Patricia Daflon Dos Santos_2021
Patricia Daflon Dos Santos_2021
Patricia Daflon Dos Santos_2021
Niterói, 2021
Universidade Federal Fluminense
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo
Doutorado em Arquitetura e Urbanismo
Niterói, 2021
Ficha catalográfica automática - SDC/BAU
CDD -
BANCA EXAMINADORA
This work focused on the “Educating Cities” model developed in Barcelona and sought to
identify the feasibility of application of the principles contained in the “Charter of Educating
Cities” in public policies of Brazilian cities that adhere to the International Association of
Educating Cities (AICE). The charter, generated after the first international congress of
educating cities in 1990, has been adopted as a model in urban education by several cities
around the world. The purpose of this work was to critically analyze the “Educating Cities”
project, and verify if implementation in Brazilian cities was conducted in accordance with the
Charter of Educating Cities principles. Through document review, using a theoretical
framework focused on the conceptual role of “place”, this study emerged from the need to
reflect on the relationship that is established between city and education; using a
multidisciplinary approach that transcends the perspectives of geography, education, and
urbanism.
INTRODUÇÃO 10
INTRODUÇÃO
Começo este trabalho relembrando o percurso que me trouxe até aqui. Digo
àqueles que acompanham minha vida acadêmica que o tema Cidades Educadoras
me escolheu, afinal este é um tema de pesquisa muito diferente daqueles antes
pesquisados na minha graduação em Geografia e no mestrado em Planejamento
Urbano e Regional. Ele surgiu após uma prova de aula do meu primeiro concurso para
Professora Assistente. A vaga era para a disciplina Prática de Ensino de Geografia do
curso de Turismo da Unirio. O tema sorteado para a prova de aula foi “Propostas
Metodológicas para o Ensino de Geografia na Educação Básica”.
dia da inscrição para o curso de Doutorado me deparei na UFF com a frase do início
deste trabalho, “Você vê um ponto final ou um novo começo”.
ganhou então uma nova centralidade, e tornando-se um desafio pensar uma prática
educativa que possa dar conta dessa nova realidade e de suas novas dinâmicas, de
educar os cidadãos cada vez mais urbanos para além dos muros da escola, tornando
a cidade um lócus do processo de educar para a vida urbana.
Meu caminho de análise seguiu aquilo que Martin Buber em seu livro “Do
diálogo e do dialógico” de 1982, distinguiu em três pressupostos de interpretação.
Durante toda a pesquisa em minha experiência e reflexão fui “observadora”,
“contempladora” e estabelecí um “conhecimento íntimo” com meu objeto. Como
“observadora” busquei tudo que me foi apresentado sobre o tema. Assim como Buber
ressalta, “o observador está inteiramente concentrado em gravar na sua mente o
homem que o observa, em anotá-lo. Ele o perscruta “traços” quanto possível. Ele os
vigia para que nenhum lhe escape. O objeto é constituído de traços e sabe-se o que
está por trás de cada um deles” (BUBER, 1982, p. 41)
Aquilo de que tomo conhecimento íntimo não precisa ser, de forma alguma,
um homem; pode ser um animal, uma planta, uma pedra. Nenhuma espécie
de fenômeno, nenhuma espécie de acontecimento é fundamentalmente
excluído do rol das coisas através das quais algo me é dito todas as vezes.
Nada pode se recusar a servir de recipiente à palavra. Os limites de
possibilidade do dialógico são os limites de possibilidade da tomada de
conhecimento íntimo. (BUBER, 1982, p. 430
seus agentes em rede, com intuito comum em prol de políticas públicas que estejam
em consonância com as demandas dos lugares, principalmente àquelas constituídas
“de baixo para cima”.
O terceiro capítulo por sua vez trata das informações contidas no Relatório de
Edgar Faure, da década de 1970, Aprender a Ser. Ele apresenta as discussões que
antecederam e balizaram a proposta do projeto Cidades Educadoras.
Logo, este último capítulo buscou analisar criticamente a proposta deste projeto
modelo, constituído no movimento em prol de uma transformação da política
educacional da cidade de Barcelona, na Espanha. Tal movimento que agregou a
administração pública, bem como diversas instituições da sociedade civil da, culminou
na criação deste Projeto difundido a partir dos anos 90, mundialmente conhecido
como Cidades Educadoras e sua tentativa de implementação em outras cidades.
Penso que ao analisar o projeto “Cidades Educadoras” por uma vertente crítica,
objetivando confrontar seu discurso, amplamente difundido frente à sua realização,
possa contribuir no longo caminho que ainda precisamos percorrer em prol de uma
transformação das cidades em espaços mais democráticos, participativos,
colaborativos e saudáveis.
Desta forma, mais do que uma cidade utópica precisamos pensar que tipo de
cidade desejamos e como seus habitantes poderão transformá-la, quais são os
conhecimentos e instrumentos necessários. Ao perpassar por questões e conceitos
relacionados à educação, entende-se que o tema deste trabalho pode e deve
contribuir para uma reflexão sobre se é possível e de que forma, inserir a participação
dos cidadãos nas práticas do urbanismo e do planejamento urbano.
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Apesar de uma difusão mais rápida e mais extensa do que nas épocas
precedentes, as novas variáveis não se distribuem de maneira uniforme na
escala do planeta. A geografia assim é recriada é, ainda, desigualitária. São
desigualdades de um tipo novo, já por sua constituição, já por seus efeitos
sobre os processos produtivos e sociais.(SANTOS, 1998, p.510
Esta afirmação de Milton Santos nos traz a reflexão, não perdendo de vista o
projeto de análise deste trabalho, se nas cidades que fazem parte da Associação
Internacional de Cidades Educadoras (AICE) essa “relação unitária na escala mundo”
se estabelece, e se ela acontece da mesma maneira, regida pelos princípios expostos
na Carta das Cidades Educadoras.
Milton Santos (1998, p.18) corrobora com a visão das cidades marcadas pelos
efeitos da globalização, cujas demandas produtivas e tecnológicas impactam não
somente os espaços, mas também as dinâmicas sociais que ali se encontram, ao
afirmar que
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Porém, neste mesmo livro o autor adverte que mesmo que o espaço seja
marcado pela globalização, esse espaço não é mundial como um todo, os efeitos da
globalização não são sentidos em todos os espaços de maneira homogênea. Assim,
segundo Santos (1998, p.18) “todos os lugares são mundiais, mas não há espaço
mundial. Quem se globaliza, mesmo, são as pessoas e os lugares”.
O autor David Harvey (2014) contribui para esta análise ao criticar a “morte” da
cidade tradicional pelo capitalismo que busca incessantemente, por meio da
acumulação de capital, expandir desordenadamente o crescimento urbano em
detrimento de seus impactos socioeconômicos e ambientais. Ao buscar uma reflexão
sobre uma possível alternativa que possa construir uma nova vida urbana, o autor
assinala que
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Os autores Granell & Vila (2001, p. 18) afirmam que “converter a cidade em um
lugar simultaneamente de desenvolvimento e convivência é um desafio”. Segundo os
autores, refundar a cidade, consolidar uma nova cidadania seria um problema político
importante.
Por sua vez, Monte-Môr (2015 apud Limonad 2018) agrega à esta discussão
sobre os desafios urbanos para a consolidação da cidadania e para o enfrentamento
das desigualdades socioespaciais, nos dias atuais, ao propor o questionamento de
que forma é possível e quais são as possibilidades de avanço em prol de uma ação
social transformadora. O autor acrescenta que tal ação deve “contemplar as
complexidades e diferenças, além de contribuir para a emancipação política e social”
(Monte-Môr apud Limonad 2018, p.81).
Para Granell & Vila (2001, p.19) “a crise da cidade está extremamente ligada à
perda de sua função comunitária, educativa ou civilizadora” e acrescentam que “a
crise da cidade é, de alguma forma, uma crise educativa, porque é uma crise do
modelo de cidade como espaço público.
Os autores Puente & Solis (2007), afirmam que a crise que se apresenta na
cidade repercute no conflito que a educação vive, ao afirmarem que “a cidade
moderna prolonga a função educativa que a escola tradicional teve um dia”. Ainda
segundo Granell & Vila (2001, p.19) argumentam que a crise da cidade é ao mesmo
tempo uma “crise educativa”, porque expõe a crise do “modelo de cidade como espaço
público”. Tais autores defendem que
Nesta perspectiva Almeida (2008, p.4) defende que “a recente visão do papel
das cidades está intimamente conectada com a capacidade das pessoas participarem
em projetos coletivos, derivando esta implicação de uma identificação com a uma
realidade natural, própria”.
Tal como afirma Harvey (2014, p. 143) “as qualidades humanas da cidade
emergem de nossas práticas nos diversos espaços da cidade”. “A rua é um espaço
público que histórica e frequentemente se converte pela ação social em um comum
(...)” e “a luta para apropriar os espaços e bens públicos urbanos tendo em vista um
objetivo comum está em curso”.
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Analisando sobre o papel da rua como um “comum” e das práticas sociais que
emergem da cidade, Harvey (2014, p.146) chama a atenção para a questão da venda
do “comum”, daquilo que foi construído coletivamente, mesmo não sendo uma
mercadoria necessariamente. Assim, segundo o autor
Nesse sentido, para que se possa pensar, planejar e construir novas cidades,
baseadas no reconhecimento das diferenças, da heterogeneidade de culturas, de
indivíduos e suas percepções, torna-se urgente repensar numa formação cidadã que
esteja diretamente baseada com as questões na escala em que acontecem, na escala
do lugar onde acontecem as práticas cotidianas. Tal como afirma Limonad (2018)
Entende- se, portanto, que a proposta de se educar para a vida urbana deva
estar diretamente relacionada à perspectiva de seus moradores ou daqueles que
utilizam dos espaços da cidade na busca ou na proposição de políticas públicas ou
práticas construídas de forma participativa.
Yi-Fu Tuan (apud Holzer, 1999, p.70) propõe que, “O lugar não é só um fato a
ser explicado na ampla estrutura do espaço, ele é a realidade a ser esclarecida e
compreendida sob a perspectiva das pessoas que lhe dão significado”.
1 O conceito de lugar pode ser compreendido por meio da perspectiva de Tuan (1978 Apud Holzer,
1998) “O espaço não é uma ideia, mas um conjunto complexo de ideias... o lugar é um espaço
estruturado”.
2 Neste trabalho o conceito pode ser compreendido pela denominação de que o espaço é um agente
ativo e dinâmico, com relação direta e influente nas relações sociais (Lefebvre, 2001).
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aquilo que está à frente de nossos olhos, mas também por aquilo que se esconde em
nossas mentes” (Meinig, 2002, p.35), destacando assim, o caráter relacional com os
sujeitos que a observam.
No artigo intitulado O olho que observa: dez versões sobre a paisagem, Meinig
(2002, p.35) analisa as variadas formas de se observar e descrever uma mesma cena,
uma mesma paisagem, por meio da sua essência. Uma das formas descritas é a da
“paisagem como lugar”, destacando seu o caráter único, no qual toda paisagem seria
como uma “peça individual no mosaico infinitamente variável da Terra”.
Desta forma, seus cidadãos poderão ter a oportunidade de (re) conhecer a sua
história, por meio da educação. Portanto, é pela atividade educativa que os sujeitos
conhecem, aprendem sobre a sua própria história, a história de seus espaços,
tornando-os seus lugares ao adquirir um sentido.
Com base nesta escala de grau de artificialização das cidades sugerida por
Tuan (2013) podemos encontrar cidades e cidadãos cada vez mais distantes da
natureza e mais próximos das experiências mediadas pela tecnologia.
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Desta forma, faz-se necessário destacar, mesmo que de forma breve, a relação
entre o conceito de cidadania e cidade a partir de uma perspectiva de análise
geográfica, onde as escalas de atuação dos indivíduos possam demonstrar o seu grau
de envolvimento, ou não, com as questões cotidianas dos espaços urbanos.
Jacobi (2003) por sua vez, sinaliza que o desafio da construção de uma
cidadania ativa configura-se num elemento fundamental tanto para a constituição
como para o fortalecimento de sujeitos cidadãos que, ao se tornarem portadores de
direitos e deveres, estarão mais próximos de se tornarem agentes na abertura de
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Acrescenta ainda que “nada mais significativo do que a o fato da polis ser não
só o nome dessa estrutura espacial, “a cidade”, mas também ao mesmo tem um feixe
de relações sociais formais que originou a palavra “política”. Oliveira (1999, p.116)
analisa que na modernidade, no conceito de cidadania se configuram numa mesma
matriz as questões como nacionalidade, política, território e cultura e que estas
questões teriam como referência, tanto o Estado-Nação como o espaço da cidade.
Oliveira (1999) nos traz uma breve revisão sobre a análise do conceito, sob aspectos
que se referem às dimensões da cidadania que auxiliam as reflexões necessárias para
este trabalho.
A primeira diz respeito à sua dimensão natural, dimensão esta que baliza a
Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos Cidadão cujo fundamento se
expressa na igualdade entre os homens.
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Para que se possa refletir sobre como se deu o processo de transformação das
cidades ao longo do tempo, impactadas pela reestruturação produtiva e
consequentemente de espaços e relações entre os sujeitos, torna-se fundamental
verificar como as políticas públicas podem afastar os cidadãos de seus espaços ou
aproximá-los, tornando-os agentes transformadores de seus lugares.
Para que as políticas públicas possam ser pensadas pelos indivíduos, deve-se
ressaltar a fundamental função da organização espacial para a constituição, portanto,
das práticas sociais. É no espaço público que as práticas acontecem, é esse espaço
público que viabiliza as ações sob uma perspectiva coletiva e na constituição da
cidadania.
Nesse contexto, o espaço que agrega pessoas com desejos comuns ou mesmo
díspares, espaço do diálogo ou do conflito, da coesão e da dispersão, esse é o espaço
público, são os que possuem uma relação mais próxima com a vida pública, vida
comum dos indivíduos, o “lugar” onde os indivíduos se encontram.
O autor Ash Amin (1999) em seu artigo Una perspectiva institucionalista sobre
el desarollo econômico regional disserta sobre via alternativa de desenvolvimento
econômico, baseado na riqueza das regiões às quais seriam “a principal fonte de
desenvolvimento e renovação”.
Tal como Gomes (2006, p.188) entende-se que “as práticas sociais não são
independentes de uma certa organização espacial, e reconstituir uma esfera pública
implica redefinir o espaço, em suas dimensões físicas e simbólica”. Gomes (2006,
p.189) acrescenta que “desaparecendo o terreno da vida em comum, desaparecem
também as formas de sociabilidade que unem os diferentes segmentos sociais”.
da Silva (1979) faz uma reflexão na década de 70, mas que ainda se mostra atual e
pertinente ao afirmar que
estética ou de espanto, gratuita, que lhe damos. A Cidade somos nós e nós
somos a cidade. (FREIRE, 1992, p. 22)
A cidade que educa tem que ser plenamente responsável por prover as
condições externas do educar: se não pode fazer todos iguais e sequer
educar a todos por igual, deve ser patrocinadora de igualdade de direitos e
oportunidades, de respeito à liberdade de ideias e convicções, de exercício
da ação política, de acesso aos bens públicos e à dignidade humana em
todos os sentidos. (FARIA, 1997, p. 142)
Tal como afirma Souza (2006), “planejar e gerir uma cidade envolve,
diretamente, a vida de uma coletividade. Planejar e gerir uma cidade não significa
planejar e gerir “coisas”, mas planejar e gerir relações sociais”. Corroborando com
esta visão, Vintró (2003, p.51) afirma que “a participação, portanto, é uma dimensão-
chave em um projeto educativo de cidade. Não existe projeto coletivo sem
participação”. Ao analisar se as cidades possuem o papel de educar para a cidadania,
pensando na sua função “educadora”, isto é, naquela que busca tornar os indivíduos
agentes propositores e formuladores de práticas e políticas para a sua qualidade de
vida, um cidadão de fato. Porém, Faria (1997) alerta que
A cidade que não gera cidadão é aquela que, afirmando seu caráter perverso,
encontra-se impedida de se estabelecer como espaço da produção, da
organização e da transmissão de um saber social relevante, de desenvolver
relações transformadoras, de promover o trabalho e de garantir as condições
que permitam às pessoas estabelecer, entre si, lações afetivos. (FARIA, 1997,
p.143)
Com essa reflexão de Faria (1997), o pensamento que invade e que permeia
as leituras, análises e reflexões do papel educador das cidades, ou pelo menos, desta
fundamental função que a cidade deve ou deveria ter, é: tal “cidade que gera cidadão”
existe de fato? Ela é fruto de uma utopia? Um sonho cada dia mais distante, diante da
realidade vivenciada principalmente nas cidades brasileiras?. Nos países
desenvolvidos e/ou naqueles precursores dos ideais descritos “a cidade que educa”
se concretizou?
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Medeiros Neta (2016, p. 213) por sua vez, acrescenta que “a cidade é investida
de uma orientação pedagógica expressa em seu modus vivendi, nos cenários, nas
ritualizações e nas instituições e, a educabilidade é uma constante dessa orientação”.
A autora defende que a cidade detém ao mesmo tempo que produz pedagogias para
os seus moradores e essa “pedagogização” também acontece na experiência urbana,
já que possibilitam novos encontros e novas formas de comunicação, além da
reconstrução de identidades.
Páramo (2009) trabalha com a definição de dois autores Anthony Colom (1991)
e Jaume Trilla (1997) que assim como ele, também utilizam o conceito de Pedagogia
Urbana. Para Colom (1991 apud Páramo 2009,p 19) tal conceito “daria fundamento e
razão a uma fenomenologia própria que desenvolve a educação em um contexto
urbano” que teria como fonte geradora do interesse nessa nova abordagem temática,
o desenvolvimento “sociourbano contemporâneo”.
Ainda segundo Colom (1991 apud Páramo 2009, p.20) a Pedagogia Urbana
teria como origem a busca por responder aos seguintes questionamentos: “o que a
educação pode oferecer para solucionar problemas gerados pela cidade? e “o que a
cidade pode oferecer para solucionar os problemas educativos que vivenciamos na
escola e na sociedade?”.
Para o autor Jaume Trilla (1993 apud Páramo 2009) “educação no meio urbano
transita entre a educação formal e a informal pensada como duas utopias
pedagógicas, a “escola-cidade” e a “cidade educativa”. Trilla (1993) afirma o meio
urbano como agente de educação informal, produzido pela diversidade de encontros
humanos e produtos culturais. Assim, o meio urbano se configura produto e produtor
de práticas sociais e culturais diversas.
Para Trilla (1993) para definir uma metodologia ou mesmo práticas que
configuram numa pedagogia urbana, seria preciso “facilitar a aprendizagem da
cidade”, ou seja, é preciso aprofundar o conhecimento informal adquirido no dia a dia
de seus cidadãos, para que assim eles possam não somente se adaptar às
transformações inerentes ao cotidiano, mas também para que possam aprender a
intervir neste espaço.
Ainda de acordo com Trilla (1993 apud Páramo 2009, p.21) tais ações
educativas teriam como propósito “dialetizar três imagens da cidade: uma imagem
subjetiva, construída por cada um; uma imagem global e profunda que, na visão de
Trilla, seria configurada pelas próprias instituições educativas a partir da imagem
subjetiva de cada um; e a terceira imagem a ser construída, uma “imagem forjada com
materiais prospectivos e projetivos que podem contrastar- se a cidade real e orientar
a participação para construção de uma cidade melhor”.
Desta forma, tanto Trilla (1993 apud Páramo 2009, p.22) como Colom (1991
apud Páramo 2009) destacam o caráter pragmático relacionado ao conceito de
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Páramo (2009, p.23) por sua vez, defende que Pedagogia Urbana consiste
mais num campo de conhecimento, porém não descarta o caráter pragmático de suas
práticas que acontecem nos espaços públicos e culturais da cidade. Ainda segundo
o autor, “o campo de conhecimento integra a epistemologia, a história, a teoria, os
conceitos e as práticas que surgem do estudo das relações formativas que se dão
entre o indivíduo e os grupos, com o entorno urbano e suas instituições mediante
mecanismos formais e informais”.
Tais ações educativas teriam como propósito contribuir para a formação dos
indivíduos, a criação de uma cultura cidadã que consiste na boa convivência entre as
pessoas, além da apropriação dos espaços da cidade por meio da participação.
O sentido de uma quimera, pois segundo Trilla (1997, p.16) “no momento de
atribuir um certo sentido ao trabalho pedagógico, é tão impossível quanto talvez
duvidosamente desejável”. Destaca-se ainda outras duas expressões utilizadas por
Trilla (1997) para caracterizar o uso do termo “cidades educadoras”, “retórica” e
“slogan”. Para o autor
Outra dimensão destacada pelo autor, diz respeito a cidade como locus ou
“contenedor” de educação, sob o ponto de vista mais projetivo. Nesta dimensão, são
exemplificados cinco critérios de atuação mais gerais, como:
cidade e das relações sociais que ela molda”. Nesse sentido, para tornar-se
educadora a cidade, segundo Trilla (1997)
A terceira dimensão ressaltada por Trilla (1997, p.29) refere-se à cidade como
conteúdo educativo. Nesta dimensão, o conhecimento informal gerado pelo ambiente
urbano, também é um conhecimento sobre ele. Assim, “você aprende da cidade e
você aprende a cidade”.
Porém, o autor destaca que esse conhecimento informal gerado pelo meio
urbano possui algumas limitações. A superficialidade, pois aprendemos todos os dias
como “usar a cidade”, por meio de informações sobre sua aparência, suas novidades,
porém o conhecimento não se torna abrangente e aprofundado, ao ponto de
entendermos e analisarmos sua estrutura ou mesmo a sua formação.
Desta forma, “fazer da cidade objeto de educação significa superar estes limites
de superficialidade e parcialidade que frequentemente apresenta a aprendizagem
espontânea que se realiza do meio urbano”. Neste momento, o autor defende que é
preciso expandir as experiências diretas dos habitantes, é preciso vivenciar os
espaços da cidade. Trilla (1997) defende que
Ao refletir sobre a função educativa dos espaços urbanos, por meio da análise
das dimensões que a cidade adquire neste papel de “locus da educação, como agente
da educação e como conteúdo educativo”, Trilla (1997) ressalta e reafirma as múltiplas
possibilidades de educação para a cidadania, tão necessária em tempos
transformações tão bruscas e contínuas em nossa sociedade, em nossas cidades.
Esta função tão nobre que a cidade adquire, ou reforça, merece uma análise
detalhada e aprofundada ao debruçarmos sobre alguns projetos de diferentes
cidades, com realidades e intenções diversas, mas que tiveram como eixo comum e
como princípio básico possibilitar uma aproximação ao projeto de constituição da
cidade como um projeto educativo.
Assim, mais do que um slogan, uma retórica ou mesmo utopia, como afirma
Trilla (1997) faz-se necessário buscar e analisar neste trabalho as experiências e/ou
projetos que tentaram colocar em prática, no planejamento de suas cidades, os
princípios fundamentais que possibilitam tornar as cidades educadoras.
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3
Clisthène l`Athénien, personagem da obra de P. Lévêque e P. Vidal – Naquet, citado por
Vernant para personificar a transformação da vida social grega.
54
A reforma de Clístenes, relatada por Vernant (1990) tem seu foco deslocado da
prevalência do domínio das questões econômicas para transformá-la no domínio das
instituições cívicas. Claude Mossé (1993) indaga sobre os motivos que levaram
Clístenes, um aristocrata de uma das mais importantes famílias de Atenas, a realizar
tal transformação na sociedade ao “remodelando o espaço cívico para dar uma base
concreta à igualdade jurídica dos cidadãos”. Mossé (1993, p.25) ainda acrescenta que
“independente das razões que levaram Clístenes a alterar profundamente as
estruturas da sociedade cívica, o certo é que o nascimento da cidadania ateniense é,
de qualquer modo, obra sua”.
Mossé (1993, p. 27) por sua vez ressalta que esta é uma característica peculiar
de Atenas, assim como outras poucas cidades, o fato de que os indivíduos poderiam
pertencer à comunidade cívica sem que estes tivessem a posse do solo, referindo-se
àqueles estrangeiros à cidade.
distinção entre camponeses e citadinos uma vez que todo “todo cidadão é ao mesmo
tempo e, também citadino, tanto quanto camponês”.
Em seu livro Leis, descrito por Brisson & Pradeau (2012), Platão detalhou
minuciosamente o cotidiano e atribuiu extrema relevância à realidade cívica da cidade
de Atenas, porque “no final de seus dias teria renunciado às exigências utópicas da
filosofia para ceder ao real”.
Além disso, a razão é extrínseca uma vez que Platão sustenta que os homens
deveriam buscar fora da comunidade, “na perfeição do mundo e de suas causas
divinas a razão e o modelo de sua própria organização e se possível reforma”.
Platão em sua obra Leis descreve as funções dos interlocutores cuja vocação
os tornarão os fundadores e legisladores e, além disso, cidadãos e governantes.
Assim, para que a pólis alcance a precisão e a particularidade do diálogo e a ambição
da virtuosidade. Brisson & Predeau (2012) afirmam que
Para Platão, cabe ao legislador tornar a pólis virtuosa por meio da excelência
de seus instrumentos, a melhor constituição e a melhor legislação. Além disso, os
legisladores determinam que se educar para a virtude seja um “empreendimento
pedagógico” que permita uma “educação e um controle racional dos afetos”, essa
educação cívica deve ser, portanto, uma educação “musical”, realizada por meio dos
banquetes e coros e esta será a única capaz de formar os cidadãos para a excelência,
como afirmam Brisson e Predeau (2012).
O objetivo máximo das leis é realizar a virtude plena que toda pólis deve
alcançar e caberá ao legislador zelar para que todos os cidadãos desde a sua
juventude até a velhice, sejam capazes de fazer a distinção entre a honra e de
indignidade. Sendo assim, tendo a virtude plena como horizonte almejado e a
pedagogia total como meio para este fim, onde ela deve interferir em “todos os
aspectos da vida humana”, de acordo com Brisson e Predeau (2012).
Uma pólis que almeja a virtude deve reforçar sua educação geral instituindo
três coros: cada um deles reunindo uma classe de idade e almejando a um
fim comum: a educação para a virtude por meio das práticas miméticas. Com
efeito, esses coros permitem que cidadãos imitem ou representem vidas e
comportamentos louváveis, que dancem e cantem a virtude. Ao participar dos
coros, os cidadãos têm uma experiência imediata e coletiva da virtude: a
música e a dança, desde que sejam convenientemente escolhidas pelos
governantes e que sejam objeto de uma estrita legislação, educam os
movimentos efetuados ou contemplados pelos cidadãos e os sons que eles
ouvem ou produzem colocando neles ritmo e harmonia. (BRISSON &
PREDEAU, 2012, p.38)
Logo, este também será o objetivo das leis, cuja função, na perspectiva de
Platão, também deve ser a de encantamento da alma do cidadão, para torná-la dócil
e para que não pense na lei. Este encantamento não deve nunca ser perdido nem
diante da mentira, “desde que esta mentira sirva para evitar o uso da força para
conduzir o cidadão a comportar-se bem”.
Os autores Brisson & Predeau (2012) acrescentam ainda que o objetivo das
leis consiste em modelar, por meio da persuasão e do exercício, tanto o
comportamento físico como o moral dos cidadãos para “torná-los maleáveis às leis e,
portanto, dóceis às injunções dos magistrados”. Ainda segundo os autores, “a lei é
definida, de modo geral, como cálculo racional que se impõe a toda a pólis”. Os
autores ilustram com as informações do Ateniense de que:
Ele evoca o fato de que os cidadãos idosos terão de escolher jovens; que
esses jovens receberão uma educação individualizada de mestre para
aluno; que essa educação tem o objetivo não apenas de fazer do jovem
um bom soldado, mas também um homem capaz de administrar uma
pólis e uma cidade. (BRISSON & PREDEAU, 2012, p.40)
Segundo Brisson & Predeau (2012), Platão em seu livro Leis, indica que “a
virtude é suscetível de ser objeto de uma educação cívica que envolva todos os
cidadãos desde a sua mais tenra idade”, tornando-a condição para se chegar à
virtude. Portanto, para que a pólis possa atingir a unidade e a virtude plena era
necessário a educação de seus cidadãos, assim como era preciso que fossem
dirigidos por cidadãos selecionados segundo seus méritos e por sua excelência, para
que obedecessem, sem questionar, às leis a que eram submetidos, entregando-lhes,
portanto, a soberania política àqueles que se destacavam entre eles.
No que diz respeito aos princípios governantes, Brisson & Predeau (2012),
descrevem que Platão propõe que para a fundação da pólis seria preciso a junção das
práticas de um legislador, com uma função técnica, detentor de um saber, e de um
tirano, cuja função é descrita como “um dom excepcional da fortuna ou de um deus”,
explicitado e citado por Brisson & Predeau (2012)
62
Deem-me uma pólis dirigida por um tirano. Que esse homem seja jovem, que
possua naturalmente uma boa memória, que tenha facilidade para aprender,
coragem e grandeza de alma. Além disso, é preciso que essa qualidade sobre
a qual dissemos que deveria acompanhar todas as partes da virtude, se
encontre também em companhia de todas as outras qualidades na alma do
tirano, se este último tiver de tirar alguma vantagem do fato de possuir as
outras qualidades. (Brisson & Predeau, 2012, p.55)
Com essa descrição do tirano, Platão exalta a sua figura, mesmo que esta
esteja representada com qualidades e que este deva trabalhar de forma conjunta do
legislador, sua prática será num estágio anterior à formação das leis e “de modo a
acelerar as coisas, ele poderá recorrer à violência”.
instalação da pólis, Platão (apud Brisson & Predeau, 2012) indica que ela poderá ser
virtuosa, uma vez que
A colônia será instalada a cerca de quinze quilômetros do mar, ela não será
vizinha de nenhum tipo de pólis e que ela ocupará um relevo acidentado e
não uma planície. (...)Tanto o seu afastamento da costa como a ausência de
vizinhança imediata protegerão a pólis da corrupção dos costumes gerada,
ao que parece necessariamente, pela mistura dos modos de vida distintos e
pela primazia das atividades mercantis: a confusão dos costumes e o gosto
pelo lucro são ameaças das quais a pólis está protegida. (BRISSON &
PREDEAU, 2012, p.59)
concidadãos) e habitar todos os seus espaços, logo a vila se apresenta como “uma
das condições primeiras (com a limitação demográfica) da própria existência da pólis”.
O espaço cívico idealizado por Platão deve então, propiciar não somente o
encontro dos cidadãos, reduzindo a distância social entre elas, mas também
possibilitar a as diversas atividades e funções por meio da sua morfologia,
geometricamente perfeita. Brisson & Predeau (2012) descrevem que
perspectiva comum de utopia ao afirmar que “A Utopia não foi nada mais que um novo
exercício de geometria sólida, com base na suposição de que todos os homens
racionais estavam dispostos a ser tais geômetras sociais”.
Por meio de leis sábias, por meio de uma rigorosa censura, através da firme
disciplina, por meio dos controles totalitários isolados pelo sigilo, propunha
ele remover o mal e manter o bem. Pouco compreendeu que os próprios
instrumentos que escolhera inverteriam esse processo. O que não
compreendeu, mais ainda, foi que, embora o bem e o mal sejam pontos fixos
da bússola moral, as correntes da própria vida muitas vezes invertem sua
polaridade. (MUNFORD, 2004, p.197)
Mumford (2004) segue explicitando a sua perspectiva sobre a rigidez das ideias
de Platão para a sua pólis de excelência, ao pontuar que
Para Brisson & Predeau (2012) Platão elege a educação, e “seus interlocutores
discutem princípios que devem comandar o conjunto da legislação educativa,
seguindo a ordem cronológica da vida do futuro cidadão: a legislação trata dos
casamentos, depois da geração dos filhos, e prossegue com o longo capítulo dedicado
à educação.
Além disso, ele enfatiza a importância da educação (...) como o fim maior da
tarefa política e legislativa, uma vez que a unidade cívica, tão almejada por Platão,
somente é virtuosa em uma pólis onde os cidadãos comungam de um pensamento
comum. Uma educação pública, uma cultura pública que se institui pelas práticas
musicais, as missões militares que eram obrigatórias, bem como as refeições onde os
cidadãos participavam coletivamente favoreciam, portanto, a unidade tão desejada
em uma pólis de excelência.
Platão então projeta uma educação coletiva dada por um mestre privado, onde
a criança era levada ao espaço escola, e de volta à sua casa por um servidor, neste
caso pedagogo que deverá garantir a sua segurança, além de realizar um “papel moral
de controle de sua convivência” e de lhe ensinar as lições. Brisson & Predeau (2012)
descrevem que
67
Ainda no que diz respeito ao processo educacional, Platão busca por meio dela
modelar civicamente os cidadãos, desde a primeira infância até a vida adulta,
abarcando todos os períodos da vida, pois entende-se que a educação pública, com
seus princípios, deve seguir a lei.
confiada a servidores e escravos mais números e os deixe com mais tempo livre”
(Brisson & Predeau, 2012,p.11)
A educação da pólis, por sua vez, composta pela cultura (poesia, música,
dança) e pela educação física tem como missão “modelar o corpo e a alma do cidadão,
para torná-lo dócil ao ensino das leis”. Mumford (2004) afirma que “a participação nas
artes era parte tão importante das atividades do cidadão quanto o serviço no conselho
ou nos tribunais, com seus seis mil juízes”. Brisson & Predeau (2012) descrevem que
o responsável pela educação
Deve ter pelo menos 50 anos, ser pai de filhos legítimos, se possível dos dois
sexos, e ser guardião das leis; ele é eleito por um período de cinco anos por
todos os magistrados em atividade, salvo os membros do Conselho, por um
voto secreto no templo de Apolo; aquele que obtém a maior quantidade de
votos é submetido ao exame diante dos outros magistrados eleitores. De
todas as magistraturas, esta é, segundo Platão, a mais importante.
(BRISSON & PREDEAU, 2012, p. 130)
Para Platão, “somente o saber forma o virtuoso”, além disso o filósofo compara
a pólis a um ser vivo, pois ela além de possuir um corpo, ela é provida de uma alma
com intelecto, “ela pensa e pode adquirir um saber, não apenas porque ela é um
sujeito de uma reflexão, mas ainda mais precisamente porque as Leis lhe atribuem
um intelecto” (Brisson & Predeau, 2012, p.131)
Desta forma, o filósofo em sua obra apresenta os princípios, sejam eles sobre
os costumes, os éticos, institucionais que possibilitam que uma pólis seja “virtuosa,
cívica, justa e feliz” e acrescenta que “desde que seja fundada e ordenada segundo
69
princípios justos, toda pólis pode atingir a excelência”. A esta perspectiva de Platão,
Mumford (2004) tece a sua crítica ao afirmar que
Por algum tempo, a cidade e o cidadão eram um só, e nenhuma parte da vida
parecia estar fora de suas atividades formativas, moldadas por si mesmas.
Essa educação do homem integral, essa Paideia, como lhe chamou Jaeger,
para lhe dar limites mais amplos que os de uma estreita pedagogia, jamais
foi igualada em qualquer outra comunidade tão grande. (MUNFORD, 2004,
p.187)
Ainda segundo este autor, Platão não imaginara que a cidade de Atenas de
Sólon e Temistocles tiveram função primordial, além da importância apresentada
70
pelas cidades imaginárias ou idealizadas, uma vez que “a própria cidade formara e
transformara aqueles homens, não apenas por meio de uma escola ou academia
especial, mas através de todas as atividades, de todos os deveres públicos, de todos
os pontos de encontro e de conversa” (MUNFORD,2004. P.190)
Tal qual Platão e seu modelo ideal de cidade, Thomas Morus, ao realizar a
crítica ao modelo político e econômico de seu tempo, datado do início do século XVI,
idealiza a ilha de Utopia almejando constituir um lugar pacífico e equilibrado. Ao refletir
sobre os princípios tirânicos, da corrupção existente na sociedade inglesa da época,
busca romper com os arroubos da propriedade privada e consequentemente, os
males econômicos gerados.
necessário abolir a propriedade privada da sociedade. Morus (2017, p.11) adverte que
“enquanto o direito de propriedade for o fundamento do edifício social, a classe mais
numerosa e mais estimável não terá um quinhão senão miséria, tormentos e
desesperos”.
Aqueles indivíduos que em suas horas vagas exercem a sua profissão, são
considerados úteis aos concidadãos. Desta forma, os utopianos vivem para o
constante aprender e trabalhar, durante várias horas de seu dia, durante anos de sua
vida e somente será por meio do trabalho e do aperfeiçoamento de seu ofício, que ele
deixa de ser operário, executando tarefas consideradas de utilidade pública, para
alcançarem a classe dos letrados, sendo que “é entre os letrados que se escolhem os
embaixadores, os padres, os traníboras e o príncipe, chamado antigamente barzame
e hoje ádemo (Morus, 2017).
Esta cidade utópica para Platão se apresenta não tão utópica na construção
das cidades ao longo da história, e a educação também se perpetua no processo de
modelar o indivíduo para a vida urbana em sociedade, além de balizar de forma única
os processos e meios de se educar.
O período histórico que culminou nas ideias desses dois pensadores, primeira
metade do século XIX foi marcado pelo Industrialismo, pelo surgimento de uma
burguesia industrial, bem como o crescimento das cidades e consequentemente o
crescimento da população urbana. Tais características retratam as transformações da
produção e da economia da época, se somam às novas dinâmicas sociais, marcadas
pelo crescente quadro de miséria e das configurações de movimentos sociais, na luta
pela transformação dos problemas sociais agudizados.
O historiador José D´Assunção Barros (2011, p.241) observa que “as utopias
que foram relacionadas ao socialismo utópico, da mesma maneira que muitas das
antigas utopias literárias que imaginavam sociedades perfeitas, traziam a proposta de
77
serem governadas por uma elite de sábios, ou ao menos deveriam contar com a
participação destes homens esclarecidos”.
Para Owen, o caráter a ser formado não é o individual, mas sim de uma
comunidade, de um país. (...) Owen reconhecia a existência de diferenças
individuais, de inclinações ou diferenças próprias a cada ser humano e sabia
também que estas seriam influenciadas pelo meio. A ênfase que faz, porém,
é na formação do caráter social. (MAGNANI, 1987, p. 38)
Com isso, reforça a criação de um caráter social influenciado pelo meio em que
o indivíduo vive, por meio das circunstâncias de vida de cada um, isto é, o caráter é
formado para o homem e não pelo homem” e a educação está no centro desde
processo, uma vez que ela seria a responsável pela configuração do caráter do
indivíduo, seguindo este ideal socialista do século XIX. De acordo com a autora,
78
Logo, Owen em sua perspectiva de que uma sociedade mais justa passaria
fundamentalmente pela educação, uma educação social, mas também, em função do
contexto econômico em que viveu, relacionada ao trabalho. Essa associação entre
educação e trabalho “ganharia fotos de princípios fundamentais de toda educação
socialista nos seus desdobramentos futuros”.
79
Assim como Owen, outro expoente filósofo do século XIX considerado, assim
como Owen, um “socialista utópico”, Charles Fourier também buscar o financiamento
dos industriais burgueses de sua época, para concretizar seus empreendimentos
utópicos. Barros (2011.p.244) afirma que “Fourier via seu próprio projeto como
perfeitamente realizável, e dirigia uma nota de depreciação às utopias ou idealizações
imaginárias de seus predecessores, bem como aos projetos utópicos que foram seus
contemporâneos”.
Sua arquitetura era constituída como um palácio com várias alas, com galerias
de vidro, jardins, pátios internos, oficinas, hospedarias, salas, áreas lúdicas dentre
elas um teatro. Nas alas também eram encontrados apartamentos com diferentes
preços, porém era limitado a três unidades de apartamentos para cada habitante, para
que não houvesse concentração de propriedade. As atividades de agricultura e
manufaturas garantiam a subsistência dos moradores desses espaços. De acordo
com Choay (2018)
Logo, por meio da “qualidade do trabalho”, produzido por cada um, em prol a
riqueza e benefício para a coletividade, seria distribuída segundo esse critério, o que
justificaria as diferenças e desigualdades sociais. Segundo Barros (2011)
O espaço urbano, por sua vez, aparece delimitado de acordo com as funções
humanas, isto é, sistematicamente separados por suas funções locais: do habitat, do
trabalho (seja ele industrial, liberal, agrícola, conforme pensado por Fourier), da
cultura e para o lazer. Outra característica da cidade progressista diz respeito à
estética, marcada por uma lógica e beleza marcantes. Choay (2018, p.9) ressalta que
“é preciso, no entanto, sublinhar a austeridade dessa estética, onde lógica e beleza
coincidem. A cidade progressista recusa qualquer herança artística do passado, para
submeter-se exclusivamente às leis de uma geometria “natural”.
Garnier na sua cidade utópica, assim como Owen e Fourier, também planejou
a distribuição dos equipamentos de educação, escolas primárias em bairros da cidade
e escolas secundárias localizadas em outro ponto. Tal como afirma Almeida (2017,
p.18), “verifica-se no plano da Cidade Industrial a influência do ideário dos
racionalistas”.
Uma cidade deve, pois, ser estruturada sobre fundo neutro, pelo dinamismo
de um certo número de figuras significantes que diferem de acordo com a
topografia, a população, sua composição e seus interesses. A riqueza da
imagem será função da riqueza e da variedade dos significantes que a
compõem. (CHOAY, 2018, p. 49)
Para fins deste capítulo, tal abordagem nos traz a possibilidade de relacionar e
mesmo contrapor, o processo de formação e construção das cidades sob a
perspectiva da sociedade, diferentemente das proposições até então descritas, fruto
da idealização de projetos de cidades, ou seja, a partir da utopia de um indivíduo. Tal
como afirma Lynch (1981)
- Deve ser suficiente simples, flexível e divisível, para poder ser utilizada em
decisões rápidas e parciais, com informações imperfeitas, pelos leigos que
sejam utilizadores diretos dos locais em questão;
Além de tais requisitos, o autor ainda descreve as políticas urbanas que seriam
comuns em escala local, tais como: dimensão de sua população e seus impactos na
oferta dos serviços, a promoção da diversidade de classes no espaço, esforços de
recuperação e refuncionalização de áreas em declínio na cidade, criação de áreas
residenciais em bairros com a devida hierarquia de seus centros de serviços,
melhoramento das estruturas públicas, como ruas e estradas e preservação de áreas
com valor histórico e ambiental, como monumentos e áreas de parque, com intuito de
incentivar o turismo, a diversão e a cultura.
Tais indagações se tornam pertinentes uma vez que propõem uma reflexão
acerca dos valores secretos, acerca das intenções e dos valores que se deseja
alcançar a respeito das políticas que propiciam uma boa forma da cidade. Desta
maneira, é possível fazer um paralelo indagar o propósito e possíveis os valores
secretos de projetos que se propõem formar cidades educadoras, com cidadãos
conscientes de seu papel, quais valores se deseja alcançar? De que forma tais valores
serão alcançados? O representam esses valores? Como detectar ou avaliar a sua
concretização?
Os valores fracos por sua vez, dizem respeito aos objetivos difíceis de serem
concretizados e avaliados. Lynch (1981) cita como exemplo objetivos tais como:
“melhoria da saúde mental, aumento da estabilidade social, aumento da integração
social e criação de comunidades fortes, apoio de um estilo de vida preferido” dentre
outros. Outra categoria de valores citados, são os secretos.
Estes também são valores considerados fortes, porém são menos “articulados
ou citados” quanto ao seu objetivo principal, mas, mesmo assim, os valores secretos
podem ser “ardorosamente desejados e podem vir a ser claramente atingidos”. São
valores como: “disseminação de uma cultura avançada, remoção de atividades ou
isolamento de pessoas; rentabilidade econômica.
Por fim, os valores negligenciados, estes são valores que poderiam ser
concretizados, mas que por alguma escolha, deixaram de ser importantes, como: “o
88
poder mágico dos padrões da cidade, bem como a qualidade da experiência simbólica
e sensorial”.
Ainda sobre este modelo, Lynch (1991, p.91) acrescenta que “o modelo
orgânico realça a cooperação que sustenta a sociedade, em contraste com a visão da
89
Desta forma, ao propor medidas e critérios para se delinear uma “boa forma da
cidade”, traz-se à tona a crítica de requisitos genéricos, muitas vezes inalcançáveis,
imensuráveis, idealizadas, padronizadas, assim como as imaginadas pelos
pensadores utópicos vistos nesse capítulo. Lynch (1981, p.116) defende que “o
aglomerado populacional bom é o que melhora a continuidade de uma cultura e a
sobrevivência do seu povo, o que aumenta o sentido de ligação no espaço e no tempo
e permite ou encoraja o crescimento individual: desenvolvimento, na continuidade,
através de abertura e ligação”.
Pensar a cidade, bem como as suas políticas públicas deve partir a perspectiva
da sociedade, dos indivíduos, na escala das pessoas e para as pessoas. O arquiteto
e urbanista dinamarquês Jan Gehl (2015, p.6), defende que o foco dos planejadores
deve estar nas pessoas, naqueles que utilizam das cidades, destacando a dimensão
91
As práticas sociais que acontecem nos espaços das cidades, transforma não
somente tais espaços, mas os próprios indivíduos que assim por meio do “ver e ouvir”,
do “observar” passam a experienciar o outro, o espaço, culminando em novas formas
de encontro, de contato, troca e participação. Gehl (2015) ilustra essa forma de
qualificar o espaço público, ao trazer à discussão a questão da sustentabilidade social,
cujo objetivo reside na possibilidade de oferecer oportunidades iguais de acesso aos
espaços públicos, assim como de mobilidade à diferentes grupos da sociedade.
convivência dos indivíduos nesses espaços, no cotidiano, que a vitalidade dos lugares
aflora.
5Conceito citado pelo autor Lineu Castello (2017) para caracterizar uma “noção de convívio humano
coletivo no espaço”.
95
Tem-se então, um desafio de se pensar uma prática educativa que possa dar
conta dessa nova realidade e de suas novas dinâmicas, de educar os cidadãos cada
vez mais urbanos, além dos muros da escola onde a cidade também se torna o lócus
do processo de educar para a vida urbana.
Este Relatório teve como proposta “demonstrar que a sociedade atual exige
uma união cada vez mais íntima entre a vida e a educação”. A Comissão expressa
sua perspectiva de Educação ao afirmar que
Educação que nos deve preparar para uma vivência em que o domínio do
pensamento científico e da sua linguagem se deve tornar, para o homem, tão
indispensável como o domínio das outras formas de pensamento e de
expressão. A permanente revolução técnico-científica em que se vive obriga-
nos a um contínuo aprender a ser que nos deve ser ministrado através de
uma verdadeira Educação Permanente. Por isso, aprender a ser é aprender
a viver. (FAURE, 1972)
O Relatório foi publicado sob a forma de livro em 1972, com o título Aprender a
Ser. Tal publicação tornou-se a base do futuro projeto Cidades Educadoras de
Barcelona, ao postular o modelo de cidade educativa a ser desenvolvido e aplicado
pelas cidades, mundo a fora.
No que diz respeito ao objetivo principal deste trabalho, em realizar uma análise
da proposta do Projeto Cidades Educadoras frente a sua realização prática, faz-se
necessário uma apresentação e consequentemente uma observação, não de todo o
conteúdo do Relatório ao longo de suas 454 páginas, mas daquilo que se mostra
passível de uma aproximação.
97
na maioria dos países e dos sistemas, e os fatores que pela primeira vez na
história comandam ou acompanham o desenvolvimento da educação; foi
então que chegamos à noção de impasse a que consagramos uma parte do
presente relatório.
Se aprender é ação de toda uma vida, tanto na sua duração como na sua
diversidade, assim como de toda uma sociedade, no que concerne quer às
suas fontes educativas, quer às sociais e econômicas, então é preciso ir mais
além na revisão necessária dos “sistemas educativos” e pensar na criação
duma cidade educativa. Esta é a verdadeira dimensão do desafio educativo
no futuro. (FAURE, 1972, p. 34)
Ao final desse capítulo a Comissão conclui que sob essa perspectiva histórica,
a Educação “tem um passado mais rico que a relativa uniformidade de suas estruturas
atuais poderiam pensar”, ao mesmo tempo em que
merecem receber devida atenção “tanto sobre o plano doutrinal como sobre o plano
prático”
Outro fato sociológico e não menos importante para o futuro é que pela
primeira vez na história, a educação empenha-se conscientemente em
preparar os homens para tipos de sociedade que não existem ainda. Com o
decorrer dos anos a educação teve geralmente por função reproduzir a
sociedade e os temas sociais existentes; esta mutação explica-se facilmente
se se comparar a estabilidade relativa das sociedades passadas com a
evolução acelerada das sociedades contemporâneas. (FAURE, 1972, p. 55)
Faure (1972) chama atenção para estes dois momentos apresentados sobre o
papel da educação na sociedade, no contexto socioeconômico da década em que as
missões foram realizadas para o desenvolvimento da pesquisa deste Relatório, cujo
momento repercutia o início da sociedade sob a influência do meio técnico-cientifico
e informacional, a educação e o conhecimento passar a ser parte integrante e
necessária à cadeia produtiva. Além disso, evidencia o seu papel de formador, o que
prepara as demandas da vida em um novo tipo de sociedade, principalmente àquelas
que viviam nas grandes cidades mundiais, daquele momento.
educação pelo mundo, que a comissão apresenta sob a forma do relatório publicado
ainda na década de 70, que se popularizou e serviu de base para ações de educação
urbana até os dias de hoje.
Quanto a nós, consideramos que existe com efeito uma correlação estreita,
simultânea e diferenciada, entre as transformações do meio socioeconômico
e as estruturas e os modos da ação educativa, e além de que a educação
contribui funcionalmente no movimento da história. Mas parece-nos mais que
a educação, pelo conhecimento que ela dá no ambiente onde se exerce, pode
ajudar a sociedade a tomar consciência dos seus próprios problemas, com a
condição de centralizar os seus esforços na formação de homens completos,
conscientemente comprometidos na via da sua emancipação coletiva e
individual, e pode contribuir grandemente para a transformação e para a
humanização da sociedade. (FAURE, 1972, p. 113).
Durante muito tempo, o ensino teve por missão preparar para as funções-
tipo, para as situações estáveis; para um momento da existência; para um
ofício determinado ou um dado emprego; inculcar um saber convencional,
ancestralmente delimitado. Esta concepção prevalece ainda com demasiada
frequência. Contudo, é obsoleto o objetivo de adquirir na juventude bagagem
intelectual ou técnica suficiente para a duração de toda a existência. É um
axioma fundamental da educação que se desmorona. Aprender para viver;
aprender a aprender, de maneira a poder adquirir conhecimentos novos ao
longo de toda a vida; aprender a pensar de maneira livre e crítica; aprender a
amar o mundo e a torná-lo mais humano; aprender a desenvolver-se no e
pelo trabalho criador. (FAURE, 1972, p. 130).
Para concluir este capítulo onde a Comissão apresenta claramente acerca dos
desafios e perspectivas futuras da Educação observa-se, em alguns momentos, uma
visão utópica, realista e algumas vezes pouco contextualizadas. Nesse contexto, faz-
se necessário destacar o texto que finaliza tal parte do livro, no que se refere
especificamente ao processo de democratização da educação.
No que diz respeito ao conceito de estratégia, ela teria como fim traduzir a
política educativa, segundo um conjunto de decisões e ações a serem realizadas
buscando prever situações futuras. De acordo com o relatório, o conceito de estratégia
114
Onde tudo se passa como se devesse agir sobre eles, para eles sem dúvida,
mas raramente com eles. (...) não é às reformas internas que os professores,
no seu conjunto, opõem resistência, são as condições em que lhes são
apresentadas, para não dizer importas, que lhes desagradam. Donde a
importância de associar ativamente os educadores a todo empreendimento
de reformas das suas atribuições. (FAURE, 1972, p. 270)
Isto significa que o indivíduo teria o seu processo educativo extensivo à toda a
sua vida, não somente restrito à sua vida escolar, mas utilizando de outros meios para
fins educativos, seja pelas instituições ou pelas atividades sociais e culturais, por
exemplo. Segundo o relatório, “as instituições e meios educativos devem multiplicar-
se e tornar-se mais acessíveis; devem oferecer uma escolha muito mais diversificada.
A educação deve alargar-se às dimensões dum verdadeiro movimento popular”.
(FAURE, 1972, p. 274)
uma educação além dos muros da escola, aproximando-a dos outros espaços da
cidade e de outras formas, não tradicionais de processo de ensino-aprendizagem.
Tal proposta surge após uma ilustração destacada no Relatório como uma
observação da educação nos países, na medida em que muitos trabalham sob a ótica
da educação permanente, tanto pelas possibilidades e meios educativos oferecidos.
Logo, a Comissão apresenta que
7Por “Sistemas fechados” o relator entende que “tendem a ser seletivos e competitivos em função dos
critérios internos, visando determinar quem deve ou não estudar e em que idades.
8 A Comissão entende que os “Sistemas abertos opõem-se às noções de seleção de competição e
obrigação. A escolha dos cursos e das matérias estudadas, quer seja na aula, ou por leitura, ou de
qualquer outra maneira, depende principalmente dos interesses pessoais do indivíduo.
118
Além desta proposta de ensino técnico oferecido pelas empresas, tanto para
formação profissional quanto sob a forma de treinamento direcionado especificamente
ao trabalho da empresa, o relatório também apresenta a proposta de diversificação
do ensino superior. A Comissão justifica tal proposta ao afirmar que diversos fatores
sociais, políticos e econômicos geram transformações no ensino pós-secundário,
“impõem-se uma diversificação ampla das instituições pós-secundárias, com vista a
dispensar um ensino realmente apropriado a uma clientela cada vez mais numerosa
e diferenciada”. (FAURE, 1972, p. 296)
Por meio da sugestão deste princípio surge no relatório uma expressão que se
tornou referência e foi utilizada por diversos autores que refletiram e analisaram
projetos de educação urbana, a ideia de “aprender a aprender”. Para a Comissão, a
autodidaxia não é uma “evolução espontânea do indivíduo. Aprender a aprender – a
expressão não é um slogan qualquer; designa uma tentativa pedagógica que os
docentes devem aprender por eles mesmos se quiser poder transmiti-la”. (FAURE,
1972, p. 308)
Para poder concretizar as suas aspirações à autodidaxia, cada uma deve ter
a possibilidade de encontrar não só na escola e na universidade, mas
também em todos os lugares e circunstâncias em que for possível, processos
e instrumentos capazes para fazer do estudo pessoal uma atividade fecunda.
A aquisição de mecanismos de aprendizagem autônoma e o ter à disposição
amplos meios auxiliares aumentam a eficácia do estudo solitário. Neste
aspecto, importa que nos orçamentos destinados à educação sejam
reservados créditos suficientes para o desenvolvimento da autodidaxia, se
não se quiser permanecer ao nível das declarações de intenção. (FAURE,
1972, p. 308)
educativas nesse processo, graças ao seu papel “acelerador e multiplicador, por meio
dessas novas tecnologias de comunicação, no contexto da década de 70. A utilização
desse “novo” recurso emprega nos sistemas educativos, poderia representar o “ganho
de tempo” se comparado a outros métodos educativos, além de possibilitar o emprego
de docentes qualificados e assim melhorar o rendimento dos alunos, reduzindo o
número de repetições e evasão escolar.
Com isso, todos aqueles que se relacionam com a escola, pais de alunos,
comunidade escolar, além dos próprios estudantes poderão se envolver com as
atividades educativas de forma voluntária.
À medida que cresce, deve ser cada vez mais livre de decidir por si mesmo o
que quer aprender e, também, onde quer instruir-se e formar-se. Se, no que
respeita conteúdos e métodos, o aluno deve, contudo, aceitar certas
obrigações de ordem pedagógica e sociocultural, estas deverão ser definidas
tendo em conta, principalmente, a livre escolha, as disposições psicológicas
e as motivações dos educandos. (FAURE, 1972, p. 323)
Contudo, para além destas diferenças, mesmo para além da escolha desta
ou daquela estratégia educativa de conjunto, o futuro da educação será em
quase todos os países imposto, em grande parte, pela orientação geral de
desenvolvimento, no qual nós próprios nos inspiramos constantemente.
(FAURE, 1972, p. 339)
responsabilidade dos Governos, o que a torna “impossível e não apenas utópica”, pois
“o Governo jamais teve a dimensão profética que a utopia da Cidade Educativa
postula, nem o Governo, nem a Escola poderão lutar por ela”, afirma (SILVA, 1979,
p.42).
No que diz respeito à proposta da Cidade Educativa em si, Silva (1979) analisa
que existe ainda um panorama de ambiguidade, uma vez que encontra a
Outro ponto ressaltado por Silva (1979) passível de sua pertinente crítica às
propostas para a Educação dos países propagada pela Comissão da UNESCO, diz
respeito ao perigo de transformar tais recomendações em uma “cultura de massa”,
mesmo que se busque valorizar as instituições e espaços não-formais como “agentes
educativos e ao promover os meios tecnológicos de comunicação.
Este capítulo tem como intuito realizar uma breve contextualização sobre o
momento social e econômico como forma de indicar o período que culminou na
concepção e difusão da proposta do Projeto Cidades Educadoras da cidade de
Barcelona nos anos 1990; descrever e analisar os pressupostos da realização do I
Congresso Internacional de Cidades Educadoras, assim como a motivação para a
criação da Associação Internacional de Cidades Educadoras (AICE).
A cidade de Barcelona estava por muitas razões bem situada para realizar
um projeto ambicioso e rigoroso para converter a educação em um dos eixos
estratégicos do desenvolvimento da cidade. Por um lado, a cidade é
depositária de uma grande tradição educativa que a fez ser reconhecida em
muitos momentos da história como um referencial educativo no plano
nacional e internacional; e, por outro, Barcelona, nos últimos anos, soube
construir um modelo equilibrado entre crescimento econômico,
129
9 A UNESCO possui um Instituto para Aprendizagem ao Longo da Vida (Instituto Unesco para
Educação) desde 1950. Após a publicação do Relatório Aprender a Ser também conhecido como
“Relatório Faure”, a educação ao longo da vida ou o conceito de “educação permanente” tornou-se
objetivo maior do Instituto. Segundo informações da própria UNESCO, a “A UIE foi a primeira instituição
a abordar a alfabetização e o analfabetismo funcional nos países industrializados”
131
agir a partir da análise sistêmica” (SILVA, 1979, p. 63), por meio da elaboração do
Relatório Faure, onde a “educação permanente surgiu como um novo princípio
inspirador e a Cidade educativa como um novo projeto concreto”. Silva (1979)
descreve a perspectiva de “cidade” utilizada pela Comissão, que busca
Outro aspecto que merece ser destacado, diz respeito ao receio, já nos anos
70, demonstrado pelos críticos à nova proposta de uma educação voltada para a
formação permanente do indivíduo num contexto produtivo e econômico, marcado
pela racionalidade técnica e industrialismo, reside no fato de que esse tipo de
educação estaria voltado para atender às demandas dessa sociedade. Logo, a
preocupação era de que a educação estaria intimamente relacionada à demanda de
formação da força de trabalho, de capacitação para o processo produtivo.
10
Guia Metodológico: Plano local de educação permanente (2006) publicado pelo Departamento de
Educação do Conselho Provincial de Barcelona. Texto original: “En aquest context, l’interès per
l’educació al llarg de la vida s’amplia i fa que les institucions educatives puguin esdevenir centres de
participació i d’integració ciutadana. L’accés al coneixement i la renovació de qualificacions
constitueixen preocupacions comunes per a les persones de tots els sectors socioeconòmics,
procedències, gèneres i edats. Però perquè això sigui possible els centres educatius han de ser
sensibles a les necessitats i als interessos de tota la població, s’han d’obrir al seu entorn i funcionar
com a centres comunitaris capaços d’afavorir, d’una banda, la xarxa de relacions interpersonals i, de
l’altra, espais de debat públic i de participació ciutadana.
133
Além disso, o projeto deveria ser inovador e que buscasse analisar e refletir
sobre os desafios das cidades mundo a fora, no contexto da sociedade inserida no
meio técnico-científico informacional, tal como conceitua o geógrafo Milton Santos,
além de contribuir para a compreensão sobre o papel da educação nesses novos
tempos. Outro fator almejado pelos criadores era de ir além da ideia da cidade
educadora, àquela em que a cidade parecia estar reduzida apenas como recurso de
educação escolar, como: passeios, visitas a bibliotecas e museus, instrumentos
clássicos utilizados pelos professores. Assim, a ideia inovadora estaria na passagem
definitiva, conforme ressalta Vintró (2003)
De uma pedagogia da cidade para uma cidade como pedagogia, na qual cada
agente – empresas, museus, meios de comunicação, famílias, associações,
urbanistas e planejadores – assuma sua responsabilidade educativa e seja
capaz de fazer seu currículo educativo. E, por outro lado, porque é preciso
superar o estado atual em que existe um conjunto rico, mas disperso, de
atividades e propostas educativas (desde ONGs, até associações, as
entidades culturais, os meios de comunicação, os movimentos de renovação,
os sindicatos, etc.) mas sem que existam projetos bem articulados que
partam de um diagnóstico rigoroso e compartilhado da realidade, que definam
algumas linhas de atuação e, sobretudo, que as priorizem e as realizem
mediante uma ação conjunta dos agentes sociais e das instituições
cidadãs.(VINTRÓ, 2003, p. 45)
11 Barcelona Ciutat Educadora Volum II - Deu Anys Del Projecte Educatiu De Ciutat. 2009. P.9.
Publicação Comemorativa dos 10 anos do lançamento do Projeto Cidade Educadora de
Barcelona.Texto original: “El Projecte Educatiu de Ciutat (PECB) és un dels instruments que
contribueixen a fer de Barcelona una ciutat cada dia més educadora. És un espai de trobada i de diàleg
entre la ciutadania i les administracions; un terreny fructífer per analitzar problemes complexos i
elaborar solucions compartides des de les polítiques públiques i les pràctiques socials. Perquè, com
expressa la declaració del PECB “El compromís ciutadà per una educació al servei de la cohesió social”,
l’escola no està sola educant. Perquè estem construint la xarxa educativa de la ciutat. Perquè entenem
que l’educació dels infants i dels joves és una responsabilitat compartida. Perquè Barcelona és i vol ser
en el futur un gresol cultural. I perquè creiem que l’educació per a la ciutadania i els valors democràtics
són la base de la convivência”
136
Com base nesses dois eixos, como produtos das reuniões de trabalho dos
grupos, de diversos eixos de análise foram elaborados trinta e três documentos
sistematizados em dois volumes, foram desenvolvidas as propostas do Projeto
Educativo de Cidade. Segundo Vintró (2003)
12
Barcelona Ciutat Educadora Volum II - Deu Anys Del Projecte Educatiu De Ciutat. 2009. P.9.
Publicação Comemorativa dos 10 anos do lançamento do Projeto Cidade Educadora de
Barcelona.Texto original: Des de la seva creació ençà, el nombre d’entitats ha anat creixent
constantment, com també el nombre d’activitats que s’ofereixen als centres educatius. Cada any, més
d’un milió d’alumnes participen en moltes d’aquestes iniciatives. Aquests són els objectius del CCPB:
Oferir a l’escola la màxima quantitat i diversitat possible de recursos educatius i culturals, per tal
d’optimitzar la ciutat com a agent educatiu i ampliar les possibilitats que els infants tenen d’aprendre.
Millorar i ampliar les propostes educatives que les institucions i les entitats fan a l’escola, obrint nous
espais i creant nous recursos educatius,i renovant i perfeccionant les propostes, tant pel que fa a
continguts com pel que fa a la metodologia, l’accessibilitat i la igualtat d’oportunitats. Crear canals
d’informació i difusió de les activitats educatives conformats segons les necessitats dels centres
escolars i del professorat ambl’objectiu de facilitar-los la feina de recerca d’activitats educatives
adequades al currículum escolar. Impulsar la formació permanent del col·lectiu de professionals que
gestionen, organitzen o duen a terme les activitats educatives per a escolars. Promoure i millorar el
coneixement mutu, el diàleg i el treball conjunt entre entitats ciutadanes i centres escolars, per tal
138
d’avançar des d’um model d’oferta educativa externa a l’escola, limitada a la condició d’usuària, cap a
un model de col·laboració.
139
fator ressaltado, como um dos pilares do Projeto, diz respeito à “dimensão social e
comunitária da educação” (Vintró, 2003, 51).
13
De acordo com Granel & Vila (2013) o projeto contou com a “participação de entidades, de
associações, organizações, sindicatos, universidades, Associação de Moradores, Federação dos
Movimentos de Renovação Pedagógica da Catalunha, a Federação das Associações de Pais e Alunos,
a Câmara de Comércio, Indústria e Navegação, a União Geral dos Trabalhadores.
140
Assim surge o Projeto Cidades Educadoras nos anos 1990 e em 1994, após a
realização do I Congresso Internacional de Cidades Educadoras na cidade de
Barcelona e a formação da Associação Internacional de Cidades Educadoras (AICE).
Esta é uma Associação Internacional, sem fins lucrativos, que se apresenta como uma
“estrutura permanente de colaboração entre governos locais comprometidos com a
Carta das Cidades Educadoras, que é o roteiro das cidades que a
compõem. Qualquer governo local que aceite este compromisso pode se tornar um
membro ativo da Associação, independente de seus poderes administrativos” 15.
(Artigo 4º do Estatuto da AICE).
Nesse sentido, para realizar a análise crítica do Projeto, objeto central deste
trabalho, torna-se necessário colocar em diálogo as propostas, orientações e
diretrizes instituídas e propagadas pela Associação Internacional de Cidades
Educadoras. Assim, o primeiro ponto a ser ressaltado, diz respeito à visão da AICE
sobre o conceito de Cidade Educadora:
14
Barcelona Ciutat Educadora Volum II - Deu Anys Del Projecte Educatiu De Ciutat. 2009. P.9.
Publicação Comemorativa dos 10 anos do lançamento do Projeto Cidade Educadora de
Barcelona.Texto original: Una ciutat que, amb il·lusió i treball, aspira a esdevenir un mirall de
participació i de democràcia. Una ciutat plural i oberta per aprendre i exercir els drets i els deures d’una
ciutadania cohesionada que viu en les diferències i lluita contra les desigualtats.
15
Segundo O Estatuto da AICE, publicado em seu site (https://www.edcities.org/quien-somos).
Acessado em 19 de setembro de 2021.
141
Logo, as cidades que fazem parte das Redes seguem as diretrizes contidas na
Carta das Cidades Educadoras. Atualmente, a AICE conta com dez redes: Rede
Portuguesa, Rede Mexicana, Rede Italiana, Rede Francesa, Rede Estatal de Cidades
Educadoras (RECE), Rede Brasil (REBRACE), Rede Ásia-Pacífico, Rede Argentina
de Cidades Educadoras (RACE), Grupo de trabalho Europa do Norte e Delegação
17
Segundo informações do Estatuto Associação Internacional de Cidades Educadoras (AICE), p. 3.
Acessado em 19 de setembro de 2021.
18 Segundo informações divulgadas no site da AICE. Acessado em 19 de setembro de 2021.
19
Segundo informações divulgadas no site da AICE. Acessado em 19 de setembro de 2021.
143
Tais Congressos acontecem a cada dois anos nas cidades associadas, onde
são debatidos os temas selecionados, os conceitos relativos à temática e além do
compartilhamento das experiências em curso mundo a fora. Com a realização dos
Congressos, evidencia-se o papel de organização em rede dos membros da AICE em
dar visibilidade às cidades que a compõe. Portanto, desde os anos 1990, o Congresso
é realizado conforme pode ser observado no quadro abaixo. Nota-se a diversidade de
temas e de cidades.
20Laura Inés Alfonso Directora de la Delegación para América Latina de la AICE. Acessado em 03 de
novembro de 2021.
144
Assim, a Carta das Cidades Educadoras traz suas diretrizes descritas em vinte
princípios básicos, distribuídos segundos três eixos temáticos: O Direito à Cidade
Educadora, O Compromisso da Cidade e Ao Serviço Integral das Pessoas. Vale, neste
momento destacar os princípios em sua totalidade uma vez que por meio deles que
as cidades deverão firmar o compromisso e balizar suas políticas públicas.
21
Segundo informações divulgadas no site da AICE. Acessado em 19 de setembro de 2021.
145
Esses espaços serão então ordenados para que todos sejam atendidos e
respeitados, possibilitando autonomia de uso e acesso. Além disso, as Cidades
Educadoras deverão promover espaços para a realização de jogos e atividades
esportivas ao ar livre possibilitando o contato com a natureza.
O décimo quarto princípio propõe que a Cidade Educadora deverá garantir que
todas as pessoas tenham uma vida saudável, a partir da Promoção da Saúde na sua
totalidade, pelo seu bem-estar “físico, emocional e mental”, para que isso seja
possível, as cidades deverão investir na promoção do acesso universal à saúde e à
ambientes saudáveis.
O décimo sétimo princípio fala da Inclusão e coesão social. Para isso, a Carta
propõe que as cidades deverão criar políticas preventivas contra ações de exclusão e
violação de direitos e marginalização. Acrescenta que as cidades precisam centralizar
a atenção aos “recém-chegados, migrantes e refugiados, que têm o direito, para além
da mobilidade entre países, de sentir livremente a cidade”, além de ter seus interesses
e necessidades, conhecimentos e competências singulares valorizados. (CARTA DAS
CIDADES EDUCADORAS, 2021, p.24)
22
Segundo informações divulgadas no site da AICE. Acessado em 21 de setembro de 2021.
152
Cidades-membro da AICE
1995 -2021
600 488 495
450 454 477 478 480
500 427
400 323
300 216
200
100
0
23Elaborado com base no Gráfico de Alves (2018), adaptado com informações adicionadas por meio
de informações da AICE, acessado em 01 de novembro de 2021.
153
o seu número de habitantes. Desta forma, para o pagamento da quota as cidades são
enquadradas conforme pode-se visualizar na tabela abaixo. Segundo (Alves, 2018, p.
128) “as quotas representam mais de 50% do orçamento da Associação, sendo que
outras parcelas são compostas por recursos da prefeitura de Barcelona, doações e
por outros investimentos públicos e privados”.
Com isso, tais cidades acabam por se inserir em novas redes territoriais que
possibilitam o diálogo direto entre cidades, para possíveis intercâmbios de
informações e experiências. A AICE conta com a participação de cidades de 35
países, conforme pode-se observar no mapa abaixo.
25
Tabela elaborada com base nas informações pesquisadas no site da AICE.
155
26
Tabela elaborada com base nas informações pesquisadas no site da AICE.
156
Argentina, Brasil e México são os países com maior número de cidades integrando a
AICE, respectivamente. A Argentina possui uma Rede que agrega as cidades
educadoras de todo o país.
27
Tabela elaborada com base nas informações pesquisadas no site da AICE e no Portal do IBGE
Cidades. Acessado em 04 de novembro de 2021.
157
N Ú M E R O D E C I D AD E S P O R R E G I ÃO
10
10
1
NORDESTE SUDESTE SUL
Das 21 cidades brasileiras que hoje fazem parte da AICE, somente 9 cidades
desenvolveram ou desenvolvem algum tipo de atividade no escopo daquelas
sugeridas na Carta das Cidades Educadoras, são elas: Curitiba, Nova Petrópolis,
Santiago, Santo André, São Bernardo, São Carlos, São Paulo e Sorocaba.
Santiago, cidade também do Rio Grande do Sul, tem dois projetos divulgados
pela AICE, como a Estação do Conhecimento, um espaço cultural fundado em 2011,
28
Tabela elaborada com base nas informações pesquisadas no site da AICE
159
com diversas ações educativas. Além disso, a cidade também possui desde 2010 o
programa Smequinho, um programa de leitura realizado num microônibus adaptado
para se tornar uma biblioteca itinerante, que percorre as escolas da cidade. A última
data de atualização do projeto é 2012.
A cidade de Santo André possui três projetos divulgados pela AICE, os três
sem data de atualização atual. O Projeto Música nas escolas (2007- 2013), o
Programa Pé no Parque (2009-2010) oferece aos moradores atividades de educação
física nos parques da cidade por professores e estagiários de educação física e por
fim, o curso Promotoras Legais Populares (2001-2008), segundo informações
divulgadas pelo site da AICE29, “trata-se de uma forma de ação afirmativa, no sentido
de empoderamento da mulher, voltada para o estímulo e promoção da mulher nos
órgãos de poder e na luta pelo reconhecimento e efetivação dos direitos de cidadania”.
Tal material merece ser destacado e discutido como mais um elemento a ser
analisado, uma vez que a sua leitura suscita novos questionamentos e indagações. O
Guia foi elaborado a partir da experiência das diversas cidades -membro da AICE
“tendo em conta a diversidade cultural, geográfica e a dimensão dos municípios que
a compõem” (GUIA METODOLÓGICO, 2019, p.5)
Segundo o seu texto “Neste guia apresentamos algumas orientações para que
as cidades iniciem, renovem ou reafirmem o seu compromisso de avançar na
construção de uma Cidade Educadora, para situar a educação como uma prioridade
na agenda municipal e dispor de ferramentas que ajudem a consolidar os seus
avanços” (GUIA METODOLÓGICO, 2019, p.5)
O material foi dividido em três blocos temáticos. “No primeiro, é proposta uma
fase inicial de trabalho interno por parte do governo municipal. No segundo, aborda-
se o trabalho em rede com a sociedade civil. Por último, o guia convida as cidades a
aproveitar as potencialidades do trabalho em rede a uma escala internacional”. (GUIA
METODOLÓGICO, 2019, p.5)
Logo, o Guia inicia seu percurso ao ditar as diretrizes e caminhos que uma
cidade deverá seguir até se tornar uma “Cidade Educadora”. O primeiro passo diz
respeito ao processo institucional, trabalho que acontece dentro da esfera municipal
e aparece com o subtítulo “Iniciamos?”. Nesta seção, a proposta é que os governos
locais iniciem uma preparação interna para que se estabeleça uma rede entre as
entidades presentes no território. O texto afirma que
Após conseguir o apoio político interno será preciso preparar uma “estrutura
mínima de funcionamento e coordenação, para buscar o trabalho com a sociedade
civil”. No que diz respeito à importância do apoio de lideranças políticas, o texto
apresenta a seguinte afirmação
O Guia segue propondo então que o trabalho entre a equipe selecionada para
a implementação esteja articulado e que receba o apoio de todas as forças políticas
da esfera administrativa municipal, uma vez que “a Cidade Educadora deve ser
construída, de forma transversal, a partir de uma rede de atores, a título individual ou
coletivo, que trabalhem de forma coordenada a partir de diferentes âmbitos” (GUIA
METODOLÓGICO, 2019, p.9)
Destaco aqui neste trecho a expressão que perpassa toda a ideia de criação,
desenvolvimento e expansão do projeto mundo a fora, “modelo de cidade”. O texto
destaca a função de se celebrar tal data ao indicar que
Mais uma vez o texto do Guia então afirma a importância do trabalho em “rede
com outros municípios” e justifica essa relevância a ao observar que “As cidades
deixaram de ser unidades administrativas dependentes de entidades de governo
hierarquicamente superiores (regiões e estados) para se tornarem órgãos com
responsabilidades, competências e incumbências cada vez maiores. Por sua vez, os
governos locais adquiriram maior protagonismo como motores da mudança social e
como atores do mundo global” (GUIA METODOLÓGICO, 2019, p.12)
para o conhecimento das práticas realizadas por outras cidades. Outra iniciativa da
AICE que merece destaque nessa crítica que se pretende formular neste trabalho é o
Prêmio Cidades Educadoras que “pretende valorizar e reconhecer internacionalmente
o trabalho realizado pelas cidades e inspirar outras na construção de territórios mais
educadores” (GUIA METODOLÓGICO, 2019, p.12).
Sendo assim, para que isso não se torne mais uma utopia é preciso ir além do
discurso que enobrece as propostas da chancela do modelo Barcelona que se espalha
mundo a fora, que vende uma possível visibilidade internacional às cidades que
buscam uma valorização externa.
169
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve como intuito realizar uma análise crítica do Projeto “Cidades
Educadoras”, buscando verificar sua viabilidade de implementação frente ao discurso
expresso nos princípios norteadores, contidos na “Carta das Cidades Educadoras”.
Tal documento, gerado após o I Congresso Internacional das Cidades Educadoras no
início da década de 90, vem sendo adotado como “modelo” de experiência em
Educação Urbana pelo mundo, por cidades que desejam ser transformadas em
“cidades educadoras”.
O autor afirma que “no regime neoliberal a exploração tem lugar não mais como
alienação ou autodesrealização, mas como liberdade e autorrealização. Aqui não
entra o outro como explorador, que me obriga a trabalhar e me explora. Ao contrário,
eu próprio exploro a mim mesmo de boa vontade na fé de que possa me realizar”
(CHUL HAN, 2015, p.116)
Nos 20 princípios contidos na Carta, ideais de uma cidade justa, igualitária, que
proporcione qualidade de vida aos seus moradores, que proporcione um aprendizado
permanente, ao longo de toda a vida. O ideal de uma cidade igualitária não deveria
estar relacionado à um viés homogeneizador, conforme observa-se no sentido das
propostas do Projeto, propostas construídas “de cima para baixo”, genéricas e
abstratas, que sugerem formas de aplicação comuns a todos as cidades que desejam
seguir o modelo.
Logo, ressalta-se a importância e pertinência dos temas e que estes devam ser
discutidos buscando a configurar na prática o papel educativo na e das cidades, porém
o que foi possível constatar que o crescente número de cidades associadas ao modelo
Barcelona de educação urbana, não significa necessariamente que tais cidades
passem do discurso e da visibilidade que alcançam, para pôr em prática, para
desenvolver ações de aplicação das diretrizes sugeridas em suas políticas públicas
municipais.
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