restrição de liberdade. Não há
lógica da aplicação do art. 316, parágrafo único, para prisões cautelares
derivadas de decisão final de cognição plena em segundo grau.
Obviamente, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA e o SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL– por meio de habeas corpus – sempre poderão
analisar a ilegalidade dessa constrição cautelar de liberdade ou da
própria condenação, mas não há, a aplicação do parágrafo único do artigo
316 do Código de Processo Penal, ou seja, inexiste a obrigatoriedade de
revisão periódica da prisão cautelar, ficando afastada a incidência do
dispositivo impugnado, após decisão de segundo grau.
A necessidade de nova análise a cada 90 dias, a meu ver, se dá até a
decisão condenatória em segundo grau. Depois disso, essa
obrigatoriedade não se aplica, até porque a possibilidade de prisão em
segundo grau está inserida no § 1º do art. 387, do Código de Processo
Penal, não constando no capítulo que regulamenta a prisão preventiva.
Encerrada a instrução processual com os julgamentos de primeira e
segunda instâncias, entendo inadmissível a exigência de, a cada 90 dias, o
Tribunal Superior reanalisar, obrigatoriamente, a manutenção da prisão
cautelar, pois se trata de hipótese em que a segunda instância já definiu a
condenação e reputou fundamentada a prisão cautelar. Isso é irrazoável,
ilógico, e vai contra o princípio da eficiência da prestação jurisdicional.

Em conclusão, entendo que o artigo 316, parágrafo único, do CPP

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aplica-se:

(a) até o final dos processos de conhecimento, onde há o


encerramento da cognição plena pelo Tribunal de segundo
grau;
(b) nos processos onde houver prerrogativa de foro.

Diante de todo o exposto, DIVIRJO PARCIALMENTE do


eminente Ministro Relator, EDSON FACHIN, JULGANDO
PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos deduzidos nas Ações
Diretas, concedendo ao artigo 316, parágrafo único, do Código de
Processo Penal interpretação conforme à Constituição, no seguinte
sentido:

i) a inobservância da reavaliação prevista no parágrafo


único do artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP), com a
redação dada pela Lei 13.964/2019, após o prazo legal de 90
(noventa) dias, não implica a revogação automática da prisão
preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar
a legalidade e a atualidade de seus fundamentos.

(ii) o art. 316, parágrafo único, do Código de Processo


Penal aplica-se até o final dos processos de conhecimento,
onde há o encerramento da cognição plena pelo Tribunal de
segundo grau, não se aplicando às prisões cautelares
decorrentes de sentença condenatória de segunda instância
ainda não transitada em julgado.

(iii) o artigo 316, parágrafo único, do Código de Processo


Penal aplica-se, igualmente, nos processos onde houver
previsão de prerrogativa de foro.

É o voto.

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Extrato de Ata - 09/03/2022

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PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 6.581


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
REDATOR DO ACÓRDÃO : MIN. ALEXANDRE DE MORAES
REQTE.(S) : DIRETÓRIO NACIONAL DO PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO -
PTB
ADV.(A/S) : LUIZ GUSTAVO PEREIRA DA CUNHA (137677/RJ)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS DEFENSORAS E DEFENSORES
PÚBLICOS - ANADEP
ADV.(A/S) : ILTON NORBERTO ROBL FILHO (43824/PR)
ADV.(A/S) : ISABELA MARRAFON (37798/DF)
ADV.(A/S) : TATIANA ZENNI DE CARVALHO GUIMARÃES FRANCISCO
(24751/DF)

Decisão: Após o voto do Ministro Edson Fachin (Relator), que


conhecia da ação direta e julgava parcialmente procedente o pedido
formulado, aplicando ao art. 316, p.u., do CPP a técnica da
interpretação conforme à Constituição, segundo as seguintes teses:
i) a inobservância da reavaliação prevista no parágrafo único do
artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP), com a redação dada
pela Lei 13.964/2019, após o prazo legal de 90 (noventa) dias, não
implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o
juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a
atualidade de seus fundamentos; ii) o comando do parágrafo único
do art. 316 do CPP se restringe ao órgão que tiver decretado a
prisão preventiva na fase de investigação e de processamento da
ação penal, e limita-se ao exaurimento da competência
jurisdicional, pediu vista dos autos o Ministro Gilmar Mendes.
Falaram: pelo requerente, o Dr. Luiz Gustavo Pereira da Cunha; e,
pelo amicus curiae, o Dr. Luis Gustavo Grandinetti Castanho de
Carvalho. Plenário, Sessão Virtual de 18.6.2021 a 25.6.2021.

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente


procedente a ação direta, concedendo ao artigo 316, parágrafo
único, do Código de Processo Penal interpretação conforme a
Constituição, no seguinte sentido: (i) a inobservância da
reavaliação prevista no parágrafo único do artigo 316 do Código de
Processo Penal (CPP), com a redação dada pela Lei 13.964/2019,
após o prazo legal de 90 (noventa) dias, não implica a revogação
automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser
instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus
fundamentos; (ii) o art. 316, parágrafo único, do Código de
Processo Penal aplica-se até o final dos processos de
conhecimento, onde há o encerramento da cognição plena pelo

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Extrato de Ata - 09/03/2022

Inteiro Teor do Acórdão - Página 69 de 69

Tribunal de segundo grau, não se aplicando às prisões cautelares


decorrentes de sentença condenatória de segunda instância ainda
não transitada em julgado; (iii) o artigo 316, parágrafo único, do
Código de Processo Penal aplica-se, igualmente, nos processos onde
houver previsão de prerrogativa de foro. Tudo nos termos do voto
do Ministro Alexandre de Moraes, Redator para o acórdão, vencidos
parcialmente os Ministros Edson Fachin (Relator), Roberto Barroso,
Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Plenário, Sessão Virtual de
25.2.2022 a 8.3.2022.

Composição: Ministros Luiz Fux (Presidente), Gilmar Mendes,


Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber,
Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Nunes Marques
e André Mendonça.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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