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ISSN 1981-1225

Dossiê Religião
N.4 – abril 2007/julho 2007
Organização: Karina K. Bellotti e Mairon Escorsi Valério

Combates no Espírito:
Renovação Carismática Católica, teorias e
interpretações *

Fighting in Spirit:
The Charismatic Renovation in the Catholic Church

Leila Maria Massarão


Historiadora e diretora vice-presidente da
Fundação Pró-Memória de São Carlos
Correio eletrônico: l.massarao@terra.com.br

Adam and Eve live


Down the street from me
Babylon is every town
It's as crazy
As it's ever been
Love's a stranger
All around

(Run to the water, Live)

Resumo: Este artigo é parte da dissertação “Combatendo no Espírito: A Renovação


Carismática na Igreja Católica (1969 -1998)”, defendida em 2002 no Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade de Campinas (UNICAMP). Nele foram abordadas as
bases históricas da Renovação Carismática Católica e suas relações com a hierarquia
católica, em especial o seu papel nas estratégias da Igreja Católica pós Concílio Vaticano II,
em especial no Brasil e na América Latina.

Palavras chave: Renovação Carismática. Igreja Católica – Brasil – História. Leigos


(Religião) – Brasil – Igreja Católica.

*
Este texto faz parte da Dissertação de Mestrado em História – Combatendo no Espírito: a
Renovação Carismática na Igreja Católica (1969-1998) (Campinas, UNICAMP, 2002). Bolsista
FAPESP.

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Dossiê Religião
N.4 – abril 2007/julho 2007
Organização: Karina K. Bellotti e Mairon Escorsi Valério

Abstract: This article is part of the essay “Fighting in Spirit: The Charismatic Renewal in the
Catholic Church (1969-1998)”, presented in 2002 at the Institute of Philosophy and Human
Sciences of the University of Campinas (UNICAMP). On it, the historical basis of the Catholic
Charismatic Renewal and its connections with the catholic hierarchy were addressed,
particularly the role it had in the strategies of the Catholic Church after the Second Vatican
Council, mainly in Brazil and Latin America.

Key-words: Charismatic Renewal. Catholic Church – Brazil – History. Laity (Religion) – Brazil –
Catholic Church.

A Igreja e o Vaticano II

Ao ser compreendido como marco de renovação da Igreja, o Concílio Vaticano


II possibilitou a formação de novos movimentos, principalmente aqueles de
iniciativa leiga. Direta e indiretamente, o Concílio promoveu o
redimensionamento da atuação dos leigos na Igreja, tanto através dos decretos
sobre o apostolado leigo, quanto por decretos referentes à educação cristã, à
liberdade religiosa e à ação missionária.
O Concílio Vaticano II representou para a Igreja atual e os movimentos
que nele se originaram a efetivação de muitas práticas e orientações em
ebulição desde décadas antes da reunião conciliar, em especial no que dizia
respeito ao diálogo da Igreja com o mundo, a união dos cristãos e a
manutenção de sua posição na sociedade. O Concílio pareceu legitimar o
processo de “renovação” implementado por iniciativas tais como a da Ação
Católica 1 , fundada em 1922 pelo papa Pio XI, em especial pela ênfase na
participação leiga, estimulada inicialmente pelas autoridades eclesiais, em
nome da renovação institucional da Igreja.
Da mesma forma, no processo de “abertura de diálogo” com o mundo, e
pela ação de grupos do meio católico, o Vaticano II também foi marcado pelo

1
Grupo leigo de apoio à hierarquia católica na re-cristianização da sociedade em várias
frentes, como no trabalho, na família, nas escolas.

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ecumenismo, em discussão desde o século XIX (diálogo Roma-Inglaterra, em


1895), mas que ganhou fluência após o Concílio dos anos 1960 e a publicação
do Decreto Unitatis Redintegratio, que propunha a união entre os cristãos 2 .
Esses dois elementos – a atuação leiga e o ecumenismo – são
primordiais para a compreensão do Movimento aqui analisado, a Renovação
Carismática Católica. Nascida logo após o término do Vaticano II, a Renovação
Carismática encontrou legitimação para sua existência e suas práticas. Mas o
Movimento Carismático é depositário de uma herança católica ainda maior, que
além do Concílio Vaticano II, tem origem nos modelos pré-conciliares de
organização, na busca de renovação da Igreja, inerente ao discurso da Igreja, e
na crença na manifestação do poder do Espírito Santo.

A Igreja Católica e os Movimentos do Espírito

Durante a história da Igreja Católica surgiram muitos movimentos de


renovação baseados na crença de inspiração divina atribuída ao Espírito
Santo. Designados muitas vezes como entusiasmos (termo, em grego,
significando arrebatamento divino), estes movimentos podem ser definidos
pelo saudosismo de uma Igreja Primitiva idealizada, numa reação diante da
“decadência social e corrupta” que também atingiria as estruturas da Igreja.
Os movimentos do Espírito Santo remontam aos primeiros séculos da era
cristã. Um dos primeiros grupos registrados foi o dos Montanistas (século II),
conhecidos por suas práticas proféticas e glossolálicas. Os Montanistas
entraram em confronto com a autoridade hierárquica menos por questões
dogmáticas e mais por darem aos seus profetas supremacia frente aos líderes
católicos. Este conflito entre a hierarquia carismática e a hierarquia oficial
acabou na excomunhão dos Montanistas por “heresia”.

2
O termo ecumenismo é usado para os movimentos que, desde o século XIX, almejam a união
entre os cristãos de diferentes denominações e igrejas. Na Igreja Católica, o movimento
ecumênico ganhou impulso a partir dos anos 1950, quando observadores católicos foram
enviados oficialmente a uma conferência ecumênica internacional (Conferência de Lund).

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Nos primeiros três séculos do segundo milênio, apesar das tentativas


fracassadas da Igreja em impedir a formação de ordens religiosas, iniciativas
como a de São Francisco de Assis ganharam força e seguidores 3 . No mesmo
período, o líder profético Joaquim de Fiore foi alvo de censura doutrinal por
suas idéias a respeito da Trindade e das três idades da história, em que
enfatizava o papel do Espírito Santo. Ao tocar em tema tão controverso com
relação às Pessoas da Trindade, de Fiore conseguiu a oposição dos teólogos
latinos, porém marcou grupos e teólogos posteriores, através de suas idéias e
por suas profecias.
A Igreja institucionalizada, frente aos diversos movimentos e rebeliões
espirituais que surgem, desenvolveu estratégias diversas, variando de acordo
com o período em que essas correntes surgem. Segundo Laurentin, de modo
geral a instituição tem agido da seguinte forma:

(...) oscilado entre duas soluções-limites:


rejeição, exclusão, excomunhão;
recuperação nos quadros; assimilação ao sistema em detrimento da
vitalidade e extinção do Espírito com os carismas (Laurentin, 1977: 159-
160).

Mas não foi apenas a Igreja Católica que, ao longo de sua história, viu
surgir vários movimentos espirituais. Após a reforma protestante, movimentos
do Espírito também surgiram nas igrejas da reforma, como o Pietismo (século
XVII-XVIII) entre os luteranos. Porém, o movimento do Espírito mais marcante
entre os protestantes foi o pentecostalismo (século XIX) que, oriundo das
Igrejas Metodista e Batista (principalmente), deu origem a várias
denominações, como a Assembléia de Deus, Congregação Cristã, Igreja do
Nazareno, etc. Ainda no Pentecostalismo, os anos 1950 trouxeram movimentos
de avivamento que refletiram também nas igrejas protestantes históricas e, em
algum grau, na Igreja Católica.
3
Decretada no IV Concílio de Latrão (1215) e reafirmada no II Concílio de Lião (1274), a
proibição de fundar ordens religiosas não teve sucesso mas, segundo Laurentin, evidenciou a
tensão entre carisma e instituição.

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Não é objetivo deste trabalho fazer uma análise exaustiva dos


movimentos do Espírito, mas mostrar como a Renovação Carismática Católica
está inserida dentro de uma tradição cristã relacionada às rebeliões espirituais.

O Surgimento da Renovação Carismática Católica

O Movimento Carismático Católico nasceu nos Estados Unidos estimulado por


avivamentos pentecostais que proliferavam nas igrejas protestantes nos anos
1950 e 1960 do século XX. Foi considerado o evento fundador da Renovação
Carismática Católica o retiro realizado por professores e alunos católicos da
Universidade de Duquesne, Pittsburg, em 1967. Neste retiro, orientados por
carismáticos presbiterianos, o grupo de Duquesne orou pedindo o Batismo no
Espírito Santo e a manifestação de dons carismáticos como os descritos por
São Paulo em sua segunda carta aos Coríntios 4 , pedido este que considerarou
atendido durante o evento.
Nos Estados Unidos, o Movimento Carismático Católico manteve
características ecumênicas, com grupos mistos de fiéis católicos e protestantes
e grande apelo através da busca pela cura divina 5 . Um dos principais líderes da
Renovação Carismática nos Estados Unidos foi o padre jesuíta Thomas Forrest
que, ainda nos anos 1970, organizou grandes eventos do Movimento
Carismático voltados principalmente para a cura divina: seu grupo de apoio
sempre teve membros de igrejas protestantes e ainda hoje o Pe. Thomas
Forrest está ligado a movimentos ecumênicos junto à Igreja Católica.
Depois da expansão interna norte-americana, a recém-nascida
Renovação Carismática Católica se expandiu pela Europa, Ásia e América
Latina ainda nos anos 1960. A expansão acelerada deveu-se, sobremaneira,

4
O Batismo no Espírito Santo e os dons carismáticos eram temas e práticas correntes nos
grupos de avivamento que proliferavam no período nos Estados Unidos, e ainda estão
presentes em várias denominações com influência pentecostal.
5
Para os carismáticos, a cura divina seria investida pelo Espírito Santo aos fiéis aptos a
desenvolverem este dom. Estes escolhidos teriam a capacidade de, através da imposição de
mãos, ministrar a cura aos enfermos, afligidos tanto pelos males físicos quanto pelos espirituais
e psicológicos.

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ao trabalho missionário de leigos e religiosos engajados no Movimento


Carismático.
Em função do sucesso entre os católicos norte-americanos, além da forte
atração que os dons carismáticos exerciam sobre as comunidades, a
Renovação Carismática Católica não tardou a chegar na América Latina.
Missões carismáticas lideradas por jesuítas e dominicanos rumaram para
diversos países latino-americanos a convite de autoridades eclesiásticas. Um
destes países foi a Guatemala, onde leigos e religiosos locais estabeleceram
grupos de oração e comunidades carismáticas. Inicialmente, havia a
presença de membros de denominações cristãs não católicas, mas com o
passar do tempo, com a atuação das autoridades religiosas locais e a
adesão de leigos católicos, essa participação foi diminuindo.
A Renovação Carismática chegou no Brasil no final dos anos 1960,
começo dos anos 70, trazida por jesuítas norte-americanos. O Pe. Eduardo
Dougherty é reconhecido como um dos precursores do Movimento Carismático
no Brasil, sendo responsável pela formação dos primeiros grupos de oração na
cidade de Campinas com participantes dos Cursilhos de Cristandade. Através
de suas atividades formou um grupo de religiosos engajados na Renovação
Carismática, entre eles o jesuíta norte-americano Haroldo Rahm, outro
destacado membro da Renovação Carismática Católica no Brasil e considerado
por muitos como co-introdutor do movimento no país.
A atuação dos bispos brasileiros junto à Renovação Carismática
aconteceu após o estabelecimento de grupos de oração e o começo da
expansão do Movimento 6 . No começo dos anos 1970, os líderes carismáticos –
principalmente pela ação do Pe. Haroldo Rahm junto à Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB) – obtiveram autorização do bispado brasileiro
para organizar a Comissão Nacional de Serviço, com sede em Brasília.

6
Mapear a expansão do movimento não é tarefa fácil, mas tomando por base os documentos
da Igreja Católica de meados da década de 1970, em poucos anos a Renovação Carismática
teria alcançado 58 das 128 dioceses brasileiras partindo de seu núcleo principal, a cidade de
Campinas.

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O estabelecimento da Renovação Carismática foi peculiar a cada região.


Assim, ao abordar a história do Movimento Carismático em lugares como
Europa e Estados Unidos é possível visualizar como os carismáticos católicos –
mesmo tendo um caráter transnacional, organizado por várias camadas
hierárquicas comuns, incluindo conselhos internacionais – seguiram caminhos
diferentes na América Latina e África. Essa diferença não está ligada
simplesmente ao fato da Renovação Carismática ter sido importada dos
Estados Unidos ou da Europa, mas aos contextos regionais. O Movimento
Carismático na Europa e nos Estados Unidos está fortemente vinculado a
organizações e movimentos ecumênicos, enquanto na África e América Latina
a Renovação Carismática parece seguir um caminho voltado para questões
sócio-político-cultural-econômicas. Considere-se além das questões sociais, o
universo religioso latino-americano é povoado por denominações, igrejas e
religiões muito numerosas e/ou simbolicamente ricas (as divindades da
Umbanda e Candomblé, no Brasil, e os "feiticeiros”, na África), trazendo uma
preocupação a mais aos fiéis, principalmente no que tange ao medo dos
"feitiços", "trabalhos", "demônios", enfim, do ataque mágico dessas religiões.
É interessante notar que o aspecto ecumênico da Renovação Carismática
norte-americana tende a desaparecer nos países da América Latina, motivado,
talvez, pela ausência de uma tradição protestante. No Brasil a presença de
grupos mistos – compostos de católicos e protestantes – não é citada nos
trabalhos sobre a Renovação Carismática, o que não significa sua ausência,
mas possivelmente a pouca força dessa participação e a tendência dos grupos
em se manterem exclusivamente em meios católicos 7 .
Por ter seu impulso inicial numa cultura protestante e diretamente
influenciada pelo pentecostalismo, a Renovação Carismática Católica possui
práticas muito próximas à sua correspondente protestante: a crença no Batismo
no Espírito Santo; a manifestação dos dons carismáticos, como o dom de
7
O ecumenismo na Renovação Carismática Católica norte-americana talvez se justifique pelo
catolicismo ser minoritário nos Estados Unidos e estar inserido numa cultura protestante. No
caso latino-americano, a Igreja Católica tem um status "oficial", principalmente pela influência
cultural.

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línguas, profecia e cura; os louvores e as canções; o biblicismo; e a utilização


da mídia como recurso de pregação e propagação.
Mesmo que tais práticas tenham sido, em algum grau, herdadas dos
pentecostais protestantes, elas são justificadas pelos carismáticos católicos nas
Escrituras, como uma forma de garantir sua legitimidade.
Uma das formas encontrada pelo Movimento Carismático, nos seus
primeiros anos de vida, para ganhar a simpatia e a participação do clero foi,
através de sua literatura, demonstrar “docilidade” em relação à autoridade
institucional e o culto mariano, diminuindo o efeito negativo que a proximidade
com as práticas pentecostais protestantes poderia ter, além de reafirmar a
Renovação Carismática Católica como uma renovação cristã autêntica:

Uma das provas mais evidentes de que se trata de uma Renovação Cristã
autêntica está no fato de não afastar as pessoas das práticas tradicionais
da religião. Pelo contrário, dá-lhes, de maneira notável, um amor maior pelo
santíssimo sacramento, uma devoção mais profunda pela celebração
eucarística (...) e, muitas vêzes, uma nova e maravilhosa apreciação do
papel de Nossa Senhora na vida cristã (...) (Rham, 1972: 19) 8

Há a tendência em dar-se ao Movimento Carismático uma identidade


católica, inclusive apontando o Concílio Vaticano II como real gestor da
Renovação: "Podemos dizer que João XXIII foi o precursor da Renovação
Carismática (...) O Concílio foi o início desse Pentecostes que hoje se vê
realizar em toda a Igreja" (CNS/RCC, 1984) 9 . Assim, o Concílio Vaticano II teria
garantido, com as medidas referentes ao apostolado leigo, o ecumenismo e as

8
Nos anos subseqüentes, esta ênfase nas diferenças com o pentecostalismo protestante foi
suavizada, mas ainda aparece na literatura carismática.
9
João XXIII foi o idealizador do Concílio Vaticano II. Em 1959, meses após sua posse, ele teria
demonstrado o interesse em convocar um concílio ecumênico, que foi aberto em 1962. A idéia
da Renovação Carismática como um "novo Pentecostes" vem exatamente das palavras
proferidas na abertura do Concílio, relacionadas à necessidade de um novo Pentecostes para a
Igreja - se o evento bíblico do Pentecostes marcou a fundação da Igreja, um novo Pentecostes
seria seu renascimento.

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mudanças litúrgicas, a sobrevivência do Movimento Carismático dentro da


Igreja Católica 10 .
Nas análises acadêmicas sobre a Igreja Católica na América Latina, a
semelhança da Renovação Carismática Católica com o pentecostalismo
protestante é interpretada como um recurso da Igreja na disputa de mercado
com as denominações religiosas pentecostais protestantes que proliferam no
país 11 . No Brasil, a hipótese de "disputa do mercado religioso" entre católicos e
denominações pentecostais como a Igrejas Universal do Reino de Deus e
Internacional da Graça motivaram muitas análises sobre a Renovação
Carismática, apoiadas principalmente em terminologias economicistas que
caracterizam os movimentos religiosos a partir do número de membros e das
horas disponíveis na mídia.
Esse tipo de abordagem se justifica pela organização do próprio
Movimento Carismático. A formação dos líderes da Renovação Carismática,
através da Escola Paulo Apóstolo, utiliza conceitos de marketing e os
empreendimentos do Movimento Carismático são organizados com estratégias
empresariais, como pode ser notado na Associação do Senhor Jesus, do Pe.
Eduardo Dougherty.
Contudo, nas análises acadêmicas e da mídia as motivações religiosas
do Movimento são deixadas de lado e as manifestações carismáticas surgem
como apelos de marketing na disputa por fiéis. Enfim, a dimensão devocional
dá espaço à livre concorrência religiosa e às medidas publicitárias das igrejas e
denominações.
Mesmo sendo um aspecto relevante nas análises sobre a RCC, o
“mercado religioso” não será aqui privilegiado, uma vez que não é o ponto
central de nossa análise.

10
Na literatura carismática é comum encontrar embasamentos para a participação leiga e os
dons carismáticos nos decretos do Concílio Vaticano II.
11
A mídia no Brasil também tem interpretado a RCC a partir de uma visão comercial e de
disputa com as denominações pentecostais brasileiras.

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A Renovação Carismática versus Teologia da Libertação

É, também, comum aos estudos sobre a Renovação Carismática Católica a


ênfase na oposição à Teologia da Libertação. O Movimento Carismático é
constantemente definido como arma da ala conservadora da Igreja Católica
frente aos progressistas da Teologia da Libertação, nos países da América
Latina.
A Teologia da Libertação foi um movimento de renovação do pensamento
teológico idealizado por padres da América Latina, tendo como característica
básica o engajamento social da Igreja através de uma "opção preferencial pelos
pobres", ou seja, o trabalho com os sócio-econômico-politicamente excluídos.
Comungando a releitura de textos bíblicos e teorias políticas de cunho
marxista, os pensadores da Teologia da Libertação acreditavam na "(...)
perspectiva de transformação social e de ruptura com os laços de dependência
com os países de capitalismo avançado (...)" (Soares, 2000:15) 12 . Depositária
desta orientação teológica, a Igreja Progressista esteve e ainda está presente
em um grande número de paróquias no Brasil, contando com a aquiescência e
participação de vários bispos e arcebispos.
Quando a Renovação Carismática se estabeleceu na Igreja do Brasil nos
anos 1970, a Teologia da Libertação atuava em várias paróquias e possuía
grande representação na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Desde a
década de 1950 a Igreja brasileira vinha passando por mudanças significativas,
motivadas pela industrialização acelerada, a migração, o crescimento urbano e
sua carga de novas visões de mundo (atreladas também a correntes religiosas
como o protestantismo, o espiritismo e a umbanda), elementos que
contribuíram para a alteração da sociedade e, conseqüentemente, do perfil dos
fiéis católicos.

12
Não é objetivo deste trabalho aprofundar-se na análise da Teologia da Libertação. Sua breve
descrição faz-se necessária pelas relações mantidas com a Renovação Carismática Católica,
sem, contudo invocar uma observação exaustiva de sua História e pensamento.

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As mudanças sociais exigiram da Igreja a reestruturação de suas


estratégias. A Ação Católica, instrumento eclesial desta reestruturação, adotou
um novo modelo organizacional baseado em categorias sociais: lavradores,
operários, estudantes secundaristas, universitários. Isto trouxe para dentro da
Igreja os problemas desses grupos, de forma que ela fosse, ao menos em
parte, compelida a atuar em nome de suas causas.
A Ação Católica Especializada (principalmente os grupos ligados ao meio
estudantil), no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, aproximou-se dos
movimentos políticos de esquerda, incorporando a crítica ao capitalismo. Suas
iniciativas estimularam os movimentos de reforma de base, como na área de
educação (MEB – Movimento de Educação de Base) e em relação à reforma
agrária. Contudo, havia um descompasso entre o ideal de reformas na
concepção da CNBB e dos movimentos especializados da Ação Católica:
enquanto a CNBB pretendia uma reforma de base que evitaria uma convulsão
social (uma revolução como aquela vista em Cuba), setores da Ação Católica
pretendiam uma reforma profunda, modificando todo o sistema de relações
sociais no Brasil. O radicalismo desses setores levou ao afastamento e retirada
de apoio por parte da CNBB que, mesmo investindo ainda nos projetos sociais
e de reformas de base, tentava evitar a aproximação excessiva com as
políticas de esquerda e o radicalismo de seus projetos.
Com a ascensão do governo militar após o golpe de 1964, a Igreja
manteve suas reformas pastorais e a articulação com os setores populares e
seus problemas. Em 1968, A Conferência de Medellin impulsionou a temática
da Teologia da Libertação que

(...) ao mesmo tempo que representou uma sistematização de reflexões


suscitadas pelos diversos tipos de práticas de sectores da Igreja, no Brasil
e em outros países da América-Latina, junto às classes populares, permitiu
também que esses mesmos setores buscassem, cada vez mais,
fundamentar suas práticas nessa teologia (Tangerino, 1997:113),

mantendo, porém, uma postura reticente em relação ao governo, excetuando


os grupos de linha conservadora, como a TFP (Tradição, Família e

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Propriedade) formada pela classe média católica e parcelas da burguesia, cujo


apoio aos militares era claro.
Após o Ato Institucional nº 5 (1969) e a intensa repressão que atingiu
também membros leigos e religiosos da Igreja, a CNBB passou a repudiar as
ações do regime, tanto em relação aos problemas econômico-sociais quanto ao
desrespeito aos direitos humanos. A década que se seguiu após a edição do
AI-5 mostrou a Igreja Católica como única instituição capaz de resistir ao
regime militar, passando a ocupar o espaço de oposição à Ditadura Militar
brasileira. O desmantelamento e perseguição aos movimentos, partidos e
organizações de esquerda deu força aos grupos formados na Igreja, como as
Comunidades Eclesiais de Base, a Pastoral da Terra, Juventude Operária e
Ação Católica Operária (ou seja, aqueles ligados às ações sociais da Igreja),
trazendo parcela significativa das classes populares e de pessoas resistentes
ao governo para as esferas católicas.
Enfim, a década de 1970, marcada por mudanças políticas, econômicas e
sociais, levou a Igreja Católica brasileira a aprofundar mudanças que se
insinuavam desde os anos 1950, principalmente em sua relação com a
sociedade e no engajamento nos problemas sociais do país. Na junção da
situação sócio-econômico-cultural-política do período com as reformas intra-
institucionais referendadas pela Teologia da Libertação, a Igreja Católica
assumiu o papel de oposição ao governo militar e passou a abraçar as causas
populares, criando um bloco progressista significativo na CNBB.
Nos anos 1980, com a ascensão do Papa João Paulo II, houve mudanças
na atitude da Igreja em relação ao empenho social. Aliada à ofensiva interna
frente à Igreja Popular e à desarticulação dos referenciais sócio-políticos da
Teologia da Libertação, a instituição romana desacelerou o crescimento das
Comunidades Eclesiais de Base (materialização das idéias da Teologia da
Libertação) e transformou sua atuação no campo social.
O papado iniciado em 1978 ficou conhecido pela

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organização e o lançamento de uma forte ofensiva conservadora, marcada


pela ortodoxia doutrinária, pelo apoio à centralização nas decisões e por
uma revitalização do papado e, em geral, das hierarquias católicas.
(Escurra, 1984:85)

A supremacia progressista na Igreja Latino-americana não significou


desaparecimento das linhas conversadoras católicas. O Conselho Episcopal
Latino-Americano, a partir de 1972, por exemplo, esteve sob o controle da ala
conservadora da Igreja Católica, levando à perseguição de teólogos
progressistas, à ataques da Teologia da Libertação e à Igreja Popular. O
exemplo mais marcante da atuação conservadora na América Latina talvez
seja o documento da Assembléia de Puebla (1979), cujo teor é menos
progressista do que o documento de Medellin, produzido na década anterior.
Deve ser considerada ainda a influência da Aliança Euro-Latina,
financiada por uma ala conservadora do clero alemão 13 ; o estímulo a entidades
conservadoras como a Opus Dei; no Brasil, a nomeação do bispado que
passou a ser exclusiva do Núncio Apostólico, retirando a CNBB do processo de
escolha; e, no caso latino-americano, os processos por parte da Sagrada
Congregação para a Doutrina da Fé contra teólogos da libertação 14 .

13
De caráter transnacional, a Aliança Euro-Latina pretendia tirar a Igreja das discussões
políticas e trazê-la às questões puramente religiosas.
14
Os embates entre a cúpula católica e os líderes da Teologia da Libertação estiveram ligados
principalmente à utilização das teorias marxistas como instrumento de análise por parte dos
teóricos da Teologia da Libertação. As propostas de reforma estrutural da Igreja Católica
indicadas pela Teologia da Libertação foram recebidas como desvios de fé, assim: "Com essa
Instrução, a cúpula católica reagiu à tentativa de reforma no pensamento católico, proposta
pelos teólogos da libertação, como desvios da fé. Pela exposição aqui realizada dos principais
pontos dessa Instrução, representativos do discurso católico oficial, viu-se que a Sagrada
Congregação conferiu à TdL uma radicalidade que ela de fato não tinha, nem no que se refere
ao uso da violência revolucionária, pelo menos como uma prática cristã, nem ao uso do
marxismo como uma visão totalizante do mundo. No entanto, as restrições à TdL não se
circunscrevem apenas a esses pontos. A Sagrada Congregação repôs os vários aspectos da
concepção tradicional católica do homem e da sociedade que os teólogos pretendiam reformar:
o caráter universalizante da fé católica, como uma verdade que paira acima da sociedade
terrena e dos condicionamentos históricos; a autoridade da Igreja hierárquica em detrimento de
uma Igreja do Povo; o princípio da obediência doutrinária; o individualismo católico, o homem é
concebido individualmente em sua relação com o divino; o pobre, entendido como pobre de
coração; o maniqueísmo católico, as diferenças na sociedade explicam-se pela oposição entre
o bem e o mal. A Sagrada Congregação, ao não aceitar a renovação que propõe a TdL nesses
pontos, a renegou como uma falsa teologia, não condizente com a fé católica". Instrução sobre
alguns aspectos da ‘Teologia da Libertação’, setembro de 1984.

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Todos esses elementos, comungados com a ascensão do papado de


João Paulo II, produziu a desarticulação da Igreja Popular e possibilitou o
crescimento das correntes conservadoras católicas.
No caso extra-religioso, a abertura política possibilitou a organização de
movimentos civis voltados para a resolução dos problemas sociais e políticos,
passando os grupos católicos a figurarem como apenas uma opção a mais
dentre as que se ampliavam dia a dia. Em suma, a Igreja perdeu sua posição
de única opção frente aos problemas sociais do período, dividindo esta função
a partir daquele momento com os partidos políticos, organizações de bairro, e
diversas outras entidades sociais que, cabe ressaltar, foram geradas dentro da
Igreja Popular.
Esta conjuntura interna e externa produziu modificações nos grupos
inspirados pela Teologia da Libertação. Os projetos mais radicais de
mudanças profundas na sociedade foram sendo amenizados, deslocando as
discussões para o campo da solidariedade, da ecologia e da valorização das
identidades étnico-culturais.
No mesmo período em que a Teologia da Libertação e seus movimentos
passavam por estas modificações, a Renovação Carismática, em crescimento
desde os anos 1970, ganha visibilidade entre os observadores da Igreja e a
mídia. Por suas características mais voltadas para o campo espiritual, o
Movimento Carismático foi interpretado como opositor "natural" das
Comunidades Eclesiais de Base. A Renovação Carismática seria o movimento
escolhido pelo Vaticano para reencaminhar os fiéis católicos.
Os trabalhos acadêmicos igualmente exploram a "oposição" RCC -
Teologia da Libertação, partindo do pressuposto de que houve um avanço
conservador do Vaticano para a reconquista dos fiéis "afastados pela ênfase
desmedida na política por parte da Igreja Progressista", sendo a Renovação
Carismática a arma para esta reconquista.
Contudo, alguns pontos parecem ser ignorados nesta interpretação: a
relação entre Movimento Carismático e Teologia da Libertação justifica-se pela

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História da Igreja na América Latina nas últimas décadas, mas a oposição é


uma construção posterior, uma vez que o esmorecimento da Teologia da
Libertação foi engendrado pela cúpula vaticana, sendo uma questão de
embates teológicos entre Roma e os padres da Igreja Progressista latino-
americana. Deve ser considerado ainda o próprio desgaste da Igreja Popular
frente ao novo contexto político e social da região, com o processo de
democratização, abertura política e o fim das ditaduras militares.
Durante o período em que a Teologia da Libertação esteve no comando
da Igreja brasileira, a Renovação Carismática se estabeleceu nos meios
católicos e teve apoio da hierarquia. O Movimento foi acompanhado pela Igreja,
fez concessões frente às críticas recebidas (principalmente aquelas referentes
ao compromisso social) e fortaleceu suas posições no campo católico.
A expansão da Renovação Carismática, em suma, parece ter pouca
relação com a desestabilização da Teologia da Libertação. O contato entre os
grupos dessas duas correntes, naquele momento, estava reservado ao âmbito
paroquial, sem que sejam encontrados embates significativos entre eles. Hoje,
a “tensão” que ainda possa existir entre a linha carismática e a Teologia da
Libertação tem levado ao debate e à negociação de suas diferenças.
É característica da Igreja Católica a multiplicidade de movimentos
religiosos. Legião de Maria, Opus Dei, Vicentinos, Comunidades Eclesiais de
Base, Renovação Carismática Católica, são apenas alguns dos exemplos de
movimentos presentes na Igreja. São os segmentos sociais que os compõem e
a forma como respondem aos projetos da Igreja que definem as peculiaridades
de cada grupo. A manutenção de grupos tão diversos possibilita à Instituição
manter o controle sobre um grande número de fiéis, dando-lhes a idéia de
pertencimento e o sentimento de unidade, essencial para a subsistência da
Igreja.
Essa multiplicidade demonstra a capacidade de auto-reprodução da
Igreja. A auto-avaliação constante permite ao catolicismo acompanhar as
mudanças na sociedade onde atua através dos diversos grupos e movimentos

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internos, mantendo um discurso original sem, contudo, ferir seus valores mais
tradicionais. Segundo Roberto Romano, referindo-se ao papel da Igreja na
sociedade brasileira e sua relação com o Estado,

(...) os católicos não se limitaram a resistir à cultura e às instituições


produzidas por estas elites secularizantes: criaram, além disso, suas
próprias vanguardas intelectuais e forjaram um discurso político com
características próprias, dentro de parâmetros que só eles poderiam
recolher. [grifo nosso].

Renovação Carismática e Teologia da Libertação, por exemplo, surgiram


na mesma época, atingindo grupos específicos dentro da Igreja Católica, mas
com um mote geral e recorrente em todos os movimentos que floresceram no
período: trazer a Igreja para junto da sociedade, restabelecendo os laços entre
os homens e Deus, sem abalar a hierarquia.
Este ideal que perpassa a maioria dos grupos formados na Igreja assume
feições diversas, de acordo com o período em que é gerado ou os diferentes
movimentos que congrega. Durante o século XIX, por exemplo, o Concílio
Vaticano I foi instrumento da Igreja na reafirmação de seu papel espiritual
dentre os homens diante de uma conjuntura política desfavorável.
Marcando o lugar da Igreja na sociedade e a necessidade de firmar os
laços entre Deus e os homens, a Igreja e os grupos que a compõem
denunciam os “males de um mundo sem a Igreja”, atualizando a importância de
sua presença.

O Discurso da "Crise”

A Igreja Católica, correntemente, recorre ao discurso da perda dos valores


religiosos pela sociedade, o afastamento da Igreja do mundo e os problemas
sociais pela falta de fé. Esta linha discursiva pode ser definida como “o discurso
da crise” religiosa.

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Há muito tempo a retórica católica toca nesses mesmos pontos, sem,


contudo, diminuir a intensidade de suas atividades e a expansão da presença
religiosa. O “discurso da crise" compõe a imagem da Igreja: a sociedade
moderna, secularizada e materialista incidiria sobre a Igreja promovendo sua
“crise” e retrocesso, através da perda de fiéis, a diminuição de seu espaço na
sociedade e o enfraquecimento dos valores morais cristãos. Contudo, a
sociedade secular estaria exposta à injustiça, ao egoísmo e à solidão (frutos da
modernidade), sendo a Igreja a solução possível para estes e outros males.
De forma geral, ao expor esta “crise”, a Igreja também reforça seu papel
como salvadora da sociedade. Através da propaganda de sua renovação e do
reforço de suas relações com o mundo, a Igreja atrai os indivíduos em busca
de salvação ou da cura para seus problemas seculares. Tais estratégias não
reforçam apenas a atuação dos fiéis católicos, mas estimulam o retorno
daqueles indivíduos afastados da comunidade religiosa 15 .
A retórica da "crise" religiosa não é exclusiva da Igreja Católica, sendo
utilizada por várias denominações cristãs, principalmente no que diz respeito à
origem dos males seculares na "falta de fé". O exemplo mais gritante vem das
igrejas pentecostais e de denominações como a Igreja Universal do Reino de
Deus, cujas pregações insistem na necessidade de ligação e devoção à religião
como forma de superar problemas de natureza diversa (financeiros, amorosos,
de saúde, familiares, etc).
A "crise" está presente nos discursos do clero, dos teólogos e da
academia, porém, quando observamos a Igreja in loco o que vemos é sua
contínua solidez, o crescente número de fiéis, sem contar o número de novas
organizações católicas que surgem e se somam a outras tantas. Um exemplo é
a Sociedade São Vicente de Paula, fundada na França em 1833. Os
Vicentinos são uma organização leiga voltada para o assistencialismo,
atuando nas paróquias onde se estabelecem. A Sociedade São Vicente de

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Mesmo que tais características sejam mais evidentes nas denominações pentecostais e
agências de cura divina, a Igreja Católica também se utiliza desta retórica para manter seu
papel dentro da sociedade.

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Paula está presente, hoje, em 112 países, contando 700.000 participantes


(130.000 somente no Brasil).
Em relação à assimilação do discurso da "crise" pelos meios acadêmicos,
é comum encontrar trabalhos fazendo referências constantes à crise de
descrença do homem moderno, à queda no número de jovens com vocações
religiosas, à perda de espaço devida à ascensão de denominações cristãs não-
católicas ou religiões de tradições não-cristãs, argumentos encontrados
também nos trabalhos dos teóricos da Igreja ou de cientistas ligados a ela.
Ao mesmo tempo em que a academia fala de uma confusão interna
causada pela falta de identidade na Igreja, indefinida entre a mística e a
racionalidade, teólogos falam da crise de fé, dos males da secularização e
tensões eclesiais entre conservadores e liberais. Existe uma confluência de
falas nos discursos acadêmicos e religiosos, reforçando a idéia da "crise" e
corroborando para a imagem que a Igreja constrói de si mesma.
As teorias a respeito da dessacralização da sociedade e do
desencantamento do mundo moderno alimentam o discurso religioso,
subsidiando a reação devocional. Os diversos movimentos religiosos católicos
surgem como forças organizadas de defesa da Igreja frente à “crise”.
Conservadores, místicos e progressistas garantem um grande leque de opções
aos fiéis e variadas soluções para a "crise", mantendo o rebanho e a constante
renovação da Igreja Católica.
Ao superestimar a dessacralização, observadores menos atentos não
percebem a teia de influência religiosa que se expande, principalmente pela
subvalorização das estratégias da Igreja, como o alcance da variação
tecnológica, que não é novidade para as Igrejas – a Igreja Católica, por
exemplo, utiliza-se do rádio desde os anos 1950, no Brasil – e, mais ainda, o
peso cultural que o catolicismo imprime numa sociedade como a brasileira. O
exemplo mais significativo está no ensino que ainda deve muito às instituições
religiosas, tanto em relação à estrutura hierárquica como à organização do

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espaço escolar, à disciplina, à imagem do professor, à construção dos heróis


nacionais e das datas cívicas.
E foi como combatente da “crise” que a Renovação Carismática se
posicionou no universo católico. O discurso carismático caracteriza o
Movimento como fonte de renovação da Igreja, veículo pelo qual a Igreja
poderia vencer os percalços da falta de fé e os desafios da sociedade
secularizada.

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Recebido em abril/2007.
Aprovado em junho/2007.

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